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8 l O GLOBO l Rio l Quarta-feira 5.3.2014 Quarta-feira 5.3.2014 l Rio l O GLOBO l 9 A 45 minutos de barca do Centro, a Ilha de Paquetá tem sido refú- gio de cariocas que querem se li- vrar do tumulto da cidade, mas não querem ficar longe. A ilha de 4.500 habitantes, segundo o últi- mo censo, concorre hoje com Pe- trópolis e Teresópolis como op- ção para fugir dos congestiona- mentos, da violência e dos altos preços dos imóveis no Rio. Tanto que a empresa que faz mudanças para Paquetá está com a agenda cheia no sentido da ilha: de cada dez clientes, nove estão indo para lá, e apenas um está saindo. A melhoria do transporte, com mais horários de barcas e o retor- no do catamarã, que reduziu o tempo de viagem de 70 para 45 minutos, foi fundamental, apesar das críticas quanto à pontualida- de. Mas na ilha há problemas crônicos, como ocupação irregu- lar de morros e sistema de sanea- mento precário. Na única imobiliária local, não há mais imóveis para alu- gar. Para se ter uma ideia, o alu- guel de um apartamento quarto e sala em Paquetá custa em mé- dia R$ 700, contra R$ 1.200 na Zona Norte do Rio. E uma casa com terreno de 300 metros qua- drados, dois quartos, salão de jogos e garagem para barco, es- tá à venda por R$ 800 mil, o va- lor de um apartamento com a metade desse tamanho na Zona Norte, por exemplo. Além da imobiliária, corretores inde- pendentes vêm tendo dificulda- de para fazer novos negócios. — Tenho 16 pessoas esperan- do para alugar casa na ilha. Au- mentou a procura, hoje bem maior que a oferta — diz Lúcia Guimarães, que há 20 anos tra- balha com imóveis em Paquetá. Foi justamente o valor mais baixo dos imóveis que atraiu a médica Rose Souza para a ilha. Ela e o marido, José Venâncio, engenheiro aposentado de Fur- nas, mudaram para Paquetá há três meses, depois de, sem su- cesso, tentarem comprar um apartamento no continente. — Nosso dinheiro só daria para comprar um apartamento minúsculo na Zona Norte. Des- cobri que em Paquetá eu com- praria um bem melhor, de dois quartos, e com varanda, que sempre foi o meu sonho — con- ta Rose. — Fico emocionada to- da vez que vejo as pessoas sen- tadas na porta de casa, as crian- ças brincando nas ruas tarde da noite, sem qualquer perigo. E aqui curei minha insônia. Ela só se queixa dos frequen- tes atrasos das barcas. Há quem reclame da presença de ambu- lantes. Mas a maioria não se in- comoda, pois com eles é possí- vel comprar água ou lanches. Em nota, a CCR Barcas reco- nheceu que há problemas, mas ressaltou que vem trabalhando para solucioná-los. E informou que as embarcações tradicio- nais não têm infraestrutura pa- ra comportar lanchonetes. l Ilha é, cada vez mais, opção para quem quer fugir dos imóveis caros e engarrafamentos do Rio TAÍS MENDES [email protected] FOTOS DE PABLO JACOB Valorização. Mais horários de barcas se somaram à paisagem bucólica e à tranquilidade como atrativos da Ilha de Paquetá. Já há filas para alugar casas Paquetá, um refúgio a 45 minutos do Centro “Fico emocionada toda vez que vejo crianças brincando nas ruas tarde da noite, sem perigo. E curei minha insônia” Rose Souza Médica e moradora de Paquetá A tragédia começou a ser deline- ada aos poucos. Em Mossoró, se- gunda maior cidade do Rio Grande do Norte, Digna Medei- ros, uma jovem de 29 anos que vive da mesada de dois salários- mínimos dada pelo pai, come- çou a ser pressionada pelo Con- selho Tutelar porque não man- dava seu filho Alex, um garoto franzino, que não aparentava seus 8 anos, à escola. Ameaçada de perder a guarda, mandou o menino para o Rio para que ele morasse com o pai. O encontro da criança tímida com o pai de- sempregado, que já cumprira pe- na por tráfico de drogas, não po- deria ter sido mais desastroso. Horrorizado porque Alex gostava de dança do ventre e de lavar lou- ça, Alex André passou a aplicar o que chamou de “corretivos” . Sur- rava o filho repetidas vezes para “ensiná-lo a andar como ho- mem” . No último dia 17, iniciou outra sessão de espancamento. Duas horas depois, Alex foi leva- do para um posto de saúde. Pare- cia desmaiado, com os olhos grandes, de cílios longos, entrea- bertos. Mas não havia mais o que fazer. Estava morto. FÍGADO FOI DILACERADO As sucessivas pancadas do pai, provocadas porque Alex não queria cortar o cabelo, dilacera- ram o fígado do garotinho. Uma hemorragia interna se seguiu, le- vando o menino, que também gostava de forró e de brincar de carrinho, a óbito. Apesar de a madrasta, Gisele Soares, que so- correu o enteado, afirmar que ele tinha desmaiado de repente, os médicos da UPA de Vila Kennedy desconfiaram logo de violência doméstica. O corpo de Alex, co- berto de hematomas, era um mapa dos horrores que ele vinha passando. O laudo do Instituto Médico Legal descreve em mui- tas linhas todo o sofrimento: a criança tinha escoriações nos jo- elhos, cotovelos, perto do ouvido esquerdo, no tórax, na região cer- vical; apresentava também equi- moses na face, no tórax, no su- percílio direito, no deltoide, pu- nho esquerdo, braço e antebra- ços direitos, além de edemas no punho direito e na coxa direita. A legista Áurea Maria Tavares Tor- res também atestou que o corpo magricelo apresentava sinais de desnutrição. O posto de saúde chamou o Conselho Tutelar de Bangu, pro- vidência que nenhum vizinho do menino havia tomado. Alex mo- rava com o pai, a madrasta e ou- tras cinco crianças num casebre na Vila Kennedy, uma área sem UPP, onde três facções rivais tra- vam uma guerra. Não se sabe se a lei de silêncio, que costuma im- perar onde traficantes atuam, contaminou quem vivia nas ca- sas próximas, ou se ninguém re- almente sabia do que se passava no imóvel de três cômodos. — Eu nunca escutei nada. Eu mal via o menino. Pensei até que ele já tivesse voltado para o Nordeste. Só os outros filhos saíam de casa. Acho que ele vi- via em cárcere privado— diz a vizinha Wandina Ribeiro. No depoimento que o pai, apelidado pelos vizinhos de “monstro de Bangu” , deu à polí- cia, há uma pista de que o meni- ninho podia, de fato, sofrer os maus-tratos calado: “Enquanto batia, mais irritava o fato de ele não chorar, o que fazia o depo- ente crer que a lição que aplica- va não estava sendo suficiente e que, por isso, batia mais e mais” . Um dos conselheiros tutela- res de Bangu, Rodrigo Coelho, diz que vai pedir à polícia que investigue se Alex vivia em cár- cere privado. Se os vizinhos di- zem não saber de nada, no colé- gio tampouco desconfiavam do que Alex passava em casa. Ma- triculado em maio de 2013 na Escola Municipal Coronel José Gomes Moreira, também na Vi- la Kennedy, o garoto era consi- derado calmo, obediente e inte- ligente. Teve ótimo desempe- nho no ano passado: nota 88 no segundo bimestre, primeiro que cursou no local, nota 100 no terceiro, e 90 no último. Este ano, não apareceu, mas os fun- cionários não se preocuparam: em janeiro, Alex André fora à unidade pedir a documentação escolar, dizendo que o filho vol- taria para Mossoró. O menino afetuoso, que se da- va bem com os colegas, é descri- to de forma bem diversa pelo pai. No depoimento à polícia, Alex André, que teve a prisão tempo- rária decretada no último dia 19 pela juíza Nathalia Magluta e foi levado para o Complexo de Geri- cinó, disse que o filho “era de pei- tar” , “partia para dentro de você” . Segundo policiais que investi- gam o caso, a frieza de Alex An- dré impressionou quem assistiu ao depoimento. Ele negou ter ti- do a intenção de matar, mas in- sistia que o filho tinha que ser “homem” . l Menino de 8 anos teve fígado dilacerado pelo pai, que não admitia que criança gostasse de lavar louça MARIA ELISA ALVES [email protected] REPRODUÇÃO Afetuoso. Alex beija a barriga da mãe, Digna, ameaçada por Conselho Tutelar por não matricular menino na escola A história de Alex, morto para ‘ser homem’ REPRODUÇÃO Assassino. Alex André, que já cumpriu pena por tráfico, está preso Retorno. Luiza e Afonso Fernandes voltaram à ilha depois de seis anos fora Projetos de revitalização vêm ganhando espaço na região Abastecimento de água melhora, mas obras de saneamento ainda não foram concluídas Apesar dos problemas, as me- lhorias falam mais alto e têm atraído de volta antigos mora- dores. Como Afonso Fernan- des, aposentado da Petrobras, e sua mulher, a professora Luiza Fernandes. Eles retor- naram a Paquetá depois de fi- car fora por seis anos. — Fomos embora em 2008, depois de dez anos morando aqui. A ilha estava abandona- da. O mercado era ruim, e os horários das barcas, piores ainda. Fugimos para Petrópo- lis — conta Afonso. Luiza argumenta que, além da melhoria do comércio e do transporte, a presença de pes- soas interessadas em desen- volver novos projetos na ilha contribuiu para a decisão: — Há um grupo interessa- do na revitalização de Paque- tá, com projetos culturais, de esporte e lazer, que não havia antes. No último dia 25, por exem- plo, a Orquestra Jovem Pa- quetá iniciou uma turnê pela Alemanha. E o evento Domin- go no Darke promove, a cada três meses, atividades de cul- tura e lazer no parque muni- cipal Darke de Mattos. Sílvio Oliveira, presidente da Asso- ciação de Moradores de Pa- queta, comemora os avanços, mas ressalta que ainda há muitos problemas. — Tem vindo um grupo inte- ressante de pessoas para cá, que trabalha na área de cultu- ra, promove ações comunitári- as — explica Oliveira. — Mas os problemas são muitos. Pa- quetá esteve muito tempo abandonada pelos órgãos pú- blicos. E tudo é muito lento. O prefeito visitou a ilha no ano passado e fizemos uma série de pedidos, que estão encami- nhados, mas ainda precisam vencer a burocracia, como a reforma do Solar Del Rey, um casarão tombado que quere- mos transformar em um cen- tro cultural. RETORNO DOS TURISTAS Segundo a administradora re- gional, Janaína Marques Cam- pos Wisnesky, haverá melhori- as este ano, incluindo a refor- ma da cocheira e a regulamen- tação do transporte de charre- tes, alvo de denúncias de maus-tratos aos animais. — Em 2013 solicitamos à prefeitura uma lista de melho- rias. Mas os projetos só pude- ram ser incluídos no orçamen- to deste ano. O do Solar, por exemplo, está em fase final de adequação — explica. Há promessas também na oferta de serviços públicos. A água, que antes chegava só uma vez por semana, agora é abun- dante. Já o saneamento continua um problema. Não é raro ver des- pejo de esgoto no mar ou nas ru- as da ilha. A Cedae, porém, diz que as obras de saneamento, que começaram em dezembro de 2013, devem ser concluídas no início do segundo semestre. Os turistas percebem as mu- danças. Depois de três anos sem visitar Paquetá, Zilda Le- mos, moradora da Barra da Ti- juca, levou a filha Marcela lá: — As areias das praias e as ruas estão mais limpas. Se a Baía de Guanabara não fosse poluída, seria um paraíso! l BANGU SHOPPING Rua Fonseca, 240 SHOPPING METROPOLITANO BARRA Av. Embaixador Abelardo Bueno, 1.300 CASCADURA Av. Dom Helder Camara, 9.783 acesse 120 JACAREPAGUÁ (PREZUNIC CENTER) Estr. Marechal Miguel Salazar Mendes de Moraes, 906 MADUREIRA SHOPPING Estrada do Portela, 222 TIJUCA Rua Conde de Bonfim, 604 acesse 120 Homofobia já tinha feito assassino rejeitar outra criança Mãe de menino diz que não sabia de nada e só falou com o filho duas vezes em nove meses Ninguém sabe dizer — como se isso tivesse alguma relevân- cia — se Alex era realmente afeminado. Mas não faltam re- latos de como o pai do menino era homofóbico. Sobrinha do assassino, Ingrid Moraes diz que Alex André era “cismado com essa coisa de homossexu- al” e rejeitava o filho mais ve- lho, de 12 anos, por achá-lo pouco másculo. O menino, que morava numa rua próxima com a mãe, conta que a relação com o pai, que ele mal via, era cheia de segredos. — Eu cuido da casa, mas ele nem sabia. Não acho nada de- mais, mas ele não aceitava muita coisa — diz o garoto, que esca- pou por pouco de ser surrado. — Uma vez, ele tentou, mas meu tio me defendeu. Se poupou o filho mais ve- lho, o mesmo não pode se di- zer de outros parentes. Ingrid conta que já apanhou de Alex André, que também atacou a própria mãe Se, em família, Alex André resolvia muita coisa no braço, na rua ele fazia valer sua con- denação por tráfico de drogas (cumpriu pena por quase qua- tro anos) para amedrontar a vi- zinhança. Sem emprego fixo e vivendo de bicos, costumava consumir drogas no meio da rua e, se alguém reclamasse, dizia para não se meterem com ele. Gisele, a mulher de Alex An- dré, não tem sido mais vista na Vila Kennedy. Ela abandonou o lar no dia seguinte à morte do enteado, quando vizinhos ameaçaram linchá-la e atear fogo ao imóvel. À polícia, ela confirmou as palavras do ma- rido e disse ser contrária aos castigos físicos. Digna Medeiros, a mãe de Alex, garante que Alex André nunca foi violento com ela: — Se soubesse, não teria dei- xado o Alex vir para o Rio. Ele era minha vida, nunca pensei que isso pudesse acontecer, meu Deus. Preferia que tivesse sido comigo. Perguntada se o filho nunca havia se queixado do pai, Digna contou que só falara duas vezes com ele nos últimos nove meses. — Eu liguei no dia que ele foi para o Rio com a aeromoça e fa- lei também quatro dias depois. Ele disse que estava tudo bem. Depois, não consegui mais falar com o celular do pai dele. Entrei em contato com o irmão do Alex André pelo Facebook e ele disse que estava tudo bem. Confiei, afi- nal ele era tio do meu filho — diz. Digna resolveu acompanhar de perto o desenrolar do caso. Deixou o bebê de 8 meses com amigos em Mossoró. O filho de 3 anos mora com os avós pa- ternos. O mais velho, de 15, que ela não vê desde neném, ela quer encontrar no Rio. — Tive ele muito nova, com 14 anos, não tinha a cabeça que te- nho hoje. Deixei ele com o pai, lá em Honório Gurgel — diz Digna. Digna e o conselheiro tutelar foram os únicos que participa- ram do enterro de Alex. Mas a cena do menino no caixão branco, de blusinha listrada, ainda marcado pela violência, foi tão forte que levou pessoas de quatro velórios que eram re- alizados ao lado a sair de suas capelas para abraçar a mãe. l “Eu mal via o menino. Só os outros filhos saíam de casa. Acho que ele vivia em cárcere privado” Wandina Ribeiro Vizinha

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8 l O GLOBO l Rio l Quarta-feira 5 .3 .2014 Quarta-feira 5 .3 .2014 l Rio l O GLOBO l 9

A 45 minutos de barca do Centro,a Ilha de Paquetá tem sido refú-gio de cariocas que querem se li-vrar do tumulto da cidade, masnão querem ficar longe. A ilha de4.500 habitantes, segundo o últi-mo censo, concorre hoje com Pe-trópolis e Teresópolis como op-ção para fugir dos congestiona-mentos, da violência e dos altospreços dos imóveis no Rio. Tantoque a empresa que faz mudançaspara Paquetá está com a agendacheia no sentido da ilha: de cadadez clientes, nove estão indo paralá, e apenas um está saindo. Amelhoria do transporte, commais horários de barcas e o retor-no do catamarã, que reduziu otempo de viagem de 70 para 45minutos, foi fundamental, apesardas críticas quanto à pontualida-de. Mas na ilha há problemascrônicos, como ocupação irregu-lar de morros e sistema de sanea-mento precário.

Na única imobiliária local,não há mais imóveis para alu-gar. Para se ter uma ideia, o alu-guel de um apartamento quarto

e sala em Paquetá custa em mé-dia R$ 700, contra R$ 1.200 naZona Norte do Rio. E uma casacom terreno de 300 metros qua-drados, dois quartos, salão dejogos e garagem para barco, es-tá à venda por R$ 800 mil, o va-lor de um apartamento com ametade desse tamanho na ZonaNorte, por exemplo. Além daimobiliária, corretores inde-pendentes vêm tendo dificulda-de para fazer novos negócios.

— Tenho 16 pessoas esperan-do para alugar casa na ilha. Au-mentou a procura, hoje bemmaior que a oferta — diz LúciaGuimarães, que há 20 anos tra-balha com imóveis em Paquetá.

Foi justamente o valor maisbaixo dos imóveis que atraiu amédica Rose Souza para a ilha.Ela e o marido, José Venâncio,engenheiro aposentado de Fur-nas, mudaram para Paquetá hátrês meses, depois de, sem su-cesso, tentarem comprar umapartamento no continente.

— Nosso dinheiro só dariapara comprar um apartamentominúsculo na Zona Norte. Des-cobri que em Paquetá eu com-praria um bem melhor, de dois

quartos, e com varanda, quesempre foi o meu sonho — con-ta Rose. — Fico emocionada to-da vez que vejo as pessoas sen-tadas na porta de casa, as crian-ças brincando nas ruas tarde danoite, sem qualquer perigo. Eaqui curei minha insônia.

Ela só se queixa dos frequen-tes atrasos das barcas. Há quemreclame da presença de ambu-lantes. Mas a maioria não se in-comoda, pois com eles é possí-vel comprar água ou lanches.

Em nota, a CCR Barcas reco-nheceu que há problemas, masressaltou que vem trabalhandopara solucioná-los. E informouque as embarcações tradicio-nais não têm infraestrutura pa-ra comportar lanchonetes. l

Ilha é, cada vez mais, opção paraquem quer fugir dos imóveiscaros e engarrafamentos do Rio

TAÍS MENDES

[email protected]

FOTOS DE PABLO JACOB

Valorização. Mais horários de barcas se somaram à paisagem bucólica e à tranquilidade como atrativos da Ilha de Paquetá. Já há filas para alugar casas

Paquetá, umrefúgio a 45 minutos do Centro

“Fico emocionadatoda vez que vejocrianças brincandonas ruas tarde danoite, sem perigo. Ecurei minha insônia”Rose SouzaMédica e moradora de Paquetá

A tragédia começou a ser deline-ada aos poucos. Em Mossoró, se-gunda maior cidade do RioGrande do Norte, Digna Medei-ros, uma jovem de 29 anos quevive da mesada de dois salários-mínimos dada pelo pai, come-çou a ser pressionada pelo Con-selho Tutelar porque não man-dava seu filho Alex, um garotofranzino, que não aparentavaseus 8 anos, à escola. Ameaçadade perder a guarda, mandou omenino para o Rio para que elemorasse com o pai. O encontroda criança tímida com o pai de-sempregado, que já cumprira pe-na por tráfico de drogas, não po-deria ter sido mais desastroso.Horrorizado porque Alex gostavade dança do ventre e de lavar lou-ça, Alex André passou a aplicar oque chamou de “corretivos”. Sur-rava o filho repetidas vezes para“ensiná-lo a andar como ho-mem”. No último dia 17, iniciououtra sessão de espancamento.Duas horas depois, Alex foi leva-do para um posto de saúde. Pare-cia desmaiado, com os olhosgrandes, de cílios longos, entrea-bertos. Mas não havia mais o quefazer. Estava morto.

FÍGADO FOI DILACERADOAs sucessivas pancadas do pai,provocadas porque Alex nãoqueria cortar o cabelo, dilacera-ram o fígado do garotinho. Umahemorragia interna se seguiu, le-vando o menino, que tambémgostava de forró e de brincar decarrinho, a óbito. Apesar de amadrasta, Gisele Soares, que so-correu o enteado, afirmar que eletinha desmaiado de repente, osmédicos da UPA de Vila Kennedydesconfiaram logo de violênciadoméstica. O corpo de Alex, co-

berto de hematomas, era ummapa dos horrores que ele vinhapassando. O laudo do InstitutoMédico Legal descreve em mui-tas linhas todo o sofrimento: acriança tinha escoriações nos jo-elhos, cotovelos, perto do ouvidoesquerdo, no tórax, na região cer-vical; apresentava também equi-moses na face, no tórax, no su-percílio direito, no deltoide, pu-nho esquerdo, braço e antebra-ços direitos, além de edemas nopunho direito e na coxa direita. Alegista Áurea Maria Tavares Tor-res também atestou que o corpomagricelo apresentava sinais dedesnutrição.

O posto de saúde chamou oConselho Tutelar de Bangu, pro-vidência que nenhum vizinho domenino havia tomado. Alex mo-rava com o pai, a madrasta e ou-

tras cinco crianças num casebrena Vila Kennedy, uma área semUPP, onde três facções rivais tra-vam uma guerra. Não se sabe se alei de silêncio, que costuma im-perar onde traficantes atuam,contaminou quem vivia nas ca-sas próximas, ou se ninguém re-almente sabia do que se passavano imóvel de três cômodos.

— Eu nunca escutei nada. Eumal via o menino. Pensei atéque ele já tivesse voltado parao Nordeste. Só os outros filhossaíam de casa. Acho que ele vi-via em cárcere privado— diz avizinha Wandina Ribeiro.

No depoimento que o pai,apelidado pelos vizinhos de“monstro de Bangu”, deu à polí-cia, há uma pista de que o meni-ninho podia, de fato, sofrer osmaus-tratos calado: “Enquanto

batia, mais irritava o fato de elenão chorar, o que fazia o depo-ente crer que a lição que aplica-va não estava sendo suficiente eque, por isso, batia mais e mais”.

Um dos conselheiros tutela-res de Bangu, Rodrigo Coelho,diz que vai pedir à polícia queinvestigue se Alex vivia em cár-cere privado. Se os vizinhos di-zem não saber de nada, no colé-gio tampouco desconfiavam doque Alex passava em casa. Ma-triculado em maio de 2013 naEscola Municipal Coronel JoséGomes Moreira, também na Vi-la Kennedy, o garoto era consi-derado calmo, obediente e inte-ligente. Teve ótimo desempe-nho no ano passado: nota 88 nosegundo bimestre, primeiroque cursou no local, nota 100no terceiro, e 90 no último. Este

ano, não apareceu, mas os fun-cionários não se preocuparam:em janeiro, Alex André fora àunidade pedir a documentaçãoescolar, dizendo que o filho vol-taria para Mossoró.

O menino afetuoso, que se da-va bem com os colegas, é descri-to de forma bem diversa pelo pai.No depoimento à polícia, AlexAndré, que teve a prisão tempo-rária decretada no último dia 19pela juíza Nathalia Magluta e foilevado para o Complexo de Geri-cinó, disse que o filho “era de pei-tar”, “partia para dentro de você”.Segundo policiais que investi-gam o caso, a frieza de Alex An-dré impressionou quem assistiuao depoimento. Ele negou ter ti-do a intenção de matar, mas in-sistia que o filho tinha que ser“homem”. l

Menino de 8 anos teve fígado dilacerado pelo pai, que não admitia que criança gostasse de lavar louça

MARIA ELISA ALVES

[email protected]

REPRODUÇÃO

Afetuoso. Alex beija a barriga da mãe, Digna, ameaçada por Conselho Tutelar por não matricular menino na escola

A história de Alex, morto para ‘ser homem’REPRODUÇÃO

Assassino. Alex André, que já cumpriu pena por tráfico, está preso

Retorno. Luiza e Afonso Fernandes voltaram à ilha depois de seis anos fora

Projetos de revitalização vêmganhando espaço na região

Abastecimento de águamelhora, mas obras desaneamento ainda não

foram concluídasApesar dos problemas, as me-lhorias falam mais alto e têmatraído de volta antigos mora-dores. Como Afonso Fernan-des, aposentado da Petrobras,e sua mulher, a professoraLuiza Fernandes. Eles retor-naram a Paquetá depois de fi-car fora por seis anos.

— Fomos embora em 2008,depois de dez anos morandoaqui. A ilha estava abandona-da. O mercado era ruim, e oshorários das barcas, pioresainda. Fugimos para Petrópo-lis — conta Afonso.

Luiza argumenta que, alémda melhoria do comércio e dotransporte, a presença de pes-soas interessadas em desen-volver novos projetos na ilhacontribuiu para a decisão:

— Há um grupo interessa-do na revitalização de Paque-tá, com projetos culturais, deesporte e lazer, que não haviaantes.

No último dia 25, por exem-plo, a Orquestra Jovem Pa-quetá iniciou uma turnê pelaAlemanha. E o evento Domin-go no Darke promove, a cadatrês meses, atividades de cul-tura e lazer no parque muni-cipal Darke de Mattos. SílvioOliveira, presidente da Asso-ciação de Moradores de Pa-queta, comemora os avanços,mas ressalta que ainda hámuitos problemas.

— Tem vindo um grupo inte-ressante de pessoas para cá,que trabalha na área de cultu-ra, promove ações comunitári-as — explica Oliveira. — Masos problemas são muitos. Pa-quetá esteve muito tempoabandonada pelos órgãos pú-blicos. E tudo é muito lento. Oprefeito visitou a ilha no anopassado e fizemos uma sériede pedidos, que estão encami-nhados, mas ainda precisam

vencer a burocracia, como areforma do Solar Del Rey, umcasarão tombado que quere-mos transformar em um cen-tro cultural.

RETORNO DOS TURISTASSegundo a administradora re-gional, Janaína Marques Cam-pos Wisnesky, haverá melhori-as este ano, incluindo a refor-ma da cocheira e a regulamen-tação do transporte de charre-tes, alvo de denúncias demaus-tratos aos animais.

— Em 2013 solicitamos àprefeitura uma lista de melho-rias. Mas os projetos só pude-ram ser incluídos no orçamen-to deste ano. O do Solar, porexemplo, está em fase final deadequação — explica.

Há promessas também naoferta de serviços públicos. Aágua, que antes chegava só umavez por semana, agora é abun-dante. Já o saneamento continuaum problema. Não é raro ver des-pejo de esgoto no mar ou nas ru-as da ilha. A Cedae, porém, dizque as obras de saneamento, quecomeçaram em dezembro de2013, devem ser concluídas noinício do segundo semestre.

Os turistas percebem as mu-danças. Depois de três anossem visitar Paquetá, Zilda Le-mos, moradora da Barra da Ti-juca, levou a filha Marcela lá:

— As areias das praias e asruas estão mais limpas. Se aBaía de Guanabara não fossepoluída, seria um paraíso! l

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Homofobia já tinha feitoassassino rejeitar outra criança

Mãe de menino diz quenão sabia de nada e sófalou com o filho duasvezes em nove meses

Ninguém sabe dizer — comose isso tivesse alguma relevân-cia — se Alex era realmenteafeminado. Mas não faltam re-latos de como o pai do meninoera homofóbico. Sobrinha doassassino, Ingrid Moraes dizque Alex André era “cismadocom essa coisa de homossexu-al” e rejeitava o filho mais ve-lho, de 12 anos, por achá-lopouco másculo. O menino,que morava numa rua próximacom a mãe, conta que a relaçãocom o pai, que ele mal via, eracheia de segredos.

— Eu cuido da casa, mas elenem sabia. Não acho nada de-mais, mas ele não aceitava muitacoisa — diz o garoto, que esca-pou por pouco de ser surrado. —Uma vez, ele tentou, mas meutio me defendeu.

Se poupou o filho mais ve-lho, o mesmo não pode se di-zer de outros parentes. Ingridconta que já apanhou de AlexAndré, que também atacou aprópria mãe

Se, em família, Alex Andréresolvia muita coisa no braço,na rua ele fazia valer sua con-denação por tráfico de drogas(cumpriu pena por quase qua-tro anos) para amedrontar a vi-zinhança. Sem emprego fixo evivendo de bicos, costumava

consumir drogas no meio darua e, se alguém reclamasse,dizia para não se meteremcom ele.

Gisele, a mulher de Alex An-dré, não tem sido mais vista naVila Kennedy. Ela abandonouo lar no dia seguinte à mortedo enteado, quando vizinhosameaçaram linchá-la e atearfogo ao imóvel. À polícia, elaconfirmou as palavras do ma-rido e disse ser contrária aoscastigos físicos.

Digna Medeiros, a mãe deAlex, garante que Alex Andrénunca foi violento com ela:

— Se soubesse, não teria dei-xado o Alex vir para o Rio. Eleera minha vida, nunca penseique isso pudesse acontecer,meu Deus. Preferia que tivessesido comigo.

Perguntada se o filho nuncahavia se queixado do pai, Dignacontou que só falara duas vezescom ele nos últimos nove meses.

— Eu liguei no dia que ele foipara o Rio com a aeromoça e fa-lei também quatro dias depois.Ele disse que estava tudo bem.Depois, não consegui mais falarcom o celular do pai dele. Entreiem contato com o irmão do AlexAndré pelo Facebook e ele disseque estava tudo bem. Confiei, afi-nal ele era tio do meu filho — diz.

Digna resolveu acompanharde perto o desenrolar do caso.Deixou o bebê de 8 meses comamigos em Mossoró. O filho de3 anos mora com os avós pa-ternos. O mais velho, de 15,que ela não vê desde neném,ela quer encontrar no Rio.

— Tive ele muito nova, com 14anos, não tinha a cabeça que te-nho hoje. Deixei ele com o pai, láem Honório Gurgel — diz Digna.

Digna e o conselheiro tutelarforam os únicos que participa-ram do enterro de Alex. Mas acena do menino no caixãobranco, de blusinha listrada,ainda marcado pela violência,foi tão forte que levou pessoasde quatro velórios que eram re-alizados ao lado a sair de suascapelas para abraçar a mãe. l

“Eu mal via omenino. Só osoutros filhos saíamde casa. Acho que ele vivia em cárcere privado”Wandina RibeiroVizinha