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Rodolfo Andrade Cardoso
Crescimento Bacteriano no Quimiostato:
Uma Aplicação da Teoria de Equações
Diferenciais Ordinárias
Ouro Preto - MG, Brasil
Dezembro 2018
Rodolfo Andrade Cardoso
Crescimento Bacteriano no Quimiostato: Uma
Aplicação da Teoria de Equações Diferenciais
Ordinárias
Trabalho apresentado como requisito parcialpara a Conclusão do Curso de Bachareladoem Matemática da Universidade Federal deOuro Preto.
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
Instituto de Ciências Exatas e Biológicas (ICEB)
Departamento de Matemática (DEMAT)
Bacharelado em Matemática
Orientador: Prof. Dr. Eder Marinho Martins
Coorientador: Prof. Dr. Wenderson Marques Ferreira
Ouro Preto - MG, Brasil
Dezembro 2018
Catalogação: [email protected]
C178c Cardoso, Rodolfo Andrade. Crescimento bacteriano no quimiostato [manuscrito]: uma aplicação da teoriade equações diferenciais ordinárias / Rodolfo Andrade Cardoso. - 2018.
99f.: il.: color; tabs.
Orientador: Prof. Dr. Eder Marinho Martins. Coorientador: Prof. Dr. Wenderson Marques Ferreira.
Monografia (Graduação). Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto deCiências Exatas e Biológicas. Departamento de Matemática.
1. Equações diferenciais. 2. Teoremas de existência. 3. Biomatemática. I.Martins, Eder Marinho. II. Ferreira, Wenderson Marques. III. UniversidadeFederal de Ouro Preto. IV. Titulo.
CDU: 51:573.6
À Ágatha e Amanda, as mulheres da minha vida.
Agradecimentos
Agradeço aos meus pais pelas oportunidades proporcionadas, carinho e educação.
Ao meu irmão pelo companheirismo. A Ágatha pela felicidade e Amanda pelo amor e
doçura na minha vida.
Aos professores Eder Marinho Martins e Wenderson Marques Ferreira, pela
paciência e orientação deste trabalho. Aos professores da banca pela sugestões e
correções, em especial ao professor Sebastião Martins Xavier por enriquecer o trabalho.
Aos amigos da República Tigrada pelo companheirismo, em especial os irmãos que
z neste lugar durante essa quase década. Aos amigos de Ouro Preto que participaram
nesta inesquecível fase da minha vida.
Resumo
No presente trabalho abordou-se uma aplicação da teoria de Sistemas de EDOs: um
modelo biomatemático que descreve a interação entre bactérias e nutrientes dentro de
um dispositivo chamado Quimiostato. O principal objetivo é descrever o comporta-
mento das bactérias e nutrientes para qualquer período de tempo dentro do aparelho.
Utiliza-se a teoria de sistemas EDOs para modelar matematicamente essa dinâmica
populacional, visando obter resultados geométricos sobre o modelo. Inicialmente, para
tal objetivo, foi estudado o Teorema do Ponto Fixo de Banach e alguns Teoremas de
Existência e Unicidade foram demonstrados. Estes resultados são fundamentais para se
entender a teoria dos sistemas de EDOs. A partir dos mesmos é possível descrever as
principais características do caso mais trivial, o Sistema Autônomo Linear Homogêneo
Bidimensional e através de um isomorsmo entre o conjunto das soluções deste sistema
com plano cartesiano, observa-se que o este é um espaço vetorial de dimensão dois.
Outras características como: comportamento espacial e assintótico, estabilidade e insta-
bilidade foram descritas. Posteriormente, a importância dos sistemas lineares descritos
é revelada, estes ajudam a compreender o comportamento assintótico dos autônomos
não-lineares necessitando somente que suas funções coordenadas tenham derivadas
contínuas, estes sistemas são conhecidos como quase lineares.
Palavras-chave: Sistemas de Equações Diferenciais. Modelagem Matemática. Teorema
da Existência e Unicidade. Quimiostato. Biomatemática. Sistemas Autônomos.
Abstract
In this work was studied the application of the ODEs theory in a biomathematical
model that describes the interaction between the species and the nutrients inside an
apparatus called Chemostat. Our goal is to the discribe the behavior of the bacteria
and nutrients on phase plane, making a geometric analysis of the solutions. In this way
Banach’s Fixed Point Theorem was proved and as a consequence of this, the Theorem of
Existence and Uniqueness (Picard-Lindelof) was proved too. These results are essential
to understand the teory. From then on, we investigated the most trivial types of Linear
Homogeneous Bidimensional Autonomous System and through an isomorphism between
the set of solutions of these system with Cartesian plane, it is observed that this
is a two-dimensional vector space. In each case, we describid the solution an their
characteristics, exploring: spatial behavior, stability, instability. It was also remarkable
to note that autonomous systems can be linearized in case their coordinate functions
have continuous derivatives, these systems are called almost linear.
Keywords: Ordinary Dierential Equations. Mathematical Modeling. Existence and
Uniqueness Theorem. Chemostat. Biomathematics. Autonomous system.
11
Sumário
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1 TEOREMA DE EXISTÊNCIA E UNICIDADE . . . . . . . . . . . 15
2 SISTEMAS AUTÔNOMOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.1 O Espaço das Soluções do Sistema Linear Homogêneo Bidimensional 34
2.2 O Plano de Fase do Sistema Linear Homogêneo Bidimensional . . 40
2.2.1 Caso 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2.2.2 Caso 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
2.2.3 Caso 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
2.3 Estabilidade e Instabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
2.4 Sistemas Quase Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
3 INTERAÇÃO ENTRE BACTÉRIAS E NUTRIENTES NO QUIMI-
OSTATO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
3.1 Modelo Matemático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
3.2 Adimensionalização do Sistema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
3.3 Soluções de Equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
3.4 Aproximação Linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
3.5 Nuclínicas e Direções Importantes no Retrato de Fase . . . . . . . . 79
3.6 Interpretação do Retrato de Fase Aproximado . . . . . . . . . . . . . 86
Considerações Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
A RESULTADOS AUXILIARES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
13
Introdução
A modelagem matemática é uma ferramenta frequentemente usada nas áreas das
ciências exatas, por exemplo na tentativa de equacionar fenômenos naturais, que, em
particular, é o intuito deste trabalho. Através de experimentos chega-se a um modelo
biomatemático, formado por um sistema de EDOs, que descreve como bactérias e
nutrientes interagem dentro de um aparelho chamado Quimiostato. A partir deste
modelo, utilizando a teoria dos Sistemas Autônomos, descrevemos o comportamento
aproximado das soluções do sistema encontrado, e, com isto, podemos tirar conclusões
sobre a interação bactéria-nutriente.
Inciou-se as pesquisas com a teoria dos pontos xos, para através do Teorema
do Ponto Fixo de Banach, provar o clássico Teorema de Existência e Unicidade de
Picard-Lindelöf, que é fundamental para tratar dos sistemas de EDOs. Este foi o objetivo
de todo Capítulo 1. Foram apresentados também outros Teoremas de Existência e
Unicidade que possuem hipóteses e teses um pouco diferentes e, equivalentes.
No Capítulo 2 deniu-se sistemas de EDOs com a intenção de particularizá-los
até os sistemas autônomos, principal objetivo do Capítulo. Começando pelo caso mais
simples, os sistemas autônomos lineares homogêneos bidimensionais, através de um
isomorsmo com o plano cartesiano, viu-se que o espaço de soluções deste sistema
é bidimensional, com isso foi possível caraterizar seu retrato de fase, exibindo todos
os casos possíveis que variaram de acordo com os coecientes da matriz associada
ao sistema. Finalmente abordou-se os conceitos de aproximação linear de sistemas
autônomos quase lineares; estabilidade, estabilidade assintótica e instabilidade das
soluções de equilíbrio de um sistema autônomo.
O objetivo do Capítulo 3 é mostrar os passos de como a interação entre bactérias
e nutrientes é modelada por um sistema autônomo quase linear e quais são os resultados
14 Sumário
geométricos e assintóticos de seu plano de fase. Munido das ferramentas do Capítulo 2,
adimensionaliza-se o sistema, caracteriza-se as soluções de equilíbrio de acordo com
seus sistemas lineares associados e esboça-se um retrato de fase associado.
No Apêndice A, apresenta-se alguns resultados sobre espaços métricos, como:
a equivalência de normas, as denições de sequência de Cauchy e completude de um
espaço métrico, utilizados durante todo texto.
15
Capítulo1
Teorema de Existência e Unicidade
Neste capítulo, partindo das denições de ponto xo, continuidade e funções
de Lipschitz (em particular contrações), o principal objetivo é abordar o Teorema de
Existência e Unicidade para EDOs, como consequência de um resultado sobre contrações,
o Teorema do Ponto Fixo de Banach. O Teorema de Existência e Unicidade de EDOs
será fundamental para o estudo dos sistemas autônomos e suas aplicações, estes que
também são objetivos do texto.
Denição 1.1. Seja A um conjunto e uma função f : A → A. Dizemos que x ∈ A é um
ponto xo de f , se
f(x) = x.
Para exercitar o conceito da denição acima, vejamos alguns exemplos de aplica-
ções que possuem pontos xos.
Exemplo 1.1. Todo x ∈ A é ponto xo de
id : A → A,
x → x.
Exemplo 1.2. A aplicação rotação de um ângulo θ no sentido anti-horário, dada por
Tθ : R2 → R2(x
y
)→ Aθ
(x
y
),em que Aθ =
(cos θ senθ
−senθ cos θ
),
tem o ponto (0, 0) como seu único ponto xo (Veja Figura 1).
16 Capítulo 1. Teorema de Existência e Unicidade
Figura 1 – A origem é o único Ponto Fixo de Tθ.
Exemplo 1.3. Se uma função ímpar f , possui um ponto xo x0, então −x0 é também um
ponto xo de f . Vejamos: se f é ímpar. tem-se
f(−x0) = −f(x0),
e como f(x0) = x0, pois x0 é ponto xo de f , então
f(−x0) = −x0.
Por exemplo a função f(x) = x3 tem como pontos xos (1, 1) e (−1,−1). Como ilustrado
na Figura 2.
Figura 2 – A interseção entre y = x e y = x3 são os Pontos Fixos de f(x) = x3.
17
Encontrar um ponto xo de uma função f , na prática, é resolver a equação
f(x) = x. Importante notar que há inúmeras funções que não possuem pontos xos,
por exemplo f(x) = x2 + 1, como a equação
f(x) = x⇔ x2 − x+ 1 = 0,
não possui soluções reais, então f não possui pontos xos.
No entanto, resolver f(x) = x pode não ser simples. Abordaremos um resultado
que facilita encontrar tais pontos xos para um tipo especíco de funções, chamadas
contrações.
Denição 1.2. Sejam (M1, d1) e (M2, d2) Espaços Métricos. Uma função f : M1 →M2 é
de Lipschitz se existe k > 0 tal que
d2 (f(x), f(y)) ≤ kd1 (x, y) ,∀x, y ∈M1.
Em particular, se 0 < k < 1, f será uma contração.
Proposição 1.1. Se f for de Lipschitz, então f é uniformemente contínua.
Demonstração. Dado ε > 0, tome δ =ε
k, em que k é a constante de Lipschitiz de f . Daí,
se d1 (x, y) < δ, então
d2 (f(x), f(y)) ≤ kd1 (x, y) ≤ kδ = kε
k= ε.
Portanto f é uma função uniformemente contínua.
Teorema 1.1 (Teorema do Ponto Fixo de Banach). Seja (M,d) um espaço métrico não-
vazio. Suponha que (M,d) é completo (isto é, toda sequencia de Cauchy é convergente)
toda e seja T : (M,d) → (M,d) uma contração em (M,d). Então T possui um único
ponto xo.
Existência. Dado x0 ∈ M , denimos, recursivamente, uma sequência, dada por xn =
T (xn−1), para n ≥ 1. Ou seja,
xn = (x0, x1 = T (x0), x2 = T (x1) = T 2(x0), . . . , xn = T (xn−1) = T n(x0), . . . ).
Notemos que (xn) ⊂M , e, pela completude de (M,d), caso a sequência seja de
Cauchy ela será convergente. Dito isso, sendo T uma contração e λ sua constante de
18 Capítulo 1. Teorema de Existência e Unicidade
Lipschitz, ocorre para todo k ≥ 0 o seguinte fato
d(xk+1, xk) = d(T (xk), T (xk−1)) ≤ λd(xk, xk−1)
= λd(T (xk−1), T (xk−2))
≤ λ2d(xk−1, xk−2)
= λ2d(T (xk−2), T (xk−3))
≤ λ3d(xk−2, xk−3)...
≤ λkd(x1, x0).
Partindo do resultado anterior, usando a desigualdade triangular e supondo
m > n, obtemos
d(xm, xn) ≤ d(xn, xn+1) + d(xn+1, xn+2) + · · ·+ d(xm−1, xm)
≤ λnd(x0, x1) + λn+1d(x0, x1) + · · ·+ λm−1d(x0, x1)
= λn(1 + λ+ λ2 + · · ·+ λm−n−1) · d(x0, x1).
(1.1)
Note que (1 + λ+ λ2 + · · ·+ λm−n−1) é a soma de uma progressão geométrica de razão
λ ∈ (0, 1), de modo que
(1 + λ+ λ2 + · · ·+ λm−n−1) =1− λm−n
1− λ.
Como 0 < λ < 1 e m > n, tem-se que
0 < λm−n < 1⇔ −1 < −1 + λm−n < 0⇔ 0 < 1− λm−n < 1.
Voltando à desigualdade (1.1) e utilizando as desigualdades anteriores, obtém-se
d(xm, xn) ≤ λn1− λm−n
1− λd(x0, x1) ≤
λn
1− λd(x0, x1).
Como d(x0, x1) e 1− λ são número reais positivos, podemos tomar n0 ∈ N tal que
n0 > logλ
(ε
(1− λ)
d(x0, x1)
),
de modo que, se m > n > n0, então
d(xm, xn) ≤ λn
1− λd(x0, x1) <
λn0
1− λd(x0, x1) < λ
logλ
(ε
(1−λ)d(x0,x1)
)d(x0, x1)
1− λ= ε.
Portanto, (xn) é uma sequencia de Cauchy e como (M,d) é um Espaço Métrico completo,
existe x ∈M tal que, xn → x, em que x ∈M .
19
Com o resultado da convergência de (xn) e o fato de T ser uma contínua (pois é
contração), podemos concluir que x é o ponto xo de T . De fato, denindo xn+1 = T (xn)
e tomando o limite, vem que
limn→+∞
xn+1 = limn→+∞
T (xn) = T
(lim
n→+∞xn
)⇔ x = T (x),
como queríamos demonstrar.
Unicidade. Suponhamos que existam x, y ∈ M , x 6= y, em que T (x) = x e T (y) = y.
Então,
d(x, y) = d(Tx, Ty) ≤ λd(x, y)⇔ (1− λ)d(x, y) ≤ 0,
logo, como (1− λ) > 0 e d(x, y) ≥ 0, temos
0 ≤ (1− λ)d(x, y) ≤ 0.
Como (1 − λ) 6= 0, então d(x, y) = 0, implicando em x = y. Portanto o ponto xo é
único.
Vejamos alguns exemplos de funções que não cumprem todas as hipóteses que o
Teorema do Ponto Fixo de Banach exige e, por isso, não o contradizem.
Exemplo 1.4. Seja f : [0, 1]→ [0, 1] dada por f(x) = x2. Pela Figura 3 podemos ver que
f possui dois pontos xos, e não um único. Isso não contradiz o Teorema do Ponto Fixo
de Banach pois f não é uma contração. De fato, suponhamos que f seja uma contração,
então existiria 0 < k < 1 tal que
|f(x)− f(y)| ≤ k|x− y| ⇔ |x2 − y2| ≤ k|x− y|⇔ |(x− y)(x+ y)| ≤ k|x− y|⇔ |x− y||x+ y| ≤ k|x− y|,∀x, y ∈ [0, 1].
Em particular, se x =9
10e y =
8
10, tem-se
∣∣∣∣ 1
10
∣∣∣∣ ∣∣∣∣17
10
∣∣∣∣ ≤ k
∣∣∣∣ 1
10
∣∣∣∣ .Implicando em k > 1. O que é um absurdo, pela suposição que zemos anteriormente
sobre k.
20 Capítulo 1. Teorema de Existência e Unicidade
Figura 3 – f possui dois pontos xos, (0, 0) e (1, 1).
Exemplo 1.5. Seja g : (0, 1)→ (0, 1), em que g(x) =x
2. Neste caso, não há pontos xos,
apesar de g ser uma contração. De fato, pela métrica usual de R induzida em (0, 1),
tem-se que
|g(x)− g(y)| =∣∣∣x2− y
2
∣∣∣ =1
2|x− y|,∀x, y ∈ (0, 1).
Porém, o espaço métrico em que g está denida não é completos. Note que (xn)+∞n=1 =1
né
uma sequência de Cauchy em (0, 1), mas que não converge em (0, 1).
Figura 4 – g não possui pontos xos.
Exemplo 1.6. Neste exemplo vejamos um caso em que a função dada não é invariante
sobre o conjunto em que está denida e o que isto pode acarretar. Seja h : [−1, 1] →
21
[5
3,7
3
], dada por h(x) =
x
3+ 2. Repare que h é uma contração, pois
|h(x)− h(y)| =∣∣∣x3
+ 2− y
3− 2∣∣∣ =
1
3|x− y|,∀x, y ∈ (0, 1).
E que seu domínio e imagem são espaços métricos completos. Apesar das armações
acima estarem corretas e serem parte da hipótese do Teorema 1.1, h não possui pontos
xos. Este fato não contradiz o Teorema do Ponto Fixo de Banach, pois h não é invariante
sobre o espaço métrico completo em que está denida.
Figura 5 – h não possui pontos xo.s
Com o resultado do Teorema do Ponto Fixo de Banach (também conhecido como
Teorema do Ponto Fixo das Contrações) demonstrado, partiremos para o principal
objetivo do capítulo: abordar alguns Teoremas de Existência e Unicidade, para tal é
necessário algumas preliminares.
Lema 1.1. Seja f : I → R derivável e I ⊂ R um intervalo. Se existe k ∈ R, tal que|f ′(x)| ≤ k para todo x ∈ I , então para todo x, y ∈ I tem-se que
|f(x)− f(y)| ≤ k|x− y|.
Demonstração. Dados x, y ∈ I , podemos considerar o intervalo [x, y] ⊂ I , e f |[x,y] écontínua e derivável em (x, y). Pelo Teorema do Valor Médio existe z ∈ (x, y) tal que
f ′(c) =f(y)− f(x)
y − x⇒ |f ′(c)| = |f(y)− f(xx)|
|y − x|.
22 Capítulo 1. Teorema de Existência e Unicidade
Como |f ′(x)| ≤ k para todo x ∈ I , em particular para c, temos
|f(y)− f(x)| = |f ′(c)||x− y| ≤ k|x− y|,
como queríamos demonstrar.
Lema 1.2. Uma função contínua x(t) é solução do problema de valor inicial x′(t) = f(t, x),
x(t0) = x0,(1.2)
se, e somente se, for ponto xo do operador T , denido por
Tx(t) = x0 +
∫ t
t0
f(z, x(z))dz.
Demonstração. Se Tx(t) = x(t) para todo t ∈ I , então vale
x(t) = x0 +
∫ t
t0
f(z, x(z))dz.
Notemos que, pelo Teorema Fundamental do Cálculo, x(t0) = x0 e x′(t) = f(t, x(t)).
Reciprocamente, suponhamos que x(t) seja uma solução do PVI (1.2), então
x′(t) = f(t, x(t)) ⇒∫ t
t0
x′(t) =
∫ t
t0
f(t, x(t))dt
⇒ x(t) = x(t0) +
∫ t
t0
f(t, x(t))dt = T (x(t)).
O próximo Teorema é crucial para o entendimento da teoria de EDOs. Na sua
demonstração utilizaremos o Lema anterior para, através do Teorema do Ponto Fixo de
Banach, provar que o operar associado ao problema de valor inicial possui um único
ponto xo sob certas condições.
Teorema 1.2 (Picard-Lindelöf). Sejam f : A→ R contínua, em que
A = (t, x) : |t− t0| ≤ a, |x− x0| ≤ b,
e seja c tal que |f(t, x)| ≤ c,∀(t, x) ∈ R. Suponha que f seja de lipschitz em sua segunda
variável, isto é, xado t ∈ [t0 − a, t0 + a] existe k ≥ 0, tal que
|f(t, x)− f(t, y)| ≤ k|x− y|,∀x, y ∈ [x0 − b, x0 + b],
23
Então, o problema de valor inicial x′(t) = f(t, x),
x(t0) = x0,(1.3)
possui uma única solução denida no intervalo [t0 − β, t0 + β], em que
β < min
a,b
c,
1
k
.
Figura 6 – Retângulo R em que a continuidade de f é garantida.
Demonstração. Seja J = [t0 − β, t0 + β], vamos denir o conjunto
C(J) = x : J → R | x é contínua ,
sabemos que (C(J), d) é um espaço métrico completo (veja Apêndice A), com a métrica
dada por
d(x, y) = ||x− y||∞ = maxt∈J|x(t)− y(t)|.
Considere o conjunto C1 = x ∈ C(J) : |x(t)− x0| ≤ cβ, ∀t ∈ J. Note que aqui, já existe
a necessidade de β < a e cβ < b, fazendo isso garantimos que os grácos das funções
de C1 estarão dentro do retângulo R. Importante é a observação de que C1 é completo,
pois é fechado e está contido no espaço métrico completo C(J).
24 Capítulo 1. Teorema de Existência e Unicidade
Denamos, como no Lema 1.2, o operador T : C1 → C1, dado por
Tx(t) = x0 +
∫ t
t0
f(z, x(z))dz.
Como a ideia é usar o Teorema do Ponto Fixo de Banach em T , temos que mostrar
T (C1) ⊂ C1 para que C1 seja invariante por T . De fato, se x ∈ C1, então |x(t)− x0| ≤cβ, ∀t ∈ J . Por hipótese, tem-se
|Tx(t)− x0| =∣∣∣∣∫ t
t0
f(z, x(z))dz
∣∣∣∣ ≤ ∫ t
t0
|f(z, x(z))|dz ≤ c
∫ t
t0
dz = c|t− t0| < cβ.
Então Tx ∈ C1, ou seja, T : C1 → C1.
Agora, provemos que T é uma contração. Para todo t ∈ J , tem-se
|Tx(t)− Ty(t)| =
∣∣∣∣∫ t
t0
(f(z, x(z))− f(z, y(z)))dz
∣∣∣∣≤
∫ t
t0
|f(z, x(z))− f(z, y(z))|dz
≤∫ t
t0
k|x(z)− y(z)|dz
≤ k||x− y||∞∫ t
t0
dz
= k||x− y||∞|t− t0|≤ kβd(x, y),
assim,
d(Tx, Ty) = maxt∈J|Tx(t)− Ty(t)| < kβd(x, y).
Como β < min
a,b
c,
1
k
, kβ < 1 e, portanto T é uma contração. Finalmente, pelo
Teorema do Ponto Fixo de Banach, T possui um único ponto xo, o que implica, de
acordo com o Lema 1.2, que o sistema (1.3) associado a T , tem uma solução única.
Observação 1.1. O Teorema de Existência e Unicidade continua válido se x ∈ Ω, em que
Ω ⊂ Rn é aberto e a função f assume valores em Rn, ou seja,
f : I × Ω → Rn,
(t, x) → f(t, x).
Esta versão do Teorema será fundamental para resultados durante o texto, logo, é a que
usaremos. Esse Teorema está enunciado dessa forma e demonstrado em [2].
Existem outros Teoremas de Existência e Unicidade que abordaremos neste texto,
para isso é necessário alguns resultados preliminares.
25
Lema 1.3. Seja I um intervalo compacto, f : I × Rn → Rn de Lipschitz na segunda
variável e k > 0 sua constante de Lipschitz. Considere o operador T
Tx(t) = x0 +
∫ t
t0
f(z, x(z))dz,
Então,
|Tmx(t)− Tmy(t)| ≤ km
m!|t− t0|md(x, y). (1.4)
Demonstração. Usaremos o Princípio da Indução Matemática para conrmar a validade
do resultado. Antes disso, notemos que pelo fato de f ser Lipschitz na segunda variável
em que k é sua constante, vale
|Tx(t)− Ty(t)| ≤∫ t
t0
|(f(z, x(z))− f(z, y(z)))| dz ≤ k
∫ t
t0
|x(z)− y(z)|dz. (1.5)
Se m = 0, então a desigualdade é válida, pois
|x(t)− y(t)| ≤ supt∈I|x(t)− y(t)| = d(x, y).
Suponhamos que seja válido o resultado para m (hipótese de indução), isto é,
|Tmx(t)− Tmy(t)| ≤ km
m!|t− t0|md(x, y).
Então, vamos mostrar que vale para m+ 1. Como
|Tm+1x(t)− Tm+1y(t)| = |T (Tmx(t))− T (Tmy(t))|,
tem-se, por (1.5),
|T (Tmx(t))− T (Tmy(t))| ≤ k
∫ t
t0
|Tmx(z)− Tmy(z)|dz.
Pela Hipótese de Indução
k
∫ t
t0
|Tmx(z)− Tmy(z)| ≤ k
∫ t
t0
km
m!|z − t0|md(x, y)dz =
km+1
m!d(x, y)
∫ t
t0
|z − t0|mdz.
Resolvendo a integral, tem-se
km+1
m!d(x, y)
∫ t
t0
|z − t0|mdz =km+1
m!d(x, y)
|t− t0|m+1
m+ 1=
km+1
(m+ 1)!d(x, y)|t− t0|m+1.
Daí,
|Tm+1x(t)− Tm+1y(t)| ≤ km+1
(m+ 1)!|t− t0|m+1d(x, y),
como queríamos demonstrar.
26 Capítulo 1. Teorema de Existência e Unicidade
O próximo Teorema de Existência e Unicidade tem característica próprias, apesar
de ser parecido com o Teorema 1.2. Comparando-os, este último possui resultados mais
sólidos e utiliza menos hipóteses. Antes de enunciá-lo, considere o seguinte lema.
Lema 1.4. Seja uma contração Tm : M → M , em que (M,d) é um Espaço Métrico
completo, então T possui um único ponto xo.
Existência. A aplicação Tm satisfaz as hipóteses do Teorema do Ponto Fixo de Banach,
por isso a equação
Tm(x) = x,
tem solução para um único x ∈M . Aplicando T em ambos os lados
T (Tm(x)) = T (x)⇔ Tm+1(x) = T (x)⇔ T · · · T︸ ︷︷ ︸m−vezes
(T (x)) = T (x)⇔ Tm(T (x)) = T (x).
Pela unicidade do ponto xo de Tm, temos T (x) = x, logo T possui ponto xo.
Unicidade. Suponha que exista y ponto xo de T , isto é,
T (y) = y,
fazendo m iteradas em ambos os lados, tem-se
Tm(y) = y.
Como x era o único ponto de Tm, então y = x, logo T possui um único ponto xo.
Teorema 1.3. Seja o conjunto aberto Ω ⊂ Rn+1 e f : Ω→ Rn contínua. Se [a, b]×Rn ⊂ Ω
e f de Lipschitz na sua segunda variável denida em [a, b]× Rn então, para quaisquer
t0 ∈ [a, b] e x0 ∈ Rn, existe uma única solução do problema de valor inicial
x′(t) = f(t, x),
x(t0) = t0,(1.6)
27
Figura 7 – Região R em que a continuidade de f é garantida
denida em [a, b].
Demonstração. Vamos usar o operador T , denido no Lema 1.2, dado por
Tx(t) = x0 +
∫ t
t0
f(z, x(z))dz.
Seja L = b− a e K a constante de lipschitz da função f . Note que para todo t ∈ [a, b],
tem-seKm
m!|t− t0|m ≤
Km
m!Lm,
e, pelo Lema 1.3, obtém-se
|Tmx(t)− Tmy(t)| ≤ (KL)m
m!d(x, y). (1.7)
Vejamos que a sequência (xn)+∞n=1, em que o n-ésimo termo é dado por
xn =(KL)m
m!
converge para zero. Pois, consideremos a série em que o termo geral é dado pela
sequência anterior, usando o teste da razão obtemos
limm→+∞
(KL)m+1
(m+ 1)!
(KL)m
m!
= limm→+∞
(KL)m ·KL(m+ 1)m!
m!
(KL)m= lim
m→+∞
KL
m+ 1= 0.
Logo a série em questão é convergente, isto é,
+∞∑m=1
(KL)m
m!< +∞.
28 Capítulo 1. Teorema de Existência e Unicidade
O que implica em
limm→+∞
(KL)m
m!= 0.
Consideremos a inequação 1.7, aplicando o sup em ambos os lados, obtemos
supt∈I|Tmx(t)− Tmy(t)| ≤ sup
(KL)m
m!d(x, y),
como o termo à direita é uma constante, ele é seu próprio sup. Logo,
d (Tm(x), Tm(y)) = supt∈I|Tmx(t)− Tmy(t)| ≤ sup
(KL)m
m!d(x, y) =
(KL)m
m!d(x, y),
segue-se da convergência de (xn) que, dado 0 < ε < 1, existe m0 natural tal que para
todo m > m0, tem-se(KL)m
m!< ε.
Logo, tomando m = m0 + 1, teremos
d(Tmx, Tmy) < ε · d(x, y), em que 0 < ε < 1.
Portanto, Tm é uma contração e possui um único ponto xo. E, pelo Lema 1.4 T também
possui um ponto xo. Logo, pelo Lema 1.2, o PVI 1.6 possui solução única x = x(t).
Um consequência imediato deste Teorema, é que nos casos especícos em que
f(t, x) é linear, podemos obter a existência e unicidade das soluções do PVI (1.6),
descartando a hipótese de I = [a, b] ser compacto.
Corolario 1.1. Seja I ⊂ R intervalo (não necessariamente compacto) e sejam funções
A : I → Mm×n(R),
t → A(t),
eb : I → Rn,
t → b(t),
ambas contínuas. Então para todo t0 ∈ I e x0 ∈ Rn, o Problema de Valor Inicial x′(t) = A(t)x(t) + b(t), t ∈ I,
x(t0) = x0,(1.8)
tem uma única solução no intervalo I .
29
Demonstração. Se I for compacto, a função f(t, x) = A(t)x(t) + b(t) é de Lipschitz na
segunda variável, pois
|f(t, x)− f(t, y)| = |A(t)(x(t)− y(t)| ≤ ||A|| · |x(t)− y(t)|,
em que a constante de lipschitz é k = ||A||. Daí, pelo Teorema 1.3, podemos concluir
que o Sistema (1.8) tem única solução.
Caso I não seja compacto, podemos supor que existe [a1, b1] ⊂ I compacto, e
por f ser de Lipschitz, novamente pelo Teorema 1.3 existe única solução, x1(t) denida
em [a1, b1] para o Sistema (1.8).
Podemos tomar um intervalo [a2, b2] ⊃ [a1, b1] e, novamente o Teorema 1.3 nos dá
a unicidade das soluções x2(t) denida em [a2, b2], como é única, então x2(t)∣∣[a1,b1]
= x1(t).
Este processo de extensão do compacto [ak, bk] pode ser repetido innitamente,
é sempre possível tomar [ak+1, bk+1] ⊃ [ak, bk] em que
xk+1(t)∣∣∣[ak,bk]
= xk(t),
como ilustrado na Figura 8.
Figura 8 – Unicidade das Soluções para o Problema (1.8) independentemente do intervalo[ak, bk] considerado.
Com isso podemos denir uma sequência innita de intervalos encaixados
[a1, b1] ⊂ [a2.b2] ⊂ · · · ⊂ [ak, bk] ⊂ [ak+1, bk+1] ⊂ · · · ,
com [ak, bk] tendo sua respectiva solução xk(t) do Sistema PVI (1.8) em que para todo
i < k
xk(t)∣∣∣[ai,bi]
= xi(t).
30 Capítulo 1. Teorema de Existência e Unicidade
Como é possível escrever
I = ∪+∞k=1[ak, bk],
podemos denir para todo t ∈ I a função
x(t) = xk(t), t ∈ [ak, bk],
sendo única solução do PVI, como queríamos mostrar.
31
Capítulo2
Sistemas Autônomos
O objetivo neste capítulo é estudar a teoria qualitativa de sistemas de equações
diferenciais autônomas não lineares bidimensionais. Para isto é necessário entender os
sistemas autônomos lineares bidimensionais, estabilidade de soluções e outros conceitos.
Para este estudo usamos os livros [1] e [4].
Vamos denir Sistema de Equações Diferenciais da forma mais geral possível,
partindo de uma função f contínua e
f : I × Ω→ Rn,
em que Ω é um aberto de Rn e I um intervalo da reta. A função f é dada por n funções
coordenadas fi : I × Ω→ R, isto é,
f(t, x) = (f1(t, x), f2(t, x), · · · , fn(t, x)),
em que x(t) ∈ Rn, t ∈ I e cada xi : I → R é uma função coordenada de x : I → R2, isto
é, x(t) = (x1(t), x2(t), · · · , xn(t)). Daí, seja a i-ésima Equação Diferencial dada por
dxidt
= fi(t, x),
unindo todas as n equações, tem-se o Sistema de Equações Diferenciais n-dimensional,
dado por
x′1(t) = f1(t, x),
x′2(t) = f2(t, x),...
x′n(t) = fn(t, x).
(2.1)
32 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
Um caso particular desse tipo de Sistema são os Lineares, isto é, quando f é
uma função linear.
Denição 2.1. Um Sistema Linear de Equações Diferenciais é dado, de forma geral, por
x’(t) = A(t)x(t) + b(t), (2.2)
em que A(t) = [aij(t)] é uma matriz quadrada n × n e x’(t), x(t) e b(t) são matrizes
coluna n× 1, ou seja, a Equação (2.2) é equivalente ax′1(t)
x′2(t)...
x′n(t)
=
a11(t) a12(t) · · · a1n(t)
a21(t) a22(t) · · · a2n(t)...
... . . . ...
an1(t) an2(t) · · · ann(t)
x1(t)
x2(t)...
xn(t)
+
b1(t)
b2(t)...
bn(t)
,
em que t ∈ I = (a, b).
Em particular, quando b(t) ≡ 0, dizemos que o Sistema Linear é Homogêneo, tal
sistema é descrito por
x’(t) = A(t)x(t). (2.3)
Observação 2.1. Uma Equação Linear de Ordem n, de forma geral dada por
f(t) = yn(t) + an−1(t)yn−1 + · · ·+ a1(t)y
′(t) + a0(t)y(t),
pode ser colocada em correspondência biunívoca com um Sistema Linear, pois, chamando
x1(t) = y(t), tem-se
x′1(t) = x2(t),
x′2(t) = x3(t),...
x′n−1(t) = xn(t),
x′n(t) = −a0x1(t)− a1x2(t)− · · · − an−1xn(t) + f(t).
Podemos escrever o sistema anterior equivalentemente em uma forma matricial,x′1(t)
x′2(t)...
x′n(t)
=
0 1 0 · · · 0
0 0 1 · · · 0...
...... . . . ...
−a0(t) −a1(t) −a2(t) · · · −an−1(t)
x1(t)
x2(t)...
xn(t)
+
0
0...
f(t)
.
33
Um caso importante de Sistemas, que nos interessa, são os Autônomos Bidi-
mensionais, quando a variável t não interfere nas funções coordenadas e há apenas duas
Equações.
Denição 2.2. Um Sistema Autônomo Bidimensional, de forma mais geral, é dado por x′ = F (x, y),
y′ = G(x, y),(2.4)
em que F,G : R2 → R, e x, y : I → R, são funções dependentes de t ∈ I . Podemos
reescrever o sistema na forma matricial(x′(t)
y′(t)
)=
(F (x, y)
G(x, y)
). (2.5)
Usando a notação F : R2 → R2, por F(x) = (F (x), G(x)) e x : I → R2 x = (x(t), y(t)),
com x’ = (x′(t), y′(t)), podemos reescrever (2.5) como
x′(t) = F(x). (2.6)
Exemplo 2.1. Seja o seguinte Problema de Valor Inicial, para algum instante de tempo t0 x’(t) =(xt, y),
x(t0) = (1, 2).
Notemos que esse sistema é não autônomo. Podemos encontrar sua solução resolvendo
suas EDOs como dois PVIs separados. Começando pela primeira equação
dx
dt=x
t⇔ ln(x) = ln(t) + k1 ⇔ x(t) = K1t,
e como x(t0) = 1, então 1 = K1t0, logo K1 =1
t0e x(t) =
t
t0. Para a segunda variável
dy
dt= y ⇔ ln(y) = t+ k2 ⇔ y(t) = K2e
t
e pela condição inicial, y(t0) = 2, temos 2 = K2et0 , implicando em K2 = 2e−t0 e y(t) =
2et−t0 . A solução procurada é
x(t) =
(t
t0, 2et−t0
). (2.7)
Exemplo 2.2. Dado o Problema de Valor Inicial, em um instante de tempo t0 x’(t) = (x, y) ,
x(t0) = (1, 2).
34 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
Procedendo como no Exemplo 2.1, tem-se
dx
dt= x⇔ ln |x| = t+ k1 ⇔ y(t) = K1e
t.
Partindo da condição inicial, x(t0) = 1, temos 1 = K1et0 , implicando em K1 = e−t0 e
x(t) = et−t0 . O segundo PVI é o mesmo do Exemplo 2.1, e portanto a solução geral é
x(t) =(et−t0 , 2et−t0
). (2.8)
Observação 2.2. Importante notar que existe uma diferença entre as soluções dos
Exemplos 2.1 e 2.2: no caso em que o Sistema é não autônomo conseguimos explicitar
y(t) como uma função de x(t) e t0, isto é, como t = x · t0 e y(t) = 2et−t0 , então
y(t, t0) = 2et0(x−1).
No caso autônomo, a solução y pode ser coloca em função apenas da variável dependente
x(t), poisy(t)
x(t)=
2et−t0
et−t0= 2⇔ y(x(t)) = 2x(t).
2
2.1 O Espaço das Soluções do Sistema Linear Homogêneo Bidi-
mensional
Inicialmente estudaremos os sistema autônomo linear homogêneo bidimensional,
o caso mais simples é dado, de forma geral, por x′ = ax+ by,
y′ = cx+ dy,(2.9)
em que a, b, c, d ∈ R. Podemos escrever esse sistema na forma matricial(x′
y′
)=
(a b
c d
)(x
y
), (2.10)
e podemos identicá-lo como
x’ = Ax, (2.11)
em que x’ = (x′, y′), x = (x, y) e A é a matriz de coecientes constantes associada e
suporemos que detA 6= 0.
2.1. O Espaço das Soluções do Sistema Linear Homogêneo Bidimensional 35
As soluções desse sistema são funções contínuas x : I → R2, em que I é um
aberto de R. Juntas, tais soluções formam um conjunto
S2 =x ∈ C(I,R2) : x’ = Ax
.
Para que possamos aprofundar sobre a natureza de S2 devemos observar primeiramente
que este conjunto é um subespaço vetorial de C(I,R2), pois
(a) A solução nula 0, dada por
0 : I → R2,
t → 0(t) = (0, 0),
é um elemento de S2, anal
0’(t) = A0(t),∀t ∈ I.
(b) A soma de duas soluções x, y ∈ S2 são também solução, pois
(x(t) + y(t))’ = x’(t) + y’(t) = Ax(t) + Ay(t) = A(x(t) + y(t)),∀t ∈ I.
(c) A multiplicação por um escalar λ ∈ R e x ∈ S2 também é uma solução, já que
(λx’(t)) = λx’(t) = λAx(t) = A(λx(t)),∀t ∈ I.
Logo, S2 é um subespaço vetorial de C(I,R2).
Uma questão importante é: qual a dimensão de S2 e como seria uma base desse
subespaço vetorial? Para respondê-la, um caminho é tentar exibir um espaço com
dimensão conhecida que seja isomorfo a S2.
Denição 2.3. Dado x0 ∈ R2. Seja,
T : R2 → S2,
x0 → T (x0) = φ,(2.12)
em que φ satisfaz (2.11) para todo t ∈ I , e φ(t0) = x0.
A aplicação T está bem denida pois cada x0 está associada a uma única φ,
pelo Teorema da Existência e Unicidade. Basicamente, x0 é levada em uma solução de
x’ = Ax, tal que x0 é condição inicial.
Lema 2.1. A aplicação T dada em (2.12) é linear. Ou seja, ∀x0, y0 ∈ R2 e α ∈ R, tem-se
36 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
(a) T (x0 + y0) = T (x0) + T (y0);
(b) T (αx0) = αT (x0).
Demonstração. (a) Sejam x0,y0 ∈ R2 em que T (x0) = x, T (y0) = y. Como (x0+y0) ∈R2, pela denição de T , deve existir φ tal que
T (x0 + y0) = φ,
em que φ(t) satisfaz x’ = Ax,∀t ∈ I e φ(t0) = x0 + y0. Por outro lado, vejamos
que a soma
T (x0) + T (y0) = x + y,
também é uma solução de x’ = Ax,∀t ∈ I , pois
(x+y)’(t) = (x(t)+y(t))’ = x’(t)+y’(t) = Ax(t)+Ay(t) = A(x(t)+y(t)) = A(x+y)(t)
e em t = t0, temos
x(t0) + y(t0) = x0 + y0.
Dessa forma, obtivemos duas soluções que satisfazem x’ = Ax, e em t = t0 são
iguais. Portanto, pelo Teorema de Existência e Unicidade
φ(t) = x(t) + y(t),∀t ∈ I.
Daí,
T (x0 + y0) = φ = x + y = T (x0) + T (y0).
(b) Dados x0 ∈ R2 e α ∈ R, seja T (x0) = x. Como αx0 ∈ R2, pela denição de T ,
existe φ tal que
T (αx0) = φ,
em que φ(t) satisfaz x’ = Ax, ∀t ∈ I e φ(t0) = αx0. Por outro lado,
αT (x0) = αx,
satisfaz x’ = Ax,∀t ∈ I , pois
(αx)’(t) = (αx(t))’ = αx’(t) = αAx(t) = A (αx(t)) = A(αx)(t),
e quando t = t0, temos
αx(t0) = αx0.
2.1. O Espaço das Soluções do Sistema Linear Homogêneo Bidimensional 37
Analogamente ao item (a), temos duas soluções que satisfazem x’ = Ax em todo
t ∈ I e são iguais em t = t0. Portanto pelo Teorema de Existência e Unicidade,
essas soluções as são mesmas, ou seja
φ(t) = αx(t),∀t ∈ I.
Logo,
T (α (x0)) = φ = αx = αT (x0) .
Com o resultado do Lema 2.1, concluímos que a aplicação T , da Denição 2.3, é
uma transformação linear. Com isso, podemos investigar sua injetividade partindo do
conjunto KerT .
Lema 2.2. A aplicação (2.12) é injetiva, equivalentemente KerT = (0, 0).
Demonstração. O Núcleo da transformação T é o conjunto
KerT =x0 ∈ R2 : T (x0) = 0
.
Dado x0 ∈ KerT , temos T (x0) = 0, em que
0(t) = (0, 0), ∀t (2.13)
Em particular para t = t0, tem-se
x0 = x(t0) = 0⇔ x0 = 0.
Portanto, se x0 ∈ KerT , então x0 = 0, ou seja, KerT = (0, 0).
Teorema 2.1. Existe um isomorsmo T : S2 → R2 em que S2 é o conjunto das soluções
de x’ = Ax, em que detA 6= 0. Em particular a dimensão de S2 é dois.
Demonstração. Pelos resultados dos Lemas 2.1 e 2.2, podemos concluir que R2 e ImT
são isomorfos. Então, a dim(ImT ) = 2, vamos usar este fato para obtermos a dimensão
S2.
Armação 2.1. Os conjuntos ImT e S2 são iguais.
O conjunto ImT está contido em S2 pela denição de T . Então falta mostrar que
S2 ⊂ ImT . Dado φ ∈ S2, pela denição do deste conjunto sabemos que φ é solução de
38 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
x’(t) = Ax(t) para todo t ∈ I . Em particular para algum t0 ∈ I , tem-se φ(t0) = x0 para
algum x0 ∈ R2. Deste modo
T (x0) = φ,
o que implica em S2 ⊂ ImT . Uma vez provada a Armação 2.1, podemos concluir que
dimS2 = 2.
Este resultado vale para Sistemas de Equações Lineares não necessariamente
autônomos de ordem nita. No teorema abaixo vamos mostrar que o conjunto das
soluções do Sistema (2.3), dado por
Sn = x ∈ C(I,Rn) : x’(t) = A(t)x(t),
é um espaço vetorial e é n-dimensional.
Teorema 2.2. O conjunto Sn das Soluções do Sistema x’(t) = A(t)x(t) é um subespaço
vetorial do espaço C(I,R) e tem dimensão n.
Demonstração. Como C(I,R) é um Espaço Vetorial e Sn ⊂ C(I,R), então Sn é um
subespaço vetorial. Pois
(a) A solução nula 0, dada por
0 : I → Rn,
t → 0(t) = (0, 0, · · · , 0)︸ ︷︷ ︸n−zeros
,
é um elemento de Sn, pois
0’(t) = A(t)0(t).
(b) A soma de duas Soluções x(t),y(t) ∈ Sn são também soluções, pois
(x(t) + y(t))’ = x’(t) + y’(t) = A(t)x(t) + A(t)y(t) = A(t)(x(t) + y(t)).
(c) A multiplicação por um escalar λ ∈ R e x(t) ∈ Sn também é uma solução
(λx(t))’ = λx’(t) = λA(t)x(t) = A(t)(λx(t)).
Por (a), (b) e (c) podemos concluir que Sn é um subespaço vetorial de C(I,R).
Agora, mostraremos que dim(Sn) = n. Seja
~e1, ~e2, · · · , ~en,
a base canônica de Rn, para cada t0 ∈ I , consideremos as soluções xi(t), em que xi ∈ Sne xi(t0) = ~ei. Vamos mostrar que o conjunto xini=1 é uma base para Sn.
2.1. O Espaço das Soluções do Sistema Linear Homogêneo Bidimensional 39
(a) É necessário que xini=1 seja um conjunto linearmente independente. Tomando a
combinação linear de xini=1 com os escalares λini=1 ∈ R,
λ1x1 + λ2x2 + · · ·λnxn,
aplicando em t0 ∈ I e igualando a zero tem-se
λ1x1(t0) + λ2x2(t0) + · · ·λnxn(t0) = 0,
por construção xi(t0) = ~ei, então
λ1~e1 + λ2~e2 + · · ·λn~en = 0,
como ~eini=1 é uma base canônica de Rn, temos λi = 0, i = 1, 2, · · · , n. Portantoo conjunto xini=1 é linearmente independente.
(b) O conjunto xini=1 deve ser gerador do Espaço Sn. Para vericarmos isso tomemos
x ∈ Sn e o apliquemos a t0, obtendo o vetor x(t0) de Rn. Isso implica que existem
λi ∈ R tais que
x(t0) = λ1~e1 + λ2~e2 + · · ·λn~en = λ1x1(t0) + λ2x2(t0) + · · ·+ λnxn(t0).
Portanto, as soluções x(t) e
λ1x1(t) + λ2x2(t) + · · ·+ λnxn(t) (2.14)
coincidem em t = t0. Como Sn é um espaço vetorial, a combinação linear (2.14) é
um elemento de Sn, por hipótese, x ∈ Sn. Isso quer dizer que ambas são soluções
de x′(t) = A(t)x(t),
x(t0) = x0,
pelo Teorema de Existência e Unicidade as duas soluções são iguais para todo
t ∈ I e então
x = λ1x1 + λ2x2 + · · ·+ λnxn.
Portanto, por (a) e (b) o conjunto xini=1 é base de S, logo dimS = n.
Pelos resultados anteriores concluímos que S2 é um subespaço vetorial bidimen-
sional. A partir dessa informação podemos fazer uma abordagem geométrica e vetorial
do conjunto de suas soluções.
40 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
2.2 O Plano de Fase do Sistema Linear Homogêneo Bidimensional
Nesta seção averiguaremos como é o comportamento geométrico das solu-
ções de S2 =x ∈ C(I,R2) : x’ = Ax
, fazendo um esboço dos possíveis casos e os
caracterizando de acordo com suas particularidades.
Na seção anterior vimos que dimS2 = 2, isto quer dizer que o espaço vetorial
S2 possui uma base B = x1,x2. Partindo dessa informação, devemos investigar quais
são as possíveis soluções x1 e x2. Uma primeira tentativa, inspirada por problemas de
EDOs de primeira ordem, é buscar por soluções do tipo
x(t) = veλt, (2.15)
cuja a derivada é
x’(t) = λveλt. (2.16)
Podemos supor v 6= 0, pois caso v fosse nulo x também seria e não há sentido em
procurar uma base com elementos nulos. Daí, substituindo as equações (2.15) e (2.16) na
Equação Matricial (2.11), tem-se
x’ = Ax⇔ λveλt = A(veλt)⇔ A(veλt)− λveλt = 0⇔ (A− λI2)v = 0.
Como v 6= 0, então o operador (A− λI2) não é inversível, logo det[A− λI2] = 0. Daí,
det[A− λI2] = 0 ⇔ det
∣∣∣∣∣ a− λ b
c d− λ
∣∣∣∣∣ = 0
⇔ (a− λ)(d− λ)− bc = 0
⇔ λ2 − dλ− aλ+ ad− bc = 0
⇔ λ2 − (a+ d)λ+ ad− bc = 0
⇔ λ2 − trAλ+ detA = 0
Logo, existe um polinômio associado à matriz A, dado por
p(λ) = λ2 − trAλ+ detA. (2.17)
Chamamos este de polinômio característico, as raízes λ1, λ2 são autovalores, que
têm associados os autovetores v1, v2, ambos da matriz A.
Os autovalores e autovetores darão forma à base B, e por isso devemos investigá-
los um pouco mais. Estes elementos vão variar sua forma de acordo com o sinal do
descriminante do polinômio característico, dado por
∆ = (trA)2 − 4 detA.
Antes de continuar, é necessário denir alguns objetos geométricos que serão úteis para
caracterizar os tipos de base para o Espaço S2.
2.2. O Plano de Fase do Sistema Linear Homogêneo Bidimensional 41
Denição 2.4. Supondo que o conjunto x1, x2 é uma base de S2, denominamos o plano
formado por x1 e x2 de Plano de Fase, e o conjunto das soluções descritas sobre este
plano, que serão combinações lineares de x1 e x2, chamamos de Retrato de Fase.
A partir daqui, podemos descrever como as bases e os retratos de fase depen-
derão do sinal de ∆.
2.2.1 Caso 1
Se ∆ > 0 obtemos, λ1, λ2 ∈ R associados aos autovetores v1 e v2, respectivamente.
Então, obtemos duas soluções distintas, dadas por
x1(t) = v1eλ1t e x2(t) = v2e
λ2t, (2.18)
e temos os elementos candidatos a compor uma base para S2.
Armação 2.2. O conjunto B1 = x1, x2, em que x1 e x2 são dados por (2.18), é uma
base para S2.
Prova. Para que B1 seja uma base de S2, é suciente que x1 e x2 sejam linearmente
independentes, pois a dimS2 = 2. Dados α1, α2 ∈ R, tomando a combinação linear
α1x1 + α2x2, aplicada a t ∈ I e igualada a zero, obtemos
α1x1(t) + α2x2(t) = 0⇔ α1v1eλ1t + α2v2e
λ2t = 0,∀t ∈ I.
Em particular isso irá valer para t = 0, isto é,
α1v1 + α2v2 = 0.
Como v1, v2 são linearmente independentes, necessariamente α1 = α2 = 0. Portanto B1
é uma base para S2.
Pela Armação 2.2 podemos escrever os elementos de S2 em uma forma geral,
dada por
x(t) = c1v1eλ1t + c2v2e
λ2t. (2.19)
Dessa forma, podemos fazer uma análise qualitativa do comportamento da solução
de acordo com os valores de t. Quando t→ +∞, a solução tem um comportamento
assintótico, que irá depender dos sinais destes autovalores.
42 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
Para descrever o retrato de fase das soluções do sistema linear na base B1,
quando os autovalores são negativos, inicialmente observa-se que as soluções tendem
a origem do plano de fases à medida em que t aumenta, pois
limt→+∞
||x(t)|| = limt→+∞
||c1v1eλ1t + c2v2eλ2t||
≤ limt→+∞
(|c1| · ||v1||eλ1t + |c2| · ||v2||eλ2t
)=
(|c1| · ||v1|| lim
t→+∞eλ1t + |c2| · ||v2|| lim
t→+∞eλ2t)
= 0 + 0 = 0.
Para compreensão geométrica da solução, supondo sem perda de generalidade que
0 > λ2 > λ1, vejamos o que ocorre quando t→ −∞, fazendo
limt→−∞
||x(t)|| = limt→−∞
||c2v2eλ2t + (c1)v1eλ1t||
≥ limt→−∞
(|c2| · ||v2||eλ2t − |c1| · ||v1||eλ1t
)= lim
t→−∞
[eλ2t
(|c2| · ||v2|| − |c1| · ||v1||e(λ1−λ2)t
)]= lim
t→−∞eλ2t
(|c2| · ||v2|| − |c1| · ||v1|| lim
t→−∞e(λ1−λ2)t
)= lim
t→−∞eλ2t (|c2| · ||v2||+ 0) = +∞,
isso quer dizer que as soluções se afastam de (0, 0) a medida que o tempo diminui.
Agora, vejamos como as soluções se comportam de acordo com os sinais de c1e c2, e que tipo de curvas são
(i) Se c1 = 0 ou c2 = 0, então (2.19) é da forma
x(t) = x1(t) = c2v2eλ2t
ou
x(t) = x2(t) = c1v1eλ1t,
ou seja, a solução está sobre a reta que tem v2 ou v1 como vetor diretor, respecti-
vamente (veja a Figura 9).
(ii) Caso c1 = c2 = 0 , então a solução é x(t) = (0, 0) para todo t ∈ I (veja a Figura 9).
Em outras palavras, se a solução é começada em (0, 0) continuará em (0, 0) para
todo t.
2.2. O Plano de Fase do Sistema Linear Homogêneo Bidimensional 43
Figura 9 – Posição no plano de fase das retas em que v1 e v2 são vetores diretores. Emparticular, qualquer solução que está compreendida nessas retas, têm c1 ouc2 nulos.
(iii) Caso c1 6= 0 e c2 6= 0 a solução é da forma geral (2.19). Neste caso, como supomos
que 0 > λ2 > λ1, então
x(t) = eλ2t(e(λ1−λ2)tc1v1 + c2v2
),
tomando t→ +∞ o termo e(λ1−λ2)t se torna insignicante a medida que t cresce,
pois λ1 − λ2 < 0,
limt→+∞
x(t) = limt→+∞
eλ2t(
limt→+∞
c1v1e(λ1−λ2)t + c2v2
)= lim
t→+∞eλ2t (0 + c2v2) = 0.
Geometricamente isso signica que as soluções se aproximam da origem tan-
genciando a reta em que v2 é vetor diretor (reta em que c1 = 0). Para t → −∞,
colocando eλ1t em evidência,
x(t) = eλ1t(c1v1 + c2v2e
(λ2−λ1)t),
como λ2 − λ1 > 0, e(λ2−λ1)t se torna insignicante a medida em que t decresce
limt→−∞
x(t) = limt→−∞
eλ2t(c1v1 + lim
t→−∞c2v2e
(λ2−λ1)t)
= limt→−∞
eλ1t (c1v1 + 0) = +∞,
isto quer dizer que as soluções se afastam de (0, 0) se tornando quase paralelas à
reta de vetor diretor v1 (reta em que c2 = 0).
44 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
Na Figura 10, temos uma construção esquemática esboçando o comportamento
das soluções de acordo com os possíveis valores de c1 e c2. Os vetores v1, v2 e seus
opostos, dividem o espaço solução em quatro regiões e em cada um destas temos
valores especícos de c1 e c2, conforme descrito abaixo
(a) c1, c2 > 0, então x(t) ∈ I ;
(b) c1 < 0 e c2 > 0, então x(t) ∈ II ;
(c) c1, c2 < 0, então x(t) ∈ III ;
(d) c1 > 0 e c2 < 0, então x(t) ∈ IV .
Figura 10 – Divisão em regiões do Plano de Fase e representação especíca das soluções.
No caso em que os autovalores positivos, λ1, λ2 > 0, o retrato de fase tem as
mesmas características, com uma diferença: as soluções se afastam da origem. Observe
que se t→ +∞, então ||x(t)|| → +∞.
Em geral, os Retratos de Fase destes dois casos são parecidos, estão esboçados
na Figura 11. Nestes casos dizemos que o ponto (0, 0) é um nó atrator ou sorvedouro,
se λ1, λ2 < 0 e nó ou fonte, se λ1, λ2 > 0.
2.2. O Plano de Fase do Sistema Linear Homogêneo Bidimensional 45
Figura 11 – Os Retratos de Fase do Caso ∆ > 0 em que (a) λ1, λ2 < 0 e (b) λ1, λ2 > 0
No caso em que temos autovalores de sinais distintos, o retrato de fases vai
ser diferente do caso anterior. Supondo, sem perda de generalidade, que λ1 < 0 < λ2,
podemos ver que o módulo da solução geral (2.19) tende para o innito a medida que t
cresce, pois
limt→+∞
||x(t)|| = limt→+∞
||c1v1eλ1t + c2v2eλ2t||
≥ limt→+∞
[|c2| · ||v2||eλ2t − |c1| · ||v1||eλ1t
]≥ |c2| · ||v2|| lim
t→+∞eλ2t − |c1| · ||v1|| lim
t→+∞eλ1t = +∞
Para enriquecer a compreensão assintótica, quando t→ −∞, ocorre
limt→−∞
||x(t)|| = limt→−∞
||c1v1eλ1t + c2v2eλ2t||
≥ limt→−∞
[|c1| · ||v1||eλ1t − |c2| · ||v2||eλ2t
]≥ |c1| · ||v1|| lim
t→−∞eλ1t − |c2| · ||v2|| lim
t→−∞eλ2t = +∞
Analogamente aos casos de valores negativos ou positivos, analisaremos como a so-
lução geral se comportam de acordo com os sinais dos coecientes c1 e c2. Há três
possibilidades
(i) Se c1 = 0 ou c2 = 0, então
x(t) = x1(t) = c2v2eλ2t ou x(t) = x2(t) = c1v1e
λ1t,
respetivamente. Geometricamente, isso implica na existência de duas retas com
vetores diretores v2 e v1 compondo o retrato de fase, tais que
||x1(t)|| = ||v1c1eλ1t|| → 0, caso c2 = 0 e ||x2(t)|| = ||v2c2eλ2t|| → +∞, caso c1 = 0,
quando t→ +∞. (Veja Figura 12)
46 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
(ii) Se c1 = c2 = 0, então a solução é o ponto (0, 0) para todo t ∈ I . (Veja Figura 12)
Figura 12 – Posição das retas em que c1 = 0 e c2 = 0 no plano de fase.
(iii) Se c1 6= 0 e c2 6= 0, então na solução geral (2.19) o termo dominante é o que possui
λ2 > 0, pois t→ +∞ o termo c1v1eλ1t se torna desprezível. Em outras palavras, o
crescimento de t faz com que as soluções se aproximem da reta x2(t) = c2v2eλ2t.
De forma análoga, podemos ver que, quando t → −∞, o termo c2v2eλ2t ca
insignicante, ou seja, a medida em que t decresce as soluções se aproximam da
reta x1(t) = c1v1eλ1t.
Como anteriormente, dividimos o plano de fase em regiões, separando de acordo
com os sinais de c1 e c2 (ilustrado na Figura 13).
(a) c1, c2 > 0, então x(t) ∈ I ;
(b) c1 < 0 e c2 > 0, então x(t) ∈ II ;
(c) c1, c2 < 0, então x(t) ∈ III ;
(d) c1 > 0 e c2 < 0, então x(t) ∈ IV .
2.2. O Plano de Fase do Sistema Linear Homogêneo Bidimensional 47
Figura 13 – Divisão do Plano de Fase em regiões de acordo com os sinais de c1 e c2.
De forma geral, temos na Figura 14 o esboço do retrato de fase quando os
autovalores são positivos e tem sinais opostos. Neste caso, chamamos (0, 0) de ponto
de sela.
Figura 14 – Retrato de Fase do Caso ∆ > 0 em que λ1 e λ2 tem sinais oposto.
48 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
2.2.2 Caso 2
Se ∆ = 0, então λ1 = λ2 ∈ R. Logo, temos um único autovalor λ, que pode estar
associado a dois autovetores linearmente independentes ou a apenas um autovetor.
Inicialmente vejamos o caso em que v1 e v2 são autovetores linearmente inde-
pendentes que estão associados a λ. Logo, as soluções
x1(t) = v1eλt e x2(t) = v2e
λt, (2.20)
são os candidatos a elementos para uma base de S2.
Armação 2.3. O conjunto B2,1 = x1, x2, em que x1 e x2 são dados por (2.20), é uma
base para S2.
Prova. Tomando uma combinação linear α1x1 + α2x2, em que αi ∈ R para i = 1, 2 eigualando a zero, temos
α1v1eλt + α2v2e
λt = 0, ∀t ∈ I.
Por hipótese v1 e v2 são linearmente independentes, e eλt > 0 para todo t. Então
α1 = α2 = 0.
Daí, podemos escrever os elementos de S2 como uma combinação linear dos
componentes de B2,1, isto é, de forma geral as soluções são do tipo
x(t) = (c1v1 + c2v2)eλt. (2.21)
A equação anterior descreve retas de vetor diretor c1v2 + c2v2, logo todas as soluções
deste caso estarão sobre alguma retas. Podemos concluir que o retrato de fase tem a
conguração esboçado na Figura 15.
O comportamento assintótico da solução pode ser resumido, quando t→ +∞,
em dois casos. Primeiro, se λ > 0, então
limt→+∞
||x(t)|| = limt→+∞
eλt · ||(c1v1 + c2v2)|| = +∞.
Segundo, se λ < 0, tem-se
limt→+∞
||x(t)|| = limt→+∞
eλt · ||(c1v1 + c2v2)|| = 0.
2.2. O Plano de Fase do Sistema Linear Homogêneo Bidimensional 49
Figura 15 – Retratos de Fase do Caso ∆ = 0 em que λ está associado a v1 e v2 linearmenteindependentes, (a) λ > 0 (b) λ < 0.
Como no Caso 2.2.1, quando c1 = c2 = 0 a solução é (0, 0) para todo t. Esse
ponto, como está descrito na Figura 15, é chamado de nó próprio ou ponto estrela.
A opção em que λ esta associado somente a um autovetor v inicialmente tem
um problema, pois a base para S2 deve ter dois elementos e somente um das soluções
é conhecida,
x1(t) = veλt. (2.22)
Inspirado pelos procedimentos usados para EDOs de segunda ordem, vamos testar a
solução
x2(t) = vteλt, (2.23)
derivando, tem-se
x’2(t) = veλt + vλteλt. (2.24)
Substituindo (2.23) e (2.24) em x’ = Ax,
veλt + vλteλt = Avteλt ⇔ v = −λvt+ Avt
⇔ v = (A− I2λ)vt.
Como v = (A− I2λ)vt para todo t ∈ R, então v = 0, isso quer dizer que essa solução
não é interessante, pois procuramos elementos que possam ser uma base para S2. Então,
testemos a seguinte combinação
x2(t) = vteλt + weλt. (2.25)
Derivando, obtemos
x’2(t) = veλt + λvteλt + λweλt. (2.26)
50 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
Substituindo (2.25) e (2.26) em x′ = Ax, tem-se
veλt + λvteλt + λweλt = A(vteλt + weλt)
⇔ v + λvt+ λw = Avt+ Aw
⇔ t[v(I2λ− A)] = (A− I2λ)w − v,
para todo t ∈ R, em particular para t = 0, o que implica em (A− I2λ)w − v = 0. Dessa
forma t[v(I2λ − A)] = 0, ∀t ∈ I , logo (A − I2λ)v = 0. Unindo as informações obtidas,
tem-se (A− I2λ)v = 0,
(A− I2λ)w = v,(2.27)
em que v é um vetor genuíno e w é um vetor generalizado associado a v. Concluímos
que a Equação (2.25) será segunda solução deste caso, quando v e w satiszerem (2.27).
Encontrado os dois candidatos para serem elementos de uma base para S2,
devemos vericar se são linearmente independentes.
Armação 2.4. O conjunto B2,2 = x1, x2, em que x1 é dado por (2.22) e x2 por (2.25),
é uma base para S2.
Prova. Tomando combinação linear dos elementos de B2,2, temos
α1x1(t) + α2x2(t),∀t ∈ I.
Igualando à zero, tem-se
α1x1(t) + α2x2(t) = 0⇔ α1veλt + α2vte
λt + α2weλt = 0, ∀t ∈ I.
Como eλt > 0 para todo t ∈ I , podemos dividir toda a equação por este termo
α1v + α2vt+ α2w = 0,∀t ∈ R.
Em particular para t = 0, obtêm-se
α1v + α2w = 0.
Para que ocorra α1 = α2 = 0 é necessário que v e w sejam linearmente independentes.
Suponhamos, por absurdo, que v e w sejam linearmente dependentes, então
w = kv, k ∈ R.
O que implicaria, pela segunda equação do Sistema (2.27), a seguinte igualdade
(A− I2λ)w = v ⇔ (A− I2λ)(kv) = v ⇔ k[(A− I2λ)v] = v.
2.2. O Plano de Fase do Sistema Linear Homogêneo Bidimensional 51
Pela primeira equação do Sistema (2.27), temos (A− I2λ)v = 0. Daí, k[(A− I2λ)v] = v ⇔k · 0 = v, que é um absurdo, pois v é um autovetor da matriz A e é necessariamente
não-nulo.
Pela Armação 2.4, podemos concluir que os elementos de S2 na base B2,2 podem
ser escritos de forma geral por
x(t) = c1veλt + c2(vte
λt + weλt), (2.28)
em que dados c1, c2 ∈ R.
A construção do retrato de fase é análoga aos outros casos. Podemos ver o
resultado nal sobre plano de fase na Figura 16, nos casos em que tomamos o limite da
solução com t→ +∞, se λ > 0 temos
limt→+∞
||x(t)|| = limt→+∞
||c1veλt + c2(vteλt + weλt)|| ≥ lim
t→+∞
[eλt (t|c2| · ||v|| − ||c1v + c2w||)
]= lim
t→+∞
[teλt
(|c2| · ||v|| −
||c1v + c2w||t
)]= lim
t→+∞teλt
(|c2| · ||v|| − lim
t→+∞
||c1v + c2w||t
)= +∞.
Caso λ < 0, então
limt→+∞
||x(t)|| = limt→+∞
||c1veλt + c2(vteλt + weλt)|| ≤ lim
t→+∞
(teλt ·
∣∣∣∣∣∣∣∣c1v + c2w
t+ c2v
∣∣∣∣∣∣∣∣)= lim
t→+∞teλt ·
∣∣∣∣∣∣∣∣ limt→+∞
c1v + c2w
t+ c2v
∣∣∣∣∣∣∣∣ = 0,
pois limt→+∞
teλt = 0, já que a exponencial cresce mais rapidamente que t.
Figura 16 – Retratos de Fase do Caso ∆ = 0 em que λ está associado a um únicoautovetor e (a) λ < 0 (b) λ > 0.
52 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
Quando ocorre este caso, denominamos o ponto (0, 0) como nó impróprio ou
nó degenerado.
2.2.3 Caso 3
Se ∆ < 0, então λ1, λ2 ∈ C. Logo, podemos escrever λ1 = σ + iβ, autovalor
associado ao autovetor v1 = a+ ib, em que σ, β ∈ R e a, b ∈ R2. Como são associados à
matriz A, tem-se
(A− λ1I2)v1 = 0,
já que A e I2 são matrizes reais, se tomarmos o conjugado,
(A− λ1I2)v1 = (A− λ1I2)v1 = 0.
Logo, se λ1 é uma autovalor de A, então λ1 também é e associa-se ao autovetor v1. Como
a base que procuramos para S2 tem somente dois elementos, encontramos candidatos
x1 e x2 tais que
x1(t) = veλt e x2(t) = veλt.
No entanto, os autovalores e autovetores são complexos e nosso interesse é a obtenção
de autovalores reais. Podemos escrevê-los da seguinte forma
x1(t) = veλt = (a+ ib)e(σ+iβ)t
= (a+ ib)eσt(cos(βt) + isen(βt))
= eσt(a cos(βt)− bsen(βt)) + ieσt(asen(βt) + b cos(βt))
ex2(t) = veλt = (a− ib)e(σ−iβ)t
= (a− ib)eσt(cos(−βt) + isen(−βt))= (a− ib)eσt(cos(βt)− isen(βt))
= eσt(a cos(βt)− bsen(βt))− ieσt(asen(βt) + b cos(βt)).
Denominando,
u(t) = eσt(a cos(βt)− bsen(βt)) e w(t) = eσt(asen(βt) + b cos(βt)), (2.29)
obtemos, x1(t) = u(t) + iw(t) e x2(t) = u(t) − iw(t). Fazendo a seguinte combinação
linear
u(t) =x1(t) + x2(t)
2e w(t) =
x1(t)− x2(t)2i
, (2.30)
encontramos soluções reais para este caso, u(t) e w(t). Vejamos que estas soluções
também formam uma base para S2.
Armação 2.5. O conjunto B3 = u,w é linearmente independente.
2.2. O Plano de Fase do Sistema Linear Homogêneo Bidimensional 53
Prova. Dados α1, α2 ∈ R, tomando uma combinação linear α1u + α2w, aplicando a t e
igualando a zero, temos
α1u(t) + α2w(t) = 0⇔⇔ α1e
σt(a cos(βt)− bsen(βt)) + α2eσt(asen(βt) + b cos(βt)) = 0
⇔ α1eσta cos(βt)− α1e
σtbsen(βt) + α2eσtasen(βt) + α2e
σtb cos(βt) = 0
⇔ eσt cos(βt)(α1a+ α2b) + eσtsen(βt)(α2a− α1b) = 0.
Dividindo a equação anterior por eσt > 0, tem-se
cos(βt)(α1a+ α2b) + sen(βt)(α2a− α1b) = 0, ∀t ∈ R.
Como vale para todo t, em particular é válido para t =2
βπ, substituindo na equação
anterior obtém-se
cos
(β
2
βπ
)(α1a+ α2b) + sen
(β
2
βπ
)(α2a− α1b) = 0⇔ (α1a+ α2b) = 0.
Analogamente, deve ser válido para t =π
2β, isto é,
cos
(βπ
2β
)(α1a+ α2b) + sen
(βπ
2β
)(α2a− α1b) = 0⇔ (α1a+ α2b) = 0.
Unindo as duas informações obtidas, tem-se α2a− α1b = 0,
α1a+ α2b = 0.
Como v 6= 0, então a 6= 0 ou b 6= 0. Supondo, sem perda de generalidade, que a 6= 0 e
tomando o produto interno de a na primeira igualdade do sistema anterior, tem-se
〈α2a, a〉 = 〈α1b, a〉 ⇔ α2||a||2 = α1〈b, a〉 ⇔ α2 =α1
||a||2〈b, a〉,
fazendo o mesmo na segunda igualdade do mesmo sistema, obtemos
〈α1a, a〉 = 〈−α2b, a〉 ⇔ α1||a||2 = −α2〈b, a〉 ⇔ α1 = − α2
||a||2〈b, a〉.
Daí, α1 = − α2
||a||2〈b, a〉,
α2 =α1
||a||2〈b, a〉,
e substituindo α1 na segunda equação, tem-se
α2 = − α2
||a||2〈b, a〉〈b, a〉
||a||2⇔ α2 = −α2
〈b, a〉2
||a||4,
o que implica em α2 = 0. Se α2 = 0, então α1 = 0.
54 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
Pelo resultado da 2.5, B3 = u,w é uma base para S2. Consequentemente todas
as soluções nesta base são uma combinação linear de u e w, isto é,
x(t) = eσt[(c1a+ c2b) cos βt+ (c2a− c1b)senβt]. (2.31)
A Equação (2.31) representa uma espiral, então no plano de fase, o retrato de
fase deste caso cará como esboçado na Figura 17.
O comportamento assintótico da solução dependerá do sinal de σ. Se σ < 0,
então ||x(t)|| → 0, pois
limt→+∞
||x(t)|| = limt→+∞
[eσt · ||(c1a+ c2b) cos βt+ (c2a− c1b)senβt||
]≤ lim
t→+∞
[eσt (||c1a+ c2b|| · | cos βt|+ ||c2a− c1b|| · |senβt|)
]≤ lim
t→+∞eσt (||c1a+ c2b||+ ||c2a− c1b||) = 0.
No caso em que σ > 0, precisaremos vericar antes que
||(c1a+ c2b) cos βt− (c1b− c2a)senβt||
é a equação paramétrica de uma elipse rotacionada centrada na origem. Seja k o
semieixo menor dessa elipse, vale que
||(c1a+ c2b) cos βt− (c1b− c2a)senβt|| ≤ k.
Daí, usando a inequação anterior é possível mostrar que ||x(t)|| → +∞, pois
limt→+∞
||x(t)|| = limt→+∞
[eσt · ||(c1a+ c2b) cos βt− (c1b− c2a)senβt||
]≥ lim
t→+∞(eσtk).
O que também está ilustrado na Figura 17. Neste caso, denomina-se o ponto (0, 0) de
ponto espiral, fonte espiral ou sorvedouro espiral.
Figura 17 – Retrato de fase do caso em que ∆ < 0 e σ 6= 0: (a) σ < 0 e (b) σ > 0.
2.3. Estabilidade e Instabilidade 55
Em particular, pode ocorrer que os autovalores sejam complexos imaginários
puros, ou seja, λ1 = iβ e λ2 = −iβ. Este fato não altera o resultado da Armação 2.5,
B3 = u,w ainda será uma base para S2 e as soluções serão escritas de forma geral
como
x(t) = (c1a+ c2b) cos βt+ (c2a− c1b)senβt. (2.32)
Diferente dos demais casos, se t→ ±∞, não implica na convergência ou divergência
de ||x(t)||, geometricamente pode-se ver que o retrato de fase é composto por elipses
(ver Figura 18). Neste caso, o ponto (0, 0) é chamado de centro.
Figura 18 – Retrato de fase do caso ∆ = 0 em que σ = 0.
Com isso, encerramos a busca pelas possíveis bases de S2, variando de acordo
com os possíveis autovetores e autovalores da matriz A. A descrição dos retratos de
fase é importante para compreender o comportamento assintótico das soluções de cada
base encontrada.
2.3 Estabilidade e Instabilidade
As denições de estabilidade e instabilidade dos sistema autônomos são impor-
tantes para classicação e análise dos seus comportamentos assintóticos. Nesta seção
usamos principalmente [1] como fonte de referência.
Para simplicar a notação usaremos que o qualquer sistema autônomo pode ser
escrito na forma
x’ = F(x), (2.33)
em que (x(t), y(t)) = x(t) ∈ R2 e F(x) = (F (x, y), G(x, y)).
56 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
Denição 2.5. Uma solução x0 de um sistema autônomo da forma (2.33) é dita de
equilíbrio, quando
F(x0) = 0,
Como F(x0) = 0, então x′0 = 0, implicando em x0 = (a, b), tal que (a, b) ∈ R2. Isto
é, as soluções de equilíbrio são constantes, x0 = (a, b).
Exemplo 2.3. Nos casos das subseções 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3, em que
x′(t) = ax+ by,
y′(t) = cx+ dy,
a solução de equilíbrio é única, e pela Denição 2.5 ocorre quando ax + by = 0 e
cx+ by = 0. Como supusemos que detA 6= 0 na denição dos sistemas lineares para a
Equação 2.11, então x = y = 0, isso quer dizer que a solução de equilíbrio é a origem.
(Ver Figuras 11, 14, 15, 16, 17 e 18).
Denição 2.6. Uma solução de equilíbrio x0, de um sistema autônomo, é chamada de
estável quando para todo ε > 0, existe δ > 0, tal que para toda solução x que satisfaz
||x(0)− x0|| < δ, tem-se ||x(t)− x0|| < ε,∀t ≥ 0.
Denição 2.7. Uma solução de equilíbrio x0 de um sistema autônomo, é chamada de
assintoticamente estável se for estável e existir η > 0 tal que para toda solução x em
que
||x(0)− x0|| < η ⇒ limt→+∞
x(t) = x0.
Essas denições dizem, em outras palavras, que as soluções começadas próximas
de x0 permanecem próximas, caso x0 for uma solução de equilíbrio estável. Em particular,
se x0 for assintoticamente estável, as soluções também tendem para x0 à medida em
que t aumenta.
2.3. Estabilidade e Instabilidade 57
Figura 19 – (a) Estabilidade assintótica; (b) Estabilidade
Utilizando as Denições 2.7 e 2.6, caracterizaremos a estabilidade das soluções
de equilíbrio (0, 0) do caso em que o sistema é autônomo linear e homogêneo, dado por ax+ by = 0,
cx+ dy = 0,
vistos na Seção 2.2, em que as soluções gerais variam de acordo com os coecientes
a, b, c, d.
Exemplo 2.4. Começando pelo Caso 2.2.1 quando os autovalores são reais negativos, a
solução é assintoticamente estável pois, dado ε > 0 tome δ =ε
k, em que k é uma constante
de equivalência das normas em R2 (veja Apêndice A). Daí, como ||x(0)|| = ||c1v1 + c2v2|| e0 > λ1, λ2, tem-se
||x(t)− 0|| = ||c1v1eλ1t + c2v2eλ2t|| ≤ ||c1v1eλ1t||+ ||c2v2eλ2t|| ≤
≤ |c1|||v1||+ |c2|||v2|| ≤ k||c1v1 + c2v2|| ≤ kδ = ε.
Além disso, já sabemos que x(t)→ 0, quando t→ +∞ (veja o Caso 2.2.1 e Figura 11 (b)).
Exemplo 2.5. No Caso 2.2.3 em que os autovalores são λ = σ + iβ e λ = σ − iβ comσ < 0 obtivemos uma solução assintoticamente estável. Dado ε > 0, tome δ =
ε
Mk, em
que k é uma constante de equivalência das normas em R2 (veja Apêndice A) e
M = max
|c1|+ |c2||c1|
,|c1|+ |c2||c2|
.
58 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
Como a solução geral em t = 0 é ||x(0)|| = ||ac1 + bc2||, temos
||x(t)− 0|| = ||eσtc1(a cos βt− bsenβt) + eσtc2(bsenβt+ a cos βt)||= eσt||c1(a cos βt− bsenβt) + c2(bsenβt+ a cos βt)||≤ ||c1(a cos βt− bsenβt) + c2(bsenβt+ a cos βt)||= || cos(βt)(c1a+ c2b) + sen(βt)(c2a− c1b)||≤ || cos(βt)(c1a+ c2b)||+ ||sen(βt)(c2a− c1b)||≤ ||(c1a+ c2b)||+ ||(c2a− c1b)||≤ |c1|||a||+ |c2|||b||+ |c2|||a||+ |c1|||b||= (|c1|+ |c2|)||a||+ (|c1|+ |c2|)||b||
=|c1|+ |c2||c1|
||c1a||+|c1|+ |c2||c2|
||c2b||
≤ M ||c1a||+M ||c2b|| ≤M(k||c1a+ c2b||) < Mkδ = ε.
Usando a forma geral das soluções descrita na Equação (2.31), vejamos que
||x(t)|| = ||eσt[(c1a+ c2b) cos βt+ (c2a− c1b)senβt]||= ||eσt(c1a+ c2b) cos βt+ eσt(c2a− c1b)senβt||≤ ||eσt(c1a+ c2b) cos βt||+ ||eσt(c2a− c1b)senβt||≤ |eσt| · ||(c1a+ c2b)||+ |eσt| · ||(c2a− c1b)||= |eσt| (||(c1a+ c2b)||+ ||(c2a− c1b)||) ,
Tomando o limite, em que σ < 0, tem-se
limt→+∞
|eσt| (||(c1a+ c2b)||+ ||(c2a− c1b)||) = (||(c1a+ c2b)||+ ||(c2a− c1b)||) | limt→+∞
eσt| = 0.
Então, x(t)→ 0, quando t→ +∞.
Exemplo 2.6. No Caso 2.2.2 em que o único autovalor λ é negativo e está associado
aos autovetores v1 e v2 linearmente independentes. Dado ε > 0, tome δ = ε. Em t = 0,
||x(0)− 0|| = ||c1v1 + c2v2||, temos
||x(t)− 0|| = ||(c1v1 + c2v2)eλt|| ≤ ||c1v1 + c2v2|| ≤ δ = ε.
Quando foi feita a análise assintótica, viu-se que t→ +∞ implica x(t)→ 0.
Exemplo 2.7. Como descrito no Caso 2.2.2 em que λ < 0 é o único autovalor do sistema
e está associado a um único autovetor v, as soluções em geral são
x(t) = c1veλt + c2(vte
λt + weλt),
em que w é autovetor generalizado associado ao autovetor v. Quando t = 0, ||x(0)−0|| =||c1v + c2w||. Dado ε > 0, tome δ = ε, então
||x(t)− 0|| = eλt · ||c1v + c2(vt+ w)|| ≤ ||c1v + c2w||+ t|c2| · ||v|| ≤ ||c1v + c2w|| < δ = ε.
Também já foi visto que x(t)→ 0, quando t→ +∞.
2.3. Estabilidade e Instabilidade 59
Dessa forma, podemos concluir que (0, 0) é uma solução de equilíbrio assintoti-
camente estável, nos Exemplos 2.4, 2.5, 2.6 e 2.7.
Há também a possibilidade de que a solução de equilíbrio x0 seja somente estável.
Isto quer dizer que as soluções cam próximas de x0, mas não tendem a x0.
Exemplo 2.8. No Caso 2.2.3 em que λ1 = iβ e λ2 = −iβ, a solução de equilíbrio (0, 0)
é estável, mas não assintoticamente. Dado ε > 0 tomemos δ =ε
Mk, em que k é uma
constate de normas equivalentes em R2 e
M = max
|c1|+ |c2||c1|
,|c1|+ |c2||c2|
.
Sabendo que ||x(0)|| = ||c1a+ c2b||, temos
||x(t)− (0)|| = ||c1(a cos(βt)− bsen(βt)) + c2(asen(βt) + b cos(βt))||= || cos(βt)(c1a+ c2b) + sen(βt)(c2a− c1b)||≤ || cos(βt)(c1a+ c2b)||+ ||sen(βt)(c2a− c1b)||≤ ||(c1a+ c2b)||+ ||(c2a− c1b)||≤ |c1|||a||+ |c2|||b||+ |c2|||a||+ |c1|||b||= (|c1|+ |c2|)||a||+ (|c1|+ |c2|)||b||
=|c1|+ |c2|
c1||c1a||+
|c1|+ |c2|c2
||c2b||
≤ M(||c1a||+ ||c2b||)≤ M(k||c1a+ c2b||) < M(kδ) = ε.
Portanto a solução de equilíbrio (0, 0) é estável, mas não assintoticamente estável, pois a
solução (2.32) pode ser escrita da forma
x(t) = (c1a+ c2b) cos(βt) + (c2a− c1b)sen(βt),
e como
@ limt→+∞
sen(βt) e @ limt→+∞
cos(βt)
então, @ limt→+∞
x(t) (veja Figura 18).
Há na Seção 2.2, soluções para o Sistemas (2.11), em que (0, 0) não é estável.
Para estes casos dizemos que (0, 0) é uma solução de equilíbrio instável. Nos exemplos
seguintes, vericaremos quais são esses casos usando a denição instabilidade.
Denição 2.8. Uma solução de equilíbrio x0 é dita instável se não for estável, isto é,
existe um ε0 > 0, tal que dado δ > 0, existe uma solução x(t) em que
||x(0)− x0|| < δ e ||x(t0)− x0|| ≥ ε0
para algum t0 ≥ 0.
60 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
Observação 2.3. A ocorrência do Limite da Denição 2.7 não é suciente para garantir
a estabilidade assintótica ou somente a estabilidade. Um exemplo de sistema que possui
soluções deste tipo, é dada pordx
dt= x(1−
√x2 + y2) + y(x− 1),
dy
dt= y(1−
√x2 + y2)− x(x− 1).
(2.34)
Neste caso, não há no texto ferramentas sucientes para descrever o plano de fase
associado ao sistema anterior. Porém, podemos fazer uma abordagem menos rigorosa e
suciente para os objetivos do trabalho.
Inicialmente vejamos que as únicas soluções de equilíbrio deste sistema são (0, 0)
e (0, 1), pois estas soluções são características por anularem as funções coordenadas do
sistema simultaneamente, isto é
x(1−√x2 + y2) + y(x− 1) = 0 e y(1−
√x2 + y2) + x(x− 1) = 0. (2.35)
Com a ajuda da Figura 20 podemos ter essa conrmação geometricamente, vejamos que
as curvas dadas pelas equações acima se interceptam apenas nos ponto (0, 1) e (0, 0).
Portanto estes dois pontos são as únicas soluções de equilíbrio do Sistema 2.34.
Figura 20 – Interseção das curvas dadas pelas equações 2.35.
Existe uma solução (x(t), y(t)), especial para os objetivos do exemplo que é dada
implicitamente por x2 + y2 = 1, em que x 6= 1. Caso x2 + y2 = 1, o Sistema 2.34 pode ser
reescrito como dx
dt= y(x− 1),
dy
dt= −x(x− 1).
2.3. Estabilidade e Instabilidade 61
Isso implica quedy
dx=−x(x− 1)
y(x− 1)=−xy, (x 6= 1).
Usando o método de separação de variáveis obtemos a solução implícita da EDO, dada
por x2 + y2 = C em que C ∈ R, por hipótese C = 1. Logo, a equação
x2 + y2 = 1, em que x 6= 1, (2.36)
é uma solução para o Sistema 2.34 e é útil para concluir o exemplo. Pois dado ε0 peque o
suciente, como ilustrado na Figura 21, podemos concluir a instabilidade da solução de
equilíbrio (1, 0). Apesar de que, independentemente da orientação sobre solução 2.36, ela
tende para a (1, 0). Ou seja, temos uma solução de equilíbrio em que existem soluções
tendendo para ela, mas que é não estável.
Figura 21 – A solução de equilíbrio (1, 0) é instável apesar de que existem soluções quetendem para ela.
Exemplo 2.9. Neste exemplo, abordando o Caso 2.2.1, os cálculos valem tanto para
0 < λ1, λ2 ∈ R ou λ2 < 0 < λ1. A solução de equilíbrio (0, 0) é instável, pois xado
ε0 =||eλ1c1v1 + eλ2c2v2||
2,
para todo δ > 0 em que
||x(0)− x0|| = ||c1v1 + c2v2|| < δ,
62 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
tome
t0 = 1.
Daí,
||x(1)− 0|| = ||eλ1c1v1 + eλ2c2v2|| ≥ ε0.
Exemplo 2.10. No Caso 2.2.2, em que o único autovalor λ > 0 está associado a dois
autovetores v1 e v2. Fixado ε0, para todo δ > 0 em que
||x(0)− x0|| = ||c1v1 + c2v2|| < δ,
tome ε0 = 2||c1v1 + c2v2||. Daí, para um dado t0
t >1
λln 2⇔ t >
1
λln
ε0||c1v1 + c2v2||
⇔ eλt >ε0
||c1v1 + c2v2||⇔ ||eλt0(c1v1 + c2v2)|| > ε0.
Portanto, (0, 0) é uma solução de equilíbrio instável.
Exemplo 2.11. Para o Caso 2.2.2 em que o autovalor λ > 0 é único e está associado a
um único autovetor v, e existe um autovetor generalizado w associado a v. A solução de
equilíbrio (0, 0) é instável.
Tome t0 = max
ln 2
λ,||c1v + c2w||+ 2
|c2| · ||v||
e ε0 = 4. Daí, para todo δ > 0 existe t0,
tal que
||x(0)− x0|| = ||c1v + c2w|| < δ,
e
||x(t0)− x0|| = eλt0||c1v + c2vt0 + c2w|| ≥ eλt0(t0|c2| · ||v|| − ||c1v + wc2||)
≥ eλln 2
λ
(||c1v + c2w||+ 2
|c2| · ||v|||c2| · ||v|| − ||c1v + wc2||
)= 2 · 2 = 4.
Exemplo 2.12. Finalmente, o Caso 2.2.3 em que os autovalores são λ1 = σ + iβ e
λ2 = σ − iβ com σ > 0, a solução de equilíbrio (0, 0) será instável.
Tome t0 =2π
βe
ε0 =e
2πσ
β ||c1a+ c2b||2
.
Daí, para todo δ > 0 existe t0, tal que
||x(0)− x0|| = ||c1a+ c2b|| < δ,
e
||x(t0)−x0|| = eσ2π
β ·∣∣∣∣∣∣∣∣(c1a+ c2b) cos β
2π
β+ (c2a− c1b)senβ
2π
β
∣∣∣∣∣∣∣∣ ≥ e
2πσ
β ||c1a+c2b|| > ε0.
2.4. Sistemas Quase Lineares 63
Com esses exemplos caracterizamos a estabilidade e instabilidade de todas as
possibilidades para a solução de equilíbrio (0, 0) do Sistema Autônomo Linear Homogêneo
Bidimensional, vamos unir essa informações em um teorema.
Teorema 2.3. Sejam λ1 e λ2 os autovalores da matriz A do sistema linear bidimensional
2.10. Dizemos que 0 ∈ R2 é uma solução de equilíbrio
(a) assintoticamente estável, se
(i) λ1, λ2 ∈ R e λ1, λ2 < 0;
(ii) λ1, λ2 ∈ C e λ1,2 = σ ± iβ, em que σ < 0.
(b) estável, mas não assintoticamente, quando λ1, λ2 ∈ C e λ1,2 = ±iβ.
(c) instável, se
(i) λ1, λ2 ∈ R e λ1 > 0 ou λ2 > 0;
(ii) λ1, λ2 ∈ C e λ1,2 = σ ± iβ, em que σ > 0.
Demonstração. Os Exemplos 2.4, 2.5, 2.6, 2.7, 2.8, 2.9, 2.10, 2.11 e 2.12 provam o
Teorema.
2.4 Sistemas Quase Lineares
Nesta seção vamos entender como os Sistemas Autônomos não-Lineares em uma
vizinhança das suas soluções de equilíbrio estão em correspondência com um Sistema
Linear.
Denição 2.9. Um Sistema Autônomo não-Linear é dito quase linear, se for da forma
x’ = Ax+ b(x), em que
lim||x||→0
b(x)
||x||= 0.
O comportamento das soluções equilíbrio de um sistema quase linear é seme-
lhantes a dos sistemas lineares encontrados nas proximidades das soluções de equilíbrio.
Proposição 2.1. Os Sistemas Autônomos (2.4) são quase lineares quado F e G são de
classe C1.
64 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
Demonstração. Seja o sistema autônomo não linear x’ = F(x), em que x0 é uma solução
de equilíbrio deste sistema. Suponhamos que F, dada por F(x) = (F (x, y), G(x, y), seja
de classe C1, então para pequenos valores de h tem-se
F(x + h) = F(x) + F’ · (x)(h) + r(h),
em quer(h)
||h||→ 0, quando h→ 0 (veja [7] pág. 243). Em particular F é derivável em x0
e como F(x0) = 0, obtemos
(x0 + h)’ = F(x0 + h) = F’(x0)(h) + r(h).
Como x0 é uma solução constante x’0 = 0 então camos com o novo sistema linear e
homogêneo
h’ = F’(x0)(h) + r(h), (2.37)
em que x0 = (x0, y0) e
F’(x0) =
[Fx(x0, y0) Fy(x0, y0)
Gx(x0, y0) Gy(x0, y0)
]
é a matriz F’(x), chamada jacobiana de F . Como por deniçãor(h)
||h||→ 0 quando g → 0,
temos que x’ = F(x) é quase linear em suas soluções de equilíbrio.
Um importante resultado sobre a estabilidade e o tipo das soluções de equilíbrio,
é que alguns sistema quase lineares, de certa forma, herdam as características de
estabilidade das soluções de equilíbrio dos sistemas lineares associados, dependendo
da natureza dessas soluções.
Teorema 2.4. Dado um sistema quase linear
x’ = Ax+ b(x), (2.38)
em que λ1 e λ2 são autovalores de um sistema linear
x’ = Ax, (2.39)
associado a solução de equilíbrio x0 do Sistema (2.38). Então, o tipo e a estabilidade da
solução de equilíbrio (0, 0) do sistema (2.39) e de x0 são tais que
2.4. Sistemas Quase Lineares 65
x’ = Ax x’ = Ax + b(x)Soluções de Equilíbrio
(0, 0) x0
Autovalores Tipo Estabilidade Tipo Estabilidadeλ1, λ2 > 0 Fonte Instável Fonte Instávelλ1, λ2 < 0 Sorvedouro Assint. Est. Sorvedouro Assint. Estávelλ1 < 0 < λ2 Ponto de Sela Instável Ponto de Sela Instávelλ1 = λ2 > 0 Nó Próp. ou Imp. Instável Nó ou P. Espiral Instávelλ1 = λ2 > 0 Nó Próp. ou Imp. Assint. Est. Nó ou P. Espiral Assint. Estável
λ1, λ2 = σ ± iβσ > 0 Ponto Espiral Instável Ponto Espiral Instávelσ < 0 Ponto Espiral Assint. Est. Ponto Espiral Assint. Estávelσ = 0 Centro Estável Centro ou P. Esp. Indeterminado
Tabela 1 – Herança do Tipo e Estabilidade das Soluções de Equilíbrio.
A demonstração desse teorema foge dos assunto que o texto aborda, por isso
vamos apenas assumir seu resultado como verdadeiro.
Esta denição será muito útil para descrever os retratos de fase de sistemas
autônomos não lineares bidimensionais. Vejamos um exemplo deste tipo.
Exemplo 2.13. A modelagem do Pêndulo Oscilatório, que pode ser encontrado em [1], é
um sistema autônomo não linear. Para simplicar o resultado suponhamos a, b > 0 e
b < 2a. Daí temos o seguinte sistema autônomo x′(t) = y,
y′(t) = −a2 senx− by.
Podemos ver que F (x, y) e G(x, y) são funções de classe C∞, então este sistema é quase
linear em cada solução de equilíbrio.
Primeiramente, encontremos quais são as soluções de equilíbrio. Pela denição
F (x, y) = 0 e G(x, y) = 0, isto é, y = 0,
senx = − b
a2y,
⇔
y = 0,
x = kπ, k ∈ Z.
Então as soluções de equilíbrios são do tipo (kπ, 0), k ∈ Z.
Calculando F’(x), em que x = (x, y), como neste caso F : R2 → R2 com F(x, y) =
(F (x, y), G(x, y)) e F (x, y) = y, G(x, y) = −a2senx− by, temos
F’(x) =
(Fx(x, y) Fy(x, y)
Gx(x, y) Gy(x, y)
)=
(0 1
−a2 cosx −b
).
66 Capítulo 2. Sistemas Autônomos
Aplicando nas soluções xk0 = (kπ, 0), temos
F’(xk0) =
(0 1
a2(−1)k+1 −b
).
Então os sistemas linearizados nas k-ésimas soluções de equilíbrio são(x′(t)
y′(t)
)=
(0 1
a2(−1)k+1 −b
)(x(t)
y(t)
).
Daí, pelo polinômio característico da matriz F’(x0), podemos caraterizar o comportamento
das soluções próximas as soluções de equilíbrio, dado por
p(λ) = det
(−λ 1
(−1)k+1a2 −(b+ λ)
)= λ2 + bλ+ (−1)ka2,
e os autovalores são dados por
λ1, λ2 =−b±
√b2 − 4(−1)ka2
2. (2.40)
Como a, b > 0 podemos dividir em dois casos,
(a) se k é par, tem-se λ1 e λ2 são autovalores complexos com a parte real negativa,
pois por hipótese
b < 2a⇔ b2 < 4a2 ⇔ b2 − 4a2 < 0.
Ou seja, as soluções de equilíbrio do tipo (2qπ, 0) em que q ∈ Z, são como as Caso2.2.3, já que pelo Teorema 2.4 as soluções de equilíbrio que são deste tipo herdam
suas características principais do sistema linear associado;
(b) se k for ímpar, tem-se
λ1 =−b+
√b2 + 4a2
2e λ2 =
−b−√b2 + 4a2
2.
O autovalor λ2 é negativo, pois a, b > 0 e consequentemente√b2 + 4a2 > 0. Como
b2 < b2 + 4a2 ⇔ b <√b2 + 4a2 ⇔ 0 < −b+
√b2 + 4a2,
podemos armar que λ1 > 0, isto classica as soluções de equilíbrio da forma
(2(q + 1)π, 0), q ∈ Z como sendo pontos de sela pelo Teorema 2.4, descritos no
Caso 2.2.1.
67
Capítulo3
Interação Entre Bactérias e
Nutrientes no Quimiostato
Neste capítulo, veremos a aplicação da Teoria dos Sistemas Autônomos ao modelo
biomatemático baseado na interação que acontece entre bactérias e nutrientes dentro
de um aparelho chamado Quimiostato. Foi usado principalmente o Livro [3] como fonte
de pesquisa.
Figura 22 – Forma esquemática do Quimiostato
O Quimiostato é um aparelho que armazena micro-organismos para cultivá-los
em condições especícas, alimentando-os continuamente para manter uma cultura
sempre ativa, isto pode ser útil ao se estudar um determinado micro-organismo, pois
68 Capítulo 3. Interação Entre Bactérias e Nutrientes no Quimiostato
possibilita coletar-se amostras a qualquer momento. Pode-se usá-lo, em particular,
como meio contínuo para produção de bactérias.
O funcionamento do dispositivo acontece da seguinte forma: existe um reser-
vatório de volume V , que contém uma solução de nutrientes C0. Por um tubo, a um
Fluxo F , esses nutrientes são levados a uma câmara habitada pelas bactérias, e com
uma taxa F a solução que contém indivíduos, substrato e nutrientes saem da câmara.
Chamamos de N e C a densidade de indivíduos e concentração de nutrientes contidos
na câmara, respectivamente. A Figura 22 ilustra de forma esquemática o funcionamento
do Quimiostato.
Observação 3.1. Para que o Quimiostato funcione, o Fluxo F (estrada e saída) deve agir
de forma equilibrada, considerando duas coisas: (a) não ser muito grande a ponto de
eliminar os micro-organismos da câmara; (b) ser rápido o suciente para que a reposição
de nutrientes consiga sustentar o crescimento da cultura.
3.1 Modelo Matemático
Nosso objetivo é encontrar um Modelo Matemático para a interação que ocorre
entre as bactérias e nutrientes, tal que possamos utilizar toda a teoria estudada no
Capítulo 2.
Dito isso, temos um caminho para a primeira tentativa de modelar matema-
ticamente o fenômeno que acontece dentro do Quimiostato. Partindo das seguintes
hipóteses
(H1) a solução na câmara de cultura é mantida misturada e não há variações espaciais
nas concentrações dos nutrientes ou bactérias, isto quer dizer que dada qualquer
amostra da solução, tem-se a mesma concentração de N e C , independentemente
da câmara em que se realiza a coleta ou quantidade coletada;
(H2) Foca-se a atenção em um único nutriente C , cujo a concentração irá determinar a
taxa de crescimento da cultura;
(H3) A taxa de reprodução das bactérias K , depende da quantidade de nutrientes
disponíveis, isto é, K = K(C);
(H4) A diminuição de nutrientes ocorre continuamente como resultado da reprodução
a uma taxa α.
3.1. Modelo Matemático 69
Usaremos a notação [·] para representar a unidade de alguma variável en-
volvida. Por simplicidade consideremos as unidades de [Massa] = m, [Volume] = v,
[número de indivíduos] = n e [tempo] = t, então a seguinte tabela lista todos os
parâmetros envolvidos
Quantidade Símbolo Unidade
Concentração dos nutrientes no reservatório C0m
vConcentração dos nutrientes na câmara decrescimento
Cm
vDensidade da população dos micro-organismoscultivados
Nn
v
Constante de Produção1
α
n
mVolume da câmara de crescimento V v
Fluxo (entrada/saída)F
v
t
Tabela 2 – Valores no Quimiostato
Considerando apenas (H1), é possível dizer que a taxa de variação da população
não depende da posição das bactérias, apenas de t, logo
dN
dt= KN − FN, (3.1)
em que KN é a densidade de indivíduos que nascem a uma taxa de crescimento K e
FN é o uxo de saída que a câmara de crescimento despeja a solução (euente) (veja
Figura 22). Em outras palavras,
dN
dt→ taxa de variação de N de acordo com t;
KN → taxa de reprodução da população;
FN → taxa de descarte da solução que está na câmra de crescimento.
Investigando a Equação (3.1), fazendo uma análise das suas unidades, podemos encontrar
a unidade de K , pois pela Tabela 2
(a)[dN
dt
]=
n
v × t; (b) [KN ] = [K] · n
v; (c) [FN ] =
v
t
n
v=n
t.
Comparando as unidades de (a) e (b), temos
n
v × t= [K] · n
v,
70 Capítulo 3. Interação Entre Bactérias e Nutrientes no Quimiostato
logo é necessário que [K] = t−1. Para o termo do lado direito da Equação (3.1), compa-
rando (a) e (c), temos uma inconsistência nas unidades, poisn
v × t=n
t.
Desta forma, para que a equação que coerente, deve-se dividir o termo FN por V .
Daí, reescrevendo a nova equação
dN
dt= KN − FN
V. (3.2)
Usando as Hipóteses (H2) e (H3), podemos considerar que K = K(C). Logo,
reescrevemos (3.2) comodN
dt= K(C)N − FN
V. (3.3)
Considerando todas as Hipóteses, podemos escrever uma equação para a con-
centração de nutrientes da câmara C. Por (H1), a taxa de variação de C , depende
somente de t. Como a taxa de crescimento das bactérias, por (H2) e (H3) dependem
exclusivamente de um único C , então a medida que as bactérias se reproduzem C
diminui a uma taxa α por (H4), logo
dC
dt= −αK(C)N,
em que −α é a taxa de decrescimento dos nutrientes e K(C)N é a taxa de reprodução.
Há também os nutrientes que saem do quimiostato a um uxo F e em compensação
existe os nutrientes que entram na câmara no mesmo uxo F , adicionando essas duas
variáveis, obtém-sedC
dt= −αK(C)N − FC
V+FC0
V. (3.4)
Como na Equação (3.1), temos problemas com as dimensões dos termos FC e FC0,
analogamente ao feito anteriormente, os dividimos por V . Falta encontrar as unidade
de α, vejamos que
(a)[dC
dt
]=
m
v × t; (b) [αK(C)N ] = [α] · n
v × t.
Então, igualando essas unidades, obtemosm
v × t= [α]
n
v × t⇔ [α] =
m
n. (3.5)
Com as Equações (3.3) e (3.4), obtemos um sistema autônomo que descreve uma
modelagem da interação entre bactérias e nutrientes que ocorre no QuimiostatodN
dt= K(C)N − FN
V;
dC
dt= −αK(C)N − FC
V+FC0
V.
(3.6)
3.1. Modelo Matemático 71
Vamos investigar novamente o termo K(C). Já supusemos que a taxa de cresci-
mento bacteriano depende da quantidade de nutrientes disponíveis, isto é, K é uma
função que depende da variável C . No entanto, como poderia ser a lei dessa relação?
Suponhamos que inicialmente tem-se poucos nutrientes na câmara de cresci-
mento, é razoável imaginar que em posse de uma quantidade escassa de nutrientes as
bactérias tenham diculdades para se reproduzir e à medida que se adiciona nutrientes
a reprodução na colônia aumente. Ou seja, quanto maior a oferta de nutrientes mais as
bactérias irão se reproduzir. No entanto, o crescimento da taxa de reprodução não é
indenido, deve haver um limite máximo que as bactérias não conseguem ultrapassar
mesmo havendo excedente de nutrientes. Considerando essas armações, adicionamos
uma quinta hipótese para nosso problema.
(H5) a taxa de reprodução das bactérias aumenta de acordo com a disponibilidade de
nutrientes até atingir ou se aproximar de um valor limitante.
Podemos usar o resultado de outro modelo biomatemático, chamado Cinética de
Michaelis-Menten (veja [3] Cáp. 7), pois este modelo é coerente com as hipóteses que
assumimos. Podemos utilizar que
K(C) =KmáxC
Cn + C,
em que Cn é uma constante tal que, K(Cn) =1
2Kmáx e Kmáx é a constante limitante. O
esboço dessa nova função K(C) está ilustrado na Figura 23.
Figura 23 – Esboço do Gráco de K(C) assumindo o resultado da Cinética de Michaelis-Menten.
72 Capítulo 3. Interação Entre Bactérias e Nutrientes no Quimiostato
Podemos concluir que as unidades de Kmáx e Cn são as mesmas de K(C) e C ,
pois são casos particulares destes. Então
[Cn] =m
v(3.7)
e
[Kmáx] =1
t. (3.8)
Dessa forma, o modelo atualizado será dado pordN
dt=
(KmáxC
Cn + C
)N − FN
V,
dC
dt= −α
(KmáxC
Cn + C
)N − FC
V+FC0
V.
(3.9)
3.2 Adimensionalização do Sistema
Nesta etapa já temos um Sistema Autônomo não-linear homogêneo, para que
possamos cumprir nossos objetivos e aplicar a teoria dos sistemas autônomos, temos
que adimensionalizar nossa equações. Na prática os parâmetros C e N seriam medidas
de um experimento, são dadas por um escalar real e uma unidade de medida, por
exemplo
1m3 = 1000L,
em que 1 e 1000 são escalares, m3 são metros cúbico e L litros, são unidades.
Dito isso, vamos começar separando as unidades dos escalares das varáveis
envolvidas, fazendo
N = N∗ × N ,C = C∗ × C,C0 = C∗0 × C,t = t∗ × t,
em que N∗, C∗, C∗0 e t∗ são números reais e N , C e t são unidades. Em seguida, vamos
substituir esses valores em (3.9), obtendod(N∗ × N)
d(t∗ × t)=
(KmáxC
∗ × CCn + C∗ × C
)N∗ × N − FN∗ × N
V,
d(C∗ × C)
d(t∗ × t)= −α
(KmáxC
∗ × CCn + C∗ × C
)N∗ × N − FC∗ × C
V+FC∗0 × C
V.
(3.10)
3.2. Adimensionalização do Sistema 73
Multiplicando a primeira equação port
N
d(N∗ × N)
d(t∗ × t)
(t
N
)=
(KmáxC
∗ × CCn + C∗ × C
)N∗ × N t
N− FN∗ × N
V
t
N
=
(KmáxC
∗ × CCn + C∗ × C
)N∗ × t− FN∗
Vt
= tKmáx
C∗
Cn
C+ C∗
N∗ − F
VN∗t.
e na segunda equação multiplicamos port
C
d(C∗ × C)
d(t∗ × t)
(t
C
)= −α
(KmáxC
∗ × CCn + C∗ × C
)N∗ × N t
C− FC∗ × C
V
t
C+FC∗0 × C
V
t
C
= −αKmáx
C∗
Cn
C+ C∗
N∗ × N t
C− FC
Vt+
FC∗0 × CV × C
t
= −αtKmáxN
C
C∗
Cn
C+ C∗
N∗ − FC∗
Vt+
FC∗0V
t.
Daí,
dN∗
dt∗= tKmáx
C∗
Cn
C+ C∗
N∗ − F
VN∗t;
dC∗
dt∗= −αtKmáxN
C
C∗
Cn
C+ C∗
N∗ − FC∗
Vt+
FC∗0V
t.
(3.11)
Escolhendo apropriadamente as unidades como
(a) t =V
F; (b) C = Cn; (c) N =
C
αtKmáx.
Temos o sistema adimensionalisadodN∗
dt∗= tKmáx
(C∗
1 + C∗
)N∗ −N∗;
dC∗
dt∗= −
(C∗
1 + C∗
)N∗ − C∗ + C∗0 .
(3.12)
74 Capítulo 3. Interação Entre Bactérias e Nutrientes no Quimiostato
Dessa forma, o sistema está dependente apenas de dois parâmetros adimensionais
α1 = tKmáx e α2 = C∗0 =C∗0 × C0
Cn=
C0
Cn. O parâmetro α2, já está adimensionado.
Vejamos se α1 também está, pela Tabela 2 e Equação (3.8)
[α1] = t× [Kmáx] = t× 1
t= 1.
Portanto α1 e α2 são adimensionais. Então, temos o sistema adimensionaldN∗
dt∗= α1
(C∗
1 + C∗
)N∗ −N∗;
dC∗
dt∗= −
(C∗
1 + C∗
)N∗ − C∗ + α2.
(3.13)
dependendo somente das constantes α1 e α2, ao invés dos seis termos iniciais (F , V ,
Cn, Kmáx, C0 e α). Isto nos possibilita utilizar toda a teoria do Capítulo 2 e descrever o
retrato de fase associado a este sistema.
3.3 Soluções de Equilíbrio
Antes de começar, consideremos C∗ = C e N∗ = N em (3.13), para simplicar a
notação, isto é, dN
dt= α1
(C
1 + C
)N −N ;
dC
dt= −
(C
1 + C
)N − C + α2.
(3.14)
Vejamos que as funções coordenadas são
F (N,C) = α1
(C
1 + C
)N −N
e
G(N,C) = −(
C
1 + C
)N − C + α2.
O primeiro passo para construir o retrato de fase do Sistema (3.14) é encontrar suas
soluções de equilíbrio. Usando a Denição 2.5, sabemos que (N0, C0) é uma solução de
equilíbrio se
F (N0, C0) = 0,
G(N0, C0) = 0,⇔
α1
(C0
1 + C0
)N0 −N0 = 0,
−(
C0
1 + C0
)N0 − C0 + α2 = 0.
3.4. Aproximação Linear 75
Partindo da primeira equação, obtemos, N0 = 0 ou C0 =1
α1 − 1. Daí, substituindo
N0 = 0 na segunda equação, tem-se
−(
C0
1 + C0
)N0 − C0 + α2 = 0⇔ 0− C0 + α2 = 0⇔ C0 = α2,
logo (0, α2) é uma solução de equilíbrio. Além disso, substituindo C0 =1
α1 − 1na parte
esquerda da segunda equação, obtemos
G(N0, C0) = −
1
α1 − 1
1 +1
α1 − 1
N0 −1
α1 − 1+ α2 = − 1
α1
N0 −1
α1 − 1+ α2,
para que G(N0, C0) = 0, deve-se ter N0 tal que
− 1
α1
N0 −1
α1 − 1+ α2 = 0⇔ N0 = α1
(α2 −
1
α1 − 1
).
Com isso, obtemos a segunda solução de equilíbrio do Sistema (3.14). Logo,
(N1, C1) = (0, α2),
(N2, C2) =
(α1
(α2 −
1
α1 − 1
),
1
α1 − 1
).
(3.15)
Observação 3.2. Não há sentido biológico em valores negativos para N ou C . Portanto
as soluções de equilíbrio devem ter coordenadas não negativas, (N1, C1) sempre será
positiva e, para (N2, C2), deve ocorrer α1 > 1 e
α2 >1
α1 − 1.
3.4 Aproximação Linear
Nestas seção estudamos a natureza das soluções de equilíbrio do sistema associ-
ado ao modelo do quimiostato, considerando que F (N,C) e G(N,C) são funções de
classe C1, podemos usar a Proposição 2.1 e encontrar os sistemas lineares associados
as soluções de equilíbrio. Calculando as derivadas parciais, temos
(i) FN(N,C) = α1
(C
1 + C
)− 1;
(ii) FC(N,C) = α1N
(1 + C)2;
(iii) GN(N,C) = − C
1 + C;
(vi) GC(N,C) = − N
(1 + C)2− 1.
76 Capítulo 3. Interação Entre Bactérias e Nutrientes no Quimiostato
Obtemos a matriz jacobiana de (F (N,C), G(N,C)) dada por
J =
α1
(C
1 + C
)− 1 α1
N
(1 + C)2
− C
1 + C− N
(1 + C)2− 1
e os sistemas lineares associados a (N1, C1) e (N2, C2) são x’ = A1x e x’ = A2x em
que
A1 =
(α1K1 − 1 0
−K1 −1
)e A2 =
0 α1K2
− 1
α1
−K2 − 1
, (3.16)
em que
K1 =
(α2
1 + α2
)e K2 =
N2
(1 + C2)2.
Na Seção 2.2 vimos que o tipo das soluções de equilíbrio será obtido de acordo
com o determinante do polinômio característico associado as matrizes A1 e A2. Como
∆ = (trA)2 − 4 detA, calculando
traA1 = α1K1 − 2 e detA1 = (α1K1 − 1) (−1)
então,∆1 = (α1K1 − 2)2 + 4 (α1K1 − 1)
= (α1K1)2 − 4α1K1 + 4 + 4α1K1 − 4 = (α1K1)
2 .
Daí, nossas raízes são reais, dadas por
λ =α1K1 − 2±
√∆1
2
logo, λ1 = α1K1 − 1 e λ2 = −1 são os autovalores associados a matriz A1. Como pela
Observação 3.2 α2 >1
α1 − 1e α1 > 1, usando o fato de que f(x) =
x
1 + xé crescente,
tem-se
K1 =α2
1 + α2
>
1
α1 − 1
1 +1
α1 − 1
=
1
α1 − 1α1
α1 − 1
=1
α1
⇔ K1 >1
α1
⇔ K1α1 > 1
⇔ K1α1 − 1 > 0
então,
λ1 = α1K1 − 1 > 0.
Portanto, (N1, C1) é um ponto de sela, já que λ2 < 0 < λ1 (veja Caso 2.2.1).
Passe para a classicação do outro ponto, considerando A2 tem-se
trA2 = −K2 − 1 e detA2 = K2
3.4. Aproximação Linear 77
então,
∆2 = (−K2 − 1)2 − 4K2 = (K2 − 1)2
e
λ′ =−K2 − 1±
√(K2 − 1)2
2=−K2 − 1± |K2 − 1|
2.
Logo, as raízes associadas à matriz A2 são λ′1 = −K2 e λ′2 = −1. Portanto, 0 > λ′1, λ′2 ∈ R
e está solução de equilíbrio é do tipo que está descrito no Caso 2.2.1. Dessa forma,
o ponto (N2, C2) é um sorvedouro, pois pelo Teorema 2.4 este tipo de solução de
equilíbrio herda as características do caso linear.
Encontremos os autovetores associados a A1 e A2. Inicialmente para A1, através
da equação (A1 − I2r1)v1 = 0⇔(α1K1 − 1− r1 0
−K1 −1− r1
)(c1
d1
)=
(0
0
)⇔
(0 0
−K1 −α1K1
)(c1
d1
)=
(0
0
)
⇔
(0 0
−1 −α1
)(c1
d1
)=
(0
0
)⇒ c1 = −α1d1.
Daí, o Aut(r1) = (c1, d1) : c1 = −α1d1 e podemos escolher v1 = (−α1, 1) como sendo
o autovetor que será uma base para este autoespaço. Usando (A1 − I2r2)v2 = 0(α1K1 − 1− r2 0
−K1 −1− r2
)(c2
d2
)=
(0
0
)⇔
(α1K1 0
−K1 0
)(c2
d2
)=
(0
0
)
⇔
(1 0
0 0
)(c2
d2
)=
(0
0
)⇒ c2 = 0.
Logo, o auto-espaço dos autovetores associados a r2 é gerado por (0, d2), em que d2 ∈ Re podemos escolher v2 = (0, 1), como um sendo a base deste autoespaço. Encontremos
os autovetores associados a A2, começando por v′1, usando (A2 − I2r′1)v′1 = 0
−r′1 α1K2
− 1
α1
−K2 − 1− r′1
( c′1
d′1
)=
(0
0
)⇔
(1 α1
−1 −α1
)(c′1
d′1
)=
(0
0
)
⇔
(1 α1
0 0
)(c′1
d′1
)=
(0
0
)⇒ c′1 = −α1d
′1.
78 Capítulo 3. Interação Entre Bactérias e Nutrientes no Quimiostato
Daí, analogamente aos outros casos, podemos escolher v′1 = (−α1, 1). E, por último v′2,
(A2 − I2r′2)v′2 = 0
−r′2 α1K2
− 1
α1
−K2 − 1− r′2
( c′2
d′2
)=
(0
0
)⇔
(1 α1K2
−1 −α1K2
)(c′2
d′2
)=
(0
0
)
⇔
(1 α1K2
0 0
)(c′2
d′2
)=
(0
0
)⇒ c′2 = −α1K2d
′2.
Então, podemos escolher v′2 = (−α1K2, 1). Portanto, temos para os sistemas linear
x’ = A2x associado a solução de equilíbrio (N1, C1), a solução geral dada por
x(t) = c1
(−α1
1
)e(α1K1−1)t + c2
(0
1
)e−t
e para o sistema linear x’ = A2x associado à (N2, C2) as solução descrita em sua forma
geral como
x(t) = c′1
(−α1
1
)e−K2t + c′2
(−α1K2
1
)e−t.
Com os resultados anteriores podemos concluir que o sistema linear associado a (N1, C1)
é instável (ponto de sela) e (N2, C2) é estável (sorvedouro), como está descrito no Caso
2.2.1. Pelo Teorema 2.4, o sistema quase linear associado herda, nas vizinhanças das
soluções de equilíbrio, as características de estabilidade e comportamento assintóticos
dos sistemas lineares associados.
Sabendo disto podemos esboçar um protótipo do verdadeiro plano de fases
(Figura 24), analisando apenas as características das soluções de equilíbrio.
3.5. Nuclínicas e Direções Importantes no Retrato de Fase 79
Figura 24 – (N1, C1) é um ponto de sela e (N2, C2) é um sorvedouro. Mesmo nãohavendo sentido físico, está esboçada a parte negativa do ponto de sela,apenas para compreensão geométrica.
Colocando esses resultados em uma tabela
x’ = A1x x’ = A2xAutovalores r1 = α1K1 − 1 r′1 = −K2 r2 = −1 r′2 = −1Autovetores v1 = (−α1, 1) v′1 = (−α1, 1) v2 = (0, 1) v′2 = (−α1K2, 1)
Tipo Ponto de Sela SorvedouroEstabilidade Instável Estável
Tabela 3 – Autovalores e Autovetores associados a x’ = A1x e x’ = A2x.
3.5 Nuclínicas e Direções Importantes no Retrato de Fase
Um conceito que é útil para o entendimento do comportamento das soluções de
Sistemas Autônomos Bidimensionais são as nuclínicas, curvas no espaço das soluções
que dão pistas sobre o comportamento geral.
Denição 3.1. Dado um Sistema Autônomo da forma (2.4), denominamos x-nuclínicas
às curvas dadas por
F (x, y) = 0
80 Capítulo 3. Interação Entre Bactérias e Nutrientes no Quimiostato
e y-nuclínicas às curvas dadas por
G(x, y) = 0
No campo de direções das soluções de um sistema da forma (2.4), em um
determinado ponto (a, b), a direção da curva é dada por (F (a, b), G(a, b)) que é o vetor
tangente à curva no ponto (a, b), como na Figura 25 está ilustrado.
Figura 25 – Vetor diretor do campo de direções em um ponto (a, b).
Como na x-nuclínica temos F (x, y) = 0 as direções cam paralelas ao eixo-y,
pois em um determinado ponto (x0, y0) contido na x-nuclínica, o vetor direção neste
ponto será dado por (0, G(x0, y0)). O mesmo ocorre para y-nuclínica: seus vetores
diretores são paralelos ao eixo-x (veja Figura 26).
Figura 26 – (a) x-nuclínica e (b) y-nuclínica.
Os comprimentos dos vetores não são importantes para descrever o retrato de
fases, e por isso é interessante apenas utilizar suas direções e representá-los no plano
de fase com o mesmo comprimento.
3.5. Nuclínicas e Direções Importantes no Retrato de Fase 81
Vamos usar o Sistema (3.14) como exemplo, pela Denição 3.1, temos que
(i) as N-nuclínica são curvas tais que F (N,C) = 0⇔ α1
(C
1 + C
)N −N = 0. Logo
são retas N = 0 e (C
1 + C
)=
1
α1
⇔ C =1
1− α1
. (3.17)
(ii) As C-nuclínicas ocorrem quando G(N,C) = 0 ⇔ −(
C
1 + C
)N − C + α2 = 0,
colocando N em função de C , obtemos
N = (α2 − C)1 + C
C. (3.18)
Para descrever o esboço dessas curvas, vejamos que as x-nuclínicas são retas
em que os vetores diretores são paralelos ao eixo-C e a curva (3.18), é tal que
(a) passa pelo ponto (N1, C1) = (0, α2);
(b) quando C → 0+ a curva assintota o eixo-N , pois
limC→0+
N(C) = limC→0+
(α2 − C)
(1
C+ 1
)= lim
C→0+
[α2
C+ α2 − 1− C
]= +∞
(c) Os vetores diretores ao longo dessa curva são paralelos ao eixo-N .
Partindo das armações anteriores, podemos traçar as direções dos vetores
sobre as nuclínicas. Em (3.17) e N = 0, eles serão paralelos ao eixo-C ; na curva (3.18) ao
eixo-N , como está ilustrado na Figura 27.
82 Capítulo 3. Interação Entre Bactérias e Nutrientes no Quimiostato
Figura 27 – As direções dos vetores do campo sobre as nuclínicas do Sistema (3.14).
Observação 3.3. É importante não confundir o ponto(
0,1
α1 − 1
)com uma solução
de equilíbrio na Figura 27, este ponto não é interseção das nuclínicas como (N1, C1) e
(N2, C2). Este ponto é a intersecção de duas N-nuclínica.
Falta vericar os sentidos dos vetores sobre as nuclínicas. Para isso, podemos
utilizar o sinal das derivadas em cada ponto, sabemos que nos pontos em que as
derivadas são negativas os vetores terão sentido contrário aos eixos; quando as derivadas
são positivas têm o mesmo sentido dos eixos. Outra curva importante para ser feita
esta análise é C = 0.
Daí, reescrevendo as equações do Sistema (3.14) para que seja mais fácil tomar
as conclusões, como dN
dt=
(α1 − 1)C − 1
1 + CN,
dC
dt=
(α2 − C)(1 + C)− CN1 + C
.(3.19)
(a) Começando pela nuclínica N = 0, temos
dN
dt= 0 e
dC
dt= α2 − C,
isto implica que
3.5. Nuclínicas e Direções Importantes no Retrato de Fase 83
(i) SedC
dt> 0, então C < α2; (ii)
dC
dt< 0, quando C > α2;
isto quer dizer que em N = 0, o vetores posicionados entre 0 e α2 apontam para
cima, e apontarão para baixo ao ultrapassar C1 = α2 (veja a Equação 3.15).
(b) Em C =
(1
α1 − 1
), temos
dN
dt= 0 e, usando F (N,C) da forma que está escrita
em (3.14), obtemos
dC
dt= −
(
1
α1 − 1
)1 +
(1
α1 − 1
)N −
(1
α1 − 1
)+ α2 ⇔
dC
dt= − 1
α1
N − 1
α1 − 1+ α2.
Daí, analisando os sinais das derivadas, obtém-se
(i) SedC
dt> 0, então N < N2. Está armação é verdadeira, pois
− 1
α1
N − 1
α1 − 1+ α2 > 0⇔ N < α1
(α2 −
1
α1 − 1
)= N2,
em que, N2 é uma coordenada da segunda solução de equilíbrio descrita em
3.15.
(ii) Analogamente, podemos concluir quedC
dt< 0, se N > N2.
(c) Na nuclínica N = (α2 − C)1 + C
C, temos
dC
dt= 0 e, como estamos considerando
N,C > 0, emdN
dt=
(α1 − 1)C − 1
1 + CN,
o sinal vai depender do termo (α1 − 1)C − 1.
(i) SedN
dt> 0, então (α1 − 1)C − 1 > 0⇔ C >
1
α1 − 1.
(ii) AnalogamentedN
dt> 0, se C <
1
α1 − 1.
(d) Finalmente, se C = 0, temosdN
dt= −N e
dC
dt= α2, isto quer dizer que, sobre
a reta C = 0 para N > 0, os sentidos dos vetores do campo de direções será
positivo verticalmente e negativo horizontalmente.
Colocando as informações coletadas nos itens (a), (b), (c) e (d) em uma tabela,
tem-se
84 Capítulo 3. Interação Entre Bactérias e Nutrientes no Quimiostato
N CdN
dt
dC
dt0 entre 0 e α2 0 positivo0 maior que α2 0 negativo
entre 0 e N21
α1 − 10 positivo
maior que N21
α1 − 10 negativo
entre 0 e N2 maior que1
α1 − 1positivo 0
maior que N2 menor que1
α1 − 1negativo 0
N > 0 0 negativo α2 > 0
Tabela 4 – Análise dos sinais das derivadas sobre as nuclínicas.
Portanto, pelos valores da Tabela 4, podemos descrever as direções dos vetores
como está na Figura 28.
Figura 28 – Vetores diretores nas respectivas nuclínicas.
Há mais um resultado importante para a construção do retrato de fase do Sistema
(3.14), que está relacionado com a reta dada por
N − α1α2 = −α1C,
3.5. Nuclínicas e Direções Importantes no Retrato de Fase 85
que possui características particulares, ela cruza os eixos N e C , nos pontos (α1α2, 0) e
(0, α2), o ponto (N2, C2) também pertence a ela. Logo, as duas soluções de equilíbrio
estão contidas na reta.
Partindo do Sistema (3.14), multiplicando a segunda equação por α1, tem-se
d
dt(α1C) = −α1
(C
1 + C
)N − α1C + α1α2. (3.20)
Daí, somando com a primeira equação
d
dt(N + α1C) = α1α2 − (N + α1C). (3.21)
Fazendo a seguinte mudança de variável
x = N + α1C.
Substituindo em (3.21), tem-sedx
dt= α1α2 − x.
Integrando essa equação
dx
dt= α1α2 − x⇔
dx
dtx− α1α2
= −1⇔∫ dx
dtx− α1α2
dt = −1 ·∫dt.
Daí, resolvendo as integrais, temos
ln(x− α1α2) = −t+ k1 ⇔ x− α1α2 = e−t+k1 ⇔ x(t) = k2e−t + α1α2,
em que, k1, k2 ∈ R.
Notamos que x(t) = x(N(t), C(t)) = N(t) + α1C(t). Então, quando t → +∞,
temos x(t)→ α1α2, isto é,
limt→+∞
x(t) = limt→+∞
(N(t) + α1C(t)) = limt→+∞
k2e−t + α1α2 = α1α2,
isto quer dizer que os pontos (N(t), C(t)) tendem para reta (3.20) à medida em que
t→ +∞.
Da Tabela 1, sabemos que (N2, C2) é um nó atrator, com as novas informações
nesta seção, podemos armar que as soluções tendem a solução de equilíbrio (N2, C2),
quando N > 0, tendendo à reta (3.20).
86 Capítulo 3. Interação Entre Bactérias e Nutrientes no Quimiostato
3.6 Interpretação do Retrato de Fase Aproximado
Com os resultados das seções anteriores, sobre núclinicas e aproximação linear
do Sistema (3.14), então podemos completar o esboço do Espaço das Soluções, como
descrito na Figura 29.
Figura 29 – Retrato de Fase Aproximado do Sistema (3.14).
Ao fazer uma análise do comportamento assintótico das soluções, usando as
informações da Figura 29, temos por exemplo
1. Supondo que inicialmente C = N = 0, isto é, a câmara está completamente vazia. À
medida em que é injetado nutrientes, C aumenta até que o euente seja suciente
para manter a quantidade estável, tendendo para (N1, C1) = (0, α2). A quantidade
de bactérias não se altera, continuará nula.
2. Considere uma pequena população de bactérias, N = ε, já inserida na câmara
e começando com C = 0. A medida em que C aumenta, as bactérias diminuem
um pouco, até que haja nutrientes suciente para que a reprodução das bactérias
supere a quantidade que eui da câmara. Neste momento, N cresce rapidamente
até que a quantidade de C começa a diminuir e as soluções tendam a (N2, C2).
3. Começando com grandes quantidades de nutrientes e bactérias, tal que C > C2 e
N > N2, a densidade de bactérias aumenta até que a quantidade de nutrientes
3.6. Interpretação do Retrato de Fase Aproximado 87
se iguale C2, daí, ambas diminuem por um instante e, tendendo a (N2, C2), N
decresce e C volta a crescer.
Ao retornarmos as unidades originais, isto é, α1 =V
FKmáx e α2 =
C0
Cn= C∗0 , como
está descrito na Seção 3.2, podemos supor o que acontece no Quimiostato caso as
condições impostas na Observação 3.2, não se cumpram. Relembremos que α1 e α2
devem ser tais que
α1 > 1 e α2 >1
α1 − 1, (3.22)
que nas unidades originais signica
V
FKmáx > 1 e C∗0 >
1V
FKmáx − 1
. (3.23)
E são condições para que (N2, C2) tenha um sentido biológico (ver Observação 3.2).
A não ocorrência de (3.22), implicam que somente a solução de equilíbrio (N1, C1)
terá sentido biológico, pois α2 > 0. E a solução de equilíbrio (N2, C2) sempre terá
alguma coordenadas negativa, consequentemente, não terá um sentido biológico.
Na prática, caso seja escolhido quantidades de F, V,Kmáx, Cn e C0 que cumpram
as condições das Inequações (3.23), então (N2, C2) é um ponto estável, como vimos
durante este texto. Podemos concluir também que, se em t = 0 tivermos N > 0 e
C0 > 0, então as soluções vão convergir para (N2, C2) em algum instante t.
Com isso, a não ocorrência de (3.23), acarreta no que podemos dividir em dois
casos, isto é
Caso (1) Se acontece,
α1 ≤ 1⇔ Kmáx ≤F
V. (3.24)
Quando α1 = 1, não existe (N2, C2), pois
(N2, C2) =
(α1
(α2 −
1
α1 − 1
),
1
α1 − 1
)de certa forma, não há um sentido físico em
Kmáx =F
V,
pois os dados de um experimento são sempre números aproximados, que tem uma
certa margem de erro. Quando α1 < 1, então C2 < 0 e N2 > 0, então a solução de
equilíbrio (N2, C2) estará quadrante IV como ilustrado na Figura 30. Isto quer
dizer que não haverá sentido biológico para ela.
88 Capítulo 3. Interação Entre Bactérias e Nutrientes no Quimiostato
Caso (2) Se ocorrer,
α2 ≤1
α1 − 1⇔ C∗0 ≤
1V
FKmáx − 1
(3.25)
então, (N2, C2) estará no Quadrante II (veja Figura 30). Logo, não haverá sentido
biológico.
Em ambos os casos, nossa única solução de equilíbrio em condições biológicas reais,
será apenas (0, C∗0). Estas situações são chamadas de washout, querem dizer que as
condições consideradas na Observação 3.1 não foram corretamente adaptadas. A colônia
de bactérias foi lavada pelo Fluxo intenso, ou não prosperou por causa de um uxo
lento de nutrientes chegando à câmara de crescimento.
Figura 30 – Posição de (N2, C2) variando de acordo com o valor de α1 e α2.
89
Considerações Finais
Os Teoremas de Existência e Unicidade são resultados que sustentam toda a
teoria dos sistemas de EDOs, em particular a teoria dos sistemas autônomos, neste
trabalho utilizou-se-o direta e indiretamente em várias etapas. E, na sua demonstração,
a transferência da um problema de valor inicial para um operador contração mostrou a
ecácia dos estudos sobre pontos xos, em particular do Teorema do Ponto Fixo de
Banach.
No Capítulo 2 notou-se como os sistemas autônomos tem potencial para modelos
matemáticos especícos, em particular, os sistemas autônomos bidimensionais, que com
apenas uma análise geométrica do retrato de fase das suas soluções pode nos informar
muito à respeito do problema modelado, procurando não informações quantitativas,
mas resultados qualitativos e geométricos. A análise de caso dos sistemas autônomos
lineares homogêneos é fundamental para compreender a teoria, todas as soluções de
equilíbrio, para qualquer sistema autônomo herda as principais características destes
casos.
O fato de que todo sistema autônomo em que suas funções coordenadas têm
derivadas contínuas pode ser aproximado por um sistema linear em suas soluções de
equilíbrio e que o tipo e a estabilidade dessas soluções são herdadas em alguns casos, é
crucial no estudo dos sistemas autônomos, pois a maioria dos modelos não são lineares,
podendo estudar seu retrato de fase e analisar assintoticamente suas soluções.
De fato, no Capítulo 3, ca claro que modelar matematicamente qualquer fenô-
meno é um assunto complexo, os modelos são estabelecidos lentamente, e vão se
tornando mais robustos à medida em que se adicionam elementos à eles. A utilização
da teoria do Capítulo 2, envolvendo o modelo que descreve a interação das bactérias e
nutrientes dentro de um Quimiostato, nos retorna resultados interessantes sobre como
90 Capítulo 3. Interação Entre Bactérias e Nutrientes no Quimiostato
os nutrientes e bactérias se comportam ao longo do tempo, e, como pode ser tênue, o
equilíbrio do Quimiostato caso seus ajustes no uxo, volume, quantidade de nutrientes
reservados não forem equilibrados, podendo levar à extinção da colônia.
91
ApêndiceA
Resultados Auxiliares
Neste capítulo dene-se alguns resultados envolvendo Espaços Métricos que
foram utilizados no texto, principalmente no Capítulo 1. Foram consultados como fontes
de informação os Livros [5] e [6].
Os espaços métricos são conjuntos nos quais, através de uma função, conseguimos
inserir uma noção de distância entre seus elementos.
Denição A.1. Chama-se de métrica em um conjunto M , a aplicação
d : M ×M → R,(x, y) → d(x, y),
que satisfaz as seguintes condições para dados x, y, z ∈M :
(d1) d(x, x) = 0;
(d2) d(x, y) > 0, se x 6= y;
(d3) d(x, y) = d(y, x);
(d4) d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z).
Denição A.2. Denominamos espaço métrico o par (M,d), em que M é um conjunto
munido da métrica d.
Um exemplo importante de espaços métricos são os chamados espaços vetoriais
normados.
Denição A.3. Dado E um espaço vetorial, dizemos que uma função
|| · || : E → R,x → ||x||,
92 Apêndice A. Resultados Auxiliares
é uma norma quando, dados λ ∈ R e x, y ∈ E, || · || cumpre os seguintes requisitos:
(N1) Se x 6= 0, então ||x|| 6= 0;
(N2) ||λx|| = |λ| · ||x||;
(N3) ||x+ y|| ≤ ||x||+ ||y||.
Denição A.4. Um espaço vetorial normado é o par (E, || · ||), em que E é um espaço
vetorial e || · || é uma norma.
Todo espaço vetorial normado (E, || · ||) é um espaço métrico. Podemos denir
uma métrica através de sua norma. Isto é, dados x, y ∈ E, tem-se
d||·||(x, y) = ||x− y||.
Toda norma || · || induz uma métrica d||·||.
Exemplo A.1. O espaço vetorial (C[a, b]), munido de
dmax : C[a, b]× C[a, b] → R,(f, g) → d(f, g) = max
t∈[a,b]||f(t)− g(t)||,
é um espaço métrico. Em particular, é um espaço vetorial normado.
Denição A.5. Duas normas || · ||1, || · ||2 em um espaço vetorial E, são chamadas de
normas equivalentes quando para todo x ∈ E, existem a, b > 0 tais que
a||x||1 ≤ ||x||2 ≤ b||x||1.
Exemplo A.2. Dado x ∈ Rn, as seguintes normas são equivalentes:
(a) ||x||s = |x1|+ |x2|+ · · ·+ |xn|;
(b) ||x|| =√x21 + x22 + · · ·+ x2n;
(c) ||x||∞ = max|x1|, |x2|, . . . , |xn|.
De fato, ||x||∞ ≤ ||x|| ≤ ||x||s ≤ n · ||x||∞ para todo x ∈ Rn. Vejamos que a
primeira igualdade é dado por:
max|x1|, |x2|, . . . , |xn| ≤√x21 + x22 + · · ·+ x2n ⇔ (max |x1|, |x2|, . . . , |xn|)2 ≤ x21+x
22+· · ·+x2n;
93
a segunda, vejamos que ||x||2 ≤ ||x||2s , isto é,
x21 + x22 + · · ·+ x2n ≤ (|x1|+ · · ·+ |xn|)2 ;
a terceira,
|x1|+ |x2|+ · · ·+ |xn| ≤ n · (max|x1|, |x2|, . . . , |xn|).
Uma sequência em (M,d), é uma função x : N→M , que leva o n-ésimo número
natural no n-ésimo termo da sequência xn. Denotamos tal sequência por (xn). Um
tipo de sequência peculiar, em um determinado (M,d), são as chamadas sequências de
Cauchy, seus termos se aproximam à medida que a sequência cresce.
Denição A.6. Seja um espaço métrico (M,d). Uma sequência (xn) ⊂ M , é chamada
sequência de Cauchy, quando para todo ε > 0, exite n0, tal que
d(xn, xm) < ε, se n,m > n0.
Através das sequências de Cauchy denem-se espaços métricos completos.
Denição A.7. Um espaço métrico (M,d) é completo se toda sequência de Cauchy
(xn)∞n=1 ⊂M for convergente.
Exemplo A.3. O espaço métrico (C[a, b], dmax), em que
dmax : C[a, b]× C[a, b] → R,(f, g) → d(f, g) = max
t∈[a,b]||f(t)− g(t)||,
é completo.
De fato, dada uma sequência de Cauchy (fn) ⊂ C[a, b]. Tem-se que para todo
ε > 0, existe n0, tal que se n,m > n0, então
d(fn, fm) < ε⇔ maxt∈[a,b]
||fn(t)− fm(t)|| < ε
2⇒ ||fn(t)− fm(t)|| < ε
2,∀t ∈ [a, b]. (A.1)
Logo,
||fn(t)− fm(t)|| < ε
2, (A.2)
para todo m,n ≥ n0 e t ∈ [a, b], com fn(t), fm(t) ∈ R. Ou seja, xando t0 ∈ [a, b], temos
(fn(t0)) é uma sequência de Cauchy em R. Podemos armar que existe f(t0) ∈ R tal que
fn(t0)→ f(t0), quando n→∞.
94 Apêndice A. Resultados Auxiliares
Como vale para cada t0 ∈ [a, b] obtém-se uma correspondência: para cada t0 ∈ [a, b],
temos f(t0) ∈ R, que é uma função dada por
f : [a, b] → R,t0 → f(t0).
Logo, para cada t0 em [a, b] temos f(t0) = limn→∞
fn(t0), então
f : [a, b] → R,t → f(t) = lim
n→∞fn(t).
Sabemos que para todo m,n ≥ n0 e t ∈ [a, b] temos (A.2). Desenvolvendo o módulo,
tem-se
fn(t)− ε
2< fm(t) < fn(t) +
ε
2,
para cada t xo em [a, b]. Se tomarmos n→∞, obtemos
f(t)− ε
2< fm(t) < f(t) +
ε
2⇔ |fm(t)− f(t)| < ε
2,
equivalentemente,
d(fm, f) = maxt∈[a,b]
|fm(t)− f(t)| < ε
2.
Portanto, fm → f e a sequência (fn) é convergente em (C[a, b], dmax).
95
Referências
[1] William E Boyce and Richard C DiPrima. Equações Diferenciais Elementares e Proble-
mas de Valores de Contorno (9a edição). LTC, 2010. Citado 3 vezes nas páginas 31,
55 e 65.
[2] Claus Ivo Doering and Artur O Lopes. Equações Diferenciais Ordinárias; Coleção
Matemática Universitária. IMPA, 2008. Citado na página 24.
[3] Leah Edelstein-Keshet. Mathematical Models in Biology. SIAM, 2005. Citado 2 vezes
nas páginas 67 e 71.
[4] Djairo G Figueiredo and Aloisio F Neves. Equações Diferenciais Aplicadas (3a Edição);
Coleção Matemática Universitária. IMPA, 2015. Citado na página 31.
[5] Erwin Kreyszig. Introductory Functional Analysis With Applications. Wiley New York,
1989. Citado na página 91.
[6] Elon Lages Lima. Espaços Métricos (5a edição); Projeto Euclídes. IMPA, 2015. Citado
na página 91.
[7] Elon Lages Lima. Curso de Análise, (14a Ediçao); Projeto Euclídes, volume 1 e 2. IMPA,
2017. Citado na página 64.
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