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COMUNICAÇÃO Rev. online Bibl. Prof. Joel Martins, Campinas, SP, v.2, n.1, out. 2000. 1 REALIDADES COMPARTILHADAS : ORGANIZAÇÕES VISTAS COMO FENÔMENO CULTURAL - EDUCAÇÃO, IGREJA E SOCIEDADE Sandra Berenice Villodre Alliegro Palavras-chaves Organizações ; Educação ; Igreja ; Sociedade Key-words Organizations ; Education ; Church ; Society Neste ensaio proponho uma breve análise das organizações vistas como fenômenos culturais para procurar compreender como um sistema de significados é criado e difundido em vista de uma realidade. Neste caso, a realidade educacional de escolas católicas à luz das diretrizes propostas pela Igreja. Preciso esclarecer que concebo o termo cultura como um conjunto de normas sociais, de comportamentos e de valores, de leis, rituais e ideologias que constituem o arcabouço de crenças que sustenta uma dada sociedade, assegurando-lhe a coesão e a harmonia enquanto a vida flui em todos os sentidos (político, social, administrativo, econômico, religioso, artístico ...). Partindo desta concepção, proponho a análise das organizações em sua forma de planejar e administrar negócios. Estudando o capítulo 5 do livro Imagens da Organização pude concluir que, ao serem vistas como fenômenos culturais, as organizações compartilham padrões de significados que, por serem crenças assumidas e vividas, acabam por delinear a forma como se processa a vida em seu interior. Explicito abaixo, em itens, algumas características das organizações sob esta ótica: as culturas organizacionais recebem influências transculturais, mas priorizam o contexto cultural de origem; os compromissos estabelecidos neste contexto estão intimamente relacionados às crenças e valores comuns; a carreira, o sucesso, os esforços pessoais são determinados pela expressão dessa cultura, muitas vezes impedindo uma análise crítica das condições reais, impondo uma adesão cega às necessidades da organização (é o exemplo da cultura do arroz e do caso da Toyota); esta cultura organizacional não é uma imposição exterior, ao contrário, os indivíduos a assumem e desejam em razão da força da interação social e do significado que tem em sua realidade; o cumprimento dos padrões, normas e crenças de uma dada organização assegura, assim como nas culturas sociais, o fluxo da vida em harmonia e a resolução de conflitos. Todas estas características das organizações analisadas ou compreendidas como fenômenos culturais estarão presentes nas realidades da Igreja e das

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COMUNICAÇÃO

Rev. online Bibl. Prof. Joel Martins, Campinas, SP, v.2, n.1, out. 2000. 1

REALIDADES COMPARTILHADAS : ORGANIZAÇÕES VISTAS COMOFENÔMENO CULTURAL - EDUCAÇÃO, IGREJA E SOCIEDADE

Sandra Berenice Villodre Alliegro

Palavras-chavesOrganizações ; Educação ; Igreja ; Sociedade

Key-wordsOrganizations ; Education ; Church ; Society

Neste ensaio proponho uma breve análisedas organizações vistas como fenômenosculturais para procurar compreender comoum sistema de significados é criado edifundido em vista de uma realidade. Nestecaso, a realidade educacional de escolascatólicas à luz das diretrizes propostas pelaIgreja.

Preciso esclarecer que concebo o termocultura como um conjunto de normassociais, de comportamentos e de valores,de leis, rituais e ideologias que constituemo arcabouço de crenças que sustenta umadada sociedade, assegurando-lhe acoesão e a harmonia enquanto a vida fluiem todos os sentidos (político, social,administrativo, econômico, religioso,artístico ...).

Partindo desta concepção, proponho aanálise das organizações em sua forma deplanejar e administrar negócios.

Estudando o capítulo 5 do livro Imagensda Organização pude concluir que, aoserem vistas como fenômenos culturais, asorganizações compartilham padrões designificados que, por serem crençasassumidas e vividas, acabam por delinear aforma como se processa a vida em seuinterior.

Explicito abaixo, em itens, algumascaracterísticas das organizações sob estaótica:

• as culturas organizacionais recebeminfluências transculturais, maspriorizam o contexto cultural de origem;

• os compromissos estabelecidos nestecontexto estão intimamenterelacionados às crenças e valorescomuns;

• a carreira, o sucesso, os esforçospessoais são determinados pelaexpressão dessa cultura, muitas vezesimpedindo uma análise crítica dascondições reais, impondo uma adesãocega às necessidades da organização (éo exemplo da cultura do arroz e do casoda Toyota);

• esta cultura organizacional não é umaimposição exterior, ao contrário, osindivíduos a assumem e desejam emrazão da força da interação social e dosignificado que tem em sua realidade;

• o cumprimento dos padrões, normas ecrenças de uma dada organizaçãoassegura, assim como nas culturassociais, o fluxo da vida em harmonia ea resolução de conflitos.

Todas estas características dasorganizações analisadas ou compreendidascomo fenômenos culturais estarãopresentes nas realidades da Igreja e das

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escolas católicas que analisarei maisadiante, podendo ser nitidamentecompreendidas.

Antes de analisar a questão educacionalsob o ponto de vista da Igreja e suarepercussão na sociedade, quero enfocar arealidade compartilhada pelasorganizações.

“As organizações são em essênciarealidades socialmente construídas queestão muito mais nas cabeças e mentesdos seus membros do que em conjuntosconcretos de regras erelacionamentos.” (MORGAN, 1996: p.135).

Sendo assim, é a ideologia que estápresente que sustenta seus processos dedefinição, interpretação e cumprimento dosprincípios básicos de toda e qualquer ação,constrói seus esquemas interpretativos,permitindo um senso compartilhado quelhe assegura coesão, crescimento erealização de objetivos, além eprincipalmente de adesão por parte dosenvolvidos.

Nesta linha de pensamento, a Igreja propõeque a educação assuma uma missãocompartilhada entre leigos e religiosos,rediscutindo as novas funções da escolafrente aos desafios do Terceiro Milênio,buscando uma renovação corajosa paracontinuar promovendo a síntese entre oconhecimento, a cultura e a fé - marcaessencial de sua tarefa educativa.

Com base nos documentos publicados pelaSagrada Congregação para a EducaçãoCatólica na última década, nos estudosrealizados pela Conferência Nacional dosBispos do Brasil - CNBB e no texto AEscola Católica no Limiar do TerceiroMilênio, publicado pela Associação deEducação Católica do Brasil, as atuaisexigências acentuaram a busca porcompreender e desenvolver novas

competências para ensinar, novosprocedimentos para os educadores em vistade uma renovação que assegure aesperança, o trabalho pela promoção dajustiça, solidariedade e paz.

A escola católica é vista como co-responsável pelo desenvolvimento social ecultural das comunidades em que se insere,colocando-se a serviço não só doconhecimento, mas principalmente do ser,buscando assegurar condições para venceros desafios e construir um presente e futuromais digno, humano, justo, fruto de suamissão evangelizadora e com repercussãono contexto sociocultural de nosso país.

Retomando as idéias do segundo parágrafo,posso defender a tese de que os educadorescatólicos se vêem envolvidos nesteaudacioso projeto, por acreditaremfirmemente que em sua sociedade, à luzdos valores de sua fé e das determinaçõesde sua Igreja, têm e assumem umcompromisso com a formação integral doser humano em suas dimensões deconhecimento, relações interpessoais ecom a transcendência (fé), sendo assim,somam à missão educativa a missãoevangelizadora.

Neste ensaio, minha atenção está voltadapara a compreensão da estruturaorganizacional como um sistema designificados criados, difundidos eassumidos como realidade, que mantém acoesão de uma organização.

Tomo como exemplo a organização davida escolar de uma dada realidade em queum grupo de cinco escolas, à luz dasdeterminações da Igreja, discutiram eelaboraram seus “princípios norteadores”,compartilhando crenças, valores e ideais e,promovendo a realização de um projetoeducativo comum.

Ao definirem estes princípios - tarefa daqual participei, trabalhando também como

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uma das organizadoras do texto final - oseducadores tomaram o cuidado de fazer umdiagnóstico de sua realidade, respeitandoas diferenças locais, analisando astendências atuais em educação, resgatandoos valores Dominicanos através dostempos para retomar o compromisso com abusca da Verdade, o respeito à dignidadehumana e a promoção da justiça,solidariedade e paz.

Portanto, são estes significadoscompartilhados que dão forma e sentido,tornam-se referências no processo deconstrução de sua proposta educativa eoferecem subsídios para a ação das pessoasenvolvidas nesta tarefa.

Vejamos os valores, crenças, ideais quepermeiam alguns aspectos destesPrincípios Norteadores da Ação Educativada Província de Nossa Senhora do Rosário:

“A educação dominicana temcomo proposta promover aintegração do homem consigomesmo, com o outro, com anatureza e com Deus, para quepossa alcançar sua realizaçãocomo pessoa, consolidando osvalores humano-cristãos, como averdade, a justiça e asolidariedade.” (1999 : p. 11).

Em sua ação educativa, organizada sobreos pilares da educação propostos pelaUNESCO, que são aprender a aprender,aprender a conhecer, aprender a conviver eaprender a ser, visa desenvolver o respeitoà vida, à pessoa, às diferenças individuais esociais, a fim de promover aprendizagenscriativas, significativas, críticas, queresultem na formação de seres autônomos,capazes de discernimento eresponsabilidade pessoal e grupal, poisressalta a dimensão do serviço consciente eresponsável à causa da solidariedade e dapromoção da paz.

Concluo, então, que estes valores, crenças,ideais constituem a ideologia que move edá coesão ao grupo de educadores queatuam nas escolas da Província NossaSenhora do Rosário, são os significadosque compartilham que dão forma e sentidoà sua ação, tornando-se referências para oprocesso de construção de sua realidadedurante a implantação dos seus “princípiosnorteadores” que por si também são frutosdesta mesma realidade.

Assim como nas diferentes culturas, a vidaorganizacional destas instituições escolaresestá assentada em princípios gerais que setornaram padrões de significadosassumidos e vivenciados por todos quedelas fazem parte, não por imposição, massim por identidade e opção, uma vez quenão se mantém nas referidas instituições osque não compactuam com estes valoresseja por não se adaptarem ou mesmo pornão serem aceitos nos processos deseleção.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MORGAN, Gareth. Imagens daorganização. Tradução de CecíliaWhitaker Bergamini, Roberto Coda.São Paulo : Atlas, 1996.

ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃOCATÓLICA DO BRASIL. A escolacatólica no limiar do terceiro milênio.Cadernos da AEC, Brasília, n.76, 16p.1998.

PROVÍNCIA NOSSA SENHORA DOROSÁRIO. Princípios norteadores daação educativa da Província NossaSenhora do Rosário. São Paulo, 1999,32 p.

Sandra Berenice Villodre AlliegroAssessora Pedagógica

AEC/SP - Associação de Educação Católica deSão Paulo

Rua Barão de Tatuí, 544 - São Paulo (SP)e-mail - [email protected]