roger bastide moderna sociologia arte

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  • 7/29/2019 Roger Bastide Moderna Sociologia Arte

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    Por volta da metade dos anos de 1940, Roger Bastide parece sentir a necessi-dade de contribuir para a construo dos fundamentos de uma Sociologia da

    arte que se expressa em seu livro de 1945, Arte e sociedade, e no presenteartigo. No por coincidncia, no perodo ps-guerra ele intermeia suas ativi-dades de docncia e pesquisa no Brasil, como professor de sociologia na en-to Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da USP (onde permanece entre1938 e 1954), com estadas anuais na Frana, que o pem em contato com aproduo local recente. O interesse pelo tema da arte remete, assim, a umadupla insero em mundos intelectuais diversos, como se a discusso dosproblemas da Sociologia da arte tivessem o condo de, pontualmente que

    seja, sincronizar os tempos do que se faz na Frana (e na Europa) e no Brasil,a partir de uma interveno que acena para dois dos mundos que convivemem Bastide e que refora sua posio em ambos. Assim, o texto elabora umbalano do estado dos estudos sociolgicos sobre a arte que serve de lastropara a divulgao de uma perspectiva prpria e enuncia a consolidao dadisciplina como momento do processo de especializao no interior da so-ciologia. Se os temas so interdependentes, o primeiro ganha mais sentidono dilogo com a produo europia e o segundo volta-se mais diretamente

    para as circunstncias do desenvolvimento da Sociologia em So Paulo.Quanto ao primeiro ponto, Bastide procura evitar a relao de exteriori-

    dade entre arte e sociedade postulada (ainda que no explicitamente) pela

    Roger Bastide e a moderna sociologia da arte

    Fernando A ntonio Pinheiro Filho

  • 7/29/2019 Roger Bastide Moderna Sociologia Arte

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    Temp o Socia l, revista de sociolog ia d a USP, v. 18, n. 22 9 2

    Apresent a o, pp. 291-293

    maioria de seus antecessores, que consiste em pensar os termos como reali-dades distintas cujos pontos de contato caberia explicar. Contra essa ten-dncia dominante tanto nos trabalhos inspirados pelo marxismo como na

    histria da arte com preocupaes sociologizantes, serve-se de uma concep-o relacional da sociedade que contorna o essencialismo e lhe permite nopensar a obra a partir do social nem o contrrio, mas tomar diretamente aarte como sociedade, segundo a expresso de Nathalie Heinich1, encetandoa pesquisa das inter-relaes entre produtores, mediadores, consumidores einstituies que contribuem para fazer existir o que chamamos de arte. Deoutro lado, a insistncia na necessidade de especializao remete ao progra-ma ento vigente na USP, que consistia numa clivagem entre as cadeiras de

    Sociologia I e Sociologia II, obedecendo diviso entre Sociologia geral esociologias especiais, conforme a proposta de organizao do ensino da dis-ciplina defendida por Paul Arbousse-Bastide2. Promover essa diviso do tra-balho intelectual ainda uma oportunidade para desenvolver uma linha depesquisa prpria que inclua no debate sociolgico sobre a arte questescomo a crena, o gosto, os valores, a moda j indicados no texto. Bastideprocurava articular as questes tericas ligadas ao desenvolvimento da So-ciologia francesa com pesquisas empricas que expressam sua ligao com a

    realidade brasileira. A consolidao da Sociologia da arte no se desenvolveplenamente, por razes que no cabe discutir aqui. Mas, alm de seus estu-dos sobre temas brasileiros como a literatura, a poesia negra, o barroco ou aesttica do candombl, Bastide inspirou, apenas para tomar um exemplosignificativo, o importante trabalho de Gilda de Mello e Souza, O espritodas roupas, na origem tese orientada por ele e defendida em 1950. Note-seainda que o novo campo explorado por ele tem ressonncias com o dom-nio da religio, para cuja especializao j contribura. A remisso ao con-

    ceito de fato social total de Marcel Mauss, mobilizado por Bastide, ajuda acompreender seu interesse no s pelos aspectos religiosos da arte situadapor ele no domnio das crenas, vale sublinhar , mas tambm pelos aspec-tos estticos da religio.

    Os trs anos que separam o livro de 1945 deste artigo operam umadepurao nas concepes do autor: se a proposta ora desenvolvida j estavapresente antes, o artigo faz um resumo seletivo do livro na direo da tran-sio de uma sociologia esttica para uma sociologia da esttica, a despeito

    da permanncia da primeira expresso no texto. Concretamente, isso signi-fica ultrapassar a mera considerao dos aspectos anestticos da arte, con-forme a expresso de Charles Lalo, cujo trabalho serve de apoio a Bastide;

    1.Ver a esse respeitoNathalie Heinich, So-ciologie de lar t, Paris,ditions La Dcouver-te, 2004.

    2.A esse respeito, con-sultar o relatrio de Ar-bousse-Bastide, Con-dies e organizao doensino da sociologia naFaculdade de Filosofia,Cincias e Letras. Sua

    posio, inspirada pelaclivagem temtica doAnne Sociologique, aque prevalece contraaquela assumida porClaude Lvi-Strauss,que defende uma vo-ciologia que tomassecomo objeto os fen-menos da cultura, igual-mente inspirada emDurkheim.Fonte:Anurio da Faculdade

    de Fi losofia, Cincias e

    Letras da USP, n. 1,1934-1935. Agradeoa Luiz Carlos Jacksonpelos esclarecimentos aesse respeito.

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    2 9 3novembro 2006

    Ferna ndo Antonio Pinhe iro Filho

    ou seja, no lhe basta pregar a desautonomizao da arte conjugando afatura das obras com algum tipo de condicionante externo, mas pens-laintegralmente como coisa social. Aliada aos aspectos j comentados, a pas-

    sagem contribui para a surpreendente virtude antecipatria e a atualidadedas concepes do autor, refratadas em boa parte do que se realiza hoje narea, inclusive no Brasil.

    Fernando Antonio Pi-

    nheiro Filho profes-sor do Departamentode Sociologia da USP.