rogÉrio cangussu dantas cachichi um confronto ... · justiça como equidade a partir de revisão...
TRANSCRIPT
ROGÉRIO CANGUSSU DANTAS CACHICHI
UM CONFRONTO CONTRATUALISTA: RAWLS E HABERMAS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina. Orientador: Prof. Dr. Elve Miguel Cenci
LONDRINA 2011
ROGÉRIO CANGUSSU DANTAS CACHICHI
UM CONFRONTO CONTRATUALISTA: RAWLS E HABERMAS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina.
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________ Prof. Dr. Elve Miguel Cenci
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________ Prof. Dr. Charles Feldhaus
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________ Prof. Dr. Joaquim José de Moraes Neto
Universidade Estadual de Londrina
Londrina, _____de ___________de _____.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Estadual de Londrina (UEL). Aos Professores do
Departamento de Filosofia, especialmente ao orientador desta monografia o Doutor
Elve Miguel Cenci, aos demais componentes da banca Doutor Charles Feldhaus e
Doutor Joaquim José de Moraes Neto, àqueles responsáveis pelas disciplinas
diretamente vinculadas à monografia de conclusão do curso, Doutor Lourenço
Zancanaro, Doutor Marcos Alexandre Gomes Nalli e Doutor Volnei Edson dos
Santos e ao Juiz Federal Doutor Gilson Luiz Inácio, sem os quais não seria possível
este trabalho. Pelos subsídios, ao Doutor Carlos Alberto Albertuni, Doutor Clodomiro
Bannwart Júnior e ao Doutor Jonathan Hernandes Marcantonio. Pela leitura prévia,
ao Doutor Marcos Rodrigues da Silva. Pelo estímulo, à Doutora Renata Lígia
Tanganelli Piotto, ao Doutor Carlos Alberto Navarro Perez, ao Doutor Márcio Valério
Alves da Costa, ao Doutor Fernando Silva Gonçalves, ao Doutor Carlos Luciano
Manholi, à Doutora Maria Cristina Müller, ao Doutor Carlos Neves Júnior, ao Doutor
Elvis Aparecido Secco, ao Professor Cleverson Neves, ao Doutor Marco Antonio
Silva de Macedo Júnior, ao Doutor Sergio Salomão Cachichi, ao Doutor Sérgio
Gomes Nunes e ao Doutor Érico Maejima Pires de Oliveira.
A todos os colegas, sobretudo ao brilhante Lucas Antonio Saran e à
acadêmica Priscila de Andrade.
À Corregedoria da Justiça Federal da 4ª Região. À Juíza Federal
Doutora Vivian Josete Pantaleão Caminha. Aos funcionários da Biblioteca da Seção
Judiciária do Paraná. Aos servidores da 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de
Londrina.
Ah!, de que maneira os mortais censuram os
deuses! A dar-lhes ouvidos, de nós provêm todos
os males, quando afinal, por sua insensatez, e
contra vontade do destino, são eles os autores de
suas desgraças.(...)
Zeus (HOMERO. Odisséia. Trad. Antônio Pinto de
Carvalho. São Paulo: Nova Cultural, 2003, p.16)
CACHICHI, Rogério Cangussu Dantas. Um confronto contratualista: Rawls e Habermas . 2011. 101f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Filosofia) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2011.
RESUMO
Reconstrói os elementos fundamentais da argumentação acerca da justificação dos princípios da justiça como equidade. Boa parte do trabalho desenvolvido por John Rawls no campo da filosofia política contemporânea pode ser sintetizado na busca pela compreensão de como é possível existir e se manter no decorrer do tempo uma sociedade justa e estável de cidadãos livres e iguais, porém profundamente divididos por doutrinas religiosas, morais e filosóficas que, conquanto razoáveis, são incompatíveis entre si? Rawls dedicou grande parte de seu trabalho para dar uma (e não “a”; advirta-se desde logo a doutrina em foco vem ao lume como uma alternativa viável, não como a única possível) explicação plausível a essa inquietante indagação. O presente estudo objetiva reconstruir os elementos fundamentais da justiça como equidade a partir de revisão bibliográfica das principais obras de Rawls, a saber, Uma Teoria da Justiça e O Liberalismo Político. Além disso, objetiva reconstruir algumas críticas a tal concepção, com particular ênfase àquelas dirigidas contra o desenho da posição original, opostas por Jürgen Habermas no artigo Reconciliation Through the Public use of Reason: Remarks on John Rawls’s Political Liberalism, bem assim expor a resposta de Rawls à Habermas, igualmente publicada no artigo Political Liberalism: Reply to Habermas. Ambos os artigos foram publicados em 1995 em edição especial da revista The Journal of Philosophy. A posição original consiste no artifício de representação desenvolvido por Rawls para substituir a noção de contrato do contratualismo clássico e constitui um dos mais relevantes sustentáculos da teoria da justiça rawlsiana, por meio do qual dois princípios da justiça seriam imparcialmente estabelecidos. Cristaliza-se, com efeito, a famigerada justiça como equidade. Ao final, apresenta rol articulado de conclusões resgatando as principais teses do trabalho. Palavras-chave: Justiça. J. Rawls. J. Habermas. Posição original.
CACHICHI, Rogério Cangussu Dantas. A contractarian confrontation: Rawls and Habermas . 2011. 101f. Work of Completion of Course (Graduation in Philosophy) – University State of Londrina, Londrina, 2011.
ABSTRACT
Reconstructs the fundamental elements of argumentation on the justification of the principles of justice as equity. A great part of the work developed by John Rawls in the field of contemporary political philosophy could be synthesized in the search for comprehension on how it is possible to exist and sustain through time, a fair and stable society of free and equal citizens, though deeply divided by religious, moral and philosophical doctrines that, although reasonable, are incompatible with each other? Rawls dedicated much of his work to give a (and not "the"; caution be taken from now that the focused doctrine comes to light as a viable alternative, not as the only possible) plausible explanation to this disturbing issue. The present paper intend to reconstruct the fundamental elements of justice as fairness, beginning from bibliographic revision of Rawls main works, namely, A Theory of Justice and The Political Liberalism. Furthermore, it objects to reconstruct some critics to this conception, with particular emphasis on those driven against the design of the original position, opposed by Jürgen Habermas in the article Reconciliation Through the Public use of Reason: Remarks on John Rawls’s Political Liberalism, as well as expose Rawls' response to Habermas, equally published on the article Political Liberalism: Reply to Habermas. Both articles were published in 1995 in a special edition of The Journal of Philosophy magazine. The original position consists on the artifice of representation developed by Rawls to substitute the concept of contract on classical contract and constitutes one of the most relevant supports of Rawls' justice theory, through which two principles of justice would be impartially established. It crystallizes, indeed, the notorious justice as equity. At closure, it presents an articulated role of conclusions, rescuing the main thesis of the work.
Keywords: Justice. J. Rawls. J. Habermas. Original position.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Cf. – confira, confronte
IC – imperativo categórico
LP – O Liberalismo Político
p. - página
TJ – Uma Teoria da Justiça
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................10
1. DE UMA TEORIA DA JUSTIÇA AO LIBERALISMO POLÍTICO: AS IDÉIAS
FUNDAMENTAIS DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE ................................................12
1.1. Utilitarismo clássico .................................................................................14
1.2. Intuicionismo ...........................................................................................17
1.3. Contratualismo rawlsiano ........................................................................19
2. A CRÍTICA DE HABERMAS...........................................................................36
2.1. Reconciliation ..........................................................................................36
2.2. Apanhado geral das críticas habermasianas...........................................39
2.3. A crítica sobre a concepção da posição original de Rawls......................41
2.3.1. O problema da full autonomy ...........................................................44
2.3.2. Direitos básicos e bens primários.....................................................47
2.3.3. O véu da ignorância .........................................................................53
3. A RESPOSTA DE RAWLS.............................................................................61
3.1. Observações propedêuticas....................................................................61
3.2. Rawls e Habermas: mesma família, distintas pretensões .......................61
3.3. Instrumentos de representação: a posição original como parte da teoria
da justiça de Rawls e a situação ideal de fala como parte da teoria da ação
comunicativa de Habermas ...................................................................................75
CONCLUSÕES .........................................................................................................87
Capítulo 1: conclusões...........................................................................................87
Capítulo 2: conclusões...........................................................................................91
Capítulo 3: conclusões...........................................................................................94
REFERÊNCIAS.....................................................................................................99
ANEXOS .................................................................................................................102
Anexo A - A distinção entre princípios e regras como espécies de normas na obra
teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy
Anexo B - Reconciliation Through the Public use of Reason: Remarks on John
Rawls’s Political Liberalism
Anexo C - Political Liberalism: Reply to Habermas
INTRODUÇÃO
Em 1971 publicou John Rawls A Theory of Justice, a partir da qual
“sua teoria passa a ser ponto de referência em qualquer discussão contemporânea
sobre ética ou filosofia política, influenciando também as ciências sociais” (WELTER,
2001, p.1).
Sua obra, como se verá a seguir, dialoga com a doutrina do
utilitarismo. Na visão rawlsiana, subordinação das liberdades ao bem estar
econômico, consectária do utilitarismo, não se sustenta perante as bases das
contemporâneas instituições democráticas. Tem-se com Rawls, pois, senão uma
resposta definitiva, ao menos uma alternativa, ao utilitarismo.
É bem verdade que tal empreita despertou críticas de inúmeros
estudiosos. Delas, um bom apanhado foi apresentado por Roberto Gargarella na
obra “As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política”.
Nessa obra, além de mencionar a crítica de Jürgen Habermas ponto nodal desta
monografia, consta claramente exposto o saldo de outras críticas como as lançadas
por liberais conservadores como Robert Nozick; liberais igualitários como Ronald
Dworkin e Amartya Sen; sem deslembrar das assertivas do movimento feminista
com ênfase a Catarine MacKinnon; dos marxistas analíticos do porte de filósofos
como Gerald Cohen; além dos comunitaristas dentre os quais Charles Taylor,
Michael Sandel, Michael Walzer e Alasdair MacIntyre; sem contar com as
contribuições teóricas e críticas do pensamento republicano. Ao oferecer resposta
tais variadas críticas, Rawls culminou por submeter sua teoria da justiça a uma
severa reformulação, que culminou nas obras O Liberalismo político e Justiça como
equidade: uma reformulação, publicadas respectivamente em 1993 e 2001.
Entrementes, o objetivo do trabalho será tão-somente o de
apresentar uma síntese de parte do debate inaugurado a partir das críticas que a
teoria da justiça de Rawls recebe de Jürgen Habermas. A crítica de Habermas
intitulada Reconciliation Through the Public use of Reason: Remarks on John
Rawls’s Political Liberalism e a resposta de Rawls, Political Liberalism: Reply to
Habermas, foram publicadas em edição especial da revista The Journal of
Philosophy, vol. 92, n.3 (Mar.1995). A bem da verdade e como se verá, esta
monografia trata sobretudo da crítica de Habermas acerca da posição original, um
11
dos sustentáculos da teoria da justiça rawlsiana. Dar os contornos da crítica
habermasiana e da resposta de Rawls constitui o principal problema ao qual o
trabalho visa dar uma resposta.
No capítulo 1, reconstroem-se as bases fundamentais presentes
tanto na teoria da justiça quanto no liberalismo político de John Rawls. No capítulo 2,
analisa-se a crítica de Habermas. Finalmente, no capítulo 3, perscruta-se a réplica
de Rawls. O trabalho chega a termo com algumas conclusões a respeito do debate.
1. DE UMA TEORIA DA JUSTIÇA AO LIBERALISMO
POLÍTICO: AS IDÉIAS FUNDAMENTAIS DA JUSTIÇA COMO
EQUIDADE
De início, desde logo afigura-se de bom aviso tomar por certo que
principiar pela cuidadosa reconstrução de alguns elementos de capital importância
para John Rawls quiçá não seja o único primeiro passo possível no intento de
transcorrer o percurso necessário a que nos propusemos, mas constitui providência
quando menos prudente. A aludida reconstrução não adentrará em pormenores, os
quais serão, na medida em que úteis, resgatados nos dois capítulos seguintes. É
que, ao nosso sentir, apenas com as bases fundamentais bem fincadas e sólidas,
poder-se-á, em terreno firme, volver toda a atenção ao detalhado exame da crítica
habermasiana em torno da posição original e suas conseqüências, bem como do
não menos atilado exame da réplica rawlsiana à crítica de Habermas. Ao cabo do
que, no momento derradeiro, estaremos aptos a lançar rol articulado e não exaustivo
de conclusões.
Para Rawls, quando injustas, devem ser abolidas as leis e as
instituições, independentemente de organização ou eficiência (RAWLS, 2008, p.4);
assim, segundo Gargarella, Rawls foca boa parte de seu trabalho na busca de uma
resposta para identificar quando uma instituição funciona de modo justo
(GARGARELLA, 2008, p.1). No Liberalismo Político, o principal foco de Rawls é a
compreensão da possibilidade de existir, no decorrer do tempo, uma sociedade de
cidadãos livres e iguais, ainda que divididos por doutrinas religiosas, morais e
filosóficas que, conquanto razoáveis, não são compatíveis entre si (RAWLS, 2000,
p.25). A grande questão a ser respondida pelo liberalismo político1 de Rawls, pois, é
a seguinte: “como é possível que doutrinas abrangentes2 profundamente opostas,
1 Entenda-se por liberalismo político a doutrina política cunhada por Rawls, cujo objetivo principal é conceber uma teoria da justiça em meio a uma pluralidade de doutrinas abrangentes, razoáveis e incompatíveis entre si. 2 Doutrinas religiosas como não-religiosas, morais, filosóficas, liberais, conservadoras, contanto que razoáveis, poderiam ser enquadradas neste conceito de “doutrinas abrangentes razoáveis”. Seria exemplo de doutrina abrangente não-razoável a doutrina do
13
embora razoáveis, possam conviver e que todas endossem a concepção política de
um regime constitucional?” (RAWLS, 2000, p. 25).
Afirma Rawls que a justiça está para as instituições sociais como a
verdade está para os sistemas de pensamento. Constitui “a virtude primeira das
instituições sociais” (RAWLS, 2008, p.4). Por consectário, teorias científicas devem
ser ajustar à verdade, da mesma forma que instituições à justiça3. Verdade e justiça
em Rawls são bens que se sustentam a si próprios e, portanto, “não aceitam
compromissos” (RAWLS, 2008, p.4).
Mas, quando uma instituição é justa? A essa pergunta outras
correntes teóricas apresentaram respostas diferenciadas. É o caso da utilitarista e
intuicionista, às quais Rawls procurou se opor em sua teoria da justiça.
Deveras, confessadamente John Rawls buscou com sua teoria da
justiça oferecer, após longos quase cem anos (desde John Stuart Mill – 1859-1863 a
19604) de hegemonia das teorias sistemáticas dos utilitaristas5, “uma explanação
sistemática alternativa da justiça que é superior, pelo menos é isso que argumento, à
tradição utilitarista predominante” (RAWLS, 2008, p.XLIV); “...uma teoria da justiça
que seja uma alternativa viável a essas doutrinas que há muito dominam nossa
tradição filosófica” (RAWLS, 2008, p.3).
Nesse sentido, afiança-nos Welter que o pensamento de Rawls
emerge no debate com o utilitarismo - teoria dominante na maior parte do período
moderno da filosofia moral. Rawls torna-se assim um dos principais opositores
contemporâneos ao utilitarismo (WELTER, 2001, p.2).
Entrementes, não apenas ao utilitarismo, senão também ao
intuicionismo a teoria da justiça como equidade pretende ser uma alternativa. Tanto
quanto o utilitarismo, o intuicionismo, na visão de Rawls, não contempla uma
Nazismo, incompatível que é com instituições democráticas. 3 Nas palavras de John Rawls: “Por mais elegante e econômica que seja, deve-se rejeitar ou retificar a teoria que não seja verdadeira; da mesma maneira que as leis e as instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformuladas ou abolidas se forem injustas” (RAWLS, 2008, p.4). 4 Apresentando a edição brasileira da obra de John Rawls adotada neste trabalho, o comentador Álvaro de Vita refere ao “eclipse da teoria política normativa” (RAWLS, 2008, p.XII) desses anos. 5 John Rawls cita nominalmente grandes utilitaristas como David Hume e Adam Smith, Jeremy Bentham e John Stuart Mill (RAWLS, 2008, p.XLIV).
14
satisfatória resposta à questão da justiça6.
1.1. UTILITARISMO CLÁSSICO
Como é sabido, no utilitarismo o valor moral da ação é estabelecido
a partir da maximização proporcionada por ela em prol do bem-estar geral
(GARGARELLA, 2008, p.3). Cuida-se do assim chamado princípio da maior utilidade
geral. Rawls descreve o modelo clássico de Henry Sidgwick7, no qual:
A ideia principal é que a sociedade está ordenada de forma correta e, portanto, justa, quando suas principais instituições estão organizadas de modo a alcançar o maior saldo líquido de satisfação, calculado com base na satisfação de todos os indivíduos que a ela pertencem. (RAWLS, 2008, p.27)
Como se pressente, a ênfase está no resultado da ação (concepção
teleológica e consequencialista), e não no escopo em razão do qual a ação foi
praticada (concepção deontológica). Gargarella acentuou:
Rawls, como muitos outros liberais, defenderá uma concepção não-consequencialista (‘deontológica’), isto é, uma concepção segundo a qual a correção moral de um ato depende das qualidades intrínsecas dessa ação – e não, como ocorre nas posturas ‘teleológicas’, de suas conseqüências, de sua capacidade para produzir certo estado de coisas previamente avaliado. (GARGARELLA, 2008, p.3)
Tomando estes dois elementos: a noção de bem e a de justo, pode-
se asseverar que o utilitarismo, como teoria teleológica que é, define o bem
independente do justo e o justo como aquilo que eleva o bem ao máximo. Fica clara
a natural primazia da noção de bem da teoria utilitarista. Nas palavras de Rawls:
Os dois conceitos principais da ética são os do justo e do bem; creio que deles provém o conceito de pessoa moralmente digna. A estrutura da teoria ética é, então, em grande parte definida pelo modo como define e interliga essas duas ideias elementares. Parece, então, que a maneira mais simples de interligá-las é adotada pelas teorias teleológicas: define-se o bem independentemente do justo e, então, define-se o justo como aquilo que eleva o bem ao máximo. (RAWLS, 2008, p. 29)
6 “...a teoria da justiça como equidade pretende ser uma alternativa à doutrina utilitarista e à do intuicionismo que, de acordo com ele, não resolvem satisfatoriamente a questão da justiça” (WELTER, 2001, p. 4). 7 Rawls anota: “Usarei a obra de Henry Sidgwick, The Methods of Ethics, 7ªed. (Londres, 1907), como síntese do desenvolvimento da teoria moral utilitarista” (RAWLS, 2008, p. 27).
15
Com propriedade Gargarella, assumindo que teorias morais reúnem
uma teoria do bem (valor alcançado) e uma teoria do correto (ação correta),
distingue teorias consequencialistas como aquelas que apregoam a sobrepujança do
bem em relação ao correto; ao passo que as deontológicas, do correto sobre o
bem8. Teorias deontológicas não especificam o bem independente do justo,
tampouco este como o que maximiza o bem (cf. RAWLS, 2008, p. 36)9.
Conclui Rawls que “[a]s teorias teleológicas têm um profundo apelo
intuitivo porque parecem expressar a ideia de racionalidade” (RAWLS, 2008, p. 30).
A simplicidade do raciocínio deriva da vinculação pelo princípio da maximização de
um elemento (o justo) a outro previamente definido de forma independente (o bem):
A clareza e a simplicidade das teorias teleológicas clássicas provêm, em grande parte, do fato de que decompõem os nossos juízos morais em duas classes: ao passo que uma delas é caracterizada separadamente, a outra é, depois, vinculada à primeira por um princípio de maximização. (RAWLS, 2008, p. 30)
Para argumentar, expõe Rawls possível raciocínio em favor do
utilitarismo. Ora, se no âmbito individual somos livres para sopesar os resultados de
nossas ações a fim de que, não prejudicando ninguém, possamos delas colher o
melhor, por que a sociedade (âmbito coletivo) não poderia assim ser organizar?
Leiamo-lo:
Ora, por que não deveria a sociedade agir com base no mesmo princípio aplicado ao grupo e, portanto, acreditar que aquilo que é racional para um homem é justo para uma associação de homens? (RAWLS, 2008, p. 28)10
8 “Se assumirmos que toda teoria ética é composta de duas partes, uma teoria do bem – qual é ou quais são os bens valiosos – e uma teoria do que é correto – o que devemos fazer-, o ‘consequencialismo’ subordina a teoria do correto à teoria do bem: deve-se fazer aquilo que maximize o bem (no caso do utilitarismo, deve-se maximizar o bem-estar geral). O ‘deontologismo’, por outro lado, considera que o correto é independente do que é bom e, além disso, considera que o correto tem primazia sobre o que é bom” (GARGARELLA, 2008, p. 4). 9 Vale consignar o aviso de Rawls: “Repare-se que as teorias deontológicas são definidas como não-teleológicas, e não como teorias que caracterizam a correção moral das instituições e dos atos independentemente de suas conseqüências. Todas as doutrinas éticas dignas de atenção levam em conta as conseqüências ao julgar o que é certo. Aquela que não o fizesse seria simplesmente irracional, insana” (RAWLS, 2008, p. 36). Interessante que, embora o próprio Rawls considere que sua teoria da justiça é deontológica (RAWLS, 2008, p. 36), pois não interpreta o justo como o que maximiza o bem. 10 Tomar o individual para compreensão do coletivo não é novidade. Esse movimento indivíduo-sociedade já podeia ser antevisto em Platão (cf. livro II da República, 368d, 435b).
16
Isto é: por que não reproduzir em escala social o sacrifício presente
para alcançar o maior benefício possível no futuro? Vejamos. Se nos parece
razoável individualmente acatar sofrimentos no presente para nos beneficiar no
futuro, a mesma ideia não parece tão clara quando transportamos isso ao campo
coletivo. Não parece coadunar-se intuitivamente com o justo impor privações graves
à vida de certos indivíduos para assegurar vantagens a outros; tampouco a
imposição de sacrifícios à geração presente em nome de benefícios para as
seguintes (GARGARELLA, 2008, p. 7). Rawls diz:
Cada membro da sociedade é visto como possuidor de uma inviolabilidade fundamentada na justiça ou, como dizem alguns, no direito natural, à qual nem mesmo o bem-estar de todos os outros pode se sobrepor. (RAWLS, 2008, p. 34)
Parece claro que “[a] justiça nega que a perda da liberdade para
alguns se justifique com um bem maior partilhado por outros” (RAWLS, 2008, p. 34).
Uma das mais incisivas ao utilitarismo, consiste nesta doutrina visualizar a
sociedade tal como um corpo no qual o sacrifício de algumas partes é justificado
quando em prol das restantes (GARGARELLA, 2008, p.7).
E mais. O utilitarismo, outrossim, não é razoável quando se lida com
questões de “gostos caros” (luxuosos, excêntricos) ou “gostos ofensivos”
(discriminatórios, racistas), porquanto “[n]o utilitarismo, a satisfação de qualquer
desejo tem algum valor intrínseco que se deve levar em conta ao decidir o que é
justo” (RAWLS, 2008, p. 37). Destarte, como bem diz Gargarella, o princípio do
utilitarismo deveria dotar de mais bens aquelas pessoas cujos gostos fossem mais
caros, bem como incluir no cômputo das vantagens e encargos o desejo de pessoas
em prejudicar outras (GARGARELLA, 2008, p. 8).
Rawls acredita que a teoria utilitarista descarta desejos e inclinações
que, se incentivados ou permitidos em determinadas situações, trariam menor grau
efetivo de satisfação geral (RAWLS, 2008, p. 39). Desconsidera-se, assim, o valor
moral das preferências e desejos de cada um. Por consectário, vem a ser
compatível, verbi gratia, com a violação de direitos de minorias em favor do bem-
estar da maioria11 (GARGARELLA, 2008, p. 11). O utilitarismo não concede a devida
11 Cumpre registrar, entretanto, que a “tirania da maioria” foi objeto de preocupação também dos utilitaristas. Ao menos John Stuart Mill percebeu que “a luta pela liberdade desenrola-se então não somente contra a tirania dos governantes e dirigentes políticos, mas também e
17
relevância na diversidade entre pessoas, de modo que em princípio não existem
preferências individuais de uns mais importantes que a dos demais (GARGARELLA,
2008, p. 6).
À vista disso, percebe-se que o utilitarismo não constitui alternativa
tão atraente como parecia (cf. GARGARELLA, 2008, p. 11). Na verdade é instável,
visto que entremostra-se factível e aceitável no utilitarismo situações em que direitos
fundamentais de uma minoria sejam postos em xeque em nome do incremento da
utilidade (GARGARELLA, 2008, p. 13).
1.2. INTUICIONISMO
Em poucas palavras e a grosso modo, o intuicionismo admite uma
série de princípios de justiça sem que seja possível objetivamente estabelecer um
método para discernir qual deles deve ser aplicado em caso de conflito, cuja
ocorrência, à evidência, é freqüente. Rawls chamou a atenção para duas notas
distintivas do intuicionismo:
...primeiro, consistem em uma pluralidade de princípios fundamentais que podem entrar em conflito e oferercer diretrizes contrárias em certos casos; segundo, não contam com nenhum método explícito, nenhuma regra de prioridade, para comparar esses princípios entre si: temos de chegar ao equilíbrio por meio da intuição, por meio do que nos parece aproximar-se mais do que é justo. Ou, se houver normas de prioridade, estas são tidas como mais ou menos triviais e não oferencem grande ajuda para se chegar a um juízo. (RAWLS, 2008, p.41)
Conforme Gargarella, à luz da enorme variedade de princípios
consagrados pelo intuicionismo, a única saída seria a avaliação deles por meio da
intuição (GARGARELLA, 2008, p.2).
O intuicionismo socorre-se da intuição para determinar o exato
princípio, dentre tantos outros concorrentes, aplicável ao caso concreto porque o
conceito de bom seria uma noção simples ou, melhor, não analisável, tal como o
principalmente contra a tirania da maioria, a qual se mostra mais terrível do que a tirania dos governantes, pois não há leis que regulem seus atos” (LIMA, 2009, p.3). A respeito, cf. MILL, 2000. Não é expletivo anotar que, a exemplo da passagem citada, Mill realmente pode ser considerado um utilitarista liberal, um dos fundadores, aliás, do liberalismo democrático.
18
conceito de amarelo12. Com efeito, “se ‘bom’ é indefinível, então as ações
intrinsecamente boas não podem ser refutadas ou provadas, mas sim somente
apreendidas pela intuição” (ALBERTUNI, 1998, p.65)13.
Rawls, embora não veja “nada de intrinsecamente irracional nessa
doutrina intuicionista” (RAWLS, 2008, p.47)14, esclarece que o problema é que o
intuicionismo carece de critérios para organizar os vários princípios à luz de nossas
próprias intuições (GARGARELLA, 2008, p.3). De acordo com Rawls, teorias
intuicionistas não têm suporte em um método claro, uma regra de prioridade, para
comparação dos princípios fundamentais de justiça entre si; assim, para se chegar
ao equilíbrio, a intuição é empregada, considerando aquilo que mais possa se
aproximar com a ideia de justo15.
No mesmo sentido, além da falta de critério para distinguir as
intuições corretas das incorretas (i) e da mesma ausência de critério para formulação
de uma hierarquia de intuições para o caso de conflito entre elas(ii), Albertuni ainda
consignou que o intuicionismo também tem sofrido críticas por parte daqueles que
não consideram irredutível termos como bom e justo(iii) – cf. ALBERTUNI, 1998,
p.69.
Entrementes, não deixou Rawls de incorporar em sua teoria da
justiça um lugar para nossas intuições (GARGARELLA, 2008, p.3). Por meio do
conceito de equilíbrio reflexivo trouxe à baila uma forma de confrontar se os
princípios da justiça apurados na posição original estão em conformidade com
nossas intuitivas convicções ponderadas de justiça (cf. RAWLS, 2008, p.23).
12 A ideia de ‘bom’ como termo indefinível advém da doutrina de George Edward Moore, cuja obra Principia Ethica assumiu-a a partir do atomismo lógico de Russell e de Wittgenstein (ALBERTUNI, 1998, p.64). Malgrado Rawls trate genericamente do intuicionismo a partir das teorias de Brian Barry, R.B.Brandt e Nicholas Rescher, não descurou do intuicionismo tradicional de G.E.Moore e W.D.Ross (RAWLS, 2008, p.41, nota 18). 13 Para um excelente apanhado do discurso moral a partir da perspectiva intuicionista, inclusive da teleológica de Moore e deontológica de Ross, leia-se o profícuo artigo de ALBERTUNI, 1998. 14 De fato, o intuicionismo não é incompatível com uma posição cognotivista, como é o caso do emotivismo. Com propriedade destaca Albertuni: “o intuicionismo é tido como uma posição cognotivista dentro da metaética, pois supõe que, ao proferirmos juízos morais, estamos expressando algum conhecimento” (ALBERTUNI, 1998, p.66). 15 Nas palavras de Rawls: “...não contam com nenhum método explícito, nenhuma regra de prioridade, para comparar esses princípios [refere-se aos princípios fundamentais da justiça] entre si: temos de chegar ao equilíbrio por meio da intuição, por meio do que nos parece aproximar-se mais do que é justo” (RAWLS, 2008, p.41).
19
1.3. CONTRATUALISMO RAWLSIANO
A ideia central de teorias contratualistas em geral é formada pelo
consenso entre aqueles que se lhe submetem. Normalmente, teorias desse jaez
tomam como aceitável propostas que seriam aprovadas por todos os sujeitos
potencialmente afetados por elas.
Gargarella, com clareza salutar, sustenta que o contratualismo pode
contribuir para trazer respostas às perguntas básicas de qualquer teoria moral (daí
sua importância): a) o que a moral exige dos sujeitos? e b) por que os sujeitos
devem obedecer às regras? A identificação do que a moral exige de nós e a razão
pela qual devemos obedecer certas regras são os dois pontos fundamentais do
contratualismo. O contratualismo impõe-nos respeito à moral e às regras que
reconhecemos, consensualmente, de cumprimento obrigatório. Com efeito, a
autoridade é tida como criatura dos próprios indivíduos, não necessitando de
justificações abstratas ou entidades não-humanas (GARGARELLA, 2008, p. 14).
Por seu turno, pode-se asseverar que Rawls é um contratualista,
não só porque arroga a si tal condição, mas também porque, com o escopo de
apresentar uma alternativa ao utilitarismo, procurou elevar ao grau máximo de
generalidade a teoria do contrato social (Locke, Rousseau, Kant16) no intuito de
“oferecer ao leitor uma compreensão mais clara das principais características
estruturais da concepção alternativa de justiça que está implícita na tradição
contratualista e indicar o caminho de uma elaboração mais pormenorizada.”
(RAWLS, 2008, p.XLIV)
Aqui calha dizer que a ideia de justiça como equidade em John
Rawls deriva de uma maneira específica de ver os postulados contratualistas
(GARGARELLA, 2008, p. 14). Segundo Rawls, “[n]a justiça como equidade, a
situação original de igualdade corresponde ao estado de natureza da teoria
tradicional do contrato social” (RAWLS, 2008, p.14).
A seguir, considerações sobre um pacote de elementos de capital
16 Hobbes foi excluído. Justifica Rawls em nota que “Apesar de toda sua grandeza, o Leviatã..., de Hobbes levanta alguns problemas especiais” (RAWLS, 2008, p.13, nota 4).
20
importância a Rawls, sobretudo o papel da justiça, estrutura básica da sociedade,
posição original, véu da ignorância, princípios da justiça, equilíbrio reflexivo. Antes,
porém, de prosseguirmos na exposição, ainda que ligeira, de tais, por assim dizer,
postulados rawlsianos, cumpre dizer que eles mantiveram-se íntegros mesmo após
as reformulações levadas a efeito por Rawls no liberalismo político. Houve sim uma
mudança da perspectiva abrangente de Uma teoria da justiça (1971) para restrita ao
âmbito político no Liberalismo político (1993). Gargarella esmiúça essa transição,
observando que ambos os trabalhos (TJ e LP) têm a primeira parte – que defende
uma concepção razoável (justa), capaz de se alinhar com as convicções de justiça
dos sujeitos - muito similar, quase inalterada; todavia na última parte Rawls procura
demonstrar que essa concepção é estável (racional) – ou seja, uma concepção que
os cidadãos defenderiam pois associada às concepções destes do que é
efetivamente bom alcançar -, residindo, nesta derradeira parte, as principais
divergências entre as obras supracitadas.
Na apresentação de O Liberalismo Político, Rawls anota que
procedeu às alterações na teoria da justiça com o fim de corrigir o que chamou de
“um grave problema interno” (RAWLS, 2000, p. 23), decorrente de “a descrição da
estabilidade, na Parte III de Teoria, não ser coerente com a visão em sua totalidade”
(RAWLS, 2000, p. 23). A eliminação de tal incoerência, segundo Rawls, é que teria
acarretado as diferenças entre os trabalhos (RAWLS, 2000, p. 23). Afora isso, não
há falar em alterações relevantes entre as obras cotejadas. O que se pretende
significar é que os elementos nodais supra-arrolados e abaixo explicitados não
sofreram alteração relevante de Uma teoria da justiça (1971) até o Liberalismo
Político (1993).
Esclarecido isso, diga-se que Rawls considera que o ajuste numa
situação inicial de igualdade constitui a fixação de princípios da justiça, os quais
“devem reger todos os acordos subsequentes” (RAWLS, 2008, p.14). “A ideia de
uma posição original é configurar um procedimento equitativo, de modo que
quaisquer princípios acordados nessa posição sejam justos” (RAWLS, 2008, p. 165).
Numa situação original puramente hipotética de igual liberdade, a
escolha que seres racionais fariam pra estabelecer o justo e o injusto define os
princípios da justiça (RAWLS, 2008, p.14). Seria como “um acordo que firmaríamos
sob certas condições ideais, e no qual é respeitado nosso caráter de seres livres e
21
iguais” (GARGARELLA, 2008, p. 14). A respeito, Freeman verberou que a ideia
central da tradição contratualista formada por Locke, Rosseau e Kant é a de que a
justiça é uma propriedade da constituição política e das leis quando estas poderiam
ter aceitação diante de pessoas livres e racionais que estejam em situação de
igualdade de direitos e de participação política. Nessa tradicional senda
contratualista, Rawls emprega a ideia de um acordo social abstrato para sustentar
seus princípios de justiça (FREEMAN, 2006, p.3)17
O contratualismo rawlsiano, pois, pode ser tido por idealizado em
contraposição às versões realistas como a hobbesiana. Nesse contexto de
concepção hipotética de contratualismo, a visão de Rawls admite contraposições
lastreadas na utilidade de tal formulação18. A respeito, o próprio Rawls verberou:
Aqui enfrentamos uma segunda dificuldade, mas que é só aparente. Explico: a partir do que dissemos, é claro que a posição original deve ser considerada um artifício de representação e, por conseguinte, todo acordo estabelecido pelas partes deve ser visto como hipotético e a-histórico. Mas, nesse caso, como acordos hipotéticos não criam obrigações, qual a importância da posição original? A resposta está implícita no que já foi dito: a importância é dada pelo papel das várias características da posição original enquanto artifício de representação. (RAWLS, 2000, p. 67)
Para Gargarella, o contrato em apreço contribui para dar forma à
ideia de que não há pessoa subordinada de forma inerente às demais; em outros
termos, Rawls vale-se do contrato hipotético para apregoar a liberdade e a igualdade
inerente a todos, o estado moral igualitário dos indivíduos (GARGARELLA, 2008, p.
18).
Suposto que a sociedade constitua um sistema organizado em forma
de cooperação no qual convivem convergências e conflitos de interesses, o papel da
justiça revela-se na administração de conflitos (cf. RAWLS, 2008, p.5). Conflitos
esses notadamente na área da isonomia (distinção entre pessoas) e da divisão
(reivindicação) das benesses produzidas em colaboração. Rawls, ao delimitar o
17 As traduções do inglês para o português são livres e de nossa responsabilidade. Com o escopo de facultar ao leitor conferir a fidedignidade de nossa tradução, invariavelmente transcreveremos em nota de rodapé o texto original: “This tradition's main idea is that the political constitution and the laws are just when they could be agreed to by free rational persons from a position of equal right and equal political jurisdiction. Rawls applies the idea of a hypothetical social agreement to argue for principles of justice.” 18 Adicionalmente, remetemos o leitor à crítica humeana ao contratualismo (cf.HUME, 1973).
22
objeto de sua investigação, não se furtou em dizer que “o conceito de justiça é
definido, então, pelo papel de seus princípios na atribuição de direitos e deveres e
na divisão apropriada das vantagens sociais. A concepção de justiça é uma
interpretação deste papel” (RAWLS, 2008, p.12).
Em síntese, o papel da justiça é (i)atribuir direitos e deveres
fundamentais e (ii)dividir os frutos da cooperação social (RAWLS, 2008, p.70).
De outro lado, anota Rawls, ainda, que o objeto de sua investigação
é duplamente limitado: o objetivo do contrato hipotético é estabelecer princípios da
justiça para a estrutura básica da sociedade[1]; que se aplicarão a sociedades bem
organizadas[2].
De feito, Rawls pretende denotar uma concepção de justiça não para
toda e qual estrutura básica (conglomerados sociais, associações privadas, grupos
sociais restritos, acordos contratuais...), mas da estrutura básica da sociedade.
Destaca Rawls:
Ficarei satisfeito se for possível formular uma concepção razoável de justiça para a estrutura básica da sociedade, concebida, por ora, como um sistema fechado, isolado das outras sociedades. (RAWLS, 2008, p.9)
Como se pressente, nem todas as instituições sociais corporificam a
estrutura básica da sociedade. Welter entende que instituições como clubes privados
e associações estão ao largo dessa estrutura básica; assim sendo, os princípios de
justiça não lhes seriam aplicados (WELTER, 2001, p. 18).
A estrutura básica da sociedade constitui o conjunto de principais
instituições desta sociedade como “a constituição política e os arranjos econômicos
e sociais mais importantes” (RAWLS, 2008, p.8)19. Os princípios desta justiça, com
efeito, “regem a escolha de uma constituição política e os elementos principais do
sistema econômico e social” (RAWLS, 2008, p.9). Freeman assevera que os
princípios de justiça são aplicados, em primeiro lugar, para trazer justiça para as
instituições integrantes da estrutura primordial da sociedade (FREEMAN, 2006,
19 “As instituições sociais que formam a estrutura básica são a constituição política; o sistema legal de processos, propriedade e contratos; o sistema de mercados e a regulação das relações econômicas; e a família” (a estrutura básica da sociedade: In: FREEMAN, 2007).
23
p.3)20, que abrange a estrutura política como a definição da constituição política e
dos procedimentos legais; a estrutura econômica como normas e destinadas a
regulamentar a produção econômica, o câmbio e os mercados; além da estrutura
familiar, responsável pela reprodução da sociedade (FREEMAN, 2006, p.3)21.
A segunda limitação é a presunção a partir da qual Rawls examina
os princípios da justiça. O autor parte de uma sociedade bem-ordenada, na qual
“todos ajam de forma justa e façam sua parte na sustentação das instituições justas”
(RAWLS, 2008, p.10)22. Gargarella, neste tópico, delineia uma sociedade bem
organizada como aquela em que as pessoas aceitam os mesmos princípios da
justiça e sabem que as demais pessoas também o fazem, bem como que as
instituições sociais básicas buscam a satisfação desses princípios e, em regra,
alcançam esse objetivo (GARGARELLA, 2008, p. 19).
A pergunta que Rawls pretende responder é “como seria uma
sociedade perfeitamente justa” (RAWLS, 2008, p.10). Esclarece Rawls, também, que
sua concepção de justiça é uma parte de um ideal social. Vale dizer: os princípios da
justiça constituem apenas uma parte, quiçá a mais importante, dos princípios da
estrutura básica da sociedade. Conceber todas as virtudes não é objetivo do filósofo,
para quem uma concepção exaustiva, definidora dos princípios de todas as virtudes
da estrutura básica e das medidas quando em situação de conflito, já não é mais
uma simples concepção de justiça, mas sim um ideal social (RAWLS, 2008, p.11).
Para contemplar todos os princípios de todas as virtudes morais seria mister a
formulação de uma teoria contratualista completa, ao que declaradamente não se
dispôs o autor na obra em análise (RAWLS, 2008, p.20). Em síntese, presumindo
20 No original, lê-se: “These principles apply in the first instance to decide the justice of the institutions that constitute the basic structure of society”. 21 No original: “The basic structure is the interconnected system of rules and practices that define the political constitution, legal procedures and the system of trials, the institution of property, the laws and conventions which regulate markets and economic production and exchange, and the institution of the family (which is primarily responsible for the reproduction of society and the care and education of its new members).” 22 “Sociedade bem-ordenada – um ideal formal de uma sociedade perfeitamente justa implícito no contratualismo de Rawls. É uma sociedade em que (a) todos os cidadãos concordam sobre a mesma concepção de justiça e isso é de conhecimento público; além do mais, (b) a sociedade põe em vigor essa concepção em suas leis e instituições; e (c) os cidadãos tem um senso de justiça e disposição para cumprir com esses termos. As partes na posição original buscam uma concepção de justiça que será estável sob as condições de uma sociedade bem-ordenada, portanto uma concepção que é geralmente aceitável a todas as pessoas razoáveis e racionais” (sociedade bem-ordenada: In: FREEMAN, 2007).
24
uma sociedade bem-ordenada e composta por indivíduos justos, o objeto de
investigação de Rawls está nos princípios da justiça da estrutura básica de uma
sociedade isolada. A despeito da delimitação, acredita o filósofo que o exame desse
caso especial colaborará na resolução de pontos outros não tratados (RAWLS,
2008, p.11).
Com esse intento, Rawls recorre ao argumento da posição original,
por meio da qual tais princípios da justiça seriam imparcialmente estabelecidos,
cristalizando-se a chamada justiça como equidade. A imparcialidade na escolha
decorreria de características dos responsáveis pela sua efetivação: “pessoas livres,
racionais e interessadas em si mesmas (não invejosas), colocadas em uma posição
de igualdade” (GARGARELLA, 2008, p. 20). Além disso, Rawls não deixou de anotar
o que se poderia chamar de restrições do justo na posição original, que visam
garantir sejam os princípios escolhidos na posição original gerais, universais,
completos e finais (RAWLS, 2008, p.159)23.
Destarte, a ideia central de John Rawls, inspirado nos autores
contratualistas tradicionais, é estabelecer princípios de uma virtude determinada que
é a justiça a partir de certa situação original puramente hipotética de igual liberdade,
situação esta que se poderia qualificar como equitativa. Noutras palavras, os
agentes responsáveis pela escolha dos princípios devem estar privados de
informações particulares como sua riqueza, inteligência, cor, raça etc., admitido o
conhecimento de certos dados gerais como as descobertas das ciências naturais e
sociais (GARGARELLA, 2008, p. 21).
Alerta Rawls, outrossim, que o problema da escolha é tão complexa
quanto a delimitação dos princípios. Por essa razão, Rawls sustenta que uma teoria
da justiça comporta dois segmentos principais: [a] apresentação de uma posição
original e um rol de princípios disponíveis para escolha, seguida de [b] um
argumento que embase quais dos princípios disponíveis seriam realmente
23 Gargarella sintetizou: “Os princípios que vão eleger devem cumprir certas condições formais básicas: ser gerais (não é válido, por exemplo, um princípio como ‘o que favoreça X e Z... deve ser seguido’); universais (ou seja, aplicáveis a todas as pessoas morais); completos (ou seja, capazes de orientar quaisquer pretensões que se apresentem); e finais (ao decidir, em caráter definitivo, os conflitos que se apresentem). Os sujeitos da posição original comprometem-se a respeitar os princípios, uma vez eleitos e saídos da posição original” (2008, p. 21).
25
escolhidos24.
A dificuldade, como expressa Rawls em O Liberalismo Político, está
na busca de um ponto de vista separado da estrutura básica, insuscetível de
influências das características e peculiaridades desta; encontrado esse ponto de
vista, dele é que poderia surgir e ser firmado um acordo igualitário entre pessoas
consideradas livres e iguais (RAWLS, 2000, p. 66).
Na construção dessa hipótese original, Rawls pretendeu alcançar
uma justiça procedimental pura (RAWLS, 2008, p. 165). Segundo Rawls, optar por
uma tal justiça procedimental pura significa abandonar qualquer “critério
independente para o resultado correto: em vez disso, existe um procedimento
correto ou justo que leva a um resultado também correto ou justo, seja qual for,
contanto que se tenha aplicado corretamente o procedimento” (RAWLS, 2008,
p.104). Adite-se em explicação as palavras de Freeman constantes no Glossário-
Rawls:
Justiça procedimental pura – a ideia que os resultados de certos procedimentos equitativos, quando plenamente cumpridos, são necessariamente justos. Um exemplo é a loteria equitativa. Não há critério independente para medir a equidade de seus resultados, independente de satisfazer o próprio procedimento. Compare com a justiça procedimental imperfeita, em que há um critério independente e o resultado do procedimento equitativo (por exemplo, processos do juro equitativos) que é provável ser justo na medida em que os procedimentos satisfazem ou se aproximam a esse critério independente. Rawls diz que um sistema econômico cujas regras satisfazem completamente a justiça como equidade exibe a justiça procedimental pura; uma vez que as regras do sistema são satisfeitas, os indivíduos têm o direito a qualquer o que seja que ele receba e as distribuições resultantes de renda e riqueza são justas. (justiça procedimental pura: In: FREEMAN, 2007)
Ademais, Rawls lança mão do véu da ignorância, a fim de que não
haja contaminação entre os responsáveis pela escolha dos princípios: considerando
que todos encontram-se em situações similares, e ninguém poderá propor princípios
que beneficiem somente sua própria causa, os princípios de justiça têm sua gênese
num acordo considerado justo (RAWLS, 2008, p.15). As pessoas, cuja escolha
refletirá a concepção de justiça, devem no momento da situação inicial ser dotadas
24 Segundo Rawls: “Pode-se dividir a teoria da justiça em duas partes principais: (1)uma interpretação da situação inicial e uma formulação dos diversos princípios disponíveis para escolha; e (2)um argumento que demonstre quais desses princípios seriam, de fato, adotados” (2008, p.65).
26
de razão e de desinteresse (cf. RAWLS, 2008, p.16). Razão para selecionar os
melhores meios para atingir os fins escolhidos e de desinteresse quanto ao interesse
dos outros (RAWLS, 2008, p.17). Como se verá adiante, justamente nesse ponto
incidem severas críticas de Habermas contra a posição original rawlsiana - a
propósito, cf. infra item 2.3.3.
Na definição da posição inicial deve-se excluir tudo o que possa ser
dado capaz de eivar a imparcialidade das partes na posição original (RAWLS, 2008,
p.22). Rawls toma como exemplo a situação de um homem que se sabe rico, ele
poderia tomar como razoável que impostos em prol do bem-estar social sejam tidos
por injustos; caso pobre fosse, esse mesmo homem poderia tomar como justa a
cobrança de tais impostos (RAWLS, 2008, p.22).
É como que um processo hipotético de purificação o que propõe
John Rawls. A posição original é apenas um artifício representativo, que, através da
descrição das partes responsáveis pelos interesses primordiais de um cidadão
considerado livre e igual, alcança, considerada uma situação de igualdade, um
acordo justo sujeito a condições que limitam aquilo que pode ser proposto como boa
razão. Na literalidade de Rawls:
...a posição original é apenas um artifício de representação: descreve as partes, cada qual responsável pelos interesses essenciais de um cidadão livre e igual, numa situação equitativa, alcançando um acordo sujeito a condições que limitam apropriadamente o que podem propor como boas razões. (RAWLS, 2000, p. 68)
Cuida-se, por assim dizer, de uma situação em que todos carecem
de dados contingenciais do mundo social (RAWLS, 2000, p. 66). “Exclui-se o
conhecimento dessas contingências que geram discórdia entre os homens e
permitem que se deixem levar pelos preconceitos” (RAWLS, 2008, p.23). Freeman
comenta que, de acordo com a doutrina majoritária do utilitarismo, o remédio para os
problemas de vantagens e parcialidade está na retirada da possibilidade de tomada
de decisões morais, com a imposição de um “véu fino de ignorância”: parte-se de
uma posição em que se tem o conhecimento dos desejos e interesses de todos e o
acesso irrestrito a informações históricas, e daí extirpa-se, simplesmente, o
conhecimento da identidade de cada um dentro da sociedade – desse modo, não
haveria o risco de tomada de vantagens ou favorecimentos conforme situações ou
27
concepções de bem particulares (FREEMAN, 2006, p.11)25.
O véu da ignorância constitui, pois, um método que visa restringir
argumentos (RAWLS, 2008, p.23). Destarte, os componentes da posição original
ignoram sua posição dentro da estrutura social, desprezando classes e status social
(RAWLS, 2008, p. 166); suas características naturais (inteligência, força,
características especiais de sua psicologia, aversão ao risco, tendência ao otimismo
ou ao pessimismo); desconhecem a concepção daquilo que é bom e os meandros
de um particular projeto racional de vida (RAWLS, 2008, p. 166); não conhecem nem
mesmo as características de sua própria sociedade, como o estágio atual de sua
economia ou de sua política, o nível de civilização e cultura alcançados. Ao tempo
que ignoram tudo isso, detêm essas pessoas o conhecimento de que a sociedade
estará submetida à situação de justiça que estabelecerem e todas as conseqüências
que decorram deste corolário (RAWLS, 2008, p. 167); bem como de fatos
considerados genéricos acerca da sociedade: entendimento de assuntos políticos,
econômicos, relacionados à estrutura social e inclusive as normas da psicologia
humana (RAWLS, 2008, p. 167). O ponto é que informações genéricas, gerais, não
particulares, estão à disposição dos participantes da posição original:
De fato, presume-se que as partes conhecem quaisquer fatos genéricos que afetem a escolha dos princípios de justiça. Não há limites impostos às informações genéricas, ou seja, sobre as leis e as teorias gerais, uma vez que as concepções da justiça devem adaptar-se às características dos sistemas de cooperação social que devem reger, e não há motivo para excluir esses fatos. (RAWLS, 2008, p. 167)
Cumpre destacar que, conforme Gargarella, a proposta do véu da
ignorância exala a nota de kantismo da teoria da justiça rawlsiana, uma vez fundada
que está na máxima de que os princípios de justiça não devem ater-se àquilo que é
contingente (GARGARELLA, 2008, p. 22), algo admitido expressamente pelo próprio
Rawls: “[a] ideia do véu da ignorância está implícita, creio, na ética de Kant”
(RAWLS, 2008, p. 171). Realmente, Kant na Fundamentação da Metafísica dos
25 No original: “According to many utilitarians, the appropriate solution to problems of partiality and people's taking advantage of their position in making moral decisions is to impose a ‘thin’ veil of ignorance: allow the parties to an original position full historical information, including knowledge of everyone's desires and interests, and simply deprive them of knowledge of their identity in society. People are then not in a position to take advantage of knowledge of their particular situations and conceptions of the good.”
28
Costumes (FMC) apregoava que o homem comum é capaz de agir moralmente, o
juízo moral está acessível a todos, a todos os homens é possível ter consciência do
juízo moral, mesmo sem ter consciência do princípio supremo formal que o embasa.
Escreveu Kant já no prefácio da FMC: “...a razão humana no campo moral, mesmo
no caso do mais vulgar entendimento, pode ser facilmente levada a um alto grau de
justeza e desenvolvimento” (KANT, 1988, p.18).
Retomando o fio do raciocínio, excluídos todos fatores contingentes,
Rawls para que seja factível aos participantes da posição original decidir que
concepções de justiça lhes proporcionam mais vantagens (cf. RAWLS, 2008, p.173),
faz-se mister que sejam motivados pela busca de bens primários sociais. Bens
primários constituem todos aqueles que de regra todo indivíduo racional almeja.
Acerca deles, prossegue Rawls: “Esses bens normalmente têm utilidade, sejam
quais forem os planos racionais de vida da pessoa” (RAWLS, 2008, p.75). Tais bens
podem ser de tipo social ou natural, conforme entremostra Rawls:
Para simplificar vamos supor que os principais bens primários à disposição da sociedade sejam direitos, liberdades e oportunidades, renda e riqueza. (...)Esses são os bens primários sociais. Outros bens primários, como a saúde e o vigor, a inteligência e a imaginação, são bens naturais; embora sua posse sofra influência da estrutura básica, não estão sob seu controle tão direto. (RAWLS, 2008, p.76)
Incidem os princípios da justiça exatamente sobre a distribuição dos
bens primários sociais, dos quais seriam exemplos: riqueza, oportunidades, rendas,
direitos (RAWLS, 2008, p.110)26. Por outro lado, são modelos de bens primários
naturais: talentos, saúde, inteligência.
Sendo assim, despidos de informações de cunho particular, munidos
daquelas de viés geral, agirão os participantes movidos no intuito básico de
26 Em complemento verbere-se o que Freeman registrou no Glossário-Rawls: “Bens sociais primários - (TJ, §15; CP, cap. 17) – os bens que os princípios da justiça são designados a distribuir e que servem como uma base de comparação e medida do nível de bem-estar dos indivíduos para propósitos da justiça. Eles incluem direitos e liberdades, poderes, oportunidades, e cargos de posição, renda e riqueza, e as bases do auto-respeito. Por ‘poderes’ Rawls quer dizer as habilidades institucionais e prerrogativas que atendem a cargos e posições na sociedade. Rawls afirma que esses são meios para todos os propósitos que são racionais para as pessoas que consideram-se como livres e iguais desejar, qualquer que seja sua concepção de bem. Em obra posterior ele afirma que eles são necessários para realizar os interesses fundamentais dos cidadãos exercendo seus poderes morais e perseguindo seus planos racionais de vida.” (bens sociais primários: In: FREEMAN, 2007).
29
obtenção de bens primários sociais. Ademais, a própria configuração da posição
original leva as partes ao encontro da regra maximin. A respeito do termo “maximin”
anota Álvaro de Vita:
Abreviação de maximum minimorum. Rawls emprega o termo, na seção 26 de Uma teoria da justiça, para designar a regra de decisão segundo a qual agentes racionais, sob condições de incerteza, optam pela alternativa cujo pior resultado possível é melhor do que os piores resultados das demais alternativas sob consideração. A regra ‘maximin de escolha racional’ é usada por Rawls para justificar por que agentes racionais deliberando por trás do ‘véu da ignorância’, na ‘posição original’, escolheriam os dois princípios de justiça. (RAWLS, 2008, p.XXIII).
A construção da posição original tal qual idealizada por Rawls
conduz seus participantes à regra de escolha do menor dos males (regra maximin).
Lembrando com o brilhante Marcantonio que “[q]uando um indivíduo se depara com
a necessidade de adoção de princípios, faz sua escolha reconhecendo que tal
escolha será a melhor para ele próprio, caso pertença a alguma casta da sociedade”
(MARCANTONIO, 2005). Segundo Welter, a estratégia maximin apregoa a
eliminação de riscos, qualquer seja o custo disso (WELTER, 2001, p.100). Deveras,
bem sublinhou Rawls: “A regra maximin determina que classifiquemos as alternativas
partindo dos piores resultados possíveis: devemos adotar a alternativa cujo pior resultado
seja superior aos piores resultados das outras” (RAWLS, 2008, p. 186). A regra é
destinada a situações marcadas por certas características especiais (RAWLS, 2008,
p. 187), isto é, as condições peculiares nas quais só se deve elejer uma de várias
alternativas, todas em princípio atraentes (GARGARELLA, 2008, p. 23).
Interessa consignar que a concepção de justiça como equidade
depende de uma situação inicial que seja equitativa. Com isso não se quer significar,
pois, que justiça é equidade, mas que seus princípios foram cunhados numa
situação de equidade (cf. RAWLS, 2008, p.15).
Cá chegados, cumpre advertir, como o fez Rawls, que os princípios
da justiça são aplicáveis às instituições sociais, instituições estas que formam, num
único esquema de cooperação, a estrutura básica da sociedade (RAWLS, 2008,
p.65): Não se pode confundir os princípios de justiça direcionados às instituições
com aqueles destinados aos indivíduos e seus atos em certas circunstâncias
(RAWLS, 2008, p.66).
Suposto que a estrutura básica institucional da sociedade contempla
30
“mais ou menos distintas” (RAWLS, 2008, p.74) duas partes: (i) definição de iguais
liberdades fundamentais; (ii) definição de desigualdades sociais e econômicas27,
Rawls destinou a cada uma delas um princípio: à primeira parte, o primeiro princípio;
à segunda, o segundo. Destaca Welter:
Na medida em que fazem parte de uma concepção política de justiça, os princípios de justiça têm a função de especificar os termos equitativos da cooperação social, ou seja, eles devem especificar os direitos e deveres básicos a serem designados pelas instituições políticas e sociais básicas, além de regular a distribuição de benefícios e encargos decorrentes da cooperação social. (WELTER, 2001, p.9)
Partindo de uma pré-compreensão dos princípios desta justiça como
equidade, eis a enunciação inicial, e portanto sujeita a aprimoramentos, dos
princípios para instituições da justiça rawlsiana:
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de iguais liberdades fundamentais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para as outras pessoas.
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a)se possa razoavelmente esperar que se estabeleçam em benefício de todos como (b) estejam vinculados a cargos e posições acessíveis a todos. (RAWLS, 2008, p.73)
Oportuno anotar que a formulação dos princípios acima foi a
primeira da obra Uma teoria da justiça, que, no decorrer deste mesmo livro, sofreu
especificações até o ponto de chegar a uma formulação bem próxima da seguinte,
apresentada agora na obra O Liberalismo Político:
a.Todas as pessoas têm direito a um projeto inteiramente satisfatório de direitos e liberdades básicas iguais para todos, projeto este compatível com todos os demais; e, nesse projeto, as liberdades políticas, e somente estas, deverão ter seu valor equitativo garantido.
b.As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer a dois requisitos: primeiro, devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos, em condições de igualdade equitativa de oportunidades; e, segundo, devem representar o maior benefício possível aos membros menos privilegiados da sociedade. (RAWLS, 2000, p. 47)
A diversidade de formulações, segundo Rawls (2000, p.47, nota 3),
27 Segundo Rawls: “...distinguimos entre os aspectos do sistema social que definem e garantem as iguais liberdades fundamentais e os aspectos que especificam e estabelecem as desigualdades sociais e econômicas.” (2008, p.74).
31
decorre da revisão na exposição das liberdades básicas na teoria da justiça como
resposta às críticas feitas por Herbert Lionel Adolphus Hart (H.L.A.Hart), que,
importantes embora, não serão objeto de estudo nesta monografia28. De qualquer
forma, deve ficar devidamente explicitado que assim como na teoria da justiça
também no liberalismo político tais princípios revelam uma concepção política liberal
de justiça, cujos elementos mantêm-se válidos em ambas as obras, pois no
particular, como destaca Rawls, “[n]ão me lembro de nenhuma revisão que implique
tal mudança [mudança na concepção igualitária da Teoria] e penso que essa
conjectura não tem fundamento” (RAWLS, 2000, p. 49, nota 6, esclareci entre
colchetes).
Por outro lado, digno de registro, entretanto, que os dois princípios
supramencionados conglobam três componentes estruturantes, a saber: o princípio
de liberdades iguais, o princípio de justa igualdade e oportunidades e o princípio de
diferença. A propósito dos princípios acima transcritos, Cortina e Martínez
registraram:
O primeiro princípio (princípio de liberdades iguais) deve ter prioridade sobre o segundo, e a primeira parte do segundo (princípio de justa igualdade de oportunidade) deve ter prioridade sobre a segunda parte dele (princípio da diferença), no sentido de que não seria moralmente correto suprimir nem reduzir as garantias expressas por (a) para fomentar (b), nem suprimir nem reduzir a primeira parte de (b) para fomentar sua segunda parte. Expressa-se essa norma de prioridade dizendo que os princípios estão colocados em uma ordem léxica. (CORTINA; MARTINEZ, 2005, p.91)
Há, pois, uma ordem serial entre eles. O primeiro sobrepõe-se ao
segundo, não só no sentido de que violações das iguais liberdades fundamentais,
protegidas pelo primeiro princípio, não podem ser justificadas, tampouco
compensadas, em prol de vantagens sociais ou econômicas (RAWLS, 2008, p.74),
mas também no sentido de que a distribuição de renda e riqueza, bem como cargos
de autoridade e responsabilidade devem observar obrigatoriamente a intersecção
entre liberdades fundamentais e igualdade de oportunidades (RAWLS, 2008, p.75).
Disso se conclui que não ser concebível vulnerar a liberdade em prol da igualdade
(ZVIRBLIS, 2009, p.39).
A par disso, limitações à igualdade de liberdades só são possíveis
28 O ponto, entretanto, pode ser melhor descortinado em RAWLS, 2000, pp.291, 331 e ss., a que remetemos o leitor interessado.
32
mediante conflito entre elas29. Força é convir, por consectário, que as liberdades não
são absolutas, “...porém, qualquer que seja a forma pela qual se ajustam em um
sistema único, esse sistema deve ser igual para todos” (RAWLS, 2008, p.75).
Mesmo que não seja possível especificá-las taxativamente, apresenta factível a
enunciação de um rol de liberdades fundamentais suficientemente compatível com a
concepção de justiça (RAWLS, 2008, p.75).
Com o escopo de esclarecer o teor e justificar os princípios, Rawls
parte de uma concepção de justiça mais geral, enunciada pelo autor da seguinte
forma:
Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais do auto-respeito – devem ser distribuídos de forma igual, a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores seja vantajosa para todos. (RAWLS, 2008, p.75)
A contrario sensu, implica injustiça a distribuição desigual de um ou
mais valores sociais sem produção de vantagem a todos. Daí a relevância da
afirmação de Rawls: “A injustiça se constitui, então, simplesmente de desigualdades
que não são vantajosas para todos” (RAWLS, 2008, p.75).
Embora vaga, como o próprio autor admite, essa assertiva conduz à
conclusão de que, tomada uma situação inicial de igualdade na distribuição dos
bens primários da sociedade30 (Rawls cita alguns como direitos, liberdades,
oportunidades, rendas, riquezas), é justa a alteração desse estado se houver ganho
a todos; injusta, em caso contrário (RAWLS, 2008, p.76). E mais: se a situação de
todos melhorar, então qualquer31 desigualdade será justa. A respeito, Rawls
estabelece a seguinte imagem:
Imaginemos, então, um hipotético arranjo inicial, no qual todos os bens primários sociais são igualitariamente distribuídos: todos têm direitos e deveres semelhantes, a renda e a riqueza são distribuídas com igualdade. Esse estado de coisas serve de ponto de referência
29 Para Rawls limitações nas liberdades não são justas se baseadas apenas em vantagens sociais e econômicas (RAWLS, 2008, p.74). 30 Além desses, poderíamos falar em bens primários da natureza (naturais) como o vigor, a inteligência, a imaginação, porém que, embora sofram a influência, não estão diretamente vinculados à estrutura básica da sociedade (RAWLS, 2008, p.76). 31 Cabe um esclarecimento acerca do termo “qualquer”. Embora para Rawls: “A concepção geral de justiça não impõe restrições quanto aos tipos de desigualdade permissíveis; ela só exige que a situação de todos melhore” (2008, p.76), o próprio autor admite limitações de permuta entre liberdades fundamentais e ganhos econômicos e sociais (RAWLS, 2008, p.76). Limitações que tais serão melhor elucidadas e esclarecidas posteriormente.
33
para avaliar melhorias. se certas desigualdades de riqueza e diferenças de autoridade deixariam todos em melhor situação do que nessa situação inicial hipotética, então estão de acordo com a concepção geral. (RAWLS, 2008, p.76)
Em síntese, pretende Rawls significar que, ao menos no plano
teórico como ele mesmo reconhece (2008, p.76), seria factível que alguns indivíduos
abrissem mão em alguma medida de bens primários sociais em favor de outros
desde que com reflexos positivos a todos.
Na sequência, Rawls pretende examinar os princípios segundo a
ordem serial por ele firmada, informando condições com base nas quais haveria o
peso absoluto do primeiro sobre o segundo, levando em conta, inclusive, a distinção
entre os próprios bens primários sociais: de um lado os da liberdade fundamentais;
de outro, aqueles decorrentes de benefícios econômicos e sociais. Distinção esta
que “indica uma divisão importante do sistema social” (RAWLS, 2008, p.77) a ser
melhor esclarecida no decorrer do raciocínio rawlsiano.
No exame direto dos dois princípios da justiça, Rawls destaca as
consequências da afirmação de que ambos aplicam-se a instituições. A primeira
delas é a previsão em normas públicas da estrutura básica dos direitos e das
liberdades fundamentais; é a partir dos direitos e deveres estelecidos pelas
instituições fundamentais que se pode asseverar se os indivíduos de uma dada
sociedade são livres ou não (RAWLS, 2008, p.77). Para Rawls, “[a] liberdade é um
padrão de convivência determinado por formas sociais” (2008, p.77).
O princípio de liberdades iguais, designado por Rawls como o
primeiro princípio, impõe que esse sistema de normas públicas da estrutura básica
preveja as liberdades mais amplas possíveis a todos. A liberdade total a todos não é
possível sem que uma liberdade interfira na outra, por isso a única restrição
permitida seria a liberdade do outro: “A única razão para restringir as liberdades
fundamentais e torná-las menos extensas é que, se isso não fosse feito, interfeririam
uma com as outras” (RAWLS, 2008, p.77).
Quanto ao segundo princípio, Rawls adverte que as desigualdades
são instituídas em prol de todos em benefício de representantes, não de indivíduos
determinados (RAWLS, 2008, p.78). Para Freeman, o princípio da diferença é
34
justamente a definição do chamado ideal de reciprocidade (2006, p.7)32. De qualquer
forma, é possível asserir que o segundo princípio, regulador das desigualdades
sociais, constitui elemento nodal na doutrina rawlsiana. Rawls alega que a
distribuição atual das vantagens sociais, baseada no mérito, é medida arbitrária do
ponto de vista moral, logo despida de equidade; o próprio critério definidor do que
seja mérito apresenta problemas, pois toma em consideração talentos naturais e
sociais não atribuíveis ao indivíduo aquinhoado33. Enfim, do polêmico segundo
princípio brotaram reações diversas perante a comunidade acadêmica, reações
estas, entretanto, que não serão tratadas aqui em vista do restrito objeto desta
monografia34.
Há, ainda, outra fase de justificação da posição inicial. Como bem
destacou Rawls, com o escopo de precaver mal-entendidos, cabe-nos distinguir três
pontos de vista, a saber: “o das partes na posição original, o dos cidadãos numa
sociedade bem-ordenada e, finalmente, o nosso - o seu e o meu, que estamos
formulando a ideia de justiça como equidade e examinando - a enquanto concepção
política de justiça” (RAWLS, 2000, p. 71). Delimitados os princípios, devemos
conferir se estes são compatíveis com nossas convicções ponderadas de justiça
(RAWLS, 2008, p.23). Em caso de discrepância entre os pontos de vista acima
mencionados, há a possibilidade de modificação das características da situação
primordial ou simplesmente de ajuste nos juízos vigentes (RAWLS, 2008, p.24).
Destarte, por meio de avanços e recuos, ajustamos ora a situação inicial ora a
nossos juízos ponderados; Rawls denominou esse processo de mútuo ajuste entre
situação inicial e juízos ponderados de “equilíbrio reflexivo”: “É equilíbrio porque
finalmente nossos princípios e juízos coincidem; e é reflexivo porque sabemos a
quais princípios nossos juízos se adaptam e conhecemos as premissas que lhes
deram origem” (RAWLS, 2008, p.25). Porém, como salienta Rawls, “[a] justiça como
eqüidade é terrivelmente mal-entendida quando as deliberações das partes, e os
motivos que lhes atribuímos, são confundidos com uma visão da psicologia moral,
tanto de pessoas reais quanto de cidadãos de uma sociedade bem-ordenada”
32 No original: “The role of Rawls's difference principle is to define this ideal of reciprocity.” 33 Há grande polêmica acerca do enquadramento de Rawls dentre os igualitarismo da sorte (lucky egalitarianism) do qual certamente Ronald Dworkin, Richard Arneson, Gerald Cohen, dentre outros defendem. A respeito, cf. GARGARELLA, 2008. 34 Cf. sobre o debate e as polêmicas, especialmente GARGARELLA, 2008.
35
(RAWLS, 2000, p. 71). Para Marcantonio:
...a posição original não se liberta de seu caráter hipotético, sendo mera representação do aceite da sociedade sobre determinados princípios. Desta forma, alguns dos princípios ‘escolhidos’ podem vir a sofrer alterações em função de mudanças nas relações sociais, por exemplo, ou ainda, mostrarem-se inadequados. No entanto, um princípio só é considerado inadequado ou carente de alterações, quando não consegue viabilizar a já mencionada igualdade eqüitativa, pondo em risco toda a estrutura de uma sociedade que visa justiça. Assim, admitindo tal possibilidade, John Rawls institui uma forma de re-adequar os princípios nomeados aos moldes da almejada igualdade eqüitativa, utilizando-se de escolhas e posições racionalmente aceitas socialmente. (MARCANTONIO, 2005)
Os esclarecimentos necessários para arrostar tais confusões são
melhor esmiuçados no capítulo 3 desta monografia, especialmente item 3.3.
Em conclusão, frise-se que a posição inicial encontra-se justificada
não só pela ausência de circunstâncias pessoais que possam macular os princípios
escolhidos, senão também pelo processo de depuração de equilíbrio reflexivo
realizado entre tais princípios escolhidos e nossos juízos ponderados.
À guisa de sumário final, deve ser dito que nesse capítulo primeiro
expusemos a importância e o papel da justiça segundo John Rawls, cuja doutrina
aflorou como possível alternativa ao utilitarismo. De raízes contratualistas, a justiça
como equidade colhe no recôndito da posição inicial seus princípios, os quais se
destinam à estrutura básica de sociedades bem-ordenadas. Nessa hipotética
situação original, a supressão de informações contingentes proporcionada pelo véu
da ignorância garante a imparcialidade dos participantes. Ademais, a própria
configuração da posição original impele-os à estratégia de escolher a alternativa cujo
pior resultado seja melhor em comparação com o das outras (regra maximin).
Destacou-se, ainda, no transcurso do capítulo a enunciação inicial e final de ambos
os princípios, bem como a imperiosa confrontação a que são submetidos por conta
do equilíbrio reflexivo.
Sucede que justamente toda essa estrutura engendrada por Rawls
foi objeto de vigorosas críticas por parte de Jürgen Habermas, as quais serão
apresentadas a seguir.
2. A CRÍTICA DE HABERMAS
No artigo “Reconciliação mediante o uso público da razão: alguns
comentários em torno do liberalismo político de Rawls”35, Jürgen Habermas anota
críticas ao modelo de liberalismo político de Rawls em comparação com seu modelo
deliberativo. A seguir, o debate será reconstruído em linhas gerais com
detalhamento exclusivamente em relação à crítica de Habermas contra a posição
original rawlsiana.
2.1. RECONCILIATION
Habermas abre o artigo Reconciliation... destacando que a teoria da
justiça de Rawls representou uma mudança de paradigma no campo da filosofia
prática, pois trouxe à luz da investigação filosófica, de maneira renovada, questões
morais, assunto esse há muito não objeto de debate (HABERMAS, 1995, p. 109)36.
De início Habermas já deixa antever a importância do trabalho de
John Rawls à filosofia prática, culminando por qualificar suas dissidências, como se
verá, como uma disputa de família. Com efeito, nessa primeira parte37 da crítica de
Habermas, desde logo revela seu reconhecimento pela teoria da justiça rawlsiana,
bem como desvela as grandes afinidades entre o seu e o trabalho de Rawls
(especialmente quanto as intenções e os resultados essenciais38). Isso, por um lado,
como se verá no próximo capítulo foi de certa forma contestado por Rawls, que se
esforça para expor as diversidades principais entre ele e Habermas (item I da
35 No original: Reconciliation Through the Public use of Reason: Remarks on John Rawls’s Political Liberalism. Na tradução dos textos contamos com o inestimável apoio da tradução espanhola de Gerard Vilar Roca, introduzida por Fernando Vallespín, “Debate sobre el liberalismo político”. 36 Lembrando que nossa tradução é livre, convém consignar o texto original. Eis as primeiras palavras de Habermas: “Jonh Rawls’s A Theory of Justice marks a pivotal turning point in the most recent history of practical philosophy, for he restored long-suppressed moral questions to the status of serious objects of philosophical investigation” (HABERMAS, 1995, p.109). 37 Esclareça-se que essa divisão é arbitrária e atende exclusivamente aos interesses desta monografia. 38 Cf. HABERMAS, 1995, p. 110.
37
réplica: Duas diferenças principais39); de outro norte, faz pressentir a profundidade
das críticas de Habermas, cujas perspectivas derivam de um mesmo tronco. De fato,
as observações habermasianas tocarão as bases da teoria de Rawls.
Pois bem. Segundo Habermas, Rawls revisita a teoria de Kant40 em
prol da justiça em sociedades bem-organizadas, mesmo sem assumir as bases
transcendentais kantianas41 de em caso de dúvida optar por aquilo que igualmente
beneficia a todas as pessoas42. Rawls, então, teria proposto uma leitura
intersubjetiva43 do conceito kantiano de autonomia44 em oposição ao utilitarismo e ao
ceticismo quanto aos valores. Intersubjetiva porque - diz Habermas a propósito da
teoria da justiça de Rawls – atuamos autonomamente quando cumprimos aquilo que
39 Eis o título do primeiro item da réplica: “Two Main Differences” (RAWLS, 1995, p.132). Veremos no próximo capítulo (3.A RESPOSTA DE RAWLS) que essas diferenças básicas consistem, grosso modo, nas diversas abrangências das doutrinas de Habermas e Rawls (cf. item 3.2), bem como nos distintos mecanismos de representação adotados por tais doutrinas (cf. item 3.3). 40 Como bem salienta Feldhaus: “Tanto Jürgen Habermas quanto John Rawls afirmam-se herdeiros do pensamento de Immanuel Kant, não obstante, as grandes diferenças entre suas posições normativas e a de Kant” (FELDHAUS, 2011, p.202). 41 Por bases transcendentais kantianas entenda-se, à evidência, o princípio supremo da moralidade válido em toda a sociedade e em qualquer tempo. Rawls, segundo Habermas, “renovou esse princípio, com vistas à justa convivência entre cidadãos de uma comunidade política” (HABERMAS, 2002, p.61). 42 No original: “Without espousing Kant's transcendental philosophical background assumptions, Rawls renewed this theoretical approach with particular reference to the issue of the organization of a just society” (HABERMAS, 1995, p.109). 43 Anote-se que Marcantonio procura demonstrar em brilhante monografia sobre o tema o viés subjetivo da releitura do imperativo categorico kantiano em Rawls; ao contrário de Habermas, cuja leitura do mesmo IC é, na visão de Marcantonio, genuinamente intersubjetiva (MARCANTONIO, 2005). 44 Vale remarcar que para Kant a dignidade do ser racional decorre justamente de seu agir autônomo, o agir segundo sua própria lei moral: “A autonomia é, pois, o princípio da dignidade da natureza humana, bem como de toda natureza racional” (KANT, FMC). Nesse aspecto somos senhores da lei moral a que nos submetemos. “Isso significa que a vontade deve querer a sua própria autonomiae que a sua liberdade reside em ser, portanto, uma lei para si mesma” (Autonomia: In: CAYGILL, 2000). Freeman, por sua vez, consignou no Glossário-Rawls: “Autonomia – (TJ, § 78) – ideia usada inicialmente na interpretação kantiana em Teoria; ela acarreta agir por princípios morais que a razão dá a si mesma via posição original, quando esses princípios são considerados como construídos a partir de e expressando as capacidades morais de ação que constituem nossa natureza como seres morais racionais livres e iguais. Em Liberalismo Político Rawls usa o termo ‘autonomia plena’ para significar agir de maneira razoável e racional a partir de princípios políticos de justiça os cidadãos deveriam dar a si mesmo quando adequadamente representados como pessoas livres e iguais (LP, 77). Desse modo os juízos e ações dos cidadãos (em relação à leis, políticas públicas, etc.) são determinados por razões públicas (ou ao menos compatíveis com), consistentes com seus estatuto e interesses como cidadãos livres e iguais.” (autonomia: In: FREEMAN, 2007).
38
estabelecemos de acordo com o uso público de nossa razão. Nas palavras de
Habermas:
Em oposição tanto ao utilitarismo quanto ao ceticismo quanto aos valores, propôs-se uma versão intersubjetivista de Kant do princípio da autonomia: agimos autonomamente quando obedecemos as leis que poderiam ser aceitas por todos os afetados, com base em um uso público de sua razão45.
A respeito disso, impende, de fato, retomarmos o que acima se disse
acerca da ideia geral do contratualismo. Realmente, conforme nos leciona
Gargarella, é terreno comum no contratualismo a justificação de princípios a partir do
consenso de todos os sujeitos potencialmente afetados por eles (GARGARELLA,
2008, p. 14).
Prosseguindo, Habermas acrescenta que Rawls, ao reformular sua
teoria da justiça (o que se dá na obra O Liberalismo Político – Cf.RAWLS, 2000), usa
esse conceito de autonomia moral (cumprimento de deveres consensualmente
estabelecidos pelos afetados) para explicar a autonomia política dos cidadãos de
uma sociedade democrática (HABERMAS, 1995, p.109). Rawls, depois de insurgir-
se contra os utilitaristas, agora procura atingir os contextualistas que criticam o
postulado da razão comum a todos os seres humanos (a reason common to all
humans46). Assume Habermas tamanha simpatia por tais posições que, segundo ele
mesmo, as dissidências expressas no Reconciliation... constituiriam uma familial
dispute (disputa familiar). Rawls e Habermas constituem ramos familiares de um
mesmo tronco. Habermas faz menção direta de tal “feudo familiar”, expressando seu
respeito e admiração ao projeto de Rawls; admite, também, ter intenções similares,
inclusive reputando como corretos os resultados essenciais a que chegou Rawls47.
Habermas destaca que suas críticas não guardam outro escopo senão o construtivo
(HABERMAS, 1995, p. 110).
45 No original: “In opposition to utilitarianism and value skepticism he proposed an intersubjectivist version of Kant's principle of autonomy: we act autonomously when we obey those laws which could be accepted by all concerned on the basis of a public use of their reason” (HABERMAS, 1995, p.109). 46 HABERMAS, 1995, p. 110. 47 No original: “Because I admire this project, share its intentions, and regard its essential results as correct, the dissent I express here will remain within the bounds of a familial dispute” (HABERMAS, 1995, p. 110).
39
2.2. APANHADO GERAL DAS CRÍTICAS HABERMASIANAS
Antes de aprofundar na análise de cada uma delas, Habermas faz
uma breve exposição em três etapas da teoria de Rawls, seguindo-se a exposição
das três críticas que se direcionarão não tanto contra o projeto rawlsiano em si, mas
contra alguns aspectos da sua execução48. Tais questionamentos não recairão
diretamente sobre as intuições normativas de Rawls, acertadas na opinião de
Habermas (HABERMAS, 1995, p. 110), senão sobre a fundamentação de tais
intuições, deficiente pelas concessões de Rawls fez em favor de seus opositores
filosóficos; segundo Habermas, tais concessões prejudicam, inclusive, o
entendimento claro do projeto rawlsiano (HABERMAS, 1995, p. 110)49.
Quanto à breve demonstração do projeto de Rawls, Habermas relata
que, para fundamentar princípios que garantam a colaboração equitativa de
indivíduos livres e iguais em uma sociedade moderna (HABERMAS, 1995, p. 110), o
primeiro passo de Rawls foi admitir que os representantes fictícios em posição
original seriam capazes de escolher de modo imparcial dois princípios: o princípio
liberal e o seu princípio subordinado:
Rawls explica por que as partes na chamada posição original concordariam com dois princípios: primeiro, o princípio liberal segundo o qual todos têm direito a um sistema de liberdades básicas iguais; e, segundo, em um princípio subordinado que estabelece a igualdade de acesso às funções públicas e estipula que desigualdades sociais são aceitáveis apenas quando eles também são a favor dos menos privilegiados. (HABERMAS, 1995, p. 110)50
Em sequência, Habermas afirma que Rawls pretende mostrar que
essa concepção ecoa numa sociedade pluralista que ela mesma promove; sendo
que o liberalismo político, não detendo pretensão de verdade, apresenta-se neutro
48 Habermas expõe: “...levantarei objeções direcionadas não tanto contra o projeto, como tal, mas contra certos aspectos de sua execução” (HABERMAS, 1995, p. 110). No original: “...I shall raise objections directed not so much against the project as such but against certain aspects of its execution.” 49 No original: “I fear that Rawls makes concessions to opposed philosophical positions which impair the cogency of his own project”. 50 No original: “Rawls explains why the parties in the socalled original position would agree on two principles: first, on the liberal principle according to which everyone is entitled to an equal system of basic liberties, and, second, on a subordinate principle that establishes equal access to public offices and stipulates that social inequalities are acceptable only when they are also to the advantage of the least privileged.”
40
em relação a visões conflitantes de mundo (HABERMAS, 1995, p. 110)51.
Por fim, Rawls extrai dos dois princípios da justiça, direitos e outros
princípios básicos do Estado constitucional (HABERMAS, 1995, p. 110)52.
Apresentadas em três etapas um esboço do projeto ralwsiano,
Habermas pontua suas objeções, situadas no plano imanente53. A primeira – objeto
específico dessa monografia - versa sobre a aptidão de a posição original realmente
assegurar a neutralidade dos princípios da justiça. De acordo com Habermas:
Primeiro, duvido que todos os aspectos da posição original são adequados para clarificar e garantir um juízo imparcial acerca dos princípios deontológicos da justiça (I). (HABERMAS, 1995, p. 110)54
A bem da verdade, como bem asseverou Araújo, a crítica em torno
da posição original versa sobre noção rawlsiana de sujeito moral que, na ótica
habermasiana, geraria máculas especialmente na definição de bens primários
(ARAÚJO, 1998, p.210).
Além dessa primeira objeção, em relação à qual na sequência nos
debruçaremos como maior vagar e certa profundidade, há duas outras mais.
Habermas questiona, em segundo lugar, o conceito rawlsiano de overlapping
consensus (consenso sobreposto), elemento introduzido por Rawls para conferir
estabilidade à teoria da justiça (GARGARELLA, 2008, p.231). Sucede que para
Habermas:
...Rawls deveria fazer uma nítida separação entre questões de justificação e questões de aceitação, ele parece querer comprar a neutralidade de sua concepção de justiça ao custo de abandonar sua pretensão de validade cognitiva (II). (HABERMAS, 1995, p. 110)55
51 No original: “In a second step, Rawls shows that this conception of justice can expect to meet with agreement under those conditions of a pluralistic society which it itself promotes. Political liberalism, as a reasonable construction that does not raise a claim to truth, is neutral toward conflicting worldviews”. 52 No original: “In a third and final step, Rawls outlines the basic rights and principles of the constitutional state that can be derived from the two principles of justice.” 53 Adverte Habermas: “My critique is a constructive and immanent one” (HABERMAS, 1995, p. 110). 54 No original: “First, I doubt whether every aspect of the original position is designed to clarify and secure the standpoint of impartial judgment of deontological principles of justice (I).” 55 No original: “...Rawls should make a sharper separation between questions of justification and questions of acceptance; he seems to want to purchase the neutrality of his conception of justice at the cost of forsaking its cognitive validity claim (II).”
41
Por derradeiro, a título de terceira objeção, Habermas sustenta que
tais noções acima (aquelas assumidas por Rawls na posição original e no
overlapping consensus) conduzem inexoravelmente à formação de um Estado
constitucional que privilegia direitos fundamentais liberais em detrimento do princípio
democrático de legitimação, beneficia as liberdades dos modernos em detrimento
das liberdades dos antigos56:
Estas duas decisões resultam em uma construção teórica do Estado constitucional que concede primazia dos direitos fundamentais liberais sobre o princípio democrático de legitimação. Rawls, assim, não consegue atingir seu objetivo de trazer as liberdades dos modernos em harmonia com as liberdades dos antigos (III). (HABERMAS, 1995, p. 110)57
Conquanto também não seja objeto da presente monografia, não é
despiciendo anotar que, ao final do Reconciliation..., Habermas destaca a tese de
uma filosofia que opera de modo não construtivo, mas reconstrutivo58, tese esta que,
segundo ele, constitui uma auto-compreensão da filosofia política no âmbito
condições do pensamento pós-metafísico.
Sem mais delongas, pois, vejamos o ponto nuclear da monografia: a
crítica habermasiana acerca da posição original de Rawls.
2.3. A CRÍTICA SOBRE A CONCEPÇÃO DA POSIÇÃO ORIGINAL DE RAWLS
Antes de adentrar nova e diretamente no texto de Habermas,
convém destacar que Gargarella consignou que este filósofo não foi o único
56 Cabe-nos aqui consignar que grande parcela do esforço de Rawls concentrou-se na acomodação entre duas tradições que marcaram o pensamento democrático moderno, a saber: uma vertente que, sobretudo com lastro na doutrina de Locke, valoriza a liberdade dos modernos assim entendidas as liberdades individuais como liberdade de pensamento, de consciência e de propriedade (i); outra que, arrimada especialmente no pensamento de Rosseau, prestigia a liberdades dos antigos, como as liberdades políticas iguais e de participação na vida pública (ii). 57 No original: “These two theoretical decisions result in a construction of the constitutional state that accords liberal basic rights primacy over the democratic principle of legitimation. Rawls thereby fails to achieve his goal of bringing the liberties of the moderns into harmony with the liberties of the ancients (III).” 58 Esse modo reconstrutivo implica que “a filosofia se restrinja ao esclarecimento do processo democrático e do ponto de vista moral, à análise das condições para discursos e negociações racionais” (HABERMAS, 2002, p.89).
42
estudioso que lançou críticas à posição original de Rawls, especialmente críticas
relacionadas às pretensas virtudes da chamada posição original como ferramenta
dita epistêmica, apta a servir à compreensão e tratamento apropriado dos diversos
pontos de vista das demais pessoas (GARGARELLA, 2008, p.99).
Gargarella, então, menciona críticas da parte de Seyla Benhabib
sobre a excessiva restrição individual desse processo reflexivo em detrimento de
uma reflexão moral aberta e coletiva; e de outros críticos, como Susan Moller Okin,
para os quais parece ser negativa a resposta à pergunta, ao indagar se há
razoabilidade em crer que um individuo isolado, por meio de um procedimento auto-
reflexivo, possa representar os diversos pontos de vista encontrados nos demais
(GARGARELLA, 2008, p. 100). Na mesma senda, percorre a crítica de Habermas,
pois o projeto original estaria baseado em escolhas realizadas por “egoístas
racionais” (GARGARELLA, 2008, p. 100).
O ponto central dessa específica crítica habermasiana a Rawls, de
acordo com Gargarella, reside “[n]as concepções ‘monológicas’, que vinculam a
imparcialidade à reflexão individual, e as ‘dialógicas’, que vinculam a imparcialidade
à reflexão coletiva” (GARGARELLA, 2008, p. 100).
Fechado o parêntese, retomemos o exame do texto de Habermas,
para o qual na posição original, tal como é concebida por Rawls, representantes
racionais submetidos a certas restrições decidem questões práticas da justiça com
imparcialidade59. Autonomia plena mesmo fica para aqueles que já vivem sob os
auspícios das instituições próprias de sociedades bem-ordenadas60. Daí que, na
visão de Habermas:
Para a construção da posição original, Rawls divide esse conceito de autonomia política em dois elementos: as características moralmente neutras das partes que procuram vantagens racionais, por um lado, e as restrições situacionais de fundo moral sob o qual as partes escolhem os princípios de um sistema de equitativo de cooperação, por outro. (HABERMAS, 1995, p.111)61
59 No original: “Rawls conceives of the original position as a situation in which rationally choosing representatives of the citizens are subject to the specific constraints that guarantee an impartial judgment of practical questions” (HABERMAS, 1995, p.111). 60 No original: “The concept of full autonomy is reserved for the citizens who already live under the institutions of a well-ordered society” (HABERMAS, 1995, p.111). 61 No original: “For the construction of the original position, Rawls splits this concept of political autonomy into two elements: the morally neutral characteristics of parties who seek
43
A título de características das partes, além de livres e iguais, detêm
elas racionalidade e uma concepção de bem (primário) fornecida a cada uma delas;
no que tange às restrições situacionais, o véu da ignorância: “desconhecendo quais
posições ocuparão na sociedade, vêem-se constrangidos já por seu próprio
interesse a refletir sobre o que é igualmente bom para todos” (HABERMAS, 1995, p.
111)62.
Explica Habermas que da pretensão de Rawls consistente em
apresentar uma teoria da justiça como parte de uma teoria geral da escolha racional
decorre o enquadramento razoável da liberdade de escolha dos participantes da
posição original:
Essa construção de uma posição original que enquadra a liberdade de escolha de atores racionais em uma forma razoável é explicada pela intenção inicial de Rawls de representar a teoria da justiça como parte da teoria geral da escolha. (HABERMAS, 1995, p. 111)63
Esse enquadramento levado a efeito por Rawls visaria, conforme
acentua Habermas, limitar as opções das partes racionais na escolha de princípios
da justiça a alcançando a imparcialidade a partir de próprio auto-interesse
esclarecido:
Rawls em princípio partiu do pressuposto de que o leque de opções para a escolha racional das partes seria limitado de forma adequada, a fim de facilitar a derivação de princípios de justiça de seu auto-interesse esclarecido. (HABERMAS, 1995, p. 111)64
Sucede que, segundo Habermas, Rawls logo se viu forçado a
reconhecer que a razão de cidadãos autônomos pode não coincidir com escolhas
racionais decorrentes de preferências subjetivas65. Daí que, mesmo revisado o
their rational advantage, on the one hand, and the morally substantive situational constraints under which those parties choose principles for a system of fair cooperation, on the other.” 62 No original: “Because the latter do not know which positions they will occupy in the society that it is their task to order, they find themselves constrained already by their self-interest to reflect on what is equally good for all”. 63 No original: “This construction of an original position that frames the freedom of choice of rational actors in a reasonable fashion is explained by Rawls's initial intention of representing the theory of justice as part of the general theory of choice.” 64 No original: “Rawls originally proceeded on the assumption that the range of options open to rationally choosing parties only needed to be limited in an appropriate fashion in order to facilitate the derivation of principles of justice from their enlightened self-interest.” 65 No original: “But he soon realized that the reason of autonomous citizens cannot be reduced to rational choice conditioned by subjective preferences” (HABERMAS, 1995, p. 112).
44
objetivo da posição inicial, ainda assim Rawls manteve-se firme na assertiva de que
o sentido moral pode ser apurado dessa forma66, o que, para Habermas, constitui
equívoco pelos menos por três motivos, a saber: [a]As partes na posição original
podem compreender os interesses de ordem mais alta de cidadãos autônomos
apenas com base no egoísmo racional?67; [b]Direitos fundamentais podem ser
equiparados a bens primários?68; e por fim [c]O véu da ignorância seria apto o
bastante para garantir um julgamento imparcial?69
Aqui chegados, verifica-se que a crítica habermasiana quanto à
posição original está devidamente apurada. Doravante, analisar-se-ão uma-a-uma
as nodais indagações levantadas por Habermas.
2.3.1. O problema da full autonomy
A primeira das três questões debuxadas anteriormente versou sobre
a incapacidade de as partes na posição original compreender os interesses de
ordem mais alta de cidadãos autônomos apenas com base no egoísmo racional (os
participantes da posição original sequer interesses uns pelos outros possuem;
comportam-se como jogadores que aspiram a uma pontuação tão mais alta quanto
lhes seja possível70).
Por primeiro, Habermas sustenta que cidadãos plenamente
autônomos não estão representados por seres não dotados da mesma autonomia71.
Relevante (e muito) que é, essa assertiva desvela a ponderada noção de Habermas
de acordo com a qual, se cidadãos autônomos, na condição de pessoas morais,
66 No original: “Yet even after the revision of the initial goal that the original position was designed to achieve, he has held to the view that the meaning of the moral point of view can be operationalized in this way” (HABERMAS, 1995, p. 112). 67 No original: “Can the parties in the original position comprehend the highest-order interests of their clients solely on the basis of rational egoism?” (HABERMAS, 1995, p. 112). 68 No original: “Can basic rights be assimilated to primary goods?” (HABERMAS, 1995, p. 112). 69 No original: “Does the veil of ignorance guarantee the impartiality of judgment?” (HABERMAS, 1995, p. 112). 70 No original: “they take no interest in one another, conducting themselves like players who ‘strive for as high an absolute score as possible’” (HABERMAS, 1995, p. 113). 71 No original: “Rawls cannot consistently stand by the decision that ‘fully’ autonomous citizens are to be represented by parties who lack this autonomy” (HABERMAS, 1995, p. 112).
45
possuem senso de justiça(i) e estão aptos a desenvolver uma concepção peculiar de
bem(ii), assim como têm interesse em cultivar tais noções de modo racional(iii)72; o
mesmo não se pode dizer daqueles componentes da posição original, aos quais, em
substituição a tais propriedades inerentes a cidadãos autônomos, aplicam-se as
restrições circunstanciais do projeto rawlsiano73.
Ao tempo que isso se dá, às partes da posição original, despidas de
tais propriedades, impõe-se o ofício de descortinar, compreendendo, os mais altos
interesses (highest-order interests) dos cidadãos autônomos, interesses elevados
estes que derivam justamente daquelas propriedades indisponíveis aos participantes
da posição original. Esse paradoxo é exposto por Habermas desta forma:
Simultaneamente, no entanto, as partes da posição original devem ser capazes de compreender e ter devidamente em conta os ‘interesses de ordem superior’ dos cidadãos que resultam em grande parte dessas características. (HABERMAS, 1995, p. 112)74
Com efeito, o problema reside no fato de que as partes da posição
original levarão em conta possibilidades morais abertas aos cidadãos plenamente
autônomos, porém proscritas a eles próprios como, exemplifica Habermas, respeitar
o outro com base em princípios justos e não apenas no auto-interesse; agir com
lealdade; ter convicção acerca de mecanismos existentes e políticas por meio do uso
público de sua razão75. Noutros dizeres, exige-se das partes da posição original
entender e compreender implicações e conseqüências de algo que lhes é vedado: a
plena autonomia (HABERMAS, 1995, p. 112)76.
Para Habermas, ainda que se admita a coincidência de interesses
72 No original: “Citizens are assumed to be moral persons who possess a sense of justice and the capacity for their own conception of the good, as well as an interest in cultivating these dispositions in a rational manner” (HABERMAS, 1995, p. 112). 73 No original: “But in the case of the parties in the original position, these reasonable characteristics of moral persons are replaced by the constraints of a rational design” (HABERMAS, 1995, p. 112). 74 No original: “At the same time, however, the parties are supposed to be able to understand and take adequate account of the ‘highest-order interests’ of the citizens that follow from these very characteristics.” 75 No original: “For example, they must take account of the fact that autonomous citizens respect the interests of others on the basis of just principles and not only from self-interest, that they can be obligated to loyalty, that they want to be convinced of the legitimacy of existing arrangements and policies through the public use of their reason, and so forth.” (HABERMAS, 1995, p. 112). 76 No original: “Thus, the parties are supposed both to understand and to take seriously the implications and consequences of an autonomy that they themselves are denied.”
46
desconhecidos em detalhe, a perspectiva das partes da posição original, egoístas
racionais, não coincide com a de seus representados, cidadãos plenamente
autônomos no campo moral, pois na visão habermasiana as partes da posição
original seriam incapazes, dentro do círculo estabelecido pelo próprio “egoísmo
racional”, de vislumbrar em pé de igualdade em relação aos cidadãos que
representam a orientação justa para alcance daquilo que é igualmente bom a
todos77.
Noutras palavras, é claro, na visão de Habermas, que a similitude do
significado da justiça entre representantes e representados resta prejudicado diante
da perspectiva do egoísmo racional. Para Habermas, as partes da posição original,
na posição de representantes de cidadãos autônomos, têm de estar munidos de
competências cognitivas muito além daquelas a eles garantidas pela teoria da
escolha racional:
Mas se, apesar disso, as partes têm de compreender o significado dos princípios deontológicos da justiça que estão procurando e também ter em conta os interesses dos destinatários destes mesmos princípios (cidadãos autônomos), elas devem estar equipadas com competências cognitivas que se estendem para muito além das capacidades suficientes para a escolha racional de partes cegas para as questões da justiça. (HABERMAS, 1995, p. 113)78
Habermas consigna, como que sugerindo, a possibilidade de Rawls
rever essa configuração da posição original, ampliando o conhecimento das partes
na posição original, porém, como afirma Habermas, quanto maior se amplia tal
conhecimento para além do egoísmo racional tanto mais o projeto rawlsiano afasta-
se da meta de apresentar um método imparcial, apartado do egocentrismo humano,
77 A propósito, escreveu Habermas: “De qualquer forma, as partes da posição original são incapazes de alcançar, dentro dos limites estabelecidos pelo seu egoísmo racional, a perspectiva de reciprocidade com os cidadãos que representam quando estes se orientaram de forma justa em direção àquilo que é igualmente bom para todos: ‘na sua deliberações racionais as partes ... não reconhecem nenhum ponto de vista externo ao seu próprio ponto de vista como representantes racionais’(PL 73).” (HABERMAS, 1995, p. 112). No original: “At any rate, the parties are incapable of achieving, within the bounds set by their rational egoism, the reciprocal perspective taking that the citizens they represent must undertake when they orient themselves in a just manner to what is equally good for all: ‘in their rational deliberations the parties...recognize no standpoint external to their own point of view as rational representatives’ (PL 73).” 78 No original: “But if, despite this, the parties are to understand the meaning of the deontological principles they are seeking and to take sufficient account of their clients’ interests in justice, they must be equipped with cognitive competences that extend further than the capacities sufficient for rationally choosing actors who are blind to issues of justice.”
47
para estabelecer princípios da justiça. Vejamos as palavras de Habermas:
A minha única questão é saber se, em sendo estendido nesse sentido, o projeto descaracteriza-se, porquanto se torna muito distante daquele modelo original. Pois logo que as partes da posição original passam a avançar para fora dos limites de seu egoísmo racional e assumem, embora remotamente, uma semelhança maior com as pessoas morais, destrói-se a divisão do trabalho entre a racionalidade da escolha subjetiva e restrições objetivas; divisão esta justamente por meio da qual as partes auto-interessadas chegariam a decisões morais. (HABERMAS, 1995, p. 113)79
Em síntese, o ponto é que, quisesse reparar a posição original para
superar as críticas contra a insuficiência do egoísmo racional na escolha de
princípios que a sério atendam aos interesses de cidadãos plenamente autônomos,
Rawls provocaria, ipso facto, a descaracterização da mesma posição original, na
qual é a partir das restrições que os representantes racionais decidem questões
práticas da justiça com imparcialidade.
2.3.2. Direitos básicos e bens primários
O próximo motivo de questionamento do Habermas recai sobre a
indagação: “Direitos fundamentais podem ser equiparados a bens primários?” Na
visão crítica de Habermas, também constitui corolário da posição original a
generalização do conceito teleológico de bens básicos (primários). É que na
perspectiva dos participantes da posição original a resolução de “questões
normativas de qualquer espécie pode ser representada apenas em termos de
interesses ou valores que sejam satisfeitas por bens” (HABERMAS, 1995, p. 113)80.
Se bens constituem aquilo que almejamos porque nos é bom81, bens
primários, para Rawls, serão aqueles por meio dos quais cidadãos autônomos
79 No original: “My only question is whether, in being extended in this direction, the design loses its point by becoming too far removed from the original model. For as soon as the parties step outside the boundaries of their rational egoism and assume even a distant likeness to moral persons, the division of labor between the rationality of choice of subjects and appropriate objective constraints is destroyed, a division through which self-interested agents are nonetheless supposed to achieve morally sound decisions.” 80 No original: “...normative issues of whatever kind can be represented solely in terms of interests or values that are satisfied by goods”. 81 No original: “Goods are what we strive for-indeed, what is good for us” (HABERMAS, 1995, p. 114).
48
realizam seus projetos de vida82.
Na posição original, segundo Habermas, os participantes
consideram os direitos como uma classe de bens:
Embora as partes da posição original saibam que alguns desses bens primários assumem a forma de direitos para os cidadãos de uma sociedade bem-ordenada, na posição original podem descrever os direitos como uma categoria de ‘bens’, entre outros. (HABERMAS, 1995, p. 114)83
Consectário disso é que na posição original a questão dos princípios
da justiça resume-se num problema de divisão de bens primários84. As restrições na
posição original, segundo Habermas, determinam a consideração de certos direitos
básicos - como as liberdades básicas – na condição de bens primários85. Habermas
afirma que nesse ponto - ao aproximar o conceito de justiça a uma ética do bem,
própria do aristotelismo ou utilitarismo -, Rawls entra em contradição com sua ética
de direitos que parte do conceito de autonomia:
Admitindo isso, Rawls adota um conceito de justiça que é próprio de uma ética do bem, que é mais consistente com as abordagens utilitarista ou aristotélica do que com uma teoria dos direitos, tais como a sua própria, que procede a partir do conceito de autonomia. Precisamente porque Rawls adere a uma concepção de justiça em que a autonomia dos cidadãos é constituída por meio de direitos, o paradigma da distribuição gera dificuldades para ele. (HABERMAS, 1995, p. 114)86
Em resumo, tratar direitos como mercadorias, como admite Rawls
que as partes da posição original o façam, para Habermas, implica renunciar ao
sentido deontológico em prol de outro teleológico: “Direitos são ‘desfrutados’ quando
82 No original: “Correspondingly, Rawls introduces ‘primary goods’ as generalized means that people may need in order to realize their plans of life” (HABERMAS, 1995, p. 114). 83 No original: “Although the parties know that some of these primary goods assume the form of rights for citizens of a well-ordered society, in the original position they themselves can only describe rights as one category of ‘goods’ among others.” 84 No original: “For them, the issue of principles of justice can only arise in the guise of the question of the just distribution of primary goods” (HABERMAS, 1995, p. 114). 85 No original: “If I am correct, the conceptual constraints of the model of rational choice preclude Rawls from construing basic liberties from the outset as basic rights and compel him to interpret them as primary goods” (HABERMAS, 1995, p. 114). 86 No original: “Rawls thereby adopts a concept of justice that is proper to an ethics of the good, one that is more consistent with Aristotelian or utilitarian approaches than with a theory of rights, such as his own, that proceeds from the concept of autonomy. Precisely because Rawls adheres to a conception of justice on which the autonomy of citizens is constituted through rights, the paradigm of distribution generates difficulties for him.”
49
exercidos. Eles não podem ser equiparados a mercadorias de distribuição sem
perder o seu sentido deontológico.” (HABERMAS, 1995, p. 114)87. Direitos regulam
relações entre pessoas, não podem ser possuídos como coisas88.
Isso, para Habermas, leva Ralws “a assimilar o sentido deontológico
de normas obrigatórias para o sentido teleológico de valores preferenciais”89. Mas
que isso acarretaria na teoria de Rawls? Habermas apressa-se em demonstrar que
as confusões geradas limitam-lhe as opções no desenvolvimento de seu projeto90.
A primeira imprecisão observada por Habermas estabelece-se
justamente entre normas e valores. As primeiras determinam condutas obrigatórias
sem exceção e igualmente; os segundos apontam condutas preferíveis,
recomendáveis91. Valores expressam os bens desejáveis para determinados grupos
sociais92.
Normas realizam-se pelo cumprimento da conduta imposta por ela;
valores por atos tendentes a um fim. Para Habermas se é certo que normas são
veículo de promoção do cumprimento de expectativas gerais de comportamento; não
é menos escorreito que valores e bens podem ser realizados e/ou adquiridos através
de ações intencionais (HABERMAS, 1995, p. 114)93.
Da constatação acima fica evidente o viés teleológico dantes
apontado na concepção original. Prossegue Habermas, ainda, na relevante distinção
entre normas e valores, que segue em exame progressivamente cada vez mais
apurado. Alerta ele para o fato de que normas valem ou não valem; enquanto aos
valores, ao revés, não se aplica essa validade binária, visto que é possível a
87 No original: “Rights can be ‘enjoyed’ only by being exercised. They cannot be assimilated to distributive goods without forfeiting their deontological meaning.” 88 No original: “...rights in the first instance regulate relations between actors: they cannot be ‘possessed’ like things” (HABERMAS, 1995, p. 114). 89 No original: “This leads him to assimilate the deontological meaning of obligatory norms to the teleological meaning of preferred values” (HABERMAS, 1995, p. 114). 90 No original: “Rawls thereby blurs certain distinctions that I shall briefly mention in order to show how this limits his options in the further development of his project” (HABERMAS, 1995, p. 114). 91 No original: “Norms inform decisions as to what one ought to do, values inform decisions as to what conduct is most desirable” (HABERMAS, 1995, p. 114). 92 No original: “...values express the preferability of goods that are striven for by particular groups” (HABERMAS, 1995, p. 114). 93 No original: ‘Whereas norms are observed in the sense of a fulfillment of generalized behavioral expectations, values or goods can be realized or acquired only by purposive action.”
50
coexistência de valores mais ou menos atrativos uns dos outros. Com efeito, ao
passo que normas valem ou não valem, valores são mais ou menos atrativos,
ficando cá destacada a relação de preferência vigente entre eles. Convém ouvir a
voz de Habermas:
Além disso, as normas de levantar uma pretensão de validade binária em virtude da qual se diz ser válida ou inválida: deve a declarações, como às declarações assertivas, só podemos responder com ‘sim’ou ‘não’ - ou abster-se de julgamento. Valores, pelo contrário, estabelecem relações de preferência que significa que determinados bens são mais atrativos do que outros: por isso, podemos concordar com enunciados valorativos a uma maior ou menor grau. (HABERMAS, 1995, p. 114)94
Quer Habermas significar, sobremais, que há diversos graus de
satisfação dos valores95, algo não presente quando se tem em mente normas,
cumprimo-las ou não sem que se possa estabelecer graus de cumprimento: “A força
obrigatória das normas tem um sentido absoluto de um direito universal e
incondicional: o que devemos fazer é aquilo igualmente bom para todos (isto é, para
todos os destinatários)” (HABERMAS, 1995, p. 115)96. Por seu turno, a relação de
preferência entre os valores reflete uma avaliação à vista do que se estabeleceu em
determinadas culturas ou outras formas de vida adotada por grupos específicos;
expressa, pois, o que é igualmente bom ou o que pode ser considerado interesses
de ordem superior (highest-order interests) não para todos, mas sim para aquela
determinada cultura ou aquele grupo específico97.
94 No original: “Furthermore, norms raise a binary validity claim in virtue of which they are said to be either valid or invalid: to ought statements, as to assertoric statements, we can respond only with ‘yes’ or ‘no’- or refrain from judgment. Values, by contrast, fix relations of preference that signify that certain goods are more attractive than others: hence, we can assent to evaluative statements to a greater or lesser degree.” 95 Não se entremostra despropositado estabelecer um paralelo entre a concepção de normas e valores aqui trazida à baila por Habermas e a de regras e princípios constante na obra Teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. Para um resumido estudo sobre a concepção alexyana de distinção entre regras e princípios como espécies de normas, cf. CACHICHI, 2009, Anexo A - A distinção entre princípios e regras como espécies de normas na obra teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. 96 No original: “The obligatory force of norms has the absolute meaning of an unconditional and universal duty: what one ought to do is what is equally good for all (that is, for all addressees).” 97 No original: “The attractiveness of values reflects an evaluation and a transitive ordering of goods that has become established in particular cultures or has been adopted by particular groups: important evaluative decisions or higher-order preferences express what is good for us (or for me), all things considered” (HABERMAS, 1995, p. 115).
51
Por fim, destaca Habermas que normas não devem se contradizer
mutuamente perante os mesmos destinatários, devem formar um sistema coerente;
diversamente valores contrários convivem na mesma comunidade de acordo com a
maior ou menor preferência que lhes é atribuída intersubjetivamente pela cultura ou
grupo no qual estão inseridos98.
Em suma, pois, normas e valores diferenciam-se por diversos
aspectos relevantes: [1]normas valem ou não valem; valores são ou não mais
atraentes de acordo com as preferências de grupos de pessoas; [2]normas exigem o
cumprimento da conduta prescrita; valores admitem satisfação em diferentes graus;
[3]normas valem sem exceção para todos os seus destinatários; valores valem mais
ou menos conforme o grupo específico ou determinada cultura; [4]não se admitem
normas conflitantes com os mesmos destinatários; admitem-se valores conflitantes
nesses casos, cabendo à comunidade atribuir-lhes intersubjetivamente as devidas
relações de preferência. Habermas também vindicou uma síntese. Ei-la:
Em suma, as normas diferem dos valores, em primeiro lugar, por sua relação com um tipo diverso de ação: normas dirigem-se por regras; valores por fins; em segundo, pela sua pretensão de validez, binária (normas) ou gradual (valores); em terceiro, pelo comando absoluto (normas) ou relativo (valores); e, em quarto, pelos critérios de coerência que normas e valores devem satisfazer. (HABERMAS, 1995, p.115)99
Por outro lado, de acordo com Habermas, a prioridade léxica do
primeiro da igualdade sobre o segundo princípio decorre da tentativa de Rawls em
compensar o desnivelamento deontológico proporcionado pela questão dos bens
primários100. Sucede que, à vista da perspectiva do egoísmo racional (perspectiva da
1ª pessoa, do eu) não se sustenta para Habermas nenhuma prioridade absoluta das
98 No original: “Finally, different norms must not contradict each other when they claim validity for the same domain of addressees; they must stand in coherent relations to one another-in other words, they must constitute a system. Different values, by contrast, compete for priority; insofar as they meet with intersubjective recognition within a culture or group, they constitute shifting configurations fraught with tension” (HABERMAS, 1995, p. 115). 99 No original: “To sum up, norms differ from values, first, in their relation to rule-governed as opposed to purposive action; second, in a binary as opposed to a gradual coding of the respective validity claims; third, in their absolute as opposed to relative bindingness; and, last, in the criteria that systems of norms as opposed to systems of values must satisfy.” 100 No original: “Nevertheless, Rawls wishes to do justice to the deontological intuition that finds expression in these distinctions; hence, he must compensate for the leveling of the deontological dimension which he - as a consequence of the design of the original position - initially accepts with the concept of primary goods. So he accords the first principle priority over the second” (HABERMAS, 1995, p. 115).
52
iguais liberdades subjetivas de ação sobre bens primários equacionados pelo
segundo princípio101.
Para Habermas é curioso que Rawls, a fito de superar essa crítica,
tenha introduzido uma posterior qualificação aos bens primários para lhes assegurar
uma vinculação com as liberdades básicas, reconhecendo-os como direitos básicos.
Fê-lo da seguinte forma: Rawls reconheceu como bens primários apenas aqueles
por meio dos quais pessoas livres e iguais realizam seus projetos de vida102.
Ademais, Rawls culmina por distinguir bens primários que são constitutivas do
quadro institucional da sociedade bem-ordenada no sentido moral do restante dos
bens primários103. No entanto, ao fazê-lo, Rawls incide em contradição, porque, pela
ótica de Habermas, essa qualificação adicional traz à guisa de pressuposto uma
diferença ontológica entre bens e direitos não antevista na consideração prima facie
dos direitos como bens. Di-lo Habermas:
Esta determinação adicional, no entanto, tacitamente pressupõe uma distinção deontológica entre direitos e bens que contradiz a classificação prima facie dos direitos como bens. (HABERMAS, 1995, p. 116)104.
Afora isso, impede destacar, ainda, que apenas em relação ao
direitos, não quanto a bens, pode-se distinguir o plano da aquisição do plano do
exercício. Habermas exprime essa ideia verberando:
Apenas no caso de direitos podemos distinguir entre a competência legal e as oportunidades reais de escolher e de agir. Somente entre os direitos, por um lado, e as oportunidades fáticas de seu exercício, por outro lado, pode existir um espaço problemático do ponto de vista da justiça, ruptura de tal não pode existir entre a posse e o usufruto dos bens. (HABERMAS, 1995, p. 116)105
101 No original: “An absolute priority of equal liberties over the primary goods regulated by the second principle is, however, difficult to justify from the first person perspective in which we orient ourselves to our own interests or values” (HABERMAS, 1995, p. 115). 102 No original: “...he acknowledges as primary goods only those which are expedient for the life plans and the development of the moral faculties of citizens as free and equal persons” (HABERMAS, 1995, p. 115). 103 No original: “Rawls differentiates the primary goods that are constitutive of the institutional framework of the well-ordered society in the moral sense from the remainder of the primary goods by incorporating the guarantee of the ‘fair value’ of liberty into the first principie” (HABERMAS, 1995, p. 115). 104 No original: “This additional determination, however, tacitly presupposes a deontological distinction between rights and goods which contradicts the prima facie classification of rights as goods.” 105 No original: “Only in the case of rights can we distinguish between legal competence and
53
Até mesmo porque nem mesmo por fundamentos gramaticais faria
sentido falar a respeito de igualdade jurídica e igualdade fática em relação a bens,
mas apenas e tão-somente quanto aos direitos. Habermas baseia-se em
Wittgenstein:
A distinção entre a igualdade jurídica e de facto não tem aplicação a ‘bens’ por razões gramaticais, para colocá-lo em termos wittgensteinianos. (HABERMAS, 1995, p. 116)106
De qualquer forma, ainda que obtivesse cabal êxito Rawls na
superação posterior do problema gerado pela consideração de direitos como bens,
mesmo assim, remanesce questionável a posição original na qual se instalou o
problema pela a falta desse discrímen. Bem observou Habermas:
Mas se a noção de bens primários está sujeita à correção em uma segunda etapa, podemos perguntar se o primeiro passo - a concepção da posição original, que exige esta concepção - foi um sábia. (HABERMAS, 1995, p. 116)107
Delineadas dois dos três pontos esgrimidos por Habermas, resta-
nos, doravante, reconstruir o terceiro, que faremos a seguir.
2.3.3. O véu da ignorância
A partir dos itens anteriores, Habermas acredita que restaram bem
expostas as críticas especialmente no que tange à incapacidade das decisões
racionais dos participantes da posição inicial levar a sério os interesses de ordem
superior (highest-order interests) dos cidadãos autônomos, bem como as
dificuldades que a não discriminação entre direitos básicos e bens primários acarreta
em prejuízo do projeto rawlsiano. Prossegue então Habermas a indagar: “Por que os
participantes da posição original, privados da razão prática, ainda estão cobertos
the actual opportunities to choose and to act. Only between rights, on the one side, and actual chances to exercise rights, on the other, can there exist a chasm that is problematic from the perspective of justice; such a rupture cannot exist between the possession and enjoyment of goods.” 106 No original: “The distinction between legal and factual equality has no application to ‘goods’ for grammatical reasons, to put it in Wittgensteinian terms.” 107 No original: “But if the notion of primary goods is subject to correction in a second step, we may ask whether the first step - the design of the original position that necessitates this conception - was a wise one.”
54
pelo véu da ignorância?”108
De acordo com Habermas, o véu da ignorância faz parte de um
procedimento intersubjetivo de substituição do imperativo categórico (IC) kantiano:
A intuição de Rawls é clara: o papel do imperativo categórico é assumido por um procedimento aplicado intersubjetivamente formado por condições de participação, tais como a igualdade entre as partes, e características situacionais, tais como o véu da ignorância. (HABERMAS, 1995, p. 116, itálicos meus)109
Novamente para Habermas o ponto fraco da posição original reside
na sistemática falta de informação, o que poderia ser evitado se Rawls “mantivesse
a concepção procedimental da razão prática livre de conotação substantiva,
desenvolvendo-o em uma forma estritamente processual” (HABERMAS, 1995, p.
116).110
Explica Habermas que Kant superou o egocentrismo da “regra de
ouro” (não faças ao outro o que não queres seja feito a ti111) por meio do imperativo
categórico. A propósito, em nota de rodapé, Kant consignou acerca da terceira
formulação do imperativo categórico112, deixando claro seu pensamento de não a
108 No original: “why then are the parties deprived of practical reason in the first place and shrouded in an impenetrable veil of ignorance?” (HABERMAS, 1995, p. 116). 109 No original: “Rawls's guiding intuition is clear: the role of the categorical imperative is taken over by an intersubjectively applied procedure which is embodied in participation conditions, such as the equality of parties, and in situational features, such as the veil of ignorance.” 110 Destaco nesta nota o trecho mais completo do texto a fim de permitir ao leitor, certificando-se da fidedignidade de minha exegese, o contato com a ideia completa tal como redigida por Habermas, que diz: “Esta terceira questão [refere-se àquela sobre a utilidade do véu da ignorância: “why then are the parties deprived of practical reason in the first place and shrouded in an impenetrable veil of ignorance?”] revela a perspectiva de que eu também colocava as duas perguntas anteriores: acredito que Rawls pode evitar as dificuldades associadas com o desenho de uma posição original se operacionalizá-la do ponto de vista moral de uma forma diferente, ou seja, se mantivesse a concepção procedimental da razão prática livre de conotação substantiva, desenvolvendo-o em uma forma estritamente processual.” (HABERMAS, 1995, p. 116, itálicos meus, esclareci entre colchetes) No original: “This third question reveals the perspective from which I also posed the two previous questions: I believe that Rawls could avoid the difficulties associated with the design of an original position if he operationalized the moral point of view in a different way, namely, if he kept the procedural conception of practical reason free of substantive connotations by developing it in a strictly procedural manner.” 111 Em Mateus 7:12 consta: “A regra de ouro – Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas” (BÍBLIA, 1985, p.1850). 112 Eis a formulação: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca
55
reduzir à regra de ouro:
Não vá pensar-se que aqui o trivial: quod tibi non vis fieri etc., possa servir de diretriz ou princípio. Pois este preceito, posto que com várias restrições, só pode derivar daquele; não pode ser uma lei universal, visto não conter o princípio dos deveres para consigo mesmo, nem o dos deveres de caridade para com os outros (porque muitos renunciariam de bom grado a que os outros lhes fizessem bem se isso os dispensasse de eles fazerem bem aos outros), nem mesmo finalmente o princípio dos deveres mútuos; porque o criminoso poderia por esta razão argumentar contra os juízes que o punem, etc. (KANT, 1988, p.71)
Para Habermas, se o teste de universalização da regra de ouro pode
ser realizado apenas da perspectiva de um único indivíduo, o teste do IC exige mais:
“que todos os possíveis afetados de uma máxima justa tenham de pretendê-la
universal” (HABERMAS, 1995, p. 117)113. Porém, destaca Habermas, a aplicação do
teste mais exigente do IC de forma monológica é inadequada, porque as
perspectivas individuais isoladas restam mantidas114.
Noutra obra, registrou Habermas: “Como Kant, Rawls operacionaliza
de tal maneira o ponto de vista da imparcialidade que cada indivíduo possa
empreender por si só a tentativa de justificar normas básicas” (HABERMAS, 2003,
p.87). O participante da posição original não colabora com argumentos ao discurso,
mas emite juízos como resultado da teoria da justiça como equidade:
...Rawls entende a parte material de sua própria investigação, por exemplo o desenvolvimento do princípio do benefício médio, não como uma contribuição de um participante da argumentação para a formação discursiva da vontade acerca das instituições básicas de uma sociedade capitalista avançada, mas justamente como resultado de uma ‘teoria da justiça’ para a qual ele tem uma competência a título de especialista. (HABERMAS, 2003, p.87)
Diante das condições hodiernas de pluralismo social e de visão do
mundo, entremostra-se inviável pensar em um auto-conhecimento tal que refletisse
simplesmente como meio” (KANT, 1988, p.69). Observo que algumas traduções em substituição ao termo “nunca”, usam a expressão “não apenas”. 113 No original: “Whereas this rule [the Golden Rule] calls for a universalization test from the viewpoint of a given individual, the categorical imperative requires that all those possibly affected be able to will a just maxim as a general rule.” (esclareci entre colchetes) 114 No original: “But as long as we apply this more exacting test in a monological fashion, it still remains individually isolated perspectives from which each of us considers privately what all could will. This is inadequate” (HABERMAS, 1995, p. 117).
56
de fato uma consciência transcendental (HABERMAS, 1995, p. 117)115. Defende
Habermas uma nova leitura do IC. Ei-lo reformulado:
‘Ao invés de prescrever a todos os demais como válida uma máxima que eu quero que seja uma lei universal, tenho que apresentar minha máxima a todos os demais para o exame discursivo de sua pretensão de universalidade. O peso desloca-se daquilo que cada (indivíduo) pode querer sem contradição com a lei universal para aquilo que todos querem de comum acordo reconhecer como norma universal’. (HABERMAS, 2003, p. 88)
Em contraposição, é ponto fundamental sublinhar que Rawls, ao
impor por meio de sistemáticas restrições de informação uma perspectiva comum às
partes na posição original, culmina, de acordo com a crítica de Habermas, por
neutralizar, desde a raiz, a multiplicidade de perspectivas de interpretação particular
(HABERMAS, 1995, p. 117)116.
Com efeito, da regra de ouro, Kant chegou a uma das formulações
do imperativo categórico por meio da ideia de generalização, imperativo esse que
“pede que todos os possivelmente envolvidas devam poder querer uma máxima
justa com lei geral” (HABERMAS, 2002, p.70). Agora, diante da gama de
concepções de mundo proporcionadas pelo pluralismo social contemporâneo, a
adaptação da ideia do princípio kantiano de maximização do campo monológico
para a seara dialógica faz-se imperiosa. Essa adaptação, inclusive, pode ser feita de
mais de uma forma. Habermas verberou: “Nas condições do moderno pluralismo
social e ideológico, ninguém mais poderá partir desse pressuposto117. Se quisermos
salvar a intuição do princípio kantiano de universalização, poderemos realgir a esse
fato do pluralismo de diferentes maneiras” (HABERMAS, 2002, p.71). Exemplos
disso são as próprias doutrinas de Rawls e de Habermas. De notar uma sequência
claramente observável: da regra de ouro ao imperativo categório com Kant, do
imperativo categórico à posição original com Rawls e à situação ideal de fala com
Habermas.
115 No original: “For only when the self-understanding of each individual reflects a transcendental consciousness, that is, a universally valid view of the world, would what from my point of view is equally good for all actually be in the equal interest of each individual. But this can no longer be assumed under conditions of social and ideological pluralism.” 116 No original: “Rawls imposes a common perspective on the parties in the original position through informational constraints and thereby neutralizes the multiplicity of particular interpretive perspectives from the outset.” 117 Habermas refere-se ao pressuposto kantiano da consciência transcendente, ou seja, de uma compreensão de mundo universalmente válida (HABERMAS, 2005, p.71).
57
De fato, Rawls, por seu turno, ao limitar a informação das partes na
posição original, fixa-as “numa perspectiva comum e neutraliza assim de antemão,
mediante um artifício, a multiplicidade das perspectivas particulares de interpretação”
(HABERMAS, 2003, p. 71).
Habermas, em oposição, na ética discursiva objetiva realçar o
pluralismo (e não o neutralizar): “A ética do discurso, pelo contrário, vê o ponto de
vista moral consagrado numa prática (num procedimento) intersubjetiva(o) de
argumentação, que encarrega os envolvidos de um alargamento idealizante de suas
perspectivas de interpretação” (HABERMAS, 1995, p. 117)118.
Essa compreensão do ponto de vista moral pela ética discursiva
decorre da intuição de que a universalização dá-se em um processo de “assunção
do papel ideal” em conjunto119. A dinâmica é estabelecida assim: submetidos aos
pressupostos pragmáticos de um discurso racional inclusivo e sem coerção entre os
participantes livres e iguais, todos devem levar em consideração as perspectivas dos
outros. Com isso, projetados no entendimento de si e dos outros, chegam a uma
perspectiva ideal ampliada. Segundo Habermas:
Sob os pressupostos comunicacionais de um discurso não-coativo, preocupado em inserir e conduzido entre participantes livre e iguais, cada um é exortado a assumir a perspectiva – e com isso a autocompreensão e compreensão de mundo – de todos os outros; desse cruzamento de perspectivas em primeira pessoa do plural (‘nossa’) idealmente ampliada, a partir da qual todos podem testar em conjunto se querem fazer de uma norma discutível a base de sua práxis; isso precisa incluir uma crítica recíproca à adequação das interpretações da situação e das carências. (HABERMAS, 2002, p.71)120.
118 No original: “Discourse ethics, by contrast, views the moral point of view as embodied in an intersubjective practice of argumentation which enjoins those involved to an idealizing enlargement of their interpretive perspectives.” 119 No original: ” Discourse ethics rests on the intuition that the application of the principle of universalization, properly understood, calls for a joint process of ‘ideal role taking’” (HABERMAS, 1995, p. 117). 120 O fragmento transcrito foi extraída da tradução brasileira da obra A inclusão do outro : estudos de teoria política, de autoria de Habermas, na qual consta a íntegra da crítica deste filósofo a Rawls. No original, consta: “Under the pragmatic presuppositions of an inclusive and noncoercive rational discourse among free and equal participants, everyone is required to take the perspective of everyone else, and thus project herself into the understandings of self and world of all others; from this interlocking of perspectives there emerges an ideally extended we-perspective from which all can test in common whether they wish to make a controversial norm the basis of their shared practice; and this should include mutual criticism of the appropriateness of the languages in terms of which situations and needs are
58
Passo a passo então interesses genuinamente generalizáveis
emergirão121.
Retomando a crítica à posição original, Habermas diz que nela as
coisas funcionam de modo diverso. As restrições impostas pelo véu da ignorância
impedem que as partes da posição original elejam princípios da justiça similares aos
que seriam escolhidos por cidadãos autônomos ainda que com divergentes
concepções de mundo e de si próprios122. Para Habermas, “com esta abstração
inicial Rawls aceita um duplo teste” (HABERMAS, 1995, p. 118)123: simultaneamente
ao teste da abrangência de todos os pontos de vista e interesses particulares que
possam comprometer um julgamento imparcial(i), o véu da ignorância deverá incidir
apenas sobre aquilo que claramente não constitui o bem comum aceito por cidadãos
livres e iguais(ii). O segundo teste(ii), ligado ao conteúdo normativo do véu, impõe de
antemão que conceitos normativos como o de cidadão politicamente autônomo,
cooperação equitativa, sociedade bem-ordenada estejam disponíveis e não se
sujeitem a revisões futuras. Isso implica conforme Habermas que “o próprio teórico
teria que arcar com o ônus de antecipar pelo menos parte das informações de que
ele já aliviou as partes na posição original!” (HABERMAS, 1995, p. 118)124. A
inclusão de tais conceitos normativos é criticada por Habermas, pois para este a
ética discursiva arrimada na teoria pragmática da argumentação e no uso público da
razão dispensaria o emprego de conceitos substantivos utilizados por Rawls na
construção da posição original. Nas palavras de Habermas:
Concebo um processo mais aberto de uma prática argumentativa que prossegue sob pressupostos exigentes do ‘uso público da razão’ e não exclua desde o início o pluralismo de convicções e visões de mundo. Este procedimento pode ser explicado sem recorrer aos conceitos substantivos que Rawls emprega na construção da posição
interpreted” (HABERMAS, 1995, p. 117). 121 No original: “In the course of successively undertaken abstractions, the core of generalizable interests can then emerge step by step” (HABERMAS, 1995, p. 117). 122 No original: “Things are different when the veil of ignorance constrains from the beginning the field of vision of parties in the original position to the basic principles on which presumptively free and equal citizens would agree, notwithstanding their divergent understandings of self and world” (HABERMAS, 1995, p. 118). 123 No original: “It is important to see that with this initial abstraction Rawls accepts a double burden of proof.” 124 No original: “...the theoretician himself would have to shoulder the burden of anticipating at least parts of the information of which he previously relieved the parties in the original position!”
59
original. (HABERMAS, 1995, p. 118)125
Enfim, a superação de conflitos de ação deveria ser feita por meio
de argumentação moral não monológica: “...os problemas que devem ser resolvidos
em argumentações morais não podem ser superados monologicamente, mas
exigem um esforço de cooperação” (HABERMAS, 2003, p. 87). A propósito, como
destaca Feldhaus, “[p]or ética monológica, Habermas entende uma concepção ética
que exige dos seres humanos que raciocinem de modo individual e privado acerca
da conduta a seguir, sem uma participação ativa dos concernidos pela norma ou
regra moral controversa.” (FELDHAUS, 2011, p.202).
Há boa dose de coerência no pensamento habermasiano. Ora, se as
necessidades são reconhecidas a partir de valores culturais, então a resolução de
problemas ligados a elas não pode prescindir da tradição compartilhada
intersubjetivamente em que estão inseridas:
As necessidades são interpretadas à luz de valores culturais; e como estes são sempre parte integrante de uma tradição partilhada intersubjetivamente, a revisão dos valores que presidem à interpretação das necessidades não pode de modo algum ser um assunto do qual os indivíduos disponham monologicamente. (HABERMAS, 2003, p. 88)
Não basta, portanto, que os participantes da posição original, cada
um por si, dê assentimento à norma, para Habermas: “[o] que é preciso é, antes,
uma argumentação ‘real’, da qual participem cooperativamente os concernidos.”
(HABERMAS, 2003, p. 88). Trata-se, pois, de uma reflexão intersubjetiva.
No intuito de retomar as principais teses alinhavadas neste segundo
capítulo, vale dizer que no artigo Reconciliation... cujo teor foi parcialmente objeto de
nossas análises, depois de reconhecer a inestimável valia do trabalho de Rawls,
bem como de admitir que procedem ambos de por assim dizer tronco comum,
Habermas dispara críticas tanto ao projeto rawlsiano em si, mas contra alguns
aspectos da sua execução, especialmente no que tange à posição original, ao
overlapping consensus (consenso sobreposto), à precedência das liberdades dos
125 No original: “I have in mind the more open procedure of an argumentative practice that proceeds under the demanding presuppositions of the ‘public use of reason’ and does not bracket the pluralism of convictions and worldviews from the outset. This procedure can be explicated without having recourse to the substantive concepts that Rawls employs in the construction of the original position.”
60
modernos em prejuízo das liberdades dos antigos. Objeto específico desta
monografia, as críticas habermasianas contra a posição original de Rawls dirigem-se
contra a sistemática privação de informações a que estão submetidos seus
participantes, à exagerada amplitude dado ao conceito de bens primários e, por fim,
à concepção ‘monológica’ vigorante nessa situação hipotética inicial. Como se
denota, parece que Habermas demonstrou fragilidades na construção da posição
inicial em vários aspectos. Vejamos doravante o que Rawls tem a dizer a respeito
disso.
3. A RESPOSTA DE RAWLS
Vistas e analisadas as críticas de Habermas especialmente
direcionadas à posição original de Rawls, doravante segue a réplica deste filósofo a
tais objeções.
3.1. OBSERVAÇÕES PROPEDÊUTICAS
De saída, Rawls reconhece as críticas habermasianas como uma
oportunidade para melhor explicar seu liberalismo político, contrastando-o ademais
com a “poderosa doutrina filosófica de Habermas” (RAWLS, 1995, p.132)126. Mercê
das críticas, Rawls repensou conceitos, esclareceu formulações, identificou
obscuridades e inconsistências em seus pensamentos. Tudo isso forçou-o a precisar
ponderações, tornando suas principais assertivas mais lúcidas e exatas (RAWLS,
1995, p.132)127.
3.2. RAWLS E HABERMAS: MESMA FAMÍLIA, DISTINTAS PRETENSÕES
Na réplica às críticas contra a posição original na Parte I do
Reconciliation..., Rawls, diferentemente da postura que adota quanto às críticas
habermasiandas acerca do consenso sobreposto e da autonomia público e privada,
não responde pontual e diretamente as críticas contra sua posição original
(ARAÚJO, 1998, p.213). Rawls emprega a estratégia de demonstrar duas principais
diferenças entre as visões dele e de Habermas, as quais conduziriam, em boa parte,
a diferentes objetivos e motivações128.
126 No original: “...offers me an ideal context in which to explain the meaning of political liberalism and to contrast it with Habermas's own powerful philosophical doctrine.” 127 No original: “I must thank him also for forcing me to rethink things I have said. In doing this I have come to realize that my formulations have often been not only unclear and misleading, but also inaccurate to my own thoughts and inconsistent. I have benefited greatly by trying to face up to his objections and to express my view so that its main claims are made perspicuous and more exact.” 128 No original: “My reply to Habermas begins in part I by reviewing two main differences between his views and mine which in good part are the result of our diverse aims and
62
A primeira distinção consiste na pretensão abrangente da teoria de
Habermas, enquanto a de Rawls objetiva tão-somente a exposição de um modelo
político e nada além disso129; decorrente deste descompasso entre perspectivas
(ampla de Habermas e restrita à política de Rawls), virá a lume a segunda diferença
fundamental, alhures pormenorizada (cf. infra item 3.3), entre os mecanismos de
representação adotados por Rawls (posição original) e por Habermas (situação ideal
de fala)130.
No contexto da primeira diferença, a afirmação de Rawls é
peremptória: “Tenho o liberalismo político como uma doutrina que se enquadra na
categoria do político” (RAWLS, 1995, p.133)131. Disso, consequências seguem-se.
Uma delas: o âmbito de funcionamento do liberalismo é limitado à seara política,
sem que precise contar com nada fora de tal domínio132.
Com efeito, se, como anota Rawls, a filosofia política é normalmente
produto de abrangentes doutrinas religiosas, metafísicas ou morais, a filosofia
política entendida pelo liberalismo político é resultado de concepções políticas
independentes (freestanding) do direito e da justiça133. Toca Rawls na avoenga
questão entre o amplo e o restrito na filosofia política.
Se dentre as diversas concepções de direito e de justiça
independentes na filosofia política, algumas podem ser consideradas conservadoras,
outras liberais134; por definição o liberalismo político é liberal. Donde Rawls concebe
motivations” (RAWLS, 1995, p.132). 129 No original: “Of the two main differences between Habermas’s position and mine, the first is that his is comprehensive while mine is an account of the political and it is limited to that” (RAWLS, 1995, p.132). 130 No original: “The first difference is the more fundamental as it sets the stage for and frames the second. This concerns the differences between our devices of representation, as I call them: his is the ideal discourse situation as part of his theory of communicative action and mine is the original position. These have different aims and roles, as well as distinctive features serving different purposes.” (RAWLS, 1995, p.132). 131 No original: “I think of political liberalism as a doctrine that falls under the category of the political.” 132 No original: “It works entirely within that domain and does not rely on anything outside it” (RAWLS, 1995, p.133). 133 No original: “The more familiar view of political philosophy is that its concepts, principles and ideals, and other elements are presented as consequences of comprehensive doctrines, religious, metaphysical, and moral. By contrast, political philosophy, as understood in political liberalism, consists largely of different political conceptions of right and justice viewed as freestanding” (RAWLS, 1995, p.133). 134 Poderiam, inclusive, basear-se em concepções acerca do direito divino dos reis ou
63
a justiça como equidade na condição de concepção política liberal para uma
democracia de tal modo que lhe seja possível acolher qualquer doutrina abrangente
razoável135.
O liberalismo político de Rawls abstém-se de elaborar críticas de
doutrinas abrangentes, desde que razoáveis. Por concepção razoável, Rawls
entende uma concepção que conglobe dois elementos: [1]e ao tempo que contempla
o desejo de indivíduos livres e iguais pela justa e equitativa cooperação social entre
eles, cooperação esta que se mantém vigente ainda que atuem contra seus próprios
interesses; [2]também aceita as consequências de tal desejo e respeita, tolerando,
outras concepções religiosas, morais e filosóficas que detenham esses mesmos dois
elementos (e portanto sejam igualmente razoáveis). Di-lo Rawls:
Quando atribuída a pessoas, os dois elementos básicos da concepção do razoável são, em primeiro lugar, uma vontade de propor termos justos da cooperação social que outros, como livres e iguais que são, também podem endossar; e agir nestes termos, supondo que os demais também o façam, mesmo quando contrário a um interesse próprio. E, segundo, o reconhecimento dos encargos decorrentes desta atitude (PL II: 2-3) e aceitar as suas consequências para a atitude (incluindo tolerância) em direção a outras doutrinas abrangentes. O liberalismo político se abstém de afirmações sobre o domínio de uma visão global, exceto conforme necessário quando essas opiniões ou não são razoáveis ou rejeitam todas as variantes dos fundamentos básicos de um regime democrático. (RAWLS, 1995, p.134)136
Daí que fica claro que na visão de Rawls o liberalismo político,
mesmo em concepções próprias de regimes ditatoriais, mas mesmo assim, por mais injustificáveis que sejam sob o aspecto histórico, religioso e filosófico, pertenceriam à filosofia política (RAWLS, 1995, p.133). 135 Nas palavras de Rawls: “Concebo a justiça como equidade na condição de concepção política liberal de justiça para um regime democrático, de modo que possa receber o apoio de qualquer doutrina abrangente razoável (ou concepções similares) existente em uma democracia que a regula.” (RAWLS, 1995, p.133). No original: “I think of justice as fairness as working out a liberal political conception of justice for a democratic regime, and one that might be endorsed, so it is hoped, by all reasonable comprehensive doctrines that exist in a democracy regulated by it, or some similar view.” 136 No original: “When attributed to persons, the two basic elements of the conception of the reasonable are, first, a willingness to propose fair terms of social cooperation that others as free and equal also might endorse, and to act on these terms, provided others do, even contrary to one's own interest; and, second, a recognition of the burdens of judgment (PL II: 2-3) and accepting their consequences for one's attitude (including toleration) toward other comprehensive doctrines. Political liberalism abstains from assertions about the domain of comprehensive views except as necessary when these views are unreasonable and reject all variations of the basic essentials of a democratic regime.”
64
inserido exclusivamente no campo político, não interfere em doutrinas abrangentes
razoáveis, porque, na categoria do político, deixa a filosofia tal como está (RAWLS,
1995, p.134)137. Esse liberalismo pretende deixar intocado quaisquer doutrinas
religiosas, metafísicas e morais (RAWLS, 1995, p.134)138. A filosofia política de
Rawls segue à margem de todas as doutrinas abrangentes, apresentando-se em
seus próprios termos como autônoma139. É interessante consignar em abono à
defesa de Rawls que consta já na introdução de O Liberalismo Político que este,
longe de rejeitar o pluralismo, vai além de o tolerar, na verdade o pressupõe:
O liberalismo político pressupõe que, para propósitos políticos, uma pluralidade de doutrinas abrangentes e razoáveis, e, ainda assim, incompatíveis, seja o resultado normal do exercício da razão humana dentro da estrutura das instituições livres de um regime democrático constitucional. (RAWLS, 2000, p. 24)
Com efeito, logo de início, na obra O Liberalismo Político Rawls
deixa bem claro que da questão fundamental sobre a concepção de justiça é mais
apta a especificar em termos equitativos de cooperação social entre cidadãos
considerados livres e iguais (RAWLS, 2000, p. 45), segue-se esta segunda
indagação não menos importante acerca da concepção de tolerância compreendida
em termos gerais que deve estar presente numa sociedade democrática “marcada
pela diversidade de doutrinas religiosas, filosóficas e morais conflitantes e
irreconciliaáveis” (RAWLS, 2000, p. 45).
Ora, se assim é, ou seja, se a ideia central do liberalismo político é
efetivamente apartar-se em prol de sua independência de doutrinas abrangentes,
então não se pode defendê-lo, criticá-lo ou rechaçá-lo com base em tais doutrinas, a
não ser que tais doutrinas não tenham razoabilidade em termos políticos (RAWLS,
1995, p.134)140.
Exclusivamente dentro dos quadrantes do político, com concepções
de direito e de justiça independentes de doutrinas abrangentes religiosas, morais e
137 No original: “The central idea is that political liberalism moves within the category of the political and leaves philosophy as it is.” 138 No original: “It leaves untouched all kinds of doctrines, religious, metaphysical, and moral, with their long traditions of development and interpretation.’ 139 No original: “Political philosophy proceeds apart from all such doctrines, and presents itself in its own terms as freestanding” (RAWLS, 1995, p.134). 140 No original: “Hence, it cannot argue its case by invoking any comprehensive doctrines, or by criticizing or rejecting them, so long of course as those doctrines are reasonable, politically speaking (PL II: 3).”
65
filosóficas, o liberalismo político segundo Rawls assume três características, por
meio das quais acaba por consubstanciar-se numa concepção política liberal de
justiça para um regime democrático. Ei-las:
A primeira característica é que o liberalismo rawlsiano destina-se à
estrutura básica da sociedade, democrática supondo uma justiça como equidade; a
composição desta estrutura abrange além das principais instituições políticas,
econômicas e sociais, também o sistema unificado de cooperação no qual elas se
interrelacionam. Confiram-se as palavras de Rawls:
(a) Aplica-se, em primeira instância, à estrutura básica da sociedade (assumido em caso de justiça como equidade de ser uma sociedade democrática). Esta estrutura é composta pelas principais instituições políticas, econômicas, sociais, e como elas se encaixam como um sistema unificado de cooperação social. (RAWLS, 1995, p.134)141
Depois, a título de segunda característica, Rawls refere à formulação
independente de qualquer doutrina abrangente de viés religioso, moral ou filosófico.
Embora possa se relacionar com elas, delas não depende, muito menos as
pressupõe. Descreve Rawls:
(b) Pode ser formulado independentemente de qualquer doutrina abrangente de caráter religioso, filosófico ou moral. Enquanto supomos que pode ser derivado, ou apoiado por, ou relacionado a uma ou mais doutrinas abrangentes (na verdade esperamos que ele possa relacionar-se com várias doutrinas), ele [o liberalismo político de Rawls] não depende, tampouco pressupõe, nenhuma delas. (RAWLS, 1995, p.134, esclareci entre colchetes)142
Por outro lado, a terceira característica versa acerca da pertença à
categoria do político das ideias fundamentais do liberalismo. Com efeito, ideias de
sociedade como um sistema equitativo de cooperação social; de cidadãos razoáveis,
racionais, livre e iguais; fundamentais ao liberalismo político referem-se ao
estritamente político e efetivamente percutem numa sociedade democrática. Calha
trazer mais uma vez à colação como Rawls expressou essa terceira noção:
141 No original: “(a)It applies in the first instance to the basic structure of society (assumed in the case of justice as fairness to be a democratic society). This structure consists of the main political, economic, and social institutions, and how they fit together as one unified system of social cooperation.” 142 No original: “(b) It can be formulated independently of any particular comprehensive doctrine, religious, philosophical, or moral. While we suppose that it may be derived from, or supported by, or otherwise related to one or more comprehensive doctrines (indeed, we hope it can be thus related to many such doctrines), it is not presented as depending upon, or as presupposing, any such view.”
66
(c) suas ideias fundamentais - tais ideias do liberalismo político, como as de sociedade política como um sistema justo de cooperação social, de cidadãos como razoáveis e racionais e livres e iguais - todas pertencem à categoria dos políticos e são familiares à cultura política pública de uma sociedade democrática e às suas tradições de interpretação da Constituição e das leis básicas, bem como de seus principais documentos históricos e amplamente conhecidos escritos políticos. (RAWLS, 1995, p.135)143
Esboçadas as características do liberalismo idealizado por Rawls,
que destacam a mais não poder, especialmente a segunda delas, tanto sua
aplicação limitada à seara política quanto sua independência em relação a doutrinas
abrangentes religiosas, morais ou filosóficas, Rawls passa a explicar que a
pretensão de Habermas consiste em propor, diferentemente das pretensões de
Rawls em seu liberalismo político, uma doutrina abrangente, contendo elementos
para muito além da filosofia política: “a posição de Habermas, por outro lado, é uma
doutrina abrangente e cobre muitas coisas para além da filosofia política” (RAWLS,
1995, p.135)144.
Como alinhavou Rawls, a teoria da ação comunicativa de Habermas
tem amplo escopo: o de “dar uma explicação geral do significado, da referência, da
verdade ou validez tanto da razão teórica como das diversas formas de razão
prática” (RAWLS, 1995, p.135)145. É ponto cediço que a ideia principal da filosofia de
Habermas é repensar a ideia de razão teórica e prática, a partir do quê há de cunhar
uma teoria social para a sociedade democrática. Igualmente procurando combater o
utilitarismo que rege a maior parte das ações correntes na sociedade globalizada de
consumo, a teoria do agir comunicativo tem como escopo principal conceber um
modelo de ação que tenha como foco o próprio entendimento. De início, pode-se
perceber que tal pretensão por si só já é suficiente para apartar, ao menos pelos
objetivos e pelo âmbito de atuação, os projetos de Ralws e Habermas.
143 No original: “(c) Its fundamental ideas - such ideas in political liberalism as those of political society as a fair system of social cooperation, of citizens as reasonable and rational, and free and equal - all belong to the category of the political and are familiar from the public political culture of a democratic society and its traditions of interpretation of the constitution and basic laws, as well as of its leading historical documents and widely known political writings.” 144 No original: “Habermas's position, on the other hand, is a comprehensive doctrine and covers many things far beyond political philosophy.” 145 No original: “Indeed, the aim of his theory of communicative action is to give a general account of meaning, reference, and truth or validity both for theoretical reason and for the several forms of practical reason.”
67
Ademais, Habermas põe em choque sua doutrina com outras
igualmente abrangentes, purifica o argumento moral do naturalismo e do
emotivismo146, critica concepções metafísicas e religiosas147. A propósito desta,
Habermas rejeitou-as desde logo sem muita detença, o que não se afigurou
imprescindível ao projeto habermasiano diante das análises filosóficas dos
pressupostos do discurso racional e da ação comunicativa. Di-lo Rawls:
Habermas não leva muito tempo para argumentar contra elas [concepções metafísicas e religiosas] em detalhe, ao contrário, ele as deixa de lado ou, ocasionalmente, rejeita-as como imprestáveis e despidas de mérito independente em vista de sua análise filosófica dos pressupostos do discurso racional e ação comunicativa. (RAWLS, 1995, p.135)148
Na sequência, a fim de validar suas considerações acerca do projeto
habermasiano, Rawls cita duas passagens do Faktizität und Geltung (Facticidade e
Validade). A primeira é retirada do prefácio da obra de Habermas:
A teoria do discurso constitui uma tentativa de reconstrução desta autocompreensão [de uma consciência moral universalista e das instituições liberais do Estado democrático] de uma maneira que permita seu significado normativo intrínseco e sua lógica para resistir tanto à redução científica quanto às assimilações estéticas... Depois de um século que, mais do que qualquer outro, ensinou-nos o horror do irracional existente, foram destruídos os últimos restos de alguma relação de confiança essencialista na razão. No entanto, a modernidade, agora ciente de suas contingências, depende ainda mais de uma razão processual, isto é, uma razão que coloca a si mesma em julgamento. A crítica da razão é a sua própria obra: essa dupla acepção kantiana é devida à visão radicalmente antiplatônica que não é uma realidade nem mais nem menos profunda à que se poderia recorrer - nós que nos encontramos já situados em nossas formas de vida linguisticamente estruturadas (FG 11). (RAWLS, 1995, p.135)149
146 No original: “It rejects naturalism and emotivism in moral argument and aims to give a full defense of both theoretical and practical reason” (RAWLS, 1995, p.135). 147 No original: “Moreover, he often criticizes religious and metaphysical views” (RAWLS, 1995, p.135). 148 No original: “Habermas does not take much time to argue against them in detail; rather, he lays them aside, or occasionally dismisses them, as unusable and without credible independent merit in view of his philosophical analysis of the presuppositions of rational discourse and communicative action.” 149 No original: “Discourse theory attempts to reconstruct this self-understanding [that of a universalistic moral consciousness and the liberal institutions of the democratic state] in a way that empowers its intrinsic normative meaning and logic to resist both scientific reductions and aesthetic assimilations...After a century that more than any other has taught us the horror of existing unreason, the last remains of an essentialist trust in reason are
68
A propósito desta passagem do prefácio, Rawls extrai distinções
entre o projeto de Habermas e o liberalismo político. Principia, entretanto,
asseverando que também o liberalismo seria capaz de dizer algo paralelo com o
trecho acima citado, porém algumas diferenças deveriam ser destacadas. Na
linguagem de Rawls:
Agora, bem entendido como não dependente de doutrinas religiosas ou metafísicas, o liberalismo político poderia dizer algo paralelo a esta passagem sobre a justiça política, mas haveria uma diferença fundamental. (RAWLS, 1995, p.136)150
De fato, para ser coerente com suas características fundamentais
alhures destacadas - sobretudo a de manter-se independente de concepções
abrangentes de cunho religioso, moral e filosófico, bem como de se abster de criticá-
las, a não ser quando irrazoáveis (pluralismo razoável, distinto do pluralismo
simples, cf. RAWLS, 2000) -, o liberalismo rawlsiano deve deixar os cidadãos
autônomos livres para aderir a qualquer concepção abrangente razoável sem
prejuízo dos princípios do mesmo liberalismo político:
A fim de nos apresentar uma concepção política autônoma e não indo além disso, deixa-se totalmente em aberto aos cidadãos e às associações da sociedade civil formular suas próprias maneiras de ir além desta concepção exclusiva e eminentemente política, ou, melhor ainda, deixa-se-lhes aberto fazer essa concepção política congruente com a abrangente doutrina de que são adeptos. (RAWLS, 1995, p.136)151
Até porque, nunca é demais rememorar a cediça noção de que o
liberalismo político não se presta a questionar essas doutrinas, tampouco negá-las,
quando politicamente razoáveis (RAWLS, 1995, p.136)152.
destroyed. Yet modernity, now aware of its contingencies, depends all the more on a procedural reason, that is, on a reason that puts itself on trial. The critique of reason is its own work: this Kantian double meaning is due to the radically anti-Platonic insight that there is neither a higher nor a deeper reality to which we could appeal - we who find ourselves already situated in our linguistically structured forms of life (FG 11).” 150 No original: “Now, read as not appealing to religious or metaphysical doctrines, political liberalism could say something parallel to this passage regarding political justice, but there would be a fundamental difference.” 151 No original: “For in presenting a freestanding political conception and not going beyond that, it is left entirely open to citizens and associations in civil society to formulate their own ways of going beyond, or of going deeper, so as to make that political conception congruent with their comprehensive doctrines.” 152 No original: “Political liberalism never denies or questions these doctrines in any way, so long as they are politically reasonable.”
69
Diversamente, para Habermas tomar uma posição diferente sobre
esta questão básica faz parte de sua visão abrangente153. Trata-se de postura
inexorável em seu projeto: “Habermas parece sustentar que todas as doutrinas mais
elevadas ou profundas carecem, de per si, de qualquer força lógica” (RAWLS, 1995,
p.136)154. E, como consta do prefácio de seu Facticidade e Validade:
Ele [Habermas] rejeita o que chama de uma ideia essencialista platônica da razão e afirma que essa ideia deve ser substituída por uma razão procedimental que se submeta a julgamento, cujo juiz de sua crítica é ela própria.” (RAWLS, 1995, p.136, esclareci entre colchetes)155
De outra parte, analisando outra passagem da obra
supramencionada, cujo trecho do capítulo V é objeto da resposta de Raws, este
aponta que Habermas, ao explicar o funcionamento da situação ideal de fala,
sublinha que o princípio do discurso exige o julgamento de normas e valores a partir
da perspectiva da primeira pessoa do plural (nós):
Em outro trecho do capítulo 5 do Between Facts and Norms, após uma explicação de como a situação continua discurso ideal, ele [Habermas] salienta que o princípio do discurso exige que as normas e valores devem ser julgados a partir do ponto de vista da primeira pessoa do plural. (RAWLS, 1995, p.136)156
A passagem referida por Rawls157 traduzirá a pretensão
153 No original: “That Habermas himself takes a different stand on this basic point is part of his comprehensive view” (RAWLS, 1995, p.136). 154 No original: “He would appear to say that all higher or deeper doctrines lack any logical force on their own.” 155 No original: “He rejects what he calls an essentialist Platonic idea of reason and asserts that such an idea must be replaced by a procedural reason that puts itself on trial and is the judge of its own critique.” 156 No original: “In another passage in chapter 5 of Between Facts and Norms, after an explanation of how the ideal discourse situation proceeds, he stresses that the principle of discourse requires that norms and values must be judged from the point of view of the first-person plural.” 157 Ei-la na integralidade: “A prática da argumentação recomenda-se para tal idealizado e universal papel em comum. Como forma reflexiva da ação comunicativa, distingue-se sócio-ontologicamente, por assim dizer, por uma reversibilidade completa das perspectivas dos participantes, o que desencadeia a intersubjetividade de nível superior de deliberação coletiva [do coletivo deliberante]. Desta forma, universal concreto Hegel [Sittlichkeit] é sublimada em uma estrutura comunicativa purificada de todos os elementos substanciais (FG 280)” (RAWLS, 1995, p.136). No original: “The practice of argumentation recommends itself for such a jointly practiced, universalized role taking. As the reflexive form of communicative action, it distinguishes itself socio-ontologically, one might say, by a complete reversibility of participant perspectives, which unleashes the higher-level intersubjectivity of the deliberating collective. In this way, Hegel's concrete universal [Sittlichkeit] is sublimated
70
habermasiana de – por intermédio dos pressupostos procedimentais do discurso
ideal, límpidos de elementos substanciais, presentes em sua teoria da ação
comunicativa - sublimar outras doutrinas abrangentes, dentre as quais por exemplo a
concepção hegeliana do universal concreto (Sittlichkeit): o “...universal concreto de
Hegel [Sittlichkeit] é sublimado numa estrutura comunicativa purificada de todos os
elementos substanciais”158, diz Habermas no fragmento destacado por Rawls, cujos
dizeres são os seguintes:
Assim, segundo Habermas, os elementos substanciais da concepção hegeliana do Sittlichkeit, uma doutrina aparentemente metafísica da vida ética (um dentre muitos exemplos possíveis), são - tanto quanto válidos - totalmente sublimados pela (entendo-o expressável ou articulado pela) teoria da ação comunicativa com seus pressupostos processuais de discurso ideal. (RAWLS, 1995, p.136)159
A transcrição acima deixa clara a intenção de Rawls de interpretar a
teoria da ação comunicativa como aglutinadora da concepção Sittlichkeit cunhada
por Hegel. Rawls sublinhou, ao descrever a filosofia moral de Hegel, ser a partir do
conceito Sittlichkeit que agregamos conhecimento moral (RAWLS, 2005, p.382).
Sittlichkeit (do tronco Sitte, que significa convenção) poderia ser
traduzida como vida ética, inclusive com significado diverso de Moralität (moralidade;
do latim mos, costume). Vejamos o que escreveu Hegel a respeito da distinção:
Moralität e Sittlichkeit, termos habitualmente empregados no mesmo sentido, são por nós tomados com significados essencialmente diferentes. Aliás, também a representação corrente costuma distingui-los. A linguagem kantiana prefere utilizar a palavra Moralität, o que explica por que os princípios práticos desta filosofia limitam-se completamente àquele conceito e tornam até impossível o ponto de vista da moralidade objetiva que anulam e procuram fazer desaparecer. Mas mesmo que, pela sua etimologia, estas palavras sejam equivalentes isso não obsta a empregá-las como diferentes, uma vez que necessariamente o serão ao designarem conceitos diferentes. (HEGEL, 2003, p.36)
Inclusive – diga-se tudo! – numa nota de rodapé ao §9 do Livro I da
into a communicative structure purified of all substantial elements (FG 280).” 158 No original: “...Hegel's concrete universal [Sittlichkeit] is sublimated into a communicative structure purified of all substantial elements (FG 280)” (RAWLS, 1995, p.136). 159 No original: “Thus, according to Habermas, the substantial elements of Hegel’s view of Sittlichkeit, an apparently metaphysical doctrine of ethical life (one among many possible examples), are - so far as they are valid - fully sublimated into (I interpret him to mean expressible, or articulated, by) the theory of communicative action with its procedural presuppositions of ideal discourse.”
71
Aurora de Nietzsche, o tradutor Rubens Rodrigues Torres Filho consignou sobre
esses termos:
Eticidade ou moralidade, duas palavras que perderam a referência ao significado original de costume, que têm por base (ethos em grego, mos em latim). O texto alemão, ao dizer Sittlichkeit der Sitte, o evoca muito mais diretamente – é que a língua não perdeu totalmente a memória dessa ligação, tanto que Ética se diz Sittenlehre (doutrina dos costumes) e já Kant reservava a fundamentação da moral para uma ‘metafísica dos costumes’. (TORRES FILHO, 1974, p.167, nota 2).
Tudo indica, pois, que, sob a ótica hegeliana, Moralität constitui a
moralidade subjetiva; ao passo que Sittlichkeit, a objetiva. Tanto é verdade que
Hegel, em sua Enciclopédia das Ciências Filosóficas, registrou que “a eticidade é a
realização do espírito objetivo” (HEGEL, 1944, p.350).
Uma sintética descrição do que na visão de Rawls Hegel quis
significar com o conceito de Sittlichkeit (vida ética) poderia ser a seguinte: “É um
sistema de instituições políticas e sociais que expressam e tornam real no mundo o
conceito de liberdade” (RAWLS, 2005, p. 401). Rawls, linhas a frente, retoma a ideia
hegeliana de Sittlichkeit como descritora de “várias formas de vida política e social”
(RAWLS, 2005, p.402).
Daí a razão pela qual a doutrina de Habermas - na exegese
rawlsiana – assumiria uma lógica em sentido amplo hegeliano: leva a cabo uma
análise filosófica dos pressupostos do discurso da razão (quer da razão teórica, quer
da prática) incluindo todos os elementos alegadamente substanciais das doutrinas
religiosas e metafísicas160. Segundo Rawls, a lógica de Habermas “é metafísica no
seguinte sentido: apresenta um relato do que existe” (RAWLS, 1995, p.137)161.
Rawls não deixa de fornecer, em vista da assertiva anterior, uma explicação do que
entende por metafísica, diz ele em esclarecedora nota, que merece reprodução dada
sua utilidade no percurso de compreensão do pensamento rawlsiano:
Tenho a metafísica como sendo, pelo menos, uma exposição geral do que existe, inclusive afirmações fundamentais, totalmente gerais -
160 No original: “Habermas's own doctrine, I believe, is one of logic in the broad Hegelian sense: a philosophical analysis of the presuppositions of rational discourse (of theoretical and practical reason) which includes within itself all the allegedly substantial elements of religious and metaphysical doctrines” (RAWLS, 1995, p.136). 161 No original: “His logic is metaphysical in the following sense: it presents an account of what there is.”
72
por exemplo, as declarações ‘a cada evento, uma causa’ e ‘no espaço e no tempo ocorrem os eventos’ – além do que pode ser com elas relacionado. Nessa ótica, W.V.Quine também é um metafísico. Para negar certas doutrinas metafísicas afirma-se outra [não menos metafísica]. (RAWLS, 1995, p.137, nota de rodapé n.8, esclareci entre colchetes)162
Da alegação de que a estrutura comunicativa - a que rende ensejo a
ação comunicativa - está purificada de todos os elementos substanciais, depreende-
se a formulação de Habermas segundo a qual o fundamento com o qual tal estrutura
lastreará juízos morais detém natureza meramente procedimental de um sistema de
direitos. Longo que seja, o trecho a seguir é elucidativo, donde a pertinência da
transcrição. Diz Rawls:
Quanto ao que ‘substância’ e ‘substancial’ quer significar, eu diria, conjecturando, que Habermas propõe algo como o seguinte: muitas vezes as pessoas pensam que seu modo básico de fazer as coisas - sua ação comunicativa com seus pressupostos do discurso ideal, ou sua concepção da sociedade como um sistema justo de cooperação entre cidadãos livres e iguais - precisa de uma base para além de si discernido por uma razão platônica que capta as essências, ou então algo enraizado em substâncias metafísicas. Pelo pensamento buscamos firme fundamento em algo anterior ou mais profundo como uma doutrina religiosa ou metafísica. Esperamos que isso nos dê também os fundamentos para a motivação moral. Sem estes fundamentos, tudo pode nos parecer a vacilar e passamos por uma espécie de vertigem, uma sensação de estar perdido, sem lugar para ficar. Mas Habermas sustenta que ‘Na vertigem da liberdade, não há mais qualquer ponto fixo à margem do processo democrático em si - um procedimento cujo sentido já está resumido no sistema de direitos’ (FG 229). (RAWLS, 1995, p. 137)163
162 No original: “I think of metaphysics as being at least a general account of what there is, including fundamental, fully general statements - for example, the statements 'every event has a cause' and 'all events occur in space and time', or can be related thereto. So viewed, W.V.Quine also is a metaphysician. To deny certain metaphysical doctrines is to assert another such doctrine.” 163 No original: “As to what 'substance' and 'substantial' mean, I would conjecture that Habermas intends something like the following: people often think that their basic way of doing things-their communicative action with its presuppositions of ideal discourse, or their conception of society as a fair system of cooperation between citizens as free and equal-needs a foundation beyond itself discerned by a Platonic reason that grasps the essences, or else is rooted in metaphysical substances. In thought we reach behind, or deeper, to a religious or metaphysical doctrine for a firm foundation. This reality is also expected to provide moral motivation. Without these foundations, everything may seem to us to waver and we experience a kind of vertigo, a feeling of being lost without a place to stand. But Habermas holds that ‘In the vertigo of this freedom there is no longer any fixed point outside the democratic procedure itself - a procedure whose meaning is already summed up in the system of rights’ (FG 229).”
73
À vista disso Habermas julga suas concepções mais livres de
fundamentos substanciais (metafísicos: religiosos, morais e filosóficos) do que as de
Rawls. Ou seja, Habermas sustenta que a ação comunicativa é mais modesta em
relação à doutrina de Rawls na medida em que, na condição de meramente
procedimental, a doutrina habermasiana remete questões substanciais à deliberação
de participantes livres e racionais, reais e vivos, num processo livre e real, ao
contrário do que acontece entre os participantes artificiais da posição original.
Escreveu Rawls:
Ele [Habermas] vê a sua visão como mais modesta do que a minha, pois é supostamente uma doutrina processual, que deixa questões de fundo para serem decididas pelo resultado de debates livres real praticada por e racionais, reais e ao vivo participantes livres, ao contrário das criaturas artificiais da posição original. (RAWLS, 1995, p.137, esclareci entre colchetes)164
Na visão de Rawls, Habermas defende que a filosofia moral deveria
limitar-se a três assuntos: [1]esclarecer o ponto de vista moral; [2]determinar o
procedimento de legitimação democrática; e, por fim, [3]analisar as condições de
discursos racionais e negociação:
Ele [Habermas] propõe, diz ele, limitarmos a filosofia moral ao esclarecimento do ponto de vista moral, ao procedimento de legitimação democrática, e à análise das condições de discursos racionais e negociação. (RAWLS, 1995, p.137, esclareci entre colchetes)165
No entanto, Rawls sustenta que não é bem só isso que Habermas
faz. A bem da verdade, ele assume forçosamente algo muito mais amplo, com
ambiciosas metas. A concepção de Habermas, de acordo com Rawls, não prescinde
de conceitos fundamentais substanciais, questões essas para além daqueloutras
objeto de deliberação pelos reais participantes (cf. Rawls, 1995, p. 138).
Mas Habermas incidiria em equívoco não só ao tomar por indene de
elementos substanciais sua teoria da ação comunicativa, senão também por
considerar que o liberalismo de Rawls fracassou inclusive ao apresentar uma
164 No original: “He sees his view as more modest than mine, since it is purportedly a procedural doctrine that leaves questions of substance to be decided by the outcome of actual free discussions engaged in by free and rational, real and live participants, as opposed to the artificial creatures of the original position.” 165 No original: “He proposes, he says, to limit moral philosophy to the clarification of the moral point of view and to the procedure of democratic legitimation, and to the analysis of the conditions of rational discourses and negotiation.”
74
concepção política, não abrangente. A propósito, cito Rawls:
Ele [Habermas] acredita, porém, que falho ao fazê-lo. Minha concepção de justiça política não seria realmente independente, como eu gostaria que fosse, porque quer eu goste ou não, ele acha que a concepção da pessoa no liberalismo político vai além da filosofia política. (RAWLS, 1995, p. 138)166
A isso Rawls redargúi alegando que em seu liberalismo político a
concepção filosófica da pessoa passa sim a ter uma concepção política dos
cidadãos como livres e iguais167. Nesse eito, Habermas, ainda, critica justamente tal
justificativa asseverando que o construtivismo político exige o trato de questões
filosóficas da racionalidade e da verdade168, porém Rawls intenta superar a última
censura lembrando que a missão do construtivismo político é “conectar o conteúdo
dos princípios políticos de justiça com a concepção do cidadão como sendo razoável
e racional” (RAWLS, 1995, p. 138)169.
Rawls salienta, ainda, que sua concepção de cidadão razoável e
racional não se baseia na razão platônica ou kantiana que justifique a crítica de
Habermas pelo emprego de elementos a priori e metafísicos. A crítica de Habermas
foi assim delineada por Rawls:
E ele [Habermas] também pode pensar que meu ponto de vista, juntamente com o Immanuel Kant, expressa uma concepção de uma razão a priori e metafísica, ao estabelecer a justiça como princípios de lealdade e ideais assim concebidos. (RAWLS, 1995, p. 138)170
Para Rawls, ainda que se baseasse numa razão platônica ou
kantiana, não o faria de modo diferente do que Habermas faz:
Este argumento [refere-se ao do construtivismo político] não se baseia em uma razão platônica e kantiana, ou se assim for, fá-lo da
166 No original: “He believes, though, that I fail in doing this. My conception of political justice is not really freestanding, as I would like it to be, because whether I like it or not, he thinks that the conception of the person in political liberalism goes beyond political philosophy.” 167 No original: “The philosophical conception of the person is replaced in political liberalism by the political conception of citizens as free and equal” (RAWLS, 1995, p. 138). 168 No original: “Moreover, he claims that political constructivism involves the philosophical questions of rationality and truth” (RAWLS, 1995, p. 138). 169 No original: “As for political constructivism, its task is to connect the content of the political principles of justice with the conception of citizens as being reasonable and rational.” 170 No original: “And he may also think that, along with Immanuel Kant, I express a conception of a priori and metaphysical reason laying down in justice as fairness principles and ideals so conceived.”
75
mesma forma que Habermas faz. (RAWLS, 1995, p. 138)171
Até porque – verbera Rawls – nenhuma visão sensata poderia
eventualmente funcionar sem o razoável e o racional172. Sua visão emprega a visão
platônica e kantiana da razão tanto quanto a mais simples lógica e matemática: “[s]e
meu argumento envolve concepções platônicas e kantianas da razão também o faz
o mais singelo elemento de lógica e matemática” (RAWLS, 1995, p. 138)173.
3.3. INSTRUMENTOS DE REPRESENTAÇÃO: A POSIÇÃO ORIGINAL COMO
PARTE DA TEORIA DA JUSTIÇA DE RAWLS E A SITUAÇÃO IDEAL DE FALA
COMO PARTE DA TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA DE HABERMAS
Retomando a estrutura do presente capítulo e, consequentemente,
da réplica de Rawls, convém remarcar que tal resposta fulcra-se em dois pontos
principais. Por outra, diga-se que Rawls orienta seu raciocínio em duas etapas, a
primeira delas busca extremar objetivos e motivos entre a doutrina de Habermas e a
sua – esta restrita ao âmbito político, aquela abrangente -, distinção esta que, por
sua vez, traz a reboque a segunda, objeto deste tópico: Habermas e Ralws
empregam diferentes dispositivos de representação: o primeiro, a situação ideal de
fala; o segundo, a posição original. Como já acentuado por Rawls (cf. supra item 3.2,
nota de rodapé n.130), os mecanismos de representação de Rawls e de Habermas
possuem diferentes objetivos e funções, bem como características distintivas que
atendem a propósitos diversos.
Rawls efetivamente pretende sustentar que a posição original, ao
contrário da situação ideal de fala, foi cunhada para atender às necessidades do
liberalismo político, mais restrito em relação à doutrina abrangente de Habermas. As
diferenças entre esses dois mecanismos de representação – a posição original e a
situação ideal de fala – reside no papel que desempenham em cada uma das
171 No original: “This argument does not rely on a Platonic and Kantian reason, or if so, it does so in the same way Habermas does.” 172 No original: “No sensible view can possibly get by without the reasonable and rational as I use them.” 173 No original: “If this argument involves Plato's and Kant's view of reason, so does the simplest bit of logic and mathematics.”
76
igualmente distintas doutrinas:
Como eu disse, o palco para a segunda diferença entre a posição de Habermas e a minha é preparada pela primeira. Isto porque as diferenças entre os dois dispositivos analíticos de representação – a situação ideal de fala e a posição original – refletem suas diferentes alocações, uma numa doutrina abrangente e a outra limitada ao político. (RAWLS, 1995, p.138)174
Afigurou-se importante a Rawls consignar que, enquanto a posição
original constitui um instrumento de análise para formulação de uma conjectura; a
situação ideal de fala tem por escopo fornecer um mandamento de verdade ou
validade. Vejamos, doravante, como Rawls desenvolve esse ponto de vista.
Destaca Rawls, por primeiro, que a posição original constitui
dispositivo para formulação de conjecturas, porque a afirmação de que os princípios
apurados segundo esse procedimento seriam os princípios de justiça política
dotados de maior razoabilidade em favor de uma democracia constitucional, em que
cidadãos são tidos como iguais, razoáveis e racionais, não constitui mais que uma
mera suposição inicial, uma genuína conjectura. Não se trata de tomar essa
assertiva como uma verdade, mas como uma verossímil possibilidade. Essa
verossimilhança advém do próprio procedimento em si. Como já exaustivamente
demonstrado, os princípios forjados nesse procedimento são produto de um
mecanismo representativo, onde partes racionais (assumindo o papel de
mandatários dos cidadãos, um para cada cidadão), estão condições razoáveis e
limitadas, de forma absoluta, por essas mesmas condições (RAWLS, 1995,
p.139)175.
Com efeito, justamente porque tais princípios foram cunhados dentro
de tais limitações parece aceitável que, quando não por definitivos, ao menos
provisoriamente deveríamos tê-los como satisfatórios como fundamento de
instituições basilares de uma sociedade democrática. Ao menos em princípio, o
resultado decorrente do sistema de representação da posição original parece ser
174 No original: “As I have said, the stage for the second difference between Habermas's position and mine is prepared for by the first. This is because the differences between the two analytical devices of representation-the ideal discourse situation and the original position - reflect their different locations, one in a comprehensive doctrine, the other limited to the political.” 175 No original: “...these principles are given by a device of representation in which rational parties (as trustees of citizens, one for each citizen) are situated in reasonable conditions and constrained by these conditions absolutely.”
77
idôneo para concluir, ainda que em grau provisório, que “cidadãos livres e iguais
chegaram a um acordo por si mesmos sobre esses princípios políticos sob
condições que os representam igualmente como razoáveis e racionais” (RAWLS,
1995, p.139)176.
De qualquer forma, como destaca Rawls, “[q]ue os princípios tais
como acordados são realmente os mais razoáveis é uma conjectura, uma vez que
pode, naturalmente, ser incorreta” (RAWLS, 1995, p.139)177, porém a provisoriedade
que envolve os princípios não se impõe como um problema; ao contrário, faz-se
salutar que assim seja. Os princípios apurados submetem-se a outro crivo, melhor
dizendo, a vários outros crivos de diferentes níveis de generalidade. Rawls sustenta
que os princípios devem ser verificados no confronto com nossos julgamentos nos
mais diversos níveis de generalidade (RAWLS, 1995, p.139)178.
Depois, não podemos descurar quanto à compatibilidade dos
princípios inferidos com as instituições democráticas; quanto à aplicação deles na
vida prática, examinando a coerência dos resultados e das consequências obtidos
com nossas convicções de justiça:
Devemos também examinar como esses princípios podem ser aplicados às instituições democráticas e quais resultados provocariam; e, por consectário, verificar na prática como eles se encaixam, a partir de uma devida reflexão, em nossos juízos ponderados. (RAWLS, 1995, p.139)179
Cumpre-nos sempre admitir a possibilidade de rever tais juízos em
qualquer direção180. Trata-se do equilíbrio reflexivo já mencionado alhures (cf. supra
item 1.3, parte final). Em Rawls, destaca Marcantonio:
O grande atributo viabilizado com a instituição do equilíbrio refletido foi, a nosso ver, a possibilidade de re-estruturação de princípios
176 No original: “Thus, free and equal citizens are envisaged as themselves reaching agreement about these political principles under conditions that represent those citizens as both reasonable and rational.” 177 No original: “That the principles so agreed to are indeed the most reasonable ones is a conjecture, since it may of course be incorrect.” 178 No original: “We must check it against the fixed points of our considered judgments at different levels of generality.” 179 No original: “We also must examine how well these principles can be applied to democratic institutions and what their results would be, and hence ascertain how well they fit in practice with our considered judgments on due reflection.” 180 No original: “In the either direction, we may be led to revise our judgments” (RAWLS, 1995, p.139).
78
escolhidos na posição original que, embora não o façam, deveriam afiançar a igualdade eqüitativa num momento posterior à escolha racional (hipotética) de tais princípios, sem que fosse necessário apelar-se a outras medidas e atitudes que não as oriundas da ratio, mantendo-se a razoabilidade e a adequação teórica. (MARCANTONIO, 2005)
Diversamente, como já averbado, a situação ideal de fala de
Habermas objetiva coisa diversa; pretende apurar desde logo juízos verdadeiros e
válidos da razão prática e teórica: “a teoria da ação comunicativa de Habermas
baseia-se no dispositivo analítico da situação ideal de fala, instrumento esse que dá
conta da verdade e da validade de juízos quer da razão teórica como da prática”
(RAWLS, 1995, p.139)181, nas palavras de Rawls. Como se vê, não há espaço para
posterior exame crítico amplo dos resultados auferidos pelo mecanismo
habermasiano da situação ideal de fala182.
Deve ficar claramente exposto que, na interpretação de Rawls,
Habermas pretende desalojar qualquer dúvida que possa pairar sobre juízos
provenientes da ação comunicativa, as proposições extraídas da discussão livre e
racional seriam mandamentos de verdade e validade oriundos das melhores razões
e motivos. Sublinha Rawls:
Ele [Habermas] tenta expor completamente os pressupostos da discussão livre e racional, guiada pelos mais fortes motivos, de tal forma que, se todas as condições necessárias fossem efetivamente realizadas e totalmente honradas por todos os participantes ativos, seu consenso racional serviria como um mandamento de verdade ou validade. (RAWLS, 1995, p.139)183
Servir como mandamento de verdade ou validade significa que as
proposições declarativas são verdadeiras e os juízos normativos válidos expedidos a
partir da ação comunicativa seriam aqueles enunciados e aceitos por todos os
participantes da situação ideal de fala, na exata medida em que foram observadas
181 No original: “Habermas's theory of communicative action yields the analytical device of the ideal discourse situation, which offers an account of the truth and validity of judgments of both theoretical and practical reason.” 182 Muito embora deva ser reconhecido que inexiste cabal definitividade quanto aos resultados da situação ideal de fala, uma vez que nada impede a revisão de tais resultados a qualquer tempo. 183 No original: “It tries to lay out completely the presuppositions of rational and free discussion as guided by the strongest reasons such that, if all requisite conditions were actually realized and fully honored by all active participants, their rational consensus would serve as a warrant for truth or validity.”
79
todas as circunstâncias que garantiriam à tal situação ideal de fala o status de
perfeição:
Por outra, a alegação de que uma declaração de qualquer tipo é verdadeiro, ou um julgamento normativo válido, é a alegação de que poderia ser aceito pelos participantes de uma situação de discurso na medida em que todas as condições exigidas pelo ideal foram respeitadas. (RAWLS, 1995, p.139)184
Volta Rawls a aproximar a doutrina de Habermas da lógica
hegeliana, ainda que em sentido amplo, porquanto não deixa essa abrangente
doutrina de fazer “uma análise filosófica dos pressupostos do discurso racional, que
inclui em si todos os elementos substanciais aparentes da metafísica e doutrinas
religiosas” (RAWLS, 1995, p.139)185.
A propósito de tudo isso, Rawls indaga a respeito da perspectiva de
quem os dispositivos representativos seu e Habermas devem ser discutidos(i), bem
como em qual cenário tal debate se dará(ii)186. As respostas dadas por Rawls são as
seguintes: a perspectiva utilizada para avaliar tais mecanismos de representação é a
dos cidadãos autônomos(i); o cenário adequado para a discussão é a cultura da
sociedade civil, chamada por Habermas de esfera pública(ii). Interessa expor os
termos utilizados por Rawls: “todas as discussões são travadas a partir do ponto de
vista dos cidadãos na cultura da sociedade civil, o que Habermas denominou de
esfera pública” (RAWLS, 1995, p.139)187.
Afigura-se-nos importante aqui abrir um parêntese para comentar
que Rawls distingue a expressão habermasiana esfera pública do que se deve
entender por razão pública junto ao liberalismo político (cf. Rawls, 1995, p.140, nota
13). Razão pública é o juízo (raciocínio, discurso, proposição) emanado dos poderes
legislativo, executivo e judiciário, dos líderes de partidos, dos candidatos a cargos
184 No original: “Alternatively, to claim that a statement of whatever kind is true, or a normative judgment valid, is to claim that it could be accepted by participants in a discourse situation to the extent that all the required conditions expressed by the ideal obtained.” 185 No original: “As I have remarked, his doctrine is one of logic in the broad Hegelian sense: a philosophical analysis of the presuppositions of rational discourse which includes within itself all the apparent substantial elements of religious and metaphysical doctrines.” 186 No original: “From what point of view are the two devices of representation to be discussed? And from what point of view does the debate between them take place?” (RAWLS, 1995, p.139). 187 No original: “...all discussions are from the point of view of citizens in the culture of civil society, which Habermas calls the public sphere.”
80
eletivos e, também, dos eleitores no momento do voto em questões básicas
constitucionais e de justiça188. Por esfera pública, na linguagem rawlsiana
poderíamos considera a noção de cultura de fundo (background culture), segundo o
próprio Rawls admite: “quanto à esfera pública de Habermas, tenho que ela constitui
em grande medida o que chamei no liberalismo político (LP) de cultura de fundo, à
qual não se aplica a razão pública com seu dever de civilidade” (RAWLS, 1995,
p.140, nota 13)189.
Fechado o parêntese, prosseguimos sublinhando que para Rawls é
no cenário do espaço público (Habermas) ou na cultura de fundo (Rawls) que os
cidadãos discutirão se e como a justiça como equidade será formulada, da mesma
forma que discutirão se as exigências da situação ideal dada lhes parece
convincente. É no espaço público (public sphere) ou na cultura de fundo
(background culture) que aspectos quer da posição original quer da situação ideal de
fala devem ser discutidos:
É aí que nós, como cidadãos, discutiremos acerca da formulação da justiça como equidade, e se este ou aquele aspecto dela nos parece aceitável, por exemplo, se os detalhes da constituição do conjunto de posição original estão devidamente definidos e se os princípios selecionados estão a aptos a serem aceitos. Da mesma forma, são consideradas as alegações da situação ideal de fala e da sua concepção procedimental das instituições democráticas. (RAWLS, 1995, p.140)190
Dessarte, pois, nesse espaço público encontram-se uma gama
variada de doutrinas abrangentes que são ensinadas, explicadas e confrontadas
uma como as outras a todo o momento indefinidamente:
Tenha em mente que essa cultura de fundo contém toda a sorte de doutrinas abrangentes: são ensinadas, explicadas, confrontadas uma com a outra, argumentando-se acerca delas de modo indefinido, sem
188 No original: “Public reason in PL is the reasoning of legislators, executives (presidents, for example), and judges (especially those of a supreme court, if there is one). It includes also the reasoning of candidates in political elections and of party leaders and others who work in their campaigns, as well as the reasoning of citizens when they vote on constitutional essentials and matters of basic justice” (RAWLS, 1995, p.140, nota 13). 189 No original: “As for Habermas’s public sphere, since it is munch the same as what I called in PL (14) the background culture, public reason with its duty of civility does not apply.” 190 No original: “It is there that we as citizens discuss how justice as fairness is to be formulated, and whether this or that aspect of it seems acceptable-for example, whether the details of the set up of the original position are properly laid out. and whether the principles selected are to be endorsed. In the same way, the claims of the ideal of discourse and of its procedural conception of democratic institutions are considered.”
81
fim, enquanto a sociedade tiver vitalidade e espírito. É a cultura do social, não do politicamente público. É a vida cotidiana, com suas muitas associações: universidades e igrejas, cultos e sociedades científicas; em que as intermináveis discussões políticas de ideias e doutrinas são comuns em todos os lugares. (RAWLS, 1995, p.140)191
Nesse espaço público encontram-se as perspectivas de todos os
cidadãos – “o ponto de vista da sociedade civil inclui todos os cidadãos” (RAWLS,
1995, p.140)192 – daí que, antes de ser um diálogo, a situação ideal de fala de
Habermas constitui um omnílogo193, termo que Rawls empresta de Christine
Korsgaard (cf. Rawls, 1995, p.140, nota 14). Sob o aspecto da posição original,
Habermas, como já destacado (cf. supra item 2.3.3), acusa a posição inicial de ser
monológica, não dialógica, pelo fato de “que todas as partes, com efeito, têm as
mesmas razões e, por consequência, elegem os mesmos princípios” (RAWLS, 1995,
p.140, nota 14)194; assim, segundo Habermas, em verdade, a definição dos
princípios é feita pelo teórico, não pelos cidadãos. Rawls repudia tal afirmação,
aduzindo:
A resposta que dou a essa objeção (‘Notes’, p.66 e ss.) é a de que você e eu - e assim todos os cidadãos ao longo do tempo, um por um e em associações, aqui e ali - que julgamos o mérito da posição original como um dispositivo de representação e dos princípios que ela produz. Eu nego que a posição original é monológica de uma forma que coloca em dúvida a sua solidez como um divisor de representação. (RAWLS, 1995, p.140, nota 14)195
Assim, Rawls sustenta que em sua doutrina, em oposição ao que
Habermas referiu, a visão do filósofo ou do teórico vale tanto quanto a do cidadão
191 No original: “Keep in mind that this background culture contains comprehensive doctrines of all kinds: these are taught, explained, debated one against another, and argued about, indefinitely without end, as long as society has vitality and spirit. It is the culture of the social, not of the publicly political. It is the culture of daily life, with its many associations: its universities and churches, learned and scientific societies; and endless political discussions of ideas and doctrines are commonplace everywhere.” 192 No original: “The point of view of civil society includes all citizens.” 193 No original: “Like Habermas's ideal discourse situation, it is a dialogue, indeed, an omnilogue” (RAWLS, 1995, p.140). 194 No original: “Habermas sometimes says that the original position is monological and not dialogical; that is because all the parties have, en effect, the same reasons and so they select the same principles”. Cf. também, sobre esse ponto no debate entre Habermas e Rawls, os comentários de GARGARELLA, 2008, p. 101. 195 No original: “The reply I make to his objection (‘Notes’, pp.66ff) is that it is you and I – and so all citizens over time, one by one and in associations here and there – who judge the merits of the original position as a device of representation and the principles it yields. I deny that the original position is monological in a way that puts in doubt its soundness as a device of representation.”
82
normal: “Não há peritos: um filósofo não tem mais autoridade do que outros
cidadãos”, proclama Rawls (1995, p.140)196. Todos, filósofos ou não, alegam
embasamento de suas convicções na autoridade da razão humana presente na
sociedade197.
Leis de proteção à liberdade de expressão, de imperiosa presença
em regimes democráticos, devem garantir que, dispondo-se a tanto, qualquer
cidadão no cenário do espaço público pode trazer ao debate inclusive os postulados
da teoria da justiça de Rawls, independente de suas ponderações mostrarem-se
razoáveis ou não:
Na medida em que outros cidadãos concedam-no audiência, o que está escrito pode se tornar parte do debate público em curso, incluindo Uma Teoria da Justiça juntamente com o demais, até que finalmente desaparece. Os debates entre os cidadãos podem, mas não necessitam, ser razoáveis e deliberativos e são protegidos, pelo menos em um regime democrático decente, por uma lei efetiva da liberdade de expressão. (RAWLS, 1995, p. 141)198
Parece desejável que ocorra a possibilidade aventada por Rawls no
sentido de o debate chegar a um alto patamar de abertura e imparcialidade, com
preocupação de manter-se nos limites daquilo que pode ser aceito razoavelmente
por todos, tendendo ao consenso:
O argumento pode ocasionalmente chegar a um patamar bastante elevado de abertura e imparcialidade, bem como mostrar uma preocupação com a verdade ou com a razoabilidade, quando a discussão se refere à política. (RAWLS, 1995, p. 141)199
Rawls relaciona o nível do debate com as qualidades pessoais dos
participantes, dos quais quanto maior a virtude e a inteligência, tanto maior o nível
196 No original: “There are no experts: a philosopher has no more authority than other citizens.” Embora Rawls admita que “aqueles que estudam filosofia política às vezes podem saber mais sobre algumas coisas, mas isso aplica-se a qualquer outra pessoa” (RAWLS, 1995, p.141). No original: “Those who study political philosophy may sometimes know more about some things, but so may any one else.” 197 No original: “Everyone appeals equally to the authority of human reason present in society” (RAWLS, 1995, p.141). 198 No original: “So far as other citizens pay attention to it, what is written may become part of the ongoing public discussion, A Theory of Justice along with the rest, until it eventually disappears. Citizens’ debates may, but need not, be reasonable and deliberative and they are protected, at least in a decent democratic regime, by an effective law of free speech.” 199 No original: “Argument may occasionally reach a fairly high level of openness and impartiality, as well as show a concern for truth, or when the discussion concerns the political, for reasonableness.”
83
do debate: “[q]uão alto nível chega depende, obviamente, das virtudes e inteligência
dos participantes” (RAWLS, 1995, p. 141)200.
Dentro dessa normativa argumentação, que cuida de valores e
ideais, vê-se a perspectiva do liberalismo político é restrita à seara política, o que
não é o caso da situação ideal de fala, que não se submete à limitação201.
De qualquer forma, o objetivo do liberalismo político, longe de impor,
é o de apresentar aos cidadãos no espaço público, dentre outros, um modelo de
justiça como equidade que aspira a fornecer explicações e fundamentos de um
sistema justo de cooperação entre cidadãos livres e iguais numa sociedade bem-
ordenada; e, por consectário, constituir uma viável alternativa (ao utilitarismo) de
política completa e razoável concepção de justiça para a estrutura básica de uma
democracia constitucional. Diz Rawls:
Ao se dirigir a cidadãos na sociedade civil, como qualquer doutrina democrática deve fazê-lo, a justiça como equidade enuncia várias concepções políticas fundamentais - aqueles da sociedade como um sistema justo de cooperação, de cidadãos livres e iguais, e de uma sociedade bem-ordenada - e então, espera combiná-las em uma política completa e concepção razoável de justiça para a estrutura básica de uma democracia constitucional. Esse é o seu principal objetivo: ser apresentada e compreendida pelo público na sociedade civil para que seus cidadãos possam tomá-la em consideração (RAWLS, 1995, p. 141)202
Rawls refere-se ao equilíbrio reflexivo pleno como critério geral do
razoável; critério esse que na doutrina de Habermas é desempenhado pela
aceitação racional da situação ideal de fala com todas as condições exigidas por ela:
O critério geral do razoável é o equilíbrio reflexivo geral e amplo, enquanto temos visto que na visão de Habermas o teste da verdade moral ou à validade é aceitação totalmente racional da situação de discurso ideal, com todas as condições exigidas satisfeitas. (RAWLS,
200 No original: “How high a level it reaches depends, obviously, on the virtues and intelligence of the participants.” 201 No original: “The argument is normative and concerned with ideals and values, though in political liberalism it is limited to the political, while in discourse ethics it is not” (RAWLS, 1995, p. 141). 202 No original: “By addressing this audience of citizens in civil society, as any democratic doctrine must, justice as fairness spells out various fundamental political conceptions-those of society as a fair system of cooperation, of citizens as free and equal, and of a well - ordered society - and then hopes to combine them into a reasonable and complete political conception of justice for the basic structure of a constitutional democracy. That is its primary aim: to be presented to and understood by the audience in civil society for its citizens to consider.”
84
1995, p. 141)203
Pleno será o equilíbrio reflexivo amplo e geral. Amplo será o
equilíbrio reflexivo daquele cidadão tanto mais quanto ele compreender as diferentes
concepções de justiça e a força de cada um dos argumentos que as constituem, isto
é, o equilíbrio reflexivo amplo contempla as várias concepções políticas de justiça
presentes em nossa tradição, sopesando-lhes o peso dos argumentos que as
sustentam. Contrário de amplo é o restrito, equilíbrio reflexivo em que tomamos em
conta apenas nossos próprios juízos (RAWLS, 1995, p.141, nota 16)204. Quando
amplo, o equilíbrio reflexivo compreende ampla reflexão e, possivelmente, as
mudanças de opinião precedentes (RAWLS, 1995, p.141, nota 16)205. Verberou
Rawls:
Amplo equilíbrio reflexivo (no caso de um cidadão) é o equilíbrio reflexivo alcançado quando o cidadão tem cuidadosamente considerados concepções alternativas de justiça e a força dos argumentos diferentes para eles. Mais especificamente, o cidadão tem considerado as principais concepções de justiça política encontrada na nossa tradição filosófica (incluindo visão crítica do conceito de justiça em si) e pesou a força dos diferentes razões filosóficas e outras para eles. (RAWLS, 1995, p.141, nota 16)206
Para explicar um equilíbrio reflexivo geral, retoma Rawls a ideia de
que numa sociedade bem-ordenada vige uma concepção pública de justiça. Será,
pois, geral nesta sociedade bem-ordenada o equilíbrio reflexivo amplo alcançado por
cada um dos cidadãos, os quais, de acordo com Rawls, comungarão de idêntica
concepção pública de justiça política:
203 No original: “The overall criterion of the reasonable is general and wide reflective equilibrium; whereas we have seen that in Habermas’s view the test of moral truth or validity is fully rational acceptance in the ideal discourse situation, with all requisite conditions satisfied.” 204 Escreveu Rawls: “Amplo, e não restrito, o equilíbrio reflexivo (no qual tomamos nota de apenas nossos próprios juízos), é claramente o conceito filosófico importante “(RAWLS, 1995, p.141, nota 16). No original: “Wide and not narrow reflective equilibrium (in which we take note of only our own judgments), is plainly the important philosophical concept”. 205 No original: “The reflective equilibrium is wide, given the wide-ranging reflection and possibly many changes of view that have preceded it.” 206 No original: “I add here two remarks about wide and general reflective equilibrium. Wide reflective equilibrium (in the case of one citizen) is the reflective equilibrium reached when that citizen has carefully considered alternative conceptions of justice and the force of various arguments for them. More specifically, the citizen has considered the leading conceptions of political justice found in our philosophical tradition (including views critical of the concept of justice itself) and has weighed the force of the different philosophical and other reasons for them.”
85
Lembre-se que uma sociedade bem-ordenada é uma sociedade efetivamente regulada por uma concepção política pública de justiça. Pensemos que cada cidadão em uma tal sociedade tenha alcançado um equilíbrio reflexivo amplo. Uma vez que os cidadãos reconhecem que afirmam a mesma concepção pública de justiça política, o equilíbrio reflexivo também é geral: a mesma concepção é afirmada em julgamentos considerados todos. (RAWLS, 1995, p.141, nota 16)207
À vista disso, é com base num equilíbrio reflexivo amplo e geral
presente numa sociedade bem-ordenada que possibilita Rawls afirmar que, nesse
caso, haverá consenso, intersubjetivamente formado, quanto à concepção de justiça
política a ponto de “cada cidadão tem em conta o raciocínio e os argumentos de
qualquer outro cidadão”, por mais incrível que pareça. Vejamos a passagem:
Assim, os cidadãos têm conseguido geral e ampla, ou aquilo que podemos chamar de pleno (completo) equilíbrio reflexivo. Em tal sociedade, não só existe um ponto de vista público a partir do qual todos os cidadãos possam conhecer os seus direitos de justiça política, mas também desse ponto de vista é mutuamente reconhecido como afirmado por todos eles em pleno equilíbrio reflexivo. Este equilíbrio é totalmente intersubjetivo, ou seja, cada cidadão tem em conta o raciocínio e os argumentos de qualquer outro cidadão. (RAWLS, 1995, p.141, nota 16)208
Por derradeiro, assume Rawls a aproximação do equilíbrio reflexivo
com a situação ideal de fala é obtida quando vislumbramos que após o equilíbrio
reflexivo pleno percebemos que nossos ideais, princípios e juízos nos afiguram mais
razoáveis e melhor fundamentados do que antes:
O equilíbrio reflexivo se assemelha à prova de Habermas neste aspecto: é um ponto no infinito, não podemos alcançá-lo, embora possamos chegar mais perto dele no sentido de que, através da nossa discussão, ideais, princípios e juízos parecem-nos mais razoáveis e melhor fundamentados do que eram antes. (RAWLS,
207 No original: “Recall that a well-ordered society is a society effectively regulated by a public political conception of justice. Think of each citizen in such a society as having achieved wide reflective equilibrium. Since citizens recognize that they affirm the same public conception of political justice, reflexive equilibrium is also general: the same conception is affirmed in everyone's considered judgments.” 208 No original: “Thus, citizens have achieved general and wide, or what we may refer to as full, reflective equilibrium. In such a society, not only is there a public point of view from which all citizens can adjudicate their claims of political justice, but also this point of view is mutually recognized as affirmed by them all in full reflective equilibrium. This equilibrium is fully intersubjective: that is, each citizen has taken into account the reasoning and arguments of every other citizen.”
86
1995, p. 142)209
Ao cabo desse último capítulo, uma boa sinopse do que nele foi
aventado começaria por relembrar que em réplica, Rawls destaca duas linhas
principais de diferenciação entre sua doutrina e a de Habermas. A primeira
demonstra a diversidade de abrangência: ampla da doutrina habermasiana e restrita
à categoria do político em Rawls. Corolário disso é que não se admitiriam censuras a
esta última doutrina com base em algo que lhe é independente, vale dizer, em
doutrinas filosóficas, morais e religiosas em relação às quais o liberalismo político
cuidou de não se imiscuir; ao contrário, em homenagem ao baluarte democrático da
tolerância, a justiça como equidade foi forjada para, na esfera pública, conviver com
as mais variadas doutrinas metafísicas possíveis, desde que razoáveis. O mesmo
não se pode dizer da doutrina de Habermas, cujo teor compete com outras doutrinas
igualmente abrangentes. A par disso, a outra linha de diferenciação exposta por
Rawls diz respeito aos mecanismos de representação: sua posição inicial e a
situação ideal de fala de Habermas. Rawls sustentou, quanto a isso, que a posição
inicial é suficiente para atender aos reclamos de justificação do liberalismo político,
restrito que é à seara política. Ademais, o equilíbrio reflexivo garantiria o insucesso
da crítica de Habermas de que, a bem da verdade, a definição dos princípios é
estabelecida monologicamente pelo teórico, a uma porque o argumento do filósofo
vale tanto quanto a do cidadão comum; a duas porque, a partir do equilíbrio reflexivo
amplo e geral (pleno), estabelece-se um consenso intersubjetivo quanto à
concepção de justiça. Passemos, sem mais delongas, às conclusões finais desta
monografia.
209 No original: ‘Reflective equilibrium resembles his test in this respect: it is a point at infinity we can never reach, though we may get closer to it in the sense that through discussion our ideals, principles, and judgments seem more reasonable to us and we regard them as better founded than they were before.”
CONCLUSÕES
Do quanto restou escrito, cabe-nos, antes de pôr cobro à tarefa a
que nos propusemos, apresentar em forma de enxuto rol este elenco de principais
conclusões, ainda que provisórias dada a pretensão de continuidade dessa
pesquisa:
CAPÍTULO 1: CONCLUSÕES
1.1. por quase 40 anos Rawls dedicou-se a compreender como
seria possível existir, no decorrer do tempo, uma sociedade de cidadãos livres e
iguais, ainda que divididos por razoáveis doutrinas religiosas, morais e filosóficas,
porém incompatíveis entre si;
1.2. ao longo desses anos, Rawls desenvolveu uma teoria da
justiça, cuja importância para as instituições sociais é tamanha que se compara à
verdade para os sistemas de pensamento;
1.3. o modelo de justiça como equidade de Rawls aspira a
fornecer explicações e fundamentos de um sistema justo de cooperação entre
cidadãos livres e iguais numa sociedade bem-ordenada (1.19);
1.4. o papel da justiça reside na administração de conflitos
notadamente na área da isonomia (distinção entre pessoas) e da divisão tanto das
benesses produzidas em colaboração (reivindicação) quanto dos encargos sociais
necessárias para a produção de tais benesses (atribuição), donde a ênfase no
caráter distributivo da justiça rawlsiana (justiça distributiva);
1.5. a doutrina de Rawls apresenta-se no espaço público aos
cidadãos em geral como uma (e não ‘a’) doutrina política completa e razoável
concepção de justiça para a estrutura básica de uma democracia constitucional
alternativa principalmente ao utilitarismo, cuja hegemonia já perdurava há quase um
século quando veio a lume a Teoria da Justiça (1971);
1.6. O utilitarismo constitui teoria teleológica, não deontológica, na
qual o princípio da maior utilidade geral assegura que o valor moral da ação é
estabelecido a partir da maximização proporcionada por ela em prol do bem-estar
88
geral;
1.7. o utilitarismo visualiza a sociedade tal como um corpo no qual
o sacrifício de algumas partes é justificado quando em prol das restantes;
1.8. por conta disso (1.7), o utilitarismo dá por justa a imposição
de graves privações a certos indivíduos para assegurar um bem maior partilhado por
outros;
1.9. essa constatação (1.8) não se coaduna com o senso comum
de justiça;
1.10. o intuicionismo admite uma gama de princípios de justiça sem
que seja possível objetivamente estabelecer um método para discernir qual deles
deve ser aplicado em caso de conflito;
1.11. diante da multiplicidade de princípios da justiça aceitáveis
(1.10), o intuicionismo lança mão da intuição para determinar o exato princípio,
dentre tantos outros concorrentes, aplicável ao caso concreto;
1.12. para Rawls o problema é que o intuicionismo carece de
critérios para organizar os vários princípios à luz de nossas próprias intuições;
1.13. a despeito disso (1.12) Rawls não desprezou o valor da
intuição em sua doutrina, incorporando-a ao conceito de equilíbrio reflexivo;
1.14. a justiça como equidade possui fundo contratualista, já que se
baseia na crença de que os agentes morais podem buscar seu próprio bem em
consonância com regras estabecidas na posição original de Rawls;
1.15. a posição original é comparável, mutatis mutandis, ao assim
chamado ‘estado de natureza’ da teoria tradicional do contrato social;
1.16. o objetivo do contrato hipotético é estabelecer princípios da
justiça para a estrutura básica de uma sociedade bem-ordenada;
1.17. por estrutura básica da sociedade entenda-se o conjunto das
principais instituições desta sociedade, a saber, aquelas instituições que lhe formam
a estrutura política, definem por um lado as liberdades fundamentais iguais e, de
outro, as desigualdades sociais e econômicas;
1.18. a composição desta estrutura (1.17) abrange além das
principais instituições políticas, econômicas e sociais, também o sistema unificado
de cooperação no qual elas se interrelacionam;
89
1.19. por sociedade bem-ordenada (1.3) entenda-se aquela na qual
indivíduos e instituições aceitam e defendem os mesmos princípios da justiça e
sabem (ou ao menos legitimamente esperam) que os demais integrantes dessa
sociedade também o fazem;
1.20. a posição original constitui um artifício para representação de
uma suposta situação hipotética e original de igualdade entre indivíduos livres e
imparciais na qual os princípios da justiça seriam cunhados;
1.21. essa situação (1.20) pode ser qualificada como equitativa
(justa);
1.22. ao dizer “justiça como equidade”, Rawls não pretende
sustentar que justiça é equidade, mas que seus princípios foram cunhados numa
situação de equidade;
1.23. os participantes livres e iguais da posição ideal procederão
com razão e desinteresse (imparcialidade);
1.24. para garantir isso (1.23), Rawls submete-os ao famigerado
véu da ignorância;
1.25. referido véu gera uma supressão sistemática de informações
contingenciais;
1.26. são exemplos de tais informações: a posição do participante
dentro da estrutura social, suas características naturais etc.
1.27. são mantidas, entretanto, informações genéricas como de que
sua sociedade é bem-ordenada, por exemplo;
1.28. livres e iguais, racionais e dotodas de uma concepção de bem
(primário), os representantes fictícios em posição original, mercê do véu da
ignorância, desconhecem as posições ocuparão na sociedade da qual os princípios
da justiça eles estabelecerão;
1.29. o véu da ignorância constitui, pois, um método que visa
restringir argumentos, lastreado na máxima de que os princípios de justiça não
devem ater-se àquilo que é contingente;
1.30. disso (1.28) infere-se o kantismo da noção do véu;
1.31. à míngua de informações contingenciais (véu da ignorância),
os participantes da posição original movem-se no intuito de obtenção de bens
90
primários sociais;
1.32. por bens primários sociais entendam-se aqueles fornecidos
pelas instituições básicas e indispensáveis para satisfazer qualquer plano de vida;
1.33. nesse intuito (1.31), os mesmos participantes são impelidos a
adotar a regra maximum minimorum (maximin);
1.34. segundo a regra maximin, em condições de incerteza, a
melhor opção é aquela que produz o melhor dentre os piores resultados das demais
alternativas possíveis;
1.35. nesse proscênio teórico (posição original, véu da ignorância,
busca por bens primários sociais, regra maximin), para Rawls os participantes da
posição original escolheriam dois princípios de justiça;
1.36. o primeiro, princípio de liberdades iguais, destina-se a
regulamentar a parte da estrutura básica institucional da sociedade responsável pela
definição de iguais liberdades fundamentais. Cuida-se do princípio de liberdades
iguais;
1.37. de acordo com esse princípio (1.36), a estrutura básica da
sociedade deve prever as liberdades mais amplas possíveis a todos;
1.38. o segundo princípio é informador da parte definidora das
desigualdades sociais e econômicas;
1.39. o segundo princípio reza que as desigualdades são instituídas
em prol de todos em benefício de representantes, não de indivíduos determinados.
Subdivide-se em dois subprincípios: princípio de justa igualdade de oportunidade (1ª
parte) e princípio da diferença (2ª parte);
1.40. Rawls, na condição de liberal, não deixou de conceber os
princípios em ordem léxica;
1.41. essa ordem léxica ou serial determina que o primeiro
sobrepõe-se ao segundo, bem como a primeira parte do segundo tem primazia serial
em relação à segunda parte;
1.42. uma outra etapa da justificação da justiça como equidade
sucede a partir do que Rawls chamou de argumento do equilíbrio reflexivo;
1.43. o equilíbrio reflexivo exige que os princípios decorrentes da
posição original sejam submetidos ao crivo de nossas convicções ponderadas de
91
justiça ao final do qual seriam ou não efetivamente escolhidos;
1.44. os princípios da justiça como equidade, pois, são definidos e
justificados a partir da posição original e do equilíbrio reflexivo.
CAPÍTULO 2: CONCLUSÕES
2.1. dadas as grandes afinidades entre seus trabalhos, a disputa
entre Rawls e Habermas por eles mesmos considerada ‘uma disputa de família’;
2.2. segundo Habermas, a teoria da justiça de Rawls representou
uma mudança de paradigma no campo da filosofia prática, reavivando questões
morais de há muito não objeto de debate;
2.3. as críticas de Habermas não se dirigem tanto ao projeto
rawlsiano em si do qual as intuições normativas estão de acordo com o pensamento
habermasiano, mas sim contra alguns aspectos da sua execução, notadamente
quanto à fundamentação de tais intuições, fragilizada pelas concessões de Rawls
aos críticos;
2.4. Rawls propõe uma leitura intersubjetiva da autonomia
kantiana em oposição ao utilitarismo e ao ceticismo quanto aos valores;
2.5. essa leitura (2.4) consiste na interpretação de que agimos
autonomamente quando fazemos aquilo que estabelecemos de acordo com o uso
público de nossa razão;
2.6. tal conceito de autonomia moral explica em Rawls a
autonomia política dos cidadãos de uma sociedade democrática;
2.7. além de questionar o conceito rawlsiano de overlapping
consensus (consenso sobreposto) e o privilegiar das liberdades dos modernos em
detrimento das liberdades dos antigos, Habermas direciona três grupos de
ponderações na censura à concepção da posição original de Rawls: o primeiro
grupo reside na consectária incapacidade dos participantes da posição inicial na
compreensão dos mais altos interesses (highest-order interests) de cidadãos
autônomos que representam (2.8 a 2.14); o segundo grupo destaca as dificuldades
geradas pela noção de direitos como bens (2.16 a 2.23); a terceira classe de críticas
investe contra a concepção ‘monológica’ que introduz pressupostos substantivos na
92
posição inicial (2.24 a 2.30);
2.8. as restrições provocadas pelo véu da ignorância visariam
limitar as opções das partes racionais na escolha de princípios da justiça a
alcançando a imparcialidade a partir de próprio auto-interesse esclarecido;
2.9. as partes na posição original, ao se comportarem como
jogadores que aspiram a uma pontuação tão mais alta quanto lhes seja possível,
são incapazes de a sério compreender os interesses de ordem mais alta de
cidadãos autônomos apenas com base no egoísmo racional
2.10. se os mais altos interesses (highest-order interests) dos
cidadãos autônomos derivam justamente daquelas propriedades indisponíveis aos
participantes da posição original, então se constitui paradoxal a ideia de que estes
participantes descortinem tais interesses dos quais são detentores os cidadãos
autônomos;
2.11. Habermas critica o fato de que as partes da posição original
levarão em conta possibilidades morais abertas aos cidadãos plenamente
autônomos, porém proscritas a eles próprios
2.12. em vista disso (2.11), cidadãos plenamente autônomos não
podem estar bem representados por seres não dotados da mesma autonomia;
2.13. na visão habermasiana as partes da posição original seriam
incapazes, dentro do círculo estabelecido pelo próprio “egoísmo racional”, de
vislumbrar em pé de igualdade em relação aos cidadãos que representam a
orientação justa para alcance daquilo que é igualmente bom a todos;
2.14. ainda que Rawls quisesse rever essa configuração da posição
original, quanto mais ampliasse o conhecimento das partes na posição original tanto
mais o projeto rawlsiano afastar-se-ia da meta de apresentar um método imparcial,
apartado do egocentrismo humano, para estabelecer princípios da justiça;
2.15. eventual ajuste (2.14), descaracterizaria posição original, na
qual é a partir das restrições que os representantes racionais decidem questões
práticas da justiça com imparcialidade;
2.16. direitos fundamentais não podem ser equiparados a bens
primários;
2.17. na posição original, segundo Habermas, os participantes
93
consideram os direitos como uma classe de bens;
2.18. consectário disso (2.17) é que na posição original a questão
dos princípios da justiça resume-se a um problema de divisão de bens primários;
2.19. ao aproximar o conceito de justiça a uma ética do bem,
própria do aristotelismo ou utilitarismo -, Rawls renuncia ao sentido deontológico em
prol de outro teleológico.
2.20. direitos não podem ser equiparados a mercadorias de
distribuição sem perder o seu sentido deontológico, afirmou Habermas;
2.21. a prioridade léxica do princípio da igualdade sobre o segundo
princípio decorre da tentativa de Rawls em compensar o desnivelamento
deontológico proporcionado pela questão dos bens primários;
2.22. no entanto, à vista da perspectiva do egoísmo racional
(perspectiva da 1ª pessoa, do eu) não se sustenta para Habermas nenhuma
prioridade absoluta das iguais liberdades subjetivas de ação sobre bens primários
equacionados pelo segundo princípio;
2.23. apenas em relação ao direitos, não quanto a bens, pode-se
distinguir o plano da aquisição do plano do exercício;
2.24. de acordo com Habermas, o véu da ignorância faz parte de
um procedimento intersubjetivo de substituição do imperativo categórico kantiano;
2.25. o véu da ignorância não é apto o bastante para garantir um
julgamento imparcial;
2.26. o participante da posição original não colabora com
argumentos ao discurso, mas tão-somente emite juízos;
2.27. diante das condições hodiernas de pluralismo social e de
visão do mundo, entremostra-se inviável pensar em um auto-conhecimento tal que
refletisse de fato uma consciência transcendental;
2.28. Rawls ao limitar a informação das partes na posição original,
fixa-as numa perspectiva comum e neutraliza assim de antemão, mediante um
artifício, a multiplicidade das perspectivas particulares de interpretação; ao passo
que na ética discursiva de Habermas realça-se (e não se neutraliza) o pluralismo;
2.29. as restrições impostas pelo véu da ignorância impedem que
as partes da posição original elejam princípios da justiça similares aos que seriam
94
escolhidos por cidadãos autônomos com divergentes concepções de mundo e de si
próprios;
2.30. a configuração da posição original culmina por impor
elementos substantivos que o próprio teórico determina monologicamente, ao passo
que a superação de conflitos de ação deveria ser feita por meio de argumentação
moral não monológica.
CAPÍTULO 3: CONCLUSÕES
3.1. Rawls destaca duas basilares diferenças entre as visões dele
e de Habermas: a primeira quanto à abrangência da pretensão das doutrinas
rawlsiana e habermasiana (3.2 a 3.20); a segunda refere-se à diversidade de
instrumentos representativos de ambas doutrinas (3.21 a 3.45);
3.2. no que tange à abrangência, enquanto a teoria de Habermas
é abrangente, a de Rawls está restrita à categoria do político;
3.3. daí que (3.2) o âmbito de funcionamento do liberalismo é
limitado à seara política, sem que precise contar com nada fora de tal domínio;
3.4. Habemas pretende repensar a ideia de razão teórica e
prática, a partir do quê há de cunhar uma ampla teoria social para a sociedade
democrática, o que por si só já diferencia, ao menos pelos objetivos e pelo âmbito de
atuação, os projetos de Ralws e Habermas;
3.5. na réplica a Habermas, Rawls remarca que sua doutrina
destina-se à estrutura básica da sociedade democrática (bem-organizada). Sobre a
noção de estrutura básica e de sociedade bem-organizada (1.3 e 1.17 a 1.19);
3.6. Rawls concebe sua doutrina como compatível com outras por
mais variadas que sejam de viés religioso, metafísico ou moral, desde que
razoáveis;
3.7. qualquer doutrina abrangente filosófica, moral ou religiosa
razoável opera ou pode operar em concurso com a justiça como equidade;
3.8. o liberalismo político de Rawls abstém-se de elaborar críticas
de doutrinas abrangentes, desde que razoáveis;
3.9. por concepção razoável (3.8), entenda-se tolerante, isto é,
95
que admita diferentes concepções religiosas, morais e filosóficas;
3.10. disso (3.9) se infere que, diferentemente da doutrina
habermasiana, à justiça como equidade não se pode opor quaisquer doutrinas
religiosas, metafísicas e morais; muito menos defendê-la ou criticá-la com base em
tais doutrinas, contanto que, frise-se, detenham razoabilidade em termos políticos;
3.11. essas ilações (3.6 a 3.10) não obstam que a doutrina de
Rawls relacione-se com qualquer doutrina abrangente de viés religioso, moral ou
filosófico, mas delas não depende, muito menos as pressupõe;
3.12. em oposição a isso, a teoria da ação comunicativa de
Habermas tem amplo escopo, cuida-se de doutrina abrangente que conflita com
outras igualmente abrangentes (metafísicas, morais e religiosas);
3.13. o problema é que Habermas toma o que é restrito como
abrangente, para o fim de criticar a doutrina política de Rawls;
3.14. o liberalismo rawlsiano deixa os cidadãos autônomos livres
para aderir a qualquer concepção abrangente razoável;
3.15. se assim é (3.14), então a doutrina de Rawls, antes de ejeitar,
pressupõe o pluralismo;
3.16. Rawls a partir de um trecho da obra Facticidade e Validade de
Habermas interpreta a teoria da ação comunicativa como aglutinadora da concepção
Sittlichkeit (vida ética) cunhada por Hegel;
3.17. por Sittlichkeit (vida ética) entenda-se um sistema de
instituições políticas e sociais que expressam e tornam real no mundo o conceito de
liberdade (cuida-se do lado objetivo da moralidade);
3.18. por conta disso (3.17 e 3.18), Rawls considera a doutrina de
Habermas lógica em sentido amplo hegeliano;
3.19. com efeito, ao contrário do que apregoou Habermas em sua
crítica, é a visão habermasiana que imprescinde de conceitos fundamentais
substanciais;
3.20. na doutrina de Rawls a concepção filosófica da pessoa passa
sim a ter uma concepção política dos cidadãos como livres e iguais, razoáveis e
racionais sem que tal concepção baseie-se na razão platônica ou kantiana que
justifique a crítica de Habermas pelo emprego de elementos a priori e metafísicos;
96
3.21. a diversidade de instrumentos representativos de ambas
doutrinas é corolário do descompasso entre as perspectivas ampla de Habermas e
restrita à política de Rawls (3.2 a 3.20);
3.22. a posição original e a situação ideal de fala são os
mecanismos de representação adotados respectivamente por Rawls e Habermas;
3.23. as diferenças entre esses dois mecanismos de representação
reside no papel que desempenham em cada uma das igualmente distintas doutrinas;
3.24. a perspectiva utilizada para avaliar tais mecanismos de
representação deve ser a dos cidadãos autônomos;
3.25. o cenário adequado para a discussão é a cultura da
sociedade civil, chamada por Habermas de esfera pública (cultura de fundo para
Rawls);
3.26. Rawls distingue a expressão habermasiana esfera pública da
razão pública junto ao liberalismo político: esfera pública reflete a concepção de
cultura de fundo (background culture); ao passo que razão pública é o juízo político
emandado de instituições e indivíduos;
3.27. é na esfera pública (ou cultura de fundo) que a multiplicidade
de doutrinas abrangentes convivem, é lá que se reúnem os pontos de vista de todos
os cidadãos e, enfim, da sociedade civil;
3.28. a posição original, ao contrário da situação ideal de fala, foi
cunhada para atender às necessidades do liberalismo político, mais restrito em
relação à doutrina abrangente de Habermas;
3.29. para Rawls, enquanto a posição original constitui um
instrumento de análise para formulação de uma conjectura; a situação ideal de fala
tem por escopo fornecer um mandamento de verdade ou validade;
3.30. por definição, da posição inicial extrai-se que cidadãos livres e
iguais chegaram a um acordo por si mesmos sobre esses princípios políticos sob
condições que os representam igualmente como razoáveis e racionais;
3.31. se assim é (3.30), os princípios na posição original, porque
cunhados dentro de certas limitações, devem ser tidos como aceitáveis, se não
definitivamente, ao menos como uma verossímil conjectura;
3.32. longe dessa provisoriedade (3.31) representar um problema,
97
ela entremostra-se positiva na medida em que abre margem a testar os princípios
noutra instância;
3.33. nessa instância (3.32), confrontar-se-ão os princípios obtidos
com nossas convicções ponderadas de justiça (equilíbrio reflexivo), tudo com o
escopo de ser verificar se eles efetivamente aplicam-se às instituições democráticas
(estruturas básicas da sociedade bem-ordenada – 1.17 a 1.19);
3.34. diversamente, os juízos resultantes da a situação ideal de fala
de Habermas não se submetem a outra instância de corroboração;
3.35. para Rawls, a situação ideal de fala já produz juízos são
válidos desde logo e independente de outras considerações;
3.36. porque a esfera pública congloba todo o tipo de doutrinas
abrangentes, bem como as opiniões mais diversas dos cidadãos autônomos (3.27),
então a justificação dos princípios da justiça como equidade não se dá de modo
monológico;
3.37. para repudiar a alegação de Habermas no sentido de que a
definição dos princípios é feita pelo teórico, não pelos cidadãos, Rawls sustenta que
em sua doutrina a visão do filósofo ou do teórico vale tanto quanto a do cidadão
normal: “não há peritos”;
3.38. qualquer sociedade bem-ordenada deve garantir que o
cidadão comum no cenário do espaço público traga ao debate inclusive os
postulados da teoria da justiça de Rawls;
3.39. a possibilidade de revisão dos juízos em qualquer direção é
consagrada pelo equilíbrio reflexivo pleno como critério geral do razoável;
3.40. esse critério (3.39) pode ser traduzido para doutrina de
Habermas como a aceitação racional da situação ideal de fala com todas as
condições exigidas por ela;
3.41. Pleno será o equilíbrio reflexivo amplo e geral.
3.42. será tanto mais amplo o equilíbrio reflexivo quanto mais forem
os cidadãos capazes de compreender as diferentes concepções de justiça e a força
de cada um dos argumentos que as constituem. Ao revés, será restrito na proporção
do grau de incompreesão dos cidadãos quanto aos pontos de vista extermos a ele
(consideram-se apenas seus próprios juízos);
98
3.43. será tanto mais geral o equilíbrio reflexivo numa sociedade
bem-ordenada quanto maior for o número de cidadãos que alcançaram o equilíbrio
reflexivo amplo;
3.44. o resultado do equilíbrio reflexivo amplo e geral numa
sociedade bem-ordenada é o consenso intersubjetivamente formado quanto à
concepção de justiça política;
3.45. o equilíbrio reflexivo amplo e geral é o elemento da doutrina
de Rawls que mais se aproxima da situação ideal de fala de Habermas.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia . 5ªed. Trad. Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007.ALBERTUNI, Carlos Alberto. A intuição e o discurso moral . Revista Phrónesis. Vol. I. n.2. Mai-Ago 1998. p.63-72.
ARAÚJO, Luiz Bernardo Leite. Uma questão de justiça: Habermas, Rawls e Macintyre . In: Simpósio Internacional sobre a Justiça, 1998, Florianópolis. Justiça como eqüidade. Fundamentação e interlocuções polêmicas. Florianópolis: Editora Insular/Núcleo de Estudos em ética e Filosofia Política, UFSC, 1997. p. 209-230.
BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém . 2. ed rev. São Paulo: Paulinas, 1985.
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Teorias sobre a justiça: apontamentos para a história da filosofia do direito. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000.
CARRACEDO, José Rubio. “Posicion original” y “accion comunicativa” (Rawls y Habermas) . Revista de Estudios Políticos (Nueva Epoca). n.64. Abr-Jun 1989. p.225-233. Disponível em <http://www.cepc.es/rap/Publicaciones/Revistas/3/REPNE_064_225.pdf>. Acesso em 8 mai. 2011.
CAYGILL, Horward. Dicionário de Kant . Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
CEPEDA, Margarita. Rawls y Habermas: una disputa en familia. Daimon. Revista de Filosofia. n.15, 1997, p.51-61. Disponível em <http://revistas.um.es/ daimon/article/view/9391>. Acesso em 17 abr. 2011.
CORTINA, Adela; MARTÍNEZ, Emilio. Ética . Tradução Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Loyola, 2005.
FELDHAUS, Charles. As objeções de tipo hegeliano se aplicam à ética do discurso e à justiça como equidade? Revista Princípios. v.18. n.29. Jan./Jun. 2011. p.201-223.
FREEMAN, Samuel. Introduction: John Rawls – An Overview. In: FREEMAN, Samuel (org.). The Cambridge Companion to Rawls . 1ªed.4ªtiragem. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p.1-61.
_____. Glossário – Rawls . tradução de Charles Feldhaus. In: FREEMAN, Samuel. Rawls. London: Routledge, 2007, 463-484.
GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. Tradução Alonso Reis Freire. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro : estudos de teoria política. Tradução George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002.
_____. Consciência moral e agir comunicativo . Tradução Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
_____.; RALWS John. Debate sobre el liberalismo político . Tradução Gerard Vilar Roca. Introdução Fernando Vallespín, Barcelona 2000, Paídos.
_____. Reconciliation Through the Public use of Reason : Remarks on John
100
Rawls’s Political Liberalism. Revista The Journal of Philosophy, vol. 92, n.3, mar.1995. Disponível em <http://www.jstor.org/stable/2940842>. Acesso em: 16 mar. 2011.
HART, H. L. A. O conceito de direito . Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Enciclopedia de las ciencias filosóficas . Tradução de E. Ovejero y Maury. Buenos Aires: Libertad, 1944.
_____. Princípios da filosofia do direito . tradução Orlando Vitorino. 1ªed.3ªtiragem. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
HUME, David. Ensaios Morais, Políticos e literários . In: Os pensadores. 1ªed. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
INWOOD, Michael. Dicionário Hegel . Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Coimbra: Edições 70, 1988.
KIRSCHBAUM, Charles. John Rawls: justiça imparcial e seus limites. 2005. 88 p. Dissertação (Mestrado em Ciência Política). Universidade de São Paulo (USP). São Paulo.
LIMA, Rafael Lucas de. Individualidade, excentricidade e plenitude de si m esmo . In: SEMANA DE HUMANIDADES, XVII, 2009. Natal. Anais... Natal: UFRN, 2009. Disponível em <http://www.cchla.ufrn.br/humanidades2009/Anais/GT10/10.1.pdf>. Acesso em 16jun.2011.
LLOYD, Dennis. A ideia da lei . São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MAGALHÃES, Theresa Calvet de. A ideia de liberalismo político em rawls : uma concepção política de justiça. In: Filosofia Política Contemporânea (Manfredo Oliveira et al., orgs.), Petrópolis, Vozes, 2003, pp. 251-270. Disponível em <http://www.fafich.ufmg.br/ ~tcalvet/A%20id%E9ia%20de%20liiberalismo%20pol%EDtico%20%20em%20Rawls.%20Uma%20concep%E7%E3o%20pol%EDtica%20de%20justi%E7a.pdf> Acesso em 22 abr.2011.
MARCANTONIO, Jonathan Hernandes. Rawls, Habermas e os novos caminhos da filosofia moral . 2005. 108p. Dissertação (Mestrado em Filosofia e Teoria Geral do Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). São Paulo.
MILL, John Stuart. A Liberdade . São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MÖLLER, Josué Emilio. A justiça como equidade em John Rawls. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006.
PEGORARO, Olinto Antonio. Etica e justiça . Petropolis, RJ : Vozes, 2000.
RAWLS, John. A theory of justice . Revised Edition. Cambridge: Harvard University Press, 1999.
____. História da filosofia moral . São Paulo: Martins Fontes, 2005.
____. Justiça como equidade : uma reformulação. São Paulo : Martins Fontes, 2003.
____. Justiça e democracia . São Paulo : Martins Fontes, 2002.
101
____. Justicia como equidad : materiales para una teoría de la justicia. Madrid: Tecnos, 2002,1999.
____. O direito dos povos seguido de "A ideia da razão pú blica revista" . São Paulo : Martins Fontes, 2001.
____. O liberalismo político . 2ªed. Tradução Dinah de Abreu Azevedo. Rio de Janeiro : Ática, 2000.
____. Political Liberalism : Reply to Habermas. Revista The Journal of Philosophy, vol. 92, n.3, mar.1995. Disponível em <http://www.jstor.org/stable/2940843>. Acesso em: 16 mar. 2011.
____. Sobre las libertades . Barcelona : Paidos, 1996.
____. Uma teoria da justiça . 3ªed. Tradução Jussara Simões. Revisão técnica da tradução Álvaro de Vita. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
RICOEUR, Paul. O justo ou a essência da justiça . Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
SERRA, Antônio Truyol. Historia de la filosofía del derecho y del estado . Madrid : Alianza, 2004.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico . 23ªed. São Paulo: Cortez Editora, 2008.
SOARES, Mauro Victoria. Democracia, deliberação e razão pública: recomendações igualitárias para a democracia libera l. 2008. 139 p. Tese (Doutorado em Ciência Política). Universidade de São Paulo (USP). São Paulo.
TORRES FILHO, Rubens Rodrigues. Nota do tradutor. In: NIETZSCHE, Friedrich. Aurora . In: Os pensadores. vol. XXXII. 1ªed. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
VITA, Álvaro de. A justiça igualitária e seus críticos . São Paulo: Martins Fontes, 2007.
WELTER, Nelsi Kistemasher. John Rawls e o estabelecimento de princípios de justiça através de um procedimento equitativo . 2001. 141 p. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas.
ZVIRBLIS, Alberto Antonio. John Rawls : uma teoria da justiça e o liberalismo. 2009. 161 p. Tese (Doutorado em Filosofia). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). São Paulo.
103
ANEXO A - A DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS COMO ESPÉCIES DE NORMAS NA
OBRA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE ROBERT ALEXY210
210 CACHICHI, Rogério Cangussu Dantas. A distinção entre princípios e regras como espécies de normas na obra teoria dos direitos fund amentais de Robert Alexy . In: Revista do Direito Público, Londrina, Volume 4, n.2. Maio a Agosto de 2009. Disponível em <http://www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/VOLUME_4/num_2/A%20DISTINCAO%20ENTRE%20PRINCIPIOS%20E%20REGRAS%20COMO%20ESPECIES%20DE%20NORMAS%20NA%20OBRA%20TEORIA%20DOS%20DIREITOS%20FUNDAMENTAIS%20DE%20ROBERT%20ALEXY.pdf>. Acesso em 23 abr.2011.
104
ANEXO B - RECONCILIATION THROUGH THE PUBLIC USE OF REASON: REMARKS ON
JOHN RAWLS’S POLITICAL LIBERALISM