ria.ua.pt · 2012-05-17 · palavras gregas, geos , que signi ca terra, e metron que signi ca...

131

Upload: others

Post on 05-Apr-2020

25 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

palavras-chave

geometria plana,sistema axiomático, axioma, termo primitivo, interpretação, modelo

resumo

Um sistema axiomático é uma estrutura lógica organizada constituída por termos primitivos, axiomas, termos definidos, um sistema de regras de inferência e teoremas ou proposições. Um modelo para um sistema axiomático é uma interpretação desse sistema, consistindo na atribuição de significados particulares aos termos primitivos, de modo a que os axiomas, lidos à luz desta interpretação, se tornem proposições verdadeiras. No presente trabalho apresentamos uma hierarquização de geometrias planas, desde as geometrias abstractas até às geometrias neutras ou absolutas. Faremos uma breve referência às geometrias Euclidiana e hiperbólica planas, cujos sistemas axiomáticos são categóricos. Por fim, apresentaremos o plano cartesiano real e o semiplano de Poincaré como modelos para as geometrias Euclidiana e hiperbólica, respectivamente.

keywords

plane geometry, axiomatic system, axiom, undefined term, interpretation, model

abstract

An axiomatic system is an organized logical structure consisting of undefined terms, axioms, defined terms, a system of inference rules and theorems. A model for an axiomatic system is an interpretation of this system, consisting of the attribution of particular meanings to the undefined terms, in order that the axioms, read in the light of this interpretation, become true propositions. In this work we will present plane geometries, from abstract to neutral or absolute geometries. We will make a brief reference to Euclidean and hyperbolic plane geometries, whose axiomatic systems are categorical. Finally, we will present the real cartesian plane and Poincaré half plane as models for the Euclidean and hyperbolic geometries, respectively.

Conteúdo

Introdução 1

1 Geometrias Abstractas e Geometrias de Incidência 7

1.1 Geometrias Abstractas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

1.2 Geometrias de Incidência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2 Geometrias de Pasch 11

2.1 Teoremas de Separação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

2.2 Conjuntos Convexos. Teorema do Cruzamento . . . . . . . . . . . . . 32

3 Geometrias Hilbertianas 47

3.1 Relações de Ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema do Ângulo Externo . 61

3.3 A Teoria das Paralelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

3.4 Circunferências. Intersecção de Rectas e Circunferências . . . . . . . . 88

3.5 Circunferências e Triângulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

4 Geometrias Neutras ou Absolutas 103

5 Axiomas das Paralelas: Euclidiano e Hiperbólico 109

5.1 Geometrias Euclidiana e Hiperbólica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

5.2 Modelos para as geometrias Euclidiana e hiperbólica . . . . . . . . . . 113

5.2.1 O plano cartesiano real como modelo para a geometria Euclidiana114

5.2.2 O semiplano de Poincaré como modelo para a geometria hiper-

bólica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

Bibliogra�a 121

i

Introdução

�Se o valor de um trabalho cientí�co pode ser medido

pelo tempo durante o qual ele mantém a sua importância,

então os Elementos de Euclides são a obra cientí�ca mais válida de todos os tempos.�

Borsuk, K., e Szmielew, W., Foundations of geometry, North-Holland, Amsterdan, 1960

A origem da Geometria está explícita no próprio nome, palavra que deriva de duas

palavras gregas, geos, que signi�ca terra, e metron que signi�ca medida. Inicialmente

a Geometria consistia na arte da medida da terra, não sendo mais do que uma colecção

desorganizada de regras que respondiam, de forma satisfatória, a questões concretas

de medições (comprimentos, áreas e volumes). Os primeiros resultados conhecidos

provinham essencialmente da aplicação do método de tentativa e erro, ao longo de vários

séculos, pelas civilizações Egípcia e Babilónica, não passando por isso de aproximações

grosseiras. Toda a informação era baseada meramente na sua plausibilidade � durante

aproximadamente dois mil anos a Geometria integrou apenas conhecimentos empíricos,

induzidos a partir da análise de casos particulares, não tendo por base qualquer tipo de

demonstração lógica.

No milénio que precedeu a era Cristã, deu-se um ponto de viragem na Geometria. A

civilização Grega, naturalmente vocacionada para a Filoso�a e abstracção, transformou

a Geometria dos Egípcios numa ciência dedutiva, transformação essa que teve início com

o trabalho de Tales de Mileto (626�545 a.C.), ganhando sustentabilidade com diversas

contribuições, nomeadamente a de Pitágoras e seus discípulos, e que culminou com o

trabalho de Euclides (365? � 275? a.C.), cuja expressão máxima são os Elementos.

Nestes treze livros, Euclides compilou o conhecimento geométrico, assim como quase

todo o conhecimento matemático existente até então, não apenas como uma colecção

de resultados empíricos, mas como uma cadeia de teoremas decorrentes, pelas leis

da lógica, de algumas asserções iniciais simples. A escrita dos Elementos imprimiu

à Geometria o carácter de ciência dedutiva, e constituiu um modelo de organização

lógica e�ciente e elegante. O método usado por Euclides é a génese do que hoje é

conhecido por método axiomático, sendo qualquer sistema desenvolvido de acordo

com este método designado por sistema axiomático.

As cinco asserções iniciais, ou postulados, que Euclides considerou para a formalização

da Geometria, eram encarados como �verdades básicas�, que descreviam o verdadeiro

2 Introdução

estado das coisas, do Universo, pelo que deveriam ser evidentes, dispensando qualquer

prova. De entre os postulados apresentados apenas um, o quinto, suscitou grande

controvérsia para ser aceite como tal pela comunidade matemática da altura:

Se a recta l intersecta as rectas m e n de modo a que a soma das medidas das amplitudes

dos ângulos internos situados num dos lados determinados por l é inferior a dois ângulos

rectos, então m e n intersectam-se num ponto situado nesse mesmo lado.

Este postulado é geralmente conhecido por postulado (ou axioma) das paralelas, por

ser equivalente ao formulado por Playfair na sua obra sobre geometria Euclidiana de

1795, e que pode ser enunciado do seguinte modo:

Por um ponto exterior a uma recta r passa uma e uma só recta paralela a r.

O quinto postulado de Euclides é de uma natureza bastante mais so�sticada que a dos

restantes postulados dos Elementos, já que o seu carácter de in�nitude torna impossível

a sua constatação empírica. Este facto foi aparentemente reconhecido pelo próprio

Euclides, que evitou tanto quanto possível o seu uso, tendo inclusivamente estabelecido

os usuais teoremas de congruência de triângulos sem recorrer ao quinto postulado.

A controvérsia gerada em torno do postulado das paralelas levou à descoberta das

Geometrias não Euclidianas, que se veio a revelar num dos capítulos mais fascinantes

da História da Matemática, no qual podemos distinguir quatro períodos.

O primeiro destes quatro períodos foi marcado pelo �descontentamento� com o traba-

lho de Euclides. Apesar de aceitarem a Geometria formalizada por Euclides como a

�verdadeira Geometria�, os críticos consideravam que o tratamento da teoria das pa-

ralelas deveria ter sido diferente, pelo que tentaram melhorar o trabalho desenvolvido

por Euclides, apresentando tentativas de demonstração do postulado das paralelas ou

propostas de asserções menos controversas para o substituir.

O segundo período, no qual foram desenvolvidos os trabalhos relacionados com a teoria

das paralelas de Girolamo Saccheri (1667�1733), Adrien-Marie Legendre (1752�1833)

e Johann Heinrich Lambert (1728 � 1777), baseou-se na procura de conclusões re-

sultantes da negação do postulado das paralelas, numa tentativa de encontrar uma

contradição, ou seja, na sua demonstração pelo método de redução ao absurdo. Ape-

sar de terem demonstrado vários resultados numa nova geometria, cada um dos três

matemáticos caiu em erro, pensando ter encontrado uma contradição.

A transição para o terceiro período constituiu mais um marco importante para a história

da Geometria, com a aceitação da possibilidade de se ter uma geometria em que o

Introdução 3

postulado das paralelas é falso. Este passo foi dado, de forma independente, por Carl

Friedrich Gauss (1777 � 1855) na Alemanha, János Bolyai (1802 � 1860) na Hungria

e por Nicolai Ivanovich Lobachevsky (1793� 1856) na Rússia. Existem indícios de ter

sido Gauss o primeiro a aperceber-se da existência de uma nova geometria, embora não

tenha publicado nada acerca das suas investigações, pelo que cada um dos outros dois

matemáticos acreditava ter sido o responsável por aquela incrível descoberta.

No quarto período, com os trabalhos de Eugenio Beltrami (1835 � 1900), Felix Klein

(1849 � 1925) e Henri Poincaré (1854 � 1912), surgiram os modelos dos sistemas

axiomáticos das novas geometrias, demonstrando a sua consistência (relativa).

Os modelos apresentados para as Geometrias não Euclidianas eram baseados na geome-

tria Euclidiana, pelo que se tornou necessário provar a consistência da própria geometria

Euclidiana, o que implicou uma nova análise dos postulados de Euclides. Foi então que

se percebeu que a axiomática Euclidiana era incompleta, já que os postulados conside-

rados eram insu�cientes para demonstrar os teoremas conhecidos da geometria Euclidi-

ana � para estabelecer alguns resultados, Euclides considerou alguns factos alheios aos

postulados, e não dedutíveis a partir deles. Tornou-se evidente a necessidade de uma

reestruturação da própria geometria Euclidiana, para a qual deram contributo vários

matemáticos no �nal do século XIX.

Em 1882, Moritz Pasch (1843�1930) apresenta o primeiro sistema axiomático rigoroso

da geometria Euclidiana, sendo todavia o mais famoso, por ser o que mais se aproxima da

formalização de Euclides, publicado em Junho de 1899 por David Hilbert (1862�1943),

no livro Fundamentos da Geometria.

Um sistema axiomático é uma estrutura lógica organizada constituída por:

� termos não de�nidos ou primitivos, que constituem a base do vocabulário téc-

nico necessário;

� postulados ou axiomas, asserções aceites como verdadeiras sem qualquer justi-

�cação, expressando propriedades dos termos primitivos e relações entre eles;

� termos de�nidos ou especiais, conceitos que envolvem relações entre termos

primitivos e/ou termos especiais previamente de�nidos;

� sistema de regras de inferência lógica que permitem fundamentar esquemas de

argumentação;

� teoremas ou proposições, asserções dedutíveis a partir dos axiomas, pelas regras

4 Introdução

de inferência lógica.

O sistema apresentado por Euclides foi o sistema embrionário dos sistemas axiomáticos

actuais. Euclides reconhece a necessidade da existência de postulados, mas não da

existência de termos primitivos. De�niu, por exemplo, que um ponto é o que não tem

partes, substituindo o conceito de �ponto� pelo de �não ter partes�, que é tão abstracto

como o primeiro.

Um sistema axiomático, deve ser completo, na medida em que os axiomas são su�-

cientes para atestar a veracidade de qualquer asserção acerca dos termos primitivos e

das relações entre eles, deve ser independente, na medida em que não contém ne-

nhum axioma dedutível dos restantes, e deve ser consistente, na medida em que não

contém dois axiomas, um axioma e um teorema, ou dois teoremas que sejam contra-

ditórios. Destas três propriedades, que se espera que um sistema axiomático possua, a

consistência é fundamental.

A consistência de um sistema axiomático está dependente de todos os teoremas desse

sistema, dos estabelecidos assim como dos ainda não descobertos. Pode por isso ser

muito complexo provar a consistência de um dado sistema. De facto, apesar dos

esforços levados a cabo por vários matemáticos eminentes, não é ainda conhecido

um procedimento directo para mostrar que de um conjunto de axiomas é impossível

deduzir duas asserções contraditórias, ou seja, para mostrar a consistência do sistema

axiomático. Kurt Gödel (1906 � 1978) provou, inclusivamente, que a consistência de

um sistema axiomático que inclua conjuntos in�nitos não pode ser demonstrada.

O procedimento habitual para estabelecer a consistência (relativa) de um determinado

sistema axiomático consiste em exibir um modelo para esse sistema, que não é mais do

que uma interpretação do sistema, ou seja, uma atribuição de signi�cados particulares

aos termos primitivos, de modo a que os axiomas, lidos à luz desta interpretação, se

tornem proposições verdadeiras.

No presente trabalho apresentamos uma hierarquização de geometrias planas, desde

as geometrias abstractas planas até às geometrias neutras ou absolutas planas,

entendendo-se formalmente por geometria plana um par (P;L) constituído por dois

conjuntos � um conjunto P de pontos e um conjunto L de rectas � assim como uma

colecção de axiomas. Seguindo uma abordagem próxima da de Hilbert, no que diz

respeito à formalização da Geometria, os termos primitivos que irão sendo sucessiva-

mente considerados nos sistemas axiomáticos desta hierarquização são ponto, recta,

ser incidente a, estar entre e ser congruente a. Quanto aos axiomas, considera-

Introdução 5

remos quatro classes: a primeira contém os axiomas de incidência, a segunda, os

axiomas de ordem, a terceira, os axiomas de congruência e a quarta, os axiomas de

continuidade.

De�nimos também a geometria Euclidiana plana e a geometria hiperbólica plana,

duas geometrias neutras planas, cujos sistemas axiomáticos integram, respectivamente,

o axioma das paralelas de Playfair e o axioma hiperbólico, axiomas que designaremos

por axiomas das paralelas (Euclidiano e hiperbólico, respectivamente). Concluímos o

nosso trabalho com uma breve apresentação de um modelo para a geometria Euclidiana

plana, o plano cartesiano real e de um modelo para a geometria hiperbólica plana,

semiplano de Poincaré.

Como iremos tratar apenas de geometrias planas, sempre que nos referirmos a um tipo

de geometria estamos, obviamente, a referir-nos a uma geometria plana (bidimensional).

Capítulo 1

Geometrias Abstractas e Geometrias

de Incidência

1.1 Geometrias Abstractas

Na hierarquização das geometrias que vamos apresentar, iremos começar pelas mais

simples � as geometrias abstractas � nas quais são considerados os seguintes termos

primitivos: ponto, recta e ser incidente a (sobre).

De�nição 1 Uma geometria abstracta A = (P;L) consiste num conjunto não vazio

P, cujos elementos são designados por pontos, e num conjunto não vazio L, de sub-

conjuntos não vazios de P, designados por linhas ou rectas, que veri�cam as seguintes

condições:

1. para quaisquer dois pontos distintos A;B 2 P, existe uma recta l 2 L tal que A

e B são incidentes a l ;

2. qualquer recta l 2 L incide sobre pelo menos dois pontos distintos.

Numa geometria abstracta A = (P;L), a�rmar que um ponto P é incidente a uma

recta l , tem o mesmo signi�cado que a�rmar que l passa por P , que l é incidente sobre

P , que P está sobre l , ou que P 2 l . Além disso, se o cardinal de P é �nito, a geometria

abstracta A diz-se �nita.

De�nição 2 Seja A = (P;L) uma geometria abstracta.

1. Os pontos P1; P2; � � � ; Pn 2 P, n � 2, dizem-se colineares se existir uma recta

l 2 L que é incidente sobre P1; P2; � � � ; Pn.

7

8 Capítulo 1. Geometrias Abstractas e Geometrias de Incidência

2. Duas rectas l1; l2 2 L dizem-se estritamente paralelas se l1\ l2 = ;. Escrevemos

l1 k 6= l2. Se l1 \ l2 = ; ou se l1 = l2, as rectas l1 e l2 dizem-se paralelas.

Escrevemos l1 k l2.

3. As rectas l1; l2; � � � ; ln 2 L, n � 2, dizem-se concorrentes se são distintas, duas

a duas, e se l1 \ l2 \ � � � \ ln 6= ;.

Atendendo à de�nição anterior, numa geometria abstracta, qualquer recta é paralela a

si própria e quaisquer dois pontos distintos são colineares.

1.2 Geometrias de Incidência

Introduzimos agora as geometrias de incidência. Tal como nas geometrias abstractas,

os termos primitivos são ponto, recta e incidência.

De�nição 3 Uma geometria abstracta A = (P;L) é uma geometria de incidência

se:

1. por quaisquer dois pontos distintos de P passa uma única recta de L;

2. existem três pontos de P não colineares.

Assim, uma geometria de incidência é uma geometria abstracta em que a relação de

incidência entre ponto e recta se encontra subordinada aos axiomas de incidência

seguintes:

I1 � Por dois pontos distintos passa uma e uma só recta.

I2 � Cada recta incide sobre pelo menos dois pontos distintos.

I3 � Existem pelo menos três pontos não colineares.

Numa geometria de incidência A = (P;L), denotamos a recta que passa pelos pontos

distintos P;Q 2 P por PQ ou por lP;Q. É evidente que, sendo esta recta única, também

pode ser denotada por QP ou por lQ;P .

Teorema 1.1 Numa geometria de incidênciaA = (P;L), duas rectas distintas intersectam-

-se, quando muito, num ponto, ou, equivalentemente, duas rectas que têm dois ou mais

pontos em comum são coincidentes.

Demonstração: Sejam l ; r 2 L arbitrárias e A;B 2 P tais que A 6= B e A;B 2 l \ r .

Então, porque A é uma geometria de incidência, AB = l e AB = r , donde l = r . �

1.2 Geometrias de Incidência 9

Uma consequência imediata deste resultado é:

Corolário 1.2 Duas rectas de uma geometria de incidência A = (P;L) ou são paralelas

ou têm um único ponto em comum.

Observe-se que decorre de imediato do teorema 1.1 que, numa geometria incidente, as

rectas l1; l2; � � � ; ln 2 L, n � 2, são concorrentes se são distintas, duas a duas, e se se

intersectam num único ponto.

Teorema 1.3 Seja A = (P;L) uma geometria de incidência. Então:

1. para cada recta l , existe pelo menos um ponto P , tal que P não é incidente a l .

2. para cada ponto P existe pelo menos uma recta l , tal que l não incide sobre P .

3. para cada ponto P existem pelo menos duas rectas distintas l e m, tais que l e

m incidem sobre P .

4. para cada ponto P , existem pontos Q e R, tais que P , Q e R são não colineares.

Demonstração:

1. Seja l 2 L arbitrária. Suponhamos que qualquer ponto P 2 P é incidente a l .

Então qualquer conjunto de pontos de P é um subconjunto de l , pelo que não

existem três pontos não colineares, o que contradiz I3. Assim, existe pelo menos

um ponto de P que não é incidente a l .

2. Suponhamos que existe um ponto P 2 P que é incidente a qualquer recta de L.

Então, para quaisquer dois pontos A;B 2 P n fPg distintos, P 2 AB, pelo que

A, B e P são colineares. Para quaisquer três pontos A;B; C 2 P n fPg, distintos

dois a dois, P 2 AB \AC, donde fA; Pg � AB \AC, resultando do teorema 1:1

que AB = AC. Consequentemente A, B e C são colineares. Pela arbitrariedade

da escolha dos pontos, concluímos que não existem três pontos não colineares, o

que contradiz I3. Assim, não existe qualquer ponto de P incidente a toda a recta

de L, pelo que para cada P 2 P existe pelo menos uma recta l 2 L tal que P =2 l .

3. Seja P 2 P arbitrário e seja r 2 L tal que r não incide sobre P , cuja existência

é garantida pelo ponto anterior. Por I2, r incide sobre pelo menos dois pontos

distintos, digamos A e B. Designemos a recta AP por l e a recta BP por m. Se

l = m, então fA;Bg � l , resultando do teorema 1:1 que l = r , e por conseguinte

que P 2 r , o que é absurdo. Assim, m e l são rectas distintas que incidem sobre

P . Da arbitrariedade da escolha de P , resulta que qualquer ponto é incidente a

10 Capítulo 1. Geometrias Abstractas e Geometrias de Incidência

duas rectas distintas.

4. Seja P 2 P arbitrário e seja l 2 L tal que P =2 l , cuja existência é garantida

pelo ponto 2. Por I2, l é incidente sobre pelo menos dois pontos distintos, Q e

R. Como P =2 l e, por I1, l é a única recta que passa por Q e R, P , Q e R são

não colineares. Da arbitrariedade da escolha de P , resulta que cada cada ponto

P 2 P existem dois pontos Q e R tais que P , Q e R são não colineares. �

Capítulo 2

Geometrias de Pasch

De�nição 4 Uma geometria de incidência A = (P;L) é uma geometria de Pasch se

existir uma relação envolvendo ternos de pontos de P, que designamos por estar entre,

e que satisfaz os seguintes axiomas de ordem:

O1 � Se A;B; C 2 P são tais que B está entre A e C, escrevemos A�B�C, então

A, B e C são colineares e distintos, dois a dois, e B está entre C e A, ou seja,

C � B � A.

O2 � Para quaisquer dois pontos distintos A;B 2 P existe C 2 P tal que A�B�C.

O3 � Se os pontos A;B; C 2 P são colineares e distintos dois a dois então um e um

só destes pontos está entre os outros dois.

O4 (axioma de Pasch) � Dados os pontos A;B; C 2 P não colineares e uma recta

l 2 L que não passa por nenhum daqueles três pontos, se l incide sobre um

ponto D tal que A�D�B, então l incide também sobre um ponto E tal que ou

B � E � C ou A� E � C, mas não ambas as situações.

Os axiomas a que está subordinada a relação estar entre permitem concluir que:

� a relação em causa envolve apenas conjuntos de três pontos colineares e distintos

dois a dois (O1);

� uma recta tem uma in�nidade de pontos, não existindo portanto nenhuma geo-

metria abstracta �nita que seja uma geometria de Pasch (O2);

� as rectas não podem ser linhas fechadas (O3).

11

12 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

É com base na relação estar entre que introduzimos os conceitos de segmento de recta

e de semi-recta, que são, como veremos, subconjuntos de rectas. A partir destes novos

conceitos de�nimos ângulos e triângulos.

De�nição 5 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B 2 P distintos.

1. O segmento de recta de extremos A e B, que denotamos por [AB], é o conjunto

formado por A, B e pelos pontos de P que estão entre A e B, ou seja,

[AB] = fA;Bg [ fP 2 PjA� P � Bg:

2. O interior do segmento de recta [AB] é o conjunto [AB] n fA;Bg. Denotamos

este conjunto por int [AB].

3. A semi-recta de vértice, ou origem, A que passa por B, que denotamos por _AB,

é o conjunto formado pelo segmento de recta [AB] e pelos pontos P 2 P tais

que A� B � P , isto é

_AB = [AB] [ fP 2 PjA� B � Pg:

4. O interior da semi-recta _AB é o conjunto _AB n fAg. Denotamos este conjunto

por int(_AB

).

Decorre de imediato da de�nição de segmento de recta, bem como de O1, que para

quaisquer dois pontos distintos A;B 2 P, [AB] = [BA].

Sempre que escrevermos [AB] ou _AB, pressupomos que A;B 2 P são tais que A 6= B.

De�nição 6 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C 2 P não colineares.

1. O conjunto

\ABC = _BA [ _BC

é designado por ângulo de vértice B que passa por A e C, ou por ângulo de

vértice B e de lados _BA e _BC.

2. O conjunto

[ABC] = [AB] [ [BC] [ [CA]

é designado por triângulo de vértices A, B e C e de lados [AB], [BC] e [AC]. Os

ângulos \ABC, \ACB e \BAC designam-se por ângulos internos do triângulo

[ABC], sendo o ângulo que se opõe, ou oposto, a um dos lados de [ABC] aquele

que é formado pelas semi-rectas que contêm os outros dois lados.

13

Observe-se que \ABC = _BA[ _BC = _BC [ _BA = \CBA. Analogamente, as notações

[ABC], [CAB], etc, denotam o mesmo triângulo (de vértices A, B e C).

Sempre que escrevermos [ABC] ou \ABC, pressupomos que A;B; C 2 P são três

pontos não colineares.

Tendo por base a de�nição de triângulo, apresentamos uma formulação diferente do

axioma de Pasch:

Se uma recta l 2 L não incide sobre nenhum dos vértices de um triângulo [ABC], mas

se l intersecta o lado [AB], então l intersecta um e apenas um dos outros dois lados,

[BC] ou [AC].

Decorre de imediato do axioma de Pasch que uma recta que não passa por nenhum dos

vértices de um triângulo intersecta, no máximo, dois dos seus lados. Além disso se uma

recta l não é incidente sobre nenhum dos vértices de um triângulo [ABC] e se l não

intersecta dois dos lados do triângulo, então l não intersecta nenhum dos três lados do

triângulo, ou seja, a recta não intersecta o triângulo. Consequentemente, uma recta

que não passa por nenhum dos vértices de um triângulo ou intersecta exactamente dois

dos seus lados, ou não intersecta o triângulo.

No resultado seguinte constatamos que, numa geometria de Pasch, o interior de qual-

quer segmento de recta é um conjunto não vazio.

Teorema 2.1 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch. Então, para quaisquer A;B 2

P tais que A 6= B existe C 2 P tal que A� C � B.

Demonstração: Sejam A;B 2 P arbitrários tais que A 6= B. Pelo ponto 1 do teorema

1.3, existe D 2 P n AB. Por O2, existe E 2 P tal que D � A � E. Como D =2 AB,

DA 6= AB, resultando do teorema 1.1 que DA \ AB = fAg, pelo que E =2 AB e

B =2 DA, sendo os pontos B, D e E não colineares. Novamente por O2, existe F 2 P

tal que E � B � F . Como EB 6= AB, temos pelo teorema 1.1 que EB \ AB = fBg,

e consequentemente F =2 AB. Além disso, como B =2 DA, EB 6= DA, resultando mais

uma vez do teorema 1.1 que EB \ DA = fEg, e portanto F =2 DA. Mostramos que

a recta FA e o triângulo [BDE] estão nas condições do axioma de Pasch. Como F =2

DE = DA, resulta do teorema 1.1 que FA\DE = fAg e como D�A�E, D;E =2 FA.

Além disso, como E � B � F , temos pelo teorema 1.1 que FA \ EB = fFg. Como

F =2 [EB] e [EB] � EB, temos que [EB] \ FA = ;. Em suma, FA \ fB;D;Eg = ;,

D�A�E e FA\ [EB] = ;. Assim, pelo axioma de Pasch (O4) FA contém um ponto

G tal que B � G �D.

14 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

Como B, D e E são não colineares, G =2 DE, pelo que G 6= E. Mostramos agora que a

recta EG e o triângulo [ABD] estão nas condições do axioma de Pasch. Pelo teorema

1.1, EG \DE = fEg, e como E � A�D, E =2 [AD], logo, sendo [AD] � DE, temos

que [AD] \ EG = ;. Assim temos novamente pelo teorema 1.1 que EG \ BD = fGg,

pelo que B =2 EG. Em suma, EG \ fA;B;Dg = ;, B � G � D e EG \ [AD] = ;,

decorrendo do axioma de Pasch (O4) que EG contém um ponto C tal que A� C �B.

2.1 Teoremas de Separação

O teorema seguinte, conhecido por teorema da separação do plano, estabelece uma

relação de posição entre pontos não incidentes a uma recta, relativamente a essa mesma

recta, dando signi�cado a expressões do tipo �os pontos P e Q estão do mesmo lado

relativamente à recta l"ou "os pontos P e Q estão em lados opostos relativamente à

recta l �.

Teorema 2.2 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch. Então, para cada l 2 L

existem dois subconjuntos não vazios e disjuntos de P, H1 e H2, tais que:

1. P n l = H1 [H2;

2. Dois pontos distintos A;B 2 P n l pertencem ao mesmo conjunto, H1 ou H2, se

e só se [AB] não intersecta l ;

3. Dois pontos A;C 2 P n l pertencem a diferentes conjuntos, um ponto pertence a

H1 e o outro pertence a H2, se e só se [AC] intersecta l num único ponto.

Demonstração: De�nimos a seguinte relação no conjunto P n l : dados A;B 2 P n l ,

A � B se e só se A = B ou [AB] \ l = ;. Começamos por mostrar que � é uma

relação de equivalência. Por de�nição, � é re�exiva. Por outro lado, dados A;B 2 P n l

arbitrários, se A = B então A � B e B � A. Caso A 6= B, se A � B então [AB]\ l = ;,

pelo que [BA]\ l = ;, e portanto B � A. Da arbitrariedade da escolha de A e B resulta

que � é uma relação simétrica. Resta mostrar a transitividade. Sejam A;B; C 2 P n l

tais que A � B e B � C. Se A = B, B = C ou A = C, temos que A � C. Suponhamos

que A, B e C são pontos distintos dois a dois. Então temos dois casos possíveis: A, B

e C são não colineares ou A, B e C são colineares.

1. Suponhamos que A, B e C são não colineares. A recta l não contém nenhum dos

2.1 Teoremas de Separação 15

vértices A, B ou C do triângulo [ABC] e, por hipótese, [AB]\ l = ; e [BC]\ l = ;.

Resulta do axioma de Pasch (O4) que [AC] \ l = ;, e portanto A � C.

2. Suponhamos que A, B e C são colineares. Seja m a recta que passa por A, B

e C. Como A;B; C =2 l , m 6= l , resultando do teorema 1:1 que as rectas m e l

têm, no máximo, um ponto em comum. Por I2, existe em l um ponto D tal que

D =2 m. Por O2, existe E tal que D�A�E. Ora DA\ l = fDg, pelo que E =2 l .

Por outro lado, E =2 m, caso contrário, como D 2 AE, teríamos D 2 m = AE,

o que é absurdo já que D 2 l nm. Assim, fE;A;Bg, fE;B; Cg e fE;A; Cg são

conjuntos de pontos não colineares. Ora, [AE] \ l � AE \ l = fDg, e como

D�A�E, D =2 [AE], logo [AE]\ l = ;, ou seja A � E. Como A � B, aplicando

o caso 1, temos que E � B. Como B � C, aplicando novamente o caso 1, temos

E � C. Como A � E, aplicando mais uma vez o caso 1, concluímos que A � C.

Da arbitrariedade da escolha de A,B e C resulta que � é uma relação transitiva.

Em suma, mostrámos que a relação �, de�nida sobre os pontos de P n l , é re�exiva,

simétrica e transitiva, pelo que é uma relação de equivalência. As classes de equivalência

determinadas por esta relação formam uma partição de Pnl . Cada classe de equivalência

é um subconjunto não vazio de Pnl , veri�cando-se, por de�nição, que A e B pertencem à

mesma classe de equivalência se e somente se [AB]\l = ; ou A = B. Assim, dois pontos

distintos A e B pertencem à mesma classe de equivalência se e somente se [AB]\ l = ;.

Por outro lado, A e B pertencem a classes de equivalência distintas se e somente se

A � B, isto é, [AB]\ l 6= ;. Neste caso, sendo A;B 2 P n l , resulta do teorema 1.1 que

[AB] intersecta l num único ponto. Resta-nos concluir que esta relação de equivalência

determina duas e só duas classes de equivalência. Pelo ponto 1 do teorema 1.3, existe

P 2 P n l . Sendo X 2 l , cuja existência é garantida por I2, o segundo axioma de ordem

(O2) garante a existência de Q 2 P tal que P � X � Q. Ora Q =2 l , caso contrário

teríamos que P 2 l , o que seria absurdo. Como [PQ] \ l 6= ;, P � Q, pelo que P

e Q pertencem a classes de equivalência distintas, existindo portanto pelo menos duas

classes de equivalência. Designemos por H1 a classe de equivalência que contém P e

por H2 a classe de equivalência que contém Q. A conclusão da demonstração consiste

em mostrar que não existem mais classes de equivalência para além de H1 e H2, ou

seja, que para qualquer C 2 P n l , ou C � P ou C � Q. Suponhamos, por redução

ao absurdo, que existe C 2 P n l tal que P � C e Q � C. Vamos mostrar que nestas

condições P � Q. Temos dois casos possíveis: P , Q e C são não colineares ou P , Q e

C são colineares.

16 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

1. Suponhamos que P , Q e C são não colineares. Como l não intersecta nenhum

dos vértices do triângulo [PQC] e [PC]\ l 6= ; e [QC]\ l 6= ;, resulta do axioma

de Pasch (O4) que [PQ] \ l = ;, ou seja P � Q.

2. Suponhamos que P , Q e C são colineares e seja n a recta que incide sobre

aqueles três pontos. Pelo teorema 1:1, sendo n e l rectas distintas intersectam-

-se, quando muito, num ponto. Por I2, l incide sobre pelo menos um ponto D tal

que D =2 n. Seja E 2 P tal que D � P � E, cuja existência é garantida por O2.

Ora [PE]\ l = ;, caso contrário D 2 [PE], o que é absurdo. Consequentemente,

E � P . Se E � C, temos pela transitividade da relação � que P � C, o que

é absurdo. Por conseguinte, E � C. Ora E =2 n, caso contrário n = PE, pelo

que D 2 n, o que seria absurdo. Assim E, C e Q são não colineares, e pelo caso

anterior temos que E � Q. Resulta da transitividade da relação � que P � Q.

Assim, se C � P e C � Q, então P � Q, o que é absurdo. Por conseguinte,

qualquer ponto de P n l pertence a H1 ou H2, existindo apenas duas classes de

equivalência determinadas pela relação �. �

Os conjuntos H1 e H2, determinados por uma recta l , cuja existência é assegurada pelo

teorema anterior, são designados por semiplanos determinados por l . Já os conjuntos

H1 = H1 [ l e H2 = H2 [ l são designados por semiplanos fechados determinados por

l . Se dois pontos A e B pertencem ao mesmo semiplano determinado por l , dizemos

que A e B estão do mesmo lado relativamente a l . Caso tal não se veri�que, dizemos

que A e B estão em lados opostos relativamente a l .

No teorema seguinte, mostramos que numa geometria de Pasch, uma recta l determina

um único par de semiplanos.

Teorema 2.3 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e l 2 L. Sejam H1 e H2,

assim como H3 e H4 semiplanos determinados por l . Então ou H1 = H3 e H2 = H4, ou

H1 = H4 e H2 = H3.

Demonstração: Seja P 2 H1 arbitrário. Como P =2 l , P 2 H3 ou P 2 H4. Suponhamos

que P 2 H3 e seja Q 2 H1 n fPg arbitrário. Como Q =2 l , Q 2 H3 ou Q 2 H4. Se

Q 2 H4, então [PQ] \ l 6= ;. Mas como P;Q 2 H1, [PQ] \ l = ;, o que é absurdo.

Consequentemente, Q =2 H4, logo Q 2 H3. Da arbitrariedade da escolha de Q resulta

que H1 � H3. Por outro lado, sendo Q 2 H3 n fPg arbitrário, ou bem que Q 2 H1, ou

bem que Q 2 H2. Se Q 2 H2, então [PQ]\ l 6= ;. Mas, porque P;Q 2 H3, [PQ]\ l = ;,

o que é absurdo. Por conseguinte, Q 2 H1. Resulta da arbitrariedade da escolha de Q

2.1 Teoremas de Separação 17

que H3 � H1, e logo que H3 = H1. Ora,

H2 = P n (l [H1) = P n (l [H3) = H4:

Se P 2 H4, um raciocínio análogo mostra que H1 = H4 e que H2 = H3. �

Teorema 2.4 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch, l 2 L e P;Q;R 2 P n l .

1. Se P e Q estão em lados opostos relativamente a l e se Q e R estão em lados

opostos relativamente a l , então P e R estão do mesmo lado relativamente a l .

2. Se P e Q estão em lados opostos relativamente a l e se Q e R estão do mesmo

lado relativamente a l , então P e R estão em lados opostos relativamente a l .

Demonstração: Sejam H1 e H2 os semiplanos determinados por l . Como P =2 l ,

P 2 H1 ou P 2 H2.

1. Suponhamos que P 2 H1. Então, por hipótese, Q 2 H2 e R 2 H1, pelo que P e R

estão do mesmo lado relativamente a l . Se P 2 H2, um raciocínio análogo permite

concluir que R 2 H2, e logo que P e R estão do mesmo lado relativamente a l .

2. Suponhamos que P 2 H1. Então, por hipótese, Q 2 H2 e R 2 H2, pelo que

P e R estão em lados opostos relativamente a l . Se P 2 H2, um raciocínio

análogo permite concluir que R 2 H1, e logo que P e R estão em lados opostos

relativamente a l . �

Teorema 2.5 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch, l 2 L e _AB uma semi-recta

tal que A 2 l e B 2 P n l . Então qualquer ponto do conjunto _AB n fAg pertence ao

semiplano determinado por l que contém B.

Demonstração: Como B =2 l , AB 6= l , logo pelo teorema 1:1, AB \ l = fAg. Seja

H o semiplano determinado por l que contém B e seja P 2 _AB n fAg arbitrário. Se

P = B, então P 2 H. Suponhamos que P 6= B. Se P e B estivessem em lados opostos

relativamente a l , então pelo teorema 2.2, [PB] \ l 6= ;. Como [PB] � AB, teríamos

que [PB] \ l = fAg. Mas A =2 fP;Bg, pelo que P � A � B, o que contradiz o facto

de P ser um ponto de _AB. Por conseguinte, P e B pertencem ao mesmo semiplano

determinado por l , ou seja, P 2 H. Da arbitrariedade da escolha de P resulta que_AB n fAg � H. �

18 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

Corolário 2.6 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e l 2 L. Se A;B; C 2 P

são tais que B � A � C e AB \ l = fAg, então int(_AB

)e int [AB] estão contidos no

mesmo semiplano determinado por l , e int(_AC

)e int

(_AB

)estão contidos em diferentes

semiplanos determinados l .

Demonstração: Por de�nição, [AB] � _AB, pelo que int [AB] � int(_AB

). Assim, pelo

teorema anterior, int [AB] e int(_AB

)estão contidos no mesmo semiplano determinado

por l � o semiplano que contém B.

Por hipótese e pelo teorema 2.2, B e C estão em lados opostos relativamente a l , logo

pelo teorema anterior, int(_AC

)e int

(_AB

)estão contidos em diferentes semiplanos

determinados por l . �

Teorema 2.7 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch, l 2 L e H um dos semipla-

nos determinados por l . Então H tem pelo menos três pontos não colineares.

Demonstração: Pelo teorema 2.2, existe A 2 P tal que A 2 H. Por I2, l incide sobre

pelo menos dois pontos distintos, digamos X e Y . O2 garante a existência de B;C 2 P

tais que X�A�B e Y �A�C. Ora B 2 _XAnfXg e C 2 _Y AnfY g, logo pelo teorema

2.5, B;C 2 H. Se X 2 AY , então A 2 XY = l , o que é absurdo. Por conseguinte,

X =2 AY e AX 6= AY , donde pelo teorema 1:1, AX \ AY = fAg. Sendo AX = AB e

C 2 AY n fAg, concluímos que C =2 AB, ou seja, A, B e C são não colineares. �

O teorema seguinte é conhecido por teorema da separação da recta. Tendo por

base este resultado podemos concluir que qualquer recta pode ser decomposta na união

de duas semi-rectas que têm como único elemento comum a origem. Além disso, o

teorema da separação da recta fornece-nos uma de�nição diferente de semi-recta.

Teorema 2.8 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch, l 2 L e A 2 l . Então

l nfAg = l1[ l2, onde l1 e l2 são conjuntos não vazios e disjuntos, designados por lados

de l determinados por A, ou simplesmente por A-lados de l , satisfazendo as seguintes

condições:

1. X; Y 2 l nA tais que X 6= Y pertencem ao mesmo A-lado de l se e só se A =2 [XY ];

2. X; Y 2 l n A pertencem a A-lados opostos de l se e só se A 2 [XY ].

Demonstração: Seja P 2 P n l , cuja existência é garantida pelo ponto 1 do teorema

1.3. Considerem-se os semiplanos determinados pela recta PA = m. Como m 6= l , pelo

teorema 1:1 concluímos que m \ l = fAg. Por I2, existe B 2 l n fAg, e por O2 existe

C 2 l tal que B � A� C. Ora B e C pertencem a diferentes semiplanos determinados

2.1 Teoremas de Separação 19

por m. Designemos o semiplano que contém B por HB e o semiplano que contém C

por HC e seja l1 = l \HB e l2 = l \HC. l1 e l2 são não vazios e, pelo teorema 2.2, são

disjuntos. Além disso, l n fAg � P nm e P nm = HB [HC, donde

l n fAg = l n fAg \ (HB [HC) = l \ (HB [HC) = (l \HB) [ (l \HC) = l1 [ l2

ou seja, l nfAg = l1[ l2. As propriedades 1 e 2 resultam de imediato do teorema 2.2. �

No teorema seguinte mostramos que, numa geometria de Pasch, se A é um ponto de

uma recta l então existem dois e apenas dois A-lados de l .

Teorema 2.9 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch, l 2 L e A 2 l . Sejam l1 e

l2, assim como l3 e l4 A-lados de l . Então ou l1 = l3 e l2 = l4, ou l1 = l4 e l2 = l3.

Demonstração: Seja X 2 l1 arbitrário. Então X 2 l n fAg, donde pelo teorema 2.8,

X 2 l3 ou X 2 l4. Suponhamos que X 2 l3. Mostramos que neste caso l1 = l3. Seja

Y 2 l1 n fXg arbitrário. Pelo teorema 2.8, Y 2 l3 ou Y 2 l4. Se Y 2 l4, A 2 [XY ]. Mas

como Y 2 l1 n fXg, A =2 [XY ], o que é absurdo. Assim, Y =2 l4, pelo que Y 2 l3. Da

arbitrariedade da escolha de Y resulta que l1 � l3. Seja agora Z 2 l3 n fXg arbitrário.

Então pelo teorema 2.8, Z 2 l1 ou Z 2 l2. Se Z 2 l2, A 2 [XZ]. Mas como X;Z 2 l3,

A =2 [XZ], o que é contraditório. Assim, Z =2 l2, pelo que Z 2 l1. Da arbitrariedade da

escolha de Z, resulta que l3 � l1, e consequentemente que l1 = l3. Por conseguinte,

l2 = l n (l1 [ fAg) = l n (l3 [ fAg) = l4

Se X 2 l4 um raciocínio análogo mostra que l1 = l4 e que l2 = l3. �

Teorema 2.10 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch, l 2 L, A 2 l e P;Q;R 2

l n fAg.

1. Se P e Q estão em A-lados opostos de l e se Q e R estão em A-lados opostos

de l , então P e R estão no mesmo A-lado de l .

2. Se P e Q estão em A-lados opostos de l e se Q e R estão no mesmo A-lado de

l , então P e R estão em A-lados opostos de l .

Demonstração: Sejam l1 e l2 os lados de l determinados por A. Como P 2 l n fAg,

P 2 l1 ou P 2 l2.

1. Suponhamos que P 2 l1. Então, por hipótese, Q 2 l2 e R 2 l1, pelo que P e R

estão no mesmo A-lado de l . Se P 2 l2, um raciocínio análogo permite concluir

que R 2 l2, e logo que P e R estão no mesmo A-lado de l .

20 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

2. Suponhamos que P 2 l1. Então, por hipótese, Q 2 l2 e R 2 l2, pelo que P e R

estão em A-lados opostos de l . Se P 2 l2, um raciocínio análogo permite concluir

que R 2 l1, e logo que P e R estão em A-lados opostos de l . �

No resultado resultado seguinte constatamos que uma recta pode ser decomposta na

união de duas semi-rectas com o mesmo vértice, cada uma das quais contendo um lado

da recta determinado pelo vértice.

Teorema 2.11 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch, A;B; C 2 P tais que

B � A � C e seja l 2 L a recta que passa por A, B e C. Então, para qualquer

P 2 l n fAg, ou P 2 _AB ou P 2 _AC, mas não ambas as situações.

Demonstração: Começamos por mostrar que os A-lados de l são os interiores das semi-

rectas _AB e _AC. Sejam l1 e l2 os lados de l determinados por A. Como B 2 l n fAg,

B 2 l1 ou B 2 l2. Suponhamos que B 2 l1. Vamos mostrar que nestas condições_AB n fAg = l1. Seja X 2 _AB n fA;Bg arbitrário. Então, por de�nição, A � X � B

ou A � B � X, logo por O3 A =2 [XB], e pelo teorema 2.8, X 2 l1. Da arbitrariedade

da escolha de X resulta que _AB n fAg � l1. Seja Y 2 l1 n fBg arbitrário. Então, pelo

teorema 2.8, A =2 [Y B], resultando de O3 que A � Y � B ou A � B � Y , ou seja,

que Y 2 _AB n fAg. Da arbitrariedade da escolha de Y resulta que l1 � _AB n fAg, e

consequentemente que l1 = _AB n fAg. O raciocínio feito pode ser usado para mostrar

que l2 = _AC n fAg. A prova de que se B 2 l2, então _AB n fAg = l2 e _AC n fAg = l1,

segue o mesmo padrão de argumentação.

Pelo que demonstrámos, _AB \ _AC = fAg e _AB [ _AC = l , e portanto, dado um ponto

P 2 l n fAg arbitrário, P 2 _AB ou P 2 _AC, mas não ambas as situações. �

Tanto este teorema como o teorema 2.8 caracterizam a separação da recta por um

ponto desta. Daí que haja autores que denominam o teorema 2.11 como teorema da

separação da recta, ao invés do teorema 2.8.

O teorema 2.11 fornece-nos uma forma de de�nir os A-lados de uma recta l , para A 2 l .

De facto, por I2 existe B 2 l nfAg e por O2 existe C 2 l tal que B�A�C. Os A-lados

de l são os conjuntos int(_AB

)e int

(_AC

).

Tendo em consideração o teorema 2.11 e o teorema da separação da recta (2.8),

obtemos uma nova forma de de�nir uma semi-recta:

2.1 Teoremas de Separação 21

Dados dois pontos distintos A e B de uma geometria de Pasch, a semi-recta _AB é o

conjunto constituído pelo ponto A assim como todos os pontos da recta AB perten-

centes ao A-lado de AB que contém B, ou seja

_AB = fA;Bg [ fX 2 AB n fBgjA =2 [XB]g

Como constatamos no próximo resultado, e usando a etiquetagem de pontos e recta

do teorema anterior, os A-lados de l são independentes da escolha dos pontos B e C,

ou, equivalentemente, uma semi-recta é univocamente determinada pelo seu vértice e

por qualquer outro dos seus pontos.

Corolário 2.12 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B;E 2 P, tais que

E 2 _AB n fAg. Então _AB = _AE.

Demonstração: Seja l a recta incidente sobre A e B. Por hipótese, E e B pertencem

ao mesmo A-lado de l , logo _AB n fAg = _AE n fAg, e portanto _AB = _AE. �

De�nição 7 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch e sejam _AB e _AC duas semi-

-rectas. Dizemos que a semi-recta _AB é oposta à semi-recta _AC se AB = _AB [ _AC.

Numa geometria de Pasch, se a semi-recta _AB é oposta à semi-recta _AC, então também

a semi-recta _AC é oposta à semi-recta _AB, pelo que por economia de palavras diremos

que as semi-rectas _AB e _AC são opostas.

No teorema seguinte fornecemos uma outra caracterização de semi-rectas opostas.

Teorema 2.13 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C 2 P distintos dois

a dois. Então, a semi-recta _AB é oposta à semi-recta _AC se e somente se B �A� C.

Demonstração: Suponhamos que a semi-recta _AB é oposta à semi-recta _AC. Então

AB = _AB[ _AC, pelo que A, B e C são colineares, logo por O3, A�B�C, ou B�C�A

ou B � A� C. Se A� B � C ou B � C � A, então C 2 _AB n fAg, logo pelo corolário

2.12, _AB = _AC, e portanto AB = _AB [ _AC = _AB. Ora, por O2, existe P 2 P tal

que B � A � P , logo P 2 AB, mas P =2 _AB, e consequentemente _AB 6= AB, o que é

absurdo. Por conseguinte, temos que B � A� C.

Suponhamos agora que B�A�C. Pelo teorema 2.11, AB n fAg � _AB[ _AC, pelo que

AB = _AB [ _AC, ou seja, a semi-recta _AB é oposta à semi-recta _AC. �

Tendo em conta este resultado e o teorema 2.11, constatamos que sendo A um ponto

incidente a uma recta l , os A-lados de l são os interiores de duas semi-rectas opostas,

de vértice comum A. Consequentemente, dada uma semi-recta _AB existe uma única

22 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

semi-recta que lhe é oposta, fazendo sentido falar na (única) semi-recta oposta a _AB.

Assim, P é um ponto distinto de A pertencente à semi-recta oposta a _AB se e somente

se P �A�B. Concluímos também que _s1 e _s2 são duas semi-rectas opostas se e só se

_s1 [ _s2 é uma recta e _s1 \ _s2 é um conjunto singular (vértice comum a _s1 e _s2).

Tendo por base o teorema da separação da recta, demonstramos o resultado seguinte,

onde se constata que conjuntos de quatro pontos colineares se comportam como �in-

tuitivamente� esperamos que se comportem, no que diz respeito à relação estar entre.

Teorema 2.14 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A, B, C e D pontos

colineares de P.

1. Se A� B � C e B � C �D, então A� B �D e A� C �D.

2. Se A� B � C e B �D � C, então A� B �D e A�D � C.

3. Se A� B � C e A� B �D, então C = D ou B �D � C ou B � C �D.

Demonstração: Seja l a recta incidente sobre A, B, C e D.

1. Mostramos primeiro que A�B�D. Por hipótese A e C estão em B-lados opostos

de l e C e D estão no mesmo B-lado de l . Assim, pelo ponto 2 do teorema 2.10,

A e D estão em B-lados opostos de l , pelo que A� B �D.

Mostramos agora que A�C�D. Por hipótese A e B estão no mesmo C-lado de

l e B e D estão em C-lados opostos de l . Assim, pelo ponto 2 do teorema 2.10,

A e D estão em C-lados opostos de l , pelo que A� C �D.

2. Por hipótese A e C estão em B-lados opostos de l e C e D estão no mesmo

B-lado de l . Assim, pelo ponto 2 do teorema 2.10, A e D estão em B-lados

opostos de l , pelo que A� B �D e portanto A e B estão no mesmo D-lado de

l . Ora, por hipótese, B e C estão em D-lados opostos de l , logo pelo ponto 2 do

teorema 2.10, A e C estão em D-lados opostos de l , e por conseguinte A�D�C.

3. Por hipótese, A e C estão em B-lados opostos de l , e A e D estão em B-lados

opostos de l , donde pelo ponto 1 do teorema 2.10, C e D estão no mesmo B-lado

de l . Se C = D, não há mais nada a demonstrar. Suponhamos que C 6= D. Como

não podemos ter D � B � C, temos por O3 que B �D � C ou B � C �D. �

Como consequência imediata dos pontos 1 e 3 do teorema anterior, temos o seguinte:

Corolário 2.15 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C;D 2 P. Se

A� B � C, A� B �D e C 6= D, então A�D � C ou A� C �D.

2.1 Teoremas de Separação 23

No teorema seguinte constatamos que qualquer conjunto �nito de pontos colineares se

encontra ordenado, através da relação estar entre, sendo possível designar estes pontos

de forma a evidenciar esta mesma ordenação.

Teorema 2.16 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch. Dados n, n � 3, pontos

colineares e distintos dois a dois é possível designá-los por A1; A2 � � �An, por forma a

que Ai � Aj � Ak se e somente se i < j < k ou k < j < i .

Demonstração: Demonstramos o resultado por indução sobre n.

Dados três pontos colineares e distintos dois a dois, P , Q e R, O3 garante que um e

apenas um deles está entre os outros dois. Assim, podemos designar estes pontos por

A1, A2 e A3, de forma a que A1 � A2 � A3, isto é, designamos o ponto que está entre

os outros dois por A2 e os outros dois pontos por A1 e A3.

Suponhamos que, dado qualquer conjunto de n�1, n � 4, pontos colineares e distintos

dois a dois, é possível designar os seus pontos por A01; � � �A

0n�1, de tal forma que A0

i �

A0j � A0

k se e somente se i < j < k ou k < j < i .

Sejam P1; � � � ; Pn, n pontos colineares e distintos dois a dois. Dada a hipótese de

indução, temos que fP1; � � � ; Pn�1g = fA01; � � � ; A

0n�1g, de tal forma que A0

i � A0j � A0

k

se e somente se i < j < k ou k < j < i . Por O3, Pn � A01 � A0

2, ou A01 � Pn � A0

2 ou

A01�A0

2� Pn. No primeiro caso, designamos Pn por A1 e para cada i 2 f1; � � � ; n� 1g,

designamos A0i por Ai+1. No segundo caso, designamos A0

1 por A1, Pn por A2 e para

cada i 2 f2; � � � ; n � 1g, A0i por Ai+1.

Suponhamos que A01 � A0

2 � Pn. Como A01 � A0

2 � A03, pelo ponto 3 do teorema 2.14

temos que A02 � Pn � A0

3 ou A02 � A0

3 � Pn. Se A02 � Pn � A0

3, então designamos A01 e

A02 respectivamente por A1 e A2, Pn por A3 e, para cada i 2 f3; � � � ; n � 1g, A0

i por

Ai+1. Se A02 �A0

3 � Pn então, como A02 �A0

3 �A04, resulta do ponto 3 do teorema 2.14

que A03 � Pn � A0

4 ou A03 � A0

4 � Pn. Continuando o processo anteriormente descrito,

e uma vez que o conjunto de pontos considerado é �nito, temos dois casos possíveis:

A0i�Pn�A

0i+1, para algum i 2 f3; � � � ; n�2g ou A0

n�2�A0n�1�Pn. No primeiro caso, para

cada j 2 f1; � � � ; ig designamos A0j por Aj , Pn por Ai+1 e para cada k 2 fi+1; � � � ; n�1g,

A0k por Ak+1. No segundo caso, para cada i 2 f1; � � � ; n � 1g, designamos A0

i por Ai e

Pn por An.

Em qualquer um dos casos, temos que Ai � Aj � Ak se e somente se i < j < k ou

k < j < i . �

24 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

No teorema 2.3 mostrámos que uma recta determina apenas dois semiplanos. No

teorema seguinte, mostramos que cada semiplano é determinado por uma única recta.

Teorema 2.17 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch. Se H é um semiplano

determinado pela recta l1 e também pela recta l2, então l1 = l2.

Demonstração: Suponhamos que l1 6= l2. Então, pelo teorema 1:1, l1\ l2 tem, quando

muito, um ponto. Por I2 é garantida a existência de P 2 l1 n l2 e de Q 2 l2 n l1. Ora,

PQ 6= l1 pois Q =2 l1 e PQ 6= l2, já que P =2 l2. Assim, pelo teorema 1:1, PQ\ l1 = fPg

e PQ\ l2 = fQg. Sendo A uma geometria de Pasch, O2 garante a existência de pontos

A;B 2 PQ tais que A� P �Q e P �Q� B. Então A;B 2 P n (l1 [ l2) e, pelo ponto

1 do teorema 2.14, A � P � B e A � Q � B. Por conseguinte, P 2 [AB] e como

[AB] \ l1 � PQ \ l1 = fPg, [AB] \ l1 = fPg. Assim, pelo teorema 2.2, ou A 2 H ou

B 2 H, mas não ambos. Suponhamos que A 2 H. [AP ] \ l2 � PQ \ l2 = fQg, mas

como A � P � Q, Q =2 [AP ], logo [AP ] \ l2 = ;. Pelo teorema 2.2, A e P estão do

mesmo lado relativamente a l2. Como A 2 H, P 2 H, o que é absurdo, atendendo ao

facto de P ser um ponto de l1 e de l1 \H = ;. Suponhamos agora que B 2 H. Como

P�Q�B, P =2 [QB], e por outro lado, [QB]\ l1 � PQ\ l1 = fPg. Consequentemente,

[QB] \ l1 = ;. Assim, pelo teorema 2.2, Q e B são elementos de H, o que é absurdo

já que Q 2 l2 e l2 \ H = ;. Assim, a hipótese l1 6= l2 leva-nos a uma contradição, pelo

que temos necessariamente que l1 = l2. �

De�nição 8 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e S � P. B 2 S é um ponto

extremo de S, se B não está entre nenhum par de pontos distintos de S.

No resultado que se segue, constatamos que numa geometria de Pasch os únicos pontos

extremos de um segmento de recta [AB] são precisamente A e B, o que justi�ca a sua

designação.

Teorema 2.18 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A e B elementos distintos

de P. Então, os únicos pontos extremos de [AB] são A e B. Em particular, se

[AB] = [CD], então fA;Bg = fC;Dg.

Demonstração: Suponhamos que A não é ponto extremo de [AB], ou seja, que existem

X; Y 2 [AB] tais que X�A�Y . Ora, se X = B, temos que B�A�Y , o que é absurdo

já que Y 2 [AB]. Se Y = B, então X � A � B, o que é absurdo, já que X 2 [AB].

Se B =2 fX; Y g, então por O3 temos que B � A � X, ou B � X � A ou X � B � A.

Como X 2 [AB], é impossível ter B � A � X ou X � B � A. Se B � X � A, como

X�A�Y , resulta do ponto 1 do teorema 2.14 que B�A�Y , o que é absurdo, já que

2.1 Teoremas de Separação 25

Y 2 [AB]. Assim, concluímos que A não pode estar entre dois pontos de [AB] pelo que

é ponto extremo daquele conjunto. Um raciocínio análogo permite-nos concluir que B

é também ponto extremo de [AB].

Sendo X 2 [AB] n fA;Bg arbitrário, por de�nição tem-se que A� X � B, pelo que X

não é ponto extremo de [AB]. A arbitrariedade da escolha de X permite-nos concluir

que os únicos pontos extremos de [AB] são precisamente A e B.

Suponhamos agora que [AB] = [CD]. Ora, os pontos extremos de [AB] são os pontos

extremos de [CD], pelo que fA;Bg = fC;Dg. �

Teorema 2.19 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C 2 P tais que

A� C � B. Então

1. [AB] = [AC] [ [CB]

2. [AC] \ [CB] = fCg

Demonstração:

1. Seja P 2 [AB] arbitrário. Se P = A ou P = B ou P = C então P 2 [AC][ [CB].

Suponhamos que P 2 [AB] n fA;B; Cg. Sendo P , A e C colineares, por O3,

A�P �C ou P �A�C ou A�C�P . Ora, não podemos ter P �A�C, já que A

é ponto extremo de [AB]. Então apenas podemos ter A�P �C ou A�C�P . Se

A� P � C então P 2 [AC], logo P 2 [AC][ [BC]. Suponhamos que A� C � P .

Como por hipótese A � C � B, resulta do ponto 3 do teorema 2.14 que P = B

ou C � P � B ou C � B � P . Sendo P 6= B e B um ponto extremo de [AB],

concluímos que C � P � B, pelo que P 2 [CB], donde P 2 [AC] [ [CB]. Da

arbitrariedade da escolha de P concluímos que [AB] � [AC] [ [CB].

Seja P 2 [AC] [ [CB] arbitrário. Se P = A ou P = B ou P = C, então

P 2 [AB]. Suponhamos que P =2 fA;B; Cg. Como P 2 AB, por O3, P � A� B

ou P �B �A ou A� P �B. Se P �A�B, como A�C �B, então pelo ponto

2 do teorema 2.14, temos que P � A � C e P � C � B, pelo que P =2 [AC] e

P =2 [CB], o que é absurdo. Logo não se veri�ca que P � A�B. Analogamente

concluímos que não se veri�ca que P � B � A. Então A � P � B, pelo que

P 2 [AB]. Da arbitrariedade da escolha de P resulta que [AC] [ [CB] � [AB], e

consequentemente que [AC] [ [CB] = [AB].

2. Por hipótese e pelo teorema 2.11, int(_CA

)\ int

(_CB

)= ;. Ora [AC] n fCg �

int(_CA

)e [CB] n fCg � int

(_CB

), pelo que [AC] \ [CB] = fCg. �

26 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

No teorema seguinte mostramos que numa geometria de Pasch qualquer segmento de

recta tem um número in�nito de pontos.

Teorema 2.20 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch e sejam A;B 2 P tais que

A 6= B. Então [AB] tem um número in�nito de pontos.

Demonstração: Pelo teorema 2.1 existe C1 2 P tal que A� C1 � B. Ora, C1 2 [AB]

e, pelo teorema anterior, [AC1] � [AB]. Sendo A e C1 distintos, o teorema 2.1 garante

a existência de C2 2 P tal que A � C2 � C1. C2 2 [AC1], pelo que C2 2 [AB] e pelo

teorema anterior [AC2] � [AB]. O teorema 2.1 garante-nos que este processo pode

ser repetido, e portanto a existência de uma sucessão de pontos Cn, n 2 N, tal que

Cn 2 [AB], para qualquer n 2 N, e A � Cn � Cn�1 (onde C0 = B). Assim, [AB] tem

um número in�nito de pontos. �

No próximo teorema mostramos que o único ponto extremo de uma semi-recta é o seu

vértice.

Teorema 2.21 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B 2 P, tais que

A 6= B. Então o único ponto extremo da semi-recta _AB é o seu vértice, A. Em

particular, se _AB = _CD, então A = C.

Demonstração: Suponhamos que A não é ponto extremo de _AB, ou seja, que existem

X; Y 2 _AB tais que X�A�Y . Como Y 6= A, temos pelo corolário 2.12 que _AB = _AY .

Como X �A� Y , X =2 _AY = _AB, o que é absurdo. Assim, A não está entre quaisquer

dois pontos de _AB, pelo que é ponto extremo daquele conjunto. Por outro lado, seja

X 2 _AB nfAg arbitrário. Temos três casos possíveis: X = B, A�X�B ou A�B�X.

Se X = B, O2 garante a existência de P 2 P tal que A�B�P , ou seja, existe P 2 _AB

tal que A�B�P , pelo que B não é ponto extremo de _AB. Se A�X�B, X está entre

dois pontos de _AB, pelo que não é ponto extremo daquele conjunto. Se A � B � X,

O2 garante a existência de P 2 P tal que B � X � P . Ora P 2 BX = AB e como

A� B � X e B � X � P , pelo ponto 1 do teorema 2.14, A� B � P , donde P 2 _AB.

Consequentemente, X está entre dois pontos de _AB, não sendo por isso ponto extremo

daquele conjunto. Em suma, mostrámos que não existe nenhum elemento de _AB nfAg

que seja ponto extremo de _AB, pelo que A é o único ponto extremo de _AB.

Assim, se _AB = _CD, então o ponto extremo de _AB é o ponto extremo de _CD, ou seja

A = C. �

2.1 Teoremas de Separação 27

Para quaisquer dois pontos distintos A e B de uma geometria de Pasch, temos que

[AB] = [BA]. Contudo, _AB 6= _BA, como constatamos no teorema seguinte.

Teorema 2.22 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B 2 P tais que A 6= B.

Então,

1. _AB \ _BA = [AB].

2. _AB [ _BA = AB.

Demonstração:

1. Por de�nição temos que

_AB = [AB] [ fP 2 PjA� B � Pg

e que

_BA = [BA] [ fP 2 PjB � A� Pg = [AB] [ fP 2 PjB � A� Pg

Por O3, [AB], fP 2 PjA�B�Pg e fP 2 PjB�A�Pg são conjuntos disjuntos

dois a dois, donde:

_AB \ _BA = [AB] [ ([AB] \ fP 2 PjB � A� Pg)

[ (fP 2 PjA� B � Pg \ [AB])

[ (fP 2 PjA� B � Pg \ fP 2 PjB � A� Pg)

= [AB]

2. Seja X 2 _AB [ _BA arbitrário. Então X, A e B (distintos ou não), são coline-

ares. Sendo AB a única recta incidente sobre A e B, temos que X 2 AB. Da

arbitrariedade da escolha de X, resulta que _AB [ _BA � AB. Por outro lado,

consideremos X 2 AB arbitrário. Há cinco casos possíveis: X = A, X = B,

X � A� B, A�X � B ou A� B �X. Se X = A, X = B ou A�X � B, então

X 2 [AB] = _AB \ _BA. Se X � A � B então X 2 _BA. Se A � B � X, então

X 2 _AB. Em suma, se X 2 AB então X 2 _AB [ _BA. Da arbitrariedade da

escolha de X, resulta que AB � _AB [ _BA, e consequentemente AB = _AB [ _BA.

28 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

Teorema 2.23 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e l 2 L, A 2 l , H um dos

semiplanos determinados por l e B 2 H. Então:

1. AB \H = int(_AB

).

2. _BA \H = [AB] n fAg.

Demonstração: Como por hipótese B =2 l , AB 6= l , resultando do teorema 1:1 que

AB \ l = fAg.

1. Por de�nição e pelo teorema 2.5, int(_AB

)� AB \ H. Por outro lado, dado

X 2 (AB \H)nfBg, decorre do teorema 2.2 que [XB]\ l = ;, donde A =2 [XB] e

por conseguinte X 2 int(_AB

). Dada a arbitrariedade da escolha de X concluímos

que AB \H � int(_AB

)e consequentemente que AB \H = int

(_AB

).

2. Pelo ponto anterior e por de�nição, [AB] n fAg � _BA \ H. Seja X 2 H \ _BA

arbitrário. Então X 6= A. Se X = B, X 2 [BA] n fAg. Caso contrário, temos por

de�nição que B � X � A ou que B � A� X. Se B � A� X então pelo teorema

2.2, B e X estão em lados opostos relativamente a l , pelo que X =2 H, o que é

absurdo. Assim, A � X � B, e portanto X 2 [AB] n fAg. Da arbitrariedade da

escolha de X resulta que _BA\H � [AB]nfAg, e portanto _BA\H = [AB]nfAg.

Com o próximo resultado, constatamos que o único ponto extremo de um ângulo é o

seu vértice.

Teorema 2.24 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C 2 P três pontos

não colineares. Então B é o único ponto extremo de \ABC. Em particular, se \ABC =

\DEF então B = E.

Demonstração: Começamos por mostrar que nenhum elemento de \ABC n fBg é

ponto extremo daquele conjunto. Dado X 2 \ABC n fBg arbitrário, X 2 _BA n fBg

ou X 2 _BC n fBg. Suponhamos que X 2 _BA n fBg. Sendo B o único ponto extremo

de _BA, X está entre dois elementos de _BA, que são, por de�nição, elementos de

\ABC. Consequentemente, X não é ponto extremo de \ABC. Por um raciocínio

análogo mostramos que se X 2 _BC nfBg então X não é ponto extremo de \ABC. Da

arbitrariedade da escolha de X resulta que nenhum elemento de \ABC n fBg é ponto

extremo deste conjunto.

Mostramos agora que B é ponto extremo de \ABC. Suponhamos, por redução ao

absurdo, que B não é ponto extremo de \ABC, ou seja, que existem X; Y 2 \ABC

2.1 Teoremas de Separação 29

tais que X � B � Y . Sendo X 2 \ABC, X 2 _BA ou X 2 _BC. Suponhamos que

X 2 _BA. Como X 6= B, mais uma vez pelo corolário 2.12, _BA = _BX. Além disso,

como Y � B � X, Y =2 _BX, implicando o facto de Y ser um elemento de \ABC que

Y 2 _BC. Porque Y 6= B, pelo corolário 2.12, _BY = _BC. Assim temos que B 2 XY ,

A 2 _BX � XY e C 2 _BY � XY , ou seja, a recta XY passa por A, B e C, o que

é absurdo, já que por hipótese aqueles três pontos são não colineares. Um raciocínio

análogo mostra que se X � B � Y e se X 2 _BC os pontos A, B e C são colineares,

uma vez que são incidentes a XY , o que é absurdo. Assim concluímos que B é o único

ponto extremo de \ABC.

Se \ABC = \DEF , então o ponto extremo de \ABC é o ponto extremo de \DEF ,

ou seja, B = E. �

Teorema 2.25 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch e sejam \BAC e \DAE

dois ângulos de A. Então \BAC = \DAE se e somente se _AB = _AD e _AC = _AE ou

se _AB = _AE e _AC = _AD.

Demonstração: Sendo, por hipótese, A, B e C não colineares, _AB \ _AC = fAg, e

sendo A, D e E não colineares _AD \ _AE = fAg.

Suponhamos que \BAC = \DAE. Então _AB � \DAE. Pelas observações anteriores

B =2 _AD \ _AE, logo B 2 _AD ou B 2 _AE, mas não ambas as situações.

Se B 2 _AD, então pelo corolário 2.12, _AB = _AD. Neste caso, _AC \ _AD = fAg, pelo

que C =2 _AD, e como _AC � \DAE, temos que C 2 _AE, logo pelo corolário 2.12,_AC = _AE.

Se B 2 _AE, concluímos por um raciocínio análogo que _AB = _AE e que _AC = _AD.

Se _AB = _AD e _AC = _AE ou se _AB = _AE e _AC = _AD, então é evidente que_AB [ _AC = _AD [ _AE, ou seja, \BAC = \DAE. �

Corolário 2.26 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch e sejam \ABC e \DEF

dois ângulos de A. \ABC = \DEF se e só se _BA = _ED e _BC = _EF ou _BA = _EF e_BC = _ED.

Demonstração: Suponhamos que \ABC = \DEF . Então pelo teorema 2.24 temos

que B = E, e pelo teorema 2.25 temos que _BA = _ED e _BC = _EF ou _BA = _EF e_BC = _ED. Por outro lado, se _BA = _ED e _BC = _EF ou _BA = _EF e _BC = _ED, é

evidente que \ABC = \DEF . �

30 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

Não havendo perigo de ambiguidade, e tendo em conta os resultados anteriores, um

ângulo \ABC pode ser simplesmente designado por \B. Assim, os ângulos internos

de um triângulo [ABC] podem ser designados por \A, \B e \C.

Teorema 2.27 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C 2 P, tais que A,

B e C são não colineares. Então os únicos pontos extremos do triângulo [ABC] são A,

B e C. Em particular, se [ABC] = [DEF ], então fA;B; Cg = fD;E; Fg.

Demonstração: Começamos por demonstrar por redução ao absurdo, que B é ponto

extremo de [ABC]. Suponhamos que X � B � Y , para alguns X; Y 2 [ABC]. Vamos

mostrar que, neste caso, X; Y 2 [AC].

Sendo X 2 [ABC], X 2 [AB], X 2 [BC] ou X 2 [AC]. Se X 2 [AB], como X 6= B,

A�X�B ou X = A. Em qualquer um dos casos, temos A�B�Y , e consequentemente

Y =2 [AB], mas Y 2 AB. Se Y 2 [BC], então Y 2 BC, pelo que fB; Y g � AB \ BC.

Como Y 6= B, resulta do teorema 1.1 que AB = BC, o que é absurdo, uma vez que

A, B e C são colineares. Assim, Y =2 [BC]. Se Y 2 [AC], então Y 2 AC, pelo que

fA; Y g � AB \ AC, e sendo Y 6= A, temos pelo teorema 1.1 que AB = AC, o que é

absurdo. Assim, Y =2 [AC]. Em suma, mostrámos que se X 2 [AB] então Y =2 [AB],

Y =2 [BC] e Y =2 [AC], o que é absurdo, já que Y 2 [ABC]. Então X =2 [AB]. Por um

raciocínio semelhante, mostramos que X =2 [BC]. Assim, sendo X 2 [ABC], X 2 [AC].

Pelo mesmo padrão de argumentação, podemos concluir que Y 2 [AC].

Assim, como X � B � Y e X; Y 2 AC, temos que B 2 AC, o que é absurdo. Por

conseguinte, B é ponto extremo de [ABC]. Raciocínios semelhantes mostram que A e

C são também pontos extremos de [ABC].

Por outro lado, sendo X 2 [ABC]nfA;B; Cg arbitrário, então A�X�B, ou B�X�C

ou A�X�C, pelo que X não é ponto extremo de [ABC]. Da arbitrariedade da escolha

de X, concluímos que A, B e C são os únicos pontos extremos de [ABC].

Se [ABC] = [DEF ], então os pontos extremos de [ABC] são os pontos extremos de

[DEF ], pelo que fA;B; Cg = fD;E; Fg. �

De�nição 9 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C 2 P pontos não

colineares.

1. O interior do ângulo \ABC é o conjunto HA \ HC, onde HA é o semiplano

determinado por BC que contém A, e HC o semiplano determinado por AB que

contém C. Denotamos este conjunto por int (\ABC).

2.1 Teoremas de Separação 31

2. O interior do triângulo [ABC] é o conjunto int (\ABC)\int (\BAC)\int (\ACB).

Denotamos este conjunto por int [ABC].

3. Sendo D 2 P, dizemos que a semi-recta _BD está entre as semi-rectas _BA e _BC

se D 2 int (\ABC).

Decorre de imediato da de�nição que int [ABC] = HA\HB\HC, onde HB é o semiplano

determinado por AC que contém B. Além disso, podemos dizer que a semi-recta _BD

está entre as semi-rectas _BA e _BC se _BA e _BC forem duas semi-rectas distintas e não

opostas e D 2 int (\ABC).

Os dois teoremas seguintes fornecem-nos testes para veri�car se um dado ponto P

pertence ao interior de um ângulo \ABC.

Teorema 2.28 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C;D 2 P tais que

A, B e C são não colineares e D 2 AC. D é um ponto do interior do ângulo \ABC se

e somente se A�D � C.

Demonstração: Sejam HC o semiplano determinado por AB que contém C e HA o

semiplano determinado por BC que contém A. Então int (\ABC) = HA \HC.

Mostramos que AC \ int (\ABC) = int [AC]. Ora,

AC \ int (\ABC) = AC \ (HA \HC)

= (AC \HA) \HC

= int(_CA

)\HC

= int [AC]

resultando as duas últimas igualdades, respectivamente, dos pontos 1 e 2 do teorema

2.23. Fica assim demonstrado que se D 2 AC então D 2 int (\ABC) se e só se

D 2 int [AC]. �

Na demonstração do teorema anterior está contida a demonstração do seguinte:

Corolário 2.29 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e \ABC um ângulo de A.

Então AC \ int (\ABC) = int [AC].

Teorema 2.30 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C; P 2 P tais que

A, B e C são não colineares. P 2 int (\ABC) se e só se A e P estão do mesmo lado

relativamente a BC e C e P estão do mesmo lado relativamente a BA.

32 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

Demonstração: Seja HA o semiplano determinado por BC que contém A e HC o

semiplano determinado por BA que contém C. Ora, se P 2 int (\ABC), então P 2

HA\HC, pelo que P 2 HA e A e P estão do mesmo lado relativamente a BC, e P 2 HC

e C e P estão do mesmo lado relativamente a BA.

Suponhamos agora que A e P estão do mesmo lado relativamente a BC e C e P estão

do mesmo lado relativamente a BA. Então P 2 HA \HC, ou seja, P 2 int (\ABC). �

Os teoremas 2.1 e 2.28, permitem-nos concluir que, numa geometria de Pasch, o interior

de qualquer ângulo é um conjunto não vazio. Como iremos constatar na próxima secção,

o interior de qualquer triângulo é também um conjunto não vazio.

2.2 Conjuntos Convexos. Teorema do Cruzamento

De�nição 10 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e S � P. S é um conjunto

convexo se para quaisquer X; Y 2 S tais que X 6= Y , [XY ] � S.

Resulta de imediato da de�nição que o conjunto vazio, assim como qualquer conjunto

singular, são conjuntos convexos.

No teorema seguinte mostramos que a intersecção de dois conjuntos convexos é um

conjunto convexo.

Teorema 2.31 SejamA = (P;L) uma geometria de Pasch e S1; S2 � P dois conjuntos

convexos. Então S1 \ S2 é um conjunto convexo.

Demonstração: Se S1 \S2 é o conjunto vazio ou um conjunto singular, então S1 \S2

é um conjunto convexo. Suponhamos que S1 \ S2 contém pelo menos dois elementos

distintos, e sejam X; Y 2 S1 \ S2 arbitrários, tais que X 6= Y . Uma vez que X; Y 2

S1 \ S2, X; Y 2 S1, e porque este conjunto é convexo, [XY ] � S1. Analogamente,

[XY ] � S2, e consequentemente [XY ] � S1 \ S2. Da arbitrariedade da escolha de X e

Y resulta que S1 \ S2 é convexo. �

Deste teorema, assim como da associatividade da intersecção de conjuntos, resulta de

imediato o seguinte:

Corolário 2.32 Numa geometria de Pasch, a intersecção de qualquer família �nita de

conjuntos convexos é um conjunto convexo.

2.2 Conjuntos Convexos. Teorema do Cruzamento 33

Teorema 2.33 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch, e sejam S � P um con-

junto convexo e l 2 L tal que l \ S = ;. Então S está contido num dos semiplanos

determinados por l .

Demonstração: Se S for o conjunto vazio, não há nada a demonstrar. Caso contrário,

seja P um ponto de S. Como P =2 l , P está num dos semiplanos determinados por l . Se

S for um conjunto singular, o resultado está demonstrado. Caso contrário, seja Q 2 S

tal que Q 6= P arbitrário. Sendo S convexo, [PQ] � S. Como, por hipótese S \ l = ;,

[PQ]\ l = ;. Assim, pelo teorema 2.2, P e Q estão do mesmo lado relativamente a l .

Da arbitrariedade da escolha de P resulta que S está contido no semiplano determinado

por l que contém P . �

Nos resultados seguintes constatamos que, numa geometria de Pasch, rectas, semi-

-rectas, segmentos de recta e semiplanos são conjuntos convexos.

Teorema 2.34 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch, l 2 L e A;B 2 P distintos.

Então:

1. l é um conjunto convexo;

2. _AB é um conjunto convexo;

3. [AB] é um conjunto convexo;

4. int [AB] é um conjunto convexo;

5. int(_AB

)é um conjunto convexo.

Demonstração:

1. Dados X; Y 2 l tais que X 6= Y , se Z 2 [XY ]nfX; Y g então X�Z�Y , pelo que

X, Y e Z são colineares, e consequentemente Z 2 XY = l . Assim, [XY ] � l .

Da arbitrariedade da escolha de X e de Y , resulta que l é um conjunto convexo.

2. Sejam X; Y 2 _AB tais que X 6= Y arbitrários. Se X = A, pelo corolário 2.12,_AB = _XY . Por de�nição, [XY ] � _XY , ou seja [XY ] � _AB. Por um raciocínio

análogo, concluímos que se Y = A, [XY ] � _AB.

Suponhamos agora que A =2 fX; Y g. Pelo corolário 2.12, _AB = _AX, donde,

A � X � Y ou A � Y � X. Dado P 2 [XY ] n fX; Y g arbitrário, X � P � Y ,

logo pelo ponto 2 do teorema 2.14 temos que A � X � P ou A � P � X, pelo

que P 2 _AX, ou seja, P 2 _AB. Da arbitrariedade da escolha de P resulta que

[XY ] � _AB e da arbitrariedade da escolha de X e Y obtém-se o resultado.

34 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

3. Pelo ponto 1 do teorema 2.22, [AB] = _AB \ _BA, logo pelo ponto anterior e pelo

teorema 2.31, [AB] é um conjunto convexo.

4. Pelo que foi demonstrado no teorema 2.20, o interior de um segmento de recta

contém uma in�nidade de pontos. Assim, dados P;Q 2 int [AB] tais que P 6= Q

arbitrários, pelo ponto anterior temos que [PQ] � [AB]. Por conseguinte, sendo

X 2 [PQ] tal que P � X � Q, X 2 [AB], e X =2 fA;Bg, uma vez que, pelo

teorema 2.18, A e B são pontos extremos de [AB]. Assim, X 2 [AB] n fA;Bg =

int [AB]. Da arbitrariedade da escolha de X, concluímos que [PQ] � int [AB], e

da arbitrariedade da escolha de P e Q, concluímos que int [AB] é convexo.

5. Um raciocínio análogo ao realizado no ponto anterior mostra que o interior de

uma semi-recta é também um conjunto convexo. �

Teorema 2.35 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e l 2 L. Se S é uma recta,

uma semi-recta, um segmento de recta, o interior de uma semi-recta ou o interior de um

segmento de recta tal que S \ l = ;, então S é um subconjunto de um dos semiplanos

determinados por l .

Demonstração: Por hipótese e pelo teorema 2.34, S é um conjunto convexo que não

intersecta l . Resulta de imediato do teorema 2.33 que S é um subconjunto de um dos

semiplanos determinados por l . �

No teorema 2.5 demonstrámos que, numa geometria de Pasch, dada uma recta l e uma

semi-recta _AB, tal que A 2 l e B =2 l , o interior de _AB é um subconjunto do semiplano

determinado por l que contém B. Esse resultado é, portanto, um caso particular do

teorema anterior.

Corolário 2.36 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch e seja \ABC um ângulo

de A. Se a semi-recta _BD está entre as semi-rectas _BA e _BC, então int(_BD

)�

int (\ABC).

Demonstração: Por de�nição, int (\ABC) = HA \HC, onde HA é o semiplano deter-

minado por BC que contém A e HC é o semiplano determinado por AB que contém C.

Por hipótese, D 2 int (\ABC), logo pelo teorema anterior, int(_BD

)� HA \ HC, ou

seja int(_BD

)� int (\ABC). �

Mostrámos anteriormente que numa geometria de Pasch A = (P;L) a intersecção de

uma família �nita de conjuntos convexos é um conjunto convexo. Todavia, a reunião de

conjuntos convexos nem sempre é um conjunto convexo. Por exemplo, se A;B; C 2 P

2.2 Conjuntos Convexos. Teorema do Cruzamento 35

são não colineares, \ABC não é um conjunto convexo, apesar de ser a reunião dos

conjuntos convexos _BA e _BC. De facto, seja X 2 [AC] tal que A � X � C, cuja

existência é garantida pelo teorema 2.1. Se X 2 _BA, AX = AB, e como C 2 AX,

C 2 AB, o que é absurdo. Assim, X =2 _BA. Por um raciocínio análogo, concluímos

que X =2 _BC, e por conseguinte, que X =2 \ABC. Consequentemente, [AC] não é um

subconjunto de \ABC, pelo que \ABC não é um conjunto convexo.

Mostramos também que se A;B; C 2 P são não colineares então o triângulo [ABC]

não é convexo. De facto, seja X 2 [BC] tal que B � X � C e seja Z 2 [AX] tal que

X �Z � A, sendo a existência de X e de Z garantida pelo teorema 2.1. Se Z 2 [AB],

AZ = AB. Ora X 2 AZ, pelo que X 2 AB, logo BX = AB. Assim, como C 2 BX,

C 2 AB, o que é absurdo. Então Z =2 [AB]. Analogamente concluímos que Z =2 [AC].

Se Z 2 [BC], então XZ = BC, e como A 2 XZ, temos que A 2 BC, o que é

absurdo. Assim, Z =2 [BC]. Em suma, mostrámos que Z =2 [AB] [ [AC] [ [BC], pelo

que Z =2 [ABC]. Por conseguinte, A;X 2 [ABC], mas [AX] não é um subconjunto de

[ABC], e consequentemente [ABC] não é um conjunto convexo.

Contudo, há casos em que a reunião de conjuntos convexos é ainda um conjunto

convexo, como podemos constatar nos resultados seguintes.

Teorema 2.37 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch, l 2 L e H um dos semi-

planos determinados por l . Então:

1. H é um conjunto convexo.

2. l [H, ou seja H, é um conjunto convexo.

Demonstração:

1. Sejam X; Y 2 H tais que X 6= Y . Pelo teorema 2.2, [XY ] \ l = ;. Então, pelo

teorema 2.35, [XY ] é um subconjunto de um dos semiplanos determinados por l .

Sendo X; Y 2 H, [XY ] � H. Da arbitrariedade da escolha de X e Y resulta que

H é um conjunto convexo.

2. Sejam A;B 2 l [ H arbitrários tais que A 6= B. Se A;B 2 H, [AB] � H, já que

pelo ponto anterior, H é convexo. Por conseguinte, [AB] � H [ l . Se A;B 2 l ,

então [AB] � l , já que pelo ponto 1 do teorema 2.34, l é um conjunto convexo.

Consequentemente, [AB] � H [ l . Suponhamos que A 2 l e que B 2 H. Como

[AB] n fAg � _AB n fAg, e como pelo teorema 2.35, _AB n fAg � H, temos que

[AB] � H [ l . Da arbitrariedade da escolha de A e de B resulta que H [ l é

convexo. �

36 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

Como já observámos, numa geometria de Pasch, um ângulo ou um triângulo não são

conjuntos convexos. Não obstante, o conjunto que resulta da união de um ângulo ou

de um triângulo com o respectivo interior é convexo.

Teorema 2.38 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch e sejam A;B; C 2 P três

pontos não colineares. Então:

1. int (\ABC) é um conjunto convexo;

2. int [ABC] é um conjunto convexo;

3. \ABC [ int (\ABC) é um conjunto convexo;

4. [ABC] [ int [ABC] é um conjunto convexo.

Demonstração: Seja HA o semiplano determinado por BC que contém A, HB o semi-

plano determinado por AC que contém B e HC o semiplano determinado por AB que

contém C.

1. Por de�nição, int (\ABC) = HA\HC. Ora HA e HC são, pelo ponto 1 do teorema

2.37, conjuntos convexos. Assim, pelo teorema 2.31, int (\ABC) é um conjunto

convexo.

2. Por de�nição, int [ABC] = int (\ABC) \ int (\ACB) \ int (\BAC), logo pelo

ponto anterior e pelo corolário 2.32, int [ABC] é um conjunto convexo.

3. Começamos por mostrar que \ABC [ int (\ABC) = HA \ HC. De facto, aten-

dendo ao ponto 1 do teorema 2.23,

HA \HC = (HA [ BC) \ (HC [ AB)

= int (\ABC) [ _BA n fBg [ _BC n fBg [ fBg

= int (\ABC) [ \ABC:

Assim, int (\ABC) [ \ABC é, pelo ponto 2 do teorema 2.37, a intersecção de

dois conjuntos convexos, sendo, pelo teorema 2.31, um conjunto convexo.

4. Mostramos que [ABC][int [ABC] = HA\HB\HC. Já observámos que int [ABC] =

2.2 Conjuntos Convexos. Teorema do Cruzamento 37

HA \HB \HC. Ora, atendendo ao teorema 2.23 e ao corolário 2.29,

HA \HB \HC =[_BA [ _BC [ (HA \HC)

]\HB

=[_BA [ _BC [ (HA \HC)

]\ (HB [ AC)

=(_BA \HB

)[

(_BA \ AC

)[

(_BC \HB

)[

(_BC \ AC

)[

[ int [ABC] [ [int (\ABC) \ AC]

= [AB] n fAg [ fAg [ [BC] n fCg [ fCg [ int [ABC] [ int [AC]

= [ABC] [ int [ABC]

Assim, [ABC] [ int [ABC] é, pelo ponto 2 do teorema 2.37, a intersecção de

conjuntos convexos, logo pelo corolário 2.32 é um conjunto convexo.

O teorema seguinte é vulgarmente conhecido como Teorema do Z.

Teorema 2.39 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; P;Q 2 P tais que

A 6= B e P e Q estão em lados opostos relativamente a AB. Então _AP \ _BQ = ;. Em

particular [AP ] \ [BQ] = ;.

Demonstração: Pelo teorema 2.35, int(_AP

)e int

(_BQ

)estão contidos em diferentes

semiplanos determinados por AB, logo int(_AP

)\ int

(_BQ

)= ;. Ora A =2 BQ, uma

vez que Q =2 AB. Por conseguinte, _AP \ int(_BQ

)= ;. Por outro lado, B =2 AP , uma

vez que P =2 AB. Consequentemente, _AP \ _BQ = ;. Por último, como [AP ] � _AP e

[BQ] � _BQ, [AP ] \ [BQ] � _AP \ _BQ, e por conseguinte, [AP ] \ [BQ] = ;. �

O teorema seguinte é conhecido por teorema do cruzamento ou teorema da barra

cruzada, sendo vulgarmente conhecido na literatura matemática anglo-saxónica por

crossbar theorem.

Teorema 2.40 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C; P 2 P tais que

A, B e C são não colineares e P 2 int (\ABC). Então a semi-recta _BP intersecta

[AC] num único ponto F tal que A� F � C.

Demonstração: Seja HA o semiplano determinado por BC que contém A e seja HC o

semiplano determinado por BA que contém C. Então P 2 HA \ HC, e pelo corolário

2.36, int(_BP

)� HA \ HC. Seja E 2 P tal que C � B � E. Tal ponto existe por O2.

Ora E =2 BA, uma vez que A, B e C são não colineares. Então pelo teorema 2.2, E

e C estão em lados opostos relativamente a BA. Como P e C estão do mesmo lado

relativamente a BA, resulta do ponto 2 do teorema 2.4 que P e E estão em lados

opostos relativamente a BA. Do teorema do Z (2.39) decorre que _AE \ _BP = ;, e

38 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

portanto [AE]\ _BP = ;. Seja Q 2 P tal que P �B�Q, cuja existência é garantida por

O2. Ora Q =2 BC, pois P 2 int (\ABC), logo P =2 BC. Resulta do teorema 2.2 que P

e Q estão em lados opostos relativamente a BC = BE. Como P 2 int (\ABC), P e

A estão do mesmo lado relativamente a BE, logo pelo ponto 2 do teorema 2.4, A e Q

estão em lados opostos relativamente a BE. Mais uma vez do teorema do Z (2.39),

resulta que _EA\ _BQ = ;, e logo que [EA]\ _BQ = ;. Ora como P �B�Q, temos pelo

teorema 2.13 que BP = _BP [ _BQ, donde [EA] \ BP = ;. Os pontos E, A e C são

não colineares, uma vez que A =2 BC = EC. C =2 BP , uma vez que P 2 int (\ABC),

logo P =2 BC. Assim, pelo axioma de Pasch (O4) concluímos que existe F 2 BP tal

que A� F � C. Se F =2 _BP , então F � B � P , resultando do teorema 2.2 que F e P

estão em lados opostos relativamente a BC, e portanto F =2 HA, o que é absurdo já

que, pelo teorema 2.28, F 2 int (\ABC). Portanto F 2 _BP .

Por outro lado, como A, B e C são não colineares, B =2 AC logo BP 6= AC, decorrendo

do teorema 1.1 que BP \ AC = fFg, e por conseguinte, _BP \ [AC] = fFg. �

Observe-se que tanto o teorema do cruzamento como o axioma de Pasch se referem ao

que acontece quando uma recta intersecta um triângulo. Observámos anteriormente

que, segundo o axioma de Pasch, se uma recta não contém nenhum dos vértices de um

triângulo, então intersecta no máximo dois dos seus lados. Com o teorema do cruza-

mento constatamos que se uma recta l contém um dos vértices, B, de um triângulo,

[ABC], e um ponto do interior de \ABC, D, como _BD � l , l intersecta o lado oposto

ao vértice B, [AC], intersectando portanto os três lados do triângulo.

Os resultados que se seguem fornecem-nos mais testes para veri�car se um dado ponto

pertence ao interior de um ângulo.

Teorema 2.41 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C; P 2 P tais que

A, B e C são não colineares. Se [CP ] \ AB = ; então P 2 int (\ABC) se e só se A e

C estão em lados opostos relativamente a BP .

Demonstração: Se P 2 int (\ABC) então pelo teorema do cruzamento (2.40), existe

um único ponto F 2 _BP tal que A� F � C. Por conseguinte, [AC] \ BP 6= ;. Como

P 2 int (\ABC), A =2 BP e C =2 BP , logo pelo teorema 2.2, A e C estão em lados

opostos relativamente a BP .

Suponhamos agora que A e C estão em lados opostos relativamente a BP e que

[CP ] \ AB = ;. Designamos por HA o semiplano determinado por BC que contém A

e por HC o semiplano determinado por AB que contém C. Pelo teorema 2.2, P 2 HC.

2.2 Conjuntos Convexos. Teorema do Cruzamento 39

Mostramos que P 2 HA. Como A e C estão em lados opostos relativamente a BP ,

resulta do teorema do Z (2.39), que [AP ] \ _BC = ;. Por O2, existe Q 2 P tal que

C � B � Q. Como C =2 AB, Q =2 AB, resultando do teorema 2.2 que C e Q estão

em lados opostos relativamente a AB, resultando do ponto 2 do teorema 2.4 que Q

e P estão em lados opostos relativamente a AB. Assim, mais uma vez pelo teorema

do Z (2.39), [AP ] \ _BQ = ;. Decorre do teorema 2.13 que BC = _BC [ _BQ, logo

[AP ]\BC = [AP ]\(_BC [ _BQ

)= ;, donde pelo teorema 2.2, A e P estão do mesmo

lado relativamente a BC, ou seja P 2 HA. Assim, P 2 HA\HC, isto é, P 2 int (\ABC).

Teorema 2.42 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C;D; P 2 P tais

que A, B e C são não colineares, D, B e P são não colineares e A � B � D. Então

P 2 int (\ABC) se e só se C 2 int (\DBP ).

Demonstração: Seja HA o semiplano determinado por BC que contém A, HC o semi-

plano determinado por AB que contém C, HP o semiplano determinado por BD = AB

que contém P e HD o semiplano determinado por BP que contém D.

Suponhamos que P 2 int (\ABC). Então [CP ] \ BD = ;. Como AD \ BC = fBg,

[AD]\BC = fBg, logo pelo teorema 2.2, A e D estão em lados opostos relativamente

a BC. Por outro lado, A e P estão do mesmo lado relativamente a BC, logo pelo

ponto 2 do teorema 2.4, P e D estão em lados opostos relativamente a BC. Resulta

do teorema anterior que C 2 int (\DBP ).

Suponhamos agora que C 2 int (\DBP ). Ora, P =2 AB, pelo que BP \ AB = fBg, e

por conseguinte, [AD] \ BP = fBg. Assim, pelo teorema 2.2, A e D estão em lados

opostos relativamente a BP . Ora, C 2 HD, logo pelo ponto 2 do teorema 2.4, A e

C estão em lados opostos relativamente a BP . Além disso, como C 2 int (\DBP ),

C 2 HP , pelo que [CP ]\AB = ;. Resulta do teorema anterior que P 2 int (\ABC). �

Teorema 2.43 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch e sejam A;B; C 2 P três

pontos não colineares. Se a semi-recta _AD está entre as semi-rectas _AB e _AC e se a

semi-recta _AE está entre as semi-rectas _AD e _AC então a semi-recta _AE também está

entre as semi-rectas _AB e _AC.

Demonstração: Por hipótese, D 2 int (\BAC), logo pelo teorema do cruzamento

(teorema 2.40), existe D0 2 [BC] \ _AD tal que B � D0 � C. Pelo corolário 2.12,_AD = _AD0. Por hipótese, E 2 int (\D0AC), logo, mais uma vez pelo teorema do

cruzamento (2.40), existe E 0 2 [D0C] \ _AE tal que D0 � E 0 � C. Pelo corolário 2.12,

40 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

_AE = _AE 0. Pelo ponto 2 do teorema 2.14, temos que B � E 0 � C, e pelo teorema

2.28, E 0 2 int (\BAC). Então, temos por de�nição que a semi-recta _AE 0 está entre as

semi-rectas _AB e _AC, ou seja, a semi-recta _AE está entre as semi-rectas _AB e _AC. �

Teorema 2.44 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C;D;E 2 P tais

que A, B e C são não colineares e A � D � B e A � E � C. Então existe M 2 P tal

que [EB] \ [DC] = fMg.

Demonstração: Os pontos A, E e B são não colineares, já que E 2 AC n fAg. Por

outro lado, CD \ fA;B;Eg = ;, pelo facto de A, B e C serem não colineares e porque

por hipótese A � E � C e A � D � B. Assim AC \ CD = fCg, e como A � E � C,

[AE] \ CD = ;. Do axioma de Pasch (O4) conclui-se que existe M1 2 CD tal que

E �M1 � B.

Por um raciocínio análogo, aplicando o axioma de Pasch ao triângulo [ADC] e à recta

EB concluímos que existeM2 2 EB tal que D�M2�C. Assim, fM1;M2g � DC\EB.

Se M1 6= M2 então pelo teorema 1:1, DC = EB e A;B; C 2 EC, o que é absurdo.

Assim, M1 = M2 = M, e [EB] \ [DC] = fMg. �

Como já observámos, numa geometria de Pasch, o interior de qualquer ângulo é um

conjunto não vazio. Mostramos agora que o interior de qualquer triângulo é também

um conjunto não vazio.

Teorema 2.45 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch e A;B; C 2 P não coline-

ares. Então int [ABC] 6= ;.

Demonstração: Seja HA o semiplano determinado por BC que contém A, HB o semi-

plano determinado por AC que contém B e HC o semiplano determinado por AB que

contém C. Então int [ABC] = HA \ HB \ HC. Pelo teorema 2.1, existe X 2 P tal

que B�X �C. Ora pelo teorema 2.28, X 2 int (\BAC), resultando do corolário 2.36

que int(_AX

)� int (\BAC). Mais uma vez pelo teorema 2.1, existe Y 2 P tal que

A � Y � X. Como Y 2 int(_AX

), Y 2 int (\BAC), ou seja Y 2 HB \ HC. Por outro

lado, Y 2 int(_XA

), e pelo teorema 2.35, int

(_XA

)� HA, pelo que Y 2 HA. Assim,

Y 2 HA \HB \HC, pelo que Y 2 int [ABC], e consequentemente int [ABC] 6= ;. �

Teorema 2.46 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch, A;B; C 2 P pontos não

colineares e l 2 L. Se l contém um ponto D pertencente ao interior do triângulo [ABC],

l intersecta pelo menos um dos lados do triângulo.

2.2 Conjuntos Convexos. Teorema do Cruzamento 41

Demonstração: Se l contém um dos vértices do triângulo [ABC], não há nada a

demonstrar. Suponhamos que l não contém nenhum dos vértices do triângulo. Pelo

axioma de Pasch (O4) l não pode intersectar os três lados do triângulo. Suponhamos

que l não intersecta [AB]. Pelo teorema do cruzamento (2.40), a semi-recta _CD

intersecta o segmento [AB] num ponto F tal que A � F � B. Como F 2 _CD e

D 2 int [ABC], não podemos ter F = D, F = C, nem C�F �D, pelo que C�D�F .

Ora, A, F e C são não colineares, l \ fA;C; Fg = ; e l intersecta [CF ] num ponto

do seu interior. Como l \ [AF ] = ;, uma vez que, pelo ponto 1 do teorema 2.19,

[AF ] � [AB], concluímos pelo axioma de Pasch que existe E 2 int [AC] \ l . Também

pelo axioma de Pasch, podemos concluir que existe G 2 int [BC] \ l . Por conseguinte,

a recta l intersecta dois lados do triângulo [ABC].

No caso em que l não intersecta [AC] ou [BC], raciocínios análogos mostram que l

intersecta os outros dois lados do triângulo. �

Nos dois resultados seguintes observamos que uma semi-recta emergente de um ponto

do interior de um triângulo intersecta pelo menos um dos seus lados, e que uma semi-

-recta emergente de um ponto do exterior de um triângulo T , P n (T [ int (T )), e que

intersecta um dos seus lados num ponto do seu interior intersecta também pelo menos

um dos outros dois lados do triângulo.

Teorema 2.47 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch, A;B; C;D;E 2 P tais

que A, B e C são não colineares, D 2 int [ABC] e D 6= E. Então a semi-recta _DE

intersecta pelo menos um dos lados de [ABC] e se não contém nenhum dos vértices

então intersecta apenas um dos lados do triângulo.

Demonstração: Sendo A, B e C pontos não colineares, a recta DE não pode conter

aqueles três pontos. Por outro lado, sendo D um ponto do interior de [ABC], DE não

pode conter dois vértices de [ABC]. Assim, DE contém, no máximo, um vértice de

[ABC].

Suponhamos que A 2 DE. Então, pelo teorema 2.11, temos duas situações possíveis:

A 2 _DE ou A�D � E. Se A 2 _DE, o resultado está demonstrado. Suponhamos que

A�D�E. Pelo teorema do cruzamento (2.40), _AD intersecta [BC] num ponto F tal

que B�F�C. Sendo F 2 _AD e D 2 int [ABC], temos que A�D�F . Como A�D�E,

resulta do ponto 3 do teorema 2.14 que F 2 _DE. Se _DE intersecta o lado [AB] num

ponto diferente de A, então pelo teorema 1.1, AB = AD, o que é absurdo, uma vez

que D 2 int [ABC]. Assim, _DE não intersecta [AB]. De modo análogo concluímos que

42 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

_DE não intersecta [AC], intersectando apenas um dos lados do triângulo. Se B 2 DE

ou C 2 DE, o mesmo padrão de argumentação permite concluir o resultado.

Suponhamos agora que DE não contém nenhum vértice do triângulo [ABC]. Então,

pelo teorema anterior, DE intersecta dois lados do triângulo em pontos dos seus inte-

riores, digamos F e G. Sendo F , G e D, pontos distintos dois a dois, temos por O3

que F �G�D, G�F �D ou G�D�F . Sendo D um ponto do interior do triângulo,

facilmente se constata que não podemos ter F �G�D nem G�F �D. Assim, temos

G�D�F . Pelo teorema 2.11, E 2 _DF ou E 2 _DG, logo, pelo corolário 2.12, F 2 _DE

ou G 2 _DE. Por conseguinte, _DE intersecta um único lado de [ABC]. �

Teorema 2.48 Sejam A = (P;L) uma geometria de Pasch, A;B; C;D;E 2 P tais que

A, B e C são não colineares, D 2 P n ([ABC] [ int [ABC]) e D 6= E. Se existe um

ponto F tal que F 2 _DE \ int [AB] , então a semi-recta _DE intersecta [AC] ou [BC].

Demonstração: Vamos considerar separadamente os casos: D 2 AB ou D =2 AB.

Se D 2 AB, como D =2 [ABC], temos por O3 que D�A�B ou D�B�A. Suponhamos

que D � A � B. Então, como A � F � B, resulta do ponto 2 do teorema 2.14 que

D � A� F e D � F �B, pelo que A;B 2 _DF . Sendo, pelo corolário 2.12, _DF = _DE,_DE intersecta [AC] e [BC]. Se D � B � A, por um raciocínio análogo chegamos à

mesma conclusão.

Suponhamos que D =2 AB. Então _DE \ [AB] = fFg. Assim, como D 6= F , temos pelo

corolário 2.12, que _DE = _DF . Além disso, a recta DE não contém fA;Bg. Temos

dois casos possíveis: C 2 DE ou C =2 DE.

Suponhamos que C 2 DE. Se C � D � F , então D 2 int [ABC], o que é absurdo.

Assim, C 2 _DF = _DE, e o resultado está demonstrado.

Suponhamos agora que C =2 DE. Então, pelo axioma de Pasch (O4), DE intersecta

int [AC] ou DE intersecta int [BC], mas não ambos.

Suponhamos que DE \ int [AC] = fGg. Como F , G e D são três pontos distintos

dois a dois incidentes à recta DE, temos por O3 três casos possíveis: D � G � F ,

D� F �G ou F �D�G. Se F �D�G então, como pelo ponto 4 do teorema 2.38,

[ABC][ int [ABC] é um conjunto convexo, temos que D 2 [ABC][ int [ABC], o que é

absurdo, por hipótese. Assim, não podemos ter G�D�F , logo temos que D�G�F

ou D � F � G, ou seja G 2 _DF = _DE.

2.2 Conjuntos Convexos. Teorema do Cruzamento 43

Se DE \ int [BC] = fGg, seguindo o padrão de demonstração do parágrafo anterior

mostramos que G 2 _DE. �

Como veremos de seguida, numa geometria de Pasch, a�rmar que dois ângulos são

iguais é equivalente a a�rmar que os seus interiores coincidem.

Teorema 2.49 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch e sejam \ABC e \DEF

dois ângulos de A. \ABC = \DEF se, e somente se, int (\ABC) = int (\DEF ).

Demonstração: Seja HA o semiplano determinado pela recta BC que contém A, HC

o semiplano determinado pela recta AB que contém C, HD o semiplano determinado

por EF que contém D e HF o semiplano determinado por DE que contém F . Então,

int (\ABC) = HA \HC e int (\DEF ) = HD \HF .

Suponhamos que \ABC = \DEF . Então pelo corolário 2.26, _BA = _ED ou _BA =

_EF . Suponhamos que _BA = _ED. Então _BC = _EF e F 2 _BC n fBg, logo pelo

teorema 2.35, F pertence ao semiplano determinado por AB que contém C. Assim, o

semiplano determinado por AB = ED que contém C, HC, é o semiplano determinado

por ED que contém F , HF . Por um raciocínio análogo concluímos que HA = HD.

Consequentemente,

int (\ABC) = HA \HC = HD \HF = int (\DEF ) :

Se _BA = _EF , uma demonstração análoga permite chegar à mesma conclusão.

Suponhamos agora que int (\ABC) = int (\DEF ) e suponhamos, por redução ao

absurdo, \ABC 6= \DEF . Então, podemos supor, sem perda de generalidade, que

existe X 2 \ABC tal que X =2 \DEF . Como X 2 \ABC, X =2 int (\ABC) =

int (\DEF ). Temos três casos possíveis: X = B, X 2 _BA n fBg ou X 2 _BC n fBg.

Seja P 2 int (\ABC). Se X = B, então pelo corolário 2.36, [XP ]nfXg � int (\ABC).

Se X 2 _BAnfBg, então pelo teorema 2.35, X 2 HA. Como P 2 HA, resulta do teorema

2.2 que [XP ] \ BC = ;, logo mais uma vez pelo pelo teorema 2.35, [XP ] � HA, pelo

que [XP ] n fXg � HA. Por outro lado, P 2 HC, decorrendo também do teorema 2.35

que [XP ]nfXg � HC, e por conseguinte [XP ]nfXg � int (\ABC). Se X 2 _BC nfBg,

um raciocínio análogo permite-nos concluir que [XP ] n fXg � int (\ABC). Em suma,

mostrámos que em qualquer um dos casos, [XP ] n fXg � int (\ABC) = int (\DEF ).

Por outro lado, P 2 int (\DEF ) e X =2 \DEF [ int (\DEF ). Temos três casos

possíveis: X 2 DE, X 2 EF ou X 2 P n (DE [ EF ). Suponhamos que X 2 DE.

Como X =2 \DEF , X � E � D, e logo X e D estão em lados opostos relativamente

44 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

a EF , decorrendo do ponto 2 do teorema 2.4 que X e P estão em lados opostos

relativamente a EF . Se X 2 EF , por um raciocínio análogo concluímos que X e P

estão em lados opostos relativamente a DE. Se X 2 P n (DE [ EF ), como X =2 HD

ou X =2 HF , X e P estão em lados opostos relativamente a EF ou relativamente a DE.

Em qualquer um dos casos, concluímos pelo teorema 2.2 que existe Y 2 DE [ EF tal

que X � Y � P , o que é absurdo.

Por conseguinte, \ABC = \DEF . �

O teorema que se segue é análogo ao anterior, mas é relativo a triângulos.

Teorema 2.50 Seja A = (P;L) uma geometria de Pasch e sejam [ABC] e [DEF ] dois

triângulos de A. [ABC] = [DEF ] se, e somente se, int [ABC] = int [DEF ].

Demonstração: Suponhamos que [ABC] = [DEF ]. Então, pelo teorema 2.27, fA;B; Cg =

fD;E; Fg. Assumimos, sem perda de generalidade, que A = D, B = E e C = F , se-

guindo as demonstrações dos restantes casos o mesmo padrão de argumentação da que

agora se apresenta. Designando por HA o semiplano determinado por BC que contém

A, HB o semiplano determinado por AC que contém B, HC o semiplano determinado

por AB que contém C, HD o semiplano determinado por EF que contém D, HE o

semiplano determinado por DF que contém E e por HF o semiplano determinado por

DE que contém F , temos: HA = HD, HB = HE e HC = HF . Por conseguinte,

int [ABC] = HA \HB \HC = HD \HE \HF = int [DEF ] :

Suponhamos agora que int [ABC] = int [DEF ] e que [ABC] 6= [DEF ]. Então podemos

supor, sem perda de generalidade, que existe X 2 [ABC] tal que X =2 [DEF ]. Ora,

X =2 int [ABC] = int [DEF ], e temos os seguintes casos possíveis: X 2 fA;B; Cg,

X 2 int [AB], X 2 int [AC] ou X 2 int [BC]. Seja P 2 int [ABC] = int [DEF ], cuja

existência é garantida pelo teorema 2.45. Se X = A, então concluímos pelo corolário

2.36 que [XP ] n fXg � HB \ HC. Por outro lado, P;X 2 HA, decorrendo do teorema

2.2 que [XP ] \ BC = ;, logo pelo teorema 2.35, [XP ] � HA, e consequentemente

[XP ] n fXg � HA. Assim, [XP ] n fXg � HA \ HB \ HC. Se X = B ou X = C,

usando raciocínios análogos chegamos à mesma conclusão. Se X 2 int [AB], então pelo

teorema 2.35, X 2 HA \HB, logo pelo teorema 2.2, [XP ]\BC = ; e [XP ]\AC = ;,

logo pelo teorema 2.35, [XP ] � HA \ HB, pelo que [XP ] n fXg � HA \ HB. Resulta

também do teorema 2.35 que [XP ] n fXg � HC, donde [XP ] n fXg � HA \ HB \ HC.

Se X 2 int [BC] ou X 2 int [AC] usando raciocínios análogos chegamos à mesma

conclusão. Em suma, [XP ] n fXg � int [ABC].

2.2 Conjuntos Convexos. Teorema do Cruzamento 45

Por outro lado, P 2 int [DEF ] e X =2 [DEF ] [ int [DEF ], logo pelo teorema 2.47,

a semi-recta _PX intersecta pelo menos um dos lados de [DEF ], ou seja, existe G 2

[DEF ] \ _PX. Temos os seguintes casos possíveis: P = G, P � G � X, X = G ou

P �X�G. Se P = G temos uma contradição pelo facto de P ser um ponto do interior

do triângulo. Se P � G � X temos uma contradição, uma vez que demonstrámos

que [PX] n fXg � int [DEF ]. Se X = G temos uma contradição pois X =2 [DEF ].

Finalmente, se P � X � G então X 2 [PG], pelo que [PG] não é um subconjunto de

[DEF ] [ int [DEF ], o que é contraditório tendo em conta o ponto 4 do teorema 2.38.

Concluímos assim que [ABC] = [DEF ]. �

Finalizamos este capítulo com um resultado que relaciona o teorema da separação do

plano (2.2) com o axioma de Pasch (O4).

Teorema 2.51 Seja A = (P;L) uma geometria de incidência, onde se de�ne a relação

estar entre, subordinada aos axiomas O1, O2 e O3, e tal que para cada r 2 L existem

dois subconjuntos não vazios e disjuntos de P, H1 e H2, tais que:

1. P n r = H1 [H2;

2. Dois pontos distintos P;Q 2 P n r pertencem ao mesmo conjunto, H1 ou H2, se

e só se [PQ] \ r = ;;

3. Dois pontos P;R 2 P n r pertencem a diferentes conjuntos, um ponto pertence a

H1 e o outro pertence a H2, se e só se [PR] intersecta r num único ponto.

Então, dados os pontos A;B; C 2 P não colineares e uma recta l 2 L que não passa

por nenhum daqueles três pontos, se l incide sobre um ponto D tal que A � D � B,

então uma e apenas uma das situações seguintes ocorre: l incide também sobre um

ponto E tal que B � E � C ou l incide também sobre um ponto F tal que A� F � C.

Demonstração: Sejam H1 e H2 subconjuntos de P tais que P n l = H1 [ H2, cuja

existência é garantida por hipótese. Como A =2 l , A 2 H1 ou A 2 H2. Sem perda

de generalidade supomos que A 2 H1. Como B =2 l e [AB] \ l 6= ;, B 2 H2 . Ora

C 2 P n l , pelo que ou C 2 H1 ou C 2 H2. Se C 2 H1, como B 2 H2, existe E 2 l

tal que B � E � C. Como A 2 H1, [AC] \ l = ;. De modo análogo, se C 2 H2, como

A 2 H1 existe F 2 l tal que A� F � C. Como B 2 H2, [BC] \ l = ;.

Se existissem X; Y 2 l tais que A � X � C e B � Y � C, então C 2 H1 \ H2, o que

seria absurdo, uma vez que por hipótese H1 \H2 = ;. �

46 Capítulo 2. Geometrias de Pasch

Este teorema permite-nos concluir que se A = (P;L) é uma geometria de incidência,

onde existe uma relação primitiva estar entre, subordinada aos axiomas O1, O2 e O3, e

onde se assume o teorema da separação do plano como um axioma, então A = (P;L)

é uma geometria de Pasch. Constatamos assim que o teorema da separação do plano

e o axioma de Pasch são asserções equivalentes.

Capítulo 3

Geometrias Hilbertianas

Nesta secção de�nimos um tipo de geometria de Pasch, onde para além das noções

primitivas que considerámos até agora, consideramos a relação de congruência, que se

estabelece entre segmentos de recta ou entre ângulos. Denotamos esta relação pelo

símbolo �=.

De�nição 11 Uma geometria de Pasch A = (P;L) é uma geometria Hilbertiana se

existir uma relação, a relação �ser congruente a�, estabelecida entre segmentos de

recta e entre ângulos, subordinada aos axiomas seguintes:

C1 � Dados um segmento de recta [AB] e uma semi-recta _CD, existe um único

ponto E 2 _CD tal que [AB] �= [CE].

C2 � Qualquer segmento de recta é congruente consigo próprio. Além disso, se

[AB] �= [CD] e [AB] �= [EF ], então [CD] �= [EF ].

C3 (axioma da adição) � Se A�B�C e D�E � F , [AB] �= [DE] e [BC] �= [EF ]

então [AC] �= [DF ].

C4 � Dados um ângulo \BAC, uma semi-recta _DE e um dos semiplanos, H, deter-

minados pela recta DE, existe uma e uma só semi-recta _DF contida em H tal

que \BAC �= \EDF .

C5 � Todo o ângulo é congruente consigo próprio. Além disso, se \ABC, \DEF e

\GHI são ângulos tais que \ABC �= \DEF e \ABC �= \GHI, então \DEF �=

\GHI.

C6 (critério de congruência LAL) � Sejam [ABC] e [A0B0C 0] dois triângulos tais

que [BA] �= [B0A0], [BC] �= [B0C 0] e \ABC �= \A0B0C 0. Então [AC] �= [A0C 0],

47

48 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

\BAC �= \B0A0C 0 e \ACB �= \A0C 0B0.

Os seis axiomas anteriores são designados por axiomas de congruência. Os três

primeiros axiomas dizem respeito à relação de congruência entre segmentos de recta,

sendo os dois axiomas seguintes respeitantes à relação de congruência entre ângulos.

Tendo por base a relação de congruência entre segmentos de recta e a relação de

congruência entre ângulos, de�nimos a relação de congruência entre triângulos.

De�nição 12 Se [ABC] e [A0B0C 0] são dois triângulos de uma geometria Hilbertiana

A = (P;L), então [ABC] é congruente a [A0B0C 0], se a correspondência A ! A0,

B ! B0 e C ! C 0 é tal que cada lado de [ABC] é congruente ao lado correspondente

de [A0B0C 0] e cada ângulo de [ABC] é congruente ao ângulo correspondente de [A0B0C 0],

ou seja, [AB] �= [A0B0], [BC] �= [B0C 0], [AC] �= [A0C 0], \ABC �= \A0B0C 0, \BAC �=

\B0A0C 0 e \ACB �= \A0C 0B0.

Neste caso, escrevemos [ABC] �= [A0B0C 0].

Observe-se que a notação [ABC] �= [A0B0C 0] signi�ca não só que [ABC] é congruente

a [A0B0C 0], mas que o é através da correspondência A ! A0, B ! B0 e C ! C 0,

designada por congruência, evidenciada pela ordem em que estão dispostos os vértices.

Assim [ABC] �= [A0B0C 0] não tem o mesmo signi�cado que [ABC] �= [A0C 0B0].

Tendo em conta a de�nição anterior, podemos reformular o axioma C6, usualmente

designado por critério de congruência de triângulos lado - ângulo - lado, LAL, da

seguinte forma:

Sejam [ABC] e [A0B0C 0] dois triângulos tais que [BA] �= [B0A0], [BC] �= [B0C 0] e

\ABC �= \A0B0C 0. Então [ABC] �= [A0B0C 0].

Este axioma estabelece a ligação entre os conceitos de congruência de segmentos de

recta e de congruência de ângulos. É também conhecido por 1º critério de congruência

de triângulos.

Nos teoremas seguintes constatamos que, numa geometria Hilbertiana, tanto a relação

de congruência entre segmentos de recta, como a relação de congruência entre ângulos

são relações de equivalência.

Teorema 3.1 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L) a relação de congruência entre

segmentos de recta é uma relação de equivalência.

3.1 Relações de Ordem 49

Demonstração: Resulta de imediato de C2, que a relação de congruência entre seg-

mentos de recta é re�exiva.

Suponhamos que [AB] �= [CD]. Como [AB] �= [AB], por C2 temos que [CD] �= [AB].

Da arbitrariedade da escolha de [AB] e [CD] resulta que a relação de congruência entre

segmentos de recta é simétrica.

Se [AB] �= [CD] e [CD] �= [EF ], da simetria da relação de congruência entre segmentos

de recta resulta que [CD] �= [AB], e de C2 resulta que [AB] �= [EF ]. Dada a arbitrari-

edade da escolha de [AB], [CD] e [EF ] concluímos que a relação de congruência entre

segmentos de recta é transitiva.

Em suma, a relação de congruência entre segmentos de recta é re�exiva, simétrica e

transitiva, pelo que é uma relação de equivalência. �

De modo análogo, pode mostrar-se que:

Teorema 3.2 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L) a relação de congruência entre

ângulos é uma relação de equivalência.

Dos dois resultados anteriores, podemos concluir que a relação de congruência entre

triângulos é também uma relação de equivalência. Designaremos as classes de equiva-

lência da relação de congruência entre segmentos de recta (respectivamente ângulos

ou triângulos) por classes de congruência.

Resulta de imediato dos dois primeiros axiomas de congruência que se P é um ponto

de uma semi-recta _AB, tal que [AB] �= [AP ], então P = B.

Teorema 3.3 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana, e sejam _AB uma semi-recta

de A e [CD] e [EF ] dois segmentos de recta de A tais que [CD] �= [EF ]. Se G e G 0

são os pontos de _AB tais que [CD] �= [AG] e [EF ] �= [AG 0], então G = G 0.

Demonstração: Pelo teorema 3.1, [AG] �= [EF ] e atendendo a C1, G = G 0. �

3.1 Relações de Ordem

Como seria de esperar, os axiomas de congruência permitem-nos introduzir novos con-

ceitos, nomeadamente o conceito de segmento soma de dois segmentos de recta.

50 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

De�nição 13 Sejam A = (P;L) uma geometria Hilbertiana, [AB] e [CD] dois seg-

mentos de recta, _s a semi-recta oposta à semi-recta _BA e E o único ponto de _s tal que

[CD] �= [BE], cuja existência é garantida por C1. O segmento de recta [AE] é designado

por segmento soma dos segmentos [AB] e [CD] e denotado por [AB] + [CD].

Observe-se que a notação que usamos tem explícita a forma de construção do segmento

de recta que esta designa.

Teorema 3.4 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana.

1. Se [AB] �= [A0B0] e se [CD] �= [C 0D0] então [AB] + [CD] �= [A0B0] + [C 0D0].

2. Sejam A;B; C 2 P pontos colineares tais que A � B � C e _s uma semi-recta

de origem A0. Se B0; C 0 2 _s são tais que [AB] �= [A0B0] e [AC] �= [A0C 0], então

A0 � B0 � C 0 e [BC] �= [B0C 0].

3. Se [AC] �= [DF ] então para cada ponto B tal que A� B � C existe um e um só

ponto E tal que D � E � F , [AB] �= [DE] e [BC] �= [EF ].

Demonstração:

1. Seja _s a semi-recta oposta a _BA e E o único ponto de _s tal que [CD] �= [BE],

cuja existência é garantida por C1. Seja _s 0 a semi-recta oposta a _B0A0 e E 0 o

único ponto de _s 0 tal que [C 0D0] �= [B0E 0], cuja existência é também garantida por

C1. Então, por de�nição, [AB] + [CD] = [AE] e [A0B0] + [C 0D0] = [A0E 0]. Como

A�B�E e A0�B0�E 0, [BE] �= [B0E 0], pelo teorema 3.1, e [AB] �= [A0B0], por

hipótese, decorre de C3 que [AE] �= [A0E 0], ou seja, [AB]+[CD] �= [A0B0]+[C 0D0].

2. Seja P o único ponto de A0B0 tal que A0 � B0 � P e tal que [BC] �= [B0P ], cuja

existência é garantida por C1. Como por hipótese, [AB] �= [A0B0], temos por C3

que [AC] �= [A0P ]. Ora, sendo B0 2 _s n fA0g, pelo corolário 2.12, temos que

_s = _A0B0, e por de�nição P 2 _A0B0, ou seja P 2 _s. Além disso, temos por

hipótese que [AC] �= [A0C 0], sendo C 0 2 _s. Então, por C1, C 0 = P e portanto

temos que A0�B0�C 0 e [B0P ] = [B0C 0], logo por C2, [B0P ] �= [B0C 0] e, também

por este axioma, [B0C 0] �= [BC].

3. Seja B 2 [AC] tal que A�B�C, arbitrário. Por C1, existe um e um só E 2 _DF

tal que [AB] �= [DE]. Então E e F são elementos de _DF tais que [AB] �= [DE] e

[AC] �= [DF ] e, além disso, A�B�C. Decorre do ponto anterior que D�E�F

e que [BC] �= [EF ]. Resta-nos apenas mostrar a unicidade de E. Suponhamos

que E 0 2 [DF ] é tal que D � E 0 � F , [DE 0] �= [AB] e [E 0F ] �= [BC]. Então

3.1 Relações de Ordem 51

E 0 2 _DF , logo por C1, E = E 0. �

Tendo em conta o primeiro ponto do teorema anterior, constata-se que podemos de�nir

uma operação (adição) entre classes de congruência de segmentos de recta, fazendo

corresponder a cada par de classes a classe de congruência do segmento soma.

No que concerne ao segundo ponto do teorema anterior, o segmento de recta [BC] é

designado por segmento diferença de [AC] e [AB].

No teorema seguinte mostramos que a adição de classes de congruência de segmentos

de recta é associativa e comutativa.

Teorema 3.5 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L):

1. para quaisquer segmentos de recta [AB], [CD] e [EF ], temos que:

([AB] + [CD]) + [EF ] = [AB] + ([CD] + [EF ]) ;

2. para quaisquer segmentos de recta [AB] e [CD], temos que:

[AB] + [CD] �= [CD] + [AB] :

Demonstração:

1. Sejam [AB], [CD] e [EF ] segmentos de recta arbitrários. Seja G o ponto da recta

AB tal que A�B�G e [BG] �= [CD], cuja existência é garantida por C1. Então

[AB] + [CD] = [AG]. Seja H o ponto de AB tal que A� G �H e [GH] �= [EF ],

cuja existência é garantida por C1. Então

([AB] + [CD]) + [EF ] = [AG] + [EF ] = [AH] :

Por outro lado, seja I o ponto da recta CD tal que C � D � I e [DI] �= [EF ],

cuja existência é garantida por C1. Então [CD] + [EF ] = [CI]. Seja J o ponto

da recta AB tal que A�B� J e [BJ] �= [CI], cuja existência é garantida por C1.

Então

[AB] + ([CD] + [EF ]) = [AB] + [CI] = [AJ] :

Ora A, B, G e H são pontos colineares tais que A�B�G e A�G�H, logo pelo

ponto 2 do teorema 2.14, B�G�H e A�B�H. Por construção, C, D e I são

pontos colineares tais que C � D � I. Também por construção, [BG] �= [CD],

[GH] �= [EF ] e [DI] �= [EF ], logo pelo teorema 3.1, [GH] �= [DI]. Assim, por C3,

[BH] �= [CI]. Por outro lado, como A�B � J e A�B �H, temos pelo ponto 3

52 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

do teorema 2.14 que J 2 _BH. Resulta de C1 que J = H, e logo que [AH] = [AJ],

ou seja,

([AB] + [CD]) + [EF ] = [AB] + ([CD] + [EF ]) :

2. Sejam [AB] e [CD] dois segmentos de recta arbitrários. Então [AB] + [CD] =

[AE], onde E é o ponto da recta AB tal que A � B � E e [BE] �= [CD], cuja

existência é garantida por C1. Por outro lado [CD] + [AB] = [CF ], onde F é o

ponto da recta CD tal que C�D�F e [DF ] �= [AB], cuja existência é garantida

por C1. Assim, A;B;E são pontos colineares tais que A � B � E, F;D; C são

pontos colineares tais que F �D � C, [AB] �= [FD] e [BE] �= [CD], logo temos

por C3 que [AE] �= [CF ], ou seja, [AB] + [CD] �= [CD] + [AB]. �

Uma relação que Euclides usou sem de�nir foi a relação de ordem entre segmentos de

recta. Vamos ver como é possível de�nir uma relação de ordem, não entre segmentos

de recta, mas entre classes de congruência de segmentos de recta.

De�nição 14 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam [AB] e [CD] dois

segmentos de recta. Dizemos que [AB] é menor do que [CD], e escrevemos [AB] <

[CD], se existe um ponto E tal que C � E � D e [AB] �= [CE]. Nesse caso também

dizemos que [CD] é maior do que [AB] e escrevemos [CD] > [AB].

Observe-se que se A, B e C são três pontos de uma geometria Hilbertiana tais que

A� C �B, resulta de imediato da de�nição agora introduzida, assim como de C2, que

[AC] < [AB].

Teorema 3.6 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana.

1. Dados os segmentos de recta [AB], [A0B0], [CD] e [C 0D0], se [AB] �= [A0B0] e

[CD] �= [C 0D0] então [AB] < [CD] se e só se [A0B0] < [C 0D0].

2. Dados três segmentos de recta [AB], [CD] e [EF ], se [AB] < [CD] e se [CD] <

[EF ], então [AB] < [EF ].

3. Dados dois segmentos de recta [AB] e [CD], uma e uma só das seguintes condi-

ções é satisfeita: [AB] < [CD], [AB] �= [CD], [AB] > [CD].

Demonstração:

1. Suponhamos que [AB] �= [A0B0] e [CD] �= [C 0D0] e que [AB] < [CD]. Então,

por de�nição, existe um ponto P 2 [CD] tal que C � P � D e [AB] �= [CP ].

Pelo ponto 3 do teorema 3.4 existe um único ponto P 0 tal que C 0 � P 0 � D0 e

3.1 Relações de Ordem 53

[CP ] �= [C 0P 0]. Então, pelo teorema 3.1, [A0B0] �= [C 0P 0], e por conseguinte,

[A0B0] < [C 0D0].

Se [A0B0] < [C 0D0] um argumento análogo mostra que [AB] < [CD].

2. Suponhamos que [AB] < [CD] e que [CD] < [EF ]. Então [AB] �= [CP ], para

algum P 2 [CD] tal que C � P � D, e [CD] �= [EQ], para algum Q 2 [EF ] tal

que E � Q � F . Ora pelo ponto 3 do teorema 3.4 existe um único R 2 [EQ]

tal que E � R � Q e [CP ] �= [ER]. Como E � R � Q e E � Q � F , resulta do

ponto 2 do teorema 2.14 que E�R�F . Além disso, resulta do teorema 3.1 que

[AB] �= [ER]. Então, por de�nição, [AB] < [EF ].

3. Sejam [AB] e [CD] dois segmentos de recta arbitrários. Por C1 existe um único

ponto P pertencente à semi-recta _CD tal que [AB] �= [CP ]. Assim, apenas uma

das três situações seguintes pode ocorrer: P = D, C � P �D ou C �D� P . Se

P = D então [AB] �= [CD]. Se C�P �D, temos por de�nição que [AB] < [CD].

Se C �D� P , pelo ponto 3 do teorema 3.4 existe um único ponto Q 2 [AB] tal

que A�Q� B e [AQ] �= [CD], ou seja, [AB] > [CD]. �

Em virtude deste resultado, de agora em diante, sempre que escrevermos [AB] � [CD]

(respectivamente, [AB] � [CD]) queremos dizer que [AB] �= [CD] ou [AB] < [CD]

(respectivamente, [AB] �= [CD] ou [AB] > [CD]).

Como se constata com o teorema anterior, a relação < no conjunto dos segmentos

de recta estende-se de forma natural a uma relação, que denotamos do mesmo modo,

no conjunto das classes de congruência de segmentos de recta, sendo esta última uma

relação de ordem.

Teorema 3.7 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana. Se [AB] e [CD] são seg-

mentos de recta tais que [AB] < [CD] e se [EF ] é um segmento de recta arbitrário,

então [AB] + [EF ] < [CD] + [EF ].

Demonstração: Sejam [AB] e [CD] segmentos de recta tais que [AB] < [CD]. Então,

por de�nição, existe P 2 [CD] tal que C � P � D e [AB] �= [PD]. Seja X 2 AB tal

que A � B � X e [BX] �= [EF ]. Então [AX] = [AB] + [EF ]. Seja Y 2 CD tal que

C � D � Y e [DY ] �= [EF ]. Então [CY ] = [CD] + [EF ]. Ora, como C � P � D e

C � D � Y , resulta do ponto 2 do teorema 2.14 que C � P � Y e que P � D � Y .

Além disso, [AB] �= [PD] e, pelo teorema 3.1, [BX] �= [DY ], logo, por C3, temos que

[AX] �= [PY ], donde, por de�nição, [AX] < [CY ], ou seja, [AB]+ [EF ] < [CD]+ [EF ].

54 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

De�nimos anteriormente o segmento soma de dois segmentos de recta, numa geometria

Hilbertiana. Introduzimos agora a noção de ângulo soma de dois ângulos.

De�nição 15 Sejam A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e A;B; C 2 P tais que A,

B e C são não colineares. Se a semi-recta _AD está entre as semi-rectas _AB e _AC,

dizemos que o ângulo \BAC é o ângulo soma dos ângulos \BAD e \DAC. Neste

caso, dizemos também que o ângulo \DAC (respectivamente \BAD) é o ângulo

diferença dos ângulos \BAC e \BAD (respectivamente \DAC).

Observe-se que, numa geometria Hilbertiana, dados dois segmentos de recta arbitrários

[AB] e [CD], é sempre possível de�nir o segmento soma [AB]+ [CD]. O mesmo já não

acontece com dois ângulos dados. Se \ABC e \EDF são dois ângulos, por C4, existe

uma semi-recta _BG, contida no semiplano determinado pela recta BC que não contém

A, tal que \EDF �= \CBG. Ora, os pontos A, B e G podem ser colineares, ou, não

o sendo, a semi-recta _BC pode não estar entre as semi-rectas _BA e _BG, o que nos

impede de a�rmar que o ângulo \ABG é o ângulo soma dos ângulos \ABC e \CBG.

Não existe um axioma análogo a C3 referente a ângulos, uma vez que este resultado

pode ser demonstrado recorrendo a C6, como veremos adiante.

De�nição 16 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana.

1. Dois ângulos dizem-se adjacentes se tiverem um lado comum, e se os outros

dois lados estiverem contidos em semiplanos fechados distintos determinados pela

recta que contém o lado comum.

2. Dois ângulos dizem-se suplementares se têm um lado comum e se os outros dois

lados são semi-rectas opostas.

3. Dois ângulos dizem-se verticalmente opostos se forem de�nidos por semi-rectas

opostas contidas em duas rectas concorrentes.

Assim, numa geometria Hilbertiana, dado um ângulo \BAC, sendo D e E pontos tais

que B�A�D e C�A�E, os ângulos \BAE e \CAD são os ângulos suplementares ao

ângulo \BAC. Os ângulos \BAC e \EAD, assim como os ângulos \BAE e \CAD,

são ângulos verticalmente opostos.

No resultado seguinte mostramos que ângulos suplementares a ângulos congruentes

são congruentes.

3.1 Relações de Ordem 55

Teorema 3.8 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam \BAD, \BAC,

\B0A0D0 e \B0A0C 0 ângulos de A. Se \BAD é suplementar a \BAC, \B0A0D0 é

suplementar a \B0A0C 0 e se \BAC �= \B0A0C 0, então \BAD �= \B0A0D0.

Demonstração: Por C1, existem B00 2 _A0B0, C 00 2 _A0C 0 e D00 2 _A0D0 tais que [AB] �=

[A0B00], [AC] �= [A0C 00] e [AD] �= [A0D00]. Pelo corolário 2.12, podemos designar B00, C 00

e D00 respectivamente por B0, C 0 e D0, resultando que [AB] �= [A0B0], [AC] �= [A0C 0] e

[AD] �= [A0D0].

Como, por hipótese, \BAC �= \B0A0C 0, temos por C6, que os triângulos [ABC]

e [A0B0C 0] são congruentes, e por conseguinte que [BC] �= [B0C 0] e que \BCA �=

\B0C 0A0.

Por outro lado, temos por de�nição de ângulos suplementares e pelo teorema 2.13

que C � A � D e que C 0 � A0 � D0. Como [CA] �= [C 0A0] e [AD] �= [A0D0], temos

por C3 que [CD] �= [C 0D0]. Porque [BC] �= [B0C 0] e, pelo corolário 2.12, \BCD =

\BCA �= \B0C 0A0 = \B0C 0D0, temos novamente por C6 que [BDC] �= [B0D0C 0], e

por conseguinte que [BD] �= [B0D0] e que \BDC �= \B0D0C 0, logo pelo corolário

2.12, \BDA �= \B0D0A0. Como [DA] �= [D0A0], resulta mais uma vez de C6 que

[BDA] �= [B0D0A0], e por conseguinte \BAD �= \B0A0D0. �

Corolário 3.9 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L), ângulos verticalmente opostos

são congruentes.

Demonstração: Sejam \BAC e \DAE dois ângulos verticalmente opostos tais que

B � A � D e C � A � E. Então, por de�nição, \BAE e \BAC são suplementares

e \BAE e \DAE são suplementares. Por C5, \BAE �= \BAE, logo, pelo teorema

anterior, \BAC �= \DAE. �

Teorema 3.10 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam \BAC um ângulo

e _AD uma semi-recta que está entre as semi-rectas _AB e _AC. Se \B0A0D0 �= \BAD,

\D0A0C 0 �= \DAC e B0 e C 0 estão em lados opostos relativamente a A0D0, então as

semi-rectas _A0B0 e _A0C 0 formam um ângulo \B0A0C 0 tal que \B0A0C 0 �= \BAC e tal

que a semi-recta _A0D0 está entre as semi-rectas _A0B0 e _A0C 0.

Demonstração: Por hipótese D 2 int (\BAC). Assim, pelo teorema do cruzamento

(2.40), _AD intersecta int [BC] num único ponto. Designamos este ponto por D, o que

podemos fazer atendendo ao corolário 2.12. Assim, podemos assumir que B �D � C.

Por C1, existem respectivamente nas semi-rectas _A0B0, _A0C 0 e _A0D0 pontos B00, C 00 e

56 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

D00 tais que [AB] �= [A0B00], [AC] �= [A0C 00] e [AD] �= [A0D00]. Atendendo ao corolário

2.12, podemos designar aqueles três pontos respectivamente por B0, C 0 e D0, ou seja,

podemos assumir que [A0B0] �= [AB], [A0C 0] �= [AC] e [A0D0] �= [AD].

Como, por hipótese, \BAD �= \B0A0D0 e \DAC �= \D0A0C 0, podemos concluir por C6

que [BAD] �= [B0A0D0] e que [DAC] �= [D0A0C 0], e por conseguinte que [BD] �= [B0D0],

\BDA �= \B0D0A0, e que \ABD �= \A0B0D0, assim como [DC] �= [D0C 0] e \ADC �=

\A0D0C 0.

Seja _D0E a semi-recta oposta a _D0B0. Por de�nição, os ângulos \BDA e \ADC, assim

como \B0D0A0 e \A0D0E, são ângulos suplementares, e pelo teorema 3.8, \ADC �=

\A0D0E. Assim, pelo teorema 3.2, nomeadamente pela transitividade da relação de

congruência entre ângulos, temos que \A0D0E �= \A0D0C 0. Ora, pelo teorema 2.2,

B0 e E estão em lados opostos relativamente a A0D0, logo por hipótese e pelo ponto

1 do teorema 2.4, C 0 e E estão do mesmo lado relativamente a A0D0. Pelo teorema

2.35, temos então que as semi-rectas _D0C 0 e _D0E estão contidas no mesmo semiplano

fechado determinado por A0D0. Consequentemente, por C4, _D0E = _D0C 0, logo, pelo

corolário 2.12 e teorema 2.13, temos que B0 �D0 � C 0.

Por hipótese, A0, B0 e D0 são não colineares, pelo que sendo B0, D0 e C 0 colineares,

A0, B0 e C 0 são não colineares, e por conseguinte _A0B0 [ _A0C 0 é um ângulo, o ângulo

\B0A0C 0. Podemos concluir também que [A0B0] [ [A0C 0] [ [B0C 0] é um triângulo, o

triângulo [A0B0C 0].

Temos portanto que B�D�C e B0�D0�C 0, [BD] �= [B0D0] e [DC] �= [D0C 0], logo por

C3, [BC] �= [B0C 0]. Além disso, [AB] �= [A0B0] e \ABC �= \A0B0C 0, logo novamente

por C6, [ABC] �= [A0B0C 0], e em particular \BAC �= \B0A0C 0. Como B0 � D0 � C 0,

temos pelo teorema 2.28 que D0 2 int (\B0A0C 0), pelo que a semi-recta _A0D0 está entre

as semi-rectas _A0B0 e _A0C 0. �

O corolário seguinte permite-nos constatar que os ângulos soma de ângulos congruentes

são congruentes. Este resultado é análogo a C3, com a diferença de que aquele axioma

se refere a segmentos de recta, e este resultado se refere a ângulos.

Corolário 3.11 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam \BAC e \B0A0C 0

dois ângulos de A. Se _AD está entre _AB e _AC, _A0D0 está entre _A0B0 e _A0C 0, \BAD �=

\B0A0D0 e \DAC �= \D0A0C 0, então \BAC �= \B0A0C 0.

Demonstração: Por hipótese a semi-recta _A0D0 está entre as semi-rectas _A0B0 e _A0C 0,

logo resulta do teorema do cruzamento (2.40) que B0 e C 0 estão em lados opostos

3.1 Relações de Ordem 57

relativamente a A0D0. Resulta do teorema anterior que \BAC �= \B0A0C 0. �

O próximo resultado é análogo ao ponto 3 do teorema 3.4, sendo relativo a ângulos.

Teorema 3.12 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam \BAC e \B0A0C 0

dois ângulos de A. Se \BAC �= \B0A0C 0 e se _AD é uma semi-recta que está entre as

semi-rectas _AB e _AC, então existe uma única semi-recta _A0D0 tal que _A0D0 está entre

as semi-rectas _A0B0 e _A0C 0 e tal que \B0A0D0 �= \BAD e \D0A0C 0 �= \DAC.

Demonstração: Pelo teorema do cruzamento (2.40), a semi-recta _AD intersecta

int [BC] num único ponto. Atendendo ao corolário 2.12, podemos designar esse ponto

por D, e portanto assumir que B �D � C. Por C1 existem respectivamente nas semi-

rectas _A0B0 e _A0C 0 pontos B00 e C 00 tais que [AB] �= [A0B00] e [AC] �= [A0C 00]. Atendendo

ao corolário 2.12, podemos designar aqueles dois pontos respectivamente por B0 e C 0,

ou seja, podemos assumir que [A0B0] �= [AB] e [A0C 0] �= [AC]. Assim, por hipótese e por

C6, [ABC] �= [A0B0C 0], pelo que [BC] �= [B0C 0], \ABC �= \A0B0C 0 e \ACB �= \A0C 0B0.

Pelo ponto 3 do teorema 3.4, existe um ponto D0 2 [B0C 0] tal que B0 � D0 � C 0 e

[B0D0] �= [BD] e [D0C 0] �= [DC]. Pelo teorema 2.28, D0 2 int (\B0A0C 0), pelo que a

semi-recta _A0D0 está entre as semi-rectas _A0B0 e _A0C 0. Novamente por C6, temos que

[ABD] �= [A0B0D0] e que [ACD] �= [A0C 0D0], logo, em particular, \BAD �= \B0A0D0 e

\CAD �= \C 0A0D0.

Resta apenas mostrar a unicidade da semi-recta _A0D0. Suponhamos que _A0E é uma

semi-recta que está entre as semi-rectas _A0B0 e _A0C 0, tal que \BAD �= \B0A0E e

\DAC �= \EA0C 0. Esta semi-recta e a semi-recta _A0D0 estão contidas no mesmo

semiplano fechado determinado pela recta A0B0, o semiplano fechado que contém C,

resultando de C4 que _A0D0 = _A0E. �

Corolário 3.13 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam \BAC e \B0A0C 0

dois ângulos de A. Se a semi-recta _AD está entre as semi-rectas _AB e _AC, a semi-recta_A0D0 está entre as semi-rectas _A0B0 e _A0C 0 e se \BAC �= \B0A0C 0 e \BAD �= \B0A0D0,

então \DAC �= \D0A0C 0.

Demonstração: Pelo teorema anterior, existe uma única semi-recta _A0D00 entre as

semi-rectas _A0B0 e _A0C 0 tal que \B0A0D00 �= \BAD e \D00A0C 0 �= \DAC. Ora _A0D0 e_A0D00 estão contidas no mesmo semiplano fechado determinado por A0B0, logo por C4,_A0D0 = _A0D00, e por conseguinte \D0A0C 0 �= \DAC. �

58 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

De�nimos agora uma relação entre ângulos análoga à relação < previamente de�nida

entre segmentos de recta, denotando esta nova relação com o mesmo símbolo. Como

veremos, esta relação entre ângulos induz uma relação de ordem no conjunto das classes

de congruência de ângulos.

De�nição 17 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L), dizemos que um ângulo \BAC

é menor do que um ângulo \EDF , e escrevemos \BAC < \EDF , se existe uma

semi-recta _DG entre as semi-rectas _DE e _DF tal que \BAC �= \GDF . Neste caso

também dizemos que o ângulo \EDF é maior do que o ângulo \BAC, e escrevemos

\EDF > \BAC.

Resulta de imediato da de�nição que se \BAC é o ângulo soma dos ângulos \BAD e

\DAC, então \BAD < \BAC e \DAC < \BAC.

Teorema 3.14 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana.

1. Dados os ângulos \BAC, \B0A0C 0, \EDF e \E 0D0F 0, se \BAC �= \B0A0C 0 e

se \EDF �= \E 0D0F 0 então \BAC < \EDF se e só se \B0A0C 0 < \E 0D0F 0.

2. Dados três ângulos \BAC, \EDF e \HGI, se \BAC < \EDF e se \EDF <

\HGI, então \BAC < \HGI.

3. Dados dois ângulos \BAC e \EDF , uma e uma só das seguintes condições é

satisfeita: \BAC < \EDF , \BAC �= \EDF , \BAC > \EDF .

Demonstração:

1. Suponhamos que \BAC �= \B0A0C 0 e \EDF �= \E 0D0F 0 e que \BAC < \EDF .

Então, por de�nição existe uma semi-recta _DG entre as semi-rectas _DE e _DF tal

que \BAC �= \GDF . Pelo teorema 3.12, existe uma semi-recta _D0G 0 entre as

semi-rectas _D0E 0 e _D0F 0 tal que \EDG �= \E 0D0G 0 e \GDF �= \G 0D0F 0. Pelo

teorema 3.2, nomeadamente pela transitividade da relação de congruência entre

ângulos, temos que \B0A0C 0 �= \G 0D0F 0, logo por de�nição, \B0A0C 0 < \E 0D0F 0.

Se \B0A0C 0 < \E 0D0F 0 um argumento análogo mostra que \BAC < \EDF .

2. Suponhamos que \BAC < \EDF e que \EDF < \HGI. Então existe uma

semi-recta _DA0 entre as semi-rectas _DE e _DF tal que \BAC �= \A0DF , e existe

uma semi-recta _GE 0 entre as semi-rectas _GH e _GI tal que \EDF �= \E 0GI.

Então, pelo teorema 3.12, existe uma semi-recta _GA00 entre as semi-rectas _GE 0

e _GI tal que \EDA0 �= \E 0GA00 e \A0DF �= \A00GI. Pelo teorema 2.43, a

semi-recta _GA00 está entre as semi-rectas _GH e _GI. Além disso, pelo teorema

3.1 Relações de Ordem 59

3.2, nomeadamente pela transitividade da relação de congruência entre ângulos,

\BAC �= \A00GI. Assim, por de�nição, \BAC < \HGI.

3. Sejam \BAC e \EDF dois ângulos arbitrários e seja HF o semiplano fechado

determinado pela recta DE que contém F . Por C4, existe uma única semi-

-recta _DA0 contida em HF tal que \BAC �= \EDA0. Sejam HE o semiplano

determinado pela recta DF que contém E e H0E o outro semiplano determinado

por DF . Pelo teorema 2.2, uma e apenas uma das situações seguintes ocorre:

A0 2 DF , A0 2 HE ou A0 2 H0E.

No primeiro caso, como A0 e F estão no mesmo semiplano determinado por DE,

temos que A0 2 _DF , resultando do corolário 2.12 que _DA0 = _DF , e consequen-

temente que \EDF = \EDA0 e logo que \BAC �= \EDF .

No segundo caso, temos que A0 2 HF \HE = int (\EDF ), pelo que a semi-recta_DA0 está entre as semi-rectas _DE e _DF , logo, por de�nição, \BAC < \EDF .

No terceiro caso, como A0 e F estão no mesmo semiplano determinado por ED,

pelo teorema 2.2 temos que [A0F ] \ ED = ;. Por outro lado, temos que A0 e E

estão em lados opostos relativamente a DF . Assim, pelo teorema 2.41 podemos

concluir que F 2 int (\EDA0), pelo que a semi-recta _DF está entre as semi-rectas_DE e _DA0. Sendo \BAC �= \EDA0, existe, pelo teorema 3.12, uma semi-recta_AF 0 entre as semi-rectas _AB e _AC tal que \EDF �= \F 0AC e \FDA0 �= \BAF 0.

Assim, temos por de�nição que \BAC > \EDF . �

Tendo em conta este resultado, concluímos que a relação < no conjunto dos ângulos se

estende de forma natural a uma relação, que denotamos do mesmo modo, no conjunto

das classes de congruência de ângulos, sendo esta última uma relação de ordem.

De�nição 18 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana. Um ângulo � diz-se um

ângulo recto se for congruente a um dos seus ângulos suplementares.

Como já observámos anteriormente, qualquer ângulo � tem dois ângulos suplementares,

digamos � e , que são, por de�nição, ângulos verticalmente opostos, logo congruentes,

pelo corolário 3.9. Assim, na de�nição anterior, é indiferente o ângulo suplementar ao

ângulo � considerado. Além disso, qualquer ângulo suplementar a um ângulo recto é

também um ângulo recto.

Tendo por base o facto de, numa geometria Hilbertiana, ângulos suplementares a ân-

gulos congruentes serem ângulos congruentes, assim como as propriedades da relação

60 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

< de�nida entre ângulos, mostramos o resultado seguinte.

Teorema 3.15 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L) quaisquer dois ângulos rectos

são congruentes.

Demonstração: Sejam \BAC = � e \B0A0C 0 = �0 dois ângulos rectos arbitrários e

sejam \BAD = � e \B0A0D0 = �0 ângulos suplementares a � e �, respectivamente.

Então, por de�nição, C � A � D, C 0 � A0 � D0, � �= � e �0 �= �0. Suponhamos, por

redução ao absurdo, que � e �0 não são congruentes. Então, pelo teorema 3.14, � < �0

ou � > �0.

Suponhamos que � < �0. Então existe uma semi-recta _A0E 0 entre as semi-rectas_A0B0 e _A0C 0 tal que \BAC �= \E 0A0C 0, isto é, � �= \E 0A0C 0. Pelo teorema 2.42,

B0 2 int (\D0A0E 0), pelo que a semi-recta _A0B0 está entre as semi-rectas _A0E 0 e _A0D0.

Consequentemente, \D0A0B0 < \D0A0E 0, isto é �0 < \D0A0E 0. Ora \D0A0E 0 é um

ângulo suplementar a \E 0A0C 0, logo pelo teorema 3.8, \E 0A0D0 �= �. Então, pelo

demonstrado anteriormente, e pelo ponto 1 do teorema 3.14, � > �0. Mas por de�nição

de ângulo recto, � �= � e �0 �= �0, decorrendo novamente do ponto 1 do teorema 3.14

que � > �0, o que é absurdo.

Por um raciocínio análogo mostramos que a hipótese � > �0 também conduz a uma

contradição. Concluímos então que \BAC �= \B0A0C 0, e, pela arbitrariedade da escolha

destes ângulos, que quaisquer dois ângulos rectos são congruentes. �

Teorema 3.16 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L) qualquer ângulo congruente a

um ângulo recto é um ângulo recto.

Demonstração: Seja \BAC um ângulo congruente a um ângulo recto �. Seja \BAD

um ângulo suplementar a \BAC e seja � um ângulo suplementar a �. Então pelo

teorema 3.8, \BAD �= �. Mas, por de�nição, � �= �. Assim, pelo teorema 3.2,

nomeadamente pela transitividade da relação de congruência entre ângulos, temos que

\BAD �= \BAC, e portanto \BAC é um ângulo recto. �

De�nição 19 Numa geometria de Hilbertiana A = (P;L) duas rectas l e r dizem-se

perpendiculares, e escrevemos l ? r , se são rectas concorrentes, digamos l \ r = fAg,

e se quaisquer que sejam B 2 l n fAg e C 2 r n fAg, \BAC é um ângulo recto.

Em particular, numa geometria Hilbertiana, uma recta l diz-se perpendicular a um

segmento de recta [AB] se l ? AB, e dois segmentos de recta [AB] e [CD] dizem-se

perpendiculares se AB ? CD (de�nições análogas para semi-rectas).

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema do Ângulo Externo 61

Apesar de já termos demonstrado alguns resultados relativos a ângulos rectos, salien-

tamos o facto de não termos demonstrado ainda a sua existência, o que faremos na

próxima secção. Mostraremos também que por um ponto passa uma e uma só recta

perpendicular a uma recta dada.

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema

do Ângulo Externo

O resultado que se segue, relativo a triângulos, é um resultado semelhante a C1, relativo

a segmentos de recta, e a C4, relativo a ângulos.

Teorema 3.17 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam A;B; C;D;E 2 P

tais que A, B e C são não colineares e [AB] �= [DE], e seja H um dos semiplanos

determinados por DE. Então existe um único ponto F 2 H tal que [ABC] �= [DEF ].

Demonstração: Por C4, existe uma única semi-recta _EG contida emH tal que \ABC �=

\DEG. Por C1, existe um e um só ponto F 2 _EG tal que [BC] �= [EF ]. Como F 6= E,

pelo teorema 2.35, F 2 H, logo D, E e F são não colineares. Por C6, [ABC] �= [DEF ].

Suponhamos que existe F 0 2 H tal que F 6= F 0 e [ABC] �= [DEF 0]. Pelo teorema 2.35,_EF 0 � H, e por de�nição de triângulos congruentes, \ABC �= \DEF 0 e [BC] �= [EF 0].

Temos dois casos possíveis: F 0 2 _EG ou F 0 =2 _EG. No primeiro caso, F e F 0 são

pontos distintos de _EG tais que [BC] �= [EF ] e [BC] �= [EF 0], o que é absurdo, por

C1. No segundo caso, _EG e _EF 0 são duas semi-rectas distintas contidas em H tais

que \ABC �= \DEF e \ABC �= \DEF 0, o que é absurdo, por C4. Assim, não existe

F 0 2 H nfFg, tal que os triângulos [ABC] e [DEF 0] são congruentes, �cando garantida

a unicidade de F. �

No próximo resultado mostramos que, numa geometria Hilbertiana, se dois lados de

um triângulo são congruentes, então os ângulos internos opostos a esses dois lados

também são congruentes.

Teorema 3.18 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana. Se [ABC] é um triângulo

de A tal que [AB] �= [AC], então \B �= \C.

Demonstração: Como por C5, \BAC �= \CAB, por hipótese, [AB] �= [AC] e pelo

teorema 3.1, [AC] �= [AB], temos, por C6, que [BAC] �= [CAB]. Consequentemente,

\ABC �= \ACB. �

62 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

Corolário 3.19 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana. Se [ABC] é um triângulo

de A cujos lados são todos congruentes entre si, então \B �= \C, \A �= \C e

\A �= \B.

Demonstração: Por hipótese, [AB] �= [AC], logo pelo teorema anterior, \C �= \B.

Também por hipótese, [AC] �= [BC], resultando do teorema anterior que \B �= \A.

Assim, pelo teorema 3.2, nomeadamente pela transitividade da relação de congruência

entre ângulos, \C �= \A. �

Numa geometria Hilbertiana, com base na relação de congruência entre segmentos de

recta, podemos classi�car os triângulos da seguinte forma.

De�nição 20 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L), um triângulo diz-se:

� equilátero se tem os todos os lados congruentes entre si;

� isósceles, se pelo menos dois dos seus lados são congruentes;

� escaleno, se não possui nenhum par de lados congruentes.

Tendo em conta o corolário e a de�nição anteriores, podemos concluir que, numa

geometria Hilbertiana, se um triângulo é equilátero, então os seus ângulos internos são

congruentes entre si.

Como vimos no teorema 3.18, num triângulo isósceles de uma geometria Hilbertiana, a

lados congruentes opõem-se ângulos congruentes. No teorema que se segue demons-

tramos o recíproco deste resultado, ou seja, que se dois ângulos internos de um triângulo

são congruentes, então também são congruentes os lados opostos.

Teorema 3.20 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana. Se [ABC] é um triângulo

tal que \ABC �= \ACB, então [AB] �= [AC] e [ABC] é um triângulo isósceles.

Demonstração: Suponhamos que [AC] < [AB]. Então, por de�nição, existe um ponto

D 2 [AB] tal que A � D � B e [AC] �= [BD]. Como \DBC = \ABC, por hipótese,

\DBC �= \ACB. Além disso, como por C2 [BC] �= [CB], resulta de C6 que [DBC] �=

[ACB]. Consequentemente, \DCB �= \ABC. Como, por hipótese, \ABC �= \ACB,

resulta do teorema 3.2, nomeadamente da transitividade da relação de congruência

entre ângulos, que \DCB �= \ACB. Como pelo teorema 2.28 D 2 int\ACB, _CA

e _CD são duas semi-rectas distintas que, atendendo ao teorema 2.35, estão contidas

no mesmo semiplano fechado determinado por BC, o que é absurdo por C4. Por

conseguinte, não podemos ter [AC] < [AB]. De forma análoga mostramos que também

não podemos ter [AC] > [AB], pelo que [AC] �= [AB]. �

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema do Ângulo Externo 63

No resultado que se segue mostramos a existência de triângulos isósceles. Utilizaremos

a seguinte nomenclatura: se [ABC] é um triângulo isósceles tal que [CA] �= [CB],

dizemos que [AB] é a base do triângulo.

Teorema 3.21 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam A;B 2 P tais que

A 6= B. Então existe um triângulo isósceles de base [AB].

Demonstração: Pelo ponto 1 do teorema 1.3 existe um ponto C tal que C =2 AB.

Se \CAB �= \CBA, então pelo teorema 3.20, [AC] �= [BC] e o triângulo [CAB] é

isósceles. Caso contrário, pelo teorema 3.14, \CAB < \CBA ou \CAB > \CBA.

Suponhamos que \CAB > \CBA. Então, por de�nição, existe uma semi-recta _AD

entre as semi-rectas _AC e _AB tal que \CBA �= \DAB. Sendo D 2 int (\CAB), pelo

teorema do cruzamento (2.40) existe E 2 [BC], tal que B�E�C e fEg = _AD\ [BC].

Como E =2 AB, E, A e B são não colineares. Além disso, pelo corolário 2.12 e por

construção, \EAB �= \EBA. Resulta do teorema 3.20 que o triângulo [EAB] é

isósceles. Se \CAB < \CBA, por um raciocínio análogo concluiríamos a demonstração

do teorema. �

Observe-se que ambos os semiplanos determinados por AB são não vazios, pelo que

pode ser construído um triângulo isósceles de base [AB] que esteja contido em qualquer

um dos semiplanos fechados determinados pela recta AB.

O próximo teorema é conhecido por critério de congruência de triângulos ângulo -

lado - ângulo, ALA.

Teorema 3.22 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam [ABC] e [A0B0C 0]

dois triângulos de A. Se [BC] �= [B0C 0], \ABC �= \A0B0C 0 e \ACB �= \A0C 0B0, então

[ABC] �= [A0B0C 0].

Demonstração: Suponhamos, por redução ao absurdo, que [AC] e [A0C 0] não são

congruentes. Então pelo ponto 3 do teorema 3.6, [AC] > [A0C 0] ou [AC] < [A0C 0].

Se [AC] < [A0C 0], então por de�nição existe D0 2 [A0C 0] tal que A0 �D0 � C 0 e [AC] �=

[D0C 0]. Como por hipótese, [BC] �= [B0C 0] e \ACB �= \A0C 0B0 = \D0C 0B0, por C6

concluímos que [ABC] �= [D0B0C 0]. Consequentemente, \D0B0C 0 �= \ABC, e como por

hipótese, \ABC �= \A0B0C 0, resulta do teorema 3.2, nomeadamente da transitividade

da relação de congruência entre ângulos, que \D0B0C 0 �= \A0B0C 0. Como pelo teorema

2.28 D0 2 int (\A0B0C 0), _B0A0 e _B0D0 são duas semi-rectas distintas que, atendendo

ao teorema 2.35, estão contidas no mesmo semiplano fechado determinado pela recta

64 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

B0C 0, o que contradiz C4. Consequentemente, não podemos ter [AC] < [A0C 0].

Por um raciocínio análogo mostramos que também não podemos ter [AC] > [A0C 0].

Por conseguinte, [AC] �= [A0C 0], resultando de C6 que [ABC] �= [A0B0C 0]. �

O próximo resultado é conhecido por critério de congruência de triângulos lado -

lado - lado, LLL.

Teorema 3.23 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam [ABC] e [A0B0C 0]

dois triângulos de A. Se [AB] �= [A0B0], [AC] �= [A0C 0] e [BC] �= [B0C 0], então [ABC] �=

[A0B0C 0].

Demonstração: Por hipótese, [AC] �= [A0C 0]. Assim, pelo teorema 3.17, existe um

único ponto B00 no semiplano determinado pela recta A0C 0 distinto do semiplano que

contém B0, tal que [ABC] �= [A0B00C 0]. Assim, \ABC �= \A0B00C 0. Além disso, por

hipótese, por de�nição de triângulos congruentes e pelo teorema 3.1, nomeadamente

pela transitividade da relação de congruência entre segmentos de recta, temos que

[A0B00] �= [A0B0] e [C 0B00] �= [C 0B0].

Como B0 e B00 estão em lados opostos relativamente a A0C 0, pelo teorema 2.2, [B0B00]\

A0C 0 6= ;. Seja fD0g = [B0B00] \ A0C 0. Então, por O3, podemos ter os seguintes casos:

A0 �D0 � C 0, D0 � A0 � C 0, D0 � C 0 � A0, D0 = A0 ou D0 = C 0.

Suponhamos que A0 �D0 � C 0. Se A0 2 B0B00, teríamos pelo teorema 1:1 que A0 = D0,

o que é absurdo. Assim, A0 =2 B0B00, e o triângulo [A0B0B00] é isósceles, resultando

do teorema 3.18 que \A0B00B0 �= \A0B0B00, donde pelo corolário 2.12, \A0B00D0 �=

\A0B0D0. Por um raciocínio análogo, concluímos que \C 0B00D0 �= \C 0B0D0. Como,

pelo teorema 2.28, D0 2 int (\A0B0C 0) e D0 2 int (\A0B00C 0), temos que a semi-recta_B0D0 está entre as semi-rectas _B0A0 e _B0C 0, e a semi-recta _B00D0 está entre as semi-

-rectas _B00A0 e _B00C 0. Assim, pelo corolário 3.11, \A0B0C 0 �= \A0B00C 0, resultando do

teorema 3.2, nomeadamente da transitividade da relação de congruência entre ângulos,

que \A0B0C 0 �= \ABC. Como, por hipótese, [AB] �= [A0B0] e [CB] �= [C 0B0], temos

por C6 que [ABC] �= [A0B0C 0].

Suponhamos que D0 � A0 � C 0. Se A0 2 B0B00 então pelo teorema 1:1, A0 = D0, o

que seria absurdo. Assim, A0, B0 e B00 são não colineares, e o triângulo [A0B0B00] é

isósceles, donde pelo teorema 3.18, \A0B0B00 �= \A0B00B0, ou seja, pelo corolário 2.12,

\A0B0D0 �= \A0B00D0. Por um raciocínio análogo concluímos que \C 0B0B00 �= \C 0B00B0,

ou seja, pelo corolário 2.12, \C 0B0D0 �= \C 0B00D0. Como D0 � A0 � C 0, resulta do

teorema 2.28 que A0 2 int (\C 0B0D0) e A0 2 int (\C 0B00D0), pelo que a semi-recta

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema do Ângulo Externo 65

_B0A0 está entre as semi-rectas _B0D0 e _B0C 0 e a semi-recta _B00A0 está entre as semi-

rectas _B00D0 e _B00C 0. Resulta então do corolário 3.13 que \A0B0C 0 �= \A0B00C 0, logo

pelo teorema 3.2, nomeadamente pela transitividade da relação de congruência entre

ângulos, \A0B0C 0 �= \ABC. Como, por hipótese, [AB] �= [A0B0] e [CB] �= [C 0B0], por

C6 temos que [ABC] �= [A0B0C 0]. Se D0�C 0�A0, por um raciocínio análogo chegamos

à mesma conclusão.

Suponhamos que D0 = A0. Se C 0 2 B0B00, teríamos pelo teorema 1:1 que C 0 = A0, o que

é absurdo. Assim, C 0, B0 e B00 são não colineares, e o triângulo [C 0B0B00] é isósceles.

Pelo teorema 3.18, \C 0B0B00 �= \C 0B00B0, ou seja, pelo corolário 2.12, \C 0B0A0 �=

\C 0B00A0, donde pelo teorema 3.2, nomeadamente pela transitividade da relação de

congruência entre ângulos, \ABC �= \A0B0C 0. Como, por hipótese, [AB] �= [A0B0] e

[CB] �= [C 0B0], temos por C6 que [ABC] �= [A0B0C 0]. Se D0 = C 0, por um raciocínio

análogo chegamos à mesma conclusão. �

De�nição 21 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana. Uma semi-recta _AD é

bissectriz do ângulo \BAC se _AD está entre as semi-rectas _AB e _AC e se \BAD �=

\CAD.

Teorema 3.24 Numa geometria de Hilbertiana A = (P;L), qualquer ângulo tem uma

única bissectriz.

Demonstração: Seja \BAC um ângulo arbitrário. Por C1 e pelo corolário 2.12, pode-

mos supor que [AB] �= [AC]. Seja D 2 P tal que D está no semiplano determinado por

BC distinto do que contém A e tal que [DBC] é um triângulo isósceles de base [BC],

cuja existência é garantida pelo teorema 3.21.

Começamos por mostrar que D =2 AB e que D =2 AC. Suponhamos que D 2 AB.

Então, por construção, A� B �D. Seja E 2 AC tal que A� C � E, cuja existência é

garantida por O2. Pelo teorema 3.18, \ABC �= \ACB e \DBC �= \DCB. Por outro

lado, \DBC e \ECB são ângulos suplementares a \ABC e \ACB, respectivamente,

logo pelo teorema 3.8, \DBC �= \ECB. Pelo teorema 3.2, nomeadamente pela tran-

sitividade da relação de congruência entre ângulos, concluímos que \DCB �= \ECB.

Ora, A e D, assim como A e E estão em lados opostos relativamente a CB, logo

pelo primeiro ponto do teorema 2.4, D e E estão do mesmo lado relativamente a CB,

decorrendo do teorema 2.35 que as semi-rectas _CD e _CE estão contidas no mesmo

semiplano fechado determinado por CB. Além disso, como D =2 _CE, _CD 6= _CE, o que

é absurdo, por C4. Assim, D =2 AB. De forma análoga mostramos que D =2 AC.

66 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

Assim, os triângulos [ABD] e [ACD] são tais que [AB] �= [AC], [BD] �= [CD] e, por C2,

[AD] �= [AD], logo pelo critério de congruência LLL (3.23), temos que [ABD] �= [ACD].

Por conseguinte, \BAD �= \CAD.

Resta-nos apenas mostrar que D 2 int (\BAC). Por construção e pelo teorema 2.2,

[AD] \ BC 6= ;. Seja fFg = [AD] \ BC. Suponhamos que D =2 int (\BAC). Então,

pelo teorema 2.35, F =2 int (\BAC) , logo pelo teorema 2.28 e por O3, temos que

F �B�C ou F �C�B, e por conseguinte B e C estão do mesmo lado relativamente

a AD. Assim, mais uma vez pelo 2.35, as semi-rectas _AB e _AC estão contidas no

mesmo semiplano fechado determinado por AD. Mas, pelo demonstrado anteriormente,

\DAB �= \DAC, o que é absurdo, por C4. Consequentemente, D 2 int (\BAC), logo

por de�nição, _AD é uma bissectriz do ângulo \BAC.

Suponhamos que _AD0 é também uma bissectriz de \BAC e suponhamos, por redução

ao absurdo, que _AD0 6= _AD. Então _AD\ _AD0 = fAg. Ora, pelo teorema do cruzamento

(2.40), _AD intersecta [BC] num único ponto F tal que B � F � C e _AD0 intersecta

[BC] num único ponto F 0 tal que B � F 0 � C. Designamos F e F 0 respectivamente

por D e D0, o que podemos fazer, atendendo ao corolário 2.12. Pelas observações

anteriores, e porque A =2 fD;D0g, temos que D, D0, B e C são pontos distintos dois a

dois. Por O3, bem como pelo facto de B ser um ponto extremo de [BC], temos dois

casos possíveis: B � D � D0 ou B � D0 � D. Suponhamos que B � D � D0. Então,

pelo teorema 2.28, a semi-recta _AD está entre as semi-rectas _AB e _AD0, logo por

de�nição, \BAD < \BAD0. Por outro lado, por de�nição de bissectriz de um ângulo,

\BAD �= \DAC e \BAD0 �= \D0AC.

Como B�D�D0 e B�D0�C, resulta do ponto 2 do teorema 2.14 que D�D0�C,

logo mais uma vez pelo teorema 2.28, a semi-recta _AD0 está entre as semi-rectas _AD

e _AC, logo por de�nição, \D0AC < \DAC. Em suma, temos:

\BAD < \BAD0 �= \D0AC < \DAC

resultando do teorema 3.14 que \BAD < \DAC, o que é absurdo. Por um raciocínio

análogo, mostramos que também não podemos ter B � D0 � D. Assim, _AD = _AD0,

�cando demonstrada a unicidade da existência da bissectriz de um ângulo. �

Corolário 3.25 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam \BACe \EDF

dois ângulos congruentes de A. Se _AG é a bissectriz de \BAC e se _DH é a bissectriz

de \EDF , então \BAG �= \EDH.

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema do Ângulo Externo 67

Demonstração: Pelo teorema 3.12 existe uma semi-recta _DG 0 entre as semi-rectas_DE e _DF tal que \BAG �= \EDG 0 e \GAC �= \G 0DF . Como _AG é a bissectriz de

\BAC, \BAG �= \GAC. Assim

\EDG 0 �= \BAG �= \GAC �= \G 0DF

logo pelo teorema 3.2, \EDG 0 �= \G 0DF . Consequentemente, _DG 0 é bissectriz de

\EDF , resultando do teorema anterior que _DG 0 = _DH. Por conseguinte, temos

\EDG 0 = \EDH, pelo que \BAG �= \EDH. �

De�nição 22 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam A;B 2 P tais que

A 6= B. Um ponto M tal que A�M � B e tal que [AM] �= [MB] é um ponto médio

de [AB].

Já mostrámos anteriormente que numa geometria de Pasch, e portanto numa geometria

Hilbertiana, o interior de qualquer segmento de recta tem uma in�nidade de pontos

(teorema 2.20). Não mostrámos, contudo, que qualquer segmento de recta tem um

ponto médio. Nesta altura do nosso trabalho, apenas podemos concluir, pelo ponto 3

do teorema 3.4, que se [AB] �= [CD] e se existe um ponto médio de [AB], então existe

um ponto médio de [CD].

No resultado seguinte, mostramos que numa geometria Hilbertiana qualquer segmento

de recta tem um único ponto médio.

Teorema 3.26 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L) qualquer segmento de recta

tem um único ponto médio.

Demonstração: Seja [AB] um segmento de recta arbitrário e seja C um ponto perten-

cente a um dos semiplanos determinados por AB tal que [ABC] é um triângulo isósceles

de base [AB], cuja existência é garantida pelo teorema 3.21. Seja _CD a bissectriz do

ângulo \ACB, cuja existência é garantida pelo teorema 3.24. Então, pelo teorema do

cruzamento (2.40), _CD intersecta [AB] num ponto, que designamos por E, tal que

A� E � B. Como, por construção, [AC] �= [BC], por C2, [EC] �= [EC] e, novamente

por construção \ACE �= \BCE, temos por C6 que [ACE] �= [BCE]. Assim, temos

que [AE] �= [BE], logo E é, por de�nição, ponto médio de [AB].

Mostramos agora a unicidade do ponto médio. Suponhamos que M1 e M2 são pontos

médios de [AB] e que M1 6= M2. Por O3 e pelo facto de A ser um ponto extremo de

[AB], temos que A�M1 �M2 ou A�M2 �M1.

68 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

Suponhamos que A�M1�M2. SendoM2 ponto médio de [AB], A�M2�B, resultando

do ponto 2 do teorema 2.14 que M1 � M2 � B. Como A � M1 � M2, temos que

[AM1] < [AM2]. Por outro lado, como M1 � M2 � B, temos que [BM2] < [BM1].

Assim, por de�nição de ponto médio, temos:

[AM1] < [AM2] �= [BM2] < [BM1]

resultando do teorema 3.6 que [AM1] < [BM1], o que é absurdo, uma vez que M1 é

ponto médio de [AB].

Por um raciocínio análogo, concluímos que a hipótese A�M2 �M1 também conduz a

uma contradição. Assim, M1 = M2. �

Corolário 3.27 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam [AB] e [CD] seg-

mentos de recta de A tais que [AB] �= [CD]. Se M1 é o ponto médio de [AB] e se M2

é o ponto médio de [CD], então [AM1] �= [CM2].

Demonstração: Pelo ponto 3 do teorema 3.4 existe um único E 2 [CD] tal que

C � E �D e [AM1] �= [CE] e [M1B] �= [ED]. Por hipótese e pelo teorema 3.1, temos

então que [CE] �= [ED], e portanto E é o ponto médio de [CD], resultando do teorema

anterior que E = M2. Assim, [AM1] �= [CM2]. �

De�nição 23 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana. Uma recta l é mediatriz

de um segmento de recta [AB] se é perpendicular a [AB] e se passa pelo seu ponto

médio.

Como veremos posteriormente, numa geometria Hilbertiana qualquer segmento de recta

tem uma única mediatriz.

De�nição 24 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e seja [ABC] um triângulo.

Os ângulos suplementares aos ângulos internos \BAC, \ABC e \ACB designam-se

por ângulos externos de [ABC], ou ângulos exteriores a [ABC]. Os ângulos internos

de [ABC] não adjacentes a um determinado ângulo externo � designam-se por ângulos

internos remotos associados ao ângulo externo �.

O resultado que se segue é conhecido como teorema do ângulo externo.

Teorema 3.28 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L), um ângulo externo de um

triângulo é maior do que qualquer um dos ângulos internos remotos que lhe estão

associados.

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema do Ângulo Externo 69

Demonstração: Seja [ABC] um triângulo arbitrário e D 2 P tal que B � C � D,

cuja existência é garantida por O2. O ângulo \ACD é um ângulo suplementar ao

ângulo \ACB, pelo que é um ângulo externo de [ABC]. Pretendemos mostrar que

\ACD > \BAC e que \ACD > \ABC.

Seja E o ponto médio de [AC], cuja existência é garantida pelo teorema 3.26. Considere-

se na semi-recta oposta à semi-recta _EB o ponto F tal que [EF ] �= [BE], cuja existência

é garantida por C1. Por de�nição, os ângulos \BEA e \FEC são verticalmente opos-

tos, logo pelo corolário 3.9 são congruentes. Como, por construção, [AE] �= [CE] e

[BE] �= [FE], temos por C6 que [AEB] �= [CEF ]. Consequentemente \BAC �= \FCA.

Mostramos agora que a semi-recta _CF está entre as semi-rectas _CD e _CA. Seja HA

o semiplano determinado pela recta BC = CD que contém A e seja HD o semiplano

determinado pela recta AC que contém D. Pelo teorema 2.28, E 2 int (\ABC),

pelo que E 2 HA, logo pelo teorema 2.35, F 2 HA. Por outro lado, pelo teorema

2.2, F e B estão em lados opostos relativamente a AC, e D e B também estão em

lados opostos relativamente a AC, logo pelo ponto 1 do teorema 2.4, F e D estão

do mesmo lado relativamente a AC, ou seja, F 2 HD. Provámos que F 2 HA \ HD,

ou seja F 2 int (\ACD). Então, por de�nição, a semi-recta _CF está entre as semi-

rectas _CA e _CD. Pelo demonstrado anteriormente e por de�nição, concluímos que

\BAC < \ACD.

Passamos agora a mostrar que \ABC < \ACD. Para tal consideramos G 2 P tal que

A�C�G, cuja existência é garantida por O2. O ângulo \BCG é um ângulo suplementar

ao ângulo \ACB, logo pelo teorema 3.8, \BCG �= \ACD. Por um raciocínio análogo

ao anterior, mostramos que \ABC < \BCG, logo pelo ponto 1 do teorema 3.14,

\ABC < \ACD. �

Corolário 3.29 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L), se � e � são ângulos internos

de um triângulo e se �0 é um ângulo suplementar a �, então � < �0.

Demonstração: �0 é um ângulo externo do triângulo, logo, pelo teorema anterior, é

maior do que qualquer ângulo interno remoto associado. Em particular, � < �0. �

No próximo resultado mostramos que, numa geometria Hilbertiana, dados uma recta l e

um ponto P , existe uma, e uma só, recta m incidente sobre P e perpendicular a l . Para

além da importância que este resultado por si só detém, permite-nos ainda concluir a

existência de uma única mediatriz para cada segmento de recta.

70 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

Teorema 3.30 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L), dada l 2 L e dado P 2 P,

existe uma única recta m incidente sobre P e perpendicular a l .

Demonstração: Temos dois casos a considerar: P 2 l ou P =2 l .

1. Suponhamos que P 2 l . Seja A 2 l n fPg, cuja existência é garantida por I2,

e seja B o ponto da semi-recta oposta à semi-recta _PA tal que P é o ponto

médio de [AB], cuja existência é garantida por C1. Pelo teorema 3.21, existe um

triângulo isósceles [ABC], de base [AB]. Como, por construção, [AC] �= [BC] e

[AP ] �= [BP ] e, por C2, [PC] �= [PC], pelo critério de congruência LLL (3.23),

temos que [APC] �= [BPC]. Consequentemente, \APC �= \BPC. Ora, por

construção, A� P �B, pelo que os ângulos \APC e \BPC são suplementares.

Assim, por de�nição, \APC é um ângulo recto, e consequentemente, as rectas l

e CP são perpendiculares.

Resta mostrar a unicidade. Suponhamos que m é uma recta que passa por P

e é perpendicular a l . Seja M1 2 m n fPg, cuja existência é garantida por I2, e

seja M2 2 m tal que M1 � P �M2, cuja existência é garantida por O2. Então,

pelo teorema 2.2, M1 e M2 estão em lados opostos relativamente a l . Supomos,

sem perda de generalidade, que M1 pertence ao semiplano determinado por l

que contém C. Sendo m perpendicular a l , \M1PA é um ângulo recto, logo

pelo teorema 3.15, \M1PA �= \CPA, resultando de C4 que _PC = _PM1, e por

conseguinte, M1 2 CP . Assim, pelo teorema 1:1, m = CP . Da arbitrariedade da

escolha de m, resulta que CP é a única recta incidente sobre P e perpendicular a

l .

2. Suponhamos que P =2 l . Sejam A e B dois pontos distintos de l , cuja existência

é garantida por I2. C4 e C1 garantem a existência de um ponto P 0 no semiplano

determinado por l distinto do que contém P , tal que \PAB �= \P 0AB e tal que

[PA] �= [P 0A]. Pelo teorema 2.2, existe D 2 l tal que P �D� P 0. Por O3 temos

os seguintes casos possíveis: D = A, D = B, A�D�B, D�B�A ou D�A�B.

Se D = A, então \PAB = \PDB e \P 0AB = \P 0DB, e por de�nição, \PDB

e \P 0DB são suplementares. Como, por construção, \PDB �= \P 0DB, estes

ângulos são ângulos rectos. Consequentemente, as rectas PP 0 e l são perpendi-

culares.

Se A�D�B, B = D ou A�B�D, então pelo corolário 2.12, _AB = _AD, pelo que

\PAB = \PAD e \P 0AB = \P 0AD. Por conseguinte, temos \PAD �= \P 0AD.

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema do Ângulo Externo 71

Por outro lado, sendo o triângulo [PAP 0] isósceles, resulta do teorema 3.18 que

\APD �= \AP 0D. Pelo critério de congruência ALA (3.22), concluímos que

[APD] �= [AP 0D]. Assim, \PDA �= \P 0DA e, sendo estes ângulos suplementa-

res, são ambos ângulos rectos, logo, por de�nição, as rectas l e PP 0 são perpen-

diculares.

Se D � A � B, então, por de�nição, os ângulos \PAD e \PAB, assim como

\P 0AD e \P 0AB, são ângulos suplementares. Como, por construção \PAB �=

\P 0AB, resulta do teorema 3.8 que \PAD �= \P 0AD. Por um raciocínio aná-

logo ao descrito no parágrafo anterior, concluímos que as rectas PP 0 e l são

perpendiculares.

Em suma, mostrámos que a recta PP 0 é perpendicular a l . Resta apenas mostrar

que existe uma única recta incidente sobre P e perpendicular a l . Suponhamos, por

redução ao absurdo, que existem duas rectas distintas, m e n, incidentes sobre P

e perpendiculares a l . Seja fNg = n\ l e fMg = m\ l . Pelo teorema 1:1, N 6= M.

Por O2, existe Q 2 l tal que M�N�Q. Por de�nição de rectas perpendiculares,

\PMN e \PNQ são ambos ângulos rectos, logo congruentes, pelo teorema 3.15.

Desta forma, \PNQ é um ângulo externo do triângulo [PMN], congruente a um

ângulo interno remoto associado, o que é absurdo pelo teorema do ângulo externo

(3.28). Assim, existe uma única recta incidente sobre P e perpendicular a l . �

Corolário 3.31 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L):

1. existe pelo menos um ângulo recto;

2. qualquer segmento de recta tem uma única mediatriz.

Demonstração:

1. Dados dois pontos distintos arbitrários A;B 2 P, o teorema anterior garante a

existência de uma recta m, incidente sobre A e perpendicular a AB. Como, por

I2, qualquer recta incide sobre pelo menos dois pontos, existe C 2 m n fAg. Por

de�nição de rectas perpendiculares, \BAC é um ângulo recto.

2. Seja [AB] um segmento de recta arbitrário e seja M o seu ponto médio, cuja

existência é garantida pelo teorema 3.26. Pelo teorema anterior, existe uma recta

perpendicular a [AB] incidente sobre M, ou seja, existe uma mediatriz de [AB].

A unicidade da mediatriz é garantida também pelo teorema anterior, já que por

um ponto de uma recta passa uma única recta perpendicular à recta dada, e é

72 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

garantida pelo teorema 3.26, segundo o qual, o ponto médio de qualquer segmento

de recta é único. �

Depois de demonstrado o teorema 3.30 faz sentido dar a seguinte:

De�nição 25 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana, l 2 L, P 2 P n l e r a recta

perpendicular a l incidente sobre P . O ponto de intersecção das rectas l e r é designado

por pé da perpendicular r de P sobre l .

Agora que caracterizámos os ângulos rectos e que demonstrámos a sua existência,

podemos introduzir uma classi�cação de ângulos.

De�nição 26 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L):

1. um ângulo menor do que um ângulo recto é um ângulo agudo;

2. um ângulo maior do que um ângulo recto é um ângulo obtuso.

Resulta do teorema 3.14 e do teorema 3.15 que, numa geometria Hilbertiana, um

ângulo agudo é menor do que qualquer ângulo recto e um ângulo obtuso é maior do

que qualquer ângulo recto. Consequentemente, qualquer ângulo agudo é menor do que

qualquer ângulo obtuso.

Por de�nição, um ângulo suplementar a um ângulo recto é também um ângulo recto.

No resultado que se segue, mostramos que um ângulo suplementar a um ângulo obtuso

é um ângulo agudo e, reciprocamente, que um ângulo suplementar a um ângulo agudo

é um ângulo obtuso.

Teorema 3.32 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam \BAC e \BAD

dois ângulos suplementares de A. Então \BAC é um ângulo agudo se e somente se

\BAD é um ângulo obtuso.

Demonstração: Por hipótese temos que C � A � D. Seja l a recta incidente sobre

A e perpendicular a AC, cuja existência e unicidade são garantidas pelo teorema 3.30.

Seja P 2 l n fAg, cuja existência é garantida por I2, e seja Q 2 l tal que P � A � Q,

cuja existência é garantida por O2. Pelo teorema 2.2, P e Q estão em lados opostos

relativamente a AC. Supomos, sem perda de generalidade, que P está no semiplano

determinado por AC que contém B. Então, por de�nição de rectas perpendiculares,

\PAC e \PAD são ângulos rectos.

Suponhamos que \BAC é um ângulo agudo. Então, por de�nição, \BAC < \PAC,

pelo que a semi-recta _AB está entre as semi-rectas _AC e _AP . Assim, pelo teorema

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema do Ângulo Externo 73

2.42, a semi-recta _AP está entre as semi-rectas _AB e _AD, pelo que \BAD > \PAD.

Podemos pois concluir que \BAD é um ângulo obtuso.

Por outro lado, se \BAD é um ângulo obtuso, um raciocínio análogo ao usado no

parágrafo anterior permite-nos concluir que \BAC é um ângulo agudo. �

O próximo resultado é mais um critério de congruência de triângulos conhecido por

critério de congruência de triângulos lado - ângulo - ângulo, LAA.

Teorema 3.33 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana. Se [ABC] e [A0B0C 0] são

dois triângulos tais que [AC] �= [A0C 0], \BAC �= \B0A0C 0 e \ABC �= \A0B0C 0, então

[ABC] �= [A0B0C 0].

Demonstração: Se [AB] < [A0B0], existe, por de�nição, D0 2 [A0B0] tal que A0�D0�B0

e [AB] �= [A0D0]. Como, por hipótese, \BAC �= \D0A0C 0 e [AC] �= [A0C 0], temos pelo

critério de congruência LAL (C6) que [BAC] �= [D0A0C 0]. Em particular, concluímos

que \A0D0C 0 �= \ABC, e como por hipótese \ABC �= \A0B0C 0, resulta do teorema

3.2, nomeadamente da transitividade da relação de congruência entre ângulos, que

\A0D0C 0 �= \A0B0C 0. Porque A0 =2 B0C 0, D0 =2 B0C 0, logo D0, B0 e C 0 são não colineares.

Além disso, \A0D0C 0 é um ângulo externo do triângulo [B0D0C 0], que, pelo demonstrado

anteriormente, é congruente a um ângulo interno remoto associado, \A0B0C 0, o que é

absurdo pelo teorema do ângulo externo (3.28).

Por um raciocínio análogo mostramos que também não podemos ter [AB] > [A0B0].

Assim, pelo teorema 3.6, [AB] �= [A0B0], resultando do critério de congruência LAL

(C6) que [ABC] �= [A0B0C 0]. �

Os resultados seguintes evidenciam relações entre os ângulos internos e os lados de um

triângulo, numa geometria Hilbertiana. Vimos anteriormente que dois lados de um tri-

ângulo são congruentes se, e somente se, os ângulos internos opostos são congruentes.

Agora mostramos que, num triângulo, o maior dos ângulos opõe-se ao maior dos lados

e, reciprocamente, o maior dos lados opõe-se ao maior dos ângulos.

Teorema 3.34 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L), se dois lados de um triângulo

não são congruentes, então também não são congruentes os ângulos opostos: ao maior

dos lados opõe-se o maior dos ângulos.

Demonstração: Seja [ABC] um triângulo arbitrário tal que [AB] > [AC]. Então, por

de�nição, existe D 2 int [AB] tal que [AD] �= [AC]. O triângulo [ACD] é isósceles,

resultando do teorema 3.18 que \ADC �= \ACD. Como A�D�B, resulta do teorema

74 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

2.28 que D 2 int (\ACB), pelo que a semi-recta _CD está entre as semi-rectas _CA e_CB. Então, por de�nição, temos que \ADC < \ACB. Por outro lado, \ADC é

um ângulo externo do triângulo [CDB], logo pelo teorema do ângulo externo (3.28),

\ADC > \ABC. Em suma, temos que

\ABC < \ADC < \ACB

resultando do teorema 3.14 que \ABC < \ACB, ou seja, \ACB > \ABC. �

Teorema 3.35 Numa geometria HilbertianaA = (P;L), se dois ângulos internos de um

triângulo não são congruentes, então também não são congruentes os lados opostos:

ao maior dos ângulos opõe-se o maior dos lados.

Demonstração: Seja [ABC] um triângulo arbitrário tal que \BAC > \ABC. Preten-

demos mostrar que [BC] > [AC].

Se [BC] �= [AC], então, pelo teorema 3.18, teríamos que \BAC �= \ABC, o que é

absurdo, por hipótese.

Se [BC] < [AC] então, pelo teorema anterior, teríamos que \BAC < \ABC, o que é

absurdo, por hipótese.

Assim, pelo ponto 3 do teorema 3.6 temos que [BC] > [AC]. �

No teorema que se segue mostramos que, numa geometria Hilbertiana, se A, B e C são

três pontos, distintos dois a dois, então [AC] � [AB]+[BC]. Este teorema é conhecido

por desigualdade triangular.

Teorema 3.36 Sejam A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e A;B; C 2 P três pon-

tos, distintos dois a dois. Então [AC] � [AB] + [BC]. Em particular, se A � B � C,

então [AC] �= [AB] + [BC]. Se A � C � B ou C � A � B ou se A, B e C são pontos

não colineares, então [AC] < [AB] + [BC].

Demonstração: Consideramos dois casos: A, B e C são colineares ou A, B e C são

não colineares.

1. Se A, B e C são colineares como, por hipótese, são pontos distintos, dois a dois,

por O3, uma e apenas uma das situações seguintes ocorre: A�C�B, C�A�B

ou A� B � C.

Suponhamos que A� C � B. Seja D 2 AB, tal que A� B �D e [BD] �= [BC],

cuja existência é garantida por C1. Então [AD] = [AB]+ [BC]. Como A�B�D

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema do Ângulo Externo 75

e A � C � B, resulta do ponto 2 do teorema 2.14 que A � C � D. Assim, por

de�nição, [AC] < [AD], ou seja, [AC] < [AB] + [BC].

Suponhamos agora que C�A�B. Seja D 2 AB tal que A�B�D e [BD] �= [BC],

cuja existência é garantida por C1. Então, pelo ponto 3 do teorema 3.4, existe um

ponto A0 tal que D�A0�B e [DA0] �= [AC]. Ora, como D�A0�B e D�B�A,

resulta do ponto 2 do teorema 2.14 que D � A0 � A. Assim, temos por de�nição

que [AC] < [AD], ou seja, [AC] < [AB] + [BC].

Suponhamos �nalmente que A�B�C. Então, por de�nição, [AC] = [AB]+[BC],

resultando de C2 que [AC] �= [AB] + [BC].

2. Suponhamos agora que A, B e C são não colineares. Seja D 2 AB tal que

A � B � D e [BC] �= [BD], cuja existência é garantida por C1. Então, por

de�nição, [AD] = [AB] + [BC]. Como A � B � D, resulta do teorema 2.28 e

da de�nição que a semi-recta _CB está entre as semi-rectas _CD e _CA, pelo que

\ACD > \BCD. Por outro lado, [BCD] é um triângulo isósceles, logo pelo

teorema 3.18, \BCD �= \BDC = \ADC. Pelo teorema 3.14 temos então que

\ADC < \ACD, logo pelo teorema anterior, [AC] < [AD], ou seja, [AC] <

[AB] + [BC]. �

O próximo teorema é conhecido na literatura anglo-saxónica por open mouth theorem

ou hinge theorem, ou seja, teorema da �boca aberta� ou teorema da �dobradiça�. O

enunciado clari�ca a designação atribuída ao teorema.

Teorema 3.37 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam [ABC] e [A0B0C 0]

dois triângulos tais que [AB] �= [A0B0] e [AC] �= [A0C 0]. Se \BAC > \B0A0C 0 então

[BC] > [B0C 0].

Demonstração: Por hipótese e por de�nição, existe uma semi-recta _AD entre as semi-

-rectas _AB e _AC tal que \DAC �= \B0A0C 0. Pelo teorema do cruzamento (2.40), _AD

intersecta o interior de [BC] num único ponto. Pelo corolário 2.12, podemos designar

este ponto por D, logo temos que B � D � C. Seja E 2 _AD tal que [AE] �= [A0B0],

cuja existência é garantida por C1. Observe-se que E = D ou A�E�D ou A�D�E.

Então, pelo critério de congruência LAL (C6), temos que [AEC] �= [A0B0C 0], logo em

particular [EC] �= [B0C 0].

Seja _AF a bissectriz do ângulo \BAD = \BAE, cuja existência é garantida pelo

teorema 3.24. Mais um vez pelo teorema do cruzamento (2.40), _AF intersecta o interior

de [BD] num único ponto. Pelo corolário 2.12, podemos designar este ponto por F .

76 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

Assim, temos que B�F�D e B�D�C, logo pelo ponto 2 do teorema 2.14, B�F�C

e F �D � C. Ora, por construção, [AE] �= [A0B0], e por hipótese, [AB] �= [A0B0], logo

pelo teorema 3.1, nomeadamente pela transitividade da relação de congruência entre

segmentos de recta, [AB] �= [AE]. Por C2, [AF ] �= [AF ] e por de�nição de bissectriz de

um ângulo, \BAF �= \EAF . Assim, mais uma vez pelo critério de congruência LAL

(C6), [BAF ] �= [EAF ], pelo que em particular [BF ] �= [EF ].

Ora, C, E e F são três pontos, distintos dois a dois, e se forem colineares, isto é, se

D = E, então C�E�F . Assim, quer aqueles três pontos sejam colineares ou quer sejam

não colineares, temos pela desigualdade triangular (3.36) que [EC] < [EF ] + [FC].

Por outro lado, como [EF ] �= [BF ] e, por C2, [FC] �= [FC], resulta do ponto 1 do

teorema 3.4 que [EF ] + [FC] �= [BF ] + [FC]. Como B � F � C, então, por de�nição,

[BF ] + [FC] = [BC], logo pelo teorema 3.6, [EC] < [BC], e portanto [B0C 0] < [BC].

No resultado que se segue mostramos que numa geometria Hilbertiana qualquer seg-

mento de recta cujos extremos são um vértice de um triângulo e um ponto do interior

do lado oposto é menor do que o maior dos outros dois lados do triângulo, ou do que

qualquer um dos outros dois lados, caso estes sejam congruentes.

Teorema 3.38 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L), se [ABC] é um triângulo tal

que [CA] � [CB] e se A�D � B, então [CD] < [CB].

Demonstração: Suponhamos que [CB] > [CA]. Então, pelo teorema 3.34 temos que

\CBD < \CAD. Por outro lado, pelo teorema do ângulo externo (3.28), veri�ca-se

que \CAD < \CDB. Assim, pelo ponto 2 do teorema 3.14, temos que \CBD <

\CDB, resultando do teorema 3.35 que [CD] < [CB].

Suponhamos agora que [CAB] é um triângulo isósceles de base [AB], ou seja, tal que

[CA] �= [CB]. Resulta do teorema 3.18 que \CBD �= \CAD. Ora, pelo teorema

do ângulo externo, \CDB > \CAD, logo pelo ponto 1 do teorema 3.14, \CDB >

\CBD, e pelo teorema 3.35, [CD] < [CB]. �

De�nição 27 Sejam A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e A;B; C 2 P não coline-

ares. O triângulo [ABC] é um triângulo rectângulo se um dos seus ângulos internos

for um ângulo recto. Neste caso, um lado do triângulo oposto a um ângulo interno

recto é designado por hipotenusa.

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema do Ângulo Externo 77

No resultado seguinte mostramos que, numa geometria Hilbertiana, um triângulo rec-

tângulo tem apenas um ângulo interno recto, e portanto, uma única hipotenusa.

Teorema 3.39 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L), qualquer triângulo rectângulo

tem um único ângulo interno recto e uma única hipotenusa. Os outros dois ângulos

internos são agudos, e a hipotenusa é o maior lado do triângulo.

Demonstração: Seja [ABC] um triângulo rectângulo arbitrário, tal que \BAC é um

ângulo recto. Sendo D 2 AC, tal que C � A � D, cuja existência é garantida por

O2, o ângulo \BAD é um ângulo externo do triângulo, suplementar ao ângulo recto

\BAC. Então, por de�nição, \BAD é um ângulo recto, resultando do teorema do

ângulo externo (3.28) que \BAD > \ABC e \BAD > \ACB, ou seja, \ABC e

\ACB são ângulos agudos, sendo \BAC o único ângulo interno recto de [ABC] e,

consequentemente, [BC] a única hipotenusa de [ABC]. Pelo teorema 3.14, \BAC >

\ABC e \BAC > \ACB, resultando do teorema 3.35 que [BC] > [AC] e que [BC] >

[AB], sendo por isso a hipotenusa o maior lado de [ABC]. �

Numa geometria Hilbertiana, se [ABC] é um triângulo rectângulo de hipotenusa [AB],

designamos os outros dois lados, [BC] e [AC], por catetos e dizemos que o triângulo

é rectângulo em C.

Como mostrámos no teorema 3.15, numa geometria Hilbertiana, quaisquer dois ângulos

rectos são congruentes. Como consequência, para além dos critérios de congruência

de triângulos já enunciados e demonstrados, existem critérios de congruência aplicáveis

exclusivamente a triângulos rectângulos. O resultado seguinte é um desses critérios,

geralmente conhecido por critério de congruência de triângulos hipotenusa - cateto,

HC.

Teorema 3.40 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam [ABC] e [A0B0C 0]

dois triângulos rectângulos, cujas hipotenusas são, respectivamente, [BC] e [B0C 0]. Se

[BC] �= [B0C 0] e se [AB] �= [A0B0], então [ABC] �= [A0B0C 0].

Demonstração: Seja D0 2 A0C 0 tal que D0 � A0 � C 0 e [D0A0] �= [CA], cuja existência

é garantida por C1. Então, por de�nição, \B0A0C 0 e \B0A0D0 são suplementares, e

como por hipótese \B0A0C 0 é um ângulo recto, \B0A0D0 é também um ângulo recto,

logo pelo teorema 3.15, \B0A0D0 �= \BAC. Ora, por construção, [AC] �= [A0D0] e,

por hipótese, [AB] �= [A0B0], logo pelo critério de congruência LAL (C6), [ABC] �=

[A0B0D0]. Consequentemente, [B0D0] �= [BC], e como por hipótese [BC] �= [B0C 0],

resulta do teorema 3.1, nomeadamente da transitividade da relação de congruência

78 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

entre segmentos de recta, que [B0D0] �= [B0C 0]. O triângulo [B0D0C 0] é, portanto,

um triângulo isósceles, logo pelo teorema 3.18, \B0D0A0 = \B0D0C 0 �= \B0C 0D0 =

\B0C 0A0. Assim, pelo critério de congruência LAA (3.33), [A0B0D0] �= [A0B0C 0]. Da

transitividade da relação de congruência entre triângulos resulta que [ABC] �= [A0B0C 0].

Depois de demonstrado este resultado, e tendo em conta o critério de congruência

LAL (C6), podemos a�rmar que, numa geometria Hilbertiana, quaisquer dois triângulos

rectângulos são congruentes se tiverem, de um para o outro, dois lados congruentes.

Assim, um triângulo rectângulo é de�nido, a menos de uma congruência, por dois dos

seus lados.

O resultado que se segue é mais um critério de congruência para triângulos rectângulos

conhecido por critério de congruência de triângulos hipotenusa - ângulo, HA.

Teorema 3.41 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam [ABC] e [A0B0C 0]

dois triângulos rectângulos, cujas hipotenusas são, respectivamente, [BC] e [B0C 0]. Se

[BC] �= [B0C 0] e se \ABC �= \A0B0C 0, então [ABC] �= [A0B0C 0].

Demonstração: Pelo teorema 3.15, \BAC �= \B0A0C 0, e por hipótese \ABC �=

\A0B0C 0 e [BC] �= [B0C 0], logo pelo critério de congruência LAA (3.33), [ABC] �=

[A0B0C 0]. �

Teorema 3.42 Numa geometria HilbertianaA = (P;L), sejam l 2 L, Q 2 l e P 2 Pnl .

1. Se PQ ? l então [PQ] � [PR], para qualquer R 2 l (em particular, se PQ ? l

então [PQ] < [PR], para qualquer R 2 l n fQg).

2. Se para qualquer R 2 l , [PQ] � [PR], então PQ ? l .

Demonstração:

1. Suponhamos que PQ ? l e seja R 2 l arbitrário. Se R = Q então, por C2, temos

que [PQ] �= [PR]. Se R 2 l n fQg, então o triângulo [PQR] é rectângulo, sendo

[PR] a hipotenusa, logo pelo teorema 3.39, [PQ] < [PR]. Dada a arbitrariedade

da escolha de R, concluímos que para qualquer R 2 l temos que [PQ] � [PR].

2. Suponhamos agora que para qualquer R 2 l temos que [PQ] � [PR], e suponha-

mos, por redução ao absurdo, que PQ e l não são perpendiculares. Seja l 0 a recta

incidente sobre P e perpendicular a l , cuja existência e unicidade são garantidas

pelo teorema 3.30, e seja fQ0g = l 0 \ l . Ora, por hipótese, [PQ] � [PQ0]. Por

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema do Ângulo Externo 79

outro lado, e pelo teorema 1:1, Q 6= Q0, logo [PQQ0] é um triângulo rectângulo,

cuja hipotenusa é [PQ], donde pelo teorema 3.39, [PQ] > [PQ0], o que é absurdo,

pelo teorema 3.6. Por conseguinte PQ ? l . �

De�nição 28 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e seja [ABC] um triângulo e

D pé da perpendicular de C sobre AB. Designamos o segmento de recta [CD] por altura

do triângulo [ABC] relativamente a C, e o ponto D por pé da altura relativamente a

C.

Observe-se que o pé da altura de um triângulo relativamente a um dos seus vértices

não é necessariamente um ponto do triângulo.

Teorema 3.43 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e seja [ABC] um triângulo

deA. Se [AB] � [AC] e [AB] � [BC], e seD é o pé da altura do triângulo relativamente

a C, então A�D � B.

Demonstração: Sendo A, B e D colineares, com A 6= B, por O3 temos os seguintes

casos possíveis: D � A� B, A = D, A�D � B, B = D ou A� B �D.

Suponhamos que D � A� B. Então, por de�nição, [AB] < [DB]. Por outro lado, por

hipótese e por de�nição de altura de um triângulo, temos que [CDB] é um triângulo

rectângulo, cuja hipotenusa é [BC]. Assim, pelo teorema 3.39, [DB] < [BC], logo,

pelo teorema 3.6, [AB] < [BC], o que é absurdo, já que, por hipótese, [AB] � [BC].

Assim, não podemos ter D�A�B. Por um raciocínio análogo mostramos que também

não podemos ter A� B �D.

Suponhamos agora que A = D. Então, por C2, [AB] �= [DB], e por hipótese, [CDB]

é um triângulo rectângulo, cuja hipotenusa é [CB]. Assim, pelo teorema 3.39, [CB] >

[DB], ou seja [CB] > [AB], o que é absurdo, por hipótese. Assim, não podemos ter

D = A. Por um raciocínio análogo, mostramos que também não podemos ter D = B.

Por conseguinte, temos que A�D � B. �

No resultado que se segue mostramos que, numa geometria Hilbertiana, pelo menos

dois dos ângulos internos de qualquer triângulo são agudos.

Teorema 3.44 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e seja [ABC] um triângulo

de A. Então pelo menos dois dos ângulos internos do triângulo [ABC] são agudos.

Além disso, se \BAC e \ABC são ângulos agudos, então o pé da altura do triângulo

relativamente a C está entre A e B.

80 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

Demonstração: Se os três ângulos internos de [ABC] são agudos, não há nada a de-

monstrar. Se um dos ângulos internos de [ABC] é um ângulo recto, então pelo teorema

3.39 os outros dois ângulos internos são agudos. Suponhamos um dos ângulos internos

de [ABC], digamos \ACB, é um ângulo obtuso e seja \ACD um ângulo externo de

[ABC]. Então pelo teorema 3.32, \ACD é um ângulo agudo, decorrendo do teorema

do ângulo externo (3.28) que \BAC < \ACD e \ABC < \ACD. Consequentemente,

\ABC e \BAC são ângulos agudos.

Suponhamos que \ABC e \BAC são ângulos agudos e seja C 0 o pé da altura de

[ABC] relativamente a C. Ora, como CC 0 ? AB e \CAB e \CBA são ângulos

agudos, C 0 2 AB n fA;Bg. Então, por O3, temos três casos possíveis: C 0 � A � B,

C 0 � B � A ou A � C 0 � B. Se C 0 � A � B, então \CAB é um ângulo externo do

triângulo [CC 0A] tal que \CAB < \CC 0A, o que é absurdo pelo teorema do ângulo

externo. Analogamente mostramos que também não podemos ter C 0 �B � A. Assim,

veri�ca-se que A� C 0 � B. �

No teorema seguinte caracterizamos os pontos da mediatriz de qualquer segmento de

recta de uma geometria Hilbertiana.

Teorema 3.45 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam A;B 2 P dois

pontos distintos. P é um ponto da mediatriz de [AB] se e só se [AP ] �= [BP ].

Demonstração: Seja m a mediatriz do segmento de recta [AB]. Então, por de�nição,

m \ AB = fMg, onde M é o ponto médio de [AB], e m ? AB.

Seja P 2 m arbitrário. Se P = M, então [AP ] �= [BP ]. Suponhamos que P 6= M.

Então, P =2 AB, e por de�nição de mediatriz, \PMB e \PMA são ambos ângulos

rectos, logo pelo teorema 3.15 são congruentes. Por outro lado, por C2, [PM] �= [PM]

e, por de�nição de ponto médio de um segmento de recta, [AM] �= [BM]. Assim, por

C6, [AMP ] �= [BMP ], e em particular, [AP ] �= [BP ]. Da arbitrariedade da escolha de

P , concluímos que se P 2 m então [AP ] �= [BP ].

Seja agora P um ponto arbitrário tal que [AP ] �= [BP ]. Então P 2 AB ou P =2 AB.

Observe-se que, como [AP ] �= [BP ], P =2 fA;Bg.

Se P 2 AB, por O3, temos os seguintes casos possíveis: P � A � B, A � P � B, ou

A�B�P . Ora, se P �A�B, então [PA] < [PB] e se A�B�P , então [PB] < [PA],

o que é absurdo em ambos os casos. Assim, temos que A�P �B e que [AP ] �= [BP ],

logo por de�nição e pelo teorema 3.26, P é o ponto médio de [AB], ou seja P = M, e

portanto, P 2 m.

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema do Ângulo Externo 81

Suponhamos agora que P =2 AB. Então o triângulo [PAB] é isósceles, de base [AB],

logo pelo teorema 3.18, \PAM �= \PBM. Por outro lado, por de�nição de ponto

médio de um segmento de recta, [AM] �= [BM], resultando de C6 que [PAM] �= [PBM].

Assim, em particular, \PMA �= \PMB. Como estes dois ângulos são suplementares,

são, por de�nição, ângulos rectos. Assim, PM ? AB. Como, pelo teorema 3.30, m é

a única recta perpendicular a [AB] incidente sobre M, m = PM, pelo que P 2 m. Da

arbitrariedade da escolha de P concluímos que se P é um ponto tal que [AP ] �= [BP ],

então P é um ponto da mediatriz de [AB]. �

Teorema 3.46 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam [AB] um segmento

de recta de A e m a mediatriz de [AB]. Um ponto P 2 P pertence ao semiplano

determinado por m que contém A se e só se [PA] < [PB] ou P = A.

Demonstração: Suponhamos que P pertence ao semiplano determinado por m que

contém A. Temos dois casos possíveis: P 2 AB ou P =2 AB.

Suponhamos que P 2 AB. Sendo M o ponto médio de [AB], temos por de�nição que

AB \ m = fMg e logo por hipótese, P � A �M, P = A ou A � P �M. Se P = A,

não há nada a demonstrar. Se P � A �M, como A �M � B, resulta do ponto 1 do

teorema 2.14 que P �A�B, donde por de�nição, [PA] < [PB]. Se A�P �M, como

A�M � B, resulta do ponto 2 do teorema 2.14 que P �M � B. Assim, temos:

[PA] < [AM] �= [BM] < [PB]

logo pelo teorema 3.6, [PA] < [PB].

Suponhamos agora que P =2 AB. Como A e B estão em lados opostos relativamente a

m e P e A estão do mesmo lado relativamente a m, resulta do ponto 2 do teorema 2.4

que P e B estão em lados opostos relativamente a m. Resulta então do teorema 2.2

que existe X 2 m tal que P �X �B. Ora, pelo teorema 3.45, [AX] �= [XB], logo pelo

teorema 3.18, \XAB �= \XBA. Por outro lado, pelo teorema 2.28, X 2 int (\PAB),

pelo que a semi-recta _AX está entre as semi-rectas _AP e _AB, e por de�nição, \PAB >

\XBA = \PBA. Assim, pelo teorema 3.35, [PB] > [PA].

Reciprocamente, suponhamos que [PB] > [PA] ou P = A. Se P = A, então P pertence

ao semiplano determinado por m que contém A. Suponhamos que [PB] > [PA] e

que P pertence ao semiplano determinado por m que contém B. Então pelo que foi

demonstrado anteriormente, [PB] < [PA], o que é absurdo pelo teorema 3.6. Assim,

como pelo teorema 3.45 P =2 m, P pertence ao semiplano determinado por m que

contém A. �

82 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

No teorema seguinte, mostramos que as mediatrizes dos lados de qualquer triângulo

são rectas distintas, duas a duas e que, se duas destas rectas se intersectam, então as

(três) mediatrizes são concorrentes.

Teorema 3.47 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana, e seja [ABC] um triângulo

de A. Então, as mediatrizes dos lados de [ABC] são distintas duas a duas. Além disso,

se as mediatrizes de dois lados de [ABC] são concorrentes, então as mediatrizes dos

três lados do triângulo são concorrentes.

Demonstração: Suponhamos que a mediatriz, l , de [AB] é também a mediatriz de

[AC]. Sendo A, B e C pontos não colineares, AB e AC são duas rectas distintas

incidentes sobre A e perpendiculares a l , o que é absurdo pelo teorema 3.30. Assim,

as mediatrizes de [AB] e de [AC] são rectas distintas. Usando raciocínios análogos,

concluímos assim que as mediatrizes dos lados de [ABC] são rectas distintas duas a

duas.

Sejam l1, l2 e l3 as mediatrizes, respectivamente, de [AB], [AC] e [BC], e suponhamos

que l1\l2 = fDg. Então, pelo teorema 3.45, [AD] �= [BD], pois D 2 l1, e [AD] �= [CD],

uma vez que D 2 l2. Assim, temos por C2 que [BD] �= [CD], logo novamente pelo

teorema 3.45, D 2 l3. Por conseguinte, l1\ l2\ l3 = fDg. Se l1\ l3 6= ; ou se l2\ l3 6= ;,

por um raciocínio análogo concluímos que l1, l2 e l3 são concorrentes. �

Com o teorema seguinte obtemos uma caracterização dos pontos da bissectriz de um

ângulo, numa geometria Hilbertiana.

Teorema 3.48 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam \BAC um ângulo

de A, P 2 int (\BAC), PB o pé da perpendicular de P sobre AB e PC o pé da perpen-

dicular de P sobre AC. Então P é um ponto do interior da bissectriz de \BAC se, e

somente se, [PPB] �= [PPC]. Em particular, se P é um ponto do interior da bissectriz

de \BAC, então PB 2 int(_AB

)e PC 2 int

(_AC

).

Demonstração: Seja HB o semiplano determinado por AC que contém B e seja HC o

semiplano determinado por AB que contém C. Então int (\BAC) = HB \HC.

Suponhamos que P é um ponto do interior da bissectriz de \BAC. Então, pelo corolário

2.12 e por de�nição, \BAP �= \CAP . Começamos por mostrar que PB 2 int(_AB

).

Suponhamos que PB = A. Então \BPBP �= \BAP �= \CAP , logo pelo teorema 3.16,

\CAP é um ângulo recto. Assim, PA ? AB e PA ? AC, resultando do teorema

3.30 que AB = AC, o que é absurdo. Suponhamos agora que PB � A � B. Por

hipótese, P =2 AB, logo PB, A e P são pontos não colineares. Sendo P 2 int (\BAC)

3.2 Critérios de Congruência de Triângulos. Teorema do Ângulo Externo 83

e B � A � PB, decorre do teorema 2.42 que _AC está entre _AP e _APB. Como por

hipótese \PAC �= \PAB, temos por de�nição que \PBAP > \PAB. Ora, sendo

PPB ? AB, o triângulo [PPBA] é um triângulo rectângulo, resultando do teorema 3.39

que \PPBA > \PBAP , e do teorema 3.14 que \PPBA > PAB, o que é absurdo,

atendendo a que \PAB é um ângulo externo do triângulo [PPBA] e ao teorema do

ângulo externo (3.28). Concluímos assim que PB 2 int(_AB

). Um raciocínio análogo

permite-nos concluir que PC 2 int(_AC

).

Mostramos agora que [PPB] �= [PPC]. Atendendo ao que foi demonstrado anterior-

mente e ao corolário 2.12, _AB = _APB e _AC = _APC, pelo que, sendo P um ponto da

bissectriz de \BAC, \PBAP �= \PCAP . Além disso, temos por C2 que [AP ] �= [AP ].

Sendo [PAPB] e [PAPC] triângulos rectângulos, decorre do critério de congruência HA

(3.41) que [PAPB] �= [PAPC], logo, em particular, [PPB] �= [PPC].

Suponhamos agora que [PPB] �= [PPC]. Começamos por mostrar que PB 2 int(_AB

).

Se PB = A, temos dois casos possíveis: PC = A ou PC 2 AC n fAg. No primeiro caso

temos que PA ? AB e PA ? AC, logo pelo teorema 3.30, AB = AC, o que é absurdo.

Se PC 2 ACnfAg, então resulta do ponto 1 do teorema 3.42 que [PPC] < [PA], o que é

absurdo, por hipótese. Assim, PB 6= A. Se PB�A�B, sendo P 2 int (\BAC), decorre

do teorema 2.42 que _AC está entre _AP e _APB, logo pelo teorema do cruzamento

(2.40) existe F 2 int(_AC

)tal que P � F � PB. Consideramos dois casos: F = PC ou

F 2 AC n fPCg. Se F = PC, então [PPC] < [PPB], o que é absurdo, por hipótese. Se

F 2 AC nfPCg, então pelo ponto 1 do teorema 3.42, [FP ] > [PCP ]. Como PB�F �P ,

temos por de�nição que [PBP ] > [FP ], logo pelo teorema 3.6, [PBP ] > [PCP ], o que

é absurdo, por hipótese. Concluímos assim que PB 2 int(_AB

). Um raciocínio análogo

permite-nos concluir que PC 2 int(_AC

).

Mostramos agora que P é um ponto da bissectriz de \BAC. Como, por hipótese

P 2 int\BAC, a semi-recta _AP está entre as semi-rectas _AB e _AC. Também por

hipótese, [PPB] �= [PPC], e por C2, [AP ] �= [AP ]. Sendo [PPBA] e [PPCA] triângulos

rectângulos, temos pelo critério de congruência HC (3.40), que [PPBA] �= [PPCA],

logo, em particular, \PAPB �= \PAPC. Ora, pelo demonstrado anteriormente e pelo

corolário 2.12, \PAPB = \PAB e \PAPC = \PAC, logo, \PAB �= \PAC e _AP é a

bissectriz de \BAC. �

Teorema 3.49 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L) as bissectrizes dos ângulos

internos de qualquer triângulo intersectam-se num único ponto.

84 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

Demonstração: Seja [ABC] um triângulo arbitrário de A e _AA0 a bissectriz de \BAC,_BB0 a bissectriz de \ABC e _CC 0 a bissectriz de \ACB. Por de�nição, A0 2 int (\BAC),

logo pelo teorema do cruzamento (2.40) a semi-recta _AA0 intersecta [BC] num único

ponto F tal que B � F � C. Ora F 2 _BC, resultando do corolário 2.12 que \ABC =

\ABF . Por de�nição, B0 2 int (\ABF ), resultando mais uma vez do teorema do

cruzamento que _BB0 intersecta [AF ] num ponto D tal que A � D � F . Ora, D 2

_AF = _AA0, pelo que D 2 _AA0 \ _BB0. Por outro lado, D 2 int [ABC], pelo que D 2

int (\ACB). Seja D0 o pé da perpendicular de D sobre AB, D00 o pé da perpendicular

de D sobre AC e D000 o pé da perpendicular de D sobre BC. Porque D 2 _AA0 \ _BB0,

temos pelo teorema anterior que [DD0] �= [DD00] e que [DD0] �= [DD000], resultando

de C2 que [DD00] �= [DD000]. Assim, resulta mais uma vez do teorema anterior que

D 2 _CC 0, ou seja, D 2 _AA0 \ _BB0 \ _CC 0. Como A, B e C são pontos não colineares,_AA0 \ _BB0 \ _CC 0 = fDg.

Da arbitrariedade da escolha do triângulo, concluímos o resultado. �

3.3 A Teoria das Paralelas

Nesta secção demonstramos, entre outros resultados, o teorema dos ângulos alternos

internos, um dos teoremas mais importantes das geometrias Hilbertianas. Contudo,

antes de passarmos à análise deste resultado introduzimos mais alguns conceitos e

notações.

De�nição 29 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e seja R � L um conjunto

de rectas (com cardinalidade superior ou igual a 2). A recta t diz-se uma transversal

às rectas de R se t =2 R e se t intersecta as rectas de R em pontos distintos (dois a

dois).

Se t é uma transversal às rectas l e l 0, dizemos também que l e l 0 são cortadas por

uma transversal t. Observe-se que se a transversal t às rectas l e l 0 as intersecta,

respectivamente, em B e B0, então existem quatro ângulos com vértice B e de lados

contidos em t e l , e existem quatro ângulos de vértice B0 e de lados contidos em t e

l 0. A de�nição seguinte está relacionada com estes ângulos.

De�nição 30 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam l ; l 0; t 2 L, tais

que l 6= l 0, t é uma transversal às rectas l e l 0, t \ l = fBg e t \ l 0 = fB0g. Sejam

A;C; A0; C 0 2 P tais que A;C 2 l e A�B�C, A0; C 0 2 l 0 e A0�B0�C 0 e A e A0 estão

3.3 A Teoria das Paralelas 85

no mesmo semiplano determinado por t. A existência destes pontos é garantida por I2e por O2. Sejam ainda D;D0 2 t tais que D �B �B0 e D0 �B0 �B, cuja existência é

garantida por O2.

1. Os ângulos \ABB0, \A0B0B, \CBB0 e \C 0B0B designam-se por ângulos inter-

nos (para l e l 0 com transversal t).

2. Os pares de ângulos f\ABB0;\C 0B0Bg e f\CBB0;\A0B0Bg, são designados por

pares de ângulos alternos internos (para l e l 0 com transversal t).

3. Os pares de ângulos f\DBA;\BB0A0g, f\DBC;\BB0C 0g, f\D0B0A0;\B0BAg,

e f\D0B0C 0;\B0BCg são designados por pares de ângulos correspondentes

(para l e l 0 com transversal t).

Passamos agora a enunciar e a demonstrar o teorema dos ângulos alternos internos.

Teorema 3.50 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam l ; l 0 2 L tais que

l 6= l 0. Se l e l 0 são cortadas por uma transversal t formando um par de ângulos alternos

internos congruentes, então l k l 0.

Demonstração: Sejam A;B; C; A0; B0; C 0 2 P tal como na de�nição de pares de ângulos

alternos internos (de�nição 30), tais que \ABB0 �= \C 0B0B. Suponhamos que l e l 0

não são paralelas. Como, por hipótese, l e l 0 são rectas distintas, pelo teorema 1:1,

intersectam-se num único ponto P . Como B 6= B0, P =2 t. Consequentemente,

P pertence a um dos semiplanos determinados por t. Suponhamos que P pertence

ao semiplano determinado por t que contém C e C 0. Então \BB0C 0 é um ângulo

interno do triângulo [BB0P ], sendo \ABB0 um ângulo externo daquele triângulo. Como

\ABB0 �= \C 0B0B, temos uma contradição, já que pelo teorema do ângulo externo

(3.28) qualquer ângulo externo de um triângulo é maior do que qualquer um dos ângulos

internos remotos que lhe estão associados. Se P pertence ao semiplano determinado

por t que contém A e A0, pelo mesmo padrão de argumentação chegamos também a

uma contradição. Concluímos assim que l \ l 0 = ;, ou seja, l k l 0. �

Observe-se que, pelo teorema 3.8, se l e l 0 são duas rectas cortadas por uma transversal

t, formando um par de ângulos alternos internos congruentes, então o outro par de

ângulos alternos internos é também constituído por ângulos congruentes.

O resultado seguinte é uma consequência do teorema dos ângulos alternos internos, mas

relativo a ângulos correspondentes. É por isso conhecido como teorema dos ângulos

correspondentes.

86 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

Corolário 3.51 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam l ; l 0 2 L tais que

l 6= l 0. Se l e l 0 são cortadas por uma transversal t formando um par de ângulos

correspondentes congruentes, então l k l 0.

Demonstração: Sejam A;B; C; A0; B0; C 0; D 2 P tal como na de�nição de pares de

ângulos correspondentes (de�nição 30). Suponhamos que \DBC �= \BB0C 0. Ora

\ABB0 e \DBC são ângulos verticalmente opostos, logo pelo corolário 3.9 são con-

gruentes. Pela transitividade da relação de congruência entre ângulos, teorema 3.2,

\ABB0 �= \BB0C 0. Como \ABB0 e \BB0C 0 formam um par de ângulos alternos

internos congruentes, temos pelo teorema anterior que l k l 0. �

O resultado seguinte é consequência imediata do teorema dos ângulos alternos internos

assim como do facto de, numa geometria Hilbertiana, quaisquer dois ângulos rectos

serem congruentes (teorema 3.15).

Corolário 3.52 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L), duas rectas perpendiculares

a uma mesma recta são paralelas.

Demonstração: Sejam l ; l 0; t 2 L tais que l ? t e l 0 ? t. Se l = l 0, então l e l 0 são, por

de�nição, paralelas. Suponhamos que l 6= l 0. Então, pelo teorema 3.30, t intersecta l

e l 0 em pontos distintos, pelo que t é uma transversal às rectas l e l 0. Por hipótese,

l e t formam quatro ângulos rectos, o mesmo acontecendo com l 0 e t. Como, pelo

teorema 3.15, quaisquer dois ângulos rectos são congruentes, são formados dois pares

de ângulos alternos internos congruentes, logo pelo teorema 3.50, l k l 0. �

O corolário que se segue é uma das consequências mais importantes do teorema dos

ângulos alternos internos. Neste resultado mostramos a existência de rectas paralelas.

Corolário 3.53 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam P 2 P e l 2 L

tais que P =2 l . Então existe pelo menos uma recta incidente sobre P e paralela a l .

Demonstração: Seja m a recta incidente sobre P e perpendicular a l , cuja existência é

garantida pelo teorema 3.30. Seja l 0 a recta incidente sobre P e perpendicular a m, cuja

existência é também garantida pelo teorema 3.30. As rectas l e l 0 são perpendiculares

a uma mesma recta, m, logo pelo corolário anterior, l e l 0 são rectas paralelas. �

Observe-se que no corolário anterior não é demonstrada a unicidade da recta paralela à

recta dada, já que não é possível fazê-lo numa geometria Hilbertiana. Constataremos

este facto numa fase posterior do trabalho, ao mostrar que o modelo do semiplano de

Poincaré é um modelo de uma geometria Hilbertiana, a geometria hiperbólica, onde por

3.3 A Teoria das Paralelas 87

um ponto exterior a uma recta podem passar pelo menos duas rectas paralelas à recta

dada.

Da demonstração do corolário anterior, podemos ainda concluir o seguinte:

Corolário 3.54 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam P 2 P e l 2 L

tais que P =2 l . Então existem rectas m e t, concorrentes em P tais que m k l e t é

uma transversal às rectas m e l , perpendicular a ambas.

No teorema seguinte mostramos que para qualquer subconjunto �nito de pontos, C, de

uma geometria Hilbertiana existe uma recta l tal que todos os pontos de C estão do

mesmo lado relativamente a l .

Teorema 3.55 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam A1; � � � ; An 2 P.

Então existe l 2 L tal que fA1; � � � ; Ang é um subconjunto de um dos semiplanos

determinados por l .

Demonstração: Demonstramos o resultado por indução sobre n. Sendo P 2 P, pelo

ponto 2 do teorema 1.3, existe uma recta l tal que P =2 l . Assim, pelo teorema 2.2, P

pertence a um dos semiplanos determinados por l .

Dados dois pontos distintos P;Q 2 P, por O2 existe R 2 P tal que P � Q � R.

Pelo teorema 3.30, existe uma recta m incidente sobre R e perpendicular a PQ. Ora

PQ\m = fRg, e como P �Q�R, [PQ]\m = ;, decorrendo do teorema 2.2, que P

e Q pertencem ao mesmo semiplano determinado por m.

Suponhamos que, para qualquer conjunto C � P com cardinalidade igual a n�1, existe

uma recta l tal que C é um subconjunto de um dos semiplanos determinados por l .

Consideremos n pontos arbitrários, A1; � � � ; An 2 P. Por hipótese de indução, existe

uma recta l tal que fA1; � � � ; An�1g é um subconjunto de um dos semiplanos, H, determi-

nados por l . Pelo teorema 2.2, existem três casos possíveis: An 2 H, An 2 l ou An 2 H0,

onde H0 designa o semiplano determinado por l que não contém fA1; � � � ; An�1g. Se

An 2 H, não há nada a demonstrar. Suponhamos que An 2 l . Seja P 2 H0, cuja

existência é garantida pelo teorema 2.2, e seja l 0 uma recta paralela a l incidente sobre

P , cuja existência é garantida pelo corolário 3.53. Ora pelo teorema 2.35, l 0 � H0,

pelo que l 0 \ H = ;. Sendo, pelo ponto 2 do teorema 2.37, H um conjunto convexo,

resulta do teorema 2.33 que H está contido num dos semiplanos determinados por l 0, e

consequentemente fA1; � � � ; Ang é um subconjunto de um dos semiplanos determinados

por l 0. Suponhamos agora que An 2 H0. Seja m uma recta paralela a l incidente sobre

An, cuja existência é garantida pelo corolário 3.53. Ora, decorre do teorema 2.35 que

88 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

m � H0, pelo que m\H = ;. Pelo ponto 1 do teorema 2.37, H é um conjunto convexo,

resultando do teorema 2.33 que H está contido num dos semiplanos, S, determinado

por m, e consequentemente, fA1; � � � ; Ang � S. Seguindo um padrão de argumentação

igual ao usado para demonstrar o caso anterior, concluímos que existe uma recta n tal

que fA1; � � � ; Ang é um subconjunto de um dos semiplanos determinados por n. �

3.4 Circunferências. Intersecção de Rectas e Circunfe-

rências

A relação de congruência entre segmentos de recta permite-nos introduzir o conceito

de circunferência.

De�nição 31 Sejam A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e A;O 2 P dois pontos

distintos. Designamos o conjunto dos pontos P 2 P tais que [OP ] �= [OA] por circun-

ferência de centro O e raio [OA], e denotamos este conjunto por �O;A ou simplesmente

por �. Assim,

� = �O;A = fP 2 Pj [OP ] �= [OA]g:

Resulta de imediato da de�nição que O =2 �O;A e que �O;A 6= ;, uma vez que A 2 �O;A.

Além disso, se �O;A é a circunferência de centro O e raio [OA], pelas propriedades

da congruência de segmentos de recta, nomeadamente pela transitividade, podemos

concluir que sendo B um ponto arbitrário de �O;A, �O;A = �O;B. Assim, qualquer

segmento de recta cujos extremos são O e um ponto de �O;A é um raio da circunferência.

Pelas mesmas propriedades, podemos mesmo a�rmar que sendo [CD] �= [OA], então

�O;A = fP 2 Pj [OP ] �= [CD]g:

Não é óbvio a partir da de�nição que o centro de uma circunferência é univocamente

determinado pelo conjunto de pontos da circunferência. Veremos num dos próximos

resultados que de facto é.

Usualmente utilizam-se letras gregas maiúsculas para designar circunferências.

De�nição 32 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e seja � uma circunferência

de centro O e raio [OP ]. Sendo A e B pontos distintos de �, designamos o segmento

de recta [AB] por corda da circunferência �. Se O 2 [AB], então designamos a corda

[AB] por diâmetro de �.

3.4 Circunferências. Intersecção de Rectas e Circunferências 89

Teorema 3.56 Sejam A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e �O;A uma circunferência

de A. Então:

1. Qualquer recta incidente sobre O intersecta a circunferência �O;A em exactamente

dois pontos, P e Q, tais que P �O �Q.

2. �O;A contém um número in�nito de pontos.

Demonstração:

1. Seja l 2 L uma recta incidente sobre O arbitrária. Por I2, existe B 2 l n fOg

e por O2 existe C 2 P tal que B � O � C. Então C 2 l e pelo teorema 2.11,

l = _OB [ _OC e _OB \ _OC = fOg, sendo int(_OB

)e int

(_OC

)os O-lados de l .

Por C1, existe um único ponto P 2 _OB tal que [OP ] �= [OA] e existe um único

ponto Q 2 _OC tal que [OQ] �= [OA]. Ora, P e Q são pontos pertencentes a

O-lados opostos de l , pelo que P � O �Q e, por de�nição, P;Q 2 �O;A. Sendo

R 2 �O;A \ l , pelo teorema 2.11, R 2 _OB ou R 2 _OC, decorrendo de C1 que

R = P ou R = Q. Assim, l intersecta �O;A em exactamente dois pontos. Dada

a arbitrariedade da escolha de l , podemos concluir que qualquer recta incidente

sobre O intersecta �O;A em exactamente dois pontos, tais que O está entre eles.

2. Seja r 2 L uma recta não incidente sobre O, cuja existência é garantida pelo

ponto 2 do teorema 1.3. Sendo r uma recta de uma geometria de Pasch, r

tem uma in�nidade de pontos. Sejam P;Q 2 r arbitrários tais que P 6= Q. Se

OP = OQ, então pelo teorema 1:1, OP = OQ = r , pelo que O 2 r , o que é

absurdo. Assim, OP 6= OQ, e pelo teorema 1:1, OP \ OQ = fOg. Pelo ponto

anterior, OP \ �O;A = fA1; A2g, onde A1 6= A2, e OQ \ �O;A = fA3; A4g, onde

A3 6= A4, veri�cando-se que fA1; A2g \ fA3; A4g = ;.

Pela arbitrariedade da escolha de P e R concluímos que o conjunto⋃P2r

OP \ �O;A

tem um número in�nito de pontos. Como⋃P2r

OP \ �O;A � �O;A

concluímos que �O;A tem um número in�nito de pontos. �

Teorema 3.57 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam �O;A e �0O0;A0 cir-

cunferências de A tais que �O;A = �0O0;A0. Então O = O0.

90 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

Demonstração: Suponhamos que O 6= O0 e seja l a recta incidente sobre O e O0. Pelo

ponto 1 do teorema anterior, sendo l incidente sobre O, existem dois pontos P;Q 2 �O;A

tais que P � O � Q e [OP ] �= [OQ]. Sendo P;Q 2 �O0;A0, temos também pelo ponto

1 do teorema anterior que P � O0 � Q e que [O0P ] �= [O0Q]. Assim, O;O0 2 [PQ],

logo sendo P;O;O0 colineares e distintos dois a dois, resulta de O3 que P �O�O0 ou

P �O0�O. Observe-se que não podemos ter O� P �O0, uma vez que P é um ponto

extremo de [PQ].

Suponhamos que P �O�O0. Então, por de�nição, [OP ] < [O0P ]. Como [OP ] �= [OQ]

e [O0P ] �= [O0Q], resulta do ponto 1 do teorema 3.6 que [OQ] < [O0Q].

Por outro lado, como P �O�O0 e P �O0�Q, resulta do ponto 2 do teorema 2.14 que

O �O0 �Q. Assim, também temos por de�nição que [O0Q] < [OQ], o que é absurdo,

pelo ponto 3 do teorema 3.6.

Um raciocínio análogo mostra que também não podemos ter P�O0�O. Por conseguinte

O = O0. �

No próximo teorema observamos que quaisquer três pontos, distintos dois a dois, de

uma circunferência de uma geometria Hilbertiana são não colineares.

Teorema 3.58 Sejam A = (P;L) uma geometria Hilbertiana, � uma circunferência de

centro O e raio [OP ] e A;B; C 2 � tais que A, B e C são distintos dois a dois. Então

A, B e C são não colineares.

Demonstração: Por hipótese [OA] �= [OB] �= [OC]. Suponhamos que A, B e C são

colineares e seja l a recta incidente sobre aqueles três pontos. Pelo ponto 1 do teorema

3.56, O =2 l .

Ora por O3, A � B � C, ou A � C � B ou B � A � C. Suponhamos que A � B � C.

Então [OAC] é um triângulo isósceles, tal que A � B � C, logo pelo teorema 3.38,

[OB] < [OA], o que é absurdo.

Raciocínios análogos mostram que os casos em que A� C � B e B � A� C também

conduzem a contradições. Assim, A, B e C não podem ser colineares, pelo que são não

colineares. �

No próximo teorema mostramos que três pontos de uma circunferência, distintos dois

a dois, determinam univocamente essa circunferência.

3.4 Circunferências. Intersecção de Rectas e Circunferências 91

Teorema 3.59 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam � e �0 circunfe-

rências de A. Se � \ �0 contém pelo menos três pontos, distintos dois a dois, então

� = �0.

Demonstração: Sejam A;B; C 2 � \ �0 tais que A, B e C são distintos, dois a dois.

Então, pelo teorema anterior, A, B e C são não colineares. Sejam m1 a mediatriz de

[AB] e m2 a mediatriz de [BC], cuja existência é garantida pelo ponto 2 do corolário

3.31. Como [OA] �= [OB], [O0A] �= [O0B], [OB] �= [OC] e [O0B] �= [O0C], resulta do

teorema 3.45 que O;O0 2 m1 \ m2. Como, pelo teorema 3.47 m1 6= m2, temos pelo

teorema 1:1 que O = O0. Assim, � e �0 são circunferências não disjuntas e com o

mesmo centro, pelo que � = �0. �

Como veremos adiante (teorema 3.73), numa geometria Hilbertiana não podemos ga-

rantir a existência de uma circunferência que passe por três pontos não colineares.

Está contida na demonstração do teorema anterior a demonstração do seguinte coro-

lário.

Corolário 3.60 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L), a mediatriz de qualquer corda

de uma circunferência contém o centro da circunferência.

Demonstrámos, no teorema 3.57, que o centro de uma circunferência é único, o que

confere sentido às noções de interior e exterior de uma circunferência, que agora intro-

duzimos.

De�nição 33 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e seja �O;A uma circunfe-

rência de A.

1. Um ponto B 2 P pertence ao interior da circunferência �O;A se B = O ou se

[OB] < [OA]. Denotamos o interior da circunferência �O;A por int (�O;A). Assim,

int (�O;A) = fOg [ fP 2 Pj [OP ] < [OA]g:

2. Um ponto C 2 P pertence ao exterior da circunferência �O;A se [OC] > [OA].

Denotamos o exterior da circunferência �O;A por ext (�O;A). Assim,

ext (�O;A) = fP 2 Pj [OP ] > [OA]g:

3. Uma recta l é tangente à circunferência �O;A se l e �O;A se intersectam num

único ponto; se l \ �O;A = fBg, dizemos que l é tangente a �O;A em B.

92 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

4. Um segmento de recta [CD] é tangente à circunferência �O;A se �O;A\CD = fTg

e T 2 int [CD].

5. Uma circunferência �0O0;A0 é tangente à circunferência �O;A se �O;A e �0O0;A0 se

intersectam num único ponto; se �O;A \ �O0;A0 = fCg, dizemos que �O;A e �O0;A0

são tangentes em C.

Teorema 3.61 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L) o interior de qualquer circun-

ferência é um conjunto convexo.

Demonstração: Seja � uma circunferência arbitrária de centro O e raio [OP ] e sejam

A;B 2 int (�) tais que A 6= B, e D 2 [AB] tal que A � D � B. Existem dois casos

possíveis: O 2 AB ou O =2 AB.

Se O 2 AB, por O3 veri�ca-se uma e uma só das seguintes condições: O � A � B,

O = A, A�O � B, O = B e A� B �O.

Se O�A�B, como A�D�B, resulta do ponto 2 do teorema 2.14 que O�D�B.

Assim, [OD] < [OB] < [OP ], logo pelo teorema 3.6, [OD] < [OP ], e D 2 int (�). Se

O � B � A, concluímos por um raciocínio análogo que D 2 int (�).

Se A = O, então temos que O � D � B, pelo que [OD] < [OB] < [OP ], logo pelo

teorema 3.6, [OD] < [OP ], e D 2 int (�). Se B = O, concluímos por um raciocínio

análogo que D 2 int (�).

Se A�O�B, então D = O ou D 6= O. Se D = O, D 2 int (�). Se D 6= O, então por

O3 e pelo facto de A ser ponto extremo de [AB], temos que A�O�D ou A�D�O.

Se A�O�D, como A�D�B, resulta do ponto 2 do teorema 2.14 que O�D�B,

pelo que [OD] < [OB] < [OP ], logo pelo teorema 3.6, [OD] < [OP ], e D 2 int (�). Se

A�D�O, então [OD] < [OA] < [OP ], resultando do teorema 3.6 que [OD] < [OP ],

e D 2 int (�).

Suponhamos agora que O =2 AB. Então, pelo teorema 3.38, temos que [OD] < [OA]

ou [OD] < [OB], resultando do teorema 3.6 que [OD] < [OP ] e que D 2 int (�).

Da arbitrariedade da escolha de D, resulta que [AB] � int (�). Da arbitrariedade da

escolha de A e B resulta que int (�) é um conjunto convexo. Assim, o interior de

qualquer circunferência é um conjunto convexo. �

Corolário 3.62 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L) dada uma circunferência �,

int (�) [ � é um conjunto convexo.

3.4 Circunferências. Intersecção de Rectas e Circunferências 93

Demonstração: Sejam O o centro de � e A;B 2 �[ int (�) arbitrários, tais que A 6= B.

Existem três casos possíveis: A;B 2 int (�), A 2 � e B 2 int (�), ou A;B 2 �.

Se A;B 2 int (�), então pelo teorema anterior, [AB] � int (�), pelo que [AB] �

int (�) [ �.

Suponhamos que A;B 2 �. Então, pelo teorema 3.1, [OB] �= [OA], sendo [OA] e [OB]

raios de �. Seja D 2 [AB] arbitrário tal que A�D � B. Existem dois casos possíveis:

O 2 AB ou O =2 AB.

Se O 2 AB, então pelo teorema 3.56, A�O �B. Se D = O, resulta de imediato que

D 2 int (�) [ �. Suponhamos que D 6= O. Como A é ponto extremo de [AB], temos

por O3 que A � D � O ou A � O � D. Se A � D � O então [OD] < [OA], pelo que

D 2 int (�)[ �. Se A�O�D, como A�D�B, temos pelo ponto 2 do teorema 2.14

que O �D � B, pelo que [OD] < [OB], e consequentemente D 2 int (�) [ �.

Suponhamos que O =2 AB. Então A, O e B são não colineares, resultando do teo-

rema 3.38 que [OD] < [OA], donde D 2 int (�). Da arbitrariedade da escolha de D

concluímos que int [AB] � int (�), e logo que [AB] � int (�) [ �.

Por um raciocínio análogo mostramos que se A 2 � e B 2 int (�) então [AB] 2

int (�) [ �.

Da arbitrariedade da escolha de A e B resulta que �[ int (�) é um conjunto convexo. �

Na demonstração do corolário anterior está contida a demonstração do corolário se-

guinte.

Corolário 3.63 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L) dada uma circunferência �, e

A;B 2 � tais que A 6= B, veri�ca-se que int [AB] � int (�).

Observe-se, todavia, que se � é uma circunferência de uma geometria Hilbertiana, então

�[ ext (�) não é um conjunto convexo. De facto, dados A;B 2 � tais que A 6= B, pelo

corolário anterior temos que [AB] não é um subconjunto de � [ ext (�).

Tratamos agora de analisar a posição relativa de uma recta e de uma circunferência,

assim como de duas circunferências, numa geometria Hilbertiana, enunciando e de-

monstrando propriedades inerentes às noções de tangência introduzidas anteriormente.

Como veremos no capítulo 4, só com a introdução dos axiomas de continuidade, ou

seja, nas geometrias neutras, é que é garantida a intersecção de rectas e circunferências,

se forem satisfeitas determinadas condições, e por conseguinte são justi�cadas algumas

construções feitas por Euclides, nos livros I e III.

94 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

Teorema 3.64 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e seja �O;A uma circunfe-

rência de A.

Se l é a recta perpendicular ao raio [OA] no ponto A, então l é tangente à circunferência

�O;A, sendo qualquer ponto de l n fAg pertencente ao exterior da circunferência �O;A.

Reciprocamente, se uma recta l é tangente a �O;A em A, então l é perpendicular a OA.

Em particular, para qualquer ponto B da circunferência �O;A existe uma única recta

tangente à circunferência em B.

Demonstração: Suponhamos que l é a recta perpendicular a [OA] em A. Então,

dado P 2 l n fAg, o triângulo [OAP ] é rectângulo em A, logo pelo teorema 3.39,

[OP ] > [OA], e por de�nição, P pertence ao exterior de �O;A. Da arbitrariedade da

escolha de P podemos concluir que l \ �O;A = fAg, sendo l tangente a �O;A em A, e

que qualquer ponto de l n fAg pertence ao exterior de �O;A.

Suponhamos agora que l é uma recta tangente a �O;A em A. Como, pelo ponto 1 do

teorema 3.56, OA intersecta �O;A em dois pontos distintos, l 6= OA, logo pelo teorema

1:1, O =2 l . Seja m a recta incidente sobre O e perpendicular a l , cuja existência é

garantida pelo teorema 3.30, e seja B o ponto de intersecção de m e l . Suponhamos

que B 6= A. Então, por C1, existe um ponto C no B-lado de l oposto ao que contém

A, tal que [AB] �= [CB]. Como \OBA �= \OBC, por de�nição de ângulo recto, e

porque, por C2 [OB] �= [OB], concluímos pelo critério de congruência LAL (C6) que

[OBA] �= [OBC], logo em particular [OA] �= [OC]. Mas então C 2 �O;A \ l e C 6= A,

o que é absurdo, uma vez que l é, por hipótese, tangente a �O;A. Por conseguinte,

A = B, pelo que m = OA, e portanto OA ? l .

Por último, se B é um ponto arbitrário de �O;A, então, pelo teorema 3.30, existe uma

única recta perpendicular a OB incidente sobre B, logo, pelo que foi demonstrado

anteriormente, esta é a única recta tangente a �O;A em B. �

Teorema 3.65 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana, e sejam l 2 L e � uma

circunferência de A. Se l \ � 6= ; e l não é tangente a �, então l intersecta � em

exactamente dois pontos.

Demonstração: Sejam A;B 2 l \ �, tais que A 6= B, cuja existência é garantida

pelo facto de l intersectar �, não sendo tangente a �. Pelo teorema 3.58, l não pode

conter mais nenhum ponto de �, pelo que l \ � = fA;Bg, ou seja, l intersecta � em

exactamente dois pontos. �

3.4 Circunferências. Intersecção de Rectas e Circunferências 95

No corolário seguinte sistematizamos as posições relativas de uma recta e de uma

circunferência, numa geometria Hilbertiana.

Corolário 3.66 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L), dadas uma recta l 2 L e uma

circunferência �, veri�ca-se uma e apenas uma das seguintes condições:

1. l \ � = ;;

2. l é tangente a �;

3. l é secante a �, ou seja, l intersecta � em exactamente dois pontos.

Teorema 3.67 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana, e sejam l 2 L e � uma

circunferência de A. Se l \ � = fA;Bg, com A 6= B, então l \ int (�) = int [AB] e

l \ ext (�) = l n [AB].

Demonstração: Começamos por mostrar que l n [AB] � ext (�). Seja O o centro de

�. Então [OA] e [OB] são raios da circunferência. Vamos analisar os casos O 2 l ou

O =2 l separadamente.

Suponhamos que O 2 l . Então pelo teorema 3.56, temos que A � O � B. Sendo

D 2 l n [AB], então, por O3, temos dois casos possíveis: D�A�B ou D�B�A. Se

D�A�B, como A�O�B, resulta do ponto 2 do teorema 2.14 que D�A�O, logo

temos por de�nição que [OA] < [OD], pelo que D é um ponto do exterior de �. Por um

raciocínio análogo, concluímos que se D�B�A, então D 2 ext (�). Da arbitrariedade

da escolha de D resulta que l n [AB] � ext (�).

Suponhamos agora que O =2 l . Então O, A e B são não colineares, sendo o triângulo

[OAB] isósceles, de base [AB]. Seja, D 2 l n [AB] arbitrário. Então, por O3, D�A�B

ou A�B�D. Suponhamos que D�A�B. Então O, A e D, assim como O, B e D, são

não colineares. Por de�nição, o ângulo \OAB é um ângulo externo do triângulo [OAD],

resultando do teorema do ângulo externo (3.28) que \ODB = \ODA < \OAB. Por

outro lado, sendo [OAB] um triângulo isósceles de base [AB], temos pelo teorema 3.18

que \OBD = \OBA �= \OAB, logo pelo ponto 1 do teorema 3.14, \ODB < \OBD.

Assim, considerando o triângulo [OBD], temos pelo teorema 3.35 que [OB] < [OD],

e consequentemente D é um ponto do exterior de �. Por um raciocínio análogo,

concluímos que se D � B � A, então D 2 ext (�). Da arbitrariedade da escolha de D

resulta que l n [AB] � ext (�).

Assim, como pelo corolário 3.63, int [AB] � int (�), l \ ext (�) = l n [AB] e l \ int (�) =

int [AB]. �

96 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

Passamos agora a analisar as posições relativas de duas circunferências numa geometria

Hilbertiana.

Teorema 3.68 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana.

Se O;O0; A 2 P são três pontos colineares e distintos dois a dois e se � é a circunferência

de centro O e raio [OA] e �0 é a circunferência de centro O0 e raio [O0A], então � é

tangente a �0.

Reciprocamente, se � e �0 são circunferências tangentes num ponto A, então os seus

centros e A são pontos colineares e distintos dois a dois.

Demonstração: Suponhamos que O;O0; A 2 P são três pontos colineares e distintos

dois a dois e que � é a circunferência de centro O e raio [OA] e �0 é a circunferência de

centro O0 e raio [O0A]. Por O3, veri�ca-se uma e apenas uma das condições seguintes:

O �O0 � A, O0 �O � A ou O � A�O0. Seja l a recta incidente sobre O, O0 e A.

Suponhamos que existe B 2 l \ � \ �0 n fAg. Então pelo primeiro ponto do teorema

3.56, temos que B �O � A e B �O0 � A, ou seja, O;O0 2 [AB]. Assim, sendo A um

ponto extremo de [AB], não podemos ter O � A�O0.

Se O � O0 � A então pelo ponto 2 do teorema 2.14, B � O � O0. Assim, temos por

de�nição que

[O0B] > [OB] �= [OA] > [O0A]

resultando do teorema 3.6 que [O0B] > [O0A], o que é absurdo uma vez que A;B 2 �0.

Por um raciocínio análogo, mostramos que se O0 � O � A então também temos uma

contradição. Assim, l \ � \ �0 = fAg.

Suponhamos que existe B 2 �\�0nl . Se O�O0�A, como [O0A] �= [O0B] e [OA] �= [OB],

então pelo teorema 3.18, temos que \O0BA �= \O0AB e \OBA �= \OAB. Como,

por C5, \OAB �= \O0AB, resulta do teorema 3.2, nomeadamente da transitividade da

relação de congruência entre ângulos, que \O0BA �= \OBA. Ora pelo teorema 2.28,_BO0 e _BO estão contidas no mesmo semiplano fechado determinado pela recta BA,

pelo que temos uma contradição com C4. Se O0�O�A, mostramos por um raciocínio

análogo que temos uma contradição.

Suponhamos agora que O � A�O0. Como [O0A] �= [O0B] e [OA] �= [OB], temos pelo

teorema 3.18 que \O0BA �= \O0AB e \OBA �= \OAB. Por outro lado, \OAB é um

ângulo externo do triângulo [O0AB], resultando do teorema 3.28 que \OAB > \O0BA,

logo pelo ponto 1 do teorema 3.14, \OAB > \O0AB. Mas \O0AB é um ângulo externo

3.4 Circunferências. Intersecção de Rectas e Circunferências 97

do triângulo [OAB], logo pelo teorema 3.28, \O0AB > \OBA, e pelo ponto 1 do

teorema 3.14, \O0AB > \OAB. Assim, temos simultaneamente que \OAB > \O0AB

e que \O0AB > \OAB, o que é absurdo, pelo ponto 3 do teorema 3.14.

Concluímos assim que � \ �0 = fAg.

Suponhamos agora que � e �0 são tangentes no ponto A e sejam O e O0 os respectivos

centros. Se O = O0, como �\�0 6= ;, teríamos que � = �0, o que seria absurdo. Assim,

O e O0 são pontos distintos. Suponhamos que A, O e O0 são não colineares, e seja

C 2 OO0 o pé da perpendicular de A sobre OO0. Seja D 2 AC tal que A � C � D e

[AC] �= [DC], cuja existência é garantida por C1. Então, por O3, temos os seguintes

casos possíveis: C �O �O0, C = O, O � C �O0, C = O0 e O �O0 � C.

Suponhamos que O � C � O0. Por de�nição, \ACO, \DCO , \ACO0 e \DCO0 são

ângulos rectos, logo congruentes, pelo teorema 3.15. Como, por C2, [CO] �= [CO]

e [CO0] �= [CO0], resulta de C6 que [ACO] �= [DCO] e [ACO0] �= [DCO0], logo em

particular [OA] �= [OD] e [O0A] �= [O0D], pelo que D 2 � \ �0 n fAg, o que é absurdo.

Por um raciocínio semelhante, mostramos que se C � O � O0, C = O, C = O0 ou

O � O0 � C também obtemos contradições. Assim, A, O e O0 são colineares. Sendo

A 2 � \ �0, A =2 fO;O0g e A, O e O0 são pontos distintos dois a dois. �

Corolário 3.69 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana, e sejam � e �0 duas cir-

cunferências distintas tais que �\ �0 6= ; e � e �0 não são tangentes. Então � e �0 têm

exactamente dois pontos em comum.

Demonstração: Sejam O e O0, respectivamente, os centros de � e �0 e A 2 �\�0. Pelo

teorema anterior, O, O0 e A são não colineares. Além disso, por hipótese, existe B 2

�\ �0 n fAg. Mais uma vez pelo teorema anterior, B =2 OO0. Ora, como [OA] �= [OB],

[O0A] �= [O0B] e [OO0] �= [OO0], temos pelo critério de congruência LLL (3.23) que

[OAO0] �= [OBO0], logo pelo teorema 3.17, A e B estão em lados opostos relativamente

a OO0.

Suponhamos que D 2 � \ �0. Então D =2 OO0, e mais uma vez pelo critério de

congruência LLL (3.23), [ODO0] �= [OAO0], logo pelo teorema 3.17, D = A ou D = B.

Consequentemente, � e �0 têm exactamente dois pontos em comum. �

No corolário seguinte sistematizamos as posições relativas de duas circunferências, numa

geometria Hilbertiana.

98 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

Corolário 3.70 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L), dadas duas circunferências

distintas � e �0, veri�ca-se uma e uma só das seguintes condições:

1. � \ �0 = ;;

2. � e �0 são tangentes;

3. � e �0 são secantes, ou seja, intersectam-se em exactamente em dois pontos.

Teorema 3.71 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam � e �0 duas circun-

ferências distintas cuja intersecção contém um ponto A. Então � e �0 são tangentes

em A se e somente se a recta tangente a � em A coincide com a recta tangente a �0

em A.

Demonstração: Sejam O e O0 os centros de � e �0, respectivamente, l a recta tan-

gente a � em A e l 0 a recta tangente a �0 em A. Observe-se que, como � e �0 são

circunferências distintas tais que A 2 � \ �0, os pontos O, O0 e A são distintos, dois a

dois.

Suponhamos que � e �0 são tangentes em A. Então, pelo teorema 3.68, O, O0 e A são

colineares, e pelo teorema 3.64, l é perpendicular a OA e l 0 é perpendicular a O0A. Ora,

como OA = O0A, resulta do teorema 3.30 que l = l 0.

Suponhamos agora que l = l 0. Ora, pelo teorema 3.64, l ? OA e l ? O0A, logo pelo

teorema 3.30, OA = O0A, pelo que O, O0 e A são três pontos colineares e distintos,

dois a dois. Assim, pelo teorema 3.68, � e �0 são tangentes em A. �

Teorema 3.72 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e sejam � e �0 duas circun-

ferências de A. Se � e �0 são tangentes num ponto A, então �0 nfAg é um subconjunto

do interior de � ou é um subconjunto do exterior de �.

Demonstração: Sejam O e O0 os centros de � e �0, respectivamente. Então, pelo

teorema 3.68, O, O0 e A são três pontos colineares e distintos dois a dois. Assim, por

O3, temos que O �O0 � A, O0 �O � A ou O � A�O0.

Suponhamos que O � O0 � A. Então, por de�nição, [O0A] < [OA]. Seja B 2 �0 n fAg

arbitrário, tal que B =2 OO0. Pelo teorema 2.28, _BO0 está entre _BO e _BA, pelo que

\O0BA < \OBA. Além disso, porque B 2 �0, [O0B] �= [O0A], logo, pelo teorema

3.18, \O0BA �= \O0AB, resultando do teorema 3.14 que \O0AB < \OBA, ou seja,

\OAB < \OBA. O teorema 3.35 permite-nos concluir que [OB] < [OA], pelo que B

pertence ao interior de �. Pelo primeiro ponto do teorema 3.56 existe um ponto C tal

que C 2 OO0 \ �0 n fAg e C �O0�A, logo pelo ponto 3 do teorema 2.14 podemos ter

3.4 Circunferências. Intersecção de Rectas e Circunferências 99

os seguintes casos: C = O, O�C�O0 ou C�O�O0. Se C = O então C pertence ao

interior de �. Se O � C �O0, como O �O0 � A, então pelo ponto 2 do teorema 2.14,

O � C � A, donde [OC] < [OA], e portanto C pertence ao interior de �. Suponhamos

que C � O � O0 e que [OC] > [OA]. Então existe um ponto D tal que C � D � O e

[OD] �= [OA]. Como C �D � O e C � O � O0, temos pelo ponto 2 do teorema 2.14

que C �D � O0 e D � O � O0. Por conseguinte, [OD] < [O0D] e [O0D] < [O0C]. Em

suma,

[OA] �= [OD] < [O0D] < [O0C] �= [O0A]

resultando do teorema 3.6 que [OA] < [O0A], o que é absurdo. Assim, se C �O �O0,

então [OC] � [OA], mas como � e �0 são tangentes em A, C =2 �, pelo que C pertence

ao interior de �. Em suma, mostrámos que �0 n fAg é um subconjunto do interior de �.

Suponhamos que O0�O�A e seja B 2 �0nfAg, tal que B =2 OO0. Então [O0B] �= [O0A],

logo pelo teorema 3.18, \O0BA �= \O0AB. Como O0 �O� A, pelo teorema 2.28 _BO

está entre _BO0 e _BA, e por conseguinte, \OBA < \O0BA, logo pelo teorema 3.14,

\OBA < \O0AB, ou seja, \OBA < \OAB. Assim, pelo teorema 3.35, [OB] > [OA],

ou seja, B pertence ao exterior de �. Seja C 2 OO0 \ �0 n fAg tal que C �O0�A, cuja

existência é garantida pelo primeiro ponto do teorema 3.56. Como O0�O�A, resulta

do ponto 2 do teorema 2.14 que C �O0 �O. Assim,

[OC] > [O0C] �= [O0A] > [OA]

logo pelo teorema 3.6, [OC] > [OA], e portanto C pertence ao exterior de �. Em suma,

mostrámos que qualquer ponto de �0 n fAg pertence ao exterior de �.

Suponhamos agora que O�A�O0. Seja C 2 OO0 \ �0 n fAg tal que A�O0 � C, cuja

existência é garantida pelo primeiro ponto do teorema 3.56. Então, pelo ponto 1 do

teorema 2.14, temos que O � A � C, logo [OA] < [OC], pelo que C é um ponto do

exterior de �. Seja B 2 �0 n fA;Cg. Então, pelo ponto 1 do teorema 3.56, B =2 OO0.

Como O�A�O0, \OAB é um ângulo externo do triângulo [AO0B], e o ângulo \O0AB

é um ângulo externo do triângulo [OAB]. Além disso, como B 2 �0, [O0B] �= [O0A],

logo pelo teorema 3.18, \O0AB �= \O0BA. Assim, pelo teorema do ângulo externo

(3.28), temos que:

\OBA < \O0AB �= \O0BA < \OAB

logo pelo teorema 3.14, \OBA < \OAB, resultando do teorema 3.35 que [OA] <

[OB], ou seja, B pertence ao exterior de �. Em suma, mostrámos que qualquer ponto

de �0 n fAg pertence ao exterior de �. �

100 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

3.5 Circunferências e Triângulos

Na secção anterior mostrámos três pontos colineares e distintos dois a dois de uma geo-

metria Hilbertiana não pertencem a uma mesma circunferência. Nesta secção dirigimos

a nossa atenção para conjuntos de três pontos não colineares.

De�nição 34 SejaA = (P;L) uma geometria Hilbertiana e seja [ABC] um triângulo de

A. Se existe uma circunferência que contém fA;B; Cg, essa circunferência designa-se

por circunferência circunscrita ao triângulo [ABC], sendo o centro da circunferência

designado por circuncentro do triângulo. Se existe uma circunferência circunscrita a

um dado triângulo, dizemos que o triângulo pode ser circunscrito.

Teorema 3.73 Numa geometria Hilbertiana A = (P;L) um triângulo pode ser circuns-

crito se, e somente se, as mediatrizes dos lados do triângulo são concorrentes. Se um

triângulo pode ser circunscrito, então a circunferência circunscrita e o circuncentro são

únicos.

Demonstração: Seja [ABC] um triângulo arbitrário. Suponhamos que [ABC] pode

ser circunscrito. Então existe uma circunferência � que contém fA;B; Cg. Sendo O o

centro de �, temos por de�nição de circunferência e pelo teorema 3.1 que [OA] �= [OB],

[OA] �= [OC] e [OB] �= [OC], logo pelo teorema 3.45, O é um ponto comum das

mediatrizes dos lados do triângulo. Por conseguinte, as mediatrizes de [ABC] são

concorrentes.

Suponhamos agora que as mediatrizes dos três lados do triângulo [ABC] são con-

correntes, sendo D o ponto de intersecção daquelas três rectas. Pelo teorema 3.45,

[DA] �= [DB] e [DA] �= [DC], e consequentemente a circunferência de centro D e

raio [DA] contém os vértices do triângulo [ABC], pelo que este triângulo pode ser

circunscrito.

Resta apenas mostrar que se [ABC] pode ser circunscrito, então a circunferência cir-

cunscrita e o circuncentro são únicos. Se � e �0 são duas circunferências circunscritas

ao triângulo [ABC], de centros O e O0, respectivamente, então fA;B; Cg � � \ �0.

Sendo A, B e C pontos distintos dois a dois, resulta do teorema 3.59 que � = �0 e

resulta do teorema 3.57 que O = O0. �

Numa geometria Hilbertiana, apesar de não ser garantida a existência de uma circunfe-

rência que contenha os vértices de um dado triângulo, é garantida a existência de uma

circunferência � tal que os lados do triângulo são tangentes a �.

3.5 Circunferências e Triângulos 101

Teorema 3.74 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e seja [ABC] um triângulo

de A. Então existe uma única circunferência �, tal que [AB], [AC] e [BC] são tangentes

a �.

Demonstração: Pelo teorema 3.49, as bissectrizes dos três ângulos internos do triân-

gulo [ABC] intersectam-se num ponto, D, que é um ponto do interior de [ABC]. Sendo

D0, D00, D000 os pés das perpendiculares de D sobre, respectivamente, AB, AC e BC,

temos pelo teorema 3.48 que [DD0] �= [DD00] �= [DD000] e que D0 2 int(_AB

)\ int

(_BA

),

D00 2 int(_AC

)\ int

(_CA

)e D000 2 int

(_BC

)\ int

(_CB

), resultando do teorema 2.22 que

A � D0 � B, A � D00 � C e B � D000 � C. Seja � a circunferência de centro D e raio

[DD0]. Então fD0; D00; D000g � � e pelo teorema 3.64, [AB], [AC] e [BC] são tangentes

a �.

Seja �0 uma circunferência tal que [AB], [AC] e [BC] são tangentes a �0 em T 0, T 00 e

T 000, respectivamente. Pretendemos mostrar que o centro da circunferência é um ponto

do interior de [ABC]. Começamos por mostrar que �0 nfT 0; T 00; T 000g � int [ABC]. Ora,

int [ABC] = HA\HB\HC, onde HA é o semiplano determinado por BC que contém A,

HB é o semiplano determinado por AC que contém B e HC é o semiplano determinado

por AB que contém C. Suponhamos que existem X; Y 2 �0 n fT 0g tais que X e Y

estão em lados opostos relativamente a AB. Então, pelo teorema 2.2 existe F 2 AB

tal que X � F � Y , decorrendo do corolário 3.63 que F 2 int �0, o que é absurdo,

uma vez que, pelo teorema 3.64, AB \ int �0 = ;. Assim, �0 n fT 0g é um subconjunto

de um dos semiplanos determinados por AB. Sendo, pelo teorema 2.35, T 00 e T 000

dois pontos da circunferência pertencentes a HC, concluímos que �0 n fT 0; T 00; T 000g �

HC. Por raciocínios análogos, podemos concluir que �0 n fT 0; T 00; T 000g � HA e �0 n

fT 0; T 00; T 000g � HB, e por conseguinte, �0 n fT 0; T 00; T 000g � int [ABC]. Mostramos

agora que int �0 � int [ABC]. Sejam X; Y 2 �0nfT 0; T 00; T 000g tais que X 6= Y arbitrários.

Sendo, pelo ponto 2 do teorema 2.38, int [ABC] um conjunto convexo, concluímos que

[XY ] � int [ABC]. Como pelo corolário 3.63 int [XY ] � int (�0) e, pelo teorema 2.1,

int [XY ] 6= ;, concluímos que existe Z 2 int (�0) tal que Z 2 int [ABC]. Pelo teorema

3.61, int (�0) é um conjunto convexo, e como int (�0) \ AB = ;, int (�0) \ AC = ; e

int (�0) \ BC = ;, decorre do teorema 2.33 que int (�0) � int [ABC].

Assim, em particular, o centro de �0 é um ponto do interior de [ABC], decorrendo

do teorema 3.48 que aquele ponto pertence às bissectrizes dos ângulos internos de

[ABC]. Ora, pelo teorema 3.49, as bissectrizes dos ângulos internos de um triângulo

intersectam-se num único ponto, pelo que o centro de �0 é o ponto D. Dada a unicidade

102 Capítulo 3. Geometrias Hilbertianas

dos pés das perpendiculares de D sobre os lados de [ABC], garantida pelo teorema 3.30,

concluímos que fD0; D00; D000g � �0, resultando do teorema 3.59 que � = �0, �cando

desta forma demonstrada a unicidade de �. �

De�nição 35 Seja A = (P;L) uma geometria Hilbertiana e seja [ABC] um triângulo

de A. A circunferência � tal que [AB], [AC] e [BC] são tangentes a � é designada por

circunferência inscrita no triângulo [ABC], sendo o seu centro designado por incentro

do triângulo.

Decorre da demonstração do teorema anterior que a circunferência inscrita num triân-

gulo [ABC] é um subconjunto de [ABC] [ int [ABC], sendo o incentro um ponto do

interior de [ABC].

Capítulo 4

Geometrias Neutras ou Absolutas

Como vimos nos resultados da secção 3.4, numa geometria Hilbertiana, uma recta e uma

circunferência, ou duas circunferências, podem ser tangentes ou, se não forem tangentes

e não disjuntas, então têm exactamente dois pontos em comum. Não existe, contudo

qualquer garantia de que uma recta e uma circunferência ou duas circunferências se

intersectem, se estiverem numa posição em que, de acordo com a nossa intuição, se

devessem intersectar. Todavia, como veremos, ao introduzir o axioma de Dedekind,

constatamos que as posições relativas de rectas e circunferências estão de acordo com

a nossa intuição.

De�nição 36 Uma geometria neutra ou absoluta A = (P;L) é uma geometria Hil-

bertiana, que satisfaz o seguinte axioma:

D (axioma de Dedekind) � Para qualquer decomposição de uma recta l numa união

de dois conjuntos disjuntos, não vazios, l1 e l2, em que nenhum ponto de um deles está

entre dois pontos do outro, existe um único ponto O em l , tal que um dos conjuntos é

a semi-recta _OP , P 2 l n fOg, e o outro é l n _OP . Ao par (l1; l2) chamamos Corte de

Dedekind da recta l .

Prova-se (ver [6], pp. 99 � 101) que numa geometria neutra, são consequência do

axioma de Dedekind (D) os dois resultados seguintes, cuja demonstração está fora do

âmbito deste trabalho:

PCC (princípio da continuidade circular) � Dadas duas circunferências � e �0, se �0

contém pelo menos um ponto pertencente ao interior de � e se �0 contém pelo menos

um ponto pertencente ao exterior de �, então � e �0 intersectam-se.

103

104 Capítulo 4. Geometrias Neutras ou Absolutas

AA (axioma de Arquimedes) � Seja [CD] um segmento de recta e _s uma semi-recta

de vértice A. Para qualquer ponto B 2 _s n fAg existem um número inteiro positivo n e

um ponto E 2 _s tais que [AE] �= n � [CD] 1 e ou B = E ou A� B � E.

Observe-se que, numa geometria neutra, dadas duas circunferências, � e �0, nas condi-

ções do princípio da continuidade circular, ou seja, tais que �0 contém pelo menos um

ponto pertencente ao interior de � e �0 contém pelo menos um ponto pertencente ao

exterior de �, então pelo teorema 3.72, � e �0 não são tangentes. Como se intersectam,

concluímos pelo corolário 3.69 que têm exactamente dois pontos em comum.

O axioma de Dedekind, o princípio da continuidade circular e o axioma de Arquimedes

são usualmente conhecidos por axiomas de continuidade.

O princípio da continuidade circular (PCC) permite-nos mostrar que, numa geometria

neutra, uma recta que contém um ponto do interior de uma circunferência a intersecta

em exactamente dois pontos, assim como o princípio da continuidade elementar e a

existência de triângulos equiláteros.

Teorema 4.1 Seja A = (P;L) uma geometria neutra e sejam l 2 L e � uma circunfe-

rência de A. Se l contém um ponto pertencente ao interior de �, então l intersecta �

em exactamente dois pontos.

Demonstração: Seja A 2 int (�) \ l e sejam O o centro de � e P 2 �. Então [OP ]

é um raio de �. Se O 2 l , resulta do ponto 1 do teorema 3.56 que l intersecta � em

dois pontos distintos. Suponhamos que O =2 l . Seja B o pé da perpendicular de O

sobre l . Então, por C1, existe um único ponto O0 tal que O �B �O0 e [OB] �= [O0B].

Observe-se que, por construção, B é o ponto médio do segmento de recta [OO0] e l é

a mediatriz daquele segmento de recta.

Seja � a circunferência de centro O0 e raio congruente a [OP ]. Pelo ponto 1 do teorema

3.56, a recta OO0 intersecta � em dois pontos distintos. Designamos por C o ponto

de intersecção de � com OO0 que pertence à semi-recta _O0B e por D o ponto que

pertence à semi-recta oposta.

Como A pertence ao interior de �, [OA] < [OP ]. Assim, se A = B, então B pertence

ao interior de �. Se A 6= B, então pelo teorema 1.1, A =2 OB, e [OBA] é um triângulo

rectângulo em B, logo pelo teorema 3.39, [OB] < [OA], e pelo teorema 3.6, [OB] <

[OP ], ou seja, B pertence ao interior de �. Ora, por construção, [OB] �= [O0B],

logo mais uma vez pelo teorema 3.6, [O0B] < [O0C], logo porque C 2 _O0B, temos

1Entenda-se com n � [CD] a justaposição de n segmentos congruentes a [CD].

105

que O0 � B � C. Temos então, pelo ponto 3 do teorema 2.14, que ou C = O, ou

B�C�O, ou B�O�C. Se B�C�O, então [OC] < [OB], donde pelo teorema 3.6,

[OC] < [OP ]. Se B �O� C, então como O�B �O0, resulta do ponto 1 do teorema

2.14 que C � O � O0, pelo que [OC] < [O0C], donde pelo teorema 3.6, [OC] < [OP ].

Assim, em qualquer um dos três casos concluímos que C pertence ao interior de �.

Por outro lado, como B � O0 �D e O � B � O0, resulta do ponto 1 do teorema 2.14

que O�O0 �D, logo [OD] > [O0D], resultando do teorema 3.6 que [OD] > [OP ], ou

seja, D pertence ao exterior de �.

Assim, � tem pelo menos um ponto pertencente ao interior de � e pelo menos um

ponto pertencente ao exterior de �, resultando de PCC que � \ � 6= ;.

Seja E 2 � \ �. Então [OE] �= [O0E], logo pelo teorema 3.45, E 2 l , e portanto l

intersecta �.

Ora, como por hipótese, l n fEg não está totalmente contido no exterior de �, resulta

do teorema 3.64 que l não é tangente a �, logo pelo teorema 3.65, l intersecta � em

exactamente dois pontos. �

O corolário seguinte é conhecido como princípio da continuidade elementar.

Corolário 4.2 Seja A = (P;L) uma geometria neutra. Se � é uma circunferência e se

A;B 2 P são tais que A 2 int (�) e B 2 ext (�), então [AB] \ � 6= ;.

Demonstração: Seja O o centro de �. Pelo teorema anterior, a recta AB intersecta

� em exactamente dois pontos, que designamos por X e Y . Começamos por mostrar

que X �A� Y . Pelo teorema 3.67, l n [XY ] � ext (�), donde A 2 [XY ] n fX; Y g e por

conseguinte X � A� Y .

Por outro lado, pelo mesmo teorema (3.67), int [XY ] � int (�), pelo que B =2 int [XY ].

Como B =2 �, B =2 [XY ]. Assim, por O3, X � Y � B ou Y �X � B.

Suponhamos que X�Y �B. Como X�A�Y , resulta do ponto 2 do teorema 2.14 que

A�Y �B. Se Y �X�B, então por um raciocínio análogo concluímos que A�X�B.

Consequentemente, [AB] \ � 6= ;. �

No resultado seguinte é garantida a existência de triângulos equiláteros numa geometria

neutra.

Teorema 4.3 Sejam A = (P;L) uma geometria neutra e [AB] um segmento de recta

de A. Então existe um triângulo equilátero que tem [AB] como lado.

106 Capítulo 4. Geometrias Neutras ou Absolutas

Demonstração: Seja � a circunferência de centro A e raio [AB] e seja � a circunferência

de centro B e raio [AB]. Ora, por de�nição, A 2 � e A pertence ao interior de �, uma

vez que é o centro desta circunferência. Analogamente, B 2 � e B 2 int (�). Seja C

o ponto de AB tal que A� B � C e [AB] �= [BC], cuja existência é garantida por C1.

Ora C 2 � e C e pertence ao exterior de �, uma vez que [AC] > [AB]. Seja C 0 2 AB

tal que C 0 � A� B e [C 0A] �= [AB], cuja existência é garantida por C1. Então, por um

raciocínio análogo ao anterior, C 0 2 � \ ext (�). Podemos assim concluir pelo teorema

3.56 que AB \ � \ � = ;. Por outro lado, concluímos por PCC que � \ � 6= ;. Seja

D 2 � \ �. Como D =2 AB, A, B e C são não colineares, sendo o triângulo [ABD] tal

que [AD] �= [AB] �= [BD], logo pelo teorema 3.1, [ABD] é um triângulo equilátero. �

Na verdade podemos mesmo mostrar que dado um segmento de recta arbitrário, existem

dois triângulos equiláteros, um em cada semiplano fechado determinado pela recta que

contém o segmento de recta dado, sendo este um lado de cada triângulo. Com a

etiquetagem de pontos e circunferências da demonstração anterior, sendo D0 2 �\� n

fDg, por um raciocínio análogo ao que foi feito, concluímos que [ABD0] é um triângulo

equilátero, e pelo critério de congruência LLL (3.23), [ABD] �= [ABD0], resultando do

teorema 3.17 que D e D0 estão em lados opostos relativamente a AB.

Finalizamos esta secção com um resultado que nos garante a possibilidade da cons-

trução de um triângulo cujos lados sejam congruentes a três segmentos de recta, em

determinadas condições. O teorema anterior é, pois, um caso particular do teorema

que se segue.

Teorema 4.4 Sejam A = (P;L) uma geometria neutra e [P1P2], [P3P4] e [P5P6] três

segmentos de recta tais que [P1P2] + [P3P4] > [P5P6], [P1P2] + [P5P6] > [P3P4] e

[P3P4] + [P5P6] > [P1P2]. Então, existe um triângulo cujos lados são congruentes a

[P1P2], [P3P4] e [P5P6].

Demonstração: Se [P1P2], [P3P4] e [P5P6] são segmentos de recta congruentes, dois

a dois, então, por 4.3, existe um triângulo equilátero que tem [P1P2] como lado, e o

teorema está demonstrado.

Suponhamos que existe pelo menos um segmento de recta não congruente aos outros

dois. Sem perda de generalidade, podemos supor que [P1P2] � [P3P4] e [P1P2] <

[P5P6]. Seja �1 a circunferência de centro P1 e de raio congruente a [P5P6] e seja �2

a circunferência de centro P2 e de raio congruente a [P3P4]. Então, pelo ponto 1 do

teorema 3.56, P1P2\�1 = fA;Cg, sendo A e C tais que A�P1�C, e P1P2\�2 = fB;Dg,

107

sendo B e D tais que B � P2 � D. Podemos supor, sem perda de generalidade, que

C 2 _P1P2, e portanto A � P1 � P2, ou seja, A 2 _P2P1, e que B 2 _P2P1, e portanto

D � P2 � P1, ou seja, D 2 _P1P2. Em suma, C;D 2 _P1P2 e A;B 2 _P2P1.

Por um lado, [P2B] �= [P3P4], por hipótese, [P3P4] < [P1P2] + [P5P6] e pelo ponto 1 do

teorema 3.4, [P1P2] + [P5P6] �= [P2A]. Assim, pelo teorema 3.6, [P2B] < [P2A], e por

conseguinte, A 2 ext (�2).

Por outro lado, como [P1P2] < [P5P6] e [P1C] �= [P5P6], resulta do teorema 3.6 que

[P1P2] < [P1C] e sendo C 2 _P1P2, temos que P1 � P2 � C. Além disso, como por

hipótese [P5P6] < [P1P2] + [P3P4], e por de�nição, [P1P2] + [P3P4] = [P1D], temos

que [P5P6] < [P1D], resultando novamente do teorema 3.6 que [P1C] < [P1D]. Sendo

C 2 _P1P2, e pelo corolário 2.12, _P1P2 = _P1D, temos que P1�C�D. Resulta do ponto

2 do teorema 2.14 que P2 � C �D, pelo que [P2C] < [P2D], e consequentemente C 2

int (�2). Por um raciocínio análogo podemos concluir que B 2 int (�1) e D 2 ext (�1).

Em suma, mostrámos que �1 contém pelo menos um ponto pertencente ao interior de

�2 e pelo menos um ponto pertencente ao exterior de �2, pelo que podemos concluir,

por PCC, que �1 \ �2 6= ;. Seja X 2 �1 \ �2. Como X =2 fA;B; C;Dg, X =2 P1P2.

Por conseguinte, X, P1 e P2 são não colineares, sendo o triângulo [P1P2X] tal que

[P1P2] �= [P1P2], por C2, [P1X] �= [P5P6], uma vez que X 2 �1 e [P2X] �= [P3P4], uma

vez que X 2 �2. �

Capítulo 5

Axiomas das Paralelas: Euclidiano e

Hiperbólico

5.1 Geometrias Euclidiana e Hiperbólica

�Out of nothing I have created a strange new universe�

János Bolyai, citado em [7]

Nesta secção completamos o trabalho desenvolvido nas secções anteriores, partindo

de uma geometria neutra e incorporando o axioma das paralelas de Playfair, também

conhecido como axioma das paralelas Euclidiano, e o axioma das paralelas hiperbólico,

ou simplesmente axioma hiperbólico.

De�nição 37 Uma geometria Euclidiana A = (P;L) é uma geometria neutra subor-

dinada ao seguinte axioma adicional:

AP (axioma das paralelas de Playfair) � Para cada recta l 2 L e para cada ponto

P 2 P, tais que P =2 l , existe uma e uma só recta incidente sobre P e paralela a l .

De�nição 38 Uma geometria hiperbólica A = (P;L) é uma geometria neutra subor-

dinada ao seguinte axioma adicional:

AH (axioma hiperbólico) � Para cada cada recta l 2 L e para cada ponto P 2 P,

tais que P =2 l , existem pelo menos duas rectas incidentes sobre P e paralelas a l .

Na realidade, este axioma (AH) admite uma outra versão em que se exige apenas a

existência de uma recta e de um ponto exterior a esta, pelo qual passam duas rectas

109

110 Capítulo 5. Axiomas das Paralelas: Euclidiano e Hiperbólico

paralelas à recta dada. A opção pela versão apresentada deve-se à escolha da estrutura

e organização deste trabalho.

No Ensino Básico e Secundário, relativamente ao tema da Geometria, geralmente é

apenas tratada a geometria Euclidiana, sendo eventualmente a�orados alguns aspectos

históricos das geometrias não Euclidianas, razão pela qual nos iremos debruçar, até

ao �nal desta secção, em resultados da geometria Euclidiana. Qualquer resultado da

geometria Euclidiana pode ser obtido a partir dos axiomas das geometrias neutras e

do axioma das paralelas Euclidiano (AP). Não está, porém, no âmbito deste trabalho,

prevista uma tal explanação. Vamos apenas seleccionar alguns dos resultados que nos

pareceram mais interessantes.

Começamos por mostrar que na geometria Euclidiana se veri�ca o recíproco do teorema

dos ângulos alternos internos.

Teorema 5.1 Seja A = (P;L) uma geometria Euclidiana e sejam l ; l 0 2 L, tais que

l k6= l 0. Então, se l e l 0 são cortadas por uma transversal t, fazem pares de ângulos

alternos internos congruentes.

Demonstração: Sejam t \ l = fBg e t \ l 0 = fB0g, e sejam � e � dois ângulos alternos

internos de vértices B e B0, respectivamente. Por C4 existe uma única recta l 00, incidente

sobre B0 que forma com t um ângulo congruente a �, contido no mesmo semiplano

fechado determinado por t que contém �, e tal que _B0B é um dos seus lados. Então l e

l 00 são duas rectas cortadas por uma transversal t, formando um par de ângulos alternos

internos congruentes. Assim, pelo teorema dos ângulos alternos internos (3.50), l k l 00.

Ora, por AP, existe uma única recta incidente sobre B0 e paralela a l , pelo que l 0 = l 00,

logo pela transitividade da relação de congruência entre ângulos, � �= �. Por de�nição

e pelo teorema 3.8, concluímos que o outro par de ângulos alternos internos formado

por l , l 0 e t é constituído por ângulos congruentes. �

No teorema seguinte, mostramos que, se numa geometria neutra se veri�ca o recíproco

do teorema dos ângulos alternos internos, então veri�ca-se AP. Assim, mostramos que

o recíproco do teorema dos ângulos alternos internos e AP são asserções equivalentes.

Teorema 5.2 Seja A = (P;L) uma geometria neutra que admite como axioma adici-

onal o recíproco do teorema dos ângulos alternos internos. Então, dados um ponto P

e uma recta m, tais que P =2 m, existe uma única recta incidente sobre P e paralela a

m.

5.1 Geometrias Euclidiana e Hiperbólica 111

Demonstração: Seja t a recta incidente sobre P e perpendicular a m e seja l a recta

incidente sobre P e perpendicular a t. A existência das rectas t e l é assegurada pelo

teorema 3.30. Pelo teorema 3.15, os ângulos formados por t e m são congruentes

aos ângulos formados por t e l , resultando do teorema dos ângulos alternos internos

(3.50) que l k m. Mostramos agora a unicidade de l . Suponhamos que l 0 é um recta

incidente sobre P tal que l 0 k m. Ora t é uma transversal às rectas m e l 0, logo por

hipótese, os pares de ângulos alternos internos formados por t, m e l 0 são constituídos

por ângulos congruentes. Assim, os ângulos formados por t e l 0 são congruentes aos

ângulos formados por t e l , pelo que l 0 ? t e, mais uma vez pelo teorema 3.30, l = l 0.

Da arbitrariedade da escolha de l 0 resulta que existe uma única recta incidente sobre P

e paralela a m. �

O teorema seguinte reúne vários resultados conhecidos da geometria Euclidiana, equi-

valentes ao axioma das paralelas de Playfair (AP), estando a demonstração deste facto

fora do âmbito deste trabalho. A primeira asserção é usualmente conhecida por axioma

de Proculus.

Teorema 5.3 Seja A = (P;L) uma geometria Euclidiana. Então:

1. Se l e l 0 são duas rectas paralelas e t é uma recta tal que t 6= l e t intersecta l ,

então t intersecta l 0.

2. Se l e l 0 são duas rectas estritamente paralelas e t é uma transversal àquelas duas

rectas tal que t ? l , então t ? l 0.

3. Se l , m, n e k são rectas tais que k k l , m ? k e n ? l , então n k m.

4. (transitividade do paralelismo) Dadas as rectas l , m e n, se l k m e m k n,

então l k n.

Demonstração:

1. Se l = l 0, não há nada a demonstrar. Se l 6= l 0, então l \ l 0 = ;. Como, por

hipótese, t 6= l e t \ l 6= ;, temos pelo teorema 1.1 que t intersecta l num único

ponto, que designamos por P . Ora por AP, l é a única recta incidente sobre P

paralela a l 0, o que nos permite concluir que t e l 0 não são paralelas, resultando

novamente do teorema 1.1 que t intersecta l 0 num único ponto.

2. Pelo recíproco do teorema dos ângulos alternos internos (5.1), os pares de ângulos

alternos internos formados por l , l 0 e pela transversal t são constituídos por ângulos

congruentes. Como, pelo teorema 3.16, qualquer ângulo congruente a um ângulo

112 Capítulo 5. Axiomas das Paralelas: Euclidiano e Hiperbólico

recto é um ângulo recto, temos por de�nição que t ? l 0.

3. Temos dois casos possíveis: k = l ou k \ l = ;. Se k = l , então por hipótese, m

e n são duas rectas perpendiculares a uma mesma recta, resultando do corolário

3.52 que m k n. Se k \ l = ;, então resulta do ponto 1 deste teorema que m é

uma transversal às rectas k e l , decorrendo do ponto 2 deste teorema que m ? l .

Mais uma vez pelo corolário 3.52 concluímos que m k n.

4. Temos dois casos possíveis: l = n ou l 6= n. Se l = n, não há nada a demonstrar.

Suponhamos que l 6= n. Sem = l ou sem = n também não há nada a demonstrar,

por isso supomos que as rectas l , m e n são distintas duas a duas. Seja A um

ponto de l , cuja existência é garantida por I2, e seja t a recta incidente sobre

A e perpendicular a l , cuja existência e unicidade são garantidas pelo teorema

3.30. Pelo ponto 1 deste teorema, t é uma transversal às rectas l e m, e também

às rectas m e n, e pelo ponto 2 deste teorema, t ? m e t ? n. Assim, l e n

são rectas perpendiculares a uma mesma recta, decorrendo do corolário 3.52 que

l k n. �

Um resultado bem conhecido da geometria Euclidiana é que três pontos não coline-

ares determinam univocamente uma circunferência � a circunferência circunscrita ao

triângulo de�nido por aqueles três pontos.

Teorema 5.4 Sejam A = (P;L) uma geometria Euclidiana e A;B; C 2 P três pontos

não colineares. Então o triângulo [ABC] pode ser circunscrito.

Demonstração: Sejam l1 a mediatriz de [AB] e l2 a mediatriz de [AC]. Suponhamos

que l1 k l2. Então, sendo AB ? l1 e AC ? l2, temos pelo ponto 3 do teorema anterior

que AB k AC. Como A 2 AB \ AC, AB = AC, o que é absurdo.

Assim, l1 e l2 intersectam-se num ponto, que designamos por P . Pelo teorema 3.47, as

mediatrizes dos lados de [ABC] são concorrentes, logo pelo teorema 3.73, o triângulo

[ABC] pode ser circunscrito. �

Deste teorema, decorre de imediato o seguinte:

Corolário 5.5 Numa geometria Euclidiana A = (P;L), as mediatrizes dos lados de

qualquer triângulo são concorrentes, intersectando-se no circuncentro do triângulo.

É importante salientar que estes dois resultados não são válidos na geometria hiperbó-

lica. De facto, numa geometria neutra, a asserção �Dados três pontos não colineares,

5.2 Modelos para as geometrias Euclidiana e hiperbólica 113

existe uma circunferência que os contém.� é equivalente ao axioma das paralelas de

Playfair (ver [12], pp. 233� 234).

5.2 Modelos para as geometrias Euclidiana e hiperbó-

lica

Nesta secção apresentamos um modelo para a geometria Euclidiana, o plano carte-

siano real, e um modelo para a geometria hiperbólica, o semiplano de Poincaré. A

apresentação aqui feita destes modelos não inclui a demonstração completa de que os

axiomas das geometrias em causa, lidos à luz das interpretações que iremos fazer, são

proposições verdadeiras, podendo estas demonstrações ser encontradas na bibliogra�a

apresentada, nomeadamente em [10] e [11]. Demonstraremos apenas que no plano

cartesiano real é satisfeito o axioma das paralelas Euclidiano (AP) e que no semiplano

de Poincaré é satisfeito axioma das paralelas hiperbólico (AH).

Começamos por introduzir os conceitos de modelos isomorfos para geometrias e de

sistemas axiomáticos categóricos.

De�nição 39 Sejam M1 = (P1;L1) e M2 = (P2;L2) dois modelos para uma geome-

tria A = (P;L). Uma aplicação ' : P1 ! P2 é um isomor�smo se ' é bijectiva e se '

preserva rectas, isto é, qualquer que seja a recta l1 2 L1, ' (l1) 2 L2 e reciprocamente.

Se M1 = M2, ' diz-se um automor�smo.

Os modelos M1 e M2 dizem-se isomorfos se existir um isomor�smo ' : P1 ! P2.

De�nição 40 Um sistema axiomático é categórico se existe um único modelo que o

descreve, a menos de um isomor�smo.

Um sistema axiomático categórico é completo. De facto, se um sistema categórico não

fosse completo, então existiria uma asserção, envolvendo termos primitivos e relações

entre eles, cuja veracidade não poderia ser atestada. Assim, existiria um modelo para

o sistema axiomático onde fosse satisfeita aquela asserção e um modelo no qual a

asserção não fosse satisfeita. Sendo o sistema axiomático categórico, estes modelos

teriam de ser isomorfos, o que é absurdo.

114 Capítulo 5. Axiomas das Paralelas: Euclidiano e Hiperbólico

5.2.1 O plano cartesiano real como modelo para a geometria Eu-

clidiana

De�nição 41 O plano cartesiano real é o par ordenado C = (R2;LE), onde

R2 = f(x; y)jx; y 2 Rg e LE = fla; lm;bja; b;m 2 Rg

com

la = f(x; y) 2 R2jx = ag e lm;b = f(x; y) 2 R2jy = mx + bg:

O plano cartesiano real é um modelo para uma geometria incidente, sendo a interpre-

tação dos termos primitivos a que passamos a descrever.

Os pontos são os elementos de R2, as rectas são os elementos de LE, sendo as rectas

do tipo la designadas por rectas verticais e as rectas do tipo lm;b designadas por rectas

não verticais. É evidente que uma recta de LE ou é uma recta vertical ou é uma recta

não vertical. Dada uma recta não vertical lm;b, a constante m é designada por declive

da recta.

A relação �ser incidente a� é interpretada da seguinte forma: sendo P = (xP ; yP ) 2 R2

e l uma recta de LE, P é incidente a l se e só se (xP ; yP ) satisfaz a equação de l .

O plano cartesiano real é um modelo para uma geometria de Pasch, sendo atribuída a

seguinte interpretação à relação �estar entre�:

De�nição 42 Dados três pontos A = (x1; y1) ; B = (x2; y2) ; C = (x3; y3) 2 R2, dize-

mos que B está entre A e C, e escrevemos A� B � C, se A;B; C 2 la e

y1 < y2 < y3 _ y3 < y2 < y1

ou se A;B; C 2 lm;b e

x1 < x2 < x3 _ x3 < x2 < x1:

Assim, interpretamos a relação �estar entre� no plano cartesiano real com base na

relação estar entre de�nida no conjunto dos números reais:

Dados x; y ; z 2 R dizemos que y está entre x e z , e escrevemos x � y � z , se x < y < z

ou se z < y < x .

Note-se que se x , y e z são números reais distintos dois a dois, então exactamente um

deles está entre os outros dois.

5.2 Modelos para as geometrias Euclidiana e hiperbólica 115

O plano cartesiano real é um modelo para uma geometria neutra, sendo a relação

�ser congruente a� interpretada com base nas medidas euclidianas de comprimento de

segmentos e de amplitude de ângulos:

De�nição 43 1. Dados A = (x1; y1) ; B = (x2; y2) 2 R2 tais que A 6= B, a medida

euclidiana mE de comprimento do segmento de recta [AB] é dada por:

mE ([AB]) =

√(x1 � x2)

2 + (y1 � y2)2:

Dois segmentos de recta [AB] e [CD] são congruentes, e escrevemos [AB] �=

[CD], se

mE ([AB]) = mE ([CD]) :

2. Dados três pontos não colineares A = (x1; y1) ; B = (x2; y2) ; C = (x3; y3) 2 R2, a

medida euclidiana mE de amplitude do ângulo \BAC é dada por:

mE (\BAC) = arccos(x2 � x1) (x3 � x1) + (y2 � y1) (y3 � y1)√[

(x2 � x1)2 + (y2 � y1)

2] [

(x3 � x1)2 + (y3 � y1)

2] :

Dois ângulos \BAC e \EDF são congruentes, e escrevemos \BAC �= \EDF ,

se mE (\BAC) = mE (\EDF ).

Passamos agora a enunciar e a demonstrar uma série de resultados, que nos permitirão

concluir que no plano cartesiano real se veri�ca o axioma das paralelas de Playfair, e

que portanto o plano cartesiano real é um modelo para a geometria Euclidiana.

No primeiro desta série de resultados, constatamos que toda a recta vertical intersecta

toda a recta não vertical.

Teorema 5.6 Para quaisquer a; b;m 2 R, as rectas la e lm;b são concorrentes.

Demonstração: Dados a; b;m 2 R arbitrários, o ponto I = (a;ma + b) pertence às

rectas la e lm;b. �

Teorema 5.7 Duas rectas distintas de LE são (estritamente) paralelas se e somente

se ou são ambas verticais ou são ambas não verticais e têm o mesmo declive.

Demonstração: Sejam s; r 2 LE arbitrárias tais que s 6= r .

Se s e r são ambas rectas verticais, então s = la e r = lb, com a 6= b. Por conseguinte,

s \ r = ;, e r e s são rectas paralelas. Se s e r são ambas rectas não verticais com

o mesmo declive, então s = lm;b e r = lm;c , com b 6= c . Neste caso, as equações

116 Capítulo 5. Axiomas das Paralelas: Euclidiano e Hiperbólico

lineares y = mx + b e y = mx + c não têm soluções comuns, pelo que r \ s = ;, e

consequentemente, as rectas r e s são paralelas.

Suponhamos agora que r e s são rectas paralelas. Pelo teorema anterior r e s são

ambas verticais ou ambas não verticais. Se r e s são ambas rectas não verticais então

r = lm1;b1 e s = lm2;b2. Se m1 6= m2, então as equações lineares y = m1x + b1 e

y = m2x + b2 têm uma solução comum,

(b2 � b1m1 �m2

; m1

b2 � b1m1 �m2

+ b1

)

pelo que as rectas r e s são concorrentes, o que é absurdo, já que por hipótese r k s.

Assim, se r e s são rectas não verticais, têm necessariamente o mesmo declive. �

Teorema 5.8 Dado um ponto P 2 R2 e m 2 R, existe uma e uma só recta não vertical

com declive m incidente sobre P .

Demonstração: Sendo P = (xP ; yP ), a recta lm;yP�mxP é uma recta não vertical, de

declive m, incidente sobre P . Por outro lado, se lm;b é uma recta não vertical incidente

sobre P , então

b = yp �mxP

Assim, lm;yP�mxP é a única recta não vertical de declive m que contém P . �

Teorema 5.9 Dados uma recta l 2 LE e um ponto P 2 R2 tais que P =2 l existe uma

única recta incidente sobre P e paralela a l .

Demonstração: Seja P = (xP ; yP ). Sendo l uma recta arbitrária de LE, l é uma recta

vertical ou l é uma recta não vertical.

Suponhamos que l é uma recta vertical, ou seja, l = la. Como P =2 l , xP 6= a, pelo

que a recta vertical que contém P , lxP , é paralela a l . Por outro lado, qualquer recta

incidente sobre P , distinta de lxP , é não vertical, logo pelo teorema 5.6, lxP é a única

recta incidente sobre P e paralela a l .

Suponhamos agora que l = lm;b. Pelo teorema anterior e pelo teorema 5.7, existe uma

única recta incidente sobre P e paralela a l : lm;yP�mxP . �

5.2 Modelos para as geometrias Euclidiana e hiperbólica 117

5.2.2 O semiplano de Poincaré como modelo para a geometria

hiperbólica

De�nição 44 O semiplano de Poincaré é o par ordenado P = (H;LH) , onde H =

f(x; y) 2 R2jy > 0g e LH = fal ; c lr ja; c 2 R ^ r 2 R+g, com

al = f(x; y) 2 Hjx = ag

e

c lr = f(x; y) 2 Hj (x � c)2 + y 2 = r 2g:

O semiplano de Poincaré é um modelo para uma geometria incidente, sendo dada a

interpretação aos termos primitivos que passamos a descrever.

Os pontos são os elementos de H e as rectas são os elementos de LH. Assim, os pontos

hiperbólicos são os pontos euclidianos (x; y), com y > 0. As rectas hiperbólicas são

�semi-rectas euclidianas� perpendiculares à �recta euclidiana� de equação y = 0, também

designada por eixo das abcissas ou eixo Ox , cujos vértices são elementos dessa mesma

recta, e as �semi-circunferências euclidianas� com centro em Ox . É evidente que uma

recta de LH ou é uma recta do tipo al ou é uma recta do tipo c lr .

A relação �ser incidente a� é interpretada da seguinte forma: sendo P = (xP ; yP ) 2 H

e l uma recta de LH, P é incidente a l se e só se (xP ; yP ) satisfaz a equação de l .

O semiplano de Poincaré é um modelo para uma geometria de Pasch, sendo a relação

primitiva �estar entre� interpretada da seguinte forma:

De�nição 45 Dados três pontos A = (x1; y1) ; B = (x2; y2) ; C = (x3; y3) 2 H, dizemos

que B está entre A e C, e escrevemos A� B � C, se A;B; C 2 al e

y1 < y2 < y3 _ y1 > y2 > y3

ou se A;B; C 2 c lr e

x1 < x2 < x3 _ x1 > x2 > x3:

O semiplano de Poincaré é um modelo para uma geometria neutra, sendo a interpretação

da relação �ser congruente a� feita com base nas medidas de Poincaré de comprimento

de segmentos de rectas e de amplitude de ângulos:

De�nição 46 1. Sendo A = (x1; y1) ; B = (x2; y2) 2 H tais que A 6= B, a medida

msP de Poincaré de comprimento do segmento de recta [AB] é dada por

msP ([AB]) =

∣∣∣∣log y2y1∣∣∣∣ ;

118 Capítulo 5. Axiomas das Paralelas: Euclidiano e Hiperbólico

se x1 = x2, e por

msP ([AB]) =

∣∣∣∣log y2 (x1 � c + r)

y1 (x2 � c + r)

∣∣∣∣ ;com

c =y 22 � y 21 + x22 � x21

2 (x2 � x1)e r =

√(x1 � c)2 + y 21

se x1 6= x2.

Dois segmentos de recta [AB] e [CD] são congruentes, e escrevemos [AB] �=

[CD], se

msP ([AB]) = msP ([CD]) :

2. Sejam A = (x1; y1) ; B = (x2; y2) 2 H tais que A 6= B. A semi-recta euclidiana

tangente à semi-recta _AB é a semi-recta euclidiana _AB0, onde B0 = A+ TAB e

TAB =

(0; y2 � y1) ; se x2 = x1

(y1; c � x1) ; se A;B 2 c lr e x1 < x2

� (y1; c � x1) ; se A;B 2 c lr e x1 > x2

:

Dados três pontos não colineares A = (x1; y1) ; B = (x2; y2) ; C = (x3; y3) 2 H, a

medida msP de Poincaré de amplitude do ângulo \BAC é a medida euclidiana

mE de amplitude do ângulo \B0AC 0, onde _AB0 é a semi-recta euclidiana tangente

à semi-recta _AB e _AC 0 é a semi-recta euclidiana tangente à semi-recta _AC, ou

seja,

msP (\BAC) = mE (\B0AC 0) = arccoshTAB; TACi

kTABkkTACk:

Dois ângulos \BAC e \EDF são congruentes, e escrevemos \BAC �= \EDF ,

se msP (\BAC) = msP (\EDF ).

Teorema 5.10 Para qualquer l 2 LH e para qualquer P 2 H n l existem pelo menos

duas rectas de LH incidentes sobre P e paralelas a l .

Demonstração: Seja l 2 LH arbitrária e seja P = (xP ; yP ) 2 H n l arbitrário. Então

l = al ou l =c lr .

Suponhamos que l = al . Como P =2 al , xP 6= a, logo as rectas al e xP l são paralelas e

P 2 xP l . Por outro lado, seja C 0 = (c 0; 0) o ponto ponto de intersecção da mediatriz

(euclidiana) do segmento de recta (euclidiano) [AP ], onde A = (a; 0), com a recta

(euclidiana) de equação y = 0, e seja r 0 = mE ([C 0P ]) = mE ([C 0A]). Então,

c 0 =a2 � y 2P � x2P2 (a � xP )

e r 0 =(a � xP )

2 + y 2P2 ja � xP j

:

5.2 Modelos para as geometrias Euclidiana e hiperbólica 119

Pelo teorema 3.64, a recta c 0 lr 0 é paralela à recta al e é incidente sobre P .

Suponhamos agora que l = c lr . Sendo C = (c; 0), temos que mE ([CP ]) 6= r , pelo que

as rectas c lr e c lmE([CP ]) são paralelas. Se xP 2 Rn ]c � r; c + r [, a recta xP l é paralela à

recta c lr e é incidente sobre P . Caso xP 2 ]c � r; c + r [, seja C 00 = (c 00; 0) o ponto de

intersecção da mediatriz (euclidiana) do segmento de recta [PQ], onde Q = (c + r; 0),

com o eixo Ox , e r 00 = mE ([C 00P ]) = mE ([C 00Q]). Então,

c 00 =(c + r)2 � y 2P � x2P

2 (c + r � xP )e r 00 =

∣∣∣∣∣(c + r)2 � 2xP (c + r) + y 2P + x2P2 (c + r � xP )

∣∣∣∣∣ :Pelo teorema 3.68, a recta c 00 lr 00 é paralela à recta c lr , e é incidente sobre P . �

O teorema anterior permite-nos concluir que no semiplano de Poincaré é satisfeito o

axioma das paralelas hiperbólico, e que portanto o semiplano de Poincaré é um modelo

para a geometria hiperbólica. A existência deste modelo permite-nos constatar a inde-

pendência do axioma das paralelas Euclidiano em relação aos axiomas das geometrias

neutras. Reciprocamente, o facto de o plano cartesiano real, com a interpretação atri-

buída aos termos primitivos apresentada, ser um modelo para a geometria Euclidiana,

permite-nos constatar a independência do axioma das paralelas hiperbólico relativamente

aos axiomas das geometrias neutras.

Pode ainda mostrar-se (ver [2], capítulo 6) que tanto o sistema axiomático da ge-

ometria Euclidiana, como o da geometria hiperbólica são sistemas categóricos, pelo

que os modelos apresentados são únicos, a menos de um isomor�smo. Consequente-

mente, os sistemas axiomáticos das geometrias Euclidiana e hiperbólica são completos,

o que signi�ca que não podem ser adicionados novos axiomas a nenhum destes siste-

mas axiomáticos (mantendo os termos primitivos), sem que os sistemas deixem de ser

independentes ou consistentes.

Bibliogra�a

[1] Araújo, P. V., Curso de Geometria, Gradiva, Lisboa, 1998.

[2] Borsuk, K., Szmielew, W., Foundations of Geometry, North Holland, Amsterdam,

1960.

[3] Breda, A. M. A., Modelos para Geometrias Planas, Boletim da Sociedade Portu-

guesa de Matemática, Coimbra, 1995.

[4] Breda, A. M. A., Complementos de Geometria Plana, Programa, conteúdo e méto-

dos de ensino e avaliação, Relatório ao abrigo dos artigos 24 e 9 do Decreto-Lei n.º

301/72, para efeitos de Prova de Agregação no Grupo/Subgrupo 4-Matemática,

na Universidade de Aveiro, Aveiro, 2005.

[5] Dionísio, J.J., Fundamentos da Geometria, Departamento de Matemática da Fa-

culdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2004.

[6] Greenberg, M.J., Euclidean and non-Euclidean Geometries: development and his-

tory, W.H. Freeman and Company, 1994.

[7] Hartshorne, R., Geometry: Euclid and Beyond, Springer Verlag, New York, 2000.

[8] Jacobs, H. R., Geometry, W. H. Freeman and Company, 1974.

[9] Meyer, W., Geometry and Its Applications, Academic Press, New York,1999.

[10] Millman, R. S., Parker, G. D., Geometry A metric Approach with models, Springer

Verlag, New York, 1991.

[11] Moise, E. E., Elementary Geometry from an Advanced Standpoint, Addison Wesley

Publishing Company, 1990.

[12] Venema, G. A., Foundations of Geometry, Pearson Prentice Hall, New Jersey,

2006.

121

122 BIBLIOGRAFIA

[13] Wylie, C.R., Foundations of Geometry, McGraw-Hill Book Company, New York,

1964.