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8 l O GLOBO l Rio l Quarta-feira 5 .3 .2014 Quarta-feira 5 .3 .2014 l Rio l O GLOBO l 9

A 45 minutos de barca do Centro,a Ilha de Paquetá tem sido refú-gio de cariocas que querem se li-vrar do tumulto da cidade, masnão querem ficar longe. A ilha de4.500 habitantes, segundo o últi-mo censo, concorre hoje com Pe-trópolis e Teresópolis como op-ção para fugir dos congestiona-mentos, da violência e dos altospreços dos imóveis no Rio. Tantoque a empresa que faz mudançaspara Paquetá está com a agendacheia no sentido da ilha: de cadadez clientes, nove estão indo paralá, e apenas um está saindo. Amelhoria do transporte, commais horários de barcas e o retor-no do catamarã, que reduziu otempo de viagem de 70 para 45minutos, foi fundamental, apesardas críticas quanto à pontualida-de. Mas na ilha há problemascrônicos, como ocupação irregu-lar de morros e sistema de sanea-mento precário.

Na única imobiliária local,não há mais imóveis para alu-gar. Para se ter uma ideia, o alu-guel de um apartamento quarto

e sala em Paquetá custa em mé-dia R$ 700, contra R$ 1.200 naZona Norte do Rio. E uma casacom terreno de 300 metros qua-drados, dois quartos, salão dejogos e garagem para barco, es-tá à venda por R$ 800 mil, o va-lor de um apartamento com ametade desse tamanho na ZonaNorte, por exemplo. Além daimobiliária, corretores inde-pendentes vêm tendo dificulda-de para fazer novos negócios.

— Tenho 16 pessoas esperan-do para alugar casa na ilha. Au-mentou a procura, hoje bemmaior que a oferta — diz LúciaGuimarães, que há 20 anos tra-balha com imóveis em Paquetá.

Foi justamente o valor maisbaixo dos imóveis que atraiu amédica Rose Souza para a ilha.Ela e o marido, José Venâncio,engenheiro aposentado de Fur-nas, mudaram para Paquetá hátrês meses, depois de, sem su-cesso, tentarem comprar umapartamento no continente.

— Nosso dinheiro só dariapara comprar um apartamentominúsculo na Zona Norte. Des-cobri que em Paquetá eu com-praria um bem melhor, de dois

quartos, e com varanda, quesempre foi o meu sonho — con-ta Rose. — Fico emocionada to-da vez que vejo as pessoas sen-tadas na porta de casa, as crian-ças brincando nas ruas tarde danoite, sem qualquer perigo. Eaqui curei minha insônia.

Ela só se queixa dos frequen-tes atrasos das barcas. Há quemreclame da presença de ambu-lantes. Mas a maioria não se in-comoda, pois com eles é possí-vel comprar água ou lanches.

Em nota, a CCR Barcas reco-nheceu que há problemas, masressaltou que vem trabalhandopara solucioná-los. E informouque as embarcações tradicio-nais não têm infraestrutura pa-ra comportar lanchonetes. l

Ilha é, cada vez mais, opção paraquem quer fugir dos imóveiscaros e engarrafamentos do Rio

TAÍS MENDES

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FOTOS DE PABLO JACOB

Valorização. Mais horários de barcas se somaram à paisagem bucólica e à tranquilidade como atrativos da Ilha de Paquetá. Já há filas para alugar casas

Paquetá, umrefúgio a 45 minutos do Centro

“Fico emocionadatoda vez que vejocrianças brincandonas ruas tarde danoite, sem perigo. Ecurei minha insônia”Rose SouzaMédica e moradora de Paquetá

A tragédia começou a ser deline-ada aos poucos. Em Mossoró, se-gunda maior cidade do RioGrande do Norte, Digna Medei-ros, uma jovem de 29 anos quevive da mesada de dois salários-mínimos dada pelo pai, come-çou a ser pressionada pelo Con-selho Tutelar porque não man-dava seu filho Alex, um garotofranzino, que não aparentavaseus 8 anos, à escola. Ameaçadade perder a guarda, mandou omenino para o Rio para que elemorasse com o pai. O encontroda criança tímida com o pai de-sempregado, que já cumprira pe-na por tráfico de drogas, não po-deria ter sido mais desastroso.Horrorizado porque Alex gostavade dança do ventre e de lavar lou-ça, Alex André passou a aplicar oque chamou de “corretivos”. Sur-rava o filho repetidas vezes para“ensiná-lo a andar como ho-mem”. No último dia 17, iniciououtra sessão de espancamento.Duas horas depois, Alex foi leva-do para um posto de saúde. Pare-cia desmaiado, com os olhosgrandes, de cílios longos, entrea-bertos. Mas não havia mais o quefazer. Estava morto.

FÍGADO FOI DILACERADOAs sucessivas pancadas do pai,provocadas porque Alex nãoqueria cortar o cabelo, dilacera-ram o fígado do garotinho. Umahemorragia interna se seguiu, le-vando o menino, que tambémgostava de forró e de brincar decarrinho, a óbito. Apesar de amadrasta, Gisele Soares, que so-correu o enteado, afirmar que eletinha desmaiado de repente, osmédicos da UPA de Vila Kennedydesconfiaram logo de violênciadoméstica. O corpo de Alex, co-

berto de hematomas, era ummapa dos horrores que ele vinhapassando. O laudo do InstitutoMédico Legal descreve em mui-tas linhas todo o sofrimento: acriança tinha escoriações nos jo-elhos, cotovelos, perto do ouvidoesquerdo, no tórax, na região cer-vical; apresentava também equi-moses na face, no tórax, no su-percílio direito, no deltoide, pu-nho esquerdo, braço e antebra-ços direitos, além de edemas nopunho direito e na coxa direita. Alegista Áurea Maria Tavares Tor-res também atestou que o corpomagricelo apresentava sinais dedesnutrição.

O posto de saúde chamou oConselho Tutelar de Bangu, pro-vidência que nenhum vizinho domenino havia tomado. Alex mo-rava com o pai, a madrasta e ou-

tras cinco crianças num casebrena Vila Kennedy, uma área semUPP, onde três facções rivais tra-vam uma guerra. Não se sabe se alei de silêncio, que costuma im-perar onde traficantes atuam,contaminou quem vivia nas ca-sas próximas, ou se ninguém re-almente sabia do que se passavano imóvel de três cômodos.

— Eu nunca escutei nada. Eumal via o menino. Pensei atéque ele já tivesse voltado parao Nordeste. Só os outros filhossaíam de casa. Acho que ele vi-via em cárcere privado— diz avizinha Wandina Ribeiro.

No depoimento que o pai,apelidado pelos vizinhos de“monstro de Bangu”, deu à polí-cia, há uma pista de que o meni-ninho podia, de fato, sofrer osmaus-tratos calado: “Enquanto

batia, mais irritava o fato de elenão chorar, o que fazia o depo-ente crer que a lição que aplica-va não estava sendo suficiente eque, por isso, batia mais e mais”.

Um dos conselheiros tutela-res de Bangu, Rodrigo Coelho,diz que vai pedir à polícia queinvestigue se Alex vivia em cár-cere privado. Se os vizinhos di-zem não saber de nada, no colé-gio tampouco desconfiavam doque Alex passava em casa. Ma-triculado em maio de 2013 naEscola Municipal Coronel JoséGomes Moreira, também na Vi-la Kennedy, o garoto era consi-derado calmo, obediente e inte-ligente. Teve ótimo desempe-nho no ano passado: nota 88 nosegundo bimestre, primeiroque cursou no local, nota 100no terceiro, e 90 no último. Este

ano, não apareceu, mas os fun-cionários não se preocuparam:em janeiro, Alex André fora àunidade pedir a documentaçãoescolar, dizendo que o filho vol-taria para Mossoró.

O menino afetuoso, que se da-va bem com os colegas, é descri-to de forma bem diversa pelo pai.No depoimento à polícia, AlexAndré, que teve a prisão tempo-rária decretada no último dia 19pela juíza Nathalia Magluta e foilevado para o Complexo de Geri-cinó, disse que o filho “era de pei-tar”, “partia para dentro de você”.Segundo policiais que investi-gam o caso, a frieza de Alex An-dré impressionou quem assistiuao depoimento. Ele negou ter ti-do a intenção de matar, mas in-sistia que o filho tinha que ser“homem”. l

Menino de 8 anos teve fígado dilacerado pelo pai, que não admitia que criança gostasse de lavar louça

MARIA ELISA ALVES

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REPRODUÇÃO

Afetuoso. Alex beija a barriga da mãe, Digna, ameaçada por Conselho Tutelar por não matricular menino na escola

A história de Alex, morto para ‘ser homem’REPRODUÇÃO

Assassino. Alex André, que já cumpriu pena por tráfico, está preso

Retorno. Luiza e Afonso Fernandes voltaram à ilha depois de seis anos fora

Projetos de revitalização vêmganhando espaço na região

Abastecimento de águamelhora, mas obras desaneamento ainda não

foram concluídasApesar dos problemas, as me-lhorias falam mais alto e têmatraído de volta antigos mora-dores. Como Afonso Fernan-des, aposentado da Petrobras,e sua mulher, a professoraLuiza Fernandes. Eles retor-naram a Paquetá depois de fi-car fora por seis anos.

— Fomos embora em 2008,depois de dez anos morandoaqui. A ilha estava abandona-da. O mercado era ruim, e oshorários das barcas, pioresainda. Fugimos para Petrópo-lis — conta Afonso.

Luiza argumenta que, alémda melhoria do comércio e dotransporte, a presença de pes-soas interessadas em desen-volver novos projetos na ilhacontribuiu para a decisão:

— Há um grupo interessa-do na revitalização de Paque-tá, com projetos culturais, deesporte e lazer, que não haviaantes.

No último dia 25, por exem-plo, a Orquestra Jovem Pa-quetá iniciou uma turnê pelaAlemanha. E o evento Domin-go no Darke promove, a cadatrês meses, atividades de cul-tura e lazer no parque muni-cipal Darke de Mattos. SílvioOliveira, presidente da Asso-ciação de Moradores de Pa-queta, comemora os avanços,mas ressalta que ainda hámuitos problemas.

— Tem vindo um grupo inte-ressante de pessoas para cá,que trabalha na área de cultu-ra, promove ações comunitári-as — explica Oliveira. — Masos problemas são muitos. Pa-quetá esteve muito tempoabandonada pelos órgãos pú-blicos. E tudo é muito lento. Oprefeito visitou a ilha no anopassado e fizemos uma sériede pedidos, que estão encami-nhados, mas ainda precisam

vencer a burocracia, como areforma do Solar Del Rey, umcasarão tombado que quere-mos transformar em um cen-tro cultural.

RETORNO DOS TURISTASSegundo a administradora re-gional, Janaína Marques Cam-pos Wisnesky, haverá melhori-as este ano, incluindo a refor-ma da cocheira e a regulamen-tação do transporte de charre-tes, alvo de denúncias demaus-tratos aos animais.

— Em 2013 solicitamos àprefeitura uma lista de melho-rias. Mas os projetos só pude-ram ser incluídos no orçamen-to deste ano. O do Solar, porexemplo, está em fase final deadequação — explica.

Há promessas também naoferta de serviços públicos. Aágua, que antes chegava só umavez por semana, agora é abun-dante. Já o saneamento continuaum problema. Não é raro ver des-pejo de esgoto no mar ou nas ru-as da ilha. A Cedae, porém, dizque as obras de saneamento, quecomeçaram em dezembro de2013, devem ser concluídas noinício do segundo semestre.

Os turistas percebem as mu-danças. Depois de três anossem visitar Paquetá, Zilda Le-mos, moradora da Barra da Ti-juca, levou a filha Marcela lá:

— As areias das praias e asruas estão mais limpas. Se aBaía de Guanabara não fossepoluída, seria um paraíso! l

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Homofobia já tinha feitoassassino rejeitar outra criança

Mãe de menino diz quenão sabia de nada e sófalou com o filho duasvezes em nove meses

Ninguém sabe dizer — comose isso tivesse alguma relevân-cia — se Alex era realmenteafeminado. Mas não faltam re-latos de como o pai do meninoera homofóbico. Sobrinha doassassino, Ingrid Moraes dizque Alex André era “cismadocom essa coisa de homossexu-al” e rejeitava o filho mais ve-lho, de 12 anos, por achá-lopouco másculo. O menino,que morava numa rua próximacom a mãe, conta que a relaçãocom o pai, que ele mal via, eracheia de segredos.

— Eu cuido da casa, mas elenem sabia. Não acho nada de-mais, mas ele não aceitava muitacoisa — diz o garoto, que esca-pou por pouco de ser surrado. —Uma vez, ele tentou, mas meutio me defendeu.

Se poupou o filho mais ve-lho, o mesmo não pode se di-zer de outros parentes. Ingridconta que já apanhou de AlexAndré, que também atacou aprópria mãe

Se, em família, Alex Andréresolvia muita coisa no braço,na rua ele fazia valer sua con-denação por tráfico de drogas(cumpriu pena por quase qua-tro anos) para amedrontar a vi-zinhança. Sem emprego fixo evivendo de bicos, costumava

consumir drogas no meio darua e, se alguém reclamasse,dizia para não se meteremcom ele.

Gisele, a mulher de Alex An-dré, não tem sido mais vista naVila Kennedy. Ela abandonouo lar no dia seguinte à mortedo enteado, quando vizinhosameaçaram linchá-la e atearfogo ao imóvel. À polícia, elaconfirmou as palavras do ma-rido e disse ser contrária aoscastigos físicos.

Digna Medeiros, a mãe deAlex, garante que Alex Andrénunca foi violento com ela:

— Se soubesse, não teria dei-xado o Alex vir para o Rio. Eleera minha vida, nunca penseique isso pudesse acontecer,meu Deus. Preferia que tivessesido comigo.

Perguntada se o filho nuncahavia se queixado do pai, Dignacontou que só falara duas vezescom ele nos últimos nove meses.

— Eu liguei no dia que ele foipara o Rio com a aeromoça e fa-lei também quatro dias depois.Ele disse que estava tudo bem.Depois, não consegui mais falarcom o celular do pai dele. Entreiem contato com o irmão do AlexAndré pelo Facebook e ele disseque estava tudo bem. Confiei, afi-nal ele era tio do meu filho — diz.

Digna resolveu acompanharde perto o desenrolar do caso.Deixou o bebê de 8 meses comamigos em Mossoró. O filho de3 anos mora com os avós pa-ternos. O mais velho, de 15,que ela não vê desde neném,ela quer encontrar no Rio.

— Tive ele muito nova, com 14anos, não tinha a cabeça que te-nho hoje. Deixei ele com o pai, láem Honório Gurgel — diz Digna.

Digna e o conselheiro tutelarforam os únicos que participa-ram do enterro de Alex. Mas acena do menino no caixãobranco, de blusinha listrada,ainda marcado pela violência,foi tão forte que levou pessoasde quatro velórios que eram re-alizados ao lado a sair de suascapelas para abraçar a mãe. l

“Eu mal via omenino. Só osoutros filhos saíamde casa. Acho que ele vivia em cárcere privado”Wandina RibeiroVizinha

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