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Rosangela Faria Rangel Assistência no Rio de Janeiro: elite, filantropia e poder na Primeira República Tese de Doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Serviço Social. Orientador: Profa. Inez Trezinha Stampa Co-Orientador: Profa. Gisele Porto Sanglard Rio de Janeiro Setembro de 2013

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Rosangela Faria Rangel

Assistência no Rio de Janeiro: elite, filantropia e poder na Primeira República

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Serviço Social.

Orientador: Profa. Inez Trezinha Stampa

Co-Orientador: Profa. Gisele Porto Sanglard

Rio de Janeiro Setembro de 2013

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Rosangela Faria Rangel

Assistência no Rio de Janeiro: elite, filantropia e poder na Primeira República

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social do Departamento de Serviço Social do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profa. Inez Trezinha Stampa Orientador

Departamento de Serviço Social – PUC-Rio

Profa. Gisele Porto Sanglard Co-Orientador

FIOCRUZ

Profa. Ana Maria Quiroga PUC-Rio

Prof. Rafael Soares Gonçalves PUC-Rio

Profa. Claudia Maria Ribeiro Viscardi UFJF

Profa. Lobélia da Silva Faceira UNIRIO

Prof. Marcio Eduardo Brotto PUC-Rio

Profa. Mônica Herz Vice-Decana de Pós-Graduação do

Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 20 de setembro de 2013

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou

parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora

e do orientador.

Rosangela Faria Rangel

Graduou-se em Serviço Social pela Universidade Federal do

Rio de Janeiro, em 1990. Realizou mestrado em Serviço Social

pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1996.

Participou, como bolsista de aperfeiçoamento do CNPq, na

pesquisa ”Políticas de Assistência: controle do conflito e

práticas de reapropriação”, realizada na Escola de Serviço

Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nesta

instituição também participou da pesquisa “Modernização e

Exclusão Social: novos perfis da clientela do Serviço Social” e,

como pesquisadora, no Instituto Superior de Estudos da

Religião (ISER) no “Estudo sobre as famílias ocupantes do

Campus de Jacarepaguá da Fiocruz” e na “Avaliação de

Programas de Intervenção em Áreas Carentes: o Viva Rio e os

desafios da intervenção social”. Foi professora substituta da

Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de

Janeiro em 1997 e em 2002. Tem experiência na área de

Serviço Social, com ênfase em projetos comunitários.

Ficha Catalográfica

CDD: 361

Rangel, Rosangela Faria Assistência no Rio de Janeiro: elite, filantropia e poder na Primeira República / Rosangela Faria Rangel ; orientadora: Inez Terezinha Stampa ; co-orientadora: Gisele Porto Sanglard. – 2013. 223 f. : il.; 30 cm Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Serviço Social, 2013. Inclui bibliografia. 1. Serviço social – Teses. 2. Assistência. 3. Filantropia. 4. Elites. 5. Questão Social. 6. Primeira República. I. Stampa, Inez Terezinha. II. Sanglard, Gisele Porto. III. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Serviço Social. IV. Título.

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Ao meu pai, Renato (in memorian)

À minha mãe Esther

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Agradecimentos

Muitas pessoas participaram direta ou indiretamente da trajetória de construção

deste trabalho. Gostaria, entretanto, de agradecer em especial:

À minha mãe Esther Rangel, por compreender minhas ausências e pelo apoio e

amor incondicionais.

À Profª Ana Quiroga, com quem tive a honra de conviver profissionalmente por

mais de vinte anos e com quem iniciei esse processo de pesquisa. À minha mestra

com carinho, que me incentivou a ingressar no doutorado e me deixou um legado

intelectual que carrego como um tesouro precioso, dedico minha admiração,

minha amizade e meu respeito.

À Profª Inez Stampa, agradeço por ter me aceitado, “no meio do caminho”, como

sua orientanda, por seu apoio e orientação para a conclusão deste percurso

intelectual.

À Profª Gisele Sanglard, por ter aceitado o convite para co-orientar esta tese. Com

certeza, sua orientação eficiente, sua dedicação e disponibilidade foram

imprescindíveis para a elaboração deste trabalho. Sou muito grata pelas valiosas

contribuições para o desenvolvimento da pesquisa.

À Profª Maria Dina Nogueira Pinto, pela sua providencial e generosa ajuda no

processo de pesquisa.

Aos docentes que gentilmente aceitaram participar de minha banca de doutorado.

À Profª Joana Angélica Garcia, da Escola de Serviço Social/UFRJ, que aceitou

participar da suplência de minha banca de doutorado.

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Aos companheiros (as) de doutorado, pela possibilidade de partilhar ideias e

novos conhecimentos, em especial à Laura Olivieri Carneiro e Marcio Eduardo

Brotto.

Aos funcionários da Biblioteca Nacional e do Arquivo Geral da Cidade do Rio de

Janeiro, pela presteza e generosidade que possibilitaram a elaboração de grande

parte desta pesquisa.

Ao Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, em especial ao professor Rafael

Soares Gonçalves pelo aprendizado e incentivo. À Joana Maria Félix pela atenção

e solicitude.

À PUC-Rio e à CAPES, pela oportunidade de realizar este trabalho.

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Resumo

Rangel, Rosangela Faria; Stampa, Inez Terezinha. Assistência no Rio de

Janeiro: elite, filantropia e poder na Primeira República. Rio de Janeiro,

2013. 223 p. Tese de Doutorado – Departamento de Serviço Social,

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Esta pesquisa consiste no estudo da filantropia na cidade do Rio de Janeiro

durante a Primeira República. Para tanto, compreende a ação filantrópica como

uma nova forma de intervenção social frente aos problemas da cidade,

identificando-a, por outro lado, como expressão do pensamento político de uma

elite urbana em formação no país e de sua vinculação com o poder. O estudo

centra-se, assim, nas propostas de assistência aos pobres defendidas pela elite

dominante enquanto projeto político que visava a “reforma social e moral” da

sociedade brasileira; na influência de ideias de reformadores sociais franceses; em

uma intrincada relação entre o público e o privado na configuração da assistência

e, ainda, nas preocupações das elites relacionadas à emergência da questão social.

A investigação abrangeu tanto o campo das ideias como o campo das ações dos

filantropos, enquanto fundadores de instituições e organizações sociais. Quanto ao

primeiro campo, a análise destacou dois marcos importantes na história da

assistência no Brasil: o Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada e a

publicação da obra Assistência Pública e Privada no Rio de Janeiro, ambos

estreitamente vinculados às “vitrines sociais” do capitalismo na época, a

Exposição Nacional de 1908 e a Exposição Universal de 1922. Quanto às ações

dos filantropos, foram analisados tanto os estudos pioneiros divulgados nestes

eventos como, igualmente, o quadro de membros fundadores de duas instituições

filantrópicas de destaque no período: a Liga Brasileira contra a Tuberculose e o

Instituto de Proteção e Assistência à Infância.

Palavras-chave

Assistência; Filantropia; Elites; Questão Social; Primeira República.

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Abstract

Rangel, Rosangela Faria; Stampa, Inez Terezinha (Advisor). Assistance in

Rio de Janeiro: elite, philanthropy and power in the First Brazilian

Republic. Rio de Janeiro, 2013. 223 p. Doctoral Thesis - Departamento de

Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This research consists of the study of philanthropy in the city of Rio de

Janeiro during the First Republic. Therefore, it comprises the philanthropic action

as a new form of social intervention to the problems facing the city, identifying

the other hand, as an expression of the elite political thought and its relationship

with power. The study focuses, thereby, on proposals to assist the poor advocated

by the ruling elite as a political project that aimed to "social and moral reform" of

Brazilian society; on the influence of ideas of French social reformers; in an

intricate relationship between public and private in the configuration assistance,

and also the concerns of the elites related to the emergence of the social question.

The investigation included both the realm of ideas as also the field of actions of

philanthropists, as founders of institutions and social organizations. About the first

field, the analysis highlighted two important milestones in the history of

assistance in Brazil: the National Congress of Private and Public Assistance and

the publication of the work Public and Private Assistance in Rio de Janeiro, both

closely linked to "social showcase" of capitalism in time, the National Exhibition

of 1908 and the Universal Exhibition of 1922. As for the actions of

philanthropists, were analyzed both pioneering studies reported at these events as

also the box of founding member of two philanthropic institutions outstanding

during the period: the Brazilian League Against Tuberculosis and the Institute for

the Protection and Care of Children.

Keywords

Assistance; Philanthropy; Elites; Social Question; First Brazilian Republic.

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Sumário

Introdução 17

1. Elementos para pensar a constituição da assistência no Brasil

31

1.1. Assistência e questão social nas sociedades capitalistas europeias

34

1.2. Assistência e ideário da modernidade na construção do Brasil

49

1.3. O Brasil nas “vitrines” do capitalismo: a assistência como objeto de exposição

57

1.4. Filantropia e elites republicanas: ilusões do progresso na capital da República

64

2. Assistência Pública e Privada: o debate dos reformadores sociais brasileiros

76

2.1. Congressos Científicos & Exposições: a Exposição de 1908

78

2.2. O Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada

89

2.3. As Teses do Congresso 101

2.3.1. “Assistência Gratuita ao Doente”: relatórios de Garfield de Almeida e Juliano Moreira

102

2.3.2. “Assistência à Infância”, mortalidade infantil e educação dos deficientes: relatório de Fernandes Figueira

110

2.3.3 “Assistência à Infância Moralmente Abandonada” e a legislação - conclusões aprovadas no Congresso

115

2.3.4. Assistência pelo Trabalho” - conclusões aprovadas no Congresso

120

2.3.5. “Assistência Metódica”: por uma aliança permanente entre a assistência pública e privada – tese de Ataulpho de Paiva

122

2.4. As Resoluções do Congresso 127

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3. A Exposição Internacional e a Sistematização da assistência em 1922

130

3.1. A comemoração do Centenário da Independência do Brasil

133

3.2. A primeira Sistematização Oficial da Assistência no Rio de Janeiro: aliança entre o público e o privado

147

4. Elites urbanas e Poder Republicano: a criação de instituições filantrópicas na virada do século XIX para o XX no Rio de Janeiro

172

4.1. A Liga Brasileira contra a Tuberculose 176

4.2. O Instituto de Proteção e Assistência à Infância 191

5. Considerações Finais 205

6. Referências Bibliográficas 212

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Lista de Tabelas

Tabela 1- Membros da comissão organizadora do Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada (1908)

95

Tabela 2 - Institutos de Beneficência em 1912 152 Tabela 3 - Institutos de Beneficência – 1913-1920 152 Tabela 4 - Subvenções federais destinadas à Liga Brasileira contra a Tuberculose – 1907-1913

184

Tabela 5 - Subvenções municipais destinadas à Liga Brasileira contra a Tuberculose – 1902-1913

184

Tabela 6 - Quotas da loteria federal destinadas à Liga Brasileira contra a Tuberculose – 1904-1913

185

Tabela 7 - Quotas de loteria recebidas pelo sanatório Rainha D. Amélia – 1911-1913

189

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Lista de Figuras

Figura 1- Exposição Universal de 1889 – vista panorâmica

35

Figura 2 - Primeira Exposição Nacional em 1861 – Jardim Imperial localizado no palco central do Palácio da Exposição

58

Figura 3 - Álbum da Exposição de 1908: órgão de propaganda nacional

79

Figura 4 - Exposição Nacional de 1908. Porta monumental vista de dentro da Exposição para fora

80

Figura 5- Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Fotografia tomada do Morro do Castelo

84

Figura 6 - Posto Central de Assistência Municipal 88 Figura 7- Instituto Profissional João Alfredo. Homens trabalhando em máquinas no interior do Instituto

88

Figura 8 - Prédios iluminados pertencentes à Exposição de 1922. Visão noturna

135

Figura 9 - Desmonte do Morro do Castelo com uso de força hidráulica

136

Figura 10 - Ladeira do Morro do Castelo, antes de ser derrubado pelas obras de modernização da cidade

137

Figura 11- Portal de entrada da Exposição Internacional de 1922

138

Figura 12 - Pavilhões da Estatística e da Caça e da Pesca (em obras). Exposição de 1922

139

Figura 13 - Pavilhão dos Estados e Pavilhão das Indústrias. Exposição de 1922

139

Figura 14 - Pavilhão da Brahma (em obras). Exposição Internacional de 1922

140

Figura 15 - Pavilhão da Fábrica de Tecidos Nova América. Exposição Internacional de 1922. Ao fundo, vê-se o Morro do Castelo em processo de desmonte

145

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Figura 16 - Asilo São Francisco de Assis. Idosos sentados em bancos no pátio externo do asilo

167

Figura 17 - Asilo São Luís (1913) 169 Figura 18 - Prédio da Liga Brasileira contra Tuberculose

178

Figura 19 - Dispensário Viscondessa de Moraes, 1911

187

Figura 20 - Preventório Rainha D. Amélia, Ilha de Paquetá [s.d.]

190

Figura 21 - Instituto de Proteção e Assistência à Infância ainda em construção [s.d.]

192

Figura 22 - Fachada do Instituto de Proteção e Assistência à Infância [s.d.]

192

Figura 23 - Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro

197

Figura 24 - Os concorrentes do 19° Concurso de Robustez do IPAI [s.d.]

199

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Lista de Quadros

Quadro 1 - Comissão Brasileira na Exposição Universal da Filadélfia

61

Quadro 2 - Instituições pertencentes à Santa Casa do Rio de Janeiro em 1908

85

Quadro 3 - Membros da comissão organizadora do Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada de 1908

91

Quadro 4 - Membros da Liga Brasileira contra a Tuberculose

179

Quadro 5 - Membros Fundadores do Instituto de Proteção e Assistência à Infância

193

Quadro 6 - Dotação Orçamentária IPAI – 1912 196 Quadro 7 - Dotação Orçamentária IPAI – 1913-1915 196

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Lista de Abreviaturas

ABL - Academia Brasileira de Letras

ACRJ - Associação Comercial do Rio de Janeiro

AEC - Associação dos Empregados no Comércio

AGCRJ – Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro

ANM - Academia Nacional de Medicina

CEBAS - Certificado de Entidade Beneficente

CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social

CNSS - Conselho Nacional de Serviço Social

DNSP - Departamento Nacional de Saúde Pública

FMRJ – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro

IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

IPAI - Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro

LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social

NOB-SUAS/2005 - Norma Operacional Básica

PNAS - Política Nacional de Assistência Social

PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

SUAS - Sistema Único de Assistência Social

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Rememorar, não esquecer é apresentado como um dever

pessoal dirigido a cada um de nós. Mas uma tal memória não

é transmissão, mas reconstrução: história.

François Hartog

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Introdução

Esta tese consiste no estudo da filantropia como uma forma de pensamento

político de uma nova elite urbana em formação no país e sua vinculação com o

poder na Primeira República (1889-1930), em particular, na cidade do Rio de

Janeiro. Parte-se do pressuposto que a assistência se configurou, para esse grupo

social, como um poderoso operador de legitimação na sociedade, em estreita

vinculação com o poder político na capital da República. Dessa forma, verifica-se

uma articulação entre a legitimação pela assistência de um grupo social urbano e a

formação de esferas sociais e políticas na sociedade brasileira nesse período.

Esta investigação busca contribuir com a produção de conhecimento sobre a

história da assistência e, em particular, da assistência social. O processo de

pesquisa teve seu início com os estudos sobre as Irmandades da Misericórdia, nos

quais verificamos que a assistência sempre teve, desde a colonização portuguesa,

uma dimensão legitimadora do poder, o que nos levou a colocá-la em outro

patamar na dinâmica da sociedade brasileira, pois historicamente ela “foi

concebida como ocupando um lugar subalterno e/ou residual na estruturação

econômica e na formação e manutenção das elites no país” (Quiroga, 2008, p.15).

Além disso, esses estudos possibilitaram uma percepção de que a vinculação

do passado da profissão com os valores religiosos e as práticas sociais da Igreja

Católica em relação aos pobres não se constituía em uma história única e

imutável, tanto em relação à realidade européia (ocidental cristã) como à realidade

brasileira.

Assim, o percurso da pesquisa veio a se delinear como uma possível

releitura do passado profissional a partir de novos referenciais de análise. Esse

interesse em “revisitar” o passado, obviamente, exigiu tanto a elaboração de

recortes temáticos quanto uma certa coragem teórico-metodológica de navegar

pelos campos da história social e política.

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No entanto, não se tratava de “tornar-se historiadora”, mas de empreender

uma leitura histórica de um campo profissional. Este deveria ser recortado de

forma a demarcar mais nitidamente as prioridades de estudo. Foi, portanto,

realizada uma sucessão de delimitações.

O primeiro recorte refere-se a uma releitura do passado da profissão, no

Brasil, através de um setor importante do campo profissional, isto é, a área da

assistência social. Essa área permanece como socialmente importante e é

responsável pelo próprio nome atribuído ao profissional: assistente social.

Convém ressaltar que a história oficial da profissão é só uma pequena parte

dela, reconstituída a partir de um “trabalho de enquadramento da memória”

(Pollak, 1989).

Pollak (1989) aponta que os estudos de memória abrangem processos e

atores que intervêm no trabalho de constituição e de formalização das memórias.

O autor indica que o trabalho de enquadramento da memória alimenta-se do

material fornecido pela história, o qual é interpretado a partir do que grupos

hegemônicos consideram importante reconstituir. Constitui-se, portanto, em uma

reinterpretação incessante do passado em função dos combates do presente e do

futuro.

Na historiografia profissional mais clássica, as origens da profissão remetem

à Igreja Católica e ao seu projeto de recristianização da sociedade. A Igreja, com o

objetivo de reconquistar sua soberania abalada com o início da República,

buscava ampliar e modernizar sua tradicional atuação na área da assistência.

Configuravam-se, assim, as bases do Serviço Social através da chamada “reação

católica” (Backx, 1994). Nessa perspectiva histórica, o enquadramento da

memória profissional implicou em vincular a emergência da profissão

estritamente à assistência promovida pela Igreja Católica, o que limitou o

entendimento de um processo muito mais complexo.

A partir da década de 1970, o movimento de reconceituação marcou uma

nova fase na historiografia do Serviço Social. A reconceituação, ao caracterizar-se

como um movimento de ruptura e crítica à concepção assistencialista até então

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predominante na formação e atuação profissional, também “reconceitualiza” a

história profissional.

Nessa reconstituição histórica prioriza-se a década de 1930, quando a

profissão implanta suas primeiras instituições de formação1. Nesse período, o

Serviço Social é reconhecido na divisão sócio-técnica do trabalho, situando-se no

processo de reprodução das relações sociais na sociedade capitalista (Iamamoto &

Carvalho, 1986). Na leitura realizada pelo Serviço Social “reconceituado”, o

passado assistencial é considerado como uma pré-história profissional e suas

concepções e práticas passam a ser conscienciosamente evitadas pela memória

oficializada.

No entanto, “memórias subterrâneas” (Pollak, 1989) de um passado

expurgado insistem em emergir tanto na denominação profissional - assistente

social -, como na própria definição da atual Política Nacional de Assistência

Social (PNAS).

Segundo Pollak (1989), memórias subterrâneas prosseguem seu trabalho de

oposição à memória oficial no silêncio e de maneira imperceptível. Desse modo,

entre as referências do Serviço Social enquanto profissão e do assistente social

enquanto profissional, há uma clivagem entre memória oficial e dominante e

memória subterrânea, as quais entram em disputa numa revisão (auto) crítica do

passado.

Observa-se que na constituição disciplinar do Serviço Social, a assistência

social não ultrapassa a condição de um setor específico e, por longo tempo, pouco

valorizado política e ideologicamente. Entretanto, ao invés de representar uma

esfera secundária, a assistência exerceu um papel fundamental na formação social

brasileira.

Quiroga (2008, p.15) indica que a assistência foi “usualmente considerada

como vinculada a valores religiosos, à caridade cristã, e às instituições de ajuda e

socorro aos pobres”, sendo “relativamente pouco estudada enquanto esfera de

acumulação e mobilização de recursos e formação de elites [...]”.

1 Maiores informações consultar: Yazbek (1980); Backx (1994); Dahmer (2007).

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Tratava-se então de voltar ao campo da assistência, acompanhando seu

período de história comum a outras áreas sociais, posteriormente constituídas em

campos disciplinares diferenciados (como a saúde, a educação). Aqui se incluiria

outra delimitação prévia.

Não se tratava de desvendar todo o potencial de análise da assistência na

formação social brasileira, mas de observar mais atentamente sua articulação com

a formação e manutenção das elites republicanas.

A segunda delimitação importante para a elaboração desta tese diz respeito a

um recorte dentro da assistência social, ou seja, o estudo da filantropia como uma

forma de intervenção social aparentemente sucessora ou racionalizadora da

caridade cristã.

Nossa grande hipótese de trabalho é que a filantropia deveria ser tratada

como uma forma de relação público-privado fundamentalmente política, e não um

modelo de intervenção de bases religiosas e confessionais.

É importante ressaltar que adotamos uma concepção de caridade e

filantropia enquanto práticas sociais diferenciadas, uma vez que correspondem a

modelos de intervenção distintos, ainda que possuam aspectos comuns. Sanglard

(2008a) e Horne (2004), ao citarem a historiadora francesa Catherine Duprat,

apontam que a filantropia pode ser entendida, grosso modo, como a expressão de

um processo de laicização da caridade cristã.

Destacamos aqui dois modelos de assistência implantados historicamente no

país: no primeiro, a assistência era representada socialmente sob o manto das

“Misericórdias”, onde a caridade se constituía em operador de legitimação de um

conjunto de entidades e irmandades, com as Santas Casas de Misericórdia se

configurando como o caso mais exemplar.

No segundo, a filantropia instaurou no campo da assistência, enunciados e

valores relacionados ao altruísmo e a solidariedade, renovando, assim, o universo

de justificações morais para a atuação de entidades privadas na área social. Desse

modo, a assistência era representada socialmente como uma atuação social “em

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favor do outro”, o que dava legitimidade e prestígio social àqueles que a

executavam.

A lógica filantrópica desenvolveu-se articulada à ideia de progresso e

civilização, ancorando-se no conhecimento “mais racional” dos problemas sociais

em oposição ao mero voluntarismo caritativo. Consideramos que a filantropia,

mais articulada às esferas científico-profissionais, tornou-se o modelo de

assistência predominante na Primeira República, exercendo um papel fundamental

na estruturação das instituições sociais e na formação das elites e de quadros

profissionais.

Quanto ao terceiro recorte temático, este implica em considerar a filantropia

como um ideário de elites republicanas que marcou a estruturação de diversas

áreas profissionais (como a saúde e a educação), e de forma mais duradoura a

assistência social. Esse ideário estruturou atores sociais, garantindo seu acesso ao

poder e construiu grande parte das instituições de atendimento às áreas sociais

deste país.

Pode-se considerar que na Primeira República, a filantropia, além de ter se

constituído enquanto ideologia de indivíduos e instituições sociais, também

penetrou no cotidiano da vida social, tornando-se um ideário para a sociedade

brasileira.

Entre as ideias e ideários da época destacam-se: a) a construção de um

projeto de modernidade que inserisse o país no contexto das nações “modernas”;

b) as ideias relativas à construção da nação brasileira; c) o ideário filantrópico que

impulsionou uma nova concepção de assistência.

Verifica-se, entretanto, uma estreita relação do ideário filantrópico com o

projeto de modernidade que políticos e intelectuais se mobilizavam para construir

nesse período.

Desse modo, parte-se do pressuposto que a filantropia se configurou,

historicamente, como uma forma de relação entre as elites e o poder político, a

qual viabilizava a utilização de recursos públicos para a criação e/ou manutenção

de instituições privadas “em nome dos pobres”.

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Portanto, a filantropia, mais articulada às esferas científico-profissionais, foi

o modelo predominante de assistência na Primeira República, exercendo um papel

fundamental na estruturação das instituições sociais e na formação das elites e de

quadros profissionais, estabelecendo leis e regulações que marcaram um tipo de

relação público-privado que, de diferentes formas, permanece até os dias atuais.

Na Primeira República, as subvenções federais e municipais a entidades

assistenciais podem ser consideradas como o mecanismo inaugural da relação do

Estado com a filantropia que possibilitou as ações dos filantropos no período.

Esta intrincada relação público-privado, no caso da assistência social,

permaneceu sob o predomínio do privado através de uma forte atuação de

entidades de caráter confessional ou laicas. Mesmo quando o setor público passou

a regular e gerir políticas de proteção social, a assistência social continuou

amplamente estruturada por entidades privadas reconhecidas pelo Estado através

de vários mecanismos, dentre os quais, as certificações de utilidade pública,

diferentes tipos de isenções e subsídios, redução de impostos, etc. (Abong, 2005).

Como bem coloca Raichelis (2010, p15), a área da assistência social,

[...] não foi concebida como campo de definição política no universo das políticas

sociais, constituindo-se num mix de ações dispersas e descontínuas de órgãos

governamentais e entidades assistenciais privadas que, gravitando em torno do

Estado, com ele construíram relações de apropriação e intransparência.

Pode-se afirmar que o campo da assistência social desenvolveu-se mediado

por instituições reconhecidas como filantrópicas, onde subsídios estatais às ações

sociais realizadas por essas instituições acabaram por constituir um “obscuro

campo de publicização do privado, sem delinear claramente o que nesse campo

era público ou era privado” (Mestriner, 2008, p.17).

A partir de uma perspectiva histórica, essa apropriação do público pelo

privado na constituição do campo da assistência social no Brasil poderia ser

compreendida como um tipo de estrutura de longa duração. Segundo o

historiador Fernand Braudel (2007), entende-se por estrutura de longa duração

uma articulação, uma arquitetura que o tempo veicula muito longamente.

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Para o referido autor, “certas estruturas, por viverem muito tempo, tornam-

se elementos estáveis de uma infinidade de gerações [...]”, sendo “ao mesmo

tempo sustentáculos e obstáculos dos quais o homem e suas experiências não

podem libertar-se” (Braudel, 2007, p.49-50).

Portanto, essa imbricada relação entre o público e o privado é um legado

histórico, enraizado na formação social brasileira, pautado por um modo peculiar

de realização da política. Dessa forma, a transição do campo da assistência social

para o campo da política pública se constituiu em um longo processo, no qual os

“avanços possibilitaram o enfrentamento do núcleo duro da relação público-

privado na assistência social” (Raichelis, 2010, p.18-19).

Entretanto, sob nosso ponto de vista, alguns aspectos dessa configuração

histórica podem ser identificados, atualmente, no campo da assistência social, na

medida em que ações assistenciais ainda são utilizadas como possibilidade de

troca política.

A quarta delimitação que marcou a “aventura histórica” desse

empreendimento de estudo refere-se à definição da cidade do Rio de Janeiro como

base da pesquisa. Esta escolha se deveu ao fato de que, na época, a cidade

desfrutava a condição de centro político, administrativo, comercial, financeiro e

cultural do país. Assim, buscamos analisar como a filantropia se apresentou

enquanto uma nova forma de intervenção social frente aos problemas sociais da

então capital da República.

Este estudo, portanto, tem por objetivo contribuir para uma releitura da

constituição da área da assistência social no Brasil. Consideramos que “revisitar”

o passado assistencial no país constitui uma necessidade fundamental, na medida

em que se verifica o renascimento de matrizes políticas e lógicas de atuação

institucional cuja compreensão exige o reexame de questões aparentemente

superadas.

Trata-se, portanto, de retomar a história profissional que antecede ao

período de institucionalização da profissão. Esse retorno ao passado, de certa

forma, também representa uma captura do presente, uma vez que é possível

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observar o renascimento de matrizes e lógicas de atuação institucional, onde esse

passado filantrópico, travestido com novos discursos e formatos, se faz presente.

Desse modo, pode-se perceber que novas configurações não excluem as

antigas estruturas. Estas vão se recolocando num convívio entre mudanças e

permanências inerentes à sua própria natureza histórica. No entanto, como

assinala Koselleck (2006), ao se desviar o olhar da história corrente e passar a se

ocupar com as histórias do passado, nos deparamos com diversos estratos de

experiências já vividas, às quais recorremos e organizamos a partir de perguntas

atuais.

Entre passado e futuro ou, como indica Koselleck (2006), entre espaço de

experiência e horizonte de expectativa, constitui-se um tempo histórico. No

entanto, nenhum relato de coisas passadas pode incluir tudo o que então existiu ou

ocorreu, pois “tanto no acontecer quanto depois de acontecida, toda história é algo

diferente do que sua articulação linguística consegue nos transmitir” (p.268).

Nesse sentido, nenhuma narrativa histórica pode reivindicar prioridade em relação

às histórias com que se ocupa.

Segundo Koselleck (2006), espaço de experiência e horizonte de

expectativa são duas categorias históricas que revelam e produzem a relação entre

passado e futuro. O autor aponta que estas duas categorias podem ser percebidas

em uma relação com o tempo presente: a experiência é o passado atual, ou seja,

aquele no qual acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados.

Quanto à expectativa, esta se realiza no hoje, é futuro presente voltado para o

“ainda não”, para o que apenas pode ser previsto. Contudo, a possibilidade de se

predizer o futuro a partir da experiência passada encontra um limite: a expectativa

não pode ser experimentada.

O que distingue, portanto, estas duas categorias é o fato da experiência

elaborar acontecimentos passados e poder torná-los presentes. No entanto,

Koselleck (2006) destaca que a experiência não se configura como um espaço

inalterável; ao contrário, é um espaço que pode ser modificado e reelaborado a

partir de novas experiências ou novas recordações:

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Seja porque a experiência contém recordações errôneas, que podem ser corrigidas,

seja porque novas experiências abriram perspectivas diferentes. Aprendemos com o

tempo, reunimos novas experiências. Portanto, também as experiências já

adquiridas podem modificar-se com o tempo (Ibid., p.312).

Sem dúvida, a década de 1930 constitui-se como marco inaugural da

história oficial relacionada à organização social da profissão e à fundação das

primeiras escolas de Serviço Social e sua incorporação ao espectro das profissões

de nível superior2. No entanto, ao retomar a experiência que antecede ao seu

marco inaugural, parte-se do pressuposto de que a profissão assimilou ideias e

práticas gestadas anteriormente à sua institucionalização.

Portanto, esta pesquisa tem por objetivo o estudo da filantropia como

ideário político e social de uma nova elite urbana e sua articulação com o poder na

Primeira República, em particular, na cidade do Rio de Janeiro.

A pesquisa abrange os seguintes eixos de análise: a) o estudo das propostas

de assistência aos pobres defendidas pela elite dominante enquanto projeto

político que visava à “reforma social e moral” da sociedade brasileira;

b) as ideias de reformadores sociais franceses e sua influência tanto no

discurso como na atuação dos filantropos da época; c) uma imbricada relação

entre o público e o privado na configuração da assistência no período; d) as

preocupações das elites relacionadas à emergência da questão social.

A forma pela qual a investigação visa explorar as condições históricas de

constituição da filantropia reside em considerar duas dimensões da vida social: o

campo das ideias e o campo das ações assistenciais. Buscamos, dessa maneira,

tanto apreender o sentido que o contexto sociopolítico conferia à filantropia na

época, como entender as relações entre os discursos e as ações dos filantropos,

pois ações e representações são duas faces da mesma moeda.

2 As primeiras escolas de Serviço Social surgiram no Brasil no final da década de 1930. A Escola

de Serviço Social de São Paulo, criada em 1936, foi a primeira escola de Serviço Social do Brasil.

Posteriormente, esta escola foi incorporada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(PUC/SP), fundada em 1946. Desse modo, a PUC/SP foi a primeira universidade do país a

oferecer curso nessa modalidade. No Rio de Janeiro, em 1937 foram criados os cursos de Serviço

Social do Instituto Social do Rio de Janeiro (atual PUC-Rio) e o da Escola Ana Neri (atual UFRJ).

Nas décadas de 1940 e 1950 houve um reconhecimento da importância da profissão, que foi

regulamentada em 1957, com a Lei 3252.

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Quanto ao primeiro campo, a análise destacou dois marcos importantes na

história da assistência no Brasil: o Congresso Nacional de Assistência Pública e

Privada (1908) e a obra Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro,

publicada pela Prefeitura do Distrito Federal, em 1922, ambos estreitamente

vinculados às vitrines sociais do capitalismo na época, ou seja, suas Exposições

Nacionais e Universais.

Realizadas na cidade do Rio de Janeiro, tanto a Exposição Nacional de

1908, como, posteriormente, a Exposição Universal de 1922, tiveram a presença

da assistência como um elemento emblemático na representação do “progresso da

nação” e na legitimação social do projeto político das elites republicanas.

Quanto ao segundo campo, este se refere às ações dos filantropos enquanto

fundadores de instituições e organizações sociais. Analisamos tanto os estudos

pioneiros divulgados nestes eventos como o quadro de membros fundadores de

duas instituições filantrópicas de destaque no período.

O processo de investigação viabilizou-se através de pesquisa bibliográfica e

de pesquisa documental, com a utilização de fontes primárias e secundárias. Com

relação à pesquisa documental, foram analisados tanto documentos oficiais como

periódicos da época. A pesquisa foi realizada em instituições arquivísticas e

congêneres, como o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, a Biblioteca

Nacional, a Biblioteca da Fundação Oswaldo Cruz e a Biblioteca da Academia

Brasileira de Letras.

É importante frisar que esta pesquisa não buscou elaborar uma genealogia

da assistência no Brasil com enfoque na Primeira República. Ao contrário, este

trabalho procurou, a partir dos documentos analisados, pensar a filantropia não

somente do ponto de vista das práticas de auxílio aos “desamparados”, num

período em que a questão social já se fazia presente na sociedade brasileira, mas

também buscou captar os usos e sentidos atribuídos a ela pela elite da Primeira

República.

Para tanto, o estudo mergulha em fontes diversas, destacando-se: relatórios,

decretos, leis, ofícios, atas, álbuns, boletins, almanaques, revistas, livros e jornais

de época, dentre outros, cujo conteúdo remete à Exposição Nacional de 1908, ao

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Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada de 1908, à Exposição

Internacional do Centenário da Independência de 1922.

Igualmente variados são os temas que figuram nestas fontes, encontrando-se

desde informações administrativas referentes às instituições filantrópicas até

debates sobre a questão da assistência pública e privada enquanto o modelo

vigente de assistência na época aqui retratada.

Em virtude dessa variedade, o cuidado com as fontes de pesquisa foi uma

preocupação constante, pois somente uma leitura interna da fonte consultada, e a

consequente análise detalhada da mesma, não seriam capazes de dar conta da

multiplicidade de informações (e representações) que nelas residiam. Por essa

razão, procurou-se estabelecer uma relação constante entre as informações

contidas nas fontes e a conjuntura sócio-histórica e cultural, na qual as mesmas

foram produzidas.

No que diz respeito às teses do Congresso de Assistência estudado, estas

registram a direção política adotada pelo Estado e pelos intelectuais, considerados

especialistas em diversos campos de saber, o que nos possibilitou perceber os

referenciais teórico-metodológicos que marcavam os discursos e práticas da elite

dominante, bem como a forma de organização da assistência que predominava na

época.

Entretanto, na trajetória de pesquisa, nos deparamos com obstáculos que não

foram possíveis de serem transpostos, uma vez que duas teses do congresso3 não

foram encontradas, apesar dos esforços empreendidos para obter sua localização.

A solução encontrada, para suprir a indisponibilidade dessas fontes documentais,

foi buscar informações sobre as respectivas teses no documento final que engloba

todas as resoluções aprovadas no conclave.

As análises das teses do Congresso Nacional de Assistência e Privada

(1908) foram de fundamental importância para a compreensão da imbricada

3 No processo de pesquisa, não encontramos disponíveis as seguintes teses referentes ao Congresso

Nacional de Assistência Pública e Privada (1908): “Assistência à Infância Moralmente

Abandonada. Modificações que se devem fazer na legislação atual” - Relator: João Carneiro de

Souza Bandeira e “Assistência pelo Trabalho” - Relator: Xavier da Silveira Junior.

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relação entre discursos, saberes e práticas e, em especial, da intrincada relação

entre o público e o privado no período estudado.

Neste sentido, nossa preocupação esteve voltada não em verificar ou

demonstrar as “verdades” dos conteúdos das fontes de pesquisa, mas em analisar

as condições históricas que possibilitaram formas de organização dos discursos e

das práticas que circunscreveram a assistência no período. Desse modo, os

documentos analisados foram fundamentais para a compreensão do campo de

saber, práticas e disputas que foi a assistência na cidade do Rio de Janeiro na

Primeira República.

Quanto à pesquisa bibliográfica, foram analisadas publicações de autores

que tomaram como objeto de preocupação a emergência da questão social tanto na

Europa como no Brasil, a formação das elites cariocas no período denominado

Belle Époque brasileira4 e a história da assistência na Primeira República, período

em que predominava a filantropia, com ênfase na cidade do Rio de Janeiro. Além

de trabalhos sobre as exposições nacionais e internacionais, nos quais a assistência

foi tanto objeto de debate como parte integrante da mostra.

Para sistematizar a pesquisa realizada, esta tese foi estruturada em quatro

capítulos, além da introdução e das considerações finais.

O primeiro capítulo refere-se ao debate que se desenvolvia na Europa no

século XIX, em particular, na França, acerca das propostas de assistência,

apresentadas pelos reformadores sociais franceses, que visavam amenizar os

problemas relativos à denominada questão social, as quais inspiraram intelectuais

e políticos brasileiros que buscavam adaptar e adequar à realidade do país as

ideias oriundas do continente europeu.

4 Ressalte-se que consideramos a periodização do historiador Nicolau Sevcenko (1998a), pela qual

a Belle Époque brasileira teve seu início na virada do século XIX para o XX e chegou ao fim na

década de 1920, quando o poder oligárquico da Primeira República começa a ser contestado

(contestações operárias e das camadas médias urbanas que exigiam maior participação na vida

política). Na Europa, esse período abrangeu do final do século XIX até a Primeira Guerra Mundial,

caracterizando-se pela expansão dos negócios, plena confiança no crescimento econômico, novas

descobertas científicas e mudanças no modo de vida da burguesia europeia. No Brasil, a Belle

Époque também foi um período de “entusiasmo capitalista e da sensação entre as elites de que o

país havia se posto em harmonia com as forças inexoráveis do progresso e da civilização” (Ibid.,

p.34). No caso brasileiro, destacamos o estudo do historiador Jeffrey Needell (1993) que analisa a

influência da cultura de origem europeia (França e Inglaterra) na elite carioca durante o período

que ele denominou de Belle Époque tropical.

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Assim, buscamos investigar como se estruturou a ação dos reformadores

brasileiros face à emergência da questão social enquanto problema central para as

elites republicanas do país na época. Também abordamos, neste capítulo, a

importância do ideário da modernidade na construção do Brasil, bem como a

presença do país nas exposições internacionais. Enfatizamos o papel dessas

exposições enquanto elemento de divulgação do capitalismo, onde a assistência

era apresentada como um desses elementos.

No segundo capítulo, abordamos as propostas de assistência defendidas pela

elite dominante brasileira enquanto projetos políticos que visavam à reforma

moral e social na República recém instaurada no país. Para tal, buscamos analisar

as teses apresentadas no Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada,

realizado no âmbito da Exposição Nacional de 1908, as quais revelam tanto a

influência das ideias dos reformadores sociais franceses no pensamento dos

intelectuais, como as principais preocupações das elites relacionadas à emergência

da questão social e a intrincada relação entre o público e o privado na

configuração da assistência nesse período.

No terceiro capítulo, analisamos o contexto da Exposição Internacional de

1922. Essa exposição, além de reeditar os ideais propagandísticos do capitalismo,

presentes e caracterizadores das demais Exposições, tentava apresentar como que

um “balanço” da situação do país, na comemoração dos cem anos de sua

independência. Nesse contexto tem-se a presença da assistência como um dos

elementos da emblemática representação do progresso da nação, constituindo-se

como mais uma vitrine do projeto político das elites republicanas de 1922.

Paralelamente, buscamos averiguar tanto a influência do debate francês

enquanto referência para os intelectuais brasileiros, como relacionar as propostas

debatidas no Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada de 1908 com

as que foram apresentadas por Ataulpho de Paiva, na obra Assistencia Publica e

Privada no Rio de Janeiro, publicada em 1922, visando identificar as mudanças

e/ou permanências ocorridas.

O quarto capítulo centra-se nas ações dos filantropos enquanto fundadores

de instituições/organizações sociais, particularmente no início do primeiro regime

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republicano na Cidade do Rio de Janeiro. Desse modo, buscamos analisar o

quadro de membros fundadores de duas instituições filantrópicas de destaque

nesse período: a Liga Brasileira contra a Tuberculose, fundada em 1900, e o

Instituto de Proteção e Assistência à Infância, criado em 1889. Estas instituições,

mesmo com objetivos ligados ao campo da saúde, se notabilizaram por realizar

um trabalho de mobilização social de famílias, notadamente pobres, sendo

apresentadas como exemplos emblemáticos da ação filantrópica enquanto uma das

facetas da elite carioca nesse período.

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1 Elementos para pensar a constituição da assistência no Brasil

Ao final do século XIX, com o fim da escravidão, a instauração do regime

de trabalho livre, o desenvolvimento da urbanização, e a emergência de uma

incipiente classe operária e de suas reivindicações e mobilizações, a questão social

se coloca como a questão maior a ser discutida, diagnosticada e equacionada. Isso

significa que a questão social emerge em um período de constituição do

capitalismo no Brasil, em especial nos seus principais centros urbanos na época

(Rio de Janeiro e São Paulo).

Neste capítulo, buscamos investigar como se estruturou a ação dos

reformadores brasileiros face à questão social enquanto problema central para o

desenvolvimento capitalista de uma sociedade que empreendia sua

“modernização”. Concordamos com a perspectiva de análise de Gomes (1979)

que questiona a concepção propalada de que a questão social, na Primeira

República brasileira, era apenas um “caso de polícia”. Para a autora, a questão

social constituía-se num dos mais importantes problemas políticos da época,

sendo a dimensão policial (enfrentamento meramente repressivo) insuficiente para

a sua caracterização.

A historiadora Ângela de Castro Gomes aponta que já havia algumas

medidas relativas à questão da proteção e assistência ao trabalho, desde o início

do período republicano, principalmente no que dizia respeito ao trabalho do

menor e aos benefícios destinados aos funcionários públicos. Porém, “estas

primeiras iniciativas, de um lado, destinavam-se aos empregados do Estado, não

atingindo o trabalhador da iniciativa privada e, de outro, tinham uma explícita

preocupação sanitária e moral” (1979, p.56). Logo, não se tratava de regulamentos

que pudessem ser situados no campo da formação de um direito social. Entretanto,

o Estado incentivava outras iniciativas para cobrir a ausência de políticas sociais:

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[...] desde fins do século XIX, com o intuito de facilitar o movimento associativo

no país, sem que neste movimento estivessem incluídos os trabalhadores,

promulgou-se o Decreto n° 173 de 10/09/1893, que regulava a organização de

associações com fins religiosos, morais, científicos, artísticos, políticos ou de

simples recreio. No que se refere à formação de sindicatos propriamente ditos,

elaboraram-se o Decreto n° 979 de 06/01/1903, que facultava aos profissionais da

agricultura e indústria rurais a organização de associações para a defesa de seus

interesses, e o Decreto n° 1637, de 05/01/1907, que criava sindicatos profissionais

e sociedades cooperativas (Gomes, 1979, p.57).

Em seus estudos sobre o período que antecede a década de 30, Gomes

(1979) também identifica a constituição de “uma burguesia industrial e comercial

atuante, constituindo-se como agente social e político e tendo como instrumento

de organização e participação as associações de classe do setor” (p.117). A autora

sustenta que esta fração da classe burguesa interferiu “no curso do processo

decisório de algumas questões essenciais – entre elas a questão social – com

grande eficácia e sucesso” (Ibid., p117).

Com relação à atuação de uma burguesia urbana em formação no país, a

referida autora indica que não havia uma coerência teórica com relação ao

liberalismo, pois este não se pautava pelo princípio de intervenção ou não-

intervenção estatal. “Sua coerência seria de outra natureza, orientando-se por uma

visão de total pragmatismo e situando-se em questões tais como: onde, de que

forma e com que limites o Estado pode intervir?” (Gomes, 1979, p.44).

Ao analisar as mudanças referentes à assistência a pobreza, tendo como base

as propostas apresentadas por representantes da elite da época, “percebe-se que,

naquele momento, questionamentos e incertezas cercavam o liberalismo da

nascente República, e identifica-se ali o surgimento de propostas e ações que

seriam implementadas durante a década de 1930” (Sanglard, 2008a, p.61).

Por outro lado, é importante destacar uma expansão da indústria brasileira

no período da Primeira Guerra Mundial devido ao corte das exportações dos

produtos industrializados e da conseqüente necessidade de substituição das

importações (Sevcenko, 1998a). Em decorrência dessa expansão das atividades

industriais houve um aumento do contingente de trabalhadores organizados, o que

fortaleceu o movimento operário. Além das diversas greves que ocorreram entre

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1917 e 1920, o debate sobre a questão social e as medidas para o seu

enfrentamento ganharam força e destaque no cenário político nacional5.

Nas primeiras décadas do século XX a questão social assumiu importância

no debate entre políticos e intelectuais republicanos, prevalecendo a ideia de que a

solução dos problemas sociais passava por propostas de cunho reformista,

principalmente devido ao interesse governamental em racionalizar as ações

assistenciais. Esse ideário reformista articulava-se com o debate que já se

processava na Europa sobre as alternativas de combate à pobreza urbana.

Portanto, ao buscar averiguar de que forma os representantes da elite

republicana adaptaram e adequaram as ideias oriundas do continente europeu à

realidade brasileira, iniciamos este capítulo com a discussão que já se desenvolvia

na Europa acerca da questão social e as propostas de assistência que visavam

amenizar os problemas a ela relativos. Ainda que a expansão capitalista e

industrial já se apresentasse em diferentes nações europeias, será dada aqui

atenção especial à experiência inglesa e ao debate francês pelas repercussões que

tiveram nos debates que se instalaram no Brasil acerca da assistência na Primeira

República brasileira.

Ressalte-se que em relação às nações europeias, nossa tradição assistencial

teve características específicas que remontam ao período colonial. Assim,

examinar as propostas relacionadas com a assistência na cidade do Rio de Janeiro

implica tanto numa breve análise da discussão sobre a questão social na Europa,

como numa caracterização dos primórdios da experiência assistencial no Brasil.

Além dessas duas dimensões, também constituem como conteúdo do presente

capítulo, a importância do ideário da modernidade para a construção do Brasil e o

papel das exposições internacionais enquanto elemento de divulgação do

capitalismo, onde a assistência era apresentada como um desses elementos.

5 Yazbeck (2012) aponta que somente a partir dos anos 1930 foi reconhecida a legitimidade da

questão social no âmbito das relações entre capital e trabalho, o que impulsionou sua

transformação em problema de administração e desenvolvimento de políticas sociais. Portanto, no

período Vargas, a questão social se institucionalizou, mesmo que parcialmente. Afinal, na década

de 30, apenas os trabalhadores formais e sindicalizados tiveram acesso aos benefícios sociais.

Segundo Sposati (1994), “enquanto os trabalhadores formais eram transformados em sujeitos

coletivos, pelo sindicato, os informais, enquadrados como pobres, eram diluídos em ações

individualizadas” (p.7).

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1.1. Assistência e questão social nas sociedades capitalistas europeias

As Exposições Universais da segunda metade do século XIX e início do

século XX se constituíram em espaços de reprodução da ideologia do progresso

articulada à imagem de universalização da civilização ocidental. Buscava-se,

portanto, consolidar os valores, tidos como universais, de progresso e civilização

através dessas grandes mostras.

No momento em que Paris se preparava para o espetáculo do século, a

Exposição Universal de 1889, a França vivia um período conturbado, de

profundas mudanças políticas e sociais. Os conflitos no mundo do trabalho,

agravados durante a década de 1880, tornavam-se uma característica permanente

no cenário social. Enquanto a Exposição Universal de 1889 visava marcar com

brilho a alvorada da nova República, o movimento operário organizava sua

exibição paralela em um manifesto de convocação para a Segunda Internacional

Operária:

A classe capitalista convida os ricos a vir contemplar e admirar a Exposição

Nacional, obra dos trabalhadores condenados à miséria em meio às mais colossais

riquezas que nenhuma sociedade humana jamais possuiu. Nós, socialistas,

perseguimos a libertação do trabalho, a abolição do regime de salários, a criação de

uma ordem de coisas na qual, sem distinção de sexo nem de nacionalidade, todos e

todas tenham direito às riquezas frutificadas no trabalho comum. São os produtores

a quem nós convocamos a Paris para o dia 14 de julho (Amaro, Del Rosal, 1975

apud Foot Hardman, 1988, p.65).

A Exposição Universal de 1889 foi a oitava exposição realizada no mundo.

Apesar de ter sido organizada para comemorar os cem anos da Revolução

Francesa, a mostra também tinha por objetivo celebrar o triunfo da indústria. Uma

das características dessas exposições era criar seus próprios símbolos,

representativos do triunfo burguês, através de monumentais construções

arquitetônicas. Tanto o Palácio de Cristal, construído para a Primeira Exposição

Universal realizada em Londres (1851), como a Torre Eiffel erguida em Paris para

a Exposição de 1889, são exemplos de monumentos especialmente construídos

para esses eventos.

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Figura 1- Exposição Universal de 1889 - vista panorâmica.

Fonte: Exposition Universelle-1889-Paris. Disponível em: <http://www.fau.ufrj.br/brasilexpos/1889.html>.

Essas exposições corporificavam o otimismo progressista que imperava na

atmosfera da sociedade burguesa em formação. Para a historiadora Margarida

Neves (1986), esse otimismo relacionava-se a uma nova fé laicizada como

substituta da crença na providência divina.

Por outro lado, Michael Löwy (1992) indica que a ideia de progresso

encontrava-se estreitamente vinculada ao conceito de modernidade, ou seja, à

valorização positiva da novidade:

[...] o progresso por excelência é aquele que se manifesta na novidade industrial,

técnica e científica - assim como nas transformações sociais, políticas e culturais

correspondentes: urbanização, racionalização, democratização, secularização, etc.

(Ibid., p.119).

Portanto, a ideologia do progresso buscou afirmar-se como uma meta a ser

alcançada por todas as nações, sendo as exposições universais espaços

privilegiados de sua divulgação. Até a Primeira Guerra Mundial, além de alguns

países da Europa Ocidental, apenas os EUA figuraram como país-sede desses

espetáculos.

Walter Benjamin, em seu artigo “Paris, capital do século XIX”, analisa tais

exibições como lugares de adoração à mercadoria fetiche, ou seja, “centros de

peregrinação ao fetiche mercadoria” (2006, p.43). Para o referido autor, as

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exposições universais transfiguram o valor de troca das mercadorias, passando o

valor de uso para segundo plano. “Assim, elas dão acesso a uma fantasmagoria

onde o homem entra para se deixar distrair” (Ibid., p.57). Portanto, muito além do

brilho da distração, as exposições mediavam o processo de “entronização da

mercadoria” (Ibid, p.57).

Foot Hardman (1988), seguindo a linha de pensamento benjaminiano,

analisa essas exibições como precursoras de uma cultura de massas, servindo ao

entretenimento das multidões que se deixavam levar pelo “transe lúdico do

fetiche-mercadoria” (p.50). Essas festas da modernidade significaram a própria

exibição universal da civilização burguesa: “de certo modo, a ideia de um mundo

construído à imagem e semelhança da burguesia, frase de cunho bíblico e

emblemático do Manifesto Comunista, ganhava, no espaço das exposições, foros

de notável materialidade” (Ibid., p. 51).

Em uma época de espetaculização do capitalismo, essas exposições tinham

um caráter de antecipação, de exibição de novos processos técnicos com os olhos

postos no futuro. Nesse sentido, as exposições internacionais anunciavam a

passagem da manufatura à fábrica moderna, sendo o Estado um dos maiores

agentes patrocinadores desses eventos. Neves (1986) ressalta que essas exposições

singularizavam-se enquanto espaços onde as mercadorias estavam “dispostas para

serem vistas, contempladas como ícones dos novos tempos”, não se constituindo

em mercados de compra desses produtos (p.26, grifo do autor).

Esses eventos também imprimiam uma ideia de hierarquia universal no que

tange à comparação das nações e de seus respectivos produtos: através da

arquitetura ou do desenvolvimento tecnológico exibido, julgava-se o nível de

civilidade e progresso das nações. Havia um clima de disputa implícito nos

sistemas de premiação aos melhores exibidores nas diversas categorias. A

competição tinha um caráter amigável, “uma espécie de olimpíadas das proezas

industriais” o que transformava o espetáculo numa forma de diluição e

sublimação dos conflitos (Foot Hardman, 1988, p.60-61).

Cabe enfatizar que a principal característica dessas exposições era o seu

caráter de celebração das efemérides nacionais ou internacionais. Gomes (2002)

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ressalta que a magnitude da Exposição Comemorativa do Centenário da

Revolução Francesa se justificava devido aos valores que se desejava reafirmar:

os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade que a Revolução Francesa

tornara universais. Desse modo, a construção de uma enorme torre de ferro

inteiramente iluminada (Torre Eiffel), criada para tornar-se símbolo do evento, de

fato se tornou, desde 1889, o símbolo de uma cidade e de um país.

Paralelamente, nos bastidores da Exposição de 1889, o engenheiro Émile

Cheysson6 junto com um grupo de amigos reformadores, elaboravam uma

estratégia para montar o seu próprio espetáculo durante o evento: um “Museu

Social” para ser a vitrine não apenas dos produtos da era industrial, mas também

de seus problemas sociais. Esses homens eram republicanos liberais tão

conservadores quanto os que possuíam o poder político na França no final do

século XIX. Partidários do crescimento industrial e fortemente preocupados com

os levantes operários, eles acrescentavam uma retórica muito peculiar à

celebração enfática do reino industrial: buscar soluções preventivas para os

perigos e as revoltas geradas pela industrialização.

Enquanto os últimos detalhes do grande evento estavam sendo finalizados, o

palco já estava pronto para receber as elites francesas determinadas a enfrentar o

desafio que se constituía para a República: a recondução do contrato social na era

da indústria. Se por um lado surgia um novo mundo de usinas, de trens, de

cidades, ou seja, a produção de um fantástico acúmulo de riquezas materiais; por

outro, a opulência material contrastava com uma miséria maciça da maioria da

população.

Nos centros urbanos surge uma indigência onipresente, insistente e

numerosa, fruto da industrialização e da nova organização do trabalho. Desse

modo, os danos sociais provocados pelas mudanças econômicas obscureciam o

projeto político que os republicanos haviam acabado de criar, ameaçando o sonho

burguês da sociedade industrial.

Aqueles que apoiavam o Museu Social de Cheysson não eram líderes

políticos famosos, nem faziam parte dos grupos de intelectuais mais conhecidos

6 Émile Cheysson era um engenheiro francês. Discípulo de Fréderic Le Play, foi um importante

reformador social do final do século XIX e um dos fundadores do Museu Social da França.

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do país. Entretanto, pretendiam alçar o estatuto de elite. Eles pertenciam a uma

classe média em crescimento (engenheiros, médicos, professores, arquitetos,

advogados e estudantes) e compartilhavam da convicção de que na França do final

do século XIX, a reforma social havia se tornado uma urgência devido ao

crescimento industrial e urbano.

A historiadora Janet Horne (2004), em seu trabalho sobre o Museu Social

francês, indica que ao final do século XIX, grupos de reformadores surgem da

sociedade civil constituindo-se em uma esfera que atuava como mediadora entre

os interesses públicos do Estado e os interesses particulares dos indivíduos. Nesse

período, formavam-se redes de intercâmbio internacionais, pois as tentativas

reformistas também aconteciam em outros países industrializados.

Além de beneficiar-se desses intercâmbios, os reformadores franceses, desse

período, também se inspiravam nas ideias de seus predecessores acerca dos

perigos inerentes à era industrial. Desse modo, eles davam continuidade ao debate

sobre a natureza da sociedade liberal, sobre as vantagens e as desvantagens da

assistência pública e da caridade privada, e sobre a legitimação da intervenção do

Estado nos problemas sociais. Nesse movimento de reforma social na França, o

Museu Social coordenava os esforços dos grupos reformadores que se focavam na

questão social.

Se a Inglaterra foi o berço da Revolução Industrial, o ponto inicial de uma

forma de vida que se tornaria generalizada nos países denominados civilizados; na

França, a Revolução Industrial ocorreu mais tardiamente. O país se industrializou

lentamente, com o predomínio das atividades rurais e a coexistência de formas

antigas e de novas organizações do trabalho. Na experiência francesa, o

surgimento da classe operária moderna, caracterizada pelo operário fabril e por

um êxodo rural massivo em direção às cidades, ocorreu tardiamente, no final do

século XIX.

Esse processo de industrialização gradual não só levou a uma urbanização

desenvolvida de forma lenta, como também propiciou, na indústria francesa, uma

estreita relação entre a introdução da máquina e a participação política do

operário. Por outro lado, essas características dominantes do desenvolvimento

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econômico da França tiveram repercussões na maneira como a questão social foi

formulada nas primeiras décadas do século XIX e reformulada nos anos 1880, no

momento em que o capitalismo industrial afirmou-se plenamente (Horne, 2004).

No debate sobre a questão social discutia-se tanto as chances da nova ordem

social como o medo de seu fracasso. Esse debate relacionava-se à formação de

uma nova elite urbana, à mudança de natureza da pobreza com o surgimento do

pauperismo7, o deslocamento das funções exercidas pelas instituições laicas e

religiosas e as lacunas percebíveis de uma economia política liberal.

Por outro lado, a herança revolucionária confiada à França do século XIX

carregava consigo uma nova definição do indivíduo como cidadão, bem como a

noção de direito à liberdade e igualdade de tratamento diante da lei. Até 1848, a

República na França aparecia como uma resposta global aos problemas da vida

em sociedade, constituindo-se no único meio verdadeiro para conter as revoluções

(Donzelot, 2007).

No ideal republicano, somente uma forma injusta e irracional de legitimação

do poder manteria formas correspondentes de opressão e falta de harmonia na

sociedade. Nesse período, era quase inexistente um debate público sobre as

questões da indigência e do trabalho. As críticas à pobreza londrina serviam de

argumento para os teóricos franceses elaborarem projeções sobre as futuras

condições de vida em Paris. Os franceses também criticavam a “caridade legal”

inglesa, acusada de um custo financeiro exorbitante e de manter entre os pobres

uma mentalidade de assistidos (Castel, 1998).

É verdade que na Inglaterra, as intervenções públicas promoveram a

construção de um amplo sistema de socorros alimentado por uma taxa obrigatória

destinada à ajuda aos pobres. Em 1795, foi implantada a “Speenhamland Law” ou

“sistema de abonos” que assegurava ao pobre uma renda mínima independente de

seus proventos, proveniente do imposto dos pobres (poor rate).

7 A noção de pauperismo surge na Inglaterra para designar uma “nova pobreza”, uma forma de

miséria que parecia acompanhar o desenvolvimento da riqueza e o progresso da civilização. Esse

novo fenômeno emerge enquanto custo social da industrialização (CASTEL, 1998).

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Segundo Polanyi (2000), a sociedade inglesa do séc. XVIII resistiu à sua

transformação, uma vez que a Speenhamland impediu o estabelecimento de um

mercado de trabalho competitivo, introduzindo uma inovação social e econômica:

“o direito de viver”. Para o autor, cronologicamente, a Speenhamland antecedeu a

economia de mercado e se destinou a diminuir o ritmo da proletarização do

homem comum.

Nas primeiras décadas do século XIX, o debate a favor ou contra a

“caridade legal” dominou o cenário político na Inglaterra. Em 1834, a legislação

sobre a pobreza é alterada, sendo implementada a “Poor Law Reform” 8 que,

solidária às doutrinas liberais da economia política, considerava pernicioso

qualquer auxílio financeiro aos pobres. A Nova Lei manteve o princípio de auxílio

aos sem trabalho, mas modificou drasticamente as condições para o seu

recebimento: todos os requerentes ao auxílio público deveriam ingressar nas

Workhouses9 (Casas de Trabalho), onde o trabalho obrigatório era imputado aos

indigentes em condições frequentemente desumanas.

Brunhoff (1985) indica que “a insegurança do emprego, condição da

disciplina operária, contradiz, no entanto, a necessidade capitalista de um estoque

indefinido de mão-de-obra para assalariar” (p.23). Desse modo, “a existência de

instituições não capitalistas” tornava-se, então, indispensável para assegurar a

“gestão” de um estoque de força de trabalho necessária ao capitalista, mas que ele

próprio não podia assegurar diretamente (Ibid., p.8). A forma dessa gestão devia

manter a insegurança do emprego, apenas remediando suas conseqüências. Desse

ponto de vista, a instituição característica era a Workhouse inglesa do século XIX,

que atuava com a supressão da ajuda em dinheiro e em gêneros, financiada pelas

8 No início do século XIX, na Inglaterra, as teorias demográficas do economista Malthus e o

darwinismo social do filósofo Herbert Spencer influenciaram as principais lideranças políticas que

buscaram limitar a ação do Estado no âmbito da assistência. Nesse contexto, a Lei dos Pobres é

reformulada em 1834, o que implicou na redução dos investimentos estatais. Segundo Viscardi

(2011), a “Poor Law Reform” enrijeceu ainda mais a separação entre os pobres considerados

merecedores ou não merecedores de assistência, excluindo, assim, dos socorros todos os

trabalhadores desempregados. Dessa forma, passaram a receber ajuda apenas os indigentes e os

inválidos, os quais eram encaminhados para as casas de trabalho (Workhouses). 9 As workhouses (casas de trabalho) foram implantadas a partir da reforma da Lei dos Pobres em

1834. O sistema público de socorros passou a centralizar-se nas casas de trabalho, que se

constituíam em verdadeiros depósitos de mendicância onde o trabalho obrigatório dos indigentes

era realizado em condições desumanas (CASTEL, 1998). “A ideia era torná-las detestáveis ao

máximo, para que a elas só recorressem os completamente destituídos de condições mínimas de

sobrevivência” (KIDD, 1999 apud VISCARDI, 2011, p.186).

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taxas locais e configurando-se como “metade prisão e metade empresa sem ser

verdadeiramente uma coisa nem outra” (Ibid., p.8).

O Estado, desse modo, promovia intervenções tanto no combate à

indigência e mendicância como na obrigatoriedade ao trabalho. Na sociedade

inglesa a miséria era vista como contágio moral e ameaça social, representando

“um perigo ao bom desempenho econômico e à moralidade da população”

(Bresciani, 1994, p.19).

Com relação ao tratamento à pobreza, fazia-se uma distinção entre a pobreza

assistida pela “caridade legal”, a qual atendia aqueles ainda não absorvidos pelo

mercado de trabalho, e a “miséria sem esperança de recuperação”. Dessa forma, o

sistema de socorro aos pobres baseava-se em uma diferenciação entre os

desempregados circunstanciais e os desocupados permanentes. Essa separação

entre pobreza e pauperismo tinha por objetivo a adoção de medidas, por parte do

poder público, para afastar a ameaça social que o pauperismo10

representava. A

nova Lei dos Pobres vigorou por dez anos em toda a Inglaterra, sob forte

resistência dos trabalhadores que consideravam as Workhouses verdadeiras

prisões.

Portanto, na Inglaterra, a questão social levou à criação de um verdadeiro

sistema público de socorros, através do qual o Estado amortecia as crises,

contendo assim uma reação da sociedade. O próprio processo de industrialização

foi modulado pelo Estado, o qual sancionava leis que ora impediam, ora

favoreciam o seu desenvolvimento.

Castel (1998) aponta que, antes de 1848, não havia na França quase nenhum

debate público acerca da indigência e da nova organização do trabalho. Segundo o

referido autor, em contraste com a amplitude da “caridade legal” existente na

Inglaterra, na França predominava a beneficência privada. No quadro do

liberalismo vigente, a recusa em elaborar políticas públicas tinha como

contrapartida a preocupação em implantar outro tipo de regulação dos problemas

sociais: as práticas filantrópicas. Estas eram estimuladas pelo próprio governo.

Portanto, paralelamente à assistência confessional, a sociedade francesa da

10

Marx apud Ianni (1994) indica que “o pauperismo constitui o asilo dos inválidos do exército

ativo dos trabalhadores e o peso morto do exército industrial de reserva” (p.128).

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primeira metade do século XIX elaborou estratégias não-estatais de intervenção

social. Desse modo, entra em cena uma nova concepção de assistência: a

filantropia.

Sanglard (2008a), ao citar a historiadora francesa Catherine Duprat, aponta

uma diferenciação entre os conceitos de caridade e filantropia na França, quando

os filósofos das Luzes buscaram esvaziar a modalidade caritativa da filantropia e

demarca-la como um gesto de utilidade social. Assim, a caridade seria uma

virtude cristã que, ao se apresentar como obra piedosa, pressuporia a abdicação de

toda vaidade, o que significaria o anonimato como valor máximo. Ao passo que a

filantropia seria uma virtude social, e sua dimensão mais racionalizante e utilitária

tinha na publicidade uma de suas ferramentas mais importantes de atuação na

sociedade. Conforme este ideário, os filantropos não agiam no anonimato como

muitos praticantes da caridade cristã.

Horne (2004) também indica que a filantropia enraizou-se na esfera da

sociedade civil francesa legitimando-se através do ideário iluminista. Os filósofos

das Luzes haviam rompido com as práticas tradicionais da esmola estimuladas

pela Igreja Católica e propugnavam que a filantropia pretendia não somente a

realização de um ato de generosidade, mas também de utilidade social. Desse

modo, a filantropia, através de um discurso moral e social, era entendida como a

expressão de um processo de laicização da caridade cristã.

A historiadora Lorelay Kury (2003) indica que a filantropia desenvolveu-se

em toda a Europa cristã ocidental, mas fundamentalmente na França iluminista,

articulada à ideia de progresso e civilização. Ela se constituiu na ideologia

justificadora da expansão colonialista do século XIX, norteando as ações dos

viajantes europeus que sentiam-se portadores de uma missão civilizatória em

nome do progresso e do bem da humanidade.

Apesar dos franceses terem transferido, gradativamente, suas expectativas

com relação à proteção social da Igreja e do rei para o Estado laico, o modelo

caritativo de inspiração cristã continuou exercendo forte influência nas práticas

assistenciais. Na França, as ações filantrópicas não se diferenciavam muito da

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prática caritativa tradicional, e esta tradição católica permaneceu como parte

constitutiva da reforma social no século XIX.

Por outro lado, enquanto elites próximas do poder político, os filantropos do

final do século XVIII buscaram influir na política pública, e o seu exemplo foi

seguido pela economia moral e social do século XIX.

A economia social, nas décadas de 1820 e 1830 produziu um discurso

reformista sobre a industrialização na França. No debate que vinha crescendo em

torno da questão social, muitos reformadores aderiram a uma nova crença laica: a

análise cientificista da sociedade industrial. A economia social apoiava-se no

positivismo, ressaltando as dimensões morais da vida econômica.

Por outro lado, a preocupação crescente com a pobreza urbana e com a

disseminação de doenças, nesse período, determinou o recrudescimento do

higienismo11

que preconizava a observação e a intervenção no domínio social em

nome do bem público. Os higienistas acumulavam uma grande quantidade de

estatísticas com o objetivo de influenciar o processo de edificação de uma política

social.

A criação dos Registros de Higiene Pública e Medicina Legal foi o

sustentáculo do movimento higienista francês, ao publicar pesquisas sobre as

consequências da industrialização e da urbanização na ordem social. No entanto,

foram as epidemias de cólera que colocaram o higienismo na linha de frente dos

movimentos de reforma social do século XIX.

É importante destacar que François Guizot, Ministro da Educação em 1832,

foi o primeiro a posicionar-se a favor das investigações sociais que permitissem a

elaboração de uma estatística global sobre a vida industrial e urbana. No mesmo

ano, foi reaberta a Academia de Ciências Morais e Políticas para conduzir

investigações sociais que, segundo Horne (2004), contavam com a colaboração

11

“O século XIX pode ser considerado como o período do higienismo na França. O controle de

epidemias e as ações de saúde pública em geral estavam baseados, desde o século anterior, no

controle da pobreza. Se no século XVIII se concebia a higiene como um atributo moral, a

modernidade dos séculos XIX e XX lhe daria uma dimensão social e política” (COSTA e

SANGLARD, 2006, p. 494).

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ativa de particulares, havendo uma interpenetração das estruturas governamentais

e da sociedade civil na elaboração desses estudos.

Esse conhecimento estatístico da sociedade era indispensável à viabilização

da dominação política da burguesia, o que levou cidades e fábricas a

transformarem-se em observatórios sociais. Ao observar, contar e classificar, os

novos estatísticos buscavam fazer um retrato da questão social.

É interessante destacar que essas preocupações com a contabilidade, a

descrição e classificação dos operários e moradores dos bairros e periferias das

cidades industriais, também se fazia presente na Inglaterra (Bresciani, 1994).

Horne (2004) ressalta que esses estudos se caracterizavam por uma obsessão

pela vida privada e doméstica dos operários, acumulando dados empíricos sobre o

seu modo de vida: seus hábitos alimentares, suas moradias, suas relações sociais.

Os investigadores sociais da época tinham como pressuposto que os

comportamentos da vida privada tinham necessariamente repercussão nos

comportamentos públicos. Dessa forma, essas informações também tinham por

objetivo aliviar as preocupações com relação a eventuais novas revoltas sociais.

Contudo, Horne (2004) analisa que essa invasão do espaço doméstico do

operário representava o avesso do fetichismo da vida privada, característico da

burguesia que buscava afirmar-se como classe dominante. Portanto, o debate

sobre a questão social, nesse período, incorporava tanto as transformações

tangíveis na vida dos trabalhadores induzidas pela industrialização, como as

especulações da burguesia sobre as conseqüências dessas novas formas de

organização do trabalho para a sociedade francesa.

Castel (1998) aponta que Guizot marcou a política e a sociedade francesas

até 1848, sendo uma das figuras mais representativas da abordagem liberal da

questão social. Ele foi um dos principais representantes da corrente filantrópica

que defendia a beneficência voltada para as “classes inferiores” da sociedade.

Desse modo, é importante ressaltar a dimensão de classe embutida na lógica

filantrópica. A esfera do dever moral, justificadora das ações beneficentes,

comportava relações desiguais: as classes “esclarecidas” tinham o dever de

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proteger as classes consideradas inferiores, através do “exercício de uma tutela

moral” (Ibid., p.305).

Guizot foi um dos fundadores da Sociedade de Moral Cristã12

em 1821, a

qual reunia protestantes, banqueiros e industriais preocupados com os custos

sociais da industrialização. A Sociedade reunia igualmente católicos sociais como

Alban de Villeneuve-Bargemont e aristocratas liberais como o Duque de La

Rochefoucauld-Liancourt e o Barão de Gérando, e representava uma corrente

extremamente conservadora que propunha a volta às tutelas do Antigo Regime.

Paralelamente a esse modelo, definido pelos conservadores mais radicais

como o “governo dos melhores”, havia uma corrente mais moderada, da qual

Fréderic Le Play e seus discípulos foram seus principais representantes. Os

“moderados” preocupavam-se em transpor para o novo contexto da

industrialização “a relação tradicional de proteção que os notáveis exerciam em

relação a seus dependentes” através de uma “combinação de nostalgias arcaicas e

de aspirações modernistas” (Castel, 1998, p.310-313). No entanto, ambas as

correntes se posicionavam contra uma política social que fosse da

responsabilidade do Estado, preconizando que as elites esclarecidas é que

deveriam assumir a proteção das classes populares.

Formado pela Escola Politécnica no final dos anos de 1820, Fréderic Le

Play elaborou um sistema de estudo empírico original e bem mais complexo em

relação ao que já havia sido produzido pelos observadores sociais até então:

monografias focadas no estudo de famílias operárias. Os seus estudos lhe

trouxeram notoriedade nos círculos de engenheiros e industriais da época.

Cortejado por Tocqueville, que o considerava um especialista em problemas

sociais, Le Play ganhou prestígio nos salões intelectuais de Paris (Horne, 2004).

A publicação do livro Os Operários Europeus (1855), composto por mais

de trezentas monografias de famílias operárias, lançou sua carreira de homem

público. Le Play foi nomeado comissário geral da Exposição Universal de 1855

12

Associação protestante que reunia a intelligentsia da época. Também foram membros da

Sociedade de Moral Cristã, figuras como Benjamin Constant, Barão de Dupin, Aléxis de

Tocqueville e outros (CASTEL, 1998 e HORNE, 2004).

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em Paris. A partir daí, desempenhou o papel de conselheiro de Napoleão III e

fundou a Sociedade de Economia Social (1856), cujo objetivo era o estudo de

famílias operárias dentro de uma perspectiva de moralização e controle social

sobre elas. Posteriormente, o livro A Reforma Social na França (1864), fortaleceu

sua reputação de especialista social, sendo novamente nomeado comissário geral

da França na Exposição de 1867.

Consternado pela queda do Império, pela Comuna de Paris e pela

proclamação da Terceira República, Le Play isolou-se para dedicar-se à vida

privada. Entretanto, suas ideias e seus escritos sobre economia social forneceram

para muitos reformadores republicanos do final do século XIX, como Émile

Cheysson13

, um modelo de reforma social, o qual eles adaptaram aos seus

próprios projetos políticos.

Após a Revolução de 1848, quando a forma democrática de governo se pôs

em prática, todas as certezas e promessas contidas no ideal republicano foram

afetadas. A aplicação, pela primeira vez, do sufrágio universal fez surgir o

contraste entre a soberania política proclamada como igual para todos e o

submetimento econômico das classes trabalhadoras. A ideia de igual soberania,

para todos, na prática democrática, mostrava-se incapaz de modificar a

inferioridade da condição civil dos mais despossuídos.

Para Donzelot (2007), a questão que se colocava na França, nesse período,

era como reduzir o distanciamento da realidade social em relação ao imaginário

político da República e assegurar a credibilidade da ordem política e a

estabilidade da ordem social. Segundo o referido autor,

A questão social aparece, pois, antes de tudo, como a comprovação de um déficit

da realidade social em relação ao imaginário político da República. Era um déficit

gerador de desencanto e temor: desencanto daqueles que esperavam dessa

ampliação da soberania política uma modificação conseqüente e imediata de sua

condição civil; temor, e inclusive pânico, por parte daqueles que temiam que esse

poder para o povo viesse a servir para instaurar o poder do povo de Paris sobre o

resto da nação (Donzelot, 2007, p. 26, grifos do autor).

13

Fréderic Le Play foi o mentor de Émile Cheysson, criador do Museu Social francês.

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Desse modo, a questão social se referia à capacidade de se manter a coesão

de uma sociedade frente à ameaça de sua ruptura, pois a miséria passou a ser vista

na França como uma ameaça política. São inúmeras as declarações de pensadores

franceses que exprimem o temor causado pela existência de um contingente

populacional novo e temível pelas suas proporções. A exteriorização da pobreza

alcançou uma dimensão assustadora: a ameaça contida na multidão, devido à

imprevisibilidade da movimentação do povo, levou ao temor de um retorno à

barbárie, o que colocaria em risco a estrutura política do país (Bresiciani, 1994).

Estabelecia-se, assim, uma associação entre cidade, pobreza e criminalidade,

uma vez que, para as elites da época, não havia diferenciação entre homem

trabalhador, pobre e criminoso. Estes se constituíam em níveis de uma mesma

degradada condição humana: a de trabalhador dos grandes centros urbanos. A

elaboração de uma identidade social do trabalhador, em contraste com o

vagabundo e o criminoso (classes laboriosas x classes perigosas) se processou

com dificuldade na França.

Bresciani (1994) aponta que, na França, “a frágil distinção entre classe

trabalhadora e classe perigosa, presente nos textos dos observadores sociais,

aponta sempre para a criminalidade latente em meio à população pobre” (p.22).

Segundo o ideal republicano, o direito ao trabalho era o que deveria reunir

as novas aspirações da sociedade e a nova legitimidade da política, estabelecendo

uma articulação entre o registro civil e o registro político. Entretanto, o debate

político entre concepções diferentes e opostas do papel do Estado na sociedade

levou a uma fratura do direito e do modelo social da República. A noção de

solidariedade surge como resposta, fundamentando uma nova modalidade de

intervenção do Estado: o direito social

Portanto, como indica Donzelot (2007), em torno da noção de solidariedade

se constitui um novo paradigma da vida social para substituir o velho sonho do

contrato rousseauniano: surge o “Social” como um modo específico de

organização da sociedade, na intersecção do civil e do político, mediatizando

esses dois registros, onde antes se acreditava ser possível uma articulação

imediata.

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48

A Constituição de 1848 outorgou o direito à assistência, o qual substituiu a

luta dos trabalhadores pela garantia do direito ao trabalho. A afirmação do direito

assistencial teve em Adolphe Thiers seu principal opositor. Com sua postura

liberal, Thiers negava que o Estado devesse assumir a assistência à pobreza dentre

suas funções. Em oposição à noção de direito à assistência pública, ele defendia

os princípios da poupança individual e da previdência como as únicas ferramentas

válidas no combate à pobreza.

Apenas no final do século XIX, no Primeiro Congresso Internacional de

Assistência Pública e Privada, realizado em Paris, no âmbito da Exposição

Universal de 1889, ganha hegemonia uma concepção de equilíbrio entre as duas

posições: nesse congresso foram criadas as bases de uma aliança entre a

assistência pública e a assistência privada, sendo essas duas formas de assistência

pensadas como complementares (Paiva, 1916).

Nesse congresso tendeu-se à instituição de uma divisão do trabalho entre a

assistência pública, voltada para os indivíduos em estado de carência absoluta, e o

setor privado com intervenções mais pontuais, cuja perspectiva de moralização do

pobre era priorizada em relação às ajudas materiais.

Portanto, nos anos 1880, quando Émile Cheysson e seus companheiros

começaram a sua campanha estratégica a favor da reforma, a questão social na

França ainda não havia recebido respostas adequadas. As soluções propostas

durante as décadas anteriores haviam permanecido ineficientes. As soluções

paternalistas haviam se mostrado caras demais para a maioria dos industriais e só

se aplicavam a uma pequena fração do mundo operário. Paralelamente, os

socialistas organizavam partidos políticos, congressos, sindicatos, cooperativas,

jornais e sociedades de socorro mútuo (Horne, 2004).

No entanto, os pais fundadores da geração liberal da Terceira República

francesa (1870-1940)14

haviam alcançado vários objetivos políticos. Entre estes, o

estabelecimento da escola fundamental laica e obrigatória (1881) que

desempenhou o papel mais importante na difusão dos princípios liberais com a

introdução da instrução cívica no programa oficial de ensino.

14

A Terceira República francesa foi declarada durante a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) e

terminou com a Segunda Guerra Mundial.

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A formação cívica insistia na higiene pessoal e nas noções de economia e de

poupança. Dessa forma, os manuais de instrução cívica eram utilizados para

introjetar a ideia de que o autocontrole e a autonomia do indivíduo eram garantias

indispensáveis para o sucesso de uma república liberal. A principal mensagem que

esses manuais buscavam disseminar era “o governo de si mesmo”, ou seja, o

cidadão de uma República devia, em primeiro lugar, contar consigo mesmo

(Horne, 2004). Dessa forma, a pobreza era tratada como um problema individual e

continuava a crescer amplamente, tornando-se uma ameaça à República liberal.

Nesse contexto político, críticos da ortodoxia liberal dominante pediam a

intervenção do Estado para acabar com uma produção industrial não

regulamentada que consideravam ser responsável pelos problemas sociais. Como

já mencionado anteriormente, alguns desses críticos eram discípulos de Le Play,

como Émile Cheysson, e as ideias leplaysianas acerca de uma economia social

acabaram por constituir-se em abrigo conceitual para os reformadores do final do

século XIX.

1.2. Assistência e ideário da modernidade na construção do Brasil

Os primórdios da assistência no Brasil nos remetem à implantação das

Misericórdias no período colonial, quando a religião serviu de base legitimadora

da ocupação portuguesa. O uso ideológico da religião por parte do poder político

refere-se ao fenômeno da confessionalização15

, o qual emerge com o nascimento

dos Estados modernos na Europa ocidental.

O conceito de “confessionalização” é utilizado por Palomo (2006)16

para

analisar “as bases sobre as quais assentou a confessionalização católica” (p.14) em

15

O movimento confessional não envolveu apenas o catolicismo, mas também englobou o

protestantismo (luteranismo e calvinismo), na medida em que tanto príncipes católicos como

protestantes concebiam a religião como instrumento de legitimação e reforço de seu poder

absolutista (CANTIMORI, 1937 apud RODRIGUES, 2009). 16

O autor utiliza como paradigma de interpretação os estudos de historiadores alemães das

décadas de 1960 e de 1980 acerca dos processos e fenômenos políticos, sociais, religiosos e

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Portugal, identificando as estratégias de intervenção e de controle da monarquia

portuguesa sobre as estruturas da Igreja. Os vínculos estreitos entre o poder régio

e as instituições do poder eclesiástico referem-se a “uma progressiva incorporação

da Igreja ao corpo do Estado” (Ibid., p.12).

No contexto português da Contra-Reforma, o poder régio se beneficiou da

Igreja Católica como “um excelente instrumento de comunicação com os súditos”

e como “um veículo extraordinário de divulgação de uma disciplina social

favorecedora da ordem política” (Palomo, 2006, p.12). Com a expansão

ultramarina, esse processo estendeu-se aos domínios coloniais, pois a Coroa

portuguesa teve a Igreja Católica como “companheira de viagem”, uma vez que o

empreendimento colonizador se legitimava na expansão da fé cristã (Abreu,

2001).

Por outro lado, o fortalecimento das monarquias europeias através da

centralização do poder refletiu-se no campo assistencial17

(Mesgravis, 1976). É

importante destacar que Portugal foi o primeiro país europeu onde ocorreu a

unificação monárquica, a qual promoveu o reagrupamento e a unificação das

instituições assistenciais, alterando-se o quadro de uma assistência local e

fragmentária. A partir dessa política centralizadora, desenvolvida pela Coroa

Portuguesa, as obras de assistência concentraram-se nas Irmandades da

Misericórdia18

, a princípio implantadas em todo o território continental,

expandiram-se pelo vasto e descontínuo império colonial.

O modelo colonial português de vinculação da assistência às irmandades

não envolvia apenas a Igreja e particulares, pois tinha a Coroa portuguesa como

culturais que se constituíram simultaneamente, tanto para responder à necessidade de regrar as

relações sociais cada vez mais complexas a partir da era moderna, como para possibilitar o reforço

da identidade nacional ou territorial nos Estados absolutistas europeus. 17

Segundo Mesgravis (1976), cada país adotou seu modelo particular: na França, as instituições

assistenciais passaram ao controle da Coroa; na Itália, a assistência foi municipalizada, atribuindo-

se sua administração às cidades sob supervisão religiosa; na Alemanha e na Inglaterra também foi

implantada a municipalização ou paroquialização da assistência; na Espanha, além das instituições

municipais e eclesiásticas, desenvolveu-se o sistema mutualista, de origem corporativa (p.28). 18

A Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia foi criada em Portugal, no final do século XV,

por D. Leonor, irmã do Rei D. Manuel. A Irmandade organizava-se em torno das chamadas

quatorze obras de caridade (sete espirituais e sete corporais) a saber: ensinar os ignorantes; dar

bom conselho; punir os transgressores; consolar os infelizes; perdoar as injúrias recebidas;

suportar as deficiências do próximo; orar a Deus pelos vivos e mortos; resgatar os cativos e visitar

prisioneiros; tratar dos doentes; vestir os nus; alimentar os famintos; dar de beber aos sedentos;

abrigar os viajantes e os pobres; sepultar os mortos (RUSSEL-WOOD, 1981, p 15).

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financiadora de seus serviços de assistência, patrocinando e conferindo privilégios

a essas instituições. Desse modo, os papéis do Estado e da Igreja se confundiam

nas ações das Misericórdias quando a religião serviu de base legitimadora das

conquistas ultramarinas.

Esse modelo assistencial, inicialmente colocado em prática em Lisboa,

estendeu-se rapidamente a todas as regiões de Portugal, expandindo-se

posteriormente para as colônias do “além-mar”, inclusive o Brasil. As

historiadoras Sá (2001a), Abreu (2001) e Sanglard (2008a) apontam que o

Império Colonial Português reproduziu esse modelo de assistência em suas

colônias, o qual concentrava suas ações nas Irmandades da Misericórdia.

Essas instituições tiveram origem em doações privadas, com uma tradição

administrativa laica e, sobretudo, local. A caridade como fundamento da

assistência financiou, em grande parte, o orçamento dessas irmandades por meio

de esmolas e doações feitas através de testamentos, e o caráter devocional é que as

transformava em instituições religiosas.

De acordo com Sá (2001a), “os privilégios concedidos às Misericórdias

funcionaram sempre como um importante estímulo à sua criação e

desenvolvimento, ultrapassando em muito a importância de aspectos espirituais ou

meramente devocionais” (p.39). Esses privilégios significavam vantagens

econômicas e prestígio social para os irmãos que faziam parte do corpo decisório

dessas irmandades, além de condições preferenciais para angariar recursos. Além

disso, os privilégios também “homologavam a supremacia das elites locais” uma

vez que os membros da mesa diretora frequentemente ocupavam simultaneamente

cargos de autoridade na administração pública local (Ibid., p.39).

A citada autora também ressalta que as elites locais obtinham benefícios ao

nível da produção de consensos e consentimentos de dominação através do

exercício da caridade. Por outro lado, a composição interna dessas irmandades

projetava a hierarquia social, reproduzindo as clivagens sociais existentes (SÁ,

2001b).

No Brasil, as Irmandades da Misericórdia, responsáveis pela administração

dos serviços das Santas Casas, foram contemporâneas da fundação das primeiras

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cidades (Russel-Wood, 1981), ocupando um lugar de destaque devido à amplitude

de suas práticas assistenciais19

e constituindo-se como “instrumentos

moralizadores das comunidades” e “como núcleos de poder” (Quiroga, 2008,

p.18).

No percurso histórico da assistência no país, esse modelo institucional pode

ser considerado como os primórdios de uma articulação entre assistência e poder

político. Se por um lado, as práticas de caridade legitimavam o poder, pois o

discurso doutrinal e moral do catolicismo configurava-se como estratégia sutil e

eficaz de dominação; por outro, essas irmandades representaram o poder

colonial20

e, posteriormente, compuseram a elite política do Império.

O processo de Independência emancipou as Misericórdias brasileiras de sua

subordinação à matriz lisboeta. Entretanto, elas mantiveram uma forte vinculação

com o poder. Se no período colonial essas irmandades ligavam-se à Coroa por

meio da instituição do Padroado Régio21

, com a Independência, essa relação

passou a ser estabelecida com o Estado imperial brasileiro. Desse modo, ao

permanecerem vinculadas ao poder, as Santas Casas destacaram-se como o

principal instrumento de intervenção do governo imperial em diferentes áreas de

atuação social (orfanatos, abrigos, preventórios, etc.) com ênfase nos serviços

relativos à saúde pública, embora continuassem a fazer parte de uma organização

de caráter privado (Rocha, 2005).

As Misericórdias no Brasil configuraram, portanto, um modelo institucional

herdado da colonização portuguesa. Entretanto, apesar dos valores religiosos

terem predominado ao longo dos anos no campo da assistência no Brasil

conforme a tradição portuguesa, seria um reducionismo analisar as Misericórdias

19

A atuação das Santas Casas abrangia um leque de ações bastante diversificado: assistência nos

hospitais, assistência aos presos, doação de esmolas, concessão de dotes às órfãs pobres,

acolhimento de crianças abandonadas e serviços funerários, além das atividades não diretamente

relacionadas à área da assistência, como a execução de testamentos e o exercício de funções

bancárias e creditícias (RUSSEL-WOOD, 1981). 20

As Misericórdias do Rio de Janeiro e da Bahia foram as que concentraram maior poderio, com a

nomeação de provedores pertencentes às elites locais. Estas cidades foram os centros vitais do

projeto colonizador português (GANDELMAN, 2001). 21

O Padroado Régio português esteve diretamente ligado ao processo de expansão ultramarina. O

regime conferido pela Sé Apostólica aos reis de Portugal assentava-se no princípio da “doação” à

Coroa do domínio das terras conquistadas e, como recompensa, o rei tinha a obrigação de sustentar

a organização da Igreja nos novos territórios. Várias instituições seculares e religiosas adquiriram

direitos e assumiram obrigações através do regime do Padroado (PALOMO, 2006).

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apenas como simples organizações de caridade, pois as dimensões devocionais

constituíram-se apenas como um dos elementos para entender o caráter e as

múltiplas funções assumidas por essas instituições (Quiroga, 2008).

No entanto, a introdução de novos saberes no ambiente intelectual brasileiro

gerou mudanças na concepção de assistência no país, as quais foram marcadas

pela transição de um modelo de assistência caritativa para um modelo

filantrópico. Essa passagem pode ser caracterizada pela emergência do ideário

filantrópico, o qual começou a estruturar-se no século XIX, ainda que de forma

incipiente. Gradativamente, novas tecnologias de intervenção social foram sendo

incorporadas através de um rearranjo nas antigas instituições de caridade. Dessa

forma, a prática da caridade foi transferindo-se cada vez mais para uma ação

orientada por preceitos mais “técnicos”, principalmente nas instituições

hospitalares.

Essas mudanças podem ser observadas no conjunto arquitetônico da Santa

Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. O hospital e suas múltiplas funções

“passam a ser consideradas o veículo de inúmeras contaminações físicas e

morais”, apresentando “incômodas inadequações às novas noções de higiene e

planejamento” (Gandelman, 2001, p.218). As reformulações22

na principal

instituição de assistência da época estavam relacionadas às ideias da filantropia

higienista, preocupada em reorganizar não só os espaços institucionais como a

própria cidade, visando responder às necessidades de modernização da sociedade

carioca.

Desse modo, como coloca Adorno Abreu e Castro (1985), uma aliança entre

a filantropia e a medicina social, ao longo do século XIX, possibilitou a

implantação de um projeto político de assistência médico-filantrópica. A

introdução e presença constante dos higienistas nos problemas de assistência à

pobreza inauguram um corte decisivo com o passado da assistência aos

desafortunados:

22

Dentre as reformulações pode-se destacar a construção de novo hospital com 11 enfermarias;

novas acomodações para o Recolhimento das Órfãs e a Roda dos Expostos; a criação de um prédio

especial para os alienados a fim de separa-los de outros doentes, além da transferência do

cemitério para o bairro do Caju (SANGLARD, 2008a, p.51).

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Não mais se trata de transferir prédios para abrigar novos assistidos sociais, porém

se trata, mais do que nunca, de organizar as instalações, mediante a racionalização

dos recursos técnicos, materiais e humanos. Em conseqüência, no último quartel do

século XIX triplica o número de doentes hospitalizados, de alienados no hospício,

de delinqüentes nas Cadeias Públicas, de órfãos nos educandários, de inválidos nos

asilos. Um nova era na história da filantropia encontrava-se à vista. Assistência e

repressão, embora referidas uma à outra, distinguiam-se. Agora, assistência e

prevenção associavam-se (Adorno Abreu & Castro, 1985, p.52).

Portanto, a lógica filantrópica desenvolveu-se articulada à ideia de

progresso e civilização, ancorando-se no conhecimento “mais racional” dos

problemas sociais em oposição ao mero voluntarismo caritativo.

A ideia de progresso e civilização desenvolvida na Europa Ocidental foi a

ideologia justificadora da expansão colonialista, norteando as ações das elites

brasileiras que desejavam e projetavam uma nação a ser construída pelos artifícios

da razão europeia. O sentimento de estar à margem do mundo (visto e

representado como) civilizado, conferiu sentido ao esforço de civilização, ainda

que à custa da exclusão de grandes parcelas da população (Naxara, 2004).

A expressão do viajante francês Louis Couty, “Le Brèsil n’a pas du peuple”

(O Brasil não tem povo) encontrou grande ressonância entre os intelectuais

brasileiros na época, preocupados com a identidade do que seria a nação brasileira

e o seu povo. Segundo a historiadora Márcia Naxara (2004), pela impossibilidade

de alcançar o ideal de civilização imaginado, as elites excluíram o “povo” para

pensar o Brasil.

Desse modo, as ideias e percepções sobre o Brasil no século XIX,

representativas do cientificismo e da sensibilidade romântica predominantes no

período, levaram a uma atitude contraditória: o enaltecimento da sua complexa

natureza, tendo como contrapartida a desqualificação de grande parte da sua

população (Naxara, 2004).

Tal contradição esteve presente tanto na visão de viajantes e observadores

estrangeiros como dos próprios brasileiros. Aliás, o discurso liberal ufanista

vigente no período, enfatizava a natureza (o território brasileiro e suas riquezas

naturais) e ignorava o povo brasileiro, o qual era visto em negativo (Gomes,

2005).

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Na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império, a densidade de escravos

contrastava com as pretensões civilizadoras da Corte e da Coroa23

. Após a

independência, o Brasil surgia como nação moderna ao optar por uma monarquia

constitucional de base liberal onde, teoricamente, todos os homens seriam

cidadãos livres e iguais. Entretanto, a instituição da escravidão permaneceu

garantida pelo direito de propriedade reconhecido na nova Constituição (Mattos,

2000). Esta tem sido apontada como uma distorção típica do processo de

emancipação política do Brasil: a existência de um sistema escravista em uma

sociedade que professava os princípios liberais predominantes na economia, na

política e na sociedade europeia (Alencastro, 1997). Logo, a questão que se

colocava era como modernizar com a permanência da instituição da escravidão?

Desse modo, a singularidade da formação social brasileira deve ser

entendida no âmbito de uma ordem escravista e de seus efeitos sobre todas as

dimensões da vida social. Como aponta Burity (2006), “nossa modernidade

construiu-se, assim, pela adaptação dos modelos externos à matriz moral da

escravidão” (p.28).

A partir de 1870, novas correntes de pensamento (o evolucionismo, o

positivismo e o darwinismo social), oriundas do contexto europeu, foram

introduzidas no ambiente cultural brasileiro. Entretanto, não se tratava de mera

importação de ideias estrangeiras, uma vez que estas sofreram adaptações às

necessidades econômico-político-culturais locais. Longe de serem “ideias fora do

lugar”, como indicaria Schwarz (2000), elas foram utilizadas politicamente para

justificar o encaminhamento de formas autoritárias de intervenção no cotidiano

das populações urbanas.

O movimento de renovação intelectual no país, denominado “a geração de

1870”, foi caracterizado por alguns autores como a “ilustração brasileira”.

Segundo a socióloga Angela Alonso (2002), este foi um movimento intelectual e

político composto por uma diversidade de grupos de intelectuais que tinham como

experiência em comum a marginalização política em relação ao centro estamental

de distribuição do poder social e político.

23

Em 1849, havia na cidade do Rio de Janeiro 110.000 escravos para 266.000 habitantes. Entre

1841 e 1850, 335.000 africanos foram importados para o Rio de Janeiro (ALENCASTRO, 1997,

p.24).

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O movimento era composto por uma elite de intelectuais que disputava o

poder no período imperial, utilizando as novas ideias das escolas de pensamento

europeias para construir uma crítica coletiva às instituições e aos modos de pensar

cristalizados como tradição político-intelectual do Segundo Reinado. Dessa

forma, suas obras tinham um caráter deliberado de ação política, sendo na

imprensa independente, em pequenas associações e em eventos públicos que esses

contestadores se manifestavam.

A referida autora aponta o caráter elitista e reformista do movimento

intelectual de 1870, o qual comungava com o establishment monárquico a opção

pela reforma ao invés da revolução: “a revolução podia ser carreada pelas massas,

mas a reforma podia ser conduzida por uma nova elite” (Alonso, 2002, p.259).

Não por acaso ele ocorreu paralelamente ao início de um processo de

modernização alavancado pela dinâmica expansionista do capitalismo mundial.

A aplicação de novas descobertas científicas aos processos produtivos

desencadeou a chamada Segunda Revolução Industrial ou Revolução Científico-

Tecnológica, em meados do séc. XIX, nos países desenvolvidos da Europa. Esse

novo salto produtivo impulsionou a consolidação de um mercado capitalista mais

internacionalizado tanto pela disputa por matérias-primas em outras partes do

mundo, como pela ampliação de novos mercados para consumo dos excedentes da

produção. Essa dinâmica de expansão capitalista resultou num avanço acelerado

sobre as sociedades tradicionais, entre elas o Império brasileiro (Sevcenko,

1998a).

Nesse sentido, no que se refere ao processo de modernização, ou seja, às

concreções que a modernidade, como projeto civilizatório, assumiu no país dentro

de uma perspectiva de integração ao concerto das nações modernas, o Império

brasileiro foi dragado pelo novo ritmo da industrialização europeia. Assim, como

processo histórico, a modernização foi vivida de forma desigual, acionada por

mecanismos que refletiam histórias e heranças específicas de cada sociedade.

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1.3. O Brasil nas “vitrines” do capitalismo: a assistência como objeto de exposição

O ideário da modernidade expandido para todo mundo ocidental, como já

frisado anteriormente, teve nas exposições universais espaços importantes para

sua reprodução e divulgação. Pode-se dizer que no período de expansão do

capitalismo mundial, essas exposições foram suas grandes vitrines.

O Brasil não participou da Primeira Exposição Universal, realizada na

cidade de Londres, em 1851. Neves (1986) assinala que o país ingressou “com

atraso na experiência moderna das Exposições Industriais” (p.39).

Entretanto, o Império brasileiro se fez representar em quase todas as

exibições subseqüentes. Até o fim da monarquia, o Brasil participou das

exposições de 1862 (Londres), 1867 (Paris), 1873 (Viena), 1876 (Filadélfia) e

1889 (Paris).

Foot Hardman (1988, p.68) ressalta a presença constante do Brasil nesses

certames, enfatizando que “apenas uma década após a Great Exhibition do Crystal

Palace24

, realizava-se no Rio de Janeiro, a Primeira Exposição Nacional sob o

patrocínio do Estado monárquico (1861)”.

24

O Palácio de Cristal foi palco da Primeira Exposição Universal realizada em Londres (1851).

Idealizado pelo arquiteto e paisagista Joseph Paxton, ele foi todo construído em ferro fundido e

vidro. Sua estrutura podia ser desmontada e montada posteriormente, sendo esta uma característica

inovadora para as construções da época. O Palácio de Cristal representou o símbolo da nova era

industrial (FOOT HARDMAN, 1988).

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58

Figura 2- Primeira Exposição Nacional em 1861 - Jardim Imperial localizado no palco central do Palácio da Exposição. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em: <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.

Posteriormente, foram organizadas exposições nacionais em 1866, 1873,

1875 e 1889, todas patrocinadas pelo poder público. É importante assinalar que

todas as Exposições Nacionais realizadas durante o período imperial

caracterizavam-se como ensaios preparatórios, ou seja, uma prévia da participação

brasileira nas Exposições Internacionais. A tendência das exposições era buscar

ressaltar a produção manufatureira. Entretanto, o conceito de indústria era

suficientemente abrangente para abrigar as atividades agrícolas. De todo modo,

países como o Brasil destacavam-se inevitavelmente no setor da produção agro-

pastoril.

Se por um lado, a entrada do Brasil no universo das exposições já

significava congregar-se, no concerto das nações, aos cânones da ideologia do

progresso; por outro, as estruturas da desigualdade não se bastavam a si mesmas,

e por isso deviam “renovar seus rituais, fazendo dos espetáculos laicos uma fonte

de legitimidade”, ou seja, “era preciso enobrecer as artes mecânicas e conferir

estatuto de dignidade ao trabalho industrial. Mesmo com escravos” (Foot

Hardman, 1988, p.72).

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Na Exposição de 1876, na Filadélfia, tanto as casas de correção e suas

oficinas como os estabelecimentos de caridade – os asilos de desvalidos, as Santas

Casas, leprosários e hospícios – lá estavam representados, pois o Império

brasileiro incluía as instituições assistenciais25

no rol das criações nacionais.

A presença brasileira nesses eventos gerava a elaboração de extensos

trabalhos redigidos pelos integrantes das comissões brasileiras, compostas por

intelectuais renomados do período, que organizavam previamente a apresentação

do Brasil nessas exposições. Em 1875, foi publicado um estudo sobre “O Império

do Brasil na Exposição Universal de 1876 em Philadelphia”, elaborado pela

Comissão Brasileira na Exposição Universal da Filadélfia, no qual, em sua

primeira página, encontramos o seguinte parágrafo sob o título “Advertencia”:

Se as exposições universais não podem, ainda, por parte do Brasil, servir para

competência industrial, é inegável, que lhe têm proporcionado ensejo para ser

melhor conhecido, e apreciado, como região agrícola de solo fertilíssimo, e

nacionalidade pacífica, inteligente e laboriosa (Brasil, 1875, p.1)

Na citada publicação encontramos um inventário das instituições de

assistência existentes na época, com destaque para a Santa Casa de Misericórdia

do Rio de Janeiro, identificada como o principal estabelecimento de caridade do

Império, pois “sua administração é auxiliada pelos poderes do Estado e pela

caridade pública” (Brasil, 1875, p.506). No documento encontramos uma

descrição detalhada sobre a instituição, o que indica sua forte vinculação com o

Estado Imperial, e um relato sucinto das outras Santas Casas de Misericórdia

existentes nas demais províncias do Império.

Ainda de acordo com o texto da Comissão, a Santa Casa de Misericórdia do

Rio de Janeiro, naquele período (1874-1875), já contava com seu Hospital-Geral e

o Hospício de Alienados (Hospício D. Pedro II); enfermarias separadas em outros

lugares da cidade; o Asilo dos Expostos; o Recolhimento de Órfãs; o

25

No século XIX, mas principalmente em sua segunda metade, acompanhando a modernização da

cidade e a instauração das primeiras unidades fabris, essas instituições assistenciais voltavam-se

para o atendimento aos pobres “livres e nacionais” (órfãos, desvalidos, párias e negros) que

ingressavam no aparelho militar do Estado ou nos núcleos fabris. Eles antecederam os imigrantes,

conviveram com os escravos, lutaram pela pátria, estiveram nos primeiros ofícios manufatureiros.

(FOOT HARDMAN, 1988, p.90-91).

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Recolhimento de Santa Thereza para meninas desvalidas; um hospital na Gamboa

com 300 leitos para moléstias contagiosas e epidêmicas; dois cemitérios (São João

Baptista da Lagoa e São Francisco Xavier). Também é feito um relato minucioso

acerca do quantitativo de atendimentos e do número de óbitos nessas instituições.

O documento aponta que “as associações de caridade e beneficência são

numerosíssimas em todo o Império, e atestam, irrecusavelmente, os sentimentos

de caridade do povo brasileiro”, porém “há muitas que gozam da proteção de Sua

Majestade, o Imperador” (Brasil, 1875, p.510).

É importante destacar que nas tipologias utilizadas no documento, faz-se

uma distinção entre a Santa Casa de Misericórdia e as outras irmandades, sendo

esta a única definida como estabelecimento de caridade. Ressalte-se que, na

época, a Santa Casa era a única instituição que, apesar de privada, exercia uma

função pública, sendo subsidiada pelo Estado Imperial e pela caridade (legados e

esmolas).

Portanto, essa classificação diferenciada indica a sua importância nesse

período, devido a abrangência de seu atendimento (não restrito apenas aos irmãos

e seus dependentes) e a amplitude de suas práticas assistenciais. Apesar da

existência de outras irmandades e ordens terceiras, pode-se considerar que as

Irmandades da Misericórdia, também conhecidas como Santas Casas, se

constituíram como o primeiro modelo de assistência implantado no Brasil. As

Misericórdias acompanharam o processo colonial e detiveram a hegemonia da

assistência durante o Império e a Primeira República.

Essas instituições fundamentaram o processo de organização da assistência

no país, pois através de suas obras definiu-se tanto um campo de atuação gerador

de instituições sociais como os principais segmentos a serem atendidos (pobres,

doentes, loucos, presos, velhos, etc.). A partir do modelo dessas associações leigas

foram se definindo diferentes áreas que se transformaram posteriormente em

objeto de intervenção de políticas sociais (Quiroga, 2001).

Com relação às associações caritativas e beneficentes, o texto da comissão

distingue dois gêneros de associações:

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a) aquelas que aliavam fins temporais aos espirituais, unindo a prática da

beneficência à prática do culto. Nesta classificação estão incluídas as Ordens

Terceiras, as Confrarias e as Irmandades, exceto a Irmandade da Misericórdia, a

qual foi classificada separadamente. Como já visto, essas associações foram

listadas, no documento, por ordem de importância.

b) aquelas que não possuíam caráter religioso e que se aplicavam apenas a

beneficência. Destas, umas eram puramente nacionais, outras mistas, outras

constituídas por imigrantes que realizavam ações de proteção aos estrangeiros.

No quadro abaixo, apresentamos as instituições de acordo com a

classificação apresentada no documento:

Quadro 1 - Comissão Brasileira na Exposição Universal da Filadélfia

1875 - 1876

Estabelecimentos de Caridade

1)Santa Casa de Misericórdia

Associações Caritativas e Beneficentes que aliavam fins temporais aos espirituais

1)Ordem Terceira de S. Franscisco da Penitencia (fundada em 1619)

2)Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo (fundada em 1638)

3)Ordem Terceira dos Mínimos de S. Francisco de Paula (fundada em 1756)

4)Ordem Terceira do Senhor Bom Jesus do Calvario

5)Ordem Terceira da Immaculada Conceição

6)Irmandade do Santíssimo Sacramento de Nossa Sra da Candelaria (teve a seu cargo

o Hospital dos Lazaros)

7)Irmandade de Santa Cruz dos Militares (criada por militares)

8)Irmandade de S. Pedro Apostolo (formada por clérigos)

9)Irmandade de Nossa Sra do Rosario e S. Benedicto (fundada por pretos, admite

entre os seus irmãos os próprios escravos, promovendo sua liberdade segundo os

meios de que dispõe o seu cofre especial de caridade)

Associações Caritativas e Beneficentes que não possuíam caráter religioso e se

aplicavam apenas a beneficência

1)Sociedade União Beneficente Acadêmica (ajudar os estudantes da Escola

Polytechnica que não tinham recursos para prosseguir seus estudos)

2)União Beneficente Commercio e Artes

3)União e Beneficencia

4)União Beneficente das Familias Honestas

5)União Funerária Primeiro de Julho

6)Brazileira de Beneficencia

7)Associação Industrial de Beneficencia

8)Previdencia Associação de Socorros á Invalidez

9)Rio Grandense Beneficente e Humanitaria

10)Beneficente Paulista José Bonifacio

11)Typographica Fluminense

12)Caixa Municipal de Beneficencia e Congregação de Santa Thereza de Jesus

(inaugurada pela Camara Municipal, em 1860, para socorrer a “pobreza recolhida”,

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dotar moças pobres de exemplar moralidade e erigir um asilo p/velhice desamparada)

13)Amante da Instrução

14)Asylo da Velhice Desvalida

15)Philantropica Suissa

16)Beneficente Ingleza

17)Allemã de Beneficencia

18)Belga de Beneficencia

19)Italiana de Beneficencia

20)Franceza de Beneficencia

21)Franceza de Socorros Mutuos

22)Hespanhola de Beneficencia

23)Portugueza de Beneficencia

24)Caixa de Spocorros D. Pedro V(portuguesa)

25)Beneficencia União Israelita do Brazil Fonte: Brasil, Comissão Brasileira na Exposição Universal da Filadélfia. O Imperio do Brazil na Exposição Universal de 1876 em Filadelphia. Rio de Janeiro, Typ. Nacional, 1875.

O documento aponta que tanto na capital como nas muitas províncias do

Império havia casas de correção ou de detenção para sentenciados e presos. O

texto faz uma distinção entre as duas: as casas de correção ou “prisões

penitenciárias” seria o sistema preferível, “mais em harmonia com os preceitos da

ciência, no generoso empenho de fazer da pena, também, meio de educação”

(Brasil, 1875, p.524).

Em 1875, a casa de correção da capital do Império ainda estava por ser

concluída. A construção havia sido projetada para comportar 800 condenados,

com quatro compartimentos para prisões e outros tantos para oficinas. No entanto,

foram concluídos apenas um dos compartimentos para prisões e dois para oficinas

e uma enfermaria para tratamento dos penitenciados que enlouqueciam. O

estabelecimento contava com escola de primeiras letras, biblioteca, lavanderia,

padaria, uma pedreira que abastecia de granito a oficina de canteiros e um

laboratório fotográfico utilizado tanto pela casa como pela polícia.

Além da oficina de canteiros, havia oficinas de marceneiros, carpinteiros;

alfaiates, sapateiros, encadernadores, funileiros, ferreiros, marmoristas e

caldeireiros. O documento indica que as Casas de Correção da capital do Império,

da cidade de São Paulo, do Recife e da Bahia eram as que mais se adaptavam ao

seu fim penitenciário, pois seguiam o modelo prisional da Filadélfia.

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Com relação às oficinas, os artefatos produzidos pelos presos foram

expostos e premiados em exposições nacionais, e na última exposição universal

realizada em Viena (1873). Além disso, a maioria das oficinas recebia frequentes

encomendas, sendo a mais procurada a de marceneiros, na qual eram produzidas

obras de luxo, e móveis de esmerado trabalho para estações públicas e casas

particulares (Brasil, 1875, p.524).

Portanto, em um contexto marcado por mudanças nas relações de produção

e, consequentemente, pela necessidade de formação de uma força de trabalho

qualificada para o trabalho fabril, a organização tanto da assistência como do

sistema prisional tornavam-se objeto de discussão e divulgação nas Exposições

Nacionais e Internacionais. Isso mostra que as formas de assistência aos pobres

significavam importantes representações, que conferiam sentido ao esforço para

dar ao mundo a imagem de um país que caminhava rumo ao progresso.

Por outro lado, Foot Hardman (1988) indica que as instituições de

assistência, as Casas de Correção, companhias de aprendizes da Marinha e outros

organismos similares constituíam-se em locais de preparação, no século XIX, de

um contingente de proletários modernos. O autor aponta que em obras clássicas

sobre as origens da indústria têxtil faz-se referência à importância desses pobres

“livres e nacionais” para os núcleos fabris modernos da nação.

No fim da monarquia, o Brasil participou da Exposição Universal

Comemorativa do Centenário da Revolução Francesa, em 1889. Na França aquela

era um exposição que saudava a República. Segundo Gomes (2002), foi com esse

entendimento que todos os regimes monárquicos se negaram a participar da festa,

com exceção do Brasil. Isso demonstra o esforço do Império brasileiro em marcar

sua presença nesta exposição, pois enquanto o Brasil monárquico estava se

mostrando em Paris, a República brasileira foi proclamada.

Portanto, o Brasil que se exibe em 1889 já é uma “nação que se republica”

(Neves, 1986, p.89) e a República intensificou a ânsia de progresso.

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1.4. Filantropia e elites republicanas: ilusões do progresso na capital da República

No final do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro apresentava um ritmo de

crescimento demográfico acelerado26

. Esse crescimento populacional encontrava-

se estreitamente relacionado à migração de escravos libertos da zona rural para a

urbana e pela intensificação do fluxo imigratório na cidade. Além disso, como

destaca Chalhoub (1986), as mudanças na demografia da cidade devem ser

percebidas dentro do quadro mais amplo de constituição do capitalismo no Brasil,

especialmente no Rio de Janeiro, entre o final do século XIX e as duas primeiras

décadas do século XX, quando são vividas transformações sócio-econômicas

associadas à transição de relações sociais do tipo senhorial escravista para

relações sociais do tipo burguês capitalista.

O regime republicano tinha como seu projeto político mais urgente a

transformação do homem livre, fosse o imigrante pobre ou o ex-escravo, em

trabalhador assalariado. Segundo Miskolci (2004), a questão que se colocava era

como incorporar ao novo regime político uma massa de “desvalidos”?

Em um período de progressiva afirmação do capitalismo no Brasil, a tarefa

de construção do “Brasil Moderno” implicava na criação de um modelo de nação

brasileira que correspondesse aos ideais republicanos, em princípio baseados em

concepções de justiça e direitos. Entretanto, a degradante condição de vida da

maioria da população urbana, constituída em sua maior parte por ex-escravos,

pobres e imigrantes, gerava um descompasso com o ideal republicano.

A República representou um compromisso de modernização da economia

por meio do estímulo à industrialização. Todavia, o início do processo de

formação de uma sociedade capitalista implicou em um projeto de modernidade

que viabilizasse a construção de um modelo de nação brasileira. Nesse contexto, a

26

Em 1872 moravam na capital 274.972 pessoas; em 1890 este número cresce para 522.651,

atingindo a 811.443 em 1906. A densidade populacional era cerca de 247 habitantes por km² em

1872, passou a 409 em 1890 e a 722 em 1906. Neste último ano, o Rio de Janeiro era a única

cidade do Brasil com mais de 500mil habitantes, e abaixo dela vinham São Paulo e Salvador, com

apenas um pouco mais de 200 mil habitantes cada uma (CHALHOUB, 1986, p. 24-25).

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cidade do Rio de Janeiro conheceu um crescimento urbano-industrial que gerou

um impacto na organização social: a desestabilização da sociedade e cultura

tradicionais fez emergir “uma percepção da cidade como locus da decadência

moral” (Adorno, 1990, p. 9). Assim, a reforma social e moral da população urbana

era vista como o caminho para a inserção do país na modernidade.

Portanto, em um período de reorganização da sociedade e de constituição de

uma nova identidade nacional instaurou-se uma dinâmica que abalou as relações

sociais: hábitos e atitudes das populações urbanas deveriam ser transformados

com o objetivo de adaptá-las às necessidades da nova ordem burguesa em

construção. Nesse contexto, buscava-se ajustar a complexa realidade social do

país a padrões europeus de gestão social.

Por outro lado, o Rio de Janeiro, então capital da República, desaguou numa

profunda crise urbana. Nessa época, a cidade “ocupava a incômoda posição de

sétima cidade mais insalubre” do mundo (Pechman & Fritsch, 1985, p.140):

A percepção crescente de que a vida das cidades ameaçava paralizar-se em função

da ocorrência freqüente de epidemias criou as condições básicas para que médicos,

engenheiros sanitários, políticos e autoridades governamentais se debruçassem na

busca de soluções para o enfrentamento da questão da saúde pública (Ibid., 1985,

p.142).

Dessa forma, o movimento higienista emerge na Primeira República para

promover uma “cultura da reforma” (Rezende de Carvalho, 1989). Constituído

principalmente por médicos e engenheiros27

, esse movimento teve forte presença

nas interpretações sobre os dilemas e as alternativas colocadas para a construção

de um “Brasil Moderno”.

O positivismo de Augusto Comte foi utilizado como recurso teórico não

apenas para o movimento compor uma interpretação da conjuntura, como também

para elaborar um conjunto de princípios e técnicas de gestão dos problemas da

cidade e das diferenças sociais nela existentes. Esse repertório intelectual28

unia os

27

Os Educadores também tiveram papel de destaque na difusão de novos modelos sociais, mais

compatíveis com a modernidade social que se pretendia implantar (HERSCHMANN, 1994). 28

“Um repertório é o conjunto de recursos intelectuais disponível numa dada sociedade em certo

tempo. É composto de padrões analíticos; noções; argumentos; conceitos; teorias; esquemas

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diversos grupos que compunham o movimento, dando suporte às ações

“saneadoras” de engenheiros e médicos nesse período.

A instauração da República representou o compromisso de um ordenamento

do sistema jurídico-político baseado na federação, o qual alterou

significativamente a organização das competências municipal e federal, passando

as ações de higiene urbana29

à competência dos municípios. No Rio de Janeiro,

então Distrito Federal, um ano após a promulgação da lei que deu plenos poderes

à prefeitura de atuar na higiene da cidade, uma das primeiras medidas tomadas foi

a derrubada do cortiço “Cabeça de Porco” em 1893. A destruição do “Cabeça de

Porco”, na gestão do prefeito Barata Ribeiro (1892-1893), reforçou a vitória da

política higienista ao mesmo tempo que inaugurou um período de forte

intervenção na cidade (Chalhoub,1996).

Posteriormente, foi concebido um plano de reurbanização do Rio de Janeiro,

sede política e cultural do país, que potencializou conflitos e contradições sociais.

No Rio do “bota abaixo” do prefeito Pereira Passos (1902-1906) foram demolidos

inúmeros cortiços localizados na área central, nos quais residia a população pobre

da cidade. Essas habitações coletivas eram consideradas focos de epidemias e uma

ameaça à ordem e à moralidade públicas (Chalhoub, 1996).

Também foi realizada uma campanha para a erradicação da varíola, na qual

visitadores acompanhados da força policial invadiam casas a pretexto de vistoria e

vacinação dos moradores. Quando se constatava risco sanitário, as residências

eram condenadas à demolição compulsória e seus moradores não tinham direito à

indenização. Essa situação fez com que uma massa de cidadãos se voltasse contra

a força policial num motim que ficou conhecido como a Revolta da Vacina.

(Sevcenko, 1998a).

Dessa forma, tomava corpo a ideia de uma engenharia sanitária preocupada

em reorganizar o espaço da cidade com o objetivo de transformá-la em uma nova

explicativos; formas estilísticas; figuras de linguagem; metáforas, etc.” (SWINDLER, 1986 apud

ALONSO, 2002, p.39). 29

Desde o Império, foram inúmeras as tentativas de destruir os cortiços ou de impedir que fossem

construídos. Entretanto, durante a vigência do sistema escravista, o governo imperial temia que

essas medidas pudessem abrir precedentes no que tange a posse de escravos, os quais eram

considerados propriedade privada. Portanto, a questão do escravismo no Império impedia a

demolição dos cortiços (CHALHOUB, 1996).

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metrópole racional, higiênica e cosmopolita. Chalhoub (1996) aponta que a

Higiene era o suporte ideológico para essas ações saneadoras que submetiam a

política à técnica “supostamente acima dos interesses particulares e dos conflitos

sociais” (p.35).

Se por um lado, o frenesi da modernização buscou tornar a capital da

República o símbolo da modernidade brasileira, por outro implicou em

mecanismos sociais de racionalização da vida social que se concretizaram em

ações de extrema opressão às populações pobres: o “bota-abaixo” e a Revolta da

Vacina, citados anteriormente, são os exemplos mais emblemáticos na cidade do

Rio de Janeiro.

Carvalho (1986), através de uma concepção clássica de política, analisa que

os primeiros anos da República caracterizaram-se por uma ausência de

participação popular na política, posto que a ação popular “se dava fora dos canais

e mecanismos previstos pela legislação e pelo arranjo institucional da República”

(p.7).

A Revolta da Vacina, enquanto síntese dos movimentos de massa da época,

foi caracterizada por Carvalho (1986) como uma ação não política, devido ao

caráter “defensivo, desorganizado, fragmentado da ação popular” (p.7). Segundo o

autor, esse movimento revelava apenas convicções sobre o que o Estado não

podia fazer, mas não reivindicava a participação nas decisões do governo:

“defendiam-se valores e direitos considerados acima da esfera de intervenção do

Estado, ou protestava-se contra o que era visto como distorção ou abuso” (Ibid.,

p.7).

Entretanto, partindo-se de uma concepção de política que tenha por base o

dissenso, pode-se verificar uma intensa atividade política nas revoltas populares

na Primeira República. Rancière (1996, p.44) aponta que “o que constitui o

caráter político de uma ação não é seu objeto ou o lugar onde é exercida, mas

unicamente sua forma, a que inscreve a averiguação da igualdade na instituição de

um litígio”. A partir dessa concepção, para além dos canais formais de

participação ou dos fóruns políticos tradicionais, ações políticas são exercidas.

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Para o citado autor, a produção do consenso, ao contrário, é a anulação da

política, pois “não há política porque os homens, pelo privilégio da palavra, põem

seus interesses em comum” (Ibid., p.40). O ato político se dá pela reivindicação

da parcela daqueles que não têm parcela, pela reivindicação da fala daqueles que

não têm fala, pois é o “jogo do próprio litígio que institui a política” (Ibid., p.35).

Desse modo, a população pobre do Rio e Janeiro que não tinha parcela e não

tinha fala, ao protestar contra o arbítrio das autoridades no episódio da Revolta da

Vacina, reivindicava a sua parte no todo: era o sujeito do dano que reivindicava

ser ouvido.

Assim, nos termos de Rancière, as revoltas populares da época podem ser

interpretadas como tentativas de fala daqueles que não tinham fala, pois eram

vistos pelas elites republicanas como a plebe ignorante incapaz de compreender o

curso inexorável do progresso.

Dessa forma, os manifestantes, ao entrincheiram-se nas ruas do centro da

cidade, literalizaram como “espaço público” as vias de comunicação urbana.

Portanto, as revoltas populares representaram formas de resistência que podem ser

traduzidas como importante participação popular na vida social e política do país

na Primeira República.

Considera-se, assim, a atividade política, nas palavras de Rancière, “a que

rompe a configuração sensível na qual se definem as parcelas e as partes ou sua

ausência a partir de um pressuposto que por definição não tem cabimento ali: a de

uma parcela dos sem-parcela” (Rancière, 1996, p.42).

Nesse sentido, os grupos populares tiveram uma importante participação na

vida social e política do país, seja pela irrupção tanto de greves operárias como de

revoltas populares, as quais podem ser percebidas como manifestações de

denúncia ou de resistência contra a opressão do Estado vigente nesse período.

Como bem coloca Francisco de Oliveira (1999, p.60), “todo o esforço de

democratização, de criação de uma esfera pública, de fazer política, enfim, no

Brasil, decorreu, quase por inteiro, da ação das classes dominadas”.

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Outra perspectiva de análise é colocada por Nicolau Sevcenko (1998) que

ao enfocar a vida privada no início do período republicano, busca analisa-la a

partir do campo de tensões entre as elites e as camadas pobres. O autor coloca

que, se por um lado, o impulso da participação na esfera pública e os recessos da

experiência privada foram privilégios de poucos, por outro, tornaram-se foco de

tensões na medida em que grupos cada vez maiores ansiavam “por compartilhar

das gratificações latentes nesses dois contextos” (Ibid., p.31).

Esse fenômeno dual difundiu-se com a expansão internacional do

capitalismo. A instauração do regime republicano intensificou os contatos e as

trocas internacionais, acelerando o curso dessas transformações históricas.

Segundo Sevcenko (1998), a dinâmica da nova ordem republicana, possibilitou

tanto a construção de uma esfera pública, reforçada pelo crescimento da imprensa,

como intensificou os valores associados às novas experiências de privacidade.

Entretanto, as camadas subordinadas da população ficaram excluídas da

promessa republicana, pois as condições históricas do país tornaram um privilégio

de poucos, tanto a participação na esfera pública como a experiência da própria

privacidade. Assim, o episódio da Revolta da Vacina é apontado pelo referido

autor como um exemplo expressivo do quanto a autoridade pública não hesitava

em invadir lares nem destruir cortiços. Portanto, no âmbito da vida privada, nem

casas, nem corpos, nem vidas, tinham garantias quando se tratava de grupos

populares.

Com relação ao combate à insalubridade promovido pelos higienistas, este

englobava a adoção de medidas tão amplas que transcendiam a competência do

médico sanitarista (Pechman & Fritsch, 1985). Desse modo, os médicos, apesar de

terem sido os pioneiros das ideias higienistas, foram aos poucos “perdendo

terreno” para os engenheiros. Entretanto, certo tipo de “medicina social”

conquistou espaço, dedicando-se à reforma moral da população pobre.

Quanto à diversidade de grupos e especializações profissionais que

integravam o movimento higienista, Herschmann (1994) destaca duas correntes da

medicina com tradições distintas, vinculadas às Faculdades do Rio de Janeiro e da

Bahia: a corrente da saúde pública no Rio de Janeiro, liderada por Oswaldo Cruz e

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a corrente da medicina legal na Bahia, que seguia uma orientação lombrosiana,

representada por Nina Rodrigues. O médico baiano foi um dos principais

articuladores da entrada das teses eugênicas no Brasil:

Enquanto a tendência entre os médicos cariocas [...] era combater principalmente

as doenças (as epidemias) e os ‘maus hábitos’ cotidianos da população, a tendência

entre os médicos baianos [...] era concentrar-se sobre o doente e as características

transmissíveis de forma hereditária (Herschmann, 1994, p.51).

Se por um lado, o higienismo monopolizou o debate sobre as implicações da

insalubridade para o desenvolvimento econômico do país; por outro, introduziu a

questão racial no diagnóstico das mazelas do Brasil. A noção de degeneração

racial e a composição étnica da população assumiram crescente importância tanto

nas polêmicas sobre “identidade nacional” e “nação” como no próprio discurso

higienista no prelúdio republicano.

O higienismo contribuiu para a consolidação da nova ordem política e social

republicana através da implementação de novas formas de controle social, pois a

degradação das condições de vida da maioria da população urbana gerava um

descompasso com o ideal de República.

A cidade do Rio de Janeiro, então capital republicana, tornou-se palco de

reformas urbanísticas e locus privilegiado de novos arranjos sociais com a

emergência de uma nova elite carioca.

Com a República, surge uma nova elite de intelectuais, portadora de um

saber técnico e especializado, que reivindicava para si a responsabilidade pelas

diretrizes básicas da sociedade brasileira. Rezende de Carvalho (1989) também

aponta que “a consolidação da experiência republicana isolou dramaticamente os

literatos, convocando, substitutivamente, um novo tipo de intelectual, o

especialista” (p.316).

No entanto, o contato dessa nova elite com a antiga nobreza egressa do

Império implicou em uma acoplagem das estruturas arcaicas com as forças sociais

portadoras do progresso. Needell (1993) aponta que “sob a República, até mesmo

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aqueles membros da elite mais representativos das mudanças na economia e na

função política do Rio recriaram um meio aristocrático” (p. 41).

Pode-se considerar que os clubes de sociabilidade e os salões da belle

époque carioca, como locais de formação embrionária de uma cultura burguesa.

Esses espaços de sociabilidade não se configuravam apenas como um modus

vivendi de uma nova elite urbana, uma vez que possuíam muito mais um caráter

político. Needell (1993, p.137) ressalta que o salão da belle époque

“proporcionava as condições ideais para aquela atmosfera seleta tão útil à

condução dos negócios da classe dominante”, configurando-se enquanto espaço

informal do sistema de poder.

Portanto, uma nova elite fundamentalmente urbana em formação no país

buscava ter acesso ao poder, empenhando-se em ações filantrópicas que davam

prestígio social aos seus executores. Nesse contexto, ao se configurar como uma

ação típica dessa nova elite, a filantropia realiza uma poderosa articulação com o

poder republicano.

O gesto filantrópico, como já discutido no início deste capítulo, encontrava

sentido na ideia de “utilidade social”, considerada, aos olhos dessa nova elite

republicana, como um valor, na medida em que servia como um pano de fundo

para justificar as ambições nacionais e pessoais, já que os interesses privados

eram vistos como coletivos. Os filantropos compunham uma espécie de “elite

pensante” que atuava no que consideravam a modernização de concepções e

instituições sociais de diferentes áreas e domínios.

Por outro lado, a publicização de suas propostas políticas e de suas obras

sociais foram estratégias importantes para esses atores. Sua presença nos jornais e

periódicos da época, assim como a organização de exposições e eventos

constituíram-se em embriões da presença de um setor de opinião pública,

principalmente na então capital da República, a cidade do Rio de Janeiro.

Do ponto de vista de uma condução política para os pobres, a filantropia

instaurou uma política moral, cabendo à beneficência privada, o dever de

“proteção” (ou tutela) aos mais fragilizados. Para Castel (1998), a política moral

não se reduz ao privado. A moral pública refere-se às “obrigações que

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regulamentam certas relações sociais sem sanção jurídica” (p.304). Desse modo, a

política moral implica numa concepção de assistência como obrigação moral e

não enquanto uma obrigação legal, ou seja, uma questão de direitos.

O caráter modernizador em princípio presente no modelo filantrópico se

constituiu, portanto, num complexo tutelar no qual a modernização dizia respeito

apenas a uma administração tecnicista dos problemas sociais. Dessa forma, os

valores morais e religiosos vestem nova roupagem - o cientificismo, e a caridade

transforma-se em tutela. Entretanto, com o predomínio do pensamento liberal na

Primeira República, a concepção filantrópica aliou-se à assistência caritativa na

busca de respostas não-estatais para a emergente questão social.

A filantropia configurou-se, assim, sob o estatuto da tutela: as práticas

filantrópicas se estabeleciam por meio de uma troca desigual, onde a relação do

pobre com o seu benfeitor encontrava-se aquém da esfera do direito. Isto significa

que a esfera do direito tornava-se a esfera das obrigações morais em relação aos

grupos considerados “socialmente inferiores”.

Desse modo, as noções de tutela e proteção são fundadoras de um plano de

governabilidade que vai desenvolver-se em múltiplos domínios sociais,

fundamentando uma nova autoridade social: o benfeitor. Logo, a filantropia

organizou-se através da mobilização das elites sociais para desenvolver um poder

tutelar em relação aos “desafortunados”.

Com a instauração do trabalho livre e o início do processo de

industrialização no Brasil, as estratégias de dominação voltaram-se para a

disciplinarização de uma classe operária em formação, a regulação dos

comportamentos da população pobre em geral e a reorganização dos espaços

urbanos.

A República, evidentemente, deparou-se com os problemas sociais herdados

do Império, e frente à massa de analfabetos e miseráveis que, em princípio,

deveria ser incluída ao novo regime, a lógica positivista das elites republicanas

acabou predominando sobre a lógica da cidadania, definindo-se graus e tipos

diferenciados de liberdade para os diferentes estratos sociais.

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Como bem coloca Sales (2009), a cidadania continuou concedida após a

proclamação da República, pois “o domínio do liberalismo enquanto doutrina em

pouco ou nada contribuiu para a instauração dos direitos elementares de

cidadania” (p.8). Pelo contrário, com o liberalismo não-democrático vigente no

período, o campo dos direitos não se configurou como um operador de

legitimação do Estado na Primeira República.

Em um contexto sócio-cultural avesso à ideia de transformação, o ideal

republicano de construir uma sociedade organizada em torno do modelo jurídico-

político contratual não se concretizou. O Estado da Primeira República deu

continuidade à lógica estamental do Império, ao invés de assegurar direitos

políticos ao conjunto de segmentos sociais, pois o fim das instituições imperiais e

escravistas não representou o fim dos valores vigentes neste período, mantendo-se

a velha sociedade excludente e hierarquizadora.

Desse modo, a solução dos problemas sociais na Primeira República

relacionava-se a propostas de cunho assistencialista que não implicavam na

extensão da cidadania. Sposati (1994) aponta que na primeira Constituição

Republicana (1891) não há nenhuma referência à atenção aos pobres, nem às

entidades filantrópicas. “Nesta Constituição ainda se percebe a posição imperial

do Estado em detrimento do indivíduo, pautado pela centralização política”

(p.12).

De acordo com o pensamento liberal da Primeira República, o governo não

podia encarregar-se sozinho da manutenção do pobre. Dessa forma, a pobreza

deveria ficar sob a salvaguarda da comiseração geral e da proteção das pessoas

abastadas através da beneficência privada.

Um Governo que anunciasse que só ele concederia socorros completos aos

indigentes, quaisquer que fossem as idades destes, carregaria um fardo enorme,

aniquilaria a indústria, favoreceria a indolência do rico, do pobre mesmo, e

quebraria a grande mola da sociabilidade - a beneficência privada (Paiva, 1916,

p.310).

Ao Estado, ou mais propriamente na época, aos estados, devido a autonomia

dessas esferas subnacionais no recém-instaurado regime republicano, cabia a

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responsabilidade de controlar e prevenir os eventos que perturbassem a ordem

pública (Cohn, 2000).

Portanto, no quadro do liberalismo vigente, as práticas de beneficência eram

recomendadas inclusive por parte do governo, o que se percebe no pedido de J. J.

Seabra, então Ministro da Justiça do governo de Rodrigues Alves (1902-1906),

para que o Congresso levasse a efeito essas medidas:

O Governo, tomando a iniciativa e a deliberação de realizar, sob fundamentos

ponderados, a sistematização de assistência em geral, conta, por isso mesmo,

demonstrar o interesse que liga à ação da beneficência particular, que tantos e reais

serviços presta a nossa população, e tentará por esse meio fazer uma justa e

proveitosa harmonia e aliança dos interesses do Estado com os da Assistência

Privada, na forma das recentes decisões dos Congressos especiais realizados no

mundo civilizado, fazendo com que dessa concórdia resulte a efetividade dos

intuitos que tem em vista a filantropia social” (Paiva, 1916, p.308).

Nessa época, como bem coloca Sanglard (2008b), “entendia-se como

assistência pública um vasto e abrangente leque de ações às quais se atribuía

caráter público” (p.61). Essas ações envolviam um sistema público ou parapúblico

de socorros, constituído “por um conjunto de instituições públicas e privadas,

laicas e religiosas - hospitais, asilos, orfanatos, colônias, creches, ligas, postos

médicos, maternidades, hospícios, dispensários, policlínicas” (Ibid., p.61).

Portanto, pode-se afirmar que, na Primeira República, o campo da

assistência no Brasil traduzia-se em uma estruturação institucional permeada por

uma ambígua relação público-privado. Esse processo de configuração

institucional híbrido teve sua origem, conforme mencionado anteriormente, na

tradição católica de socorro à pobreza.

Por outro lado, é importante destacar que as Exposições Universais

enquanto “vitrines do progresso” (Neves, 1986) representavam espaços tanto de

divulgação científico-tecnológica como ideológica do capitalismo, onde a

organização da assistência era um dos elementos apresentados como constitutivos

do grau de civilização e progresso alcançado no concerto das nações modernas.

Ressalte-se que a realização de congressos no âmbito dessas exposições foram

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eventos importantes para sua divulgação científica e ideológica, o que buscaremos

aprofundar no próximo capítulo.

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2 Assistência Pública e Privada: o debate dos reformadores brasileiros

O debate de ideias políticas e culturais na Primeira República investia na

construção de um Brasil “civilizado”. Buscava-se investigar o problema de nosso

“atraso” em relação às nações consideradas civilizadas, para então planejar um

grande projeto de modernização.

Acreditava-se que a herança do passado colonial e escravista do país

pudesse ser anulada com a República. A formulação de uma nova

institucionalidade a partir de 1889 parecia imprimir uma nova era considerada

como moderna: ideias como “ordem”, “progresso”, “reforma”, “civilização”,

caracterizavam o discurso e a ação política das elites republicanas.

Chalhoub (1986, p.29) aponta para uma redefinição do conceito de trabalho

nas últimas décadas do século XIX, o qual ganhou uma valoração positiva

articulado aos conceitos de “ordem” e “progresso”, para impulsionar o país no

sentido da “civilização”. Segundo o autor, a construção de uma nova ideologia do

trabalho tornava-se necessária à constituição de uma ordem social burguesa, ou

seja, a introjeção de uma noção de trabalho como um bem, um princípio regulador

da sociedade:

Era este princípio supremo, o trabalho, que iria, inclusive, despertar o nosso

sentimento de “nacionalidade”, superar a “preguiça” e a “rotina” associadas a uma

sociedade colonial, e abrir desta forma as portas do país à livre entrada dos

costumes civilizados – e do capital – das nações europeias mais avançadas

(Chalhoub, 1986, p.29).

Portanto, a redefinição do conceito de trabalho, a repressão policial e a

reformulação do campo da assistência constituíam-se em um tripé de controle

social na emergente ordem social capitalista, visando à transformação do homem

livre (ex-escravo ou imigrante pobre) em trabalhador assalariado, como já

apontado no capítulo anterior.

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Por outro lado, Gomes (2010) aponta que os intelectuais brasileiros do final

do século XIX e início do século XX tomavam como desafio modernizar uma

sociedade pós-escravidão e pós-regime monárquico, movendo-se entre os diversos

campos disciplinares como produtores de bens culturais e interlocutores de

interpretações da realidade social de grande valor político.

Segundo Gomes (2010, p.11), “foi um tempo de intensa busca de

modernidade, que não era singular, mas plural, pois diferentes eram os projetos de

modernização que se articularam e entraram em disputa”. No entanto, a autora

indica que havia um ponto em comum entre eles: o Brasil não se tornaria um país

civilizado, sem o auxílio da ciência enquanto novo instrumental para o progresso

da humanidade.

Nesse período, portanto, não havia uma clara separação entre campo

intelectual e campo político, o que para a Gomes (2010, p.13) pode ser verificado

tanto pelas “diversas posições profissionais ocupadas por esses intelectuais”,

como “pela adoção de uma concepção de política ampliada”, não restrita à atuação

formal em funções representativas (executivas ou legislativas) que estendia-se à

defesa de ideias e/ou à formulação de projetos político-culturais.

De acordo com essa perspectiva é que temos por objetivo, neste capítulo, o

estudo das propostas de assistência defendidas pela elite dominante enquanto

projetos políticos que visavam à reforma social na República recém instaurada.

Para tal, buscamos analisar as teses apresentadas no Primeiro Congresso Nacional

de Assistência Pública e Privada, as quais revelam a influência das ideias dos

reformadores sociais franceses no pensamento dos intelectuais brasileiros, as

principais preocupações das elites relacionadas à emergência da questão social e a

intrincada relação entre público e privado na configuração da assistência nesse

período.

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2.1. Congressos Científicos & Exposições: a Exposição de 1908

O Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada foi realizado no

âmbito da Exposição Nacional de 1908. É importante destacar que, nessa época,

havia uma estreita relação entre congressos científicos e exposições. Na América

Latina, os congressos já vinham sendo realizados durante exposições desde 1882,

ganhando maior relevância no início do século XX. De uma forma geral,

Kuhlman Jr. (2010) aponta que os Congressos e as Exposições Científicas tiveram

seu período de apogeu entre a segunda metade do século XIX e as primeiras

décadas do século XX enquanto fenômeno internacional, envolvendo também o

Brasil.

Nesse período, a República brasileira desejava exibir, ao olhar estrangeiro, a

cidade que havia passado por uma reforma de núcleos importantes de sua

estrutura urbana na gestão do prefeito Pereira Passos (1903-1906). Desse modo,

em um contexto de modernização da capital é lançada a ideia de se realizar uma

Exposição Nacional. As medidas implementadas em prol do saneamento físico e

moral da sociedade provocaram desde odes ao progresso até revoltas populares

face à dissolução de modos de vida e de práticas sociais das classes populares

consideradas como obstáculo ao processo de integração do país ao contexto das

nações modernas. Por outro lado, a reforma da capital não apenas demonstrava o

poder oligárquico, como a emergência de um novo modelo: o Rio da Belle

Époque que, em 1908, tenta deslocar a memória colonial e do Império.

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Figura 3 - Álbum da Exposição de 1908: órgão de propaganda nacional.

Fonte: Jornal do Brasil, 11 de agosto de 1908, p.7.

A Exposição Nacional de 1908 foi realizada na cidade do Rio de Janeiro, na

Praia Vermelha, em comemoração ao Centenário da Abertura dos Portos

brasileiros às nações amigas. Foi inaugurada em 11 de agosto pelo então

presidente da República Affonso Penna, e esteve aberta ao público até 15 de

novembro. Como indica Neves (1986), ao analisar a construção da modernidade

na então Capital Federal: “o Rio de Janeiro remodelado por Pereira Passos e

saneado por Oswaldo Cruz já podia mostrar-se como capital moderna” e “o

pretexto foi encontrado na comemoração do centenário da abertura dos portos”

(p.50).

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Figura 4- Exposição Nacional de 1908. Porta Monumental vista de dentro da Exposição para fora. Fonte: <www.brasilcult.pro.br/fascinio/catalogos/indice.htm>.

Segundo a historiadora Marta de Almeida (2010, p.201), os anos

subsequentes às reformas urbanas realizadas na administração Passos, “foram

marcados por discursos enaltecedores de uma nova era da história republicana, e

as exposições ocorridas nesse período funcionaram como espaços de

materialização de todo progresso pretensamente atingido”.

A exposição também tinha por objetivo compor um “retrato” da nação.

Nesse sentido, ela marca "uma inflexão ao propiciar a realização de um inventário

do país não para ser exibido para fora de suas fronteiras, mas para os próprios

brasileiros” (Pereira, 2010, p.25). Portanto, além da exibição de uma síntese das

riquezas naturais e da produção dos diversos estados da federação, foi elaborado o

Bolletim Commemorativo da Exposição Nacional de 1908, organizado pela

Diretoria Geral de Estatística, o qual era distribuído aos visitantes durante o

evento. A publicação subdividia-se em território, população, economia,

movimento social, entre outros, apresentando todos esses temas sob uma capa de

cientificidade das estatísticas a partir da análise de especialistas.

Entretanto, Neves (1986) indica que as estatísticas apresentadas que, em

princípio deveriam ser uma análise de todo país, tomavam “o Rio de Janeiro como

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parâmetro para avaliação do progresso dos vários estados da federação e medida

do desenvolvimento nacional” (p.57).

Dessa forma, a Diretoria Geral de Estatística, órgão pertencente à

administração pública federal, buscava tanto conferir cientificidade à mensagem

ideológica de 1908 como destacar a importância da cidade do Rio de Janeiro no

processo de modernização do país, sendo esta apresentada como a capital da

modernidade brasileira.

De acordo com o relatório do Ministério da Indústria, Comércio, Viação e

Obras Públicas (1909, p.575-606), a ideia de realizar essa exposição nasceu em

1905, no seio do Congresso de Expansão Econômica. Em 1907, após votação do

Congresso Nacional, o projeto para a sua concretização foi convertido em lei pelo

decreto n° 6545 de 4 de julho de 1907. Ressalte-se que os preparativos da

exposição ficaram sob a responsabilidade deste ministério, na figura do então

Ministro Miguel Calmon du Pin e Almeida.

Após criterioso estudo sobre a localização ideal para instalar a exposição,

foi escolhida a área compreendida entre a Praia da Saudade e a Praia Vermelha, a

qual sofreu profundas transformações. A área, onde atualmente está localizado o

bairro da Urca, foi aterrada por moderna técnica de aterro hidráulico. O prédio da

antiga Escola Militar, que se encontrava em estado de abandono, foi totalmente

reformado para receber o Pavilhão das Indústrias. A obra do prédio da

Universidade do Brasil, que permanecia inacabada, foi concluída para abrigar o

Palácio dos Estados. A Revista Kósmos (1908) noticiou que os edifícios da Escola

Superior de Guerra foram derrubados, sendo erguidas novas construções para

abrigar o evento.

Destacam-se também a construção de um cais com balaustres para a

chegada dos visitantes, fontes luminosas, chafarizes e inclusive uma pequena via

férrea, para que o público pudesse locomover-se em trenzinhos no espaço da

exposição. Ali foram montados restaurantes, mirantes, jardins, cafés e múltiplas

diversões.

Pode-se constatar a emblemática representação do novo que esta exposição

imprimiu quando passados sete anos de sua realização, a Revista da Semana

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(1915) publicou uma matéria cujo título era “um passeio às ruínas da Exposição

da Praia Vermelha”, referindo-se ao abandono do local onde foi realizada a

Exposição Nacional. Na matéria é relatado que “em volta de poucos edifícios,

ainda de pé, agrupavam-se as ruínas dos edifícios abandonados” (p.15), além de

comentar que “se ali não nasceu a cidade do Rio, como está provado, ali, porém,

nasceu ao contato da animação da Exposição, a vida nova no Rio” (Ibid., 17).

Por outro lado, Rainho & Heynemann (2010) ressaltam que as vestimentas

de influência francesa, presentes na moda indumentária da época, revelavam as

camadas sociais que visitavam a Praia Vermelha: “mulheres, crianças e homens,

todos bem vestidos, não deixam dúvidas de que a exposição não era acessível para

boa parte dos brasileiros” (p. 71).

A exposição ficou dividida em quatro seções: agricultura, indústria pastoril,

várias indústrias e artes liberais. Com relação à comissão organizadora, foi

instituído como presidente, o engenheiro Antonio Olynto dos Santos Pires.

Entretanto, o responsável direto pelas construções foi o engenheiro José Mattoso

Sampaio Correa que na época ocupava o cargo de Inspetor Geral de Obras

Públicas.

O Estado investiu maciçamente na montagem do evento. Todas as despesas

com o transporte dos objetos destinados à Exposição ficaram por conta do

governo federal. Além dos investimentos da União e da Prefeitura do Distrito

Federal, a exposição contou com recursos particulares e dos governos estaduais,

alguns dos quais, arcaram com a construção de seus próprios pavilhões, sendo

estes: Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina. Assim, o que a Exposição

de 1908 mostrava aos seus visitantes “era acima de tudo o Estado como agente da

modernização no Brasil” (Neves, 1986, p.60).

Para atrair o olhar estrangeiro, em menos de um ano foram construídos

imponentes edifícios para abrigar estandes exibidores da produção econômica

brasileira. A Exposição foi Nacional, mas abriu-se uma exceção para a antiga

metrópole, Portugal, que exibia seus produtos no único pavilhão estrangeiro

denominado “Palácio Manuelino”.

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Os expositores ocuparam várias edificações, como o Palácio dos Estados,

que recebeu as representações de diversos estados da federação e o Palácio das

Indústrias, onde eram apresentados os principais produtos da economia nacional.

Além do Distrito Federal, de Portugal e dos quatros estados da federação30

que

construíram pavilhões especialmente para a ocasião, o Jardim Botânico construiu

um quiosque próprio para mostrar sua coleção, e a Inspetoria de Matas, Jardins,

Arborização, Caça e Pesca também apresentou sua mostra em uma área especial.

O pavilhão da imprensa, instalado no meio de jardins, destinava-se a impressão do

Jornal da Exposição, o qual era distribuído aos visitantes. Os Correios e

Telégrafos, a Estrada de Ferro Central do Brasil e a Fábrica de Tecidos Bangu

também tiveram seus próprios pavilhões.

No que se refere a Fábrica de Tecidos Bangu, a indústria têxtil era um dos

eixos da economia nacional e, portanto, destacava-se com um pavilhão exclusivo

para expor suas máquinas e produtos, ganhando duas medalhas de ouro na

exposição. É importante ressaltar que, nesse período, seus empregados tinham

uma jornada de trabalho de doze horas, e entre os seus nove mil operários havia

mil crianças empregadas nas 22 fábricas do Rio de Janeiro. Sem dúvida, “as

imponentes engrenagens do pavilhão da Bangu exibiam apenas a grandiosidade da

era fabril” (Rainho & Heynemann, 2010, p.74).

Cada repartição federal possuía salas próprias: a Casa de Correção do

Distrito Federal; o Hospício Nacional de Alienados; a Inspetoria Geral de Obras

Públicas da Capital Federal; o Corpo de Bombeiros; a Repartição Geral de

Estatística anteriormente mencionada; a Imprensa Nacional; o Instituto Histórico

e Geográfico Brasileiro (IHGB). Cabe ressaltar que o Instituto de Proteção e

Assistência à Infância do Rio de Janeiro (IPAI), uma instituição filantrópica,

também ocupou uma das salas do Palácio da Exposição.

O pavilhão do Distrito Federal abrigava as repartições públicas municipais

da Capital Federal. Neste pavilhão eram exibidas as obras da administração

municipal voltadas para a educação primária e profissional, saúde, higiene e

assistência pública.

30

Como visto anteriormente, os estados foram: Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina.

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Se por um lado, a própria Assistência Municipal era objeto de

demonstração, pois estava incluída na agenda de modernização da cidade, por

outro, a assistência privada que exercia uma função pública também fazia a

divulgação de seu trabalho: a Santa Casa de Misericórdia distribuiu um livro para

os visitantes da Exposição, intitulado “Notícias dos diversos estabelecimentos

mantidos pela Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro”.

Figura 5 - Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Fotografia tomada do Morro do Castelo. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.

A publicação tinha por objetivo fazer propaganda dos estabelecimentos

criados e dirigidos pela Santa Casa do Rio de Janeiro. Essa estratégia de

divulgação, de certo modo, articulava-se à sua participação no Congresso

Nacional de Assistência Pública e Privada, realizado no âmbito da Exposição.

O caráter publicitário de suas ações fica evidente logo nas primeiras páginas

do livro:

Aos que quiserem conhecer num rápido golpe de vista porque meios exerce a

Irmandade da Santa Casa de Misericórdia sua ação benéfica e se desempenha dos

diversos serviços de caridade a seu cargo, não só pelo Hospital Geral, mas por

todos os estabelecimentos que constituem o belo conjunto [...] (Exposição

Nacional de 1908, p.10-11).

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Na referida publicação, além do Hospital Geral, considerado o maior

hospital do Brasil na época, foram apresentados históricos e outras informações

sobre treze instituições pertencentes à Santa Casa do Rio de Janeiro em 1908. As

informações foram organizadas por diversos membros e/ou funcionários da Santa

Casa que assinaram a autoria dos históricos/levantamento de dados dessas

instituições.

A organização do livro-propaganda contou com a colaboração do arquivista

do Instituto Pasteur; o diretor dos serviços sanitários do Hospício Nossa Srª das

Dores, o mordomo do Hospício S. João Batista; o mordomo do Hospício Nossa

Srª do Socorro; o arquivista e engenheiro civil que descreveu a construção do

prédio do Hospital das Crianças; o escrivão do Recolhimento das órfãs e

desvalidas de Santa Tereza; o mordomo do Asilo da Misericórdia; o mordomo do

Asilo São Cornélio; o Mordomo do Cemitério São João Batista, etc.

A seguir, apresentamos um quadro resumido das obras desta Irmandade:

Quadro 2 - Instituições pertencentes à Santa Casa do Rio de Janeiro em 1908

O Instituto Pasteur inaugurado em 25 de fevereiro de 1888, três anos após Pasteur

ter descoberto a vacina da raiva, em um imóvel arrendado, na Rua das Laranjeiras. O

Instituto recebeu material importado da Europa, por encomenda do governo, para

preparação da inoculação anti-rábica.

O Hospício Nossa Senhora das Dores inaugurado no dia oito de dezembro de 1884,

em Cascadura, em virtude da decisão de retirar da Santa Casa os enfermos

tuberculosos tratados em conjunto com os demais doentes. Os pacientes foram

removidos para a antiga Chácara Ferraz, onde foi instalado o referido Hospício, cujo

atendimento era restrito a pacientes do sexo masculino. Porém, os altos índices de

mortalidade levaram a Santa Casa a mudar os objetivos da instituição. A partir de

1896, o hospício passou a receber as meninas enfermas, asiladas da Santa Casa,

portadoras de tuberculose. As primeiras vieram do Recolhimento das Órfãs, e de

outros asilos e recolhimentos pertencentes à Santa Casa. Posteriormente, “menores”

pobres, embora não pertencentes a nenhum dos recolhimentos, também foram

internados nessa instituição.

O Hospício de Nossa Senhora da Saúde iniciou com uma enfermaria localizada na

Gamboa. Em 1850, o Rio de Janeiro foi assolado por uma epidemia de febre amarela,

deixando alarmada a população da cidade. A Assembléia Legislativa votou uma lei

que autorizava o Governo a contratar alguma irmandade ou associação civil ou

religiosa para fundação e administração de cemitérios, com o encargo de estabelecer

e conservar três enfermarias para tratamento e socorro da pobreza enferma. A partir

dessa lei, a Santa Casa passou a ficar responsável pela fundação e administração de

cemitérios e, em troca, instalou a Enfermaria da Gamboa para receber os primeiros

enfermos portadores de moléstias epidêmicas e contagiosas: varíola, febre amarela e

cólera. Em 1856 foram construídas mais quatro enfermarias que passaram a designar-

se como Hospício Nossa Senhora da Saúde. A partir de 1888, o Hospício ficou

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encarregado do tratamento de outras moléstias contagiosas. Todos os enfermos que

não podiam ser tratados em outros hospitais da Santa Casa ou nos hospitais do

Exército e Armada, eram remetidos para este hospício na Gamboa. Anexo ao

Hospício, havia o asilo provisório das órfãs, destinado ao recolhimento de crianças

que acompanhavam suas mães enfermas até o seu restabelecimento ou permaneciam

em caso de seu falecimento.

O Hospício São João Batista foi construído na Rua da Passagem, em Botafogo, na

Chácara de Vigário Geral, de propriedade da Santa Casa. Era uma das três

enfermarias públicas criadas por decreto do Governo Imperial de 1851 e custeadas

pela Empresa Funerária da Santa Casa. Uma das cláusulas desse decreto determinava

que uma dessas enfermarias fosse instalada em lugar que pudesse prestar socorro à

pobreza enferma da freguesia de São João Baptista da Lagoa. A enfermaria de S. João

Batista foi instalada em 1852. Entretanto, ela foi fechada e reaberta várias vezes e

encerrada definitivamente em 1880. Este vai e vem correspondia aos períodos de

surto das doenças.

O Hospício Nossa Senhora do Socorro foi criado em 1853, em São Cristóvão. Ele

inicialmente era apenas uma enfermaria também denominada Nossa Senhora do

Socorro. O hospício foi instalado na Chácara do Murundu que posteriormente se

transformou em propriedade da Empresa Funerária da Santa Casa.

O Hospital das Crianças ainda não havia sido inaugurado no período da Exposição

de 1908. Entretanto, a Santa Casa já divulgava o projeto de construção do hospital,

que foi inaugurado em 1909, na Rua Miguel de Frias, em São Cristóvão.

O Asilo de Santa Maria formado por dois estabelecimentos de caridade: a

denominada assistência orfanológica, ou seja, um asilo para “moças desamparadas”, e

um asilo hospitalar para idosos enfermos. Localizado na Rua da Passagem, em uma

área que, na época, fazia parte da Chácara de Vigário Geral, adquirida pela Santa

Casa em 1838. Na casa senhorial da chácara foi instalada, em 1840, uma lavanderia

que servia ao Stranger Hospital, pertencente a uma associação inglesa.

Posteriormente, a lavanderia passou a cuidar também da lavagem e concerto das

roupas do Hospital Geral da Santa Casa e do Hospício São João Batista. Dessa forma,

o asilo era também um estabelecimento comercial. As meninas do Recolhimento das

Órfãs executavam o trabalho de lavagem das roupas sob a direção de Irmãs de

Caridade. O trabalho das internas era remunerado com mensalidades que constituíam

um fundo de pecúlio a lhes ser entregue quando atingissem a maioridade.

A Casa dos Expostos instituída pelo benfeitor Romão de Mattos Duarte, em 14 de

janeiro de 1738, com a finalidade de amparar as crianças abandonadas ao nascer.

Fundada em uma enfermaria do antigo Hospital da Santa Casa, esta mudou de

endereço várias vezes até a conclusão das obras de seu prédio próprio, localizado à

Rua Marques de Abrantes n. 20. Em 1908, a Casa dos Expostos tinha sob sua

responsabilidade 452 crianças. Destas, 236 permaneciam na instituição, 191 estavam

com criadeiras externas e 25 no Colégio Salesiano. As meninas eram recolhidas à

casa aos 8 anos e permaneciam até a maioridade (20 anos). Os meninos ficavam na

instituição até a idade de 12 anos.

O Recolhimento das Órfãs e Desvalidas de Santa Tereza foi criado em 1740, ao

lado do antigo hospital da Santa Casa da Misericórdia, com o objetivo de acolher

meninas, filhas de matrimônios ilegítimos. Em 1855, devido ao surto de uma

epidemia de cólera, o Recolhimento foi transferido para outras localidades e,

posteriormente para São Cristóvão, onde permaneceu por oito anos. Em 1866,

transferiu-se definitivamente para Botafogo. Atendendo a um decreto do Imperador, a

Santa Casa fundou, no espaço desta casa, o Recolhimento de Santa Tereza para

abrigar meninas “indigentes”.

O Asilo da Misericórdia inaugurado em 1890, devido ao aumento do número de

meninas que se encontravam no hospital da Santa Casa convivendo com os doentes

internados. A Santa Casa tinha por tradição acolher filhas de pacientes falecidas no

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hospital. Além destas, o hospital também acolhia muitas meninas que se encontravam

nas ruas da cidade, encaminhadas ao hospital pelas autoridades. A partir das

reformulações nas regras do hospital, impulsionadas pelos preceitos higienistas, este

passou a ser um espaço exclusivo para enfermos. O asilo localizava-se na Rua São

Clemente, em Botafogo, sob a direção das irmãs de caridade. Todo o serviço interno

era feito pelas asiladas, que também ficavam responsáveis pela manufatura dos

lençóis e das camisas fornecidas aos doentes do hospital.

O Asilo São Cornélio inaugurado em 16 de agosto de 1900, na Rua do Catete. A

instituição destinava-se a receber meninas maiores de 12 anos, vindas de outras

instituições da Santa Casa, para aprenderem os ofícios de costureiras, bordadeiras,

floristas, engomadeiras, etc. Muitas asiladas tornavam-se empregadas domésticas. O

asilo era muito conhecido pelos trabalhos das meninas em bordar paramentos para

sacerdotes e estandartes para diversas sociedades recreativas.

Com relação aos cemitérios de São Francisco Xavier e de São João Batista, até a

primeira metade do século XIX, as famílias abastadas enterravam os corpos de seus

parentes no interior das igrejas, nas chamadas catacumbas. Eram excluídos destes

espaços os não católicos, os suicidas e os pobres, então sepultados em chãos nas

proximidades dos centros populosos: chão que o povo chamava piedosamente de

Campos Santos. As epidemias que assolaram o Rio de Janeiro, entre 1838 a 1885,

levaram as autoridades a implementar normas de higiene pública, o que resultou na

criação de cemitérios públicos fora das áreas mais populosas e na proibição dos

sepultamentos dentro das igrejas. Coube à Irmandade da Santa Casa administrar este

novo serviço público. Fonte: Exposição Nacional de 1908. Notícias dos Diversos Estabelecimentos Mantidos pela Santa Casa do Rio de Janeiro (1908).

Por outro lado, é importante ressaltar a realização de uma Exposição de

Higiene e Assistência Pública31

no Pavilhão do Distrito Federal da Exposição

Nacional de 1908, ou seja, “uma exposição dentro de uma Exposição”. Foi

organizada paralelamente ao Congresso Nacional de Assistência Pública e

Privada, na qual foram expostas fotografias32

de importantes estabelecimentos de

assistência da época, como o Posto Central de Assistência Pública Municipal

(atualmente Hospital Souza Aguiar), os Institutos Profissionais (como o Instituto

João Alfredo)33

, entre outros34

.

31

O decreto municipal n° 685 de 6 de fevereiro de 1908, o qual deliberou sobre o Regulamento

Geral do Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada, em seu artigo 10° estabeleceu a

realização de uma Exposição de Higiene e Assistência Pública, anexa ao Congresso. A seguinte

comissão ficou encarregada de organizar tal exposição: Dr. J.J. de Azevedo Lima, (presidente), Dr.

Ismael da Rocha, Dr. Paulino Werneck, Paulo Barreto, Dr. Plácido Barbosa, Dr. Emílio Portela,

Luiz Freitas Lima e Dr. Oscar Rodrigues Alves. (PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL,

1908). 32

O fotógrafo oficial foi Augusto Malta (Exposição de Hygiene e Assistência Pública, 1908). 33

O Instituto João Alfredo foi o antigo Asilo dos Meninos Desvalidos criado no Império. Na

Primeira República, o governo federal entregou o asilo para a Municipalidade da Capital Federal.

Em 1894, o asilo foi transferido da Diretoria de Higiene e Assistência Pública para a Diretoria de

Instrução Pública, passando a denominar-se Instituto Profissional (Assistencia Publica e Privada,

1922). 34

São eles: Hospitais da Misericórdia e anexos, Hospitais das Ordens Terceiras, Hospital da

Beneficência Portuguesa, Posto Vacínico Municipal, Casa São José, Asilo São Francisco de Assis,

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Figura 6 - Posto Central de Assistência Municipal.

Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.

Figura 7 - Instituto Profissional João Alfredo. Homens trabalhando em máquinas no interior do Instituto. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.

Escola Premonitória Quinze de Novembro, Asilo dos Inválidos da Pátria, Asilo Isabel e da Velhice

Desamparada, Maçonaria (PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL, 1908).

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2.2. O Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada

A Prefeitura do Distrito Federal, na administração de Francisco Marcelino

de Souza Aguiar (1906-1909) promoveu o Primeiro Congresso Nacional de

Assistência Pública e Privada, realizado entre 23 de setembro e 13 de outubro de

1908, durante a Exposição comemorativa do centenário da abertura dos portos.

Segundo Kuhlman Jr. (2010), esses congressos não se caracterizavam

apenas como locus de atividades essencialmente científicas, pois se constituíam

como espaços de articulações políticas que serviam para “legitimar modelos e

critérios de integração ao chamado ‘concerto das nações civilizadas’” (p.179). A

ciência, portanto, embora representada como protagonista, era o suporte para que

as propostas, sob o aval “científico”, ganhassem legitimidade.

No decreto n° 685 de 6 de fevereiro de 1908 que deliberou a realização do

Congresso, o prefeito Souza Aguiar ressalta a importância de uma “assembléia

científica” para a elaboração de um plano de assistência para o Distrito Federal:

A municipalidade do RJ, tendo a seu cargo várias instituições de assistência, se

acha legitimamente interessada em resolver o problema, atendendo aos moldes e

aos sistemas já praticados com êxito nos países de adiantada cultura e

civilização, não lhe sendo lícito cuidar somente dos empreendimentos materiais da

cidade, ficando indiferente à sorte dos infelizes e desamparados de toda a espécie

(Prefeitura do Distrito Federal, 1908, p.2, grifos nossos)

O Jornal da Exposição35

publicou em 22 em setembro de 1908, que em

sessão preparatória, os membros do Congresso reuniram-se no Edifício do Silogeu

(então sede do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) para a eleição da mesa

definitiva e da coordenação das sessões. O Congresso foi dividido em quatro

sessões: Assistência Pública em Geral, Assistência Médica, Assistência à Infância

e Assistência Externa.

35

O Jornal da Exposição, fundado em 6 de setembro de 1908, sob a direção de Olavo Bilac

(secretário geral do congresso) publicava informes sobre a Exposição Nacional e também sobre o

Congresso realizado durante a Exposição. No Pavilhão do Distrito Federal, na Exposição

Nacional, foram realizadas as três sessões plenas do congresso: de inauguração, de votação geral e

de encerramento.

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O Congresso foi realizado sob os auspícios de uma comissão protetora

formada tanto por representantes dos poderes públicos (Ministro da Justiça e

Negócios Interiores, Prefeito do Distrito Federal, Presidente do Conselho

Municipal, Diretor Geral de Saúde Pública, Diretor Geral de Higiene e

Assistência Pública e Diretor da Polícia Civil), como pelo Provedor da Santa Casa

de Misericórdia (Dr. Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho), o qual era Senador da

República na época.

Por ter sido um Congresso Nacional, foram enviados convites aos governos

estaduais que nomearam seus delegados e representantes36

, os quais eram

políticos e/ou intelectuais que faziam parte da elite republicana da época.

O convite também foi dirigido às sociedades científicas, às faculdades, às

administrações hospitalares públicas e privadas, aos estabelecimentos públicos e

privados de assistência, as sociedades de beneficência em geral, e a todas as

pessoas que pelos seus trabalhos e suas funções se preocupavam com as questões

sociais em geral, e com a assistência, em particular.

Entre as associações que participaram do congresso destaca-se a Associação

dos Empregados no Comércio37

(AEC) que apresentou a seguinte memória: “A

Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro, seu papel na

Assistência”. Na conferência preparatória, proferida na sede da AEC, o Dr.

Adolpho Possolo, representante da AEC no congresso, avaliou que a assistência

privada, aquela que prestava auxílio e socorro sem a intervenção do Estado, era

exercida em primeiro lugar pelas 181 associações leigas, seguida pelas 21

associações “operárias” e 41 associações de “classe”. Ele incluía a AEC dentre

estas últimas, como “a mais forte pelo número de associados (18.734); a mais

pródiga pelos inúmeros socorros que proporciona; a mais rica pelos bens que

possui e pela receita que arrecada [...]” (Possolo, 1908, p.8-9).

36

Participaram do Congresso os seguintes delegados dos estados: Senador José Maria Metello -

Mato Grosso; Deputado Xavier de Almeida - Goiás; Senador Lauro Miller - Santa Catarina;

Deputado Palmeira Ripper - São Paulo; Deputado Josino Alcântara de Araújo – Minas Gerais; Dr.

Alfredo Augusto da Matta – Amazonas; Dr. Teophilo Torres – Rio de Janeiro; Deputado Estácio

Coimbra – Pernambuco; Dr. Gil Goulart Filho – Espírito Santo; Deputado Joviniano de Carvalho –

Sergipe; Dr. Antonio Rodrigues Lima – Bahia; Senador Pedro Augusto Borges – Ceará; Deputado

Diogo Fortuna – Rio Grande do Sul; Senador Manoel Alencar Guimarães – Paraná; Dr. João Paulo

da Silva Brito – Piauí; Dr. Álvaro da Silva Rego – Alagoas (Jornal da Exposição, n°19,

setembro/1908, p.1). 37

Maiores informações sobre a AEC ver Popinigis (1999).

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No entanto, apesar do aparente perfil de cooperação de classes, uma vez que

a AEC foi criada em 1880 por um negociante (Victorino José de Carvalho) e por

um caixeiro (Antônio Mathias Pinto Júnior), seus dirigentes pertenciam à classe

patronal e muitos de seus associados eram políticos ou pessoas influentes

(Popinigis, 1999). O próprio representante da AEC no congresso, Adolpho

Possolo, era um médico influente, cirurgião efetivo da referida associação e livre

docente da Clínica Cirúrgica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

Com relação à comissão organizadora do congresso, esta era formada pelos

médicos Benjamin Antônio da Rocha Faria, Antônio Fernandes Figueira e

Alfredo da Graça Couto, pelos juristas Ataulfo Nápoles de Paiva e João Carneiro

de Souza Bandeira, pelo jornalista e escritor José de Medeiros e Albuquerque e

pelo poeta Olavo Bilac, entre outros.

No quadro abaixo, elaboramos uma caracterização geral de todos os

membros da comissão organizadora do congresso, tanto da mesa diretora como

das coordenações de cada sessão.

Quadro 3- Membros da comissão organizadora do Congresso Nacional de

Assistência Pública e Privada de 190838

Alfredo da Graça Couto (Secretário da Comissão Organizadora do Congresso)

Médico sanitarista; chefe da Inspetoria dos Serviços de Profilaxia da Diretoria Geral

de Saúde Pública; Chefe da Clínica Médica do Hospital da Venerável e

Arquiepiscopal Ordem Terceira do Carmo; membro titular da Academia Nacional de

Medicina; membro da Academia Brasileira de Letras.

Antonio Fernandes Figueira (Secretário da Comissão Organizadora e relator da 3ª

Tese do Congresso)

Médico sanitarista; membro titular da Academia Nacional de Medicina (1903);

ingressou na saúde pública através do médico sanitarista Oswaldo Cruz que o

convidou para dirigir a enfermaria de doenças infecciosas de crianças do Instituto

Estadual de Infectologia São Sebastião (Hospital São Sebastião), Diretor da

Policlínica das Crianças da Santa Casa de Misericórdia (1909); Fundador da

Sociedade Brasileira de Pediatria, associação que presidiu por 17 anos; como Gestor

de Saúde Pública, implantou o serviço modelar de assistência à infância, criando

postos de higiene infantil e creches nos bairros e fábricas; sua gestão na saúde pública

culminou com a criação do Abrigo-Hospital Artur Bernardes (atualmente Instituto

Fernandes Figueira); membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB),

38

Este quadro foi elaborado a partir de informações fornecidas por PREFEITURA DO DISTRITO

FEDERAL (1908) e Jornal da Exposição (1908), acrescentando-se os dados biográficos buscados

nos seguintes sítios: sites da Academia Nacional de Medicina, Academia Brasileira de Letras,

JusBrasil, e Supremo Tribunal Federal.

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da Sociedade de Medicina e Cirurgia, das Sociedades de Pediatria do Uruguai,

Argentina e Paris, da Sociedade de Psiquiatria e Neurologia e da Liga de Higiene

Mental.

Ataulpho Nápoles de Paiva (1° Vice-Presidente da Comissão Organizadora e

relator da 1ª Tese do Congresso)

Jurista e filantropo; Juiz Municipal da Comarca de Pindamonhangaba (1889); foi

nomeado Pretor da Justiça no Distrito Federal (1890); Juiz do Tribunal Civil e

Criminal do Distrito Federal (1897); Desembargador da Corte de Apelação do

Distrito Federal (1905); Presidente do Conselho Nacional do Trabalho; sócio-

fundador da Liga Brasileira contra a Tuberculose (1900) e seu presidente perpétuo;

criou o Serviço de Vacinação Antituberculose pelo BCG realizado pela Liga (1927);

fundou o Preventório Rainha D. Amélia, na ilha de Paquetá, destinado a filhas de

tuberculosos; Ministro do Supremo Tribunal Federal (1934-1937); membro da

Academia Brasileira de Letras onde também foi Presidente em 1937; presidiu a

Comissão do Livro do Mérito Nacional; membro honorário do Instituto Histórico e

Geográfico; Presidente do Conselho de Serviço Social em 1938, cargo que exerceu

por 18 anos.

Benjamin Antonio da Rocha Faria (Presidente da Comissão Organizadora e um

dos relatores da 2ª Tese do Congresso)

Médico; higienista; Professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1888-

1916), lente da cadeira de Higiene; Diretor do Instituto de Higiene da Faculdade de

Medicina do RJ; Membro da Academia Nacional de Medicina, patrono da cadeira

n.13; foi professor de Oswaldo Cruz no Instituto de Higiene.

Conselheiro Manoel José Espínola (Presidente da 4ª sessão do Congresso)

Jurista; funcionário público; formou-se na Faculdade de Direito do Recife (1861); foi

agraciado com o título de Conselheiro por D. Pedro II em 1889; Juiz Municipal de

Órfãos do Termo de Rio Preto-MG (1863); Juiz Municipal de Órfãos do Termo de

Cantagalo-RJ (1864); Chefe de Polícia da Província do Piauí (março/1870); 1ª Vice-

Presidente da Província do Piauí (maio/1870), foi exonerado em 1873 por estar

exercendo cargo de comissão fora da Província; Juiz de Direito na Comarca de

Macapá (1871); Chefe de Polícia em Sergipe (1872); Chefe de Polícia na Bahia

(fevereiro/1874); Juiz de Direito da Comarca de Santa Maria Madalena-RJ

(novembro/1874); Chefe de Polícia na capital do Império (1886-1889); Juiz da Corte

de Apelação (1890-1906); Ministro do Supremo Tribunal Federal (1906-1912).

Ernesto do Nascimento e Silva (Presidente da 2ª sessão do Congresso)

Médico; professor catedrático de Medicina Legal da Faculdade de Medicina do Rio

de Janeiro; membro da Academia Nacional de Medicina (1901).

Esmeraldino Bandeira (Presidente da 1ª sessão do Congresso)

Bacharel em Direito; Político; Professor; Deputado Estadual por Pernambuco (1893-

1895); Procurador Geral da República no governo de Prudente de Moraes; Prefeito de

Recife (1898-1902); Deputado Federal em várias legislaturas; Ministro da Justiça e

Negócios Interiores (1909-1910); Professor de Direito Criminal da Faculdade de

Direito do Rio de Janeiro.

Félix Pacheco (Secretário da 4ª sessão do Congresso)

Bacharel em Direito; político; jornalista (um dos co-proprietários do Jornal do

Commercio); funcionário público; escritor; poeta; Deputado Federal pelo Piauí

(1909) com sucessivas reeleições até 1921; Ministro das Relações Exteriores (1922-

1926); Senador (1927); pioneiro defensor da introdução no Brasil do método de

identificação pelas impressões digitais; foi fundador e primeiro Diretor do Gabinete

de Identificação e Estatística da Polícia do Distrito Federal (posteriormente

denominado Instituto Félix Pacheco); membro da Academia Brasileira de Letras

(1912) e membro da Academia Piauiense de Letras.

Francisco Marcelino de Souza Aguiar (Prefeito do Distrito Federal (1906-1909)

que deliberou a realização do Congresso)

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Engenheiro; militar; político; em sua gestão criou o Posto Central de Assistência em

1907; foi Comandante da Escola Militar do Rio Grande do Sul; Comandante do

Corpo de Bombeiros do Distrito Federal em 1904; promovido a General-de-brigada

em 1904; Diretor Geral dos Telégrafos; autor do projeto de construção da Biblioteca

Nacional e do Palácio Monroe; Presidente da Comissão do Brasil na Exposição de

Saint Louis (EUA), na qual ganhou o Grande Prêmio com o projeto do Palácio

Monroe; responsável pelo projeto de construção do Hospital Central do Exército.

Garfield de Almeida (Secretário da 2ª sessão e um dos relatores da 2ª Tese do

Congresso)

Médico; sanitarista; foi médico do Hospital São Sebastião; Secretário Geral de Saúde

Pública do Distrito Federal; Chefe da Comissão Sanitária Federal encarregada em

debelar a peste bubônica na Paraíba em 1912; patrono da Academia Nacional de

Medicina.

Humberto Gotuzzo (Secretário da 1ª sessão do Congresso)

Médico; jornalista; contemporâneo de Juliano Moreira com quem trabalhou no

Hospital Nacional de Alienados; como jornalista, escrevia para o Jornal do

Commercio.

João Carneiro de Souza Bandeira (Tesoureiro da Comissão Organizadora e relator

da 4ª Tese do Congresso)

Bacharel em Direito; escritor; ensaísta; diplomata; professor de direito; lente da

Faculdade de Direito do Rio de Janeiro; membro da Academia Brasileira de Letras;

membro do Instituto dos Advogados do Brasil.

Joaquim Pinto Portela (Presidente da 3ª sessão do Congresso)

Médico; Cirurgião do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia e da

Beneficência Portuguesa; Chefe do Serviço de Ortopedia e Cirurgia Pediátrica do

Hospital São Zacarias; membro titular da Academia Nacional de Medicina (1889);

Vice-Presidente da Academia Nacional de Medicina (1897-1899) e depois Presidente

(1903-1905), tornando-se membro emérito em 1925; patrono da cadeira n.76.

José Medeiros e Albuquerque (2° Vice-Presidente da Comissão Organizadora do

Congresso)

Jornalista (fundou os jornais O Clarim e O Figaro); funcionário público; professor;

literato; Político (Deputado Federal por Pernambuco em 1894 e deputado pelo

Distrito Federal); simultaneamente às atividades de funcionário público exercia as de

jornalista; Diretor da Instrução Pública do Distrito Federal (1897) e Vice-Diretor do

Ginásio Nacional (nome que a 1ª República deu ao Colégio Pedro II); Secretário do

Ministério do Interior nomeado por Aristides Lobo; professor da Escola de Belas

Artes; sócio-fundador da Academia Brasileira de Letras; membro da Academia de

Ciências de Lisboa; autor da letra do Hino da Proclamação da República.

Juliano Moreira (Vice-Presidente da 2ª sessão do Congresso e um dos relatores da

2ª Tese do Congresso)

Médico; professor; funcionário público; professor da Faculdade de Medicina da

Bahia (1896) onde se formou; Diretor do Hospital Nacional de Alienados do Distrito

Federal (1903-1930), posteriormente Serviço Nacional de Assistência a Psicopatas

(1911); organizou a Assistência aos Alienados e insistiu junto ao governo para a

aprovação da Legislação Federal da Assistência aos Alienados, a qual foi promulgada

em 1903; fundou a Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina

(1907); em sua gestão conseguiu o terreno para a implantação da Colônia Juliano

Moreira; criou a Colônia de Mulheres no Engenho de Dentro; representante do Brasil

no Comitê Internacional da Liga Internacional de Epilepsia (1913); implantou o

primeiro Manicômio Judiciário (1921); membro da diretoria da Academia Brasileira

de Ciências (1917-1919); Presidente de Honra da Academia Nacional de Medicina;

ajudou na fundação da Sociedade de Medicina Legal do Brasil; membro de diversas

sociedades médicas internacionais; membro do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro (IHGB); Presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise–seção Rio;

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membro da Academia de Letras da Bahia; membro da Liga de Higiene Mental.

Julio Ottoni (Vice-Presidente da 4ª sessão do Congresso)

Bacharel em Direito; funcionário público; Primeiro Promotor Público da Corte;

Benemérito da Real Sociedade Portugueza de Beneficência;

Mario Franco Vaz (Secretário da 3ª sessão do Congresso)

Bacharel em Direito; educador; literato; funcionário público; Diretor da Escola

Premonitória 15 de Novembro (1905-1915); autor do livro A Infância Abandonada,

publicado em 1905, o qual foi um trabalho encomendado pelo então Ministro do

Interior J.J.Seabra.

Moncorvo Filho (Presidente da 3ª sessão do Congresso)

Médico; Filantropo; durante o curso de medicina, trabalhou na Policlínica Geral do

Rio de Janeiro (instituição fundada por seu pai em 1881); com o falecimento do pai,

em 1901, tornou-se Diretor da Policlínica Geral do RJ; criou em 1889 o Instituto de

Proteção e Assistência à Infância. Fundou o Departamento da Criança no Brasil

dentro do IPAI (1919); membro honorário da Academia Nacional de Medicina

(1919); sócio remido da Sociedade de Medicina e Cirurgia (1921); Presidente da

Sociedade Brasileira de Pediatria (1933); patrono da cadeira n.2 da Academia

Brasileira de Pediatria.

Olavo Bilac (Secretário Geral do Congresso)

Poeta; jornalista; membro fundador da Academia Brasileira de Letras; sua

proximidade com políticos o conduziu a um cargo público de Inspetor Escolar; eleito

o Príncipe dos Poetas Brasileiros pela Revista Fon Fon; escreveu a letra do Hino à

Bandeira; em 1917, no fim de sua vida, recebeu o título de professor honorário da

Universidade de São Paulo.

Xavier da Silveira Junior (Vice-Presidente da 1ª sessão e relator da 5ª Tese do

Congresso)

Bacharel em Direito; Político; Governador do Rio Grande do Norte de 10/03 a 19/09

de 1890; Deputado (1897-1902); Prefeito do RJ de 11 de outubro de 1901 a 27 de

setembro de 1902 nomeado pelo Presidente Campos Sales; Senador (1912);

Presidente da Ordem dos Advogados; membro do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro.

Esse quadro é revelador do ambiente político-social da época. Observamos

como características gerais dos vinte principais organizadores do congresso, que

estes eram ligados às associações profissionais implantadas ou em implantação no

país; quase todos exerciam cargos públicos ao lado do exercício profissional em

instituições privadas; a presença das formas de legitimação social anterior (as

letras) ao lado das novas formas, pela ciência e como especialistas.

De certa forma, Neves (2010) ratifica tais observações quando indica que,

na Primeira República, a ação do Estado se legitimava por meio da ciência, sendo

esta de competência dos especialistas. Segundo a autora, nesse período, a ação

desses cientistas, apesar das diferentes posições político-ideológicas, apresentava

denominadores comuns, tais como a tendência à onipresença em múltiplas

trincheiras intelectuais e a proximidade e/ou presença nas estruturas do Estado.

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Por outro lado, Kuhlman Jr. (2010, p.186) aponta que os congressos eram

espaços de circulação de ideias tanto no plano nacional como internacional, nos

quais “configuravam-se representações modelares da sociedade urbanizada e suas

instituições”. Desse modo, os setores intelectuais participantes desses conclaves

visavam à organização do Estado, e com isso propunham uma distribuição de

competências, buscando-se delimitar diferentes campos do saber.

Sem dúvida, no Brasil, no final do século XIX e início do século XX, já

havia uma especialização do conhecimento científico. A engenharia, a medicina e

o direito eram as principais áreas de onde provinham os intelectuais que

circulavam nesses congressos, não só disputando lugares privilegiados como

convergindo interesses através da participação em áreas que viviam processos de

estruturação como a assistência e a educação.

Tabela 1- Membros da comissão organizadora do Congresso Nacional de

Assistência Pública e Privada (1908)

Formação/Ocupação Principal Total %

Médico 9 45%

Bacharel em Direito/Jurista/Diplomata 8 40%

Engenheiro 1 5%

Total Parcial 18 90%

Literato 1 5%

Poeta 1 5%

Total Absoluto. 20 100%

Exercia simultaneamente outras Atividades Profissionais

Político 5 25%

Professor 6 30%

Militar 2 10%

Jornalista 4 20%

Total Absoluto 17 85%

Exercia cargo de gestor público

Total Absoluto 13 65%

Pertencia a sociedades científicas e/ou literárias

Total Absoluto 14 70%

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Pode-se verificar na tabela acima que 90% dos membros da comissão

organizadora do Congresso de 1908 eram provenientes das áreas da medicina, do

direito e da engenharia. Estes homens eram reformadores sociais, conforme

apontado no capítulo anterior, e representavam a “elite pensante” que discutia um

projeto político de construção nacional.

Eles ocupavam simultaneamente diversas posições profissionais (85%),

sendo que grande parte exercia cargos de gestão pública (65%), o que demonstra a

forte presença de profissionais liberais assumindo a direção política do Distrito

Federal. Aqueles que não atuavam como gestores públicos, influenciavam na

formulação de projetos com suas ideias e seu status de especialistas nos problemas

sociais da época.

Observa-se, também, que a maioria dos membros do congresso pertencia a

sociedades científicas e/ou literárias (70%), as quais se constituíam em espaços de

sociabilidade e/ou de difusão do conhecimento científico, conferindo

reconhecimento sócio-profissional e prestígio social a seus participantes.

Segundo Sanglard (2010), esses espaços de sociabilidade reforçavam o

lugar social do indivíduo e traduziam a hierarquia social existente. No caso dos

membros do congresso, a Academia Brasileira de Letras (ABL), a Academia

Nacional de Medicina (ANM) e o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil

(IHGB) eram os principais espaços onde esses homens se reuniam com uma

forma de participação bastante variada: membro da diretoria, presidente, vice-

presidente, benemérito, patrono, etc. Portanto, pertencer a esses espaços reforçava

o lugar social de uma nova elite em formação nesse período.

O objetivo do congresso, explicitado pelo prefeito Souza Aguiar no decreto

que deliberou sua realização, era uniformizar os serviços de socorros aos

necessitados, o que deveria resultar em vantagens para o exercício da caridade e

da filantropia social. Fica claro, portanto, que o Prefeito39

defendia a autonomia

das instituições privadas, ao frisar que estas deveriam ser mantidas e respeitadas:

39

Destaca-se que as ideias liberais do Prefeito Souza Aguiar não se restringiam à assistência, pois

delegou à iniciativa privada a construção de casas populares. Ele foi o sucessor de Pereira Passos

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Da regular organização da assistência privada e oficial, sob as salutares bases da

disciplina e da ordem, só podem resultar vantagens para o nobre exercício da

caridade, encaminhada assim proficuamente a obra meritória da filantropia social, e

respeitada e mantida em sua plenitude a autonomia das associações de caráter

privado, já existentes nesta capital (Prefeitura do Distrito Federal, 1908, p.1).

Portanto, para a organização da assistência no país, Souza Aguiar tinha

como proposta uma aliança entre os serviços de assistência pública e os interesses

da assistência particular. Desse modo, sua concepção de assistência afinava-se

com o pensamento filantrópico da época.

É importante destacar que no mesmo decreto, pelo qual a realização do

congresso foi deliberada, o prefeito também definiu as principais preocupações da

municipalidade com relação à questão social naquele período:

Uma vez organizados convenientemente os serviços da assistência pública, aliada

esta aos interesses da assistência particular, afim de que ambas possam prestar

todos os benefícios ao movimento social contemporâneo, terá a administração, se

não resolvido, ao menos atenuado a situação em que ora se encontram os

indigentes de todo gênero, regularizando-se, portanto, os auxílios devidos à

infância desvalida ou moralmente abandonada, aos enfermos privados de recursos,

à velhice desamparada, à mendicidade verdadeira e, em geral, a todos os

infortúnios da sociedade (Prefeitura do Distrito Federal, 1908, p.2).

Na sessão inaugural do Congresso, realizada no Pavilhão do Distrito Federal

da Exposição Nacional, Souza Aguiar reafirmou em seu discurso que o Congresso

poderia fornecer os pilares para a organização da assistência pública e privada na

Capital e em todo o Brasil:

[...] conto que do cortejo das opiniões de tantos homens competentes, resultem um

sistema de princípios e uma norma de conduta, que facilitem a uniformização e o

aproveitamento racional dos vários elementos dispersos de que já dispõe a

assistência nesta capital e em todo o Brasil (Congresso Nacional de Assistência

Pública e Privada. A Sessão Inaugural, 1908, p.365).

na Prefeitura do Rio de Janeiro, período em que o problema habitacional se agravou em

conseqüência das obras de reforma da cidade realizadas pela administração anterior. PECHMAN e

FRITCH (1985) apontam que em mensagem encaminhada à Intendência Municipal em abril de

1908, Souza Aguiar indicava que a tarefa de construir casas para operários deveria ser deixada a

cargo da iniciativa particular, sendo esta estimulada pela administração municipal com a concessão

de certo número de favores. Sua posição contrária à intervenção do Estado na área habitacional era

justificada pelo alto custo da empreitada (p.166).

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Entretanto, Benjamin da Rocha Faria, presidente do Congresso, teve uma

posição dissonante em relação à proposta do prefeito, ao defender que a questão

da assistência pública devia ser tratada separadamente da beneficência particular:

“[...] a concepção atual de assistência pública, autônoma, sem entraves, secundada

ou não pela beneficência particular, da qual não deve depender, à qual se não deve

cingir e menos subordinar” (Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada.

A Sessão Inaugural, 1908, p.366).

Segundo o médico, não era a assistência privada que estaria em discussão no

Congresso: “não se trata de repúdio à caridade privada, contudo, não é essa em

substância a assistência que vamos discutir” (Ibid, p.366). Ao dirigir-se aos

congressistas, ele afirmou que a causa que os reunia era a do “bem público”:

Srs. Congressistas, cabe-nos deliberar, em amistosa discussão, sobre assuntos de

maior relevância social; a causa que nos reúne é a do Bem Público, a mais

simpática e grata ao nosso patriotismo e ao nosso coração (Congresso Nacional de

Assistência Pública e Privada. A Sessão Inaugural, 1908, p.366).

Portanto, observa-se no discurso de Rocha Faria a influência das ideias dos

higienistas franceses do século XIX que preconizavam a intervenção no domínio

social em nome do bem público.

Por outro lado, ao se referir ao discurso do prefeito do Distrito Federal, o

médico conclamou aos congressistas que se esforçassem para corresponder aos

seus apelos. Na verdade, suas posições não eram opostas: ao defender a

organização da assistência pública, Rocha Faria não descartava a atuação da

assistência privada, a qual considerava “preciosa” apesar de oscilante, desigual e

improdutiva:

O que urge é organizar a assistência pública, dar execução a esse dever social [...]

atender-lhe as múltiplas exigências de socorro e amparo sem carecer recorrer à

iniciativa particular, aliás preciosa, mas oscilante e desigual por vezes,

relativamente improdutiva (Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada.

A Sessão Inaugural, 1908, p.366).

É importante ressaltar que Rocha Faria não se posicionava contra a

assistência privada ao criticar sua eficiência. Sua aparente ambigüidade apenas

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demonstrava seu apoio a uma articulação entre a assistência pública e a privada,

baseada em uma atuação maior do poder público em algumas áreas que ele

considerava ser de seu encargo, mas que não comprometia a continuidade das

ações realizadas pela beneficência privada, a qual até defendia que recebesse “um

carinhoso apoio do Estado”:

Essa beneficência privada [...] merece o carinhoso apoio do Estado; é bem

inestimável e sublime, mas é um bem limitado, individualista, não vai além do

sentimento afetivo de quem o pratica ou concede, é do exclusivo domínio do

coração e da bondade, sem nenhuma ligação com o dever da assistência oficial,

administrativa. [...] esses benefícios e dons, por generosos e abundantes, não

podem jamais isentar o poder público da execução de um encargo social que o

dignifica perante a humanidade (Congresso Nacional de Assistência Pública e

Privada. A Sessão Inaugural, 1908, p.366).

Rocha Faria era um médico higienista que inspirava-se nas ideias dos

reformadores franceses do final do século XIX, herdeiros da economia social de

Le Play, referida no primeiro capítulo desta tese. Paralelamente à tutela da

filantropia, ele preconizava um sistema assistencial baseado na intervenção e no

poder tutelar do Estado, de acordo com uma perspectiva moralizadora e de

controle social sobre a pobreza. Percebe-se, portanto, a forte influência do

positivismo no seu discurso, ao ressaltar as dimensões morais da vida social.

Dessa forma, ao defender que a assistência era um ramo da moral social, ele

se contrapunha à concepção de Spencer40

, que segundo ele, teria o limite natural

do interesse individual, opondo-se, assim, à moral pública:

A moral com seus atributos é peculiar ao homem, não como consequência de leis

naturais, biológicas, senão como expoente do Bem, um dever imanente à

civilização e fundamental na organização atual da sociedade. Se a assistência,

como ramo da moral, se ajustasse às linhas da biologia traçadas na concepção

spenceriana, sua esfera de ação teria apenas o limite natural do interesse recíproco,

individual; e a tolerância e proteção dos fracos e doentes seriam a imoralidade.

Dessa falsa moral não pode derivar a assistência que consagra o bem,

desinteressadamente, como dever público [...] (Congresso Nacional de Assistência

Pública e Privada. A Sessão Inaugural, 1908, p.366).

40

O filósofo inglês Herbert Spencer é considerado o "pai" do darwinismo social. Para ele, a teoria

da evolução de Darwin podia ser perfeitamente aplicada à evolução das sociedades. Sua concepção

cientificista tornou-se um argumento a favor do individualismo econômico contra o

intervencionismo do Estado.

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Com relação à sua crítica ao “spencerianismo”, isto é, ao darwinismo social,

ele coloca que:

[...] o progresso evolutivo da assistência, subordinado ao da moral social, não

condiz nem se ajusta à lei invariável das transformações biológicas, sejam isoladas,

ou coordenadas à adaptação dos atos aos fins, dos mais simples aos mais

complexos, qual a concebeu o grande filósofo inglês e a têm desenvolvido seus

adeptos (Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada. A Sessão Inaugural,

1908, p.365).

Apesar de ser contrapor ao darwinismo social, percebe-se que Rocha Faria

inspira-se ele próprio no evolucionismo ao discorrer sobre a assistência através

dos séculos:

A concepção dela vem sofrendo a evolução lenta e secular da civilização,

paralelamente ao desabrochar da consciência dos povos à luz da liberdade. Essa

evolução demorada [...] tem seguido os passos igualmente tardos e frouxos, através

dos séculos, da moral social. É uma evolução humana, não é, porém biológica

(Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada. A Sessão Inaugural, 1908,

p. 365).

Para ele, o caráter de instituição permanente que a assistência adquiriu era

definidor de sua modernização: “Consubstanciada na caridade cristã [...], mal

exercitada durante longo tempo, nunca teve a assistência na antiguidade o caráter

moderno de instituição permanente” (Congresso Nacional de Assistência Pública

e Privada. A Sessão Inaugural, 1908, p.365).

Rocha Faria também propunha uma distinção entre assistência e

previdência. Na época, esses conceitos ainda não haviam sido bem definidos:

A assistência [...] como instituição permanente, administrativa, deve ser amparada

na lei, que lhe traçará os limites, restringindo-os às justas proporções de seus

desígnios utilitários, sem intuitos de previdência nem de coparticipação nos

acidentes de trabalho, os quais se vinculam a cláusulas contratuais pré-

estabelecidas e de obrigatoriedade legal, adrede promulgada (Congresso Nacional

de Assistência Pública e Privada. A Sessão Inaugural, 1908, p.366).

Portanto, de um modo geral, os discursos dos principais líderes do

Congresso, o prefeito do Distrito Federal e o seu presidente estavam em

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consonância com o liberalismo vigente no período. Apesar de ser colocada a

necessidade da intervenção do Estado na área da assistência, a ação dos

filantropos era amplamente aceita e louvada.

2.3. As Teses do Congresso

O congresso foi dividido em quatro sessões41

, conforme já descrito

anteriormente, nas quais foram discutidas as cinco teses do congresso, já

previamente definidas no decreto que deliberou sua realização. As teses foram

divididas em áreas distintas e debatidas por especialistas influentes em cada uma

delas. A partir dessas falas oficiais, podemos perceber a postura desses

intelectuais com relação à questão da assistência nesse período. Portanto, foram as

seguintes teses debatidas no congresso:

1ª - Assistência Metódica: meios práticos para obter uma aliança

permanente entre a assistência pública e privada: o problema do Brasil -

Relator: Ataulpho de Paiva42

;

2ª - Assistência Gratuita ao Doente - Relatores: Benjamin da Rocha Faria,

Juliano Moreira e Garfield de Almeida;

3ª - Assistência à Infância, e particularmente o que se refere às medidas a

adotar contra a mortalidade infantil. Educação das crianças deficientes –

Relator: Antonio Fernandes Figueira;

4ª - Assistência à Infância Moralmente Abandonada. Modificações que se

devem fazer na legislação atual. – Relator: João Carneiro de Souza

Bandeira43

;

41

Assistência em Geral; Assistência Médica; Assistência à Infância; Assistência Externa

(PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL, 1908). 42

Esta tese só foi publicada oito anos depois da realização deste congresso. Ela encontra-se em

uma coletânea de textos intitulada, “Justiça e Assistência”, a qual foi publicada por Ataulpho de

Paiva em 1916.

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5ª - Assistência pelo Trabalho - Relator: Xavier da Silveira Junior44

;

Nos relatórios analisados, observamos a permanência de uma divisão entre

aqueles que defendiam a organização de uma assistência pública e os que

apoiavam uma articulação entre assistência pública e privada. Além desses, havia

os que temiam qualquer mudança que pudesse intervir nos interesses das

instituições privadas.

Para efeito de análise, optamos por subverter a ordem das teses, o que levou

a primeira tornar-se a última tese a ser apresentada. Essa escolha teve por objetivo

dar continuidade ao debate sobre a assistência gratuita, cerne do discurso de

Rocha Faria na sessão inaugural do congresso. Além disso, optamos por agrupar

os relatórios dos médicos Garfield de Almeida e Juliano Moreira tanto por

fazerem parte da mesma tese, “Assistência Gratuita ao Doente”, como por terem

em comum a defesa ao modelo hospitalocêntrico de tratamento médico.

2.3.1. Assistência Gratuita ao Doente: relatórios de Garfield de Almeida e Juliano Moreira

Ressaltamos que nos documentos pesquisados, o médico Rocha Faria,

presidente do congresso, é apontado como fazendo parte da relatoria desta tese.

No entanto, não encontramos nenhum relatório publicado de sua autoria, a não ser

sua fala na sessão inaugural do congresso, já referenciada anteriormente, que de

alguma maneira exprime suas ideias acerca desse tema. Portanto, trabalhamos

com dois relatórios respectivamente: “Assistência Hospitalar”, escrito por

Garfield de Almeida, e “Quais os Meios de Assistência mais Convenientes aos

43

No processo de pesquisa documental, não encontramos esta tese disponível. As informações

sobre a mesma foram obtidas nas “Conclusões Aprovadas no Congresso Nacional de Assistência

Pública e Privada”, publicadas na Revista Brazil Médico (1908). 44

No processo de pesquisa documental, não encontramos esta tese disponível. As informações

sobre a mesma foram obtidas nas “Conclusões Aprovadas no Congresso Nacional de Assistência

Pública e Privada”, publicadas na Revista Brazil Médico (1908).

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Nossos Alienados?”, apresentado por Juliano Moreira. É importante frisar que

estas eram duas áreas de interesse da assistência pública na época.

Em seu relatório, Garfield de Almeida discorreu sobre a obrigação do

Estado com relação à assistência hospitalar aos pobres que, para ele, devia ser

assumida como um bem público. Assim como Rocha Faria, ele era um médico

higienista que tinha no modelo francês uma referência em suas propostas de

reforma da assistência no país.

Segundo Almeida (1908), o problema dos socorros públicos no Brasil havia

sido excluído da responsabilidade do Estado e, por essa razão, ele pleiteava a

construção de hospitais públicos de urgência no Distrito Federal:

Em questões de hospitalização, a Prefeitura do Rio de Janeiro jamais tocou e toda

sua obra de assistência resume-se, fora das casas de instrução, na manutenção de

um asilo e em subvenções esparsas sem método nem proporcionalidade, e que,

postas a seu exclusivo serviço, seriam de sobejo (pois só essas montam a 180

contos) para criação e manutenção de um vasto e ótimo programa de publica

assistência (Almeida, 1908, p.4)

O médico defendia uma assistência de urgência sob a responsabilidade do

Estado através de um largo programa organizado pelo poder público. No entanto,

considerava necessário delimitar as prerrogativas municipais e federais que,

segundo ele, eram dúbias. O médico questionava qual instância do governo

(municipal ou federal) ficaria responsável por transformar em realidade o projeto

apresentado.

Além disso, ele discordava que o Hospital da Santa Casa fosse utilizado

para a prática clínica dos alunos da Faculdade de Medicina, censurando a dupla

função de professores de medicina como administradores da instituição. Defendia

a transferência da Faculdade de Medicina para um novo prédio e a construção de

um hospital público para as suas clínicas:

De um lado a conveniência absoluta e já hoje inadiável do Governo Federal

promover a construção de um hospital para suas clínicas, dada a irregularidade

patente, e por mim censurável da administração da Santa Casa e dos professores de

clinica senhores da mesma cousa; de outro lado, a já falada transferência da

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Faculdade de Medicina para um edifício novo, também de alta premência, parecem

indicar que à União competirá a incumbência desse mister (Almeida, 1908, p. 7).

Ao fazer severas críticas ao hospital da Santa Casa do Rio de Janeiro, o

médico apontava que os serviços desta instituição eram demasiadamente

insuficientes para as necessidades da cidade:

A quem o governo concede vantagens enormes para ter a faculdade de manter aí o

serviço de suas clínicas, e basta isso? Primeiro, o Hospital da Misericórdia é hoje

deficiente para as necessidades da população, havendo ocasiões, e não poucas, em

que leitos supra-numerários, no chão, são precisos para comportar a afluência

extraordinária de doentes que procuram internar-se (Almeida, 1908, p. 7)

Em seu relatório, o médico apresentou dados referentes ao número de

atendimentos nos consultórios gerais do Hospital da Santa Casa do Rio de Janeiro

(excluídos os consultórios de especialidades) no período de junho de 1907 a junho

de 1908: 27.761 homens, 23.777 mulheres e 24.764 crianças. Diante desses dados,

o médico fez a seguinte observação: “mal chega ao médico mais que um minuto

para o exame de cada doente” (Almeida, 1908 p. 10).

Ao criticar a ausência de hospitais públicos na capital da República, ele

tomava como referência o modelo de assistência implantado em Paris. Aliás, a

referência ao modelo francês também serviu como argumento para Garfield de

Almeida propor uma segmentação da pobreza que, segundo ele, melhoraria o

atendimento nos hospitais e asilos. Ele citou como exemplo a ser utilizado no

Brasil, o modelo classificatório de um grande asilo de Paris, a Maison de

Nanterre45

.

Almeida (1908) apontava que a maior parte dos doentes internados no

Hospital Geral da Santa Casa do Rio de Janeiro era constituída por doentes

45

Garfield de Almeida descreve o funcionamento do asilo parisiense “Maison de Nanterre”

destinado a adultos e crianças, no qual os asilados eram distribuídos em sessões a partir da

seguinte classificação: mendigos seqüestrados na via pública e processados por delitos; asilados

provisórios (válidos sem trabalho), sendo a maior parte de convalescentes; asilados semi-inválidos

(velhos com menos de 70 anos); inválidos (velhos com mais de 70 anos) que não podiam

abandonar o leito; asilados doentes (instalados na enfermaria); tuberculosos com uma ala própria.

Os asilados doentes só podiam retornar para as suas residências, caso a família pudesse mante-los

em condições favoráveis. Este asilo também possuía sala de operações, sala de curativos, farmácia

e sala de trabalho, na qual os não-inválidos trabalhavam na fabricação de manufaturas, cuja venda

era revertida para o Asilo (50%) e para os asilados (50%). A metade da quantia destinada aos

asilados era aplicada em um pecúlio (ALMEIDA, 1908, p. 10-29).

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incuráveis e idosos, cuja permanência contribuía para a escassez de leitos. Ele

considerava da maior urgência a fundação de um hospital-asilo, onde uma seleção

desses doentes permitisse interna-los com vantagem própria e dos serviços

hospitalares gerais. A admissão nesse estabelecimento só deveria ser concedida

através de requisição dos demais hospitais, cuja administração ficaria sob a

jurisdição do diretor do Hospital Municipal. O referido asilo deveria ter em sua

equipe, além do pessoal administrativo, um médico, um cirurgião e duas

enfermeiras (Ibid., p. 10-29).

O médico propunha ainda uma separação entre mendigos e doentes

incuráveis, sendo que estes deveriam ser atendidos em instituições com equipe

médica, daí a denominação de hospital-asilo. Sem dúvida, sua proposta visava à

instauração de uma nova área de atuação dos médicos no país: as instituições

asilares.

No entanto, ele também indicava como alternativa a ampliação do Asilo São

Francisco de Assis, instituição por ele criticada ao destinar-se basicamente à

repressão da mendicidade. Percebe-se, portanto, que apesar de propor uma

classificação da pobreza e instituições distintas para o seu atendimento, sua

prioridade era retirar os doentes incuráveis dos leitos hospitalares.

Garfield de Almeida ressaltava que no Distrito Federal não havia um só

hospital público federal ou municipal, excluídos aqueles de moléstias infecto-

contagiosas, os quais eram considerados de hospitalização exclusiva. Dessa

forma, segundo o médico, em matéria de hospitalização pública, esta era

inexistente na cidade do Rio de Janeiro, pois não era lícito contar como hospitais

de urgência, os hospitais de isolamento e os hospitais para cura de moléstias

epidêmicas. Defendia, finalmente, a criação de uma repartição exclusiva de

Assistência Pública, similar a de Saúde Pública, sob a jurisdição do Ministério do

Interior.

Em resumo, Almeida (1908) sugeria que os poderes públicos no Rio de

Janeiro deveriam promover a construção de um hospital para a melhoria geral dos

serviços de urgência, disseminando postos de socorros ou estações centrais que

procedessem ao primeiro atendimento. A construção de um novo nosocômio

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deveria ser em local mais afastado da cidade, de acordo com os princípios

higienistas de manutenção desses hospitais fora dos centros urbanos. Sugeriu que

o novo hospital fosse construído no terreno onde se encontravam alguns pavilhões

da Exposição Nacional (Ibid., p. 10-29).

Na verdade, a tese de Garfield de Almeida, pela abrangência de suas

propostas, aproximava-se ao desenho de um modelo de política pública de

assistência hospitalar para o então Distrito Federal.

Quanto à área de assistência aos alienados, o médico Juliano Moreira

destacava que esta se humanizara, transformando-se gradativamente de prisão em

depósito e depois em hospital. Segundo o médico, esta evolução se deu quando o

“alienado” foi elevado à categoria de “doente do cérebro”.

Em seu relatório46

, Juliano Moreira, fez severas críticas à situação dos

“alienados” na maior parte do país, uma vez que muitos doentes ainda se

encontravam em cárceres públicos, situação que desrespeitava a Lei Federal,

promulgada em 1903, que estabeleceu novos parâmetros de assistência a esses

pacientes:

[...] ainda estamos na situação dolorosíssima de ver na maior parte do país,

alienados em cárceres públicos com manifesta lesão de uma lei federal que deveria

ser um pacto de honra entre os Estados que a firmaram por intermédio de seus

representantes, e, o que é mais, pondo em dúvida a convicção, que a nós infla, de

termos pleno direito ao título de povo civilizado (Moreira, 1908, p. 1).

Observa-se que Juliano Moreira não insistia em defender à assistência

pública, uma vez que a assistência aos “alienados” já se encontrava sob a gestão

do Estado desde a Constituição de 1891. Logo, sua atenção voltava-se para a

ampliação e a melhoria das condições da assistência pública aos doentes mentais

no país, visando a sua constituição como um campo de saber específico sob a

tutela do Estado.

46

Juliano Moreira reapresentou esse relatório no IV Congresso Médico Latino Americano

realizado em 1909.

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Entretanto, pleiteava a necessidade da organização de “sociedades de

patronato” que teriam como missão cuidar dos doentes após a alta nos

nosocômios:

Essas sociedades devem ter por missão não somente cuidar dos orates depois da

saída dos asilos, mais ainda dando-lhes assistência se necessário for, procurando,

quanto possível dar combate direto e indireto a todas as causas predisponentes e

ocasionais de alienação e da degenerescência mentais (Moreira, 1908, p. 11).

O médico solicitou aos membros do congresso que estes apoiassem a

fundação de uma sociedade filantrópica, justificando ser “imprescindível onde

quer que haja assistência a alienados a fundação de uma sociedade de proteção aos

indivíduos que tem alta dos manicômios” (Moreira, 1908, p.12). Desse modo,

para Juliano Moreira, ao Estado e suas instituições psiquiátricas caberia a

hospitalização e o tratamento aos doentes mentais, e à filantropia caberia dar

assistência aos indivíduos após a alta médica.

É importante observar que Juliano Moreira referia-se ao doente após a alta

como um indivíduo que, ao deixar de ser um paciente, também deixava de ser

responsabilidade do Estado. Portanto, propunha uma especial aliança entre a

assistência pública e a assistência privada, através da qual a filantropia deveria se

encarregar da assistência para além dos muros dos manicômios. Dessa forma, sua

proposta constituía-se em uma delimitação dos espaços de atuação da assistência

pública e privada, que não descartava, ao contrário, incluía como complementar,

as ações filantrópicas.

O médico defendia dois modelos de atendimento aos doentes mentais: o

hospital urbano em substituição ao asilo fechado, e o hospital-colônia em

substituição ao asilo de portas abertas.

O hospital urbano seria destinado ao tratamento imediato dos casos agudos

de alienação mental. Segundo o médico, a experiência demonstrava que a

proporção dos casos agudos que exigiam admissão urgente era quatro vezes maior

nas grandes cidades do que nas localidades rurais:

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Toda cidade de mais de 50.000 habitantes tem o dever de manter seu hospital

urbano (com o número proporcional de leitos) para os seus casos agudos de

alienação mental. E quando não o possa, fará ao menos aquilo a que são obrigadas

as cidades menores, isto é, montar no hospital geral uma enfermaria

convenientemente arranjada para o tratamento dos casos em questão. Note-se bem

que me refiro à enfermaria e não as antigas casas fortes existentes em alguns

hospitais gerais (Moreira, 1908, p. 3).

Moreira (1908) inspirava-se no modelo psiquiátrico alemão ao defender a

adoção dos asilos-colônias ou hospitais-colônias: “assim como o asilo fechado vai

sendo substituído pelo hospital urbano para doenças do cérebro, o asilo de portas

abertas tende a ser absorvido pelo chamado hospital-colônia, cujo tipo é Alt-

Scherbitz” (p. 3).

A criação de hospitais-colônias baseava-se na concepção higienista

originária do pensamento europeu vigente na época, a qual preconizava o modelo

das colônias-agrícolas como o mais avançado recurso para tratamento da loucura.

Juliano Moreira, enquanto um dos porta-vozes do pensamento higienista no início

do século XX, defendia a adoção desse modelo para tratar os doentes mentais de

modo mais científico e eficiente possível, de acordo com as mais modernas

conquistas da psiquiatria nesse período.

A ideia central que norteava o modelo assistencial do hospital-colônia era a

de manter os doentes mentais distantes dos centros urbanos, onde sua presença era

incômoda para as elites republicanas, isolando-os em espaços onde o trabalho

agrícola era o principal instrumento terapêutico como alternativa para o

confinamento em hospitais fechados. O trabalho, em lugar da vida ociosa em

hospícios tradicionais, era considerado moralizador e disciplinador, transfigurado

em forma terapêutica, a qual se justificava no resgate do que ainda restava de

saudável nos “alienados”.

Em seu relatório, Moreira (1908) definia o hospital-colônia como uma

instituição que era “ao mesmo tempo um hospital, uma colônia e um hospício”

(p.6). Desse modo, a classificação dos doentes mentais era de extrema

importância para separa-los em pavilhões distintos:

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Sendo o asilo-colônia, ou melhor, hospital-colônia todo em pavilhões separados,

pode haver um agrupamento cuidadoso dos doentes do modo mais conveniente ao

tratamento deles. Há pavilhões, verdadeiras vilas, maiores ou menores (de 15 a 40

doentes) desiguais e construídos de acordo com a natureza dos pacientes que os

têm de habitar (Ibid., p. 4).

A classificação descrita pelo médico era constituída por três grandes grupos:

1) doentes atingidos por psicoses agudas curáveis ou presumíveis de cura; 2)

alienados crônicos, incuráveis, porém válidos fisicamente; 3) alienados enfermos,

inválidos, entrevados, senis e os idiotas profundos, os quais não podiam trabalhar

(Moreira, 1908, p. 5).

Através desse processo classificatório dos doentes, um bom hospital-colônia

deveria ser organizado da seguinte forma: pavilhões de tratamento e de vigilância

contínua, destinados aos pacientes com doenças mentais agudas; vilas para os

doentes sociáveis, ou seja, aqueles considerados permanentemente tranquilos;

pavilhões de isolamento para doenças contagiosas, ou seja, o lazareto dos asilos-

colônias alemães (Moreira, 1908, p. 6-7).

Inspirando-se no sistema alemão de assistência familiar exercida por

funcionários da colônia (hetero-familiar) ou por familiares dos pacientes (homo-

familiar), Moreira (1908, p.12) propunha que o Estado construísse “casinhas

higiênicas” na periferia do hospital-colônia, “para alugar às famílias dos melhores

empregados que poderão receber pacientes suscetíveis de serem tratados em

domicílio” (Ibid., p.12). No entanto, essa proposta de assistência familiar tinha um

caráter de controle sobre os pacientes:

Construindo o Estado casinhas e dando-as aos seus melhores enfermeiros casados,

fixa-os ao estabelecimento, melhora-lhes a vida dando-lhes habitação mais

confortável, fiscaliza convenientemente o trato dispensado ao alienado

(Moreira, 1908, p. 9, grifo nosso)

Segundo o médico, a construção de casas para alojar enfermeiros e doentes

seria de baixo custo para o Estado em relação à assistência na colônia comum.

Além disso, ele ressaltava os ótimos resultados obtidos com a assistência familiar

na Alemanha, a qual “preparava o doente mental para a sua saída do hospital-

colônia” (Moreira, 1908, p. 9-12).

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Em seu relatório, também destacou que seria de extrema importância para a

“Clínica Psiquiátrica e de Doenças Nervosas” que todo candidato ao diploma

médico obtivesse instrução mais ou menos completa das “doenças do cérebro e do

sistema nervoso”, sendo obrigatória sua freqüência a esta clínica. Também fez

menção à educação profissional dos enfermeiros: “a educação profissional desses

enfermeiros deve ser motivo de especial cuidado por parte dos médicos de cada

manicômio” (Moreira, 1908, p. 12).

Ressalte-se que, em seu relatório, Juliano Moreira fez sérias críticas à

colônia de alienados da Ilha do Governador, em funcionamento na época,

solicitando a rápida remoção dos pacientes que lá se encontravam:

Tenho esperanças de que o Governo obterá, no correr deste ano, verba para

remover para o continente o simulacro de colônia de alienados que entretêm na Ilha

do Governador com prejuízo aos doentes não só da Capital como do resto do país,

por isso que a força do mau exemplo em tal matéria é estupenda (Moreira, 1908, p.

11).

2.3.2. “Assistência à Infância”, mortalidade infantil e educação dos deficientes: relatório de Fernandes Figueira

O médico Antonio Fernandes Figueira, em seu relatório, “Assistência à

Infância, particularmente o que se refere ás medidas a adoptar contra a

mortalidade infantil. Educação das crianças deficientes”, ressaltou que há muito

tempo no país, médicos e filantropos se ocupavam das causas da mortalidade

infantil. Entretanto, durante o regime imoral da escravidão a situação da

mortalidade infantil no Brasil era tão calamitosa que tornava impossível a

comparação com a situação da mortalidade infantil de outros países. Desse modo,

segundo o médico, as pesquisas comparativas com outros países só foram

possíveis de serem realizadas a partir de 1888, e o registro desse dado

demográfico só começou a ser realizado regularmente a partir de 1890.

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Fernandes Figueira criticava a alta taxa de mortalidade infantil do último

decênio. O médico apontava que apesar das melhorias das condições de

salubridade da cidade do Rio de Janeiro, as crianças continuavam a morrer, no

primeiro ano de vida, ininterruptamente. No entanto, para contrapor essa

devastação contava-se com “a caridade infatigável dos médicos”, “sem outra

recompensa que a tranquilidade do dever satisfeito”, sendo “esse devotamento dos

médicos canalizado por instituições piedosas, a preço vil ou gratuitamente”

(Figueira, 1908, p.403).

O médico destacou que no Distrito Federal a assistência à infância era

exercida sistematicamente pela Santa Casa da Misericórdia, o Instituto de

Proteção à Infância (IPAI) e a Policlínica Geral do Rio de Janeiro, sendo estas as

principais instituições de atendimento à infância.

Baseando-se nos dados fornecidos por Miguel de Carvalho, provedor da

Santa Casa na época, Fernandes Figueira indicou, em seu relatório, que no ano de

1908, 1.031 crianças encontravam-se abrigadas nos vários estabelecimentos da

Santa Casa da Misericórdia, além das consultas diárias para crianças nos vários

hospitais mantidos por esta instituição. Ele apontou como exemplos, o Hospício

N. Srª das Dores que, em 1907, realizou 10.048 atendimentos, e o Hospício de N.

Srª da Saúde que, entre 1902 e 1907, atendeu 27.770 crianças.

Com relação à Policlínica do Rio de Janeiro, apresentou os seguintes dados:

de 1887 a 1889 um total de 2.534 crianças foram atendidas, e entre 1901 a 1905,

foram 1.724 atendimentos. Entretanto, o médico não esclareceu, em seu relatório,

a diminuição do número de atendimentos nesta instituição.

Se por um lado, o médico utilizou esses dados para demonstrar o alto custo

dos auxílios dispensados para o atendimento de um percentual expressivo de

infantes; por outro, ele destacou a elevada porcentagem de óbitos de crianças que

ingressavam na Casa dos Expostos, instituição também pertencente à Santa Casa,

principalmente na primeira semana de vida.

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Segundo Figueira (1908), o Instituto de Assistência e Proteção à Infância47

(IPAI) foi o que adotou o mais vasto programa, incluindo os consultórios de

especialidades só para crianças, o que não ocorria nos consultórios da Santa Casa,

onde não havia separação no atendimento de crianças e adultos. Segundo o

relatório publicado pelo IPAI em 1908, a instituição atendeu, em 6 anos, cerca de

20.000 indivíduos. (Figueira, 1908, p.404-405).

Portanto, Fernandes Figueira utilizou os dados referentes às instituições

privadas de atendimento à infância para construir sua defesa à assistência pública.

Para o médico, ao Estado competia não apenas prover assistência aos “alienados”,

pois no Brasil a intervenção do poder público também era indispensável no

âmbito da assistência à infância:

Ao Estado, ao que parece, não compete hoje o máximo de assistência. Se a que

toca aos alienados não pode ser dele transferida, todas as outras devem ser

impulsionadas pelas mutualidades e pelas cooperativas. [...] O Poder Público

estabeleça as leis protetoras e equânimes; a coletividade se dirija para o seu próprio

bem estar. Isso – bem entendido – nos países de completo desenvolvimento, o que,

infelizmente, entre nós ainda não acontece. Aqui ainda por muitos anos será

indispensável a intervenção do Estado (Figueira, 1908, p.412).

Figueira (1908) referia-se à Revolução Francesa como argumento de defesa

a uma assistência pública à infância, enfatizando que esta conduziu os homens às

leis protetoras dos infelizes e das crianças: “nenhum filantropo em nossos dias,

47

É importante destacar que o médico e filantropo Arthur Morcorvo Filho apresentou neste

congresso a memória intitulada, O instituto de Protecção e Assistencia à Infância (IPAI), com o

objetivo de divulgar a instituição filantrópica por ele fundada. Moncorvo Filho defendia uma

aliança entre a Assistência Publica e a Assistência Privada. Dessa forma, seu posicionamento com

relação à assistência materno-infantil se diferenciava da proposta de Fernandes Figueira que

propugnava a responsabilidade do Estado no âmbito da assistência à infância. Além da presença de

Moncorvo Filho, seu diretor-fundador, o IPAI levou uma comitiva de representantes da instituição

ao Congresso, constituída por figuras públicas influentes na época: o Deputado Serzedello Corrêa,

os Drs. Domeque de Barros, Almeida Pires, Pedro Luiz Osório, Jayme Quartin Pinto, Alfredo

Bahia e Cunha Gaspar, o Tenente B. Viana, Raul Guedes, Fred Figner, Mario Rache, Octavio

Santos Moreira, Alcides Lobo Vianna, Joaquim Paulo Braga, A. Margarido da Silva, Virgílio

Machado, Archimedes Cunha Campos, Manoel R. Leite e Oiticica, Pedro Campos, Pedro Ignácio

de Almeida, Antonio Teixeira, o industrial Sá Fortes, Elizeu Guilherme da Silva Júnior, Jayme

Pimenta de Pádua e o Ten. Carlos A. do Espírito Santo (MONCORVO FILHO, 1908).

A Associação de Damas da Assistência, entidade apêndice do IPAI, também esteve presente ao

Congresso, representada pelas seguintes senhoras, membros da elite carioca: Myrthes de Campos,

Adelaide M. Vieira de Mello, Maria Clara da Cunha Santos, Guilhermina Moncorvo, Arabella

Cordeiro, Eugenia E. Ennes de Souza, Palmyra Bayma Guimarães, Helena Oscar, Thereza E. de

Moraes e Silva, Maria Adelaide Bernard, Gervazia do Nascimento, Brasilina Guedes, Edina I. de

Oliveira Vaz e Sra. Carlos Gondolo Labouriau (Jornal da Exposição, n°19, setembro/1908).

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mais largo o liberalismo de suas ideias, excederia em descortino de paz e

misericórdia a célebre Convenção de 28 de junho de 1793” (p.412).

Para fundamentar seu argumento, ele citou três artigos da referida

Convenção, os quais deliberavam:

Art. 1°. A Nação se incumbe da educação física e moral das crianças;

Art. 3º. Haverá em cada distrito uma casa a que se possa recolher e dar à luz a

mulher solteira grávida;

Art.4º. A toda mulher que declare desejar ocupar-se com a amamentação do filho

que traz no seio e que tiver necessidade de socorros da Nação, assistirá o direito de

reclama-los (França, 1793 apud Figueira, 1908, p.412).

Destaca-se que Figueira (1908) considerava ser um erro, tão generalizado,

considerar a criança “como um homem pequeno”, pois ela “é antes de tudo um

frágil ser em evolução” (p.401), ressaltando “a falta de defesa própria das crianças

contra as injustiças sociais” (Ibid., p.401).

Nessa época a assistência à infância dividia-se entre as questões da

mortalidade infantil e da chamada infância “moralmente abandonada”. O médico

Fernandes Figueira preocupava-se com a primeira, apontando ser a

mortinatalidade o problema mais grave e urgente, apontando que o Brasil

colocava-se em condições humilhantes de inferioridade em relação a outros países

da América do Sul.

Ao se preocupar com a mortinatalidade, o médico solicitava que o governo

regulamentasse o serviço das mulheres nas fábricas, garantindo, nos estatutos das

maternidades, um mês de repouso as gestantes antes do parto, além de conservá-

las, sob cuidados médicos, nessas instituições até três semanas depois dele.

Em seu relatório, Fernandes Figueira propôs algumas medidas urgentes a

serem adotadas contra a mortalidade infantil, como base para a assistência e

proteção à criança. A primeira consistia no fim da Roda dos Expostos e sua

substituição pelos registros livres, isto é, a instituição de escritórios onde a criança

seria entregue ao Estado mediante o preenchimento de uma ficha com dados da

criança e declaração daquele que a encaminhasse aos poderes públicos. Segundo o

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médico, “o filho da miséria ou do crime compra assim o seu direito à vida, é

adotado como filho da nação [...]” (Figueira, 1908, p.413).

O médico defendia que o governo estimulasse o aleitamento materno,

pautando-se nas resoluções do último Congresso das Gotas de Leite, em 1907, no

qual se afirmou que no incentivo “à amamentação materna reside o iniludível

escopo da assistência e da proteção à tenra idade” (Figueira, 1908, p.414). Desse

modo, ele tinha como proposta as seguintes medidas:

1) A obrigação por parte dos estabelecimentos de assistência à infância de

instituírem a amamentação materna até a idade de seis meses, sendo distribuídos

prêmios às mulheres que assim cumprissem seu dever, facilitando-se a elas

refeições a baixo preço, trabalho nas fábricas ou colocação em serviços

domésticos (Ibid., p.412-415).

2) A organização por intermédio dos poderes públicos de um corpo de

inspetores–médicos que fiscalizassem, pelos meios conhecidos na ciência, a

alimentação infantil, “à semelhança do que há muito se pratica nos países

civilizados”. Estes inspetores ficariam, portanto, incumbidos de fiscalizar tanto as

lactantes assalariadas em seus domicílios, como as lactantes que atendiam

gratuitamente em estabelecimentos públicos. Essa proposta tinha por objetivo que

os estabelecimentos de assistência obedecessem a regras uniformes não apenas em

relação à alimentação, como também aos deveres das chamadas “criadeiras” ou

“amas de leite” (Ibid, p.412-415).

4) A fundação do maior número possível de consultórios de lactantes nas

cidades e nas aldeias (Ibid, p.412-415):

O médico também fez um apelo “aos sentimentos das senhoras brasileiras”

para a fundação de sociedades de assistência em domicílio a puérperas e de

proteção à amamentação materna (Figueira, 1908, p.415). Propôs que fossem

criadas instituições beneficentes para o atendimento domiciliar às mulheres em

situação de pós-parto com o objetivo de garantir a amamentação materna.

Portanto, Fernandes Figueira não excluía a assistência privada, porém

delimitava seu escopo de atuação. Partilhando de ideias semelhantes às colocadas

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por Juliano Moreira, ele defendia que as ações filantrópicas eram bem-vindas no

espaço extra-hospitalar, fazendo uma distinção entre assistência domiciliar (a

cargo da filantropia) e assistência institucional (sob a responsabilidade dos

médicos). Nesse sentido, o médico propunha uma demarcação dos espaços de

atuação entre a assistência pública e a privada enquanto um modelo de assistência

a ser operacionalizado.

2.3.3. “Assistência à Infância Moralmente Abandonada” e a legislação – conclusões aprovadas no Congresso

A infância considerada “moralmente abandonada” era um segmento da

população pobre, no qual os reformadores apoiavam uma intervenção do Estado.

Entretanto, não se descartava os estabelecimentos privados, os quais deveriam ser

fiscalizados pelo poder público.

Com relação à tese “Assistência à Infância Moralmente Abandonada” a qual

teve como relator o jurista João Carneiro de Souza Bandeira, foram aprovadas

medidas referentes a modificações na legislação. Em “conclusões aprovadas” no

Congresso de Assistência Pública e Privada (1908, p. 386-388) identificamos a

aprovação das seguintes medidas:

A organização de uma repartição central de assistência, criada através da

cooperação mútua entre os governos federal e municipal que teria as seguintes

funções: o registro de menores abandonados e as providências necessárias para

assisti-los; a direção geral e a fiscalização dos estabelecimentos de assistência e

instrução particulares; a fiscalização e a inspeção médica tanto dos trabalhos dos

menores nas fábricas e estabelecimentos industriais e comerciais, como do

trabalho exercido pelos menores nas ruas, determinando-se por leis e

regulamentos, as idades e as condições para esses trabalhos.

O trabalho infantil era plenamente aceito, desde que regulamentado e

inspecionado por órgão público de assistência. Nesse caso, a assistência pública

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assumia um caráter regulador e fiscalizador das condições de trabalho. Dessa

forma, com a intervenção dos poderes públicos, a criança “moralmente

abandonada” seria transmutada para a categoria de “menor assistido”.

Outro ponto importante é a proposta de criação de estabelecimentos

provisórios destinados ao recolhimento imediato dos “menores presos”,

distribuindo-os depois pelos asilos. Esta medida visava à separação de adultos e

crianças, sendo abolido o recolhimento de crianças à prisão comum48

, as quais

receberiam uma assistência asilar.

Desse modo, essa medida, de cunho repressivo, visava à criação de asilos

específicos para as crianças “recolhidas” nas ruas, consideradas delinqüentes,

dentro de uma perspectiva de controle social não apenas sobre o pobre em geral,

mas sobre a criança pobre em particular.

Os congressistas apoiavam “a restituição às respectivas famílias dos

menores que, depois de rigorosa sindicância, for verificado que podem receber

educação conveniente em seus lares” (Congresso Nacional de Assistência Pública

e Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.387). Este item é revelador da estreita

vinculação da proteção à infância pobre com a emergência do modelo de família

burguesa que legitimava a ação do Estado junto àqueles considerados desviantes

das normas sociais vigentes. Os reformadores da época apontavam entre uma

multiplicidade de fatores, as condições de vida familiar como produtoras de

candidatos ao crime desde a infância. Portanto, as famílias pobres deveriam ser

objeto de vigilância e controle por parte do Estado.

As conclusões do congresso diziam respeito tanto a “suspensão ou privação

do pátrio poder” pelo Ministério Público, dos pais incapazes de educar os filhos

por qualquer motivo, como a extinção do “sistema de confiar a famílias estranhas

a educação de menores abandonados, mediante ou não de ‘soldada’” (Congresso

Nacional de Assistência Pública e Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.387-

388).

48

O primeiro Código Penal da República, promulgado em 1890, no que se refere aos dispositivos

relativos à infância, rebaixou a idade penal de quatorze para nove anos. Desse modo, essa medida

tinha por objetivo fazer uma separação entre adultos e crianças que, nessa época, misturavam-se

nas prisões comuns.

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Estas medidas deixam claro o tipo de reforma que se desejava empreender:

a criança, filha da pobreza, era problema do Estado, o que demandaria uma severa

intervenção dos poderes públicos. Os reformadores, em sua missão moralizadora,

ao buscar intervir sobre o abandono moral, viam a paternidade como um direito

que poderia ser suspenso ou cassado.

As regras e normas propostas aos estabelecimentos de assistência

ratificavam a segmentação da pobreza e a dimensão moralizante no processo

classificatório a ser implementado:

Fundação de numerosos estabelecimentos de observação, assistência e correção

com as respectivas regras: os menores deviam ser separados, segundo suas idades e

grau de moralidade; os estabelecimentos das crianças viciosas ou delituosas deviam

ser completamente separados dos destinados às crianças inocentes; a educação

devia ser mais moral e profissional do que intelectual (Congresso Nacional de

Assistência Pública e Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.388).

Desse modo, os estabelecimentos de assistência voltados para o atendimento

da infância pobre, deveriam ter um viés correcional e de vigilância, sob uma

perspectiva moralizadora das crianças pobres. Assim, a assistência asilar deveria

basear-se na seguinte classificação das crianças: as “viciosas”, seriam aquelas que

haviam cometido algum tipo de delito, e as “inocentes” aquelas que ainda não

ameaçavam a ordem social.

Esse caráter classificatório visava à separação e o atendimento diferenciado

das crianças. Contudo, no geral, à criança pobre era imputada uma educação de

caráter moral e não intelectual, pois o objetivo principal dessas instituições

voltava-se para a formação de trabalhadores disciplinados através de mecanismos

de regulação dos comportamentos considerados desviantes. Portanto, era preciso

tornar o indivíduo propenso e habituado ao trabalho desde a infância.

É importante destacar a proposta de criação de “institutos em que os casais

de operários, obrigados a se ausentar diariamente do lar” pudessem “deixar seus

filhos, a fim de receberem alimentos e educação” (Congresso Nacional de

Assistência Pública e Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.388). Observa-se,

portanto, uma preocupação com a formação de uma força de trabalho em um

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118

período de emergência da sociedade urbano-industrial, o que implicava na

implantação de creches para os filhos de operários.

Segundo Kuhlmann Jr. (1991), no início do século XX, foram implantadas

as primeiras instituições pré-escolares assistencialistas no Brasil. O autor aponta

que nos congressos que abordavam a assistência à infância recomendava-se a

criação de creches junto às indústrias, tidas como uma necessidade no que tange à

criação de uma regulamentação das relações de trabalho, principalmente o

trabalho feminino.

Essas instituições, segundo o referido autor, “representavam a sustentação

dos saberes jurídico, médico e religioso no controle da política assistencial que se

elaborava” e que “seus agentes promoviam a constituição de associações

assistenciais privadas” (Kuhlmann Jr., 1991, p. 20).

Nesse período, “salvar as crianças” era uma forte preocupação do governo,

o que a tornou alvo das ações filantrópicas, sendo também incorporada ao projeto

de reforma defendido por Ataulpho de Paiva que propunha uma vinculação da

Assistência à Justiça para o atendimento à infância:

Para cuidar, antes de tudo, da causa sagrada da infância, dos seus direitos e dos

seus interesses, coloca a Assistência Pública ao lado da Justiça, funcionando

diretamente, mas também servindo de auxiliar, a fim de que a criança deixe de ser

um perigo para os seus contemporâneos e se transforme em um elemento de vida,

em uma força social (Paiva, 1916, p.311).

Na Primeira República, como coloca Rizzini (2008), qualquer criança, por

sua condição de pobreza, estava sujeita ao enquadramento da “Justiça-

Assistência”, pois “a tutelarização do Estado por vias jurídicas assumiu uma

dimensão monopolizadora de autoridade e controle” (p.131).

Portanto, do ponto de vista jurídico, percebe-se uma preocupação com o

tema da chamada “infância moralmente abandonada”. Segundo Alvarez (2003),

que estudou o discurso da criminologia na Primeira República, as questões

centrais do debate entre os juristas giravam em torno de: (1) “a relação entre o

progresso da sociedade e o aumento da criminalidade”; (2) “o crescimento da

criminalidade entre segmentos específicos da população, como entre as

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119

crianças”; (3) “o problema da convivência das diversas raças” (p.62, grifos

nossos).

Ressalte-se que, na Primeira República, as ideias da antropologia criminal

ou criminologia49

, obtiveram ampla repercussão entre os intelectuais brasileiros.

Desenvolvidas na Europa na segunda metade do século XIX com os trabalhos de

Cesare Lombroso e seus seguidores (Enrico Ferri e Rafaelle Garofalo), essas

ideias deram origem ao movimento que ficou conhecido como “escola positiva de

criminologia” ou “nova escola penal”50

.

Dessa forma, as teorias criminológicas significaram uma redefinição do

papel da justiça, a partir de novos projetos institucionais assentados em ações não

apenas repressivas, mas também disciplinares dirigidas não só aos que cometiam

crimes, mas àqueles considerados potencial e moralmente “perigosos e

desviantes”, como era o caso dos “menores abandonados”.

Por outro lado, a noção de defesa social cunhada pela nova escola positiva

transformou a ação penal em ação de assistência e proteção social no tratamento

jurídico-penal da questão da menoridade, assumindo feições que iam da atitude de

suspeita generalizada em relação aos pobres às claramente tutelares. Aliás, esta

noção serviu de justificativa para a nova escola penal intervir na questão social ao

“situar a política criminal sobre o plano da política social” (Ancel, 1985 apud

Alvarez, 2003, p.151).

49

Alvarez (2003) indica que o termo criminologia foi criado por Garofalo, sendo usado

inicialmente como sinônimo de antropologia criminal. O termo acabou popularizando-se “quando

as teorias naturalistas de Lombroso passaram a ser mais criticadas, e os adeptos da escola positiva

se viram obrigados a considerar também os fatores sociais na etiologia do crime” (p.47-48). 50

Em contraposição ao jurismo clássico, a “escola positiva” ou “nova escola penal” defendia que o

direito de punir deveria orientar-se “por conhecimentos científicos dirigidos não mais para o crime

em si, mas para o indivíduo criminoso” (ALVAREZ, 2003, p.18).

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2.3.4. “Assistência pelo Trabalho” - conclusões aprovadas no Congresso

No que se refere à tese “Assistência pelo Trabalho”, relatada por Xavier da

Silveira Junior, com base nas conclusões aprovadas no Congresso destacamos as

seguintes resoluções:

Em primeiro lugar, uma medida típica do pensamento filantrópico que se

refere à importância da diferenciação entre os “indigentes válidos e os vadios e

ociosos”. Esse processo classificatório da mendicidade seria determinante no tipo

de atendimento prestado a cada um desses segmentos. A ação social dos institutos

de assistência pública e privada seria voltada aos indigentes válidos, ao passo que

os vadios e ociosos seriam objeto da repressão policial, enquadrados no código de

delitos e contravenções.

Como foi visto no capítulo anterior, a discriminação entre a indigência

válida e os vadios tem sua matriz nos países europeus, sendo o equivalente, no

Brasil, às classes laboriosas e classes perigosas que os reformadores brasileiros

adequaram à realidade do país.

Desse modo, o Estado republicano promovia intervenções no combate à

mendicância, a qual era vista como ameaça a ordem social. Logo, a proposta do

congresso de dar subsídios às instituições de assistência privada voltadas ao

atendimento de indigentes válidos tinha com pano de fundo uma reforma moral

que a elite dominante buscava empreender.

Nesse período, reconhecia-se que a indigência válida desenvolvia-se devido

a uma “desproporção crescente entre a peculiar capacidade exigível para os

misteres e artes úteis e a de que, em geral, dispõem os que nesses misteres e artes

buscam empregar a sua atividade” (Congresso Nacional de Assistência Pública e

Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.388). Buscava-se, portanto, atenuar essa

“desproporção” através do “aprendizado técnico indispensável ao exercício das

profissões que entendem com aqueles misteres e artes úteis” (Ibid., p.388).

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Portanto, havia uma preocupação com a formação de uma força de trabalho

no período de constituição do capitalismo no Brasil. A proposta encampada pelo

congresso consistia na introdução do aprendizado técnico visando à qualificação

da mão de obra, e consequentemente, a redução da “indigência válida”. A

transformação do homem livre pobre em trabalhador assalariado era o principal

desafio nos primeiros anos do regime republicano, sendo a assistência pelo

trabalho uma ferramenta de disciplinamento moral e introjeção de uma nova ética

do trabalho.

Ficou definido, portanto, que a assistência pelo trabalho devia ser criada “no

desígnio de amparar a validez que se reduz à indigência [...]” (Congresso Nacional

de Assistência Pública e Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.388). Desse

modo, a esfera de ação desse tipo de assistência ficaria restrita àqueles

considerados aptos para o trabalho, ou seja, seria direcionada aos “indigentes

válidos”, daí a necessidade de um processo classificatório da mendicância.

Por outro lado, a assistência privada é convocada a atender aos pobres após

sua saída das prisões e hospícios. Cabia ao Estado, através de sua política

saneadora, apenas a repressão e o recolhimento dos “indigentes” e “alienados”,

deixando para as entidades filantrópicas, “sob a égide do Estado”, ou às patronais,

o atendimento à pobreza egressa das instituições asilares e das prisões:

É urgente organizar-se no Brasil a assistência aos indivíduos que regressam à vida

social, concluído o tempo da repressão, e aos alienados e indigentes que regressam

do Hospício. É preferível seja a assistência organizada pela iniciativa privada, sob a

égide do Estado, mas a impossibilidade de obter-se desde já essa organização, é

admissível a criação do patronato, mesmo com caráter social (Congresso Nacional

de Assistência Pública e Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.388).

Defendia-se, portanto, a assistência privada para os grupos mais

fragilizados, aqueles considerados “desvalidos” em um contexto de formação de

relações sociais do tipo burguês-capitalista.

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2.3.5. “Assistência Metódica”: por uma aliança permanente entre a assistência pública e privada – tese de Ataulpho de Paiva

O jurista e filantropo Ataulpho de Paiva compartilhava das ideias do

prefeito Souza Aguiar no que se refere a uma articulação entre a assistência

pública e a beneficência privada:

[...] o Brasil tem necessidade imperiosa, urgente e inadiável de organizar um

serviço regular de Assistência Pública e Privada, que seja fundado sob o rigoroso

método, atendendo aos moldes e aos sistemas já praticados com êxito nos países de

adiantada cultura e civilização, e tenha por base a aliança permanente entre a

Assistência Pública e a Assistência Privada (Paiva, 1916, p. 320).

Em sua tese, “Assistência Metódica: meios práticos para obter uma aliança

permanente entre a assistência pública e privada”, Ataulpho de Paiva apresentou

seu amplo projeto de estruturação da assistência, pelo qual a solução dos

problemas sociais encontrava-se na própria organização da sociedade, através das

fundações, das sociedades benemerentes, das entidades religiosas, das associações

de auxílio mútuo, etc. Ele preconizava a criação de mecanismos de fiscalização e

normatização das instituições assistenciais, a fim de congregar os interesses

públicos e privados:

A intervenção do Estado e a liberdade da Caridade são dois princípios intangíveis.

Daí a necessidade de as conciliar e de estabelecer um acordo, conservando, aliás, o

Estado o direito de vigilância e fiscalização que exerce a respeito dos cidadãos e

das associações (Paiva,1916, p. 286, grifos do autor).

Sua proposta baseava-se na criação de uma Diretoria Geral de Assistência

Pública, no Distrito Federal, a qual teria como atribuições tanto organizar um

serviço modelar de socorros públicos como fornecer proteção à indigência em

geral. Percebe-se que ao atribuir determinadas competências à assistência pública,

o discurso de Paiva era atravessado por ideias higienistas:

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A assistência pública é tão obrigatória sob o ponto de vista higiênico como sob o

ponto de vista moral; o zelo sanitário da sociedade deve abranger o corpo e a alma.

Os vícios fazem devastações mais tremendas do que as que resultam das epidemias

(Paiva, 1916, p.304).

Paralelamente à função tutelar do Estado com relação aos serviços de

socorros públicos, o jurista, inspirado no modelo francês, propunha a criação do

Ofício Central de Assistência que teria por objetivo congregar e harmonizar os

interesses da assistência pública e privada, porém preservando a autonomia e a

administração interna dos estabelecimentos de beneficência existentes na capital:

O projeto obedece à necessidade de aproveitar os grandiosos recursos já

concedidos pelo Estado, juntando-se aos meios também já organizados pela

caridade individual. Criando no Distrito Federal a Diretoria Geral de Assistência

Pública, a quem competirão os serviços de socorros aos indigentes de todo gênero,

e autorizando a fundação do ‘Ofício Central de Assistência’, com o fim de

aproveitar a ação da beneficência privada, o projeto, se, de um lado, faz convergir

para um departamento do Estado as atribuições da Assistência, com o intuito de as

uniformizar, por outro, confere, a uma associação protegida oficialmente, que

viverá com a representação das associações particulares, regalias e distinções que

muito contribuirão para o seu necessário desenvolvimento (Paiva, 1916, p. 308).

Entretanto, a tese do filantropo causou polêmica. A proposta de criação do

Ofício Central de Assistência foi fortemente contestada pelo Barão de Ramiz

Galvão51

, representante da Irmandade da Candelária, e pelo Conselheiro Nuno de

Andrade52

, participante do Congresso. Esses dois médicos foram figuras públicas

importantes no Império e continuavam a influenciar o debate acerca da

assistência. Eles assumiam posições contrárias aos reformistas, suas ideias

representavam o pensamento conservador da época. Ambos rejeitaram a proposta

de Ataulpho de Paiva no que se referia a uma articulação entre assistência pública

e privada.

51

Benjamin Franklin R. Galvão recebeu do governo imperial o título de Barão de Ramiz Galvão

em 1888. O Barão foi preceptor dos príncipes imperiais, netos de D. Pedro II, médico, membro da

Academia Nacional de Medicina, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia

Brasileira de Letras. Foi diretor do Asilo Gonçalves de Araújo, pertencente à Irmandade do

Santíssimo Sacramento da Candelária, o qual atendia crianças pobres. Era representante dessa

Irmandade no Congresso. 52

Nuno Ferreira de Andrade foi Conselheiro do Imperador D. Pedro II (1886), do qual recebeu

este título honorífico; médico, foi Presidente da Academia Imperial de Medicina; Inspetor Geral de

Saúde dos Portos (o Lazareto da Ilha Grande); Diretor Geral de Saúde Pública (1897-1903). Na

República foi jornalista e o Primeiro Diretor Geral de Saúde Pública (1897-1903).

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124

No entanto, o desentendimento entre Ataulpho de Paiva e os dois

congressistas que contestavam sua tese pode ser considerado como uma

compreensão equivocada da proposta de Paiva, uma vez que todos eles defendiam

a permanência da relação público-privado na assistência.

A polêmica resultou na impugnação, por parte do Barão de Ramiz Galvão,

da proposição de Ataulpho Paiva, o qual rebateu com veemência: “antes, porém

devo examinar se assiste razão ao meu ilustre contraditor na impugnação, feita

com tanta concisão como entusiasmo, à aliança da Assistência Pública com a

Privada” (Paiva, 1916, p.328):

Diz, porém o venerando Sr. Barão de Ramiz Galvão que não descobre em que é

que podem ser antagônicos e discordantes os dois gêneros de Assistência - a

Publica e a Privada – e que não tem notícia de conflito algum em que a ação de

uma delas haja embaraçado ou prejudicado os nobres intuitos da outra (Ibid.,

p.331).

Ramiz Galvão era contrário à criação de um Ofício Central de Assistência

por recear que este órgão viesse a exercer funções coercitivas e fiscalizadoras, o

que levaria a perda da autonomia das associações particulares, além dos

privilégios concedidos a elas.

Ataulpho de Paiva respaldava-se nas ideias e conceitos transmitidos nos

congressos científicos da época, chegando a afirmar que sua proposta não tinha

cunho de originalidade, pois representava a opinião das grandes autoridades

internacionais, sendo consagrada em diversos países europeus. De fato, ao

participar do Congresso Internacional de Assistência Pública e Privada realizado

em Paris, no contexto da Exposição Universal de 1889, o filantropo trouxe para o

Brasil uma discussão que já se desenvolvia na França e em alguns outros países da

Europa Ocidental acerca da assistência pública e privada.

O jurista Paiva retrucou que seus opositores apenas investiam contra a

criação do Ofício Central de Assistência, instituição que imaginava transladar para

o nosso país a fim de que as associações privadas pudessem receber do Estado o

cunho de utilidade pública, respeitando-se a autonomia dessas instituições:

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É, enfim um aparelho em que a lei apenas deve intervir para lhe dar o cunho de

utilidade pública e para que ele venha a gozar de garantias especiais. Entendo

mesmo, atualmente, como deixei consignado na minha penúltima conclusão, que

ele somente deve funcionar com a representação das mesmas associações, que

traçarão as suas normas (Paiva,1916, p.327).

Apesar do esforço do jurista em frisar que o Oficio Central de Assistência53

seria de caráter inteiramente privado, sendo protegido oficialmente os seus

interesses, seus opositores não aceitaram sua proposta. O Conselheiro Nuno de

Andrade também contestou sua definição de Assistência Pública e Privada, o que

Paiva defendeu ser esta uma fórmula consagrada nos mais importantes congressos

científicos internacionais:

Continuo ainda a acreditar que a definição que dei de ‘Assistência Pública’ implica

a fórmula que ficou vitoriosa constituindo-se em um dogma em questões de

Assistência Pública. Foi essa a definição consagrada soberanamente no Congresso

de Paris em 1889, onde estavam representadas 25 nações. [...] Essa é a fórmula que

[...] representa a pedra angular sobre a qual o Conselho Superior de Assistência de

Paris construiu os seus projetos de reforma (Paiva, 1916, p.344).

Na verdade, Ataulpho de Paiva era um repetidor das ideias que vigoravam

em outros países, principalmente na França. Essa condição de “correia de

transmissão de ideias” foi seu grande trunfo que o levou a integrar diversas

comissões governamentais que tratavam da questão social na Primeira República.

Sempre defensor dos interesses privados, no Congresso de 1908, sua posição de

defesa da complementaridade entre assistência pública e privada levou à rejeição

de suas teses acerca da Assistência Metódica. Seus opositores, ferrenhos

defensores dos modelos da assistência prestada pelas irmandades, não o viram

como aliado.

Por outro lado, os defensores da assistência pública igualmente não se

identificaram com suas posições. Assim, o presidente do congresso, Rocha Faria,

53

Vale ressaltar que o Ofício Central de Assistência se difere da proposta de criação de uma

repartição central de assistência apontada nas conclusões da tese “Assistência moralmente

abandonada”. A repartição central de assistência seria um órgão criado e administrado pelo Estado

que atuaria especificamente no atendimento aos considerados menores abandonados, com funções

relacionadas ao registro desses menores, e a fiscalização tanto das instituições privadas que os

atendiam como dos estabelecimentos industriais e comerciais que os empregavam. Ao contrário, o

Ofício Central de Assistência seria uma associação de caráter privado, cujo objetivo seria a

uniformização e regulação de todos os serviços prestados pela assistência privada.

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em seu discurso na sessão de encerramento do congresso, se posicionou contra um

acordo metódico entre os dois modos de assistência (pública e particular):

Não foi estéril o congresso: bem o demonstram as sugestões que oferece ao poder

público que o promoveu. Talvez, por se lhe afigurar contestável, não por infenso,

evitou traçar limites gerais entre os dois grandes modos da assistência, e não

desenvolveu as bases do acordo metódico entre eles e suas ramificações, como a

muitos parecera oportuno e proveitoso [...] (Congresso Nacional de Assistência

Publica e Privada. Sessão de Encerramento, 1908, p. 397).

Rocha Faria defendia a soberania da assistência pública, explicitando

abertamente sua oposição ao acordo metódico proposto por Paiva, o qual ele

denominou de “equilíbrio de forças”, apontando que no socorro obrigatório

(hospitais de pronto-socorro), a assistência deveria ser exercida pelo Estado:

[...] as opiniões entre nós, embora divergentes, tendem em sua maioria manifestada

a harmonizar-se nesse acordo metódico, equilíbrio de forças, cujo regime a muitos

parece de resultados seguros na prática da assistência. Não o penso assim, e nas

breves palavras que me foi dado a proferir na sessão inaugural, manifestei-me pela

soberania da assistência pública, a única, a meu ver, que se ajusta à concepção de

um dever social, e que o é de fato, tão somente exercitada no socorro obrigatório,

oficial, imposto e demarcado pelas leis do Estado [...] (Congresso Nacional de

Assistência Publica e Privada. Sessão de Encerramento, 1908, p.397).

É importante esclarecer que o médico Rocha Faria era um defensor da

assistência pública como um dever, e não como um direito social, pois sua

concepção de assistência baseava-se em uma concepção tutelar do Estado com

relação à pobreza, principalmente aos velhos, enfermos e crianças:

[...] a inadiável necessidade da organização regular da assistência pública e sua

preponderância na prestação integral do socorro aos necessitados. Só ela pode dar

execução regulamentar à lei no desempenho de um dos mais sagrados deveres do

Estado com os que, na comunhão social, a todos pertencemos já foram úteis, ou o

deverão ser de futuro: velhos, enfermos e crianças (Congresso Nacional de

Assistência Publica e Privada. Sessão de Encerramento, 1908, p.397).

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2.4. As Resoluções do Congresso

Em resumo, a tônica do congresso foi propor soluções e medidas de

melhorias tanto da assistência pública como da assistência privada. Quanto à

assistência de urgência, os congressistas declararam que esta deveria ficar sob a

responsabilidade do poder municipal, dando força ao princípio da autonomia dos

municípios, considerada a pedra fundamental do sistema federativo.

Apesar da Santa Casa de Misericórdia ter recebido uma menção de louvor,

os membros do congresso aconselharam os poderes públicos municipais do Rio de

Janeiro a fundarem um hospital público modelo. O Posto Municipal de

Assistência (atual Hospital Municipal Souza Aguiar) foi a primeira instituição

pública de socorro a urgências médicas criada no Distrito Federal. O Posto foi

inaugurado na gestão do Prefeito Souza Aguiar, em novembro de 1907, sendo o

ponto alto de sua administração.

Os congressistas também indicaram a necessidade de ampliação do Asilo

Municipal São Francisco de Assis que abrigava mendigos e idosos. Paralelamente,

foi sugerida a criação de um hospital-asilo para enfermos incuráveis, de acordo

com os “princípios da moderna higiene hospitalar” que indicavam a necessidade

de se fazer uma separação entre os doentes curáveis e os incuráveis.

As propostas de Juliano Moreira com relação aos “alienados” foram

plenamente aceitas, entre as quais destacamos a separação dos doentes mentais

considerados crônicos dos pacientes diagnosticados como “casos agudos”, além

da criação de um hospital-colônia em um subúrbio da capital. Posteriormente, na

segunda década do século XX, o modelo dos hospitais-colônias acabou se

tornando o modelo assistencial adotado pelo Estado brasileiro para tratamento e

custódia de doentes mentais, em substituição ao modelo clássico do hospício do

século XIX.

Portanto, percebe-se que nesse Congresso, os reformadores sociais

brasileiros se organizaram na intenção de difundir concepções e /ou promover

propostas políticas com o objetivo de influir na organização social do país. Eles

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ocupavam ou queriam ocupar postos nos órgãos do Estado, além de se

constituírem enquanto grupos sociais fundadores de instituições e entidades

filantrópicas.

Sua condição de especialistas, que divulgavam novas ideias técnicas e

políticas apreendidas em congressos internacionais, os levou a participar tanto da

estruturação de um conjunto normativo de leis, voltadas para disciplinar

comportamentos sociais, como na condução do poder público. Sem dúvida, a

experiência de organização e participação em exposições e congressos científicos

abria espaço para essa atuação.

A esse grupo de reformadores sociais pertenciam os filantropos que

proliferaram em diferentes áreas (assistência aos enfermos, assistência materno-

infantil, assistência aos denominados “menores abandonados”, assistência aos

idosos, etc.). Segundo Quiroga (2011, p.11), “eles representavam os interesses de

certa “burguesia” fundamentalmente urbana com ligações com os interesses

fundiários rurais”, e “suas reivindicações, de caráter liberal,” propunham o

respeito à autonomia das instituições privadas, “ainda que com a presença da

proteção jurídica e o apoio financeiro do Estado” (Ibid, p.11).

Quanto à filantropia, nesse período, esta era fundamentalmente uma forma

de relação público/privado onde setores da sociedade civil ligados a elites

políticas buscavam subsídios do setor público para entidades privadas,

legitimados por sua atuação de benemerência junto aos pobres. Aliás, nesse

período, a assistência aos pobres era realizada de forma predominante por

instituições privadas que exerciam funções públicas através da obtenção de

subsídios54

, doação de bens públicos, etc. (Quiroga, 2011).

Observa-se, portanto, que as discussões no congresso giravam em torno de

uma demarcação dos espaços de atuação do Estado e da filantropia na área da

54

Verifica-se, no Edital do Conselho Municipal do Distrito Federal, os subsídios governamentais

destinados a entidades filantrópicas. O projeto n° 110 (artigo 121) relativo ao orçamento da

municipalidade para o exercício de 1909, fixa verba no valor de 26.427:215$000 para as seguintes

instituições: Auxílio a Caixa Municipal de Beneficência (12:000$000), Instituto de Proteção e

Assistência à Infância (12:000$000), Dispensário São Vicente de Paulo (15:000$000), Irmandade

da Candelária (Recolhimento de Nossa Srª da Piedade) 12:000$000, Liga contra à Tuberculose

(quantia ainda não estipulada), etc. (Jornal do Commercio, 3 de outubro de 1908).

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assistência no país. No entanto, apesar dos discursos a favor da organização e

ampliação de uma assistência pública, esse foi um período de proliferação tanto de

entidades beneficentes (sobretudo aquelas voltadas para a saúde) como de

associações de auxílio mútuo na cidade do Rio de Janeiro. Aliás, essa

controvertida delimitação entre o público e o privado na assistência voltará a ser

abordada nos próximos capítulos.

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3 A Exposição Internacional e a Sistematização da Assistência em 1922

O ano de 1922 foi emblemático na história do Brasil, pois aglutinou uma

sucessão de eventos, em diferentes áreas da realidade nacional: a Semana de Arte

Moderna, a criação do Partido Comunista Brasileiro, a eclosão do Movimento

Tenentista e a Exposição Internacional de 1922, comemorativa ao Centenário da

Independência do Brasil. Esta mobilizou a intelectualidade do Rio de Janeiro e

São Paulo, principais centros urbanos do país.

Nos preparativos para a comemoração do Centenário da Independência,

políticos e burocratas no poder participaram intensamente da formulação de

interpretações sobre a vida social. Entretanto, foram os intelectuais, na qualidade

de especialistas (médicos, engenheiros, juristas, educadores), que desempenharam

um papel fundamental na construção de uma identidade nacional.

Assim como os dirigentes da Terceira República francesa recorreram aos

símbolos do passado na Exposição de 1889, comemorativa dos cem anos da

Revolução Francesa, os republicanos brasileiros esforçavam-se para construir “um

novo locus produtor de identidade nacional” na Exposição Internacional de 1922,

comemorativa dos cem anos de Independência do Brasil (Motta, 1992, p.7).

Entretanto, a comemoração do marco da emancipação do Brasil estava

associada à tradição imperial. Desse modo, a perspectiva de se criar um novo

modelo de nação brasileira se deu através de uma volta às origens, não mais

negando o passado. Os intelectuais, ao contrário, procederam a uma revisão da

história do Império. Afinal, era necessário entronizar uma imagem que marcasse a

República como a verdadeira entidade representativa da sociedade. Buscava-se,

portanto, desvendar, investigar e mapear o Brasil.

A historiadora Marly Silva da Motta que, em sua dissertação de mestrado,

analisou como a intelectualidade brasileira se empenhou em criar um saber

próprio sobre o país nesse período, coloca que “caprichosamente, a tarefa de

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construir uma consciência nacional e moderna no Brasil dos anos 20 teria como

contraponto a ser negado a belle époque ‘decadente, ultrapassada e falida’” (1992,

p.27).

Na avaliação da intelectualidade da época, a sociedade brasileira era

marcada pelo atraso, daí a importância de compreender suas causas e formular um

programa de ação para supera-lo. Abre-se um intenso debate sobre a nação

brasileira, no qual entra em cena uma nova elite que julgava-se detentora de uma

ampla visão da realidade do país.

Se por um lado, o centenário da emancipação política do Brasil era visto

como um marco de entrada do país nos moldes do progresso e da civilização, por

outro, representava um artifício para uma re(leitura) da história do Brasil em um

momento de profunda crise política na sociedade brasileira.

Dois meses antes da inauguração da Exposição Universal de 1922, ocorreu a

primeira manifestação do movimento tenentista55

com a revolta dos 18 do Forte

de Copacabana. Nesse sentido, a realização de uma Exposição Universal em 1922

não só buscava testemunhar o nosso grau de civilização, mas também se

configurava como uma iniciativa para “salvar” a República de uma crise que se

instaurava. Segundo Neves (1986), o evento servia tanto à diluição dos conflitos

sociais como identificava o que era ou não “patriótico” segundo os interesses das

elites.

A crise do regime republicano estimulava a criação de um projeto de

salvação nacional: “republicanizar a República” era a palavra de ordem que

comandava a comemoração do Centenário (Motta, 1992, p. 26). Nesse período, o

modelo liberal começava a ser questionado pelos políticos e intelectuais que

defendiam a regeneração da estrutura política do país. Privilegiava-se, assim, a

organização do Estado e o fortalecimento do poder público central. No entanto, a

55

O Tenentismo foi um movimento político de caráter militar que se iniciou na década de 1920,

contestando a ação política dos estados representantes das oligarquias cafeeiras (Minas Gerais e

São Paulo). O movimento defendia reformas políticas e sociais, caracterizando-se por lutar contra

as oligarquias rurais que dominavam o país. A Revolta dos 18 do Forte de Copacabana foi a

primeira manifestação do movimento que ocorreu em 5 de julho de 1922, na então Capital Federal,

quando diversas unidades do exército do Rio de Janeiro se organizaram para realizar um levante

contra o presidente em exercício, Epitácio Pessoa, e o presidente eleito, Artur Bernardes, que

assumiria o cargo em novembro de 1922.

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ideia de um poder estatal forte baseava-se no pensamento conservador que

ignorava o povo brasileiro, o qual era visto em negativo como coloca Gomes

(2005), e buscava manter sob controle qualquer processo de mudança.

Nesse contexto, segundo Neves (1986), a novidade da Exposição Universal

é que ela apresentava claramente esse projeto de modernidade brasileira articulado

pelo Estado, enquanto expressão de um novo pacto entre as elites. Desse modo, a

principal preocupação era preparar a elite, pois caberia a ela a tarefa de reconstruir

a nação e garantir seu ingresso na nova realidade do pós-guerra. Segundo Motta

(1992) esse momento foi marcado pela tentativa de tornar o país contemporâneo

do seu tempo. “O lema era: tudo por uma nação moderna” (p.30).

A Exposição de 1922 promoveu várias atividades industriais, comerciais e

científicas entre as quais congressos e exposições realizados por diversas

instituições. A estreita relação entre congressos científicos e exposições, já

apontada no capítulo anterior, revela-se mais uma vez durante as festividades do

Centenário da Independência do Brasil.

No âmbito das comemorações foram realizados, na Capital da República,

vinte e seis congressos e conferências56

. Entre estes, destacamos o 1° Congresso

Brasileiro de Proteção à Infância, realizado de 27 de agosto a 5 de setembro, sob a

presidência do médico Moncorvo Filho, e o 1º Congresso Nacional dos Práticos,

realizado em setembro na Policlínica Geral do Rio de Janeiro sob os auspícios da

56

Foram realizados os seguintes congressos e conferências: Congresso Internacional de História

da América convocado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (7 de setembro); XXº

Congresso Internacional de Americanistas (de 20 a 30 de agosto); 2º Congresso Ferroviário Sul-

Americano (de 17 a 30 de setembro); Congresso de Ensino Secundário e Superior (10 de

setembro), sob os auspícios da Universidade do Brasil; Congresso Jurídico promovido pelo

Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros (16 a 31 de outubro); Primeiro Congresso

Brasileiro de Proteção à Infância sob a presidência do Dr. Moncorvo Filho (27 de agosto a 5 de

setembro); 3º Congresso Americano da Criança sob a presidência do Dr. Aloysio de Castro (27 de

agosto a 5 de setembro); 2º Congresso Nacional de Estradas de Rodagem sob os auspícios do

Automóvel Club brasileiro (5 a 10 de novembro); 1º Congresso Nacional dos Práticos sob os

auspícios da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro; Congresso Internacional de

Engenharia; 3º Congresso Nacional de Agricultura e Pecuária; 2º Congresso Americano de

Expansão Econômica e Ensino Comercial; Conferência Internacional Algodoeira; 1º Congresso de

Inspetores Agrícolas; Congresso de Química; Congresso de Carvão e outros combustíveis

nacionais; Congresso Internacional de Febre Aftosa; Congresso Internacional dos Estudantes; 1º

Congresso Brasileiro de Farmácia; 1º Congresso das Associações Comerciais do Brasil; 1°

Congresso de Operários em Fábricas de Tecidos do Brasil; Conferência Americana da Lepra;

Congresso dos Estudantes das Escolas Secundárias do Brasil; 17º Congresso Espírita

Internacional; Congresso Regional Evangélico; Congresso Eucarístico (Livro de Ouro

Commemorativo do Centenário da Independência do Brasil, 1923, p.334).

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Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Nesse período, os debates

em torno da infância e de uma assistência hospitalar pública ganhavam destaque,

pois a dupla missão de “salvar as crianças, cuidar dos enfermos”57

era o centro das

preocupações de filantropos e reformadores sociais brasileiros.

Entre as atividades científicas, foi de grande destaque a publicação da obra

Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, coordenada pelo jurista e

filantropo Ataulpho de Paiva, a qual se constituía no histórico e no levantamento

estatístico de todas as instituições e associações prestadoras de serviços de

assistência na cidade do Rio de Janeiro. Esta obra se configurou como uma ampla

sistematização da assistência, publicada no âmbito das comemorações do

centenário.

Portanto, neste capítulo temos por objetivo analisar, no contexto da

Exposição Internacional de 1922, a presença da assistência como um dos

elementos da emblemática representação do progresso da nação, constituindo-se

como mais uma vitrine do projeto político das elites republicanas de 1922.

Paralelamente, buscamos averiguar tanto a influência do modelo francês

enquanto referência para os intelectuais brasileiros, como relacionar as propostas

debatidas no Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada de 1908,

apontadas no capítulo anterior, com aquelas apresentadas por Ataulpho de Paiva,

no livro Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro (1922), visando

identificar as mudanças e/ou permanências ocorridas.

3.1. A Comemoração do Centenário da Independência do Brasil

Em 11 de novembro de 1920, pelo decreto n° 4.17558

, foi determinada a

realização de uma Exposição Nacional na Capital do Distrito Federal. Entretanto,

57

Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro (1922, p.61). 58

Fonte: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-4175-11-novembro-

1920-571656-publicacaooriginal-94800-pl.html>. Acesso em 12 jul. 2013.

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a regulamentação oficial das atividades só ocorreu em 24 de outubro de 1921,

pelo decreto n° 15.06659

, através do qual foi criada uma comissão executiva para

o evento60

. Este, contudo, foi transformado em uma Exposição Internacional pelo

decreto n° 15.56961

, expedido em 22 de julho de 1922 (Brasil, 1922-1923, p.29).

Portanto, a exposição projetada inicialmente como uma mostra nacional,

despertou o interesse de diversos países estrangeiros em participar do certame, o

que levou a uma mudança no caráter do evento, que se transformou em uma

Exposição Internacional:

A grande data em que o Brasil comemora o seu primeiro centenário de nação

soberana não poderia passar indiferente ao governo. Para festeja-la condignamente,

lembrou-se entre outras solenidades e festas, de uma Exposição Nacional, na qual

se pudesse ter uma imagem resumida do progresso que o país tem realizado nestes

anos de vida livre, em todos os ramos da sua atividade. O concurso de diversas

nações amigas obrigou o governo a ampliar o plano primitivo de uma simples

exposição nacional para um grande certame internacional. Assim a Exposição

Nacional que o Decreto de 11 de novembro do Congresso autorizou, constituiu-se

em Exposição Internacional do Centenário da Independência (Guia Oficial da

Exposição do Centenário, 1922, p.5-6).

Embora esse tipo de evento já estivesse em declínio na Europa e nos EUA,

Motta (1992) assinala que a realização da primeira Exposição Universal no Brasil

abria a perspectiva “de expor o país à comunidade internacional num momento-

chave de rearticulação da economia e da política mundial” (p.70), uma vez que

este era um momento em que as nações europeias buscavam se reconstruir após a

Primeira Guerra Mundial. Havia, portanto, um forte interesse econômico dos

países que concorreram para a realização da mostra.

59

Fonte: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=46577>. Acesso em 12

jul. 2013. 60

A comissão do Centenário foi composta por Carlos Sampaio (prefeito do Distrito Federal e

Comissário Geral da Exposição); Joaquim Ferreira Chaves (Ministro da Justiça e Negócios

Interiores e Presidente da Comissão Executiva do Centenário); Alfredo Niemeyer (Diretor Geral

dos Serviços Estrangeiros e diretor da Representação Estrangeira na Exposição); Pires do Rio

(membro da comissão da Exposição Internacional do Rio de Janeiro); J. B. de Mello e Souza

(Secretário Geral da Exposição); Alencar Guimarães (tesoureiro); João Batista da Costa (diretor da

Escola Nacional de Belas Artes); Dr. Ferreira Ramos (delegado geral da Exposição). O comitê

deveria organizar e realizar congressos científicos, literários, históricos, de belas artes, de instrução

primária, secundária, superior, técnica e profissional (Guia Oficial da Exposição do Centenário,

1922). 61

Fonte: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-15569-22-julho-1922-

520364-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 12 jul. 2013.

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Nesse sentido, Motta (1992) indica que, dois anos antes da exposição, o

representante de um grupo de “capitalistas estrangeiros” no Brasil sugeriu ao

Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio a “realização de uma “exposição

internacional de comércio e indústria” para a comemoração do Centenário da

Independência” (p.66-67).

Segundo a referida autora, a exploração do minério de ferro e a instalação de

usinas siderúrgicas já estavam em pauta nos anos 20. Nesse período, a energia

elétrica também se configurava como um elemento importante para o progresso

econômico do país.

Quanto à energia elétrica, Motta (1992, p.70-71) destaca que apesar de

ressaltarem a “capacidade produtiva da indústria nacional”, o moderno sistema de

iluminação utilizado na Exposição de 1922 foi realizado pela empresa americana

General Eletric. Desse modo, na Exposição do Centenário já “buscava-se garantir

a viabilidade da inserção do país no quadro da nova economia mundial do pós-

guerra” (Ibid., p.71).

Figura 8- Prédios iluminados pertencentes à Exposição de 1922. Visão noturna. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.

Ao sediar o evento, a cidade do Rio de Janeiro, deveria ser o cartão postal

do país nas festividades e, portanto, deveria representar o grau de

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desenvolvimento e progresso da nação. Daí a importância de um processo de

modernização da cidade. Além disso, remodelar a então capital da República

poderia garantir seu ingresso no rol das metrópoles modernas e civilizadas.

A exposição ocupou uma extensa área submetida a profundas intervenções,

as quais implicaram na demolição do Morro do Castelo, arrasado por jatos d'água

pela administração do prefeito Carlos Sampaio (1920-1922).

Figura 9- Desmonte do Morro do Castelo com uso de força hidráulica.

Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.

A demolição foi feita através de um sistema de mangueiras hidráulicas,

auxiliado por trens e vagões que levavam o entulho até a área onde atualmente se

localiza o Aeroporto Santos Dumont. Saneamento e higienização eram as

justificativas do prefeito Carlos Sampaio para a derrubada do morro do Castelo.

Como bem coloca Motta (1992),

A reforma urbana carioca do início dos anos 20, em nome de uma modernidade,

interferiu na natureza, destruiu uma área de ocupação antiga ligada a sólidas

tradições de um passado, e transformou tudo isso num espaço que visava ser a

expressão visual de valores e ideais, garantidores do acesso da nação centenária ao

século XX. (Ibid, p.73, grifos da autora).

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As medidas saneadoras tinham por objetivo tanto remover a população

pobre da área central da cidade como atrair força de trabalho e investimentos

estrangeiros. Após o encerramento da mostra, a área tornou-se valorizadíssima,

sendo loteada para atender, sobretudo, a necessidades de reprodução do capital.

Portanto, como indica Neves (1986), no Rio de Janeiro de 1922,

“fugazmente erigido em vitrine do progresso universal”, a população pobre foi

vítima desse progresso, sendo uma grande parte literalmente atropelada “pelo afã

oficial em montar o cenário da festa” (p.71).

Figura 10- Ladeira do Morro do Castelo, antes de ser derrubado pelas obras de

modernização da cidade. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.

A Exposição Internacional do Centenário da Independência, com grande

parte das instalações ainda inacabadas, foi oficialmente inaugurada em 7 de

setembro de 1922 na cidade do Rio de Janeiro, no governo do presidente Epitácio

Pessoa (1919-1922). Seu encerramento ocorreu na administração do presidente

Artur Bernardes (1922-1926), em 24 de julho de 1923.

De acordo com o Guia Oficial da Exposição do Centenário (1922), a mostra

foi realizada em uma grande área que se estendia do antigo Arsenal de Guerra e

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terrenos circunvizinhos até o Palácio Monroe, na Avenida Rio Branco. A

exposição era composta de uma seção nacional e de uma seção estrangeira.

Figura 11- Portal de entrada da Exposição Internacional de 1922.

Fonte: <http://www.dezenovevinte.net/arte% 20decorativa/ad_ruth.htm> Acesso 12 mai. 2013.

A seção nacional localizava-se no trecho entre o antigo Arsenal de Guerra e

o novo Mercado. Esta seção compreendia os seguintes pavilhões: Palácio dos

Estados, Palácio das Festas, Palácio das Indústrias, Pavilhão da Viação e

Agricultura; Pavilhão da Caça e da Pesca; Pavilhão das Pequenas Indústrias;

Pavilhão da Administração e Pavilhão da Estatística. Além disso, uma ala do

Mercado foi completamente transformada e dividida em compartimentos

independentes, os quais foram alugados a expositores para os seus mostruários

especiais. No Palácio Monroe, incorporado à Exposição, ficavam os escritórios

centrais, salões de festas e recepções, e o Bureau Oficial de Informações que

ocupava o seu andar térreo.

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Figura 12- Pavilhões da Estatística e da Caça e da Pesca (em obras).

Exposição de 1922. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.

Figura 13 - Pavilhão dos Estados e Pavilhão das Indústrias.

Exposição de 1922. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.

A seção estrangeira localizava-se na Avenida das Nações (atual Avenida

Presidente Wilson), estendendo-se do antigo Arsenal ao Palácio Monroe. Nesta

seção encontravam-se os palácios dos seguintes países participantes da mostra:

Bélgica, Dinamarca, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, Japão, México,

Noruega, Portugal, República Argentina, Suécia e Tchecoslováquia. Alguns

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140

países62

construíram pavilhões especiais para a exposição das suas grandes

indústrias, na área do Cais do Porto (Praça Mauá).

O Guia Oficial da Exposição do Centenário (1922) também aponta que

diversas empresas industriais (nacionais e estrangeiras) ocuparam pavilhões

especiais dentro do recinto da Exposição, entre estas: Indústrias Reunidas

Matarazzo, Cervejaria Brahma, Companhia Comércio e Navegação, Companhia

Antarctica Paulista, Cervejaria Polônia.

Figura 14- Pavilhão da Brahma (em obras). Exposição Internacional de 1922.

Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.

Da grande mostra restam, hoje, apenas os pavilhões da Administração e do

Distrito Federal (atual Museu da Imagem e do Som), da França (a réplica do Petit

Trianon, atualmente ocupado pela Academia Brasileira de Letras), da Estatística

(atualmente Centro de Memória do Ministério da Saúde) e o Palácio das

Indústrias (atualmente Museu Histórico Nacional). Posteriormente, a maior parte

de seus pavilhões foi demolida, como o Pavilhão dos Estados, que abrigou por um

tempo o Ministério da Agricultura.

62

Bélgica, Estados Unidos, França, Itália e Tchecoslováquia.

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A Exposição Internacional de 1922 constituiu-se, portanto, em um imenso

mostruário das nações, como nunca antes havia sido visto no Brasil. Fora a seção

estrangeira, a parte nacional da exposição concentrou quase 10.000 expositores

brasileiros distribuídos em 25 grupos, que se subdividiam em 131 classes.

No Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência (1923)

encontra-se uma resenha desta classificação com o número aproximado de

expositores em cada classe. Entre os grupos listados, destacamos o Grupo I -

Educação e Ensino, Grupo XVII – Economia Social e o Grupo XVIII – Higiene

e Assistência, o qual era composto por duas classes: 106ª (Higiene) e 107ª

(Assistência Pública e Particular).

Neves (1986) assinala que o discurso da modernidade, do qual a Exposição

de 1922 foi portadora, baseava-se fundamentalmente na apologia ao trabalho, à

educação e à higiene. Concordamos com sua afirmativa, mas acrescentamos a

assistência como mais um elemento da modernidade exposta. Portanto,

selecionamos esses três grupos por serem representativos das principais

preocupações das elites republicanas na época.

Com relação ao grupo I, referente à educação, esta adquiriu um lugar de

destaque no projeto de modernidade brasileira e, consequentemente, também

obteve uma seção especial na Exposição de 1922. A instrução pública foi bastante

valorizada na mostra, sendo destacada sua importância para a formação do

trabalhador. Ao lado da saúde, a educação figurava como elemento fundamental

para a regeneração nacional. No entanto, ao ensino superior reservava-se o papel

de formar uma elite bem preparada para organizar o país, e à instrução pública

cabia formar o povo brasileiro através de uma reforma moral da sociedade,

pautada pelos valores da ordem e do trabalho. Portanto, a educação moral era um

dos componentes do projeto de um Brasil “moderno”.

Uma particularidade da Exposição de 1922 é que a exaltação da riqueza

natural do Brasil, bastante explorada nas exposições anteriores, ficou submetida à

cultura, a qual no discurso dos intelectuais seria imprescindível para que o Brasil

se tornasse um país moderno. No entanto, a noção de cultura veiculada pelos

formuladores do progresso da nação articulava-se à importância do trabalho:

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Para os formuladores do discurso do progresso brasileiro na década de vinte, a

cultura é saber e arte, certamente, mas é sobretudo TRABALHO, sem o qual a

riqueza natural não faria do Brasil um país integrado à CIVILIZAÇÃO

MODERNA (Neves, 1986, p.64, grifos da autora).

Quanto ao grupo XVII, é importante destacar a seção relativa à Economia

Social63

, na qual foi apresentado um extenso questionário a ser enviado às fábricas

e indústrias com o objetivo de recolher informações acerca do operariado

brasileiro64

. A súmula dessa documentação serviria para a elaboração de um livro,

no qual ficaria registrada a situação da economia social no Brasil. Havia também a

perspectiva de que esse material fosse aproveitado para a criação de um Museu

Social do futuro Departamento do Trabalho.

Segundo o Programa das Seções de Economia Geral e Economia Social

(1922, p.7-10), a documentação a ser obtida através deste questionário referia-se

aos seguintes aspectos:

O primeiro item, Melhoramento das condições de trabalho, relacionava-

se:

a) a remuneração do trabalho (por tempo, por peça, ou por tarefa) e sugeria um

prêmio aos operários que excedessem certo limite de trabalho; ao contrato coletivo

de trabalho (regime do trabalho);

b) a normatização de salários, sobre-salários e bonificações, do salário de mulheres

e menores, do trabalho noturno, do descanso semanal;

c) a questões sobre a regulamentação do trabalho como a jornada de trabalho, a

idade mínima de admissão de menores ao trabalho (proteção à infância operária),

ao descanso das parturientes e auxílio pecuniário prestado pelos patrões e

associações operárias, e a fadiga profissional;

63

Exposição do Centenário. Programa das Seções de Economia Geral e Economia Social (1922). 64

Foot Hardman & Leonardi (1991) indicam que os primeiros proletários foram recrutados entre

as camadas mais pobres da população. Segundo os autores, no período imperial, à medida que

aumentava o n° de fábricas de tecido, muitas crianças eram recrutadas nos asilos de órfãos e

instituições de caridade: “havia inúmeros casos de meninos e meninas de cinco ou seis anos de

idade trabalhando doze horas diárias na indústria têxtil” (p.98). Na Primeira República, “a grande

tecelagem carioca América Fabril ainda mantinha essa prática iniciada mais de meio século antes,

recrutando quinze indigentes de um hospital do Rio de Janeiro” (Ibid., p.98). Os autores apontam

que além das crianças, os proletários eram oriundos do campesinato pobre, e que também ocorreu

a proletarização de artesãos arruinados pela concorrência dos produtos industrializados. No

período imperial, a exploração desenfreada a que foram submetidos fez com que a resistência à

exploração deixasse de ser um ato isolado e ganhasse a maioria dos operários. Surgem, assim, as

associações mutualistas, as quais foram as primeiras organizações do operariado. É o início do

longo processo de sua formação como classe.

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d) a organização científica da indústria, aos maquinismos e processos empregados

para elevar a produtividade do trabalho e aos métodos modernos de administração

de empresas; a estatística e resultados das greves; aos organismos permanentes de

aproximação entre patrões e operários e aos meios de dirimir os conflitos de

trabalho (Ibid., p.7-8).

O segundo item, denominado Conforto do Operário, referia-se a:

a) providências que assegurassem alimentação sadia e barata aos operários, horário

e local das refeições dos operários durante o trabalho; higiene e ambiente de

trabalho, precauções contra acidentes de trabalho, assistência médica e

farmacêutica aos operários;

b) habitações operárias; diversões moralizadoras (esportes, cinemas, etc); escolas e

cursos profissionais ou de aperfeiçoamento, mantidos ou subvencionados pelo

Estado, pelas empresas ou pelas associações de classe (Ibid., p.8-9).

O questionário era composto por mais três itens: Segurança contra riscos

sociais, que abordava questões como seguros contra acidentes, assistência aos

operários enfermos e inválidos, creches e câmaras de aleitamento, etc.;

Independência econômica do operário, o qual estava relacionado a instituições

de economia individual, associações de crédito popular, cooperativas de produção,

associações de crédito rural, sindicatos profissionais, etc.; Operariado

Estrangeiro sobre a adaptação do trabalhador estrangeiro ao meio econômico

nacional (Ibid., p.9-10).

Portanto, a preocupação com as questões operárias pode ser observada nesta

seção, uma vez que no Programa das Seções de Economia Geral e Economia

Social (1922, p.7) fica explícito que nela “[...] figurarão todas as instituições e

obras que tem por fim a elevação social da classe operária”.

Este ponto vale uma ressalva. Pode-se verificar que os reformadores sociais

brasileiros adaptaram à realidade nacional, as ideias leplaysianas que serviram de

abrigo conceitual aos fundadores do Museu Social francês, analisado no primeiro

capítulo desta tese.

Portanto, com relação a uma intervenção do Estado no que tange à

regulamentação da produção industrial, observa-se que os reformadores

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brasileiros, na década de 20, basearam-se nas noções de economia social dos

reformadores franceses integrantes do referido Museu Social. 65

Sem dúvida, a seção de Economia Social da Exposição Universal de 1922

pode ser considerada como o embrião de uma regulamentação trabalhista que viria

a acontecer na década de 193066

.

É importante destacar que, ainda na década de1920, surgiram medidas no

campo do direito social que se tornaram base para a futura elaboração do sistema

de previdência social no Brasil. A mais importante foi a Lei Eloy Chaves, de 24

de janeiro de 1923, através da qual foi criada a Caixa de Aposentadoria e Pensão

dos ferroviários, garantindo a esta categoria benefícios básicos como assistência

médica, aposentadoria, pensão para dependentes e auxílio funeral, logo estendidos

a outras categorias profissionais (Gomes, 1979).

Portanto, relacionamos a inclusão da seção de Economia Social na

Exposição de 1922 tanto à constituição/organização de uma burguesia industrial e

comercial no início do século XX, como a eclosão de greves operárias nos anos

que antecederam à Exposição. Gomes (1979) indica que o Rio de Janeiro foi o

primeiro local do país onde ocorreu uma organização dos interesses industriais de

forma independente do comércio. Ela cita a fundação, no Rio de Janeiro, do

Centro Industrial do Brasil em 1904: “o fato deve-se à importância econômica da

cidade e, especificamente, a seu pioneirismo no campo das atividades fabris”

(Ibid., p.119).

Segundo a referida autora, é possível verificar, já na Primeira República, os

esforços de caráter organizacional da burguesia industrial e comercial do Brasil. A

autora também aponta que a emergência de um movimento operário entre 1917 e

1920 foi “crucial na determinação do debate que a partir daí se desencadeia em

torno da necessidade da transformação e regulamentação das condições do

trabalho urbano no país” (Ibid., p.126).

65

Ressalte-se que as propostas do Museu Social tiveram grande repercussão na América Latina,

tendo sido criado, nesse período, um Museu Social em Buenos Aires. (HORNE, 2004). 66

Na década de 30 ocorreu uma separação entre assistência e previdência. Todavia, pode-se

observar esse processo começando a ser delineado já na década de 20.

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145

Entre as greves ocorridas nos anos de 1917 a 1920, destacamos a dos

operários do setor têxtil, organizadas pela União dos Operários em Fábricas de

Tecidos, uma vez que chegaram a reunir o maior contingente de operários da

Capital da República. Sem dúvida, não foi sem propósito que o 1° Congresso de

Operários em Fábricas de Tecidos do Brasil tenha sido realizado durante a

Exposição Internacional de 1922. Este foi o único congresso de operários

organizado no âmbito das comemorações do centenário.

Figura 15 - Pavilhão da Fábrica de Tecidos Nova América. Exposição Internacional de

1922. Ao fundo, vê-se o Morro do Castelo em processo de desmonte. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.

Foot Hardman & Leonardi (1991) apontam que, na Primeira República, “a

presença do proletariado industrial – seja como força de trabalho, seja como força

social e política expressa concretamente pelo movimento operário – já era visível

e se fazia sentir na sociedade brasileira” (p.148). No entanto, a burguesia concebia

o operário como um agitador perigoso ou como um ignorante e “pobrezinho

desamparado”: “bandido ou pobrezinho, era necessário reprimi-lo e controla-lo,

dentro e fora da fábrica” (Ibid., p.148). Portanto, nesse período, o acesso às

liberdades democráticas foi praticamente inexistente no caso de países como o

Brasil:

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146

[...] percebe-se que o proletariado estava ainda nos estágios embrionários de sua

formação como classe social distinta. A vida operária era um misto de

superexploração na fábrica, repressão policial nos momentos decisivos e controle

social e ideológico nas ruas e na cidade (Ibid., p.147).

Quanto ao grupo XVIII, de acordo com o Livro de Ouro Commemorativo

do Centenário da Independência (1923, p.67-69), a Assistência Pública e

Particular compôs uma seção ao lado da Higiene, sendo apresentada através de 8

itens:

1°) sistemas de assistência empregados atualmente pelo Estado e pelas instituições

particulares;

2°) proteção e assistência à infância;

3°) assistência aos adultos: aos válidos (assistência mútua, instituições de

beneficência; assistência pelo trabalho, albergues noturnos, asilos de mendigos);

aos doentes (assistência à domicílio, medicação gratuita; hospitais); aos velhos

(assistência familiar, asilos e colônias, hospícios);

4°) assistência aos alienados (asilos públicos e particulares; hospícios e casas de

saúde; assistência nas colônias agrícolas, instituições especiais para crianças

idiotas e para epiléticos);

5°) assistência aos cegos: pela instrução (escolas) e pelo trabalho (oficinas de

cegos);

6°) assistência aos surdos e mudos: pela instrução e trabalho;

7°) Casas de Penhor. Montes de Socorros67

;

8°) Pessoal dos estabelecimentos de beneficência: escolas de enfermeiros e

enfermeiras.

Com relação à Higiene, as historiadoras Araci Alves Santos e Nadja dos

Santos (2012) apontam que o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP),

não só apresentou os resultados dos trabalhos realizados pelo órgão, como

também utilizou o espaço da Exposição para divulgar conselhos sanitários à

população. Além disso, todas as repartições do DNSP participaram da mostra,

67

As Casas de Penhor surgiram no rastro das primeiras instituições benemerentes. O penhor surgiu

como uma modalidade de empréstimo, ou seja, emprestar dinheiro com juros sob penhor. As

primeiras instituições de Penhor em Portugal e no Brasil foram batizadas de Montes de Socorro. A

criação dos Montes de Socorro foi inspirada nos Montes Pios ou Montes de Piedade europeus, e

tinham por finalidade emprestar dinheiro a juros módicos e sob penhor de metais preciosos,

brilhantes e outros valores para a população mais pobre que não tinha acesso a estabelecimentos

bancários.

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destacando-se as Inspetorias de Profilaxia da Tuberculose, da Lepra e Doenças

Venéreas e da Higiene Infantil. Portanto, a realização da Exposição se configurou

em “um momento propício para a área médica debater questões ligadas à

profissão”, buscando assegurar o papel do médico como profissional responsável

pela saúde do país (Ibid., p.6).

As referidas autoras também indicam que a mostra da Saúde Pública

ocupava a maior parte das galerias do Palácio das Festas, onde o Departamento de

Saúde Pública preparou a exibição de dois museus: o Museu da Sífilis e o da

Tuberculose. Com relação a estes, Neves (1986) comenta que os visitantes de

outros países, ao comparecem aos bailes e saraus realizados nos salões do Palácio,

tinham a desagradável surpresa de deparar-se com esses dois insólitos museus.

Além da exposição organizada no Palácio das Festas, o DNSP realizou uma

mostra no Instituto Oswaldo Cruz. Segundo Santos & Santos (2012), a opção por

organizar duas mostras tinha por objetivo atingir dois públicos distintos: a

população em geral, que visitou a exposição do Palácio das Festas, e os cientistas

e intelectuais que assistiram a mostra organizada no Instituto Oswaldo Cruz.

Desse modo, enquanto a apresentação do DNSP, no espaço da Exposição,

servia para a divulgação de conselhos sanitários que visavam à introjeção de

preceitos higienistas por parte da população, a mostra realizada no Instituto

Oswaldo Cruz pretendia apresentar os avanços científicos na área da saúde a um

público seleto, formado por cientistas.

3.2. A Primeira Sistematização Oficial da Assistência no Rio de Janeiro: aliança entre o público e o privado

No âmbito das comemorações do Centenário da Independência do Brasil foi

publicada a obra Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, pela prefeitura

do Distrito Federal. Esta obra abrange o então “estado da arte” das diferentes

áreas sociais, incluindo tanto concepções e práticas sociais exercidas

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internacionalmente, como apreciações e diagnósticos acerca das instituições e

formas de intervenção social no Brasil.

Além disso, a obra apresenta o histórico e o levantamento estatístico de

todas as instituições e associações que prestavam serviços de assistência no Rio de

Janeiro. Esse estudo também inclui um “sistema classificatório” das respectivas

instituições/associações, através do qual são apresentados os dados relativos à

fundação e fundadores, receita/despesas e estatísticas de atendimento de cada uma

delas. Para a época, a publicação foi, portanto, um trabalho de peso, pela

abrangência de dados aí organizados e tornados disponíveis.

Obviamente, seu processo de elaboração teve um longo percurso. Em 26 de

junho de 1903, o prefeito Pereira Passos (1902-1906) criou o Ofício Geral da

Assistência, pelo decreto municipal n° 441, que se destinava a sistematizar os

socorros públicos e privados, com o objetivo de fiscalização, sem quebrar a

completa autonomia das associações já existentes (Paiva, 1922).

O governo federal já havia declarado seu interesse em “criar um instituto

que aproveitasse os elementos esparsos da caridade privada ou oficial e lhes

imprimisse sistemática direção com inteira garantia dos fins a que eles se

destinassem” (Paiva, 1922, p. IX).

Entretanto, a medida não foi concretizada. Após quase dez anos, o prefeito

Beto Ribeiro (1910-1914) ressuscitou o decreto e deliberou que se organizasse a

estatística geral de todos os estabelecimentos e instituições de assistência,

públicos e privados.

O então desembargador Ataulpho de Nápoles Paiva foi encarregado

oficialmente de coordenar a pesquisa68

. A escolha deveu-se ao fato do jurista e

filantropo ser um homem público muito articulado no cenário político, sendo

considerado pelos seus contemporâneos como um expert no que dizia respeito aos

problemas sociais que afligiam as elites republicanas da época.

68

Destaca-se que Ataulpho de Paiva assinou apenas a abertura da obra com suas “Reflexões

Necessárias”. Entretanto, o prefácio é de sua autoria, o qual já havia sido publicado, na íntegra, em

1916, numa coletânea de textos intitulada Justiça e Assistência.

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Paiva relata que após ter iniciado o trabalho, sugeriu à Prefeitura que fosse

acrescentado o histórico das instituições que foram objeto do censo, pois “a obra,

em verdade, não teria significação apreciável se não arrolasse no seu cômputo a

descrição de cada um dos estabelecimentos recenseados” (Paiva, 1922, p.X).

O recenseamento dos institutos e associações foi realizado em 1913, e a

coleta dos dados teve por base o ano de 1912. Os originais do trabalho foram

entregues em novembro de 1914, mas não foram publicados. Antes de deixar o

cargo, o prefeito Bento Ribeiro criou uma Comissão Especial de História e

Estatística da Assistência Pública e Privada69

, de caráter permanente, para que

fosse dado prosseguimento ao trabalho. O levantamento continuou sendo

realizado e as estatísticas dos anos de 1913 a 1915 foram iniciadas em 1916.

Em 1920, o prefeito Carlos Sampaio (1920-1922) deliberou que a obra fosse

publicada como “subsídio de grande valor, destinado a figurar, como documento

da filantropia brasileira, no Centenário da Independência Nacional, prestes a ser

comemorado” (Assistência Publica e Privada, 1922, p.706). No entanto, sua

publicação em 1922 implicou na realização de um recenseamento complementar

entre 1916-1920, através do qual foram inseridas novas instituições.

É importante ressaltar que a organização dessa sistematização de áreas

assistenciais, instituições nelas atuantes e dados internos de cada uma delas,

apresenta desafios para uma análise institucional das mesmas nos dias atuais.

Esses desafios relacionam-se tanto a dificuldades conceituais em relação às áreas

e suas instituições, como às construções estatísticas em si (datas de coleta de

dados, lacunas de informações, etc.).

Outra dimensão a ser destacada refere-se à classificação utilizada pelo autor

no que se refere aos grupos de instituições. Estas foram agrupadas em três grandes

áreas: associações de auxílio mútuo e de beneficência; asilos e recolhimentos;

estabelecimentos de assistência a enfermos hospitalizados. Ainda que pudéssemos

apontar problemas classificatórios no interior de cada um desses grupos, como

assinalaremos posteriormente, o interessante a ser destacado é o início de uma

69

Esta comissão foi criada pelo decreto n° 1.001 de 13 de novembro de 1914.

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distinção entre a assistência no campo da saúde e a assistência num campo “mais

social”.

Assim, no primeiro grupo, observa-se uma variedade de instituições em que

a assistência e os sistemas de proteção eram os objetivos que as delineavam, seja

em relação a fases da vida (infância, velhice, etc.), às origens étnicas

(trabalhadores imigrantes) ou à grupos de ofícios (socorros mútuos e beneficência

a determinadas categorias de ofícios e profissões). Essas instituições tiveram

enorme desenvolvimento na época e, grande parte delas, estava ligada direta ou

indiretamente ao mundo do trabalho.

O segundo grupo, como o próprio nome indica, abrange mais nitidamente as

organizações asilares, cuja fundação envolvia, em sua maioria, homens ilustres e

filantropos70

, mas a manutenção ligava-se, basicamente, ao Poder Público com

articulações cada vez maiores com a esfera da justiça e do Poder Judiciário.

O terceiro grupo refere-se, especialmente, às instituições públicas e privadas

ligadas ao tratamento de enfermos em geral, ou às vítimas das frequentes

epidemias que assolavam a capital do país.

Um segundo conjunto de observações acerca do uso analítico desta

sistematização refere-se às diferentes datas de coleta de dados e das diferenças

numéricas encontradas entre as mesmas. A diferença numérica em uma análise

comparativa entre as tabelas de 1912 e 1913-1920 nos permitiria perceber as

alterações na assistência na cidade do Rio de Janeiro, tanto no que concerne ao

fechamento quanto à abertura de novas instituições. Contudo, o que percebemos é

que os valores absolutos apresentados nas tabelas não condizem com as listagens

das instituições, ambas publicadas na mesma obra.

Entretanto, mesmo que optássemos por considerar apenas a relação de

instituições listadas, deveríamos agir com cautela uma vez que foram inseridas

instituições que ainda não existiam, ou seja, cuja construção estava em fase de

70

Citamos como exemplo a Casa de São José, fundada pelo Conselheiro Ferreira Viana, como

asilo para crianças com idade máxima de 14 anos. Teve como local de funcionamento uma casa

cedida pelo Conde de Mesquita, e sua manutenção pelo comércio. Posteriormente, foi assumida

pelo poder público, sendo mantida através de impostos sobre bebidas, pela lei n°3396, de

24/12/1893 (Assistencia Publica e Privada, 1922, p.10);

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planejamento e não, necessariamente, foram levadas a cabo. O Hospital Gaffrée e

Guinle foi incluído na listagem em 1920, mas só começou a ser construído em

1924, sendo inaugurado a 11 de novembro de 1929 (Sanglard, 2008a).

No caso do Hospital da Venerável Ordem Terceira da Imaculada Conceição,

este foi inserido na listagem de 1912 quando ainda era um projeto, o qual jamais

se concretizou. No próprio histórico da instituição, elaborado por Paiva e sua

equipe, encontramos o relato de equipamentos que ainda não haviam sido

construídos:

Por iniciativa do falecido Ministro Jubilado Attilio Bodelli, a quem os relatórios da

Ordem tributam especial gratidão, foi, em sessão de 1° de setembro de 1898,

deliberada a criação de um Hospital destinado ao tratamento dos Irmãos. Esta Nova

dependência da Ordem teve, por generosidade daquele senhor, desde logo o seu

patrimônio constituído por 10 apólices de conto de réis, e não lhe vem faltando o

auxílio pecuniário dos Irmãos. Por isso, o seu patrimônio já se elevava, em 31 de

dezembro de 1912, a importância de 56:769$259, sendo 10:000$000 em apólices e

46:769$295 em moeda corrente. Ainda não foi iniciada a construção de

assistência a enfermos (Assistencia Publica e Privada, 1922, p.557, grifos nossos).

Segundo Ataulpho de Paiva, coordenador do trabalho, foram recenseadas

624 instituições cujas estatísticas foram divididas em duas etapas: primeiramente

são apresentados os dados referentes a 1912 e, posteriormente, os do período de

1913 a 1920.

No entanto, como não é possível refazer o percurso trilhado por Paiva,

optamos por comparar os valores das tabelas com os das listagens das instituições.

A seguir, apresentamos uma reprodução parcial de duas tabelas publicadas na

obra, das quais retiramos os itens “receita” e “despesa”, visando destacar apenas o

quantitativo das instituições:

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Tabela 2 - Institutos de Beneficência em 1912

Movimento dos Institutos de Beneficência em 1912

Instituições Total

Associações 438

Asilos e recolhimentos 29

Hospitais 29

Diversos 18

Total 514

Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro (1922, p.747).

De acordo com a listagem das instituições referentes ao censo de 1912,

contabilizamos um total de 421 associações de auxílio mútuo e de beneficência;

29 asilos e recolhimentos e 28 estabelecimentos de assistência a enfermos

hospitalizados. Além disso, não conseguimos encontrar nenhuma especificação

quanto ao item “diversos”, mencionado na tabela. Portanto, há uma discrepância

entre o quantitativo de instituições recenseadas (478) e o total de instituições

(514) apresentado na tabela referente a 1912, publicada na obra.

Tabela 3 - Institutos de Beneficência – 1913-1920

Ano

Movimento dos Institutos de Beneficência

Resumo

1913-1920

Associações de

auxílio mútuo e

de beneficência

Asilos e

recolhimentos

Estabelecimentos de

assistência a enfermos

hospitalizados

Total

Absoluto

1913 267 26 29 322

1914 267 26 29 322

1915 267 26 30 323

1916 267 30 30 327

1917 308 30 30 368

1918 322 30 30 382

1919 562 32 30 624

1920 559 32 33 624

Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro (1922, p.750).

Com relação ao movimento das instituições entre 1913-1920, reproduzido

na tabela acima, ressalte-se que não conseguimos compreender a lógica dos dados.

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Ao compará-los com os das listagens das instituições recenseadas neste período,

chegamos a valores diferentes com relação às associações de auxílio mútuo (342)

e aos estabelecimentos de assistência a enfermos hospitalizados (30), o que perfaz

um total de 404, e não de 624 instituições.

Quanto à classificação das instituições, observamos que o grupo

denominado “associações de auxílio mútuo e de beneficência” é bastante

abrangente, incluindo instituições que, a princípio, não se enquadrariam nessa

definição: Caixas Escolares, Montes de Socorros, Montepios, Maçonaria e até o

Banco do Commercio, o qual deu a seguinte resposta ao pedido de informações

solicitado pela comissão responsável pela estatística:

[...] temos a informar que este estabelecimento não mantém associação alguma de

beneficência ou auxílio mútuo. Possui um pequeno fundo para a criação de uma

caixa beneficente dos empregados, mas que não foi ainda organizada” (Assistência

Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.154).

Com relação às entidades beneficentes, estas atuavam de forma diversa das

associações de auxílio mútuo que visavam à garantia de algum tipo de benefício

para seus associados. Entretanto, Viscardi (2008) ressalta que “filantropia e

mutualismo compunham categorias fluidas, indiferenciadas para os próprios

contemporâneos” (p.120). Várias sociedades criadas desde o final do século XIX

se autodenominavam de “socorros mútuos”, “filantrópicas” ou de “beneficência”,

no entanto, os próprios criadores dessas entidades tinham dúvidas quanto a sua

identidade. A autora indica a seguinte distinção entre essas associações:

As sociedades que não se destinassem a auxiliar os destituídos, mas fossem

estruturadas com base na contribuição mensal de recursos pelos sócios com o fim

de propiciar-lhes alguma pensão ou benefício em caso de dificuldades, chamar-se-

iam de “socorros mútuos” e não de beneficência (Viscardi, 2008, p.120).

Além disso, o grupo “associações de auxílio mútuo e de beneficência”

engloba tanto as associações de socorro mútuo como as associações patronais e as

denominadas sociedades de resistência, as quais eram de natureza distinta.

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Na Primeira República ocorreu uma expansão das sociedades de socorro

mútuo ao mesmo tempo em que surgiram as sociedades de resistência operária.

Batalha (2010) indica que “algumas das velhas sociedades acabaram incorporando

funções de resistência, do mesmo modo que algumas das novas sociedades de

resistência adotaram práticas assistenciais” (p.47).

No caso das associações patronais, as quais representavam um tipo de

mutualismo bastante defendido por Ataulpho de Paiva, tomamos como exemplo a

Associação Comercial do Rio de Janeiro, a qual era definida “como a reunião das

classes de comerciantes, banqueiros, industriais, proprietários, capitalistas,

armadores e agentes auxiliares do comércio [...]” (Assistencia Publica e Privada

no Rio de Janeiro, 1922, p.105).

Em seu histórico, a gênese desta associação está relacionada à abertura dos

portos do Brasil ao comércio estrangeiro em 1808. O desenvolvimento do

intercâmbio comercial levou os comerciantes a estabelecerem uma Praça do

Comércio no Rio de Janeiro que, posteriormente, passou a denominar-se

Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ). A construção de uma nova sede

de grandes proporções com a ajuda do governo imperial não foi adiante. A obra

ficou paralisada por doze anos e recomeçou com o auxílio do governo republicano

que autorizou um repasse de verbas públicas para a conclusão da mesma.

(Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.104-107).

Percebe-se, portanto, uma forte articulação desta associação com o poder,

uma vez que seus dirigentes freqüentemente ocupavam cargos na administração

pública. Sem dúvida, membros da elite política do Império e, posteriormente, da

elite republicana compunham a cúpula dirigente dessa entidade. Ao adotar

práticas filantrópicas, a ACRJ manteve a Escola da Ilha de Bom Jesus,

responsável pela instrução de trezentos alunos (Ibid., p.105).

Outro exemplo de sociedade mutualista cujos dirigentes pertenciam à classe

patronal é a Associação dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro (AEC), a

qual apresentou uma memória no Congresso Nacional de Assistência Pública e

Privada em 1908, como já descrito no segundo capítulo. Fundada em 1880, no

salão do Jockey-Club, é a associação mais antiga da classe comercial (Ibid.,

p.108).

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Popinigis (1999) indica que, a imprensa da época, divulgava que a AEC não

cumpria seu papel de “protetora” dos empregados do comércio, chamados então

de caixeiros, os quais reivindicavam a diminuição das horas de trabalho. A autora

aponta que “muitos não confiavam na associação por ali se encontrarem também

os patrões”, passando a organizar-se em outras entidades de classe (Ibid., p.118).

Portanto, apesar das controvérsias quanto à elaboração das estatísticas e à

classificação das instituições, o livro Assistencia Publica e Privada no Rio de

Janeiro (1922) pode ser considerado como a primeira sistematização oficial da

assistência71

, realizada na Cidade Rio do Janeiro, pelo fato de ter sido a primeira

estatística solicitada e publicada pela Prefeitura do Distrito Federal.

Nesta publicação, Ataulpho de Paiva reedita seu projeto de reforma da

assistência, defendido no Congresso Nacional de 1908, o qual ele já havia

publicado em 1916, numa coletânea de textos intitulada Justiça e Assistência.

Em seu plano de reforma, ele propunha uma organização dos serviços de

assistência baseada em uma aliança entre os interesses do Estado e os da

assistência privada, defendendo que esta aliança resultaria na efetividade da

filantropia social:

O Governo, tomando a iniciativa e a deliberação de realizar, sob fundamentos

ponderados, a sistematização de assistência em geral, conta, por isso mesmo,

demonstrar o interesse que liga a ação da beneficência particular, que tantos e reais

serviços presta a nossa população, e tentará por esse meio fazer uma justa e

proveitosa harmonia e aliança dos interesses do Estado com os da Assistência

Privada, na forma das recentes decisões dos Congressos especiais realizados no

mundo civilizado, fazendo com que dessa concórdia resulte a efetividade dos

intuitos que tem em vista a filantropia social (Assistencia Publica e Privada no Rio

de Janeiro, 1922, p.60).

Desse modo, seu projeto propugnava um modelo institucional que

articulasse os poderes públicos e a iniciativa privada, porém sem mexer com a

autonomia desta:

71

É importante destacar que em 1883 foi publicado um livro, Instituições de Previdência fundadas

no Rio de Janeiro, o qual se constitui em uma memória enviada pelo escritor Joaquim da Silva

Mello Guimarães ao Congresso Científico Internacional das Instituições de Previdência, realizado

em Paris em 1878. O trabalho consiste em apontamentos históricos e dados estatísticos dos

institutos e associações existentes no Brasil-Império. (GUIMARÃES, 1883).

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156

Como até agora, cumpre sejam respeitadas e mantidas a autonomia e a

administração interna das associações, sociedades, casas pias, asilos e quaisquer

outros estabelecimentos de beneficência e caridade, de caráter privado, existentes

nesta capital (Ibid., p.64).

Paiva defendia a criação de um mecanismo de fiscalização dos serviços a

fim de congregar os interesses públicos e privados, sendo o caráter normatizador

das relações entre o Estado e a beneficência particular o eixo central de seu

projeto. Desse modo, o jurista era defensor de uma concepção de assistência

condizente com o liberalismo vigente na época:

Um Governo que anunciasse que só ele concederia socorros completos aos

indigentes, quaisquer que fossem as idades destes, carregaria um fardo enorme,

aniquilaria a indústria, favoreceria a indolência do rico, do pobre mesmo, e

quebraria a grande mola da sociabilidade - a beneficência privada (Assistencia

Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.60).

Ao fazer sérias críticas ao que ele denominava de “caridade irrefletida”, o

filantropo preconizava uma “assistência metódica” baseada em “preceitos

científicos” para combater o aumento da indigência. Sua proposta revestia-se de

um caráter moralizador, pelo qual a mendicidade ganhava uma conotação de

“preguiça” e “degeneração da raça”, cabendo à assistência promover o “progresso

moral” através da economia e do trabalho (Ibid, p.50). Dessa forma, suas ideias

estavam afinadas com o projeto de modernidade que políticos e intelectuais se

mobilizavam para construir nesse período:

A assistência mal praticada e a caridade irrefletida, sendo de duração efêmera e de

efeitos inteiramente nulos, só conseguem multiplicar o número de indigentes,

fazendo a propagação da mendicidade, que então se converte em um dos mais

graves problemas sociais cuja resolução se impõe nas sociedades modernas, porque

a verdadeira beneficência é a que promove, não a preguiça, o descuido e a

degeneração da raça, mas o trabalho, a economia, o progresso moral e físico das

gerações (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.50).

Como bem resume Kuhlmann Jr. (1991), os eixos da concepção de uma

“assistência científica” em voga na época se constituíam na:

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Desobrigação do Estado paralelamente ao fortalecimento das entidades privadas,

defendendo um atendimento fracionado em múltiplas instituições, atribuindo ao

Estado um papel de supervisão e subsídio às entidades; a proposição de um

“método” para arbitrar quais seriam os contemplados com o atendimento; calcado

no rígido controle dos demandatários, instaurando um processo de competição

entre eles, mediante inquéritos minuciosos sobre suas vidas particulares, e a

caracterização preconceituosa da população pobre, atribuindo um papel educativo à

assistência a fim de evitar as lutas de classe (Ibid., p. 24).

As ideias de Paiva tinham forte influência dos reformadores sociais

franceses preocupados em desenvolver novas estratégias e novas técnicas, as quais

anteciparam o trabalho social no sentido profissional do termo72

. Ao propor uma

ação racionalizadora nos serviços de assistência, o filantropo defendia a

“necessidade de se traduzir entre nós , em normas hodiernas o exercício da

assistência social [...]” (Paiva, 1922, p. IX).

Portanto, foi com Ataulpho de Paiva que se iniciou um processo de

delimitação de uma nova área de atuação profissional: a assistência social. Ao

buscar agregar uma nova condição à assistência que até então era genérica, ele

começa a delimitar determinadas práticas a um campo: o social. Valendo-se de

uma concepção cientificista, ele preconiza uma organização racional da

assistência social:

[...] a assistência social, encerrando nos seus princípios vitais, e a despeito da

confusão das escolas, a mais nobre e pura das virtudes, carecia de ser esclarecida

pela ciência dos fatos, encaminhada através da observação dos fenômenos sociais,

adaptada às nações e às civilizações diversas para que pudesse alcançar, tanto

quanto possível, o ideal comum, isto é, a organização racional, as conclusões

práticas, os resultados efetivos e permanentes (Paiva, 1922, p.IX).

O filantropo se inspirava nas ideias do reformador francês Paul Strauss73

,

político e integrante do Museu Social, com relação a uma organização “científica”

da assistência social:

72

Entre os reformadores sociais franceses do século XIX cujas ideias influenciaram Ataulpho de

Paiva, podemos citar o Barão de Gérando que propõe, em O Visitador do Pobre, um novo modelo

de assistência que se desenvolveu amplamente, sendo a corrente da Scientific Charity e a tradição

do case work oriundas dessa linha de pensamento (CASTEL, 1998). 73

Costa & Sanglard (2006) indicam que Paul Strauss fazia parte da equipe do Museu Social

francês, composta por profissionais de diversas áreas. Além de médicos havia engenheiros,

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A arte de fazer o bem não se improvisa, aprende-se: - desse modo e com muita

propriedade se exprimiu o eminente PAUL STRAUSS no preâmbulo da sua

vigorosa obra sobre a Assistência Social. Há regras a seguir, métodos a conhecer. A

Assistência Social, com os seus ramos diversos e os seus compartimentos vários,

abre às curiosidades e aos devotamentos campo largo, perspectivas por assim dizer

ilimitadas (Assistencia Publica e Privada, 1922, p.48, grifos do autor).

O projeto de reforma da assistência preconizado por Paiva já indicava uma

especificidade no exercício da assistência social, isto é, sua vinculação estreita ao

judiciário. Nesse período, já se pensava em uma Assistência Pública articulada à

Justiça, enquanto órgão auxiliar no atendimento a diferentes segmentos sociais,

com prioridade à infância. O foco das preocupações do governo era a questão da

infância desvalida e dos enfermos: “salvar as crianças, cuidar dos enfermos [...]

essa dupla missão resume, principalmente, a razão de ser do projeto” (Assistencia

Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p. 61).

Em seu modelo de assistência, as obras filantrópicas deveriam passar a se

orientar por preceitos “científicos”, o que levaria a passagem de uma caridade

espontânea para uma filantropia sistematizada. Paiva também criticava o emprego

da ação repressiva da polícia na administração dos problemas sociais:

Vivemos ainda num tal período de rotinas, de imprevidência e de anarquia, que

chegamos ao extremo de apelar para a ação policial todas as vezes que entra em

crise a função tutelar do nosso rudimentar aparelho de caridade e de beneficência.

À mingua de iniciativas, de esforços concatenados e de uma segura orientação da

parte do poder público, é para a Polícia que se voltam todas as vistas, imaginando-

se que unicamente ela pode explicar, resolver e aplanar os casos ocorrentes,

devendo mesmo, em muitas circunstâncias, avocar a direção e superintendência de

certos encargos (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.2).

Portanto, em sua proposta de organização dos serviços de assistência

desatrelados da autoridade policial, a questão social para o filantropo não era caso

de polícia, e sim de tutela e filantropia.

Por outro lado, o discurso de Paiva nos remete a uma fluidez e imprecisão

das noções de assistência e previdência74

. Essas noções foram se definindo e se

arquitetos e políticos. Paul Strauss era deputado e também escrevia para periódicos: a Revue

d’Hygiène e a Revue Philantropique, etc. 74

No livro Instituições de Previdência fundadas no Rio de Janeiro, publicado no período imperial

(1883), já encontramos certa imprecisão em relação às duas noções. Apesar do conceito hodierno

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construindo historicamente, mas nesse período elas ainda eram intercambiáveis.

Pode-se constatar essa imprecisão quando Paiva, ao criticar a ingerência da polícia

no tratamento da questão social, fez a seguinte colocação:

No estado atual da sociedade, após o lógico evolucionismo por que tem passado a

complicada questão da filantropia nas suas várias ramificações, nem um país se

lembraria de confiar a função da previdência social aos cuidados da Polícia, que

tem uma missão bem diferente, embora muito nobre (Assistencia Publica e Privada

no Rio de Janeiro, 1922, p.2, grifos nossos).

A filantropia criava novas regras de ação prático-normativas as quais

implicavam na classificação dos segmentos atendidos e na preocupação com o

diagnóstico dos problemas sociais, o que se pode verificar no projeto

assistencialista do filantropo Paiva.

Observa-se, no prefácio da obra Assistencia Publica e Privada no Rio de

Janeiro (1922), que ele estabelece a seguinte classificação: assistência à infância

(menores abandonados e delinqüentes); a puericultura; assistência à velhice, à

mulher, aos estrangeiros; assistência ao trabalho (a mendicidade profissional); os

patronatos; assistência em domicílio e assistência hospitalar; assistência aos

alienados, aos tuberculosos; aos leprosos; ao alcoolismo; a avariose (sífilis).

Desse modo, o tratamento da questão social passa a ser segmentado, ou seja,

separado por tipo de problema ou por grupo populacional, e orientado segundo os

valores da filantropia burguesa. Esse modelo classificatório refletia os problemas

sociais que preocupavam as elites intelectuais e políticas da Primeira República,

tendo sido, inclusive, utilizado para nomear as teses debatidas no Congresso

Nacional de Assistência Pública e Privada (1908), já apresentadas neste trabalho.

Isso mostra como o ideário filantrópico foi sendo incorporado nos

congressos científicos, nos programas e instituições oficiais. Percebe-se, portanto,

a importância que o contexto sócio-político conferia à filantropia nesse período,

de previdência não se aplicar a uma sociedade escravista, o documento engloba 117 instituições

dos mais variados tipos: caixas econômicas; Monte de Socorro; Montes Pios, Associações de

Interesses Mútuos, Sociedades de Beneficência, Ordens Terceiras e Irmandades, Maçonaria,

Estabelecimentos Filantrópicos como Asilos e Hospitais, etc. (GUIMARÃES, 1883).

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ou seja, a formação de uma concepção filantrópica como ideologia de instituições

e também enquanto configuração de um ideário para a sociedade.

Esse período foi fortemente marcado pela preocupação com a infância, uma

vez que as crianças eram consideradas o futuro da nação: “[...] a experiência da

vida econômica moderna ensina que o equilíbrio moral das gerações futuras

repousa, em todos os países, na defesa social da infância desprotegida”

(Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.4).

Alvarez (2003) aponta que o discurso de Paiva é homólogo ao discurso da

nova escola penal inspirada nas teorias criminológicas:

Em ambos os discursos, as preocupações com a defesa social e com a moralização

das populações urbanas se sobrepõem à defesa dos direitos de cidadania, levando a

que sejam procurados dispositivos jurídicos e institucionais que, em vez de

reconhecer a igualdade dos direitos civis, políticos e sociais para o conjunto da

população, limitam o horizonte da cidadania mediante estratégias normalizadoras,

moralizadoras ou assistenciais (Ibid., p.188).

Ao criticar o Código Penal de 1890, formulado a partir das concepções do

jurismo clássico, Paiva baseava-se nas ideias positivistas da Nova Escola Penal,

que surgiu na Europa, na segunda metade do século XIX, a partir dos estudos da

criminologia75

. Entretanto, não se pode caracterizar a recepção dessas novas

teorias criminológicas no Brasil como mero senso de imitação, pois estas

assumiram características próprias, sendo utilizadas para responder às urgências

históricas colocadas pelas transformações sociais e políticas do primeiro regime

republicano.

As críticas à concepção clássica de justiça se adequavam ao projeto político

da Primeira República. Logo, a proposta da nova escola positiva, defendida por

75

A criminologia e a escola positiva de direito penal, se desenvolveram a partir dos estudos do

médico italiano Cesare Lombroso (1835-1909) e de seus seguidores. As ideias de Lombroso

sustentaram um momento de rompimento de paradigmas no Direito Penal. A Escola Positiva

surgiu no contexto de um acelerado desenvolvimento das ciências sociais (antropologia,

psicologia, sociologia), o que determinou de forma significativa uma nova orientação nos estudos

criminológicos. O modelo proposto pelos juristas que se aliaram ao movimento positivista visava

responder às necessidades da nova ordem burguesa. As elites se sentiam ameaçadas pelas “classes

perigosas”, isto é, pelos segmentos sociais pauperizados que, pela ótica dos positivistas,

carregavam o germe da degeneração e do crime. As ideias criminológicas da nova escola penal

tornaram-se um instrumento teórico-prático para afugentar o perigo social que a pobreza

representava, justificando medidas de controle social sobre os pobres (ALVAREZ, 2003).

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juristas reformadores membros da elite intelectual republicana, como era o caso

de Ataulpho de Paiva, caracterizava-se, segundo Ribeiro Filho (1994), por uma

“modernização autoritária”. Essas ideias ocuparam um lugar de destaque “por

representar ao mesmo tempo uma reflexão sobre a sociedade e uma tentativa de

implementar novas formas de regulação dos comportamentos sociais” (Ibid.,

p.31).

Em um contexto sócio-político onde a maioria da população era mantida na

mera condição de ser reconhecida enquanto “indivíduos” e não como sujeitos de

justiça, as teorias criminológicas embasaram políticas de enquadramento para o

conjunto de indivíduos não incorporados ao novo regime político. Dessa forma, o

discurso da nova escola penal articulava-se ao liberalismo não-democrático

vigente nesse período, não se configurando o campo dos direitos como um

operador de legitimação do Estado na Primeira República.

Ao defender uma grande obra de regeneração nacional, Ataulpho de Paiva

propunha a ação tutelar do Estado como solução para a questão da criança

considerada “moralmente abandonada”: “a função tutelar, consolidada nos seus

próprios fundamentos e constituindo uma grande força de coesão, evita a morte

prematura, a enfermidade e a corrupção moral [...]” (Assistencia Publica e Privada

no Rio de Janeiro, 1922, p. 4).

Dessa forma, os argumentos de Paiva incorporavam a noção de defesa

social, a qual redefiniu “o próprio papel do Estado diante da sociedade, ao assumir

feições claramente tutelares e preventivas” (Alvarez, 2003, p.19).

Em Assistencia Publica e Privada (1922), o jurista tece elogios a Mario

Franco Vaz76

, o qual foi diretor da Escola Premunitória 15 de Novembro77

por

mais de dez anos, e ao prof. João Carneiro Souza Bandeira. Estes intelectuais

eram considerados especialistas na questão do “menor abandonado” na época, e

também participaram do Congresso Nacional de Assistência Publica e Privada

76

Autor do livro A Infância Abandonada, publicado em 1905. 77

A Escola Premunitória XV de Novembro tinha por objetivo servir de internato aos menores

recolhidos na rua pela polícia do Distrito Federal, mas que ainda não haviam cometido delitos e,

portanto, não estavam envolvidos em nenhum tipo de ação penal (Assistencia Publica e Privada no

Rio de Janeiro, 1922).

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(1908), no qual Souza Bandeira foi, inclusive, relator da tese “assistência à

infância moralmente abandonada”.

Ao discorrer sobre a situação das instituições voltadas ao atendimento à

infância “moralmente abandonada e delinquente”, Paiva coloca que as instituições

de caráter privado ainda não tinham um “programa tecnicamente definido”,

constituindo-se apenas em “simples recolhimentos de menores, limitando o seu

programa à instrução primária e à rudimentar aprendizagem de ofícios diversos

aos asilados”. Por outro lado, ele também critica as ações da municipalidade e do

governo federal, apontando que estas eram escassas e ineficientes (Assistencia

Publica e Privada no Rio Janeiro, 1922, p.9).

Paiva tecia críticas tanto as instituições públicas como as instituições

privadas, isto porque defendia uma aliança entre a Justiça e a Assistência, ou seja,

o desdobramento do discurso penal em discurso de proteção e assistência. Ele

propunha a criação de uma legislação própria para a mendicidade infantil,

enfatizando a importância de abrigos tecnicamente organizados:

Sem leis protetoras, sem abrigos tecnicamente organizados, não pode ser mais

triste nem mais deplorável a sorte da criança brasileira nos tempos que correm. A

vagabundagem nas nossas grandes capitais está acentuada de modo assaz

característico. A mendicidade infantil é o problema do dia. A estatística criminal da

adolescência cresce numa escala de progressiva intensidade. A criança não é mais

objeto daquele solícito e carinhoso desvelo que tanta significação imprime aos

sentimentos do nosso povo [...] (Assistencia Publica e Privada no Rio Janeiro,

1922, p. 8).

Portanto, a ideia de que a solução dos problemas sociais referentes ao

conflito capital e trabalho deveria ser resolvida através de estratégias

assistencialistas, encontrou boa receptividade nas propostas reformistas de Paiva.

De acordo com os preceitos da escola positiva, o jurista associava o abandono

moral à criminalidade, respaldando-se no aumento da criminalidade infantil na

Capital da República:

A educação viciosa e mesmo a falta de toda educação são os elementos que tornam

a criança moralmente abandonada. O abandono moral é a causa primária do crime

e a fonte mais fecunda da criminalidade. [...] Os assassinos precoces são, na maior

parte, moralmente abandonados. Lutar contra o abandono moral é combater a

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criminalidade (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.5, grifos do

autor).

Não podemos deixar de ressaltar que a nova escola positiva iniciou um

processo de incursão dos médicos no espaço de atuação dos juristas. Segundo

Ribeiro Filho (1994), a crescente participação de médicos-legistas e de psiquiatras

forenses nos julgamentos passou a ter cada vez mais importância no resultado dos

processos criminais. Portanto, na Primeira República estabeleceu-se um diálogo

entre a área médica e a área jurídica, onde a criminologia representou um espaço

de convergência.

Como já mencionado anteriormente, Paiva concebia uma aliança entre

Assistência e Justiça através da complementação de suas ações. Segundo Rizzini

(2008), essa aliança, em consonância com a lógica filantrópica, tornava

politicamente viável o saneamento moral da sociedade pelo enquadramento dos

indivíduos, desde a infância, à disciplina e ao trabalho.

Cabe destacar que, na Primeira República, foram criadas instituições estatais

e filantrópicas destinadas ao público infanto-juvenil que deveria ter seus hábitos

transformados a partir da difusão da instrução e da formação profissional. Essas

instituições visavam atuar na prevenção ou no combate à delinqüência infanto-

juvenil, mantendo crianças e jovens internados, sob constante vigilância.

Verifica-se, portanto, que as medidas indicadas nas conclusões do

Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada de 1908 acerca da infância

“moralmente abandonada” foram incorporadas na proposta de Ataulpho de Paiva

apresentada em 1922.

Na década de 1920, a questão da infância continuava a mobilizar vários

filantropos, médicos e juristas, que justificavam suas preocupações com o alto

índice de mortalidade infantil, a falência da Roda dos Expostos e a presença de

infantes nas ruas. Essas medidas começaram a ser efetivadas com a criação do

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Juízo de Menores em 1923 e do primeiro Código de Menores em 192778

,

elaborado pelo juiz José Cândido de Albuquerque Mello Mattos.

Outro ponto importante refere-se à extinção da “Roda dos Expostos” 79

pelo

Código de Menores de 1927, o qual determinava em seu artigo 15: “A admissão

dos expostos à assistência se fará por consignação direta, excluído o sistema das

rodas” (Arantes, 2010, p.9). Dessa forma, o Código estabelecia a proteção legal

dos “menores abandonados” que passaram à tutela do Estado.

Ressalte-se que, mesmo excluído o sistema de depósito nas Rodas, manteve-

se a possibilidade da entrega anônima da criança. Segundo Arantes (2010), apesar

do Código de Menores de 1927 ter extinguido as Rodas, algumas continuaram

existindo no Brasil: a Roda de São Paulo, por exemplo, só foi extinta no final dos

anos 1940.

Quanto à puericultura, Ataulpho de Paiva coadunava com as ideias de outro

filantropo, o médico Moncorvo Filho, fundador do Instituto de Proteção e

Assistência à Infância. É interessante a observação de Rizzini (2008) que, entre os

renomados juristas da época, Moncorvo Filho citou apenas Ataulpho de Paiva em

seu livro, Histórico da proteção à infância de 1500 a 1922. A autora comenta: “é

estranho que não tenha feito nenhuma referência a outros juristas com quem

certamente se encontrava” (Ibid, p.127). Consideramos que isso se deve ao fato de

compartilharem ideias muito similares, as quais implicavam na defesa de maiores

subsídios para as instituições filantrópicas no combate à mortalidade infantil.

Em contrapartida, Paiva também citou Moncorvo Filho ao discorrer sobre a

chamada assistência à infância na primeira idade:

78

O Código de menores de 1927 legislava sobre as crianças e adolescentes menores de dezoito

anos que estivessem em estado de abandono. O código qualificava os menores segundo a sua

conduta: “expostos” eram os menores de sete anos; os menores de dezoito anos eram considerados

“abandonados”; os que esmolassem ou vendessem pelas ruas eram classificados de “vadios” e os

que freqüentassem prostíbulos recebiam a denominação de “libertinos”. O Código aboliu

definitivamente a “teoria do discernimento” e, dessa forma, os menores de quatorze anos passaram

a ser considerados inimputáveis (FALEIROS, 1995, p. 63). 79

Assim como era a prática em Portugal, as primeiras iniciativas assistenciais em relação aos

recém-nascidos no Brasil ocorreram através da instalação de Rodas dos Expostos nos hospitais das

Misericórdias ou em prédios anexos. A primeira Roda foi criada em Salvador em 1726, e no Rio

de Janeiro, a “Casa da Roda”, atualmente Educandário Romão Duarte, foi criada em 1738

(ARANTES, 2010, p.6).

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E o Dr. Moncorvo Filho afirma que a mortalidade infantil no Brasil continua a

crescer, “sentindo-se que as instituições filantrópicas lutam na mais extenuante das

campanhas, conseguindo apenas uma parcela dos resultados que dado seria

colherem se a essas cruzadas fossem proporcionados os recursos com que

pudessem alargar a sua benfazeja ação a toda essa multidão de entes miseráveis

que fenecem aos primeiros alvores da existência pela fome, pelo frio, pela

ignorância ou pela moléstia” (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro,

1922, p.15).

Por outro lado, Paiva também menciona o médico Fernandes Figueira, como

mais uma autoridade na área da puericultura, elogiando tanto seus estudos sobre a

mortalidade infantil no Brasil, apresentados no Congresso Nacional de Assistência

Pública e Privada (1908), bem como seu trabalho na direção da Policlínica das

Crianças, instituição filantrópica, inaugurada em 1909, pertencente à Santa Casa

de Misericórdia.

Cabe ressaltar que no Congresso de 1908, Fernandes Figueira defendia ser

indispensável à intervenção do Estado no âmbito da assistência à infância. Como

já dito no capítulo anterior, ao defender à assistência pública, ele apresentou dados

referentes às instituições privadas que apontavam para o alto custo dos subsídios e

o elevado índice de mortalidade infantil nessas instituições, principalmente na

Casa dos Expostos que pertencia à Santa Casa de Misericórdia. No entanto, um

ano após o congresso, o médico tornou-se diretor de uma instituição que fazia

parte da rede hospitalar da Santa Casa.

Contudo, o que buscamos assinalar aqui não é uma suposta contradição

entre o discurso e a prática médica de Fernandes Figueira, até porque não é nosso

objetivo fazer um estudo específico sobre o referido médico. O que pretendemos

assinalar é que Fernandes Figueira, enquanto diretor de uma instituição

filantrópica, foi elogiado pelo filantropo Paiva que, ao discorrer sobre as

estatísticas sobre mortalidade infantil apresentadas pelo médico, selecionou

apenas os dados comparativos entre o Brasil e países desenvolvidos como a

Holanda e a França.

Sem dúvida, esta comparação discrepante serviu para justificar as altíssimas

taxas de mortalidade infantil no país. No entanto, Paiva não se referiu às críticas

de Fernandes Figueira às instituições filantrópicas nem tampouco ao seu

argumento de que a assistência à infância deveria ser pública.

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Quanto às instituições que prestavam atendimento à primeira infância, estas

se preocupavam com a mortinatalidade e, consequentemente, com as condições

das mães para cuidarem de seus filhos.

Desse modo, eram instituições de atendimento materno-infantil, nas quais o

puerpério e a puericultura estavam intimamente ligados. Segundo Sanglard

(2008b), essas instituições “apresentavam uma preocupação com a mãe-mulher,

sobretudo com as operárias, e os meios de lhes garantir condições de cuidar de

seus filhos e retornar ao trabalho” (p.75).

Além do IPAI e da Policlínica das Crianças, foram criadas diversas

instituições filantrópicas para o atendimento materno-infantil no início do século

XX: o Hospital São Zacarias (1916), pertencente à Santa Casa de Misericórdia, a

Pro Matre (1918) e a Maternidade de Laranjeiras, a qual foi inicialmente uma

instituição privada, tornando-se, em 1918, a Maternidade Escola da Faculdade de

Medicina (Sanglard, 2008b).

Em Assistencia Publica e Privada (1922), Ataulpho de Paiva também

recupera o debate acerca da “Assistência pelo trabalho” do Congresso de 1908, o

qual dizia respeito à mendicidade e a adoção de um sistema classificatório que

visava separar os indigentes válidos e inválidos.

Paiva reafirma as medidas aprovadas no congresso ao propor uma distinção

entre os “indigentes inválidos ou enfermos”, os “mendigos acidentais” e os

“mendigos de profissão” e, consequentemente, um atendimento diferenciado a

cada tipo: ao primeiro caberia a simples assistência, ao segundo competia o

recolhimento nas estações de socorro em que o trabalho fosse obrigatório, e ao

terceiro caberia a repressão severa para impedir a reincidência (Ibid., p.24).

Desse modo, percebe-se que o jurista tinha uma concepção positivista da

questão social, pela qual a causa da miséria é concebida como um fenômeno

produzido pelo comportamento dos indivíduos por ela atingidos. A partir dessa

perspectiva, as causas da miséria e da pobreza estariam vinculadas a problemas de

ordem moral (tendência ao ócio, alcoolismo, vadiagem etc.). Segundo Paiva, “o

trabalho é o traço característico que discrimina o verdadeiro do falso mendigo.

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Uma coisa é o indivíduo não querer trabalhar e outra é não poder fazê-lo”

(Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p. 24).

Observa-se, assim, o caráter moralizador do projeto assistencial do

filantropo que propunha enquadrar o comportamento dos indivíduos através da

disciplina do trabalho. Se por um lado, ele criticava a aplicação da lei repressiva

sem critério; por outro, defendia a repressão severa ao que denominava de

“mendicidade profissional”.

A verdadeira “missão” da assistência pelo trabalho, segundo Paiva, consistia

em: “[...] receber e recolher o indivíduo que afirma estar sem trabalho, alimenta-

lo, dar-lhe abrigo, impondo-lhe, em troca, a obrigação de trabalhar algumas horas

durante o dia” (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p. 25).

Paiva aponta que no Brasil não havia uma organização da assistência pelo

trabalho, pois o único estabelecimento que se destinava a receber os mendigos no

Distrito Federal era o Asilo São Francisco de Assis (antigo Asilo de

Mendicidade), o qual, nesse período, se caracterizava como asilo-hospital.

Portanto, podemos inferir que a grande maioria dos internos era constituída pelo

que Paiva denominava de “indigentes inválidos”. Nosso pressuposto é reforçado

pela própria transcrição original que acompanha a foto abaixo.

Figura 16- Asilo São Francisco de Assis. Idosos sentados em bancos no pátio externo

do asilo. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Acessado em 10 de maio de 2013.

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Ao discorrer sobre a história desta instituição, ele descreve que o Asilo foi

transferido para as dependências do Instituto João Alfredo, pois suas instalações

foram utilizadas para a criação do Hospital São Francisco de Assis. Isto porque,

em 1920, com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, foi

deliberada a criação de um hospital geral, o qual foi inaugurado em 1922, sob a

direção do médico Garfield de Almeida.

Cabe ressaltar que a criação deste hospital já havia sido indicada no

Congresso de 1908. Na tese sobre “Assistência Gratuita ao Doente”, mencionada

no segundo capítulo, os médicos Rocha Faria e Garfield de Almeida já apontavam

para a necessidade de se criar um hospital público no Distrito Federal, devido ao

esgotamento do Hospital da Santa Casa de Misericórdia, a qual se constituía na

maior rede hospitalar em funcionamento na cidade. Assim, na década de 1920, a

saúde vai se tornado uma questão do Estado, apesar do crescimento das ações

filantrópicas na área.

Por outro lado, com relação à assistência à velhice, o filantropo lamentava a

não existência, no Distrito Federal, de um estabelecimento especialmente criado

pelo governo federal ou pela municipalidade para a velhice indigente, a qual

contava apenas com a ação privada de algumas sociedades de beneficência e

ordens religiosas, ainda assim, muito raras.

Mais uma vez, inspirando-se nas ideias dos reformadores franceses, Paiva

defendia a criação de “um serviço público de solidariedade social sob a fórmula

de assistência aos velhos, aos enfermos e aos incuráveis” (Assistencia Publica e

Privada no Rio de Janeiro, 1922, p. 17. grifos do autor).

Segundo Paiva somente a Associação Asilo São Luiz da Velhice

Desamparada foi criada expressamente para o recolhimento de idosos enfermos. O

Asilo foi fundado, em 1890, por iniciativa do visconde Ferreira de Almeida, sendo

mantido por doações de particulares e recebimento de subsídios da prefeitura e de

uma quota das loterias nacionais. Convém destacar que este Asilo existe até hoje.

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Figura 17 - Asilo São Luís (1913). Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.

No que se refere à assistência aos enfermos, Paiva, inspirado na experiência

francesa, destacava os benefícios da assistência domiciliar:

O dever social da assistência não tem, por conseguinte, meio mais eficaz nem mais

útil do que o socorro em domicílio, metodicamente organizado. Em todas as épocas

a matéria veio apaixonando os filantropos e os sociólogos (Assistência Pública e

Privada no Rio de Janeiro, 1922, p. 31).

No entanto, o modelo de assistência domiciliar não era nenhuma novidade,

pois já havia sido defendido no Congresso de 1908 por vários médicos, como

Juliano Moreira, Garfield de Almeida e Fernandes Figueira. O que Paiva fez

questão de frisar foi o pioneirismo da Liga Brasileira contra a Tuberculose80

no

atendimento domiciliar no Rio de Janeiro,

Desde 1913 a “Liga contra a Tuberculose” instituiu um modesto serviço de

assistência domiciliária aos tuberculosos desta Capital [...]. Pode-se dizer que, pela

primeira vez, um trabalho dessa natureza foi tentado no nosso país, em caráter

permanente e sistemático e com o fim exclusivo de ação especializada (Assistencia

Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.30).

80

Ataulpho de Paiva foi um dos fundadores e presidente perpétuo dessa instituição.

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O filantropo defendia o modelo de assistência domiciliar justamente por ele

estar vinculado a uma articulação entre a assistência pública e a beneficência

privada, uma vez que os médicos da época concordavam que a assistência a

domicílio deveria ficar a cargo da filantropia. Ao contrário do modelo hospitalar,

o qual era de interesse dos médicos, sendo tema de debate nos congressos

científicos entre aqueles que reivindicavam a construção de hospitais públicos.

Com relação ao hospital propriamente dito, ao mesmo tempo em que

concordava com a necessidade de se construir um hospital público, Paiva defendia

a união de esforços entre o público e o privado na área da assistência à saúde,

apoiando a continuidade das ações das instituições filantrópicas que exerciam

funções públicas.

Cabe destacar que paralelamente a publicação da obra Assistencia Publica e

Privada no Rio de Janeiro, ocorreu o Congresso Nacional dos Práticos durante a

Exposição Internacional de 1922, o qual reuniu 150 médicos que discutiam a

questão da assistência pública na área da saúde hospitalar.

No congresso, debatia-se a importância do Estado assumir a assistência

hospitalar e a necessidade de se construir hospitais públicos na Cidade do Rio de

Janeiro, o que levou à tona a discussão sobre qual instância governamental

(municipal ou federal) caberia a construção dos hospitais. No entanto, apesar de

propugnarem uma intervenção do Estado na assistência médica, a filantropia era

amplamente aceita e elogiada (Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Nacional

dos Práticos em Comemoração do Centenário do Brasil, 1923).

Desse modo, o que se observa nos Anais deste congresso é que os médicos

oscilavam entre uma clara defesa da intervenção do Estado e uma proposta de

demarcação das áreas de atuação da assistência pública e da assistência privada.

As ações filantrópicas eram bem vindas desde que respondessem às demandas da

saúde pública.

Percebe-se, portanto, que na década de 1920 iniciou-se um processo de

mudanças tanto em relação ao papel do Estado na questão da assistência médica

como na demarcação de uma área de atuação específica - a área da saúde –

enquanto campo do saber médico. Por outro lado, verifica-se a formação de um

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embrião de uma nova área de atuação - a assistência social, na qual a aliança entre

a assistência pública e privada continuou muito presente.

Na década de 1930, se por um lado, a construção e a manutenção de

hospitais tornaram-se uma política de Estado; por outro, Ataulpho de Paiva

conseguiu pôr em prática seu projeto assistencial, quando foi designado para a

presidência do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), órgão criado

oficialmente em 1938, pelo então Ministro da Educação e Saúde Gustavo

Capanema, posto no qual permaneceu por 18 anos. Todavia, essa já é outra

conjuntura política que foge aos objetivos deste trabalho.

O que importa assinalar aqui é que em 1922, após quatorze anos da

realização do Congresso Nacional de 1908, a assistência ainda se constituía por

um conjunto de instituições públicas e particulares, prevalecendo uma ambígua

relação público-privado. Nesta configuração institucional, a Santa Casa de

Misericórdia, uma entidade privada que exercia uma função pública, permanecia

como a principal instituição de atendimento aos pobres na cidade do Rio de

Janeiro.

Paralelamente à Santa Casa, havia instituições menores, que se

configuravam como formas de ação sócio-assistencial de atores privados,

legitimados pela condição de operar “em nome dos pobres”. É justamente sobre

essas instituições, criadas por filantropos e subvencionadas pelo Estado, que

iremos abordar no próximo capítulo.

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4 Elites urbanas e Poder Republicano: a criação de instituições filantrópicas na virada do século XIX para o XX no Rio de Janeiro

A filantropia se desenvolveu com a dominação política de uma nova elite

urbana, constituindo-se como ideologia de instituições e também como um ideário

para a sociedade na Primeira República. No início do regime republicano, esse

novo grupo social busca legitimar-se na sociedade e ascender politicamente,

utilizando-se da assistência como um poderoso campo operador de sua

legitimação. Essa é, para nós, uma “ideia-base” que conduziu nossos estudos,

conforme enunciamos na introdução desta tese.

Desse modo, é na virada do século XIX para o XX que a filantropia se

desenvolve como um princípio legitimador de uma nova elite fundamentalmente

urbana em formação no país. Sanglard (2010, p.71-72) indica que “na cidade do

Rio de Janeiro, capital republicana, conviviam lado a lado a antiga nobreza

egressa do Império e um grupo de “novos ricos”, cujo enriquecimento datava da

virada do século”.

A referida autora pontua que esse novo grupo social cultivava hábitos

típicos de uma elite salonière. Desse modo, freqüentava salões e prestigiosos

clubes de sociabilidade da época, como o Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, a Academia Nacional de Medicina e a Academia Brasileira de Letras,

entre outros81

.

Esse contexto histórico, conhecido como a Belle Époque, para o historiador

Jeffrey Needell (1993), “significou tanto a continuidade do passado colonial

quanto o potencial de mudança do novo período” (p.42). Segundo o autor, os

salões da época também evidenciavam a “transição do ambiente da Corte, do café

81

Com relação aos clubes de sociabilidade, Sanglard (2010) cita os tradicionais Cassino

Fluminense (1845) e o Jockey Club do Rio de Janeiro (1868). Além destes, indica que foram

surgindo novos clubes ligados aos esportes, tais como: o Fluminense Futebol Clube (1902), o

Automóvel Clube do Brasil (1903) e o Iate Clube do Rio de Janeiro (1920), dentre outros.

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e do comércio rural/urbano para o de um centro urbano em expansão que

favorecia carreiras profissionais, burocráticas e empresariais” (Ibid., p.133).

Needell (1993) acrescenta que, nesse período, “a elite carioca conciliou

mudanças generalizadas com a preservação de uma hierarquia social” (Ibid.,

p.41). Desse modo, as mudanças que ocorreram no período foram acompanhadas

de uma permanência de estruturas duradouras.

Por outro lado, Sevcenko (1998a) aponta que a Belle Époque brasileira foi

um período de afluxo de riquezas, no qual alguns grupos subiam na escala social,

beneficiados com o novo regime republicano. Segundo o autor, após a Revolução

Científico-Tecnológica (1870-1900), seus efeitos na economia e seus princípios

de racionalidade técnica levaram à inserção do país em um contexto

modernizador, o qual propiciou “a gestação de novas elites formadas pelos

modelos de um pensamento científico cosmopolita” (p.35). Portanto, no início da

República, essas novas elites atuaram “como mediadoras na integração do país

aos novos termos da gestão internacional do capitalismo” (Ibid., p.35).

O autor também indica que no período da Primeira Guerra Mundial, o corte

nas exportações de produtos industrializados europeus levou tanto ao

desenvolvimento de novas indústrias nacionais, como a ampliação das

exportações brasileiras para as nações beligerantes. A expansão da indústria

brasileira foi acompanhada pela introdução de novos padrões de consumo nos

principais centros urbanos do país.

A Cidade do Rio de Janeiro configurava-se como metrópole-modelo nessa

época, desfrutando a condição de centro político, comercial, financeiro e cultural

do país. Desse modo, o desenvolvimento dos meios de comunicação (telegrafia

sem fio, telefone, imprensa ilustrada, indústria fonográfica, rádio, cinema, etc.)

potencializou esse papel da capital da República, a qual tornou-se “eixo de

irradiação e caixa de ressonância das grandes transformações em marcha pelo

mundo, assim como no palco de sua visibilidade e atuação no território brasileiro”

(Sevcenko, 1998b, p. 522).

Portanto, as primeiras décadas do século XX foram marcadas por um afã

modernizador por parte das novas elites urbanas. No que se refere à coexistência

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entre o tradicional e o moderno, típica desse período de transição, pode-se

observar que o recurso à filantropia denotava a permanência de relações

paternalistas tradicionais, as quais sedimentaram a política brasileira desde o

período colonial.

Após a Primeira Guerra Mundial, Gomes (1998) assinala que a demanda

mundial por modernização foi se redimensionando no país. Dessa forma, a partir

de 1920, passa a dominar, no campo da política brasileira, uma grande questão

identificada como sua principal marca e dilema: a República situava-se na

fronteira entre o público e o privado, caracterizando-se por uma tensão que era

“ao mesmo tempo constitutiva da política nacional e desintegradora de suas

possibilidades de desenvolvimento nos marcos da modernidade ocidental”

(Gomes, 1998, p.496):

De um lado, o reconhecimento de um certo paradigma de política moderna,

entendida como o mundo dos cidadãos racionais e dos procedimentos públicos

impessoais, mundo existente de fato nos países desenvolvidos. De outro lado, a

necessidade de compreensão de uma realidade social que com ele se confrontava,

pois fundava-se em padrões de autoridade tradicionais - personalizada e emocional

- , que não podiam ser ignorados e menosprezados, sob pena de total insucesso

(Ibid., p.499).

Quanto à assistência nesse período, expandia-se a lógica filantrópica,

amparada no cientificismo e numa relação público/privado de concessão e

subordinação que embasava as ações assistencialistas voltadas para as famílias

pobres. Estas ações eram executadas por entidades filantrópicas subsidiadas pelo

poder público.

Este capítulo tem como objetivo analisar as ações dos filantropos enquanto

fundadores de instituições sociais, particularmente na virada do século XIX para o

século XX, na então Capital Federal. No processo de criação dessas instituições

pode-se observar uma articulação entre a legitimação pela assistência de uma nova

elite urbana e o poder político na capital da República.

Consideramos, conforme percebido no segundo capítulo desta tese, que

parte significativa dessa nova elite urbana era constituída por profissionais

(médicos, advogados e engenheiros) que buscavam demarcar, no país, campos de

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atuação disciplinar (ou) profissional, além de articular-se a outros grupos também

interessados no poder (empresários, industriais, comerciantes).

Esse novo grupo social urbano caracterizava-se pela formação e

participação em esferas sociais e políticas na sociedade, sendo seus membros

formadores de opinião pública. Assim, estavam presentes em diferentes espaços

de publicização de ideias: na literatura, na imprensa, em sociedades científicas e

no jornalismo. Eram, portanto, figuras públicas que se reforçavam como grupo na

criação e/ou vinculação a instituições filantrópicas82

(como membros fundadores,

membros do conselho, da diretoria, etc.), o que lhes garantia prestígio social.

A condição de intelectuais e especialistas os levou a atuar como porta-vozes

de reformas sociais em congressos científicos, a participar da elaboração de um

complexo normativo de leis voltadas tanto para a condução do poder público

como para o disciplinamento de comportamentos sociais. Portanto, havia entre

eles um consenso de ideias em torno de questões nevrálgicas da vida social,

norteadoras de projetos de reforma “social e moral” da sociedade brasileira.

A esse grupo pertenciam os filantropos que atuavam em diferentes áreas

sociais e participavam da criação de diversas instituições filantrópicas que se

expandiram na capital da República. Suas reivindicações de caráter liberal

propunham o respeito à autonomia dessas instituições que contavam com a

proteção jurídica e o apoio do Estado através de subsídios e doações de bens

públicos.

Entre as variadas formas de atuação dos filantropos podemos destacar o

atendimento aos enfermos com doenças consideradas como calamidades sociais

(como a tuberculose), o atendimento à infância percebida como o futuro da nação,

a estruturação do campo jurídico com relação ao “menor moralmente

abandonado” e ao controle do que era considerado “delinqüência” 83

.

82

Sobre instituições de saúde, ver Sanglard (2003, 2008b); sobre instituições ligadas à infância,

ver Rizzini (2008). 83

Citamos como exemplo, o jurista e filantropo José Cândido de Mello Mattos que elaborou o

Código de Menores, promulgado em 1927. Ele também criou a Casa Maternal Mello Mattos em

1924, instituição filantrópica que prestava assistência a infantes e adolescentes considerados

“desamparados”. O Código Mello Mattos voltava-se apenas para o “menor abandonado ou

delinqüente”, estabelecendo sua proteção legal através da tutela do Estado.

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Neste capítulo, buscamos analisar o quadro de membros fundadores de duas

instituições filantrópicas de destaque nesse período: a Liga Brasileira contra a

Tuberculose (1900) e o Instituto de Proteção e Assistência à Infância (1889).

Estas instituições são apresentadas como exemplos emblemáticos da ação

filantrópica enquanto uma das facetas da elite carioca nesse período.

4.1. A Liga Brasileira contra a Tuberculose

No final do século XIX e início do século XX, a tuberculose não era uma

prioridade para o Estado, apesar do alto índice de mortalidade causado por essa

enfermidade nos principais centros urbanos, principalmente na Capital Federal.

Ressalte-se que esta era uma enfermidade com grande recorrência nos

aglomerados urbanos e fabris, tendo sido registrada nos “berços das cidades

industriais inglesas”. Portanto, era uma doença dos novos modos de viver e de

trabalhar da classe operária e dos moradores pobres das cidades.

Paiva (1916) chega a citar a memória apresentada por Hilário de Gouveia,

no Congresso de Berlim (1902), na qual o médico preconiza que o seguro

obrigatório contra as moléstias, os acidentes e a invalidez para as classes operárias

“era o caminho mais curto, mais perfeito, e mais simples que tinha o Estado para

encaminhar lisonjeiramente a cruzada contra o mal devastador da tuberculose”

(Ibid., p.235-236).

A proposta de criação de uma instituição específica para tratamento de

tuberculosos surgiu em 1899 por iniciativa de Cypriano de Freitas, médico e

professor da Faculdade de Medicina que, contando com a ajuda do médico e

também professor Hilário de Gouveia, convocou a classe médica para apoiar a

causa. A necessidade de impedir a difusão da doença, considerada como uma das

calamidades sociais nesse período, já havia sido apontada no 4° Congresso de

Medicina e Cirurgia no mesmo ano.

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Foi realizada uma reunião no Conselho Municipal com a presença do

Coronel Numa Vieira, presidente do Conselho, onde compareceram vários

membros da elite da época. A partir desse encontro, as bases para a fundação da

Liga Brasileira contra a Tuberculose foram estabelecidas por um grupo de

médicos que formaram uma comissão composta pelo próprio Cypriano de Freitas,

além de Ismael da Rocha, Carlos Seidl, Guedes de Mello e Azevedo Lima. O

grupo justificava que no combate a uma enfermidade com alta taxa de

mortalidade, o Brasil seguia a “grande corrente científica e civilizadora da época”

(Relatório da Liga contra a Tuberculose, 1901 apud Nascimento, 2001, p.30).

É importar ressaltar que, no contexto de criação da Liga, a única instituição

que atendia pacientes com tuberculose, no Rio de Janeiro, era a Santa Casa de

Misericórdia84

. No início do século XX, o Estado priorizava outras moléstias

causadoras de epidemias que assolavam a Capital Federal. Foi somente em 1913

que o poder público começou a tomar providências, remodelando o Hospital São

Sebastião85

, onde foram construídos pavilhões específicos para tratamento de

tuberculosos. Esse hospital, mantido pelo governo federal, era destinado ao

isolamento e assistência a enfermos de doenças infecto-contagiosas.

Na cerimônia de inauguração, a Liga contou com o prestígio social e

político de autoridades públicas86

, de articulistas de jornais e da Igreja Católica. O

Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Joaquim Arcoverde, presidiu a sessão solene de

84

No Congresso Nacional da Assistência Pública e Privada (1908) ficou determinado um repasse

de verbas públicas, no valor de 350:000$000 à Santa Casa de Misericórdia para auxilia-la na

construção de um hospital-asilo para 200 tuberculosos. Em 1910, o hospital ainda não havia sido

inaugurado, quando o então Ministro do Interior, Rivadavia Corrêa, considerou que essa medida,

após ser concretizada, ainda não seria suficiente, uma vez que só nos hospitais da Santa Casa já se

encontravam em tratamento permanente mais de 400 doentes de tuberculose, em perigosa

promiscuidade com outros enfermos (Assistencia Publica e Privada, 1922, p.310). 85

Foi inaugurado por Dom Pedro II, em 9 de novembro de 1889, construído como hospital de

isolamento, devido ao surgimento da epidemia de febre amarela na capital imperial, no verão de

1849-1850. Foi somente em 1889 que a Academia Imperial de Medicina (hoje Academia Nacional

de Medicina) chegou a um consenso acerca das medidas profiláticas necessárias para o controle da

febre amarela. Ao longo de sua história, o hospital pertenceu à União, à municipalidade e ao

governo estadual. Aos poucos foi deixando de ser um estabelecimento destinado exclusivamente

aos doentes de febre amarela, servindo de isolamento para todos os acometidos de doenças infecto-

contagiosas. Ao longo do tempo, o Hospital São Sebastião passou por diversas reformas, tendo

sido acrescido de muitos pavilhões (PÔRTO et al., 2008). 86

Entre as autoridades públicas presentes na sessão de instalação da Liga destacam-se: o Prefeito

da cidade do Rio de Janeiro, Antonio Coelho Rodrigues, o Ministro da Viação, Alfredo Maia,, o

Diretor da Faculdade de Medicina, Albino Alvarenga e o Diretor Geral de Saúde Pública, Nuno de

Andrade (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922).

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instalação da Liga que também contou com a presença de Campos Sales, então

Presidente da República. (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922).

Portanto, membros de uma elite que gozava de posição social e política

privilegiada fundaram a Liga Brasileira contra Tuberculose, no dia 4 de agosto de

1900, na cidade do Rio de Janeiro. A instituição, de caráter filantrópico, tinha por

finalidade tanto prestar assistência médica aos tuberculosos como disseminar

informações sobre a enfermidade.

No entanto, apesar da Liga ter recebido apoio financeiro de membros da

elite em sua fase de criação, a instituição só se manteve ao longo dos anos devido

aos subsídios públicos, os quais se constituíam em sustentáculo para esse

empreendimento.

Figura 18 - Prédio da Liga Brasileira contra Tuberculose. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Acessado em 10 de maio de 2013.

Apresentamos a seguir um quadro composto tanto por alguns membros

fundadores como por membros de sucessivas diretorias da instituição. Apesar de

não apresentarmos a totalidade desses membros, a mostra é representativa de uma

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intrincada rede de relações que compunha a Liga, formada em sua maioria por

figuras de prestígio nas suas respectivas áreas profissionais.

Quadro 4 - Membros da Liga Brasileira contra a Tuberculose

Nome Formação/Cargos ocupados Posição na Liga

Médicos

A. A. Azevedo Sodré Médico Fundador/membro conselho

consultivo

Alfredo da Graça Couto Médico Fundador/membro conselho

consultivo

Alfredo Nascimento

Silva

Médico Fundador/presidente de

1914a1915

Benjamin da Rocha

Faria

Médico Fundador/membro conselho

consultivo

Bulhões de Carvalho Médico Fundador/membro conselho

Consultivo

Carlos Seidl médico;

Dir.DGSP (1912-18)

Fundador/membro Conselho

consultivo

Henrique Guedes de

Mello

Médico Fundador/membro do conselho

consultivo

Miguel Couto Médico Fundador/membro conselho

consultivo

Cypriano de Freitas Médico Mentor/fundador

Benício de Abreu Médico Fundador/membro conselho

consultivo

Hilário de Gouveia Médico Fundador/secretário perpétuo

A.J. de Souza Lima Médico Fundador/pres. conselho

consultivo

J.J. Azevedo Lima médico/político (Conselho

Municipal de 1899-1902)

Fundador/presidente de 1901-

1911

Nuno de Andrade médico/jornalista Conselho consultivo

Ismael Rocha médico militar Fundador/presidente 1913-

1915

João Baptista dos

Santos(Visconde de

Ibituruna)

médico/título nobiliárquico Fundador/Pres. 1900-1901

Advogados

Ataulpho de Paiva advogado/jurista Fundador/presidente 1912-

13/1919-24; presidente

vitalício

A.J. de Souza Lima advogado/professor Fundador/membro conselho

consultivo

Affonso Penna advogado/político-presidente

da República

Presidente honorário

Manoel Campos Salles advogado/político-presidente

da República

Presidente honorário

Milcíades M. de Sá

Freire

advogado/político (senador) Membro conselho

deliberativo/presidente

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honorário

Jornalistas

Alcindo Guanabara jornalista/político (deputado e

senador)

Secretário até 1912/secretário

vitalício

Antonio Pereira Leão jornalista/redator Jornal

Commercio

Membro da diretoria

Eduardo Saboya jornalista/redator Jornal do

Commercio

Membro da diretoria

Ernesto Senna jornalista/redator Jornal do

Commercio

Fundador

Militares

Hermes da Fonseca militar/Pres. da República Presidente honorário

Alexandre M. Bayma Militar Fundador/membro conselho

consultivo

José Pereira Guimarães Militar Fundador/membro cons.

consultivo

Numa Vieira Militar Fundador

Engenheiros

A.A.Fernandes Pinheiro engenheiro Fundador/membro conselho

consultivo

A.G.Paulo de Frontin engenheiro Fundador/membro conselho

consultivo

Gabriel Osório de

Almeida

engenheiro Fundador/membro conselho

consultivo

Antonio Paula Freitas engenheiro Fundador/membro conselho

consultivo

Eclesiástico

João Pires Amorim eclesiástico Fundador

Joaquim Arcoverde cardeal; bispo do RJ Presidente honorário

Empresário

Manuel Miguel Martins

(Barão de Itacurussá)

empresário; título

nobiliárquico em 1888;

proprietário de terras

Fundador/vice-presidente em

1901

Fonte: os dados foram coligidos a partir de Nascimento, 2001.

Observamos, portanto, que entre os trinta e sete membros pesquisados,

dezesseis eram médicos (44,4%). Alguns deles tinham outras ocupações

simultâneas, tais como: político (2) e jornalista (1), além de um médico militar.

Aliás, encontram-se entre os membros da instituição, quatro militares.

Apesar de Dilene Nascimento (2001) afirmar que os médicos da Liga

“eram, na sua maioria, militantes da clínica tradicional que ao mesmo tempo

ocupavam a Academia Nacional de Medicina e a Faculdade de Medicina” (p.32),

encontramos um quadro mais amplo. Eles eram, muitas vezes, vozes influentes

nos congressos médicos e reivindicavam esta mesma influência no campo da

política brasileira. Cabe assinalar que o Diretor Geral de Saúde Pública entre 1912

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a 1918, Carlos Seidl, foi membro fundador e integrante do conselho consultivo da

Liga.

Destacamos a presença dos médicos, Benjamin da Rocha Faria e Alfredo

Graça Couto, que participaram do Congresso Nacional de Assistência Pública e

Privada (1908), objeto de análise no segundo capítulo. Ressalte-se que Rocha

Faria fez um discurso eloqüente em defesa da assistência pública neste Congresso,

apesar de ser membro fundador da Liga na época. Isso mostra como esse período

foi predominantemente marcado pela lógica filantrópica na assistência, e que os

discursos nem sempre correspondiam às práticas desses reformadores sociais.

Entre os cinco advogados, três eram políticos, um professor de direito e o

outro era o jurista Ataulpho de Paiva, cujo trabalho na Liga o levou a tornar-se seu

presidente vitalício. Needell (1993) indica que sua prestigiada imagem pública foi

construída devido a sua grande capacidade impressionar e atrair patronos que o

ajudaram a alcançar posição de destaque na sociedade carioca. Segundo o referido

autor, Paiva foi presidente da Academia Brasileira de Letras sem jamais ter escrito

uma obra literária e ocupou “a mais alta posição no Judiciário mesmo sem ter a

menor reputação como jurista” (p.127). Sua trajetória, portanto, sintetiza as

características do período, principalmente no que diz respeito à interpenetração da

elite carioca com a estrutura do poder na época.

Nos quadros da Liga pode-se também verificar jornalistas, engenheiros e

políticos bastante influentes. Ressalte-se que três Presidentes da República foram

homenageados com o cargo de Presidente Honorário da instituição.

Por outro lado, os membros com títulos nobiliárquicos revelam a

convivência entre a nobreza egressa do Império com uma nova elite que emerge

no início da República. Sanglard (2010) ao analisar a composição da Liga, indica

que entre seus membros havia tanto a presença de uma nova elite carioca,

característica da Primeira República (as famílias Maryrink Veiga, Peixoto de

Castro, Simonsen, etc.), como nomes já tradicionais antiga da nobreza (Barão de

Sampaio Viana, o Barão de Itacurussá e o Conde de Agrolongo).

A administração da Liga era composta por uma diretoria e um conselho

consultivo, o qual tinha por função emitir pareceres técnicos e realizar

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propagandas que tinham como foco as medidas de higiene consideradas

importantes no combate à tuberculose. Buscava-se, assim, promover a execução

de posturas municipais de cunho higienista:

A intensa propaganda, oral e escrita, da Liga provocou a decretação da lei

municipal de 17 de outubro de 1901, que tornou obrigatórias a notificação dos

casos de tuberculose e desinfecção do domicílio do doente, bem como veda

escarrar em lugares públicos, forçando o uso de escarradeiras higiênicas

(Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.309).

Por outro lado, a composição da Liga era formada por sócios de diversas

categorias (contribuintes, remidos, honorários, protetores e beneméritos) e, através

de seus estatutos, fixava valores diferenciados de pagamento de mensalidades para

cada categoria de sócio. Entretanto, a quantia arrecadada com a contribuição dos

sócios não era suficiente para viabilizar um projeto filantrópico de alto custo.

Após sua fundação, a instituição logo solicitou subsídios dos poderes públicos,

tanto da municipalidade como do governo federal:

Tratou desde logo a Liga de obter auxílios das administrações federal e municipal,

fazendo-lhes sentir o que de útil representa para os cofres públicos e para a

economia social a ação de uma instituição que combate um mal tão pesado à

fortuna pública e privada (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922,

p.309)

Em 1902 a Liga inaugurou seu primeiro dispensário, denominado Azevedo

Lima, em uma instalação provisória no centro da cidade. Dois anos depois, a

instituição conseguiu, do governo federal, a doação de um prédio nas

proximidades da Avenida Rio Branco, ainda em construção na época. O novo

prédio foi inaugurado, em 1907, com a presença do então Presidente da

República, Afonso Penna, entre outras autoridades e políticos87

. Este dispensário

manteve-se, por nove anos, como o único órgão no Rio de Janeiro especializado

no tratamento e profilaxia da tuberculose.

87

Também estiveram presentes, o Prefeito do Distrito Federal, Souza Aguiar, o Presidente da

Câmara, Carlos Peixoto, o Ministro do Interior, Tavares de Lyra, além de figuras importantes da

elite carioca (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.315).

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Com a inauguração do primeiro dispensário, a instituição começou a receber

subsídios públicos. No orçamento de 1902, a Municipalidade passou a destinar a

quantia de 5$000 por licença para o comércio de bebidas alcoólicas e tabaco. Por

sua vez, os cofres federais passaram a subvencionar a Liga em 1907, quando a

instituição começou a receber uma dotação orçamentária para a sua manutenção, a

princípio no valor de 12:000$000. Este valor duplicou a partir de 1908

(Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922).

A criação de seu primeiro dispensário no Distrito Federal, aliada à

propaganda desenvolvida pela Liga, levou à instalação de instituições congêneres

nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia.

A história da Liga configurava, portanto, uma poderosa articulação entre a

filantropia e os poderes públicos. A instituição, em nome da utilidade social de

suas ações justificava que,

Assim consagradas a iniciativa particular e a intervenção oficial, em ação solidária

contra a peste das civilizações, a Liga verá realizados em benefício da humanidade

os meios de cura e as medidas locais de defesa” (Relatório da Liga Brasileira

contra a Tuberculose, 1901 apud Nascimento, 2001, p.30).

Apesar de manter-se basicamente por subvenções públicas, a Liga não

cumpria de forma eficaz com o seu programa institucional, situação que a própria

instituição admitia em seus relatórios, justificando a baixa adesão de sócios

contribuintes como a causa de seus problemas:

Ao funda-la, esperavam os seus instituidores haurir consideráveis somas das

contribuições dos sócios [...]. Infelizmente, isso não aconteceu. Desde os primeiros

relatórios não escondem os administradores da Liga a decepção que lhes causa esse

retraimento, que coloca a instituição em condições não só de não poder dispensar

as subvenções federais e municipais como ainda de não executar com a desejada e

necessária prontidão algumas partes de seu programa (Assistência Publica e

Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.312).

Apresentamos a seguir três tabelas elaboradas a partir de dados coletados na

obra Assistência Publica e Privada no Rio de Janeiro (1922), referentes ao total de

subvenções federais (1907-1913), municipais (1902-1913) e de quotas da loteria

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federal (1904-1913) destinadas à instituição. Constatam-se valores bastante

elevados de subvenções nessa intrincada relação público/privado.

Tabela 4 - Subvenções federais destinadas à Liga Brasileira contra a

Tuberculose – 1907-1913

Subvenções Federais destinadas à Liga

Ano Total de Entradas

1907 12:000$000

1908 24:000$000

1909 24:000$000

1910 24:000$000

1911 24:000$000

1912 24:000$000

1913 24:000$000

Total Abs 156:000$000

Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922.

As subvenções federais, apresentadas na tabela acima, eram repassadas por

valores fixos anuais. Em 1907, a Liga passou a ser subvencionada pelo governo

federal. Um ano depois, houve um acréscimo de 100% no valor do repasse de

verba e, nos anos subseqüentes, ocorreu uma estagnação. Na fonte pesquisada,

não obtivemos informações sobre essas subvenções após 1913. É interessante

observar que justamente neste ano, o Hospital São Sebastião foi reformado,

inaugurando pavilhões específicos para tratamento de tuberculosos.

Tabela 5 - Subvenções municipais destinadas à Liga Brasileira contra a

Tuberculose – 1902-1913

Subvenções Municipais destinadas à Liga

Ano Total Novas entradas %

1902 18:635$000 - -

1903 20:780$000 - 2:145$000 + 10,3 %

1904 20:718$680 - 61$320 - 0,29%

1905 20:075$000 - 643$680 - 3,1%

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1906 19:801$000 - 274$000 - 1,37%

1907 20:465$000 + 664$000 + 3,35%

1908 21:118$000 + 653$000 + 3,2 %

1909 21:145$000 + 27$000 + 0,13%

1910 21:441$000 + 296$000 + 1,4%

1911 22:903$000 + 1:462$000 + 6,8%

1912 24:910$000 + 2:007$000 + 8,8%

1913 26:595$000 + 1:685$000 + 6,8%

Total Abs. 258:586$680

Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922.

Quanto às subvenções municipais, estas provinham de uma porcentagem

das licenças fornecidas pela municipalidade para o comércio de bebidas alcoólicas

e de tabaco. Dessa forma, sofria variações constantes. Verifica-se, na tabela 5, que

em 1903, houve um aumento de 10,3% nas subvenções em relação ao ano de

1902. Porém, entre 1904 e 1906, o repasse de verbas municipais acumulou uma

pequena queda de 4,8%, a qual foi logo recuperada, uma vez que, no período de

1907 a 1913, houve um expressivo aumento de 27,1% nesses sete anos. No

cômputo geral, as subvenções municipais foram muito mais elevadas (62,4%) do

que as federais (37,6%).

Tabela 6 - Quotas da loteria federal destinadas à Liga Brasileira contra a

Tuberculose – 1904-1913

Quotas da Loteria Federal

Ano Total

1904 3:125$000

1905 4:950$000

1906 935$000

1911 7:288$000

1912 18:881$100

1913 19:381$000

Total Abs. 54:560$100

Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922.

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Na fonte pesquisada, não obtivemos informações com relação ao percentual

das quotas de loteria destinado à Liga. Encontramos apenas o percentual referente

ao sanatório Rainha D. Amélia que apresentaremos ainda neste capítulo.

Entretanto, é interessante observar que este foi um método herdado da

colonização portuguesa. Em Portugal, as quotas de loterias (totobolas) eram

bastante utilizadas para financiar a assistência enquanto “jogos a serviço das boas

causas”.

Apesar de apresentar-se socialmente como uma forma de atuação em

benefício dos mais pobres, o atendimento da Liga era majoritariamente pago. Os

doentes pobres eram encaminhados pelos órgãos que subvencionavam a

instituição, e a isenção de pagamento dependia do parecer do Conselho

Deliberativo da Liga, segundo seu estatuto, artigo 36, primeiro parágrafo:

Ficam isentos do pagamento da diária, os doentes pobres remetidos pelas

instituições, corporações e Poderes Públicos que subvencionarem a Liga, contanto

que essa subvenção seja pelo Conselho Deliberativo julgada suficiente para

esse encargo (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.309. grifos

nossos).

Em 1911, foi inaugurado o segundo dispensário, denominado Viscondessa

de Moraes, em São Cristóvão. Em 1908, o visconde de Moraes doou um terreno

para a sua edificação. Todavia, em 1909, o Governo Federal desapropriou parte do

terreno devido a um projeto de alargamento da rua. No entanto, o Visconde

decidiu doar, em substituição a superfície desapropriada, o terreno dos fundos em

área contígua. O benfeitor também repassou à Liga a quantia referente à

desapropriação.

Com relação à construção do referido dispensário, o “Prefeito Serzedello

Corrêa e o Diretor de Obras Dr. Jeronymo Coelho facilitaram, nas respectivas

esferas de atribuições, a aludida construção, que foi gratuitamente fiscalizada pelo

Dr. Oscar Marques” (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922,

p.317).

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Figura 19 - Dispensário Viscondessa de Moraes, 1911. Fonte: Acervo Fundação Ataulpho de Paiva apud Pôrto, Ângela et al., 2008.

Em 1913, a liga criou o serviço de assistência domiciliária com o objetivo

de prestar atendimento aos tuberculosos que não podiam se locomover até o

dispensário. Este serviço teve uma longa duração, pois só foi extinto em 1928.

Convém destacar que Ataulpho de Paiva era um defensor da assistência a

domicílio, pois a considerava como a tarefa mais nobre da filantropia ao conciliar

o auxílio material com o auxílio moral:

Ao auxílio material a “visita” permite acrescentar o auxílio moral: o agente

visitador pode e deve ser não somente um portador de esmolas, mas também um

conselheiro e um guia. Pelo seu espírito delicado e perspicaz, ele entretém, com

efeito, não a sentimentalidade vaga e geral, que não se traduz senão pelas

especulações estéreis e perigosas, mas essa emoção sã e fecunda que inspira a

visão da realidade e que conduz a uma ação verdadeira, útil e beneficente (Paiva,

1916, p.212).

É importante destacar que a instituição contava com a colaboração de

articulistas de jornais, membros da Liga, que publicavam informações sobre a

instituição na imprensa. Entre eles, podemos citar Antonio Pereira Leão, Ernesto

Senna, Eduardo Saboya, Alcindo Guanabara e Nuno de Andrade. Também em

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1913, a Liga editou o primeiro número de sua revista, que seguiu regularmente até

1920, sendo substituída em 1921 por um Almanak.

No final da década de 1910, com a eclosão da epidemia de gripe espanhola e

o diagnóstico da situação calamitosa que se encontrava a saúde no país, vários

médicos e intelectuais passaram a exigir que fosse realizada uma intervenção do

Estado na área da saúde através de uma reestruturação dos serviços.

Na década de 1920, ocorreu a Reforma da Saúde Pública, implementada por

Carlos Chagas, pela qual foram criadas diversas inspetorias, dentre elas, a

Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose. Foi no seio dessas mudanças que a Liga

tornou-se Fundação em 1924. Seus estatutos foram alterados, extinguiu-se a

contribuição dos sócios e a instituição passou a ser mantida exclusivamente por

dotação orçamentária do governo federal destinada às entidades com estatuto de

fundação. Dessa forma, a instituição se adequou às mudanças, garantindo assim

sua permanência através de subsídios públicos.

Nesse período, o conhecimento científico sobre a tuberculose avançou e a

vacina BCG, imunoterápico que protege contra a tuberculose, foi descoberta por

Calmette e Guérin, vinculados ao Instituto Pasteur da França. Esse terapêutico foi

introduzido no Brasil em 1925. O médico Arlindo de Assis, assistente do Instituto

Vital Brasil, foi o responsável pelos primeiros ensaios com a vacina no país.

O jurista Ataulpho de Paiva, presidente da Liga na época, solicitou um

parecer à comissão técnica da instituição sobre a vacina BCG e a conveniência da

Liga iniciar, na cidade do Rio de Janeiro, a utilização do imunoterápico que

protege contra a doença. Apoiando-se no parecer da comissão, Ataulpho de Paiva

instituiu o serviço de vacinação pelo BCG, através de uma portaria, em 15 de

outubro de 1927. Firmou-se um convênio com o Instituto Vital Brasil, mediante o

qual este produziria a vacina e desenvolveria pesquisas biológicas, cabendo à Liga

aplicá-la e avaliar seus resultados.

Em 1927, também foi inaugurado o Preventório Rainha D. Amélia.

Inicialmente, ele foi projetado para ser um sanatório infantil, por sugestão do

Ministro de Portugal que achou oportuno inaugurar, em 1908, uma obra

filantrópica durante a visita ao Brasil do Rei D.Carlos I. A colônia portuguesa

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formou uma comissão de recepção à sua majestade, mas em virtude do assassinato

do rei em Lisboa, meses antes da visita, a elevada quantia recolhida para a festa

foi doada para a construção do sanatório. Além desse donativo, a União também

contribuiu com a vultosa quantia de 100:000$000 para a sua criação.

Ainda em 1908, a diretoria da Liga continuou captando mais recursos para a

construção do sanatório, adquirindo, assim, um terreno no Leblon, doado pela

firma Ludolf, Santos & Cia. Alguns políticos da época88

também intercederam a

favor da instituição para que esta conseguisse a dotação federal de 100 contos,

consignada na lei do orçamento para 1910. Ainda neste ano, por emenda

apresentada à Câmara pelo deputado Bethencourt da Silva, o sanatório foi

contemplado com uma quota anual de 50 contos, proveniente das loterias federais.

Esse valor aumentou consideravelmente entre 1911 e 1913, como mostra a tabela

a seguir:

Tabela 7 - Quotas de loteria recebidas pelo Sanatório Rainha D. Amélia,

1911-1913

Quotas de Loterias recebidas para o Sanatório Rainha D. Amélia

Ano Total

1911 20:282$750

1912 22:912$050

1913 25:633$900

Total Abs. 68:828$700

Fonte: Assistência Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922.

Em 1912, chegou a ser colocada a pedra fundamental no terreno com grande

festividade, mas a construção não foi iniciada. Ao final, o projeto de sanatório

infantil transformou-se em um preventório destinado ao acolhimento de crianças,

filhas de pais tuberculosos. O prédio projetado não foi construído, e o preventório

foi instalado em uma chácara na ilha de Paquetá, de propriedade do médico

Gustavo Riedel. A compra foi efetivada em 1924, e as obras, para adaptar o local

ao funcionamento do dispensário, foram logo iniciadas.

88

“A propósito desse auxílio federal, os relatórios assinalam a gratidão da Liga ao Deputado

Domingos Mascarenhas e ao Ministro Rivadavia Correia” (Assistencia Publica e Privada no Rio

de Janeiro, 1922, p. 311).

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Figura 20 - Preventório Rainha D. Amélia, Ilha de Paquetá, [s.d.]. Fonte: Acervo Fundação Ataulpho de Paiva apud Pôrto, Ângela et al., 2008.

A Liga assinou convênios de repasses de verbas públicas com o

Departamento Nacional de Saúde Pública e com a Prefeitura do Distrito Federal

para custeio da internação de crianças encaminhadas pelos órgãos públicos. Estes

convênios demonstram que a articulação entre a assistência pública e a assistência

privada permanecia muito presente na década de 1920.

A partir de 1930, a instituição criou seu próprio laboratório de preparo do

BCG, o qual se tornou o único laboratório privado de produção de

imunobiológicos. Em 1936, a Liga Brasileira contra a Tuberculose passou a

denominar-se Fundação Ataulpho de Paiva, em homenagem ao seu presidente

perpétuo.

Portanto, a Liga veio a ser o maior produtor da vacina BCG no Brasil. Com

mais de cem anos de existência, a Fundação Ataulpho de Paiva – Liga Brasileira

contra a Tuberculose – permanece, até hoje, produzindo vacinas BCG e mantendo

o Preventório Rainha Dona Amélia, o qual legitima a sua condição de instituição

filantrópica, garantindo, assim, isenções fiscais.

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4.2. O Instituto de Proteção e Assistência à Infância

O Instituto de Proteção à Infância (IPAI) foi fundado em 29 de março de

1889, pelo médico e filantropo Arthur Moncorvo Filho, na cidade do Rio de

Janeiro. Foi criado em sua residência e, após dois anos, foi instalado no segundo

pavimento de um prédio alugado na Rua Visconde do Rio Branco, no centro da

cidade.

Um grupo de deputados89

, membros do IPAI, apresentou à Câmara um

projeto que autorizou o governo a pagar o aluguel do prédio onde funcionava a

sede do Instituto, enquanto não lhe fosse dado uma instalação permanente. Desse

modo, o IPAI rapidamente conseguiu ser subvencionado pelo Estado, o que

demonstra uma forte articulação entre a filantropia e o poder político na época.

Em 1914, a instituição obteve por doação do Marechal Hermes da Fonseca,

então Presidente da República, um terreno também localizado no centro da cidade,

na Rua Areal (atualmente Rua Monvorvo Filho). No terreno doado pelo governo

federal já se encontrava edificada a primeira parte do edifício onde foi instalada a

nova sede da instituição. Para finalizar a construção, o industrial Albino de Souza

Cruz, membro benemérito da instituição, doou o material para as obras.

89

O grupo era formado pelos seguintes deputados: Heredia de Sá; José Cândido de Mello Mattos

(1° Juiz de Menores em 1923 e autor do Código de Menores promulgado em 1927), Sá Freire e

Américo de Albuquerque.

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Figura 21 - Instituto de Proteção e Assistência à Infância ainda em construção, [s.d.] Fonte: Acervo Museu da Imagem e do Som apud PÔRTO, Ângela et al., 2008.

Figura 22 - Fachada do Instituto de Proteção e Assistência a Infância, [s.d.] Fonte: Acervo Museu da Imagem e do Som apud Pôrto, Ângela et al., 2008.

O IPAI foi criado em um período que a grande preocupação dos

especialistas em assistência à infância concentrava-se na questão da mortalidade

infantil como parte integrante do projeto de saneamento que visava atingir a

civilidade e a modernidade.

A puericultura era considerada como a “ciência da família, feita com a

colaboração confiante da mãe e do médico, do amor materno esclarecido pela

ciência” (Assistência Pública e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.14).

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193

Martha Freire afirma que o advento do binômio "mãe-filho" como

preocupação social se deu a partir de meados do séc. XIX. Todavia, a virada deste

século para o século XX foi o momento em que,

A maternidade foi alçada à dimensão de questão de ordem pública, devendo ser

amparada e protegida. As justificativas apresentadas para as diferentes propostas

de ações de assistência social que surgiram no período variavam entre questões

demográficas, sanitárias ou patrióticas. Uniam-se, entretanto, em torno de um eixo

comum: a valorização da infância como futuro da nação, e a eleição da ciência

como caminho para a construção da nacionalidade (Freire, 2009; p. 19).

Nessa época, segundo Kulhmann Jr. (1991), a medicina encontrava na

puericultura uma forma de divulgação das normas de cuidados com a infância,

não sendo o atendimento materno-infantil considerado um direito do trabalhador,

mas uma benesse dos filantropos.

Segundo Sanglard (2013), o Instituto foi criado por um grupo eclético,

formado tanto por filantropos que representavam uma nova elite republicana em

busca de prestígio social, como por uma elite tradicional oriunda do Império, a

qual se mostrava muito presente na composição do IPAI. A autora indica que essa

foi uma característica peculiar da instituição.

Entretanto, devido ao elevado número de membros que compunha os

quadros da instituição, selecionamos, para esta análise, apenas seus membros

fundadores que apresentamos no quadro a seguir:

Quadro 5 - Membros Fundadores do Instituto de Proteção e Assistência à Infância

Membros Fundadores do Instituto de Proteção e Assistência à Infância (IPAI)

Nome Formação/Ocupação Posição no IPAI

Abade D. João de Mercês eclesiástico; diretor do Colégio

São Bento 1893-1903

Sócio fundador

Alfredo Velloso - Membro fundador

Alvaro de Coutinho Vilhena engenheiro; diretor geral dos

Telégrafos em 1908

Sócio fundador

André Jorge Rangel advogado; juiz pretor Membro fundador

Ascanio de Oliveira Macedo - Membro fundador

Betim Paes Leme engenheiro; político (deputado) Sócio fundador

Carlos Pereira Sá Fortes médico Membro

benemérito

Domingos Alves Pereira militar (coronel) Membro fundador

Dr. João Coelho de Mello médico; Serviço de Profilaxia da Membro fundador

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Junior Febre Amarela

Edoardo Loschi - Membro fundador

Ermirio Coutinho médico Sócio fundador

Francisco Marques da Rocha militar (almirante) Membro fundador

General Marcellino Bayma médico militar Sócio fundador

Guilherme do Valle - Membro fundador

Henrique José Alvares da

Fonseca

engenheiro do Min. da Justiça e

Negócios Interiores

Membro fundador

Herminio F. do Espírito

Santo

advogado/político Membro fundador

João Gonçalves Duarte militar (Almirante) Membro fundador

José Xavier Figueiredo de

Brito

militar (Major) Membro fundador

Léo d’Affonseca nobre (Comendador) Membro fundador

Liz Bulcão - Membro fundador

Luiz da Fonseca Ramos militar (Major) Membro fundador

Luiz da Gama Berquó militar (capitão) Membro fundador

Manoel Veloso Paranhos

Pederneira

médico militar; Membro fundador

Moncorvo Filho Médico Diretor-fundador

Moraes Barros médico;político(senador, dep.

Federal); industrial

Sócio fundador

Pedro Antonio de Menezes - Sócio fundador

Raphael de Vincenze - Membro fundador

Rozendo Julio dos Santos - Membro fundador

Vicente Machado promotor público; Juiz de

Órfãos; político (deputado e

senador); jornalista

Membro fundador

Visconde Luiz Augusto

Ferreira Almeida

industrial (dono da fábrica de

tecidos São Lázaro); fundou o

Asilo São Luiz em 1890;

Sócio-fundador

Fonte: os dados foram extraídos da listagem elaborada por Caroline Amorim Gil. Filantropia no Rio de Janeiro: propostas e discussões (1908-1922) - relatório de projeto. 2008, mimeo.

Entre os trinta fundadores listados no quadro acima, não conseguimos

identificar a formação e/ou profissão de oito membros. Contudo, percebe-se que o

grupo de fundadores do IPAI era composto por representantes de vários setores

sociais. Era formado, em sua maioria, por médicos e engenheiros higienistas, mas

além destes, havia advogados, juristas, nobres, eclesiásticos, jornalistas,

negociantes e industriais, sendo que vários membros também ocupavam cargos

políticos. Destaca-se um número expressivo de militares com grande prestígio

político em um período pós-golpe militar de 1889 (presidentes da República e

próceres da República).

Todavia, em um quadro muito mais amplo do que o apresentado acima,

Sanglard (2013) verifica uma forte atuação feminina no IPAI, seja de senhoras da

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elite que se dedicavam à causa filantrópica, seja de parteiras e enfermeiras. Por

outro lado, no que se refere à presença de médicos e estudantes de medicina na

instituição, a autora aponta que “poucos são aqueles que se dedicaram de fato à

pediatria e, apesar do que afirma Martha Freire (2008), o IPAI não era o espaço da

prática da pediatria da FMRJ, mesmo contando com alunos em seus serviços”

(Ibid., p.242).

É importante ressaltar que além dos sócios fundadores, membros da

diretoria, sócios contribuintes e beneméritos, a instituição também se estruturava

através de diversas comissões que se organizavam para fins específicos (festas,

divulgação, etc.). Entre estas, destacamos a “comissão para obter favores oficiais”,

formada basicamente por militares: Lauro Miller (engenheiro militar),

Thaumaturgo de Azevedo (coronel), Thomé Cordeiro (coronel), Hermes da

Fonseca (general/presidente da República). Esta comissão reafirma a forte

vinculação da filantropia com o poder na Primeira República.

O IPAI era uma entidade filantrópica, de caráter privado, subvencionada por

verbas federais e municipais. Foi reconhecida como instituição de utilidade

pública por decreto municipal em 1909, um ano após a realização do Congresso

Nacional de Assistência Pública e Privada, do qual participou com a memória, “O

Instituto de Protecção e Assistencia à Infância”, apresentada pelo seu diretor-

fundador Moncorvo Filho, com o objetivo de divulgar o trabalho da instituição em

um congresso científico.

Quanto aos dados sobre subsídios públicos, não conseguimos apura-los em

sua totalidade. Na fonte consultada, onde foram publicadas as estatísticas oficiais,

os dados referentes aos atendimentos prestados pelo Instituto eram abundantes, no

entanto, aqueles relativos à receita da instituição eram bastante escassos. Só foi

possível encontrar dados mais específicos referentes ao ano de 1912, além de

informações gerais sobre patrimônio e receita entre 1913 e 1915 que apresentamos

nos próximos quadros:

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Quadro 6 - Dotação Orçamentária IPAI – 1912

IPAI – Descrição Orçamentária - 1912

Patrimônio Receita

193:952$677 62:119$870

Dotação orçamentária

Federal

30:000$000

Dotação orçamentária

Municipal

5:500$000

Quotas de Loteria 15:053$660

Doações 2:144$710

Mensalidades e

Rendas do Patrimônio

9:421$500

Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922.

No quadro acima, constata-se que a maior parte da receita do IPAI em 1912

(cerca de 80%) era proveniente de verbas públicas (subsídios e loterias). Por outro

lado, observa-se o elevado capital acumulado da instituição, obtido, em grande

parte, através de doações do Estado (terreno, edificação). Também verificamos

uma valorização do patrimônio da instituição através de investimentos apontados

no item “rendas do patrimônio”.

Quadro 7 - Dotação Orçamentária IPAI – 1913 a 1915

IPAI – Descrição Orçamentária – 1913 a 1915

Ano Patrimônio Receita

1913 152:276$844 73:944$118

1914 158:355$400 89:174$340

1915 351:096$892 102:054$020 Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922.

No quadro VII, percebe-se uma elevação tanto do patrimônio como da

receita entre 1913-1915. Além disso, pode-se verificar que, em 1915, tanto os

valores de patrimônio como os referentes à receita praticamente duplicaram.

Cabe assinalar que os objetivos do IPAI, segundo seus estatutos de 1913,

constituíam-se em:

Inspecionar e regulamentar a lactação; inspecionar as condições de vida das

crianças pobres (alimentação, roupas, habitação, educação, instrução, etc.);

dispensar proteção às crianças abandonadas; auxiliar inspeção médica nas escolas

e indústrias; zelar pela vacinação; difundir meios de combate à tuberculose e

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outras doenças comuns às crianças; criar jardins de infância e creches; manter o

“Dispensário Moncorvo”, para tratamento das crianças pobres; criar um hospital

para crianças pobres; auxiliar os poderes públicos na proteção às crianças

necessitadas; criar sucursais nos bairros do Rio de Janeiro; concorrer para que

fossem criadas nos hospícios e casas de saúde, escolas para imbecis e idiotas etc.;

criar filiais nos outros estados; propagar a necessidade de leis protetoras da

infância e também da regulamentação da indústria das amas de leite [...]

(Moncorvo Filho, 1907 apud Kuhlmann Jr, 1991, p.9-11).

Figura 23 - Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro [s.d].

Fonte: Acervo Augusto Malta. Museu da Imagem e do Som, Rio de Janeiro.

Em 1908, o Instituto mantinha o Dispensário Moncorvo, no qual funcionava

um serviço de assistência médica à infância, com uma pequena enfermaria e um

gabinete de microscopia clínica e anatomia patológica. Nesse período, o IPAI já

possuía duas instituições congêneres funcionando sob os mesmos moldes.

Posteriormente, foram criadas outras instituições nos estados da Bahia,

Pernambuco, Paraíba, Pará, Maranhão e São Paulo. Em 1929, o Instituto contava

com 29 filiais em todo o país.

O trabalho do IPAI concentrava-se na puericultura intra e extra-uterinas, ou

seja, um ramo da filantropia que visava à salvação da primeira infância. Apesar de

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focar nos cuidados ao recém-nascido, crianças de outras faixas etárias também

eram atendidas na instituição (Moncorvo Filho, 1908, p.354).

No serviço de puericultura, voltado para o atendimento e proteção à mulher

grávida pobre, era praticada a puericultura intra-uterina. As gestantes eram

acompanhadas durante a gravidez, sendo assistidas no parto em domicílio, além

de receberem um enxoval para o nascituro.

Outros serviços também eram oferecidos: atendimento ginecológico, exame

clínico infantil, vacinação, distribuição de roupas, exame e atestação de amas de

leite e o Programa Gota de Leite.

No serviço de consulta para lactantes funcionava o programa “Gota de Leite

Dr. Sá Fortes”, em homenagem ao filantropo e industrial Carlos Pereira Sá Fortes,

dono da Companhia Lacticínios de Minas Gerais, a qual fornecia o leite para o

Instituto. Fortemente inspirado no trabalho de organizações francesas como as

Gouttes du Lait, o programa constituía-se na distribuição gratuita de leite

esterilizado e de farinhas alimentícias, no próprio IPAI:

[…] de um lado porque se fomenta com todo interesse o aleitamento materno a um

número não pequeno de mães que conduzem seus filhos à consulta, de outro

porque se fiscaliza a alimentação dos pequeninos seres, aos quais se distribuem,

muitas vezes, farinhas alimentícias, de acordo com a idade. Os dados estatísticos

provam com indiscutível evidência as vantagens do funcionamento do Serviço e os

bons efeitos do leite esterilizado (da Companhia Lacticinios) preparado no Instituto

(Moncorvo Filho, 1908, p.355).

Apesar de Moncorvo Filho dissertar sobre o interesse em fomentar o

aleitamento materno, na prática, ele promovia uma farta distribuição de leite

esterilizado, sendo o programa Gota de Leite considerado o serviço mais

importante do IPAI.

Ao contrário de Fernandes Figueira que propunha a obrigatoriedade do

aleitamento materno, por entender que este deveria ser estimulado pelo Estado,

conforme já mencionado no segundo capítulo, Moncorvo Filho enaltecia seu

programa Gota de Leite como um serviço pioneiro no Brasil. Ele defendia, assim

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como Ataulpho de Paiva, uma aliança entre a assistência pública e a assistência

privada.

Paralelamente ao programa Gota de Leite, o Instituto promovia concursos

de robustez90

para bebês, premiando em dinheiro às mães que aleitavam seus

filhos e os mantinham em rigorosas condições de higiene.

Os prêmios eram distribuídos em solenidades organizadas pela instituição, e

os jornais publicavam as fotografias das crianças vencedoras. Resta saber se os

bebês mais robustos eram alimentados por leite materno ou pelo leite do Dr. Sá

Fortes e farináceos.

Figura 24 - Os concorrentes do 19° Concurso de Robustez do IPAI [s.d]. Fonte: Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz apud Freire & Leony, 2011.

O IPAI contava com a colaboração da Associação de Damas de Assistência

à Infância que funcionava em espaço anexo ao Instituto. A Associação, instituída

no dia 5 de setembro de 1906, era uma entidade apêndice do Instituto. Formada

por senhoras da alta sociedade carioca, destinava-se a auxiliar na manutenção do

IPAI (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922).

90

Em 1908, já haviam sido realizados 12 concursos de robustez com prêmios às mães que

apresentavam filhos robustos e saudáveis. O concurso era realizado uma vez por ano, no dia 12 de

outubro (MONCORVO FILHO, 1908, p. 356).

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Um serviço de socorros era mantido por beneméritas senhoras, as chamadas

“Damas da Assistência à Infância” que distribuíam doações de roupas, calçados,

alimentos, brinquedos, etc., para as mães cadastradas pela entidade. Segundo

Moncorvo Filho (1908), “com seu estímulo, com seus atos de profunda filantropia

e benemerência essas senhoras se encontram semanalmente na sede para costurar

e distribuir roupas para as crianças” (p.356).

Esses benefícios aumentavam por ocasião das festas de Natal, Ano Novo e

Reis. Nestas festas, os protegidos do Instituto recebiam donativos e assistiam a

palestras sobre higiene infantil. As palestras eram realizadas em linguagem “ao

alcance de todos” e publicadas depois em várias edições da revista do IPAI. Esse

serviço visava “insinuar no espírito das mães as noções precisas e úteis para bem

criarem os filhos” (Moncorvo Filho, 1908, p.355).

Em junho de 1908, a Associação das Damas da Assistência fundou uma

creche, a qual era mantida sob seus auspícios para atender crianças, em sua grande

maioria, filhos de empregadas domésticas. A creche inaugurou com 10 leitos,

conseguindo alcançar 20 leitos, o que demonstra um quantitativo irrisório, típico

de ações filantrópicas criadas para dar visibilidade social aos seus fundadores,

sendo bastante ineficazes para responder às demandas concretas de atendimento

às mulheres trabalhadoras na época.

Segundo Kuhlmann Jr (1991), as mães burguesas foram as primeiras a

assumir as novas funções maternas, colocadas como aliadas dos médicos na tarefa

de difusão dos novos comportamentos junto às mães trabalhadoras. No entanto, “a

participação da mulher na assistência era entendida pelos homens numa linha

auxiliar de sua intervenção” (p. 21).

Esse movimento ao mesmo tempo de promoção e subordinação da mulher

pode ser verificado tanto na composição do IPAI, onde a participação das

mulheres se restringia, em sua grande maioria, à organização de festas e/ou

arrecadação de donativos, como na denominação da creche fundada pela

instituição, em 1908, “Creche Sra. Alfredo Pinto”, uma vez que o nome da

homenageada ficou à sombra de seu marido, então chefe de polícia do Distrito

Federal (Kuhlmann Jr., 1991).

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O Instituto também realizou a inspeção médica de “menores” que

trabalhavam em órgãos públicos. Os médicos do IPAI, inclusive o próprio

Moncorvo Filho, visitaram as oficinas da Imprensa Nacional e da Casa da Moeda

para examinar os operários “menores de idade”. Na inspeção, os médicos

encontraram uma alta porcentagem de crianças com tuberculose, as quais foram

inscritas no Dispensário Moncorvo para receber tratamento (Moncorvo Filho,

1908).

O IPAI publicava uma revista denominada “Archivos de Protecção à

Infância”, a qual era o órgão oficial de divulgação dos trabalhos da instituição,

principalmente aqueles voltados à higiene infantil. No entanto, apesar da prática

de distribuição de leite esterilizado realizada pelo Instituto, a revista, segundo

Moncorvo Filho (1908), tinha por objetivo fomentar o aleitamento materno como

uma das mais importantes medidas para a redução da mortalidade infantil, que

apresentava índices bastante elevados não só no Brasil como em todo o mundo.

O IPAI-RJ foi premiado em várias exposições e congressos científicos tanto

nacionais como internacionais. Recebeu o “Grande Prêmio” na Exposição

Nacional de 1908; a medalha de ouro na Exposição de Higiene, em 1909, no Rio

de Janeiro e no Congresso Sul-Americano de Mutualismo, realizado em São Paulo

em 1910; o “Diploma de Honra”, em 1912, na Exposição de Higiene realizada em

Roma. As filiais do IPAI da Bahia e de Pernambuco também receberam o

“Grande Prêmio” na Exposição Nacional de 1908.

Além do IPAI, Moncorvo Filho fundou o Departamento da Criança no

Brasil em 1919, voltado para a produção de informações, estudos e pesquisas

sobre a situação da infância no Brasil, instalando-o no mesmo prédio onde já

funcionava o IPAI. O Departamento da Criança realizou o Primeiro Congresso

Brasileiro de Proteção à Infância e organizou o Museu da Infância, inaugurado em

1922.

Segundo o historiador James Wadsworth (1999), o Departamento da

Criança foi declarado de utilidade pública pelas autoridades municipais em

novembro de 1920, o que o credenciou a receber heranças e donativos. Em 1921,

a referida instituição recebeu uma dotação orçamentária do governo federal no

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valor de 9.180 mil réis. Em 1923, o deputado federal Metello Júnior obteve a

destinação de uma porcentagem do imposto sobre bebidas alcoólicas para este

Departamento.

Entretanto, o referido autor aponta que Moncorvo Filho sofreu um grave

revés com o veto de uma proposta de lei que previa o reconhecimento do

Departamento da Criança como de utilidade pública nacional. A proposta já havia

sido aprovada pela Câmara dos Deputados, mas foi vetada pelo então Presidente

da República, Epitácio Pessoa, em 29 de janeiro de 1922.

Wadsworth (1999) acrescenta que Moncorvo Filho empenhou-se bastante

para conseguir apoio financeiro do Estado e lamentou a falta de interesse dos

“poderes públicos” em subvencionar o Departamento da Criança, o qual dependia

de auxílio oficial.

Tanto o IPAI como o Departamento da Criança continuaram em

funcionamento até 1938. Aos 70 anos, Moncorvo Filho doou as instalações do

IPAI e do Departamento da Criança à Prefeitura do Distrito Federal. Em 26 de

julho de 1941, pelo decreto-lei 3.472, o Presidente Getúlio Vargas autorizou a

doação do patrimônio estimado em nove milhões de cruzeiros (FREIRE, 2008).

O prédio do antigo IPAI se transformou em Hospital Moncorvo Filho.

Foram lá instaladas clínicas da prefeitura e da Faculdade Nacional de Medicina.

Em janeiro de 1951, as instalações do Hospital Moncorvo Filho passaram a

pertencer a Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil. Atualmente, o

Instituto de Ginecologia da UFRJ continua instalado nas dependências do

Hospital Moncorvo Filho, como uma das unidades hospitalares da Faculdade de

Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No local funciona

ainda o Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione,

conhecido como Iede (Freire, 2008).

Ao longo deste capítulo, procuramos demonstrar como as elites da Primeira

República se articularam em prol da criação de instituições filantrópicas. Apesar

de termos analisado apenas dois exemplos emblemáticos, o quadro aqui

apresentado, com certeza pode ser ampliado para outras instituições, uma vez que

caracteriza a relação público-privado que singularizava a assistência no período.

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As duas instituições de assistência, de cunho beneficente, fundadas por

filantropos e subvencionadas pelo Estado, tiveram destinos diferentes. Por um

lado, a Liga se transmudou em Fundação, permanecendo na condição de entidade

filantrópica, o que lhe garante isenções fiscais e subsídios públicos que

possibilitam a sua manutenção e o seu monopólio na fabricação da vacina BCG

no país até os dias atuais. Quanto ao IPAI, a perda dos subsídios do governo

federal levou ao declínio e, posteriormente, ao fim das atividades da instituição.

É importante destacar que mesmo com objetivos ligados ao campo da saúde,

essas instituições se notabilizaram por realizar um trabalho de mobilização social

de famílias, notadamente pobres.

Ressalte-se a influência do higienismo francês, tanto na reforma social na

França do século XIX91

, como nas ideias e ações de médicos e higienistas

brasileiros que, no início do século XX, propunham ações de assistência

relacionadas ao controle tanto da mortalidade infantil como de doenças

consideradas como calamidades sociais. No Congresso Nacional de Assistência

Pública e Privada (1908), já se discutiam propostas reformadoras cujo eixo era a

importância da higiene para a construção de uma nação civilizada e moderna.

O projeto de moralização da sociedade brasileira incluía a formação de uma

nova figura do trabalhador através de múltiplas estratégias de disciplinarização

exercidas dentro e fora das fábricas, uma vez que era urgente integrar o

proletariado e sua família ao universo dos valores burgueses.

Desse modo, o papel atribuído às mulheres em geral e às das classes

populares, em particular, foi um dos aspectos caracterizadores do contexto sócio-

cultural da Primeira República, quando “as famílias pobres tornaram-se objeto de

enormes compêndios de normas de moralização de hábitos e costumes, sendo a

mãe a figura central desta dinâmica” (Quiroga, 2010, p.8).

91

A historiadora Janete Horne, em seu trabalho sobre o Museu Social francês, mencionado no

primeiro capítulo deste trabalho, assinala a forte influência do higienismo no movimento de

reforma social na França do século XIX. Os higienistas franceses produziam inúmeras estatísticas

relacionadas ao modo de vida dos operários e de suas famílias, as quais se configuravam em

instrumentos indispensáveis à viabilização da dominação política da burguesia.

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Freire & Leoni (2011) apontam que “as estratégias propostas não se

resumiam a ações de assistência, mas abrangiam também a educação das mulheres

de forma a garantir a formação física e moral dos filhos [...]” (p.202).

Entretanto, se na sociedade francesa, esse processo caracterizou o novo

papel das mães burguesas como aliadas do poder médico, no Brasil, o processo

adquiriu outras configurações. Quiroga (2010) indica que a desigualdade que

marca a sociedade brasileira não permitiu o estabelecimento de uma estratégia

única em relação às mulheres-mães. Se por um lado a maternidade as unificava;

por outro, as condições de classe eram de tal forma diferenciadas que tornava

bastante distinta a presença, a comunicação e, consequentemente, o poder médico

sobre as famílias.

A mãe burguesa, ao atuar no mundo da filantropia, estabelecia uma aliança

com o médico, tomando para si a educação higiênico-moralizadora da família

popular, o que implicava na imposição de mudanças nos costumes e hábitos

populares. Tais mudanças implicavam em:

Mudar os hábitos de vida social e cuidado da prole; introduzir formas de controle

sobre seu companheiro e filhos; estruturar uma concepção modelar de maternidade

e vida privada constituíam metas essenciais da “missão civilizatória” de filantropos

e agentes do estado em relação às mulheres e famílias dos grupos populares

(Quiroga, 2010, p.9).

Desse modo, entre palestras e concursos que orientavam às mulheres e

famílias dos grupos populares à adoção de comportamentos mais compatíveis com

a nova racionalidade urbana e capitalista que se expandia na capital da República,

não foram poucas as formas de resistência apresentadas pelas famílias. Observa-

se, no entanto, que grande parte das manifestações de resistência era interpretada

como passividade ou ignorância. Entretanto, essa chave de leitura se constituía em

estratégia de controle sobre as classes populares. Portanto, a família e o cuidado

com a infância eram alvos fundamentais do projeto de normatização da sociedade

que emergiu na Primeira República.

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5 Considerações Finais

Como buscamos demonstrar ao longo deste trabalho, a filantropia foi o

modelo predominante de assistência na cidade do Rio de Janeiro durante a

Primeira República. Este se impôs como uma nova forma de intervenção social,

representativa de uma abordagem liberal da questão social que emergiu, nesse

período, nos principais centros urbanos do país.

No entanto, para além de uma intervenção com pretensões de maior

eficiência técnica, a filantropia foi indispensável à viabilização da dominação

política de uma nova elite urbana, que obtinha benefícios ao nível da produção de

consensos e consentimentos de dominação através das ações filantrópicas.

Desse modo, a filantropia se desenvolveu como um princípio legitimador

dessa nova elite que, em sua estrutura de legitimação junto à sociedade, manteve

antigos valores e justificações morais, em grande parte originados do universo

judaico-cristão e, ao mesmo tempo, introduziu novos elementos, colocando os

conhecimentos técnico-científicos como o fundamento de sua ação.

Este foi um período onde se privilegiou a reforma social em nome do bem

público. Nesse contexto, evidencia-se uma perspectiva de controle sobre as

classes populares, a qual veio acompanhada de uma série de desqualificações aos

seus modos de vida, além de um tratamento repressivo nos casos de manifestações

coletivas, fossem elas rebeliões populares ou greves e movimentos operários.

Destacamos aqui a importância política da tão evocada moralidade pública

como a base das relações de poder na época, a qual justificava as ações dos

filantropos. Consideramos que as elites produziam um código cultural que se

configurava como um espaço de convergência entre política e moral, pelo qual

questões diversas, como a delinquência, a mendicância, a loucura, etc.,

representavam espaços onde era viável disciplinar condutas, estabelecer regras de

sociabilidade e hierarquizar a proximidade e a distância entre grupos e classes

sociais.

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A questão da moralidade pública permite entrever como se operou a

privatização dos conflitos sociais e como se impediu a expressão pública das

reivindicações populares. A política moral, portanto, significava trazer as camadas

populares para o aprendizado “civilizado” e “ordeiro”, delineando os contornos de

um modelo singular de governabilidade, centrado no poder tutelar das elites em

relação aos pobres.

Ressalte-se que o gesto filantrópico encontrava sentido e se legitimava na

ideia de “utilidade social”, considerada pelas elites urbanas como um valor, na

medida em que servia como um pano de fundo para justificar as ambições

nacionais e pessoais, já que os interesses privados eram vistos como coletivos.

Dessa forma, acreditamos ser impossível analisar a filantropia, nesse contexto,

sem considerar suas projeções ideológicas e sua poderosa articulação com o poder

republicano.

Outro ponto importante a ser destacado é a importância do saber médico e

do saber jurídico tanto na construção do ideário do chamado “Brasil Moderno”,

como numa constituição embrionária da assistência social na Primeira República.

Posteriormente, na década de 1930, observa-se que a medicina e o direito foram

os dois campos da ciência que tiveram forte presença na constituição da ideologia

do Estado varguista, como também na própria configuração da profissão. Por um

lado, a área da assistência à infância veio a se desenvolver como órgão auxiliar da

Justiça; por outro, o ideário higienista acabou sendo incorporado como base

ideológica do projeto de intervenção do Serviço Social.

Quanto aos filantropos, estes atuavam no que para eles se constituía na

modernização de concepções e instituições sociais, na medida em que eles se

colocavam como inovadores no campo da assistência, ao propugnarem a

necessidade de novas condutas sociais para a garantia da moralidade pública.

Sem dúvida, as ideias dos reformadores sociais franceses, do final do século

XIX, influenciaram os intelectuais brasileiros que participavam dos congressos e

exposições internacionais visando adaptar esse ideário à realidade nacional.

No Primeiro Congresso Internacional de Assistência Pública e Privada,

realizado em Paris, no âmbito da Exposição Universal de 1889, foram lançadas as

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primeiras bases de uma aliança entre a assistência pública e a assistência privada,

sendo o filantropo Ataulpho de Paiva o maior divulgador dessas ideias no Brasil.

Entretanto, na sociedade brasileira marcada por profundas desigualdades

sociais, essas ideias reformistas assumiram dimensões ainda mais conservadoras,

uma vez que se buscava introduzir novas modalidades de atuação social que

aperfeiçoavam as estruturas do capitalismo que aqui se expandia, sem a

preocupação com a implantação de modelos de cidadania: os segmentos mais

pobres eram “tutelados” pelo Estado e/ou pela filantropia.

Quanto à filantropia, esta era fundamentalmente uma forma de relação

público/privado onde uma nova elite urbana, vinculada às esferas políticas,

articulava-se em prol da criação de instituições privadas, via subsídios do setor

público, legitimadas pela condição de atuar em benefício “dos mais pobres e

necessitados”. Essa nova elite soube manejar os códigos sociais vigentes na

época, utilizando a filantropia como um dos operadores de sua legitimação social.

A apropriação do público pelo privado através de iniciativas filantrópicas

movidas pelo dever moral configurou-se como o modelo de assistência adotado na

Primeira República. Contudo, este modelo foi se reatualizando ao longo do tempo,

e sua presença ainda pode ser observada atualmente, o que exige “vigilância e

alerta quanto às suas reedições, sob novas roupagens, na conjuntura atual de

afirmação do ideário neo-liberal de desconstrução da sociabilidade pública em

favor da primazia do privado” (Raichelis, 2010, p.16).

Ao buscar reconstituir a articulação entre filantropia e poder, identificando

formas de reatualização dessa histórica relação, observamos que o campo da

assistência social ainda é utilizado como uma possibilidade de troca política. Na

Primeira República, a doação de terrenos e a liberação de subvenções para

entidades filantrópicas por parte de governantes e deputados foi um dispositivo

bastante utilizado. Podemos considerar que essa prática política se reatualizou via

emendas parlamentares individuais92

, uma vez que estas representam distribuição

de verba pública para entidades privadas.

92

Cada deputado estadual tem o limite de 800 mil reais para destinar, via emenda parlamentar,

verbas a serem distribuídas entre as áreas de saúde, educação e assistência social. Essas emendas

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Como indica Raichelis (2010), a forma de relação constituída entre as

entidades assistenciais e o Estado viabilizou o seu acesso ao fundo público, por

meio de um padrão de regulação a serviço de interesses particulares e até de

práticas de corrupção divulgadas pela imprensa, como a denominada “Operação

Fariseu” 93

.

Por outro lado, se na Primeira República, a subvenção social foi o de relação

do Estado com a filantropia que alimentou a assistência desenvolvida por

entidades privadas, esta se configurou, posteriormente, como o eixo de ação do

Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), criado em 193894

, cabendo a este

órgão arbitrar essas subvenções.

Em uma breve retrospectiva da trajetória da assistência social no Brasil,

podemos citar a criação, em 1931, da Caixa de Subvenções a instituições

filantrópicas, a qual foi extinta em 1935, sendo substituída por um conselho de

caráter consultivo, vinculado à Presidência da República, que ampliou o universo

de instituições beneficiadas, incluindo as de saúde e educação.

No entanto, a primeira grande regulação estatal ocorreu em 1938, com a

criação do CNSS que consolidou, via filantropia, a estratégia de aliança do Estado

com as organizações privadas de assistência. Esta foi reafirmada, posteriormente,

por um decreto de 1943 que estabeleceu a isenção de imposto de renda a várias

instituições (Mestriner, 2008).

Num período de expansão capitalista, o Estado passou a exercer um sistema

de dupla regulação: aos trabalhadores do mercado formal pela via da previdência,

e à grande massa de não integrados ao mundo do trabalho pela via da filantropia

podem ser individuais ou compartilhadas, ou seja, quando os deputados agrupam em determinado

valor para destinar a alguma entidade. No caso de deputados federais e senadores, esse limite pode

chegar até 15 milhões de reais. Maiores informações sobre emendas parlamentares individuais,

consultar:

<http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/orcamentobrasil/orcamentouniao/estudos/2011/ar

tigo022011.pdf>. Acessado em 10 ago. 2013. 93

“A Operação Fariseu, da Polícia Federal do Brasil foi deflagrada em 13 de março de 2008 e

buscou desmontar um esquema de fraude na concessão de certificados de filantropia emitidos pelo

Conselho Nacional de Assistência Social” (RAICHELIS, 2010, p.15). 94

Em pleno regime do Estado Novo, Getúlio Vargas decretou a criação do Conselho Nacional de

Serviço Social (Decreto Lei nº525). Vinculado ao Ministério de Educação e Saúde, o órgão era

composto por sete membros que deveriam estar ligados ao Serviço Social, com o objetivo de

opinar sobre questões sociais e subvenções a obras sociais.

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subvencionada e controlada pelo governo. Foi com a expansão do movimento

sindical, mesmo que atrelado ao Estado, que o campo dos direitos ganhou

significação. Todavia, enquanto os trabalhadores formais foram transformados em

sujeitos coletivos pelos sindicatos, os informais e os desempregados foram

“sujeitados” a ações assistencialistas, dentro de um quadro de cidadania

incompleta ou “regulada” 95

.

A retomada do processo de democratização e o surgimento de novos

movimentos sociais (moradores urbanos, trabalhadores rurais, movimento de

mulheres, movimentos anti-discriminação, etc.) aumentaram as pressões por

maior participação social nos processos deliberativos das políticas públicas, as

quais o processo Constituinte de 1988 buscou responder.

Nesse longo processo, a Constituição Federal de 1988 foi um marco no

campo da assistência social, uma vez que a instituiu como política de seguridade

social não contributiva. Esta passou a constituir o campo da seguridade social, ao

lado da saúde e da previdência social, enquanto política de proteção social.

Entretanto, muitos obstáculos ainda se colocavam para serem enfrentados.

Apesar da Constituição ter consagrado o direito à participação popular como um

direito constitucional, a relação do Estado com a população demandatária dos

serviços de assistência permaneceu, majoritariamente, mediada pelas organizações

filantrópicas. Além disso, a lei favoreceu as entidades beneficentes ao isentá-las

de contribuição para a seguridade social, o que acabou também se tornando

instrumento para conceder vantagens às entidades assistenciais, ficando a garantia

de direitos à população prejudicada.

Posteriormente, o certificado de fins filantrópicos fornecido pelo CNSS foi

recolocado como requisito para a obtenção da isenção de contribuição à

seguridade social. A regulamentação das instituições continuou a ocorrer mais em

função do interesse das mesmas pelas isenções e subvenções, e nem a Lei

95

O sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos denomina de cidadania regulada aquela “cujas

raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação

ocupacional. [...] A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos

direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, reconhecido como tal em lei. Tornam-se pré-

cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece” (SANTOS, 1979, p.75).

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210

Orgânica da Assistência Social (LOAS)96

, aprovada em 1993, enfrentou o

problema: os certificados de utilidade pública e de fins filantrópicos continuaram

a perpetuar um sistema de privilégios, criando distorções pela possibilidade do seu

uso indiscriminado.

Em 1994, foi criado o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)

com o propósito de deliberar e exercer o controle social da Política Nacional de

Assistência Social (PNAS). Entretanto, ao assumir as antigas atribuições do

extinto Conselho Nacional de Serviço Social, o CNAS acabou se tornando um

órgão burocrático de análise do mérito filantrópico de instituições em desacordo

com a proposta constitucional de seguridade.

Portanto, o padrão de relação público/privado construído historicamente

permaneceu, na medida em que os certificados de utilidade pública e de fins

filantrópicos continuaram a possibilitar o acesso a vantagens e privilégios por

intermédio da legislação, e a assistência social continuou comportando-se como

um setor colonizado (Mestriner, 2008).

Na segunda metade do século XX, práticas históricas foram reiteradas,

como o princípio da subsidiaridade e a separação da assistência social de sua

condição de direito público, o que impossibilitou sua constituição como política.

Instaurou-se, como aponta Mestriner (2008), uma “filantropia democratizada”,

sinalizando “a permanente tensão para a assistência social constituir-se como

política e realizar-se como pública” (Raichelis, 2010, p.17, grifos da autora).

Em 2004, foi instituída a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), a

qual consolidou princípios, diretrizes, objetivos e ações da assistência social, já

definidos pela Lei Orgânica de Assistência (LOAS). A PNAS elevou a assistência

social ao patamar de política social pública, e a Norma Operacional Básica (NOB-

SUAS/2005) estabeleceu um comando único das ações através do Sistema Único

de Assistência Social (SUAS), baseado na descentralização político-

administrativa.

96

Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá

outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm>.

Acesso em 12 jul. 2013.

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Raichelis (2010) assinala que esse movimento reformador ganhou uma

perspectiva de ruptura com o histórico conservadorismo que atrelou a área da

assistência social à filantropia. Segundo a autora,

Estes avanços possibilitaram o enfrentamento do núcleo duro da relação público-

privado na assistência social, expresso pelo extinto certificado de filantropia,

substituído pelo atual Certificado de Entidade Beneficente-CEBAS, num duro

confronto entre forças de conservação e forças de superação (p.19).

Por um lado, a assistência social tornou-se política pública (PNAS), base

para o financiamento e controle social dos serviços socioassistenciais, o que

implicou no desafio de construção da participação dos usuários nas instâncias

deliberativas dos Conselhos de Assistência Social. Por outro, a realidade mostra

que, nessas instâncias de deliberação da política, o espaço coletivo ainda é

majoritariamente ocupado e dominado por entidades filantrópicas que buscam

manter antigas prerrogativas e privilégios, e não pela população demandatária de

suas atenções.

A estruturação do campo da assistência no Brasil foi pautada por uma

intrincada relação público-privado. Essa configuração institucional foi a base de

assentamento da filantropia na Primeira República, e ainda se faz presente nos

dias atuais, na área da assistência social, evidentemente, através da atuação de

novas forças sociais, que refazem seus referenciais e assumem novas posturas e

novas proposições no campo social. Portanto, a filantropia foi (e ainda

permanece) como uma forma de relação público-privado fundamentalmente

política.

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