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A PR14 DA ONU DE GUAYAQUIL e a contribuição da educação para a construção de uma sociedade resiliente A PR14 DA ONU DE GUAYAQUIL e a contribuição da educação para a construção de uma sociedade resiliente ANO I - VOL. I, Nº 1 - ENSINO - PESQUISA - MÉTODO - JULHO/DEZEMBRO - 2014 ANO I - VOL. I, Nº 1 - ENSINO - PESQUISA - MÉTODO - JULHO/DEZEMBRO - 2014 Órgão oficial de divulgação do Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN) yvy REVISTA

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Page 1: Revista YVY dez2014 - CIADEN · Dr. Cláudio Artur Mungói (Universidade Eduardo Mondlane - Maputo – Moçambique) Dr. Edson Luís Piroli (UNESP/Ourinhos - SP) Dr. Eymar Silva Sampaio

A PR14 DA ONU DE GUAYAQUILe a contribuição da educaçãopara a construção de umasociedade resiliente

A PR14 DA ONU DE GUAYAQUILe a contribuição da educaçãopara a construção de umasociedade resiliente

ANO I - VOL. I, Nº 1 - ENSINO - PESQUISA - MÉTODO - JULHO/DEZEMBRO - 2014ANO I - VOL. I, Nº 1 - ENSINO - PESQUISA - MÉTODO - JULHO/DEZEMBRO - 2014

Órgão o�cial de divulgação do Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN)

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Page 2: Revista YVY dez2014 - CIADEN · Dr. Cláudio Artur Mungói (Universidade Eduardo Mondlane - Maputo – Moçambique) Dr. Edson Luís Piroli (UNESP/Ourinhos - SP) Dr. Eymar Silva Sampaio

A Revista YVY do Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN) tem por �nalidade veicular a vida intelectual e acadêmica e a experiência pro�ssional de professores, pesquisa-dores, colaboradores e estudantes da educação básica e superior para conhecimento local, nacional e internacional.

Dentre seus objetivos estão:1- Estimular a produção técnico-cientí�ca e didático-

pedagógica sobre aquecimento global, mudanças climáticas e desastres naturais na área de educação, geociências, informática e geoprocessamento;

2- Divulgar a ciência brasileira no plano internacional e a ciência mundial em âmbito de Brasil;

3- Incentivar o desenvolvimento de projetos de iniciação cienti�ca de aplicação entre os discentes do ensino médio e técnico da Etec de Cabrália Paulista;

4- Estabelecer o entrelaçamento da pesquisa universitária com a sala de aula, vinculando em caráter permanente o Ensino Médio, Ensino Técnico e Superior em Educação, Geociências, Informática e Tecnológico.

Para tanto, suas páginas estão abertas para todas as idéias e tendências acadêmicas e cientí�cas hoje em debate na área da Educação, Informática e nas Geociências, visando sua divulgação e consolidação em sua pluralidade de assuntos. Em particular, estarão abertas para todas as formas de ação que ponham a ciência brasileira junto aos que buscam a consecução de um projeto de país sustentável no campo econômico, social, político, cultural e ambiental.

FILOSOFIA E OBJETIVOS

Revista YVYEnsino - Pesquisa - MétodoAno I - Vol. I - N.º 1 - Julho/Dezembro de 2014 - ISSN (em processo de registro)A Revista YVY é uma publicação online de periodicidade semestral voltada ao ensino, à pesquisa e método em Educação, Geociências, Informática e áreas a�ns. A Revista publica artigos inéditos e de revisão e resenhas bibliográ�cas elaboradas por pro�ssionais e estudantes sobre temas relacionados com o aquecimento global, mudanças climáticas, monitoramento climático, alerta de desastres naturais, educação ambiental, meio ambiente, sensoriamento remoto e geoprocessamento em português, inglês e espanhol.A avaliação dos artigos submetidos será realizada por consultores “ad hoc” da área de Geociências, Educação, Informática ou por membros do Conselho Editorial da revista.

A revista YVY é órgão o�cial de divulgação do Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN), Projeto de Cooperação Técnico-Cientí�ca �rmado entre o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) de São José dos Campos, o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS)/Escola Técnica Estadual Astor de Mattos Carvalho de Cabrália Paulista e a Prefeitura Municipal de Cabrália Paulista, através de sua Coordenadoria de Defesa Civil (COMDEC).

Expediente

* As opiniões expressadas pelos autores são de sua inteira responsabilidade.

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ESTRUTURA ADMINISTRATIVA:

Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE):Diretor: Dr. Leonel Fernando Perondi

Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS):Diretora Superintendente: Profª. Laura Margarida Jose�na Laganá

Vice-Diretor Superintendente: Prof. Dr. César Silva

Coordenadoria de Ensino Médio e Técnico (CETEC):Coordenador: Prof. Ms. Almério Melquíades de Araújo

Grupo de Supervisão Educacional CETEC – Região Bauru:Supervisor: Prof. Antônio Carlos Ottoboni de Oliveira

Prefeitura Municipal de Cabrália Paulista:Prefeito: Odemil Ortiz de Camargo

Coordenadoria Municipal de Defesa Civil de Cabrália Paulista (COMDEC):Coordenador: Ms. Evandro Antonio Cavarsan

Escola Técnica Estadual Astor de Mattos Carvalho:Diretora: Profª. Gláucia Rachel Branco Castro

Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN):Prof. Dr. Lourenço Magnoni Júnior (Coordenador técnico-cientí�co)

Editores:Lourenço Magnoni Júnior (Gestor e Pesquisador CIADEN);Eymar Silva Sampaio Lopes (Pesquisador INPE);Wellington dos Santos Figueiredo (Professor Etec Cabrália Paulista)Guido Branco Júnior (Professor Etec Cabrália Paulista)Alice Nunes Garbulio (Professora Etec Cabrália Paulista)José Misael Ferreira do Vale (UNESP/Bauru)Evandro Antonio Carvarsan (Coordenador Defesa Civil de Cabrália Paulista)

Comitê Editorial:Dr. Lourenço Magnoni Júnior (Gestor e Pesquisador CIADEN)Dr. Eymar Silva Sampaio Lopes (Pesquisador INPE)Dr. Laércio Massaru Namikawa (Tecnologista INPE)Ms. Evandro Antonio Carvarsan (Coordenador Defesa Civil de Cabrália Paulista)Ms. Wellington dos Santos Figueiredo (Professor Etec Cabrália Paulista)Esp. Guido Branco Júnior (Professor Etec Cabrália Paulista)Dr. José Misael Ferreira do Vale (UNESP/Bauru)Drª. Maria da Graça Mello Magnoni (UNESP/Bauru – SP).

Revisores:Dr. Lourenço Magnoni Júnior, Ms. Wellington dos Santos Figueiredo, Dr. José Misael Ferreira do Vale e Drª. Maria da Graça Mello Magnoni.

Jornalista Responsável:Dr. Antônio Francisco Magnoni - MTB - 19280

Conselho Editorial/Editorial Board:Dr. Lourenço Magnoni Júnior (Gestor e Pesquisador CIADEN) - Editor

Membros/Members:

Dr. Antônio Francisco Magnoni (UNESP/Bauru – SP)Dr. Cláudio Artur Mungói (Universidade Eduardo Mondlane - Maputo – Moçambique)Dr. Edson Luís Piroli (UNESP/Ourinhos - SP)Dr. Eymar Silva Sampaio Lopes (INPE – São José dos Campos - SP)Dr. Gil Sodero de Toledo (USP/São Paulo – SP)Dr. José Mauro Palhares ( Uniguaçu/ São Miguel do Iguaçú – PR)Dr. José Misael Ferreira do Vale (UNESP/Bauru - SP)Dr. Laércio Massaru Namikawa (INPE – São José dos Campos - SP)Dr. Lourenço Magnoni Júnior (Centro Paula Souza – SP)Dr. Luciano Soares de Souza (Centro Paula Souza – SP)Drª. Maria da Graça Mello Magnoni (UNESP/Bauru – SP)Ms. Wellington dos Santos Figueiredo (Centro Paula Souza – SP)Dr. Wilson Tadeu Lopes da Silva (Embrapa Instrumentação – São Carlos – SP)

ALUNOS PARTICIPANTES DO PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICADESENVOLVIDO NO CIADEN:

Fernando Felix da Silva – Ensino Médio/Curso Técnico em Agropecuária Gabriel Augusto Silvino Siqueira – Ensino Médio/Curso Técnico em AgropecuáriaGabriel Dias Guerche – Ensino Médio/Curso Técnico em AgropecuáriaGiovani Cantão – Curso Técnico em AgropecuáriaGuilherme José Pessato – Ensino Médio/Curso Técnico em InformáticaJoão Marcos Batista Gabaldi – Ensino Médio/Curso Técnico em AgropecuáriaJoão Pedro Carneiro de Mattos – Ensino Médio/Curso Técnico em AgropecuáriaLucas Generoso Bueno – Ensino Médio/Curso Técnico em Agropecuária Nathan Alves Pereira – Ensino Médio/Curso Técnico em AgropecuáriaMarilei Andrade – Ensino Médio/Curso Técnico em InformáticaRafael Dias Guerche - Ensino Médio/Curso Técnico em InformáticaRenata Caroline da Silva - Ensino Médio/Curso Técnico em Informática

Indexada em/Indexed in/Abstract in:IBICT (ISSN em processo de registro)

Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN)Rodovia Lourenço Lozano, Km 4 – Bairro Restinga – Cabrália Paulista/SPCEP 17480-000 – Fone: (14) 3285-1210 – Ramal 211E-mails: [email protected] / [email protected] Site: http://www.ciaden.com.br

Diagramação e Capa:Nilton A. Jr. − e-mail: [email protected]

Nota:Palavra YVY: Terra em Tupi-Guarani

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Sumário

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ANO I - VOL. I, Nº 1 - ENSINO - PESQUISA - MÉTODO - JULHO/DEZEMBRO - 2014

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Carta ao Leitor .................................................................................................................................................................................................

ArtigosO envolvimento da Etec de Cabrália Paulista na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia - Polo Bauru .....................................................................Lourenço Magnoni Júnior · Wellington dos Santos Figueiredo

Teoria de educação e currículo escolar na era da digitallização e convergência dos meios de comunicação ..................................................................José Misael Ferreira do Vale

PR14 da ONU de Guayaquil: a contribuição da educação para a construção de uma sociedade resiliente .................................................................Lourenço Magnoni Júnior

O uso de geotecnologias no monitoramento de incêndios fl orestais na reginão da Redec - 17 – Bauru ...................................................................Gabriel Dias Guerche · Giovani Bruno Cantão · Guilherme José Pessato · João Marcos Batista Gabaldi · João Pedro Carneiro de Mattos · Lucas Generoso Bueno · Marilei Andrade · Nathan Alves

Pereira · Rafael Dias Guerche · Renata Caroline da Silva · Eymar Silva Sampaio Lopes · Guido Branco Júnior · Lourenço Magnoni Júnior · Wellington dos Santos Figueiredo

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YEAR I - VOL. I, # 1 - TEACHING - RESEARCH - METHOD - JULY/DECEMBER - 2014

Index

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Letter to the reader ..........................................................................................................................................................................................

ArticlesThe involvement of Cabrália Paulista Etec in National Science and Technology Week - Polo Bauru .........................................................................Lourenço Magnoni Júnior · Wellington dos Santos Figueiredo

Théorie de l’éducation et programmes scolaires dans l’ère de la lecture digital et la convergence des médias .............................................................José Misael Ferreira do Vale

PR14 of Guayaquil UN: the contribution of education for building a resilient society ............................................................................................Lourenço Magnoni Júnior

Geotechnology applied to monitoring of forest fi res in the Region of Redec-I7 of São Paulo State .........................................................................Gabriel Dias Guerche · Giovani Bruno Cantão · Guilherme José Pessato · João Marcos Batista Gabaldi · João Pedro Carneiro de Mattos · Lucas Generoso Bueno · Marilei Andrade · Nathan Alves

Pereira · Rafael Dias Guerche · Renata Caroline da Silva · Eymar Silva Sampaio Lopes · Guido Branco Júnior · Lourenço Magnoni Júnior · Wellington dos Santos Figueiredo

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3YVY - Ano I - Vol. I - (1): Julho/Dezembro - 2014

CARTA AO LEITOR

O Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN), instalado na Escola Técnica Estadual Astor de Mattos Carvalho, é um espaço público multidisciplinar de ensino, pesquisa de aplicação e disseminação do conhecimento científico e tecnológico sobre monitoramento climático e os alertas de desastres naturais, meio ambiente, educação ambiental, sensoriamento remoto, geoprocessamento, aquecimento global e mudanças climáticas. O CIADEN é resultado de Protocolo de Cooperação Técnico-Científica firmado entre o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), o Centro Paula Souza (CEETEPS) e a Prefeitura Municipal de Cabrália Paulista.

Nos últimos vinte anos, matérias sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas tornaram mais frequentes nos jornais, revistas e na internet, em emissoras de rádios e na televisão aberta e por assinatura. As questões ambientais também estão sendo ensinadas e debatidas nas escolas de educação básica, nas universidades, em instituições de pesquisas científicas e tecnológicas e no terceiro setor, principalmente pelas ações empreendidas por ONGs.

O interesse despertado por esta questão relevante tem relação com o aumento da ocorrência de uma série de eventos naturais com força suficiente para causar grandes catástrofes que, além de destruir cidades e sistemas produtivos, retiram vidas humanas. Portanto, renomados pesquisadores brasileiros e estrangeiros afirmam que o aquecimento global é decorrente da ação do homem sobre a natureza. Ou seja, é fruto do aumento da quantidade de gases de efeito estufa, que são liberados na atmosfera pela queima de combustíveis fósseis que impulsionam o desenvolvimento da sociedade globalizada.

Conectado integralmente neste contexto, o CIADEN enquanto projeto de pesquisa de aplicação científica e tecnológica, de desenvolvimento e inovação, soma esforços para articular a teoria e a prática para desenvolver o processo de ensino e de aprendizagem na Etec de Cabrália Paulista. A principal finalidade dessa iniciativa é despertar o interesse dos alunos pelo desenvolvimento de pesquisas de iniciação científica. A alfabetização técnico-científica e a formação escolar são vitais para o homem do século XXI enfrentar os problemas e os desafios num mundo marcado por profundas mudanças e transformações de ordem econômica, política, social, cultural e ambiental.

O principal desafio do CIADEN e da Etec de Cabrália Paulista é desenvolver um projeto de educação que utilize os dispositivos digitais individuais como canais de divulgação direta para disseminar informações de modo abrangente, que sirvam para criar o hábito social e econômico de consumo de dados, que sirvam para planejar a vida cotidiana dos cidadãos. Para tanto, a equipe do CIADEN criou a Revista YVY, uma publicação online com periodicidade semestral dedicada ao ensino, à pesquisa e método em Educação, Geociências, Informática e áreas afins.

A Revista YVY estará aberta para publicação de artigos inéditos e de revisão e resenhas bibliográficas elaboradas por profissionais e estudantes envolvidos no CIADEN, da Etec de Cabrália Paulista e de outras instituições públicas e privadas que pesquisem temas ambientais.

Nesta edição pioneira, a Revista YVY traz valiosos artigos que contribuirão com o debate e a reflexão sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas e seus efeitos sobre o homem e o meio ambiente.

Os Editores.

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4 YVY - Ano I - Vol. I - (1): Julho/Dezembro - 2014

Lourenço Magnoni Júnior • Wellington dos Santos Figueiredo

O ENVOLVIMENTO DA ETEC DE CABRÁLIA PAULISTA NA SEMANA NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA -

POLO BAURU

THE INVOLVEMENT OF CABRÁLIA PAULISTA ETEC IN NATIONAL SCIENCE AND TECHNOLOGY WEEK - POLO BAURU

Lourenço Magnoni Júnior1

Wellington dos Santos Figueiredo2

1 Graduado em Geografia pelas Faculdades Integradas de Ourinhos – SP (1988), Mestre em Educação pela UNESP Marília (1999) e Doutor em Educação para a Ciência pela UNESP Campus de Bauru (2007); coordenador e pesquisador do Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN)/INPE/Escola Técnica Estadual Astor de Mattos Carvalho, Cabrália Paulista –SP); professor assistente da Faculdade de Tecnologia de Lins (Fatec); ex-presidente e membro do Conselho Municipal de Defesa do Meio Am-biente e Desenvolvimento Sustentável de Bauru (COMDEMA) e da Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Bauru – SP; editor da Revista Ciência Geográfica (www.agbbauru.org.br), publicada pela Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Bauru – SP e Editora Saraiva, São Paulo - SP; co-autor dos livros: Milton Santos: Cidadania e Globalização (Saraiva, São Paulo, 2000), Paisagem, Território, Região: Em busca da identidade (Editora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – EDUNIOESTE, Cascavel, 2000), Escola Pública e Sociedade (Saraiva/Atual, São Paulo, 2002) e Mudanças Climáticas, Desastres Naturais e Prevenção de Riscos (Jornal da Cidade, Bauru, 2011). E-mail: [email protected].

2 Graduado em Geografia pela Universidade do Sagrado Coração, Bauru – SP. Mestre em Comunicação Midiática (UNESP-Bauru). Membro da Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Local Bauru – SP. Membro do Comitê Editorial da Revista Ciência Geográfica. Professor da Escola Técnica Estadual Astor de Mattos Carvalho, Cabrália Paulista - SP (Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza). E-mail: [email protected].

Artigo recebido em outubro de 2014 e aceito para publicação em novembro de 2014.

RESUMO: O presente artigo trata da participação da Etec de Cabrália Paulista e do CIADEN na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) Polo Bauru, promovida pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e sua contribuição para difusão científi ca e tecnológica no âmbito do espaço escolar.

Palavras-chave: ciência, tecnologia, educação, ensino.

ABSTRACT: This article deals with the participation of Etec Cabrália Paulista and CIADEN in the National Week of Science and Technology (SNCT) Polo Bauru, promoted by the Ministry of Science, Technology and Innovation and its contribution to scientifi c and technological diffusion within the school environment.

Key words: science, technology, education, teaching.

A busca pelo aprimoramento constante do ensino, visando à melhoria da qualidade do aprendizado via o desenvolvimento de projetos de aplicação científi ca e tecnológica e a necessidade de propiciar aos nossos alunos condições para que o exercício do saber seja efetuado em sua plenitude, ultrapassando as fronteiras do espaço escolar, marcou o início do

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O envolvimento da Etec de Cabrália Paulista na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia - Polo Bauru

envolvimento da Etec Astor de Mattos Carvalho na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) no ano de 2009.

No mundo globalizado do meio técnico, científi co e informacional da terceira revolução industrial, a promoção do ensino escolar com foco na aplicação científi ca e tecnológica é essencial para a articulação entre a teoria e a prática enquanto ação de formação educacional formal necessária para a conscientização e a transformação intelectual do ser humano através da ampliação da visão em relação ao conhecimento multi e transdisciplinar sobre ciência, tecnologia, desenvolvimento & inovação.

Segundo VAZQUEZ (1968), é a “atividade teórica e prática que transforma a natureza e a sociedade; prática, na medida em que a teoria, como guia da ação, orienta a atividade humana; teórica, na medida em que esta ação é consciente” (1968, p. 117).

Entretanto, a grande difi culdade que a educação básica, superior e o professor enfrentam nos dias atuais é justamente o saber articular a teoria e a prática no âmbito do espaço escolar, majoritariamente pensado e organizado a partir de concepções pedagógicas tradicionais e conservadoras que priorizam os interesses individuais em detrimento dos coletivos.

O envolvimento das instituições de ensino, seus professores e alunos na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) promovida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), é um dos caminhos que devemos percorrer para alavancarmos o ensino de aplicação científi ca e tecnológica e consolidarmos a prática democrática no espaço escolar com a participação direta da comunidade interna e externa, isto é, principalmente dos professores e alunos.

KUENZER (2003), diz que para alunos e professores compreendam

“a relação entre parte e totalidade, é fundamental a mediação da prática, em suas relações com a teoria, considerando que os signifi cados vão sendo construídos através do deslocamento incessante do pensamento das primeiras e precárias abstrações que constituem o senso comum para o conhecimento elaborado através da práxis, que resulta não só da articulação entre teoria e prática, entre sujeito e objeto, mas também entre o indivíduo e a sociedade em um dado momento histórico. O ponto de partida, portanto, é sempre o que é conhecido, sem o que não é possível construir novos signifi cados (...).Daí as críticas feitas à escola sobre a incapacidade dos alunos em relacionar os conteúdos das disciplinas com as relações sociais e produtivas que constituem a sua existência individual e coletiva” (2003, p. 6).

Para KUENZER (2003), é a prática que determina ao homem o que é necessário, e o que ele deve conhecer para atender suas necessidades, bem como quais são as suas prioridades no processo de conhecer.

A proposta da Etec Astor de Mattos Carvalho em trabalhar com projetos de ensino de aplicação científi ca e tecnológica é justamente a de proporcionar um ambiente favorável à construção do saber articulando teoria e prática para aproximar o ensino escolar do mundo

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Lourenço Magnoni Júnior • Wellington dos Santos Figueiredo

trabalho e da produção e, consequentemente, propiciar o saber crítico-refl exivo, essencial para o desenvolvimento de uma prática educativa cidadã e transformadora.

Desde o ano de 2009, quando teve início a sua participação na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), a Etec Astor de Mattos Carvalho tem exposto alguns de seus projetos de aplicação científi ca e tecnológica: Desenvolvimento de Biodigestores Anaeróbios para Tratamento de Resíduos Agropecuários, Geração de Energia e Uso do Efl uente na Agricultura, o Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN), o Laboratório para Processamento de Álcool e Cachaça e o Laboratório de Processamento Agropecuário Integrado, visando contribuir com a difusão e popularização da ciência e da tecnologia no âmbito regional.

Como nas últimas duas décadas, houve uma signifi cativa ampliação dos estudos relacionados à sustentabilidade econômica e ambiental na atividade agropecuária, o projeto do biodigestor que foi desenvolvido em parceria com a Embrapa contribuiu com os estudos sobre a produção e geração de energia por meio do processo de biodigestão e o tratamento e reutilização de efl uentes, lodo de esgoto e outros resíduos oriundos desta importante atividade econômica, contribuindo com a mitigação dos efeitos do aquecimento global e das mudanças climáticas e para o avanço da Agricultura de Baixo Carbono (ABC) no decorrer do século XXI.

O homem, como agente causador de uma série de problemas ambientais, tem o dever de propor soluções criativas e aplicáveis visando a diminuição do impacto gerado pelo atual modo de vida, que de “moderno” tem ainda pouco do ponto de vista ambiental e social. Assim sendo, inúmeros estudos, tanto no âmbito nacional quanto internacional, vem sendo realizados na busca de ações que visam mitigar os efeitos negativos decorrentes do aquecimento global e das mudanças climáticas no mundo.

Uma das formas mais efi cientes para mitigar os efeitos negativos decorrentes do aquecimento global e das mudanças climáticas é justamente o uso de energia de fontes renováveis, provenientes da água, dos ventos e, no caso do Brasil, da biomassa, ou seja, a energia verde. Nessa, temos o etanol da cana-de-açúcar, o biodiesel proveniente de óleos vegetais e gordura animal, a madeira e o carvão de refl orestamento, o bagaço de cana-de-açúcar, entre outros. Uma ação interessante está no aproveitamento dos dejetos de animais para produção de bioenergia (biogás) e de composto orgânico (biofertilizante) em biodigestores.

O assunto que torna o biodigestor muito interessante está relacionado à produção de energia renovável. Um sistema operando corretamente produz biogás com 55 a 65% de metano e de 35 a 45% em dióxido de carbono. Um metro cúbico (m3) de biogás com aproximadamente 60% de metano, possui uma capacidade energética de 6,5 kWh. Nesse contexto, a produção diária de 5 m3 de biogás, com um gerador acoplado a um motor a combustão, forneceria energia sufi ciente para uma pequena fazenda que possui como atividades 170 ordenhas/dia, incluindo a refrigeração do leite, iluminação e bombas.

Atividades de pesquisa de aplicação científi ca e tecnológica dessa envergadura, além de ser relevante no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem dos cursos oferecidos pela Etec Astor de Mattos Carvalho, permite a consecução de uma consciência crítica sobre a importância do avanço da agricultura de baixo carbono para produzirmos

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O envolvimento da Etec de Cabrália Paulista na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia - Polo Bauru

alimentos saudáveis e de qualidade, permitindo a formação de recursos humanos com uma visão integrada de sustentabilidade econômica, social e ambiental na propriedade rural no decorrer do século XXI.

O Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN), é outro projeto que tem sido exposto pela Etec Astor de Mattos Carvalho nesses anos de participação na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT).

O CIADEN é um projeto experimental de monitoramento de desastres naturais fruto de Protocolo de Cooperação Técnico-Científi ca fi rmado entre o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) de São José dos Campos - SP, o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS) e a Prefeitura Municipal de Cabrália Paulista - SP, através de sua Coordenadoria de Defesa Civil COMDEC, reunindo três esferas do poder público, municipal, estadual e federal, com objetivo maior e único de garantir o melhor serviço e proteção para a população local e regional.

O CIADEN é uma plataforma informática que utiliza aplicativos geográfi cos para uso em sistemas de coleta, análise e disseminação de dados geográfi cos, a Plataforma de Monitoramento, Análise e Alerta TerraMA2 desenvolvida pelo INPE. Aplicativos estes que são plenamente compatíveis com a difusão de informações ambientais e de instruções para o desfecho de ações preventivas em diversas plataformas e dispositivos digitais vinculados à internet.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), concebeu a Plataforma de Monitoramento, Análise e Alerta TerraMA2 para contribuir com a mitigação dos impactos negativos decorrentes do aumento da frequência dos eventos climáticos extremos no Brasil. A estrutura do CIADEN está baseada numa arquitetura computacional de serviços que fornece infraestrutura tecnológica necessária para o desenvolvimento de sistemas operacionais para monitoramento de alertas de riscos ambientais.

O CIADEN trabalha para contribuir com a ampliação dos benefícios sociais para a sociedade brasileira, gerando novos produtos, capazes de atender a novos serviços que se orientam, desde seu início, em torno da inovação tecnológica e científi ca como instrumento, da operação em rede como modelo e do benefício social direto como resultado.

No ano de 2012, o CIADEN obteve licença para acessar imagens dos satélites da Organização Europeia para a Exploração de Satélites Meteorológicos (EUMETSAT). Com a aquisição gratuita das imagens do sistema EUMESAT, o CIADEN está criando as condições

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necessárias para se tornar um centro para o desenvolvimento de pesquisa de aplicação científi ca e tecnológica, disseminação do conhecimento científi co e inovação tecnológica nas áreas de geoprocessamento, meio ambiente, aquecimento global, mudanças climáticas, monitoramento e alerta climático, educação e geociências.

Em maio do corrente ano, o CIADEN foi apresentado na IV Sessão da Plataforma Regional para a Redução do Risco de Desastres nas Américas (PR14) da Organização das Nações Unidas realizada na cidade de Guayaquil, no Equador. Evento de grande importância para possibilitar maior densidade ao pensamento e planejamento estratégico sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas, bem como atingir a consecução de um projeto técnico-científi co e político para o desenvolvimento de ações profícuas relacionadas com a redução de risco de desastres nas Américas e no mundo.

Na IV Sessão da Plataforma Regional para a Redução do Risco de Desastres nas Américas (PR14) da ONU, as ações técnico-científi cas de aplicação desenvolvidas no CIADEN em favor do ensino médio e técnico da Etec Astor de Mattos Carvalho e o estímulo da parceria público/privado acabaram chamando a atenção de profi ssionais de vários segmentos, inclusive de representantes de organismos multilaterais que elogiaram o projeto por ele estar conectado com os problemas do nosso tempo e ser contemporâneo de nossa época ao inserir atividades relacionadas com a educação (principalmente a básica) no bojo do contexto científi co, tecnológico e informacional do mundo globalizado visando contribuir com a expansão do ensino de aplicação científi ca e tecnológica envolvendo principalmente as instituições que oferecem ensino técnico e tecnológico como, por exemplo, o Centro o Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS), autarquia do Governo do Estado de São Paulo.

A Etec Astor de Mattos Carvalho e o CIADEN também contribuíram positivamente com a Semana Nacional de Ciência Tecnologia 2011, através da organização e lançamento do livro: JC na Escola Ciência: Mudanças Climáticas, Desastres Naturais e Prevenção de Riscos.

O livro JC na Escola Ciência: Mudanças Climáticas, Desastres Naturais e Prevenção de Riscos foi viabilizado através de parceria entre o Jornal da Cidade de Bauru, o Centro o Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS), a Organização das Nações Unidas (ONU), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a Comissão Organizada da SNCT Polo Bauru, a Coordenadoria de Defesa Civil da 7ª Região Administrativa (REDEC – I 7), a Coordenadoria de Defesa Civil de Cabrália Paulista (COMDEC) e a Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Bauru (AGB).

O JC na Escola Ciência publicou artigos refl exivos que vão desde o registro da contribuição científi ca e tecnológica na resolução dos problemas ambientais até a análise de riscos de desastres naturais, passando pela importância da Educação na conscientização socioambiental, desenvolvimento sustentável, efeito das mudanças climáticas, desastres naturais e seus tipos, geotecnologias para monitoramento e prevenção de desastres naturais, colaborando diretamente com a fi losofi a da Semana Nacional de Ciência Tecnologia para difundir e popularizar a ciência e a tecnologia no Brasil.

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O envolvimento da Etec de Cabrália Paulista na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia - Polo Bauru

No ano de 2012, a Etec Astor de Mattos Carvalho confeccionou uma edição especial da Revista YVY sobre a economia verde, temática de discussão e refl exão da Semana Nacional de Ciência Tecnologia deste mesmo ano, focando a contribuição dos seus projetos de aplicação científi ca e tecnológica, desenvolvimento & inovação como o Projeto Biodigestor Embrapa, o CIADEN, o Laboratório-Indústria para Processamento de Polpa de Frutas, o Laboratório para Processamento de Biodiesel B100 (em fase de implantação) e o Laboratório para Processamento de Açúcar e Álcool (infelizmente destruído por um incêndio).

Nessa referida publicação, destacamos a importância da iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação ao escolher o tema: “Economia Verde, Sustentabilidade e Erradicação da Pobreza”, por tratar de questão estratégica para o desenvolvimento econômico, político, ambiental, social e cultural do Brasil do século XXI.

No decorrer da publicação, além de focarmos os projetos de aplicação científica e tecnológica da área de bioenergia empreendidos na Etec Astor de Mattos Carvalho, demonstramos

que a consecução de um projeto de economia verde sustentável passa pela erradicação da pobreza, diminuição da desigualdade social com geração de emprego e renda para que o pobre tenha condições de viver com dignidade, combate da degradação ambiental provocada pelo o homem, aumento da eficiência energética e do sistema produtivo como um todo.

Também, evidenciamos que é uma concepção de economia que avança sem perder de vista os impactos da pegada ecológica do homem sobre as áreas de terra produtiva e os

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ecossistemas aquáticos, da pegada de carbono por meio da emissão de gases de efeito estufa e da pegada hídrica pelo uso direto e indireto de água.

E ainda, apontamos que a articulação de políticas públicas e os investimentos públicos e privados em ciência, tecnologia, informação e inovação são cruciais para o desenvolvimento de práticas de mercado que promovam melhorias dos processos produtivos, o aumento da efi ciência com diminuição no uso dos recursos naturais, a diminuição das emissões de gases do efeito estufa, a reciclagem dos resíduos oriundos do meio produtivo urbano e rural, a proteção dos mananciais e a utilização sustentável da água, a universalização do saneamento básico, os investimentos em fontes de energia limpas e renováveis, a preservação dos ecossistemas e mitigação dos efeitos provocados pelas mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global e, consequentemente, para alavancar e tornar a economia verde real.

Outro ponto que focamos nesta publicação que o grande desafi o do Brasil do presente e do futuro é construir um projeto de desenvolvimento econômico perene e sustentável para erradicar a pobreza e diminuir a desigualdade social que afeta milhões de brasileiros e mitigar os efeitos negativos provocados pelas mudanças climáticas.

Para atingirmos esta máxima, o primeiro grande passo a ser dado deve ser a consecução de um projeto de educação pública básica e superior que atenda a quantidade com qualidade social para que possamos conceber um projeto autóctone de desenvolvimento científi co, tecnológico e informacional capacitado para promover a inovação tecnológica e a expansão econômica sustentável, principalmente a economia verde, em que temos grande potencial para avançar e abrir novos e promissores mercados tanto no centro quanto na periferia da economia globalizada.

Na área de bioenergia, por exemplo, o Brasil é o maior produtor mundial de etanol de cana-de-açúcar e, também, possui grande potencial de expansão na produção de biodiesel, biomassa (fl orestas energéticas, bagaço de cana etc.) e biogás.

Hoje, mais do que nunca, o mundo necessita de muita energia. As nações para chegarem ao desenvolvimento sustentável necessitam de mais e mais energia. Não será exagero afi rmar que atualmente a vida humana na Terra regrediria a um plano inferior sem a criação constante e a transformação de energias a movimentar máquinas, automóveis, aviões, tratores, ônibus, trens, iluminação e inúmeras esferas da vida social. Sem energia as cidades defi nhariam, as indústrias parariam e o agronegócio regrediria a níveis primitivos.

A produção sustentável de bioenergia é uma das alternativas que temos para suprir nossas necessidades energéticas no decorrer do século XXI. Não podemos esquecer que a bioenergia surge por meio da fotossíntese, processo no qual as plantas capturam energia do sol e a transformam em energia química, que pode ser convertida em eletricidade, combustível ou calor. Como somos um país de clima tropical, temos sol e água em abundância, condição que coloca o Brasil numa situação ímpar no contexto mundial.

As fontes orgânicas que são usadas para produzir energias usando este processo são chamadas de biomassa. As principais fontes de bioenergia do Brasil são: o etanol de cana-de-açúcar, o biodiesel, o biogás, a lenha e o carvão vegetal.

No Brasil, a produção e desenvolvimento das matrizes bioenergéticas tem chamado atenção do mundo devido as suas características climáticas, ambientais, econômicas e sociais.

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Essa conjunção de fatores tem atraído investimentos de empresas nacionais e estrangeiras, além de programas do Governo que incentivam pequenos e médios produtores familiares. Aqui se insere a produção de etanol, biodiesel e biogás.

A expansão da economia verde sustentável pode contribuir de maneira signifi cativa com a erradicação da pobreza rural e urbana, diminuindo as desigualdades sociais que ainda tanto nos envergonha mesmo diante dos signifi cativos avanços alcançados nos últimos anos.

Atualmente, a falta de mão de obra qualifi cada tem sido um grande entrave ao crescimento e desenvolvimento de empresas e projetos na área de bioenergia no Brasil. Essa escassez de qualifi cação atrapalha não apenas os empreendimentos existentes, mas também tem gerado certo receio de novos investimentos por parte de investidores brasileiros e estrangeiros. A ampliação dos empreendimentos produtores de bioenergia em curso necessita de profi ssionais que compreendam a dinâmica desta estratégica cadeia produtiva e possam nela atuar em todo seu contexto.

Conectada neste contexto, a Etec Astor de Mattos Carvalho buscou alternativas para viabilizar a instalação de um Centro Experimental de Bioenergia constituído por projetos de pesquisa de aplicação científi ca e tecnológica, desenvolvimento & inovação, procurando estimular entre a estrutura curricular de seus cursos, o desenvolvimento de conteúdos e atividades que privilegiam a questão da bioenergia e suas respectivas transformações. A par do estudo teórico da ciência e tecnologia, a Etec vem criando, gradativamente, espaços práticos que permitem a compreensão da geração de bioenergia e sua transformação para o uso individual, comercial e social.

A Etec Astor de Mattos Carvalho trabalha visando à formação de profi ssionais conhecedores dos elos das principais cadeias produtivas de biocombustíveis do Brasil, como o etanol, o biodiesel, o biogás e a biomassa, ousou desenvolver projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação nesta área para qualifi car mão de obra técnica especializada e abrir novas oportunidades de emprego e renda para os fi lhos da classe trabalhadora.

Como profi ssionais da educação, quando pensamos no processo de ensino e aprendizagem, buscamos logo as soluções que sejam mais interessantes e viáveis para que os alunos tenham interesse e participação quanto aos conteúdos abordados.

A proposta de se trabalhar com projetos é justamente a de proporcionar um ambiente favorável à construção do saber e, consequentemente, propiciar o saber crítico-refl exivo, essencial para a educação cidadã.

A Etec Astor de Mattos Carvalho tem como princípio pedagógico formar o aluno como cidadão contemporâneo de sua época, comprometido com a construção de um projeto de sociedade justo, igualitário e consciente para desenvolver o Brasil com sustentabilidade econômica, social e ambiental, sem promover a exclusão social, a discriminação e a degradação das pessoas e recursos naturais.

Desta forma, os professores e alunos da Etec Astor de Mattos Carvalho, tem em seu cotidiano uma oportunidade ímpar e histórica de participar de pesquisas de última geração desenvolvidas por respeitados centros produtores de conhecimento em duas frentes de destaque mundial na atualidade: a bioenergia, o aquecimento global e as mudanças climáticas.

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No ano de 2012, a Etec Astor de Mattos Carvalho, recebeu a exposição itinerante comemorativa ao Ano Internacional da Química, coordenada pela Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atividade ligada Semana Nacional de Ciência Tecnologia.

O Ano Internacional da Química (AIQ), aprovado na 63ª sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), tem como meta promover, em âmbito mundial, o conhecimento e a educação química em todos os níveis. Além da celebração dos inúmeros benefícios da Química para a humanidade, o AIQ tem como meta uma ação mundial sob o slogan: QUÍMICA PARA UM MUNDO MELHOR. Seu objetivo principal é a educação, em todos os níveis, e uma refl exão sobre o papel da Química na criação de um mundo sustentável.

Graças aos projetos aplicação científi ca e tecnológica desenvolvidos no âmbito do espaço escolar, a Etec Astor de Mattos Carvalho além de poder contribuir com a difusão da ciência e da tecnologia, tem condições pedagógicas, técnicas e científi cas para formar profi ssionais competentes, conscientes, críticos, proativos, comunicativos, participativos, criativos, inovadores, que saberão enfrentar os novos desafi os que virão no decorrer do século XXI, resolver problemas e trabalhar em equipe. Enfi m, formar o cidadão antenado com o seu tempo, comprometido com a construção de um projeto de sociedade justo.

Consideramos que os elementos marcantes deste período que a Etec Astor de Mattos Carvalho vem participando da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) são:

1) o contato que nossos alunos e professores têm com valiosas experiências desenvolvidas por outras instituições de ensino, empresas privadas e instituições de pesquisa, possibilitando um valioso intercâmbio;

2) A matéria publicada sobre o Projeto Biodigestor Embrapa pelo o Jornal da Cidade de Bauru, valorizando a participação dos nossos alunos no referido projeto e na SNCT;

3) A organização e lançamento do livro: JC na Escola Ciência: Mudanças Climáticas, Desastres Naturais e Prevenção de Riscos e a publicação da edição especial da Revista YVY sobre a economia verde.

Não temos dúvidas, a participação da Etec Astor de Mattos Carvalho na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) nos últimos cinco anos contribuiu para a difusão e popularização da ciência na nossa região.

RESULTADOS RELEVANTES DA PARTICIPAÇÃO DA ETEC DE CABRÁLIA

PAULISTA NA SNCT

O meio ambiente, em uma concepção moderna, não representa somente um aglomerado composto por elementos naturais que, relacionando-se entre si, originam as paisagens. É importante ressaltar que os ambientes produzidos pela sociedade também integram o meio ambiente, constituindo o habitat dos seres humanos, apresentando diversos graus de degradação social e ambiental. Portanto, a relação entre teoria e prática é fundamental na ação educativa articulada ao conhecimento técnico, científi co e informacional disponível ao homem contemporâneo para a resolução e prevenção de problemas sociais e ambientais.

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Na chamada Era da ciência, tecnologia, informação, conhecimento, criatividade e inovação, os problemas ambientais causados pelo homem no processo de construção e reconstrução dos espaços geográfi cos, não se confi guram somente de ordem ecológica, mas fundamentalmente política, econômica e cultural. Afi nal, decorrem, sobretudo, do modo como as sociedades se apropriam da natureza e usam, destinam e transformam os recursos naturais. O homem age na natureza de acordo com os padrões por ele criados. Assim, a degradação ambiental está intimamente ligada ao modelo de desenvolvimento econômico da sociedade.

As ações inadequadas do homem sobre o meio em sua busca incessante, e cada vez maior por recursos naturais, têm se revelado catastrófi cas. No mundo atual, nenhum elemento da natureza fi cou isento da interferência das atividades humanas. Tampouco as sociedades se viram imunes aos fenômenos naturais.

Para FERREIRA DO VALE (2011),

Sem o conhecimento científi co e a contribuição decisiva da técnica será difícil avançar na previsão e encaminhamento racional dos problemas ambientais. A prática científi ca se orienta no sentido de explicar e compreender o funcionamento da realidade natural. A prática tecnológica, por sua vez, procura produzir instrumentos que permitam, como meios, colaborar com a ciência no encaminhamento de questões relacionadas ao conhecimento da realidade natural e oferecer possíveis soluções para muitos problemas e acontecimentos reais a que estamos sujeitos, como peregrinos, neste planeta azul (2011, p.3)

Dentro dessa perspectiva, nos últimos anos, a Escola Técnica Estadual Astor de Mattos Carvalho, está comprometida com a formação de profi ssionais com as competências e habilidades necessárias para atender as demandas do setor produtivo agropecuário e agroindustrial que cada vez mais investe em ciência, tecnologia, informação, criatividade e inovação para garantir competitividade dentro da dinâmica da economia globalizada e, com os princípios da sustentabilidade socioambiental e econômica almejada pelo homem do século XXI.

A participação da Etec na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia propiciou a ampliação de um diálogo com a sociedade, além de fomentar ainda mais a participação da comunidade escolar nos projetos. Símbolo dessa conquista é que a cada edição da SNCT, mais professores, alunos e funcionários interagem com os projetos.

Ao conhecerem os projetos expostos durante a SNCT, instituições procuram a Etec para o agendamento de visitas para melhor aprofundamento do que viram nos estandes. Tal prática, torna a parte da SNCT vivas durante todo o ano, uma vez que em qualquer época do ano é ofertada a oportunidade de visitas monitoradas.

A popularização da ciência e da tecnologia na educação básica e, consequentemente, na sociedade é fundamental para o desenvolvimento de ações que mostrem as possibilidades, ainda hoje, de melhorar o mundo nos aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais.

É nesse processo dialético que a educação, como prática social, e a educação escolar, como forma dominante de Educação, têm papel decisivo no processo de conscientização

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imprescindível para o exercício da cidadania plena. Assim, todos os seres humanos, independente da sua condição social, teriam consciência da importância da participação coletiva no desenvolvimento de ações que visam de um mundo justo.

Entretanto, sem a concretização de um projeto de escola pública capacitado para promover a aprendizagem signifi cativa através da relação entre teoria e prática via ensino de aplicação científi ca e tecnológica para formar a maioria com bases sólidas de ciência, tecnologia e compromisso social, a travessia de um sistema gerador de desigualdades para um sistema justo socialmente fi cará para as calendas, pois sem o saber sistematizado dominado pelo maior número de pessoas não daremos o salto de qualidade no sentido da libertação e da consciência indispensável à transformação positiva do homem do século XXI. Esta é uma das principais contribuições dada pela SNCT nesses seus 10 anos de existência.

Referências

FERREIRA DO VALE, José Misael. A contribuição da Ciência e Tecnologia na resolução de problemas ambientais. In: MAGNONI JÚNIOR, Lourenço et alli (orgs.) JC na Escola Ciência: Mudanças Climáticas, Desastres Naturais e Prevenção de Riscos. Jornal da Cidade, Bauru-SP, 2011, pp. 03-04.FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.KUENZER, A. Z. Competência com Práxis: os Dilemas da Relação entre Teoria e Prática na Educação dos Trabalhadores. Boletim Técnico do SENAC. Rio de Janeiro. V. 29, n. 1, p. 16-27, abr., 2003.SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo. Globalização e meio técnico-científi co informacional. São Paulo: Hucitec, 1996.VAZQUEZ, A. S. Filosofi a da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1968

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Teoria de educação e currículo escolar na era da digitalização e convergência dos meios de comunicação

TEORIA DE EDUCAÇÃO E CURRÍCULO ESCOLAR NA ERA DA DIGITALIZAÇÃO E CONVERGÊNCIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

THÉORIE DE L’ÉDUCATION ET PROGRAMMES SCOLAIRES DANS L’ÈRE DE LA LECTURE DIGITAL ET LA CONVERGENCE DES MÉDIAS

José Misael Ferreira do Vale1

1 Professor Doutor de Filosofia da Educação (aposentado). Ex-Diretor da Faculdade de Ciências da UNESP (período de 1997-2001). Docente (aposentado) dos Cursos de Pós-Graduação da UNESP, Campi de Marília (SP) e Bauru (SP). Professor Primário, Secundário, Diretor de Escola, Supervisor da Equipe Técnica de Estudos do Rendimento Escolar do Serviço do Ensino Primário da Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo e Professor Universitário, funções e cargos exercidos no período de 1957-2007. E-mail: [email protected]

Artigo recebido em novembro de 2013 e aceito para publicação em julho de 2014.

RESUMO: O autor do texto faz observações sobre Educação Escolar e apresenta uma Teoria da Educação e as consequências em termos de currículo escolar. Apresenta rápidas considerações sobre as relações entre Comunicação e Educação Escolar.

Palavras-chave: Teoria da Educação; Educação Geral e Escolar; Currículo Escolar; Educação Escolar e Comunicação.

RÉSUMÉ: L’auteur du texte formule des observations sur l’éducation scolaire et présente une théorie de l’éducation et les conséquences en termes de programmes. Présente brèves considérations sur les relations entre la communication et l’éducation.

Mots clés: théorie de l’éducation, l’enseignement général et de l’école, programmes scolaires, l’enseignement scolaire et la Communication.

Lamento haver deixado sem resolver tantos problemas. Sempre me vejo obrigado a apresentar a mesma desculpa, mas o mundo é realmente desconcertante, e eu não posso remediá-lo.

Bertrand Russell

A Pedagogia entendida como Ciência da Educação vem, desde longa data, desafi ando os pedagogos e fi lósofos da educação na ingrata tarefa de conferir estatuto epistemológico ou gnosiológico aos estudos de educação. A refl exão sobre o fenômeno educativo é tão antigo como a fi losofi a na cultura ocidental. Os fi lósofos gregos da antiguidade clássica viam a Educação como atividade social geral porque presente em todos os momentos ou fases da vida humana em sociedade. Era uma prática social que abrangia todas as atividades humanas, por isso mesmo designada pantakhoû na língua grega. A cidade-estado como um todo seria responsável pela educação de todos. Assim, a educação, em sentido amplo, aconteceria na casa, na ágora, no

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anfi teatro, nos jogos olímpicos, no senado, na academia e liceu, na administração da cidade-estado, na política, enfi m, no convívio diuturno das pessoas. A Educação em sentido específi co abrangia as habilidades intelectuais, morais e cívicas adquiridas ao longo da existência. Platão chega a propor diferentes tarefas, em A República, Cap.VII, para classifi car a população e identifi car os governantes, soldados, artesãos e trabalhadores. Mas, a Educação, em sentido particular, no século V a. C., não se resumia à frequência aos bancos escolares, quando comparada com a visão de educação escolar comum nos dias atuais. Aristóteles ensinava passeando. Era comum no tempo de Aristóteles o debate dos alunos enquanto passeavam; daí, o termo peripatéticos (os que gostam de passear) para designar os discípulos do fi lósofo de Estagira, na Calcídia. Platão, por sua vez, evidencia que Sócrates era rodeado de discípulos com os quais dialogava sobre fi losofi a, política, e valores como justiça, honestidade, destemor, valentia, coragem e outros.

Muitos séculos depois Rousseau propunha-se a ensinar botânica andando pelos jardins e C. Freinet estabelecia, na França do século XX, a “aula-passeio” como estratégia pedagógica para ensinar conteúdos escolhidos livremente pelos estudantes das camadas populares. Nas aulas-passeio os alunos recolhiam materiais variados para estudos e para o museu de classe. Chegavam a parar em ofi cina de ferreiro para entrevistar o dono e operários a fi m de obter informações sobre o processo de malhação do ferro, assunto que seria retomado em sala de aula com debates e esclarecimentos do mestre sobre a maleabilidade dos metais, as eras ou épocas históricas pelas quais passou a humanidade e a infi nidade de aplicações do ferro na vida do campo e das cidades. A aula-passeio era motivo para ir-se além do meramente observado e intuído e chegar-se ao conhecimento sistematizado.

A educação sempre foi uma prática que, primeiramente, procurou articular conteúdo e método. Dialogando com Glauco, Sócrates aconselha ao discípulo que “não uses de violência para educar as crianças, mas age de modo que aprendam brincando, pois assim poderás perceber mais facilmente as tendências naturais de cada uma“ (Platão, A República, Cap. VII, pag. 251). Sócrates, na fala de Platão, dará a razão para esse cuidado com as crianças: o homem livre “não deve ser obrigado a aprender como se fosse escravo. Os exercícios físicos, quando praticados à força, não causam dano ao corpo, mas as lições que se fazem entrar à força na alma nela não permanecerão.” (Idem, ibidem). Sócrates entende que a alma se agrada mais com os exercícios físicos do que com os estudos intensos que exigem esforço, memória, além de disciplina inquebrantável e amor inconteste ao trabalho. Platão pode ser considerado o “bisavô dos testes”, pois estudo e exercícios físicos permitirão apartar da Educação os “talentos bastardos dos talentos legítimos”. Platão demonstra que Sócrates usava de critérios para classifi car as pessoas:

Aquele que deseja consagrar-se ao estudo não deve ser manco no seu amor ao trabalho, ou seja , dedicado para uma parte da tarefa e indolente para a outra. Esse é o caso do homem que gosta da ginástica e da caça e se entrega com afi nco a todos os trabalhos físicos, mas não tem, por outro lado, nenhum apreço pelo estudo nem pela pesquisa e é avesso a todo trabalho deste tipo. (Platão, A República, pág.249-50).

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Teoria de educação e currículo escolar na era da digitalização e convergência dos meios de comunicação

Na Grécia antiga não havia a distinção analítica entre Educação como atividade ou prática social geral e educação escolar sistemática, como atividade específi ca no âmbito da sociedade, como instituição social dominante, predeterminada pela sociedade para efetivar a relação básica entre cultura, ensino e aprendizagem. Isso não signifi ca, entretanto, que no mundo antigo não houvesse espaço para a relação pedagógica entre quem ensinava e quem aprendia. O pedagogo era o escravo que levava o fi lho do grego ilustre para receber as aulas “particulares” do mestre. E antes, durante e após o Renascimento e ao longo de alguns séculos depois, a fi gura do preceptor ou tutor foi importante na educação dos fi lhos da nobreza. Lembre-se, por exemplo, que Aristóteles foi preceptor de Alexandre. Mas, o ensino coletivo, também, não era incomum.

Sabe-se, por exemplo, que desde o Egito antigo os sacerdotes se reuniam, em locais secretos, com iniciados, para aprendizagem de ritos e cerimônias sagradas para reproduzir e reforçar a relação entre dominadores, faraós e sacerdotes, e dominados, o povo em geral. Na Grécia surgiu a ideia de Paidéia como formação cultural, individualizada, baseada no conhecimento fi losófi co que abrangia a sabedoria, o saber científi co (episteme), a ética e demais atividades intelectuais distintas das atividades manuais. A ideia de que a formação humana tem sempre a marca do humano, em contraposição às ações dos animais, era, para os gregos, a Paidéia, educação como formação da pessoa humana, na verdade uma autoeducação, e, para os romanos, a humanitas, educação formadora que se adquiria através da poesia, da eloquência, da fi losofi a e de outras “artes”. A educação greco-romana é, antes de tudo, um processo individual de humanização, isto é, o espaço do homem livre, espaço de refl exão e racionalidade, um processo de autoafastamento ou “distanciamento” do mundo animal, este entendido como mundo do irracional, mundo da besta, em oposição ao mundo da sabedoria humana.

Aristóteles falará que o homem é um animal, mas, político, isto é, um ser que vive, cresce e se desenvolve em sociedade, na pólis, onde impera a vida política, a cultura, a vida teórica, meio de se atingir a sabedoria. A sabedoria era considerada, principalmente por Aristóteles, “o mais perfeito dos saberes”, “a ciências das coisas excelentes”. Quem é sábio “sabe dos princípios” e a partir destes será capaz de derivar, por demonstração, todo o conhecimento. Assim, conceituava Aristóteles a sabedoria em a Ética a Nicômaco:

A sabedoria é a mais perfeita das formas de conhecimento. Consequentemente, o sábio não deve apenas saber o que decorre dos primeiros princípios; ele deve também ter uma concepção verdadeira acerca dos próprios primeiros princípios. Logo, a sabedoria deve ser uma combinação de inteligência com o conhecimento __ um conhecimento científi co consumado das coisas mais sublimes. (Aristóteles. Ética a Nicômaco, VI, São Paulo:. Nova Cultural, 1996, pág. 221.)

A sofi a (sabedoria) era, portanto, o máximo de formação que o grego aspirava, fruto de esforço próprio e ajuda dos sábios educadores. São Paulo, o apóstolo, quando esteve em Corinto, importante cidade da Grécia, próxima de Atenas, ao tentar divulgar o cristianismo entre os gregos de seu tempo, escrevia, conforme I Cor. 1: 22-23: “Os judeus pedem sinais”, isto é, querem

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indícios de que o Messias hebreu, guerreiro, está por vir para libertá-los do jugo romano e conduzir o povo de Davi às glórias de povo livre e altivo. Lembre-se que o Deus dos judeus, Jeovah, é o “Deus dos exércitos”. Por sua vez, “os gregos buscam sabedoria”, isto é, poder de refl exão e ação, pensamento (noûs) e ciência (episteme). O pensamento racional, refl exivo, dialético grego estava na base da vida inteligente. O apóstolo Paulo percebe que o Cristo crucifi cado e ressurrecto é “escândalo para os judeus” que esperam um rei dos exércitos, valente, destemido. Para os gregos o Cristo salvador “é loucura” porque o Deus “revelado”, “ressuscitado” se sustenta pela “fé” e pela ”revelação”, o oposto do pensamento racional, analítico, demonstrativo e científi co, elementos importantes do conceito de sabedoria, alvo da formação do grego preocupado em atingir, neste mundo, o conhecimento sólido e justo. Paulo percebe que não há como chegar a um entendimento com os fi lósofos gregos. Não há como conciliar fi losofi a grega e religião cristã. Tanto que, no século XX, o teólogo alemão K. Barth dirá que “a fi losofi a de Cristo é Cristo sem fi losofi a”. O protestantismo, herdeiro das mensagens de Paulo em diversas cartas, especialmente dirigidas aos coríntios, efésios, fi lipenses, gálatas, colossenses e romanos, evidencia como o pensamento cristão está centrado na fé, na revelação, na ressurreição dos mortos e na esperança, um ideário inaceitável para o pensamento grego. Certamente o diálogo de Paulo com os fi lósofos gregos deve ter sido um monólogo confl ituoso, de parte a parte, na falta de mediação possível entre os discursos centrados em narrativas distintas e pressupostos divergentes.

A sabedoria para os gregos de estirpe era fruto de muito estudo, diálogo com os fi lósofos, domínio da demonstração geométrica e iniciação na ciência dos números, estudos e pesquisas biológicas nos moldes aristotélicos, domínio da dialética e da retórica, conhecimentos de teogonia, cosmologia, ética e muitos outros pontos básicos para autoformação do cidadão grego livre. Neste plano de refl exão, a Educação se confunde com o processo de aquisição da cultura dominante, aristocrática, certamente conservadora, que de certa forma moldava o caráter e a personalidade das pessoas e possibilitava a criatividade de seres livres. Será preciso primeiro adquirir a cultura existente como condição sine qua non para a evolução do conhecimento. Sem base intelectual não se poderá criar com liberdade. Mas, a educação greco-romana sempre fora aristocrática ao excluir dela as atividades utilitárias exercidas pelos escravos, em suma, a exclusão de todo trabalho manual, que o grego aristocrático indicava pelo termo depreciativo banausia, próprio do escravo, mero instrumento ou meio de trabalho a serviço da nobreza pensante, contemplativa. Ademais, a educação greco-romana era essencialmente terrena e determinada pelas circunstâncias da vida social. A democracia grega era limitada aos gregos livres e o trabalho servil antes de tudo necessário para que o cidadão da pólis tivesse tempo e ócio para a atividade teórica de refl exão, marca distintiva do homem livre capaz de atividades intelectuais criativas.

As guerras não eram motivadas apenas pela rapinagem de tesouros, mas, também, pela captura dos vencidos transformados em escravos que adensavam a cidade-estado com mão de obra gratuita. Calcula-se que para 160 mil gregos livres havia, no tempo de Péricles, 130 mil escravos. Aristóteles, pensador conservador, defende a escravidão. Assim como na natureza há hierarquia e cada ser ocupa um lugar determinado, somente alterado por movimento brusco ou violento, também na vida social o escravo teria um lugar defi nido como “instrumento

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animado” privado de “alma noética” que permite fazer ciência e fi losofi a. Explica-se, portanto, a recusa do nobre grego em tratar de assuntos sub-humanos como atividades técnicas , ofícios, trabalhos manuais e assuntos que não diziam respeito à formação do ser humano para uma vida terrena voltada para a vida intelectual. Sem ter como ideia e valor a esperança, tema eminentemente cristão, o grego jamais pensaria em vida eterna após a morte e muito menos em um salvador crucifi cado e ressuscitado. O apóstolo Paulo dirá inclusive que apenas aqueles que creem na ressurreição dos mortos poderiam ser considerados cristãos. Para os gregos essa afi rmação careceria de total sentido. Os gregos respeitavam os deuses e até reservavam um nicho vazio para “o Deus desconhecido”, porventura omitido ou esquecido. Mas, certamente, esse Deus desconhecido, jamais seria um Deus desconhecido, crucifi cado e morto a pedido do povo judeu, no lugar de Barabás.

É interessante destacar o fato de que a formação pensada pelos gregos era inseparável da fi losofi a que na Grécia clássica incluía todo tipo de pesquisa ou investigação e especulação sobre o ser humano e a natureza. ”Nada do que era humano poderia escapar à fi losofi a”, síntese, naquela época, de todo conhecimento possível. Mas, a fi losofi a grega jamais se separou da realidade social e de uma investigação do mundo sublunar (como a pesquisa biológica, matemática, psicológica, lógica, física, geométrica, ética, etc.) e de assuntos cosmológicos, sobre a origem do mundo e teogônica, como a investigação sobre a pluralidade de deuses, suas qualidades e ações. Mas, a observação anterior não acorrentaria jamais o pensamento teórico dos gregos que embora apegados ao telúrico, ao mundo físico, não deixavam de pensar além da física, propondo a Metafísica, refl exão fi losófi ca “além da física”, como estudo do “ser enquanto ser e separado” assunto bastante abstrato de fi losofi a primeira.

A tradição cristã soube valorizar aspectos da refl exão fi losófi ca grega explorando, por exemplo, a ideia de “primeiro motor” proposta por Aristóteles, “motor que move, mas não é movido”, ser separado e imóvel. Para o cristão “o primeiro motor“ será Deus. Por sua vez, Protágoras de Abdera, o sofi sta, considerado por Platão o maior fi lósofo grego, será agnóstico em relação aos deuses, ao conhecimento e à valorização. O fragmento de Diógenes Laércio (IX, 51) evidencia o seu agnosticismo:

“Quanto aos deuses, não posso saber se existem nem se não existem nem qual possa ser a sua forma; pois, muitos são os impedimentos para sabê-lo, a obscuridade do problema e a brevidade da vida do homem.” (In: Mondolfo, R. O pensamento antigo, p.142).

Com Protágoras se instala no pensamento grego a relatividade dos valores éticos, estéticos e cognoscitivos. Mas a avaliação das ideias e ações não será em termos teóricos para determinação da sua verdade ou falsidade. O critério para avaliação será sempre prático à vista do princípio da utilidade das opiniões, ideias e ações. Tanto a sabedoria como a educação terá valor prático. Platão (in Teeteto, 166-7) evidencia como o caráter utilitário está na base do discurso de Protágoras:

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Eu, Protágoras, digo que a verdade é tal como escrevi; que cada um de nós é medida do que é e do que não é; e que há uma diferença enorme entre um indivíduo e outro, por isso, precisamente, é que são e parecem ser certas coisas para um, e para outro, outras. E a sabedoria e o homem sábio, estou bem longe de negar que existam. Chamo, porém, homem sábio àquele que nos faça parecer e ser coisas boas, por via da transformação, as que nos pareciam e eram coisas más... Procura compreender mais claramente o quero dizer. Lembra o que se dizia há pouco, que ao doente o alimento parece e é amargo, ao sadio o contrário. Ora, nenhum dos dois deve considerar-se mais sábio do que o outro, o que não seria possível, nem mesmo se deve dizer que o doente seja um ignorante, porque tem tal opinião, e que o sadio seja sábio porque tem opinião diferente; mas é preciso trocar o primeiro hábito pelo segundo, porque o segundo é melhor. Assim também na Educação é necessário mudar um hábito por outro melhor. Enquanto o médico ajuda o estado do indivíduo com remédios, o sofi sta transforma-o com discursos. (In: Mondolfo, R., op.cit., pág. 141-2.)

O sofi sta tem um discurso envolvente, mas ilusório, dirá Aristóteles. Os sofi stas são hábeis no discurso; sua arte é a erística ou arte da controvérsia. Ao examinar as premissas do seu discurso percebemos logo que não podemos aceitá-las. O pensamento correto, dirá Aristóteles, parte de lugares comuns a todos, de opiniões admitidas por todos para em seguida discuti-las com seriedade tentando atingir as causas primeiras, consciente de que não há “regressão infi nita” em termos de conhecimento. O fi lósofo, pela análise, atingirá as causas primeiras que permitirão chegar ao conhecimento científi co (epistetón). Esta orientação aristotélica infl uenciou toda tradição ocidental em relação à ciência. A opinião pode ser o ponto de partida do conhecimento, mas nem sempre o opinável (doxastón) será coincidente ao científi co (epistetón). Há de se obervar, entretanto, que as noções empíricas vão, às vezes, na direção da técnica e da ciência. Por exemplo, na Idade Média as Corporações de Ofícios reuniam, em espaços coletivos, os mestres artesãos e os iniciantes na aprendizagem dos diferentes ofícios. Aqui, a fi nalidade comandava a escolha do material e as ferramentas adequadas, os meios, para dar forma ao objeto concebido livremente pelo artesão.

O capitalismo na sua forma industrial inicial avançada destruirá o fator criatividade do trabalhador ou operário introduzindo no cerne do novo modo de produção “a sala de planejamento” ou “sala de projetos” responsável pela criação do produto, a mercadoria, objeto que sustenta o sistema como, aliás, nos alerta o velho Marx:

A riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista confi gura-se em “imensa acumulação de mercadorias”, e a mercadoria, isoladamente considerada, é a forma elementar dessa riqueza. Por isso, nossa investigação começa com a análise da mercadoria. (O Capital: crítica da economia política, Livro I, 2004, pág.57).

O aristocrata grego e o tribuno romano são de certa forma herdeiros da educação sofística que oferecia os seus serviços aos jovens que desejavam ascender na vida política

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da cidade-estado. O ideal romano de vida era ser um cidadão bom, correto (vir bonus) e que fosse capaz de “falar bem”, isto é, fosse perito na fala e na argumentação, capaz de fazer bom discurso (dicendi peritus), claro, preciso e envolvente, que soubesse, portanto, “manejar a palavra” (artifex dicendi). O vencedor deverá ser um “ser eloquente” (valere dicendo). Essa tradição da habilidade discursiva se prolonga até nossos dias através da prática política de presidentes, senadores, deputados, prefeitos e vereadores e advogados. Os discursos visam a um auditório com mensagens dirigidas aos ouvintes com a intenção de persuadir e convencer um “auditório universal” por meio de argumentação clara e precisa, na expressão de Chaïm Perelmam e Lucie Olbrechts-Tyteca na instigante obra “Tratado da Argumentação: a nova retórica” (1958). Recentemente, por ocasião da posse de importante presidente o que se assistiu em boa parte do mundo foi a fala, o discurso de um político a argumentar sobre as metas e estratégias de governo com a intenção de convencer a todos da legitimidade e adequação das medidas propostas para a sua gestão.

É de todo conveniente dizer que o caráter de “universalidade” do discurso hoje em dia se consegue através de um profi ssional importantíssimo, o tradutor, que domina as línguas, a do emissor e do receptor. A comunicação em termos de universalidade seria, hoje, impossível sem a fi gura do tradutor que faz chegar aos nossos ouvidos ou através de legendas a mensagem do orador. Com pessoas bilíngues, altamente preparadas no domínio da fala e pensamento do emissor e do receptor a comunicabilidade humana é possível dentro de limites impostos pela individualidade de cada um, as diferenças intersubjetivas e as difi culdades em relação à sinonímia e expressões idiomáticas e outros entraves.

Na democracia grega e na república romana a oratória era fundamental para manter o poder e, até hoje, o discurso é inseparável da prática política. O político precisa dizer a que veio para se manter na estrutura de poder. É preciso saber quem, na política, detém o poder das armas e dos argumentos. Entretanto, só o dialético, o fi lósofo, diria Platão, terá a capacidade de perceber o todo e assim calibrar a fala através de a retórica do convencimento.

É verdade, também, que aos escravos e à plebe ignara nada de formação ilustrada. Bastava-lhes o domínio da técnica, jamais o conhecimento da teoria ou contemplação. O cristianismo primitivo, por sua vez, explorou sempre o “dom” da palavra como essencial ao serviço missionário de divulgação e convencimento das pessoas. A salvação aconteceria pelo ouvir e receber a palavra sagrada. Percebe-se que a argumentação, calcada no discurso, na oralidade, sempre foi a pedra de toque para o processo de manipulação em relação a fi ns e valores. Os antigos sabiam das coisas. O discurso mostra o homem e indica aonde se quer chegar.

A sofística inaugurou, no século V a. C., uma nova visão de ensino e moral como ato de valorizar a palavra e fugir das disciplinas formais. Platão escreve:

Protágoras: Declaro ser eu sofi sta e instruir os homens... Oh, jovem! Se vieres a mim poderás comprovar, no mesmo dia, que, ao voltares a tua casa, já estarás melhor, e o mesmo acontecerá no dia seguinte, e cada dia farás progressos para melhor... Os outros (sofi stas) prejudicam os jovens, pois conduzindo-os, contra a sua vontade, ensinando-

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lhes cálculos, astronomia, geometria e música (e aqui voltou a olhar para Hípias); entretanto, quem vem a mim não estudará senão o que deseja. (Platão, Protágoras, 317-319, in Mondolfo, op. cit., pág. 136).

A valorização da palavra para os sofi stas fi ca evidente no seguinte trecho que caracteriza o pensamento sofístico:

A palavra é uma grande dominadora, que com pequeníssimo e sumamente invisível corpo, realiza obras diviníssimas, pois pode fazer cessar o medo e tirar as dores, infundir a alegria e inspirar a piedade... O discurso, persuadindo a alma, obriga-a, convencida, a ter fé nas palavras e a consentir nos fatos... A persuasão, unida à palavra, impressiona a alma como quer... O poder do discurso com respeito à disposição da alma é idêntico ao dos remédios em relação à natureza do corpo. (Górgias, Elogio de Helena, 8, 12-14, in: Mondolfo, op. cit., pág. 137).

Com a valorização do discurso, da retórica e da eloquência e a possibilidade de o jovem escolher o assunto de seu interesse, Protágoras assinalava que o importante na vida ateniense era o sucesso rápido na vida social, se possível nas funções de mando. Protágoras é o sofi sta com profunda consciência da vida social. E, por isso, muito daquilo que propunha como indispensável à formação do cidadão ateniense seria, na sua óptica, dispensável quando se tinha em mira conseguir o poder político. Platão não aceitará o ensino sofi sta voltado para as necessidades da época e atacará, com rigor, “os doutores mercenários que a multidão chama de sofi sta”. Mas seria bom dizer que a sofística tinha por certo que aquele que “conhece a arte do discurso, saberá também falar com propriedade sobre todas as coisas. Porque quem quer falar corretamente, deve falar, precisamente, daquilo que sabe...”. Ao fi m a ao cabo, com Protágoras fi cará evidente a oposição entre o método de ensino sofístico, geralmente pago, reconhecidamente livre de direcionamentos prévios e o método clássico baseado em disciplinas nucleares. Contra Protágoras, Aristóteles estabelecerá as condições do raciocínio verdadeiro, dedutivo, centrado no valor do termo médio do silogismo da primeira fi gura.

Outra orientação na educação grega, menos subjetiva, caminhava no sentido do hoje denominado “conhecimento objetivo”, próprio da ciência natural, do saber matemático, geométrico, astronômico de forte infl uência pitagórica, platônica e aristotélica voltados para a investigação e a pesquisa. As observações de Aristóteles sobre os peixes e répteis são tão precisas e importantes que Darwin não deixou de elogiá-lo pelo apuro descritivo e, numa ciência natural como a biologia, a observação é, seguramente, o primeiro passo da ciência. Aristóteles valoriza a empiria, a experiência que retém a sensação na memória permitindo o processo de raciocínio indutivo tão importante para o pensamento científi co quanto o dedutivo próprio da lógica e da matemática.

Nesse contexto político cultural, a fi gura de Sócrates se avulta como fi lósofo-educador, na medida em que é o único pensador grego a perceber o valor do trabalho manual dos artesãos, pois, o pai, Sofronisco, era escultor, e como tal certamente que lhe ensinou, que o artista

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também tem um saber, um conhecimento específi co, techné ou arte empírica, ao escolher adequadamente os materiais para tornar realidade e materializar a criação artística. Sócrates vai além e distingui claramente o conhecimento, a teoria, entendida como contemplação, do plano ou âmbito da ação, isto é, da conduta do cidadão responsável, que prefere morrer a violar as leis da pólis ou cidade-estado. Sócrates muda, como se sabe, o eixo da fi losofi a. De cosmológica, a refl exão fi losófi ca socrática passa a ser dirigida ao conhecimento do ser humano e seus valores. Filosofi a e Ensino se tornam, com Sócrates, a missão do fi lósofo. E essa postura o colocará em oposição aos sofi stas, pensadores utilitários, “pragmáticos” para quem o ensino terá sempre uma função profi ssional, social, isto é, formação do jovem para o engajamento na vida político-social. Ao contrário dos sofi stas, Sócrates inicia no pensamento ocidental a refl exão moral, com base na chamada “subjetividade humana”, o conhecimento interior, o sempre citado “conhece-te a ti mesmo”. É no pensamento grego clássico que começa a semente de uma distinção, hoje defendida por muitos, entre as Faculdades de Letras ou Humanidades e as Faculdades de Ciências. Mas, a ciência, segundo Sócrates, busca o universal nas coisas morais. Com clareza Aristóteles dirá, citado por R. Mondolfo, em O pensamento antigo, pág. 166, :

“Sócrates não se ocupava da natureza, somente se ocupava das coisas morais e, nestas, procurava o universal, e, antes de tudo, pusera o seu pensamento nas defi nições (Metaf., I, 6, 987). Com muita razão procurava ele as essências (e o que é); pois tratava de raciocinar; e o princípio dos raciocínios é a essência das coisas” (Metaf., XIII, 4, 1º78).

Platão, em Menon, 72-75, confi rmará a visão anterior ao registrar uma passagem no célebre diálogo abaixo:

“Eu ia, em procura de uma só virtude, e eis que encontro um enxame. E tomando essa imagem do enxame, se te perguntar? Responder-me-ás que há muitas abelhas e de muitas espécies. Mas se te perguntar depois: em que as abelhas não diferem entre si e são todas abelhas?... E do mesmo modo as virtudes, pois apesar de serem muitas e de muitas espécies, não obstante brilha em todas elas uma mesma ideia, pela qual são virtudes...” (in: R. Mondolfo, opus cit.., pág. 166).

O contraponto à posição socrática da subjetividade será o conhecimento objetivo da natureza. Neste caso, avulta-se, como se disse anteriormente, a fi gura de Aristóteles. Valerá sempre a pena, penso, estudá-lo como investigador e organizador de várias áreas de conhecimento. Aristóteles em a Ética a Nicômaco, por exemplo, falará de “ciência soberana”, conhecimento cujo fi m, mais amplo, subordinará inúmeros outros conhecimentos técnicos legítimos. A técnica ou ciência hípica de cavalgar pressupõe a existência do seleiro, técnico com conhecimento na feitura da sela indispensável ao cavaleiro, do ferrador, do tratador de animal, do treinador, etc. Hoje não se erraria ao dizer que a indústria automobilística seria um exemplo aristotélico de ciência soberana de base técnica, porque em torno da mercadoria automóvel giram inúmeras outras indústrias com conhecimentos técnicos específi cos de peças

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indispensáveis à montagem do veículo. Mas, a bem da verdade histórica, para Aristóteles, no primeiro plano das ciências estaria a ciência Política, a ciência arquitetônica ou “soberana”por excelência como dizia Aristóteles, no capítulo primeiro de sua Ética:

Mas com há muitas atividades, artes e ciências, sua fi nalidades são muitas; a fi nalidade da medicina é a saúde, a da construção naval é a nau, a da estratégia é a vitória, a da economia é a riqueza. Onde, porém, tais artes se subordinam a uma única aptidão - por exemplo, da mesma forma que a produção de rédeas e outras artes relativas a acessórios para a montaria se subordinam à estratégia, de maneira idêntica umas artes se subordinam sucessivamente a outras - as fi nalidades das artes principais devem ter precedência sobre todas as fi nalidades subordinadas; com efeito, é por causa daquelas que estas são perseguidas. (Cf. Ética a Nicômaco, Livro I, pág. 118)

Sabemos que a “ciência soberana” para Aristóteles é a ciência que busca o bem, tanto individual como coletivo. Essa ciência maior era a ciência política, ciência mais imperativa, “uma vez que a ciência política usa as ciências restantes em uma cidade e indica quais são os cidadãos que devem aprendê-las”. Assim:

Uma vez que a ciência política usa as ciências restantes e, mais ainda, legisla sobre o que devemos fazer e sobre aquilo que devemos abster-nos, a fi nalidade desta ciência inclui necessariamente a fi nalidade das outras, e então esta fi nalidade deve ser o bem do homem. Ainda que a fi nalidade seja a mesma para um homem isoladamente e para uma cidade, a fi nalidade da cidade parece de qualquer modo algo maior e mais completo, seja para a atingirmos, seja para a perseguirmos; embora seja desejável atingir apenas para um único homem, é mais nobilitante e mais divino atingi-la para uma nação ou para as cidades. Sendo este o objetivo de nossa investigação, tal investigação é de certo modo o estudo da ciência política. (Idem, ibidem, pág. 119)

O verdadeiro bem provém da ciência soberana, a ciência mais fundamental de todas. E essa é, precisamente, a ciência política, isto é, a ciência que rege a pólis ou a cidade-estado. Mas, a ciência política não é responsável pela Ética. Contudo, a condução da pólis não chegará a bom termo, pensa Aristóteles, se não se levar em conta os valores éticos. Aristóteles afi rma, inclusive, no capítulo primeiro da ética nicomaqueia, que as ciências mais importantes como a ciência militar, a ciência administrativa, a retórica estão subordinadas à ciência política. É a ciência política que determina, em suma, quais as ciências necessárias e indispensáveis à existência da cidade-estado, quais as que os cidadãos devem aprender e em que grau deverão aprendê-las e apreendê-las. Todas as nossas ações, dirá Aristóteles, têm por alvo algum bem, “objeto de todas as nossas aspirações”, eis, em suma, a tese básica da Ética a Nicômaco.

Na Idade Média, o ideal grego de formação, manteve-se aristocrático e contemplativo, descartando, no geral, a dimensão naturalista da tradição grega. Manteve, entretanto,

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a escravidão, que chegará até às portas do século XX, com exemplos terríveis. A única preocupação que se manteve em relação à dimensão naturalista foi a agronômica exercitada nos mosteiros como meio para obter alimentos e vinhos. Não será por acaso que um monge, muitos séculos depois, dará início aos estudos de genética cruzando espécies de ervilhas...

Em termos de conteúdo, a educação medieval destinada ao clero e nobres, as artes liberais, as únicas dignas do homem livre, eram divididas em trívio, três caminhos, ao agrupar as disciplinas de gramática, retórica e dialética e o quadrívio, quatro caminhos, ao congregar os estudos de aritmética, geometria, astronomia e música. O trívio e o quadrívio eram os pontos iniciais da educação de base da aristocracia e do clero. Em continuidade, o clero se instrumentava por meio da Filosofi a com o objetivo de esclarecer “as verdades reveladas pela religião” e obter as armas intelectuais para a defesa da fé cristã. Os doutores da fé farão da Filosofi a a ancilla, isto é, a escrava ou serva da Teologia. Percebe-se que desde a Idade Média há duas orientações ou matrizes. Uma voltada para as habilidades de domínio da língua e da eloquência, a oratória para convencimento do cidadão ou do crente, mas o discurso agora terá que convencer pela lógica, pelo raciocínio e pela análise do problema, numa segunda direção.

O Renascimento, com os ideais de individualidade, criatividade e autonomia intelectual e moral, propõe uma educação voltada para os problemas humanos. A contemplação grega passiva se faz ativa. O sapiente “toma posse de si mesmo” ao passo que o insipiente é duplamente oprimido, pela natureza e pelo “homem substancial”. O Renascimento separa aquele que sabe, o sapiente, do homem comum, trabalhador, a plebe. A sapiência é, em suma, para poucos. A maioria das pessoas ”fi cará melhor descascando batatas...” e, assim, cumprirá uma sina.

É somente após o Renascimento que se começa a estruturar, de fato, a instituição social chamada escola onde, por exemplo, Comênio, iria, com base numa didática própria, aventurar-se a “ensinar tudo a todos”. Há em Comênio o encontro da didática com o conteúdo, o método e a orientação religiosa. Antes, Lutero e os Jesuítas inauguraram espaços escolares com o objetivo de ensinar as primeiras letras como condição primeira para o conhecimento dos livros sagrados ou como catequese para afi rmação da fé cristã. O popular é convocado para assumir as verdades cristãs que estão nos livros sagrados. Para tanto, será preciso dotá-los da leitura e da escrita, em unidades escolares específi cas segundo o preceito protestante de se criar “em cada comunidade, uma escola”. Por outro lado, os “soldados de Cristo” jamais desvalorizarão o ensino, a catequese e a alfabetização, embora a função primeira fosse defender a Igreja das heresias e dos hereges.

Não se erraria ao dizer que o cristianismo primitivo foi, na fala de Paulo, apóstolo, o arauto da igualdade conservadora, igualdade que preserva a autoridade, ao afi rmar que a palavra divina era destinada a todos sem distinção de etnia, cor, gênero e situação social, mas o cristão deve obediência, pois toda autoridade “vem de Deus”. Ademais, uma condição era fundamental: __ que todos tivessem uma ocupação ou atividade, porque quem “não trabalha não deve comer”, questão ética importante para o cristianismo primitivo e que terá repercussões em vários movimentos posteriores da história humana.

A formação intelectual e moral em termos de conhecimento científi co e conduta pessoal norteará seguramente a refl exão posterior sobre fi ns e valores da educação escolar. Não é sem

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razão que Sócrates, Platão e Aristóteles se insurgirão contra os sofi stas que, ao arrepio das antigas tradições gregas de respeito às leis, à democracia, à formação intelectual esmerada e a retidão de caráter, propunham como objetivo maior aos jovens atenienses o sucesso político pela via da palavra ou do discurso fácil e envolvente, meio de se atingir rapidamente o poder na cidade-estado.

Percebe-se que o desenvolvimento histórico caminhou no sentido de tornar a educação escolar cada vez mais sistemática ao resgatar os conteúdos científi cos, culturais e sociais como marcas da cultura humana. Para os educadores conscientes do passado histórico-cultural, o conhecimento humano é cumulativo e seletivo. Permanece o conhecimento testado, verifi cado e básico para possibilitar novos avanços culturais. Por mais que se advogue liberdade didática, através de métodos libertários, a educação contemporânea não consegue deixar de lado o conteúdo de ensino. E essa orientação não aconteceu por acaso porque sempre se perguntou: O quê ensinar? O Iluminismo, no século XVIII, deu uma resposta bem defi nida: a escola deverá ensinar ciência e tecnologia, além das letras, artes e ciências morais. Com a preocupação de elevar a razão como critério para análise de todo e qualquer problema humano, o Iluminismo privilegiou o pensamento crítico como meio para avaliar crenças, avaliar os próprios procedimentos de análise e lutar para que a ilustração de todos refl etisse na melhoria coletiva da sociedade humana. O “século das Luzes”, através dos fi lósofos e enciclopedistas valorizou, sobremaneira, o conhecimento científi co e tecnológico existente capaz de transformar a realidade social. E nesse projeto, a escola racional avançou até se tornar “pública, laica e democrática” com a proposta dos Jacobinos durante a Revolução Francesa de 1789. A Ilustração, ocorrida no século XVIII, privilegiou o racionalismo e se opôs a toda religião ao evidenciar um anticlericalismo, fruto de crítica às tradições, que o século XVII, com as descobertas de Galileu e Newton, havia antecipado pela ideia de progresso humano resultante do conhecimento científi co. Aliás, bem antes, Spinoza dissera algo importante. Na Reforma da Inteligência, após afi rmar que o Sumo Bem é compreender a unidade e a totalidade das coisas, isto é, “o conhecimento da união da mente com a Natureza inteira” o fi lósofo declara que o fi m supremo é:

Adquirir essa Natureza e esforçar-se para que, comigo, muitos outros a adquiram: isto é, faz parte de minha felicidade o esforçar-me para que muitos pensem como eu e que seu intelecto e seu desejo coincidam com o meu intelecto e o meu desejo: e, para que isso aconteça, é necessário compreender a Natureza tanto quanto for preciso para adquirir aquela natureza; e, depois formar a sociedade que é desejável para que o maior número possível chegue fácil e seguramente àquele objetivo. Em seguida, deve-se dar atenção à Filosofi a Moral e também à Doutrina da Educação das crianças; e, como a saúde não é de pequena monta para chegar àquele objetivo, deve-se preparar para isso toda a Medicina. Também a arte (técnica) torna fáceis muitas coisas que são difíceis e com ela podemos ganhar muito tempo e muita comodidade na vida; por isso, a Mecânica não é de modo algum desprezível. (Tratado da Reforma da Inteligência. São Paulo: Editora Nacional, 1966.)

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A partir do racionalismo de Descartes, inimigo ferrenho de Aristóteles em relação às causas formais e da concepção de ciência e da formulação da física mecânica de Newton, o panorama científi co se altera pela incorporação defi nitiva do argumento de Galileu de que Deus escreveria as leis da natureza através da linguagem matemática. A descrição matemática dos fenômenos naturais aproximou as ciências naturais do determinismo extremo com Pierre Simon, marquês de Laplace, em seu sistema do mundo, de 1796. Gradativamente a crença no desenvolvimento técnico da humanidade ganha força, ao arrepio das crenças religiosas dominantes, com a exaltação da ciência e da tecnologia que começa a impulsionar a Revolução Industrial. A Ilustração dá forças à emergência da burguesia como classe social dominante. Anteriormente, os déspotas esclarecidos usaram do “poder despótico” para eliminar, de vez, o espírito feudal, o poder da Igreja e fazer do livre pensamento a arma poderosa de demolição de crenças e valores conservadores. Nesse sentido, nunca será demais citar a Enciclopédia com tentativa de divulgar o conhecimento humano a todos, a primeira manifestação histórica pensada de educação a distância (EaD) utilizando o livro para todos, obra notável possível através da invenção de Gutenberg com a imprensa de tipos móveis. Infelizmente a ideia de “ensinar tudo a todos” por meio escrito sempre esbarrou em problema histórico secular, a miséria, a pobreza da multidão, incapaz de adquirir os meios para dominar os conteúdos de conhecimento, a fi m de crescer intelectual, social e culturalmente. A expropriação econômica e fi nanceira acarreta, desde sempre, a expropriação cultural e educativa.

Quando se fala em “conhecimento humano, historicamente acumulado” (Cf. Saviani, 2002) tem-se em mente que cabe à escola selecionar o conhecimento que “resistiu ao tempo”, indicar os conteúdos notáveis que deverão ser ensinados e assimilados pelos estudantes. Não há como avançar em termos de conhecimento sem ter como base conhecimentos anteriores, pontos de partida para novos conhecimentos revistos ou criados. Nesse sentido, ouso formular uma teoria de educação escolar: E=f (c x m x ct x fv), onde E (Educação) “é a mesma coisa que” o produto entre conteúdo, método, contexto e fi ns e valores. É verdade que poderíamos ampliar a equação adicionando outros elementos, mas, em termos de economia teórica, centro a atenção no essencial, isto é, naquilo que seria fundamental para se estruturar uma teoria para a educação pública, em todos os níveis, justa e comprometida com a sociedade que a mantém através de impostos arrecadados da população. Em artigo específi co sobre alfabetização associei a teoria proposta acima a um dos cinco poliedros regulares de Platão, denominado tetraedro ou pirâmide de base triangular com faces, arestas e ângulos regulares representando cada face um plano de área equivalente. Com o uso da Geometria foi possível evidenciar que o sólido era um todo articulado de partes que não poderia ser desfeito sem perder o sentido como poliedro.

O currículo das escolas públicas arrolam alguns conteúdos tradicionalmente focados para formação dos estudantes. Há, aqui, de se distinguir as escolas formadoras de educação básica (fundamental e média) e as de educação ou ensino superior (centradas na profi ssionalização específi ca). A distinção é essencial, pois os fi ns e valores são distintos para cada nível. Na educação básica há conteúdos intocáveis, porque são alicerces para a formação sólida do estudante. Ninguém, em sã consciência, iria propor descartar do ensino fundamental

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e médio o ensino da língua pátria, a aritmética ou matemática, a leitura e a escrita, a história, a geografi a e as ciências físicas e naturais. Mas há uma difi culdade enorme quando se procura identifi car os conteúdos relevantes de uma determinada disciplina. Há a necessidade de identifi car os conteúdos fundamentais e ao mesmo tempo determinar a sequência deles. Geralmente os livros didáticos evidenciam a sequência e a profundidade dos conteúdos essenciais. Mas, a sequência e o aprofundamento resultam de uma visão pessoal do autor, de uma equipe técnica, de uma Secretaria ou mesmo de um Ministério. Nesse sentido, não há como não cobrar do ensino superior, através de seus professores-pesquisadores, a indicação dos conteúdos indispensáveis a uma sólida formação científi ca, intelectual dos alunos da educação básica. Mas os docentes da educação básica deverão ter, também, boa formação intelectual, científi ca e crítica para analisar os conteúdos de ensino indicados. A tarefa de garimpar a cultura universal para extrair os conteúdos nucleares ou basilares é tarefa coletiva e somente uma abordagem democrática poderá indicar quais conteúdos relevantes devem ser objeto de ensino e aprendizagem. É fácil, por exemplo, indicar as obras que deverão ser objeto de estudo no que tange à literatura nacional e universal. Há obras e nomes de indicação quase unânime. Nesse caso, não se erraria muito. De igual modo, ninguém negaria espaço para a aprendizagem da leitura e da escrita. O ensino do sistema de numeração decimal não seria questionado, bem como as operações fundamentais da aritmética. Sem essa base os diferentes campos numéricos perderiam em consistência lógica. Em ciências naturais os fenômenos vitais, os animais e o ambiente seriam, certamente, os núcleos centrais do aprendizado. Em relação à física e à química, embora ciências de bases teóricas sólidas, a sequência e o aprofundamento seriam pontos a defi nir mediante diálogo democrático. Em relação à Geografi a e a História nem sempre haveria consenso explícito na determinação e ordem dos conteúdos programáticos, mas a ênfase cairia sobre o tratamento crítico dos conteúdos. A modifi cação da paisagem em consequência da ação humana e natural estaria, com certeza, nas preocupações da ciência geográfi ca, síntese de geografi a física e geografi a humana, interessada numa leitura crítica do espaço físico e social. A história, por sua vez, como ciência do homem no tempo, evidenciaria como o ser humano vem atuando na relação entre a natureza, economia e cultura, através dos modos de produção humanos passados e o atual, ao permitir a emergência de diferentes manifestações inventivas e criativas.

Uma coisa, entretanto, torna-se evidente: a educação de base será, em grande parte, conservadora na medida em que retoma, reestrutura e reformula conteúdos pretéritos clássicos que precisarão ser assimilados mediante disciplinas, também, clássicas, condição indispensável para progresso futuro dos estudantes. É preciso entender que é necessário passar pelo conhecimento científi co, tecnológico e cultural fi rmado num dado momento histórico para poder avançar na criação do novo conhecimento humano.

A defesa de um currículo, centrado em disciplinas e conteúdos clássicos, quase sempre, pensado sob a forma de “grade curricular”, colocou a Pedagogia diante de uma aporia. A “grade” prenderia o estudante aos conteúdos e disciplinas e tiraria dele a capacidade de pensar criativamente. Para suplantar o perigo da “prisão”, os sistemas escolares utilizaram o expediente

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de deixar para cada unidade escolar a liberdade de indicarem algumas disciplinas, com a intenção de minorar o aspecto de imposição ou determinação dos conteúdos disciplinares. A posição romântica e, até certo ponto anarquista contrária à educação sistemática tenta desqualifi car, de certa maneira, os conhecimentos sistemáticos acumulados ao longo do tempo histórico colocando todo peso nos métodos de ensino e na liberdade de ensino. Erra ao desvalorizarem os conteúdos e as disciplinas. Acerta ao proporem métodos mais adequados de ensino que favoreçam a aprendizagem de conteúdos relevantes. É pela adoção de métodos vivos de ensino que será possível resolver a aporia entre conteúdo e forma (método) de ensino. Nesse sentido, os métodos dialógicos, experimentais, investigativos, contextualizados, críticos, dialéticos, histórico-críticos, midiáticos e audiovisuais e outros mais serão sempre bem-vindos para tornarem os conteúdos signifi cativos para a mente do estudante. E signifi cativos tem a ver com a relevância social dos conteúdos e a compreensão efetiva das estruturas conceituais.

Método é o caminho da inteligência para chegar ao conhecimento efetivo de um conteúdo científi co, tecnológico, literário, histórico ou artístico. Em sentido restrito método científi co é “procedimento de investigação, ordenado, repetível, autocorrigível” capaz de levar o sujeito que pesquisa à obtenção de resultados válidos ou confi áveis. O método de ensino quer que o estudante ao enfrentar determinado assunto seja capaz de aprender e apreender corretamente os conceitos e estruturas de uma disciplina de forma signifi cativa. Como ensina Bruner, em O Processo da Educação, quando se ensina algum conhecimento científi co, uma disciplina qualquer, deve-se ensinar a sua estrutura, isto é, será fundamental ensinar como as ideias, os conceitos básicos se relacionam entre si. Essa é uma orientação importante para os docentes. Ao se ensinar uma disciplina é fundamental que o estudante vá percebendo como se articulam os conceitos essenciais. Ao se estudar, por exemplo, o capitalismo como modo de produção atual, a análise deverá recair primeiramente sobre a categoria mercadoria, síntese de “valor de uso” e de “valor de troca”, como demonstrou K.Marx. Não há “valor de troca” da mercadoria se hão houver o “valor de uso”. É preciso que o bem material, como dizia Aristóteles, seja útil à pessoa. É o aspecto qualitativo da mercadoria. Ela dever atender a algum desejo ou carecimento humano. Mas, a mercadoria, seja ela qual for, surge no bojo de relações sociais. Nesse sentido, a categoria mercadoria possui longa história que se perde no passado remoto da humanidade. Os brincos e colares da rainha do Egito tinham, certamente, valor de uso e valor de troca.

A Revolução Industrial inglesa, no século XIX, permitiu a emergência da economia de escala articulando conhecimento e tecnologia na mão de poucos. Assim, o proprietário dos bens de produção, a maquinaria industrial, passa a produzir o “valor de uso” (qualidade) sob a perspectiva da quantidade, como “valor de troca”. Daí, Taylor e Ford insistirem no aumento da produção de mercadoria como meio de baixar o preço da manufatura e vender mais barato para atender, de um lado, o lucro do capitalista, e, de outro lado, o aumento de salário dos operários. Pobre ilusão. A contradição se instala no âmago do sistema com tensões frequentes.

O método usado acima como se percebe é analítico. Vai da realidade caótica da vida econômico-social buscar o conceito analítico integrador (no caso, a mercadoria) que permitirá a síntese compreensível da vida econômica atual. Ainda mais, ligada à categoria trabalho, a

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mercadoria articula-se organicamente à teoria do valor - moeda ou dinheiro, categoria tão antiga com a mercadoria, mas que no modo de produção capitalista adquire relevância a toda prova ao permitir o controle dos investimentos capitalistas ou estatais na produção e circulação de mercadorias pelo mundo. Hoje, é preciso que se diga, o econômico se articula ao fi nanceiro e vice-versa sob a égide do Estado ou das organizações transnacionais que chegam a transcender os limites territoriais das nações.

Na visão histórico-social é preciso distinguir, analiticamente, o método científi co, do método de ensino, para não se confundir ou embaralhar realidades distintas.

Em Pedagogia há dois grupos de métodos:1 – Métodos pedagógicos de pesquisa ou investigação interessados em descobrir

ou encontrar o melhor caminho para se atingir a Educação mais adequada aos fi ns e valores humanos. Tradicionalmente os métodos de investigação da realidade pedagógica se agrupam em duas categorias: a) métodos de observação e b) métodos de mensuração. A categorização anterior é esforço didático para separar o que na prática poderá articular-se de modo a revelar cientifi camente o fato pedagógico estudado. É perfeitamente possível observar e medir o fenômeno educativo e chegar a resultados confi áveis.

Dentre os métodos de observação seria de bom alvitre fazer as seguintes anotações:• Em pesquisa pedagógica não se pode descartar a observação constante da ação docente

e do desempenho do estudante. A observação controlada é a observação que procura ser objetiva. Analisar o desempenho do estudante nos conteúdos escolares em face de diferentes métodos de ensino é a base de toda investigação pedagógica. Mas como não é possível adentrar ao espírito do estudante, a compreensão do estudante resultará do seu próprio trabalho escolar realizado no interior da escola.

• Para a ciência pedagógica é importante conhecer os fatos, as reações e os resultados da ação docente no desempenho dos estudantes. Atenção especial deverá ser dirigida à frequência, a repetição ou “incidentalidade” dos fenômenos. Daí, o cuidado de não descartarmos a observação estatística que permitirá estabelecer relações entre fenômenos observados.

Os métodos de mensuração em Pedagogia têm como base os estudos de Wundt, estudioso em medir as manifestações exteriores de fenômenos psíquicos. O pressuposto básico dos métodos de mensuração se resume na afi rmação clara de que “tudo o que existe, existe em alguma medida”. Essa orientação “positivista” para alguns e “positiva” para outros se fi rma na ideia de que um ramo do saber somente poderá ascender à categoria de ciência quando os fatos observados fi carem submetidos à medição e ao número. Essa regra de ouro do “cientifi cismo” precisa ser considerada sem se cair no exagero de eliminar outros métodos de investigação importantes na Pedagogia como o método do testemunho, o método comparativo e os processos de avaliação do rendimento escolar, em termos de desempenho do aluno, do professor, da unidade escolar e do sistema escolar. Outro método, o experimental, fi ca prejudicado quando se trata de Pedagogia porque, a rigor, veta-se qualquer verifi cação que implique manipulação real, efetiva do estudante. Seria ato delituoso, por exemplo, usar ou aplicar substâncias químicas na criança e adolescente para verifi car os efeitos no rendimento

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escolar. A simples possibilidade de que algo parecido possa acontecer com apenas um aluno impede, a meu ver, que se libere a experimentação científi ca no plano educativo. Antes de qualquer valor está o valor da pessoa humana.

2 – Métodos de ensino são formas ou meios de que o educador lança mão para fazer chegar às mãos do estudante o saber, o conhecimento humano signifi cativo de modo a facilitar-lhe a aprendizagem e a compreensão dos conceitos e estruturas científi cas através de disciplinas escolares com relevância social e cultural. Atualmente deseja-se, pelo menos em termos de objetivo de ensino, que o estudante tenha formação intelectual e cultural rigorosa, capacidade de crítica, refl exão e consciência social e que seja, afi nal, capaz de, com base no conhecimento relevante adquirido, ser criativo e inventivo. Essa perspectiva ideal, quase utópica, encontra barreiras quase intransponíveis quando sabemos que o ensino tradicional é hegemônico nas escolas entulhadas de alunos em ambientes fechados e onde o professor lança mão do método expositivo como meio de defesa diante da exigência de “vencer o conteúdo” a todo custo. Vale dizer, entretanto, que a exposição quando bem preparada e articulada com outros procedimentos didáticos não será desprezível. A exposição dialogada, a exposição acompanhada de leituras signifi cativas, a exposição com debates, a exposição com exercícios de fi xação, a exposição com a ajuda de audiovisual, a exposição truncada e outras formas de expor os conteúdos fundamentais evitam o dogmatismo no ensino que se explica e demonstra com base numa visão passiva do aluno. Eliminar acriticamente o método expositivo de ensino não me parece a melhor forma de melhorar a qualidade da educação, assim como reduzi-lo a único método de ensino e aprendizagem seria falso e perigoso porque há muitos caminhos para se chegar ao conhecimento, embora não se deva esquecer, jamais, que o estudante é, sempre, o artífi ce de sua própria aprendizagem com a participação indispensável e necessária do professor. Não se deve esquecer que o estudante sempre quer conhecer fi nalmente a “posição do professor” diante de um tema ou assunto, até para poder crescer intelectualmente, contrapondo-se ao pensamento do mestre.

O método histórico-crítico que evidencia a importância do desenvolvimento histórico social na produção e desenvolvimento do conhecimento humano tem por base processos de investigação importantes como análise e síntese, teoria e prática, formal e material e técnicas de pesquisa variadas como coleta de informações, experiências relevantes, estudo de realidade, mapeamentos, dados estatísticos, investigação histórica, estudo de tendências e ideias, estudos de condicionantes, estudos de impactos ambientais, coleta de material e outros.

É assustadora a necessidade de conhecimento exigida do professor para que o estudante seja bem encaminhado na trilha do saber. Essa exigência explica porque à medida que os anos de escolaridade avançam há necessariamente maior grau de especialização do docente aliado à sua capacidade sinóptica, isto é, a capacidade de perceber o todo e relacionar os conhecimentos. É a capacidade dialética de que nos dizia o velho Platão. E o todo, hoje, é inseparável de uma visão econômico-social-cultural e do destino da humanidade perdida na amplidão do cosmo, num planeta comum e restrito. Fins e valores são, ao fi m e ao cabo, inseparáveis da realidade humana e de sua formação cultural, educacional, científi ca, ética e artística. Cultura para quê? Ciência para quê? Educação para quê? Economia para quê? Ética

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para quê? Arte para quê? Eis, as principais questões que afetam o espírito de qualquer fi lósofo sério da educação e levam o professor a tentar diminuir a distância entre o conhecimento científi co e o ensino da ciência, tecnologia e humanidades nas escolas.

O método histórico-crítico, no tratamento dos conteúdos signifi cativos de ensino, toma como ponto de partida a sociedade e seus problemas e após identifi cá-los procura na ciência, na tecnologia e nas humanidades os instrumentos ou meios intelectuais, científi cos, tecnológicos e sociais, que permitem encaminhar ou resolver as questões postas pela gama variada de problemas econômicos, sociais e culturais gerados pela convivência humana e seu relacionamento com a natureza. O método histórico-crítico não dispensa jamais a participação do aluno e professor nas atividades escolares. Exige, entretanto, que os métodos sejam vivos, isto é, tenham a marca da necessidade humana, muitas vezes, dramática e urgente. A conscientização de professores e estudantes diante dos problemas humanos é momento crucial para o início da ação pedagógica. É o mergulho na prática social. Os conteúdos científi cos e tecnológicos serão acionados para o enfrentamento de problemas postos pela prática social, como alimentação, moradia, saneamento, lixo, lazer, esporte, drogas, desvio de conduta, economia solidária, consumo, emprego, ambiente, saúde, sustentabilidade, pintura, música, administração pública, emprego, vida fi nanceira, trânsito e outros conteúdos.

É sempre bom alertar os estudiosos do materialismo histórico de que a dimensão econômica, apesar de fundamental e determinante, em última instância, não acontece num vácuo social onde o contexto seria irrelevante. A realidade é, sempre, econômico-social, não apenas econômica. Um exemplo a título de esclarecimento. Tenho em minha mão um relógio. É um objeto útil; ele tem, portanto, um valor de uso, não somente para mim, mas a toda pessoa que vive no modo de produção capitalista regido pela categoria tempo. Mas, além do valor de uso, o relógio que trago no pulso é objeto manufaturado, industrializado, gerador de valor de troca. Um fabricante renomado transformou o objeto relógio em algo além de desejável, em algo comerciável, sujeito à categoria de quantidade. Fez do objeto relógio uma mercadoria, síntese compreensiva de valor de uso e de valor de troca. Mas, quando tenho em meu pulso o relógio vejo a sua marca, o seu estilo, o material usado na sua confecção, o peso, a pulseira, o mostrador, os numerais dispostos numa ordem e sequência, os ponteiros, importantes elementos num relógio analógico e outros aspectos que reunidos determinarão o seu preço representado pelo valor-dinheiro apontado pelo dono da relojoaria preocupado em passar para frente o objeto com margem de lucro, pois a mais-valia sempre estará presente nas transações econômicas de compra e venda. Há, entretanto, algo importantíssimo, que não veremos por mais que manipulemos o relógio e que, fi nalmente, permitiu a existência da mercadoria relógio. Esse elemento fundamental, esse algo que tornou possível a existência do objeto relógio é a relação social entre o proprietário da indústria de relógio, pagador de salário, dono dos meios de produção, e o não proprietário, o operário ou o trabalhador especializado, assalariado, que vende a sua força de trabalho, que manipula a matéria-prima tornando possível a existência do objeto relógio. Na verdade, a categoria trabalho está no centro da vida social. Infelizmente assistimos hoje, à tentativa de fl exibilização dos direitos trabalhistas e a intensa especialização do trabalho que enfraquecem o poder político dos trabalhadores diante do capital, mediante o processo de divisão e subdivisão da massa

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trabalhadora. A tecnologia, por sua vez, amplia, ainda mais, a dependência do trabalho em relação ao capital. Há, ainda, por trás das relações sociais de produção, a relação pessoal, muito individualizada, entre o sujeito e o objeto do desejo que, à base de valores estéticos, escolhe, às vezes, pelo aspecto do mostrador e da pulseira, um e não o outro relógio, ao arrepio, em certos momentos da vida, de certo prestígio de marca do próprio objeto.

Em conclusão ao texto seria possível dizer que:1 – Uma teoria mínima sobre educação escolar teria, necessariamente, que articular as

dimensões de conteúdo disciplinar, método de ensino, fi ns e valores da educação no plano de um contexto ou entorno. É fundamental não perder de vista o fato de que a educação escolar é, contemporaneamente, a forma hegemônica de educação. As nações organizadas em Estados nacionais elegeram a educação escolar como instituição social encarregada de educar todas as pessoas da sociedade; para tanto, no país, por injunção constitucional, foram instituídos sistemas de educação escolar em nível nacional (como o MEC no Brasil), em nível estadual (como as Secretarias de Estado dos Negócios da Educação) e em nível municipal (a exemplo das Secretarias Municipais de Educação) com o objetivo maior de oferecer educação e instrução escolares em quantidade e qualidade para a nação. A burocratização foi inevitável ao se criar um padrão piramidal de administração escolar com direção (na cúpula da instituição escolar, responsável pelas diretrizes do sistema e alocação de recursos), níveis técnicos intermediários (nas coordenadorias de ensino) e os níveis de execução das políticas educacionais traçadas pelas cúpulas hierarquizadas dos sistemas nacional, estadual e municipal. Escapar dessa teia de relações institucionais é tarefa difícil uma vez que o controle acontece de alto a baixo até atingir a ”alma” do sistema, a escola e a sala de aula, o professor e o estudante. Assim acontece a burocracia como sistema de dominação racional, na análise de Max Weber. Escapar de modo relativo desse sistema de subordinação formal signifi ca, salvo melhor análise, centrar o foco das atenções na administração das unidades escolares com valorização efetiva dos docentes e funcionários das escolas, faculdades, institutos e universidades. Somente as pessoas que atuam no plano da execução serão capazes de tornar vivos os currículos ao quebrarem a rigidez formal de muitas determinações vindas do alto. O diálogo democrático sobre os currículos, conteúdos programáticos e métodos de ensino orientado por fi ns e valores adequados aos contextos será fundamental para se chegar à prática pedagógica que benefi cie a pessoa do estudante.

2 – Numa educação pública, sistemática, de cunho burocrático centralizado, a preocupação em oferecer educação escolar à quantidade com suposta qualidade implica sempre numa administração controladora que restringe sobremaneira a determinação livre dos conteúdos formais. Exigir liberdade na determinação de conteúdos formais seria desconhecer o plano político do dominador cujas ideias dominantes são, sempre, as ideias do próprio dominante. Numa sociedade burguesa a educação refl ete os valores burgueses. Mas, conhecer os condicionantes sócio-político-econômico-culturais não deve esmorecer a luta por uma educação na dimensão do ser humano, muito além da mera produção de mercadoria. A articulação de disciplinas é sempre necessária e bem-vinda quando se tem a perspectiva humana de conhecimento compreensivo que procura articular diferentes análises da realidade sem embaralhar as grandes áreas de

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conhecimento: a) Linguagens, b) Lógica e Matemática (as chamadas “ciências da razão”), c) Ciências Naturais ou “ciências do fato” (Biologia, Química, Física e demais Ciências da Terra) e d) Ciências Humanas. A excessiva especialização poderá ser minimizada através de um currículo diversifi cado sem que se perca de vista a gama variada de ocupações que a vida social moderna exige de uma formação humana equilibrada.

3 – As disciplinas comumente elencadas nas “grades curriculares” ofi ciais não são arbitrárias, mas, lembram o padrão quase universal de arrolar conteúdos científi cos e culturais considerados importantes na formação do estudante e úteis à criação de uma sociedade sintonizada ao seu tempo histórico. Nos tempos atuais não será possível descartar as diferentes linguagens, as ciências exatas e naturais, as ciências humanas e as tecnológicas nos currículos escolares. O importante é saber como as linguagens e os conteúdos científi cos e tecnológicos serão tratados pedagogicamente. Nesse sentido, não há dúvida, os métodos de ensino são importantes elementos quando orientados por e para fi ns sociais que pensem a educação como força transformadora da realidade. Daí, que não basta ensinar o estudante a pensar. Será preciso ensiná-lo a pensar a realidade social na perspectiva de melhoria das estruturas em que o aluno vive. Métodos de ensino que se contentam em constatar a existências de estruturas alienantes sem, de fato, enfrentá-las através do pensamento refl exivo e crítico apenas reforçam a domesticação, porque negam, de fato, o poder prático das ideias.

4 – As inovações educacionais dentro do padrão burocrático de educação fi cam por conta dos conteúdos programáticos trabalhados através de novos métodos de ensino que estimulam a criatividade, a refl exão e a abordagem viva dos temas, bem como a relevância dos assuntos abordados sob a perspectiva de novos fi ns e valores. Particularmente importante, parece-me, o conhecimento de teoria do conhecimento em educação. Por exemplo, o método intuitivo tem por base as observações de Aristóteles sobre o contato direto e imediato com as coisas através dos sentidos como a visão, audição, tato, olfato, gosto. Os aristotélicos seguiam a célebre fórmula: “Nada está no espírito sem que tenha passado, antes, pelos órgãos do sentido”, adotada por J. Locke no Ensaio acerca do entendimento humano, de 1690, onde o fi lósofo inglês critica o inatismo de Descartes através da concepção de que o ser humano ao nascer é “tábula rasa”, uma página em branco, a ser afetada pela experiência. Leibniz, fi lósofo alemão do século XVII, criticará o empirismo de Locke ampliando e retifi cando a fórmula aristotélica ao dizer que nada estará no espírito humano antes da experiência “a não ser o próprio entendimento”. O fi lósofo alemão, nos Novos ensaios sobre o entendimento humano resgata, por assim dizer, a inteligência, como elemento propriamente humano defi nidor de sua racionalidade intelectual e social. As ideias simples vêm por meio da sensação e observação, mas as ideias complexas são produtos do espírito, da inteligência sobre os dados da sensação e observação. Mas, na percepção já está a intelecção. Nesse sentido, é possível afi rmar que o método intuitivo é método indicado para o estudo da realidade natural, empírica, sobre a qual se forma a percepção e a atenção adestrando-as para os processos racionais de análise e síntese, base de toda racionalidade científi ca. Numa perspectiva dialética não há como não pensar o ser humano como síntese compreensiva de intuição sensorial e entendimento racional a agir

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no interior de um contexto. Somos, certamente, razão e emoção, como dizia Milton Santos. A racionalidade, bem vira Aristóteles, é uma das marcas do ser humano. Se a eliminarmos sobrará apenas um feixe de emoções ou um punhado de sensações e impressões a nos jogarem de um lado para outro, “como um caniço”, na feliz expressão de Pascal.

A caminhada do sensível ao inteligível faz com que o método denominado intuitivo seja naturalmente indicado para o ensino e aprendizagem da infância, embora o método possa ser aplicado com sucesso no ensino médio e superior quando o docente estabelecerá o nexo entre a explicação e a previsibilidade (Se P, então Q) decorrente dos processos de análise e síntese, sobre os dados coletados nas excursões, sessões cinematográfi cas, conferências com projeções, exposições de fotos e gravuras, “aulas-passeio”, leituras teatralizadas, pesquisas de campo, passeios pedagógicos, etc. O método remonta à Antiguidade clássica, mas foi, modernamente, retomado por Pestalozzi na educação de crianças pobres abandonadas. Mas, permanecer exclusivamente no plano do empírico, leva-nos a valorizar a percepção sensorial em detrimento da objetividade científi ca e da articulação essencial entre a inteligência e o meio social substancial presente na relação entre natureza naturante e natureza naturata. A abstração, ápice do processo cognoscitivo, é produto de longa exploração cognoscitiva que parte da realidade sensível visível à realidade invisível abstrata; daí, a necessidade de instrumentos vicários que ampliem a visão humana atingindo o infi nitamente pequeno e o infi nitamente grande; ademais, se a aparência das coisas revelada pelos órgãos do sentido se identifi casse à natureza efetiva das coisas, não haveria necessidade de ciência e fi losofi a, duas formas abstratas importantes de investigação, como percebera o velho Marx.

5 – Há um conhecimento científi co, tecnológico e social que “resistiu ao tempo” e que permanece como conquista real da cultura humana. Esse patrimônio cultural criado pela Humanidade através de milênios precisa ser apropriado por todos, ricos e pobres, negros e brancos, religiosos e agnósticos, homens e mulheres e especialmente pelos jovens, crianças e adolescentes. Para tanto, torna-se importante o esforço para que todos sejam alfabetizados, capazes de leitura, escrita e pensamento próprio, além do domínio razoável das ciências exatas, naturais e humanas; o salto qualitativo da sociedade, do baixo para o alto rendimento da população, é inseparável da instrução e da educação de todos. Daí, a importância política da escola nas sociedades contemporâneas, o único espaço de cultura possível para todos.

6 – Os currículos escolares, de maneira geral, carecem de espaço real para o esporte, lazer, música e arte. O receio de muitos pedagogos se identifi ca com a cisma ou desconfi ança de o entretenimento e o social tomarem o espaço da instrução formal propriamente dita considerada o cerne da escola. Essa preocupação poderia ser resolvida por meio de escolas com salas de aula menos densas de estudantes e com funcionamento defi nido: no período da manhã, educação intelectual, obrigatória para todos e à tarde, período para atendimento a alunos necessitados de reforço específi co, leitura em sala especial adrede preparada para estudo de textos signifi cativos, ateliês diversos de pintura, escultura, desenho, espaço para a prática esportiva, dança, artes marciais e demais atividades oferecidas a todos pela escola formadora. Por outro lado, seria de todo conveniente que a escola sem segundo turno tivesse corpo docente estável que evitasse

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a presença do professor itinerante que não se identifi cará, certamente, com o projeto político pedagógico da escola. Para tanto, a sociedade deveria colocar como fi m e valor indiscutíveis a escola sem segundo turno a fi m de propiciar aos estudantes a oportunidade de uma formação de qualidade. Os economistas e donos de escola certamente chiarão muito, sempre interessados em fazer render o dinheiro empregado na educação, percebida, quase sempre como mercadoria. Não se deve esquecer que o capitalismo, tal como o rei Midas, transforma tudo em mercadoria, e esta, em valor dinheiro. Mas, uma medida desse alcance social não signifi caria, de modo algum, desperdício ou mal uso de recursos. Para nós, Educadores, a Economia é importante meio para alavancar o desenvolvimento da nação, mas antes do dinheiro e da mercadoria está o valor da pessoa humana, a criança, o adolescente e o adulto que sustentam a própria economia do país com trabalho e consumo, possibilitando a produção e circulação de mercadorias; parece obviedade dizer que a Educação necessita da Economia, mas a Economia, também, precisa, e muito, da Educação e da Sociedade. Eis, outro par dialético essencial que resiste a qualquer explicação reducionista. Certamente produção gera mais produção, assim como cultura gera mais cultura, educação gera mais educação, porém um povo sem cultura, educação e instrução põe a perder qualquer tentativa de melhorar o desenvolvimento social e a economia da nação.

7 – A dimensão do trabalho nem sempre foi considerada na Educação de modo essencial a não ser por educadores comprometidos com determinadas visões sociais que priorizam a dimensão coletiva e a economia solidária. Os educadores “progressistas” identifi cados com uma visão transformadora de sociedade têm no trabalho o princípio educativo por excelência. A burguesia não vê valor educativo no trabalho, mas valor econômico para o modo de produção dominante. O trabalho tem para ela o poder de disciplinar a pessoa obrigada a seguir métodos, tempo e resultados. É o lado inevitável da atividade laboral sempre ligada a fi ns e valores daqueles que, através do salário conseguem ter a disposição a mão de obra alheia. De maneira geral, o que perturba os educadores é o medo da exploração infantil pela via do trabalho e nesse sentido olham de soslaio para a inclusão do trabalho no currículo escolar. É receio infundado porque a escola pública ainda não é empresa. Mas, os Educadores, de forma geral, sabem que o modo de produção capitalista, deixado à plena liberdade de ação, passa por cima de tudo na ânsia de gerar o excedente, o lucro ou a mais-valia. Educadores como C. Freinet e Paulo Freire nunca tiveram aceitação na pedagogia ofi cial porque a verdadeira pedagogia social do trabalho não se contenta em tomar o trabalho como algo acessório, mas, como essência do ser humano, como atividade planejada antecipadamente e executada em função de fi ns verdadeiramente sociais.

O que se tentou, nos idos da ditadura neste país, foi a desastrada “profi ssionalização compulsória de 2.° Grau” e “a iniciação para o trabalho no 1.° Grau” sem resultados educativos importantes por falta de estrutura para abrigar ofi cinas, maquinarias, ateliês e espaços mínimos nas escolas estaduais para a contrapartida da prática, sem falar na falta de docentes especializados em áreas industriais e tecnológicas. A educação para o trabalho exige rigoroso planejamento da ação educativa; além do mais, cobra investimentos vultosos que o sistema tradicional de ensino nem imagina quando se pensa na profi ssionalização voltada para a indústria. O “sistema S”, organizado, desde longa data, pelos industriais, articulou-se em termos de teoria e prática com a

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fi nalidade pontual de atender aos interesses corporativos, com a formação de profi ssionais para o capital, voltados para as necessidades de mercado; a lição que fi ca é que meios e fi ns devem estar articulados. Será vã a tarefa de querer acobertar as ideologias de fundo que orientam a ação; não seria demais lembrar a advertência de Umberto Eco para o fato de que negar a ideologia é fazer ideologia, assim como negar a fi losofi a é meio caminho para a refl exão fi losófi ca.

8 – As escolas agrícolas superiores e outras profi ssionalizantes de ensino médio e superior são escolas muito interessantes do ponto de vista dos estudos formais e de sua prática correlata, na formação dos estudantes. As escolas de agronomia bem como as agrícolas de ensino médio procuram articular práticas que de certo modo encampam pontos teóricos das disciplinas formais que servem de base à ação dos estudantes durante os estágios práticos obrigatórios. A relação teoria e prática, quando levada a sério, é o meio mais efi ciente de formar um profi ssional capaz e qualifi cado. Daí, ser imperiosa a necessidade de a prática constar no currículo das escolas como parte integrante da formação integral dos estudantes; é a prática que avaliza a teoria, pois a teoria sem o teste da prática se transforma em fl atus voci (voz vazia). Devemos lembrar que nada há de mais prático do que uma boa teoria, diz o ditado alemão.

9 – Os audiovisuais têm função importante na relação ensino (do professor) e aprendizagem (do estudante), a relação dialética fundamental da Educação. Os documentários podem e devem ser incorporados à ação docente tanto no que tange aos conteúdos de ensino como no que se refere aos métodos de aprendizagem. Os documentários sobre a natureza tem desenvolvido o espírito ecológico de muitos e programas sobre atividades na agropecuária têm melhorado consideravelmente o rendimento das propriedades rurais. Há documentários que completam os conteúdos desenvolvidos pelo docente, mas quase sempre estão sujeitos a lacunas em termos de conhecimento. Àqueles que acreditam nos documentários como fonte de conhecimento é preciso alertá-los de que todo audiovisual é uma visão particular de um estudioso e que o simples fato de dirigir a câmera para um ponto e não para o outro gera uma abordagem epistemológica passível de falhas, lacunas e incompletudes que somente o docente qualifi cado poderá sanar em benefício do estudante.

10 – Um currículo consensual mínimo parece ser indispensável à escola brasileira fundamental e média a fi m de garantir a base de formação a todos os brasileiros permitindo a transferência de estudantes, de norte a sul e de leste a oeste, em solo nacional, sem maiores transtornos aos discentes e docentes. Não se deve esquecer que por injunção constitucional a educação é dever do Estado e direito do cidadão. Cabe, fi nalmente, entender que qualquer currículo adotado deverá ser fl exível, sujeito à mudança, sujeito à retifi cação, reestruturação, complementação e avaliação contínua para aparar-lhe as existentes arestas e distorções. Mas eliminá-lo seria loucura pedagógica. Todavia, não se pode entender o currículo escolar como “camisa de força” ou molde ao estilo do “leito de Procusto”. O salteador da Ática, morto por Teseu, esticava o corpo da pessoa que lhe visitava para encaixá-lo exatamente no tamanho da cama e decepava-lhe a perna quando esta ultrapassava o tamanho do leito. O currículo escolar será sempre ponto de referência para ação docente. Indicará os conteúdos nobres a serem tratados em sala de aula. Respeitará a liberdade didática do mestre, consciente na escolha e aplicação de métodos vivos, contextualizados de ensino em função de fi ns e valores da escola e da

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sociedade. A Educação signifi ca, no limite, formação do ser humano pelo ser humano em função da apropriação signifi cativa da cultura humana na sua integridade.

11- A Educação sempre envolveu e envolverá a Comunicação. São práticas sociais gêmeas. O bom Educador terá sempre qualidades de bom Comunicador e a Comunicação sempre possibilitará avanços na formação das pessoas e dos estudantes. Mas, há que distinguir entre Educação, Comunicação e Informação. A Educação Escolar tem como alvo a formação intelectual, social e ética das pessoas. Seu objetivo é dotar o estudante do conhecimento científi co, do domínio das linguagens, da prática social adequada e de decisões éticas apropriadas a determinado contexto. A Comunicação, por sua vez, visa criar as condições para o entendimento entre as nações (no plano da diplomacia) e entre as pessoas (no plano das relações humanas) conduzindo a compreensão da mensagem de um foco emissor a um “universo” de mentes. A Comunicação, em função dos avanços tecnológicos das mídias atuais, adquire dimensão política invejável, porque além de pensar em atingir um possível “auditório universal”, é capaz de reunir num único meio, como a televisão, todas as dimensões da comunicabilidade humana presentes na fala, nos discursos, nas imagens, favorecendo a interatividade, o diálogo, a emergência de argumentos dirigidos a convencer os ouvintes numa determinada direção cumprindo, assim, uma função ideológica, muito além de mera atividade informativa ou recreativa. Cada vez mais a prática comunicativa aproxima-se da prática política, da prática lúdica e do entretenimento, mas, a rigor, nenhuma prática humana escapa à Comunicação tal como no caso da Educação como prática geral. Mas, há uma diferença específi ca que as tornam distintas. A Educação Escolar, ao contrário da Comunicação, tem como característica básica a necessidade de sistematização do conhecimento através do ensino. A Comunicação até poderá sistematizar a sua ação, mas não do conteúdo em si, ao passo que a Educação especifi camente Escolar, pela sua própria natureza, terá que organizar o conteúdo segundo critérios. É este aspecto que torna a Educação Escolar muitas vezes aborrecida porque o professor se vê obrigado a seguir uma “ordem de razões” ou uma “ordem lógica estrita” que a Comunicação não privilegia de antemão, a ponto de evitar a sistematizar o conteúdo. Quando isso acontece, como nos casos de cursos a distância e em telecursos, a Comunicação repete a didática da Educação Escolar e se tem na verdade a Escola comum recheada de recursos audiovisuais que facilitam a apresentação do conteúdo.

Em Matemática, Física, Química, Biologia, por exemplo, há conceitos fundamentais que se relacionam numa determinada ordem e sequência. Não se tem no ensino destas disciplinas muita margem para escapar de uma ordem na apresentação dos conteúdos programáticos. Os livros didáticos daquelas disciplinas são exemplos categóricos de como a estrutura do conteúdo gera um texto ordenado que o “índice” da obra evidencia, antecipadamente, a sequência e o aprofundamento do próprio conteúdo da disciplina.

Estas observações ligeiras sobre Educação Escolar e Comunicação não querem colocar as duas práticas sociais em confronto. A Educação Escolar tem muito a ganhar com os estudos e a prática da Comunicação que hoje realiza a convergência dos meios. Atualmente o Educador pode lançar mão de informações importantes sobre os conteúdos curriculares fazendo uso pertinente de fotografi as raras, de documentários antigos, de fi lmes importantes, de reproduções signifi cativas, de animações

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interessantes que venham a esclarecer aspectos dos conteúdos escolares. Para a Educação Escolar não interessa a informação pela informação, mas a informação articulada a um contexto de ensino e conhecimento. Daí, a difi culdade, muitas vezes, de ganhar a Comunicação para a Educação porque há Comunicadores que pregam o fi m da Educação alheia aos aspectos espetaculares das mídias atuais.

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PR14 da ONU de Guayaquil: a contribuição da educação para a construção de uma sociedade resiliente

PR14 DA ONU DE GUAYAQUIL:A CONTRIBUIÇÃO DA EDUCAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO

DE UMA SOCIEDADE RESILIENTE

PR14 OF GUAYAQUIL UN: THE CONTRIBUTION OF EDUCATIONFOR BUILDING A RESILIENT SOCIETY

Lourenço Magnoni Júnior1

1 PGraduado em Geografia pelas Faculdades Integradas de Ourinhos – SP (1988), Mestre em Educação pela UNESP Marília (1999) e Doutor em Educação para a Ciência pela UNESP Campus de Bauru (2007); coordenador e pesquisador do Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN)/INPE/Escola Técnica Estadual Astor de Mattos Carvalho, Cabrália Paulista –SP); professor assistente da Faculdade de Tecnologia de Lins (Fatec); ex-presidente e membro do Conselho Municipal de Defesa do Meio Am-biente e Desenvolvimento Sustentável de Bauru (COMDEMA) e da Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Bauru – SP; editor da Revista Ciência Geográfica (www.agbbauru.org.br), publicada pela Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Bauru – SP e Editora Saraiva, São Paulo - SP; co-autor dos livros: Milton Santos: Cidadania e Globalização (Saraiva, São Paulo, 2000), Paisagem, Território, Região: Em busca da identidade (Editora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – EDUNIOESTE, Cascavel, 2000), Escola Pública e Sociedade (Saraiva/Atual, São Paulo, 2002) e Mudanças Climáticas, Desastres Naturais e Prevenção de Riscos (Jornal da Cidade, Bauru, 2011). E-mail: [email protected].

Artigo recebido em setembro de 2014 e aceito para publicação em novembro de 2014.

RESUMO: O presente artigo traz considerações sobre a PR 14 da ONU de Guayaquil e refl exões sobre a contribuição da educação, principalmente do ensino de aplicação técnico-científi ca, para a redução de desastres naturais e a construção de uma sociedade resiliente.

Palavras-chave: PR 14 ONU, desastres naturais, educação, ensino de aplicação, sociedade resiliente.

ABSTRACT: This paper presents considerations on the PR 14 of Guayaquil UN and refl ections on the contribution of education, especially the technical and scientifi c application education for natural disaster reduction and building a resilient society.

Key words: PR 14 UN, natural disasters, education, application of teaching, resilient society.

No fi nal de janeiro do corrente ano recebemos o honroso convite do Escritório da Estratégia Internacional para a Redução de Riscos de Desastres da Organização das Nações Unidas (UNISDR) para participação na IV Sessão da Plataforma Regional para a Redução do Risco de Desastres nas Américas (PR14) realizada entre os dias 27 e 29 de maio na cidade de Guayaquil, no Equador. Evento de grande importância para possibilitar maior densidade ao pensamento e planejamento estratégico sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas, bem como atingir a consecução de um projeto técnico-científi co e político para o desenvolvimento de ações profícuas relacionadas com a redução de risco de desastres nas Américas e no mundo.

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Diante da relevância e da raridade de convite desta envergadura entre os educadores que atuam no ensino técnico e tecnológico, num primeiro momento pensamos em ir até ao Equador para participarmos apenas como observador e nos interarmos sobre o que seria tratado na PR14. Porém, diante desta oportunidade ímpar, pensamos em ousar um pouco mais.

Assim, surgiu a ideia de fazermos a inscrição do Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN), projeto de cooperação técnico-científi ca instalado na Escola Técnica Estadual (Etec) Astor de Mattos Carvalho de Cabrália Paulista – SP e desenvolvido em parceria com o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS) e a Prefeitura Municipal de Cabrália Paulista no espaço para apresentação de iniciativas e projetos inovadores sobre redução de risco de desastres da PR14, conhecido como fase IGNITE, mesmo havendo plena consciência de ser um espaço onde outras inúmeras e importantes experiências seriam inscritas para tratar da redução de risco de desastres no continente americano e no mundo.

Assim pensamos, assim fi zemos, inscrevendo o CIADEN no espaço IGNITE da PR14 partindo da premissa que dialeticamente sempre haverá uma utopia possível; e foi o que aconteceu. No de 17 de março de 2014 recebemos a confi rmação de que o Projeto inscrito sobre o CIADEN da Escola Técnica de Cabrália Paulista (SP) conseguira passar pelo rigoroso exame de escolha da ONU e fi gurar entre o grupo de trabalhos a serem apresentados na IV Sessão da Plataforma Regional para a Redução do Risco de Desastres nas Américas em Guayaquil, no Equador.

Porém, no dia 16 de maio de 2014, recebemos um e-mail do Senhor Marcos Aurélio Lopes Filho do Ministério das Relações Exteriores, comunicando que o Itamaraty havia incluindo o nosso nome na Delegação Ofi cial constituída por 68 profi ssionais (delegados) para representar o Brasil na PR 14 da ONU no Equador. Agora não iria mais para o Equador apenas como observador e para apresentar o Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN) no espaço conhecido como fase IGNITE. Agora iríamos como delegado ofi cial do Brasil e da ONU; só então, nos demos conta do tamanho da nossa responsabilidade e da dimensão do convite que havíamos recebido do Escritório da Estratégia Internacional para a Redução de Riscos de Desastres da ONU (UNISDR) em janeiro do corrente ano.

Na condição de delegado ofi cial e ciente do tamanho da nossa responsabilidade, fomos ainda mais cautelosos para o Equador. Ao chegarmos a Guayaquil, aos poucos nos interamos da situação e começamos a participar das conversas e dos debates que aconteceram durante a realização da Plataforma da ONU.

Além da participação nas conversas e dos debates que aconteceram na PR 14 da ONU, apresentamos o CIADEN no espaço fase IGNITE. As ações técnico-científi cas de aplicação desenvolvidas no CIADEN em favor do ensino médio e técnico da Escola Técnica de Cabrália Paulista e o estímulo da parceria público/privado acabaram chamando a atenção de profi ssionais de vários segmentos, inclusive de representantes de organismos multilaterais que elogiaram o projeto por ele estar conectado com os problemas do nosso tempo e ser contemporâneo de nossa época ao inserir atividades relacionadas com a educação (principalmente a básica) no bojo do contexto científi co, tecnológico e informacional do mundo globalizado visando contribuir com

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a expansão do ensino de aplicação técnico-científi ca envolvendo principalmente as instituições que oferecem ensino técnico e tecnológico como, por exemplo, o Centro o Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS), autarquia do Governo do Estado de São Paulo.

No mundo globalizado do meio técnico, científi co e informacional da terceira revolução industrial, a promoção do ensino escolar com foco na aplicação técnico-científi ca é primordial para a articulação entre teoria e prática enquanto ação de formação educacional formal necessária para a conscientização e a transformação intelectual do ser humano através da ampliação da visão em relação ao conhecimento multi e transdisciplinar sobre ciência, tecnológica de aplicação, desenvolvimento & inovação.

Para VAZQUEZ (1968), é a “atividade teórica e prática que transforma a natureza e a sociedade; prática, na medida em que a teoria, como guia da ação, orienta a atividade humana; teórica, na medida em que esta ação é consciente” (1968, p. 117).

Entretanto, a grande difi culdade que a educação básica, superior e o professor enfrentam nos dias atuais é justamente o saber articular teoria e prática no âmbito do espaço escolar, majoritariamente pensado e organizado a partir de concepções pedagógicas tradicionais e conservadoras que priorizam os interesses individuais em detrimento dos coletivos.

KUENZER (2003), diz que para alunos e professores compreendam“a relação entre parte e totalidade, é fundamental a mediação da prática, em suas relações com a teoria, considerando que os signifi cados vão sendo construídos através do deslocamento incessante do pensamento das primeiras e precárias abstrações que constituem o senso comum para o conhecimento elaborado através da práxis, que resulta não só da articulação entre teoria e prática, entre sujeito e objeto, mas também entre o indivíduo e a sociedade em um dado momento histórico. O ponto de partida, portanto, é sempre o que é conhecido, sem o que não é possível construir novos signifi cados (...).Daí as críticas feitas à escola sobre a incapacidade dos alunos em relacionar os conteúdos das disciplinas com as relações sociais e produtivas que constituem a sua existência individual e coletiva” (2003, p. 6).Para KUENZER (2003), é a prática que determina ao homem o que é necessário, e o que

ele deve conhecer para atender suas necessidades, bem como quais são as suas prioridades no processo de conhecer.

A proposta de se trabalhar com projetos de ensino de aplicação técnica e científi ca é justamente a de proporcionar um ambiente favorável à construção do saber articulando teoria e prática para aproximar o ensino escolar do mundo trabalho e da produção e, consequentemente, propiciar o saber crítico-refl exivo, essencial para o desenvolvimento de uma prática educativa cidadã e transformadora.

Através do CIADEN, estamos buscando colaborar com a consecução de um projeto de educação pública de qualidade social credenciado para promover a refl exão perene sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas, o empreendimento de ações para colaborar com a redução de risco de desastres, preservar a integridade da vida humana, a estrutura produtiva e fomentar o desenvolvimento econômico, político, social e ambiental sustentável e contribuir com a formação técnica e intelectual dos alunos do ensino médio e técnico.

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O CIADEN tem contribuído com o fortalecimento do ensino de ciências entre os alunos do ensino médio e técnico da Escola Técnica de Cabrália Paulista, proporcionando estrutura para desenvolvimento de pesquisa e ensino de aplicação técnico-científi ca e atualização profi ssional nas áreas de geoprocessamento, meio ambiente, aquecimento global, mudanças climáticas, monitoramento e alerta climático, meteorologia, análise ambiental e geociências. A apresentação das crianças e jovens da Coalizão para a Resiliência de Meninos e Jovens da América Latina e Caribe (CORELAC) na PR14 demonstrou proximidade com a proposta de educação que acreditamos e defendemos.

A PR14 da ONU teve vários momentos marcantes. Um deles foi justamente à apresentação das crianças e jovens da CORELAC. Em mais de 25 anos de atuação como educador no ensino básico e superior, fazia um bom tempo que não presenciávamos um posicionamento político fi rme acompanhado de um surpreendente grau de consciência crítica de mundo e cidadã como o demonstrado pelos pequenos da CORELAC. A desenvoltura proativa das crianças e dos jovens fi zeram lembrar-me dos memoráveis embates que enfrentados na nossa militância no movimento político e estudantil nos anos 80 do século XX, quando o ponto nodal da luta era forçar o fi m da ditadura militar e o início do processo de redemocratização do Brasil.

Na condição de educador engajado na luta pela construção de uma educação pública de qualidade social, intelectual e moral para atender a quantidade e de uma sociedade orientada por processo democrático, participativo e orgânico, consideramos a apresentação das crianças e jovens da CORELAC como um dos pontos mais altos da PR14.

Em decorrência da desenvoltura das crianças e dos jovens da CORELAC e dos debates e refl exões que presenciamos na PR14, voltamos do Equador com o sentimento que o Brasil ainda está em desvantagem em relação a outros países latino-americanos (que possuem condição econômica e social muito inferior a nossa) no campo da educação e em relação a outras importantes áreas por falta de planejamento estratégico e execução efi ciente das políticas públicas empreendidas nos diversos setores da gestão pública.

Através do presenciado e aprendido na PR 14 da ONU de Guayaquil, Equador, estamos convencidos de que o compromisso com o desenvolvimento de um projeto para promover a redução de risco de desastres e a vulnerabilidade decorrente das ameaças naturais, tanto nas Américas quanto no mundo para promover o avanço do novo Marco de Ação de Hyogo Pós-2015 passa pelo empreendimento de inúmeras ações públicas e privadas, entre elas a valorização concreta da educação básica e superior.

O desenvolvimento de um projeto de educação cidadã é fundamental para a consecução de uma sociedade resiliente que quando exposta a uma ameaça de desastre natural, esteja preparada para antecipar, resistir, absorver, adaptar-se e recuperar de seus efeitos de maneira oportuna e efi caz, inclusive preservando e reestruturando suas estruturas e funções básicas e de um projeto de desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável concreto.

Este será o foco de refl exão neste texto, centrado na relação entre o homem e a natureza, a globalização capitalista, a revolução técnico-científi ca-informacional, o aquecimento global, as mudanças climáticas e a contribuição da educação para a construção de uma sociedade resiliente através do Marco de Ação de Hyogo pós-2015.

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PR14 da ONU de Guayaquil: a contribuição da educação para a construção de uma sociedade resiliente

A construção de um projeto de educação democrático e participativo possibilitaria às camadas sociais mais pobres, geralmente mais vulneráveis aos riscos de desastres, o acesso a uma escola capacitada para atender a quantidade com qualidade, formando cidadãos conscientes e preparados para contribuir com a transformação construtiva da sociedade americana e mundial.

Porém, apesar dos avanços econômicos e sociais da última década, a desigualdade social, a fome e a miséria ainda atingem um contingente signifi cativo de brasileiros e a educação pública básica continua negando a oferta de uma formação de qualidade social, conscientizadora, libertadora e transformadora para que a gente do povo consiga superar a quase intransponível barreira da exclusão social para ser incluída com dignidade e igualdade de oportunidades para fi nalmente vislumbrarmos a possibilidade da construção de um projeto econômico, político, social, cultural e ambientalmente sustentável e de uma sociedade verdadeiramente resiliente preparada para enfrentar os desafi os de um mundo que presencia o crescente aumento da frequência dos eventos naturais extremos potencializados pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas e do passivo ambiental resultante do modo de produção empreendido pela globalização da economia capitalista.

O estágio atual da globalização capitalista tem a companhia do moderníssimo aparato científi co, tecnológico e informacional da chamada terceira revolução industrial. Entretanto, a complexidade científi ca, tecnológica e informacional desta revolução ao invés de frear, tem aumentado ainda mais a dependência planetária em relação aos combustíveis fósseis responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa que atualmente potencializam o aquecimento global e as mudanças climáticas, ampliando ainda mais a distância entre o homem e a natureza.

A relação nada amistosa entre o homem e a natureza que presenciamos em nossos dias tem sua raiz na longínqua época em que a espécie humana começava a ensaiar os seus primeiros passos sobre a superfície terrestre. Como animal capaz de articular a habilidade de pensar, de falar, de entender o espaço vital, agir e produzir ferramentas para resolver as suas necessidades práticas, os seres humanos conseguiram ampliar o seu potencial corporal ao desenvolver e ensinar técnicas que lhes deram poder crescente sobre a Natureza e a capacidade para se adaptar e sobreviver em todos os ecossistemas terrestres, inclusive nos lugares mais remotos e inóspitos.

Nos primórdios da Era Primitiva, ao aprender a produzir artifícios e artefatos de diferentes tipos, os grupos humanos dessa época remota começaram percorrer um longínquo caminho que culminou na descoberta das técnicas para dominar o fogo, no desenvolvimento da agricultura, na domesticação dos animais, na criação de meios de transporte, na transformação artesanal dos recursos minerais, animais e vegetais para produzir alimentos e objetos variados para seu uso e consumo. Também pensaram e desenvolveram sistemas de armazenagem e processos de conservação de alimentos e começaram a trocar os excedentes que produziam, criando as condições necessárias para o início da civilização, o desenvolvimento do comércio e da escrita.

Para o geógrafo Milton SANTOS (1996)

“Ontem, o homem escolhia em torno, naquele quinhão de natureza, o que lhe podia ser útil para a renovação de sua vida: espécies animais e vegetais, pedras, árvores, fl orestas, rios, feições geológicas.

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Esse pedaço de mundo, é da Natureza toda de que ele pode dispor, seu subsistema útil, seu quadro vital. Então há descoordenação entre grupos humanos dispersos, enquanto se reforça uma estreita cooperação entre cada grupo e o seu Meio: não importa que as trevas, o trovão, as matas, as enchentes possam criar o medo: é o tempo do homem amigo e da natureza amiga. (...) ‘A Natureza é atroz, o homem é atroz, mas parecem entender-se’ ”(1996, p. 16/17).

Desde os tempos mais remotos da história da existência humana, a diversidade de ferramentas disponíveis em uma sociedade sempre revelou o seu grau de artifício, ou seja, de conhecimento e informação acumulado por ela e, ao mesmo tempo, o seu poderio de dominação sobre territórios e sociedades ou grupos menos evoluídos tecnicamente.

Porém, as antigas sociedades realizaram tudo numa escala de impacto infi nitamente menor do que a pegada ecológica destrutiva da civilização moderna e contemporânea. O meio técnico-científi co-informacional concebido no bojo da terceira revolução industrial e do capitalismo globalizado continuarão produzindo efeitos ambientais negativos para o homem e o Planeta Terra enquanto a dinâmica extrativista de recursos naturais sem limites vigente não for repensada para caminharmos na direção da construção de um projeto de exploração racional e sustentável. Com certeza, poderá produzir efeitos quase irrecuperáveis, se o ímpeto devastador do homem atual for mantido por muito tempo. Reforçando a nossa refl exão, Milton SANTOS sabiamente diz que

“A história das chamadas relações entre a sociedade e a natureza é, em todos os lugares habitados, a da substituição de um meio natural dado a uma determinada sociedade, por um meio artifi cializado, isto é, sucessivamente instrumentalizado por essa mesma sociedade. Em cada fração da superfície da terra (sic), o caminho que vai de uma situação a outra se dá de maneira particular; e a parte do ‘natural’ e do ‘artifi cial’ também varia, assim como mudam as modalidades de seu arranjo” (1996, p. 186).

No mundo contemporâneo, da cultura pós-moderna e da globalização da economia capitalista integrada na óptica do meio técnico, científi co informacional, está criando um verdadeiro “tecnocosmo”, uma situação em que a vegetação natural que ainda existe tende a recuar, às vezes brutalmente. Entretanto, a união entre a ciência, a técnica e a informação do mundo contemporâneo prioriza os interesses do mercado globalizado em detrimento aos da maioria dos habitantes do Planeta Terra. Assim, a ideia de ciência, tecnologia e de mercado global deve ser encarada conjuntamente e podem oferecer uma nova interpretação à questão social, ecológica e climática.

Segundo Milton SANTOS (1996),

“A história do homem sobre a Terra é a história de uma rotura progressiva entre o homem e o entorno. Esse processo se acelera quando, praticamente ao mesmo tempo, o homem se descobre como indivíduo e inicia a mecanização do Planeta, armando-

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se de novos instrumentos para tentar dominá-lo. A natureza artifi cializada marca uma grande mudança na história humana da natureza. Hoje, com a tecnociência, alcançamos o estágio supremo dessa evolução” (1996, p. 17).

Para MOREIRA (1996), a terceira revolução industrial, científi ca e tecnológica, concebida no Pós-Segunda Guerra Mundial, tem desencadeado, a partir do crescente domínio da biodiversidade do Planeta Terra, uma revolução biotecnológica: aos poucos vemos nascer um “novo” conceito de recurso natural e matéria-prima e, portanto, um “novo” conceito de natureza, agora ligado ao mundo vivo, orgânico das plantas e animais, substituindo o conceito mineral, vindo dos recursos do subsolo.

A biodiversidade passa a ser o recurso a ser pesquisado e explorado através da biotecnologia e da engenharia genética, recurso de feição genética e, portanto, sem fronteiras territoriais fi xadas, pois sua “exploração” ocorre majoritariamente em laboratórios localizados nos países desenvolvidos.

Então, os atuais problemas ambientais causados pelo homem no processo de construção e reconstrução de espaços geográfi cos no mundo globalizado não se confi guram somente como de ordem ecológica, eles também são de ordem fundamentalmente política, econômica, cultural e ética. Afi nal decorrem, sobretudo, do modo como às sociedades se apropriam da natureza e usam, destinam e transformam os recursos naturais.

Desde o início de sua evolução, o ser humano tem agido sobre a natureza de acordo com os padrões de desenvolvimento material assumido pelas sociedades, condição que vincula a degradação ambiental ao modelo de desenvolvimento material e econômico dos povos de hoje. Se as pessoas de uma determinada sociedade estão inseridas em um modelo de produção e consumo globalizado, a destruição da natureza local terá refl exos em escala planetária. São catastrófi cas as ações inadequadas do ser humano em sua busca incessante e crescente por recursos naturais. No mundo atual, nenhum elemento da natureza permanece livre da interferência das atividades humanas. Tampouco, nenhuma sociedade está imune aos fenômenos climáticos e aos riscos de desastres naturais.

Porém, na concepção moderna e progressista, o meio ambiente não é visto somente como um aglomerado de elementos naturais que originam as paisagens ao relacionar-se entre si. É importante ressaltar que os espaços humanos também integram o ambiente geográfi co, constituindo um habitat com diversos graus de degradação social e ambiental.

Nos últimos dez anos, por exemplo, o mundo presenciou a ocorrência de uma série de eventos naturais com energia sufi ciente para promover grandes catástrofes que, além da destruição de cidades e estruturas produtivas, provocaram perdas irreparáveis de vidas humanas. Entretanto, enquanto os terremotos, vulcanismo e tsunamis são provocados pela dinâmica natural de transformação geológica da Terra, que resultam de forças internas sem interferência humana, renomados pesquisadores do Brasil e do exterior apontam que o aquecimento global é fruto do aumento da quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera, um fenômeno prejudicial proveniente da queima de combustíveis fósseis utilizados para sustentar o desenvolvimento das sociedades atuais.

Pesquisas desenvolvidas com a participação de cientistas de várias áreas do conhecimento humano e com a utilização de diversas técnicas e metodologias têm comprovado que emissão

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de gases de efeito estufa agrava a ocorrência de mudanças climáticas, que são registradas em todo o planeta. A queima de combustíveis fósseis utilizados para sustentar o desenvolvimento da sociedade urbano-industrial contribui com drásticas alterações ambientais que intensifi cam a força destrutiva dos ciclones, furacões, tornados, tufões e tempestades, ocasionam períodos inesperados de estiagens e também estão alterando o ciclo tradicional de chuvas.

MARENGO (2006) fala que a

“A identifi cação da infl uência humana na mudança do clima é um dos principais aspectos analisados pelo IPCC (...). O TAR publicado em 2001 (...) demonstrou que as mudanças observadas de clima são pouco prováveis devido à variabilidade interna do clima, ou seja, a capacidade do clima de produzir variações de considerável magnitude em longo prazo sem forçamentos externos. As mudanças observadas são consistentes com respostas estimadas devido a uma combinação de efeitos antropogênicos e forçamentos naturais” (2006, p. 26).

Os fenômenos climáticos adversos provocam intensas secas que reduzem a produção agropecuária, causam grandes incêndios, desabastecimento de água para consumo humano e crises hidrelétricas em algumas regiões, enquanto em outras, as intensas chuvas fazem deslizar encostas, erodem ou assoreiam cursos de águas ou grandes extensões territoriais, alagam áreas urbanas e destroem inúmeras atividades socioeconômicas ribeirinhas, além de ocasionar signifi cativa mortalidade de pessoas.

O 5º Relatório (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado no segundo semestre de 2013, indica que se as emissões antropogênicas de gases do efeito estufa continuarem crescendo nos níveis atuais nas próximas décadas, a temperatura média no Planeta Terra poderá atingir 4,8 graus Celsius até o fi nal do século XXI, provocando o derretimento de extensão signifi cativa das geleiras existentes no mundo, principalmente o gelo do Ártico que deverá sofrer uma diminuição de até 94% no período de verão, podendo elevar o nível dos oceanos em até 0,82 centímetros e causar danos de grande monta em importantes áreas costeiras do Planeta Terra onde se concentram complexos urbanos e industriais de grandes magnitudes.

Os estudos de renomados cientistas divulgados no 5º Relatório (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam que existe mais de 95% de chances de que o homem tenha causado mais da metade do aquecimento global no período correspondente entre 1951/2010. No 4º Relatório (AR4), este percentual era em torno de 90%.

O 5º Relatório (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indica que o aquecimento global antropogênico está contribuindo com a elevação média da temperatura em âmbito global; ele é, e será um dos mais graves problemas ambientais que o homem terá que enfrentar no decorrer do século XXI. Nos dias de hoje, diminuir a emissão dos gases do efeito estufa através da redução do uso de combustíveis fósseis para mitigar os efeitos negativos do aquecimento global signifi ca frear o avanço das atividades produtivas tanto no campo quanto na cidade na maioria dos países do planeta. Então, como mudar esta óptica

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de produzir num mundo sobre forte infl uência do capitalismo globalizado e do livre comércio focado na produção de mercadorias de variados tipos e no consumismo sem limites? Este é o maior desafi o que o mundo terá que enfrentar no decorrer do século XXI.

Sobre esta questão, FREIRE (1997) diz que a liberdade do comércio não pode estar acima da liberdade do ser humano. A liberdade de comércio sem limites é licenciosidade do lucro. Vira privilégio de uns poucos que, em condições favoráveis, robustece seu poder contra os direitos de muitos, inclusive o direito de sobreviver.

As mudanças na intensidade e frequência das chuvas estão provocando perdas signifi cativas na produção agropecuária brasileira e mundial. Em algumas áreas da região Centro Sul do Brasil, por exemplo, o plantio da safra primavera/verão antes realizado geralmente na primeira quinzena de outubro está chegando cada vez mais próximo do mês de dezembro pela falta do volume pluviométrico necessário para a boa germinação e o desenvolvimento adequado das plantas, que passam por frequentes transformações genéticas e biotecnológicas para poderem suportar ora as altas temperaturas, ora a falta/excesso de chuvas ou ao aumento da incidência de pragas possivelmente potencializadas pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas.

A seca que atualmente atinge vasta área do território brasileiro, por exemplo, já provocaram perdas signifi cativas aos produtores do campo e, também, está ameaçando seriamente o fornecimento de água para a produção industrial e consumo humano em inúmeros municípios brasileiros, principalmente para os localizados na região metropolitana de São Paulo.

MARENGO (2006) aprofunda o nosso raciocínio dizendo que:

“O aquecimento global recente tem impactos ambientais intensos (como o derretimento das geleiras e calotas polares), assim como em processos biológicos (como os períodos de floração). Conforme o artigo “Alpes perdem 10% do gelo em um ano”, publicado na Folha de S. Paulo em 1/12/2005, as temperaturas na Europa, por exemplo, vêm subindo mais rapidamente que a média do planeta e, só no ano de 2003, 10% das geleiras dos Alpes derreteram, de acordo com relatório publicado em novembro de 2005 pela agência ambiental da União Europeia (sic). Os climas mais quentes provocados pelo aquecimento global podem aumentar a incidência de casos de peste bubônica, a epidemia que matou milhões de pessoas ao longo da história e exterminou um terço da população da Europa no século XIV. Assim como aumentar o número de doenças tropicais, como a malária, a dengue e a desinteria. Seja por causa da piora nas condições de saúde, devido à disseminação destas enfermidades, ou por causa da diminuição do suprimento de água, os países da África Subsaariana, da Ásia e da América do Sul são os mais vulneráveis às consequências (sic) do aquecimento da Terra. Muitas das principais moléstias que atingem os países pobres, das já citadas, malária e diarréia (sic), passando pela subnutrição, são extremamente sensíveis às condições climáticas” (2006, p. 19).

Diante das discussões que presenciamos na IV Sessão da Plataforma Regional para a Redução de Risco de Desastres nas Américas (PR14) e da posição assumida pelo continente americano através do Comunicado de Guayquil, não temos dúvidas que a presença da educação

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básica e superior é central no desenvolvimento de ações que visam promover a redução de risco de desastres e corroborar com a construção de uma sociedade resiliente. Porém, no caso do Brasil, a mudança na estrutura de ensino da educação brasileira é urgente para podermos atender aos anseios e as demandas econômicas, sociais e culturais da nossa juventude.

Para atendermos as demandas sociais de nossas crianças e jovens, pensar sobre educação de qualidade social e intelectual é um grande desafi o para todos aqueles que assumem a tarefa de refl etir sobre a importância do desenvolvimento de ações e projetos educativos necessários para formar profi ssionais competentes, criativos, críticos, participativos, proativos, comunicativos e inovadores, que saibam enfrentar novos desafi os, resolver problemas e trabalhar em equipe para suprirmos a crescente demanda por mão de obra qualifi cada para que a estrutura produtiva do meio rural e urbano possa atingir níveis adequados de produtividade com sustentabilidade econômica, social e ambiental.

Portanto, pensar sobre o ensino público básico e superior de qualidade implica não só em refl etir sobre métodos e processos para construção conceitual. Sobre tudo, é uma ação que muitas vezes se depara com a necessidade de reconstruir conceitos frequentemente usados. “Educação de Qualidade” é um conceito, como tantos outros construídos socialmente na relação que se estabelecem entre sujeitos, e de sujeitos com os objetos existentes num determinado contexto porque há urgência de uma educação pública que promova a autonomia, a emancipação e a transformação cultural e intelectual dos brasileiros do século XXI.

Não temos receio de dizer que o ensino público básico e superior de qualidade e democrático, para todos, deve ser exemplo de ação justa do poder público seja ele, municipal, estadual ou federal. Se um país se faz com homens e livros, como dizia José Bento Monteiro Lobato, uma nação democrática, republicana, laica e soberana se constrói somente com a consecução de uma Escola Pública de qualidade social, ligada às necessidades da nossa gente. Temos que formar profi ssionais e cidadãos preparados e comprometidos com a construção de um projeto de sociedade resiliente capaz de desenvolver o meio econômico e ambiental, impedindo a degradação da natureza e combatendo a exclusão social, intelectual e digital.

Entendemos que o processo de ensino e aprendizagem, quando desenvolvido numa concepção de educação enquanto prática de liberdade e transformação social, defendida por FREIRE (1992), promove o pensamento crítico e refl exivo, despertando a consciência da participação coletiva necessária para o desenvolvimento de um projeto resiliente sobre redução de risco de desastres concreto e orgânico. O indivíduo consciente ganha então, condições intelectuais autônomas para analisar e compreender as complexas relações que existem entre os processos naturais e sociais e para agir, segundo LEFF (2001), sobre o espaço terrestre dentro da perspectiva global, apesar de diferenciado pelas diversas condições naturais e culturais.

Entretanto, ao mesmo tempo, que temos de ter a consciência de que a educação, em especial, a educação escolar, são os alicerces necessários para a construção do conhecimento humano, temos que estar cientes que tanto a educação geral quanto a específi ca têm seus limites, em decorrência de uma série de outros fatores de organização social, econômica e política da sociedade, que interagem com elas. Sem esta interação, a contribuição da educação em prol do desenvolvimento de um projeto que visa à redução de risco de desastres e a construção de uma

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sociedade global resiliente não será efetiva, principalmente se não for alcançada à necessária conscientização socioambiental transformadora.

Os limites da transformação pela educação fi cam bem evidenciados quando OLIVEIRA (1996) citando SAVIANI a expõe enquanto processo

“considera que a educação por si só, como também outras modalidades da prática social, não transforma diretamente a estrutura social. A transformação que a educação opera é aquela que se dá através do processo de transformação das consciências. E, no processo global de transformação das estruturas, a educação enquanto transformação das consciências é condição essencial. Ou seja, a transformação das consciências aí não existe como uma mera conseqüência da transformação das condições materiais da sociedade (1996, p. 59).

Para que a educação básica e superior possa colaborar para a conscientização socioambiental transformadora primordial para a construção de uma sociedade global resiliente, ela deve primar pela defesa dos verdadeiros valores e objetivos da educação, tomando por referência, o conceito de FREIRE,

“A conscientização, enquanto ato de conhecimento, de aproximação crítica à realidade é também consciência histórica e inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. A conscientização está baseada na relação consciência-mundo” (1980, p. 25-27).

Entretanto, a conscientização é processo de longo prazo. “A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitifi cante. É práxis, que implica a ação e a refl exão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE, 2001, p.67).

As palavras de FREIRE (2001) dizem tudo: a libertação e transformação do homem ocorrem somente a partir da sua conscientização, isto é, do aprofundamento da tomada de consciência. Um homem consciente é um ser autônomo capacitado para lutar por seus interesses individuais sem perder de vista a importância da defesa dos interesses coletivos da humanidade.

O processo de conscientização não ocorre de imediato; e sim, há longo prazo. A educação escolar tem papel decisivo no processo de libertação para a conscientização.

Lembremo-nos de que para FREIRE (2001), a partir da prática educativa problematizadora, libertadora e transformadora, os indivíduos imersos na realidade, com a pura sensibilidade de suas necessidades, emergem dela e, assim, ganham a razão das necessidades, ultrapassando rapidamente o nível da “consciência real”, atingindo o da “consciência máxima possível”.

FREIRE (2001) é enfático ao dizer: “conscientização, é óbvio, que não para, estoicamente, no reconhecimento puro, de caráter subjetivo, da situação, mas, pelo contrário, prepara os homens, no plano da ação, para luta contra obstáculos à sua humanização” (p. 114). Assim sendo, a educação mesmo com os seus limites, é a chave para a construção do processo

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de conscientização do homem necessário para a construção de uma política de redução de risco de desastres e de uma sociedade resiliente pretendida pela ONU pós-2015.

Conforme FREIRE (2000),

“A educação tem sentido porque o mundo não é necessariamente isto ou aquilo, porque os seres humanos são tão projetos quanto podem ter projetos para o mundo. A educação tem sentido porque mulheres e homens aprenderam que é aprendendo que se fazem e se refazem, porque mulheres e homens se puderam assumir como seres capazes de saber, de saber que sabem, de saber o que ainda não sabem. A educação tem sentido porque, para serem, mulheres e homens simplesmente fossem não haveria porque falar em educação” (2000, p. 40).

FREIRE continua seu raciocínio sobre a importância da educação dizendo que

“A consciência do mundo, que viabiliza a consciência de mim, inviabiliza a imutabilidade do mundo. A consciência do mundo e a consciência de mim me fazem um ser não apenas no mundo mas com o mundo e com os outros. Um ser capaz de intervir no mundo e não só de a ele se adaptar. É nesse sentido que mulheres e homens interferem no mundo enquanto os outros animais apenas mexem nele. É por isso que igualmente nos faz e que nos torna portanto históricos” (2000, p. 40).

A partir da refl exão de FREIRE (2000), podemos dizer que o processo de conscientização ao longo do tempo é a razão pela qual temos que consolidar o projeto de Educação Ambiental para que possamos construir ao longo de gerações, a consciência socioambiental necessária para a recuperação e preservação do meio ambiente visando à redução de risco de desastres. Então, a conscientização implica como salientou Paulo FREIRE (1993), no ultrapassar a esfera espontânea de apreensão da realidade e a superação da falsa consciência do conhecimento.

OLIVEIRA (1996), analisando o pensamento de SAVIANI sobre a relação entre educação e transformação social, tendo em vista a superação do capitalismo, diz que esta questão está diretamente ligada ao conceito de educação como mediação no interior da prática social, isto é, a função da educação é importante para a transformação social.

Para o educador Dermeval SAVIANI,

“a educação enquanto atividade mediadora no seio da prática social global pressupõe a educação comprometida com a elevação da consciência das massas, e esse processo de elevação das consciências é uma parte integrante, necessária e fundamental do próprio processo de transformação social. Assim ele assume uma posição de classe dentro da sociedade dividida em classes antagônicas e sua proposta de construção de uma pedagogia histórico-crítica implica num posicionamento de classe. Ele vê que sem a elevação do nível cultural da massa, esta não consegue se erigir em força hegemônica. (1996, p. 56-57)

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A participação como exercício de ter voz, de ingerir, de decidir em certos níveis de poder, de direito de cidadania, acha-se em relação direta, necessária com a prática educativa progressista (FREIRE, 1993). Ao propor a educação enquanto prática da liberdade, a uma sociedade desacostumada à livre-expressão, à participação, FREIRE (1993) direciona o processo educativo aos sujeitos participativos, fazedores de história.

Paulo FREIRE (1993), no início de sua Pedagogia como prática da liberdade, coloca a liberdade (um tema caro aos liberais) como foco de suas refl exões. Somente após o exílio, quando publica a “Pedagogia do Oprimido”, troca o tema da liberdade pelo tema da opressão. A partir daí, a liberdade passa a ser “a consciência da necessidade” de mudar o mundo dentro da concepção progressista de liberdade. A participação iniciada no espaço escolar pode ser o ponto de partida para a efetiva participação social e política.

Em suma, se a educação como processo de mediação não servir para o homem tornar-se homem, não proporcionará a construção de uma consciência e cultura de massa e não permitirá a transformação socioambiental necessária para a construção de um projeto econômico e ambiental sustentável e uma sociedade resiliente.

Num projeto econômico e ambiental verdadeiramente sustentável e uma sociedade resiliente, a natureza passaria a ser vista como um processo dinâmico e complexo capaz de garantir a permanência do homem e dos demais seres vivos sobre a superfície terrestre e os recursos naturais seriam preservados e disponibilizados igualmente para todos os seres humanos do presente e do futuro.

A construção dessa ampla concepção de natureza passa pela escola e deve ser articulada e desenvolvida no âmbito de uma educação interdisciplinar transformadora capaz de construir uma consciência crítica e construtiva que colabore com a construção de um modelo de produção e de geração de renda sustentável capacitado para atender as necessidades básicas da maioria dos habitantes do Planeta Terra que vivem abaixo da linha de pobreza da ONU. Esta questão também esteve presente no centro das discussões da PR 14 da ONU em Guayaquil.

Como compactuamos com os mesmos ideais da ONU, estamos convictos que a construção de um modelo de desenvolvimento econômico e ambiental sustentável no decorrer do século XXI, é o caminho que temos que percorrer para empreendermos uma política efi ciente tanto na esfera pública quanto na privada para a redução de risco de desastres e na consolidação de uma sociedade resiliente. Então, vale lembrar a fala de um índio sobre a importância do contato com a realidade natural como elemento importante no processo de conscientização socioambiental.

“... O rio que é importante para o meu povo é o mesmo rio que vai dar água para seu fi lho e para o seu neto. A fl oresta que abriga e que dá alimento para as nossas tribos é a mesma fl oresta que vai dar oxigênio e que vai dar alimento para seu fi lho e para seu neto. Você não pode fi ngir que é um tatu e deixar essa coisa toda ser depredada, ser destruída, pensando que seu fi lho e seu neto vão resolver os problemas comprando tudo no supermercado, porque quem abastece o supermercado é a fl oresta, são os campos, é o sertão e são as roças. Eu não conheço aqui na cidade nenhum lugar que dê comida. O supermercado só vende comida, ele não faz

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comida. Essa criançada que está crescendo na cidade, nascendo e crescendo e morando em apartamentos, corre o risco de viver até dez, doze anos sem pisar no chão, sem entrar num rio, sem correr no mato... Esses meninos vão acabar, quando fi carem grandes, reproduzindo o ambiente deles no resto do Brasil. Se um menino que nasceu e cresceu num prédio aqui de São Paulo for para Rondônia, ele vai chegar lá e vai botar cimento no chão, vai botar cimento no céu, porque o ambiente dele é o cimento. Ele vai produzir calçadões na Amazônia inteira. Como é que ele vai tolerar chegar no Mato Grosso e ver aquele cerrado? Ele não agüenta, ele mete o trator naquilo tudo. Se possível, ele passa asfalto. Se não for possível, ele planta soja ou ele bota boi. Mas ele não vai deixar mato ali. Porque mato dá pânico nele. Ele não nasceu no mato. Ele cresceu no cimento. Então, esse problema é muito grave.Nós temos ouvido, nos últimos anos, as pessoas falarem de ecologia e de natureza. Não adianta nada falar de ecologia e de natureza para uma pessoa que nasce e cresce em cima do cimento, cercado de vidro e de cimento. Ecologia para ele, no máximo, vai ser um vasinho de planta, mas nunca vai ser uma cachoeira, nunca vai ser um rio, nunca vai ser o mato. Por quê? Porque não dá. Não é possível para ele organizar a vida no mato”. (KRENAK, 1991, p. 23).

A fala de KRENAC nos faz remeter a seguinte refl exão. Só conseguiremos atingir um nível de conscientização socioambiental entre os seres humanos para conseguirmos implementar um projeto estratégico para promover a redução do risco de desastres e a construção de uma sociedade resiliente, quando reunirmos esforços de pessoas com diferentes conhecimentos e com diferentes tarefas necessárias para colocarmos os objetivos e valores da educação atendermos a quantidade com qualidade na escola básica e superior pública.

O alcance da consciência socioambiental primordial para o empreendimento de ações concretas para a redução de risco de desastres concretizará quando os interesses da “sociedade política” e da “sociedade dos meios de produção privado” se aproximarem das necessidades da “sociedade civil” certamente o desenvolvimento de projetos socioambientais resilientes não encontrarão as difi culdades sentidas na atualidade.

Mas para atingirmos tal grau de maturidade social há de se caminhar por meio de ações que mostrem as possibilidades, ainda hoje, de melhorar o mundo nos aspectos econômicos, sociais e ambientais. Isso signifi ca que o caminho da emancipação humana primordial para a construção de uma sociedade resiliente é longo e tortuoso e exige muito conhecimento e ação política e técnico-científi ca.

É nesse processo dialético que a educação, como prática social, e a educação escolar, como forma dominante de Educação, têm papel decisivo no processo de conscientização imprescindível para o exercício da cidadania plena. Assim, todos os seres humanos, independente da sua condição social, teriam consciência da importância da participação coletiva no desenvolvimento de ações que visam à redução de risco de desastres e a vulnerabilidade decorrente das ameaças naturais, tanto nas Américas quanto no mundo no novo Marco de Ação de Hyogo Pós-2015.

Para MACHADO (1997), educar para a cidadania signifi ca prover os indivíduos de instrumentos para a plena realização da participação motivada e competente, da simbiose

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PR14 da ONU de Guayaquil: a contribuição da educação para a construção de uma sociedade resiliente

entre interesses pessoais e sociais e da disposição para sentir em si as dores do mundo. Para o renomado educador,

“educar para a cidadania deve signifi car também, pois, semear um conjunto de valores universais, que se realizam com o tom e a cor de cada cultura, sem pressupor um relativismo ético radical francamente inaceitável; deve signifi car ainda a negociação de uma compreensão adequada dos valores acordados, sem o que as mais legítimas bandeiras podem reduzir-se a meros slogans e o remédio pode transformar-se em veneno” (1997, p. 107-108).

Concluímos o presente texto dizendo que sem a concretização de um projeto de escola pública capacitado para promover a aprendizagem signifi cativa através da relação entre teoria e prática via ensino de aplicação técnico-científi ca para formar a maioria com bases sólidas de ciência, tecnologia e compromisso social, a travessia de um sistema gerador de desigualdades para um sistema justo socialmente fi cará para as calendas, pois sem o saber sistematizado dominado pelo maior número de pessoas não daremos o salto de qualidade no sentido da libertação e da consciência socioambiental indispensável à transformação necessária para a consecução de uma política efi ciente para a redução de risco de desastres e a consolidação da resiliência na sociedade americana e global.

Fica aqui registrada a nossa refl exão sobre a participação na PR14 da ONU de Guayquil e a contribuição que a educação (principalmente o ensino de aplicação) poderá dar para a construção de uma sociedade resiliente no decorrer do século XXI.

Referências

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Lourenço Magnoni Junior

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O uso de geotecnologias no monitoramento de incêndios fl orestais na reginão da Redec - 17 – Bauru

O USO DE GEOTECNOLOGIAS NO MONITORAMENTO DE INCÊNDIOS FLORESTAIS NA REGIÃO DA REDEC - I7 – BAURU

GEOTECHNOLOGY APPLIED TO MONITORING OF FOREST FIRES IN THE REGION OF REDEC-I7 OF SÃO PAULO STATE

Gabriel Dias Guerche1

Giovani Bruno Cantão1

Guilherme José Pessato1

João Marcos Batista Gabaldi1

João Pedro Carneiro de Mattos1

Lucas Generoso Bueno1

Marilei Andrade1

Nathan Alves Pereira1

Rafael Dias Guerche1

Renata Caroline da Silva1

Eymar Silva Sampaio Lopes2

Guido Branco Júnior3

Lourenço Magnoni Júnior3

Wellington dos Santos Figueiredo3

1 Alunos Ensino Médio e Técnico da Escola Técnica Estadual de Cabrália Paulista e participantes do Projeto de Iniciação Científica desenvolvido pelo CIADEN E-mail: [email protected]

2 Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). E-mail: [email protected]

3 Professores da Escola Técnica Estadual de Cabrália Paulista/Centro Paula Souza. E-mail: [email protected]

Artigo recebido em setembro de 2014 e aceito para publicação em novembro de 2014.

RESUMO: A utilização de sistemas computacionais aplicados a questões do meio ambiente pode ser complexa e requer muitas variáveis a serem modeladas. Na literatura existem diversos modelos ambientais para as mais diversas aplicações como incêndios, enchentes, deslizamentos, entre outras. O desenvolvimento de geotecnologias com monitoramento em tempo-real de dados ambientais permite acompanhar as mudanças climáticas com potencial de defl agrar desastres. Neste contexto o Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN) instalado na Escola Técnica Estadual Astor de Mattos Carvalho de Cabrália Paulista – SP vem desenvolvendo aplicações fazendo uso da plataforma TerraMA2 do INPE. O objetivo deste trabalho é apresentar o trabalho de monitoramento, análises e alerta a incêndios fl orestais realizado na região de atuação da REDEC-I7 pelo CIADEN, onde concentram-se empresas de refl orestamento como a Duratex, Papel Suzano e Lwarcel. O sistema de monitoramento desenvolvido utiliza dados hidrometeorológicos coletados do INPE como precipitação acumulada por satélite, variáveis como umidade relativa, temperatura, vento, direção de vento e focos de queimadas do GOES, NOAA e Meteosat. A área monitorada compreende os talhões de Eucalipto e Pinus que estão dentro dos 39 municípios que confi guram a REDEC-I7 da Defesa Civil. As análises de risco a incêndios são realizadas sobre as condições hidrometeorológicas dentro e num raio entorno dos talhões. Sobre condições de baixa umidade, número de dias sem chuva,

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Gabriel Dias Guerche · Giovani Bruno Cantão · Guilherme José Pessato · João Marcos Batista Gabaldi · João Pedro Carneiro de Mattos · Lucas Generoso Bueno · Marilei Andrade · Nathan Alves Pereira · Rafael Dias Guerche · Renata Caroline da Silva · Eymar Silva Sampaio Lopes · Guido Branco Júnior · Lourenço Magnoni Júnior · Wellington dos Santos Figueiredo

intensidade de vento, altura do dossel, presença de focos de queimadas nas em faixas de distância de 10 e 5 km são os principais parâmetros para produzir alertas em quatro níveis, isto é, observação, atenção, alerta e alerta máximo. O sistema passa por um processo de calibração e ajustes, mas os primeiros resultados já mostram promissores para os agentes de combate a incêndios na região.

Palavras-chave: Geotecnologias, Monitoramento, Incêndios Florestais, CIADEN, TerraMA2

ABSTRACT: The use of computational systems applied to environmental issues can be complex and requires many variables to be modeled. In literature there are many environmental models for various applications such as fi res, fl oods, landslides, among others. The development of geo-technologies with real-time monitoring of environmental data allows to track climate change with the potential to trigger disasters. In this context, the Center for Integrated Disaster Alert (CIADEN) installed at the Technical School Astor de Mattos Carvalho in Cabrália Paulista - SP has been developing applications making use of the platform TerraMA2-INPE. The objective of this paper is to present the work of monitoring, analysis and alert fi res conducted in the region the REDEC-I7 by CIADEN where concentrated reforestation companies as Duratex, Conpacel and Lwarcel. The monitoring system developed uses hydrometeorological data collected and accumulated precipitation INPE satellite, variables such as relative humidity, temperature, wind, wind direction and fi re outbreaks GOES, NOAA and Meteosat. The monitored area includes Eucalyptus and Pinus that are within the 39 municipalities that make up the REDEC-I7 - Civil Defense. The fi re risk analysis are performed on the hydrometeorological conditions within and around a radius of areas. About low humidity conditions, the number of days without rain, wind intensity, canopy height, presence of fi re outbreaks in the distance buffer of 10 and 5 km are key parameters to produce alerts in four levels, ie, observation , attention, warning and alert. The system goes through a process of calibration and adjustments, but the fi rst results already show promising agents for fi re fi ghting in the region.

Key words: Geotechnology, Monitoring, Forest Fires, CIADEN, TerraMA2

Introdução:

O advento da globalização da economia capitalista e da terceira revolução industrial, científi ca e tecnológica provocou inúmeras mudanças e transformações na cadeia produtiva urbana e rural do mundo nas últimas cinco décadas. A ciência, a tecnologia, a informação e a inovação tecnológica tornaram à base de sustentação deste paradigma que alargou a dependência do homem contemporâneo em relação à energia produzida através da utilização dos hidrocarbonetos responsáveis pelo aumento das emissões antropogênicas de gases de efeito estufa detonadores do aquecimento global e das mudanças climáticas em curso no Planeta Terra.

Tal realidade permite-nos dizer que temos de um lado um novo sistema técnico hegemônico e, de outro, um novo sistema econômico, político, jurídico, social e cultural hegemônico, cujo ápice é ocupado pelas instituições supranacionais, empresas multinacionais

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O uso de geotecnologias no monitoramento de incêndios fl orestais na reginão da Redec - 17 – Bauru

e Estados, que comandam objetos mundializados e relações mundializadas. O resultado, no que toca ao espaço, é a criação do que chamamos de meio técnico, científi co e informacional, que é a nova cara do espaço e do tempo. É nele que se instalam as atividades articuladas pelo capitalismo globalizado, aquelas que têm relações mais longínquas e participam do comércio global, fazendo com que determinados lugares se tornem mundiais.

As mudanças e transformações de ordem econômica, política, social, científi ca e tecnológica pelas quais o Brasil atravessou nas últimas três décadas, promoveram a reestruturação da cadeia produtiva no meio rural e urbano para que pudéssemos atingir níveis satisfatórios de investimentos em inovação científi ca e tecnológica, de aumento da produtividade, efi ciência e competitividade. Também, contribuíram para que nossa economia fosse inserida no contexto do capitalismo globalizado e projetou o Brasil como a sétima maior economia planetária.

Porém, neste processo de reestruturação e modernização da nossa estrutura produtiva o agronegócio brasileiro vem fazendo a diferença. A modernização da agropecuária brasileira iniciada na segunda metade do século XX abriu caminhos para que o Brasil desenvolvesse a melhor estrutura científi ca e tecnológica do setor agropecuário do mundo tropical, tornando nosso agronegócio robusto, inovador, efi ciente e competitivo.

Hoje, somos um dos maiores produtores e exportadores de commodities da cadeia agropecuária global. Já faz mais de uma década, por exemplo, que as exportações do agronegócio sustentam o superávit da balança comercial brasileira. A produção de madeira e derivados oriundos de refl orestamentos de eucalipto e pinus para exportação é uma importante fonte de arrecadação de divisas do nosso agronegócio.

Para a Associação Brasileira de Celulose e Papel (BRACELPA), o Brasil possui atualmente as fl orestas de eucalipto mais produtivas e competitivas do Planeta Terra. A maior parte da madeira produzida é processada em grandes plantas agroindustriais.

Segundo Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (ABRAF), fechamos o ano de 2012 com mais 6,66 milhões de hectares de eucalipto plantados e a meta do setor é expandir a área cultivada em 45% nos próximos dez anos. O Estado de São Paulo sozinho concentra quase 20% do total brasileiro.

O aumento da demanda internacional por madeira e derivados oriundos de fl orestas plantadas está relacionado com a pressão internacional contra a derrubada de fl orestas nativas (como a amazônica no Brasil) e a diminuição da emissão de gases de efeito estufa que potencializam o aquecimento global responsável pelas mudanças climáticas em curso no mundo.

No município de Cabrália Paulista (sede do Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais - CIADEN) e em outros localizados na REDEC I-7, com destaque para Agudos, Avaí, Bauru, Borebi, Duartina, Lençóis Paulista, Reginópolis, Paulistânia e Piratininga concentram extensas áreas ocupadas por refl orestamento de eucalipto de propriedade de três Empresas parceiras do CIADEN: Duratex, Suzano Papel e Celulose e Lwarcel Celulose.

A produtividade das fl orestas de eucalipto plantadas é elevada em decorrência do alto grau de investimentos em ciência, tecnologia, informação e inovação, que começa na concepção das mudas clonadas em laboratórios ultramodernos, passa pelo preparo adequado do solo, plantio

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Gabriel Dias Guerche · Giovani Bruno Cantão · Guilherme José Pessato · João Marcos Batista Gabaldi · João Pedro Carneiro de Mattos · Lucas Generoso Bueno · Marilei Andrade · Nathan Alves Pereira · Rafael Dias Guerche · Renata Caroline da Silva · Eymar Silva Sampaio Lopes · Guido Branco Júnior · Lourenço Magnoni Júnior · Wellington dos Santos Figueiredo

adensado e manejo integrado e termina no ato do corte mecanizado das árvores cultivadas. Porém, igualmente a outros tipos de monoculturas, a ausência da diversidade de espécies deixa as plantações de eucalipto mais vulneráveis as pragas.

Entretanto, além das pragas, existe outro inimigo do qual as florestas de eucalipto e pinus são extremamente vulneráveis: o incêndio em períodos longos de estiagem. O fogo é um inimigo potencial das florestas, tanto naturais quanto plantadas, por ser uma força altamente destrutiva quando não controlado.

Como a presença do fogo nas plantações de eucalipto e pinus é certeza de prejuízo signifi cativo, as empresas do setor são obrigadas dispor de uma estrutura bem planejada e articulada para identifi car, monitorar e combater os focos de queimadas. Além de torres de monitoramento, elas possuem brigadas de incêndio compostas por profi ssionais bem treinados e equipados, máquinas próprias para apagar fogo e até cadastro de aeronaves agrícolas para auxiliar no combate de foco de queimada de grande monta.

Quando se trata da propagação dos incêndios, vários fatores contribuem para que ele se espalhe com grande velocidade, tais como: material combustível, a umidade presente nesse material, às condições climáticas predominantes no local, à topografi a e o tipo de fl oresta, justifi cando a importância do uso das geotecnologias no monitoramento, principalmente as ferramentas disponibilizadas via satélites.

Vale lembrar que a ausência de um sistema efi ciente de monitoramento de incêndios pode ameaçar os empreendimentos de refl orestamento tais como extração de resina no caso do pinus e da própria madeira tanto de pinus quanto de eucalipto.

No entanto, como estamos na era da globalização estruturada sobre um meio técnico, científico, informacional, inovador, complexo e flexível, temos que aproveitar as geotecnologias do paradigma da sociedade do conhecimento, da informação e da comunicação via satélite para desenvolvermos sistemas computacionais para aplicarmos nas questões relacionadas com o meio ambiente, principalmente para propiciar o monitoramento climático em tempo-real nas plantações de eucalipto e pinus.

Nos dias de hoje, na literatura existem vários modelos ambientais para as mais diversas aplicações como incêndios, enchentes, deslizamentos, entre outras. O desenvolvimento de geotecnologias com monitoramento em tempo-real de dados ambientais permite acompanhar as mudanças climáticas com potencial de defl agrar desastres.

Neste contexto o Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN), resultado de Protocolo de Cooperação Técnico-Científi ca fi rmado entre o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) de São José dos Campos, o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS), a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, Regional de Defesa Civil da 7ª Região Administrativa REDEC – I 7 e a Prefeitura Municipal de Cabrália Paulista, através de sua Coordenadoria de Defesa Civil COMDEC, vem desenvolvendo aplicações fazendo uso da plataforma TerraMA2 do INPE.

Objetivos:

- Apresentar o monitoramento efetuado através de análises e alertas a incêndios fl orestais realizado na região de atuação da Regional da Defesa Civil do Estado de São Paulo Região

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Administrativa de Bauru (REDEC-I 7) fazendo uso da plataforma TerraMA2 do INPE;- Implementar do Índice de Perigo de Angstron (de origem suéca) e Monte Alegre

(desenvolvido no Paraná pelo professor Ronaldo Viana Soares) modifi cados;- Implentar o Risco eminente baseado no índice de perigo e ocorrencias de focos de

queimada próximos das plantações de eucalípto das empresas Duratex, Lwarcel Celulose e Suzano Papel e Celulose;

- Disponibilizar análises com o TerraMA2 no aplicativo web desenvolvido pelo CIADEN.

A Figura 1 abaixo mostra a localização da área de estudo:

Figura 1 – Localização da área de estudo e perímetros das empresas de refl oretamento.

O sistema de monitoramento desenvolvido utiliza dados hidrometeorológicos coletados do INPE como precipitação acumulada por satélite, variáveis como umidade relativa, temperatura, vento, direção de vento e focos de queimadas do GOES, NOAA e Meteosat. A área monitorada compreende os talhões de Eucalipto e Pinus que estão dentro dos 39 municípios que confi guram a REDEC-I7 da Defesa Civil.

Com o desenvolvimento da etapa de coleta de dados via satélites inicia-se um novo processo conhecido como geocodifi cação, que consiste em prover referências passíveis de tratamento automatizado, englobando os domínios espaciais. Os pontos, linhas e áreas podem ser associados a

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entes como uma área composta por refl orestamento de eucalipto e pinus, comprovando a viabilidade das geotecnologias no monitoramento de incêndios em áreas de refl orestamento.

O Canadá, por exemplo, há mais de 30 anos mantém constante vigilância das suas fl oretas através de sistemas operacionais, cada vez mais avançados, como é o caso do Sistema Canadense de Monitoramento de Incêndio em Áreas Florestais – Canadian Wildland Fire Information System (CWFIS). Hoje, está mais do que claro que a utilização dos sistemas de informações geográfi cas como uma ferramenta incorporada a sistemas de tomada de decisão são de grande valia no que diz respeito à prevenção e ao combate de incêndios fl orestais.

As análises de risco a incêndios são realizadas sobre as condições hidrometeorológicas dentro e num raio entorno dos talhões. Sobre condições de baixa umidade, número de dias sem chuva, intensidade de vento, altura do dossel, presença de focos de queimadas nas em faixas de distância de 10 e 5 km são os principais parâmetros para produzir alertas em quatro níveis, isto é, observação, atenção, alerta e alerta máximo. O sistema está em fase experimental e passa por um processo de calibração e ajustes, mas os primeiros resultados já mostram promissores para os agentes de combate a incêndios na região.

Materiais e métodos:

Para desenvolvimento das análise são utilizados dados hidrometorológicos disponíveis na Divisão de Satélites Ambientais (DSA) e do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), ambos do INPE. Os seguintes dados são utilizados:

- Precipitação estimada por satélite GOES – produto Hidroestimador;- Precipitação acumulada em 24 horas por satélite GOES;- Número de dias sem chuva – produto intergrado por satélite TRMM e estações

pluviométricas;- Umidade média nos últimos 5 dias – média da umidade relativa mínima do ar;- Previsão numérica de tempo da precipitação em 60 minutos por modelo Eta;- Previsão numérica de tempo da umidade relativa em 6 horas por modelo Brams;- Previsão numérica de tempo da temperatura em 6 horas por modelo Brams;- Focos de queimadas por satélite Meteosat.Para realizar análises com os dados acima, os seguintes mapas estáticos foram

incorporados ao banco de dados:- Mapa municipal do Estado de São Paulo e REDEC-I7;- Perímetros das empresas de refl oretamento Duratex, Lwarcel Celulose e Suzano Papel

e Celulose.Uma outra análise realizada a partir desses índices foi realizada de forma integrada com

a ocorrência de focos de queimadas do INPE, a qual permite alertar áreas que em se encontrando em estado de alerta, podem passar para alerta máximo caso exista focos próximos aos perímetros pré determinados das propriedades que estão sob monitoramento do CIADEN.

O Quadro I mostra os programas escritos em LUA para cálculo de dois índices de perido a incêndio.

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O uso de geotecnologias no monitoramento de incêndios fl orestais na reginão da Redec - 17 – Bauru

-- Inicio – Índice de Angstromlocal T1 = soma_pn(‘Temp2m_brams5km’, 1, 1)local T6 = soma_pn(‘Temp2m_brams5km’, 6, 6)local T12 = soma_pn(‘Temp2m_brams5km’, 12, 12)local T18 = soma_pn(‘Temp2m_brams5km’, 18, 18)local T24 = soma_pn(‘Temp2m_brams5km’, 24, 24)local TMax = math.max(T1,T6,T12,T18,T24)

local H1 = soma_pn(‘Ur2m_brams5km’, 1, 1)local H6 = soma_pn(‘Ur2m_brams5km’, 6, 6)local H12 = soma_pn(‘Ur2m_brams5km’, 12, 12)local H18 = soma_pn(‘Ur2m_brams5km’, 18, 18)local H24 = soma_pn(‘Ur2m_brams5km’, 24, 24)local HMin = math.min(H1,H6,H12,H18,H24)

local B = 0.05 * HMin - 0.1* (TMax - 27)

add_value(B, ‘Indice de Angstron’)

if B > 3 then return 0 -- Normal elseif B > 2.5 then return 1 -- Observacao elseif B > 1.5 then return 2 – Atencao elseif B > 1 then return 3 -- Alerta else return 4 -- Alerta maximoend

-- Inicio – Índice de Monte Alegrelocal var1 = maximo(‘NDSC’) or 0local um5d = maximo(‘Um_Mim_5dias’) or 0local prec6h = maximo_pn(‘Prec_eta5km’, 6) or 0local contador = 1local fma = 0for contador = 1, var1, 1 do fma = fma + (100 / um5d ) contador = contador + 1endif prec6h <= 2.4 then fma = fma elseif prec6h <= 4.9 then fma = fma * 0.7 elseif prec6h <= 9.9 then fma = fma * 0.4 elseif prec6h <= 12.9 then fma = fma * 0.2 else fma = 0end

if fma <= 1 then return 0 -- Normal elseif fma < 3 then return 1 -- Observacao elseif fma < 8 then return 2 -- Atencao elseif fma < 20 then return 3 -- Alerta else return 4 -- Alerta maximoend

Quadro I – Programas em LUA para cálculos dos índices de perigo a incêndio.

Resultados e conclusões parciais:

As imagens das fi guras 2 e 3 abaixo evidenciam que no dia 12 de setembro de 2014, os alertas de umidade relativa do ar emitidos pelo CIADEN apontavam que os 39 municípios da REDEC I 7 estavam sobre estado de alerta e alerta máximo, indicando que o risco de incêndios das plantações de eucalípto das empresas Duratex, Papel Suzano e Lwarcel era alto e exigia atenção máxima das mesmas no sentido de reforçar o monitoramento para identifi car possíveis focos de incêndios, demonstrando que o resultado obtidos através dos alertas emitidos pelo CIADEN são confi áveis e promissores.

Figura 2 – Cálculo dos índices de Angstron e Monte Alegre para os municípios da REDEC-I7.

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Figura 3 –Perímetros das empresas de refl oretamento com alerta em função do índice de Angstrom

previsto para o dia seguinte (12/09/2014).

Através alertas emitidos pelo CIADEN no dia 12 de setembro de 2014, podemos concluir que a utilização de estudos para a avaliação do perigo de incêndio em tempo real constitui a melhor possibilidade de salvaguarda vidas, propriedades e recursos naturais. Além disso, a estimativa de índices de perigo de incêndio em curto prazo, com dados de observação e previsão numérica, tem em vista o apoio à tomada de decisões atualizadas.

Os índices calculados pelo sistema desenvolvido no CIADEN com a plataforma tecnológica TerraMA2, mostram que os alertas e os resultados obtidos podem ser utilizados como base de dados na elaboração de planos preventivos aos riscos de incêndios fl orestais.

Esperamos que com o estabelecimento e acompanhamento de índices de perigo de incêndios fl orestais, por um período de tempo longo, em grandes áreas como a REDEC-I7, permite estabelecer quais são as zonas potencialmente mais perigosas ou propícias à ocorrência de incêndios, permitindo assim a adoção de medidas preventivas e advertindo o grau de perigo.

Em etapas futuras serão incorporadas, em parceria com as empresas de refl orestamento, índices de vulnerabilidade de cada talhão de refl orestamento a partir de dados de plantio, estágio de crescimento e manejo, que permitirão informar a estas empresas as áreas mais críticas em situações de risco de incêndio.

Referências:

A ABRAF – Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas. Anuário Estatístico da ABRAF 2013 - Ano Base 2012. Disponível em: http://www.abrafl or.org.br/estatisticas/ABRAF13/ABRAF13_BR.pdf. Acesso em 25 de agosto de 2014.BRACELPA – Associação Brasileira de Celulose e Papel. Relatório Estatístico 2010/2011.

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65YVY - Ano I - Vol. I - (1): Julho/Dezembro - 2014

O uso de geotecnologias no monitoramento de incêndios fl orestais na reginão da Redec - 17 – Bauru

Disponível em: http://www.bracelpa.org.br/bra2/sites/default/fi les/estatisticas/rel2010.pdf. Acesso em 25 de agosto de 2014.CAVARSAN, E. A. Plano de Monitoramento Prevenção e Combate a Incêndios Florestais, Município de Cabralia Paulista-SP. São Carlos, 65p. Monografi a (Especialização em Gestão Ambiental) – Campus de São Carlos – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2002.Lopes, E.S.S. TerraMA2 - Plataforma para monitoramento, análise e alerta a extremos ambientais. Apresentação de slides. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). São José dos Campos-SP – 2012.SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo. Globalização e meio técnico-científi co informacional. São Paulo, Hucitec, 1996.SOARES, R. V. Debates em Proteção Florestal, Incêndios Florestais, disponível em www.fl oresta.ufpr.br, Acesso em 03 de Março de 2014. ______________. Índices de perigo de incêndio. Revista Floresta, v. 3, n. 3, p.19-40, 1972. 1972a.______________. Determinação de um índice de perigo de incêndio para a região centro paranaense, Brasil. Turrialba, Costa Rica, CATIE/IICA,. 72 p. (Tese de Mestrado). 1972.______________. Prevenção e controle de incêndios fl orestais. ABEAS, 120 p. 1984.Risco de Desastres nas Américas (PR14) realizada entre os dias 27 e 29 de maio na cidade de Guayaquil, no Equador. Evento de grande importância para possibilitar maior densidade ao pensamento e planejamento estratégico sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas, bem como atingir a consecução de um projeto técnico-científi co e político para o desenvolvimento de ações profícuas relacionadas com a redução de risco de desastres nas Américas e no mundo.

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Apresentação dos originais para publicação1. A Revista YVY – Ensino, Pesquisa e Método recebe e publica artigos inéditos e resenhas elaboradas por pro�ssionais e estudantes de educação, geociências e geoprocessa-mento e áreas a�ns.2. Os artigos são publicados a partir de revisão realizada dentro das normas técnicas dos periódicos, podendo ter, no máximo, 15 páginas.3. As opiniões expressadas pelos autores são de sua inteira responsabilidade.4. Dado o caráter não lucrativo do periódico, os autores não são ressarcidos pela publicação dos artigos.5. Não é permitida a reprodução total ou parcial das matérias, salvo com consentimentos dos autores e da Entidade gestora do periódico.6. Originais, publicados ou não, não serão devolvidos.7. A apresentação dos originais deve obedecer obrigatoriamente o que se especi�ca a seguir: *

a) Editoração eletrônica, com apresentação em CD-Rom (ou via e-mail em arquivo anexado) e cópia, gravado em formato .DOC (ou DOCX) em quaisquer destes aplicativos de edição de textos (Microsoft Word, OpenO�ce, BrO�ce, LibreO�ce), página tamanho A4, fonte Times New Roman, corpo 12, entrelinhas com espaçamento simples ;

b) Título em negrito. Subtítulo em fonte de corpo 10;c) Identi�cação dos autores, abaixo do título e subtítulo;d) Referência, sobre o(s) autor(es) após o texto integral;e) Referência, se for o caso, ao evento em que o texto foi apresentado ou identi�cação da origem do trabalho, indicada no �nal, mediante a inserção de asterisco

junto ao título;f ) Artigos contendo mapas, tabelas, grá�cos ou �guras só serão aceitos com os mesmos devidamente escaneados na resolução de 300 dpi’s para tamanho de área igual ou maior que 10x15 cm; caso sejam menores do que 10x15 cm, deverão ser escaneadas com resolução de 600 dpi’s. Gravados com extensão JPG e entregues em CD-Rom. Originais deverão ser confeccionado em papel vegetal com traço à nanquim; g) Fotos deverão ter a resolução mínima de 3MP (Megapíxel) para o formato original da câmera digital ou devidamente escaneados na resolução de 300 dpi’s para tamanho de área igual ou maior que 10x15 cm; caso sejam menores do que 10x15 cm, deverão ser escaneadas com 600 dpi’s, gravados com extensão JPG e entregues em CD-Rom.h) Notas relativas ao texto identi�cadas numericamente e apresentadas obrigatoriamente ao �nal do texto;i) Resumo na língua portuguesa e em língua estrangeira, preferencialmente inglês ou francês, assim como identi�cação de 5 palavras-chave em português

e língua estrangeira. Os resumos deverão ser sucintos (máximo de 10 linhas) e, juntamente com as palavras-chave, incluídas após a indicação de título e autores, antes do início do texto do trabalho;

j) Indicação bibliográ�ca (se houver) após o texto, em ordem alfabética, obedecendo às normas da ABNT:j.a) Livro: SOBRENOME, nomes. Título do livro, Local da Edição, Editora, ano da publicação. No caso de autoria coletiva, devem constar os nomes do(s) organizador(es);j.b) Artigo: SOBRENOME, nomes (do(s) autor(es) do capítulo) – Título do artigo, nome da revista, volume (número), página inicial-página �nal, ano de publicação;j.c) Capítulo de livro: SOBRENOME, nomes (do(s) autor(es) do capítulo) – Título do capítulo, In: SOBRENOME, nomes (do editor ou organizador do livro) – Título do Livro,

Local de Edição, página inicial e �nal do capítulo, ano de publicação;8. A ordem de publicação dos trabalhos é de competência exclusiva da coordenação da revista e do conselho editorial. A ordem de publicação levará em conta:

a) data da apresentação dos originais obedecidas as normas anteriores;b) temática atual, envolvendo interesse cientí�co, didático, de divulgação, extensão, a�nidade com outros artigos e retomada de abordagens dos temas e situações a�ns;c) disponibilidade de espaço em cada número do periódico;d) artigos de sócios AGB/Bauru serão priorizados, após atendidas as normas anteriores;

9. Os artigos devem ser enviados para a Revista às expensas do autor para os endereços que se seguem:

Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN)Rodovia Lourenço Lozano – Km 4 – Bairro Restinga – Cabrália Paulista – SP – CEP 17480-000Fone: (14) 3285-1210 – Ramal 211E-mails: [email protected] / [email protected] Site: http://www.ciaden.com.br

10. Os trabalhos remetidos para publicação deverão conter �cha, em anexo, contendo: nome completo dos autores, instituição em que atuam, endereço para correspondência, telefone e e-mail para contato.

* Todos os arquivos podem ser entregues em uma única mídia (CD-Rom ou DVD-Rom) devidamente �nalizada na sua gravação.

Revista YVY Ensino - Pesquisa - MétodoCorpo de Pareceristas/Referees’ Board

1- Fundamentos e Pesquisa em Geociências:

Dr. Cláudio Artur Mungói (Universidade Eduardo Mondlane - Maputo – Moçambique)Dr. Edson Belo Clemente de Souza (UNIOESTE/Marechal Cândido Rondon – PR)Dr. Edson Luís Piroli (UNESP/Ourinhos - SP)Dr. Eymar Silva Sampaio Lopes (INPE/São José dos Campos - SP) Dr. José Mauro Palhares (UFAP/Oiapoque - AP)Dr. Lourenço Magnoni Júnior (Centro Paula Souza – Cabrália Paulista - SP)Dr. Wilson Tadeu Lopes da Silva (Embrapa Instrumentação – São Carlos – SP)

2- Ensino e Aprendizagem em Geociências:

Dr. Celestino Alves da Silva Júnior (UNESP/Marília - SP)Ms. Elian Alabi Lucci (Editora Saraiva/São Paulo – SP) Ms. Elvis Christian Madureira Ramos (Rede O�cial de Ensino/Bauru – SP)Dr. José Misael Ferreira do Vale (UNESP/Bauru - SP)Drª Maria da Graça Mello Magnoni (UNESP/Bauru - SP)Ms. Wellington dos Santos Figueiredo (Centro Paula Souza – Cabrália Paulista – SP)

Corpo de Consultores (ad hoc)

Ms. Anibal Pagamunici (UNESPAR/Paranavaí - PR)Dr. Djalma Pacheco Carvalho (Universidade Estadual Paulista/Bauru - SP)Dr. Laércio Massaru Namikawa (INPE/São José dos Campos - SP)Dr. Lucas Labigalini Fuini (UNESP/Ourinhos - SP)Dr. Lucivânio Jatobá (Universidade Federal de Pernambuco/Recife - PE)Dr. Luiz Cruz Lima (Universidade Estadual do Ceará/Fortaleza - CE)Dr. Gil Sodero de Toledo (USP/São Paulo – SP)Drª Nilza Aparecida Freres Stipp (UEL/Londrina – PR)Dr. Ricardo Castillo (Universidade Estadual de Campinas/Campinas - SP)Dr. Ruy Moreira (UFF/Niterói – RJ)

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Centro Integrado de Alerta de Desastres Naturais (CIADEN)

Rodovia Lourenço Lozano, Km 4 – Bairro Restinga – Cabrália Paulista/SP

CEP 17480-000 – Fone: (14) 3285-1210 (Ramal 211)

E-mails: [email protected] / [email protected]

Site: http://www.ciaden.com.br

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