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ENTREVISTA EXCLUSIVA RS é o terceiro no ranking dos acidentes de trabalho, constata a procuradora do MPT-RS Priscila Dibi Schvarcz Trabalhista – Tribunal Superior do Trabalho (TST): rescisão antecipada de contrato temporário não dá direito à indenização – Pág. 6 Cível – Código de Defesa do Consumidor (CDC): conselheiro de cooperativa que não participa da gestão não sofre desconsideração da personalidade jurídica numa execução – Pág. 10 Penal Empresarial – Excludente de culpabilidade: dono de empresa assolada por crise econômica não comete crime se deixa de recolher tributos ao fisco federal – Pág. 12 Propriedade Intelectual – Guerra das cervejarias: TJ-RS cassa liminar que impedia a Abadessa de vender cerveja helles – Pág. 14 Tributário – Programa de Regularização Tributária Rural (PRR): devedor não pode ser excluído de programa de regularização se pagou parte do débito – Pág. 17 BOLETIM DE INFORMAÇÕES E TENDÊNCIAS DA CESAR PERES ADVOCACIA EMPRESARIAL EDIÇÃO 24 - QUARTO TRIMESTRE DE 2019 Foto: Ascom MPT-RS O Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS), que fiscaliza o cumprimento da legislação trabalhista quando há interesse público, fechou 2019 com 6.401 novas denúncias de irregularidades trabalhistas. Deste total, 58,8% são infrações a direitos básicos – pagamento de salários, duração de jornada, registro de empregados, recolhimento do Fundo de Garantia e de contribuições previdenciárias. Em segundo lugar, com 28%, aparecem as irregularidades relacionadas ao meio ambiente de trabalho, onde se destaca o descumprimento das Normas Regulamentadoras (NRs) do Ministério da Economia, editadas para garantir a manutenção da segurança do trabalho e da saúde do trabalhador. As NRs são de cumprimento obrigatório pelas empresas privadas que tenham empregados regidos pela CLT. Não é à-toa, aliás, que o Estado ocupa um vergonhoso terceiro lugar no ranking dos acidentes de trabalho no Brasil, acumulando quase 52 mil Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs) entre 2012 e 2018. Só na indústria processadora da carne, foram emitidas 15.799 CATs, decorrentes de acidentes que causaram cortes, lacerações, perfurações, fraturas, distensões e torções, amputações, esmagamentos e luxações nos membros superiores dos operários; e doenças osteomusculares (por lesões em punhos, ombros e joelhos), tenossinovite, bursite e síndrome do túnel do carpo, para ficar nas mais relevantes observadas pela Medicina do Trabalho. No RS, o grande esforço jurídico para mudar esta triste realidade vem sendo feito desde 2014 pelos procuradores do MPT ligados ao ‘‘Programa de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos’’. Com a consolidação da Força-Tarefa dos Frigoríficos – que atua em parceria com outros órgãos públicos de fiscalização –, já foram realizadas 54 operações em unidades de abates. Estas ações beneficiaram mais de 80% dos trabalhadores do setor. Ao fechar o balanço de 2019, o MPT informou que, em seu sexto ano de atuação, a força-tarefa realizou seis novas operações e formalizou quatro novos grandes acordos de adequação de fábrica à legislação, inclusive com previsão de reparação à comunidade local, observando que ainda estão em fase de negociação outros dois acordos relacionados a inspeções realizadas em 2019. Foram beneficiadas, através de destinações a projetos sociais, as regiões de Passo do Sobrado (Frigorífico do Sul), São Gabriel (Marfrig), Sarandi (Aurora Alimentos) e Venâncio Aires (Frigorífico Kroth). Quem conhece a fundo a realidade laboral da indústria da carne é a procuradora do trabalho Priscila Dibi Schvarcz, coordenadora do ‘‘Projeto de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos do Rio Grande do Sul’’ e lotada em Passo Fundo. Saiba o que ela tem a dizer nesta Entrevista Exclusiva. LEIA A ENTREVISTA NA PÁGINA 3

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ENTREVISTA EXCLUSIVA

RS é o terceiro no ranking dos acidentes de trabalho, constata a procuradora do MPT-RS Priscila Dibi Schvarcz

Trabalhista – Tribunal Superior do Trabalho (TST): rescisão antecipada de contrato temporário não dá direito à indenização – Pág. 6Cível – Código de Defesa do Consumidor (CDC): conselheiro de cooperativa que não participa da gestão não sofre desconsideração da personalidade jurídica numa execução – Pág. 10Penal Empresarial – Excludente de culpabilidade: dono de empresa assolada por crise econômica não comete crime se deixa de recolher tributos ao fisco federal – Pág. 12Propriedade Intelectual – Guerra das cervejarias: TJ-RS cassa liminar que impedia a Abadessa de vender cerveja helles – Pág. 14Tributário – Programa de Regularização Tributária Rural (PRR): devedor não pode ser excluído de programa de regularização se pagou parte do débito – Pág. 17

BOLETIM DE INFORMAÇÕES E TENDÊNCIAS DA CESAR PERES ADVOCACIA EMPRESARIAL

EDIÇÃO 24 - QUARTO TRIMESTRE DE 2019

Foto: Ascom MPT-RS

O Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS), que fiscaliza o cumprimento da legislação trabalhista quando há interesse público, fechou 2019 com 6.401 novas denúncias de irregularidades trabalhistas. Deste total, 58,8% são infrações a direitos básicos – pagamento de salários, duração de jornada, registro de empregados, recolhimento do Fundo de Garantia e de contribuições previdenciárias. Em segundo lugar, com 28%, aparecem as irregularidades relacionadas ao meio ambiente de trabalho, onde se destaca o descumprimento das Normas Regulamentadoras (NRs) do Ministério da Economia, editadas para garantir a manutenção da segurança do trabalho e da saúde do trabalhador. As NRs são de cumprimento obrigatório pelas empresas privadas que tenham empregados regidos pela CLT.

Não é à-toa, aliás, que o Estado ocupa um vergonhoso terceiro lugar no ranking dos acidentes de trabalho no Brasil, acumulando quase 52 mil Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs) entre 2012 e 2018. Só na indústria processadora da carne, foram emitidas 15.799 CATs, decorrentes de acidentes que causaram cortes, lacerações, perfurações, fraturas, distensões e torções, amputações, esmagamentos e luxações nos membros superiores dos operários; e doenças osteomusculares (por lesões em punhos, ombros e joelhos), tenossinovite, bursite e síndrome do túnel do carpo, para ficar nas mais relevantes observadas pela Medicina do Trabalho.

No RS, o grande esforço jurídico para mudar esta triste realidade vem sendo feito desde 2014 pelos procuradores do MPT ligados ao ‘‘Programa de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos’’. Com a consolidação da Força-Tarefa dos Frigoríficos – que atua em parceria com outros órgãos públicos de fiscalização –, já foram realizadas 54 operações em unidades de abates. Estas ações beneficiaram mais de 80% dos trabalhadores do setor.

Ao fechar o balanço de 2019, o MPT informou que, em seu sexto ano de atuação, a força-tarefa realizou seis novas operações e formalizou quatro novos grandes acordos de adequação de fábrica à legislação, inclusive com previsão de reparação à comunidade local, observando que ainda estão em fase de negociação outros dois acordos relacionados a inspeções realizadas em 2019. Foram beneficiadas, através de destinações a projetos sociais, as regiões de Passo do Sobrado (Frigorífico do Sul), São Gabriel (Marfrig), Sarandi (Aurora Alimentos) e Venâncio Aires (Frigorífico Kroth).

Quem conhece a fundo a realidade laboral da indústria da carne é a procuradora do trabalho Priscila Dibi Schvarcz, coordenadora do ‘‘Projeto de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos do Rio Grande do Sul’’ e lotada em Passo Fundo. Saiba o que ela tem a dizer nesta Entrevista Exclusiva.

LEIA A ENTREVISTA NA PÁGINA 3

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O Brasil vai ‘‘bombar’’ em 2020. Dados consolidados da Receita Federal mostram que, até outubro de 2019, foram abertas 2,8 milhões de empresas no Brasil, 18% a mais em relação ao mesmo período de 2018. As empresas abertas sobre o regime MEI (Microempreendedor Indi-vidual) aumentaram 23%, com um total de 2,2 milhões, enquanto as não-MEI chegaram a 5%, com 550 mil novos registros.

Um fator muito interessante, de acordo com os dados internos da Contabilizei, um dos maiores escritórios de Contabilidade do país, é que houve aumento do empre-endedorismo feminino, já que 25% das empresas foram abertas por mulheres, indicador que era 18% em 2016. Outro dado que chama atenção é a média de idade desses novos empreendedores, que fica em 36 anos. Dos 36 aos 50 é a faixa etária que mais cresceu ano a ano, pulando dos 34%, em 2018, para 37% em 2019. Isso sinaliza que o Brasil, definitivamente, retomou a confiança na economia.

Este novo ‘‘clima’’ motiva a equipe editorial do Index, que está sempre à caça dos temas palpitantes, para ajudar prospects e clientes a realizarem seu objetivo social, alertando-os sobre os riscos jurídicos, tanto por meio de matérias, de entrevistas ou na publicação de artigos jurídicos.

A procuradora do Ministério Público do Trabalho do RS, Priscila Dibi Schvarcz, concedeu entrevista exclusiva, onde aponta o descumprimento das Normas Regulamentadoras (NRs) no ambiente laboral do setor de frigoríficos. O aler-ta é grave, pois o Estado figura como terceiro no ranking nacional dos acidentes de trabalho, trazendo inúmeros prejuízos a empresários e trabalhadores.

Entre as reportagens, destaque para os seguintes temas: desconsideração da personalidade jurídica em execução judicial, exclusão de punição por sonegação tributária, litígio marcário no ramo das cervejarias artesanais, rescisão antecipada do contrato de trabalho e programa de regularização de débitos fiscais.

Nesta edição, o time de especialistas da Cesar Peres Ad-vocacia Empresarial (CPAE), aliás, caprichou nos artigos.

No Direito Trabalho, Alice Romero discorre sobre a natureza do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, mos-trando como funciona, a quem se destina e os requisitos

para contratação. É de se esperar, o quanto antes, que o Congresso Nacional transforme em lei a medida provisó-ria que o criou, para que não perca a sua eficácia.

No Direito Societário, Geovane Machado Alves trata de um tema extremamente delicado no meio empresarial e que começa a ser debatido com mais frequência entre os juristas: a exclusão judicial do sócio majoritário por inicia-tiva da maioria dos sócios minoritários. Afinal, a affectio societatis constitui elemento subjetivo característico e im-pulsionador da sociedade, representando a convergência de interesses dos sócios para alcançar o objeto definido no contrato social.

No Direito da Tecnologia da Informação, os advogados Luciano Becker de Souza Soares e Karen Lucia Bressane Rubim abordam a validade jurídica da blockchain como mecanismo para certificação idônea de documentos. É pa-tente que esta tecnologia supera em muito a ata notarial, não só pela acessibilidade de valores como pela fluidez e velocidade de seu procedimento.

Na Recuperação de Crédito, a advogada Shaiene da Costa alerta para os efeitos da Lei do Abuso de Autorida-de, que ameaça diretamente a ferramenta que permite o bloqueio de valores nas contas dos devedores, o chamado BacenJud. A partir de agora, bloquear valores pela via judicial não será medida tão eficiente como se poderia esperar.

Na esfera da Propriedade Intelectual, a advogada Vanessa Pereira de Oliveira Soares tece breves comentários à Lei de Franquias, que começa a vigorar em março. As redes franqueadoras que operam em solo nacional terão de se debruçar sobre a nova legislação para revisar e atualizar seus instrumentos jurídicos, pois o mercado de franquias há muito ansiava por regras inovadoras, para alavancar de vez o setor.

Finalmente, o chefe da área de Recuperação Judicial da CPAE, advogado Wagner Luís Machado, analisa as diferentes formas de reorganização de grupos empresa-riais frente à lei recuperacional. É que não se pode tratar a reestruturação de grupos empresariais da mesma forma como se trata o soerguimento de uma única empresa. Inevitavelmente, eventual erro de estratégia pode signifi-car a morte de todas as empresas do grupo.

Boa leitura e até a próxima edição!

Os empreendedores estão animados com a recuperação da economia brasileira

Index Boletim é uma publicação da Cesar Peres

Advocacia Empresarial

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EDITORIAL

César Peres

Index Boletim - Quarto trimestre de 2019Pág. 2

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‘‘Acidente de trabalho é sinônimo de elevação de custos’’

ENTREVISTA PRISCILA DIBI SCHVARCZ

A procuradora do trabalho Priscila Dibi Schvarcz, lotada na Procuradoria do Trabalho Municipal de Passo Fundo, tem a sua trajetória de vida umbilicalmente ligada ao Direito do Trabalho, especialmente na defesa dos chamados ‘‘hipossuficientes’’ – a parte mais frágil numa relação econômica, contratual ou processual.

Antes de chegar ao MPT-RS, Priscila percorreu um longo caminho, sempre conciliando trabalho e estudo. Como estudante, concluiu a graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em 2007. Posteriormente, no período 2008/2009, pós-graduou-se em Direito Processual Civil pela Anhanguera/Uniderp.

Trabalhou como advogada até 2009 e, conjuntamente, ministrou aulas nos cursos de Direito da UFSM e da Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma).

Posteriormente, atuou como analista judiciário (assessora de juiz) do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), na Vara do Trabalho de Esteio. Logo em seguida, participou e foi aprovada em dois certames públicos: o XXVI Concurso da Magistratura do Trabalho do TRT da 15ª Região (Campinas-SP) e o 17º Concurso para Procurador do Trabalho –, optando por seguir carreira no MPT gaúcho.

Priscila assumiu o cargo de procuradora do trabalho em 3 de dezembro de 2012, tendo trabalhado inicialmente na PRT-9 (Paraná), seguindo para a PRT-4 (Rio Grande do Sul), onde se integrou à Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho. Hoje, é coordenadora do ‘‘Projeto de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos do Rio Grande do Sul’’, capitaneando a maior e mais eficiente ‘‘cruzada’’ contra as más condições de trabalho neste segmento do agronegócio.

O MPT tem uma ‘‘radiografia’’ dos acidentes laborais no RS e no Brasil, para fazer a com-paração? E dados mostrando os prejuízos econômicos?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – Anualmente, segundo estimativas globais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a economia perde cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em razão de doenças e acidentes de trabalho, o que, além das perdas humanas, leva a perdas de produtividade, provocadas por ambientes de trabalho inseguros ou insalubres. A Agenda 2030 do Desenvolvimen-to Sustentável, da Organização das Nações Uni-das (ONU), na meta 8.8, destaca a necessidade de promover ambientes de trabalho seguros e pro-tegidos para todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores migrantes, em particular as mulhe-

res migrantes, e pessoas em empregos precários. Da análise dos dados disponíveis no Observatório de Saúde e Segurança do MPT, no período de 2012 a 2018, o Brasil gastou, com afastamentos aci-dentários, R$ 90,5 bilhões. Ocorreram 5.161.959 acidentes de trabalho, o que representa um caso a cada 49 segundos; 18.860 mortes decorren-tes de acidente de trabalho (uma morte a cada 3h43m42s). Isso representa 403.221.435 dias de trabalho perdidos com afastamentos acidentários.

E no Rio Grande do Sul?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – Verifica-se que, no Es-tado do Rio Grande do Sul, no período de 2012 a 2018, foram emitidas 51.800 Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs), sendo o terceiro esta-do brasileiro com maior número de acidentes de trabalho. São números elevados, mas que, ainda

assim, não representam o número efetivo de aci-dentes ocorridos, em razão da prática da subnotifi-cação de acidentes de trabalho.

E especificamente na indústria da carne?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – Apenas no setor de abate de bovinos, suínos e aves, foram emitidas 15.799 CATs, referindo-se, sobretudo, a acidentes com corte, laceração, punctura, fratura, distensão e torção, amputação, esmagamento, luxação etc. Em relação a doenças ocorridas, verifica-se que são mais frequentes as doenças osteomuscula-res em geral, como lesões em punhos, ombros e joelhos, tenossinovite, bursite, síndrome do túnel do carpo, lesões em tecidos moles e articulações. Esses acidentes e adoecimentos representam a concessão de 6.271 auxílios-doença acidentários e 23.426 auxílios-doença previdenciários, o que

Foto: Ascom MPT-RS

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representa um custo de R$ 6,7 bilhões, incluindo gastos previdenciários com auxílio-doença e apo-sentadoria por invalidez, apenas relativamente aos casos ocorridos no Rio Grande do Sul.

Destaco, ainda, que os dados citados referem-se a gastos previdenciários, sem considerar outros cus-tos elevados de natureza administrativa (processa-mento de atendimentos e casos no INSS), judiciais (muitos casos são judicializados), despesas para o sistema de saúde (com atendimentos e tratamen-tos de trabalhadores), além de perdas pessoais e familiares de difícil tradução monetária.

Quando nasceu o ‘‘Projeto de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos no Rio Grande do Sul’’? Quantas operações de fiscalização já foram promovidas?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – A Força-Tarefa dos Frigoríficos gaúchos, iniciada em 2014, teve até o momento 54 operações, sendo 43 novas e 11 re-tornos a unidades já inspecionadas anteriormente. Foram beneficiados cerca de 41 mil empregados (82% do conjunto dos trabalhadores no setor, es-timado em 50 mil). Isto porque várias empresas do setor têm apenas 10 ou 20 empregados. Inter-dições de máquinas e atividades paralisaram 19 plantas (sendo uma por duas vezes) em vistorias com participação de auditores-fiscais. Saliento que, além das inspeções em plantas frigoríficas, realizadas no âmbito do ‘‘Projeto de Frigoríficos’’, diversas outras inspeções são realizadas pelo corpo pericial do MPT, durante a tramitação dos inquéritos civis.

Quem são as instituições parceiras?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – As instituições parcei-ras são: Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia (antigo Ministério do Tra-balho), Rede Nacional de Atenção Integral à Saú-de do Trabalhador no Rio Grande do Sul (Renast--RS), Centro Estadual do Rio Grande do Sul (CERS), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado do Rio Grande do Sul (CREA-RS), Confede-ração Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA Afins) e a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do Rio Grande do Sul (FTIA/RS).

O RS tem quantos frigoríficos?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – Segundo o último levantamento realizado, em 2019, existem 637 frigoríficos no Estado do Rio Grande do Sul. Deste

total, 115 possuem 50 ou mais empregados.

E quantos apresentam problemas de risco laboral – negligência ou inadequação a as-pectos de saúde e segurança do trabalho – para seus empregados?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – Não é possível preci-sar quantos possuem irregularidades relacionadas ao meio ambiente do trabalho sem a realização de uma inspeção in loco e análise documental. É possível apenas informar que, até a presente data, a equipe da Força-Tarefa de Frigoríficos nunca vi-sitou uma unidade desprovida de problemas desta natureza.

Até o momento, quantos foram notificados extrajudicialmente, para se adequarem à legislação? A maioria foi por termo de ajus-te de conduta (TAC) ou por recomendação?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – No âmbito do ‘‘Projeto de Frigoríficos’’, 43 unidades já foram fiscalizadas, sendo que algumas em mais de uma oportunida-de. Não há encaminhamento de recomendação. Há propositura de termo de ajuste de conduta e, em caso de a empresa optar pela não celebração do TAC, há ajuizamento de ação civil pública (ACP), objetivando a adequação dos pontos identificados como irregulares, bem como a condenação da empresa ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. Tudo em decorrência das irregulari-dades praticadas e a submissão dos trabalhadores a condições de adoecimento e risco.

E quantos por desatender a legislação ou ignorar os pedidos do MPT-RS foram inter-ditados?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – Interdições não ocor-rem na hipótese de a empresa não atender aos pedidos do MPT, mas caso constatadas situações de grave e iminente risco à vida, à saúde e à inte-gridade física dos trabalhadores.

As multas e outras penalidades impostas aos empresários infratores, em geral, são mantidas na Justiça do Trabalho? Qual o índice de vitórias do MPT?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – As indenizações por dano moral coletivo ou multas devidas por des-cumprimento de termos de ajuste de conduta an-teriormente celebrados não são revisadas quando pactuadas extrajudicialmente com as empresas fiscalizadas. Ou seja, não são “revisadas” pela Justiça do Trabalho. Por isso, não existe índice a ser informado. Nesses casos, resultam de acordos celebrados com a empresa. Quando não há resul-tado consensual, como dito anteriormente, o MPT ajuíza a respectiva ação civil pública em face da empresa.

Em geral, as instalações que abrigam fri-goríficos foram construídas dentro dos pa-drões exigidos pela legislação trabalhista? Quais os problemas mais crônicos e graves envolvendo manuseio de equipamentos nas plantas de abate?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – Normalmente, se percebe a expansão não planejada de unidades frigoríficas, acarretando e agravando inadequa-

ções já existentes. Os problemas mais recorrentes são: ergonomia (distâncias de alcance, adoção de posturas extremas e nocivas, adoção de amplitu-des articulares excessivas, movimentação manual de carga excessiva, assentos, bancadas etc); zonas de risco de máquinas e equipamentos expostos e desprotegidos; meios de acesso inadequados; falta de mecanismos de detecção precoce de vazamentos de amônia; caldeiras, vasos de pres-são e instalações elétricas em desacordo com as normas regulamentadoras; espaços confinados não adequadamente protegidos e sinalizados; trabalho em altura executado sem observância de requisitos mínimos de segurança; extrapolação do limite de horas extraordinárias. Verifica-se ainda, frequentemente, a inadequação da forma de en-frentamento das questões relacionadas à saúde dos trabalhadores no âmbito das empresas. Como exemplo, citam-se as seguintes irregularidades: a) prontuários médicos sem o registro das situações ocorridas com os trabalhadores, de forma a viabili-zar a verificação das causas dos agravos ocorridos; b) ausência de afastamento expresso do nexo cau-sal nos adoecimentos que possuem nexo técnico epidemiológico com a atividade econômica da empresa, sendo, pois, devida a emissão da Comu-nicação de Acidente de Trabalho (CAT) em todos os casos cujo afastamento não ocorreu; c) ausência da adoção de medidas eficazes e controladas com vistas a reduzir o agravamento dos adoecimentos verificados, tais como afastamentos, mudança de função etc.; d) ausência de gestão em saúde na empresa, tampouco atividade prevencionista, já que o instrumental epidemiológico não é avaliado ou estudado de forma a embasar a adoção de me-didas para evitar a ocorrência de agravos à saúde dos trabalhadores; e) exames médicos realizados fora do prazo legal; f) atestados médicos de Saúde Ocupacional preenchidos sem os requisitos míni-mos e rasurados.

Em caso de acidentes graves, quais as con-sequências jurídicas para o empregador negligente?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – Além da lavratura de autos-de-infração, pela Subsecretaria de Inspe-ção do Trabalho do Ministério da Economia, uma consequência administrativa, há várias repercus-sões jurídicas por acidente de trabalho. A mais conhecida é a responsabilização civil do empre-gador (artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição, e

‘‘Apenas no setor de abate de bovinos,

suínos e aves, foram emitidas 15.799 CATs’’

‘‘Existem 637 frigoríficos no Estado

do Rio Grande do Sul. Deste total, 115 possuem 50 ou mais

empregados’’

ENTREVISTA

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artigos 186 e 187 do Código Civil). Isso dá ensejo a: ação de indenização por danos morais (função compensatória, punitiva e pedagógica), materiais (danos emergentes e lucros cessantes = despesas hospitalares, aparelhos ortopédicos, gastos com funeral, pensionamento etc.) e estéticos (compro-metimento da harmonia física = cicatriz, perda de membros etc.). O empregador pode ser alvo, também, de uma ação regressiva acidentária, como prevê o artigo 120 da Lei dos Benefícios da Previdência (Lei 8.213/91). Em síntese, terá de res-sarcir o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) dos valores gastos com o pagamento de benefí-cios (auxílio-doença acidentário, auxílio-acidente, pensão por morte, aposentadoria por invalidez), se provada a negligência às normas de segurança, saúde e higiene do trabalho. A empresa também está sujeita a recolher uma alíquota maior do Se-guro Acidente de Trabalho (SAT), que incide sobre a folha de salários – 1%, leve; 2%, médio; e 3%, grave. É importante destacar que as alíquotas po-dem ser reduzidas à metade ou dobradas, a partir dos índices de frequência, gravidade e custos dos acidentes ocorridos no âmbito da empresa. Há, igualmente, a possibilidade de responsabilização criminal. Dependendo da situação ocorrida, é pos-sível caracterização dos crimes de homicídio (artigo 121), lesão corporal (artigo 129) ou de crime de perigo comum (artigo 132) – todos do Código Pe-nal (CP). É importante ressaltar que o artigo 19, parágrafo 2º, da Lei dos Benefícios da Previdência, considera contravenção penal deixar a empresa de cumprir as normas de saúde e higiene do trabalho.

E o papel do Ministério Público do Trabalho, que tutela os direitos coletivos e difusos dos trabalhadores?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – O MPT, na defesa des-tes direitos, atua para reprimir as condutas deli-tivas dos empregadores, prevenindo a ocorrência de novos acidentes. Trabalha para a adoção de medidas para adaptação e modificação do meio ambiente laboral nas empresas, pelo fornecimen-to de equipamentos de proteção individual (EPIs) aos operários e pelo cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho. Todo este esforço pode resultar na celebração de um TAC, medida extrajudicial, ou no ajuizamento de uma ACP na Justiça do Trabalho. Nesta segunda opção, o MPT vai buscar a condenação da empresa ao cumpri-

mento de obrigações (de fazer e/ou de não fazer) e ao pagamento de dano moral coletivo, como medida compensatória.

Tudo isso se traduz, inexoravelmente, na elevação dos custos empresariais, certo?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – Correto. Acidente de trabalho é sinônimo de elevação de custos. É tem-po perdido, despesas com primeiros socorros, des-truição de equipamentos e materiais, interrupção da produção. Isso sem falar nos salários pagos ao empregado afastado (15 primeiros dias), prejuízo com a imagem da empresa, ações de indenização (danos morais, materiais e estéticos), pensiona-mento em caso de redução da capacidade para o trabalho ou morte, ações regressivas propostas pelo INSS, atuação do Ministério da Economia e do MPT, indenização por dano moral coletivo, au-mento do SAT etc.

Como o empregador deve agir para não ser tragado por este passivo nem virar alvo da ação do MPT?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – O ideal é a empresa focar em medidas preventivas, tais como: evitar a prorrogação das jornadas de trabalho, qualificar trabalhadores para operar máquinas e equipa-mentos, além de realizar a manutenção periódica do maquinário. É imprescindível, ainda, imple-mentar medidas de proteção coletiva – adaptações nas máquinas, a fim de evitar a ocorrência de acidentes –, disponibilizar EPIs e implantar o Pro-grama de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO), o Programa de Prevenção de Riscos Am-bientais (PPRA) e a Análise Ergonômica do Trabalho (AET). Além, é claro, de garantir o funcionamento da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) e do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT). Trata-se de uma equipe de profissionais da saúde que atua dentro das empresas, para proteger a integridade física dos trabalhadores.

Para encerrar: qual sua percepção sobre a Reforma Trabalhista?

PRISCILA DIBI SCHVARCZ – O MPT tem uma po-sição institucional contrária ao texto da reforma que foi aprovada. O que se verifica, também, é que, além da redução de direitos e garantias de trabalhadores, a repercussão da Reforma Traba-lhista foi ainda mais gravosa em decorrência da forma como as notícias foram divulgadas pela mí-dia em geral, pois foi vendida a ideia de que “se pode tudo”. Destaca-se, por exemplo, a questão da terceirização. Muitas empresas acreditam que, a partir da Reforma Trabalhista, é lícito despedir seu empregado e contratar um terceirizado ou tor-ná-lo microempreendedor individual. Isso é falso, porque essa prática não se assemelha ao instituto da terceirização. Além disso, diversamente das promessas que fundamentaram sua aprovação, a Lei 13.467/2017, denominada Reforma Trabalhis-ta, não gerou os empregos que prometia nos dois anos de sua vigência, e o país só viu aumentar a informalidade. De acordo com dados da Pesqui-sa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), divulgada no dia 31 de outubro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a informalidade atingiu recorde da série

histórica, iniciada em 2012, chegando a 41,4% da força de trabalho ocupada no Brasil. Deve-se observar, também, que houve redução no número de ações ajuizadas, mas isso não significa a di-minuição na litigiosidade. Ao que parece, está se criando, perigosamente, uma carga de demanda reprimida.

‘‘Há várias repercussões jurídicas por acidente

de trabalho. A mais conhecida é a

responsabilização civil do empregador’’

‘‘É importante ressaltar que o artigo 19,

parágrafo 2º, da Lei dos Benefícios

da Previdência, considera

contravenção penal deixar a empresa de cumprir as normas de saúde e higiene

do trabalho’’’’

Foto: Ascom MPT-RS

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TRABALHISTA

Segundo os autos do processo, o auxiliar foi admitido em maio de 2017, por meio de contrato com duração máxima de 180 dias, para “atender a demanda complementar de serviços”. Uma cláusula, porém, previa que o contrato poderia “ser rescindido a qualquer momento dentro desse período, cessadas as causas que determinaram a admis-são”. A dispensa ocorreu em agosto, com a justificativa de término da necessidade transitória que havia motivado a contratação.

Em outubro do mesmo ano, ele ajuizou a reclamação trabalhista para pleitear a multa constante do artigo 479 da CLT e outras parcelas. O dispositivo, que trata dos contratos por prazo determinado, estabelece que a resci-

são antecipada sem justa causa obriga o empregador ao pagamento de metade da remuneração a que o emprega-do teria direito até o término do contrato.

Os pedidos foram julgados improcedentes pela 6ª Vara do Trabalho de Curitiba, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) deferiu a indenização. Segundo o TRT, por se tratar de contrato de trabalho especial, cabia à empresa demonstrar a observância dos requisitos previstos na Lei 6.019/74, que dispõe sobre o trabalho temporário. Sem prova de que o motivo da contratação temporária havia cessado, o encerramento contratual deveria se dar somente no 180º dia.

Rescisão antecipada de contrato temporário não dá direito à indenizaçãoA Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em decisão unânime, excluiu de uma condenação o pagamento de indenização pela rescisão do contrato de trabalho temporário de um auxiliar de estoque 83 dias antes do prazo previsto. Para a Turma, a indenização prevista na CLT, para a rescisão antecipada do contrato por prazo determinado, é incompatível com a modalidade de contrato de trabalho temporário.

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O relator do recurso de revista da empresa, ministro Luiz José Dezena da Silva, entendeu que a indenização prevista no artigo 479 da CLT é incompatível com o contrato de trabalho temporário disciplinado pela Lei 6.019/74. Segundo o relator, trata-se de norma especial que regula expressamente os direitos do empregado submetido a essa modalidade de contrato e, entre estes, não se inclui a indenização.

De acordo com um dos precedentes citados pelo ministro, o trabalho temporário é uma forma atípica de trabalho, pre-vista em lei especial e, por esse motivo, não é regido pela CLT, como o contrato por prazo determinado. As duas modali-dades diferem em relação à natureza, ao prazo, às condições e às hipóteses para a sua configuração.

MODALIDADES DIFERENTES

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A multa adicional foi criada pela Lei Complementar 110, de 2001. Em outubro, o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, anunciou que o governo iria propor a extinção da multa.

Segundo o secretário, o fim da multa abrirá uma folga de R$ 6,1 bilhões no teto de gastos de 2020. Isso porque o dinheiro da multa adicional deixará de passar pela conta única do Tesouro Nacional; ou seja, não será mais compu-tado dentro do limite máximo de despesas do governo. O dinheiro passa pelo caixa do governo e é transferido para a Caixa Econômica Federal (CEF), gestora do FGTS.

Atualmente, as empresas pagam 50% de multa nas de-missões sem justa causa. Desse total, 40% ficam com o trabalhador. Os 10% restantes vão para a conta única do Tesouro Nacional, de onde são remetidos para o FGTS.

ALEGAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE

Na última década, as empresas fizeram diversas incursões na Justiça para derrubar o pagamento deste adicional. Um dos argumentos alegava ‘‘inconstitucionalidades formais e materiais’’, pelo fato de o FGTS não se constituir em contribuição social. A argumentação, porém, foi derrubada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamen-to de duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) em 2012.

A segunda tese leva em conta a perda de finalidade da contribuição. A questão ainda está na pauta do STF, por meio do Recurso Extraordinário 878.313/SC, e será jul-gada com repercussão geral – portanto, a decisão deverá ser aplicada pelas instâncias inferiores. Os ministros irão decidir se é constitucional ou não a manutenção de contri-buição social depois de atingida a finalidade que motivou sua criação. Como as contribuições sociais se caracterizam pela finalidade, sem ela se tornariam novos impostos – o que seria inconstitucional.

Em 2012, o pedido ganhou um reforço quando o Congres-so Nacional aprovou o fim gradual do adicional. A medi-da, porém, foi vetada, e a motivação passou a ser usada como argumento pelos contribuintes. Na época, o governo afirmou que o fim da cobrança geraria perda de R$ 3 bilhões para as contas do FGTS, o que impactaria direta-mente o programa ‘‘Minha Casa Minha Vida’’. Segundo advogados, a alegação mostra o desvio de finalidade da contribuição. Agora, a MP 905 estabelece novamente o fim da contribuição, o que, para os tributaristas, reforça o argumento de que a cobrança é desnecessária. (Com informações da EBC e do Valor Econômico)

MP extingue multa adicional de 10% do FGTS que ia para a UniãoO Governo Federal extinguiu a multa adicional de 10% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de demissões sem justa causa. A decisão faz parte da Medida Provisória 905, que instituiu o Programa Verde e Amarelo, voltado para a criação de empregos para os jovens. A MP foi publicada na edição de 12 de novembro do Diário Oficial da União e não altera o pagamento da multa de 40% para os trabalhadores. Se a MP for convertida em lei, o adicional não será mais cobrado a partir de 2020.

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Com esse entendimento, a 2ª Turma Re-cursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Rio Grande do Sul confirmou conde-nação, por danos materiais, imposta ao Mercado Pago, plataforma de pagamen-to do site Mercado Livre, que disponibi-lizou para venda, sem autorização do autor, uma coletânea de livros em PDF. As obras só existem no formato impresso e são vendidas pela editora do autor.

Nos dois graus dos juizados especiais, ficou evidente que a conduta da ré, as-sim como a do site, violou o inciso XXVII do artigo 5º da Constituição e o inciso I do artigo 7º da Lei de Propriedade In-dustrial (Lei 9.610/98). O colegiado só diminuiu o valor da reparação material, que caiu de R$ 31,8 mil para R$ 4,4 mil, porque o juízo de origem apenas refe-rendou o valor pedido pelos autores na petição inicial.

Na análise do recurso da empresa, ven-ceu o voto da relatora, juíza Ana Cláudia Cachapuz Raabe, para quem a ré tinha o dever de fiscalizar os anúncios de pro-dutos colocados à venda. ‘‘A sua cor-responsabilidade no caso em comento é indiscutível, por ter permitido a veicu-lação em sua plataforma de vendas de anúncios que violavam a Lei de Direitos

Autorais’’, escreveu.

A magistrada observou que o próprio site, ao responder aos autores na via administrativa, reconheceu a violação dos direitos intelectuais, providencian-do a exclusão do anunciante. ‘‘Contu-do, após tal data, mais precisamente em 02/09/2018, o anúncio dos livros em PDF voltou a ser feito sem que o demandado tomasse as providências que lhe competiam, chamando para si a responsabilidade pelos danos que o autor busca ressarcimento na presente demanda’’, finalizou.

AÇÃO INDENIZATÓRIA

Na petição inicial, o autor e a editora direcionaram a ação contra o Mercado Pago. Em razão da violação dos direi-tos autorais e do prejuízo econômico, requereram, em medida liminar, a reti-rada dos livros do site e, no mérito, plei-tearam o pagamento de danos morais e materiais, respectivamente, no valor de R$ 6,9 mil e R$ 31,8 mil.

Na contestação, o Mercado Pago ale-gou ilegitimidade passiva, sob o argu-mento de que é apenas plataforma de gerenciamento de pagamentos, tanto

Plataforma de pagamento na internet responde por venda de produto que viola direitos autorais

Plataforma de pagamento de site que viola direitos autorais também responde civilmente, pois, ao almejar lucro, é corresponsável pela operação comercial. Assim, deve indenizar o autor intelectual da obra, como prevê o artigo 927 do Código Civil.

CÍVEL

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do Mercado Livre como de outros sites. Afirmou que é o usuário da plataforma — no caso, o vendedor — quem define o produto a ser comercializado, os termos da oferta e todo o conteúdo do anúncio.

O Mercado Livre também se manifestou nos autos. Não negou a venda dos li-vros em PDF, mas argumentou que não possui responsabilidade sobre o que os seus usuários publicam, por ser mero fornecedor de espaço virtual para anún-cios de produtos e serviços. Disse ainda que sempre apaga o anúncio assim que recebe alguma reclamação.

PARCIAL PROCEDÊNCIA

Na Vara do JEC da Comarca de Rio Grande, a juíza leiga Márcia Mota Cla-sen entendeu que a parte ré indicada na petição inicial aufere lucros com as negociações e integra a cadeia de forne-cedores. Logo, por ter viabilizado a colo-cação dos produtos no mercado, é parte legítima para figurar no polo passivo.

No mérito, votou pela parcial procedên-cia da ação, entendendo que os auto-res tiveram prejuízos financeiros com a venda dos exemplares no Mercado Livre por ‘‘terceiros desautorizados’’. Ela ad-

vertiu que a ré, por buscar lucro, deve se responsabilizar pelos riscos do negócio, criando mecanismos que não permitam a repetição da situação exposta nos au-tos.

Quanto ao pedido de danos materiais, lembrou que a ré não impugnou o valor posto na inicial. Por isso, considerando os valores apresentados nos anúncios trazidos aos autos, entendeu que a quantia pleiteada reflete a perda patri-monial sofrida.

‘‘Por outro lado, quanto ao pedido de in-denização por danos morais, embora se reconheça tenha havido falha da parte ré, o mero transtorno e perturbação de ânimo, ocasionados, não possuem, por si só, o condão de ensejar a indenização por abalo moral’’, escreveu na sentença.

INDENIZAÇÃO REDUZIDA

A relatora do recurso na 2ª Turma Re-cursal Cível, juíza Ana Cláudia Cacha-puz Raabe, manteve a sentença no mé-rito, mas redimensionou o quantum da reparação material, já que a sentença apurou valor acima do efetivo prejuízo suportado pelos autores.

Para Ana Cláudia, presumindo o efetivo interesse na compra dos exemplares físi-cos, já que de fato foram vendidas 104 obras no formato PDF, tem-se que o pre-juízo material dos autores foi o lucro que deixaram de auferir com a venda desses 104 livros.

Nessa linha, explicou que a apuração do dano material não pode partir do valor integral do livro multiplicado pelo número de exemplares vendidos, por-que não foi esse o prejuízo efetivo. É que, pela lógica, os autores não ficam com o lucro integral de suas obras, pois embolsam apenas 10% do valor de capa. As livrarias, por sua vez, costu-mam cobrar em torno de 55% do preço de capa. Assim, como ambos integram o polo ativo, tem-se que o lucro que deixaram de auferir foi de 65% do valor de venda dos livros.

‘‘Destarte, o lucro na venda de cada unidade seria de R$ 45,89, o qual, mul-tiplicado pelo número de unidades ven-didas através do Mercado Livre (104), chega-se no valor de R$ 4.772,56, sendo este o dano material efetivamen-te sofrido pelos autores’’, escreveu no voto.

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CÍVEL

Esse foi o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, ao excluir dois integrantes do conselho fiscal de uma co-operativa habitacional do polo passivo de uma execução. Trata-se de ação de rescisão e restituição de valores ajuizada contra a Paulicoop – Planejamento e Assessoria a Cooperativas Habitacio-nais e Cooperação Cooperativa Habitacional, em fase de cumprimento de sentença, que tramita na 6º Vara Cível da Comarca de Barueri (SP).

Ao proferir o voto que prevaleceu no julgamento do recurso espe-cial, o ministro Villas Bôas Cue-va fez uma distinção entre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica orientado pelo artigo 50 do Código Civil (que adota a chamada Teoria Maior) e aquele previsto no pará-grafo 5º do artigo 28 do CDC (Teoria Menor). Por este último dispositivo, o juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica ‘‘sempre que sua perso-nalidade for, de alguma forma, obstáculo ao res-sarcimento de prejuízos causados aos consumido-res’’.

Ao justificar a aplicação da Teoria Menor ao caso julgado, o ministro invocou a Súmula 602 do STJ, segundo a qual o CDC é aplicável aos empreendimentos habi-tacionais promovidos pelas sociedades cooperativas.

Villas Bôas Cueva explicou que a desconsideração, tal como entendida pela Teoria Menor, é mais ampla e benéfica ao consumidor, não exigindo prova de fraude ou abuso de direito. ‘‘Tam-pouco é necessária a prova da confusão patrimonial, bastando que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato

de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados’’, ressaltou.

SEM ATOS DE GESTÃO

Ele advertiu, porém, que a desconsideração com base no CDC somente pode atingir o

patrimônio de pessoas que praticaram atos de gestão. ‘‘A despeito de não

se exigir prova de abuso ou fraude para fins de aplicação da Teoria

Menor, tampouco de confusão patrimonial, o parágrafo 5º do artigo 28 do CDC não dá margem para admitir a res-ponsabilização pessoal de quem jamais atuou como gestor da empresa’’, de-clarou.

O ministro destacou que a regra do artigo 1.070 do Código Civil, com base na qual o magistrado de primeira instância mante-ve os dois recorrentes no polo passivo da execução,

submete os membros do conselho fiscal, em maté-

ria de responsabilidade, às mesmas regras aplicáveis aos

administradores.

‘‘No entanto, ao fazer expressa remissão ao artigo 1.016 do mesmo

Código, condiciona a responsabilização do membro do conselho fiscal perante a

sociedade e terceiros prejudicados à demons-tração de culpa no desempenho de suas funções’’,

explicou.

A absoluta ausência desses indícios, segundo Villas Bôas Cueva, justifi-ca o provimento do recurso para excluir os membros do conselho fiscal do polo passivo da execução.

Conselheiro de cooperativa que não participa da gestão não sofre desconsideração da personalidade jurídica numa execuçãoA desconsideração da personalidade jurídica fundamentada no parágrafo 5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) não pode atingir o patrimônio pessoal de membros do conselho fiscal. A não ser que haja indícios de que tenham participado da gestão e contribuído, ao menos de forma culposa e com desvio de função, para a prática de atos de administração.

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‘‘A ausência de ilicitude de acesso aos e-mails corporativos tem fundamento não apenas nos arts. 5º e 9º da Lei nº 6.024/74 referidos na sentença, mas também na ausência de invio-labilidade de correspondência eletrônica dos ex-diretores e conselheiros armazenada nos servidores digitais da Aplub, razão pela qual o acesso a ela não configura a alegada quebra de sigilo telemático’’, escreveu no acórdão o relator da apelação em reexame necessário, juiz federal Oscar Valente Cardoso, convoca-do na 4ª Turma.

Conforme Cardoso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que as informações ob-tidas por meio do monitoramento de e-mail corporativo não são provas ilícitas, quando re-lativas a aspectos não pessoais e de interesse da Administração Pública ou da coletividade. Ou seja, desde que o acesso se limite e tenha pertinência a assuntos funcionais – vedada a utilização para fins pessoais –, não se pode falar em violação de sigilo.

MANDADO DE SEGURANÇA

Nelson Wedekin impetrou mandado de segu-rança em face de ato do presidente da Co-missão de Inquérito da Superintendência de Seguros Privados (Susep) que, em dezembro de 2015, decretou regime de intervenção sobre a Associação dos Profissionais Liberais Universitários do Brasil (Aplub) e, por exten-

são, à Capemisa Aplub Capitalização S/A (AplubCap). Apontou várias irregularidades no ato de decreto: negativa de acesso integral ao procedimento administrativo; incompe-tência da autoridade processante; existência de prova ilícita; e responsabilização objetiva, que independe de dolo ou culpa, e acusação genérica.

O autor, ex-presidente da Aplub, pediu, no ponto, que a 8ª Vara Federal de Porto Alegre determinasse o desentranhamento de todos os e-mails obtidos, bem como anulasse todos os atos que tivessem por base ou fizessem re-ferência a estes e-mails, em especial o que diz respeito à ‘‘Conclusão da Apuração’’.

PROVA LÍCITA

A juíza federal substituta Paula Weber Rosito, ao se pronunciar sobre este aspecto, não viu a configuração de quebra de sigilo telemático. Ou seja, não se pode dizer que o presiden-te da Comissão de Inquérito da Susep tenha agido ilicitamente ao acessar a correspondên-cia eletrônica dos ex-diretores e conselheiros armazenada nos servidores digitais da Aplub.

‘‘Trata-se de e-mail corporativo dos diretores e conselheiros, para utilização em serviço, a que o presidente da Comissão teve acesso na qualidade de Interventor, com plenos pode-res de gestão, nos termos do art. 5º da Lei

nº 6.024/74, o que pressupõe amplo acesso aos dados da mesma, como determinado no comando legal’’, justificou na sentença.

Em acréscimo, a juíza destacou uma obser-vação do Ministério Público Federal (MPF), ao se manifestar no processo: ‘‘se o objeto das correspondências é, confessadamente, a atu-ação da entidade investigada (presentada por seus dirigentes), a inviolabilidade de corres-pondências não pode ser oposta ao poder de polícia ínsito à atividade regulatória, previsto no Decreto-Lei n. 73/66, na Lei n. 6.204/74, 10.190/2001 e na Lei Complementar n. 109/2001’’.

Por fim, a juíza concedeu a segurança quanto aos pedidos de devolução do prazo para ma-nifestação do impetrante e acesso a todos os documentos dos autos do inquérito. E denegou em relação aos demais pedidos, aí incluído o desentranhamento dos e-mails corporativos.

O autor apelou ao TRF-4. Especificamente na questão dos e-mails, sustentou a nulidade do processo administrativo, já que a própria Comissão de Inquérito admitiu ter acessado a sua correspondência eletrônica. Além disso, argumentou, a quebra do sigilo telemático ocorreu por ato administrativo da própria Co-missão, sem respaldo de ordem judicial, o que viola o direito à privacidade assegurado na Constituição.

Acesso a e-mail corporativo não viola privacidade de empregadoO e-mail corporativo é uma ferramenta de trabalho que pertence ao empregador, e não aos funcionários, que devem restringir o seu uso ao cumprimento de suas atribuições. Com este argumento, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manteve sentença que, no aspecto, autorizava o uso de conversas de e-mails mantidas por ex-diretores de uma instituição de previdência privada no processo de intervenção instaurado pela Superintendência de Seguros Privados (Susep).

PENAL EMPRESARIAL

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PENAL EMPRESARIAL

Com este fundamento, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou sen-tença que condenou um empresário parana-ense, por crimes conexos de sonegação tribu-tária, a quatro anos e oito meses de reclusão. Por unanimidade, os desembargadores enten-deram que é possível abrandar a tese de que não se aplica ao crime de sonegação a tese de dificuldades financeiras, dado o elemento fraude na sua perpetração.

‘‘Presente, assim, situação que afasta a culpa-bilidade em razão da inexigibilidade de con-duta diversa, de sorte que absolvo o acusado da prática do crime único de sonegação de contribuições, previsto no art. 337-A, inc. I, do Código Penal, com fundamento no art. 386, inc. VI, do Código de Processo Penal’’, regis-trou o acórdão.

UMA DENÚNCIA, TRÊS CRIMES

O empresário foi denunciado pelo Ministério Público Federal por dois crimes tipificados no Código Penal: apropriação indébita previ-denciária (artigo 168-A, parágrafo 1º, inciso I) e sonegação de contribuições previdenciá-rias (artigo 337-A, incisos I e III); e um crime contra a ordem tributária, tipificado no artigo 1°, inciso II, da Lei 8.137/90 – supressão de contribuição social para terceiros mediante omissão em livros fiscais.

Conforme a inicial acusatória, os delitos ocor-reram entre setembro de 2011 e dezembro de 2013. Segundo cálculos da Receita Federal,

feitos em julho de 2014, a soma de tributos não recolhidos ao fisco federal chegava a R$ 18,7 milhões.

CONDUTA INEXIGÍVEL

Em combate à sentença condenatória, a defe-sa do empresário alegou a existência de crime único em relação aos crimes de sonegação de contribuição previdenciária e contribui-ção destinada a terceiros. Com isso, pediu a absolvição do empresário no tocante aos de-mais crimes, sustentando a inexigibilidade de conduta diversa, em virtude de dificuldades financeiras.

Para o relator da apelação criminal, desem-bargador João Pedro Gebran Neto, a defesa produziu provas suficientes dos graves pro-blemas enfrentados pela empresa, a ponto de não se poder exigir do acusado outra conduta. ‘‘Além da redução do quadro de empregados durante o período de crise tanto da matriz quanto da filial, a prova documental con-temporânea aos fatos demonstra a existência de execuções fiscais de expressivo montante, assunção de empréstimo de valor igualmente elevado, acordo com o BRDE para pagamento de dívida de mais de doze milhões de reais e aproximadamente quarenta reclamatórias trabalhistas’’, exemplificou.

Gebran destacou o depoimento do encarre-gado do setor financeiro, que corroborou a tese da defesa, mostrando que, diante das dificuldades, a empresa priorizou o pagamen-to de funcionários, da energia elétrica e dos

fornecedores, para evitar fechar as portas. ‘‘A situação evidenciada, assim, demonstra ser crível a existência de condições anormais suportadas pela sociedade empresarial e que lhe retiraram a possibilidade de honrar todos os débitos, impondo-se o reconhecimento da excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa.’’

TESE ABRANDADA

No voto, Gebran disse não desconhecer o entendimento sobre a inaplicabilidade da tese de dificuldade financeira como causa para a exclusão de culpabilidade nos crimes de sonegação, tendo em vista a presença do elemento fraude. Entretanto, pontuou, tal posicionamento já foi abrandado em outros julgados da Turma, citando o desfecho de duas apelações criminais: acórdãos 5000731-88.2012.404.7000, de julho de 2014; e 0030044-49.2007.404.7100, de fevereiro de 2015.

‘‘Trata-se, evidentemente, de questão com-plexa, que exige um exame cauteloso das circunstâncias que envolvem o caso concre-to. Dito isso, após tal análise, vislumbro a possibilidade de reconhecer a excludente de culpabilidade não somente em razão das pro-vas trazidas pela defesa, mas especialmente porque não empregada fraude elaborada e sofisticada, afinal, a constatação da omissão de fatos geradores se deu a partir do cotejo entre a folha de pagamento fornecida pela empresa e as GFIPs’’, concluiu o desembar-gador-relator.

Crise financeira exclui punição por sonegação de contribuição previdenciáriaDono de empresa assolada por crise econômica não comete crime se deixa de recolher tributos ao fisco federal. Afinal, as graves dificuldades financeiras enfrentadas pela pessoa jurídica para cumprir suas obrigações tributárias podem ser consideradas causa excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, desde que comprovadas pela defesa.

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O fundamento levou a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a condenar duas empresas do Ceará a pagar danos morais e materiais por contrafação de desenhos industriais (DIs) de propriedade da Grendene para os modelos Hoop e Glitter, da linha de calçados Melissa. O valor do dano moral foi arbitrado em R$ 10 mil; e o dano material será apurado em liquidação de sen-tença.

Nas duas instâncias, ficou claro que as sapa-tilhas das rés foram desenvolvidas a partir de projetos de desenhos registrados pela Gren-dene no Inpi – DI 6903452-4 e DI 6903463-0. E esta ‘‘imitação substancial dos desenhos’’, segundo a perícia, induz os consumidores à associação indevida dos produtos.

‘‘De outro lado, embora as requeridas ale-guem nas razões recursais também a exis-tência de registro sobre o produto Elegance, convém destacar que, em consulta ao site do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o mencionado registro está em discussão, es-pecialmente por conta de ação movida pela ora autora contra as rés na Justiça Federal do Rio de Janeiro’’, destacou o acórdão do TJ-RS, que negou a apelação.

CONCORRÊNCIA DESLEAL

No pedido indenizatório, a Grendene disse que adquiriu ‘‘cópia fidedigna’’ de um mode-lo Melissa na loja de um shopping center do interior gaúcho. Constatada a contrafação, a empresa – líder nacional no ramo calçadista – notificou a loja da irregularidade. Esta, por sua vez, informou que o produto foi fabricado pela RB Calçados Indústria e Comércio e In-dústria de Calçados Mikcalce Ltda, ambas do mesmo grupo econômico, sediado em Sobral (CE). Em face da contrafação de patente de desenho industrial, a Grendene ajuizou ação indenizatória contra ambas as empresas, por concorrência desleal.

A 1ª Vara Cível da Comarca de Farroupilha (RS) julgou parcialmente procedente a ação indenizatória, por entender que as rés aufe-riram lucro com a fabricação e venda de pro-dutos falsificados.

A sentença determinou que as empresas nordestinas se abstivessem de produzir e co-mercializar os calçados com os desenhos de propriedade da Grendene, sob pena de multa de R$ 10 mil para cada infração de registro

dos dois DIs patenteados. E, para compen-sar as perdas, condenou as rés a pagar dano material, em valor a ser apurado em sede de liquidação de sentença. O juízo, entretanto, negou o pedido de danos morais.

ABALO MORAL EMPRESARIAL

O relator da apelação na 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, desembargador Jorge An-dré Pereira Gailhard, discordou da sentença neste aspecto. Ele lembrou que o Superior Tri-bunal de Justiça, ao editar a Súmula 227, em setembro de 1999, reconheceu a possibilida-de de a pessoa jurídica ser passível de abalo moral, e este era o caso dos autos.

‘‘Assim, a hipótese dos autos reflete o dano moral in re ipsa ou dano moral puro, em razão da violação dos desenhos industriais, o que caracteriza a concorrência desleal e confere o direito à reparação sem a necessidade de produção de outras provas. Vale dizer que o próprio fato já configura o dano’’, expressou no voto, arbitrando o valor da reparação em R$ 10 mil, de forma solidária.

Indústrias de calçados do Nordeste são condenadas por violação de patentes registradasUtilizar desenhos industriais de empresa concorrente, devidamente registrados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), causa danos morais e materiais, levando à obrigação de indenizar. Afinal, o direito de propriedade industrial recebe proteção tanto no inciso XXIX do artigo 5º da Constituição como nos artigos 2º e 95 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96).

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PROPRIEDADE INTELECTUAL

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Justiça gaúcha cassa liminar que garantia exclusividade na venda de cerveja helles

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul devolveu à Cervejaria Abadessa o direito de continuar vendendo este estilo de cerveja, suspenso desde o final de junho, quando a 4ª Vara Cível de Caxias do Sul acolheu o argumento de que o registro da marca ‘‘Helles’’ garantiria à Fassbier exclusividade de exploração.

PROPRIEDADE INTELECTUAL

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A 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul cassou liminar que impedia a Cervejaria Abades-sa, sediada em Pareci Novo (RS), de comercializar cerve-ja no estilo helles em todo o Brasil. A proibição vigorava desde o dia 27 de junho de 2019, quando a Cervejaria Fassbier, alegando violação de marca, conseguiu a ante-cipação de um direito reivindicado no curso da ação in-denizatória movida contra a concorrente. O julgamento ocorreu no dia 5 de dezembro.

Para a maioria dos desembargadores, o fato de a Fas-sbier ter registrado como marca a palavra helles (claro, límpido, brilhante, em alemão) no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) não lhe dá o direito de uso exclusivo. É que se trata da denominação de um estilo de cerveja, expressão descritiva/de uso comum. Logo, pode constar no rótulo de qualquer cerveja concorrente que queira informar este estilo ao seu público consumidor.

GUERRA MERCADOLÓGICA

A ‘‘guerra’’ pelo domínio deste nicho de mercado foi de-flagrada em janeiro de 2019 pela Cervejaria Fassbier, se-diada em Caxias do Sul (RS), que, na tentativa de proibir a utilização do estilo helles nos rótulos dos produtos, no-tificou extrajudicialmente diversas cervejarias artesanais, informando ser exclusiva detentora do registro marcário desde agosto de 2007, perante o Inpi. E recrudesceu cin-co meses depois, quando resolveu ajuizar ação contra a Abadessa, uma das principais fabricantes deste tipo de cerveja no Estado, pedindo abstenção de uso de marca e cobrando danos materiais e morais.

A 4ª Vara Cível da Comarca de Caxias do Sul, diante do certificado de registro e da cópia da notificação extraju-dicial, entendeu como evidenciado o direito da parte au-tora. Por isso, o juízo concedeu a antecipação de tutela para, num primeiro momento, proibir o uso da expressão pela fabricante concorrente.

A Abadessa, então, interpôs recurso de agravo de ins-trumento no Tribunal de Justiça, pedindo a reforma da decisão.

VIRADA NO TRIBUNAL

A relatora do agravo na 6ª Câmara Cível, desembar-gadora Eliziana da Silveira Perez, votou para manter o decisum da primeira instância, entendendo que a ré teria violado o artigo 129 da Lei de Propriedade Industrial – LPI (Lei 9.276/96), que assegura uso exclusivo a quem fez o registro.

O desembargador Ney Wiedemann Neto divergiu da re-

latora, por se convencer de que não ficou evidenciado o uso indevido de nome ou marca, tendo em vista que o registro da autora é da denominação helles, que nada mais é do que a designação de um estilo de cerveja. Portanto, de uso comum.

Wiedemann destacou que a marca da parte ré é ‘‘Cerve-jaria Abadessa’’, e não ‘‘Helles’’. E que esta palavra im-pressa no rótulo tem o intuito de informar o consumidor sobre uma categoria de cerveja, que se diferencia das demais por aspectos de cor, sabor, força, ingredientes, método de produção, receita, histórico ou origem. Tal como ocorre nos estilos lager, pilsen, weissbier, india pale ale, red ale e, inclusive, no munich helles, entre outros.

Assim, com apoio do também desembargador Luís Au-gusto Coelho Braga, ele considerou descabida a alega-ção de uso exclusivo da expressão pela autora, em face do registro no Inpi. ‘‘Isso posto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento para o efeito de permitir que a agravante [Abadessa] continue as suas atividades, fa-bricando e comercializando a cerveja estilo helles’’, ful-minou no acórdão.

MARCA DESIGNATIVA

Para a advogada Vanessa Pereira Oliveira Soares, chefe da área de Propriedade Intelectual da Cesar Peres Ad-vocacia Empresarial (CPAE), que defendeu a Abadessa, a decisão do TJ-RS garantiu a manutenção da livre con-corrência. E mais: a decisão judicial também respeitou os consumidores, que poderiam ficar privados da escolha sobre o estilo de um produto consagrado no mercado dentro de uma infinidade de marcas existentes. Segundo Vanessa, foi uma tentativa temerária de utilizar a Lei de Propriedade Industrial para criar uma reserva de merca-do.

Conforme a especialista, o registro da marca “Helles” feito pela cervejaria concorrente, diferentemente do que alega, não lhe confere exclusividade, por se tratar de marca evocativa ou designativa. Logo, não pode impedir que outros fabricantes utilizem a mesma expressão para caracterizar este estilo de produção cervejeira. Tanto é que o Inpi apostilou o registro da marca da autora para incluir as limitações previstas no artigo 124 da Lei de Propriedade Industrial.

‘‘Como bem referiu o desembargador Ney Wiedemann Neto no seu voto, manter a concessão da liminar seria o mesmo que impedir o uso da denominação de vinho Merlot – um tipo de casta de uva – no rótulo de uma garrafa, em razão de um registro de marca’’, concluiu a advogada.

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Index Boletim - Quarto trimestre de 2019Pág. 16

Assim, o colegiado, por maioria de votos, negou recurso do Banco do Brasil, que defendia a tese de que os encargos refe-rentes aos ACCs devem ser excluídos dos efeitos da recuperação. Afinal, como se trata de obrigação acessória, teriam de seguir o destino da obrigação principal.

Na ação que deu origem ao recurso, o banco manifestou contrariedade quanto à sujeição de créditos de sua titularida-de, relativos a encargos incidentes sobre as ACCs (juros, taxas e variação cam-bial), aos efeitos da recuperação de uma sociedade empresarial.

Entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu que os valores de-veriam permanecer submetidos às deli-berações da assembleia geral de credo-res, pois as normas fixadas no artigo 49 da Lei 11.101/2005 e no artigo 75 da Lei 4.278/1965 autorizam apenas a ex-clusão do montante principal adiantado pela instituição financeira à empresa em recuperação.

EFETIVIDADE

Relatora do recurso especial do banco,

a ministra Nancy Andrighi apontou que, de fato, a LFRE estabelece textualmente que a importância entregue ao devedor, derivada de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, não se sujeita aos efeitos da recuperação.

Segundo a ministra, não há, todavia, disposição legal específica em relação à destinação a ser conferida aos encargos eventualmente incidentes sobre o mon-tante adiantado ao exportador pela insti-tuição financeira.

‘‘E, inexistindo regra expressa a tratar da questão na lei de regência, a hermenêu-tica aconselha ao julgador que resolva a controvérsia de modo a garantir efetivi-dade aos valores que o legislador privi-legiou ao editar o diploma normativo’’, afirmou a relatora no voto.

SUPERAÇÃO DA CRISE

Nancy Andrighi lembrou que o objetivo primordial da recuperação judicial, pre-visto no artigo 47 da Lei 11.101/2005, é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte

produtora, do emprego dos trabalhado-res e dos interesses dos credores.

Por isso, a relatora entendeu que a sujei-ção dos encargos aos efeitos do procedi-mento de recuperação é a medida que mais se adequa à finalidade da legisla-ção, pois permite que a empresa e seus credores, ao negociarem as condições de pagamento, encontrem a melhor saída para a crise financeira.

No voto acompanhado pela maioria do colegiado, Nancy Andrighi disse que não há possibilidade de que juízos diferen-tes – aquele competente para eventual execução do montante principal e o juízo responsável pela recuperação – venham a decidir de modo conflitante sobre a mesma relação jurídica.

‘‘Isso porque, segundo entendimento pacificado nesta corte, tanto os valores que eventualmente devam ser restituídos ao credor (importância principal) quanto aqueles sujeitos aos efeitos da recupera-ção (encargos correlatos) irão permane-cer sob a supervisão do juízo responsável pela condução do processo de soergui-mento’’, concluiu a ministra ao manter a decisão do TJ paulista.

Para o STJ, encargos de adiantamento de contratos de câmbio se submetem à recuperaçãoA Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento de que os encargos originados de adiantamento de contratos de câmbio (ACCs) se submetem ao processo de recuperação judicial, apesar da falta de previsão na Lei de Falência e Recuperação de Empresas – LFRE (Lei 11.101/2005) e na que disciplina o mercado de capitais (Lei 4.278/1965).

RECUPERAÇÃO JUDICIALFoto: Adobe Stock

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Index Boletim - Quarto trimestre de 2019Pág. 17

TRIBUTÁRIO

‘‘Recuperação Judicial de

Empresas’’ agora em livro

Um ano depois de publicar a obra “Recuperação Judicial de Empre-sas – Temas Atuais” em e-book, a

OAB-RS lançou em dezembro último a versão em papel do livro. Trata-se

de uma coletânea com 18 espe-cialistas que aprofundam diversos aspectos relacionados ao tema. A obra, organizada pelos advogados Arthur Alves Silveira, Daniel Báril e João Medeiros Fernandes Jr., está

sendo vendida pela Livraria Cultura.

O chefe da área de Recuperação Judicial da Cesar Peres Advocacia Empresarial (CPAE), Wagner Luís Machado, participa da coletânea com o artigo intitulado “A Recupe-

ração Judicial dos Grupos Empresa-riais”. O advogado cita os principais procedimentos a serem observados

no processamento do pedido de recuperação.

É uma boa dica de leitura para quem faz questão de acompanhar

de perto as mudanças na legislação falimentar do país. Afinal, embora os pedidos de recuperação judicial

tenham indicado queda de 1,5% em 2019 em relação ao ano anterior, foram feitas 1.387 requisições. De

acordo com o Indicador Serasa Experian de Falências e Recupera-ções Judiciais, o setor de serviços foi o que registrou maior volume de pedidos, com 598 solicitações, seguido de comércio, com 349, e

indústria, 271.

Com este fundamento, a 1ª Vara Federal de Santo Ângelo (RS) confirmou liminar, em mandado de segurança, para reincluir um ruralista no Programa, com a consequente suspensão da exigibi-lidade dos débitos. Com a decisão, proferida no dia 6 de novembro, o fisco federal deve se abster de negar a Certidão Positiva com Efeitos de Negativa (CPD-EN) para o autor.

Segundo o juiz federal Marcelo Furtado Pereira Morales, que se alinhou às razões da juíza que antecipou o direito em caráter liminar no dia 5 de agosto, o perigo de demora ‘‘reside na impossibilidade de o impetrante, sem adesão ao PRR, obter a certidão de regularidade fiscal, documento imprescindível para o financiamento da produção rural’’. Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Atuaram na defesa do produtor rural os advogados César Augusto da Silva Peres e Claudia Gardin Martins, da Cesar Peres Advocacia Empresarial (CPAE).

MANDADO DE SEGURANÇA

O delegado da Receita Federal em Santa Maria (RS) negou a emissão de CPD-EN, apesar de o autor ter feito o pagamento da entrada e das primeiras prestações que a sucederam, tal como determina o artigo 7º, parágrafo 2º, da Lei 13.606/2018, que instituiu o PRR. Motivos alegados pelo fisco: recolhimento de valor inferior ao montante devido para ingresso no Programa; e inexistência de processo digital em nome do impetrante que confirmasse sua adesão. Contra este ato denegatório, o autor impetrou mandado de segurança, com pedido de liminar.

Num primeiro momento, a liminar foi negada. Entretanto, como o autor depositou em juízo a diferença do valor das parcelas apontada pela Fazenda Nacional, a juíza federal substituta Carla Cristiane Tomm Oliveira resolveu acatar o mandado de segurança, concedendo a liminar para o efeito de suspender a exigibilidade do crédito tributário.

Segundo a julgadora, o depósito do valor estimado pelo fisco é apto a produzir o efeito da sus-pensão da exigibilidade do crédito tributário, mesmo tratando-se de depósito de quotas de parce-lamento em vigor. No ponto, citou precedente da 1ª Turma do TRF-4, da lavra do juiz convocado Alexandre Rossato da Silva Ávila: ‘‘Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade justificam a manutenção do contribuinte no parcelamento da Lei 12.996/14, uma vez efetuado o depósito judicial de diferença das antecipações apurada na consolidação do débito’’.

Fere os princípios da razoabilidade e proporcionalidade excluir do Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) um produtor que fez o depósito judicial da diferença das antecipações apurada na consolidação do débito com a Fazenda Nacional.

Devedor não pode ser excluído de programa de regularização se pagou parte do débito

Foto: Adobe Stock

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Index Boletim - Quarto trimestre de 2019Pág. 18

ARTIGOS

A validade jurídica da blockchain como mecanismo para certificação idônea de documentos

A nova Lei de Abuso de Autoridade também ameaça os credores

Sem sombra de dúvidas, a internet revolucionou a forma como o ordenamento jurídico pátrio responde às tecnologias e às ferramentas disponíveis para a otimização de processos judiciais e a solução de conflitos. Um grande exemplo é o impacto da tecnologia blockchain – conhecida como ‘‘protocolo de confiança’’ – na certificação de documentos juntados em autos processuais como prova documental.

Para os pouco afeitos à matéria, a Wikipédia registra que a blockchain nada mais é do que uma tecnologia de registro distribuído, que visa à descentralização como medida de segurança. São bases de registros e dados distribuídos e compartilhados que têm a função de criar um índice global para todas as transações que ocorrem em um determinado mercado. Funciona como um livro-razão, mas na forma pública, compartilhada e universal, criando consenso e confiança na comunicação direta entre duas partes; ou seja, sem a intermediação de terceiros. Está constantemente crescendo à medida que novos blocos completos são adicionados a ela por um novo conjunto de registros.

Definido o objeto do assunto, voltemos nossos olhos à Seção VII e Subseção I, do atu-al Código de Processo Civil (CPC), que tratam, respectivamente, do conceito de prova documental e da força probante dos documentos. Os artigos 405 a 429 sinalizam, em sua maioria, que documentos avalizados pelo escrivão, pelo chefe de secretaria, pelo tabelião ou servidor competente detêm maior idoneidade do que documentos particulares.

Em razão da ‘‘assimetria na confiança documental’’, especialmente no momento da avaliação da prova, é que se percebeu a possibilidade de certificação pública de documentos particulares. Um exemplo clássico é a ata notarial, que vem sendo validada juridicamente como meio fidedigno de produção de provas. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se revela firme e estável ao reconhecer a segurança do instituto da ata notarial. Afinal, o teor do documento particular é reduzido a termo pelo tabelionato e certificado pelo tabelião.

Ocorre que, hoje, a tecnologia blockchain supera em muito a ata notarial, não só pela acessibilidade de valores como pela fluidez e velocidade de seu procedimento. Por definição técnica, é importante repisar, blockchain é um sistema aberto, que permite acesso de qualquer usuário, sem necessidade de permissão ou licença prévia. Em linhas gerais, a tecnologia visa à descentralização por meio de redes (P2P – peer to peer) como medida de segurança. E esta segurança é alcançada por meio da criptografia e de uma política de regras que propõem e estimulam o comportamento idôneo do usuário.

A primeira certificação de nascimento integralmente via blockchain ocorreu em 8 de julho de 2019. A startup brasileira Growth Tech, sediada no Rio de Janeiro, registrou o nascimento de um bebê por meio de sua plataforma Notary Ledgers, que funciona como um cartório virtual. Com a tecnologia de blockchain da IBM, a solução permite emitir procurações e certidões de nascimento, de óbito e de união estável. Todos os registros ficam salvos de maneira segura, são rastreáveis e invioláveis.

A tecnologia vem sendo utilizada como meio de certificação jurídica de documentos particulares, numa alternativa ao caráter estanque do Direito. Em 19 de dezembro de 2018, a 5.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar o recurso de agravo de instrumento número 2237253-77.2018.8.26.0000, considerou válida e idônea uma prova virtual colocada na plataforma OriginalMY. A intenção do autor do processo era comprovar a existência e a veracidade de tais documentos.

De tudo o que foi exposto, percebe-se, então, a disrupção causada pelo blockchain na atual percepção e vivência do nosso ordenamento jurídico. É inegável que o emprego de tecnologia que garante uma certificação idônea e imutável de documentos vai ampliar e enriquecer o universo das provas nos meios jurídico e judicial.

O ano de 2020 iniciou com um potencial retrocesso. É que desde o dia 3 de janeiro entrou em vigor a nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/19), que ameaça di-retamente a ferramenta que permite o bloqueio de valores nas contas dos devedores por meio do Poder Judiciário. A partir de agora, bloquear valores pela via judicial não será medida tão eficiente, como se poderia esperar.

Nas últimas décadas, a tecnologia da informação (TI) ganhou as pautas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que difundiu alguns utilitários processuais relevantes, como o Bacenjud, o Renajud e o Infojud. Tais mecanismos servem para alcançar o Banco Central, o Denatran e a Receita Federal, respectivamente. Ocorre que, aparente-mente, os preceitos do CNJ que buscam a integração e a modernização da Justiça, es-timulando a utilização de recursos avançados para obter maior efetividade na solução de conflitos e na gestão interna, vêm sendo contrariados pela assim chamada nova Lei de Abuso de Autoridade.

O disposto no artigo 36 não poderia ser mais claro: ‘‘Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa’’.

Por outro lado, é imperativo informar que o próprio Código de Processo Civil (CPC 2015) – parágrafo 4º do artigo 854 – prevê medida para a devolução de quantia eventualmente extrapolada. Portanto, entende-se que o conceito punitivo contido no artigo remete a casos dolosos e notoriamente prejudiciais.

Em razão da sinalização de dura penalidade, instaurou-se grande polêmica e con-trovérsia no âmbito jurídico. Neste passo, há entendimento que, além de ir contra os princípios propagados pelo CNJ, o novo diploma legal dá margem a amplas interpre-tações e pode até ser considerado inconstitucional, ocasionando grande insegurança jurídica. Muitos magistrados, receosos dos efeitos da Lei, estão indeferindo pedidos de realização de penhora ou bloqueio. Basta uma pesquisa jurisprudencial para vislumbrar diversas decisões indeferitórias de pedidos de bloqueios online em contas bancárias.

Em função desta celeuma, os operadores do Direito aguardam, ansiosamente, o desfecho de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) em curso no Supremo Tribunal Federal (STF): a de número 6238, ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e outros; e a de número 6239, pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). O primeiro grau da Justiça brasileira depende desta decisão superior para não só destravar a ferramenta de execução, mas, ao mesmo tempo, oferecer segurança à ação dos magistrados, que temem ser responsabilizados.

Este temor explica, por exemplo, por que o Foro da Comarca de Palmas (PR) expediu a Portaria 22/2019, publicada em 30 de setembro de 2019. Nela, o juiz Eduardo Ressetti Pinheiro Marques Vianna anunciou que, a partir de janeiro de 2020, não mais autorizaria penhora online de eventuais contas correntes e aplicações financeiras pelo sistema Bacenjud, exceto decorrente de ordem superior. Na Justiça do Rio Grande do Sul, a Ordem de Serviço 03/2019, da 1ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, seguiu na mesma linha. Há quem diga que tais atitudes têm caráter de protesto. A verdade, inegável, é que a nova legislação impactou fortemente o processo de execução – e para pior.

Não custa lembrar que o suporte e o fomento à tecnologia empregada na recupera-ção de crédito renderam bons frutos. Dados do Banco Central apontam que a melho-ria no sistema de rastreio do Bacenjud resultou numa diferença de R$ 10,9 bilhões acima de todo o recuperado em 2017. É possível, assim, vislumbrar que pequenos avanços acarretam em grandes consequências financeiras, porquanto os sistemas conveniados contribuem para a satisfação do direito do credor, além de aprofundarem a celeridade, gerarem economia de insumos e despesas para diligências.

Em vista das ocorrências, denota-se que a matéria é nova e enseja cuidados, já que deverá ser discutida durante os próximos meses até ser pacificada. Logo, surge mais um ponto estratégico a ser observado nas demandas jurídicas, a fim de evitar o aumento da morosidade processual já presente no Judiciário brasileiro.

Luciano Becker de Souza SoaresAdvogado especializado em Direito Tributário | Data Protection Officer (DPO)

Shaiene da Costa

Advogada especializada em Recuperação de Crédito

Karen Lucia Bressane RubimAdvogada especializada em Direito Civil e Processo Civil | Data Protection Officer (DPO)

NOTA

A equipe Cesar Peres, determinada a promover sua integral adequação aos dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, em atenção às novas demandas no âmbito digital, está qualificando seus profissionais com a certifica-ção para Data Protection Officer. Tal qualificação habilita seu staff para exercer as atribuições do cargo de Encarregado indicado no artigo 5.º, inciso VIII, da Lei 13.709/2018 e alterada pela Lei 13.853/2019, de forma a garantir a segurança e privacidade de seus dados pessoais e de seus clientes.

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Index Boletim - Quarto trimestre de 2019Pág. 19

As diferentes formas de reorganização de grupos empresariais

Há tempos se discute acerca do ciclo de vida das organizações, chegando-se a comparar esse ciclo com organismos vivos que crescem e morrem. Ichak Kalderon Adizes, consultor de negócios e estudioso dos comportamentos das organizações, definiu os estágios desse ciclo de vida na seguinte ordem: Infância, Pré-Adolescência, Adolescência, Plenitude, Estabilidade, Aristocracia, Pré-Burocracia, Burocracia e Morte. Percorrem-se, nesta trajetória, períodos de incertezas até o amadurecimento e declínio. O que diferencia a continuidade ou morte de uma empresa é a forma como ela trabalha os momentos de crise e as ferramentas que utiliza na busca do soerguimento do período de declínio.

Porém, quando uma crise vem assolar um grupo empresarial, torna-se imperioso identi-ficar os rumos para a manutenção do core business, conhecendo as causas da crise e as ferramentas necessárias para implementar o turnaround. Nesse momento, é importante explicitar os aspectos práticos da reestruturação dos grupos empresariais e os possíveis entraves que um processo de recuperação judicial poderá ter.

Ao requerer a recuperação judicial de um grupo empresarial, os representantes precisam atentar tanto para o preenchimento das formalidades estabelecidas na regra geral, como para a apresentação de balanço patrimonial e demonstração de resultados acumulados. Quanto ao preenchimento específico para pedidos que englobam mais de uma empresa, demonstrar, por exemplo, comunhão de direitos ou de obrigações relativamente ao processo e ocorrência de afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.

Superada a primeira etapa – depois de autorizada pelo Judiciário a reunião de todas as empresas no polo ativo da demanda, o que se denomina de litisconsórcio ativo facultativo –, parte-se para a segunda fase. Nesta, se definirá se cada empresa terá de apresentar seu plano de pagamento individualmente (o que denominaremos de consolidação processual) ou se será possível apresentar um único plano para todas as empresas (o que denominaremos de consolidação substancial).

Na consolidação processual, cada uma das empresas possui obrigações autônomas e absorverá de forma exclusiva o resultado de seu plano de recuperação judicial. Os atos são autônomos, como a publicação dos editais do rol de credores e a convocação de assembleias para deliberação do plano de recuperação, observada a singularidade de cada sociedade.

Na consolidação substancial, não há separação dos ativos do conglomerado econômico. E mais: o rol de credores é unificado, a apreciação do plano se dá em votação única na forma do artigo 45, parágrafos 1º e 2º da lei recuperacional e a aprovação ou rejeição do plano se estende a todas as sociedades do grupo, afastando-se a autonomia jurídica.

A consolidação substancial é medida excepcional e deverá ser adotada quando se verifica, principalmente, confusão patrimonial entre as sociedades que pleitearam a recuperação judicial. Fatores como a similitude de sócios, o reconhecimento do mercado em atuação conjunta do grupo e as garantias cruzadas também deverão ser considerados na análise pelo juízo.

Resta saber, após esse ‘‘juridiquês”, quais os impactos econômicos, financeiros e patrimo-niais resultantes de cada um dos procedimentos, e eis aqui o ponto mais relevante.

Em caso de consolidação substancial, o grupo empresarial poderá alocar os seus recursos da forma como melhor lhe aprouver. Isso significa que é possível alienar, por exemplo, um ativo de grande valor da empresa “a” para pagamento do passivo das empresas “b” e “c”. Ainda nesse cenário, é possível utilizar a liquidez do caixa de uma empresa para cumprimento de obrigações das outras recuperandas; logo, a reorganização se torna maleável à realidade do grupo. Em contrapartida, em caso de decretação de falência, todo o grupo entra no estado de insolvência e liquidação de ativos.

Outrossim, nos casos de consolidação processual, a receita e os ativos deverão ser utilizados exclusivamente pela empresa que os detém. Por consequência, uma empresa que esteja com déficit de caixa, ausência de liquidez ou sem patrimônio para fazer frente ao seu passivo, não poderá se socorrer das suas “parceiras comerciais”. Por sua vez, caso uma das empresas convole em falência, via de regra, esta não se estenderá às demais empresas do grupo, mantendo-se a autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

Conclui-se que não se pode tratar a reestruturação de grupos empresariais da mesma forma como se trata o soerguimento de uma única empresa. A previsibilidade dos possí-veis cenários é fator inafastável para o sucesso do negócio do conglomerado econômico, uma vez que um eventual erro de estratégia poderá significar a morte de todas as empresas do grupo, saudáveis e não saudáveis, como um vírus letal.

Wagner Luís Machado

Advogado especializado em Direito Empresarial

Da exclusão judicial do sócio majoritário por iniciativa da maioria dos sócios minoritários

O ordenamento jurídico brasileiro estabelece que a aquisição de personalidade jurídica pelas sociedades se dá com a inscrição de seu ato constitutivo no respectivo registro. Contudo, tal momento apenas externaliza o ânimo preexistente dos sócios estarem juntos para a constituição de uma sociedade. Ou seja, diferentemente de outras relações contratuais em que as partes assumem posições opostas, a característica fundamental da relação societária é o objetivo em comum almejado pelos sócios, qual seja, a affectio societatis.

Na doutrina de João Eunápio Borges, ressalta-se que a affectio societatis tem conteúdo essen-cialmente de natureza econômica. Funda-se, portanto, na intenção dos sócios, no momento de constituição da sociedade, de cooperar ativamente para a realização da obra ou empresa comum.

Desta forma, a affectio societatis constitui elemento subjetivo característico e impulsionador da sociedade, representando a convergência de interesses dos sócios para alcançar o objeto definido no contrato social.

Em sociedades empresárias como as limitadas, em que a afeição pessoal entre os sócios se torna vínculo fundamental para a formação da sociedade, o indivíduo e suas características pessoais predominam sobre o capital que ele possa vir a agregar à sociedade.

Ocorre que a manutenção da sociedade empresária está amparada, igualmente, na necessidade de alcance de sua função social; ou seja, à conquista de um objetivo útil, não somente para os sujeitos diretamente envolvidos, mas também para a sociedade.

O Direito Societário, portanto, precisa oferecer instrumentos e formas de se permitir a manuten-ção da sociedade – e da empresa –mesmo em situações nas quais os seus sócios não mantenham um bom relacionamento entre si.

Neste contexto, a dissolução parcial e a exclusão de sócio são fenômenos diversos. Na primeira, pretende o sócio dissidente a sua retirada da sociedade, bastando-lhe a comprovação da quebra da affectio societatis; na segunda, a pretensão é de excluir outros sócios, em decorrência de grave inadimplemento dos deveres essenciais, colocando em risco a continuidade da própria atividade social.

Em outras palavras, a exclusão é medida extrema que visa à eficiência da atividade empresarial, para o que se torna necessário expurgar o sócio que gera prejuízo ou a possibilidade de prejuízo grave ao exercício da empresa. Nesse caso, é imprescindível a comprovação do justo motivo.

Entretanto, o problema se dá quando a efetiva quebra da affectio societatis é consequência da prática de falta grave pelo sócio majoritário. No caso, o Código Civil de 2002 estabelece que o sócio pode ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente (artigo1.030).

Assim, na exclusão judicial de sócio em virtude da prática de falta grave não incide a condi-cionante prevista no artigo 1.085 do Código Civil, somente aplicável na hipótese de exclusão extrajudicial de sócio por deliberação da maioria representativa de mais da metade do capital social, mediante alteração do contrato social.

Essa, a propósito, foi a compreensão adotada no julgamento do REsp 1653421/MG, pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO SOCIETÁRIO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INE-XISTÊNCIA. SÓCIO MAJORITÁRIO. PRÁTICA DE FALTA GRAVE. EXCLUSÃO. ART. 1.030 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. SÓCIOS MINORITÁRIOS. INICIATIVA. POSSIBILIDADE.

1. Controvérsia limitada a definir se é possível a exclusão judicial de sócio majoritário de sociedade limitada por falta grave no cumprimento de suas obrigações, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios.

2. Nos termos do Enunciado nº 216/CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil, o quórum de deliberação previsto no art. 1.030 do Código Civil de 2002 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios.

3. Na apuração da maioria absoluta do capital social para fins de exclusão judicial de sócio de so-ciedade limitada, consideram-se apenas as quotas dos demais sócios, excluídas aquelas pertencen-tes ao sócio que se pretende excluir, não incidindo a condicionante prevista no art. 1.085 do Código Civil de 2002, somente aplicável na hipótese de exclusão extrajudicial de sócio por deliberação da maioria representativa de mais da metade do capital social, mediante alteração do contrato social.

4. Recurso especial não provido.

(REsp 1653421/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 13/11/2017)

Desta forma, o artigo 1.030 do Código Civil, ao dispor que a exclusão judicial é de ‘‘iniciativa da maioria dos demais sócios’’, de modo claro e expresso, determina que, para a decisão sobre a promoção da ação de exclusão judicial, não é computada a participação social do excluendo.

Logo, torna-se possível a exclusão de qualquer sócio, independentemente de sua participação no capital social, o que significa dizer que o majoritário pode ser excluído, judicialmente, pela minoria.

Geovane Machado Alves

Advogado especializado em Direito Tributário

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Index Boletim - Quarto trimestre de 2019Pág. 20

ARTIGOS

Contrato de Trabalho Verde e Amarelo: à espera do Congresso Nacional

Desde que o Governo Federal publicou a Medida Provisória 905, em 12 de novembro de 2019, muito se discute acerca das alterações produzidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e em razão do chamado Contrato de Trabalho Verde e Amarelo. Gerou tantas dúvidas com essa nova modalidade contratual que o Ministério da Economia teve de publicar a Portaria 950/2020, no início de 2020, para detalhar melhor as nuances jurídicas.

Mas, afinal, o que é esse tal Contrato Verde e Amarelo? A quem se destina? Qualquer empresa pode contratar? Como funciona?

O Contrato Verde Amarelo foi criado com a expectativa de gerar cerca de 1,8 milhão de novos postos de trabalho para jovens entre 18 e 29 anos que não possuem experiência formal de trabalho. Com vigência entre janeiro de 2020 e dezembro de 2022, a nova modalidade prevê o pagamento de até 1,5 salário mínimo, num contrato com duração máxima de 24 meses.

Em breve apanhado, trata-se de contrato de prazo determinado com critérios e requisitos específicos.

Na celebração do Contrato Verde e Amarelo, devem ser observados: o limite máximo de idade do trabalhador e a caracterização como primeiro emprego. Para esse último, devem ser des-considerados os seguintes vínculos laborais: menor aprendiz, contrato de experiência, contrato intermitente e trabalho avulso. Destaca-se que a MP prevê que o trabalhador contratado nestas outras formas de contrato trabalhista, uma vez dispensado, não poderá ser recontratado pelo mesmo empregador nessa nova modalidade pelo prazo de 180 dias, contado da data de dispensa.

Detalhe importantíssimo: como o Contrato Verde e Amarelo diz respeito a novos postos de trabalho, a nova modalidade poderá ser utilizada para qualquer tipo de atividade, seja tran-sitória ou permanente, e para substituição transitória de pessoal permanente. A configuração dos novos postos de trabalho ocorrerá quando ultrapassada a média do total de empregados registrados na folha de pagamento no momento da celebração do contrato. A referida média poderá ser consultada, mediante certificado digital, nos sítios www.gov.br ou https://servicos.mte.gov.br/verdeamarelo.

A nova modalidade entrega benefícios diretos ao empregador, com a desoneração da folha de pagamento. Ao final de cada mês, ou em prazo inferior a um mês se acordado expressamente entre as partes, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas: remune-ração salarial, 13º salário proporcional e férias proporcionais com acréscimo de um terço. Ainda, desde que acordado expressamente mesmo que de forma individual, o empregado também poderá receber mensalmente a indenização de 20% sobre o saldo do Fundo de Garantia – ao invés dos 40%.

Além disso, o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo contempla isenção da contribuição pa-tronal do INSS, das alíquotas do Sistema “S”, do salário-educação e a redução da contribuição do Fundo de Garantia de 8% para 2%. A redução é estimada entre 30% a 34% do custo do empregado contratado.

Por fim, é vital observar situações que podem vir a descaracterizar o Contrato Verde e Amarelo, que traz como consequência a transformação em contrato a prazo indeterminado, tais como: ultrapassar o prazo do contrato de 24 meses; desrespeitar as regras de equiparação salarial que trata o artigo 461 da CLT; e se o piso salarial da categoria ou o salário profissional for superior a 1,5 salário mínimo nacional. Nesse caso, o trabalhador passa a fazer jus a todos os direitos flexibilizados pela nova modalidade contratual.

Agora, é esperar que o Congresso Nacional transforme a MP 905 em lei, acolhendo-a integralmente, antes que perca a sua eficácia. Porém, caso seja rejeitada ou alterado parte do texto da MP, os contratos entabulados poderão ser contestados. Nessa situação indesejável, os atos celebrados entre as partes, mesmo que válidos, precisariam ser disciplinados por meio de decreto legislativo, a fim de regulamentar as relações jurídicas havidas na vigência da MP; ou, na sua ausência, pela provocação do Poder Judiciário.

Ademais, importante esclarecer que o Supremo Tribunal Federal já recebeu quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) desta MP. Aliás, desde que chegou ao Congresso, a MP recebeu uma chuva de emendas – quase duas mil –, com sugestões de mudanças apresentadas por 86 parlamentares.

Como se pode perceber, o tema é controverso e vem sendo alvo de fortes discussões no âmbito jurídico e no Legislativo Federal. Aqueles que criticam a nova modalidade contratual se concentram em pontos que julgam causar “malefícios” aos interesses dos trabalhadores, como as reduções do adicional de periculosidade de 30% para 5% sobre o salário-base, caso o empre-gador venha a optar por contratar seguro privado, da multa sobre o saldo do FGTS e da alíquota de contribuição ao mesmo Fundo pelos empregadores, que cai de 8% para 2% ao mês.

Por outro lado, os que defendem a nova modalidade, assim como eu, entendem que a alteração legislativa proposta ao Congresso irá gerar mais postos de trabalho e estimulará a absorção de jovens pelo mercado formal. Isso, claro, além de reduzir o desemprego e a informalidade.

Sem dúvida, o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, caso aprovado nos termos da MP 905/2019 e da Portaria 950/2020, será um avanço e tanto. Porém, por se tratar de uma nova modalidade contratual, com características bem específicas, recomenda-se o cumprimento integral de seus critérios e requisitos, para evitar qualquer contratempo com fiscalizações ou ainda ações trabalhistas.

Alice Romero

Advogada especializada em Processo e em Direito do Trabalho

Breves comentários à nova Lei de Franquias

A nova Lei de Franquias (Lei 13.966/2019) entra em vigor a partir de 26 de março, curiosamente, 26 anos depois do aparecimento do primeiro marco legal deste nicho de negócios, a extinta Lei 8.955, sancionada em 15 de dezembro de 1994, no apagar das luzes do governo Itamar Franco. Algumas das modificações agora normatizadas, é bom que se diga, já vinham sendo aplicadas aos contratos de franquia.

Assim, a partir de agora, as redes franqueadoras que operam em solo nacional terão de se debruçar sobre a nova legislação para revisar e atualizar seus instrumentos jurídicos. Afinal, o mercado de franquia empresarial estava ansioso por um conjunto de regras inovadoras, para alavancar de vez o setor.

Alguns avanços merecem especial destaque, como a questão da propriedade intelectual (PI). Enquanto a legislação antiga limitava o conceito de franquia apenas à concessão do direito de uso de marca ou patente, a nova Lei expande o leque, autorizando a utilização de marcas e de outros objetos cobertos por PI. Para o fim de autorizar o uso, contudo, o franqueador deverá ser o legítimo titular do direito ou estar expressamente autorizado para tanto.

Também foram removidos dois entraves importantes, sendo um relativo a risco de consumo, outro, trabalhista. É que a subordinação empresarial do contrato de franquia era vista por alguns juristas como relação de consumo entre franqueadora e franqueado. A jurisprudência, no entanto, foi se alinhando à tese da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC), posição, finalmente, sacramentada na nova legislação. Igualmente, também ficou clara a inexistência de vínculo empregatício entre franqueador e franqueado, ou para empregados deste. Claramente, trata-se de reconhecer e privile-giar a autonomia da vontade dos contratantes, em que o tomador da marca não poderá mais se declarar ‘‘hipossuficiente’’ nestas duas modalidades de riscos jurídicos.

Importante mencionar que a Circular de Oferta de Franquia (COF) e demais contratos, a partir de agora, devem ser escritos em Língua Portuguesa ou ter tradução certificada. Os contratos que produzirem efeitos exclusivamente no Brasil serão regidos pela lei brasilei-ra. Os contratantes podem eleger um de seus países de domicílio como foro para resolver eventuais litígios, mas se obrigam a constituir representantes ou procuradores devida-mente qualificados e domiciliados no país do foro eleito, com poderes de representação administrativa e judicial, inclusive para receber citações. Há também a possibilidade das partes elegerem juízo arbitral para solução de controvérsias relacionadas à franquia.

Sobre a COF, a Lei estabeleceu novos requisitos obrigatórios, além daqueles já previstos na lei anterior, a saber: a) na qualificação do franqueador, deve constar as empresas as quais esteja ligado, informando, além da razão social, endereço e nome fantasia, o nú-mero dos CNPJs; b) o franqueador fica obrigado a fornecer a relação completa de todos os franqueados, subfranqueados e subfranqueadores, contendo todos os dados, além daqueles que se desligaram nos últimos 24 meses; c) informações acerca da política de atuação territorial, pela necessidade de esclarecer se há e quais são as regras de concor-rência territorial entre unidades próprias e franqueadas; d) a obrigatoriedade de indicar o que é oferecido pelo franqueador ao franqueado e em quais condições, especialmente no que diz respeito ao suporte e incorporação de inovações tecnológicas às franquias, leiaute e padrões arquitetônicos das instalações necessárias, incluindo arranjo físico de equipamentos e instrumentos, memorial descritivo, composição e croqui; e) informação sobre a situação da marca e/ou outros direitos de propriedade intelectual relacionados à franquia; f) indicação e descrição sobre (in)existência de regras de transferência ou sucessão; g) indicação sobre situações passíveis de aplicação de penalidades, multas ou indenizações; h) informações sobre existência de cota mínima de compra e sobre a pos-sibilidade e condições para recusa de produtos ou serviços exigidos pelo franqueador; i) indicação sobre existência de conselho ou associações de franqueados, com informações pormenorizadas de suas atribuições e competências; j) indicação de regras de limitação à concorrência entre franqueador e franqueado e entre franqueados; k) especificação precisa do prazo contratual e condições de renovação, caso existam; e l) local, dia e hora para recebimento da documentação proposta.

Os franqueadores que omitirem ou falsearem as informações exigidas pela Lei na minuta da COF terão de devolver as quantias pagas pelo franqueado ou a terceiros indicados a título de filiação ou royalties, corrigidas monetariamente, além do contrato ser declarado nulo.

Finalmente, cabe destacar que tanto o franqueado como o franqueador é parte legítima para propor ação renovatória da sublocação do ponto comercial. E o valor do aluguel ao franqueado pode ser superior ao valor pago pelo franqueador ao proprietário do imóvel, desde que este aspecto esteja expresso na COF e que não se constate onerosidade exces-siva. Esse dispositivo é polêmico e deve gerar demandas judiciais, pois colide diretamente com a Lei de Locações.

Vanessa Pereira Oliveira Soares

Advogada especializada em Contratos e Negócios da Propriedade Intelectual