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Título original: Beauty

Copyight© Horsel's Farm Enterprises Limited

Beu i originalmente publicado na línga inglesa em Esta tradução é pblicada por acordo com a Oxrd Univesity Press.

Tradução: Carlos Marques

Revisão: Luís Guimarães

Capa: Ilídio J.B. Vasco

Paginação: Nuno Rodrigues da Costa

Imagem da capa: e de Mue Je de Sandro Botticelli.

©Guerra e Paz, Editores S.A., Reserados todos os direitos

Depósito Lega nº /

ISBN: ----6

ª Edição: Junho de Tiragem- exemplares

Guerra e Paz, Editores S.A.

R. Conde Redondo, Esq.

- Lisboa

Tel: Fax:

Email: [email protected]

w.guerraepaz.net

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Prefácio

Julgar a beleza 5

2 A beleza humana 4

3 A beleza natural 60

4 A beleza do quotidiano 78

5 A Beleza Artística 92

6 Gosto e ordem 22

7 Arte e eros 34

8 Fuga à beleza

9 Pensamentos nais 72

Notas e leituras cmplementares 75

Índice onomástico 89

Indice das matérias 94

Créditos Fotográcos 97

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Á

beleza pode ser consoladora, perturbadora, srada ou prona; pode revigorar, atrair, inspirar ou arrepiar Pode actarnos deinúmeras maneiras Todavia, nunca a oamos com indiereça: abeleza exige visibilidade Ela alanos directamente , qual voz de um

amgo ítimo Se há pessoas indierentes à beleza é porque são, cer-tamente, incapazes de percebêla

No entanto, os juízos de beleza dizem respeito a questões de gos-to e este pode não ter um ndamento racional Mas, se r o caso,como explicar o ugar de relevo que a beleza ocupa nas nossas vdase porque lamentamos o cto se disso se trata de a beleza estar adesaparecer do nosso mundo? Será verdade, como sugeriram tantosescritores e artistas desde Baudelaire a Nietzsche, que a beleza e abondade podem divergir e que uma coisa pode ser bela precisamente por causa da sua imoralidade?

Além disso, uma vez que é natral que os gostos variem, comopode o gosto de uma pessoa serir de critério para arir o de outra?Como é possível dizer, por exemplo, que um certo tipo de músicaé superior ou inerior a outro, se os juízos comparatios reectemapenas o gosto daquele que os z?

Este relativismo, hoje miliar, levou algumas pessoas a rejeitaremos juízos de beleza por serem puramente «subjectivos» Os gostosnão se discutem, amentam, pois quando se critica um gosto maisnão se z do que expressar um outro; assim sendo, nenhum ensi-namento ou aprendizagem pode vir de uma «crítica» Esta atitde

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tem posto em questão muitas das discipinas que tradicionalmente

pertencem às humanidades Os estudos de ate, música, literaturae arquitectura, liertados da discipina imposta pelo juízo estético,dão a sensação de terem perdido a sustentação frme na tradição ena técnica, que tinha levado os nossos predecessres a considerarem-nos nucleares ao currículo Daí a actual «crise das humanidades»:haverá algma razão para estudar a nossa herança artística e ctural,se o juízo acerca da sua eleza é destituído de alicerces racionais?Ou, se resolvermos estudála, não deveria esse estdo ser eito com

um espírito céptico, questionando as suas pretensões ao estatuto deautoridade ojectiva, desconstruindo a sua pose de transcendência?

Quando o prémio Turner, criado em memória do maior pintoringlês, é todos os anos atriuído a mais uma quantidade de coisaseémeras e ívolas, não é isso prova de que não há padrões, que ésomente a moda que dita quem receerá e quem não receerá o prémio, e de que não z sentido procurar princípios ojectivos do gos

to ou uma concepção púlica do lo? Muitas pessoas respondemafrmativamente a estas quesões e , em consequência, renunciam àtentaiva de criticar quer o gosto quer as razões dos juízes do prémioTurner

Nste livro sugiro qu são ijustifcados sts pnsamentos cépticos sore a eleza Esta é , deendo, um valor verdadeiro e universal,ancorado na nossa natureza racional, desempenhando um papel in-dispensável na constituição do mundo humano O meu tratame-

to do tópico não é histórico; nem me preocupo em oerecer umaexplicação psicológica, e muito menos evolucionista, do sentido daeleza A mia aordagem é flosófca e as oras dos flósos sãoas principais ntes da mia armentação O escopo deste livro édesenvolver uma argmentação conceida para introduzir um prolema flosófco e encorajálo a si, leitor, a responderlhe

gmas partes do livro vieram à uz em escritos anteriores e es

tou grato aos editores do British Joual of Aesthets, do Times Litera Supplement e do City Joual, pela autorização que deram parareescrever material que já tinha aparecido nas suas pinas Estoutamém grato a Christian Brer, Malcolm Budd, Bo Grant,] ohn Hyman, Anthony OHear e David Wiins, pelos comentários

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pertinentes que fzeram a versões prévias do texto Pouparamme

a muitos erros e peço desculpa pelos que permanecem, que são daminha inteira responsabilidade

Spevie VirniaMaio de2008

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ercebemos a beeza em objectos concretos e em ideiasabstractas, em obras da Natureza e em obras de arte, emcoisas, animais e pessoas, em objectos, quaidades e ac

ções À medida que a lista se alarga incuindo praticamente quaquer categoria ontoógica (há proposições beas e mundos beos,demonstrações beas, bem como belos moluscos e, mesmo, beasdoenças e belas mortes) , tornase óvio que não estamos a des-crever uma propriedade como a rma, o tamanho ou a cor, isto é,

uma propriedade cuja presença no mundo sico seja, para quaquerpessoa que com este tena contacto, incontroversa Paa começar,como pode have uma quaidade particuar que seja evidenciada porcoisas tão díspares?

E porque não? Afnal de contas, descrevemos sonhos, mundos,turos, ivos e sentimentos como «cordeosa» Não é isto umarma de iustrar que uma propriedde individua pode ocorrer no

âmbito de muitas categorias? Não, é a resposta Se, num ceto senti-do, todas essas coisas podem dizerse cordeosa, eas não o são nosentido em que a minha camisa é corderosa Quando nos reerimosa todas essas coisas como coderosa estamos a usar uma metára,que reque um sato de imaginação para ser coectamente compre-endida As metáas estaeecem igações que não estão contidas

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no tecido da reaidade. Eas são criadas pela nossa própria capacida-

de de criar associações. Quando estão em jogo metáras, o impor-tante não é perceer qual a propriedade que sustituem, mas antesa experiência que elas sugerem.

A paavra «eo» nunca é haitualmente usada como metára,mesmo se, como acontece em muitos casos, ea se aplica indefni-damente a diversas categorias de ojectos. Porque dizemos, então,que uma coisa é ea? O que queremos dizer com isso e que estadode espírito é expresso pelo nosso juízo?

O verdadeiro, o bom e o belo

Há sore a eleza uma ideia atraente que remonta a Patão e a Poti-no, e que, por diversas vias, se incorporou no pensamento teológicocristão. De acordo com esta ideia, a eleza é um vaor útimo agoque procuramos por si mesmo e cuja procura não tem de ser justi-

fcada por razão uterior. Deste modo, a eleza deve compararse àverdade e à ondade, sendo um memro de um trio de vaores últi-mos que justifcam as nossas inclinações racionais. Porque acreditoemp? Porque é verdadeiro. Porque quero ? Porque é om. Porqueolho para ? Porque é elo. De certa rma, arumetam os flósos, estas respostas equivaemse, pois todas trazem um certo estadode espírito para o âmito da razão, igandoo a algo a que aspiramosenquanto seres racionais. Alguém que pergnte «Porquê acreditarno que é verdadeiro?» ou «Porquê querer a ondade?» mostrase in-capaz de perceer o que é o uso da razão. Não vê que para ser pos-sível justifcar as nossas crenças e desejos, as nossas razões têm deestar alicerçadas na verdade e no em.

Podemos dizer o mesmo da eeza? Se aguém me pergunta «Por-que estás interessado em ?», podemos considerar «Porque é elo»uma resposta fna imune a contraargumentação, tal como as res-

postas «Porque é om» e «Porque é verdadeiro»? Quem assim pensaignora a natureza suversiva da eleza. Uma pessoa seduzida por ummito pode ser tentada a nele acreditar e, neste caso, a eleza é ini-miga da verdade. (C. Píndaro: «A eeza, que conre aceitação aosmitos torna o incrível credível», Pimeia Ode Olímpica) Um homem

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atraído por uma mulher pode ser tentado a char os olhos aos vícios

desta e, neste caso, a eleza é inimiga da ondade (C Aé Prévost ,Manon Lescaut, que descreve a ruína moral do Chevalier des Gerieuxpor causa da ela Manon) Partimos do princípio de que a ondade ea verdade nunca competem e que a procura de uma é sempre compa-tível com o respeito devido à outra A procura da eleza, no entan-to, é sempre mais questionável De erkegaard a Wilde, o modode vida «estético», no qual o supremo valor é a eleza, opunhase àvida virtuosa O amor pelos mitos , istórias e rituais, a necessidade

de consolo e harmonia, o desejo prondo da ordem, têm atraídoas pessoas para crenças religiosas, independentemente da verdadedessas crenças A prosa de Flauert, a imaginação de Baudelaire, asharmonias de Wagner, as rmas sensuais de Canova, ram, todas,acusadas de imoralidade (por aqueles que culpavam estes homens deencorirem a malvadez com cores sedutoras)

Não temos de estar de acordo com tais juízos para aceitarmos a

conclusão por eles sugerida O estatuto da eleza enquanto valor úl-timo é questionável, coisa que não acontece nos casos da verdadee da ondade Devemos dizer que esta via para a compreensão daeleza não se are cilmente ao pensador moderno A confançacom que antigamente os flósos a trilhavam devese ao pressupos-to, já explícito nas Enéadas de Pltino, de que a verdade, a eleza ea ondade são atriutos da divindade, rmas pelas quais a unidadedivina se dá a conhecer a si mesma à alma humana A visão teológica

i retocada, para consumo cristão, por S. Tomás de Aquino e in-corporada no raciocínio sutil e arangente pelo qual este flóso éjustamente amoso Porém, tratase de uma visão que não podemosaceitar sem nos comprometermos com posições teológicas (proponho, por isso, que seja, por ora, posta de lado)

Apesar disso, a visão de S. Tomás merece rerência, pois ela tocanuma difculdade pronda da flosofa da eleza S. Tomás consi

derava a verdade, a ondade e a unidade como «transcendentais» características da realidade que todas as coisas possuem, visto quesão aspectos do ser, modos pelos quais a dádiva suprema do ser semaniesta ao entendimento As perspectivas de S. Tomás sore aeleza têm mais de tácito do que de elícito De qualquer modo,

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a ideia de que a eleza é tamém transcendente (um modo de ex

plicar a tese, já deendida, de que a eeza pertence a qualquer categoria) está sujacente nos seus escritos S. Tomás pensava aindaque a eleza e a ondade eram, no fm de contas, idênticas, sendoapenas maneiras dierentes de se apreender raionalmente uma realidade positiva determinada Mas, se isto é assim, o que é a ealdadee porque gimos dela? Porque podem existir elezas perigosas, quecorrompem, e elezas imorais? Ou, se tais coisas são impossíveis,porque o são elas e o que erradamente nos z pensar o contrário?

Não digo que S Tomás não possui uma resposta para estas ques-tões, mas elas ilustram as difculdades com que se depara qualquerflosofa que coloca a eeza no mesmo pano metasico que a ver-dade, com o intuito de a plantar no coração do ser enquanto ta Aresposta mais natural consiste em dizer que a eleza diz respeito àaparência e não ao ser, acrescentandose talvez que, ao explorar aeleza, estamos a investigar aquilo que as pessoas sentem e não a

estrutura pronda do mundo

ns tsmos

Dito isto, devemos tirar uma lição vinda da flosofa da verdade Astentativas de se defnir a verdade, que nos digam o que a verdade é,pronda e essencialmente, são raramente convincentes, pois acaam sempre por supor aquilo que devem provar Como se pode defnir a verdade sem ter já pressuposto a distinção entre uma defniçãoverdadeira e outra lsa? Deatendose com este prolema, algunsflósos sugeriram que uma teoria da verdade deve estar de acordo com alguns truísmos da lógica e que estes apesar de parecereminócuos a um olhar não teórico rnecem o teste defnitivo paraqualquer teoria flosófca Por exemplo, existe o truísmo que diz quese uma ase é verdadeira, tamém a ase é verdadeira» o é, e vice-

versa Existem tamém os truísmos que sustentam que uma verda-de não pode contradizer outra, que qualquer asserção tem pretensãode verdade, que as nossas asserções não são verdadeiras apenas pordizermos que o são Os flósos dizem coisas sore a verdade quetêm a aparência de serem prondas, mas o ar de prondidade tem

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equentemente um custo, o de negar um ou outro destes truísmos

elementares.Algo que nos ajudaria a defnir o nosso assunto passaria, portanto,por começar com uma lista semelante de trísmos sore a eleza,ce à qual as nossas teorias poderiam ser testadas. Eis aqui seis deles:

() A eleza traznos comprazimento.() Há coisas mais elas do que outras.(m) A eleza é sempre uma razão para prestarmos atenção à coi

sa que a possui.(v) A eleza é ojecto de um juízo: o juízo de gosto.(v) O juízo de gosto zse sore o ojecto elo e não sore o estado de espírito do sujeito. Ao descrever um ojecto como elo,estou a descrevêlo a ele, não a mim.(v) Ainda assim, não á juízos de gosto em segunda mão. Nãoá rma de além me convencer de um juízo de gosto se eu nãoo fz por mim mesmo, nem posso tornarme um entendido emeleza se me limito a estudar o que outros disseram sore o-jectos elos, não tendo tido com eles contacto nem ajuizado pormim mesmo.

O último dos truísmos pode ser posto em causa. Posso farmenum crítico musical cujos juízos sore uma peça ou execução musicais tomo por verdades inquestionáveis. Não é esta situação com-

parável à adopção de crenças científcas com ase na opinião deautoridades na matéria ou à criação de opiniões jurídicas com asenas decisões dos triunais? A resposta é não. Confar num críticoequivale a dizer que me sumeto ao seu juízo, mesmo quando nãoavaliei por mim mesmo. Porém, o meu juízo exige experiência. Sóquando ouço a peça em questão, quando a aprecio no momento, éque a opinião que tomei de empréstimo se torna um juízo meu. Daío cómico deste diálogo em, de Jane Austen:

«zes ue se n nã é  mene bn»

«n! h, nã ne dss , é cemene fe u dsse uee fe.»«h ued, ue dssese ue menn Cmbel nã ch fe, e ue . . .»

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«Üh, no que me diz respeito, o meu juízo nada vale. Quando olho

 para uma pessoa que respeito, acho-a sempre bem parecida Mas,quando disse que ele era feio, não estava senão a repetir a opniãogeral»

Neste diálogo, a segunda pessoa a alar, Jane Fairax, está a ig-norar o seu contacto com a aparência o seor Don Assim, aodescrevêlo como io não está a zer um juízo próprio, mas a relatar uma opinião alheia

Um paradoxo

Os primeiros três desses truísmos aplicamse ao atractivo e ao agra-dável Se alguma coisa é agradável temos razão para termos nela interesse Por outro lado, algumas coisas são mais agradáveis do queoutras De uma certa maneira, também não poemos zer juízosem segunda mão sobre o agradável: o nosso próprio prazer é o cri-tério que indicia sinceridade e, quando alamos sobre algum objec-to que outros consideram agradável, o melhor que podemos dizercom sinceridade é que ele é aparentemente agradável ou queparece seragradável, em virtude de outros terem achado que sim No entanto,não é de todo claro que o juízo de que alguma coisa é agradável seja

aldassae nena, Santa Maa dea Salute, Venea: abelea reçada po m ceno modeso

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sore ela, em vez de ser sore a natureza ou carácter das pessoas

certo que zemos juízos que discriminam coisas agradáveis: éapropriado ter prazer com umas coisas e inapropriado têlo com ou-tras Porém, esses juízos centramse no estado de espírito do sujeitoe não numa qualidade do ojecto Podemos dizer tudo o que quisermos sore a propriedade ou impropriedade dos nossos prazeres,sem invocarmos a ideia de que algumas coisas são realmente agradáveis e que outras só o são aparentemente

S hisophe Wen, Catdral d S. Paulo, Londresa belea desuída po u cenio arogane

No que toca à eleza, as coisas são dierentes Neste caso, o juí-zo centrase no objecto do juío e não sore o sujeito que julga Distinguimos entre verdadeira eleza e alsa eleza o kitsch, a lame-chice, a extravagância Argumentamos sore a questão da eleza e

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esrçamonos por educar o nosso gosto Além de mais, os nossos

juízos sore a eleza são equentemente apoiados pelo raciocíniocrítico , que se centra exclusivamente no ojecto Todos estes aspec-tos parecem óvios , e , no entanto, quando considerados em conjun-to com os outros trísmos que identifquei, geam um paradoxo queameaça minar todo o domínio da estética O juízo de gosto é um juí-zo genuíno, apoiado em razões Só que estas nunca podem chegar aconstituir um argumento dedutivo Se assim sse, poderiam existiropiniões em segnda mão sore a eleza Poderiam existir especia-

listas no tema sem necessidade de terem qualquer contacto com ascoisas que descrevem e regras para se produzir eleza que poderiamser aplicadas por algém desprovido de gosto estético

verdade que os artistas tentam equentemente enaltecer a e-leza de coisas que não criam: W ordsworth invoca a eleza da paisa-gem da região dos lagos ; Proust, a eleza de uma sonata de Vinteuil;Mann, a eleza de José; e Homero, a de Helena de Tróia Mas a

eleza que perceemos nessas invocações está nestes artistas e nãonas coisas descritas possível que um usto de Helena, conside-rado retrato fel, seja um dia encontrado em Tróia durante algumaescavação e que sejamos surpreendidos com a ealdade da mulherrepresentada (fcando estarridos com o cto de uma guerra tersido travada por uma causa tão desprovida de encanto) Estive meioapaixonado pela muler retratada no segndo quarteto de Janáceke meio apaixonado pela muler imortalizada em Tristão e Isolda.

Estas oras prestam um testemunho irrepreensível à eeza que asinspirou No entanto, para meu desgosto, as tografas de KamilaStsslová e de Matilde Wesendonck deixam ver dois camaeus de-sajeitados

O paradoxo é , portanto, o seginte: o juízo de eleza z uma ale-gação sore o ojecto, que pode ser deendida por um argmentoNo entanto, este não nos compele a aceitar o juízo e pode ser posto

de parte sem contradição Por isso, podemos perguntar: tratase ounão de um argmento?

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Beleza a

importante neste momento introduzir o nosso segundo truísmoPodemos, muitas vezes, comparar coisas e hierarquizálas em -ção da sua eeza, e há ainda a eleza mínima a eleza num grau mí-nimo, que parece, à primeira vista, astada das eezas «sagradas» daarte e da Natureza que os flósos discutem Há um minimalismoestético exempifcado pelo pôr da mesa, pela arrumação do quarto,pela construção de um website Este minimaismo parece à primeiravista muito astado do heroísmo estético exemplifcado pela SantaTeresa em Êxtase de Bernini ou pelo Cravo Bem Temperado de BachNão nos empenhamos neste tipo de coisa tanto quanto Beethoveno ez na composição dos seus útimos quartetos, nem esperamos queuma coisa deste género fque para a eternidade entre os pontos altos

Hamonia hmide: a a enqanto l

da reaização artística Não ostante, desejamos que a mesa, o quar-to ou o website tenham oa aparência e atriuímoslhes a mesma im-portância da eleza em geral não como ago que agrada apenas aoolho, mas como expressão de signifcados e vaoes que têm para nóseevância e que conscientemente gostamos de mosta

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Este truísmo tem grande importância para se entender a arqui-

tectra Veneza seria menos ela sem os grandes edicios que orna-mentam as zonas rieirinhas a Basica de Santa Maria della Salutede onghena, a Ca' d'Oro, o Palácio Ducal Porém, estes ediciosencontramse no meio de outros mais modestos que com eles nãocompetem, nem os diminuem, estando a sua principal virtude precisamente em seirem de pano de ndo e na sua recusa em atraírematenção para si mesmos, ou em exigirem o estatuto mais elevado daarte superior Na estética da arquitectura, as elezas arreatadoras

são menos importantes do que as coisas que não destoam, criandoum contexto suave e harmonioso, uma narrativa ininterrupta numarua ou numa praça, nas quais nada se destaca em particular e onde asoas maneiras prevalecem

Muito do que é dito sore a eleza e a sua importância nas nossasvidas ignora a eleza mínima de uma ra despretensiosa, de um elopar de sapatos ou de um papel de emrulho de om gosto, como se

estas coisas pertencessem a uma ordem dierente de valor por com-paração com uma igreja de Bramante ou um soneto de Shakespea-re No entanto, estas elezas mínimas têm uma importância mui-to maior nas nossas vidas quotidianas e estão presentes nas nossasdecisões racionais de uma rma muito mais intrincada do que asgrandes oras, que (sendo nós artunados) ocupam as nossas ho-ras de lazer Elas são parte do contexto em que vivemos as nossasvidas e o nosso desejo de harmonia, de ajustamento e de civilidade é

por elas expresso e nelas otém confrmação Para mais, as grandesoras de arquitectura dependem muitas vezes do contexto humildeque é rnecido por estas elezas menores A igreja de onghena, noGrande Canal, perderia a sua presença altiva e invocatória se os edi-ícios modestos que se aninham na sua somra ssem sustituídospor locos de escritórios de etão armado, do género daqueles quearruinaram o aspecto da Catedral de S Paulo, em ondres

 gumas consequências

O nosso segndo trísmo não é isento de consequências Temos delevar a sério a ideia de que os juízos de valor tendem a ser compara

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vos. Quando zemos um juízo sore a ondade ou a eleza das

coisas, a nossa preocupação é muitas vezes hierarquizar alternativaspara podermos escoer entre elas A usca da eleza asoluta ouideal pode desviarnos da tare mais premente de dar às coisas umaordem próprio dos ósos, poetas e teólogos aspirarem à elezana sua rma mais elevada Para a maioria, no entanto, é muito maisimportante dar uma ordem às coisas que nos rodeiam, garantindoque os olhos, os ouvidos e o sentido do que é ajustado não sejamcostantemente oendidos

Uma outra consideração se sege: a ênse na eleza pode emcertos casos destruirse a si mesma, se implicar que as nossas escoas se çam entre dierentes graus de uma só qualidade, de talmodo que tenhamos sempre de aspirar ao que há de mais belo emtdo aquilo que escoemos De cto, demasiada atenção à ele-za pode destruir o próprio ojecto em que ela está presente Porexemplo, no caso do planeamento rano, o ojectivo é, à partida,

que o objecto não destoe e não zêlo soressair Se queremos quesoressaia, o ojecto tem de ser merecedor da atenção que reclama,como no caso da igreja de Longhena Isto não signifca que a ahumilde e harmoniosa não seja bela Pelo contrário, o que sugere éque a sa eleza pode ser melhor compreendida se r descrita comoutra carga, menos pesada, como algo equilirado e harmonioso Seaspirássemos sempre ao tipo de eleza suprema exemplifcada pelaBasica de Santa Maria dea Salute, acabaríamos por ter uma so

recarga estética A estridência das orasprimas, umas ao lado dasoutras, lutando entre si para receerem atenção, ria com que elasperdessem os seus traços distintivos e a eleza de cada uma estariaem guerra constante com a das restantes

Este ponto conduznos a um outro: «elo» não é de rma algmao único adjectivo que usamos ao zermos juízos deste tipo Lou-vamos as coisas pela sua elegância, complexidade e patine refnada;

admiramos a música pela sua epressividade, disciplina e sentido daordem; apreciamos o onto, o encantador e o atractivo e sentimonos equentemente mais confantes ao zermos tais juízos do queqando amamos mais genericamente que uma coisa é ela Falarda eleza sigifca entrar num outro patamar, mais elevado um

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nível sufcientemente à parte das inquietações do nosso diaadia.

Por isso, ao mencionála não o zemos sem alguma hesitação. Aspessoas que sem descanso prezam e uscam o elo, assim como asque ostentam constantemente a sua é em Deus, emaraçamnos.Temos, de alguma maneira, a sensação de que ssas coisas devem serguardadas para momentos privados de exaltação e não para seremdiscutidas à mesa do jantar.

Claro que podemos ter a opinião de que ser onito, expressivo,ou elegante ou qualquer outra destas coisas é ser, nessa medida,

elo mas apenas nesta perspectiva, não na medida em que Platão,Plotino e Walter Pater desejariam que usássemos este último con-ceito, se poentura quiséssemos declarar os nossos compromissosestéticos. Ao zer esta concessão, que restringe o âmito do conceito, estaríamos a apelar ao senso comum estético. Mas tamémeste mostra a uidez da nossa lingagem. «Ela é muito bonita sim,ela!» é uma declaração convincente, mas «Ela é muito onita, mas

não ela» tamém o é . O prazer é mais importante do que os termosque usamos para o expressar. Termos esses que, até certo ponto, nãotêm eles próprios sustentação , sendo usados mais para se sugerir umeeito do que para precisar as qualidades que estão na origem desseeeito.

Dois conceitos de beleza

O que emerge é que o juízo de beleza não é meramente uma declara-ção que indicia prerência. Ele implica um acto de atenção e podeser expresso de muitas maneiras. A tentativa de mostrar o que, noojecto, é apropriado, ajustado, valoroso, atractivo ou expressivo émenos importante do que o veredicto fnal. Por outras palavras, é maisimportante identifcar o aspecto da coisa que reclama a nossa atenção. A palavra «eleza» pode muito em não fgurar entre as nossas

tentativas de articular e harmonizar os nossos gostos. E isto sugereuma dierença entre o juízo de eleza, considerado como uma justifcação do gosto, e a ênse na belea um modo distintivo de apelar aesse juízo. Não há contradição em dizerse que a partitura do Manrim Milaoso de Bela Bartók é áspera, repelente, e mesmo eia,

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E E Z A

louvando, ao mesmo tempo, a ora como um dos triuns da música

moderna As suas virtudes estéticas são de uma ordem dierente da-quelas que estão presentes na Pavane de Fauré, cuja única aspiraçãoé ser primorosamente ela, otendo nisso sucesso.

Uma outra maneira de colocar a questão consiste em distingirdois conceitos de eleza. Num certo sentido, «eleza» signifca su-cesso estético, num outro signifca apenas um certo to de sucessoestético. Há oras de arte para as quais oamos como estando àparte, em virtude da sua eleza pura oras que nos «zem perder

a respiração», como O Nascmento de Vénus de Botticelli ou a Ode aUm Rouxinol de Keats, ou a ária de Susana nas Bodas de Figaro deMozart. Tais oras são por vezes descritas como «arreatadoras»,querendo com isso dizerse que elas impõem admiração e reverênciae que nos enchem com um prazer tranquilo e consolador. E porque,no contexto do juízo estético, as palavras são vagas e escorregadias,reseamos o termo «elo» para obras deste tipo, para dar ênse es-

pecial a este género de poder de atracção inspirador. Tamém compaisagens e com pessoas se nos deparam estes exemplos puros e detirar a respiração, que nos zem emudecer e que, só por sermos aados pelo seu rilho, nos deixam elizes. Prezamos estas coisaspela sa eleza «total», indiciando assim a insfciência das palavrasquando queremos analisar o seu eeito sore nós

Podemos mesmo ir ao ponto de dizer que certas oras de artesão demasiado elas: que nos arreatam quando deviam perturar, ou

que dão lugar a uma intoxicação onírica quando o adequado seria umgesto severo de desespero. Isto pode ser dito, penso, do n Memoriam de Tennyson e talvez tamém do Requiem de Fauré ainda queamos sejam, à sua maneira, realizações artísticas supremas.

Tudo isto sugere que devemos acautelarnos e não dar demasiadaportância às palavras, incluindo a palaa que dee o tema destelivro. Aquilo que interessa, antes de mais, é certo tipo de juízo,

para o qu o termo técnico «estético» é usado comente. Deve-mos reter na memória a ideia de que há um valor estético supremo,para o qual o termo «eleza>> deverá reserarse se quisermos ser maisprecisos. De momento, no entanto, é mais importante compreendera eleza no seu sentido haitua, enquanto ojecto do juízo estético.

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Meios, ns e contemplação

Há uma perspectiva muito dindida que não é tanto um truísmo, mas antes uma hipótese que distinge o· interesse na eleza dointeresse na efcácia Apreciamos as coisas elas não somente pelasua utilidade, como tamém pelo que elas são em si mesmas ou,de uma maneira mais plausível, pelo modo como elasparecem em simesmas «Quando estão em causa o om, o verdadeiro e o útil», escreveu Schiller, « homem tem de ser sério, ao passo que, quando éo elo que está em causa, o homem bnca.» Quando uma coisa se dáà nossa percepção, e o nosso interesse é captado inteiramente porela, começamos a lar da sua eleza, independentemente de nelavislumrarmos qualquer utilidade

Esta ideia ez surgir no século VII uma importante distinção entre as elasartes e as artes úteis Estas, como a arquitectura, a tape

çaria e a carpintaria, têm uma nção e podem ser julgadas avaliando-se se é em desempenhada Mas não é ao cto de desempenharembem a sua nção que se deve a eleza de um edicio ou de macarpete Quando nos reerimos à arqitectra como uma ae útil,entizamos um outro aspecto dela aquele qe está para lá da utilidade Estamos a querer dizer que uma ora de arquitectura podeser apreciada não apenas como um meio para atingir determinadofm, como tamém sendo um fm em si mesmo, algo com signifcadointrínseco Ao deateremse com a distinção entre as elasartes eas artes úteis (les beaux as et les as utiles), os pensadores iluministasderam os primeiros passos na moderna concepção da ora de artecomo algo cujo valor reside em si e não no se propósito «A arte étoda ela inútil», escreveu Oscar Wilde, não querendo, não ostante ,negar que a arte produz eeitos poderosos, sendo a sua própria peçadramáica Salomém somrio exemplo disso esmo

Dito isto, devemos reconhecer que a distinção entre ineresse estético e interesse utilitário não é mais clara do que a lingem quea dee O que querem exactamente dizer aqueles que afrmam estarem interessados numa ora de artepela obra de ae, em virtude doseu valor inteco, como um em si mesma Estes termos são tecni

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E E Z A

cismos dos flósos, que não indiciam qualquer contraste claro entre

o interesse estético e o ponto de vista utilitário imposto pela neces-sidade de termos de tomar decisões no diaadia Outras épocas nãoreconheceram a distinção que ora tão equentemente zemosentre arte e ocios A nossa palavra «poesia» vem do grego poiesis, aaptidão para zer coisas, e a aes romana compreendia todo o tipode empreendimento evar a sério o nosso segndo truísmo acercada eleza é ser céptico relativamente à ideia do elo como um domí-nio à pte, não manchado pelas necessidades práticas mundanas

De qualquer maneira, talvez não precisemos de fcar demasiadotranstoados por esse om senso céptico Mesmo que não seja adaclaro o que se quer dizer com valor intrínseco, não temos difculdadeem entender alguém que diz, de uma pintura ou peça musical pela qualse sente atraído, que podia fcar a oála ou a oula para sempre, ape-sar de não ver outro propósito além do cto de se sentir atraído

Dese o indivduo

Suponhase que a Raquel aponta para uma pêra que esá numa ruteira e diz: «Quero aquela pêra» Suponhase ainda que você lhe dáoutra pêra qe está na mesma eira e que a rapariga responde:«Não, é aquela pêra que eu quero» Você fcaria intrigado com istoQualqer outra pêra seiria pereitamente, se a ideia é comer apêra «Mas é isso mesmo», diz ela, «eu não quero comêla Queroaquela pêra ali Nenhuma outra me see» O que há nesta pêra queatrai a Raquel? O que elica a sua insistência e exigir esta pêra enenhuma outra?

O juízo de eleza poderia explicar este estado de espírito: « Queroaquela pêra por ela ser tão ela» Querer alguma coisa pela sua elezaé querêla a ela e não querer zer algo com ela Por outro lado, se aRaquel segurasse a pêra, se a voltasse e a estudasse de todos os âng-

los, não poderia dizer «Bom, é isto, estou satiseita» Se ela queria apêra pela sua eleza, não se poderia atingir um ponto em que o seudesejo pudesse ser satiseito, nem haveria algma acção, processo ouqualquer outra coisa, na sequência dos quais o desejo se extinguisse e acaasse A rapariga poderia querer inspeccionar a pêra devido

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a variadíssimas razões ou mesmo por razão nenhuma Porém, que-

rer a pêra devido à sua eleza não é querer inspeccionála: é querercontemplála e isso é mais do que procurar inrmação ou do que aexpressão de um apetite Há aqui um querer desprovido de ojectivo, um desejo que não pode ser satiseito, uma vez que nada há quepossa ser entendido como satisção do mesmo

Suponase agora que algém oerece a Raquel outra pêra da mes-ma ruteira, dizendo: «Toma lá, vai dar ao mesmo» Não mostrariaisto ata de compreensão peas motivações da Raquel? Ea está inte

ressada nisto: num determinado ruto que considera muito eo N enhum sustituto pode satiszer o interesse da rapariga, visto que setrata de um interesse por uma coisa individua, pelo que essa coisa éSe a Raquel quisesse o ruto para outro propósito para o comer, digamos, ou para o atirar ao homem que está a aorrecêla , qualqueroutro ojecto seiria Nesse caso, ela não desejaria aquela pêra emparticular, mas qualquer outro memro de uma classe equivalente

em termos de ncionaidadeO exemplo az lemrar um outro dado por Wittgenstein nas suasCorêncas sobre a Estéca Sentome a ouvir um quarteto de Mozart;a minha amiga Raquel entra na sala, tira o disco e põe outro digamos,um quarteto de Haydn dizendo: «Üuve este, vais gostar na mesma»A Raquel mostra não ter perceido o meu estado de espírito O meuinteresse no quarteto de Mozart não pode ser satiseito pelo quaetode Haydn, emora possa oviamente ser ecipsado por ele

O prolema aqui em causa não é cimente epresso com exactidão Posso ter escolhido o quarteto de Mozart como terapia, sa-endo que no passado ee teve sempre um eeito relxante O quar-teto de Haydn até pode ter o mesmo eito terapêutico e ser, nessesentido, um sustituto apropriado Mas nesse caso é um sustitutoterapêutico e não musica Podia ter sustituído o quarteto de Mozartpor um ano quente ou por um passeio a cavalo terapias igual-

mente efcazes para acalmar os neos Porém, o quarteto de Haydnnão pode sustituir o interesse que teno no de Mozart pela simplesrazão de que o meu interesse no quarteto de Mozart está centradoneste quarteto, peo que ele é em particuar e não por causa de qualquer outro propósito que lhe seja dado

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Uma adveência

Há um perigo envolvido quando se leva a sério a distinção vinda doséculo entre elasartes e artes úteis Segndo uma certa interpretação, esta distinção pode dar a ideia de que a utilidade de algo um edicio, uma erramenta, um carro deve ser inteiramentepostade lado em qualquer juízo sore a sua eleza Ter eeriência da ele-za, pode parecer, implica que devemos concentrarnos na rma pura,separada da utidade Mas assim estamos a ignorar que o conheci-mento da nção é um preliminar vital para a eeriência da rmaSuponhase que uma pessoa coloca na sua mão um ojecto inusitado uma ca, um erro de limpar cascos, um isturi, um ornamento ouqualquer outro Supoase tamém que essa pessoa e pede a suaopinião sore a eleza do ojecto Não seria certamente um contra-senso se dissesse que não podia ter qualquer opinião sore o assunto

antes de conhecer a suposta nção do ojecto Ao fcar a saer que setrata de uma calçadeira, poderia então responder: sim, para calçadeiraaté é muito ela; se sse uma ca seria uma coisa mal eita

O arquitecto Louis Sullivan i mais longe, argumentando que aeleza na arquitectura (e, por implicação, nas outras artes úteis) surgequando a rma segue a nção Por outras palavras, temos experiên-cia da eleza quando perceemos como a nção de uma coisa geraas suas características oseáveis e é delas expressão O slogan «arma segue a nção» toouse a partir de então uma espécie demaniesto, tendo persuadido toda uma geração de arquitectos a tra-tarem a eleza como um suproduto da ncionalidade e não comoo ojectivo determinante (como era para a escola de elasartes con-tra a qual Sullivan se reelava)

Há aqui uma pronda controvérsia, cujos contornos se tornarãoclaros apenas à medida que o argumento deste livro r desenvol-

vido Juntemos uma advertência à advertência, oserando que, aocontrário do que pensa Sulivan, quando alamos de ela arquitectu-ra a nção segue a rma O uso dado a elos ediícios muda e edicios inteiramente ncionais são deitados aaixo A Santa Sofa emstamul i construída para ser igreja, tendo sido transrmada em

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R G E S U O N

quartel, em segida em cavalariça, depois e m mesquita e fnalmen-

te em museu Os los da ower Manattan passaram de armazénsa apartamentos, a lojas e (em algns casos) outra vez a armazéns mantendo sempre o seu carme e sorevivendo precisamente graçasa isso Claro que o conecimento da nçã arquitectónica é importante para zer um juízo de eleza, mas essa nção está ligada aoojectivo estético: a coluna está lá para dar dignidade, para agentara arquitrave, para elevar o edicio muito acima da sua própria en-trada, conerindole assim um lugar proeminente na ra onde se

encontra e assim por diante Por outras palavras, qado levamosa eleza a sério, a nção deixa de ser uma variável independente eé asoida pelo ojecto estético Tratase de um modo dierentede entizar a impossiilidade de encarar a eleza de um ponto devista puramente instrumental Está sempre presente a necessidadede encarar a eleza pelo que ela é, como um ojectivo que qualifca elimita quaisquer outros propósitos que possamos ter

A beleza e os sentidos

Existe uma vela perspectiva que considera a eleza um ojecto dedeleite senorial e ão intelectual e que os sentidos têm sempre de es-tar envolvidos na sua apreciação Por esse motivo, quando a osofada arte toma consciência de si mesma, no princípio do século xvmautoproclamouse «estética», do grego aisthesis, sensação QuandoKant escreveu qe o elo é aquilo que compraz imediatamente e naasência de conceito, emelezou ricamente esta tradição de pensamento S. Tomás tamém parece ter deendido a ideia, defnindo oelo na primeira parte da Suma como aquilo que apraz à vista ulchra sunt quae visa placent). No entanto, acaa por modifcar esta de-claração na segunda parte da ora, escrevendo «de todos os sentidos,o elo só se relaciona com a vista e com a audição, pois estes são os

que rnecem mais conecimento (maxime cooscve)» . Isto sugereque S. Tomás não limitava o estudo da eleza ao sentido da vista eque tamém estava menos preocupado com o impacte sensorial doelo do que com o seu signifcado intelectual mesmo tratandosede um signifcado que pode apreciarse apenas por ver e ouvir

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E E Z A

A questão pode aqui parecer demasiado simples: o prazer da e-

leza é sensorial ou intelectual? E qual a dierença entre os dois?O prazer de um anho quente é sensorial; o prazer de um queracaeças matemático é intelectual. Mas entre esses dois extremoshá uma miríade de posições intermédias. Por isso, a questão desaerse onde começa e acaa o prazer estético no interior des-tes limites toouse numa das questões mais deatidas em estéti-ca. Ruskin, numa passagem mosa de Mode Painters, distinguiameramente entre o interesse sensual, a que chamava aisthesis, e o

verdadeiro interesse em arte , a que chamava theoria, do grego «con-templação» sem com isso querer, no entanto, equiparar a arte àciência ou negar o envolvimento dos sentidos na apreciação da e-leza. A maior parte dos pensadores evitou a inovação linguística deRuskin e manteve o termo aisthesis, recohecendo, não ostante,que isso não denota um enquadramento mental puramente sensó-ro.

Uma ela ce, uma ela or, uma ela melodia, uma ela cor todas elas são decerto ojecto de um certo prazer sensorial, um prazer resultante de uma coisa ser vista ou ouvida. Mas o que dizer deum elo romance, de um elo sermão, de uma ela teoria em sicaou de uma ela prova matemática? Se associamos demasiado a eleza de um romance ao seusom quando lido em voz alta, temos de con-siderar a tradução do romance como uma ora de arte inteiramentedierente do romance na língua original. Isso seria negar tudo o que

é realmente interessante na arte do romance o desenrolar de umahistória, o modo controlado de liertar a irmação sore mundosiminários e as reexõe s que acompaam a intriga e que rerçamo sigifcado desta

Além disso, se associarmos demasiado a eleza aos sentidos, po-demos dar connosco a perntar porque tantos flósos, de Platãoa Hegel, estatuíram que a experiência da eleza nada tem a ver com

os sentidos do paladar, do tacto e do olcto. Não se dedicam osamantes do vinho e da comida ao seu tipo de eleza? Não há elosaromas, assim como elos saores e elos sons? Não sugere a vastaliteratura crítica devotada à avaliação da comida e dos vinhos umparalelo próximo entre as artes do estômago e as da alma?

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R O G S C U T O N

Eis como eu, de modo muito sucinto, responderia a estas consi

derações Ao apreciarmos uma história, estamos certamente maisinteressados naquilo que está a ser do do que no carácter sensório dossons usados quando ela é lida em voz alta No entanto, se as istó-rias e os romances se reduzissem simplesmnte à inrmação nelescontida, como explicar o cto de nós regressarmos constantementeàs pavras, lendo passens voritas , deixando que os sentidos per-meiem os nossos pensamentos muito depois de conhecermos a intriga? A sequência pela qual a história se desenrola, o suspense, o equi

líbrio entre narrativa e diálogo, e entre estes dois e o comentário donarrador, todos estes aspectos têm um carácter sensorial, no sentidoem que assentam em antecipações e desecos e em que dependemdo modo como a narrativa metodicamente se desenrola diante danossa percepção Nessa medida, um romance dirigese aos sentidosembora não como um objecto de deleite sensório, à maneira de umchocolate delicioso ou de um belo vinho velo, mas como algo que

se apresenta à mente através dos sentidosTomese qualquer um dos contos de Tchékhov Não interessa senuma tradução as ases não soam de modo algum como o originalrusso Os contos continuam a apresentar imagens e acontecimentosna mesma seqência sgestiva Continuam a dizer tanto implicitamente quanto exlicitamente e a esconder tanto quanto revelamContinuam a seguirse uns aos outros com a lógica das coisas quese obseram e não com a lógica da síntese A arte de Tchékhov cap

ta a vida tal como ela é vivida e destilaa em imagens que contêmcenas pungentes, tal como uma gota de oalo contém o céu Aoseguirmos uma dessas istórias estamos a construir um mundo cujainterpretação é a cada momento dominada pelos suspiros e sons queiminamos

No que toca ao paladar e ao olcto, creio que os flósos fzerambem em deixálos nas margens do nosso interesse na beleza Sabores

e cheiros não toam possível o tipo de organização sistemática quetransrma sons em palavras e tons Podemos ter com eles prazer,mas apenas a um nível sensual que mal atrai a nossa iminação oupensamento Sabores e cheiros não são, por assim dizer, sufcientemente intelectuais para despertarem o interesse na beleza

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Apontaramse aqui brevemente apenas algmas conclusões que

exigem argumentação mais desenvolvida, que neste momento aindanão pode ser apresentada. Em vez de se entizar o carácter «imediato», «sensório» e «intuitivo» da experiência da beleza, propooque se considere, em alternativa, o modo pelo qual um objecto se nosapresenta nesse tipo de experiência.

O teresse desteressado

Pondo estas obserações lado a lado com os nossos seis tuísmos,podemos alinhavar uma conclusão eloratóia: dizemos que algoé belo quando retiramos comprazimento da sua contemplação en-quanto objecto individual, pelo que ele é, e naforma com que se apresenta. Isto é assim mesmo quando se trata daqueles objectos que,como uma paisagem ou uma rua, não são propriamente indivíduos,mas miscelâneas casuais Estas entidades complexas são emolduras

pelo interesse estético; são, po assim dizer, mantidas em conjunto,dentro de um olhar unifcado e unifcador

dicil indicar com precisão a data de nascimento da estética moderna Mas é inegável que o assunto avançou consideravelmente comCharactests (1711), do terceiro conde de Shaesbury, um discípulode ocke e um dos mais inuentes ensaístas do século I Nestaobra, Shaesbury procura explicar as peculiaridades do juízo de beleza em termos da atitude desinteressa daquele que z o juízo Estarinteressado na beleza é pôr de parte todos os interesses, de modo aprestar atenção à própria coisa Kant (Ctica Faculdade do Juío,1795) pegou na ideia, constrindo sobre ela uma teoria estética bas-tante controversa De acordo com ele, temos uma relação «interessa-da>> com coisas ou pessoas quando as usamos como meios para satis-zerem os nossos interesses. Por exemplo, quando uso um martelopara pregar um prego ou uma pessoa para entregar uma mensem

Os anmais têm somente atitudes «interessadas». Em tudo o que -zem são movidos pelos seus desejos, necessidades e apetites, tratan-do os objectos e os outros animais apenas como instrmentos parasua satisção. Nós, pelo contrário, distingimos, quer ao nível dopensamento quer do comportamento, entre aquelas coisas que são

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E E Z A

desejo aspira à satisção desse desejo, que é um interesse meu. Con

tudo, um outro pode ser desinteressado desde que seja determinadopela (ou derive da) razão.

A partir desta primeira ideia já de si controversa , Kant retirauma conclusão notável. Existe um certo tipo de interesse desinteressado, argmenta, que é um interesse da razão: não um interessemeu, mas um interesse da razão existente em mim. desta maneiraque Kant explica a motivação moral. Quando pergunto a mim mesmo não o que quero zer mas o que devo zer, distanciome de

mim e colocome na posição de m juiz imparcial. A motivação moral deriva de eu pôr os meus interesses de lado e considerar a questãoperante mim apelando apenas à razão e isso signifca apelar a con-siderações que qualquer ser racional também estaria disposto a aceitar. Desta postura, assente numa inquirição desinteressada, somoslevados inexoravelmente, pensa Kant, ao imperativo categórico quenos diz para agirmos exclusivamente segundo aquela máxima que

podemos querer como lei para todos os seres racionais.Num outro sentido, porém, a motivação moral é interessada: o in

teresse da razão é também o princípio determinante da mina von-tade. Procuro tomar uma decisão e zer o que a razão requer é istoque a palavra «devo» implica. No caso do juízo de beleza, porém, euencontrome puramente desinteressado, abstraído de consideraçõesde ordem prática e considerando o objecto suspendendo todos osdesejos, interesses e ojectivos.

Este entendimento estrito de desinteresse parece pôr em causa oprimeiro dos nossos truísmos: a relação entre eleza e prazer. Quandoteno prazer com uma eeriência desejo repetila e esse desejo é uminteresse meu. Sendo assim, o que podemos querer dizer compraerdesinteressado? Como possui a razão um prazer estente «em m»e que prazer é esse afnal? certo que somos atraídos por coisas elascomo o somos por outras ntes de satisção devido ao prazer que

elas proporcionam. A eleza não é a nte do prazer desinteressado,mas simplesmente a nte de u prazer universal: o interesse que temos na eleza e no prazer que a beleza proporciona.

Podemos encarar o pensamento de Kant de uma rma mais complacente se distingirmos entre prazeres. Háos de muitos tipos,

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R G E S U T O N

como podemos ver se compararmos o prazer proporcionado por

uma droga, o de um copo de vino, o prazer do nosso o que passanum exame e o que encontramos num quadro ou numa ora musi-cal Quando o meu o me diz que venceu um prémio de matemá-tica na escola eu sinto prazer, mas o meu pazer é interessado, poissurge da satisção de um interesse meu o meu interesse parentalno sucesso do meu o Quando leio um poema, o meu prazer nãodepende de outro interesse a não se o meu interesse nisto, ou seja,no próprio ojecto que teno diante da mente Claro que outros

interesses inuenciam o modo como se desenvolve o meu interesse pelopoema: o meu interesse em estratégia militar levame à íada, o meuinteresse em jardins ao Paraíso Perdido. No entanto, o prazer na eleza de um poema é o resultado de um interesse nele, exactamentepor aquilo que ele é

Posso ter sido origado a ler o poema para passar no exame Emtal caso, sinto prazer em têlo lido Tal prazer é nente um prazer

interessado, um praze que provém do meu interesse em ter lido opoema Estou satisitoporque li o poema, desempenando aqui a palavra «porque» o decisivo papel de defnir a natureza do meu prazerA nossa lingem reecte em parte esta complexidade do conceitode paze: alamos de pazer resultante de, prazer de ou em e prazerporque. Como disse Malcolm Budd, o pazer desinteressado nuncaé prazer de um facto. Nem o prazer da eleza é como deendi ante-riormente puramente sensório, como o prazerde um ao quente

E não é certamente como o prazer que provém da inalação de cocaí-na, que não é um prazer na cocaína mas um prazer resultante dela.

O prazer desinteressado é um tipo de paze de ou em. Mas caseno seu ojecto e depende do pensamento Usando um termo téc-nico, dirseia que tem uma «intencionalidade» específca O prazerde um ao quente não depende de qualquer pensamento acercado ano, não podendo, assim, ser conndido com um prazer de-

sinteressado Os prazeres intencionais, por contraste, são parte davida cognitiva O meu prazer ao ver o meu o ganar a prova desalto em comprimento desaparece assim que descuro que aqueleque triunu não era o meu o, mas um rapaz parecido com eleO meu prazer inicial estava errado Esses erros podem pagarse caro,

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como no caso de ucrécia ao araçar o homem que tomou pelo seu

marido, descorindo depois que se tratava do violador TarquínioOs prazeres intencionais rmam, portanto, uma suclasse scinante do prazer Integramse completamente na vida da mentePodem ser neutralizados através de argmentos e amplifcados pelaatenção Não surgem, como os prazeres da comida e da eida, desensações radáveis, mas representam uma parte vital no exercí-cio das nossas capacidades cognitivas e emocionais O prazer daeleza é similar Só que não é apenas intencional, é contemplativo,

alimentandose da rma que o ojecto apresenta, renovandoseconstantemente a partir dessa nte

O meu prazer na eleza é, portanto, como uma dádiva que meé concedida Neste particular, z lemrar o prazer que as pesso-as eerimentam na companhia dos amigos Tal como o prazer daamizade, o prazer na eleza é curioso: procura compreender o seuojecto e valorizar aquilo que encontra Assim, tende para um juízo

sore a sua própria validade e, do mesmo modo que todo o juízo ra-cional, este tipo de juízo z apelo explícito à comunidade dos seresracionais Era isto o que Kant queria dizer quando argmentava, arespeito do juízo de gosto, que procuro «ganhar o assentimento dosouros» , ao expressar o meu juízo, não enquanto opinião pessoal mascomo um veredicto origatório que merece o acordo de todos osseres racionais, contando que zem o que eu estou a zer, pondoos seus próprios ineresses de lado

Objectividade

O que Kant ama não é que o juízo de gosto é origatório para todaa gente, mas que aquele que z um juízo de gosto, lo apresentarsecomo tal Tratase de uma sugestão extraordinária, emora eseja deacordo com os trísmos que ensaiei previamente Quando descrevo

alguma coisa como ela estou a descrevê e não os meus sentimen-tos em relação a ela estou a zer uma alegação e isso parece implicarque os outros, se oarem para as coisas como deve ser, concordarãocomigo Além de mais, a descrição de algo como elo tem um carác-ter de juízo, de veredicto, para o qual z sentido pedir uma justifca

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o primeiro capítulo deste livro identifquei um esta-do de espírito aquele que está em causa quando nosconontamos com a eleza e um juízo que parece

estar implícito naquele. Analisei esse estado de espírito , procurandomostrar como ele podia explicar certos truísmos sore a eleza consensualmente aceites como verdadeiros. A argumentação i todaela inteiramente priori, candose em distinções e oseações

que são supostamente evidentes para as pessoas que compreendemo signifcado dos termos usados para as expressar. A questão quetemos agora de considerar é saer se este estado de espírito tem algum ndamento racional, se ele nos diz algo sore o mundo em quevivemos e se exercitálo z parte da realização humana. Seria este,de qualquer maneira, o tratamento osófco do nosso tópico.

Ele não é , contudo, a aordagem da psicologia evolucionista, que

dende que entendemos melhor os nossos estados de espírito seidentifcarmos as suas origens evolutivas e a contriuição que estas(ou alguma versão delas anterior) possam ter dado para as estratégiasreprodutivas dos nossos genes Porque é mais ci a um organismopassar a sua herança genética se exercitar as suas emoções diantede coisas elas? Esta questão científca, ou de aparência científca, é

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R O G S C U T O N

para muitas pessoas o que resta de signifcativo na estética a única

questão que hoje em dia permanece acerca da natureza ou valor dosentimento de beleza.

No seio dos pscólogos evolucionistas existe uma controvérsaentre aqueles que admitem a possibilidade a selecção de grupo e osque, como Richard Dawkns, afrmam que a selecção ocorre ao níveldo organismo individual, pois é aí, e não no grupo, que os genes sereproduzem. Sem tomar partido nesta controvérsia, podemos recoecer dois grandes tpos de estética evoluconsta: um que mostra

as vantens do grupo que possu sentdo estético, outro que deende que os indivíduos dotados de interesses estéticos têm maiorcapacidade de transmitirem os seus genes.

O prmero tipo de teoria é proposto pela antropóloga Ellen Dissanayake, que, em Homo Aesthecs, argumenta que a arte e o in-teresse estético devem ser comparados aos rituais e aos estvais ramos da necessidade humana de «tornar especial», de tirar ojec-

tos, acontecimentos e relações humanas dos seus usos quotidianos,transrmandoos no co da atenção colectva. Este «tornar especial» rerça a coesão do grupo e leva as pessoas a atribuírem às cosas que são realmente importantes para a sobrevivênca da comunidade sejam elas o casameno, as armas, os neras ou cargos pbl-cos notoriedade pública e uma aura que as protege da desatençãonegligente e da erosão emocional. A necessidade prondamenteenraizada de «tornar especial» explicase pela vantagem que este

mecansmo conere às comunidades umanas, ao manêlas coesasnas ocasões em que estão ameaçadas e ao rerçar a sua confançareprodutiva em ocasiões de prosperidade e paz .

A teoria é interessante e contém um indubitável elemento de verdade, mas é insufciente enquanto elcação crítica do que é distintivo do enómeno estético. Embora o senso da beleza possa estarenaizado em alguma necessdade colectiva de «tornar especial», a

beleza, ela mesma é um caso especial do especial, não devendo serconndida com o ritual, o stival ou a cermónia, ainda que estascoisas possam possuir beleza. A vantem que advém a uma comu-ndade da protecção cerimonal das coisas importantes pode acontecer sem a eeriência da beleza. Há muitas outras maneiras pelas

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quais as pessoas separam as coisas das suas nções haituais e lhes

conerem uma aura valiosa Por exemplo, através de acontecimentos desportivos , como os descritos por Homero; ou através de ritu-ais religiosos, nos quais a presença solene dos deuses é invocada paraprotecção de uma instituição ou prática que necessitem de apoiocolectivo O desporto e a religião são, do ponto de vista antropo-lógico, vizinhos próximos do sentido da eleza Do ponto de vistada flosofa, porém, as distinções são aqui tão importantes quantoas ligações Quando as pessoas se rerem ao teol como « elo

desporto», descrevemno do ponto de vista do espectador, como umenómeno quase estético Em si mesmo, como exercício competitivo, no qual a hailidade e a rça são testadas, o desporto deve serdistinguido tanto da arte quanto da religião, sendo que cada um dostrês enómenos tem o seu próprio signifcado especial na vida dosseres racionais

Uma ojecção semelhante pode zerse à teoria mais individua-

lista proposta por Georey Miller em The Mating Mind, seguida porSteven Pier em How the Mind Works. De acordo com esta teoria,o sentido da eleza emergiu do processo de selecção sexual umasugestão eita originalmente por Dain em A Descendência do Homem Na ampliação de Miller, a teoria sugere que, ao procurar tornarse mais elo, o homem está a zer o que o pavão z quando exiea sua cauda: a dar um sinal da sua aptidão reprodutiva, à qual umamuer responde à semelhança da pavoa, pretendendoo por causa

dos seus genes (emora não tea consciência do que z) Claroque a actividade estética humana é mais complexa do que as exii-ções instintivas das aves Os homens não usam somente penas e ta-tuens; pintam quadros, escrevem poesia, cantam canções Porém,todas estas coisas são sinais de rça, engenho e ravura e, portanto,indícios claros da aptidão reprodutiva As mueres sentemse sci-nadas, impressionadas e cheias de desejo por estes gestos artísticos,

podendo a Natureza seguir o seu curso pelo triun mútuo dos genesque transportam a sua duráve herançaMas é claro que as actividades vigorosas que não correspondem à

criação artística trariam uma igual contriuição para essa estratégiagenética Assim, a elicação, mesmo se verdadeira, não nos perti

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rá idetifcar o que é específco ao setimeto de beleza. Mesmo se a

cauda do pavão e aAe Fuga têm uma ascedêcia comum, a apre-ciação a que a primeira dá lugar é de um tipo completamete dierete da que pode ser iigida à tima. ] á deve ser claro do argmetodesevolvido o primeiro captulo que apes os seres racioais têmiteresses estéticos e que a sua racioadade é activada pela beleza,como o é pelo juzo moral e pela creça cietfca.

Um pouco de lóca

O setimeto da beleza pode ser sufciete para levar uma mulher aescolher um homem pela aptidão reprodutiva deste, mas ão é paraal ecessário. O processo de selecção sexal podia ter ocorridosem este modo particular de iteresse um outro idivduo. Porta-to, uma vez que ão podemos ierir que o setimeto de beleza éecessário para o processo de selecção sexal, ão podemos usar o

eómeo da selecção sexal como explicação coclusiva do seti-meto a beleza, muito meos como um modo de deciar o queesse setimeto sica Se queemos ter uma imagem clara do lu-gar da beleza, e da ossa reacção a ela, a evolução da ossa espécie ,temos de acrescear algo mais a respeito da especifcidade do juzoestético. Este algo mais deve ter em cota os seites ctos: queos homes apreciam as mulheres pela sua beleza, pelo meos tatoquato as mueres os apreciam pelo mesmo motivo; que as mulhe-res também são activas a produção de beleza, quer a arte quer avida quotidiaa; que as pessoas associam a beleza aos seus esrçose aspirações mais elevados, setemse perurbadas pela sua ausêciae cosideram um certo grau de coseso estético como essecial àvida em sociedade. Como estão as coisas, a psicologia evolucioistada beleza dáos uma imem do ser humao e da sociedade huma-a em que o elemeto estético está privado da sua itecionalidade

especfca e dissolvido em vagas geeralidades que subestimam o lu-gar peculia do juzo estético a vida do ete racioal.

Apesa disso, e mesmo que o tratameto da questão oerecido porMiller ão ça luz sobre o setimeto que procura elcar, é seg-ramete razoável acreitar que alguma relação há etre beleza e sexo.

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E E Z A

Pode ser que estejamos errados ao procurar uma ligação causal entre

estes dois aspectos da condição umana. Pode ser que estejam liga-dos de modo mais íntimo. Pode ser que as coisas sejam como Platãodeendeu tão rtemente, ou seja, que o sentimento da eleza sejauma componente central do desejo sexal. Se assim é, á certamenteimplicações não apenas para a compreensão do desejo como tamémpara a teoria da eleza. Em particular, levantarseão dúvidas sore aideia de que a nossa atitude em ce da eleza é intrinsecamente de-sinteressada. Que atitude é mais interessada do que o desejo sexal?

Beleza e desejo

Platão não escrevia sore o sexo e sore a dierença sexal com o entendimento que zemos oje desses conceitos , mas sore eros, esseimpulso irresistível que, para Platão, atinge o seu máximo entre pessoas do mesmo sexo, sendo sentido especialmente por um omem

de mais idade tocado pela eleza de um jovem, como o amor que, deacordo com Dante, «z mover o Sol e as outras estrelas». O trata-mento da eleza de Platão tem começo, portanto, noutro truísmo:

(vn) A eleza de uma pessoa instiga o desejo.

Platão acreditava que o desejo é algo real e tamém uma espéciede erro; um erro que, no entanto , nos diz algo de importante sorenós mesmos e sore o Cosmos. guns argmentam que não é a e-leza que instiga o desejo , mas o desejo que convoca a eleza que,ao desejar alguém, vejoo ou vejoa como elo, sendo este um dosmodos pelos quais a mente, para tomar de empréstimo a metárad Hume, «se estende a si mesma sore os ojectos». Mas isto nãoreecte com exactidão a eperiência da atracção sexal. Os nossosolos deixamse cativar pelo elo rapaz ou ela rapariga e é a partir

desse momento que o nosso desejo começa. Pode aver uma outramaneira mais madura de desejo sexal, que nasce do amor e queencontra eleza nos traços já aandonados pela juventude de umcompaneiro de uma vida. Porém, e de modo entico, não é esteenómeno que Platão tina em mente.

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Seja qual r o modo pelo qual olhemos o assunto, o sétimo truís-

mo cria um prolema para a estética. No domínio da arte, a eleza é um ojecto de contemplação e não de desejo. A apreciação daeleza de uma pintura ou de uma sinnia não implica uma atitudeconcupiscente; e mesmo se, por motivos anceiros, me é possívelrouar a pintura, não há certamente maneira de aandonar a sala deconcertos com uma sinnia no olso. Signifca isto que há dois tiposde eleza a eleza das pessoas e a eleza da arte? Ou signifca queo desejo que surge do contacto com a eleza humana é uma espécie

de erro que cometemos e que a nossa atitude em ce da eleza, emtodas as suas rmas, tende realmente para o contemplativo?

Eros e amor platóco

Platão i convencido pela ltima destas duas ideias . dentifcou eroscomo a origem do desejo sexal e tamém do amor pela eleza. Eros

é uma rma de amor que procura a união com o seu ojecto e tamém zer cópias dele tal como homens e mueres zem cópiasde si mesmos através da reprodução sxal. A juntar a essa rma á-sica (assim Platão a via) de amor erótico existe uma outra superior,na qual o ojecto do amor não é possuído, mas contemplado. Nele,o processo de cópia não ocorre no domínio de entidades particula-res concretas, mas no das ideias astractas ao nível das «rmas»,como ram descritas por Platão. Ao contemplar a eleza, a almaliertase da sua imersão nas coisas meramente sensuais e concre-tas e ascende a uma esera mais alta, onde não é o rapaz elo que éoserado, mas a própria rma do elo. Esta penetra na alma porum verdadeiro acto de posse, conrme o modo com que as ideias sereproduzem em geral a si mesmas nas almas daqueles que as compre-endem. Esta rma mais alta de reprodução corresponde a parte dodesejo de imortalidade, que é, nest mundo, o anseio mais elevado

da alma. Mas ela é disso impedida se estiver exeradamente fxadaao tipo mais axo de reprodução, uma rma de aprisionamento noaqui e ora.

De acordo com Platão, o desejo sexual, na sua rma comum, en-volve uma vontade de possuir o que é mortal e transitório e uma

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o juízo a mesma maneira na exclamação «Ela é uma eleza! », proe-

rida por um jovem impetuoso ao olhar para uma rapariga. O jovemvai atrás da rapariga, desejaa, não apenas no sentido de querer olharpara ela, mas porque quer araçála e eijála. O acto sexal é descrito como a «consumação» deste tipo de desej emora não devamospensar que seja necessariamente aquilo que à partida se quer, ou queo acto sexual ça desaparecer o desejo, tal como ee um copo deága mitiga a vontade de eer.

No caso do elo ancião, não há este género de «ir atás»: nenu-

ma segunda intenção, nenhum desejo de possuir o ojecto elo, oude retirar, de alma maneira, alm enecio dele. O rosto do ho-mem de idade tem, para nós, signifcado, e se procuramos almasatisção encontramola nesse rosto, na coisa que contemplamose no acto de contemplação. seguramente asurdo pensarse queeste estado de espírito é ial ao do jovem empolgado que uscaa conquista. Quando, no meio do desejo sexal, contemplamos a

eleza de quem é a nossa companhia, astamonos do nosso de-sejo, como se asoendoo numa intenção mais alargada e menosimediatamente sensual. Este é, decerto, o signifcado metasico doolhar erótico : é uma prcura de conhecimento um pedido para queouta pessoa rilhe diante de nós, na sua rma sensória, dandoseassim a conhecer.

Por outro lado, não há dúvida de que a eleza estimula o desejono momento de excitação. Signifca isto que o nosso desejo é dirigi

do eleza de outro? Tem esse desejo a ver com essa eleza? O quepode zerse com a eleza de outra pessoa? O amante saciado é tãoincapaz de possuir a eleza do seu amado quanto aquele que, sem es-peança, a osera à distância. Esta é uma das ideias que inspirarama teoria de Platão O que nos instiga, na atracção sexual, é algo quepode ser contemplado, mas nunca possuído. O nosso desejo podeser consumado e temporariamente extinto, mas ele não é consuma

do pela posse da coisa que o inspira. Esta permanece sempre alémdo nosso alcance o ser do outro, que jamais pode ser parthado.

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O objecto individu

As teorias de Platão zemnos regressar à ideia de querer do indivíduo. Suponhase que queremos um copo com água. Não há, nestecaso, um copo com áa em paular que queiramos. Qualquer umsee não tendo sequer de ser um copo. Há algo que queremoszer com a água, nomeadamente eêla. Depois de isso acontecer,o nosso desejo fca

satiitoe fca a pertencer ao passado. esta a

natureza haitual dos nossos desejos sensuais: são indeterminados,implicam uma acção específca, são satiseitos por essa acção e sãoextintos por ea. Nenhuma destas coisas se aplica ao desejo sexual.O desejo sexual é determinado: desejamos uma pessoa em particular.As pessoas não são ojectos de desejo que se possam trocar, mesmose os sustitutos rem igualmete atractivos. Podemos desejar umapessoa e depois uma outra, ou mesmo amas ao mesmo tempo, mas

o nosso desejo pelo João ou pela Maria não pode ser satiseito porAledo ouJoana. Cada desejo diz respeito especifcamente ao seuojecto, pois é um desejo dessa pessoa enquanto indivíduo que é enão enquanto instância de um tipo geral (aida que, a um outro ní-vel, o «tipo» seja tudo o que interessa). O meu desejo por este copocom água pode ser satiseito por aquele outro, uma vez que não secentra sore esta água em particular, mas sore a matéria de que aága é eita em geral.

Em certas circunstâncias podemos liertarnos do desejo quesentimos por uma pessoa zendo amor com outra. Porém, issonão signifca que esta segunda pessoa tenha satiseito aquele desejoque tinha como alvo a primeira. Não satiszemos um desejo sexalandandonos num outro, tal como não satiszemos o desejo desaer como termina um romance prendendo a atenção num flme.

Nem há algo específco que queiramos zer com a pessoa que de-

sejamos e que constitua todo o conteúdo do nosso sentir. Claro quehá o acto sexual, mas pode haver desejo sem desejo do acto sexal eeste não satia o desejo nem o extingue como o acto de eer satisz e extingue a vontade de eer água. Há uma mosa descriçãodeste paradoxo em Lucrécio, na qual os amantes são retratados na

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G E S U T O N

sua tentatva de se tornarem num só, juntando os seus corpos por

todas as maneras que o desejo lhes sugere:

En, no completo desejo, na avdez espumante,Apertamse, murmuram, eram, os coos dos amantesAgarramse, apertamse, as línguas húmdas rrando,O camnho para o coração do outro rçandoEm vão, pos apenas pela costa navegam,Nos corpos não se perdem, nem penetram

No acto sexal, não se procura nem se qer alcançar um ncoojectvo. Por outro lado, nenhuma satsção conclu o processo:todos os ojectvos são provsóros, temporáros e, no ndamental,deixam tudo como estava. Os amantes fcam sempre ntrgados pelaalta de correspondência entre o desejo e a sua consumação, que nãoé de todo uma consumação mas antes uma reve aquetação numprocesso que sempre se renova:

Outra vez um no outro sucumbem,Mas barras mpenetráves os dvdem;Todas as maneras tentam e sem sucesso se mostraA cura da secreta ferda do amor que não acosta

Isto znos regressar à dscussão do «por s mesmo». O desejo deum copo com água é, geralmente, uma vontade de zer algo com a

ága. Porém, o desejo de uma pessoa por outra é smplesmente sso o desejo dessa pessoa. um desejo que vsa um ndvíduo, que seexpressa na ntimdade sexual, mas que não é nela consumado nem,muito menos, por ela extnto. E isto tem talvez a ver com o lugar daeleza no desejo sexual. A eleza convda a uma cem no ojectondvdual, de modo a que possamos trar satsção da sua presen-ça. E esta cem no ndvíduo almenta a mente e a percepção doamante. por esta razão que eros parece a Platão tão derente das

necessidades reprodutivas dos anmas, cuja esttura apettva é ada me e a da sede. Podemos dizer que os mpulsos dos anmassão a expressão de ímpetos ndamentas, comandados não pela es-colha mas pela necessdade. Eros, por sua vez, não é um ímpeto,mas um escolher, um olhar prolongado, de eu para eu, que ultrapassa

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os impulsos que lhe estão na origem para ocupar o seu lugar entre os

nossos projectos racionais.Isto é verdade, mesmo se o interesse erótico está enraizado comoclaramente está em tal implso. O implso reprodutivo, que par-tiamos com os outros animais, subjaz às nossas aventuras eróticasmais ou menos como a necessidade que temos de coordenar os movimentos do nosso corpo subjaz ao nosso interesse pela dança e pelamúsica. A humanidade é comparável a uma espécie de operação desalvamento prolongada, na qual ímpetos e necessidades são tirados

do domnio dos apetites transeríveis e cados de um modo dierente, por rma a porem em evidência indiduos livres, escolhendoosde entre outros e apreciandoos como «fns em si mesmos».

Coos belos

Ningém mais do que Platão estava consciente da tentação que jaz

emaranhada no coração do desejo a tentação de separar o nossointeresse da pessoa e ligálo apenas ao corpo, pondo de lado a expe-riência moralmente exigente de se possuir o outro como indivíduolivre, tratandoo, em vez disso, como um mero instrumento do nos-so prazer localizado. Platão não se reeriu a esta ideia exactamentedesta aneira, mas ela está subjacente a todos os seus escritos sobreos temas da beleza e do desejo . Platão acreditava que há uma rmabásica de desejo , que tem em mira o corpo, e uma outra mais eleva-da, qe tem em mira a alma e através desta a esera eterna da qualos seres racionais descendem em última análise.

Não temos de aceitar esta concepção metasica para se reconhecer o elemento de verdade presente no argumento de Platão. Háuma distinção, miliar a todos, entre um interesse na carne de umapessoa e um interesse na pessoa enquanto incoorada Um corpo éum conjunto de realidades corpóreas; uma pessoa incorporada é

um ser lie revelado pela carne. Quando alamos de um belo corporeerimonos à bela incorporação de uma pessoa e não ao corpo considerado meramente como tal.

Isto tornase evidente se centrarmos a nossa atenção numa pe-quena parte do corpo, por exemplo no oo ou na boca. Podemos

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ver a oca apenas como uma aertura, um uraco na carne, pelo qual

se engolem coisas e do qual coisas emergem. Um cirurgião pode vera oca desse modo, durante o tratamento de uma doença. Não é essaa maneira pela qual nós vemos a oca quando estamos ce a cecom outra pessoa. A oca não é, para nós, uma aertura através daqual emergem sons, mas uma coisa que ala, uma continuidade do«eu», do qual é portavoz. Beijar essa oca não é colocar uma partedo corpo contra outra, mas tocar a outra pessoa no seu próprio ser.Por isso, o eijo compromete é um movimento de um eu para ou

tro eu e o chamamento do outro à supercie do seu ser.As maneiras à mesa ajudam a manter a percepção da oca como

uma das janelas da alma, a despeito do acto de comer. por isto queas pessoas procuram não alar com a oca ceia ou deitar comida daoca para o prato. por isto que os gars e os pauzios ram in-ventados e que os aicanos, quando comem com as mãos, dão umarma graciosa às suas mãos para que a comida passe pela oca sem

ser notada. Assim, ao ingerirse a comida, a oca retém a sua dime-são sociável.Estes são enómenos amiliares, emora descrevêlos não seja á

cil. Recordese a náusea que se sente quando por qualquer razão vemos de repente umpedaço de cae ode até esse momento víramosuma pessoa encarnada. como se nesse instante o corpo se tornasseopaco. O ser livre desapareceu por trás da sua própria carne, que jánão é a pessoa mas um simples ojecto, um instrumento. Quando

este eclipse da pessoa pelo seu corpo é propositadamente produzi-do, alamos de oscenidade. O gesto osceno é o gesto que exie ocorpo como puro corpo, destruindo assim a experiência da incorpo-ração. Repugnanos a oscenidade pela mesma razão que repugnavaa Platão a lascívia ísica que envolve, por assim dizer, o eclpse daalma pelo corpo.

Estes pensamentos sugerem algo de importante acerca da eleza

sica. A eleza distintiva do corpo umano deriva da sua naturezaenquanto incorporação. A sua eleza não é a de uma oneca e é maisdo que uma questão de rma ou proporção. Quando encontramoseleza umana numa estátua, como o Apolo Belvedere ou a Dapnede Bernini, o que está representado é a eleza umana carne

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E E Z A

mada pela alma individal, expressando individalidade em todas as

sas partes . Qando o herói do conto de Homan se apaixona pelaboneca, Olímpia, o eeito tragicómico devese inteiramente ao cto de a beleza de Olímpia ser meramente imaginada, desaparecendoà medida qe o mecanismo perde a corda.

Tdo isto tem enorme signifcado, como mostrarei mais à ente,na discssão sobre a arte erótica. Mas chamo desde já a atenção parama obseação importante. Qer sscite contemplação qer ind-za o desejo, a beleza hmana é vista em termos pessoais. Ela reside

especialmente naqeles traços a ce, os olhos, os lábios, as mãos qe atraem o nosso olhar no crso das relações pessoais, através dasqais nos relacionamos entre nós, e a e. Apesar das modas no qetoca à beleza hmana, e não obstante o corpo ser embelezado de dierentes maneiras em dierentes cltras, os olhos, a boca e as mãostêm m poder de atracção niversal, pois é por estes traços qe aalma do otro brilha para nós e se deixa conhecer.

as belas

Na Fenomenoloa do Espírito, Hegel dedica ma secção à «alma bela>> ,trazendo à liça temas amiliares no romatismo literário da época,em particlar nos escritos de Goethe, Schiller e Friedrich Schlegel.A alma bela está consciente do mal, mas mantémse dele astadanma postra de perdão um perdão dos outros qe é também per-dão de si. Ela vive no temor de manchar a sa preza interior porinteir demasiado no mndo real, preerindo assim meditar sobreos seus soimentos, em vez de se crar a si mesma pelos ses eitos.O tema da alma bela i retomado por escritores posteriores, e mitassão as tentativas, na literatra do séclo xx qer de retratar qer decriticar este tipo hmano cada vez mais comm. Ainda hoje é salalgém descrever ma otra pessoa como ma «bela aa>> , qerendo

com isso dizerse qe a virtde desta pessoa é sobretdo objecto decontemplação e não tanto ma rça inteentiva no mndo.

Este episódio da história intelectal aznos lembrar o modo comoa beleza se impregna nos nossos jízos sobre as pessoas. A procra dabeleza toca em todos os aspectos da pessoa em relação aos quais po

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R G S T O N

demos evitar um envomento directo por mais reve que seja e por

qualquer que seja o motivo , de modo a pôlos ao alcance do nossoolhar contemplativo Quando outra pessoa se torna importante paranós, e se z sentir nas nossas vidas a rça gravítica da sua existência,é porque em certa medida a sua individualidade nos causou espantoDe tempos a tempos detemonos na sua presença e deixamos que octo incompreensível do seu ser no mundo desponte sore nós Se aamamos e nela confamos, se sentimos o conrto da sua companhia,o nosso sentimento é nesses momentos análogo ao da eleza uma

adesão pura ao outro, cuja alma rilha na sua ce e nos seus gestos,tal como a eleza rilha numa ora de arte

Não é surpreendente, portanto, o cto de usarmos equente-mente a palavra «elo» para descrever a dimensão moral das pessoasComo no caso do interesse seal, o juízo de eleza tem uma componente contemplativa irredutível A alma ela é aquela cuja natureza moral é perceptível, que não se limita a ser um ente moral mas

que é tamém umapresença moral, cuja virtude é do tipo que se dá amaniestar ao olhar contemplativo Podemos sentirnos na presençade uma alma desse tipo quando vemos o altruísmo em acção comono caso da Madre Teresa de Calcutá Podemos igalmente sentiloao partilharmos os pensamentos de outra pessoa a ler os poemas deSJoão da Cruz, por exemplo, ou os diários de Franz Kaa Nestescasos o sentimento moral e o sentimento da eleza estão emaranha-dos inextricavelmente, tendo amos como mira a individualidade

da pessoa

A beleza e o sagrado

Razão, lierdade e consciência de si são nomes relativos à mesmacondição, a de uma criatura que não apenas pensa, sente e z, comotamém põe as questões : o que pensar, o que sentir e o que zer? Estas

questões origam a uma perspectiva singlar sore o mundo sicoOlhamos para o mundo em que nos encontramos de um ponto devista que se situa no seu próprio limite: o ponto de vista de ondeme encontro Somos simultaneamente no mundo e não somos domundo, e tentamos dar um sentido a este cto pecular recorrendo

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a imens da alma, da psique, do eu ou do «ujeito transcendental».

Estas imagens não resultam somente da flosofa. Surgem natur-mente no curso de uma vida em que a capacidade de criticar os nossos pensamentos, crenças, sentimentos e acções se constitui comoa ase da ordem social que az de nós aquilo que somos. O ponto devista do sujeito é , portanto, uma característica essencial da condiçãohumana. Por outro lado, a tensão entre este ponto de vista e o mundo dos ojectos está presente em oa parte dos aspectos distintivosda vida humana.

Esta tensão está presente na nossa experiência da eleza humana.Está igualmente presente na experiência sore a qual os antropólogos se interrogaram durante dois ou mais séculos e que parece seruniversal entre os humanos: a eeriência do srado. Em todas as civiizações e em todos os períodos da História houve pessoas que de-dicaram tempo e energia a coisas de ordem srada. O srado, comoo elo, aplicase a toda a categoria de ojectos. Há palavras sradas,

gestos srados, ritos srados, roupas sradas, lugares sagrados,épocas sradas. As coisas sradas não são deste mundo, são postasà parte da realidade vlgar e não podem ser tocadas ou mencionadassem ritos de iniciação ou sem o privilégio do ocio religioso. Inter-erir com o sagrado sem uma preparação purifcadora signifca cor-rer o risco de sacrilégio; signifca dessacralizar e poluir o que é puro,arrastandoo para a esera dos acontecimentos quotidianos .

As experiências cadas no sagrado têm paralelo no sentido da e-

leza e tamém no desejo sexual. Talvez nenhuma experiência sexualdierencie com maior clareza os seres humanos dos animais comoa eeriência do ciúme. Os animais competem e lutam para consegirem parceiro, mas assim que se estaelece o vencedor o conitotermina. O amante ciumento pode ou não lutar. Em qualquer caso , aluta não tem relevo na sua experiência, de uma pronda humiaçãoexistencial e de desânimo. O amado i aos seus oos poluído ou

dessacralizado, tornouse de certo modo osceno, como no exemplode Desdémona, que, não ostante a sua inocência, se tornou oscena aos olhos de Otelo. Este enómeno tem paralelo no sentido dedessacrazação associado ao uso indevido de coisas santas. go quese mantém à parte e é intocável i maculado. O romance de cavala

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ria medieval Tróilo e Créssida escreve a «queda» de Créssida do esta-

do de divindade insustituível para em permutável E a experiên-cia de Tróilo, tal como i descrita pelos autores de romances de

imone Min A Anunciação: ave Maa  atia plena

cavalaria medievais (incluindo Caucer), é uma experiência de dessacralização Aquilo que para Tróilo á de mais elo i corrom-pido e o seu desespero é comparável àquele expresso no Livro dasLamentações de Jeremias, motivado pela pronação do Templo deJerusalém (Algmas pessoas podem ojectar, dizendo que se tratade uma experiência especifcamente masculina, de sociedades emque as mueres estão destinadas ao casamento e à vida domésticaNo entanto, pareceme que existirá sempre algo como o desânimode Tróilo enquanto ouver amantes de amos os sexos a zeremrivindicações sexais exclusivas, uma vez que essas não são contratuais , mas existenciais.)

As coisas sradas são astadas, postas à parte, e são consideradasintocáveis, ou como podendo tocarse só após ritos de purifcaçãoAs coisas sagradas devem estas características à presença nelas deum poder sorenatural um espírito que delas se apropriou Ao ver-mos lugares, ediícios e artectos como sagrados, projectamos so

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re o mundo material a eeriência que receemos uns dos outros,

quando a incorporação se torna uma «presença real» e perceemoso outro como proiido e intocável A eleza humana põe o sujeitotranscendental perante nós e ao nosso alcance Aectanos como ascoisas sradas nos aectam: como algo que mais cilmente se prona do que se possui

Infância e rgindade

Se levarmos estes pensamentos a sério, reconheceremos que o nossosétimo truísmo esarra num ostáculo moral Difcilmente haveráalguma pessoa viva que não seja tocada pela eleza de uma criançaem rmada. No entanto, a maior parte das pessoas fca horroriza-da com a ideia de que esta eleza deva estimular o desejo, exceptoo de cuidar dela e de lhe proporcionar conrto Nestas circunstâncias, qualquer indício de excitação signifca transgressão A eleza

da criança é, todavia, de um tipo idêntico ao da eleza de um adultoque se deseja e está nos antípodas da eleza de uma ce envelheci-da, que emergiu, por assim dizer, de uma vida de provações morais

Este sentimento de proiição não se reere apenas a crianças Eleé, de resto, como sugerirei no Capítulo parte integrante do sen-timento sexal maduro Está sujacente ao prondo respeito pelavirgindade que encontramos, não apenas nos textos ílicos comona literatura de quase todas as religiões desenvolvidas Não há maiores triutos à eleza humana do que as imaens medievais e renas-centistas da Virgem Santíssima: uma muer cuja maturidade sexualé expressa na maternidade, apesar de se manter intocada, mal se distingindo, como um ojecto de veneração, da criança que tem nosraços Maria nunca i, como os outros, dominada pelo seu corpo epermanece como um símolo de um amor idealizado entre pessoasde carne e osso, um amor que é ao mesmo tempo humano e divino

A eleza da vrgem é um símolo de pureza e por essa mesma razão ela é separada do terreno do apetite sexual, num mundo exclusivamente seu Esta consideração vai de encontro à ideia original dePlatão, de que a eleza não é somente um convite ao desejo comotamém uma solicitação para a ele renunciar. Na Virgem Maria en

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R G E S U T O N

contramos, pois, na versão cristã, a concepção platónica da eleza

humana como sinal indiciador de uma realiae para lá do desejo .Tudo isto sugere que o nosso sétimo truísmo deve ser reescrito

numa outra rma, mais circunspecta, de modo a zer distinçõesentre os muitos interesses que temos na leza humana:

(vm) Uma característica constitutiva da eleza humana é que elaincita ao desejo.

Esta verdade é pereitamente compatível com a oseação de que odesejo é, ele mesmo, intrinsecamente, limitado por proiições. Naverdade, exercendo pressão sore essas proiições , a experiência daeleza humana arenos um outro domínio divino, mas não menoshumano , no qual a eleza está acima e além do desejo, um símolode redenção. Este é o domínio que Fra Lippo Lippi e Fra Angélicoretratam nas suas imagens da Virgem e do Menino e que Simone

Martini captou no sulime momento de surpresa e aquiescência nasua grande Anunação.

Beleza e charme

A ideia do sagrado conduznos ao ponto mimo na escala da eleza e seria sensato parar um pouco para nos lemrarmos do nossosegndo truísmo, ou seja, que a eleza é uma questão de grau. verdade que a eleza humana a da verdadeira Vénus ou do verdadeiroApolo pode chamar a si todos os epítetos que pertencem naturalmente ao divino. No entanto , grande parte as pessoas atraentes sãoelas num grau inerior e a lingagem usada para descrevêlas valesede uma quantidade de predicações mais modestas: onta, cativante, charmosa, encantadora, atraente. Ao usarmos estes termos nãoestamos propriamente a oerecer uma descrição concreta, mas antes

uma reacção. A nossa reacção à eleza humana está implícito é algo variado e equentemente animador, e raramente a paixãotemperada que Platão invoca na sua teoria e eros ou Thomas Mannno seu terrível relato da destruição de Mutemenet, mulher de Potiphar, devido à eleza do intocávelJosé.

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O teresse desteressado

No capítulo anterior expressei alguma simpatia pela perspectivade que o juízo de eleza surge de (e eressa) um «interesse desin-teressado» no seu ojecto. Neste capítulo, porém, temos vindo aexplorar o papel da eleza em estados de espírito prondamenteinteressados, no sentido em que as pessoas se interessam umas pelasoutras. Existem assim dois tipos de eleza e, contudo, é o juízo deeleza amíguo? Provisoriamente, a mina resposta é não. O juízode eleza, mesmo no contexto do desejo sexual, centrase no modocomo uma coisa se apresenta a si mesma à mente contemplativa Nãoé surpreendente que a eleza inspire o desejo, posto que reside naapresentação de um indivíduo enquanto o desejo anseia pelo indi-víduo e deleitase na rma como o outro se apresenta Contudo, aeleza não é um objecto do desejo que ela mesma inspira Além disso,

a nossa atitude ce a indivíduos elos z com que os separemos dosdesejos e interesses vlgares, tal como separamos as coisas sagradas como coisas que podem tocarse e usarse apenas quando todas asrmalidades estão cumpridas e terminadas

De resto, não é extravagante sugerir que o elo e o sagrado encontramse ligados nas nossas emoções e que amos têm a sua origemna experiência da encarnação, que atinge a sua maior intensidadenos nossos desejos sexuais. Portanto, por via dierente, cegámosa uma conclusão que podemos, sem demasiado anacronismo, atriuir a Platão: o interesse sexal, o sentido da eleza e a reverênciapelo sagrado correspondem a estados de espírito próximos que sealimentam mutuamente e que têm uma raiz comum. Se ouver umapsicologia evolucionista da eleza, terá de incluir esta conclusão en-tre as suas premissas Por outro lado, o nosso camino para cegara esta conclusão não implicou a redução do umano ao animal ou

do racional ao instintivo Cegámos à ligação entre sexo, eleza esrado reectindo sore a natureza distintamente umana do nos-so interesse por estas coisas, situandoas frmemente nos reinos dalierdade e da escola racional.

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Quando, durante o século III os flósos e escrito-res começaram a voltar a sua atenção para o tema daeleza, não i a arte ou as pessoas que dominaram

os seus espíritos, mas a Natureza e as paisagens Até certo ponto,isto reecte novas condições políticas, melores meios para viajare uma crescente apreciação da vida no campo Os literatos sentiamnostalgia de uma relação mais simples com o mundo natural e ima-ginavam mais inocente do que aquela de que gozavam a partir da

clausura dos seus estúdios ém disso, era consoladora a ideia deNatureza como ojecto de contemplação, e não de uso ou consumo,para alguém que via os consolos da religião tornaremse, dia apósdia, cada vez mais implausíveis e longínquos

Uversadade

Este interesse na eleza natural tem uma oura causa, mais flosó-fca que, se a eleza tem lugar entre os ojectos da investigaçãoflosófca, ela, ou a usca dela, deve ser universal entre os umanosKant seguiu Saesu ao supor que o gosto é comum a todos osseres umanos, sendo uma culdade enraizada na própria capacida

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E E Z A

de de uar a razo que no distine do reto da Natureza Todo os

ere racionai , acreditava, posuem a capacidade de zerem juízosetético e o goto é uma componente central de uma vida plenamente vida

No entanto, muita peoa parecem viver num vácuo etético,pasando o eu dias a zerem cálculo utilitário, em terem noço de que eto a pasar ao lado de uma rma de vida uperiorKant reponde a ito negandoo Só aquele, diria Kant, que julgamque o juízo etético se exerce apena obre uma área epecífca, por

exemplo obre a msica, a literatura ou a pintura, é que podem acarque a peoa vivem num vácuo etético Ma a apreciaço da artesé, de cto, um exercício ecundário do interese etético O exercício primeiro do uízo é a apreciaço da Natureza E todos nó nosempeamo ialmente nest exercício embora poamo dierirno noos juízo, todo nó os zemos A Natureza, ao contrárioda arte, no tem itória e a ua beleza eto à diposiço de to

da a cultura e d todas a época Uma culdade que e dirige àbeleza natural tem, pois, todas as ipótee de ser comum ao ereumano, produzindo juízos com rça univeral

Dois aspectos da Natureza

A maioria do exemplos que Kant dá de beleza natural so organismos, planta, ores, ave e criatura marina A pereiço rmale a complexa armonia de detale desse organismo alamnos deuma ordem prondamente implantada em nós No entanto, notrabao pioneiro de Josep Addion e de Francis Hutceon, quefzeram da beleza natural um tema central da estética, as paiagens,os panoramas e as «vista» ocupavam um lugar mai central Kantpouco menciona esa coia No e trata apenas de uma dierençade êne, ma de dua exeriência bastante dierente

Kant decreve o juízo de beleza como u juízo «inglar», querepresenta o eu objecto «na auência de qualquer interese» Pare-ce ito implicar que a beleza pertence a indivíduos e que ela pode seriolada e percebida como tal Ma a paisen e a ta vertem portodo o lado, so intamente poroa e no posuem critério de

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identidade defnidos. Podemos vêlas como indivíduos, mas isso é,

po r assim dizer, ora nossa e não delas. Mesmo se nos r possível pôruma modura em volta de uma paisem confnandoa dentro de sees altas, ela não estaria por essa via vacinada para impedir o contioestético. Os suúrios invisíveis para lá de ada horizonte azemsesentir sore a aparência dos campos que nos encantariam enquantoespaço aerto se não tivessem fcado echados e ostruídos por essessuúrios. Por outro lado, a mais ela paisem pode passar a panode ndo com a construção próxima de uma árica ou autoestrada,

fcando indelevelmente marcada com o errete do doo humano.As aves, as aelhas e as ores, pelo contrário, possuem limites

estão emolduradas pela sua própria natureza. A sua individualidade é uma característica pronda, que elas possuem em si mesmas,independentemente do modo coo as perceemos. Tal como aspinturas, que estão protegidas da poluição estética pelas molduras,os organismos possuem um ar de intocailidade estética. Quando

anhadas pelo olhar estético elas próprias se separa de todas asrelações, excepto da relação com aquele que as examina.Deste modo, tornase ácil descrever os objectos naturais que

podemos segrar nas mãos, ou pôr à vista, como se estivéssemos adescrever oras de arte e esta circunstância tem inuência sore otipo de prazer que eles nos dão. São objets trouvés, jias, tesouros cujapereição parece deles irradiar, como se de uma luz interior se tra-tasse. Ao contrário, as paisagens astamse muito das oras de arte.

Devem o seu poder de atracção, não à simetria, unidade e rma masà aertura, grandeza e exansividade parecidas com as do mundo,no qual somos nós que estamos contidos e não elas.

Descobr a Nareza

Esta distinção é importante, emora não directamente relevante

para a primeira questão que é preciso colocar sore o culto da elezanatural. Essa questão é a do contexto histórico. O domo sore aNatureza, a conversão desta num lar segro para toda a nossa espécie e o desejo de proteger a vida selvaem, que a pouco e pouco desaparece , alimentam igalmente o impulso que nos z ver o mundo

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natural como ojecto de contemplação e não como um meio para

os nossos fns. Apesar disso, a flosofa da eleza natural do séculoxvm estava longe de alcançar a universalidade a que aspirava. Ela ium produto dos tempos, tal como o ram os poemas de Ossiano ea Nouvee Hélo"e de Rousseau, e estava apenas a um passo da artepaisagística de Friedrich, Wordsworth e Mendelssohn, e, no seu en-que, tão limitada no tempo quanto estes. Houve outras épocas eoutras culturas com pouco espaço para a atitude contemplativa domundo natural. Durante muitos períodos da História, a Natureza

i desapiedada e inóspita, algo contra o qual tínhamos de lutar pelonosso sustento e que não oerecia consolo à contemplação tranquilado espectador. Pode até ser que o períodos de tranquilidade sejamraras dádivas do «apetrechamento avaro de uma Natureza madras-ta», como a descreve Kant noutra ora.

Estética e ideologia

Alns pensadores da tradição marxista oaram esta posição de umânglo dierente. Quando os seguidores de Shaesury apresentaram as suas teorias do interesse desinteressado não estavam, suge-riram aqueles, a descrever algo de universal entre os humanos, masmeramete a apresentar, num idioma flosófco, um traço da ideolo-gia urgesa. Este interesse «desinteressado» está apenas disponívelem certas condições históricas e está disponível porque é ncional.A percepção «desinteressada» da Natureza, de ojectos, de seres e derelações entre estes conerees um carácter transhistórico. Fálospermanentes, inelutáveis, parte da ordem eterna das coisas. A n-ção deste modo de pensar é inscrever as relações sociais urguesasna Natureza, tendo em vista colocálas ra do alcance da mudançasocial. Ao ver algo como um «fm em si mesmo» imortalizoo, ergo-o para ra do mundo dos assuntos práticos, mistifco a sua ligação

com a sociedade e com os processos produtivos e de consumo dosquais a vida humana depende.

De um modo mais geral, a ideia do estético encorajanos a acre-ditar que, isolando os ojectos do seu uso e purifcandoos das condições económicas que os produzem ou que os ligam a interesses

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humanos, podemos de algum modo ver o que eles são e o que signi

fcam verdadeiramente Deixamos assim de dar atenção à readadeeconómica e oamos para o mundo como se do ponto de vista daeternidade, aceitando como inevitáve e imutável aquio que deviaser sujeito a uma mudança política organizada Para mais, a econo-mia capitaista trata tudo e todos como meios, enquanto se comprazna fcção de que pessoas e coisas são vaorizadas como «s em simesmos» A mentira ideológica cilita a exploração material, ao gerar uma alsa consciência que nos cega para a verdade social

Uma répca

Condensei nos parágras anteriores uma tradição ligada a arg-mentos diceis e equentemente extravagantes Os leitores podemquestionarse sore os motivos de se incomodarem tanto com a tare de desmascarar este ou aquele aspecto do nosso pensamento

como «ideologia urguesa», agora que o conceito marxista de «ur-gesia» como classe económica se desez Seria, no entanto, ingénuotratar o tema da estética zendo de conta que a tradição marxistanão teve a sua quotaparte na sua defnição Encontramos versõesda crítica marxista em ukács, Deleuze, Bourdieu, Eagleton e mi-tos outros, que continuam a exercer a sua inuência nas humanida-des ta como são estudadas em universidades ingesas e americanasEm todas as versões, a crítica marxista representa um desafo Senão somos capazes de defnir o próprio conceito do estético a não sercomo ideologia, então o juízo estético não tem ndamento flosóf-co Uma «ideoogia» é adoptada pela utiidade social ou política, nãopela sua verdade Ora, mostrar que um conceito santidade, justiça,eleza ou outra coisa qualquer é ideoógico será corroer a sua pre-tensão de ojectividade sugerir que não existe uma coisa que dápelo nome de santidade, justiça ou eleza, mas somente uma crença

em tal coisa uma crença que surge no contexto de certas relaçõessociais e económicas, que ajuda a cimentálas mas que se evaporaráassim que as condições mudarem

Em resposta a isto, devemos transrir o ónus da prova verdade qe a palavra «estético» ganou o seu signifcado actal no

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século mas o seu propósito era denotar algo universal entre os

humanos. As questões que têm sido levantadas neste livro ram dis-cutidas (em termos dierentes) por Platão e Aristóteles, pelo escritor sânscrito Bharata dois séculos depois, por Concio nos naletose por uma longa tradição de escritores cristãos, de S.º Agostinoa Boécio, passando por S. Tomás e até aos dias de hoje. As distin-ções entre meios e fns, atitude instrumental e atitude contemplativa, uso e signifcado, são, todas elas, indispensáveis à razão prática,não estando associadas a uma ordem social em particular. Embora

a visão da Natureza como um objecto de contemplação possa teratingido especial proeminência na Europa do século ela nãoé de maneira alguma exclusiva desses lugar e época. Sabemolo pelatapeçaria chinesa, pelas grauras japonesas de madeira e pelos poe-mas dos concionistas e de Basho. Se quisermos recusar o conceitode interesse estético dizendo que se trata de um elemento de ideolo-gia buresa, então o ónus de apresent a alternativa não burgesa

recairá sobre nós, já que a atitude estética seria de gma maneira redundante e as pessoas já não precisariam de encontrar consolo na con-templação da beleza. Esse ónus nunca i aliviado, nem pode sêlo.

O signicado universal da beleza natural

Tendo identifcado o interesse estético como essencialmente con-templativo, Kant estava naturalmente inclinado a descrever o objecto característico deste como algo que não se produz mas que seencontra. Parecia pensar que, no que toca aos artectos, a nossarazão prática empease equentemente com demasiado vigorpara que seja possível dar o passo atrás que o juízo estético requer.Kant distiniu entre a beleza «livre», que experimentamos com osobjectos naturais e que nos chega sem a utilização de quaisquer conceitos da nossa parte, e a beleza «dependente» que experimentamos

nas obras de arte, dependente de uma conceptualização anterior doobjecto. Só em relação à Natureza podemos alcançar um desinteres-se sustentado, quando as nossas intenções incluindo os propósitosintelectuais que dependem de distinções conceptuais se tornamirrelevantes para o acto de contemplação.

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Há algo de plausíve na ideia de que a contemplação da N ature-

za é simultaneamente distintiva da nossa espécie e comum aos seusmemros, independentemente das condições sociais e económicasem que nascem Há igalmente algo de pausíve na sugestão de queesta contemplação nos enche de admiração e nos impele a procurar-mos encontrar sentido no Cosmos, tal como em Blake:

Ver um mundo num grão de areiaE um paraíso ceeste numa or do campo

Desde as primeiras fgras nas cavernas de Lascaux até às paisa-gens de Cézanne, aos poemas de Guid Gezee e à música de Mes-siaen, a arte procurou sentido no mundo natura A experiência daeleza natural não é do tipo «Que giro!» ou «Que agradável!» A ex-periência da eleza natural contém a garantia de que o mundo é umlugar certo e ajustado para se estar um lar no qual as nossas expectativas e poderes humanos encontram confrmação

Esta pode ser otida de múltiplas maneiras Quando, num ermode uma charneca, o céu se enche de nuvens tocadas pelo vento, comas somras a moveremse rapidamente sore a urze, e ouvimos ocantar transparente do maçarico de outeiro em outeiro, a emoçãoque sentimos sanciona as coisas oseadas e tamém a nós, oservadores Quando zemos uma pausa para estudar a rma pereita

de uma or do campo ou as penas matizadas de um pássaro, experimentamos um sentimento de pertença mais intenso Um mundoque tem espaço para tais coisas terá tamém espaço para nós

Quer entizemos a vista arangente quer o organismo individual,o interesse estético tem, poanto, um eeito transfgurador comose o mundo natural, representado na consciência, se justifcasse a simesmo em como a nossa existência Esta eeriência tem ressonância metasica A consciência encontra a sua razão de ser ao transrmar o mundo exterior em go interior ago que viverá na memóriacomo uma ideia e, nas Eleas a Duíno, vai mais longe, sugerindoque tamém o nosso paneta encontra a sua realização nesta transr-mação, lcançando, quando dissolvido na consciência, a interioridadeque o redime, assim como à pessoa que verdadeiramente a osea

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No é o conecimento da Natreza que acarreta esta transrma-

ço, mas a experiência. Os cientistas apreciam as complexidades domndo natral. Porém, a ciência no é sfciente, nem necessária,para gerar os momentos de transfgraço qe Wordswort registaem O Prelúdio, o a alegria eressa por Jon Clare em passagenscomo esta:

Vejo ores do campo, na manhã de Verão que passaTão bela, enchome da volúpa alegre das horas;

A alegre campanha no espnho se entrelaçaA chuva de mel oa com demora;O no botão de ouro, o oralho, que brilharNa manhã, às prmeras horas,Ouro acabado de cunhar ..

Na experiência da beleza o mndo reessa a casa, para junto denós e nós para jnto do mndo; mas regressa a casa de m modoespecial apresentandose e no para ser sado.

Natureza e arte

Neste ponto srge ma difcldade . Como separarmos, na nossa ex-periência e no nosso pensamento, as obras da Natreza das obras doHomem? O espino no qal se entrelaça a campaina de Clare per-tence segramente a ma sebe de abrneiro . A beleza da paisagem

inglesa, como a registada por Constable, depende em todos os seusdetales do trabalo dos seres manos, qer cidando dos cam-pos, dos matais ou de abrigos, quer de cercaduras e de mros, portoda a parte visíveis, e qe so parte integrante da armonia percep-tível. Constable retrata m lar, m lugar domesticado para uso doHomem, onde em cada canto está presente o cuo das esperançase aspirações umanas (embora, digam algns, escondendo propositadamente a condiço do trabalador rural).

Por otras palavras, a beleza da paisem está muitas vezes liga-da inseparavelmente ao seu signifcado hmano, como se ela sseqase m artecto em que o cno de uma cltra está visalmentepresente. Para percebermos isto, temos de aprender com W ords-wort a . . .

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O a Naureza, não como nos emposDa juvenude irreecida mas muias vezes ouirA caa e rise música da Humandade

Kant evita es ta difculdade porque para si as plantas e os animaissão o material de eleição. Mas mesmo estes podem evidenciar a marca do desígnio humano. Algns dos exemplares mais belos cavalos

e tulipas, por exemplo são o produto de uma consciente mestriaposta em prática ao longo dos séculos . Os cães e os cavalos são exibidos pela sua beleza, mas o mérito vai para os seus criadores.

Em resposta, algmas pessoas argumentam que atribuímos bele-za às coisas da Natureza somente por analogia, vendo as suas obrascomo se ssem arte. Isto é, todavia, certamente implausível. Emparte, as obras de arte interessamnos porque representam coisas,contam histórias sobre coisas, exprssam ideias e emoções, comuni-cam signifcados que conscientemente queremos transmitir. Partirpara os objectos da Natureza com eectativas semelhantes mostra não compreendêlos. Além disso, mostra que não percebemosa verdadeira ne da sua beleza, que está na sua independência, noseu ser à parte, na sua capacidade de mostrar que o mundo contémcoisas qu não nós e tão interessantes quanto nós .

Nesse sentido, vários escritores especialmente Allen Carlson e

Malcolm Budd sustentaram que a beleza natural está num objectosomente quando ele é percebido como natural e quando nele não sevislumbra a presença de desígnio humano, pois só nesas condiçõestemos motivo para pensar que há uma coisa que dá pelo nome debeleza natura,que em o seu devido lugar no reino dos valores intrínsecos.

Não quer isto dizer que se deva xuir a actividade humana danossa concepção de Natureza. Quando me comprazo com as pastagens da paisem inglesa e as sebes que as delimitam, não as perceboapenas como coisas que resultam do trabalho e propósito humanos .Aprecio a cena como tendo a marca de um modo de vida, como umacasa que continuamente se constrói e à qual sempre se regressa. esta a razão por que tal paisagem tem um signifcado esiriual

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tão grande, não apenas para mim, como para os Ingleses ao longo

dos sécos, e para aqeles qe, como Jon Clare, Paul Nas e Ralp Vagam Wilams, fzeram passar ese signfcado para a arte.Apesar disso, não vejo a paisem como conceida expressamentepara se parecer com aqilo qe é, mesmo se estas ram movidaspor intenções estéticas (o arranjo daqela see, as simetrias de umcercado, a disposição daqele mro de pedra solta). Nem me avizio da paisem partindo dos constrangimentos e expectativas qetro da ma eeriência na arte. Vejoa como a livre elaoração

da Natreza, na qal os seres manos aparecem porqe tamémeles zem parte dela, deixando atrs de s a marca da sa presença em regiso não intencional das sas tristezas e alegrias.

len Carlson afrmo ainda qe este «ver a Natreza como Natrez, qe se encontra no âmo da nossa eeriência da elezanatral, organos a olla como la ralmn e isso signifca adoptar o ponto de vista do naralista, explorando o qe vemos à lz do

coecimento cientfco e ambiental. ineresse estético na rma,no voo e no canto de ma ave, por exemplo, é meio camno andadopara a ornitologia, qe completa o acto de apreciação qe começoucom a experiência da eleza. interesse estético nas cores e rmasde ma paisem leva à ciência do amiente e ao estdo da agricltra.

Não obstante aver certamente lgar para esta extensão cientfca do nosso interesse na eleza natral, não devemos esqecer qe o

interesse estético na Nareza é relativo a aparências e não necessariamente m interesse na ciência qe as explica. H algma verdadena sátira de scar Wilde qe diz qe só m pore de esprito nãoajza pelas aparências, pois estas contêm signifcado e são o centroda atenção dos nossos anseios emoconais. Qando me deo impressionar por m rosto, esta experiência não é o prelúdio para mestdo anatómico, nem a eleza do qe vejo me leva a pensar nos

tendões, neos e ossos qe de certa rma a explicam. Ver «a caveira deaixo da pele» é, pelo contrrio, ver o corpo e não a pessoa quetomo corpo. Perdese, assim, sendo o argmento do captloanterior, a eleza do rosto. ornitólogo entende o canto do melrocomo marcação de terrtório, uma adaptação qe desempea m

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papel proeminente na selecção sexual Nós ouvimolo como uma

melodia e o conceito de melodia, que não z parte da experiênciado melro, não itegra a ciência do seu comportamento Voltarei aeste ponto no próximo capítulo

A nomenologia da experiência estética

Um modo dierente de colocar este último ponto, consiste em di-zer que a experiência da eeza natural pertence à nossa compre-ensão «intencioal», não à nossa compreensão científca; ela casena Natureza ta como ela é representada na nossa eeriência e nãotal como ela é Para compreender a eleza natura temos de carifcaro modo como as coisas naturais aparecem quando consideradas pelo oharestético E o modo como as coisas aparecem depende das categoriasque lhes apicamos Quando olho para o mundo desinteressadamente não me aro apenas para aquilo que ele apresenta; relacionome

com ee, ensaio conceitos, categorias e ideias moldadas pea minhanatureza autoconsciente

Este processo é ilustrado pela arte da pintura Nas paisagens pin-tadas por Poussin, Corot, Harpignies e Friedrich podemos encontrar a mesma disposição de montanas, campos e áores Contudo, em cada caso, a postura contempativa enche a percepção coma alma distintiva do pintor, criando uma imagem que é inimitave-mente sua. Da mesma maneira, a Natureza oerecenos a todos umcampo de percepção livre Podemos deixar que as nossas culdadesse demorem sore a cena diante de nós, asorendo e explorando,sem ter de deciar o que está a sernos dito Ainda que os seres humanos team intererido na criação da paisagem que está diantedos meus olhos, essa intererência não está lá para comunicar umaintenção artística precisa; os seus contornos vão sendo destruídospela História e podem mudar de um dia para o outro Mas é preci-

samente este «estar ali» do mundo natural que torna possível que eume perca nele, que eu o oe , ora de um ponto de vista ora de outro;ora de acordo com uma descrição ora de acordo com outra

As oras de arte são exressamente apresentadas como ojectos decontempação Encontramse emoduradas na parede, compreendi

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das entre as capas de um livro, instaladas no museu ou executadas re-

verentemente na sala de concertos. lterálas sem o consentimentodo artista signifca violar uma propriedade estética ndamental. Asoas de arte apresentamse como os eternos eceptáculos de mensens intensamente desejadas, sendo muitas vezes apenas o pei

belo

. . e o sublime

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to, o connaisseur ou o entendido que mostra completa abertura ao

seu signifcado. A Natureza, pelo contrário, é generosa, querendoapenas mostrar aquilo que é: não delimtada, sem moldura exterior,mudando de dia para dia.

O céptico bem pode dizer que é impensávl supor que a eeriênciada beleza natural possa estar ao alcance de todos (icluindo a pessoasem grande educação e o prático inveterado), quando esta é descritade um modo tão intrincado e flosófco. Porém, esta resposta mostra incompreensão pela verdadeira natureza da enomenologia, que

consiste a tentativa de mostrar como as cosas aparecem, mesmo apessoas ue nunca fzeram essa tentativa. A mais comum as pessoasapaixonase, mas quantas são as pessoas capazes de descreverem a in-tencionalidade desta estraa emoção ou de acederem aos conceitosque descrevem o modo como os amantes têm eeriência do mundo?De rma semelante, a mais comum das pessoas az juízos sobre abeleza natural, mesmo se poucas, ou mesmo nenumas, consegem

dar expressão ao que percepcionam do mundo diante de si quanoeste muda repentinamente de carácter, passando da coisa que ali estápara ser usada a coisa que está ali para ser testemunada.

O subme e o belo

Notei anteriormente que «belo» é usado tanto como termo geralda admiração estética como, mais restritamete, para denotar umtipo particular de graça e de carme pelo qual podemos deixarnosencantar. No contexto estético, as palavras tendem a tornarse es-corregadias, comportandose mais como metáras do que comodescrições literais. razão disto é simples: no juízo estético não es-tamos simplesmente a descrever um objecto no mundo, estamos adar voz a um encono a uma reunião do sujeito com o objecto, aqual a reacção do primeiro é rigorosamente tão importante quanto

as qualidades do segundo. Para compreendermos a beleza precisa-mos, portanto, de alguma noção da variedade das nossas reacções àscoisas nas quais a iscernmos .

Este aspecto tornouse edente pelo menos desde o tratado deEdmund Burke, Sobre o Subme e o Belo de 176. Burke distinguiu

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duas reacções radicalmente dierentes perante a beleza em geral e

a beleza natural em particular ma tem origem no amor, outra nomedo Quando somos atraídos pela harmonia, ordem e serenidade daNatureza, a ponto de nos sentirmos nela em casa e rtalecidos porela, alamos então da sua beleza Quando, no entanto, num penedoventoso de uma montanha, eerimentamos a vastidão, o poder, amajestade ameaçadora do mundo natural e sentimos a nossa peque-nez ce a ele, então devemos alar do sublime bas as reacçõessão exaltantes, transportandonos para ra dos pensamentos utilitá

rios do diaadia que dominam as nossas vidas práticas Além disso,ambas envolvem o tipo de contemplação desinteressada que antmais tarde viria a identicar como o cerne da experiência estética

A distinção entre o sublime e o belo i, portanto, adoptada porant, que a considerou ndamental para se compreender o juízo degosto Não az sentido coparar o tipo de paisem sereno e soporíro que conhecemos das pastens inglesas com as torrentes enre

cidas de uma escarpa dos Alpes ou com a vasta panópla de estrelas nocéu A escarpa arrebatanos pela alusão ao poder inito da Natureza;a vastidão do céu, por aludir à sua extensão innita A bela paisemlevanos a um juízo de gosto, a sta sublime convida a um outro tipode juízo, no qual nos medimos com a espantosa initude do mundoe nos toamos conscientes da nossa nitude e ilidade

ant deende ainda (embora de um modo que os comentadoresconsideram mais sugestivo do que persuasivo) que na eeriência

do sublime somos conontados com uma intimação do nosso próprio valor, enquanto criaturas conscientes da vastidão da Naturezae, ao mesmo tempo, capazes de se armarem ce a ela De algumamaneira, é no próprio assombro perante o poder do mundo naturalque pressentimos a nossa própria natreza de seres livres que podemenentar esse poder, rearmando a nossa obediência à lei moral quenenhuma rça natural pode azer desaparecer ou astar

Paisagem e desígnio

As paisens, ao contrário das pinturas, não nos conontam com aideia de um desígnio; se nos dizem algo, não é porque sejam o termo

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intermédio de um acto de comunicação. Como sugeri atrás, o enge-

nho humano pode compor a Natureza neste ou naquele detale, introduzindo limites, campos lavrados e plantações. Todavia, o modocomo reimos à natureza ligase a rças mais prondamente en-raizadas na ordem das coisas , a rças mais uráveis do que qualqueramição humana.

Pelo menos, assim parece. ogo, o tipo de signifcado que encontramos no mundo natural, ao contemplarmos as suas elezas, nãopode segramente ter muito a ver com o tipo de signifcado que se nos

depara na arte, onde cada detalhe, cada palavra, som ou pigmento estásaturado de intenção e é inspirado por uma ideia artística. Não é surpreendente que enquanto as prateleiras das iliotecas rangem soo peso da crica literária, da análise musical, da história comparadada arte e de inúmeras tentativas para dar um sentido à nossa herançaartística e para deciar as mensens que ela contém as prateleirasdedicadas à eleza natural, onde pudéssemos apreender se vale mais

a pena contemplar as colinas da Mongólia ou as da Anduzia, estãovazias ou são inexistentes. Onde não existe arte não há um ponto deapoio para a crítica. O melhor que temos são os gias turísticos.

Emora esta oseação seja, quanto a isto, verdadeira, ela ignoraduas características vitais do nosso encontro com o mundo natural.A primeira tem a ver com o papel da Natureza como matéria rutapara as artes visuais. Os grandes jardineiros de paisagens do séculoXII como Wiiam Kent e Capaility Brown, reagiam ao gosto dos

seus patronos. Viveram num tempo em que as pessoas cultas die-renciavam entre paisagens, amentavam sore o que era ou nãoera de om gosto e empeavamse a construir, a escavar, a plantare a compor com um propósito comparável ao de um pintor, a quemdepois recorriam para registar o resultado.

Na verdade, o culto do «pitoresco» surgiu do cto de as nossasreacções à paisagem e à pintura se alimentarem entre si. O háito

do século XIII que consistia em decorar a paisagem com rínas, co-meçou com o amor pelacampaa romana, não como ela é mas comoPoussin e Claude orrain a pintaram. No século XII os turistasviajavam com um «espelho de Claude», um pequeno vidro convexomatizado, no qual se pegava ajeitandoo de modo a que se pudes

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se apreiar a paisem nele reetida à maneira de Claude Lorrain.

Por sua vez, os arquitetos paisístios da époa onsideravam asruínas, as onstruções meramente deorativas e as pontes e temploslássios em ontinuidade om as árores, los e elevações de ter-ra artiiais que onstituíam a matériaprima da sua arte. diilrer que a nossa atitude e à beleza natural tena uma ndaçãotão ompletamente dierente da que denotamos e à arte, estando elas tão intimamente ligadas. As leis do planeamento na Europasempre ram sensíveis à ameaça que a onstrução oloa à beleza

natural, e sempre prouraram, om pouo suesso, exerer ontrolosore o estilo, volume e materiais de onstrução nas zonas rurais. Asediações não se enontram pae da paisagem, omo as paredese janelas de uma galeria que se distinguem das pinturas que nelas sependuram estas últimas resguardadas do que as rodeia pelas suasmolduras. As ediações estão na paisagem e zem parte dela. Des-te modo, a experiênia da beleza ompreende igualmente a paisa-

gem e a arquitetura.Além disso, eleza e desígnio apareem ligados nos nossos sentimentos. Embora apreiemos a onha, a áore, a parede de umaalésia, sem reerênia a algm m a partir do qual tenam sido i-tas, ada uma delas inspira a ideia de «onrmidade a ns sem m»,para usar a ase de Kant. Em ertas passagens, Kant paree quererdizer que, embora esta ideia não tena ndamento raional, e nãorneça oneimento sobre o esopo da riação, nem da natureza

de Deus, ontém, não obstante, uma espéie de intimação do nossovalor enquanto seres morais e de onrmidade a uma ordem e à«naldade» do nosso mundo.

Assim em cma estaçãoEmbora longe, uito longe do mar,Nossas almas avistam o imort marQue nos trouxe para aqui,

E quem sabe, depois, para E vêem a criança na praia a se entreter,E ouvem as uas potentes eternamente revolver.

ordsworth, de: I f! 6-7)

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Kant também acreditava que a beleza natural é um «símbolo» da mo

ralidade e sugeriu que as pessoas que têm um interesse verdadeirona beleza natural mostram, por isso, que possuem o germe de umaboa disposição moral, ou seja, uma «boa vontade» O argmento emque baseava esta opinião é esquivo, embora se trate de uma opiniãopartiada por outros escritores do século II incluindo SamuelJoson e JeanJacques Rousseau Tratase de uma opinião para aqual somos instintivamente arrastados , embora seja dicil construirum argmento priori a seu vor.

Conrdade a s sem

A discussão presente neste capítulo trouxenos a um ponto ccialComecei por sugerir que o juízo estético, bem como o prazer que omotiva, é desinteressado Isto parecia implicar que a beleza e a utilidade são valores independentes, de tal modo que apreciar algo pela

sua beleza nada tem a ver com apreciálo como um meio para atingirum propósito prático qualquer

No entanto, propósito, interesse e razão prática não deixam dese zer notar no interior do juzo estético, do qual inicialmente ram por mim excludos A eeriência da beleza na arquitectura, porexemplo, não pode ser separada do coecimento das nções queum edicio deve ter; a eeriência da beleza umana não pode sercilmente separada do desejo prondamente interessado que delaprovém A eeriência da beleza na arte está intimamente ligada aosentido da intenção artística e mesmo a experiência da beleza naturalaponta na direcção de uma «conrmidade a fns sem fm» A percepção de um propósito, seja no ojecto ou em nós, condiciona em todaa parte o juízo de beleza e, quando voltamos este juízo para o mundonatural, não é surpreendente que ele nos levante a questão própriada teologia, nomeadamente que propósito tem esta beleza? Uma vez

mais reconecemos que o belo e o srado são contígos na nossaeeriência e que os nossos sentimentos a respeito de um derramamse constantemente sobre o território reivindicado pelo outro

Descrever a beleza como «conrmidade a s sem fm» só con-tribui, no entanto, para intensifcar o mistério Propono assim sair

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destas regiões elevadas e deslocarme para o plano das coisas quo

tidianas plano no qual todos os seres racionais vivem e traa-am, por pouco preocupados que pareçam estar com matériasde estética. Ao consierar o lugar da eleza no raciocínio práticocomum, onde a existência de um propósito domina o nosso pen-samento, tentarei mostrar de que rma o juízo estético é umacondição necessária para zer, se em o qe quer qe seja.

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melor lugar para se começar a exploração da ele-za do diaadia é o jardim, onde o lazer, a aprendizagem e a eleza conuem numa experiência do lar

que é liertadora

Jdins

Sem a experiência nuclear da eleza natural, as hortas, por exem

plo, não seriam inteligveis, a não ser como lotes de terreno conten-do vegetais para uso humano Todavia, mesmo os lotes de terrenocontendo vegetais oedecem aos seus constrangimentos estéticos:disposição em as e espaçamento criterioso, satiszendo assim anossa necessidade de ordem visual No caso dos jardins, podemosalar de um ojecto de interesse universal, ao qual as pessoas emtoda a parte dedicam muito do seu tempo lre, numa actidade

em que há apenas um puro prazer desinteressado Os jardins têm asua própria enomenologia distintiva, na qual a Natureza é asor-vida, domada e origada a oedecer às normas visuais humanas

Um jardim não é um espaço aerto como o é uma paisem um jardim é um espaço circunscrito Por outro lado, aquo que

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aminho sinuoso em Lile para, Ian Hamilon Finlay enre a aurea e a e

nele cresce e o que nele se erge, cresce e erguese em redor do oser-vador. No jardim, uma áore não é como a de uma oresta ou de umcampo. Não está simplesmente ali, como algo que cresceu de umasemente e que casualmente (no empo e no espaço) por ali se dispersou. A áore no jardim relacionase com as pessoas que nele caminam, estaelece com elas uma espécie de conversação. Ela ocupa oseu lugar sendo uma extensão do mundo umano, mediando entreo amiente constrído e o mundo da Natureza. Com eeito, á um

«estar entre» enomenológico que contamina todas as rmas pelasquais aitualmente se retira prazer de um jardim. Esta experiên-cia inuencia o modo como a nossa experiência ndamental dasrmas e decorações arquitectónicas se desenvolve. Essas rmas eelementos decorativs são conceidos para conquistarem o espaçoe circunscrevêlo, para capturálo à Natureza e apresentálo comonosso Assim se exlica a comparação, algo antasiosa, entre coluna

e tronco de árore, que encontramos equentemente em tratadosde arquitectura. Assim se explicam as rmas da arte do jardim, quepodemos adequadamente descrever como «a arte que está entre» aarte de não ser arte nem Natureza, mas amas, cada uma sorepondose à oura de modo a ornaremse numa coisa só, como acontece

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com as cercaduras de ores de Gertude J ell ou com as instalações

eitas em jardins pelo poeta escocês Ia Hamlto Finlay.Poderá dizerse que é uiversal esta tentativa para pôr aquilo que

nos rodeia em consonância conosco e de nos pôr em consonânciacom aquilo que nos rodeia. E essa tetativa sugere que o juízo deeleza não é apeas uma opção que, se quisermos, podemos ou nãoadicionar ao repertório dos juízos umanos, mas algo que resultainevitavelmente de se levar a vida a sério e de nos tornarmos verda-deiramente conscietes do que andamos a zer neste mundo.

Trabaos manais carpintaria

A ideia tornase ainda mais evidente se nos voltarmos para outra da-quelas áreas intermédias em que a pessoa comum parece não resistira zer juízos estéticos : as áreas dos traaos manuais e da decoração, nas quais zemos escolas sore a aparência que devem ter as

coisas que nos rodeiam.Suponase que estamos a assentar uma porta numa parede e que

marcamos o lugar ode a moldura fcará. De vez em quando damosum passo atrás e pergntamos a nós mesmos: fca em assim? Esta éuma questão autêntica, mas não podemos responderle em termosncionais ou utilitários. A moldura pode ter o estritamente necessário para que a porta desempene a sua nção de passem, podeestar de acordo com todos os requisitos de saúde e segurança, maspode simplesmente não fcar em: pode fcar demasiado alta ou ai-xa, demasiado larga, a sua ma não estar em deseada, e assimpor diante. (De cto, as actuais regras de constrção, que requeremportas sufcientemete largas e degraus aixos para que uma cadeiade rodas possa entrar, toam impossível o deseo de uma porta derua tão onita como aquelas dos catálogos da época georgiana.) Esses juízos não dizem respeito a qualquer ojectivo utilitário, mas não

deixam por esse motivo de ser racionais. Podem ser o primeiro passonum diálogo em que se azem comparações, apresentamse exemplose discutemse alteativas. Este diálogo tem como tema o modo comoas coisas devem ser dispostas para não destoarem umas das outras e aesperança de se concluir uma tare sica com armonia.

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ma pora de um lio de padrões da época georgiana como aspares encaam enre si

Parcm qu Kant dvia tr usado um xmplo dst génropara stalcr a sua ts d qu há um xrcício das culdadsracionais qu visa um fm qu simultanamnt aponta para lá d

qualqur fm para a contmplação da rma como as coisas sãoaprsntadas Isto porqu o xmplo mostra não apnas qu xistralmnt um xrcício das culdads racionais , mas qu st é part intgrant da tomada d dcisõs no plano prático. Existm ou-tros xmplos qu clarifcam pritamnt a idia Considrmoso qu acontc quando s põ a msa para rcer convidados . Nãonos limitamos a colocar os pratos os talhrs sor a msa. Somosmovidos por um dsjo d qu as coisas fqum com oa aparência

não só para nós, como tamém para os convidados. Da msma rma, quando nos vstimos para ir a uma sta ou a um ail, ou msmo quando arrumamos as coisas sore a nossa scrtária ou arranjamos o quarto d maã, srçamonos por alcançar a mlhor oumais apropriada aprsntação, o que tm a vr com aparência das

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estética da vida quotidiana

coisas. Os exemplos põem em evidência «a estética da vida quotidia-na», durante muito tempo um tópico negigenciado, o que explica,na verdade, muitos dos equívocos que envolvem o modo como aspessoas olham para a arquitectura e o desi, cometendo o erro de

considerarem como arte superior aquilo que usualmente é mais umaprática de oas maneiras.

Beleza e raciocínio prático

Os animais irracionais, tal como nós, vivem num mundo de redun-dâncias. Um cavalo, conontado com uma arreira, pode saltála

aqui ou ali, em inúmeros sítios. Se ele salta lo porque quer: paraescapar a um inimigo ou para ir atrás da manada. Porém, o cava-lo não teria resposta para a questão de saer qual o ponto adequadopara saltar, não porque seja indierente saltar neste ou naquele ponto, mas porque esta questão não se coloca a um cavalo. Nós podemos

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zer perguntas como esta, uma vez que temos o háito de remo

ver a redundância de escolhas, de justifcar uma acção determinada,zendo não só o que é preciso para alcançar os nossos ojectivos,como tamém o que é preciso para os alcançarmos da rma maisapropriada ou ajustada.

Este aspecto pode ser melor compreendido se regressarmos aotema das aves canoras. O c anto das aves tem uma nção no proces-so de selecção sex e é emitido em momentos do dia ao acordar eantes de dormir em que um macho activo tem necessidade de mar-

car os lmites do seu território. Esta nção não corresponde a umpropósito da ave ela não tem propósitos, mesmo se o que a motivarem desejos , pois a sua vida não é vivida de acordo com quaisquerplanos. Além disso, o canto é pouco determinado pela nção, querequer apenas que aquele seja sufcientemente adível para poderser escutado pelos rivais e pelos potenciais parceiros sexais e tam-ém reconecido como o canto específco da espécie ou, quando

se trata de um território echado ou confnado, como o canto específco do próprio indivíduo que o ocupa. Não é surpresa, pois, queas aves canoras tendam a zer chamamentos variados e variáveis,experimentando ases e notas até se fcarem por m pequeno nú-mero de alterações no aseado, que ncionam como reães na sualitania diária.

Ouvimos estas ases como se ssem canções e descrevemos ocanto da ave como uma espécie de música, pois é assim qe o es

cutamos. Porém, nada há no comportamento do pássaro que possarazoavelmente levarnos a dizer que a nota que ele escolheu i a quedeveria seirse à anterior, que esta ase que escoleu é a mais con-rme ao contexto, que ele ouve uma nota como a continuação daase que a precede, e assim sucessivamente. Nenum desses juízostem aplicação em ornitologia, pois tal pode apenas aplicarse a seresracionais seres que não se limitam a ir de encontro a uma das mui-

tas alternativas diante de si mas que procuram razões para as suasescolhas, antes ou depois de as zerem, e que ouvem sequências desons levando em conta a lógica musical que os liga.

Como pode um ser racional evitar a redundância de escolhascomo as que sempre estarão presentes no canto de uma ave? Re

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gressemos ao exemplo do carpinteiro Como escolhe o carpinteiro

a moldura para a porta, de entre todas as que podem desempenhara mesma nção? De acordo com o que para sica bem. Ele julga oojecto pela sua aparência e é nesta que procura a razão que poderájustifcar a sua escoa

Razão aparênca

Seguemse consequências importantes Quando escoo uma mol-dura para a porta olhando ao que fca em sou conontado com aquestão «porquê?», podendo esta ser colocada por mim ou por ou-rem «Simplesmente porque fca em» é uma resposta possível Pos-so, em alternativa, zer comparações, procurar signifcados, ter emconta costumes ou tradições que apoiem a mia escoa O quenão posso zer é atriuir à aparência um valor puramente uiliá-rio, dizendo, por exemplo, algo como «se as portas tiverem esa mol

dura atraem os clientes mais antigos» Isto signifcaria aandonar omeu juízo inicial Seria apoiarme não no impacte que a aparência daporta em em mim, ms na utilidade da sua aparência para atrair osoutros Seria recuar para um juízo de utilidade, um juízo com o qualpoderia razoável e sinceramente esar de acordo mesmo achandoque a moldura da porta não tinha de todo oa aparência

Paadio v ene, nós segimo-o: Worcese oege,

Londres

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Ao contemplar a moldra, o carpinteiro descobre a maneira de

remover a redndância de escoas qe tem diante de si Uma vezqe a aparência se desligo, no se pensamento, de consideraçõespráticas, qe apresentavam m número infnito de moldras comoigalmete convenentes, o carpinteiro está ora lançado nmavia de descoberta a via para encontrar as razões qe jstifcamesta moldra, jstifcandoa com base na sa aparência Ele comparará a moldra da porta com otras e também com as das j anelasqe hãode ser colocadas em cada m dos lados da porta Tentará

descobrir o qe entra em sintonia com otros pormenores visaispresentes no edicio Tentará zer com qe a moldura condigacom o edicio no se todo e com cada ma das partes Um dosresltados deste processo de zer com qe as coisas condigammas com as otras é a criação de m vocablário visal Ao sarmoldras idênticas nas portas e janelas, por exemplo, a correspondência visal tornase mais ácil de reconhecer e aceitar Um otro

resltado é aqilo qe de m modo poco preciso se defne comoestilo o so repetido de rmas, contornos, materiais, etc , a saadaptação a sos específcos e a procura de m repertório de gestosvisais

Acordo signicado

Pode pensarse, oando para o qe i dito até ao momento, qe asdeliberações do carpinteiro se confgram nicamente como umaespécie de jogo qe ele estabelece consigo mesmo, removendo assim a redndância intrínseca às escolhas de carácter verdadeiramente prático No entanto, das considerações põem em dúvida estaideia A primeira é o carpinteiro não ser a única pessoa qe constrói ma opinião sobre a qestão da moldura da porta Outras pessoas olarão para ela e sentirseão agradadas ou desagradadas com

as sas proporções gmas destas pessoas estarão especialmenteinteressadas na porta, sendo tros residentes do edicio para oqal ela estará destinada Otras pessoas terão o interesse enqan-to transentes ou vizinhos Seja como r, todas terão interesse naaparência da porta, qe será tanto maior qanto menor r o seu

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de intepeta e, quando o ojecto da sua atenção é uma apaência,

intepetálaão como algo que tem um signifcado intínseco. Mesmo uma coisa tão simples como o desenho da modua de uma potaseá sujeita a esta necessidade. O capinteio associaá molduas depotas a mas específcas da vida social, a maneias de enta e desai de um quato, a estilos de oupa e de compotamento. De esto,há muito que i notado que as modas na oupa e na aquitectuatendem a imitase mutuamente e que amas eectem as alteaçõesna pecepção dos se e copo humanos.

Fazendo convegi estas duas consideações chegamos a uma hi-pótese inteessante: quando as pessoas pocuam aandona a edun-dância do aciocínio pático, escolhendo ente apaências, dispõemse tamém a intepeta essas apaências como algo que tem signifcado intínseco e a apesentaem o signifcado que descoem atavésde uma espécie de diálogo eectio, cujo ojectivo é assega umceto gau de concodância nos juízos ente aqueles que mostam te

inteesse na escoa. Ao dize isto apoximamonos muito da ideiade gosto do século xvm que entendiao como uma cdade peaqual os sees acionais dão odem às suas vidas atavés da aquisição deum sentido da oa ou má apaência geado socialmente. E é azoávelsugei que começamos a descotina um domínio genuíno da vidaacional que coesponde à ideia osófca do estético, impotanteem si mesma e tamém flosofcamente polemática.

O esto

Dependemos do háito de ze juízos estéticos paa comunica sig-nifcados e o estilo é uma eamenta impotante que usamos nessesentido. Isto envolve uma exploação das nomas socialmente gea-das. A o na lapela, o jao cheio de vinho, o guadanapo doado,todas estas coisas zem desenvolve uma expeiência de econhe

cimento ente os oseadoes, que vêem no pequeno detale umsignifcado específco em nção do qua os gestos devem se medidos. Poque está o vio num jao e não numa gaa? O que há nojao que capta a minha atenção? Poque háde ele esta ali, na mesa?E assim po diante.

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Estas questões indicamnos a capadade alusiva do esto. A jar

ra alude a uma certa rma de vida, a vida mediterrânica, em que ovio corrente existe em abndância e se encontra relacionado pacifcamente com o trabalho e com o divertimento. por isso qe aanftriã escolhe m jarro de barro decorad com simplicidade e ocoloca no meio da mesa, indiciando a inrmaldade com que qalqer m pode dele seirse. Estas podem não ser escoas coentes.A própria anftriã está a descobrir, no gesto estético, o sigfcadoque quer transmitir. exemplo indicia, com eeito, que as escoas

estéticas desempenham um papel na promoção do atocoecimento, zendonos perceber como podemos encaixarnos nm mundode signifcados hmanos. As opções estéticas são parte do que Fichte e Hegel designaram como a Entseng (a projecção para oexterior) do eu e a Selbstbestimmung qe ela gera, a autocerteza queresulta de se construir ma presença no mndo dos otros.

Na maior parte, as dierentes maneiras de pôr ma mesa são es

táveis exlorações do contexto. Não se alue a algo específco e aordem é o escopo operativo uma ordem qe nada z para pertrbar as nossas percepções, irradiando, em vez disso, uma mensagemsimples e sociabilidade tranqila. A anftriã qe mostra estilo dáa essa ordem uma direcção dierente, aludino a aspectos qe elaqer que estejam visivelmente presentes na mesa e qe residam naaparência das coisas como ma narrativa.

Através do estilo compreendemos o que está a ser entizado, o

que z parte do contexto e o que se liga a qê. Portanto, o estiloé um dos aspectos do juízo estético quotidiano que transportamospara a arte, onde ganha um signifcado totalmente novo. Aquilo queassegra um lugar na existência social quotidiana vem a ser, na arte,o espírito que dá rma a mundos imaginários.

A moda

argmento desenvolvido neste capítlo torna claro que a buscade soluções estéticas na vida quotidiana é também uma espécie deprocura dissimulada de consenso. Mesmo aqueles que se vestem demodo a destacaremse e a atraírem as atenções sobre si zemno

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para que os outros reconheçam a sua intenção. Por conseqência,

em qualquer comunidade humana normal, a estética da vida quoti-diana exressarseá através da moda ou, por outras palavras, atravésda adopção de um estilo comum. Uma moda é um indiciador dasopções estéticas que dão algma garantia de aprovação dos outros ; etamém perte às pessoas jogar com as aparências, enviar mensa-gens reconhecíveis à sociedade de estraos e sentiremse conrtáveis com a sua aparência num mundo em que esta importa.

A moda surge primeiramente como imitação. Por vezes é o re-

sultado de uma «mão invisível», como quando as pessoas se imitamentre si por contio social. Esta é a origem haitual dos costumespopulares , que surgem do mesmo modo como as oas maneiras dointercâmio entre um nmero incontável de pessoas ao longo dotempo, cada uma procurando evitar transgressões gratuitas e ser vista pela sociedade como algém que a ela pertence. Todavia, a imi-tação pode tamém resultar da liderança, como aconteceu quando

Beau Brmmel lançou a moda da Regency, ou quando os Beatles, apar do seu idioma musical, alteraram a maneira de vestir, os pentea-dos e a lingem da sua geração.

Todos estes enómenos são testemunhos do papel importanteqe o pensamento estético ocupa na vida dos seres racionais. Orecem tamém uma espécie de prova de que, quando as pessoaspensam esteticamente, «procuram o assentimento» dos seus pares,como disse Kant.

Permanência e emeridade

A nossa discussão tem como impcação que o juízo estético pode serexercido de duas maneiras entre si contrastantes: pode se paranos ajustarmos ou para nos salientarmos. Em muitas das nossas actividades estamos a «constrir casa», erido, a despeito do atropelo

da mudança e da decadência, os símolos permanentes de uma rmade da estável. A mão invisível a que ainda ora reerência inclina-se por si mesma para o estilo, a gramática e a convenção. isto quetestemuamos na arquitectura veácula, nos costumes populares,nas maneiras à mesa e nos costumes e cerónias da ctura tradi

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cional As convenções criam nas nossas vidas pano de ndo de

ordem imutável, um senso do que é correcto ou incorrecto azerseElas oerecemnos uma maneira de completarmos os nossos gestose de tonálos pucamente aceitáveis, ta como oamento queremata uma arquitrave ou um emrulho esmerado que dá o toque f-nal a um presente Existem culturas em que esta aspiração ao o eao permanente se toa dominante, ou mesmo asxiante o antigoEgipto, por exemplo , azendo com que todos os aspectos da vidasejam moldados e mumifcados pelas convenções Nos registos dei-

xados pelos Epcios testemunhamos uma vida quotidiana esmadapor valores estéticos, na qual o esto individual i asoido e extintopela exigência inexível da ordem Mais próxima de nós é a estética daRoma antiga, na qual a aspiração à permanência é cominada com umial sentido da emeridade das aegrias da vida, tal como é eressonos escos de Pompeia e de Herculano, ou nas estátuas e grutas dojardim romano

Assim, não ostante valorizarmos a permanência, estamos tam-ém conscientes da gacidade daquilo que nos liga à vida e temos umdesejo natural de expressarmos esta consciência numa estética apro-vada pulicamente De cto, existem culturas sendo, neste aspec-to, a cultura tradicional japonesa a mais notável em que a estética doquotidiano se centra no que é gaz, usivo e animado por um pesardoloroso Tais culturas estão tão igualmente aerradas à convenção eà orientação por regras como aquelas que entizam a permanência

A cerimónia japonesa da insão do chá, em que a oerenda a um con-vidado é elevada à condição de ritual religioso, ilustra notaveenteesta estética do transitório Convenções rigorosas governam os uten-sios, os gestos, os arranjos de ores, em como a natureza e aspectoda caana onde é tomado Por causa destas convenções, as áreas delierdade os movimentos do anftrião e do convidado pelo jardimdo chá, os gestos e as expressões quando a taça é oerecida e aceite

adquirem signifcado e pungência especiais A ideia é precisamentecaptar o carácter único e a gacidade da ocasião, como transmitemas paavras ichigo ichie: uma oportunidade, um encontro

Na cerimónia do chá aprendemos algo tamém patente na arqui-tectura vernácula das nossas cidades europeias, nomeadamente que

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as alegrias gazes e os encontros reves tornamse valores eternos

quando inscritos no ritual e na pedra

Adequação e beleza

Tenho estado a analisar uma rma particular de raciocínio prático,pelo qual escoemos entre alternativas de acordo com um sentidodo que se adequa A adequação é julgada pela aparência das coisas epelo signifcado contido na sua aparência Contudo, nada disse acerca da eleza directamente, nem o meu hipotético carpinteiro seriamuito útil nesse capítulo

Apesar disso, se regressarmos aos nossos trísmos iniciais, ve-remos rapidamente que o tipo de juízo que tenho estado a discu-tir neste capítulo corresponde exactamente ao juízo de elezaA adequação que tenho estado a descrever é algo que proporcionacomprazimento tamém uma razão para se prestar atenção à coi-

sa que a possui ela própria um ojecto de contemplação e a suaimportância não reside em algum uso independente matéria deum juízo reectido que, estando enraizado na experiência, não podeser ito em segunda mão A adequação é tamém uma questão degrau Numa palavra, o que tenho estado a descrever neste capítuloé aquela «eleza mínima» que permanentemente interessa aos seresracionais, ao esrçaremse para encontrarem ordem na realidadeque os rodeia e para estarem à vontade num mundo partilhado

Resta agora relacionar as ideias deste capítulo com as rmas deeleza «superiores» que são exemplifcadas pela arte, vendo se po-demos dizer algo mais sore o tipo de signifcado que procuramosquando pretendemos apoiar os nossos juízos estéticos através doraciocínio

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oi só no decorrer do século e na esteira da publica-ção póstuma das conerências de Hegel sobre a estética,que o tópico da arte começou a substituir o da beleza

natural como matéria de estudo central da estética. Esta mudançai parte da grande transrmação ao nível da opinião educada queconhecemos como movimento romântico. Este movimento pôs ossentimentos do indivíduo para quem o eu é mais interessante doque o outro e a errância mais nobre do que a pertença no centro

da nossa cultura. A arte tornouse a actividade pela qual o indivíduose anuncia ao mundo e através da qual apela aos deuses para que es-tes justifquem os seus actos. Todavia, mostrou ser extraordinaria-mente vacilante como guardiã das nossas aspirações mais elevadas.A arte pegou na tocha da beleza, correu com ela por algum tempo elargoua depois nos urinóis de Paris.

Piadas pe

V ai para um século que Marcel Ducamp assinou um urinol com onome «R Mutt», intitulouo A Fonte e exibiuo como obra de arte.Um resultado imediato da piada de Duchamp i precipitar uma

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indústria intelectua dedicada a responder à pergunta «Ü que é a

arte?» A literatura que está associada a esta questo é to endo-nha como as infndáveis imitações da atitude de Duchamp Apesardisso, introduziu um traço de cepticismo Se qualquer coisa pode serconsiderada arte, qual é o interesse ou o mérito que advém de lhe seraposto esse rótulo? Algumas pessoas olham para algumas coisas eoutras olham para outras tudo Tratase de um cto curioso, masé inútil procurar os ndamentos que o explicam Quanto à ideia deuma actividade crítica que procura valores ojectivos e monumentos

ao espírito humano perenes, ela é imediatamente rejeitada, por serdependente de uma concepço da arte que a «nte» de Duchampmandou de uma vez por todas pelo cano aaixo

armento é avidamente adoptado, pois parece liertar as pes-soas do ardo da cultura, dizendolhes que todas aquelas orasprimasvenerandas do passado podem ser ignoradas impunemente, que as no-velas televisivas têm «tanto vor» como Shakespeare e que os Radio-

head se igualam a Brahms, uma vez que nada é melhor do que nada eque toda a pretenso a um valor estético é vazia Este argmento, cla-ro, afna pelo mesmo diapaso que as rmas de relativismo culturalem voga, e tende a ser o ponto de partida dos cursos universitários so-re estética e, a maioria das vezes, o ponto pelo qual eles terminam

aqui útil zer uma comparaço entre as oras de arte e as piadas to dicil circunscrever a classe das piadas como o é para o casodas oras de arte Tudo pode ser piada desde que além diga que

assim é Uma piada é um artecto eito com o intuito de zer rirPode no ter esse eeito, sendo, nesse caso, uma piada «seca» Podeter o eeito desejado mas ser oensiva, sendo, nesse caso, de «maugosto» Seja como r, nada disto mostra que a categoria das piadas éaritrária ou que a distinço entre oas e más anedotas é inexisten-te Nem isto mostra de modo algum que as piadas, ou aquele tipo deeducaço moral que tem como ojectivo criar um sentido de humor

apropriado, no podem ser alvo de crítica Com eito, estando aconsiderar o tema das piadas, a primeira coisa que podemos concluiré que o urinol de Duchamp i uma piada uma oa piada à época,mas que seria anal pela época das caixas Brio de Andy W arhol ecompletamente estúpida nos dias de hoje

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A arte omo ategoria nion

As oras de arte, tal como as piadas, têm uma nção dominanteSão ojectos de interesse estético Podem dsempenhar esta nçãode uma rma compensadora se enriquecerem o pensamento e pro-porcionarem elevação espiritual, garantindo assim um púlico felque a elas sempre volta por rma a encontrar consolo ou inspira-

ção Podem desempenhar a sua nção de um modo que pode serjulgado oensivo ou degradante Podem mesmo não ser capazes dezer despertar o interesse estético que reclamam As oras de arteque recordamos incluemse nas duas primeiras categorias: as queelevam e as que degradam Os completos alhanços desaparecem damemória púlica E é deveras importante o tipo de arte a que aderi-mos, aquele que incluímos no nosso tesouro de símolos e alusões,aquele que transportamos connosco no coração O om gosto é tão

importante na estética como no humor Mais : o gosto é tudo o queinteressa Se os cursos universitários não começarem com essa pre-missa, os estudantes terminarão os seus estudos de arte e de culturatão ignorantes como quando começaram Quando se trata de arte, ojuízo stético diz rspito ao que devemos e não dvemos gostar, e(deenderei) o «deve» tem aqui um peso moral, mesmo que não sejaexactamente um imperativo moral

verdade, no entanto, que as pessoas já não vêem as oras dearte como ojectos de um juízo ou como expressões da vida moralCada vez se vê mais proessores das humanidades a concordaremcom os estudantes que lhes chegam, afrmando que não há distinçãoentre om gosto e mau gosto, mas apenas entre o meu e o teu gosto Imaginese alguém dizer isto sore o humor Jung Chang e Jonalliday narram uma das poucas ocasiões documentadas em que ojovem Mao Tsétung desatou a rir Foi no circo, quando uma tra-

pezista se estatelou no chão, morrendo Iminese um mundo emque as pessoas riem apenas da desgraça alheia O que teria esse mun-do em comum com o Taufo de Molire, com as Bodas de Figaro deMozart, com o Dom �ixote de Ceantes ou com o Tristam Shandyde awrence Sterne? Nada, excepto o riso Seria um mundo dege

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nerado, onde a simpatia humana já não encontaria no humor um

lugar, onde toda uma dimensão do espíito humano se teria toadoatrofada e grotesca

Imaginemos agora um mundo e que as pessoas demonstram interesse apenas por éplicas das caixas Brio, po urinóis assinados,por crucios imersos em ina ou em ojectos que de modo semelhante ram resgatados às zonas sujas da vida e exiidas com algmaintenção satírica ou do género «olha para mim» por outras palavras,um mundo de ojectos que cada vez mais ncionam como direito

de admissão nas mostras de ate ofciais na Europa e na América que teria este mundo em comum com o de Duccio , de Giotto, deVelázquez ou mesmo de Cézanne? Clao, há o cto de se exii osojectos e de olhamos para eles com um olhar estético Contudo,este seria um mundo onde as aspirações humanas já não encontrariam na ate um meio de expressão , onde já não construiíamos paranós mesmos imagens da transcendência e onde os lugares em que

residem os nossos ideais estariam coetos por montes de tralha

Arte e entretenimento

Num traalho surpreendente pulicado há um século, o flósoitaliano Benedetto Croce apontou uma distinção radical que, nasua opinião, existe entre ate propriamente dita e pseudoarte, cujanção seria entreter, excitar ou agradar A distinção i adoptadapelo discípulo de Croce, o flóso inglês R G Collinood, queargumentou da seguinte rma: ao conontarme com uma ora dearte, não são as minhas reacções que me interessam, mas o signifcado e o c onteúdo da ora Está a serme oerecida uma experiência,incorporada nesta ma sensorial única Quando procuro entretenimento, pelo contário, não estou interessado na causa mas noeeito que quer que produza em mim o eeito esperado está em

para mim, não havendo luga para juízos, estético ou outroA ideia em que Coce e Collingood se apoiam é exageada por

que não posso estar interessado numa ora de ate pelo seu signifcado e, ao mesmo tempo, divetirme com ela? Não nos divertimospor diveir, mas por causa da piada divetimento não se opõe ao

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interesse estético, uma vez que é j á uma rma de interesse estético.

No é, portanto, surpresa que, tendo como base uma exerada rejeiço da arte como entretenimento, Croce e Coinood tenam,cada um deles, construído teorias estéticas do mais implausível quehá na literatura sobre o assunto.

Apesar disso, tinham razo ao acreditarem que há uma drençaentre o tratamento aístico de um assunto e a mera procura de criarum eeito. Numa certa medda, a imem tográfca temnos eitoesquecer este contraste. Enquanto o palco do teatro, à semelhança

da moldura no caso da pintura, echa o mundo exterior, a câmara tográfca deixa o mundo entrar, admitindo dentro de si, brandamen-te, quer o actor que fnge morrer no passeio quer o balo acidentalque passa em segundo plano. A tentaço é transrmar este deeitoem seduço, encorajandose no espectador uma espécie de «dependência da realdade» . A tentaço é car os aspectos da realidade quenos agarram e excitam, independentemente do seu signifcado dra-

mático. A arte genuína também nos diverte, mas lo criando umadistância entre nós e as cenas que retrata, uma distância sufcientepara gerar uma simpatia desinteressada pelos caracteres e no tantopara gerar em nós emoções vicariantes .

Um exemplo

Sendo que o cinema e as suas ramifcações congéneres so, entre asartes, aqueles em que mais se comete o pecado de procurar o eei-to em detrimento do signifcado, é conveniente dar um exemploda arte cinematográfca no qual esse pecado esteja ausente. Poucosrealizadores houve to conscientes das tentações provocadas pelacâmara de flmar, e da necessidade de lhes resistir, como IngmarBergman. Poderia emoldurarse um plano de um e de Bergman as sequências oníricas em Morangos Silvestres, a dança da morte em

O Sétimo Selo, o jantar em A Hora do Lobo -, que fcaria na nossaparede qual gravura, ressonante, atractiva e plena de compostura.Ingmar Bergman decidiu zer Morangos Silvestres a preto e branco,apesar de a cor ser já lína anca à época (199), precisamente porque queria minimizar as distracções para garantir que tudo o que

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Ingmar Bergman, sequncia da memória em Morangos Silvesres: cada deae a

está no ecrã luz, somra, rma e sugestão, em como a pessoa e ocarácter contriua para a intriga.

me conta a história de um homem de idade, egoísta, emoradistinto, que evitou os chamamentos do amor. Ele aproximase dofnal da vida e sente a ivolidade desta. Acaa num único dia deencontros simples, memórias e sonhos por se lhe deparar mira-culosamente a salvação, ao aceitar que tem de amar para poder seramado, e a quem é dado, no fnal, ma visão transfguradora da suainncia e acolimento no mundo dos outros. Aquilo que a históriaprocura mostrar está contido nos sonhos e memórias episódiosque desempeam um papel na intriga que é amplifcado atravésdo elemento cinematográfco. A câmara nde estes episódios coma narrativa, rçandoos a misturaremse com o presente, gerandoidentidades onde as palavras ariam aparecer apenas dierenças.este modo, os rostos que surgem nos sonhos adquiriram já um

signifcado dierente nos acontecimentos reais do dia.) A câmarapersegue a história que se vai desenrolando à maneira de um caça-dor, parando para se centrar no presente com o único fto de zerque este se aproxime do passado até nele roçar. As imagens, muitasvezes cheias de granulado, com detalhes trazidos para a evidência do

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primeiro plano, deam entrever objectos pairando como antasmas

no ndo descado Em Morangos Silvestres, as coisas, à semelançadas pessoas, estão saturadas com os estados psíquicos dos seus obseradores, arrastadas para a intriga por mão da câmara de ar,que dota cada detalhe de uma consciência rópria resultado nãoé arbitrário nem rto de um capricho Pelo contrário, é inteiramen-te objectivo, voltandose para coisas reais em todas as ocasiões emque a câmara podia ser tentada a escaparlhes

Morangos Svestres é um dos muitos exemplos de verdadeira arte

cinematográfca, em que as técnicas do cinema estão ao seiço deum propósito dramático, apresentando situações e caracteres à luzdas nossas próprias reacções a eles flme ilustra a distinção entreinteresse estético e mero eeito o primeiro criando uma distânciaque o segundo destrói propósito dessa distância não é evitar aemoção mas cála, dirigindo a atenção para outrem que seja imaginário, não para o eu existente Parte da compreensão da beleza

artística passa por ter bem presente esta distinção

Fantasia e realidade

A distinção pode ser descrita de modo dierente como uma dierenciação entre imaginação e ntasia A verdadeira arte apela àimaginação, ao passo que o mero eeito suscita a ntasia As coisasimaginárias são objecto de reexão, as ntasias são concretizadas.Fantasia e imaginação dizem ambas respeito a entidades irreais,mas enquanto as entidades irreais da ntasia penetram no nossomundo e o poluem, as da imaginação existem num mundo à parte, no qual vagueamos livremente numa atitude de distanciamentocomplacente

Há na sociedade moderna abundância de objectos de antasia,pois as imagens realistas, da tografa, do cinema e do ecrã da tele

visão oerecem substitutos que podem satiszer os nossos desejosproibidos, tornandoos possíveis por essa via Um desejo ntasiosonão se interessa por uma descrição literária, nem por uma delicadapintura do seu objecto Ele busca um simulacro, uma imagem queça com que todas as teias da hesitação sejam astadas A ntasia

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não quer saer de estilo ou convenção, pois impedem a construção

do sustituto e sujeitamno a juízo. A ntasia ideal é a que se realizana totalidade, não ostante ser completamente irre um ojectoimaginário que nada dea à imaginação. A pulicidade ocupasede tais ojectos, que utuam nos astidores da vida moderna, instigandonos constantemente a realizarmos os nossos sonhos e nãoa sermos realistas.

As cenas imaginadas, ao invés, não se realizam, são representadas.Elas vêm a nós impregnadas de pensamento, e não são, em sentido

algm, sustitutos do inatingível. Pelo contrário, são postas delieradamente à distância, num mundo à parte. A conveção, a circunscrição e a contenção são partes integrantes do processo imaginativo.Temos acesso à pintura apenas pela moldura que anula o mundo noqual nos situamos. Convenção e estilo são mais importantes do querealização. Quando os pintores põem nas suas imagens um trompeoeilrealista, achamos em geral que o resultado revela alta de gosto

ou que é kitsch. verdade que a arte pode jogar com eeitos ilusórios, tal comoez Bernini ao esculpir a Santa Teresa em êxtase, ou Masaccio aopintar a Santíssima Trindade. Todavia, a ilusão é nestes casos umexpediente dramático, uma rma de transportar o espectador paraas regiões celestes onde o pensar e o sentir são purgados das suasligações terrenas. Bernini e Masaccio ão estão de modo algm apraticar o engano ou a encorajar o espectador a liertar as suas pai-

xões vlgares por uma via sustituta.Tamém no teatro a acção não é real, é representada. E, por mais

realista que seja, evita (por regra) aqueas cenas que são o alimentoda ntasia. Na tragédia grega os assassínios acontecem ra de cena,dandose deles notícia em versos que zem o coro moverse ritmicamente, recitando o horror ao mesmo tempo que o contêm, ver-gado pela métrica do verso. ojectivo não é privar a morte do seu

poder emocional, mas contêla dentro do domínio da imaginação,onde nos perdemos livremente, suspendendo os nossos interessese desejos.

Emora as paões sentidas no teatro sejam dirigidas para ojectosimaginários, elas são giadas por um sentido de realidade, evoluindo

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e desenvolvendose à medida que cresce a nossa compreensão. Deri-

vam do sentimento de compaixão que nutrimos pela nossa espécie.A compaixão é crítica implica o desejo de conhecer o seu ojec-to, de avaliar o seu vaor e não de desperdiçar atimentos cardíacosem vão. Em A Teoria dos Sentimentos Morai Adam Smith deendeuque a compaixão tende, por si mesma, a adoptar o ponto de vistado espectador imparcial. Por isso, a compaixão nunca é tão activa,nem tão controlada pela capacidade de julgar, como o é no contex-to estético. No que respeita ao imaginário e ao circunscrito, pode-

mos peritamente adoptar a postura que descrevi no Capítulo Postos de lado os nossos interesses, podemos darnos ao luxo d e nosentregarmos à compaixão de um modo que nos está vedado na prá-tica quotidiana. plausível admitir que isto defne uma das fnali-dades da arte: apresentar mundos imaginários, a respeito dos quaispodemos adoptar, como pare de uma atitude inteiramente estética,uma postura de ineresse imparcial.

O esto

Um artista verdadeiro controla os emas sore os quais traalha. Ummodo de exercer esse conrolo zse pelo estilo que adopta: Picas-so controlou o sentimento erótico através da reconstrução cuisado rosto minino Pope conrolou a misantropia aravés da lógicarefnada do dísico heróico. estilo não é exiido apenas pela are .Com eeio, como deendi no capítulo anterior, o esto é algo quenos é natural, um elemento da esética da vida quotidiana pelo qualemelezamos o amiente que nos rodeia e o dispomos de modo aestaelecermos com ele uma relação signifcativa. Saermos vestir-nos, por exemplo, não tem a ver com teimar na originalidade, masconsiste, ao invés, na capacidade de pegar num repertório comum edarlhe um toque individual, de modo a revelar em cada escolha um

carácter único. isso que queremos dizer com estilo e a «elegância>>em lugar quando se vai longe de mais no esto, tornandose este noctor dominante na maneira de vestir da pessoa.

Esilos dierentes podem assemelharse e conter idiomas que emgrande parte se soreponham como os estilos de Haydn e Mozart

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ou de Coleridge e Wordsworth. Ou podem ser únicos, como o estilo

de Van Gogh, caso em que quem usa o mesmo repertório não é vistosenão como um copiador ou pasticheur e não como um artista comum estilo próprio. A nossa tendência para pensar deste modo temum pouco a ver com o nosso sentido da integridade humana: o estiloúnco é aquele que identifcou um ser humano único, cuja persona-lidade é inteiramente objectivada pela sua obra le sle c'est lommemême, como no amoso dito de Bun. (Seria interessante exploraras razões que nos zem dizer que Mozart, que adaptou a linguagem

musical de Haydn, é um compositor original, e que U trillo, apesar dereconhecível mesmo quando see de modo mais óbvo Pissarro ouVan Gogh, é inteiramente desprovido de originalidade.)

O estilo tem de ser perceptível: aquilo a que se poderia chamarum estilo escondido não existe . O estilo mostrase por si mesmo, ainda que por uma arte que esconda o esrço e a sosticação, comonas Mazurkas de Chopin ou nos desenhos de Paul Klee. Simultane-

amente, o esilo tornase perceptível graças às nossas percepçõescomparativas: envolve um astamento das normas que têm de estarpresentes subliminarmente na nossa percepção, para que se possareconhecer os idiomas estilísticos e o modo como estes se astamda regra. O estilo permite aos artistas aludir a coisas que não dizem,apelar a comparações que não zem explicitamente, colocar a suaobra e o tema desta num contexto que torna cada gesto signifcativo,e, assim, atingir a intensidade de signifcado que testemunhamos na

sinnia para violoncelo de Britten ou nos Four �artets de Eiot.

Conteúdo e rma

Estas ideias levantam imediatamente um problema que se tornoumiliar na estética, na crítica literária e no estudo das artes em ge-ral, a saber: como se pode separar o conteúdo de uma obra de arte

da sua rma? Por outro lado, se podemos separar o conteúdo, nãomostrará isso apenas que este é irrelevante para o objectivo estético,não zendo parte daquilo que a obra realmente signifca?

Suponhase que me perguntam qual o conteúdo da mosa pintu-ra da cadeira amarela de Van Gogh. que signifca ela exactamen

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V ogh, A Cdeir Amrel: uma cadeia é umacadeira, é uma cadeira . . .

? perguntamme. que devo supostamente compreender a respeito desta cadeira, ou a respeito do mundo, ao olhar para a pintura?Podia responder: tratase de uma cadeira, ponto fnal. Mas, nessecaso, o que há de tão especial na pintura? Não poderia uma to-

grafa da cadeira dar conta da tare? que justifca viajar tantosquilómetros para ver uma pintura de uma cadeira? mais certo eraque eu respondesse que a pintura diz qualquer coisa de especial so-re esta cadeira em particular e sore o mundo visto a partir da suaimem. Podia tentar traduzir o meu pensamento e aquilo que sintoem palavras: «Tratase de um convite para ver a vida das pessoas eo modo como esta penetra naquilo que elas produzem, para ver a

rma como a vida irradia das coisas mais insignifcantes, para verque nada está parado e que tudo se transrma.» Mas não se poderiater escrito esta mensem na parte inerior da tela? Porque é precisa uma cadeira para comunicar um pensamento como este? maiscerto era que eu respondesse dizendo que as minhas palavras são

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apenas um gesto, que o signifcado real da pintura está amaado

imaem e é ineparável dela que ela reside precisamente nas rmase cores da cadeira, que é inseparável do estilo peculiar de Van Goghe não pode ser completamente traduzida noutro idioma

Este tipo de argmento, seja sobre pintura, poesia ou música, éhoje em dia miliar e está em sintonia com o que habitualmente sediz sobre a arte Queremos dizer que as obras de arte nos dizem algo,que não são apenas rmas em que encontramos um prazer inexplicável São actos de comnicação, que têm um signifcado que tem de

ser compreendido por nós Diremos muitas vezes de um actor que elenão compreende o papel que representa Ouvimos música abstracta,como os quartetos de Bartók e de Schoenberg, e talvez digamos quenão os compreendemos Toda esta reerência ao signifcado sugereqe as obras de arte comunicam um conteúdo e talvez cada obra dearte ou, em todo o caso, cada obra de arte digna de nota tem o seuconteúdo peculiar, que é preciso compreender para apreciar a obra

e ter noção do seu valor Algmas obras mudaram a maneira comovemos o mundo o Fausto de Goethe, por exemplo, ou os últimosqartetos de Beethoven, o Hamlet de Shakespeare, a Eneida de Virgio, o Moisés de Miel Ângelo, os Salmos de David e o ivro deJob Para as pessoas que não conhecem estas oras de arte, o mundoé um lugar dierente , talvez menos interessante

E, no entanto, quando queremos simplesmente dizer qual é oconteúdo de uma determinada obra de arte, vemonos rapidamente

reduzidos ao silêncio O signifcado não reside num conteúdo quepoderia ser identifcado assim de qualquer maneira Tratase de umcerto conteúdo tal como é apresentado visto, por outras palavras,como inseparável da rma e do estilo Uma versão desta tese nodomínio da crítica literária dá pelo nome de «heresia da paráa-se», expressão que devemos ao crítico Cleanth Brooks A heresia aque Brooks se reeriu consiste em pensarse que o signifcado de um

poema pode manterse numa paráase Daqui podemos passar cilmente ideia de que é uma heresia achar que o signifcado de umpoema pode manterse numa tradução, que pode ser transmitidonum estilo dierente ou por um outro tipo de arte, ou de qualquermodo que não seja a rma deste poema específco

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Brooks chama a atenção para vários aspectos dierentes da poe-

sia. Primeiro, temos o cto de um verso poder expressar simultaneamente muitos pensamentos, ao passo que a paráase pode, namelhor das hipóteses , enunciálos em sucessão. Por exemplo, a linha«Despidos claustros arruinados onde em hras tardias doces pássa-ros cantam» descreve quer as árores de Outono quer os claustrosnão há muito em ruínas dos mosteiros que, na juventude de Shakes-peare, eram ainda equentados. Uma paráase darnosia uma des-sas interpretações e, em segida, a outra. Porém o poder desta linha

consste em parte no cto de elas serem ouvidas em conjunto, comovozes em uníssono assim, a destruição inevtável do Outono inva-de a imagem do mosteiro em ruínas a ideia de sacriégio invade aimagem da áore sem as.

Em segundo lugar temos o cto de a poesia ser «polissémica», desenvolvendo o seu signifcado em vários níveis os níveis da imagem,da declaração, da metára, da alegora, e assm por diante. Este as-

pecto notado á sete séculos, numa célebre carta ao Can Grandedea Scala que procurava explicar o sgnifcado alegórco da DivinaComédia uma carta geralmnte atribuída a Dante e também noConvívio de Dante. Tornouse um lugarcomum na poesia do falda Idade Média e da Renascença. Uma paráase tera de xlicar osníveis de signifcado separadamente, estando o poder da poesia nasua apresentação smultânea.

Em terceiro lugar, o sgnfcado perdese com qualquer paráas.

Poderíamos paraasear a prmeira la o amoso soóquio dHaet da segute maneira: «Viver ou morrer, es a escoha», ou«Exstr ou não exstir, es o problema». Toavia, Shakespeare pre-riu o verbo «ser», com toda a sua ressonância metaísica, como separa tocar o próprio mistéro do Universo o mistério do «ser contngente», como o descrevram Avicena e S. Tomás. O ser é já umaqustão, e uma questão insolúvel que vem superície com uma

nova e perturbante ressonância na ansiedade exstencal de Hamet.Em posa o que conta para o sentido das palavras não é só o seu sgnfcado e o modo como elas se associam umas s outras. Também osom é importante; e não apenas o som, mas o som organzado pelasintxe e moldado pea lguagem. Portanto podemos concluir que

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quando se trata de poesia é impossvel traduzir a atmosra semân-

tica. Como seria possve pôr em português a ineável melancolia de«Les sanglots ongses violonsDe lAutomne»? «Os longos suspirosdos vioinos de Outono» seria uma tradução peritamente absurda,embora tena o mesmo signifcado.

Não queremos, no entanto, tirar a conclusão de que o sentido deum poema, ou de qualquer outra obra de arte, é misterioso e que eleesteja tão intimamente amarrado à rma que nada sobre ele podeser dito. Eu próprio já disse uma série de coisas sobre os exemplos

reeridos. Verdade seja dita que em certos casos é dicil dize seja oque r, como, por exemplo, no caso dos poemas de Celan. As ima-gens podem mesmo ser demasiado densas para as podermos dese-maranhar, ser demasiado vocacioadas para a sugestão, concebidaspropositadamente paa evitar a declaração directa, por rma a quea intensidade da experiência não se perca. Porém, estes casos excep-cionais , por seemno, só vêm confrma a tese. Em geral, é possve

dizer muito acerca do signifcado de um poema, de uma pintura oumesmo de uma obra musical. No entanto, o que dizemos não expli-cará aquela intensidade de signifcado que z com que a obra de arteseja o veculo insubstituvel do seu conteúdo.

Representação e expressão

Os flósos zem aqui uma distinção entre dois tipos de signif-cado na arte: a representação e a eressão. A distinção remonta aCroce e a Collingood, embora se encontre em reexões escritashá muito mais tempo. Parece que as obras de arte podem ser sig-nifcativas pelo menos de duas maneiras: apresentando um mundo(real ou imaginário) independente da própria obra, como na prosanarrativa, no teatro e na pintura fgurativa, ou contendo intrinsecamente o seu próprio signifcado O primeiro tipo de signifcado

tem equentemente o nome de «representação», pois pressupõeuma relação simbólica entre a obra e o seu mundo. A representaçãopode ser consideada mais ou menos reaista. Por outras palavras,pode estar mais ou menos em conrmidade com a generalidade dascoisas e situações que descreve. Admite tradução e paráase. Duas

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obra e arte poem repreentar a mema coa tação ou aconte

cmento. Por exemplo a crucfcaçõe e Mantegna e Grünewalrepreentam amba a crucfcação e Jeu (embora e manera tãoerente que nem vale a pena lembrálo.

Uma repreentação fel pode er completamente ettuía egnfcao enquanto obra e arte quer porque repreenta algo emgnfcao quer porque é ncapaz e tranmtr o que quer qe ejae gnfcatvo obre o e objecto como por exempo no cao ann e Bougereau. oo ete apecto levaram Croce a con-

erar a repreentação como não eencal ao empreenmentoetétco. A repreentação é na melhor a hpótee uma molra em nção a qual o artta compõem ma nnca em mema a nte e one provém o gfcao o trabalho o memo. claro que temo ana am e compreener o conteúo repre-entaconal e uma obra e quermo captar o eu gnfcao artítco. Ito poe reqerer cohecmento crítco htórco e conográ

fco que nem empre é c e obter como abemo e tentarmoecar A Ronda da Noite e Rembrant ou A Fénix e a Taaga eShakepeare. Porém é poível a algém compreener uma repre-entação em ter qualqer nteree etétco nela; e eta poe eruma boa repreentação em motvar ee nteree a maor parteo flme e ére B repreentam bem acontecmento aburo epeoa enteante em qualquer eeto artítco.

Expressão e emoção

Seguno Croce portanto o ónu o gnfcao artítco não recaobre a repreentação ma obre a expreão; e a expreão é o veículo o valor artítco. A obra e arte exprmem coa e memoa arte abtracta como a múca ntrumental ou a pnura abtractapode er um meo de exreão efcente. Am como entener a

expreão na are e porque é ela um vaor? Uma hpótee é penarque a obra e arte exprmem emoção e que eta tem valor paranó porque no põe em contacto com a condção humana e no e-tmula a eejar experênca que e outro moo não teríamo. Noentanto a obra e arte não exprmem emoçõe o memo moo

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que nós expressamos ira quando gritamos com um o nosso ou

amor quando he aamos aectuosamente. A maioria das obras dearte não é criada por um súbto impulso de paixão, nem nós possuímos o conecimento que nos atorize a dizer qual a paixão (se al-guma) que motivou o artista. Mesmo quando ele se reere emoçãoque alegadamente transmtiu através seu trabalo, podemos duvidarda justeza da descrição. Beethoven precedeu o movimento lento daOp. 3 com as paavras «Hino de acção de graças em modo lídio,dedicado divndade por um convalescente». Suponase que rea-

gimos dizendo: «Para mim, isto é apenas a expressão serena do con-tentamento e nada tem a ver com a convalescença.» Mostra isso quenão percebemos o reerido movimento? Porque háde estar Beetho-ven em mehores condições do que nós para alar do que se sente aoouvirse a sua música? Quem sabe se nós, como crítcos não esta-mos até melor apetrechados do que o compostor para descrevero conteúdo musical de uma peça de músca? Há uma quantidade de

artistas que são despertados pela crítica para o signifcado das suaspróprias obras. Por exemplo, T S. lot disse isso mesmo do livro deHelen Gardner sobre a sua poesia, nomeadamente que, enfm, tinhacompreendido o que esta signifcava.

e cto, todas as tentatvas para se descrever o conteúdo emociona das obras de arte parecem fcar auém do seu alvo. O sentmento não tem uma vda ndependente: está ali nas notas musicais,nos pigmentos e nas palavras, e quando se tenta extraílo para o cap-

turar qualquer descrição mostrase débil e inadequada se comparadacom a obra. m resposta a esta objecção Croce apresentou uma teoria engenhosa. A representação, argumentou, envolve conceitos caracterizações que se podem tradzir de um meio para outro, retendo, todavia, o seu sentido. Assim, um esboço de Yarmouth porConstable representa exactamente o mesmo ugar que as cenas deYarmouth em David Coppeeld. Ambos descrevem as paisagens

panas de Yarmouth, ambos contêm mensagens que se podemtransmitir de outras maneras e por outros meios. A representaçãoem palavras ou em imagens, corresponde a uma relação entre umaobra e um mundo e a obra reerese ao seu mundo tal como os concetos se reerem s coisas que são por eles subsumidas, descreven

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doas em termos gerais. A expressão não lida com conceitos, mas

com ituições experiências particulares , que são transmitidas aocomunicarse o que têm de nico. Duas obras de arte podem repre-sentar a mesma coisa, mas não podem exprimir o mesmo, pois umaobra expressa uma intuição somente quado exibe o seu carácterindividual, que requer apeas essas palavras, ou apenas essas imaens,sob pena de não chegar a quem se dirige. isso que acontece na arte:a comunicação de exeriências individuais, na rma inimitável queidentifca a sua inividualidade. por isso que a expressão artística

tem tato valor. Ela oerecenos o carácter nico do seu objecto semo recurso a coceitos.

Por mais engenosa que seja esta teoria, ela tira com uma mão oque dá com a outra. Parece dizer que uma obra de arte tem sentidopor causa da intuição que por ela é expressa, conudo, a intuição sópode ser identifcada através da sua eressão artística. Se nos pe-direm para identifcar a intuição trasmitida por uma dada obra de

arte, a nica resposta possível será indicar a obra de arte em causa edizer que é a intuição aí cotida. Aquilo que se assemelhava a umarelação (a expressão) não é uma relação, e dizer que uma obra e arteexrime uma intuição é como dizer que é idêntica a si mesma. Estamos de regresso ao velho problema da rma e do contedo, queren-dose insistir numa distinção só para mostrar que ela é inexistente.

Tem havido, nos anos recentes, muitas tetativas para revisitar ereanimar a distinção entre representação e expressão, e também para

explicar o papel da expressão de modo a mostrar quão importanteela é e como aquele elemento da experiência estética, que tendemosa descrever em termos de signifcado, é por ela captado. Fomos tes-temunhas de teorias semânticas, semióticas, cogntivas e de outrassimilares sobretudo na osofa da msica cujo fto era mostrarcomo a emoção é expressa na arte e porque é ela tão importante.Penso que nenuma dessas teorias ez avançar muito a questão.

O sgncado muscal

Os leitores podem interrogarse porque é que num livro dedicado ideia de beleza é preciso explorar o recôndito problema do signi

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fcado da are. Mas é precisamee a beleza que os coduz a ese

problema. A are ocaos porque a are é bea e é bela em pareporqu sigifca agma coisa. Ela pode ter um sigifcado sem serbela mas não pode ser bela sem ter um signifcado. Um exempovido da música pode clarifcar ese aspeco. Cosiderese o sole-e Agio for Strings de Samuel Barber ceramee uma das maiseressivas peças o reperório isrmenal. Como eedemos oseu poder expressivo? Esa peça ão coa uma hisória sobre umcero esado de alma que podia ser coada de dieree maeira

por uma oura obra: ela revela a sua singlar gravidade . A beleza damúsica é idissociável desa expressão. Há aqui uma só qualidade eão duas a beleza e a expressão. Iso recoduznos imediaamen-e ao problema que eho esado a discuir: qual a dierça enreaquele que compreende a expressão e o que a não compreende?

Se virmos bem o exemplo ambém apoa a solução. Ele lembra-os de que há dois usos do ermo «expressão» a saber: um uso ransi-

ivo que covida pergua «expressão de quê?» e um uso inran-siivo que proíbe al quesão. Expressivo uma pariura musical i-dicia sempre o uso irasiivo. A perga «como posso tocar isoexpressivamee se ão me é dio o que isso sigifca?» seria geralmee ida como absurda. Os itérprees mosram a sua compree-são de uma obra de música expressiva ocandoa apropriadamene enão procurado idenifcar um cero esado de alma ao qual a obrase reere. Procuram ajusarse ao espírio da obra. Ese processo de

«ajusameo» espelhase ambém no audiório que se «deixa ir»com a música como se baesse o pé ineriormene.

Por isso embora a eoria da are como iuição de Croce esejalonge de ser rigorosa ela apona para uma difculdade sobre a bele-za na are. Porque somos anas vezes enados a alar da expressãodese modo iransiivo? E porque é a expressão uma pare da be-leza? Esas quesões animaram a discussão sobre a música desde o

moso esaio de E. T. A. Homann sobre a inta Sinfonia de Bee-hove (e iso acoeceu muio aes de Croce er eio do coceiode expressão um aspeco cenral na eséica) .

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O mismo music

O ensaio de 1854, On the Musicay eautu de Hanslick, estava destinado a tornarse um documento ndametal na disputa entre ossegidores de Brahms, para quem a arte da msica era essencialmente arquitectural, consistindo na elaboração de estruturas tonais, e osseguidores de Wagner, que deenderam a opinião de que a msica é

uma arte dramática, dando rma e coerência aos nossos estados deespírito Hanslick deendia que a msica pode expressar emoçõesdefnidas apenas se puder apresentar obectos defnidos de emoçãoMas a msica é uma arte abstracta, incapaz de apresentar pensa-mentos defnidos Portanto, a asserção de que uma peça de msicaexprime alguma emoção tornase vazia Nada se pode dizer em res-posta pergunta «expressão de quê?»

Hanslick, ao contrário, argumentou que a música é entendida

como «rmas que se movem através do som» Esta é a característicaessencial, e as associações de natureza emocional não são mais do queisso, associações que não têm a pretensão de corresponderem ao sig-nifcado daquilo que ouvimos A compreensão musical não tem a vercom devaneios de algém centrado em si mesmo, que podem talvezser suscitados pela msica, mas que de modo nenhum são controladospor ela A compreensão consiste em apreciarse os vários momentos

contidos na supercie musical, em ouvir como estes se desenvolvemuns dos outros, como respondem uns aos outros e como ncionam,tendo em vista uma resolução e uma conclusão O prazer causado portudo isto tem semelhança com o prazer que encontramos nas rmasda arquitectura, especialmente o tipo de rmas alcançadas a partir deuma base diíil e que contenha obstáculos, como os que Longhenaenentou na constrção de Santa Maria della Sute, pois era precisoassentar uma cpula circular sobre uma base octogonal

Mas, o que se quer dizer com movimento musical? Considereseo tema do ltimo movimento da sinnia Eroa de Beethoven Ele écomposto largamente de silêncios Começa em mi bemol, segindo-se um siêncio durante o qual o tema volta a ascender em si bemol,desce uma oitava, e assim por diante Podemos com muita cilida

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ondeantes sucam as verdades singelas da piedade genuína. Geo-

ey Scott, na sua grande obra crítica, The Architecture of Humanism(1914), respondeu com aquela que julgava ser uma descrição puramente rmal da beleza e da pereição da igreja de Longena:

O engenhoso emparelhamento {das volutas} z uma transição perfeita entre os planos circular e octogonal A rma cheia e arredondada destas é como a de uma matéria pesada que se fez deszar parao seu encae apropriado e nal As grandes estátuas e pedestais queelas sustentam parecem travar o movimento de dentro para ra das próprias volutas, andoas à igreja istas como silhuetas, as estátuas seem (como os obeliscos numa lanterna) para dar um contorno piramidal à composição, uma lina que, mais do que qualqueroutra, dá à massa a sua undade e rça Dicilmente haverá umelemento na igreja que não proclame a beleza e o poder da assa,conferindo simplicidade e dignidade essenciais mesmo aos ais ricos e fantásticos sonhos do Barroco

Scott nada diz ou nada diz de claro sobre o conteúdo da igreja,não mencionando a sua invocação ostensiva da Virgem raina domar, qe estende a mão ao marineiro nauagado, pondo de parte,de modo geral, a sua iconografa religiosa. Por outro lado, quandoolamos com mais aenção para a escrção de Scott notamos queela é uma sequência de metáras e símiles: «A rma ceia e arreondaa destas (duas metáras) é como a de uma matéria pesada(símle) . . . As grandes estátuas e pedesais . . parecem travar o movi-mento (símile) . . . a simplicidade e dignidade essenciais o Barroco(metáras) . . . » Esta descrição puramente «rmal», por outras palavras, está, do ponto de vista lógico, a par da tentativa mais osada deescrever o sicado da igreja e pode cimente ser impelida nessairecção. Não tem este uso de uma massa, que quer criar simplicidade e beleza, um paralelo exacto na visão que a ContraRerma temda igreja, como algo que dignifca a vida comum, ergendose acma

desta numa postura de guardiã? No tese o modo como as estátuas seeqilibram na rma arredondada das volutas, como se deslizandosobre as ondas do mar sem perder o controlo: m símbolo da segrança oerecido «queles que estão em perigo no mar». A igreja écomo m encontro entre o suplicante e o conrto, entre as orações

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E E Z A

do marieiro simbolizadas pelas capelas voltadas para cada um dos

pontos do compasso e a segurança prometida por Maria stea maris, presente na cúpula que tudo abarca.Camar a atenção para estas analogias e igações simbólicas na

críica da arquitectura é tão legtimo como zêlo na crítica expressionsta da música. Broing produziu uma instância célebre des-sa crítica epressionista à laia de comentário a uma obra musicalcomposta sob a inuência da Salute Toccata of Galuppi, sendoa voz aqui presente de um inglês vitoriano imaginário invocando o

mundo de Galuppi à medida que vai ouvindo a música):

O quê? Aquelas terceiras menores tão lamentosas, as sextas diminutas; suspirar, suspirar,Disseramlhes algo? Aquelas tensões, aquelas soluções teremosde nos apagar?»Aquelas sétimas condoídas Perdurar a vida pode, é obrigatóriotentar!»

A Basica de Baldassare Longena exprime a vitalidade cívica e oaventureirismo marítmo que na época do seu omónimo Baldassa-re Gallupi estava já a desaparecer . Parece estrao estabelecer umadstnção radca entre rma e conteúdo quando o esrço paradescrever um e outro implica o mesmo recurso à metára e o mes-mo erigr de pontes entre experiências. Quer Scott quer Browningnvocam o modo como o juízo estétco leva a que uma experiênciatena impacte sobre outra transrmando a última; e como mostraBrowning a transrmação resultante pode provocar no coração umano uma iluminação inesperada.

Sigcado e metára

Assim sendo parece que os nossos melores esrços para explicar

a beleza das obras de arte abstractas como a música e a arqutectu-ra implica amarrálas à acção à vida e à emoção umanas atravésdas correntes da metára. Se quisermos compreender a natureza dosignifcado da arte temos portanto de entender primeiro a ógcada linguem fgurativa.

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Os usos fgurativos da linuaem não procuram descrever as coi-

sas, mas antes liálas, e a liação é rjada no sentir daquele quepercepciona A liação pode zerse de muitas maneiras: atravésda metára, da metonímia, do símile, da personifcação ou de umnome transerido Por vezes, um escritor cloca duas coisas lado alado, sem usar uma fura de estilo, mas deixando simplesmente quea experiência de uma se ça sentir sobre a da outra Eis um exemplodisso em António e Cleópatra:

A ua íngua não obedecerá ao coração nem podeO eu coração nrmar a íngua a penugem do cneQue e maném na maré chea a onduarPara nenhum ado e dexa ncnar

Uma imem notável, rica nas sas implicações, que transrma in-teiramente a percepção que o auditório tem da hesitação de Octá-via Este é o género de transrmação almejada pelas metáras Uma

metára morta nada consee, mas uma viva muda a percepção dascoisas esta a nção da linem frativa em geral

As reexões sobre a natureza metaórica dos nossos esrços paraatribuir um signifcado expressivo música sugerem uma conclusãoprovisória A igação entre a música e a emoção não é estabelecidapor convenções ou por uma «teoria do sinifcado musical» Ea éestabeecida pela experiência de tocar e de ouvir Compreendemos

a música expressiva, pondoa em sintonia com outros eementos danossa experiência, criando lgações com a vida humana, «harmoni-zando» a música com outras coisas que para nós têm signifcadoDeste modo, admiramos o Adao for Strings de Barber pela sua solenidade nobre A metára não é arbitrária, pois z a ligação coma vida moral que expica o cto de nos sentirmos em sintonia com apeça musical e de sermos por ela inspirados Mas tratase de uma me-tára que carece de justifcação Se é uma verdadeira indiciação do

que sinifca a peça, tem de estar sustentada na estrutura e no modocomo a música se desenvove A lona melodia em si bemol, que apouco e pouco se desenvolve, e que é mais uma melodia evocadado que propriamente dita; as tensões resolvidas em semicadências,como se parando para respirar, embora nunca o zendo realmente,

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E E Z A

maedo assim um ciclo coíuo de eso e descompresso; a

cosae queda da lia melódica que a impede sempre de levantarvoo, aé súbita asceso por meio de um par de quias dimutas,parecendose com os útimos esrços de uma pessoa que se debatepara se liberar e aigir a pedra que a salvará, para logo cocluirque essa pedra, o si bemol do que era a óica ambiconada pelamelodia durae doze compassos, o ia afnal qualquer daço, sedo ora a noa domiae do acorde em si bemol meor,repousado sobre uma dissoância instável odos eses deales

so relevaes para o juízo e, ao descrevêos, apoiamos uma meá-ra em ouras, esabelecendo ligações adcioais com a vida meal emoral Acoece algo de semelane com a críica da arquiecturaTambém aqui a meára desempea um pape vial a explicaçodo valor e do sigifcado de um edicio. Ao jusifcarmos as ossasdescições mearicas argmearemos como Sco a passagemcada, lgado meáras e pares do edicio ere si, uma com

plexa eoraço do modo pelo qual cada pare se ajusa oura eambas vida moral do obseador

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Isto sugere um modelo de expressão dirente do apresentado por

Croce e pelos seus seguidores . O modelo crociano representa um estado interior inarticulado (uma «intuição») que se torna articuladoe consciente através da expressão artística. O moelo rival ala deum artista que ajusta coisas umas s outras de rma a criar elos qetenham ressonância sobre o que as pessoas sentem. A questão o queestá a ser expresso deixa de ser relevante.

O que importa é se isto fca bem (do ponto de vista emocional)com aquilo Estas noções de fcar bem e de ajustamento zem lem-

brar a noção mais rmal de conrmidade de que alámos no capí-tulo anterior quando discutimos a estética da vida quotidiana. Naarte como na vida a conrmidade é a chave do sucesso estético.Queremos que as coisas estejam de acordo umas com as outras e deuma maneira que também combine connosco. Isto não signifca quea dissonância e o conito não tenham lugar nos projectos artísticos. óbvio que têm. Porém a dissonância e o conto podem também

ajustarse como no caso das nove notas dissonantes criadoras declima da décima sinnia de Mahler ou no da áspera consão doencontro de Hamlet com a sua mãe.

O valor da e

As obras de arte podem ser admiradas por dierentes motvos. Podem ser tocantes e trágicas melancólicas ou alegres equilibradasmelodiosas elegantes excitantes. Embora a beleza e o signifcadoestejam ligados na arte algmas das obras com maior signifcadodos tempos recentes são inequivocamente eias e mesmo oensivaspelo seu impacte chocante pensemos em A Suivorom Warsawde Shoenberg em O Tambor de Gnter Grass ou em Gueica dePicasso. Dizer que estas obras são belas é de certo modo diminuir emesmo banalizar o que elas procuram transmitir. Todavia se a bele

za é apenas um valor estético entre muitos outros porque é que umateoria da arte deve dizernos algo a seu respeito?

A relação estabelecida por Schiller entre arte e divertimento emSobre a Educação Estca do Ser Humano nma Srie de Cartas, z al-guma luz sobre o assunto. A arte sugere Schier tiranos das preo

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E E Z A

cupações páticas do diaadia, pondonos peante objectos, caac

tees , cenas e acções com os quais podemos divetinos e dos quaispodemos etia contentamento pelo que ees são e não pelo quezem po nós. Também o atista se divete, constuindo mundosimagináios com o espontâneo contentamento das cianças, quandoestas dizem «Vamos ze de conta!», ou poduzindo objectos quecam as nossas emoções e zem com que possamos pecebêlase apeeiçoálas, como z Beethoven nos últimos quatetos. Estaactividade , agumentou Schie, é po de mais necessáia, já que nos

encontamos divididos, nas nossas vidas quotidianas, ente as seveaseigências da azão, que equeem que vivamos segndo as egas, eas tentações dos sentidos, que nos impelem a imos paa a ente embusca de novas epeiências. No divetimento, elevado pela ate aonível da contemplação live, a azão e os sentidos econciliamse eénos conedida uma visão da vida humana como um todo .

Ao apecia a ate, dvetimonos . O atista também se divete ao

ciála. O esultado nem sempe é beo , ou beo num sentido pevisí-vel. Mas esta atitude údica enconta satisção na beleza e no sentido de odem que mantém o nosso inteesse e que nos impee a po-cua o signifcado mais pondo do mundo sensoial. Deste modo,a pati do momento em que nos empenhamos em gea e apeciaobjectos como fns em si mesmos, e não como meios paa satiszeos nossos desejos e popósitos , queemos ve neles uma odem e umsignifcado. Esta «aiva abençoada pea odem» está logo pesente

no pimeio impulso da ciação atística; e o ímpeto que que impoodem e signifcado na vida humana, atavés da epeiência de agoencantado, é a motivação subjacente ate em odas as suas mas.A ate esponde ao enigma da eistência. Ela diznos porque eis-timos ao imbui as nossas vidas de um sentido do ajustamento dascoisas. Na sua ma mais elevada, a beleza toase na justifcaçãode si mesma, edimindose da contingência pea ógica que liga o fm

das coisas ao seu começo, tal como se enconta no Paraíso Perdido,no edro e n' Anel dos Nibelungos. A ma mais elevada de bee-za, eempifcada nestas ealizações aísticas supemas, é uma dasmaioes dádivas que a vida nos dá. Ea é o vedadeio supote dovao da ate, pois é aquilo que a ate, e só a ate, pode da.

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Beleza e verdade

A percepção de Keats do vaso gego com a sua mensagem A elezaé verdade; a verdade eeza é tudo/o que na terra saemos e tudoo que precisamos de saer» surge de um derradeiro ohar sore ummundo que desapareceu. Porém regista uma experincia comum.As nossas oras de arte voritas parecem guiarnos para a verdade

da condição humana e pondo diante de nós exemplos de acções epaixões humanas consumadas liertas das contingncias da vida doquotidiano mostramnos porque vae a pena a vida humana.

Esta ideia esclarecese porentura melhor através de um exemplo.Saemos o que é amar e não ser correspondido e andar por essarazão perdidos no mundo envenenados pelo desânimo desolador.Esta experincia em toda a sua desordem e aritrariedade é umaexperincia pea qual todos temos de passar. Mas quando Scuert

em Winteeise, explora o tema numa canção descorindo melodiasdelicadas que uma após a outra iluminam os muitos recantos de umcoração destroçado vislumramos uma ordem dierente. A perdadeixa de ser um acidente tornandose em vez disso num arquéti-po cua eeza a música leva para á do alcance das palavras uindoso o impulso da melodia e da harmonia para uma conclusão quepossui uma lógica artística irresistível. como se olhássemos ata

vés da perda contingente do protagonista do ciclo de canções paraum tipo de perda completamente dierente: uma perda necessária,cua usteza reside na sua completude. A eleza atinge a verdadesuacente a uma experincia humana mostrandoa sob o aspecto danecessidade

Acho dicil expressar esta ideia. E estou consciente da lição quetemos de tirar das disputas sore rma e conteúdo. Reerirnos verdade contida numa ora de arte impica sempre arriscar o eeito

corrosivo da questão: que verdade? E no entanto esta questão temde ser reeitada. A intuição que a arte conere está apenas dispo-sição so a rma pela qual ela se apresenta. Reside apenas na ex-perincia imediata cuo poder consolador consiste em remover aaritrariedade da condição humana ta como a do soimento é

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sperada pea tragédia e a aritrariedade da rejeição pelo ciclo de

canções de Schbert.Kant alo, neste âmbito, de «ideias estéticas indicações emrma sensória de pensamentos qe são inexprimíveis como verda-des literais, ma vez qe estão para lá do alcance do entendimento.Mas as reseras de Kant são demasiado severas, pois podemos zerjízos comparativos; e estes ajdam a detalar a ideia de ma verda-de para lá da ora, para a qa a obra aponta. Por exemplo, odemospergntar se aqilo qe é captrado por Scert o é também por

Maer nas sas Leder enes Fahrenden Geseen. E a resposta é mrotndo «não. A música de Maher tem m carácter atoreeren-cial qe, de certo modo, dimini o se signifcado niversal. Umamaneira de expressar esta oseação passa por dizer qe o ciclo decanções de Maler não expressa com verdade a experiência a qealde perde de vista a realidade da perda, aandonandose ao des-gosto por ma perda qe verdadeiramente não se lamenta. Compa-

rada com esta bela, mas impereita, obra de arte, a slime atenti-cidade da de Schert tornase imediatamente evidente.

Arte e moradade

Drante o séclo srgi o movimento da «arte pela arte, lpour lrt. As palavras são de Théophile Gatier, qe acreditava qe,se a arte deve ser valorizada por si mesma, deverá ser separada deqalqer propósito, inclindo aqeles qe respeitam vida mora.Uma ora de arte qe moraliza, qe se esrça por tornar melhor ose aditório, qe desce do pináclo da eleza pra para se entregara ma casa social o didáctica, oende a atonomia da experiênciaestética, trocando o valor intrínseco pelo instrmental e perdendoqalqer pretensão de eleza qe pdesse ter.

Uma ora de arte qe se preocpa mais em transmitir ma men-

sagem do qe em compraze o se aditório é certamente deei-tosa. Oras de propaganda, do género das escltras realistas doperíodo soviético, o (o se eqivalente em prosa) do Don Slenciosode Miail Sholokhov, sacrifcam a integridade estética correcçãopolítica, o carácter caricatra e a intriga ao sermão. Por otro ado,

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aquilo qu m part criticamos nst tipo d obra é a sua falta de

autenticidade As liçõs qu nos são impingidas não são xigidas plahstória nm são lustradas as suas fguras caractrs xagrados.A mnsagm d propanda não z part do signifcado stético.Ao invés é algo qu h é stranho uma intusão do mundo quot-diano qu só prd podr prsuasivo quando nos é imposto no mioda contmplação stética.

Num sntido oposto xstm obras d art qu contêm mnsagns morais intnsas molduradas stticamnt. Considrs o

Pilim Proess d ohn Bunyan. A dsa da vida cristã é aqui ncarnada por caractrs squmáticos por algorias transparnts.Porém o livro é scrito d um modo tão dircto com uma atitudtão gnuína no sopsar das palavras a sridad d sntimntoqu a mnsagm cristã tornas uma part intgral dl surg assimtão bla graças convicção das palavras. Encontramos m Bunyanuma unidad d rma contúdo qu nos impd d rpudiar a

obra tomandoa por mro xrcício d propagada.Isso não impd qu possamos adirar Pilim Proess pla suaautnticidad ao msmo tmpo rjtar as crnças qu lh subja-zm. Bunyan mostra a ralidad viva do discipulado cristão. Atusjudus muçulmaos podm ncontrar vrdad na históra: vrdasobr a condição humana sobr o coração qu na dsordm davida vislumbra a sprança d um mundo mlhor. Por outro lado omoralismo d Bubyan não ond visto qu rg d xpriências

honstamnt captadas vivamnt cossadas.Às obras d art stá vdado moralizar plo simpls motivo d qu

a moralização dstrói o vrdadiro valor moral das próprias obrasqu dpnd da nossa capacidad para abrirmos os olhos aos outros para disciplinarmos o nosso apgo vida tal como la é. A art nãoé moralmnt nutra possuindo no ntanto um modo próprio dzr d justfcar algaçõs morais. Ao trazr suprci a com-

paixão ond o mundo a rcusa um artista pod como Tolstoy mAnna Karenina, opors s obrigaçõs d uma ordm moral dmasiado aprtada. Por outro lado ao romantizar caractrs qu nãomrcm tal tratamnto um artista pod como Brg ( W dnd)m Lulu, conrir ao narcisismo ao goísmo um podr d atracção

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enganador. Muitos dos deitos estéticos em que a arte incorre são

também deeitos morais sentimentalismo, insinceridade, arisaís-mo, o próprio moralismo. Todos envolvem insuciência a respeitodaquela autenticidade moral que, na secção anterior, me levou a lou-var o inulrapassável ciclo de canções de Scubert.

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uma cultura democrática, as pessoas tendem a acre-ditar que é presunçoso dizer que se tem melhor gos-to do que o vizinho, porque, ao zêlo, estaríamos

implicitamente a negar o direito de a pessoa ser aquilo que é Vocêgosta de Bach, ele gosta dos U2 você gosta de Leonardo, ele apreciaMucha; ea gosta de ]ane Austen, você adora Daniele Steele Cadaum existe echado no seu próprio universo estético e, desde que nenhum cause mal ao outro e diga bomdia do vizinho da ado, nada

mais há a apontar

O objectivo comum

As coisas não são tão simpes como o argumento democrático zcrer Se é tão oensivo oar de to para o gosto alheio, isso é assim,como recoece o democrata, porque o gosto está intimamente li

gado nossa vida pesso e nossa identidade moral Faz arte danossa natureza racional esrçarmonos por uma comunão no juízo, por uma concepção partilada do valor, pois é isso que a razãoe a vida mora requerem E este desejo de um consenso reectidotransborda para o sentido da beeza

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Descobrimos isto assimque levamos em consideração o impacte

públco dos gostos privados A sua vizia enche o jardim de sereiaskitsch e de gnomos da Disneylândia, poluindo a sta que você tem dasua janela; a sua vziha opta por um ridículo estilo Costa Brava ao de-senhar a casa, pitandoa com cores básicas brilhantes que arruínamcompletamente a atmosera tranquia da a, e assim por diante Ora,o gosto da vizinha deou de ser um assunto privado e zse sentir nodomínio público Começa uma disputa: você queixase Cara Mu-ncipal, armentando que a casa e o jardim da sua vizinha não estão

de acordo com o resto da rua, que esta zona da cidade i planeada se-gundo o estilo pombalino que deve ser mantido, que a casa colide comas chadas dos edicios adjacentes um caso ocorrido recentemen-te em Inglaterra, um proprietário, inuenciado por modas vindas dasescolas de arte, erigiu no seu telhado uma escutura de um tubarão deplástico, querendo dar a aparência de um peixe de grandes dimensõesque tinha caído sobre as teas e entrado pelo sótão adentro Os pro-

testos dos vizinhos e da autoridade ue regula o planeamento condu-ziram a uma longa disputa legal, que o proprietário um americanoque já não vve na casa acabou por ganhar

Sabemos por experiência que há a este respeito muito a dizer eque a argumentação não aspira a uma vitória por quaisquer meios,mas antes pela criação de um consenso A noção de comunidade de assentimento sobre os juízos que tornam possível a vida social eque zem com que esta valha a pena está implícita no nosso senti

do da beleza Esta é uma das razões que justifcam a existência de leisde planeamento que nas grandes épocas da civilização ocidentaleram bastante apertadas, controlando a altura dos edicios elsín-quia do século x1x) os materiais a serem usados na constrção (Parisdo século xvm) as telhas a serem usadas (Provença do século xx) emesmo as ameias dos edicios que dão para a via pública eneza,do século xv em diante)

Este desejo de consenso não se confna ao domínio público doplaneamento do espaço edifcado e dos jardins Pensemos na rou-pa, na decoração de interiores, na ornamentação do corpo: tambémaqui podemos fcar beira de um ataque de neos, podemos serexcluídos ou incluídos, sentirnos dentro ou ra da comunidade;

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além disso, esrçamonos por zer comparações e por discutir as

coisas por rma a alcançarmos um consenso no qua nos sintamosconrtáveis. Muita da roupa que usamos tem um carácter de uni-rme, sendo concebida para exprimi e confrmar a nossa qualida-de de membros inoensivos da comunidade (o to de executvo, osmoking, o boné de basebol, o unirme escolar), ou, quem sabe, asolidariedade para com aqueles que vvem nas margens da ei (o estilo « condenado» dos gangsta americanos). Outo vestuário, comoas roupas de esta das muleres, é concebido para atrair as atenções

sobre a nossa indvidualidade sem oender as boas maneiras. Comosugeri anteriormente, a moda é parte integrate da nossa naturezade seres socias. Ela surge dos (e amplifca os) sinais estéticos pelosquais tornamos a nossa identidade socal conecida do mundo. Começamos agora a ver porque concetos como decoro e boas maneirassão parte integrante do sentido da beeza mas são conceitos cujoâmbito abarca igualmente a totaldade das esras estética e étca.

No entanto á artes que são prvadas, como a músca e a litera-tura. Porque queremos tato que os nossos flos aprendam a gos-tar das coisas que nós acamos belas? Porque fcamos preocupadosquando eles se sentem atraídos por literatura que, a nosso ver, é má,pouco estimulante, sentmentalista ou obscena? Platão acedtavaque os vários modos musicas estão lgados a características moraisespecífcas daqueles que dançam ou marcam ao seu rtmo, e que,numa cidade bem ordenada, só deviam ser permtidos aqueles mo

dos que são adequados para a rmação da alma virtuosa. Esta é umatese atraente e, a seu modo, plausível, embora Platão explque o con-ceito de «adequado» no quadro de uma teoria da imitação (mimesis)que perdeu entretanto a sua rça persuasiva.

Subjectividade e razões

Alguém pode dzer que não á aqu um verdadeiro argumento.O consenso, a ser alcançado, surge por outra via, por contio emocional, não pela razão. Digamos que você gosta de Brams e que euo detesto. Imnese que você me convda para ouvir as suas peçasvoritas e que, a partir de certa altura, elas me «batem». Se calar

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nuencado pela amzade que teo por s e, por sso , fz um es-

rço especal para ser aradável Como sso acontece, não se masse acontece, se eu fco a gostar de Brahms, sso não se deve a eu terchegado a uma conclusão raconal tratase de uma ateração comparáve ao que acontece s cranças , que acabam or vr a gostar deverduras se rem habtuadas desde cedo a comêas Uma experên-ca que consderavam repeente acaba mas tarde por atraílas e não um armento que as persuadu A transrmação do gosto nãoé uma «mudança de convcção», no sentdo em que a mudança de

opnão, ou mesmo de postura mora, corresponde a uma mudançade convcção Isto não sgnfca que não haja razões externas quejustquem a alteração do gosto Afnal de contas, exstem razõesexternas que ustfcam aquela progressão gradual ue leva a cran-ça dos hambreres para os brócolos As verduras são muto massaudáves, quem sabe até parte de um modo de vda superor, comodeendem os vega oré, estas razões são exterores mudança

de gosto Elas permtem raconazar a mudança, mas não produzla, vsto que não se trata de uma mudança uepossa ser operada pelaargumentação raconal

Estamos au perante culdaes ale a pena, contudo, med-tar sobre o e acnece relmente uando produzmos argmentossobre questões relatvas s preerêncas estétcas Suponhamos queestvemos a ouvr a aa Sinfonia de Brahms e que o letor per-guntame se goste Eu dgo: «Opressvo, bre, untuoso, denso»

ocê toca o prmero tema do prmero movmento no pano e dz«Escuta agora», nvertendo as sextas de modo a tornaremse terce-ras, e eu ouço o tema descer e subr em terceras peo tecado Vocêmostrame que as harmonas estão organzadas em progressões deterceras e que os temas ue se sucedem desenvolvemse a partr damesma célula melódca e harmónca que gerou a meloda de abertura assado pouco tempo eu compreendo que há aqu uma espéce

de mnmalsmo, ue tudo emerge de uma semente onde todo o ma-teral muscal está concentrado Assm que percebo que é sto o queacontece, tudo, subtamente, me soa bem a opressão e a untuosdade desaparecem num ápce e, em vez deas, oço uma bela planta quedesabrocha e começa a orr

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R O G S C U T O N

Pensemos noutro exemplo. Estamos a olhar para um «Nocturno»

de Whistler. Você achao insípido e talvez (seguindo o célebre juízode Rusn) repreensível devdo atenção excessiva dada aos eeitostransitórios e recusa de exporar realidades mais prondas. Vocêdiz que a pintura não retrata as diga e difcldade da vida moderna;ea põe charme e evocação onde, de cto, há trabao e elora-ção. E tudo isto está sumarizado no título Noctuo em Cinza e Prata,como se sse possível abstrairnos da energia humana que i responsável por este eeito e achar que nada mais há do que um jogo de

cores suaves.

Whisler, Noo Cin Praa: sombra supercial ouescuridão mais pronda?

Está bem, respondo, pode ver as coisas dessa manera, mas a pin-tura não se limita a ser uma impressão, a sua qualidade sombria dábem ideia de quanto as pessoas e os seus projectos tornaram o mun-do um lugar mais negro. Não há aqui negação do trabalho e da explo-ração, mas, pelo contrário, uma tentativa de ver naquee momentosombrio a extensão do abuso humano sobre a Natureza. O títuo

dános essa ideia. De cto, um «nocturno» é uma criação humana,uma criação recente, desconhecida antes da revolução industrial eda retirada da classe dos proprietários para os salões, nos quais esbeltos estetas ao pano lhes proporcionavam um serão agradável.O prateado e o cinzento são as cores da viuvez e a atmosera da pin

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tra expressa m reconecimento melancólico de qe, graças in-

dústria mana, o brilo do mndo será doravante artifcial. Parajstifcar este juío, camarei a atenção para as gradações de corpara as rmas qe se destacam na tela, qe são coisas manas epara os pontos de l, também eles les prodidas pelo Homem.À media qe a nossa discssão prossege, traendo l as dasinterpretações rivais da pintra como pra impressão o como co-mentário social , o aspecto da pintra mdará talve de ma para aotra, de modo a dar a impressão de qe a pintra contém ma lição

lembrarnos de qe podemos, até certo ponto, escoer entre die-rentes visões do novo mndo indstrial

Podemos encontrar este tipo de oscilação do aspecto das coisasem exempos mais simples e óbvios, como o o célebre patocoelode Wittgenstein. Pode acontecer qe aja maneiras, correcta e incorrecta, de ver estas fgras e qe se possa persadir racionalmentema pessoa a deixar de ver m pato onde ela devia ver m coelo

(por exemplo, se a fgra aparece nm pacote de comida para coeos). Tais casos não são excepcionais. Pelo contrário, em cadapintra onde existe perspectiva á escolas a er, a respeito dotamano qe se deve atribir a cada fgra e da distância entre osdierentes planos. O raciocínio neste contexto será do tipo qe re-eri a propósito da pintra de Wistler, o seja sobre o signifcadoda pintra e acerca do modo como a pintra deve ser vista se o sesignifcado, por assim dier, nela habita

A crítica da poesia também sege este padrão. Qando você des-creve «Ó rosa, estás doente/o verme invisível/qe voa na noite», deBlake, como ma evocação do desejo sexal e do verme do ciúme ee respondo com ma teoria sobre a iconologia cristã do poema einterpreto o verme e o leito de rbro praer, respectivamente, comorepresentando a lria e a ama, você começa a ovir as palavrasde modo dierente aqele «negro amor secreto» gana uma nova

ressonância, qe nada de bom oira para a sa vida. Este exercíciocrítico não di apenas eis o qe o poema signifca, como se ssepossível pôr de parte o poema e ter acesso ao seu signifcado atravésda mina tradção sperior. A poesia não é apenas m meio paratransmitir o signifcado qe contém, como se ma tradção pdesse

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R O G E S C U T O N

zêlo tão bem como ela Quero que a sua experiência do poema

seja dirente e o eu argumento crítico aspira precisamente a cau-sar essa mudança na sua percepção

O argumento pode ser reeito a propósito da arquitectura, da es-cutura, dos romances e das peças de teatro; pode ser também rei-to a propósito de objectos naturais, de paisagens e ores Em cadaum dos casos reconhecemos que há um raciocínio cuja fnalidade éproduzir uma mudança de percepção ém disso, o argumento quenão tenha por fm uma mudança de percepção não pode ser consi-

derado um argumento crítico, não corresponderia a uma reexãorelevante sobre o seu objecto enquanto objecto de juízo estéticoPode confrmarse isto se considerarmos como se pode responders seguintes questões: achas que o Grand Canyon é de cortar a res-piração? O Bambi é tocante ou kitsch? A Madame Bova é tricaou cruel? A Flauta Mágica é inntil ou sublime? Estas são questõesreais e também são questões bastante controversas Seja como r,

argumentar sobre eas signifca apresentar uma expeência comosendo a experiência apropriada ou coecta.

Em busca da obectividade

Suponhamos que se aceita, em linhas gerais, auilo que ainda agoradeendi, nomeadamente que existe uma espécie de raciocínio quetem como fm o juízo estético e que este juízo está ligado experiên-cia daquee que o z Podíamos, ainda assim, perguntar se este tipode juízo é objectivo, no sentido de estar enraizado em (e de invocar)critérios que persuadem todos os seres racionais Parece haver im-portantes considerações que apontam no sentido contrário

Em primeiro ugar, o gosto está enraizado num contexto cultu-ral alargado e uma cutura não é universal (pelo menos no sentidoque aqui temos em mente) Toda a razão de ser do conceito de cul-

tura é defnir as drenças signifcativas que existem entre as váriasrmas de vida humana e a satisção que as pessoas retiram delasConsiderese os ragas da música clássica iniana Eles pertencem auma longa tradição de audição e execução, e esta tradião dependeda disciplina associada a rituais religiosos e a uma vida de devoção

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E E Z A

As convenções, alusões e aplcações essoam nas mentes e nos ouv

dos daqueles que tocam e apecam este tpo a músca e a deençaente uma boa e uma má execução não pode se detemnada poctéos usados paa avala a execução de uma snna de Mozatou de uma peça dejazz.

Em segundo luga, como salentado no Capítulo não há umaelação de tpo dedutvo ente as pemssas e a conclusão, quando aconclusão é um juízo de gosto. Tenho sempe lbedade paa eje-ta um amento cítco , o que não acontece quando estou peante

uma neênca centífca válda ou uma alegação moal válda.Fnalmente, temos de econhece que qalque tentatva paa

especfca ctéos objectvos é uma ameaça ao pópo empeendmento a que se pocua aplca um juízo. As egas e pecetosexstem paa seem ultapassados e, uma vez que a ognaldade e odesafo otodoxa são ndamentas no empeendmento estétco,há um elemento de lbedade qe z pate da poca da beeza,

que seja a beleza mínma dos aanjos quotdanos que as supeo-es belezas da ate.Como podemos esponde a estes amentos? meo, é pe

cso econhece que a vaedade cltual não mplca ausênca deunvesas tanscultuas. Também não mplca que esses nve-sas, a exstem, não estejam enazados na nossa natueza ou quenão se almentem dos nossos nteesses aconas a um nível mtondamental. A smeta e a odem, a popoção, o acabamento, a

convenção, e também a novdade e a exctação, tudo sto paece mpessona apsique humana em geal. Clao que todas estas palavassão vagas e muto ambígas, podendo mesmo objectase que os sg-nfcados em que elas se podem pulveza coespondem pecsa-mente aos snfcados dados pelas deentes cultuas que dvdema espéce humana. A Alta Idade Méda olhava paa o ntealo dequata como hamonoso e paa o de tecea como dssonante. aa

nós é o oposto, se alma cosa. A hamona paa os Gegos conssta numa elação ente os sons sucessvos de uma meloda e não naconsonânca de notas smultâneas, e assm po dante.

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R G S T O N

Objctvdd unvrsdd

Isto lvanos a uma obsação mais impotant, a sab: no qu rspita ao uízo stético, a obctividad a univsalidad aparcmspaadas Na ciência na moralidad, a pocua da obctividadcorspond busca d sultados válidos univsalmnt, qu têmd s acits po qualqu sr acional No uízo d blza, a po-cua da obctividad tm a vr com mas válidas lvadas dxpiência humana, nas quais a vida pod ori d acodo com assuas ncssidads atingir a ição qu tstmunhamos no con-tacto com o tcto da Capla Sistina, com Parsal ou com HamletA agumntação cítica não tm m vista mostrar qu tems, poxmplo, d gostar d Hamlet O su to é xpor a visão da vida hu-mana qu a pça contém as mas d ptnça qu la vorc,psuadindonos do valo daqua Não s trata d arma qu sta

visão da vida humana é univrsal Isto não signica qu não s possaz comparaçõs tanscultuais: é ctamnt possívl comparar,por xmpo, Hamlet com uma pça paa maiontas d Chikamat-su Isso i á ito, d sto á obras d tato aponês qu satiri-zam a vida humana (a comédia kabuk Hkad, po xmplo) obrasqu a xaltam, plo qu a qustão d sabr s Le Marage de Fgaro,d Baumachais, trata a sxuaidad humana d uma ma maisponda do qu Hkad é uma qustão qu z todo o sntido

A obcção qu lmbra qu as azõs stéticas são puramnt su-gstivas não z snão ritrar a idia, nomadamnt, d qu o uí-zo stético stá naizado na xpriência subctiva Assim é com ouízo da co E não é um cto qu as coisas vrmlhas são vmlhas azuis as coisas azuis?

Rgrs orgnldd

A obcção nal é, no ntanto, mais séia Pod hav gras do gosto,mas las não garantm a blza d uma oba d art, qu pod msmorsidir na transssão s as do gosto As quanta oito gasd Bach vidnciam todas as as da composição para ga, mboa

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o çam ativamente, mostrando omo as regras podem ser sadas

omo platarma para nos elevarmos a u nível de lberdade mais elevado. Obedeerlhes meramente seria ma reeita para a estnação,omo nos exeríios pelos qais se omeça as lições de ontraponto.

Também na arqitetra pode haver edios qe nós enaramosomo governados inteiramente por regras, omo o Pártenon Po-rém, não é isso qe explia a sa pereição. A serenidade e a solidezdo Páenon vêm ao de ima devido a esse «não sei qê» de riatvo a esala, as proporções, o detalhe , qe emergem qando a obediên

a s regras aaba. E, laro, há a beleza qe srge do desafo abertos regras, omo a Bibiotea Larentina de Migel Ângelo.

Miel Âelo, Eca Bblioca Lurnina belea e ordem escarnecendo das reras

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R G S U T O N

mais ou mnos óbvio qu não há na Naturza «obdiência s

rgras» ou «dsafo s rgras». No ntanto há simtrias, harmonias,proporçõs também o dsafo stético rsultant da inxistênciadstas coisas. Os pnsadors do século v qu dsjavam adoptr abza naural como paradigma do objcto d bom gosto, dprssaacolhrm o contrast d Burk ntr o sublim o bo. Tambémno caso da art podmos distingir com provito aqulas obras qunos comprazm dvido ordm, harmonia prição govrnadaspor rgras, qu xbm (como as gas d Bach, as Virgns Santíssi

mas d Bllini ou os vrsos d Vrlain), aqulas qu, po contrário, nos comprazm porqu dsafam prturbam as nossas rotinas,rbntando com as grihtas do conrmismo dstacandos datradição a qu prtncm (como o Rei Lear ou a Sexta Sinfonia dTchaikovsky). Todva, assim qu zmos s distinção prcb-mos qu té na obr as ordnada govrnd por rgras é impossí-vl xar um «padrão do gosto» apndo s rgras. Não são s rgras,

mas o s uso, qu nos ti num ga d Bc o numa Virgm dBlini. As qu procurm um pdrão nas rgras xpõms rtação, bastndo pr isso salintars qu a obdiência s rgrasnão é nm uma condição ncssári, nm uma condição sufcint, da bza. Pois, s ss sufcint podrímos, como já i dito,adquirir gosto m sgund mão s ss ncssária, a originalidaddixaria d sr um sina d êxto.

O padrão do gosto

Para ond dvmos olhar ntão, d modo a ncontrar pdrõs para ojuízo d blza? Ou srá ssa procura vã? Num cébr nsio, Humtntou mudar o cntro da discussão, rmnando mais ou mnoscomo s sgu: o gosto é uma rma d prrência sta é a prmissa, não a conclusão, do uízo d blza. Para xr o padrão, portanto,

dvmos dscobrir o juiz fddigno, aqu cuos gosto capacidadd discriminar sja o mlhor ia para. . .

Guia para uê? Há qui ua poncial circuridad: a blza éaquio qu o juiz fddigno é capaz d discrnir o juiz d confança é aqul capaz d discrnir a blza. Esta circularidad já dvia

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ser esperada. Para Hume, ver um objecto como belo é uma questão

de «dourálo ou manchálo com as cores do sentimento interno».O padrão, se existe, não reside nas qualidades do objecto, mas nossentimentos daquele que z o juízo. Assim, sugere Hume, livremonos das discussões inutíeras sobre a beleza e concentremonosnas qualidades que admiramos num crítico a fneza e o discerni-mento.

Estas considerações expõemnos, no entanto, a outro tipo de cepticismo: porque hãode ser estas as qualidades que admiramos? Se

parecia normal, na Escócia da época de Hume, admirar a fneza eo discernimento, hoje em dia as coisas não são assim, numa épocaem que a cécia e a ignorância tão injustamente deadas de partepelos austeros sages do Iluminismo exigem, e recebem, a sua quotaparte de atenção.

Não será melhor dear cair aqui o assunto? Penso que não.O argumento de Hume sugere que o juízo de gosto reecte o ca

rácter daquele que o z, que o carácer conta. As características dobom crítico, como Hume as concebia, apontam para virtdes que,segudo o seu pensamento, são vitais para uma boa conduta de vidae não apenas para a discriminação das qualidades estéticas. Em última análise , há tanta objectividade nos nossos juízos de beleza comonos juízos sobre a virtude e o vício. A beleza está, pois, tão rmemente enraizada na ordem das coisas como a bondade. Ela alanos,tal como a virtude, da realização humana: não das coisas que quere

mos mas das coisas que devemos querer, porue a natreza humanaas requer. Esta é pelo menos a mia crença. Procurarei justifcálanos próximos capítulos.

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sct qatro tpos de beleza a beleza hmana, comoobjecto de desejo; a beleza natral, como objectode contemplação; a beleza presente no qotdano,

como objecto da razão prátca; a beleza artístca, como ma rma desgnfcado e como objecto do gosto De manera a levar a dscssãopara m otro nível, pretendo consdera, neste capítlo, a nterac-ção entre o prmero tpo de beleza e o últmo. Colocare a qestãode como a beleza, como objecto de desejo, pode ser representada na

arte como objecto de contemplação. O argmento levarnosá masndo no conceto de ndvidaldade, rá lz sobre o desejo seale também sobre o empreendimento estético, dandonos razões parapensar qe há, afnal, m padrão do gosto.

Individulidd

Entre os animas, apenas os seres hmanos revelam a sa indvda-lidade peo rosto. A boca qe ala, os olhos qe olham, a pele qecora; tdo isto é sinal de lberdade, de carácter e de jízo e do éeressão concreta do carácter únco do E qe está no nterior.O grande retratsta rá com qe estes pontos salentes da epressão

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corpora reveem não somente os pensamentos do momento como

tamém as intenções de longa dração a postra moral e o atocon-ceito do indivído qe nees ressata.

Como saiento Kenneth Cark no se celerizado estdo soreo nu a éns deitada marca m corte com a antiguidade na qua adesa nunca i retratada em posição horizonta. O n deitado mostra o corpo não como ma estáta para ser adorada mas como umamher qe é desejada. Mesmo na Véns de Urbino o mais provoca-dor dos ns emininos de Ticiano a mlher atrai os nossos ohos

para o seu rosto qe nos diz qe esse corpo de mer apenas seoerece da maneira haita isto é ao amante qe pode enentarhonestamente o se oar. Para todos os otros o corpo está rade acance sendo propriedade íntima do ohar ue vê através dee não se trata de um corpo mas de ma encarnação usando a ingagem do Capíto 2 O rosto individuaiza o corpo ossio emnome da ierdade e condena todo o ávido ohar gaz como uma

vioação. O nu de Ticiano não provoca nem excita retendo a soeni-dade desprendida de ma pessoa cjos pensametos não são nossosmas ses.

A este respeito é interessante comparar as éns deitadas de Ti-ciano com os ns de François Bocher o rilhante pintor e decora-dor de ís X. Os nus de Bocher não são individaizados peosses rostos. De cto têm todos o mesmo rosto qe nem é seqerum rosto mas ma montagem de elementos ciais. Os áios ape

nas igeiramente astados como se espera de m eijo os ohosvivos so as pestanas m poco cerradas os contornos ovais das o-chechas penas de ruor odlado como velas nma risa de e-rão todos estes pormenores riantemente revelados a qaqerâno de oseação e seja qal r a z têm m único signifcadoo apetite sea. Os ohos oham para coisas mas apenas para as quena pintra são inconseqentes. Nenhma aa rota dees nenhm

ohar fxo qestiona incomoda o arreata. Tdo se mantém na saqietde de criatras demasiado astractas para se apropriarem davida. As Nereides em O Trinfo de Vén, por exempo não se dis-tingem da desa; todas são ma nica mlher e ao mesmo tempom número infnito deas instâncias separadas de m niversa ca

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E E Z A

ama; não são sequer corpos de anmas, pos ncluem o mode uni

versa do rosto humano ao qua ata o eu que anma e redme E estaausênca de uma ama degrada a pntura Ela é gracosa, atractva, de-coratva, uma peça de moba esplêndida mas bela? Não estamosmuito segros dsso

Beleza celeste e beleza terrena

tentador comparar O Triuno de Vénu com a sua predecessora,O Nascimento de Vén A Vénus de Bottce é, do ponto de vstaanatómico, uma carcatura dsrme, que nenhuma estrtura óssea,ou tensão muscular, mantém em pé O corpo é um apêndce de-samparado de um rosto melancólco que olha para o exteror, nãopara o obseador mas para lá dee e, no entanto, que mportâncatem sso? um rosto com o qua sonhamos, pelo qual suspramos,nesquecível, o rosto de uma muer idealzada e, portanto, não

o rosto de um mortal; não deixa, no entanto, de ser um rosto, quesmutaneamente ndvdualza e mstfca Não quer sto dzer que aVénus de Bottcell seja sensua tratase de uma Vénus da prmeraRenascença, que se move nas eseras ceestais e que está ra doalcance dos suspros humanos por sso que a pintura é tão assom-brosa Esta muher que é ruto do desejo está além do que o desejo,tal como sempre conhecemos, pode alcançar

ottice, O Nmento de V: p lá do desejo

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R O G E S C U O N

Com as Vénus deitadas de Ticiano j á não estamos num contexto

ceeste, mas com os pés bem assentes na terra, embora numa terrade segurança doméstica e de paixão conjugal. O rosto de um nu deTiciano é o de uma muer individua, qe conece o ambiente quea rodeia e que nee se sente competamente vontade. Ea recostase entre os tecidos, confando penamente no seu direito de posse,imersa numa existência que é mais pronda, mais inescrtáve doque o momento captado. O seu corpo reveasenos, embora ela nãonoo mostre. A Vénus de Ticiano não sabe, em princípio, que está

a ser observada, a não ser talvez por um cão ou por um cupido, cujostranquiidade e vontade apenas entizam o cto de os voyeursnão poderem incomodar a sua paz de espírito (que é também umapaz do corpo). Esta muher não se encontra num estado de excitação nem tem razão para se sentir envergonhada. Sentese vontadeno seu corpo e este sentimento está reectido no rosto. A vergonhasexa altera os contornos do corpo eminino e revease quer no

rosto quer nos membros, ta como nos é mostrado por Rembrandtna sua brihante pintura Susana e os Anciãos. Pondoa em paraelocom a Vénus de Ticiano, não evaremos muito tempo a ver que ocorpo na pintura de Ticiano nem está a oerecerse nem a esconderse, está apenas despreocupado na sua iberdade de ma pessoa quea carne revea. Misteriosamente, a beeza da pintra e a beeza damulher retratada são uma e a mesma beeza.

Rembrandt, ana os Anos a vergonha no coro

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E E Z A

A arte erótica

Anne Holaner escreve sobre a circnstância e o n ser, na nossatraição, mais espio o e esnao: m corpo marcao pelasrmas e materias alo e abitalmente o cobre. Em Ticia-no o corpo escansa, tal como ra se estivesse protego o nossoolar por m v m corpo vestio por ropas invsíveis. Assimcomo somos icapazes e separar o corpo e ma mler compe-tamente vestia o se rosto e personalae, tambm somos incapazes e zêlo o caso e m n e Ticiano Ao pintar o corpo domoo escrito, Ticiano spera a alidae esconia o corpo, asa natreza de ruto proibio Este eeito esapareceria se o rostosse sbstitío por um estereótipo prozio em srie, ao estiloe Bocer. Nele, o rosto go e aponta para o corpo, a sarazão e ser. Em Ticiao não temos bem o contrário isto, pois a

emoção presente na pintra resie certamente na coloração em tonse carne, na lz, na suaviae e na promessa e uma rma emini-na completa Só qe em Ticiano o rosto mantm a sa vigilânciasobre esta rma, afrmano o seu ireito e proprieae sobre ela,removenoa o nosso alcance. Tratase e arte erótica, mas não ,e too, arte concpiscente. A Vns não está a sernos mostraacomo m possível objecto o nosso esejo. Ela está a sernos negaa, a ser integraa na personalidae e calmamente ola por ae-les olos e que se ocupa e pensamentos e esejos próprios.

Quano aet pinto a mosa boulevardienne a Paris o scloXX na pose da Vnus e Ticiano, a sa intenção não era apresentaro corpo esta como um objecto sexual, mas revear m tipo de sb-jectividae mais rte . A mão na coxa da Oympia e anet não amão e Ticiano pinta, ecada nas carícias inocentes e que reposa com um toque delicao. uma mão e e experimentada, qe

lia com ineiro, qual mais c agarrar o qe acariciar; mamão e usaa para astar impostores, inaaptaos e epravaos.A expressão sabia não oerece nem escone o corpo, mas lá tem asua maneira de izer qe aquele corpo está completamente ao meuispor. Olympia irigese ao obseraor com um olar avaliaor,

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R ü G E S C T O N

Mane, / o coo desinibido

perspicaz um olhar autêntico , que é tudo menos erótico O grandebouquet de ores orecido peo criado deerente mostra quão til

é abordar esta mulher com gestos româticos A pintura capta umintenso momento de individuaização, um momento que tem relação, embora ironicamente, com o momento de individualização daénus de Ticiano Estamos na presença desta muher usando as lentes da sua própria consciência A relação entre identidade própria econsciência de si tornase vívida na rigidez do seu reclinar Ela nãorepousa na cama, antes parece pronta para dea puar uma bea

pintura, embora a sua beeza não seja a daquela muher que sobre oslençóis balança os seus chinelos

Eros e desejo

A questão evantada por Platão no Banuete e o edro mantémsetão pertinente hoje como o era na antiga Grécia: que lugar há, no desejo sexal, para o objecto individual? isto como simpes impuso,o desejo pode ser satiseito por qualquer membro do sexo reevanteNesse caso o indivíduo não pode ser o verdadeiro objecto do desejo ,uma vez que ele o u ela é apenas uma instância do homem o u da muher universais isto como rça espiritual, no entanto, o desejo éimete indierente ao indivíduo Se ee é visado, éo devido sua

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beleza e a beleza é um universal que nem pode ser consumido nem

possuído apenas contemplado. Em qualquer dos casos o indivíduoé irrelevante e é excluído o desejo ísico não o alcança e o amorerótico transcendeo. Quer na versão de Platão quer na dos medievais o indivíduo encarnado não existe como objecto do amor umsorriso sem carne posto em éter como o de Beatriz no Paraíso.

Gradualmente após a Renascença a perspectiva de Platão dacondição humana perdeu o encanto e os sentimentos eróticos começaram a ser representados na arte música e poesia pelo que são. Em

Véns Adónis de Shakespeare a deusa do amor veio defnitivamentedo céu para a terra tornandose não apenas num símolo da paixãosica como também uma vítima dela. Milton retoma a história noseu retrato de Adão e Eva uma representação dos «ritos misteriososdo amor conubial» na qual o corpo tem enorme importância nãocomo "instrumento mas enquanto presença sica da alma racional.O corpo deixa o sorriso em éter ao invés o sorriso realizase no cor

po embora como disse Milton « sorrisos da razão uem e são oalimento do amor». Assim Adão e Eva são seres totalmente carnaisestando «no Paraíso nos braços um do outro».

O objectivo de Milton não é dividir a deusa do amor como o ezPlatão mas mostrar o desejo sexual e o amor erótico como inseparavelmente ligados completandose e legitimandose um ao outro.Dryden em Inglaterra e Racine em França também retrataram oamor erótico como ele é a saber: um predicamento de indivíduos in

corporados para quem a vontade o desejo e a liberdade são eitos decarne. Estes escritores entenderam o amor erótico como uma espéciede cruz que a condição humana tem de carregar um mistério ao qual onosso destino terreno está ligado e do qual não podemos escapar semo sacricio de uma parte da nossa natureza e ecidade. No entantoa primeira Renascença orentina reteve a concepção platónica e medieval do erótico . A este respeito a distância que medeia entre Dante

e Milton tem paralelo na que vai de Botticelli a Ticiano. Enquanto amente platónica da dade Média e da primeira Renascença concebemo objecto do desejo como uma premonição do etéreo a mente modea vê o objecto do desejo simultaneamente como racional e mortal com todo o desamparo dor e tristeza que daí advêm.

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e e pornograa

A ascensã da alma pela mã d amr, que Platã descreve n edroé simblizada pela Adite U rânia, a énus intada pr Btticei,que, pr acas, i um ardente patónic e membr d círcu pla-tónic que girava em trn de Pic dela Mirandla A énus deBtticei nã é erótica é uma visã da beleza ceestial, uma visita-çã vinda de eseras de utra natureza, mais elevada, e um cnvite transcendência Ela é decert precursra, e a mesm tempdescendente, das virgens de Fra Fiipp Lippi: precusra, n seusignifcad précristã descendente, a abser td que i alcançad na representaçã da irgem Maria cm símbl da carneimaculada

A reabilitaçã pósrenascentista d desej sexua lançu s ali-cerces de uma arte erótica genuína, que viria a exibir ser human

cm sujeit e também cm bject d desej, sem que aqueledeasse de ser um indivídu livre, cuj desej é um vr cncedi-d cnscientemente ntud, esta reabilitaçã d sex levans alevantar uma questã que se trnu uma das mais imprtantes paraa arte e para a crítica da arte n nss temp: saber qual a dierença,se alma há, entra a arte erótica e a prngrafa A arte pde sererótica e também bela, cm n cas da énus de Tician Prém,nã pde ser bela e simultaneamente prngráfca assim crems,pel mens imprtante perceber prquê

A distingir erótic e prngráfc, estams realmente a distingir dis tips de interesse: interesse na pessa incrprada e interesse n crp e, n sentid que eu ten em mente, disinteresses incmpatíveis (Ver discussão no Capítulo 2.) O desej nrmal é uma emçã interpessal O seu prpósit é uma entrega livree mútua, que é também a uniã de dis indivídus, este e aquele,

através ds seus crps, decert, mas nã meramente enquanto cr-ps O desej nrmal é uma reacçã pessa a pessa, que prcura aidentidade que erece Os bjects pdem ser substituíds uns pels utrs, s sujeits nã Os sujeits , cm Kant persuasivamentedeendeu, sã indivídus livres a sua nã substituibilidade ligase a

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que eles essencialmente são. A pornografa, como a escravidão, é a

negação do sujeito humano, uma rma de ignorar o mandamentomoral que afrma que os seres livres têm de tratarse entre si comofns em si mesmos.

Pornograa sof

A ideia pode ser exposta luz de uma distinção eita no Capítulo A pornografa dirigese a um interesse da ntasia, ao passo que aarte erótica vai ao encontro de um interesse da imaginação. Assima primeira é explícita e despersonalizada, enquanto a segunda convi-danos para a subjectividade de outra pessoa, apoiandose na suges-tão e na alusão, em vez de na exibição explícita.

O propósito da pornografa é incitar o desejo vicariante; o da arteerótica é retratar o desejo sexal das pessoas nea representadas seela além disso também incita aquele que a vê como acontece por

vezes com Correio isso é um deeito estético uma «queda» noutrotipo de interesse que não aquele que aponta beleza. A arte eróticapõe, assim, um véu sobre o seu objecto, por rma a que o desejo nãopossa ser traduzido e expropriado pelo obserador. A suprema rea-lização da arte erótica é zer com que o corpoponha ele prprio umvéu sobre si dando própria carne uma expressão de decência queinterdita o voyeur, zendo assim com que a subjectividade do nu serevele mesmo naquelas partes que estão ra da esera da vontade. isto que Ticiano alcança, e o resultado é uma arte erótica ao mes-mo tempo serena e nupcial, que põe o corpo totalmente ra do al-cance do interesse sórdido dos «mirones».

Oemos agora para A Menina Ouhy de Boucher e veremosquão dierente é a intenção artística. Esta mulher adoptou uma poseque não poderia assumir se vestida. Tratase de uma pose que nãotem lugar na vida quotidiana tirando no acto sexual. Esta postura

atri a atenção para si mesma uma vez que a muler olha calma-mente para outro lado, não parecendo estar preocupada com algoem especial. A pintura de Boucher vai contra as normas da decênciaainda de outro modo, visto que não encontramos no quadro qual-quer razão que justifque a pose da Odalisca. Ela está sozina, não

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Boucher, A Menina Ouhy ('O/isque Blonde): o corpo impudente.

olando para algo em particular, não ocupada com outro acto quenão aquele que está vista O lugar do amante está ausente esperade ser preenchido, sendo o espectador convidado a ocupálo.

Há obvamente dirença entre a Odalisca e os peitos e traseirosna pina 3 do The Sun. Uma delas é a dirença geral entre pintu-ra e tografa a prmeira, uma representação de fcções; a sen-

da, uma apresentação de reaidades (mesmo se ajustadas pelas artesgráfcas ou pelo photosoware. O mínimo que se pode dizer é queo traseiro na página 3 do The Sun é tão real como parece e que oseu interesse reside nisso mesmo. A senda dierença está ligada primeira, ou seja, não temos de saber o que quer que seja acerca daOdalisca de Boucher, trando o que a pintura nos diz, para apreciaro eeito pretendido Houve um modelo que posou para esta telaNo entanto, nós não interpretamos a tela como o seu retrato, nem

como uma pintura em que a pessoa do modelo seja o tema. Os traseiros na página 3 do The Sun têm um nome e uma morada. Muitoequentemente, o texto que os complementa diznos muito acerca

' Scção do jo tablóide ês de mor crculação ond s odem ncontr to de mulheres opless ou mesmo nuas com o intuto produzirem feito d rtismo T

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B E E Z A

da própria rapariga encorajandonos a avançarmos com a ntasia

do contacto sexal. Para muita gente penso que com razão istoindicia uma dirença moral decisiva entre a página 3 do The Sun euma pintura como a de Boucher. A mulher da página 3 é empacotadacom base nos seus atributos sexais tomando lugar nas ntasias demilhares de estranhos. Ela pode não importarse com isso presu-mivelente isso não acontece. Mas pelo cto de não se importarela mostra quanto já perdeu. Ninguém é degradado pela pintura deBoucher uma vez que nenhuma pessoa real é representada por ela.

Esta muer mesmo se o modelo tem um nome e uma morada (elaera Louise OMurphy acomodada no Par aux Cers para prazer dorei) é apresentada como uma fcção de nenhum modo idêntica aum ser humano real não obstante ser pintada a partir da vida.

A questão mor

Não é cil movimentarmonos no pântano moral da pornografaso Numa época como a nossa em que as imagens mais cruas es-tão ao alcance de um toque no teclado em que o Supremo Tribunaldos EUA protege a pornografa hardcore por considerála «liberdadede expressão» e quando a sealidade hmana é discutida como sea modéstia a decência e o pudor nada mais ssem do que ilusõesopressivas é dicil condenar a página 3 do The Sun. Que mal podezer? Esta é a resposta natural e qando atacada por eministas dependor censório até nos é simpática. Mas não devemos enganarnosa nós mesmos como acontece com certos comentadores pensandoque o interesse pela página 3 do The Sun é um interesse pela belezapor um ideal de eminilidade ou por um valor mais elevado que serevela no texto. Pelo contrário a característica mais importante dasraparigas da página 3 do The Sun é que elas são reais sendo exibidascomo objecto sexual. Mesmo se temos para com elas uma atitude

tolerante e mesmo se têm o papel de compensar aquilo que altanuma vida privada de satisção sexual não devemos pensar que elascompetem no domínio do interesse estético (nem mesmo do inte-resse motivado pel A Menina Ouhy de Boucher) . A tela de Bou-cher encontrase na linha divisória entre o estético e o sexual auto

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rizando os nossos pensamentos a vaguear por território proibido,

embora não os alimente com o conhecimento de que esa mulheré rea e que está disponível e mão o conhecimento que causa osalto da iminação para a antasia e da apreciação estéica da belezaeminina para o desejo de abraçar uma instânia desta

A discussão sobre a Vénus de Ticiano indicia, penso eu, porqueestá a pornografa ra do reino da arte, já que ela é incapaz da belezaem si e porque implica a dessacralização da beleza das pessoas quea zem A imagem pornográfca é como uma varinha mica que

transrma sujeitos em objectos e pessoas em coisas, irandolhes,assim, o encanto e destruindo a nte da sua beleza Ela z comque as pessoas se escondam atrás dos seus corpos, como marionetasoperadas por cordas invisíveis Desde o cgit de Descartes, que aimagem do eu como um homúncuo interior ez cair uma sombrasobre a nossa concepção da pessoa humana A imagem cartesianaevanos a crer que vivemos a vida uando um animal pela coeira,

rçandoo a seguir as nossas ordens até que ele, por fm, entra emcoapso e morre Eu sou um sujeito; o meu corpo, um objecto Eusou eu; ele é ele Neste sentido, o corpo tornase uma coisa entre asoutras coisas e o único modo de resgatálo é afrmar um direito depropriedade; dizer: este corpo não é somente um velho objecto, masum corpo que m pertence assim, precisamente , que a pornografavê a relação entre a alma e o corpo

Há, no entanto, um outra, e mehor, maneira de ver as coisas Ela

epica muita daquela vea moraidade que hoje em dia muitas pes-soas dizem não compreenderem Segundo esta perspectiva, o meucoro não é propriedade minha, mas usando o termo teoógico aminha encarnação O meu corpo não é um objecto, mas um sujeito,tal como eu o sou Não sou mais dee dono do que de mim mesmoEstou misturado com ee inetrincavelmente Fazer qualquer coisaao meu corpo é o mesmo que zêlo a mim Por outro lado, se o meu

corpo é sujeito a um certo tratamento, a nha maneia de pensar ede sentir pode aterarse Posso perder o meu senso moral, tornarmemenos sensível e indierente aos outros, dear de azer juízos ou deser guiado por princípios e ideais Quando isto acontece não sou ape-nas eu o prejudicado odos os que me aam, que precisam de mim

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ou que comigo estão relacionados também soem com isso, pois

causei dano quela parte sobre a qual as relações são constrídas.A velha moralidade, que nos diz que vender o corpo é incompatí-

vel com a oerta do eu, toca numa verdade. O sentir sexal não é umasensação que se pode ligar ou dsligar conrme se quer. o tributode um eu a um outro e no seu auge uma revelação incandescntedo nosso ser. Tratálo como uma comodidade, que pode ser com-prada e vendida como qualquer outra, é causar dano ao eu de hojee aos de amaã. Condenar a prostituição é mais do que natismo

puritano, é o reconhecimento de uma verdade pronda: que nós onosso corpo não somos duas coisas, mas uma só; que ao vendermos ocorpo endurecemos a alma. O que é verdadeiro sobre a prostituiçãoéo também acerca da pornograa. Esta não é um tributo beezahumana, mas a sua dessacralização.

Beleza e eros

Neste capíulo concentreime na pintura, de rma a sublinhar aonteira entre arte erótica e antasa sexual. A minha intenção eravisitar pela útima vez a vea perspectiva platónica de que ers é go-vernado pelo princípio da beleza em todas as suas rmas, e mostrarcom mais pormenor como isto alseia quer a natureza do interes-se estéico quer o género de educação moral que a verdadeira arteconsegue alcançar. A beleza resulta de coocar a vida humana, sexoincluído, a uma distância tal que se toe possível vêla sem desgos-to ou prurido. Quando se perde esta distanciação e a imaginação éengolida pela ntasia, a beleza pode até permanecer mas será umabeleza degradada, uma beleza rçada a libertarse da individualida-de da pessoa que a possui. Perde o seu vaor e gaa um preço.

lém disso, a beleza humana pertence ao nosso estar num cor-po. A arte que «objectiva» o corpo, removendoo do domínio das

relações morais, nunca será capaz de captar a verdadeira beleza dasrmas humanas. A comparação entre a pornograa e a arte eróticamostranos que o gosto está enraizado no quadro mais aaado dasnossas prerências, que expressam e encorajam certos aspectos donosso carácter moral. A luta contra a pornografa é contra o interes

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se que ea see, de ver as pessoas reduzdas aos seus corpos, object

vadas como anmas, transrmadas em coisas e tornadas obscenas.Tratase de ago que muitos comungam, mas é um nteresse em con-to com a nossa humanidade. Ao mostrarme desvorável a esteinteresse, ponhome ra da esera do juízo �stétco e passo para oproblema da vrtude e da depravação sexuas. A pornografa oerece ,portanto, uma vívda ilustração da tese apontada no fnal do capítuloanterior. O padrão do gosto é ado pelas vrtudes do crítco e essassão testadas e provadas na vida mora.

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o pimeio capítulo distingui ente duas ideias de be-leza uma, denotando êxito estético; a outa, umama específca da pimeia, aquela com que nos

compazemos e com a qual estamos em sintonia, o aspecto que omundo apesenta Ao longo deste livo eeime a cetos objectosestéticos cujo sucesso não esulta necesaiamente de seem belos,neste sentido idealizado (ou poque são demasiado vulgaes, como as

oupas, ou poque ataem a nossa atenção, petubandonos, comoos omances de Zola ou as ópeas de BeApesa disso, a beleza mosta a sua ce mesmo em Zola e em

Beg; po exemplo, na bea invocação da jovem Fançoise e da suavaca na abetua de La Tee ou na igamente bea música com quea oquesta de Beg amenta Lulu Zola e Beg, cada um a seu modo,embamnos que a vedadeia beeza pode encontase até no queé gasto, dolooso ou decadente A nossa capacidade paa dizer a ver

dade sobe a nossa condição, em palavas cuidadas e em melodias tocantes , oeece uma espécie de edenção paa tudo isso A oba maisinuente da liteatua inglesa do século o poema A Tea Devastada de T S Eliot, desceve a cidade modena como um desetosem alma, mas o em imagens e alusões que afmam pecisamente

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R G E S U T N

aqilo qe essa cidade nega. A nossa própria capacidade de zer m

jízo destes é a retação fnal desse deserto. Se percebemos o va-zio da vida moderna é porqe a arte nos indica m outro modo de ser.O poema de Eliot oerecenos este otro modo de ser.

A Tea Devastada pertence tradição das lores do Mal de Ba-delaire da Madame Bova de Flabert e de The Golden Bowl de J a-mes. Descreve o qe é gasto e sórdido por palavras onde ressoa ocontrário disso no poema perpassa a capacidade de sentir de tercompaixão e de compreender. A nossa reacção obra reafrma a

vida mesmo nas sas rmas mais baixas. Esta «redenção pea arte»só ocorre porqe o artista aspira beleza no sentido mais restrito.E este é o paradoxo da cltrandesile ela contina a acreditar nabeleza ao mesmo tempo qe se ca em tdo o qe nos z dvidarda possibilidade de obter beleza ra do reino da arte.

Desde essa época a arte tomo m otro rmo recsandose aabençoar a vida hmana com algo semelhante a ma ideia de reden

ção. A arte na tradição de Badeaire ta como m anjo acimado mndo qe se encontra sob o se olhar. Não evita o espectácloda insensatez da malícia e da decadência hmanas. Porém convida-nos para m otro lgar dizendonos qe «l tot n'est q'ordre etbeaté:xe calme et volpté» . A arte mais recente cltiva a ostra da transgressão zendo coincidir a eadade daqilo qe retratacom a sa própria aldade. A beeza é degradada por ser conside-rada demasiado doce demasiado evasiva e demasiado ongínqa da

realidade não merecendo por isso a nossa desidida atenção. Asqalidades qe antigamente indiciavam lhanço estético são agoracitadas como marcas de scesso. Ao mesmo tempo a procra dabeleza é eqentemente olhada como ma ga verdadeira nçãoda criação artística qe consiste em desafar as ilsões conrtáveise mostrar a vida ta qa ea é. Arthr Danto chego mesmo a de-ender qe a beeza é enganadora enqanto fm e de certa maneira

oposta missão da arte moderna.Este movimento de ideias pode ser visto em parte como algoqe nos z reconhecer a natreza ambíga do termo «beleza». Masele envolve também a rejeição da beleza no se sentido estrito aafrmação de qe as velhas invocações da casa da paz do amor e do

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B E E Z A

contentamento são mentiras, e de que a arte deve daqui em diante

dedicarse verdadeira e desradável verdade da nossa condição.

Os modersts como descpa

O repúdio da beleza ganha rça com uma certa visão da arte mo-derna e da sua história. De acordo com muitos críticos da actualida-de, uma obra de arte justifcase a si mesma se r anunciada como

um visitante vindo do turo. O valor da arte é o do choque. A arteexiste para nos acordar do nosso predicamento histórico e para noslembrar a ininterrupta mudança, a única coisa permanente na natu-reza humana.

Os historiadores da pintura lembramnos assim constantementeo Salon d'Art de meados do século X I X arte que não era de modo algum arte, precisamente porque derivava de um repertório de gestosexaustos e da resistência com que i no início conontado Ma-net, que Baudelaire enaltecia como le peintre de la vie moderne».Esses historiadores lembramnos da grande rça que i ibertadasobre o mundo pela iconoclastia de Manet e das ondas de choquesoidas pelo sistema medida que as novas experiências ocorriam,uma a uma, até ao momento em que a pintura fgurativa acabou porser vista como uma coisa do passado.

Os historiadores da música, por sua vez, lembramnos a última

sinnia e os últimos quartetos de Beethoven, nos quais os constrangimentos rmais parecem ser eitos em pedaços por um poder titâ-nico; discorrem longamente sobre Tristão Isolda, cujas harmoniascromáticas, sempre em mudança, parecem querer levar a tonalidadeao seu limite, e também sobre a música de Stravinsky, Bartók e Shoenberg música que primeiro chocou o mundo e cuja justifcação ieita nos mesmos termos da abolição da pintura fgurativa. A velhalingem, dizem os historiadores, fcou exausta. Tentar prolongá-la é cair em lugarescomuns. A nova linagem i concebida parapôr a música no seu contexto histórico; para reconhecer o presentecomo uma realidade separada do passado e como uma nova expe-riência, que poderemos apreender apenas se a entendermos comoutra» em relação ao que se existia anteriormente. Porém, é no pró

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G S N

pro momento em qe apreendemos o presente qe nos tornamos

conscentes dele como passado, como algo ltrapassado

Tradição ortodoxia

Encontramos a mesma hstóra a respeto da arqtectra e da lteratra: a arte em gerra com o se passado, rçada a desafar osclchés e a lançarse nma va de transgressão Toda esta hstóra,

porém, almentase de exemplos qe pendem só para m ado dabalança No momento em qe Rothko, De Koonng e Pollock seempeavam nas sas experêncas (no me entender bastante repettvas), Edward Hopper prodza pntras fgratvas qe zamdele o pntor da vda moderna amercana tanto qanto Manet o rapara a Pars do séclo XIX No momento em qe Schoenberg atravaborda ra a tonaldade em vor da músca seral, J ancek compnha Kaa Kabanova e Sbels começava a sa grande sére de snnas tonas

Além dsso, h ma otra hstóra do artsta moderno, ma hstóra mas verdadera, qe é contada pelos grandes modernstas Essa éa hstóra narrada por T S Elot, nos ses ensaos e nos atro artetos, por Ezra Pond nos Cantos, por Schoenberg nos ses escrtoscrítcos e em Moisés e Abraão e por Pfzner em Palestrina Ela não dzqe o artsta moderno tem por objectvo o corte com a tradção,

mas antes recaptrar a tradção, em crcnstâncas para as qas olegado artístco poco o nada nos preparo Esta hstóra não vê ocarcter pretérto do momento presente, mas apenas a sa reaidadeacta, como o lugar a que chegámos, cja natreza tem de ser entendda como m contíno Se, nas crcnstâncas modernas, as rmase os estlos da arte têm de ser retos, não é com vsta a repdar avelha tradção mas a restarla O artsta moderno esrçase pordar expressão a realdades qe anterormente não exstam e qe sãopartclarmente díces de abarcar Mas não pode zêlo a não serrecorrendo ao captal esprtal da nossa cltra, como algo relevante para o momento presente assm que pode mostrar o presentecomo ele realmente é Para Eliot, e para os otros, portanto, nãopodera haver ma arte verdaderamente moderna qe não sse ao

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E E Z A

mesmo tempo uma busca da ortodoxia uma tentativa de capturar

a natureza da experiência moderna relacionandoa com as certezasde uma tradição viva.Podemos pensar como muita gente z acerca de Schoenberg

que o resultado é impenetrável, ininteligível ou mesmo eio, masessa não era certamente a intenção. Schoenberg, e também Eliot,procuraram renovar a tradição e não destruíla. Procuraram renováa para que a beleza, em vez da banalidade, voltasse a ser a nor-ma. A opinião de que as fnas linhas de Eaung de Schoenberg

são mais melodiosas do que as estruturas densas de uma sinnia deVaughan Wiiams nada tem de absurdo. É verdade que aquele pequeno melodrama contém um elemento de pesadelo que o asta dabeleza consoladora de uma canção de Schubert. Porém, o idioma deSchoenberg pode ser entendido como uma tentativa não só de compreender o pesadelo como também de restringilo de confnálodentro de uma rma musical que dá signifcado e beleza catástro-

e, tal como Ésquilo deu signifcado e beleza s rias vingadoras, ouShakespeare e Verdi terrível morte de Desdémona.Os modernistas temiam que a iniciata estética se distanciasse

da intenção artística plena e se tornasse vazia, repetitiva, mecânicae dominada pelo ch Pra Eliot, Matisse e Schoenberg, era óbvioque isso estava a acontecer, pelo que se ocuparam a proteger umideal estético que corria o perigo da corrupção pela cultura popular.Este ideal tinha associado a procura da beleza ao impulso de consa-

grar a vida humana e de atribuirlhe um signifcado que ultrapassasseo mundano. Em resumo, os modernistas queriam que o empreendimento artístico se reunisse ao seu propósito espiritul subjacente.O modernismo não i concebido como transgressão mas como re-cuperação um caminho árduo de regresso a uma herança de signifcado duramente conquistada, para que a beleza sse novamentehonrada como o símbolo presente de valores transcendentes. Não é

isto que se vê na arte actual, conscientemente «transgressora» e «desafadora», que é exemplo de uma ga beleza e não de um desejode recuperála.

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G E S U T O N

A ga beleza

Uma das obras mais adoráveis de Mozart é a sua ópera cómicaO Rapto do Sealho, que conta a história de onstanze, vítima denauágio e separada do seu noivo Belmonte, que i levada para oharém do paxá Selim. Na seqência de intrigas várias, Belmonte sal-va a rapariga graças clemência do paxá, que respeita a castidadede Konstanze, não tendo querido possuíla pela rça. Esta intriga

implausível permite a Mozart dar expressão sua ideia, típica doIluminismo, de que a castidade é ma virtude niversal, tão real noimpério mçulmano dos urcos como no império cristão do escla-recido José II (ele próprio pouco cristão). O amor fel de Belmontee de Konstanze inspira a clemência do pá. Mesmo se a visão inocente de Mozart não tem grande ndamento histórico, a sa crençana realidade do amor desinteressado está por toda a parte na sua

música e é deendida por ela. O Rapto propõe m ideal moral e assuas melodias compartilham a beleza desse ideal, apresentandoopersasivamente ao ouvinte.

Na prodção de O Rapto em 200 pela Ópera Cómica de Berlim,o prodtor Calixto Bieito decidiu montar a ópera num bordel berli-nense, representando Selim como chulo e Konstanze enqanto umadas sas prostitutas. Mesmo nas passagens onde a música é maisdelicada, acumulavamse no palco pares coplando e qualquer pre-

texto seria para exibir violência, associada ou não ao clímax sexual.A certa altura, ma prostitta é torrada de modo gratito, sendoos seus mamilos golpeados de rma realística e eitos em sangueantes de a rapariga ser assassinada. A letra e a música alam de amore compaixão, mas a mensagem tornase imperceptível no meio dascenas de assassínio e de sexo narcisista que enchem o palco.

Este é um exemplo do enómeno qe se tornou miliar em to-

das as áreas da cultra contemporânea. Este enómeno não mostraapenas qe os artistas, realizadores , músicos e outros que estão ligados s artes estão a astarse da beleza. Há um desejo de estragar abeleza através de actos de iconoclastia estética. Assim qe a belezacomeça a querer despontar, logo o desejo de evitar o seu encanto

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E E Z A

se esrça para qe a sa voz, ainda téne, seja abada por trás das

cenas de dessacralzação Isto porqe a beleza é exigente: é m cha-mamento para rennciarmos ao nosso narcisismo e oarmos para omndo com reverência (C o acerca de Cassio, «Na sa vida, elemostra todos os dias a belezaqe me torna eio», e o solilóqo deCl art em Biy Budd de Britten, enrecido contra a beleza qeexpõe a sa própria baixeza moral)

se a palavra «dessacralzação» para assm recordar a discssãosobre o sagrado no Capítlo 2 Dessacralizar é estragar o qe, sem

isso, pode estar parte, na esera das cosas consagradas Podemospronar ma igreja, ma mesqta, m cemitério, ma tmba; tam-bém ma imagem santa, m livro sagrado o ma cerimóna religiosa Podemos anda pronar m cadáver, ma imagem qerida, atémesmo m ser hmano vivo desde qe contenham (como realmen-te contêm) m poco dessa condção original extraordinária de m«estar parte» O medo da dessacralização é m elemento vital em

todas as religiões Com eito, é isso qe a palavra religio signicavaorginalmente: m culto o cerimónia concebidos para proteger mespaço sagrado do sacrilégio

ma pessoa qe não sinta a necessidade da beleza não pode serm ser realzado Essa necessidade advém da nossa condção meta-sica enqanto seres livres , qe qerem encontrar m lgar na es-ra pública Podemos errar por este mundo, alienados, ressentidos,cheios de sspeções e desconanças; o podemos encontrar aqi

o nosso espaço e vivermos em harmonia com os otros e connoscomesmos A experiência da beleza guianos por esta última via; eladiznos qe neste mndo estamos em casa, qe o mndo qe nós partida percebemos como tendo ma ordem é m lgar eito me-dida de seres como nós Todavia e esta é também ma mensagemdos primeiros modernistas , seres como nós não podem sentirseem casa neste mndo sem o reconhecimento da sa «qeda», como

admite Elot em The Waste Land. Assim, a experiência da belezaaponta também para lá deste mndo, para m «reino dos ns», noqal a nossa mortal nostalgia e o nosso desejo da pereição obtêmnalmente resposta Portanto, como viram qer Platão qer Kanto sentimento da beleza é algo qe não está longe da mentalidade

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R O G E S T O N

religiosa, srgindo da consciência hmide de se viver com imperei

ções, ao mesmo tempo qe se aspira mais elevada idade com otranscendetal.

Ohese para qalqer pintra de u dos grades pitores de pai-sens Possin, Gard, Trer, Corot, Cézae e verseá essaideia de beleza celebrada e ada em imens. Estes pitores não zem vista grossa ao soimento o s vastidão e ameaças do Universo,do qal ocpamos apeas m peqeo canto. Loge disso. Os pin-tores de paises mostramnos a morte e a decadência o próprio

coração as coisas: a lz sobre as colas desvecese gradalmente;as paredes das casas estão machadas e a car, como o estqe dasaldeias de Gard. Mas as imes apotam para a alegria sbjacete decadêcia e para o eterno qe o trastório presspõe.

Até nas apresetações brtais das vidas rstradas e maliciosasqe enchem os romaces de Zola ecotramos , seão a realidade dabeleza, pelo meos m vislmbre distate dela registado no ritmo

da prosa e as ivocações de qietde no meio dos sspiros teisqe condzem os caracteres aos ses objectivos. O realsmo, tatoem Zola como em Badelaire e Flabert, é ma espéce de tribtodesapotado a m mndo ideal. O tema é proo, mas prono pornatreza e ão porq o escritor tea escolhido proanar as pocas

u C Matima com Paaem conenameno na decadência

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B E E Z A

beleas e se lhe eparam A arte a essacraliação representa m

astamento ierente, qe evemos procrar compreener, poisestá no centro a eeriência pósmoerna

O srado o profano

A essacraliação é ma espécie e eesa contra o sagrao, matentativa e estruir as sas pretensões Na presença as coisas sa-

graas as nossas vias são jlgaas, e para escaparmos a esse jlga-ento estrímos a coisa e parece acsarnos

Mitos ósos e antropólogos, no entanto, pensam e a expe-riência o srao é m elemento niversal a conição hmana,não seno, portanto, evitaa cilmente As nossas vias são, a maiorparte o tempo, organiaas em nção e propósitos transitóriosocos esses propósitos são memoráveis o empolgantes Ai eali somos sacios para ra a nossa complacência e sentimos estar na presença e algo enormemente mais importante o e osnossos interesses e esejos Sentimos a realiae e algo preciosoe misterioso, qe nos estene o braço afrmano algma coisa enm certo sentio não é este mno Isto acontece perante a mor-te e especialmente perante a morte e alguém qerio Olhamoscom espanto para o corpo o al a via escapo Não se trata já ema pessoa, mas os ses «restos mortais» ste pensamento ános

ma sensação e estranhea Sentimos reltância em tocar o corpoo morto Nm certo sentio, oamos para ele como algo e não propriamente parte o nosso mno, ase como se sse mvisitante vino e ma otra esera

sta experiência é paraigmática o nosso encontro com o sa-grao xigenos ma espécie e recoecimento cerimonialO caáver é objecto e ritais e e actos e prifcação, estinaosnão apenas a enviar sem problemas para o Além aele qe era ose ocpante pois estas práticas ocpam mesmo aeles e nãoacreitam no Além , como também para ltrapassar o receio s-persticioso e a qaliae sobrenatral a rma hmana inanimaaO corpo é reclamao neste mno pelos riais, qe reconheceme ele também se sita para lá ele or otras palavras, os ri

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R G E S U T O N

tuas cosram o corpo, puricamno do seu miasma e zemo

retornar ao seu aterior estatuto de realidade ecarada Da mesmamaneira, o cadáver pode ser dessacralzado quando apresentado aomundo como um pedaço de carne de que alguém se desez Este ésegramente um dos primeros actos de dessacralização que as pes-soas coecem desde tempos imemoriais, como quando Aquiesarrastou em triu o corpo de Heitor em redor das muralhas deTróia

Existem outras ocasiões em que ago surpreendete também nos

z sair das preocupações d diaada Em particular, há a experên-cia de nos apaxoarmos Este é também um universal humao eé uma experiêca do mais estrao que há O rosto e o corpo doamado cam imbuídos de uma vida mas itesa, embora, num as-pecto crucia, sejam como o corpo de algém que morreu: parecemão pertencerem ao mudo empírico O amado oha para o amantecomo Beatriz o ez para com Date, de um ponto de vista exteror

ao devr das coisas temporais O objecto amado exige que o apreciemos, que os aproximemos dele com uma reverência quase rtua-lista, e daquees ohos e daquees membros irrada uma abudâciaespiritual que z de tudo uma ovidade

A rma humaa é para ós sagrada porque contém a marca daossa ecaração A dessacralização intecional da rma humaa,pela pornograa do sexo ou pea porograa da morte e da volê-cia, torouse, para muita gete, uma espéce de compulsão Esta

dessacralzação, que arruína a experiêcia da liberdade, é tambéma egação do amor querer rezer o mundo como se o amor delejá ão zesse parte E é esta, sem dúvida, a mais importate característica da cutura pósmoderna, exemplicada pela produção deO Rapto por Bieito uma cultura em que o amor está ausete, a qual,por ser perturbada pelo amor, tem medo da beeza

Idoltri

A dialéctica do srado e do prono é um tema cetral a Bíbliados udeus, em que Deus se revela constatemete nos mistériosque entizam o seu carácter sagrado e em que os eles são consta

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E E A

Poussn Os Iaet Dançando em Too do Bezeo de Ouro no mundo do mundo

temente tentados a pronálo, ao adorarem imaens e ídolos no seulugar. Porque áde Deus ser pronado pela idolatria e porque sãoas pessoas tentadas por ela? Porque decreta Deus o terrível castigogenocida dos Israelitas pelo pequeno pecado (segndo os padrõesactuais) de dançaram diante do bezerro dourado? Falta a Deus o sentido das proporções?

Estas pergntas assinalam a peculiaridade das coisas sagradas, ou

seja, que elas não admitem substitutos. Não á graus na pronação.A proanação consiste numa coisa única e unifcada: colocar um ou-tro no lugar daquilo que não admite substitutos o « aquilo quesou» ue é aquilo mesmo, de modo insubstituível, e que tem de seradorado por aquilo que é e não como meio para um fm que podeser alcançado de outro modo ou pela mão de uma divindade rival.A idolatria é o paradigma da pronação, visto que admite no seio daadoração a ideia de uma moeda de troca Pode entrarse no comérciodos ídolos, andando por aí a negociálos, eerimentando novas ver-sões, ver qual dá meor resposta s preces e qual atinge as meloresoertas no mercado. Tudo isto é proanação, pois signifca negociaraquilo que ao ser negociável perde o seu ser, ou seja o próprio objec-to srado.

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R G E S O N

Buda dourado: no mundo, mas não do mundo

O objecto de adoração deve ser posto parte, no mundo, mas nãodo mundo, de modo a ser invocado pela coisa única que é, na qua se

sumarza a consagra tudo o que tem sgnifcado nas nossas vidas «roubados como destinos», nas palavras de Larkin. isto que queremos dizer ao desgnálo como sagrado. A necessdade que temos detais objectos constitui uma questão pronda de antropologia; saberse essa necessidade tem correspondênca numa readade objectvaexistente será uma questão pronda de teologia. Mas é mportanteconsiderar a postura perante Deus que é advogada pela Bíba he-

baica. Embora seja, numa certa medda, uma inovação (como o é aprópria ideia de que ele é Deus, em vez de um deus), esta compreen-demos instintivamente, mesmo se não conseguirmos raconalizar ouecar porque tem ea tanta mportância na vida do crente

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E E Z A

Profanação

Eistem outas ocasiões em que pocuamos canos nalguma coisa, apeciála po apeciála, pela coisa que é; em que a nossa atitude,apesa de não se de adoação, é, apesa disso, ameaçada pela intevenção de substitutos O eemplo mais evidente tem sido consideado em váios pontos deste livo, a sabe: o inteesse seual, cujoobjecto é idealizado, mantido pate, pocuado não como uma comodidade, mas pelo que a pessoa em causa é Este tipo de inteesse ,

que designamos como amo eótico, está em isco O pincipal é aapaição de um substituto, seja ele de que tipo Como assinaleino Capítulo 2 uma das azões de o ciúme se dolooso tem cetamente a ve com o cto de alguém ve que o objecto do seu amo,algo que paa si ea sagado, i dessacalizado

Uma cua possível paa a do da dessacalização passa po umaga em ente paa a profanação total Po outas palavas, passapo destui todos os vestígios de santidade daquele que i anteiomente o objecto adoado, zendo dele meamente uma coisadese mundo e não apenas nese mundo, algo que nada é acima doseventuas substitutos que a qualque momento podem toma o seuluga A dependência cada vez mais genealizada da ponogafadevese a isto, ponação que emove inteiamente o vínculo seual do domínio das coisas que têm valo intínseco Ao etia todauma áea em que a ideia do belo se enaizou, a ponogafa pote

genos da possibilidade de ama a beleza e, consequentemente, depedêla

A outa áea em que esta ponação ocoe egulamente é a dojuízo estético Também aqui estamos a lida com uma atitude quepocua destaca o seu objecto, apeciálo pelo que ele é, olhálocomo insubstituível, sem substitutos possíveis e com um signifcadoque é dele insepaável Não digo que as obas de ate são sagadas,emboa algmas das maioes team nascido como tal, incluindo asestátuas e templos dos gegos e dos omanos e os altaes da Euopamedieval Contudo, afmo que as obas de ate zem, e fzeam,pate do esço humano paa idealiza e santifca os objectos daepeiência e paa apesenta imaens e naativas da nossa humanidade como algo que devemos meece, em vez de se simplesmen

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G E S U T O N

te algo que vivemos. Isto é verdadeiro mesmo se alarmos de obras

brutalmente realistas, como Madame Bova de Flaubert ou a Nanade Zola, cujo poder e qualidade persuasvos dependem do contras-te irónico entre as coisas tal como elas so e as cosas tal como aspessoas gostariam que ssem. Como suger, a tentaço para a pro-naço, que existe manestamente na esera sexual, também existeno plao do estético. As obras de arte tornamse objectos de des-sacralizaço e, quanto mais susceptíveis de serem alvo dessa dessa-cralizaço, mais elas parecem afrmar o seu estauto sagrado (daí a

repetida pronaço das óperas de Wagner por produtores que têmraiva s suas supostas reivindicações espirituais e se sentem delasastados).

Obseações antropoógicas

A cultura emerge quando procuramos estabeecer padrões que go-vernaro o modo como as pessoas chegam a consensos, tornando, aomesmo tempo, as pessoas mais dignas de admiraço e mais amáves.A cultura representa, portanto, um investmento de mutas geraçõese mpõe inúmeras obrigações que no so claramente expressas em particuar, a obrigaço de nos tornarmos derentes e melhoresdo que somos, de modo a que os outros nos aprecem. As maneiras,a moal, os preceitos religiosos e a normas comuns da decência trei-

namnos para isto e rmam a espinha dorsal de qualquer cultura.Claro que dizem apenas respeto ao que é comum e cimente en-snável

Tenho eito um grande esrço para salientar o cto de o juí-zo estético ser parte ntegrante dessas mas elementares de co-ordenaço social, e de o juízo estético levar naturalmente a outrasaplicações potencalmente «superiores» e mais estilzadas. O juízoestético procura constantemente astarnos dos nossos vulgaresdeeitos e impereções, voltandonos para um mundo de deais ele-vados. Contém, por sso, em si mesmo, duas causas permanentes decço. Prmeiro, porque nos insta a zer distinções respetantesao gosto, ao refnamento, compreenso que nos zem lembrarque as pessoas no so galmente interessantes, igalmente dignas

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R G E S U O N

e que sem diculdade evam a exeros. Estes pazeres não carecem

de qualquer capacidade cognitiva especial até os ratos de laorató-rio alcançam tais prazeres). O outro tipo de pazer deriva de um actodo entendimento. Não é uma satisção sensória do sujeito, mas uminteresse agradável no ojecto . Estes prazeres intencionais têm umadimensão cognitiva, procurando acançar o mundo a partir do eu,sendo o seu co principal não meamente sentir o prazer em si, maso ojecto que o provocou. Eles são, se quisermos , prazees objectivos,que apreendem a realidade da coisa para a qual se dirige. Os prazeres

dos sentidos são, pelo contrário, subjectivos Centramse na própriaeperiência e no que esta representa para aquele que a sente. Entreestes dois tipos de praze há todo um conjunto de casos intermédios como os prazeres do connaisseur de vinhos, que envolve um tipo dis-tinto de apreciação» , emora não dependa de uma interpretação doojecto em termos de conteúdo e signicado.

O prazer estético centrase no aspecto do ojecto que se apre-

senta, e isto eva as pessoas a assimilálo aos prazeres puramentesensórios, como os da comida e da eida. Uma tentação similaratormenta a análise do sexo. Existe um tipo de interesse sexal noqual o prazer sensorial anua a intencionalidade interpessoal e tornase associado a cenas de excitação impessoal e generalizada umaimagem ou tableau a que o sujeito ree compulsivamente. Este tipode interesse sexal pode cilmente toarse numa dependência.A tentação é suporse que este prazer despesonalizado e sensório é

o m verdadeiro em todas as rmas de desejo sexual e que o prazersexual é uma rma de prazer sujectivo anáogo aos da comida e daeida como explicou, por exemplo, Freud

Prazer e dependênca

Os estados de espito de natureza cognitiva raramente causamdependência, uma vez que estão sujeitos exploação do mundo edo encontro do indivíduo com um ojecto determinado, cujo po-der de atracção está ra do controlo do sujeito. A dependênciaacontece quando o sujeito tem completo controlo sore um prazere pode produzilo quando quiser. Tatase primariamente de um

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E E Z A

prazer sensorial e envolve uma espécie de curtocircuito da rede de

prazeres . A dependência caracterizase por uma perda de dinâmicaemocional ue inuenciaria uma vida virada para o exterior, umavida criativa em termos cognitivos, caso essa perda não sucedesse.A dependência do sexo não é, neste aspecto, dierente da dependência da droga e tem o verdadeiro interesse sexal o interesse nooutro, no objecto do desejo individual como inimigo. Poruê todoo trabalho de esperar pelos reconhecimento e excitação mútuos,uando há um atao para atingir as mesmas sensações?

Assim como existe uma dependência do sexo, ue surge uandodesligamos o prazer sexal da intencionalidade interpessoal do desejo, há também uma dependência do estímulo a necessidade de perturbação, de ter a atenção tomada, da agitação ue nos proporcione imediato entusiasmo ue surge uando desligamos o interessesensorial do pensameto racional. Esta patologia énos miliar e icaricaturada de modo interessante por Aldous Huxley, uando ala

dos «eelies» os flmes descritos em Admirável Mundo Novo ueaectam não só a vista e os ouvidos como também o tacto. Os jogosromanos tinham talvez algma semelhança com isto, ncionandocomo ataos para o espanto, horror e medo, ue rerçavam o sentimento de segrança subseuete e proporcionava o alívio visceralde «não ser eu a ser despedaçado na arena, mas outro». ambém ascenas de cinco segundos típicas dos mes de série B e dos anúnciostelevisivos ncionam provavelmente da mesma maneira montan

do circuitos de dependência ue mantêm os olhos colados ao ecrã.O contraste ue implicitamente tenho vindo a delinear, entre o

amor ue venera e o desprezo ue dessacraliza, tem paralelo no contraste entre gosto e dependência. Os amantes da beleza voltam a suaatenção para ra, na procura de um signifcado e de uma ordem uedê sentido s suas vidas A sua atitude ce coisa ue amam estáimbuída de juízo e discriminação e eles testamse a si mesmos no

cononto com ela, tentando zer ue auilo por ue sentem afnidade igale a ordem ue nele vêem.A dependência, conrme reerem os psicólogos, é uma nção da

recompensa c. O dependente é algém ue repetidamente carrega no interrptor do prazer, ue ge ao pensamento e ao juízo, per

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R G E S O N

manecendo, por isso, no domínio da necessidade. A arte é inimiga

da dependência do mero eeito, pois neste último a necessidade deestimulação e de excitação rotineira bloqueia o camio da beleza ele oerece o centro do paco aos actos de dessacrazação. Não deixade ser interessante perceber o que exlica o cto de esta dependên-cia ser tão virulenta. Todavia, qualquer que seja a elicação que seencontre, o meu argumento impica sempre o mesmo: que a depen-dência do eeito é inimiga não somente da arte como também da e-licidade, e que alguém que se preocupe com o turo da umanidade

deve tentar perceber como pode ser reavivada a «educação estética»,na eressão de Schiller, cujo objectivo é o amor pela beleza.

Santidade e kitsch

A arte, como nós a conhecemos, situase no limiar do transcendental. Ela znos olhar para lá deste mundo de coisas contingentes edesconexas, para outra realidade que dá vida humana ma lógicaemociona que z nobre o soimento e com que o amor valha apena. Por isso, ninguém atento beleza é alheio ao conceito de re-denção a uma transcendência fnal da desordem moral no «reinodos fns». Numa era em que a é está em declínio, a arte dá testemu-nho permanente da me espiritua e da nostalgia imortal da nossaespécie. Deste modo, a educação estética é mais importante hoje

do que em qualquer outro período da istória. Wagner deu expres-são a esta ideia: «É arte que cabe a savação da semente da é, namedida em que as imagens míticas nas quais a religião desejaria queacreditássemos acabam, pelo seu valor simbólico, por serem apreendidas através da arte pela representação ideal desses símbolos,a arte revela a verdade que neles está prondamente escondida».Portanto, mesmo para o descrente, a «presença rea» do sagrado éhoje em dia uma das mais importantes dádivas da arte.

nversamente, a degradação da arte nunca i tão aparente comohoje. E a rma mais generalizada de degradação é o ksch aindamais do que a pronação deliberada da nossa humanidade pela pornografa e vioência gratita , essa doença peculiar que imediata-mente reconhecemos, mas que somos incapazes de denir, ligada,

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E E Z A

pelo seu nome austrohúngaro, aos movimntos de massas e aos sen

timentos populares do século Num célebre artigo, «anguardismo e kitsch», publicado na Pai

san Review em 939 Clement Greenberg conontou os americanoscultos com um dilema A pintura fgrativa, deendeu, está morta esgotou o seu potencial expressivo e o seu escopo representacionali herdado pela tografa e pelo cinema Quaisquer intenções dese manter a tradição fgurativa levarão inevitavelmente ao kitsch, ouseja arte desprovida de mensagem, em que todo o eito é copiado

e a emoção fngida A arte genuína é a vanardista, que corta com atradição fgrativa em vor do «expressionismo abstracto» , ao usar arma e a cor e modo a libertar a emoção dos grilhões da narrativaPelo caminho, Greenberg promoveu as pinturas de Kooning, Pollock e Rotho, ao mesmo tempo que condenava o grande Edward opper, classifcandoo como «pobre, impessoal e em segnda mão»

Se olharmos para a arte fgrativa a tradição ocidental percebe

remos que, antes do século XVIII houve a arte primitiva, a ate nae,a arte decorativa e rotineira, mas não o kitsch. O momento em que oenómeno apareceu pela primeira vez é disputável: talvez possamosencontrar traços dele em Greuze; ou talvez seja já prefgurado porMurillo O certo é que, pela época de Millet e dos préraelitas, oksch já estava no banco da ente Ao mesmo tempo, o receio dokitsch tornouse uma motivação artística importante, impulsionando as revoluções expressionista e cubista, bem como o nascimento

da atonalidade na músicaNão é apenas no mundo da arte que assistimos ao estável avan

ço do kitsch. Muito mais importante, dada a sua inuência na psique popular, i a invasão do ksch na religião As imagens são deenorme importância na religião, ajudandonos a entender o Criadoratravés de visões idealizadas do seu mundo: fgurações concretas deverdades transcendentais No manto azul da virgem de Beini en

contramos o ideal de maternidade, como uma pureza que envolvee uma promessa de paz sto não é kitsch, mas a verdade espiritualmais pronda que o poder e a eloquência da imagem nos ajudarama perceber De qualquer modo, como os puritanos constantementelembram, a imagem da virgem situase no limiar da idolatria e basta

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E E Z A

da «dsneycação» da é e ambas envolvem uma proanação dos

nossos valores mas altos O kitsch, somos lembrados pelo caso domundo Dsney não é sentr em excesso é um deeto O mudo dokitsch é de certa manera um mndo desumano onde a emoção édesvada do seu alvo normal para estereótpos adoccados atorzandonos a prestar trbuto ao amor e trsteza sem o ncómodo deos sentrmos Não um acaso ue a vnda do kitsch para o palco daHstóra tena concddo com os orrores até então nmagávesda gerra de trnceras com o Holocausto e com o Gul todos

eles cumprndo a proca anuncada pelo kitsch: a transrmação doser umano num boneco num momento coberto de bejos e toem arrapos no momento sente

Kitsch e dessacrazação

Estes pensamentos recondzemnos a um argumento já encontrado

neste capítulo odemos ver a revolução modernsta nas artes nostermos de Greenberg: a arte rebelase contra as velas convençõesassm ue estas são colonzadas pelo kitsch sto porue é ncapaz devver no mundo do kitsch, ue é um meo de comoddades para consumo em vez de ícones para everênca A verdaera arte é um apelo nossa natreza mas elevada a tentatva de armar esse outroreno em que prevalece a ordem moral e esprtual Os nossos congé-neres exstem nesta esera não como bonecos s nossas ordens mascomo seres esprtuas ortanto para nós ue vvemos depos de aepdema do kitsch se ter nstalado a arte aduru uma nova mpor-tânca Ela corresponde presença real dos nossos deas esprtuasor sso ela é mportante Sem uma procura conscente da beleza ar-rscamonos a car num mundo de prazeres ue causam dependêncae na banalzação dos actos de dessacralzação um mundo em ue jánão se percebe bem porue vale a pena a vda umana

Há au no entanto um paradoxo pos a procura ncessante denovação artístca leva ao culto do nlsmo Quando se procurouresgardar a beleza do kitsch prémoderno o resultado a dessacralzação pósmoderna Dá dea ue estamos emparedados entreduas rmas de sacrlégo uma absoda em sonos adoccados

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a outra em antasias selvens. Ambas são lsidades, vias que de

gradam e diminuem a nossa humanidade. Ambas sigfcam ga auma rma de vida superior e uma rejeição do seu símbolo princi-pal, a beleza. Não obstante, indiciam ambas a difculdade real domundo moderno: viverse uma vida na qua a eleza ocupe um lugarcentral.

O kitsch retira ao sentir o seu custo e, portanto, a sua realidade;a dessacralização aumenta o custo do sentir, astandonos dele,por receio. O remédio para estes dois estados de espírito pode

estar naquilo que ambos negam, nomeadamente o sacricio. Naópera de Mozart, Konstanze e Belmonte estão dispostos a sacrif-caremse um pelo outro e a sua prontidão é a prova do seu amor:tudo o que é belo nesta ópera surge da constante evidência destaprova. As mortes que ocorrem nas tragédias reais sãonos supor-táveis porque as olhamos sob a perspectiva do sacricio. O heróitrágico é alguém que se imola e que é, ao mesmo tempo, uma víti-

ma sacrifcial. A admiração que sentimos perante a sua morte é decerta maneira redentora, uma prova de que a vida merece ser vivida.O amor e o aecto entre pessoas só é real na medida em que o caminho para o sacricio é preparado sejam ospetits soins que ligamMarcel a Saint oup seja a prova dada por Alcestes, que morre peloseu marido. no sacriício que está o âmago da virtude, que é a ori-gem do signifcado e o tema verdadeiro da arte superior.

O sacricio pode ser evitado. O kitsch mente ao darnos a ideia

de que podemos evitar o sacricio e reter, simultaneamente, aquiloque nele nos conrta. A dessacralização, por sua vez, z com queo sacricio perca todo o seu signifcado. Mas quando o sacricioacontece e é respeitado, a vida redimese a si mesma. Tornase umobjecto de contemplação, algo que «tem um eeito sobre o olhar»e que atrai a nossa admiração e amor. Esta igação entre sacriícioe amor é maniesta nas histórias e rituais reigiosos. também um

tema recorrente na arte. Quando os poetas, em plena carnifcina daGrande Guerra, procuravam dar um sentido destruição que os ro-deava, tiam plena consciência de que o kitsch apenas tornava ascoisas piores. Os seus esrços não procuravam negar o horror, masantes encontrar um modo de o enquadrarem numa óptica de sacrií

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cio . Foi deste esrço que nasceu a poesia de Wiled en e , muito

mais tarde, o ar Requiem de Benjamin Britten.Temos então o remédio, se o conseguirmos encontrar. Ele nãopode ser alcançado apenas pela arte. Usando as palavras do poema«Achaic Torso de Apolo», de Rilke, «tens de mudar a tua vida».A beleza está a desaparecer do nosso mundo porque vivemos comose ela não tivesse importância; e zêmolo porue perdemos o há-bito do sacriício, procurando evitálo a todo o custo. A alsa arte donosso tempo, atolada no kitsch e na dessacralização, é um dos sinais

disto mesmo.Evidenciar esta característica da nossa condição actual não é zer

um convite ao desespero. Uma marca dos seres racionais é não viverem apenas ou mesmo de todo no presente. São livres de despre-zarem o mundo ue os rodeia e de viverem de um modo dierente.A arte, a literatura e a música nascidas na nossa civilização lembramos seres humanos desta sua natureza e indicamlhes o caminho que

têm diante de si: o caminho qe os conduz não dessacralzaçãomas ao sagrado e ao sacricial. isto, numa palavra, que a beleza nosensina.

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leitr terá tad que eu ã disse que a beleza é.Rejeitei implicitamete a visã eplatóica da be-leza, cm característica d ser equat tal. Deus é

bel, mas ã pr esta razã. E evtei alar das muitas tetativas deaálise da beleza, rietadas para uma determiada prpriedade uprpriedades exibidas supstamete em tdas as cisas belas. Prexempl, ã discuti a tradiçã itelectual, que remta também

a Plti e as eplatóics, que vê a beleza cm uma espéciede ttalidade rgâica, semeaça da defiçã dada pr berti:«Ü bel é aquil a qual ada pde retirarse e a qu ada pdeacrescetarse, sb pea de trál pir.» Esta defiçã parecerealmete dizer alg mprtate, mas se puserms a questã «pirem que setid?» verems que ela é crcular.

Também ada disse sbre a perspectiva, ppularizada sécu-l xvm pr Fracis Hutches, que dede que a beleza «csisteem» unidade e variedade. Esta ideia, adptada pr uma quatidade depesadres, de Hgarth a Cleridge, e mesm a utrs depis desteúltim, tem aida s seus deesres. Mas a expressã crucial pstaaqui etre aspas uca i eplicada. Será esta abrdem da belezauma defiçã, uma ituiçã apriori sbre a natureza das cisas, uma

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generalzação empírica, um ideal ou apenas uma piedosa esperança?

Qualquer esrço para clarifcar o assunto apelando ideia de gene-ralização torna inevitavelmente as palavras «unidade» e «variedade»de tal modo vas que elas podem reerirse a tudo e mais algumacoisa, do meu jardim (uma baranda, mas ainda assim circunscrita) mais horrenda das torres de comunicação (uma unidade, mas umaunidade cheia de saliências)

Horth, a de rosto de The Alys ofBeau: unidade na vedade.

Na minha opinião, todas estas defnições começam pelo lado erra-do do tema Este lado não tem a ver com «as coisas no mundo», mascom a eeriência individual destas e com a busca de signifcado quebrota dessa eeriência Implica isto que «a beleza está nos ohosdaquele que contempla», que não há uma propriedade objectiva quepossamos reconhecer e cuja natureza e valor possam ser objecto de

concordcia? A minha resposta é simplesmente esta: tudo o quedisse sobre a eeriência da beleza impica que ela tem uma nda-ção racional Desafanos a encontrar signifcado no seu objecto, azer comparações críticas e a examinar as nossas próprias vidas eemoções luz do que encontramos A arte, a Naureza e a rma

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umana, todas elas nos convdam a trazer esta eerênca para o

centro das nossas vdas Se o fzermos, ela oerecernosá um lugarreescante do qual jamas nos cansaremos Mas magnar que pode-mos zer sto e podermos, não obstante, contnuar a ver a belezacomo uma smples preerênca sbjectva, ou omo nte de prazereémero, é não entender a pronddade com que a razão e o valorpenetram as nossas vdas não ver que para um ser lvre á o justosentr, a justa experênca e a justa satsção, tal como á a justa cção O juízo da beleza põe as emoções e os desejos em ordem. Pode

exprmr o prazer e o gosto das pessoas, mas tratase do prazer naquo a que dão valor e do gosto pelos seus deas verdaderos.

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NOS LIUS COMPMS

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Os textos clássicos são

Platão Íon, Pedro e Banquete.Pltino Enéadas , 6 Tomás de qino Suma Teológica q a ; - q 27, a ; q 30 , a 8 ; q 45, a 2 ; q a 4; q 7 , a 3 ; n Sententia Eticoum cap ,a 7 ; Super Sententias cap , d 3 , q 2 , a nthony shley Cooper, terceiro conde de haesbry, Characteristics7 mmanel Kant, Crítica da Faculdade do Juízo (Kritik der teilskra) 797 ·

G W F Hegel, Conrências sobre a Estética (Vorlesungen über die Aesthetik)proferidas entre 8 7-29 , pblicadas em 832)

De entre as pblicações losócas mais recentes, as segintes obras têmmito interesseGeorge antayana, The Sense ofBeauty (Nova Iorqe, 896)Jacqes Maritain, Art et scolastique (920)amel lexander, Beauty and other Forms ofValue (ondres, 933)Mary Mothersill, Beauty Restored (Oxrd, 98)Malcolm Bdd, Values of Art: ictures, oet and Music (Harmondsworth,997) John rmstrong, The Intimate hilosophy of Art (Harmondsworth, 20 00) John rmstrong, The Secret ower ofBeauty (Harmondsworth, 2003)lexander N ehamas , Only a romise of Happiness the lace of Beauty in aWod of Art (Princeto, 2007)

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Um guia sobre a estética que nos dá testemunho actualizado sobre o odocomo o tema é hoje entendido e ensinado nos departamentos de losoado mundo anglosaónico é: David Cooper, org , A Companion to Aesthetics(Ord, 992)

O meu próprio trabalho sobre a estética, que rnece alguma da inrmação de ndo e certos aprondamentos que fatam neste livro, encontra-senos quatro volues seguintes :Art and Imagination (Londres, 974; South Bend, nd , 997)

The Aesthetics of Architecture (Princeton, 1 979)The Aesthetics of Music (Ord, 1997)The Aesthetic Understanding (South Bend, Ind , 9 98)

ibli c íc

Estas notas pe rmitem identicar as referências, eplícitas ou implícitas, noteto Listoas por capítulo e, de seguida, por secção Não procurei necer uma bibliograa completa, mas apenas sugerir leituras co plementares que possa claricar as questões que discuto

Capítulo

Crítica da Faculdade do Juízo, de Kant; D avid Hume, «Do padrão do gosto» ( 757), disponível em qualquer edição dos ensaios de Hue Sobre a me

tára, ver Scruton, The Aesthetics of Music cap e referências aí contidas

O verdadeiro, o bom e o belo. Pltino, Enéadas 6; Platão, Timeu;Kierkegaard, Ou Ou; Wilde, O Retrato de Dorian GraySobre a questão de a Natureza ser ou não um transcendental no pensamento de S Toás , ver Etienne Gilson, «O transcendental esqueci do: ulchrm» em Elementos de Filosoa Cristã e U mberto Eco, problema estetico inTommaso d'Aquino Milão, 2 ed , 970 , capítulo 2 Eco discute com clarezao percurso da etafísica neoplatónica da beleza, dos escritos do Pseudo

Dioniso, até à escolástica do tempo de S Tomás e ao próprio S Tomás

guns truísmos Ver Paul Horwich, Tth (Nova Iorque, 980) Uma defesa do inimaliso como suciente para gerar todos os t ruísmos respeitantes à verdade e como necessário para não os contradizer

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m paadoxo. Hue, «D o padrão do gosto», nos Ensaios e Kant, «Repre

sentação da antinoia do gosto» na Cítica da Faculdade do JuízoBeleza mínima. Discuti este tea longaente e The Classical Veacula Achitectual inces in an Age of Nihilism (Manchester, 1 99 2)

Algumas consequências. Sobre a variedade dos vaores estéticos, verBudd, Values of At Sobre o etremiso estético, ver Walter Pater, Maius the Epicuian (1885); The Renaissance (1877) Sobre « que é ajustado» , ver Tristan Edwards , ood and Bad Mannes in Achitectue (Londres , 19 24)

Dois conceitos d e beleza. Budd, Values of At

Meios, ns e contemplação. Friedrich Schiller, Sobe a Educação Estéticado Se Humano numa Séie de Catas (17 95); Oscar Wilde, The Citic as Artist(1890); sobre o surgiento da distinção entre belas-artes e artes úteis, verP O Kristeller, «Fro Renaissance to the Enlightenent», e Studies inRenaissance Thought and Lettes vol I I I (Roa, 1993)

Desejar o indivíduo. Ludwig Wittgenstein, Conências sobe a Estética(Ord, 1965) Roger Scruton, Sexual Desie (Londres, 1986), capítulo 5,«The Individual Object»

ma advertência. Ver, e geral, Roger Scruton, The Aesthetics of Achitectue Louis Sullivan, The ublic apes org Robert Twobly (Chicagoe Londres, 1988) quilo que Sullivan na realidade disse i «a rma seguesempre a nção» Para a perspectiva oposta , de que a nção segue seprea ra, ver Scruton, The Classical Veacula relação entre beleza e n

ção é també discutida de odo interessante por rstrong, The Secretowe of Beauty capítulo 2

A beleza e os sentidos. O us o oderno da «estética» ve de G Baugarten, Aesthetica (Frankrt a Main, 1750, Parte II, 1758) De S Toás,ver Suma Teológica 1, 5, 4 ad 1, e Ia 2ae, 27, 1 Ver tabé Platão, HiasMaio 297 e e segs , onde Platão rejei ta que a beleza dependa do ver e ouvir, ua vez que isso ecluiria a beleza das coisas invisíveis e inaudíveis,coo a beleza das ideias e das istituições De odo seelhante, a tradição neoplatónica nega que a beleza, na sua principal manifestação, sejaua qualidade sensória Para Santo gostinho a beleza das coisas terrenaspertence-lhes apenas por iitação da beleza divina do próprio Deus Cidade de Deus II, 51) Esta perspectiva neoplatónica tabém está na raiz dasteorias islâicas sobre a beleza Na losoa su, todas as coisas emana

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de Deus e a Ele retornam, atraídas pelo amor e dese jo Ele é beleza, bon

dade e verdade, manifestações do Uno que é o próprio Ser Ver Doris Behrensbousef, Beauty i Arabic Culture (Princeton, 999) . Sobre o paladare o olcto, ver F N Sibley, «Smes, Tastes and the esthetic», em F NSibley, Approaches to Aesthetics org John Ben son , Betty Redfern e J eremyRobee Co (Ord, 200 6), e Roger Scruton, «The Philosophy of Wine»,em Barry Smith, org, estios of Taste: The hilosophy of Wie (Ord,2007) O tratamento de Ruskin sobre a oposição entre theoria e aesthesestá em Mode aiters Vol I I , Parte I I I , Secção I , Capítulo I , parágras 2 0; os ecertos relevantes podem ser encontrados em Eric Warner e

Graham Hough, org Strageess ad Beauty A Atholo of Aesthetic Criticm 18409 0, Vol (Cambridge, 983)

O interesse desinteressado. Shaesbury, Characteristics; Kant, Crítica daFaculdade do Juízo

O prazer desinteressado. Malcolm Budd, The Aesthetic Appreciatio ofNature (Ord, 2000), págs 468 (debatendo Kant) Scruton, At adImagiatio capítulo 7 Sobre os tipos de prazer, ver Bernard Williams,

«Pleasure an d Belie, roceedigs of the Aristotelia Society Vol 33 (959) questão do prazer e das suas implicações c ognitivas (por eemplo, saberse há «falsos prazere s») i primeiramente levantada por Platão no Filebo.

Objectividade. Hume, «Do padrão de Gosto»; Kant, Crítica da Faculdadedo Juízo F N Sibley e Michael Tanner, «Objectivity in esthetics», roceedigs of the Aristotelia Society V ol 62 ( 96 8)

Capítulo 2

Charles ain, A Descedêcia do Homem (1871 ), capítulos 9 e 20 StevenPinker, How the Mid Works (Londres, 9 97), págs. 522-4. Geofey iller,The Matig Mi· How Sexual Choice Shaped the Evolutio of Huma Nature (Nova Iorque, 2000) Ellen Dissanayake, Homo Aestheticus: Where ArtComes From ad Why (Seattle, 1992) Ver também a proposta de um darwinismo ingénuo , Nancy Etco, Survival of the rettiest The Sciece ofeauty(Londres, 2000).

m pouco de lógica. Sobre os eageros da psicologia evolucionista, verDavid Stove, Daiia Fai Tales (Nova Iorque , 20 06) .

Beleza e desejo. Platão, O Baquete

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Eos e amor latóco Roger Scruton, Death-Devoted Heart Sex and the

Sared in Waer Tristam and !solde (Nova Iorque, 2 00 4) , Capítulo 5

Contemlação e desejo. Roger Scruton, Sexual Desire (Londres, 986),capítulos e 2

O objecto individual Roger Scruton, Sexual Desire (Londres, 9 86), Capítulo 5

Coros belos lguas destas reeões ram diferentemente direccio

nadas por Ma Scheler (Formalismo na Étia 9 72 , Parte 6), Maurice Merleau-Ponty ( Fenomenologia da erepção 945) e por Karól Wojtyla (papaJoão Paulo I I) (The Theolo of the Body Human Love in the Divine lan W ashington, 9 85) O conto de E T Hoann de Olympia, a boneca quedança, está disponível em Hoan, Weird Tales (Londres, 885), e, claro,na brilhante montage de Oenbach e Contos de Homan ideia deque a beleza huana é reacção à moda depende da cultura e não obedecea quaisquer padrões universais é negaa eloquenteente por rthur Marwick, It Histo of Human Beauty (Londres, 2004) Sobre as aneiras à

mesa e o seu especial signicado, ver Leon Kass, The Hun Sou Eatingand the etion of our Nature (Chicago, 999)

mas belas. Hegel, Fenomenologia do Espírito VI C c Para uma modernatentativa de zer da virtude, enquanto encarnaa na rma humana, um aspecto central da eperiência da beleza, ver David E Cooper, «Beautil People, Beautil Things», British Joual of esthetis (200 8), págs 247-60

A beleza e o sagrado O primeiro poema épico dedicado a Tróilo e Créssi

da i o Roman de Troie de Benot de SainteMaure, u eclesiástico da cortede Eleanor de quitânia, quando esta estava casada com o rei de FrançaDuas versões ulteriores o Filóstrato de Boccaccio e o Tróilo e Créssida deChaucer contamse entre as eplorações literárias ais renadas sobreos ideais cavalheirescos e a sua corrupção pelo mundo real dos sentimentoshumanos. Ver, em geral, Sc ruton, DeathDevoted Heart Capítlo 2

Infância e virgindade. Ver a entrada sobre a bençoada Virge Maria naCatholi Enylopedia

Beleza e charme Thomas Man,José no Egto Man i claramente inspirado pelo retrato de Racine da sua personagem edra, vítia de énustoute entire à sa proie attahée

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Capítulo

O tópico deste capítulo i trazido para a ribalta por R W Hepburn em«Contemporary esthetics and the Neglect of Natural Beauty» (966),reimpresso no seu Woder ad Oher ssays (Edimburgo, 984) Ver , em geral, Malcolm Budd, The Aeshei Appreiaio of aure (Ord, 20 05); llen Carlson, Aesheis ad he virome (Londres e Nova Iorque, 2000)s guras centrais na ênse iluminista dada à beleza natural são, a parde Rousseau e Kant, Francis Hutcheson, Henry Home (Lorde Kames) eJoseph ddison Peter Kivy, Frais Huheso ad 8 h Ceu Aesheis

(ed reimp , 2 0 03) é uma ecelente introdução

Universalidade. Kant, Críia da Fauldade do Juízo

Dois aspetos da Natureza. Sobre a «rma indeterminada» das paisagens , ver Santayana, The Sese ofBeauy página

Estétia e ideologia. O argumento marista é apresentado por PierreBourdieu, La disiio Criique soiale du jugeme (!9 79) ; Terry Eagleton ,

The Ideolo of he Aeshei (Ord, 99 0) O conceito de ideologia vem deKarl Mar e Friedrich Engels , A eologia Alemã (846)

Uma réplia. Uma réplica completa à rejeição marista do estético encontrase no último capítulo de Scruton, The Aesheis of Musi

O signiado universal da beleza natural. Kant, Críia da Fauldade doJuízo

Natureza e arte . Sobre a intenção de esc onder a pobreza rural, ver JohnBarrell, The Dark Side od he Ladsape: he Rural oor i glish aiig73 0- 84 0 (Cambridge, 9 80) llen Carlson e Malcolm Budd (citados acima) são os autores mais proeminentes entre aqueles que defendem que aNatureza só pode ser apreciada se r vista omo Natureza; outros pensamque só podemos olhar para a Natureza esteticamente se trouermos paraela as atitudes e epectativas que retiramos da apreciação da arte especialmente Richard Wilson, Ar ad is Objes (2" ed, Cambridge, 980), eStephen Davies, eiios of Ar (Ithaca, Nova Iorque, 99) Os artigosde Budd e stão coligidos em The A eshei Appreiaio of aure ; o armento de Carlson está em Aesheis ad virome

A nomenologia da experiênia estétia Para bons eemplos de eperiência estética, ver Martin Heideer, Holzwege (Camihos de Floresa)

(

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especialmente o ensaio «Porquê o s poetas?» (946 ) O tópico i tratado de

modo inconclusivo por Mikel Duenne, hénoménologie de lexpéience esthétique (Paris, 1953) Sobre a compreensão intencional, ver Scruton, Sexualesie Capítulo I .

O sublme e o belo. Edmund Burke, A hilosophical Enqui into theOigino of ou deas of the Sublime and Beautul (Londres, 1756); ImmanuelKant, Obseações sobe o Sentimento do Belo e do Sublime 1764, e tambémCítica da Faculdade do Juízo primeira tentativa de identicar o sublimecomo uma categoria estética separada deve-se ao escritor do século 1 d C ,

Longino, ei hypsous (Sobe o Subme que, no entanto, se refere a eemplos literários e não retirados da Natureza tradução de William Smith,de 1739, despertou pela primeira vez em Inglaterra o entusiasmo pelo sublime enquanto ideal estético, embora Boileau tivesse já posto a ideia acircular em França

Paisagem e desígno. Sobre o advento do pitoresco, ver Joseph ddison,says on the leasues of the magination publicada em The Spectato em171 2, Richard Payne Knight, An Analitical nqui into the inces ofTaste(1806), e Christopher Ballentyne, Achitectue, Landscape and Libety Richad ayne Knight and the Rise of the icaesque (Londres, 20 06) tambémrelevante E H Gombrich, Nom and Fom Studies in the A t of the Renaissance (Londres, 197), e o estudo clássico de Kenneth Clark, Landscape intoA (Londres, 1 949)

Capítulo 4

Muitas das ideias contidas neste capítulo são desenvolvidas em Scruton,The Classical Veacula Ver também Yuriko Saito, Eveday Aesthetics(Ord, 20 07).

Jardins. Sobre a es tética da jardinagem, ver David E Cooper, A hilosophyofadens (Ord, 2 006)

Trabos mnuais e carpintaria. Ve r Wittgenstein, Conências sobe aEstética; Trystan Edwards , ood and Bad Mannes in A chitectue

Beleza e raciocínio prático. Ver Scruton, The Aesthetics of AchitectueSobre a nção do canto das aves, ver Darwin, A escendência do Homem;Georey Miller, «Evolution of Human Music through Seual Selection»,em Nils L W allin, Bjrn Merker e Steven Brown, org , The Oigins of Music (Cambridge, Mass, 2000), um ensaio que diz coisas verdadeiras sobre

I I )

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e; R s

as aves e outras questionáveis sobre as pessoas Algumas reexões delicio

sas sobre as competências musicais das aves podem ser vistas em Frans deW aal, The Ape and the ush Master: Cultural Reectons by a rmatologst(armondsworth, 2), Capítulo 4

Razão e aparência. Hegel, Introução às conferncias sobre Estéticalain de Botton, The A rchtecture of Happness (Harondsworth, 20 06)

Acordo e signicado. Scruton, The Aesthetcs of Archtecture último capítulo

O estio. James Laver, Costume and Fashon, A Concse Hsto (ondres,9 95) Osbert Lancaster, Homes weet Homes (ondres, 963)

A moda. Ver Stephen Bayley, Taste: The ecret Meanng ofThngs (Londres,20 07); ars Svensen, Fashon: A hlosophy trJohn Irons, (Londres, 2 00 6);e Anne Hollander, ex and uts (Nova Iorque, 99 4)

Permanência e efemeridade.V Saito, Evey Aesthetcs e também N an

cy Hume, . Japanese Aesthetcs and Culture (Abany, Nova Iorque, 995)

Capítulo 5

Sobre o tema da arte e beleza, ver Armstrong, The Intmate hlosophy ofArt; Budd, Values of Art; Richard W ollheim, antng as an Art (Lodres,984)

Piadas à parte. literatura que parte do urinol de Duchamp inclui, entreos mais vívidos do tema, The Transguraton of the Commonplace: a hlosophyof Art (Cambridge, Mass , 98 ) e The Abuse of Beauty: A esthetcs and the Concept of Art (Open Court, 20 03) , de rtur Danto Também George Dickie,Art and the Aesthetc: an Insttutonal Analyss (Ithaca, Nova Iorque, 974)Ver ainda John Carey, What are the Arts for? (Ord, 2006)

A arte como categoria ncional. Sobre a istinção entre natural e ncional, ver H Putnam «The Meaning of 'Meaning» em The hlosophcal

apers Vo. 2: Mnd, Lanage and Realty (Cambridge, 975). A ideia da artecomo categoria nciona i vigorosamente atacada (ebora na minhaopinião sem sucesso) por Nol Carroll, Beyond Aesthetcs: hlosophcal Essays (Cambridge, 200) descrição d o sentido de humor de Mao Tsé-tung est á em Jung Chang eJohn Halliday, Mao: the Unknown to (Londres, 2 00 6) Sobre o riso, ver,

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B E L Z A

em geral F H Buckey he Morality of aughter (nn rbor 20 03)

rte e entretenimento. Benedetto Croce stetica come scienzadellespressione e nguistica generale (902) R G Collngwood he rincesof rt (Oxrd 938), em especal o capítulo sobre a «arte do dvertmento»

m exemplo. Birgitta Steene Inar Bergman: Rerence Guide (mesterdão 2005)

Fantasia e realidade. dstnção entre «ntasa» e maginação remontaa S T Colerdge Bioaphia iteraria (87), Capítulo 4, mas encontrase denida com maior clareza em Scruton «Fantasy Imagnation and theScreen» em he esthetic Understanding heo of the Moral Sentiments, dedam Smith apareceu em 759

O estio. R Wollhem «Style ow» em On rt and the Mind (ondres 974)

Conteúdo e rma. Cleanth Brooks he Well- Wrought U: Studies in theStcture of oet (974) carta ao Can Grande e o Convivi estão ambos ncluídos em Robert S Haller org Litera Criticism ofDante lighieri(ncoln eb 9 73)

Representação e expressão. Ver Scruton Art and magination; elsonGoodman Lanages of rt: an pproach to a Theo of Symbols (Oxrd969)

O signicado musical. crítca à inta Sinfonia de Beethoven de T Homan apareceu em llgemeine Musikalische Zeitung de 88 e est á reproduzda em todas as colectâneas dos escrtos musicológcos de Homan

O rmalismo musical. Hanslck On the Musically Beautul trG ayzant (Indianápols 986). Para uma dscussão moderna nuentever eter Kvy Music lone: hilosophical Reections on the urely Musicalxperience (Ítaca ova Iorque 990)

Forma e conteúdo na arquitectura. Ruskn Studies of Venice (85-53), Vol I I no qual a greja é referda como «Sau te» Ironcamente Ruskinproduziu várias belas aguarelas desta greja vsta da ponte que atravessa oGrande Canal Georey Scott he Architecture of Humanism: a Study in theHisto ofaste (ondes e ova Ioque 94)

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c U

Signcado e metára Ver rmsrong, Th Intimat Maning of Art;

Scruon, Ar an Imagination; Sanayana, Th n of BatyO vor da arte obra obr a Ecação Etética o r Hmano nma éri Caa, de Schiler, exlora a relaão enre are e dierimeno isãode Schiller é discuida de modo esclarecedor or rmsrong, Th IntimatManing of Art áginas 15168 ligaão é exlorada nouros senidos e noconexo de uma eoria da reresenaão or Kendall L W alon, Mimi aMak-Bliv (Cambridge, Mass , 19 90) Ver ambém Budd, Val of Ar.

Arte e moralidade Ver T S Elio, Th U of ot an th U of Criticim (Londres , 1 933)

Capítulo

Para um raameno sociológico abrangene, er Sehen Bayley, Tat thcrt Maning of Thing (Londres, 20 06) Mais erinene do ono de isa losóco é Malcolm Budd, «The nerubjec ie V alidity of esheicJudgemens», Britih Joal of Athtic (2007)

O objectivo comum eoria da música e da mimi de Plaão enconrase na Rpública Liro VI, e é reomada criicamene or risóeles naolítica Liro VIII

Subjectividade e razões análise da �ara infonia de Brahms aquiaresenada comea com rnold Schoenberg, «Brahms he Progressie»,em tyl an a org E Sein, r L Black (Londres , 1 959) O exemlo doPao/Coelho de Wigensein é discuido na Pare I I , x r das InvtigaçõFiloóca quesão geral da ra lógica das razões eséicas i denidaara odo o debae subsequene or F. N Sibley, em «esheic and Nonesheic» e «esheic Conces», ambos reimressos em Approach toAthtic (er acima) O uízo de Ruskin sobre Whis ler leou a uma acãoor dimaão que não rouxe benefício ara qualquer dos homens

Em busca da objectividade Sobre os uniersais eséicos, Denis Duon, Th Ar Intinct Baty, lar an Hman Evoltion (Noa Iorque,

2008)

Objectividade e unversalidade Para a comaraão enre o earoshakeseareano e o earo jaonês, er hakpar an th Japan tagorg akashi Sasayama, ] R Mulryne, e Margare Shewring (Cambridge,1998)

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Regras e orignaidade Ver os ensaios em Shelbey, Approah o Aesheis

Também Kant, Críia da Fauldade do Juízo Parte ,

s 32

O padrão do gosto O ensaio de Hume data de 1 757 e es tá disponível emqualquer colectânea dos seus ensaios

Capíto 7

Individalidade Kenneth Clarke, The Nude, a Sudy m Ideal Form(Londres, 1956)

Beleza ceeste e beeza terrena Ver as reexões de Sir Ernest Gombrichsobre a Vénus de Botticelli, «Botticelis Mhologies» em Symboli Images(Londres, 1972), páginas 31-8

A arte erótica Anne Hollander, Seeing Through Clohes (Nova Iorque,1993) Sobre Manet, ver o moso ensaio de Baudelaire Le peinre de la viemodee em qualquer colectânea dos seus escritos em prosa, e T ] Clark,The ainings of Mode L ar in he A r of Mane andHis Foowers (Prin

ceton, 1985, ed Revista, 1 999) Ver também a esclarecedora discussão porNehamas, Only a romise of Happiness que se ocupa da Olympia de Manetenquanto obstáculo à busca da beleza artística

ros e desejo Scruton, Sexual Desire

Arte e pornograa David Holbrook, Sex and Dehumanizaion (Londres,1972) . Sobre Pic o della Mirandola, ver Paul Oscar risteller, Eigh hilosophers of he Iaan Renaissane (Stanrd, Cali, 19 64)

Pornograa so. E defesa da pornograa so ver Georges Bataille,Lroisme (Paris, 1952)

A questão mora As queixas feministas são expostas po r Catherine MacKinnon, em ooaphy and Civil Righs (Nova Iorque, 1988)

Capítlo

Roger Scruton, Mode Culure (Londres, 2005); Anthony OHear, laoChildren (Londres, 20 07); Danto, The Abuse of Beauy; George Steiner, Realresenes Is here Anyhing in Wha we Say? (Londres, 1989) Ver tambémW endy Steiner, Venus in Exile The Reion of Beauy in Twenieh CenuAr (Chicago, 2002)

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o R e R li T o N

Os moderistas como descua. Harold Roseberg The Tradition o theNew (Nova Iorue 199) Robert Hughes The Sock o the New (Lodres1980) er também dré Malraux Les voix du silence (Paris 949) - umacelebração do artista euato destruidor da sociedade burguesa Malrauxé desacredtado com elegâcia por Wydham Lewi em The Demon o roess in the Arts (odres 954) pgias 7 68

Tradição e ortodoa. T S Eliot «Traditio ad the Idividual Talet»em ssays (odres 1963). rold Schoeberg «Brahms the Progressive»

em Style and Idea org L Stei (Nova Iorue 97 ) respeito do «impulsopara cosagrar a vida» ver Has Urs vo Balthasar The lo o the Lor·a Theological Aesthetics 3 ols (Edimburgo 986; origialmete Herrlichkeit 1962-6)

A ga à beleza. W edy Steer Venus in xile Roger Kymball The Rapeo the Masters How olitical Coectness Sabotages Art (São Fracisco 2004)

O sagrado e o roo. Para uma otvel teoria atropológico-literria

do sagrado ver Reé Girad La violence et le sacré (Paris 19 72) uestãoé debatida em Scruto Death-Devoted Heart Outros textos relevates sãoO Saado e o roano de Mircea Eliade (1959) e Sacred and roane Beautythe Holy in Art, de Gerardus va der Leeuw tr David E Gree (Nashvillee Nova Iorue s d )

Idoatria. lgumas das uestões mas prodas desta secção são debatidas por Le E Goodma em od o Abraham (Nova Iorue 9 96)

Profaação. Nietzsche O Anti-Cristo

Obserações atrooógicas. lgumas das ideias presetes esta secçãosão ispiradas por Nietzsche A enealogia da Moral

Beeza e razer. explicação de Freud sobre o prazer sexual ecotraseem Três nsaios Sobre a Teoria da Sexualidade (190).

Beeza e deedêcia. Para a psicologia da depedêcia televisiva verMihaly Csikszetmihaly e Robert Kubey o sumrio da sua ivestigaçãopublcado em Scientc American (Fevereiro de 2002) O cotraste etre oprazer estético e a depedêcia é pregurado em moldes diferetes porJoh Dewey Art as xperience (Nova Iorue 934)

[ 8 6 J

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Santidade e ktsh Sobre o kitsch er erman Broc, «Einigen Bemerkugen zum Problem des Kitsces» em Dichten und rkennen org. annarendt (Zurique, 955); Clement Greenberg, «ant Garde and Kitsch»Partisan Review (939) citação de Wagner é de Die Religion und die Kunstem Gesammelte Schrn und Dichtungen (2" ed , eipzig, 88 8), Vol X, página 2 O argumento desenvolvido nesta secção i expresso de um modomais emaranado por Teodor dorno, nos seus ataques ao «arácter ticista» da cultura de massas Ver os ensaios e excertos em T W dorno,The Culture Indust org J M Bernstein (ondres e ova Iorque , 20 03)

Ktsh e dessacralização. Sobre a sociologia releante para esta secção,er Cristoper asc, The Culture of Narcisism Cultural L in an Age ofDiminished xpectations (ed reista, Nova Iorque, 99)

Pensamentos nais

eon Battista berti, De re aedcatoria (Florença, 485); R Scruton, «lberti and te rt o te ppropriate», em The Classical Veacular Fracis Hutceson, An nqui into the Origins of our Ideas of Beauty and rtue(ondres, 752); William Hogart, The Analysis of Beauty (ondres, 772)

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Í Á

A

Addison, Joseph, 61

Agostinho, Santo, 65

Alberti, Leonbattista, 1 1 1 , 1 72

Angéico, Fra, 58Aquio, São Tomás de, 1 7

Aristóteles, 65

Austen, Jane, 1 9 , 1 22

Avicena (Ibn Sina) , 1 04

B

Bach, J. S., 23, 122, 130, 132

Barber, Samuel, 1 09, 1 1 4, 1 1 5

Bartók, Bea, 26, 103, 151

Basho, Matsuo, 65

Baudeaire 1 1 , 17 , 1 50, 1 5 1 ,156, 163

Beaumarchais, P. A Caron de '

130

Beethoven, Ludwig van, 23 ,10 3 , 107 , 109 , 1 10 , 1 17 ,1 5 1

Bellini, Giovani, 1 32 , 1 67

Berg, Alban, 1 20, 149

Bergman, Ingmar, 96, 97Beini, Gian, Lorenzo, 23 , 52 ,

99

Bharata, 65

Bieito, Calixto, 1 54, 1 5 8

Blake, William, 66, 1 27

Boécio, 65

Botticeli, Sandro, 27, 47, 1 37 ,14 1 , 142

Boucher, François, 1 35 , 1 36,

139, 143, 144, 145

Bouguereau, Wiliam-Adolphe,106

Boudieu, Pierre, 64

Brahms, Johanes, 93, 1 10 ,124, 125

Bramante, Donato, 24

Bitten, Benjamin, 1 0 1 , 1 55 ,1 7 1

Brooks, Cleanth, 10 3, 1 04

Brown, «Capability», 74

Browning, Robert, 1 1 3

Brumel, Beau, 89

Budd, Malcolm, 1 2, 38, 68

Bunyan, John, 1 20

Burke, Edmund, 72, 132

Canova, Antonio, 1 7

Carlson, Allen, 6 8 , 69

Celan, Pau, 105Cervantes, iguel de, 94

Cézanne, Pau, 66, 95, 156

Chang, Jung, 94

Chaucer, Georey, 4 7, 56

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R G E S O

Chikaatsu, Monzaeon, 1 30

Chopin, Frédéric, 1 0 1Clare, John, 67, 69

Clark, Kenneth, Lord, 1 35

Claude Lorrain, 74, 75

Coleridge, Sauel aylor, 1 0 1 ,172

Collingwood, RG, 95, 96, 105

Concio, 65

Constabe, John, 67, 107

Corot, JB, 70, 156

Correggio, Antonio Allegri da143

Croce, Benedetto, 95 , 96, 1 05,106, 107, 109, 1 1 6

D

Dahl, Roald, 1 63

Dante Aighieri, 45 , 47, 104,1 4 1

Danto, Arthur, 1 50

Darwin, Charles, 43Dawkins, Richard, 42

de Kooning, Wille, 1 52 , 1 67

Deleuze, Gilles, 64

Descartes, René, 1 46

Dickens, Charles, 1 07

Disney, Walt, 1 69

Dissanayake, Ellen, 42Dryden, John, 1 4 1

Duccio d i Buoninsegna, 95

Duchap, Marcel, 92 , 93

Eagleton, erry, 64

Eliot, S , 1 07, 149, 1 50, 152,1 5 3 , 1 5 5

F

Fauré, Gabriel, 27

Fichte, JG, 88Finlay, an Hailton, 79, 80

Faubert, Gustave, 1 7 , 1 50, 1 56,162

Freud, Sigund, 164

Friedrich, Carl Gaspar, 53, 63 ,70

GGaluppi, Baldassare, 1 1 3

Gardner, Helen, 107

Gautier, Théophile, 1 1 9

Gezelle, Guido, 66

Giotto 95

Goethe, JW von, 53, 103

Grass , Gunther, 1 1 6

Greenberg, Cleent, 1 67, 1 69

Greuze, Jean-Baptiste, 1 67

Gnewald, Matthias, 1 06

Guard, Francesco 1 56

H

Halliday, Jon 94

Hanslick, Edouard, 1 10, 1 1 1

Harpignies, HenriJoseph, 70

Haydn, Joseph, 30, 1 00, 1 0 1

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B E L E Z A

Hegel, J .W.G., 3 3 53 88 92

Hofmann, E. T. A., 53 1 09Hogarh, William, 1 72 1 73

Homero, 22 43

Hopper, Edward, 1 52 1 67

Hume, David, 45 132 133

Hutcheson, Francis, 61 172

Huxley, Aldous, 1 65

J

James, Henry, 1 50

Janácek, Leos, 22 15 2

Jekyll, Gertrude, 80

João da Cruz, São 54

Johnson, Samuel, 76José II, Imperador da Áustria,

154

K

Kaa, Franz, 54

Kant, Immanuel, 32 35 36 37

39 40 60 6 1 63 65 6873 7 5 76 8 1 89 1 1 9

142 155

Keats, John, 27 118

Kent, William, 74

Kierkegaard, Soren, 17

Klee, Paul, 1 1

L

Leonardo da Vinci, 1 22

Lippi, Fra Filippo, 58 1 42

Longhena, Baldassare, 20 24

25 1 1 0 1 1 1 1 1 2 1 1 3Lucrécio, 49

Lukács, Gyõrgy, 64

M

Madre Teresa de Calcutá, 54

Mahler, Gustav, 1 16 1 19

Manet, E., 1 39 140 1 5 1 152

Mann, Thomas, 22 5 8 1 79

Mantegna, Andrea, 1 06

Mao Tsé-tung, 94

Maria, Virgem Santíssima 1 1 3

142

Martini, Simone, 56 58

Masaccio, 99

Matisse, Henri, 153

Mendelssohn, Felix, 63

Messiaen, Olvier, 66

Miguel Ângelo, 47 103 131

Miller, Geofrey, 43 44

Milton, John, 1 4 1Molire (Jean-Baptiste Poque

lin), 94

Mozart, W.A., 27 30 94 100

101 129 154 170

Mucha, Alphonse, 122

Murillo, Bartolomé Esteban,

167

N

Nash, Paul, 69

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R G E S T O N

Nietzsche, W, 11

o

O 'Murphy, Louise, 1 43 , 144,145

Os siano (W McPherson), 63

Owen, Wiled, 1 7 1

p

Palladio, Andrea, 84, 86

Pater, Walter, 26

Picasso, Pablo, 1 00, 1 1 6

Píndaro, 16

Pinker, Steven, 43,

Pissarro, Caille, 1 1Platão, 1 6, 26, 33 , 45, 46, 48,

49, 50, 5 1 , 52, 57, 58, 59,65, 124, 140, 141, 142,1 5 5

Plotino, 1 6, 17 , 26, 1 72

Pollock, Jackson, 1 52 , 1 67

Pope, Alexander, 1 00Pound, Ezra, 1 5 2

Poussin, Nicolas, 7 0, 74, 1 56,159, 160

Prévost, Abbé, 1 7

Proust, Marcel, 22, 1 70

RRacine, Jean, 1 4 1

Rebrandt, 1 06, 1 3 8

Rilke, Rainer Maria, 66, 1 7 1

Rothko, Mark, 1 52 , 1 67

Rousseau, Jean-Jacques, 63 , 76Ruskin, John, 33, 1 , 126

Schiller, Friedrich vo, 28 , 5 3 ,1 16 , 1 17 , 16 6

Schlegel, 53

Schoenberg, Aold, 10 3, 1 52 ,15 3

Schubert, Franz, 1 1 8, 1 1 9, 1 2 1 ,1 5 3

Scott, Geoey, 1 1 2, 1 1 3, 1 1 5

Shaftesbury, 3 Ear of, 35, 60,63,

Shakespeare, Willia, 24 , 93 ,103, 104, 106, 41, 153

Sholokhov, Mikhail, 1 1 9

Sibelius, Jean, 1 52

Sth, Ada, 100

Steele, Danielle, 1 22

Stee, Lawrence, 94

Stõsslová, Kaila, 22

T

chaikovsky, P 1 . 132

chékhov, Anton, 34

ennyson, Aled, Lord, 27

iciano, 1 35, 136, 1 38, 139,140, 141, 142, 143, 146

olstoy, Leão, 1 20

uer, 12, 156

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U2, 122

Utillo, Maurice, 101

V

Van Gogh, 1 0 1 , 1 02, 10 3

Vaughan Williams, Ralph, 69,

153Velázquez, Diego, 95

Vedi, Giuseppe, 1 5 3

Velaine, Paul, 1 32

Viglio, 103

w

Wagne, Richad, 1 7 , 1 0 , 162,166

Wahol , Andy, 93

Wedekind, 20

Wesendonck, Mathilde, 22

Whistle, James Abbott 1 26,127

Wilde, sca, 7 , 28 , 69

Wittgenstein, Ludwig, 30, 27,177

Wodswoth, Willia, 22, 63,67, 75 , 01

Wen, Chistophe, 21

z

Zola, Éle, 1 49, 1 56, 1 62

E E Z A

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Í É

Agradável 20

Amas belas 53-54

Amizade 39

Apaência 83-85

Aquitectura 23-24 28-29

3 1 -32 75-76 79 82 868 9- 90 1 1 0- 1 1 3 1 1 5 1 2 8132 152

Ate 92-121

Ate e Natueza 67-70

Atitude desinteressada 35 -3959 63-64 147-148

'

Beas-artes 31

Belas-es e es úteis 28-29 3 1

Beleza dois conceitos de 26-2714 9 -15 1

'

Beleza mínima 2326

Beleza natual 60-77

Bem 16

Burguesia 64

Canto de ave 69 82-8 3

Capitalismo 64

Capintaia 79-87

Categorias ncionais 94Ceimónia do chá 90

Cinema 96-98

Ciúme 55 161

Compaixão 100 120

Condade a ns sem m75-77

Conteúdo e rma 1 0 1 - 105

ContraRema 1 1 1 - 1 1 2

Copos 5 1 -53 146- 1 48

Cença 16

Dependência 164-166

Desejo 29-30 495 1 54

Desejo sexual 45-51 140-143161-162 164

'

Despoto 43

Dessacralização 1 54- 1 7 1

Divetimento 88 95 1 1 6- 1 1 7

Emoção na ate 1 06 10 8

Entausserung 88

Eos 4547 50 58 134- 148

Estética do dia-a-dia 78-91Estética japonesa 90 1 30

Estilo 87-89 100-101

Expessão 105-113

Fantasia 98-100 143-147

Fenomenologia 70 7879

Fins e meios 29-29 36 64

Fotograa 95-96 98

Função 31

Gosto 1 9-20 93-94 1 22- 33

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E E A

Heresia da paráase 103

Hoossexualidade 47

Ideologia 3-4

Iluiniso 28 0- 1 1 3 3

Iaginação 98-100

Incorporação 51-52 1341314147 158

Individuidade 29-30 49-5 1 542 108 124 134135 147

Inncia 57-58

Jardins 78-80

Job Livro de 1 03

Juzo estético 12 27 471 -5 72 7-77 88-8994 1 13 1 28 130 14811-13

Kitsch 2 1 99 1 23 1 2 8 1 1 7 1

Lascívia 52

Leis de planeaento 1 23

Linguage gurativa 1 1 3- 1 1 5

Marxiso 3-4

Metára 15 1 1 3- 1 1

Moda 8889 124

Modeiso 151-153Moralidade 37 73 7 1 45

Moralidade e arte 1 1 9 1 2 1

Música 108-1 1 1 124

Narrativa 34

Neoplatoniso 172Niiliso 19

Objectividade 20-2 1 39 -401 2 8 1 3 3

Obscenidade 52 148

Paisagens 27 -2 -70 7375107 128 15

Piadas 9295

Pôr a esa 23 8 1 88

Poograa 142-145

Prazer 339 13-1

Prazer dos sentidos 32

Préo Tuer 1 2

Pré-raelitas 17

Psicologia evolucionista 4145

Razão prática 82-85

Razes 82-85 124-127

Redundância 85-87Relativiso 1 1 93

Religião 43 5 155-1 17-18

Representação 99 105-108

Roupas 123-124

Sabores e cheiros 43

So o 54-5 7 155 157121

Sacricio 170171

Salos Livro dos 10 3

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R G S U O N

Sta Ma della Su ,

1 1 0 - 1 1 1Santa Soa 31

Selbsbestimmung 88

Selecção sexual 43-44, 70, 83

Sublime, o 72-73

Sujeito 55, 57, 146

Teoria dos jogos 86

Terapia 30

Tradição 152-162

Tragédia 99, 170

Transcendentais 17

Universalidade -61 , 65-67,130-132

Utilidade 84

Valores 1 6, 23, 68, 76, 1 1 6- 1 1 7

Virgindade 57

Valores intrnsecos 28

Verdade 1 6- 1 8, 1 1 8- 1 19 , 149Vergonha 138

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CRÉDOS FOTOGRÁICO

l Badassare Longhna, ' Maria da lute, © useu de Hstóra da otograa rteliAitiar, ornça/Arquivos Anar, ornça2 r Chrstopher Wrn, Catedr de . Pauo vsta de Ludgat ill

Peter Titm uss/Aamy3 Uma rua humde, mas harmonios a: Barn H l, tamrd Robin W avr/Coections imon Mart i , Anunciação 1333 Musu fz, loreça © Arquvos An ari, orença/reproduçã autorizada pelo Min stero per Ben e e Attivitá Cultur5 ererd sre hunt ng country lan reeey/Coton s Garganta nos Apes avid Young/to bra Cminho sinuoso e m tte parta, jardim d I an Hamton inday Robn Glndrs Uma

por ta de um vro de pad rõe s da épa georgana The Architect, or Practical House Car-

penter de Asher Behjamn , 30.9 Uma mes a pos ta para convdados Micae Paul/tockood/Getty Im ags Jana paadana © Oxrd niversty PressII Ingmar Bergman, Morangos Silvestres I95 vensk mndustri/ Abum/akg-mages1 2 Vnc nt van Gogh, A Cadeira de Vincent com o seu Cachimbo I National alery, Londrs 200 Topotocouk13 Prmera apresentação da meloda Adagioor Srings de amuel Barber, 193 1939 (renovação) G chrmer, nc (ACAP) Rese rvados todos os dreitos Copyright ntrnacionamn

te protegdo so autorizado4 James Abbott cNeil Whster (atr), Noctuo em Cinza e rata: o Tamisa © Art Gaery of ew ou t W aes , ydney/The Br dgeman Ar t ibrary5 ige Ângeo, Escada da Biboteca Laurentna Arquvos Anar, lornça Tcano, Vénus de Urbino 153 Gera fzi, lorença Arquvos Anri lorença1 ranços Boucher, O Triuno de Vénus 1 0 Natonamuseum, tokhom/he BrdgemanArt brar andro Bottceli, O Nascimento de énus c 5 Gra Ufz, or enç a Arquivos linar, lorença9 Rembrandt Van Rjn, Susana e os Anciãos 1 Gemdegaerie, Berlm/The BrdgemanArt brry20 Edward Manet, Olympia I3 Muse d Orsay, Paris RogerVollet/Topotocouk2 1 ranços Boucer, A Menina O'urphy 52 Ate Pnakothk, Muni ue © bpk!Bayrschetaatsgemdesammungen22 Francesco Guard, Cena com aisagem Marítima useu de Castel Vccho, Verona�) Arquvos Alnar orença23 Poussn, Os Israelitas Dançando em Too do Bezeo de Our aton Glery, Lndrs I999 Topotocouk2 Um Buda sereno de u m tempo arte sacra © uste bd/akgmages

25 Gnomos de jardm stockphoto2 Wam Hogarth, oa de rosto de The A nalysis of Beauty 153 Trustees do useuBrtâno

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