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ERNESTO ROGERS E A EVOLUÇÃO DA ARQUITETURA MODERNA NOS ANOS 50: O trabalho reflete sobre a importância de Ernesto Rogers (1909-69) no contexto histórico dos anos cinqüenta. Este foi captado pelo crítico Enzo Paci como “permanência e emergência”; e que apresentava a “premência de problemas novos ainda por identificar”, como diz Manfredo Tafuri. O exercício do projeto de Rogers, junto ao BBPR, acusa as contradições das tentativas de conciliar “ação e pensamento”, intrínsecas do período, mais que em seus textos; que expressavam a crença de que “não há problema de arquitetura sem solução”. Em toda a sua atividade não admitia conceber a arquitetura em termos abstratos. Enquadrando suas leituras e interpretações em suas realidades históricas, Rogers apontava instrumentos capazes de assimilar a relatividade antropológica e a diversidade cultural que começava a se implantar no segundo pós guerra. Os textos de Rogers, mostram aspectos da problemática do período; num viés que reconstruído, aponta adversários e evidencia suas filiações. Os adversários: a crítica formalista, a substituição do compromisso com o método pelo gosto, a alienação das preocupações éticas e de fundamentos sociais na arquitetura. A metas de Rogers: a continuidade com as preexistências, autonomia disciplinar, responsabilidade intelectual, busca de interlocução entre passado e presente, entre memória coletiva e profissional, entre tradição e modernidade; presumidamente, entendidas num só conceito:

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ERNESTO ROGERS E A EVOLUÇÃO DA ARQUITETURA MODERNA NOS ANOS 50:

O trabalho reflete sobre a importância de Ernesto Rogers (1909-69) no

contexto histórico dos anos cinqüenta. Este foi captado pelo crítico Enzo Paci

como “permanência e emergência”; e que apresentava a “premência de

problemas novos ainda por identificar”, como diz Manfredo Tafuri. O exercício do

projeto de Rogers, junto ao BBPR, acusa as contradições das tentativas de

conciliar “ação e pensamento”, intrínsecas do período, mais que em seus textos;

que expressavam a crença de que “não há problema de arquitetura sem solução”.

Em toda a sua atividade não admitia conceber a arquitetura em termos abstratos.

Enquadrando suas leituras e interpretações em suas realidades históricas, Rogers

apontava instrumentos capazes de assimilar a relatividade antropológica e a

diversidade cultural que começava a se implantar no segundo pós guerra.

Os textos de Rogers, mostram aspectos da problemática do período; num

viés que reconstruído, aponta adversários e evidencia suas filiações. Os

adversários: a crítica formalista, a substituição do compromisso com o método

pelo gosto, a alienação das preocupações éticas e de fundamentos sociais na

arquitetura. A metas de Rogers: a continuidade com as preexistências, autonomia

disciplinar, responsabilidade intelectual, busca de interlocução entre passado e

presente, entre memória coletiva e profissional, entre tradição e modernidade;

presumidamente, entendidas num só conceito: história. Uma história, unitária e

portadora, européia; construção humana, próxima do que propôs Giulio Carlo

Argan.

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“A história não é só o espelho dos exemplos e balanço das

realizações, mas registro sincero dos esforços e, critica justa da

própria direção”1

O pensamento de Rogers apresenta uma unidade e coerência, que não

disfarçam suas intenções pedagógicas. Constitui um modelo, no sentido mais

contemporâneo da palavra - uma estratégia adaptável às condições existentes,

porém fiéis a um método e princípios constantes.

Este trabalho procurou organizar seus “ensinamentos”, colhidos em textos

publicados na Casabella-Continuitá, e em opiniões de historiadores, como

Manfredo Tafuri e Josep Montaner. Relacionando seu discurso ao contexto dos

anos cinqüenta, da reconstrução européia e da guerra fria. Destaca-se a

arquitetura moderna italiana, e a herança teórica de Benedetto Croce e Antônio

Gramsci. O contexto da crise da arte, aberto pela crise do projeto de racionalidade

europeu, ao mesmo tempo em que esta perdia a hegemonia econômica, política e

cultural . A discussão sobre os rumos da arquitetura moderna. E, a situação do

criticismo, as relações entre conhecimento, história e projeto, através do debate

entre as revistas Casabella-Continuitá e Architectural Review. O fio de ligação

entre esses contextos são os próprios textos de Rogers:

A tradição da arquitetura moderna na Itália

Política e Arquitetura

Continuidade ou crise?

A evolução da arquitetura, resposta ao guardião das geladeiras

1Ernesto Rogers, Existing Environment and the practical content of contemporary Architecture. Casabella 204, 1955

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Labirinto dos meninos, 3 a Trienal de

Milão, 1954: Ernesto Rogers .

(ref. Zodiac 4, 1958)

A TRADIÇÃO DA ARQUITETURA MODERNA NA ITÁLIA

A arquitetura moderna na Itália, é para Ernesto Rogers essencialmente

“um retorno à tradição - a tradição do espírito contra a falsa tradição do dogma” 2,

Individualiza como momentos importantes da “ressurreição” da arquitetura

italiana, o “manifesto da arquitetura futurista”, por sua energia destrutiva da

mentalidade acadêmica; o grupo 7, um encontro profícuo do ponto de vista

histórico, devido seus valores individuais; e, a fundação do grupo italiano do CIAM

em 1927.

A estética de Benedetto Croce também pode ser incluída contexto do

moderno, com algumas antinomias3; e o debate de suas idéias por Antônio

Gramsci; que com sua “filosofia da praxis”, reflete nas definições da

responsabilidade intelectual do arquiteto, autonomia disciplinar e na “vontade de

realismo”; de um arquiteto como Rogers.

Em “Dialética da História”, Gramsci analisa o trabalho de Croce,

valorizando-o como “premissa de uma retomada da filosofia da praxis”. Ou seja,

situa Croce, como representante do momento moderno do idealismo alemão. De

acordo com Gramsci, Croce mesmo que apresente uma “superação destrutiva da

filosofia da praxis”, representa, essencialmente, “uma reação ao economismo e

ao mecanicismo fatalista”4. Neste texto, a posição crociana, é colocada dentro do

seu conceito de liberdade nos termos tradicionais da personalidade individual; e,

da consideração subjetivista e intuitiva da arte, descartando a “generalidade

abstrata das idéias”5do modernismo.

2Ernesto Rogers, The tradition of Modern Architecture in Italy, Casabella 206 19553descritas por De Fusco, A Idéia de Arquitetura, 19874Antonio Gramsci, Dialética da História, 1982, p. 2305Benedetto Croce, Breviário de Estética, 1947

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A postura de Croce de “dissolução do conceito de sistema fechado e

definitivo” em filosofia, é considerada positiva por Gramsci, pois, propõe que para

a filosofia a solução dos problemas, apresentados pelo desenvolvimento do

processo histórico, está no interior deste mesmo processo.

“o pensamento filosófico não é concebido portanto, como um

desenvolvimento de pensamento a pensamento, mas como

pensamento da realidade histórica”6

Não obstante a “debilidade da concepção subjetiva- especulativa da

realidade”, do trabalho de Croce referida por Gramsci, este relaciona a “filosofia

da praxis” com a importância da “direção cultural e moral”, a hegemonia atribuída

por Croce; que aqui, diz respeito à “valorização” dos fatos e atividades culturais,

como frentes culturais em contraposição às “frentes meramente econômicas e

políticas”7.

Qualquer referência à crítica italiana até o meado deste século não pode

prescindir de relatar a influência de Benedetto Croce. Todo este período,

elementos de seu pensamento foram continuamente “reelaborados e

aperfeiçoados”. Lionello Venturi, Edoardo Pérsico e Bruno Zevi, por exemplo, são

considerados “crocianos esclarecidos” por Renato de Fusco8.

Bruno Zevi9 considera que Benedetto Croce forneceu os instrumentos da

historiografia moderna, ao sublinhar a arbitrariedade das histórias do tipo

sociológico, considerando como legítima a história individualizante. Mesmo com

os perigos de uma historiografia monográfica, esta permite a “exigência de

precisar os verdadeiros valores artísticos”. Partindo destes elementos, Zevi

aponta as instâncias de uma reforma historiográfica: “restringir sobre o plano

qualitativo, e ampliar sobre o plano da cultura”, que inclui o urbanismo.

6Antonio Gramsci, op. cit., p.2117idem, pp. 218-198Renato De Fusco, op. cit. p. 2349Bruno Zevi, Benedetto Croce e la reforma della storia arquitettonica, Metron 47, 1952

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A historiografia sobre o moderno, no período de atividade de Croce,

desconsiderava predominantemente a expressão individual no fenômeno artístico;

porém em Croce o processo artístico assentava-se na expressão do sentimento e

da emoção do artista, colocando à margem conceitos abstratos.

Consequentemente, o processo criativo era dirigido pela consciência do artista

que tem um fundamento moral inerente, que faz integrar ética e estética.

O pensamento de Croce entende a atividade artística como produção de

imagens mediante a técnica - “imagens que o artista já possui dentro de si”10.

Neste ponto de vista, “a imaginação é produtiva”11, e está necessariamente

referida à tradição histórica.

O destaque teórico na atividade formadora da arte, enquanto técnica e o

recurso do método crítico - que distingue a arte da não arte - levaram Croce a

recusar as teorias da arte moderna (discurso), e aproximar as questões de juízo

de valor das preferências de gosto.

Lionello Venturi diferenciava-se de Croce, por adotar fundamentos do

purovisibilismo, ou seja aceitar uma teoria artística abstrata. Para ele, Croce

teorizou a identidade entre história da arte e crítica de arte12. O próprio Venturi

integra a prática da crítica à estética, pois compete à estética “definir a idéia de

arte”. Como o juízo artístico é referendado pelo gosto, este também diz respeito

ao caráter histórico do fenômeno artístico.

Ainda assim, a criação artística prevalece sobre o gosto. De acordo com

Venturi, a personalidade do artista não deve ser sacrificada a nenhuma “lei de

arte”, pois, estes são esquemas e símbolos contingentes encarnados no gosto

que tem valor relativo13.

10idem, p. 23211Benedito Nunes, Introdução à filosofia da Arte, 1991, p. 7712Lionello Venturi, Historia da Crítica de Arte, 1984, p. 2813Lionello Venturi, História de la Crítica de Arte, 1949

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A arte distingue-se pela criatividade; e, a imaginação que cria as formas

pertence ao “mundo do universal e do infinito”14. Em Venturi, a criação artística

visava a forma, que predominava sobre os conteúdos funcionais. Para ele, a

crítica de arquitetura moderna até então (1949), vinha tentando excluir a estética

dos problemas de arquitetura. Todavia, a renovação que tinha se processado com

a linguagem moderna era produto da livre-expressão, e não da estética da

máquina15.

Venturi recorria à Baudelaire - recusa de regras para o juízo artístico e

opção pela parcialidade da crítica- para defender o empirismo no julgamento da

arte contemporânea dos dogmatismos de quaisquer sistemas de “leis aceitas”.

“Quem se coloca perante uma obra de arte contemporânea não

pode recorrer a juízos formados, precisos e tradicionalmente

autorizados”16

O fascismo na Itália rejeitou o futurismo por não viabilizar uma estética

“nacionalista e popular”. Apesar disto, os arquitetos italianos procuram afinidades

com o movimento moderno. Marcelo Piacentini tentava interpretar a tradição

clássica dentro do conflito modernidade e tradição17. O grupo 7 trabalhava com

outro conceito de tradição, o de “transformação contínua”, ciente do peso daquela

no seu país. O problema de compatibilização com o projeto ético moderno era

enfrentado com estratégias de utilizar sua visão técnica como maneira de separar

política e cultura18.

Modelo “Milão verde”. Plano para Zona

Sempione, 1938: Francesco Albini,

Ignacio cio Gardella, Giusepe Palanti, e

outros

14idem, p. 2215idem, p. 26216Lionello Venturi, op. cit ,p. 26217Kenneth Frampton, História Crítica de la Arquitectura, 1987, p. 21718De Fusco, op. cit. p. 251

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(ref. Tafuri e Dal Co, 1979)

O comprometimento definitivo do racionalismo italiano com o fascismo,

veio com o MIAR19, do qual participava Pietro Maria Bardi. Propunha a arquitetura

como “arte de Estado” e, a arquitetura moderna como “expressão do espirito

fascista”20. Esta posição evidenciou a possibilidade de desvios éticos na

instrumentalidade da racionalidade da arquitetura moderna.

O racionalismo italiano nas figuras de Giuseppe Pagano e Edoardo

Pérsico, também produziu uma “cultura de oposição”, segundo De Fusco. Sob a

influência da escola de Venturi, precisamente do conceito de gosto, elaboram os

fundamentos de sua crítica. Renato de Fusco diz que Lionello Venturi, com o

conceito de gosto, preenche a “lacuna de Croce em relação as teorias modernas,

ou seja, a parte mais peculiar da moderna fenomenologia da arte”21. O conceito

absorvia à pratica da crítica, os fatores culturais, sociais e históricos, diz De

Fusco.

Pagano e Pérsico dirigiram a revista Casabella no período da segunda

guerra mundial. Buscavam a consciência crítica da prática da arquitetura naquele

contexto, para eles possível no plano da ideologia; ligando historicidade ao

aspecto civil e moral. Pagano legitimava um empenho social; defendendo uma

arquitetura com “orgulho na modéstia”. Deste modo, o conceito de gosto se ligava

à “uma intenção social”22.

O livro de Pagano, “Arquitetura Rural Italiana” de 1936, faz uma inversão

no conceito de “orgulho na modéstia”, que Venturi havia atribuído ao racionalismo

para a arquitetura popular. Deslocava o eixo de interesse da arquitetura

monumental - adequada à propaganda de Mussolini - para a tradição vernacular;

porém, enquanto metodologia e não morfologia.

19movimento italiano por uma arquitetura racionalista20Manfredo Tafuri e Francesco Dal Co, Modern Architecture/2, 1979, p. 25821De Fusco, op. cit., p. 25222De Fusco, op. cit. p. 254

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A contribuição de Edoardo Pérsico foi de ampliação do campo artístico,

quando propõe a integração da arquitetura com as artes figurativas. O próprio

conceito de gosto, sob sua ação crítica, adquire o sentido de “serviço social”,

definindo deste modo sua historicidade. Este entendimento conduz a rejeição das

teses a-históricas das vanguardas artísticas, ao mesmo tempo que conserva o

valor revolucionário da sociabilidade, cujo processo de conscientização, era para

Pérsico “a idéia acabada da liberdade criativa”, que circulava nas várias

tendências artísticas do movimento moderno, diz De Fusco23.

A liberdade da arte e os fundamentos românticos que a respaldam,

demonstram a continuidade entre Croce e Pérsico, este último modernizando a

ligação com a fenomenologia, linha filosófica que persiste na teoria italiana

através de Giulio Carlo Argan e Vitório Gregotti.

Em 1953, ao nome da revista Casabella é acrescido o termo Continuitá,

que de acordo com seu novo diretor, Ernesto Rogers, significa “consciência

histórica”, continuidade em relação à arquitetura moderna e em relação à tradição

italiana. No editorial “Continuitá”24, Rogers diz que permanece a mesma

preocupação de coerência com o momento histórico, e a postura anti-formalista.

Porém assinala a diversidade em relação aos antigos editores Pagano e Pérsico.

O novo programa da revista colocava-se contra o maneirismo e

dogmatismo, investindo numa pesquisa de método constante. A ligação entre a

arquitetura moderna e tradição se fundamenta na “universalidade da cultura”.

“Não é obra verdadeiramente moderna aquela que não tem

autêntico fundamento na tradição”

O rompimento com a cronologia e um idealismo abstrato, por intermédio

da inserção do fenômeno arquitetónico na sua concretude histórica, são frisados

no editorial “Continuitá”.

23idem, p. 263-424Ernesto Rogers, Continuitá, Casabella 199, 1953-54

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O pós-guerra na Itália havia uma certa polarização teórica entre Milão e

Roma. Na primeira cidade forma-se um núcleo de estudo de arquitetura moderna

- MSA; em Roma, sob a influência de Bruno Zevi forma-se a Associação por uma

Arquitetura Orgânica - APAO, que contrapõe-se ao racionalismo.

Ainda havia a proposição do neo-realismo italiano, formando o panorama

do pós-guerra; este tinha a intenção de aproximar as culturas popular e culta. A

expressão arquitetônica do neo-realismo buscava a organização informal das

plantas em relação ao lugar, emprego de técnicas artesanais e manufaturadas.

Mário Ridolfi e G. Calcaprina com o “Manual do Arquiteto” (1946) tentam

sistematizar a experiência do saber-fazer vernacular. A crítica de Manfredo Tafuri

e Francesco Dal Co, situam-no como uma estratégia para o setor da construção

civil absorver uma mão de obra desempregada, que vivia deslocando-se entre as

cidades do sul da Itália. Atuando como “ferramenta da especulação”, mantendo

métodos atrasados de produção sem desenvolve-los e racionaliza-los25.

Conjunto de apartamentos no Quartie-

re Tiburtino, 1950: Ludovico Quaroni,

Mario Ridolfi e colaboradores .

(ref.Casabella 463-64, 1980))

Mas, em todas estas atitudes ressalta-se um dado da cultura arquitetônica

italiana, todos os processos derivados destas são orientados numa pesquisa. E,

ainda outro dado comum, é a busca de identidade. Segundo Tafuri26, nesta busca

os arquitetos recorreram à uma sucessão de ideologias, “continuamente

confiando em temas extra-disciplinares”, caindo quase sempre na “relação com a

história”,

25Manfredo Tafuri e Francesco Dal Co, op. cit., p. 33326Manfredo Tafuri, History of Italian Architecture 1944-1985, 1990

9

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“fio de ligação entre a era neorealista (...) e às viagens de volta no

tempo feitas por arquitetos como Carlo Scarpa, Ernesto Rogers,

Gabetti e Isola, Aldo Rossi e Franco Purini”27

Estes arquitetos, criaram um “novo ciclo”, para Tafuri, encarando a

“dificuldade de dialética entre conhecimento e ação”, impostas não só pelos

fundamentos contraditórios da tradição disciplinar, mas também pela

complexidade deste conhecimento28.

A reconstrução colocava problemas complicados, que envolviam questões

técnicas com questões políticas diz Rogers29; que diziam respeito também crise

moral e à dor física. Rogers localiza o principal problema da arquitetura italiana

daquele período foi, antes que a clarificação através de uma autocrítica rigorosa,

encontrar um lugar para si mesma entre os outros movimentos contemporâneos.

Pois,

“É fato que a arquitetura contemporânea é amplamente devedora

de influências estrangeiras”30.

A redução do campo do debate a dois pólos entre Wright e Le Corbusier,

a chamada crise entre a APAO e MSA, foi para Rogers uma tentativa “puramente

acadêmica”. Mas, também revelou a necessidade de organização da cultura

arquitetônica alternativamente, contra os “resíduos acadêmicos das

universidades”, para Tafuri31. Aproximando contexto histórico e problemas de

arquitetura, na interpretação e operacionalidade imediata dos produtos e teorias

arquitetônicas.

Pois, a arquitetura adquiria uma nova flexibilidade, provocada por

diferentes necessidades técnicas e circunstâncias de vida. Por outro lado, Rogers

qualifica a concepção da arquitetura dos seus contemporâneos, que aliam a

27idem, p. 328idem, pp. 3-529Ernesto Rogers, The Tradition of Modern Architecture in Italy30idem31Manfredo Tafuri, op. cit., p. 22

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pratica à uma concepção humanistica da arquitetura; este fato liga suas

atividades às forças da tradição.

No centro do trabalho de Rogers estava a pretensão de captar a

capacidade da história comportar um método32, como evidencia seu conceito de

tradição como “presença unificada das experiências”. A diferença entre as formas

do passado e do presente, repousa no aprofundamento de princípios

permanentes, dentro de um método imutável33.

Mas, a manipulação dos valores culturais exige cuidados34. A arquitetura,

como a síntese entre conteúdo e forma, cuja ênfase é dada por determinados

desdobramentos históricos, estabelece um conceito a tradição como duas forças;

“uma é vertical e representa o enraizamento permanente dos

fenômenos em determinados lugar, esta é a razão objetiva de sua

consistência; a outra é circular, dinâmica ligando os fenômenos

com outros através das trocas intelectuais entre os homens”

Neste sentido, propõe que a responsabilidade do artista envolve suas

origens e sua proposta de trabalho; o artista deve ter talento para entender e

interpretar a “verdade” do seu tempo35.

Para Rogers, há pelo menos duas maneiras do arquiteto não perder

contato com suas premissas teóricas básicas: o uso preciso de seus meios

práticos ao expressar a linguagem figurativa em termos físicos; e, o

enriquecimento desta linguagem com valores culturais, com os quais as novas

formas se adequam historicamente. A postura do arquiteto, como também a do

crítico devia evitar posicionamentos apriorísticos, e ao invés disso:

32Josep Montaner, op. cit.33Ernesto Rogers, The tradition of Modern Architecture in Italy34Ernesto Rogers, Our responsabitilies Towards tradition , Casabella 202 ,195435idem

11

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“(...) considerar o trabalho (...) a luz de suas condições ambientais

(consequentemente, também históricas) na qual está situado”36

A personalidade de Rogers concentrava a dualidade, entre continuidade

ou crise do movimento moderno. Na crise da décima reunião do CIAM, ficou ao

lado da geração dos mestres contra o Team X; nas polêmicas contra o neoliberty

e a arquitetura da livre-expressão brasileira, procurou empreender a sua análise

no interior de suas realidades históricas. Para ele era preciso alargar os termos da

cultura, incluindo as tradições espontâneas, folclóricas e a culta numa única

tradição37.

Para Rogers, a crítica sob um ponto de vista particular cai num erro de

abstração, que conduz às extremas polaridades da crítica formalista; que é

“qualquer uso da forma não assimilada”, ou seja, uma leitura não digerida da

realidade existente.38. A responsabilidade do intelectual na transformação da

realidade, seja crítico de arquitetura, seja arquiteto, não podia conceber a

arquitetura em termos abstratos. Considerava que os arquitetos através dos seus

trabalhos podiam influenciar a sociedade, mas era muito difícil intervir na

transformação da realidade histórica39.

O racionalismo na arquitetura proveria instrumentos metodológicos ativos

que permitiriam a “continuidade do ir além”40; e, estando fundado no senso da

existência humana, ultrapassa a concepção de homem ideal, a “maison de

l’homme”, deve se tornar a casa de cada homem, o que é possível através da

ligação entre intenção poética e originalidade41, diz Rogers.

O fio que une Croce, Venturi e Pérsico, e mesmo Zevi - a consideração da

personalidade criadora em termos éticos, a hegemonia do momento cultural; à

36idem37idem38Ernesto Rogers, Towards a non-formalist Criticism, Casabella 200, 195439Ernesto Rogers, The tradition of Modern Architecture in Italy40Giulio Carlo Argan e Ernesto Rogers, A debate on the moral grounds of Architecture, Casabella 209, 195641Ernesto Rogers, Existing environment and pratical content of contemporary architecture, Casabella 204, 1955

12

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Gramsci - a necessária relação entre prática e teoria, a busca de fundamento na

fonte do problema; impõem a busca de inserir na realidade histórica, e, o

tratamento não formalista dos problemas, que reconvertem em vida todo um

trabalho de pensar os fenômenos estéticos. Faz da história, um problema, e da

tradição um dado que não podem ser isolados do projeto.

Daí decorre a constatação de Tafuri sobre o elemento comum entre os

arquitetos italianos do segundo pós guerra, ser a história. Neste sentido, na busca

de orientar o processo da arquitetura moderna, Rogers ao levantar a questão da

responsabilidade com a tradição, estava coberto por processo histórico que

sintetizava o permanente e o emergente42, o que implicava em mudança na

ordem da tradição.

O trabalho prático de Ernesto Rogers foi exercido junto ao BBPR,

Ludovico Bergioso, Enrico Peressuti, Ernesto Rogers (mantém-se o nome do

falecido Gian Banfi). O BBPR foi considerado em termos de “continuidade e

coerência”, exemplo de toda uma geração de um particular caminho de interpretar

e realizar a arquitetura do curso histórico próximo, por Enzo Paci43.

Museu do Castelo Sffozesco,

Milão, 1954-56: BBPR

(ref. Montaner, 1993)

Alguns de seus projetos “escandalizaram a crítica internacional”, como a

Torre Velasca (1950-58) e o Museu do Castelo de Milão (1954-56). Estes projetos

42termo tomado de Enzo Paci, Problematica dell’architettura contemporânea, Casabella 209, 195643Enzo Paci, Continuity and unity of BBPR, Zodiac 4, 1959

13

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refletem o debate aberto na Casabella sobre a continuidade histórica, condições

ambientais preexistentes. A assimilação dos “legados” de dava através de

“contaminações”, que possibilitavam o suposto “jogo de reconhecimento”44.

Segundo Tafuri, os trabalhos citados, colocavam o mesmo problema o manejo

dos artefatos. Para ele, a noção de “fatores históricos existentes”, pelo contrário,

contribuiu para uma experiência descontínua por parte do BBPR.

“Esta foi uma arquitetura que refletiu sobre tudo - o passado, a

cidade, e o possível diálogo entre intelectuais e as massas -

menos consigo mesma”45

Este problema presume uma atitude crítica à arquitetura moderna

pregressa; percebida nas observações de Rogers sobre a contribuição dos

mestres, a respeito do isolamento do fenômeno arquitetônico, buscando a

objetividade e expressão nos limites autônomos de sua própria existência

individual.

“(...) o trabalho dos pioneiros do movimento moderno não tem

mostrado suficiente consciência das influências históricas e

culturais, mais freqüentemente utilizam a técnica como símbolo,

que como um meio necessário à clarificação e cristalização da

arte”46.

A abordagem da questão de interlocução entre memória privada e

coletiva, considerando o discurso intelectual o repositório e executor de todas as

obrigações da memória coletiva; retorna a questão da dupla conceituação de

tradição de Rogers47, como a nascida do povo e a que retorna ao povo por “rotas

distantes”. Neste sentido, a torre Velasca, assim como o Museu Castelo

Sforzesco, pretendem “ensinar o povo ver”, diz Tafuri; incitando a consciência

coletiva na “busca do tempo perdido”48.

44Manfredo Tafuri, op. cit, p. 5145idem, p. 5346Ernesto Rogers, Existing Environment (...)47Ernesto Rogers, Our Responsabilities towards tradition48Manfredo Tafuri, op. cit., p. 56

14

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Torre Velasca, Milão, 1950-58: BBPR.

Habitações em cantilever, sobre bloco de

escritórios. Contraposição ao modelo

americano de arranha-céu.

(ref. Tafuri e Dal Co, 1979)

15

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Os trabalhos do BBPR constituem uma representação artística da

“nostalgia pela totalidade” (entre dentro e fora, alma e ação) luta contra alienação

e frustração de trabalhos públicos de caracter social. Os objetos obtém seus

significados através de analogias; e, ainda constituem-se uma transferência de

subjetividade para o espaço da cidade. Nesta direção os polêmicos trabalhos do

neoliberty assumem o caracter autobiográfico definitivamente, eliminando desta

forma as mediações49 tão caras, ao BBPR e à Mario Ridolfi, por exemplo.

Edifícios de escritórios para Chase Manhantan, Milão, 1958-69: BBPR

(ref. Montaner, 1993)

49

?idem, p. 54

16

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POLÍTICA E ARQUITETURA

A “crise da arte como ciência européia” é como Argan denomina o último

capítulo do seu livro “Arte Moderna”. Esta se dá num contexto em que

simultaneamente, aparecem desvios, falhas no projeto racionalista da cultura

europeu, e, onde finalmente descobrem que há diversas culturas, e não apenas

uma cultura.

No segundo pós-guerra, o mundo acabou por se dividir em dois blocos:

capitalista e socialista; cuja a hegemonia política, econômica, ideológica e cultural

se encarregaram respectivamente Estados Unidos e União Soviética, desenha-se

o quadro da guerra fria.

Com a “queda de Paris”, New York passa a ser o centro de convergência

e difusão das artes do “mundo livre”, denominação bastante afinada com o

processo que ocorre com a arte norte-americana: defesa da liberdade de

expressão e criação, e do individualismo. O rompimento com a dimensão social e

programática da arte moderna, significou a despolitização da arte, assimilação

pelo establishment político e cultural, utilização como arma ideológica na guerra

fria50.

A crise do sistema cultural baseado na racionalidade, ou desvio da sua

noção de neutralidade científica, não são elementos a considerar no âmbito da

cultura americana. Na Europa, a ética fundamentava a modernidade, como a

mediação da liberdade pela reflexão (Hegel), e, na avaliação das conseqüências

do agir (Weber). A visão da arte como ideologia (Marx), ou modelo de produção

(Argan), resguardavam sua historicidade. No segundo pós-guerra, a

responsabilidade torna-se uma definição da existência humana. “O típico da

realidade humana é que não tem desculpa” dizia Jean Paul Sartre. A arte

européia sai resistência ao fascismo, ainda com definição ideológica

predominantemente de esquerda.

50David Harvey, A Condição Pós Moderna, 1992. Victória Dexeus in El descrédito de las vanguardas artísticas, 1980 e Josep Montaner, op. cit, abordam, também, a participaçào da CIA em atividades artística produzidas pelo MoMA, N. York

17

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Para a cultura “norte-americana” a natureza ideológica da arte é

ignorada , assim como reflexões a respeito da finalidade da arte, o importante era

sua existência na realidade social.

Mas, a América é a versão original do moderno diz Baudrillard51.A arte é

para eles a “criação imediata de fatos estéticos”52, arte autônoma; ancorada

estrategicamente na noção do fim das grandes narrativas.

“Agora o problema já não reside nas escolhas ideológicas e na

formulação de programas de ação, mas na possibilidade ou não de

sobrevivência ou não da arte no quadro de um sociedade de

consumo e de um cultura de massas”53.

Neste assunto, a teoria de Clement Greenberg atuava no sentido de tratar

a arte como um antídoto contra a degenerência kitsch54. Pois, para ele a arte é um

processo de autocrítica e auto-purificação. O ponto cego desta teoria está no

descaso de que a massificação da cultura era resultado da ‘lei da mercadoria”55.

Mas, a guerra fria, resultado das pretensões dominadoras dos americanos

e soviéticos, criou um clima maniqueísta que dominou dramaticamente a cultura e

a política daqueles anos. É concomitante com a reconstrução européia, que tem

como suporte político o plano Marshall, com ênfase militar, diplomática e

recuperação econômica nos países aliados: Inglaterra, França, Itália.

Do lado oposto, na União Soviética, Trotsky e Lenin haviam concebido a

cultura socialista como uma evolução gradual dos códigos depositados na cultura

burguesa diz Kenneth Frampton . Os líderes da revolução de outubro propunham

no lugar da tradição ocidental uma cultura transitória, compatível com a “produção

51Baudrilard in Maria Angélica da Silva, Gavea 6, 198852Giulio Carlo Argan, op. cit, p. 53053idem54O crítico Clement Greenberg, ao analisar os produtos culturais do nazismo e stalinismo, mostrou a que da da cultura de massas no kitsch; segundo ele resultado da falta de flexibilidade das vanguardas, em se colocar a serviço daqueles regimes políticos. Citado por Kenneth Frampton, Avant gard and continuity in Archictetural desing, AD 52, 198255Yves-Alain Bois, Historização ou Intenção (...), Gávea 6, 1988, p. 114

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taylorizada” e a “normalização da sociedade” 56. Entretanto, esta “estratégia

cultural” de dissolução da arte na produção, deu margem ao expurgo das

vanguardas e o retorno da linguagem acadêmica, sob o nome de “realismo

socialista”(1934-1953).

O realismo socialista foi uma operação historiográfica, concebida e

dirigida por Andrei Jdanov, como uma “ técnica repressiva” da expressividade

individual. Jdanov argumentava que a “moralidade e decomposição do conteúdo

da cultura burguesa” conduzia à decadência da forma artística57.

O realismo socialista foi utilizado num primeiro momento como

instrumento de poder, e num segundo como sistema de censura. Foi reflexo em

parte, do recrudescimento soviético na guerra fria, quando Stalin buscava dar

coesão ao bloco comunista, face o “imperalismo” americano.

Os investimentos no campo cultural, tanto por americanos quanto por

soviéticos, dava-se por operações administrativas e institucionais, assim foi o

international style, patrocinado pelo MoMA, o expressionismo abstrato, gerido

por Harold Rosemberg e a Action Paint por Greenberg; movimentos que

atuaram, segundo Serge Guilbault, como o roubo da idéia de arte moderna da

Europa.

Na URSS, no período pós stalin, no final dos anos cinqüenta, apesar da

distensão conduzida por Nikita Kruschev, “favorecendo o arejamento na vida

soviética”58; continuaram intervindo no campo da cultura, como na proposta do

conselho dos ministros, onde se propõe “sobre a remoção do supérfluo nos

planos e construções”. A proposta contida em um documento assinado por

Khrushchev e Bulganin, foi comentada num artigo de Rogers na Casabella59,

onde adverte sobre o perigo da arquitetura soviética tomar o caminho errado

novamente, apesar se sua enorme disposição de matéria prima.

56Kenneth Frampton, op. cit, p.2457Denis Moraes, Imaginário vigiado, 1994, p. 2558idem, p. 12159Ernesto Rogers, Polits and Architecture, Casabella 208, 1955

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Os equívocos da proposta são discutidos em função do movimento

moderno, onde Rogers supõe que as regras soviéticas, pretendam atuar.

Segundo Rogers, entendimento da arte como superestrutura como está no

documento, ocasiona uma dualidade entre utilidade (economia) e problema

estético, enquanto que considerar arte como parte do processo histórico,

relacionado com outros fatores do processo histórico, e não subordinada a

qualquer deles; beleza e utilidade são inseparáveis no fenômeno da arquitetura,

tornam-se, antes, símbolo concreto, testemunha viva da síntese dialética que

compõe a realidade, no dramático desdobramento dos acontecimentos. A

interpretação estética dos fatos objetivos é congênere da criação arquitetônica,

tanto que é impossível concebe-los apriori ou a posteriori, ou qualquer meio

distinto. A vontade da forma é um produto necessário do conteúdo, deve

manifesta-lo na concreta realidade da ação.

Por fim, Rogers questiona a quem compete o criticismo em arquitetura.

No que diz respeito a elaboração de programas, provimento de informação,

gerenciamento e outros requisitos do housing, os arquitetos são os especialistas,

o governo deve, então depositar confiança na sua capacidade interpretativa. A

arquitetura moderna não se satisfaz com soluções a priori, mas oriundas da

consciência individual, que diariamente faz esforços de desenvolvimento crítico e

disciplinar, no profundo ato interpretativo que é a experiência da existência.

A análise de Rogers é uma defesa da autonomia disciplinar arquitetônica.

Baseando nas idéias de Gramsci , dir-se-ia, que a autonomia é um meio de

aquisição de consciência autocrítica, produto que faz distinguir os arquitetos na

produção do espaço, por sua organização específica.

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CONTINUIDADE OU CRISE?

Nos anos cinqüenta os movimentos artísticos polarizam-se em debates

como: abstração e figuração; e, continuidade, revisão ou dogmatização da

arquitetura moderna, enquanto estilo internacional. O individualismo e a liberdade

de criação, apresentavam-se no expressionismo abstrato, na arquitetura

brasileira, na 3a geração60, e na figura do arquiteto liberal61. Ao mesmo tempo, a

história e tradição são revalorizadas no projeto, na crítica e na historiografia, por

arquitetos como Ernesto Rogers e Louis Kahn. Este mosaico de posições do

campo da arquitetura, deve ser confrontado ao panorama cultural do segundo pós

guerra.

Neste período, as teorias da arte e arquitetura, estavam próximas do raio

de influência da ciência e da estética. Geoffrei Scott e Willem Worringer, eram

reverberados com os princípios do einfülung62. As idéias de Baudelaire

mantinham-se através de Clement Grenberg, e mesmo Lúcio Costa. O

concretismo disseminava principios da gestalt. O marxismo, através de trabalhos

distintos como de Arnold Hauser e Georg Luckács, preconizava o método

sociológico para a arte.

Nos anos cinqüenta, a crítica impressionista, que vinha sendo exercida

por escritores, era desacatada pela cientifização e especialização dos

conhecimentos, requeridos pelo mundo do segundo pós guerra, como observou

Mário Pedrosa na sua prática como crítico63. A profissionalização da crítica e da

60teorizada por Sigfried Giedion em Tempo, Espaço e Arquitetura, arquitetos que exercem suas atividades entre 1945 e 1960, a obra paradigmática é a ópera de Sidney de Jörn Utzon61descrita por Josep Montaner em Después de la Arquitetura Moderna, 199362einfühlung pode ser traduzida para o português, por empatia, simpatia simbólica. Atribui-se ao processo de criação cujo o valor estético se coloca numa ação subjetiva, que empresta a sua emoção ao processo de constituição dos objetos, in Renato De Fusco, A Idéia de Arquitetura, 1984, pp 47-4863in Otília Arantes, Mário Pedrosa, Itinerário Crítico, 1991, p. XV

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história da arte, por sua vez, introduzia na relação de forças, uma “programática

separação” da teoria e da crítica em relação à historia64.

Historiadores filiados às pesquisas do Warburg, que relacionava arte e

ciência, introduziram idéias que influenciaram no pensamento sobre

representação nas artes visuais e método projetual. Erwin Panofsky sintetizou o

método interpretativo, chamado iconologia, cujo o valor artístico está no tema ou

significado em detrimento da forma65. Rudolf Wittkower o aplicou à arquitetura, no

“Architectural principles in age of Humanism” de 1949. Investigava o simbolismo

das formas, proporção - regras sintáticas matemáticas, e , o desenvolvimento de

edificios-tipos.

Collin Rowe, aluno de Wittkower, em “The mathematics of ideal villa”66,

comparava a Vila Malcontenda de Paládio com a Vila Garches de Le Corbusier,

mostrando o uso de regras matemáticas como estratégias de composição.

Induzindo, deste modo, que há problemas de projeto que transcendem períodos

históricos como a distinção entre a arquitetura e natureza através da ordem.

Segundo Alina Payne67, ao confrontar exemplos da arquitetura moderna e do

renascimento, Rowe oferece uma estratégia viável de comunicação entre estética

abstrata contemporânea e a tradição histórica.

O processo desencadeado pelos historiadores do Instituto Warburg,

influenciou movimentos como Team X e Novo Brutalismo. Eventualmente, para

Reyner Banhan traçar uma linha de continuidade entre academia - Belas Artes - e

movimento moderno68.

No início dos anos cinqüenta, a dialética entre romântico e clássico ou

livre-expressão e racionalismo, suporte da arquitetura moderna69, parece se

64Alina Payne, Rudolf Wittkower and architectural principles in the age of Modernism, 1994, p. 232. Isto acarretou, em poucos anos, o corte do diálogo da crítica e teoria com a pesquisa conduzida nas universidades, diz Georg Jappe, in La Crítica de Arte na prática, 1980.65Erwin Panofsky,O Significado nas Artes Visuais, 199166artigo publicado na revista Architectural Review em 194767Alina Payne, op. cit. , 1994, p. 33968Banhan in Teoria e Projeto na Primeira Era da Máquina69conceituação de Giulio Carlo Argan, op. cit. 1992

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romper para se transformar pura e simplesmente numa oposição. A crítica de

Alan Colquhoun70 ao apriorismo objetivo do funcionalismo e subjetivo da livre-

expressão, já em outro contexto, reflete a sedimentação de um debate que rejeita

o einfühlung e se aproxima do typisierung71 e abstração do pensamento

moderno dominante72. Destaque-se que einfühlung é o fundamento conceitual da

livre-expressão e da criação marcada pela intencionalidade, das poéticas norte-

americanas e brasileiras citadas anteriormente.

A reconstrução do clima mental promovido por essa relação de

contiguidade da imaginação entre história, teoria e projeto; situa os

empreendimentos teóricos de Ernesto Rogers na arquitetura - noção de uma

relação entre tradição, método e intuição - num caminho diferenciado e engajado

nas heranças do moderno e da teoria italiana. Rogers conduzia a redefinição do

conceito de tradição, e da arquitetura moderna em relação ao processo histórico

do segundo pós guerra. Segundo Montaner73, seus textos são a referência mais

importante para a cultura arquitetônica dos anos cinqüenta e sessenta

A crise da idéia de “superação e progresso” da história74 se enunciava, e,

confrontava-se com a problemática da permanência na modernidade. Fenômenos

ambíguos como, o novo humanismo, nova monumentalidade e neoliberty,

colocam a questão que Ernesto Rogers sintetiza num editorial75 de 1957, “a

arquitetura pode se desenvolver dentro das premissas do movimento moderno ou

deve mudar de curso?, este é problema: continuidade ou crise”.

O criticismo de Rogers ataca o formalismo, uma ameaça real à arquitetura

moderna. Para ele, os melhores trabalhos baseiam-se numa experiência de

cultura assimilada, e não na adoção de maneirismo, ou do apelo ao gosto76.

Embora, considere a arquitetura expressão da sociedade contemporânea, “o

70Alan Colquhoun, Arquitetura moderna y cambio historico, 197871Tipysierung, divisão e racionalização do tipo, que ocorre com a passagem da manufatura para pré-fabricação aberta72observação feita por Alina Payne, op. cit.73Josep Montaner, op. cit., p. 9974Gianni Vattimo, O Fim da Modernidade, 1987, p. 975Ernesto Rogers Continuity or Crisis?, Casabella 215, 195776Ernesto Rogers, Modern Architecture since the Generation of the Masters

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individual isolado é uma abstração”77; avalia que nem sempre os melhores

trabalhos encontrem respostas aos conceitos de realidade de outros homens.

Para Rogers esta é a limitação histórica dos mestres, “eles lançam mensagens

proféticas através das barreiras da história”. Afinal, seus trabalhos são resultado

da realidade vivida com seus problemas concretos. A coerência e unidade de

seus estilos, são resguardados pela coerência e unidade do método.

Deste modo, Rogers78, afirma que o processo histórico desencadeado

pelos mestres: Wright, Mies, Gropius e Le Corbusier, não pode ser entendido

como dogma, significado formal ou fórmula característica, mas como “a força de

um método”, que se perpetua em constante mudança. A inventividade e

objetividade são as qualidades, que tornam a linguagem arquitetônica capaz de

interpretar os mais sensitivos elementos da sociedade.

Desenhos da capela de Ronchamp, de Le Corbusier. A análise do método de

projeto por Rogers, coloca que nesta capela, o espaço é entendido como

existência imediata. A essência da inspiração: “a percepção da intervenção no

mundo, sondando o mundo das formas”. (ref. Casabella 207, 1955)

77Ernesto Rogers, Continuity or Crisis?78Ernesto Rogers, Modern Architecture since the Generation of the Masters

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Segundo Montaner, para Rogers, o papel do arquiteto devia centrar-se na

análise e transformação da realidade. A ligação entre a tradição - trabalho

acumulado - e modernidade - necessidade de transformação - é a tarefa

designada ao arquiteto, compreendido como intelectual nos termos propostos por

Gramsci.

Os arquitetos, poderiam ser definidos, então, como categoria

especializada do campo da técnica produtiva do espaço; que distinguem o

“aspecto teórico da ligação teoria-prática”79, que torna-se autônomo na medida

que desenvolve uma cultura coerente, superior ao senso comum, em permanente

contato com “a fonte dos problemas que devem ser estudados e resolvidos”. Daí,

a persistência de Rogers em salientar a identificação entre ética e estética, que

diz ser a base da arquitetura moderna; e, em sublinhar a coesão entre valores

práticos e teóricos no projeto. Para ele, ausência destes fatores levam os

projetos, planos e estudos dos anos cinqüenta, à não alcançarem suas metas. E,

à dificuldade de situar a contribuição das vanguardas dentro de uma nova

tradição, sem negá-la80.

Rogers substitui a legenda vanguarda por continuidade. Segundo ele, “o

nome é menos sonoro, menos brilhante”, mas, está convencido que

“mesmo nos limites desta modéstia deliberada, está o sinal de

uma consciência histórica, da qual deriva o senso de realidade,

senso da necessidade de aprofundar o estudo da cultura e

espalhar seus efeitos”81.

Para Rogers, o sentido da história é algo conatural entre os europeus,

porque elaboraram-na82. Porém, a historia unitária e portadora, estava perdendo

sua consistência; é a conclusão de Gianni Vattimo baseado em pronunciamento

79Antônio Gramci, Dialética da Cultura, 198280Ernesto Rogers, op. cit.81idem82Ernesto Rogers in Josep Montaner, op. cit. p 99

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do historiador Ernest Boch em 195583. Entretanto, por outro lado, como diz Argan,

a realidade começa a situar a história:

“ uma construção baseada em juízos de valor, e em vez de

fornecer modelos, [passava] a por com urgência problemas”84

Constata-se que o mesmo se dava com a crítica, que sem a preocupação

de criar uma narrativa, tentava enfrentar as questões que a revisão dos temas do

movimento moderno, condicionadas por uma nova ordem mundial.

As necessidades da reconstrução da Europa no segundo pós-guerra,

recolocam os temas da cidade e história, como elementos a serem considerados

no projeto. As experiências anteriores, na construção civil e urbanismo do

movimento moderno, na Alemanha, Holanda e União Soviética, tinham preferido

os espaços vazios da periferia; o que reforçava sua identificação entre cidade

ideal e cidade funcional pelo racionalismo85. Neste sentido, nos anos cinqüenta, a

relação entre a arquitetura e o ambiente deslocava-se da natureza para a cultura,

como patenteia Rogers. A aquisição da arquitetura moderna, neste período, é o

problema da continuidade histórica; numa dialética entre fatores históricos e

considerações práticas.

A cidade de Havre, França, destruída na 2a.

guerra mundial. (ref. Casabella 199, 1953-54)

83in Gianni Vattimo, op. cit., pp. 12-13 84Argan em Projeto e destino, citado por ManfredoTafuri, 1979, p. 7485Giulio Carlo Argan, Arte Moderna, 1992

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A reconstrução de Havre: Auguste Perret,

1946-54. Para Rogers, Perret, captava as

influências culturais, baseando seus impulsos

poéticos, em planos racionais.

A perda do monopólio político, ideológico e cultural pela Europa, por outro

lado, delineia para os arquitetos a tarefa de inserir o movimento moderno na

diversidade de culturas, identidades e estágios de desenvolvimento. Variáveis,

que a cultura auto-centrada do iluminismo e o internacionalismo do modernismo,

não deram conta. Isto promove o redimensionamento e reorientação do

pensamento e práticas arquitetônicas modernas. Neste quadro, o criticismo não

formalista de Rogers, que evitava os esquemas abstratos (apriori) de avaliação,

tinha meios de analisar trabalhos de outros contextos, como o brasileiro por

exemplo, a luz de seu próprio processo histórico e suas condições ambientais;

contra um cosmopolitismo, que substitui “um sentimento universal”86.

Os comentários sobre a arquitetura brasileira87, começam pela

observação sobre os juízos exagerados, arbitrários e diametralmente opostos,

referindo-se aos suiços, Max Bill e Sigfried Giedion. Para Rogers, ambos

recorriam à critérios preestabelecidos de análise. Giedion que pensava ver um

novo tipo de liberdade na arquitetura brasileira, falhava em perceber que esta

degenerava-se em extravagância. Bill, não tinha habilidade para apreciar o

significado de uma arte diferente da sua, mesmo nos casos em que os trabalhos

tem indubitável valor artístico. Na opinião de Rogers, Giedion e Max Bill

praticavam uma crítica formalista.

É interessante abrir um parentes, para comparar o criticismo de Giedion e

Rogers, no aspecto que ambos absorviam o aspecto intuitivo e espontâneo da

criação artística, e, admiravam o trabalho de Le Corbusier, talvez por isso,

avaliassem positivamente a arquitetura brasileira.

O trabalho dos brasileiros é identificado com as tradições espontânea:

Oscar Niemeyer; tradição culta (o humanismo português adaptado ao Brasil):

86Ernesto Rogers, Modern Architecture since the Generation of the Masters87Ernesto Rogers, Towards a non-formalist criticism

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Lúcio Costa; sendo que Eduardo Reidy representava a “feliz fusão” entre estas,

segundo Rogers, o seu trabalho representa como as tradições, mesmo voltadas

para si mesmas, podem contribuir para resolver problemas em outros campos

específicos.

O trabalho de Niemeyer especificamente, embora valorizado pela

“inequívoca identificação material” com o meio fisiográfico, comete faltas no

âmbito de preferir o luxo à solução técnica dos problemas sociais da arquitetura.

A sua crítica refere-se, entretanto, menos à excentricidade de seus temas, que à

impossibilidade de enquadra-los em qualquer sistema orgânico de projetação.

Casa de Canoas no Rio de Janeiro, 1953:

Oscar Niemeyer. Foco do debate

internacional em 1954. (ref. Módulo 80,

1984).

Conjunto Residencial Pedregulho, Rio de

janeiro: Eduardo Reidy (ref. BAC1, 1953)

A nova realidade do movimento moderno foi enfrentada com

antagonismos e polêmicas, mas nos anos cinqüenta, segundo Josep Montaner ,

havia um acordo sobre quais eram os “temas transcendentais para

arquitetura”88.O criticismo dos anos cinqüenta tinha escolhido como alvos

principais o estilo internacional e o urbanismo racionalista. Com menor ênfase o

formalismo e o individualismo exacerbado na projetação89. Os primeiros

adversários estavam praticamente vencidos; Tafuri os configura como “demasiado

88Josep Montaner, op. cit., p. 3289faz-se referência aqui à Rogers e Max Bill, respectivamente.

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simples e atrasados”90. Aos segundos, devidamente contextualizados no período,

não foi dado peso devido, em termos do alcance desta discussão; que inclui,

principalmente o trabalho dos mestres

A EVOLUÇÃO DA ARQUITETURA, RESPOSTA AO GUARDIÃO DAS

GELADEIRAS91

A escrita da história se produz em função de uma instituição, diz Michel

de Certeau92. Os conceitos, métodos e temas tratados dependem de um “lugar

social”; que envolve desde estruturas econômicas e políticas, patrimônio histórico

e cultural, e nível de organização do campo disciplinar e profissional. Esta relação

entre discurso e “lugar social”, torna-se condição de análise do papel da crítica de

dotar de inteligibilidade e intervir nos processos históricos da arquitetura.

Fatos que ligam o discurso a um contexto determinado, estão expostos

nas revistas especializadas na década de cinqüenta. O amplo espaço ocupado

pela crítica, neste período, indica a importância desta na orientação do processo

histórico, deu-lhe capacidade de diferenciação ideológica; mas, não escapou dos

perigos de assimilação de valores extra-disciplinares e não artísticos.

Casabella-Continuitá, era a catalisadora do debate no norte da Itália diz

Montaner93 (1993), ligada ao CIAM, tinha no termo “continuitá”, a explicitação do

seu programa; uma revisão crítica dos temas do movimento moderno, que aliava-

se ao processo de continuidade da própria história.

Metron que veiculava propostas de defesa do organicismo; e,

L’Architetura.Cronache e Storia que se propunha a compreensão das revisões

90Manfredo Tafuri, Teorias e História da Arquitetura, 1979, p. 9091fragmento do título do artigo de Rogers, L’evolucione dell’architettura, resposta al custode dei frigidaires, Casabella 228, 195992Michel de Certeau, A Escrita da História, 1882, p. 6693Josep Montaner, op. cit.

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historiográficas da arquitetura moderna que começavam a aparecer. Estas

revistas são ligadas a Bruno Zevi94.

Archicteture Ad’jourd’hui marcava a posição francesa, que exaltava o

papel da criatividade na arquitetura; e justificava a figura do arquiteto liberal, um

artista com linguagem pessoal, independente em relação às “políticas de gestão”.

Esta revista promoveu uma crítica apologética à arquitetura moderna brasileira,

nos anos quarenta e cinqüenta.

A revista inglesa, Architectural Review, abordava as dualidades entre

urbanismo vernacular e racionalista, reflexo das primeiras new towns, ou entre a

ética progressista-tecnológica ou a ética “popular”, divulgou movimentos

antitéticos como novo humanismo, filosofia da paisagem95, novo brutalismo e

architecture autre. A revista nos anos trinta e quarenta veiculava a ortodoxia da

arquitetura moderna, através de Nicolaus Pevsner; amenizou seu discurso no

inicio dos anos cinqüenta, defendendo uma versão “mais humanizada” da

arquitetura moderna. Assim, autorizando a informalidade pitoresca inglesa;

argumentando, através de Pevsner96, que defendia o genius loci e o trânsito

entre “princípios e sentimento”.

Habitações de Alton East, Roehampton, Londres, 1953-56: LCC Architects Departament. Exemplo do Movimento “people Detailing”, ou novo humanismo.(ref. Jenks, 1985)

94idem95elaborado por Gordon Cullen, diretor de arte da revista96Nicolaus Pevsner, Pituresque, Architectural Review 688, 1954

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A historiografia do moderno na Architectural Review, sob a influência de

Pevsner, parte do arts and crafts para elaborar para elaborar uma interpretação

tecnológica, que resulta na eleição do design e estandardização como elementos

centrais da poética moderna. Giedion esquematiza esta posição, aliando à

tendência neo-kantiana do pensamento contemporâneo e ao purovisibilismo. Para

ele, a concepção espacial do moderno (relação dialética entre exterior e interior)

expressa uma nova visão do mundo (explicada pela matemática e física), que se

torna possível graças à nova tecnologia. A contribuição de Giedion para o

contexto inglês, no entanto, está no fato de propor uma definição programática à

“intuição” e espontaneidade, guias do projeto97.

Reyner Banhan, assistente de Pevsner, no final dos anos cinqüenta

reafirma a linha tecnológica, recuperando o sentido de “ruptura” do moderno,

persistindo em assimilar a noção de progresso ao processo histórico da arte.

Reinvindica, assim, a hegemonia da orientação do projeto moderno, através da

teorização de movimentos como o novo brutalismo e arquiteture autre, onde

localizava “programas”, que concretizavam os objetivos daquele projeto98.

Exposição “This is Tomorrow”, incluiída

entre as manifestações do movimento

arquitecture autre

O debate era acirrado entre a Architecture Review e a Casabella, sendo

que a primeira, neste período, não possuía uma ideologia unitária; e a segunda,

tinha um programa claramente legível. As posições de Rogers, são contrastadas

com a de dois críticos da revista inglesa, J M Richards e Reyner Banhan,

97Alina Payne, op. cit.,p. 33198baseado na definição de projeto e programa em Cornelius Castoriadis, A Instituição Imaginária, 1982

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verificando sua posição em relação à sua visão dos rumos da arquitetura

moderna, quanto em relação ao método de projeto em arquitetura.

J M Richards defendia um vernáculo contemporâneo, um modelo para

guiar os arquitetos não criativos em 1953; em conformidade com as necessidades

de humanizar a arquitetura, face as “técnicas desumanizadas”. Posteriormente,

num artigo de 195799, na análise dos produtos arquitetônicos da reconstrução

européia, perguntava “o que aconteceu com o movimento moderno”. Para

Richards, o artigo mostra com “fatos visíveis e as vezes feios”, a total falência da

Europa Ocidental de aproveitar as oportunidades que o pós-guerra oferecia.

Apontava como causas, além das vicissitudes nacionalistas dos países,

reminiscências de sua tradição:

O grau de mecanização da produção exigido pela arquitetura moderna

não correspondia ao modo de produção artesanal que predominou na

reconstrução européia, principalmente inglesa - o que explica o seu

aspecto vernacular. A indústria da construção civil não tinha se

organizado para tirar vantagem dos métodos de pré-fabricação diz o

crítico.

A velha geração a quem foi confiada grande parte do trabalho de

reconstrução manteve as mesmas conexões comerciais e oficiais do pré-

guerra, enquanto que a nova geração não havia adquirido experiência de

construção,

O movimento moderno não estava firmemente estabelecido, nem seus

princípios foram bem compreendidos , ao contrários de que os arquitetos

progressistas acreditavam. J M Richards afirmava que a batalha tinha

que ser lutada novamente sobre o nível do não conversível esteticamente.

A tentativa de J M Richards era de localizar suas posições sobre a

atualidade do contexto da reconstrução inglesa, uma “arquitetura do estado

99JM Richards, Europe Reconstruction 1945-56, Architectural Review 706, mar. 1957

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assistencial” segundo Kenneth Frampton100, ainda mantendo premissas da

arquitetura moderna; como a defesa da predominância do urbanismo sobre a

arquitetura. Incluindo, todavia um certo parcialismo nos exemplos apresentados e

nos seus comentários. As opiniões de Richards podem pelo menos, serem

relativizadas, confrontando com balanços da reconstrução européia de outras

revistas.

A L’Architecture D’Aujourd’hui101, sobre habitação coletiva, traz uma

amostragem mais ampliada, e ideologicamente ligada à arquitetura moderna, com

obras de qualidade na Inglaterra, Holanda, Itália, e, América Latina, ainda as

preocupações francesas e belgas, com a industrialização do processo construtivo,

que apresentam uma visão massificadora da habitação coletiva. A situação

francesa, considerada conservadora por Richards; não foi desmentida por Eugène

Petit, do ministro da reconstrução da França (1948-54), a despeito do seu

trabalho preocupado com a qualidade estética e construtiva. Petit quando prefeito

de marselha, promoveu a construção das unidades de Marselha de Le Corbusier

(1946). O artigo de Petit, foi publicado na Casabella, e constitui uma análise

autocrítica, que ultrapasa os julgamentos pejorativos.

Este episódio, pode evidenciar diferenças no criticismo entre as revista

inglesa e italiana; entretanto, dois aspectos importantes levantados por Richards,

são mais incisivos neste sentido, a defesa de um vernáculo contemporâneo, e o

questionamento do estabelecimento dos principios da arquitetura moderna. Uma

diferença substancial da posição anti-dogmática e anti manualística de Rogers,

idéia que baseia os trabalhos na concretude dos fenômenos, numa relação entre

inovação e ambiente; que considera “história”102.

O método de projeto para Rogers, constitui um problema geral que coloca

nestes termos103:

100Kenneth Frampton, História Crítica de la Arquiteura, 1987101L’Architecture D’aujourd’hui 74, 1957-58102Ernesto Rogers, Existing Environment (...), 103idem

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“se todo trabalho de arquitetura é por definição um trabalho de

arte, e todo trabalho de arte é por definição um ato original, quais

os limites que o artista deve colocar a si mesmo, se seu trabalho

criativo é permanecer dentro do que chamamos limites da verdade

e tornar-se parte orgânica de um complexo epaço-temporal”

Para Rogers, o processo do artista sintetiza vários aspectos técnicos da

construção, expressando inevitavelmente seu “estilo particular’’, mas não pode se

furtar de relacionar no seu “ato criativo, todos os elementos que operam no

campo de sua ação”. Estes são as pré existências ambientais: ruas, edifícios e

pessoas, que supõe a dialética entre o velho e o novo.

A Torre Velasca, na análise de Tafuri (1990), toma lugar na cidade

interpretando liricamente o corpus urbano; a expectativa é de catarses que

emergiria das intenções de esconder-se na suspensão de objeto singular. (ref.

Montaner, 1993)

A intenção de Ernesto Rogers, Gian Carlo de Carlo, Vitório Gregotti,

diretores da revista Casabella-Continuitá na década de cinqüenta, era de intervir

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no processo da arquitetura, dando-lhe uma direção. O entendimento do

movimento moderno como um processo metodológico, conduziu a revista à

pesquisa das origens da arquitetura moderna104, que relacionava-se com uma

necessidade de radicar mais profundamente na via da tradição moderna105.

Mas, as tentativas de recuperar as “valências deixadas livres” pelas

vanguardas, resultaram em mal entendidos como o neoliberty, classificação que

incluiu os edifícios; Bottega d’Erasmo (1950-53), de Gabetti e Isola; La Zattere

(1954-56), de Ignacio Gardella; Torre Viale Etiopia (1950-54), de Mário Ridolfi;

casa Baldi (1959), de Paolo Portoguesi. Estes arquitetos colocavam o valor da

referência autobiográfica; e, afirmavam que o movimento moderno estava falido e

havia tornado-se supérfluo. Este movimento pode ser contextualizado na

observação de Tafuri que diz que “os diálogos com o antigo estão na ordem do

dia no pós-guerra”106: neo-empirismo, e populismos ingleses e italianos atestam

sua afirmação.

Bottega D’Erasmo, Turin, 1953-56:

Roberto Gabetti e Aimaro Isola. Defesa

da escolha pessoal.

(ref. Tafuri e Dal Co, 1979)

104textos sobre Le Corbusier, Wright, Loos, Van de Velde, Horta, Berlage, Perret, Art Noveau, Kauffman, etc.105Manfredo Tafuri, Teorias e Historia da arquitetura, 1979, p. 89106idem, p. 87

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Rogers107 avalia que as revistas Casabella e Architectural Review,

eram do ponto de vista cultural, as mais engajadas do mundo; deste modo

direcionavam os debates nos anos cinqüenta. Os episódios desencadeados pelo

aparecimento do neoliberty, acirrado por artigo pejorativo de Banhan108, que

acusa a retirada infantil da Itália do movimento moderno, marcam as defasagens

dos paradigmas tanto destas revistas, quanto da situação de cada país. Para

Rogers, o neoliberty não resumia toda arquitetura da Itália, mas apontava a

questão se o movimento arquitetônico da época, representava a “continuidade ou

crise” do moderno.

Rogers diz que a recuperação do liberty, assim como de qualquer outro

estilo, não consegue integrar coerentemente os valores do estilo, quando os

conteúdos não estão totalmente elaborados, apenas representavam uma revisão

do gosto.

Na Itália, a relação de forças sobre a forma de manipulação da historia,

nos anos cinqüenta, compunha um quadro de assumir ou não a crise de valores

do moderno. De um lado, Saverio Muratori, com a tipologia como uma “síntese à

priori”; o movimento neoliberty; e mesmo Bruno Zevi com suas tentativas de

catalogar uma sintaxe moderna; do outro lado, a postura anti-codificação formal

Rogers; e, Argan propondo a arquitetura como síntese entre experiência e projeto,

produto de um método109. Num debate110 sobre a capela de Ronchamp, de Le

Corbusier, a polaridade se fragmenta. Argan analisa a obra como irracionalismo,

que comporta contradição com a origem civil da arquitetura moderna. Rogers

defende a capacidade de Le Corbusier, interpretar cada tema com absoluta

imparcialidade. Para Rogers, Ronchamp é “uma inquestionável expressão da arte

de Le Corbusier”.

107Ernesto Rogers, L’evoluzione D’ella Architettura (...)108Reyner Banhan,Neoliberty, the italian rtreat from modern Architecture, Architecture Review 747, 1959109não foi possível a este trabalho, incluir Aldo Rossi e Giuseppe Samoná neste quadro110Giulio Carlo Argan e Ernesto Rogers, A debate on the moral grounds of Architecture

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Rogers coloca uma questão sobre a defasagem destas análises, que

podemos situar ainda no terreno do espanto, ou seja, ainda inconsciente

“é curioso como mesmo pessoas que geralmente concordam no

discurso de arquitetura, podem olhar o mesmo objeto, e ver coisas

tão diferentes”111

Tafuri diz que nos anos cinqüenta era difícil para cultura italiana

interpretar Argan. Como Também foi difícil localizar o individualismo e

subjetivismo de Wright, Le Corbusier e Mies.

“(...) o significado destes trabalhos (...) pelos temas de

virtuosismo composicional, o ‘jogo de diferenças’, e memória

permaneceu letra morta para a cultura italiana, que pelo momento

estava privilegiando outras leituras e virando-se para textos e

exemplos mais acessíveis”112

O desejo de orientação, de clarificar, simplificando; conduziu no final da

década a grande assimilação na Itália, do livro de Leonardo Benevolo, História da

Arquitetura Moderna. Este aproximava-se da linha historiográfica de Pevsner-

Banhan, na “tradição do novo”, e comprimia as renovações dos anos cinqüenta,

no mesmo fio condutor das vanguardas do pré guerra. Tafuri113 diz que Benevolo

não estava interessado na disputa entre as diferentes linguagens.

111Ernesto Rogers in idem112Manfredo Tafuri, op. cit. p. 56113Manfredo Tafuri, History fo Italian Architecture, 1990

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Monumento as caídos nos campos de concentração alemães (1946-52),

Cemitério Monumental de Milão: BBPR. Segundo Tafuri (1990), o objeto e

muito racional se comparado à imensidão do massacre. (ref. Argan, Arte

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