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ROBERTO VICTOR PEREIRA RIBEIRO O Direito na literatura: uma releitura de obras sob a ótica jurídica 2020

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ROBERTO VICTOR PEREIRA RIBEIRO

O Direito na literatura: uma releitura de obras

sob a ótica jurídica

2020

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CAPÍTULO XIX

“O caso dos exploradores de cavernas”:

UMA RELEITURA JURÍDICA

Lon Fuller (1902-1978)

Existem alguns livros que por sua própria redação e texto são elevados a condição de clássicos. Desafio se existe alguém que ingressou no curso de Direito de 1960 para

os dias hodiernos e que nunca tenha ouvido falar da célebre obra “O caso dos exploradores de cavernas”, do estadunidense Ion Fuller. Com a certeza dos deuses da literatura que habitam o Olimpo sagrado das bibliotecas, podemos incluir, sem receio de claudicarmos intelectualmente, esta magnânima obra jurí-dico-literária.

Tenho conhecimento, inclusive, que em algumas uni-versidades os professores costumam passar a leitura do livro

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seguida de uma encenação simulada de um Tribunal do Júri, onde os acadêmicos, geralmente neófitos nos bancos da acade-mia, passam a interpretar fidedignamente os papéis da defesa e da acusação.

Quando aluno, ainda nos inícios prósperos dos anos 2000, tive a oportunidade de ler a obra e fichá-la, mas infeliz-mente não pude deliciar-me atuando na defesa ou na acusação, certo de que ambos os lados possuem excelente material para discussão e atuação.

Em síntese a obra aborda um caso ficticiamente ocorrido em um desabamento de minas. Ab initio, assevero que a obra consegue mostrar um verdadeiro duelo entre o jusnaturalismo e o juspositivismo, este último tão patente em nossas socieda-des globalizadas.

Após um nefasto e sinistro tremor de terra, a caverna na qual os exploradores laboravam tem a sua saída congestionada e lacrada por vários blocos rochosos com pesos superiores a toneladas. A partir desse evento o que se assiste é um verda-deiro jogo humano, onde quem tiver mais paciência e controle se consagrará com o título de maior ambição deles: o título de sobrevivente.

Na página inaugural da obra há a seguinte informação: “Processados e condenados à morte pela forca, os acusados re-correram da decisão do Tribunal do Condado de Stowfield à Suprema Corte de Newgarth”.

Antes, porém, faz-se mister que expliquemos o caso mais detalhadamente.

Em 4299, Roger Wethmore e mais quatro espeleologistas, membros da Associação Espeleológica, organizam uma explo-ração amadora em cavernas próximas às plagas contíguas as suas casas. Uma vez estando todos no interior das cavernas, eis que surge um tremor de terra que ocasionou a vedação total da única saída do ambiente cavernoso. Constatada tal situação, a

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atmosfera de brincadeiras entre amigos e o prazer pelo hobby que ora praticavam deu lugar a uma sensação de pânico e terror.

Wethmore por uma condição quase nata, logo assumiu o comando da situação e passou a tentar liderar o grupo.

No entanto, a situação foi ficando cada vez mais proble-mática, pois além do ar que rarefeitamente circulava, começa-va também a faltar água e comida.

Os suprimentos que haviam levado não eram suficientes para aplacar a fome de cinco homens adultos e robustos.

Passados alguns dias da ausência de todos, os familiares procuraram as autoridades que logo constataram que todos haviam ficado detidos no interior de uma caverna por conta de um acesso furioso da natureza. Procuraram e descobriram a caverna em que todos se encontravam. Com uma tecnologia mediana, conseguiram instalar um canal de comunicação com os soterrados e era por este meio auditivo que os familiares se tranquilizavam e faziam os mineiros acreditarem que pode-riam sair ilesos.

Infelizmente, as escavações não tinham bom êxito e a pre-visão para salvamento passou de três dias para … até que a natureza os ajudasse.

Destarte, todos sabiam que os cinco não aguentariam esperar com vida o resgaste. Foi então que Roger Wethmore teve uma ideia macabra. Não havia entre eles nada animal ou vegetal para suprir a necessidade famélica. Só havia uma única esperança para sobrevivência: um deles ceder a vida em prol da coletividade.

Wethmore deu a ideia e a fórmula para perfazer o ato: “Wethmore inquiriu se seria aconselhável que tirassem a sor-te para determinar qual dentre eles deveria ser sacrificado”.1

1. FULLER, Ion. O Caso dos Exploradores de Cavernas. Porto Alegre: Fabris, 1976, p. 5

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A vida humana pertence ao Estado e este não pode se fur-tar de fazer o possível e o impossível para preservar o seu bem mais precioso. Por isso o Estado deve aparelhar o homem com educação e com técnicas, a fim de fazê-los compreender que a vida está acima de qualquer outro bem e, portanto, é indispo-nível.

Wethmore ciente de que o Estado deveria transigir e par-ticipar dessa sua ideia sinistra, recorreu e consultou se “havia um juiz ou outra autoridade governamental que se dispusesse a responder à pergunta. Nenhuma das pessoas integrantes da missão de salvamento mostrou-se disposta a assumir o papel de conselheiro neste assunto”.2

Levanto a dúvida de que mesmo que estivesse presente o Presidente da República, este mesmo com o poder decretó-rio em mão, jamais se pronunciaria pela vida de “a”, ”b” ou “c”, muito menos opinar se realmente eles devessem tirar na sorte quem deveria ser o cordeiro imolado da salvação dos demais.

Como não obteve resposta, Wethmore “quem primeiro propôs a forma de tirar a sorte, chamando a atenção dos co-legas para um par de dados que casualmente trazia consigo”.3

No Brasil, a ideia de Wethmore não poderia prosperar, primeiro porque é imoral sob o ponto de vista social e segundo porque o Decreto-Lei 9.215 de 1946 e o art. 50 e parágrafos da Lei de Contravenções Penais, proíbem peremptoriamente a prática de jogos de azar e a esta proposta de Wethmore (jogos de dados) é considerada de azar e, portanto, vedada.

No entanto, parecendo repensar em sua atitude, Wethmore claudica e desiste da proposta: “Antes que estes fossem lança-dos, Whetmore declarou que desistia do acordo, pois havia

2. Ibid, 1976, p. 6

3. FULLER, Ion. O Caso dos Exploradores de Cavernas. Porto Alegre: Fabris, 1976, p. 6

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refletido e decidido esperar outra semana antes de adotar um expediente tão terrível e odioso. Os outros o acusaram de violação do acordo e procederam ao lançamento dos dados”.4

Porém, era tarde demais para voltar atrás.

“Tendo-lhe sido adversa a sorte, foi então morto.”5

Os colegas espeleologistas assassinaram Roger Whetmo-re e por isso quando foram resgatados acabaram presos e jul-gados homicidas. Voltamos então, ao início do presente artigo: “Processados e condenados à morte pela forca, os acusados recorreram da decisão do Tribunal do Condado de Stowfield à Suprema Corte de Newgarth”.

A fundamentação que o Tribunal de Stowfield usou foi a seguinte: “Quem quer que intencionalmente prive a outrem da vida será punido com a morte”.6 Essa era a redação do art. 12 do Código de N.C.S.A do condado de Stowfield.

Nossa lei tupiniquim é bem clara: “Matar alguém” – Pena de 6 a 20 anos.

No caso dos Exploradores de Fuller a justiça se pronuncia asseverando: “Este dispositivo legal não permite nenhuma ex-ceção aplicável à espécie, embora a nossa simpatia nos incline a ter em consideração a trágica situação em que esses foram envolvidos”.7 (grifo nosso)

Sublinhei a parte final para mostrar que os juízes ao jul-garem o caso se penalizaram com a situação e seu desfecho. Em nossa legislação os advogados de defesa, aproveitando o

4. Ibid, 1976 p. 6

5. Ibid, 1976, p. 7

6. Ibid, 1976, p. 8

7. Ibid, 1976, p. 8

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gancho da clemência, podem falar em dois institutos: perdão judicial e estado de necessidade.

O perdão judicial é pleiteado após a condenação como meio de extinção de punibilidade, já o Estado de Necessidade é demonstrado antes do veredicto, como forma de livrar a con-denação do acusado.

Mirabete discorre assim sobre Perdão Judicial: “O perdão judicial é um instituto através do qual o juiz, embora reconhe-cendo a co-existência dos elementos objetivos e subjetivos que constituem o delito, deixa de aplicar a pena desde que apresen-te determinadas circunstâncias excepcionais previstas em lei e que tornam desnecessárias a imposição da sanção. Trata-se de uma faculdade do magistrado, que pode concedê-lo ou não, segundo seu critério, e não direito do réu.”.8

Neste caso o art. 121, §5º é a modalidade do homicídio praticado, portanto é possível a guarida do perdão judicial.

Sobre Estado de Necessidade o grande jurista Heleno Cláudio Fragoso, figura inolvidável do direito brasileiro, lecio-na:

“A legislação vigente, adotando fórmula unitária para o estado de necessidade e aludindo apenas ao sacrifício de um bem que, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, compreende impropriamente também o caso de bens de igual valor (é o caso do náufrago que, para reter a única tábua de salvamen-to, sacrifica o outro). Em tais casos subsiste a ilicitude e o que realmente ocorre é o estado de necessidade como excludente da culpa (inexigibilidade de outra conduta) […] O estado de necessidade é excluden-te da ilicitude quando, em situação de conflito ou

8. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2009, 417

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colisão, ocorre o sacrifício do bem de menor valor. A inexigibilidade de outra conduta, no entanto, des-culpa a ação quando se trata do sacrifício de bem de igual ou de maior valor, que ocorra em circuns-tâncias nas quais ao agente não era razoavelmente exigível comportamento diverso, excluindo, pois, a culpabilidade. O estado de necessidade previsto no art. 24 do CP vigente, portanto, pode excluir a anti-juridicidade ou a culpabilidade, conforme o caso”.9

No caso em tela, o dos exploradores, houve sem dúvida, a nosso ver, o estado de necessidade exculpante: aquele que re-mete nossa atenção para a teoria da inexigibilidade da conduta diversa, isto é, com as condições do caso, não era razoável ou imaginável que o agente fizesse outro comportamento.

Defende também essa tese o ilustre doutrinador Guilher-me de Souza Nucci.

Portanto, em plagas brasileiras, o magistrado apiedan-do-se dos acusados, assim como os juízes estadunidenses fi-zeram, pode acatar a tese de estado de necessidade ou após prolatar a sentença condenatória fazer uso do perdão judicial.

Feitos esses comentários passamos a outra grande ques-tão.

Os acusadores recorreram da decisão capital por enten-derem que não havia outra ação a se perfazer, senão aquela que fizeram.

No direito brasileiro não há a pena capital. A Constitui-ção Federal preconiza:

Art. 5º - XLVII - não haverá penas:

a) de mort e, salvo em caso de guerra declarada.

9. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. Vol. I, Tomo II. Rio de Janeiro. Forense. 1978.

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Uma das personagens do caso contado por Ion Fuller exclama em favor dos acusados: “Se os trágicos deste caso ti-vessem tido lugar a uma milha dos nossos limites territoriais, ninguém pretenderia que nossa lei lhes fosse aplicada”.10

Nossa legislação, mais precisamente o Código Penal, ado-ta o princípio da territorialidade, isto é, se for considerado ter-ritório brasileiro incidirá a lei penal brasileira, nos termos do art. 5º: “Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”.

E o que seria território nacional neste caso?

O grande jurista Paulo Bonavides entende que “território é simplesmente o espaço dentro no qual o Estado exercita seu poder de império(soberania).”11

Páginas a frente o ilustre doutrinador ainda comenta: “Aliás a concepção política e jurídica do território já o apre-senta modernamente como um espaço concebido de maneira geométrica em três dimensões, sob a forma de um cone “cujo vértice se acha no centro da terra e cujos limites percorrem os confins do Estado”.12

Destarte, entende-se que tanto o subsolo como o espa-ço aéreo são considerados territórios de soberania nacional de um Estado. Portanto, em nosso caso a legislação abrange o subsolo como território, mostrando dessa maneira que a legislação brasileira alcança possíveis cavernas com homens soterrados.

10. FULLER, Ion. O Caso dos Exploradores de Cavernas. Porto Alegre: Fabris, 1976, p. 13

11. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 83

12. Op. Cit, 1976, p. 89

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Entendemos que a tese defendida pelos julgadores para escusar a culpa dos homens no homicídio é válida, no entanto, não há como prosperar em terras brasileiras.

Na página 27 da obra (o caso dos exploradores de caver-na) há novamente a insistência para fazer vencedora a tese de que não havia alcance da legislação: “Suponha-se, por exem-plo, que um destes homens tenha feito seu vigésimo primeiro aniversário enquanto estava aprisionado no interior da monta-nha. Em que data teríamos que considerar que ele completou a maioridade – quanto atingiu os vinte e um anos, no momento em que se achava, por hipótese, subtraído dos efeitos de nossas leis, ou quando foi liberado da caverna e voltou a submeter--se ao império do que o meu colega denomina “nosso direito positivo”. Estas dificuldades, no entanto, servem para revelar a natureza fantasiosa da doutrina que é capaz de originá-las”.13

Posso salientar que em nosso direito pátrio, a persona-gem faria vinte e um anos onde quer que estivesse, uma vez que adotamos o método biopsicológico de aferição para efeitos penais.

Ademais, não devemos ficar propagando evasivas, pois como Carnelutti nos deixou claro: “posto que um homem nas-ceu deve morrer, é o mesmo que se o jurista declara: posto que um homem matou, deve ser apenado”.

Matou, então deve responder um devido processo legal, com o direito da presunção de inocência, findando com a con-denação ou não.

As teses de defesa são bem-vindas, já que ninguém deve desejar ver outro humano apodrecendo nos cárceres sombrios. Porém, isso não quer dizer que podemos engolir qualquer tese absurda.

13. Op. Cit, 1976, p. 27

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Uma personagem exclama: “Concluo, portanto, que no momento em que Roger Whetmore foi morto pelos réus, eles se encontravam não em um ‘estado de sociedade civil’ mas em um ‘estado natural’”.14

Para nós, não há essa impressão. Entendemos que talvez não houvesse no interior da caverna uma noção, uma expec-tativa de que sairiam ilesos, porém, isto não lhes dá direito de resolver as coisas pelos modos mais nefastos. Uma coisa é a an-tropofagia diante de um cadáver naturalmente ceifado, outra é usar da força e da astúcia para vitimar um cadáver que servirá de banquete.

Levanta-se outra voz de defesa: “Se, portanto, nossos ver-dugos têm o poder de pôr fim à vida dos homens, se nossos oficiais de justiça têm o poder de determinar o despejo dos lo-catários em mora, se nossa polícia tem o poder de encarcerar o pândego embriagado, estes poderes encontram sua justificação moral naquele contrato celebrado por nossos antepassados. Se nós não podemos encontrar fonte mais elevada para nossa or-dem jurídica, que outra mais alta deveríamos esperar que es-ses infortunados famintos estabelecessem para o ordenamento que adotaram para si próprios?”.15

Essa palavra calhou bem e, na nossa opinião, só nos deixa duas situações. Primeira: rasga-se os textos legais e faz-se de conta que não houve o tal desabamento seguido de um assassina-to. Ou segunda: acolhem-se as leis escritas há anos, através de homens eleitos pela sociedade e pelo povo, e permite-se criar em consciência a possibilidade que fez real de que os homens se salvariam e caso tivessem cometido algum delito mais grave, este deveria ser apenado conforme as leis.

14. FULLER, Ion. O Caso dos Exploradores de Cavernas. Porto Alegre: Fabris, 1976, p. 15

15. Ibid, 1976, p. 17

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Penso que a segunda opção é mais moralizante e mais justa, já que a primeira deixaria a família da vítima totalmente desacreditada da justiça e dos homens.

O que é pouco difundido é que os homens mataram outro para sobreviver, mas usaram do meio agressivo e não do meio defensivo. Neste caso os excessos devem ser punidos. Como tão bem asseverou a acusação: “O homem que atua para repelir uma ameaça agressiva à sua própria vida não age “intencional-mente”, mas em resposta a um impulso profundamente enrai-zado na natureza humana”.16

Não houve a defesa da vida, houve a agressão à vida, para se salvar quatro vidas.

Entendo perfeitamente que a situação é problemática e que muitos, senão todos, talvez agissem da mesma forma para alongar um pouco mais as suas vidas. Entretanto, o que não aceito é que tais atos não mereçam a reprovação social seguida de uma pena que não permita que a sociedade desacredite de sua justiça e dos homens que a conduzem.

A própria obra nos apresenta exemplo que ilustra bem a situação: “Caso Commonwealth vs. Valjean., Embora o caso es-teja um tanto obscuramente transcrito, nele evidencia-se que o acusado foi processado pelo furto de um pão e ofereceu como defesa a circunstância de que se encontrava em uma condição próxima da morte por inanição. O Tribunal recusou-se a acei-tar esta defesa.”17

Percebam caros leitores, o Tribunal citado no livro não tolerou nem mesmo um crime famélico com aspectos insig-nificantes.

16. Ibid, 1976, p. 33

17. FULLER, Ion. O Caso dos Exploradores de Cavernas. Porto Alegre: Fabris, 1976, p. 35

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O que proponho é isto, mesmo que em nosso território exista o princípio da bagatela e o conhecimento do crime fa-mélico, o que não pode deixar de haver é um ato admoestató-rio capaz de afastar a impunidade e a geração de possíveis fatos multiplicadores, deixando assim, a sociedade aquém da justiça e dos axiomas morais.

Defendo no caso do furtador de pão, que o mesmo se digne durante algumas semanas a pintar ou a cortar a grama de uma escola pública. Não defendo a cadeia para esses casos, mas também não tolero a simples impunidade.

Proponho o mesmo aos espeleologistas. Prisão para eles seria demais. Seria fazê-los lembrar de toda a dor e angústia que sentiram enquanto estiveram soterrados. Seria uma pena cruel e quase uma tortura, duas práticas tão bem proibidas em nossa legislação. Morte, como o livro apresenta, não caberia em nosso ordenamento jurídico, e mesmo que houvesse previ-são, não se deve pagar a morte de um com a morte de quatro, ainda mais nas condições que estavam.

No entanto pergunto: por que não os apenar com obri-gações de palestrar para jovens, pintar muros de escolas, fa-zer sinalizações e campanhas de trânsito, ler para crianças e idosos etc.

A sociedade precisa ser mãe e pai ao mesmo tempo. Mãe quando entende e acalenta o filho, Pai quando entende e edu-ca o filho. Peço vênia para dizer que a ordem dos fatores aci-ma não alterará o resultado que proponho, por isso pode ser o pai o acalentador e a mãe a educadora. Quando a sociedade faz o papel de mãe(pai) não aceita que os acusados morram ou sejam presos. Quando a sociedade se investe de pai(mãe) não permite que os acusadores tenham a reprovação pelo ato sombrio e ilegal que fizeram. Por isso defendo uma pena a ser discutida qual a melhor. Mais impunidade jamais.

Voltando um pouco para o bojo da obra, deparo-me com fato pitoresco: “É claro que, refletindo, me dou conta de que

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estou lidando com um problema que nunca mais ocorrerá, pois é improvável que outro grupo de homens seja levado a cometer novamente a terrível ação que ora julgamos”.

Ocorreu. Em agosto de 2010, 33 mineiros ficaram soter-rados por dois meses no deserto de Atacama, no Chile.

Graças a Deus nenhum foi vitimado, nem pela natureza, nem pelos colegas.

Já pensou se houvesse ocorrido caso semelhante no pas-sado e a justiça tivesse absolvido os envolvidos, no caso de 2010, os mineiros já saberiam que fazendo algo semelhante se-riam absolvidos. Isto seria uma liberdade sem medidas e sem escrúpulos.

Por isso reforço novamente o hasteamento da bandeira de justiça e o recolhimento da impunidade.

Meça-se o caso, os efeitos, as situações, as condições, mas, ao final, dê o exemplo de moralidade que necessitar. Assim, se afastarão cada vez mais as mentes criminosas de nossa socie-dade.

Infelizmente na ficção do livro, a pena foi demasiadamen-te injusta, os quatro acusados foram apenados com a morte.

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CAPÍTULO XX

“O homem delinquente”, DE CESARE LOMBROSO

Lombroso (1835-1909)

O médico italiano Cesare Lombroso, nascido em 1835, jamais pensou em sua tenra infância na cidade de Ve-rona que viria a ser um dos mais importantes nomes da

ciência penal.

Sem receio de claudicar, podemos asseverar que das mui-tas teorias apresentadas para explicar a origem do crime e do criminoso, as proferidas por Lombroso representam parcela importante nas lições da seara criminológica.

Verdadeiro cientista da arte de Hipócrates e exímio pes-quisador das patogenias mentais, Cesare Lombroso, com auxí-lio de verdadeiro acervo de compêndios médicos e jurídicos,

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212 O DIREITO NA LITERATURA | Roberto Victor Pereira Ribeiro

conseguiu desenvolver os primeiros traços de um estereótipo criminoso.

Em sua época a obra “Gênio e Loucura” revolucionou a arte de pensar e entender os fenômenos criminosos e o que se leva a praticar crimes. Quase um século e meio do lançamento dessa obra, ainda assim, o tempo parece não passar e ultra-passar Cesare Lombroso, cada vez mais presente nos bancos acadêmicos e nas bibliotecas.

Reputado como um dos criadores da Antropologia Cri-minal e da Escola Positiva do Direito Penal, Lombroso desen-volveu pesquisas baseadas no crescimento social do ser huma-no e nos fatores criminológicos que permeiam a sociedade. Foi ele também que criou sistemas de estudos baseados na análise dos fatos e da estrutura psicológica do criminoso aliado com o ambiente em que ele se encontra envolvido.

Uma das marcas indeléveis de Lombroso é o seu estudo que finaliza com paradigma de que o criminoso possui tra-ços que indicam sua criminalidade. Alguns juristas costumam chamar isso de “tipo lombrosiano” ou de “ladrão com cara de ladrão”.

É óbvio que em épocas hodiernas tais conceitos não de-vem, nem podem ser hasteados a condições de difusão, sob pena de lesar frontalmente os direitos humanos e o princípio da dignidade humana. Sem contar ainda, que todos gozam da presunção de inocência, ou seja, até que se prove o contrário todos são inocentes. O aspecto físico ou fisionômico não pode ser prova cabal da prática de crime.

Lombroso foi ainda o pioneiro em estudos sobre a crimi-nalidade infantil e as causas que levam crianças e adolescentes a praticarem infrações delituosas.

Na sua obra O Homem Delinquente ora analisada, Lom-broso vai além e demonstra que tanto os humanos como os

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213XX “O homem delinquente”, de Cesare Lombroso

animais e vegetais também apresentam tendência ao cometi-mento de delitos contra a natureza. Já que em face de animais e vegetais não podemos falar no vocábulo crime. Crime é fato típico e antijurídico e necessita estar arraigado pela vontade mais consciência, algo que os animais e vegetais não possuem, pelo menos por enquanto, de acordo com nossos conhecimen-tos hodiernos.

O presente trabalho é um contraponto ou um contrapos-to às ideias emanadas de Lombroso durante o ensaio O Ho-mem Delinquente. De antemão, faz-se mister esclarecer que não tratamos o trabalho do médico italiano com ares de vi-tupério, mas sim, diante de nossa visão jurídica inserida no contexto atual e pátrio.

O veronês, no início do trabalho agora analisado, tenta demonstrar que a natureza também delinque através dos ve-getais e animais.

“Quando, por exemplo, um inseto, por menor que seja, até mesmo mais leve do que 1,24 milésimo de grama fica sobre o disco folhar de uma drosácea e parece que nem sempre isso acontece por acaso, mas o atrai com o odor de certas secreções da folha, é, por esta subitamente envolvido e comprimido por numerosos tentáculos, cerca de 192 por folha, que se comprimem nas costas em dez segundos, e atingem em uma hora e meia o centro da folha. Só se relaxam quando a vítima estiver morta e parcial-mente digerida, graças a um ácido e um fermento muito análogo à nossa pepsina”.1

“[...] os maus-tratos e a morte pela chefia do grupo, que seriam os nossos delitos por ambição e outros, e que se veem nos cavalos, touros e veados”.2

1. LOMBROSO, Cesare. O Homem Delinquente. São Paulo: Ícone, 2013, p.22

2. Op. Cit. 2013, p. 23

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214 O DIREITO NA LITERATURA | Roberto Victor Pereira Ribeiro

Não concordamos com tais premissas. Ou melhor, contra fatos não há argumentos é verdade, no entanto, os fatos são vistos por mim por outra lente, e não pelo prisma da crimi-nalidade ou da delinquência animal ou vegetal. O sábio grego Epicteto costumava dizer que “Não são as coisas que nos per-turbam, mas a forma como interpretamos o seu significado”.3 O significado de tais condutas praticadas por vegetais e ani-mais a meu ver é a concretude da linearidade do ecossistema tão importante e necessário na natureza. Não vamos ouvir nunca falar de um urso incomodado com o canto do sabiá e, por isso, tenta de todas as formas alcançar o pássaro cantador a fim de aniquilá-lo, de um macaco ingerindo urtiga, que por sua vez, o atrai apenas para vê-lo morrer envenenado, a es-sência animal e vegetal é sábia por natureza. Nós, homens e mulheres, é que precisamos aprender a observar mais e ver as lições que os animais e vegetais nos concedem todo dia.

Se formos caminhar nesta trilha lombrosiana, podería-mos dizer que os gases e as soluções químicas quando em con-tato com outras acabam anulando as suas eficácias e extingui-do-as. Estariam também esses elementos químicos cometendo delinquência?

A flor usa de perfídia para atrair o inseto apenas para sa-ciar sua fome e isso faz parte do sistema ecológico equilibrado que se perfaz nas escalas primária, secundária e terciária, sem as quais o mundo seria inabitável.

Prefiro, neste caso, acompanhar a sabedoria de Marco Aurélio: “as flores, as abelhas, os pássaros, as formigas, as ara-nhas e cobras trabalham juntas para colocar em ordem seu pe-queno quinhão no universo”.4

3. EPICTETO. A Arte de Viver. Rio de Janeiro: Sextante, 2006, p. 18

4. FORSTATER, Mark. Os Ensinamentos Espirituais de Marco Aurélio. São Pau-lo: ARX, 2002, p. 87

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215XX “O homem delinquente”, de Cesare Lombroso

Segundo Lombroso “No outono, ao fim do verão, uma vez terminado o voo nupcial e começando a escassez de ali-mentos, as abelhas operárias apunhalam os machos com seus ferrões, ou os expulsam da colmeia, quando então eles morrem de frio e melancolia”.5

Na hodiernidade vivemos à beira de um colapso popula-cional. Entretanto, isto não nos concede o direito e a razão de fazer como as abelhas. Somos racionais e morais. Temos leis. Devemos, outrossim, cuidar de prevenir o excesso demográfi-co através de educação e consciência individual. Não poderá jamais nos ser permitido matar ou ostracizar um semelhante, a não ser nos dois casos em que a prudência humana em con-junto com seu instinto funciona para blindar-nos do perigo: estado de necessidade e legítima defesa. Somente nestes casos e sob a cautela responsável e contida podemos ceifar a vida de outrem. Não é possível confabularmos qualquer desculpa para permitir a clarividência desses fenômenos urgentes e instinti-vos. Somente diante da colisão de duas vidas em busca da so-brevivência ou defronte a um perigo atual, injusto e iminente, pode-se falar em humanos fazendo outros perecerem.

O médico italiano cita o exemplo dos macacos para nos repassar a lição de que o mais forte comanda o seu reino. “O macaco que tenha dente mais robusto e mais longo é adu-lado”.6

Felizmente, por obra humana, criou-se um advento cha-mado Direito. A ciência jurídica promotora da pacificação social e da busca incessante pelo amortecimento dos desati-nos sociais existe para isso: igualar os fortes e fracos, como tão bem preconizou Rousseau: “Homens que podendo ser

5. Op. Cit. 2013, p. 25

6. Op. Cit. 2013, p. 23

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dessemelhantes na força, ou no engenho, tornam-se todos iguais por convenção e por Direito”.7

Nosso raciocínio preciso e inteligente nos presenteou com uma lição moral que ensina a preservar aqueles que não tiveram a ventura de nascerem fortes. O Direito permite que, assim como os fortes, os vulneráveis vivam e evoluam até as suas mortes naturais. Hoje, não há mais espaço para nenhuma espécie de sectarismo humano. O Direito é a mola que equili-bra o que a natureza criou diferente. A eugenia fracassou jun-tamente com o regime nazista.

Lombroso dedica algumas páginas do seu trabalho (O Homem Delinquente) para falar das tatuagens.

Ab initio, parece-me, àquela época, que Lombroso quis sentenciar os que se tatuaram dando-lhes a definição de maus elementos, selvagens ou delinquentes. Atualmente, a tatuagem é mais questão de estética e beleza do que qualquer outra von-tade. É bem verdade que uma pequena percentagem a faz por revolta ou para chamar a atenção da sociedade. A questão da tatuagem precisa e merece ser repensada e reanalisada. Faz-se mister reapreciar os motivos que levaram os tatuados a grava-rem seus corpos físicos, mormente os do passado e os da época estudada por Lombroso. O nominado autor, através de intenso estudo e pesquisa, definiu que os marinheiros, os criminosos (delinquentes) e as meretrizes eram os grupos que mais se ta-tuavam.

Por que insisto para fazermos uma reapreciação desses paradigmas? Tecerei minhas considerações acerca dos três grupos e depois sugiro que cada leitor faça sua análise pessoal.

A Marinha sempre foi, no passado, o castigo para os maus filhos. Todos achavam que se o pai não consertava, a Marinha

7. ROUSSEAU, Jean Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2008.

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217XX “O homem delinquente”, de Cesare Lombroso

consertaria. A Revolta da Chibata delineia um pouco esse re-trato. A razão da tatuagem no marinheiro pode se revelar não por esse aspecto da rigidez educacional da Marinha, mas talvez pela ociosidade em alto-mar. O homem é criativo por natureza e no ócio acaba criando artes e passatempos. O mesmo motivo deve ser o condutor maior das tatuagens entre os apenados. Não descartamos, é claro, a simbologia de facções, grupos, gangues ou outros gêneros cercados e restritos de indivíduos.

Quanto às meretrizes, a tatuagem não corrobora ou não deve corroborar com a teoria de que por serem “delinquen-tes” e “imorais” gostam de ver inscrições ou desenhos em seus corpos. Talvez pela prática de ocupação das mesmas, isto é, a de servir vários homens, muitas acabavam se apaixonando por alguns que mereceriam a marca levada em seus corpos.

Neste tratado, ora comentado, o escritor atesta que o lu-gar da tatuagem e o número de tatuagens são importantes para definir o perfil da essência criminosa do sujeito.

Em nossa opinião, o lugar da tatuagem pode significar vaidade, pedido de atenção, combinação simbólica de um gru-po ou até mesmo para causar erotismo e luxúria, mas jamais pode ser usado como indicativo de uma mente criminosa, res-salvados os casos extremos como a tatuagem de uma faca no pescoço ou uma faca com o nome de uma pessoa ao lado, por exemplo. Ainda assim, é prudente analisar essas figuras antes de conceber o juízo de que aquele portador da tatuagem é um sociopata, um celerado ou um delinquente.

O número de tatuagens é caráter subjetivo, de meio in-sondável e interrogativo. Só quem ostenta a quantidade numé-rica de tatuagens é conhecedor das razões e, assim mesmo, em alguns casos, nem o portador sabe ao certo a razão e o porquê do número de tatuagens.

Em suma, a tatuagem por tatuagem, ou seja, por si só, não pode ser indício de criminalidade, imoralidade, delinquência,