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REVISTA DE MANGUINHOS | MAIO DE 2016 26 ESPECIAL Foto: Wikimedia

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ara ajudar a conter no-vos casos de microcefa-lia relacionados ao víruszika, a presidente DilmaRousseff lançou, em 5 de

dezembro, o Plano Nacional de Enfrenta-mento à Microcefalia. A iniciativa é umagrande mobilização nacional envolvendodiferentes ministérios e órgãos do gover-no federal, em parceria com estados emunicípios. Dez dias depois, o Ministérioda Saúde (MS) lançou o Protocolo deAtenção à Saúde e Resposta à Ocorrên-cia de Microcefalia Relacionada à Infec-ção pelo Vírus Zika, que orienta oatendimento desde o pré-natal até o de-senvolvimento da criança com microce-falia, em todo o país. O planejamentoprevê a mobilização de gestores, especi-alistas e profissionais de saúde para pro-mover a identificação precoce e oscuidados especializados da gestante e dobebê. O documento recomenda, ainda,as diretrizes para o planejamento repro-dutivo, a detecção e notificação de qua-dros sugestivos de microcefalia e areabilitação das crianças acometidas pelamalformação congênita. Os esforços doMS no enfrentamento da emergência sa-nitária contam com a participação da Fio-cruz desde o início desse grave problemade saúde pública. Pesquisadores e dirigen-tes que atuam na área têm dedicado horasde esforço e trabalho para entender eenfrentar a emergência e dar as respos-tas que a população brasileira necessita.

Ainda em dezembro (18/12), com oobjetivo de enfrentar o quadro epidemio-lógico referente à tríplice epidemia (den-gue, chikungunya e zika) no país , a Fiocruzcriou o Gabinete para o Enfrentamento àEmergência Epidemiológica em SaúdePública, que visa unificar as ações da insti-tuição frente à Emergência em Saúde Pú-blica de Importância Nacional (Espin). Coma iniciativa, a Fundação aposta nos investi-mentos em pesquisa, desenvolvimento einovação para encontrar respostas para osdesafios apresentados pelas três doenças.A meta é também buscar cooperação comoutras instituições no Brasil e no âmbitointernacional na construção de projetos queofereçam possibilidades de geração deconhecimento e desenvolvimento de tec-nologias. As três doenças são transmitidaspelo Aedes aegypti.

PO plano de trabalho elaborado pelo

Gabinete abrange as ações como a or-ganização da atenção da saúde; a vigi-lância em saúde; a comunicação e ainformação; e o ensino, a pesquisa, odesenvolvimento e a inovação. Na pro-posta, estão a elaboração de um dese-nho de investigação para a definição daetiologia da microcefalia, desenvolvi-mento de kits diagnósticos para zika echikungunya, e a criação de um proto-colo de acompanhamento de gestan-tes e bebês em nível nacional.

Em relação à microcefalia e a outrasalterações de ordem neurológica, dentreas ações, está o desenvolvimento de umalgoritmo para diagnóstico e notificaçãoprecoce da doença. Em vigilância e saú-de, serão realizados estudos para estima-tivas de casos. Na área de comunicação,estão previstos a produção de materialinstrutivo para obstetras e pediatras e orelançamento do site da Rede Dengue,com informações e dados, em todas àsáreas, sobre dengue, zika e chikungunya.Para a assistência, deverá ser criado umprotocolo de acompanhamento de ges-tantes e bebês em nível nacional.

Antes da criação do Gabinete emesmo da criação, pelo governo fede-ral, do Plano Nacional de Enfrentamen-to à Microcefalia em novembro de 2015,o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz),por meio do Laboratório de Flavivírus,concluiu diagnósticos laboratoriais queconstataram a presença do genoma dovírus zika em amostras de líquido amni-ótico de duas gestantes da Paraíba, cu-jos fetos tinham microcefalia detectadapor meio de exames de ultrassom. Am-bas haviam relatado sintomas compatí-veis com o vírus zika e, nos examesanteriores, não havia indicativo do pro-blema. Os resultados foram relevantespara orientar as investigações em anda-mento e a reforçar a suspeita de correla-ção entre o vírus e a microcefalia.

Também em janeiro, a Fiocruz Para-ná desenvolveu um estudo que confirmoua transmissão interplacentária do vírus zikaapós a análise da amostra da placentade uma gestante da Região Nordeste, queapresentou sintomas compatíveis de in-fecção pelo vírus e que sofreu um abortoretido – quando o feto deixa de se desen-volver dentro do útero – no primeiro tri-

mestre de gravidez. A pesquisa foi reali-zada em parceria com a Pontifícia Uni-versidade Católica do Paraná (PUC-PR).

Um outro encontro do Gabinete parao Enfrentamento à Emergência Epidemio-lógica em Saúde Pública da Fiocruz ocor-reu nos dias 6 e 7 de janeiro. Dentre asprioridades imediatas, foram citadas aspesquisas, as ações de controle vetorial, aconfecção de testes diagnósticos que pos-sam ser utilizados na rede pública de saú-de e o início do estudo epidemiológico,elencados como primordiais. A reuniãotambém discutiu a necessidade de prestaruma resposta a médio prazo, que podeser dada em até seis meses, para o en-frentamento desta emergência sanitária.

Pelo MS, outro documento importan-te divulgado foi o Protocolo para Implan-tação de Unidades Sentinelas para VírusZika. O objetivo é preparar os serviçosde vigilância para detecção oportuna dovírus zika, definir unidades sentinela paradetectar a circulação e autoctonia do ví-rus, bem como implantar protocolo devigilância sindrômica e fluxo laboratorialpara diagnóstico a partir dos casos queatendem a definição de caso suspeito.

Em 13 de janeiro o MS disponibilizouorientações aos gestores e profissionais dasequipes da Atenção Básica e Atenção Es-pecializada para a estimulação precocede bebês com microcefalia. Foi a primei-ra vez que o Ministério da Saúde reuniuem um único documento todas as diretri-zes para estimulação precoce de crian-ças, de 0 a 3 anos, com atraso no seudesenvolvimento. Elaboradas com apoiode pesquisadores, especialistas e profissi-onais de diversas instituições do país comexperiência e conhecimento sobre esti-mulação precoce, as diretrizes comple-mentam o Protocolo de Atenção à Saúdee Resposta à Ocorrência de MicrocefaliaRelacionada à Infecção pelo Vírus Zika.

Nas próximas páginas, umresumo dos esforços e dos avan-ços dos pesquisadores da Fiocruzno enfrentamento da emergên-cia sanitária. Outros materiaispodem ser acessados no site daAgência Fiocruz de Notícias e emum especial cujo endereço éagencia.fiocruz.br/zika-0.

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ESPECIAL

Associaçãoconfirmada

m abril, o Centro deControle e Prevençãode Doenças Transmis-síveis (CDC) dos Esta-dos Unidos anunciou a

confirmação da relação entre o zikae a ocorrência de microcefalia embebês cujas mães foram infectadaspelo vírus. O estudo realizou uma re-visão rigorosa das evidências já exis-tentes e concluiu que o zika é a causada microcefalia e outros danos cere-brais identificados em fetos. Paraembasar o estudo do CDC, foram ana-lisadas pesquisas da comunidade mé-dica e científica de diversos países,entre eles o Brasil, que é pioneiro noestudo do zika vírus associado à mi-crocefalia. O CDC é parceiro do Brasilnas investigações, como parte do es-forço mundial para as descobertas re-lacionadas ao tema.

Desde os primeiros relatos do au-mento expressivo de número de cri-anças nascidas com microcefalia noBrasil, o Ministério da Saúde estabe-leceu uma força-tarefa para investi-gar a possível associação dos casoscom o vírus zika. Com o objetivo defazer uma análise mais completa dascaracterísticas desta anomalia neuro-lógica causada pelo vírus, um artigocoordenado por uma força-tarefa daSociedade Brasileira de Genética Mé-dica e publicado em fevereiro no se-manário do Centro de Controle deDoenças dos Estados Unidos (CDC)reuniu 37 casos de microcefalia re-

ENara Boechat

gistrados durante a investigação, cujoresultado mostrou que de 35 bebês,25 foram diagnosticados com micro-cefalia severa e dentre as mães, 26relataram histórico de manchas ver-melhas no corpo durante o primeiroou segundo trimestre de gestação. Oestudo foi assinado por pesquisado-res de diversas instituições brasileiras,seis deles do Instituto Nacional deSaúde da Mulher, da Criança e doAdolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz): Dafne Horovitz, MarcosPone, Cynthia Pacheco, Claudia Ne-ves, Sheila Pone e Patricia Correia.

A relação entre o zika e a micro-cefalia já havia sido reconhecida eanunciada pelo governo brasileiro emnovembro de 2015, quando o vírusfoi identificado em amostras de san-gue e tecidos de um bebê com mi-crocefalia e também no líquidoamniótico de duas gestantes. Desdeentão, diversas outras evidências fo-ram encontradas, como vermelhidãona pele durante o primeiro trimestreda gravidez – que é um dos sintomasdo zika – em grande parte das mu-lheres que tiveram bebês com micro-cefalia nos Estados da Bahia, Paraíbae Pernambuco.

Para o diretor do CDC, Tom Fri-eden, a revisão das evidências dei-xa claro o vínculo entre o vírus e aocorrência de malformações. “Esseestudo marca uma virada na epide-mia de zika. Agora está claro queo vírus causa microcefalia”, escla-

Confirmação, pelo CDC, da relação entre zika emicrocefalia em bebês cujas mães foram infectadaspelo vírus contou com análises de estudos brasileiros

Foto: Peter Ilicciev

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receu o diretor no material publica-do pela instituição.

A microcefalia resulta de um de-senvolvimento anormal do cérebro,geralmente causado por infecções con-gênitas, alterações cromossômicas,além da exposição a drogas, álcool eoutras toxinas ambientais, e suas con-sequências a longo prazo podem va-riar em graus variados de atraso dodesenvolvimento motor e déficit inte-lectual. Com base no histórico do ín-dice da malformação em crianças nopaís, os relatos dos altos números debebês nascidos com microcefalia –quando o perímetro cefálico é duasvezes menor do que o padrão para osexo e idade gestacional –, detecta-dos a partir de setembro de 2015, ge-rou o alerta do Ministério da Saúdepara uma possível relação com o ví-rus zika, detectado na Região Nordes-te meses antes.

O vírus, que é transmitido pelomosquito Aedes Aegypti – o mesmotransmissor da dengue e da chikun-gunya –, foi identificado no líquidoamniótico de duas gestantes cujos fe-tos foram diagnosticados com a mal-formação durante o pré-natal. Oestudo da Sociedade Brasileira deGenética Médica reuniu um grupo de37 crianças de diversos estados dopaís para avaliar o acometimento esua provável relação com o vírus zika.Dois bebês, no entanto, foram exclu-ídos do conjunto, pois concluiu-seque a origem da condição não esta-va ligada ao vírus: um tinha uma al-teração genética e o outro apresentouinfecção por citomegalovírus.

Além das 26 (74%) mães de cri-anças com microcefalia que apresen-taram vermelhidão no corpo durante oprimeiro ou segundo trimestre, todasas mulheres confirmaram que, duran-te a gestação, moravam ou visitaramregiões onde há histórico de vírus zika,incluindo aquelas que não tiveram man-chas vermelhas ou outros sintomas ca-racterísticos da doença. Além disso, 25crianças foram diagnosticadas commicrocefalia grave – com o perímetrocefálico três vezes menor do que o

padrão para o sexo e idade gestacio-nal; 17 (49%) tinham pelo menos umaanomalia neurológica; e dentre as 27crianças submetidas a um exame deneuroimagem (tomografia ou ultrasso-nografia), todas foram diagnosticadascom algum tipo de anomalia em siste-ma nervoso central.

O estudo também mostrou quequatro (11%) bebês tinham contratu-ras congênitas (artogripose) e 11 (31%)registraram excesso de pele no crânio,o que, segundo a médica e geneticistado IFF Dafne Horovitz, sugere que ofeto sofreu um estresse ainda no úteroda mãe, interrompendo o seu desen-volvimento normal. Ainda de acordocom o artigo, o resultado dos testes emtodo o grupo de crianças foi negativoquanto a sífilis, toxoplasmose, rubéo-la, citomegalovírus e herpes.

Segundo a médica geneticistaDafne Horovitz, os pesquisadorescontinuarão analisando novos casos,mas há dificuldades. “É difícil detec-tar microcefalia no âmbito da saúdepública com os instrumentos de re-gistro disponíveis, e a gente depen-de da descrição dos médicos. Quandoo bebê nasce, marca-se apenas ‘sim’ou ‘não’ na questão sobre malforma-ções. Na declaração de nascido vivonão existe um espaço para o regis-tro do perímetro cefálico”, explica.Além da questão do registro, osmétodos laboratoriais para confirma-ção da infecção por zika não estãoamplamente disponíveis e não sãoos ideais para determinar se o casoconfigura de fato uma infecção con-gênita pelo vírus.

Mais estudos estão sendo feitospara entender melhor se há outras ad-versidades que também possam es-tar associadas à infecção. Enquantoisso, o Ministério da Saúde aumen-tou os esforços para eliminar os cria-douros de mosquitos e fez novasrecomendações para a proteção dapopulação, principalmente em ges-tantes, como o uso de repelentes ecalças e blusas de manga longa, re-des de proteção em casa e ações paraimpedir que o mosquito se prolifere.

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m estudo pioneiro daFiocruz constatou apresença do vírus zikaativo (com potencial deprovocar a infecção)

em amostras de saliva e de urina. Aevidência inédita, que sugere a ne-cessidade de investigar a relevânciadestas potenciais vias alternativas detransmissão viral, foi constatada peloLaboratório de Biologia Molecular deFlavivírus do Instituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz). A descoberta foi anun-ciada em fevereiro.

Os estudos foram liderados pelapesquisadora Myrna Bonaldo, chefedo laboratório, em colaboração coma infectologista Patrícia Brasil, do Ins-tituto Nacional de Infectologia Evan-dro Chagas, da Fiocruz (INI/Fiocruz),e o pesquisador Ricardo Lourenço, do

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ESPECIAL

Laboratório de Mosquitos Transmis-sores de Hematozoários do IOC. Fo-ram analisadas amostras referentesa dois pacientes e as coletas foramrealizadas durante a apresentação desintomas compatíveis com o víruszika. Alíquotas das amostras foramcolocadas em contato com célulasVero, que são amplamente usadasem estudos sobre atividade viral nocaso da família dos flavivírus, à qualpertencem os vírus zika, dengue efebre amarela, entre outros.

Os cientistas observaram o efeitocitopático provocado nas células – ouseja, foi observada a destruição oudanificação das células, o que com-prova a atividade viral. A presençado material genético do vírus zika foiconfirmada pela técnica de RT-PCRem Tempo Real. Também foi realiza-

do o sequenciamento parcial do ge-noma do vírus. Diagnósticos labora-toriais descartaram a presença dosvírus dengue e chikungunya – paraestas análises, foi usado o Kit NATDiscriminatório para Dengue, Zika eChikungunya recentemente desenvol-vido pela Fiocruz.

“Já se sabia que o vírus poderiaestar presente tanto em urina quantoem saliva. Esta é a primeira vez emque demonstramos que o vírus estáativo, ou seja, com potencial de pro-vocar a infecção, o que abre novosparadigmas para o entendimento dasrotas de transmissão do vírus zika. Issoresponde uma pergunta importante,porém, o entendimento da relevânciaepidemiológica destas potenciais viasde infecção demanda novos estudos”,situa Myrna Bonaldo.

Foto: IOC/Fiocruz

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O diretor do IOC, Wilson Savino,destacou a natureza colaborativa dapesquisa que levou aos achados.“Esse resultado só foi possível devi-do à cooperação entre o InstitutoOswaldo Cruz e o Instituto Nacionalde Infectologia. Isso mostra que, setodos trabalharem em conjunto,avançaremos de forma mais eficaze rápida. Diante dessa emergênciasanitária de importância mundial, otrabalho cooperativo envolvendo ci-entistas do Brasil e do exterior seráfundamental para darmos respostasàs questões científicas e à popula-ção”, declarou.

“Esta descoberta é parte dos 115anos de dedicação da Fiocruz à saú-de pública. Temos dirigido nossos es-forços para colaborar com a ampliaçãodo conhecimento científico sobre estevírus que vem desafiando cientistasde todo o mundo. Esta é mais umacontribuição da Fiocruz à saúde glo-bal”, afirma o presidente da Fiocruz,Paulo Gadelha. “Estamos lidandocom dados muito recentes e, a cadamomento, novas evidências são ob-tidas e compartilhadas pela comu-nidade científica, como acabamos defazer”, afirma. Ele situa que, apósa comprovação do potencial detransmissão por via de saliva e deurina, dada a constatação da pre-sença do vírus ativo, é necessárioinvestigar a relevância destas poten-ciais vias para a transmissão viral.

“A primeira medida é sempre ada cautela. O que sabemos hoje éque o vírus zika costuma apresentarquadro clínico brando, com maiorpreocupação em relação às gestan-tes por conta dos casos de microce-falia que têm sido acompanhados.Neste sentido, medidas de preven-ção já conhecidas para outras doen-ças precisam de um olhar maiscauteloso a partir de agora, especi-almente no caso do contato com asgestantes. Estamos empenhados emgerar evidências sobre o vírus zika evamos compartilhar estas evidênci-as conforme avançarmos no conhe-cimento sobre o tema”, pontua,acrescentando que outras perguntas

científicas permanecemem aberto, como o perío-do de sobrevivência viralna sal iva e urina, porexemplo.

A Fiocruz alerta que,com base nos conhecimen-tos disponíveis até o mo-mento, as medidas decontrole do vetor Aedesaegypti continuam sendocentrais. “Em uma situaçãocomo esta, em que esta-mos conhecendo mais acada dia sobre este vírus,todos os aspectos precisamser considerados. Muitoainda precisa ser investiga-do em relação à impor-tância de cada via detransmissão para a propa-gação de casos. Porém, éfundamental que a vigilân-cia ao vetor permaneça.Não podemos esquecerque ele é comprovada-mente o vetor para os ví-rus dengue, chikungunyae zika”, reforça o presiden-te da Fiocruz.

Myrna destaca a mo-bilização da comunidadecientífica sobre o víruszika. “É nossa missão en-quanto cientistas contri-buir para o entendimentodesta situação de saúdepública que preocupa atodos e que já está afligin-do milhares de famílias noBrasil, com o crescimentode casos de microcefalia”,Myrna diz, agradecendo àdedicação da equipe depesquisa. “Como temosum laboratório que é jus-tamente focado em flavi-vírus, família à qual o zikapertence, desde o primei-ro momento vimos a pos-sibilidade de ajudar. Issosomente foi possível devi-do ao compromisso integraldas pessoas envolvidas e dainstituição”, completa.

Depois do contato com as amostras, os cientistasobservaram o efeito de destruição e danificaçãodas célulasFoto: IOC/Fiocruz

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ientistas do Centro dePesquisa René Rachou(CPqRR/Fiocruz Minas)comprovaram, no iníciode maio, que a bactéria

Wolbachia, quando presente no mosqui-to Aedes aegypti, é capaz de reduzir atransmissão do vírus zika. Publicado naprestigiada revista científica Cell Host &Microbe, o estudo integra o projeto Eli-minar a Dengue: Desafio Brasil. Trazidoao país pela Fiocruz, o projeto estuda ouso da bactéria Wolbachia como umaalternativa natural, segura e autossusten-tável para o controle de dengue, chikun-gunya e zika. A pesquisa traz, ainda,dados inéditos sobre a capacidade daWolbachia de reduzir a replicação do ví-rus no organismo do mosquito.

O estudo usou quatro grupos de mos-quitos Aedes aegypti: duas gaiolas conti-nham mosquitos Aedes aegypti comWolbachia, criados em laboratório pelaequipe do projeto, e duas gaiolas com in-setos sem a bactéria, coleados no Rio deJaneiro. Todos eles foram alimentados comsangue humano contendo duas linhagensdo vírus zika circulantes no Brasil: metadedas gaiolas recebeu sangue com uma cepaisolada em São Paulo, enquanto a outra,

Ccom cepa isolada em Pernambuco.

Os cientistas acompanharam os mos-quitos ao longo do tempo. Depois de 14dias do contato com o vírus, os especia-listas coletaram amostras de saliva de dezmosquitos com Wolbachia e de dez mos-quitos sem Wolbachia. O objetivo era in-fectar um outro grupo de 160 Aedes eanalisar se eles seriam infectados pelovírus presente nas salivas. O resultado foianimador: nenhum dos 80 mosquitos querecebeu saliva de Aedes com Wolbachiase infectou com o vírus zika. Por outrolado, 85% dos mosquitos que recebe-ram saliva de Aedes sem Wolbachia fi-caram altamente infectados.

”Por mais que a saliva dos Aedes ae-gypti com Wolbachia apresentasse partí-culas virais de zika, em nenhum caso asaliva foi capaz de infectar outros mosqui-tos. Esses dados são similares ao efeito an-teriormente observado sobre o potencialde transmissão do vírus dengue por Aedesaegypti com Wolbachia. Isso nos mostraque o uso de mosquitos Aedes aegypti comWolbachia também tem potencial para serutilizado para controle da transmissão dovírus zika”, destaca o pesquisador LucianoMoreira, coordenador do estudo e líder doprojeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil.

Na competiçãointerna, mais vitóriasda Wolbachia

Para verificar se o vírus zika conse-guiria se disseminar pelos tecidos dosmosquitos, amostras de abdômen ecabeça/tórax foram analisadas por meioda técnica de RT-PCR. Para isso, foramanalisados quatro grupos de 20 insetoscom e sem Wolbachia, em dois momen-tos. Sete dias após a ingestão do sangueinfectado com a cepa de Pernambuco,os especialistas constataram que no gru-po de insetos com a bactéria, em rela-ção ao de mosquitos sem a bactéria,houve uma redução de 35% na repli-cação do vírus zika no abdômen e de100% na cabeça/tórax. Catorze diasapós a infecção inicial, as reduções fo-ram de 65% e 90%, respectivamente.No grupo que recebeu sangue infecta-do com a cepa de São Paulo, após setedias, as reduções atingiram os índicesde 67% e 95%, no abdômen e na ca-beça/tórax, e 68% e 74%, nos mes-mos tecidos, após catorze dias.

“Ainda não se sabe o que aconte-

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ce no organismo do mosquito com Wol-bachia quando ele é infectado com o ví-rus zika, por exemplo. No entanto,percebemos que nesta competição a bac-téria leva a melhor. Ela consegue reduzira replicação do vírus”, avalia Moreira.

O estudo foi além: os pesquisadorescoletaram amostras de saliva de 20 Ae-des aegypti com Wolbachia e de 20 Ae-des aegypti sem Wolbachia quereceberam sangue infectado com acepa isolada de Pernambuco. Esta cole-ta aconteceu 14 dias após a ingestão dovírus, período em que, segundo a litera-tura, o patógeno já teria se espalhadocompletamente pelo organismo do in-seto e chegado à glândula salivar. O ob-jetivo era demonstrar o percentual devírus que conseguiria chegar até esteestágio, momento em que o Aedes setorna capaz de transmitir o vírus. Aqui,mais um resultado animador: em 55%dos mosquitos com Wolbachia não ha-via positividade para o vírus zika.

”Na natureza, ao picar um indivíduoinfectado, o mosquito também se infec-ta. O vírus, então, irá percorrer um longocaminho por todo o corpo do inseto atéchegar à glândula salivar. Alcançar umresultado que demonstra que mais dametade dos Aedes com Wolbachia se-quer apresentarão zika na saliva, casosejam infectados, reforça ainda mais opotencial de utilização em larga escalaque esta estratégia apresenta”, ponde-ra o coordenador do projeto no Brasil.

No país, a iniciativa sem fins lucrati-

vos teve início em 2012 e realiza estudosde campo nos bairros de Tubiacanga, naIlha do Governador, na Zona Norte do Riode Janeiro, e em Jurujuba, em Niterói. Oresultado mais recente divulgado peloprojeto mostrou que 80% dos mosquitosAedes aegypti destas localidades possuí-am a bactéria Wolbachia, ao final dosestudos de campo realizados entre agos-to de 2015 e janeiro de 2016.

Segurançae aprovações

A Wolbachia é uma bactéria restrita aanimais invertebrados. Por ser obrigatoria-mente intracelular, ela não sai durante apicada do mosquito e não está presentena saliva que o mosquito secreta durantea picada. Além disso, há séculos os sereshumanos são picados pelo pernilongo, quenaturalmente tem a Wolbachia, sem o de-senvolvimento de doenças ou reação imu-ne causadas diretamente pela bactéria.

Os estudos de campo do projetono Brasil foram aprovados pela Agên-cia Nacional de Vigilância Sanitária(Anvisa), pelo Instituto Brasileiro deMeio Ambiente e Recursos NaturaisRenováveis (Ibama), pelo Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimen-to (Mapa) e pela Comissão Nacionalde Ética em Pesquisa (Conep). A apro-vação ocorreu após rigorosa avaliaçãosobre a segurança para a saúde epara o meio ambiente.

FinanciamentoO projeto Eliminar a Dengue: De-

safio Brasil integra o esforço internaci-onal sem fins lucrativos do ProgramaEliminate Dengue: Our Challenge (Eli-minar a Dengue: Nosso Desafio). NoBrasil, o projeto tem financiamento doMinistério da Saúde (Secretaria de Vi-gilância em Saúde e Departamento deCiência e Tecnologia da Secretaria deCiência, Tecnologia e Insumos Estraté-gicos), Ministério da Ciência, Tecnolo-gia e Inovação e CNPq. O projetoconta, ainda, com recursos diretos daFundação Bill & Melinda Gates, e comcontrapartida da Fiocruz em estrutura,recursos humanos e equipamentos. ASecretaria de Saúde de Niterói e a Se-cretaria Municipal de Saúde do Rio deJaneiro atuam como parceiros locais naimplantação do projeto.

O financiamento internacionalprincipal é oriundo de verba da Uni-versidade de Monash, obtida pormeio da Foundation for the NationalInstitutes of Health (FNIH, dos Esta-dos Unidos) por meio do programaControle de Doenças Transmitidaspor Vetores: Pesquisa para Descober-ta (Vector-Based Transmission ofControl: Discovery Research - VCTR)da Iniciativa Grandes Desafios emSaúde Global (Grand Challenges inGlobal Health Initiatives) da Funda-ção Bill & Melinda Gates.

Pesquisadores coletaramamostras de saliva de 20Aedes aegypti comWolbachia e de 20 Aedesaegypti sem Wolbachia quereceberam sangue infectadocom a cepa isolada dePernambuco.Foto: Gutemberg Brito/IOC

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relação entre as más-formações congênitas ea infecção por zika ví-rus (ZIKV) em gestantesfoi reforçada por um

estudo desenvolvido pelo Instituto Car-los Chagas (ICC/Fiocruz Paraná), emparceria com a Pontifícia UniversidadeCatólica do Paraná (PUC-PR). O traba-lho analisou amostras oriundas das re-giões Nordeste e Sul do país, deplacentas de mulheres grávidas infec-tadas em diferentes fases de gestaçãoe de tecidos de cérebros de bebês quemorreram em menos de 24 horas apóso nascimento. Os resultados mostramque o vírus infectou a placenta em to-dos os casos e que este tecido é umalvo preferencial, no caso das gestan-tes, assim como os tecidos dos cére-bros, no caso dos bebês.

“Evidenciamos que o vírus chegaà placenta em qualquer fase da gesta-ção. Além da análise de tecidos da pla-

ARenata Fontoura

centa de grávidas que relataram sinto-mas da infecção por zika no primeirotrimestre de gravidez – uma que so-freu aborto retido e outras duas quetiveram bebês com má-formação e quemorreram algumas horas após o parto–, investigamos o caso de uma ges-tante que teve diagnóstico confirmadopela técnica molecular de Reação emCadeia da Polimerase (PCR, na siglaem inglês) e pelo diagnóstico sorológi-co, no terceiro trimestre de gravidez.Neste último caso, ela deu à luz a umbebê saudável, apesar de termos iden-tificado a presença do vírus nas amos-tras da placenta”, explica a chefe doLaboratório de Virologia Molecular daFiocruz Paraná, Cláudia Nunes Duartedos Santos.

A pesquisa também mostrou umtropismo viral, ou seja, uma certa pre-ferência do vírus para infectar os teci-dos da placenta e do sistema nervosocentral. “Foram analisados tecidos de

outros órgãos, incluindo rins, pulmão ebaço. A maioria deles não apresentoulesões causadas pelo vírus e, os queapresentaram, tratava-se de lesões se-cundárias”, complementa a virologis-ta do ICC.

A patologista do Laboratório dePatologia Experimental da PUC-PR Lú-cia Noronha explica que o vírus danifi-cou os tecidos cerebrais dos fetos.“Onde a imunohistoquímica estavapositiva para o vírus constatamos umacerebrite, ou seja, uma inflamação nocérebro que destrói as neurônios e cé-lulas da glia, sendo que estas últimassão células que dão suporte ao siste-ma nervoso, sustentam os neurônios esão responsáveis por sua defesa e so-brevivência”, esclarece. Além disso, ascélulas gliais também são responsáveispela maturação dos neurônios duranteo desenvolvimento do cérebro dosembriões e o fato desta célula estarpositiva para o zika vírus pode ser um

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indício de como este vírus poderia serresponsável pelas lesões cerebrais tãograves que estamos presenciando”, es-clarece.

Outra evidencia importante estárelacionada a utilização, pelo vírus, dopotencial migratório das células de cé-lulas Hofbauer – que se situam na pla-centa e atuam na defesa do fetodurante a gestação. “Essa dinâmicapode explicar o mecanismo de infec-ção dos bebês ainda no útero. O queocorre é uma inflamação da placenta,chamada vilosite, que quebra a barrei-ra placentária e possibilita que o vírusentre em contato com estas células deHofbauer. Estas células, que podem semovimentar dentro da placenta, pode-riam se aproximar dos vasos do feto etransmitir o vírus”, sugere a patologis-ta como uma hipótese.

O conjunto de informações gera-dos a partir da análise dos cinco casos,transforma o estudo em umas das maiscompletas descrições das alteraçõescausadas pelo vírus na placenta e emdiferentes tecidos do feto. O trabalhodeu continuidade à investigação divul-gada em janeiro de 2016 pelo mesmogrupo de pesquisa, que resultou naconfirmação a transmissão trans-pla-centária do zika vírus. “Acreditamos osresultados e dados que estamos apre-sentando serão muito importantes paradarmos continuidade às pesquisas ebuscarmos o conhecimento das formasde transmissão do zika vírus e suas in-teracções com as células hospedeirase tropismo viral”, conclui Cláudia.

Fiocruz Paraná comoprotagonista napesquisa sobre zika vírus

A Fiocruz desempenha um papelde protagonista no desenvolvimento depesquisas relacionadas ao zika vírus nopaís e no mundo. Atualmente, umarede de cerca de 300 pesquisadores sededica ao estudo de aspectos relacio-nados ao vírus e seus impactos para asaúde pública brasileira.

Único atuando na Região Sul dopaís, o Laboratório de Virologia Mole-cular do ICC é liderado pela virologista

Cláudia Nunes Duarte dos Santos e par-ticipa de forma significativa do esforçoempregado pela Fiocruz no desenvol-vimento de pesquisas relacionadas aozika vírus, já que é um dos cinco la-boratórios sentinelas do Ministério daSaúde para o tema. O grupo foi res-ponsável pela confirmação, por meiodo sequenciamento do genoma viral,em maio de 2015, da presença dozika vírus em oito amostras humanasvindas do Rio Grande do Norte.

“Por meio de uma colaboraçãocom a Universidade Federal do RioGrande Norte, recebemos 21 amostrascoletadas em janeiro de 2016 e envia-das ao nosso laboratório pelo médicoinfectologista Kleber Luz. Todas foramanalisadas e descartadas para denguee chikungunya. Com reagentes espe-cíficos para identificação do zika vírus,confirmamos a presença de seu ácidoribonucleico (RNA, na sigla em inglês)viral em oito delas”, explica a virolo-gista do ICC.

Agora, a equipe divulga a pesqui-sa que reforça a relação entre o vírus eas más-formações congênitas e traba-

lha no desenvolvimento de um testede diagnóstico capaz de detectar a in-fecção em amostras de sangue, pormeio de exame sorológico. Um passoimportante para ter uma ideia maisampla da infecção do vírus e potenci-ais mecanismos de transmissão e teruma dimensão quantitativa de pesso-as infectadas. Atualmente, somentetestes moleculares, que precisam serrealizados em até cinco dias após oaparecimento dos primeiros sintomas,são realizados.

“Trabalhamos em rede no Brasil ebuscamos a cooperação com grupos depesquisa internacionais, como os doInstituto Pasteur, que iniciaram estudossobre o vírus após o surto da doençana Polinésia Francesa, em 2014”, re-força Cláudia. “A emergência dessenovo vírus, reforça a importância daampliação das pesquisas científicas naárea e o quão fundamental são asações de combate, pela população epelo poder público, ao Aedes aegpyti,mosquito transmissor do vírus zika, dadengue e da febre chikungunya”, ob-serva a virologista.

“Evidenciamos que o vírus chega à placenta em qualquer fase da gestação”,observa a chefe do Laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz Paraná,Cláudia Nunes Duarte dos Santos. Foto: Itamar Crispim

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m novo capítulo da histó-ria da saúde está sendoescrito no Brasil com oscasos de microcefalia e deoutras doenças congênitas

que, de acordo com as primeiras evidên-cias, são causados pelo vírus zika. Soman-do os casos de 2015 e os ocorridos até 20de fevereiro deste ano foram 5.640 noti-ficações, o que está atraindo a atençãodo mundo para o país e em especial paraPernambuco, estado com maior númerode casos. O boom da microcefalia gerouvárias perguntas e as respostas científicaspara algumas delas estão sendo investi-gadas na unidade da Fiocruz em Pernam-buco, o Centro de Pesquisa AggeuMagalhães, instituição de pesquisa e en-sino com tradição no estudo de doençasinfecciosas e doenças crônicas.

O envolvimento do Centro de Pes-quisa com a epidemia de zika começoucom o recebimento de amostras de san-gue - enviadas pelo membro do ComitêTécnico do Ministério da Saúde (MS) ecolaborador da Fiocruz PE, o médicoCarlos Brito - coletadas de pacientesatendidos nas emergências do estado,entre março e abril de 2015, que apre-sentavam sintomas parecidos com a den-gue. Responsável pela análise dessasamostras, o Departamento de Virologiae Terapia Experimental (Lavite) do Cen-tro de Pesquisa verificou que dez amos-tras foram positivas para o vírus zika.Dessas, três pacientes apresentavamcomprometimentos clínicos e sete ti-nham comprometimentos neurológicos,incluindo a síndrome de Guillain-Barré.

Em outubro, já acreditando existirassociação entre zika e microcefalia, Bri-to mais uma vez solicitou a colabora-ção da equipe do Lavite para que fossemanalisados os sangues de crianças nas-cidas com a má formação congênita ede suas mães. Em dez dias foram rece-bidas 46 amostras que deram todasnegativas para zika, quando submeti-das à PCR. Porém, a técnica só detectao vírus na fase aguda da doença, quan-do ele está em circulação no organis-mo, o que não era o caso dessas mães,que tinham tido sintomas da doença hámais de seis meses. Em fevereiro de

U2016, analisando a presença de anti-corpos IgM no líquido cefalorraquidia-no (LCR) de 31 desses mesmos bebês,o resultado foi: 29 positivos para zika,um negativo e um inconclusivo.

Como o teste sorológico para a de-tecção dos anticorpos IgM mostrou-seimportante para a investigação da mi-crocefalia, o LCR colhido de todas ascrianças com notificação de microcefa-lia no estado estão sendo enviados peloLaboratório Central de Saúde Pública(Lacen) de Pernambuco para o Lavite,para que seja feita a análise molecularpor PCR e para a pesquisa de anticor-pos da classe IgM. Os testes sorológicosestão sendo coordenados pela pesqui-sadora Marli Tenório, que usa os mes-mos protocolos de diagnóstico do Centrode Controle e Prevenção de Doençasdos Estados Unidos (em inglês, CDC).

Também no Lavite está sendo es-tudada a biologia do vírus zika. A pesqui-sa The emergence of Zika Virus in Brazil:investigating viral features and host res-ponses to design preventive strategies éuma parceria com a Universidade de Glas-gow, com o apoio da Universidade de SãoPaulo (USP), financiada pelo NewtonFund, no qual foi aprovada em primeirolugar no edital sobre doenças infecciosase negligenciadas, e pela Fundação deAmparo à Ciência e Tecnologia de Per-nambuco. Seus achados ajudarão a de-senvolver potenciais vacinas e novos alvosterapêuticos, além de novos insumos paradiagnóstico, por meio de técnicas de bio-logia molecular. O estudo deverá esclare-cer, ainda, se o vírus infecta células dosistema nervoso, causando danos neu-rológicos. “Estamos identificando dife-rentes linhagens celulares e infectandoneurônios com a cepa asiática do ví-rus, que é a circulante no Brasil”, ex-plica o pesquisador Rafael França,coordenador do projeto.

Outro estudo em andamento noLavite é o de uma vacina feita com DNAdo vírus zika, material inerte que tornaesse modelo de imunizante mais segu-ro do que os produzidos com vírus ate-nuado, podendo ser usado por grávidas,imunodeprimidos, recém-nascidos e ido-sos. Tem a vantagem, ainda, de poder

ser produzida em maior escala do queas vacinas atenuadas/inativadas con-vencionais. Pesquisador responsável poresse trabalho, Rafael Dhalia usou nessavacina a mesma tecnologia que desen-volveu para produzir uma nova vacinacontra a febre amarela, patenteada pelaFiocruz em 2010.

“Isso foi possível porque o zika temgenoma parecido com o da febre amare-la e processa as suas proteínas de formasemelhante”, explica Dhalia. A sequên-cia de DNA do zika identificada por elepara produzir a vacina está sendo sinteti-zada numa empresa de biotecnologia edeve ficar pronta em março. A vacina serádesenvolvida em parceria com BioMan-guinhos para viabilizar os testes imunoló-gicos em animais e humanos.

A pesquisadora Laura Gil, desse mes-mo departamento, também está centran-do esforços no desenvolvimento de umavacina, mas neste caso com vírus recom-binante atenuado que, segundo Laura,por introduzir o vírus no organismo, induza uma melhor resposta imune. Essa vaci-na terá por base a vacina da febre ama-rela, na qual os genes estruturais dessevírus serão substituídos pelos mesmosgenes do vírus zika. Uma das vantagensde usar a vacina da febre amarela nesseprocesso é já conhecer como o vírus sereplica nela, gerando um produto não pa-togênico, seguro para aplicação em hu-mano. A obtenção e caracterização dovírus atenuado será feita na Fiocruz PE eo projeto envolve a colaboração do Insti-tuto de Tecnologia em Imunobiológicos(Bio-Manguinhos/Fiocruz).

Ainda estão sendo estudados odesenvolvimento de um teste diagnós-tico para zika usando fragmentos dasproteínas envelope e NS1, que provo-cam menos reações cruzadas com adengue e a infecção de células da pla-centa pelo zika, com a finalidade desaber se os anticorpos contra a den-gue favorecem ou dificultam a infec-ção da placenta pelo zika. Além disso,estão analisando a produção de anti-corpos neutralizantes, utilizando linfó-citos B humano, servindo comoagente de proteção passiva para ges-tantes e neonatos.

Fabíola Tavares

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EpidemologiaNo campo da epidemiologia, uma

das pesquisas investiga a relação defatores genéticos e ambientais e dedoenças infecciosas com o aumentodos casos de microcefalia. Trata-se doEstudo de Caso Controle de Microce-falia em Pernambuco, coordenado porCelina Turchi, do grupo de pesquisaMerg (do inglês Microcephaly Epide-mic Research Group), em cinco mater-nidades estaduais

As mães dos dois grupos têm san-gue coletado para saber quais anti-corpos de doenças elas possuem erespondem a um questionário. A fi-nalidade é saber quais infecções elasjá tiveram, quais medicações e vaci-nas tomaram durante a gestação, seutilizaram larvicidas em domicílio ese têm doença genética e outros ca-sos de microcefalia na família, entreoutras questões.

Um segundo estudo analisará 500mulheres que tiveram manchas ver-melhas na pele, durante a gestação,e outras 200 grávidas sem esse qua-dro clínico. O objetivo é conhecer a

probabilidade de a gestante que teminfecção pelo zika ter um filho commicrocefalia. Além disso, será inves-tigado em que período da gestaçãoa infecção oferece maior probabili-dade de a mãe dar à luz um bebêcom microcefalia e se uma infecçãotardia (no segundo e terceiro trimes-tres da gravidez) causa outra conse-quência que não microcefalia. Apesquisa é coordenada pelo médicoRicardo Ximenes, professor das uni-versidades Estadual (UPE) e Federalde Pernambuco (UFPE), instituiçõesparceiras da Fiocruz PE.

Aguardando aprovação do Comi-tê de Ética em Pesquisa da FiocruzPE, outra pesquisa acompanhará, pordois anos, 150 crianças com micro-cefalia para analisar como se desen-volvem. Além de caracterizar oquadro clínico e descrever o cresci-mento e o desenvolvimento geral,serão descritos os desenvolvimentosneurocognitivo e odontológico. Tam-bém serão acompanhadas, mas semum quantitativo definido, criançascom perímetro cefálico (PC) entre 32e 33 centímetros sem alterações no

sistema nervoso central detectado naultrassom e com mães que tiverammanchas na pele ou crianças comPC entre 32 e 33 centímetros comcalcificações no sistema nervoso cen-tral. A coordenação é do infectolo-gista Demócrito Miranda-Fi lho,professor da UPE e também integran-te do Merg, assim como Ximenes.

MosquitosEm relação aos vetores, um dos

principais estudos em andamento éo que avalia se o mosquito Culexquinquefasciatus – a muriçoca – omais comum no Brasil, pode sertransmissor do vírus zika e o tempode replicação do vírus no mosquito.Na primeira etapa do trabalho, a delaboratório, 200 mosquitos de cadaespécie, livres de qualquer infecção,estão sendo alimentados com san-gue infectado pelo zika. Depois é ve-rif icada a presença de materialgenético do vírus na glândula sali-var e no intestino do inseto. A pre-sença do vírus na glândula salivarmostra que o vírus fez todo o ciclo

Os pesquisadores Rafael França, Marli Tenório e Celina Martelli integram o grupo deestudos sobre o vírus zika na Fiocruz Pernambuco. Fotos: Ascom/Fiocruz Pernambuco

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no mosquito e pode ser transmitidopor ele. Presente apenas no intesti-no, significará que o vírus está mor-to no organismo, não havendochances de transmissão. “Daí é sa-ber quais os genes que o mosquitousa para isso”, afirma ConstânciaAyres, coordenadora do estudo evice-diretora de Ensino da Fiocruz PE.

Cientificamente, o único vetorconhecido desse vírus é o Aedes ae-gpyti, mas a observação dos primei-ros registros de surto de zika emáreas urbanas levaram a pesquisa-dora a pensar sobre a possibilidadedo Culex ser transmissor também. NaMicronésia e na Polinésia o A. ae-gypti é raro e outras espécies deAedes presentes foram negativaspara o vírus. Contribuiu também paraessa suspeita o Culex ser a espéciede mosquito mais abundante no am-biente urbano das áreas tropicais esubtropicais, onde está presentenuma densidade 20 vezes maior queo A. aegypti. Na etapa de camposerão coletados mosquitos no Recifee em Arcoverde (na região do ser-tão), locais onde há relatos da do-

ença, para averiguar a contamina-ção do C. quinquefasciatus pelo zikaem seu ambiente natural e em queproporção.

Na tentativa de diminuir a den-sidade populacional do mosquito A.aegypti e assim fazer seu controle,está sendo testado o uso de ener-gia nuclear. No projeto, uma par-ceria da Fiocruz PE com a UFPE,mosquitos machos são esterilizadoscom radiação gama e liberados noambiente, para competir com osmachos selvagens no acasalamen-to. Vencida essa disputa, eles pas-sam espermatozóides inviáveis, nãogerando novas larvas do inseto. Afêmea do mosquito costuma acasa-lar apenas uma vez e o cruzamen-to com machos estéreis acabaimpedindo sua reprodução. A áreaescolhida para teste foi a Vila daConceição, na Ilha de Fernando deNoronha (PE). Maria Alice Varjal,do Departamento de Entomologia,coordena o estudo.

Os mosquitos são produzidos emmassa no insetário da Fiocruz PE ena fase de pupa são esterilizados

com Cobalto 60, no Irradiador Gam-macel do Departamento de EnergiaNuclear (DEN) da UFPE. A iniciativautiliza uma sub-população de mos-quitos da própria ilha visando pre-servar suas características genéticas,que estão adaptadas às condiçõesambientais do local.

Muitas das ações que estão sen-do promovidas no campo da pesqui-sa contam com o apoio do Serviçode Referência Regional em Arboví-rus da Fiocruz PE, criado recentemen-te. Numa ação de vigilância, o serviçotesta semanalmente amostras desoro sanguíneo de pacientes com di-agnóstico clínico de zika, oriundosde Pernambuco, Paraíba e Rio Gran-de do Norte. As amostras são envia-das pelos laboratórios centrais(Lacens) dos estados e o objetivo éconfirmar a continuidade da circula-ção do vírus zika.

Para o diretor da Fiocruz PE, SinvalBrandão Filho, a “atuação da unidadecom diferentes frentes de pesquisamostram a capacidade institucional deatender esse momento de emergên-cia em saúde que vive o país”.

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Diferenças dos mosquitosna transmissão do vírus zikaEstudo pioneiro foi realizado por pesquisadores da Fiocruz eInstituto Pasteur com colaboração de instituição da Martinica

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Maíra Menezes

ma pesquisa inédita ava-liou a competência veto-rial de mosquitos dogênero Aedes para atransmissão do vírus zika

em cinco países: Brasil, Estados Unidos,Guiana Francesa, Martinica e Guadalu-pe. Uma vez que mensura a presençade partículas virais ativas na saliva dovetor, o dado sobre competência vetori-al é fundamental para compreender atransmissão do vírus e estimar o risco depropagação da doença. Publicado narevista científica Plos Neglected TropicalDiseases, o estudo foi realizado por ci-entistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com as unidadesdo Instituto Pasteur na França, GuianaFrancesa, Guadalupe e Nova Caledônia,além do Centro de Controle de Mosqui-tos do Conselho Geral da Martinica.

Os testes foram realizados com mos-quitos as espécies Aedes aegypti e Ae-des albopictus do Rio de Janeiro e daFlórida. Já na Guiana Francesa, Martinicae Guadalupe, onde não há registro dapresença da espécie A. albopictus, ape-nas o A. aegypti foi estudado. Os resulta-dos apontam que mosquitos A. aegypti eA. albopictus do Brasil e dos Estados Uni-dos, assim como insetos A. aegypti daGuiana Francesa, Martinica e Guadalu-pe, são infectados pelo vírus, mas comdiferenças significativas. Além disso, acompetência dos insetos para transmitir ozika durante a picada é baixa.

“A competência vetorial é determina-da geneticamente, por isso podem existirdiferenças entre as populações de mosqui-tos. Constatamos que as populações deA. aegypti e de A. albopictus das Améri-cas podem, sim, ser infectadas pelo zika etransmitir a doença. Porém, esse potenci-al de transmissão é reduzido e heterogê-neo”, afirma o entomologista RicardoLourenço, chefe do Laboratório de Mos-quitos Transmissores de Hematozoáriosdo IOC e um dos autores do artigo. Otrabalho ainda tem como primeira auto-ra a estudante Thaís Chouin Carneiro,doutoranda do Programa de Pós-Gradu-ação em Biologia Parasitária do IOC, querealiza doutorado-sanduíche no InstitutoPasteur, em Paris, como bolsista do Pro-grama Capes/Cofecub.

O resultado sugere que outros fato-res podem ter contribuído para a rapi-dez de disseminação do agravo,compensando a baixa taxa de transmis-são pelos mosquitos. Segundo a pes-quisadora Anna-Bella Failloux, chefe daUnidade de Arboviroses e Insetos Veto-res do Instituto Pasteur e uma das auto-ras do estudo, a falta de imunidade dapopulação para a doença e a grandequantidade de vetores A. aegypti viven-do em proximidade com as pessoas sãoelementos que podem ter favorecido apropagação do zika nas Américas. “Osmosquitos A. aegypti são altamente an-tropofílicos, picando principalmente osseres humanos. As diversas alimentaçõesdesses insetos aumentam a chance deinfecção”, diz a cientista. As descober-tas não alteram as medidas de preven-ção necessárias para reduzir a proliferaçãodos insetos, já que as duas espécies sãocombatidas com as mesmas medidas deeliminação de criadouros.

Sobre ametodologia

Ovos de mosquitos dos cinco paí-ses, livres de qualquer tipo de vírus, fo-ram enviados para o Instituto Pasteur,na França. Lá, os mosquitos das diver-sas localidades foram alimentados comsangue contendo vírus zika. O patóge-no usado pertence à linhagem asiática,a mesma identificada em circulação noBrasil e em outros países das Américas.Uma das responsáveis pelos testes deinfecção, Thaís explica que três aspec-tos foram analisados para avaliar o po-tencial dos insetos para transmitir o vírus.O primeiro foi a taxa de infecção, queindica a capacidade do vírus de infectare se multiplicar em células epiteliais dointestino dos mosquitos, caracterizandoa primeira etapa da infecção no vetor.O segundo foi a taxa de disseminação,que aponta que o zika ultrapassou achamada “barreira do intestino” e al-cançou outras partes do organismo doinseto. Por fim, foi investigado o apare-cimento de partículas virais infectantesna saliva dos mosquitos, determinandoque os insetos seriam finalmente capa-zes de transmitir o zika por meio da pi-cada. Testes específicos, como a

inoculação da saliva dos mosquitos emcultura de células, foram realizados paracomprovar que as partículas do vírus es-tavam ativas – ou seja, com potencialde causar infecção em uma pessoa quefosse picada pelo vetor.

“Barreiras próprias do inseto sãocapazes de impedir que o vírus se repli-que e se dissemine para as glândulassalivares, o que pode afetar considera-velmente a competência vetorial. Porisso, é imprescindível analisar as taxasde infecção, de disseminação e de trans-missão, em diferentes dias após a in-fecção experimental, para o melhorentendimento do potencial de transmis-são e da interação entre o vírus e o ve-tor”, afirma Thaís.

De modo geral, foram observadosaltos índices de infecção inicial dos inse-tos após o contato com o vírus zika. Noentanto, a taxa de disseminação do vírusdentro do mosquito, cruzando a barreirado intestino, e a eficiência de transmis-são pela saliva do foram mais baixas. Oestudo também traz dados importantessobre o tempo de incubação do vírus zikadentro dos mosquitos. Nas análises feitasquatro e sete dias após a ingestão do san-gue infectado, nenhuma das populaçõesde mosquitos apresentou partículas viraisna saliva. Novas análises, realizadas 14dias após a alimentação dos mosquitoscom sangue infectado, foram realizadasem dois grupos de vetores. NosA. aegyptido Brasil, apenas 10% tinham presençado vírus ativo na saliva. Nos A. albopictusdos Estados Unidos, a taxa foi ainda me-nor, de 3,3%.

Comparaçõescom chikungunyae febre amarela

Segundo Lourenço, na comparaçãocom outros vírus transmitidos pelos mes-mos mosquitos, o zika não apresentacaracterísticas que expliquem uma dis-persão mais acelerada. Em 2014, umestudo liderado pelos mesmos pesquisa-dores apontou que mais de 80% dos A.aegypti e acima de 95% dos A. albopic-tus das Américas têm potencial paratransmitir o vírus chikungunya apenassete dias após ingerir sangue infectado.

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“Comparativamente, observamos que acompetência vetorial dos mosquitos paratransmitir o vírus zika é menor do quepara chikungunya e dengue. Por outrolado, a competência vetorial para a trans-missão do vírus zika por estes mosquitosé semelhante à observada em um estu-do que realizamos em 2002 sobre atransmissão do vírus da febre amarela”,comenta. O cientista acrescenta que,dependendo de fatores como a quanti-dade de mosquitos presentes, um nívelbaixo de competência vetorial pode sersuficiente para o estabelecimento do ci-clo de transmissão da doença, mas a ve-locidade com que isso aconteceu com ovírus zika surpreende.

“Isso permanece uma incógnita. Nãopodemos descartar a possibilidade deque existam mais vias de transmissão,através de outros vetores ou diretamen-te de uma pessoa para a outra, por meiode fluidos corporais”, pondera o pesqui-sador, ressaltando que os questionamen-tos não reduzem a importância docombate aos vetores. “Os mosquitos dogênero Aedes são comprovadamentevetores da infecção e evitar a sua proli-feração é fundamental na luta contrazika, dengue e chikungunya”, enfatiza.

O estudo destaca que o maior perío-do de incubação do zika nos mosquitospode ser uma vantagem para as estraté-gias de controle. “De forma geral, osmosquitos das Américas não são tão efi-cientes para transmitir o vírus zika. As-sim, as medidas de combate aos vetoresdevem ser priorizadas para limitar a pro-pagação do vírus pelos mosquitos”, de-clara Anna-Bella. Nos locais onde acirculação do vírus ainda não ocorre, omaior intervalo necessário para que osinsetos comecem a transmitir a infecçãoapós picar a primeira pessoa doente au-menta a janela de tempo disponível pararealizar ações de bloqueio, que buscameliminar os vetores antes que o ciclo dadoença se estabeleça.

Diferençasregionais

Além de diferenças na competên-cia vetorial entre as duas espécies deAedes, a pesquisa identificou variaçõesregionais. No caso dos A. aegypti, sete

dias após ingerir sangue infectado, maisde 80% dos mosquitos de todos os lo-cais estudados apresentaram o vírus zikano sistema digestivo. No entanto, o ín-dice de disseminação – que indica queo vírus conseguiu sair do intestino e seespalhar para outros órgãos do mosqui-to – foi maior entre os vetores da Guia-na Francesa e de Guadalupe e menornos grupos do Brasil, EUA e Martinica.Já com relação aos insetos A. albopic-tus, apenas 20% dos mosquitos de ori-gem brasileira apresentaram vírus zikano intestino sete dias após ingerir o san-gue infectado, enquanto, nos mosqui-tos dos EUA, esse índice chegou aaproximadamente 60%.

Hábitosdo Aedes

Mesmo que as duas espécies deAedes estejam aptas a transmitir o ví-rus zika, Lourenço afirma que o A. ae-gypti ainda é o vetor mais frequente

de doenças no Brasil. Em laboratório,experimentos já apontaram que os in-setos A. albopictus do país são capa-zes de transmitir dengue, chikungunyae febre amarela. Porém, fêmeas des-se vetor nunca foram encontradas na-turalmente infectadas com qualquerum dos três vírus no Brasil.

“O A. aegypti tem seus criadourosdentro ou junto das casas e se alimentapreferencialmente de sangue humano.Desta forma, ele está sempre em conta-to com as pessoas. Isso aumenta a chancede um mosquito desta espécie picar maisindivíduos e, consequentemente, de serinfectado e de transmitir doenças. Já oA. albopictus penetra pouco nas residên-cias no Brasil. Ele é capaz de viver emambientes modificados pelo homem,mas prefere as áreas próximas de vege-tação, como quintais e peridomicílios. Aprobabilidade de um mosquito desta es-pécie picar um indivíduo doente e de-pois passar o vírus para outra pessoa ébem menor, porém de forma alguma ne-gligenciável”, esclarece Lourenço.

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m novembro, a OrganizaçãoPan-Americana da Saúde(Opas) emitiu um alerta epide-miológico devido ao aumentodos casos de anomalias neuro-

lógicas, como a microcefalia, em locais ondehá circulação do vírus zika. O documento trazuma linha do tempo com os fatos considera-dos relevantes para a emissão do alerta.Dentre os trabalhos citados, está o achadocientífico inédito realizado pelo Laboratóriode Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a partir de diagnósticos laboratori-ais que constaram a presença do genoma dovírus zika em amostras de líquido amnióticode duas gestantes da Paraíba, em casos defetos com microcefalia no país.

Atuação da Fiocruzganha destaque

internacionalDiagnóstico laboratorial correlacionou de forma

inédita no mundo a presença do vírus zika emlíquido amniótico em casos de microcefalia

ESPECIAL

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O material genético (RNA) dovírus foi detectado em amostrasde líquido amniótico, com ouso das técnicas de RT-PCRconvencional e de RT-PCR emtempo real (Foto: JosuéDamasceno/IOC)

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Uma das cinco unidades de re-ferência para o diagnóstico do víruszika no Brasil, o Laboratório de Fla-vivírus do Instituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz) realizou, em dezembro,a capacitação de profissionais do La-boratório Central de Saúde PúblicaNoel Nutels (Lacen-RJ). O treinamen-to incluiu atividades teóricas e práti-cas relativas à técnica de RT-PCR emtempo real, método molecular utili-zado para a detecção do materialgenético do vírus em amostras depacientes. A atividade integrou oesforço coordenado pelo Ministério

No comunicado, a organização re-comenda que os países-membros man-tenham a capacidade de detectar econfirmar casos do vírus, bem comopreparar as unidades de saúde para opossível aumento da demanda de aten-dimento especializado para síndromesneurológicas, além de reforçar os cui-dados pré-natais. Os países tambémsão alertados para prosseguirem osesforços para a redução da presençade mosquitos vetores da doença.

A identificaçãodo zika

O Laboratório de Flavivírus, con-cluiu, em novembro, diagnósticos la-borator ia is que constataram apresença do genoma do vírus zikaem amostras relativas às duas ges-tantes da Paraíba, cujos fetos foramconfirmados com microcefalia pormeio de exames de ultrassonogra-fia, conforme publicado pelo Minis-tério da Saúde no dia 17 daquelemês. O material genético (RNA) dovírus foi detectado em amostras delíquido amniótico, com o uso dastécnicas de RT-PCR convencional ede RT-PCR em tempo real. Os resul-tados obtidos foram reconfirmadospela técnica de sequenciamento par-cial do genoma viral detectado nasamostras.

Foi detectado o genótipo asiático– são conhecidos dois genótipos do ví-rus Zika, o asiático e o africano. Osresultados foram comunicados ao Mi-nistério da Saúde.

Tendo em vista o aumento na notifi-cação de casos de microcefalia, o Minis-tério da Saúde decretou Emergência emSaúde Pública de Importância Nacional,no dia 11 de novembro.

Historicamente, o IOC atua naresposta a temas relevantes em saú-de pública por meio da geração dedados científicos sobre desafios emer-gentes. Exemplo desta atuação pau-tada nas questões de saúde do país,o próprio Laboratório de Flavivírus foicriado a partir da ação pioneira doInstituto no estudo da dengue, aindanos anos 1980.

Capacitaçãopara diagnóstico

da Saúde para ampliar a rede de di-agnóstico da doença. De acordo coma pasta, 11 laboratórios públicos jáforam treinados, totalizando 16 cen-tros com o conhecimento para fazero teste.

O Ministério da Saúde ressaltaque a capacitação dos laboratóriospúblicos deve dar maior agilidade àdetecção do vírus em amostras degestantes e bebês. Como unidadede referência, o Laboratório de Fla-vivírus do IOC vem atuando no es-clarecimento de casos suspeitos dainfecção. (Maíra Menezes)

O Laboratório de Flavivírus do IOC vem atuando no esclarecimentode casos suspeitos da infecção (Foto: Gutemberg Brito/IOC)

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Repelentes caseiros são efica-zes contra o Aedes aegypti? Comosão os sintomas da zika? Quantosovos uma fêmea do Aedes pode co-locar? Crianças e idosos são maisvulneráveis ao vírus? Toda gestan-te com zika terá um bebê com mi-crocefalia? Essas e muitas outrasperguntas foram respondidas porcinco pesquisadores da Fiocruz emum evento promovido pelo jornalcarioca Extra, em parceria com aFundação, em dezembro.

Biólogos e especialistas no mos-quito Aedes aegypti, os pesquisa-dores do Instituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz), Ademir Martins, De-nise Valle e Rafaela Bruno marca-ram presença no encontro. Tambémparticiparam o neurologista Abelar-do Araújo, do Instituto Nacional deInfectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), e o infectologista pediá-trico Leonardo Menezes, do Insti-tuto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). A mediação do encontrofoi feita pelo clínico geral e comen-tarista de saúde da TV Globo LuísFernando Correia.

Transmitido simultaneamentepelas mídias sociais, o evento teveintensa participação popular. Alémde reforçar sobre os cuidados paraevitar a proliferação do mosquitotransmissor de dengue, zika e chi-kungunya, os especialistas explica-ram as correlações entre o vírus zika,microcefalia e síndrome de Guillain-Barrè, confirmadas pelo Ministérioda Saúde, e destacaram a impor-tância de disseminar informação cor-reta, esclarecendo os recentesboatos. (Max Gomes)

Imagem de microscopia eletrô-nica de transmissão produzida peloLaboratório de Morfologia e Morfo-gênese Viral do Instituto OswaldoCruz (IOC/Fiocruz) mostra partículasdo vírus zika no interior de uma célu-la infectada. A infecção foi realizadaem cultivo de células Vero, uma linha-gem derivada de células de macacos,e frequentemente utilizada para en-saios in vitro. O registro foi obtido du-

DúvidasesclarecidasEvento promovido porjornal em parceria coma Fiocruz contou com aparticipação de cincoespecialistas da instituição

rante um estudo que investiga etapasda replicação viral conduzido pelaautora da imagem, Débora FerreiraBarreto-Vieira, pesquisadora do Labo-ratório de Morfologia e MorfogêneseViral, juntamente com Ortrud MonikaBarth, chefe do mesmo laboratório. Oestudo conta também com a colabo-ração da virologista Ana Bispo, chefedo Laboratório de Flavivírus do IOC.(Maíra Menezes)

Imagem mostra partículas do vírus zikaRegistro em microscopia eletrônica de transmissão foiproduzido durante estudo sobre replicação viral

Registro em microscopiaeletrônica de transmissão foiproduzido durante estudosobre replicação viral (Foto:Débora Barreto/IOC)

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ESPECIAL

O Aedes contra a doençaFiocruz Amazônia desenvolve método que utiliza opróprio mosquito da dengue no controle da enfermidade

Principal transmissor do ví-rus da dengue, o mos-quito Aedes aegyptipode ser usado paracombater a doença. A

descoberta faz parte de um projeto ino-vador de pesquisadores do Instituto Le-ônidas e Maria Deane (ILMD/FiocruzAmazônia) e do Instituto René Rachou(IRR/Fiocruz Minas), em parceria como Instituto Nacional de Pesquisas daAmazônia (Inpa). Eles desenvolveramum método no qual os próprios mos-quitos são usados para disseminar in-seticida em criadouros.

O teste de campo foi feito em Ma-nacapuru (município a 84 quilômetros deManaus) por uma equipe composta portécnicos, uma pesquisadora e agentesde saúde locais. O grupo visitou a casada aposentada Maria Santos, de 65 anos,e a orientou que ela deixasse no quintalbaldes com um pouco de água e inseti-cida para o combate ao mosquito.

Com baldes com um pouco deágua e suas paredes internas cobertasde um pano preto aveludado, no qualé aplicado o larvicida Pyriproxyfen tri-turado até a consistência de um pó, a

armadilha permite que as fêmeas se-jam atraídas até o recipiente. Dessaforma, ao pousarem na armadilha osmosquitos ficam impregnados com in-seticida que acaba sendo levado poreles para outros criadouros, aumentan-do o combate às larvas.

Um dos pesquisadores do projeto,o diretor do ILMD/Fiocruz Amazônia,Sérgio Luz, explicou que o método éimportante pois há muitos criadourosque ficam em locais fechados, escon-didos ou inacessíveis. “Um dos pro-blemas mais importantes e difíceis deresolver no controle dos mosquitos ve-tores da dengue e outras doenças(como a febre chikungunya e zika) éque muitos dos criadouros dos mos-quitos não são tratados durante asações de controle, por conta do difícilacesso ou por não conseguirem seridentificados. Os agentes de controlesimplesmente não podem tratar essescriadouros, que continuam a produzirmosquitos. O nosso trabalho mostraque os próprios mosquitos podem tra-tar muitos desses criadouros”, disse.

Antes do projeto, que começou suafase inicial de estudo básico em no-

vembro de 2013, os criadouros positi-vos de larvas nas casas de Manacapu-ru eram presentes em 98% dasresidências. Até outubro deste ano aequipe registrou apenas 2% de casaspositivas. As notificações das doençasno município, segundo o sub-gerentede Endemias da Secretaria Municipalde Saúde, Mário Fernandes da Silva,em 2015, foram 79. No ano passado onúmero chegou a 200.

Segundo Luz, após a utilização dasarmadilhas disseminadoras o trabalhode monitoramento dos mosquitos con-tinua. “Este trabalho indica em qual(is)localidade(s) aparece(m) mosquitos.Assim é possível fazer o bloqueio utili-zando armadilhas disseminadoras deinseticida apenas nas áreas positivas,pelo próprio serviço e agentes de en-demias e controle. Tivemos uma baixapopulacional de mosquitos bem repre-sentativa, caindo de mais de 1,5 milpor mês para menos de 50. Com issofica quase impossível ter transmissãoepidêmica do vírus”, explicou o pes-quisador. Além do diretor do ILMD/Fi-ocruz Amazônia, o projeto tambémconta com as participações dos pesqui-sadores Fernando Abad-Franch (IRR),Elvira Zamora e dos técnicos de cam-po Ricardo Mota e Sebastião Dias,ambos do ILMD.

O trabalho foi apresentado naReunião Internacional para Imple-mentação de Alternativas para oControle do Aedes aegypti no Brasil,organizada pelo Programa Nacionalde Controle da Dengue (PNCD) doMinistério da Saúde e da Organiza-ção Panamericana da Saúde (Opas)e foi aprovado para ser implementa-do. Depois disso foi estabelecido umprotocolo de trabalho para o uso dasEstações de Disseminação. Opas,PNCD e Fiocruz estão organizando aimplementação e posterior avaliaçãodo uso das Estações Disseminadorasem cidades brasileiras.

A armadilha é formadapor baldes com umpouco de água e comas paredes internascobertas por um panopreto no qual é aplicadoo larvicida Pyriproxyfen(Foto: Peter Ilicciev/CCS)

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Anomalias

ESPECIAL

Estudo analisa infecçãopelo vírus zika em grávidas

Operiódico The New EnglandJournal of Medicine pu-blicou em 4 de março oartigo Infecção por zikavírus em mulheres grávi-

das no Rio de Janeiro (Zika Virus In-fection in Pregnant Women in Riode Janeiro). O estudo, liderado pelapesquisadora Patrícia Brasil, chefe doLaboratório de Pesquisa Clínica emDoenças Febris Agudas do InstitutoNacional de Infectologia Evandro Cha-gas (INI/Fiocruz), reuniu evidências deque as anomalias causadas pelo víruszika podem acontecer em qualquerperíodo da gestação. A equipe queparticipou da pesquisa analisou amos-tras de sangue e urina de 88 gestantescom sintomas associados ao zika. Asamostras, coletadas entre setembro de2015 e fevereiro de 2016, indicaramque 72 pacientes apresentaram resul-tado positivo no teste para vírus zika.

na gestação

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O estudo identificou uma síndromecongênita relacionada ao zika que cau-sa outras manifestações clínicas decor-rentes do seu efeito no sistema nervosocentral (SNC), como falha de forma-ção de estruturas e calcificações cere-brais, atrofia de estruturas no cérebro,além de microcefalia. “Detectamostambém falha no crescimento fetal, oque é típico de outras infecções congê-nitas, como citomegalovirus e rubéola”,afirmou Patrícia Brasil. “Encontramosanomalias em 29% dos exames de ul-trassom. O mais preocupante, porém,é que problemas com o feto e com agravidez foram descritos em qualqueridade gestacional, até mesmo no ter-ceiro trimestre, com casos de natimor-tos e ausência de líquido amniótico. Osdados sugerem que o vírus pode afe-tar negativamente a gestação em qual-quer momento”, complementou apesquisadora do INI/Fiocruz.

O gerente da Área de Atenção Clí-nico-Cirúrgica à Gestante do InstitutoNacional de Saúde da Mulher, da Cri-ança e do Adolescente Fernandes Fi-gueira (IFF/Fiocruz), José Paulo PereiraJr., coautor do artigo, ressalta, juntocom a pesquisadora do INI/Fiocruz, queé de extrema importância pontuar queos dados não são alarmistas. “Apesardo estudo contribuir para a fortaleci-mento da associação entre zika e ano-malias congênitas, isso não significaque todas as gestantes infectadas te-rão bebês com anomalias. No nossoestudo, 71% das mães infectadas ti-veram exames fetais sem anormalida-des”, destacaram os pesquisadores. “É

fundamental que, após o nascimento,as mães procurem o pediatra paraacompanhamento do bebê por equipeespecializada. Da mesma forma, é deextrema importância o estreito acom-panhamento da gestante infectadapelo médico obstetra, uma vez que omonitoramento regular do crescimen-to e evolução do feto pode proporcio-nar a detecção oportuna de alteraçõesque indiquem a necessidade de inter-venções precoces que podem salvar avida do bebê”.

Ambos destacaram ainda que osdados devem ser observados com cau-tela devido ao restrito número de grá-vidas participantes do estudo. “Aprincipal limitação do estudo é o pe-queno número de gestantes acompa-nhadas, que não nos permite inferir orisco absoluto das anomalias congêni-tas na infecção por vírus zika”, afirma-ram.

Zika x rubéolaOs pesquisadores explicaram as

semelhanças e as diferenças entre ozika e a rubéola, duas doenças consi-deradas relativamente brandas namaior parte da população, mas queparecem estar associadas a anomaliascongênitas. Segundo Patrícia Brasil, “osdois vírus causam um quadro clínicosemelhante com exantema (manchasvermelhas na pele), que começa norosto e depois desce para o corpo. Esseexantema é pruriginoso em ambas asdoenças e pode, ou não, ser acompa-nhado de uma febre baixa nas duas

doenças. Há dores articulares, especi-almente em mulheres, e aumento degânglios cervicais ou retro-auriculares”.Ainda de acordo com a pesquisadorado INI/Fiocruz, as diferenças são que arubéola não é transmitida por mosqui-to, e se manifesta com sintomas respi-ratórios como coriza, enquanto o zikanão tem sintoma respiratório.

José Paulo Pereira Jr., do IFF/Fio-cruz, chama a atenção para a seme-lhança entre as anomalias fetais nasduas doenças, com crescimento intra-uterino retardado, alterações no siste-ma nervoso central e calcificaçõescerebrais. ”A rubéola não causa má-formação fetal quando contraída após20 semanas de gestação, mas, no nossoestudo, as más formações fetais do sis-tema nervoso central foram observa-das quando a infecção ocorreu até 27semanas de gestação, além dos efei-tos adversos também no terceiro tri-mestre da gestação como ausência delíquido amniótico e morte fetal”, de-clarou. As infecções que ocorrem noinício da gestação, ou no período deformação do embrião, são as que maisfrequentemente cursam com anomali-as congênitas, predominantemente nacabeça do feto, já que o zika tem re-conhecidamente um tropismo para otecido cerebral. “Já no final da gesta-ção, as alterações nos fetos parecemdecorrentes do acometimento das pla-centas como crescimento intrauterinoretardado e alteração do volume do lí-quido amniótico que se detectada opor-tunamente pode prevenir o sofrimentofetal”, disse.

Oferecer um espaço onde seja pos-sível desenvolver e compartilhar proto-colos de pesquisa, bancos de dados etrabalhar uma agenda de prioridades nosprojetos relacionados com o zika vírus,esse é o objetivo do site trilingue ZikaInfection. “Além de promover a circu-lação destas informações também épossível acessar dados atualizados so-bre a epidemiologia e manejo clínicodos pacientes”, ressalta o coordenadorda página, Fernando Augusto Bozza,chefe do Laboratório de Pesquisa Clíni-

ca em Medicina Intensiva do INI. Osite é fruto da colaboração da Organi-zação Mundial da Saúde (OMS) ede 11 institutos internacionais, incluin-do o Instituto Pasteur, o Centro Alemãode Pesquisa de Infecções, entre outros.

O site organiza material em portu-guês, inglês e espanhol e os pesquisado-res podem participar fazendo o cadastro.

INI coordena site internacional

ACESSE:

zikainfection.tghn.org/signup

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