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i ROSANA APARECIDA GARCIA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO MUNICIPIO DE CAMPINAS (SP) NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE INSTITUCIONAL SÓCIO-HISTÓRICA CAMPINAS 2015

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ROSANA APARECIDA GARCIA

INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO

MUNICIPIO DE CAMPINAS (SP) NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE

INSTITUCIONAL SÓCIO-HISTÓRICA

CAMPINAS

2015

ii

iii

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Ciências Médicas

ROSANA APARECIDA GARCIA

INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO

MUNICIPIO DE CAMPINAS (SP) NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE

INSTITUCIONAL SÓCIO-HISTÓRICA

Tese apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos para obtenção do Título de Doutora em Saúde Coletiva, Área de Concentração Ciências Sociais em Saúde.

Orientador(a): Profa. Dra. Solange L’Abbate

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA

TESE DEFENDIDA PELA ALUNA ROSANA APARECIDA GARCIA

E ORIENTADO PELA PROF. DRA SOLANGE L’ABBATE

Assinatura do Orientador: _____________________________________________

CAMPINAS – SP

2015

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v

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vii

RESUMO

INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO MUNICIPIO DE

CAMPINAS (SP) NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE INSTITUCIONAL SÓCIO-

HISTÓRICA

A Vigilância em Saúde é entendida aqui, como uma instituição - conceito base para a

Análise Institucional (AI). Seu processo de institucionalização nos remete à história da

Saúde Pública, impactando no atual modelo de gestão e nas ferramentas de trabalho

utilizadas em sua contemporaneidade. Considerando que a Vigilância em Saúde tem raízes

e processos a partir deste modelo conceitual, há um impacto na prática e estratégias

utilizadas pelos sujeitos que dela fazem parte, marcada, muitas vezes, por modelos

verticalizados e pouco participativos. O objetivo deste estudo foi estudar a trajetória da

Vigilância em Saúde de Campinas (SP) na perspectiva da Análise Institucional sócio

histórica, buscando uma compreensão de sua gênese histórica, social e teórica e seu

processo de institucionalização (duração, temporalidade e historicidade). Neste sentido, a

proposta da Análise Institucional na vertente sócio histórica fundamenta-se na necessidade

de ampliação do conhecimento acerca de fatos no passado, mas que ainda possuem

repercussão no presente. Foram utilizados alguns conceitos chave da Análise Institucional,

como analisador, implicação e instituição – desdobrando em seus momentos instituído,

instituinte e institucionalização. Esse estudo teve natureza qualitativa, teórico e empírico,

com base em entrevistas semiestruturadas e pesquisa documental. As entrevistas iniciais –

chamados de “entrevistas disparadoras” – foram realizadas com os sujeitos que

participaram dos processos iniciais de municipalização, descentralização e regionalização

da Vigilância em Campinas. Em seguida foram entrevistados outros gestores e

trabalhadores dos serviços de saúde que vivenciaram a história mais recente da Vigilância.

A maioria das entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas e enviadas aos

entrevistados para que acrescentassem ou retirassem o que julgassem importantes. Após a

análise das entrevistas e de alguns documentos que trouxeram alguns eventos realizados

pela Vigilância de Campinas, o grupo entrevistado foi convidado para duas oficinas de

restituição para debate sobre os achados e construção do texto. O trabalho demonstrou que

o modelo atual de Vigilância não insere o sujeito dentro de suas ações e nem considera seu

contexto social. Tendo esse pressuposto como modelo, as estratégias utilizadas pela

Vigilância são predominantemente normativas e administrativas, mais ligadas à tecnologia

dura e dura-leve, ou seja, pouco se trabalha com as relações intersubjetivas que estão

diretamente relacionadas com a missão da Vigilância. O modelo de Vigilância de

Campinas, apesar do protagonismo dos sujeitos, mantem pouca articulação com a

sociedade e controle social. Os desafios percebidos são relacionados a investir nas

tecnologias leves (relacionais) no sentido de incluir os diferentes sujeitos no processo de

Vigilância. A possibilidade de intercessão entre suas práticas e a sociedade, deve ser

motivada por um desejo de dar autonomia aos sujeitos que protagonizarão mudanças dentro

da instituição.

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ABSTRACT

INSTITUTIONALIZATION OF THE HEALTH SURVEILLANCE IN THE CITY

OF CAMPINAS (SP) THROUGH THE PERSPECTIVE OF THE SOCIO-

HISTORICAL INSTITUTIONAL ANALYSIS

The Health Surveillance is understood in this thesis as an institution – base concept for the

Institutional Analysis. Its process of institutionalization refers to the history of Public

Health, presenting an impact in the present model of management and in the work settings

utilized in its contemporaneity. Since Health Surveillance has its roots and processes

departing from this theoretical model, there is an impact in the practices and strategies used

by the subjects who are part of it; this impact is marked very often by verticalized and non-

participative models. The objective of this project was to study the journey of the Health

Surveillance in Campinas (SP) in the perspective of the socio-historic Institutional

Analysis, aiming at a comprehension of its historic, social and theoretical genesis and its

process of institutionalization (duration, temporality and historicity). Thus, the institutional

analysis purpose in the social-historical field is based in the need of spreading the

knowledge about past facts but which still have repercussion until the present. Some key-

concepts of the Institutional Analysis were used as analyzer, implication and institution –

reshaping its moments as instituted, instituter and institutionalization. This study has a

qualitative, theoretical and empirical nature and it is based on semi-structured interviews

and document research. The early interviews – so called “triggering interviews” – were

made with the subjects who participated in the early processes of municipalization,

decentralization and regionalization of the Health Surveillance in Campinas. Following this

part other managers and health workers who lived the recent history were interviewed.

Most of the interviews was recorded and then transcripted and sent to the interviewees for

them to add or erase any information they could judge important. After the analysis of the

interviews and some documents which brought up events made by the Health Surveillance,

the interviewed group was invited for two restitution workshops for a debate about the

discovers and the construction of the text. The work showed that the present model of

Health Surveillance is not inclusive in its actions nor considers peoples social contexts.

Having this assumption model, the strategies used by the Health Surveillance are mainly

based on rules and administration and are more connected to the hard and hard-soft

technology that means that very few works are done about the inter-subjective relations that

are directly related to the mission of the Health Surveillance. The model of Health

Surveillance, although its subjects are protagonists, keeps few articulations with the society

and its control. The challenges observed are relational to investing in soft technologies

(related) in a way that it includes different subject in the process. The possibility of

interception between its practices and society must be motived by a desire of giving

independence to the subjects who were protagonists in the changes inside of the institution.

x

xi

RÉSUMÉ

L´institutionnalisation de la surveillance de la santé dans la municipalité de Campinas

(SP) en vue de l´analyse institutionnelle Socio-Historique.

La surveillance de la santé est entendue ici, comme une institution – un concepte de base

pour l´analyse institutionnelle (AI). son processus d´institutionnalisation nous remet à

l´histoire de la santé publique, ayant impact sur le modèle actuel de gestion et sur les outils

de travail utilisés dans sa contemporanéité. en considerant que la surveillance de la santé a

des racines et processus á partir de ce modèle conceptuel, il y a un impacte sur la pratique

et sur les stratégies utilisées par les acteurs qui en font part , et elle est marquée , plusieurs

fois , par des modèles verticalisés et un peu participatifs.L´obectif de cette étude a été

d´étudier la trajectoire de la surveillance de la santé de Campinas (SP) dans la perspective

de l´analyse institutionnelle socio- historique , en cherchant une compréhension de sa

genèse historique , sociale et théorique et son processus d´institutionnalisation ( durée,

temporalité et historicité ). Dans ce sens , la proposition de l´analyse institutionnelle dans

l´aspect socio-historique est basée sur la nécessité de l´approfondissement de la

connaissance des faits dans le passé, et qui ont encore des répercussions sur le présent.

Quelques conceptes clés de l´analyse institutionnelle ont été utilisés, comme analyseur,

implication,et institution – qui se deroulent dans leurs moments fixés, instituant et

institutionnalisation. Cette étude a été de nature quantitative , théorique et empirique , basée

sur des entretiens semi-structurés et sur la recherche documentaire.Les entrevues initiales –

appelés ‘’ entrevues déclanchées’’ – ont été réalisées avec les acteurs qui ont participés aux

processus initiaux de municipalisation, de décentralisation et de régionalisation de la

surveillance á Campinas. Ensuite d´autres gérants et travailleurs des services de santé qui

ont vecu l´histoire la plus recente de la surveillance ont été intewiewé . La plupart des

entretiens ont été enregistrés, transcrits et envoyés aux interviewés pour qu ils ajoutent ou

retirent ce qu´ils jugent important. Aprés l´analyse des entretiens et de quelques documents

apportés par quelques événements réalisés para la surveillance de Campinas, le groupe

interviewé a été invité à deux ateliers de réstitution pour un débat sur les conclusions et les

constructions de textes.Le travail a demontré que le modèle actuel de surveillance n´inclus

pas l´acteur dans ses actions et ne tient pas compte de son contexte social. Ayant cette

hypothèse comme modèle. Les stratégies utilisées par la surveillance sont principalement

réglementaires et administratives, mais liées à des technologies rigides et rigides- legères,

c´est à dire on travaille peu avec les relations interpersonnelles qui sont directement liées à

la mission de surveillance. Le modèle de surveillance de Campinas, malgré le rôle des

acteurs, il maintient peu d´articulation avec la societé et le contrôle social. les défis

remarqués sont relationnés á l´investissement dans la technologie legère (relationnelles)

dans le sens d´inclure les differents acteurs dans le processus de surveillance. la possibilité

d´intercession entre ses pratiques et la societé, doit être motivée par le désire de donner de

l´autnomie aux acteurs qui protagoniseront des changements dans l´institution.

xii

xiii

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA ..................................................................................................... xv

AGRADECIMENTOS .......................................................................................... xvii

EPÍGRAFE ........................................................................................................... xxi

LISTA DE ABREVIATURAS .............................................................................. xxiii

LISTA DE QUADROS ....................................................................................... xxvii

LISTA DE FIGURAS ......................................................................................... xxvii

LISTA DE ANEXOS ........................................................................................... xxix

APRESENTAÇÃO .................................................................................................. 1

CAPÍTULO 1: A SAÚDE PÚBLICA E AS AÇÕES SANITÁRIAS: ELEMENTOS PARA UMA DISCUSSÃO ACERCA DO MOMENTO FUNDADOR DA VIGILÂNCIA ............................................................................................................ 5

CAPÍTULO 2: ANALISANDO AS IMPLICAÇÕES ............................................... 31

CAPÍTULO 3: O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA NO BRASIL E SUA INSERÇÃO NO SUS ............................................................ 39

CAPÍTULO 4: A DESCENTRALIZAÇÃO E MUNICIPALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE DE CAMPINAS ................................................................................. 57

CAPÍTULO 5: ALGUMAS REFLEXÕES ............................................................ 135

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 161

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 165

ANEXOS ............................................................................................................. 181

xiv

xv

DEDICATÓRIA

À Deus, pela vida e força.

Aos meus amados pais Luiz e Arminda Garcia, pelo

amor dedicado em minha vida, por eu ser quem sou

hoje, por me criar dando exemplo de princípios éticos e

humanos.

Ao meu irmão Marcos, por nossa “virada” e

crescimento e minha cunhada Márcia pela torcida e

empolgação, motivando-me a escrever.

Aos meus queridos filhos Leandro e Vanessa, que

suportaram minhas ausências, e ao mesmo tempo me

incentivaram a produzir conhecimento ofertando-me

amor incondicional em todo momento.

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xvii

AGRADECIMENTOS

Aos companheiros de luta e trabalho do Distrito de Saúde Sudoeste onde iniciei

minha trajetória profissional como auxiliar de saúde pública. Muitos desafios enfrentados

juntos.

À Deise – coordenadora do Distrito de Saúde Sudoeste, pela solidariedade e carinho

oferecido durante a (co) produção deste trabalho. Desde meu Mestrado se mostrou muito

generosa com a construção desse percurso, e fica aqui meu reconhecimento.

Aos trabalhadores do Centro de Saúde Santa Lúcia, aonde comecei na gestão, pelo

saber e conhecimento que (co) produzimos junto aos alunos.

Aos trabalhadores do Centro de Saúde Dic III, por torcer por todo o meu percurso

profissional e acadêmico, em meio a tantas dificuldades que existiram no cotidiano do

serviço.

Aos trabalhadores da Vigilância do Distrito Sudoeste, Célia, Elisângela, Fabiana,

Nídia, Helouse, Andréia, Gláucia, Marta, Marisa, Cássius, Montanari, Edson, Fernando,

Cláudio, Walter e Sylvio por torcerem por mim, mostrando generosidade no

compartilhamento de saberes e conhecimentos.

À Eloísa, farmacêutica da VISA Sudoeste, que torceu por mim em todo momento,

abrindo frentes para debates. Não vou esquecer-me disso, amiga.

À Lucas, trabalhador que teve uma trajetória de municipalização e que de forma

íntegra e responsável tem desenvolvido suas atividades até os dias atuais. Obrigada por

compartilhar sua história comigo.

À Andréia – enfermeira da Visa Sudoeste, um exemplo de luta e determinação no

percurso de vida. Sempre ao meu lado, apesar das distâncias, mostrando a generosidade de

uma real amizade.

À Vigilância do município de Campinas que acompanhou indiretamente esta

produção, motivando-me a escrever sua história.

Aos profissionais entrevistados, que me confiaram suas histórias de vida, seu

percurso profissional, seus desafios, dificuldades, alegrias, tristezas, sendo, portanto,

coautores deste trabalho.

À Brigina que quando soube de meu doutorado mostrou um brilho esfuziante,

facilitou todas as frentes de informação, quis ser a primeira entrevistada, e me acompanhou

xviii

com este brilho, durante todo meu trabalho. Obrigada minha amiga!

À Cléria do DEVISA, companheira que torceu por este trabalho, compartilhou

trajetória profissional, monitorou minha escrita – “e aí, precisa de mais alguma coisa?”, e

sempre me perguntando a data da defesa. Obrigada, amiga, pelo carinho.

À Elen que me antecedeu na coordenação da Visa Sudoeste, me iniciando nesta

nova trajetória profissional. Obrigada também pelas orações e a incomparável candura em

seu olhar que sempre demonstrou a paz com a qual realiza suas atividades.

À Janete, que coordenou a Vigilância Ambiental e depois a Vigilância Sanitária de

Alimentos do DEVISA, por se mostrar efusiva, carinhosa com o meu percurso,

demonstrando a torcida.

À Salma e Mena que apesar da correria de suas vidas profissionais, estiveram

presentes no apoio a este trabalho.

Aos colegas do Departamento de Saúde de Campinas, por torcerem por mim.

A Beatriz e Sandra do Departamento Administrativo, que emanaram luz ao final de

minha tese, mostrando o quanto o ser humano pode fazer trocas afetivas relevantes para a

vida.

À Dr. Abrahão que me confiou sua história profissional, a qual me encantou devido

a importante trajetória percorrida no período anterior e posterior à municipalização e

descentralização da Vigilância em Saúde de Campinas. Meu reconhecimento e profundo

respeito.

Ao Marcelo do CETS por sempre estar tão solidário e me ajudar em minhas buscas

bibliográficas referentes à história da Vigilância em Saúde de Campinas.

À Aleksandra pelas entrevistas realizadas e transcritas, além da empolgação pelo

tema.

À Profa. Dra. Carmen Lavras e Prof. Dr Gastão Wagner – docentes e ex-secretários

de saúde de Campinas, que generosamente me receberam e compartilharam comigo suas

trajetórias durante os períodos de gestão em Campinas.

Ao Prof. Dr. Heleno, por me acompanhar nas lutas do SUS Campinas, pelo trabalho

que realizamos juntos no Centro de Saúde Dic III, por sua incansável solidariedade,

prontidão e generosidade, fazendo parte de um percurso histórico e acadêmico construído

(e em construção) em minha vida.

xix

Ao Prof. Dr. Sérgio Rezende Carvalho que me iniciou aos primeiros passos

acadêmicos, acreditando em mim, em meu Mestrado e me incentivando ao Doutorado.

Ao Prof. Dr. Nelson, por aceitar meu convite para compor a banca de Defesa, pois

além de seu percurso docente memorável, foi ex-secretário de saúde em um dos períodos

contados neste trabalho. Tê-lo na banca é uma responsabilidade. Ousar contar uma parte da

história vivida por ele mesmo é um desafio e tê-lo ouvindo essa história é sentir o quão

generoso ele é ao permitir essa “certa história” contada a partir de um “certo lugar”.

Aos Profs. Dra. Lúcia e Dr. Núncio, por compartilharem comigo o momento da

qualificação e defesa, ajudando a compor esta “certa história” cientifica e afetivamente.

À Profa. Dra. Luciana, pelas contribuições na qualificação, por me estimular a que

eu explicitasse o “certo lugar” de onde eu contei a “certa história”. Obrigada por sua

generosidade, além da torcida.

Aos docentes do Instituto de Salud Colectiva da Universidade Nacional de Lanus -

Buenos Aires/Argentina, em especial ao professor Jorge Arakaki por ter partilhado comigo

a produção de um artigo.

Aos gestores e trabalhadores da Secretaria de Saúde da cidade de Moreno (Buenos

Aires/Argentina) que me receberam em meu estágio em 2011,

À Prof. Dr. Guilles Monceau da Université de Cergy-Pontoise (França), pelo

convite e oportunidade em participar do Simpósio Internacional “Recherche avec”

(Otawa/Canadá), compartilhando conhecimentos com outros países.

Ao Grupo de Pesquisa do CNPq - Análise Institucional e Saúde Coletiva do

Departamento de Saúde Coletiva/Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, Aidê,

Núncio, Lúcia, Kalliny, Ana Lúcia, Cláudia, Luciana, Juliana, Daniel, Camila, Zuza,

Welington, pelas muitas contribuições e debates realizados nesses quatro anos.

Em especial, à Profa. Dra. Solange L’Abbate, minha orientadora e amiga, que com a

singularidade de sua competência profissional, delicadeza e carinho, discutiu minhas

“certas histórias”, revisando, motivando, ajudando a construir e escrever. Profundo respeito

e admiração por ter me aceito como orientanda, pelo companheirismo e pela paciência em

meus limites profissionais. Obrigada por sua generosidade em me permitir este novo

desafio em minha vida acadêmica e profissional, de adentrar em um novo campo de

conhecimento – Ciências Sociais – o que me fortaleceu na gestão.

xx

xxi

EPÍGRAFE

“Ostra feliz não faz pérola”

"A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de si

um grão de areia que a faça sofrer.

Sofrendo, a ostra diz para si mesma:

'Preciso envolver essa areia pontuda que me machuca com uma esfera lisa

que lhe tire as pontas…'

Ostras felizes não fazem pérolas…

Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar.

O ato criador, seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor, Não é

preciso que seja uma dor doída…Por vezes a dor aparece como aquela

coceira que tem o nome de curiosidade.

Este livro (tese) está cheio de areias pontudas que me machucaram.

Para me livrar da dor, escrevi"

Rubem Alves

xxii

xxiii

LISTA DE ABREVIATURAS

AI – Análise Institucional

AI-SH – Análise Institucional sócio-histórica

AIS – Ações Integradas de Saúde

ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CAST – Coordenadoria de Atenção Secundária

CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho

CCZ – Centro de Controle de Zoonoses

CDC- Centro de Controle de Doenças

CGVAM – Coordenação Geral de Vigilância Ambiental

CEB – Comunidades Eclesiais de Base

CEM – Campanha de Erradicação da Malária

CEP-Comitê de Ética em Pesquisa

CETS – Centro de Educação do Trabalhador da Saúde

CETESB – Centro Tecnológico de Saneamento Básico

CEV – Campanha de Erradicação da Varíola

CENEPI – Centro Nacional de Epidemiologia

CEPEDISA – Centro de Pesquisa em Direito Sanitário

CEREST – Centro de Referência em Saúde do Trabalhador

CEVI – Centro de Vivência Infantil

CF- Constituição Federal

CS – Centro de Saúde

CIMS – Comissão Intersetorial Municipal de Saúde

CIPA – Comissão Interna Prevenção de Acidentes

CIS – Centro de Informação em Saúde

CHOV – Complexo Hospitalar Ouro Verde

CNS - Conferência Nacional de Saúde

COAS – Centro de Orientação e Apoio Sorológico

CONASP- Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária

CONDEMA – Conselho Municipal de Defesa de Meio Ambiente

COVISA - Coordenadoria de Vigilância e Saúde Ambiental

CRAISA – Centro de Referência de Atenção Integral a Saúde do Adolescente

CRST – Centro de Referência em Saúde do Trabalhador

CS – Centro de Saúde

CSC – Coordenadoria de Saúde Comunitária

CVE - Centro de Vigilância Epidemiológica

xxiv

DAP – Divisão de Alimentação Pública

DANT – Doenças e agravos não transmissíveis

DCMA – Divisão e Controle de Meio Ambiente

DENERu – Departamento Nacional de Endemias Rurais

DEVISA- Departamento de Vigilância em Saúde

DMPS – Departamento de Medicina Preventiva e Social

DNS – Departamento Nacional de Saúde

DRS – Divisão Regional de Saúde

DSC – Departamento de Saúde Coletiva

DID – Departamento de Informação

DIR – Diretoria Regional

ENSP – Escolha Nacional de Saúde Pública

ERSA – Escritório Regional de Saúde

FUNASA – Fundação Nacional de Saúde

GAS – Gratificação de Autoridade Sanitária

GMVE – Grupo Municipal de Vigilância Epidemiológica

GVE – Grupo de Vigilância Epidemiológica

IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IMV – Inspetoria Municipal de Vigilância

INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social

INCQS – Instituto Nacional de Controle e Qualidade de Saúde

LAS – Laudo de Avaliação Sanitária

LCCDMA - Laboratório Central de Controle de Drogas, Medicamentos e

Alimentos.

LF – Licença de Funcionamento

LMC – Laboratório Municipal de Campinas

LOS – Lei Orgânica da Saúde

LP – Linha Privada

NADAV – Núcleo de Assessoramento na Descentralização das Ações de Vigilância

NSC – Núcleo de Saúde Coletiva

OMS – Organização Mundial de Saúde

OPAS – Organização Pan-americana de Saúde

PAM – Plano de Ação e Metas

PMC – Prefeitura Municipal de Campinas

PNI – Programa Nacional de Imunização

PST – Programa de Saúde do Trabalhador

SAR – Secretaria de Ação Regional

SAD – Serviço de Atendimento Domiciliar

xxv

SES – Secretaria Estadual de Saúde

SESP – Serviço Especial de Saúde Pública

SMS – Secretaria Municipal de Saúde

SNS – Sistema Nacional de Saúde

SNVE – Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica

SNVS – Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária

SFPA – Serviço de Fiscalização Sanitária e Alimentação

SPPA – Serviço de Policiamento de Produtos e Alimentação

SUCAM – Superintendia de Campanhas

SVE – Sistema de Vigilância Epidemiológico

SUCEN – Superintendência de Controle de Endemias

SUDS – Sistema Único e Descentralizado de Saúde

SUS – Sistema Único de Saúde

SVS – Secretaria de Vigilância Sanitária

TBVE – Treinamento Básico em Vigilância Epidemiológica

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UBS – Unidade Básica de Saúde

VA – Vigilância Ambiental

VE - Vigilância Epidemiológica

VISA - Vigilância em Saúde

xxvi

xxvii

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Entrevistados: formação e inserção na PMC .................................................................... 27

Quadro 2: Seminário de Vigilância Epidemiológica/ Campinas/ SP (1994) .................................... 97

Quadro 3: Oficina de Vigilância em Saúde / Campinas/SP (1997)................................................. 100

Quadro 4: Oficina de Vigilância Sanitária e Ambiental de Campinas/SP (1997) ........................... 103

Quadro 5: Oficina de Saúde Coletiva/Campinas/SP (2003)............................................................ 111

Quadro 6: Seminário de Saúde Coletiva/ Campinas/SP (2004) ...................................................... 115

Quadro 7: Oficina de Vigilância em Saúde /Campinas/SP (2012).................................................. 131

Quadro 8: Modelos de Vigilância Sanitária .................................................................................... 148

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa da cidade de Campinas dividido por Distritos de Saúde e Centros de Saúde /

Campinas/SP. .................................................................................................................................... 59

Figura 2: Mercado Municipal de Campinas/SP (1930) ..................................................................... 62

Figura 3: Matadouro Municipal de Campinas/SP (1896) ................................................................. 62

Figura 4: Secretarias de Administração Regional (SAR)/ Campinas/SP (1993)............................... 89

Figura 5: Estrutura da SAR Campinas/SP (1993) ............................................................................. 90

Figura 6: Linha histórica das discussões realizadas pela Vigilância em Campinas/SP (2012) ....... 128

Figura 7: Modelo esquemático de articulação entre as áreas de Vigilâncias. ................................. 142

Figura 8: Modelo esquemático de intervenção protocolar e clássica da Vigilância ........................ 145

Figura 9: Modelo esquemático de Intervenção da Vigilância, a partir do compartilhamento dos

saberes. ............................................................................................................................................ 146

xxviii

xxix

LISTA DE ANEXOS

Anexo 1 Oficio Circular CVE 50/87

Anexo 2 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Anexo 3 Roteiro de entrevista 2: Trabalhadores e gestores (VISA Distrito e UBS)

Anexo 4

Anexo 5

Parecer Comitê de Ética em Pesquisa

Convites para Oficinas de Restituição

Anexo 6 Questionário de Avaliação das Oficinas de Restituição

Anexo 7 Decreto n° 46 de fevereiro de 1933 – cria a Inspetoria Municipal

Veterinária (IMV)

Anexo 8 Normas Organizacionais e Funcionamento de um serviço de fiscalização

de alimentos (1971)

Anexo 9 Atribuições do fiscal sanitário

Anexo 10

Anexo 11

Anexo 11

Caderneta de Controle Sanitário

Auto de Infração e Multa

Termo de Interdição

Anexo 12 Ocorrências existentes em Caderneta de Fiscalização Sanitária

Anexo 13 Roteiro de Fiscalização

Anexo 14 Campanha Educativa: Você é o fiscal

Anexo 14 Campanha Educativa contra a venda de leite cru

Anexo 14 Material Educativo do SFAP/DCMA: Microbino e Saudino

Anexo 14 Certificado de Saúde e Capacidade Funcional

Anexo 14 Material Educativo: Cartilha do SFAP (1985)

Anexo 15 Seminário de Vigilância Epidemiológica e Sanitária (1993)

Anexo 16 Debates sobre a municipalização e oficina de territorialização e

Vigilância à Saúde (1994)

Anexo 17 I Oficina de Vigilância em Saúde de Campinas (1997)

Anexo 17

I Oficina de Vigilância em Saúde de Campinas: grupos de trabalho

(1997)

xxx

Anexo 18

Oficina para definição de diretrizes e gestão da Vigilância Sanitária e

Ambiental de Campinas (1999)

Anexo 19 VI Conferência Municipal de Saúde em Campinas: diretriz da Saúde

Coletiva no Paidéia (2002)

Anexo 20 Oficina de Vigilância em Saúde (2005)

Anexo 21 Subsídios para a IX Conferência Municipal de Saúde (2011)

Anexo 22 Prioridades Estruturantes para Vigilância Sanitária (2012)

Anexo 23 Oficina Responsabilidade Compartilhadas em Vigilância Epidemiológica

(2011)

Anexo 24 Seminário Modelos e Estratégias em Vigilância em Saúde (2011-2012)

Anexo 25 Carta de Compromisso: documento síntese processo coletivo para

reorganização Vigilância em Campinas (2012)

Anexo 26 Seminário Modelos e Estratégias: registro dos documentos do processo

(2011/2012)

1

APRESENTAÇÃO

MINHAS IMPLICAÇÕES E MOTIVAÇÕES

Contar certa história é o que me moveu a fazer essa pesquisa. Certa história

implicada, envolvida no aqui e agora, de onde vim, as influências e as concepções éticas -

políticas as quais defendo e como este processo aconteceu em minha vida sem uma vontade

ou decisão consciente é um pouco do percurso que passo a relatar agora.

Ouvindo certa história e vivendo-a a partir de 1988, quando fui contratada pela

Prefeitura de Campinas para exercer a função de auxiliar de saúde pública no antigo Posto

de Saúde Marina Acosta, no Parque Universitário no Distrito de Saúde Sudoeste.

Relembrando certa história quando fui ‘treinada’ por auxiliares de saúde mais

experientes e pelos médicos do serviço, havendo somente um enfermeiro fixo na unidade

de saúde e os demais ficavam no nível central da Secretaria de Saúde.

Ouvindo certas histórias durante as entrevistas que fiz, e que se relacionavam com a

minha história, o que me fez relembrar desse tempo, mobilizando grandes emoções e

afetos.

Relembrando o inicio de minha graduação em Enfermagem na UNICAMP (1993), a

formatura em 1996, meu primeiro trabalho como enfermeira no Hospital Celso Pierro

(PUCC), na enfermaria de Psiquiatria, conhecida como Bloco 7 (sete). Meus primeiros

passos na profissão.

[memória]...construção do passado pautado por emoções e vivências. É flexível e

os eventos são lembrados à luz da experiência subsequente e das necessidades do

presente. (FERREIRA, 2000, p. 111).

Ainda recordando minha certa história, quando em 1998, fui chamada pelo

concurso público da Prefeitura de Campinas, assumindo como enfermeira no Centro de

Saúde DIC III – Distrito de Saúde Sudoeste de Campinas. Saudades da equipe que me

recebeu como enfermeira, já tendo eu passado por lá, quando fui auxiliar de saúde pública.

O desejo de estar na gestão. Prestei um processo seletivo em 1999 e fui coordenar o

Centro de Saúde Santa Lúcia, também no Distrito de Saúde Sudoeste. Vivenciei emoções,

afetos, (des) encontros. Época do Projeto Paidéia, as equipes de referência, os alunos de

Medicina do 1° ano e a residência médica do Departamento de Medicina Preventiva e

2

Social da UNICAMP, meu curso de Saúde Pública, a experiência do Núcleo de Saude

Coletiva... Minhas certas histórias...

Nova experiência na gestão: em 2005 peço remanejamento e assumo a coordenação

do CS DIC III, já conhecido de outras certas histórias de minha vida. Novos desafios...

Uma população de maior risco e vulnerabilidade e a necessidade de exercitar novas

ferramentas, dispositivos e arranjos... Meu Mestrado. Novos questionamentos.

Meu Mestrado em Saúde Coletiva... Professor Sérgio Carvalho me ajudou nos

primeiros passos e me orientou no percurso, juntamente com Professor Heleno Rodrigues

Corrêa Filho. E caminhei, aprofundando na Epidemiologia e no Planejamento e Gestão,

quando me deparo com as Ciências Sociais... Minha paixão desde sempre (um dia quis me

graduar na área, não foi possível devido contexto de vida pessoal). Percebi o quanto

precisava conhecer e explorar essa área de conhecimento para potencializar minha gestão.

Durante todo o percurso da gestão de UBS questionei a forma como a Vigilância em

Saúde atuava dentro dos serviços, com uma postura vertical e não parceira e isto causou

muitos estranhamentos e discussões com a coordenação da VISA Distrital.

Uma oportunidade de realizar mudanças... Em junho de 2009 assumi a coordenação

da Vigilância do Distrito Sudoeste (VISA Sudoeste) com o objetivo de desenvolver ações

integradas e articuladas com os serviços de saúde do Distrito.

Minha certa história: aceitar o desafio de debater e utilizar dispositivos que

permitissem com que as relações entre VISA e serviços de saúde pudessem ser mais

compartilhadas, tais como: Núcleo de Saúde Coletiva distrital, apoio matricial às Unidades

de Saúde, capacitações sugeridas de acordo com as necessidades dos serviços, dentre

outros.

Escrevendo nova história: o doutorado na subárea de Ciências Sociais, e minha

afinidade com a Análise Institucional desde as disciplinas ministradas pela Profa. Solange

L’Abbate. Senti a necessidade de aprofundar a área e fui acolhida pelo Grupo de Pesquisa

em Análise Institucional e Saúde Coletiva. Meus amigos. Meus professores. Meus mestres.

O quanto me ensinaram do que hoje coloco em prática.

Minha (sobre) implicação ao ocupar o duplo lugar de pesquisadora e coordenação

de uma das cinco Vigilâncias em Saúde, do município de Campinas. Ousei escrever acerca

de alguns incômodos e inquietações que me moveram a realizar o presente estudo.

3

Hoje não mais inserida na gestão da Vigilância, mas escrevendo ainda... Escrevendo

esta certa história, a partir das experiências vividas e contadas pelos entrevistados... Certa

história por que há outras. Esta é apenas uma delas.

Os depoimentos dos entrevistados e suas certas histórias. Não obstante muitas

vezes a memória resgatada através dos depoimentos ter se mostrado predominantemente

institucional, outras certas histórias, ainda não contadas, puderam ser escritas a várias

mãos. Coautorias.

Consegui contar “A” história da Vigilância de Campinas? Com certeza não.

Reconheço as ausências de alguns fatos que também foram importantes na história

instituída. Não tive, no entanto, a pretensão de restar ”A” história e sim, disparar que outros

contem suas outras certas histórias.

Reflito a partir de Deleuze (1997, 11),

Escrever é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via de fazer-se, e que

extravasa qualquer matéria vivível ou vivida.

A partir desse contexto, tomei a Vigilância enquanto uma instituição histórica e

hegemonicamente construída e consolidada em nossa sociedade, o que me motivou a

estudar a trajetória de institucionalização da Vigilância em Saúde em Campinas e seus

movimentos inovadores – instituinte – nos modos de operar o que está normatizado –

instituídos em um campo de conhecimento.

Alguns questionamentos me vieram quando passei a contar essa certa história: seria

possível (re) inventar a Vigilância em Saúde, a partir de sua trajetória histórica e social?

Seria possível que essa instituição se aproxime da sociedade e dos trabalhadores e

“componha” um novo modo de fazer, mais participativo e inclusivo?

Assim sendo, esta certa história está marcada pela “conjunção e”, como aconteceu

em minha dissertação de mestrado (GARCIA, 2009). “Conjunção e”, pois se abre

possibilidades de novas “certas histórias”.

A despeito de ter o desejo de não esquecer alguns processos de trabalho, alguns

sujeitos importantes nesta certa historia, não dei conta de contar “A” história: por isto me

refiro a esta certa história e deixo para outros seguirem contando novas certas histórias e

utilizando a conjunção “e..

4

5

CAPÍTULO 1: A SAÚDE PÚBLICA E AS AÇÕES SANITÁRIAS:

ELEMENTOS PARA UMA DISCUSSÃO ACERCA DO MOMENTO

FUNDADOR DA VIGILÂNCIA

Nada do que foi será de novo

do jeito que já foi um dia tudo

passa tudo sempre passará; a

vida vem em ondas como um

mar num indo e vindo infinito;

tudo o que se vê não é igual ao

que a gente viu a um segundo

tudo muda o tempo todo no

mundo [...]. Como uma onda

do Mar (Lulu Santos)

A preocupação com doenças endêmicas como resfriados, caxumbas, pneumonias,

febres e epidemias de malária e difteria e seu impacto sobre as sociedades é antiga, E

segundo Souto, 2004, p. 18, eram importantes problemas de saúde no mundo greco-

romano. Segundo a autora, em civilizações como Grécia, Índia e em Tróia, já se

verificavam.

[...] ações de saneamento e habitação, bem como leis relativas ao planejamento

das cidades indianas, à presença de ruas largas, pavimentadas e drenadas por

esgotos abertos. Escavações feitas em Tróia revelaram nos anos 2000 a.C. um

fornecimento engenhoso de água de beber, sistema de esgotamento e destinos dos

dejetos. Na Índia, em 300 a.C., remédios [...].

A autora prossegue dizendo que no tempo do imperador Nero, em Roma, existia

funcionários da administração pública chamados de aediles que supervisionavam a limpeza

das ruas, mercados públicos e proibiam a venda de alimentos estragados.

Rosen (1994) salienta que durante a Idade Média apesar de um descaso sanitário

inicial em relação à limpeza de ruas, saneamento e controle de dos alimentos, houve uma

preocupação das comunidades com o controle de lixo, dejetos e criação de animais,

surgindo um grande numero de normas e apenações que serviram como base para um

Código Sanitário (p.57).

6

A preocupação com a quantidade de animais criados nas ruas era um problema

crescente e no inicio do século XV foram construídos os primeiros matadouros públicos e

segundo a autora, estas práticas estavam restritas às comunidades (SOUTO, 2004).

A ideia do contágio nos remete às práticas como isolamento e quarentena de doentes

e o controle de mercadorias e navios que surgem no final da Idade Média, consolidando-se

com o processo de urbanização (ROSEN, 1994; SCLIAR, 2002; WALDMAN, 1991).

Segundo os autores, as medidas para a contenção das epidemias, como Febre Amarela,

Tifo, Varíola e Malária, dentre outras doenças vinham dentro do escopo e modelo da Saúde

Pública, bem como o controle de portos nos séculos XVII e XVIII. A estratégia de

contenção das doenças e do impacto no coletivo contribuiu para a construção do que hoje

chamamos de vigilância, cujo termo e etimologia nos remetem à ideia de vigiar – do latim

vigilare.

Souto (2004) afirma que, apesar das práticas sanitárias existirem desde a

antiguidade, foi com o advento do Estado Moderno que surge como política estatal

intervencionista, espelhando-se no modelo da polícia médica. Segundo a autora o termo

polícia médica foi desenvolvido por Veit Ludwig von Seckendorff , e foi a primeira política

estatal de saúde no mundo ocidental, levando às primeiras intervenções do Estado na saúde.

Nesse sentido, segundo Foucault (1984), no século XVIII, houve três experiências

iniciadas na Europa, que constituíram os elementos centrais das atuais práticas da

vigilância: a medicina social, na Inglaterra nos séculos XVI e XVII; a medicina urbana, na

França e a medicina de estado, na Alemanha (Medizínichepolizei) nos séculos XVIII.

Segundo L’Abbate (2009, p. 51), estes modelos surgiram [...] no âmbito da constituição do

capitalismo, sob a forma da produção industrial no processo de urbanização ocorrido na

Europa do século XVII ao século XIX [...].

Concordamos com a autora quando afirma que, no Brasil houve a combinação dos

elementos dos modelos europeus, dentro das respectivas especificidades do

desenvolvimento do capitalismo do país. Corroborando com a autora, Waldman (2012),

afirma que esse processo foi marcado por uma ideologia de proteção à saúde pública e que

utilizou de ferramentas verticais, características de um modelo campanhista e pouco

participativo. Medidas de controle de portos no século XIX e o desafio assumido por

7

destacados sanitaristas como Oswaldo Cruz1, Carlos Chagas, Emílio Ribas e Adolfo Lutz

que enfrentaram as epidemias como Febre Amarela, Tifo, Varíola dentre outras

(WALDMAN, 2012), que são exemplos de tais intervenções estatais, apesar das críticas

que sofrem quando às arbitrariedades.

Com a chegada da Família Real ao Brasil em 1808, inicia-se a criação de

instituições que tinham como objetivo vigiar e realizar o controle de epidemias e sanear o

meio ambiente, através de estratégias como o saneamento do meio, urbanização das cidades

e criação de lazaretos para confinamento e isolamento (quarentena) dos indivíduos

portadores de doenças epidêmicas e cutâneas, dentre outros (L’ABBATE, 2009).

No Brasil Colonial, o modelo exploratório contribuiu para as doenças

transmissíveis2 – chamadas de pestes – como varíola, febre amarela, malária e tuberculose,

as quais eram tratadas com a estratégia de controle do confinamento dos doentes nas santas

casas, com ações voltadas para o indivíduo doente e não para as causas do adoecimento

(WALDMAN, 1998).

A construção de aterros de pântanos, de mercados para que o comércio se efetivasse

sem riscos à saúde, organização dos cemitérios com criação de normas higiênicas para o

enterro, controlar os matadouros, os açougues, criando currais para o gado que era abatido

na cidade, eram algumas das estratégias utilizadas.

Com o advento da era bacteriológica e microbiológica, a partir do final do século

XIX, surgiu a noção do agente etiológico, possibilitando novas formas de enfrentamento

das doenças como a soroterapia e quimioterapia: nascem as estratégias de vacinação como

a antivariólica, reforçando concepção de vigilância restrita ao indivíduo que deveriam ser

controlados, isolados e punidos, caso não respeitassem as ordens (WALDMAN, 1998).

Andrade (2001, p.19) afirma que esse foi o [...] nascimento da saúde pública no Brasil [...].

Waldman (2006) afirma que o termo vigilância pode ter dois significados, sendo o

primeiro, introduzido no final do século XIX – [...] observação dos comunicantes durante o

1 Oswaldo Cruz realizou a campanha de vacinação obrigatória de acordo com Lei Federal nº 1.261, de 31 de

outubro de 1904. Carlos Chagas reestruturou em 1920, o Departamento Nacional de Saúde, então ligado ao

Ministério da Justiça criando órgãos especializados na luta contra a tuberculose, a lepra e as doenças

venéreas. 2 Concepção sobre as causas das doenças baseada na teoria dos miasmas, ou seja, não se conhecia micro-

organismos causadores de doenças, o que aconteceu somente na época da Microbiologia, Histologia e outras

ciências.

8

período máximo de incubação da doença [...] (p.490). O segundo significado é mais

moderno segundo o autor, surge de um novo conceito de vigilância, preocupado com o [...]

acompanhamento sistemático de doenças na comunidade, com o propósito de oferecer

bases científicas para o aprimoramento de estratégias para controle [...] (p. 490).

Segundo Waldman (2006), o desenvolvimento desse conceito vigilância coincide

com o pico da Guerra Fria, final da guerra da Coréia (década de 50), momento de forte

tensão internacional, em que a guerra biológica apresentava risco potencial. Nesse

momento tornou-se necessário, segundo o autor, o estabelecimento de sistemas de

informação de morbimortalidade com rápida identificação e investigação de epidemias (p.

490). A designação inicial de inteligência epidemiológica, instrumento para obtenção de

informações particularmente secretas. Para Waldman, [...] talvez para evitar o estigma do

caráter militar da palavra ‘inteligência’, temos a substituição pelo termo vigilância (p. 491).

Durante o predomínio na sociedade brasileira da economia agroexportadora,

assentada na monocultura cafeeira (século XVIII), o sistema de saúde esteve voltado para

uma política de saneamento destinado aos espaços de circulação das mercadorias

exportáveis e a erradicação ou controle das doenças que poderiam prejudicar a exportação,

predominando o modelo do sanitaríssimo campanhista. Segundo Waldman (1998a) [...] este

conjunto de medidas de tipo restritivo, policial e com caráter punitivo, criava sérias

dificuldades para o intercâmbio comercial entre países.

A partir do controle das epidemias nas grandes cidades brasileiras o modelo

campanhista deslocou a sua ação para o campo e para o combate das endemias rurais, dado

ser a agricultura a atividade hegemônica da economia da época, sendo um modelo de

atuação amplamente utilizado pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública

(SUCAM) no combate a diversas endemias (Chagas, Esquistossomose, e outras),

posteriormente incorporada à Fundação Nacional de Saúde.

Segundo Henriques (2009), a inflexão do modelo de produção agroexportador com

base na mão de obra escrava, levou a necessidade de mão de obra livre, ou seja, imigrantes

estrangeiros. Em meio a este contexto são adotadas novas práticas chamadas de práticas

sanitárias, que envolviam criação de institutos de vacina, comissões de vigilância,

laboratórios bacteriológicos, serviços de desinfecção, o Instituto Butantã (1901) e o

Instituto Pasteur (1903).

9

Apesar dos métodos verticais utilizados, é notável o trabalho do Emílio Ribas no

controle da Febre Amarela, de Oswaldo Cruz no controle da Varíola, através da vacinação

compulsória, além de outros nomes de relevância nacional, mas reforçamos o impacto de

tais práticas ao arcabouço teórico-metodológico da Vigilância que se institucionaliza no

Brasil, na década de 70, denominando-se de Vigilância Epidemiológica e Vigilância

Sanitária.

O modelo campanhista do século XIX, herdeiro de conceitos e jargões militares,

criados na perspectiva do combate das grandes epidemias que ameaçavam a atividade

econômica e o modelo da polícia sanitária, subordinou o individual ao coletivo, utilizando a

aplicação de leis e invadindo a liberdade das pessoas (HENRIQUES, 2009).

Segundo Lucchese (2001), o modelo sanitarista que tem a característica de

enfrentamento de problemas de saúde selecionados e para o atendimento de necessidades

específicas de determinados grupos, através de ações de caráter coletivo (campanhas

sanitárias, programas especiais, ações de Vigilância Epidemiológica e Sanitária), possui

limitações quanto ao atendimento de demandas da população por uma atenção integral,

com qualidade, efetividade e equidade.

Partimos de um pressuposto de que esses processos impactaram sobre o modelo

empregado pela atual Vigilância em Saúde, suas práticas e ferramentas utilizadas, bem

como na forma de participação dos sujeitos no processo como um todo. Isto pode ser

exemplificado, por exemplo, em relação às recentes epidemias de dengue, que segundo

Campos (1989, p. 53), são enfrentadas a partir do

[...] o combate do vetor, e a operação mata-mosquitos é apresentada como capaz

de controlar a difusão da epidemia, sendo que, na realidade, dever-se-iam adotar

medidas de reorganização e humanização do espaço urbano, uma vez que os

focos de infestação do Aedes aegypti e de difusão da moléstia são exatamente

aqueles locais mais carentes de infraestrutura urbana básica.

As medidas de contenção de focos de doenças infecciosas e fiscalização sanitária

tem demonstrado perfil restrito de intervenção nos principais problemas de saúde da

população, que transcendem o modelo acima descrito, exigindo enfrentamentos

relacionados

O importante e estratégico lugar de onde fala e se insere a Vigilância, é estratégico

nos enfrentamentos relacionados à

10

[...] determinantes do processo saúde doença, a ação patogênica do capital, as

perversas condições de trabalho, a mercantilização predominante na produção

de medicamentos e equipamentos médico-hospitalares [...] dentre outros

(CAMPOS, 1989, p. 51).

Segundo Merhy (1987, p. 69), a Constituição de 1891, por exemplo, reforça e

formaliza que os [...] estados são responsáveis pela Saúde Pública nas suas respectivas

áreas [...] e que a gestão destas práticas sanitárias eram de competência ora estadual e ora

municipal.

Campos (1987) ao tratar da subordinação da Saúde Pública à dinâmica de

acumulação capitalista, refere que pode ser considerado um interdito à Saúde Pública os

limites que foram se colocando à sua prática. Segundo o autor, neste momento de ocaso, a

Saúde Pública

[...] viu-se obrigada a renunciar às suas pretensões de regular o ambiente

urbano, a planejar a organização do espaço urbano segundo preceitos da

higiene ambiental [...] a ocupação do espaço urbano obedeceu mais à lógica

da especulação imobiliária, da invasão desordenada de imensos contingentes

migratórios expulsos do campo e dos Estados mais pobres, inviabilizando a

preservação de adequadas condições sanitárias [...] ‘interdito’ político que

inviabiliza o surgimento de um aparelho estatal capaz de regular a poluição do

ar, da água e do solo [...] impossibilidade técnica de se regulamentar a

produção e o consumo de defensivos agrícolas, de alimentos industrializados e

de medicamentos[...] explodem os números e o Brasil se torna campeão em

acidentes de trabalho [...] resposta articulada pelo próprio Estado se dá

principalmente através da assistência médica individual a cargo das próprias

empresas que fabricaram aquelas condições inadequadas ao trabalho salubre

[...] (p. 116).

Campos reforça que apesar dos interditos à Saúde Pública, ao longo dos anos

trinta até os anos setenta há uma modificação na estrutura de morbimortalidade da

população brasileira, já estando controladas as epidemias predominantemente urbanas

como a varíola, a febre amarela, dentre outras. Isto trouxe, uma nova complexidade

sanitária que exigiu a ampliação da cobertura e o acesso à assistência à saúde.

Esta ampliação do acesso, bem como a melhoria nas condições de vida da

população, traz um processo de transição demográfica, epidemiológica e nutricional

desde a década de 60, que segundo Malta & Silva Junior (2013) resultou em uma nova

epidemia mundial: o aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis

(DCNT).

11

O inicio do século XX traz avanços científicos e novos conhecimentos e

tecnologias, e uma intensa produção e circulação de mercadorias no contexto de um mundo

globalizado, onde o risco à saúde aumenta a cada dia, extrapolando fronteiras de países, não

abarcando somente cidadãos e consumidores, mas também os produtores.

A crescente e rápida complexidade social, cultural, econômica do país, no âmbito

das relações sociais produção-consumo, onde necessidades são artificialmente criadas a

partir de estratégias mercadológicas tendo como ordem consumir (COSTA, 2009), e traz

novos riscos advindos do progresso da ciência e da descoberta de novos tratamentos

(clonagem, novas técnicas cirúrgicas e terapêuticas, novos medicamentos), além dos já

conhecidos riscos naturais como epidemias, e riscos advindos de atividades humanas

(trabalho, alimentação, consumo, etc.), produzindo reflexos na saúde individual ou

coletiva (AITH, 2007).

Este contexto exige do Estado uma intervenção constante e atualizada, no sentido

de enfrentar o risco posto pela modernidade. A necessidade de regular produtos

potencialmente danosos à saúde e ao ambiente tem sido tema de interesse atual (COSTA,

2009).

O Estado de Direito brasileiro que tem como fundamento jurídico a Constituição

Federal (1988) reconhece normativamente os chamados direitos sociais (BRASIL, 1988),

ainda que coexistindo com omissões sociais. O Código de Defesa do Consumidor (1986),

é um dos dispositivo legais criados para salvaguardar estes interesses públicos.

Surgem ainda, as atribuições constitucionais previstas no SUS – controle,

fiscalização, vigilância, prevenção de riscos e agravos – , as ações específicas voltadas

para a segurança sanitária – ações de Vigilância Sanitária, Ambiental, Epidemiológica e

da Saúde do Trabalhador -, e o polêmico “poder de polícia” (Costa, 2009).

Não obstante a importância da discussão acerca deste tema polêmico, não é nosso

objetivo aprofundar o debate. A despeito disto, cabe ressaltar que o exercício do chamado

poder de polícia, através de atos normativos (contidos em Lei) e atos administrativos

(medidas tomadas com a finalidade de cumprir a lei) têm sido ferramentas prioritárias para

a Vigilância. Costa (2009) classifica os atos administrativos em preventivos – autorização,

licença, fiscalização, vistoria, ordem, notificação – com o objetivo de adequar o

comportamento individual à lei; [...] e medidas repressivas – interdição, apreensão de

12

mercadorias deterioradas, internação de pessoas com doença contagiosa, fechamento de

estabelecimento, etc. – com finalidade de coagir o administrado a cumprir a lei (p.57).

É na Lei nº 5.172/1966 – conhecido como Código Tributário Nacional – , em seu

artigo n° 78 que encontramos a definição jurídica de poder de polícia

[...] considera-se poder de polícia atividade da Administração Pública que,

limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de

ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente a

segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do

mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou

autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à

propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (BRASIL, 1966).

A polêmica existente em torno deste poder de polícia, segundo Costa (2009), está

no fato de que representa a limitação dos direitos e liberdades individuais em beneficio de

um interesse público legalmente protegido. Concordamos com a autora, quando afirma que

o desafio consiste em equilibrar o exercício deste poder, de maneira à [...] evitar, de um

lado, o abuso por parte das autoridades públicas estatal e, de outro, os abusos por parte de

cidadãos pouco cooperativos (p. 57).

Cabe destaque e concordância com Costa (2009, p. 57-8) quando afirma que o

desafio atual é o equilíbrio desse exercício de poder

[...] evitar, de um lado, o abuso por parte das autoridades públicas estatais e,

de outro, os abusos por parte de cidadãos pouco cooperativos [...] organizar

arranjos institucionais capazes de articular as diferentes ‘vigilâncias’ entre si

e com as demais ações de saúde e capacitar o Estado para a obtenção e

análise de informações estratégicas para a proteção da saúde pública [...].

13

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS

A relevância do tema escolhido advém, dentre outros, do contexto de mudanças

sócio-histórica mundial. Neste contexto, dentre outras necessidades da modernidade, a

proteção à saúde dos sujeitos que participam das mudanças, tem sido tema de vários

estudos.

No Brasil, especificamente, a temática relativa à Vigilância em Saúde tem

despertado interesse em níveis federal, estadual e municipal, e de vários autores, dentre os

quais destacamos Costa (2003), Aith & Dallari (2009), Henriques (2009) e Lucchese (2001)

os quais têm se debruçado sobre este objeto e analisado a partir de diferentes vinculações

teórico-metodológicas.

As lacunas e insuficiências no modelo de Vigilância para enfrentamento da atual

complexidade sanitária, me impulsionou a escrever esta certa história. O pouco diálogo,

articulação e integração existente entre a Vigilância e os serviços de saúde do SUS, me

causaram o incômodo que me instigou a escrever.

Meu interesse específico é inerente ao meu próprio percurso histórico na

Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Campinas (SP), nas décadas de 80/90 e por

ter me inserido em diferentes lugares: fui auxiliar de saúde pública e posteriormente me

graduei em Enfermagem, podendo olhar a partir de quem faz a assistência direta ao

paciente e comunidade. Além disto, ocupei cargos de coordenação de Unidade Básica de

Saúde e coordenação de Vigilância Regional de Saúde. Estas diferentes inserções me

possibilitam olhar para o objeto temático a partir de várias perspectivas de análise, ainda

que ‘míopes’. Vale aqui ressaltar que realizar a análise sócio-histórica do objeto em

questão, é realizar a análise de minha própria (sobre) implicação, constituindo-se um

desafio para o presente estudo. Lourau (2004e) nos traz o debate da técnica de análise da

implicação, da qual trataremos adiante.

O município de Campinas (SP) tem um acúmulo histórico que o constitui

vanguarda nas políticas de saúde no Brasil e corroboram para criação de arcabouços legais,

devido sua inserção em movimentos da Reforma Sanitária no país. Algumas áreas

específicas da Vigilância em Saúde de Campinas têm sido objeto de alguns estudos

(BALISTA, 2013; 2008; VILELA, 2005 e NASCIMENTO, 2004), existindo, no entanto,

14

um vácuo em trabalhos que realizem uma análise de seu processo de institucionalização

como um todo, articulando ao contexto sócio- histórico nacional.

A partir de uma análise do processo de institucionalização da Vigilância em Saúde

no município de Campinas, objetivo principal deste estudo, constituiu-se um desafio pensar

na articulação e integração desta, com uma rede de serviços de saúde complexa, composta

por vários níveis de assistência, controle social além de outras instituições fora do setor da

saúde.

OBJETIVOS:

Geral

• Descrever e analisar o processo de institucionalização da Vigilância em Saúde em

Campinas enfocando nas estratégias de descentralização, na perspectiva da gestão

participativa e compartilhada.

Específicos

• Identificar a percepção que os sujeitos envolvidos têm sobre como se deu o

processo de institucionalização da Vigilância em Saúde em Campinas (SP):

evolução do modelo, participação dos trabalhadores, população e articulação inter e

intersetorial.

• Caracterizar as estratégias e dispositivos utilizados com potencialidade para

articular/ integrar a Vigilância em Saúde aos serviços de saúde e população.

A estruturação da pesquisa

A partir da relevância e motivação apontadas, relato como organizei meu

registro. Inicio com Minhas implicações e motivações, ressaltando o local de onde conto

essa certa história e reconhecendo as lacunas que não consegui preencher. No primeiro

capítulo, trago elementos para analisar o momento fundador da Vigilância, a partir da

Saúde Pública. A partir destes elementos, exponho a justificativa da escolha do tema,

minhas implicações e objetivos. Apresento o Referencial Teórico – a Análise Institucional

15

(Lourau) em sua vertente sócio-histórica (Savoye) e sua potência em descrever a

institucionalização da Vigilância, sua duração, temporalidade e historicidade. No Percurso

Metodológico, tomo como uma das referências Baremblitt e esclareço que conto a certa

história da Vigilância de Campinas partindo de um passado histórico que ainda está vivo no

presente e pode determinar ou está determinando o futuro. No segundo capítulo apresento

os núcleos específicos da Vigilância – Epidemiológica, Sanitária, Ambiental e Saúde do

Trabalhador – a partir de suas gêneses teórica, social e histórica. Faço ainda uma breve

discussão de sua inserção no atual contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). No terceiro

capítulo, explicito meus receios e constrangimentos em escrever acerca do tema, devido

implicações psicoafetiva, como também histórico/existencial e estrutural/profissional

(Barbier). Conto que foi durante o momento processual da restituição, que consegui

explicitar aos entrevistados esse meu sofrimento em escrever, fazendo minha análise de

implicação. Pedi ajuda poética para dar conta de escrever essa certa história com mais

leveza. No quarto capítulo faço uma periodização dos governos de Campinas e sua relação

com as mudanças de modelo de saúde e de Vigilância, mais especificamente, sem me

preocupar com a linearidade ou a cronologia dos acontecimentos. A periodização inicia em

1977 até dias 2013, considerando, no entanto, uma história contada por um dos

entrevistados que inicia em 1933 com a criação da Inspetoria Municipal Veterinária de

Campinas, por vislumbrar que tal história impactou diretamente nos anos seguintes. No

entanto, não aprofundo esse período. No quinto capítulo faço algumas reflexões a partir de

algumas categorias de análise, debatendo os achados durante a periodização, e em seguida

faço as Considerações Finais.

Esta pesquisa foi submetida à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da

PUCCAMP, conforme Parecer do CEP n° 236.337 e CAAE n° 14109413.6.0000.5481 de

02/04/13 (ANEXO 1)

16

REFERENCIAL TEÓRICO

O interesse em pesquisar a institucionalização da Vigilância em Saúde em

Campinas, nos moveu a utilizarmos o arcabouço teórico - metodológico da Análise

Institucional.

Segundo L’Abbate (2005, p. 237),

A Análise Institucional nasceu da articulação entre intervenção e pesquisa, entre

teoria e prática [...] tem por objetivo compreender uma determinada realidade

social e organizacional, a partir dos discursos e práticas dos seus sujeitos. [...]

utiliza-se de um método constituído de um conjunto articulado de conceitos,

dentre os quais [...] transversalidade, analisador e implicação, tendo como base

um conceito dialético de instituição. Grifos meus.

Segundo L’Abbate (2013) a Análise Institucional (AI), é “iniciada” na França, na

década de 1960 e no Brasil, na década de 1970, sendo indissociável das condições

histórico-sociais que a produziram3.

Destaco que essa especificidade da Análise Institucional em contestar o que está

instituído, e compreender a realidade a partir dos discursos e práticas dos sujeitos (p. 237)

foi bastante adequada para a análise do objeto dessa investigação, ou seja, o processo de

institucionalização da Vigilância, tanto em sua dimensão macro, relacionada à política de

saúde do estado brasileiro, como na dimensão micropolítica, referente à municipalização

e descentralização – princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) –, no cenário do

município de Campinas/SP.

De acordo com Lourau (1975, 2004), a Análise Institucional buscou inspiração, em

termos conceituais e estratégicos, em diversas correntes do pensamento: na Psicoterapia

Institucional, para elaborar o conceito de analisador e transversalidade; na Pedagogia

Institucional, o conceito de autogestão e na Psicossociologia, os conceitos de encomenda e

demanda.

3 Na França, a Análise Institucional surge em um contexto de fortes movimentos contestatórios, que

questionavam partidos de esquerda, hospitais psiquiátricos, escolas de nível médio, universidades e fábricas

(L’ABBATE, 2012, p. 195). Segundo Rodrigues (1994, 2000 e 2004), as instituições que estavam sendo

postas em xeque foram as instituições políticas, a psiquiatria, educação e trabalho. No Brasil foi difundida a

partir da década de 1970, e segundo L’Abbate (2012), em um contexto político de restrição das liberdades

civis e políticas.

17

O conceito instituição foi desenvolvido por Lourau, a partir de Hegel (1999)4 e

Castoriadis (1982)5 e sistematizado no livro “L’analyse institutionnelle”, publicado em

1970 na França e em 1975 no Brasil.

Esse conceito é considerado por Savoye (2007) como pivô para a Análise

Institucional (AI) ganhando um sentido dinâmico, uma vez que remete a um processo de

produção constante de novos modos de existência, de configuração das práticas sociais.

Destacamos a conceituação dada por Lourau, onde:

“Primeiro, as instituições são normas”. Mas elas incluem também a maneira

como os indivíduos concordam, ou não, em participar dessas mesmas normas.

As relações sociais reais, bem como as normas sociais, fazem parte do conceito

de instituição. Seu conteúdo é formado pela articulação entre a ação histórica

de indivíduos, grupos, coletividades, por um lado, e as normas sociais já

existentes, por outro. Segundo, a instituição não é um nível de organização

social (regras, leis) que atua a partir do exterior para regular a vida dos

grupos ou as condutas

dos indivíduos; atravessa todos os níveis dos conjuntos humanos e faz parte da

estrutura simbólica do grupo, do indivíduo. “Logo, pertence a todos os níveis

da análise: no nível individual, no da organização (hospital, escola, sindicato),

no grupo informal bem como no formal, encontramos a dimensão da

instituição. (2004a, p. 71).

Baremblitt (2012, p. 156-7) concorda com Lourau.

[...] toda instituição compreende um movimento que a gera: o instituinte; a um

resultado, o instituído; e um processo, a institucionalização.

O instituinte [...] é o processo mobilizado por forças produtivo-desejante-

revolucionárias, que tende a fundar instituições ou transformá-las, como parte

do devir das potências e materialidades sociais,

O instituído é o [...] resultado da ação instituinte [...] cumpre um papel

histórico importante porque vigora para ordenar as atividades essenciais para

a vida coletiva.

Lourau define três momentos da instituição. O momento do instituído, ou seja, do

que está posto e estabelecido, as normas, as leis, o que autor chamou de universal. O

momento instituinte, que por sua vez, exprime a particularidade, a negação do instituído,

do universal. Do resultado/relação entre estes dois momentos – instituído e instituinte –

surgem à institucionalização, ou seja, a singularidade.

4 Em Fenomenologia do Espírito (1999, p. 296), Hegel compara o movimento de afirmação/negação da

negação, ao botão que desaparece ao desabrochar da flor, e pode-se dizer que é resultado pela flor.

Igualmente, a flor se explica por meio do fruto como um falso existir da planta, e o fruto surgem em lugar da

flor como verdade da planta. Essas formas não apenas se distinguem, mas se repelem como incompatíveis

entre si. 5 Castoriadis a partir da análise sobre a auto alteração da sociedade, mediante a qual toda instituição social é o

resultado de um movimento dialético contínuo entre instituído/instituinte (L’ABBATE, 2005, p. 238).

18

De acordo com L’Abbate (2005, p. 238),

a novidade do conceito desenvolvido por Lourau é, de um lado, seu caráter dialético

e, de outro, a possibilidade de discuti-lo no interior de várias disciplinas e autores, da

filosofia do direito à sociologia positivista, da antropologia ao marxismo.

Optamos pelo referencial teórico da Análise Institucional em sua vertente sócio-

histórico (AI-SH), formulado por Savoye (1998, 2003, 2007), entendendo que tem a

potência de análise do momento fundador da instituição Vigilância, ou seja, sua missão,

seus objetivos, e seus movimentos instituinte posteriores que negavam esse momento

fundador em um movimento contínuo.

Para Savoye (2003, p. 134-5), a Análise Institucional sócio-histórica pode ter duas

abordagens:

[...] na primeira acepção, a sócio-histórica significa colocar em perspectiva histórica

uma “realidade” estudada em sua atualidade [...] realidade tangível (instituição,

fenômeno, acontecimento) ou abstrata (representação, noção, conceito, teoria) [...] –

Aspas do autor.

Segunda abordagem

[...] significa estudar realidades não contemporâneas, circunscritas no passado (e

consideradas nesse sentido, como longínquas, até mesmo “mortas”) [...] – Aspas do

autor.

Segundo L’Abbate (2013), as duas abordagens podem estar combinadas em uma

pesquisa, quando se busca a gênese histórica, social e teórica do fenômeno. Rodrigues

(2006, p.30) destaca que

[...] a gênese teórica de conceitos e dispositivos institucionalistas se vê posta em

permanente interferência com sua gênese sócio-histórica.

Sól (2011; 2013) utilizou-se dessa vertente ao analisar três programas de

residência em Medicina Geral Comunitária6: dois em Porto Alegre (RS) e um em Mariana

(MG), contribuindo assim para uma reflexão acerca das gêneses histórica, social e teórica

desses projetos, gêneses que, de acordo com Savoye (2003, p. 2), constituem uma

conjugação "de fatores de natureza política, social e institucional que presidem à

emergência da nova práxis cognitiva".

6Segundo Campos (1987, p. 50), a [...] medicina comunitária é modelo assistencial importado no inicio dos

anos setenta e que propunha a incorporação da assistência médica individual aos tradicionais centros de

saúde, objetivando, particularmente, o atendimento de populações colocadas à margem dos serviços

previdenciários [...].

19

Este autor, afirma, baseado em Savoye (1988, 2003 e 2007) que a Análise

Institucional sócio-histórica “mostrou-se a mais indicada [para a análise do seu objeto de

estudo], pois se fundamenta na ampliação do conhecimento acerca de fatos passados,

mas que ainda possuem repercussão no presente (Sól, 2013, p.182). Esta consideração,

sem dúvida, demonstra a utilidade dessa abordagem para a análise das conjunturas,

rupturas, contradições que definiram a Vigilância em Saúde no Brasil, mais

especificamente no município de Campinas (SP).

Nesse estudo, buscamos realizar um diálogo constante entre o processo de

institucionalização da Vigilância desde os primórdios da Saúde Pública e o processo de

constituição do sistema de saúde nacional e especificamente em Campinas. Essae diálogo

trouxe um movimento teórico e sócio-histórico no sentido de compreender como se

constituiu essee processo.

Consideramos a Vigilância em Saúde como uma instituição, pois é composta por

normas, protocolos, legislações, saberes e práticas hegemônicas, construídas e reconhecidas

como verdades e que, de tempos em tempos, são questionadas, atualizando-se.

Olhar para os processos de institucionalização (terceiro momento do conceito de

instituição) é olhar para um processo que se desdobra no tempo e só é perfeitamente

compreensível mediante a reconstituição de seu desenvolvimento diacrônico. A ideia de

institucionalização, portanto, implica raciocinar em termos de duração, temporalidade e

historicidade (SAVOYE, 2007, p. 181).

À luz do referencial teórico da AI-SH, Savoye (2007) nos traz ainda.

[...] dois tipos de institucionalização, correspondentes a dois momentos históricos da

instituição. Quando esta se constitui

Originalmente, pode-se falar em institucionalização fundadora (IF), processo pelo qual

a instituição toma forma, ao mesmo tempo em que cria as condições para sua

perpetuação. Mas estando a instituição fundada, ela é sede de uma dialética entre um

instituído (por mais novo e inédito que seja) e um instituinte (isto é, uma negatividade

que o contesta), dialética que se resolve num processo de institucionalização. Pode-se

então falar de institucionalização ordinária (ou permanente). Esta não é da mesma

natureza que a IF e não colocam radicalmente em questão os fundamentos da

instituição; simplesmente a transforma, infletindo suas orientações, remanejando seu

funcionamento, modificando sua composição social. (p. 5 - 6)

A Vigilância em Saúde tem constantes movimentos de mudanças e transformações

que constituem o instituinte (forças de subversão e de mudança), em confronto

20

permanente com o instituído (o que se procura manter), possuindo, segundo Lourau

(1993) uma dinâmica contraditória.

Segundo Abrahão (2013)

[...] cada Instituição acolhe um tipo de discurso7 sendo verdadeiro [...]

discurso escolhido e construído, não está isento de interesses políticos,

econômicos ou de outras ordens, que se inserem nos argumentos de defesa da

Instituição [...] há várias instituições em ato (p. 317-8).

Concordamos com o pressuposto defendido por Lourau (1993, p. 9) de que todas

as ciências estão baseadas na noção de implicação e desimplicação, não havendo

neutralidade do sujeito e, portanto, utilizaremos outro conceito da Análise Institucional,

buscando explicitar o lugar de onde falamos e de onde falaram os entrevistados: o

conceito de implicação.

Segundo Lourau (2004c) a implicação [...] é um nó de relações; não é ‘boa’ (uso

voluntarista) nem ‘má’ (uso jurídico-policialesco) [...] (p. 190) Guillier (2003) lembra

também que o conceito de implicação guarda alguma relação com o conceito de

contratransferência institucional utilizado por alguns psiquiatras no âmbito da Psicoterapia

Institucional.

Para Passos & Barros, (2000, p. 73), a implicação

[...] não é uma questão de vontade [...] de decisão consciente de ligar-se a um

processo de trabalho. Ele inclui [...] uma análise do sistema de lugares que se

ocupa, que se busca ocupar, e do que lhe é designado ocupar, com os riscos

que isto implica.

Barbier (1985) realizou um recorte do conceito implicação em três níveis em que

ela ocorre, porém articulados entre si: a implicação psicoafetiva, a histórico-existencial e

a estrutural-profissional, ou seja

[...] engajamento pessoal e coletivo do pesquisador em e por sua práxis

científica, em função de sua história familiar e libidinal, de suas posições

passadas e atuais nas relações de produção e de classe, e de seu projeto sócio-

político em ato, de tal modo que o investimento que resulte inevitavelmente de

tudo isso seja parte integrante e dinâmica de toda atividade de conhecimento.

(p. 120)

7 Aqui nos identificamos com Marilena Chauí que denomina discurso ideológico, e que é aquele

cuja força reside em ocultar parte do argumento e produzir lacunas (Chauí, 1988). E complementa

O discurso ideológico é coerente e racional porque entre suas “partes” ou entre suas “frases” há

“brancos” ou “vazios” responsáveis pela coerência. “Assim, ela é coerente não apesar das lacunas,

mas por causa ou graças às lacunas” (p.45).

21

Lourau, (2004d, p. 255-56) distingue, esquematicamente, duas dimensões

principais da implicação, cada uma comportando algumas subdivisões, a saber

[...] Implicações primárias: 1) implicação do pesquisador-praticamente com o

seu objeto de pesquisa/intervenção; 2) implicação na instituição de pesquisa

ou outra instituição de pertencimento [...] 3) implicação na encomenda social e

nas demandas sociais. ((Implicações secundárias: 4) implicações sociais

históricas, dos modelos utilizados (implicações epistemológicas); 5)

implicações na escritura ou qualquer meio que sirva à exposição da pesquisa.

Grifos meus.

Dessa forma, é fundamental o que Lourau (1993, p. 36) chama de análise de

implicação, que além de ser o cerne do trabalho socioanálitico, segundo o autor, não

consiste somente em analisar os outros, mas em analisar a si mesmo a todo o momento.

Concordamos com o autor e julgamos fundamental essa análise da implicação

devido retomar a discussão do lugar ocupado pelo pesquisador diante do objeto de

investigação. Especificamente para mim, essa análise consiste um desafio à zona de

cegueira que se apresenta a partir de minha sobreimplicação8 com o tema e enquanto

pesquisadora que está inserida no campo a ser investigado.

Destacando Pezzato (2009, p. 69)

[...] é muito comum quando um pesquisador que possui um vínculo muito forte

com a instituição na qual a pesquisa irá se realizar influenciar-se no momento

da análise e esta sobreimplicação impedi-lo de ver algumas coisas [...].

Ademais, os lugares ocupados pelos entrevistados – gestores e trabalhadores, tanto

da Vigilância como dos serviços de saúde precisaram ser analisados, visto a

sobreimplicação com o tema, ora por terem sido referência para os processos estruturais

de municipalização ou descentralização, ora por terem executado as ações que esses

processos exigiram.

Colocar em análise o lugar que ocupamos, nossas práticas de saber-poder é a

recusa da neutralidade do analista/pesquisador, procurando romper com as barreiras entre

sujeito que conhece e objeto a ser conhecido.

Conforme afirma Savoye (2007, p. 147)

8 Com o passar do tempo, devido aos inúmeros mal entendidos e modismos relacionados ao conceito

implicação, Lourau retoma o conceito, desenvolve os conceitos de “desimplicação e sobreimplicação”.

(LOURAU 2004c; 2004 d).

22

[...] a análise da implicação supõe interrogar igualmente as condições

sociais, políticas e institucionais que geram uma pesquisa, as modalidades

concretas segundo as quais se efetua, assim como o alcance científico e prático

de seus resultados.

Outro conceito fundamental que nos subsidiará nas análises dessas implicações, é

o conceito de analisador. Segundo Lourau (2004b, p.132), analisadores são

... acontecimentos ou fenômenos reveladores e ao mesmo tempo

catalisadores, produtos de uma situação, que agem sobre ela.

... analisador àquilo que permite revelar a estrutura da organização,

provocá-la, forçá-la a falar (LOURAU, 1993p. 284).

L’Abbate (2004, p. 82) referencia o conceito de analisador, criado por Felix

Guattari como

[...] uma verdadeira inversão epistemológica, pois produzem uma união entre

a análise e o fenômeno que a engendra, provocando uma inversão da relação

entre o objeto real e o objeto de conhecimento, na medida em que eles não são

considerados como entidades separadas.

Ainda segundo Lourau (1994, p. 284) os analisadores revelam a “estrutura da

organização” e provocam a instituição a “falar”, possibilitando o desvelamento do

“como” se deu seu sua construção sócia histórica, além de demonstrar as implicações dos

sujeitos envolvidos no processo.

Acerca do efeito do analisador, L’Abbate (2013, p. 325) refere

[...] sempre revelar algo que permanecia escondido, de desorganizar o que

estava de certa forma organizada, de dar um sentido diferente a fatos já

conhecidos [...].

Para Baremblitt (2002, p. 135), os analisadores podem ser divididos em dois tipos:

[...] os analisadores artificiais ou construídos, que são dispositivos inventados e implantados pelos analistas institucionais para propiciarem a

explicitação dos conflitos e sua resolução. Para tal fim, pode-se valer de

qualquer recurso (procedimentos artísticos, políticos, dramáticos, científicos

etc.), qualquer montagem que torne manifesto o jogo de forças, os desejos,

interesses e fantasmas dos segmentos organizacionais.

[...] e os analisadores "espontâneos" ou "naturais”, [...] produzidos

espontaneamente pela própria vida histórico-social-libidinal e natural, como

resultado de suas determinações e da sua margem de liberdade. Grifos meus.

Nessa investigação utilizamos o analisador natural para a contextualização dos

acontecimentos, [...] resultante de toda uma série de forças contraditórias que se articulam

23

nesse fenômeno que aparece. Cabe destacar que são ‘naturais’ porque não foram fabricados

por um interventor institucional. (BAREMBLITT, 1998, p. 114).

24

PERCURSO METODOLÓGICO

Contar certa história pressupõe partir de algum lugar no passado. Quando inicio

esta pesquisa, o faço por ter sentido alguns incômodos, relacionados a questionamentos que

fazia em relação ao modelo de Vigilância de Campinas. Daí queria escrever. Mas não

queria escrever qualquer história. Queria escrever minha certa história, e me inspirei em

Rubem Alves – “Ostra feliz não faz pérola” e afirmo que esta “certa história” foi escrita a

partir das “areias pontudas que me machucaram”.

Julgo, no entanto, importante diferenciar História de Historiografia. Para tal, me

reporto a Baremblitt (2012, p. 37) que afirma

[...] A historiografia é o registro dos fatos históricos que a gente encontra nos

arquivos e, geralmente, é uma versão que foi conservada e foi publicada porque

coincide com os interesses do Estado, das classes dominantes, do instituído e do

organizado, que têm recursos para resgatar e promover estes documentos [...]

registram aquilo que lhes convém [...] é apenas uma versão tão interesseira, tão

tendenciosa quanto qualquer outra, mas aparece como descritiva como

meramente narrativa [...] História é um processo de conhecimento que pretende

reconstruir os acontecimentos nos tempos, mas que o faz assumindo que

qualquer reconstrução é feita desde uma perspectiva, que qualquer registro

inclui os desejos, os interesses, as tendências de quem faz a História [...]. Grifos

meus.

Baremblitt trata do significado do termo “história” para o Institucionalismo, ou seja,

[...] História não é, apenas, a reconstrução do que já aconteceu e que já está de

alguma maneira, morto, obsoleto, definido [...] consiste em uma localização

daquilo que, de alguma forma começou, teve início em um passado [...] enquanto

ele está vivo no presente, enquanto ele está atuante e pode determinar ou já está

determinando o futuro (p.38)

Apesar do desejo de partir de vários lugares, é importante que se delimite que esta

certa história partiu de certo lugar no passado que inclui o meu presente e vislumbra o

futuro – lugar este o qual estou envolvida com meus interesses e paixões. Por isto, cabe

aqui reforçar que não é o único lugar do qual se pode partir para contar esta história. Há

outros tantos certos lugares para se contar essa história, e [...] não significa que este seja o

único tempo em que se transcorreram todos os processos. (BAREMBLITT, 2012, p. 38).

Assim sendo, essa pesquisa não poderia deixar de ter natureza qualitativa, teórico e

empírico, pois tomou como pressupostos o objeto, as questões e os objetivos da

25

investigação, influenciados pela posição do pesquisador, sua opção metodológica e a

historicidade do objeto do conhecimento (MINAYO, 2007).

Em relação a essa posição que ocupo e minha opção metodológica, ouso dialogar

com Fernando Pessoa – por Alberto Caeiro – O Guardador de Rebanhos,

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...Por isso a minha

aldeia é grande como outra qualquer. Porque eu sou do tamanho do que vejo e

não do tamanho da minha altura [...].

Ao procurar documentos relacionados à história da Vigilância, no Centro de

Documentação (CEDOC) da Secretaria de Saúde de Campinas, deparei-me com uma

escassez destes de registros. Isto me causou estranhamento, pela minha vivência na rede de

saúde de Campinas e a percepção de que muita coisa aconteceu na Vigilância de Campinas.

Não obstante tal dificuldade inicial, os entrevistados foram me cedendo alguns

documentos os quais associei aos meus próprios registros enquanto estive na coordenação

da VISA Sudoeste.

Pela escassez de documentos encontrada, foram selecionados nomes de pessoas

consideradas como “chave” na constituição dessa história instituída. Essas pessoas foram

selecionadas a partir de uma trajetória e posição que ocupavam ante a instituição: ex-

secretários de saúde, diretores departamentais da Vigilância, referências técnicas da

Vigilância em nível central (município e estado).

Estas entrevistas foram consideradas como “disparadoras” e resgataram o percurso

sócio-histórico instituído, dada à relevância do lugar institucional que ocuparam (ocupam)

os entrevistados.

L’Abbate (2010, p. 45), ao realizar suas entrevistas para o doutorado, utilizou-se

também dessa estratégia e afirma que

[...] entrevistas com representantes [...] escolhidos [...] a partir da relevância do

seu papel no processo histórico [...] á época, esses sujeitos eram porta-vozes dos

diferentes discursos que justificavam e interpretavam as práticas [...]

Não obstante a importância das entrevistas disparadoras, o fato de eu ter sido

auxiliar de saúde pública e vivenciado outra certa história relacionada à Vigilância,

mobilizou-me um sentimento de exclusão da história contada. Assim sendo, autorizei-me

escolher outros sujeitos chave para contar outras certas histórias, permitindo a reconstrução

a partir de outros lugares ocupados. A escolha dos sujeitos estarem inseridos no Distrito

26

Sudoeste foi pela facilidade de ser o Distrito onde trabalhei durante o período que fiz a

pesquisa.

Sendo assim, selecionei antigos auxiliares de saúde pública, enfermeiros, um

engenheiro, um visitador sanitário que vivenciaram os processos iniciais de

municipalização, descentralização e regionalização da Vigilância em Campinas a partir de

outros lugares de inserção. Também selecionei trabalhadores – Vigilância e Assistência –

que vivenciaram o período pós-municipalização e descentralização, para contar outra certa

história mais recente da Vigilância.

Reconheço o limite de não ter dado conta de mapear todos os sujeitos envolvidos

neste processo de institucionalização da Vigilância em Saúde de Campinas, que contariam

outras certas histórias igualmente importantes. A despeito do limite desta pesquisa, trato

esta incompletude como fato motivador para que surjam novos trabalhos com novas certas

histórias (GARCIA, 2009, p. 138).

Certa história não contada ainda? De certa forma sim, visto que eram contadas nos

corredores, mas não escritas, segundo os próprios entrevistados,

[...] e aqui você de alguma certa forma tá fazendo isto, contando e escrevendo

esta história, eu agradeço e acho que esta história tem que ser dita sim;

[...] eu sinto a vontade de falar e aproveito esta oportunidade que você está

registrando isto na história;

[...] escreve isto aí, Rosana [...].

[...] não se esquece de escrever isto [...]

[...] Penso que ao final somos todos autores desta história.

[...] indiretamente sou coautora do trabalho. Grifos meus.

27

Quadro 1: Entrevistados: formação e inserção na PMC

Formação Inserção PMC

GESTÃO – Departamento de Vigilância

Enfermeira GMVE/DCMA/ COVISA /DEVISA 1987

Enfermeira VE (DCMA, VISA-SAR, COVISA e

DEVISA)

1988

Médico (CVE/DCMA/COVISA) 1978

(Estado/Município)

Médico Veterinário (SFSAP/ DCMA/COVISA) 1979

Enfermeira (CCD,CVE, COVISA) 1986

(municipalizada)

Farmacêutico (DCMA, VISA -SAR, COVISA,

DEVISA)

1992

GESTOR – Departamento de Saúde

Médica (Secretária de Saúde) – 1993 Pesquisadora

UNICAMP

Médico (Secretário de Saúde) -1989 e 2001 Docente

UNICAMP

Farmacêutica (Diretora Distrital) 2001

Médica (Coord. Laboratório Municipal) 2001

TRABALHADOR – Vigilância em Saúde

Farmacêutico (VISA) 2003

Visitador Sanitário (CS Faria LIMA/

CRST/CEREST/VISA)

1983

(municipalizado)

Enfermeiro (VISA) 2000

Enfermeiro (VISA) 2000

TRABALHADOR: Unidade Básica de Saúde

Enfermeira de Equipe de Referência UBS 1990

Auxiliar de Enfermagem UBS (ex auxiliar de saúde) 1985

Auxiliar de Enfermagem UBS (ex auxiliar de saúde) 1980 e 1985

Todos os entrevistados receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecidas

(TCLE) autorizando as entrevistas (ANEXO 2).

As entrevistas foram semiestruturadas, tendo um roteiro como eixo condutor

(ANEXO 3), dando liberdade aos entrevistados para incluírem informações que julgassem

relevantes. Por julgar embaraçoso entrevistar algumas pessoas por estarem próximas de

mim (cargo), contratei uma entrevistadora e algumas entrevistas foram feitas por ela, e a

maioria feita por mim mesma, com autorização dos entrevistados.

28

A maior parte das entrevistas foi gravada e após as transcrições, todas foram

devolvidas para os entrevistados, para que acrescentassem ou excluíssem alguma

informação que julgassem relevantes ou não relevantes.

Para registrar aqui os depoimentos contidos nas entrevistas utilizei-me da fonte

itálica, e para os registros de fragmentos teóricos encontrados em livros, periódicos e

similares utilizei fonte comum. Esta descrição mais pormenorizada foi feita por L’Abbate

(2012) e optei por seguir a metodologia descrita pela autora.

[...] O sinal [...] significa que houve interrupção do discurso. Palavras ou frases

entre parênteses em letra comum são explicações da autora ou ligação entre

palavras dos entrevistados. A transcrição das falas foi a mais fiel possível, mas,

em várias ocasiões, foram retiradas as expressões com “né” “tá” e outras

semelhantes. Os trechos sublinhados correspondem, em sua maioria, a ênfase do

entrevistado (a). Os grifos da autora serão informados ao leitor [...].

Após elaborar um texto preliminar com base nas entrevistas e documentos

encontrados, chamei os entrevistados um momento de restituição, o qual foi planejado para

ocorrer em uma oficina. Os presentes, no entanto, solicitaram um segundo encontro para

[...] diálogos das várias implicações em jogo, que se reconhecerão dando

sentidos entre si, mesmo que se oponham, posicionando-se no espaço público

quanto a este processo de validação do saber e de suas consequências (MERHY,

2002, p. 6).

Com base nos documentos, entrevistas e nas oficinas de restituição, escrevi certa

história da Vigilância de Campinas a partir do que L’Abbate (2005) chamou de análise de

papel. A autora esclarece que esse é um momento no qual o pesquisador se debruça sobre o

material empírico constituído de documentos, observações e entrevistas (p. 237).

A partir dessas histórias, construí um dialogo com as políticas de saúde nos

governos que assumiram Campinas, a partir de 1977 até primeiros meses de 2013. Para tal,

utilizei-me do que Savoye (2007, p. 187-8; 93) chamou de “periodização”

[...] um instrumento indispensável para delimitar com maior precisão as fases da

institucionalização, seus momentos decisivos e suas inflexões [...].

[...] Por periodização deve-se entender uma operação essencial que torna

inteligível uma sequência histórica, rompendo a linearidade da cronologia dos

acontecimentos mediante a construção de períodos segundo critérios derivados

da problemática geral da pesquisa.

Essa periodização foi realizada a partir da inserção dos diferentes governos que

assumiram a Prefeitura de Campinas, iniciando em 1977 até dias 2013, por entendermos

que a cada troca de administração municipal, mudanças eram impostas não somente no

29

setor saúde, mas em outras áreas, para imprimir a marca de cada governo.

Não desconsiderei, no entanto, a certa história trazida por um dos entrevistados, ao

me apresentar o Decreto que criou a Inspetoria Municipal de Veterinária (1934) e outros

marcos importantes que dialogam com a Vigilância de Alimentos. Por isto faço um breve

percurso nessa certa história, sem ater-me em analisa-la.

Autorizei-me, no entanto, a fazer movimentos de “ir e vir” em alguns momentos, e

não fiquei preocupada com a linearidade das certas histórias contadas. Concordamos com

Baremblitt (2012p. 39,) que afirma que

[...] não existe uma progressão predeterminada das etapas históricas [...] o que

se repete na História é a diferença, é o acaso, é o inesperado, o acontecimento, o

imprevisível, o aleatório. [...]. Grifos meus.

Os períodos utilizados foram:

Data Governo

1977 a 1982 Prefeito: Francisco Amaral (1° mandato)

1983 a 1988 Prefeito: Magalhães Teixeira (1° mandato)

1989 a 1993 Prefeito: Jacó Bittar

1992 a 1996 Prefeito: Magalhães Teixeira (2° mandato)

Assume o vice-prefeito: Edivaldo Orsi

1997 a 2000 Prefeito: Francisco Amaral (2° mandato)

Assume o vice: José Nassif Mokarzel (final do mandato)

2001 a 2004 Prefeito: Antonio da Costa Santos (Toninho) - assassinado

Assume vice-prefeita Izalene Tiene

2005 a 2008 Prefeito: Dr. Hélio de Oliveira Santos ( 1° mandato)

2009 a 2012 Prefeito Dr. Hélio (2° mandato) - cassado em 2011

Assume o vice-prefeito: Demétrio Vilagra - afastado do

cargo

Assume o Presidente da Câmara Municipal: Dr. Pedro

Serafim Junior.

2013 Prefeito Jonas Donizete (dias atuais)

A despeito de tal periodização, não desconsiderei certa história contada por um dos

entrevistados que data de 1930, quando inicia a Inspetoria Municipal Veterinária (IMV),

entendendo que esta história ilumina e dialoga com nosso objeto de estudo no presente.

Ao descrever o processo de institucionalização da Vigilância, busquei um diálogo

30

contínuo com as políticas de saúde do município, nos diferentes governos e ousei trabalhar

com o

[...] passado que está composto por uma série de potencialidades que o presente

ativa, que o presente ilumina, que o presente deflagra [...] o presente que

explora, que aproveita que atualiza as potencialidades do passado para construir

um porvir (BAREMBLITT, 2012, p. 38-9)

Nesta perspectiva, com finalidades também metodológicas, construí algumas

categorias que dialogaram com o passado, composto por potencialidades que se ativam no

presente, iluminando-o e explorando-o, a saber:

1. A Vigilância em Saúde: sua história e processos de mudança

2. A Vigilância e ações articuladas e integradas (intra e

intersetorialmente): limites e possibilidades

3. Estratégias e ferramentas adotadas para fazer Vigilância

4. Mudança do modelo de Vigilância nos dias atuais

5. A participação dos trabalhadores e da sociedade

6. Desafios atuais para a Vigilância no atual contexto do SUS

31

CAPÍTULO 2: ANALISANDO AS IMPLICAÇÕES

O ato criador que, segundo Rubem Alves “surge sempre de uma dor” e que é

caracterizado pelo grande escritor como não necessariamente uma dor doída, mas podendo

ser uma coceira que tem o nome de curiosidade, pode, algumas vezes, causar embaraços,

constrangimentos e dificuldades. Isto porque criar é nos autorizarmos a inventar, desafiar o

novo, o não conhecido. Então, criar, é nos submeter a achados não esperados. É a partir

destes achados não esperados, que inicio o resultado e as análises desta pesquisa.

2.1 Durante as entrevistas

Durante as entrevistas tive a percepção de grande sofrimento durante a fala,

momentos de lágrimas, olhares parados fixando o horizonte, muitas hesitações, rupturas nas

frases, demonstrando que contar esta história foi como relembrar o complexo jogo de

interesses e poderes envolvidos no tema. Implicações psicoafetivas e estrutural –

profissional.

Durante as entrevistas me tocou que algumas denúncias tardias eram trazidas

com certos pudores, ou seja, falas entrecortadas, cuidadosas, muitas pausas, e até a

encomenda de que eu zelasse pela forma como eu escreveria alguns depoimentos.

O primeiro dos “embaraços” que tive, foi quando levei a entrevistadora –

também profissional de saúde - até um Centro de Saúde onde seriam entrevistadas duas

pessoas. Ao chegar ao local, apresentei-a para as entrevistadas que foram naturalmente nos

convidando a entrar em uma sala, sentando-se juntas (as duas entrevistadas) e quando falei

em sair, elas disseram que “não viam motivo para tal”.

Fiquei desconcertada com a situação, e sem saber ao certo como proceder,

perguntei se não queriam fazer as entrevistas separadamente, garantindo a privacidade da

fala de cada uma. Sem qualquer constrangimento disseram que não, que estavam tranquilas

com relação a isto. Mantive a formalidade: apresentei a pesquisa, entreguei os termos de

consentimento, solicitei permissão para gravar, e o momento foi conduzido pelas

entrevistadas. Este constrangimento pode ser explicado pelo distanciamento exigido nas

pesquisas científicas e exercitar a ‘permissão’ de nos inserir no processo leva a tais

constrangimentos, que devem ser explicitados e discutidos.

32

Pareceu-nos – a mim e a entrevistadora -, que nos esperavam para um “bate-

papo” agradável, relembrando suas “certas histórias”. A “entrevista” acabou sendo

realizada “em pequeno grupo” (quatro pessoas, sendo duas entrevistadas e duas

entrevistadoras), onde as entrevistadas dialogavam entre si, dizendo: “lembra, fulana, que

ano mesmo foi ?” e cortando a fala uma da outra dizendo “espera, isto foi depois, antes veio

...”.

Ao sairmos da “entrevista”, eu e a entrevistadora comentamos sobre o ocorrido,

sem saber ao certo como transcreveríamos. Rimos. Isto reforça o quanto somos (estamos)

despreparados para sermos sujeitos e objetos a ser pesquisado. Optamos por uma

transcrição única, a qual foi lida pelas duas entrevistadas, e acrescentados alguns

comentários.

2.2 Restituição: minhas dificuldades em compartilhar e registrar alguns depoimentos

e contar a certa história a partir de certo lugar

Alguns depoimentos durante as entrevistas me causaram constrangimentos.

Constrangimentos pelo fato de perceber em algumas falas, denúncias institucionais.

Senti a dificuldade referida por Pezzato (2009) em relação a ser pesquisadora e

ocupar o cargo de coordenação da Vigilância em Saúde do Distrito Sudoeste de Campinas,

e ser influenciada no momento da análise, não enxergando algumas coisas devido a essa

(sobre) implicação estrutural/profissional (BARBIER, 1985). Tive receios até se deveria

registrar alguns depoimentos, evitando o que Lourau (1993, p. 52) chamou de denúncias de

outrem,

[...] não cair na denúncia meramente recriminatória [...] indiscrição, a acusação

revanchista, as denúncias impotetizantes, as alianças espúrias e, até, irrefletidas

[...] deve-se enunciar “coisas”, e não denunciar outrem. Minha implicação.

Alguns passos metodológicos foram essenciais no sentido de compartilhar essa

responsabilidade na escrita final. Tive o cuidado de transcrever as entrevistas realizar um

processo de restituição dinâmico, ora devolvendo as transcrições para os entrevistados

excluírem ou acrescentarem “coisas”, ora me reportando diretamente a eles, tirando dúvidas

das falas. E assim a restituição foi se processando, com os entrevistados escrevendo comigo

o texto.

33

Também propus uma oficina com os entrevistados, para debater os alguns

achados durante as entrevistas, e colocar meu “eu implicado” enquanto pesquisadora

inserida no campo de análise onde circunstancialmente também exercia a gestão. Na

verdade ocorreram duas oficinas, mais a frente trato disso.

Durante todo o processo das entrevistas e o que estas enunciavam

(denunciavam), travei uma luta interna, sentindo muita dificuldade em escrever devido

minha (sobre)implicação. Tive a certeza da necessidade de analisar essa implicação para

desatar os nós que me dificultavam escrever.

Busquei então, ajudas poéticas, dentre elas a de Rubem Alves, metaforizando o

momento de sofrimento em relação a como escrever: uma areia pontuda que me machuca,

como refere Rubem Alves, e que por vezes me imobilizou de criar.

A areia pontuda que me machucava – minhas (sobre) implicações - era (é)

fruto de [...] um processo político, econômico, social, etnológico, heterogêneo e que deve

ser examinado em todas suas dimensões [...], segundo Baremblitt (2012, p. 136). Assim

sendo, a análise de minhas implicações foi essencial para a compreensão dessas dimensões

interpenetradas e interagindo com minha “certa história”.

Fui então, para a oficina de restituição com os entrevistados. A proposta inicial

era a realização de uma oficina que ocorreu em 10 de abril de 2014. O contexto na cidade

era muito adverso, pois vivenciávamos uma grande epidemia de Dengue o que restringiu a

presença de alguns entrevistados que gostariam de participar e justificaram ausência.

Apesar do contexto adverso, os presentes solicitaram outro encontro para ampliar o debate

iniciado. O segundo encontro ocorreu em 08 de maio de 2014.

O convite foi realizado formalmente (ANEXO 5 e 6) aos entrevistados e o local

escolhido foi o CETS, pensando na proximidade do local, e garantindo a privacidade nas

discussões. A orientadora da pesquisa esteve presente, fato esse que foi considerado por

alguns, como um “motivador” para a presença, além do simbólico explicitado por outros,

relacionados à “valorização da Universidade em relação à Vigilância”.

Já na primeira oficina, compartilhei meus receios em relação à escrita dos

achados nas entrevistas. Falei acerca de minha preocupação, que me capturou e quase me

imobilizou em escrever. Citei fragmentos das entrevistas, os quais me tocaram e me (i)

mobilizaram no processo de escrita.

34

[...] Vigilância que corre atrás do leite derramado,

[...] Vigilância como DNA separado do SUS,

[...] Vigilância que discute muito e quem decide são sempre as mesmas pessoas,

[...] descentralização desrespeitosa e irresponsável,

[...] sentimento de invisibilidade da Vigilância, de não conseguir espaços nos

debates políticos

Esse momento foi interessante, pois abriu meu olhar para enxergar e perceber

outras (sobre) implicações, desta feita dos entrevistados. .

Conforme escrevi em um capítulo de livro que conta parte de minha dissertação

de mestrado

Meu desafio [...] fazer um movimento que ousasse ir além das formas,

explorando o entre, o além, e o através [...] precisei colocar-me em análise como

pesquisadora implicada [...] (GARCIA & CARVALHO, 2009, p. 220).

Lembrei-me das três dimensões descritas por Barbier (1985): dimensão

psicoafetiva, a dimensão histórica/existencial e a dimensão estrutural/profissional. É fato

que essas dimensões se interpenetram a todo o momento, em um processo dinâmico.

Minha implicação psicoafetiva, me aproximava de sujeitos e não me permitia escrever

acerca de “coisas” que pudessem feri-los, pelo carinho e respeito que tinha (tenho) por eles.

Mas percebi que eu escreveria acerca do que Lourau chamou de “coisas” e não de

“outrem”. Isso me tranquilizou.

Compartilhei com os participantes das oficinas o fato de ter me identificado

com as criticas feitas ao Modelo de Vigilância realizadas por alguns entrevistados. Ao

mesmo tempo em que queria escrever sobre isso, minha implicação estrutural/profissional

exigia uma lealdade institucional. Isso me cerceou a escrita até meu compartilhamento na

oficina de restituição, quando ouvi dos participantes que o dito nas entrevistas é público,

não é escondido, é conhecido. Apenas nunca foi escrito.

Historicamente vivi a municipalização e descentralização, e me senti importante

quando comecei a fazer vacina, por exemplo. Aprendi a fazer BCG! Por isto ouvir as

críticas quanto a esses movimentos, me incomodavam devido minha implicação

histórico/existencial. Mas isso não aconteceu só comigo.

Durante as entrevistas e nas discussões ocorridas nas oficinas de restituição, as

pessoas contavam como foi o movimento de descentralização e municipalização e traziam

35

suas implicações psicoafetivas: se emocionavam, choravam, contavam do entusiasmo e

efervescência que foi no momento.

Não obstante esse entusiasmo, ouvir o outro contando a mesma história a partir

do lugar de onde houve a execução direta dessa mudança, não contemplou tanto entusiasmo

e euforia. Alguns dos participantes da oficina de restituição verbalizaram sua preocupação

por nunca imaginar que alguém na rede de Campinas, pudesse falar que foram ações

impostas “goela abaixo”. Houve emoção nessa fala.

A descentralização e a municipalização foram projetos políticos importantes

para alguns entrevistados militantes nessa luta: foi um processo no qual algumas pessoas

vestiram a camisa e defenderam o processo, enquanto projeto ético/político. E a fala de

outro dizendo: [...] só se foi para você que estava ‘lá em cima’, por que para nós foi muito

tenso e gerou muita insegurança.[...], causou silêncios e troca de olhares, que também

enunciavam “coisas”.

Igualmente interessante foi a polêmica que causou a discussão relacionada a um

depoimento de um entrevistado que afirmou que a Vigilância tem DNA próprio e por isso

fica a parte do SUS. Como dizem popularmente: “pintou um clima” no grupo, nesse

momento. Eu, que vim de um lugar de muitas críticas ao modelo de Vigilância que não se

articulava aos serviços, me senti contemplada nesse depoimento acerca do DNA próprio.

Meu receio, no entanto, era quanto a registrar ou não essa fala, e se registrar

como o fazer para não cair na [...] mera indiscrição, acusação revanchista, denúncia

impotetizante, alianças espúrias e, até irrefletidas [...] (LOURAU, 1993, p. 52). Não

houve estranhamento pela maioria dos presentes na oficina, quanto a esse depoimento, mas

houve posicionamentos de defesa do modelo, demonstrando a implicação estrutural-

profissional dos envolvidos, referindo até possibilidades da mutação genética em relação ao

processo de mudanças na Vigilância.

Por fim, a oficina de restituição foi importante para que os presentes se

colocassem em análise. Explicitamos nossos “nós” (sobre) implicados e me senti autorizada

a escrever sobre as questões que, inicialmente foram por mim consideradas como

constrangedoras.

Não obstante a afirmação do grupo de que eu estava autorizada a escrever, e de

que a dificuldade que eu sentia era analisada pelos participantes como maior em mim

36

mesma do que em quem falou, não me esquecia de que alguns depoimentos foram

literalmente confidenciados na perspectiva de que eu saberia como fazer para escrever

sobre o que foi dito. Então, penso que minha dificuldade em escrever não se deu por acaso.

Alguns desabafos e indignações vivenciadas durante as entrevistas terminavam

sempre com a encomenda,

[...] escreve isso aí, não esquece! Agradeço pela oportunidade de poder contar

isto, por que nunca tinha falado sobre esse meu sentimento [...]. Grifo meu.

Na segunda Oficina de Restituição (08/05/14), apesar da adversidade da

epidemia de dengue em Campinas, que novamente limitou a participação de alguns

entrevistados, dialogamos e (re) visitamos a história construída da Vigilância em Campinas,

reconhecendo os avanços e os limites. Uma das participantes da oficina disse

[...] hoje me sinto mais contemplada, mais próxima do diálogo do que

anteriormente (cita o ano)... hoje conversamos e ouvimos os diferentes lugares e

como aconteceu aquilo que tanto criticamos no nosso dia-a-dia”.

[...] Me vi em alguns trechos e pude identificar falas de outras pessoas da

vigilância. Acho que sou uma parte pequena de uma história que vem se

construindo ao longo de muitos anos. Grifos meus.

O questionário de avaliação das Oficinas (ANEXO 7) revelaram outros

sentimentos ainda não expressos, nem durante as entrevistas e nem durante os debates na

oficina. O primeiro deles é de que os participantes se viram como coautores e coprodutores

deste trabalho.

Além disso, o momento de debates possibilitados pelas duas Oficinas de

Restituição foi avaliado pelos participantes como,

[...] importante por que tive a oportunidade de ver a história contada pelos

diversos atores.

[...] um momento de oportunidade de falar sobre o tema dialogando com outros

atores do processo de construção do sistema de Vigilância Municipal.

[...] momento agradável, mas também surpreendente no sentido de ser revelador

dos motivos que originaram consequências vividas na atualidade [...].

Não obstante essas avaliações positivas, uma das participantes avaliou a oficina

de restituição como não contemplando uma discussão que ela esperava que fosse mais

ampliada e voltada para a história das periferias de Campinas.

37

Após os diálogos nas duas oficinas, e o resultado dos questionários de avaliação

das Oficinas, (re) visitei meus receios iniciais, e pude fazer novas reflexões poéticas,

identificando-me com o que escreve Clarice Lispector em Um sopro de vida (Pulsações),

Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no

que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes

submersas em profundidade do mar. Tenho medo da cilada das palavras:

as palavras escondem outras – quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra

lançada no poço fundo” (Grifo meu).

Por fim, autorizei-me a escrever, sem preocupações com a ordem cronológica

dos fatos9, visto que os documentos estavam dispersos, ora em um lugar, ora em outro.

Muitos sem data. Muitas lacunas que causaram não compreensão de alguns fatos que

narrei. Mas autorizei-me a viajar livremente, sem amarras com o início e o fim, mas

exercitando minha atenção ao percurso.

Desafiei minha zona de cegueira e assumi o limite de algumas lacunas e

ausências em minhas reflexões. Como escrevi em minha dissertação de Mestrado:

[...] me vi capturada por uma dada memória instituída, que não me permitia

vazar para novos territórios a serem descobertos. Não percebi isso, inicialmente.

Tive medo. Foi difícil dar conta disto. Mas ousei... Se não consegui, senti-me

satisfeita por ter tentado: continuarei ousando em outras descobertas e novas

viagens. (GARCIA, 2009, p. 137). Grifo da autora.

GARCIA (2009) descreve os cuidados que teve com capturas por definição

prévia de um caminho a chegar (pré-estabelecido). A autora refere que este rigor

metodológico – ideia de hodos meta10-, muitas vezes a tolheu de novos voos,

[...] Durante a viagem, no entanto, alguns acontecimentos produziram rupturas e

novas análises e fluxos provocando, assim, desvios na pesquisa. As mudanças

produzidas nas estratégias [...] não me permitiram a restrição a um método ‘a

priori’ [...] a viagem foi se construindo de forma “ad hoc” [...] (re) criação e

reinvenção metodológicas [...] (p. 104-5).

Utilizei-me de poemas em alguns momentos em que tive dificuldade em me

expressar e escrever. Solicitei ajuda poética e me permiti alçar voos

O problema do escrever: o escritor, como diz Proust, inventa na língua uma nova

língua, uma língua de algum modo estrangeira. Ela traz à luz novas potências

gramaticais e sintáticas. Arrasta a língua para fora de seus sulcos costumeiros,

leva-a a delirar. (DELEUZE, 1997, p. 9).

9 Segundo Chauí (1989), em grego, kronos significa tempo, donde cronologia - cronômetro, etc.; acronia

significa: sem tempo, ausência do tempo (p. 62). 10Segundo Garcia (2009, p. 104)) a tradução etimológica da palavra Método nos aponta para meta (alvo) e

hodos (caminho), ou seja, um caminho que antecede a meta.

38

39

CAPÍTULO 3: O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA

VIGILÂNCIA NO BRASIL E SUA INSERÇÃO NO SUS

3.1 - A institucionalização da Vigilância Epidemiológica no Brasil

“O tempo rodou num instante...”

Roda Viva - Chico Buarque de Hollanda

Segundo Pimenta (1997), a Fisicatura-Mor, órgão de origem portuguesa e

composta por boticários, médicos, cirurgiões, parteiras, curandeiros e sangradores, era um

órgão do governo português que regulamentava as práticas de cura em todo o Império,

realizando, dentre outros a expedição de cartas e licenças até o ano de 1828, quando foram

extintos os cargos de Físico-Mor e Cirurgião-Mor do Império.

A partir deste momento de extinção e desautorização da Fisicatura-Mor, a

regulamentação das práticas terapêuticas fica a cargo da Câmara Municipal, sendo que essa

não emitiria novas autorizações e sim só autorizaria a prática dos agentes que já fossem

autorizados (PIMENTA, 1997).

No início do século XX (1902) quando eclodiu a epidemia de peste no Rio de

Janeiro, o Congresso Nacional impôs bases legais para a defesa sanitária, dentre elas a

imposição da notificação obrigatória dos casos de tifo, cólera, tuberculose e lepra. Segundo

Albuquerque (2002) a omissão desta notificação estariam sujeitas ao rigor do Código Penal,

podendo sofrer penalidades desde multas até prisão.

Em 1953 foi criado no Brasil o Ministério da Saúde, através do desdobramento do

então Ministério da Educação e Saúde em dois Ministérios: Saúde e Educação e Cultura.

Neste contexto histórico, já havia o Departamento Nacional de Saúde (DNS), estruturado

para atender aos importantes problemas da saúde (BRASIL, 1953).

No ano de 1956, surge o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERu),

que tinha como finalidade organizar e executar os serviços de investigação e de combate à

malária, leishmaniose, doença de Chagas, peste, brucelose, febre amarela e outras endemias

existentes no país.

40

Serviços como o Instituto Oswaldo Cruz mantinham a missão de investigação,

pesquisa e produção de vacinas e a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) incumbia-se

da formação e aperfeiçoamento de pessoal e o antigo Serviço Especial de Saúde Pública

(SESP).

A necessidade de reduzir a morbimortalidade entre crianças e jovens e a

permanência de grandes epidemias, levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a

Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), a incentivarem a criação de Sistemas de

Vigilância Epidemiológica nos países em desenvolvimento. Foi o momento de criação da

Unidade de Vigilância Epidemiológica da Divisão de Doenças Transmissíveis da OMS,

ampliando as ações para um conjunto maior de doenças transmissíveis (BARRADAS,

1993; WALDMAN, 2012) e consagrando internacionalmente a designação de Vigilância

Epidemiológica (VE).

É inegável o fato que programas como o de erradicação da malária - na década de

50 e da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV) - 1966-1973-, são marcos de

institucionalização da Vigilância Epidemiológica no Brasil.

Cabe, no entanto, ressaltar que o desenvolvimento econômico da época - milagre

econômico -, [...] tornava evidente a debilidade da teoria que imaginava o

desaparecimento destes problemas como uma decorrência direta do crescimento

econômico [...], conforme refere Campos (1989, p. 90) além da preocupação restrita dos

problemas de saúde coletivos e dos meios para controlá-los, a saber:

[...] extensão dos programas materno-infantis, da cobertura vacinal, com a

produção e distribuição de imunobiológicos e fármacos [...} e a ênfase aos

subprogramas de controle da tuberculose, hanseníase, esquistossomose etc.,

medidas estas que objetivavam atenuar o peso que as doenças transmissíveis

ainda tinham na morbimortalidade brasileira” (p. 91).

Em 1963, em meio ao contexto sócio/ econômico de desigualdade social e

concentração de renda, ocorre um marco da história da saúde: a III Conferência Nacional

da Saúde (CNS), propondo, dentre outros, uma nova divisão das atribuições e

responsabilidades entre os níveis político-administrativos da Federação visando, sobretudo,

a municipalização.

Em 1964 há um golpe civil e militar e os militares assumem o governo e é

reiterado o propósito de incorporar ao Ministério da Saúde à assistência médica da

Previdência Social. Em 1967, ficou estabelecida a responsabilidade do Ministério da Saúde

41

em formular e coordenar a Política Nacional de Saúde - o que até então não havia saído do

papel - tendo como áreas de competência à política nacional de saúde, as atividades

médicas e paramédicas, as ações preventivas em geral, a Vigilância Sanitária de fronteiras e

de portos marítimos, fluviais e aéreos, o controle de drogas, medicamentos e alimentos e

pesquisa médico-sanitária.

O Ministério da Saúde passou por diversas reformas na estrutura, até que na

reforma de 1974, as Secretarias de Saúde e de Assistência Médica foram incorporadas,

passando a constituir a Secretaria Nacional de Saúde (SNS), com o objetivo de reforçar o

conceito da não dicotomia entre Saúde Pública e Assistência Médica.

O contexto na década de setenta, de surto do desenvolvimento econômico,

ocorrido após a recessão que se seguiu ao golpe de 1964, colocaram novos desafios ao

poder público, além da necessidade [...] inadiável da superação “[...] da incapacidade da

Saúde Pública de controlar os principais problemas coletivos de saúde” (CAMPOS, 1989,

p. 90).

Em 1976 surge a SUCAM, como resultado da fusão do DENERu, das Campanhas

de Erradicação da Malária (CEM) e da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV), órgão

que passa a se subordinar diretamente ao Ministro do Estado, elevando-se a órgão de

primeira linha, anteriormente ocupadas pelas Delegacias Federais de Saúde. A SUCAM é

herdeira dos modelos de organização de ações de saúde pública do Brasil, denominado

sanitarismo campanhista, que teve como premissa a revolução pasteuriana (Louis Pasteur) e

foi implementado pelo médico-sanitarista Oswaldo Cruz, na primeira década do século

XX.

A V Conferência Nacional de Saúde (CNS) realizada em 1975, recomendou a

criação da Vigilância Epidemiológica, que se institucionalizou através do Sistema Nacional

de Vigilância Epidemiológica (SNVE) e foi definida no país com bases legais - Lei Federal

n° 6.259 de 1975 -, instituindo normas relativas à notificação compulsória de doenças11 e

definindo as linhas gerais deste subsistema da Vigilância em Saúde (BRASIL, 1975).

Conforme apontado anteriormente, Waldman (2006) afirma que o

desenvolvimento do conceito moderno de vigilância deu-se a partir da criação do Serviço

42

de Inteligência para Epidemias do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de

Atlanta (EUA), em 195112.

Para Waldman (1998, 11),

[...] o uso do termo 'epidemiológica' para qualificar vigilância é equivocado,

uma vez que epidemiologia é uma disciplina abrangente, que incorpora a

pesquisa e cuja aplicação nos serviços de saúde vai além do instrumento de

Saúde Pública que denominamos Vigilância.

Segundo o autor, seu reconhecimento internacional como um instrumento para o

controle de doenças, vinculou-se a criação de serviços de saúde pública relacionados à

Campanha de Erradicação da Varíola no Brasil.

A década de 80 no Brasil foi marcada por uma conjuntura política de transição

democrática, ampliando espaços de discussões acerca do sistema de saúde, da melhoria das

condições de vida e de saúde da população, exigindo a reorganização dos serviços de saúde.

Considerando que esta reorganização proposta não é um fato isolado e está relacionado à

dinâmica institucional do setor saúde, foi indissociável do processo de descentralização da

VE.

Neste contexto, em 1985 foi criado o Centro de Vigilância Epidemiológica para

coordenar o Sistema de Vigilância Epidemiológica, que era anteriormente alocado no

Centro de Informação de Saúde (CIS), e a coordenação técnica do Programa Estadual de

Imunização ficou sob a responsabilidade da Divisão de Imunização.

Esta reorganização impulsionou a criação de níveis regionais (estaduais) de

Vigilância Epidemiológica, denominados de Grupos de Vigilância Epidemiológica (GVE)

que se formaram, com o objetivo de controlar e supervisionar as ações de Vigilância

Epidemiológica e articular estas ações entre os diferentes serviços municipais.

A preocupação crescente e contínua com o contexto da magnitude e complexidade

das ações de controle de doenças, bem como da necessidade de expansão do sistema

11A Lei Federal n° 6.259 de 01 de dezembro de 1975 regulamentou as ações de Vigilância Epidemiológica no

Brasil, dispondo sobre o Programa Nacional de Imunizações (PNI), estabelecendo normas relativas à

notificação compulsória de doenças e definindo as linhas gerais deste subsistema da Vigilância em Saúde. 12 O Centros de Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Disease Control and Prevention -CDC) é uma

agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, e que tem como objetivo a

proteção da saúde pública e a segurança da população. Juntamente com a State Research Center of Virology

and Biotechnology (VECTOR) da Rússia, guarda uma das duas únicas amostras do vírus da varíola existentes

no mundo, que pode ser considerada uma das mais temíveis armas biológicas do mundo, dada sua alta

infecciosidade, transmissibilidade e mortalidade.

43

envolvendo outros quadros nosológicos, como as doenças e agravos crônico-degenerativos,

infecções hospitalares e outros, levou o CVE, a partir de seu diretor Técnico – Dr.

Alexandre Vranjac – a trazer um debate que foi anterior ao SUS: a necessidade da

municipalização da Vigilância Epidemiológica.

Este momento fundador da municipalização da VE teve como contexto político de

saúde o SUDS (Sistema Único e Descentralizado de Saúde), o qual representava um

[...] rearranjo institucional, objetivando prioritariamente a universalização do

atendimento com a redefinição dos princípios de integração, integralidade,

hierarquização, regionalização do sistema de saúde, e controle social. Sua

implementação se deu mediante convênios firmados entre o Instituto de

Assistência Médica e Previdência Social e as Secretarias Estaduais de Saúde

havia dificuldades como falta de pessoal, estrutura por parte do município para

absolverem e desempenharem as atividades de VE, e para tal, foram propostas

estratégias para que os municípios passassem a executar todas as ações de

Vigilância Epidemiológica sob a coordenação do SUDS regional, participando

ativamente do sistema estadual [...] (p. 27).

Dentre as estratégias propostas pela Direção do CVE, destacamos: execução das

ações de notificação de doenças submetidas à notificação compulsória, através do registro

em um impresso chamado SV2 e enviando semanalmente boletins chamados de SV3 aos

órgãos regionais de Vigilância. Estas notificações seriam feitas a partir de registros de casos

das unidades de saúde do município e implantação da busca ativa dos faltosos.

Estas ações foram divididas por etapas, tendo como objetivo final a implantação

de um órgão ou Grupo Municipal que se responsabilizasse pelas ações de Vigilância,

havendo necessidade de uma adequação do chamado nível central em sua estrutura e perfil

dos profissionais que se adequassem para este tipo de atividade - Oficio Circular CVE

50/87 (ANEXO 4).

Considerando o processo de restruturação da Secretaria da Saúde, que objetiva a

integração, hierarquização e regionalização dos serviços de saúde que a compõem, em 1986

foram criados em São Paulo, os 57 Escritórios Regionais de Saúde (ERSAs), através do

Decreto nº 25.519, de 17 de julho de 1986, que definiu e teve como finalidade a consecução

de um novo modelo de assistência à saúde da população da área de sua abrangência,

mediante:

I - a integração, hierarquização e regionalização dos serviços de saúde que o

compõem;

II - a integração dos recursos de saúde, a nível Federal, Estadual e Municipal,

existentes na área de sua abrangência” (Ibidem Artigo 5°, seção III)

44

Dessa forma, a necessidade de uma equipe mínima para a VE nos Escritórios

Regionais de Saúde foi apontada, e estes profissionais ficaram vinculados

administrativamente aos ERSAs e tecnicamente ao CVE, que coordenava o SVE no Estado.

Em 1988, o CVE expõe que as ações de Vigilância Epidemiológica estavam sendo

desenvolvidas quase que exclusivamente pelo Estado, tendo pouca participação municipal.

O CVE é enfático na defesa do sistema municipalizado e propõe a implantação da

municipalização da Vigilância Epidemiológica, conforme a capacidade de cada município.

Também define estratégias para melhor adequação a cada realidade local, e para que as

ações sejam municipalizadas processualmente sob a coordenação do SUDS regional.

Para a execução de certas políticas de Vigilância Epidemiológica, o MS conta,

ainda, com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), criado em 1991. Define também a

necessidade da existência de um órgão ou um grupo especifico de trabalho em Vigilância

Epidemiológica, junto ao município.

Nos dias atuais, temos no Ministério da Saúde a Secretaria de Vigilância em

Saúde. Quanto a Secretaria de Vigilância em Saúde, Aith & Dallari (2009, p. 111-13)

chamam a atenção

[...] embora o nome da Secretaria seja Secretaria de Vigilância em Saúde, suas

competências referem-se especificamente aos sistemas de Vigilância

Epidemiológica e Ambiental, aí inserido o meio ambiente do trabalho [...]

verifica-se a ordenação jurídica e administrativa, uma fragmentação da noção de

Vigilância em Saúde em várias vigilâncias, fragmentando-se também a própria

organização do serviço estatal de Vigilância em Saúde. Assim, temos vários

sistemas de Vigilância: o sistema de Vigilância Epidemiológico, o sistema de

Vigilância Sanitária e o sistema de Vigilância Ambiental.

3.2 - A institucionalização da Vigilância Sanitária no Brasil

Segundo Costa (2003) e Dallari (1988) a ancestralidade das preocupações com o

nocivo é anterior ao modo de produção capitalista, uma vez que, segundo os autores, desde

a Antiguidade, havia o reconhecimento social da importância de ações de enfrentamento

dos problemas relacionados à conservação de alimentos e de medicamentos13.

A instauração da nova ordem econômica e social, a partir do século XVI, assinalou

a constituição do Estado Moderno, e da intervenção estatal sobre as questões da saúde da

13 Costa (2003) apud Mackrey (1980) refere que os achados arqueológicos do século XVI a.C. demonstram a

habilidade em compor drogas, e como conservá-las. Os antigos códigos como Hamurabi, Manu e o Antigo

Testamento, já traziam normas de cuidados à saúde e sanções para quem as descumprissem.

45

população, que serviu como base para a concepção de controle sanitário, baseado em um

sistema autoritário de controle da população (COSTA, 2003).

A partir da Segunda Guerra Mundial, surge a preocupação com as calamidades

ligadas à contaminação de alimentos e do meio ambiente. Foi a partir de tragédias como do

medicamento Talidomida, utilizado para enjoo, que provocou má formação recém -

nascidos, na década de 60 que a Vigilância Sanitária adquire maior relevância.

Um arcabouço legal inicia-se na década de 50 - normas técnicas de caráter legal

com o objetivo de regulamentar a fabricação e o comércio dos produtos de interesse a

saúde incluindo as responsabilidades criminais. Nesse contexto, em 1954 foi criado o

Laboratório Central de Controle de Drogas, Medicamentos e Alimentos (LCCDMA). Em

1981, o LCCDMA foi substituído pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade

em Saúde (INCQS). (BRASIL, 2007).

A Vigilância Sanitária (VS), enquanto denominação consagrada foi introduzida no

Brasil em meados da década de 70, em resposta à ordem econômica/ política/ institucional/

social e técnico-científica do país, não apresentando, no entanto, uma estruturação

sistêmica14 (LUCCHESE, 2001).

A partir da relação produção-consumo, a Vigilância Sanitária desenvolve função

Estatal de regulação, com dinâmica vinculada ao desenvolvimento científico e tecnológico

e a um conjunto de processos que perpassam o Estado, o mercado e a sociedade.

Costa (2009) destaca que a complexidade social traz consigo o aumento contínuo

de riscos e Aith (2007) especifica riscos naturais (epidemias, doenças, calamidades); riscos

advindos progresso da ciência e da descoberta de novos tratamentos (clonagem, novas

técnicas cirúrgicas e terapêuticas, novos medicamentos); e riscos advindos de atividades

humanas que possuem reflexos na saúde individual ou coletiva (trabalho, alimentação,

consumo, etc.). É fato que estes riscos são de interesse público, mas concordamos com

Costa (2009) que há competência exclusiva do Estado de adotar medidas que evitem estes

riscos e reduza os efeitos causados.

14 Trata-se da criação da criação da Secretaria de Vigilância Sanitária. Somente no final da década de 80 e

inicio da década 90 esse arranjo institucional foi repensado e criado o Sistema Nacional de Vigilância

Sanitária (SNVS).

46

A partir deste contexto, a década de 80 foi marcada pela necessidade de organizar

as ações de Vigilância Sanitária por meio da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária

(SNVS) do Ministério da Saúde (MS), que incorporou o antigo Serviço de Fiscalização da

Medicina e Farmácia e o Laboratório Central de Controle de Drogas, Medicamentos e

Alimentos.

No final da década de 90, em meio a um contexto de suspeitas de corrupção e

escândalos ocorridos em 1996, 1997 e 1998 na área de medicamentos, há uma

reformulação organizacional criando uma agência reguladora nacional - Agência Nacional

de Vigilância Sanitária (ANVISA) -, para coordenar o Sistema Nacional de Vigilância

Sanitária (SNVS) - Lei n° 9.782/1999. Esta legislação indica

[...] promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle

sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à

Vigilância Sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das

tecnologias a eles relacionados, bem como o controle dos portos, aeroportos e

fronteiras (BRASIL, 1999).

A fragmentação da compreensão e da prática da Vigilância em Saúde no Brasil e

seus reflexos também podem ser verificados no âmbito da organização interna das

estruturas administrativas das diferentes unidades federativas brasileiras, percebido, por

exemplo, em relação à ANVISA, que tem regime jurídico diferenciado, o que lhe confere

independência administrativa, estabilidade dos diretores e autonomia financeira.

É inegável que esse contexto histórico/ social e seus processos institucionais/

organizacionais dentro do Ministério da Saúde e da ANVISA contribuiram para certa

dicotomia entre a Vigilância Sanitária e a Vigilância Epidemiológica como se fossem duas

vigilâncias (COSTA, 2003), posto que estão inseridas em espaços institucionais distintos,

com legislações específicas, bem como processos de trabalhos construídos com tecnologias,

objetos e agentes específicos. Ademais, Aith & Dallari (2009) chamam a atenção para a

superposição entre as diferentes Vigilâncias (p. 108).

Apesar das diretrizes do SUS apontarem para uma concepção ampliada de

Vigilância em Saúde, a lógica jurídica e a fragmentação entre os núcleos - Vigilância

Epidemiológica, Sanitária, Saúde do Trabalhador e Ambiental -, impactou na organização

dos serviços de Vigilância em Saúde, que passaram a operar por campos de especialidade

específicos, mantendo as reproduções do modelo fragmentado (VILELA, 2005).

47

Desta forma, conviver com os problemas antigos como epidemias de Dengue,

Leptospirose, Febre Maculosa, ratos, lixo, falta de saneamento básico) e os problemas

novos (Lesões por esforços repetitivos (LER) e Doenças Ocupacionais Relacionadas ao

Trabalho (DORT), câncer, Hantavirose, ionização por antenas de rádio, TV e celulares,

alimentos transgênicos, contaminação ambiental por produtos químicos, violência, dentre

outros), requer revisão do atual modelo de Vigilância em Saúde, suas estratégias e práticas.

3.3 A Vigilância em Saúde Ambiental e a Vigilância em Saúde do Trabalhador

A suposta preocupação com problemas ambientais é recente, e tem levado a

discussões ampliadas. Na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, ocorrida

em 1972 em Estocolmo, foram discutidas as preocupações com os problemas ambientais.

A criação e estruturação da Vigilância em Saúde (VSA) Ambiental é recente –

2005 -, e foi implantada na Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Ambiental

(CGVAM) com uma resposta do setor saúde ao movimento mundial ao processo intenso de

deterioração do ambiente e da degradação progressiva dos ecossistemas.

A crescente contaminação do ar, da água e do solo são problemas que devem ser

priorizados, e tem relação com as fontes de riscos advindas de processos produtivos

passados ou presentes, como a disposição inadequada de resíduos industriais, a

contaminação de mananciais de água e as péssimas condições de trabalho e moradia.

Cabe destacar, no entanto, que a implementação de uma Vigilância Ambiental

possui características que diferenciam das práticas de Vigilância Epidemiológica, visto que

muitos dados e informações sobre exposição aos fatores ambientais são obtidos fora do

setor saúde, exigindo uma intensa articulação intersetorial (BRASIL, 2007).

Apesar dos limites, as preocupações com o meio ambiente, no entanto, são

anteriores à criação da VSA, e existem programas já implantados como é o caso Programa

Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental Relacionada à Qualidade da Água para

Consumo Humano (VIGIAGUA), criado em 1999 que tem como missão, realizar ações de

vigilância sistemática da qualidade da água consumida pela população.

48

Outros programas foram implantados como o Programa Nacional de Vigilância em

Saúde Ambiental relacionada à Qualidade do Ar (VIGIAR) em 200115 e o programa de

Vigilância em Saúde Ambiental relacionada aos riscos decorrentes dos desastres naturais

(Vigidesastres), 200316.

Apesar da existência de programas instituídos para lidar com problemas de

relevância na área de Saúde Ambiental, é inegável a existência de interesses econômicos

que atravessam tais programas, gerando a omissão e até a prevaricação estatal em relação

aos crimes ambientais. São exemplos: a exposição ao risco como de radiações, utilização de

agrotóxicos, empresas que contaminam solo e água e/ou geram poluentes no ar, além dos

resíduos descartados de forma inadequada. A intervenção da Vigilância Ambiental se

restringe a tais interesses econômicos.

A Vigilância em Saúde do Trabalhador dentro do SUS vem sendo construída

conforme prevê a Lei No 8.080/90, nas diversas experiências desenvolvidas por programas,

centros de referência, serviços, núcleos ou coordenações em Estados e municípios,

possuindo diferentes graus de organização, competências, atribuições, recursos e práticas

de atuação.

Segundo Machado e Porto (2003) as ações em saúde do trabalhador no Brasil

iniciaram- se em meados dos anos 80, sendo influenciadas pelas contribuições da medicina

social latino-americana e da reforma sanitária italiana.

As características básicas do campo de práticas e saberes denominado Saúde do

Trabalhador são: compreensão das relações entre o trabalho/ saúde/ doença dos

trabalhadores, para fins de promoção e proteção e a prevenção de agravos; assistência

mediante o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação; ênfase nas transformações dos

processos e ambientes de trabalho, com vistas à sua humanização, dentro de uma

abordagem multiprofissional/interdisciplinar/ intersetorial; a participação fundamental dos

trabalhadores como sujeitos no planejamento e implementação das ações.

15Este programa tem como objetivo de responder a uma demanda social e legal do país e estabelece modelo,

campo e forma de atuação desta vigilância e tem como objetivos a promoção saúde da população exposta aos

fatores ambientais relacionados aos poluentes atmosféricos. 16Este programa tem por objetivo desenvolver um conjunto de ações a serem adotadas continuamente pelas

autoridades de saúde pública para reduzir a exposição da população e dos profissionais de saúde aos riscos de

desastres e a redução das doenças decorrentes deles.

49

Atualmente fala-se em rede de vigilância em saúde do trabalhador, partindo da

relação entre o processo de trabalho e a saúde, e as esferas que condicionam a qualidade do

trabalho nas empresas e, tendo no centro, os trabalhadores e o ambiente de trabalho.

De uma maneira geral, estas redes são constituídas, a partir de seus núcleos, por

denúncias dos trabalhadores envolvidos diretamente em situações de risco ou que se

tornaram casos de doenças relacionadas com o trabalho. Essas denúncias chegam às

instituições via representantes e comissões dos trabalhadores, Comissões Internas de

Prevenção de Acidentes (CIPA), associações, sindicatos, centrais sindicais, ONG e mídia

em geral. As instâncias executivas da rede de VST representam a primeira camada ou nível

de contato direto com o núcleo – trabalhador e ambiente de trabalho –, sendo as duas

instituições principais o SUS e o Ministério do Trabalho.

O SUS exerce função múltipla, configurando um espaço estruturador de conexões

das redes, tendo em sua estrutura, basicamente, os serviços assistenciais, de vigilância

epidemiológica e sanitária e os programas de saúde do trabalhador, executando

diretamente, as funções de referência clínica, vigilância sanitária e epidemiológica dos

agravos relacionados ao trabalho constitui um subsistema de vigilância em saúde do

trabalhador e desencadeiam um processo de vigilância por meio da integração das ações em

torno de casos específicos.

Dentre as instituições que compõem uma rede de vigilância em saúde do

trabalhador (RENAST) estão: órgãos ambientais, as Secretarias de Estado de Trabalho, as

instâncias ligadas à Previdência Social (perícia médica e a reabilitação), articulando-se com

o Ministério Público Estadual e o Ministério Público do Trabalho17.

Dentre os autores que têm se debruçado sobre o tema, e dentre eles destacamos

Pinheiro (1996), que aponta as fissuras e contradições intersetoriais relacionadas à

fiscalização dos ambientes de trabalho e a relação com o Ministério do Trabalho,

historicamente responsável por essa ação (vigilância x fiscalização).

17Segundo Machado & Porto (2003) “As ações do Ministério Público ocorrem, principalmente, em situações

críticas de maior conflito e resistência, e funcionam como elemento desestabilizador de práticas gerenciais

atrasadas e ainda freqüentes em vários setores econômicos e regiões do país”.

50

Balista (2013) reforça a criação da Portaria n° 1.823/2012 que instituiu a Política

Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, para o desenvolvimento da atenção

integral à saúde do trabalhador, com ênfase na vigilância, apontando os limites relacionados

ao trabalhador informal.

Em Campinas (SP), houve um movimento também inovador, desde a década de

90, na perspectiva da descentralização das ações de Saúde do Trabalhador, para as VISAS

Distritais, em parceira com as Unidades Básicas de Saúde. Foram momentos de criação do

Centro de Referencia em Saúde do Trabalhador (CRST), fruto de uma discussão dentro da

Política de Saúde do Trabalhador (PST iniciada em 1986. Atualmente o CRST foi

denominado de CEREST.

Ainda não há um cenário que articule as Vigilâncias Ambiental, Saúde do

Trabalhador, Epidemiológica e Sanitária, havendo até situações de disputas institucionais

(BRASIL, 2007). A sugestão seria de trabalhar com o conceito ampliado de Vigilância em

Saúde e não com uma somatória de vigilâncias.

Quanto à exposição de trabalhadores a exposição a agrotóxicos, Silva et al (2005,

p. 6) referem

Em certa medida, pode-se dizer que a realidade cotidiana de trabalho observada

na agricultura, especificamente no que se refere à utilização de agrotóxicos,

expressa as políticas governamentais historicamente adotadas para o setor [...]

Ou seja, as condições concretas e atuais de utilização dos agrotóxicos pelos

trabalhadores rurais encontram suas raízes e seu pleno desenvolvimento

alicerçados naquela política.

Outro exemplo é a contaminação das chácaras vizinhas à área onde esteve

instalada a fabrica da SHELL de Paulínia, com agrotóxicos organoclorados Endrin,

Dieldrin e Aldrin encontrados no lençol freático sob as chácaras localizadas entre a fábrica

e o Rio Atibaia, um dos principais afluentes do rio Piracicaba e que abastece de água, entre

outras, as cidades de Americana e Sumaré.

3.4. A Constituição Federal de 1988 e o Sistema Único de Saúde (SUS): como a

Vigilância se inseriu nesse novo contexto?

Em 1986, o movimento da Reforma Sanitária, e o evento da VIII Conferência

Nacional de Saúde, tencionaram para a institucionalização da saúde como direito do

51

cidadão e dever do Estado. A Constituição Federal (CF) de 1988 que, dentre outros,

instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), constituiu-se em um projeto contra hegemônico

e que potencializa a garantia do direito a saúde.

Concordamos com Balista (2013, p. 38), quando afirma que o SUS

[...] teve caráter contra hegemônico na política do Brasil uma vez que os

princípios do estado mínimo dominaram as políticas públicas, constrangendo o

SUS em uma época em que a carência de recursos orçamentários era

determinada por restrições ao tamanho do aparelho de estado, embora o SUS

necessitasse se expandir.

A Constituição Federal (1988) eleva a saúde à categoria de direito social e confere

a competência ao Estado de executar este direito, garantindo-o enquanto dever. Os

princípios de construção do SUS não se limitam apenas ao setor saúde em si, e sim a partir

da melhora da qualidade de vida e saúde da população e de como a sociedade se organiza e

prioriza suas necessidades.

Em seu capítulo Seguridade Social, Seção II, da Saúde, art. 198, a CF estabelece

como se organizará as ações e serviços públicos de saúde:

[...] integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema

único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização, com

direção única em cada esfera de governo, atendimento integral, com prioridade

para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais e

participação da comunidade.

Não obstante ter encontrado sujeitos implicados com a proposta inovadora de

reorganização, reorientação e de abordagem integral à saúde, encontrou também muitas

resistências ao processo como um todo.

Apesar de ter uma legislação anterior à Constituição Federal (1988), a Vigilância

passa a ocupar um papel de prevenção, de promoção e fiscalização, o que exige a mudança

de paradigma e uma visão de processo saúde-doença, centrada nos processos sociais que

promovem ou agravam a saúde das populações de uma dada sociedade. As legislações

anteriores ao SUS – Lei n° 6.259 de 1975 e Lei n° 6.360 de 1976 – que institucionalizaram

a Vigilância Epidemiológica e Vigilância Sanitária, respectivamente, foram recepcionadas

pela Constituição Federal. Não obstante esta recepção, são legislações sem uma visão

sistêmica por terem sido escritas em um contexto de repressão social, e isso impacta no

atual modelo da Vigilância no Brasil.

52

Para regulamentar a estrutura e o funcionamento do SUS foi aprovada a Lei

Orgânica da Saúde n° 8.080 de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para

a promoção, proteção e recuperação da saúde, e a organização e o funcionamento dos

serviços correspondentes. Essa Lei afirma, em seu art. 6º, que estão incluídas, no campo de

atuação do SUS, a Vigilância Epidemiológica, a Vigilância Sanitária, a Saúde do

Trabalhador, assim conceituadas:

Vigilância sanitária – [...] um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou

prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do

meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de

interesse da saúde. (art. 6º, § 1º). Grifos meus.

Vigilância epidemiológica [...] um conjunto de ações que proporcionam o

conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores

determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade

de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou

agravos (art. 6º, § 2º).

(BRASIL, 1990). Grifo meu.

Aith & Dallari (2009) destacam a superposição de competências entre as

diferentes Vigilâncias, advindas de seu modelo fragmentado e que não foi ampliado na

Constituição Federal e tampouco na LOS. Os autores referem que foi reforçado a existência

de setores especializados de Vigilância e que demonstra as dificuldades conceituais

advindas da lógica fragmentada.

[...] A lógica jurídica de fragmentação da Vigilância em Saúde em Vigilâncias

Epidemiológica, Sanitária e Ambiental acabou se refletindo na organização dos

serviços estatais de Vigilância em Saúde, que passaram a operar por campos de

especialidades específicos [...] pode-se perceber que há certa desarticulação

entre os agentes públicos responsáveis pelas diferentes vigilâncias, ocasionando

ora duplicidade de ações, ora mobilização desnecessária de agentes públicos e

ora omissões graves.(p. 108-9)

Com relação às competências da Vigilância dentro do SUS, concordamos com

Costa (2009) quando reafirma as competências e descreve como imprescindíveis que essas

ações não fiquem restritas ao setor saúde, e, sim, sejam realizadas intersetorialmente.

[...] controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse

para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos,

imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos [...]

Com relação aos problemas de saúde nos quais a Vigilância deve fazer

intervenção, destaco as questões trazidas por Paim & Teixeira (1992, p. 102-3)

53

[...] problemas de saúde não se restringem a óbitos, sequelas, doenças e agravos.

[...] ampliar o leque de problemas de saúde reconhecendo os indícios de danos

(assintomáticos), os indícios de exposição (suspeitos), a situação de exposição

(expostos), condições e fatores de risco (grupos de risco) e as necessidades

sociais de saúde (classes e grupos sociais) [...] incorporar [...] os condicionantes

–– modo de vida (condições e estilo de vida), e os determinantes sócio--

ambientais (...) poderia se articular com um conjunto políticas econômicas e

sociais visando ao controle de “causas”. Grifo meu.

Dessa forma, os autores reafirmam que a complexidade atual, desafia a todo o

momento o modelo tradicional de Vigilância, exigindo redefinições e ampliação de seus

conceitos e alargando seu escopo (promoção e proteção) construído a partir do conceito

ampliado de saúde e dos princípios do SUS. Paim (2008), corrobora com essa discussão,

ao afirmar que o processo de institucionalização do SUS exigiu novas concepções e

conformações institucionais para as “vigilâncias”.

Em meio a esta conformação institucional, houve várias experiências desafiadoras

que buscaram uma integração e articulação entre os núcleos específicos da vigilância,

utilizando preposições para conectar os termos vigilância e saúde (em, a, de), não se

tratando apenas de uma discussão semântica, no entanto, mas conceitual e paradigmática.

Segundo Paim (2008) a Vigilância “da” Saúde

[...] pode atuar sobre problemas (danos, riscos e determinantes) que requerem

atenção e acompanhamentos contínuos, mediante a articulação entre ações

promocionais, preventivas e curativas sobre o território, a partir de operações

intersetoriais [...] combinando saberes e tecnologias de diferentes campos de

atuação (p. 71)

Segundo Barradas (1993) as discussões sobre vigilância “à” saúde, desdobra-se em

uma tendência que defende a necessidade de superar a dicotomia entre a prática da

vigilância epidemiológica e da vigilância sanitária, diluindo-as em um único bloco - ações

coletivas de saúde e outra tendência relacionada à Vigilância “à” Saúde, é de certa

especificidade dos objetos e métodos de intervenção, suficientes para caracterizar dois

conjuntos de atividades separadas, porém, integradas.

Paim, citando Teixeira et al (1998) que defende a Vigilância “em” Saúde

composta não somente por trabalhadores da saúde mas incorporando novos sujeitos, e

buscando envolvimento efetivo da população organizada, na perspectiva de um modelo

assistencial que supere os modelos vigentes, e provoque a mudança das relações técnicas e

sociais, dos processos de trabalho, da redefinição do objeto, e da "cultura sanitária".

54

Alguns autores trouxeram propostas relacionadas a esta integração: Paim e

Teixeira (1992) construíram o projeto da Vigilância à Saúde, na tentativa de uma

organização das ‘Vigilâncias’ no SUS – Vigilância Epidemiológica (VE), Vigilância

Sanitária (VS), Vigilância Ambiental (VA) e, Vigilância em Saúde do Trabalhador (VST).

É fato, no entanto, de que essas denominações dadas por vários autores têm visões

de mundo e sociedade diferentes, sendo convergentes em alguns aspectos, bem como

divergentes em outros. Outra questão importante é a integração interna das “vigilâncias”,

tanto em seus processos históricos diferentes, em suas fundações, como nas organizações

funcionais e organizativas.

Segundo Paim (2008, p. 62),

As tensões organizativas e funcionais entre as “vigilâncias” não parecem

expressar dificuldades conceituais ou técnicas, mas disputas de poder diante de

interesses diversos. Grifo meu.

Se analisarmos, por exemplo, as várias instituições que cercam estas “vigilâncias”

- SNVS, SNVE, SVS e ANVISA -, e seus respectivos arcabouços teórico-práticos,

podemos perceber atravessamentos internos e externos, impactando no cotidiano destes

serviços, na prática institucional dos trabalhadores da Vigilância, na relação em rede com

os serviços de saúde e com o Controle Social, sem significativas mudanças em sua

capacidade operativa.

Na tentativa de uma estratégia de enfrentamento dessas dicotomias e

atravessamentos, em 2003 foi criada a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do

Ministério da Saúde, através do Decreto n° 4.726 de 09 de junho de 2003, com o objetivo

de assumir a função de coordenar o Sistema Nacional de Vigilância em Saúde (SNVS).

Em 2005 é estabelecido o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) que

estabelece a necessidade de aperfeiçoamento das capacidades dos serviços de saúde pública

para detectar, avaliar, monitorar e dar resposta apropriada aos eventos que se possam

constituir em emergência de saúde pública de importância internacional, oferecendo a

máxima proteção em relação à propagação de doenças em escala mundial, mediante o

aprimoramento dos instrumentos de prevenção e controle de riscos de saúde pública.

Em 2009, a Portaria n° 3.252 aprova as diretrizes para execução e financiamento

das ações de Vigilância em Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios e

avança na competência e objetivo da Vigilância em Saúde em realizar análise permanente

55

da situação de saúde da população, mantendo a articulação com um conjunto de ações

visando o controle dos determinantes, riscos e danos à saúde garantindo a integralidade da

atenção, tanto no plano da abordagem individual como coletiva dos problemas de saúde.

Em seu capítulo II, artigo 17, afirma que o Sistema Nacional de Vigilância em

Saúde (SNVS) é coordenado pela SVS/MS no âmbito nacional e é integrado por:

I - Subsistema Nacional de Vigilância Epidemiológica, de doenças transmissíveis

e de agravos e doenças não transmissíveis;

II - Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental, incluindo ambiente

de trabalho;

III - Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública, nos aspectos

pertinentes à Vigilância em Saúde;

IV - Sistemas de Informação de Vigilância em Saúde;

V - programas de prevenção e controle de doenças de relevância em saúde

pública, incluindo o Programa Nacional de Imunizações;

VI - Política Nacional de Saúde do Trabalhador; e

VII - Política Nacional de Promoção da Saúde.

Traz também como inovação, a Vigilância da Situação de Saúde através de ações

de monitoramento contínuo (País, Estado, Região, Município ou áreas de abrangência de

equipes de atenção à saúde) através de estudos e análises que identifiquem e expliquem

problemas de saúde e o comportamento dos principais indicadores de saúde.

Essa Portaria descreve em seu capitulo 1, seção 1, artigo 2, os núcleos específicos

como:

I - vigilância epidemiológica: vigilância e controle das doenças transmissíveis,

não transmissíveis e agravos [...];

II - promoção da saúde: conjunto de intervenções individuais, coletivas e

ambientais responsáveis pela atuação sobre os determinantes sociais da saúde;

IV - vigilância em saúde ambiental: conjunto de ações que propiciam o

conhecimento e a detecção de mudanças nos fatores determinantes e

condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana [...];

V - vigilância da saúde do trabalhador: visa à promoção da saúde e à redução

da morbimortalidade da população trabalhadora, por meio da integração de

ações que intervenham nos agravos e seus determinantes decorrentes dos

modelos de desenvolvimento e processo produtivos; e

VI - vigilância sanitária: conjunto de ações capazes de eliminar, diminuir ou

prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do

meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços do

interesse da saúde, abrangendo o controle de bens de consumo, que direta ou

indiretamente se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e

processos, da produção ao consumo, e o controle da prestação de serviços que se

relacionam direta ou indiretamente com a saúde.”(BRASIL, 2009).

O Decreto nº 6.860 de 2009, tem sido uma inovação ao aprovar a estrutura

regimental do Ministério da Saúde, estabelecendo as competências da SVS/MS como

gestora do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde e como formuladora da Política de

56

Vigilância Sanitária, em articulação com a ANVISA. Apesar deste avanço, tanto a

ANVISA como a SVS/MS mantém uma distância em seu arcabouço jurídico e conceitual,

tendo o desafio de se articular em suas políticas e ações.

Mais recentemente o Decreto n° 7.508 de 28 de junho de 2011, além de

regulamentar a Lei n° 8.080 de 1990, traz conceitos inovadores, como as regiões de saúde e

mapa da saúde, redes de atenção à saúde; protocolo clínico e diretriz terapêutica, dentre

outros e que devem ser incorporados e debatidos na Vigilância, impulsionando mudanças

de modelo.

57

CAPÍTULO 4: A DESCENTRALIZAÇÃO E MUNICIPALIZAÇÃO

DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE DE CAMPINAS

A persistência da memória (Salvador Dali)

“Datas

Datas. Mas o que são datas?

Datas são pontas de icebergs.

O navegador que singra a imensidão do mar

bendiz a presença dessas pontas emersas, sólidos geométricos,

cubos e cilindros de gelo visíveis a olho nu e a grandes distâncias.

Sem essas balizas naturais, que cintilam até sob a luz noturna

das estrelas, como evitar que a nau se espedace de

encontro às massas submersas que não se veem?”

(BOSI, 1992, p. 19)

58

O processo de institucionalização da Vigilância em Campinas, tanto em sua

dimensão macro, relacionada à política de saúde, como na dimensão micropolítica,

referente à municipalização e descentralização, enquanto principio organizativo do SUS é

aqui descrito a partir da constituição do sistema de saúde de Campinas.

Para facilitar as discussões, foi feita a periodização por governos, devido

similaridade de projetos políticos que impactam na área da saúde. Os períodos elencados

foram a partir de 1977 até 2013.

Não obstante tal periodização considerei a história contada por um dos

entrevistados que data de 1930, quando inicia a Inspetoria Municipal Veterinária (IMV),

entendendo que esta história ilumina e dialoga com nosso objeto de estudo no presente.

Não aprofundo, no entanto, as discussões.

A singularidade da história de Campinas e sua construção específica na área da

saúde tornou-a referência para o setor saúde, apesar da crise18 evidenciada nos últimos

anos, crise esta que ultrapassa o setor saúde, mas que impacta diretamente em estagnações e

até perdas nas construções acumuladas até então.

Campinas é uma cidade polo metropolitano que esta situada há cerca de 100 km de

SP, mais especificamente na região oeste. De acordo com o censo de 2012 do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), Campinas possui uma população de cerca de

1.098.630 habitantes, sendo o terceiro município mais populoso do estado de São Paulo

(perde somente para Guarulhos e a capital).

A complexidade do Sistema de Saúde em Campinas levou à distritalização, que é o

processo progressivo de descentralização do planejamento e gestão da Saúde para áreas

com cerca de 200.000 habitantes. Existem cinco Distritos de Saúde em Campinas (sul,

leste, sudoeste, noroeste e norte) com suas cinco respectivas Vigilância em Saúde (VISA).

18 Segundo Baremblitt (2012, p.143) em sua origem grega a palavra krisis significava interpretação, seleção,

juízo fase de definição, no sentido da melhoria ou da piora do curso de uma enfermidade. O autor explica que,

provavelmente com a extensão da noção médica, o conceito de crise toma outros sentidos como de [...] um

ponto de desequilíbrio (desorganização, desordem) mais ou menos imprevisível na sua aparição e em seu

desenlace [...].

59

Figura 1: Mapa da cidade de Campinas dividido por Distritos de Saúde e Centros de Saúde

/ Campinas/SP.

Fonte: Portal da Saúde de Campinas/SP: http://2009.campinas.sp.gov.br/saude/

A cidade de Campinas foi fundada em 1755 e beneficiou-se por ser entroncamento

de diversos caminhos que percorriam o interior do país (Santos, 2002). As ações de

vigilância tem interface direta com este contexto de desenvolvimento das atividades

econômicas e os diversos ciclos produtivos - a cana-de-açúcar e o café e os investimentos

no desenvolvimento industrial e a construção de uma rede importante de infraestrutura:

estradas de ferro e rodovias.

Cano (1998) destaca que a partir da década de 1970, houve um impulso importante

do processo de interiorização da indústria no Estado de São Paulo, que transformou

Campinas na segunda maior concentração industrial do país, atrás apenas da Região

Metropolitana da capital de São Paulo.

A Secretaria de Saúde de Campinas foi criada em 1968 e, nesse momento, havia

uma crise específica no setor saúde e as prefeituras de alguns municípios brasileiros

tiveram governos comprometidos com a defesa e interesses da maioria da população, além

de um forte movimento social existente na época. Para tal, estruturaram serviços de saúde

com recursos próprios, e, segundo Queiroz (1993) o município de Campinas foi pioneiro

60

em muitos aspectos, tanto na implantação do novo sistema de saúde19 quanto nas

proposições referentes ao sistema de Vigilância.

A complexidade do Sistema de Saúde em Campinas levou a debates sobre a

descentralização e um processo de distritalização para áreas com cerca de 200.000

habitantes, que foram chamados de Distritos de Saúde em Campinas, hoje totalizando cinco

(cinco) Distritos com suas respectivas Vigilância em Saúde (VISA).

Não é objetivo de nosso estudo o aprofundamento dessa história, pois a mesma

tem sido objeto de debates de vários autores, como Queiroz (1993), Smeke (1993),

L’Abbate (2010), Balista (2013), Garcia (2009) dentre outros. Esses debates nos

interessam, pois a atualização que a Vigilância vem fazendo nos últimos anos, está

intimamente relacionada a esse contexto sócio-histórico-político, e por este motivo,

sintetizamos estes momentos, com base nestes autores, em nossa exposição e análise das

construções e rupturas existentes nesta área.

Conforme apontado na história da Vigilância no Brasil, muitos desafios existentes

foram enfrentados, mas nem todos os limites foram superados, e outros desafios foram

incorporados.

O município de Campinas tem uma tradição acumulada tanto no que diz respeito

ao modelo de atenção em saúde, quanto ao modelo de vigilância. A Vigilância em Saúde de

Campinas passou por intensas transformações na década de 80 e início dos anos 90, e tem

vivido outras mudanças nos dias atuais.

As ações relacionadas à Vigilância Sanitária de Campinas têm uma historia que

remonta a década de 60/70, pouco contada e registrada, mas merecedora de destaque, pois

ajuda a iluminar o objeto pesquisado e fazer análises sobre o mesmo. A respeito disso, um

dos entrevistados afirma

[...] é uma história de Campinas que parece não tem valor. Quando a gente olha

para a Vigilância de Campinas, essa Vigilância passou por grandes

transformações [...] mas existe uma história que não deve se perder. Grifos meus.

19 Queiroz (1993), analisando a evolução da implantação da rede municipal de serviços da saúde em

Campinas de 1977 até 1988, distingue 3 fases distintas: o período "heroico-romântico" da administração

Francisco Amaral e do Secretário Sebastião de Moraes; o período de consolidação dos convênios de

integração institucional do Secretário Nelson Rodrigues dos Santos e, por fim, a fase da revolução gerencial

61

Considerações gerais a partir de 1930

A década de 1930 no Brasil foi caracterizada por grandes transformações sociais,

políticas e econômicas. No plano econômico, mais especificamente, houve o surgimento da

indústria no Brasil. Segundo Murilha (2011) no ano de 1940, Campinas tinha um

Matadouro e um Mercado municipais20.

O autor refere ser este um período com construções públicas destinadas à

ordenação de espaços urbanos e responsabilizando as autoridades públicas por zelar por

estes espaços. A construção de mercados e matadouros públicos teve um contexto

higienista garantindo a qualidade do abate, comércio e consumo destes alimentos,

prevenindo a exposição de riscos de contaminação (água, ar e solo).

Com relação ao abate do gado, a construção do matadouro público era uma

reivindicação da população, devido ao fato dos animais serem criados em meio urbano e

abatidos de forma irregular e clandestina, nos fundos de quintais, ruas e terrenos baldios,

atraindo moscas e outros insetos, exalando mau cheiro que incomodava a população.

A construção do mercado municipal, por sua vez, tem sua construção datada do

final do século XVIII e inicio do século XIX, tendo licença renovada anualmente,

intransferível, cumpridos os dispositivos do Código Comercial do Império, o que

assegurava a arrecadação, defendia o consumidor e garantia a mão de obra escrava.

que se inicia na administração PT, sofrendo uma paralisação durante a crise que acompanhou o rompimento

entre o prefeito e o partido e tendo continuidade com a administração do PSDB. 20A existência de Mercado Municipal em Campinas é anterior a 1940.

62

Figura 2: Mercado Municipal de Campinas/SP (1930)

Fonte: http://pro-memoria-de-campinas-sp.blogspot.com.br/2011/09/curiosidades-mercado-municipal-

1930.html

Figura 3: Matadouro Municipal de Campinas/SP (1896)

Fonte: http://pro-memoria-de-campinas-sp.blogspot.com.br/2008/08/memria-fotogrfica-matadouro-

municipal.html

63

Com o objetivo de prevenir e controlar os riscos oriundos deste abate e

comercialização de animais e outros, foi instituída em Campinas, a Inspetoria Municipal de

Veterinária (IMV), através do Decreto n° 46 de 4 de fevereiro de 1933 do então prefeito,

Alberto de Cerqueira Lima (ANEXO 5) e regulamentada em 9 de fevereiro de 1934 pelo

prefeito Perseu Leite de Barros (CAMPINAS, 1934).

Segundo um dos entrevistados, à época, o gado de Campinas vinha pela ferrovia e

fazia o percurso da Avenida Amoreiras até chegar ao Matadouro Municipal, que se

localizava perto do córrego do Piçarrão. A IMV encarregava-se de fazer a inspeção da

qualidade da carne e dos produtos dos animais abatidos neste matadouro, que

posteriormente iam para o então Mercado Municipal de Campinas. Este, por sua vez, tinha

um laboratório que fazia análise da qualidade dos alimentos que eram colocados lá para

comercialização e verificava a qualidade de carnes a qualidade de pescados.

Com o crescimento da cidade, acidentes começaram a acontecer devido ao trânsito

do gado pela Avenida Amoreiras tornando-se inviável também economicamente a

manutenção deste matadouro que, em 1979 já não funcionava mais, mas sua inovação

acumulada resultou em um modelo que foi adotado pelo Instituto Brasileiro de

Administração Municipal (IBAM), nos anos 60 e 70, sendo exportado para outros

municípios e países.

L’Abbate (2010) apud Gonçalves & Semeghini (1987) afirma que a década de 50

teve um “movimento da industrialização pesada21, o que contribuiu para que iniciasse em

Campinas, no final dessa década, uma intensificação na população urbana.

O Serviço de Policiamento de Produtos e Alimentação (SPPA) foi criado pelo

prefeito Rui Hellmeister Novais e instituído através da Lei n° 3.436 de 30 de março de

1966. O SPPA estava vinculado à Secretaria de Saúde e Higiene de Campinas, fazendo

parte da Divisão de Alimentação Pública (DAP). O SPPA tinha equipes denominadas de

Comando Sanitário que possuía ação educativa, fiscalizatória e punitiva22. Uma das

21 L’Abbate (2010), cita Semeghini, 1991, p.108-113) ao afirmar que esse foi o período de instalação de

algumas importantes indústrias do município de Campinas, e cita: Bosch, Clarck, General Electric, Dunlop,

Merk e Sharp, dentre outras. A autora refere que antes da criação desses estabelecimentos, já se registrara um

aumento significativo do pessoal empregado na indústria, havendo uma variação de 72,6% nessa categoria,

entre os anos 1939 a 1949 (p. 59). 22 As ações eram desenvolvidas em mercados, entrepostos, açougues e frigoríficos; vacarias, granjas leiteiras

e leiterias; frutas, frutarias e casas comerciais para venda de víveres; peixes e caças; fábricas de produtos

64

exigências legais do SPPA era a Carteira/Caderneta de Controle do Serviço de

Policiamento dos produtos de alimentação da Prefeitura Municipal de Saúde obrigatória,

instituída através do Decreto n° 2.844 de 8 de setembro de 1966, a qual era utilizada pelo

fiscal para registrar e manter um histórico dos estabelecimentos. Essa Caderneta era de

renovação anual e continha as ocorrências existentes, devendo ser revalidada anualmente

pelos serviços de saúde (CAMPINAS, 1966).

Em 1971 foram elaboradas as normas de organização e funcionamento de um

serviço de fiscalização de alimentos da Prefeitura (ANEXO 6) e a partir de 1975 passa a

existir o Serviço de Fiscalização Sanitária e Alimentação Pública (SFSAP), dentro da

Secretaria de Saúde, e tendo a descrição das atribuições do fiscal sanitário (ANEXO 7) que

exercia o papel de “polícia administrativa”, no campo da higiene pública.

Esse órgão tinha como instrumentos normativos a expedição de alvarás de

funcionamento e das Cadernetas de Controle Sanitário (ANEXO 8) investigação de surtos

de toxinfeccções alimentares, a coleta de amostras alimentos para análise, a lavratura de

autos a aplicação de penalidades aos infratores (interdição de estabelecimentos a

inutilização de produtos). (ANEXO 9).

Segundo depoimento de um dos entrevistados, à época não havia pessoas formadas

para essa área e a formação de fiscais era realizada em serviço, já em contato com o “modus

operandi da repartição”, com todas as ordens de serviço, realizando a leitura de processos

nos quais as empresas eram multadas/autuadas. O engenheiro era responsável pela

avaliação final acerca da situação sanitária de prédios destinados ao comércio de alimentos:

situação hidráulica, ventilação, revestimento de parede, dentre outros23.

Esse profissional tinha um roteiro de fiscalização (ANEXO 10) e quando

encontrava um estabelecimento novo, fazia a notificação para se regularizar. O trabalho dos

“fiscais” era alternado, ou seja, havia um rodízio entre os setores, e um fiscal conferia o

trabalho do outro, estratégia para tentar controlar vícios.

alimentícios; feiras livres; cafés, hotéis, restaurantes, pensões, etc., no que se refere à alimentação e cães e a

vacinação destes contra a raiva.

23 Com a mudança de governo, a maioria desses profissionais foi transferida para o Departamento de

Urbanismo.

65

O SFSAP também realizava atividades educativas instruindo aos contribuintes e

aos munícipes das normas de higiene e alertando sobre os riscos (ANEXOS 11)

Segundo um dos entrevistados, nessa época Campinas já fazia Vigilância Sanitária

de Alimentos de forma concorrente ao estado, que tinha a Divisão de Policiamento de

Alimentação Pública Estadual, o que gerava muitos conflitos nas ações. Campinas era

dividida em setores relacionados aos logradouros onde ficavam os estabelecimentos. O

SFSAP tinha um coordenador e em torno de dez a doze fiscais que percorriam os

estabelecimentos utilizando o roteiro de fiscalização.

A discussão do que chamamos de fiscal sanitário, tem essa origem histórica no

município de Campinas, e mantém uma polêmica nacional atual que é descrita por Costa

(2008), o fiscal faz parte do modelo tradicional da Vigilância Sanitária, que tem como

objeto de ação o produto (medicamento, cosmético, alimento, etc.) e os meios de trabalho

privilegiados são as inspeções e fiscalizações para cumprimento de normas, explicitando

dada forma de exercício do poder de polícia.

Fazendo uma analogia ao que Merhy (2000, p.109) chama de caixa de ferramentas

tecnológicas, percebemos que a tecnologia leve-dura (saberes estruturados) e tecnologia

dura (equipamentos e materiais), eram priorizados nas práticas desses fiscais. Não obstante

esta priorização, podemos perceber que havia a utilização da tecnologia leve e implicada

com a produção das relações entre os sujeitos, a qual pode ser percebida através da ação

educativa.

Nos dias atuais, Costa (2000) defende a tese de um novo modelo de Vigilância

Sanitária – que chama de “nova” Vigilância – que tem como sujeitos a equipe da VS com

tarefas específicas, mas integrando um conjunto de profissionais e trabalhadores de saúde

em ação conjunta com eles e outros sujeitos coletivos e representantes da população

organizada. Neste novo modelo, o objeto da VS é reconceitualizado, tendo enfoque no

risco, danos, necessidades sanitárias e determinantes do processo saúde/doença/qualidade

de vida/cuidado.

66

Período de 1977 a 1982

Esse período que corresponde ao primeiro governo de Francisco Amaral (MDB)24,

tendo como Secretário de Saúde Dr. Sebastião de Moraes25, deixou uma memória afetiva

nos que participaram e vivenciaram o momento, contado com um carinho nas falas,

lembranças e recordações dos entrevistados.

Foi um momento de muitas mudanças na conformação da rede municipal de saúde

de Campinas. Dr. Sebastião de Moraes era muito querido pela população, devido seus

trabalhos voltados para a comunidade.

A respeito de Dr. Sebastião de Moraes, Queiroz (1993, p. 10), aponta

tinha ideias progressistas ligado à igreja Católica, que contava com o apoio do

Departamento de Medicina Preventiva da UNICAMP. Numa perspectiva

humanista, ele advogava a ideia de que a expansão dos serviços de saúde deveria

estar colada à participação social e o caminho era a construção de postos

simples, de baixo custo.

Um dos entrevistados, demonstrando afeto durante a fala, recorda [...] Na época, o

Secretário de Saúde era o Sebastião de Moraes, uma pessoa muito humana, na época a

gente achava que era quase que um Deus para nós [...].

Não obstante o contexto político repressivo da época, Lavras (2013) aponta que

foi um momento caracterizado por grande efervescência e muito entusiasmo, e

desenvolvimento de projetos com a Universidade. Ao referir acerca do projeto do

Laboratório de Ensino em Medicina Comunitária, desenvolvido pelo Departamento de

Medicina Preventiva e Social (DMPS) da UNICAMP, a autora conta que

[...] fomos apresentados a Sebastião de Moraes [...] que não só acolheu o projeto

com muito entusiasmo como também propôs sua expansão [...] praticamente dez

anos antes da criação do SUS. (p. 263).

Segundo Queiroz (1993, p. 9), a plataforma política desse governo foi à expansão

da assistência médico-sanitária à população considerada marginalizada. Corroborando com

o autor, L’Abbate (2012) aponta que nesse governo municipal, o prefeito definiu como

principal objetivo de sua gestão obter o máximo benefício social (p. 113).

24 É importante destacar que, na conjuntura política, só existiam dois partidos políticos: Aliança Renovadora

Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). 25 Dr. Sebastião de Moraes era médico e trabalhava na Casa de Saúde de Campinas.

67

Ainda segundo a autora, era uma época em que os moradores de vários bairros de

Campinas lutavam em busca de soluções de problemas de saúde e de condições de vida.

Uma das entrevistadas disse que a região onde ela morava era muito pobre,

não tinha escola não tinha posto de saúde. Esse foi o período no qual a entrevistada

referiu ter iniciado suas atividades junto à comunidade:

[...] eu morava na periferia de Campinas (moro) e junto com a Sociedade Amigos

de Bairros ajudei a comunidade a abrir um posto de saúde [...] a prefeitura

resolveu alugar uma casinha [...] e conseguiu um médico [...]. Grifo meu.

Destaco o registro feito por Lavras (2013, p. 265-66), com relação a esse período

de governo

[...] Dr. Sebastião de Moraes tornou-se um grande articulador do movimento

municipalista em Campinas e, por meio de Arouca, foi apresentado aos

secretários de saúde de Londrina e de Niterói que comandavam experiências

municipais semelhantes.

Lavras ainda descreve que em 1978 foi realizado o I Encontro Municipal de

Saúde, com a participação desses profissionais dos dois municípios, e com a presença do

secretário estadual de saúde – Walter Leser. Era o embrião do Movimento de Reforma

Sanitária.

A partir daí estabeleceu-se um permanente intercâmbio profissional entre esses

grupos e novas articulações foram sendo consolidadas. Nesse contexto a SMS de

Campinas se transformou em espaço de luta pela redemocratização do país

[...].(p. 265-66).

Com relação ao movimento popular de saúde de Campinas, L’Abbate (2010)

afirma que os moradores de vários bairros de Campinas, começaram a se agrupar em busca

de soluções para problemas de saúde e condições de vida, e foram o embrião das futuras

Comissões de Saúde (p. 205). Ainda segundo a autora, essas comissões tiveram sua origem

nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e, em menor número, em entidades mais

antigas e tradicionais como as Sociedades Amigos de Bairros (SABs). Em 1987, a partir de

um Seminário, essas comissões passaram a utilizar a denominação de Movimento Popular

de Saúde (MOPS).

68

Quanto ao modelo de assistência à saúde, segundo Junqueira & Inojosa (1990),

havia uma proposição de revisão se conformando nos anos 70

[...] Nos anos pós-64, ocorreu um movimento de centralização de recursos e

decisões, no nível federal, hipertrofiando o Poder Executivo central [...] até o

final da década de 70, conformou-se no país um modelo assistencial de saúde

fragmentado e desarticulado em relação ao papel dos três níveis de governo,

dividindo a clientela entre "previdenciários" e "não previdenciários" e

dicotomizando ações de prevenção e cura. (p. 7-8)

Em um contexto de elevado crescimento industrial que ocorreu na década de 70,

associado a um processo de modernização agrícola, Cunha & Oliveira (s/d) afirmam que foi

determinante para que a cidade de Campinas se tornasse um importante polo regional (p.

352).

L’Abbate (2010) corrobora com a afirmação e acrescenta

É o início da configuração chamada de ‘periferia’26, que se estendeu, sobretudo

na direção da zona sudoeste do município [...]

[...] para essa periferia foi empurrada e segregada grande parte da população

trabalhadora, sobretudo de mais baixa renda, nela incluindo o grande

contingente migratório que ocorreu à cidade na década de 70. Tal contingente

era o principal responsável pelo aumento do número de favelados [...]. (p. 59 e

73). Grifos meus.

Essa explosão migratória, segundo Abrahão (1994), determinou uma pressão por

serviços de atenção à saúde pública e gratuita direcionada à população recém-chegada à

periferia de Campinas.

Para L’Abbate (2010, p. 75)

É no interior desses processos de explosão urbana e da piora do nível de

qualidade de vida da grande maioria da população habitante da periferia,

ocorridos a partir dos anos 70, que se observará, em Campinas, o aumento

significativo de serviços do setor público de saúde [...].

A década de 70 foi uma época intensa de ampliação da rede de postos de saúde

municipais, da criação do primeiro hospital público do município de Campinas – Hospital

Dr. Mário Gatti – pois, até então havia somente os hospitais filantrópicos e os hospitais do

estado. Segundo L’Abbate (2010), na década de 80 foram criados os dois hospitais

26 Segundo Chauí (1987, p. 73) [...] a população das grandes cidades se divide entre um “centro” e uma

“periferia”, o termo periferia sendo usado não apenas no sentido espacial-geográfico, mas social,

designando bairros afastados nos quais estão ausentes todos os serviços básicos (luz, água, esgoto,

calcamento, transporte, escola, posto de atendimento medico). Condição, alias, encontrada no “centro”, isto

é, nos bolsões de pobreza, os cortiços e as favelas. População cuja jornada de trabalho, incluindo o tempo

69

universitários – PUCCAMP e UNICAMP. Ainda segundo a autora, com base em estudo de

Semeghini (1991), os primeiros hospitais criados no final do século XIX foram a Santa

Casa de Misericórdia (atual Hospital Irmãos Penteado), a Beneficência Portuguesa e o

Circulo Italiani (atual Santa Casa).

Os postos de saúde municipais foram se formando a partir das regiões periféricas

de Campinas, buscando dar conta das necessidades daquela população que era

socioeconomicamente carente (Smeke (1989), L’Abbate (2010) e Nascimento (2006), e

implantados em casas alugadas com influência das Comunidades Eclesiais de Bases

(CEBs)27, ligadas às Pastorais da Saúde da Igreja Católica.

Queiroz (1993) aponta que durante o ano de 1977 foram instaladas duas unidades

de saúde pela Prefeitura e, a partir de então, novas unidades foram criadas. Segundo o

autor, ao final de 1979, a rede contava com 22 e, em inícios de 1981, 36 Postos de Saúde no

município. Foram instalados dezesseis postos de saúde municipais em bairros de periferia,

que se somaram aos quatro postos de saúde da PUC já existentes. Os postos de saúde eram

implantados na perspectiva do Programa de Medicina Comunitária em parceria com o

Departamento de Medicina Preventiva e Social (DMPS) da Universidade Estadual de

Campinas (UNICAMP) e o Departamento de Medicina Social e Preventiva (DMSP), da

Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), foram fortes aliados para a

revisão do sistema de saúde de Campinas. Além destes, havia cinco centros de saúde da

Secretaria Estadual de Saúde que funcionavam separados dos postos de saúde municipais.

Julgo importante destacar que, as unidades de saúde eram instaladas a partir de

estudos do território, como afirma Lavras (2013, p. 264)

[...] desenvolvemos uma metodologia de reconhecimento do território e

caracterização das condições de vida e saúde da população residente nos locais

onde se pretendia instalar uma unidade de saúde [...] unidades orientadas pela

concepção de Medicina Comunitária [...].

Segundo Garcia (2009), o sistema de saúde nessa época era gerenciado pelo INPS

e consistia em consultas especializadas e atendimento fragmentado e pouco resolutivo.

gasto em transportes, dura de 14 a 15 horas, e, no caso das mulheres casadas, inclui o serviço doméstico e o

cuidado com os filhos. 27 As CEBs – Comunidades Eclesiais de Base ligadas à Igreja Católica, incentivadas pelo Concílio do

Vaticano (1962 – 1965) espalharam-se no Brasil principalmente nas décadas de 70 e 80 durante a luta contra

Ditadura Militar no país.

70

As unidades de saúde do estado, por sua vez, desenvolviam ações programáticas

em função do quadro epidemiológico vigente na época: saúde da mulher, saúde do adulto,

saúde da criança, gestante e outros atendimentos como hipertensão, diabetes, saúde mental,

vacinação, vigilância, odontologia, dentre outros.

Alguns dos entrevistados fizeram parte desse processo de construção e

demonstram muito afeto ao relembrarem desse momento histórico. Em suas falas, tanto

durante as entrevistas quanto durante o debate no momento da Oficina de Restituição,

causavam uma comoção percebida através de olhares brilhantes e distantes – olhando para

o horizonte como se buscando reviver o momento. Houve um silêncio respeitoso e a

verbalização do sentimento de “saudades”.

Nessa interface da criação de um sistema de saúde contra hegemônico ao instituído

na esfera federal e estadual, os entrevistados relembram com carinho as ações de Vigilância

Epidemiológica e contam acerca do Centro de Saúde Estadual da Avenida Faria Lima –

denominado de “CS 1” –, que tinha uma região de abrangência e tratava hanseníase, fazia

vacinas, cuidava da Tuberculose, dentre outros, sendo referência para os postos de saúde

municipais.

Os profissionais contratados na época eram médicos, dentistas e auxiliares de

saúde pública para fazer as ações de saúde. Estes eram representantes eleitos pela

comunidade e que não tinham uma formação específica para isso. Posso orgulhar-me em

dizer que fiz parte desta categoria de auxiliares de saúde pública, pois foi dessa maneira que

me inseri na Prefeitura Municipal de Campinas.

Segundo Queiroz (1993, p. 10-11), todos profissionais deveriam ser

[...] recrutados no próprio meio social em que iriam atuar para que pudessem

servir de elo entre a comunidade e a equipe de saúde. Após terem sido treinados,

eles deveriam transmitir à comunidade uma mensagem educativa [...]

antagonizar os perigos da excessiva medicalização promovida pela sociedade de

consumo [...] ensinar que grande parte dos problemas de saúde não necessitam

obrigatoriamente da intervenção médica; [...] Uma parte importante deste

projeto deveria ser de responsabilidade da própria população de usuários que

seria envolvida pela equipe de saúde no sentido de sentir-se responsável pelo

sucesso do mesmo. Para a execução destas ideias, o poder público municipal

iniciou a construção de uma rede de postos de saúde localizados na periferia

urbana.” (p. 10 -11). Grifos meus.

Foi com emoção que ouvi alguns entrevistados contarem essa história

especificamente, pois fui auxiliar de saúde pública e vivenciei e experimentei o período em

71

que os médicos assumiam a preparação dos auxiliares de saúde pública28, capacitando

técnica e politicamente, realizando atividades atribuídas ao médico e enfermeiro e

participando de reuniões de conscientização política num processo de democratização da

própria instituição Secretaria (L’ABBATE, 2010).

Assim sendo, me identifico nos depoimentos de quem foram auxiliares de saúde,

como eu

[...] a comunidade nos indicava e a gente ia fazer a entrevista e aprendia na

raça. Na época não tinha faxineiro, ‘fechava’ o posto de saúde a tarde e todos

faziam a limpeza e a população sabia disto [...]Grifos meus.

L’Abbate (2010) contribui ao destacar a interlocução entre os profissionais de

saúde recrutados na comunidade e os moradores

[...]já mobilizados em torno dos problemas de saúde do bairro, e outros grupos,

constituídos a partir da atuação dos profissionais de saúde que vieram trabalhar

nos postos, envolveram-se organicamente em todas as atividades necessárias à

implantação e manutenção das unidades de saúde. (p.206). Grifos meus.

Lavras (2013, p. 265) corrobora com L’Abbate

[...] aos poucos foram incorporados à equipe da Secretaria, profissionais,

sobretudo médicos, oriundos de vários locais do país: eram pessoas

consideradas “de esquerda”, muitas das quais perseguidas pela ditadura militar

vigente ou ainda apenas identificadas com os ideais que ali prosperavam. A

unidade dessa equipe se construiu em torno do compromisso do grupo com a

organização dos serviços locais de saúde e com a luta pela redemocratização do

país [...].

É importante destacar que algumas ações de vigilância já eram realizadas pelos

serviços de saúde, apesar de ainda sem uma sistematização na rede de Campinas. Os

entrevistados relatam que os auxiliares de saúde pública tinham dúvidas acerca da tosse que

passa para o outro paciente e que era chamada de Tuberculose. O que seria isso afinal? Na

época, os pacientes que apresentavam sintoma de tosse eram diagnosticados como

pneumonia e tratados com penicilinas. Era solicitado o retorno do paciente e, quando as

auxiliares de saúde percebiam que o paciente estava piorando, dúvidas e questionamentos

motivavam, o que um dos entrevistados chamou de olhar vigilante.

28 Segundo Garcia (2009), para essa função era feito um processo seletivo e tinha que ser maior de idade,

alfabetizado, ter domínio da escrita e ser morador da área e ter interesse pelos problemas do bairro. A Lei do

Exercício Profissional da Enfermagem (1986) regulamentou a profissão de auxiliar e técnico de enfermagem,

colocando em extinção o antigo atendente de enfermagem e mexendo com funções como do auxiliar de saúde

pública. Na década de 90 inicia-se um Projeto Municipal de formação dos auxiliares de saúde pública que se

chamou Projeto Larga Escala.

72

[...] Quando a gente começou a ouvir a falar em tuberculose, a gente pensava:

meu Deus, o que será que é isto, aquela tosse, será que passa para o outro

paciente? Grifos meus.

Outras recordações de situações as quais exigiam esse olhar vigilante da equipe de

saúde, por serem de risco e vulnerabilidade. Foi contada a história de uma lagoa no bairro

do Jardim Marajó, e que segundo a entrevistada, era foco de esquistossomose chamada, na

época, de barriga d’agua e xistosa. Eram realizadas visitas pelos auxiliares de saúde

pública para discutir com a população acerca do risco existente no local.

Outra situação trazida por um dos entrevistados, e que merece destaque, foi sobre

o olhar mais apurado das auxiliares de saúde pública, para os “cachorros que tinham parte

da orelha faltando”. Não sabiam ao certo o que seria, mas tinha-se a certeza de que não era

algo normal. As auxiliares de saúde pública29 iam estudar sobre o assunto, discutir com o

médico e “vigiar o local”.

[...] A gente sabia por trabalhar e procurar [...] encontrava um cachorro que

faltava um pedacinho a orelha, e íamos vigiar e olhar e ver. [...] Eu tinha

curiosidade de ver por que os cachorros tinham o pedaço da orelha faltando [...].

Um depoimento acerca das campanhas de vacinação dos cachorros, chamou

minha atenção

[...] era o exercito quem fazia, eu ficava doida com aquilo, por que eles

enfiavam as agulhas e contaminavam e fiz um documento, comprei uma briga,

falei que tinha conhecimento de como conservava a vacina, como fazer a técnica

[...] e conseguimos qualificar isto [.] depois nas campanhas e eu aproveitava e

anotava os matadouros clandestinos e vigiava e denunciava. Eu tinha uma visão

mais avançada [...]. Grifos meus.

Os casos de acidentes de trabalho tinham seu primeiro atendimento no posto de

saúde e depois eram encaminhados para o Hospital Irmãos Penteados, que era a Unidade

cadastrada pelo Ministério do Trabalho.

29 Em 1987, houve o primeiro e único curso de auxiliar de enfermagem pelo SENAC que a prefeitura bancou

para alguns dos auxiliares de saúde pública. Em seguida tivemos o grande projeto Larga Escala.

73

Períodos de 1983 a 1988

Em um contexto de profunda crise econômica do Estado, José Roberto Magalhães

Teixeira (PSDB) assumiu como prefeito de Campinas. O Secretário de Saúde indicado foi

Dr. Nelson Rodrigues Santos30.

Segundo Queiroz (1993), a administração municipal que se iniciou em 1983,

encontrou a rede em situação precária devido à carência de recursos existentes. Ainda

segundo o autor, o Plano CONASP e o Pró-Assistência foram projetos que tinham como

objetivo transformar a da rede básica num sistema de saúde descentralizado, hierarquizado

e regionalizado.

O município de Campinas, em meio às dificuldades encontradas inicialmente, deu

resposta imediata ao Pró-Assistência e ao Plano CONASP, constituindo um colegiado

Interinstitucional formado por representantes da UNICAMP, da PUCCAMP, das

Secretarias Estadual e Municipal de Saúde e do INAMPS.

Segundo L’Abbate (2010,p. 114)

Nesse contexto, um grupo de técnicos de algumas instituições do setor público de

saúde de Campinas, basicamente das secretarias estadual e municipal de saúde e

das universidades, iniciou um processo de integração entre os vários serviços.

Desse esforço, resultou a proposta do Pró-Assistência I.

Corroborando com a autora, Queiroz (1993) aponta que apesar do protagonismo de

Campinas, em reação aos projetos a integração interinstitucional do setor público em saúde

em Campinas ocorreu em 1983, através do Pró-Assistência I envolvendo a UNICAMP,

PUCCAMP, Secretarias Municipal e Estadual de Saúde, Ministério da Previdência e

Assistência Social (Agência Regional do INAMPS) e Ministério da Saúde (Delegacia

Federal de Saúde). O autor reforça que apenas em 1984, após a assinatura do convênio com

o Ministério da Previdência e Assistência Social houve maior regularidade de repasses

financeiros. (p. 15)

A partir do Pró-Assistência, em 1984, inicia-se o convênio das Ações Integradas

de Saúde (AIS) (promovido pelo governo federal), que envolvia convênios tripartites e

30 Dr. Nelson é médico docente do antigo DMPS e atual DSC da FCM/ UNICAMP, já havia coordenado a

Secretaria Técnica do Programa de Interiorização das Ações de Saneamento (PIASS), o que, segundo

L’Abbate (2010) foi a primeira experiência institucionalizada envolvendo Cuidados Primários à Saúde, além

de ter sido diretor do Centro de Saúde Escola de Paulínia no período de 1978 a 1982.

74

assinatura de termos de adesão envolvendo os três níveis de governo. Em Campinas

estiveram envolvidos a Prefeitura, UNICAMP, Estado, INAMPS e PUCCAMP.

Segundo L’Abbate (2010), neste período, a rede básica municipal contava com 48

Centros de Saúde (36 da SMS, oito da SES e quatro da PUCCAMP em convênio com a

SMS) localizados em bairros centrais e na periferia de Campinas e com baixa capacidade

de atendimento, sendo necessário à reorganização dessa rede.

De acordo com Queiroz (1993), em 1986 foi implantado o Programa de Saúde do

Trabalhador implantado, numa ideia de intervenção em cuidados aos pacientes que

extrapolavam o modelo médico-centrado, e orientava o trabalhador a se proteger

juridicamente em casos de acidente de trabalho (p. 16-17).

Nesse contexto, foi criado em 1985 no estado, o Centro de Vigilância

Epidemiológica (CVE), através do Decreto n° 24.565 de 1985 e os Escritórios Regionais de

Saúde (ERSAs) em 1986. Foi um momento de discussões acerca da municipalização da

Vigilância, mais especificamente da Vigilância Epidemiológica, pois havia uma convicção

de que seu núcleo estava mais ligado à rede, havendo interface com a assistência. Segundo

documentos resgatados da época, o sistema de Vigilância Epidemiológica foi constituído

por 3 níveis: Centros de Saúde, ERSA (ou SUDS – Regional) e CVE, permanecendo o

papel complementar do Instituto Adolfo Lutz e SUCEN (BRASIL, 1985).

A partir do diagnóstico de que as ações de Vigilância Epidemiológica eram

desenvolvidas, quase que exclusivamente pelo estado, com pequena participação do nível

municipal, o que contribuía para um modelo verticalizado e pouco resolutivo, houve a

determinação da premissa de que o SVE deveria ser municipalizado,

[...] que a implantação da municipalização se faça, conforme a capacidade do

município em absorver as atividades de Vigilância Epidemiológica [...]

necessidade de definir estratégias [...] coordenação do SUDS Regional [...].

Em 1987 o diretor do CVE de São Paulo – Dr. Alexandre Vranjac – indica que

cada ERSA deveria ter sua Vigilância Epidemiológica, composta por uma equipe

especializada na área, que se vincularia administrativamente ao ERSA e tecnicamente ao

CVE.

Cabe destaque para essa conformação institucional – vínculo administrativo a um

órgão e vínculo técnico a outro –, que apesar de serem estratégias para a municipalização,

causaram ruídos entre os trabalhadores durante o processo de descentralização da

75

Vigilância para os Distritos de Saúde, também se vinculando administrativamente aos

Distritos e tecnicamente ao nível central da Vigilância. Mais adiante retomarei essa

estratégia com os questionamentos feitos pelos trabalhadores de Vigilância de Campinas.

Dr. Carlos Eduardo Cantuso Abrahão (ou Abrahão, como é conhecido) foi um dos

profissionais indicados por Dr. Vranjac para esse desafio e ocupou o cargo de Diretor

Técnico do GVE da Secretaria de Estado da Saúde (São Paulo) no período de 1985 a 1989,

e assumindo o desafio de implantar o Sistema de Vigilância Epidemiológica do Estado de

São Paulo, na região de Campinas – composta por 83 municípios vizinhos (ABRAHÃO,

1994).

[...] vim para a Regional de Campinas, para o Grupo de Vigilância

Epidemiológica (GMVE) da DRS, e o diretor do CVE – Dr. Alexandre Vranjac –

que tinha clareza da importância da VE e escolhia pessoas chaves para cumprir

este papel [...] e foi um rompimento de paradigma na época [...] e a Brigina e o

Sérgio foram selecionados – e com uma equipe própria começou o GMVE

(Grupo Municipal de Vigilância Epidemiológica) e depois foram a Daise31, a

Dolores, e outros. Assim começa a Vigilância Epidemiológica municipal. Grifos

meus.

Um grande desafio estava posto para os municípios e a encomenda era ainda

maior. A estratégia, segundo este entrevistado, foi de municipalizar em três fases

[...] 1° fase: todos os municípios deverão executar as ações de notificação de

doenças submetidas à notificação compulsória, registo das mesmas no SVE e o

envio semanal do boletim ao CVE e aos órgãos regionais de Vigilância [...]

2° fase: o município deverá estar capacitado a implantar a busca ativa de casos,

realizar a análise dos dados epidemiológicos, propor e executar medidas de

controle [...] necessário à existência de um órgão ou grupo específico de

trabalho em Vigilância Epidemiológica, junto ao município [...] 3° fase: deverá o

nível municipal, estar capacitado para avaliar continuamente todo o sistema e

subsistemas, inclusive todos os demais órgãos e instituições de saúde e de

capacitação pessoal [...] (Texto mimeo / s/d - Secretaria de Estado da Saúde).

Em 1986 foi realizada a VIII Conferência Nacional da Saúde (CNS), considerada

um marco histórico que consagra os princípios preconizados pelo Movimento da Reforma

Sanitária, instituindo em 1987, Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS),

consolidando as Ações Integradas de Saúde (AIS).

As ações de Vigilância Epidemiológica estavam concentradas nos Centros de

Saúde do estado, enquanto que nos postos de saúde municipais só eram realizadas ações de

31 Daise e Maria Dolores Pezato.

76

diagnóstico inicial, encaminhando posteriormente para as referências estaduais. Um

exemplo foi à vacinação antirrábica: o paciente ia para o posto de saúde municipal, que

fazia o curativo e preenchia a ficha de notificação – conhecida como a ficha rosa – e depois

encaminhava o paciente para vacinação no Centro de Saúde Faria Lima (estadual).

Em relação à Tuberculose, os postos de saúde municipais faziam o diagnóstico

inicial e depois encaminhar para tratamento no Ambulatório de Tisiologia do Centro de

Saúde Faria Lima, demonstrando a “expertise” da rede de saúde municipal para ações de

vigilância.

Segundo uma das entrevistadas,

[...] No tempo que não tinha o enfermeiro no serviço, havia uma enfermeira que

vinha do CS Esmeraldina para fazer o BCG uma vez por semana com toda

aquela coisa: a tenda, sala escura, dava medo, flambava a agulha, eu tinha medo

[...].

Neste contexto, em 1987 estrutura-se em Campinas o Grupo Municipal de

Vigilância Epidemiológica (GMVE) através da Comissão Interinstitucional Municipal de

Campinas (CIMS)32 – AIS, que ficava no antigo Escritório Regional de Saúde 27

(ERSA)33, depois chamado de Diretoria Regional (DIR). Ao falar sobre este período, os

entrevistados diretamente envolvidos demonstraram muita emoção e afeto. Os olhares

novamente miravam o infinito, como que revivendo o momento.

Balista, et al (2011) afirma que as ações de Vigilância Epidemiológica foram

assumidas integralmente pelo município de Campinas, desde a criação do GMVE,

antecipando-se à municipalização formal, que ocorreu em 1988.

O GMVE, composto dentre outros pela Enfermeira Brigina Kemp e Dr. Sérgio

Cavallari, é considerado com uma ruptura de paradigma na época e Campinas protagonizou

esta municipalização.

[...] foi apresentada para mim o que era a Vigilância Epidemiológica, o que se

esperava, eu fiquei assim extasiada, animada, [...] É isso o que eu quero.[...]

Abrahão foi uma pessoa fundamental, tanto para a minha formação, quanto pra

criação desse grupo, no qual ele investiu muito [...] Foi um momento de criação

que eu acho emocionante e, eu diria glorioso (ênfase da entrevistada). Grifos

meus.

32 Segundo L’Abbate (2010) a primeira CIMS do Brasil nasceu em Campinas era composta pela Secretaria

Municipal de Saúde, Hospital Mário Gatti, Escritório de Ação Regional, INAMPS (representando os Postos

de Assistência Médica), UNICAMP, PUCCAMP, hospitais filantrópicos (p.100 e 117). 33 Ainda segundo L’Abbate (2010), o ERSA, na realidade, era o próprio SUDS, passando a exercer a

intermediação entre o nível federal e o municipal, quanto ao repasse de verbas, assinatura de convênios,

avaliação e controle das atividades (p. 117).

77

Assim começa a Vigilância Epidemiológica municipal. Os “bloqueios de

meningite” foram relembrados nas entrevistas de gestores e trabalhadores, como um

momento de grande aprendizagem por ser feito “junto com” o GMVE.

[...] Então nós fazemos busca ativa em todos os hospitais da cidade, quando

tinha alguma ação pra fazer visita domiciliar, nós que íamos fazer. Em algumas

situações nós ainda avisávamos o Centro de Saúde, olha tá tendo uma ação aí na

sua área de abrangência. [...] Grifos meus.

Após a VIII Conferência Nacional de Saúde (1986) que aprovou as diretrizes para

organização do Sistema Nacional de Saúde, em outubro de 1988 é promulgada a nova

Constituição Federal, que estabeleceu tais diretrizes. Foi o momento de criação do Sistema

Único de Saúde (SUS) e instituindo a saúde como direito de todos e dever do Estado (art.

196), além de trazer entre os princípios e diretrizes deste sistema de saúde, a integração da

Vigilância dentro do SUS.

Acerca do SUS enquanto política de Estado, Santos (2012) propõe o seguinte

debate,

Sob o ângulo jurídico-legal, desde a Constituição Federal até a recente Lei

n°141/2012, a implantação do SUS pode ser considerada concluída, e a Reforma

Sanitária Brasileira encerra sua contribuição para um sistema público

plenamente instituído. Contudo, sob o ângulo da real política de Estado, o SUS

encontra-se contra hegemônico, ainda engatinhando, com exaustão em quase

todas as frentes de luta pela implementação de suas diretrizes constitucionais

[...] a maior parte do que foi instituído legalmente, permanece, na prática,

instituinte. Grifos do autor (p. 9).

78

Período de 1989 a 1992

Em 1989 assumiu o governo de Campinas o Partido dos Trabalhadores, tendo com

prefeito Jacó Bittar34 e como secretário de saúde Dr. Gastão Wagner de Souza Campos35.

Segundo L’Abbate (2010) havia uma crise na assistência à saúde, devido aos poucos

recursos financeiros que não mudaram com o SUDS, respondendo a [...] 50% do

financiamento dos serviços públicos de saúde” (p. 148).

Quanto ao contexto da municipalização, um dos entrevistados ressalta

[...] A municipalização não foi problema no estado, visto que o estado não

resistiu e integrou rápido [...] tivemos a lei que foi para a Câmara, da isonomia

salarial. Quem resistiu foi o antigo INAMPS. Grifos meus.

Com relação à ampliação da rede de serviços de saúde, um entrevistado conta

[...] havia políticas de governo muito claras: ampliação da rede que era pequena

e o orçamento era pouco; o numero de enfermeiros era em cerca de oito e houve

um aumento para quarenta; houve um aumento de numero de unidades de cerca

de dezessete para trinta e seis unidades. Mas tinha um desafio dado que era a

mudança da prática, dos paradigmas hegemônicos na época e trabalhar com o

conceito de territorialização, uma de nossas marcas de governo [...] Mas havia

dificuldades na rede por ser pequena e com baixa capacidade de gestão.

Segundo L’Abbate, apesar de ter havido uma ampliação do número de Centros de

Saúde da rede municipal36 e melhora das instalações, equipamentos e recursos humanos [...]

a rede não havia perdido totalmente seu caráter ‘de serviço de saúde para pobre’ (p. 148).

Um exemplo citado pela autora foi da cobertura de vacinação de crianças nos Centros de

Saúde da época, - 55% da população menor de um ano.

Apesar de compreender o limite de uma reforma cultural, Campos (1991) acredita

que,

34 Foi um governo que ao final sofreu uma crise , caracterizada pelo conflito entre o prefeito e o Partido dos

Trabalhadores, que culminou com o desligamento do prefeito municipal do PT e a renúncia do secretário de

Saúde – Dr Gastão Wagner. 35 Gastão Wagner de Sousa Campos, docente do antigo DMPS e atual DSC da FCM/ UNICAMP e que

antes de assumir como secretário de Saúde de Campinas, era diretor do Centro de Saúde-Escola de Paulínia. 36 L’Abbate aponta que há estudos que demonstravam que a rede básica do município contava, de 48 Centros

de Saúde (36 da SMS, 8 da SES e quatro da PUCCAMP, em convênio com a SMS) localizados em alguns

bairros centrais e da periferia da cidade [...] só conseguindo atender a cerca de 20% da população [...] tornava-

se necessário repensar a organização dessa rede (p. 114).

79

[...] talvez a principal obra do governo municipal na área da saúde nesta época,

tenha sido a instauração de um novo clima de debates sanitários, serviços e

programas de assistência, dando espaço a um Movimento Cultural, que para os

padrões brasileiros pode ser considerado inusitado [...] Resgatou-se o direito à

dúvida, estimulou-se o debate entre diferentes concepções, sistematicamente

foram questionados os limites de atuação dos vários atores sociais [...] abertura

para a diversidade, este reconhecimento da legitimidade do conflito de opiniões,

fez renascer a esperança entre vários desses sujeitos sociais potencialmente

interessados na implementação de mudanças (p. 140).

Segundo o autor, uma das diretrizes do governo para a saúde partiu do

reconhecimento da crise vivenciada pelo modelo médico-hospitalar no Brasil e sua

incapacidade de resolver os problemas de saúde da população, exigindo não somente uma

expansão na rede pública, mas também uma reformulação das concepções e das práticas da

administração sanitária e dos modos de se organizar a atenção à saúde (p. 144).

Dessa forma, a partir de 1989, os chamados “Centros de Saúde” (que eram

estaduais), foram municipalizados e todos os postos de saúde passaram a ser denominados

de Centro de Saúde37 e as ações de vigilância foram descentralizadas desde 1987 com a

criação do GMVE, e formalmente a partir de 1988.

Os Centros de Saúde, segundo Campos (1991), deveriam ser capacitados para

absorver a demanda espontânea, não sendo cooptados pela lógica do modelo de pronto-

atendimento, mantendo a integralidade da atenção e também realizando Vigilância

Sanitária e Epidemiológica, avaliação de riscos ambientais em fábricas, creches, escolas,

etc. (p. 145).

A descentralização das ações de saúde trazia o modelo de uma rede básica de

saúde, atuando como porta de entrada do sistema de saúde, através de um modelo de

atenção integral à saúde. Os antigos problemas que eram tratados na rede básica passam por

uma sistematização. A esquistossomose, por exemplo, foi novamente trazida por um dos

entrevistados, desta feita como um momento de “aprendizado muito grande”, pois a

37 Me identifico com a diferenciação entre Posto de Saúde e Centro de Saúde, proposta por L’Abbate (2010),

a saber: “ à época da Medicina Comunitária nos anos 70 [...] Postos de Saúde significava um serviço com

menos recursos e instalações mais precárias. Mas, a partir dos anos 1990, ou até um pouco antes, com a

melhoria das instalações e a maior complexidade da equipe de saúde [...] a expressão Centro de Saúde passou

a ser usada como mais adequada, embora muitos continuem até os dias de hoje, a chamar os Centros de Saúde

de “Postos” ou até de “Postinhos” (p. 110).

80

Vigilância Epidemiológica estava mais próxima, e a Vigilância Sanitária atuava junto e

integrada, colaborando para que a lagoa fosse despoluída, e o problema resolvido.

Outra diretriz de governo, segundo Campos (1991), foi a necessidade de reforma

da estrutura administrativa, dos mecanismos de gestão e da organização do processo de

trabalho da Secretaria de Saúde. Nesse contexto, houve a criação de várias instâncias

colegiadas de direção do sistema, com objetivo de democratizar a gestão e que, segundo o

autor, tinha duas dimensões: uma intra-institucional e outra ligada à sociedade (p. 150-

151)38.

Neste contexto o GMVE foi integrado pela Secretaria Municipal de Saúde à

Divisão de Controle do Meio Ambiente (DCMA), que também era composta pelos Serviços

de Controle de Zoonoses, Serviço de Fiscalização Sanitária e da Alimentação Pública39.

Nessa época, Dr. Abrahão foi convidado para coordenar esta Divisão e teve a encomenda e

o desafio de realizar um trabalho de integração e reordenação na lógica dos Sistemas de

Vigilância no município de Campinas, em suas áreas: epidemiológica, sanitária, zoonoses e

depois ambiental.

[...] Abrahão foi convidado pra formar e pra agrupar os serviços de vigilância,

que já funcionavam, mas separadamente. Então o Abrahão veio pra cá pra

colocar a vigilância epidemiológica dentro da estrutura. Até porque já tinha

ocorrido o SUS, já estava ocorrendo à municipalização, não tinha mais sentido

ter aquele grupo interinstitucional que ia deixar de existir porque estava

ocorrendo à municipalização. [...] Aí juntou a epidemiológica, o antigo canil [...]

juntou o trabalho ambiental e juntou área de alimentos. [...] Foi um período

também de extrema produção, produção de gestão, produção técnica, produção

de modelo, e aí estavam trazendo pra rede coordenadores [...] a secretaria de

saúde era bem menor. Todas as reuniões eram na secretaria inteirinha [...].

Grifos meus.

Segundo Vilela (2001) as práticas de Vigilância estavam, tradicionalmente, sendo

desenvolvidas de forma fragmentária pelo gestor estadual do sistema de saúde e com o

advento da municipalização, no inicio dos anos noventa, foram assumidas pelo gestor

38Campos (1991) destaca a criação de Colegiado de Governo (secretário de saúde, diretores e assessores

diretos) e Colegiado de coordenadores ou diretores de serviços com a finalidade de deliberar sobre políticas e

como implementá-las e apresentá-las à sociedade. Na dimensão ligada à sociedade, houve a criação de

Conselhos Locais e o Conselho Municipal de Saúde, instância máxima do sistema, com o objetivo de discutir

e aprovar o Plano Municipal de Saúde. 39Na área das ações de Vigilância Sanitária, mais sistematizada e antiga, conforme visto anteriormente, havia

o Serviço de Fiscalização Sanitária da Alimentação Pública que se mantinha, havendo um coordenador para a

área.

81

municipal. A autora aponta que este gestor por sua vez se viu atabalhoado e engolido pelos

problemas da organização da assistência individual aos seus cidadãos (p. 2).

[...] a vigilância sempre teve várias visões, direitos trabalhistas diversos (faltas,

licenças, abonos) e tinha que fazer sempre negociações. Em meio a mudanças

houve muitos atritos devido culturas diferentes.Quem mais se integrava era o

pessoal da Epidemio [...] havia estilo de gestão com pouca negociação. Houve

a criação da COVISA, apesar de querermos que fosse o Departamento de Saúde

Coletiva, devido ao paradigma que influencia a transversalidade – voto vencido.

Montamos o Colegiado da Vigilância para servir de gestão compartilhada. As

dificuldades que encontramos foi do perfil dos profissionais e a ideologia que

carregavam de uma tradição fiscal [...]. Não mudou muito o modelo. A VE

mudou e integrou-se a rede, já tinha história anterior e acúmulo, capacitou à

rede. Então recriamos algumas coisas [...].

Muitos debates foram realizados no sentido de construir diretrizes para o novo

modelo, no qual a Vigilância Epidemiológica, Sanitária e Controle de Zoonoses

participassem da atenção integral à saúde e buscando estratégias de enfrentamento das

dicotomias assistência X vigilância, com incorporação das ações de vigilância para todos os

Centros de Saúde.

Em relação à operacionalização da descentralização e as estratégias utilizadas pelo

DCMA em relação ao trabalho com os Centros de Saúde, foi dito que

[...] A primeira coisa que, nós da gestão descentralizamos foi a vacina

antirrábica. Porque a vacina não tinha ainda um controle, [...] Quando a gente

identificava um caso, a gente preenchia a ficha, fazia um atestado e qualquer

ação na família, no território que era pra fazer, era com o CS. A gente entrava

em contato: “olha, nós vamos aí, estamos investigando um caso de leptospirose,

alguém tem que ir junto com a gente. Não era assim “você pode?”, não, era a

regra. Então nós íamos e fazíamos a ação em conjunto com o CS. E a ideia deles

era pra ir capacitando. [...] E aí isso foi tomando dimensão. Aí fomos dizendo

que isso não dava mais. Grifos meus.

Segundo alguns dos entrevistados foi um momento de instituir o que já era feito de

maneira não sistematizada. Apesar de um momento marcante para gestores, trabalhadores

da saúde e população, foi relatado por alguns entrevistados que trabalhavam nos Centros de

Saude, que a descentralização de instrumentos administrativos – fichas de notificação, por

exemplo-, geravam um incômodo nas unidades de saúde, pois havia

82

[...] muitos papéis para preencher, depois enviava pela perua do malote, mas

voltava muita ficha marcada de amarelinho, destacando campos não preenchidos

[...]

[...]. E quando vem a coisa: vocês estão com tudo no colo, e a gente já fazia e

nem se dava conta que fazia, “toma que o filho é teu “mas tem coisas que a gente

fazia aqui e a gente participou e ficou engavetado, a gente brigava que tinha uma

lagoa contaminada e tratava, tratava e ninguém fazia nada. (Grifos meus).

Vários desafios se impuseram no momento, tais como: a integração entre serviços

de vigilância e a população e a participação da sociedade civil: popular, sindical e

empresarial; a vigilância calcada no trabalho educativo e tendo a fiscalização como um dos

instrumentos de atuação, dentre outros.

Além desta integração entre as “vigilâncias”, a aproximação desta com a rede de

saúde, trazia maior agilidade na resposta aos problemas de saúde e em seu enfrentamento.

A comunicação entre a rede de saúde de Campinas e o nível central da Secretaria de Saúde

era feito através de uma linha telefônica privada – chamada por todos de LP. Os

entrevistados relembram dos casos discutidos através da LP e esse momento de resgate

mobilizou muitos olhares distantes, buscando uma lembrança de fatos, que traziam

comoção aos olhares que brilhavam.

[...] Era uma linha direta com o CS, a gente falava com o CS o dia inteiro,

orientando, recebendo notificação, combinando as coisas, agendando as coisas.

Nesta época não havia informatização na rede, mas iniciaram os primeiros FAX, o

que também facilitou a comunicação direta e mais ágil. Um dos entrevistados, de maneira

sensível enfatiza “nossa, quanta evolução para aquele momento!”.

As ações de Vigilância começaram a ser realizadas pelas Unidades de Saúde em

parceria com a Vigilância regional, investigações de toxiinfecções nas empresas, bloqueios

de doenças como meningite, busca ativa nos hospitais, coordenação das campanhas de

vacinação – “comandos”, dentre outras ações.

Apesar dos avanços em relação à descentralização da Vigilância, alguns

entrevistados tiveram uma percepção inicial de que havia um “cumpra-se” que foi descrito

por uma entrevistada através da expressão “toma que o filho é teu de agora em diante”.

[...] começamos a fazer a vacina (antes era só no Faria Lima) e [...] fizemos

campanhas de vacinação. Percebemos que no inicio, tinha participação de

muitas pessoas nas campanhas de vacinação – filas quilométricas e tinha que

aprender o calendário na raça e nos integramos as ações de saúde com a

vigilância e nos despertávamos do por que (significado) eu faço isto e

entendíamos mais do serviço [...]. Grifos meus.

83

Não obstante a referência de alguns entrevistados que afirmaram que sentiram um

processo vertical, algo que não podia ser negado, e sim, cumprido, ou seja, a

descentralização das ações de Vigilância, uma entrevistada que foi auxiliar de saúde

pública relembrou

[...] Na época tinha muitas capacitações, reciclagens, [...] e era tudo novo:

Reciclagem de Tuberculose. A descentralização já fazíamos, e oficializou o que

já fazíamos.[...] até então, a gente fazia e a gente mandava. Mas veio manual e

normas, é aquela coisa quadradinha e mudanças. E aí a sensação do primeiro

momento da descentralização foi de que foi jogado no colo da gente. [...] Grifos

meus

Segundo alguns dos entrevistados, a Secretaria de Saúde sempre foi “uma grande

escola de saúde pública”, contando acerca dos investimentos em termos de capacitação e

preparo técnico que foram realizados para os trabalhadores da saúde assumirem estas novas

atribuições da Vigilância nas unidades de saúde de Campinas. Os treinamentos e as

“reciclagens” eram muito esperados pela rede de serviços de saúde. E chegaram os manuais

e as normas de rotina, profissionalizando as ações descentralizadas.

Na época, houve a municipalização dos postos de atendimento médico do

INAMPS, os funcionários federais e estaduais foram municipalizados. Até que em 1990

houve a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo os entrevistados, para os

trabalhadores do estado que foram municipalizados, foi um momento de imposição, ou

seja, não havia escolha, “tinha que municipalizar”. O comando passou a ser do município e

não houve muita informação e diálogo, segundo entrevistados, a não ser que seriam

transferidos para as prefeituras.

Em relação à descentralização e municipalização contida nas diretrizes do SUS,

podemos dizer, com base nas entrevistas, que a Vigilância teve um processo distinto em

relação aos demais serviços que compunham a rede do SUS, ou seja, a Vigilância –

especificamente a Sanitária - chegou um pouco depois deste movimento nacional, após

verem que o SUS estava se consolidando. Este ritmo empreendido pela Vigilância

contribuiu, segundo alguns entrevistados, para que a Vigilância tivesse uma construção

separada da história da assistência, reforçando a dicotomia que hoje é um desafio a ser

enfrentado.

84

Apesar do acúmulo de Campinas na área de Vigilância de Alimentos, houve uma

dificuldade na descentralização relacionada à Vigilância Sanitária de bens e serviços de

interesse da saúde - tecnologias de beleza, limpeza e higiene, tecnologias de produção

industrial e agrícola, tecnologias médicas, tecnologias do lazer e tecnologias da educação e

convivência. Por desenvolver a Vigilância Sanitária de forma concorrente ao estado, o

município de Campinas vivenciou situações de conflito, pois as empresas buscavam o

estado para questionar as ações administrativas, como autuações de estabelecimentos

realizadas pelo município.

Nesse momento foi realizada uma reunião no ERSA 27 para pactuar como se daria

a municipalização da Vigilância Sanitária o que deixou os trabalhadores da Vigilância,

“apavorados” por perceberem o tamanho da responsabilidade e por não ter havido

treinamento e nem preparo para receber a municipalização.

Durante as entrevistas e nas oficinas de Restituição foi dada muita ênfase a esta

questão, quase como uma denúncia tardia de algo não resolvido e que deixou lacunas

[...] com munícipes entrando e pedindo documentos, licenças de funcionamentos

e os trabalhadores pouco sabiam sobre como atuar tendo esta nova competência

técnica. [...] Então as empresas baixavam ali, um volume de processos absurdo

e pouca gente para olhar”. Grifos meus.

[...] começamos a receber carrinhos e carrinhos com processos que vieram do

estado para o município e as empresas nos pressionando para dar licenças e nós

sequer formos capacitados para fazer isto [...] avalio que a municipalização foi,

por assim dizer, um tanto irresponsável [...].

Para alguns entrevistados, a Vigilância Sanitária sofreu um “[...] processo de

municipalização e descentralização atropelado, equivocado em dimensionamento de RH

[...] foi uma diretriz forte e, de certa forma, executada de maneira pouco

responsável e sem preparo e capacitação para procedimentos administrativos

nas diversas áreas, e sem investimento em RH”. foi um processo

[...] olha de agora em diante a Vigilância Sanitária é sua, por que descentralizar

é melhor”!

[...] olha de agora em diante a Vigilância Sanitária é do município”.

Cabe destacar a contribuição de L’Abbate (2010) ao estudar, dentre outros, a

constituição do sistema de saúde em Campinas, e, para tanto, entrevistando muitos dos

principais “personagens” desse processo. Um destes entrevistados, então presidente do

INAMPS na época, reconheceu que a mudança proposta em 1987, com a implantação do

85

SUDS, foi atropelada, e muito rápida, mas que ele entendia que se não tivesse sido desta

maneira, não haveria exequibilidade devido as fortes pressões existentes na época (p. 134).

Neste período – década de 90 -, não foram municipalizadas as ações de Vigilância

Sanitária dos serviços de alta complexidade - hemoterapia, hemodiálise, banco de tecidos e

órgãos -, por não haver profissionais disponíveis e capacitados para esta tarefa, mantendo o

estado como referencia e retaguarda destas ações. Segundo um dos entrevistados foi “um

suadouro para o município incorporar”, “aí a coisa ‘empapuçou’”.

Na maioria dos municípios, não havia equipes mínimas e nem infraestrutura física

e a maioria das ações de média e alta complexidade, como hemoterapia, hemodiálise, banco

de tecidos e órgãos (Balista, 2011; Abrahão, 1994) – as quais continuaram a ser

desenvolvidas em nível estadual, por não haver profissionais capacitados no município para

fazer estas ações.

É interessante comparar os vários olhares que existem sobre processo de

descentralização da Vigilância Sanitária, pois dependendo do lugar de onde o entrevistado

fala, há uma percepção sobre este processo.

A despeito do acúmulo na Vigilância de Alimentos, com Legislação Sanitária

desde 1933, segundo um dos entrevistados não houve uma integração interna, entre os

núcleos de Vigilância Epidemiológica e Vigilância Sanitária. A Vigilância Sanitária de

Alimentos era considerada pelos entrevistados como tendo uma equipe

[...] “mais fortinha”, [...] era uma equipe mais estruturada, e não estava

participando desta municipalização, apesar de já estar estabilizada e ser mais

antiga [...].

Cabe aqui destacar, o motivo pelo qual inseri a história da Inspetoria Municipal de

Alimentos (1933), uma vez que esse percurso para a Vigilância de Alimentos permitiu o

fortalecimento da área, conforme referido pelo entrevistado. Ainda segundo os

entrevistados, o processo de municipalização e descentralização da Vigilância Sanitária

(produtos e bens de consumo), não teve o apoio técnico como o processo da Vigilância

Epidemiológica, que já tinha uma construção anterior e protocolos integrados no município.

Por não haver o preparo técnico e investimentos em capacitação para a

municipalização da Vigilância Sanitária, os trabalhadores de Vigilância chamavam os

profissionais do estado para ajudar a fazer as inspeções, pois não havia outro mecanismo

86

para serem capacitados. Os entrevistados enfatizaram o sentimento de insegurança, medo e

solidão.

Isto contribuiu para uma dicotomia entre estas áreas de fiscalização e a

epidemiologia. A maior valorização (visibilidade) da Vigilância Epidemiológica e

Ambiental, segundo os entrevistados, se deve ao fato de terem o núcleo [...] mais ligada à

rede assistencial [...].

Além deste processo ter sido solitário, como referiram alguns entrevistados

também existia o preconceito culturalmente construído em relação à Vigilância Sanitária e

que precisava ser enfrentado. Os entrevistados relacionam este contexto a uma história da

Vigilância Sanitária que a condena do ponto de vista de ação, que apontava fiscais

corruptos no estado, além de autoritários.

O ‘modus operandi’ está diretamente relacionado com pressões no segmento

econômico, gerando incômodo para o setor regulado. Segundo os entrevistados, [...] nossas

ações são consideradas “antipáticas” e dependendo da forma desenvolvida, pode levar o

setor regulado à falência e desempregar muitas pessoas.

Sobre tais afirmações, concordamos com Lucchese (1992) que refere que a

Vigilância Sanitária é uma área crítica das relações entre Estado e Sociedade e justifica

tal afirmação referindo que ao lidar com produtos, processos, serviços, trabalho e

ambiente, entra em contato com uma diversidade de interesses e expressa várias

contradições sociais, e até mesmo a pressões dos setores do próprio Estado.

Também foi mencionado por alguns entrevistados que a área de Vigilância

Sanitária não tem um reconhecimento acadêmico, e até há uma “desimportância” em

relação à Universidade, o que impacta na formação dos profissionais.

Com relação ao que foi /abordado pelos entrevistados, destacamos os autores

Vecina, Marques & Figueiredo (2006) que fazem um debate acerca da relação entre

Vigilância Sanitária e os campos político, econômico e de saúde na perspectiva das

negociações das ações de controle de risco sanitário. Assim sendo, o modelo de Vigilância

Sanitária impõe as ferramentas que serão adotadas para momentos que muitas vezes são

tensos, como os acima descritos pelos entrevistados.

Em relação aos que eram chamados de fiscais sanitários, o contexto na nova

Constituição (1988) e da Lei Orgânica da Saúde (1990) impulsionou o ordenamento

87

jurídico com a promulgação da Lei Municipal 6.764/91, que segundo Abrahão (1994),

estabeleceu processos administrativos e definiu a figura da autoridade sanitária nos diversos

níveis de poder do executivo municipal. Esta legislação permitiu ao município a adoção da

legislação federal e estadual concernentes às ações de vigilância em saúde e meio ambiente,

incluído o de trabalho, com o respectivo processual administrativo.

O exercício do “poder de policia”, nos limites da discricionariedade legal para

proteção à saúde pública, implica o desafio de equilibrar abusos por parte destas

autoridades, o que não significa que as ações desenvolvidas sejam “simpáticas” aos olhos

de todos. O desafio que se põe é de equilibrar o papel de proteção à saúde – cobrado pela

sociedade - sem contudo deixar de considerar que

[...] há uma ambivalência na cobrança de que temos excesso de formalidades e

normatizações, mas temos que fazer cumprir a lei em situação de conflito entre

empresa e trabalhador, estabelecimento comercial e munícipe, e, ao mesmo

tempo, nos cobram quando não fazemos isto”. Grifo meu.

Na área específica da Vigilância em Saúde do Trabalhador, Medeiros (2001) relata

que a trajetória do Programa de Saúde do Trabalhador (PST) teve início em meados de

1990, quando se inicia um processo de descentralização dessas ações para o território. Foi

de grande relevância então, a criação, em 1993, do Centro de Referência em Saúde do

Trabalhador (CRST), como um organismo municipalizado e de abrangência regional.

Segundo Balista (2011), em 1994 foi descentralizada para a rede básica de saúde o

atendimento de acidentes de trabalho que não necessitassem de atendimento hospitalar,

com o respectivo preenchimento da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Ainda

segundo a autora, a rede foi capacitada para assumir estas ações, que tinham como objetivo

dar condições para que o CRST realizasse sua missão de prestar atenção à saúde do

trabalhador (p. 218).

Segundo um dos entrevistados que saiu/passou do âmbito estadual para o

município, um dia alguém o chamou e disse [...] você vai ser municipalizado [...]. Em

seguida, os profissionais, alguns dos entrevistados, foram descentralizados para as

regionais, sem um diálogo ou direto de escolha.

88

[...] Do CS Faria Lima (estadual) fui trabalhar no CRST, hoje chamado CEREST

e ali tinha engenheiros, técnicos de segurança do trabalho e visitador sanitário

[...] depois teve outra descentralização e fui para o Distrito de Saúde, sem

escolha, e chegamos sem lugar para ficar, fomos colocados em uma sala que já

tinha muitas pessoas, com uma mesa de perna quebrada, uma condição precária,

e sem um projeto claro do que faríamos ali. Ficamos.”

Período de 1993 a 1996

No ano de 1993, durante o segundo mandato do prefeito Magalhães Teixeira40, foi

realizado o processo de reorganização administrativa da Prefeitura Municipal de Campinas,

acrescendo cinco Secretarias Municipais subordinadas diretamente ao Prefeito Municipal:

Secretaria de Governo, Secretaria de Recursos Humanos, Secretaria de Ação Regional

(SAR), Secretaria de Esportes e Secretaria de Agricultura e Abastecimento. A Lei 7.421 de

janeiro de 1993 descreve a competência de cada Secretaria, bem como sua composição.

Dra. Carmen Cecília de Campos Lavras41, então Secretária de Saúde, é relembrada

durante as entrevistas realizadas, devido o impacto de tais diretrizes para a área da saúde

em Campinas.

Segundo a Lei 7.421/1993

Art. 9º - As Secretarias de Ação Regional, em número não superior a 4

(quatro), terão as seguintes responsabilidades básicas, no âmbito de suas

regiões:

I - gerenciamento, planejamento de operação e execução das atividades e

serviços definidos como passíveis de descentralização;

II - coordenação do processo de implementação das políticas, diretrizes e

normas fixadas para o Município;

III - desenvolvimento de procedimentos internos que possibilitem maior

rapidez no atendimento à população;

IV - participação nos Conselhos da Administração Municipal.

Art. 10 - Os Secretários de Ação Regional terão, entre outras, as seguintes

competências:

I - gerenciar e administrar os recursos humanos e materiais à disposição de

sua Secretaria;

II - assessorar o Prefeito em assuntos de sua competência;

III - garantir a realização das prioridades definidas pelo Governo

Municipal;

IV - participar do processo de integração e descentralização administrativa;

V - garantir a implementação das Políticas gerais e setoriais da

Administração.

40 Magalhães Teixeira faleceu em 29 de fevereiro de 1996, assumindo a prefeitura o vice Edivaldo Orsi

(PSDB) de 01 de março a 31 de dezembro de 1996. 41 Medica Sanitarista com graduação na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de

Campinas (1977) e doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (2003).

Atualmente é pesquisadora no Núcleo de Estudos em Políticas Públicas da UNICAMP.

89

As regiões administrativas das Secretarias de Ação Regional (SARs) foram

delimitadas por perímetros específicos descritos no Decreto n° 11.080 de janeiro de 1993.

É importante ressaltar que o artigo 11 da Lei 7.421 criou três unidades

administrativas de Departamento, para cada Secretaria de Ação Regional, assim

definidas:

I - Unidade de desenvolvimento dos Serviços Urbanos;

II - Unidade de Desenvolvimento Social;

III - Unidade de desenvolvimento Administrativo.

Figura 4: Secretarias de Administração Regional (SAR)/ Campinas/SP (1993)

Fonte: Cunha, J.M.P.;Oliveira, A.A.B. População e Espaço intra-urbano em Campinas.

Publicação Nepo, p. 355. Texto online. (s/d).

As quatro Secretarias de Ação Regionais (SARs) – Norte, Sul, Leste e Oeste.

Essas SARs foram compostas pelas áreas de promoção social, saúde, educação, cultura e

90

habitação) e tinham a responsabilidade de gerenciamento, planejamento de operação e

execução das atividades de serviços passíveis de descentralização.

Figura 5: Estrutura da SAR Campinas/SP (1993)

Fonte: Texto Mimeo (s/d)

Segundo uma entrevistada, a diretriz de governo estava baseada na

descentralização político-administrativa, reduzindo os níveis hierárquicos e

horizontalizando as estruturas gerenciais, o que foi descrito por uma entrevistada como

[...] um nível central mais enxuto [...] a prioridade desse governo foi a formação

de um quadro de gestão para ‘projetos intersetoriais’ a serem desenvolvidos nas

SARs, tendo como diretriz a base territorial e intersetorial realizado não somente

na saúde42. (Grifos meus).

A diretriz de governo partia da premissa de que a saúde não deveria

responsabilizar-se exclusivamente pelos fenômenos que impactavam no processo saúde-

doença, em concordância com o pressuposto contido na Lei n° 8.080/1990, artigo 3°.

42 A entrevistada menciona que foi um momento de contratualização com hospitais, criação de estruturas

regionais – Coordenadoria de Vigilância em Saúde (COVISA), DID, Departamento de Planejamento e Gestão

e Departamento de Saúde, além da elaboração de um Plano de Expansão dos Centros de Saúde. Nesse

contexto, segundo as informações, foram criados vários serviços de referência, a saber: VISA Regional;

Serviço de Atendimento Domiciliar (SAD); Prontos Atendimentos vinculados ao SAMU (ex: Anchieta),

Centro de Referência DST/Aids; Programa de Saúde do Trabalhador e depois Centro de Referencia de Saúde

(PST) do Trabalhador (CRST), Centro de Referência Atenção Integral a Saúde do Adolescente (CRAISA);

Centro de Vivência Infantil CEVI; Centro Reabilitação; Centro de Orientação e Apoio Sorológico (COAS),

dentre outros.

SECRETARIA

Dir. Des. Social Dir. Obras Dir. Admin.

Coord.

Saúde

Coord

.

Educ.

Coord.

Prom.

Social

Coord.

Esp.Cult

91

A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre

outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o

trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso a bens e serviços

essenciais [...]

Dessa forma era imprescindível a articulação intra e interinstitucional entre as

áreas e níveis como Coordenadoria Ambiental, CETESB, DRT, ERSA-SUCEN, Defesa

Civil, dentre outros, além da integração entre serviços de Vigilância e a população com

participação da sociedade civil: popular, sindical e empresarial.

Seguindo os debates internacionais e nacionais acerca da reorganização de

serviços de saúde, considerando o perfil epidemiológico e com base populacional definida

na Secretaria de Saúde de Campinas são iniciadas discussões acerca de conceitos como

Distrito Sanitário unidade operacional mínima do sistema de saúde e território como

processo (MENDES et al, 1999)43.

Segundo a secretária municipal de saúde Dra. Carmen Lavras, os debates iniciais

acerca da distritalização e territorialização foram realizados especificamente na área da

saúde, porém a morte de duas crianças por desnutrição no município foi um disparador da

necessidade de ampliar os debates para outras secretarias por iniciativa do prefeito.

No interior desse governo municipal e especificamente do modelo de gestão, a

Vigilância foi inserida em debates acerca de sua construção histórica, conforme relato de

uma das entrevistadas

[...] uma história da Vigilância que a compromete nacionalmente, devido

verticalismos e autoritarismos; uma construção separada da história da

assistência, o que pode ter contribuído para uma dicotomia atual – algo do tipo

‘ter DNA separado e lutar contra isto nos dias atuais é quebrar concepções; a

Vigilância é de todos e não apenas um setor – a assistência também faz

vigilância; a Vigilância tem que apoiar a clínica”. Grifos meus.

Não obstante haver um reconhecimento de que foi uma mudança muito rápida e

que, em muitos momentos, alguns profissionais não conseguiram acompanhar, uma das

entrevistadas referiu que

43 Segundo Paim (1999) esse conceito apresenta-se como “principio ou diretriz a embasar o movimento da

Reforma Sanitária” (p. 188) e segundo Arouca (2003) começa a ser difundido como um “conceito

estratégico” da Reforma Sanitária.

92

[...] havia no governo municipal uma janela de oportunidade e um contexto

promissor de total e incondicional apoio do prefeito que era legitimo e tinha

governabilidade [...] reconheço que a mudança foi muito rápida e até atropelou

sujeitos em alguns momentos [...] se tivesse que fazer de novo, eu faria, pois a

prefeitura era forte e tinha as rédeas, além do contexto nacional de profundas

mudanças [...]. Grifos meus.

Outros entrevistados apesar de sentir o atropelamento referiram

[...] a forma foi muito dolorosa, chegou a ser desrespeitosa com alguns. No

entanto, não sei se teria possibilidade de ser diferente [...]. Grifos meus.

Outros entrevistados correlacionaram esse sofrimento vivenciado na época com o

medo de, ao descentralizar, serem deslocados do setor saúde,

[...] cria a SAR e carrega partes da prefeitura que tinha prestação de serviços

mais direta [...] e com esta equipe vai as supervisões chamadas de 1,2,3 [...]

[...] a gente ficou muito assustada, e hoje fico bastante tranquila de falar porque

a gente não acreditava que tinha que desmanchar o nível central, a gente ficou

com muito medo de sair da saúde, mas não houve escolha [...]

[...] uma funcionária grudou papeizinhos nas coisas e nas pessoas escritos norte,

sul, oeste, leste [...]

“[...] retornei de férias e não tinha mais minha mesa, nem cadeira, nem armário:

somente um ‘saquinho” com minhas coisas pessoais e a notifica: agora você não

trabalha mais aqui, por que tudo descentralizou”.

[...] foi extremamente traumático [...] uma das coisas mais sofridas que a gente

já viveu (ênfase da entrevistada)Um projeto político muito correto do ponto de

vista teórico conceitual, mas a forma sofridíssima (nova ênfase da

entrevistada)”. Grifos meus.

Cabe aqui destacar minha percepção quando entrevistava as pessoas e falávamos

desse momento específico de governo: senti que havia muita dificuldade na expressão

verbal das pessoas, silêncios, pausas nas frases e um pensar para falar. A tonalidade da voz

mudava quando falavam de como se sentiram quando foram descentralizados: referiam que

tinham sido [...] tirados de um local de trabalho, e sem escolha, serem remanejados para

outros locais, como se fossem móveis [...]. Quantos afetos e subjetividades mobilizamos ao

realizar mudanças e quantas marcas deixamos!

Apesar disso, alguns dos entrevistados relembraram e contaram essa história

referiram que sentiam saudades de um governo que tinha um projeto político explícito e das

experiências positivas em relação a esse modelo organizacional. Além disso, referiram que

conceito de Vigilância em Saúde foi bem trabalhado na SAR, pois foram trabalhadas as

93

dimensões de ações intersetoriais, e apesar das adversidades das faltas de estrutura, os

processos se tornaram mais solidários e integrados.

Nesse contexto a Divisão de Controle de Meio Ambiente (DCMA) foi

descentralizado para as SARs e as ações de vigilância foram hierarquizadas em um sistema

municipal de vigilância em saúde, com responsabilidades definidas para os níveis centrais,

regionais e locais. Em nível central foram mantidos alguns técnicos das Vigilâncias para

aglutinar a política municipal de saúde: um médico, um enfermeiro, um veterinário, um

farmacêutico, um arquiteto e um físico, sob a responsabilidade de um coordenador.

Foi o momento de criação da Coordenadoria de Vigilância e Saúde Ambiental

(COVISA) nas VISAs- SAR. Segundo Abrahão (1994), a COVISA organizou-se em quatro

áreas programáticas, cada uma com uma coordenação técnica: doenças transmissíveis,

doenças não transmissíveis, produtos-serviços-processos de trabalho e saúde ambiental.

Uma das entrevistadas relembra de como se deu a municipalização da Vigilância

Sanitária e relaciona como foi difícil descentralizar para a SAR

[...] A Vigilância Sanitária municipaliza em 1992 e em 1993, mal tinha ‘pego o

pacote’, descentraliza [...], a forma foi muito dolorosa, chegou a ser até

desrespeitoso.

Abrahão (1994), descreve que dentre as diretrizes do modelo de saúde

implementadas nesta época de governo, destacaram-se

[...] ações de vigilância em todas as áreas e serviços de saúde; a VS e a VE

contidas na atenção integral à saúde; vigilância com enfoque epidemiológico e

de risco e calcada em trabalhos educativos, tendo a fiscalização como um dos

instrumentos de atuação; descentralização competente, respeitando os níveis de

complexidade e territorialização; níveis central e regionais com equipe

multidisciplinar atuando como referências técnicas; respeito às prioridades e

características regionais-locais; participação popular; integração matricial e

interinstitucional; garantia de informação em todos os níveis; gerência com

autonomia a nível regional baseada em diretrizes apontadas pelo governo,

conselhos e colegiados. (texto online).

Segundo uma das entrevistadas, para manter a articulação entre as vigilâncias

descentralizadas com as mesmas diretrizes,

[...] foi criado o arranjo de Colegiado de Vigilâncias, com reuniões periódicas e

Dr. Abrahão orientou que as reuniões fossem realizadas em espaços revezados

das distintas SARs.

Esse Colegiado era um fórum de decisão que tinha como atribuições: elaborar

ações de Vigilância à Saúde através de projetos municipais, propondo e discutindo

94

normatizações; analisar e estabelecer prioridades e promover a integração entre as equipes

das SARs.

Na perspectiva de agregar conceitos e implementar um modelo de Vigilância que

fizesse interlocução com os debates feitos acerca de território, foram elaboradas oficinas

regionais com a participação ampliada de outros secretários, diretores e coordenadores das

regiões, para elaboração de planos emergenciais para enfrentamento de problemas.

Segundo um entrevistado:

[...] era prioridade de governo que se conhecessem as barreiras físicas,

geográficas, equipamentos sociais desse território e se atuasse de forma

integrada, havendo um grande investimento em projetos de desenvolvimento

social [...].

Para realizar o debate acerca da territorialização e distritalização, foi convidado

Dr. Eugênio Vilaça Mendes – Coordenador da Área de Infraestrutura de Sistemas de Saúde

da OPAS, que contribuiu para discussão do modelo de Vigilância de Campinas na

perspectiva da concepção da OPAS sobre Vigilância à Saúde.

O modelo tecnológico de Vigilância à Saúde era discutido em vários estados e

municípios brasileiros, em especial na década de 90 (COELHO, 2009) e trazia como pilares

a territorialização, denominada segundo este autor de distritalização, a interdisciplinaridade,

a utilização da Epidemiologia e o Planejamento Estratégico como ferramentas para

definição de prioridades das ações a serem implementadas, além da participação social

nestas intervenções.

A velocidade das mudanças era intensa e no mesmo ano de posse do novo

governo, mais precisamente em julho de 1993, foi realizado um Seminário de Vigilância

Epidemiológica e Sanitária (ANEXO 12).

Esse seminário trouxe debates acerca da inserção da Vigilância no organograma

geral da Secretaria de Saúde, além de reflexões acerca das concepções e diretrizes para

construção de novos modelos da Vigilância Epidemiológica e Sanitária para Campinas, e

especificamente para as áreas do Meio Ambiente (produtos, serviços, resíduos e poluentes),

Saúde Ocupacional, Centro de Referência de Saúde do Trabalhador (CRST) e Centro de

Zoonoses e suas atividades em nível regional/local e sua configuração como centro de

referência.

95

Além desses debates, foi trazido o tema polêmico até os dias atuais acerca do

papel da autoridade sanitária – criado no Plano de Cargos, Carreiras e Salários, com a

família ocupacional da saúde, no qual há a descrição do cargo e atribuições, de quem

comporia a Vigilância – denominados de autoridade sanitária. Essa nomeação de

‘autoridade sanitária’ foi desenvolvida em uma lógica na qual esse sujeito seria responsável

por um território – coordenadores de unidades de saúde, coordenadores distritais e também

o Secretário de Saúde – e seria nomeado para essa responsabilização e não com finalidade

de uma gratificação financeira. O Secretário de Administração Regional seria a autoridade

sanitária IV, o que, nos dias atuais, é a designação do Secretário Municipal de Saúde.

As polêmicas quanto às competências das autoridades sanitárias inseridas nos

diversos níveis da atenção em saúde, levaram ao questionamento sobre se o Centro de

Saúde poderia ter a atribuição de fiscalização. Alguns debates acerca das estratégias de

trabalho da Vigilância Sanitária também foram colocados em pauta, como a discussão

acerca de ter um grupo de “fiscais” para atuar nas áreas (alimentos, ambientes de trabalho,

etc.) ou uma “equipe de fiscais” para atuar em todas as áreas.

Foi um momento de discussões acaloradas acerca das práticas de Vigilância

construídas e instituídas historicamente a partir de ações de notificação, investigação,

consolidação de dados e adoção de medidas de prevenção e controle ligadas

prioritariamente às doenças transmissíveis e descontextualizadas das práticas sociais.

Segundo Waldman (1998), tal fato foi transformando a Vigilância em práticas burocráticas,

sem atuação como instrumento de apoio técnico aos serviços de saúde.

Uma das entrevistadas trouxe questões fundamentais que eram consideradas como

pressupostos básicos na época [...] que a informação epidemiológica não tinha (não tem)

‘dono’ e ainda segundo a entrevistada, não era propriedade exclusiva da vigilância [...].

Drumond Jr. (2004) discute sobre os limites dos sistemas de informação e lacunas

no conhecimento sobre a saúde da população, devido à falta de acesso, análise e agilidade

nas informações para uma ação local. Dra Carmem Lavras, complementa acerca dos

instrumentos utilizados para responder às necessidades de informação para a ação

[...] os bancos de dados eram vistos como um trabalho complexo, pois além da

alimentação, havia necessidade de uma análise e transferência da informação

em tempo real – “tempo zero” – para que houvesse uma ação no território [...]

96

A respeito do uso e acesso à informação, Drumond Jr. (2004) aponta a questão

específica da democratização no acesso a informações públicas e gratuitas e afirma

[...] A dificuldade de acesso às informações populacionais ou epidemiológicas

muitas vezes decorre de uma apropriação de dados públicos em políticas de

divulgação restritivas pelos “donos de dados” [...] nada justifica que as

informações dos sistemas públicos não sejam amplamente democratizadas,

resguardado o direito sobre o sigilo do caso, que não deve ser confundido com

omissão ou seu desconhecimento pelas equipes responsáveis [...] (p. 178).

Dra. Carmen Lavras fez a analogia da informação em saúde à “corrida de bastão”

referindo que se o bastão não fosse passado na hora certa, perde o sentido para a ação.

Drumond Jr. (2004) discute a importância de aproximar a Epidemiologia (ciência do

conhecimento) da intervenção e radicalizar sua articulação com as áreas da saúde pública e

de outros setores da sociedade, produzindo uma epidemiologia do cotidiano dos serviços de

saúde.

Concordamos com a questão do significado da alimentação de bancos e dados,

pois, muitas vezes, a Vigilância se comporta como um “alimentador de bancos” sem um

retorno para os sujeitos que enviam os dados e precisam do retorno para a ação.

Em 1994 foi realizado outro Seminário de Vigilância Epidemiológica e Sanitária

da SMS (ANEXO 13) tendo como referência o relatório final do Seminário Nacional de

Vigilância Epidemiológica e os debates acerca da reorganização do Sistema de Vigilância

Epidemiológica na perspectiva do SUS e tendo como textos de referência o Boletim do

CENEPI de novembro de 1992.

Segundo alguns registros encontrados em relatórios desse Seminário, foram

debates conflituosos na perspectiva conceitual e operacional e focavam no que seria a

Vigilância à Saúde:

[...] algo tão amplo quanto inviável, um “sonho frente à realidade nacional, um

“delírio” para aqueles que vivem “ilhas de fantasia”; uma necessidade e um

desafio para a saúde “planetária”, do ponto de vista das cidades e metrópoles,

na “virada do milênio”; um novo marco metodológico que ameaça programas

verticais, procedimentos burocráticos e outros atavismos dicotômicos como

prevenção-cura, profilaxia-assistência, competências estaduais-municipais, VE-

VS( SEMINÁRIO VIGILÂNCIA, Texto Mimeo, 1993).

97

Quadro 2: Seminário de Vigilância Epidemiológica/ Campinas/ SP (1994)

Temas Centrais Debates e desafios

Descentralização das ações:

gradual, por etapas, progressiva mas

imediata nos fluxos.

Processo de municipalização

da saúde: modelo de atenção

descentralizado, horizontalizado e

hierarquizado intra-municipio.

Definição das competências

central, regional e local.

- VE, VS e controle de zoonoses estão

contidas na atenção integral

- trabalho intra e interinstitucional (Coord.

Ambiental, CETESB, ERSA-SUCEN, Defesa Civil,

etc.)

- Vigilância à Saúde calcada no trabalho

educativo – fiscalização como um dos instrumentos

de atuação.

- Integração entre serviços de vigilância e a

população – participação na sociedade civil popular,

sindical e empresarial.

- respeito às prioridades e características

regionais

Segundo a ex-secretária de Saúde – Dra. Carmen Lavras

[...] passados quinze anos desta gestão, esta concepção para mim, ainda é atual.

Tem que ter conhecimento do território e de suas diversidades e tomar cuidado

com as padronizações [...] tem que ter a vivência e não fazer teorias e um

discurso mantra [...]. Grifos meus.

Vale destacar que a partir de 1994, muitas mudanças foram se instituindo na saúde

e especificamente na área da Vigilância. Campinas foi referência no Brasil para a

implantação do SINAN de forma descentralizada para os serviços de Vigilância em Saúde

(VISA) das SARs. Nesse período houve a também a descentralização das Comunicações de

Acidentes de Trabalho (CATs) para as VISAS/SARs, o que foi um grande avanço.

Durante esse percurso de mudanças rápidas, avançando no sentido da

descentralização das ações de saúde, houve grandes desafios para a saúde e para a

Vigilância. Cito um deles, pois foi lembrado por vários entrevistados, que demonstraram

emoção ao relembrarem do momento vivenciado e da integração entre a rede de saúde e

outros setores, no sentido de enfrentar a situação. Havia um contexto de picos sazonais de

incidência da doença meningocócica na região de Campinas no período de 1993 a 1998. A

doença meningocócica tipo C preocupava a todos, pois havia óbitos registrados.

98

Uma campanha de vacinação em massa contra a meningite foi iniciada no

município de Campinas, e houve reações adversas durante a aplicação da vacina – febre,

vômitos e dor de cabeça. A imprensa chegou a registrar uma parada respiratória de uma

criança de três anos (não houve óbito). Foi um momento de muito sofrimento para a rede de

saúde, pois as reações adversas aconteceram em todos os Centros de Saúde e não havia

contingente de transporte para conseguir cobrir o evento adverso.

Segundo um entrevistado, a FIOCRUZ – que produziu a vacina – [...] ‘tirou’ o

corpo fora, nos deixaram sozinhos e disseram que foi ‘erro de aplicação’ [...]. Houve muita

emoção na descrição desses momentos.

[...] e vem aquela campanha da Meningite C, que foi um auê na cidade inteira,

[...] fomos ameaçados de morte, as pessoas desmaiando, a ordem de nível central

: “para tudo”. Caminhões para carregar pacientes, o Hospital Mario Gatti

cheio. Foi muito traumatizante para a gente, até hoje lembramos disso [...].

A campanha de vacinação foi suspensa e Dra. Carmen Lavras e outros

entrevistados relembram do momento com emoção dizendo que o enfrentamento foi feito a

partir da organização territorial e com o apoio irrestrito e incondicional dos médicos da rede

de saúde, infectologistas e trabalhadores da saúde em geral, que segundo ela, se uniram na

causa com muita solidariedade e responsabilidade.

Na trajetória histórica, a partir de 1990, também foram descentralizados o

ambulatório DST/ AIDS, e o BIP da Vigilância, dentre outros.

99

Período de 1997 a 2000

Em 1997, durante o segundo governo de Francisco Amaral, a Vigilância de

Campinas mantinha os debates para aprofundar acerca de qual Vigilância se desejava para

Campinas. O nível central foi recomposto e as Vigilâncias se mantiveram nos Distritos de

Saúde – VISAS Distritais.

[...] havia um movimento nacional e a gente propõe uma oficina e saímos

estudando o que era a Vigilância em Saúde [...] fomos estudar obras, textos e

chamamos a rede inteirinha, todos os CSs e apresentamos as propostas e fizemos

um debate. E fomos juntando mais propostas e falamos: ‘esta será a Vigilância

em Saúde de Campinas’[...]

Em meio às intensas buscas, estudos e reflexões, foi realizada a I Oficina de

Vigilância em Saúde em Campinas, em fevereiro de 1997 (ANEXO 14)

Essa oficina fomentou discussões conceituais sobre Vigilância em Saúde a partir

das contribuições de autores como Paim & Teixeira (1993) que discutem que essa

concepção considera três dimensões das necessidades de saúde: danos, riscos e as

necessidades de saúde.

Definições estabelecidas em lei, além de serem bastante abrangentes (não se

restringem às doenças transmissíveis, muito menos às doenças de notificação

compulsória) e de envolverem a adoção de medidas de controle, permitem

considerar uma concepção ampliada de vigilância em saúde que reúna o

conjunto de saberes e campos de ação da epidemiologia (vigilância

epidemiológica, vigilância sanitária, programação em saúde, etc.), no sentido de

redimensionar o

escopo das intervenções sanitárias. (Paim & Teixeira, 1992, p.29). Grifos meus.

O eixo condutor das discussões era de uma Vigilância baseada na promoção à

saúde, no risco (passado, presente ou potencial), descentralizada e integrada, com

planejamento ascendente e participativo, realizando análise continua da situação de saúde.

Segundo documentos existentes da época, a Vigilância mantinha as diretrizes

anteriores em todos os níveis e serviços, definidas com base nos estabelecimentos de riscos

à saúde, trabalho interdisciplinar, participação da população e utilizando os instrumentos da

Epidemiologia, dentre outros.

A partir dessas diretrizes, foi proposto o debate a partir de três vertentes

conceituais:

100

Quadro 3: Oficina de Vigilância em Saúde / Campinas/SP (1997)

Temas Centrais Debates e desafios

a) Vigilância Clássica

b) Vigilância em Saúde:

dano, riscos e necessidades

sociais (Paim,Teixeira,

Castellanos, OPAS).

c) Vigilância à Saúde:

projeto de governo (concepção

OPAS, 1993 – Eugênio Vilaça

Mendes)

- conceituação vigente na Lei Orgânica n° 8.080/90:

VE e VS dicotomizadas

- Portaria 1.565/94, que define o Sistema Nacional

de Vigilância Sanitária: conceitua a VS e VE como somatória

orgânica que resulta na Vigilância em Saúde.

- uso da epidemiologia e sistemas de informação

- enfoque de risco na Vigilância Sanitária e

aplicação do Direito Sanitário

- Politica de RH e Educação em Saúde na

Vigilância

- Necessidade de suporte jurídico especializado em

Direito Sanitário dentro da SMS

Os relatos dos entrevistados e alguns registros documentais encontrados

demonstram que foi um processo de atualização da Vigilância construída com a rede de

serviços de saúde do SUS. As denominações distintas dadas à Vigilância traduziam

diferentes concepções e projetos distintos, sendo uma polêmica entre os profissionais da

área.

O grupo que debateu o tema do enfoque epidemiológico e sistemas de informação

durante a Oficina discutiu a importância da utilização da Epidemiologia para aquém do

reconhecimento do território, planejamento, tomada de decisões e avaliação; o excesso de

dados e falta, desarticulação e verticalidade na produção e comunicação das informações de

interesse local e a falta de capacitação dos profissionais para trabalhar com o instrumental

da Epidemiologia.

Na síntese apresentada por esse grupo, é reconhecida a necessidade de redefinição

do conjunto de dados e informações epidemiológicas para os diferentes níveis do sistema;

necessidade de revisão e ampliação das práticas tradicionalmente existentes (cobertura

vacinal, morbimortalidade) e incorporação de novas metodologias (inquéritos, amostras,

eventos sentinelas, etc.), dentre outras.

101

Fialho (2004) em sua dissertação de mestrado discute a informação a partir dos

indicadores tradicionais e a criação de bancos novos com informações até então existentes

nos sistemas formais. O autor aponta para utilização do que chama de indicadores mais

“caseiros”

[...] a utilização das informações já disponíveis no espaço local, quando

incorporam o olhar e as práticas desenvolvidas pelos serviços, aproximam mais

da “vida real”, permitindo análises que vão desde a avaliação do que e como

estamos fazendo, bem como do impacto que as nossas ações têm alcançado. Para

esta maior aproximação, podemos fazer alguns recortes das informações que

dispomos ou até agregar outras que necessitamos conhecer (p. 124). Grifos

meus.

Uma entrevistada enfatiza o que Fialho chama de indicadores “caseiros”

[...] a ficha dos recém-nascidos de alto risco chega com dois meses de atraso e

não sei se a criança esta viva e isto falo do público por que o particular nem

vem.

A vigilância de óbitos que eu faço, consegui mostrar para a coordenação qual

equipe mostra mais jovem e mais idosos, e começamos a estudar os óbitos por

causas, e por região. E agora a vigilância tá melhor, e eu informo todas as

equipes e passo para as equipes, eu recebo recém-nascidos de risco, a mesma

coisa. Tudo eu informo por equipe, por que eu mostro pra as equipes para eu

cobrar delas, por que a vigilância não é só ficar sentado na mesa é participar da

ação [...]. Grifos meus.

Para o tema enfoque de risco na Vigilância Sanitária e aplicação do Direito

Sanitário, o grupo trabalhou na perspectiva de rever o instrumental teórico/técnico

utilizado, buscando estratégias de integralização, utilizando planejamentos a partir do nível

local, processando demandas trazidas através de denúncias da população, processos de

alvarás de funcionamento, solicitação de outros órgãos, etc.; trabalho conjunto com o nível

local. Além desses debates, foram incluídas discussões acerca da demanda x prioridades x

ações programadas e classificar risco

Em termos de discussão municipal, destacamos o fragmento de fala de uma das

entrevistadas

[...] saímos estudando e dissemos: essa será a vigilância em saúde de Campinas.

Até então, a gente não usava o nome ‘Vigilância em Saúde, a gente usava

Vigilância Sanitária e Vigilância Epidemiológica [...] a gente passa a usar

Vigilância em Saúde, e aí os termos Vigilância Sanitária e Epidemiológica foram

vetados. A gente não podia nem pensar desse jeito [...] a gente se reorganiza

internamente e troca todos os nomes”. Grifos meus.

Vale a pena ressaltar que esse debate conceitual ainda é polêmico nos dias atuais e

que alguns entrevistados referiram que [...] Campinas tem um modelo de Vigilância

102

híbrido e confuso conceitualmente [...] e que [...] utiliza Vigilância em Saúde com o sentido

de Vigilância da Saúde [...]

Teixeira (1998) refere que há distintas vertentes em torno da Vigilância e uma

variedade de variações terminológicas. Concordamos com Paim (2008), que faz uma

síntese das diferentes concepções de Vigilância

[...] Vigilância à Saúde: relacionada com um modelo assistencial que tomaria

como objeto os problemas de saúde de enfrentamento contínuo em um dado

território, com a articulação de ações visando superar a dicotomia entre as

práticas coletivas e as práticas individuais.

Vigilância em Saúde: ampliação do âmbito de atuação do Sistema Nacional de

Vigilância Epidemiológica para além das doenças transmissíveis, mantendo a

especificidade quanto ao objeto e ao método de intervenção.

Vigilância da Saúde: utilizada por secretarias estaduais e municipais para

denominar unidades responsáveis por atividades de vigilância epidemiológica,

vigilância sanitária e de saúde do trabalhador, unificadas mediante reformas

administrativas [...] .

Quando questionados acerca do tema, os entrevistados relataram que [...] uma

coisa é trabalhar com o conceito de Vigilância em Saúde do ponto de vista da instituição e

outra é Vigilância em Saúde do ponto de vista conceitual [...].

Em março de 1997, foi proposta uma nova Oficina para definição de diretrizes e

gestão da Vigilância Sanitária e Ambiental de Campinas, tendo como contexto o

desenvolvimento tecnológico da Vigilância em Saúde a partir da esfera municipal do SUS

(ANEXO 15).

Essa oficina trouxe um aprofundamento nos debates relacionados a Vigilâncias

Sanitária e Ambiental, além da discussão acerca do enfoque de risco.

103

Quadro 4: Oficina de Vigilância Sanitária e Ambiental de Campinas/SP (1997)

Temas

Centrais

Debates e desafios

Eleição de

prioridades por doenças,

dano ou agravos do

enfoque trabalhado.

Grupo 1: Correlatos, Saneamento e Violências

Grupo 2: Dengue e Zoonoses urbanas

Grupo 3: outros serviços de interesse da saúde44,

agrotóxicos e poluição do ar.

Grupo 5: serviços de saúde de alta complexidade45

As conclusões preliminares dessa oficina foram de que havia a necessidade área

jurídica específica para vigilância (“vista a camisa”), bem como de um Laboratório de

Saúde Pública, protocolos para padronização das ações e a capacitação para

descentralização de instituições de longa permanência, creches, escolas, berçários, dentre

outros, para os Centros de Saúde, para inspeção e licenciamento dado pelo CS com o

coordenador designado autoridade sanitária.

Em 2000 houve a V Conferência Municipal de Saúde que reforçou a importância

do trabalho articulado e integrado da Vigilância como um sistema configurado a partir dos

Centros de Saúde e Distritos e ressaltou a necessidade de haver um alerta permanente por

parte das equipes de saúde, quanto à prevenção e controle de agravos e doenças.

Segundo Nascimento (2004, p. 27) os relatos desta Conferência afirmam que

[...] cabe, em nível local, aos Centros de Saúde, o reconhecimento dos riscos à

saúde, prevenção e controle das epidemias por meio dos programas e campanhas

e intervenção efetiva sobre os riscos de adoecimento dos indivíduos e da

coletividade, através da execução de atividades de orientação e educação

sanitária e intervenção sobre o ambiente e meio social.

44Barbearias, escolas, creches, instituições coletivas, institutos e salões de beleza, academias de esporte e

ginástica, piscinas coletivas e clubes, hotéis, motéis, pensões e sauna, estação rodoviária, aeroporto, estação

ferroviária, terminal de carga, tosa e banho de animais e comércio de produtos para animais, etc. 45Hospitais, hemoterapias, hemodiálise, banco de órgãos e sangue, nutrição parenteral, quimioterapia,

medicina nuclear e de radiodiagnostico, laboratórios de análises e patologia clínica, urgência e emergência,

endoscopia, resíduos de serviços de saúde.

104

Período de 2001 a 2004

Em 2001, houve o retorno do governo petista tendo como prefeito inicialmente

Antônio da Costa Santos (‘Toninho do PT’) que foi brutalmente assassinado em 10 de

setembro de 2001, assumindo como prefeita a então vice Izalene Tiene (PT).

Inicialmente assume novamente como Secretário de Saúde o Dr. Gastão Wagner

de Sousa Campos – professor titular do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de

Ciências Médicas da UNICAMP –, que, resgatando a Saúde Coletiva46, empreendeu uma

reorganização do modelo de atenção à saúde em Campinas, através da proposta do Modelo

Saúde Paideia. (Campos, 2000 e 2003)47.

Segundo um dos entrevistados [...] foi um período de muita produção, muita

efervescência, muitos trabalhos bons, muita garra, apoio jurídico para a Vigilância [...].

A rede de saúde de Campinas possuía na época quarenta e seis Centros de Saúde,

três policlínicas, quinze serviços de atenção especializada (Saúde Mental, Centro de

Referência e Treinamento em DST AIDS, Reabilitação, etc.), três serviços de Urgência, um

hospital de Urgência/Emergência – Hospital Mário Gatti – e serviços de Vigilância à Saúde

(Campos, 2003). O Sistema Municipal de Saúde estava estruturado em três níveis de

hierárquicos gerenciais: nível local, distrital e o nível central (CAMPOS, 2003).

46 Os estudos pioneiros de Arouca (1975) e Donnangelo (1976) inauguraram uma reflexão sobre a Medicina

Preventiva e Comunitária. Donnangelo (1982) aponta que a saúde coletiva deve ser entendida como conjunto

de saberes que subsidia práticas sociais realizadas por distintas categorias profissionais e outros atores sociais

que se mobilizam para o enfrentamento dos problemas de saúde, na busca de respostas que ultrapassam a

organização do cuidado individual e podem incidir sobre seus determinantes sociais e históricos. Paim

(1982,p.18-19) afirma que a saúde coletiva compreende a investigação dos determinantes da produção social

das doenças e da organização dos serviços de saúde e o estudo da historicidade do saber e das práticas sobre

as mesmas. Teixeira (1985, p. 89) define a saúde coletiva como área de produção de conhecimentos que tem

como objeto práticas e saberes de saúde, referidas ao coletivo enquanto campo estruturado de relações

sociais onde a doença adquire significação. Testa (1992) entende a saúde coletiva como uma prática social,

uma construção histórica que supõe o redimensionamento teórico da saúde como “campo de força” da

produção científica e âmbito de aplicação da tecnociência. 47 Após um ano e meio Dr. Gastão sai da SMS e assume Dra. Maria do Carmo Cabral Carpintéro.

105

Campos (2003) aponta alguns diagnósticos realizados na rede de saúde de

Campinas, que indicaram:

[...] Há filas, espera, sobrecarga de trabalho e dados que indicam a

incapacidade de esse sistema absorver a demanda ou mesmo atender às

necessidades básicas de saúde. A grande parte da demanda ambulatorial é

atendida em PSs ou PAs e não pelas Equipes Locais: há pouco trabalho de

promoção à saúde e baixa capacidade de atenção no domicílio ou na

comunidade. O acesso está burocratizado [...] clinica de baixa capacidade de

resolver problemas de saúde. Há pouca educação em saúde e investe-se pouco

em ampliar a autonomia e capacidade de autocuidado dos pacientes e

comunidades [...] equipes locais são multiprofissionais, mas trabalha-se de

maneira isolada, vertical havendo grande dificuldade [...] trabalho

interdisciplinar (p. 156.).

Foi proposto o que Campos (2003) chamou de “método novo” (p. 153) – Método

Paidéia48·–, considerado pelo autor como um “novo paradigma em saúde” (106), tendo

como objetivo a mudança na concepção da prestação da assistência à saúde, reorganizando

a prática clinica e privilegiando as ações coletivas, além de reforçar o principio da

integralidade. Esse modelo ficou conhecido como Projeto Paidéia de Saúde da Família (p.

154), tendo a rede básica de saúde como espaço prioritário de reorientação do novo modelo.

Segundo Vilela (2005), o objetivo era de melhorar o vínculo, ampliação da clinica,

responsabilização, garantindo o acesso e a atenção prestada aos usuários do SUS. Segundo

um dos entrevistados

[...] era uma mudança de modelo bem radical em Campinas: houve muito choque

com a proposta de governo. De 140 Equipes de Referência passamos para 240,

concomitante com o aumento de numero de Generalistas, ACS e Enfermagem.

Além disso, havia muita capacitação. Tinha capacitação para tudo [...].

Momento de emoção do entrevistado.

“[...] muito investimento na Educação Permanente [...].

As diretrizes do modelo foram: clínica ampliada, ampliação das ações de saúde

coletiva em nível local, cadastro de saúde da população e vinculação de famílias à Equipe

Local de Referência, acolhimento e responsabilização, sistema de cogestão, dentre outros

(CAMPOS, 2003)49.

48Paidéia, segundo o Campos (2003) é um conceito grego que significa desenvolvimento integral do ser

humano. 49 Esse modelo estava baseado na corrente Defesa da Vida, que teve origem em Campinas, na Universidade

Estadual de Campinas e foi implementado em várias Secretarias de Saúde, dentre elas Betim (MG)

(COELHO, 2008,p. 120).

106

Não obstante ter sido um período de intenso investimento em encontros, oficinas,

capacitações, seminários, durante uma das entrevistas, a chamada “Capacitação Paidéia” –

que foi direcionada à rede de saúde de Campinas –, foi relembrada por não inserir a

Vigilância, que [...] entrou na ‘rabeira’, pois não houve incentivo à participação.

Tendo em vista a singularidade e peculiaridade do processo instaurado, o qual

pressupunha redefinições de papéis, foi convidado um grupo de seis profissionais dos

campos da Análise Institucional e do Grupalismo para realizar uma intervenção

institucional e acompanhamento junto às equipes dos Distritos de Saúde e do Hospital

Municipal Mario Gatti, de acordo com proposta feita pelo secretário de Saúde e aprovada

em Colegiado de Gestão da Secretaria de Saúde (MOURA et al, 2003).·.

A despeito da inovação trazida pelo projeto, houve muita polêmica e conflitos ao

mexer no status quo e nas zonas de conforto. Vivenciei esse momento com muita

intensidade, e “vesti a camisa” na implementação das diretrizes. Durante as entrevistas, no

entanto, percebi as lacunas existentes nesse projeto, que, ao mesmo tempo em que ampliou

a clínica e envolveu muitos sujeitos, também “silenciou vozes”. Houve muitas hesitações

dos entrevistados ao falar sobre o tema, alguns silêncios e receios. Lembrei-me do governo

de 1993, quando foram implantadas as SARs.

Como em toda mudança, alguns reconhecem como um novo desafio e outros como

um momento de imposição e do “cumpra-se”. Foi interessante ouvir o depoimento de

alguns entrevistados, a partir do lugar “Vigilância em Saúde”.

[...] um dos governos mais fortes e no qual a Vigilância teve dificuldade em

participar, ser reconhecida e valorizada [...];

[...] as inovações propostas não contemplaram o modelo da Vigilância, apesar

das tentativas teórico/conceituais [...] um modo mais virgulado, cavando espaços

[...] tínhamos contribuições para dar, mas o diálogo estava muito difícil [...]

todas politicas eram voltadas para fortalecer as Unidades Básicas de Saúde, [...]

e o Distrito responsável pelo território com a missão de oferecer o apoio para

desenvolver sua ação [...]. Nesse sentido, as ações de Vigilância ficaram em

segundo plano”. Grifos meus.

R G I

Um momento estratégico na implementação desse novo modelo foi a realização da

VI Conferência Municipal de Saúde em 200250, que reafirmou as diretrizes da Saúde

50 Essa Conferência Municipal foi preparatória para a XII Conferência Nacional de Saúde que ocorreu em

dezembro de 2003 – saúde um direito de todos e um dever do Estado. A saúde que temos, o SUS que

107

Coletiva no Modelo Paidéia e fez interface com a Vigilância em Saúde instituída no

município de Campinas.

Segundo o texto de apoio da VI Conferência Municipal de Saúde (ANEXO 18), a

Saúde Coletiva utiliza-se dos conhecimentos da

[...] Vigilância Epidemiológica (controle de doenças, vacinação, investigações e

controle de surtos), da Vigilância Sanitária (produção e comércio de alimentos,

medicamentos, equipamentos de uso na saúde, funcionamento de clínicas,

consultórios, hospitais), de Controle de Zoonoses (raiva, controle de vetores,

ratos, escorpiões, morcegos, cobras), de Saúde do Trabalhador (acidentes e

doenças relacionadas ao trabalho, o ambiente de trabalho) e da Vigilância

Ambiental (água e áreas contaminadas ou expostas, desastres naturais, acidentes

com produtos perigosos, exposição a radiações, manejo de resíduos). Grifos

meus.

A partir desta concepção da integralidade, foram discutidos alguns referenciais

teóricos como território, responsabilização, clinica ampliada e dispositivos e arranjos que

facilitavam a gestão compartilhada e participativa – Colegiado Gestor e Núcleo de Saúde

Coletiva (CAMPOS, 2003).

Segundo Vilela (2005), o Núcleo de Saúde Coletiva e o Colegiado Gestor foram

arranjos e dispositivos instituídos/ instituinte implantados com o objetivo de romper com a

verticalidade e duplicidade das linhas de vigilância e da assistência individual (clinica) e

ampliar as ações coletivas nesses serviços através das atividades de prevenção e de

promoção de saúde.

Segundo Nascimento (2004) no Núcleo de Saúde Coletiva

[...] lançou-se mão dos saberes da epidemiologia, da clínica e da educação em

saúde objetivando intervenção preventiva; bem como da articulação

interdisciplinar e intersetorial para o estabelecimento de ações de promoção da

saúde. O NSC é um arranjo institucional que visa facilitar a execução de práticas

de prevenção a agravos e de promoção à saúde, de forma organizada e

permanente, buscando responder à demanda por maior abrangência e eficácia

das ações em saúde (p. 28).

O Núcleo de Saúde Coletiva foi objeto de análise de alguns autores como Vilela

(2005) e Nascimento (2004), e a despeito das distorções e compreensões equivocadas

quanto a sua operacionalização dada a heterogeneidade dos NSC, cumprindo funções

queremos, antecipada para haver consonância com as mudanças no Ministério da Saúde, diante da posse do

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2003, marcando um novo momento histórico para o Brasil.

108

diferentes e em alguns deles a Vigilância ficou invisível, segundo um dos entrevistados, o

dispositivo é considerado potente para ampliação discussão da Saúde Coletiva.

Outros, no entanto, reconhecem que o Núcleo de Saúde Coletiva foi um arranjo

que ganhou dimensões muito interessantes, mas apontaram alguns limites relacionados à

negação de processos mais estruturados:

[...] desconstrução do que já estava sistematizado: ao mesmo tempo em que o

Centro de Saúde ampliava clinica, não cobria a tuberculose, o instrumento do

SVE2 tornou-se burocrático e foi dividido por equipe de referência, diluindo os

casos e dificultando o monitoramento em nível local [...]. Grifos meus.

Para alguns dos entrevistados, na Vigilância houve a perda do olhar integral, pois,

ao “dividir” os pacientes por equipe de referência, havia outros “imbróglios” como com

equipes incompletas: dificuldade de trabalho em equipe, pois os trabalhadores da saúde

tinham que [...] pedir favor para outras equipes atenderem seus pacientes ou até mesmo

deixar o individuo sem atendimento, chegando a um ponto onde, segundo uma das

entrevistadas, cada equipe de referência tem seu livro de vigilância, atende seus “casos” e

faz suas vacinas.

Apesar da controvérsia que pode causar, concordamos com Vilela (1999) que

aponta.

[...] algumas práticas consideradas tradicionais e herdeiras da Saúde Pública

não podem ser perdidas, devendo fazer parte da ‘agenda’ de rotina da unidade

de saúde (ex: notificação de doenças, busca de faltosos em imunização,

cobertura vacinal, busca ativa de agravos à saúde na comunidade, entre outros

[...] estas práticas são vistas como atividades burocráticas, exigências de órgãos

centrais da vigilância.

Não obstante a utilização dos instrumentos utilizados pela Saúde Pública –

notificação obrigatória (compulsória) de doenças, por exemplo–, a falta do envolvimento

dos diferentes sujeitos inseridos no contexto de produção do processo saúde e doença é um

dos determinantes para que essas práticas sejam percebidas como verticais e autoritárias.

Um dos entrevistados relata:

[...] eu queria que a Vigilância incluísse o usuário como parceiro, que atuasse de

forma preventiva e não somente fiscalizatória. Uma clinica compartilhada, com

apoio institucional para a rede e com a participação dos donos de

estabelecimentos, para defesa do consumidor e garantia de sobrevivência dos

pequenos empresários [...]. Grifos meus.

109

Tocou-me muito esse depoimento, pois o avalio como emblemático e uma

proposta de mudança de paradigma, onde a Vigilância deixa de trabalhar com o indivíduo

como doença e objeto e passa a considerá-lo um sujeito inserido em um contexto social, no

qual as intervenções realizadas pela Vigilância impactam de alguma forma.

[...] A Vigilância tem um modelo embasado no CDC que as protege [...] avalio

que ela tem medo de mudar (pelo impacto coletivo) e de ousar essa tradição e

utiliza-se das ferramentas da compulsoriedade (vacina compulsória, notificação

compulsória) – não é só a lei, também é! Mas tem que haver

corresponsabilização e não somente uso da lei. Grifo meu.

Segundo Drumond Jr. (2003)

[...] a abordagem dos objetos complexos exige pluralidade metodológica e

interdisciplinaridade [...] desafio fascinante, pois traz a necessidade da

construção de pontes entre as diferentes visões dos fenômenos analisados [...]

visões derivadas de diferentes disciplinas” (p. 101).

Ainda nos reportando ao modelo de atenção à saúde instituído em Campinas, um

dos entrevistados apontou que

[...] a área de Vigilância em Saúde do CS perdeu construções como do

profissional de referência (não a ‘moça da vigilância’51) da área técnica que

discutia de forma transversal com as equipes e levava os problemas relacionados

à Vigilância [...]. Grifo meu.

Apesar dessa “perda do profissional de referência” mencionada na entrevista, esse

modelo de atenção à saúde tinha como uma das diretrizes a Vigilância como apoio

matricial52 das Unidades de Saúde e do próprio NSC, atuando de modo a estimular o

protagonismo dos cidadãos. Essa diretriz foi executada de forma exitosa em muitas

Unidades de Saúde, porém teve limites relacionados à própria capacitação dos técnicos da

Vigilância para fazer este papel matricial.

Ademais, espaços coletivos foram se fortalecendo e ampliando, delineando novas

estratégias de integração dos serviços de saúde com a Vigilância:

51 Vilela (1999) chama de “moça da Vigilância” o profissional (geralmente da Enfermagem) que referencia as

ações de Vigilância Epidemiológica na Unidade de Saúde. 52Campos (1999) explica que o apoio matricial direcionado às equipes de referência são arranjos

organizacionais para o trabalho em saúde. Segundo Oliveira (2008), o apoio matricial consiste em “[...]

arranjo de gestão [...] estratégia para ampliar as possibilidades de continuidade da atenção com gradientes

maiores de vinculo com responsabilização [...] trocas de saber entre profissionais de saúde em diversos níveis

110

[...] tinha reuniões semanais e iam todos os coordenadores das Unidades, e o

coordenador da Visa também participava. O laboratório municipal começou a

participar53 e começa uma aproximação com a Vigilância. Tinha a Robertinha,

que era a coordenadora da VISA [...].

Cabe destaque a inserção do Laboratório Municipal de Saúde (LMC) de Campinas

nesse processo de ampliação da Saúde Coletiva em níveis central, regional e local. Um dos

entrevistado relembra as estratégias utilizadas para essa integração:

[...] e começa um período bastante interessante onde o Laboratório começa a

fazer exame de imunologia que não fazia anteriormente e, junto com os exames

de imunologia, começa uma aproximação com a Vigilância [...] e o Laboratório

passa a ser o observatório da rede [...] e passa a ‘contar’ para essa Vigilância

quais exames alterados que precisariam ser notificados [...] passamos a fazer

isso com uma série de exames, mas o de tuberculose foi o grande disparador e

estendemos para outros exames como Hepatites, HIV e sífilis em gestantes [...]

conseguíamos detectar um surto [...] quando percebíamos que exames de rotina

(como Hepatite A) aumentavam [...] ou então de sífilis através da mudança da

metodologia da qual o Laboratório foi pioneiro no país [...] percebemos muita

sífilis congênita [...]. Grifos meus.

Ainda em relação ao Núcleo de Saúde Coletiva, um dos entrevistados relembra:

[...] depois começamos a montar o NSC do Laboratório e veio junto o

ambulatório de especialidades [...] mas o Pronto Socorro se recusou a fazer

parte do NSC [...] gerávamos uma série de dados, mas não estávamos

apropriados para saber o significado deles para a condução do processo saúde

doença [...] foi muito rico (ênfase da entrevistada) [...] e o pessoal da Vigilância

veio dar suporte para nossas reuniões, fazendo discussões com a gente [...].

Grifos meus.

Dando continuidade às discussões sobre a essência da Saúde Coletiva no nível

central, regional e local, na perspectiva de superação da dicotomia entre promoção,

prevenção e assistência, foi realizada uma Oficina de Saúde Coletiva, em 13 de março de

2003.

de atenção, favorecendo, também, maior articulação e qualificação da rede de serviços que compõem o

sistema de saúde”(p.273). 53 Cabe destacar que o Laboratório Municipal de Campinas estava anteriormente ligado ao nível central da

Secretaria de Saúde – Coordenadoria de Atenção Secundária (CAST) e, a partir de 1999, foi descentralizado

para os distritos, assim como outros serviços de referência.

111

Quadro 5: Oficina de Saúde Coletiva/Campinas/SP (2003)

Tema Central Debates e desafios

Discussão ampliada sobre a

essência da Saúde Coletiva no

nível central, regional e local.

- Fortalecimento da gestão descentralizada;

- Responsabilização das UBSs pelas ações locais de saúde

coletiva;

- Vigilância em Saúde estimulando o protagonismo do

cidadão;

- Ter oficialmente Assessoria Jurídica;

- Nível central mais próximo do nível regional e local.

Destaco aqui, alguns debates polêmicos e não consensuados com base no relatório

da Oficina e nas falas de alguns entrevistados, como a mudança do nome de Departamento

de Vigilância a/em/da Saúde ou Saúde Coletiva. Alguns consideravam que a denominação

Vigilância em Saúde, ao invés de Saúde Coletiva, poderia significar um reducionismo –

“cortar as pernas do gigante para ele caber na cama”.

Importante também destacar que o debate acerca do conceito “Saúde Coletiva” foi

intenso, considerado como “mais atraente, dando ideia de modernidade”, de novas

possibilidades, de diminuição do “peso” da fiscalização e com potencial para superar a

dicotomia entre promoção, prevenção e assistência.

O conceito da Saúde Coletiva foi debatido em Colegiados de Gestão da Secretaria

de Saúde (25 de fevereiro e 15 de abril de 2003) além da ampla discussão em Oficina

Municipal realizada em março de 2003, a proposta de reorganização da Coordenadoria de

Vigilância em Saúde (nível central). Houve uma reformulação e redefinição das três

coordenações de áreas técnicas: Vigilância Epidemiológica, Vigilância Sanitária e

Vigilância Ambiental, coordenadas, respectivamente, por Brigina Kemp, Dr. Vicente Pisani

Neto e Dr. Abrahão. A nova estrutura organizacional foi composta por duas coordenações,

a saber: “Informação Epidemiológica” e outra chamada de “Apoio”.

A proposta da nova estrutura incorporou a mudança do nome da Coordenadoria de

Vigilância em Saúde (COVISA) para Departamento de Saúde Coletiva e o conceito que

moveu essas mudanças foi descrito em um texto intitulado “A Saúde Coletiva no Modelo

Paidéia” (s/d):

112

[...] Fazer ações de Saúde Coletiva ou de Vigilância à Saúde a partir da

perspectiva Paidéia, significa faze-las com as comunidades, estimulando o

protagonismo do cidadão e a sua corresponsabilização com a sua saúde, com a

do meio ambiente e do seu território, inclusive com a fiscalização (Texto mimeo,

s/d).

A Coordenadoria de Informação Epidemiológica teve como atribuição, trabalhar

com o instrumental epidemiológico e com os bancos de dados, realizando análises e

elaborando indicadores.

A Coordenadoria de Apoio foi organizada a partir de sete “núcleos” com as

respectivas pessoas de referência. Os núcleos foram assim organizados: Agravos de

Notificação Compulsória (substituiu as Doenças Transmissíveis e incorporou intoxicações

por agrotóxicos, acidentes por animais peçonhentos, câncer, dentre outros); Imunização;

Zoonoses e “Bicho Legal” (programa de posse responsável e castração de cães e gatos);

Saúde do Trabalhador; Alimentos; Serviços relacionados à Saúde – serviços de saúde,

medicamentos e correlatos (equipamentos, cosméticos e higiene, materiais, órtese e prótese,

etc.) – e Meio Ambiente.

No que diz respeito à Gestão Participativa o Colegiado da Vigilância, foi

estruturado com a seguinte participação: Direção do Departamento de Saúde Coletiva

/Vigilância à Saúde, Coordenações/referências de apoio do Departamento, Coordenações

de VISAs, Coordenação do CCZ e Coordenação do CRST. O objetivo desse colegiado era

resolver problemas da área específica, com autonomia relativa, remetendo ao Colegiado de

Gestão da Secretaria de Saúde os temas com decisões de maior relevância.

Nessa reestruturação da antiga COVISA e atual Departamento de Saúde Coletiva,

entendeu-se que a Dengue necessitaria de uma coordenação central54, devido ao contexto

da grande epidemia vivenciada em Campinas em 2001/2002.

[...] Um momento de enfrentamento: Epidemia de Dengue, e havia necessidade

de uma Vigilância que também fizesse ação intersetorial. Foi um momento de

muitas tensões, atritos e cobranças e olhares diferentes sobre a questão

protocolar: ‘jogamos ou não o veneno para conter a Dengue’? Nessa época

contratamos os Agentes Comunitários de Saúde para fazer também essas ações,

mas não tínhamos dinheiro para comprar os equipamentos necessários para a

nebulização e somente a SUCEN tinha. E essa discussão foi muito tensa.

Eu acreditava no “cata bagulho” e no veneno perifocal.

54 As áreas Aids, Tuberculose e Hanseníase seriam “programas especiais”, co-gerenciados pelo Departamento

de Saúde.

113

Dr. Abrahão, que já possuía um acúmulo no processo de municipalização regional

e municipal55, era o coordenador da Área de Saúde Ambiental na Secretaria Municipal da

Saúde de Campinas56. No contexto da epidemia, quando o estado determinou a utilização

do controle químico, além das ações já preconizadas pelo Programa da Dengue, Dr.

Abrahão se posicionou técnica e politicamente contra o modelo por ele chamado de

“químico-paternalista tradicional”.

Em um artigo57 Dr. Abrahão, aponta:

[...] o uso indiscriminado com amplas exposições diretas (não através de

alimentos), e sem controle adequado de diluição e dispersão, talvez se possa

estar causando danos tóxicos ao sistema hematopoiético, ao sistema nervoso, ao

sistema imundo- alérgico, com potencial carcinogênico, para os sensíveis ou com

propensão genética, constitucional [...] Outro aspecto grave é que os venenos

não estão controlando as epidemias de dengue no país. É notório. Não seria só

pelo desenvolvimento de resistências em curso, como se observa em insetos e

bactérias. Seria também porque técnicos e população acreditam na eficácia da

parafernálica síntese de substâncias químicas, de uma forma quase que

mitológica. A culpa da falha do “Programa de Erradicação” recai nas

Prefeituras, que pedem mais veneno. Pirotecnia política. Quem distribui veneno

colhe doença e não controla epidemias.(2001 - Artigo online)

Dr. Abrahão defendia o trabalho preventivo realizado pelas equipes de saúde, mais

especificamente pelos Agentes Comunitários de Saúde, e defendia a participação e

envolvimento da sociedade, estimulada pelo poder público, tanto para maior eficácia no

controle de dengue, quanto para menor agressão às pessoas e ao meio ambiente; foi

emblemático e polêmico, causando muitos atritos com outros atores da Secretaria

Municipal de Saúde de Campinas.

Parece-nos que a disputa de poder entre estado e município é assimétrica, ou seja,

alguém manda mais, apesar da municipalização e da descentralização. Penso que em muitas

situações não se enfrenta o nível estadual, dado as tensões políticas que resultarão, sendo

55 Dr. Abrahão foi chefe da Divisão de Controle do Meio Ambiente da Secretaria Municipal de Saúde de

Campinas (1989-1993), como servidor estadual municipalizado e Diretor Técnico do Grupo de Vigilância

Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde (São Paulo) para a implantação do Sistema de Vigilância

Epidemiológica do Estado de São Paulo na região de Campinas - 83 municípios (1985-1989). 56 Devido ao seu acúmulo na área, foi eleito Presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente

(CONDEMA), no período de 2001 a 2003 e vice-presidente de 2003 a 2005.

57Artigo elaborado como tréplica do artigo "Veneno não é remédio e pode matar", publicado no Jornal

"Correio Popular" de 26/7/2001, e do artigo "A outra face da moeda", publicado também no "Correio

Popular" de 02/8/2001.

114

mais “confortável”, cumprir o protocolo. A epidemia de Dengue foi enfrentada então

também (não só) com o controle químico e tem desafiado o poder público a cada ano.

Outra discussão realizada foi acerca dos protocolos da Vigilância, uma postura

considerada por um dos entrevistados como apostolar e sacralizada, não permitindo,

segundo o entrevistado, que a complexidade do mundo real fosse contemplada.

A Vigilância participou das discussões, que foram, segundo os entrevistados,

muito interessantes e exemplificaram,

[...] o tratamento supervisionado de tuberculose, a gente, em Campinas, deu o

nome de tratamento supervisionado modificado. Então vieram projetos

terapêuticos, singulares. E aí cada CS, cada equipe de referência dava um nome,

tratamento supervisionado modificado alterado, tratamento supervisionado

modificado sujeito [...].

O debate que se fazia no chamado “antiprotocolo” era da inclusão do sujeito no

processo, deixando de ser um doente apenas, para ser uma pessoa inserida em processo

social e em momento de vulnerabilidade. Um dos entrevistados referiu que acreditava que

não devia ser somente o mecânico/tecnê e que havia a necessidade de ressignificar esse

processo o qual foi chamado de antiprotocolo.

A partir dessas discussões, poderia ser compreendido porque um “caso de

tuberculose” não encerrava o tratamento e/ou seu monitoramento não era linear, como

proposto pelo Banco de Tb. O alcoolismo, a drogradição, o paciente itinerante não são

contemplados nos clássicos bancos de dados do sistema. Isso causa muito enfrentamento

entre os serviços de saúde que são cobrados de estarem “em dia com o banco de dados”

quando seus pacientes não são “monitoráveis” na lógica administrativa.

Existe um contexto social que atravessa esses monitoramentos. Enquanto

coordenava um Centro de Saúde, vivenciei situações nas quais o paciente expressava

claramente que “não queria se curar” por que deixaria de receber uma “ajuda de custo” que

era dada pela Vigilância, motivando a cura. Como fazer uma Vigilância que seja sensível a

esse contexto e cumpra seu papel de monitorar os casos para fazer intervenções? Eis um

dos desafios posto.

Dando continuidade aos espaços de discussão acerca do novo modelo de saúde, de

outubro a 06 de dezembro de 2004 foram realizados Seminários de Saúde Coletiva tendo

como participantes os coordenadores das Unidades de Saúde, representantes dos Núcleos

de Saude Coletiva, representantes dos serviços de Vigilância em Saúde e do CETS.

115

Os temas propostos para discussão foram o Núcleo de Saúde Coletiva e o Modelo

de Vigilância em Saúde de Campinas e os debates sobre o processo de descentralização

com autonomia, a ação no território com enfoque de risco e o desenvolvimento dos sujeitos,

são discussões centrais nesse Seminário. Além disso, houve a discussão sobre o “fazer com

e não fazer sobre ou para”.

Quadro 6: Seminário de Saúde Coletiva/ Campinas/SP (2004)

Temas Centrais Debates e desafios

Tema 1: Núcleo de Saúde

Coletiva

- Fortalecimento entre NSC e Equipe de Referencia;

- Aproximação NSC e VISA;

- Integrar VISA e CSs;

- Trabalhar com “dados indignantes” além dos prevalentes;

- Criar espaços periódicos como os “TBVE”s;

- NSC trabalhando com dados epidemiológicos da Unidade.

Tema 2: Modelo de

Vigilância em Saúde de

Campinas

-na prática das vigilâncias e a intersetorialidade;

- processo de descentralização com autonomia;

- Ação no território com enfoque de risco;

- Desenvolvimento de sujeitos: o fazer “com” e não o fazer

“sobre ou para”.

Os temas foram amplamente discutidos e reafirmadas as diretrizes da Vigilância

em Saúde em Campinas a partir dos temas pautados. Esse seminário apontou a necessidade

de revisão e aperfeiçoamento do processo de trabalho da Vigilância em Saúde a fim de

obter maior resolutividade, maior impacto na Saúde Pública, com a indicação de realizar

uma oficina de trabalho com essa finalidade, a qual foi realizada em 2005, no contexto de

uma nova gestão.

O tema 1 – Núcleo de Saúde Coletiva –, foi discutido na data de 27 de outubro de

2013 e cada Distrito de Saúde fez um debate o qual permitiu a produção de uma síntese que

foi intitulada “Propostas de como avançar na Saúde Coletiva”.

O tema 2 – Modelo de Vigilância em Saúde de Campinas –, foi debatido em 6 de

dezembro de 2003 e dividido em quatro grupos – Integralidade na prática das vigilâncias e

intersetorialidade; O processo de descentralização com autonomia; Ação no território e

116

enfoque de risco e Desenvolvimento de sujeitos (o fazer com e não sobre ou para). Todos

os grupos apresentaram em plenária os avanços reconhecidos, entraves e dificuldades a

serem superadas e propostas de enfrentamento.

Os debates apontaram como desafios a realização do planejamento ascendente

aproximado ao nível local, a necessidade da equipe local ser sujeito do processo de

mudanças, a necessidade da participação popular, as ferramentas utilizadas na Vigilância –

ações fiscalizatórias é uma delas, mas não a única e principal –, a dicotomia assistência X

vigilância e agora incorporando a gestão e a falta de agilidade na informação para a ação

nos serviços de saúde.

A partir dos debates realizados no Seminário de Saúde Coletiva, e do

reconhecimento dos avanços, dos entraves e dificuldades vivenciadas, foram feitas e das

propostas para enfrentamento, discutiu-se acerca de novas práticas e da necessidade de um

novo paradigma para a Vigilância. Campos (2000) chama a atenção para armadilhas e

reforça que, para tratarmos dessa armadilha, temos que falar sobre núcleo e campo, ou seja

[...] O campo de competência teria limites e contornos menos precisos e o

núcleo, ao contrário, teria definições as mais delineadas possíveis (CAMPOS,

1997, p. 143).

Avalio que, em meio a uma discussão acerca da insuficiência das práticas clínico-

sanitárias em lidar com a necessidade de saúde atual, devido às constantes transformações

sociais do mundo contemporâneo, resgatar o conceito da Saúde Coletiva enquanto um

campo de conhecimento que possibilita trabalhar com olhar e clínica ampliada, temos a

potência de enfrentar os atuais problemas sociais que cercam, e possibilitamos sair do

paradoxo citado por Campos (2000, p. 220),

[...] o do isolamento paranoico ou o da fusão esquizofrênica – [...]

Metaforicamente, os núcleos funcionariam em semelhança aos círculos

concêntricos que se formam quando se atira um objeto em água parada. O

campo seria a água e o seu contexto. Grifo meu.

Práticas que promovem rupturas nos limites das disciplinas são exigências para

enfrentar os problemas de saúde que se impõem atualmente: o trabalho interdisciplinar é a

tradução dessas rupturas. Mas não se trata, no entanto, de diluição desses limites,

desconsiderando núcleos, o que geraria perdas, como as referidas em relação aos trabalhos

estruturados tradicionalmente pela Vigilância Epidemiológica (monitoramento das ações,

registro de doenças de notificação compulsória, coberturas vacinais, etc.).

117

Campos (2003, p. 23-5) traz uma discussão acerca da Vigilância à Saúde e da

Saúde Coletiva. Segundo o autor,

[...] a Vigilância à Saúde é também um conjunto de conhecimentos (um pedaço

da Saúde Coletiva) [...] herdeira da Saúde Pública e da Medicina tradicionais –

costuma esquecer-se de que atua sobre pessoas, valorizando regras voltadas

para as doenças e para o ambiente. Estuda epidemias como se não houvesse

sujeitos envolvidos. Intervém sobre situações de risco como se não mexesse com

a vida de um monte de gente [...] esta obrigada a atuar segundo a Lei: nesse

sentido seus agentes atuam sobre a sociedade valendo-se de regras e normas

para constranger comportamentos considerados inadequados [...] valendo-se do

poder do Estado. Em muitos casos, não há como fugir dessa responsabilidade: a

Vigilância Sanitária e a Epidemiológica estão obrigadas a exercer controle

sobre a sociedade. Impor limites, multar, fiscalizar, fechar estabelecimentos, etc.

O problema estaria em reduzir a Vigilância a somente esta dimensão: ‘Agir

segundo regras’, o exercício rigoroso de controle sobre setores da sociedade [...]

a Vigilância tem também sua dimensão política [...] os agentes do Estado estão

obrigados a construir aliados e parceiros na sociedade civil [...] em defesa de

sua própria saúde [...] desde o momento de elaboração dessas normas e regras, e

não somente quando de sua aplicação. Grifos meus.

Apesar de tais investimentos e debates, há uma fala consensuada e coletiva de que

houve uma desvalorização da Vigilância por essa gestão, que valorizava mais a assistência

e que causou uma grande tensão com os trabalhadores e até resistência em alguns dos

trabalhadores da Vigilância, sendo, assim, apontado pelos entrevistados:

[...] houve uma crítica contundente quanto ao excesso de formalidade, papel de

polícia administrativa, e

[...] fala do secretário de saúde dizendo que, se não ajudassem (Vigilância),

também não deveriam atrapalhar.

Cabe destaque ainda a I Conferência Nacional de Vigilância Sanitária,

recomendada pela XI Conferência Nacional de Saúde (2000) e realizada em 2001, que foi

lembrada por um dos entrevistados como trazendo um debate interessante e com o tema

central “Efetivar o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, proteger e promover a saúde

construindo cidadania”.

[...] nós fomos à Conferência defender que precisava haver um processo que, ao

criar a ANVISA, os municípios pudessem não ficar subordinados a essa

autarquia, mas que pudessem criar seus sistemas próprios de Vigilância em

Saúde, integrando as vigilâncias; Só que isso não aconteceu. Na prática, criou-se

a ANVISA, e a Vigilância Epidemiológica ficou no Ministério da Saúde com a

SVS [...] ficando desintegrada e com pouca interface [...] se houvesse integração

entre as Vigilâncias Federal, Estadual e Municipal, a gente conseguiria

desenvoltura global maior no modo de fazer [...] reproduzimos um sistema

burocratizado, fragmentado e separado que existia no MS e foi reproduzido no

município [...]

118

Período de 2005 a 2008

A partir de 2005, no primeiro governo de Hélio de Oliveira Santos (PDT), assume

como Secretário de Saúde o Dr. Gilberto Luiz Moraes Selber (até 2006) e em seguida, o Dr.

José Francisco Kerr Saraiva.

A rede de saúde possuía 47 Centros de Saúde e 13 Módulos de Saúde da Família

(criados para ampliar a cobertura dos Centros de Saúde).

A Vigilância retomou as recomendações do Seminário de Saúde Coletiva realizado

em 2004, na perspectiva de continuidade às diretrizes da Vigilância em Saúde:

integralidade, descentralização com autonomia, ação no território com enfoque de risco,

desenvolvimento dos sujeitos e intersetorialidade. Este seminário apontou a necessidade de

revisão dos processos de trabalho da Vigilância para obtenção de maior resolutividade e

para tal, indicou uma oficina.

A Oficina teve como objetivo discutir a revisão e aperfeiçoamento do processo de

trabalho da Vigilância em Saúde (ANEXO 19) e, como estratégia para os debates, foram

distribuídos cento e dez questionários a todos trabalhadores dos serviços de saúde que

integram o Sistema de Vigilância em Saúde do município de Campinas, com as seguintes

questões:

1. Problemas identificados em relação a casos/surtos/agravos ou outros problemas de

saúde coletiva conduzidos na rede de saúde de Campinas (fluxo, investigação, adoção de

medidas de controle, conclusão do caso ou problema);

2. Problemas identificados no processo de trabalho dentro da equipe considerando a

especificidade do núcleo de atuação (alimentos, medicamentos, correlatos, serviços de

saúde, saúde do trabalhador, controle de zoonoses, saúde ambiental, Vigilância

Epidemiológica, informação em saúde);

3. Opinião quanto às relações que se estabelecem entre a vigilância (entre si) e os

outros espaços da gestão (apoio, rede de assistência).

O grupo organizador da Oficina agrupou os problemas levantados por temas,

dentre eles: infraestrutura precária e insuficiente; recursos humanos insuficientes;

desconhecimento e falta de capacitação; comunicação deficiente entre os serviços e dentro

das próprias equipes; desconhecimento e desintegração dos serviços do sistema de

119

vigilância entre si e com os diferentes níveis de gestão; procedimentos não padronizados;

processos de trabalhos heterogêneos; dificuldades em priorizar as ações em função do risco

devido os diferentes interesses existentes e definição de competências não clara.

Alguns temas considerados polêmicos (re) surgem para debates, a saber: a

descentralização das ações de Vigilância e a dificuldade na integração e articulação de

VISAs e Distritos e nível central, a heterogeneidade entre as Visas, a relação VISA e

Apoio, a comunicação e a integração dos serviços, responsabilização pelo cuidado e como

se faz vigilância em saúde na prática, dentre outros.

Essa Oficina contou com uma convidada da Secretaria de Saúde de Recife, mais

especificamente do Departamento de Epidemiologia e Vigilância em Saúde de Recife, que

compartilhou a experiência de organização do processo de trabalho da Vigilância nessa

cidade.

A síntese da Oficina foi agrupada segundo operacionalidade da implementação, ou

seja, as ações a serem realizadas em prazo imediato, as ações que requeriam mais

elaboração e discussão e as ações que requeriam mais reflexão e/ou encontros. Houve

também a produção de um documento de subsídio para discussões em Vigilância na IX

Conferência Municipal de Saúde (ANEXO 23).

Ainda em outubro de 2005 foi publicado o Decreto n° 15.297 que instituiu o

Laudo de Avaliação Sanitária (LAS), fornecido pelo Departamento de Urbanismo, e

condicionando as Licenças de Funcionamento (LF) e Cadastros a esse documento prévio.

Segundo um dos entrevistados:

[...] nós, na Vigilância, trabalhamos com Licença de Funcionamento para

empresas, pressupondo que haja uma avaliação do risco da atividade

desenvolvida, necessidade de inspeção local, dentre outros. Ocorre que essa

Licença de Funcionamento está atrelada a outro documento dado pelo

Departamento de Urbanismo – Laudo de Avaliação Sanitária. Se a empresa tiver

quaisquer problemas relacionados ao Departamento de Urbanismo, isso impede

a emissão do LAS e consequentemente não nos permite emitir a Licença de

Funcionamento, o que deixa as empresas na ilegalidade – como é o caso de

farmácias, drogarias, correlatos, etc.[...]. Grifo meu.

Em 2007, o Plano de Cargos, carreiras e vencimentos dos servidores públicos de

Campinas – Lei n° 12.985 em seu artigo 31 – faz a referência quanto à designação dos

funcionários como Autoridade Sanitária como cargo, mediante portaria do Prefeito

Municipal, ou seja, uma nomeação específica que traz as seguintes atribuições:

120

I - vedação do exercício de sua profissão em caráter privado ou em outro cargo

público, ainda que em outro ente, no Município, quando houver conflito de

interesses;

II - atribuições para aplicação e fiscalização do cumprimento do Código

Sanitário e demais disposições sanitárias; e

III - possibilidade de convocação e exercício de suas atribuições em dias e

horários distintos da jornada.

Esses profissionais nomeados com o cargo de “autoridades sanitárias” recebem

uma “gratificação de autoridade sanitária” conhecida pela sigla de GAS e escalonada em

seus valores a partir de uma gradação de responsabilidades: autoridade I (servidores de

nível médio), II e III (servidores de nível superior) e IV (servidores responsáveis pela

coordenação da Vigilância em Saúde do Município).

Outro grande marco para a história da Vigilância de Campinas, foi Plano de Ação

e Metas (PAM) da Vigilância, realizado em 2008 com participação de todos trabalhadores e

gestores da Vigilância, e sintetizado na cidade. Destaco aqui, os principais debates e

encaminhamentos feitos pelos trabalhadores da Vigilância que já manifestavam a

necessidade de revisar o modelo de Vigilância do município, cobrar assessoria jurídica e

assessoria de imprensa, padronizar os procedimentos administrativos da Vigilância

Sanitária, revisar o vínculo e as competências da COVISA e Apoio Distrital junto às

VISAs, repensar os grupos técnicos, estruturas físicas das VISAs, equipamentos e

materiais, dentre outros.

Cabe destaque para debates realizados no planejamento de 2006, 2007 e 2008, que

apontavam para revisão das diretrizes da Vigilância em Campinas, principalmente as

relacionadas à Vigilância Sanitária e sua inserção nos Distritos de Saúde.

Havia um sentimento de desarticulação, segundo um dos entrevistados e contextos

epidemiológicos adversos como a Epidemia da Dengue e posteriormente o H1N1.

[...] os debates com os Distritos foram sendo prejudicados não somente pelo

contexto epidemiológico, mas também pela não possibilidade de se pautar uma

conversa a respeito da inserção da Vigilância Sanitária nos Distritos [...] era

algo muito forte naquele momento, e o grupo de trabalhadores das VISAs

queriam falar sobre isso, discutir [...] tinha muitas lacunas, muitas coisas

acumuladas. Grifos meus.

121

Apesar de dezesseis anos ininterruptos de serviços prestados ao SUS Campinas e

ao acúmulo na área da Vigilância, em 1993 Dr. Abrahão ‘saiu’ do cargo que ocupava –

Coordenação de Vigilância Ambiental. Inegavelmente uma perda.

Período de 2009 a 2012

Em 2009 houve novas eleições e Dr. Hélio de Oliveira Santos (PDT) foi reeleito

como prefeito de Campinas. Esse foi um período de denúncias de corrupção, que culminou

com a cassação do prefeito em 2011, assumindo o vice – Demétrio Vilagra (PT). Vilagra,

no entanto, foi afastado temporariamente (90 dias) pela Câmara Municipal de Campinas em

19 de outubro de 2011 para realização de investigações de suposta responsabilidades

administrativa em relação às denúncias anteriormente feitas ao prefeito Dr. Hélio de

Oliveira Santos. Durante esse período, assumiu interinamente o presidente da Câmara

Municipal de Campinas – Dr. Pedro Serafim Junior (PDT).

Em 03 de novembro de 2011, Demétrio Vilagra é reconduzido ao cargo de prefeito

através de uma liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo cassado em 21 de

dezembro de 2011. Dr Pedro Serafim Junior (PDT) assumiu a prefeitura a partir de 22 de

dezembro de 2011 até 01 de janeiro de 2013.

Vale ressaltar que essa crise ética e política instalada no contexto geral do governo

impactou em vários setores da Prefeitura de Campinas. A área da saúde, especificamente,

vivenciou períodos de terceirização e sucateamento da Atenção Básica de Saúde, além de

um enfraquecimento dos espaços coletivos.

[...] à medida que entra um governo muito fraco, as coisas tendem a se acomodar

e o próprio rumo da Vigilância foi se adequando a essas coisas;

[...] o nível central da Secretaria estava muito desarticulado e vivendo a agonia

de um governo que tinha pouco rumo [...] Não se conseguia fazer uma discussão

qualificada [...] tinham tantas outras coisas ‘pegando fogo’.

[...] Havia pouco espaço para discussão política dentro da Secretaria e as coisas

‘iam ficando’.

[...] momento no qual cada um cuidava de seu espaço local, sobrevivendo [...]

mas as discussões mais macro foram perdendo espaço e culminou com a crise em

2011 [...] muito do que se foi construindo por anos, foi se perdendo [...]. Grifos

meus.

A despeito de mais adiante fazer uma discussão acerca dessa crise enquanto um

analisador natural que surge durante essa investigação, por ora ressalto o quanto foi difícil e

sofrido para mim, participar de um momento como esse, e escrever essa certa história. A

122

análise de minha implicação foi um processo construído com os entrevistados, e que foi

colocado em debate durante as Oficinas de Restituição.

O impacto da crise ética e política municipal puderam ser evidenciados no Sistema

de Vigilância de Campinas e, acerca disso, destaco o depoimento de um dos entrevistados,

que relembra o trabalho integrado que existia entre Vigilância e o Laboratório Municipal de

Campinas (LMC)

[...] em nenhum momento a Vigilância sentou aqui para discutir os resultados

de exames conosco, como era feito anteriormente.[...] às vezes chamava o

Laboratório para conversar, mais no sentido de ‘chamar a atenção’[...] É ‘via

de mão única’ [...] sinto um descompasso. Grifo meu.

Não obstante esse descompasso mencionado não somente no Laboratório, mas em

toda rede de saúde de Campinas, foi citado por outro entrevistado que

[...] havia respeito e reconhecimento pela história da Vigilância, mas, ao mesmo

tempo, o isolamento foi muito forte, tanto que as pessoas falavam que a

Vigilância ‘não aparecia’. Talvez a crise tenha sido importante para parar e

pensar um pouco sobre tudo isso [...]. Grifos meus.

Esse depoimento me fez recordar da Oficina da Atenção Básica de 2009, quando

eu já estava na coordenação da VISA Distrital Sudoeste e fiquei responsável por conduzir

um grupo de discussão, durante a etapa distrital. Havia três grupos de discussão com seus

respectivos temas e os participantes poderiam escolher. O grupo vermelho discutiu o

acolhimento, adscrição de clientela, vinculo e responsabilização; o grupo amarelo fez o

debate acerca das linhas de cuidado e Vigilância em Saúde e o grupo verde discutiu o

trabalho em equipe e participação dos trabalhadores na gestão.

Causou-me espanto e estranhamento quando fui ver a lista com as escolhas dos

participantes e percebi que somente duas pessoas tinham se inscrito para o grupo amarelo, o

qual eu ia coordenar. Sem saber ao certo o que fazer, reportei-me à Coordenação Distrital,

que orientou aos demais grupos para se redividirem. Isso me tocou, pois não obstante a

importância dada à Vigilância havia temas considerados pelos gestores e trabalhadores

como emergentes e “mais” prioritários.

Com relação ao contexto adverso vivenciado mais especificamente na Vigilância

em Saúde, havia uma preocupação na COVISA, a respeito das perdas de construções

históricas no modelo Vigilância. As mudanças demográficas e epidemiológicas em

123

Campinas e o aumento da complexidade e do tipo de demanda na área da saúde, já fazia

parte dos debates prioritários internos. Ademais, havia uma preocupação em como estava

sendo operado o Sistema de Vigilância Municipal – competências e atribuições –, frente a

essas mudanças.

Na área de Vigilância Sanitária, mais especificamente, havia um ano e meio,

aproximadamente, que não havia uma coordenação municipal e essa lacuna na gestão era

conduzida pelo grupo em nível central. Havia muito clamor por mudanças e por

reorganizações.

Dada a prioridade que o Colegiado da Vigilância apontou para essa área, Elen

Fagundes Costa Teli58, até então coordenadora da VISA Sudoeste, assumiu a Coordenação

da Vigilância Sanitária do município de Campinas e iniciou um resgate de produtos de

discussões anteriores feitos pela Vigilância Sanitária e apresentou a proposta denominada

de Prioridades Estruturantes em Vigilância Sanitária (ANEXO 22).

Foram criadas frentes de trabalho para dar respostas a antigas reivindicações da

Vigilância Sanitária, e montados grupos articuladores para os temas, envolvendo o nível

regional e central. Alguns dos eixos estruturantes foram a Minuta de Lei para revisão da Lei

Municipal n° 15.297 de 2005, que instituiu o Laudo de Avaliação Sanitária condicionando

à emissão Licenças de Funcionamento, a inspeção com classificação de risco, discussões

acerca da Vigilância dos serviços públicos, dentre outros. Foi construída uma rede de

petições e compromissos na qual havia o espaço de escuta e repactuação. A adesão a esse

projeto inovador para a área da Vigilância Sanitária, no entanto, foi baixa e as resistências

inúmeras, segundo um dos entrevistados.

Isso causou certo estranhamento, pois o clamor vinha das VISAs, mas o

envolvimento na mudança era pouco. Para um dos entrevistados, mudar exige coragem e

nem todos têm essa coragem, ou não querem mexer em sua zona de conforto.

Na área da Vigilância Epidemiológica, havia um diagnóstico feito pela COVISA

de que os bloqueios das doenças transmissíveis, como por exemplo, sarampo e varicela,

estavam sendo realizados tardiamente, assim como as busca-ativas de Dengue no território.

Além disso, a ficha de notificação epidemiológica estava sendo tratada como instrumento

burocrático, o que dificultava o encerramento dos casos.

124

A partir desse diagnóstico, apesar do contexto adverso na cidade de Campinas, em

2011 a Vigilância Epidemiológica (nível central) propôs uma oficina que foi intitulada

“Responsabilidades Compartilhadas em Vigilância Epidemiológica” (ANEXO 23). Essa

Oficina tinha como objetivos: aprimorar e atualizar o sistema de Vigilância Epidemiológica

e produzir responsabilidades compartilhadas; rever as ações desenvolvidas na área da

Vigilância Epidemiológica por todos os serviços que compõem o sistema e os

compromissos assumidos mediante as esferas estadual e federal e reorganizar o

funcionamento da Vigilância Epidemiológica nos diversos serviços, sem fragmentação.

Havia também uma proposta de divulgar as experiências das ações de Vigilância

Epidemiológica nos serviços de Saúde – Mostra “VISA que dá certo”.

Para tal foi organizado um grupo tarefa que elaborou a estratégia metodológica

inicial que foi a aplicação de um roteiro em cada VISA/apoio dos Distritos de Saúde no

primeiro semestre de 2011 para aprofundar o diagnóstico acima descrito. Cada Distrito teve

a autonomia de escolher a estratégia para os debates. Cabe destacar que no Distrito

Sudoeste houve essa discussão ampliada, através de uma Oficina Distrital com a presença

de todos os serviços, inclusive o Laboratório Municipal de Campinas, o Complexo

Hospitalar Ouro Verde (CHOV), Centro de Testagem Sorológica (CTA) e Botica da

Família.

Na ocasião, houve um debate muito acalorado e ao mesmo tempo afetivo, onde os

serviços de saúde solicitavam a retomada das construções anteriormente realizadas em

parceria com a Vigilância de Campinas. A partir das discussões da Oficina Distrital

Sudoeste, foi produzido um documento base para a Oficina Municipal de Vigilância

Epidemiológica.

O momento de crise vivenciada em Campinas se intensificou e o grupo

organizador optou pela não realização da oficina naquele contexto. O principal motivo foi

uma crise interna na Vigilância do município. Para o Distrito de Saúde Sudoeste – único

Distrito que aplicou o roteiro e fez a Oficina Distrital – isso gerou uma frustração e foi

verbalizado o sentimento de processo interrompido/abortado.

58 Bióloga e sanitarista. Coordenou a VISA Sudoeste e a Vigilância Sanitária do município de Campinas.

125

Crise no modelo de gestão da Vigilância em Saúde de Campinas

Conforme dito anteriormente, o contexto político no governo municipal e o

momento de crise evidenciada na saúde de Campinas afetaram a Vigilância em Saúde.

[...] A crise ético-política da Vigilância já estava latente há anos [...] pode ser

observada em todos os espaços de discussão. Ocorre, no entanto, que os conflitos

se davam de maneira pontuais, localizadas e até referenciadas a algumas

pessoas [...]. Grifos meus.

Foi um analisador histórico natural que, segundo Monceau (1996) e Baremblitt

(2012), são produzidos a partir de determinações históricas, culturais, sociais, políticas,

ideológicas e econômicas.

Spagnol (2013; 2006), descreve a trama de conflitos vivenciada pela equipe de

enfermagem no contexto hospitalar e a respeito dos conflitos, especificamente, a autora

descreve:

[...] deve ser compreendido para além da luta de opostos e das divergências de

ideias, valores e percepções entre as pessoas, pois esse fenômeno também surge

em decorrência do fato de a organização se constituir por indivíduos que

demarcam uma posição, disputam projetos, têm olhares e ações interessadas,

sendo suas relações atravessadas o tempo todo por diversas instituições [...]

considera-se que as relações de conflito são processos dinâmicos e complexos

que necessitam ser analisados, constantemente, pelas equipes inseridas nas

organizações, a fim de encontrarem estratégias que explicitem cada vez mais os

ruídos presentes no cotidiano (2006, p. 333).

Alguns entrevistados avaliaram que esses conflitos sempre estiveram presentes e

latentes, e quando vem à tona, “explodem” e precisam ser sistematizados e debatidos

amplamente dentro do contexto no qual foram produzidos. No caso específico da crise

mencionada na Vigilância, houve uma lacuna política no governo municipal. Antigos

problemas que já existiam desde o momento da municipalização da Vigilância em

Campinas e que não foram resolvidos (encaminhados) permaneceram latentes e (re)

surgiram de maneira intensa no momento em que disparou a crise.

Esse contexto, segundo uma das entrevistadas, traz à tona todas

[...] as coisas que estavam engavetadas [...] levantou a tampa da panela devido a

um contexto de um governo que contribuía para que houvesse uma desmotivação

e acomodação dos trabalhadores da saúde em geral e o próprio rumo da

Vigilância foi se adequando a essas coisas [...] o isolamento foi muito forte e

uma crise teve início (ou estava latente)? Grifos meus.

Cabe destacar que dentro da Vigilância, essa crise foi desencadeada por uma

gratificação financeira que foi dada aos profissionais da COVISA e questionada pelos

126

demais trabalhadores das VISA s. A partir desse disparador da crise, iniciaram-se ruídos

muito fortes acerca de qual seria o papel da COVISA, que atribuições tinham para que esta

gratificação fosse dada.

Segundo Baremblitt (2012, p. 143)

As crise são etapas de mudanças para o bem ou para o mal, mas em geral

aceleradas e radicais. Alguns atribuem as crises à exacerbação das contradições

de um sistema ou acúmulo de mudanças quantitativas que desembocam de um

sistema ou transformação qualitativa. Outros sustentam que são períodos ou

espaços de transição entre tempos e lugares precisos e conhecidos, enquanto há

os que pensam que se trata dos prolegômenos do surgimento do absolutamente

novo [...] Para o Institucionalismo, então enquanto campo de análise como de

intervenção, os estados de crise são considerados fecundos, na medida em que

envolvem a falência do instituído – organizado – e a emergência do instituinte –

organizante – no seio da ‘desordem criadora’”.

Com relação à gratificação que foi o disparador da crise, destacamos L’Abbate

(2004, p. 98), que aponta que [...] os efeitos do dinheiro como analisador permite lançar luz

sobre as relações entre pessoas, grupos e instituições [...].

A partir do questionamento dessa gratificação da COVISA (analisador dinheiro),

(re) aparecem as polêmicas já tratadas anteriormente em outros espaços, e mais

especificamente, segundo uma das entrevistadas, durante o Plano de Ação e Metas (PAM)

da VISA em 2008, onde houve grupos técnicos, reuniões e seminários discutindo os temas

que (re) surgiram durante o momento da crise.

Segundo os entrevistados

[...] há um discurso que o município de Campinas ouve os trabalhadores [...]

ouve mas não escuta. Quem está lá em cima não consegue enxergar e também

não escuta os que estão aqui em baixo [...] Não podemos negar que existe

participação dos trabalhadores, mas quem decide não é o trabalhador e sim,

quem detém o poder político [...] sempre foi assim e é desanimador. A gente

discute, discute, perde tempo e continua tudo como antes por que as pessoas que

estão ‘lá’ querem desse jeito [...]. Grifos meus.

Uma fala comum durante as entrevistas e que teve destaque nos debates das

oficinas de Restituição foi,

[...] As coisas mais profundas da Vigilância nunca foram valorizadas [...] as

pessoas sabiam da angústia, mas nunca isso foi pauta na Secretaria de Saúde. Os

Distritos viviam outras demandas muito mais emergenciais. O tempo inteiro

nesses últimos oito anos, as discussões ou eram acerca do Cândido Ferreira

(Saúde Mental) ou eram acerca da RH [...] Alguns gestores nos apoiavam, mas

isso não aconteceu institucionalmente [...]. Grifos meus.

127

Alguns dos entrevistados relacionaram a crise com a história da criação da

Vigilância e com a municipalização das ações e seus vinte anos de escolhas de modelos,

arranjos e diretrizes que necessitavam ser revisados. Essa revisão foi sentida como

emergente, devido ao aumento da complexidade da área da Vigilância, com a incorporação

da Vigilância Ambiental e Vigilância Saúde do Trabalhador, às doenças e aos agravos

crônicos, à mudança do perfil da cidade e dos processos e produtos (globalização) e às

doenças emergentes e permanentes, que contribuíram para o esgotamento do atual modelo,

dando uma sensação de

[...] roupa que não serve mais por que o filho cresceu e se tornou adulto,

[...] incompatíveis com as necessidades do atual sistema de Vigilância e

principalmente para a Vigilância Sanitária,

[...] modelo que não contemplou as inovações e complexidades atuais, tanto do

ponto de vista teórico/conceitual quanto das práticas [...].

Além disso, problemas antigos reverberaram, causando fortes tensões e conflitos:

sentimento de frustração das VISAs Distritais pelo estranhamento em relação à função

gestora da COVISA; lacunas existentes na compreensão acerca das atribuições e

responsabilidades entre COVISA, VISAS Distritais, Centro de Controle de Zoonoses

(CCZ) e Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST); insatisfações com

demandas e acúmulos de respostas não atendidas na área de Vigilância Sanitária e a

necessidade de ajustes imediatos no modelo de gestão da Vigilância em Saúde.

A Vigilância Sanitária apontou a necessidade de revisão da inserção dentro dos

Distritos de Saúde:

[...] há muita confusão devido o comando duplo - COVISA apoia tecnicamente e

Distrito apoia administrativamente [...] causando [...] quem é nosso pai, quem é

nossa mãe, e a quem devemos responder? – questionavam algumas VISAs

Distritais [...]. Grifos meus.

Para ajudar na gestão dessa crise instaurada, a Vigilância de Campinas contou com

o apoio e mediação do Centro de Educação do Trabalhador da Saúde (CETS) e da

Assessoria do Gabinete da SMS. A partir de dezembro de 2011 foi criado um grupo

técnico – composto por trabalhadores de diferentes serviços de Vigilância – e iniciaram-se

as discussões acerca do esgotamento do atual modelo de gestão da Vigilância, desgastes nas

relações e desalinhamentos das estratégias de gestão. Foi feito o resgate do documento do

PAM da Vigilância (2008) e incorporado às discussões do grupo.

128

A condução dos trabalhos foi pautada em metodologia participativa, conforme

figura a seguir, tendo como marco inicial a chamada dos trabalhadores da Vigilância e

Distritos para a realização da Metodologia do pensamento paralelo59 (dezembro de 2011).

Figura 6: Linha histórica das discussões realizadas pela Vigilância em Campinas/SP (2012)

Esse foi um processo tenso e conflituoso para os sujeitos envolvidos, pois ocorreu

em um contexto de quebra de confiança e ausência de diálogo entre profissionais e

gestores, e entre VISAS e COVISA. Um dos entrevistados avaliou

[...] tanta conversa, tanta conversa, e acaba tendo desrespeito de outro jeito, do

interminável, do não fazer, da tortura, honestamente não sei qual é pior [...] a

liberdade de expressão que vai extrapolando a autonomia e a educação, hoje dou

muito desconto para o que achei errado há anos atrás [...]. Grifos meus.

59 Foi utilizado o método Six Thinkings Hats (Seis Chapéis Pensantes)� criado por Edward de Bono, para

iniciar o debate da crise. Nesse método, são utilizados seis diferentes chapéus imaginários que podem ser

tirados e colocados conforme o momento. Cada chapéu teve uma cor diferente e representa um modo

diferente de pensar.

129

Os (novos) velhos temas (re) surgem

Quando eu vim para esse mundo,

Eu não atinava em nada

Hoje eu sou [Gabriela]

[Gabriela], ê ...meus camaradas!

Eu nasci assim, eu cresci assim

E [não] sou mesmo assim

[Nem] vou ser sempre assim

Dorival Caymmi (1975)

Dorival Caymmi, ao escrever a Modinha para Gabriela em 1975, me fez associar

essa letra com a Vigilância em seu momento de crise. A Vigilância nasce da Saúde Pública,

vive com ferramentas e modelo da Saúde Pública, mas alguns tentam não ser mesmo assim

e nem ser sempre assim. Acredito que os temas que aparecem nas discussões da Vigilância,

na cidade de Campinas, demonstram isso.

Segundo Merhy (2009, p. 290)

[...] a ideia de ruído vem da imagem de que cotidianamente as relações entre os

agentes institucionais ocorre no interior de processos silenciosos até o momento

que a lógica funcional, predominante e instituída, seja rompida. Porém, esse

rompimento é normalmente percebido como uma disfunção, como um desvio do

que se deveria ocorrer, o que não expressa o fato real de que todo o processo é

produtor de ruídos entre si [...] a quebra do silêncio do cotidiano pode ser, e

deve ser, percebido como a presença de processos instituinte que não estão sendo

contemplados pelo modelo de organização e gestão do equipamento institucional

em foco, mostrando os distintos possíveis caminhar dos processos de ações dos

agentes envolvidos, e, portanto, abrindo possibilidades de interrogações sobre o

modo instituído como se opera o trabalho e o sentido de suas ações, naquele

equipamento. Grifos meus.

A Vigilância (sujeitos em movimentos instituintes) “gritaram” que queriam (re)

discutir o processo de descentralização, os múltiplos comandos (Distrito e COVISA),

debater acerca do papel da COVISA e das VISAs no Sistema de Vigilância. Além disso, a

Vigilância (sujeitos em movimentos instituíntes) demonstrou querer por pra fora os

sentimentos acumulados por anos e relacionados ao descrédito, às decepções vividas, às

desmotivações, dentre outros. Por fim, e não menos importante, a explosão da crise exige o

enfrentamento do desafio acerca do isolamento da Vigilância em relação à SMS.

130

Novamente nos reportamos a Merhy (2009, p. 290-91)

A possibilidade de escutar os ruídos do cotidiano institucional é parte de

ferramentas analisadoras dos processos institucionais e pode permitir a

reconstrução dos novos modos de gerir e operar o trabalho em saúde [...] lugar

que revela, no interior do processo de trabalho em saúde, o encontro de

instituíntes que querem falar e ser escutados em suas necessidades-demandas,

um ao outro.

As discussões realizadas no Encontro de dezembro de 2011 foram sintetizadas e

categorizadas por conteúdos, que foram apresentados em Plenária dos trabalhadores em

janeiro/fevereiro de 2012.

As categorias identificadas foram: sentimentos; gestão (estrutura, processo,

resultado e perfil); processos de trabalho; relações de trabalho; recursos humanos

(indicadores, perfil e capacitação); recursos (material, insumos e equipamentos) e causas

externas à SMS e/ou PMC.

Cabe destaque para os sentimentos (já antigos somados a outros que resultaram da

crise vivenciada) no atual momento político da cidade: desmotivação, desânimo, confusão,

estranhamento, fragmentação, não pertencimento, falta de confiança, falta de transparência,

vaidades, falta de solidariedade,”vai desmoronar”, isolamento, intolerâncias, ”salve-se

quem puder”, dentre outros.

A área específica de Vigilância em Saúde do Trabalhador trazia como uma

dificuldade em seu processo de trabalho, o fato de ter ações descentralizadas nos Distritos

de Saúde e serem coordenadas tecnicamente pelo CEREST e administrativamente pelo

Departamento de Vigilância em Saúde.

Segundo Balista (2013), apesar de documentos da Secretaria Municipal de Saúde

expressarem que a diretriz de descentralização – tanto da assistência como da vigilância –

como estratégia de aumento da resolutividade e abrangência dos serviços, foi constatado

que a descentralização da Vigilância da Saúde do Trabalhador ocorreu de forma parcial,

necessitando revisão e redefinições dos papéis e atribuições dos serviços integrantes do

sistema de saúde de Campinas, bem como estabelecimento de fluxos, rotinas e

procedimentos, capacitação e envolvimento das equipes.

Os debates foram dinamicamente se realizando e sempre compartilhando com os

demais gestores e trabalhadores da SMS. Com relação às discussões realizadas acerca do

modelo de Vigilância, foram apresentadas em 14 de fevereiro de 2012 no Colegiado de

131

Gestão da SMS na presença do Secretário de Saúde e em reunião do Colegiado Ampliado

da Vigilância em março de 2012, tendo a participação dos Coordenadores e Apoiadores

Distritais, Grupo Técnico da Vigilância, representantes de trabalhadores da rede de saúde

de Campinas e Coordenadores de VISA e COVISA. O momento de compartilhamento e

discussão foi mediado pela representante do CETS e do Gabinete do Secretário.

A síntese das discussões foi sistematizada por eixos, a saber: Organograma e

Arranjos de Gestão; Gestão e processos de trabalho; Modelo; Políticas de RH;

Informatização e Sistemas de Informação e Infraestrutura, recursos, manutenção e

segurança.

Elenco abaixo, alguns dos nós críticos apontados nos debates por eixos:

Quadro 7: Oficina de Vigilância em Saúde /Campinas/SP (2012)

EIXOS NÓS CRÍTICOS

Eixo 1: Organograma e

Arranjos de Gestão

- organograma oficial de 1990 (ultrapassado);

- o organograma pactuado e o organograma executado;

- divergências sobre natureza e autonomia dos Colegiados e GTs;

- cargos e atribuições na COVISA, critérios para exercer a função e o

pagamento da gratificação.

Eixo 2: Gestão e

processo de trabalho

- atual estrutura administrativa e linhas de gestão e fragilidades e diferenças nas

coordenações de VISAS;

- Vigilância dos serviços públicos (próprios): entraves e conflitos;

- Ação da Autoridade Sanitária sem o respaldo jurídico.

Eixo 3: Modelo

- Esgotamento do modelo de Vigilância atual e necessidade de revisões;

- Disputas entre modelos: VISAs ligadas diretamente a COVISA ou VISAS

ligadas aos Distritos.

Eixo 4: Politica de RH

- Subdimensionamento e falta de reposição da equipe de RH da Vigilância;

- Inadequação dos processos de Capacitação: não acompanham a

evolução/produção cientifica e tecnológica dos tempos atuais.

Eixo 5: Informatização e

Sistemas de Informação

- Sistema de informação desintegrado;

- Prejuízo no tratamento dos dados, gerenciamento das informações e

planejamento das ações.

Eixo 6: Infraestrutura,

Recursos, Manutenção e

Segurança

- Instalações prediais inadequadas para a natureza do serviço;

- Subdimensionamento de carros para rotina do trabalho;

- Equipamentos não ergonômicos;

- Falta de EPIs obrigatórios;

- Insegurança patrimonial e pessoal.

A partir do mês de março de 2012 iniciaram-se discussões, desta feita com o

objetivo de realizar um Seminário Municipal de Vigilância em Saúde e discutir os

problemas apresentados nos vários espaços de gestão e com trabalhadores. O objetivo geral

132

desse Seminário foi promover um espaço democrático para a construção e definições

técnicas, políticas e ideológicas que norteiem a elaboração de um novo Modelo Municipal

de Vigilância em Saúde.

Para tal, foram propostas três etapas prévias, com caráter preparatório para o dia

do Seminário, sendo elas: preparação das equipes (até 16 de abril de 2012); Pré-Seminário

(segunda quinzena de abril de 2012)60 e um Seminário Municipal de Vigilância em Saúde

(ANEXO 24), que ocorreu na segunda quinzena de maio de 2012).

As VISAs Distritais e a COVISA realizaram debates e discussão acerca de quais

ações deveriam ser centralizadas e o que manter descentralizado e quais critérios

fundamentariam tais escolhas. A síntese foi compartilhada no Seminário Municipal sobre

Modelo e Estratégias de Vigilância em Saúde para o município de Campinas (ANEXO 27).

Em junho de 2012, após vários debates com a rede de saúde de Campinas, foi

escrita uma Carta de Compromisso dos trabalhadores e gestores dos serviços de Vigilância

Municipal (ANEXO 25), representantes dos coordenadores de serviços, apoiadores

institucionais, apoiadores pedagógicos, diretores de distrito e outros representantes do

Colegiado de Gestão da SMS, com propostas para o enfrentamento dos principais entraves

do atual sistema de Vigilância, contemplando um modelo de estratégias de Vigilância em

Saúde para o Município

Um pouco do período de 2013

No ano de 2013 assumiu a Prefeitura de Campinas Jonas Donizete (PSB), que

nomeia como Secretário de Saúde Dr. Cármino Antônio de Souza, médico hematologista da

UNICAMP.

60 O Pré-Seminário teve como objetivos: debater o Sistema de Vigilância, problematizando os diversos

modelos/estruturas em disputas, convergências e incongruências entre federação, estado e município, com

momentos de detalhamento da Vigilância Sanitária; explicitar diferenças entre Epidemio x Ambiental x Saúde

do Trabalhador e as diferentes necessidades de gestão, processos e ideologias. Foram convidados: Doriane

Patrícia Ferraz de Souza – Coordenadora do Núcleo de Assessoramento na Descentralização das Ações de

Vigilância Sanitária (NADAV)/ANVISA; Clélia Maria Aranda – Diretora Técnica do Grupo de Planejamento

e Avaliação da Coordenadoria de Controle de Doenças da SMS/SP; Elizeu Diniz – Representante do CVS/SP;

Cristina Magnobosco – Gestora do Departamento de Higiene e Proteção da Saúde – Guarulhos/SP; Cláudio

Mayerovitch – representante do Ministério da Saúde; Fernando Aith – docente do Centro de Pesquisa em

Direito Sanitário (CEPEDISA) – USP/SP.

133

A mudança no modelo de gestão causou estranhamentos em alguns profissionais e

gestores da própria Vigilância, que foram minoria na tomada de decisão por parte da rede

de assistência em saúde, julgando que a centralização (ou concentração, como foi chamada)

da Vigilância Sanitária, poderia contribuir para que a Vigilância ficasse mais coorporativa e

distante do cotidiano.

[...] é distorção acreditar que o CS tem capacidade técnica e profissionais

específicos para realizar ações específicas da Vigilância Sanitária e [...] e não é

pecado reconhecer isso [...], mas centralizar a Vigilância Sanitária é um

retrocesso de um processo histórico construído em Campinas por equipes que

descentralizaram sem ‘know how’ e conseguiram construir. Temo por se

tornarem ‘anvisinhas’ em um grande prédio e deslocando-se para um cidade do

porte e complexidade de Campinas. Grifo meu.

Nesse contexto, foi formalizada a COVISA como departamento, passando a se

chamar Departamento de Vigilância em Saúde (DEVISA). A organização do DEVISA

ocorreu de forma a contemplar as grande áreas da Vigilância em Saúde: Sanitária,

Epidemiológica, Ambiental, Saúde do Trabalhador e Controle de Zoonoses. As VISAs

distritais passam a responder hierarquicamente ao DEVISA e não mais aos distritos e

passam a ser denominadas VISAs Regionais.

Algumas experiências iniciais foram feitas nas duas áreas, na perspectiva da

concentração e desconcentração, ou seja, os trabalhadores das áreas técnicas específicas

eram chamados por uma referência municipal (atualmente coordenação da área), para ações

no território.

A descentralização da Vigilância foi revista e foram criados alguns serviços

centralizados e compostos por trabalhadores das VISAs Regionais tendo coordenação

própria, como: o Setor de Vigilância de Serviços de Diagnósticos Laboratoriais e Terapias

Especializadas (SEDITE) e a equipe de Vigilância de Alimentos centralizada.

134

135

CAPÍTULO 5: ALGUMAS REFLEXÕES

Não me lembro mais onde foi o começo,

foi por assim dizer escrito

todo ao mesmo tempo.

“Escrevendo” - Clarice Lispector.

5.1 A Vigilância, sua história e processos de mudanças

Com relação à história da Vigilância, cabe destaque inicial que a Vigilância

comunga da gênese teórica e social da Saúde Pública, ou seja, prevenção da doença,

promoção da saúde mediante estratégias de saneamento do meio, o controle das infecções,

atuando em fatores condicionantes e determinantes processo saúde/doença e controlando a

incidência de doenças nas populações através de ações de vigilância e intervenções

governamentais.

Não obstante a importância de seu papel, ainda que muitas vezes vertical e pouco

participativo, me questiono qual seria o motivo pelo qual a Vigilância é referida por alguns

entrevistados como não percebida e até invisível nos debates do SUS. Causa-me

estranhamento ouvir esses depoimentos, e acrescente-se a eles, a fala do quanto é difícil

colocar a vigilância na pauta do dia dos debates políticos. Penso que essa referida

invisibilidade é um analisador dos imbróglios conceituais contidos no Modelo de

Vigilância que pouco acompanha as necessidades presentes na sociedade.

Apesar das diretrizes do SUS, ouso escrever que houve um descompasso da

Vigilância em relação ao sistema de saúde como um todo, uma vez que seus serviços e

ações permaneceram centralizados até o século XX. Esta fragmentação e dicotomia

também são verificadas no âmbito da organização interna das estruturas administrativas das

diferentes unidades federativas brasileiras (COSTA, 2003).

Na perspectiva da Análise Institucional, este descompasso da Vigilância em relação

às proposições políticas nacionais pode estar relacionado, ao movimento dialético entre o

instituído e o instituinte, colocando em dúvida a fundação do instituído, negando-o e/ou

buscando sua manutenção.

Os debates realizados durante os movimentos instituintes da Reforma Sanitária se

institucionalizaram no município de Campinas, anterior à sua instituição através da

136

Constituição Federal (1988). Esses movimentos instituíntes tiveram a participação de

gestores, trabalhadores, comunidade e a Universidade, dentre outros. .

Um questionamento me ocorreu: teria a Vigilância participado desses debates

instituíntes, e colocando-se enquanto sujeitos, cavando espaços políticos, como trouxe um

dos entrevistados? Não encontrei registro acerca dessas participações, tampouco ouvi relato

a respeito disso, durante as entrevistas. A visibilidade reivindicada pela Vigilância não

passaria pelo processo de protagonizar debates em fóruns e movimentos populares e

intersetoriais?

Os antigos auxiliares de saúde pública, como eu, mesmo sem uma formação para a

área, tinham uma visão integral. Novamente destaco um depoimento que me chamou a

atenção de uma ex-auxiliar de saúde pública que referiu o quanto estranhava que faltavam

pedacinhos das orelhas dos cachorros. Também referiu a barriga d’agua que era causada

por nadar em lagoa contaminada.

Na época, nós auxiliares de saúde pública, não tínhamos conhecimento

aprofundado acerca das zoonoses causada pela picada de um inseto hematófago

contaminado pelo protozoário do gênero Leishmania. Tampouco tínhamos aprofundamento

acerca do agente etiológico que causava a Esquistossomose - Schistosoma mansoni. O que

sabíamos é que “havia algo de errado” e que precisaríamos falar sobre isso com a

comunidade para prevenir contaminação.

Foi uma época na qual as pessoas vestiam a camisa (sobreimplicação) e realizavam

ações coletivas em prol da comunidade, andando muitos quilômetros a pé, para chegar a

locais distantes da área urbanizada, e prestar serviço à comunidade.

No momento da municipalização Campinas foi protagonista desse processo, e

especificamente a Vigilância Sanitária de Alimentos e Vigilância Epidemiológica ousaram

fazer diferente do país, conforme foi visto através de grupos instituintes como o GMVE.

Destaco novamente o motivo pelo qual inseri a história da Vigilância de Alimentos desde

sua época enquanto inspetoria sanitária (1933), pois sua maturidade, referida por um dos

entrevistados, contribuiu para esse protagonismo junto com a Vigilância Epidemiológica.

Os (des) encontros relatados pelos entrevistados, durante o processo de

municipalização e descentralização, me causaram novo estranhamento, visto a verticalidade

137

com a qual foram empreendidos, e me levou a outro questionamento acerca do papel da

gestão durante esses processos de mudança.

Onocko-Campos (2003) entende a gestão enquanto

[...] espaço de intervenção e análise de especificidades técnicas [...] uma

instância, um lugar e um tempo [...] gestão nos seus aspectos técnicos:

oferecendo arranjos e dispositivos [...] não salvos de serem capturados pela

lógica dominante [...] gestão como produtora de intersubjetividade e processos

intermediários [...] gestão como intervenção [...] gestão como lócus privilegiado

para instituir mudanças [...] gestão na sua dimensão interpretativa [...] modo de

funcionamento entre o sentido e o acontecimento [...] gestão enquanto

permanente produtora de processos de institucionalização (p. 122 -46).

Identifico-me com esse modo de ver a gestão, porém me questiono como os

gestores operacionalizaram essas mudanças, que foram tão fortemente questionadas pela

maioria dos entrevistados causando ruídos que ficaram latentes por anos, especificamente

na Vigilância, e explodindo em meio à crise ética e política vivenciada a partir do governo

2009/2012,

[...] Cheguei e minhas coisas estavam em um saco plástico [...] agora você não

trabalha mais aqui, tem que ir para a SAR [...]

[...] olha, agora você vai trabalhar no município por que tem uma diretriz para

municipalizar e a partir de amanhã você começa lá [...]

Interessante ouvir os sujeitos que executaram as mudanças, com todos os ruídos

que esses processos geraram e continuaram gerando. Campos (2009, p. 244) traz reflexões

importantes acerca desse tipo de mudança institucional,

A mudança resultando da combinação de uma racionalidade fria do cálculo

político com a desrazão louca dos que se conforma com a racionalidade dos

poderosos [...] temos de mexer, simultaneamente, com as pessoas, com as

estruturas e com as relações entre elas. Isto nos parece óbvio, mas

frequentemente nos esquecemos desta antiga evidência, assumindo desvios

unilaterais. Temos valorizado ora reformas estruturais [...] o desafio de nossa

época estaria em inverter este sentido: governar para produzir sujeitos!

Penso que a janela de oportunidade mencionada por um dos entrevistados, ao

referir o momento político no qual as mudanças tinham que acontecer devido o apoio do

governo, leva outros governantes a esse descompasso entre o sujeito que sofre a mudança

(executa) e a mudança pretendida. A mudança ocorre em outras velocidades e outros

tempos. Penso que esse descompasso gere analisadores potentes para reflexões sobre outros

modos de fazer e incorporar os sujeitos nessas janelas de oportunidades políticas.

138

Onocko-Campos (2003,p. 139) utiliza a metáfora do caminhão para falar sobre a

tensão entre o estímulo que os sujeitos necessitam para uma mudança – o que é suportável

em cada contexto, grupo ou situação:

[...] Imaginemos uma viagem. Uns querem ir a Roma, outros a Paris. Uns vão a

Roma porque querem ver o papa, outros somente querem conhecer Roma. Às

vezes, na gestão, força-se o rumo, coloca-se todo o mundo no mesmo caminhão,

antes de saber para onde (e por que) querem – uns e outros – ir. Não é de se

estranhar que tombos aconteçam, e fiquem todos, e suas coisas, espalhados pelo

chão. Grifos meus.

Especificamente na Vigilância, independente dos tombos, essa institucionalização

aconteceu, ora por interesses políticos/partidário-econômicos/econômicos/sociais, ora por

que as instituições precisam de contínua revisão e de um processo contínuo de

transformações (LOURAU, 1996). Compartilhamos da discussão feita por Abrahão (2013,

p. 317-18), que afirma,

[...] considerando a saúde como um plano com várias Instituições, os serviços de

saúde (assistência e gestão) se lançam cotidianamente na produção de modos de

fazer que tecem movimentos em defesa de seus regimes de verdades, ou seja,

cada Instituição acolhe um tipo de discurso como sendo verdadeiro. Esse

discurso escolhido e construído, não está isento de interesses políticos,

econômicos ou de outras ordens, que se inserem nos argumentos em defesa da

Instituição.

Não é por acaso que, ao nos debruçarmos sobre a realidade não contemporânea

circunscrita ao passado (SAVOYE, 2003), ouvimos dos gestores que empreenderam certas

mudanças, o reconhecimento de que atropelaram sujeitos em determinados momentos,

tencionaram em outros, mas que, segundo eles, não havia outra forma de “empreender a

mudança”.

Onocko- Campos (2003), após a metáfora do caminhão, nos ajuda novamente

falando a respeito das mudanças

[...] Penso que almejamos mudanças e sofremos as mudanças. Toda mudança

implica uma escolha, e nas escolhas ganham-se coisas e perdem-se outras. Acho

que há uma tensão entre o estímulo à mudança e o que é suportável em cada

contexto [...] Penso que toda mudança é doída [...] podemos concordar com o

sentido de uma dada mudança, mas, ainda assim, teremos um papel de

questionar as maneiras e os tempos de experimentar essa mudança [...] (p. 138-

40). Grifos meus.

Destaco aqui, o reconhecimento público escrito em livro (CAMPOS, 2009), de um

ex-secretário municipal de saúde, avaliando como se deu essas mudanças,

139

[...] Nas duas últimas décadas, empenhamo-nos muito mais na mudança do

aparato legal e da estrutura político-administrativa, esquecendo-nos das pessoas

concretas que operariam e usufruiriam dessa máquina que criávamos. O

resultado disso está sendo um impasse. Mudou-se muito, para pouquíssimos

resultados concretos (p. 247).

[...] o breve período, dois anos e meio, em que estive à frente da Secretaria de

Saúde de Campinas (SP) [...] percebemos a necessidade de combinar noções de

reforma da estrutura – descentralização, regionalização e hierarquização de

serviços – com outras mais ligadas às práticas clínicas e de saúde pública. (p.

256) Grifos meus.

Apesar das críticas apontadas por vários estudiosos acerca do processo de

municipalização, principalmente relacionado à questão do recurso financeiro (SANTOS,

2013; CAMPOS, 2006, dentre outros), há o reconhecimento do quanto esses processos

impactaram socialmente,

Não fosse a municipalização, não teríamos conseguido incluir tantos brasileiros

no SUS [...] isso fez com que o sujeito considerado indigente [...] pudesse hoje,

como cidadão, ser respeitado [...] (LAVRAS, 2013, p. 271).

Não foi nossa pretensão, aprofundar as críticas acerca da municipalização e

descentralização, e sim, dar voz aos sujeitos que viveram essas mudanças ocorridas durante

o processo de municipalização e também de descentralização.

Ouvir outras certas histórias e permitir que os sujeitos contassem essa certa história

de outros lugares e ouvisse o outro contando do seu lugar específico.

Isso marcou para mim, durante as oficinas de Restituição, bem como para os

entrevistados que escreveram sobre isso na avaliação da oficina. A história da

municipalização e da descentralização da Vigilância em Campinas, contada a partir de

outros certos lugares – não os oficiais e instituídos -, permitem novas reflexões sobre

futuros processos de mudanças.

[...] A restituição foi a oportunidade de falar sobre o tema

(descentralização e municipalização), dialogando com outros atores do processo

de construção [...]

[...] ouvindo vocês, fiquei aqui pensando e me causa certa tristeza em

pensar que todo esse processo que, para nós (gestores) foi intenso, esfuziante,

não tenha conseguido ser democrático, apesar de pensarmos que foi e nos

esforçarmos para que fosse. Grifos meus.

Tive muita dificuldade de escrever sobre isso, pois fui executante desses processos,

e apenas mudei. Mudei por que me falaram que era para mudar. Mudei por que me

disseram que agora mudou.

140

Por esta sobreimplicação, convidei Clarice Lispector para me ajudar com seu poema

“Mude”,

Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a

velocidade [...] Veja o mundo de outras perspectivas [...] Tente o novo todo dia,

o novo lado, o novo método, o novo sabor, o novo jeito, o novo prazer, o novo

amor, a nova vida. Tente. Escolha outro [...] Troque [...] Mude [...] Lembre-se de

que a Vida é uma só.

[...] Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as. Seja criativo. [...]

Experimente coisas novas.

Troque novamente. Mude de novo. Experimente outra vez.

Você certamente conhecerá coisas melhores e coisas piores de que as já

conhecidas, mas não é isso o que importa.

O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia.

5.2 A Vigilância e ações articuladas e integradas (intra e intersetorialmente): limites,

possibilidades e cuidados

Conforme vimos anteriormente a Vigilância Epidemiológica, Vigilância Sanitária,

Vigilância Ambiental e Vigilância em Saúde do Trabalhador, possuem processos históricos

e organizacionais distintos (fundação), e seus objetos de trabalho ora se relacionam e ora se

distinguem.

Dessa forma, contradições são observadas nesse momento de fundação das

Vigilâncias e estendem em seu processo de manutenção do instituído.

Aith & Dallari (2009, p. 111-12) apontam uma das contradições,

[...] A Secretaria de Vigilância em Saúde é o órgão específico singular do

Ministério da Saúde [...] compete a SVS coordenar a gestão do Sistema Nacional

de Vigilância Epidemiológica, do Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em

Saúde [...] portanto embora o nome da Secretaria seja de Vigilância em Saúde

suas competências referem-se especificamente aos sistemas de Vigilância

Epidemiológica e Ambiental, aí inserido o meio ambiente do trabalho [...].

[...] Já a Vigilância Sanitária, outra parte integrante da Vigilância em Saúde,

encontra-se organizada em apartado da SVS, sendo de competência da ANVISA

[...] A ANVISA compõe o Sistema Único de Saúde, competindo-lhe coordenar o

Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. Grifos meus.

É possível experimentar com frequência o impacto dessas dicotomias entre os

diferentes órgãos responsáveis pelos Sistemas que pertencem à Vigilância em Saúde e

ocupam lugares institucionais distintos, com legislações distintas, ferramentas, processos de

trabalho, dentre outras.

No caso específico de Campinas, apesar dos avanços inquestionáveis e

protagonismo em relação à municipalização e descentralização da Vigilância, há que se

141

considerar que, de certa forma, Campinas reproduziu muito do sistema fragmentado e

burocratizado que existe em nível federal e estadual. Isto levou alguns dos entrevistados a

referirem a esse processo como sendo anvisinhas com equipes praticamente separadas –

grupo da VS e grupo da VE.

[...] tentamos fazer esta reengenharia aqui, mas a gente não conseguiu, por que a

pressão de se fazer do jeito que o Estado e a União queriam era muito grande, as

corporações são todas formadas nesta logica, então quando o município quis

reinventar esta lógica neste momento, não tinha mais força política e técnica. E

ai eu acho que a gente entrou um pouco na “vala comum” e poderia ter

acumulado muito mais: é uma boa vigilância, tem boas pessoas que trabalham

com muita seriedade, sem dúvida [...] Hoje só repetimos o que o Estado e a

União quer que façamos, com pouca reinvenção e sem grande criatividade.

Grifos meus.

No modelo de Vigilância de Campinas, seus processos de descentralização

demonstram momentos nos quais “todos tinham que fazer tudo” para serem entendidos

como Vigilância em Saúde. Entendemos que isto foi uma armadilha que contribuiu para

aumentar a dicotomia hoje existente entre as áreas especificas da Vigilância e os serviços

de saúde.

É fato que a articulação tem o limite da competência entre as áreas, ou seja, muitas

vezes o município de Campinas acreditou numa articulação total com serviços de saúde, o

que não é possível, em minha opinião. Acredito ser possível fazer uma articulação para que

as unidades de saúde possam fazer esse trabalho de instruir o cidadão o que é vigilância, o

que seria a Vigilância Sanitária, o que seria também a Vigilância Epidemiológica,

Vigilância Ambiental, Saúde do Trabalhador.

Assim sendo, eu utilizaria o modelo esquemático que contem a intercecção entre as

Vigilâncias, e vendo possibilidades de interface (campo), mas respeitando o que é

competência específica (núcleo).

142

Figura 7: Modelo esquemático de articulação entre as áreas de Vigilâncias.

Fonte: Elaboração própria.

As ações de articulação e de integração podem ser vistas a partir de várias

perspectivas. Há autores, como Vilasboas (1998) que debatem a integração entre as

vigilâncias epidemiológicas e sanitárias, em uma concepção ampliada dentro do modelo

assistencial.

Rangel-S (2009) aponta que se as práticas predominantes em Vigilância forem

autoritárias e normatizadoras – é proibido fumar, por exemplo -, na perspectiva de mudança

de comportamentos e atitudes, haverá pouca adesão da população aos projetos, e, portanto,

com dificuldade em articular os diferentes saberes das áreas.

Sendo assim, há pouca possibilidade de articular e integrar as Vigilâncias, a partir

do modelo atual (dicotomizado e fragmentado). O que vemos é uma sobreposição de ações

e competências, e as disputas internas por poder.

Vigilância

Saúde Trab. Vigilância

Ambiental

Vigilância

Sanitária

Vigilância

Epidemiológica

143

Penso que quando falamos em integrar e articular, ousamos falar na perspectiva

referenciada por Henriques (2009):e a integração “horizontal” – que delimita as

competências entre as vigilâncias - e a integração “longitudinal” ou seja, interfederativa.

5.3 Estratégias e ferramentas adotadas para fazer Vigilância

A gênese histórica e social da Vigilância foi construída a partir de ações autoritárias

e verticais, que limitam o olhar para a complexidade e não permite a um olhar para o sujeito

em seu contexto social. As intervenções reduzem o sujeito à condição de objeto ou doença

a partir da utilização de estratégias de controle restrito ao indivíduo doente e da

compulsoriedade das notificações para alimentação de bancos de dados que pouco

impactam na intervenção em tempo oportuno.

Há que se destacar em relação à sua gênese teórica, que as legislações específicas

da Vigilância Epidemiológica e Vigilância Sanitária foram escritas no final dos anos 1960 e

inicio dos anos 1970, ou seja, no período da ditadura militar, e apesar de terem sido

recepcionadas pela Constituição Federal (1988), não há uma visão sistêmica nessas

legislações (AITH & DALLARI, 2009; COSTA, 2003).

Não obstante o poder de polícia ser considerado inerente a diversas esferas da

Administração Pública, seu exercício não assegura os direitos individuais e coletivos e nem

possíveis suas colisões, como afirma o Código Tributário Nacional, e nem teríamos tantas

desigualdades, iniquidades e injustiças sociais. Vejo como pares de opostos

coercibilidade/autonomia. Contudo, não quero descaracterizar a importância desse poder,

em dados momentos, visto que em algumas situações essa tecnologia dura – poder de

polícia -, mostra-se necessário61.

Mas é importante que não se esqueça de que as exigências de controle e regulação

sanitária vão se conformando conforme se constitui a sociedade e seu modo de produção,

bem como sua complexidade, mas segundo Costa (2003, p. 189),

61 A Vigilância Sanitária lida com a heterogeneidade social e assim sendo, há situações de risco não somente

sanitário (tráfico, contrabandos, medicamentos e materiais clandestinos ou falsificados, etc.) como de risco de

vida. São nessas situações extremas nas quais defendo o exercício do poder de polícia pela Vigilância

Sanitária, salvaguardando que os que seja exercido com respeito e seguindo os princípios constitucionais da

razoabilidade e proporcionalidade (artigo 37 CF).

144

[...] conquanto a ampliação da função fiscalizatória devida às características do

mercado, as práticas da Vigilância tampouco devem ser resumidas ao

cumprimento da Lei [...] outros instrumentos devem ser utilizados:

monitoramento da qualidade de produtos e serviços, vigilância epidemiológica

de eventos adversos à saúde relacionados com atividades profissionais, riscos

ambientais, consumo de tecnologias médicas, água e alimentos, pesquisas

epidemiológicas e de laboratório, a educação e informação sanitárias e

comunicação social [...].

As mudanças nas tecnologias acontecem em ritmo acelerado, induzindo ao consumo

através de estratégias mercadológicas alienantes. A ideologia do consumo desenfreado e

sem limite, induz o consumidor a novas necessidades, reais ou fictícias, segundo Costa

(2003). As leis da concorrência obrigam as empresas a ampliar mercados e avançar

territórios (p. 189). Sabe-se que a incorporação de novas tecnologias não é neutra, e sua

absolutização ou glorificação deve ser avaliada a partir dos interesses que a fazem ser

criadas.

A Vigilância fica refém de acompanhar e capacitar-se para tal contexto de mudanças

sociais, mas o cerne da questão a ser enfrentada deveria ser quais são mesmo, as

necessidades prioritárias do ser humano. Na contramão, por não haver um trabalho que

protagonize questionamentos e enfrentamentos de novas tecnologias recém-chegadas ao

mercado, há o viés do papel de polícia em fiscalizar e regular as relações produção-

consumo.

Chamo a atenção quanto ao fato de que o poder de polícia não é o problema nessas

situações e sim, a redução do papel da Vigilância a esse poder, limitando as ações à

fiscalizações e inspeções e pouco (ou nada) investindo na construção da cidadania dos

sujeitos.

Acho oportuno, novamente, trazer as reflexões de Onocko-Campos & Campos

(2006, p. 684), que não são específicas para o tema, mas que dialogam com nossas práticas

que geram autonomia nos sujeitos.

[...] nossas práticas estão aumentando o coeficiente de autonomia desses

usuários e comunidade? Ou, pelo contrário, produzindo um exército de seres

pedintes e tutelados que em nada se responsabilizam pela própria vida, nem pela

produção de condições de vida mais saudáveis na sua própria comunidade?

Grifos meus.

Tomo emprestado o modo esquemático criado por Merhy (2009, p. 287) para

discutir as relações entre trabalhador da saúde e usuário e o espaço intercessor, e modifico-

145

o para ilustrar o modelo que toma a sociedade como exército de pedintes e tutelados em

relação às ações da Vigilância em seu modelo tradicional.

Figura 8: Modelo esquemático de intervenção protocolar e clássica da Vigilância

Fonte: Elaboração própria.(modificado de Merhy, 2009)

Percebemos através desse esquema, que a sociedade sofre a ação desenvolvida pela

Vigilância, ou seja, é ‘protegida’ pela Vigilância que tem seus conhecimentos e saberes

instituídos. Participei de muitas ações dentro desse modelo tradicional de Vigilância, e

percebi que a sociedade cobra a realização de ações que não permitam práticas abusivas

contra o consumidor e ao mesmo tempo, que traga a harmonia das relações produção-

consumo, sem prejuízos e/ou práticas fraudulentas e danosas (LIMA, et al, 1993). Acredito

que seja pouco (ou nada) possível haver essa harmonia nas relações produção-consumo e

não haver práticas abusivas, pois é um modelo de sociedade e não somente uma prática de

Vigilância.

Em outro esquema, também emprestado do mesmo autor, e modificado para nosso

debate, procurei inserir a sociedade nas ações

Vigilância

em Saúde Sociedade

Proteção à

Saúde

Pública

Saberes

instituídos

Saberes

populares

146

Figura 9: Modelo esquemático de Intervenção da Vigilância, a partir do compartilhamento

dos saberes.

Fonte: Elaboração própria.

Muitos perguntariam: mas a intervenção clássica “sobre” o território não tem

mostrado ser resolutiva para questões emergentes? Eu responderia que Oswaldo Cruz foi

efetivo quando fez a campanha de vacinação compulsória contra varíola, mas não ousou

enfrentar as causas sociais que causavam a doença. Hoje temos outras possibilidades de

análise e intervenção baseadas em caixas de ferramentas com tecnologias leve, dura-leve e

dura (Merhy, 2000) e que nos permitem ações compartilhadas, articuladas e participativas.

Sabemos, no entanto, que as tecnologias não são neutras e a Vigilância tem que

estar atenta quando utiliza as tecnologias duras como a interdição de um estabelecimento,

restringindo o direito da propriedade e ao mesmo tempo não oferecendo (ou oferecendo

inadequadamente) informações à sociedade para que faça sua escolha em relação a querer

Sociedade Vigilância

em Saúde Saberes

instituídos +

Saberes

populares

Proteção

à Saúde

Pública

147

ou não possuir um bem. De Seta et al (2008) reforça tal crítica em relação a ausência ou em

Saúde inadequação das informações da Vigilância à sociedade, e aponta,

As informações fornecidas não precisam ser

exaustivas e apresentadas em linguajar técnico ou científico, pois é necessário

que sejam compreendidas por quem as recebe. Defende-se eticamente a

utilização de linguagem simples, aproximativa, respeitosa e inteligível para os

receptores de acordo com as suas condições culturais (p. 66).

Assim sendo, concordamos com De Seta et at quando afirma que a tecnologia

excessiva pode levar à passividade das pessoas, impedindo que tomem decisões

conscientes. Em uma sociedade hegemonicamente consumista e o individualista, inserir o

Controle Social possibilitando que as políticas da Vigilância tenham real participação da

comunidade, consiste em um grande desafio para os dias atuais.

É fundamental que se exerça a Vigilância inserindo os trabalhadores, produtores e a

comunidade que através de mecanismos de participação popular, podem (re) inventar as

práticas e ações desenvolvidas atualmente pautadas nas tecnologias duras. Peço licença ao

grande Oswaldo Cruz, mencionado anteriormente, e faço uma analogia à possibilidade da

(re) invenção de suas práticas em relação a vacinação obrigatória contra a varíola, se

houvesse envolvimento social. A população adequadamente informada acerca dos riscos

existentes em relação a varíola, com certeza realizaria um papel de conscientização em

relação a vacinação, não sendo necessário o uso da compulsoriedade da mesma.

É evidente, no entanto, que não podemos ter uma visão romântica acerca desta

relação sociedade, trabalhadores e Estado, uma vez que as políticas de saúde devem vir

acompanhadas das políticas sociais, caso contrário, mantemos uma sociedade formada por

pessoas passivas e seres pedintes de proteção.

148

Quadro 8: Modelos de Vigilância Sanitária

Modelo Sujeito Objeto Meios de

Trabalho

Formas de

organização dos

processos de

trabalho

Vigilância

sanitária

tradicional

Fiscal Produtos,

serviços

Inspeção,

fiscalização,

“blitz”

Gerenciamento

por áreas

(produtos,

serviços,

atendimento à

demanda

espontânea)

“Nova”

Vigilância

Equipe de Saúde/

Vigilância

Sanitária/

representantes

das distintas

instâncias do

SNVS e da

população,

organizada

Riscos, danos,

necessidades

sanitárias e

determinantes do

processo saúde -

doença -cuidado-

qualidade de

vida.

Tecnologias

sanitárias

ampliadas;

Tecnologias de

comunicação

social

Planejamento

estratégico,

integração e

ações

intersetoriais,

orientadas por

políticas públicas

saudáveis.

Fonte: Costa (2008, p. 86)

Acima, Ediná Costa debate acerca do trabalhador da Vigilância ou um fiscal. Ediná

aponta a possiblidade de uma “nova vigilância”, fato esse que não é consensuado nos dias

atuais. Recordo-me que em debate realizado no Seminário de Vigilância (2012) em

Campinas, a professora Ediná Costa, faz uma analogia da Vigilância aos dozes Deuses de

Olimpo62, mantendo olhos fechados e como “guardiões do SUS” e discutindo a suposta

proteção dada pela Vigilância aos direitos dos cidadãos.

62 Segundo a mitologia grega, os doze deuses olímpicos, na religião helênica, eram os principais deuses do

Panteão grego residentes em um palácio no topo do Monte Olimpo, em uma montanha que ultrapassaria

o céu.

149

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b7/Olympians.jpg

A partir desse contexto, acreditamos que seja emergente rever as ferramentas

utilizadas pela Vigilância, como afirma Merhy (2000, p. 109)

[...] caixas de ferramentas tecnológicas, enquanto saberes e seus

desdobramentos materiais e não materiais que fazem sentido de acordo com os

lugares que ocupam naquele encontro e conforme as finalidades que o mesmo

almeja [...]. Grifos meus.

A partir dessa conceituação de caixas de ferramentas tecnológicas, podemos olhar

para os dias atuais e refletir acerca das tecnologias que poderão ser utilizadas pela

Vigilância, para dar conta de regular os produtos potencialmente danosos à saúde.

Ricardo Bruno Mendes Gonçalves (1994, p. 109) trouxe o debate das tecnologias

materiais (instrumentos) e não materiais (conhecimento técnico) e Merhy aprofunda o

debate

[...] tecnologias leves implicadas com a produção das relações entre os sujeitos,

que só tem materialidade em ato [...] tecnologias leve-duras [...] saberes bem

estruturados como a clínica e epidemiologia e [...] tecnologias duras [...]

equipamentos, materiais [...]. Grifos meus.

Seguindo esse referencial teórico e reportando para as práticas da Vigilância,

podemos perceber que há uma predominância da tecnologia dura, mais especificamente da

150

Vigilância Sanitária. Isso pode ser explicado pela sua fundação, que já traz consigo o

protótipo do poder de polícia, ao lidar com os conflitos de interesses, principalmente

econômicos.

Avalio que a caixa de ferramentas do trabalhador da Vigilância, que é composta

prioritariamente por tecnologias duras, mantém a tradição da Saúde Pública. Penso que a

utilização de instrumentos como a inspeção, a fiscalização normativa, emissão de autos de

infração, multas e interdições, não sejam por si só, indicativos de práticas verticais e

autoritárias. A redução das ações de Vigilância às ferramentas duras, como as listadas, é

que configura o problema.

Ademais há também outras formas de agir, utilizando os saberes e conhecimentos

(tecnologia leve-dura) e relacional (tecnologia leve), quando forem realizadas inspeções

sanitárias. Massuda (2013) compartilha sua experiência durante o estágio de Residente em

Medicina Preventiva, na área de Vigilância de Alimentos. De Campinas. Sua experiência

demonstrou a possibilidade de articular outros sujeitos como o Centro de Saúde, a

comunidade e outros setores. Essa experiência foi realizada a partir da descrição de

identificação de problemas e classificação de riscos para os problemas identificados, e

posterior avaliação de quais problemas demandariam ação imediata ou programada.

Alguns podem questionar experiências mais participativas, referindo que há

situações nas quais isto é totalmente inviável (sigilo exigido pela CF). Concordamos com

este fato, apesar sabermos que essas situações são raras e não podem ser transformadas na

regra ou no modelo. São exceções.

Acredito que utilização de novas tecnologias como ferramentas de atuação para os

profissionais de Vigilância, potencializam novas formas de produzir o trabalho,

incorporando novos sujeitos ao processo.

[...] aqui em Campinas não se tem nenhum trabalho com a comunidade, [...] a

vigilância não tem um site pra colocar lá, dizendo para o cidadão em quais

estabelecimentos que eles podem consumir, como que eles podem consumir,

como pode utilizar todos os serviços [...] eu acredito que toda a sociedade

acabaria fiscalizando junto com a gente. Grifos meus.

Por fim, e não menos importante, para uma verdadeira mudança de modelo

pressupõe a inclusão de outros saberes e outros sujeitos que participam destes processos,

com responsabilidades e competências específicas: entidades não governamentais,

151

representantes e técnicos de órgãos governamentais, outros setores além da saúde, a

população organizada, dentre outros.

5.4 A participação dos trabalhadores e da sociedade

Teixeira et al (1998) defendem a Vigilância composta não somente por

trabalhadores da saúde, mas incorporando novos sujeitos, e buscando envolvimento efetivo

da população organizada, na perspectiva de um modelo assistencial que supere os modelos

vigentes. Este exercício de cidadania é fundamental para que as ações de Vigilância sejam

mais efetivas.

De acordo com alguns entrevistados, a Vigilância em Campinas tem a tradição de

discussões coletivas com trabalhadores. São realizadas muitas oficinas, seminários, debates

coletivos, etc. A queixa de alguns entrevistados é que somente alguns conflitos são

pautados e têm respostas e outros sequer são valorizados (acolhidos) pela gestão.

Nessa perspectiva, Franco & Merhy (2009, p. 304) apontam o cuidado com sujeitos

[...] implicados com a produção de um cotidiano que não lhes agrada também podem

reproduzi-los [...].

Campos (2007, p. 235) alerta para relações mais horizontais e (co) produzidas

Tornar a reinvenção uma possibilidade cotidiana e garantir participação da

maioria nesses processos são maneiras de implicar trabalhadores com as

instituições e com os pacientes. Neste sentido, a Gestão Colegiada de serviços de

saúde pode servir como um dispositivo desalienante. Um modo de comprometer

trabalhadores com a missão e com os projetos institucionais.

Especificamente com relação à Vigilância e a inserção junto à movimentos sociais,

participação popular, controle social do SUS, dentre outros, chamou minha atenção o fato

de somente um entrevistado ter falado sobre o tema. Por que será que a Vigilância que

refere ser a ‘protetora da saúde pública’ não coloca a população para falar sobre a proteção

que precisa ter e a forma com a qual vai ser construída esta proteção?

Segundo Merhy (2009, p. 288), falando a respeito das possibilidades em relação ao

jogo de necessidades que se coloca para o processo de trabalho,

[...] no processo de trabalho em saúde há um encontro do agente produtor, com

suas ferramentas (conhecimentos, equipamentos, tecnologias de um modo geral),

com o agente consumidor, tornando-se em parte objeto da ação daquele

produtor, mas sem que com isso deixe de ser também agente que, em ato, coloca

tanto seus conhecimentos e representações, quanto seu próprio corpo e afetos,

152

expressos como um modo de sentir e elaborar inclusive as necessidades de saúde

para o momento do trabalho [...]

[...] que no seu interior há uma busca de realização de um produto/finalidade

expresso de distintos modos por estes agentes, que podem até mesmo coincidirem

[...]

De acordo com alguns entrevistados, há uma concepção de que a Vigilância foi

constituída [...] para cuidar da saúde e proteger a população [...] – o fazer para ou fazer

sobre. As bases da fundação da Vigilância – sua gênese histórica e social -, não

incorporaram os movimentos sociais, e no município de Campinas, apesar do protagonismo

dos sujeitos em relação à descentralização e regionalização da Vigilância, essa tradição de

não participação popular se reproduziu.

Campos (2003, p. 44) faz uma reflexão de ações verticais feitas pela Saúde Pública

no início do século XX

[...] A população era vista como ‘objeto’ a ser protegido mediante procedimentos

realizados com exclusividade pelo Estado. Assim, apoiados na força da lei e

agindo com mão de ferro, alterariam a vida em nossas cidades [...]

Será que mudou muita coisa em relação a essas práticas existentes no inicio do

século XX? Houve a inserção da cultura popular para intervenções mais potentes e efetivas,

e trazendo o debate com a sociedade, usuários de serviços de saúde, controle social,

consumidores, produtores, etc? Faz parte, sem dúvida, dos desafios para a Vigilância.

Segundo uma entrevistada,

[...] eu acho que a gestão precisa mudar essa visão dela sectária [...] os gestores

vão ao conselho de saúde, [...] a maioria dos nossos gestores não sabe como

dialogar com a população. Chega ao Conselho de Saúde, os conselheiros tem as

suas demandas e as vezes as demandas deles não são aquelas que nós pensamos,

a gente não ouve, não acolhe aquela oitiva para transformar aquilo num projeto

técnico. O que os nossos gestores tem feito quando vão ao conselho de saúde?

Vão rebater o que os conselheiros reclamam, esse é o papel político do governo,

eles vão lá para fazer o papel político do governo.[...] Grifos meus.

Com relação ao direito da informação, Onocko-Campos e Campos (2006, p. 671)

alertam,

[...] A coprodução de maiores graus de autonomia depende do acesso dos

sujeitos à informação, e mais do que isso, depende da capacidade de utilizar esse

conhecimento em exercício crítico de interpretação [...].

Cabe destaque que os meios de comunicação utilizados pela Vigilância, foram

questionados pelos entrevistados que o julgaram pouco efetivos para formar cidadãos que

fiscalizem os ambientes de trabalho, consumo, dentre outros. Além disto, foi apontado que

153

a gestão do SUS também pouco se envolve (ou não é envolvida) a estes processos para

servirem de “porta-voz/multiplicadores” das informações para a população.

O clássico papel estabelecido entre gestores/trabalhadores da saúde e conselheiros

de saúde, ainda se mantém, segundo os entrevistados, na perspectiva de “se criticarem eu

tenho que me defender”, o que não garante o diálogo e isto se reproduz com mais

intensidade quando se fala em Vigilância dentro do Controle Social.

Segundo alguns dos entrevistados, os diálogos se restringem a momentos de

epidemias, às questões de contaminação que impactam na mídia, mas não há um trabalho

preventivo e educativo que dialogue permanentemente com a sociedade.

Reiteramos o alerta feito por Onocko-Campos & Campos (2006) ao questionar se

nossas práticas estão produzindo um exército de seres pedintes e tutelados e sem uma

responsabilidade pela própria vida (p. 684). Gestores e trabalhadores precisam debater mais

acerca disso.

5.5 Exigências de mudança do modelo de Vigilância nos dias atuais

Gostaria de associar aqui, a mudança com a crise que eclodiu na Vigilância em

2011, apesar de sua latência por anos e anos. Penso que foi um analisador natural que,

conforme descreve Sól (2011), são o ‘motor’ da análise, pois.

[...] permitem fazer a análise ao revelarem dimensões que permaneciam

encobertas. São altamente provocadores, por que obrigam [...] a falar, a mostrar

faces que permaneciam à sombra. Ao serem identificados [...] revelam,

sobretudo, as relações de pessoas, grupos, classes, instituições e organizações e

também seu modo de funcionar [...] (p. 93). Grifos meus.

A permanente tensão entre o instituinte e o instituído gera o conflito entre processos

heterogêneos, muitas vezes avaliados, de maneira “míope”, como opostos – certo/errado e

bom/mau.

Novamente Onocko-Campos comparece com uma metáfora, desta feita acerca de

cascas e membranas,

[...] Se o grupo não mexe e está muito cristalizado fica cascudo. É essa a

verdadeira resistência à mudança [...] nada os toca, estão fechados – defendidos

– no próprio interior [...] membrana seletiva. Se estiverem nesse ponto e

questionam diretrizes, chefe, ordem recebida, isso não é resistência (no sentido

psicanalítico), é resistência no sentido político [...] (p. 143-4). Grifos meus.

154

Julgo interessante avaliar o que é realmente ser resistente e o que é ser cascudo em

relação às mudanças. Avalio que os processos de mudanças na Vigilância de Campinas, em

dados momentos foram doídos, pois mexeram com a zona de conforto de alguns sujeitos

diretamente envolvidos.

Acerca dos ruídos, Merhy (2009, p. 290) afirma,

[...] ideia do ruído vem da imagem de que cotidianamente a relação entre os

agentes institucionais ocorre no interior de processos silenciosos até o momento

que a lógica funcional, predominante e instituída, seja rompida. Porém, este

rompimento é normalmente percebido como uma disfunção, como um desvio do

que se deveria ocorrer, o que não expressa o fato real de que todo o processo é

produtor de ruídos em si [...].

Na trajetória da Vigilância de Campinas, como em todas as instituições, sempre

existiu ruídos e tensões contínuas, frente às questões que ficam sem resposta. Um dos

entrevistados referiu que alguns questionamentos foram empurrados para futuras

discussões. Um dos exemplos é o constante questionamento em relação à Vigilância

Sanitária descentralizada nos Distritos de Saúde. O discurso de deixar para discutir depois

e aprofundar melhor em outro momento podem ser estratégicos para garantir a manutenção

da instituição, e pode ser utilizado intencionalmente ou não, mas contribuindo para que as

contradições não sejam reveladas.

Esse pode ser um exemplo do que Hess & Authier (1994; 2007) chamam de

falsificação, ou seja, o instituído desenvolve essa lógica na perspectiva de garantir as bases

fundadoras questionadas a todo o momento pelo instituinte.

Corroborando com o descrito, Abrahão (2013, p.320) aponta,

As Instituições [...] fabricam pequenas falsificações instituídas, desviando o foco

de questões, que por vezes, estariam abalando sua sobrevivência, ou buscam, em

um movimento de (re) institucionalização manter, sem abalos, a missão, a

verdade e os objetivos de sua fundação [...] A falsificação do instituído por vezes,

é construída como um discurso instituinte, com propostas avançadas que

questionam o que está posto, sugere formas diferentes de gerar e cuidar. São

argumentos que quando analisados traduzem, o mesmo regime de construção que

forjam os atos e ações que estão, aparentemente, sendo questionados, mas com

um verniz diferente. Grifos meus.

155

Concordando com a autora que me fez refletir sobre um dos depoimentos de uma

entrevistada,

[...] há um discurso que o município de Campinas ouve os trabalhadores [...]

ouve, mas não os escuta [...] a gente não pode negar que existe participação de

todos, só que quem decide não são os participam são aqueles que já estão com

poder político na mão e que já pensam daquele jeito. [...]a gente discute, discute,

perde tempo [...] e continua tudo como antes as pessoas lá querem desse jeito, é

desse jeito que eles fomentam os debates [...] Grifos meus.

Uma das análises possíveis para esse tipo de ruído é de que o principio da

falsificação ocorre quando alguns debates realizados na Vigilância, com a finalidade de

acolher os ruídos e escutar os trabalhadores, muitas vezes ocorrem a partir de propostas

previamente delineadas para provocar o desvio dos debates originais.

Se tomarmos o exemplo da crise na Vigilância, disparada pela gratificação

financeira da COVISA: as reivindicações feitas pelos trabalhadores não tinham relação com

questões somente administrativas como de organograma, por exemplo. Mudar o

organograma e vincular hierarquicamente as VISAs relacionando-as diretamente ao

DEVISA e centralizar algumas áreas da Vigilância Sanitária, nos parece um desvio dos

ruídos e questionamentos originais, latentes há anos, configurando, a meu ver, verniz

diferente, como descreve Abrahão.

Nesse sentido, Merhy (2009, p. 290) aponta,

[...] a quebra do silêncio do cotidiano, pode ser, e deve ser percebida como

presença de processos instituíntes que não estão sendo contemplados pelo

modelo de organização e gestão do equipamento institucional [...] abrindo

possibilidade de interrogações sobre o modo instituído como se opera o trabalho

e o sentido de suas ações, naquele equipamento. Grifos meus.

Entendo que a crise revelou, dentre outros, um questionamento acerca da inserção

da Vigilância no território, próxima dos sujeitos e realizando intervenção e respeitando a

singularidade das diferentes realidades existentes no município. Essa Vigilância que se

aproximou da realidade na qual intervém, com certeza teve insegurança, pois essa realidade

é dinâmica e imprevisível (foge ao protocolo). Uma Vigilância clássica não consegue

apreender essa complexidade, e (re) inventar práticas que desafiem os problemas sociais

que impactam no sujeito adoecido. Não seria esse um dos questionamentos contidos nos

ruídos apresentados?

156

Nesse sentido, novamente Merhy (2009, p.299) nos ajuda a refletir no conjunto de

ferramentas analisadoras que nos instrumentalizem pelos menos para três tipos de

interrogações,

[...] devem ter a capacidade e sensibilidade, como qualquer instrumento, para

abrir a caixa-preta sobre ‘o como’ se trabalha [...] revelar a construção de certo

modelo de atenção em serviços concretos; [...] devem ter a capacidade e

sensibilidade de revelar ‘o que’ este modo de trabalhar está produzindo [...] tipo

de produtos e resultados [...] devem também, pelo menos, ter a capacidade e

sensibilidade de permitir a interrogação sobre o ‘para quê’ se está trabalhando,

tentando revelar os interesses efetivos que se impõem [...] este momento é

privilegiadamente uma interrogação sobre os princípios éticos-políticos que

comandam [...] Grifos meus.

Dessa forma, concordo com os entrevistados quando afirmam que a crise trouxe

questões que estiveram encobertas há anos, e apesar de bem conduzida no sentido da

participação dos sujeitos em processos de discussões ampliadas, compreendo que foi dada

uma nova roupagem.

Creio que o poema de Fernando Teixeira de Andrade, intitulado “Tempo de

Travessia”, ilustra bem o que descrevo.

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma

do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos

mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos

ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

Entendo que não é possível abandonar e esquecer nossas histórias. Os caminhos

trilhados nos servem como pistas para novos percursos, novos encontros. Não entendo o

discurso de alguns vigilantes que afirmam que a Vigilância se despiu de suas roupas

antigas, pois o filho cresceu se tornou adolescente/adulto. Isso seria como se vivêssemos

uma vida linear, com começo, meio e fim.

Por fim, concordamos, portanto com Onocko-Campos (2003) que descreve a crise

como lugar de passagem e não como perda definitiva da história (p. 140).

5.6 Desafios para a Vigilância no atual contexto do SUS

Apesar das diretrizes do SUS, e da reformulação institucional, que apontava para

mudanças de concepção, na perspectiva do entendimento da Vigilância em Saúde (conceito

157

ampliado), a lógica jurídica de fragmentação da Vigilância em Saúde em “Vigilâncias”

Epidemiológica, Sanitária, Saúde do Trabalhador e Ambiental refletiu na organização dos

serviços de Vigilância em Saúde, que passaram a operar por campos de especialidade

específicos, mantendo as reproduções do modelo fragmentado (VILELA, 2001).

Os diferentes processos sócio-históricos e políticos nos quais se desenvolveram a

institucionalização do Sistema de Vigilância em Saúde de Campinas contribuíram para

ações que pouco se articularam internamente entre os seus núcleos específicos e

externamente, com outros setores.

Dentro do desafio da articulação da Vigilância em Saúde são emergentes novos

processos de trabalho e um novo olhar para o território, e novos processos de trabalho e de

gestão, enquanto instituição: é o desafio de fazer compartilhado e ‘junto com', e não

somente um “verniz diferente” (ABRAHÃO, 2013, p. 320).

Segundo um dos entrevistados, não houve uma regressão no modelo da Vigilância

de Campinas, mas houve uma “perda do bonde”, um “passar a fazer o mesmo, sem criar,

reproduzindo o que é imposto” e “marcar passo”.

[...] Vigilância em saúde é estar atento vigilante e não esperar a coisa acontecer

pra correr atrás do prejuízo, ter estratégia, metas para evitar que as doenças

tragam prejuízo em grande escala para as pessoas.

[...] não “correr atrás do leite derramado” [...] para evitar ações,

principalmente da VS que não tem impacto nenhum sobre a saúde das pessoas e

ocupa um tempão.

Outro desafio a ser enfrentando é o resgate do significado das ferramentas utilizadas

para gerar informação na Vigilância - como o Sistema Nacional de Vigilância de Agravos

Notificáveis (SINAN), o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (SI-

PNI), o Sistema de controle de pacientes com tuberculose (TB-Web), dentre outros.

As fichas de investigação epidemiológica têm se transformado em instrumentos

meramente burocráticos, preenchidas muitas vezes de forma inadequada pelas equipes de

saúde, e uma possível explicação para o fato pode ser a falta de retorno das informações em

tempo ágil para as intervenções.

158

Além disto, os clássicos (e importantes) bancos de dados estão baseados em doenças

e exigem que haja uma articulação do sujeito dentro de uma linha de cuidado e rotulados

como, ‘caso de tuberculose', ‘atraso vacinal', ‘ paciente com dengue', dentre outros.

A partir desse novo olhar, seriam considerados os limites que levam os serviços de

saúde a fechar uma ficha em tempo hábil esperado pela Vigilância, no tempo hábil de

alimentação dos sistemas de informação em saúde. Seria o aprender fazendo e produzir

aprendendo, modificando seu próprio modo de estar no mundo e no trabalho (NUNES,

2008, p. 274).

Os limites são os clássicos tempos que a Vigilância tem para alimentar os bancos de

dados e que muitas vezes não é o tempo da vida de nossos usuários e de nossas equipes.

Entramos então em conflitos como, por exemplo, os atrasos em alimentar os bancos que são

cobrados pelos entes federados e que devem ser enfrentados na perspectiva de uma nova

concepção de fazer vigilância: Vigilância do que, para o quê e para quem. Se isto não for

enfrentado, corremos o risco de mantermos as práticas verticais e autoritárias, utilizadas

pela Saúde Pública e pela Vigilância.

Merhy (2000, p. 113) aponta para o cuidado da redução e endurecimento da caixa de

ferramentas tecnológicas

[...] garantia de procedimentos focais cada vez mais restritos e válidos em si

mesmos, [...] A valise das tecnologias leves, foi substituída nesse processo por

uma relação privilegiada das outras duas, e o trabalho vivo em ato [...] tende a

ser capturado e expresso por saberes tecnológicos que reduzem seu foco à

produção dos procedimentos [...]. Grifo meu.

Por fim, a complexidade dos desafios postos à saúde nos dias atuais, e

especificamente à Vigilância, exige a mudança de concepções e paradigmas, construções

ainda que “doídas”, e não fazer “cerzidos” convivendo com o descosturado, como bem

descreve Onocko-Campos (2003)

A crise como perda de limites espaciais, que devem ser experimentadas, para

reconstruir um novo espaço [...] porém nos demandando ajuda para cerzir

algumas questões de maneira tal que, apesar da incerteza e das dores, seja

possível operar no seu (deles) campo de trabalho. Digo cerzir, pois me parece

que não é esta uma costura que não deixe marcas, pelo contrário. No cerzido o

descosturado convive com a possibilidade de manter alguma utilidade ou

função” (p. 140-1). Grifos meus.

159

Outro enfrentamento a ser feito, talvez um dos mais desafiadores, é a mudança da

lógica de trabalho, no qual as várias instituições que atravessam a Vigilância possam ser

questionadas em suas demandas muitas vezes verticais e que não têm significado social e

para a rede de serviços de saúde, gerando um tempo gasto em ações burocráticas e pouco

compartilhadas.

160

161

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta análise demonstra que, passados mais de vinte anos de criação do SUS, há

vários desafios a serem enfrentados, dentre eles, a recomposição da integralidade do objeto

da Vigilância, o fortalecimento político dessa instância no cenário do Ministério da Saúde e

o estabelecimento de uma gestão participativa. Essas práticas ainda se mantêm isoladas

entre os próprios setores clássicos da vigilância, com recortes específicos de objeto de

controle e intervenção.

A lógica clássica de intervenção dos problemas de saúde em “compartimentos

setoriais” das vigilâncias não dá conta da atual complexidade da sociedade quando

tratamos, por exemplo, de mortes por causas externas e doenças crônico-degenerativas.

Torna-se, necessário, portanto, avançar nas práticas intersetoriais e de relação com a

sociedade, potencializando os processos decisórios nas políticas públicas.

As instituições oficialmente criadas com o objetivo de executar medidas para

controle de problemas de saúde, de maneira geral, têm se pautado em práticas verticais e

pouco participativas.

O modelo de Vigilância, atualmente existente em Campinas, e, apesar dos avanços,

provavelmente em outros municípios brasileiros, deixa lacunas e mostra insuficiências em

explicar e intervir nos atuais problemas de saúde.

Reconhecer tais limites tem motivado os sujeitos a buscar novas formas de fazer

Vigilância, de modo que se avance nos atuais reducionismos e contribua para uma mudança

paradigmática, tendo como pressupostos as responsabilidades compartilhadas e respeitando

a autonomia dos sujeitos e a especificidade do território.

Além disso, a revisão do modelo de Vigilância preconiza um trabalho em rede e um

maior investimento nos profissionais envolvidos para que possam ampliar o olhar para além

da ”doença e da alimentação de bancos de dados”. Ademais, insere todas as pessoas,

sobretudo aquelas em sofrimento e submetidas a situações de risco e vulnerabilidade.

A despeito das dificuldades enfrentadas nos processos de descentralização, a

experiência vivenciada em Campinas demonstrou avanços na aproximação da Vigilância

em Saúde com os outros serviços de saúde.

162

Como limites, pudemos perceber a existência de uma insuficiente aproximação da

Vigilância com a sociedade mais ampla e pouca articulação com os espaços de controle

social. As ações de comunicação, educação para a saúde e as informações à comunidade

são pouco realizadas e, quando são, tem o caráter técnico e científico que não permite a

compreensão da população acerca do risco ao qual está exposto. Isto contribui para

manutenção de seres pedintes de proteção pelo Estado, tornando-os passivos e não os

incluindo nas decisões.

A relação estabelecida entre a Vigilância em Campinas e a sociedade de uma

maneira geral, estimula a relação entre Estado e consumidor, que está inserido em uma

sociedade hegemonicamente consumista e que não inclui o cidadão como sujeito de direitos

e de escolhas que devem ser feitas por ele mesmo.

Apesar das divergências, conflitos e crises, a Vigilância em Campinas tem buscado

se (re) inventar nos dias atuais, ainda que timidamente em relação a seu protagonismo em

sua trajetória inicial.

Há reconhecimento de que a Vigilância em Campinas protagonizou vários processos

instituintes que atualmente se institucionalizaram no país, com visibilidade em outros

países. Não obstante tais avanços, ainda há certa timidez em enfrentar problemas entre os

diferentes entes federados.

A recomposição da integralidade do objeto da Vigilância, pressupõe uma mudança

de paradigma que exige a inserção da Vigilância como parte de um todo e não somente

como um conjunto de ações pontuais realizadas “sobre” e “para” a sociedade, sem haver

um controle social sobre a mesma.

Este paradigma deve ser guiado pela responsabilidade social e pelo princípio da

equidade e não somente por interesses (tecnologias) econômicos ou produtivos. Este

conflito entre a utilidade social e a equidade pode ser enfrentado a partir da concepção da

Vigilância enquanto espaço de exercício da cidadania.

Enfim, concordando com um de nossos entrevistados:

[...] Vigilância em Saúde é estar atento e vigilante e não esperar a coisa

acontecer para correr atrás do prejuízo. É ter estratégias e metas para evitar que

as doenças tragam prejuízo em grande escala para as pessoas. É não correr atrás

do leite derramado, perder o bonde... Para evitar ações que não tenham impacto

nenhum sobre a saúde das pessoas.

163

As reflexões trazidas por essa investigação demonstram a relevância de futuras

pesquisas e investigações neste campo e a aplicabilidade deste percurso teórico-

metodológico em outras áreas como Educação (formação em saúde das diversas categorias

profissionais, pesquisas realizadas nas Universidades e o impacto social, dentre outros) e

serviços de saúde (Atenção Básica de Saúde, serviços de Média e/ou Alta Complexidade,

Urgência/Emergência e sua missão dentre do SUS, dentre outros).

Outrossim, a (co) relação das áreas citadas (e outras) com a Saúde Coletiva,

estabelecendo diálogos e questionamentos que tencionarão os processos de

institucionalização sócio-históricos, tem a potência de (re) significar esses processos e

desafiar a superação de outras desigualdades que forem encontradas, como em nossa

pesquisa.

164

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180

181

ANEXOS ANEXO 1 – OFÍCIO CIRCULAR CVE N° 50/87

182

ANEXO 1 – OFÍCIO CIRCULAR CVE N° 50/87

183

ANEXO 1 – OFÍCIO CIRCULAR CVE N° 50/87

184

ANEXO 2 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Pesquisadora: Rosana Aparecida Garcia Enfermeira, Mestre em Saúde Coletiva (Unicamp), Sanitarista e Especialista em Educação (Unicamp). Aluna regular do Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. RA: 068954 – Fone: 019- 21215167/94194909 Orientadora: Profa. Dra. Solange L’Abbate

Sujeito Participante Convidado(a): ________________________________________

Função/ Cargo/ Ano que admissão na PMC: ________________________________

Estou realizando um estudo em meu Projeto de Doutorado intitulado “Institucionalização da Vigilância em Saúde em um dos Distritos de Saúde de Campinas (SP): estratégias de descentralização e de integração/articulação com a rede de serviços de saúde”, que pretende problematizar e refletir sobre o processo de institucionalização da Vigilância em Saúde no Município de Campinas e, mais especificamente no Distrito de Saúde Sudoeste, tendo como pressuposto o principio constitucional da descentralização das ações e do trabalho em rede.

Solicito permissão para esta entrevista bem como sua gravação e informo que você terá acesso aos originais transcritos a qualquer momento que desejar. É compromisso obrigatório da pesquisadora assegurar o sigilo, a identidade e a privacidade dos sujeitos da pesquisa, quando da transcrição das falas e da incorporação das informações em textos acadêmicos.

A pesquisadora responsável o acompanhará e assistirá quando você precisar durante este estudo ou quando você solicitar para quaisquer problemas ou dúvidas a respeito do mesmo. Contato com pesquisadores: Pós-graduanda Rosana Aparecida Garcia e-mail [email protected], telefone (19) 94194909. Em caso de dúvida quanto aos seus direitos como participante da pesquisa, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade da PUC - Campinas, onde o projeto foi aprovado, situado na Rodovia Dom Pedro I, km 136, Parque das Universidades, Campinas-SP, CEP:13086-900, horário de funcionamento de segunda a sexta feira das 08h00 as 17h00., fone (019) 3343-6777, e-mail: [email protected].

Você tem a garantia de esclarecimentos antes, durante e depois da realização deste estudo. Os pesquisadores também assumem o compromisso de dar as informações obtidas durante o estudo, mesmo que isso possa afetar sua vontade em continuar participando do mesmo. Você tem liberdade para retirar seu consentimento ou se recusar a continuar a participar do estudo, a qualquer momento

185

e caso deixe de participar por qualquer razão, você não sofrerá qualquer tipo de prejuízo. Enquanto pesquisadora me comprometo resguardar todas as suas informações acerca da pesquisa e tratar estas informações com impessoalidade, não revelando sua identidade.

DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO

Tendo lido as informações dadas sobre a pesquisa e tendo tido a oportunidade de fazer perguntas e ter recebido respostas que me deixaram satisfeita(o), tendo recebido uma via deste termo de consentimento e tendo entendido que tenho o direito de recusar-me a participar da pesquisa, sem que isso traga conseqüências para mim, aceito participar desta pesquisa.

Campinas, ___/___/_____.

_________________________________ _____________________________ Assinatura do (a) participante Assinatura da Pesquisadora

186

ANEXO 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTA

1. Formação, data de entrada na PMC ou na SME, local onde iniciou suas atividades

2. O que é para você “Vigilância em Saúde” e quais atribuições você entende que esta

Vigilância deva ter?

3. Em seu entendimento, estas atribuições devem ser realizadas em articulação e/ou

integração com os demais serviços de saúde do SUS e/ou ser realizadas de forma

intersetorial (outras secretarias, órgãos)? Justifique.

4. Como eram as ações desenvolvidas pela Vigilância em Campinas e como se

modificaram? (modelo de gestão? Modelo de assistência? Projeto de governo?

Politicas públicas? outros)

5. Quais atribuições foram incorporadas por esta Vigilância e como foi conformado o

Sistema de Vigilância em Saúde no município de Campinas?

6. Você vivenciou alguma mudança nesta Vigilância ao longo do tempo - nível

central, distrital ou local. Em caso positivo, que estratégias, arranjos, dispositivos,

foram utilizados?

7. Como se deu a (não) participação dos sujeitos (da Vigilância, gestores e da

assistência) e do controle social nestas mudanças? Fale sobre isto, se possível.

8. Que limites e avanços você acredita haver para uma articulação e integração entre a

Vigilância, a rede de serviços de saúde e o controle social?

9. Você acredita que o trabalhador da Vigilância em Saúde/ assistência e gestores

tenham necessidade de alguma “capacitação/formação” especifica? Se sim qual?

Em caso positivo, cite situações concretas.

187

ANEXO 4 – PARECER COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

188

189

190

ANEXO 5 – CONVITE PARA OFICINAS DE RESTITUIÇÃO

CONVITE

Por meio deste, convidamos xxxxx, que teve participação ativa no processo de Institucionalização da

Vigilância em Saúde do Município de Campinas (SP), a participar da OFICINA DE

RESTITUIÇÃO, momento no qual serão realizadas discussões e debates a partir dos achados nas

entrevistas realizadas pela Aluna de Doutorado em Saúde Coletiva – Rosana Garcia.

DATA: dia 10 de abril, de 2014

Horário: das 9 as 12 hs

Local CETS/SMS/Campinas

Sala: 22 (2° andar)

Antecipamos nossos agradecimentos pelo compartilhamento inicial deste processo sócio-histórico e

aguardamos sua presença que enriquecerá o produto final deste trabalho.

Rosana Aparecida Garcia Profa Dra Solange L’Abbate Doutoranda em Saúde Coletiva Profa Associada

DSC/FCM/UNICAMP (Livre Docente) – Colaboradora

DSC/FCM/UNICAMP

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Ciências Médicas

Departamento de Saúde Coletiva

OFICINA DE RESTITUIÇÃO “ANÁLISE DO PROCESSO SÓCIO-HISTÓRICO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA

VIGILÂNCIA EM SAÚDE NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS (SP)

191

CONVITE

Por meio deste, convidamos a participar da II OFICINA DE RESTITUIÇÃO, momento no qual

alguns resultados obtidos nas entrevistas e na I Oficina de Restituição serão coletivizados, dando voz

e dialogando com os saberes dos diferentes sujeitos que ocuparam diferentes lugares durante o

processo. Na transversalidade dos debates, a implicação da pesquisadora será posta em análise pelos

presentes, que auxiliarão na (re)escrita do texto síntese da tese de Doutorado.

DATA: dia 08 de maio, de 2014

Horário: das 9 as 12 hs

Local CETS/SMS/Campinas

Sala: 22 (2° andar)

Antecipamos nossos agradecimentos pelo compartilhamento inicial deste processo sócio-histórico e

aguardamos sua presença que enriquecerá o produto final deste trabalho.

Rosana Aparecida Garcia Profa Dra Solange L’Abbate Doutoranda em Saúde Coletiva Profa Associada

DSC/FCM/UNICAMP (Livre Docente) – Colaboradora

DSC/FCM/UNICAMP

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Ciências Médicas

Departamento de Saúde Coletiva

II OFICINA DE RESTITUIÇÃO “ANÁLISE DO PROCESSO SÓCIO-HISTÓRICO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA

VIGILÂNCIA EM SAÚDE NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS (SP)

192

ANEXO 6 – QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DAS OFICINAS DE

RESTITUIÇÃO

PRESSUPOSTOS ACERCA DA RESTITUIÇÃO (...) uma atividade intrínseca à pesquisa (...). Ela nos faz considerar a pesquisa além dos limites de sua redação final; ou

melhor, de sua transformação em mercadoria cultural para servir unicamente ao pesquisador e à academia (LOURAU,

1993:50). A idéia é que o trabalho do pesquisador está saturado de subjetividade. As instituições científicas vão ter as suas próprias

ideologias. Elas não são particularmente objetivas, mesmo se elas tentam nos fazer acreditar nisso. [...] podemos

perguntar quais são as conseqüências da implicação do pesquisador na sua produção científica. A questão não é que

devamos nos livrar de nossas ideologias, mas tentar analisá-las coletivamente. O verdadeiro trabalho científico deve estar

aí. (MONCEAU 2008. P.22)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Ciências Médicas

Departamento de Saúde Coletiva

QUESTIONARIO DE AVALIAÇÃO SOBRE OS MOMENTOS DE RESTITUIÇÃO ESCRITA E ORAL “ANÁLISE DO PROCESSO SÓCIO-HISTÓRICO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE NO

MUNICÍPIO DE CAMPINAS (SP)

1. Como foi para você, participar destes momentos de Restituição (escrita e oral)?

2. Você acredita que ajudou a (re) escrever o texto trazido pela pesquisadora, sentindo-se co-

autor do trabalho?

3. Estes momentos trouxeram alguma contribuição para sua prática atual? Em caso positivo,ou

negativo, descreva.

4. Você tem alguma sugestão para a escrita geral deste trabalho (temas não abordados, por

exemplo)?

193

ANEXO 7 – DECRETO N° 46 DE FEVEREIRO DE 1933 – cria a Inspetoria

Municipal Veterinária (IMV)

194

ANEXO 8 – NORMAS ORGANIZACIONAIS E FUNCIONAMENTO DE UM

SERVIÇO DE FISCALIZAÇÃO DE ALIMENTOS

195

196

197

198

199

200

201

202

203

ANEXO 11: AUTO DE INFRAÇÃO E MULTA

204

ANEXO 11: TERMO DE INTERDIÇÃO

205

206

207

ANEXO 14: CAMPANHA EDUCATIVA: VOCÊ É O FISCAL

208

ANEXO 14: CAMPANHA EDUCATIVA: VOCÊ É O FISCAL (CERTIFICADO)

209

210

211

212

ANEXO 15: SEMINÁRIO DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA E SANITÁRIA

(1993)

213

ANEXO 16: DEBATES SOBRE A MUNICIPALIZAÇÃO E OFICINA DE TERRITORIALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA À SAÚDE (1994)

214

ANEXO 17: OFICINA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE (1997)

215

216

ANEXO 18: OFICINA PARA DEFINIÇÃO DE DIRETRIZES E GESTÃO DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA E AMBIENTAL DE CAMPINAS (1999)

217

ANEXO 19: VI CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE SAÚDE EM CAMPINAS: DIRETRIZES DA SAÚDE COLETIVA NO PAIDÉIA (2002)

218

219

ANEXO 20: OFICINA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE (2005)

220

221

ANEXO 21: SUBSÍDEOS PARA A IX CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE SAÚDE (2011)

222

223

ANEXO 22: PRIORIDADES ESTRUTURANTES PARA A VIGILÂNCIA

SANITÁRIA (2012)

224

225

226

ANEXO 23: OFICINA DE RESPONSABILIDADES COMPARTILHADAS EM VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA

227

ANEXO 24: SEMINÁRIO MODELOS E ESTRATÉGIAS EM VIGILÂNCIA EM SAÚDE (2011-2012)

228

ANEXO 25: CARTA DE COMPROMISSO: DOCUMENTO SÍNTESE PROCESSO

COLETIVO PARA REORGANIZAÇÃO VIGILÂNCIA EM CAMPINAS (2012)

229

230

ANEXO 26: SEMINÁRIO DE MODELO E ESTRATÉGIAS EM VIGILÂNCIA:

REGISTRO DO PROCESSO (2011-2012)

231