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Robert Darnton - Poesia e Polícia - Redes de Comunicação Na Paris Do Séc XVIII

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1.Umcantorderuaparisiense,1789.

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ROBERTDARNTON

PoesiaepolíciaRedesdecomunicaçãonaParisdoséculoXVIII

Tradução

RubensFigueiredo

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Sumário

Introdução1.Policiandoumpoema2.Umenigma3.Umarededecomunicação4.Perigoideológico?5.Políticadacorte6.Crimeecastigo7.Umadimensãoausente8.Ocontextomaisamplo9.Poesiaepolítica10.Canção11.Música12.Chansonniers13.Recepção14.Umdiagnóstico15.OpiniãopúblicaConclusãoAscançõeseospoemasdistribuídospelosCatorzeTextosde“Qu’unebâtardedecatin”ApoesiaeaquedadeMaurepasOrastrodosCatorzeApopularidadedasmelodiasUmcabaréeletrônico:CançõesderuadeParis,1748-50NotasCréditosdasimagens

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Introdução

Agora que as pessoas passam a maior parte do tempo trocando informações— seja enviandomensagens de celular, seja postando no Twitter, fazendo download ou upload, codificando,decodificandoousimplesmenteconversandopelotelefone—,acomunicaçãosetornouaatividademais importante da vida moderna. Em larga medida, ela determina o curso da política, daeconomia e do entretenimento comum.Constituindo um aspecto da existência cotidiana, parecealgo tão amplamente disseminado que pensamos viver num mundo novo, numa ordem semprecedentes,aqualchamamos“sociedadedainformação”,comoseassociedadesanteriorespoucosepreocupassemcomainformação.Oquehaveriaparacomunicar,imaginamos,quandooshomenspassavamosdiasatrásdeumaradoeasmulheressósereuniamesporadicamente,nabicadeáguadacidade?Isso, está claro, é uma ilusão. A informação permeou toda ordem social desde que os seres

humanos aprenderam a trocar sinais. As maravilhas da tecnologia da comunicação no presentecriaramuma falsa consciênciaacercadopassado—atémesmoa ideiadequea comunicaçãonãotemnenhumahistória,ounadatevederelevanteparaexaminarmos,antesdaeradatelevisãoedainternet,amenosque,comcertoesforço,remontemosaquestãoaotempododaguerreótipoedotelégrafo.Sem dúvida, ninguém pode subestimar a importância da invenção do tipo móvel, e os

pesquisadoresaprenderammuitosobreopoderdaimprensadesdeaépocadeGutenberg.Hojeemdia,ahistóriado livroconstituiumadasdisciplinasvitaisdas“ciênciashumanas”(áreaemqueashumanidadese as ciências sociais se sobrepõem).Mas,durante séculosapósGutenberg, amaioriadoshomensedasmulheres (sobretudoasmulheres)nãosabia ler.Embora trocassem informaçõesconstantementepormeiodapalavraoral,quasetodaselasdesapareciamsemdeixarvestígio.Jamaisteremosumaadequadahistóriadacomunicaçãoatéquepossamosreconstituirseumaisdestacadoelementoperdido:aoralidade.Estelivroéumatentativadepreencher,emparte,essalacuna.Emalgumasrarasocasiões,trocas

oraisdeixaramindíciosdesuaexistênciaporqueeramofensivas.Insultavamalguémimportante,oupareciamhereges,ouminavamaautoridadedeumsoberano.Noscasosmaisraros,aofensalevavaauma investigaçãocompleta,conduzidapeloEstadoouporagentesda Igreja,oqueredundavaemvolumososdossiês,eessesdocumentossobreviveramnosarquivos.Asevidênciasquerespaldamestelivropertencemàmaisabrangenteoperaçãopolicialqueencontreiemminhaprópriapesquisaemarquivos, uma tentativa de seguir a trilha de seis poemas por Paris em 1749, àmedida que eram

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declamados, memorizados, retrabalhados, cantados e rabiscados em papel, em meio a umaenxurradadeoutrasmensagens,escritaseorais,duranteumperíododecrisepolítica.OCasodosCatorze(L’AffairedesQuatorze),comoesseepisódioficouconhecido,começoucoma

prisão de um estudante de medicina que havia recitado um poema que atacava Luís XV. Ao serinterrogadonaBastilha,eleidentificouapessoacomquemobtiveraopoema.Essapessoafoipresa;elarevelousuafonte;easprisõescontinuaramatéapolíciaencherascelasdaBastilhacomcatorzecúmplices, acusadosdeparticiparde recitais clandestinosdepoesia.A supressãodamaledicência(mauvaispropos)acercadogovernoconstituíaumadastarefashabituaisdapolícia.Porém,apolíciadedicoutantotempoetantaenergiaaoencalçodosCatorze—queeramparisiensesabsolutamentecomunsenadaameaçadores,bastantealheiosàs lutaspelopodertravadasemVersailles—quetalinvestigação levantaumaperguntaóbvia:porque as autoridades, asdeVersailles e tambémasdeParis,semostraramtãointeressadasemperseguirpoemas?Essaperguntanoslevaamuitasoutras.Aoacompanharo cursodospoemas e ao seguir aspistasque apolícia levantava àmedidaque iaprendendoumhomemdepoisdooutro,podemosdescobrirumacomplexarededecomunicaçãoeestudaramaneiracomoainformaçãocirculavanumasociedadesemialfabetizada.Elapassavapordiversosmeiosdecomunicação.OgrupodosCatorzeeraformadosobretudopor

escrivãeseabades,que tinhamplenodomíniodapalavraescrita.Copiavamospoemasemtirasdepapel, algumasdasquais sobreviveramnosarquivosdaBastilha,porqueapolíciaosconfiscavaaorevistar os prisioneiros. Sob interrogatório, alguns dos Catorze revelaram que haviam tambémditado os poemas uns aos outros e os memorizaram. De fato, um dictée foi conduzido por umprofessornaUniversidadedeParis:eledeclamouumpoemaquesabiadecorequeseestendiaporoitentaversos.Aartedamemóriaerauma forçapoderosano sistemadecomunicaçãodoAncienRégime.Noentanto,o instrumentomnemônicomaiseficazeraamúsica.Doispoemas ligadosaoCaso dos Catorze foram compostos para serem cantados em melodias populares e podem serlocalizados em coletâneas, feitas na época, de canções conhecidas como chansonniers, nas quaisaparecem lado a lado com outras canções e outras formas de trocas orais — piadas, charadas,mexericosebonsmots.Osparisiensesmuitasvezescompunhamletrasnovasparamelodiasantigas.Nãoraro,asletrasse

referiam a fatos do momento e, à medida que os fatos se desdobravam, a criatividade anônimaacrescentava versosnovos.Por conseguinte, as cançõesproporcionamuma crônica a respeitodasquestõespúblicas,eexistememnúmerotãograndequepodemospercebercomoasletrastrocadasentreosCatorze se enquadramemciclosde cançõesque levavammensagenspor todasas ruasdeParis. Podemos até ouvi-las — ou pelo menos ouvir uma versão moderna da forma comoprovavelmente eram naquele tempo. Embora os chansonniers e os versos confiscados dosCatorzecontivessemapenasas letrasdascanções,eles fornecemo títuloeosprimeirosversosdascançõesemcujamelodiaas letrasdeviamserencaixadas.Procurandoostítulosem“chaves”edocumentossemelhantes, com notas musicais, no Département de Musique da Bibliothèque Nationale deFrance,podemosassociaraspalavrasàsmelodias.HélèneDelavault,umatalentosaartistadecabaréde Paris, aceitou gentilmente gravar uma dúzia das canções mais importantes. A gravação,disponívelcomosuplementoeletrônico(www.hup.harvard.edu/features/darpoe),proporcionauma

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forma, ainda que aproximada, de sabermos como as mensagens eram moduladas pela música,transmitidapelasruasetransportadadentrodacabeçadeparisienses,hámaisdedoisséculos.Da pesquisa em arquivos para um “cabaré eletrônico”, esse tipo de história compreende

discussões de vários tipos e graus de conclusividade. Talvez seja impossível provar uma tese demodo definitivo trabalhando ao mesmo tempo com som e sentido. Mas as recompensas sãosuficientes para que valha a pena correr o risco, pois, se pudermos recuperar sons do passado,teremos uma compreensãomais rica da história.1 Não que os historiadores devam se entregar afantasiasgratuitassobreouvirosmundosqueperdemos.Aocontrário,todatentativaderecuperaraexperiênciaoral requerumrigorespecialnousodosdados.Por issoreproduzi,noapêndicedolivro, alguns dos principais documentos que os leitores poderão estudar a fim de avaliar minhaprópriainterpretação.Aúltimaseçãodesseapêndiceservecomoumprogramaparaaapresentaçãode cabaré de Hélène Delavault. Fornece dados de um tipo incomum, que se destinam a serestudados e também desfrutados. Assim é este livro como um todo. Começa com uma históriapolicial.

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2.Pedaçodepapeldeumespiãodapolíciaquedesencadeouasequênciadeprisões.

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1.Policiandoumpoema

Na primavera de 1749, o superintendente geral da polícia de Paris recebeu uma ordem paracapturaroautordeumaodequecomeçavaassim:“Monstredontlanoirefurie”(Monstrocujafúrianegra).Apolícianãodispunhadenenhumapista,senãoqueaodetinhaportítulo“OexíliodoM.deMaurepas”.Nodia24deabril,LuísXVdemitiraemandaraparaoexílioocondedeMaurepas,quehaviadominadoogovernonopostodeministrodaMarinhaedaCasaReal.Obviamentealgumaliado de Maurepas dera vazão à sua revolta em versos que atacavam o próprio rei, pois o“monstro” se referia a Luís XV: por isso a polícia foi mobilizada. Difamar o rei num poema quecirculavaabertamenteeraumaquestãodeEstado,umcrimedelèse-majesté.Anotícia se espalhou entre as legiõesde espiões empregadospelapolícia e,no finalde junho,

um deles farejou a pista. Comunicou sua descoberta num pedaço de papel — duas frases, semassinaturaesemdata.Monseigneur,Conheçoumapessoaquepossuíaemseuescritório,algunsdiasatrás,oabominávelpoemasobreoreiequeoaprovoubastante.Vouidentificá-loparaosenhor,seforoseudesejo.1

Depois de obter doze louis d’or (quase um ano de salário de trabalhador sem qualificação), o

espião apresentou um exemplar da ode e o nome da pessoa que lhe havia fornecido omaterial:FrançoisBonis,estudantedemedicina,queresidianoCollègeLouis-le-Grand,ondesupervisionavaaeducaçãodedois jovenscavaleirosdasprovíncias.Anotíciapercorreurapidamenteahierarquiadecomando:doespião,quecontinuouanônimo,para Josephd’Hémery, inspetordocomérciodelivros;paraNicolasRenéBerryer,superintendentegeraldapolícia;paraMarcPierredeVoyerdePaulmy, condeD’Argenson,ministro da Guerra e do departamento de Paris e personagemmaispoderosononovogoverno.D’Argensonreagiuimediatamente:nãohavianenhumminutoaperder;Berryer deveria prender Bonis o quanto antes; uma lettre de cachet [carta timbrada]* poderia serprovidenciadamaistarde;eaoperaçãodeveriaserconduzidasobsigilomáximo,paraqueapolíciapudessecercaroscúmplices.2O inspetor D’Hémery cumpriu as ordens com profissionalismo admirável, como ele mesmo

assinalouemrelatórioparaBerryer.3Tendodistribuídoagentesemposiçõesestratégicasedeixadoumacarruagemapostos logodepoisdeumaesquina,eleabordouseuhomemnaRueduFoin.OmaréchaldeNoaillesqueriavê-lo,disseaBonis—tratava-sedequestãodehonra,envolvendoumcapitãodacavalaria.ComoBonis sabia ser inocentedequalqueratoquepudessedarensejoaum

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duelo(cabiaaNoaillesjulgartaisquestões),acompanhoudebomgradoD’HémeryatéacarruagemedepoisdesapareceunaBastilha.A transcrição do interrogatório de Bonis seguiu o formato de costume: perguntas e respostas,

registradas na forma de um quase diálogo e com a exatidão atestada por Bonis e por seuinterrogador,ocomissáriodepolíciaAgnanPhilippeMichédeRochebrune,querubricaramtodasaspáginas.Indagueisenãoéverdadequecompôsalgumapoesiacontraoreiequeleuotextoparaváriaspessoas.Respondeuquenadatemdepoetaejamaiscompôspoemascontraninguém,masquehácercadetrêssemanas,quandoestavano

hospital[HôtelDieu]emvisitaaoabadeGisson,diretordohospital,aproximadamenteàsquatrohorasdatarde,apareceuumpadretambémemvisitaaoabadeGisson;queopadreeradeestaturamuitoelevadaeaparentava35anosdeidade;queaconversatratoudematériaspublicadasnosjornais;equeessepadre,aodizerquealguémtiveraaperversidadedecomporversossatíricoscontraorei,mostrouumpoemacontrasuamajestade,doqualointerrogadofezumacópiaalimesmo,nogabinetedoSieurGisson,massemanotartodososversosdopoemaepulandoboapartedele.4

Em suma, uma reunião suspeita: estudantes e padres discutindo sobre fatos do momento e

divulgandoataquessatíricoscontraorei.Ointerrogatórioprosseguiudaseguinteforma:Indagueiqueusofezdomencionadopoema.Disse que o recitou numa sala domencionadoCollège Louis-le-Grand na presença de poucas pessoas e que, depois disso, o

queimou.Faleiqueelenãoestavadizendoaverdadeequenãofezacópiadopoemacomtamanhasofreguidãosóparaqueimá-loemseguida.Dissequejulgavaqueomencionadopoematinhasidoescritoporalgunsjansenistasequebastavateropoemadiantedosolhos

paraverdoqueosjansenistassãocapazes,comoelespensavameatécomoéseuestilo.

O comissário Rochebrune rebateu essa débil defesa com um sermão sobre a iniquidade de

espalhar “veneno”. Tendo obtido a cópia do poema com um dos conhecidos de Bonis, a políciasabiaqueelenãoaqueimara.PorémhaviamprometidoprotegeraidentidadedeseuinformanteenãoestavamespecialmenteinteressadosnoqueforafeitodopoemadepoisquechegouaBonis.Suamissão era rastrear o processo de difusão do poema no sentido contrário, a fim de chegar à suafonte.5 Bonis não tinha condições de identificar o padre que lhe havia mostrado sua cópia.Portanto, sob pressão da polícia, escreveu uma carta a seu amigo noHôtel Dieu e perguntou onomeeoendereçodopadreparaquepudessedevolverumlivroquepegaraemprestado.Arespostatrouxeainformaçãodesejada,eopadreJeanEdouard,daparóquiadeSt.NicolasdesChamps,foiparaaBastilha.Durante seu interrogatório, Jean Edouard afirmou ter recebido o poema de outro padre,

Inguimbert deMontange, que foi preso e disse que o havia obtido de um terceiro padre, AlexisDujast,quefoipresoedissequeohaviaobtidodeumestudantededireito,JacquesMarieHallaire,quefoipresoedissequeohaviaobtidonumcartório,comumescrevente,DenisLouisJouret,quefoipresoedissequeohaviaobtidocomumestudantede filosofia,LucienFrançoisduChaufour,que foipresoedissequeohaviaobtidocomumcolegade turmachamadoVarmont,oqual foraalertadodequedeveriaprocurarumesconderijo,masacabouseentregandoeafirmouterobtidoo

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poemacomoutroestudante,MaubertdeFreneuse,quenuncafoiencontrado.6Cada prisão gerava seu dossiê próprio, repleto de informações sobre a maneira como os

comentários políticos — nesse caso, um poema satírico acompanhado por amplas discussões eleiturasparalelas—percorriamcircuitosdecomunicação.Àprimeiravista,orumodatransmissãopareceseguiremlinhareta,etudoindicaqueoambienteébastantehomogêneo.Opoemapassoudemãoemmãoporumasériedeestudantes,escreventesepadres,amaioriaamigosetodosjovens— a idade ia de dezesseis (Maubert de Freneuse) a 31 anos (Bonis). O poema em si exalava umcheirocaracterístico,pelomenosparaD’Argenson,queodevolveuparaBerryercomumbilhetenoqualodefiniacomo“umtextoinfameque,paramim,assimcomoparaosenhor,pareceexalarumcheirodepedantismoedeQuartierLatin”.7Porém,àmedidaquea investigaçãoganhouabrangência,oquadrose tornoumaiscomplicado.

Em seu caminho, o poema cruzou com outros cinco poemas, todos sediciosos (pelo menos aosolhos da polícia) e todos com seu próprio padrão de difusão. Eram copiados em tiras de papel,trocadas por outras tiras de papel do mesmo tipo, ditados para mais copistas, memorizados,declamados, impressos em panfletos clandestinos e em certos casos adaptados para melodiaspopularesecantados.AlémdoprimeirogrupodesuspeitosmandadosparaaBastilha,outrossetehomenstambémforamaprisionados;eessescomprometeramoutroscinco,quefugiram.Nofim,apolícia encheu a Bastilha com catorze fornecedores de poesia — daí o nome da operação nosdossiês,“L’AffairedesQuatorze”.Masjamaisencontraramoautordopoemaoriginal.Arigor,talveznunca tenha existido um autor, porque as pessoas acrescentavam e subtraíam estrofes emodificavamasfrasescomobementendiam.Eraumcasodecriaçãocoletiva;eoprimeiropoemasemesclavaecruzavacomtantosoutrosque, tomadosemconjunto,criavamumcampode impulsospoéticos, saltando de um ponto de transmissão para outro e enchendo o ar com aquilo que apolíciachamavade“mauvaispropos”ou“mauvaisdiscours”,umacacofoniadesediçãoadaptadaemrimas.

*NoAncienRégimefrancês,cartarégiacontendoordemdeprisãooudeexílio.(N.T.)

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2.Umenigma

A caixa nos arquivos— que continha os registros dos interrogatórios, relatórios de espiões eanotações misturados sob a etiqueta “Caso dos Catorze” — pode ser entendida como umaglomerado de pistas para ummistério que denominamos “opinião pública”. Que tal fenômenoexistisse250anosatráséalgoquedificilmentepodeserpostoemdúvida.Depoisdeganhar forçadurantedécadas,eladesferiuogolpedecisivoquandooVelhoRegimeruiu,em1788.Mas,arigor,oqueeraissoecomoafetouocursodosacontecimentos?Emboratenhamosváriosestudosacercado conceito de opinião pública como tema de reflexão filosófica, possuímos pouca informaçãosobreamaneiracomoelafuncionavanaprática.Dequeformadevemosentendê-la?Devemosencará-lacomoumasériedeprotestos,quebatem

comoondascontraaestruturadopoder,emcrisessucessivas,desdeasguerrasreligiosasdoséculoXVI até os conflitos parlamentares da década de 1780?Ou comouma atmosfera de opiniões, quemudaconformeoscaprichosdosdeterminantessociaisepolíticos?Comoumdiscursooucomoumamontoado de discursos concorrentes, desenvolvidos por grupos sociais de bases institucionaisdiferentes? Ou, ainda, como um conjunto de atitudes, oculto sob a superfície dos fatos, maspotencialmente acessível aos historiadores por meio de pesquisa e análise? É possível definiropiniãopúblicadediversasmaneiraseapresentá-laparaoexamedeváriospontosdevista;porém,tão logo conseguimos uma imagemmais definida, ela se embaça e se dissolve, como o Gato deCheshire.Em vez de tentar aprisioná-la numa definição, gostaria de segui-la pelas ruas de Paris — ou,

antes,umavezqueelamesma iludenossacompreensão,gostariaderastrearumamensagempelosmeios de comunicação da época. Mas, primeiro, precisamos falar um pouco sobre as questõesteóricasenvolvidas.Correndo o risco de uma excessiva simplificação, acho justo distinguir duas posições que

dominamosestudoshistóricossobreaopiniãopúblicaepodemseridentificados,deumlado,comMichel Foucault e, de outro, com Jürgen Habermas. Como diriam os foucaultianos, a opiniãopública deve ser entendida comouma questão de epistemologia e poder.A exemplo de todos osobjetos, ela é construída pelo discurso, um processo complexo que envolve o ordenamento depercepções segundo categorias apoiadas numa grade epistemológica. Um objeto não pode serpensado,nãopodeexistir, antesde ser construídodiscursivamente.Portanto, a “opiniãopública”nãoexistiaatéasegundametadedoséculoXVIII,quandootermoentrouemusopelaprimeiravezequandoosfilósofosoinvocaramafimdetransmitiraideiadeumaautoridadesuprema,oudeum

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tribunal supremo, ao qual os governantes tinham de prestar contas. Para os habermasianos, aopinião pública deve ser entendida sociologicamente, tal como a razão que atua através doprocessodacomunicação.Umasoluçãoracionaldequestõespúblicaspodesedesenvolvermediantea própria publicidade, ou “Öffentlichkeit” — ou seja, se as questões públicas forem debatidas demaneiralivreporcidadãoscomuns.Essesdebatestêmlugarnamídiaimpressa,noscafés,nossalõese em outras instituições que constituem a “esfera pública” burguesa, termo de Habermas para oterritóriosociallocalizadoentreomundoprivadodavidadomésticaeomundooficialdoEstado.DaformacomoHabermasconcebe,essaesferaemergiupelaprimeiravezduranteoséculoXVIII e,portanto,aopiniãopúblicafoioriginalmenteumfenômenodaqueleséculo.1Deminhaparte, creio quehá algo a dizer em favor de ambos os pontos de vista,masnenhum

deles funciona quando tento alcançar o significado dos dados comqueme deparei nos arquivos.Logo,tenhoumproblema.Todostemos,quandotentamosalinharquestõesteóricascomapesquisaempírica. Por conseguinte, permitam-me deixar em suspenso as questões conceituais e voltar àcaixadosarquivosdaBastilha.

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3.Umarededecomunicação

Odiagrama reproduzido na página 23, com base numa leiturameticulosa de todos os dossiês,ofereceuma imagemde comoa redede comunicaçãoatuava.Cadapoema—oucançãopopular,pois alguns são referidos como chansons e foram escritos para serem cantados em determinadasmelodias1—pode ser rastreado através de combinações de pessoas.Mas o caminho real deve tersidobemmais complicado e vasto, porque as linhasde transmissãomuitas vezesdesaparecememcertopontopararessurgiremoutros,acompanhadasporpoemasdefontesdiferentes.Seseguirmosaslinhasparabaixo,porexemplo,conformeaordemdasprisões—deBonis,preso

nodia4de julhode1749,paraEdouard,presoemdia5de julho,paraMontange,presoem8dejulho,eparaDujast,preso tambémnodia8de julho—,chegamosaumabifurcaçãoemHallaire,quefoipresoem9dejulho.Elerecebeuopoemaqueapolíciavinharastreando—etiquetadocomonúmero1e iniciadopeloverso“Monstredont lanoire furie”—da linhaprincipal,queavançaverticalmenteparabaixopeloladoesquerdododiagrama;etambémrecebeutrêsoutrospoemasdoabadeChristopheGuyard,queocupavaumaposiçãofundamentalnumaredecontígua.Guyard,emtroca, recebeu cincopoemas (doisdeles, duplicatas)de três outros fornecedores, quepor sua veztinham fornecedores próprios. Assim, o poema 4, que começa com o verso “Qu’une bâtarde decatin” (Queumameretriz bastarda), transmitidodeum seminarista chamadoThéret (napartedebaixo,àdireitadodiagrama)paraoabadeJeanleMercier,paraGuyard,paraHallaire.Eopoema3,“Peuple jadissi fier,aujourd’huisiservile”(Povooutroratãoorgulhoso,hojetãoservil), foideLanglois de Guérard, um conselheiro no Grand Conseil (uma corte superior de justiça), para oabade Louis-Félix de Baussancourt e para Guyard.Mas os poemas 3 e 4 também apareceram emoutros pontos e nem sempre percorreram todo o caminho ao longo do circuito, segundo asinformações obtidas nos interrogatórios (o poema 3 parece parar em LeMercier; o 2, o 4 e o 5parecempararemHallaire).Arigor,todosospoemasprovavelmentepercorreramcaminhosmuitomaislongos,emesquemasbemmaiscomplexosdoqueomostradonodiagrama,eamaiorpartedascatorzepessoaspresaspordifundi-losdevetersuprimidomuitasinformaçõessobreseupapelcomointermediários,afimdeminimizarsuaculpaeprotegerseuscontatos.

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3.Esquemadedifusãodeseispoemas.Portanto, o diagrama oferece apenas uma indicação mínima do esquema de distribuição,

limitada pela natureza da documentação.No entanto, apresenta um retrato fiel de um segmentosignificativodo circuitode comunicação, e os registrosdos interrogatóriosnaBastilha fornecemmuitasinformaçõessobreoambientepeloqualapoesiacirculava.Todososcatorzehomenspresospertenciam às camadas médias da provinciana sociedade parisiense. Descendiam de famíliasrespeitáveis e educadas, sobretudo de nível superior, embora alguns pudessem ser classificadoscomodapequenaburguesia.OescreventejudiciárioDenisLouisJoureterafilhodeumfuncionáriodebaixoescalão (mesureurdegrains); o escreventede cartório JeanGabrielTranchet era filhodeum administrador parisiense (contrôleur du bureau de laHalle); e o estudante de filosofia LucienFrançoisduChaufourera filhodeummerceeiro(marchandépicier).Outrospertenciama famíliasmaisproeminentes,queparasedefenderescreviamcartasetratavamdemexerunspauzinhos.OpaideHallaire,umcomerciantedesedas,redigiuváriosapelosseguidosaotenente-generaldapolícia,enfatizando o bom caráter do filho e se oferecendo para apresentar os testemunhos de seusprofessoresedocura.OsparentesdeInguimbertdeMontangedeclararamqueeleeraummodelo

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de cristão cujos ancestrais prestaram serviços com distinção à Igreja e ao Exército. O bispo deAngersenviouumtestemunhoemfavordeLeMercier,garantindoqueforaumalunoexemplarnosemináriolocaledizendoqueopai,umoficialdoExército,estavatranstornadodepreocupação.Oirmão de Pierre Sigorgne, um jovem professor de filosofia no Collège du Plessis, insistia emressaltar a respeitabilidade de seus parentes, “bem-nascidos, mas sem fortuna”,2 e o diretor dainstituiçãodeensinoatestouovalordeSigorgnecomomestre.Areputaçãoqueeleconquistounauniversidadeeemtodooreinocomseuméritoliterário,comseumétodoecomarelevânciadoassuntoqueabordaemsuafilosofiaatraimuitosalunoseinternosàminhafaculdade.Nossaincertezasobreseuregressoosimpededeviresteanoeatélevaalgunsdelesanosdeixar,oquecausaumdanoinfinitoàfaculdade…Falotendoemvistaobempúblicoeoprogressodasbelas-letrasedasciências.3

Tais cartas, é claro, não podiam ser tomadas ao pé da letra. A exemplo das respostas nos

interrogatórios, elas tinhama intençãode retrataros suspeitos comopessoas ideais, incapazesdepraticar um crime.Mas os dossiês não sugerem nenhum grande empenho ideológico, sobretudoquandocomparadoscomosdossiêssobreosjansenistas,quetambémeramperseguidospelapolíciaem1749enãoescondiamseucompromissocomumacausa.OinterrogatóriodeAlexisDujast,porexemplo, indica que ele e os colegas estudantes tinham interesse tanto pelas qualidades poéticasquantopelocaráterpolíticodospoemas.ElecontouparaapolíciaquehaviaadquiridoaodesobreoexíliodeMaurepas(poema1)quandoestavajantandocomHallaire,umestudantededireitodedezoitoanos,nacasadeste,naRueSt.Dennis.Parecetersidoumaresidênciamuitopróspera,ondehaviaespaçonamesadejantarparaosamigosdojovemHallaireeondeasconversastratavamdasbelas-letras. A certa altura, segundo o relatório da polícia sobre o testemunho de Dujast, “ele[Dujast]foichamadoàpartepelojovemHallaire,umestudantededireitoqueseorgulhavadeseusdons literários e que leu para ele umpoema contra o rei”.Dujast pegou emprestado o exemplarmanuscritodopoemaelevou-oparaseucolégio,ondefezumacópiaparasi,aqualleuemvozaltapara estudantes emvárias ocasiões.Depoisdeuma leiturano refeitórioda faculdade, entregouopoema para o abade Montange, que também fez uma cópia e mostrou-o a Edouard, cuja cópiachegouaBonis.4As referências cruzadas nos dossiês sugerem a existência de uma espécie de círculo clerical

clandestino,masnadasemelhanteaumaconjuraçãopolítica.Ospadresjovensqueestudavamafimdeobterumdiplomadenívelsuperiorgostavam,éclaro,dechocarunsaosoutroscomliteraturaclandestina,contrabandeadaembaixodesuassoutanes.Comoascontrovérsiasjansenistasestivessemexplodindo em toda parte ao redor deles em 1749, aqueles homens podiam ser suspeitos dejansenismo (o jansenismo era uma variedade rigorosamente agostiniana de devoção e de teologiaquefoicondenadacomoheréticapelabulapapalUnigenitusem1713).Porém,nenhumdospoemasmanifestava apoio à causa jansenista, e Bonis, em particular, tentou livrar-se da Bastilhadenunciandojansenistas.5Alémdisso,ospadresàsvezespareciammaisgalantesquepiedososemaisinteressadosemliteraturaqueemteologia;poiso jovemHallairenãoeraoúnicocompretensõesliterárias.QuandoapolíciaorevistounaBastilha,encontrouemseusbolsosdoispoemas:umqueatacava o rei (poema 4) e outro que acompanhava umpar de luvas que ganhara de presente. Ele

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receberaosdoispoemasdoabadeGuyard,quehaviamandadoasluvascomumpoemajunto—unsfrívolosvers de circonstance que ele tinha composto para a ocasião— em lugar do pagamentodeuma dívida.6 Guyard recebera um poema ainda mais mundano (número 3, “Qu’une bâtarde decatin”)deLeMercier,oqualporsuavezoouvirarecitadoporThéretnumseminário.LeMerciercopiara as palavras e depois acrescentara alguns comentários críticos no pé da página. Faziaobjeçõesnão à sua linhapolítica,mas à sua versificação, emespecial auma estrofeque atacavaochancelerD’Aguesseau,naqualapalavra“décrépit”’rimavaprecariamentecom“fils”.7Os jovensabades traficavampoemascomamigosemoutras faculdades, sobretudoemcursosde

direito, e com estudantes que estavam terminando sua philosophie (último ano na escolasecundária).SuaredeseirradiavapelasprincipaisfaculdadesdaUniversidadedeParis—inclusiveLouis-le-Grand,DuPlessis,Navarre,HarcourteBayeux(masnãooamplamentejansenistaCollègede Beauvais) — e para além do “Quartier Latin” (“le pays latin”, na expressão mordaz deD’Argenson).OinterrogatóriodeGuyardmostraqueeleobtinhaseuvastoestoquedepoemascomfontesclericais edepoisosdifundiana sociedade secular,não sóparaHallaire,mas tambémparaum advogado, para um conselheiro no tribunal presidial de La Flèche e para a esposa de umtaverneiro parisiense. A transmissão se fez pormeio dememorização, anotações e recitações empontosestratégicosdarededeamigos.8À medida que a investigação avançava rumo à fonte do esquema de difusão, a polícia ia se

afastandoda Igreja.ToparamcomumconselheirodoGrandConseil (LangloisdeGuérard), comum escrevente jucidiário no Grand Conseil (Jouret), um escrevente judiciário (Ladoury) e umescrevente de cartório (Tranchet). Encontraram também outro grupo de estudantes cuja figuracentral parecia ser um jovem chamado Varmont, que estava concluindo seu ano de filosofia noCollège d’Harcourt. Ele havia reunido uma bela coleção de poemas sediciosos, entre os quais opoema1,memorizadoeditadoemsaladeaulaparaDuChaufour,umcolegaestudantedefilosofia,queopassouadiantenacadeiadedifusãoqueporfimlevouaBonis.Varmontfoiavisadodaprisãode Du Chaufour por Jean Gabriel Tranchet, um escrevente de cartório que também prestavaserviçosdeespiãoparaapolíciae,portanto,tinhaacessoainformaçõesconfidenciais.Noentanto,Tranchetnãoconseguiuapagarasprópriaspegadase,assim,elemesmotambémfoi levadoparaaBastilha, ao passo que Varmont se escondeu. Após uma semana vivendo na clandestinidade,Varmontpareceterseentregadoefoilibertadodepoisdefazerumadeclaraçãosobresuasprópriasfontes.Elasincluíamumpunhadodeescreventeseestudantes,doisdosquaisforampresos,masnãoconseguiram fornecer outras pistas. Nesse ponto, a documentação se esgota e a políciaprovavelmente desistiu, porque o rastro do poema 1 se tornara tão rarefeito que já não se podiadistingui-lodetodososoutrospoemas,canções,epigramas,rumores,anedotasebonsmotsqueiamevinhampelasredesdecomunicaçãodacidade.9

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4.Perigoideológico?

Aoverapolíciacaçarpoemasemtantasdireções, temosa impressãodequesuainvestigaçãosedesdobrouemumasériedeprisõesquepoderiamterprosseguidodemodo indefinidosemnuncachegaraoautorinicial.Ondequerqueprocurassem,sempresedeparavamcomalguémquerecitavaoucantavaversossobreacorte.Atravessurasedifundiaentrejovensintelectuaisnocleroepareceterseconcentradoespecialmenteemcidadelasdaortodoxia,taiscomofaculdadeseescritóriosdeadvocacia,ondejovensburguesesconcluíamsuaformaçãoeseuaprendizadoprofissional.Seráqueapolíciadetectouumatendênciadedeterioração ideológicanoprópriocernedoVelhoRegime?Talvez—masseráqueaquilodeveriaserlevadoasériocomoumasedição?Osdossiêsdãocontadeumambientedeabadesmundanos,escreventesdajustiçaeestudantes,quebrincavamdesefazerdebeaux-esprits e apreciavam a troca demexericos políticos rimados. Era uma brincadeira perigosa,maisdoqueimaginavam,noentantoestavalongedeconstituirumaameaçaaoEstadofrancês.Porqueapolíciareagiudeformatãoenérgica?Oúnicoprisioneiroentreoscatorzequedemonstravaalgumsinalsériodeinsubordinaçãoerao

professor de filosofia de 31 anos do Collège du Plessis, Pierre Sigorgne. Ele se comportou demaneira diferente em relação aos demais. Ao contrário destes, negou tudo. Em tom desafiador,disse àpolícia quenão tinha escritoospoemas, que jamais tivera emmãosnenhuma cópiadeles,nunca os havia recitado e não assinaria a transcrição do interrogatório porque o consideravailegal.1Deinício,afirmezadeSigorgneconvenceuapolíciadequehaviam,afinal,descobertoseupoeta.

Nenhum dos outros suspeitos hesitara em revelar suas fontes, em parte graças a uma técnicaempregadanosinterrogatórios:apolíciaavisavaaosprisioneirosquequalquerumquenãocontasseonde havia recebido um poema seria suspeito de tê-lo escrito— e seria devidamente castigado.GuyardeBaussancourtjátinhamdadotestemunhodequeSigorgnehaviaditadodoispoemasparaeles, de memória, em diferentes ocasiões. Um deles, o poema 2, “Quel est le triste sort desmalheureux Français” (Qual é a triste sina dos desafortunados franceses), tinha oitenta versos; ooutro,opoema5,“Sanscrimeonpeuttrahirsafoi”(Sem[cometerum]crime,sepodetrairsuafé),tinha dez versos.Ainda que amemorização fosse uma arte extremamente desenvolvida no séculoXVIII e alguns dos outros prisioneiros a praticassem (Du Terraux, por exemplo, havia recitado opoema 6 dememória para Varmont, que omemorizou enquanto ouvia), tal proeza dememóriapodiaserencaradacomoumaprovadeautoriadopoema.No entanto, nada indicava que Sigorgne tivesse omais remoto conhecimento da existência do

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principalpoemaqueapolíciaestavarastreando,“Monstredont lanoire furie”.Elenãofaziamaisque ocupar o ponto onde as linhas convergiam num esquema de difusão, e a polícia o haviaapanhadoinadvertidamente,aoseguiraspistasdeumpontoparaoutro.Emboranãofosseaquiloqueestavamprocurando,mesmoassimeraumpeixegrande.Emseusrelatórios,apolíciaodefiniacomoumapessoasuspeita,um“homemdeespírito”(hommed’esprit),conhecidoporsuasopiniõesavançadassobrefísica.Naverdade,SigorgnefoioprimeiroprofessoraensinaronewtonianismonaFrança, e suas Instituitions newtoniennes, publicadas dois anos antes, ainda ocupam um lugar nahistóriadafísica.Umprofessordeseugabaritonãocondiznemdelongecomaimagemdealguémqueditapoemassediciososaosalunos.MasporqueSigorgne,aocontráriodetodososdemais,serecusou de forma tão desafiadora a falar? Ele não escrevera os poemas e sabia que sua prisão iademorarmaistempoeseriamaisrigorosacasoserecusasseacooperarcomapolícia.Na verdade, ele parece ter sofrido terrivelmente.Depois de quatromeses na cela, sua saúde se

deteriorouatalpontoqueeleachavatersidoenvenenado.Segundocartasqueseuirmãomandouaotenente-general,todaafamíliadeSigorgne—cincofilhosepaiemãeidosos—perderiamsuaprincipalfontedesustento,amenosqueelepudessereassumiroemprego.Sigorgnefoisoltonodia23denovembro,masfoiexiladoparaLorraine,ondepassouorestodavida.Alettredecachetqueomandou para a Bastilha no dia 16 de julho transformou-se num golpe fatal em sua carreirauniversitária,noentantoelenuncaserendeu.Porquê?2Meio século depois, André Morellet, um dos jovens abades filósofos que se congregavam ao

redordeSigorgne,conservavaumalembrançabemvivadoepisódioeatédeumdospoemasligadosao caso. O poema tinha sido escrito por um amigo de Sigorgne, um certo abade Bon, comoMorellet revelou em suasmemórias. Sigorgne se recusou a falar para salvarBon e talvez tambémalguns estudantes que ouviram seusdictées. Um deles era amigo íntimo deMorellet e seu colegaestudante,AnneRobert JacquesTurgot, quena época sepreparavapara seguir carreirana Igreja.TurgotsedeixaralevarpeloeloquentenewtonianismodeSigorgnenoCollègeduPlessisetambémficaraamigodeBon;assim, tambémelepoderiapassarumatemporadanaBastilha,casoSigorgnefalasse.PoucodepoisdoCasodosCatorze,Turgotresolveuseguircarreiranaadministração;e25anos depois, quando se tornou controlador geral de finanças de Luís XVI, interveio a fim deconseguirumpostodeabadeparaSigorgne.3Durante seus tempos de estudante, Turgot e Morellet tinham outro amigo comum, seis anos

maisvelhoemuitomaisaudaciosoqueSigorgneemsuafilosofia:DenisDiderot.Elescontribuíramcom verbetes para a Encyclopédie de Diderot, que estava sendo lançada na época do Caso dosCatorze. Na verdade, o lançamento foi adiado porque o próprio Diderot foi para a prisão, oChâteaudeVincennes,nodia24dejulhode1749,oitodiasdepoisdeSigorgneirparaaBastilha.Diderot não tinha escrito nenhum poema irreverente sobre o rei, mas havia criado um tratadoantirreligioso, Lettre sur les aveugles, e seu caminho cruzava com o dos poemas no sistema dedistribuição. O poema 5 foi ditado por Sigorgne para Guyard, e Guyard o enviou paraHallaire“num livro intitulado Lettre sur les aveugles”.4 Declamado para estudantes de filosofia por umespecialistaemNewton,opoemacirculoudentrodotratadoantirreligiosoescritopelocabeçadosenciclopedistas.Morellet,Turgot,Sigorgne,Diderot,aEncyclopédie,aLettresurlesaveugles,aleido

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quadradoinversoeavidasexualdeLuísXV—tudosemisturavadeformapromíscuanoscanaisdecomunicaçãodaParisdoséculoXVIII.Isso significa que o local estava sitiado,minado e pronto para explodir? É claro que não. Em

nenhum ponto dos dossiês se pode sentir o cheiro de uma revolução incipiente. Um sopro deIluminismo,sim;umasuspeitadehostilidadeideológica,seguramente;masnadaparecidocomumaameaçaaoEstado.Muitasvezesapolíciaprendiaparisiensesqueinsultavamoreiempúblico.MasnessecasoeleslançaramumarededearrastoemtodasasfaculdadeseemtodososcafésdeParis;e,quando puxaram a rede e pegaram uma leva de pequenos abades e escreventes de advogados, osesmagaramcomtodaaforçadaautoridadeabsolutadorei.Porquê?Paraformularaperguntaque,segundo consta, Erving Goffman definiu como o ponto de partida de qualquer investigação nasciênciashumanas:oqueestavaacontecendo?Aoperaçãopareceespecialmenteintrigantequandoconsideramosseucaráter.Ainiciativapartiu

dohomemmaispoderosonogovernofrancês,ocondeD’Argenson,eapolíciacumpriusuamissãocom extremo cuidado e discrição. Depois de meticulosos preparativos, prenderam um suspeitoapós outro; e suas vítimas desapareceramnaBastilha, não lhes sendo permitido nenhum contatocom omundo exterior. Passaram-se dias antes que a família e os amigos soubessem o que tinhaacontecido. O diretor do Collège de Navarre, onde dois dos suspeitos estudavam, redigiu cartasdesesperadasaotenente-general,perguntandoondetinhamsidoafogados.Eramalunosexemplares,incapazes de cometer algum crime, ele insistia: “Caso o senhor tenha informações sobre seuparadeiro,emnomedeDeus,nãosefurteacontar-meseestãovivos;pois,emminhaincerteza,meuestadoépiorqueodeles.Parentesrespeitáveiseseusamigosmeperguntama todahoradodiaoqueaconteceucomeles”.5Certa quantidade demanobras evasivas era imprescindível para que a polícia pudesse seguir as

pistassemalarmaroautordopoema.AssimcomoaconteceucomBonis,elesusaramváriosardisafimde atrair os suspeitos ao interior de carruagens e levá-los depressa para aBastilha. Emgeral,entregavam ao suspeito um embrulho e diziam que, dentro da carruagem, o doador estavaesperando para lhe fazer uma proposta. Nenhuma das vítimas conseguiu resistir ao impulso dacuriosidade.TodasdesapareceramdasruasdeParissemdeixarvestígios.Apolíciaseorgulhavadeseu profissionalismo nos relatórios que apresentavam a D’Argenson, e ele respondia comcongratulações.Depoisdaprimeiraprisão,ordenouaBerryerqueredobrasseosesforçosparaqueas autoridades conseguissem “chegar, se possível, à fonte de tamanha infâmia”.6 Após a segundaprisão,eletornouapressionarotenente-general:“Nãodevemos,Monsieur,deixarqueofioescapedenossasmãos,agoraqueoagarramos.Aocontrário,temosdesegui-loatésuafonte,pormaisaltoqueelenosleve”.7Cincoprisõesdepois,D’Argensonsemostrouexultante:Temos aqui,Monsieur, um caso investigado com toda a precaução e inteligência possível; e, como já avançamos tanto até aqui,devemosnosempenharparachegaraseufim.[…]Ontemànoite,emminhareuniãodetrabalhocomorei,apresenteiumrelatóriocompletoarespeitodosdesdobramentosdocaso,poisnãolhehaviafaladomaisdoassuntodesdeaprisãodoprimeirodogrupo,queéprofessornosjesuítas.Pareceu-mequeoreificoumuitosatisfeitocomamaneiracomotudofoiconduzido,eelequerquecontinuemosfirmesatéofinal.Estamanhã,voumostraraoreiacartaqueosenhormemandouontem,econtinuareiaagirassimcomtudoqueosenhormeenviarsobreoassunto.8

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Contente com as primeiras prisões, LuísXV assinou uma nova batelada de lettres de cachet para apolíciausar.D’Argensonrelatavaprontamenteaoreiosavançosdainvestigação.LiaosofíciosqueBerryerlheenviavaechamouBerryeraVersaillesparaparticipardeumaconferênciaurgenteantesdoleverreal(acerimôniaquedavainícioàsatividadesdiáriasdorei)nodia20dejulho,pedindo-lheumacópiaespecialdospoemas,demodoqueeleestivessemunidodeprovasemsuasreuniõesparticularescomorei.9Tamanhointeresse,numníveltãoelevado,eramaisdoquesuficienteparaincitartodooaparatorepressivodoEstado.Mas,denovo,comoexplicartãograndepreocupação?A pergunta não pode ser respondida com base na documentação disponível nos arquivos da

Bastilha. Refletir sobre o assunto significa defrontar-se com os limites da rede de comunicaçãoesboçadaantes.Odiagramadastrocasocorridasentreestudanteseabadesempartepodeserexato;noentanto, faltamneledoiselementoscruciais:ocontatocomaelite situadaacimadaburguesiaprofissional e o contato como povo, abaixo dela. Esses dois pontos se revelamnitidamente numrelatodaépocaquemostracomoospoemaspolíticoscirculavampelasociedade:Umcortesãopusilânimeosadapta[osrumores infames]emdísticosrimadose,pormeiodecriadossubalternos,osdifundeemmercados e em barraquinhas na rua. Dos mercados, passam para artesãos, que, por sua vez, os reenviam aos nobres que oscompuseram e que, sem perder um minuto, partem para o Oeil-de-Boeuf [um local de reuniões no Palácio de Versailles] esussurramunsparaosoutrosnumtomderematadahipocrisia:“Osenhorjáleuisto?Estãoaqui.EstãocirculandonomeiodopovoemParis”.10

Pormais tendenciosaque seja, essadescriçãomostra comoacortepodia introduzirmensagens

numcircuitodecomunicaçãoetambémtirá-lasdecirculação.Ofatodequefuncionavaemambosossentidos,codificandoedecodificando,éconfirmadoporumcomentárionodiáriodomarquêsD’Argenson, irmão do ministro. Em 27 de fevereiro de 1749, ele anotou que alguns cortesãoscensuraramBerryer,otenente-generaldapolícia,pornãoconseguiridentificarafontedospoemasque difamavam o rei. Qual era o problema com ele?, perguntavam. Não conhecia Paris tão bemquanto seus predecessores? “Conheço Paris tão bem quanto é possível conhecer”, respondeuBerryer, pelo que diziam. “Mas não conheço Versailles.”11 Outra indicação de que o poema teveorigemnaprópriacortevemdodiáriodeCharlesCollé,poetaedramaturgodaÓperaCômica.Elecomentou muitos poemas que atacavam o rei e Mme. de Pompadour em 1749. A seus olhos deespecialista,sóumdelespodiaserclassificadocomoobrade“umautorprofissional”.12Osdemaisprovinhamdacorte—elesabiadissoporcausadaversificaçãoprecária.RecebiospoemascontraMme.dePompadourqueandamcirculando.Dosseis,sóumépassável.Alémdomais,porseudescuidoesuamalícia,estáclaroqueforamcompostosporcortesãos.Amãodoartistanãodeveserpercebidae,ademais,éprecisoresidirnacorteparaconheceralgunsdetalhespeculiaresqueconstamdessespoemas.13

Em suma, boa parte dos poemas que circulavam por Paris tinha origem em Versailles. Sua

procedência nobre pode explicar a exortação de D’Argenson para a polícia seguir cada vestígio,“pormaisaltoqueelenosleve”,etambémpodeexplicaroabandonodainvestigação,umavezque

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ficou atolada em estudantes e membros inferiores do clero. Mas os cortesãos não raro faziamgalhofa com poemas maliciosos. Agiram assim desde o século XV, quando o chiste e a intrigafloresceramnaItáliarenascentista.Porqueessecasoprovocouumareaçãotãoforadocomum?PorqueD’Argensonotratoucomoumcasodamaisaltarelevância—queexigiaconversasurgentesesecretascomoprópriorei?Eporqueimportavaquecortesãos,osquais,aliás,podemterinventadoaprópriapoesia, estivessememcondiçãodeafirmarqueospoemaseramrecitadospelopovoemParis?

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5.Políticadacorte

ParabuscarasorigensdospoemasmaisalémdosCatorze,éprecisopenetrarnomundorococóda política de Versailles. Ele tem características de ópera cômica que desconcertam algunshistoriadoressérios.Porém,oscontemporâneosmaisbeminformadosenxergavamograndealcancedas intrigas de salão e sabiam que uma vitória no boudoir podia resultar numa importantemudança no equilíbrio do poder. Segundo todos os diários ememórias da época, umamudançadessa ordem ocorreu no dia 24 de abril de 1749, quando Luís XV demitiu e exilou o conde deMaurepas.1Depois de servir no governo por 36 anos,muitomais tempo do que qualquer outroministro,

Maurepas parecia ter se instalado em caráter permanenteno coraçãodo sistemade poder. Era osímbolo do estilo cortesão de fazer política: tinha presença de espírito, conhecimento preciso dequemprotegiaquem,habilidadede interpretaro estadode ânimode seumestre real, capacidadeparaagirdisfarçadosobumaspectodealegria,umolhoinfalívelparaintrigashostiseumouvidoperfeitoparadetectarobonton.2UmdostruquesparaapermanênciadeMaurepasnopodereraapoesia.Elecolecionavacançõesepoemas, sobretudode teorescabroso, sobreavidadacorteeosacontecimentos da época, que costumava dar de presente ao rei, acrescentando mexericos quefiltrava dos relatórios fornecidos regularmente pelo tenente-general da polícia, que obtinha omaterialcomsuasequipesdeespiões.Duranteoexílio,Maurepasorganizouessacoleção;ecomoela sobreviveu em perfeitas condições, hoje podemos consultá-la na Bibliothèque Nationale deFrancecomoo“ChansonnierMaurepas”:42volumesdepoemasobscenossobreavidanacortedeLuís XIV e Luís XV, suplementados por alguns textos exóticos da IdadeMédia.3 Mas a paixão deMaurepasporpoesiatambémfoisuaruína.Todosos relatosda época sobre suaqueda atribuem-na àmesmacausa:nemdisputaspolíticas,

nemconflitoideológico,nemquestõesdenenhumtipo,massimpoemasecanções.Maurepastevede enfrentar problemas políticos, é claro — menos no reino da política (como ministro daMarinha,elecumpriaumtrabalhoinsignificantedemanterafrotaflutuando,ecomoministrodaCasa Real e do departamento de Paris, ele entretinha o rei) do que no jogo de personalidades.Maurepassedavabemcomarainhaecomsuafacçãonacorte,inclusiveodelfim,masnãocomasamantesreais,emespecialcomMme.deChâteauroux,quediziamqueelehaviaenvenenado,nemcom a sucessora dela,Mme. de Pompadour. Esta se alinhou ao rival deMaurepas no governo, ocondeD’Argenson,ministro daGuerra (que não deve ser confundido com seu irmão, omarquêsD’Argenson,que,dasmargensdopoder,oolhavacominvejadepoisquefoidemitidodocargode

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ministro do Exterior, em 1747). Quando a estrela de Pompadour subiu, Maurepas tentouobscurecê-lapormeiodecanções,queencomendava,sobpagamento,ouqueelemesmocompunha.Eramdotipohabitual: trocadilhoscomonomedesolteiradePompadour,Poisson[peixe], fontedeinfinitaspossibilidadesparaescarnecerdesuasorigensburguesas;comentáriosmaliciosossobreacordesuapelee seupeitochato;eprotestoscontraasquantiasextravagantesdespendidasparaque ela se divertisse. Mas em março de 1749 tais poemas circulavam em tamanha profusão quepessoas mais próximas desconfiaram de alguma conspiração. Maurepas parecia estar tentandoenfraquecerainfluênciadePompadoursobreorei,mostrandoqueelaeraultrajadapublicamenteequeoescárniopúblicoestavarespingandonotrono.Casosevissediantedeprovassuficientes,emversos, de seu aviltamento aos olhos dos súditos, Luís poderia descartá-la em favor de uma novaamante—ou,melhorainda,deumavelhaamante:Mme.deMailly,queeradeorigemaristocrática,como convinha, e leal a Maurepas. Tratava-se de um jogo perigoso, e o tiro saiu pela culatra.PompadourpersuadiuoreiademitirMaurepaseoreiordenouaD’Argensonqueenviasseacartaqueomandavaparaoexílio.4Dois episódios se destacam nas versões contemporâneas desse acontecimento. Segundo uma

delas,Maurepascometeuumfauxpasfataldepoisdeumjantarparticularcomorei,Pompadoureaprimadela,Mme.d’Estrades.FoiumacontecimentoíntimonospetitsapartamentsdeVersailles,otipodecoisaquenãodeviasercomentada;masnodiaseguinteumpoemacompostoemformadecanção, que se encaixava numa melodia popular, despertou ondas de risos, cada vez maisdisseminadas:Parvosfaçonsnoblesetfranches,Iris,vousenchanteznoscoeurs;Surnospasvoussemezdesfleurs,Maiscesontdesfleursblanches.

Portuasmaneirasnobresefrancas,Iris,tuencantasnossoscorações;Emnossospassos,tusemeiasflores,Massãofloresbrancas.

Isso era umgolpe baixo,mesmopara os padrões das lutas internas na corte.Durante o jantar,

Pompadourhaviadistribuídoumbuquêde jacintosbrancospara cadaumdos três companheirosdemesa. O poeta aludia ao gesto num jogo de palavras que soava galante,mas na realidade eramordaz,porqueaexpressão“fleursblanches”sereferiaasinaisdedoençavenéreapresentesnofluxomenstrual(flueurs).UmavezqueMaurepaseraoúnicodosquatroconvivasno jantarquepoderiasersuspeitodedifundirmexericosarespeitodoqueacontecera,passouaserresponsabilizadopelopoema,adespeitodofatodetê-loounãoescrito.5OoutroincidenteocorreuquandoMme.dePompadourchamouMaurepasafimdepressioná-lo

atomarmedidasmaisrigorosascontraascançõeseospoemas.ConformeregistradonodiáriodomarquêsD’Argenson,aquestãoenvolveuumaconversaespecialmentetorpe:

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[MME.DEPOMPADOUR:]“Nãosedevedizerquemandorecadoaosministros.Eumesmamedirijoaeles.”Depois:“Quandoosenhorvaidescobrirquemcompôsascanções?”.[MAUREPAS:]“Quandoeudescobrir,Madame,direiaorei.”[MME.DEPOMPADOUR:]“Osenhormostrapoucorespeito,Monsieur,pelasamantesdorei.”[MAUREPAS:]“Sempreasrespeitei,qualquerquefosseaespécieaquepertenciam.”6

Adespeitode tais episódios teremounão se passado exatamente comodescritos, parece claro

queaquedadeMaurepas,queresultounuma importante reconfiguraçãodosistemadepoderemVersailles, foi provocada por poemas e canções. Contudo, o poema que mobilizou as ações dapolíciaduranteoCasodosCatorzecirculoudepoisdaquedadeMaurepas:daíseutítulo,“OexíliodoM.deMaurepas”.ComMaurepas forade cena,o ímpetopolíticopor trásdaofensivapoéticahaviadesaparecido.Porqueasautoridadesagiramdeformatãoenérgicaparareprimiressepoemaeosoutrosqueoacompanhavam,numaépocaemqueapremênciadarepressãojáhaviapassado?Embora o texto de “O exílio do M. de Maurepas” tenha se perdido, seu primeiro verso —

“Monstre dont la noire furie”— aparece nos relatórios policiais; e os relatórios sugerem que setratavadeumataqueferozcontraoreieprovavelmentetambémcontraPompadour.Eradeesperarque o novoministério dominado pelo condeD’Argenson, aliado de Pompadour, reprimisse comrigor tamanha lèse-majesté. Berryer, o tenente-general da polícia, também um protegido dePompadour,estariacompreensivelmenteansiosoparacumprirasordensdeD’Argensoncomtodoo rigor, agoraqueD’Argensonhavia tomadoo lugardeMaurepasna chefiadodepartamentodeParis.Porém,naprovocaçãoenareação,haviamaisdoqueosolhospodiamenxergar.Paraosquefaziam parte dos círculos íntimos de Versailles, a contínua difamação do rei e de PompadourrepresentavaumacampanhalevadaaefeitoporadeptosdeMaurepasnacorteafimdelimparseunome e talvez até abrir caminho para seu retorno ao poder, porque a incessante produção decanções e poemas depois de sua queda podia ser interpretada como uma prova de que, desde oinício,nãotinhasidoeleoresponsável.7ÉclaroqueafacçãodeD’ArgensonpodiaretrucarqueaobradopoetastroconstituíaumatramadafacçãodeMaurepas.E,aotomarmedidasenérgicasparasufocar os poemas,D’Argenson podia dar provas de sua competência numa área sensível em queMaurepas havia fracassado de maneira muito evidente.8 Ao exortar a polícia a levar adiante asaveriguações“pormaisaltoqueele[ofiodeinvestigação]nosleve”,9eletinhaemmenteatribuirocrimeaseusinimigospolíticos.Comcerteza,assimiriaconsolidarsuaposiçãonacorteduranteumperíodo em que os ministros estavam sendo redistribuídos e o poder, repentinamente, pareciainstável.Segundoseuirmão,eleesperavaatésernomeadoprincipalministre,umaposiçãoqueficaravaga depois da queda do duque de Bourbon, em 1726. Ao confiscar textos, prender suspeitos ecultivar o interessedo rei por todo aquele assunto,D’Argenson seguiauma estratégia coerente esaíanafrentedosdemaisnabrigageneralizadaparacontrolaronovogoverno.OCasodosCatorzefoimaisdoqueumaoperaçãopolicial;foipartedeumalutapelopodersituadanocoraçãodeumsistemapolítico.

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6.Crimeecastigo

Pormaisdramáticaquefosseparaosquefrequentavamoscírculos íntimosdeVersailles,a lutapelo poder nada significava para os catorze jovens trancafiados na Bastilha. Eles não tinham amenor ideia dasmaquinações que se passavam acima de suas cabeças.De fato, elesmal pareciamcompreenderoprópriocrime.Osparisiensessemprecantarammúsicasdesrespeitosase recitarampoemas maledicentes, e o escárnio havia recrudescido em toda parte da cidade ao longo dosúltimosmeses.PorqueosCatorzetinhamsidopinçadosnamultidãogeraleobrigadosasofrerumapuniçãoexemplar?A perplexidade se revela nas cartas que eles escreveram em suas celas, mas seus apelos por

clemênciaesbarravamnumamuralhadepedra.Depoisdealgunsmesesdeangústianaprisão,foramtodosbanidosparalongedeParis.Ajulgarpelascartasquecontinuaramenviandoparaapolíciadevários fins de mundo nas províncias, suas vidas ficaram arruinadas, pelo menos a curto prazo.Sigorgne,banidoparaRembercourt-aux-Pots,naLorena, tevedeabandonaracarreiraacadêmica.Hallaire,nosconfinsdeLyon,abriumãodeseusestudosedesuaposiçãononegóciodesedadeseupai.LeMerciermalconseguiuchegaraseulocaldebanimento,Bauge,emAnjou,porquesuasaúdeestavadebilitadae,aexemplodemuitosviajantessemdinheironoséculoXVIII (Rousseauéocasomais conhecido), teve de perfazer a viagem toda a pé. Ademais, como ele explicou em carta aotenente-general, “vossa excelência sabe que tenho uma necessidade imprescindível de um par deculotes”.1BonisfoiparaMontignac-le-Comte,emPérigord,masachouimpossívelganharavidalácomo professor, “porque é uma cidade afundada na ignorância, […] miséria e pobreza”.2 EleconvenceuapolíciaatransferirseubanimentoparaaBretanha,mas lánãosedeunemumpoucomelhor:Nãodemoroumuitoeaspessoasdescobriramquesouumcriminoso,eassimmetorneiumsuspeitoparatodos.Parapioraraindamaisascoisas,osprotetoresqueantes ficavamfelizesdemeajudaragoramerecusamqualquerauxílio. […]Minhacondiçãodeproscritosemprefoiumobstáculoinsuperávelparaqualquerempreendimento—tãoruim,naverdade,que,tendoencontradoemminhaprovíncianatalouaquiduasoutrêsoportunidadesparamevincularajovenssenhoritasdefamíliasrespeitáveisquepoderiammetrazeralgumafortuna,parecequeoobstáculofoiapenasminhaproscrição.Elesdizemasimesmosetambémamim:aquiestáumjovemquepoderiasubirnavida,poisédoutor,masoquesepodeesperarhojeemdiadeumhomembanidoparaBretanhaequeamanhãpodesermandadoparaoutrolocalqualqueracemléguasdaqui,poroutraordem?Ninguémpodesecomprometercomtalhomem;elenadatemdeestável,deconsistente.Éassimqueaspessoasveemasituação[…].Chegueiaumaidadeavançada[Bonistinha31anos]e,semeubanimentodurarmuitotempomais,sereiforçadoaabandonarminhaprofissão[…].Éimpossível,paramim,pagarmeuquartoeminhasrefeições[…].Encontro-menumestadohorrívelehumilhante,àbeirademeverreduzidoàcompletapenúria.3

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Entre as numerosas consequências desastrosas da prisãonaBastilha, devemos incluir os prejuízoscausadosàsperspectivasdocondenadonomercadodosmatrimônios.Nofinal,BonisconseguiuumaesposaeSigorgne,umaabadia.MasaBastilhaproduziuumefeito

devastador nos Catorze, e provavelmente eles nunca chegaram a compreender o que estavaenvolvidoemtodoaquele“caso”.

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7.Umadimensãoausente

Será que oCaso dosCatorze foi apenas uma questão de política da corte? Se for assim, não énecessário levá-lo a sério como expressão da opinião pública emParis. Por outro lado, pode serinterpretadocomoumpoucomaisdoquemero “ruído”,o tipodeestáticaproduzidode temposemtemposporelementosdescontentesemqualquersistemapolítico.OutalvezdevaserentendidocomoumretornoàliteraturadeprotestoproduzidaduranteaFronda(arevoltacontraogovernodo cardeal Mazarino, entre 1648 e 1653) — em especial as Mazarinades, poemas escabrososdirigidoscontraMazarinoeseuregime.Emboracontivessemprotestosferozeseatéideiasdefeiçãorepublicana,ospoemasdasMazarinadessãoencaradoshojeemdiaporalgunshistoriadorescomolances num jogo de poder restrito à elite. Na verdade, às vezes eles alegavam falar em nome dopovo, empregando linguagem rude e popular no auge de um levante nas ruas de Paris. Mas tallinguagempodeserreduzidaaumaestratégiaretórica,destinadaademonstrarumapoiogeralaosoponentes de Mazarino. Nenhum dos combatentes na luta pelo poder — nem os parlamentos(cortessoberanasquemuitasvezesbarravamdecretosreais),nemospríncipes,nemocardealRetz,nem o próprio Mazarino — conferia alguma autoridade efetiva ao povo. O populacho podiaaplaudir ou vaiar,mas não participava do jogo, exceto como plateia. O papel lhe fora atribuídoduranteoRenascimento,quandoareputação—aproteçãodeumbomnomeeumabellafigura—setornouumingredientedapolíticadacorteeosatoresaprenderamaapelarparaosespectadores.Mostrarqueaplebeinjuriavaoinimigodealguémeraummeiodederrotá-lo.Issonãoprovaqueapolíticaestavaseabrindoparaaparticipaçãodopovoemgeral.1Hámuito a dizer a respeito desse argumento. Ao enfatizar o elemento arcaico na política do

Velho Regime, ele evita o anacronismo — a tendência de entender toda expressão dedescontentamento como sinal da chegada da Revolução. Apresenta também a vantagem derelacionar textos com o contexto políticomais amplo, em lugar de tratá-los como receptáculosautoevidentesdesignificado.Devemosrecordar,noentanto,queaFrondaabalouaMonarquia francesaatésuasraízesnuma

épocaemqueaMonarquiabritânicaeraderrubadaporumarevolução.Alémdomais,ascondiçõesem1749diferiammuitodasde 1648.Umapopulaçãomaisnumerosa emais alfabetizada clamavapara ser ouvida, e seus governantes a ouviam.OmarquêsD’Argenson, que era bem informado arespeito do comportamento do rei, pecebeu que Luís XV era muito sensível àquilo que osparisienses diziam a respeito dele, de seus ministros e de suas amantes. O rei monitorava comcuidadoosparisiensesemdits emauvaispropos (rumores emaledicências) pormeiode relatórios

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constantes,enviadospelotenente-generaldapolícia(Berryer)epeloministrododepartamentodeParis — primeiro Maurepas e depois o irmão do marquês, o conde D’Argenson. Os relatórioscontinhamsobretudopoemasecanções,algunsdosquaissedestinavamaoentretenimento,porémboaparteeralevadaasério.“Meuirmão[…]estásematandonatentativadeespionarParis,oqueédeenormeimportânciaparaorei”,confidenciouomarquêsemseudiárioemdezembrode1749.“Aquestãoésabertudooqueaspessoasandamfalando,tudooqueelasfazem.”2Asuscetibilidadedoreiemrelaçãoàopiniãodosparisiensesdepositavamuitopodernasmãos

doministroqueafunilavaainformaçãoparasi:daíatentativadeMaurepasdesolaparPompadoure o conde D’Argenson, expondo Luís a uma cerrada barragem de poemas satíricos. No entanto,outrosministrosempregavamamesmaestratégia,cadaumparaseusprópriosfins.Emfevereirode1749, o marquês D’Argenson notou que as figuras de proa no governo — um “triunvirato”composto de seu irmão, Maurepas e Machault d’Arnouville, o controlador geral — usavam taispoemasparamanipularorei:“Pormeiodetodasessascançõesepoemassatíricos,otriunviratolhemostra que ele está se desonrando, que seu povo escarnece dele e que os estrangeiros omenosprezam”.3 Mas essa estratégia significava que a política não podia se restringir a um jogoexclusivodacorte.Elaabriaoutradimensãoparaas lutaspelopoderemVersailles:asrelaçõesdoreicomopovofrancês,asançãodeumpúblicomaisamplo,apercepçãodosfatosforadoâmbitodoscírculosinternoseainfluênciadetaispontosdevistanaconduçãodosassuntosdegoverno.A impressão de Luís de que estava perdendo seu posto de “bem-amado” (le bien-aimé) nos

sentimentos dos súditos afetava seu comportamento e sua política. Em1749, ele havia paradodeexercero toquerealpara“curar” súditosquesofriamdeescrofulose.Deixarade iraParis, excetoem circunstâncias imprescindíveis, como os lits de justice, destinados a impingir decretosimpopularesaoParlamento.Eeleachavaqueosparisiensestinhamdeixadodeamá-lo.“Dizemqueo rei é consumido por remorsos”, observou o marquês D’Argenson. “As canções e sátirasproduziramesse importanteresultado.Nelas,eleenxergaoódiodeseupovoeamãodeDeusemação.”4Oelementoreligiosonessaatitudesemoviaemambasasdireções.Emmaiode1749,correuemParisoboatodequeamulherdopríncipeherdeiropodiasofrerumaborto,porqueodelfim,dominado por alguma força inconsciente, a golpeara com violência na barriga, com o própriocotovelo,enquantoambosdormiamnacama.“Seforverdade”,preocupava-seD’Argenson,“opovoemgeralvaiapregoarqueairacelestial[castigou]alinhagemrealporcausadosescândalosqueoreicometeuaosolhosdopovo.”5Quandooabortodefatoocorreu,omarquêsescreveuqueaquilo“dilaceraocoraçãodetodos”.6OpovoviaamãodeDeusnosexoreal,emespecialnaproduçãodeumherdeiroparaotronoe

nocomportamentodoreicomasamantes.Nadahaviadeerradocomotipoadequadodemaîtresseentitre;masasériedeamantesdeLuísincluíatrêsirmãs(quatro,segundoalgunsrelatos),asfilhasdomarquês deNesle.Tal conduta expunhao rei a acusações de incesto, bem comode adultério.Quando Mme. de Châteauroux, a última das irmãs amantes, morreu subitamente, em 1744, osparisiensescomentavamemvozbaixaeemtomameaçadorqueoscrimesdeLuíspodiamatrairocastigo de Deus contra o reino inteiro. E quando o rei passou a se relacionar com Mme. dePompadourem1745,queixaram-sedequeeleestavadeixandooreinonusóparaamontoarjoiase

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castelosparaumaplebeia torpe.Esses temasressaltamempoemasecançõesquechegaramaorei,alguns violentos a ponto de defender o regicídio: “Surgiu um poema com 250 versos horríveiscontra o rei. Começa com ‘Despertai, ó sombras de Ravaillac’” (Ravaillac foi o assassino deHenriqueIV).Aoouviropoema,oreidisse:“EntendoperfeitamentequedevomorrercomooreiHenriqueIV”.7Talatitudepodeajudaraexplicarareaçãoexageradaàtímidatentativadeassassinatocometida

porRobertDamiensoitoanosmaistarde.Elasugerequeomonarca,teoricamenteabsolutoemsuasoberania, se sentia vulnerável à desaprovação de seus súditos e podia até forçar a política aconformar-seàquiloqueelepercebiacomoaopiniãopública.OmarquêsD’Argensonrelatouqueogovernohaviacanceladoalgunsimpostossecundáriosemfevereirode1749afimderecuperarumaparte da afeição pública: “Issomostra que se está atento ao povo, que se temmedo dele, que sepretendeconquistá-lo”.8Seriaumerrodarpesodemaisataiscomentários.Apesardeconhecermuitobemoreieacorte,

D’Argenson pode ter registrado os próprios sentimentos em vez dos de Luís XV, e não chegou apontodedizerqueasoberaniaestavaescapandodasmãosdoreiparaasdopovo.Naverdade,suasobservações respaldam duas propostas que na superfície parecem contraditórias: políticatransformada em intriga da corte, embora a corte não fosse um sistemade poder autônomo. Erasuscetível à pressão externa. O povo francês podia se fazer ouvir no âmbito dos círculos maisrestritos de Versailles. Um poema, portanto, podia funcionar ao mesmo tempo como elementonum jogo de poder dos cortesãos e como expressão de outro tipo de poder: a indefinida masinegavelmente influente autoridade conhecida pelo nomede “voz pública”.9O que essa voz diziaquandoconvertiapolíticaempoesia?

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8.Ocontextomaisamplo

Antesdeexaminarmosotextodospoemas,podeserútilreverascircunstânciasque lhesderamensejoesituá-losnocontextodosacontecimentosemcurso.Oinvernode1748-9foiuminvernodedescontentamento—temposdifíceis,impostoselevados

eumsentimentodehumilhaçãonacionalnaconclusãodamalogradaGuerradaSucessãoAustríaca(1740-8).Osassuntosestrangeirosestavamdistantesdaspreocupaçõesdopovo,eamaiorpartedosfrancesesprovavelmente tocava seusnegócios semse importar emsaberquemseriao sucessornotronodoSagradoImpérioRomano.Masosparisiensesacompanhavamoandamentodaguerracomfascínio. Os relatórios da polícia indicam que as conversas nos cafés e nos jardins públicoscostumavam tratar de grandes acontecimentos: a captura e o abandono de Praga, a dramáticavitória em Fontenoy, a série de batalhas e sítios domarechal de Saxe, que deixou a França comdomínio sobre aHolanda austríaca.1 Mediante um processo de simplificação e personificação, aguerra muitas vezes foi representada como uma luta épica entre cabeças coroadas: Luís XV daFrança;seuocasionalaliado,ogarbosoejovemreidaPrússia,FredericoII;eseusinimigoscomuns,MariaTheresa daÁustria (em geral chamada de rainha daHungria) eGeorge II da Inglaterra.AhistóriamilitarteveumfinalfelizparaaFrança:Luíssaiuporcima.Mas,tendovencidonasguerras(menosnascolônias),eleperdeunapaz.AbriumãodetudooqueseusgeneraishaviamganhadoaoacataroTratadodeAix-la-Chapelle,oqual restauroua situaçãoquevigoravaantesdo iníciodashostilidades.Otratadotambémdeterminavaqueosfrancesesexpulsassemojovempretendenteaotronobritânico, conhecidonomundode língua inglesa comoBonniePrinceCharlie enaFrançacomo“LeprinceEdouard”(versãoafrancesadadeCharlesEdwardStuart).“L’AffaireduprinceEdouard”,comoerachamadoemParis,dramatizavaahumilhaçãodapazde

uma forma que podia ser captada por pessoas incapazes de acompanhar as complexidades dadiplomaciadoséculoXVIII.OpríncipeEdouardhaviaconquistadoocoraçãodosparisiensesapósofracasso de sua tentativa, em 1745-6, de promover um levante na Escócia e recuperar o tronobritânico. Acompanhado por um séquito de exilados jacobitas— todos, assim como ele mesmo,católicos,falantesdalínguafrancesaefervorosamentehostisaosgovernanteshanoverianosdaGrã-Bretanha—, ele fazia uma belíssima figura em Paris: um rei sem coroa, herói de uma aventuramilitar espetacular, personificação romântica de uma causa perdida. Luís XIV havia tratado osStuart como governantes legítimos da Grã-Bretanha quando estabeleceram sua corte na França,após a revoluçãode1688.ObrigadospelaPazdeUtrecht a reconhecer a sucessãoprotestante em1713,osfranceses,todavia,proporcionaramaopríncipeEdouardumlocaldeexílioedepoisderam

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respaldoàsuareivindicaçãodotronobritânico,duranteaGuerradaSucessãoAustríaca.EmboraaQuarentaeCinco(arevoltajacobitade1745)fosseumdesastreparaacausadosStuart,deuensejoa uma útil operação diversionista para os exércitos franceses durante sua campanha nos PaísesBaixos.Retiraroreconhecimentodopríncipeeexpulsá-lodoterritóriofrancês,conformeexigidonoTratadodeAix-la-Chapelle,chocouosparisienseselhespareceuumfracassocompletodeLuísemsuatentativadedefenderahonranacional.A forma comoa expulsão foi efetivada aumentouo estragonoprestígiodo rei.Edouardhavia

denunciado em público a situação e, diziam, circulava por Paris munido de pistolas carregadas,determinado a resistir a qualquer tentativa de prendê-lo ou, caso enfrentasse uma forçaesmagadoramente superior, a cometer suicídio. A polícia temia que ele pudesse provocar umlevante popular. Um enorme dossiê nos arquivos da Bastilha mostra que fizeram preparativosminuciosos para atacá-lo, antes que alguma multidão pudesse se reunir para protegê-lo. Umdestacamento de soldados, com baionetas caladas, capturou o príncipe nomomento em que eleestava prestes a entrar na ópera às cinco horas do dia 10 de dezembro de 1748. Agarraram seusbraços, se apoderaramde suas armas, forçaram-no a entrar numa carruagem e o levaram emborarapidamenteparaasmasmorrasdeVincennes,porumcaminhomargeadoporguardasperfilados.Apósumbreve tempodeconfinamento, eledesapareceucruzandoa fronteiraoriental.Os jornaisforamproibidosdediscutirocaso,masdurantemesesasconversasemParisferveramcomtodososdetalhesdaquele assunto, inclusive sósiasdeEdouardque eramvistos em todapartedaEuropa erumoresdeconspiraçõesjacobitasembuscadevingança.Foiagrandenotíciadaépoca:umrapto,perpetrado no coração de Paris, com baionetas e (em certas versões) algemas. Cada detalheafirmavaocaráterdespóticodogolpe,e todasasversõesdoepisódiotransmitiamsolidariedadeàvítima,juntocomodesprezopelovilão:LuísXV,oagentedapérfidaAlbionnadesonradaFrança.2Depoisdeterimpingidotalhumilhaçãoaseupovo,Luísosfezpagarporisso.Suportaramuma

pesada carga de tributos,mas amaior parte de sua renda direta permanecia isenta de impostos,pelomenosemprincípio.Duranteasemergênciasnacionais,sobretudonasguerras,oreilevantavadinheiro pormeio de tributos especiais conhecidos pelo nomedeaffaires extraordinaires;mas emtemposdepazeledeveriavivercomarendadesuasprópriaspropriedadesede impostoscomoatailleeacapitation,queeramsancionadospelatradiçãoecoalhadosdeexceções,emespecialparaoclero e a nobreza. LuísXV tinha criadouma taxa “extraordinária”, adixième, a fim de financiar aGuerra da SucessãoAustríaca; e prometera revogá-la quatromeses depois de selar a paz. Em vezdisso,converteu-anavingtième,queiadurarvinteanoseseriamuitomaisrigorosadoquequalqueroutroimpostoprecedente,porquesebaseavanumanovaformadeavaliarapropriedadefundiária,inclusiveadaIgrejaeadanobreza.3Os historiadores em geral tratam de forma favorável a vingtième e o controlador geral que a

propôs,Machaultd’Arnouville.4Elateria,deumsógolpe,destruídoasmais importantes isençõesdasordensprivilegiadas emodernizadoas finançasdoEstado.Porém,os contemporâneos a viamsob uma luz diferente. Para eles, ou pelo menos para aqueles que registraram suas reações emdiários,o impostoabriacaminhoparamaisabusosdopoder real.Umimpostoextraordinárioemtempodepaz!Eumimpostoque iriaperdurarpor tempo indeterminado, semqualquerrestrição

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institucional para refreá-lo! A única esperança estava nos parlamentos, que podiam resistir aosdecretos reais recusando-se a registrá-los e apresentando objeções. Mesmo que o rei forçasse oregistro por meio de um lit de justice, os parlamentos podiam protestar, obstruir a justiça emobilizaropaís atrásde si,denunciandoonovo tributocomoumaameaçaa todosenãoapenasaosprivilegiados,comoeramosprópriosmembrosdosparlamentos.Acausadosparlamentossemisturouaoutracausapopularqueorarecrudescia,oraminguava,

desdeofinaldoséculoXVII:ojansenismo.Naorigemumacontrovérsiateológicaacercadanaturezadagraça,aquestãosetornouuméthosgrave,quemexiacomosânimosdasclassesprofissionaisedanobrezadecasaca(lanoblessederobe,aristocratascujostítulosderivavamdepostosnogoverno),nas quais os parlamentos recrutavam seus membros. Luís XIV persuadira o papa a condenar ojansenismocomoformadeheresianabulaUnigenitus,earesistênciadosparlamentosàbulapapalconstituiuaquestãoprincipalemsuasdesavençascomaCoroaduranteasdécadasde1730e1740.Em1749,oarcebispodeParis,ChristophedeBeaumont,deuordemaocleroparaquerecusasseossacramentosaqualquerpessoaquenãoapresentasseumbilletdeconfession,atestandoqueelahaviafeitoa confissãoaumpadrequeacatavaabulaUnigenitus.Acontrovérsia tevevárias reviravoltasdurante os anos seguintes, mas no final de 1749 já havia produzido uma série de mártires,jansenistasdevotosquemorreram semobenefíciodos sacramentos finais.O casomais conhecidofoi o de Charles Coffin, o pio ex-reitor da Universdade de Paris, que morreu em junho. Umamultidão de talvez 10 mil simpatizantes acompanhou o cortejo fúnebre pelas ruas da MargemEsquerda. Foi uma manifestação religiosa e também política, porque a Coroa havia apoiado aperseguição aos jansenistas. E provavelmente repercutiu no povo, que havia criado sua própriamodalidade de jansenismo, uma mistura de religiosidade extática e curas por meio de milagres.Negar a absolvição final dos pecados a cristãos em seu leito demorte era, aos olhos demuitos,mandá-losdiretoparaoPurgatório,umaviolênciaimperdoáveldaautoridaderealeeclesiástica.5A despeito de poder ou não despachar seus súditos para o limbo dos mortos, Luís de fato

mandoumuitosdelesparaaBastilha—adeptosdopríncipeEdouard,contestadoresdavingtième,philosophes, jansenistas e gente que simplesmente falava mal do regime. Na época do Caso dosCatorze, tantas pessoas tinham sido presas que se dizia que todas as celas estavam lotadas e oexcedente tevede sermandadopara asmasmorrasdeVincennes.Osparisienses falavamde formasombria a respeito das confissões obtidas pelo carrasco por trás das muralhas de pedras. Paraalguns, aMonarquiahaviadegenerado emdespotismo e instauraraumanova Inquisição a fimdesufocartodoprotesto:O descontentamento está aumentando em Paris por causa das contínuas prisões noturnas de pessoas espirituosas e de abadesinstruídos,suspeitosdeescreverlivrosecançõesededifundirnotíciasmaledicentesemcaféseemparques.Issotemsidosempredenominadode“Inquisiçãofrancesa”.6

É impossível saber em quemedida esse ponto de vista era compartilhado,mas os arquivos da

Bastilhasemdúvidamostramumaondadeprisõesem1749.Juntamentecomumgrandenúmerodejansenistas, os detidos incluíammuitas pessoas quenão tinhamnenhumcontato comosCatorze,

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mas subestimavam o governo damesmamaneira, pormeio demauvais propos. Aqui estão algunsexemplosextraídosdeumregistroemqueaadministraçãodaBastilharesumiacadacaso:7BELLERIVE,J.-A.-B.:“Pordiscursarcontraorei,Mme.dePompadoureosministros”.LECLERC,J.-L.:“Porhaverfaladomaldogovernoedosministros”.LEBRET,A.:“Pormaledicênciacontraogovernoeosministros”.MELLINDESAINT-HILAIRE,F.-P.:“Pormaledicênciacontraogovernoeosministros”.LEBOULLEURDECHASSAN:“Pormaledicênciacontraogoverno”.DUPRÉDERICHEMONT:“Fezretratos[verbais]ofensivosdosministrosedeoutraspessoasdegranderespeitabilidade”.PIDANSATDEMAIROBERT,M.-F.:“RecitouemcaféspoemascontraoreieamarquesadePompadour”.

Em alguns casos, os dossiês contêm relatos, feitos por espiões da polícia, sobre o que os homenspresossupostamentefalaram:8LECLERC: “Fezo seguintediscursonoCaféProcope:Quenuncahouveumreipior; que a corte, osministros e amarquesadePompadourlevaramoreiafazercoisasindignas,queabsolutamenterevoltaramopovo”.LEBRET:“FaloumaldeMme.dePompadouremvárioslocais;dissequeelavirouacabeçadoreisugerindoaelemilcoisas.Queprostituta, disse ele, fazendoum enorme alarde em tornodos poemas contra ela. Por acaso ela espera receber elogios, quandochafurdanocrime?”.FLEURDEMONTAGNE:“Fazcomentáriosatrevidos;entreoutrascoisas,dissequeoreiestác…paraseupovo,poissabequeestãonapenúria,aopassoqueelegastaquantiasenormes.Paraqueelessintamissoaindamais,sobrecarregouseussúditoscomoutroimposto, comoquepara agradecer-lhespelos importantes serviçosque lheprestaram.Os franceses são loucos, acrescentou, sesuportarem…elesussurrouorestocomabocaencostadanoouvido”.FRANÇOISPHILIPPEMERLET:“Acusadodeterdito,naquadradetênisdaviúvadeGosseaume,que[omarechalde]RichelieuePompadourestavamdestruindoareputaçãodoreiequeseupovonãootinhaemgrandeconta,tendoemvistaqueoreiapenastentavaarruiná-loseque,aoimpingiroimpostovingtième,elepodiatrazeralguminfortúnioasimesmo”.

PidansatdeMairobert, autordemuitos libelles contraLuísXV, émais conhecidoqueosoutros

frondeurs que detratavam o rei em cafés e praças públicas. Ele circulava por Paris com poemasenfiados nos bolsos e declamava os versos onde quer que conseguisse reunir alguma plateia. SeurepertórioincluíapelomenosumdospoemasdistribuídospelosCatorze,emboraaoquepareceeletão tivesse nenhum contato com o grupo.9 Omesmo é verdade em relação a um funcionário doChâtelet, André d’Argent, sua esposa e um amigo de ambos, um advogado chamado AlexandreJosephRousselot.Damesmaforma,elenãotinhavínculoscomosCatorze,masdistribuiuumdosmesmospoemas:Essaspessoasguardamemsuascasaspoemascontraoreieosdivulgamentreopúblicodistribuindocópiasparatodos.Nacasadeumadessaspessoas,encontrou-seumpoemaescritocomaletradeRousselotequecomeçacomaspalavras:“Qualéatristesinadosdesafortunadosfranceses”.10

Apolíciapode,defato,tercapturadooautordeumdospoemas,Esprit-Jean-BaptisteDesforges.

Ele tambémpareciaagir foradocircuitoque ligavaosCatorze, emboracompartilhasseaomenosumapartedorepertóriodeles.SegundoseudossiênaBastilha,Desforgeshaviacompostoumadasodesmaisferinassobreo“AffaireduprinceEdouard”,“Peuplejadissifier,aujourd’huisiservile”.

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Leuopoemaparaalgunsamigosdoisdiasdepoisdeopríncipeserpreso.Maistarde,umdaquelesamigos o advertiu de que o poema poderia lhe causar problemas sérios, por isso ele resolveuqueimá-lo.Masquandooprocurounosbolsos,viuque tinha sumido.Equandosoubequecópiasdopoemaestavamcirculandopelosbolsosdeoutraspessoasequeosversoseramlidosemcafés,eleresolveu sumir também. Outro amigo, Claude-Michel Le Roy de Fontigny, deixou escapar queconheciaoautor;assimqueessainformaçãochegouaocondeD’Argenson,apolíciaorganizouumainvestigação.A essa altura, a história se misturou com uma trama que é difícil deslindar, mas parece que

Fontignypreparouumaconspiração:procurouamãedeDesforgesepropôsqueeleeDesforgesseapresentassemaoministrocomumahistória forjada,que inocentariaDesforgese lançariaaculpadopoemasobreumaterceirapessoaeaindalhesrenderiaumarecompensaemdinheiro.Depoisdeconsultarofilho,quecontinuavaescondido,Mme.Desforgesrejeitouapropostacomindignação.EmseguidaàdemissãodeMaurepas,Fontignytentouressuscitaraideia,apenasparacairvítimadesuas próprias maquinações. De algum modo, a trama chegou aos ouvidos de D’Argenson. ElemandouFontignyparaaBastilhaedepoisobaniuparaaMartinica.Desforgesfoicapturadoem17de agosto de 1749, confessou ter escrito o poema e passou os sete anos seguintes na prisão, trêsdelestrancadonumagaioladeferroemMont-Saint-Michel.11Personagenssemelhantesaparecemnosarquivosmantidospelo inspetordocomérciode livros,

Josephd’Hémery.12ElestambémlidaramcomalgunsdospoemasqueseinfiltraramnocircuitodosCatorze, embora pertencessem a outras redes. No final de 1751, os espiões deD’Hémery tinhamidentificadomais dois poetas que, pelo que diziam, tinham composto “Quel est le triste sort desmalheureuxFrançais”:umcertoBoursier, filhodeumchapeleiro,que trabalhavacomosecretáriodomarquês de Paulmy, e um jacobita escocês afrancesado chamadoDromgold, “muito satírico”,quedavaaulasderetóricanoCollègedesQuatreNations.MasD’Hémerynãoconseguiuacumularprovassuficientesparaprendê-loseestavadeolhoemoutrosautoresquemereciamumavigilânciamaisatenta.Umdeles,umescreventechamadoMainneville,foidenunciadoporumcriadoporterescrito um poema contra o rei; mas, depois de passar por dificuldades financeiras, fugiu para aPrússia.Outro,umex-jesuítachamadoPelletier,pareciasuspeitoporquevinhadistribuindocópiasdecançõessediciosasdesdeagostode1749.Umterceiro,denomeVauger,erasuspeitodecomporversoscontraoreiedeacumularumvastoarsenaldepoesiadecircunstâncianoquartomobiliadoquealugavadeumperuqueironaRueMazarine.Em seguida havia uma dupla de littérateurs pouco confiáveis: François-Henri Turpin, um

protegido do filósofo Claude Adrien Helvétius e especialista em poemas satíricos, que pelo quediziamteriaafirmadoconheceroautordeumpoemainvestigadopelapolícia;eseuamigoíntimo,oabadeRossignol,quelecionavacomPierreSigorgnenoCollègeduPlessis.AsenhoriadeTurpincontou à polícia que ouvira os dois lendo poemas suspeitos em latim, no quarto de Turpin. Naverdade, ela não sabia latim; mas conseguira entender “Pompadour” e “Luís” no fluxo de sonsininteligíveis e nos risos loucos que atingiram seus ouvidos quando ela aproximou a cabeça doburacodafechadura.Aoassociarvárioscasosdessetipo,erapossívelpensarqueapopulaçãointeiraestavaescrevendo,

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memorizando,recitandoecantandopoemassediciosossobreorei.Masosarquivosdapolíciasãosabidamentepoucodignosdeconfiançaquantoafontesdeinformaçãosobreatitudesepadrõesdecomportamento.Elesfornecemumregistrodoscrimescomunicados,nãodacriminalidadereal,enão raro revelam mais sobre as opiniões da polícia que sobre as do público. Por sua próprianatureza,osdocumentosdaBastilhasereferemapersonagensqueapolícia julgarepresentarumaameaça contra o Estado.Nãomencionam a vastamaioria dos parisienses que tocavam suas vidassem entrar em conflito com a lei e talvez sem sussurrar nada de hostil a respeito do rei.Mas osarquivos da polícia ajudam a pôr em perspectiva o Caso dos Catorze, porque mostram que elepertenciaaumaondade repressãoqueveioapósumaondademauvais propos, a qual deixou suamarca em outras fontes, tais como os diários do marquês D’Argenson e Edmond-Jean-FrançoisBarbier.Encaradosàluzdeoutroscasos,ascançõeseospoemastrocadosentreosCatorzenãoparecem

algo excepcional.Muitos outros parisienses forampresos por fazer omesmo tipo de protesto, àsvezes com os mesmos poemas. Todos eles participaram de uma maré de descontentamento, quecresceu através de diversos canais de comunicação em 1749.Os laços entre osCatorze formavamapenasumpequenosegmentodeumaentidademaior—umenormesistemadecomunicaçãoquesealastrava por toda parte, do palácio de Versailles até os quartos mobiliados para alugar aparisiensespobres.Oquetalsistemacomunicava?Nesteponto,devemosexaminarospoemasemsi.

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9.Poesiaepolítica

Aosolhosdenossaépoca,algunsdospoemasparecemestranhos.Sãoodes—versostrabalhadosàmaneiraclássicaecomumtomelevado,comosetivessemsidofeitosparaadeclamaçãonopalcoounumatribunapública.Elestêmemmiraumalvoesedirigemdiretoaessealvo—sejaLuísXV,censuradoporsuafrivolidade;opríncipeEdouard, louvadoporsuabravuraabnegada;ouopovofrancês, personificado como um corpo outrora orgulhoso e independente, e então decaído noservilismo. A indignação— raiva, a clássica indignatio romana— era a paixão propulsora nessespoemas. Embora denunciassem a injustiça generalizada, dificilmente se poderia dizer que tinhamumtoquecomum.Aocontrário,apoiam-senasconvençõesretóricasensinadasàeliteeducadapormeiodosclássicos.Nacondiçãodeestudantes,advogadoseclérigos,amaioriadosCatorzesesentiaàvontadecomessetipodepoesia,maselanãoressoavamuitoalémdoQuartierLatineporcertonão ressoava em Versailles. Os cortesãos e os ministros pertenciam a um mundo diferente, queapreciava bons mots e epigramas. Daí o comentário do conde D’Argenson, quando escreveu deVersaillesparaBerryeracercadoprimeiropoemainvestigadopelapolícia:eleodesdenhoucomo“umtextoinfameque,paramim,assimcomoparaosenhor,pareceexalarumcheirodepedantismoedeQuartierLatin”.1O texto desse poema, “Monstre dont la noire furie”, desapareceu. Como foi explicado no

capítulo1,eraumaodequeatacavaoreiporhaverdemitidoebanidoMaurepasem24deabrilde1749.Nessa época, os outros cincopoemasdescobertos pela políciano cursode sua investigaçãoestavam circulando por Paris havia meses. O segundo e o terceiro, “Quel est le triste sort desmalheureux Français” e “Peuple jadis si fier, aujourd’hui si servile”, foram publicados durante aexplosãodeindignaçãopeloaprisionamentodopríncipeEdouardnodia10dedezembrode1748.(Ambos constam no diagrama do capítulo 3 e estão reproduzidos integralmente, assim como osdemaispoemas,noapêndicedestevolume.)Elesapresentamamaiorpartedosdetalhesdramáticosdos relatos sobre a prisão — o emprego da força bruta, com soldados e correntes — e sãocompostoscombasenocontrasteentreosdoisprotagonistas:Edouard,maisgalantenaderrotaemais semelhante a um rei do que Luís, que ocupava o trono,mas, na verdade, era prisioneiro dapérfida amante e dos próprios apetites sórdidos. Os dois poemas transformavam a maneiradesonrosacomoEdouardfoitratadonumametáforaampliadadadesonradaFrançanaPazdeAix-la-Chapelle.“Peuplejadissifier,aujourd’huisiservile”(poema3)repassavaasprincipaiscláusulasdo tratado, depois censurava Luís numa apóstrofe virulenta e terminava com uma saudaçãosentimentalaopríncipeEdouard:

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Tutriomphes,cherPrince,aumilieudetesfers;Surtoi,danscemoment,touslesyeuxsontouverts.Unpeuplegénéreuxetjugedumérite,Varévoquerl’arrêtd’uneraceproscrite.

Tutriunfas,queridopríncipe,emmeioatuascadeias;Sobreti,nestemomento,todososolhosestãocravados.UmpovogenerosoecapazdejulgaroméritoVairevogaraprisãodeumaraça[linhagemreal]proscrita.

Em última análise, o poema era uma exortação ao povo francês: eles deviam renunciar a seuservilismoerepudiarocomportamentocovardedeseusoberano.“QuelestletristesortdesmalheureuxFrançais”(poema2)aproveitavaessetemaemoutraparte.

Depois de condenar Luís por traição e pela carência das qualidades de um rei, que Édouardpersonificava,dirigia-seaeleemtomdesafiador,emnomedopovofrancês:Louis!vossujetsdedouleurabattus,RespectentEdouardcaptifetsanscouronne:IlestRoidanslesfers,qu’êtes-voussurletrône?

Luís!VossossúditosprostradospeladorRespeitamEdouardcativoesemcoroa:Eleéreientrecadeias,equesoisvós,notrono?

A retórica erguia o povo como árbitro supremo emquestões de legitimidade,masnadahavia dedemocráticonisso.Aocontrário,personificavarelações internascomouma lutaentremonarcaseevocava a figuramais popular no passadomonarquista da França, Henrique IV, um ancestral deEdouardetambémdeLuís:MaistrahirEdouard,lorsquel’onpeutcombattre!ImmoleràBrunswick[i.e.,GeorgeII]lesangdeHenriIV!

MastrairEdouard,quandoépossívelcombater!SacrificaraBrunswick[i.e.,GeorgeII]o[parentede]sanguedeHenriqueIV!

Ao recriminar Pompadour bem como Luís, o poeta evocava outro tema predileto do folclore

histórico,AgnèsSorel,aamantedeCarlosVII,quedizemterinsufladocertadosedeheroísmoemseuineficienteamantereal,emoutraépocadehumilhaçãonacional:J’aivutomberlesceptreauxpiedsdePompadour!Maisfut-ilrelevéparlesmainsdel’Amour?BelleAgnès,tun’esplus!LefierAngloisnousdompte.TandisqueLouisdortdansleseindelahonte,

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Etd’unefemmeobscureindignementépris,Iloublieensesbrasnospleursetnosmépris.BelleAgnès,tun’esplus!TonaltièretendresseDédaigneraitunroiflétriparlafaiblesse.

VicairocetroaospésdePompadour!MasfoieleapanhadopelasmãosdoAmor?BelaAgnès,tunãoexistesmais!Oferoinglêsnossubjuga.EnquantoLuísdormenoseiodavergonha,Edeumamulherobscuraindignamenteenamorado,Eleesqueceemseusbraçosnossosprantosenossodesprezo.BelaAgnès,tunãoexistesmais!TuaternuraaltaneiraDesdenhariaumreiamesquinhadopelafraqueza.

A mensagem era clara: as amantes reais deviam ser nobres e inspirar os reis a realizar façanhasnobres;PompadoureratãoignóbilemseupapelquantoLuísnodele.Porém,seopoetafalavaemnome do povo francês, não adotava um tom popular. Apelava às emoções em outro registro:monarquista,nãopopulista—plusroyalistequeleroi[maisrealistaqueorei].A imagística e a retórica a essa altura haviam perdido sua carga emotiva,mas seu intento era

comoverosleitoreseosouvintesdoséculoXVIIIqueestavamemsintoniacomaretóricaereagiamametáforasmelodramáticas,como:Brunswick,tefaut-ildoncdesigrandesvictimes?Ociel,lancetestraits;terreouvretesabîmes!

Brunswick[GeorgeII],necessitavastudetãograndesvítimas?Ó,céu,lançateusraios;terra,abreteusabismos!

Cetros, tronos, coroas de louros e altares de sacrifício preenchiamo cenário simbólico, ao passoqueotomvariava:àsvezesindignado,outrasvezespatético,mantinha-senoregistrodaeloquênciaclássica,a receitacertaparaacenderaspaixõesdos franceseseducadoscompoemasdeHorácioeJuvenal.Omodelo imediatopodia serLesTragiques, deAgrippaDaubigné, uma acusaçãopoéticadaMonarquiaduranteasguerrasreligiosascujopropósitoeradespertaraindignação,enãoapenasoprazer.Oprincípiodaindignatiotambémanimavaoutrosmodelosclássicosdapoesiapolítica—Discours desmisères de ce temps, de Ronsard, por exemplo, eBrittanicus, de Racine. Tais poemasperfilavam versos alexandrinos e dísticos rimados em apóstrofes de oratória dirigidas a reis quehaviam deixado a desejar em sua missão. O poeta intimava os poderosos a ser julgados esolenementeossentenciavacomoindignosdesuafunção.Nocasodo“AffaireduprinceEdouard”,elederramavaescárniosobreVersailles:“Toutestvilences lieux,MinistresetMaîtresse”(Tudoévil neste local, ministros e amante). E denunciava de maneira explícita o conde D’Argenson,ministrodaGuerra:

Maistoi,lâcheMinistre,ignorantetpervers,

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Tutrahistapatrieettuladéshonores.

Mastu,fracoministro,ignoranteeperverso,Tutraistuapátriaeadesonras.

Era poesia séria e pública, composta segundo modelos clássicos e impulsionada pela paixão daindignaçãomoral.Amesma forma e amesma estratégia retórica caracterizamopoema6, outra ode, que começa

comumaapóstrofeaorei:Lâchedissipateurdesbiensdetessujets,Toiquicompteslesjoursparlesmauxquetufais,Esclaved’unministreetd’unefemmeavare,Louis,apprendslesortquelecielteprépare.

Vildissipadordosbensdeteussúditos,Tuquecontasosdiaspelosmalesquepraticas,Escravodeumministroedeumamulheravarenta,Luís,atentaparaodestinoqueocéuteprepara.

Aqui tambémopoetadenunciavaLuísXV como se fosseRacinedeclamando contraNero,masosataques eram ligeiramente distintos. Embora protestasse contra a humilhação da França emassuntosestrangeiros,concentrava-seemcalamidadesdomésticas.Luísestava taxandoseussúditosde forma opressiva. Ao levá-los à indigência, o rei os expusera a epidemias, despovoara a regiãorural,desolaraascidades—eparaquê?Parasatisfazerosapetitessórdidosdesuaamanteedeseusministros:Testrésorssontouvertsàleursfollesdépenses;Ilspillenttessujets,épuisenttesfinances,MoinspourrenouvelertesennuyeuxplaisirsQuepourmieuxassouvirleursinfâmesdésirs.TonÉtatauxabois,Louis,esttonouvrage;Maiscrainsdevoirbientôtsurtoifondrel’orage.

Teustesourosestãoabertosaloucasdespesasdeles;Elespilhamteussúditos,exauremtuasfinanças,MenospararenovarteusprazeresmaçantesDoqueparamelhorsatisfazerosdesejosinfamesdeles.AruínadeteuEstado,Luís,éobratua;Mascuidadoparaqueembreveatempestadenãodesabesobreti.

Qual era a ameaça que pairava sobre o rei? A execração de seu povo e o castigo de Deus. O

poema até sugeria que os franceses se levantariam numa revolta, em desespero por causa daespoliação do pouco que possuíam. No entanto, não profetizava uma revolução. Em vez disso,

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retratavaumreinoqueiriaterminaremignomínia;osparisiensesesmagariamaestátuaqueestavasendoerguidaemhomenagemaoreinanovaPlacedeLouisXV(hoje,PlacedelaConcorde),eLuísiadesceraosinfernos.Opoema5, “Sans crimeonpeut trahir sa foi”, faz soarumanota em tudodiferente.Adotoua

forma de um codicilo burlesco a um decreto do Parlamento de Toulouse, o qual, a exemplo deoutrosparlamentos,haviacapituladoperanteaCoroanalutaemtornodavingtième.Opoemaerabreveecortante:ApostilleduparlementdeToulouseàl’enregistrementdel’éditduvingtièmeSanscrimeonpeuttrahirsafoi,Chassersonamidechezsoi,Duprochaincorromprelafemme,Piller,volern’estplusinfâme.JouiràlafoisdestroissoeursN’estpluscontrelesbonnesmoeurs.DefairecesmétamorphosesNosayeuxn’avaientpasl’esprit;EtnousattendonsunéditQuipermettetoutesceschoses.

SIGNÉ:DEMONTALU,PREMIERPRÉSIDENTApostiladoParlamentodeToulouseparaoregistrododecretodavingtièmeSemcometerumcrimesepodetrairsuafé,Rechaçarseuamigo,Corromperamulherdopróximo,Pilhar,roubarnãoémaisinfame.DesfrutaraomesmotempoastrêsirmãsNãoémaiscontraosbonscostumes.ParafazertaismetamorfosesNossosantepassadosnãotinhamamalícia;EaguardamosumdecretoQuepermitatodasessascoisas.

ASSINADO:DEMONTALU,PRIMEIROPRESIDENTE

Aqui o poema condena a vingtième sem mencionar o imposto, exceto no título. Adota o

argumentodominantedeseusoponentes:aoconverterumimposto“extraordinário”dostempodeguerra em um tributo quase permanente sobre a renda, o rei estava simplesmente saqueando apropriedadedeseussúditos.Masoargumentopermaneceimplícito.Depoisderegistrarodecretodoimposto,oParlamentoacrescenta,atítulodeadendo,umendossogeralatodasasdemaisaçõesimoraisdorei.Portanto,opoemapõeaquestãodo impostonomesmoplanodosdemais“casos”que ofendiam o sentimento de moralidade do público: a traição e o rapto de Edouard; aapropriação da esposa de um plebeu, Le Normant d’Étioles, como amante real (mais tardetransformada em marquesa de Pompadour); e os casos amorosos do rei com as três filhas domarquês deNesle, o que era visto comoumadultério agravadopelo incesto. Era umamensagemsimples em rimas simples—vers de circonstance que exprimiam a repulsa pública à debilidade da

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resistênciadosparlamentoscontraataxaçãotirânica.

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4.PoemadecircunstânciaemprotestocontraoimpostochamadovingtièmeecontraaimoralidadedeLuísXV,rabiscadonumpedaçodepapel.

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10.Canção

OpoemafinaldoCasodosCatorze,“Qu’unebâtardedecatin”(poema4),eraomaissimplesdetodosealcançouomaiorpúblico.Aexemplodemuitospoemasdecircunstânciadessaépoca, foiescritoparasercantadocomamelodiadeumacançãopopular,emcertasversõesidentificadapelorefrão “Ah! le voilà, ah! le voici” (Ah! aí está, ah! cá está).1 O refrão, um dístico contagiante,completava estrofes formadas por versos de oito sílabas com rimas alternadas. A versificação seconformava com o padrão mais comum da balada francesa: a-b-a-b-c-c; e se prestava a umaexpansãosemfim,porqueosversosnovospodiamfacilmenteserimprovisadoseacrescentadosaosantigos.Cadaverso atacavauma figurapública, enquantoo refrãodeslocavao insultoparao rei,queseressaltavacomooalvodeumapiadaoucomoobobodeumabrincadeirainfantil,naqualossúditosdançavamàsuavolta,cantandoemtomdezombaria:“Ah! levoilà,ah! levoici/Celuiquin’enanulsouci”(Ah!aíestá,ah!cáestá/Aquelequenãoseimportacomnada)—comoseelefossecomparávelaoqueijonoverso“Oqueijoficasozinho”,dacançãoinfantil“TheFarmerintheDell”[O fazendeiro no pequeno vale]. Quer a canção evocasse ou não essa brincadeira infantil para opúblico na França do século XVIII, seu refrão fazia Luís parecer um imbecil ineficiente, que seentregava ao prazer enquanto seusministros espoliavam seus súditos e o reino ia para o inferno.Grupos de parisienses muitas vezes cantavam juntos os refrões de pont-neufs — canções decircunstânciaesbravejadasporcantoresderuaepormascatesemlocaispúblicosdereunião,comoa própria Pont Neuf.2 Parece provável que “Qu’une bâtarde de catin” tenha animado coros deescárnioqueecoaramporParisem1749.AzombariacomeçavacomopróprioLuísePompadour:Qu’unebâtardedecatinAlacoursevoieavancée,Quedansl’amouretdanslevinLouischercheunegloireaisée,Ah,levoilà,ah!levoiciCeluiquin’enanulsouci.

QueumameretrizbastardaGanheposiçõesnacorte,QuenoamorenovinhoLuísprocureumaglóriafácil,Ah!aíestá,ah!cáestáAquelequenãoseimportacomnada.

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Emseguidaasátiraprosseguiahierarquiaabaixo—paraarainha(representadacomoumafanáticareligiosaabandonadapelorei),odelfim(quesedestacavapelaburriceepelaobesidade),o irmãodePompadour(ridículoemsuatentativadesefazerpassarporumgrandesenhor),omarechaldeSaxe (um autoproclamado Alexandre, o Grande, que conquistava fortalezas que se rendiam semcombate), o chanceler (senil demais paraministrar a justiça), os outrosministros (impotentes ouincompetentes)ecortesãosvariados(cadaummaisburrooudissolutoqueooutro).À medida que a canção percorria seu circuito, os parisienses modificavam versos antigos e

acrescentavam novos. Esse tipo de improvisação proporcionava um entretenimento popular emtavernas, bulevares e desembarcadouros, ondemultidões se reuniam em torno de trovadores quetocavamrabecaourealejo.Aversificaçãoeratãosimplesquequalquerumpodiaencaixarumnovoparderimasàantigamelodiaetransmiti-laaoutraspessoas,cantando-aouescrevendo-a.Emboraa canção original possa ter vindo da corte, foi se tornando cada vez mais popular e cobria umespectro cada vezmais amplo das questões contemporâneas, à proporção que incorporava novosversos.Ascópiasde1747contêmpoucomaisquezombariadefigurasproeminentesemVersailles,conforme indicadono título citado emalguns relatóriosdapolícia, “Echosde la cour”.3Mas em1749asestrofesenxertadasnosversosoriginaiscobriamtodosostiposdeacontecimentosdaépoca—asnegociaçõesdepazemAix-la-Chapelle,aresistência ineficazàvingtièmepeloParlamentodeParis, a impopular administração da polícia por Berryer, as mais recentes brigas de Voltaire, otriunfode seu rival, Prosper JolyotdeCrébillon,naComédieFrançaise, e a traiçãoda esposadocoletor de impostos La Popelinière com o marechal de Richelieu, que havia instalado umaplataformarotatóriaembaixodalareiradoquartodedormirdeMme.LaPopelinièreparaqueelepudesseentrarpormeiodeumaportagiratóriasecreta.Oprocessodedifusãodeixavasuamarcanosprópriostextos.Duascópiasde“Qu’unebâtardede

catin” sobreviveram em seu estado original — ou seja, pedaços de papel que eram levados nosbolsosparaqueospoemaspudessemserdeclamadosemcafésoubarganhadosporoutrospoemasnoJardindesTuilleries.AprimeiracópiafoiconfiscadapelapolíciaquandorevistaramPidansatdeMairobert na Bastilha, depois de prendê-lo por declamar poesia contra o rei e contraMme. dePompadour emcafés.Comopoema, apreenderam tambémumpedaçodepapel semelhante, comdois poemas de um ciclo de canções conhecido como Poissonades, porque a letra continhaintermináveis trocadilhos com o nome de solteira, de aspecto vulgar, de Pompadour, Poisson(peixe).MairobertnãotinhacontatocomosCatorze,mas foipresonamesmaépocae levavaconsigoa

mesma canção, uma versão de “Qu’une bâtarde de catin” em 23 estrofes rabiscadas numpequenopedaçodepapel.Mairoberttinhaescritoapenasasestrofesmaisrecentes,indicandoasdemaiscomalgumas poucas palavras de seus primeiros versos — por exemplo, “Qu’une bâtarde etc.”. Eletambémtinhaconsigoumacópiadeumaversãomaisantiga,comonzeestrofescompletas,emseuquarto no terceiro andar de uma lavanderia. Quando a polícia revistou o quarto, foramencontrados68poemasecanções,algunscomletrasinocentes,outros,sátirasdefiguraspúblicasedefatosdomomento.4

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ApolíciajáestavadeolhoemMairoberthaviaalgumtempo,porqueeleerafamosopordifundirinformaçõeshostissobreogoverno.Osespiõesdapolíciaoclassificavamcomoumescritorobscuroeumagitadordecafé:SieurMairoberttinhaconsigoalgunspoemascontraoreiecontraMme.dePompadour.Quandolheaponteiosriscosqueoautordetaispoemasestavacorrendo,eleretrucouquenãocorriarisconenhum,quepodiadifundi-lossimplesmenteintroduzindoostextosdeformasorrateiranobolsodealgumapessoanumcaféounumteatroouentãodeixandocópiasjogadasemcalçadas.Seapessoalhepedisse, ele adeixaria fazerumacópiadoditopoemasobreavingtième.Eleparecebastante à vontade a respeitodisso, e tenhomotivosparacrerqueeledistribuiualguns[…].Mairobertnãomepareceumhomemdenenhumaimportância[…]maséumafiguratãofamiliaremlocaispúblicosqueoexemplo[desuaprisão]seriaconhecido.Acheiqueeudeviaapresentaresterelatóriodepronto,poisviMairobertcolocaropoemasobreavingtièmenobolsoesquerdodeseucasacoe[aoconfiscá-lo]suadetençãoteriarespaldoemprovaseseriajustificada.5Quandofalousobrea[desmobilizaçãodasdivisõesdoExércitodepoisdapaz],eledissequequalquersoldadoafetadopor isso

deviamandaracortesef…,poisoúnicoprazerdacorteconsisteemdevoraropovoepraticarinjustiças.FoioministrodaGuerraqueapresentouesseprojetomaravilhoso,tãodignodele.Opovoquerqueeleváparaoinferno.EsseMairoberttemumadaslínguasmaisferinasdeParis.Andacompoetas,sedizpoetaediztambémterescritoumapeçade

teatroqueaindanãofoiencenada.6

Mairobert era um funcionário de baixo escalão noMinistério daMarinha e frequentador dos

nouvellistesquesereuniamemredordeMme.M.-A.LegendreDoublet,umgrupo ligadoà facçãojansenista, e distribuía osmesmos poemas que eles, rabiscados em pedaços de papel semelhantes.Enquanto eles recitavam “Qu’une bâtarde de catin” em salas de aula e refeitórios, Mairobertdifundiaopoemaemcafésejardinspúblicos.Podemosimaginá-loabordandoalguémnoProcope,seucafépredileto,puxandoumacópiadacançãodobolsodocoleteedeclamandoosversos—ouencaixandoversosnovosno textoantigo,alémdecanções recentes,obtidascomseuscontatosnojardimdoPalais-Royal.

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5.Dois poemas de uma Poissonade rabiscados num pedaço de papel porPidansatdeMairoberteapreendidospelapolíciaquandoelefoipreso,em2de junhode1749.Era cantadanamelodiade “LesTrembleurs”; ver “Umcabaréeletrônico”,noapêndicedestevolume.

A outra cópia original de “Qu’une bâtarde de catin” pertencia a um circuito de informação

diverso, descoberto pela polícia durante a investigação dos Catorze. Estava rabiscada em doispedaços de papel rasgados que a polícia arrancou dos bolsos do abadeGuyard, um dos Catorze,duranteseuinterrogatórionaBastilha.EledissequehaviaobtidoostextoscomoabadeLeMerciere que possuía outra cópia, que lhe fora dada pelo abade de Baussancourt, em seu quarto. UmrelatóriodapolíciaindicavaqueBaussancourtreceberaseutextodeumcerto“SieurMenjot,filhodomaître des comptes”,7 mas a polícia não conseguiu levar a investigação adiante. A cópia que

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Guyard levava consigo tinha uma procedência típica do Quartier Latin. Quando LeMercier foipresoeinterrogado,dissequehaviaescritootexto,acrescentandoalgumasanotaçõeseobservaçõescríticas,duranteumdosintercâmbiospoéticosqueparecemtersidocomunsentreosestudantesdeParis:Declarou[…]quenumdiadoinvernopassadoointerrogado,queestavanosemináriodeSt.NicolasduChardonnet,ouviuSieurThéret,quenaocasiãoestavanomesmoseminário,recitarversosdeumacançãocontraacortequecomeçavacomestaspalavras:“Qu’unebâtardedecatin”;queo interrogadopediuamencionadacançãoparaocitadoSieurThéret,oqual lhedeuacanção.OinterrogadoescreveualgumasanotaçõesnelaeatéanotounacópiaqueelefezemaistardedeuparaoSieurGuyardqueopoemasobre o chanceler não tinha sua aprovação, pois a palavra “décrépit” [decrépito] não rimava com “fils” [filho]. O interrogadoacrescentouque,nomesmopedaçodepapelcomaditacançãodadaparaelepelocitadoSieurThéret,haviadoispoemassobreoPretendente,umquecomeçavacomestaspalavras:“QuelestletristesortdesmalheureuxFrançais”eooutrocomestas:“Peuplejadissifier”.Ointerrogadocopiouosdoispoemasemaistardeosrasgousemtê-lostransmitidoaninguém.8

Os dois pedaços de papel nos arquivos coincidem com essa descrição. Um, de oito por onze

centímetros,contémoitoversosdacanção.Ooutro,deoitopor22centímetros,rasgadoaomeiona vertical, contém apenas três versos e algumas anotações, parte das quais foi rasgada.Supostamente os outrosdois poemas, “Quel est le triste sort desmalheureuxFrançais” e “Peuplejadis si fier aujourd’hui si servile”, foram escritos na parte da página que Guyard rasgou. Asanotações identificam os personagens satirizados na canção, inclusive o chanceler D’Aguesseau,cujosversosemoutrasversõesaparecemdaseguinteforma:QuelechancelierdécrépitLâchelamainàlajusticeQuedanssaraceilaitunfilsQuivendemêmelajusticeAh!levoilà,ah!levoiciCeluiquin’enanulsouci.9QueochancelerdecrépitoParedeministrarjustiçaQueemsualinhagemtemumfilhoQueatépõeajustiçaàvendaAh!aíestá,ah!cáestáAquelequenãoseimportacomnada.

AseçãorelevantedopedaçodepapelrasgadomostraqueLeMercierdefatofezobjeçõesàrimaetambémsesolidarizavacomochanceler,Henri-Françoisd’Aguesseau,quenaocasiãotinha81anosdeidadeedesfrutavaumareputaçãodeintegridade:OmitiumversonoD’Aguesseau, [aparte que faltadopape ltantoporque o[público] vemaqui]

gostadele,como[porque]aquelas[ilegível]femininassãoimprestáveis

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6.Versosde “Qu’unebâtardede catin” tiradosdobolsodoabadeGuyardquandoapolíciaorevistounaBastilha.

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Essa prova, com toda a concretude, aponta para três conclusões. (1) Aqueles que receberam a

canção não reagiam de forma passiva, mesmo quando a copiavam. Acrescentavam anotações emodificavamo textoconformesuaspreferênciaspessoais. (2)Asversõesmanuscritasdos textosàsvezescontinhamalgunspoemasquepertenciamagênerosdistintos—nessecaso,duasodesdetipoclássico e uma balada de circunstância. Quando as pessoas que recebiam os textos combinavamgênerosdiferentesemmensagensindividuais,osataquescontraoreieacortepodiamsuscitarumlargoespectrodereaçõesentreosouvinteseleitores—tudo,desdeaindignaçãomoralatéorisoeoescárnio. (3)Haviadiversasmodalidadesdedifusão.LeMercier identificavao textode“Qu’unebâtardedecatin”apenascomouma“canção”eafirmouterouvidoopoema“recitado”porThéret,querendodizersupostamentequepodiatersidodeclamadodememória, lidoemvozaltaapartirdeumacópiamanuscritaoucantado.Amemorizaçãoporcertodesempenhavaumpapelimportantenesseprocesso.Nocasodasduas

odes,apolícia registrouqueSigorgneashaviaditadoparadoisestudantes“dememória”10 e que,depoisdeanotarodictée,umdosestudantes,Guyard, tambémmemorizouosversos:“Eleafirmouquenãoguardou consigonenhuma cópiadesses versos e apenasos aprendeude cor”.11 A políciatambém observou que uma terceira ode foi memorizada num ponto diferente do circuito detransmissão por dois outros estudantes, Du Terraux e Varmont: “[Du Terraux] declarou que elehavia recitadodememóriaopoema ‘Lâchedissipateurdesbiensde tes sujets’paraVarmont fils eque Varmont era capaz de guardá-lo de memória”.12 Em suma, a atividademental envolvida noprocesso de comunicação era complexa — uma questão de apropriação interna, fossem asmensagensrecebidaspelosouvidosoupelosolhos.Acomunicaçãooralquasesempreescapoudaanálisehistórica,masnessecasoadocumentaçãoé

ricaobastanteparaquesepossacolherseusecos.NoséculoXVIII,osparisiensesàsvezesguardavamos pedaços de papel em que as canções eram escritas, enquanto eram ditadas ou cantadas. Taispedaçosdepapeleramentãotranscritos,aoladodeoutrostextosdecaráterefêmero—epigramas,énigmes(charadas),piècesdecirconstance—,emdiáriosoucadernosdeanotações.Diáriosformadossobretudo de canções eram conhecidos pelo nome de chansonniers, embora os colecionadores àsvezes lhes dessem títulos mais exóticos, como “Obras diabólicas para servir à história destetempo”.13 Depois de percorrer diversos chansonniers em vários arquivos, localizei seis versões de“Qu’une bâtarde de catin”, além das duas cópias confiscadas deMairobert eGuyard. Elas variamconsideravelmente, porque a cançãonãoparavade semodificar àmedidaque era transmitidadeumparaoutroeàproporçãoqueosacontecimentosdaépocaforneciammaterialnovoparaversosadicionais.Asmudanças podem ser acompanhadas em “Textos de ‘Qu’unebâtardede catin’” (no apêndice

destevolume),quecontémseteversõesdopoemaqueescarnecedomarechaldeBelle-Isleporficarà toa com seu exército no sul da França, enquanto as tropas daÁustria e da Sardenha (referidascomo“húngaras”)saqueavamumavastaregiãodaProvença,nassemanasentrenovembrode1746efevereirode1747.OexércitoinvasorseretiroupeloVarantesqueBelle-Islepudessetravarbatalha,demodoqueversõesposterioresdopoemazombamde seu fracassado intentodeconquistaruma

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vitória.Aquiestãotrêsexemplos:CópiadeGuyard:Quenotremoulinàprojets Quenossoplane jadorde moinhosde

ventoAitvudanssamolleindolence TenhavistoemsuafrouxaindolênciaAlahontedunomfrançais ParavergonhadonomefrancêsLeHongroisravagerlaProvence…

OhúngarodevastaraProvença…

CópiadeMairobert:Quenotrehérosàprojets Quenossoplane jadorheroicoAitvudanssalâcheindolence TenhavistoemsuavilindolênciaAlahontedunomfrançais ParavergonhadonomefrancêsLeHongroispillerlaProvence… OhúngaropilharaProvença…

BibliothèqueHistoriquedeParis,ms.648:Quenotremoulinàprojets Quenossoplane jadorde moinhosde

ventoAitvudanssamolleindolence TenhavistoemsuafrouxaindolênciaAlahontedunomfrançais ParavergonhadonomefrancêsLesHongroisquitterlaProvence…

Ohúngarode ixaraProvença…

Pormaislevesquesejam—talvezatéporcausadessaleveza—,asalteraçõessugeremamaneira

comoo texto sedesenvolvia, enquantopreservava seu caráterprincipal, ao longodoprocessodatransmissãooral.Éclaro,opoemaera tambémanotado,demodoqueasmodificaçõespodemterocorridono atode transcrição. Seria absurdo afirmarque as diferentes versõesdamesma cançãofornecemummeioparaohistoriador teracessoaumatradiçãooralpura.Apurezanãopodeserencontrada nem mesmo entre os contos orais registrados em gravadores por antropólogos oufolcloristas,14 e ela não existia de forma nenhuma nas ruas de Paris, onde impurezas de muitasfontesseinfiltravamemmassanascançõespopulares.Naocasiãoemque“Qu’unebâtardedecatin”chegouaosCatorze,opoemacontinhaumpoucodetudoqueestavanonoticiáriodaépoca.Haviase transformadonum jornal cantado, cheiode comentários sobre fatos domomento e atraente obastanteparacativaraatençãodeumpúbliconumeroso.Alémdisso,ouvintesecantorespodiamadaptá-lo a seu gosto.A cançãode circunstância eraumveículomaleável, quepodia assimilar aspreferências de grupos variados e expandir-se a fim de incluir tudo o que interessava ao públicocomoumtodo.

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11.Música

Os chansonniers deixam claro que os parisienses improvisavam palavras novas em melodiasantigastodososdiasecomtodososassuntospossíveis—avidaamorosadasatrizes,aexecuçãodecriminosos, onascimentoou amortedemembrosda família real, batalhas em temposde guerra,impostosemtemposdepaz,processosjudiciais,falências,acidentes,peças,óperascômicas,festivaise toda sorte de ocorrências que se encaixam na vasta categoria francesa dos faits divers (fatosvariados).Umpoemaespirituosocomumamelodiacontagianteseespalhavapelasruascomforçairresistível e, frequentemente, poemas novos se seguiam a ele, levados de um bairro para outrocomo rajadas de vento. Numa sociedade semianalfabeta, canções funcionavam, até certo ponto,comojornais.Forneciamumacrônicasobreosfatosdomomento.Mascomoeramessasmelodias?Oschansonniers emgeral contêmas letrasdeumacanção,mas

não suas notas musicais, embora quase sempre registrem que são “sul’air de” (na melodia de) edepoiscitemotítuloouoprimeiroversodamúsicatradicionalparaaqualfoiescrita.1Felizmente,o Département de La Musique da Bibliothèque Nationale de France dispõe de muitas “chaves”contemporâneas,nasquaisépossívelprocurarumtítuloeencontrarapartituradamúsica.Aousaraschavesparateracessoàsmelodiasportrásdasletras,épossívelreconstruiremformadeáudioorepertóriodecançõesquecirculavamnaFrançanaépocadoCasodosCatorze.HélèneDelavault,cantoradeóperaeartistadecabaré,gentilmenteaceitougravarumacoletâneadessascanções,quepodeserouvidapelainternetnosite<www.hup.harvard.edu/features/darpoe>.Aoouvirascançõesenquantolêasletras(ver“Umcabaréeletrônico”,noapêndicedestevolume),oleitorpodeterumaideia do que chegava aos ouvidos dos espectadores há mais de 250 anos. É possível, ainda queapenasdeformaaproximada,fazerahistóriacantar.Comoamúsica influenciavao significadodaspalavras?Essaperguntanãopode ser respondida

de forma definitiva, mas pode ser reduzida a proporções mais controláveis se considerarmos amaneira comoasmelodias servemde recursosmnemônicos.Palavrasassociadasaumamelodia sefixamnamemóriaesãofáceisdecomunicaraoutraspessoasquandocantadas.Aoouvirasmesmasmelodias várias vezes seguidas, todos nós acumulamos um estoque comum de músicas, quetransportamosnacabeça.Quandouma letranovaécantadanumamelodia já familiar, aspalavrastransmitem associações que foram agregadas a versões anteriores da canção. Portanto, cançõespodem,porassimdizer,funcionarcomoumpalimpsestoauditivo.Se me permitirem dar um exemplo pessoal desse processo, posso atestar que minha própria

cabeçaestácarregadademúsicasdeanúnciosqueforamcantadasnorádionadécadade1940.Por

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maisqueeutente,nãoconsigomedesvencilhardelas.Uma,quedeveserfamiliaratodosdeminhageração,levavaaseguintemensagem:Pepsi-Colahitsthespot.Twelvefullounces,that’salot.Twiceasmuch,andbetter,too.Pepsi-Colaisthedrinkforyou.*

Umdia,duranteasférias,provavelmentequandoeuestavanaterceiraouquartasérie,umdemeuscolegasdebrincadeiras—umespritfortprecoce,ouapenasumengraçadinho—cantouaseguintevariaçãodamúsicadaPepsi-Cola:Christianityhitsthespot.Twelveapostles,that’salot.HolyGhostandaVirgin,too.Christianity’sthethingforyou.**

Foiminhaprimeiraexposiçãoàirreligião.Emboraeucreiaquetenhaficadochocado,nãolembrocomo recebi aquilo. Só sei que não consigo tirar amúsica da cabeça, que ela fica conservada emsalmoura com outrasmúsicas naminhamemória. Amaior parte das pessoas provavelmente temexperiênciassemelhantes.UmamigoinglêsmefalousobreumacançãozinhaarespeitodeEdwardVIII que se espalhoupor todaaLondres em1936,numaépoca emqueos jornaisnãopublicariamnada sobreo casode amordo rei coma srta.Wallis Simpson: “Hark theherald angels sing/Mrs.Simpson’spinchedourking”.***Será que amensagem sobre a incompatibilidade do casal— ummonarca inglês ligado a uma

americana divorciada — era reforçada pela incongruência de um escândalo sexual cantado namelodiadeumamúsicadeNatal?Édifícildizer,mastenhocertezadequealgodessetipoestavaemação na versão sacrílega do comercial da Pepsi-Cola. A paródia não zombava apenas das crençascristãs no Espírito Santo, na Virgem Maria e nos apóstolos. Mediante a associação com ocomercial, indicava tambémque o cristianismo era umamercadoria vendida como tudomais nomundomoderno e que suas doutrinas tinhammenos validade do que os chamarizes de venda dapublicidade.AtransferênciademensagensdeumcontextoparaoutropertenceaumprocessoqueErvingGoffmandenominamudançadequadro—adescontextualizaçãoearecontextualizaçãodealgo,deformaalheconferirumafeiçãoabsurda,chocanteouengraçada.2É provável que canções funcionassem dessa maneira durante o século XVIII. Música e letra

combinadas em padrões que transmitiam significados múltiplos, estabeleciam associações ebrincavam com incongruências. É claro, temos poucas evidências diretas de como as pessoasouviamcanções séculosatrás.A fimde reconstituir essaexperiência, aomenosde forma indireta,temosdeprocurarpadrõesdeassociaçãoestudandooschansonniers juntamentecomas “chaves”.3Ao correlacionar músicas e letras de todas as fontes disponíveis da década de 1740, tentareicompreender,aindaquedemodoprecário,amaneiracomoosparisiensesouviamduasdascanções

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ligadas ao Caso dos Catorze. Mas primeiro é importante registrar algumas características dascançõesderuadoséculoXVIIIemgeral.Aexemplodeoutrosmeiosdecomunicaçãooralnopassado,ocantonãopodeserrecuperado

tal comoexistiade fato séculos antes.Nuncapoderemos saber exatamente comoas canções eramcantadasem1749,4eseriaumequívocosuporquearicavozdemeio-sopranodeHélèneDelavaultseassemelhaaosguinchosebramidosdoscantoresderuanaParisdoséculoXVIII.Amaneiracomoascançõeseramexecutadasdeviaafetaraformacomoeramcompreendidas.Mudançasdetimbreede ritmopodiamdeixá-lasdelicadasou jocosas, raivosasoucômicas, indecentesou líricas.Temospoucosindíciossobreosestilosdecanto,anãosernopalco,5masasmemóriaseacorrespondênciados contemporâneos indicamque as cançõespopulares, comumente conhecidas comovaudeviles,eram cantadas em toda parte e por todo tipo de gente. Os aristocratas cantavam na corte; ossofisticados, em salões; os ociosos, em cafés; os trabalhadores, em tabernas e guinguettes (locaispopularesparabeber, situados forados limitesda cidade);os soldados,nosquartéis; osmascates,nas ruas;asvendedorasde feira, emsuasbarracas;osestudantes,nas salasdeaula;oscozinheiros,nascozinhas;asbabás,juntoaosberços—Parisinteiramuitasvezesdesatavaacantar,eascançõesregistravam reações a episódios da época. “Não existe nenhum acontecimento que não sejaregistradonumacançãoporessepovozombeteiro”,anotouLouis-SébastienMercierem1781.6Algumas vozes podiam ser detectadas em meio a essa cacofonia. Dois tipos se destacavam:

compositores profissionais ou semiprofissionais conhecidos como vaudevillistes e cantores de ruachamados de chanteurs ou chansonniers. O maior dos vaudevillistes, Charles Simon Favart,supostamenteimprovisavacançõesdesdemenino,quandomisturavamassadefarinhanaconfeitariadopai.Seutalentoacabouporencaminhá-loaoThéâtrede laFoire(farsaseespetáculosmusicaisapresentados durante a temporada de feiras de Saint-German em fevereiro-março e de Saint-Laurentemjulho)eàOpéraComique,ondeeleseapresentouemdúziasdeóperasligeiras,oqueotransformou numa celebridade em toda a Europa. Compositores de canções do mesmo tipoprovinhamde origens relativamentemodestas.Nos primeiros estágios da carreira, vários deles sereuniam na confeitaria de Pierre Gallet, tambémmembro do grupo, que lhes fornecia comida ebebidaenquantoserevezavamparainventarletrasparamúsicascomunsetemasmusicaisclássicos:os prazeres da garrafa, granadeiros galantes, pastoras não muito inocentes, os lindos olhos deClimèneeNicole.Elessedeslocaramparaoscafésnofinaldadécadade1720.Aoladodehomensde letras, fundaram o famoso Café du Caveau em 1733, onde improvisavam canções enquantopassavamasgarrafasdemãoemmãoecompetiamporrisadas.Segundoalenda—mastãograndeéamitologiaquerodeiaoCaveauqueémuitodifícildistinguirseucaráteroriginaldastentativasderessuscitá-lonoséculoXIX—,qualquerpessoaquenãoconseguissecriarumversoespirituosoeracondenadaabeberumcopodeágua.Nadécadade1740,essesvaudevillistes tinhamconquistadoaOpéra Comique, e suas canções, centenas delas, se espalharam por todo o reino. Seus nomes, namaioria, estão esquecidos hoje em dia, exceto entre especialistas: Charles-François Panard,Barthélemy Christophe Fagan, Jean-Joseph Vadé, Charles Collé, Alexis Piron, Gabriel-Charles

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Lattaignant, Claude-Prosper Jolyot de Crébillon (conhecido como Crébillon fils, a fim dediferenciá-lodopai,autordetragédias).Maselescriaramaeradeourodachanson francesae, aomesmo tempo, um espírito de graça e de alegria, que, embora reformulado e comercializado,passouaseridentificadocomaprópriaFrança.7Embora os cantores de rua também ganhassem a vida com suas pilhérias, nunca forammuito

além das ruas. Acompanhando a si mesmos ou acompanhados por um parceiro ao violino, aorealejo(vielle),àflautaouàgaitadefole(musette),podiamserencontradosemtodapartedeParis.Normalmenteocupavamposiçõesfixasondepudessemseapresentarmelhoraospassantes.Afimdeatrairamultidão,muitasvezesusavamroupaschamativas,chapéusextravagantesfeitosdepapeloupalha,eproduziamumamúsicamuitoalta,competindoporcentavosnasesquinas,nas feiras,nosbulevaresquehaviamtomadoolugardosantigosmurosnaMargemDireita,enosembarcadourosdosdois ladosdoSena.Congregavam-seemnúmero tãoaltonaPontNeufounos seusarredoresque suas canções ganharam o nome de pont-neufs. Mercier descreve dois deles em disputa pelosfavores do público, a poucos passos um do outro, trepados em bancos, munidos de rabecas egesticulandoparaumalonadesenroladaouumaplacapintada,queserviaparailustrarseustemas:deumlado,odiaboeosperigosdofogodoinferno,quepoderiamserevitadoscomacompradeumescapulário(umafitadepanoconsagradaqueosmongesusavamsobreoombro);deoutro,umgeneralgalantequetinhavencidoumabatalhapoucoanteseestavacelebrandoofeitocomvinhoemulheres. O segundo cantor leva a melhor sobre o primeiro, e a multidão reunida à sua voltaconfirmaavitóriadepositandomoedasdedoispenceemseubolso.8Mercier relata a cena em tomde ironia, comoum combate entre o sagrado e o profano;mas,

embora não se deva tomá-la de forma literal, sua descrição transmite os atributos clássicos decantoresderua,que tambémpodemservistosemimpressosdaépoca:algumtipode tribuna,umcartaz,um instrumentomusical,depreferênciauma rabeca,demodoqueo arcopodia serusadocomoumponteiroindicativoparaguiarosouvintesnodecursodosepisódiosdanarrativaouparaidentificarospersonagens.Como acontecia em toda parte na Europa, as execuções públicas forneciamomelhormaterial

para as canções, mas qualquer pessoa importante podia estar sujeita a um vaudevile. De fato,Mercier diz (com certo exagero) queninguémquenão tivesse figuradonuma cançãopoderia serconsideradoimportanteaosolhosdopovo:

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7. Um cantor itinerante se apresentando, enquanto seu parceiro vendebugigangaselivretoscombaladas.

Quando,felizmenteparaopoetadaPontNeuf,algumpersonagemilustresobeaocadafalso,suamorteérimadaecantadacomoacompanhamentodeumarabeca.Parisinteiraproporcionamaterialparacanções;equalquerpessoa,sejaummarechaldecampoouumcriminosocondenado,quenãotenhafiguradonumacanção,adespeitodoquepossafazer,permanecerádesconhecidoparaopovo.9

Cantores de rua viviam à margem da sociedade estabelecida, comomendigos itinerantes; eles

também tinham muito em comum com os mascates, porque com frequência vendiam folhetos,manuscritos ou impressos, com a letra de suas canções. Os folhetos pareciam os livretos ealmanaques populares que os mascates comercializavam nas ruas, entoando pregões.10 Em geral,continhamseis,oitooudozepáginasmanuscritasou toscamente impressas, àsvezes comasnotasmusicais,eeramvendidosporseissous.Alguns eram publicados por especialistas como J.-B.-Christophe Ballard, que produziu a

coletâneaLeClefdeschansonniers,ouRecueildevaudevillesdepuiscentansetplus(1717),masoutroseram atribuídos a editores fictícios ou a autores como “Belhumeur, chanteur de Paris”,“Beauchant”, “Bazolle dit le Père de la Joye”, “Baptiste dit le Divertissant”.11 Compositores decanções que assinavam com pseudônimos— “Belhumeur”, em particular, e também personagensfantasiosos,como“MessireHonoréFiacreBurlondelaBusbaquerie”12—aparecemcomfrequência

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nos chansonniers, ao lado de referências a cantores que podem ter existido de fato e eramidentificados apenas por sua ocupação: “um granadeiro daGuarda”, “ummestre peruqueiro quereside na Rue du Bacy, Faubourg Saint Germain”, “um residente em Rambouillet […] que échapeleiroemetidoafazerrimas”.13

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8.Umlivrodecançõesmanuscrito.Como as identificações sugerem, as canções não provinham exclusivamente de círculos

sofisticados; e,qualquerque fosse suaorigem,pertenciamàculturadas ruas.Cantoresde ruaquepercorriam os bulevares, sobretudo mulheres conhecidas como vielleuses, por tocar o realejo(vielle), às vezes se aliavam a prostitutas, fazendo negócios com versões escandalosas de cançõestradicionais—ouatémesmoseprostituindoemquartosnosfundosdoscafés.14Cançõessemoviampara cima e para baixo na escala social, atravessavam fronteiras e se infiltravam em locaisinesperados.UmnoëlpodiaserumacançãodeNatale tambémumasátirapolíticado tipoqueoscortesãosgostavamdeinventarnofinaldoanoequeviajavadeVersaillesatéosbulevaresedepoisfazia o caminho de volta, enriquecida de versos novos. De vez em quando uma canção novaalcançavatantosucessoquepreenchiaoardetodaacidadeeeraadaptadaaqualquerassuntoquesepodiaimaginar.“LaBéquilledupèreBarnabas”(ou“Barnaba”,emalgumasversões),umacanção

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sobre um pobre frade capuchinho que padeceu uma miséria terrível depois que sua igreja foiroubada,decertomodocomoveuafundotodotipodeparisienseem1737.Foicopiadaemtodosos chansonniers daquele ano e se prestou a tratar dos temas mais disparatados, alguns políticos,outrosmelancólicosealgunsobscenos.15“Les Pantins”, um sucesso maior ainda de 1747, derivava de um espetáculo de fantoches.

Marionetesfeitasdepapelão—chamadasdePantinsePantines,àsvezesdecoradascomorostodefiguraspúblicas—vendiamcomoáguaepodiamserpostasparadançar,enquantoomanipuladordos bonecos cantava versos que satirizavam osministros, zombavam do papa ou escarneciam doParlamentodeParis:16Vousn’êtesquedesPantins;Vousn’êtesqu’uncorpssanâme.

Vocês[membrosdoParlamento]nãopassamdefantoches;Nãopassamdeumcorposemalma.

Masafungibilidadedaspalavrasedasmúsicasapresentaumproblema:seamesmamelodiapodia

seradaptadaamuitosedisparatadosassuntos,comoépossíveltraçarumpadrãocoerentedetemasassociados àmúsica?Existeumacorrelaçãoclara emalgunspoucos casos: cançõesque zombavamdoprévôtdesmarchands (oprincipal funcionáriomunicipaldeParis,umdos alvosprediletosdassátiras)serviamparaamelodiapopularconhecidacomo“LePrévôtdesmarchands”.17UmacançãosobreoexíliodoParlamentodeParisde1751conseguiadarseurecadosimplesmenteporqueeracomposta com base numamúsica conhecida como “Cela ne durera pas longtemps” (Isso não vaidurarmuitotempo).18Masemtermosrelativostaiscasossãoraroseasincoerências,comuns.Comfrequência,amesmamúsicaerausadaparatransmitirmensagensdiferentes,eamesmaletraeraàsvezesadaptadaamúsicasdiferentes.

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9.Umacançãode sucessode1737num livrodecançõesmanuscrito, comnotasmusicais.

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***

Setivermosemmenteessadificuldade,serápossíveldetectarumacadeiadeassociaçõesagregada

às músicas que reverberavam pelas ruas de Paris enquanto a polícia andava à caça de suspeitosligadosaoCasodosCatorze?Paradarcontadessaquestão,éprecisosaberquaisasmelodiasmaispopularesem1749ecomorefletiamosacontecimentosdaépoca.Informaçõesdetalhadassobretaisassuntospodemserobtidasnoapêndicedestevolume:“Apopularidadedasmelodias”e“Umcabaréeletrônico: Canções de rua de Paris, 1748-50”. Munidos desse pano de fundo, o que podemosconcluirsobrearecepçãodasduascançõesmaispopularesentranhadasnoCasodosCatorze?Amelodia da canção que desencadeou a queda doministério deMaurepas, em 24 de abril de

1749, aparece emmuitos chansonniers após este primeiro verso: “Réveillez-vous, belle endormie”(Desperta, belaquedorme).Das referências a elaque encontrei, amais antigadatade1717,numchansonniercomsuaprópriachave,quecontinhaamúsicaparaaseguinteletra:19Réveillez-vous,belledormeuse,Simesdiscoursvousfontplaisir.Maissivousêtesscrupuleuse,Dormez,oufeignezdormir.

Desperta,belaquedorme,Semeusdiscursostedãoprazer.Masseésescrupulosa,Dorme,oufingedormir.

Quando a melodia nasceu, é impossível dizer. O chansonnier de 1717 afirmava que suas cançõesremontavamacemanosoumais,20 e existeumadoséculoXVI, “Réveillez-vous, coeursendormis”,que provavelmente é uma ancestral das versões do século XVIII.21 Embora algumas canções seinfiltrassem nas ruas de Paris a partir de fontes identificáveis, como a ópera, musicólogos efolcloristas em geral consideram inútil procurar a versão original de uma canção tradicional.Porque as canções de mais ampla disseminação eram constantemente reformuladas em origensincertas.No caso de “Réveillez-vous, belle dormeuse”, PatriceCoirault, amaior autoridadenessecampo,associaasversõesmaisantigasaumcontosobreumamantequeaparecedoladodeforadajaneladeumadamacomaqualpretendesecasar.Quandoeleadespertacomseuchamado,adamarespondequeseupaidecidiunãopermitirocasamentoporqueestáresolvidoamandá-laparaumconvento.Emdesespero,oamante,então,declaraqueiráseretirardomundocomoumeremita.22Amúsica reforça essamensagemmelancólica. Ela é doce e tristonha, simples e lírica, como se

podeverificarouvindoagravaçãodeHélèneDelavault.Versõesposterioresdacançãoconfirmamesseaspecto.UmaadaptaçãofeitapelovaudevillistepopularCharles-FrançoisPanardapreendeuseutomtristonho,reformulando-acomoumlamentocantadopeloamante:contemplandoumrio,elecompara a constânciade seu amor ao fluxoda correnteque semovede forma irresistível,morro

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abaixo,rumoaumaplanícieflorida:23Ruisseauquibaignecetteplaine,Jeteressembleenbiendestraits.Toujoursmêmepenchantt’entraîne.Lemiennechangerajamais.

Regatoquebanhaestaplanície,Pareçocontigoemváriosaspectos.Sempreamesmainclinaçãoteempurra.Aminhanãomudarájamais.

Qualquer que tenha sido a evolução precisa da canção, parece válido concluir que ela inspiravaideiasdeamor,ternuraedocemelancolia.Esseconjuntodeassociaçõescriavaumquadroouumconjuntodeexpectativas,suscitadaspelos

sons e pelas palavras do primeiro verso, que podia ser explorado na versão que atacavaMme. dePompadour.De fato, umaparódia anterior, que tinha a intenção de humilhar umaduquesa cujonome não émencionado, já havia demonstrado a eficácia damudança de registro, do adocicadopara o sarcástico. Adotava o costumeiro tom meloso no início, depois desfechava um golpedevastadornoversofinal:24Survospascharmants,duchesse,AulieudesgrâcesetdesrisL’amourfaitvoltigersanscesseUnessaimdechauve-souris.

Emseuspassosencantadores,duquesa,Emlugardegraçaserisos,Oamorfazesvoaçar,sempausa,Umenxamedemorcegos.

O ataque a Mme. de Pompadour atribuído a Maurepas se assemelhava estreitamente à paródiadirecionada contra a duquesa e empregava a mesma técnica de mudar o enfoque, mediante umúltimoversoincongruente:Parvosfaçonsnoblesetfranches,Iris,vousenchanteznoscoeurs;Surnospasvoussemezdesfleurs.Maiscesontdesfleursblanches.

Porsuasmaneirasnobresefrancas,Iris,tuencantasnossoscorações;Emnossospassos,tusemeiasflores.

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Massãofloresbrancas.

O tiro de misericórdia no último verso, que alude à doença venérea (fleurs blanches ou flueursblanches[fluxosbrancos]),eraaindamaismaldosodoqueoinsultosobreoenxamedemorcegos,esugere que o autor da canção sobre Pompadour adaptou omodelo anterior a um alvo novo.Noentanto, sejaqual for sua fonte imediata,acançãoquederrubouogovernoem1749derivavaboaparte de sua eficácia de uma cadeia de associações que podem remontar ao século XVI. Para opúblico parisiense, tais associações provavelmente reforçavam o golpe desfechado pelo últimoverso, que extraía boa parte de seu poder de uma retórica da incongruência: de modo abrupto,transformavaumacançãodeamoremsátirapolítica.Tenhoderesguardaresseargumentocomoadvérbio“provavelmente”porqueeleenvolvecerta

dose de especulação. Também é suscetível a uma objeção, que é a seguinte: “Réveillez-vous, belleendormie” pode ter nascido como uma chorosa canção de amor; mas, usada com regularidade,poderia ter adquirido outras associações, que talvez tenham criado estática, contradições ouconfusãoentreasreaçõesdosqueaouviramcantadaem1749.Paraverificarquaismensagensforamenxertadas nela, investiguei sua aparência nos dois maiores chansonniers de 1738 a 1750, o“ChansonnierClairambault” e o “ChansonnierMaurepas”, que provémda coleção de canções dopróprioMaurepas. (Infelizmente, ele para em 1747 e, portanto, não contém nada relacionado àqueda deMaurepas do poder.)25 “Réveillez-vous, belle endormie” aparece commuita frequência,sinaldequeamelodiafiguravaentreasprediletasdoscantoresquandoescreviamletrasnovasparamelodias antigas.O “ChansonnierClairambault” incluinoveversõesdelanos trezevolumes (cadaum commais oumenos quatrocentas páginas), abrangendo esse período.Quatro versões têm emmira os ministros e os figurões da corte. O seguinte ataque contra Philibert Orry, ministro dasFinanças,queestavacomprometidoporcausadosgastosextravagantesdo irmão,exemplificaessetipodesátira:26Orry,contrôleurdesfinances,Pourpunirsonfrère,dit-on,Detoutessesfollesdépenses,LeferamettreàCharenton.

Orry,controladordasfinanças,DizemqueparapunirseuirmãoPortodasassuasloucasdespesasVaimandá-loparaCharenton[omanicômio].

Evidentemente “Réveillez-vous, belle endormie” era o tipo de melodia simples que os satiristaspodiam adaptar a fim de atacar personagens de destaque. Os parisienses pareciam habituados aouvi-la usada dessa forma e, portanto, estavam preparados para ouvi-la dirigida contraMme. dePompadour.Masasoutrasaplicaçõesdamelodianãoseenquadramnumpadrãobemdefinido.Foiusadapara

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ridicularizaroexército inimigoduranteaGuerradaSucessãoAustríaca,parazombardoatrativoexóticodoembaixadorturcoquandoeleapareceuemParis,paraescarnecerdaAcadémieFrançaisee até para exprimir indignação contra a perseguição aos jansenistas.27 A versão pró-jansenistacelebravaCharlesCoffin,oreitoraposentadodaUniversidadedeParis,comoummártirdacausa.Em razão de sua resistência em aceitar a bula Unigenitus, que condenava o jansenismo, foi-lherecusadooúltimosacramento,eelemorreusemterfeitoaconfissão:Tu[Coffin]nousapprendspartaconduiteQu’ilfautaimerlavérité,Qu’enfuyantlaBullemauditeOnparvientàl’éternité.

VocênosensinaporsuacondutaQueéprecisoamaraverdade,QueseesquivandodaBulamalditaSechegaàeternidade.

Nadapoderiaestarmaislonge,notomenoespírito,daversãoanti-Pompadourde“Réveillez-vous,belle endormie”, embora os jansenistas figurassem entre os mais clamorosos oponentes dogoverno.28O “ChansonnierMaurepas” confirma as descobertas derivadas do “Chansonnier Clairambault”.

Amboscontêmcincocançõesiguais,eaindamaisuma,que,longedesatirizaralguémoureferir-seaqualquerquestãopolítica,apenascelebravaumaóperarecente.29Levando em conta todos os usos que fizeram de “Réveillez-vous, belle endormie” entre 1739 e

1749,nãosepodeconcluirqueumaúnica linhadeassociaçõestenhapredominadosobretodasasdemais na época em que ela precipitou a queda de Maurepas do poder. A melodia foi dirigidacontrafiguraspúblicascomtantafrequênciaqueosparisiensescaptaramecosdesátirasanterioresquandoelafoiusadaparaescarnecerdeMme.dePompadour.Maspodiamligá-laamuitosoutrostemas, alguns relativamente triviais. Pormais que vasculhemos a fundo os arquivos, é impossívelrecompor um caminho que leve direto, e de modo incontestável, às associações mentais queligavamsonsepalavras,entreosfrancesesdequasetrêsséculosatrás.Emboradefatonãosepossaexaminaramentedosmortos—aliás,nemdosvivos—,aindaassim

é possível, de forma plausível, reconstituir alguns padrões de associação ligados a melodiaspopulares. Ao tabular referências amelodias nos chansonniers, pode-se determinar quais eram asmais populares. (Para uma discussão dessa pesquisa, ver “A popularidade dasmelodias”, no finaldestevolume.)Identifiqueiumadúziademelodiasque,querocrer,eramconhecidasdequasetodosem Paris em meados do século XVIII. Uma das mais famosas, “Dirai-je mon Confiteor”, tambémchamadade“Quandmonamantmefaitlacour”,podeseridentificadaporesterefrão:“Ah!levoilà,ah!levoici”.FoiamelodiausadaparaomaispopulardospoemasenvolvidosnoCasodosCatorze:“Qu’unebâtardedecatin”.Aoconsultarodiagramadoesquemadedifusãodospoemasnocapítulo3,podemosverque“Qu’unebâtardedecatin”entrounaredeemdoispontosseparados,cruzando

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ocaminhodequatrooutrospoemas sediciosos, e foi transmitidaporpelomenos seisdoscatorzesuspeitos.Conformeexplicadonocapítulo10,acatin(puta)emquestãoeraMme.dePompadour,ea versão anti-Pompadour da canção continuou a modificar-se, porque os parisiensesconstantemente improvisavam novos versos a fim de zombar de figuras públicas adicionais eelaboraralusõesaosacontecimentosmaisrecentes.Alémdeseguiraevoluçãodacançãoadiantenotempo,enquantoversosnovoseramenxertados

naestrofeoriginal,“Qu’unebâtardedecatin”,podemostambémseguirocaminhodamelodiaparatrás,rumoaopassado,atravésdeencarnaçõesanteriores,afimdedetectarassociaçõesquepossamter estado agregadas a ela antes que fosse adotada pelos Catorze. A exemplo demuitasmelodiaspopulares, ela assumiu, em suas primeiras versões, a forma de uma canção de amor. SegundoPatriceCoirault,asletrasmaisantigascontavamahistóriadeumrapazquecortejavaumamoçaealudibriavaparaquerevelasseseusverdadeirossentimentosporele.Comonãoconseguiasaberseajovemcorrespondiaàsuapaixão,elesedisfarçoudefradecapuchinho,meteu-senoconfessionárioe,interrogandoajovemsobreseuspecados,induziu-aaadmitirqueestavadefatoapaixonadaporele.30Umaversãoposterioreliminaaconfissãoeinverteospapéis.Enquantooenamoradosuspiraepena,amoçasequeixadatimidezdorapaz.Elaqueração,enãopalavras,eresolveatormentarosamantes futuros caçoando deles: vai conceder certos favores, mas nunca irá satisfazê-losinteiramente.31Aoconferiraoamorumaspectoridículo,essamudançapreparavaocaminhoparaorefrãosarcástico,acrescentadoàsversõespolíticasdacanção:Ah!levoilà,ah!levoici,Celuiquin’enanulsouci.

Ah!aíestá,ah!cáestáAquelequenãoseimportacomnada.

Em 1740, esse refrão acompanhava uma canção que expunha os figurões ao ridículo, exatamentecomoaversãoanti-Pompadourfariaem1749,duranteoCasodosCatorze.Oprimeiroverso—umataquecontraoidosocardealdeFleury,quenaqueleanoaindadominavaogoverno—zombavadainutilidadedoreidamesmaformacomooprimeiroversodoataqueaMme.dePompadourfarianoveanosmaistarde.Assimeraaversãode1740(ouanti-Fleury):32QuenotrevieuxpréfetFleuryRégentetoujours,ouqu’ilcrève,QuesonpetitdiscipleLouisChasse,chevauche,etpuiss’abrève[sic],Ah!levoilà,ah!levoici!Celuiquienestsanssouci.

QuenossovelhoprefeitoFleurySejasempreregenteousearrebente,QueseupequenodiscípuloLuís

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Vácaçar,cavalgar[outerrelaçãosexual],edepoisbeber,Ah!aíestá,ah!,cáestáAquelequenãoseimportacomnada.

Eaversãode1749(ouanti-Pompadour):33Qu’unebâtardedecatin,Alacoursevoitavancée,Quedansl’amouroudanslevinLouischercheunegloireaisée,Ah!levoilà,ah!levoiciCeluiquin’enanulsouci.

QueumameretrizbastardaSejaintroduzidanacorte,QuenoamorounovinhoLuísprocureumaglóriafácil,Ah!aíestá,ah!cáestáAquelequenãoseimportacomnada.

Muitosparisiensesqueouviramacançãoem1749provavelmentecaptaramecosde seuusoem

contextos diferentes do de 1740. Também parece possível que tivessem lembrança de variedadesmais recentesdaversãopopularanti-Pompadourdacanção.Depareicomnoveversõesdesse tipoemvárioschansonniers, cobrindooperíodo1747-9 (ver “Textosde ‘Qu’unebâtardede catin’”,noapêndice deste volume). Embora cada uma difira ligeiramente das demais, todas têm as mesmascaracterísticasbásicas:umasucessãodeversosquezombamdepersonagenspúblicos,sendotodososversosadaptadosàmesmamelodiaeseguidospelomesmorefrão.Adespeitodassuposiçõesedasincertezas inerentes a esse argumento, acho válido concluir que esta melodia, “Dirai-je monConfiteor”, serviu como veículo eficaz para sentimentos contrários ao governo, à medida quemudavamde um alvo para outro ao longoda década de 1740. E, aomesmo tempoque difamavafigurõesindividuais,elafoiusadadeformasistemáticaparazombardorei,queeraescarnecidoaofinaldetodososversosemtodasascançõescomoumaperfeitamediocridadedevassa,“aquelequenãoseimportacomnada”.“Dirai-jemonConfiteor”certamentefezLuísXVparecerumafiguramá.Massuaridicularização

não deve ser interpretada como um republicanismo incipiente ou mesmo como indício de umaprofunda insatisfação comaMonarquia.Assim como “Réveillez-vous, belle endormie”, amelodiatambém se prestou a letras que não se referiam ao rei e ofereciam comentários sobre diversosassuntosrecolhidosnofluxodosfatosdomomento:vitóriasfrancesasduranteaGuerradaSucessãoAustríaca,debatesjansenistas,numcasoatéocolapsofinanceirodeumconhecidoproprietáriodeum bar.34 Outras versões ainda transmitiam mensagens contraditórias sobre a Monarquia. Duas,escritasduranteaeuforiacomarecuperaçãodasaúdedeLuísXVemMetz,em1744,ocelebravamcomo le bien-aimé (o bem-amado). Outras duas condenavam seus casos amorosos com as irmãsNesle como algo adúltero e também incestuoso.35 Não há nenhuma dúvida sobre a força das

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cançõesparacomunicarmensagens, sobretudoemsociedadescomelevadograudeanalfabetismo,mas seria um erro querer ver coisas demais na história das duas canções aqui discutidas— aindamaisporquequase tudoqueaconteceuantesde1789podeserretratadocomopreparativoparaaRevolução. Em vez de se envolver em questões de causalidade, seriamais proveitoso,me parece,indagar de que modo canções podem ser estudadas como um meio de penetrar no mundosimbólico do povo durante o Ancien Régime. Não raro os antropólogos enfatizam o aspecto“multivocal” dos símbolos, que podem transmitir muitos significados no âmbito de um idiomacompartilhado.36 A multivocalidade é inerente ao canto, tanto literal como figurativamente.Mensagens associadas podem ser enxertadas na mesma canção à medida que compositoresdiferentes acrescentam versos novos e sucessivos cantores dão voz a uma melodia. As múltiplasversões de “Réveillez-vous, belle endormie” e “Dirai-je mon Confiteor” mostram como esseprocesso ocorreu. Elas têm relevância para o estudo da opinião pública,mas não provamque osparisiensesestavamcantandoparatomarcoragemeseprepararparaaderrubadadaBastilha.

*Pepsi-Colaacertaemcheio./Vinteonçasbemmedidas,issoéumbocado./Duasvezesmais,etambémmelhor./Pepsi-Colaéabebidaparavocê.(N.T.)**Ocristianismoacertaemcheio./Dozeapóstolos,issoéumbocado./OEspíritoSantoeumaVirgem,também./Ocristianismoéocertoparavocê.(N.T.)***Ouçamoqueanunciamosanjosarautos/Asrta.Simpsonfisgounossorei.(N.T.)

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12.Chansonniers

Amúsicaligadaàpoesiatransmitiamensagensaopúblicocomoumtodo.Maspodemosfalarem“todoopúblico”naParis do séculoXVIII?A expressão parece bastante dúbia hoje emdia e poderepresentardeformamuitoequivocadaaheterogeneidadedeplateiasligadasaoCasodosCatorze.TrêsdosseispoemasreveladosnoCasodosCatorzeseguemosmodelosclássicosdeummodoqueatraíaumpúblicoafimàoratóriasoleneeaoteatrosério.PodemosimaginarosabadeseescrivãosentreosCatorzedeclamandoospoemasunsparaosoutros,ePierreSigorgneditando-osparaseusalunos.Masseráque tinhamrepercussão foradoQuartierLatin?Talveznão.Alexandrinosnãoseprestavam facilmente ao canto, ao contráriodos tradicionais versosdeoito sílabasda chanson.Opovopode ter esbravejado “Qu’unebâtardede catin”nas tavernas eguinguettes que ficam foradoraio de alcance das odes clássicas.Mas, apesar de estar ligada a algumas canções bem conhecidascantadascomamesmamelodia,“Qu’unebâtardedecatin”podeternascidonaprópriacorte;enãoexistenenhumindíciodiretodoalcancedesuapenetraçãonapopulaçãodeParis.Pormaisqueaanálisetextualpossaserreveladora,elanãooferececonclusõessólidassobredifusãoerecepção.Oschansonniersproporcionamalgumaajudaparatratardesseproblema,porquenoshabilitama

situar as canções e os poemas dos Catorze no contexto de todo o material oral e escrito quecirculavanasredesdecomunicaçãodeParisnaquelaépoca.Seuprópriotamanho jáeraemsiumtestemunho. Os chansonniers mais conhecidos, aqueles atribuídos a Maurepas e a Clairambault,alcançam44e58volumes,respectivamente.1UmchansonniernaBibliothèqueHistoriquedelaVillede Paris compreende 641 canções e poemas de circunstância, coligidos entre 1745 e 1752 ecopiadosemtrezevolumescorpulentos.AquelecontendoosversosdifundidospelosCatorzeinclui264canções,amaioriadelashostilaogovernoetodascompostasnosúltimosmesesde1748enosprimeiros de 1750. Era um período em que, como omarquêsD’Argenson anotou em seu diário,“canções e sátiras chovemde todosos lados”.Longede se restringiremaumaelite sofisticada, ascançõesparecemterseespalhadoportodaparte,daíogracejodeChamfort,anosdepois,dequeoEstado francês era “une monarchie absolute tempérée par des chansons” (uma monarquia absolutatemperadaporcanções).2Qualquerumquepercorraessesvolumesficaráimediatamenteimpressionadocomsuavariedade.

Numextremo, eles contêmalgumapoesiapomposa, emespecial as trêsodespermutadas entreosCatorze e que não se destinavam a ser cantadas.3 No outro, incluem toda sorte de canção debebedeira,baladaspopularesebonsmots.Masosmesmostemaspodemserencontradosemtodososgêneros— e são idênticos aos do repertório dosCatorze: o aviltamentodo rei, a indignidadede

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Pompadour,aincompetênciadosministros,adecadênciadacorte,ahumilhaçãodaPazdeAix-la-Chapelle,o tratamentodesonrosoaopríncipeEdouardeoultraje ao impostodavingtième. Seriaprecisoumvolume inteiropara fazer justiça à riquezadospoemas,mas alguns exemplos ilustramsuascaracterísticas:Celuiquinevoulaitrienprendre,Celuiquiprittoutpourtoutrendre,(1)Pritdeuxétrangerspourtoutprendre,(2)Pritunétrangerpourtoutrendre,(3)PritlePrétendantpourleprendre,(4)PritlePrétendantpourlerendre.Aquelequenãoqueriatomarnada,Aquelequetomoutudoparadevolvertudo,(1)Tomoudoisestrangeirosparatomartudo,(2)Tomouumestrangeiroparatomartudo,(3)TomouoPretendenteparatomá-lo,(4)TomouoPretendenteparadevolvê-lo.

Umachavenorodapéajudavaquemnãoconseguissedominarojogodeadivinhações:(1)Leroiparletraitédepaixd’Aix-la-Chapellerendtouteslesconquêtesqu’ilafaitespendantlaguerre.(2)LesmaréchauxdeSaxeetdeLowend’hal.Onprétendqu’ilsontbeaucouppillé.(3)M.lecomtedeSaintSéverinestd’unemaisonoriginaired’ItalieetministreplénipotentiaireàAix-la-Chapelle.(4)LePrinceEdouard.4

(1)Orei,pelotratadodepazdeAix-la-Chapelle,devolvetodasasconquistasquefezduranteaguerra.(2)OsmarechaisdeSaxeedeLowend’hal.Sugerequeelesfizerammuitaspilhagens.(3)OcondedeSaintSéverinédeumacasa[ouseja,deumafamília]origináriadaItáliaefoiministroplenipotenciárioemAix-la-Chapelle.(4)PríncipeEdouard.

JOGOS DE PALAVRAS. Em “Les Echos”, a última sílaba do último verso de uma estrofe podia serdestacada,criandoumefeitodeeco,quetambémformavaumtrocadilho.Portanto,um“eco”queampliavaoescárniogeraldapaixãodeLuísXVporsuaamantedesprezível:UnepetitebourgeoiseElevéeàlagrivoiseMesuranttoutàsatoise,Faitdelacouruntaudis;LeRoimalgrésonscrupule,Pourellefroidementbrûle,CetteflammeridiculeExcitedanstoutParisris,ris,ris.

Umapequenaburguesa

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ElevadaporcausadasafadezaMedindotudopelasuaprópriamedida,Transformaacortenumcortiço;Orei,apesardeseusescrúpulos,Ardeporelafriamente,EssachamaridículaDespertaemtodaaParisriso,riso,riso.5

ZOMBARIA.Essetipodeengenhosidadeproduziaumefeitocontundente:VerssurlerégimentdesGardesfrançaisesquiontarrêtélePrétendantCetessaimdehérosquisertsibiensonroiAMalplaquet,Ettingen,Fontenoy,Couvertd’uneégalegloire,DesGardesenunmot,lebraverégimentVient,dit-on,d’arrêterlePrétendant.IlaprisunAnglais;ODieu!quellevictoire!Muse,gravebienviteauTempledemémoire

Cerareévénement.Va,Déesseauxcentvoix,Val’apprendreàlaterre;Carc’estleseulAngloisQu’ilaprisdanslaguerre.6

PoemasobreoregimentodaGuardaFrancesaqueprendeuoPretendenteEsseenxamedeheróisqueservetãobemaseureiEmMalplaquet,Ettingen,Fontenoy,Cobertodeumaglóriaigual,AGuarda,emsuma,obravoregimentoAcabou,dizem,deprenderoPretendente.Eleprendeuuminglês;ah,meuDeus!Quevitória!Musa,gravebemdepressanoTemplodamemória

Esseraroacontecimento.Vá,Deusadecemvozes,Vácontarparaaterra;PoiséoúnicoinglêsQueeleprendeunaguerra.

PIADAS.Emboraosdoisexemplosacimativessemapeloparaumpúblicorelativamentesofisticado,otrocadilhointerminávelcom“Poisson”,nomedesolteiradePompadour,podiasercompreendidoportodos:Jadisc’étaitVersaillesQuidonnaitlebongoût;

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Aujourd’huilacanailleRègne,tientlehautbout;SilaCourseravalle,Pourquois’étonne-t-on?N’est-cepasdelaHalleQuenousvientlepoisson?7

AntigamenteeraVersaillesQueditavaobomgosto;HojeacanalhaReina,temasupremacia;Seacortesedegrada,Porqueseadmirar?NãoédelaHalleQuenosvemopeixe?

TIRADASDEESPÍRITO.Oversomaissimplesbrincavacomtemasclássicos,comoohomemtraído,afimdechamaraatençãoparaoabusodepoderdorei.AssiméestaquadraparasercantadaourecitadaemnomedomaridodePompadour:M.d’Étiole

Deparleroijesuiscocu.Peut-onrésisteràsonmaître?Telseigneurenrirapeut-êtreQuileseraparlepremiervenu.8

Porordemdorei,soucorno.Quempoderesistiraseusenhor?TalvezalgumnobrepossarirdissoEseráchifradopeloprimeiroquepassar.

BALADAS POPULARES. Melodias que todos conheciam se prestavam melhor a comentários sobreacontecimentospúblicos.Comoeramdifundidasporcantoresderua,sobretudoemPontNeuf,quefuncionava como um centro nervoso para informação num nível popular, eram muitas vezeschamadasdepont-neufs.Umadas favoritasnessegênero, “Biribi”, serviudeveículoparaprotestarcontraotratadodepazeoimpostovingtième:Surlapublicationdelapaixquiseferale12février1749.Surl’airde“Biribi”C’estdoncenfinpourmercrediQu’avecbelleapparenceOnconfirmeradansParis

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Lapaixetl’indigence,Machaultnevoulantpoint,dit-on,Lafaridondaine,lafaridondon,Oterlesimpôtsqu’ilamisBiribi,AlafaçondeBarbari,monami.9

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10.TiradepapelcomumacançãoqueatacavaaPazdeAix-la-Chapelleeascerimônias para celebrá-la, organizadas por Bernage, o prévôt desmarchands.

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Sobreapublicaçãodapazqueterálugarem12defevereirode1749.Sobreamelodiade“Biribi”Seráenfimnaquarta-feiraQuecommuitapompaIrãoconfirmaremParisApazeaindigência,PoisMachaultnãoquer,dizem,Afaridondaine,afaridondon,RevogarosimpostosquecriouBiribi,ÀmaneiradeBarbari,meuamigo.

CARTAZESBURLESCOS.Estepoemapodeteracompanhadonotíciasreaiscoladasemesquinaseprédiospúblicos.Emtodocaso,tambémpodiaserapreciadoporqualquerpessoaquepassassenarua:AfficheausujetduPrétendantFrançais,rougisseztous,quel’Écossefrémisse,Georgesd’Hanovreaprisleroiàsonservice,EtLouisdevenudel’Électeurexempt,Surprend,arrête,outrageindignementUnHannibalnouveau,D’AlbionlevraimaîtreEtquidel’universmériteraitdel’être.10

CartazsobreotemadoPretendenteFiquemvermelhos,parisienses,porqueaEscóciatreme,GeorgedeHanovertomouoreiaseuserviço,ELuís,transformadoempolíciadoEleitor,Surpreende,prende,ofendeindignamenteUmnovoAníbal,verdadeirosenhordeAlbionQuemereciasersenhordouniverso.

CANTOSDENATALBURLESCOS.Essestambémeramusados,comoasmelodiasmaisconhecidasdetodas.Surlenoël“Oùest-ilcepetitnouveau-né?”LeroiserabientotlasDesasottepécore.L’ennuijusquesdanssesbrasLesuitetledévore;Quoi,dit-il,toujoursdesopéras,Enverrons-nousencore?11

SobreacançãodeNatal“Ondeestáele,esserecém-nascido?”EmbreveoreivaisecansarDesuatolapalerma.

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OtédionosbraçosdelaOpersegueeodevora;Ora,dizele,sempreessasóperas,Atéquandoteremosdeverisso?

DIATRIBES. Os poemas mais violentos exalavam tamanha raiva e hostilidade que algunscolecionadores se recusavam a copiá-los em seus chansonniers. O compilador do “ChansonnierClairambault”anotounovolumedoanode1749: “Emfevereirodomesmoano[1749],depoisdaprisãodopríncipeEdouard,apareceuemParisumpoemacontraorei.Essepoemacomeçavacomestas palavras: ‘Tirano incestuoso etc.’. Achei-o tão torpe que não quis tomá-lo [para ochansonnier]”.12Masoscolecionadoresdeestômagomaisforteoacrescentaramaseuarsenal:Incestueuxtyran,traîtreinhumainfaussaire,Oses-tut’arrogerlenomdeBien-aimé?L’exiletlaprisonserontdonclesalaireD’undignefilsderoi,d’unprinceinfortuné;Georges,dis-tu,t’obligeàrefuserl’asileAuvaillantEdouard.S’ilt’avaitdemandé,Roisansreligion,detaputainl’exil,Réponds-moi,malheureux,l’aurais-tuaccordé?Achèvetonouvrage,ajoutecrimeaucrime,DanstonsuperbeLouvre,élèveunéchafaud,Immole,tulepeux,l’innocentvictimeEtsois,monstred’horreur,toi-mêmelebourreau.13

Tiranoincestuoso,traidordesumanoefalsário,OusastearrogaronomedeBem-Amado?OexílioeaprisãoserãoentãoopagamentoDeumdignofilhoderei,deumpríncipedesafortunado;George,tudizes,teobrigaarecusaroasiloAovalenteEdouard.Seeletivessepedido,Reisemreligião,oexíliodetuaputa,Responde,infeliz,tuteriasacatado?Terminatuaobra,junteumcrimeaoutrocrime,EmteusoberboLouvre,ergaumcadafalso,Imola,tupodes,avítimainocenteEsê,monstrodohorror,tumesmoocarrasco.

O marquês D’Argenson também achou esse poema violento demais para seu estômago: “Ele

inspirahorror”.14Algumassemanasantes,nodia3dejaneirode1749,elenotouqueascançõeseospoemas tinham ido alémdos limites dadecência: “Osúltimospoemasque apareceram contra ele[Luís XV] contêm expressões que insultam sua pessoa e foram rejeitados [até] pelo pior dosfranceses.Todossentemvergonhademaisparaguardá-losconsigo”.15Em24dejaneiro,elerecebeua cópia de um poema tão hostil ao rei e a Pompadour que o queimou.16 E no dia 12 demarço,topoucomumpoemaquesuperavatodososdemais.Continhaameaçasderegicídio:“Acabeidever

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duasnovassátirascontraoreiquesão tãohorríveisquemedeixaramdecabeloempé.ChegamapontodeincentivarumRavaillac,umJacquesClément[osassassinosdeHenriqueIVedeHenriqueVIII]”.17 Esse poemapodia ser forte demais para a corte,mas circulava por Paris e encontrou seuespaçoemdoischansonniers.Noprimeiro,apareciacomoumprotestobrutalegrosseiro:Louislemal-aiméFaistonjubiléQuittetaputainEtdonne-nousdupain.18

Luís,omal-amado,FazteujubileuLargaaputaEnosdápão.

Uma celebração do jubileu, tradicionalmente feita a cada cinquenta anos a fim de assinalar a

remissão dos pecados, tinha sido planejada para 1750, mas foi cancelada, causando muitainsatisfaçãoemParis.Nosegundochansonnier,opoemafoireelaboradodeformaaser lidocomoumincitamentoao

regicídio:Louislebien-aiméLouislemal-nomméLouisfaittonjubiléLouisquittetacatinLouisdonne-nousdupainLouisprendgardeàtavieIlestencoredesRavaillacàParis.19

Luís,obem-amadoLuís,omalnomeadoLuís,fazteujubileuLuís,deixatuameretrizLuís,nosdápãoLuís,cuidadocomatuavidaAindaexistemalgunsRavaillacemParis.

Esseapanhadopodeapenas sugeriragamadegêneroscobertospeloschansonniers,masmostra

que eles abrangiam desde os mais requintados jogos de palavras até os mais brutais vitupérios.Todas as variedades de poesia foram usadas para difundir os mesmos temas que aparecem nascanções e nos poemas dosCatorze. E algumas variedades eram simples o bastante para atrair umpúblicosemsofisticação.Apesardealgunsdeseusautoresprovavelmenteproviremdacorte,outrospertenciamàscamadasmaisbaixasdasociedade.Omaiordetodos,CharlesFavart,erafilhodeum

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pasteleiro.SeuscompanheirosdecantoriasnastavernasenosteatrosdevaudeviledeParis—comoCharles-François Panard, Charles Collé, Jean-Joseph Vadé, Alexis Piron, Gabriel-CharlesLattaignant,François-AugustinParadisdeMoncrif—provinhamdefamíliasmuitomodestas.Seuspais eram pequenos advogados ou comerciantes; e, embora tenham alcançado certoreconhecimento—MoncriffoieleitoparaaAcadémieFrançaise,Lattaignanttornou-secônegoemReims—, eles passaram amaior parte da vida nomeio do povo de Paris— emuitas noites emtavernas como a Caveau, uma grande fonte de canções, que foi a sede demuitas “associações deorgiasedecantorias”,comoaOrdreduBouchon,aConfrériedesBuveurseaAmisdelaGoguette(aOrdemdaRolha,aConfrariadosGlutõeseaAmigosdaFarra).Qualquerumpodiacantarumacanção de bebedeira e até improvisar uma ou duas estrofes, ocasionalmente temperadas por umaalusãocortanteaosfatosdomomento.Adimensãocoletiva,popular,nacomposiçãodecançõesnãofiguranosarquivos,masexisteum

casonosregistrosdapolíciaqueilustraaversificaçãoentreopetitpeuple [classebaixa]deParis:ocasodeMme.Dubois.Entreosmuitos fardosde suavidaobscura,omaispesadoera seumarido,vendedor numa loja de tecidos e grosseirão insuportável. Certo dia, depois de uma discussãoparticularmentedesagradável, amulher resolveu livrar-se domarido.Escreveuuma carta sobumnomefalsoparaotenente-generaldapolíciadizendoquetinhavistoumhomemlendoopoemanaruaparaoutrohomem.Osdois fugiramassimqueaviram,deixandopara trásopoema,nochão.ElapegouopapeleseguiuohomematésuaresidêncianaRueLavandières—oapartamentodeM.Dubois.Mme.Duboistinhainventadoahistórianaesperançadequeapolíciafossepularsobreseumaridoemandá-lodiretoparaaBastilha.Depoisdepôradenúncianocorreio,porém,elamudoude ideia.Omarido, de fato, era um grosseirão,mas será quemerecia desaparecer numa oubliette[masmorra]?Tomadapeloremorso,elafoiàaudiênciapúblicasemanaldotenente-generalejogou-seaseuspés,confessandotudo.Eleaperdooueocasofoiarquivado—juntocomopoema.Nãosetratadeumaobrade arte importante,masmostrao tipodepoemaque era compostonumnívelpróximo da base da hierarquia social, e seu tema é essencialmente aquele do refrão de “Qu’unebâtardedecatin”:Nousn’auronspointdejubilé.Lepeupleenparaîtalarmé.Pauvreimbécile,etquoi!Nevoit-ilpasQu’unep…[putain]guidelespas[DeLouisQuinzelebien-aimé?]Lepapeenestému,l’Églises’enoffense,Maiscemonarqueaveuglé.Secroyantdansl’indépendance,RitduSaintPèreetf…[fout]enliberté.20

Nãoteremosumjubileu.Opovoparecealarmadocomisso.Pobresimbecis,ora!NãoveemQueumap…[puta]guiaospassos

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[DeLuísXV,obem-amado?]Opapaestáaborrecido,aIgrejaseofende,Masessemonarcacego,Acreditando-seindependente,RidoPaiNossoef…[fode]emliberdade.

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13.Recepção

A fim de estudar a reação dos contemporâneos aos poemas, devemos consultar os diários e asmemóriasdaépoca;maselesnãoforamescritosafimdesatisfazeracuriosidadedospesquisadoresmodernos. Em geral, mencionam antes fatos do que reações a poemas. Porém, os próprios fatosdesencadeavam reações, produzindo, sem querer, uma espécie de propaganda da proeza, que seespalhavadeiníciodebocaembocaedepoispormeiodepoemasecanções.Observemos o fato que produziu o maior número de versificações em 1748-9, o sequestro do

príncipeEdouard.Edmond-Jean-FrançoisBarbier,oadvogadoparisiensecujodiário forneceumaavaliação equilibrada do sentimento público, registrou-o prontamente como um importante“acontecimento de Estado”. Ele descreveu com grandes detalhes a prisão do príncipe na ópera,observandocomoanotíciaseespalhouemondasapartirdoepicentrodoepisódio:Anotícia se espalhou imediatamenteno interiordaópera,ondeaspessoas jáhaviamchegado, e tambémentreosque tentavamchegarnaquelemomentoeforambarradosnarua.Issoprovocoumuitadiscussão,nãosódentrodoteatrocomoemtodaparteemParis,aindamaisporqueessedesafortunadopríncipeeraamadoeamplamenterespeitado.1

Barbier observou que os jornais,mesmo as gazetas daHolanda em língua francesa, publicaram

apenasumregistromuitosucintodoincidente,pelojeitoporcausadapressãodogovernofrancês,o qual, disse ele, temia um levante popular em apoio ao príncipe.2Mas a notícia continuou a sepropagar de boca em boca, fomentando o mauvais propos pelo qual pessoas foram presas nassemanas seguintes.Registrosdetalhados, em formadebruits publiques eondits,mantiveramParisfervilhantepordoismeses,atéqueaPazdeAix-la-Chapellefoioficialmenteproclamada,em12defevereiro de 1749. A essa altura, a indignação, tanto com o tratamento oferecido ao príncipequanto com a humilhação do acordo de paz, tinha alcançado as camadas mais humildes dapopulação. O povo se recusou a gritar “Vive le Roi!” durante as requintadas cerimônias paracelebrarapaz,segundoBarbier:Opovoemgeralnãoestámuitofelizcomessapaz,emboraprecisemdelatremendamente,poisquemedidasteriamdesertomadasseaguerraprosseguisse?Dizemque,quandoasvendedorasdafeiraemLesHallesdiscutem,falamumasparaasoutras:“Vocêétãoburraquantoapaz”.Opovotemseuprópriojeitoderaciocinar.OtristedestinodopobrepríncipeEdouarddesagradouaopovo.3

O “povo” encontrava muitos meios para exprimir seu descontentamento. Segundo o marquês

D’Argenson,elesserecusaramadançarnascelebraçõesdapazepuseramosmúsicosparafora.4Eles

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seaglomeraramnaPlacede laGrèveparaveroespetáculode fogosdeartifício,masemnúmerotãograndequeamultidãoperdeuo controle eumadúziadepessoasoumais forampisoteadas emorreram.5 Esse desastre foi recebido como ummau presságio, difundido por outros rumores emauvais propos. “Todo infortúnio, toda fatalidade acaba sendo atribuída aos erros do governo”,escreveuD’Argenson.AculpadessemorticínionaPlacedelaGrèvenodiadacelebraçãodapazéatribuídaàsautoridades,àfaltadeordemedeprevidência[…].Algunschegamapontodeseentregarasuperstiçõeseaugúrios,comofaziamospagãos.Elesseperguntam:“Oqueessapazprenuncia,tendosidocelebradacomhorrorestãogeneralizados?”.6

Outrosveículostambémpropagavamodescontentamento.Umcartazburlesco,escritoemforma

de uma proclamação de George II, ordenava a Luís xv, na condição de menino de recados dosingleses, que capturasse o príncipe Edouard e omandasse para o papa em Roma.7 Um impressopopularcaricaturavaahumilhaçãodeLuísnasquestões internacionais:presoeamarradocomseuculotte abaixado, ele era chicoteadono traseiroporMariaTheresadaÁustria-Hungria, enquantoGeorge ordenava: “Bata com força!”, e os holandeses gritavam: “Ele vai ver só!”.8 Essa caricaturacorrespondia ao tema de outros cartazes e canards, e mesmo a algumas conversas sediciosasrelatadasquatroanosantesporumespiãodapolícia.Umgrupodeartesãosquebebiamejogavamnuma taverna começou uma discussão sobre a guerra. Um deles chamou o rei de jean-foutre,acrescentando:“Vocêsvãover,vocêsvãover.ArainhadaHungriavaidardechicoteemLuísXV,assimcomoarainhaAnafezcomLuísXIV”.9Essaenxurradadeprotestos—empoemas,canções,impressos,cartazeseconversas—teveinício

emdezembro de 1748 e persistiu atémuito depois da queda deMaurepas, no dia 24 de abril de1749.Aoseguirospassosdeumpoema,a“Odesurl’exildeM.deMaurepas”,apolíciadeuvazãoagrandesreservasdedescontentamentoquetinhampoucacoisaavercomopróprioMaurepasequerecobriam uma imensa variedade de assuntos. Toda a documentação, pormais fragmentária queseja,sugereduasconclusões:ospoemasreveladospelapolíciarepresentavamapenasumapequenapartedeumavastaliteraturadeprotesto,earededosCatorzeconstituíaumpequenosegmentodeumenormesistemadecomunicação,queseestendiapor todosossetoresdasociedadeparisiense.Masumproblemacrucialpermanece:comoeramentendidostodosessespoemas?Deváriasmaneiras,semdúvida—amaiorpartedelasinacessíveisparaapesquisa.Paraconseguir

pelomenosumavisãoderelancedessasformas,éprecisoconsultarospoucosrelatosdaépocaquesobreviveram.Três deles sobressaem.Todos se referem aos poemas sobre o sequestro do príncipeEdouard, “Quel est le sortdesmalheureuxFrançais” e “Peuple jadi si fier, aujourd’hui si servile”.Charles Collé, o dramaturgo e trovador, costumava restringir seu diário a comentários sobreteatro; e, quandomencionava assuntospolíticos,nãomostravanenhuma simpatiapelosprotestospopulares.Ospoemasofendiamtantosuavisãopolíticaquantoseusentidodeversificaçãocorreta:Estemês,circularamalgunspoemasmuitoruinsemuitoinconvenientescontraorei.Elessópodemtervindodomaisextremadodosjacobitas.SãotãoexaltadosemfavordopríncipeEdouardecontraoreiquesópodemtertidoorigememalgumloucodeseu[deEdouard]partido.Euviospoemas.Oautornãoénempoetanemhomemhabituadoacomporversos;éseguramenteumhomemda

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sociedade.10

Barbier,oadvogadoquesempretomavaoladodapolíticadorei,citouospoemasemdetalhes,

comentando apenas que eram “muito atrevidos” e exprimiam um vigoroso descontentamentopúblico.11OmarquêsD’Argenson, que frequentava os círculos íntimos deVersailles e tinha umavisão crítica do governo, também considerava os poemas chocantes e os atribuía ao “partidojacobita”.Mas explicou que essa facção, na realidade, falava por todos os descontentes do país eexprimia uma maré crescente de protesto público. Todos à sua volta, afirmava ele, haviammemorizado“QuelestletristesortdesmalheureuxFrançais”,todososoitentaversosdopoema;ecitavaaquelesmencionadoscommaisfrequência:Hoje,todossabemdecoros84versos,quecomeçamcom“Quelestletristesort”.Todosrepetemosversosprincipais:“OcetroaospésdePompadour”;“Nossaslágrimasenossoescárnio”;“Tudoneste lugarétorpe,ministroseamantes”;“Ministroignoranteedevasso”etc.12

É claro que “todos”, para omarquêsD’Argenson, provavelmente não significava nada além da

elitedacorteedacapital.MasospanfletárioshostisaoreifizeramecoàopiniãodeD’Argensonnadécada de 1780, quando recapitularam o reinado de Luís XV e identificaram os poemas comosintomáticosdomomentoemqueoreicomeçavaaperderopodersobrealealdadedeseussúditos:Foiexatamentenessaépocavergonhosa[daprisãodopríncipeEdouard]queoescárniogeralpelosoberanoeporsuaamante,quenuncaparoudecresceratéofim[doreinadodeLuísXV],começouasemanifestar[…].EsseescárnioexplodiupelaprimeiraveznopoemasatíricosobreaafrontacometidacontraopríncipeEdouard,noqualLuísXVerarepreendido,emcomparaçãoàsuavítimailustre:“Eleéreipresoemsuascorrentes;eoqueévocênotrono?”.Enaapóstrofedirigidaànação:“Povooutroratãoorgulhoso,hojetãoservil,/Nãooferecesmaisasiloparapríncipesdesafortunados”.

A ansiedade com que o público procurava tais poemas, tratava de aprendê-los de cor e os

transmitia a outras pessoas comprova que os leitores adotavam a opinião do poeta. Mme. dePompadour não era poupada nos poemas. Numa comparação humilhante, ela era equiparada aAgnès Sorel… Pompadour deu ordens para que fossem tomadas as medidas mais severas eencontrados os autores, os vendedores e os distribuidores de tais folhetos e, em pouco tempo, aBastilhaficoucheiadeprisioneiros.13

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14.Umdiagnóstico

Vasculhandoeesmiuçandoafundoasfontesdaépoca,podemosreunirmaisalgunscomentáriossobre reações aos poemas; mas a documentação jamais permitirá nada comparável à modernapesquisadeopinião.Otrabalhopermanece irredutivelmenteanedóticoeasanedotas,deumjeitoou de outro, provêm da elite. Portanto, em vez de tentar uma cobertura abrangente, proponhoexaminar de perto uma fonte, ainda que idiossincrática, na qual as opiniões e o público são aspreocupaçõesprincipais.OdiáriodomarquêsD’Argensondificilmenteofereceumretratodesanuviadodaatmosferade

opiniãosobLuísXV.Naverdade,omarquêseraumhomemmuitobeminformado.NacondiçãodeministrodoExteriordenovembrode1744ajaneirode1747,eleconheceuVersaillespordentro;econtinuou a observar aquele ambiente como um conhecedor profundo, ao mesmo tempo queacompanhava de perto os acontecimentos em Paris, até suamorte, em 1757.Mas tinha opiniõescategóricas, as quais declarava sem reservas em seu diário e que perturbavam sua percepção dosacontecimentos. Como indica em suas Considérations sur le gouvernement ancien et présent de laFrance,publicadopostumamenteem1764,elesimpatizavacomasideiasdosphilosophes,sobretudoVoltaire.Defato,omarquêstinhaumavisãotãohostildeLuísXVePompadourqueencarouacrisede 1748-9 como uma confirmação do argumento sobre o despotismo que Montesquieu haviaacabado de publicar em De l’Esprit des lois.1 Ele detestava Maurepas, “esse pequeno e torpecortesão”;2 e observava a crescente influência de seu irmão, o conde D’Argenson, ministro daGuerra, comummistode ciúme e apreensão.Deslocadopara asmargensdopoder e à esperadequeascoisassedeteriorassematalpontoqueelefossechamadodevoltaparasalvá-los,elepareciaantesumprofetadoApocalipsedoqueumisentocronistadeseutempo.Porém, devido a suas peculiaridades, o diário deD’Argenson pode ser tomado como um guia

paraofluxodeinformaçõesquechegavamàelitepolítica,semanaasemana,em1748e1749.Commaiorcautela,tambémpodesertomadocomoumregistronãosódosfatos,mastambémdoqueaspessoas diziam sobre os fatos — pessoas comuns, pois D’Argenson se empenhava em registrarcomentários ouvidos em feiras, mexericos em jardins públicos, boatos ouvidos nas ruas, piadas,canções, folhetos impressos e tudo o que ele achava que pudesse indicar o estado de ânimo dopúblico. Ele foi informado, por exemplo, da conversa que ocorreu em torno da “árvore deCracóvia”, um local de reunião para debates públicos no jardim do Palais-Royal.3 Acompanhourelatos sobre manifestações populares em protesto contra o tratamento dado aos jansenistasdurante a discussão sobre a recusa dos sacramentos.4 E registrou os rumores que corriam entre

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trabalhadoressobrecriançassequestradasnasruaspelapolícia—umcasoextraordináriodebruitspublics quedesencadeou émotions populaires (revoltas em grande escala), inflamadas, pelo que eleouviudizer,porummitosobreomassacredos inocentesafimdeseobtersangueparaumbanhode sangue, de queo rei precisavapara curar-sedeumadoençaqueo castigavapor causade seuspecados.5Já em dezembro de 1748, D’Argenson registrou uma onda de hostilidade contra o governo, a

qualeleatribuiuàprisãodopríncipeEdouardeaodescontentamentocomoacordodepaz:Canções,sátiraschovemdetodososlados[…].Tudoofendeopúblico[…].Empúblicoeemcompanhiarefinada,deparo-mecomconversasquemechocam,umescárniodescarado,umprofundodescontentamentocomogoverno.AprisãodopríncipeEdouardlevouissoaoauge.6

Ascançõeseospoemascontinuaramajorraremjaneirode1749,masdeiníciopareciamradicais

demaisparaseremlevadosasério.AexemplodeCharlesCollé,D’Argensonosatribuíaaosadeptosjacobitasdopríncipe.No fimdomês,no entanto, ele observouqueodescontentamentohavia seespalhadoportodaparte.Novospoemascirculavamemfevereiro,algunstãoviolentosque,comojámencionei,D’Argensonserecusouaaceitarcópiasdostextos.Depoisdaproclamaçãodotratadode paz, ele notou uma grande “efervescência em meio ao povo”, na maior parte dirigida antescontra o governo e Pompadour do que contra o próprio rei.7 Emmarço, no entanto, Luís nãoestavamaissendopoupado:“Canções,poemas,folhetossatíricoschovemcontraapessoadorei”.8Duranteaprimavera—enquantoospreçossubiam,osimpostosnãobaixavam,eorei,peloque

diziam, gastava cada vezmais com a amante—, o governonão conseguia fazer nada correto, aosolhos do público: “Tudo o que é feito hoje em dia tem o infortúnio de ser desaprovado pelopúblico”.9 Quando se espalhou a notícia do imposto vingtième e os parlamentos começaram aresistir à Coroa, D’Argenson detectou sinais de uma outra Fronda. Registrou o surgimento denovascançõessobrePompadourenovosversosaplicadosamelodiasdecançõesantigas,algunstãosediciosos que trouxeram à sua memória asMazarinades, que haviam fomentado o levante de1648.10 Poissonades, assim ele os denominou, numa alusão jocosa ao nome de solteira dePompadour;11 e os levou a sério como sinal de uma rebelião incipiente ou até de um atentadocontraavidadorei.12Orenascimentodasdiscussõescomosjansenistasfezasituaçãopareceraindamaisexplosivaemabril.Aessaaltura,D’Argensonenxergouoperigorealdeumarévoltepopulaire13— não de uma Revolução Francesa, que continuava impensável em 1749, mas uma repetição daFronda,porqueosparlamentospareciammobilizaropovocontraogoverno,assimcomotinhamfeitocemanosantes.D’Argensonnãonutriaamenorsimpatiapelosmagistradosnosparlamentos.Elesperderiammuitocomavingtième,pois,peloquea leidispunha,suaspropriedadesruraisnãoestariammaisisentasdeimpostos.Porém,aodaremaoseuinteressepróprioafeiçãodedefesadopovo,elespodiamprovocarumagravecrise:“OParlamentosevêcomoresponsável,aosolhosdopovo,porgarantiro interessenacionalnestaocasião.Quando falamuitopelopovoebempouco

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porsimesmo,oParlamentoétemível”.14Emretrospecto,D’Argenson temreceiodeparecer exagerado.SabemoshojequeoParlamento

de Paris se curvou após algumas reprimendas formais e que a resistência à vingtième se deslocoupara o clero, que a diluiu de tal forma que acabou por neutralizar a crise. Mas a instabilidadeestruturaldasfinançasdoEstadosófariapiorarnasquatrodécadasseguintes.ED’ArgensonhaviadetectadoaprópriacombinaçãodeelementosqueiriamlançaroEstadoporterranofimdaqueleperíodo: uma dívida esmagadora após uma guerra dispendiosa, a tentativa de um ministroreformistadeimporumnovoeradicalimpostosobretodosossenhoresdeterra,aresistênciadosparlamentoseaviolêncianasruas.Eletambémtocounoelemento-chavequeserevelariadecisivoem1787-8,emboranãotenhapesadonabalançaem1749:aopiniãopública.Naverdade,D’Argensonnãoempregouotermo,maschegoubempertodisso.Eleescreveusobre

“os sentimentos do público”, “o descontentamento geral e nacional com o governo”, “o públicodescontente”, “o descontentamento do povo” e “os sentimentos e as opiniões populares”.15 Emtodos os casos, se referia a uma força palpável capaz de afetar a política a partir de fora deVersailles.Atribuíaissoao“povo”ouà“nação”,semdefinirsuacomposiçãosocial;noentanto,pormaisvagoquefosse,nãopodiaserignoradopelaspessoasqueestavamenfronhadasnaquelemeioedirigiam a política na corte, pelo menos não durante as crises. Em tais ocasiões, observouD’Argenson, canções e poemas constituíam “manifestações de opinião e da voz do público”16 —manifestações, à sua maneira, tão importantes quanto as dos parlamentos, porque, como naInglaterra, a política também existia numa “nação política” fora dos limites das instituiçõesformais.17Assimcomomuitosdeseuscontemporâneos,D’Argensonlevavaoexemploinglêsasério:“OventosopradaInglaterra”.18Elepercebiamomentosemqueosministrosadaptavamapolíticaàsdemandaspúblicas.E,comoex-ministroelemesmo,temiaqueofatodeosministrosnãofazeremtaisadaptaçõespudesselevaraumaexplosão:Masopúblico,opúblico!Suaanimosidade,seufortalecimento,suaspasquinades,suainsolência,osdévôts[umafacçãoultracatólicaeantijansenista],osfrondeurs[agitadorescomparáveisaosrebeldesde1648]—emsuairritaçãocontraacorte,oquenãofarãocontraamarquesa?19

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15.Opiniãopública

OdiáriodeD’ArgensonnãoproporcionaumacessodiretoàsopiniõesdopúblicomaiordoqueosarquivosdaBastilhaouasfichasdapolíciaouquaisqueroutrosdiáriosoumemóriasescritosporobservadoresdavidacotidianaemPariseemVersailles.Quasetodosmencionamaondadecançõese poemas hostis àMonarquia em 1749,mas nenhum oferece uma visão nãomediada da opiniãopública.Talvisãonãoexiste.Mesmohojeemdia,quandofalamosem“opiniãopública”comoumfatotrivialdavida,umaforçaativaemfuncionamentoemtodaparte,napolíticaenasociedade,sóaconhecemosindiretamente,pormeiodepesquisasdeopiniãoedeclaraçõesjornalísticas;emuitasvezeselaserram—oupelomenossecontradizemesãocontestadasporoutrosindicadores,comoas eleições e o comportamento dos consumidores.1 Quando examinamos as conjecturas dosprofissionaismodernos,otrabalhodapolícianoAntigoRegimenosparecemuitoimpressionante.Acho notável que os arquivos da polícia forneçam informações suficientes para rastrearmos ospassos de seis poemas através de uma rede de transmissão oral que desapareceu há 250 anos. Éverdade que o rastro se apaga após catorze prisões, a maior parte delas no pays latin, ou noambiente de estudantes, padres e escreventes judiciários ligados à universidade. Mas adocumentação circundanteprovaquemuitosoutrosparisienses recitavame cantavamosmesmospoemas;quecançõesepoemassemelhantesestavamcirculandosimultaneamenteapartirdeoutrasfontes;queapoesiatransmitiaosmesmostemasqueosfolhetospopulares,panfletoseboatos;equetodo esse material se espalhava até os confins da cidade. Parte dele traía a mão refinada decortesãos;partetraziaamarcadosmexericosdoscafésedosvendedoresdebaladasnosbulevares;parteeracantadaaosbradosemtavernaseesbravejadaentreosoperáriosdeoficinas.Mastudoissoconvergiaparaasredesdecomunicação.Aslinhasdetransmissãosecruzavam,seramificavameseentrelaçavamnumsistemadeinformaçãotãodensoqueParisinteirafervilhavadenotíciassobreasquestõespúblicas.Asociedadedainformaçãoexistiamuitoantesdainternet.Rastrearofluxodeinformaçãoatravésdeumaredeéumacoisa; identificaraopiniãopúblicaé

outra.Seráquepodemosfalarem“opiniãopública”antesdaeramoderna,quandoelaémedidaemanipulada por publicitários, pesquisadores de opinião e políticos? Alguns historiadores nãohesitaram em fazê-lo.2 Mas não levaram em conta as objeções dos analistas do discurso, queargumentamquea coisanãopodeexistir antesqueapalavraentre emuso.Não sóaspessoas sãoincapazes de pensar sem palavras — assim se desevolve a argumentação —, como a própriarealidadeéconstruídadiscursivamente.Semoconceitodeopiniãopúblicatalcomofoielaboradopor filósofosdurantea segundametadedo séculoXVIII, os franceses careceriamdeuma categoria

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fundamentalparaorganizarsuaoposiçãoàCoroaeatéparacompreendê-la.3Acho que muito se pode dizer em favor desse argumento, embora, se levado ao extremo, ele

possadesviar-separaonominalismo.Elefazjustiçaaumingredientenovodapolíticafrancesanasvésperas da Revolução. Uma vez que os filósofos e os publicistas pararam de detratar a opiniãopúblicacomooestadodeânimovolúveldamultidãoecomeçarama invocá-lacomoumtribunaldotadodeautoridadeparajulgaredarsentençasemquestõespúblicas,ogovernosentiu-seforçadoa também levá-la a sério.Ministros como Turgot, Necker, Calonne e Brienne aliciaram filósofoscomoCondorceteMorelletparamobilizaroapoiodopúblicoàs suas iniciativaspolíticasouatépararedigirpreâmbulosparaseusdecretos.Emsua formamaisradical,oapeloàopiniãopúblicapodia converter-se numa afirmação da soberania popular. Como disse Malesherbes em 1788:“AquiloquesechamavadepúbliconoanopassadoéchamadohojedeNação”.4Mas,apesardesuasimpatia pela Grécia antiga, os filósofos não tinham em vista nada semelhante à rudeza e àdesordemdeuma ágora. Emvez disso, imaginavamuma força persuasiva e pacífica, aRazão, queagia pormeio da palavra impressa sobre uma cidadania de leitores.Condorcet, omais eloquenteexpoente desse ponto de vista, invocava umpoder quemovimentava omundomoral demaneiraanálogaàgravitaçãodoscorposnoreinodafísica:eraumaaçãointelectualàdistância,silenciosa,invisível, e em última instância irresistível. Em seu Esquisse d’un tableau historique des progrès del’esprithumain(1794),eleoidentificavacomoaforçadominantenaoitavaépocadahistória,asuaprópriaera,quandooIluminismohavialevadoàRevolução:Umaopiniãopúblicasehaviaformado,poderosa,emvirtudedonúmerodosquedelaparticipavam,evigorosa,poisdeterminadapormotivosqueestãoemtodasasmentesaomesmotempo,aindaqueemdistânciasremotas.Assim,emfavordarazãoedajustiça,via-se a emergência de um tribunal que é independente de todo poder humano, do qual é difícil esconder qualquer coisa e éimpossívelescapar.5

Oargumentoapoiava-seemtrêselementosbásicos—homensdeletras,imprensaepúblico—,os

quaisCondorcetcombinavanumavisãogeraldahistória.Daformacomoeleaentendia,ahistória,essencialmente, se resumia a uma competição de ideias. Homens de letras elaboravam visõesconflitantessobreasquestõespúblicaseasconfiavamàimprensa;então,depoisdepesarambososladosdosdebates,opúblicooptavapelosmelhoresargumentos.Podiacometererros,éclaro;masemúltimaanálise a verdadeprevaleceria,porqueaverdade realmente existia, emquestões sociaisassim como na matemática. E, graças à imprensa, era seguro que a longo prazo os argumentosinferioresseriamdesmascaradoseossuperioresvenceriam.Portanto,aopiniãopúblicaagiacomoaforçamotoradahistória.EraaRazãorealizadamedianteodebate—demaneiranobre,comleituraereflexãonosilênciodogabinete,longedoclamordoscafésedosbarulhosdarua.Variaçõesdessetemapodemserencontradasdispersaspelaliteraturadadécadade1780,àsvezes

acompanhadasdeobservaçõessobreaquiloqueaspessoasestavamdefatolendoecomentandonoscaféseemlocaispúblicos.Assim,duasversõesdaopiniãopúblicasedesenvolviamladoalado:umavariedade filosófica, interessada na difusão da verdade, e uma sociológica, que tinha a ver commensagensquefluíamatravésdecircuitosdecomunicação.Emcertoscasos,asduascoexistiamnasobrasdeummesmoautor.Ocasomaisrelevante,noqualvaleapenanosdetermosemvirtudeda

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rica profusão de suas incoerências, é o de Louis-Sébastien Mercier, escritor mediano, de classemédia,dotadodeumouvidoapuradoparaotomdavidanaParispré-revolucionária.Mercier exprimia as mesmas ideias de Condorcet, mas em feição jornalística, sem os

prolegômenos epistemológicos, os cálculos de probabilidade e a teorização sobre uma ciência dasociedade.Assim,Mercierdiziasobreaimprensa:ÉamaisbeladádivaqueosCéus,emsuamisericórdia,concederamaoshomens.Empoucotempoelavaimudarafacedouniverso.Apartirdospequenoscompartimentosdacaixadetiposmóveisnaoficinagráfica,ideiasgrandesegenerosasserãodifundidaseseráimpossível ao homem resistir a elas. Ele as adotará a despeito de si mesmo, e o efeito resultante já é visível. Logo depois donascimentodaimprensa,tudoassumiuumatendênciageraleclaramenteperceptívelrumoàperfeição.6

Sobreescritores:A influênciadosescritoresé tamanhaqueagoraelespodemapregoarabertamente seupoderenãodisfarçammaisaautoridadelegítimaqueexercemnamentedaspessoas.Estabelecidoscombasenointeressepúblicoenoconhecimentorealdohomem,elesorientarãoasideiasnacionais.Asvontadesparticularesestãotambémemsuasmãos.Amoralidadetornou-seoprincipalcampodeestudodasmentesboas[…].Deve-sepresumirqueessatendênciageralproduziráumarevoluçãofeliz.7

Sobreopiniãopública:Emapenastrintaanos,ocorreuumagrandeeimportanterevoluçãoemnossasideias.Aopiniãopúblicatemagora,naEuropa,umpoderpreponderantecontraoqualéimpossívelresistir.AoavaliaroprogressodoIluminismoeamudançaqueeledeveproduzir,épossível,comrazão,esperarquetraráomaiorbemparaomundoequetiranosdetodosostipostremerãodiantedobradouniversalquereverbera,ocupaedespertaaEuropa.8

Ao mesmo tempo que compartilhava essas ideias filosóficas, Mercier tinha algo que faltava a

Condorcet:asensibilidadedejornalistaparaaquiloquesepassavaaseuredor.Coletavafragmentosde conversas a respeito de questões públicas extraídos de comentários fortuitos em feiras, emdiscussões em cafés, conversas descontraídas em jardins públicos, trechos de canções populares,comentáriosdepassagemsobreosacontecimentos,ouvidosnofossodaorquestraemteatrosenospalcosdosvaudevilesnosbulevares.ElesproliferamemtodapartenasobrasdeMercier,sobretudonascompilaçõesderecortesdejornalTableaudePariseMonBonnetdenuit,nosquaisjuntoutudoaquilo que surpreendia seus ouvidos e seus olhos, em capítulos com títulos como “Espetáculosgratuitos”, “A linguagemdomestredos cocheiros”, “A feiradeSaint-Germain”, “Espetáculosnosbulevares”, “Trocadilhos”, “Oradores sacros”, “Plumitivos populares”, “Cafés”, “Escritores dosCharniers-Innocents”, “Canções, vaudeviles”, “Boateiros”, “Cantores públicos”, “Cartazes”,“Coladores de cartazes”, “Lanternas”, “Folhetos licenciosos”, “Folhas de notícias”, “Libelos”,“Intrigas”, “Cabarés duvidosos”, “Palcos em bulevares”, “Rimas”, “Livros”. Ler esses ensaios éencontrarpúblicos e opiniõesbemdistantesdaopiniãopública entendida comoo “progressodoIluminismo”queeleevocavanosmesmoslivros.Não que se possa aceitar a reportagem de Mercier de forma literal, como se fosse uma

reprodução estenográfica das palavras efetivamente proferidas nos locais onde os parisienses se

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cruzavam.Ao contrário,Merciermuitas vezesusava seus ensaios ediálogos a fimdedar vazão àspróprias opiniões sobre seus tópicos prediletos, como a imprudência dos cocheiros e amania defazer trocadilhos.Mas ele transmitia o tom das conversas, seu ambiente, seus temas e amaneiracomomudavam de um assunto para outro em alta velocidade, sobretudo em locais públicos dereunião, onde constantemente grupos se formavam e se dispersavam e onde estranhos nãohesitavamementabularconversasunscomosoutrossobreosfatosdomomento.Mercierdedicoudois livros inteiros a esse tipo de conversas: Les Entretiens du Palais-Royal de Paris (1786) e LesEntretiensduJardindesTuileriesdeParis(1788).Esteúltimoincluiumadescriçãovivadeestranhosseabordandomutuamente, trocandocomentários sobreosúltimosacontecimentosepassandodeum grupo para outro, entre aqueles que se aglomeravam em redor dos oradores, os quaiscompetiamparaquesuasopiniõesfossemouvidasemmeioao“falatóriointerminável”:Emboranãoexistammoções[parlamentares]duranteumacriseemquestõespúblicasnaFrança,comoacontecenaInglaterra,temosdeadmitirqueopúblicointeiro[naFrança]formaumaCasadosComuns,emquecadapessoaexprimesuaopiniãodeacordocomseussentimentosouseuspreconceitos.Mesmooartesãoquerfazerumadeclaraçãoarespeitodasquestõesnacionais;e,emborasuaopiniãonãoconteparanada,eleaexprimenoâmbitodesuafamília,comosetivesseodireitodejulgaredarasentença.9

O que Mercier observava, ainda que de forma imperfeita e imprecisa, era a opinião pública,

propriamentedita,emprocessodeformaçãoenoníveldasruas.Masaopiniãopúblicadessetipo,avariedade sociológica,não tinhanenhuma semelhança comadestilação filosóficada verdadequeMercier celebrava em outras passagens de seus textos. Quando encontrado na rua, “Monsier lePublic”nãotinhanenhumasemelhançacomacorporificaçãodaRazão:MONSIERLEPUBLICÉumcompostoindefinível.Umpintorquequisesserepresentá-loemsuasfeiçõesverdadeiraspoderiapintá-locomorostodeumpersonagemcomocabelocomprido[deumcavaleiro]eopaletóbordado[deumnobre],osolidéu[deumpadre]nacabeçaeaespada[deumnobre]aseulado,vestindoacapacurta[deumtrabalhador]eossapatosvermelhosdesalto[deumaristocrata],levandonamãoabengalacomcastãoemformadebico[deummédico],comasdragonas[deumoficial],acruznacasadobotãodalapelaesquerdaeocapuz[deummonge]nobraçodireito.Épossívelperceberqueessemonsieurdevepensarmuitonamaneiracomoseveste.10

Tendo descrito essa estranha criatura, Mercier de repente se deteve, como se houvessesurpreendidoasimesmonumaincoerência,eemseguidainvocouavariedadefilosóficadamesmacoisa: “No entanto existe umpúblico diferente daquele dominado pelo frenesi de julgar antes decompreender. Do conflito de opiniões resulta um veredicto que é a voz da verdade e que não éapagada”.11OcasodeMerciermostracomoosdoispontosdevistasobreaopiniãopúblicatinhampassadoa

ocupar um lugar na literatura contemporânea em 1789. Segundo um desses pontos de vista, aopiniãopúblicaeraumprocessofilosóficoqueagianadireçãodoaprimoramentodahumanidade.De acordo com o outro, era um fenômeno social, inextricavelmente misturado aos fatos domomento.Ambosospontosde vista tinham suas razões; osdois eramválidos à suamaneira.Maspoderiamser conciliados?Aquestão se tornouprementeduranteas crisespré-revolucionáriasde

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1787-8,poisasortedoregimedependiadoresultadodeumalutapelaopiniãopública.Deumladodeumanítidalinhadivisória,ogovernotentavasesalvardabancarrotaarregimentandoaopiniãopública pormeio dos programas de reforma dosministros Calonne e Brienne. De outro lado, aAssembleia dosNotáveis e os parlamentos erguiamum clamor contra o despotismoministerial eapelavamaopúbliconumacampanhaparaforçaraconvocaçãodosestados-gerais.Nesse ponto, Condorcet entrou na briga. Vale a pena refletir sobre sua experiência, pois ela

mostra como alguém empenhado na defesa da visão filosófica da opinião pública reagiu aotorvelinho em curso nas ruas. Condorcet tentou angariar apoio para o governo. Numa série defolhetosredigidosdaperspectivadeumamericano—elereceberaotítulodecidadãohonoráriodeNewHavene,comoamigodeFranklineJefferson,seinteressavaafundopelosassuntosamericanos—, argumentava que o verdadeiro perigo do despotismo provinha dos parlamentos. Atacava osparlamentoscomocorposaristocráticosdeterminadosadefenderosprivilégiosfiscaisdanobrezaea dominar qualquer nova ordem política que pudesse emergir da crise. Ao prestar apoio aogoverno, sobretudo durante o ministério de Loménie de Brienne, o público se protegeria dodomínio da aristocracia. Poderia ajudar os ministros esclarecidos a implementar reformasprogressistas,do tipoamericano—emparticular,umsistemade impostos igualitário, fiscalizadoporassembleiasprovinciais,pormeiodasquaistodosossenhoresdeterrapoderiamparticipardasoluçãoracionaldasquestõespúblicas.12Embora adotasse a polêmica posição de “cidadão dos Estados Unidos” e de “burguês de New

Haven”, Condorcet não escrevia panfletos à maneira de Tom Paine. Ele continuou a tratar seuargumentonumplanofilosóficoeatécitouamatemáticaabstrusadoseuEssai sur l’applicationdel’analyse à la probabilité des décisions rendues à la pluralité des voix (Ensaio sobre a aplicação daanáliseàprobabilidadedasdecisõestomadasporumapluralidadedevotos;1785).Engendrouumaformadedemonstrarracionalmenteondeseencontravaointeressedopúblico:afavordogovernoecontraosparlamentos.MuitoshistoriadoresconcordariamcomCondorcet,masamaioriadeseuscontemporâneos não. Suas correspondências, seus diários, memórias e folhetos indicam umahostilidade avassaladora contra o governo, expressa não apenas em conversas fortuitas comoaquelas descritas por Mercier, mas também em manifestações de rua e em violência. O abadeMorellet,umamigodeCondorcetquecompartilhava suasopiniões,descreveuosacontecimentosde1787-8numasériedecartasparalordeShelburne,naInglaterra.ApósaquedadoministériodeBrienneeaconvocaçãodosestados-gerais,eleescreveuemtompesaroso:“Nãohácomonegarqueaquiopoderdaopiniãopúblicasuplantouogoverno”.13Que “opinião pública”? Não a voz da razão nem nada remotamente semelhante ao conceito

filosóficoqueMorelleteCondorcetesposavam,massimodiktatdeumhíbridosocial,o“Monsieurle Public” deMercier, que agora se assemelhava a um novo Leviatã. Condorcet tentou domá-lo.Mas,quandodesceuàarenapúblicae tentouarregimentarapoiopara suacausa,descobriuqueopúblico não iria lhe dar ouvidos.O público tinha se bandeado para o lado errado. Ele fracassoumais uma vez, tragicamente, em 1793. Todavia seus fracassos não o levaram a questionar a fé notriunfodaverdade.Aocontrário,desenvolveusuaconcepçãodeopiniãopúblicanoâmagodesuateoria do progresso, a qual ele redigiu no auge doTerror, quando o público uivava pedindo sua

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cabeça.Seráqueaopiniãopúblicanasruasalgumavezandouparalelaaodiscursodosfilósofos?Duvido.

Os autores de panfletos ganhavam pontos convocando os soberanos a se apresentar perante otribunal do público. Oradores procuravam legitimação afirmando falar com a voz do público.Revolucionários tentavambaixar a abstraçãoparaonível das ruas, ao celebrar aOpiniãoPúblicaem seus festivais patrióticos. Mas o ideal filosófico nunca coincidia com a realidade social.MonsieurlePublicexistiamuitoantesdeosfilósofosescreveremtratadossobreaopiniãopública,e ainda existe hoje, independentemente do êxito dos pesquisadores de opinião em avaliar suadimensão.Nãoqueeletenhasempresidoomesmo.NaParisdoséculoXVIII,umpúblicopeculiaraoAntigoRegimese formouecomeçoua imporsuasopiniõesarespeitodos fatos.Essepúbliconãoeraumaabstraçãoimaginadaporfilósofos.Eraumaforçaquejorravadasruas,algojáevidentenaépocadosCatorzee irreprimívelquarentaanosdepois,quandovarria tudooqueestivessena suafrente, inclusive os filósofos, sem amenor consideração com as tentativas deles para construí-ladiscursivamente.

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Conclusão

EntreoCasodosCatorzeeaquedadaBastilha,sobrevieramtantosacontecimentos,influências,causas,contingênciaseconjunturasqueéinútilprocurarumaconexão.OCasodosCatorzemereceser estudado em simesmo, não comoum sintomade coisas futuras,mas sim comoumdos rarosincidentesque,seadequadamenteexumados,revelamosdeterminantessubjacentesdosfatos.Nemem 1749 nem em 1789 os acontecimentos atingiam a consciência dos contemporâneos demododireto, como se fossem coisas evidentes em si mesmas e partículas de informação autônomas—aquilo a que nos referimos como “fatos incontestáveis”. Eles fluíamno interior de umapaisagemmental preexistente, composta de atitudes, valores e costumes; e se infiltravam nas redes decomunicação, as quais matizavam seu significado ao mesmo tempo que as transmitiam para umpúblico heterogêneo de leitores e ouvintes. Entre outras formas de expressão, eles secorporificavamembaladasdeversosdeoitosílabas,odesclássicas,cançõesdebebedeira,cantosdeNatal e melodias familiares com refrões que ecoavam letras anteriores e ouvintes já prevenidosquantoaoalvodasátira:Ah!levoilà,ah,levoiciCeluiquin’enanulsouci.

Ah!aíestá,ah!cáestáAquelequenãoseimportacomnada.

AcançãogravavaLuísXVnumamemóriacoletivaalimentadaporestímulosorais;e,ao fazer isso,perpetuava a mitologia dos rois fainéants — reis medíocres, irresponsáveis, com séquitos decortesãos decadentes, ministros corruptos e amantes que cheiravam a mercado de peixe. Osparisiensespodiamaté captarmensagens em frases absurdas.Cantadasnumcontexto adequado,orefrão familiar, “Biribi/ à la façon de Barbari, mon ami”, sublinhava a injustiça (tal como oscontemporâneosaentendiam)de impingir impostosdrásticosnumaépocaemque isso jánãoeranecessário,porqueaguerraparaaqualosimpostoseramdestinadosjáhaviachegadoaofim.Um público atual, habituado à televisão e aos celulares “inteligentes”, pode semostrar cético

acerca da possibilidade de recuperar mensagens transmitidas por meio de redes orais quedesapareceramhámaisdedoisséculos.Estelivroéumatentativadefazerexatamenteisso—eaté,ao menos de forma aproximada, ouvir os sons que transmitiam as mensagens. Como pode umhistoriadorafirmarquecaptaaexperiênciaoraldepessoasdeumpassadodistante?Emessência,eu

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responderia,pormeiodeumtrabalhodedetetive.NoCasodosCatorze,amaiorpartedapesquisafoirealizadamuitoantesdemim,pordetetivesextremamentecompetentes:oinspetorD’Hémery,ocomissárioRochebruneeseuscolegas,quesabiamcomoprocurarafontedapoesiadoscafés,seguiro rastro de canções pelas ruas e até distinguir os poucos poetasmais talentosos, que conseguiamformar versos alexandrinos superiores, em meio às centenas de aspirantes a poeta em Paris.1Qualquer pessoa que tenha frequentado os arquivos da polícia do século XVIII provavelmenteaprendeuarespeitarseuprofissionalismo.Apesquisahistórica,emmuitosaspectos,seassemelhaaotrabalhodeumdetetive.Teóricos,de

R.G.CollingwoodaCarloGinzburg,julgamconvincenteacomparação,nãoporqueelaosprojetenum papel atraente como detetives particulares, mas porque tem relação com o problema doestabelecimento da verdade— verdade com “v”minúsculo.2 Longe de tentar ler amente de umsuspeitoousolucionarcrimespeloexercíciodaintuição,osdetetivestrabalhamdemodoempíricoehermenêutico. Interpretampistas, seguem fios condutores emontamumcaso até chegar aumaconvicção— a sua própria e frequentemente a de um júri. A história, tal como a compreendo,envolveumprocessosimilardeelaborarumargumentoapartirdeindícios;e,noCasodosCatorze,ohistoriadorpodeseguirofiocondutordapolícia.Emsua investigaçãodosCatorze,apolíciaparisiensechegouaconclusõesplausíveisobastante

para ser verdadeiras.AlexisDujast de fato copiouopoema sobre o exílio deMaurepasda versãolidaaeleporJacquesMarieHallairenumjantarnaresidênciadeHallaire,naRueSt.Denis.PierreSigorgne realmente ditou dememória o poema sobre o príncipe Edouard para os alunos de suaturma,eumdeles,ChristopheGuyard,mandoumesmosuaversãoescritadopoemaparaHallaire,dentro de um exemplar do livro Lettre sur les aveugles, de Diderot. Louis-Félix de Baussancourtrecebeu “Qu’une bâtarde de catin” comoutros dois poemas, oriundos de três fontes diferentes, epassoudoisdelesparaGuyard.Oscaminhosdospoemaseospontosfundamentaisemsuadifusãopodem ser identificados com exatidão.O sistemade comunicação de fato funcionava damaneiradescritapelapolícia.Esse argumento pode ser verdadeiro nesse aspecto, porémnão vaimuito além disso, porque a

pesquisahistórica,àdiferençadainvestigaçãopolicial,seabreparaquestõesacercadosignificadomais amplo do Caso dos Catorze. A fim de procurar tais questões, é preciso interpretar ainterpretação da polícia — empreender um trabalho de detetive sobre algo distante. Por que apolícia se deu ao trabalho de uma investigação tão minuciosa? Como o Caso dos Catorze seenquadranascircunstânciasqueorodeavam?Quemensagensascançõeseospoemascomunicavame como repercutiam no público? Tais questões levam a outras fontes — documentos políticos,correspondências, memórias de pessoas da época, chansonniers e arquivos musicais. As fontessuplementares fornecem pistas sobre o aspecto mais complexo do caso, aquele que envolve ainterpretaçãodosignificadoequepodeserevocadoporumaperguntafinal:comopodemos,hoje,conheceroque alguémqueriadizer ao cantaruma canção250 anos atrás, ouoqueoutrapessoaentendiaaoouviracanção?A interpretação de algo tão remoto é repleta de dificuldades,mas não deveria ser impossível,

porque o significado de um ato, assim como o próprio ato, pode ser recuperado por meio do

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trabalhodedetetive.Comcerteza, a letradeumacançãonão transmiteumamensagemcoerente,autônoma—nemmaisnemmenosdoqueumafrasenumpanfletopolítico.ComoQuentinSkinnerafirmou, os textos de panfletos são respostas a outros panfletos ou a questões despertadas porcircunstâncias particulares, e seu significado está integrado ao contextode sua comunicação.3 Ascançõeseospoemasde1749-50eramsignificativosconformeamaneiracomoforamcantadosoudeclamados num tempo e local específicos. Felizmente, em sua investigação, a polícia parisienseconcentrou-senessesfatorescontextuais,eosindíciosdeoutrasfontesconfirmamodiagnósticodapolícia.Desgostososcomaguerra,apaz,asituaçãoeconômicaeosabusosdepodercorporificadospor incidentes como a brutal expulsão do príncipe Edouard, os parisienses exprimiam seudescontentamentoemrimas faladas, cantadaseescritas.Alémdessa sensaçãogeraldemal-estar, apoesia comunicava uma diversidade de outras mensagens que podiam ser entendidas de váriosmodos: comomanobraspara reforçar a facçãodeD’ArgensonnaCorte, comoprotestos contraoimpostovingtième,comoexclamaçõesdoorgulhonacionalferidoemreaçãoàproclamaçãodaPazdeAix-la-Chapelle,comozombariadasautoridadesparisiensespersonificadasporBernage,oprévôtdes marchands, e simplesmente como virtuosismo de uma parcela de trovadores e piadistasempenhados em se destacar entre seus pares. Alguns dosCatorzemostravam tanto interesse pelaestéticaquantopelapolíticadapoesiaquepermutavam.Aexemplodetodaexpressãosimbólica,ospoemaserammultivocais.Eramricosobastantepara

significarcoisasdiferentesparapessoasdiferentes,emtodooseupercursodedifusão.Reduzi-losaumaúnicainterpretaçãoseriainterpretarmalseucaráter.Todavia,seusmúltiplossignificadosnãoexcediam as maneiras contemporâneas de apreendê-los, e uma dessas maneiras, vista numaperspectiva históricamais ampla, chamava a atenção por sua ausência: os parisienses de 1749-50não exprimemum sentimento de ira ou alienação, a disposição de endossarmedidas radicais e aexplosiva volatilidade dos “rumores públicos” (bruits publics) que enchiam as ruas de Paris entre1787e1789.NenhumdosCatorzerevelousintomasdeumamentalidaderevolucionária.Areferênciaa1789éútilnãoparaestabelecerumalinhadecausalidade,masparademarcarum

contexto.Emmeadosdoséculo,Parisnãoestavaprontaparaarevolução.Mashaviadesenvolvidoum sistema de comunicação eficaz, o qual informava os acontecimentos ao público e forneciacomentários a seu respeito. A comunicação até ajudou a constituir o público, porque os atos detransmitir e receber informação fomentavam uma consciência comum de envolvimento nasquestões do país.OCaso dosCatorze proporciona uma oportunidade para estudar esse processobem de perto. Revela a maneira como uma sociedade da informação funcionava quando ainformaçãodifundidapelapalavraoralepelapoesiatransmitiamensagensparaopovocomumdeformabastanteeficazemuitoantesdainternet.

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AscançõeseospoemasdistribuídospelosCatorze

1.“MONSTREDONTLANOIREFURIE”

Nenhuma cópia dessa ode foi localizada. Num relatório da investigação, o tenente-generalBerryeradistinguiudasoutrasodestrazidasàtonapelapolíciaedescreveu-acomoopoemacujoautorele,originalmente,pretendiacapturar:“Depuis le24avril, ilaparuuneodede14strophescontre ler roi intitulée ‘L’Exil deM.Maurepas’” (Desde o dia 24 de abril, apareceu uma ode decatorzeestrofescontraorei, intitulada“OexíliodeM.Maurepas”);Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11690, fólio 120. A polícia em geral a identificava, assim como aos demais poemas, por seuprimeiroverso.Assimocomentáriodelesemoutrorelatório,ms.11690,fólio151;“‘Monstredontlanoirefurie’,oulesverssurl’exildeM.deMaurepas”.

2.QUELESTLETRISTESORTDESMALHEUREUXFRANÇAIS

Essa ode aparece em diversos chansonniers e em outras fontes, sem variações importantes notexto.Ver, por exemplo,BibliothèqueHistoriquede laVille deParis,ms. 649, pp. 13-5.É citadaaquiapartirdeVieprivéedeLouisXV,ouPrincipaux événements, particularités et anecdotesde sonrègne(Paris,1781),v.II,pp.372-4,quetemalgumasnotasconvenientes.Modernizeiofrancêsnestetextoenosdemais.QuelestletristesortdesmalheureuxFrançais!Réduitsàs’affligerdansleseindelapaix!Plusheureuxetplusgrandsaumilieudesalarmes,Ilsrépandaientleursang,maissansverserdelarmes.Qu’onnenousvantepluslescharmesdurepos:Nousaimonsmieuxcouriràdespérilsnouveaux,Etvainqueursavecgloireouvaincussansbassesse,N’avoirpointàpleurerdehonteusefaiblesse.EdouardafugitifalaissédansnoscoeursLedésespoiraffreuxd’avoirétévainqueurs.Aquoinousservait-ild’enchaînerlavictoire?Avecmoinsdelauriersnousaurionsplusdegloire.Etcontraintsdecéderàlaloiduplusfort,Nousaurionspudumoinsenaccuserlesort.

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MaistrahirEdouard,lorsquel’onpeutcombattre!ImmoleràBrunswickblesangdeHenriQuatre!EtdeGeorgevaincusubirlesdureslois!OFrançais!oLouis!oprotecteursdesrois!Est-cepourlestrahirqu’onportecevaintitre?Est-ceenlestrahissantqu’ondevientleurarbitre?Unroiquid’unhérossedéclarel’appui,Doitl’éleverautrôneoutomberaveclui.Ainsipensaientlesroisquecélèbrel’histoire,Ainsipensaienttousceuxàquiparlaitlagloire.Etqu’auraientditdenouscesmonarquesfameux,S’ilsavaientduprévoirqu’unroipluspuissantqu’eux,AppellantunhérosausecoursdelaFrance,Contractantavecluilaplussaintealliance,L’exposeraitsansforceauxplusaffreuxhasards,Auxfureursdelamer,dessaisonsetdeMars!Etqu’ensuiteunissantlafaiblesseauparjure,Iloublieraitserments,gloire,rangetnature;EtservantdeBrunswicklesystèmecruel,Traîneraitenchaînélehérosàl’autel!Brunswick,tefaut-ildoncdesigrandesvictimes?Ociel,lancetestraits;terre,ouvretesabimes!Quoi,Biron,cvotreroivousl’a-t-ilordonné?Edouard,est-cevousd’huissiersenvironné?Est-cevousdeHenrilefilsdignesdel’être?Sansdoute.Avosmalheursj’aipuvousreconnaître.Maisjevousreconnaisbienmieuxàvosvertus.OLouis!vossujetsdedouleurabattus,RespectentEdouardcaptifetsanscouronne:Ilestroidanslesfers,qu’êtes-voussurletrône?J’aivutomberlesceptreauxpiedsdePompadour!dMaisfut-ilrelevéparlesmainsdel’amour?BelleAgnès,tun’esplus!LefierAnglaisnousdompte.TandisqueLouisdortdansleseindelahonte,Etd’unefemmeobscureindignementépris,Iloublieensesbrasnospleursetnosmépris.BelleAgnès,etun’esplus!TonaltièretendresseDédaigneraitunroiflétriparlafaiblesse.Tupourraisréparerlesmalheursd’ÉdouardEnoffranttonamouràcebraveStuard.Hélas!pourt’imiterilfautdelanoblesse.Toutestvilenceslieux,ministresetmaîtresse:TousdisentàLouisqu’ilagitenvrairoi;DubonheurdesFrançaisqu’ilsefaituneloi!Voilàdeleursdiscourslaperfideinsolence;Voilàlaflatterie,etvoicilaprudence:Peut-onparl’infamiearriveraubonheur?Unpeuples’affaiblitparleseuldéshonneur.Rome,centfoisvaincue,endevenaitplusfière,

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Etsesplusgrandsmalheurslarendaientplusaltière.AussiRomeparvintàdompterl’univers.Maistoi,lâcheministre,fignorantetpervers,Tutrahistapatrieettuladéshonores:Tupoursuisumhérosquel’universadore.OndiraitqueBrunswickt’atransmissesfureurs;QueministreinquietdesesjustesterreursLeseulnomd’Edouardt’épouvanteettegêne.Maisapprendquelseralefruitdecettehaine:Albiongsentenfinqu’Edouardestsonroi,Digne,parsesvertusdeluidonnerlaloi.Elleoffresurletrôneasileàcegrandhomme,TrahitoutàlafoisparlaFranceetparRome;EtbientôtlesFrançais,tremblants,humiliés,D’unnouvelEdouardviendrontbaiserlespieds.Voilàlestristesfruitsd’unolivierfunesteEtdenosvainslauriersledéplorablereste!h

3.“PEUPLEJADISSIFIER,AUJOURD’HUISISERVILE”

Essaode tambémé citada aqui apartirdeVieprivéedeLouisXV, v. II, pp. 374-5, junto comasnotasqueaacompanham.Pode,igualmente,serencontradaemvárioschansonniers,entreosquaisodaBibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.649,p.16.Peuplejadissifier,aujourd’huisiservile,iDesprincesmalheureuxvousn’êtesplusl’asile.VosennemisvaincusauxchampsdeFontenoy,Aleurspropresvainqueursontimposélaloi;Etcetteindignepaixqu’Arragonjvousprocure,Estpoureuxuntriompheetpourvousuneinjure.Hélas!auriez-vousdonccourutantdehasardsPourplacerunefemmekautrônedesCésars;Pourvoirl’heureuxAnglaisdominateurdel’ondeVoiturerdanssesportstoutl’ordunouveaumonde;EtlefilsdeStuart,parvous-mêmeappelé,AuxfrayeursdeBrunswicklâchementimmolé!Ettoi,lquetesflatteursontpared’unvaintitre,Del’Europeencejourtediras-tul’arbitre?LorsquedanstesÉtatstunepeuxconserverUnhérosquelesortn’estpaslasd’éprouver;Maisqui,dansleshorreursd’unevieagitée,Auseindel’Angleterreàsaperteexcité,Abandonnédessiens,fugitif,misàprix,Sevittoujoursdumoinspluslibrequ’àParis;Del’amitiédesroisexemplemémorable,Etdeleursintérêtsvictimedéplorable.Tutriomphes,cherprince,aumilieudetesfers;

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Surtoi,danscemoment,touslesyeuxsontouverts.Unpeuplegénéreuxetjugedumérite,Varévoquerl’arrêtd’uneraceproscrite.Tesmalheursontchangélesespritsprévenus;DanslecoeurdesAnglaistoustesdroitssontconnus.Plusflatteursetplussûrsqueceuxdetanaissance,Cesdroitsvontdoublementaffermirtapuissance.Maissurletrôneassis,cherprince,souviens-toi,QuelepeuplesuperbeetjalouxdesafoiN’ajamaishonorédutitredegrandhommeUmlâchecomplaisantdesFrançaisetdeRome.

4.“QU’UNEBÂTARDEDECATIN”

Essacançãosedesenvolveuemtantasversõesquenenhumtextoarepresentademodoadequado,mas o exemplar a seguir, da Bibliothèque Historique de la Ville de Paris, ms. 580, fólios 248-9,datado de outubro de 1747, oferece um bom exemplo de uma versão antiga, copiadamais tardenumchansonnier.Vemacompanhadadenotascopiosasnamargemesquerda.SurMme.d’Etiole , fille de M.Poissonmariée àM.d’Etiole , sousfermier,neveude M.Normand,quiavaité té amantde Mme.Poisson.Maîtresse de Louis XV,faite marquise de Pompadoure tsonmarife rmiergénéral.

1.Qu’unebâtardedecatinAlacoursevoitavancée,Quedansl’amouroudanslevinLouischercheunegloireaisée,Ah!levoilà,ah!levoiciCeluiquin’enanulsouci.

SurM.le Dauphin,fils de Louis XV. 2.QueMonseigneurlegrosDauphinAitl’espritcommelafigureQuel’ÉtatcraigneledestinD’unsecondmonarqueempeinture.Ah!levoilà,etc.

SurM.de Vandières ,frè re de Mme.d’Etiole , marquise dePompadour,reçuensurvivance de lacharge de Contrôleurdesbâtiments duroique M.le Normandde Tournehemsononcle avait,quimourutem1752.

3.Qu’éblouiparunvainéclatPoissontranchedupetitmaîtreQu’ilpensequ’àlacourunfatSoitdifficileàreconnaître.

Surle maréchalde Saxe ,mortàChambordem1751.

4.QueMauricecefieràbrasPouravoircontraintàserendreVillesquinerésistaientpasSoitplusexaltéqu’Alexandre.

Surle maréchalde Be lle -Is le , quicommandaitl’armée enProvenceen1747.

5.QuenotrehérosàprojetsAitvudanssalâcheindolenceAlahontedunomfrançais

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LesHongroispillerlaProvence

M.d’Aguesseaude Fresne .

6.QuelechancelierdécrépitLâchelamainàl’injusticeQuedanslevraiilaitunfilsQuivendemêmelajustice.

Ministre de lamarine ,Secré taire d’État.

7.QueMaurepas,St.FlorentinIgnorentl’artmilitaireQuecevraicouplecalotinApeinesoitbonàCythère.

Ministre de laguerre .

8.QueD’Argensonendépitd’euxAitl’oreilledenotremaîtreQuedudébrisdetouslesdeuxIlvoiesoncréditrenaître.

L’ancienévêque de Mirepoix,quialafeuille des béné fices .Ilaé téprécepteurdudauphin,fils de Louis XV.MortàParis le 20août1755.

9.QueBoyer,cemoinemauditRenversel’ÉtatpourlabulleQueparluilejusteproscritSoitvictimedelaformule.

PremierPrésidente duParlementde Paris .

10.QueMaupeouplieindignementSesgenouxdevantcetteidoleQu’àsonexempleleParlementSentesondevoiretleviole.

Conse illeurd’Étatordinaire e tministre des affaire s é trangères ,Contrôleurgénéraldes finances

11.QuePuisieulxenattendantEmbrouilleencorepluslesaffairesEtqueMachaultenl’imitantMettelecombleànosmisères.12.Surcescoupletsqu’unfiercenseurAsongrécritiqueetraisonneQueleurstraitsdémasquentl’erreurEtpercentjusqu’autrône.

5.SANSCRIMEONPEUTTRAHIRSAFOI

EssedecretoparlamentarburlescofoidadoaHallaireporGuyardeencontradonumdosbolsosdeHallaireduranteseuinterrogatórionaBastilha.ÉcitadocombasenaBibliothèquedel’Arsenal,ms.11690,fólio89.ApostilleduParlementdeToulouseàl’enregistrementdel’éditduvingtième

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Sanscrimeonpeuttrahirsafoi,Chassersonamidechezsoi,Duprochaincorromprelafemme,Piller,volern’estplusinfâme.JouiràlafoisdestroissoeursN’estpluscontrelesbonnesmoeurs.DefairecesmétamorphosesNosayeuxn’avaientpasl’esprit;EtnousattendonsunéditQuipermettetoutesceschoses.

SIGNÉ:DEMONTALU,PREMIERPRÉSIDENT

6.LÂCHEDISSIPATEURDESBIENSDETESSUJETS

Essaode,detomsimilaraodasoutrasduas,masmencionadacommenosfrequêncianasfontes,écitadaaquicombasenumdoschansonniersdaBibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.649,pp.47-8.VerssatiriquessurleroiLâchedissipateurdesbiensdetessujets,Toiquicomptestouslesjoursparlesmauxquetufais,Esclaved’unministreetd’unefemmeavare,Louis,apprendslesortquelecielteprépare.Situfusquelquetempsl’objetdenotreamour,Tesvicesn’étaientpasencoredanstoutleurjour.Tuverraschaqueinstantralentirnotrezèle,Etsoufflerdansnoscoeursuneflammerebelle.Danslesguerressanssuccèsdésolanttesétats,Tufussangénéraux,tuserassanssoldats.Toiquel’onappelaitl’arbitredelaterre,Pardehonteuxtraitéstutermineslaguerre.Parmiceshistrionsquirègnentavectoi,Quipourradesormaisreconnaîtresonroi?Testrésorssontouvertsàleursfollesdépenses;Ilspillenttessujets,épuisenttesfinances,MoinspourrenouvelertesennueyeuxplaisirsQuepourmieuxassouvirleursinfâmesdésirs.TonÉtatauxabois,Louis,esttonouvrage;Maiscrainsdevoirbientôtsurtoifondrel’orage.

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Desmauxcontagieuxqu’empoisonnentlesairsTescampagnesbientôtdeviennentdesdéserts,Ladésolationrègneentouteslesvilles,TunetrouverasplusdesâmesassezvilesPourosercélébrertesprétendusexploits,Etc’estpourt’abhorrerqu’ilrestedesFrançois:Aujourd’huiontélevéenvainunestatue,Atamort,jelavoisparlepeupleabattue.Bourreléderemords,tudescendsautombeau.LasuperstitiondontlepaleflambeauRallumedanstoncoeurunepeurmaléteinte,Tesuit,t’ouvrel’Enfer,seulobjetdetacrainte.Toutt’abandonne,enfin,flatteurs,maîtresse,enfants.Untyranàlamortn’aplusdecourtisans.

aPetit-filsdeJacquesII,Roid’Angleterre,détrônéparlePrinced’Orange,songendre.bGeorgedeBrunswick-Hanovre[i.e.,GeorgeIIdaGrã-Bretanha].cColoneldesgardes-françaises[i.e.,comandantedosguardasqueprenderamopríncipeEdouard].dFilledePoisson,femmedeLeNormantd’ÉtiolesetmaîtressedeLouisXV.eAgnesSorel,maîtressedeCharlesVII.fM.d’Argenson,ministredelaguerre.gL’Angleterre.hN.B.:Laprédictionn’aspaseulieu.LePrinceÉdouard,retireàRome,aperdutouteesperancederemontersurletrône.iLesfrançais.jNomduPlénipotentiaireSaint-Séverind’Arragon.kLaReinedeHongrie.lLouisXV,ditlePacificateurdel’Europe.

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Textosde“Qu’unebâtardedecatin”

Conformeexplicadonocapítulo10,otextodestacançãosemodificoutantonodecursodesuatransmissãoquenenhumaversãoespecíficapodeseraceitacomodefinitiva—eéissoquetornaseuestudo tão revelador, pois, ao perceber pequenas diferenças, podemos ver como uma canção sedesenvolvia ao longo de umprocesso coletivo de comunicação oral (e às vezes escrita). Localizeinoveexemplaresmanuscritos:1.Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11690,fólios67-8.Essefoioexemplarencontradonobolsode

Guyard durante seu interrogatório na Bastilha. Intitula-se “Echos de la cour: Chanson” e temestrofesnumeradasde1até20;masfaltamasestrofes5,6e7.2. Bibliothèque de l’Arsenal, ms. 11683, fólio 134. É o mais antigo dos dois exemplares

apreendidospelapolíciadurante a revistano apartamentodeMairobert. Intitula-se “L’État de laFrance,surl’airMonamantmefaitlacour”etemonzeestrofes.3.Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11683,fólio132.Esseexemplar,tambémdodossiêdeMairobert

nosarquivosdaBastilha, contémestrofesmais recentes;asmaisantigasvêm indicadasapenasporseusprimeirosversos.Estárabiscadonumaúnica tiradepapel semtítuloecontém23estrofesaotodo.4.BibliothèqueNationaledeFrance,ChansonnierditdeClairambault,ms.fr.12717,pp.1-3.Esse

exemplarintitula-se“Chansondurl’airQuandmonamantmefaitsacour.ÉtatdelaFranceenaoût1747”econtémonzeestrofes.5. Bibliothèque Nationale de France, ms. fr. 12718. Esse exemplar, do mesmo chansonnier no

volumede1748,édatadode“août1748”.Nãoapresentatítuloecontémapenasseisestrofes,todasnovas.6. BibliothèqueNationale de France,ms. fr. 12719. Esse exemplar vem do volume seguinte do

mesmo chansonnier e é datado de “février 1749”. Não traz título, mas é identificado como uma“suíte”(continuação)dacançãoanteriorecontémonzeestrofes,algumasdelasnovas.7.BibliothèqueHistoriquede laVilledeParis,ms.648,pp.393-6.Esseexemplarnovolumede

umchansonnierdosanos1745-8intitula-se“Chansonsatiriquesurlesprinces,princesses,seigneursetdamesdelacoursurl’airDirai-jemonConfiteor”.Temquinzeestrofes.8.BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.649,pp.70-4.Esseexemplarvemdovolume

seguintedomesmochansonniereintitula-se“Chansonsurl’airAh!levoilà,ah!levoici”.Temonzeestrofes,algumasdelasnovas.

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9.BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.580,fólios248-9.Esseexemplarvemdeoutrochansonnier.Nãotemtítulo,excetopelapalavra“Air”,eestádatadode“octobre1747”namargemesquerda, que apresenta também notas minuciosas identificando todas as pessoas satirizadas.Contémdozeestrofes.Duasoutrasversõesdotexto foramimpressas,diferentesentresiediferentesdascitadasacima:

umaemEmileRaunié,ChansonnierhistoriqueduXVIIIesiècle (Paris,1879-84),v.VII,pp.119-27;aoutraemRecueilditdeMaurepas:Pièceslibres,chansons,épigrammesetautresverssatiriques(Leiden,1865),v.VI,pp.120-2.Atítulodeexemplodecomootextosemodificounodecursodesuatransmissão,aquiestãosete

versõesdaestrofequesatirizaomarechaldeBelle-Isle,quenãoconseguiureunirseuexércitocomrapidezeexpulsarastropasaustríacasesardas(areferênciaaoshúngarosevocavaMariaTheresadaÁustria,queerarainhadaHungria)depoisqueelasinvadiramaProvençaemnovembrode1746:1.Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11690,fólio67QuenotremoulinàprojetsAitvudanssamolleindolenceAlahontedunomfrançaisLeHongroisravagerlaProvence

2.Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11683,fólio134QuenotrehérosàprojetsAitvudanslalâcheindolenceAlahontedunomfrançaisLeHongroispillerlaProvence

3.BibliothèqueNationaledeFrance,ms.12717,p.1.QuenotrehérosàprojetsAitvudanssalâcheindolenceAlahontedunomfrançaisLeHongroispillerlaProvence

4.BibliothèqueNationaledeFrance,ms.12719,p.83QuenotremoulinàprojetsAitvudanssamolleindolenceAlahontedunomfrançais

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LesHongroisquitterlaProvence

5.BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.648,p.393QuenotrehérosàprojetsAitvudanssalâcheindolenceAlahontedunomfrançaisLesHongroispillerlaProvence

6.BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.649,p.70QuenotremoulinàprojetsAitvudanssamolleindolenceAlahontedunomfrançaisLesHongroisquitterlaProvence

7.BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.580,p.248QuenotrehérosàprojetsAitvudanssalâcheindolenceAlahontedunomfrançaisLesHongroispillerlaProvence

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ApoesiaeaquedadeMaurepas

O incidente relativo a Pompadour e aos jacintos brancos, considerado por muitoscontemporâneos como o estopim da queda deMaurepas, é recontado no Journal etmémoires dumarquisD’Argenson, organizado por E.-J.-B. Rathery (Paris, 1862; v. V, p. 456), no qual a cançãoapareceassim:Parvosfaçonsnoblesetfranches,Iris,vousenchanteznoscoeurs;Surnospasvoussemezdesfleurs,Maiscesontdesfleursblanches.

(Sobreaimportânciadareferênciaafleursblanches,vercapítulo5.)UmrelatosemelhanteocorreemVieprivéedeLouisXV,ouPrincipauxévénements,particularitéset

anecdotesdesonrègne (Paris,1781),v. II,p.303,quedizqueaversãoseguintedacançãoapareceunumbilhetecolocadoembaixodoguardanapodePompadour,numjantar:Lamarquiseabiendesappas;Sestraitssonvifs,sesgrâcesfranches,Etlesfleursnaissentsoussespas:Mais,hélas!cesontdesfleursblanches.

Umrelatomaiscompletodoincidente,comoutraversãodacanção,aparecenumchansonnierda

BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.649,pp.121e126:AnecdotessurladisgrâcedeM.lecomtedeMaurepasLeroiditunjouràM.deMaurepasqu’ilsedébitaitbiendesmauvaisversdansParis.CeministrefitréponsequeM.Berryerfaisaitbienlapolice,maisqueM.d’Argensonpèreduministredelaguerren’avaitjamaispuempêcherdedébitertouslesmauvaisécritsquisefaisaientcontreLouisXIV;queceuxquiparaissaientaujourd’huin’étaientquedepuisleretourdeM.leducdeRichelieudeGênes,cequiarrêtaunpeuS.M.,laquelletémoignabeaucoupdefroidàceduc,lequelpritlemomentoùleroiétaitseuletsuppliaS.M.deluiendirelemotif.LeroiluidéclaracequeM.deMaurepasluiavaitdit,cequipiquaM.leducdeRichelieu,quiditauroiqu’ildécouvriraitl’auteur.Ceducpriaunfauxfrèred’allersouperchezMme.laduchesseD’Aiguillon,oùleministreallaittouslesjours.Etantentrelapoireetlefromage,onchantaetdébitalesverslivresetsatiriquesàl’ordinaire,etlefauxfrère,ayantdécouverttout,s’enfuttrouverM.leducdeRichelieupourluirendrecomptedecequ’ilavaitentendu,cequeceducfutreporterauroidanslemoment…

ChansonAl’occasiond’unbouquetdefleursblanchesqueMme.lamarquisedePompadourprésentaauroiauxpetitschâteaux,qu’elleavaitcueilli

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elle-mêmedanslejardin.Onaprétenduquec’étaitcebouquetquiavaitcauséladisgrâcedeM.deMaurepas,attenduqu’iln’yavaitdanscejardinqueM.leducdeRichelieuetluiquieussentconnaissancedecefait,etquelejourmêmeontrouvacettechansonsurunedescheminéesdesapartements,d’oùl’onainféréquec’étaitM.deMaurepasquil’avaitfaite.

Surl’air[nomenãocitado]

Vosmanièresnoblesetfranches,Pompadour,vousenchaînelescoeurs;Tousvospassontsemésdefleurs,Maiscesontdesfleursblanches.

Outra versão desse poema, descrita também numa canção, aparece nas nouvelles à la main

[notícias manuscritas] produzidas pelo salão de Mme. M.-A. Legendre Doublet, BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.13709,fólio42v:Surl’airQuandlepérilestagréable

Pourvosfaçonsnoblesetfranches,Poisson,vouscharmeztouslescoeurs;SurvospasvoussemezlesfleursMaiscesontlesfleursblanches.

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OrastrodosCatorze

Orelatórioseguinte,semassinatura,masobviamentepreparadoporalguémdapolícia,resumeainvestigação.ProvémdosdocumentosdoCasodosCatorzenaBibliothèquedel’Arsenal,ms.11690,fólios150-1.Juillet1749Areçul’ode d’Edouard,prê tre .

AffaireconcernantlesversBonis, natifde MontignacenPérigord,bache lie rde lafaculté demédecine de Bordeaux,gouverneurdes srs .le Saige ,pensionnaires auCollège des Jé suite s .Arrê té le 4juille t.

Adonné l’ode àBonis , l’areçue de Montange . Edouard, prê tre dudiocèse d’Autun,habitué àlaparoisseSt.Nicolas des Champs.Arrê té le 5juille t.

Adonné l’ode àEdouard,l’areçue de Dujast. InguimbertdeMontange, natifduComtat,prê tre e tbache lie rde lamaisonde Navarre ,parentde l’évêque de Carpentras .Arrê té le 8juille t.

Adonné l’ode àMontange ,l’areçue de Hallaire . Dujast, natifde Lyon,diacre chanoine d’Oléron,licencié de lamaisondeNavarre .Arrê té le 8juille t.

Adonné l’ode àDujast, l’areçue de Joure t, aditde plus avoirreçude l’abbé Guyardle s vers surle Pré tendant,ceuxsurle vingtième ,e tle s “Echosde lacour”.

Hallaire, natifde Lyon,âgé de 18ans,é tudiantendroit.Arrê té le 9juille t.

Adonné l’ode àHallaire ,l’areçue de DuChaufour. Jouret, natifde Paris , âgé de 18ans,cle rcd’unprocureurduGrandConse il.Arrê té le 9juille t.

Adonné àHallaire le s vers surle vingtième .Areçue técritsousladictée de Sigorgne ceuxquicommencent“Que le stle triste sortdes malheureuxFrançais”e t“Sanscrime onpeuttrahirsafoi”.Areçude Baussancourtle s “Echosde lacour”,leque lluialu“Peuplejadis s ifie r, aujourd’huis ise rvile”.Areçude l’abbé Le Mercierlachansonsurlacour“Ah!le voici, Ah!le voilà”[s ic:e ssaé amesmadade “Echosde lacour”].

L’abbéGuyard, demeurantauCollège de Bayeux,dénoncé parHallairepourd’autres vers que l’ode .Arrê té le 10juill

Adonné l’ode àJoure t, l’areçue de Varmont,quidanslaclasse laluiadictée de mémoire .

DuChaufour, natifde Paris , âgé de 19ans,é tudiantenphilosophie auCollège d’Harcourt, dénoncé pourl’ode parJoure t.Arrê té le 10juille t.

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Adonné àGuyardlachansonsurlacour“Ah!le voici, ah!le voilà”[sic].L’areçue de Thére tséminairiste de SaintNicolas duChardonnet,quiluiaaussidonné le s vers “Que le stle triste sortdes malheureuxFrançais”e t“Peuple jadis s ifie r, àprésents ise rvile”.

L’abbéLeMercier, sousdiacre dudiocèse d’Angers ,maître des arts ,dénoncé parl’abbé Guyardpourd’autres vers que l’ode .Arrê té le 10juille t.

Adonné àGuyardle s “Echosde lacour”e t“Peuple jadis s ifie r”.Areçudusr.Langlois de Guérard,conse ille rauGrandConse il,“Peuple jadis s ifie r”.Areçudusr.Menjot, fils dumaître descomptes ,le s “Echosde lacour”.

L’abbédeBaussancourt, natifd’HaguenauenAlsace ,prê tre e tdocteurdeSorbonne ,dénoncé parGuyardpourd’autres vers que l’ode .Arrê té le 12de juille t.

Anié parsoninterrogatoire d’avoircomposé ,nieuensapossession,nidicté àpersonne aucunsvers contre le roi.

L’abbéSigorgne, diacre dudiocèse de Toul,Professeurde philosophie auCollège duPlessis , dénoncé parle s abbésGuyarde Baussancourtpourd’autres vers que l’ode .Arrê té le 16juille t.

Déclare que Varmontfils luiadonné trois pièces de vers , savoir:l’ode surl’exilde M.de Maurepas,“Que le stle triste sortdesmalheureux,e tc.”, “Lâche dissipateur,e tc.”.Nie le s avoirdonnésàpersonne .

Lesr.Maubert, é tudiantenphilosophie .Arrê té le 19juille t.

Aavertile sr.Varmontque DuChaufouré taitarrê té ,aumoyendequoiils ’e stévadé le 10juille t.

Lesr.Tranchet, cle rcde notaire ,quise rvaitde mouche àD’Hémery.Arrê té le 19juille t.

Déclare avoirrécité parcoeuràVarmontfils le s vers “Lâchedissipateurdubiende te s suje ts”que Varmontapure tenirdemémoire .Ne se souvientpas quile s luiadonnés.

Lesr.DuTerraux.Arrê té le 25juille t.

Aditqu’iladicté enclasse àDuChaufourle s vers , “Monstre dontlanoire furie”oule s vers surl’exilde M.de Maurepas,qu’iltenaitde Maubertde Freneuse ,quile s luiavaitdicté s enprésence de sonautre frè re Maubert, quie starrê té .Aeuaussi“Que le stle triste sortdes malheureuxFrançais”parLadoury,cle rcde procureur,e tceux,“Lâche dissipateurdubiende te s suje ts”parle sr.DuTerraux.

Varmontfils afaitsadéclarationle 26juille t.

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Apopularidadedasmelodias

Umdosaspectosmaisintrigantesemenoscompreendidosdahistóriadacomunicaçãoenvolveaforçadamelodia.Amaioriadaspessoas,namaiorpartedassociedades,compartilhaumrepertóriocomumdemelodias,queépeculiaràsuaculturaequeelastrazemnamemória.Qualquerquesejaaorigemdetaiscanções—religiosa,comercial,operística,patrióticaou(nafaltadepalavramelhor)“tradicional”—,elastêmumapoderosacapacidadedetransmitirmensagens.Fixam-senamemóriacoletiva e funcionamcomo instrumentosmnemônicos, particularmente em sociedades combaixoíndice de alfabetização. Ao improvisar letras novas em melodias antigas, os menestréis podemenviarmensagens pormeio dos circuitos de comunicação oral.OCaso dosCatorze oferece umarara oportunidade para estudar esse processo bem de perto e abordar uma questão a elerelacionada:qualeraocorpusdasmelodiasconhecidasdoparisiensemédioemmeadosdoséculoXVIII?Essa questão não pode ser respondida de forma definitiva, mas os chansonniers nos arquivos

parisienses contêm centenas de referências às melodias das canções que eram cantadas nas ruastodososdias, ao longodo séculoXVIII.Quemexaminaoschansonniers fica impressionado comasvariações na incidência das melodias. Algumas eram sucessos que se difundiam rapidamentedurante algunsmeses e depois desapareciamde todo. “Les Pantins”, por exemplo, foi usada paratoda sorte de canção em 1747, quando houve uma voga dos fantoches de papelão chamados depantins,masseextinguiuporsimesmaem1748.*Umanodepoissurgiuumsucessosemelhante,“LaBéquille du père Barnaba”, que durou poucos meses. Algumas melodias — “Dirai-je monConfiteor”, “Lampons” e “Réveillez-vous, belle endormie” — remontam ao início do século eprovavelmenteaaindabemantesdisso.**Masamaiorpartedasmelodiasparecetertidoumtempode vida de uma ou duas décadas e, até onde sei, todas aquelas que eram populares na década de1740estãohojeesquecidas.UmchansonnierespecialmentericonaBibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis(ms.646-50)

pode servir como índice das melodias mais populares da década de 1740. Seus cinco grossosvolumes contêm dúzias de canções, embora sejam compostas com base em apenas 103melodias.Dessas,asseguintes,identificadasporseustítulosconvencionais,apareciamcommaisfrequência:“Joconde” 18ocorrências“Prévôtdesmarchands” 17“Touslescapucinsdumonde” 15“LesPendus” 11

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“Voilàcequec’estd’alleraubois” 9“LesPantins” 7“Dirai-jemonConfiteor” 4“LaCoquettesanslesavoir” 4“Jardinier,nevois-tupas” 4“TonhumeurestCatherine” 4“Eh,yallonsdonc,Mademoiselle” 4“LeCarrillondeDunkerque” 4“Lampons” 3“Biribi”ou“AlafaçondeBarbarie” 3“LaBéquilledupèreBarnaba” 3“Nousjouissonsdansnoshameaux” 3“Vousm’entendezbien” 3“Or,vousdîtes,Marie” 3“LesPierrots” 3

“Dirai-jemonConfiteor”,amelodiadacançãoqueatacavaMme.dePompadourcomo“unebâtardedecatin”nãoaparecenotopodalista,masocupaumlugarpertodomeio,juntocomcincodeumaoutradúziadecançõesquepodemserouvidasem<www.hup.harvard.edu/features/darpoe>.Outromododemedirapopularidaderelativadadúziademelodiasconsisteemseguirseurastro

ao longo dos dois maiores chansonniers na Bibliothèque Nationale de France: o “ChansonnierClairambault” (ms. fr. 12707-20, catorze volumes que recobrem os anos de 1737-50) e o“ChansonnierMaurepas”(ms.fr.12635-50,seisvolumesqueabrangemosanosde1738-47).Emboraoschansonnierssejamdecaráterdiferente,mostramamesmaincidêncianousodasdozemelodias:

OCORRÊNCIASEMCLAIRAMBAULT

TÍTULO OCORRÊNCIASEMMAUREPAS

14 Dirai-je monConfiteor 9

9 Réve illez-vous,be lle endormie 6

7 Lampons 5

6 LesPantins 4

5 Biribi 4

4 LaCoquette sansle savoir 4

2 LesTrembleurs 1

1 Messieurs nosgénéraux 1

1 Haïe ,haïe ,haïe ,Jeannette 1

1 LaMortpourle s malheureux 0

0 Tesbeauxyeux,maNicole 0

0 Oùest-il, ce pe titnouveau-né? 0

Abaseestatísticaépequenademaisparapermitirqualquerconclusão importanteapartirdesse

material, mas acho justo dizer que a canção de maior destaque no Caso dos Catorze, “Qu’unebâtarde de catin”, foi composta para uma das melodias mais populares entre os parisienses porvolta de 1750: “Dirai-je mon Confiteor”. A canção que precipitou a queda do ministério deMaurepas, “Par vos façons nobles et franches”, também foi cantada com uma melodia muitopopular, “Réveillez-vous, belle endormie”. As doze canções que figuram no site mencionado sãobons exemplos de como as opiniões sobre os fatos atuais eram transmitidas pormeio damúsica,emboraalgumasletrasnãoestivessemassociadasàsmelodiasmaispopulares.Tomadasemconjunto,

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elasoferecemumaamostragembastanterepresentativadasmelodiasqueamaioriadosparisiensescantarolava emmeados do século XVIII. Nenhuma linha de causalidade direta ligava cantarolar acantar propriamente, nem ligava cantar a pensar,mas tantas associações e afinidades prendiam amúsicaàspalavrasqueosCatorzetocavamnumazonapoderosanaconsciênciacoletiva.

*Amelodiaoriginal,conhecidacomo“LesPantins”,parecetersidocompostaparaumespetáculodefantoches,queincluíaaseguinteestrofe(BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.648,p.288):Iln’estaucunparticulierQuin’eutchezlui,nefitdansersanscesseMarionnettesdepapierEtmagotsdecartoncoupésdetoutesespèces.

ApopularidadedamelodiaémencionadanumadascançõesqueausaramparaprotestarcontraasupressãodaresistênciaparlamentaràbulapapalUnigenitus(BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.12716,p.147):“Chansonsurl’airdesPantinssurleParlementdeParisausujetdesonarrêtédu17févrierderniersurlaConstitutionUnigenitus”:Chantonssurl’airdesPantins,Puisquec’estl’airàlamode;Chantonssurl’airdesPantins,Leshautsfaitsdenosrobins.

**VerareferênciaataiscançõesemLaClefdeschansonniers,ouRecueildevaudevillesdepuiscentansetplus,notésetrecueillispourlapremièrefoisparJ.-B.-ChristopheBallard(Paris,1717),2v.,v.I,pp.32,124e130.

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Umcabaréeletrônico:CançõesderuadeParis,1748-50CantadasporHélèneDelavault

LETRASEAPRESENTAÇÃO

Apáginadainternet<www.hup.harvard.edu/features/darpoe>disponibilizaparadownloadumadúzia das muitas canções que se podiam ouvir em toda parte, em Paris, na época do Caso dosCatorze.Suas letras foramtranscritascombaseemchansonniers contemporâneos,esuasmelodias,identificadas pelos primeiros versos ou pelo título das canções, provêmde fontes do séculoXVIIIcoligidas noDépartement deMusique daBibliothèqueNationale de France. Foram gravadas porHélèneDelavault, acompanhada ao violão porClaude Pavy. Cantores de rua, na Paris do séculoXVIII, muitas vezes bradavam suas canções com o acompanhamento de rabecas ou de realejos. Ainterpretaçãodasrta.Delavaultnãopode,portanto,sertomadacomoumaréplicaexatadoqueosparisiensesouviamporvoltade1750,masapresentaumaversãoaproximadadadimensãooraldasmensagensquefluíampeloscircuitosdecomunicaçãodoAncienRégime.Só as duas primeiras canções têm uma ligação direta com o Caso dos Catorze. As outras

transmitemosmesmostemaspormeiodamúsicaquevariaemteor,desdebaladasdebebedeiraatéáriasdeóperaecantosdeNatal.Algumas ilustramamaneiracomoosmenestréisusavamos fatosdomomento,comoaBatalhadeLawfeldteaproclamaçãodaPazdeAix-la-Chapelleemsuasletras.Elasnãosãonecessariamentehostisaogoverno,emboracostumemzombardeministrosecortesãosde um modo que exprimia as rivalidades políticas em Versailles. A maioria tomava Mme. dePompadour comoalvo.A tendênciapara fazer trocadilhos comseunomede solteira,Poisson, astornou conhecidas comoPoissonades, sugerindo alguma afinidade com asMazarinades, cujo alvoeraocardealMazarinoduranteaFrondade1648-53.

1.AcançãoquederrubouoministériodeMaurepas:“Parvosfaçonsnoblesetfranches”,compostacombasenamelodiade“Réveillez-vous,belledormeuse”e“Quandlepérilestagréable”.1A.Umaversãotradicional,doceeplangente

Réveillez-vou,belledormeuse, Desperta,be laque dorme ,Simesdiscoursvousfontplaisir. Se minhaspalavras lhe dãoprazer.Maissivousêtesscrupuleuse, Masse é s e scrupulosa,Dormez,oufeignezdedormir. Dorme,oufinge dormir.

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Fonte:LaClefdeschansonniers,ouRécueildevaudevillesdepuiscentansetplus(Paris,1717),v.I,p.130.

1B.Umaparódiaapolítica

Survospas,charmanteduchesse, Emteuspassos,encantadoraduquesa,Aulieudesgrâcesetdesris Emlugarde graças e risos ,L’amourfaitvoltigersanscesse OamorfazrodopiarotempotodoUnessaimdechauve-souris Umenxamede morcegos.Fonte:BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.13705,fólio2.1C.OataquecontraMme.dePompadour

Parvosfaçonsnoblesetfranches, Portuas mane iras nobres e francas,Iris,vousenchanteznoscoeurs; Iris , tuencantas nossoscorações;Surnospasvoussemezdesfleurs. Emnossospassos,tusemeias flores .Maiscesontdesfleursblanches. Massãoflores brancas.

Fonte:E.-J.-B.Rathery(Org.),JournaletmémoiresdumarquisD’Argenson(Paris,1862),v.V,p.456.

2.Umacançãocomocrônicadosfatosdomomento:“Qu’unebâtardedecatin”,comamelodiade“Dirai-jemonConfiteor”e“Quandmonamantmefaitlacour”.2A.Umaversãoconvencional:corteeamor

Quandmonamantmefaitlacour, Quandomeuamante me fazacorte ,Illanguit,ilpleure,ilsoupire, Enlanguesce ,chora,suspira,Etpasseavecmoitoutlejour Epassaodiainte irocomigoAmeracontersonmartyre. Amecontarseumartírio.Ah!S’illepassaitautrement, Ah!Se passasse de outromodo,Ilmeplairaitinfiniment. Ele me agradariainfinitamente .Decetamantpleindefroideur Parae sse amante che iode friezaIlfautquejemedédommage; Precisoacharumacompensação.J’enveuxun,quidemonardeur Queroumque de meuardorSachefaireunmeilleurusage, Saibafazerme lhoruso,Qu’ilsoitheureuxàchaqueinstant, Quee le se jafe lizatodoinstanteEtqu’ilnesoitjamaiscontent. Eque nuncae ste jasatisfe ito.

Fonte:LeChansonnierfrançais,ouRécueildechansons,ariettes,vaudevillesetautrescoupleschoisis,aveclesairsnotésàlafindechaquerecueil(semlocalnemdatadepublicação),v.VIII,pp.119-20.

2B.Umaversãoadaptadaàpolíticadacorte.Entreasmuitasversõesdessamesmacançãopopular,ver“AscançõeseospoemasdistribuídospelosCatorze”e“Textosde‘Qu’unebâtardedecatin’”,(nestevolume).AgravaçãodeHélèneDelavaultincluiapenasasprimeirascincoestrofesdaversãoaseguir.

SOBREMME.DEPOMPADOURELUÍSXV:

Qu’unebâtardedecatin QueumaprostitutabastardaAlacoursevoitavancée, Abracaminhonacorte ,Quedansl’amouretdanslevin Quenoamore novinhoLouischercheunegloireaisée, Luís busque umaglóriafácil,

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Ah!Levoilà,ah!,levoici, Ah!Aíe stá,ah!cáe stá,Celuiquin’enanulsouci. Aque le que nãose importacomnada.SOBREODELFIM:

QueMongr.legrosDauphin Queogordomonsenhorde lfimAitl’espritcommelafigure Tenhaoe spíritocomoafiguraQuel’Étatcraigneledestin QueoEstadotemaodestinoD’unsecondmonarqueenpeinture, Deumsegundomonarcapintado,Ah!Levoilà,etc. Ah!Aíe stáe tc.SOBREOIRMÃODEPOMPADOUR:

Qu’éblouiparunvainéclat, Quecegoporumvãoe splendor,Poissontranchedupetitmaître, Poissonse porte comoumdândi,Qu’ilpensequ’àlacourunfat Quee le pense que nacorte umtoloSoitdifficileàreconnaître Se jadifícilde reconhecer.

SOBREOMARECHALDESAXE:

QueMauricecefieràbras QueMaurice bravoe fortePouravoircontraintàserendre Porte rcoagidoase renderemVillesquinerésistaientpas Cidadesque nãoresistiramSoisplusexaltéqu’Alexandre Se jamais exaltadodoque Alexandre

SOBREOMARÉCHALDEBELLE-ISLE:

Quenotrehérosàprojets Quenossoheróidosproje tosAitvudanssalâcheindolence Tenhavisto,emsuadébilindolência,Alahontedunomfrançais ParavergonhadonomefrancêsLesHongroispillerlaProvence OshúngarospilharemaProvença.

SOBREOCHANCELERD’AGUESSEAU:

QueleChancelierdécrépit Queochance lerdecrépitoLâchelamainàl’injustice Afrouxe amãoparaainjustiçaQuedanslevraiilaitunfils Quenaverdade e le temumfilhoQuivendemêmelajustice Queaté vende ajustiça

SOBREOSMINISTROSMAUREPASEST.FLORENTIN:

QueMaurepas,St.Florentin QueMaurepas,St.FlorentinIgnorentl’artmilitaire Ignoramaarte militarQuecevraicouplecalotin Quetalduplade santarrõesApeinesoitbonàCythère Denadasãocapazes nacama.SOBREOCONDED’ARGENSON,MINISTRODAGUERRA:

QueD’Argensonendépitd’eux QueD’Argenson,apesarde le s ,Aitl’oreilledenotremaître Recebaaatençãode nossomestreQuedudébrisdetouslesdeux QuedasruínasdosdoisIlvoiesoncréditrenaître Ele ve jaseucréditorenascerSOBREBOYER,FUNCIONÁRIODAIGREJAENCARREGADODASINDICAÇÕESPARAOSBENEFÍCIOS:

QueBoyer,cemoinemaudit QueBoyer,e sse monge malditoRenversel’Étatpourlabulle SubvertaoEstadope labula

[Unigenitus]

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Queparluilejusteproscrit Quepore le ojustoproscritoSoitvictimedelaformule Se javítimadafórmula[a

exigidarenúnciaaojansenismo]

SOBREMAUPEOU,PRIMEIROPRESIDENTEDOPARLAMENTODEPARIS:

QueMaupeouplieindignement QueMaupeoudobre indignamenteSesgenouxdevantcetteidole Seusjoe lhosdiante desse ídolo

[Pompadour]Qu’àsonexempleleParlement QueaseuexemplooParlamentoSentesondevoiretleviole Sintaseudevere oviole

SOBREPUISIEULXEMACHAULT,MINISTROSDEASSUNTOSESTRANGEIROSEDASFINANÇAS:

QuePuisieulxenattendant QuePuisieulxenquantoe speraEmbrouilleencorepluslesaffaires Embrulhe as coisas mais aindaEtqueMachaultenl’imitant Eque Machault, imitando-o,Mettelecombleànosmisères Arremate nossas misérias Quecescoupletsqu’unfiercenseur Estas e strofes que umcensorfe rozAsongrécritiqueetraisonne Àsuavontade criticae analisaQueleurstraitsdémasquentl’erreur QueseustraçosdesmascaremoerroEtpercentjusqu’autrône Epenetrematé otrono

Fonte:BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.580,fólios248-9.

3. Uma canção sobre um acontecimento: a Batalha de Lawfeldt, 2 de julho de 1747, entre osfranceseseosexércitosaliados,comandadospeloduquedeCumberland,filhodeGeorgeII.EmboraCumberland não tenha sido derrotado de forma categórica, retirou suas tropas do campo debatalha e os franceses saudaram o desfecho como uma vitória. Cantada com a melodia de “LesPantins”.ToutParisestbiencontent. Paris inte irae stácontente .Lerois’envaenHollande. Ore ivaiparaaHolanda.ToutParisestbiencontent. Paris inte irae stácontente .OnafrottéCumberland. Cumberlandlevouumasurra.Enluidisant“Monenfant, Elhe disseram“MeufilhoVotrepapavousattend Seupaioe speraDitesadieuàlaZelande DáadeusàZe lândiaEtviteettôt,foutlecamp”. Erápido,caiafora”.

Fonte:BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.648,p.36.

4.UmacançãosobreafuturaproclamaçãodoTratadodeAix-la-Chapelle,queocorreriaemParis,nodia12de fevereirode1749.As cerimôniasquemarcariamaproclamação tinhamo intuitodecelebrarofimdaGuerradaSucessãoAustríacacomojúbilopúblico,masotratadoeraimpopularentreosparisienses,porquedevolviaoterritórioqueosexércitosfranceseshaviamconquistadonos

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Países Baixos austríacos— e, pior ainda, porqueMachault, o controlador geral das finanças, serecusouarevogarosimpostos“extraordinários”instituídoscomopropósitodefinanciaraguerra.Nofinal,eleacabousubstituindoesses impostosporumapesadaesemipermanente taxavingtième(vigésima).Cantadacomamelodiade“Biribi”,cançonetamuitopopular,comumrefrãonoestilononsense.C’estdoncenfinpourmercredi Seráenfimnaquarta-fe iraQu’avecbelleapparence QuecommuitapompaOnconfirmeradansParis IrãoconfirmaremParisLapaixetl’indigence, Apaze aindigência,Machaultnevoulantpoint,dit-on, Pois Machaultnãoquer,dizem,Lafaridondaine,lafaridondon, Afaridondaine ,afaridondon,Oterlesimpôtsqu’ilamis, Revogaros impostosque criou,Biribi, Biribi,AlafaçondeBarbari,monami. Àmane irade Barbari, meuamigo.

Fonte:Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11683,fólio125.

5. Uma canção sobre a malfadada festa para celebrar a paz. Parisienses desabafaram seudescontentamento comBernage, oprévôtdesmarchands, responsável por organizar as cerimôniaspúblicas.Asbalsaseoscarrosalegóricosqueeleconstruiuparaodesfiledapaz,naruae tambémnoSena,sofreramamplascríticasporteremumaspectoridículo,eBernagetambémnãoconseguiuorganizardevidamenteasprovisõesdealimentosedebebidasparaseremdistribuídos.Cantadacomamelodiade“Lamortpourlesmalheureux”.Quelestcefestinpublic? Oque é e sse fe stimpúblico?Est-ceunpique-nique? Seráumpiquenique?Non, Não,C’estungueuleton ÉumafarraDonné,dit-on, Oferecida,pe loque dizem,Pourcélébrerlapaix. Paracomemorarapaz.Etdecesbeauxapprêts Ede todosos be los preparativosLavillefaitexprèslesfrais. Acidade irápagaraconta.Quellefinesse,quelgoût Quefinura,que gostoRègnentpartout Reinaemtodaparte .Quelséclatantseffets Quee fe itos deslumbrantesFontcesbuffets! Produzemtais bufês!Etcedonjondoré! Eaque lamasmorradourada,Biendécoré BemdecoradaEstuntemplesacré. Éumtemplosagrado.Maissurl’eau Massobre aáguaCharmenouveau NovoencantoJevoisflotterunesalle VejoflutuarumsalãoOùBacchus Onde BacoIvrantComus EmbebedandoComusTientboutiquedescandale. Cuidade umacasade e scândalos .

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Decespectacleenchanteur Detale spe táculoencantadorNomme-t-onl’admirableauteur? Qualonomedoadmiráve lcriador?Lenommer,dîtes-vous,non, Dizerseunome,dizvocê ,nãodirá,Bernageest-ilunnom? PoracasoBernage é umnome?

Fonte:BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.649,p.75.

6.UmacançãosobreaquedaeoexíliodeMaurepas,usadaparazombardeoutroscortesãos.Entreeles estão o ex-ministro do Exterior, Germain-Louis de Chauvelin, que em 1737 foi exilado emBourges,eoduquedeLaVrillière,umdosprediletosdeMme.dePompadour,que(como“MamanCatin” e “la Princesse d’Etiole”) é o alvo principal da sátira. Cantada com amelodia da popularcançãodebebedeira“Lampons,camarades,lampons”.ADieumoncherMaurepas Adeus,meucaroMaurepas,Vousvoilàdansdebeauxdraps. Aíe stávocê emapuros.Ilfautpartirtouteàl’heure ÉprecisopartirsemdemoraPourBourgesvotredemeure. Parasuaste rras emBourges.Lampons,lampons. Bebamos,bebamos.Camarades,lampons. Camaradas,bebamos. QuelmalheurqueChauvelin Quepenaque Chauve linVotreamitendreetbénin Seuamigomeigoe bondosoNesoitplusencetteville; Nãoeste jamais nestacidade ;Vousauriezfaitdomicile. Ele te riahospedadovocê emcasa. OnditqueMamanCatin, Dizemque Mamãe Mere triz,Quivousmènesibeautrain Quelhe deutãogrande raste iraEtseplaîtàlaculbute, Eadorouaderrocada

[doministé rio],Vousprocurecettechute. Causousuaqueda. Dequoivousavisez-vous Deonde lhe ve ioaide iaD’attirersonfiercourroux? Deprovocarairafe rozde la?Cettefranchepéronnelle EssatoladesbocadaVousfaitsauterdel’échelle. Fezvocê cairdae scada. Ilfallaitencourtisan Comocortesão,você deviaLuiprodiguervotreencens, Incensá-lacomfartura,FairecommeLaVrillière FazercomoLaVrilliè reQuiluilècheladerrière. Quelambe suabunda. Réfléchissezuninstant ReflitauminstanteSurvotresortdifférent. Sobre seudestinodife rente .Onvousenvoieenfourrière Você foipostonoolhodaruaQuandleSt.Espritl’éclaire. Ee le ganhouaordemdoEspíritoSanto. PourréussiràlaCour, Parate rsucessonacorte ,Quiconqueyfaitsonséjour Nãoimportaquemfaçaaísuae stada

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Doitfléchirdevantl’idole Temde se curvardiante doídolo,LaPrincessed’Etiole. Aprincesade Etiole .

Fonte:BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.649,p.123.

7. Uma canção que ataca Mme. de Pompadour por suas origens plebeias, por sua aparência esupostavulgaridade, tomadas como símbolodadegradaçãodoEstadoedoaviltamentodo rei.Aexemplo demuitas canções dasPoissonades, ela zomba de seu nome de solteira. Usa também umrecursoretóricochamadode“eco”,repetindoaúltimasílabadetodasasestrofes,àsvezesemformade trocadilho. Em contraste com a melodia da canção anterior, que evocava a bebedeira emtavernas, sua melodia, “Les Trembleurs”, tem uma origem refinada. Provém da ópera de Jean-BaptisteLully intitulada Isis, embora também tenha sidousada emapresentações em teatrosmaisplebeus,permitidosduranteastemporadasdasfeiras(théâtresdelafoire).Lesgrandsseigneurss’avilissent Osgrandessenhores se aviltamLesfinancierss’enrichissent Osfinancistas enriquecemTouslesPoissonss’agrandissent Todosos Poissonse engrandecemC’estlerègnedesvauriens. Éore inodosvagabundos.Onépuiselafinance Esgotam-se as finançasEnbâtiments,endépense, Emprédios,emdesperdício,L’Étattombeendécadence OEstadoruiemdecadênciaLeroinemetordreàrien,rien,rien. Ore inãopõe nadaemordem. Unepetitebourgeoise Umapequena-burguesaElevéeàlagrivoise CriadaemmeioaodebocheMesuranttoutàsatoise, Medindotudopors imesma,Faitdelacouruntaudis; Fazdacorte umcortiço;LeRoimalgrésonscrupule, Ore i, apesarde seuse scrúpulos,Pourellefroidementbrûle Pore laarde friamenteCetteflammeridicule EssachamaridículaExcitedanstoutParis,ris,ris,ris. FaztodaParis rir, rir, rir. Cettecatinsubalterne Essatalmere trizInsolemmentlegouverne OgovernacominsolênciaEtc’estellequidécerne Eé e laquemse lecionaLeshommesàprixd’argent. Oshomensaaltopreço.Devantl’idoletoutplie, Diante doídolo,todosse curvam,Lecourtisans’humilie, Ocortesãose humilha,Ilsubitcetteinfamie Suje ita-se ae ssainfâmia.Etn’estqueplusindigent,gent,gent Eé aindamais indigente ,gente ,gente Lacontenanceéventée AaparênciabolorentaLapeaujauneettruitée Ape le amare lae sardentaEtchaquedenttachetée Etodosos dentes manchadosLesyeuxfades,lecollong, Olhosapagados,pescoçocomprido,Sansesprit,sanscaractère Semespírito,sempersonalidade ,L’âmevileetmercenaire Almavile mercenária

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Leproposd’unecommère Afalaigualàde umamexerique iraToutestbaschezlaPoisson,son,son. Tudoé vilnaPoisson,son,son.

Sidanslesbeautéschoisies Se entre as be ldadesse le tasElleétaitdesplusjolies Elae radas mais bonitasOnpardonnelesfolies Perdoam-se as loucurasQuandl’objetestunbijou. Quandooobje toé umajoia.Maispoursimincefigure, Masparafiguratãobanal,Etsisottecréature, Eumacriaturatãotola,S’attirertantdemurmure AtrairtantofalatórioChacunpenseleroifou,fou,fou*

[ou:fout,fout,fout].Todosachamque ore ié tolo,olo,olo.

Qu’importequ’onmechansonne Queimportaque cantemsobre mimQuecentvicesl’onmedonne Queme atribuamcemvíciosEnai-jemoinsmacouronne ÉmenosminhaaminhacoroaEnsuis-jemoinsroi,moinsbien: Soumenosre i, menosbom?Iln’estqu’unamourextrême ÉapenasumamorradicalPlusfortquetoutdiadème Maisforte que qualquerdiadema Quirendeunsouverainblême QuetornaumsoberanopálidoEtsongrandpouvoirrien,rien,rien. Eseugrande podernada,nada,nada. Voyezcharmantemaîtresse Veja,encantadoraamanteSil’honneurdelatendresse Se ahonradate rnuraEstd’exciterquivouspresse Éexcitaraque le que apressionaD’obéiràsonamour. Aobedeceraoseuamor.Ménagezbienlapuissance Cuide bemdopoderDecebienaimédeFrance Desse bem-amadodaFrançaSivousnevoulezqu’onpense Se nãoquiserque pensemQu’ilnevousaprisquepour,pour,pour. Quee le sópegouvocê para,para,para

Fonte:BibliothèqueNationaledeFrance,ms.13709,fólios29-30e71.

8. Outra Poissonade, que escarnece de Mme. de Pompadour, ameaçando produzir ainda maiscanções contra ela. Também zomba de sua aparência e ridiculariza a mediocridade de seudesempenhonasóperasqueelamontavaemcaráterprivadoemVersailles a fimdedivertiro rei.Comonumacançãoanterior,a letrasugereumasolidariedadesubjacentecomorei,adespeitodaafeiçãoporsuaamanteindigna.Cantadacomamelodiade“Messieursnosgénérauxsonthonnêtesgens”. Nesse caso, foi impossível descobrir a música. Como exemplo da facilidade com que asmúsicas podem ser adaptadas a melodias, Hélène Delavault canta a letra com a melodia maisconhecidadoséculoXVIIInaFrança,“Auclairdelalune”.Ilfautsanrelâche ÉprecisosemdescansoFairedeschansons. FazercançõesPlusPoissons’enfache Quantomais Poissonse irritaPlusnouschanterons. Maisnóscantaremos.Chaquejourelleoffre Tododiae laoferece

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Matièreàcouplets Materialparae strofesEtveutquel’oncoffre Equerque mandemparaacade iaCeuxquilesontfaits. Aque les que as fizeram. Ilssontpunissables Sãopassíve is de puniçãoPeignantsesbeautés Osque re tratamsuasbe ldadesDetraitsremarquables Comtraçosnotáve isQu’ilsn’ontpointchantés Quee le s nãocantaramSagorgevilaine Seupe itohorríve lSesmainsetsesbras, Suasmãose seusbraçosSouventunehaleine Muitas vezes oseuhálitoQuin’embaumepas. Quenãoperfuma. Lafolleindécence AloucaindecênciaDesonopéra DesuaóperaOùparbienséance Onde pordecoroToutministreva. Todoministrovai.Ilfautqu’onyvante Éprecisoe logiarSonchantfredonné SeucantominguadoSavoixchevrotante Suavozde cabritaSonjeuforcené. Suamane iradesenfreadade representar. Elleveutqu’onprône Elaquerque louvemosSespetitstalents, Seuescassotalento,Secroitsurletrône Acreditaque ocupaotrono,Fermepourlongtemps. Demodofirme e duradouro.Maislepiedluiglisse, Masseupé e scorrega,Leroisortd’erreur Ore irenegaseuse rros,Etcesacrifice EcomtalsacrifícioLuirendnotrecoeur. Ganhanossoscorações.

Fonte:BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.13709,fólio41.

9. Uma canção que profetiza que em breve o rei irá se cansar deMme. de Pompadour e de suasóperas maçantes. Cantada com a melodia do canto de Natal “Où est-il, ce petit nouveau né?”.EmborafossemtidoscomohinosdeNatal,osnoëlseramtradicionalmenteapresentadosnofimdoanoparasatirizarministroseoutrosgrandsdeVersailles.Leroiserabientôtlas Embreve ore iiráse cansarDesasottepécore. Desuatolapale rma.L’ennuijusquesdanssesbras Otédionosbraçosde laLesuitetledévore; Opersegue e odevora;Quoi,dit-il,toujoursdesopéras, Ora,dize le , sempre e ssas óperas ,Enverrons-nousencore? Até quandote remosde verisso?

Fonte:BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.13709,fólio42.

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10.OutracançãoqueenfatizaasorigenssubalternasdeMme.dePompadour,comtrocadilhoscomseunomedesolteira.EssetemacomumsugereumavertentearistocráticanasPoissonades,boaparteda qual provavelmente tinha origem na corte. A despeito de seu tom irreverente, nada havia derevolucionárioemsuassátiras.Cantadacomamelodiade“TesbeauxyeuxmaNicole”.Jadisc’étaitVersailles Antigamente e raVersaille sQuidonnaitlebongoût; Queditavaobomgosto;Aujourd’huilacanaille Hoje acanalhaRègne,tientlehautbout. Reina,temaúltimapalavra.Silacourseravale, Se acorte se avilta,Pourquois’étonne-t-on, Porque se admirar,N’est-cepasdelaHalle Nãoé dafe irade HalleQuenousvientlepoisson? Quenosvemope ixe?

Fonte:BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.13709,fólio71.

11.UmacançãoquecontaasupostaorigemdarelaçãodeLuísXVcomMme.dePompadour,quenaépocaeracasadacomCharlesGuillaumeLeNormantd’Etiolles,umfinancista,sobrinhodocélebrecobrador de impostos Le Normant de Tournehem; daí as referências depreciativas às finanças,sugerindoqueoreihaviaseintegradoàsfileirasdeseusprópriosevorazescobradoresdeimpostos.Comentava-sequeLuís,na épocaviúvo,notarapelaprimeiravez sua futuraamantenumbailedemáscaras,quefoipromovidoafimdecelebrarocasamentodeumdelfimeincluíaalgunsplebeus.Cantadacomamelodiade“Haïe,haïe,haïe,Jeannette”.NotrepauvreroiLouis Nossopobre re iLuísDansdenouveauxferss’engage. Se prende emnovascade ias .C’estauxnocesdesonfils Foinas bodasde seufilhoQu’iladoucitsonveuvage Quee le adoçousuaviuvezHaïe,haïe,haïe,Jeannette, Ai,ai, ai, Jeannette ,Jeannette,haïe,haïe,haïe. Jeannette ,ai, ai, ai.LesbourgeoisdeParis Osburgueses de ParisAubalonteul’avantage Tiveramdire itode iraobaile .Ilapoursonvisàvis Ele [ore i]paraseuparChoisidanslecailletage Escolheuentre as fofoque iras .Haïe,etc. Aie tc. Leroi,dit-onàlacour, Ore i, dizemnacorte ,Entredoncdanslafinance. Entraafinalnas finanças.Defairefortuneunjour DefazerfortunaumdiaLevoilàdansl’espérance. Láestáe le nae sperança. Envainlesdamesdecour Emvãoas damasdacorteL’osenttrouverridicule. Atrevem-se aachá-loridículo.Leroiniledieud’amour Nemore inemodeusdoamor

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N’ontjamaiseudescrupule Jamais tiveramescrúpulos.

Fonte:BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.13701,fólio20.

12.UmaPoissonade final vai além das outras, transferindo sua zombaria deMme. de Pompadourparao rei, aquemacusade faltadevirilidade.Cantadacomamelodiade “Sans le savoir”ou“LaCoquettesanslesavoir”.Héquoi,bourgeoisetéméraire Ora,burguesatemeráriaTudisqu’auroituassuplaire Você dizque soube agradaraore iEtqu’ilaremplitonespoir. Eque e le satisfezsuae sperança.Cessed’employerlafinesse; Pare de usarsutilezas ;Noussavonsqueleroilesoir Sabemosque ore iànoiteAvouluprouversatendresse Quisdarprovade suate rnuraSanslepouvoir. Sempodê-lo.

Fonte:BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.13701,fólio20.

*Fou,emfrancês,sugere“foder”.(N.T.)

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Notas

INTRODUÇÃO

1.Paraumareflexãogeralsobreoassunto,verArletteFarge,EssaipouruneHistoiredesvoixaudix-huitièmesiècle(Montrouge,2009);e Herbet Schneider (Org.), Chanson und Vaudeville; Gesellschäftliches Singen und unterhaltende Kommunikation im 18. und 19.Jahrhundert(St.Ingbert,1990).1.POLICIANDOUMPOEMA

1.Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11690,fólio66.Orelatosebaseiaemmanuscritosamontoadosconfusamentedentrodessacaixa,algunsdelesetiquetados“L’AffairedesQuatorze”.AlgunspoucosdessesdocumentosforampublicadosinFrançoisRavaisson,ArchivesdelaBastille(Paris,1881),v.12,pp.313-30.

2.D’HémeryparaBerryer,26jun.1749;eD’ArgensonparaBerryer,26jun.1749.AmbasnaBibliothèquedel’Arsenal,ms.11690,fólios40e42.

3.D’HémeryparaBerryer,4jul.1749,ibid.,fólio44.4.“InterrogatoiredusieurBonis”,4jul.1749,ibid.,fólios46-7.5.NumacartaparaBerryerdatadade4jul.1749,D’Argensonpropôsqueapolíciatrabalhasseàsclaras.Pediucominsistênciaqueo

superintendente-gerallevasseadianteainvestigaçãoafimdechegaràfonte:“parvenirs’ilestpossibleàlasourced’unepareilleinfâmie”(ibid.,fólio51).

6.AcaixadedocumentosnaBibliothèquedel’Arsenal,ms.11690,contémrelatosminuciososdecadaumadessasprisões,masfaltamalgunsdossiês,emespecialosdeVarmont,Maubert,DuTerrauxeJeanGabrielTranchet,queprovavelmentecontinhaminformaçõesarespeitodosúltimosestágiosdocaso.

7.D’ArgensonparaBerryer,26jun.1749,ibid.,fólio42.2.UMENIGMA

1.VerMichelFoucault,L’Ordredidiscours(Paris,1971),eJürgenHabermas,TheStructuralTransformationofthePublicSphere:AnInquiryintoaCategoryofBourgeoisSociety(Cambridge,Mass.,1989).Paraoutrasreferênciasediscussõessobreambasasteorias,verJanGoldstein (Org.), Foucault and the Writing of History (Oxford, 1994), e Craig Calhoun (Org.), Habermas and the Public Sphere(Cambridge, Mass., 1992). No meu próprio ponto de vista, que deve bastante a Robert Merton e Elihu Katz, uma sociologia dacomunicaçãomaisfértil,oupelomenosquetenhamaisafinidadecomascondiçõesfrancesas,podeserencontradanaobradeGabrieldeTarde. Ver Tarde,L’Opinion et la foule (Paris, 1901), e a versão inglesa dos ensaios de Tarde, organizada por Terry N. Clark,OnCommunication and Social Influence (Chicago, 1969). Tarde anteviu algumas ideias desenvolvidas mais plenamente por BenedictAndersonemImaginedCommunities:ReflectionsontheOriginandSpreadofNationalism(Londres,1983).3.UMAREDEDECOMUNICAÇÃO

1.Porexemplo,emseuinterrogatórionaBastilhaem10dejulhode1749,JeanleMercierreferiu-seaopoemaquecomeçacomoverso “Qu’une bâtarde de catin” como uma chanson. O poema é também chamado de chanson em várias coleções de manuscritoscontemporâneosdecançõessatíricas,queemgeraldãonomeàmelodia.UmacoleçãonaBibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.648,p.393,serefereaomesmopoemacomo“Chansonsatiriquesurlesprinces,princesses,seigneursetdamesdelacoursurl’airDirai-jemonConfiteor”.Outracópia,naColeçãoClairambaultnaBibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.12717,p.1,éidentificadacomo“Chansonsurl’airQuandmonamantmefaitlacour.ÉtatdelaFranceemaoût1747”.Umaterceiracópia,anotadanumatiradepapelapreendidaduranteaprisãodeMathieu-FrançoisPidansatdeMairobert,tinhaumtítulosemelhante:“L’ÉtatdelaFrancesurl’air

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Monamantmefaitlacour”.Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11683,fólio134.2.BilhetesemdataparaBerryer,de“Sigorgne,avocat”,Bibliothequedel’Arsenal,ms.11690,fólio165.3.DuCrocq,diretordoCollègeduPlessis,paraBerryer,4set.1749,ibid.,fólio165.4.InterrogatóriodeAlexisDujastnaBastilha,8jul.1749,ibid.,fólios60-2.5.BonisparaBerryer,6jul.1749,ibid.,fólios100-1.6.InterrogatóriodeJacquesMarieHallairenaBastilha,9jul.1749,ibid.,fólios81-2.Opoemasobreasluvasseencontranofólio87.7. Interrogatóriode Jean leMercier, 10 jul. 1749, ibid., fólios 94-6.Adéclaration deMercier à polícia revela comoosmodosde

transmissãooraiseescritossecombinavamnarededecomunicação:“Quel’hiverdernierledéclarant,queétaitauséminairedeSt.NicolasduChardonnet,entenditunjour lesieurThéret,quiétaitalorsdans lemêmeséminaire,réciterdescoupletsd’unechansoncontre lacourcommençantparcesmots,‘Qu’unebâtardedecatin’;queledéclarantdemandaladitechansonauditsieurThéret,quilaluidonnaetàlaquelleledéclarantafaitquelquesnotesetamêmemarquésurlacopieparluiécriteetdonnéeauditsieurGuyardquelecoupletfaitcontreMonsieurleChancelierneluiconvenaitpointetquelemot‘décrépit’nirimaitpointà‘fils’.AjoutéledéclarantquesurlamêmefeuillecontenantladitechansonàluidonnéeparleditsieurThéretilyavaitdeuxpiècesdeversausujetduPrétendant,l’unecommençantparcesmots,‘QuelestletristesortdesmalheureuxFrançais’,etl’autreparceux-ci,‘Peuplejadissifier’,lesquellesdeuxpiècesledéclarantacopiéesetadéchiréesdansletempssanslesavoircommuniquéesàpersonne”.Vercap.10,n.8,paraumatraduçãodessetestemunho.

8.Guyard,aexemplodeLeMercier,forneceuàpolíciaumrelatominuciosodoprocessodetransmissãoduranteseuinterrogatório,datadode9jul.1749,ibid.,fólio73:“Nousadéclaré[…]queverslecommencementdecetteannéeilécrivitsousladictéedusiuerSigorgne,professeurdephilosophieauCollègeduPlessis,desverscommençantparcesmots:‘QuelestletristesortdesmalheureuxFrançais’,etilyaenvironunmoisdesverssurlevingtièmecommençantparcesmots,‘Sanscrimeonpeuttrahirsafoi’;queledéclarantadictélespremiersversausieurDamours,avocatauxconseils,demeurantruedelaverrerievisàvislarueducoq,etadonnélesverssurlevingtièmeausieurHallairefils,etlesadictéslejourd’hieràladameGarnier,demeurantruedel’échelleSt.Honoréchezunlimonadier,etaenvoyéausieurdeBire,conseillerauprésidialdelaFlèche,lesverscommençantparcesmots,‘Quelestletristesort’.AjoutéledéclarantquelesieurdeBaussancourt,docteurdeSorbonne,demeurantrueSainteCroixde laBretonnerie, luiadonné lacopiedes ‘Echosde lacour’que ledéclarantadanssachambreetqu’ilacommuniquésàladitedameGarnierdontlemari,quiestentrepreneurdesvivres,estactuellementenprovince;etquelemêmesieurdeBaussancourtluialuuneautrepiècedeversfaitesurlePrétendantetcommençantparcesmots,‘Peuplejadissifier’,etdontledéclarantn’apointprisdecopie.Ajoutéencoreledéclarantquelachansonquivientd’êtretrouvéedanssespochesestdel’écrituredusieurabbéMercier,demeurantauditCollègedeBayeux,lequell’adonnéeaudéclarant”.

9.Asprisões,talcomodescritasnumrelatóriogeralsemdatasobreocaso,preparadopelapolícia(ibid.,fólios150-9),incluíramFrançoisLouisdeVauxTraversduTerraux,identificadocomo“natifdeParis,commisaudépôtdesGrandsAugustins”, e Jean-JacquesMichelMaubert,dedezesseisanos,filhodeAugustinMaubert,procureurnotribunaldeChâtelet.Jean-JacqueseraestudantedefilosofianoCollèged’HarcourtenãodeveserconfundidocomocélebreaventureiroeruditoJeanHenriMaubertdeGouvest,quenasceuemRouenem1721.OirmãodeJean-Jacques,referidopelapolíciaapenascomo“MaubertdeFreneuse”(ibid.,fólio151),tambémestavaenvolvidonatrocadepoemas,masnuncafoiapanhado.OdossiêdeVarmontnãoseencontranosarquivos,portantoédifícildeterminarseupapel. Seupai trabalhavano setor administrativodapolícia, segundoumcomentárioque constado interrogatóriodeMaubert.Portanto,parecepossívelqueVarmontpère tenhanegociadoumacordopeloqual o filho se entregaria e seria soltodepoisdedarinformações.O interrogatóriode Jean-JacquesMichelMaubert (ibid., fólios 122-3) também ilustra a interpenetraçãodosmodosdedifusãooraleescrita:“Nousadit[…]qu’ilyaquelquesmoislenomméVarmontqu’ilallavoirchezluiunaprès-midimontraaudéclarantplusieurspiècesdeverscontreSaMajestéparmilesquellesleditVarmontditqu’ilyenavaitquiluiavaientétédonnéesparunparticulierdontledéclarantignorelenom[…]queleditVarmontfilsaprèsavoirditqueceparticulierluiavaitdictédemémoirel’unedesditespiècesdeverscommençantainsi,‘Lâchedissipateurdubiendetessujets’,déclamauneautrepiècedeverscommençantparcesmots,‘QuelestletristesortdesmalheureuxFrançais’,etdonnaaudéclarantuneodesurl’exildeM.deMaurepas.[…]AjoutéledéclarantqueleditVarmontadictéenclasseetenprésencedudéclarant,quiétaitàcôtédelui,laditeodeaunomméDuChaufour,étudiantenphilosophie”.Numrelatóriodatadoapenasde“julliet1749”(ibid., fólio120),BerryeranotouqueJouretdissequehaviaobtidoa“odede14strophescontre leroi intitulée‘L’ExildeM.Maurepas’”deDuChaufour,“qui la luiavait confiée,pourenprendrecopie, etqueDuChaufour luiavaitdit l’avoirécritependantlaclasse,aoCollèged’Harcourt,sousladictéed’unécolierdephilosophie,etconvientJouretavoirprêtéladiteodeàHallairefils,pourenprendrecopie”.4.PERIGOIDEOLÓGICO?

1.OsdocumentosmaisimportantesrelativosaSigorgnesão:D’HémeryparaBerryer,16jul.1749;RochebruneparaBerryer,16jul.1749;ea“DéclarationdusieurPierreSigorgne”daBastilha,16jul.1749.TodosnaBibliothèquedel’Arsenal,ArquivosdaBastilha,ms.11690,fólios108-13.

2.AscartasdoirmãodeSigorgneparaBerryereumrelatóriosobreacondiçãocríticadeSigorgnenaBastilhasãoibid.,fólios165-87.3.Mémoiresinéditsdel’abbéMorellet(Paris,1822),v.I,pp.13-4.MorelletindicouqueTurgot,nacondiçãodeamigoíntimodeBon,

estava envolvido no caso,mas não afirmou explicitamente que havia transmitido o poema.A julgar pelo relato deMorellet, que éminucioso e bastantepreciso, o caso teve grande impactono círculodos estudantes interessados em filosofia. Escrevendo sobreo

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episódiocinquentaanosdepois,Morelletchegouacitaroprimeiroversodeumdospoemas,aoquetudoindica,dememória:“Peuplejadissifier,aujourd’huisiservile”.

4.D’HémeryparaBerryer,9jul.1749.Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11690,fólios79-80.5.GervaiseparaD’Argenson,19jul.1749;eGervaiseparaBerryer,13jul.1749,ibid.,fólios124e128.6.D’ArgensonparaBerryer,4jul.1749,ibid.,fólio51.7.Idem,6jul.1749,ibid.,fólios55e90.8.Idem,10jul.1749,ibid.,fólio90.9.Idem,6jul.1749,ibid.,fólios55e90.10.LePortefeuilled’un talon rouge contenantdesanecdotes galantes et secrètsde la courdeFrance, reimpressocomoLeCoffret du

bibliophile(Paris,s.d.),p.22.11. E.-J.-B. Rathery (Org.), Journal etmémoires dumarquis D’Argenson (Paris, 1862), v. V, p. 398. Ver um relato semelhante em

Edmond-Jean-FrançoisBarbier,ChroniquedelaRégenceetdurègnedeLouisXV(1718-1763),ouJournaldeBarbier,avocatauParlementdeParis(Paris,1858),v.IV,p.362.

12.CharlesCollé,JournaletmémoiresdeCharlesCollé,org.deHonoréBonhomme(Paris,1868),v.I,p.62:“Cemois-ci[mar.1749],l’onavuencoreplusieurschansonscontremadamedePompadour,etilcouraitunbruitqueleroiétaitsurlepointdeluidonnersoncongé.Touslesanslemêmebruitserenouvelle,autempsdePâques.Lescoupletsquel’onafaitscontreellenesontpasbons,maisilsontl’airdel’acharnementetdelafureur”.Emseguida,apóscitarumadasmelhorescanções,Colléanotou:“Cecisentlamaindel’artiste;lesrimesrecherchées[…],lesversbienfaitsetlafacilitédececoupletmeferaientpenserqu’aumoinslamécaniqueestd’unauteurdeprofession,àquil’onenauraitdonnétoutaupluslefond”.

13.Ibid.,v.I,p.49(entradadefev.1749).Collémaisadiantecitaopoema,quenãoeraumdosseisenvolvidosnoCasodosCatorze.Vertambémseuscomentáriossemelhantesemjan.1749;ibid.,v.I,p.48.5.POLÍTICADACORTE

1.OrelatoseguintesebaseiaprincipalmenteemE.-J.-B.Rathery(Org.),JournaletmémoiresdumarquisD’Argenson(Paris,1862),v.5;eE.-J.-F.Barbier,ChroniquedelaRégenceetdurègnedeLouisXV(1718-1763),ouJournaldeBarbier,avocatauParlementdeParis(Paris,1858),v.4.Eles foramsuplementadosporoutrosdiáriosememórias,emespecialL.DussieueE.Soulie(Org.),MémoiresduducdeLuynessurlacourdeLouisXV(1735-1758)(Paris,1862);viscondedeGrouchyePaulCottin(Orgs.),JournalinéditduducdeCroÿ,1718-1784(Paris,1906);FrédéricMasson(Org.),MémoiresetlettresdeFrançois-JoachimdePierrecardinaldeBernis(1715-1758)(Paris,1878);eMémoiresduducdeChoiseul,1719-1785(Paris,1904).Éclaroquetodasessasfontesdevemserusadascomcautela,poiscadaobratemuma inclinação própria. Para um apanhado geral das fontes e uma visão criteriosa do conjunto do reinado de LuísXV, verMichelAntoine,LouisXV(Paris,1989).

2.TodososretratoscontemporâneosdeMaurepasenfatizamasmesmascaracterísticas.Paraumbomexemplo,verJean-FrançoisMarmontel,Mémoires,org.deJohnRedwick(Clermont-Ferrand,1972),v.II,pp.320-1.

3.BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.12616-59.Infelizmenteesse“ChansonnierditdeMaurepas”nãocontémnadaapósoanode1747.Maso “ChansonnierditdeClairambault” é aindamais rico e contémmuitas cançõesde1748e1749:ms. fr. 12718e12719.ConsulteitambémchansonnierssemelhantesnaBibliothèqueHistoriquedelaVilledeParisenaBibliothèquedel’Arsenal.

4.ParaorelatodeumcortesãotípicosobreaquedadeMaurepas,corroboradopelasfontescitadasacima,verBernis,Mémoires,cap.21.

5.D’Argenson,Journaletmémoires,v.V,p.456.Paramaisdetalhes,ver“ApoesiaeaquedadeMaurepas”,noapêndicedestevolume.6.D’Argenson,Journaletmémoires,v.V,pp.461-2.7.Ibid.,v.V,p.455.8.EssaéainterpretaçãogeralformuladapelomarquêsD’Argensonemago.1749,quandoelepensavaqueseuirmãohaviaalcançado

tamanhaprimazianaslutasinternasemVersaillesquepodiasernomeadoprimeiro-ministro.9.D’ArgensonparaBerryer,6 jul.1749,Bibliothèquede l’Arsenal,ms.11690, fólio55.Numacartade4 jul.1749(ibid., fólio51),

D’ArgensoninstouBerryeramantê-loinformadosobrenovaspistasnainvestigação,“quinousferaarriver,àcequej’espère,àunexemplequenousdésironsdepuissilongtemps”.6.CRIMEECASTIGO

1.LeMercierparaBerryer,22nov.1749,Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11690,fólio185.2.BonisparaBerryer,26jan.1750,ibid.,fólio178.3.Idem,10set.1750,ibid.,fólio257.

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7.UMADIMENSÃOAUSENTE

1.VerChristianJouhaud,Mazarinades:LaFrondedesmots(Paris,1985).ParaaopiniãodequeasMazarinadesexprimiamdefatoumatendênciaradicaleatédemocráticanavidapolítica,verHubertCarrier,LaPressede laFronde,1648-1653:LesMazarinades (Genebra,1989).

2.E.-J.-B.Rathery(Org.),JournaletmémoiresdumarquisD’Argenson(Paris,1862),v.VI,p.108.3.Ibid.,v.V,p.399.4.Ibid.,p.415.5.Ibid.,p.464.6.Ibid.,p.468.7.Ibid.,v.VI,p.15.OescândaloprovocadopelasrelaçõesamorosasdeLuíscomasfilhasdomarquêsdeNesle,encaradasnaépoca

comoadúlterasetambémincestuosas,figuravamdeformadestacadanaliteraturaclandestinadaépoca,comoemVieprivéedeLouisXV(Londres,1781).Paraexemplosdecomoissoapareciaemcançõesdadécadade1740,verEmileRaunié,ChansonnierhistoriqueduXVIIIesiècle(Paris,1882),v.VII,pp.1-5.

8.D’Argenson,Journaletmémoires,v.V,p.387.9.MémoiresetjournalinéditdumarquisD’Argenson(Paris,1857),v.III,p.281.

8.OCONTEXTOMAISAMPLO

1.Pararelatossobrearepercussãodosfatosatuaisnasconversasenosboatos,verespecialmenteA.deBoislisle(Org.),LettresdeM.deMarville,lieutenantgénéraldepolice,auministreMaurepas(1742-1747)(Paris,1905),3v.

2.OCasodoPríncipeEdouardapareceemtodasasfontescitadasnocap.5,n.1.VerespecialmenteosrelatosminuciososemE.-J.-F.Barbier,ChroniquedelaRégenceetdurègnedeLouisXV(1718-1763),ouJournaldeBarbier,avocatauParlementdeParis(Paris,1858),v.IV,pp.314-35.OdossiêdaBastilhasobreocaso(Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11658)mostraqueogovernoeraespecialmentesensívelàmaneiracomootratamentodispensadoaopríncipeseriarecebidopelaopiniãopública.Assim,porexemplo,umacartadeD’HémeryparaDuval,secretáriodotenente-generaldapolícia,datadade14ago.1748:“OnlitpubliquementdaslecafédeViseux,rueMazarine,laprotestationduPrinceEdourard.Ilyenamêmeuneimprimée,quiestsurlecomptoiretquetoutlemondlit”(FoilidoempúbliconocafédeViseux,RueMazarine,oprotestodopríncipeEdouard.Háatéumaversãoimpressaqueestásobreobalcãoequetodosleem).Paraumrelatosobreocaso,verL.L.Bongie,TheLoveofaPrince:BonniePrinceCharlieinFrance,1744-1748(Vancouver,1986);eThomasE.Kaiser, “The Drama of Charles Edward Stuart, Jacobite Propaganda, and French Political Protest, 1745-1750”, Eighteenth-CenturyStudies,n.30(1997),pp.365-81.

3.VerMarcelMarion,LesImpôtsdirectssousl’AncienRégime(reimpressoemGenebra,1974);ePierreGouberteDanielRoche,LesFrançaisetl’AncienRégime(Paris,1984),v.2.

4.Ver,porexemplo,AlfredCobban,AHistoryofModernFrance(NovaYork,1982),v.I,pp.61-2.5.VerDaleK.VanKley,TheDamiensAffair and theUnraveling of theAncienRégime, 1750-1770 (Princeton, 1984); e B. Robert

Kreiser,Miracles, Convulsions and Ecclesiastical Politics in Early Eighteenth-Century Paris (Princeton, 1978). Ao relatar o enterro deCoffin,omarquêsD’Argensonenfatizouseuefeitodemobilizarosdescontentescomogoverno:“Onbraveainsilegouvernementetsapersécutionschismatique”.E.-J.-B.Rathery(Org.),JournaletmémoiresdumarquisD’Argenson(Paris,1862),v.V,p.492.

6.D’Argenson,Journaletmémoires,v.III,p.277.OrelatodeBarbiersobreacriseé igualmentevívido,porémmaissimpáticoaogoverno:Chronique,v.IV,pp.377-81.

7.Bibliothèquedel’Arsenal,ms.12725.VertambémFrantzFunck-Brentano,LesLettresdecachetàParis,étudesuivied’unelistedesprisonniersdelaBastille,1659-1789(Paris,1903),pp.310-2.

8.Dealgummodo,essemanuscritoseparou-sedosdocumentosdaBastilhaefoiterminarnaBibliothèqueNationaledeFrance:n.a.f.(“nouvellesacquisitionsfrançaises”),1891,citaçõesdosfóliospp.421,431,427e433.

9.Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11683.VertambémFrançoisRavaisson,ArchivesdelaBastille(Paris,1881),v.XV,pp.312-3,315-6e324-5.Comoserádiscutidoadiante,opoemaencontradoemMairobertera“Sanscrimeonpeuttrahirsafoi”.

10.BibliothèqueNationaledeFrance,n.a.f.,1891,fólio455.11.Funck-Brentano,LesLettresdecachet,pp.311-3.EmsuasMémoires(v.I,pp.13-4),Morelletafirmavaque“Peuplejadissifier”era

opoemaescritopeloabadeBon.Provavelmenteeleoconfundiucomumaodesemelhantequecirculavanamesmaépoca,“QuelestletristesortdesmalheureuxFrançais”;masaautoriadealgunspoemasaindanãopodeserdeterminada.

12.AinformaçãonosdoisparágrafosseguintesprovémdosdocumentosdeD’HémerynaBibliothèqueNationaledeFrance,n.a.f.10781-3.9.POESIAEPOLÍTICA

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1.D’ArgensonparaBerryer, 26 jun. 1749,Bibliothéquede l’Arsenal,ms. 11690.Paraumadiscussão sobrepoética e as tradiçõesretóricas,verHenriMorier,Dictionnairedepoétiqueetrhétorique(Paris,1975).EugostariadeagradeceraFrançoisRigolotpelaajudanainterpretaçãodesseaspectodapoesia.Vertambém,paraumadiscussãosobreasqualidadesliteráriasdospoemas,BernardCottreteMoniqueCottret,“LesChansonsdumal-aimé:Raisond’Étatetrumeurpublique,1748-1750”,inHistoiresociale,sensibilitéscollectivesetmentalités:MélangesRobertMandrou (Paris, 1985), pp. 303-15; e, para informação a respeito de seus aspectos jacobitas, Thomas E.Kaiser, “The Drama of Charles Edward Stuart, Jacobite Propaganda, and French Political Protest, 1745-1750”, Eighteenth-CenturyStudies,n.30(1997),pp.365-81.10.CANÇÃO

1.Cópiasdistintasdacançãocitavam títulosdiferentesdamelodia,quepode ser identificadadevárias formas.Osproblemasdeencaixarletraemelodiasãodiscutidosnocapítulo11.

2.VerLeFaitdivers,catálogodeumaexposiçãonoMuséeNationaldesArtsetTraditionsPopulaires,19nov.1982-18abr.1983(Paris,1982),pp.112-3e120-7.

3.Porexemplo,ointerrogatóriodeChristopheGuyardinBibliothèquedel’Arsenal,ms.11690,fólio73.4.Os poemas e a documentação periférica da investigação deMairobert se encontram em seu dossiê nos arquivos da Bastilha,

Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11683,fólios44-136.AlgunsdocumentosestãoimpressosemFrançoisRavaisson,ArchivesdelaBastille(Paris,1881),v.XII,pp.312,315e324;mascontêmerrosdetranscriçãoededatação.

5.Relatóriosemassinatura,possivelmentedochevalierdeMouhy,datadode1jul.1749,Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11683,fólio45.6.“ObservationsdeD’Hémerydu16juin1749”,ibid.,fólio52.7.“Affaireconcernantlesvers”,jul.1749,Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11690,fólio150.8.InterrogatóriodeJeanleMercier,10jul.1749,ibid.,fólios94-6.AreferênciaàcópiaemsiprovémdointerrogatóriodeGuyard:

“NousavonsengagéleditsieurGuyarddevidersespochesdanslesquellesils’esttrouvédeuxmorceauxdepapiercontenantunechansonsurlacour”(ibid.,fólio77).

9.Essaversãofoiextraídado“ChansonnierClairambault”naBibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.12717,p.2.10.“Affaireconcernantlesvers”,emBibliothèquedel’Arsenal,ms.11690,fólio151.11.D’HémeryparaBerryer,9jul.1749,ibid.,fólio71.12.“Affaireconcernantlesvers”,ibid.,fólio151.13.EsseéotítuloqueaparecenumchansonnierdetrezevolumesnaBibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.639-51.14. Para amostras da vasta literatura sobre esse tema, verAlfred Lord,The Singer ofTales (Cambridge,Mass., 1960); e Americo

ParedeseRichardBauman(Orgs.),TowardNewPerspectivesinFolklore(Austin,1972).11.MÚSICA

1.Emrarasocasiões,umchansonnier incluiasnotasmusicaisealetradeumacanção.Umacoletâneaimportante,o“ChansonnierMaurepas”, contémdois volumesmanuscritos comamúsicadequase todas as cançõesmencionadas em seus 35 volumesde letras.BibliothèqueNationaledeFrance(doravante,BnF),ms.fr.12656-7.

2.ErvingGoffman,FrameAnalysis:AnEssayontheOrganizationofExperience(Boston,1986).VertambémArthurKoestler,“WitandHumor”,nacoletâneadeensaiosdeKoestler,Janus:ASummingUp(NovaYork,1978).

3. Os chansonniers usados nesta pesquisa são: “Chansonnier Clairambault”, BnF, ms. fr. 12711-20, que cobre os anos 1737-50;“ChansonnierMaurepas”, BnF,ms. fr. 12635 e 12646-50 (1738-47); “Oeuvres diaboliques pour servir à l’histoire du temps et sur legouvernementdeFrance”,BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.646-50(1740-52);eoutrascoletâneasmenosexaustivasnaBibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis:ms.580,652-7,706-7,718,4274-9,4289e4312.AsnotasmusicaispodemserencontradasemBnF,ms.fr.12656-7eespecialmentenaColeçãoWeckerlinnoDépartementdelaMusiquedaBnF.Apoiei-mesobretudonumaobraimpressa,LaClef des chansonniers, ou Recueil de vaudevilles depuis cent ans et plus, notés et recueillis pour la première fois par J.-B.-ChristopheBallard(Paris,1717),2v.,HWeckerlin43(1-2)enacoleçãomanuscritadedezvolumesintitulada“Recueildevaudeville[sic],menuets,contredansesetairsdétachées[sic].Chanté[sic]surlesthéâtresdesComédiefrançaiseetitalienneetdel’Opéracomique.Lesquelssejouentsurlaflûte,vielle,musette,etc.,parlesieurDelusse,ruedelaComédiefrançaise,àParis.1752”;Weckerlin80A.QualquerpessoaquetrabalhecomessasfontestemumadívidacomograndemusicólogoPatriceCoirault,notávelporseuRépertoiredeschansonsfrançaisesdetraditionorale:OuvrageréviséetcomplétéparGeorgesDelarue,YvetteFédoroffetSimoneWallon(Paris,1996),2v.Eugostariadeagradecerameuantigoauxiliardepesquisa,AndrewClark,quefezalgumtrabalhopreliminarparamimcomessasfontes,esobretudoaoscolegasdaBnF,queforamextremamentegenerososcomsuaajuda,acomeçarporBrunoRacine,président,eJacquelineSanson,directricegénérale,eaosespecialistasnoDépartementdelaMusique,emparticularCatherineMassipeMichelYvon.

4.A literatura sobre canções emúsica popular é vasta demais para ser apresentada aqui. Para umpanorama conveniente e bemdocumentado,ver“Chanson”,inFrançoisMoureau(Org.),Dictionnairedeslettresfrançaises:LeXVIIIesiècle(Paris,1995),pp.296-320.

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Apoiei-mebastantenaobradePatriceCoirault,emespecialnoseuRépertoiredeschansonsfrançaisesdetraditionorale (vernota3);eNotrechansonfolklorique(Paris,1941).

5.Ver,porexemplo,Jean-AntoineBérard,L’Artduchant(Paris,1755).6.Louis-SébastienMercier,TableaudeParis,org.deJean-ClaudeBonnet(reimp.Paris,1994),v.I,p.241.7.Alémdasfontescitadasacima,existemmuitosestudosdevaudevilesindividuais.Paraumavisãogeraldelesedeseuambiente,ver

MauriceAlbert,LesThéâtresdelafoire,1660-1789(Paris,1900).OmaisreveladorregistrocontemporâneodecançõesedacomposiçãodecançõeséCharlesCollé,JournaletmémoiresdeCharlesCollésurleshommesdelettres,lesouvragesdramatiquesetlesévénementslesplusmémorablesdu règnedeLouisXV (1748-1772), org. deHonoréBonhomme (Paris, 1868). Sobre oCaveau, verBrigitte Level,LeCaveau,àtraversdeuxsiècles:Sociétébachiqueetchantante,1726-1939(Paris,1988);eMarie-VéroniqueGauthier,Chanson,sociabilitéetgrivoiserieauXIXesiècle(Paris,1992).

8.Mercier,TableaudeParis,v.I,pp.1283-4.9.Ibid.,v.I,p.1285.10.Umacançãochegouacelebrarummascatequevendiaalmanaques:“Orachetezpetitsetgrands/Cetalmanachqu’onvousdébite./Il

peutservirpourdixmilleans./Jugezparlàdesonmérite”.Em“Recueildevaudeville[sic],contredansesetairsdétachées[sic]”,v.VI,p.369.

11.BnF,ms.fr.12715,p.59.SegundoCoirault,algunsfolhetosdecançõeseramimpressospelasmesmaseditoras,comoGarniereOudotdeTroyes,queproduziamlivretosdecontosealmanaques;Coirault,NotreChansonfolklorique,pp.165e304.

12.BnF,ms.fr.12713,p.35.13.BnF,ms.fr.12712,p.233;ms.fr.12713,p.221;ms.fr.12714,p.22.Coiraultmencionaumaristocrata,oviscondedeLaPoujade,um

tenente-coronelquecompôsmuitascanções,apesardeseranalfabeto;Coirault,NotreChansonfolklorique,pp.125e134.14.LaGazettenoire,parunhommequin’estpasblanc;ouOeuvresposthumesduGazetiercuirassé(“impriméàcentlieuesdelaBastille,à

troiscentlieuesdesPrésides,àcinqcentlieuesdesCordons,àmillelieuesdelaSibérie”,1784),pp.214-7.15.BnF,ms.fr.12707,p.173;ms.fr.12712,p.233;ems.fr.12713,p.221.16.BnF,ms.fr.12716,p.97.AcançãodePantinoriginaldoespetáculodemarionetesaparentementeé“ChansondePantinetde

Pantine”;ibid.,p.67.Essevolumedo“ChansonnierClairambault”contémseteversõesdacançãodePantin,todasde1747.17.Ver,porexemplo,“Chansonsurl’air‘LePrévôtdesmarchands’,surM.Bernage,prévôtdesmarchands”,BnF,ms.fr.12719,p.

299;eumacançãosemelhantesobreoutroincidente,ms.fr.12716,p.115.Emsuafunçãodeprévôt,Bernageorganizavaváriascerimôniasfestivasqueacabavamemconfusãoeoexpunhamamuitascançõessatíricas.Exemplodeumacançãosobrefatosdomomento—aqui,aquedadeBruxelasdiantedastropasfrancesas,em1746—é“ChansonnouvellesurlesiègeetlaprisedeBruxellesparl’arméeduroicommandéeparMonseigneurlemaréchaldeSaxe,le20février1746surl’air‘AdieutouscesHussartsavecleurshabitsvelus’”,ms.fr.12715,p.21.Seusdoisprimeirosversosdizem:“DitesadieuBruxelles,/MessieurslesHollandais”.

18.BnF,ms.fr.12720,p.363.19.LaClefdeschansonniers,ouRecueildevaudevillesdepuiscentansetplus,v.I,p.130.20.NumprefáciodeLaClefdeschansonniers,ocompilador,J.-B.-ChristopheBallard,enfatizouqueessaantologiaeracompostade

canções“dontlamémoiren’apuseperdreaprèsunlongcoursd’années”.21.PodeserouvidanumagravaçãofeitapeloHilliardEnsemble,SacredandSecularMusicfromSixCenturies(Londres,2004).22.Coirault,Répertoire,v.I,p.2605.Coiraultdáaseguinteversãodoprimeiroverso:“Réveillez-vous,belleendormie,/Réveillez-vous

carilestjour./Mettezlatêteàlafenêtre,/Vousentendrezparlerd’amour”.23.LeChansonnierfrançais,ouRecueildechansons,ariettes,vaudevillesetautrescoupletschoisisaveclesairsnotésàlafindechaque

recueil(Paris?,1760),v.X,p.78.AmaioriadascançõeseóperascômicasdePanarddatadasdécadasde1730e1740,mashácertachancedequeeletenhacompostoessasletrasdepoisdaquedadeMaurepas,em1749.

24.BnF,ms.fr.13705,fólio2.25.Sãoo“ChansonnierClairambault”eo“ChansonnierMaurepas”,mencionadosanteriormente,nanota3.QuerMaurepasestivesse

ligadoàcançãoqueprovocousuaqueda,quernão,eleerabemconhecidocomocolecionadordecançõesepiècesfugitivessatíricas.O“Chansonnier Maurepas” na BnF, que é composto de canções transcritas em caligrafia elegante, de secretário profissional,supostamente provém da sua coleção. Também estudei um terceiro chansonnier, “Oeuvres diaboliques pour servir à l’histoire dutemps”,citadonanota3.Éaindamaisricodoqueosdoisanterioresparaesseperíodo,massócontémduascançõescompostasparaamelodia“Réveillez-vous,belleendormie”,eumadelaséaversãoatribuídaaMaurepas.Incluitambémumgrandenúmerodepoemasesátirasfortuitas,quenãotomavamaformadecançõese,portanto,nãoprecisa,arigor,serconsideradoumchansonnier.

26.BnF,ms.fr.,12708,p.269.Asoutrastrêssátirassimilaresaparecememms.fr.12708,pp.55e273;ems.fr.12711,p.112.27.BnF,ms.fr.12709,p.355;ms.fr.12711,p.43;ms.fr.12712,p.223;ems.fr.12719,p.247.28.TenhaMaurepascompostoounãoacanção,aversãoanti-Pompadoureraassociadaaeleeeleprópriopertenciaao“devout”,ou

seja,àfacçãoantijansenistadacorte.29.BnF,ms.fr.12649,fólio173.Asoutrasreferênciasa“Réveillez-vous,belleendormie”ocorrememms.fr.12635,fólios147,150e

365;eemms.fr.12647,fólios39e401.30.Coirault,Répertoiredeschansons,v.I,p.225.31.LeChansonnierfrançais,v.VIII,pp.119-20.

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32.BnF,ms.fr.,12709,p.181.Acançãotemoitoversos,cadauméumataqueaumministro,generaloucortesão.Vertambémaversão,quaseidêntica,emBnF,ms.fr.12635,fólio275.

33.BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.580,pp.248-9.34.VernaBnF“ChansonnierClairambault”,ms.fr.12707,p.427;12708,p.479;12709,p.345;12715,pp.23e173;e,no“Chansonnier

Maurepas”,ms.fr.12635,fólios239e355;12649,fólio221;e12650,fólio117.TambémnaBibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.648,p.346.

35. BnF, “Chansonnier Clairambault”, ms. fr. 12710, pp. 171 e 263; e ms. fr. 12711, pp. 267 e 361. Também BnF, “ChansonnierMaurepas”,ms.fr.12646,fólio151;ems.fr.12647,fólio209;eBibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.646,p.231.

36.Entreasmuitasabordagensantropológicasdosimbolismo,verespecialmenteVictorTurner,TheForestofSymbols:AspectsofNdembuRitual(Ithaca,NY,1967);eidem,Dramas,Fields,andMetaphors:SymbolicActioninHumanSociety(Ithaca,NY,1974).12.CHANSONNIERS

1.“ChansonnierditdeMaurepas”,BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.12616-59;e“ChansonnierditdeClairambault”,ms.fr.12686-743.Essascoleçõescobremlargosperíodosdahistória.Maurepas, famosoporcolecionarcançõesepoemasdecircunstância,talveznãotenhareunidopessoalmenteacoleçãoassociadaaseunome,queestáencadernadacomsuasarmasestampadasnacapadosvolumes.Elanãovaialémde1747e,portanto,oferecepoucaajudaparaoestudodoCasodosCatorze.AcoleçãodeClairambaultémuitorica,porémosmaisricossãooschansonniersmenosconhecidosdaBibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,sobretudoosms.580e639-51.VerEmileRaunié,RecueilClairambault-Maurepas,chansonnierhistoriqueduXVIIIesiècle(Paris,1879).Nenhumadascoletâneaspublicadas,mesmoadeRaunié,sequerchegapertodariquezadoschansonniersmanuscritos.Masépossívelaprendermuitacoisacomosestudosdosfolcloristas,emparticulardePatriceCoirault.VerCoirault,NotreChansonfolklorique(Paris,1941);eidem,Formationdenoschansonsfolkloriques(Paris,1953-63).

2.E.-J.-B.Rathery(Org.),JournaletmémoiresdumarquisD’Argenson(Paris,1862),v.V,p.343.D’Argensonfezessecomentárioemdezembro de 1748, seis meses antes do Caso dos Catorze. Seus comentários, muitas vezes repetidos nas semanas subsequentes,confirmamosdadosdoschansonniersparaosúltimosmesesde1748—asaber,queaenxurradadecançõesteveiníciomuitoantesdaprisão dos Catorze e que esse caso representou apenas uma pequena parte de um fenômeno muito maior. O famoso gracejo deChamfortécitadoemMarcGagnéeMoniquePoulin,Chantonslachanson(Quebec,1985),p.IX.NãoconseguilocalizaracitaçãooriginalnasobrasdeChamfort.

3. Por exemplo, “Quel est le triste sort des malheureux Français”, no “Chansonnier Clairambault”, ms. fr. 12719, p. 37; e naBibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.649,p.16.Esteúltimotambémcontém“Peuplejadissifier,aujourd’huisiservile”(p.13)e“Lâchedissipateurdesbiensdetessujets”(p.47).

4.BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.649,p.40.5.BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.13709,fólio43.6.BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.649,p.35.7.Ibid.,fólio71.Essacanção,umadasmaisamplamentedifundidas,eraparasercantada“surl’airTesbeauxyeuxmaNicole”[sobrea

melodiade“TesbeauxyeuxmaNicole”].8.BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.13701,fólio20.9.Bibliothèquedel’Arsenal,ms.11683,fólio125.EssafoiumadascançõesconfiscadasdeMathieu-FrançoisPidansatdeMairobert.10.BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.649,p.31.Vertambémopoemaaffichesemelhantenap.60.11.BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.13709,fólio42v.12.Ibid.,ms.fr.12719,p.37.13.BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.649,p.50.14.D’Argenson,Journaletmémoires,v.V,p.380.15.Ibid.,p.347.16.Ibid.,p.369.17.Ibid.,p.411.18.BibliothèqueNationaledeFrance,ms.fr.12720,p.367.19.BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.650,p.261.20.OregistrodapolíciaeopoemaprovêmdaBibliothèqueNationaledeFrance,n.a.f.,10781.Acrescenteioversoqueapareceentre

colchetesafimderestauraroquepareceserumalacunanarimaenacadeiadepensamento.13.RECEPÇÃO

1.Edmond-Jean-FrançoisBarbier,Chronique de la Régence et du règne de LouisXV (1718-1763), ou Journal de Barbier, avocat auParlementdeParis(Paris,1858),v.IV,p.331.Orelatodosequestro,umdosmaislongosemtodoodiário,vaidap.329atéap.335.

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2.Ibid.,pp.335e330.3.Ibid.,p.350.4.E.-J.-B.Rathery(Org.),JournaletmémoiresdumarquisD’Argenson(Paris,1862),v.V,p.392.Notem,noentanto,orelatomenos

dramáticoemBarbier,Chronique,v.IV,p.352.5.Barbier,Chronique,v.IV,p.351.D’Argensondáonúmerodeduzentaspessoasmortasouferidas:Journaletmémoires,v.IV,p.391.6.D’Argenson,Journaletmémoires,v.IV,p.391.7.CharlesCollé, Jornal etmémoires deCharles Collé sur les hommes de lettres, les ouvrages dramatiques et les événements les plus

mémorablesdurègnedeLouisXV(1748-1772),org.deHonoréBonhomme(Paris,1868),v.I,p.32.Doispoemasburlescos,emformadeaffiches,ecoavamomesmotema:BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis,ms.649,p.31(“AfficheausujetduPrétendant”)ep.60(“Affichenouvelle au sujetduprinceEdouard”).Taispoemas figuravammuitasvezes em impressospopulares, canards (noticiáriosfalsosouchistosos)oupanfletos;mas,ajulgarpeloschansonniers,nãoestáclaroseeramfrequentestambémnessescasos.

8.D’Argenson,Journaletmémoires,v.V,p.403.9.FrançoisRavaisson,ArchivesdelaBastille(Paris,1881),v.XV,pp.242-3.Orelatóriodoespiãomostraqueopovodiscutiaquestões

depolíticainternacional.Eledescreveuumgrupodeartesãos:“Etantàboiredelabièreetàjouerauxcartesdanslefondd’unecour,chezCousin,rueSaintDenis,auBoisseauroyal,[ils]parlèrentdelaguerreetdecequiyavaitdonnélieu.L’und’euxditauxautresquec’étaitlasuitedelamauvaisefoiduroideFrance;queleroiétaitunjean-foutred’avoir,parleministèreducardinaldeFleury,signélaPragmatiqueSanction”(EnquantobebiamcervejaejogavamcartasnosfundosdeumpátionacasadeCousin,RueSaintDenis,noAlqueireReal,[eles]falavamdaguerraedoquevieradepois.Umdelesdisseaosdemaisqueeraaconsequênciadamá-fédoreidaFrança;queoreieraumpalermaporterassinadoaSançãoPragmática,porinfluênciadocardealFleury).ASançãoPragmáticaeraagarantia,exigidapelosagradoimperadorromanoCarlosVI,dequetodasasterrasdosHabsburgoseriamherdadasporsuafilha,MariaTheresa.

10.Collé,Journaletmémoires,v.I,p.48.11.Barbier,Chronique,v.IV,p.340.12.D’Argenson,Journaletmémoires,v.V,p.372.13.VieprivéedeLouisXV,ouPrincipauxévénements,perticularités etanecdotesde sonrègne (Londres, 1781), v. II, pp. 301-2.Ver

tambémLesFastesdeLouisXV,desesministres,maîtresses,générauxetautresnotablespersonnagesdesonrègne(Villefranche,1782),v.I,pp.333-40.14.UMDIAGNÓSTICO

1.E.-J.-B.Rathery(Org.),JournaletmémoiresdumarquisD’Argenson(Paris,1862),v.V,p.410.2.Ibid.,p.445.3.Ibid.,p.450.4.Ibid.,p.491.5. Ibid., v.VI, pp. 202-19. Sobre esse episódio, ver Arlette Farge e Jacques Revel,Logiques de la foule: L’Affaire des enlèvements

d’enfantsàParis,1750(Paris,1988).6.D’Argenson,Journaletmémoires,v.V,p.343.7.Ibid.,p.393.8.Ibid.,p.402.9.Ibid.,p.393.10.Ibid.,p.404.11.Ibid.,p.406.12.Ibid.,p.411.13.Ibid.,p.410.14.Ibid.,p.443.VertambémareaçãodeD’ArgensonànotíciadaresistênciadoParlamentoaoimposto,emmar.1749(p.443):“Cela

pourraitêtresuivid’unerévoltepopulaire,caricileparlementneparlepaspoursesdroitsetpourseshautainesprérogatives,maispourlepeuplequigémitdelamisèreetdesimpôts”(Aissopoderiasucederumarevoltapopular,porquenestecasooParlamentonãoestáfalandoporseusdireitoseelevadasprerrogativas,maspelopovoquesofrecomapobrezaeosimpostos).

15. Ibid.,pp.450,365,443e454.AúltimacitaçãonãoaparecenaediçãodeRathery,maspodeserencontradanaediçãode1857:MémoiresetjournalinéditdumarquisD’Argenson(Paris,1857),v.III,p.382.

16.Ibid.,v.III,p.281.EssaexpressãotambémnãoocorrenaediçãodeRathery.17.VerJohnBrewer,PartyIdeologyandPopularPoliticsattheAccessionofGeorgeIII(Cambridge,1976).18.D’Argenson,Journaletmémoires,v.V,p.384.19.Ibid.,p.444.

15.OPINIÃOPÚBLICA

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1. Existe uma vasta literatura sobre esse assunto produzida por sociólogos e especialistas em comunicação, que é revisada

regularmente(juntocomatualizaçõesdeintermináveiseconflitantesdefiniçõesde“opiniãopública”)emPublicOpinionQuarterly.UmexemplonomundocontemporâneodotipodefenômenoquedetectonaParisdoséculoXVIIIédescritopelodissidentechinêsWeiJingsheng, que passou amaior parte da vida na prisão, depois de participar domovimento do “Muro daDemocracia”: “Qualquerreformarumoaodesenvolvimentodademocraciaedosocialismoseráfalhaeinútilsemoforteapoiodopovo[…].Semoestímulodeumfortemovimentodebaserespaldadopelosentimentopopular(tambémchamadode“opiniãopública”),atentaçãorumoàditaduraéirresistível”.CartaaDengXiaopingeChenYun,9nov.1983,citadoemNewYorkReviewofBooks,17jul.1997,p.16.

2.ComoexemplodeestudoshistóricosqueatribuemumpapelimportanteàopiniãopúblicanumestágioinicialdoséculoXVIIInaFrança,verDanielMornet,LesOriginesintellectuellesdelaRévolutionfrançaise,1715-1787(Paris,1933),v.I;MichelAntoine,LouisXV(Paris,1989),p.595;eArletteFargeeJacquesRevel,Logiquesdelafoule:L’Affairedesenlèvementsd’enfants,Paris1750(Paris,1988),p.131.

3.Aversãomaisconvincentedesseargumento,naminhaopinião,édeKeithMichaelBaker,InventingtheFrenchRevolution:EssaysonFrenchPoliticalCultureintheEighteenthCentury(Cambridge,1990),sobretudoaintroduçãoeocap.8.VertambémMonaOzouf,“L’Opinion publique”, inKeithMichael Baker (Org.),The FrenchRevolution and theCreation ofModern Political Culture, v. I:ThePoliticalCultureoftheOldRegime(NovaYork,1987),pp.419-34.

4.C.G.deLamoignondeMalesherbes,Mémoiresurlalibertédelapresse,reimp.inMalesherbes,Mémoiressur la librairieet sur lalibertédelapresse(Genebra,1969),p.370.

5.J.-A.-N.Caritat,marquêsdeCondorcet,Esquissed’untableauhistoriquedesprogrèsdel’esprithumain,org.deO.H.Prior(Paris,1933;publicadooriginalmenteem1794),“Huitièmeépoque:Depuisl’inventiondel’imprimerie,jusqu’autempsoùlessciencesetlaphilosophiesecouèrentlejougdel’autorité”,p.117.

6.Louis-SébastienMercier,MonBonnetdenuit(Lausanne,1788),v.I,p .72.Mercierrepetiuessasobservaçõeseasseguintesemsuasoutrasobras,notavelmenteemTableaudeParis(Amsterdam,1782-8)eemDelaLittératureetdeslittérateurs(Yverdon,1778).

7.Mercier,TableaudeParis,v.IV,p.260.8.Ibid.,pp.258-9.9.Louis-SébastienMercier,LesEntretiensdujardindesTuileriesdeParis(Paris,1788),pp.3-4.10.Mercier,TableaudeParis,v.VI,p.268.11.Ibid.,p.269.12. J.-A.-N. Caritat, marquês de Condorcet, “Lettres d’um bourgeois de New-Haven à un citoyen de Virginie sur l’inutilité de

partager lepouvoir législatifentreplusieurscorps”(1787); idem,“Lettresd’uncitoyendesEtats-UnisàunFrançais,sur lesaffairesprésentes”(1788);idem,“Idéessurledespotisme,àl’usagedeceuxquiprononcentcemotsansl’entendre”(1789);eidem,“Sentimentsd’unrépublicainsurlesassembléesprovincialesetlesEtatsGénéraux”(1789).TodosemA.CondorcetO’ConnoreM.F.Arago(Orgs.),OeuvresdesCondorcet(Paris,1847),v.9.

13.MorelletparalordeShelburne,28set.1788,inEdmundFitzmaurice(Org.),Lettresdel’abbéMorellet(Paris,1898),p.26.Nãoquerodizer que a opinião pública era coerente. Na época em que Morellet escreveu, ela estava mudando para o lado contrário ao doParlamentodeParis,oqualtinhaacabadoderecomendarqueosestados-geraisfossemorganizadostalcomohaviaocorridoquandosereuniramem1614—ouseja,deummodoquefavoreciaanobrezaeoclero,emdetrimentodosplebeus.CONCLUSÃO

1.Ver RobertDarnton, “A Police Inspector SortsHis Files”, inDarnton,TheGreat CatMassacre andOther Episodes in FrenchCulturalHistory(NovaYork,1984),pp.145-89.[Ed.bras.:Ograndemassacredegatoseoutrosepisódiosdahistóriaculturalfrancesa.RiodeJaneiro:Graal,1986.]

2.R.G.Collingwood,TheIdeaofHistory(Oxford,1946);eCarloGinzburg,Clues,Myths,andtheHistoricalMethod(Baltimore,1989).[Ed.bras.:Mitos,emblemas,sinais:Morfologiaehistória.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1989.]

3.VerosensaiosdeSkinnernoscaps.2-6deMeaningandContext:QuentinSkinnerandHisCritics,org.deJamesTully(Princeton,1988).

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©JUSTINIDE/HARVARDUNIVERSITYROBERTDARNTONnasceuem1939,emNovaYork.ÉdiretordabibliotecadaUniversidadeHarvard. Pesquisador, reconhecido internacionalmente, da história do livro e do mundoliteráriodaFrançadoIluminismo,Darntonéautor,entreoutros,deOdiabonaáguabentaeAquestãodoslivros,publicadosnoBrasilpelaCompanhiadasLetras.

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