ricardo nascimento abreu (1)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS E LINGSTICA
RICARDO NASCIMENTO ABREU
A ESCOLARIZAO LINGSTICA COMO PROJETO DE CIVILIZAO: O ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA NA PROVNCIA DE SERGIPE, NA PRIMEIRA METADE DO SCULO XIX, ATRAVS DO MTODO LANCASTERIANO.
Salvador-Bahia
2011
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RICARDO NASCIMENTO ABREU
A escolarizao lingstica como projeto de civilizao: o ensino de Lngua Portuguesa na Provncia de Sergipe, na primeira metade do sculo XIX, atravs do mtodo lancasteriano.
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Letras e Lingstica da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para a obteno do grau de Doutor em Lingstica.
Orientadora: Prof Dra. Emlia Helena Portella Monteiro de Souza
Grupo de pesquisa - Prohpor
Programa para a Histria da Lngua Portuguesa
Salvador-Bahia
2011
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RICARDO NASCIMENTO ABREU
A escolarizao lingstica como projeto de civilizao: o ensino de Lngua Portuguesa na Provncia de Sergipe, na primeira metade do sculo XIX, atravs do mtodo lancasteriano.
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Letras e Lingstica da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para a obteno do grau de Doutor em Lingstica.
Aprovada em ______/______/2011
BANCA EXAMINADORA
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Prof Dr Emlia Helena Portella Monteiro de Souza UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
__________________________________________
Prof Dr. Rosa Vrgnia Mattos e Silva UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
__________________________________________
Prof. Dr. Klebson Oliveira UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
__________________________________________
Prof. Dr. Jos Carlos Arajo Silva UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
__________________________________________
Prof Dr Sara Martha Dick UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
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Sistema de Bibliotecas - UFBA
Abreu, Ricardo Nascimento. A escolarizao lingstica como projeto de civilizao: o ensino de lngua portuguesa na provncia de Sergipe, na primeira metade do sculo XIX, atravs do mtodo lancasteriano / Ricardo Nascimento Abreu. - 2011. 250 f. : il.
Orientadora: Prof Dr Emilia Helena Portella Monteiro de Souza. Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2011.
1. Lingustica histrica - Sergipe - Sc. XIX. 2. Lngua portuguesa - Gramtica histrica - Sergipe - Sc. XIX. 3. Lngua portuguesa - Estudo e ensino. 4. Lngua portuguesa - Aspectos sociais. I. Souza, Emilia Helena Portella Monteiro de. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. III. Ttulo.
CDD - 469.798141 CDU - 81-112(813.7)
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A
Maria Jos Nascimento Abreu, minha saudosa me.
Emlia Helena Portella Monteiro de Souza, minha orientadora sempre presente.
A
Ingrid Kelly de Oliveira Correia, Valdemar Alves de Abreu, Thas Nascimento Abreu, Nvia Maria Nascimento Abreu, Priscila Maynard Araujo, Maria Cristina Santana dos Santos, Braulino Pereira de Santana, Jorge Carvalho do Nascimento.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo do fundo do meu corao a Deus por mais esta conquista. Por ter me dado a resilincia necessria para suportar todas as adversidades do caminho e por ter sido sempre o meu companheiro nas vrias viagens pelas estradas que unem Aracaju e Salvador.
Quando queremos expressar o quo rduo foi o cumprimento de uma determinada
tarefa, falamos, metaforicamente, que nos custou sangue, suor e lgrimas. Digo-lhes, queridos
leitores, que no derramei uma gota de sangue sequer, talvez tenha exalado algumas gotas de
suor, mas certamente encheriam oceanos as lgrimas que chorei sobre estas pginas que
seguem.
A perda repentina da minha me, durante o segundo ano do curso, foi certamente o
mais duro dos golpes que j recebi em toda minha vida. Por mais de seis meses no consegui
escrever uma nica pgina sequer. O meu melhor motivo para viver j no existia mais.
Quando a imensa dor me tragava para um mundo de medo, depresso e tristeza;
quando senti que estava em queda livre e que, possivelmente, este projeto no iria ser
materializado, percebi que vrias foram as mos que me ampararam e me reergueram. Pessoas
queridas que no permitiram que a solido da pesquisa fosse potencializada com a solido da
perda.
Dessa forma, agradeo e dedico este trabalho minha querida orientadora, Prof. Dr.
Emlia Helena Portella Monteiro de Souza, que em momento algum desistiu de mim, mesmo
quando da ocasio do meu desaparecimento por mais de seis meses. A presena da Prof
Emlia Helena no percurso desta pesquisa no se traduz apenas pelas valiosas orientaes que
se materializaram na concretizao do trabalho, mas, principalmente, no seu esprito
extremamente humano e acolhedor que foram fundamentais para que eu encontrasse fora e
inspirao para prosseguir ao invs de desistir.
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Agradeo minha amada noiva, Ingrid Kelly de Oliveira Correia, pois, no decorrer da
escrita desta tese, foi a minha sustentao sentimental, espiritual e afetiva, retirando-me do
turbilho, da inquietao e do estado de tristeza no qual me encontrava e proporcionando um
ambiente de paz e harmonia para que eu pudesse retornar aos trabalhos de pesquisa. Agradeo
pela pacincia com minhas crises de desespero, pelo colo nos momentos de choro, pelo amor
e pelo afeto a mim dispensados, mesmo quando em retorno muitas vezes recebia a minha
ausncia por conta dos trabalhos de pesquisa e escrita da tese. Eu te amo muito Inguinha e
serei eternamente grato por tudo o que fez.
Agradeo ao meu pai, Valdemar Alves de Abreu e s minhas irms Thais Nascimento
Abreu e Nivia Maria Nascimento Abreu, por trabalharem no sentido de reforar os laos
familiares existentes entre todos ns depois da perda do nosso maior tesouro.
Agradeo minha amiga-irm, Maria Cristina Santana dos Santos, um grande presente
que me foi dado por Deus, exemplo de lealdade, amparo, afeto e tudo mais que h de bom
neste mundo. Espero que Deus te abenoe e que te proteja sempre, pois voc exemplo raro
de pessoa integralmente do bem. Quem te conhece no te larga nunca mais.
Agradeo infinitamente ao meu amigo-irmo Braulino Pereira de Santana, uma das
mentes mais brilhantes da lingstica brasileira, exemplo de carter e solidariedade. Obrigado
pelas conversas, pelo bom humor, pelo alto astral, pelas contribuies intelectuais, pelas
numerosas vezes que, acolhedoramente, me hospedou em Salvador, mas, principalmente,
obrigado por me ajudar a encontrar foras para retomar os estudos e dar prosseguimento na
consecuo desta tese.
Minha sincera gratido minha querida amiga-irm Priscila Maynard Araujo, cuja
capacidade de engajamento pleno nos projetos que define para si fez com que se tornasse um
grande exemplo para mim.
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Agradeo Prof Dr Rosa Virgnia Mattos e Silva e ao Prof. Dr. Jos Carlos Arajo
Silva pelas valiosas observaes realizadas no exame de qualificao deste trabalho e pela
companhia que fizeram a mim com as suas obras, no decorrer da pesquisa.
Agradeo ao meu grande amigo Lus Siqueira, pelas conversas e principalmente pelas
dicas acerca das fontes documentais sobre o mtodo lancasteriano nos arquivos sergipanos.
Agradeo ao Programa de Ps Graduao em Letras e Lingstica da UFBa, pois,
desde a lisura do processo seletivo ao qual me submeti, em 2007, percebi que se tratava no
apenas de uma instituio renomada e conceituada, mas tambm de uma instituio sria em
todos os seus procedimentos.
Agradeo tambm ao Arquivo Histrico Nacional - AHN, ao Arquivo Histrico do
Exrcito - AHEx, ao Arquivo Pblico de Sergipe - APES, ao Instituto Histrico e Geogrfico
de Sergipe - IHGS e Biblioteca Nacional BN, por abrirem suas portas e disponibilizarem
seus preciosos arquivos para a materializao desta pesquisa.
Sou grato Universidade Tiradentes pelo apoio que me foi dado, flexibilizando
minhas jornadas de trabalho e concedendo-me auxlios para aquisio de materiais para a
pesquisa.
Quero expressar tambm minha gratido aos meus alunos da graduao que torceram
por mim durante todo o perodo do curso.
Deixo aqui registrado meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que, de uma
forma ou de outra, contriburam para a efetiva materializao desta pesquisa e que torceram
pelo meu sucesso.
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RESUMO
A adoo do mtodo lancasteriano no Brasil, na primeira metade do sculo XIX, com o objetivo de difundir a trilogia ler, escrever e contar , apresenta-se como uma das primeiras polticas lingsticas do Estado imperial brasileiro, com o fito de consolidar a lngua portuguesa como lngua oficial e nacional. O mtodo, que prometia educar um grande nmero de brasileiros, em um curto espao de tempo e a custos extremamente baixos, foi operacionalizado na provncia de Sergipe por militares e civis. Desse modo, o ensino da lngua portuguesa em terras sergipanas, atravs da metodologia de Lancaster, constitui-se como ponto de grande interesse para a histria do portugus brasileiro, uma vez que, ao compreendermos as motivaes que conduziram adoo desse mtodo e caracterizao das idias lingsticas contidas nas suas aulas de gramtica, poderemos contribuir para elucidar os rumos prticos que o ensino da lngua materna e a construo das gramticas
tomaram no Brasil durante o sculo XIX. Concomitante ao estudo a respeito do ensino do portugus atravs do mtodo lancasteriano, esta tese visa discutir as possibilidades de usos da histria cultural como base conceitual no desenvolvimento de uma metodologia para o estudo das idias lingsticas, objetivando, assim, trazer tona aspectos ainda desconhecidos ou pouco discutidos no que tange histria social do portugus brasileiro.
Palavras-chave: Escolarizao. Mtodo lancasteriano. Gramtica filosfica. Sculo XIX. Sergipe.
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ABSTRACT
The adoption of the Lancaster system in the first half of the nineteenth century in Brazil, with the objective of developing reading, writing and counting skills, is one of the first linguistic policies of the Imperial State of Brazil, which aimed to establish Portuguese as the official and national language. This system, which promised to educate a large number of Brazilians in a short space of time and at extremely low cost, was put into action in the province of Sergipe by both the military and civilian. In this way, the teaching of Portuguese in the lands
of Sergipe, through the Lancastrian system, constituted a matter of great importance in the history of the Brazilian Portuguese language as , through understanding the reasons for the adoption of the system, and through understanding the linguistic ideas of its grammar classes, we can both better clarify the ways in which the mother tongue was being taught and also
understand the direction of grammatical elaborations of Brazilian Portuguese during nineteenth century Brazil. Concurrent to this study about the Lancastrian system and the teaching of the Portuguese Language, this research discusses the possibilities of using cultural history as a conceptual base for developing a methodology to study linguistic ideas, with the aim of putting into discussion unknown aspects or rarely discussed aspects of Brazilian Portuguese social history.
Key-words: Process of Education. System of Lancaster. Philosophical grammars. Nineteenth century. Sergipe.
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1: Decreto do Imprio oficializando a oferta do Ensino Mtuo no Brasil.
Figura 2: Relao de militares matriculados na Escola do Ensino Mtuo no Rio de Janeiro.
Figura 3: Sinopse documental dos fatos relevantes acerca da implantao e funcionamento da Escola do Ensino Mtuo, no Rio de Janeiro.
Figura 4: Sinopse documental dos fatos relevantes acerca da implantao e funcionamento da Escola do Ensino Mtuo, no Rio de Janeiro (continuao).
Figura 5: Relao de militares e paisanos matriculados na Escola do Ensino Mtuo no Rio de Janeiro. Ano de 1828.
Figura 6: Lei de 15 de outubro de 1827.
Figura 7: Folha de rosto da Arte da Gramtica da Lngua Portuguesa, de autoria de Antnio Jos dos Reis Lobato. 1770.
Figura 8: Fragmento da obra Grammatica Philosphica da Lingua Portugueza: ou dos princpios da grammatica geral applicados nossa linguagem, de autoria de Jernimo Soares Barbosa.
Figura 9: Folha de rosto da Grammatica Philosphica da Lingua Portugueza: ou dos princpios da grammatica geral applicados nossa linguagem, de Jernimo Soares Barbosa
Figura 10. Pgina de abertura da Grammatica Philosphica da Lingua Portugueza: ou dos princpios da grammatica geral applicados nossa linguagem, de Jernimo Soares Barbosa
Figura 11. Apostila de gramtica produzida para a aula lancasteriana N 1 Primeira classe.
Figura 12. Apostila de gramtica produzida para a aula lancasteriana N 2 Primeira classe.
Figura 13: Fragmento da obra Grammatica Philosphica da Lingua Portugueza: ou dos princpios da grammatica geral applicados nossa linguagem, de autoria de Jernimo Soares Barbosa. Tbua da declinao dos pessoais primitivos.
Figura 14. Apostila de gramtica produzida para a aula lancasteriana N 3 Primeira classe.
Figura 15: Fragmento da obra Grammatica Philosphica da Lingua Portugueza: ou dos princpios da grammatica geral applicados nossa linguagem, de autoria de Jernimo Soares Barbosa. Adjetivos demonstrativos puros conforme Barbosa (1822). p. 163.
Figura 16. Apostila de gramtica produzida para a aula lancasteriana N 4 Primeira classe.
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Figura 17. Apostila de gramtica produzida para a aula lancasteriana N5 Primeira classe.
Figura 18. Manuscrito de uma apostila de gramtica produzida para a aula lancasteriana N 1 Primeira classe.
Figura 19. Manuscrito de uma apostila de gramtica produzida para a aula lancasteriana (continuao) N 1 Primeira classe.
Figura 20. Manuscrito de uma apostila de gramtica produzida para a aula lancasteriana N 2 Primeira classe.
Figura 21. Manuscrito de uma apostila de gramtica produzida para a aula lancasteriana (continuao) N 2 Primeira classe.
Figura 22. Manuscrito de uma apostila de gramtica produzida para a aula lancasteriana (continuao) N 2 Primeira classe.
Figura 23. Manuscrito de uma apostila de gramtica produzida para a aula lancasteriana (continuao) N 2 Primeira classe.
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SUMRIO
INTRODUO PARTE I
CONSIDERAES TERICO-METODOLGICAS PARA UM ESTUDO DA SCIO-HISTRIA DO PORTUGUS BRASILEIRO. CAPTULO I
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1 HISTRIA, LINGUAGEM E HISTRIA DA LINGUAGEM 1.1 O que histria cultural?
1.2 A importncia do sculo XIX para os estudos lingsticos e suas implicaes no fazer historiogrfico.
CAPTULO II
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2 ESCOLARIZAO E LINGUAGEM: POR UMA HISTRIA DA ESCOLARIZAO EM LNGUA PORTUGUESA NO BRASIL
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2.1 Tecnizao, civilizao, poder disciplinar e ensino da lngua portuguesa.
2.1.1 A gramatizao como processo de tecnizao das lnguas e seus usos como tecnologias do poder.
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2.2 Elementos imateriais do dispositvo de escolarizao: a estigmatizao lingstica sob a tica da sociologia da linguagem.
PARTE II
INCURSO EMPRICA NA SCIO-HISTRIA DO PORTUGUS BRASILEIRO: O ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA NA PROVNCIA DE SERGIPE, NA PRIMEIRA METADE DO SCULO XIX, ATRAVS DO MTODO LANCASTERIANO.
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CAPTULO III 3 O MTODO LANCASTERIANO E A TRILOGIA DO LER, ESCREVER E CONTAR.
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3.1 A implantao do mtodo lancasteriano no Imprio Portugus. 70
3.2 A implantao do mtodo lancasteriano no Brasil. 74
CAPTULO IV
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4 O MTODO LANCASTERIANO NA PROVNCIA DE SERGIPE 85 4.1 As polmicas sobre as primeiras iniciativas do governo imperial de implantao do mtodo lancasteriano na provncia sergipana.
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4.2 O declnio do mtodo lancasteriano na Provncia de Sergipe. 113
CAPTULO V 5 AS GRAMTICAS E OS GRAMTICOS NO BRASIL DO SCULO XIX
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5.1 A constituio da norma padro no Brasil do sculo XIX. 126
5.2 As concepes gramaticais filosficas e cientficas no Brasil do sculo XIX.
5.2.1 Os gramticos e as gramticas gerais e filosficas no Brasil.
5.2.2 Os Gramticos e as gramticas cientficas no Brasil.
5.3 Os gramticos, as gramticas e os mtodos: consideraes oportunas acerca do dispositivo de escolarizao lingstica.
CAPTULO VI
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131
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6 AS AULAS DE GRAMTICA E A APLICAO DO MTODO DE LANCASTER NA PROVNCIA DE SERGIPE
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6.1 O pensamento gramatical filosfico de Jernimo Soares Barbosa e a sua Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza: ou dos princpios da grammatica geral applicados a nossa linguagem.
170
6.2 Introduo gramtica. 176
6.3 Das palavras por si ss.
6.4 Dos adjetivos articulares.
6.5 Dos adjetivos atributivos.
6.6 Da formao do plural dos nomes e adjetivos.
6.7 Manuscritos lancasterianos.
185
199
208
217
222
7 CONSIDERAES FINAIS 238 8 FONTES 244
9 REFERNCIAS 246
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INTRODUO
Esta tese de doutoramento situa-se na interface das Cincias Humanas. Encontra-se
atada aos ns que prendem cada uma das cincias aos seus ancoradouros. Reside na rea
fronteiria entre vizinhos irmos que lotearam o terreno chamado homem e, num processo
positivista, buscaram encontrar respostas objetivas, mensurveis e matemticas para explicar
o seu quinho humano. exatamente nesse perigoso ponto que as inquietaes dessa pesquisa
ganharam vida.
Sua principal categoria de anlise a histria da escolarizao lingstica , pelo
paradigma tradicional, pertenceria a qual cincia? A Educao ou Antropologia? Filosofia
ou Lingstica? Histria ou Sociologia? De fato, pelo paradigma tradicional, essa se
torna uma pergunta de difcil resposta.
A mesma armadilha nos posta pela sua segunda categoria analtica principal: o
conceito de civilizao. Ser esse um conceito que pertence Antropologia ou Sociologia
da Histria? possvel entender o conceito de civilizao aplicado s lnguas como prope
Vitral (2001)?
Diante desses questionamentos, o estudo das aulas de gramtica atravs do mtodo
lancasteriano, na Provncia de Sergipe, objeto de anlise dessa tese de doutoramento, precisou
ser precedido por algumas discusses terico-metodolgicas, com o fito de proporcionar um
estudo que transcenda o mero descritivismo das prticas lingstico-educacionais
desenvolvidas em torno do mtodo lancasteriano durante boa parte do sculo XIX no Imprio
brasileiro.
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Assim, preliminarmente, essa pesquisa ser dividida em duas partes. Na primeira parte
Consideraes terico-metodolgicas para um estudo da scio-histria do portugus
brasileiro buscando, no captulo um, intitulado Histria, linguagem e histria da
linguagem estabelecer uma relao produtiva entre os estudos acerca da histria externa da
lngua portuguesa com a proposta historiogrfica da Nova Histria Cultural.
Esse dilogo entre a Histria Cultural e a Lingstica poder nos proporcionar bons
frutos, posto que aquela, em sua prpria natureza interdisciplinar, possibilitar uma abertura
desta contribuio de outras cincias, submetendo seu objeto ao escopo de campos do saber
que podem contribuir com olhares bastante significativos nos pontos lacunosos para os quais
a cincia da linguagem ainda busca respostas.
Utilizaremos as consideraes de Mattos e Silva (2004) como ponte de ligao entre
os estudos lingsticos e o que Burke (2002) vem denominando de Teoria Social, que busca
estabelecer um elo entre os cientistas sociais, a exemplo dos socilogos, lingistas e
antroplogos com os historiadores, dentre outros, para que as conexes entre essas disciplinas
possam ser alvo de profundas anlises, visando eliminao do que chamou de dilogo de
surdos, ou seja, um ambiente de animosidade no qual os cientistas menosprezam o fazer
intelectual do outro gerando o que Burke denominou de paroquialismo.
Historiadores e tericos sociais tm a oportunidade de se libertar de diferentes tipos de paroquialismo. Os historiadores correm o risco de paroquialismo no sentido quase literal do termo. Ao especializarem-se, como em geral o fazem, em uma regio especfica podem acabar considerando sua parquia completamente nica, e no uma combinao nica de elementos, que individualmente tm paralelos em outros lugares. Os tericos sociais demonstram paroquialismo em sentido mais metafrico, um paroquialismo mais vinculado a tempo do que a lugar, sempre que generalizam sobre a sociedade com base apenas na experincia contempornea ou discutem a mudana social sem levar em considerao os processos de longo prazo. (BURKE, 2002, p. 13).
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Compreendemos, assim, que o percurso terico-metodolgico dessa empreitada da
construo de uma scio-histria do portugus brasileiro, perpassa obrigatoriamente por um
intenso dilogo, principalmente entre a Lingstica, a Histria Cultural e a Sociologia (da
histria e da linguagem). Somente assim cumpriremos o objetivo fundamental de uma histria
do portugus brasileiro, que no olhar de Mattos e Silva
Interpretar o passado lingstico e scio-histrico do Brasil, em que, na segunda metade do sculo XVIII, a lngua de colonizao tornou-se hegemnica e oficial, para dar conta da inter-relao entre scio-histria e histria lingstica na constituio do portugus brasileiro heterogneo, plural e polarizado. (MATTOS E SILVA, 2004, p. 50).
No segundo captulo desta tese, intitulado Escolarizao e linguagem: por uma
histria da escolarizao em lngua portuguesa no Brasil surge, ento, a defesa de uma
hiptese terica que ser utilizada na segunda parte da pesquisa para anlise das aulas de
gramtica lancasterianas na Provncia de Sergipe.
Nossa hiptese que a escolarizao lingstica, ou melhor, as polticas de
escolarizao lingstica funcionam utilizando-se da mesma sistemtica que o dispositivo de
sexualidade proposto por Foucault (2009), e j experimentado no campo da Histria da
Educao por Veiga (2002), no sentido de que canaliza seus vrios instrumentos e vetoriza a
resultante das relaes de fora, age em prol do dispositivo de escolarizao lingstica.
Assim, no segundo captulo, discutiremos o conceito foucaultiano de dispositivo e
proporemos a existncia da categoria de um dispositivo de escolarizao lingstica, para o
qual convergem diversos elementos, a exemplo da escola e sua postura normativista, das
gramticas, dos mtodos de ensino e da estigmatizao lingstica dos falantes das normas
populares do portugus.
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Ainda em Foucault (2009), denominam-se poderes disciplinares essas tecnologias de
controle constitutivas de um determinado dispositivo. Por esse vis, no que tange s
gramticas, alinhamos nosso pensamento com o de Auroux (1992), para quem o processo de
gramatizao das lnguas faz parte de um movimento de transferncia tecnolgica entre
povos. Uma vez que o objetivo final da criao de um dispositivo de escolarizao lingstica
no pode ser mensurado, e nem tampouco percebido na sincronia de sua aplicao e, na
medida em que reprime comportamentos lingsticos, no intuito de estabelecer
comportamentos novos, atravs instrumentos do poder disciplinar tais quais os mtodos, as
gramticas, a escola e a estigmatizao.
Sendo esta coao lingstica fomentada pelo prprio Estado que entendeu que a
concretizao da hegemonia da lngua portuguesa era questo de sobrevivncia do prprio
Estado, lanaremos mo do conceito de civilizao proposto por Elias (1993; 1994), como
forma de compreendermos, em longo prazo, os efeitos dos dispositivos de escolarizao
lingstica na constituio do portugus no Brasil.
A segunda parte desta tese Incurso emprica na scio-histria do Portugus
brasileiro: o ensino de Lngua Portuguesa na Provncia de Sergipe, na segunda metade
sculo XIX, atravs do mtodo lancasteriano ser inteiramente dedicada s questes
empricas e anlise do entorno historiogrfico do mtodo: a implantao do mtodo mtuo
em Sergipe, os locais onde foi desenvolvido, bem como os agentes envolvidos nesta operao
educacional que lida pela histria como a primeira poltica lingstica do Imprio brasileiro.
Alm desses pontos, analisaremos tambm o cenrio da produo gramatical no Brasil
oitocentista e, por fim, efetuaremos um estudo das vinculaes tericas das aulas de gramtica
aplicadas em Sergipe pelo mtodo de Lancaster.
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Por se tratar de um trabalho de pesquisa que se encontra, como j dissemos, nas
fronteiras entre vrias cincias, entendemos ser de suma importncia a construo de um
captulo de apresentao do mtodo lancasteriano analisado por historiadores da Educao,
que produziram uma fortuna crtica acerca deste objeto, a qual nos servir para apresentar,
panoramicamente, as principais nuances do mtodo, nas diversas localidades nas quais foi
implantado. Com o ttulo de O mtodo lancasteriano e a trilogia do ler, escrever e contar ,
objetivamos fazer uma apresentao dos debates mais gerais acerca do mtodo em si, das
etapas que foram cumpridas para a sua implantao no Imprio brasileiro, e tambm das
intenes do Estado brasileiro quando decidiu adot-lo como poltica de instruo pblica,
com o fito de educar e civilizar a populao brasileira.
O captulo quarto O mtodo lancasteriano e as prticas de escolarizao na
Provncia de Sergipe tratar, especificamente, da implantao do mtodo lancasteriano na
provncia sergipana, para isso sero analisadas, dentre outras, fontes primrias inditas ou
pouco exploradas, em que se dialogar com os estudos j existentes acerca desse movimento.
Objetivamos descortinar questes ainda polmicas acerca da entrada do mtodo em Sergipe,
dos atores que o operacionalizaram, desde o nvel macroscpico de planejamento e
implementao dessa poltica de instruo pblica, bem como verificar quem foram os
mestres que atuaram diretamente na aplicao do mtodo junto s comunidades sergipanas e
ainda, a logstica estrutural e de materiais didticos que eram utilizados para a consecuo das
aulas lancasterianas.
A necessidade de compreender as concepes lingsticas contidas nas aulas de
gramtica do mtodo mtuo o objetivo primordial do captulo quinto desta tese As
gramticas e os gramticos no Brasil do sculo XIX. No seu desenvolvimento, discutiremos
acerca das duas correntes lingstico-gramaticais que dominaram o cenrio de produo das
gramticas no sculo XIX, bem como apresentaremos algumas das principais gramticas da
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lngua portuguesa produzidas em Portugal e no Brasil, sob a gide dos movimentos
gramaticais filosficos, na primeira metade do sculo XIX, e do pensamento gramatical
cientfico, na segunda metade dos anos oitocentos.
Essa anlise se torna de suma importncia, posto que atravs do conhecimento das
influncias lingstico-gramaticais que dominaram o cenrio dos estudos acerca do portugus,
que poderemos verificar qual concepo de lngua foi utilizada na formulao das aulas
gramaticais do mtodo mtuo no Brasil.
Por fim, no captulo final desta pesquisa As aulas de gramtica e a aplicao do
mtodo de Lancaster na Provncia de Sergipe , procederemos a uma anlise de sete aulas
lancasterianas de gramtica, empregadas na Provncia de Sergipe, sendo cinco delas
tipografadas e distribudas pelo Imprio, e duas manuscritas em Sergipe, por algum dos
agentes envolvidos na aplicao do mtodo.
Uma vez que as apostilas lancasterianas foram produzidas no perodo conhecido como
filosfico da gramtica, faremos a anlise dessas apostilas atravs de uma comparao com a
Grammatica Philosphica da Lingua Portugueza: ou dos princpios da grammatica geral
applicados nossa linguagem de autoria de Jernimo Soares Barbosa, publicada em 1822, e
que serviu de parmetro para uma srie de outros gramticos da poca. Tambm tomaremos a
Gramtica de Port-Royal ou Gramtica Geral e Razoada, contendo os fundamentos da arte
de falar, explicados de modo claro e natural; as razes daquilo que comum a todas as
lnguas e das principais diferenas ali encontradas etc., de autoria de Arnauld e Lancelot,
numa traduo brasileira de Bruno Fregni Bassetto e Henrique Graciano Murachco. Esta
ltima gramtica, apesar de no ter sido produzida no sculo XIX, mas sim no XVII,
influenciou sobremaneira as concepes filosficas que foram abrigadas pelas gramticas
filosficas portuguesas e brasileiras elaboradas um sculo depois.
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PARTE I
CONSIDERAES TERICO-METODOLGICAS PARA UM ESTUDO DA SCIO-HISTRIA DO PORTUGUS BRASILEIRO.
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Captulo I
HISTRIA, LINGUAGEM E HISTRIA DA LINGUAGEM.
H, sem dvida alguma, um clima de inquietude perpassando as Cincias Humanas.
Aps empreendermos uma longa jornada de anlise do ser humano loteando sua histria, suas
prticas culturais, sua mente, sua vida em sociedade, seu ordenamento jurdico, bem como sua
relao com a linguagem, deparamo-nos com um momento de releitura do paradigma
positivista das cincias.
Esse paradigma, j h alguns anos, vem deparando-se com seus limites. Basta que
percebamos socilogos, antroplogos, psiclogos, historiadores e lingistas reinventando suas
prticas e buscando oxigenar seus campos atravs da criao de novos vieses que assumiram
nomenclaturas interessantes. So socilogos da histria, socilogos da linguagem, psiclogos
sociais, historiadores culturais, sociolingistas, psicolingistas, historiadores polticos, isso
para citar apenas alguns.
A maior das peas que nos foi pregada que, na tentativa de oxigenar as cincias
humanas, respeitando-se as fronteiras ticas entre elas erigidas, em sua maioria durante o
sculo XX, especializamo-nos ainda mais, fragmentamo-las e compartimentamo-las ainda
mais.
Incrivelmente, o discurso da conectividade vem sendo entendido como o local para o
qual devero migrar os pesquisadores das Cincias Humanas sob pena de assistirem ao
gradual desgaste e fragilizao da sua especialidade e, por fim, como afirmam os radicais,
morte da respectiva cincia. Nesse movimento, algumas disciplinas, a exemplo da Sociologia,
compreenderam tal caminho e abriram-se ao dilogo. Outras, como no caso da Lingstica,
ainda assistem com desconfiana e resistncia essa mudana de paradigmas. No era por
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23
menos. Conhecida como a rainha das cincias, a Lingstica do incio do sculo XX empresta
s demais cincias um modelo metodolgico estruturalista que foi responsvel pela
consolidao do status de cientificidade de vrios campos do conhecimento. Vemos, portanto,
que a cincia da linguagem foi a fonte catalisadora desse olhar para dentro das Cincias
Humanas, na tentativa de isolar seus objetos e poder enxerg-los sem a interferncia de
variveis que no pertenam ao prprio objeto.
O socilogo Pierre Bourdieu, logo nas primeiras linhas da sua Economia das trocas
lingsticas: o que falar quer dizer, nos informa acerca dessa hegemonia do modelo
lingstico nas cincias sociais.
A menos que revele as operaes de construo do objeto pelas quais foi fundada e as condies sociais da produo e da circulao de seus conceitos fundamentais, a sociologia no poder escapar a todas as formas de dominao que a lingstica e seus conceitos exercem ainda hoje sobre as cincias sociais. A facilidade com que o modelo lingstico transportado ao terreno da etnologia e da sociologia se deve ao fato de ter se conferido lingstica o essencial, isto , a filosofia intelectualista que faz da linguagem um objeto de eleio mais do que um instrumento de ao e poder. (BOURDIEU, 2008, p. 23).
Esse modelo estruturalista, que nasce e ganha fora nos estudos lingsticos,
repercutiu no modus faciendi das Cincias Humanas, mas tambm imprimiu para si uma
resistncia muito enrgica no que tange interferncia de outras cincias no seu objeto de
estudos.
Decidi iniciar essa pesquisa acerca da scio-histria da Lngua Portuguesa no Brasil
lanando mo de uma reflexo da Filosofia da linguagem, de autoria de Borges Neto (2004),
contida num texto intitulado O pluralismo terico na Lingstica, atravs da qual pude
perceber que, numa cincia to complexa quanto a Lingstica, certamente torna-se tarefa
impossvel para uma teoria dar conta de todos os aspectos de um objeto extremamente
multifacetado e complexo tal qual as lnguas.
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Nas argumentaes de Borges Neto, o percurso histrico das Cincias Humanas inclui
necessariamente o loteamento da realidade e a subseqente diviso desses lotes para cada
uma das cincias. A questo que esses pequenos lotes nem sempre so bem definidos e,
freqentemente, algumas pores dessa realidade loteada so disputadas por campos distintos
do saber. Esse parece ser o caso do fenmeno lingstico. Despertando o interesse da
Sociologia, da Psicologia, da Filosofia, da Histria, dentre outras cincias, o objeto da
Lingstica coloca-se exatamente nessa inter-rea e, por isso mesmo, h de ser inegvel que
outros olhares, de outras cincias, possam contribuir na compreenso desse objeto, sem que,
contudo, a Lingstica tenha o seu status de cientificidade comprometido ou enfraquecido.
Internamente, esse pluralismo terico faz-se perceber na prpria trajetria histrica da
Lingstica em seu passeio, principalmente pelo sculo XX. Estruturalismo europeu,
Estruturalismo Americano, Gerativismo, Funcionalismo, Sociolingstica, Psicolingstica,
Anlise do discurso, Lingstica textual, Lingstica aplicada e Lingstica histrica so
apenas alguns dos vieses necessrios para a compreenso das complexas facetas que se
revelam nas lnguas humanas.
O problema que se coloca aqui basicamente metodolgico: possvel abordar a linguagem humana de todas as perspectivas simultaneamente? Creio que no. necessrio, pois, privilegiar um enfoque, ignorando ao menos temporariamente todos os outros. Assim, se por uma razo, uma abordagem sociologizante da linguagem me parece mais interessante e frutfera, fatalmente deixarei de lado abordagens logicizantes ou psicologizantes. E isso se dar em todos os casos. (BORGES NETO, 2004, 69).
No interior dos estudos lingsticos, as anlises da Lingstica Histrica tm caminhado
no sentido da superao desse paradigma do isolamento. No seu livro Ensaios para uma
scio-histria do portugus brasileiro, Mattos e Silva (2004) aponta, no captulo intitulado
Algumas idias para a concretizao de uma histria do portugus brasileiro os caminhos
pelos quais a Lingstica brasileira necessita operar, no sentido de desenvolver um programa
que consiga dar conta de mapear a constituio histrica do portugus do Brasil. Segundo
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Mattos e Silva, h quatro campos interligados entre si mas que, na prtica, devero ser
desenvolvidos de forma autnoma, posto que envolvem metodologias prprias e,
seguramente, interfaces com outras cincias que daro o suporte para anlise dos dados.
Dessa forma, esses campos de pesquisa, na viso da pesquisadora, podem ser assim
descritos:
(a) O campo que se mover na reconstruo de uma histria social lingstica do
Brasil;
(b) O campo que se mover na reconstruo de uma scio-histria lingstica ou de
uma sociolingstica histrica;
(c) O campo que se mover na reconstruo diacrnica no interior das estruturas da
lngua portuguesa em direo ao portugus brasileiro;
(d) O campo que se mover no mbito comparativo entre o portugus europeu e o
portugus brasileiro.
Levando-se em considerao os campos propostos por Mattos e Silva, esse trabalho se
debruar nas discusses que envolvem a primeira proposta, buscando estabelecer relaes
entre a Lingstica e a Histria Cultural, com o fito de conceber a possibilidade de fomentar a
construo de uma histria social da Lngua Portuguesa no Brasil atravs da anlise (ou da re-
anlise) de fontes j exploradas, pouco exploradas ou inditas sobre o Portugus do Brasil. A
proposta inclui revisitar a historiografia social brasileira em busca de indcios lingsticos que
passaram ao largo dos historiadores, j que, segundo Burke (1993), A linguagem to ntima
da existncia que tem sido h muito negligenciada pelos historiadores [...].
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O campo (a) se mover fundado na histria social do Brasil. Dos quatro, ser aquele em que o historiador da lngua estar mais prximo do historiador tout court. Entrevejo duas vertentes nessa reconstruo. Aproveitando a formulao de Antnio Houaiss, so elas: uma referente recuperao da articulao entre fatos de ocupao territorial, fatos das sucessivas distribuies demogrfico-lingsticas e fatos das prevalncias e desaparecimento das lnguas que prevem, ainda segundo Houaiss, a via do levantamento diretos e indiretos sobre todos os processos linguageiros havidos a partir (e mesmo antes para os indgenas e negros) dos incios da colonizao. A outra ser a reconstruo da histria da escolarizao no Brasil, que Houaiss formula como a penetrao da lngua escrita, fator fundamental para a compreenso da polarizao entre normas vernculas e normas cultas do portugus brasileiro. Essa segunda vertente prev a recuperao de polticas lingsticas havidas ao longo da histria do Brasil [...] (MATTOS E SILVA, 2004, p. 59).
Fica, ento, deveras esclarecido que os trabalhos desses lingistashistoriadores revestem-
se de caractersticas muito prprias, operando s vezes com categorias concretas de anlise, a
exemplo de dados demogrficos e documentos escritos, mas tambm levando, quando
necessrio, em considerao categorias abstratas de outras cincias, a exemplo do conceito de
civilizao proposto por Elias (1994) e j experimentado pelo lingista Lorenzo Vitral (2001)
num artigo intitulado Lngua geral versus lngua portuguesa: a influncia do processo
civilizatrio, ou o conceito de representaes proposto por Chartier (1999) e Chartier (2003),
ou ainda os conceitos de documento/monumento de Le Goff (2003), isto para citar somente
alguns.
O que se impe, neste momento, a busca de um arcabouo terico-metodolgico da
Histria, que possa dar conta das especificidades que um objeto multifacetado e complexo tal
qual a linguagem oferece ao pesquisador.
Nesse ponto, o direcionamento das pesquisas em histria social da linguagem tem
inequivocamente apontado para as concepes do que se convencionou chamar de Nova
Histria Cultural. No campo da lingstica propriamente dita, Mattos e Silva (2004); Fvero e
Molina (2006); Bastos e Palma (2004; 2006) e Orlandi (2006) vm alinhando seus estudos s
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possibilidades de anlise da Histria cultural. Por outro lado, historiadores culturais, a
exemplo de Chartier (2003), Burke (1992; 2000; 2002; 2005), Le Goff (2003; 2005) e
Ginzburg (1989; 2002) freqentemente citam em suas pesquisas a importncia de
aprofundamento das relaes entre a Sociolingstica, a Sociologia da linguagem, a
Sociologia da histria e da Histria propriamente dita.
Sobre essa urgente necessidade, Burke (2002), em sua obra Histria e teoria social,
declara buscar encontrar os elos entre historiadores e cientistas sociais, como antroplogos,
sociolingstas e especialistas em Comunicaes e Geografia. Suas concluses chamam a
ateno, a um s tempo, para a profundidade das conexes entre essas disciplinas e para a
necessidade de que tais ligaes sejam reconhecidas pelos seus praticantes.
Essas percepes vm, cada vez mais, materializando-se e alguns lingistas tm
alertado para as limitaes s quais a Lingstica estar submetida, caso no passe a
considerar esse novo paradigma que, ao contrrio do que muitos pensam, no se declara
holstico, mas sim passvel de mesclar suas anlises s respostas dadas por outros campos do
saber, de forma a contribuir para uma compreenso mais completa do nosso objeto.
Durante a tessitura desta tese, um dos textos que mais chamou a ateno para a
necessidade de reconhecer o novo paradigma dentro dos estudos em Lingstica foi escrito
pelo Prof. Dr. Gilvan Mller de Oliveira (UFSC), e est inserido num conjunto de estudos
organizados por Rosa Virgnia Mattos e Silva, sob o ttulo - Para a Histria do Portugus
brasileiro: primeiros estudos. Fao, neste momento, a transcrio de alguns pargrafos
introdutrios, nos quais o pesquisador nos narra a dificuldade de fazer Lingstica diacrnica
sem contar com uma Histria que contemple de forma mais pontual as questes lingsticas.
O texto inicia-se com a seguinte epgrafe de Bourdieu: A Histria que eu precisaria
para o meu trabalho muitas vezes no existe. Logo aps seguem-se os pargrafos:
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Essa epgrafe aponta para uma percepo freqente entre aqueles que trabalham com Lingstica Diacrnica. O fato de essa histria no existir tem sido responsvel pelo pouco sucesso de um dos mais clebres empreendimentos das disciplinas da linguagem: a explicao da mudana lingstica concomitantemente por fatores internos e externos ao sistema lingstico.
O insucesso desse empreendimento decorre, entre outras coisas, da tentativa de ligar dois quadros j dados: o quadro da Histria e o quadro da Lingstica, cada um deles gerado autonomamente, com interesses especficos e metodologias prprias de trabalho. nesse sentido que a epgrafe de Bourdieu se refere Histria: em nenhum lugar, de fato, estar a Histria pronta, esperando a mo do lingista para colh-la. Essa histria ter que ser escrita pelo prprio lingista concomitantemente aos seus estudos lingsticos. Escrever essa histria implica aprender a historicizar os conceitos que utilizamos, implica desenvolver modos de historicizar o nosso fazer disciplinar. (OLIVEIRA, 2001, 401).
As constataes do pesquisador acima nos conduzem para o centro de dois grandes
problemas que dizem respeito necessidade de elaborao de uma histria social das lnguas
pelos lingistas, para uso da Lingstica. O primeiro deles aponta para a questo da
construo da histria assentada num paradigma tradicional de cunho poltico e econmico.
Esse tipo de anlise privilegia os documentos escritos e legitimados pelo Estado como fontes
para a tessitura da Histria, ou seja, no que diz respeito s lnguas, as impresses do
historiador vinculado ao paradigma tradicional , na maioria das vezes, um reflexo do que os
documentos oficiais registraram sobre elas, o que no necessariamente condiz com o passado
scio-cultural das lnguas nos seus usos orais ou escritos.
O segundo problema aponta para a questo que, na historiografia tradicional, o fato
lingstico raramente tratado com o rigor cientfico que necessita de ser tratado, por conta
do seu perfil cultural e que, principalmente na oralidade, envolto por elementos abstratos, o
que escapa violentamente do escopo de anlise do historiador tradicional.
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Lembrando Mattos e Silva (2004), para a elaborao de uma Histria social
lingstica, o historiador da lngua estar mais prximo do historiador tout court, assim, faz-se
necessrio assumirmos aqui as concepes de Le Goff acerca do carter histrico do homem e
das questes sobre as quais a cincia da Histria se debrua.
A histria est sempre nos centros das controvrsias. De que assuntos devemos tratar? Os acontecimentos apenas, ou tambm os desgnios da providencia, os progressos da humanidade, os fenmenos repetitivos, as estruturas? Deve pr a tnica na continuidade ou, pelo contrrio, nas revolues, nas rupturas, nas catstrofes? Deve ocupar-se prioritariamente dos indivduos promovidos ao papel de heris ou de massa? De quem tem poder e autoridade, no estado ou na Igreja ou, ao contrrio, dos camponeses, do proletariado, dos burgueses, da populao no seu conjunto e de todas as classes que a compe? Essas questes que incidem sobre os objetos da histria remetem-nos a outras que incidem sobre seu estatuto e os seus mtodos. Trata-se de uma projeo, talvez inconsciente das preocupaes ideolgicas contemporneas no passado ou de conhecimento, atravs de documentos e monumentos, de economias, de sociedades, de civilizaes, afastados de ns no tempo? Deve-se ainda perguntar se a histria constitui uma forma literria, uma narrao dos fatos, ou uma cincia que os estabelece e os explica. Quais so, finalmente, as relaes com outras disciplinas que se interessam pelo homem, em particular com a filologia e a crtica e tambm com a filosofia? Devem limitar-se cultura, nela integrando a cultura material, ou tambm incluir o ambiente, o clima, e, finalmente a evoluo dos seres vivos e do universo? As teorias genticas que hoje se desenvolvem no iro, talvez, desembocar numa histria da natureza? O debate sobre a histria que promove todas essas interrogaes e ainda outras procede da Antiguidade e tem todas as possibilidades de se prolongar no futuro. (LE GOFF, 2003, p. 17).
No restam dvidas que a escrita de uma histria das lnguas que focalize o fenmeno
lingstico e contemple as nuances especficas desse objeto, bem como suas relaes com
outros fatos humanos, sejam polticos, econmicos ou culturais, pe-se como uma exigncia
para que a compreenso acerca dessas lnguas possa ser mais completa.
Especificamente para a Lingstica brasileira, a escrita de uma histria social da
Lngua Portuguesa abrir vrias frentes de pesquisa que necessitaro de um modelo
historiogrfico que possa dar conta desse perfil multifacetado das lnguas nas suas
modalidades oral ou escrita. Assim, acreditamos que o modelo da Histria cultural seja o que
melhor atenda s necessidades desse novo pesquisador: o historiador lingista.
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1.1. O que Histria Cultural?
Abriremos essa discusso em busca de compreender melhor quais as caractersticas
que diferenciam a Histria cultural da modalidade tradicional, utilizando-se como tpico
desse item a mesma pergunta que Burke (2005) nos faz em seu livro homnimo. Segundo
suas concepes, uma soluo para o problema da definio de Histria Cultural poderia ser
dada se deslocssemos a ateno dos objetos para os mtodos de estudo. Alguns historiadores
culturais, a exemplo de Jacob Burkhardt, declaram que trabalhar com objetos culturais
implica necessariamente aguar as capacidades intuitivas e interpretativas. Chartier (1987)
acrescenta a isso o fato de que ser historiador cultural demanda trabalhar com objetos
abstratos de anlise, sendo exigido deste a transcendncia ao documento material rumo a uma
anlise das prticas culturais e suas representaes sociais num dado momento no tempo.
A Histria Cultural, tal como a entendemos, tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social construda, pensada, dada a ler. Uma tarefa deste tipo supe vrios caminhos. O primeiro diz respeito s classificaes, divises e delimitaes que organizam a apreenso do mundo social como categorias fundamentais de percepo e apreciao do real. Variveis consoante as classes sociais ou os meios intelectuais, so produzidas pelas disposies estveis e partilhadas, prprias do grupo. So esquemas intelectuais incorporados que criam figuras graas s quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligvel e o espao ser decifrado. As representaes do mundo social assim construdas, embora aspirem universalidade de um diagnstico fundado na razo, sempre so determinadas pelos interesses do grupo que as forjam. Da, para cada caso, o necessrio relacionamento dos discursos proferidos com a posio de quem os utiliza. (CHARTIER, 1987, pp. 16-17).
Consensualmente, os historiadores culturais preferem ser descritos como cientistas
que canalizam suas preocupaes com o simblico e suas interpretaes. Smbolos,
conscientes ou no, podem ser encontrados em todos os lugares, da arte vida cotidiana, mas
a abordagem do passado em termos de simbolismo apenas uma dentre outras.
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Ainda em Chartier, fica clara a necessidade de operar a cincia da Histria tambm
pelo vis do simblico, visto que
As percepes do social no so de forma alguma discursos neutros: produzem estratgias e prticas (sociais, escolares, polticas) que tendem a impor uma autoridade custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projecto reformador ou a justificar, para os prprios indivduos, as suas escolhas e condutas. Por isso esta investigao sobre as representaes supe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrncias e de competies cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominao. As lutas de representaes tm tanta importncia como as lutas econmicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impe ou tenta impor, a sua concepo do mundo, os valores que so os seus e o seu domnio. Ocupar-se dos conflitos de classificaes ou de delimitaes no , portanto, afastar-se do social [...], muito pelo contrrio, consiste em localizar os pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos imediatamente materiais. (CHARTIER, 1987, p. 17).
Voltando anlise de Burke, uma histria social das calas ser fatalmente diferente
de uma histria econmica sobre o mesmo tema, assim como uma histria cultural do
Parlamento seria diversa de uma histria poltica da mesma instituio. Nessa linha de
pensamento, uma histria cultural acerca do ensino das lnguas tenderia a apresentar cenrios
diferenciados de uma histria poltica do ensino das mesmas.
Na concepo de Burke (1997), a compreenso da essncia da Nova histria cultural
deve perpassar obrigatoriamente pelo percurso de alguns dos seus agentes, no sentido de
compreender os cenrios da historiografia e as relaes de fora que se colocavam nas
modalidades do fazer historiogrfico. Assim, divide o percurso da Nova histria em trs
partes: a primeira delas, entre os anos de 1920 a 1945, corresponde ao perodo que foi
marcado pelas pesquisas de Lucien Febvre e Marc Bloch. Movimento pequeno, porm radical
e subversivo, focou suas energias na desconstruo da histria tradicional - histria poltica - e
contra a histria dos eventos. O segundo momento diz respeito ao que se convencionou
chamar de era Braudel e, de acordo com Burke, nesse perodo h a verdadeira transformao
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em uma escola, principalmente pela formatao metodolgica que se aprimora
sobremaneira. Por fim, no terceiro momento, deparamo-nos com figuras da estatura de
Jacques Le Goff e Roger Chartier consolidando posturas metodolgicas, principalmente no
que tange a maximizao da busca por uma teoria social, de carter mais amplo e que possa
alargar as possibilidades dos pesquisadores vinculados a esse novo paradigma.
Na histria do movimento, uma terceira fase se inicia por volta de 1968. profundamente marcada pela fragmentao. A influncia do movimento, especialmente na Frana, j era to grande que perdera muito das suas especificidades anteriores. Era uma escola unificada apenas aos olhos de seus admiradores externos e seus crticos domsticos, que perseveravam em reprovar-lhe a pouca importncia atribuda poltica e histria dos eventos. Nos ltimos vinte anos, porm, alguns membros do grupo transferiram-se da histria socioeconmica para a sociocultural, enquanto outros esto redescobrindo a histria poltica e mesmo a narrativa. (BURKE, 1997, p. 13).
A essncia da histria cultural , sem sombra de dvidas, a resposta para os porqus de
eleg-la como caminho para a construo de uma histria externa das lnguas. Isso porque, no
prprio bojo da sua existncia, a pressuposio da necessidade de relacionar-se com outros
campos do saber, a flexibilidade metodolgica e a compreenso de que objetos culturais, tais
quais as lnguas, freqentemente operam com categorias conceituais abstratas, fizeram dessa
modalidade da histria um campo no qual as conexes entre as cincias se do de forma mais
intensa.
Comparada ao paradigma da histria que se convencionou chamar de tradicional, a
histria cultural transcende ao meramente poltico, ou ao meramente econmico. Por
compreender a realidade como algo social ou culturalmente construda, percebe que a histria
no reside apenas nas grandes guerras, ou nas grandes instituies, ou ainda nas aes do
Estado. Ela existe na essncia humana de ser agente da histria, nas suas prticas culturais e
da forma como se relacionam com outros humanos tecendo a realidade. Compreende ser
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possvel a construo de um quadro macroscpico da histria, atravs da compreenso de
micro quadros histricos dos protagonistas dessas histrias.
No clssico texto O queijo e os vermes: o cotidiano e as idias de um moleiro
perseguido pela Inquisio, o historiador italiano Carlo Ginzburg mostra-nos um possvel
caminho para a elucidao de nuances da histria da Igreja e da Inquisio atravs da
interpretao historiogrfica do julgamento do moleiro Menquio, que por conta das suas
idias, principalmente acerca da cosmogonia, atraiu para si a fria da Santa Inquisio. Nesse
texto de Ginzburg, vrios so os indcios sobre as prticas humanas no sculo XVI que
circundam a histria do simples moleiro de Friuli. As relaes de fora entre a cultura erudita
e a cultura popular, as idias religiosas e mesmo as relaes de poder existentes nas lnguas
humanas. Assim, o desvendamento de uma histria da cultura, no considerando apenas o
aspecto macroscpico da Inquisio, mas um resgate da histria de um indivduo e das suas
prticas, que aos olhos do paradigma tradicional continuaria no completo esquecimento.
Comeou denunciando a opresso dos ricos contra os pobres atravs do uso de uma lngua incompreensvel como o latim nos tribunais: Na minha opinio, falar latim uma traio aos pobres. Nas discusses os homens pobres no sabem o que se est dizendo e so enganados. Se quiserem dizer quatro palavras, tem que ter um advogado. (GINZBURB, 2000, p. 51).
Essa necessidade de compreenso das prticas humanas em toda sua abrangncia, na
viso de Burke (1992), encorajou os historiadores da cultura a serem interdisciplinares, no
sentido de aprenderem a colaborar com antroplogos sociais, economistas, lingistas, crticos
literrios, psiclogos e socilogos, mas tambm fomentou a idia de uma produo
historiogrfica dentro das prprias cincias, e pelos seus prprios cientistas, com o fito de
servir aos estudos especficos de determinadas nuances do objeto em questo. Assim, cada
vez mais comum uma histria do vesturio produzida por estudiosos do vesturio, uma
histria da medicina produzida por mdicos, uma histria da arquitetura pelo vis dos
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arquitetos, bem como uma histria social das lnguas vista pelo ngulo dos estudiosos da
linguagem. Sobre essa questo, acredito que ns, lingistas, j no temos mais como nos
omitir, sob pena de no avanarmos o que poderamos avanar no bojo dos nossos estudos.
Fazer histria das idias nos permite: de um lado, trabalhar com a histria do pensamento sobre a linguagem no Brasil, mesmo antes da Lingstica se instalar em sua forma definida; de outro, podemos trabalhar a especificidade de um olhar interno cincia da linguagem, tomando posio a partir dos nossos compromissos, nossa posio de estudiosos especialistas em linguagem. Isto significa que no tomamos o olhar externo, o do historiador, mas falamos como especialistas de linguagem, a propsito da histria do conhecimento sobre a linguagem. (...) portanto, capazes de avaliar teoricamente as diferentes filiaes tericas e suas conseqncias para a compreenso do seu prprio objeto, ou seja, a lngua. (ORLANDI, 2006, p. 16)
No centro dessa discusso acerca do novo paradigma da histria est certamente a
questo das fontes historiogrficas e o tratamento dessas fontes na escrita da histria. O que
antes passava de maneira quase que invisvel aos olhos do historiador, posto que este se
interessava apenas pelos documentos escritos e legitimados pelo Estado ou pelas instituies.
Agora, todo e qualquer vestgio humano que seja denunciador das suas prticas culturais
transformou-se em fontes potenciais para a Nova Histria, demandando do pesquisador uma
capacidade interpretativa que transcende a mera leitura dos documentos oficiais.
Enquanto conhecimento do passado, a Histria no teria sido possvel se este ltimo no tivesse deixado traos, monumentos, suportes da memria coletiva. Dantes o historiador operava uma escolha entre vestgios, privilegiando, em detrimento de outros, certos monumentos, em particular os escritos, nos quais, submetendo-os crtica histrica, se baseava. (LE GOFF, 2003, p. 255).
Uma Histria de objetos culturais, a exemplo da linguagem, que se baseie
exclusivamente em documentos oficiais , por si s, uma histria incompleta. Nesse caso,
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utilizar-se desse material historiogrfico poder conduzir o lingista a prioritariamente dois
problemas.
O primeiro problema diz respeito ausncia de variedades de fontes textuais, uma vez
que estar baseada apenas nos documentos oficiais e, portanto, h um mascaramento da
diversidade lingstica de uma determinada sincronia. No que tange a esse aspecto, um estudo
que enfoque as tradies discursivas minimiza sobremaneira essa problemtica, uma vez que
d oportunidade ao pesquisador da possibilidade de transcendncia em relao aos
documentos oficiais, levando-o ao estudo de cartas, bilhetes, dirios, dentre outras fontes que
seriam, pelas suas prprias naturezas, dispensadas pelo historiador tradicional.
A segunda problemtica encerra em si, a nosso ver, questes bem mais complexas e
com desdobramentos mais srios no que tange a utilizao de dados historiogrficos para a
construo de saberes lingsticos. Referimo-nos, nesse caso, ao alerta que nos dado por
Carvalho (2005), sobre o risco de assumirmos como verdadeiras as concluses
historiogrficas do passado, que mantinham um compromisso com a elaborao de um
imaginrio coletivo, fazendo-nos interpretar os fatos de acordo com os interesses dos grupos
que erigiram a sua prpria histria.
Reflitamos, preliminarmente, acerca do conceito de documento e monumento proposto
por Le Goff:
Hoje o mtodo seguido pelos historiadores sofreu uma mudana. J no se trata de fazer uma seleo de monumentos, mas sim de considerar os documentos como monumentos, ou seja, coloc-los em srie e trat-los de modo quantitativo; e, para, alm disso, inseri-los nos conjuntos formados por outros monumentos: os vestgios da cultura material, os objetos de coleo, os tipos de habitao, a paisagem, os fsseis e, em particular os restos sseos dos animais e dos homens. Enfim, tendo em conta o fato de que todo documento ao mesmo tempo verdadeiro e falso, trata-se de pr luz as condies de produo e de mostrar em que medida o documento instrumento de poder. (LE GOFF, 2003, p. 255).
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Essa explanao do conceito de mtodo em Histria, bem como a viso de que todo
documento, todo vestgio humano que atravessou o tempo e chegou at nossos dias foi
selecionado por foras que, consciente ou inconscientemente, operaram para que esses e no
outros, fossem os vestgios que seriam submetidos anlise do historiador, fazem com que o
conceito de monumento como uma categoria de intencionalidade do passado, ou como dir
Chartier (1987), a representao do passado sobre si mesmo, seja ponto fulcral para a
compreenso das propostas da Histria Cultural e para a construo de uma histria social das
lnguas.
Outra definio do que significa o fazer historiogrfico nos dada por Lucien Febvre
na qual ressaltado o carter multiforme das fontes que do subsdios escrita da histria.
A histria fez-se, sem dvida, com documentos escritos. Quando h. Mas pode e deve fazer-se sem documentos escritos, se no existirem [...] Faz-se com tudo o que a engenhosidade do historiador permite utilizar para fabricar o seu mel, quando faltam as flores habituais: com palavras, sinais, paisagens e telhas; com formas de campo e com ms ervas; com eclipses da lua e arreios; com peritagens de pedras, feitas por gelogos, e anlises de espadas de metal, feita por qumicos. Em suma, com tudo o que, sendo prprio do homem, dele depende, lhe serve, lhe exprime, torna significante a sua presena, atividades, gostos e maneiras de ser do homem. Toda uma parte, e sem dvida a mais apaixonante do nosso trabalho de historiadores, no consistir num esforo constante para fazer falar as coisas mudas, para faz-las dizer o que elas prprias no dizem sobre os homens, sobre as sociedades que as produziram, e para construir, finalmente, entre elas, aquela vasta rede de solidariedade e de entre ajuda que supre a ausncia do documento escrito? (FEBVRE, apud LE GOFF 2003, 268).
Essa potica conceituao que nos dada por Febvre, basicamente traduz o alicerce
metodolgico do paradigma da Nova Histria Cultural, que surge em substituio ao
paradigma do materialismo histrico que entendia que o fazer historiogrfico deveria ser
norteado exclusivamente pelos documentos oficiais e, portanto, nicas fontes confiveis para
a tessitura da histria. A bvia limitao a qual esse modelo historiogrfico estava submetido
era a de no dar conta dos fatos culturais de maneira geral. Assim, como j mencionado
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anteriormente, privilegiavam-se as grandes instituies e desprezavam-se seus agentes,
analisavam-se as grandes datas e cultuavam-se os grandes nomes, excluindo deliberadamente
o indivduo, a micro-realidade e as fontes de natureza mais abstratas.
1.2. A importncia do sculo XIX para os estudos lingsticos e suas implicaes
no fazer historiogrfico.
Atualmente, uma das grandes incgnitas que tem se colocado para a compreenso da
constituio do portugus popular do Brasil, diz respeito aos fatos lingsticos ocorridos ao
longo do sculo XIX. De uma maneira mais ou menos generalizada, historiadores e lingistas
concordam que, nos sculos que antecederam os anos oitocentos, havia no Brasil uma
situao multilnge, uma vez que inmeras levas de africanos capturados supriram durante
sculos a fio as frentes de trabalho escravo nos ciclos da cana de acar, do algodo, do ouro
e do caf. Alm dessas, de acordo com Rodrigues (2002), as muitas lnguas indgenas j
existentes no territrio, antes mesmo da chegada dos portugueses, motivaram a formao de
uma lngua braslica de base Tupi que servia para a comunicao entre brancos, ndios e
negros.
A essa lngua popular geral, a dos ndios missionados e aculturados e a no-ndios , que foi mais sistematicamente aplicado o nome de Lngua Geral. O uso desse nome comea j na segunda metade do sculo XVII, embora s vezes com sentido diverso, como acontece com o Padre Vieira, para o qual Lngua Geral signfica, por vezes o mesmo que para ns lngua da famlia Tupi-Guarani isto , qualquer lngua reconhecidamente afim do Tupinamb, mas no idntica a ele (como por exemplo o Guajajra do Maranho). No sul da Colnia constituiu-se uma Lngua Geral distinta da Lngua Geral do Norte ou Lngua Geral Amaznica. A Lngua Geral do Sul ou Lngua Geral Paulista, menos conhecida que a outra teve sua origem na lngua dos ndios Tup de So Vicente e do alto do rio Tite, a qual diferia um pouco da lngua dos Tupinamb. a lngua que no sculo XVII falavam os bandeirantes que de So Paulo saram a explorar Minas Gerais, Gois, Mato Grosso e o Sul do Brasil. Por ser a lngua destes pioneiros e aventureiros, penetrou essa Lngua Geral em reas onde nunca tinham chegado ndios Tup-Guarani e a deixou sua marca no vocabulrio popular e na toponmia. Em So Paulo ela foi dominante no sculo XVII, mas passou a ser suplantada pelo Portugus no sculo XVIII. No incio do sculo XIX s se faz referncia a um ou outro falante
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no interior do Estado [sic] de So Paulo, na rea de Porto Feliz, no Rio Tite. J a Lngua Geral Amaznica desenvolveu-se inicialmente no Maranho e no Par, mais tarde do que a do Sul, a partir do Tupinamb. Ao contrrio de So Vicente e So Paulo, onde a colonizao teve incio j na primeira metade do sculo XVI, no Maranho a conquista portuguesa comeou quase cem anos depois, na primeira metade do sculo XVII. O litoral do Maranho, onde primeiro se estabeleceram os portugueses, estava densamente povoado pelos ndios Tupinamb, que se estendiam para oeste at a foz do Rio Tocantins. Em conseqncia dessa situao, a o Tupinamb foi a lngua predominante na populao colonial durante o sculo XVII e acabou dando origem nova Lngua Geral, que foi falada pelas tropas e misses que foram penetrando e criando ncleos de povoamento no vale amaznico. Portanto, o Tupinamb e essa Lngua Geral em que ele se transformou, que foi a lngua da ocupao portuguesa da Amaznia nos sculos XVII e XVIII. A ela foi o veculo no s da catequese, mas tambm da ao social e poltica portuguesa e luso-brasileira at o sculo XIX. (RODRIGUES, 2002, pp. 101-102).
Assim, correto afirmar que durante trs sculos a Lngua Portuguesa enfrentou
severa competio perante as lnguas gerais, bem como com as lnguas indgenas e africanas.
Somente no sculo XIX, a historiografia acerca da Lngua Portuguesa passa a registrar um
vertiginoso crescimento dos falantes do portugus. Esse fenmeno lingstico, que ainda
suscita estudos cuidadosos, levou lingistas e historiadores a defenderem uma surpreendente
vitria da Lngua Portuguesa perante as demais, para que elegeram dois motivos. O primeiro
deles est diretamente relacionado s medidas pombalinas que expulsaram os jesutas do
Brasil e passaram a exigir o uso do portugus para todos os atos da colnia. O segundo
motivo vincula-se a uma suposta e contestada chegada de quinze mil portugueses ao Brasil,
juntamente com a Famlia Real portuguesa que havia deixado a Europa por conta da invaso
napolenica. Esses portugueses operaram, de acordo com Teyssier (2004), a reluzitanizao
do Rio de Janeiro e esse processo, aliado s medidas educacionais originadas ainda durante a
segunda metade do sculo XVIII, contribuiu sobremaneira para a difuso da Lngua
Portuguesa em territrio brasileiro.
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Todos esses estudos apontados relacionam-se de forma mais ou menos expressiva com
elementos da histria social da Lngua Portuguesa no Brasil do sculo XIX. Uma quantidade
significativa destes infere concluses atravs de seus estudos empricos, mas guiados tambm
pelas interpretaes da Histria do Brasil. medida que recuamos no tempo e as fontes
primrias vo se tornando mais escassas, maior a tendncia do lingista a fazer uso de
inferncias histricas comumente aceitas como verdadeiras pela comunidade cientfica.
Certamente, a passagem na linha do tempo que ilustra de forma exemplar a herana
que a histria tradicional nos legou no Brasil diz respeito transio entre os sculos XIX e
XX. Pelas argumentaes que seguem, volto a postular a importncia da construo de uma
histria social da Lngua Portuguesa para subsidiar os demais estudos lingsticos que
necessitem de dados da histria externa do portugus brasileiro.
Envoltos nos ideais republicanos, os ltimos anos do sculo XIX, e pelo menos as
duas primeiras dcadas do sculo passado, foram utilizadas pelos entusiastas da Repblica
para consolidar o novo regime poltico, bem como para erigir os monumentos que seriam
responsveis pela fixao de um modelo que alavancou a ordem e o progresso no Brasil, em
detrimento ao sculo XIX que passou a ser representado como sendo a poca das trevas, a
representao do atraso em todos os aspectos, seja ele econmico, social, cientfico cultural e
que, por isso mesmo, deveria ser repudiado e esquecido.
Vejamos, ento, o que nos diz o historiador Jos Murilo de Carvalho:
Tratava-se de uma batalha em torno da imagem do novo regime, cuja finalidade era de atingir o imaginrio popular para recri-lo dentro dos valores republicanos. A elaborao de um imaginrio parte integrante da legitimao de qualquer regime poltico. por meio do imaginrio que se podem atingir no s a cabea, mas, de modo especial, o corao, isto , as aspiraes, os medos e as esperanas de um povo. nele que as sociedades definem suas identidades e objetivos, definem seus inimigos, organizam seu passado, presente e futuro. O imaginrio social constitudo e se expressa por ideologias e utopias, rituais e mitos. Smbolos e mitos podem, por seu carter difuso, por sua leitura menos
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codificada, tornar-se elementos poderosos de projeo de interesses, aspiraes e medos coletivos. Na medida em que tenham xito em atingir o imaginrio, podem tambm plasmar vises de mundo e modelar condutas. A manipulao do imaginrio social particularmente importante em momentos de mudana poltica e social, em momentos de redefinio de identidades coletivas. (CARVALHO, 2005, p. 10).
No que tange o campo educacional, essa operao de manipulao do imaginrio
coletivo deu-se especialmente atravs da obra dos escolanovistas, principalmente pelas mos
de Fernando de Azevedo, que em seu livro A cultura brasileira, tece severas crticas s
iniciativas educacionais desenvolvidas ao longo dos anos oitocentos. Na perspectiva do
estudo desenvolvido pela Prof Maria Rita de Almeida Toledo, intitulado Fernando de
Azevedo e A Cultura Brasileira ou as aventuras e desventuras do criador e da criatura , a
interpretao de Azevedo legitimada pelo lugar onde produzida, pelo mtodo cientfico
adotado e pela sua prpria participao e testemunho da histria recente. Essa legitimidade
pode ter contribudo para que a interpretao do autor tenha se transformado em memria da
Histria da Educao brasileira.
A proposta de Azevedo no , em A Cultura Brasileira, produzir um estudo de Histria, mas uma sntese sociolgica da evoluo da sociedade brasileira, a partir da educao, que na perspectiva do autor, por suas prprias caractersticas transmissora das tradies que ocorreram nos fatos da cultura brasileira e, portanto, as suas tendncias. [...] Se por um lado, a Cultura Brasileira o coroamento da obra do pensador Azevedo produz o que havia teorizado em Princpios de Sociologia e em Sociologia Educacional por outro lado, foi a oportunidade que teve de apresentar a sua verso dos acontecimentos das dcadas de 20 e 30 e da prpria evoluo da educao, colocando a si e ao seu grupo como marcos fundamentais da histria da educao brasileira. Azevedo estabelece, em A Cultura Brasileira, a identidade de seu grupo e a identidade do grupo oponente. Tambm estabelece as principais caractersticas de seu tempo, descrevendo-o como fator ou condio para que seu grupo exista com tal identidade, constituindo assim uma posio de renovao para si, e para seu grupo, no cenrio nacional daquele perodo. [...] Outra dimenso que corrobora a legitimao e a difuso da histria da educao brasileira, escrita por Azevedo, a prpria condio de testemunha da histria, ressaltada por seus primeiros crticos e pelos
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estudiosos que, posteriormente tomam o autor, o grupo do autor, ou os movimentos educacionais das dcadas de 20 e 30 como objeto de estudo. (TOLEDO, 1995, p. 164).
Os historiadores e historiadores da educao modernos so, em sua maioria,
congruentes em perceber que, durante anos, o desinteresse em estudar as questes
educacionais do sculo XIX deu-se por conta das representaes que os escolanovistas
desenharam acerca desse perodo. S recentemente, nos ltimos anos do sculo XX, a
historiografia voltou-se para um projeto de releitura das fontes primrias para a reformulao
interpretativa do Brasil nos anos oitocentos. Isso posto, tornam-se inevitveis os seguintes
questionamentos: at que ponto as inferncias que os lingistas tm feito acerca da histria
social da Lngua Portuguesa so confiveis, uma vez que so baseadas em dados
historiogrficos cujas formulaes esto impregnadas de construes que manipularam o
passado em prol da construo de uma memria que exaltasse determinados fatos e
determinadas fontes em detrimento de outros? Ser que mesmo internamente os estudos
acerca da histria do portugus brasileiro, j foram devidamente argudos acerca dos seus
compromissos, locais de fala e concepes lingsticas, ou continuam sendo utilizados por
ns, pesquisadores da lingstica, como sendo conhecimento legtimo e legitimado acerca da
Lngua Portuguesa no Brasil?
A preocupao que se pe que o estudo de uma scio-histria das lnguas, baseado
numa perspectiva tradicional da historiografia, que privilegia os documentos escritos oficiais
e descarta outras tipologias de fontes lingsticas ou no-lingsticas, no se apresenta como
suficiente para explicar os fatos lingsticos posto que, sendo as lnguas realizaes culturais,
so influenciadas por fenmenos culturais que extrapolam os documentos escritos oficiais e as
intenes contidas nas tentativas de legislar sobre as mesmas. As batalhas travadas ao longo
da Histria do Brasil na tentativa de pr o modelo lingstico portugus em detrimento das
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outras lnguas faladas no Brasil, principalmente ao longo do sculo XIX, ainda precisam de
um olhar mais apurado por parte dos lingistas.
Dessa forma, na maioria das vezes, a historiografia do sculo XIX que chega aos
lingistas, para que esses possam desenvolver seus trabalhos e com a qual se baseiam para
construo de concluses importantes acerca do seu objeto, ressente-se de um re-olhar, sob
pena de que as inferncias produzidas distanciem-se bastante daquilo que efetivamente
ocorreu, por conta das balizas historiogrficas que nos foram deixadas por geraes
anteriores.
As lnguas so, pela sua prpria natureza, alvos de construes historiogrficas cujo
objetivo principal a manipulao do imaginrio coletivo acerca de algum aspecto que se
queira consolidar na identidade lingstica de um povo.
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Captulo II
ESCOLARIZAO E LINGUAGEM: POR UMA HISTRIA DA ESCOLARIZAO EM LNGUA PORTUGUESA NO BRASIL.
A idia de uma histria da escolarizao em Lngua Portuguesa no Brasil inaugura
uma nova forma de considerarmos a histria das lnguas inserida nos estudos lingsticos. Se
a base tradicional da Lingstica Histrica, com o objetivo de estudar o fenmeno da mudana
lingstica, durante dcadas voltou-se quase que exclusivamente para a histria interna das
lnguas, esse paradigma vem apontando para a sua superao. Autores como Mattos e Silva
(2004, 2008); Lobo (2009); Fvero e Molina (2006); Orlandi (2006) vm cada vez mais
apontando para a necessidade de uma formulao de uma historiografia externa das lnguas
como forma de subsidiar os estudos em Lingstica Histrica.
O desafio que est posto neste momento a elaborao de um arcabouo terico
metodolgico que possa dar conta dessa construo historiogrfica de maneira que no
sejamos vtimas de uma historiografia meramente descritiva das lnguas e das suas mltiplas
realizaes. Nesse intuito, urge que faamos reflexes acerca do objeto e das categorias
analticas desse objeto, no sentido de que possamos produzir um material que fornea
significativa contribuio a esse novo vis lingstico.
No que tange s consideraes acerca de um projeto que contemple a histria da
escolarizao lingstica no Brasil, inegavelmente, os pesquisadores que j se lanaram nesse
empreendimento tm buscado apoio num campo de pesquisa bastante similar: a Histria da
Educao. At mesmo porque no podemos desconsiderar que o nosso estudo encontra-se
numa rea fronteiria entre a Lingstica e a Histria e a Educao.
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Desde que se vinculou ao paradigma da Nova Histria Cultural, a Histria da
Educao vem experimentando avanos significativos no que tange s mltiplas
possibilidades de anlise desse objeto. De forma bastante produtiva, os historiadores desse
campo buscaram apoio em teorias sociais, a exemplo da Sociologia, da Antropologia e da
Psicologia, para que as nuances do seu objeto pudessem ser melhor iluminadas com esse
instrumental metodolgico conceitual mais amplo.
Nesse captulo, buscaremos dialogar com a categoria conceitual de dispositivo, posta
em pauta por Michel Foucault, na tentativa de estabelecermos, a exemplo de Veiga (2002),
uma proposta de compreenso do uso do termo escolarizao tal qual colocado no mbito
dos estudos lingsticos por Mattos e Silva (2004), que, atualmente, vem desenvolvendo uma
srie de estudos vinculados ao grupo de estudos Programa para a Histria da Lngua
Portuguesa.
Partindo da compreenso das implicaes conceituais que o termo escolarizao pode
nos imprimir, buscaremos ali-lo s idias de tecnizao e civilizao da sociologia elisiana
na tentativa de elaborar um mapa conceitual que d conta das relaes de fora que se
colocam, s vezes de forma concreta, s vezes de forma mais abstrata nos instrumentos de
escolarizao lingstica, a exemplo das gramticas e dos materiais didticos formulados para
tal fim. Esse caminho nos levar s consideraes de Auroux (1992), que entende que o
processo de gramatizao de uma lngua transcende a mera descrio do seu funcionamento e
desemboca em questes mais amplas, que envolvem, muitas vezes, elementos sociolgicos
mais amplos e at mesmo uma viso sobre polticas lingsticas.
Por definio, o processo de gramatizao que nos interessa aqui corresponde, pois a uma transferncia de tecnologia de uma lngua para outras lnguas, transferncia que no , claro, nunca totalmente independente de uma transferncia cultural mais ampla. (AUROUX, 1992, p. 74).
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Segundo Veiga (2002), inferindo o conceito de dispositivo proposto por Foucault
(2009), em seu texto Histria da sexualidade, deparamo-nos com uma construo terica que
metodologicamente cumpriria a funo de dar visibilidade a uma rede de elementos de carter
heterogneo, que concorrem concomitantemente para a existncia e o funcionamento de um
fenmeno estudado por um determinado pesquisador. Assim, elaboraes no concretas, a
exemplo das idias e dos discursos de cunho cientfico, moral ou filosfico, coexistem com
instituies, materializaes arquitetnicas, leis e regulamentaes que participam de um jogo
de poder, no qual as relaes de fora acabam moldando a fisionomia e as configuraes nas
quais um determinado objeto de pesquisa deve ser analisado.
Dessa forma, segundo Foucault (2009), um dispositivo composto de estratgias de
relaes de fora sustentando tipos de saber e sustentado por elas. Dispositivos cumprem
uma funo histrica, posto que so elaborados para responder a uma determinada demanda
do seu tempo, manipulando relaes de fora no sentido de reorganizar essas relaes,
fazendo-as convergir para um determinado fim. Veiga (2002) quem se apropria do conceito
de dispositivo de sexualidade elaborado por Foucault para propor um dispositivo de
escolarizao. Segundo a pesquisadora, faz-se necessrio que reflitamos acerca do conceito de
educao e escolarizao posto que, a exemplo das consideraes foucaultianas,
argumentando no sentido de que quem institui as representaes sociais acerca do louco (e,
conseqentemente, da sanidade) o dispositivo da loucura e no a clnica, aos moldes de que
devemos nos referir ao dispositivo do aprisionamento e no priso como dispositivo.
Mattos e Silva tambm constri suas anlises focando o processo de escolarizao em
Lngua Portuguesa no Brasil e considerando que uma histria do portugus brasileiro no
sculo XIX se faz essencial. Dessa forma, ampliamos o leque de possibilidades e passamos a
analisar as formas como a Lngua Portuguesa e a escola foram apropriadas pelo dispositivo da
escolarizao, no sculo XIX, com vistas a operar um processo civilizatrio junto s massas.
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Nessa linha de pensamento, no que tange escolarizao como dispositivo, Veiga (2002)
ratifica o pensamento de Mattos e Silva e argumenta que talvez precisemos falar de uma
histria da escolarizao, de forma que apreendssemos no a escola como dispositivo,
mas o dispositivo de escolarizao.
Essa noo de dispositivo de escolarizao pode nos ser bastante produtiva na
construo de uma historiografia que contribua para a interpretao da histria social da
Lngua Portuguesa no Brasil nos primeiros anos do sculo XIX, pondo luzes nos efeitos da
poltica pombalina executada nas ltimas dcadas do sculo XVIII, bem como nas aes
imperiais postas em prtica nos primeiros anos do sculo XIX.
Pela anlise foucaultiana ser possvel, ento, estabelecer relaes, por exemplo,
acerca da construo social do analfabetismo e sua relao com a escola. Para Veiga a
escola quem produz o analfabeto como indivduo ignorante. Entendemos que a escola cumpre
um papel especfico na figurao1 do sculo XIX, no sentido em que cria uma demanda
lingstica civilizatria em prol do portugus, pondo-o em situao de lngua de prestigio e
poder e contribuindo para o processo de silenciamento e conseqente esquecimento da
realidade plurilnge nacional. Assim, a todo aquele que no perseguir o ideal de tornar-se um
usurio e bom usurio da lngua, cumpre a pena de ser condenado a viver fora da
figurao, deixando de lado, inclusive, a sua condio humana.
1 Adotamos aqui o conceito de figurao de Elias(2006) expresso da seguinte forma: O conceito de figurao
distingue-se de muitos outros conceitos tericos da sociologia por incluir expressamente os seres humanos em sua formao. Contrasta portanto decididamente com um tipo amplamente dominante de formao de conceitos que se desenvolve sobretudo na investigao de objetos sem vida, portanto no campo da fsica e da filosofia para ela orientada. H figuraes de estrelas, assim como de plantas e de animais. Mas apenas os seres humanos formam figuraes uns com os outros. O modo de sua vida conjunta em grupos grandes e pequenos , de certa maneira, singular e sempre co-determinado pela transmisso de conhecimento de uma gerao a outra, portanto por meio do ingresso do singular no mundo simblico especfico de uma figurao j existente de seres humanos. s quatro dimenses espao-temporais indissoluvelmente ligadas se soma, no caso dos seres humanos, uma quinta, a dos smbolos socialmente aprendidos. Sem sua apropriao, sem, por exemplo, o aprendizado de uma determinada lngua social, os seres humanos no seriam capazes de se orientar no seu mundo nem de se comunicar uns com os outros. Um ser humano adulto, que no teve acesso aos smbolos da lngua e do conhecimento de determinado grupo humano permanece fora de todas as configuraes humanas e, portanto, no propriamente um ser humano. (ELIAS, 2006, 25).
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Argumentaremos, no sentido de que as relaes de fora que coexistiram nesse
momento histrico buscaram a construo de uma idia de hegemonia do portugus no Brasil,
em detrimento a um esquecimento da realidade plurilnge instalada e assumida
posteriormente pela historiografia brasileira.
Sobre isso, Lobo (2003) nos mostra que na sua nsia de imaginar uma comunidade
nacional, a historiografia brasileira esqueceu-se de dois fatores cruciais para a compreenso
da realidade histrica constitutiva da identidade do povo brasileiro.
A construo de uma imagem de unidade territorial e poltica da nao brasileira retroativa a 1500, esquecendo que Portugal teve duas colnias na Amrica, autnomas entre si, com seus prprios governadores, seu corpo de funcionrios, sua administrao, suas leis e sua dinmica histrica e que essa unidade s comeou com a adeso do Gro Par ao Brasil , em agosto de 1823, quase um ano depois da Independncia. A construo de uma representao de unidade lingstica tambm retroativa a 1500, com base no portugus, considerando-o desde sempre como a nica lngua dos brasileiros. Desta forma, esqueceu a ampla difuso, no tempo e no espao, da Lngua Geral amaznica e da Lngua Geral Paulista2, hegemnicas durante grande parte do perodo colonial, em extensas regies do atual territrio nacional, de uso mais corrente, em verdade, do que o prprio portugus. A par disso, desconheceu informaes sobre o rico quadro de lnguas indgenas, muitas das quais cerca de 180 so faladas ainda hoje, cumprindo diferentes funes sociais. (LOBO, 2003, p. 194).
A compreenso de um dispositivo de escolarizao, no que tange s questes
atinentes ao ensino da Lngua Portuguesa no Brasil ser, ento, capaz de auxiliar nos
descortinamentos desses esquecimentos e silenciamentos da realidade plurilnge,
principalmente no que tange s iniciativas educacionais implementadas nas primeiras dcadas
do sculo XIX, a exemplo do mtodo lancasteriano.
2 A expresso lngua geral tomou um sentido bem definido no Brasil nos sculos XVII e XVIII, quando, tanto
em So Paulo como no Maranho e Par, passou a designar as lnguas de origem indgena faladas, nas respectivas provncias, por toda a populao originada no cruzamento de europeus e ndios tupi-guaranis (especificamente os tupis em So Paulo e os tupinambs no Maranho e Par), qual foi-se agregando o contingente de origem africana e contingentes de vrios outros povos indgenas, incorporados ao regime colonial, em geral na qualidade de escravos ou de ndios de misso. (Rodrigues, 2002, 6).
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Esse trajeto implica em analisarmos, de forma sistemtica, toda a rede de
escolarizao em Lngua Portuguesa em seus mais diversos elementos formativos: as polticas
de instruo pblica por perodo, as idias lingsticas que transitavam e consolidavam-se na
formulao de gramticas, os currculos, os materiais escolares, os discursos, os
procedimentos administrativos, alm dos agentes histricos responsveis pelo funcionamento
dessa rede, sejam eles alunos ou professores.
Volto ento a fazer, neste momento, uma nova meno ao texto de Vitral3 (2001),
desta vez para discuti-lo e buscar contribuir com as consideraes realizadas pelo pesquisador
acerca da vinculao lingstica da categoria sociolgica civilizao4, cunhada por Elias
(1994) e, sobre a qual farei exaustivas referncias ao longo dessa tese, buscando, tal qual
Vitral, postular a existncia da importncia