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ISSN 0100-9192

REVISTA DOTRIBUNAL DE JUSTIÇADO ESTADODE SERGIPE

DOUTRINAJURISPRUDÊNCIALEGISLAÇÃO

PUBLICAÇÃO OFICIAL

Rev. Trib. Justiça Estado Sergipe - Aracaju, n° 27, Jul./Dez. 2001

©REVISTA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE

Direção: Des. José Artêmio BarretoSeleção de Acórdãos: Gabinete dos DesembargadoresRevisão: José Alberto Alves, Marcelo Neres e Tereza Cristina Melo SilvaÍndices: Joana Angelica de Souza TorresEditoração Eletrônica: Ana Lúcia da Silva LourençoTiragem: 500 exemplaresImpressão: Gráfica e Editora Liceu

Tribunal de Justiça do Estado de SergipeDepartamento de Divulgação Judiciária

Avenida Ivo do Prado, n° 74,6º andar, Centro, CEP.: 49010-050

Aracaju � SergipeTelefones: (0XX79) 226-3197,

226-3238 e 226-3270Fax: (0XX79) 226-3238http: wvw.tj.se.gov.br

e-mail: [email protected]

Revista do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Aracaju:Vice-Presidência/Departamento de Divulgação Judiciária/TJ, 2001 - Semestral

ISSN 0100-9192

1. Direito - Periódico. I. Título.

CDU 34(813.7)(05)

(*) Não integra as Câmaras, preside a sessão Plenária e o Conselho da Magistratura, tendo voto de qualidade(**) Não integra as Câmaras, integra o Plenário e o Conselho da Magistratura, com a função de Relator e Revisor

COMPOSIÇÃO

TRIBUNAL PLENO(Sessão às quartas-feiras, às 14 horas)

Des. José Antônio de Andrade Goes - Presidente (*)Des. José Artêmio Barreto - Vice-PresidenteDesª Marilza Maynard Salgado de Carvalho - Corregedora-Geral (**)Des. Artur Oscar de Oliveira DedaDes. José Barreto PradoDes. Fernando Ribeiro FrancoDes. Aloísio de Abreu LimaDesª Clara Leite de RezendeDes. Epaminondas Silva de Andrade LimaDes. Gilson Gois SoaresDes. Manuel Pascoal Nabuco D�ÁvilaDesª Josefa Paixão de SantanaDes. Roberto Eugenio da Fonseca Porto

CONSELHO DA MAGISTRATURA(Sessão às quartas-feiras, após a Sessão Plenária)

Des. José Antônio de Andrade Goes - PresidenteDes. José Artêmio BarretoDesª Marilza Maynard Salgado de CarvalhoDes. Fernando Ribeiro FrancoDes. Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila

CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS(Sessão às quartas-feira, às 14 horas)

Des. José Artêmio Barreto - PresidenteDes. Fernando Ribeiro FrancoDes. Aloísio de Abreu LimaDesª Clara Leite de RezendeDes. Epaminondas Silva de Andrade LimaDes. Manuel Pascoal Nabuco D�ÁvilaDesª Josefa Paixão de SantanaDes. Roberto Eugenio da Fonseca Porto

PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL(Sessão: às segundas e terças-feiras, às 14 horas)

GRUPO IDes. Fernando Ribeiro Franco - PresidenteDes. Epaminondas Silva de Andrade LimaDesª Josefa Paixão de Santana

GRUPO IIDes. Epaminondas Silva de Andrade LimaDesª Josefa Paixão de SantanaDes. Roberto Eugenio da Fonseca Porto

GRUPO IIIDesª Josefa Paixão de SantanaDes. Roberto Eugenio da Fonseca PortoDes. Fernando Ribeiro Franco

GRUPO IVDes. Roberto Eugenio da Fonseca PortoDes. Fernando Ribeiro FrancoDes. Epaminondas Silva de Andrade Lima

SEGUNDA CÂMARA CÍVEL(Sessão: às segundas e terças-feiras, às 14 horas)

GRUPO IDes. Aloísio de Abreu Lima - PresidenteDesª Clara Leite de RezendeDes. Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila

GRUPO IIDesª Clara Leite de RezendeDes. Manuel Pascoal Nabuco D�ÁvilaDes. José Artêmio Barreto

GRUPO IIIDes. Manuel Pascoal Nabuco D�ÁvilaDes. José Artêmio BarretoDes. Aloísio de Abreu Lima

GRUPO IVDes. José Artêmio BarretoDes. Aloísio de Abreu LimaDesª Clara Leite de Rezende

CÂMARA CRIMINAL(Sessão às terças e quintas-feiras, às 10 horas)

Des. Artur Oscar de Oliveira Deda - PresidenteDes. José Barreto PradoDes. Gilson Gois Soares

Sumário

Discurso ............................................................................................................. 9

Discurso do Juiz Netônio Bezerra Machado ao receber o título de cidadãosergipano ................................................................................................ 11

Doutrina ........................................................................................................... 15

Direitos Humanos, Cidadania & Educação: do pós-Segunda Guerra à novaconcepção introduzida pela Constituição de 1988 (Estudo em homenagemao Prof. Dr. José Afonso da Silva)* .......................................................... 17O leasing de veículo e a prisão por depósito infiel em sede de execução pordívida pessoal do arrendatário ................................................................. 43Da inidoneidade da incidência de prazo decadencial em mandado de segu-rança - compreensão do problema .......................................................... 51

Jurisprudência ................................................................................................ 85

Tribunal Pleno ......................................................................................... 87Câmaras Cíveis Reunidas ..................................................................... 151Primeira Câmara Cível ........................................................................... 155Segunda Câmara Cível .......................................................................... 195Câmara Criminal ................................................................................... 243

Legislação ..................................................................................................... 279

Lei n° 4.384 de 2 de julho de 2001 ........................................................ 281Lei n° 4.433 de 9 de outubro de 2001 .................................................... 283

Índices ........................................................................................................... 285

Abreviaturas .................................................................................................. 295

Discurso

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - DISCURSO - 11

Discurso do Juiz Netônio Bezerra Machado ao receber otítulo de cidadão sergipano

�Não sou nada.Nunca serei nada.Não posso querer nada.À parte disso, tenho em mimTodos os sonhos do mundo�.Fernando Pessoa

Minhas Senhoras.Meus Senhores.Como uma sonata para a minha alma, soa este momento para mim.Bem poderia eu dizer, tomado pela candura de Cecília Meirelles, que �este

foi o meu destino e nele viajou a minha vontade�.Destino que, em 1967, trouxe-me para a terra de Tobias Barreto, de Sebrão

Sobrinho, de Sílvio Romero, de Gumercindo Bessa, de Fausto Cardoso e de tantosluminares que honram, desde antanho até a contemporaneidade e para os pósteroseste bendito pedaço glorioso do Brasil.

Este momento, minhas Senhoras e meus Senhores, crava na minh�alma oaguilhão da melancolia pelo desfilar, em minha retina, de outros momentos que seprecipitam em torrente, fundindo num mesmo cadinho o agora e o ontem, o presen-te e o passado, numa extraordinária sinfonia de lembranças tantas, que, se meafagam o coração, castigam-me, por outro lado, com a pungente dor da ausênciairreversível do meu velho pai, amantíssimo da vida, que tão bem descreveu na bele-za sensitiva do seu versejar.

Ele bem gostaria de estar aqui, observando o acolhimento do seu filho emoutra terra que lhe concede a cidadania, dadivando-lhe motivos para mais amar avida.

Adumbra um pouco minha alegria, também, a doce lembrança do meu irmãoque há pouco se foi, sem estar e sem estarmos para tanto preparados, se é que épossível tal preparação.

Mas, não permitirei o delir do encanto desta celebração nem mesmo pelahumana orvalhada da tristeza carencial de presenças ausentes.

Prefiro seguir cantando a vida, como nos versos do meu pai, para quem�O canto é a própria vida,Matisada de risos e de dores!É a meiguice da mulher querida,É a essência do bem, do mal, das flores!�E se eu tenho da mulher querida a ternura e a meiguice, a solidariedade e o

amor, vitais para mim, há já quase quarenta anos, cantar a vida é o mínimo que devofazer.

E se eu tenho três filhos que menos não são que dádivas divinas ofertadas a

12 - DISCURSO - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001

quem tanto não merece, cantar a vida é o mínimo que devo fazer.E se, aos meus cinqüenta e oito anos de idade compartilha dos meus mo-

mentos, na lucidez mantida plena aos oitenta e cinco anos de idade uma mãeextraordinariamente amada, louvar a vida é meu dever.

Talvez por tudo isso: pelo pai que tive; pela mãe, pelos filhos e pela mulherque tenho, percebo, feliz e orgulhoso, não ter corrido o risco de estar envelhecendosem nunca ter sido jovem, pois a juventude é um estado de espírito.

Aliás, se o idealismo é apanágio dos jovens, esse atributo amalgamou-seem minha personalidade comandando todas as minhas ações no pretérito, nacontemporaneidade e, espero, por todo o sempre.

Conservar a coragem e a estima por mim mesmo foi a grande arte que sem-pre tentei desenvolver como homenagem à humanidade encarnada na parcela decada um de nós.

Este legado eu recebi do meu velho e saudoso pai, poeta do sol e da lua, dasmatas e dos rios, dos vales e das campinas, da �querida Jacyobá dos meus amo-res�, como diria ele e, por certo, onde estiver agora, estará celebrando comigo estaquadra pinacular da minha existência dando som, forma e arrebatamentos eternosao poema que lá, agora, estará compondo e declamando, num recital divino.

Mas idealismo é como uma religião: é preciso ter adeptos, ter culto, terfestas e mistérios. É preciso, como nos diz Hermann Hesse em seu livro Demian,é preciso viver esses sonhos, vivê-los bem, dedicar-lhes altares, pois embora nãosendo a perfeição, já é um caminho, e, se conseguiremos assim pensando, renovarou não o mundo, não se sabe, � mas dentro de nós mesmos, temos que renová-loa cada dia; de outro modo, nada conseguiremos. A única realidade é aquela que seencontra dentro de nós, e se os homens vivem tão irrealmente é porque aceitamcomo realidade as imagens exteriores e sufocam em si a voz do mundo interior�.

É desse renovar interior que necessitamos, mais do que nunca, sem o que,estaremos a promover uma deformação das virtudes na medida em que a virtudetecnicista leva à destruição da virtude humanista, produzindo uma crise do espíritoa preparar um destino cruel para a civilização.

Neste ponto, a observação de Paul Valéry faz sentido, quando ele diz: � tantohorror não teria sido possível sem tanta virtude. Sem dúvida, foi preciso muita ciên-cia para matar tantos homens, dissipar tantos bens, aniquilar tantas cidades emtão pouco tempo�.

E, ao final, ele indaga: � Saber e Dever, sois, portanto, suspeitos?� (A Criseda Razão - A Lógica Atormentada. Adauto Novaes).

Este, a meu ver, o paradoxo enfrentado pelas civilizações de qualquer época,e que mais se agudiza nesta nossa época, como a querer molhar nossas pálpebrasno pranto das desesperanças dolorosas, num ritual nefasto de pétalas se esfolhando,de rosas morrendo, de sonhos fenecendo, de vidas se esvaindo na inutilidade deum exercício inócuo de afirmação de poder inconsistente alicerçado em tragicômi-co delírio de grandeza material.

Mas, apesar disso tudo, deixo arrebatar-me pelo otimismo prodigioso dePablo Neruda, proclamando que � É verdade que o mundo não se limpa com guer-ras, não se lava com sangue, não se corrige com ódio. É igualmente verdade que

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - DISCURSO - 13

nos aproximamos de uma evidência: os violentos se refletem no espelho do mundoe seu rosto não é bonito nem para eles mesmos. E continuo acreditando na possi-bilidade do amor. Tenho a certeza do entendimento entre os seres humanos, logra-do sobre o sofrimento, sobre o sangue e sobre os cristais quebrados �. ( ConfessoQue Vivi)

Penso, como Neruda, que o sofrimento do mundo levará a esse estágio delúcida afirmação da vida, não por acaso, mas em conseqüência da percepção deum niilismo avassalador, e a consciência desse fenômeno será o vetor dahumanização das sociedades.

Mas, para essa metamorfose social, como o disse o filósofo alemão GüntherAnders ao escrever Essere O Non Essere - Diário de Hiroshima e Nagasaki, em1961, temos diante de nós uma tarefa que �não é do tipo que se deixa solucionarcom medidas puramente políticas (e menos ainda com meios puramente técnicos).As medidas a serem tomadas pertencem a uma outra categoria ( ... ). Isto significaque a transformação deverá ser a transformação da sua moral �.

Ele tinha a esperança, como registra Norberto Bobbio em seu Diário de umSéculo, �que a consciência de estar diante de uma proibição absoluta lançasseraízes tão profundas que qualquer um que examine a possibilidade de servir-sedesses meios para as suas finalidades políticas logo se veja diante da indignaçãoda humanidade inteira�.

Embora sendo verdade que, até agora, o chamado �equilíbrio do terror�, deque nos fala Thomas Hobbes, é que tem evitado a utilização das bombas atômicas,ainda assim partindo da esperança de Neruda, de Günther Anders, de Kant e detantos outros otimistas, agarro-me a essa esperança como última instância deexpectativa positiva do mundo, e morrerei com ela.

Minhas Senhoras.Meus Senhores.Escusem-me as digressões por arraiais talvez incomportáveis com discurso

de agradecimento a um título de cidadania honroso sob todos os aspectos e pormim desejado alacremente.

Mas não posso circunscrever apenas aos limites do formal, o que deve estar,inarredavelmente, plasmado no sentimento de tantos quantos amem Sergipe e amemo Brasil: o compromisso com uma ética material de valores; o compromisso com adignidade da pessoa humana, armado do pensamento democrático e alimentadopelo ideal de construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Por isso, e só por isso, auto-absolvo-me do que poderia ter sido um pecadode ofensa à formalidade da ocasião.

Minhas Senhoras.Meus Senhores.Internalizo este momento, estas presenças, esta liturgia, como uma metáfo-

ra da generosidade do povo sergipano conferindo um sentido de universalidade àsfraternas relações humanas, apagando as fronteiras dos territórios físicos substitu-ídas pela infinita dimensão do território da liberdade, da paz e da alegria de irmãosque se encontram e se solidarizam, compartilhando o privilégio de aqui viver.

É como se Sergipe falasse pela voz de Péricles, quando a Atenas se referia,proclamando: �Nossa cidade se acha aberta a todos os homens. Nenhuma lei pro-

14 - DISCURSO - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001

íbe nela a entrada aos estrangeiros, nem os priva de nossas instituições, nem denossos espetáculos; nada há em Atenas oculto e permite-se a todos que vejam eaprendam nela o que bem quiserem sem esconder-lhes sequer coisas cujo conhe-cimento possa ser de proveito para nossos inimigos, porquanto confiamos, paravencer, não em preparativos misteriosos, nem em ardis e estratagemas, senão emnosso valor e em nossa inteligência�.

É assim Sergipe. É assim esta gente sergipana: minha gente.Vaidoso e enternecido; honrado e jubiloso, agradeço esse gesto de extremo

descortino cívico do povo desta Terra, na expressão dos Excelentíssimos SenhoresDeputados deste Estado, agora meu Estado também e, em especial, ao DeputadoLuciano Prado que teve a iniciativa da Resolução que me outorgou este título sobre-maneira honroso e desejado, tocando as fibras mais profundas e secretas do meucoração que agora, mais do que nunca, como na ternura do Pequeno Príncipe, mefaz sentir eternamente responsável pelas pessoas que cativei e me permitiram ser,também, um sergipano.

Agradeço a todos os que vieram participar comigo da alegria desta festa docoração.

Muito obrigado.

Doutrina

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - DOUTRINA - 17

Direitos Humanos, Cidadania & Educação: do pós-Segun-da Guerra à nova concepção introduzida pela Constitui-ção de 1988 (Estudo em homenagem ao Prof. Dr. José Afon-so da Silva)*

Valerio de Oliveira Mazzuoli, Advogado no Estadode São Paulo. Classificado em primeiro lugar no�Primeiro Concurso Nacional de Monografias� so-bre os 50 Anos da Declaração Universal dos DireitosHumanos, realizado pela PUC-Minas, UFMG e OAB-MG.

�A cidadania é o direito a ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direitosdos seres humanos não é um dado. É um construído da convivência coletiva, querequer o acesso ao espaço público. É este acesso ao espaço público que permitea construção de um mundo comum através do processo de asserção dos direitoshumanos.� (HANNAH ARENDT)

1. INTRODUÇÃO

O presente ensaio tem por objetivo tecer algumas reflexões acerca do relaci-onamento do Direito Internacional dos Direitos Humanos com a concepção con-temporânea de cidadania. Isto é, objetiva-se fazer um conjugado entre o processode internacionalização dos direitos humanos e a nova concepção de cidadaniaintroduzida pela Constituição Federal de 1988.

Para tanto, num primeiro momento, buscou-se delinear, ainda que breve-mente, o processo de internacionalização dos direitos humanos, cujo marco inicialfoi a Declaração Universal de 1948, bem como a forma através da qual a Constitui-ção Brasileira de 1988 se relaciona com os instrumentos internacionais de prote-ção dos direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro.

Num momento posterior, procurou-se redefinir o conceito de cidadania, a fimde dar-lhe operatividade e eficácia, verificando-se de que maneira a nova Carta bra-sileira, rompendo com a ordem jurídica anterior, passou a comungar os direitoshumanos internacionalmente consagrados com esta nova concepção - ou concep-ção contemporânea - de cidadania.

Por fim, buscou-se esclarecer qual o papel da educação em direitos huma-nos e quais as maneiras de se implementar, de forma sólida, uma cultura de direi-tos humanos em nosso meio e em nossa sociedade.

2. A CONSAGRAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO

A cidadania é um processo em constante construção, que teve origem, his-toricamente, com o surgimento dos direitos civis, no decorrer do século XVIII -

18 - DOUTRINA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001

chamado Século das Luzes -, sob a forma de direitos de liberdade, mais precisa-mente, a liberdade de ir e vir, de pensamento, de religião, de reunião, pessoal eeconômica, rompendo-se com o feudalismo medieval, na busca da participação nasociedade.1 A concepção moderna de cidadania surge, então, quando ocorre a rup-tura com o ancien régime absolutista, em virtude de ser ela incompatível com osprivilégios mantidos pelas classes dominantes, passando o ser humano a deter ostatus de �cidadão�, tendo asseguradas, por um rol mínimo de normas jurídicas, aliberdade e a igualdade contra qualquer atuação arbitrária do então Estado-coator.

Com o aparecimento do Estado Social nas primeiras décadas do século XX,as fronteiras da cidadania ampliaram-se ainda mais, aumentando as dificuldadesde formulação de um conceito mínimo, capaz de entender, coerentemente, essenovo fenômeno em construção.

O conceito de cidadania, entretanto, tem sido, freqüentemente, apresentadode uma forma vaga e imprecisa. Uns a identificam com a perda ou aquisição danacionalidade; outros, com os direitos políticos de votar e ser votado. No DireitoConstitucional, aparece o conceito comumente relacionado à nacionalidade e aosdireitos políticos.2 Já, na Teoria Geral do Estado, aparece ligado ao elemento povo,como integrante constitutivo do conceito de Estado, contrapondo o conceito denacional face ao de estrangeiro. Dessa forma, fácil perceber que, no discurso jurídi-co dominante, a cidadania não apresenta um estatuto próprio, pois, na medida emque se relaciona com esses três elementos (nacionalidade, direitos políticos epovo), apresenta-se como algo ainda indefinido.3 E a situação ainda mais se agra-va, quando se sabe que o termo �cidadão� é, também, freqüentemente invocado, deforma descompromissada, no discurso e nos meios políticos de nosso tempo.

Isso nos coloca, em tempos de globalização, diante da necessidade de redefiniro conceito de cidadania, a fim de dar-lhe precisão e operatividade em favor dacamada mais carente da sociedade, retirando-o da abstração e dando-lhe um con-teúdo valorativo ético, o que se mostra possível, adequando-o às novas exigênciasda democracia e dos direitos da pessoa humana.

A partir do século XVIII, com o movimento iluminista, começam a ser defini-dos os primeiros contornos do conceito de cidadania. Como resultado da Revolu-ção Francesa, surge, então, a famosa Déclaration des Droits de l�Homme et duCitoyen, de 1789, que, sob a influência do discurso jurídico burguês, lançou asprimeiras bases da idéia de �cidadão�. A revolução burguesa pretendeu deixar claro- e o fez no Art. 16 da Declaração - que não há Constituição onde não se temassegurada a garantia dos direitos individuais nem é determinada a separação dospoderes. Buscou-se, então, colocar em primeiro plano os direitos dos indivíduos,transformando os súditos em cidadãos, em repúdio à monarquia absolutista, sob omanto de uma �república constitucional�.4

O que se denota da Declaração, entretanto, é a cisão que fez dos direitos do�Homem� e do �Cidadão�, na qual a expressão Direitos do Homem significa o con-junto dos direitos individuais, levando-se em conta a sua visão extremamente indi-vidualista, ao passo que o termo Direitos do Cidadão expressa o conjunto dosdireitos políticos de votar e ser votado, como institutos essenciais à democraciarepresentativa.5

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - DOUTRINA - 19

A idéia de cidadão, como participante da vida política do Estado, fica facil-mente perceptível, pela leitura do Article VI da Déclaration, que dispõe:

�La loi est l�expression de la volonté générale; tous les citoyens ontdroit de concourir personnelement, ou par leurs représentants à sa formation;elle doit être la même pour tous, soit qu�elle protège soit qu�elle punisse.Tous les citoyens étant égaux à ses yeux, sont également admissibles àtoutes dignités, places et emplois publics, selon leur capacité, et sans autresdistinctions que celles de leurs vertus et de leurs talents.�

Mais à frente, a Declaração, no seu article XIV, também privilegia os citoyens,nestes termos:

�Les citoyens ont le droit de constater par eux-mêmes ou par leursreprésentants la nécessité de la contribution publique, de la consentirlibrement, d�en suivre l�emploi et d�en déterminer la quantité, l�assiette, lerecouvrement et da durée.�

Na lição lapidar do Prof. JOSÉ AFONSO DA SILVA: �A idéia de representa-ção, que está na base no conceito de democracia representativa, é que produz aprimeira manifestação da cidadania que qualifica os participantes da vida do Estado- o cidadão, indivíduo dotado do direito de votar e ser votado -, oposta à idéia devassalagem tanto quanto a de soberania aparece em oposição à de suserania.Mas, ainda assim, nos primeiros tempos do Estado Liberal, o discurso jurídicoreduzia a cidadania ao conjunto daqueles que adquiriam os direitos políticos. En-tão, o cidadão era somente aquela pessoa que integrasse o corpo eleitoral. Erauma cidadania �censitária�, porque era atributo apenas de quem possuísse certosbens ou rendas�.6

A idéia de cidadão, que, na Antigüidade Clássica, conotava o habitante dacidade - o citadino - firma-se, então, como querendo significar aquele indivíduo aquem se atribuem os direitos políticos; é dizer, o direito de participar ativamente navida política do Estado onde vive. Na Carta de 1824, por exemplo, falava-se, nosarts. 6.º e 7.º, em cidadãos brasileiros, como querendo significar o nacional, aopasso que, nos arts. 90 e 91, o termo cidadão designava aqueles que podiam votare ser votados. Esses últimos eram chamados de cidadãos ativos, posto que goza-vam de direitos políticos. Aqueles, por sua vez, pertenciam à classe dos cidadãosinativos, destituídos do direito de eleger e ser eleitos. Faziam parte, nas palavras deJOSÉ AFONSO DA SILVA, de uma �cidadania amorfa�, posto que abstratos e alhei-os a toda uma realidade sociológica, sem referência política.7

Assim, os termos �homem� e �cidadão� recebiam significados diversos. Querdizer, o cidadão teria um plus em relação ao homem, consistente na titularidade dedireitos na ordem política, na participação da vida da sociedade e na detenção deriqueza, formando, então, uma casta especial e mais favorecida, distinta do restoda grande e carente massa popular, por sua vez considerados como simples indiví-duos.8

Essa idéia, entretanto, vai sendo gradativamente modificada, quando do iní-cio do processo de internacionalização dos direitos humanos, nascido com a pro-clamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Passa-se aconsiderar como cidadãos, a partir daí, não só aqueles detentores dos direitos civis

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e políticos mas, sim, todos os que habitam o âmbito da soberania de um Estado edesse Estado recebem uma carga de direitos (civis e políticos; sociais, econômi-cos e culturais) e deveres dos mais variados.9

Hoje, a preocupação maior consiste em entender-se a cidadania não comomera abstração ou hipótese jurídica, mas como meio concreto de realização dasoberania popular, entendida essa como o poder determinante do funcionamentoestatal. O seu exercício, por sua vez, passa a não mais se limitar à mera atividadeeleitoral ou ao voto, para compreender uma gama muito mais abrangente de direi-tos - por sua vez oponíveis à ação dos poderes públicos - e, também, deveres paracom toda a sociedade.10

A Constituição Brasileira de 1988 consagra, desde o seu Título I (intituladoDos Princípios Fundamentais), essa nova concepção de cidadania, iniciada com oprocesso de internacionalização dos direitos humanos. Desse modo, ao contráriodo que ocorria no constitucionalismo do Império, hoje, face à Constituição vigente,aquela doutrina da cidadania ativa e passiva não tem mais nenhuma procedência.

Para bem se compreender o significado dessa nova concepção de cidadaniaintroduzida pela Carta Brasileira de 1988, entretanto, é importante tecermos algunscomentários sobre a gênese do processo de internacionalização dos direitos hu-manos, iniciado com o pós-Segunda Guerra, e que culminou na proclamação daDeclaração Universal, em 1948.

3. O LEGADO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE 1948 AO PROCESSO DEINTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Decorrido mais de meio século da proclamação da Declaração Universal de1948, adentramo-nos, hoje, ao que parece, na era internacional dos direitos, ou dosdireitos internacionalmente consagrados. Testemunha-se, hoje, uma crescente evo-lução na identidade de propósitos entre o Direito Interno e o Direito Internacional, noque respeita à proteção dos direitos humanos, notadamente um dos temas cen-trais do Direito Internacional contemporâneo.

A normatividade internacional de proteção dos direitos humanos, conquista-da, através de incessantes lutas históricas, e consubstanciada em inúmeros trata-dos concluídos com este propósito, foi fruto de um lento e gradual processo deinternacionalização e universalização desses mesmos direitos.

Os direitos humanos passaram, então, com o amadurecimento evolutivodesse processo, a transcender os interesses exclusivos dos Estados, para salva-guardar, internamente, os interesses dos seres humanos protegidos.

Essa nova concepção, então, pretendeu afastar, de vez, o velho e arraigadoconceito de soberania estatal absoluta, que considerava os Estados os únicossujeitos de direito internacional público, para proteger e amparar os direitos funda-mentais de todos os seres humanos. Os indivíduos, a partir de então, foram erigidosà posição central - de há muito merecida - de sujeitos de direito internacional,dotados de mecanismos processuais eficazes para a salvaguarda dos seus direi-tos internacionalmente protegidos.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - DOUTRINA - 21

É, entretanto, somente a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), queo Direito Internacional dos Direitos Humanos efetivamente se consolida. Nascidosdos horrores da era HITLER e da resposta às atrocidades cometidas a milhões depessoas durante o Nazismo, os tratados internacionais de proteção dos direitoshumanos têm criado obrigações e responsabilidades para os Estados, no que res-peita às pessoas sujeitas à sua jurisdição.11

Nesse contexto, marcado por inúmeras violações de direitos e cujo saldomaior foram onze milhões de mortos durante esse período, foi necessário que seconstruísse toda uma normatividade internacional de proteção, a fim de resguardare amparar os direitos humanos, até então inexistente. Viu-se a comunidade inter-nacional obrigada a dar ensejo à construção de uma estrutura internacional deproteção de direitos eficaz, baseada no respeito aos direitos humanos e na suaefetiva proteção, prevenindo, para que atos bárbaros como aqueles não mais ocor-ressem em qualquer parte do planeta. O tema, então, tornou-se preocupação deinteresse comum dos Estados, bem como um dos principais objetivos da comuni-dade internacional.12

Como bem explica a Prof.ª FLÁVIA PIOVESAN, diante da ruptura �doparadigma dos direitos humanos, através da negação do valor da pessoa humanacomo valor fonte do Direito�, passou a emergir �a necessidade de reconstrução dosdireitos humanos, como referencial e paradigma ético que aproxime o direito damoral�.13 E, como resposta às barbáries cometidas no Holocausto, onde imperava alógica do terror e do medo, e onde a vida humana nada mais era do que simples-mente descartável,14 a comunidade internacional começou a esboçar um novo - eaté então inédito - cenário mundial de proteção de direitos, que pudesse servir, nabusca da reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético aorientar a nova ordem mundial.15

Aflorou-se, a partir daí, todo um processo de internacionalização dos direitoshumanos, com a criação de uma sistemática internacional de proteção, mediante aqual se tornou possível a responsabilização do Estado no plano externo, quando,internamente, os órgãos competentes não apresentassem respostas satisfatóriasna proteção dos seres humanos protegidos.

Um passo concreto foi dado, quando, no início do ano de 1945, emChapultepec, no México, os vinte e um países da América se reuniram, firmando atese de que um dos principais objetivos das Nações Unidas seria a elaboração deuma Carta dos Direitos do Homem, razão pela qual a Carta das Nações Unidas, de26 de junho de 1945, ficara impregnada da idéia do respeito aos direitos fundamen-tais do homem, desde o seu segundo considerando, onde se afirmou �a fé nosdireitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana, na igual-dade dos direitos de homens e mulheres e das Nações grandes e pequenas�.16

Desse modo, a partir do surgimento da Organização das Nações Unidas, em1945, e da conseqüente aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos,em 1948, o Direito Internacional dos Direitos Humanos começa a aflorar e a solidi-ficar-se de forma definitiva, gerando, por via de conseqüência, a adoção de inúme-ros tratados internacionais, destinados a proteger os direitos fundamentais dosindivíduos. Trata-se de uma época considerada como verdadeiro marco divisor do

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processo de internacionalização dos direitos humanos.17 Antes disso, a proteçãoaos direitos do homem estava, mais ou menos, restrita a apenas algumas legisla-ções internas, como a inglesa de 1684, a americana de 1778 e a francesa de 1789.As questões humanitárias somente integravam a agenda internacional, quandoocorria uma determinada guerra; mas logo se mencionava o problema da ingerênciainterna em um Estado soberano e a discussão morria gradativamente. Assim é quetemas como o respeito às minorias dentro dos territórios nacionais e direitos deexpressão política não eram abordados, a fim de não se ferir o até então incontes-tável e absoluto princípio de soberania.18

Surge, então, no âmbito da Organização das Nações Unidas, um sistemaglobal de proteção dos direitos humanos, tanto de caráter geral (a exemplo doPacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos), como de caráter específico (v.g.,as convenções internacionais de combate à tortura, à discriminação racial, à discri-minação contra as mulheres, à violação dos direitos das crianças etc.). Revolucio-nou-se, a partir desse momento, o tratamento da questão relativa ao tema dosdireitos humanos. Colocou-se o ser humano, de maneira inédita, num dos pilaresaté então reservados somente aos Estados, alçando-o à categoria de sujeito dedireito internacional. Paradoxalmente, o Direito Internacional feito pelos Estados epara os Estados começou a tratar da proteção internacional dos direitos humanoscontra o próprio Estado, único responsável reconhecido juridicamente, querendosignificar esse novo elemento uma mudança qualitativa para a comunidade interna-cional, uma vez que o direito das gentes não mais se cingiria aos interesses naci-onais particulares. Nesse cenário, o cidadão, antes vinculado à sua Nação, passaa tornar-se, lenta e gradativamente, verdadeiro �cidadão do mundo�.19

Mas a estrutura normativa de proteção internacional dos direitos humanos,além dos instrumentos de proteção global, de que são exemplos, dentre outros, aDeclaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos DireitosCivis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Cultu-rais, e cujo código básico é a chamada international bill of human rights, abran-ge, também, os instrumentos de proteção regional, aqueles pertencentes aos sis-temas europeu, americano, asiático e africano (v.g., no sistema americano, a Con-venção Americana sobre Direitos Humanos). Da mesma forma que ocorre com osistema de proteção global, aqui, também, encontram-se instrumentos de alcancegeral e instrumentos de alcance especial. Gerais são aqueles que alcançam todasas pessoas, a exemplo dos tratados acima citados; especiais, ao contrário, são osque visam apenas a determinados sujeitos de direito, ou à determinada categoriade pessoas, a exemplo das convenções de proteção às crianças, aos idosos, aosgrupos étnicos minoritários, às mulheres, aos refugiados, aos portadores de defici-ência etc.

Tais sistemas, cabe observar, não são dicotômicos, mas complementaresuns dos outros, onde fica permitida ao indivíduo que sofreu violação de direitos aescolha do aparato mais benéfico, tendo em vista que, não raramente, vários direi-tos são tutelados por dois ou mais instrumentos de alcance global ou regional ou,ainda, de alcance geral ou específico. Essa diversidade de sistemas, assim, interageem prol da proteção da pessoa humana.20

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O �Direito Internacional dos Direitos Humanos�, emergido com princípios pró-prios, passa, então, a efetivamente solidificar-se como um corpus juris dotado deuma multiplicidade de instrumentos internacionais de proteção, que impõem obri-gações e responsabilidades para os Estados, no que diz respeito aos seusjurisdicionados. Sua observância, desse modo, deixou de se subscrever ao interes-se estritamente doméstico dos Estados, para passar a ser matéria de interesse doDireito Internacional e objeto de sua regulamentação.21

Rompendo com a rígida distinção existente entre o Direito Público e o DireitoPrivado e libertando-se dos seus clássicos paradigmas, o Direito Internacional dosDireitos Humanos passa a afirmar-se como um novo ramo do Direito, dotado deautonomia, princípios e especificidade próprios, cuja finalidade é a de assegurar aproteção dos seres humanos, nos planos nacional e internacional,concomitantemente.

Foi nesse cenário que a Declaração Universal de 1948, composta de trintaartigos, precedidos de um �Preâmbulo� com sete considerandos, conjugou, num sótodo, tanto os direitos civis e políticos, tradicionalmente chamados de direitos egarantias individuais (arts. 1.º ao 21), quanto os direitos sociais, econômicos eculturais (arts. 22 ao 28). O art. 29 proclama os deveres da pessoa para com acomunidade, onde o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível;e o art. 30 consagra um princípio de interpretação da Declaração, sempre a favordos direitos e liberdades nela proclamados. Assim o fazendo, combinou a Declara-ção, de forma inédita, o discurso liberal com o discurso social, ou seja, o valor daliberdade com o valor da igualdade.22

Firma-se, então, a concepção contemporânea de direitos humanos, fundadanos pilares da universalidade, indivisibilidade e interdependência desses direitos.Diz-se universal, �porque a condição de pessoa há de ser o requisito único para atitularidade de direitos, afastada qualquer outra condição�; e indivisível, �porque osdireitos civis e políticos hão de ser somados aos direitos sociais, econômicos eculturais, já que não há verdadeira liberdade sem igualdade e nem tampouco háverdadeira igualdade sem liberdade�, como pontifica a Prof.ª FLÁVIA PIOVESAN.23

A Declaração de 1948, dessa forma, demarca - repita-se - a concepção con-temporânea de direitos humanos, deixando claro que não há direitos civis e políti-cos sem direitos sociais, econômicos e culturais, ou seja, não há liberdade semigualdade. Da mesma forma, não há igualdade sem a plena e eficaz proteção daliberdade, ou seja, a igualdade fica esvaziada, quando não assegurado o direito deliberdade, concebido em seu sentido amplo.24

Após um quarto de século da realização da primeira Conferência Mundial deDireitos Humanos, ocorrida no Teerã, em 1968, a segunda Conferência (Viena,1993), reiterando os propósitos da Declaração de 1948, consagrou os direitos hu-manos como tema global, reafirmando sua universalidade, indivisibilidade einterdependência. Foi o que dispôs o parágrafo 5.º da Declaração e Programa deAção de Viena, de 1993, nestes termos:

�Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes einter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos deforma global, justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embo-

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ra particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, as-sim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estadospromover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejamquais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais�.

Compreendeu-se, finalmente, que a diversidade cultural (relativismo) não podeser invocada, para justificar violações aos direitos humanos. A tese universalista,defendida pelas nações ocidentais, saiu, ao final, vencedora, afastando-se, de vez,a idéia de relativismo cultural, em se tratando de proteção internacional dos direitoshumanos.

Enriqueceu-se, pois, o universalismo desses direitos, afirmando-se, cadavez mais, o dever de os Estados promoverem e protegerem os direitos humanosviolados, independentemente dos respectivos sistemas, não mais se podendo ques-tionar a observância dos direitos humanos, com base no relativismo cultural oumesmo com base no dogma da soberania estatal absoluta.25 E, no que toca àindivisibilidade, ficou superada a dicotomia até então existente entre as �categoriasde direitos� (civis e políticos de um lado; econômicos, sociais e culturais, de outro),historicamente incorreta e juridicamente infundada, porque não há hierarquia quan-to a esses direitos, estando todos eqüitativamente balanceados, em pé de igualda-de. É dizer, a classificação tradicional das �gerações de direitos� não corresponde,historicamente, ao desenvolvimento do processo de efetivação e solidificação dosdireitos humanos.26

Objeta-se que, se as gerações de direitos induzem à idéia de sucessão -através da qual uma categoria de direitos sucede a outra que se finda -, a realidadehistórica aponta, em sentido contrário, para a concomitância do surgimento devários textos jurídicos, concernentes a direitos humanos de uma ou outra natureza.No plano interno, por exemplo, a consagração nas Constituições dos direitos soci-ais foi, em geral, posterior à dos direitos civis e políticos, ao passo que, no planointernacional, o surgimento da Organização Internacional do Trabalho, em 1919,propiciou a elaboração de diversas convenções, regulamentando os direitos sociaisdos trabalhadores, antes mesmo da internacionalização dos direitos civis e políti-cos no plano externo.27

O processo de desenvolvimento dos direitos humanos, assim, opera-se emconstante cumulação, sucedendo-se, no tempo, vários direitos, que, mutuamente,substituem-se, consoante a concepção contemporânea desses direitos, fundadana sua universalidade, indivisibilidade e interdependência.

Nas palavras de CARLOS WEIS, �o que parece ser uma questão meramentevocabular acaba por demonstrar a perigosa impropriedade da locução, ao conflitarcom as características fundamentais dos direitos humanos contemporâneos, es-pecialmente sua indivisibilidade e interdependência, que se contrapõem à visãofragmentária e hierarquizada das diversas categorias de direitos humanos. A con-cepção contemporânea dos direitos humanos conjuga liberdade e a igualdade, doque decorre que esses direitos passam a ser concebidos como uma unidadeinterdependente e indivisível. Em decorrência, não há como entender que uma gera-ção sucede a outra, pois há verdadeira interação e mesmo fusão dos direitos huma-nos já consagrados com os trazidos mais recentemente�.28

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Afasta-se, pois, a visão fragmentária e hierarquizada das diversas categoriasde direitos humanos, para se buscar uma �concepção contemporânea� dessesmesmos direitos, a qual foi introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reitera-da pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993. Como destaca CARLOSWEIS, insistir na idéia geracional de direitos, �além de consolidar a imprecisão daexpressão em face da noção contemporânea dos direitos humanos, pode se pres-tar a justificar políticas públicas que não reconhecem indivisibilidade da dignidadehumana e, portanto, dos direitos fundamentais, geralmente em detrimento daimplementação dos direitos econômicos, sociais e culturais ou do respeito aosdireitos civis e políticos previstos nos tratados internacionais já antes citados�.29

Dessa forma, a dicotomia até então existente - leciona JOSÉ AFONSO DASILVA - �entre direitos civis (mais conhecidos como direitos individuais) e políticos edireitos econômicos, sociais e culturais, vai sendo suplantada pelo reconhecimen-to doutrinário da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos hu-manos�.30 E isso, porque se pensava que os direitos civis e políticos eram de aplica-ção imediata, bastando a abstenção do Estado para sua efetivação, ao passo queos direitos econômicos, sociais e culturais eram de aplicação progressiva, reque-rendo uma atuação positiva do Estado, para que pudessem ser eficazes.31

Problema muito discutido dizia respeito à eficácia das normas da Declara-ção Universal de 1948, uma vez que ela, por si só, não dispunha de aparato próprioque a fizesse valer. À vista disso, é que, sob o patrocínio da ONU, se tem procuradofirmar vários pactos e convenções internacionais, a fim de se assegurar a proteçãodos direitos fundamentais do homem nela consagrados, dentre os quais se desta-cam o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dosDireitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos aprovados pela Assembléia-Geralda ONU, em Nova York, aos 16 de dezembro de 1966. Surgiram esses tratados,pois, com a finalidade de conferir �dimensão jurídica� à Declaração Universal de1948.32

Enfim, partindo-se dos propósitos da Declaração Universal, pode-se concluirque os direitos humanos derivam de três princípios basilares, bem como de suascombinações e influências recíprocas, quais sejam: a) o da inviolabilidade da pes-soa, cujo significado traduz a idéia de que não se pode impor sacrifícios a umindivíduo, em razão de que tais sacrifícios resultarão em benefícios a outras pesso-as; b) o da autonomia da pessoa, pelo qual, toda pessoa é livre para a realização dequalquer conduta, desde que seus atos não prejudiquem terceiros; c) o da dignida-de da pessoa, verdadeiro núcleo de todos os demais direitos fundamentais do cida-dão, através do qual, todas as pessoas devem ser tratadas e julgadas de acordocom os seus atos, e não em relação a outras propriedades suas, não alcançáveispor eles.33

Desses três princípios - basilares para a exata compreensão do alcance eabrangência dos direitos humanos contemporâneos -, nascem ainda algumas ou-tras características com relação à sua titularidade e natureza. Assim, partindo-seda concepção contemporânea de direitos humanos podemos afirmar que: 1) sãotitulares dos direitos humanos todas as pessoas. Vale dizer, basta ter a condiçãode �pessoa� para se poder invocar a proteção desses direitos. Independem, por

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conseguinte, de circunstâncias de sexo, raça, credo religioso, afinidade política,status social, econômico ou cultural. Todas as pessoas têm igual titularidade sobreesses direitos; 2) os direitos humanos, são, por natureza, fundamentais, tendo porconteúdo os valores supremos do ser humano e prevalência da dignidade humana(conteúdo material), revelando-se essencial também pela sua especial posiçãonormativa (conteúdo formal), o que permite a revelação de outros direitos fundamen-tais fora do catálogo expresso na Constituição; 3) justificam-se nos vários instru-mentos internacionais concluídos, nas últimas décadas, especialmente para o fimde sua proteção, sem embargo da lição de CARLOS SANTIAGO NINO, para quemos direitos humanos são direitos de natureza moral, cuja fundamentação independeriade qualquer tratado internacional protetivo.34 Estamos convictos, entretanto, que ajustificativa dos direitos humanos deve encontrar seu sustento no universo jurídico,e não no da filosofia e da metafísica. A existência de uma base normativa internaci-onal, iniciada com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos,em 10 de dezembro de 1948, e acompanhada pelos demais instrumentos que lheseguiram (v.g., o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Cultu-rais e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ambos assinados noâmbito da Organização das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966; assimcomo a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em San José, naCosta Rica, aos 22 de novembro de 1969), passa, assim, a evidenciar o traçodistintivo dos �direitos humanos contemporâneos�35; 5) diferentemente do que ocor-re com os direitos subjetivos em geral, os direitos humanos têm, como caracterís-tica primordial, a irrenunciabilidade. Portanto, a autorização do seu titular não temo condão de justificar ou convalidar a sua violação; 6) os direitos humanos são,ademais, inalienáveis, na medida em que não permitem a sua desinvestidura porparte de seu titular, embora, é certo, possam não ser exercidos na prática. Aindapor força da inalienabilidade, tem-se que o exercício dos direitos humanos éimprescritível, não se perdendo ou divagando no tempo; 7) são os direitos huma-nos, por fim, inexauríveis, no sentido de que têm a possibilidade de expansão, aeles podendo ser sempre acrescidos novos direitos, a qualquer tempo, exatamentena forma apregoada pelo § 2.º do art. 5.º, da Constituição Brasileira de 1988.

4. A ABERTURA DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 AO SISTEMAINTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Rompendo com a ordem jurídica anterior, marcada pelo autoritarismo advindodo regime militar, que perdurou no Brasil de 1964 a 1985, a Constituição Brasileirade 1988, no propósito de instaurar a democracia no país e de institucionalizar osdireitos humanos, faz como que uma revolução na ordem jurídica nacional, passan-do a ser o marco fundamental da abertura do Estado brasileiro ao regime democrá-tico e à normatividade internacional de proteção dos direitos humanos.

Como marco fundamental do processo de institucionalização dos direitoshumanos no Brasil, a Carta de 1988, logo em seu primeiro artigo, erigiu a dignidadeda pessoa humana a princípio fundamental (art. 1.º, III), instituindo, com esse prin-

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cípio, um novo valor que confere suporte axiológico a todo o sistema jurídico e quedeve ser, sempre, levado em conta, quando se trata de interpretar qualquer dasnormas constantes do ordenamento jurídico nacional.

A nova Constituição, além disso, seguindo a tendência do constitucionalismocontemporâneo, deu um grande passo rumo a abertura do sistema jurídico brasilei-ro ao sistema internacional de proteção de direitos, quando, no parágrafo 2.º do seuart. 5.º, deixou estatuído que:

�Os direitos e as garantias expressos nesta Constituição não excluem ou-tros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados inter-nacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte�.

A inovação, em relação às Cartas anteriores, diz respeito à referência aostratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.36 Talmodificação, referente a esses instrumentos internacionais, além de ampliar osmecanismos de proteção da dignidade da pessoa humana, veio também reforçar eengrandecer o princípio da prevalência dos direitos humanos, consagrado pela Car-ta de 1988 como um dos princípios pelo qual a República Federativa do Brasil devereger-se em suas relações internacionais (CF, art. 4.º, II). E isso fez com se modi-ficasse sensivelmente a interpretação relativa às relações do direito internacionalcom o direito interno, no que toca à proteção dos direitos fundamentais, coletivos esociais. Basta pensar que a inserção dos Estados em um sistema supraestatal deproteção de direitos, com seus organismos de controle internacional, fortalece atendência constitucional em limitar o Estado e seu poder em prol da proteção esalvaguarda dos direitos humanos.

Da análise do § 2.º do art. 5.º da Carta Brasileira de 1988, percebe-se quetrês são as vertentes, no texto constitucional brasileiro, dos direitos e garantiasindividuais: a) direitos e garantias expressos na Constituição (v.g., os elencadosnos incisos I a LXXVII do art. 5.º, bem como outros fora do rol de direitos mas dentrode Constituição, a exemplo da garantia da anterioridade tributária, prevista no art.150, III, b, do Texto Magno); b) direitos implícitos, subentendidos nas regras degarantias, bem como os decorrentes do regime e dos princípios pela Constituiçãoadotados, c) e direitos e garantias inscritos nos tratados internacionais em que aRepública Federativa do Brasil seja parte.

Dessa forma, forçoso concluir que a Carta de 1988, com a disposição do §2.º do seu art. 5.º, passou a reconhecer de forma clara, no que tange ao seusistema de direitos e garantias, uma dupla fonte normativa: a) aquela advinda doseu direito interno (direitos expressos e implícitos na Constituição), b) e aquelaoutra advinda do direito internacional (decorrente dos tratados internacionais emque a República Federativa do Brasil seja parte). De forma que a cláusula do § 2.ºdo art. 5.º da Carta da República está a admitir (e isto é bem visível) que os tratadosinternacionais de proteção dos direitos humanos ingressem no ordenamento jurídi-co brasileiro no mesmo grau hierárquico das normas constitucionais, e não emoutro âmbito de hierarquia normativa.

Estabelecendo a Carta de 1988 que os direitos e as garantias nela elencados�não excluem� outros provenientes dos tratados internacionais em que a RepúblicaFederativa do Brasil seja parte, é porque ela própria está a autorizar que tais direi-

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tos e garantias constantes nesses tratados �se incluem� no ordenamento jurídicobrasileiro, como se escritos no rol de direitos constitucionais estivessem. É dizer,se os direitos e as garantias expressos no texto constitucional �não excluem� ou-tros provenientes de tratados internacionais, é porque, pela lógica, na medida emque tais instrumentos passam a assegurar, também, direitos e garantias, a Consti-tuição �os inclui� no seu catálogo dos direitos protegidos, ampliando e fortalecendoo seu �bloco de constitucionalidade�.

Na medida em que a Constituição deixa de prever determinados direitos egarantias e encontrando-se tal previsão nos tratados internacionais de proteçãodos direitos humanos em que a República Federativa do Brasil é parte, tem-se quetais instrumentos sobrepõem-se a toda legislação infraconstitucional interna por tera Carta Magna equiparado, no mesmo grau de hierarquia normativa, os direitos e asgarantias nela constantes àqueles advindos de tratados internacionais de direitoshumanos ratificados pelo Estado brasileiro.

Assim, ao incorporar em seu texto esses direitos internacionais provenien-tes de tratados, está a Constituição atribuindo-lhes uma natureza especial e dife-renciada, qual seja, a natureza de �norma constitucional�, fazendo com que taisinstrumentos passem a integrar o elenco dos direitos e das garantias constitucio-nalmente assegurados.37

Note-se que a Constituição, no § 2.º do seu art. 5.º, não se refere à lei, mastão-somente aos direitos por ela, Constituição, assegurados, ou inscritos nos trata-dos internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. De modoque se uma lei contemplar outro direito ou garantia que não esteja previsto no corpoda Constituição, esta lei, sem ferir o texto constitucional, poderá ser revogada poroutra que lhe seja posterior. Entretanto, se tal direito ou garantia vier expresso emtratado de direitos humanos ratificado pelo Estado brasileiro, a lei interna não pode-rá revogá-lo, diante do status de norma constitucional que detém os dispositivosdesses tratados.

Mas, esclareça-se, os instrumentos internacionais de proteção dos direitoshumanos, apesar de terem hierarquia constitucional, não se �incorporam� no textoda Constituição propriamente. Eles complementam o rol dos direitos e das garanti-as fundamentais protegidos pela Lei Fundamental, ampliando o núcleo mínimo dedireitos e garantias consagrados. Dizer que uma norma tem a mesma hierarquiadas normas constitucionais, ou seja, dizer que os tratados de proteção dos direitoshumanos têm hierarquia constitucional, não significa dizer que estão eles �dentroda Constituição�, mas sim que pertencem ao �bloco de constitucionalidade�.

Enfim, tanto os direitos como as garantias constantes dos tratados interna-cionais de que o Brasil seja parte passam, com a ratificação desses mesmosinstrumentos, a integrar o rol dos direitos e das garantias constitucionalmente pro-tegidos.

Há que se enfatizar, porém, que os demais tratados internacionais que nãoversem sobre direitos humanos, não têm natureza de norma constitucional; terãosim, natureza de norma infraconstitucional (mas supra-legal, estando acima detoda a legislação ordinária), extraída do art. 102, III, b, da Carta Magna de 1988, queconfere ao Supremo Tribunal Federal a competência para �julgar, mediante recurso

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extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a deci-são recorrida: (...) b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal�.

À primeira vista, a conclusão que se extrai do dispositivo é a de que ostratados internacionais (tradicionais ou comuns, tão-somente) apresentam a mes-ma hierarquia jurídica das leis federais, sendo, portanto, aplicável no caso de con-flito, a regra lex posterior derogat priori. Foi inclusive com base nesse dispositi-vo que o STF passou a adotar a já comentada teoria da paridade, equiparando otratado às leis federais. Entretanto, pelo fato de não poderem ser revogados por leiposterior é que se entende que os tratados internacionais (comuns), incorporadosao ordenamento brasileiro, estão, na escala hierárquica das normas, numa posiçãointermediária, situando-se abaixo da Constituição, mas acima da legislaçãoinfraconstitucional.

Prova cabal da supra-legalidade dos tratados comuns está no art. 7.º da Lein.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, chamada de Código de Proteção e Defesa doConsumidor, que, desde a sua entrada em vigor, sempre passou desapercebidopela totalidade da doutrina. O referido artigo, como já se falou, assim dispõe:

�Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de trata-dos ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislaçãointerna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativascompetentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia,costumes e eqüidade�.

O artigo, como se vê, separa os tratados internacionais de que o Brasil sejasignatário da legislação interna ordinária, o que reflete claramente a vontade dolegislador pátrio em ver os compromissos internacionalmente assumidos alçados aum grau superior ao da legislação ordinária infraconstitucional. Se a intenção donosso legislador fosse a de equiparar os tratados internacionais à legislação inter-na ordinária, não teria ele, certamente, feito a distinção que fez. Bastava ter feitoreferência apenas à legislação ordinária, onde já se incluiriam os tratados internaci-onais, se esta fosse a sua vontade.

O dispositivo, assim, no que separou os tratados internacionais da legisla-ção interna ordinária, além de ter deixado claro que os tratados comuns encontram-se, hierarquicamente, numa posição superior a toda legislação infraconstitucional,também reforçou a idéia de que os tratados internacionais de proteção dos direitoshumanos tem status de norma constitucional, como que num reforço à idéia espo-sada pelo § 2.º do art. 5.º da Constituição que atribuiu a tais tratados esta naturezaespecial. E isto porque os direitos do consumidor também pertencem ao rol dosdireitos humanos fundamentais consagrados pela Carta Brasileira de 1988 (art. 5.º,XXXII - �o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor�).

Mas, poderia se objetar que não é da competência da legislação ordináriadispor sobre hierarquia normativa, o que só poderia ser feito pela Constituição.Entretanto, não existe no texto constitucional, sequer em um único dispositivo,norma expressa que regulamente a matéria. Por outro lado, o dispositivo em análi-se encontra-se inserido num �Código� defensivo do consumidor, responsável pelaregulamentação do dispositivo constitucional acima transcrito (art. 5.º, XXXII), quepertence, juntamente com outros direitos e garantias fundamentais, além daqueles

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provenientes de tratados, ao núcleo material mínimo da Constituição ou �bloco deconstitucionalidade�.

Não é demais recordar que a decisão da Excelsa Corte que deu aos tratadosinternacionais o mesmo grau hierárquico das leis infraconstitucionais, no RecursoExtraordinário nº 80.004, de 1977, além de ter sido proferida antes da entrada emvigor da Constituição de 1988, tratava de matéria atinente ao direito comercial,estranha, por conseguinte, ao objeto do direito internacional dos direitos humanos.

Dessa forma, mais do que vigorar como lei interna, os direitos e as garantiasfundamentais proclamados nas convenções ratificadas pelo Brasil, por força domencionado art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, passam a ter, por vontade daprópria Carta Magna, o status de �norma constitucional�. A isto se acrescenta oargumento, sustentado por boa parte da doutrina publicista, de que os tratados dedireitos humanos têm superioridade hierárquica em relação aos demais acordosinternacionais de caráter mais técnico, pois formam todo um universo de princípiosnão convencionais imperativos, chamados de jus cogens, que, como já se viuanteriormente, não podem ser derrogados por tratados internacionais, por deteremuma força obrigatória anterior a todo o direito positivo. Tais regras de jus cogens, aexemplo dos direitos humanos fundamentais, assim, têm o caráter de serem nor-mas imperativas de direito internacional geral, sendo consideradas aceitas e reco-nhecidas pela comunidade internacional dos Estados, em seu conjunto, como nor-mas que não admitem acordo em contrário (é Direito imperativo para os Estados) eque somente podem ser modificadas por uma norma ulterior de direito internacionalgeral que tenha, ademais, o mesmo caráter. Dessa forma, somente surgindo novanorma de direito internacional geral é que os tratados existentes que estejam emoposição com esta norma se tornarão nulos e terminarão.

A hierarquia constitucional dos tratados de proteção dos direitos humanos,não serve apenas de complemento à parte dogmática da Constituição, implicando,ainda, no exercício necessário de todo o Poder Público - aí incluso o Judiciário -,em respeitar e garantir a plena vigência desses instrumentos. Disso decorre que aviolação de tais tratados constitui não só em responsabilidade internacional doEstado, mas também na violação da própria Constituição que os erigiu à categoriade normas constitucionais.

Há, pois, nesse novo cenário de proteção dos direitos humanos, um enfra-quecimento da noção da não-interferência internacional em assuntos internos,flexibilizando, senão abolindo, a própria noção de soberania estatal absoluta.38

A inovação, no § 2.º do art. 5.º da Constituição de 1988, referente aos trata-dos internacionais de que o Brasil seja parte, assim, como já se falou, além deampliar os mecanismos de proteção da dignidade da pessoa humana, vem tambémreforçar e engrandecer o princípio da prevalência dos direitos humanos, consagradopela nova Carta como um dos princípios pelo qual a República Federativa do Brasildeve reger-se nas suas relações internacionais (CF, art. 4.º, II).

A Carta de 1988 passou a reconhecer, explicitamente, portanto, no que tan-ge ao seu sistema de direitos e garantias, uma dupla fonte normativa: (1) aquelaadvinda do direito interno (direitos expressos e implícitos na Constituição); (2) eaquela outra advinda do direito internacional (decorrente dos tratados internacionais

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em que a República Federativa do Brasil seja parte).Como se já não bastasse esse extraordinário avanço, um outro ainda se

apresenta. Os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificadospelo Estado brasileiro passam a incorporar-se automaticamente em nossoordenamento, pelo que estatui o § 1.º do mesmo art. 5.º da nossa Carta:

�As normas definidoras dos direitos e das garantias fundamentais têm apli-cação imediata�.

A inserção dessa norma no Título correspondente a �direitos e garantiasfundamentais� na Constituição de 1988, fora influenciada, por certo, pelo anteproje-to elaborado pela �Comissão AFONSO ARINOS�, que, em seu art. 10, continhapreceito semelhante, o qual estabelecia que �os direitos e as garantias desta Cons-tituição têm aplicação imediata�.

Frise-se que o § 1.º do art. 5.º da Constituição de 1988, dá aplicação imedi-ata a todos os direitos e garantias fundamentais, sejam estes expressos no textoda Constituição ou provenientes de tratados, vinculando-se todo o Judiciário nacio-nal a esta aplicação, e obrigando, por conseguinte, também o legislador, aí incluídoo legislador constitucional. É dizer, seu âmbito material de aplicação transcende ocatálogo dos direitos individuais e coletivos insculpidos nos arts. 5.º a 17 da Cartada República, para abranger ainda outros direitos e garantias expressos na mesmaConstituição (mas fora do catálogo), bem como aqueles decorrentes do regime edos princípios por ela adotados e dos tratados internacionais em que a RepúblicaFederativa do Brasil seja parte, tudo, consoante a regra do § 2.º do seu art. 5.º.

Ora, se as normas definidoras dos direitos e das garantias fundamentais têmaplicação imediata, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos,uma vez ratificados, por também conterem normas que dispõem sobre direitos egarantias fundamentais, de igual maneira, terão, dentro do contexto constitucionalbrasileiro, idêntica aplicação imediata. Da mesma forma que são imediatamenteaplicáveis aquelas normas expressas nos arts. 5.º a 17 da Constituição da Repúbli-ca, também o são as normas contidas nos tratados internacionais de proteção dosdireitos humanos de que o Brasil seja parte.

Atribuindo-lhes a Constituição a natureza de �norma constitucional� e pas-sando tais tratados a ter aplicabilidade imediata tão logo ratificados, fica dispensa-da, por isso, a edição de decreto de promulgação, a fim de irradiar seus efeitostanto no plano interno como no plano internacional. Já nos casos de tratados inter-nacionais que não versem sobre direitos humanos, esse decreto, materializando-os internamente, faz-se necessário. Em outra palavras, com relação aos tratadosinternacionais de proteção dos direitos humanos, foi adotado no Brasil o monismointernacionalista kelseniano, dispensando-se da sistemática da incorporação odecreto executivo presidencial para o seu efetivo cumprimento no ordenamentojurídico pátrio, de forma que a simples ratificação do tratado já importa na incorpo-ração automática de suas normas à respectiva legislação interna.39

Além do artigo 5º, § 1º da Carta da República impor a conclusão que acimase expôs, a auto-aplicabilidade dos tratados internacionais de proteção aos direitoshumanos advém das próprias normas de direito internacional, pois, se um Estadose compromete a acatar os preceitos de um tratado, parece óbvio que suas normas

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devam ser imediatamente exigíveis.Segundo a abalizada lição do Prof. ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRIN-

DADE: �Pode-se mesmo admitir uma presunção em favor da auto-aplicabilidadedos tratados de direitos humanos, exceto se contiverem uma estipulação expressade execução por meio de leis subseqüentes que condicionem inteiramente o cum-primento das obrigações em apreço; assim como a questão da hierarquia das nor-mas (e da determinação de qual delas deve prevalecer) tem sido tradicionalmentereservada ao direito constitucional (daí advindo as consideráveis variações nesseparticular de país a país), a determinação do caráter auto-aplicável (self-executing)de uma norma internacional constitui, como se tem bem assinalado, por sua vez,�uma questão regida pelo Direito Internacional, já que se trata nada menos que documprimento ou da violação de uma norma de direito internacional�.40

Além do mais, todos os direitos insertos nos referidos tratados internacio-nais, cuja incorporação é automática, passam, também, a constituir cláusulas pétreasdo texto constitucional, não podendo ser suprimidos, sequer, por Emenda à Cons-tituição (CF, art. 60, § 1.º, IV). É o que se extrai do resultado da interpretação dos§§ 1.º e 2.º do art. 5.º da Lei Fundamental, em cotejo com o seu art. 60, § 4.º, IV.Isso porque o §1.º do art. 5.º da Constituição de 1988, como se viu, dispõe, expres-samente, que �as normas definidoras dos direitos e das garantias fundamentaistêm aplicação imediata�. E o seu art. 60, § 4.º, IV, por sua vez, estabelece quequalquer proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e as ga-rantias individuais não será objeto, sequer, de deliberação, tendo em vista o núcleoinalterável desses direitos.41

Disso se tira uma outra conclusão: os tratados internacionais de proteçãodos direitos humanos, uma vez incorporados no direito brasileiro, pelo ato da ratifi-cação, passam a ser insuscetíveis de denúncia, pois, se nem mesmo por Emendaà Constituição esses acordos podem ser abolidos - em face das cláusulas pétreas,nem se diga, então, por simples ato unilateral do Chefe do Poder Executivo.42

Em suma, tendo ingressado tais tratados pela porta de entrada do parágrafo2.º do art. 5.º da Carta Magna de 1988, passam eles, da mesma forma que aquelesdireitos e garantias insertos no texto constitucional: a) a estar dentro dos funda-mentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inc. II a V); b) a permear osobjetivos fundamentais do Estado brasileiro (art. 3º, inc. I, III e IV); c) a ser diretrizesque regem as relações internacionais da República Federativa do Brasil (art. 4º,inc. II); d) e a constituir cláusula pétrea do texto constitucional (art. 60, § 4º, inc.IV), dando lugar à intervenção federal, em caso de sua não-observância (art. 34, inc.VII, b).

5. O CIDADÃO E A CIDADANIA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

Como se viu, em face do processo de internacionalização dos direitos huma-nos, iniciado com a proclamação da Declaração Universal de 1948 e reiterado nasegunda Conferência de Viena, em 1993, cidadãos, hoje, são todos aqueles quehabitam o âmbito da soberania de um Estado e desse Estado têm assegurados,

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constitucionalmente, direitos e garantias fundamentais mínimos, com a pertinênciade existirem, igualmente, deveres, que, obrigatoriamente, devem ser cumpridos.

Assim, se o processo de internacionalização dos direitos humanos foi funda-mental para a abertura democrática do Estado brasileiro, que passou a afinar-secom a nova ordem mundial a partir de então estabelecida, essa abertura, por suavez, contribuiu grandemente para a solidificação, em nosso país, de um novo con-ceito de cidadania amoldado às novas exigências da democracia e dos direitos dapessoa humana.

A Constituição Brasileira de 1988, com a transição para o regime democráti-co e conseqüente abertura à normatividade internacional de direitos humanos, con-sagrou, expressamente, essa nova concepção de cidadania, como se depreendeda leitura de vários de seus dispositivos, estando, hoje, superada a antiga doutrinado tempo do constitucionalismo do império, da cidadania ativa e passiva, que signi-ficava a prerrogativa de quem podia participar da vida política do Estado, ou seja, dequem detinha os chamados direitos políticos43 e daqueles a quem faltava este atri-buto.

Observe-se que a Carta de 1988, ao tratar, no seu art. 14, dos direitos políti-cos, não se refere, sequer em um momento, às expressões cidadão e cidadania,dizendo apenas que a �soberania popular será exercida pelo sufrágio universal epelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (...)�.44 Pelo contrário: a Cons-tituição faz uma separação entre cidadania e direitos políticos quando, no seu art.68, § 1.º, II, ao tratar das leis delegadas, exclui do âmbito da delegação legislativamatérias que versem sobre �nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticose eleitorais�, deixando claro que uma e outros não se confundem.

Em alguns outros dispositivos da Constituição, a palavra cidadania (ou cida-dão) ainda poderia - se assim se quisesse - ter a significação de direitos políticos,mas, mesmo assim, de forma implícita, a exemplo dos arts. 22, XIII, e 5.º, LXXIII. Noprimeiro, lê-se que compete à União legislar sobre �nacionalidade, cidadania e na-turalização�; e, no segundo, que �qualquer cidadão é parte legítima para proporação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de queo Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimôniohistórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judi-ciais e do ônus da sucumbência�.45

Mas o que importa é que a Constituição de 1988 abandona, sem embargodisso, o velho conceito de cidadania ativa e passiva, incorporando, em seu texto, aconcepção contemporânea de cidadania introduzida pela Declaração Universal de1948 e reiterada pela Conferência de Viena de 1993. Foi nesse sentido que, pionei-ramente, estatuiu a Carta de 1988, logo em seu art. 1.º, que: �A República Federa-tiva do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distri-to Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamen-tos: II - a cidadania (...)�.

Seguiu esta trilha o disposto no art. 5.º, incisos LXXI (�conceder-se-á manda-do de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exer-cício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à naci-onalidade, à soberania e à cidadania�) e LXXVII (�são gratuitas as ações de habeas-

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corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício dacidadania�). No seu Título VIII, Capítulo II, Seção I, a Carta Magna de 1988 dispõe,ainda, que a �educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promo-vida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvi-mento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificaçãopara o trabalho (art. 205).

Outro dispositivo em que fica bastante marcada essa nova concepção decidadania, erigida pela Constituição a fundamento da República Federativa do Bra-sil, é o art. 64 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que dispõe: �AImprensa Nacional e demais gráficas da União, dos Estados, do Distrito Federal edos Municípios, da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídase mantidas pelo Poder Público, promoverão edição popular do texto integral daConstituição, que será posta à disposição das escolas e dos cartórios, dos sindi-catos, dos quartéis, das igrejas e de outras instituições representativas da comuni-dade, gratuitamente, de modo que cada cidadão brasileiro possa receber do Esta-do um exemplar da Constituição do Brasil�.

Enfim, a Constituição de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cida-dão e cidadania. Seu entendimento, agora, como bem leciona o Prof. JOSÉ AFON-SO DA SILVA, �decorre da idéia de Constituição dirigente, que não é apenas umrepositório de programas vagos a serem cumpridos, mas constitui um sistema deprevisão de direitos sociais, mais ou menos eficazes, em torno dos quais é que sevem construindo a nova idéia de cidadania�.46 De forma que não mais se trata deconsiderar a cidadania como simples qualidade de gozar direitos políticos, mas,sim, de aferir-lhe um núcleo mínimo e irredutível de direitos (fundamentais), quedevem impor-se, obrigatoriamente, à ação dos Poderes Públicos.47

A cidadania, assim considerada, consiste na consciência de participaçãodos indivíduos na vida da sociedade e nos negócios que envolvem o âmbito de seuEstado, alcançados, em igualdade de direitos e dignidade, através da construçãoda convivência coletiva, com base num sentimento ético comum, capaz de torná-los partícipes no processo do poder e garantir-lhes o acesso ao espaço público,pois democracia pressupõe uma sociedade civil forte, consciente e participativa. Acidadania, nessa ordem de idéias, é o �direito a ter direitos�, para se falar comoHANNAH ARENDT.48 Ou seja, é o espaço político onde toda e qualquer manifesta-ção reivindicatória de direitos se exterioriza; é o direito de lutar por mais direitos, sóconseguido, através da politização da sociedade, condição fundamental para o aces-so ao espaço público.49

Em contrapartida, essa situação subjetiva vê-se envolvida, também, pelosdeveres de respeito à dignidade do outro, de cooperação para a asserção dos direi-tos humanos e de colaboração para a formação de um mínimo senso político nosdemais integrantes da comunidade de que se faz parte.

É em relação a este ponto de vista que a Constituição de 1988 faz referência,no seu art. 1.º, incs. II e III, quando diz ser a cidadania e a dignidade da pessoahumana uns dos �fundamentos� da República Federativa do Brasil, incumbindo,portanto, ao poder público - a quem a positivação dessa situação subjetiva é dirigida,a tarefa de não violar o gozo e fruição desses direitos, bem como a de efetivamente

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proteger e assegurar o seu exercício, garantindo o pleno acesso ao espaço público,condição sine qua non da igualdade entre as pessoas.

Esta nova concepção de cidadania, entendida, agora, num sentido mais aberto,encontra-se, assim, integrada por três novos fatores, até então desconhecidos: ostatus legal (representado pelo conjunto de direitos assegurados aos indivíduos); ostatus moral (pertinente às responsabilidades por eles contraídas); e a identidadeprópria (pertencente a toda a comunidade). Neste novo quadro, onde falecem ossúditos e nascem os cidadãos, livres de qualquer ingerência negativa do Estado eiguais em direitos e dignidade, a pedra de toque de todo o sistema passa a ser,primordialmente, a consciência de participação social, cuja efetivação só é conseguidaatravés de uma educação política, capaz de lhes desenvolver o senso crítico.50

Vestir a camisa de �cidadão�, nesse novo cenário, então, é ter consciênciados direitos e deveres constitucionalmente estabelecidos e participar ativamentede todas as questões que envolvem o âmbito de sua comunidade, de seu bairro, desua cidade, de seu Estado e de seu país, não deixando passar nada, não se calan-do diante do mais forte nem subjugando o mais fraco.51 Chega a ser uma virtudecívica.52 Significa saber que se pertence a uma determinada comunidade e qual omotivo por que se lhe pertence; significa reivindicar e lutar pelo direito e saber porque se luta ou reivindica. Designa a convicção de que a influência que se exerce emdeterminado meio - quando assegurado o acesso ao espaço público - é determinantepara a consolidação da democracia, hoje entendida como um valor universal. É,enfim, ter o orgulho de saber que a sua dignidade foi alcançada pela sua luta. É tero orgulho de ser digno.

Mas, para a efetivação dessa situação subjetiva, exige-se uma perfeitasincronia entre os poderes públicos e o povo, entre as diferentes faixas etárias,etnias e todos os membros da coletividade, que, interagindo em harmonia, estarãocolaborando para o fortalecimento do ideal democrático.53

Vê-se, dessa forma, que a Carta de 1988 endossa esse novo conceito decidadania, que tem, na dignidade da pessoa humana, sua maior racionalidade,principiologia e sentido. Consagram-se, no direito brasileiro, de uma vez por todas,os pilares universais dos direitos humanos contemporâneos, fundados na sua uni-versalidade, indivisibilidade e interdependência.

A universalidade dos direitos humanos consolida-se, na Constituição de 1988,a partir do momento em que ela consagra a dignidade da pessoa humana comonúcleo informador da interpretação de todo o ordenamento jurídico, tendo em vistaque a dignidade é inerente a toda e qualquer pessoa, sendo vedada qualquer discri-minação. Quanto à indivisibilidade dos direitos humanos, a Constituição de 1988 éa primeira Carta Brasileira que integra ao elenco dos direitos fundamentais os direi-tos sociais, que nas Cartas anteriores restavam espraiados no capítulo pertinente àordem econômica e social. A Carta de 1988, assim, foi a primeira a explicitamenteprescrever que os direitos sociais são direitos fundamentais, sendo, pois, inconce-bível separar o valor liberdade (direitos civis e políticos) do valor igualdade (direitossociais, econômicos e culturais).

Conclui-se, portanto, que a influência exercida pelo Direito Internacional dosDireitos Humanos foi decisiva para a abertura democrática do Estado Brasileiro e

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para a conseqüente redefinição da cidadania no Brasil. A Constituição Brasileira de1988, dentro dessa lógica, endossou, de forma explícita, a concepção contemporâ-nea de cidadania, afinada com as novas exigências da democracia e fundada nospilares magnos da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitoshumanos.

6. EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: RESPONSABILIDADE DE TODOSNA CONSOLIDAÇÃO DA CIDADANIA

Por fim, é necessário tecermos algumas palavras sobre o papel da educaçãono processo de solidificação dos direitos humanos e da cidadania, cujo fundamentotambém se encontra no texto constitucional brasileiro.

A Constituição de 1988, ao consagrar a universalidade, indivisibilidade einterdependência dos direitos humanos, também entrega ao Estado e ao cidadão atarefa de educar (dever) e ser educado (direito) em direitos humanos e cidadania.Somente com a colaboração de todos os partícipes da sociedade e do Estado éque os direitos humanos fundamentais alcançarão a sua plena efetividade. O papelde cada um na construção dessa nova concepção de cidadania é fundamental parao êxito dos objetivos desejados pela Declaração Universal de 1948 e pela CartaConstitucional Brasileira.

A educação em direitos humanos deve ocorrer de uma forma tal, que osprincípios éticos fundamentais que os cercam sejam, para todos nós - membros dacoletividade -, tão naturais quanto o próprio ar que respiramos. A consolidação dacidadania, em sua forma plena, deve ser o fator principal da criação de uma culturaem direitos humanos. A Declaração Universal de 1948, a esse propósito, deixa bemclaro que: �A instrução [leia-se: educação] será orientada no sentido do pleno de-senvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento e do respeito pelosdireitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a com-preensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais oureligiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutençãoda paz� (Artigo XXVI, 2.ª alínea).

E foi seguindo esta trilha traçada pela Declaração Universal, que a CartaBrasileira de 1988 estatuiu, no seu art. 205, que a �educação, direito de todos edever do Estado e da família, será promovida e incentivada, com a colaboração dasociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exer-cício da cidadania e sua qualificação para o trabalho�.54 Assim o fazendo, conjugoua Constituição, num só todo e de forma expressa, os �direitos humanos�, a �cidada-nia� e a �educação�, como querendo significar que não há direitos humanos sem aconsolidação plena da cidadania e que não há cidadania sem uma adequada edu-cação para o seu exercício. De forma que somente com a interação desses trêsfatores - direitos humanos, cidadania e educação - é que se poderá falar em umEstado Democrático de Direito assegurador do exercício dos direitos e liberdadesfundamentais decorrentes da condição humana.55

Como se vê, é, também, papel da educação o preparo para o exercício da

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cidadania, considerada, aqui, no seu sentido amplo, cuja consagração está asse-gurada tanto constitucional, no âmbito do direito interno, quanto internacionalmen-te, no contexto dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos.

Enfim, a efetiva proteção dos direitos humanos demanda um processo edu-cacional sério em que as gerações presentes e futuras possam sentir-se compro-metidas, eticamente, com a sua condição de cidadãos, sempre com a consciênciade que a participação na sociedade é fundamental para a consagração do bem detodos. Como pontifica o mestre ANDRÉ FRANCO MONTORO: �Não basta ensinardireitos humanos. É preciso lutar pela sua efetividade. E, acima de tudo, trabalharpela criação de uma cultura prática desses direitos�.56

A falta de uma cultura em direitos humanos destrói, pois, todo o referencialético e principiológico, galgado ao longo deste mais de meio século da proclama-ção da Declaração Universal de 1948, inobstante o alto preço pago por toda acomunidade internacional para a consagração desses direitos, bem como para asua efetiva positivação em diversos instrumentos internacionais de proteção. A con-seqüência mais dramática disso consiste no fato de ser toda a sociedade levada àirreflexão, acerca da produção do mal em massa (de que foi exemplo, dentre ou-tros, o genocídio cometido durante o período nazista) e na conseqüente falta de ummínimo de senso político e de espírito crítico, por parte dos indivíduos que a com-põem.57

A tarefa de implementar os direitos humanos através da educação é, assim,dever de todos - cidadãos e governo. Mas aos educadores incumbe a parte maisbravia e dificultosa. Como leciona CHARLES ANTONIO KIELING: �A missão a queesses profissionais da transmissão do conhecimento e do despertar do SensoPolítico nos educandos se propõe é fundamental para a consolidação das basesque transformarão a Humanidade. O compromisso dos centros educacionais emdesenvolver as habilidades dos seus educandos está diretamente relacionado aobom trabalho e empenho dos educadores. Está nas mãos dos educadores a mis-são mais significativa da História: a de transformar a humanidade, transformando aescola e a forma pedagógica de educar�.58

A educação em direitos humanos, portanto, deve-se dar de forma a que osseus princípios éticos sejam assimilados por todos nós em sua plenitude, passan-do a orientar as ações das gerações presentes e futuras, em busca da reconstru-ção dos direitos humanos e da cidadania em nosso país. Somente assim é que oexercício da cidadania e o respeito aos direitos humanos estarão completos edefinitivamente assegurados.

7. CONCLUSÕES

I - A idéia de cidadania surgiu como querendo significar a qualidade do indiví-duo a quem se atribuíam os direitos políticos de votar e ser votado. Falava-se,então, em cidadãos ativos, que gozavam de direitos políticos, e em cidadãos inati-vos, destituídos dos direitos de eleger e serem eleitos. Assim, Homem e Cidadãorecebiam significados distintos. O Cidadão teria um plus em relação àquele, con-

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sistente na titularidade de direitos na ordem política.II - Em virtude do processo de internacionalização dos direitos humanos,

iniciado com a proclamação da Declaração Universal de 1948, essa idéia vai sendo,gradativamente, modificada. Começou-se, a partir daí, a testemunhar uma crescen-te evolução na identidade de propósitos entre o Direito Interno e o Direito Internaci-onal, no que respeita à proteção dos direitos humanos, que passaram a transcen-der os interesses exclusivos dos Estados, para salvaguardar, internamente, os in-teresses dos seres humanos protegidos, afastando-se, de vez, o velho e arraigadoconceito de soberania estatal absoluta. O tema, então, passou a ser preocupaçãode interesse comum dos Estados, bem como um dos principais objetivos da comu-nidade internacional.

III - O Direito Internacional dos Direitos Humanos, como novo ramo do DireitoInternacional Público, superando a rígida distinção entre o Direito Público e o Direi-to Privado e libertando-se dos seus clássicos paradigmas, emerge com princípiospróprios, autonomia e especificidade, sendo característica de suas normas aexpansividade decorrente da abertura tipológica de seus enunciados.

IV - Os direitos humanos passaram a fundar-se nos pilares magnos da uni-versalidade, indivisibilidade e interdependência, consagrados pela Declaração Uni-versal de 1948 e reiterados pela segunda Conferência Mundial de Direitos Huma-nos, de Viena, em 1993. Compreendeu-se, finalmente, que o relativismo culturalnão pode ser invocado, para justificar violações aos direitos humanos. Ficou supe-rada a dicotomia, até então existente, entre as �gerações de direitos� (civis e políti-cos de um lado; econômicos, sociais e culturais, de outro), historicamente incorre-ta e juridicamente infundada, porque não há hierarquia quanto a esses direitos,estando todos eqüitativamente balanceados, em pé de igualdade.

V - A Constituição Brasileira de 1988, marco fundamental do processo deinstitucionalização dos direitos humanos no Brasil, em harmonia com os novospropósitos da comunidade mundial, recebe os tratados internacionais de proteçãodos direitos humanos com a natureza de �normas constitucionais�. A abertura dosistema se deu no art. 5.º, § 2.º, pelo qual, os direitos e as garantias expressos naConstituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais de que oEstado brasileiro seja parte. Além disso, a Constituição de 1988, no § 1.º do seuart. 5.º, dá aplicação imediata às normas internacionais de proteção dos direitoshumanos devidamente incorporadas ao direito interno, sendo certo que, a partir desua ratificação, esses tratados internacionais já passam a produzir efeitos interna-mente, prescindido do procedimento promulgatório, levado a efeito pelo Presidenteda República.

VI - Assim, tendo tais tratados ingressado pela porta de entrada do § 2.º doart. 5.º da Carta Magna de 1988, passam eles, da mesma forma que aqueles direi-tos garantidos no texto constitucional: a) a estar dentro dos fundamentos da Repú-blica Federativa do Brasil (art. 1º, inc. II a V); b) a permear os objetivos fundamen-tais do Estado brasileiro (art. 3º, inc. I, III e IV); c) a ser diretrizes que regem asrelações internacionais da República Federativa do Brasil (art. 4º, inc. II); d) e aconstituir cláusula pétrea do texto constitucional, passando a ser insuscetíveis dedenúncia (art. 60, § 4º, inc. IV), dando lugar, inclusive, à intervenção federal em

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caso de sua não-observância (art. 34, inc. VII, b).VII - A Constituição de 1988 abandona o velho conceito de cidadania ativa e

passiva, incorporando, em seu texto, a concepção contemporânea de cidadaniaintroduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Conferência de Vie-na de 1993.

VIII - Esta nova concepção, entendida, agora, em um sentido lato, consistena consciência de participação dos indivíduos na vida da sociedade e nos negóciosque envolvem o âmbito de seu Estado, só alcançados, em igualdade de direitos edignidade, através da construção da convivência coletiva, com base num sentimen-to ético comum, capaz de torná-los partícipes no processo do poder e garantir-lheso acesso ao espaço público. Designa, pois, todo o espaço político onde qualquermanifestação reivindicatória de direitos se exterioriza. É o direito de lutar por maisdireitos, só conseguido, através da politização da sociedade e do acesso ao espa-ço público.

IX - A Carta de 1988 endossa esse novo conceito de cidadania, que tem, nadignidade da pessoa humana, sua maior racionalidade, principiologia e sentido.Consagram-se, de uma vez por todas, os pilares universais dos direitos humanoscontemporâneos, afinando-se a nova ordem constitucional com as novas exigênci-as da democracia.

X - A universalidade dos direitos humanos consolida-se, na Constituição de1988, a partir do momento em que ela consagra a dignidade da pessoa humanacomo núcleo informador da interpretação de todo o ordenamento jurídico, tendo emvista que a dignidade é inerente a toda e qualquer pessoa, sendo vedada qualquerdiscriminação. Quanto à indivisibilidade dos direitos humanos, a Carta de 1988integra ao elenco dos direitos fundamentais os direitos sociais, que nas Constitui-ções anteriores restavam espraiados no capítulo pertinente à ordem econômica esocial.

XI - Portanto, é fácil perceber que a influência exercida pelo Direito Internaci-onal dos Direitos Humanos, ou direito do pós-Segunda Guerra, foi decisiva para aabertura democrática do Estado brasileiro e para a conseqüente redefinição dacidadania no Brasil.

XII - O preparo para o exercício da cidadania é papel fundamental da educa-ção. A efetiva proteção dos direitos humanos demanda, por isso, um processoeducacional sério, que desperte, nas gerações presentes e futuras, a consciênciade participação na sociedade e crie um mínimo senso político nos indivíduos que acompõem.

8. BIBLIOGRAFIA

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O leasing de veículo e a prisão por depósito infiel em sedede execução por dívida pessoal do arrendatário

Leonardo Henrique Mundim Moraes Oliveira, Advo-gado, Professor de Direito Civil da Faculdade deDireito do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB),Ex-Procurador da Área Administrativa e Criminal doBanco Central do Brasil.

INTRODUÇÃO

Decorrência natural da vida moderna são as diversificadas formas deengendramento de negócios, visando, no mundo capitalizado, ao incremento daprodução e da circulação de riqueza, destacando-se assim, dentre as novas avenças,o já famigerado contrato de leasing, aliás objeto de recentes e acalorados debatespor ocasião do reajuste cambial da economia brasileira.

De tão novo no Direito Pátrio, o leasing ou arrendamento mercantil é contra-to que sequer encontra previsão em lei específica. Há apenas uma lei de carátertributário - nº 6.099/1974 - que, aproveitando o ensejo da previsão do fato gerador,conceituou sucintamente o referido pacto, dispondo:

�Art. 1º .........................................................................................Parágrafo único. Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos des-

ta lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendado-ra, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objetoo arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo as especificaçõesda arrendatária e para uso próprio desta.�

�Art. 5º Os contratos de arrendamento mercantil conterão as seguintes dis-posições:

a) prazo do contrato;b) valor de cada contraprestação por períodos determinados, não superiores

a um semestre;c) opção de compra ou renovação do contrato, como faculdade do arrendatá-

rio;d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for esti-

pulada esta cláusula.�Posteriormente adveio a Resolução nº 2.309/1996 do Conselho Monetário

Nacional (CMN - Órgão subordinado ao Ministério da Fazenda), que acresceu algu-mas disposições complementares de natureza técnica ao referido negócio jurídico,sob respaldo da Lei nº 4.595/1964, que autoriza àquele Órgão editar regulamentossobre aspectos do Sistema Financeiro Nacional (SFN).

Caracterização do LeasingAtualmente, pois, pelo contrato de arrendamento mercantil ou leasing, uma

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determinada pessoa jurídica, que deve ser constituída sob a forma de sociedadeanônima (cf. Res. CMN nº 2.309/1996), adquire um determinado bem, indicado ouaguardado pelo arrendatário, e concede a esse mesmo arrendatário, por prazo cer-to e específico, o direito de uso daquele bem, mediante o pagamento de prestaçãoperiódica. E, ao final do contrato, o arrendatário tem a opção, a faculdade de com-prar o bem da arrendadora, para isso pagando à mesma um preço pré-determinadoou criteriosamente determinável. Seria, assim, basicamente, um tipo de aluguelcom opção de compra ao final do contrato.

Sobre o tema, aduz JAYME CARDOSO JÚNIOR:�Assim, o leasing pode ser conceituado como uma transação celebrada

entre o proprietário de um determinado bem (arrendadora) que concede a um tercei-ro (arrendatária), o uso deste por um período fixo, mediante um contrato, findo oqual é facultado à arrendatária a opção de comprar, devolver o bem arrendado ouprorrogar o contrato.� (in �Arrendamento Mercantil�, Editora da Divisão de Impres-são e Publicação do Banco Central do Brasil, edição outubro/82, p. 7)

No mesmo diapasão, assevera ROBERTO SHOJI OGASAVARA:�A empresa de leasing, a arrendadora, coloca o uso do ativo solicitado pela

arrendatária ao seu inteiro dispor, ficando, contudo, com a propriedade do referidoativo.� (in �Leasing no Brasil: Aspectos do Arrendamento Mercantil�, Tese deMestrado apresentada à Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1980, p. 01)

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA arremata:�Pelo contrato de leasing o arrendatário recebe uma coisa móvel do arrenda-

dor, a qual este adquire se já não for seu proprietário, cedendo-lhe o uso e gozo,como uma locação tradicional.� (in �Instituições de Direito Civil�, vol. III, Ed. Foren-se, 10ª edição, p. 147)

Está claro, destarte, que a propriedade do bem arrendado conserva-se napessoa da arrendadora, que tem o domínio e, conseqüentemente, a posse indiretada coisa, cabendo ao arrendatário tão-somente o direito temporário de uso- possedireta e precária, subordinada à regularidade do pagamento da prestação periódica.

O EXECUTADO E A PENHORA DE VEÍCULO SOB LEASING

Contudo, não raro Oficiais de Justiça, em busca de bens na casa de umExecutado, promovem penhora de veículos ali encontrados, mesmo que lhes sejacomprovado serem objeto do já popularizado contrato de arrendamento mercantil.Entendemos, salvo embargo de respeitáveis posicionamentos em contrário, que talpenhora realizada sobre bem objeto de leasing, em processo decorrente de dívidapessoal do arrendatário, é absolutamente nula, inválida e processualmente inefi-caz.

Com efeito, dispõe o art. 591 do CPC:�Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações,

com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas emlei.�

A expressão �bens futuros�, constante da norma supra, poderia fazer presu-

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mir que o objeto sob leasing, que provavelmente será comprado pelo arrendatárioao final da avença, esteja abrangido no provável acervo patrimonial do devedor, oqual, desde a edição da Lex Poetelia Papiria, substituiu o corpo do devedorcomo garantia de cumprimento das obrigações. Mas, de fato, o objeto sob leasingnão está abrangido na expressão �bens futuros�.

Isso porque, de início, deve-se observar que não existem, tecnicamente,�bens futuros�, mas sim direitos subjetivos futuros, que tenham por objeto determi-nado bem (os pressupostos do direito subjetivo, como cediço, são sujeito, objeto erelação jurídica).

Prosseguindo, pelo art. 74, parágrafo único, do Código Civil, �chama-se defe-rido o direito futuro, quando sua aquisição pende somente do arbítrio do sujeito; nãodeferido, quando se subordina a fatos ou condições falíveis�.

No caso de leasing, pode-se dizer que haveria, em favor do arrendatário, umdireito subjetivo futuro deferido? Obviamente que não, uma vez que a aquisiçãodesse direito futuro está umbilicalmente sujeita a fatos ou condições falíveis, carac-terizadas especialmente pela necessidade de pontual e regular pagamento de to-das as prestações até o final do contrato, bem como pela efetivação da opção decompra por parte do arrendatário, a qual, sendo opção ou faculdade, não é decaráter obrigatório ou pré-determinado.

O direito futuro do arrendatário - e devedor na hipotética Execução por dívidadiversa - é, portanto, e nos termos da lei, não deferido, pois pode ou não vir aintegrar o patrimônio do arrendatário. E enquanto não deferido, ou seja, sujeito àcondição - porque o pagamento pontual das prestações e a realização da opção decompra (=evento futuro e incerto) compõem condição suspensiva no âmbito doarrendamento mercantil (simplificando, dar-te-ei o domínio se me pagares pontual-mente todas as parcelas e fizeres a opção final) -, o direito subjetivo que tem porobjeto o veículo continua na esfera patrimonial da arrendadora, sem qualquer tipode adquirência por parte do arrendatário, nos exatos termos do art. 118 do CódigoCivil, in verbis:

�Art. 118. Subordinando-se a eficácia do ato à condição suspensiva, enquan-to esta não se verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.�

A constrição judicial que comumente se realiza sobre bem objeto de leasing,assim, caracteriza-se efetivamente como ato processual absolutamente nulo, poratingir bem de terceiro e, deste modo, merece revogação pelo Magistrado mediantesimples requerimento do interessado nos próprios autos da Execução, ensejandooutrossim, em última análise, o ajuizamento dos embargos do art. 1.046 do CPC.Assevera HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:

�É o patrimônio do devedor (ou de alguém que tenha assumido responsabili-dade pelo pagamento da dívida) que deve ser atingido pela penhora, nunca o deterceiros estranhos à obrigação ou à responsabilidade.� (in �Curso de Direito Pro-cessual Civil�, vol. II, Ed. Forense, 24ª edição, p. 193)

E decidiu o Eg. TJDF:�EMBARGOS À EXECUÇÃO. LIMITES. Questões atinentes à penhora são

resolvidas no processo de execução. A questão da eficácia da penhora, se exces-siva ou incidente em bens livres de constrição, não se subsume no elenco das

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matérias inseridas nos arts. 741/744 do CPC. O problema alusivo à constrição emsi mesma não integra o cotejo das matérias argüíveis em embargos porque consis-te em mera providência assecuratória do processo de execução, a qual pode sermodificada ou até substituída sem afetação da relação jurídico-material entre cre-dor e devedor.� (2ª Turma Cível - ApC nº 32.611/94 - Rel. Des. Getúlio Moraes Olivei-ra - Unânime - DJ 31/8/1994)

Nesses termos, tem-se que o patrimônio de terceiro que não intervém narelação processual - como é o caso da arrendadora - não comporta a constrição,por não haver, de fato, receptáculo objetivo para o gravame judicialmente imposto,daí a sua nulidade.

A DEVOLUÇÃO DO BEM À ARRENDADORA.

Mas e se, como costumeiramente acontece, apesar do alerta ao Oficial deJustiça, o devedor tem o bem realmente penhorado e fica instituído na posição defiel depositário, e depois, mesmo sem a arrendadora tomar conhecimento do gravame- pois ordinariamente não é comunicada -, vê-se o devedor na contingência de, porinadimplência no contrato de leasing, devolver o veículo ao verdadeiro dono, a ar-rendadora? Quid juris?

Ora, por questão de lógica jurídica, a prisão ou ameaça de prisão que vierfulcrada na infidelidade do depositário do veículo será aqui abusiva e ilegal.

Efetivamente, a caracterização da grave infidelidade do depositário está in-trinsecamente associada ao elemento incúria. Malgrado não seja necessário provardolo específico do depositário na impossibilidade de restituição da coisa, o fato éque ao menos o desleixo daquele deve estar caracterizado, pois a prisão que nãoesteja respaldada pelo menos em tal circunstância se equipararia àquela decretadacontra alguém absolutamente inocente.

No caso em análise - do depositário de veículo sob leasing que simples-mente sucumbe ao pedido de restituição da verdadeira dona da coisa -, a coerçãopessoal sem embasamento em ação ou omissão daquele é mesmo um constrangi-mento ilegal, pois não se lhe era exigível legalmente que, para satisfazer a umcredor (o Exeqüente) resistisse bravamente às pressões e cobranças de outro (aarrendadora).

Deve-se frisar que, em havendo inadimplemento no contrato de leasing, arestituição do veículo à arrendadora é uma conseqüência natural impositiva, e nãouma faculdade do arrendatário, como inclusive já decidiu o Colendo STJ, in verbis:

�DIREITOS CIVIL E ECONÔMICO. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MER-CANTIL. FALTA DE PAGAMENTO DAS PARCELAS. REINTEGRAÇÃO DE POS-SE. LIMINAR. (...) I - A conseqüência natural do inadimplemento do contrato deleasing por parte do arrendatário é a restituição de fato do bem arrendado a seupossuidor originário e proprietário, que pode ser feita em provimento liminar.� (...) (4ªTurma - REsp nº 121.109/SC - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira - Unânime -DJ 5/10/1998)

Inexistindo, portanto, incúria ou atuação maliciosa do depositário no retorno

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da coisa ao verdadeiro dono, a prisão que vier a ser decretada ou ameaçada, noâmbito de constrição irregularmente promovida em processo executivo de dívidapessoal do arrendatário, estará sem qualquer suporte fático-jurídico - vale dizer,seria como um tributo sem o respectivo fato gerador, uma vez que o devedor earrendatário terá apenas restituído forçosamente o que não era seu, e nenhumavantagem, regra geral, obterá disso, sendo pertinente frisar, ademais, que sendonula penhora, igualmente nulo será o depósito, que é fruto direto daquela.

Com efeito, enquanto integrado o veículo ao arrendamento mercantil, equipa-ra-se o arrendatário ao locatário e ao credor pignoratício, cuja precariedade da pos-se é inábil à geração de quaisquer efeitos jurídicos no tocante à coisa, muito menosdo direito de disponibilidade, que o instituto do fiel depósito objetiva exatamenterestringir.

Alguns contratos, contudo, estipulam diluição do valor para opção de com-pra ao final do arrendamento (�valor residual�), restando assim acrescidas as parce-las periódicas. Nesses casos, o chamado valor residual - somente ele - poderá servalidamente penhorado, por pertencer ao arrendatário enquanto não ultimada aavença, ficando apenas sob custódia da arrendadora (TJDF 4ª Turma Cível - Rel.Des. Jair Soares - Unânime - DJ 11/3/1998).

Sob um outro ângulo, observe-se que a devolução do bem arrendado à arren-dadora, se motivada por pressão ou mesmo por ação judicial desta, caracteriza atéverdadeiro motivo de força maior, em face de sua inevitabilidade, o que, conformecediço, constitui uma das mais evidentes escusativas de responsabilidade em situ-ações de aparente ilicitude do ato.

JURISPRUDÊNCIA

O Tribunal de Alçada de Minas Gerais, ao que se pôde constatar, foi o únicoque teve oportunidade de apreciar mais proximamente a peculiar situação ora apre-sentada, donde resultaram os seguintes precedentes, aqui aplicáveis mutatismutandis:

�EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL - CONTRATO DE LEASING -PENHORA - HIPOTECA - Como próprio da natureza jurídica do contrato de leasing,o bem objeto do arrendamento, embora esteja na posse do arrendatário, pertence àparte arrendante, por isso que, no caso de Execução pelo não pagamento da dívidaoriginária desse contrato, não pode a penhora recair sobre o bem arrendado, porquenão pertencente ao devedor. (...)� (4ª Câmara Cível - AgI 215.254-5 - Rel. Juiz FerreiraEsteves - Unânime - j. em 22/5/96).

�HABEAS CORPUS - PRISÃO CIVIL - PENHORA - DEPOSITÁRIO INFIEL.Não se caracteriza a figura do depositário infiel sendo, por via de conseqüência,incabível a prisão civil do paciente, se os autos da Execução demonstram que apenhora incidiu sobre bem móvel de propriedade duvidosa ou instrumento de traba-lho.� (2ª Câmara Criminal - HC nº 249.324-7 - Rel. Juiz Carlos Abud - Unânime - j.em 25/11/97)

Ressalte-se, em acréscimo, que mesmo nos casos de veículo sob alienação

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fiduciária - em que o bem é até registrado, junto ao DETRAN, em nome do própriodevedor - a maciça Jurisprudência afirma a ilegalidade e a insubsistência de quais-quer efeitos decorrentes de penhora realizada sobre o objeto, em face de dívidapessoal de quem apenas detém a posse direta, não se admitindo como legítimanem mesmo a eventual imposição de substituição da coisa por dinheiro. Confira-se:

�ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PENHORA, POR DÍVIDA DO FIDUCIANTE, DEBEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE. O adquirente fiduciário não pode sofrer pe-nhora, por dívida do fiduciante. É que ele, em face do § 22 do art. 153 da CF (E.C.nº 1/69), possui a propriedade fiduciária, segundo a disciplina legal que rege oinstituto da alienação fiduciária, encontrando-se, embora, o bem sob a posse dofiduciante, com responsabilidade de depositário.� (STF - 2ª Turma - RE nº 107.994-1-PE - julgado em 16/9/1988 - DJ 21/10/1998 - Ementário nº 1.520-2)

�ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PROCESSO DE EXECUÇÃO. SUBSTITUIÇÃODE PENHORA. PENHORA DE BEM ALIENADO. 1. Reconhecida aimpenhorabilidade do bem objeto da penhora, não incide a regra do artigo 668, quedetermina a substituição por dinheiro, pois são diferentes os pressupostos. 2. Obem alienado fiduciariamente, por ser de propriedade do credor, não pode ser objetode penhora, no processo de Execução. Recurso conhecido e provido.� (STJ 4ª Tur-ma - REsp nº 30.781/92 - Rel. Min. Dias Trindade - Unânime - DJ 27/6/94)

�O bem alienado fiduciariamente não pode ser objeto de penhora nas execu-ções ajuizadas contra o devedor fiduciário.� (extinto TFR - Súmula nº 242)

�AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDICAÇÃO À PENHORA DE BENS SOBALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. 1. Não detém o devedor fiduciante a propriedade do bemdado em garantia, razão pela qual não assiste ao terceiro credor Exeqüente indicá-lo à penhora. 2. Recurso conhecido e desprovido.� (TJDF 1ª Turma Cível - AgI nº7.219/96 - Rel. Des. Edmundo Minervino - Unânime - DJ 23/4/97).

�ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - EMBARGOS DO DEVEDOR - LEGITIMATIOAD CAUSAM - PENHORA - NULIDADE - SUCUMBÊNCIA - O Executado tem legi-timidade e dever de alegar nulidade de penhora em razão de estar o bem gravadocom ônus de alienação fiduciária, podendo fazê-lo como preliminar dos embargosdo devedor, arcando o Exeqüente com os encargos da sucumbência se a constriçãodo bem foi feita por sua indicação.� (TAMG 3ª Câmara Cível - ApC nº 238.359-3 -Rel. Juiz Kildare Carvalho - Unânime - j. em 6/8/1997).

CONCLUSÕES

Conclui-se do exposto que, por manter-se o bem sob leasing no patrimônioda pessoa jurídica arrendadora até a eventual quitação das prestações mensaisestipuladas e realização da opção de compra ao final do contrato, a penhora quevenha a incidir sobre veículo arrendado mercantilmente, em sede de Execuçãodecorrente de dívida pessoal do arrendatário, é absolutamente nula, não gerandoquaisquer efeitos jurídicos, muito menos a caracterização de depósito.

Por isso a devolução do bem pelo arrendatário à arrendadora, no curso dohipotético processo executivo, sem a participação da vontade livre do arrendatário e

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devedor, não constitui ato ensejador de prisão civil, inclusive porque, mesmo se seadmitisse a formação de depósito, a infidelidade inexistiria por ausência de incúriado depositário, o qual tão-somente sucumbe - como se exige de todos - ao cumpri-mento de uma obrigação.

Assim, à vista de ameaça virtual ou concretizada, no sentido de se apresen-tar judicialmente o veículo penhorado ou seu equivalente em dinheiro, é cabível eprocedente a impetração da medida constitucional de habeas corpus, objetivandoresguardar o devedor contra a ilegal obrigação de apresentar em Juízo o que nuncafora seu, algo de que nunca teve disponibilidade e que, na prática, efetivamentenunca significou segurança para o crédito executado.

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Da inidoneidade da incidência de prazo decadencial emmandado de segurança - compreensão do problema

Netônio B. Machado*

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Avanços éticos e humanísticos para a com-preensão da Constituição. 3. A garantia constitucional como corolário fatal de direi-tos fundamentais 4. A distinção entre direito e garantia. 5. O devido processolegal. 6. O direito constitucional processual e a supremacia da sua auto-suficiên-cia. 7. Contextualização histórico-jurídica do writ . 8. Conclusões

1. INTRODUÇÃO

�O homem veemente prefere, embora seja chamado de louco e a necessida-de não o obrigue, arrostar as tempestades públicas entre suas ondas, até sucumbirdecrépito, a viver no ócio prazenteiro e na tranqüilidade�.

Marco Túlio Cícero - Da RepúblicaA tênue presença de um sentimento constitucional, profundamente debilita-

do em toda história republicana brasileira, tem contribuído de forma nefasta para oamesquinhamento do nosso Ordenamento Jurídico Fundamental, para o enfraque-cimento das instituições, conspurcando a noção de cidadania, subvertendo a idéiade soberania popular reduzida a mero conteúdo formal positivado na Constituiçãosem concretude na realidade social, sem expressão política nacional.

Desenvolve-se sob essa hediondidade um processo de achincalhe ao Esta-do de Direito, resultando no aviltamento dos fundamentais princípios constitucio-nais, com lamentável acomodação das agências encarregadas de velar pela Cons-tituição e assegurar a intangibilidade dos seus postulados supremos.

Graças a essa lassidão avulta a cada dia a súcia dos que assacam a ordemjurídica formalmente estabelecida, com destaque para a carga crescente das bate-rias do Executivo arremetidas contra o cidadão desprotegido, reduzido a mero dadonas estatísticas oficiais.

Inolvidável, sem dúvida, que o destrambelhamento do quadro político brasilei-ro, hoje e sempre, como resultante da nossa gênese histórica e da nossa antropo-logia, leva ao estiolamento das instituições e produz um círculo vicioso perverso,avassalador, cruel.

Mas sempre há a perspectivação do surgimento de um potencial humanoinexplorado à espera de provocação para manifestar-se, e a reconfiguração de con-ceitos e valores sempre encontra nos novos um ambiente propício à sua fecundidade.

Este o anelo acalentado.A letargia sócio-política, portanto, já está muito além do esperado e transpõe

os limites da tolerância suportada pela racionalidade, malgrado indiferentes a tudo,os magarefes do Estado Democrático de Direito aproveitem-se das anomalias da

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organicidade do nosso sistema e cravem, com eficiência, a cada dia, mais umdardo letal na nossa organização jurídico- institucional já tão desprestigiada ecombalida.

Num ambiente assim, o golpe de Estado institucional, como assinalaBonavides59, é, hoje, a grande estratégia governamental para consubstanciar o des-potismo dissimulado dos governos deste país em afrontosa marcha contra os direi-tos e garantias fundamentais do povo brasileiro, conquista de tantas lutas d�alémmar e em torrão nativo, constantemente vilipendiada pela solércia, pela prepotência,pelo descompromisso com a Pátria e com a Nação, num sortilégio diabólico contraos valores da República.

Este trabalho enfrentará apenas uma das muitas vertentes em que se detec-ta o desvio cambiante de conduta de agentes políticos inadaptados aos comandosdemocráticos ditados pela ordem jurídica fundada na supremacia e intangibilidadeda Constituição, conduta nociva a derruir os alicerces onde se construíram ao longoda História os direitos e garantias do cidadão contra o despotismo estatal, feiçãosuave da filosofia liberal.

Há sempre tempo para despertar, para aprimorar.É sempre tempo de amadurecimento das consciências, que devem

recepcionar, hospitaleiramente, as mudanças de conceitos subjacentes do ele-mento culturalístico em homenagem à racionalidade, ao progresso das ciências,ao desenvolvimento da humanidade.

2. AVANÇOS ÉTICOS E HUMANÍSTICOS PARA A COMPREENSÃO DA CONS-TITUIÇÃO.

�No Sermão da Montanha, Jesus precede cada novo preceito com o refrão:�Foi-lhes dito antigamente, mas eu lhes digo...� .Este é o refrão constante do ho-mem dotado de sensibilidade ética: novo vinho �não pode ser colocado em velhoscântaros, ou o cântaro se rompe e o vinho se derrama��.

Rollo May - O Homem à Procura de Si MesmoSem a consciência de que o homem, entendido no sentido de universalida-

de, é um fim em si mesmo; de que todas as ciências, todas as filosofias, todas asreligiões voltam-se para a sua realização, para a sua afirmação, intuindo o Estadocomo forma de organização social - instrumento, portanto, da sociedade - não serápossível assimilar, sequer, os rudimentos de uma ética humanística e, por conse-guinte, compreender os valores adotados pela Constituição como balisamento parao exercício de sua interpretação.

É dizer: o homem é sujeito cognoscente, em cuja órbita circulam os objetosdas nossas análises, adaptando-se esses aos superiores interesses daquele.

É ele, então, guindado a centro do universo e a destinatário de toda e qual-quer proposição política, econômica, social, portadora de liciedade, ainda admitin-do, com Bobbio, que �a política obedece a um código de regras, ou sistema normativo,diferente de, e em parte, incompatível com o código, ou sistema normativo, daconduta moral�. 60.

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O homem há de ser avaliado e entendido como a medida de todas as coisas.Aliás, nossa Constituição captou muito bem essa grandeza axiológica ao

inscrever a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental da República(art.1º, III ), descortinando o propósito inconsútil de não deixar dúvida no intérprete.

A este tocará - e nisto assentará sua conduta ético-humanística -, tangidopor esses valores supremos, compreender a Constituição sob essas perspectivasde direito natural albergadas na consciência social, esta atuando como fonte denormatividade jurídica resultando na sua positivação na Lei Fundamental, portantocom força obrigatória e validez superior dos princípios nela encerrados expressa eimplicitamente, concebendo-a como sistema, sob uma visão dialógica do Direito.

Essa contundência real não se aquebranta ante argumentos esgrimidos commaestria retórica, com mágicos recursos semânticos e artifícios jurídicosesplendorosos derruíveis no confronto com o sentido humanizante vitalizador doespírito da Constituição.

Quando muito, as inteligências a serviço dessa subversão de valores, dessamutilação de direitos, propiciam-nos só um grande espetáculo de torneio de velei-dades, porém inane de substância valorativa do plano superior onde se posta o serhumano; apenas um espetáculo de intelectualidade vazia de algum Super-homem,de um Ubermensch, como o concebido por Goethe no extraordinário diálogo ima-ginado entre Fausto e o Espírito da Terra, quando este, ironicamente, verberando odelírio de grandeza daquele, que se dizia seu parente, sugere que Fausto procureoutro espírito mais adequado às suas reais dimensões, dizendo-lhe: �Por que, emvez disso, você não luta para se tornar um Mensch - um autêntico ser huma-no?�61.

A abertura de horizontes, ensejando um vôo do pensamento por galáxiasmais distantes, mais ricas e sem peias constritoras da liberdade edificante denovos parâmetros do Direito, notadamente do Direito Constitucional, certamentepermitirá a superação dos arquétipos conservadores prejudiciais e conduzirá aoamplexo com as formulações ético-humanísticas inspiradoras da Nova Hermenêutica,articulando uma ética material de valores e uma nova mentalidade propiciante daincidência das duas éticas de que nos fala Max Weber: a ética da convicção e aética da responsabilidade.

Carece o intérprete de libertar-se das crenças dogmáticas e dos costumesirracionais, que tolhem sua liberdade.

Ao consagrar a Constituição a doutrina norte-americana do due process oflaw, com o intuir do substantive dues process (art. 5º, LIV e LV) edificou, comdignidade superior, a salvaguarda mais ampla dos direitos fundamentais do ho-mem, conferindo-lhe titularidade de direitos subjetivos públicos constitucionalmen-te garantidos.

A nova ordem constitucional requer uma nova Magistratura que se identifiquecom aqueles imperativos, assimilando uma operatividade prospectiva do direito ese libertando da visão retrospectiva das fontes formais, as quais regem a validade,mas não a aplicação in fieri, isto é, a real eficácia dos atos normativos, comoadverte Miguel Reale62, numa perspectiva concretista.

Embora sabendo que o presente não pode ser interpretado como fenômeno

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solitário, nem vinculado só ao passado, pois ele é, na verdade, uma conformaçãodialética das experiências vividas e das expectativas acalentadas, produzindo umasíntese configuradora do momento atual, enxergamo-lo como possibilidade semprecrescente de aperfeiçoamento.

Dí-lo a Nova Hermenêutica em sua busca de integração do direito com arealidade social nos limites traçados pelo espírito da Constituição, atuando como ogrande vetor interpretativo, o reconhecimento da consciência social assimparametrada como fonte de normatividade jurídica.

É que sobre ser a Constituição um sistema de normas é ela um sistema devalores, de princípios superiores facilitando o desate da colisão de direitos funda-mentais, otimizando a sua construção como unidade, no exercício de sua interpre-tação.

Os atores da cena da vida estão amadurecendo, adquirindo visão crítica epercebendo a essência das coisas, descobrindo-se sujeitos e objetos dos augúriosrepublicanos.

À primitiva reverência submissa do povo segue-se, agora, uma indiferençaaltiva pela prepotente e decrépita concepção de superioridade de castas distancia-das dos problemas da gente e frágeis de sensibilidade e de humana sabedoria.

O sentimento do homem comum eleva-se, intuitivamente, à essencialidadedas coisas: filtra, decanta, purifica e otimiza, desagrilhoado de opressões exterio-res e harmonizados com os valores ancestrais e contemporâneos mais dignificantesda espécie humana.

Talvez a percepção desse fenômeno nos leve à relevantíssima indagaçãoformulada pelo poeta alemão Walther von der Vogelweide, ao perguntar-se: �Te-rei sonhado minha vida ou foi ela verdadeira?�.

Esse o questionamento que convém fazermos, de vez em quando, para cor-reção de rotas.

Assim, quiçá, possamos um dia contestar com a prática o descrédito mani-festado por Jorge Luiz Borges em sua poesia: �Ainda a aurora é um pássaro perdidona vileza mais longínqua do mundo�.

E então, quem sabe, possamos objetar a afirmação de Kafka ao declinar quea burocracia do processo construía o tosco deleite de �desenvolver a arte de fazertombar um inocente�.

Esses passatempos arbitrários devem ser banidos das nossas cogitaçõesem reverência ao primado da razão e da dignidade humana.

Embora a ênfase deste trabalho seja para o aspecto do prazo decadencialno mandado de segurança, outros fatores nele exsurgem com supina importância,credores da nossa observação. Afinal, não é possível estancar departamentos noimbricamento de situações recorrentes, vinculativas, com determinações psico-sociais pinaculares.

É de consolidação da teoria dos valores que devemos cuidar, conformando-nos à idéia de que a constituição é �um sistema de princípios superiores, providosde supremo teor normativo� iluminando toda a hermenêutica dos direitos fundamen-tais.

A obstrução dessa prática na técnica de interpretação da Constituição, além

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de inviabilizar a utilização dos mecanismos postos à disposição do aplicador dodireito na sua operatividade, impossibilitará �estabelecer e declarar a legitimidadedo título de quem, em derradeira instância, concretiza direitos fundamentais, lê aConstituição como juiz, decide e interpreta matérias constitucionais e se investe depoder ao qual chegou pela lógica do sistema, até congregar em sua vontade acompetência das competências�.63

É preciso, então, sensibilizar-nos ante as propostas das pressões renovado-ras saudáveis, homenageando o núcleo moral do direito formal como quer a Cons-tituição, sendo esta o marco divisório, o portal de ingresso na modernidade.

3. A GARANTIA CONSTITUCIONAL COMO COROLÁRIO FATAL DE DIREITOSFUNDAMENTAIS

�Aspirar a outra moral diferente daquela que está implícita na natureza dasociedade é tanto negar a esta como, por extensão, negar-se a si mesmo.�

Émile Durkeim - Sociologia e Filosofia.Os artigos 1º a 4º do Estatuto Supremo encerram princípios fundamentais

por ele mesmo assim crismados.São elementos invulneráveis do Estado Democrático de Direito.Não é difícil identificar na consagração desse Estado, no conteúdo de justiça

proclamado no caput e nos incisos II e III do artigo 1º da Lei Maior, a naturezaprincipiológica revestida de fundamentalidade.

Na acepção de Canotilho �A interconexão entre direito de acesso aos tribu-nais e direitos materiais aponta para duas dimensões básicas de um esquemareferencial: 1. os direitos e interesses do particular determinam o próprio fim dodireito de acesso aos tribunais, mas este, por sua vez, garante a realização daque-les direitos e interesses; 2. os direitos e interesses são efetivados através dostribunais mas são eles que fornecem as medidas materiais de proteção por essesmesmos tribunais. Dessa imbricação entre direito de acesso aos tribunais e direi-tos fundamentais resultam dimensões inelimináveis do núcleo essencial da garan-tia institucional da via judiciária. A garantia institucional conexiona-se com o deverde uma garantia jurisdicional de justiça a cargo do Estado. Este dever resulta nãoapenas do texto da Constituição, mas também de um princípio geral (�de direito�,das �nações civilizadas�)�.64

O mandado de segurança como garantia constitucional qualificada ou deprimeiro grau assim o é, porque priva o próprio legislador constituinte titular dopoder de reforma constitucional �da faculdade de emendar a Constituição para alte-rar cláusulas que o texto da lei maior rodeou de uma proteção máxima deintangibilidade, não podendo a matéria ali contida ser objeto, sequer de deliberaçãoda parte do poder constituinte derivado. Ou, com mais precisão: a garantia consti-tucional qualificada ou de primeiro grau garante a inalterabilidade do preceito tantopor via legislativa ordinária como por via constituinte derivada; (...) A garantia cons-titucional se apresenta tão rígida que não consente sequer seja objeto de delibera-ção a proposta de emenda sobre a matéria constante da cláusula constitucional de

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exclusão sobre a qual não incide assim o poder de reforma. Garantias constitucio-nais de primeiro grau são também aquelas que circundam direitos, princípios evalores da constituição, cuja mudança ou supressão fere a essência, a natureza ea razão de ser da própria lei suprema�, como bem anota Paulo Bonavides, realçan-do que �A garantia constitucional de primeiro grau, dentro ou fora do artigo 60, §4º,d, protege o espírito da Constituição�65.

Calha bem a observação de Ivo Dantas, com a seguinte dicção: �O estudodos chamados Direitos Individuais é a preocupação que se tem com o relaciona-mento Estado versus Indivíduo, ou, em outras palavras, de limitação do exercíciodo poder político, por direitos pertencentes e inalienáveis ao homem. Nesse sentidoé que se explica, sociologicamente, a ênfase pelo Estado liberal às declarações deDireitos, como manifestação clara e insofismável do temor e do receio de que avitória sobre a Monarquia absoluta sofresse um recuo�66.

Por oportuno, trago a reflexão de Wolfgang, inspirado em Krüger sobre otema: �hoje não há mais falar em direitos fundamentais na medida da lei, mas, sim,em leis apenas na medida dos direitos fundamentais, o que - de acordo com Go-mes Canotilho - traduz de forma plástica a mutação operada nas relações entre alei e os direitos fundamentais. De pronto, verifica-se que a vinculação aos direitosfundamentais significa para o legislador uma limitação material de sua liberdade deconformação no âmbito de sua atividade regulamentadora e concretizadora. Paraalém disso, a norma contida no art. 5º § 1º da CF gera, a toda evidência, umalimitação das possibilidades de intervenção do legislador no âmbito de proteçãodos direitos fundamentais. Se, por um lado, apenas o legislador se encontra auto-rizado a estabelecer restrições aos direitos fundamentais, por outro, elepróprio encontra-se vinculado a eles, podendo mesmo afirmar-se que o art. 5º, §1º da CF traz em seu bojo uma inequívoca proibição de leis contrárias aos direitosfundamentais, gerando a sindicabilidade não apenas do ato de edição normativa,mas também de seu resultado, atividade, por sua vez, atribuída à Jurisdição Cons-titucional�.67

Como direito fundamental que é, assim inscrito no Título II, Capítulo I, daRégia Carta, precisamente no inciso LXIX, do seu artigo 5º, vincula-se essencial-mente à liberdade e à dignidade humana como pilares de uma sociedade justa, livree solidária.

Nem se venha argumentar com o Direito Constitucional alemão, porque agarantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais comporta ali um aferimentopor parte do intérprete, do grau de relevância do direito fundamental de modo a serconsiderado ou não atingido o seu núcleo essencial. No caso brasileiro, o inciso IV,do parágrafo 4º, do artigo 60 do Texto, ao inscrever qualquer direito e qualquergarantia individual no núcleo duro da Constituição dotando-o, portanto, de rigidezmáxima, converte em intocável qualquer direito fundamental, mesmo pelo constitu-inte reformador.

Por outro lado, ainda abstraindo esse relevantíssimo aspecto, no caso domandado de segurança, o condicionamento da sua propositura a um prazo, quandopersistindo a ilegalidade ou abuso de poder estatal, fulminaria o núcleo essencialda garantia que é, em sua dimensão mais expressiva, o de permitir ao particular

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limitar o poder abusivo do Estado quando e sempre que ele assim esteja a tumultu-ar a vida das pessoas, violando os seus direito e liberdades públicas, ferindo-lhes acidadania e a dignidade.

Sendo a norma constitucional enunciadora da garantia dotada de aplicabilidadedireta, plena, �os direitos por ela reconhecidos são dotados de densidade normativasuficiente para serem feitos valer na ausência de lei ou mesmo contra a lei�68, comoobserva Gomes Canotilho.

4. DISTINÇÃO ENTRE DIREITO E GARANTIA

�O direito de soberania é, portanto, o de fazer morrer ou de deixar viver. Edepois, este novo direito é que se instala: o direito de fazer viver e de deixar viver�.

Michel Foucault - Em Defesa da SociedadeSabe-se que os direitos são inscritos em disposições declaratórias e as

garantias em disposições assecuratórias.Enquanto o direito volta-se para a definição de situações jurídicas por ele

tuteláveis, no sentido de faculdade, a garantia é a disponibilidade de meios postosao alcance de alguém (pessoa física ou jurídica) para, por tais instrumentos, efeti-var seus direitos removendo eventuais obstáculos à essa concretização.

Para tanto, a dimensão garantística se manifesta não apenas na prerrogativaatribuída ao titular do direito constitucionalmente garantido, de limitar o poder abusivodo Estado mas, também, na de a este convocar para cumprir o seu dever de prote-ção desses direitos.

As garantias pressupõem direitos líquidos e certos nos termos da Constitui-ção e não apenas no plano da legislação ordinária.

Como sinteticamente afirma Jorge Miranda, �Os direitos representam só porsi certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; osdireitos são principais, as garantias acessórios e, muitas delas adjetivas (ainda quepossam ser objeto de um regime constitucional substantivo; os direitos permitem arealização das pessoas e inserem-se direta e imediatamente, por isso as respecti-vas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuemcom os direitos; na acepção jus-racionalista inicial, os direitos declaram-se, asgarantias estabelecem-se)�69.

A seu turno, sempre com objetividade, Paulo Bonavides, valendo-se do pen-samento de Rui Barbosa, define garantia como �o requisito de legalidade que odefende contra a ameaça de certas classes de ocorrência mais ou menos fácil�,enquanto direito �é a faculdade reconhecida, natural ou legal de praticar ou nãocertos atos�70,ou a faculdade de obrigar, na acepção kantiana.

5. O DEVIDO PROCESSO LEGAL E SUA DIMENSÃO SUBSTANTIVA

�Os homens devem decidir de antemão como devem regular suas reivindica-ções mútuas e qual deve ser a carta constitucional de fundação de sua sociedade.Como cada pessoa deve decidir com o uso da razão o que constitui o seu bem, isto

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é, o sistema de finalidades que, de acordo com sua razão, ela deve buscar, assimum grupo de pessoas deve decidir de uma vez por todas tudo aquilo que entre elasse deve considerar justo e injusto. A escolha que homens racionais fariam nessasituação hipotética de liberdade eqüitativa (...) determina os princípios da justiça�.

John Rawls - Uma Teoria da Justiça.De resto, exsurge o princípio substantivo do devido processo legal a empecilhar

a aplicação do indigitado artigo 18, da Lei nº 1.533/1951.A objetividade e percuciência de Canotilho, tantas vezes aqui convocado,

desbasta as dificuldades ao entendimento do sentido desse princípio, ao assimpronunciar-se: �A seqüência direito de acesso aos tribunais, garantia da via judiciá-ria, direito ao processo, direito a uma decisão fundada no direito, deixa intuir quetodas estas dimensões do direito de acesso não são incompatíveis com a exigên-cia de pressupostos processuais , ou seja, de um conjunto de requisitos cuja veri-ficação e observância é necessário para um órgão judicial poder examinar as pre-tensões formuladas no pedido. Daí que, como se disse, o direito à tutela jurisdicionalnão se identifique com o direito a uma decisão favorável, antes se reconduza aodireito de obter uma decisão fundada no direito sempre que se cumpram os requisi-tos legalmente exigidos.

Aqui, porém, surge uma nova e importante afloração do dues process: odireito à tutela jurisdicional não pode ficar comprometido em virtude da exigêncialegal de pressupostos processuais desnecessários, não adequados e desproporci-onados. Compreende-se, pois, que o direito ao processo implique: (1) a proibiçãode requisitos legais desnecessários ou desviados de um sentido conforme ao direi-to fundamental de acesso aos tribunais; (2) a exigência de fixação legal prévia dosrequisitos e pressupostos processuais dos recursos e ações; (3) a sanção deirregularidades processuais como exigência do direito à tutela judicial�71.

Relevantíssimo, para os que se aferram ao argumento da celeridade do pro-cesso como impedimento à apreciação do mandamus quando superado o prazode 120 dias da ciência do ato impugnado, fazendo tábula rasa do superado brocardolatino dormientibus non sucurrit jus, o magistério do mestre de Coimbra, acimacolacionado.

É que esse axioma desviriliza-se diante das garantias constitucionais doexercício de direito, enquanto estes não se extinguirem.

E eles não se extinguem, senão, por força da vontade da Constituição (von-tade que não integra a nossa Carta Política ) ou por regramento prescritivo, pe-remptório ou decadencial, obra do direito material e nunca do ordenamento legaladjetivo.

Por isso mesmo, anota o constitucionalista lusitano: �Note-se que a exigên-cia de um processo sem dilações indevidas, ou seja, de uma proteção judicial emtempo adequado, não significa necessariamente �justiça acelerada�. A �aceleração�da proteção jurídica que traduza em diminuição de garantias processuais e materi-ais (prazos de recurso, supressão de instâncias) pode conduzir a uma justiçapronta mas materialmente injusta�72

Mais didaticamente, Canotilho disserta sobre o princípio substantivo do devi-do processo legal, assim: �A teoria substantiva pretende justificar a idéia material

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de um processo justo, pois uma pessoa tem direito não apenas a um processolegal mas sobretudo a um processo legal justo e adequado quando se trata delegitimar o sacrifício da vida, liberdade e propriedade dos particulares. Esta últimateoria é, como salienta a doutrina norte-americana, uma value-oriented theory,pois o processo devido deve ser materialmente informado pelos princípios da justi-ça.

Mais do que isso: �o processo devido� começa por ser um processo justologo no momento da criação normativo-legislativa.

Os objetivos da exigência do processo devido não poderiam ser conseguidosse o legislador pudesse livre e voluntariamente converter qualquer processo emprocesso eqüitativo. Esta a razão pela qual os autores passaram a reclamar anecessidade de critérios materiais informadores do processo devido expressa ouimplicitamente revelados pelas normas da Constituição e pelos usos e procedimen-tos estabelecidos no direito comum ou disposições estatutárias. Passou, assim, afalar-se de processo devido substantivo�73

Conectada à teoria subjetiva do processo, increpa Cybele Oliveira:�Osubstantive due process, que atua na esfera do direito material, constitui vastomanancial para a atividade hermenêutica, uma vez que, sob o influxo da interpreta-ção construtiva, a garantia possibilitou a aplicação dos princípios da razoabilidadee da legalidade, destinada a controlar a validade dos atos administrativos e a gene-ralidade das decisões estatais. (...) Por outro lado, o devido processo legal subs-tantivo incide também no que se refere à atividade do Poder Legislativo, na medidaem que este deverá promulgar leis que satisfaçam o interesse público, atendendoao princípio da razoabilidade das leis. Nesse sentido, toda lei que não seja razoá-vel, que contrarie a noção de justo enquanto �lei da terra� estará contrariando odevido processo legal substantivo e não poderá permanecer no ordenamento jurídi-co, devendo sofrer o controle pelo Poder Judiciário�74.

É esse sentido substantivo extraído do espírito da Constituição, que dá den-sidade às garantias ao exercício dos direitos fundamentais individuais e coletivos.

É o sistema jurídico concentrado na Constituição que assim o quer, na suasoberania.

Sobre a natureza vinculativa desse sistema, ninguém dissertou melhor que osaudoso mestre Geraldo Ataliba, citando Lourival Vilanova: �O sistema jurídico - aocontrário de ser caótico e desordenado - tem profunda harmonia interna. Esta seestabelece mediante uma hierarquia segundo a qual algumas normas descan-sam em outras, as quais, por sua vez, repousam em princípios que, de seu lado, seassentam em outros princípios mais importantes.

Dessa hierarquia decorre que os princípios maiores fixam as diretrizes ge-rais do sistema e subordinam os princípios menores. Estes subordinam certasregras que, à sua vez, submetem outras�.

Por fim, lembra Ataliba: �Os princípios são as linhas mestras, os grandesnortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem se-guidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do gover-no (poderes constituídos)�.

Mais adiante arremata, ainda se reportando ao pensamento de Lourival

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Vilanova: �O princípio aponta a direção, o sentido em que devem ser entendidas asnormas que nele se apóiam, e ressalta não poder o intérprete extrair conclusão quecontraria um princípio, comprometa as exigências ou lhe negue as naturais conse-qüências�75.

6. O DIREITO CONSTITUCIONAL PROCESSUAL E A SUPREMACIA DA SUAAUTO-SUFICIÊNCIA

�A expansão do papel do Judiciário representa o necessário contrapeso, se-gundo entendo, no sistema democrático de checks and balances à paralela ex-pansão dos ramos políticos do Estado Moderno�.

Mauro Cappelletti - Juízes Legisladores?Impende, pois, distinguir entre Direito Constitucional Processual e Direito

Processual Constitucional: enquanto este último é processual constitucional por-que o Texto Fundamental possibilita o pronunciamento do Judiciário, aquel�outro éconstitucional processual na medida em que é alçado à condição de garantia fun-damental de direitos, assimilando a Constituição como um sistema aberto de re-gras e princípios dirigidos a valores ali consagrados e que devem ser maximizadospelo operador do Direito, construindo os caminhos para tanto sob o balizamentoexclusivo da Magna Carta, com o fim supremo de concretizar sua vontade, só porela regrada.

Se é verdade que, como regra, o processo (qualquer processo, geral ouconstitucional) é instrumentalizador da realização de um direito material (geral ouconstitucional), também é verdade que alguns processos do direito constitucionalencerram em si mesmos um cerne de conhecimento, de materialidade, de garan-tia.

Em tais hipóteses, o processo constitucional reveste-se de autonomia eesta se hierarquiza na majestade da própria supremacia da Constituição para atutela básica de direitos subjetivos fundamentais, sem perder de vista os princípiosgerais de direito processual, desde que não comprometam o fim superior dessacategoria de processo constitucional, pois os quadros do Estado de Direito nãoforam plasmados por diletantismo mas para, entre outros fins, a concretização dosdireitos fundamentais prefigurados na Constituição, vistos e trabalhados sob umapauta de otimização.

Relembre-se que estamos a cogitar, no caso das garantias constitucionais,de direitos fundamentais, em cujo trato deve dispensar-se um comprometimento deotimização com vista à sua máxima efetividade.

É esse status que a Constituição confere ao mandado de segurança, indivi-dual ou coletivo (art. 5º, LXIX e LXX).

E, sendo de direito fundamental de defesa que se cuida é oportuno, porvalioso, trazer a lume o lecionamento de J. C. Vieira de Andrade, reportado na obrade Ingor Wolfgang Sarlet: �o princípio da aplicabilidade direta vale como indicadorde exeqüibilidade imediata das normas constitucionais, presumindo-se a sua per-feição, isto é, a sua auto-suficiência baseada no caráter líquido e certo do seu

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conteúdo de sentido. Vão, pois, aqui incluídos o dever dos juízes e dos demaisoperadores jurídicos de aplicarem os preceitos constitucionais e a autorização depara esse fim os concretizarem por via interpretativa�76.

É, pois, de operatividade concretista da Constituição, que se cuida.Por isso, adverte Paulo de Tarso Brandão, em seu livro Ações Constitucio-

nais - Novos Direitos e Acesso à Justiça: �Não se pode confundir, portanto, a natu-reza constitucional dos instrumentos em análise com o caráter que possui o Pro-cesso Civil, no qual o direito de ação é um direito de ordem constitucional somentepor se tratar da possibilidade de provocar a manifestação do Poder Judiciário nosentido de prestação jurisdicional� e, invocando Streck, realça que �a Constituiçãoé um espaço garantidor das relações democráticas entre o Estado e a Socieda-de�77.

Reporta-se o citado autor à necessidade de uma filtragem constitucional,partindo-se do pressuposto de que a Constituição é um sistema aberto de regras eprincípios observados e interpretados sempre sob uma perspectiva jurídico-normativaem perfeita interação com as realidades social, política e econômica afirmando-se,incondicionalmente, a supremacia da normatividade constitucional, concebendo-seos instrumentos constitucionais processuais como instrumentos político-jurídicospropiciadores do alcance dos fins materiais a que visam as garantias constitucio-nais.

Descortina-se, assim, como o disse com absoluta propriedade GomesCanotilho, �uma nova e importante afloração do dues process: o direito à tutelajurisdicional não pode ficar comprometido em virtude da exigência legal de pressu-postos processuais desnecessários, não adequados e desproporcionados. Com-preende-se, pois, que o direito ao processo implica: a proibição de requisitos pro-cessuais desnecessários ou desviados de um sentido conforme com o direito fun-damental de acesso aos tribunais�78.

E, como registra Paulo de Tarso, valendo-se do escólio de Horácio Rodrigues,�...Se muitos desses avanços não conseguem se materializar em termos deefetividade, é por que há outros problemas de índole extraprocessual, a servir-lhe debarreira. Entre eles é necessário destacar-se a própria mentalidade formalista eburocrática dos operadores jurídicos brasileiros, oriunda de um ensino básicopositivista e que não propicia o desenvolvimento do raciocínio jurídico e do sensocrítico necessários neste grave limiar do século XXI. E essa é uma questão funda-mentalmente política, não jurídica�79.

Sem essa assimilação de que o Direito Constitucional Processual parametriza-se não pelo Direito Processual tradicional, mas pela própria Constituição, estar-se-á erguendo empeço à máxima efetividade dos direitos fundamentais, negando efi-cácia material à natureza garantística das normas constitucionais assecuratóriasdo exercício de direitos da cidadania plasmados como princípios fundamentais daRepública (art. 1º, II e III, CF.).

7. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-JURÍDICA DO WRIT

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�Toda a vez que a ação do que se chama força, ou seja a das armas, ou sejaa da violência, ou seja a de um decreto do poder, me contraria, me ameaça ou medomina, no exercício do meu direito, estou sujeito à força, no sentido que em direitopode receber esse nome�.

Rui Barbosa - Comentários à Constituição Brasileira de 1891Num rápido vasculhar dos escaninhos do dinamismo constitucional brasilei-

ro alcança-se a inferência de que, até a Constituição de 1934, não conhecia nossoordenamento jurídico o instituto do mandado de segurança.

É que a primeira Carta Política da República dos Estados Unidos do Brasil,promulgada a 24 de fevereiro de 1891, só contemplava em sua declaração de direi-tos a figura do habeas corpus (artigo 72, ( 22 ).

E a redação desse dispositivo era de abrangência palmar: �Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes

no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança indivi-dual e à propriedade nos termos seguintes:

( 22. Dar-se-há o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se acharem iminente perigo de sofrer violência, ou coação, por ilegalidade, ou abuso depoder� (Sic).

À mingua de remédio heróico específico para garantir direitos distintos daliberdade de ir, vir ou permanecer, e do amplíssimo espectro desenhado na sobreditanorma fundamental, o Judiciário brasileiro extraiu do seu enunciado os fundamen-tos para a ancoragem da garantia de direitos relativos a outros bens da vida violadosou sob ameaça de violação, nas mesmas circunstâncias.

O núcleo da proteção haveria de ser, então, o mesmo: a esfera de direitoameaçado ou violado, por ilegalidade ou abuso de poder, resultando o elastério deum esforço de construção pretoriana do nosso Supremo Tribunal Federal, protegen-do com o habeas-corpus direitos que mais tarde, seriam salvaguardados pelomandado de segurança.

Vamos encontrar na História e Prática do Habeas Corpus, de Pontes deMiranda80, uma rica amostragem de como o habeas corpus, antes da Carta de1934, prestava-se à garantia de direitos hoje defendidos pela via do mandamus.

O acórdão nº 5.519, do Supremo Tribunal Federal, de 27 de dezembro de1919, em interpretação construtiva do mencionado ( 22, do artigo 72, da primeiraConstituição republicana, decretou a inconstitucionalidade de uma lei pernambucanaque possibilitava novas eleições invalidando o pleito anteriormente realizado com osufrágio, nas urnas, da vontade soberana do povo.

Esse aresto está transcrito na obra citada, páginas 209 a 212.À certa altura do acórdão, lê-se: �...considerando que nenhum fundamento

tem, antes evidentemente absurda é a opinião de que em processo de habeascorpus não se julga uma lei inconstitucional ou só se julga em casos excepcio-nais, quando a doutrina norte-americana, de perfeito acôrdo com as leis dos Esta-dos Unidos, e com as leis pátrias, ensina exatamente o contrário: isto é, que nosprocessos de habeas corpus, por se tratar de garantir à liberdade individual, é quemais cuidado deve haver em evitar a aplicação de leis inconstitucionais. Em primei-ro lugar, cumpre não esquecer que para casos como este não há em nosso direito

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outro remédio judicial, além do habeas corpus�. (Ob. cit., página 209, final, e inícioda página 210. Sem grifos no original).

Avançando no tempo, chegamos à inauguração do instituto do mandamus,entronizado no Magno Texto de 1934, nas seguintes expressões:

�Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e estrangeiros residentes nopaís a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segu-rança individual e à propriedade, nos termos seguintes. (...) 33). Dar-se-á mandadode segurança para a defesa de direito certo e incontestável, ameaçado ou violadopor acto manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O pro-cesso será o mesmo do habeas corpus, devendo sempre ser ouvida a pessoa dedireito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias compe-tentes�. ( Sem grifos no original)

Daí ter afirmado Augusto Meira: � O mandado de segurança que nos chegatão tardio, é irmão-gêmeo do habeas corpus e é uma resultante, afinal reconheci-da, da mesma necessidade; são espécies do mesmo gênero: a necessidade im-periosa de ordem jurídica�81.

A Carta de 1937 preservou o habeas corpus, mas expungiu do seu corpo omandamus. Era a Constituição outorgada por Getúlio Vargas, não uma Constitui-ção promulgada, de um Estado democrático de direito.

Retomamos o curso da democracia com a Constituição de 1946 e esta res-suscita o mandado de segurança no capítulo dedicado aos direitos e garantiasindividuais, com a seguinte enunciação:

�Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros resi-dentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, àsegurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

( 24. Para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus,conceder-se-á mandado de segurança, seja qual for a autoridade responsável pelailegalidade ou abuso de poder�.

Na Carta Política de 1967 com a Emenda Constitucional nº 1, de 17/10/1969, apesar de estarmos em um regime político de exceção, foi mantido o manda-do de segurança como garantia constitucional em seu artigo 153, ( 21, com aseguinte dicção:

�Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros resi-dentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes�:

( 21. Conceder-se-á mandado de segurança, para proteger direito individuallíquido e certo não amparado por habeas corpus, seja qual for a autoridade respon-sável pela ilegalidade ou abuso de poder�.

E, finalmente, na vigente Carta, no inciso LXIX do seu artigo 5º, temos:�Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no País a inviolabilidadedo direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termosseguintes:

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido ecerto, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável

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pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoajurídica no exercício de atribuições do Poder Público�.

Já se pode afirmar, desassombradamente, o critério constitucional deilimitação temporal para a fruição da garantia constitucional dos direitos líquidos ecertos protegidos tanto por habeas corpus quanto pela via do mandamus.

Um e outro institutos ergueram-se para garantir o direito líquido e certo delocomover-se, quando esse direito for ameaçado ou violado por ilegalidade ou abu-so de poder, caso de habeas corpus; ou quando esse mesmo direito líquido ecerto, concernente a outras situações não identificadas como liberdade de locomo-ção nem com o conhecimento de informações ou retificação de dados for, igual-mente, ameaçado ou violado por ilegalidade ou abuso de poder, caso do mandadode segurança.

A tratativa do mandamus em sede de legislação ordinária teve seu marcoinicial na Lei nº 191, de 16 de janeiro de 1936, em cujo artigo 3º prefixava o prazodecadencial de 120 dias contados da ciência do ato combatido. Iniciava-se a agres-são à vontade do poder soberano do constituinte originário de 1934.

Apesar da Constituição de 1937 haver expurgado do seu corpo a garantiaconstitucional sob comento, o Decreto nº 6, de 16 de novembro daquele ano - seisdias após sua outorga (da Constituição) -, dispondo sobre a extinção da JustiçaFederal e disciplinando outros assuntos, normou em seu artigo 16, a subsistênciado mandado de segurança afastando, entretanto, da perspectiva de apreciaçãopelo Judiciário nesse instrumento de garantia, os atos praticados pelo Presidenteda República, pelos Ministros de Estado, Governadores e Interventores, a partir de10 de novembro do mesmo ano.

Já em dezembro daquele ano o Decreto nº 96, de 22 de dezembro afastou doâmbito do mandado de segurança e excluiu de apreciação, por esse instrumento,atos praticados pelos Prefeitos dos Municípios.

Vigindo a Constituição de 1937, autoritária, antidemocrática, fruto do caudi-lhismo getulista, foi editado em 1939 o Código de Processo Civil, reconfigurando anatureza jurídica do mandado de segurança que, ali, descaracterizou-se como ga-rantia, decaindo para o status de mero direito, com prazo decadencial de 120 dias(art. 331).

Como se não bastasse essa capitis deminutio ao elevadíssimo desígniogarantístico do mandamus enquanto muralha de proteção ao direito líquido e certodos indivíduos, o Decreto 2.035, de 27 de fevereiro de 1940, dispondo sobre aorganização judiciária do Distrito Federal e o Decreto-Lei nº 8.527 que criou o Códi-go de Organização Judiciária do Distrito Federal afastou, expressamente, do âmbi-to desse instituto os atos praticados pelas autoridades judiciárias.

Parece-me oportuno e pertinente abrir aqui um parêntese ao ensejo doopinamento de Rui Barbosa acerca do que vem a ser violência, fortalecendo a con-cepção da garantia de apartá-la da esfera de direitos individuais tutelados pela LexMater.

Prelecionou Rui: �Que é que se chama coação? Que é o que se denominaviolência? Coação, definirei eu, é a expressão empregada em condições de eficá-cia contra a liberdade no exercício de um direito, qualquer que esse seja. Desde

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que no exercício de um direito meu, qualquer que ele for, intervém uma coaçãoexterna, sob cuja pressão eu me sinta embaraçado ou tolhido para usar esse direi-to, na liberdade plena do seu exercício, estou debaixo daquilo que, em Direito, seconsidera coação. E violência? Violência é o uso da força material ou oficialdebaixo de qualquer das suas formas, em grau eficiente para evitar, contrariar oudominar o exercício de um direito. Creio que a definição não é incorreta.

Toda vez que a ação do que se chama força, ou seja, a das armas, ou seja,a da violência, ou seja, a de um decreto do poder, me contraria, me ameaça, ou medomina, no exercício do meu direito, estou sujeito à força, no sentido que em direitopode receber esse nome�. (In Comentários à Constituição Brasileira, ColeçãoHomero Pires, vol. 5, p. 505).

Pois bem. Paralelamente às absurdas exclusões arroladas no artigo 5º, daLei nº 1.533, de 31/12/51, malgrado a amplitude do alcance do mandamus, jáagora e novamente, com a majestade de garantia constitucional petrificada no (24,do artigo 141, da Constituição de 1946, arvora-se o artigo 18 da retromencionada leiem norma de hierarquia supralegal e institui prazo de decadência à garantia cons-titucional, fixando tal lapso temporal em 120 dias, �contados da ciência, pelo inte-ressado, do ato impugnado�. (verbis)

Este, com a síntese que me foi possível formular, o escorço histórico domandado de segurança, frente os dispositivos constitucionais e legais pretensoresda sua regulamentação.

Resulta difícil a percepção da antinomia entre o artigo 18, da Lei nº 1.533/1951 e a dicção soberana do inciso LXIX, do artigo 5º, da Constituição vigente, senão aferida a natureza jurídica das garantias constitucionais, decantando-a dosconceitos de raiz privatística substituídos por um juízo eminentemente publicista.

É uma mudança de paradigma perturbadora, já que nosso arquétipo culturaljurídico, em regra, potencializa-se de uma visão privatística do direito jungida àsrelações jurídicas numa esfera que, quando muito, é de estaticidade e não dasocialidade substanciadora do espírito da Constituição de 1988.

Talvez por isso mesmo haja tanta recalcitrância para se tomar de justo sen-tido a compreensão do princípio substantivo do devido processo legal, broquel daintangibilidade dos direitos fundamentais, dos quais o mandado de segurança éuma garantia tutelar básica.

No pólo contrário à tese da inaceitável instituição de prazo preclusivo degarantia de direito, se tal exigência não promana da Constituição, erguem-se vozesrespeitáveis, embora todas elas voltadas para o tíbio argumento segundo o qual anorma infraconstitucional não estaria interferindo no direito fundamental garantidopela Constituição, pois apenas traça as diretrizes ao modo, ao processo, à forma aser adotada para a defesa desses direitos garantidos constitucionalmente.

Data máxima vênia, tal assertiva comete alguns pecados: primeiro quantoà inobservância da supremacia constitucional que, tanto no habeas corpus comono mandado de segurança definiu as condições da ação e não cingiu a incidênciade tais garantias ao seu exercício em qualquer prazo. Também assim no habeasdata.

Sobre a matéria, esclarece Sérgio Ferraz: �A questão não reside em que a

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impetração se faça em 120 ou em 20 dias. O problema está em que o legisladorordinário não tem poderes, pelas considerações antes expendidas, de criar, semsupedâneo constitucional, prazos extintivos para o exercício de uma garantia cons-titucional, instituída sem submissão a termos temporais�82.

Como que pré-amparando a asserção acima transcrita, leciona Pontes deMiranda, com a autoridade de sempre: �O mandado de segurança é ação e é remé-dio jurídico processual, adotados no Brasil por sugestão das extensões que tivera ohabeas corpus, na feição primeira, ao tempo da Constituição de 1891�83.

Na mesma linha de pensamento, Amir José Finocchiaro Sarti, quando Pro-curador da República no Rio Grande do Sul, tratando da matéria, escreveu: �Emsuma: as ações, como regra geral, estão permanentemente ao sabor da maisvariada gama de fatores que lhes determinam a sorte procedimental e até mesmo aprópria existência, desde o peso da tradição histórica, passando pelas conveniên-cias meramente emergenciais até a simples impaciência do legislador para usardas vigorosas expressões do eminente processualista gaúcho.

Com a ação de mandado de segurança, todavia, isso não acontece, nempode acontecer, pelo menos no plano da legislação infraconstitucional. É que quandoa Constituição prometeu habeas corpus e mandado de segurança nas espéciesque definiu,criou pretensão à tutela jurídica por meio de mandamentos...No textoconstitucional, não só se promete tutela jurídica; promete-se tutela jurídico-mandamental. A qualificação da tutela não a desnatura. A pretensão processual,ainda quando haja qualificação, somente nasce com o exercício daquela. Quando apretensão à tutela jurídica se qualifica, diminui a margem de liberdade que tem olegislador do direito processual. Essa diminuição pode ser obra do direito constitu-cional.

Quer dizer: o remédio jurídico do mandado de segurança, a ação de manda-do de segurança, é outorga do legislador constitucional, que nenhum outro de me-nor hierarquia pode excluir. Preenchidos os pressupostos previstos na Carta Mag-na, o indivíduo tem direito constitucional ao uso de um remédio de natureza eíndole especialíssimos, o mandado de segurança, que sob nenhuma hipótese, lhepode ser recusado�84.

O mesmo autor, n�outra fonte, versando sobre o mesmo tema, em conotaçãoempírica, para maior contundência da argumentação, questiona:

�De que vale erigir-se um instrumento jurídico à magnitude de garantia cons-titucional se uma simples lei ordinária tem o poder de fulminá-lo, literalmente, pelodecurso de um lapso de tempo?� ( RePro 16/116-112).

A seu turno, averba Celso Agrícola Barbi:�O prazo de 120 dias, tradicional em nosso direito, não tem mais razão de

ser após a transformação operada no mandado de segurança pela Constituição de1946. Enquanto ele era adequado apenas a casos excepcionais, de ilegalidademanifesta, ainda se poderia justificar a limitação temporal. Mas agora, quando omandado de segurança se tornou instrumento de uso normal, condicionado quasesomente ao problema probatório, não se encontram motivos ponderáveis para dis-tinguir, apenas pelo fator tempo, entre o uso dessa via expedita e o das vias proces-suais comuns�85.

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Registre-se, também, que, conforme anota Sérgio Ferraz, na obra já citada,reporta ele à mudança da posição doutrinária do eminente Seabra Fagundes, queagora sufraga a tese da ilegitimidade da normação do art. 18, da Lei nº 1.533,quanto ao prazo decadencial.86

O Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, eminente ex-Presidente do Supre-mo Tribunal Federal, esposando o mesmo entendimento da ilegitimidade da maté-ria contida no mesmo dispositivo legal, afirma:

�Nós todos, advogados, professores, juízes, temos aplicado o prazo de de-cadência de direito à ação de segurança sem maiores considerações. Parece-me,entretanto, que chegou a hora de indagar: Por que esse prazo de decadência de120 dias? Qual a sua justificativa? Ora, se o legislador ordinário poderia fixá-lo em120 dias, poderia fazê-lo, evidentemente, em prazo menor. De outro lado, indaga-se: se a Constituição institui o mandado de segurança, assentado em pressupos-tos, seria lícito ao legislador ordinário estabelecer um prazo para o exercício daação?

Parece-me que é hora de darmos resposta às indagações que ora venhofazer. Parece-me que é de indagarmos, numa palavra, se não seria o art. 18 da Leinº 1.533/1951 inconstitucional�.

Após tecer amplas considerações acerca da ilegitimidade do art. 18 da Leinº 1.533/1951 para erigir óbice à interposição do writ em razão do prazo decadencialali fixado, conclui o Ministro:

�Não há razão para a existência de prazo de decadência do direito de man-dado de segurança. A questão, no ponto, deve ficar jungida aos prazos de prescri-ção, apenas. O prazo de decadência do art. 18 da Lei nº 1.533/51 é, no mínimo,uma exigência arbitrária�.87

Como segundo e terceiro empachos à desarrazoada limitação temporal àimpetração do mandamus, erguem-se a natureza substantiva e não adjetiva daprescrição e da decadência, ao lado do outro elemento obstativo dessaprejudicialidade, residente na reiterada vontade do legislador constituinte soberanoem manter essas garantias imunes a outras exigências que não as definidas notexto constitucional.

Aliás, talvez ninguém haja esgrimido com tanta maestria a espada comba-tente desse solapador intento legislativo do que o Juiz mineiro Alfredo GuimarãesChaves, em trabalho jurídico sob o título Mandado de Segurança - Prazo de Deca-dência.

Tal trabalho, anterior ao malsinado art. 18, da Lei nº 1.533/1951, combate aviolação à Constituição de 1946 pelo Código de Processo Civil de 1939, que jáprefixava, em seu art. 331, o lapso temporal de 120 dias para a decadência da açãode segurança, já outra vez de matriz constitucional.

Desferiu, já àquela época, o ilustre magistrado mineiro, o golpe que deveriater sido eficaz a afastar a odiosa violação à Carta Magna, não fosse a tíbia compla-cência dos operadores do direito para com a afronta à Lei Maior.

Assinalava o notável magistrado mineiro:�Por que a Constituição Federal se referiu expressamente e apenas a um

item do art. 320, o nº 1, e silenciou quanto aos demais itens do mesmo artigo e não

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limitou, no tempo, o exercício do direito de requerer mandado de segurança?Bem impressionante é, nesse caso, a omissão do legislador constituinte,

significando que a sua intenção foi realmente suprimir as outras hipóteses de im-propriedade de mandado de segurança, contempladas no art. 320, e a decadênciade impetrar mandado de segurança prevista no art. 331 do Código de ProcessoCivil.

Não se pode compreender que a Carta Magna erigisse o mandado de segu-rança como direito e garantia individuais e fosse reduzir o exercício desse direito,dentro de um prazo que a própria Constituição não estabeleceu.

É oportuno lembrar que o habeas corpus é o irmão gêmeo do mandado desegurança e o estatuto fundamental não determinou prazo para o exercício destagarantia constitucional. Declara a Constituição: dar-se-á habeas corpus etc., econceder-se-á mandado de segurança etc., sem a menor restrição quanto ao tem-po dentro do qual possa ser garantida a liberdade de locomoção ou qualquer direitolíquido e certo.

Entretanto, o legislador ordinário diz: �extinguir-se-á o direito de requerer omandado de segurança, para proteger direito líquido e certo, depois de 120 dias�etc. Evidentemente, a lei não podia extinguir uma garantia constitucional paraassegurar um direito não extinto.

Já Rui Barbosa dizia que a extinção ou a perempção só atingem o direito enunca a garantia tutelar deste direito. Enquanto subsiste o direito deve subsistir agarantia.

A lei não pode restringir garantias constitucionais porque isto viria compro-meter a eficácia do próprio preceito constitucional (Alcorta, �Las garantiasconstitucionales�, pags. 18 e seg; Esmein, �Droit Constitucional�., vol. 1º, 8ª ed.,págs. 591 e segs.; Rui Barbosa, �Atos Inconstitucionais�, pgs. 182 e segs.).

Erram, sem dúvida, aqueles que afirmam que não se pode requerer mandadode segurança, depois de 120 dias do conhecimento do ato lesivo ao direito líquido ecerto. O Código de Processo Civil só pode regular o modo pelo qual o titular dodireito líquido e certo vai pedir ao Poder Judiciário reparação ou proteção ao seudireito lesado por ato ilegal ou abusivo do poder e não deve ir além. A lei adjetiva,consequentemente, não pode restringir os casos do mandado de segurança, nemtão pouco subordinar o exercício desta garantia a qualquer prazo.

São, pois, manifestamente inconstitucionais o art. 319, em parte, o art. 320,incisos II, III e IV e, principalmente, o art. 331 do Código de Processo Civil.

Se se admitir que a lei ordinária possa modificar o conceito constitucional domandado de segurança, também ela poderia limitar, no tempo, o exercício do direi-to ao habeas corpus e o direito de representação, consagrados nos (23 e 37 doart. 141, da Constituição Federal.

O absurdo é patente e, se o legislador não pode restringir, no tempo, o exer-cício do direito ao habeas corpus e o direito de representação, indubitavelmente,também não pode limitar, no tempo, o exercício do direito ao mandado de seguran-ça.

São garantias constitucionais amplas e self-executing e insuscetíveis dequalquer restrição, quer no tempo, quer de qualquer outra natureza.

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Ainda há outro argumento, não despiciendo, para mostrar a inoperância doartigo 331, do Código de Processo Civil.

Tendo o estatuto processual considerado o mandado de segurança comouma ação - título V do livro IV. Dos processos especiais -, uma vez que a Constitui-ção de 1937 não incluiu o mandado de segurança como garantia individual, é lógicoque a lei adjetiva não podia extinguir o direito de requerer mandado de segurança,depois de 120 dias.

A perempção ou a decadência do direito e correlatamente a prescrição dequalquer ação é objeto de lei substantiva. Assim, o Código Civil prevê expressa-mente a prescrição das ações, quer genericamente, quer especificamente ( arts.177, 178 e 179).

Constitui uma excrescência inominável o art. 331 do Código de ProcessoCivil, declarando extinto o direito de requerer o mandado de segurança, depois de120 dias, contados da ciência do ato impugnado.

É uma disposição única e isolada, no corpo do Código de Processo Civil,porque não se encontra semelhante restrição temporal em outros artigos regulado-res do processo ordinário e dos processos especiais ( arts. 291 a 297; arts. 298 a674 do Código de Processo Civil).

Como se vê, mesmo na vigência da Constituição de 1937, o Código de Pro-cesso Civil não podia extinguir ou perimir uma ação para assegurar um direito líqui-do e certo porque isto era matéria de direito substantivo. E, com mais forte razão,não pode subsistir o art. 331, do Código de Processo Civil, em face do ( 24 doart. 141 da atual Constituição, que consagra o mandado de segurança como garan-tia ampla e sem limites no tempo. Pouco importa a inércia ou a socórdia do preju-dicado pelo ato ilegal, transcorrido o prazo de 120 dias. Permanece intangível einexaurível a garantia constitucional.

Assim como não podem subsistir as restrições relativamente à natureza doato impugnado e relativamente a função ou cargo da autoridade coatora, tambémnão pode prevalecer qualquer limitação temporal no exercício da garantia constitu-cional, assegurada pelo (24, do art. 141 da Constituição Federal).

O mandado de segurança é uma expressa garantia constitucional e nãodeve nem pode sofrer qualquer demarcação temporal, pois que a Constituição distonão cogitou�.88

Tudo quanto disse o autor do trabalho supra e retro transcrito, amalgama-seà concepção reativa ao art. 18 da Lei nº 1.533/1951 cujo dispositivo legal briga comas constituições federais, a partir da de 1946 até a atual, restando inconstitucionaldiante daquela e, se assim não foi entendido, sobreleva a sua não recepção pelaordem jurídica fundamental vigente.

8. CONCLUSÕES

a) Os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição, por se-rem definidos em normas de aplicação imediata (art. 5º, parágrafo 1º) exigem dointérprete uma hermenêutica de otimização do imperativo constitucional.

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b) A hermenêutica constitucional diz com o reconhecimento de um DireitoConstitucional Processual dotado de auto-suficiência suprematizada pela própriaConstituição, para o cumprimento do seu fim maior, que é materializar a garantiaconcretizadora dos direitos fundamentais.

c) O operador do Direito carecerá, sempre, identificar na axiologia da Cons-tituição quais os valores que ela reverencia como superiores e, assim descobertos,eles se elevarão acima dos valores eleitos pela legislação subconstitucional sem-pre e sempre submissa à supremacia constitucional, no Estado de Direito.

d) O reino dos fins consagrados na Constituição, dada a supralegalidade doordenamento jurídico fundamental, anima de espírito a normatividade jurídica e co-bra do intérprete o exercício dialógico do Direito evitando, como na imagem deHegel, citado por Jurgen Habermas, que se confundam, no pretenso exercício darazão, o �mongol selvagem submetido à dominação cega, e o filho racional damodernidade�.89

Impõe-se, pois, a concepção de positivismo ético, tal como intuído porBobbio90, sobrelevando a estreita parametrização privatística, para deixar-se guiarpelo hígido sentimento da preexistência de uma elemento finalístico fundamentalproclamado na Constituição a ser, indeclinavelmente, perseguido no exercíciohermeneutico-interpretativo, como compromisso fundamental.

e) O operador do Direito, notadamente o juiz, em qualquer grau de jurisdição,deve conferir politicidade ao exercício jurisdicional, sem o que restará apequenadoo dimensionamento das supremas funções estatais, especialmente quando datratativa da dignidade da pessoa humana e da construção de uma sociedade justae solidária assentados, assim, com outros elementos ali encontrados, os pilaresde um ordenamento jurídico rico de valores e princípios, pedras de toque para acolmatação dos relevantíssimos desígnios da Carta da República analisada comoSistema, nas questões submetidas ao pronunciamento do Judiciário.

f) A mudança do paradigma conservador, de matiz individualista e autoritário,por uma concepção de socialidade no Estado de Direito, é imprescindível à realiza-ção da justiça.

É preciso saber o porquê de se estar decidindo; em nome de quais valoresse está decidindo; e em nome de quais valores se deve decidir. Essa a politicidadecobrada da Magistratura pela sociedade em um Estado Democrático de Direito.

Esta a grande questão.g) O artigo 18, da Lei nº 1.533/1951 era inconstitucional frente à Constituição

de 1946 por ter sido posterior a ele a sua edição condicionando o uso do remédioheróico ao atendimento de requisitos inexigidos pela Lei Fundamental, restringindoo espectro garantístico configurado na Constituição, resultando em lesão ao princí-pio substantivo do devido processo legal.

Inquinado, na sua origem, desse vício, o dispositivo legal antevisto não foirecepcionado pelas Constituições que lhe sobrevieram.

O núcleo de proteção para o qual se voltam as garantias constitucionais dohabeas corpus e do mandado de segurança, é o direito líquido e certo, sendo estegênero do qual aqueles são espécies.

O que a Constituição garante, pois, com tais institutos, é o direito líquido e

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certo à liberdade de locomoção, no habeas corpus, e o direito líquido e certo àfruição de outros bens da vida não amparados por habeas corpus ou habeasdata, no caso de mandado de segurança.

A lei não pode restringir garantias constitucionais. Só a supremacia da Cons-tituição dispõe de força normativa obrigatória, de validez superior, para tanto.

Se o direito não se extinguiu, a garantia ao seu exercício não pode ser extin-ta, pela simples razão de que ela existe exatamente para tutelar aquele. Por isso,enquanto perdurar a ameaça ou violação a direito revestido de liquidez e certeza,ameaçado ou violado por autoridade pública ou representante de pessoa jurídica noexercício de atribuições do Poder Público, será sempre possível o amparo da ga-rantia constitucional de efetivação do direito fundamental conculcado.

Esse raciocínio aplica-se para o habeas corpus e para o mandado de segu-rança, protetores do gênero direito líquido e certo, do qual são espécies a liberdadede locomoção e os direitos outros fora do quadro protegido pelo habeas corpus epelo habeas data. Esse é o comando superior impresso pela Lex Legum, vinculantede todos os Poderes da República.

Não se venha alegar que há muitos anos já vem sendo admitido como dedecadência o prazo de 120 dias para impetração do mandamus e assim não have-ria por que se modificar esse entendimento.

A respeito desse raciocínio juridicamente distorcido, adverte Geraldo Ataliba:�Não é incomum ouvir-se o �jurídico� argumento no sentido de que há 50

anos se aplica esta lei, sem vacilações. É um modo de dizer: uma lei aplicadadurante muito tempo torna-se constitucional e, pois, inquestionável. Isto significariaque o critério de validade da lei não está em sua conformidade com a Constituição,mas, sim, no tempo de sua existência e aplicação.�91

Sob, pois, a bandeira da garantia constitucional de direitos, nas duas ver-sões: negativa e positiva, isto é, ora a assegurar o afastamento do Estado daesfera privada da pessoa, ora a convocá-lo para intervir como protetor dos seusdireitos, não há lugar para restringir o conteúdo substantivo garantístico sediado noTexto Fundamental.

h) Nossa interpretação concretista dos direitos fundamentais deve fixar do-micílio na soberania da Constituição, ponto de partida e de chegada no exercício dequalquer atividade moldurada pelo Estado Democrático do Direito.

* Juiz de DireitoProfessor da UNITProfessor da ESMESEMembro do IBDC.* Estudo escrito em homenagem ao Prof. JOSÉ AFONSO DA SILVA, exem-

plo vivo de cidadania, justiça e lealdade.(É também autor dos livros: Alienação Fiduciária em Garantia e a Prisão do

Devedor-fiduciante: uma visão crítica à luz dos direitos humanos (Agá Juris, 1999);Direitos Humanos & Relações Internacionais (Agá Juris, 2000); Tratados Internaci-onais: com comentários à Convenção de Viena de 1969 (Ed. Juarez de Oliveira,2001); Direito Internacional: tratados e direitos humanos fundamentais na ordemjurídica brasileira (Ed. América Jurídica, 2001); Direitos Humanos, Constituição e

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os Tratados Internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado naordem jurídica brasileira (Ed. Juarez de Oliveira, 2002); e Prisão Civil por Dívida e oPacto de San José da Costa Rica (Ed. Forense, no prelo). Tem inúmeros trabalhossobre direito internacional e direitos humanos publicados em revistas especializadas,no Brasil e no exterior.

1. Cf. T. H. MARSHALL. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro:Zahar, 1967, pp. 63-64.

2. Veja-se, nesse sentido, a definição de PEDRO NUNES para o termo cida-dão: �Pessoa que goza dos direitos civis e políticos de um Estado, devendo, entre-tanto, obrigações atinentes aos mesmos. Cidadão brasileiro - nacional que usufruiesses direitos; o estrangeiro, quando naturalizado. Tal qualidade pode também ve-rificar-se pelo jus soli, quando a pessoa nascida num Estado toma nacionalidadedeste, ou em virtude do jus sanguinis, se se origina por vínculo de sangue e nestecaso o filho segue a nacionalidade dos pais. (...) No passado, apenas os ricos enobres eram considerados cidadãos em alguns Estados, e, noutros, excluíam tam-bém as mulheres. Diz-se também do habitante de uma cidade. Citadino� (Dicioná-rio de tecnologia jurídica, 12.ª ed. Rio: Freitas Bastos, 1994, p. 173).

3. Cf. VERA REGINA PEREIRA DE ANDRADE. Cidadania: do direito aosdireitos humanos. São Paulo: Acadêmica, 1993, pp. 17-28.

4. Cf. PAOLO BARILE. Diritti dell�uomo e libertà fondamentali. Bologna:Società Editrice il Mulino, 1984, p. 12.

5. JOSÉ AFONSO DA SILVA. �Faculdades de Direito e construção da cida-dania�. In: Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição. SãoPaulo: Malheiros, 2000, pp. 138-139.

6. JOSÉ AFONSO DA SILVA. Idem, p. 139. A esse respeito, a lição de GUI-LHERME WAGNER RIBEIRO: �Inicialmente, a igualdade limitava-se aos direitoscivis, não estendendo sequer aos direitos políticos. Sustentava-se que o direito devotar e de ser votado estava restrito aos �homens bons�, entendendo-se como tal oscidadãos possuidores de renda. Esses liberais assistiram à passagem do capita-lismo mercantilista para o capitalismo industrial e, com este, a formação da classeoperária. Essa população, embora igual à burguesia perante a lei, vivia, quanto àscondições materiais de vida, em situação de elevada desigualdade em relação aosburgueses. E foi a luta dessa maioria que fez com que, no interior do pensamentoliberal, começassem a prevalecer aqueles que admitiam o direito de participaçãoda classe trabalhadora no processo eleitoral. Tal noção foi-se ampliando até alcan-çar o sufrágio universal, o que ocorreu somente neste século� (�Os paradigmasconstitucionais, o princípio da igualdade e o direito à educação�, in Revista deInformação Legislativa, ano 37, n.º 148, out./dez. 2000, p. 253).

7. Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA. Idem, ibidem.8. Nas palavras de LORAINE SLOMP GIRON: �HEGEL demonstra que na

nova sociedade o indivíduo não nasce cidadão, para tornar-se cidadão ele deveparticipar do mundo do trabalho. No mundo do trabalho livre a cidadania só é con-quistada por aquele que pode participar da produção. Os que estão fora dos setoresprodutivos são apenas indivíduos e não cidadãos: condição de produtor e de partici-pante de uma corporação (sindicato) é que garante ao homem sua condição de

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membro de um estado (sic), portanto de cidadão. O enfraquecimento do EstadoNacional corresponde - de uma certa forma - ao enfraquecimento da cidadania. Osurgimento dos Mega Estados renova a dicotomia entre os direitos do indivíduo edo Estado. A antiga querela sobre o confronto entre o indivíduo e o estado (sic), queocupou o pensamento iluminista, volta a atualidade. Na Comunidade Européia oscidadãos dos pequenos países - como os gregos e os portugueses - terão osmesmos direitos que os dos grandes países como aos da França e da Inglaterra?Dentro do NAFTA os cidadãos mexicanos terão os mesmos direitos que os norte-americanos? Ou alguns serão mais cidadãos que os outros?� (Prefácio ao livro deCHARLES ANTONIO KIELING, Manifesto da cidadania. Caxias do Sul: ManecoLivraria & Editora, 2001, p. 14).

9. A esses direitos e deveres, LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA acres-centa ainda um outro, que chamou de direito à res publica (ou direitos republica-nos), consistente no direito que têm os cidadãos de que o patrimônio público - sejaele histórico, cultural, ambiental ou econômico - seja efetivamente público, ou seja,de todos e para todos, livre do arbítrio e da cobiça dos grupos dominantes, de quesão exemplos, segundo ele, �os direitos do cidadão contra a corrupção nas com-pras públicas, contra a sonegação de impostos e contra o nepotismo�, além deoutros relacionados a políticas de Estado �que pretendem ser políticas públicas,mas que na verdade atendem a interesses particulares e indefensáveis� (cf. �Cida-dania e res publica: a emergência dos direitos republicanos�, in Revista de Infor-mação Legislativa, ano 34, n.º 136, out./dez. 1997, pp. 289-313).

10. Não é outra a lição de JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF, para quem acidadania não se resume ao estado ou qualidade de quem goza os direitos e de-sempenha os deveres para com o Estado. Segundo ele, a cidadania em sua essên-cia é composta por quatro dimensões: a social, a econômica, a educacional e aexistencial (cf. Como funciona a cidadania, 2.ª ed. Manaus: Editora Valer, 2001, pp.20-21).

11. Na lição de LOUIS HENKIN (et all.): �Subseqüentemente à SegundaGuerra Mundial, os acordos internacionais de direitos humanos têm criado obriga-ções e responsabilidades para os Estados, no que diz respeito às pessoas sujeitasà sua jurisdição, e um direito costumeiro internacional tem se desenvolvido. O emer-gente Direito Internacional dos Direitos Humanos institui obrigações aos Estadospara com todas as pessoas humanas e não apenas para com os estrangeiros.Este Direito reflete a aceitação geral de que todo indivíduo deve ter direitos, osquais todos os Estados devem respeitar e proteger. Logo, a observância dos direi-tos humanos não é apenas assunto de interesse particular do Estado (relacionadoà sua jurisdição doméstica), mas matéria de interesse internacional e objeto pró-prio de regulação do Direito Internacional� (International law: cases and materials,3.ed. Minnesota: West Publishing, 1993, pp. 375-376).

12. Nas palavras de ANDRÉ FRANCO MONTORO, a barbárie cometida du-rante o período nazista �provocou a revolta da consciência mundial e a constituiçãode um Tribunal Internacional, em Nuremberg, para julgar os crimes contra a huma-nidade, violadores dos fundamentos éticos da vida social. E deu origem ao movi-mento impulsionado pelas aspirações da população de todo mundo, culminando

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com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que constitui um dos documen-tos fundamentais da civilização contemporânea. A Declaração abre-se com a de-núncia histórica dos �atos bárbaros, que revoltam a consciência da humanidade�. Eafirma solenemente como valores universais, os direitos humanos básicos, como odireito à vida, à liberdade, à segurança, à educação, à saúde e outros, que devemser respeitados e assegurados por todos os Estados e por todos os povos� (�Cultu-ra dos Direitos Humanos�, in Direitos humanos: legislação e jurisprudência, vol. I,São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1999, p. 23).

13. FLÁVIA PIOVESAN. Direitos humanos e o direito constitucional interna-cional, 4.ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 129.

14. Nas palavras de CELSO LAFER: �Um dos meios de que se valeu ototalitarismo para obter esta descartabilidade dos seres humanos foi o de gerarrefugiados e apátridas. Estes, ao se verem destituídos, com a perda da cidadania,dos benefícios do princípio da legalidade, não se puderam valer dos direitos huma-nos. Assim, por falta de um vínculo com uma ordem jurídica nacional, acabaramnão encontrando lugar - qualquer lugar - num mundo como o do século XX, total-mente organizado e ocupado politicamente. Conseqüentemente, tornaram-se defacto e de jure desnecessários porque indesejáveis erga omnes, e acabariamencontrando o seu destino e lugar nos campos de concentração� (Trecho da men-sagem do Min. das Relações Exteriores, CELSO LAFER, por ocasião da aberturada exposição �Visto para a vida: diplomatas que salvaram judeus�, no Centro Cultu-ral Maria Antonia da USP. São Paulo, maio de 2001).

15. Cf. FLÁVIA PIOVESAN. Temas de direitos humanos. São Paulo: MaxLimonad, 1998, p. 49.

16. JOSÉ AFONSO DA SILVA. �Impacto da Declaração Universal dos Direi-tos Humanos na Constituição brasileira de 1988�, in Poder constituinte e poderpopular: estudos sobre a Constituição, São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 190-191.

17. Como destaca CARLOS WEIS: �A recente sistematização dos direitoshumanos em um sistema normativo internacional, marcada pela proclamação daDeclaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembléia-Geral das NaçõesUnidas em 10 de dezembro de 1948, representa tanto o ponto de chegada doprocesso histórico de internacionalização dos direitos humanos como o traço inici-al de um sistema jurídico universal destinado a reger as relações entre os Estadose entre estes e as pessoas, baseando-se na proteção e promoção da dignidadefundamental do ser humano� (Direitos humanos contemporâneos. São Paulo:Malheiros, 1999, p. 21).

18. Cf. ANA FLÁVIA BARROS-PLATIAU e ANCELMO CÉSAR LINS DE GÓIS.�Direito internacional e globalização�, in Revista Cidadania e Justiça da Associaçãodos Magistrados Brasileiros, ano 4, n.º 8, p. 35.

19. ANA FLÁVIA BARROS-PLATIAU e ANCELMO CÉSAR LINS DE GÓIS.Idem, ibidem.

20. Cf. FLÁVIA PIOVESAN. Temas de direitos humanos, cit., pp. 31-32. OProf. JOSÉ AFONSO DA SILVA, a esse respeito, leciona: �Em face dessa diversifi-cação, cabe, desde logo, uma observação geral, qual seja: a de que tanto os trata-dos regionais como os destinados a proteger especialmente determinadas catego-

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rias de pessoas ou situações especiais são complementares aos tratados geraisde proteção dos direitos humanos. Não existem normas regionais de direitos hu-manos, mas apenas acordos regionais para verificar a aplicação de normas interna-cionais - observa CRISTINA M. CERNA� (�Impacto da Declaração Universal dosDireitos Humanos na Constituição brasileira de 1988�, cit., p. 196).

21. Cf. LOUIS HENKIN (et all.). International law: cases and materials,cit., p. 376.

22. Acerca das classificações da Declaração Universal, vide ANTONIOCASSESSE, Human rights in a changing world, Philadelphia: TempleUniversity Press, 1990, pp. 38-39; e JOSÉ AUGUSTO LINDGREN ALVES, Osdireitos humanos como tema global, São Paulo: Editora Perspectiva/Fundação Ale-xandre de Gusmão, 1994, pp. 46-47.

23. FLÁVIA PIOVESAN. �A proteção dos direitos humanos no sistema cons-titucional brasileiro�, in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, vol.51/52, jan./dez. 1999, p. 92; cf. ainda, acerca da universalidade dos direitos huma-nos, GENARO R. CARRIÓ, Los derechos humanos y su protección: distintostipos de problemas, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990, p. 13.

24. Cf. FLÁVIA PIOVESAN. Temas de direitos humanos, cit., pp. 27-29.25. Cf. ANA FLÁVIA BARROS-PLATIAU e ANCELMO CÉSAR LINS DE GÓIS.

�Direito internacional e globalização�, cit., p. 37.26. Um dos que propuseram esta fórmula �geracional� foi T. H. MARSHALL.

Nos termos de sua clássica análise sobre a afirmação histórica da cidadania, pri-meiro foram definidos os direitos civis no século XVIII, depois os direitos políticos noséculo XIX e, por último, os direitos sociais no século XX. E, o roteiro feito porMARSHALL, mostrou que em países capitalistas avançados, a soma do Estadocom as lutas sociais é que resulta na chamada �cidadania� (cf. Cidadania, ClasseSocial e Status, cit., pp. 63-64). PAULO BONAVIDES também comunga destaidéia geracional de direitos, mas com alguma variação. Para ele, primeiro surgiramos direitos civis e políticos (primeira geração), depois os direitos sociais, econômi-cos e culturais (segunda geração), posteriormente o direito ao desenvolvimento, àpaz, ao meio-ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade(terceira geração) e, por último (o que chamou de direitos de quarta geração) osdireitos que compreendem o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos ospovos (cf. PAULO BONAVIDES. Curso de direito constitucional, 10.ª ed. São Pau-lo: Malheiros Editores, 2000, pp. 516-525).

27. Vide, a esse respeito, a lição do Prof. ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADOTRINDADE, para quem: �A noção simplista das chamadas �gerações de direitos�,histórica e juridicamente infundada, tem prestado um desserviço ao pensamentomais lúcido a inspirar a evolução do direito internacional dos direitos humanos.Distintamente do que a infeliz invocação da imagem analógica da �sucessãogeneracional� parecia supor, os direitos humanos não se �sucedem� ou �substituem�uns aos outros, mas antes se expandem, se acumulam e fortalecem, interagindoos direitos individuais e sociais (tendo estes últimos inclusive precedido os primei-ros no plano internacional, a exemplo das primeiras convenções internacionais dotrabalho)� (Apresentação ao livro de FLÁVIA PIOVESAN, Direitos humanos e o

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direito constitucional internacional, cit., p. 21).28. CARLOS WEIS. Direitos humanos contemporâneos, cit., pp. 43-44.29. CARLOS WEIS. Idem, p. 43.30. JOSÉ AFONSO DA SILVA. �Impacto da Declaração Universal dos Direi-

tos Humanos na Constituição brasileira de 1988�, cit., p. 196.31. Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA. Idem, pp. 196-197. Para uma crítica da

teoria que classifica os direitos segundo envolvam prestações positivas ou negati-vas, vide JOSÉ AUGUSTO LINDGREN ALVES, Os direitos humanos como temaglobal, cit., pp. 103 e ss, em capítulo intitulado A Falácia das �Prestações Negati-vas�.

32. Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA. Idem, pp. 193-194.33. Cf. GENARO R. CARRIÓ. Los derechos humanos y su protección:

distintos tipos de problemas, cit., pp. 14-15.34. Cf. CARLOS SANTIAGO NINO. Ética y derechos humanos: un ensayo

de fundamentación, 2.ª ed. ampl. y rev. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1989, p. 14e ss.

35. Bem clara a esse respeito é a lição do Prof. GOFFREDO TELLES JUNIOR,nestes termos: �Não se diga (como tantas vezes já se tem dito) que os DireitosHumanos são �direitos por natureza�, �direitos naturais�, �direitos inatos�, �direitosimanentes e inerentes no homem�. Não se diga que os Direitos Humanos são ante-riores e superiores ao Direito objetivo dos Estados, e existem no homem por natu-reza, sem dependência com as leis do legislador humano. Tais afirmações resul-tam de um velho e arraigado equívoco, e não têm mais nenhum sentido. Esta maté-ria requer especialíssima atenção. Sendo Direitos Subjetivos, os Direitos Humanossão, forçosamente, permissões concedidas por meio de normas jurídicas. Bemsabemos que todo Direito Subjetivo é permissão assim concedida. Ora, as normasjurídicas não são dados da natureza, mas construções da inteligência humana,obras culturais (...). Somente depois de formulados pelo legislador e firmados emleis positivas, é que tais anelos são promovidos a direitos, a Direitos Subjetivosautênticos, a Direitos Humanos legalmente consagrados. Só então, passam a ser,verdadeiramente, predicados concedidos a todas as pessoas, por meio de normasjurídicas� [todos os grifos do original] (Iniciação na ciência do direito. São Paulo:Saraiva, 2001, p. 343 e 345). Cf., nesse mesmo sentido, o seu O direito quântico,6.ª ed. rev. São Paulo: Max Limonad, 1985, p. 412 e ss.

36. Para a redação das Constituições anteriores, vide VALERIO DE OLIVEI-RA MAZZUZOLI, Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estu-do analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira, SãoPaulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 234.

37. A esse respeito, vide os nossos livros: Direitos humanos & relaçõesinternacionais, Campinas: Agá Juris, 2000, pp. 96 e ss; Direito internacional: trata-dos e direitos humanos fundamentais na ordem jurídica brasileira, Rio de Janeiro:América Jurídica, 2001, pp. 33 e ss; Direitos humanos, Constituição e os tratadosinternacionais..., cit., pp. 233 e ss; cf. também: �Hierarquia constitucional e incor-poração automática dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanosno ordenamento brasileiro�, in Revista de Informação Legislativa, ano 37, n.º 148,

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out./dez. 2000, pp. 231-250; e �Direitos humanos provenientes de tratados: exegesedos §§ 1.º e 2.º do art. 5.º da Constituição de 1988�, in Revista Jurídica, ano 48, n.º278, p. 39-60, Porto Alegre: Notadez, dez./2000; vide ainda, �Entrevista� ao Prof.ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE, in Justiça e Democracia: revista se-mestral de informação e debate, n.º 01, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1996, pp. 10-12; FLÁVIA PIOVESAN, Direitos humanos e o direito constitucionalinternacional, cit., pp. 73 e ss; e CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, que, da mesmaforma, conclui atribuir a Constituição �aos direitos humanos definidos em tratadointernacional o status de norma constitucional� (cf. Parecer publicado na Revistados Tribunais, n. º 736, fev. 1997, p. 527).

38. Alguns autores chegam mesmo a negar a soberania externa do Estado,posto não passar de uma competência delegada pela comunidade internacional, nointeresse geral da humanidade, o que resulta no entendimento de que existe não sóum direito internacional, mas também um direito supranacional ou humano, estan-do a liberdade do Estado circunscrita tanto por um quanto pelo outro. Cf. A.MANDELSTAM, �La protection internationale des droits de l�homme�, in Recueildes Cours, n.º 38, p. 192; e LEÓN DUGUIT, Traité de droit constitutionnel, vol.1., 3.ª ed., Paris: E. de Boccard, 1930, p. 588.

39. Esclareça-se que não é da data da aprovação parlamentar - por meio dedecreto legislativo - que os tratados internacionais de proteção dos direitos huma-nos passam a ter aplicabilidade imediata no ordenamento brasileiro, mas sim emface de sua posterior ratificação pelo Presidente da República, a quem competeprivativamente, nos termos da Constituição, celebrar tratados, convenções e atosinternacionais (CF, art. 84, VIII). A ratificação é imprescindível para a entrada emvigor dos tratados, mesmo porque a vigência interna de um tratado internacionaldepende da anterior vigência internacional do ato, só alcançada através dela.

40. ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE. �Direito internacional e di-reito interno: sua interação na proteção dos direitos humanos�. In: Instrumentosinternacionais de proteção dos direitos humanos. São Paulo: Centro de Estudos daProcuradoria Geral do Estado, 1996, p. 34.

41. As cláusulas pétreas impõem limites materialmente explícitos de refor-ma constitucional. Essas limitações materiais explícitas constantes do parágrafo4.º do art. 60 da Constituição impedem, na via de emenda constitucional, qualquerproposta tendente a abolir: (I) a forma federativa do Estado; (II) o voto direto, secre-to, universal e periódico; (III) a separação dos Poderes; e (IV) os direitos e garantiasindividuais. Observe-se que, neste último caso, a respectiva cláusula pétrea sóalcança os direitos e garantias individuais e não os coletivos. Logo, só os direitosindividuais enunciados por tratados é que são resguardados por cláusulas pétrease não os coletivos.

42. A esse propósito, já escrevemos: �Insiste-se, todavia, em dizer, que senem mesmo pela via de emenda à Constituição existe a possibilidade de subtraçãodos direitos já incorporados na Carta Magna, muito menos se pode pensar em talfato quando para o ato da denúncia, no direito brasileiro, exige-se, como tem de-monstrado a prática diplomática a esse respeito, tão-somente a vontade privativado Chefe do Poder Executivo. A conclusão que se chega, então, é que o sistema

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brasileiro proíbe qualquer tipo de denúncia envolvendo tratados de proteção dosdireitos humanos� (cf. o nosso Direitos humanos & relações internacionais, cit., p.118).

43. Compõem os direitos políticos, na Carta de 1988, os direitos de votar eser votado, de referendo, plebiscito e iniciativa popular das leis (CF, art. 14, incs. I,II e III). A soberania popular é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto esecreto, com valor igual para todos. O plebiscito consiste na prévia consulta aopovo (eleitorado) sobre a viabilidade de determinado projeto de lei ou medida admi-nistrativa. Compete ao Congresso Nacional a sua autorização bem como a do refe-rendo (CF, art. 49, XV). Foi exemplo de plebiscito a oportunidade de escolha entrerepública e monarquia, que se deu no dia 7 de setembro de 1993 (art. 2.º, do ADCT,EC n.º 02). Já no referendo a consulta ao povo é posterior à adoção de determinadamedida pelo governo ou à edição de uma lei. Aqui, o eleitorado, depois de editada amedida, é chamado para ratificá-la ou lhe retirar a eficácia, por meio do voto. Porfim, a iniciativa popular consiste na apresentação, pelo povo, de projeto de lei àCâmara dos Deputados subscrito, por no mínimo, um por cento do eleitorado naci-onal, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimospor cento dos eleitores de cada um deles (CF, art. 61, § 2.º). O plebiscito, o referen-do e a iniciativa popular são regulados pela Lei n.º 9.709, de 18 de novembro de1998.

44. Claro que a soberania popular - uma vez que todo poder emana do povo(CF, art. 1.º, parágrafo único) - também faz parte da cidadania, mas isso não signi-fica que ela nisto se resuma.

45. Da mesma forma, os seguintes dispositivos: �Art. 58. O Congresso Naci-onal e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas naforma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de queresultar sua criação. § 2º - Às comissões, em razão da matéria de sua competên-cia, cabe: solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão (inc. V).�; �Art.61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ouComissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacio-nal, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Supe-riores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casosprevistos nesta Constituição.�; �Art. 74, § 2º. Qualquer cidadão, partido político,associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregulari-dades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.�; �Art. 89. O Conselhoda República é órgão superior de consulta do Presidente da República, e deleparticipam: VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos deidade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Sena-do Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de trêsanos, vedada a recondução.�; �Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios,e os Estados criarão: II - justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitospelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competênciapara, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face deimpugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições concilia-tórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação.�; �Art. 101.

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O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cida-dãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, denotável saber jurídico e reputação ilibada.�; e, finalmente: �Art. 131, § 1º - A Advoca-cia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeaçãopelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, denotável saber jurídico e reputação ilibada.�

46. JOSÉ AFONSO DA SILVA. �Faculdades de Direito e construção da cida-dania�, cit., p. 141.

47. Na lição de PAOLO BARILE: �(...) lo Stato di diritto [...] è poi lo Statoche assoggetta se etesso alle regole di diritto che esso stesso pone. Puòcambiarle, ma fino a che i suoi organi competenti a modificarle - e soloessi, in base al principio della separazione dei poteri - non lo modificano, loStato non può ignorarle, pena la sua condanna da parte dei suoi stessitribunali, aditi dall�individuo leso dal comportamento statale illegittimo (il ya des juges à Berlin!)� (Diritti dell�uomo e libertà fondamentali, cit., p. 12).

48. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a esse respeito,assim estabelece em seu Art. 1.º: �Todas as pessoas nascem livres e iguais emdignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relaçãoumas às outras com espírito de fraternidade�. Para HANNAH ARENDT, a participa-ção dos indivíduos em uma comunidade igualitária construída é a condição sinequa non para que se possa aspirar ao gozo dos direitos humanos fundamentais(cf. The origins of totalitarianism. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1973,pp. 299-302). Segundo CELSO LAFER, o conceito arendtiano de cidadania, comoo �direito a ter direitos�, aliás, contém �um ideal redistributivo necessário para redu-zir, na esfera do privado, as diferenças sociais derivadas da desigualdade econômi-ca à escala do razoável (...) (A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo como pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 152).Nesse sentido, a lição de LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA: �A cidadania seexpande e se afirma na sociedade à medida que os indivíduos adquirem direitos eampliam sua participação na criação do próprio Direito. Logo, os direitos estão nocentro das idéias de Direito, Estado e cidadania� (�Cidadania e res publica: aemergência dos direitos republicanos�, cit., p. 292).

49. Para VERA REGINA PEREIRA DE ANDRADE: �É desse locus, enfim,que advém o sentido da cidadania. (...) E, se é verossímil a idéia de que na base dademocracia encontra-se a preocupação em realizar direitos (...) e que a cidadania éo espaço político pelo qual a reivindicação e o exercício dos direitos se exteriorizam,a construção da democracia, onde ela inexiste, passa, fundamentalmente, pelarealização da cidadania� (Cidadania: do direito aos direitos humanos, cit., p. 130-132).

50. Qualquer pessoa, quem quer que seja, independentemente de idade,cor, credo religioso ou situação financeira, tem aptidão para a prática de atos decidadania, quando bem educada para tanto. Até mesmo uma criança, absoluta-mente incapaz pela lei civil, detém este potencial. O Prof. JOSÉ AFONSO DASILVA, a esse respeito, em recentíssimo livro, conta-nos uma história verídica bas-tante interessante, que merece ser contada aqui. Numa dessas Chambres d�Hôte,

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comuns no interior da França, encontrou ele um menino de nome VICTOR GRESSIN,de seus cinco para seis anos de idade, e, numa brincadeira simples, segurou-lhe obraço. Imediatamente, convicto, o garoto advertiu: �Vous n�avez pas le droit deme toucher�. Admirado, soltou-o prontamente. Não disse o menino: �me largue� ou�me solte�. Reprimiu-lhe em termos de direito: �O senhor não tem o direito de metocar�. Logo depois - conta-nos ainda o Prof. JOSÉ AFONSO -, quis o garoto segu-rar seu filho, ao que este também advertiu: �Tu n�as pas le droit de me toucher�.E imediatamente o menino se conteve. É dizer: �Aí a consciência tanto do própriodireito que reivindica decisivamente, como do direito do outro que respeita reveren-temente. Aí a cidadania que nasce da centenária cultura constitucionalista france-sa. É essa a missão do constitucionalismo e dos constitucionalistas: despertar efomentar a consciência e o respeito dos direitos fundamentais� (cf. Ordenação cons-titucional da cultura. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 07).

51. Cf. CARLA RODRIGUES & HERBERT DE SOUZA. Ética e cidadania.São Paulo: Editora Moderna, 1994. Para CHARLES ANTONIO KIELING: �A cidada-nia e, consequentemente, o bem comum só existem quando o Estado, o mantenedorda organização social, preserva a sobrevivência, sem distinção, desde o mais vul-nerável ser até o mais apto, regulamentando as ações. A cidadania exige a perfeitasintonia entre os Poderes e o Povo, entre as diferentes classes e faixas etárias eentre as diferentes etnias. E do conjunto maior sairá a vitória da Democracia� (Ma-nifesto da cidadania, cit., p. 100). Como destaca JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF:�A cidadania é exercida, quer em nível nacional, quer em nível estadual, municipal,etc. (...) Não obstante a importância do exercício da cidadania, em plano nacional,é sobretudo no âmbito das relações mais próximas da pessoa que se efetiva acidadania� (Como funciona a cidadania, cit., p. 185).

52. Cf. JOSÉ RIBAS VIEIRA. �A cidadania: sua complexidade teórica e odireito�, in Revista de Informação Legislativa, ano 34, n.º 135, jul./set. 1997, p. 220.Nesse sentido, veja-se a lição de LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA: �Nos direi-tos civis o elemento dominante é o do direito à liberdade e à propriedade. O cidadãoé cidadão, segundo essa concepção clássica ou liberal de cidadania, na medidaem que tem esses direitos garantidos. Já os direitos cívicos envolvem a idéia dedeveres do cidadão para com a sociedade. O cidadão é cidadão na medida em que,além de ter seus direitos egoístas garantidos, assume responsabilidades, em rela-ção ao interesse público, que podem estar em contradição com seus interessesparticulares. (...) Os cidadãos serão tanto mais cidadãos quanto menos forem merosespectadores e maior for seu compromisso com o bem comum ou com [o] interes-se público� [grifo nosso] (�Cidadania e res publica: a emergência dos direitos repu-blicanos�, cit., pp. 296 e 302).

53. Cf. CHARLES ANTONIO KIELING. Manifesto da cidadania, cit., p. 100.Sem que haja essa interação entre os órgãos do poder e os membros da coletivida-de, o �exercício da cidadania� torna-se bastante prejudicado. Como destacaGLADSTON MAMEDE, o exercício da cidadania no Brasil possui três grandesobstáculos: �1.º) o sistema jurídico brasileiro não possui uma ampla definição depossibilidades para uma efetiva participação popular consciente; 2.º) a postura ex-cessivamente conservadora de parcelas do Judiciário, apegando-se a interpreta-

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - DOUTRINA - 81

ções que limitam absurdamente o alcance dos dispositivos legais que permitiriamuma efetiva democratização do poder; [e] por fim, 3.º) uma profunda ignorância doDireito: a esmagadora maioria dos brasileiros não possui conhecimentos mínimossobre quais são os seus direitos e como defendê-los� (cf. �Hipocrisia: o mito dacidadania no Brasil�, in Revista de Informação Legislativa, ano 34, n.º 134, abr./jun.1997, p. 222).

54. Na lição de JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF: �Ao estabelecer que aeducação seja direito de todos, a Constituição está dizendo que ninguém pode serexcluído dela, ninguém pode ficar fora da escola e ao desabrigo das demais institui-ções e instrumentos que devem promover a educação do povo. (...) Ao dizer que aeducação é dever do Estado, a Constituição estabelece que o governo tem a obri-gação de manter as escolas públicas. A Constituição manda que o ensino públicoseja de boa qualidade e que os professores e outros profissionais do ensino sejamvalorizados. (...) A Constituição diz que a educação é também dever da família. Istoporque, como já ficou sugerido no parágrafo anterior, não é apenas a escola queeduca. Também os pais educam, os irmãos se educam uns aos outros, o ambientefamiliar deve favorecer o processo de crescimento e educação das pessoas� (Comofunciona a cidadania, cit., pp. 219-220). Sobre a força jurídica dos preceitos relati-vos à educação no Brasil, e para um estudo mais detalhado sobre o tema, videMÔNICA SIFUENTES, O acesso ao ensino fundamental no Brasil: um direito aodesenvolvimento, Rio de Janeiro: América Jurídica, 2001, pp. 05-123.

55. Somente a educação política propulsiona a prática da reivindicação dedireitos e, conseqüentemente, a consolidação da cidadania. Como destaca PEDRODEMO: �O desafio maior da cidadania é a eliminação da pobreza política, que estána raiz da ignorância acerca da condição de massa de manobra. Não-cidadão ésobretudo quem, por estar coibido de tomar consciência crítica da marginalizaçãoque lhe é imposta, não atinge a oportunidade de conceber uma história alternativa ede organizar-se politicamente para tanto. Entende injustiça como destino. Faz ariqueza do outro, sem dela participar� (Cidadania tutelada e cidadania assistida.Campinas: Autores Associados, 1995, p. 02).

56. ANDRÉ FRANCO MONTORO. �Cultura dos Direitos Humanos�, cit., p.28.

57. Nas palavras de CHARLES ANTONIO KIELING: �Se, no passado, o Sen-so Político significou para o homem perceber a natureza como um todo, entendê-la,dominá-la e ao mesmo tempo perceber que era necessário defender-se de suasadversidades a fim de tirar proveito dela, hoje significa perceber o conjunto social.Muito mais complexo que um Senso Político contra a natureza animal é desenvol-ver um Senso Político contra as várias formas de dominação que oprimem o serhumano dentro do �tecido� social. É necessário um novo despertar do Senso Políti-co. Os seres humanos oprimidos e dominados precisam perceber o conjunto socialque, estruturalmente, legou-lhes a posição que ocupam na organização social.Uma nova revolução do Senso Político é que possibilitará à humanidade reorgani-zar-se estruturalmente de forma diferente das sociedades de hoje, pois acelera-se,cada vez mais, a percepção holística dos que compõem a sociedade, possibilitan-do que os líderes percam seu poder centralizador para as decisões das �massas

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populares� (Manifesto da cidadania, cit., p. 39).58. CHARLES ANTONIO KIELING. Op. cit., p. 152.59 BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial. Malheiros

Editores. 1999.60 BOBBIO, Norberto. A Filosofia Política - Lição dos Clássicos, 2ª Edição,

Editora Campos. pp. 177-78.61 BERMAN, Marshal. Tudo que é Sólido Desmancha no Ar. 2ª reimpressão.

Companhia das Letras, 1987. pp.43-462 REALE, Miguel. Questões de Direito Público. Editora Saraiva, 1997. pp.

64-663 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros Editores,

7ª edição, 2ª tiragem. Pp. 583.64 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitui-

ção. Editora Almedina, 1998. p. 452.65 BONAVIDES, Paulo. Idem, ibidem. p.50366 DANTAS, Ivo. Instituições de Direito Constitucional Brasileiro. Editora Juruá.

2ª edição. p. 40167 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Livraria

do Advogado Editora. 1998. pp. 324-5.68 CANOTILHO, J. J. Gomes. Idem, ibidem. p. 366.69 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, 2ª Edição, Coimbra70 BONAVIDES, Paulo, Idem, ibdem. pp 483-471 CANOTILHO, J. J. Gomes. Idem, ibdem. p. 45472 CANOTILHO, J. J. Gomes. Idem, ibdem. p. 455.73 CANOTILHO, J. J. Gomes. Idem, ibdem. p. 450.74 OLIVEIRA, Cybele. Devido Processo Legal. Publicado na Revista de Di-

reito Constitucional Internacional nº 32, Editora RT, São Paulo. 2000. P. 187.75 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. Malheiros Ediotes, 2ª Edi-

ção, 1999. Atualizada por Rosolea Miranda Felgosi. pp. 33-476 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Livraria

do Advogado Editora. Porto Alegre, 1998. p. 250.77 BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações Constitucionais - Novos Direitos e

Acesso à Justiça.78 CANOTILHO. J. J. Gomes. Idem, ibdem. p. 454.79 BRANDÃO. Paulo de Tarso. Idem, ibdem. pp. 250 e segs.80 MIRANDA, Pontes de. História e Prática do Habeas Corpus. Editor Borsoli,

Rio de janeiro, 1922. pp. 209-1281 MEIRA, Augusto. Publicado na Revista dos Tribunais, vol. 98. p. 358.82 FERRAZ, Sérgio. Mandado de Segurança (Individual e Coletivo) - Aspec-

tos Polêmicos. Malheiros Editores, 1992. p. 100.83 MIRANDA. Pontes de. Comentários da Constituição de 1997. Editora RT,

2ª edição, 2ª tiragem. Tomo V. p. 335.84 SARTI, Finocchiaro José Amir. O Prazo Preclusivo para Impetração do

Mandado de Segurança. Publicado na Revista AJURIS, Vol. 25., 1982. pp. 212-13.85 BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança. 3ª edição. Forense.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - DOUTRINA - 83

p. 196.86 FERRAZ, Sérgio. Idem, ibidem, p. 99.87 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Conceito de Direito Líquido e Certo.

Apud Curso de Mandado de Segurança. Celso Antônio Bandeira de Mello, AdilsonAbreu Dallari, Sérgio Ferraz, Lúcia Valle Figueiredo e Carlos Mário da Silva Velloso.Editora RT. São Paulo. 1986. pp. 86 e 91.

88 CHAVES, Alfredo Guimarães. Mandado de Segurança - Prazo de Deca-dência. Publicado na Revista Forense, Vol.. 127, 1950, pp. 606-607.

89 HABERMAS, Jurgen. O Discurso Filosófico da Modernidade. EditoraMartins Fontes. São Paulo. 2000. p. 38.

90 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. Ícone Editora. 1999. p. 230.91 ATALIBA, Geraldo. Decadência e Mandado de Segurança. RTDP, 1, pp.

147-152

Jurisprudência

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TRIBUNAL PLENO

AGRAVO REGIMENTAL

ACÓRDÃO N.º 2270/2001AgRg Nº 0013/2000RELATOR ORIGINÁRIO: Des. Aloísio de Abreu LimaRELATOR SUBSTITUTO: Juiz Ricardo Múcio Santana deAbreu LimaRELATORA DESIGNADA: Desª Marilza Maynard Salgado deCarvalhoAGRAVANTE: Estelita Nunes de Oliviera ReisAGRAVADO: DES. Fernando Ribeiro Franco

EMENTA: Processo civil - Agravo regimental - Denegação deliminar - Cabimento - Decisão Majoritária - Tabelionato - Fumusboni iuris e periculum in mora caracterizados.I - A decisão que denega ou concede liminar em mandado desegurança é interlocutória, podendo ser atacada através de

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agravo, a fim de submetê-la à apreciação do colegiado, por apli-cação subsidiária do CPC.II - O fumus boni iuris decorre da ausência de requisitos para aconcessão da liminar em favor de José Messias de Santana,face ao posicionamento adotado nos tribunais, associada aodisposto no art. 4º, parágrafo único da Lei Complementar nº 28/1996, sendo a agravante titular do 3º ofício;III - O periculum in mora reside no perigo da demora até decisãodefinitiva do mandado de segurança, período em que a agra-vante continuará tendo seu direito violado, sofrendo prejuízofinanceiro;IV- Agravo Regimental conhecido e provido por maioria.

VOTO VENCEDOR

Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho (Membro): - Inicialmente, torna-se mister analisar o cabimento do presente recurso, por tratar-se de denegação deliminar em mandado de segurança. Já houve decisões, inclusive proferidas recente-mente pela composição plenária, em que se confirmou a irrecorribilidade das deci-sões proferidas em sede de mandando de segurança, quando da apreciação dopedido liminar.

Outro não foi o julgamento proferido nos Agravos Regimentais n.º 008/2000 e010/2000, de relatoria do Des. Aloísio de Abreu Lima, em que se decidiu pelo nãoconhecimento destes recursos. É interessante salientar que referidas decisõesforam unânimes, sem que houvesse qualquer Desembargador vencido.

Todavia, a primeira manifestação deste Tribunal acerca da recorribilidade dedecisão que aprecia liminar em mandado de segurança ocorreu no julgamento doAgravo de Instrumento n.º 0475/2000, cujo Acórdão n.º 1.049/2000 foi publicado noDJ de 21/6/2000. Em referido julgamento, cujo Grupo IV da Câmara Cível era com-posta por Des. José Antônio de Andrade Goes, como Relator, e Des. FernandoRibeiro Franco juntamente com a minha pessoa, a fim de que fosse dado provimen-to ao recurso. Ou seja, não somente foi afastada a inadmissibilidade de cabimentode recurso diante de decisão que defere liminar em mandado de segurança, mastambém foi concedido provimento ao mencionado recurso.

Já a composição plenária deste Tribunal, quando do julgamento dos AgravosRegimentais de n.º 27/2000 e 26/2000, cujos Acórdãos respectivos foram Ac. 1.446/2000 e 1.449/2000, publicados no DJ em 23/8/2000, não chegou sequer a suscitara preliminar de não-cabimento do recurso de agravo regimental, por se tratar deliminar deferida em mandado de segurança por Desembargador Relator.

Não ficando somente neste exemplo, a composição plenária deste Tribunal,no julgamento do Ag. Reg. nº 17/2000, de minha relatoria, em que figuraram comopartes o Prefeito Municipal de Aracaju/SE, como impetrado, e José Rollemberg

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Leite Neto e outros, como impetrantes, decidiu pela cassação de liminar, por mimdeferida, não questionando sequer o cabimento do Agravo Regimental, como recur-so para enfrentar o deferimento de liminar por Desembargador Relator.

Todavia, para a surpresa deste Membro, quando do julgamento do AgravoRegimental n.º 25/2000, na Sessão Plenária realizada no dia 23/8/2000, o Tribunalde Justiça do Estado de Sergipe decidiu pelo não-cabimento do Agravo Regimental,quando se tratar em liminar deferida em mandado de segurança, restando-mevencida, posicionamento totalmente contrário às decisões proferidas pela mesmacomposição plenária nos julgamentos dos Agravos Regimentais n.os 17/2000, 27/2000 e 26/2000.

Não que eu não defenda uma mudança no posicionamento a ser adotado poreste Tribunal, mas apenas há de se fazer uma justificativa para a mudança noposicionamento. O mais temerário é a ausência de definição deste Tribunal, quantoa esta matéria, proferindo decisões, ora apreciando o Agravo Regimental, inclusivedando-lhe provimento, como foi o caso do Ag. Reg. n.º 17/2000, ora não conhecen-do deste recurso, como fora o julgamento do Ag. Reg. nº 08/2000.

É de imprescindível importância a adoção de um entendimento uniforme poreste Tribunal, ainda mais quando se busca tornar céleres os julgamentos dos re-cursos, diante da modificação do CPC, em seu art. 557, quanto à apreciação derecurso pelo Desembargador Relator, desde que predominante a jurisprudência sobredeterminada matéria. Como uniformizar um entendimento acerca de tal matéria, seo plenário desta Casa não se define quanto ao cabimento do Agravo Regimental?

E o mais grave é justamente as decisões serem proferidas por todos osmembros, caracterizando um temerário conflito de decisões. Qual a diferença entreos casos acima citados? Nenhum.

Quanto ao meu posicionamento, entendo que deva caber o Agravo Regimen-tal, diante de decisões proferidas pelo Desembargador Relator, quando da aprecia-ção de liminares em mandado de segurança, face às modificações noposicionamento adotado pelo STJ.

O acolhimento do agravo de instrumento, como o recurso cabível para odeferimento ou indeferimento de liminares no mandamus, reflete justamente a ne-cessidade em não se deixar descoberta a possibilidade em se permitir a aprecia-ção de uma decisão monocrática pelo órgão colegiado. Trata-se, em verdade, deuma decisão interlocutória, semelhante à proferida, quando da apreciação de umaantecipação de tutela (art. 273, CPC) ou de uma liminar de um procedimento espe-cial.

Não se pode negar este conteúdo inerente à decisão interlocutória, cabendo,portanto, a sua impugnação através do agravo de instrumento. Tal entendimentoreforça-se ainda mais com as modificações trazidas pela Lei nº 9.239/1995, que,dentre elas, trouxe a possibilidade em se conceder efeito suspensivo ao agravo,esvaziando, portanto, a necessidade da interposição de um novo mandado de se-gurança, para a concessão do efeito suspensivo.

Quando se tratar de mandado de segurança de competência originária dosTribunais, cabível se mostra o Agravo Regimental, por se tratar de decisão proferidapor Desembargador Relator, nos termos previstos nos Regimentos dos Tribunais.

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As recentes decisões proferidas pelo STJ, seja através de Acórdãos ou deDecisões Monocráticas, acolhem prontamente o agravo de instrumento como re-curso cabível diante de apreciação acerca da liminar no mandamus, conformejulgados transcritos a seguir:

Processual Civil - Decisão concessiva de liminar em mandado de segurança- Agravo de instrumento - Cabimento.

A decisão que defere ou indefere a liminar em mandado de segurança éinterlocutória, e, como tal, agravável. Recurso provido (STJ, 1ª Turma, REsp. 213716/RJ, rel. Min. Garcia Vieira, v.u., j. 10/8/1999, p. DJU 20/9/1999, pg. 42)

Processual civil - Agravo - Decisão que concede ou nega liminar em manda-do de segurança - Cabimento. A decisão que concede ou nega liminar em mandadode segurança desafia recurso de agravo (STJ, 1ª Turma, REsp. 218382/SP, rel. Min.Garcia Vieira, por maioria, j. 5/10/1999, p. DJU 29/11/1999, pg. 131)

A jurisprudência no STJ encontra-se tão pacífica, que Ministra Eliana Calmon,no julgamento do REsp. 228690/RJ, cuja decisão fora publicada no DJU 3/3/2000,aplicou o art. 557, § 1º-A, do CPC, dando-lhe provimento, tendo assim decidido:

...Entretanto, com o passar do tempo, a doutrina encarregou-se de afastar apolêmica e firmar entendimento no sentido de ser possível a impugnação das deci-sões interlocutórias dos mandados de segurança através de agravo de instrumento(art. 522 do CPC).

Também não se pode alegar o simples argumento de que não há previsão decabimento de agravo na legislação especial do mandado de segurança. Aplica-se oCódigo de Processo Civil subsidiariamente nas ações regidas por leis especiais.

Nesse sentido, observa-se a lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria AndradeNery sobre a aplicação subsidiária do CPC, quanto ao cabimento de embargosinfringentes na legislação especial do mandado de segurança e de falência, emCódigo de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante emvigor, 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 1039:

Embargos infringentes no MS e na LF. São cabíveis EI em acórdão nãounânime, proferido em apelação nos processos de falência e de mandado de segu-rança. Aplica-se o CPC subsidiariamente nas ações regidas por leis especiais,como é o caso da LF e da LMS. Não há nenhuma incompatibilidade na aplicaçãodo CPC 530 aos processos falimentares e de mandado de segurança (grifou-se).

Aliás, ressalte-se que, quanto à Lei de Falência, o STJ já sumulou a matéria,aplicando subsidiariamente o CPC, como se observa no texto da Súmula nº 88 doSTJ: �são admissíveis embargos infringentes em processo falimentar�.

Assim, diante de tudo o que foi demasiadamente exposto, voto pelo conhe-cimento do presente Agravo Regimental, face à decisão que aprecia liminar emmandado de segurança possuir natureza interlocutória, sendo passível de aprecia-ção pelo recurso de agravo.

Ultrapassada a preliminar de cabimento de agravo regimental contra adenegação de medida liminar, deve-se analisar o pedido de reforma da decisãodenegatória da medida liminar no Mandado de Segurança nº 40/2000 impetradopela ora agravante.

O presente mandado de segurança ataca a medida liminar concedida por

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 91

Des. Fernando Ribeiro Franco, no Mandado de Segurança nº 05/2000 interpostopor José Messias de Santana. Naquele mandado de segurança, o impetrante pre-tende o retorno às atividades de tabelionato na Comarca de Lagarto, anulando suaaposentadoria compulsória, em virtude de ter completado setenta anos.

Inicialmente, a agravante requer a nulidade da decisão denegatória da liminar,face à ausência de fundamentação.

Destaca-se, desde logo, que a decisão de fl. 51v não demonstrou os funda-mentos para sua denegação, como se observa de seu inteiro teor:

Nego a liminar postulada, por não ver caracterizados os seus pressupostos- do art. 7º, II da Lei nº 1.533/1951.

Por outro lado, a agravante aponta os requisitos autorizadores da concessãoda medida liminar por ela pleiteada.

O fumus boni iuris decorre da violação do princípio da ampla defesa e docontraditório, tendo em vista que, embora seja litisconsorte necessária no outromandado de segurança, não foi chamada para integrar a lide. Além disso, sustentaseu direito líquido e certo a desempenhar as atividades de tabelionato daquelaComarca, desde quando é titular do Cartório do 3º Ofício, prevendo o art. 4º, pará-grafo único da Lei Complementar nº 28/1996, a transferência do tabelionato para o3º Ofício após a vacância do 2º Ofício.

O periculum in mora se traduz diante da flagrante ilegalidade e abusividadedo ato impugnado que está trazendo inúmeros prejuízos para aquela; prejuízosestes que se avolumarão se não houver a concessão imediata da liminar.

Agora, passo à análise desses requisitos. O fumus boni iuris do presentemandado de segurança decorre inicialmente da ausência de requisitos para a con-cessão da medida liminar no outro mandado de segurança.

Nesse passo, verifica-se que, a princípio, não há fumus boni iuris para aconcessão da liminar de José Messias de Santana, pois tem prevalecido nos tribu-nais e no STF a obrigatoriedade de o titular do tabelionato se aposentar ao comple-tar setenta anos de idade.

O mesmo tem ocorrido neste Tribunal, pois, apesar de outros tabeliãesimpetrarem mandados de segurança, José Messias de Santana foi o único a con-seguir liminar para permanecer exercendo as atividades de tabelionato.

Não havendo tal requisito para a concessão da liminar no outro mandado desegurança, passo a analisar os requisitos do direito da agravante. Primeiro, desta-ca-se que ela possui direito líquido e certo à ampla defesa e contraditório, por serlitisconsorte necessária no outro mandado de segurança.

Além disso, o art. 4º, parágrafo único da Lei Complementar nº 28/1996 con-fere ao titular do 3º Ofício as atividades de tabelionato, após a vacância do 2º Ofício.No caso em análise, José Messias de Santana possui mais de setenta anos, suaaposentadoria compulsória já foi determinada pelo Presidente do Tribunal, motivopelo qual o tabelionato deve passar para a agravante, titular do 3º Ofício daquelaComarca, já tendo sido designada por ato da Presidência.

Por último, presente o requisito do periculum in mora, tendo em vista operigo da demora, decorrente da violação do direito da agravante, associado aoprejuízo financeiro que vem sofrendo, desde 16/2/2000, uma vez concedida a liminar

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no outro mandado de segurança, que até hoje não foi julgado, embora esteja conclusopara julgamento desde 15/12/2000.

Diante do exposto, voto pelo conhecimento do presente agravo regimental,dando-lhe provimento, no sentido de conceder a medida liminar à agravante, paraexercer as atividades do tabelionato naquela Comarca, reformando a decisãomonocrática do relator.

É como voto.Aracaju/SE, 12 de setembro de 2001.Desª Marilza Maynard Salgado de CarvalhoRelatora Designada

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantesdo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em sua composição plenária, pormaioria, vencidos Desª Clara Leite de Rezende, Des. Gilson Gois Soares e Des.Epaminondas Silva de Andrade Lima, conhecer o agravo regimental, para, tambémpor maioria, vencido o relator originário, Dr. Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima,prover o agravo regimental, reformando a decisão monocrática do relator, em confor-midade com o relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte inte-grante do presente julgado.

Aracaju/SE, 12 de setembro de 2001.Votaram com a relatora os senhores Desembargadores José Barreto Prado,

Clara Leite de Rezende, Epaminondas Silva de Andrade Lima, Gilson Góis Soares,José Artêmio Barreto, Roberto Eugênio da Fonseca Porto e os Juízes Cláudio DinartDeda Chagas e Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima. Presidiu a sessão o senhorDesembargador José Antônio de Andrade Goes.

MANDADO DE SEGURANÇA

ACÓRDÃO Nº 1640/2001MS Nº 0012/2000RELATORA: Desª Marilza Maynard Salgado de CarvalhoIMPETRANTE: Supper Ótica Ltda.IMPETRADOS: Governador do Estado de Sergipe e Outros

EMENTA: Processo Civil, Constitucional e Administrativo - Au-toridade coatora - Litisconsortes - Ilegitimidade - Depósito pré-vio - Instância administrativa - Legalidade - Competência con-

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 93

corrente.I - O Governador do Estado e o Presidente da AssembléiaLegislativa do Estado de Sergipe são parte ilegítima no presen-te mandamus, devendo ser excluídos da relação processual;II - A exigência de depósito prévio para se interpor recurso ad-ministrativo não fere os princípios assentados na ConstituiçãoFederal;III - A competência para estabelecer a caução, na forma de de-pósito prévio, para admissibilidade de recurso administrativo,é concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal, limitan-do-se aquela a estabelecer normas gerais;III - Segurança denegada, cassando-se a liminar antes concedi-da.

RELATÓRIO

Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho (Relatora): - Impetrou o autor opresente mandamus, visando à anulação de ato do Governador do Estado de Sergipe,que sancionou o Decreto nº 18.429/1999, o qual, em seu artigo 1º, estabelece aobrigatoriedade de se efetuar depósito prévio para dar seguimento a recurso admi-nistrativo no âmbito da Secretaria de Estado da Fazenda. Sustenta que essa exi-gência vai de encontro aos princípios constitucionais da anterioridade e do direitode petição. Salienta, ainda, que a matéria tratada pelo decreto aludido é de compe-tência exclusiva da União Federal. Aduz que o julgamento do processo administra-tivo não observou o prazo previsto no artigo 68, XI, da Lei nº 3796/1996, pelo quedeve ser o auto de infração ser julgado improcedente. Argüi, incidentalmente, ainconstitucionalidade formal do artigo 32 e parágrafos, do aludido Decreto. Por fim,requer a citação dos dois litisconsortes passivos necessários, o Secretário de Es-tado da Fazenda e o Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe.

Deferido o pleito liminar pela decisão de fl. 48, foram notificadas as autorida-des coatoras para prestar informações. Nas fls. 52/60, o Governador do Estado e oSecretário de Estado da Fazenda refutam as alegações expendidas pelo autor,aduzindo, preliminarmente, a exclusão do Governador do Estado do pólo passivoda relação processual, por não se mostrar parte legítima para figurar no pleito. Nomérito, defende a legalidade da cobrança, vez que essa tem a natureza de umacaução e não de tarifa ou taxa, sujeitas ao princípio da anualidade, pelo que pugnapela improcedência do presente writ.

O Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe prestou assuas informações nas fls. 68/72, pretendendo ser excluído do pólo passivo da rela-ção processual, por não configurar parte legítima.

A Procuradoria de Justiça posiciona-se pela denegação da ordem, por reco-

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nhecer ser constitucional a exigência de depósito prévio para admissão de recursoadministrativo.

É o relatório.

VOTO

Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho (Relatora): - Pretende-se ainvalidação do ato, supostamente praticado pelo Governador do Estado de Sergipe,que sancionou o Decreto nº 18.429/1999, o qual exige depósito prévio para admis-são de recurso administrativo junto à Secretaria de Estado da Fazenda.

Passo, agora, à análise da preliminar suscitada.Defendem os impetrados serem parte ilegítima para figurar no pólo passivo

da relação processual. De fato, a sanção do Decreto atacado não reveste o Gover-nador do Estado de Sergipe da roupagem de autoridade coatora, haja vista não serele o responsável pela execução do ato impugnado. Da mesma forma, o Presidenteda Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe não pode responder pelo ato coator,pela simples razão de que é membro do Poder Legislativo e o diploma atacado teveorigem no Poder Executivo.

Hely Lopes Meirelles, em obra clássica sobre o tema, escreve:Considera-se autoridade coatora a pessoa que ordena ou omite a prática do

ato impugnado, e não o superior que o recomenda ou baixa normas para sua exe-cução. (...) Coator é a autoridade superior que pratica ou ordena concreta e especi-ficamente a execução ou inexecução do ato impugnado e responde pelas suasconseqüências administrativas. (Mandado de Segurança, 19ª.ed., São Paulo:Malheiros, 1990. p. 54)

Resta claro que a autoridade coatora do presente mandamus não é outraque não o Secretário de Estado da Fazenda, uma vez que a sua responsabilidadeencampa a prática do ato ora impugnado.

Legítima, portanto, a exclusão do Governador do Estado de Sergipe e doPresidente da Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe do pólo passivo dapresente ação, mantendo-se o Secretário de Estado da Fazenda como únicoimpetrado.

Como prejudicial de mérito, passo a analisar a argüição incidental de incons-titucionalidade do referido decreto levantada pelo impetrante.

O artigo 1º, do Decreto nº 18.429/1999, determina o depósito de vinte e cincopor cento da exigência fiscal definida na decisão de primeira instância, para admis-são do recurso administrativo.

Entendo ser perfeitamente legal a cobrança de depósito prévio a título decaução, para que se ingresse com recurso na instância administrativa. Não vislum-bro nenhuma afronta aos princípios constitucionais, haja vista que já foi ultrapassa-da a fase de conhecimento do processo administrativo, onde nenhuma exigência foifeita para que o autor pleiteasse o que achava devido.

Nesse sentido, ensina o professor Kiyoshi Harada:O que a jurisprudência não admite, e nem deve admitir, é a exigência prévia

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do depósito para ingresso em juízo, por afrontar o princípio da inafastabilidade dajurisdição. Outra coisa, bem diversa é a sua exigência em grau de recurso, emprocedimento administrativo, quando já exercitado o princípio do contraditório, as-sim mesmo, limitado o depósito a trinta por cento do débito. Dir-se-á que o contra-ditório mantém profunda interação com o princípio da ampla defesa que envolve odireito a recursos. Sustenta-se que sem recurso o contribuinte não estaria exerci-tando plenamente o seu sagrado direito de defesa, porque decisões administrativasde primeira instância, normalmente, são favoráveis ao fisco. Somente por via dorecurso, a ser apreciado pelo órgão colegiado de que participa o representante docontribuinte, é que o defendente teria a oportunidade de provar o seu ponto de vista.Certo. Só que depósito de trinta por cento do valor da exigência fiscal, fixado emdecisão de primeira instância, não limita nem restringe as hipóteses de recursos.(grifou-se) (Depósito para garantia de instância administrativa. www.jus.com.br/dou-trina)

O Excelso Supremo Tribunal Federal também adota esse posicionamento:Extraordinário. Infração às normas trabalhistas. Processo administrativo.

Contraditório e ampla defesa. Penalidade. Notificação. Recurso perante a DRT.Exigência do depósito prévio da multa. Pressuposto de admissibilidade e garantiarecursal. Afronta ao artigo 5º, IV, CF. Inexistência.

1. Processo administrativo. Imposição de multa. Prevê a legislação especialque, verificada a infração às normas trabalhistas e lavrado o respectivo auto, oinfrator dispõe de dez dias, contados do recebimento da notificação, para apresen-tar defesa no processo administrativo (artigo 629, § 3º, CLT). Consideradainsubsistente a impugnação exsurge a aplicação da multa mediante decisão funda-mentada (artigo 635, CLT). Não observância ao princípio do contraditório e à ampladefesa: alegação improcedente.

2. Recurso administrativo perante a DRT. Exigência de comprovação do de-pósito prévio. Pressuposto de admissibilidade e garantia recursal.

2.1. Ao infrator, uma vez notificado da sanção imposta em processo adminis-trativo regular, é facultada a interposição de recurso no prazo de dez dias, quesomente será acolhido se instruído com a prova do depósito prévio da multa (artigo636, § 1º, CLT), exigência que constitui pressuposto de sua admissibilidade.

2.2. Violação ao artigo 5º, LV, CF. Inexistência. Em processo administrativoregular, a legislação pertinente assegurou ao interessado o contraditório e a ampladefesa. A sua instrução com a prova do depósito prévio da multa não constitui óbiceao exercício do direito constitucional consagrado no artigo 5º, LV por se tratar depressuposto de admissibilidade e garantia recursal, dado que aferida a responsabi-lidade do infrator em decisão fundamentada. Recurso conhecido e provido. (grifou-se)

(RE 230994/TO, 2ª Turma, Relator Min. Maurício Corrêa)Recurso administrativo. Multa. Depósito prévio.O art. 636, § 1º, da CLT, que exige o depósito prévio da multa como requisito

para o recebimento de recurso administrativo, foi recepcionado pela ConstituiçãoFederal de 1988, inocorrendo a violação ao art. 5º, LV, da referida Carta.

Precedentes.

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Recurso extraordinário conhecido e provido. (grifou-se)(RE 275503/SP, 1ª Turma, Relator Min. Ilmar Galvão)Recurso extraordinário. Administrativo.Recurso. Depósito prévio. 2. O Plenário do STF, no julgamento do RE 210.246,

decidiu pela constitucionalidade da exigência do depósito do valor da multa, comocondição de admissibilidade do recurso administrativo. 3. Precedentes. 4. Recursoextraordinário conhecido e provido. (grifou-se)

(RE 210244/GO, 2ª Turma, Relator Min. Neri da Silveira, DJ 26/10/1998)Não vislumbro, pois, inconstitucionalidade no referido diploma legal, pelo que

improcede a argüição incidental de inconstitucionalidade.No mérito, sustenta afronta aos princípios da anterioridade e do direito de

petição. Ora, conforme já expusemos, o depósito exigido não tem a natureza detributo, mas de simples caução e, uma vez que o princípio da anterioridade seaplica à sistemática dos tributos, percebe-se que nenhuma ofensa sofreu. A mes-ma sorte tem o direito de petição. O princípio da inafastabilidade da jurisdiçãorepudia a exigência prévia do depósito para ingresso em juízo. Situação diversa é asua exigência em grau de recurso, em procedimento administrativo, quando já exer-citado o direito constitucional de petição. Entendo ser a obrigatoriedade dessedepósito perfeitamente legal.

Defende, ainda, o impetrante que a matéria tratada pelo decreto aludido é decompetência exclusiva da União Federal. Mais uma vez, não lhe assiste razão.Salta aos olhos que a competência para estabelecer a caução, em forma de depó-sito prévio, não é privativa da União, mas concorrente entre esta, os Estados e oDistrito Federal, limitando-se a União a estabelecer normas gerais.

No que tange à alegação de que o julgamento do processo administrativonão observou o prazo previsto no artigo 68, XI, da Lei nº 3796/1996, pelo que deveser o auto de infração julgado improcedente, não vislumbro o mínimo fundamentona mesma. O próprio impetrante provou que o auto de infração foi julgado no prazoestabelecido por lei, ao afirmar: �Acontece que a empresa impetrou sua impugnaçãoem março de 1999, apesar do julgamento constar a data de 31 de agosto de 1999...�(fl. 09). Não obstante, esta Corte não se mostra competente para julgar o auto deinfração, procedimento administrativo que é. Totalmente desarrazoada a assertivado autor.

Ante as argumentações expendidas, tenho que deva ser denegada a segu-rança, visto que não vislumbro ilegalidade na exigência contida no Decreto nº 18.429/1999, cassando-se a liminar anteriormente deferida. Excluam-se o Governador doEstado de Sergipe e o Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Sergipedo pólo passivo do presente mandamus, mantendo-se, em seu lugar, o Secretáriode Estado da Fazenda

É como voto.Aracaju/SE, 9 de maio de 2001.Desª Marilza Maynard Salgado de CarvalhoRelatora

VOTO DIVERGENTE

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�A jurisprudência auxilia o trabalho do intérprete, mas não o substitui, nemdispensa. Tem valor, porém relativo. Deve ser observada quando acorde com a dou-trina. Procure-se reduzir os arestos aos princípios jurídicos ao invés de subordinarestes àqueles�. (CARLOS MAXIMILIANO � HERMENÊUTICA E APLICAÇÃO DODIRETIO, Editora Forense, 1996, p. 183, § 196, I ).

Versa o caso in iuditia deducta sobre a exigência de depósito de vinte ecinco por cento como pressuposto de admissibilidade de recurso administrativofiscal, por imposição do artigo 1º, do Decreto nº 18.429, de 22 de novembro de1999, que acrescenta ao artigo 32, do Decreto nº 15.072, de 17 de novembro de1994 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal), os parágrafos 1º, 2º, e 3º,com a seguinte redação:

�Art. 32 � Caberá recurso voluntário, total ou parcial, com efeito suspensivo,para o Conselho de Contribuintes do Estado, no prazo previsto no parágrafo 2º doartigo 31 deste Decreto, da decisão de 1ª instância contrária ao autuado.

§ 1º � O recurso de que trata este artigo exigirá, como requisito para suaadmissibilidade, depósito administrativo em favor de Fazenda Pública Estadual de,no mínimo, vinte e cinco por cento da exigência fiscal definida na decisão de primei-ra instância.

§ 2º � O depósito de que testa o parágrafo anterior será revertido em favordo pagamento da respectiva dívida, exceto ao caso de procedência total do pro-cesso apresentado.

§ 3º A desistência do recurso apresentado não gera direito à devolução dodepósito efetuado de acordo com o parágrafo 1º deste artigo�.

Contra essa imposição normativa insurge-se a impetrante. Perfilho a matériaposta a julgamento.

1. REFLEXÕES PRELUDIARES1. 1 Estamos convocados para viver uma nova racionalidade jurídica que não

se compraz com o direito natural, nem com o juspositivismo.O vocativo do ordenamento jurídico vigente é para que sentenças e arestos

não representem apenas conclusões silogísticas, mas propostas razoáveis à con-trovérsia instalada, como convergência da análise do Direito como sistema e comociência, informadas pela argumentação e razões que se elevam até a Lex Legum.

1.2 Tenho a impressão que PAULO BONAVIDES é um magnífico paradigmadessas qualidades positivas e raras, reconhecido como um dos maiores, senão omaior constitucionalista brasileiro da atualidade.

Por isso mesmo vou beber nessa fonte inesgotável de conhecimento hu-mano e de saber jurídico, incorporando as suas perplexidades, nas suas expres-sões:

�O golpe de Estado institucional, ao contrário do golpe de Estado governa-mental, não remove governos mas regimes, não entende com pessoas mas comvalores, não busca direitos mas privilégios, não invade Poderes mas os dominapor cooptação de seus titulares; tudo obra em discreto silêncio, na clandestinida-de, e não ousa vir a público declarar suas intenções, que vão fluindo de medidasprovisórias, privatizações, variações de política cambial, arrocho de salários, opres-são tributária, favorecimento escandaloso da casta de banqueiros, desemprego,

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domínio da mídia, desmoralização social da classe média minada desde as bases,submissão passiva a organismos internacionais, desmantelamento dos sindicatos,perseguição do servidores públicos, recessão, seguindo, assim, à risca, receitaprescrita pelo neoliberalismo globalizador, até a perda total da identidade nacional ea redução do País ao status de colônia, numa marcha sem retorno�. (In DO PAÍSCONSTITUCIONAL AO PAÍS NEOCOLONIAL - A derrubada da Constituição e aRecolonização pelo Golpe de Estado Institucional � Malheiros Editores, 1999, p.23).

2. DA GÊNESE ESPÚRIA DA IMPOSITIVIDADE DO DEPÓSITO, NOÂMBITO FEDERAL: MEDIDA PROVISÓRIA.

2.1. Já claudica a exigência do depósito como pressuposto deadmissibilidade para recurso administrativo fiscal, quando tal imposição resulta dematriz genética incompatível à sua higidez jurídica.

Defrontamo-nos com flagrante ofensa a limite formal conspurcador da validezde norma assim viciada.

Estou a referir-me ao núcleo inspirador dessa incongruência jurídica, no âmbitofederal: a Medida Provisória nº 1.621/1997 � 1998, reeditada à exaustão.

E o Estado de Sergipe, como os demais, seguindo o exemplo federal, tam-bém instituiu o depósito, aqui, de vinte e cinco por cento da exigência fiscal definidaem decisão de primeira instância administrativa, criada neste ente federativa peloDecreto nº 18.429/1999.

O veículo legislativo utilizado na esfera federal para o malsinado depósito,que ali é de trinta por cento, foi a Medida Provisória.

2. 2. O texto fundamental permite ao presidente da República, desde quesimultaneamente presentes os requisitos da relevância e da urgência, editar medi-das provisórias, com força de lei, perdendo sua eficácia �desde a edição, se nãoforem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir da sua publicação� ( art.62).

Porém, como esclarece ROQUE CARRAZZA,�medidas provisórias não são leis. São, sim, atos administrativos lato sensu,

dotados de alguns atributos de lei, que o presidente da República pode expedir emcasos de relevâncias e urgência.

A Constituição não deu, a essa autoridade, 'carta branca' para baixá-las.Pelo contrário, sua competência é restritíssima, como podemos perceber exami-nando, sistematicamente, o art. 62 e seu parágrafo único da Lei Maior.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Assim, não é por qualquer motivo que elas podem ser validamente baixadas.

Por igual modo, é insuficiente exista relevância ou urgência para que tais atosnormativos sejam constitucionais. Para isto, é imprescindível que à relevância sesome a urgência.

Em suma, segundo a própria dicção constitucional, sem relevância e urgên-cia não há cogitar de medidas provisórias.

Amarrada a essa insofismável premissa, podemos dizer, sempre com apoiona Constituição, que só há urgência, a autorizar a edição de medidas provisórias,quando, comprovadamente, inexistir tempo hábil para que uma dada matéria, sem

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grandes e inilidíveis prejuízos à Nação, venha a ser disciplinada por meio de leiordinária. Ora, é perfeitamente possível, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 64 da CF,aprovar-se uma lei ordinária no prazo de 45 dias contados da apresentação doprojeto.

Logo, em nosso direito positivo, só há urgência se realmente não se puderaguardar 45 dias para que uma lei ordinária venha a ser aprovada, regulando oassunto. O Judiciário, em última análise decidirá a respeito�. ( In CURSO DE DI-REITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO, Malheiros Editores, 14ª edição, 2000, pp.195 a 196).

2.3. A urgência, ou a relevância, ou ambas estão, a meu ver, para a medidaprovisória, como as excludentes de criminalidade estão para a matéria penalcriminal: o seu princípio fundante é a inexigibilidade de conduta diversa, por impor-tar sacrifício desarrazoado.

Nesse sentido as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs. nºs 526-0-DF (ML), 1.397-1-DF (ML), 1.647-4- PA, e 1.753-2-DF (ML).

A propósito dos requisitos da urgência e da relevância, disse o magistral esaudoso GERALDO ATALIBA que a sistemática constitucional brasileira �traduz a'supremacia da lei' e da 'exclusividade da lei' como forma inovadora e inaugural davontade estatal. As medidas provisórias, portanto constituem exceção. Essaexceção só é aplicável em caso de relevância e urgência. Quer dizer, então, na faltade relevância e urgência, a medida provisória não pode ser adotada�. (In REVISTADE DIREITO TRIBUTÁRIO, vol. 47, p. 42).

É que, sem ambos ou sem um desses requisitos, haverá de incidir,inexoravelmente, o princípio da legalidade formal .

Parece-me oportuna a referência feita por JOSÉ ANTÔNIO MINATEL, Pro-fessor de Direito Tributário da PUC de Campinas (SP), no Repertório IOB de Juris-prudência, Caderno 1, verbete nº 13. 037, ano 1999, p. 26, sobre o pronunciamentode ALFREDO AUGUSTO BECKER em sua obra TEORIA GERAL DO DIREITOTRIBUTÁRIO, Editora Saraiva, 1972, pp. 9 e 10, que embora dirigida a ordenamentojurídico do pretérito ainda se ajusta a situações contemporâneas similares:

�A regra jurídica é um instrumento e a sua criação uma arte. Hoje, ou oEstado quebra o instrumental jurídico que se tornou impraticável, ou é este instru-mental obsoleto que fere as mãos do Estado. Para fugir a esta alternativa o Estadoconstrói atabalhoadamente quantidade enorme de leis e de tão péssima qualidadeque revela ignorância de troglodita na arte de criar o instrumento apropriado. Emconstrução de regras jurídicas tributárias, apenas se começou a sair da idade dapedra lascada ... O sofrimento do contribuinte não é tanto pela amputação em suaeconomia., o tipo de instrumento cirúrgico é que os faz soltar berros pré-históricos�

No caso vertente, em que assentaria a urgência para a instituição de depósi-to financeiro obrigatório condicionante do recurso à qualquer instância, adminis-trativa ou não, sob o manto da inexigibilidade de conduta diversa prejudicial a rele-vantes interesses nacionais ?

Desacoroçoada de fundamento mostra-se iniciativa desse jaez para legiti-mar-se por medida provisória.

2.4. Porém, e apenas ad argumentandum tantum, se acaso subsistis-

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sem os indeclináveis pressupostos da urgência e relevância, ainda assim a medidaprovisória não se prestaria para abrigar a instituição do depósito pertinente a recur-so, em matéria tributária.

É que, o campo tributário � delimitado por regras específicas e princípiosconstitucionais de intangível observância, com destaque para o princípio da anteri-oridade (art. 150, III, b, CF) a comportar exceções apenas nos casos previstos nosarts. 153, I, II, IV e V, e 154, II, da Constituição, que não regem a hipótese aquiperfilhada � não se compadece com regramento por medida provisória.

Deflui do art. 48, I, da Constituição, a exclusividade do Congresso Nacionalpara dispor sobre matéria de competência da União, especialmente a relativa aosistema tributário.

Como o Brasil é, por imperativo constitucional um Estado Democrático deDireito (art. 1º, caput), sendo o povo a fonte primária de todo o poder (art. 1º,parágrafo único) só os que pelo povo foram eleitos para legislar poderão exercitaressa função em matéria especialmente incluída na sua competência legislativa.

Só excepcionalmente outro Poder, que não o Legislativo, poderá exerceressa competência, nos limites formais e materiais traçados na Constituição.

Quando esta, ao atribuir tal competência excepcional não ditou seus limitesmateriais, estes são balizados pela especialização atribuída ao Congresso Nacio-nal, como no caso do art. 48, I.

2.5. Se acaso erguerem-se algumas vozes asseverando que o depósito aquianalisado insere-se no âmbito de matéria processual, mais absurda restará a utili-zação de medida provisória para tal fim ante a absoluta ausência do requisito daurgência em matéria de legislação processual, que jamais poderá ser invocado,dada à sua incompatibilidade com a natureza de mera instrumentalidade da normaprocessual.

Aliás, a exigência do depósito administrativo, no caso de matéria tributárianão se inscreve no rol de despesa processual, tanto que o valor desse depósitocomporá a expressão financeira de débito tributário lançado.

É, desenganadamente, antecipação do pagamento do tributo cuja exigibilidadeestá suspensa em razão do próprio recurso.

A antinomia resta, pois, escancaradamente manifesta, a teor do art. 151,III, do Código Tributário Nacional.

Haveria, então, obrigação tributária sem gênese em lei formal reservada (leicomplementar) nos termos do inciso III, b, do artigo 146, da Constituição Federal.

2.6. Parece-me oportuno o registro feito por SERGIO FERRAZ, criticandoa Administração Pública deste combalido Brasil, ao observar que ela �se julga se-nhora e dona do processo administrativo, decidindo, a seu talante, quando e comoinstaurá-lo, seu iter, a dimensão da atividade dos administrados em seu bojo, suapublicidade ou reserva, etc.�. (In O DIREITO NA DÉCADA DE 80- ESTUDOS EMHOMENAGEM A HELY LOPES MEIRELLES, São Paulo, Editora RT., p.122).

3. DA GÊNESE ESPÚRIA DA IMPOSITIVIDADE DO DEPÓSITO, NA ES-FERA ESTADUAL: DECRETO.

3.1. Padece, com maior razão, de vício elisivo de sua higidez jurídica a fontenormatizadora da exigência de depósito prévio como pressuposto de admissibilidade

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de recurso à segunda instância administrativa, no âmbito estadual, ao arrimar-seem Decreto (Decreto n.18.429, de 22 de novembro de 1999 ).

3.2 É que a pretensa derrogação do inciso III, do art. 151, do Código Tributá-rio Nacional por mero decreto configura invasão de competência, por tratar-se dematéria escrita na reserva legal prevista no art.146, III, b, da Constituição Federal,cabendo à Lei Complementar �estabelecer normas gerais em matéria de legislaçãotributária, especialmente sobre: (...) b - obrigação, lançamento, crédito, prescri-ção e decadência tributários.� ( Sem grifo no original).

3.3 Ora, se o artigo 151, inciso III, do CTN, assegura a suspensão daexigibilidade do crédito tributário, dentre outras razões, pela só interposição dereclamações e recursos, como impor ao contribuinte uma outra obrigação não pre-vista no CTN, sem o fazer pela via da Lei Complementar como manda a Constitui-ção Federal em seu art.146, III, b ?

Isso, ainda que a desairosa pretensão estivesse alicerçada em decreto doExecutivo Federal.

No plano estadual a ousadia é, juridicamente, delirante.Aliás, o audacioso Decreto Estadual nº 18.429/1999 a que nos referimos

ofende, também, a própria Constituição Estadual, que, em seu art. 136, III, imperano sentido de que é à Lei Complementar que cabe �estabelecer e disciplinar asobrigações, o lançamento, a constituição do crédito, a prescrição, remissão e anis-tia tributárias�. (Sem grifo no original).

Como, então, por simples decreto, estabelecer-se obrigação de efetuar de-pósito que, em verdade, é antecipação do tributo, como já demonstrado no capí-tulo anterior ?

Subjaz, sob essa perspectiva, incontendível a inconstitucionalidade da exi-gência.

Avulta a percepção da desmesurada ilegitimidade da conduta da administra-ção quando a cotejamos com o Código de Organização e de Procedimentos doEstado de Sergipe (Lei Complementar Estadual nº 33, de 26 de dezembro de 1996).

Raras foram as oportunidades em que o legislador estadual operou comtanta felicidade, voltado para a elaboração da lei mas com a alma vinculada à Cons-tituição como, decerto, sempre deveria fazê-lo.

Sob esses benditos auspícios foi editado o artigo 43 do sobredito decreto,assim expresso:

�Artigo 43 - Da Inexigibilidade de Garantia de Instância. Para efeito deinterposição de recurso administrativo, não será exigida garantia de instância, sejaqual for a sua modalidade�.

3.4. Apenas ad argumentandum tantum, ainda que judiciosa fosse aexigibilidade do depósito como condição de procedibilidade de recurso a qualquerinstância administrativa no arraial de outras questões fiscais (com o que tambémnão concordamos, em razão de outros fundamentos a seguir delineados), jamais oseria em relação à matéria tributária ante as inafastáveis peculiaridades que a cir-cundam, como visto acima.

Com efeito, a explicitude do art. 43, da Lei Complementar Estadual nº 33/1996, espanca e afugenta quaisquer dúvidas.

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3.5. Todas as decisões colacionadas pelo voto condutor da dignaDesembargadora relatora deste Recurso, dizem respeito a recursos administrati-vos encerrando matéria vinculada a questões previdenciárias, com recolhimento demulta exigida pelo INSS como condição de admissibilidade da insurreição adminis-trativa.

Não são, portanto, questões tributárias (RE230994/TO, 2ª Turma, relator Min.Maurício Correia), bem assim o RE275503/SP, 1ª Turma, relator Min. Ilmar Galvão)e o RE210244/GO, 2ª Turma, relator Min. Neri da Silveira).

3.5.1 Registre-se, por oportuno, que, mesmo nessas hipóteses o Min. Mar-co Aurélio Mello e o próprio Min. Ilmar Galvão posicionam-se contrários à exigênciado depósito.

Esclareça-se que, embora no RE230994/TO o relator originário tenha sido oMin. Ilmar Galvão este já se manifestara contra a despropositada exigência quandofoi relator originário no RE 210246/GO, sendo substituído naquela relatoria peloMin. Nelson Jobim.

O certo é que não temos conhecimento de qualquer decisão do STF relativaà exigência de depósito para interposição de recurso administrativo à qualquer ins-tância, quando se trate de matéria tributária.

E, se acaso aquela Corte Suprema diversamente se posicionasse, não ofazendo pelas vias de ADC ou de ADIN, suas decisões, venia concessa, nãoseriam vinculantes.

Írritas, data maxima venia, ao desate da questão versada neste mandamus,de natureza eminentemente tributária, o arestos colacionados pela eminente e doutaDesembargadora relatora.

4. DO ODIOSO E INACEITÁVEL RETORNO AO SOLVE ET REPETE4.1. O depósito instituído como pressuposto de admissibilidade do recurso à

segunda instância administrativa, será abatido do débito fiscal quando da eventualsucumbência do contribuinte correspondendo, então, a uma antecipação do paga-mento do lançamento fiscal.

Trata-se, com efeito, do retorno, embora mitigado, da famigerada regra dosolve et repete pela qual o contribuinte, para defender seus argumentos contra olançamento fiscal era obrigado a depositar, previamente, o quantum lançado.

Pois bem.Em plena época do autoritarismo revolucionário, repugnou a consciência dos

Senhores dos Atos Institucionais a iniqüidade da imposição do solve et repete,banida pelo Decreto-lei nº 822, de 5 de setembro de 1969, publicado no DiárioOficial da União, de oito do mesmo mês e ano, com o seguinte teor:

�Art. 1º - Independe da garantia de instância a interposição de recurso noprocesso administrativo fiscal de determinação de exigência de créditos tributá-rios federais.

§ 1º - Nos processos não definitivamente decididos pela administração ficaextinta a fiança e, a requerimento do interessado, será liberado o depósito.

§ 2º - O depósito em dinheiro no prazo de interposição de recurso, ou não-levantamento da importância depositada, evitará a correção monetária do créditotributária.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 103

Art. 2º - O Poder Executivo regulará o processo administrativo de determi-nação e exigência de créditos tributários federais, penalidades, empréstimos com-pulsórios e o de consulta.

Art. 3º - Ficará revogada, a partir da publicação do Ato do Poder Executivoque regular o assunto, a legislação referente à matéria mencionada no art. 2º, desteDecreto-lei.

Art. 4º - Revogadas as disposições em contrário, este Decreto-lei entra emvigor na data da sua publicação�.(Sem grifo no original).

4.2. Quando vigiam os Decretos nºs 5 e 42, de 1937 exigindo, entre outrascoisas, prévio depósito para o ajuizamento de ação anulatória de débito fiscal, oPleno do Supremo Tribunal Federal proclamou a inconstitucionalidade desses dis-positivos legais em RE 63026-SP, de 25/6/1968, tendo o seu eminente relator eemérito tributarista ALIOMAR BALEEIRO assim se pronunciado à certa altura doseu memorável voto:

�Por outras palavras, a ditadura de 1937, nos albores de sua inauguração,instituiu no Brasil o regime da regra solve et repete, provavelmente por imitaçãodo Direito Fiscal italiano, que, àquele tempo, foi fonte de inspiração do novo 'EstadoAutoritário': o contribuinte deverá pagar e depois acionar a União para anulação dedébito e repetição do tributo indevidamente pago.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Pelo Direito positivo do Brasil, o fisco já goza de todos os privilégios razoá-

veis, como por exemplo: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Note-se que o legislador dos Decretos 5 e 42 não se contentou com a pres-

tação de fiança pessoal, que se pode obter de um Banco, mediante comissão. Édepositar dinheiro vivo.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Logo, só para estorvar a defesa em Juízo pretende-se aqui que, juridicamen-

te, parece-me uma incompatibilidade absoluta: a garantia do mandado de seguran-ça contra atos ilegais de autoridades, e, ao mesmo tempo, a sobrevivência dedecretos-leis que armam o fisco do meio de paralisar o funcionamento da empresa.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Isso, em última análise, põe em catalepsia a Empresa e a coage à capitula-

ção ante a exigência iníqua do fisco, impedido-a de recorrer ao Poder Judiciário,defender-se no Executivo, intentar a anulação ou a declaratória, etc.�. (In PRO-CESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO � PESQUISAS TRIBUTÁRIAS � NOVASÉRIE � 5 � Coordenação de Ives Gandra da Silva Martins � Editora RT, 1999, pp.201 a 202. Sem grifos no original).

Nessa decisão, o então Ministro THEMISTOCLES CAVALCANTI -glória pe-rene das nossas letras jurídicas-, acompanhando o voto do Ministro relator, fulminouos supramencionados decretos, assim:

�Eles representam, também, discriminação econômica entre contribuintes:os que têm recursos podem depositar e os que não têm não podem�. ( Sem grifono original).

Isso foi em 1968, em relação ao acesso ao Judiciário, vulnerando o princípio

104 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

da universalidade da jurisdição já consagrado desde a Constituição de 1946.4.3. Por identidade de razão, sob o império da Constituição de 1988, resulta

violador do princípio da isonomia o exigir-se depósito de 30% do valor do lançamen-to fiscal, ou qualquer depósito, seja de qualquer valor, para assegura o direito derecorrer à segunda instância administrativa.

A discriminação econômica entre contribuintes, denunciada há tanto tempopor THEMÍSTOCLES CAVALCANTI, acima referenciada, agride os artigos 5º, LV e150, II, da nossa Carta Política.

4.4. Ao reportarmo-nos, neste capítulo, ao princípio da isonomia, o fazemo-nos apenas e tão-somente para realçar o absurdo do retorno da regra do solve etrepete, escoimada do nosso ordenamento jurídico pelo governo autoritário dosanos de chumbo de 1969, e que agora o governo �democrático� pretende reinstalarcomo estupro ao Sistema da Constituição, ante a irregular complacência de uns, apassividade intolerável de alguns e a conivência permissiva de outros.

Oportunamente, em capitulo próprio, retomarei o tema da igualdade conjuga-do com outros insopitáveis elementos de análise.

5. OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA.5.1 Impende trazer à baila, para orientar o caminho a ser percorrido no exa-

me da matéria em epígrafe, o lecionamento de NELSON NERY JÚNIOR, propician-do aos civilistas como ele a percepção da extensão e profundidade do conteúdo dalocução devido processo legal.

Diz NERY JÚNIOR: �a cláusula due process of law não indica somente atutela processual, como à primeira vista pode parecer ao intérprete menos avisa-do. Tem sentido genérico, como já vimos, e sua caracterização se dá de formabipartida, pois há o substantive due process e o procedural due process, paraindicar a incidência do princípio no seu aspecto substancial, vale dizer, atuando noque respeita ao direito material, e, de outro lado, a tutela daqueles direitos pormeio do processo judicial ou administrativo. (...) O conceito de 'devido processo' foise modificando no tempo, sendo que a doutrina e a jurisprudência alargaram oâmbito de abrangência amplamente possível, em nome dos direitos fundamentaisdo cidadão�. (In, PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL NA CONSTITUIÇÃO FEDE-RAL, 2ª edição, Editora RT, p.33).

5.2. A nova Ordem Jurídica consagrada na Lei Fundamental de 1988 operoutransformações de natureza substancial dos direitos, com um foco especial paraos direitos individuais e coletivos fundamentais, a exigir mudança de paradigmasnos respectivos conceitos e interpretação das normas abertas balizadoras dessesdireitos.

Assim, por exemplo, no que interessa à questão sob exame, a dicção doinciso LV, do artigo 5º da Carta Política vigente: � aos litigantes, em processo judi-cial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório ea ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes�.(Sem grifo no original).

Esse dispositivo constitucional hospeda o princípio substantivo do devidoprocessual legal, ou o substantive due process.

É dizer: além do devido processo legal previsto no inciso LIV do mesmoartigo 5º invocado, só estará cumprida a decisão fundamental se houver conjuga-

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 105

ção com o seu inciso LV.Ou, com outras palavras: a mensagem do inciso LV haverá de ser assimilada

como direito inalienável da parte de ter amplo acesso a todos os meios de defesaexistentes para contradizer, nos procedimentos administrativo e judiciário, as acu-sações contra si irrogadas.

É a jurisdicionalização do processo administrativo para estancar eventualmanifestação da onipotência estatal, como o disse o Min. José Augusto Delgado ecomo o concebe Hely Lopes Meirelles, ao prelecionar:

�Processo administrativo sem oportunidade de ampla defesa ou com defesacerceada é nulo�.(Ob.cit.20ª edição, p.592).

5.2.1. Esclareça-se, para afastar possíveis distorções interpretativas, que aConstituição não está garantindo a existência de recurso no processo administrati-vo.

Todavia, quando qualquer escalão da construção piramidal jurídica mantivera existência desses recursos administrativos, a Norma Fundamental garantirá, emnome da ampla defesa, o acesso a essa instância recursal, como instrumentalizadorda vertente substantiva do devido processo legal.

5.3 O STJ, em 1997, através da sua 1ª Turma, no REsp. nº111463/RS (96/0067106-0), tendo como relator o eminente Min. José Augusto Delgado, decidiu,à unanimidade :

�Ementa- Constitucional-Mandado de segurança - Recurso Administrativo-Exigência de prévio depósito para recorrer - Inadmissibilidade. Obediência ao prin-cípio constitucional da ampla defesa. Recurso especial não reconhecido�.(In PRO-CESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO-PESQUISAS TRIBUTÁRIAS-NOVA SÉ-RIE-5, Coordenação de Ives Gandra da Silva Martins-Editora RT, 1999, pp.99 e100).

No desenvolver do seu raciocínio, em seu voto condutor e vitorioso, o emi-nente Min. relator conclui que �incongruente seria a exigência da AdministraçãoPública em impor o recolhimento do valor da multa para viabilizar o recurso adminis-trativo. Tal posição colide com os dois maiores princípios constitucionais: o direitoà tutela jurisdicional, mesmo em campo administrativo, e do devido processo legal,dos quais nascem e derivam todas as demais garantias atuantes no processojudicial ou no processo administrativo�.(Mesma fonte, p.99).

5.3.1. Quando judicava no STJ o eminente Min. Carlos Mário Velloso relatoumandado de segurança na 1ª Seção daquela Corte, que assim decidiu:

�A cláusula due process of law, com suas implicações e conseqüências,tem aplicação no procedimento administrativo, o que resultava de modo implícito naConstituição de 1967 e está previsto, expressamente, na Constituição de 1988,art.5º, LIV e LV. No caso, avocando o Ministro de Estado a prática de ato de com-petência inscrita no regulamento, aplicou maus-tratos ao princípio do due processof law. (In RDA 179/80).

5.3.2. Elucidativo, sob o aspecto ora enfocado, o acórdão a seguir transcrito,da 6ª Turma do TRF da 3ª Região, assim ementado:

�Administrativo. Constitucional. Recurso Administrativo. Exigência de préviodepósito do valor da penalidade de multa para poder recorrer quanto a mesma.

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Inadmissibilidade. Art. 5º, XXXIV, a, e LV da Constituição Federal de 1988. I.Os princípios da ampla defesa e do contraditório, devem se sobrepor de maneira anão serem sujeitos a quaisquer condições que possam inibi-los, visto tratarem deelementos caracterizadores do devido processo legal, a todos igualmente garanti-do, consagrado em nossa doutrina e aplicado, tendo em consideração o artigo 5º,XXXIV, a e LV da Constituição Federal de 1988, também na esfera administrativa. II.Precedentes do STJ (REsp. nº 0111463/96, STJ, 1ª Turma, relator Min.José Delga-do, j. em 20/2/97, v.u., DJ 31/3/97 e do Egrégio TRF 1ª Região (AGR nº 0149838/1996, TRF 1ª Região, 3ª Turma, rel.Juiz Cândido Ribeiro, j. em 25/03/97, v.u., DJ. 6/6/1997). III. O preparo recursal refere-se à mera despesa material decorrente de umato no processo e que deve ser arcado pela parte que o realiza, conforme o regi-mento de custas da Justiça Federal. IV. O valor da multa não trata, evidentemente,de uma despesa processual no âmbito administrativo, sendo a determinação doseu depósito, no caso em questão, uma infundada exigência, criando um ilegítimoóbice ao direito recursal e, obviamente, à ampla defesa da impetrante. V. Apelaçãodo DNER e remessa oficial improvidas� (Ac. da 6ª Turma do TRF da 3ª Região, m.v.,AMS97.03.007523-1/SP-Rel.Juiz Pérsio Lima, j. em 30/3/1998-DJU 2 22/7/1998,p.308, ementa oficial).

5.3.3. Doutrinariamente, consensualiza-se o repúdio à odiosa exigência dodepósito, sendo paradigmática a asserção de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO,segundo a qual � Como a Constituição assegura o direito de petição independente-mente do pagamento de taxas, não mais têm fundamento as normas legais queexigiam a chamada 'garantia de instância' para interposição de recursos adminis-trativos, ou seja, o depósito de quantia em dinheiro como condição para decisão dorecurso�. (In DIREITO ADMINISTRATIVO, Editora Atlas S/A, 10ª edição, 1999, p.492).

Seguem a mesma linha de pensamento: ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA eEDUARDO BOTTALLO em artigo publicado em IOB, caderno 1, verbete 1/13098,ano 1999; JOSÉ ANTÔNIO MINATEL em artigo publico em IOB, caderno 1, verbete1/13037, ano 1999. PAULO BROSSARD DE SOUZA PINTO e FÁBIO BRUNGOLDSCHMIDT e VITTÓRIO CASSONE, aqueles citados por este em notável tra-balho publicado em IOB, caderno 1, verbete 14858, ano 2000; ANTÔNIO MANOELGONÇALEZ, em CADERNOS DE DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICASnº 23, pp.108 a 109 e nº 25, pp.172 a 174; na mesma obra, vol.25: AGOSTINHOTOFFOLI TAVOLARO ( pp.185 a 192 ), CARLOS ALBERTO DE ASSIS SANTOS,mesma obra, vol.22, pp. 96 a 124 ); HUGO DE BRITO MACHADO, em seu CURSODE DIREITO TRIBUTÁRIO , 18ª Edição, ano 2000, Malheiros Editores, pp. 31, 38,142, 143 e 373; ROQUE ANTÔNIO CARRAZA, em CURSO DE DIREITO CONSTI-TUCIONAL TRIBUTÁRIO, 14ª edição, 2002, Malheiros Editores, pp.187 a 189; PAULODE BARROS CARVALHO, em CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO, 11ª edição, 1999,Editora Saraiva, pp.298 a 299; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, emCURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, 12ª edição, 2ª tiragem, 2000, MalheirosEditores, pp.20, 447, 450 e 451, números 64 e 65; EDSON PEREIRA RODRIGUES,em seu PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL, 1999, Editora Dialética, pp. 24 a26 e na mesma obra, nas páginas 165 a 168, capítulo I, números 1 a 6, WALTER

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PIVA RODRIGUES.Na obra PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO � PESQUISAS TRI-

BUTÁRIAS - Nova Série- 5- Coordenador Ives Gandra da Silva Martins, Editora RT,1999, os seguintes estudiosos da matéria: IVES GANDRA DA SILVA MARTINS,pp.58 a 64; MINISTRO JOSÉ AUGUSTO DELGADO, pp.96 a 104: DIVA MALERBI,pp. 125 a 126: HUGO DE BRITO MACHADO, p.142, número 4.1; RICARDO LOBOTORRES, pp.162 a 166; SACHA CALMON NAVARRO COELHO, p.189; RICARDOMARIZ DE OLIVEIRA, pp.192 a 206; FRANCISCO DE ASSIS PRAXEDE, pp. 227 a232; MARIA TERESA DE CÁRCOMO LOBO, pp. 240 a 246; VALDIR OLIVEIRAROCHA, pp.252 a 253; ANTÔNIO JOSÉ DA COSTA, p.264; PLINIO JOSÉ MARAFON,pp.272 a 278; JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, pp. 290 a 295; MARlLENETALARICO MARTINS RODRIGUES, pp. 320 a 325; MOISÉS AKSELRAD, p.419;FRANCISCO DE ASSIS ALVES, pp. 452 a 453; EDISON CARLOS FERNANDES,pp.488 a 489; ANTÔNIO MANOEL GONÇALEZ, pp. 554 a 560; VINICIUS T.CAMPANILE, pp.572 a 581; HELENISON CUNHA PONTES, pp. 594 a 597; LUIZANTÔNIO CALDEIRA MIRETTI, pp. 621 a 624; MARCELLO MARTINS MOTTA FI-LHO, pp. 634 a 642; FÁTIMA FERNANDES RODRIGUES DE SOUZA, pp.663 a668; MARCO AURÉLIO GRECO, pp.703 a 705.

5.4. Poderíamos, com o risco e ainda mais estorvar a tolerância de VossasExcelências, arrolar mais um sem-número de doutrinadores que repudiam, porinconstitucional, absurda exigência do depósito combatido.

O fastídio a que já os expus com este voto necessariamente extenso épercebido pelo meu bom-senso, ainda considerando a indispensável apreciação damatéria sob outras perspectivas a serem enfocadas.

6. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ISONOMIA E DARAZOABILIDADE.

6.1. Em oblívio não se deve lançar o princípio da isonomia consagrado noTexto Máximo, não só no seu artigo 5°, caput como, especificamente, em matériatributária, no seu artigo 150,II, que incorpora o princípio implícito da razoabilidade,ao abrigo do parágrafo segundo do sobredito artigo 5°.

Quanto a este aspecto, contento-me em transcrever a opinião do MinistroJOSÉ AUGUSTO DELGADO, do STJ, em trabalho publicado na obra PROCESSOADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO- PESQUISAS TRIBUTÁRIAS-NOVASÉRIE-5,EditoraRT, 1999, p. 104;

�Nesse ponto, é possível vislumbrar, também, afronta ao princípio da isonomia,estampado no artigo 150, II, do Texto Constitucional, traduzido no tratamentodiscriminatório da administração tributária, que passa a revisar em duplo grau o atode seus , agentes, só nos casos em que o sujeito passivo disponha de recursosfinanceiros suficientes para o depósito, revisão que será negada para os menosafortunados ou para aqueles que, mesmo possuindo suficiente patrimônio, não pos-sam dele dispor unicamente para a busca do seu direito de defesa.

Não é razoável imaginar que a disponibilidade financeira possa ser parâmetrolegítimo para regular o exercício do direito de ampla defesa �.

6.2. Violar esses princípios é ferir de morte o sobreprincípio que constitui umdos objetivos fundamentais da República, qual seja, o da construção de uma soci-

108 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

edade justa e solidária (artigo 3°, I, CF.)7. DERRADEIRAS REFLEXÕES .7.1 A consciência do julgador deve albergar a lição de PONTES DE MIRANDA,

segundo a qual �O interesse público não pertence à administração como seu pró-prio, mas ao corpo social e nasce da composição entre os vários interesses públi-cos, os interesses privados e do grupo admitida, portanto, uma relação não decontra posição extrínseca, mas de composição entre os diversos interesses �. (ApudMANOEL OLIVEIRA FRANCO SOBRINHO, INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCES-SUAL ADMINISTRA TIVO, Editora R T, 1971, p.203).

7.2 Aliás, vergo-me, às vezes, à impressão de que se a esmagadora maioriados agentes da administração dedicasse à coisa pública a mesma atenção, omesmo zelo e a mesma competência �dispensados aos seus interesses privadostalvez este País não estivesse vivendo a crise econômica que, aos poucos, o derrui.

Precatar, pois, os relevantíssimos interesses públicos contra essa indiferen-ça dos seus agentes, notadamente do executivo, é função espinhosa atribuída, pordestinação constitucional, ao judiciário e, por isso mesmo, de implementaçãoincontomável e honrosa.

7.3 Calha a agudeza e percuciência de RAUL ZAFFARONl, mestre da Uni-versidade de Buenos Aires, ao reportar-se à conjunturalização da produção normativaque, em sua protagonização parlamentar cria contradições e amplia lacunaslegislativas, asseverando: �Este fenômeno entra em colisão com o princípiorepublicado (enquanto existência de racionalidade nos atos de governo) � a exigir,como diz ele, �a presença judicial para neutralizá-lo. Não há outra forma de salvar aorganicidade legislativa do que um trabalho de elaboração jurisprudencial coerente,não apenas na lógica interna do discurso jurídico, mas também enquanto lógicapolítica. A falta de um judiciário adequado para esta tarefa é suscetível de provocaruma grave insegurança juridica, com o conseqüente perigo à democracia �. (lnPODER JUDICIÁRIO -CRISE, ACERTOS E DESACERTOS, Editora RT, 1995, p.32,sem grifo no original ).

8. CONCESSÃO DA SEGURANÇA8.1. Por todos os fundamentos expostos e dissecados neste voto conside-

rando:a)- que tanto no âmbito federal como na esfera estadual os respectivos ins-

trumentos utilizados para lastrear a exigência do depósito como pressuposto deadmissibilidade do recurso administrativo carecem de legitimidade para tanto;

b)- que o princípio constitucional da ampla defesa resta violado por essadesarrazoada exigência;

c)- que a exigibilidade do malsinado depósito é um assinte aos princípiosconstitucionais da isonomia e da razoabilidade ferindo direitos e garantias funda-mentais do indivíduo contribuinte e subvertendo os objetivos da República votadospara a construção de uma sociedade justa e solidária, sou pela concessão dasegurança afastando-se, por inconstitucional, a despropositada exigência de depó-sito para a admissibilidade de recurso a qualquer instância administrativa,notadamente �quando se trata de matéria tributária ante a singularidade que a ca-racteriza.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 109

As agências de poder hão de ajustar-se e cumprir os cânones insculpidos naLei Maior sem extremos nem faltas.

É como voto.Aracaju, 31 de maio de 2001Juiz Netônio Bezerra Machado,Em substituição do Desembargador Gilson Góis Soares.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantesdo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em sua composição plenária, estandoimpedido o Desembargador Roberto Eugênio da Fonseca Porto, por unanimidade,acolher a preliminar de ilegitimidade do Governador do Estado de Sergipe e doPresidente da Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe, por maioria, vencido oJuiz em Substituição Dr. Netônio Bezerra Machado, rejeitar a preliminar de argüi-ção de inconstitucionalidade do depósito prévio para interposição do recurso admi-nistrativo e, no mérito, por maioria, vencido o Desembargador Gilson Gois Soaresdenegar a segurança requerida, em conformidade com o relatório e voto constantesdos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Aracaju/SE, 8 de agosto de 2001.Votaram com a relatora os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro

Franco, Clara Leite de Rezende, Epaminondas Silva de Andrade Lima, Gilson GoisSoares, Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila e Josefa Paixão de Santana. Presidiu asessão o senhor Desembargador José Artêmio Barreto.

ACÓRDÃO N° 1877/2001MS Nº 0088/2001RELATOR: Des. Gilson Gois SoaresIMPETRANTE: Inês Moreira de MeloIMPETRADO: Des. José Antônio de Andrade Goes

EMENTA: Mandado de segurança - Ato judicial passível de re-curso - Descabimento da interposição mandamental - Lei nº1.533/1951 - Art. 5.º II - Súmula nº 167/STF.Mandado de Segurança não é ação adequada para impugnarato sujeito a recurso previsto na lei processual ou suscetívelde modificação por via de correição. Impossibilidade jurídica.Processo extinto sem julgamento de mérito. Decisão unânime.

RELATÓRIO

110 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por Inês Moreira de Melo,brasileira, divorciada, através de sua advogada, contra despacho de naturezainterlocutória que determinou a exclusão do desconto relativo à pensão alimentíciada folha de pagamento de José Anselmo de Oliveira, e contra a ordem expedidapelo relator da Apelação nº 786/2000, o doutor Cláudio Dinart Deda Chagas, quesubstituía na oportunidade o Desembargador José Antônio de Andrade Goes,embasada no que dispõem os artigos 5º, LXIX, XXXV e XXXVI, da CF/88 e arts. 43e 52 do Regimento Interno do TJSE e ainda artigos 1.º e 3.º da Lei nº 1.533/1951.

Fundamenta-se a impetração que a suspensão dos efeitos da sentença naação exonerativa de alimentos deveria acompanhar o recurso até a via extraordiná-ria . Argumentando ainda que a suspensão do pagamento da pensão alimentar àimpetrante fora determinada antes mesmo de ocorrer o trânsito em julgado doAcórdão n.º 2.476/2000, que deferiu a aludida exoneração.

À fl. 54 dos autos, há despacho solicitando informações e determinando acitação do litisconsorte necessário.

A autoridade coatora foi notificada e apresentou informações às fls. 58 a 62dos autos, juntando os documentos de fls. 63 a 65 dos autos . O litisconsorteofereceu resposta das fls. 68 a 71.

A douta Procuradoria de Justiça, instada a se manifestar, opinou pelaextinção do feito sem julgamento do mérito, em face da impossibilidade jurídica dopedido.

É o relatório.

VOTO

Examinando o teor do exórdio mandamental em confronto com as informa-ções prestadas pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente desta Casa,com a manifestação emitida pelo litisconsorte necessário e o douto parecer dailustrada Procuradoria de Justiça, concluo o seguinte:

Inicialmente, cumpre-me analisar as preliminares deduzidas pelo eminenteDesembargador informante quanto à existência da decadência do direito e ainda aimpossibilidade jurídica do pedido, esta última inclusive que é igualmente suscitadapelo litisconsorte necessário e recomendada pelo laborioso parecer Ministerialnesta instância.

No que tange ao pleito decadencial do direito, de fato a suspeita do infor-mante tem motivação, embora não tenha procedência, porque a impetração se deuexatamente ao completar os 120 dias do ato combatido, o que efetivamente pare-cia mesmo haver ultrapassado o prazo legal estatuído no artigo 18 da Lei nº l.533/1951, mas efetivamente não ocorreu, estando preenchido o requisito temporal exi-gido.

Assim, rejeita-se a preliminar de decadência suscitada pela autoridadeimpetrada.

Já no que pertine à segunda preliminar, ou seja, da impossibilidade jurídica

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 111

do pedido, melhor resultado não terá a impetração.Realmente assiste razão à autoridade impetrada, ao litisconsorte e a emi-

nente Procuradora de Justiça, que a provocaram , senão vejamos:A lei específica e ainda vigente, do Mandado de Segurança emite no caput

do artigo 5.º e inciso II o seguinte :�Art. 5.º. Não se dará mandado de segurança quando se tratar:II - de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis

processuais ou possa ser modificado por via de correição.�O ato impugnado pelo Mandado de Segurança é a r. decisão do Relator que

determinou a expedição de ofício ao setor competente para cancelar o descontoque vinha sendo efetivado, ou seja, o ato contra o qual se insurge a impetrante nãopode ser guerreado pela via mandamental, uma vez que o remédio heróico não podesubstituir o recurso adequado e previsto em lei.

E o mais grave é que, ciente disso, a impetrante interpôs, antes deste Man-dado de Segurança, o recurso adequado, qual seja, o Agravo Regimental, mas quenão foi conhecido, conforme decisão cuja cópia reside nos autos às fls. 63 a 65,vindo então revolver a matéria já exaurida pelo E. Colegiado, impetrando estemandamus.

A par disso, subsiste a Súmula nº 267 do STF, que dispõe:�Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou

correição.�A despeito do que prevê essa emissão sumular, por construção doutrinário-

jurisprudencial, passou-se a admitir, sempre que houvesse perigo de dano de difícilreparação, o cabimento do mandado de segurança contra ato judicial passível derecurso sem efeito suspensivo, em regra e apenas para o fim de atribuir efeitosuspensivo ao recurso dele desprovido. E, como assumia esse recurso o caráternitidamente cautelar, exigia-se a demonstração de plano do direito líquido e certoe também a existência dos pressupostos do fumus boni iuris e do periculum inmora. Além disso, outro requisito era exigido, a prova da regular interposição dorecurso adequado, salvo nos casos de decisão manifestamente teratológica ouabusiva.

Ocorre que, após o advento da Lei nº 9.139, de 30/11/1995, que outorgounovel redação ao artigo 558, do CPC; e argumentando , como disse, que a provi-dência judicial questionada possa vir a causar lesão grave ou de difícil reparação,permitiu-se ao relator atribuir efeito suspensivo tanto ao recurso de agravo de ins-trumento como ao de apelação dele desprovido, portanto, não mais se justifica oaludido entendimento, e o mandado de segurança não deve ser admitido em hipóte-ses como a dos autos.

No caso em tela, a determinação a qual se insurge a impetrante já foradecidida pela E. Câmara Cível, apenas a relatoria promoveu o cumprimento decisório,portanto o ato judicial vergastado não padece de abuso, tampouco , de teratologiaou flagrantemente afrontosa ao direito, sendo, ao revés, revestido de razoabilidadee ainda, comportando recurso processual próprio, não tem mesmo o mandado desegurança a serventia como sucedâneo do meio impugnativo, incidindo, sem dúvi-da, nos termos do enunciado n.º 267 da súmula do STF.

112 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

E a jurisprudência ressoa nesse entendimento, quando emite que:�Mandado de segurança. Ato judicial. Decisão não teratológica. �Não cabe

mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição� (Súmula267/STF). Recurso Ordinário desprovido. � (ROMS 4392/RJ - Rec. Ord. Em MS(1994/0014675-2) Min. Antônio de Pádua Ribeiro 3ª Turma)

�Mandado de segurança. Ato judicial passível de recurso.Descabe a via do writ contra despacho do magistrado oponível por meio de

agravo. Mandamus não conhecido. � Julgado extinto sem julgamento de mérito.(MS n.º 99/1995 - Rel. Des. Aloísio de Abreu Lima)

�Mandado de segurança - Ato judicial - Existência de via recursal ordinária -Descabimento do remédio heróico - Lei nº 1.533/1951 (art.5.º, II) - Súmulas 167/STF.

Salvante casos timbrados pela excepcionalidade , inocorrente na espécie, oMandado de Segurança não é ação adequada para ferretar ato sujeito a recursoprevisto na lei processual ou suscetível de modificação por via de correição.

Precedentes jurisprudenciais. Recurso sem provimento. (STJ - ROMS11046 - (199900691679) RJ 1.a T, Rel. Min. Milton Luiz Pereira - DJU 12/6/2000).

Assim sendo, em virtude da impossibilidade jurídica do pedido em sede demandado de segurança, e aplicando-se o teor Sumular n.º 267, do STF, acolho apreliminar suscitada e declaro extinto o processo sem julgamento do mérito, naforma da lei.

É o meu voto.Aracaju/SE, 29 de agosto de 2001.

ACORDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros deste Egré-gio Tribunal de Justiça, em sessão plenária e à unanimidade, julgar extinto o pro-cesso sem julgamento de mérito, face à impossibilidade jurídica do pedido.

Votaram com o relator os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro Fran-co, Clara Leite de Rezende, Epaminondas Silva de Andrade Lima, Manuel PascoalNabuco D�Ávila, Marilza Maynard Salgado de Carvalho, José Artêmio Barreto, RobertoEugênio da Fonseca Porto. Presidiu a sessão o senhor Desembargador José Antô-nio de Andrade Goes.

ACÓRDAO N° 2012/2001MS Nº 0041/2001RELATOR: Des. Fernando Ribeiro FrancoIMPETRANTE: José Francisco de Jesus NetoIMPETRADO: Secretário de Estado da Fazenda

EMENTA: Mandado de Segurança - Inscrição no Cadastro de

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Contribuinte - Recusa do órgão fazendário - Exercício regulardo poder de polícia - Segurança denegada - Unânime - Agindodentro do exercício regular do poder de polícia que detém oórgão da Fazenda Pública Estadual, não ofende direito líquidoe certo do impetrante o ato administrativo indeferitório de ins-crição no Cadastro de Contribuinte, quando tal inscrição obje-tiva futuras práticas fraudulentas contra o fisco, notadamentequando resta comprovada a intenção do impetrante em consti-tuir-se no chamado �laranja� - Segurança denegada - Decisãounânime.

RELATÓRIO

José Francisco de Jesus Neto, devidamente qualificado na exordial, median-te advogado legalmente constituído, impetrou o presente mandado de segurançacontra ato do Exmo. Sr. Secretário de Estado da Fazenda. Alegou, em síntese, queo ato de indeferimento de sua inscrição no CACESE, ofendeu seu direito líquido ecerto, pois preencheu todos os requisitos, que a lei lhe obriga, inerentes para talinscrição. Pugna, ao final, pela concessão de medida liminar para sua imediatainscrição no referido conselho e o deferimento definitivo da segurança. Por bementendi primeiramente ouvir a autoridade impetrada ao decidir sobre a concessãoou não da medida liminar pleiteada. Notificada, alegou a autoridade coatora que,agindo no exercício do seu poder de polícia não homologou a inscrição do impetranteno CACESE com o único propósito de prevenir fraudes futuras, uma vez que, comocorriqueiramente acontece no município de Itabaiana, o impetrante apresentou-secomo �laranja�, ou seja, caso típico de aparente interposição de pessoa. Aduz quea condição de �laranja� do impetrante é flagrante, tendo em vista que o imóvel ondealega que irá exercer a mercância é de propriedade do senhor José Luiz Machado,conhecido comerciante da cidade, a quem outorgou plenos poderes, conforme ins-trumento público de mandado que faz juntar. Dizendo que o capital social declaradona constituição da firma não coaduna com o patrimônio do impetrante, que nadapossui, requer ao final o indeferimento do mandamus. Após estas informações,conforme despacho de fls. 48, indeferi o pedido de liminar. A douta Procuradoria deJustiça, através do parecer de lavra do doutor Ernesto Anízio Azevedo Melo, comaprovo do Procurador Geral, de fls. 53/57, opina pela denegação da segurança.Suficiente, é o relatório.

VOTO

Busca-se com a presente impetração a desconstituição de ato administrati-vo supostamente eivado de ilegalidade, que indeferiu pedido de inscrição doimpetrante no Cadastro de Contribuinte do Estado de Sergipe (CACESE). � .

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Não vejo, pela documentação acostada aos autos, tenha a autoridadeimpetrada violado direito líquido e certo do impetrante ou mesmo praticado algumabuso ou ilegalidade ao consignar o ato impugnado .

Pelo contrário, vislumbrei que os agentes do órgão dirigido pelo impetradoagiram no mais lídimo exercício do poder de polícia atribuído à administração públi-ca.

Demonstrado suficientemente que o impetrante apresentou-se perante o fis-co como os chamados �laranjas�, que nada mais é, do que a configuração doinstituto da simulação por interposta pessoa, que tem o significado que é �aquelaem que se aparenta conferir ou transmitir direitos a pessoa diversa daquela a quemse conferem ou transmitem �, segundo Soibelman.

A contraprova apresentada pelo impetrado é por demais indiciária daquelefato. Toma-se flagrante a condição de �laranja � do impetrante, quando detectamosque o imóvel destinado ao, suposto exercício da mercância é de propriedade deJosé Luiz Machado, conhecido comerciante da cidade de Itabaiana, pessoa a quemoutorgou plenos poderes, através de procuração por instrumento público, confonnedocumento de fls. 45. Também o capital social declarado por ocasião da constitui-ção da firma não coaduna com o patrimônio do impetrante, que nada possui.

Iniludivelmente a autoridade tida por coatora agiu no exercício regular do seupoder de polícia, e neste exercício é que diligenciou, relatando assim a ação fiscal:

� Após diligência realizada no local da empresa e visita no endereço do titu-lar, constatamos, in loco, que o sr. José Francisco não é comerciante de cereais esim um pequeno hortifrutigranjeiro no sítio de sua mãe sra. Josefa Francisca deJesus, ...e segundo informações de sua esposa ele está assinando os documentosda empresa pelo sr. José Luiz Machado que é realmente cerealista, dono do imóvelonde vai funcional a firma. ...Além de que, indagado, o titular não sabia o valor doaluguel que reza o contrato de Iocação, ... numa demonstração de desconhecimen-to da firma que ele diz ser dono. �

E o suficiente para firmar o juízo de que o impetrado agiu legalmente e comtotal isenção de abuso e o impetrante com o nítido propósito fraudulento.

Em face do expendido, encampando o parecer Ministerial, denego a segu-rança.

E como voto.

ACÓRDÃO

Acordam os membros do Tribunal de Justiça, através de sua composiçãoplena, por unanimidade, em denegar o writ, nos termos do voto relator.

Aracaju, 12/9/2001.Votaram com o relator os senhores Desembargadores Clara Leite de Rezende,

Epaminondas Silva de Andrade Lima, Gilson Góis Soares, Manuel Pascoal D�Ávila,Marilza Maynard Salgado de Carvalho, Josefa Paixão de Santana e Roberto Euge-nio da Fonseca Porto. Presidiu a sessão o Desembargador José Artêmio Barrreto.

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ACÓRDÃO Nº 2498/2001MS Nº 0075/2000RELATORA: Des.ª Marilza Maynard Salgado de CarvalhoIMPETRANTE: Paulo Lima de SantanaIMPETRADO: Exmº Procurador-Geral da Justiça

EMENTA: Administrativo e Processo Administrativo - Excessode prazo - Ausência de nulidade - Dispensa arquivamento - Pres-crição - Inexistente - Cerceamento de defesa - Publicidade -Comunicação da data da sessão de julgamento pelo órgãocolegiado - Nulidade - Registro dos atos praticados em sessão- Regularidade.I - O excesso de prazo para a conclusão do processo adminis-trativo não gera nulidade nem promove seu arquivamento;II - Inexistência de prescrição;III - A eventual falha do registro do julgamento, face à ausênciade indicação dos membros presentes e que votaram na ses-são, foi suprida pela ata apresentada pela autoridade coatora;IV - Necessidade de comunicação ao impetrante da sessão dejulgamento do processo administrativo pelo órgão colegiado, afim de garantir o exercício da ampla defesa;V - Mandamus concedido.

RELATÓRIO

Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho (Relatora): - Paulo Lima deSantana interpôs o presente Mandado de Segurança contra ato do Presidente doColégio de Procuradores do Ministério Público, Procurador-Geral da Justiça, quedecidiu aplicar pena de advertência ao impetrante, no procedimento de sindicâncianº 04/1999.

Sustenta o impetrante haver violação ao princípio do devido processo legal,desde quando a sindicância excedeu em quase seis meses o prazo limite, bemcomo cerceamento de defesa, por não ter sido comunicado da ocorrência da ses-são de julgamento da sindicância nem do recurso, além de registrar que não háqualquer referência acerca do modo em que sucedeu a sessão, nem mesmo arespectiva ata, apenas uma certidão que nada tem que comprove a forma de suaocorrência.

Insurge-se ainda quanto ao fato de que a representação foi sobre uma prová-vel extorsão por parte do impetrante, ficando provado na sindicância que tal eventonão ocorreu, não havendo dúvida a respeito por qualquer dos julgadores. Além dis-

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so, alega que a decisão daquele Colégio, via transversa, impede que o impetranteexercite o seu legítimo direito de processar pessoa que lhe praticou, a seu modo,lesão moral, justificadora de ação penal privada, a fim de punir os delitos contra ahonra, e ação civil, para reparação patrimonial dos danos morais.

Deferida a liminar requerida pelo despacho irrecorrido de fl. 294, foi notificadoo impetrado para oferecer informações.

Afirma o impetrado que, mesmo excedido o prazo da sindicância de formainjustificada, não decorre daí seu arquivamento, o que somente ocorreria se verificadaa prescrição, inexistente no caso. Alega também que não há necessidade de co-municação da sessão de julgamento, porque não está prevista no Regimento Inter-no do Conselho Superior, não podendo o impetrante realizar qualquer ato na ses-são.

Conclui pela ausência de cerceamento de defesa, porque foram concedidase utilizadas todas as oportunidades de defesa, bem como a ata da sessão contémos votos dos Conselheiros, regularmente lavrada e subscrita por eles, juntando suacópia.

Por último, quanto à alegação de incongruência entre o objeto da representa-ção e o fato sancionado pelo órgão colegiado, sustenta que pretende o impetranteque o Poder Judiciário examine o mérito de questão administrativa interna corporis,reconhecidamente imune ao controle judicial.

O Promotor de Justiça em substituição se manifestou, inicialmente, peladelimitação do objeto do mandado de segurança ao cumprimento das formalidadesdo processo administrativo, desde quando não há dúvida quanto à competência daautoridade punitiva, nada alegando o impetrante sobre tal matéria.

Manifestou-se ainda que o excesso de prazo da sindicância, por si só, nãoconduz ao arquivamento, não havendo previsão legal nesse sentido. Somente aextinção da punibilidade pela prescrição induziria o arquivamento da sindicânciapor excesso de prazo.

Quanto à ausência de comunicação ao impetrante do dia do julgamento, nãoimplica cerceamento de defesa, pois todas as oportunidades de defesa previstasna Lei Orgânica do Ministério Público Estadual foram oferecidas e utilizadas peloimpetrante, não havendo previsão legal de tal comunicação.

Por último, quanto à incrongruência entre o objeto da representação e o fatosancionado, afirma que o impetrante procura, em afronta ao art. 5º, II, da Lei nº1.531/1933, ingressar no exame do mérito da punição, não tem o menor fundamen-to. Salta aos olhos o procedimento pouco ético adotado pelo impetrante, que mere-ceu a reprimenda, não só pelo aspecto do tratamento diferenciado a uma parentaidosa e outra mentalmente enferma, inimputável e privada de capacidade civil, comopelo fato de se haver utilizado da própria vara onde oficia para requerer medida deseu interesse, ao invés de submeter-se às vias normais de acesso à Justiça.

É o relatório.

VOTO

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Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho (Relatora): - Sustenta, inicial-mente, o impetrante haver violação ao princípio do devido processo legal, já que asindicância excedeu em quase seis meses o prazo limite, bem como cerceamentode defesa, por não ter sido comunicado da ocorrência da sessão de julgamento dasindicância nem do recurso, além de registrar que não há qualquer referência acer-ca do modo em que sucedeu a sessão, nem mesmo a respectiva ata, apenas umacertidão que nada tem que comprove a forma de sua ocorrência.

No que diz respeito ao excesso de prazo do processo administrativo discipli-nar, não assiste razão ao impetrante, porque tal fato não implica seu arquivamento.Não há previsão legal expressa nesse sentido, motivo pelo qual não se pode imporo arquivamento do processo administrativo disciplinar.

Há quem defenda que o descumprimento do prazo poderia acarretar algu-mas conseqüências, como a modificação dos integrantes da comissão ou mesmoo reinício da contagem do prazo prescricional, mas não o arquivamento do proces-so administrativo disciplinar.

A previsão de prazo para julgamento de processo disciplinar existe em váriasleis. O Regime Jurídico Federal é um exemplo disso, devendo-se transcrever a liçãode José Armando da Costa, em Teoria e Prática do Processo Administrativo Disci-plinar, 3ª ed., Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 237:

Acentue-se, contudo, que esse prazo não é peremptório, posto que a suainobservância não gera qualquer nulidade, como expressamente determina o atualRegime Jurídico Federal: �O julgamento fora do prazo legal não implica nulidade doprocesso� (art. 169, § 1º).

Como se constata a olho nu, a própria lei institui o prazo e, em seguida, abreensejo para o seu descumprimento. (grifou-se)

No mesmo sentido, recentemente, decidiu o Superior Tribunal de Justiça,através de sua Terceira Seção, ao julgar o MS 7.081/DF, em 28/3/2001, publicadoem 4/6/2001, cujo relator, Min. Felix Fischer, prolatou a seguinte ementa:

Administrativo. Servidor público. Processo administrativo disciplinar. Prescri-ção. Nulidades. Inocorrência. Instauração. Cerceamento de defesa. Demissão.Proporcionalidade.

I - Inocorrência de prescrição, tendo em vista que, anulado o primeiro proces-so disciplinar, a causa interruptiva da prescrição surgida com a sua instauraçãodesaparece, de modo que o prazo prescricional será contado entre a data em queo fato se tornou conhecido e a instauração do novo processo. Precedentes do c.STF.

II - (...)III - (...)IV - (...)V - (...)VI - O excesso de prazo verificado na conclusão do processo administrativo

não constitui irregularidade capaz de prejudicar a decisão. Precedentes.VII - (...)VIII - (...)IX - (...)

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Segurança denegada. (grifou-se)Há ainda outros julgados do STJ, que passo a transcrever:Recurso em mandado de segurança. Administrativo. Servidor da polícia civil.

Inquérito administrativo. Portaria de instauração devidamente fundamentada. Prazode conclusão do apuratório. Extrapolação que não acarreta nulidade. Apuração defaltas graves. Punição criminal. Independência.

(...)A extrapolação do prazo de conclusão do apuratório não acarreta sua nulida-

de.Recurso desprovido (STJ - Quinta Turma, ROMS 10.464/MT, rel. Min. José

Arnaldo da Fonseca, j. 16/9/1999, v.u., DJ 18/10/1999). (grifou-se)RMS - Administrativo - Falta funcional - Processual disciplinar - Nomeação

de secretário - Extrapolação do prazo para a conclusão dos trabalhos - Legitimida-de dos atos praticados pelo secretário da fazenda substituto - Ofensa ao princípioda unidade processual - Improcedência das alegações.

1. (...)2. A extrapolação do prazo para a conclusão do processo administrativo não

gera qualquer conseqüência para a validade do mesmo, podendo importar, porém,em responsabilidade administrativa para os membros da comissão.

3. (...)4. (...)5. Recurso improvido (STJ - Sexta Turma - ROMS 6.757/PR, rel. Min. Anselmo

Santiago, 19/10/1998, v.u., DJ 12/4/1999). (grifou-se)Assim também já decidiu o Supremo Tribunal Federal, como se observa das

seguintes transcrições:Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Militar da Aeronáutica. Perda

do posto e patente. Retardamento da remessa dos autos do Conselho de Justifica-ção ao STM. Prescrição.

1. A inobservância do prazo estabelecido por lei para a remessa do procedi-mento administrativo ao Superior Tribunal Militar não é causa de nulidade da deci-são.

2. Não ocorre prescrição se nenhum fato anterior ao período de seis anos,previsto no artigo 18 da Lei nº 5.836/1972, influiu definitivamente no julgamento.

Recurso não provido (STF - Segunda Turma - RMS 22.450/DF, rel. Min. Mau-rício Corrêa, j. 24/8/1999, v.u., DJ 24/9/1999). (grifou-se)

Processo Administrativo. Incumbe ao servidor comprovar a incidência do pra-zo prescricional previsto no artigo 142, inciso I, da Lei nº 8.112/1990. Havendo nosautos duas versões, uma baseada no caráter notório dos fatos, e outra na existên-cia da denúncia em tempo de afastar o qüinqüênio, tem-se como prevalecente estaúltima, isto considerada a via do mandado de segurança.

Processo Administrativo - Julgamento - Dilação Legal.A teor do disposto no § 1º do artigo 169 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro

de 1990, �o julgamento fora do prazo legal não implica nulidade do processo�. As-sim, o extravasamento do prazo de vinte dias previsto no artigo 167 da Lei nº 8.112/90 não revela irregularidade capaz de prejudicar a decisão.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 119

Mandado de Segurança. Prova. A prova no mandado de segurança é pré-constituída, ou seja, deve vir acostada à própria inicial. Descabe estabelecer faseinstrutória objetivando infirmar premissas do relatório final da comissão apuradorada infração administrativa (STF - Tribunal Pleno - MS 22.827/MT, rel. Min. MarcoAurélio, j. 13/8/1998, v.u., DJ 2/10/1998). (grifou-se)

Desta forma, o excesso de prazo não é capaz de induzir o arquivamento doprocesso administrativo disciplinar, não havendo previsão legal nesse sentido, deforma que não prejudica por si só a decisão administrativa ora impugnada.

Quanto ao prazo prescricional, ressalta-se que o impetrante não alegou aprescrição, manifestando-se por sua inexistência a autoridade coatora e o parecerda Procuradoria de Justiça.

Na época da instauração da sindicância, que cominou na aplicação da penade advertência, não havia previsão de prazo prescricional na Lei Complementar nº02/1990, o que somente foi incluso na redação do art. 128, com a Lei Complemen-tar nº 49, de 25 de agosto de 2000. Aplicava-se, então, subsidiariamente o Estatutodos Servidores Públicos do Estado de Sergipe, que prevê em seu art. 269, I, oprazo prescricional de um ano.

Não se verifica o prazo prescricional no presente caso, porque sequer decor-reu um ano entre a denúncia ao Ministério Público e o julgamento da sindicância,que dirá se contado de sua instauração.

Alega ainda o impetrante cerceamento de defesa, por não ter sido comunica-do da ocorrência da sessão de julgamento da sindicância nem do recurso, além deregistrar que não há qualquer referência acerca do modo em que sucedeu a ses-são, nem mesmo a respectiva ata, apenas uma certidão que nada tem que compro-ve a forma de sua ocorrência.

A autoridade coatora alega que não há necessidade de comunicação dasessão de julgamento, porque não está prevista no Regimento Interno do ConselhoSuperior, não podendo o impetrante realizar qualquer ato na sessão. Conclui pelaausência de cerceamento de defesa, porque foram concedidas e utilizadas todasas oportunidades de defesa, bem como a ata da sessão contém os votos dosConselheiros, regularmente lavrada e subscrita por eles, juntando sua cópia.

Desde logo, passo a analisar a segunda alegação de cerceamento de defe-sa, porque não há qualquer referência acerca do modo em que sucedeu a sessãode julgamento, nem mesmo a respectiva ata, mas apenas uma certidão que nadatem que comprove a forma de sua ocorrência.

Apesar de não haver necessidade da juntada da ata da sessão de julgamen-to no processo administrativo disciplinar, indispensável é que a resenha de julga-mento registre os membros que compareceram, bem como a votação.

No caso em análise, há, no processo administrativo, uma certidão que nãoretrata como ocorreu o julgamento. Embora tenha registrado que a votação foi unâ-nime, não constou quais os membros que se fizeram presentes na sessão, contu-do a ata de fls. 302-305 supriu tal irregularidade.

Desta forma, havendo o registro em ata de fls. 302-305 de todas as informa-ções necessárias sobre o julgamento, não houve cerceamento de defesa, motivopelo qual passo a apreciar a primeira alegação de cerceamento de defesa, por não

120 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

ter sido comunicado da ocorrência da sessão de julgamento da sindicância nem dorecurso.

A análise sobre a publicidade do processo administrativo é fundamental, por-que representa um pressuposto da ampla defesa. A inexistência de publicidadeimpossibilita o exercício da ampla defesa do acusado, salvo se comparecer espon-taneamente.

Realmente, foram concedidas e utilizadas todas as oportunidades de defesaaté a sessão de julgamento.

No entanto, resta agora analisar se a comunicação ao impetrante da sessãode julgamento da sindicância ou de seu recurso é necessária para garantir a ampladefesa ao acusado. A conclusão é afirmativa, porque a publicidade dos julgamen-tos, ainda que em processos administrativos, é essencial para o exercício da am-pla defesa.

A notificação do acusado sobre a sessão de julgamento é fundamental paraa garantia da ampla defesa, que poderá ser exercitada discricionariamente peloacusado. Uma vez que não há mais sessão secreta, após a promulgação da Cons-tituição Federal de 1988, mas apenas sessão reservada aos interessados, a comu-nicação da data da sessão de julgamento é fundamental para o exercício da ampladefesa.

Somente estando ciente da data da sessão de julgamento, o acusado pode-rá exercer a ampla defesa, acompanhando a sessão, suas discussões e debates,fiscalizando o quorum, os impedimentos e fazendo as impugnações necessáriase, eventualmente, a sustentação oral.

Nesse sentido, já decidiu o STJ:Recurso ordinário em mandado de segurança. Letra �b�, do inciso II, do art.

105, da Constituição. Aposentadoria compulsória de magistrado. Nulidade dasindicância. Dispensabilidade de defesa. Inobservância do direito de apresentaçãode defesa na instauração do processo administrativo - art. 27, da LOMAN. Falta demotivação da decisão determinadora da instauração do processo disciplinar. Ses-são secreta, sem prévia publicação da pauta e permissão da sustentação oral dadefesa. Inciso IX, do art. 93, da Constituição. Parcial provimento.

I - (...);II - (...);III - (...);IV - (...);V - No ápice da pirâmide da hierarquia das leis encontra-se a Constituição,

os seus princípios devem prevalecer sobre todos os demais. No vertente caso, foipreterido o cânone do inciso IX, do art. 93, do texto constitucional - publicidade dosjulgamentos dos órgãos do Poder Judiciário, logo, a sanção prevista no dispositivo- nulidade, deve ser cominada ao julgamento secreto.

VI - Recurso parcialmente provido (STJ - Sexta Turma - ROMS 3.340/PI, rel.Min. Pedro Acioli, j. 1º/3/1994, v.u., DJ 18/4/1994) (grifou-se).

Na íntegra do acórdão acima, podem ser destacados os seguintes trechosdos votos:

Ministro Pedro Acioli (Relator) - (...)

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 121

No ápice da pirâmide da hierarquia das leis encontra-se a Constituição, osseus princípios devem prevalecer sobre todos os demais. No vertente caso, foipreterido o cânone do inciso IX, do art. 93, do texto constitucional - publicidade dosjulgamentos dos órgãos do Poder Judiciário, logo, a sanção prevista no dispositivo- nulidade, deve ser cominada ao julgamento secreto.

Assim, expendidas essas considerações, dou provimento ao recurso e con-cedo a segurança para anular o julgamento secreto do recorrente, para que outraSessão seja realizada, devendo notificar o interessado e seu advogado. (grifou-se)

Também pode ser citado outro acórdão mais recente do STJ:Constitucional, Administrativo e Processo Civil. Mandado de Segurança. Ví-

cio formal de julgamento de recurso administrativo do conselho de recursos daprevidência social. Recurso hierárquico improvido pelo Ministro de Estado da Previ-dência e Assistência Social. Ato administrativo que encampa o ato colegiado. Legi-timidade passiva reconhecida apenas do Ministro de Estado. Princípios da publici-dade e do contraditório constitucionais. Art. 37, caput da Constituição Federal de1988. Local de julgamento de recurso administrativo. Circulação de diário oficial daUnião. Afixação de pautas. Imprescindibilidade da publicação da pauta no órgão daimprensa oficial. Representação processual da autarquia pelo Procurador-Geral doEstado. Possibilidade. Ausência de inconstitucionalidade se não há colidência deinteresses entre o estado e a autarquia estadual. Segurança concedida.

I - (...).II - (...).III - Embora possa se cogitar do excesso de formalismo, em processo admi-

nistrativo, que prima pela informalidade, quanto à exigência de publicidade do julga-mento por órgão Colegiado representante do poder revisional da AdministraçãoPública, fato é que a intimação pelo Diário Oficial, cientificando o recorrente da datapróxima de julgamento de seu recurso administrativo, se faz necessária, para cum-prir os anseios da Carta Magna, desde que haja circulação do periódico no local dojulgamento, considerando-se, ainda, o fato de que o impetrante é pessoa jurídicacom sede no Estado de Roraima.

IV- Na ausência de codificação legal para publicizar a forma de divulgaçãodas pautas de julgamento de recursos administrativos - se por órgão da imprensaoficial ou por afixação de pautas na repartição pública -, tem-se como imprescindí-vel a publicação dessas pautas, no órgão da imprensa oficial, para que seja cumpri-do o postulado constitucional da publicidade dos atos administrativos (art. 37, caput,CF-88), porque, em Brasília, local do julgamento da CRPS, há circulação do DiárioOficial da União, dispondo a Administração Pública de meio eficaz ao seu alcancepara cientificar o contribuinte do processamento de recurso de seu interesse (STJ -Primeira Seção - MS 6169/RR, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28/6/2000, v.u., DJ 1º/8/2000) (grifou-se)

A íntegra do acórdão acima também pode ser ressaltado:A Constituição Federal de 1988 (sic) assegurou, em seu art. 5º, inciso LV, a

igualdade dos meios de defesa tanto em processo judicial como no administrativo.Há, portanto, equivalência de importância, para o Constituinte de 1988, entre oprocesso judicial e administrativo.

122 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

(...)A emérita administrativista Maria Sylva Zanella di Pietro, dissertando sobre

�Processo Administrativo�, in Revista de Direito Tributário 58, pág.(sic) 114, lecionaque:

�Hoje, a maior parte dos institutos de Direito Administrativo buscam um equi-líbrio entre de um lado as prerrogativas da Administração Pública e, de outro lado,os direitos do cidadão. E não só o controle judicial mas inúmeras garantias sãoprevistas e benefício do cidadão.

Costuma-se apontar como uma das garantias exatamente o processo admi-nistrativo porque, pelo processo administrativo, a Administração Pública é obrigadaa seguir um determinado rito: é obrigada a obedecer a determinadas formas quesão postas em benefício do cidadão. Aliás, fala-se muito na burocracia da Adminis-tração Pública, mas essa burocracia, embora às vezes seja excessiva, acaba sen-do de certa forma necessária, porque todas essas formalidades servem para ates-tar, para comprovar, demonstrar a qualquer momento a forma de atuação da Admi-nistração Pública, inclusive para fins de controle, quer pelos próprios órgãos daAdministração, quer por órgãos dos outros poderes, quer do Legislativo, quer doJudiciário. O processo administrativo é, na realidade, uma garantia para o cidadão�.

(...)Assim, o precedente transcrito, a contrario sensu, traz a notícia de que a

existência de órgão oficial de imprensa, na localidade, torna exigível, para cumpriros fins do princípio da publicidade dos atos administrativos, a veiculação da notíciade interesse daquele que litiga contra o Estado, ainda que no contencioso adminis-trativo.

O contraditório, no processo administrativo, também é expressão debilateralidade de audiência, ou seja, o recorrente tem o direito de que sua pretensãoseja examinada pelo Relator, como também pelos seus pares, integrantes do órgãocolegiado; e essa oportunidade surge, exatamente, no momento da sustentaçãooral, suprimida no Conselho de Recursos da Previdência Social.

Assim, não resta dúvida da necessidade de comunicação do impetrante dasessão de julgamento, para garantir o exercício da ampla defesa. Contudo, não háforma rígida para realização do ato. Não há como obrigar a publicação em DiárioOficial. Na realidade, o que interessa é a comprovação de ter sido o acusado comu-nicado da data da sessão de julgamento pelo órgão colegiado.

É como voto.Aracaju/SE, 24 de outubro de 2001.Desembargadora Marilza Maynard Salgado de CarvalhoRelatora

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantesdo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em sua composição plenária, porunanimidade, conceder a segurança pleiteada, em conformidade com o relatório e

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 123

voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Aracaju/SE, 24 de outubro de 2001.Votaram com a relatora os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro

Franco, Clara Leite de Rezende, Epaminondas Silva de Andrade Lima, Gilson GóisSoares, Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila, Josefa Paixão de Santana, Roberto Eu-gênio da Fonseca Porto. Presidiu a sessão o senhor Desembargador José Antôniode Andrade Goes.

ACÓRDÃO Nº 2499/2001MS Nº 0178/2000RELATORA: Des.ª Clara Leite de RezendeIMPETRANTE: Câmara Municipal de Vereadores de PacatubaIMPETRADO: Prefeito Municipal de Pacatuba

EMENTA: Mandado de Segurança - Direito constitucional emunicipal - Remuneração de vereadores - Ajuda de custo e ver-ba de representação - Limitação constitucional ao percentualde cinco por cento da receita - Inconstitucionalidade do Decre-to Legislativo.I - A natureza da ajuda de custo e a verba de representaçãoestabelecidas no Decreto Legislativo de 10 de setembro de 1996da Câmara de Vereadores do Município de Pacatuba é de remu-neração e não de verba indenizatória.II - É inconstitucional o Decreto Legislativo que estipula verbasremuneratórias, excluindo do seu cômputo a restrição quantoà base de cálculo de 5% da receita efetivamente arrecadada pelomunicípio, conforme determina o art. 29, inciso VII da Constitui-ção Federal, com a redação que lhe foi dada pela Emenda nº 01,de 31/3/1992.Segurança denegada. Decisão unânime.Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Se-gurança nº 0178/2000 em que figuram como partes as acimaidentificadas.

RELATÓRIO

Trata-se de Mandado de Segurança movido pela Câmara Municipal de Vere-adores de Pacatuba contra ato do Prefeito do mesmo Município, por não haver este

124 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

repassado a importância relativa à ajuda de custo de que trata o art. 3º do DecretoLegislativo de 10/9/1996.

Aduz a impetrante que a autoridade impetrada deixou de repassar o valor deR$ 14.388,85 (quatorze mil, trezentos e oitenta e oito reais e oitenta e cinco centa-vos), referente à ajuda de custo que deveria ter sido paga em janeiro e julho de2000, tomando-se como base para a primeira parcela, cinquenta por cento dossubsídios pagos em dezembro de 1999 e para a segunda parcela, cinquenta porcento do valor pago em junho de 2000. Requer, assim, o bloqueio e a liberação daquantia devida pela Prefeitura Municipal de Pacatuba.

A medida liminar foi concedida parcialmente, conforme decisão de fl. 22.A autoridade, dita coatora, deixou transcorrer in albis o prazo para apresen-

tação de suas informações.Com vistas dos autos, a Procuradoria de Justiça opina pela denegação da

segurança.É o relatório.

VOTO

A Procuradora de Justiça, em seu parecer, opina pela denegação da segu-rança, sob o fundamento de que os arts. 2º, 3º e 4º do Decreto Legislativo daCâmara Municipal de Vereadores de Pacatuba, de 10 de setembro de 1996, sãoinconstitucionais. É que os dispositivos se lhe afiguram como incompatíveis com anorma contida no art. 29, inciso VII da Constituição Federal, com a redação dadapela Emenda Constitucional nº 01, de 31 de março de 1992.

Com efeito, o mencionado Decreto Legislativo Municipal assim dispõe noscitados dispositivos:

�Art. 2º - A Mesa da Câmara fará jus a uma verba de representação conformediscriminação abaixo:

I - Presidente trinta por cento dos subsídios percebidos no mês;II - Vice-Presidente vinte por cento dos subsídios percebidos no mês;III - 1º Secretário quinze por cento dos subsídios percebidos no mês;IV - 2º Secretário dez por cento dos subsídios percebidos no mês.Art. 3º - Fica instituída uma verba de ajuda de custo igual ao valor dos subsí-

dios que será paga parcialmente no mês de janeiro e julho de cada ano.Art. 4º - Os valores a que se referem os artigos 2º e 3º deste Decreto

Legislativo não serão considerados para efeitos dos cálculos de cinco por cento dareceita efetivamente arrecadada pelo Município a que se refere a emenda nº 01 àConstituição Federal�.

De outra parte, o art. 29, inciso VII da Constituição Federal, após a alteraçãoprocessada pela Emenda Constitucional nº 01, de 31 de março de 1992, assimencontra-se redigido:

�Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, como interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câ-mara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 125

Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:(...)VII - o total da despesa com a remuneração dos Vereadores não poderá

ultrapassar o montante de 5% (cinco por cento) da receita do município�.Penso que devo, neste passo, tecer considerações acerca da natureza das

verbas atribuídas pelo citado Decreto Legislativo. Isto quer dizer: a verba de repre-sentação e verba de ajuda de custo instituídas pelos arts. 2º e 3º do Decreto Legislativoreferido integram a remuneração dos Vereadores? Tal questionamento se faz ne-cessário, porque a Constituição Federal dispõe no art. 29, inciso VII acerca deremuneração quando refere-se à base de cálculo de cinco por cento da receitamunicipal.

Com efeito, a remuneração é a retribuição pecuniária ao servidor ou agentepolítico, que engloba, além do vencimento básico, as demais vantagens e gratifica-ções. Deste montante estão excluídas as verbas meramente indenizatórias, comosendo, vale-transporte, diárias etc.

Sendo assim, cabe analisar a natureza das vantagens estabelecidas peloDecreto Legislativo de 10 de setembro de 1996, consistentes na representação eajuda de custo.

Efetivamente, estas verbas, para se constituírem em indenizatórias, devemrepresentar uma compensação por eventuais gastos extraordinários feitos pelo agentepolítico, cujo dispêndio não se enquadra no exercício normal das suas funções.Assim, uma diária se enquadra naquela categoria, desde quando o deslocamentodo servidor não se constitua em exigência normal do cargo.

Ocorre que a estipulação da ajuda de custo e representação no aludido de-creto não guarda correspondência com indenização para eventuais dispêndios ex-traordinários. Com efeito, as verbas estabelecidas não têm esta característica. Éque estas, pelo que se vislumbra da definição legislativa, integram a remuneraçãoem si, decorrente do exercício do próprio cargo. Ou seja, ditas verbas foram criadascom a natureza de gratificação, embora possuam denominação que, supostamen-te, dão ensejo a interpretação de que sejam indenizatórias.

Desta forma, divirjo apenas em parte do entendimento da douta Procuradorade Justiça, quando assim consignou no seu parecer:

�Como se vê, pela vontade da Constituição Federal a remuneração total dosvereadores, i. e., os subsídios mensais e demais vantagens pecuniárias, qualquerquer seja o título ou fundamento não pode ultrapassar o teto de cinco por cento daarrecadação municipal�.

É que se a verba tem natureza indenizatória, esta não integra a remuneraçãoe, por conseqüência, estaria excluída do limite estabelecido constitucionalmente.Aliás, tanto isso é verdade, que a Emenda Constitucional nº 25, de 14 de fevereirode 2000, que criou o art. 29-A, estipulou, além desse limite de remuneração, umlimite total para �a despesa da Câmara de Vereadores�, com percentuais que vari-am de oito por cento para municípios com população de até 100.000 habitantes ecinco por cento para municípios com população acima de 500.000 habitantes. As-sim, somente neste caso é que se poderia invocar o limite total, inclusive para asparcelas meramente indenizatórias. Contudo, não é o caso dos autos, tanto porque

126 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

o Município de Pacatuba se adequa à primeira hipótese. Ou seja: atualmente (pos-to que a vigência da citada EC nº 25/2000 se deu a partir de 1º/1/2001), o Municípioreferido somente pode gastar com remuneração (excluídas verbas indenizatórias)até o limite de cinco por cento, mas tem como limite total, incluindo qualquer tipode despesa, o percentual de oito por cento.

No mais, concordo com a conclusão da ilustre Procuradora de Justiça, DrªMaria Eugênia da Silva Ribeiro, ao afirmar a inconstitucionalidade, nos seguintestermos:

�No caso sub examine o Decreto Legislativo de fls. 18/19, ao instituir parce-las remuneratórias além desse limite - não obstante a ressalva que faz em seu art.4º - incorreu em manifesta inconstitucionalidade, porque tais acréscimos pecuniários- ajuda de custo e representação - incluem-se no cômputo total da remuneração deque fala a Constituição e representam nada mais nada menos do que aumentosdisfarçados de subsídios e burla ao limite remuneratório dos vereadores, impostopelo art. 29, inciso VII, da CF/88�.

Inexistente, pois, direito líquido e certo a amparar a Impetrante.Com essas considerações, denego a segurança impetrada, determinando,

outrossim, a liberação em favor da Municipalidade da quantia retida por ocasião daconcessão da liminar.

É como voto.

ACÓRDÃO

Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, por sua composiçãoplenária, à unanimidade, denegar o writ, nos termos do voto da ExcelentíssimaSenhora Desembargadora Relatora.

Aracaju/SE, 24 de outubro de 2001.Votaram com a relatora os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro

Franco, Epaminondas Silva de Andrade Lima, Gilson Góis Soares, Manuel PascoalNabuco D�Ávila, Marilza Maynard Salgado de Carvalho, Josefa Paixão de Santana eRoberto Eugênio da Fonseca Porto. Presidiu a sessão o senhor DesembargadorJosé Antônio de Andrade Goes.

ACÓRDÃO Nº 2815/2001MS Nº 0050/2001RELATORA: Des.ª Marilza Maynard Salgado de CarvalhoIMPETRANTE: Nort Elétrica LtdaIMPETRADO: Secretário da Fazenda do Estado de Sergipe

EMENTA: Mandado de segurança - Tributário - Expedição decertidão negativa de débito - Negativa - Sócio integrante de ou-

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 127

tra sociedade devedora do fisco - Descabimento - Impetrantecom débito fiscal - Inexistência de direito líquido e certo à per-cepção de certidão negativa de débito - Alteração cadastral.I - Não tem cabimento a recusa de expedir certidão negativa dedébito tributário a uma sociedade, somente porque um dos seussócios é integrante de outra firma devedora do fisco. Todavia,a sociedade com débito para com fisco não tem direito líquido ecerto à percepção de certidão negativa de débito;II - Inexistindo provas dos motivos que ensejaram a recusa daalteração cadastral da impetrante, falece direito líquido e certoa esta à modificação imediata do seu endereço, sem prévia ho-mologação pelo fisco;III - Mandamus denegado.

RELATÓRIO

Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho (Relatora): - Nort Elétrica Ltdaingressou com mandado de segurança contra ato do Secretário da Fazenda doEstado de Sergipe, consubstanciado na recusa da autoridade coatora em fornecercertidão negativa de débito, sob o fundamento de que um dos sócios daquela pes-soa jurídica participa de outra sociedade, a qual possui débito junto ao fisco estadu-al, assim como, quanto à recusa da supracitada autoridade em proceder à altera-ção do endereço cadastral da impetrante.

Em decisão, foi concedida a medida liminar, a determinar que a autoridadecoatora fornecesse certidão da atual situação fiscal da impetrante, sem qualquerinterferência de eventuais débitos da pessoa física do sócio ou de qualquer outraempresa integrada por ele (fl. 31).

Notificada para prestar informações, a autoridade coatora informou que aimpetrante não apresentou provas de ter-lhe solicitado a referida certidão negativade débito, assim como, da suposta recusa ao fornecimento do supracitado docu-mento pelo impetrado. Outrossim, assevera que a impetrante está em débito paracom o fisco estadual e que um dos seus sócios participa de outra sociedade quetambém está em débito para com o fisco. Por fim, informou que a alteração cadastral,concernente à alteração do endereço da impetrante, somente pode ser realizadaapós prévia homologação pelo fisco estadual.

Remetidos os autos à Procuradoria Geral de Justiça, a mesma se manifes-tou pela concessão da segurança.

É o relatório.

VOTO

128 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho (Relatora): - Cinge-se o presentemandado de segurança ao ato do Secretário da Fazenda do Estado de Sergipe,que se recusou a fornecer certidão negativa de débito a empresa Nort Elétrica Ltda,sob o fundamento de que um dos sócios desta pessoa jurídica participa de outrasociedade, a qual possui débito junto ao fisco estadual, assim como, quanto àrecusa da supracitada autoridade em proceder à alteração do endereço cadastralda impetrante.

Precipuamente, há de se perquirir sobre a inexistência de provas nos autosde solicitação e recusa da autoridade coatora em expedir a supramencionada cer-tidão e alterar o endereço cadastral da impetrante, questão esta suscitada peloimpetrado quando da sua manifestação.

Ora, à fl. 27 dos presentes autos vislumbra-se cartão de protocolo de docu-mento perante a Secretaria de Estado da Fazenda, concernente à solicitação dealteração de endereço, tendo sido tal documentação registrada sob nº 016.000-01709/2001-5, o que, indubitavelmente, prova a solicitação efetivada perante asupracitada autoridade para que promovesse a modificação do endereço cadastralda impetrante.

Outrossim, à fl. 28 dos autos, verificam-se os originais de dois boletos dodocumento de arrecadação estadual, regularmente pagos, constando de um delesa informação complementar pertinente a concorrência, o que constitui indício sufici-ente da solicitação da certidão negativa de débito, visando apresentá-la em proces-so licitatório, tal como assevera a impetrante na peça primacial.

Destarte, restando devidamente provada, consoante os termos dantesexplicitados, a solicitação à autoridade coatora de emissão da respectiva certidãonegativa de débito e de alteração do endereço cadastral da impetrante, a simplesrecusa de apresentação daquele documento solicitado à Administração Pública,sob o fundamento de que um dos sócios possui débito para com o fisco estadual,como se pode observar das informações prestadas pela autoridade coatora, já cons-titui motivo suficiente a amparar o uso do mandado de segurança.

Adentrando ao mérito da presente ação, creio que são pertinentes as alega-ções suscitadas pela impetrante na exordial, quando assevera ter direito líquido ecerto à emissão de certidão, sem que conste dela qualquer referência a débito,porventura existente, de quaisquer dos seus sócios ou de outras sociedades deque estes participem.

Indubitavelmente, no ordenamento jurídico-brasileiro, a pessoa jurídica tempersonalidade própria, a qual não se confunde com outra pessoa jurídica, nem comos membros que a compõem, consoante se pode observar do exposto no art. 20,do Código Civil, ao asseverar que �as pessoas jurídicas têm existência distinta dados seus membros�.

Destarte, não tem cabimento a Administração Pública se recusar a expedircertidão negativa de débito tributário a uma sociedade, sob o fundamento de queum dos seus sócios é integrante de outra sociedade devedora do fisco. Nesteparticular, já se manifestou por diversas vezes o Superior Tribunal de Justiça, con-soante se pode observar das seguintes decisões:

Processual civil - Tributário - Certidão negativa de débito tributário - Negativa

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 129

de expedição - Sócio integrante de outra firma devedora do fisco - Descabimento -Artigo 535, inciso II do CPC - Violação - Ausência.

A administração fazendária não pode negar o fornecimento de certidão nega-tiva de débito tributário ao contribuinte, porque um de seus sócios é integrante deoutra firma devedora do fisco. Precedentes jurisprudenciais.

Não viola o artigo 535 do CPC o acórdão que examina as questões pertinen-tes ao deslinde da controvérsia.

Agravo improvido. (STJ - AGA 306.448/MG, rel. Min. Garcia Vieira, j. em 25/9/2000, DJ de 30/10/2000, pág. 132)

Processual civil e tributário - Certidão negativa de débito - Recusa de forneci-mento - Sócio integrante de outra firma devedora do fisco - Descabimento -Violaçãoà lei federal não configurada - Ausência de fundamentação legal - Divergência juris-prudencial não comprovada - Lei nº 8.038/1990 e RISTJ, art. 255 e parágrafos -Precedentes STJ.

- A pessoa jurídica, com personalidade própria, não se confunde com outra,ainda que tenham sócios com participação em ambas.

- É descabida a recusa de fornecimento da CND a uma empresa sob ofundamento de que um de seus sócios é integrante de uma outra sociedade deve-dora do fisco.

- Na interposição do recurso especial fundado na letra �a� do autorizativoconstitucional, impõe-se a indicação precisa do preceito de lei federal tido por viola-do e a exposição da tese sustentada pelo recorrente.

- Divergência jurisprudencial que desatende as determinações legais e regi-mentais, não se configura para o fim proposto.

- Recurso não conhecido. (STJ - REsp. 149.690/ES, rel. Min. FranciscoPeçanha Martins, j. em 8/2/2000, DJ de 20/3/2000, pág. 63)

Tributário. Expedição de certidão negativa de débito tributário. Negativa. Só-cio integrante de outra firma devedora do fisco. Descabimento.

Não tem cabimento a recusa de expedir certidão negativa de débito tributárioa uma sociedade, somente porque um dos seus sócios é integrante de outra firmadevedora do fisco. Precedentes jurisprudenciais.

Recurso desprovido. Decisão unânime. (STJ - REsp. 73.760/ES, rel. Min.Demócrito Reinaldo, j. em 4/6/1998, DJ de 29/6/1998, pág. 26)

Entretanto, o caso sub examine é merecedor de uma atenção especial.Das informações prestadas pela autoridade coatora consta que a impetrante seencontra em débito para com o fisco estadual, quanto ao pagamento de Impostosobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações deServiços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMSparcial, consubstanciado no valor de R$ 1.757,72 (um mil, setecentos e cinqüentae sete reais e setenta e dois centavos), tendo o impetrado juntado aos autos acorrespondente declaração (fl. 39).

Desta feita, estando inadimplente com as obrigações tributárias, tal comoremanesce evidenciado nos autos, não há que se cogitar de direito líquido e certoda impetrante em perceber da Administração Pública a respectiva certidão negativade débito. O direito líquido e certo da impetrante se restringe à obrigação do ente

130 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

público de fornecer-lhe certidão positiva de débito, da qual conste informações per-tinentes somente a sua personalidade, excluindo qualquer interferência de possí-veis débitos fiscais dos sócios ou de outras pessoas jurídicas das quais estesparticipem.

Ademais, quanto à alegação da impetrante de ter direito líquido e certo àalteração do seu endereço cadastral, conforme fez constar do seu parecer a Procu-radoria-Geral de Justiça, não se vislumbra o motivo que ensejou tal indeferimento.Entretanto, não comungamos do mesmo pensar do ínclito Procurador de Justiça,que conclui por afirmar que a existência de débito fiscal de outra sociedade da qualum dos sócios da impetrante participa foi o motivo que ensejou a recusa dasupramencionada alteração cadastral.

Inexiste qualquer elemento probatório nos autos que nos permita fazer talasserção e, em mandado de segurança inexiste dilação probatória, pois a provados fatos deve ser préconstituída, o que não se vislumbra nesta particular questãoem análise.

Acrescente-se ainda, que o art. 319, do Decreto nº 17.037, de 26 de dezem-bro de 1997 - Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação deMercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual eIntermunicipal e de Comunicação - ICMS, dispõe que a mudança de endereço so-mente pode ser concretizada após prévia homologação pelo fisco estadual, o quenão sói acontece no caso em análise.

Assim, ante os argumentos expendidos, denego a segurança pleiteada,consubstanciada no pedido de emissão de certidão negativa de débitos fiscais e dealteração do endereço cadastral da impetrante, sendo assegurada a esta o forneci-mento de certidão da sua exclusiva e atual situação fiscal, sem qualquer interferên-cia de eventuais débitos da pessoa física dos seus sócios ou de qualquer outraempresa integrada por eles, a manter, neste particular, a liminar concedida à fls. 31dos presentes autos.

É como voto.Aracaju/SE, 14 de novembro de 2001.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantesdo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em sua composição plenária, porunanimidade, negar a segurança pleiteada, em conformidade com o relatório e votoconstantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Aracaju/SE, 14 de novembro de 2001.Votaram com a relatora os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro

Franco, Clara Leite de Rezende, Epaminondas Silva de Andrade Lima, Gilson GóisSoares, Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila, José Artêmio Barreto, Josefa Paixão deSantana, Roberto Eugênio da Fonseca Porto e os Juízes Cláudio Dinart Déda Cha-gas, Osório de Araújo Ramos Filho e Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima. Presi-diu a sessão o senhor Desembargador José Antônio de Andrade Goes.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 131

ACÓRDÃO Nº 2863/2001MS N° 0074/2000RELATORA: Des.ª Marilza Maynard Salgado de CarvalhoIMPETRANTES: José Rollemberg Leite Neto e outrosIMPETRADO: Prefeito Municipal de Aracaju

EMENTA: Mandado de segurança - Estacionamento rotativo -Parquímetro - Litisconsorte necessário - Citação - Mérito - Valorda tarifa - Tempo de permanência.I - Inexiste nulidade dos atos processuais praticados sem o co-nhecimento do litisconsorte necessário, haja vista que se in-surgindo ele contra a liminar concedida, a mesma remanesceurevogada pelo Pleno desta Corte de Justiça;II - Reconhecida a desproporcionalidade e ilegalidade dos valo-res cobrados para permanência no estacionamento rotativo,deve-se garantir aos impetrantes o direito à redução do respec-tivo valor;III - Inexistindo estudos para a fixação do tempo de permanên-cia de veículos no estacionamento rotativo, tal como estão aexigir o Decreto Municipal nº 038/2000 e o Decreto Municipal nº103/2000, há de ser assegurado aos impetrantes o direito denão terem limitado o tempo de estacionamento nos supracitadosestacionamentos;IV - Mandamus concedido.

RELATÓRIO

Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho (Relatora): - José RollembergLeite Neto, Ricardo Pinto Ribeiro, Maurício Gentil Monteiro, Fernanda Teixeira Leitee Cláudio Silveira Resende ingressaram com mandado de segurança contra ato doPrefeito do Município de Aracaju/SE, que através do Decreto nº 038, de 22 defevereiro de 2000, dispôs sobre a regulamentação das normas de controle, opera-ção e utilização do sistema de estacionamento �zona azul� de veículos no municí-pio, sob a alegação de serem excessivos os valores cobrados e desproporcional eirrazoável o tempo de permanência máximo estabelecido.

Concedida a liminar e notificada a autoridade coatora para prestar as infor-mações que entendesse necessárias, a mesma se manifestou pela inexistência dedireito líquido e certo dos impetrantes. Outrossim, explicitou a legalidade do atocombatido, ao mesmo tempo em que informou a revogação do Decreto Municipal nº

132 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

038/2000 pelo Decreto Municipal nº 103/2000, tendo este efetivado a redução dosvalores cobrados, ao mesmo tempo em que ampliou o tempo máximo de perma-nência de veículos no estacionamento rotativo.

Interposto agravo regimental da decisão que concedeu a liminar, ao mesmofoi dado provimento, para revogar a liminar dantes concedida.

Citado o litisconsorte passivo necessário, a Construtora Varca Scatena Ltdamanifestou-se ele pela nulidade dos atos processuais praticados sem o seu conhe-cimento, tendo em vista a necessidade de sua citação para integrar a lide. Outros-sim, alegou a inexistência de direito líquido e certo dos impetrantes e a legalidadedo ato praticado pela autoridade coatora.

Remetidos os autos à Procuradoria-Geral de Justiça, a mesma se manifes-tou pela concessão da segurança pleiteada.

É o relatório.

VOTO

Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho (Relatora): - Interpuseram osimpetrantes mandado de segurança contra ato do Prefeito do Município de Aracaju/SE, que através do Decreto nº 038, de 22 de fevereiro de 2000, dispôs sobre aregulamentação das normas de controle, operação e utilização do sistema de esta-cionamento �zona azul� de veículos no município.

Precipuamente, antes de adentrarmos ao mérito do presente writ, há de serapreciada a alegação de nulidade dos atos processuais praticados sem o conheci-mento do litisconsorte necessário, sob o fundamento de ser imprescindível a suacitação para integrar a lide, como remanesceu evidenciado nas suas alegações.

Neste particular, entendo que inexiste qualquer nulidade dos atos praticadosa ser declarada, haja vista que se insurge o litisconsorte contra a liminar concedidapor esta relatoria, sendo que a decisão que a concedeu restou revogada pelo Plenodesta Corte de Justiça, quando do julgamento do agravo regimental intentado (Acórdãonº 1.529/2000).

No que concerne ao mérito da presente ação, os impetrantes trouxeramdocumentos suficientes sobre a regulamentação do parquímetro, a qual entendemser violadora de preceitos constitucionais e legais. Destarte, pretendem eles adefesa de direito líquido e certo quanto à razoabilidade e à proporcionalidade do atoadministrativo, in casu, o que versa sobre as vagas de �zona azul�.

Sendo assim, no caso sub examine não há necessidade de produção deprova para se identificar a desproporcionalidade do valor cobrado pela �zona azul�,levando-se em consideração os valores anteriormente cobrados, assim como, opreço praticado na iniciativa privada.

Ressalte-se, ainda, que não se pretende aqui que o Poder Judiciário fixe umvalor para o tempo de permanência de veículos no estacionamento rotativo, masapenas que seja reconhecida a ilegalidade e desproporcionalidade dos valores atu-almente cobrados, garantindo-se aos impetrantes o direito à cobrança de um valorjusto e proporcional ao serviço posto a sua disposição.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 133

Acresça-se, também, que a doutrina e jurisprudência do direito administrati-vo evoluiu ao ponto de abandonar a idéia absoluta de que o ato administrativo so-mente pode ser analisado formalmente, cabendo ao administrador livremente disci-plinar seus atos.

Cada vez mais, percebe-se a importância dos princípios da razoabilidade eproporcionalidade em todas as áreas do direito, inclusive no direito administrativo,como se observa na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, em Curso de DireitoAdministrativo, 9ª ed. revista atualizada e ampliada, Malheiros, São Paulo, 1997, p.68:

Sobremodo, quando a Administração restringe situação jurídica dos admi-nistrados além do que caberia, por imprimir às medidas tomadas uma intensidadeou extensão supérfluas, prescindendas, ressalta a ilegalidade de sua conduta. Éque ninguém deve estar obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propri-edade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse público.

Logo, o plus, o excesso acaso existente, não milita em benefício de nin-guém. Representa, portanto, apenas um agravo inútil aos direitos de cada qual.Percebe-se, então, que as medidas desproporcionais ao resultado legitimamentealvejável são, desde logo, condutas ilógicas, incongruentes. Ressentindo-se destedefeito, além de demonstrarem menoscabo pela situação jurídica do administrado,traindo a persistência da velha concepção de uma relação soberano-súdito (aoinvés de Estado-cidadão), exibem, ao mesmo tempo, sua inadequação ao escopolegal. Ora, já se viu que inadequação à finalidade de lei é inadequação à própria lei.Donde, atos desproporcionais são ilegais e, por isso, fulmináveis pelo Poder Judici-ário, que, em sendo provocado, deverá invalidá-los quando impossível anular unica-mente a demasia, o excesso detectado.

Em rigor, o princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio darazoabilidade. Merece um destaque próprio, uma referência especial, para ter-semaior visibilidade da fisionomia específica de um vício que pode surdir e entremostrar-se sob esta feição de desproporcionalidade do ato, salientando-se, destarte, a pos-sibilidade de correção judicial arrimada neste fundamento. Posto que se trata deum aspecto específico do princípio da razoabilidade, compreende-se que sua ma-triz constitucional seja a mesma. Isto é, assiste nos próprios dispositivos que con-sagram a submissão da Administração ao cânone da legalidade. O conteúdo subs-tancial desta, como visto, não predica a mera coincidência da conduta administra-tiva com a letra da lei, mas reclama adesão ao espírito dela, à finalidade que aanima. Assim, o respaldo do princípio da proporcionalidade não é outro senão o art.37 da Lei Magna, conjuntamente com os arts. 5º, II e 84, IV. O fato de se ter quebuscá-lo pela trilha assinalada não o faz menos amparado, nem menos certo ouverdadeiro, pois tudo aquilo que se encontra implicado em um princípio é tão certoe verdadeiro quanto ele. Disse Black que tanto faz parte da lei o que nela se encon-tra explícito quanto o que nela implicitamente se contém. (grifou-se)

Nesse mesmo sentido, a lição de Diógenes Gasparini ao tratar do ato depolícia e seu controle, em Direito Administrativo, 4ª ed. rev. e ampl., São Paulo,Saraiva, 1995, p. 113 e 115:

É administrativo e, como tal, pode ser vinculado ou discricionário. Deve ob-

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servar, para sua validade, os requisitos (competência, finalidade, forma, motivo,objeto e causa) comuns a todos os atos dessa espécie, mais a proporcionalidade.Esta consiste no uso adequado da coação. Assim, entre a medida adotada e odesejo da lei, há de existir essa proporcionalidade, sob pena de vício de nulidade doato de polícia e de responsabilidade de seu autor. Correta, pois, é a observação deFritz Fleiner, segundo a qual a �autoridade administrativa não pode empregar meiode coação mais severo de que seja necessário para conseguir o fim proposto�(apud Régis Fernandes de Oliveira, Infrações e sanções administrativas, São Pau-lo, Revista dos Tribunais, 1985, p. 77).

(...)Os atos de polícia administrativa são administrativos e como tal submetem-

se aos controles vigentes (administrativo e judicial) a que se subsumem os atos ecomportamentos da Administração Pública em geral. De sorte que contra eles ca-bem os recursos administrativos (recurso hierárquico) e judiciais (mandado de se-gurança, ação civil pública, ação popular) para obstar os gravames que podemcausar aos administrados, à própria Administração Pública e à coletividade (inte-resses difusos). (grifou-se)

Repita-se que, mesmo com a possibilidade de análise judicial da matéria, oPoder Judiciário, no presente caso, não deve fixar o valor a ser cobrado, limitando-se sua apreciação ao reconhecimento da ilegalidade ou desproporcionalidade dosvalores atualmente exigidos. Uma vez reconhecida a desproporcionalidade aponta-da, será garantido aos impetrantes o direito à redução do valor, entretanto a fixaçãodo novo valor caberá à autoridade coatora.

Desta feita, o valor estipulado pela vaga de estacionamento na via pública,correspondente à variação do valor de R$ 0,50 (cinqüenta centavos), para meiahora, a R$ 2,00 (dois reais), para duas horas, os quais foram reduzidos pelo Decre-to nº 103, de 25 de maio de 2000, a R$ 0,45 (quarenta e cinco centavos), para meiahora, a R$ 1,80 (um real e oitenta centavos), para duas horas, apresenta-se-me serexcessivo, desproporcional inclusive à média do setor privado, que cobra R$ 2,00(dois reais) por turno.

Quanto ao tempo de permanência de veículos no estacionamento rotativo,faz-se importante se atentar para o que dispõem o Decreto Municipal nº 038, de 22de fevereiro de 2000, e o Decreto Municipal nº 103, de 25 de maio de 2000, quantoà necessidade de estudos, com base em informações obtidas a partir do Banco deDados Operacional implantado pela empresa exploradora do serviço público, paraque seja determinado o tempo de permanência dos veículos no supramencionadoestacionamento, conforme se pode vislumbrar do art. 4º daquela primeira norma edo art. 5º deste último ato normativo:

Art. 4º - Os tempos máximos de permanência em cada área serão definidosem função de estudos, com base nas informações obtidas a partir do Banco deDados Operacional implantado pela empresa concessionária exploradora do servi-ço.

Art. 5º - Os tempos máximos de permanência em cada área serão definidosem função de estudos, pela SMTT, com base nas informações obtidas a partir doBanco de Dados Operacional implantado pela empresa concessionária exploradora

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 135

do serviço, podendo o Poder Concedente efetivar os seus próprios levantamentos.Ora, não se vislumbra nos presentes autos, apesar de os impetrados afirma-

rem existir, qualquer estudo realizado, quer seja pela concessionária do serviçopúblico, quer seja pela Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito - SMTT,tal como está a exigir as normas dantes apresentadas, para a fixação do tempomáximo de permanência de veículos no estacionamento rotativo. Portanto,inexistindo tal estudo, não pode o poder concedente, ou a concessionária do servi-ço público, limitar o tempo máximo de permanência de veículos no estacionamentorotativo, pois, assim agindo, estariam eles a infringir normas legais que disciplinama concessão do supracitado serviço.

Assim, diante dos argumentos delineados, voto pela concessão da seguran-ça, no sentido de ser reconhecida a desproporcionalidade do valor cobrado para oestacionamento em �zona azul�, através do sistema de parquímetro, assim como, ailegalidade da fixação de tempo de permanência de veículos no estacionamentorotativo, sem a elaboração de estudo exigido pela legislação respectiva.

É como voto.Aracaju/SE, 14 de novembro de 2001.Desembargadora Marilza Maynard Salgado de CarvalhoRelatora

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantesdo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em sua composição plenária, pormaioria, vencido o Des. Gilson Góis Soares, conceder a segurança pleiteada, emconformidade com o relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.

Aracaju/SE, 14 de novembro de 2001.Votaram com a relatora os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro

Franco, Manuel Pascoal Nabuco Nabuco D�Ávila, Gilson Góis Soares, José ArtêmioBarreto, Josefa Paixão de Santana, Roberto Eugênio da Fonseca Porto. Presidiu asessão o senhor Desembargador José Antônio de Andrade Goes.

ACÓRDÃO N° 2868/2001MS Nº 0143/2001RELATORA: Des.ª Josefa Paixão de SantanaIMPETRANTE: Carla Cristina Nascimento dos SantosIMPETRADOS: Secretário Estadual da Segurança Pública eSuperintendente da Polícia Civil de Sergipe

EMENTA: Mandado de Segurança - Isenção de Taxa de Inscri-

136 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

ção em Concurso Público Estadual - Servidor Público Estadual- Lei Estadual nº 2.778/89 - Princípio da Isonomia - Segurançaconcedida.I - A Lei Estadual nº 2.778/1989, que confere isenção de taxapara realização de concurso público na esfera estadual ao ser-vidor público estadual, não fere o Princípio da Isonomia.II - Mandamus conhecido e concedido

RELATÓRIO

Carla Cristina Nascimento dos Santos impetrou o presente Mandado deSegurança contra ato do Sr. Secretário de Segurança Pública de Sergipe e Sr.Superintendente da Polícia Civil, alegando, em síntese, que pretende efetuar inscri-ção no Concurso Público para provimento de vagas no cargo de Escrivão de Políciade 3ª Classe, e que no item 5.11 do Edital nº 01/2001, consta que �não haveráisenção total ou parcial do valor da taxa de inscrição�.(fl.20).

Aduziu que o Edital fere o direito líquido e certo da impetrante, posto que oartigo 6º, inciso III, alínea �d� da Lei nº 2778/1989, isenta os servidores públicosestaduais do pagamento de taxa de inscrição para Concursos Públicos Estaduais.

Pediu a concessão de liminar, autorizando-a a proceder a sua inscrição noConcurso Público, independentemente de taxa de inscrição.

Juntou documentos de fls.10/36, fazendo prova do alegado.Deferida a liminar, no sentido de autorizar a inscrição no certame com isen-

ção da taxa (fls. 38/40), determinou-se a notificação das autoridades apontadascomo coatoras.

Em suas informações, o Sr. Secretário de Estado da Segurança Pública, emsede de preliminar, pede a inépcia da inicial, tendo em vista que não foram juntadasduas vias para fins de notificação.

No mérito, aduziu em suma, que a Lei Estadual nº 2778/1989 éinconstitucional e que a isenção lesava o erário público.

O Superintendente da Polícia Civil não ofereceu as informações.Remetidos os autos à Procuradoria de Justiça, a ilustre Procuradora opinou

pela denegação da Segurança (fls. 46/50).É o relatório.

VOTO

Trata-se de Mandado de Segurança no qual a impetrante, servidora públicaestadual, conforme prova documental de fl. 10, visa à isenção de pagamento detaxa de inscrição de Concurso Público realizado pela Secretaria de SegurançaPública deste Estado, conforme lhe garante a Lei Estadual nº 2778/1989, segundoalega.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 137

Descabe a preliminar de inépcia da inicial, pelo motivo de a impetrante nãoter juntado duas vias da referida peça para fins de notificação. Conforme as certi-dões de fls. 41-v e 42-v, as autoridades impetradas receberam a contra-fé.

Passemos, agora, a analisar o mérito.Argüiu a autoridade apontada como coatora, a inconstitucionalidade da refe-

rida lei, por atentar aos Princípios da Isonomia e da Moralidade.Não entendo que a referida lei cria um privilégio condenável para quem é

servidor público.As discriminações criadas em lei, para não receberem a pecha de inconsti-

tucionalidade, por violarem o Princípio da Igualdade, devem possuir uma finalidadeplausível, amparada pelo Ordenamento Jurídico.

Assim, no caso, entendo que isentar o servidor estadual da taxa de inscri-ções de concursos públicos realizados pelo Estado de Sergipe, tem uma finalidadeplausível, qual seja, a de incentivar a que o mesmo cada vez mais procure ascenderna Administração Pública, não precisando despender recursos para tanto, e melho-rando a qualidade dos serviços que presta à coletividade.

De outro lado, por via indireta, o serviço público prestado será mais eficientee qualificado, pois a isenção levará um número maior de servidores a participaremde concursos, o que, por conseqüência, fará com que o mesmo procure informa-ções e adquira maiores conhecimentos.

Para dirimir a lide, urge que seja citado o Magistério de Celso Ribeiro Bas-tos, na obra �Curso de Direito Constitucional�, editora Saraiva, 22ª edição, 2001,pág. 189:

�Constatou-se que a lei sempre discrimina. Por exemplo, o portador de umtítulo acadêmico profissionalizante tem direito a desfrutar do privilégio (uma vez queos não-portadores desse título não o podem fazer) de exercer uma determinadaprofissão, como a advocacia, medicina e outras�.

�É este o sentido que tem a isonomia no mundo moderno. É vedar que a leienlace uma conseqüência a um fato que não justifica tal ligação�.

Este mesmo entendimento já foi aqui adotado, conforme Acórdão nº 0799/2001, sendo Relatora designada a Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho:

Constitucional - Mandado de Segurança - Taxa de inscrição em concursopúblico - Isenção - Lei Estadual nº 2.778/1989.

I - Não infringe o princípio da igualdade a Lei Estadual nº 2.778/1989, queisentou os Servidores Públicos Estaduais do pagamento de taxa de inscrição emqualquer concurso público promovido por entidade pública estadual de qualquer dosPoderes;

II - Mandamus concedido.Também foi adotado no Acórdão nº 1642/2001, sendo seu Relator o

Desembargador Epaminondas Silva de Andrade Lima:Constitucional - Mandado de Segurança - Taxa de inscrição em concurso

público - Isenção- Lei Estadual nº 2.778/1989. A Lei Estadual nº 2.778/1989, queisentou os Servidores Públicos Estaduais do pagamento de taxa de inscrição paraqualquer concurso público que venha a ser promovido por entidade pública estadualde qualquer dos poderes, não fere o princípio da igualdade. Ordem concedida por

138 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

maioria de votos.Diante destes argumentos, meu voto é no sentido de se conhecer do presen-

te Mandamus, concedendo a Segurança pleiteada, confirmando a liminar anterior-mente deferida.

Aracaju/SE, 14 de novembro de 2001.Desembargadora Josefa Paixão de Santana,Relatora

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos o presente Mandado de Segurança, acordam,por maioria, os Desembargadores do Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Esta-do de Sergipe, em conhecê-lo, concedendo a segurança, nos termos do voto darelatora que fica fazendo parte integrante deste julgado.

Aracaju/SE, 14 de novembro 2001.Votaram com a relatora os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro

Franco, Clara Leite de Rezende, Gilson Góis Soares, Manuel Pascoal NabucoD�Ávila, Marilza Maynard Salgado de Carvalho, José Artêmio Barreto, Josefa Pai-xão de Santana, Roberto Eugênio da Fonseca Porto e os Juízes Cláudio DinartDéda Chagas, Osório de Araújo Ramos Filho e Ricardo Múcio Santana de AbreuLima. Presidiu a sessão o senhor Desembargador José Antônio de Andrade Goes.

ACÓRDÃO N° 3367/2001MS N°0199/2001RELATOR: Des. Fernando Ribeiro FrancoIMPETRANTES: Sindicato do Comércio Varejista de GênerosAlimentícios de Aracaju e Associação Sergipana de Supermer-cados.IMPETRADO: Exmo. Sr. Prefeito do Município de Aracaju.

EMENTA: Mandado de Segurança - Comércio varejista e su-permercados - Funcionamento nos finais de semana e feriados.Lei Municipal proibitiva e instituidora de multa - Prevalência daLei Federal - Inconstitucionalidade. Precedentes do STJ - Se-gurança deferida.- Inconstitucional, diante de precedentes da Superior Corte deJustiça e por confrontar Lei Federal que tem prevalência pararegrar o assunto, é a Lei Municipal que proíbe e institui multa aocomerciante varejista e proprietário de supermercado que fun-

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 139

cionam nos finais de semanas e feriados.- Mandado de segurança deferido.Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes asacima indicadas.

RELATÓRIO

Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios de Aracaju e Asso-ciação Sergipana de Supermercados impetraram a presente ação mandamentalcom pedido de liminar contra ato do Excelentíssimo Senhor Prefeito do Municípiode Aracaju.

Aduziram que a Lei Municipal nº 2929, de 21 de junho de 2001, sancionadapela autoridade impetrada, ao instituir multa àqueles que funcionam nos finais desemanas e feriados, afronta Lei Federal que rege a espécie.

Em síntese, dizem ainda que o propósito primordial da referida legislação �éde proibir, especificamente, o funcionamento dos supermercados aos domingos eferiados� e que tal, após tecer considerações a respeito da Norma Federal quedisciplina a matéria, enfatizando que a mesma tem prevalência sobre o ato impug-nado, fere mortalmente seu direito líquido e certo e é deverasmente abusivo.

Por fim, colacionando julgados a respeito do tema, encampadores de suatese, pugnam pela concessão de liminar e pelo deferimento definitivo da segurança,declarando-se inconstitucional a Lei Municipal nº 2929/2001.

Através do despacho de fls. 91/92, em período de férias forenses, o Exmo.Sr. Desembargador José Artêmio Barreto deferiu o pedido de concessão de liminare determinou a notificação da autoridade impetrada para prestar informações que,atendendo ao chamamento, prestou-as através de petição também subscrita porProcurador do Município (fls. 96/118).

Preliminarmente aduz que falta aos impetrantes interesse de agir, uma vezque a lei atacada não tem efeitos concretos, sendo, pois, o mandado de segurançameio impróprio para atacar lei em tese, como exatamente dispõe a Súmula nº 266,do STF.

Meritoriamente rechaça item por item a pretensão inserida na presente açãomandamental, notadamente asseverando que a lei atacada é constitucional, nãoofendendo direitos dos impetrantes. Ao final pugna pela denegação da segurança.

Mediante o acórdão de fls. 201/204 foi decidido agravo regimental interpostopelo Município gerido pelo impetrado.

A douta Procuradoria de Justiça, chamada a se pronunciar, em parecer delavra da doutora Maria Cristina da G. S. Foz Mendonça, subscrito e aprovado peloProcurador-Geral, entendendo que a lei em apreciação é inconstitucional, opinapela concessão da segurança, cujo resumo do parecer é o seguinte:

�Predomina a competência da União Federal, decorrente das exigênciassociais e econômicas contemporâneas, para legislar sobre atividades comerciaisvarejistas no território nacional. O interesse coletivo com alcance nacional prevale-

140 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

ce sobre o peculiar interesse do Município, cuja competência para legislar o assun-to e supletiva.�

Relatado suficientemente.

VOTO

A preliminar levantada pela autoridade impetrada centra-se na alegação deque não podem os impetrantes se insurgirem, mediante a via escolhida, contra leiem tese.

A questão é singela. É que a lei em apreciação apresenta-se-me como deefeitos concretos, uma vez que, tal qual salientou a Procuradoria de Justiça, �mes-mo considerando a ausência de regulamentação daquela norma à época daimpetração (a regulamentação sobreveio através do Decreto nº 271 de 03 de julhode 2001, publicado em 13 de julho de 2001), entendo que a lei por si só poderácausar efeitos concretos, tais como multas trabalhistas, ante a inobservância dosseus preceitos normativos�.

No caso em apreciação, como a lei proíbe e impõe multa pelo descumprimentoda proibição, tem ela efeitos concretos e imediatos, sendo, repita-se, atacávelmediante a via escolhida.

Rejeito a preliminar de carência de ação por falta de interesse de agir.Meritoriamente, data venia da autoridade impetrada, a razão está com os

impetrantes e com o Ministério Público de segunda instância que opinou favoravel-mente ao deferimento do writ.

A lei sob ataque dispõe dentre outras providências que �em casos de funcio-namento do estabelecimento comercial em horário diverso daquele previsto no �caput�do art. 1º (Lei nº 1.651/1990), aplicar-se-á multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais),sendo que se acrescentará o percentual de cem por cento em caso de reincidên-cia�.

O caput do art. 1º, ressalte-se, fixa horário e dia para funcionamento docomércio local, como sendo das 8 às 19 horas e de segunda a sexta-feira.

Acontece que a mencionada legislação municipal entra em rota de colisãocom a Lei Federal nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, quando, em seu art. 6o,autoriza o trabalho aos domingos e feriados, devendo ser observado o disposto noart. 30, inciso I, do CF.

O mesmo, no meu modo de entender, acontece com relação ao Decreto nº27.048/1949 que, inobstante não incluir os supermercados, já permitia o funciona-mento do comércio de vários varejistas. E é compreensível a não inclusão dossupermercados na listagem daquele decreto, posto tratar-se de uma legislação dadécada de quarenta.

Tem-se por inadmissível hoje em dia uma legislação, sob a roupagem deprotetora do trabalhador, retroceder a ponto de caminhar na contra-mão damodernidade. Os supermercados e as grandes lojas de departamento vendem detudo e nada mais são do que um prolongamento moderno dos antigos mercados epequenos comércios varejistas.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 141

Neste sentido vários precedentes da Superior Corte de Justiça, senão veja-mos:

�Supermercado. Funcionamento nos dias de repouso. Multa. Descabimentoda punição. O Decreto nº 27.048/1949, que regulamentou a Lei nº 605/1949, permi-te que o comércio de primeira necessidade funcione nos dias de repouso. Os mo-dernos supermercados beneficiam-se de tal orientação. Recurso especial conheci-do e provido.� (STJ, rel min. José de Jesus, DJ 7/10/1996, pág. 37602)

Mais recentemente o mesmo Superior Tribunal, em acórdão de lavra da mi-nistra Eliana Calmon, decidiu que �a legislação de regência, publicada em 1949,antes do comércio de super e hipermercados, não poderia incluí-lo na lista queexcepciona o funcionamento, para permitir o trabalho apenas dos mercados nosdomingos e feriados�. E disse mais que a �interpretação sistemática daexcepcionalidade, observado o decurso do tempo e a evolução dos hábitos e costu-mes da sociedade brasileira, que substituem os mercados pelo super ehipermercados�. (DJ 8/10/2001, pág. 00196)

Ao sancionar a lei em apreciação, não observou a autoridade coatora osaspectos dantes deduzidos. Contrariou assim a parte final da Súmula nº 419 daSuprema Corte que orienta que �os Municípios têm competência para regular ohorário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais váli-das�.

Estes argumentos, creio, são convincentes e suficientes para se terem comoinconstitucionais os §§ 2º e 3º, da Lei Municipal nº 2.929/2001, já que tais ofendemdireito líquido e certo dos representados pelos impetrantes.

Ex positis concedo a segurança na forma pleiteada, confirmando a liminarantes deferida, garantindo aos representados dos impetrantes o direito de exerce-rem suas atividades mercantis aos sábados, domingos e feriados, nos horários decostume.

É como voto.

ACÓRDÃO

Acordam os membros do Tribunal de Justiça, reunidos em sua composiçãoplena, por unanimidade, em conceder a segurança, nos termos do voto do relator.

Aracaju/SE, em 19/10/2001Votaram com o relator os senhores Desembargadores Clara Leite de Rezende,

Epaminondas Silva de Andrade Lima, Gilson Góis Soares, Marilza Maynard Salga-do de Carvalho, Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila, José Artêmio Barreto, RobertoEugênio da Fonseca Porto. Presidiu a sessão o senhor Desembargador José Antô-nio de Andrade Goes.

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA

142 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

ACÓRDÃO Nº 2872/2001CNC Nº 0009/2001RELATOR: Des. Fernando Ribeiro Franco.SUSCITANTE: Juízo de Direito da 1ª Vara Cível.SUSCITADO: Juízo de Direito da 19ª Vara Cível.

EMENTA: Conflito negativo - Resolução nº 008/2000 - Restriçãoda competência das varas privativas - Ente público estadual,municipal e pessoas jurídicas a eles vinculados - Modificaçãoda competência. Em razão da pessoa. Absoluta - Perpetuatiojurisdictionis - Não aplicação - Conflito resolvido.- Havendo alteração da competência referente aos feitos quetramitam perante as Varas Privativas da Fazenda Pública, auto-rizando somente o trâmite daqueles relativos ao ente públicoestadual, municipal e pessoas jurídicas a eles vinculados, mo-dificando-a em razão da pessoa, competência absoluta portan-to, aplica-se a exceção ao art. 87 do CPC, afastando-se a regrada perpetuatio jurisdictionis, remetendo-se os autos em conflitonegativo ao Juízo da 1ª Vara Cível desta Comarca.- Conflito negativo resolvido.

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas.

RELATÓRIO

Suscita o Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Aracaju conflito negativo decompetência em face do Juízo da 19ª Vara Cível ter declinado da competência parajulgar e processar o feito de nº 19981190118-5, onde litigam Machado e RosembergLtda. e outros contra o Banco do Brasil S/A.

Entende o suscitante, inicialmente, que a alínea �a�, inciso I, art. 76, doCódigo de Organização Judiciária c/c a alínea �a�, inciso I, art. 4º, da Resolução nº012/1998, autorizavam às Varas da Fazenda Pública, privativamente, oprocessamento e julgamento de feitos onde litigavam as sociedades de economiamista federal.

Contudo a Resolução nº 0008/2000, segundo expõe, excluindo daquelacompetência as cooperativas e instituições previdenciárias, não se mostrou sufici-entemente esclarecedora quanto à exclusão, também, das sociedades de econo-mia mista federal.

Aduz, por outro lado, que mesmo se afastando as causas relativas às soci-edades de economia mista federal, inicialmente o Juízo competente era o da 19ª

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 143

Vara Cível, adequando-se ao art. 87 do CPC e não sendo o caso de competênciaem razão da matéria ou da hierarquia, portanto absoluta, perpetuando-se, então, ajurisdição.

Solicitadas informações ao Juízo suscitado, o mesmo as prestou através doexpediente de fl. 09, adunando cópia da Resolução nº 0008/2000.

Enviado os autos à douta Procuradoria de Justiça, às fls. 14/16 pronunciou-se a doutora Maria Luíza Vieira Cruz pela improcedência do conflito negativo decompetência.

É o relatório.

VOTO

Devidamente instruído comporta conhecimento o conflito negativo de compe-tência.

Discute-se se a Resolução nº 008, de 10 de outubro de 2000, alterando aResolução nº 012, de 23 de dezembro de 1998, que havia modificado a redação, daalínea �a�, art. 76, do Código de Organização Judiciária, excluiu as sociedades deeconomia mista federal e, assim sendo, se existe a perpetuação da jurisdiçãosobre os feitos que antes tramitavam pelo Juízo Privativo da Fazenda Pública.

A redação originária estava assim disposta:�Art. 76 - Aos Juízes da 3ª e da 12ª Varas Cíveis compete por distribuição:I - Privativamente, processar e julgar:a) as causas em que o Estado de Sergipe, o Município de Aracaju/SE,

autarquias, empresa públicas, sociedades de economia mista, cooperativas e ins-tituições de previdência, forem autores, réus e intervenientes;�

Desta redação para a atual ficou assim modificado o dispositivo:�Art. 76 ...(...)a) as causas em que o Estado de Sergipe, o Município de Aracaju/SE, suas

Autarquias, Empresa Públicas, Sociedades de Economia Mista, forem autores,réus e intervenientes;�

Quer dizer, restringiu-se o processamento e julgamento dos feitos aos entesde direito público estadual e municipal, bem como àquelas pessoas jurídicas a elesvinculados, afastando-se, igualmente, as cooperativas, instituições de previdênciae qualquer outra sociedade de economia mista, restando demonstrado que houverarealmente a alteração da competência.

No que toca à perpetuação da jurisdição, vê-se que a modificação da compe-tência se deu em razão da pessoa (ratione personae), portanto competênciaabsoluta, não comportando a regra do art. 87 do CPC, competência relativa que é,e sim a exceção nele disposta.

Neste sentido trago à colação lição do renomado Ernane Fidélis dos Santos,in Manual de Direito Processual Civil, Vol. 1, 7ª edição, 1999, lição esta extraída doparecer da doutora Maria Luíza Vieira Cruz, à fl. 15; vejamos:

�Na previsão do art. 87, inclui-se também a competência pela qualidade das

144 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

pessoas, tratada no Código como funcional, já que apenas interesse de ordempública superior faz com que tenham foro especial. Se amanhã à Justiça Federalse estender o conhecimento de causas onde tenha interesse as sociedades deeconomia mista também, a competência se deslocará imediatamente.�

A jurisprudência não se afasta do entendimento acima esposado, senão ve-jamos:

�O princípio da perpetuatio jurisdictionis só admite a modificação posteri-or nas hipóteses de competência absoluta (material ou funcional). (RT 539/107)�(Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil em vigor, 5ªedição, Revista dos Tribunais).

Assim sendo, e encampando o parecer ministerial de segunda instância,resolvo o conflito negativo de competência, declarando competente o Juízo da 1ªVara Cível desta Comarca para o processamento e julgamento do feito de nº1998119001185, onde são partes Machado e Rosemberg Ltda. e outros e Banco doBrasil S/A.

É como voto.(Continuação do Acórdão do Conflito Negativo de Competência nº 0009/2001)

ACÓRDÃO

Acordam os integrantes do Tribunal de Justiça, reunidos em sua composi-ção plena, por unanimidade, em resolver o conflito para declarar competente oJuízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Aracaju/SE, nos termos do voto do Relator.

Aracaju/SE, em 28/11/2001Votaram com o relator os senhores Desembargadores Clara Leite de Rezende,

Epaminondas Silva de Andrade Lima, Gilson Góis Soares, Manuel Pascoal NabucoD�Ávila, José Artêmio Barreto, Josefa Paixão de Santana e Roberto Eugênio daFonseca Porto. e os Juízes Osório Ramos de Araújo Filho , Cláudio Dinart DédaChagas e Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima. Presidiu a sessão o senhorDesembargador José Antônio de Andrade Goes.

ACÓRDÃO Nº 2936/2001CNC Nº 0012/2001RELATOR: Des. José Barreto PradoRELATOR DESIGNADO: Juiz Osório de Araújo Ramos FilhoSUSCITANTE: Juízo de Direito da 1ª Vara Privativa de Assis-tência Judiciária da Comarca de São Cristóvão/SESUSCITADO: Juízo de Direito da Comarca de São Cristóvão/SE

EMENTA: Conflito de Competência - Vara Privativa de Assistên-

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 145

cia Judiciária - Art. 16 da Resolução nº 12/1998 do TJ/SE - Com-petência relativa - Precedentes desta Corte.Conflito que se conhece para declarar a competência do Juízode Direito da Vara Cível da Comarca de São Cristóvão para pro-cessar e julgar o feito.Decisão unânime.

Vistos e examinados os presentes autos de Conflito Negativo de Competên-cia de nº 0012/2001, em que figura de Suscitante o Juízo de Direito da 1ª VaraPrivativa de Assistência Judiciária da Comarca de São Cristóvão/SE e, de suscita-do, o Juízo de Direito da mesma comarca.

RELATÓRIO

Verifica-se, no caso sub judice, que o Juiz de Direito da Comarca de SãoCristóvão, entendendo ser absolutamente incompetente para processar e julgarAção de Exibição de Documentos c/c Anulação, com pedido de assistência judici-ária gratuita, remeteu os referidos autos à 1ª Vara Privativa de Assistência Judiciá-ria da mesma Comarca. Este Juízo suscitou o presente conflito, por entender que:�Demonstrada a competência relativa deste Juízo, traz-se à evidência a regra doartigo 114 do estatuto Processual Civil, por força do qual se prorroga a competênciado juízo em não oposta exceção de competência pelo réu, posto que, em sendocompetência relativa, não compete ao Juiz declinar de ofício da sua competência.�

Instado a se manifestar, o suscitado apresentou as informações de fl. 08.Às fls. 11 usque ad 14, manifestou-se a Procuradoria Geral de Justiça,

opinando pela procedência do conflito levantado, para que seja reconhecida a com-petência do Juízo suscitado.

É o Relatório.

VOTO

Analisando os autos, percebe-se que o presente conflito se originou por en-tender o Juízo suscitante, Juízo de Direito da 1ª Vara de Assistência Privativa deJustiça que a competência das Varas de Assistência Judiciária é relativa e, assim,a Vara Cível da Comarca de São Cristóvão possui idêntica competência a da sua.

Por outro lado, o Juízo suscitado, Juízo de Direito da Vara Cível da Comarcade São Cristóvão, reconheceu ex offício a sua incompetência absoluta, respalda-do no artigo 16 da Resolução nº 12/1998 deste Egrégio Tribunal em razão de umadas partes ter pleiteado a assistência judiciária.

O sistema processual civil vigente reza que as competências em razão dovalor e do território são relativas, enquanto que as ratione materiae e rationepersonae são absolutas.

Preceitua a Resolução nº 012/1998:

146 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Art. 16 - Aos Juízes de Direito das Varas Privativas de Assistência Judiciáriacompete, privativamente, processar e julgar os feitos cíveis em que tenha sido con-cedido ao autor o benefício da Assistência Judiciária.

O artigo transcrito acima não se refere à competência absoluta das VarasPrivativas, posto não se referirem a competência em razão da matéria ou em razãoda pessoa. Diz, tão-somente, que as referidas Varas são privativas para osbeneficiários da Assistência Judiciária, ou seja, para os que não podem arcar comas custas e despesas processuais. A palavra privativamente deve ser entendidacomo especial, exclusiva. Exclusividade esta, que deve ser entendida como a dosnecessitados e não a de excluir outro Juízo que possa julgar a causa daqueles.

Penso como a douta Desª Clara Leite de Rezende que no julgamento doConflito de Competência nº 06/2001, assim se expressou:

�Ao dizer que ditos juízos privativos o são para a parte autora a quem fordeferido o benefício da gratuidade da justiça, não se está estabelecendo uma com-petência em razão da pessoa, por um simples e fundamental argumento: não levaem conta prerrogativa de função, que é o critério norteador da mesma. De outraparte, não há que se falar em competência ratione materiae, pelo simples fato deque a norma referida disso não trata, posto ser possível a impetração de qualquerfeito cível nas citadas varas de assistências, excetuando-se as causas também decompetência absoluta (Fazenda Pública, Acidente de Trabalho, Vara da Criança edo Adolescente, etc.), bastando que a parte autora seja pobre na forma da lei. Daí,dessume-se com clareza: a competência in casu, está determinada em razão dacondição econômica.

�...a interpretação a ser levada a contento, é no sentido de que a vara deassitência judiciária, realmente é privativa para os que forem pobres na forma da lei,objetivando propiciar um acesso melhor à Justiça. As varas privativas existem parabeneficiá-los, mas os beneficiários não são obrigados a ter que impetrar suas cau-sas somente nas mesmas, podendo ajuizá-las em qualquer outro juízo igualmentecompetente em razão da matéria, não devendo ser prejudicados por sua exclusivi-dade.�

Neste sentido, também entende a douta Procuradora de Justiça, Dra. MariaLuiza Vieira Cruz, em seu parecer, verbis:

�Bem interpretando o aludido dispositivo, conclui-se pela definição da com-petência das Varas de Assistência Judiciária, como relativa, por não se configurarali a ratione materiae. Destarte, a Vara de Assistência Judiciária de São Cristó-vão possui idêntica competência da Vara Cível da mesma Comarca.

Assim, em se tratando de competência relativa, resta demonstrado o princí-pio da perpetuatio jurisdictionis, consagrado pelo art. 87 do Estatuto ProcessualCivil, como ressaltado pela juíza suscitante em suas elaboradas considerações.�

Esta Egrégia Corte de Justiça vem decidindo nesse mesmo sentido, confor-me as ementas a seguir transcritas:

�Conflito Negativo - Vara Privativa de Assistência Judiciária - Competênciarelativa - Precedentes desta Corte (Acórdãos nos 2288, 2287 2286 e 2285/1999 e807/2000) - Competência do juízo suscitado - Decisão unânime.� (Acórdão nº 1753/2001. Conflito de Competência nº 13/2001- rel. Des. Roberto Eugênio da Fonseca

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 147

Porto)�Ação Declaratória de Nulidade de Ato Judicial. Autor beneficiário da Justiça

Gratuita. Competência concorrente entre a Vara Cível de São Cristóvão e a Vara deAssistência Judiciária Gratuita da mesma Comarca. Interpretação do art. 75 doCódigo de Organização Judiciária do Estado de Sergipe conforme a ConstituiçãoFederal. Precedentes da Casa (Agravos de Instrumento nº 175/1999 e 185/1999). Acompetência das Varas de Assistência Judiciária estabelecida pelo art. 75 da Lei nº2.246/1979, com a redação dada pela Lei Estadual nº 2.529/1985 c/c o art. 16 daResolução 12/1998 do TJ/SE, não sendo ratione materiae, não pode ser qualifi-cada de absoluta, eis que se assim o fosse estaria a lei criando competência emrazão da condição econômco-social das partes, acarretando sua inconstitucionali-dade. A privatividade de que fala a lei só pode ser interpretada como privilégio dohipossuficiente e não como discriminação do seu acesso à Justiça, em razão dasua situação econômica desfavorável, o que redundaria em contratar o próprio fimda Lei de Assistência Judiciária Gratuita. Competência do juízo suscitado paraprocessar e julgar o feito. Decisão unânime.� (Acórdão nº 1883/2001. Conflito deCompetência nº 06/2001- Rel. Desª Clara Leite de Rezende)

Diante de tais razões, voto no sentido de que este processo deve ser julgadopelo Juízo suscitado.

ACÓRDÃO

Frente ao exposto, acordam os membros deste Tribunal, em sua composi-ção Plena, unanimemente, declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Cívelda Comarca de São Cristóvão para julgar o feito.

Aracaju/SE, 5 de dezembro de 2001.Votaram com o relator os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro Fran-

co, Clara Leite de Rezende, Gilson Góis Soares, Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila,Marilza Maynard Salgado de Carvalho, José Artêmio Barreto, Roberto Eugênio daFonseca Porto, e o Juiz Cláudio Dinart Déda Chagas. Presidiu a sessão o senhorDesembargador José Antônio de Andrade Goes.

REVISÃO CRIMINAL

ACÓRDÃO N° 1884/2001RCR N° 0007/2001.RELATOR: Des. Fernando Ribeiro FrancoREQUERENTE: José Gervásio de Jesus Santos.REQUERIDA: A Justiça Pública.

148 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

EMENTA: Revisão Criminal - Preliminar - Não conhecimento -Petição escrita e assinada por terceiro - Ilegitimidade configu-rada - Acolhida - Unânime.- Fica configurada a ilegitimidade do revisionando, quando de-monstrado que o pedido de revisão foi escrito e assinado porterceiro usando seu nome como se esse fosse.- Revisonal não conhecida.- Decisão unânime.

RELATÓRIO

Cuida-se de revisão criminal intentada por José Gervásio de Jesus Santos,que tem por finalidade a desconstituição de sentença ou reduzida a pena proferidae imposta pelo Juízo da Vara Criminal da Comarca de Estância, que, julgandoprocedente a denúncia, condenou-o a dezessete anos e seis meses de reclusão,pelo cometimento do crime e apenação previsto no art. 213 c/c arts. 224, alínea �a�,226, inciso II e 69, todos do Código Penal, encontrando-se hoje recolhido ao refor-matório penal.

Apontando como fundamento da presente revisão o inciso I do art. 621 e 622do CPP, �aduz o requerente que a sentença fustigada se lhe afigura contrária àevidência dos autos, posto inexistirem provas e indícios comprobatórios e sua par-ticipação no delito�.

Por entender necessário, determinei fossem apensados a estes os autosoriginários da indigitada ação penal.

A Procuradoria de Justiça, por intermédio da doutora Maria Eugênia da SilvaRibeiro, através do parecer que se juntou às fls. 15B/18, preliminarmente opina pelonão-conhecimento da revisional, diante da ilegitimidade do requerente, tendo emvista que a petição foi escrita e assinada por terceiro, sem habilitação profissionalpara tanto. Quanto ao mérito, opina pela improcedência da revisão, ficando assimresumida sua opinião:

�Revisão criminal - Pedido baseado em o art. 621, I c/c o art. 626 do CPP.Estupro: Art. 213 c/c os arts. 224, alínea �a�, 226, inciso II e 69, todos do

Código Penal.Preliminarmente: Ilegitimidade ativa - Pedido feito por terceiro usando o nome

do acusado, como se esse fosse - Inteligência do art. 623, do CPP - Não-conheci-mento do pleito revisional.

Prova embasadora da condenação não manifestamente contrária à provados autos.

Decisum rescidendo que merece ser confirmado in integrum, por seuspróprios e jurídicos fundamentos.

Não-conhecimento do pedido revisional. Se conhecido, pelo seuimprovimento.�

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 149

É o relatório.À douta revisão.Aracaju/SE, em 29/08/2001.Desembargador Fernando Ribeiro Franco.

VOTO

Forçoso reconhecer que se impõe o não-conhecimento da presente revisão,uma vez que não preenchidos os requisitos formais de sua admissibilidade, porqueausente uma das condições da presente ação.

É de ser acolhida, portanto, a preliminar suscitada pela douta Procuradoriade Justiça.

Motivadoras de meu juízo, nada além das razões trazidas no parecer dadouta Procuradoria de Justiça, há mais que ser argumentado para se concluir pelailegitimidade do revisionando, senão vejamos.

A priori, diga-se que a revisão sub oculo não deverá ser conhecida, apesarde referir-se a decisum condenatório com trânsito em julgado (consoante Certidãode fl. 238) e fulcrar-se em uma das hipóteses elencadas em o art. 621, do Códigode Processo Penal.

Confere o art. 623, do CPP, capacidade ao próprio acusado para postular emnome próprio, isto é, promover direta e pessoalmente o seu pedido revisional, semassistência de advogado; entretanto, frise-se: somente o próprio condenado podefazê-lo e não terceiro.

In casu, da análise da petitio de fls. 02/03, observa-se que o pedido revisionalfoi escrito e assinado por terceiro, em nome do apenado, e não pelo próprio senten-ciado. Tal assertiva pode ser comprovada pela simples confrontação da assinaturaali lançada com outras constantes nos autos, feitas pelo próprio punho do Acusado(fls. 28, 41 v., 59, 104, 108, 110, 111, 143, 160, 189, 191e 235). A discrepânciaexistente, aliás, afigura-se-nos evidente, facilmente aferível, prescindindo até mes-mo da realização de exame grafotécnico.

Assim é que, diante da ilegitimidade ativa do requerente para a impetração(ausente, destarte, uma das condições da ação), só nos resta concluir pelo nãoconhecimento do pleito revisional, por ser o seu autor carecedor de ação.

Nesse sentido, preceitua reiterada jurisprudência tribunalícia pátria, in verbis:�A inicial pode ser feita por intermédio de advogado, ou pelo próprio réu ou

pessoas enumeradas no art. 623 do CPP. Não se admite, porém, que terceiroescreva e assine o pedido usando do nome do apenado e como se esse fosse. Nãoconheceram.� (RJTJRGS 67/27).

�Revisão Criminal - Forma - Pedido apócrifo ofertado em nome do condenado- Inteligência do art. 623 do CPP - Não conheceram.� (RJTJRGS nº 168/1939).

Com inteira razão a ilustre parecerista. É o que ocorreu no presente caso,razão porque, diante do exposto, acolho a preliminar de não conhecimento da revi-são criminal suscitada pela douta Procuradoria de Justiça.

É como voto.

150 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

(Continuação do Acórdão da Revisão Criminal nº 0007/2001)

ACÓRDÃO

Acordam, os membros do Tribunal de Justiça, reunidos em sua composiçãoplena, por unanimidade, em acolher a preliminar de não-conhecimento da revisão,nos termos do voto do relator.

Aracaju/SE, em 29/8/2001.Votaram com o relator os senhores Desembargadores Clara Leite de Rezende,

Epaminondas Silva de Andrade Lima, Gilson Góis Soares, Manuel Pascoal NabucoD�Ávila, Marilza Maynard Salgado de Carvalho, José Artêmio Barreto, Josefa Pai-xão de Santana e Roberto Eugênio da Fonseca Porto, e os Juízes Cláudio DinartDeda Chagas e Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima. Presidiu a sessão o senhorDesembargador José Antônio de Andrade Goes.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 151

CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS

EMBARGOS INFRINGENTES

ACÓRDÃO Nº 2304/2001EI Nº 0006/2001RELATOR : Des. Manuel Pascoal Nabuco D�ÁvilaEMBARGANTE: Prudente Filho e Cia LtdaEMBARGADO: Vilson Santana Santos

EMENTA: Processo Civil - Ação de Indenização - Não compro-vação do dano moral e culpa dos embargantes - Notitia Criminis- Recurso provido.1. Para que haja o direito ao ressarcimento é preciso a ocorrên-cia do tríplice requisito: o prejuízo, ato culposo do agente, nexocausal entre o referido ato e o resultado lesivo.2. Uma vez descaracterizada a denunciação caluniosa não háo que se indenizar.3. In casu, agiu o embargante no exercício regular de direito.

152 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

4. Recurso conhecido e provido à unanimidade.Adoto o Relatório de fls. 195/196.

VOTO

A discussão do caso sub judice cinge-se a se determinar como lícita, ouilícita, a postura da empresa/embargante adotada em representação criminal, aoindicar o embargado como suspeito do crime de estelionato praticado nas suasdependências e em seu prejuízo.

Não se deve confundir a denunciação caluniosa, que poderia dar margem aopagamento da indenização pretendida pelo Embargado, com a conduta de quemsolicita à autoridade que investigue delito, fornecendo-lhe os dados que possui arespeito do ilícito.

Da análise dos autos percebo que a acusação contra o Embargado, naqueleprocesso criminal, não foi despropositada. O fato delituoso, traduzido pelo desfal-que do dinheiro, realmente ocorreu. A esposa do embargado foi condenada comoresponsável pelo crime e ele fora acusado por ser o caixa do Banco Mercantil dePernambuco encarregado do recolhimento do dinheiro furtado para depósito no re-ferido estabelecimento bancário. Melhor, o Embargado recolhia das mãos da espo-sa a importância diária e depositava no banco onde trabalhava.

Carlos Bittar, em seu livro Reparação Civil por danos morais, nº 7, p.41,assim escreveu:

�Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade,ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador,havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da persona-lidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoraçãoda pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social).

Regra geral, no plano do dano moral, é a de que não basta o fato em si doacontecimento, mas sim, a prova de sua repercussão, prejudicialmente moral.

Yussef Said Cahali, em sua obra Dano Moral, 2ª Ed., p. 291, assim leciona,litteris:

�Denunciação caluniosa, perante o nosso Código, é o crime de quem, malafide, atribui falsamente a pessoa individuada uma determinada infração penal (cri-me ou contravenção), provocando contra o acusado a atividade policial ou judicial.�

Bem se expressou o representante do parquet ao concluir que o embarganteagiu no exercício regular do direito, in verbis:

�Como já visto, creio estar suficientemente demonstrado que as circunstân-cias fáticas que envolveram o crime em tela, informam suporte indiciário capaz deensejar a conclusão acerca da autoria chegada pelo preposto da embargante naRepresentação Criminal levada a efeito. Assim, por certo que a embargante agiu noexercício regular de direito�

Do artigo intitulado �Reflexões sobre o dimensionamento do dano moral,para fins de fixação indenizatória�, destaco o seguinte:

�Há, pois, dois aspectos mensuráveis na avaliação do dano moral para fins

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 153

indenizatórios, os quais devem ser observados em separado, mas aplicados cumu-lativamente, quando for o caso: um interno - corpo e alma - , que pode ser resolvidocom o suporte da medicina legal e outro, externo - repercussão social - que depen-derá do prudente arbítrio do julgador�.(RT. 702/261)

Sobre as formas que se pode fazer a reparação do dano, bem se expressouAguiar Dias:

�A reparação se pode fazer de duas formas: restituição das coisas ao estadoanterior, ou reparação natural e reparação pecuniária, cabível quando ocorre, dequalquer forma, impossibilidade de reintegração do estado anterior. Essa impossi-bilidade tanto pode ocorrer pela incapacidade do homem para a restituito como pelodesaparecimento irremediável das condições de existência da situação anterior.Com o ressarcimento do dano moral não se pretende refazer o patrimônio, quepertence íntegro, mas dar à pessoa lesada uma satisfação, que lhe é devida pelasensação dolorosa que sofreu�.

Para que haja o direito ao ressarcimento, é preciso a ocorrência do tríplicerequisito: o prejuízo, ato culposo do agente, nexo causal entre o referido ato e oresultado lesivo. Outrossim, é fundamental o ônus de provar os elementos citados,o que não fora feito no presente processo.

Cabe ao Magistrado juízo de valor sobre a ofensividade da matéria e a avali-ação dos danos morais internos, de comprovação indireta, visto que as testemu-nhas somente poderão constatá-los dessa forma.

Indiscutível, também, a meu ver, a caracterização no contexto probatório deelementos que permitam aos magistrados valorar a conduta do ofensor no planosubjetivo (dolo ou culpa), também pela mesma razão, pois o dolo agrava o valor daindenização.

A jurisprudência dominante entende ser necessário o dolo específico paracaracterizar a denunciação caluniosa, in verbis:

�Configura-se o crime de denunciação caluniosa através do dolo específico,onde o denunciante tem a consciência de que não existiu o fato e, mesmo assim,acusa alguém inocente, dando causa a investigação policial ou processo criminal.Inexistindo dolo específico, descaracterizado está o delito.� (2/12/1996, RT. 739/586)

Assim, entendo que não ocorreu o ato ilícito capaz de gerar a obrigação deindenizar. Ao contrário, existiu uma conduta lícita, pois o embargante agiu no exer-cício regular de direito, tese elogiada pela Juíza a quo (fls. 131/134), pelo votovencido (fls. 167/169), e pelos doutos Procuradores de Justiça (fls. 152/155 e fls.190/193).

Daí porque voto pelo provimento dos presentes embargos.É como voto.Aracaju/SE, 4 de outubro de 2001

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes embargos infringentes, acor-

154 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

dam, à unanimidade, os Desembargadores das Câmaras Cíveis Reunidas do Tribu-nal de Justiça do Estado de Sergipe, em dar-lhe provimento.

Aracaju/SE, 4 de outubro de 2001.Votaram com o relator os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro Fran-

co, Clara Leite de Rezende, Epaminondas Silva de Andrade Lima, Roberto Eugênioda Fonseca Porto e o juiz Ricardo Múcio de Abreu Lima.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 155

PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO

ACÓRDÃO Nº 2718/2001AGR Nº 0488/2001RELATOR: Des. Roberto Eugenio da Fonseca PortoAGRAVANTE: Aracaju Gayme Ltda.AGRAVADO: Ministério Público Estadual

EMENTA: Agravo de instrumento - Liminar em ação civil públi-ca que proíbe a exploração comercial de máquinas caça-níqueiscom a determinação de lacre e fixação de multa - Natureza daliminar - Preenchimento de seus requisitos - Previsibilidade le-gal - Princípios da atividade econômica e da defesa do consu-midor - Compatibilidade - Defeito do serviço atestado por laudoque compromete a atividade e causa danos de difícil reparaçãopara o consumidor.- A liminar, na lei da ação civil pública, está prevista de duas for-

156 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

mas. Na primeira delas, a liminar poderá ser concedida dentrode uma ação cautelar, preparatória ou incidental. Na segunda,poderá ser concedida de forma direta, no bojo da própria açãocivil pública.- É preciso dizer, em rápida passagem pela natureza jurídica damedida liminar em ação civil pública, o caráter administrativo-cautelar que ela possui, tendo como função precípua tutelar oprocesso, ainda que para isso, por vias transversas, possa vira promover a antecipação do conhecimento do mérito (ReisFriede).- É preceito fundamental previsto na Constituição Federal, o li-vre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desdeque atendidas as qualificações profissionais estabelecidas emlei (art. 5º, XIII, CF). De igual modo, caberá ao Estado promover,na forma da lei, a defesa do consumidor (art. 5º, inciso XXXII,CF), sendo a atividade econômica também regida pelo princí-pio da defesa ao consumidor (art. 170, inciso V, CF).- É certo que o trabalho deverá ser exercido em conformidadecom a lei em vigor, não cabendo a ela qualquer discriminação.Atividade que se desenvolve com os jogos de azar, de acordocom os parâmetros dos autos, não pode ser considerada lícita,pois afronta o direito de consumidor na medida em que estácomprovado o defeito na prestação do serviço com o conse-qüente lucro arbitrário, reprimido pelo ordenamento jurídico vi-gente. - Improvimento do recurso - Decisão unânime.

RELATÓRIO

Vistos, examinados e discutidos os autos acima identificados.Trata-se de um Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo inter-

posto pela empresa Aracaju Gayme Ltda, em razão da decisão proferida pelo Juízode Direito da 11ª Vara Cível da Comarca de Aracaju nos autos da Ação Civil PúblicaDeclaratória c/c Obrigação de não fazer proposta pelo Ministério Público do Estadode Sergipe.

A decisão liminar combatida, de cópia acostada ao instrumento, proibiu aexploração comercial das máquinas caça-níqueis, determinando o seu lacre. Fi-xou, ainda, multa diária para o caso de descumprimento do comando judicial.

Em suas razões, o recorrente suscita, preliminarmente, que a liminar traz

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comando extra petita, já que determinou o lacre do maquinário pela Justiça eimpôs multa sem haver pedido neste sentido pelo agravado na exordial.

Na matéria que diz respeito aos requisitos da liminar - fumus boni iuris e opericulum in mora - levanta a ausência destes pressupostos. Argumenta que osdocumentos constantes dos autos comprovam que as máquinas foram devidamen-te periciadas pelo Instituto de Criminalística da Secretaria de Segurança PúblicaEstadual, laudos estes elaborados por determinação judicial. Invoca, ainda, lesão àordem pública e existência do periculum in mora inverso.

Ao apreciar o efeito suspensivo, o Desembargador Artêmio Barreto, exercen-do a relatoria por ocasião das férias forenses, deferiu o pedido por entender presen-te o requisito exigido pelo art. 558 do CPC.

Devidamente intimado, o agravado apresentou suas contra-razões, alegandoinicialmente o cabimento do pedido liminar de busca e apreensão em Ação CivilPública, �vez que na ação civil pública o art. 4º menciona expressamente o fimvisado com a ação cautelar, ou seja, evitar danos, onde a liminar concedida nestaordem, também possui uma função acautelatória, podendo ser simplesmente cautelarou cautelar satisfativa�.

No que se refere à existência de coisa julgada, diz que a matéria que sediscutiu no Mandado de Segurança nº 100/1999 foi a manutenção de uma PortariaJudiciária e não a ilegalidade do uso das máquinas.

Ressaltou, ainda, que as máquinas de caça-níqueis constituem jogos deazar, onde os apostadores contam com a sorte para auferir dinheiro, sendo portantocontravenção penal, passível de proibição judicial.

Foram prestadas as informações pelo Juízo a quo.A Procuradoria de Justiça opinou pelo improvimento do recurso.É o relatório.

VOTO

O recurso interposto apresenta-se tempestivo e devidamente preparado, es-tando preenchidos, ainda, os pressupostos de admissibilidade estampados nosarts. 524 e 525, da Lei Adjetiva Civil, merecendo assim ser conhecido.

Já me pronunciei sobre as matérias levantadas neste recurso em agravosanteriores que visavam combater a mesma liminar ora agravada.

O Ministério Público Estadual, no uso de suas atribuições constitucionais,tenta impedir a atividade comercial que envolve as máquinas caça-níqueis, atravésde uma ação civil pública.

Tendo em mira a ilegalidade da prática comercial atualmente adotada, fulcradoem laudo pericial que indica as irregularidades do jogo e a abusividade econômicapor parte do comerciante, é que o Ministério Público ajuizou a ação referida, visan-do preservar o consumidor, ou seja, todo aquele que se utilizada de produtos, ativi-dades ou serviços de outrem, merecendo proteção do Estado (CF, arts. 5º, XXXII, e170, V).

As razões iniciais e os documentos apresentados convenceram a Magistrada

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a quo, que deferiu o pedido liminar conduzida com os seguintes fundamentos des-tacados:

�No Inquérito Administrativo instaurado para apurar as condições técnicasdas referidas máquinas, ficou sobejamente comprovado que algumas se encontramadulteradas, enquanto outras podem facilmente ser violadas para manipulação doresultado das jogadas, constatação feita pela Polícia Federal, após minucioso exa-me técnico realizado.

Constatou-se, efetivamente, que a margem de erro é mais de 80%, enquantoa possibilidade de acerto beira o percentual de 17%, o que deixa evidente que asjogadas realizadas nas máquinas denominadas caça-níqueis não se prestam àdemonstração de habilidade do jogador, ao contrário, demonstram que dependemunicamente da sorte dos usuários destas máquinas.

Ocorre que, além da constatação feita por técnicos da Polícia Federal emrelação à possibilidade de manipulação dos programas para adulterar os resulta-dos, não é tal atividade legalizada e nem mesmo fiscalizada pelo Poder Público.

Enfim, trata-se de atividade ilícita, uma vez que explora jogo considerado deazar, prática nociva e perigosa, que se instalou definitivamente em nossa cidade eque vem sendo combatida em vários Estados do País, conforme notícias veicula-das através da mídia�.

O recurso em análise traz, preliminarmente, a alegação de decisão extrapetita, em razão da impossibilidade de se conceder busca e apreensão ou mesmoo lacre de máquinas e multa na ação civil pública.

O argumento é totalmente improcedente e desvencilhado do fim a que sebusca na ação em destaque.

A ação civil pública - objeto do presente tópico - encaixa-se na fase denomi-nada por Cappellleti de �segunda onda de abertura do acesso à justiça�, que procu-ra traduzir um momento retirado do processo histórico que o fez possível, no qual aatuação em juízo passa a ser feita também pelas entidades intermediadoras dosinteresses difusos e coletivos. (apud, Reis Friede, Medidas Liminares, ForenseUniversitária, p. 241).

No tema referente à liminar, expõe Reis Friede em sua obra:�A liminar, na referida lei, está prevista de duas formas. Na primeira delas, a

liminar poderá ser concedida dentro de uma ação cautelar, preparatória ou incidental.Na segunda, poderá ser concedida de forma direta, no bojo da própria ação civilpública.

A possibilidade de ajuizamento da ação cautelar está prevista no art. 4º daLei nº 7.347/1985: �Art. 4º. Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta lei,objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens edireitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.�

Já no art. 12 está prevista a concessão direta de liminar: �Art. 12. Poderá ojuiz conceder mandado liminar com ou sem justificação prévia, em decisão sujeitaa agravo.�

No Código de Defesa do Consumidor, a possibilidade de concessão de liminarestá prevista no art. 84, § 3º, que assim dispõe: �Sendo relevante o fundamento dademanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao

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juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.�Ressalte que em ambas as ações (civil pública e de defesa do consumidor),

o juiz poderá, juntamente com a concessão da liminar, impor ao réu o pagamentode uma multa diária para o caso de descumprimento da ordem (art. 12, § 2º, da Leinº 7.347/85 e art. 84, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor)�. (ob. Cit. P. 242)

Como se vê, não há óbice para a concessão da liminar no bojo da ação civilpública. Não afronta, de igual modo, o pedido a ordem de lacre das máquinas. Talprovidência decorre do Poder ínsito ao Magistrado para assegurar o cumprimentoda decisão. Segue o mesmo raciocínio a imposição de multa que, como dito peloautor, está prevista em lei, constuindo-se em um dos meios de coação que se podevaler o juiz para forçar o devedor da obrigação de fazer ou não fazer, a cumprir como que determinou. Com essa multa diária mais difícil torna-se ao obrigado permane-cer na teimosia em não cumprir com a sua obrigação.

Por essas razões, considero possível o manejo da liminar no bojo da açãocivil pública com as providências que lhe foram determinadas, rejeitando, pois, apreliminar suscitada.

Chegando ao mérito do recurso, não encontro razões suficientes para cas-sar a liminar em exame, dada que foi em sede de antecipação de tutela.

É preciso, neste passo, dizer, em rápida passagem pela natureza jurídica damedida liminar em ação civil pública, o caráter administrativo-cautelar que ela pos-sui, tendo como função precípua tutelar o processo, ainda que para isso, por viastransversas, possa vir a promover a antecipação do conhecimento do mérito. (ReisFriede, ob. cit., p. 249).

No que toca à ilegalidade do jogo comercializado, há princípios de ordemconstitucional que precisam ser destacados.

É preceito fundamental previsto na Constituição Federal, o livre exercício dequalquer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidas as qualificações profis-sionais estabelecidas em lei (art. 5º, XIII, CF).

De igual modo, caberá ao Estado promover, na forma da lei, a defesa doconsumidor (art. 5º, inciso XXXII, CF), sendo a atividade econômica também regidapelo princípio de defesa ao consumidor (art. 170, inciso V, CF).

Há que se buscar a devida compatibilidade dos princípios invocados, de modoque se conformem em um todo harmônico, seguindo a curial interpretação constitu-cional de que os princípios não se excluem.

É certo que o trabalho deverá ser exercido em conformidade com a lei emvigor, não cabendo a ela qualquer discriminação. Atividade que se desenvolve comos jogos de azar, de acordo com os parâmetros dos autos, não pode ser conside-rada lícita, pois afronta o direito de consumidor na medida em que está comprovadoo defeito na prestação do serviço com o conseqüente lucro arbitrário, reprimido peloordenamento jurídico vigente.

Segundo informa a Magistrada em sua decisão, antenada com a prova dosautos:

�No caso em exame, além do acórdão não haver declarado a legalidade dasmáquinas caça-níqueis, pois este não foi, por certo, o objetivo que ensejou aimpetração do mandado de segurança, o Ministério Público baseou-se em procedi-

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mento administrativo preparatório, através do qual o Departamento da Polícia Fede-ral elaborou laudo de exame nos equipamentos apreendidos, concluindo os peritosque: �os resultados dos jogos podem ser manipulados através de programaçãoprópria, portanto há vícios nos aparelhos eletrônicos questionados...�, o que torna aatividade das requeridas considerada ilegal, devendo ser coibida com base no dis-posto nos arts. 6º, 14 e 20, § 2º do Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, concluíram ainda os peritos do Instituto de Criminalística do Esta-do de Sergipe que: �o acesso à placa principal, onde se encontram os microsprocessadores e microchaves, permitira alterar as características da máquina...�,ficando evidente a violação à Lei nº 1.521/1951".

Some-se a isso os argumentos expendidos pelo e. Ministro Carlos Vellosonos autos da Suspensão de Segurança nº 1.841-1/MG ao cassar liminares queautorizavam a prática dessa atividade em outros Estados. Da referida decisão,colho a seguinte passagem:

�Ademais, bem sustenta o Chefe do Ministério Público Federal, a considera-ção, sem maiores considerações e sem análise de todos os elementos que serãocolhidos na instrução das ações civis públicas, de que o uso de máquinas �caça-níqueis�, ou o jogo nelas praticado, seria lícito, presente a regra da Lei nº 8.212/1991, art. 26, § 1º e Decretos Estaduais nº 31.163/1990 e 31.696/1997 e Res. 25/1999, sem maiores exames, inclusive do que dispõe o art. 50 do DL nº 3.688/1941e a Lei nº 9.615/1998, pode causar dano à ordem pública, considerada esta, confor-me acima foi dito, como ordem jurídico-administrativa e ordem jurídico-penal�.

A sustentação do Procurador-Geral da República a que se refere o e. Minis-tro está assim transcrita na parte que interessa:

�Com efeito, o art. 26, § 1º, da Lei nº 8.212, de 21 de julho de 1991, versasobre concursos de prognósticos, assim considerados �todos e quaisquer concur-sos de sorteios de números, loterias, apostas, inclusive as realizadas em reuniõeshípicas...�, entre os quais não se inserem, em rigor, as máquinas caça-níqueis.Vale, aqui, elucidar: a regra, no ordenamento jurídico brasileiro, é a proibição dojogo. Assim dispõe o art. 50, do Decreto-lei nº 3.668, de 3 de outubro de 1941 (Leidas Contravenções Penais). Exceções, somente por meio de lei, à qual, exatamen-te por encerrar exceção, não se emprestará interpretação extensiva, segundo prin-cípio elementar de hermenêutica. A Lei nº 9.615, de 25 de março de 1988, permitiu,é certo, os jogos de bingo, nas formas permanente e eventual, mas proibindo,expressamente, a autorização de outra modalidade do jogo ou similar, com baseem seu texto. E ainda que se deva ponderar o progresso da ciência, a evoluçãotecnológica, tal não se afigura suficiente para equiparar a �bingo eletrônico�, asmáquinas caça-níqueis, autênticos jogos de azar, na acepção teleológica da legis-lação penal�.

São essas, portanto, as premissas do meu voto, porque entendo que esseenfoque é o mais consentâneo com a necessidade de emprestar-se aos dispositi-vos constitucionais citados a maior eficácia possível, como devemos fazer em rela-ção a todos os preceitos constitucionais.

Forte em tais lineamentos, voto pelo improvimento do recurso, revogando-seo efeito suspensivo anteriormente concedido.

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ACÓRDÃO

Acordam os membros da 1ª Câmara Cível - Grupo IV, à unanimidade, conhe-cer do recurso, para lhe negar provimento, em conformidade com o relatório e votoconstantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Aracaju/SE, 12 de novembro de 2001.Votaram com o Relator os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro

Franco e Josefa Paixão de Santana.

ACÓRDÃO N° 3027/2001AGR N° 0194/2001RELATOR : Des. Roberto Eugenio da Fonseca PortoAGRAVANTE: P. V. B.AGRAVADA: M. E. da S. R.

EMENTA: Agravo de Instrumento - Direito de Família - Guardade menor - Requerimento formulado pela avó-materna - Con-cessão - Interesse da menor resguardado - Recurso improvido- Decisão unânime.O sistema permite ao juiz deferir a guarda a quem melhor possasatisfazer o interesse da criança, ainda que para isso tenha derestringir os direitos que decorrem do pátrio poder, quandoconveniente para a proteção da infante.É de ser deferido o pedido de guarda formulado pela avó-ma-terna quando o conjunto probatório dos autos demonstra quea criança se encontra na posse de fato da autora, a qual temcondições de prestar-lhe as indispensáveis assistências mate-rial, moral e educacional, a teor do art. 33, caput, e § 2°, da Lei n°8.069/1990, que autorizam a concessão da guarda para atendera situações peculiares.Na situação vigente, o perigo de dano irreparável para o agra-vante não pode ser evidenciando ante o interesse da menor queestá sendo preservado e, por outro lado, da provisoriedade damedida, que será avaliada durante a instrução do feito, na qualcaberá ao juiz, auxiliado por uma equipe interprofissional queentender necessária, decidir a custódia da menor àquele quejulgar mais apto para assisti-la, sem dispensar a cooperação

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do outro.

RELATÓRIO

Vistos e discutidos os autos acima identificados.P. V. B., inconformado com a decisão prolatada pela MM. Juíza de Direito da

5ª Vara Civel da Comarca de Aracaju nos autos de uma ação de concessão deguarda da menor A. C. B. promovida por M. E. da S. R., interpôs o presente agravo.

A decisão fustigada, de cópia acostada ao instrumento, concedeu, em cará-ter provisório, a guarda da menor A. C. B. à sua avó - M. E. da S. R., com fundamen-to no poder geral de cautela conferido pelo artigo 798 do Código de Processo Civilem vigor.

O agravante, em suas razões, invocou a ausência dos requisitos da medidaliminar concedida, alegando, essencialmente, que, na qualidade de genitor e deten-tor do pátrio poder da menor A., tem estima e zela pelo seu desenvolvimento, pos-suindo atualmente condições econômicas para o sustento de sua filha, de acordocom a documental acostada.

Alegou, ainda, que a liminar ora combatida foi proferida de forma precipitadasem a ouvida do Ministério Público de primeira instância, além de não ter aguarda-do a manifestação da defesa através de sua peça contestatória.

O pleito de efeito suspensivo foi indeferido às fls. 153-v.A Juíza monocrática apresentou suas informações às fl. 159, onde ressalta,

verbis:�Ademais, este Juizo deu realce ao interesse da menor, que deve sobrepujar

as pretensões das partes e, em conseqüência, pode determinar medidas provisó-rias tendentes a resguardar a formação e, principalmente, a segurança da guardanda.Destaco que anterior à presente ação, a menor encontrava-se sob a guarda de fatoda Sra. C. M. B., genitora do requerido, portanto, também avó. Reconhecida, emplano inicial, a aptidão de guarda a ambas avós, todavia, o pedido ora em tramitaçãofora ajuizado contra o pai da menor e assim, analisado para que se concedesse amulticitada tutela�.

Devidamente intimada, a agravada apresentou contra- razões, onde aduzque muito embora esteja o agravante fazendo �representar-se� pela figura de um�pai sofredor, em verdade não tivera a sua neta A. os cuidados necessários que umacriança de três anos necessita para um desenvolvimento saudável, quanto mais emse considerando a perda prematura de sua genitora, e que por esta razão, associ-ada ao carinho imensurável que desprende a sua neta, é que pretende a manuten-ção de sua guarda, por ora provisória.

Refutou, por outro lado, os argumentos do agravante quanto a possibilidadede sustentar sua neta, afirmando ter ele a deixado sempre sob os cuidados da avó-paterna em condições não condizentes com o crescimento normal de uma criança.Instado a se manifestar, o representante do Ministério Público Estadual nesta ins-tância opinou pelo improvimento do recurso.

É o relatório.

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VOTO

O agravo interposto apresenta-se tempestivo e devidamente preparado, es-tando preenchidos, ainda, os pressupostos de admissibilidade estampados nosarts. 524 e 525, da Lei Adjetiva Civil, merecendo assim ser conhecido.

O recurso traz à apreciação desta Colenda Câmara Cível a difícil questão daguarda de menores, sobre a qual controvertem nestes autos o pai/agravante com aavó-materna/agravada. Nessas condições, todos os adultos, e aqui não foge aocotidiano, apresenta, suas razões, ora movidos pelo mero egoísmo ou pelo únicointuito de agredir o contendor, ora por elevados propósitos em favor da criança.

Tem-se buscado sempre, em casos tais, preservar um único valor que pare-ce prevalecer sobre os demais: o verdadeiro interesse da criança, que não se podever desguarnecida, primordialmente, daquele que é o seu habitat natural - a família.

A Constituição reservou capítulo específico à família, criança, adolescente eidoso, e consignou, expressamente (art. 226, § 7°) a observância do princípio dadignidade da pessoa (colocado como fundamento da República no artigo 1°, VI) naformação da personalidade humana, a qual defende sua inviolabilidade nos seusaspectos físico, mental e moral.

Nesse contexto, destacou também o Constituinte de 1988 a importância dafamilia para o desenvolvimento da sociedade, sendo o tema devidamente abordadoa nível doutrinário pela ilustre civilista Cláudia Lima Marques, assim transcrito:

�A famílía é considerada o lugar privilegiado para a criação e educação dascrianças e adolescentes, devendo ser assegurada a sua convivência com a socie-dade (art. 19 do ECA).

A família completa pressupõe, necessariamente, mãe, pai e filho; às vezespoderão existir outros membros, tais como avós, tios, primos, mas o seu núcleoserá sempre formado pelos três primeiros.

Por isso é que diz também, com muito, acerto, que �a familia é o berço dacivilização de um povo�. Mas para que se possa exercer sua função de agênciaeducadora por excelência, o instituto familiar precisa ter, como infra- estrutura - oamor recíproco de seus membros como pedras angulares -, a autenticidade, aassistência, a estabilidade e a harmonia, e, como cúpula, a solidariedade. Semesse amor, os laços de sangue e o teto comum, características fundamentais dafamília, careceriam de solidez, impossibilitando a existência daqueles outros ele-mentos na edificação de um lar� (cf. igualdade entre filhos no Direito Brasileiro atual- Direito pós-moderno? , Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Vol. 16 -1999,pág. 21).

Ao Estado, pois, cabe proteger a família, e, dentro do possível assegurar aconvivência daqueles que são as células de sua formação - pai, mãe e filhos. Exis-tindo qualquer conflito, o interesse do infante deve prevalecer.

Essas premissas são suficientes para o desdobramento do caso em estudo,que não deve se desgarrar da linha do bom senso na formação do convencimento.

Tal bom senso, por certo, não está no cotidiano das partes, que escrevemum momento atual de total desavença, machucando, em verdade, o normal cresci-mento da menor.

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De um lado, a avó-materna tentando proteger a sua neta e temerosa que amesma não tenha a infância e a educação desejadas pela sua saudosa filha.

De outro lado, o pai, mesmo tendo deixado sua filha aos cuidados da avó-paterna, tentando provar que tem hoje condições materiais e psicológicas de ter afilha consigo, invocando a espada do pátrio-poder que a Constituição e as Leis lheconferem.

Ao examinar o pleito de antecipação de tutela requerido na ação movida pelaagravada. a MM. Juíza a quo, defendendo o interesse da menor, assim se posicionou:

�A postulação sub-judice aliada ao conteúdo do processo apensado emtramitação neste Juízo, dão conta do natural acertado zelo da avó materna paracom a neta, cujo convívio remonta a seu nascimento, ocorrido na cidade de Araca-ju/SE, como autoriza concluir o doc. de fls. 13.

Pela sua juventude e profissão escolhida, sem a presença da mãe da crian-ça, a certeza da instabilidade para a criação e boa formação de A. em sua compa-nhia se evidencia. Até mesmo porque esta, carente pela forma abrupta e cruel daausência materna, necessita, mais do comum, de ambiente propiciador de estabi-lidade das relações afetivas.

Por outro lado, afigura-se nos autos a relação de intensa afetividade entreautora e a filha falecida, relação aberta, amorosa, o que se conclui na leitura doscartões enviados pela filha G. C. à sua mãe, ora requerente, fls. 37/38.

Também objetivamente relevantes despontam nos autos as condiçõesofertadas a menor em seus múltiplos aspectos, destacando-se o educacional, desaúde e de socialização, distintos daqueles que lhe são ofertados na pequenacidade de Itacaré (BA), apesar dos presumidos esforços da avó paterna, com quemse encontrava de fato a menor, no sítio Phoenix, a exemplo do tratamento ortopédi-co que sofreu solução de continuidade.�

O posicionamento adotado pela ilustre Magistrada, em que pese discordarquanto à juventude e à profissão escolhida, que não podem ser consideradas, ab-solutamente, como óbice para a criação de filhos, não está, de todo, desvencilhadoda linha principiológica adotada pela Constituição, pois o sistema permite ao juizdeferir a guarda a quem melhor possa satisfazer o interesse da criança, ainda quepara isso tenha de restringir os direitos que decorrem do pátrio poder, quando con-veniente para a proteção da infante.

Pretende nesses casos que a formação da criança não seja prejudicadapelos caminhos tortuosos traçados pelos pais e familiares, a exemplo do que acon-tece com a separação de casais ou mesmo, como se faz presente, com o faleci-mento de um dos genitores.

A meu sentir, a entrega da guarda da menor A. à recorrida não está a sepultaro pátrio-poder do recorrente. Toda situação vivida pela infante ao tempo da guardafoi analisada pela Magistrada a quo.

A MM Juíza entendeu que a criança tem melhores condições de formaçãonesta cidade ao lado da avó-materna, levando-se em consideração que o próprioagravante tinha deixado sua filha sob os cuidados da avó-paterna residente na cida-de Itacaré, Município da Bahia. Destacou, ainda, a concordâncía do agravante que,em época anterior a esta irresignação, procurou conferir a guarda e responsabilida-

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de da menor A. à recorrida, de acordo com a declaração de fl. 36 destes autos.Agora, o agravante quer demonstrar que tem condições necessárias para a

boa formação de sua filha.Entretanto, não se quer aqui, como dito antes, sepultar o direito da menor

em ter, conhecer e conviver com o pai.Nesse caso, a autoridade judiciária deve apresentar a solução para o proble-

ma quando discutida a guarda ou a visita ao menor em caso como o que se encon-tra sub judice, vez que o Estatuto da Criança e Adolescente assim dispõe .

Art. 33 - A guarda obriga à prestação de assistência material, moral e educa-cional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se aterceiros, inclusive aos pais.

§ 2 - Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela eadoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ouresponsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atosdeterminados.

Calamandrei já asseverou que �acima de tudo, o drama do Juiz é a rotinaque, insidiosa como uma doença, o desgasta e o desencoraja até fazê-lo sentir,sem revolta, que decidir da honra e da vida dos homens tornou-se para ele umaprática administrativa ordinária.�

Não me sinto em tal situação. Ao contrário, estou a cavalheiro para analisaro pleito.

Ora, o simples receio do agravante de que sua filha permaneça com a agra-vada não induz a conseqüência lógica e irremediável de que o mesmo fique privadoda guarda de sua filha e, portanto, do exercício pleno de seu pátrio-poder.

A situação é provisória e será analisada com o acurado zelo pela d. Magistradaa quo durante a instrução, onde serão destacados exames e acompanhamentocom psicólogos, necessários em casos dessa envergadura.

Neste momento, a proteção da menor exige a atenção agravada com quemjá se encontra há algum tempo e reúne condições necessárías à formação de suapersonalidade.

Os Tribunais têm trilhado esse mesmo caminho, do qual não se afastou a d.Juíza processante:

Direito civil - Guarda de menor -Requerimento formulado pela tia-avó. Situa-ção peculiar. É de ser deferido o pedido de guarda formulado pela tia-avó, quando oconjunto probatório dos autos demonstra que a criança se encontra na posse defato da autora, a qual tem condições de prestar-Ihe as indispensáveis assistênciasmaterial, moral e educacional, a teor do art. 33, caput, e § 2°, da Lei n° 8.069/1990,que autorizam a concessão da guarda para atender a situações peculiares ou su-prir a falta eventual dos pais ou responsáveis. (T JMG -AC 000.200.287 -1.4ª C.Civ.- Rel. Des. Almeida Melo -j. 21/12/2000).

Como se vê, foi correta a aplicação do instituto.Na situação vigente, o perigo de dano irreparável para o agravante não pode

ser evidenciando ante o interesse da menor que está sendo preservado e, por outrolado, da provisoriedade da medida, que será avaliada durante a instrução do feito,na qual caberá ao Juiz, auxiliado por uma equipe interprofissional que entender

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necessária, decidir a custódia da menor àquele que julgar mais apto para assisti-la,sem dispensar a cooperação do outro.

Forte em tais lineamentos, nego provimento ao recurso.E como voto.

ACÓRDÃO

Acordam os membros do Grupo IV da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiçado Estado de Sergipe, por unanimidade de votos, em conhecer do agravo e lhenegar provimento, nos termos do voto do Excelentíssimo Senhor DesembargadorRelator Roberto Eugenio da Fonseca Porto.

Aracaju/SE, 11 de dezembro de 2001.Votaram com o Relator os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro

Franco e Epaminondas Silva de Andrade Lima.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

ACÓRDÃO Nº 2707/2001ED Nº 0178/2001RELATORA: Des.ª Josefa Paixão de SantanaEMBARGANTE: Banco Bandeirantes S/AEMBARGADO: Gilberto Andrade de Lacerda

EMENTA: Processo Civil - Embargos de declaração em Apela-ção cível com fins de pré-questionamento de matéria parasupedâneo à superior instância � Alegação de omissão nodecisum � Artigo 535, do Código de Processo Civil � Recursoobjetivando reexame dos autos � Manutenção do acórdão intotum - Embargos conhecidos e improvidos � Decisão unâni-me.1. �Mesmo nos embargos de declaração com fim de pré-questionamento, deve-se observar os lindes traçados no art.535 do CPC (obscuridade, dúvida, contradição, omissão e, porconstrução pretoriana integrativa, a hipótese de erro material).Esse recurso não é o meio hábil ao reexame da causa.� (STJ �1a turma, REsp. 11.465-0 SP, Rel. Ministro Demócrito Reinaldo, j.23/11/1992, rejeitaram os embargos, v.u. DJU 15/2/1993, p. 1.665,

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 167

2a coluna).2. �Não se admite EDcl para reexame de ponto sobre o qual jáhouve pronunciamento no acórdão embargado� (STJ, 3a Seç.,EDcl MS 301803-DF, Rel. Min. Adhemar Maciel, v.u., j. 2/12/1993,DJU 21/2/1994, p. 2.090).

RELATÓRIO

Trata-se de Embargos de Declaração interpostos pelo Banco BandeirantesS/A em face do Acórdão no 1410/2001, (fls. 203/211), prolatado na Apelação Cívelno 0843/2000, que interpôs contra Gilberto Andrade de Lacerda, ora embargado,cujo acórdão manteve a decisão do juízo a quo, em todos os seus termos.

Alega o embargante, a existência de alguns pontos não pronunciados poreste Colegiado, dentre os quais, destacam-se:

A) A subsunção do Contrato creditício que instrui a ação monitória ao dispos-to nos arts. 81 e 82 do Código Civil e art. 6o, caput, e parágrafos, da Lei no 4.657/42(L.I.C.C.), dispositivos legais que garantem e asseguram a inalterabilidade dascláusulas contratuais e dos saldos de créditos delas resultantes, originários dainadimplência contumaz (fl. 213);

B) A não auto-aplicabilidade do artigo 192, § 3o da vigente Constituição Fede-ral quanto ao limite de juros;

C) A inaplicabilidade do Dec. nº 22.626/1933 às instituições financeiras (fl.213);

D) A ascendência sobre a lide do disposto na Súmula 596, do STF (fl. 213);E) A repristinação imposta pelo comando inscrito no § 3o do art. 2o, da Lei de

Introdução ao Código Civil (fl. 213);F) A vedação da TR aos contratos financeiros imobiliários celebrados antes

da vigência da Lei no 8.177/1991, em substituição ao Plano de Equivalência Salarialpor Categoria Profissional (PEC/CP).

Requer o embargante que sejam acolhidos os embargos de declaração, ten-do como finalidade, o pronunciamento expresso e taxativo acerca da interpretaçãoe aplicabilidade das normas jurídicas invocadas. (fl. 214).

É o relatório.

VOTO

Impende-me demonstrar se houve ou não contradição e omissão no pronun-ciamento desse Egrégio Colegiado, quanto à decisão retrocitada.

Em todo o acórdão, observou-se a relatividade do princípio do Pacta SuntServanda, entendendo que os contratantes não são compelidos a obedecer literal-mente os termos do contrato, que divergem da temática da Lei no 8.078/1990, ouseja, aqueles que contêm cláusulas consideradas desvantajosas ao consumidorsão nulas de pleno direito, conforme o artigo 51, dessa legislação.

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De referência à auto-aplicabilidade do artigo 192, § 3o da Constituição Fede-ral (fls. 208/210), do Decreto no 22.626/1933 (fl. 209/210), proibição da capitaliza-ção de juros (fl. 210) e conversão da TR para o INPC (fl. 210/211), o Acórdãoembargado foi expresso, sendo pacífico que a TR de que cuida a Lei no 8.177/91não é índice de atualização monetária.

Quanto à Lei no 4.595/1964, a chamada Lei da Reforma Bancária, é igual-mente pacífico que a mesma restou revogada, em face do artigo 25 do ADCT, queretirou do Banco Central, a competência para legislar acerca da fixação de jurosbancários.

Em relação aos artigos 81 e 82 do Código Civil, o acórdão não os mencio-nou, por não terem relação com o objeto da ação, que diz respeito à revisão decláusulas consideradas abusivas e não, à nulidade contratual, revisão que é permi-tida, à luz das normas do Código de Defesa do Consumidor, a Lei no 8.078/1990.

De igual modo, a lide em discussão não envolveu a disciplina do artigo 6o daLei de Introdução ao Código Civil.

Como se vê, não existem no acórdão embargado, os defeitos preconizadospelo artigo 535 do Código de Processo Civil, como alegado pelo embargante.

Assim sendo, voto no sentido de que sejam os embargos de declaraçãoconhecidos, porém para lhes negar provimento, mantendo-se o acórdão fustigado,em todos os seus termos.

É como voto.Desa. Josefa Paixão de SantanaRelatora

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes Embargos de Declaração, acor-dam, por unanimidade, os Desembargadores do Grupo III da 1a Câmara Cível doTribunal de Justiça do Estado de Sergipe em conhecê-lo, mas para lhe negar provi-mento, mantendo-se o acórdão fustigado, em todos os seus termos.

Aracaju/SE, 12 de novembro de 2001.Votaram com a relatora os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro

Franco e Roberto Eugênio da Fonseca Porto.

APELAÇÃO CÍVEL

ACÓRDÃO N° 2039/2001AC Nº 0289/2001RELATOR: Des. Epaminondas Silva de Andrade LimaAPELANTE: HSBC Bank Brasil S.A - Banco Múltiplo

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 169

APELADO : José Arinaldo de Oliveira

EMENTA: Apelação Cível - Sucessão de instituição financeira -Alegação de ilegitimidade passiva ad causam - Inocorrência.- O correntista tem o direito de propor ação de prestação decontas ao banco com o qual manteve contrato de conta-cor-rente, solicitando informações sobre a natureza dos lançamen-tos unilateralmente efetuados.Apelo conhecido e improvido.

VOTO

O apelo por ser tempestivo, deve ser conhecido, entretanto, a meu ver, nãomerece provimento. Eis o porquê :

Cuida a preliminar trazida a apreço, tão-somente, da possibilidade ou não doHSBC Bank Brasil S.A - Banco Múltiplo integrar o pólo passivo da demanda propos-ta no juízo a quo por José Arinaldo de Oliveira.

Ora, a meu ver, a decisão combatida merece aplausos, e para tanto valho-me de três pontos básicos para demonstrar o meu pensar, senão vejamos:

Primus, é incontroverso que o Banco HSBC, mesmo que em parte, assu-miu ativos e passivos do Banco Bamerindus, ostentando-se, ao público, como su-cessor deste último. Pois, em nenhum lugar do país se tem agências do BancoBamerindus prestando serviços a sua clientela.

Secundus, torna-se muito cômoda a situação que quer ocupar o ora recor-rente, qual seja, ter o privilégio de assumir alguns dos passivos do Banco liquidado,mesmo tendo assumido o controle operacional do Bamerindus e demais empresasligadas a esta instituição financeira, conforme se depreende do documento de fl.215 do Banco Central, sem nenhuma contrapartida em relação a outros encargos.

Bônus sem ônus refoge as regras dos contratos.Sem contar que o HSBC assumiu passivos do Bamerindus na monta de

aproximadamente R$ 10 bilhões(fl. 216), restando à instituição liquidada, conformemesmo alega o apelante à fl. 434, um patrimônio de aproximadamente de 4 bilhões,ensejando, sem dúvida, uma maior campo de responsabilidade para o requerente.

Tertius, parece-me que a questão da responsabilidade é interna, ou seja,incumbe aos Bancos, liquidante e liquidado, a efetiva verificação de quem é respon-sável pela obrigação decorrente do dano causado, possibilitando ação regressivapara que haja compensação da dívida, não podendo a clientela ficar à mercê de �A�ou de �B�, num jogo de empurra-empurra, como joguete de interesses.

O acima referido pode ser comprovado com simples aplicação da cláusulacontratual que segue em comento:

�18.1 Sem prejuízo de outras indenizações previstas neste contrato, o Ban-co Bamerindus obriga-se a indenizar o Banco HSBC por quaisquer prejuízos, cus-

170 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

tos, danos, despesas e obrigações sofridos ou incorridos pelo Banco HSBC assimcomo por pagamentos por ele efetuados, (incluindo juros, penalidades e correçãomonetária, despesas advocatícias e custas processuais)(cada um deles referidocomo �prejuízo�) decorrentes:

(b) de insubsistências ativas ou superveniências passivas resultantes de açõesou omissões cujos fatos geradores tenham ocorrido na gestão do Banco Bamerinduse no caso de cada companhia adquirida até a data de sua aquisição.�

Além disso, bem ressaltou a ilustre magistrada da instância anterior, in verbis:�É de conhecimento público que o Banco Bamerindus do Brasil S/A. foi

adquirido pelo Hong kong & Shangai Bankin Corporation - HSBC, em transaçãocomercial, criando-se na seqüência o HSBC Bamerindus, ocorrendo, desta forma asucessão de empresas.

Em acórdão trazido na Juris Síntese sob o nº 6000327 e publicado no Diárioda Justiça do Paraná de 13/2/1998, lê-se:

Sucessão de empresas - Banco Bamerindus do Brasil S.A. - HSBCBamerindus - A transferência de parte de um estabelecimento não afasta a ocorrên-cia da chamada sucessão de empresas. Assim, na espécie, conclui-se que o Ban-co HSBC Bamerindus S.A. ao adquirir do Banco Bamerindus do Brasil S.A., partedos bens corpóreos e incorpóreos, consistentes em depósitos, descontos, em-préstimos, contas-correntes, cobrança, caixas de segurança, instalações e agên-cias, sucedeu a este.(...)�

A procuradoria de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Jorge Santos Mesquita,comungando do mesmo entendimento, assim se manifestou:

� Também se sabe que os clientes do antigo Bamerindus hoje possuem suascontas bancárias administradas pelo HSBC Bamerindus S/A. e, assim, fica difícilacreditar que o apelante pode ter os benefícios quando se trata de movimentartodas as contas dos clientes do antigo banco que adquirido pelo apelante, inclusivecom integração do nome da outra instituição ao novo braço bancário com atuaçãono Brasil e, no entanto, recuse prestar contas destas mesmas contas bancáriasque adquiriu, com direitos e deveres, da instituição anterior.�

Ademais, esta Câmara no Agravo de Instrumento 474/2000, já se manifes-tou, por unanimidade de votos pela legitimidade passiva do HSBC.

Portanto não pode a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam ser aco-lhida.

No que pertine à questão meritória, ficou evidenciada nos presentes autos aobrigação do apelante em prestar contas ao apelado, uma vez que este celebroucontrato de conta-corrente com o antecessor daquele, tendo sido efetuadas retira-das automáticas de valores depositados na conta do recorrido.

No mesmo diapasão já decidiu o STJ, in litteris:� Banco. Prestação de contas. Conta-Corrente. O correntista tem o direito de

propor ação de prestação de contas ao banco com o qual manteve contrato deconta-corrente, solicitando informações sobre a natureza dos lançamentos unilate-ralmente efetuados.�(REsp. 238162/RJ - 29/2/2000 - DJ 15/5/2000)

Por todo o exposto e com fulcro no parecer da Procuradoria de Justiça, votopelo improvimento do recurso de apelação.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 171

ACÓRDÃO

Vistos, examinados e discutidos os autos acima identificados, adotado orelatório de fls. 545/546, acordam os membros do Grupo II, da 1ª Câmara Cível, doTribunal de Justiça do Estado de Sergipe, nemine discrepante, negar provimento aoapelo.

Aracaju/SE, 17 de setembro de 2001.Votaram com o Relator os senhores Desembargadores Josefa Paixão de

Santana e Roberto Eugenio da Fonseca Porto.

ACÓRDÃO Nº 2075/2001AC Nº 0319/2001RELATOR: Des. Epaminondas Silva de Andrade LimaAPELANTES: Givas Comércio e Representações e OutrosAPELADO: BANESPA S/A � Arrendamento Mercantil

EMENTA: Apelação cível � Ação de reintegração de posse �Continência evidenciada � Apelo conhecido e provido parcial-mente.Impõe-se o julgamento simultâneo das ações quando entre elashouver conexão ou continência para evitar a proferimento dedecisões conflitantes.Unânime.

RELATÓRIO

Cuida-se de Apelação Cível intentada por Givas Comércio e Representaçõese Outros, nos autos de uma Ação de Reintegração de Posse, contra uma decisãodo ilustre Magistrado da 8ª Vara Cível da Comarca de Aracaju.

A ação foi ajuizada tendo em vista a inadimplência dos apelantes nas trêsúltimas prestações de um contrato de arrendamento mercantil celebrado entre osmesmos e o BANESPA. A avença em testilha, de acordo com os autos, teve comoobjeto um veículo Fiat Tipo SLX, que foi substituído com o consentimento de ambasas partes, por um ASTRA GLS 2.0, ano 1995, de cor branca.

O decisium atacado julgou procedente o pedido, confirmando o direito dereintegração de posse do apelado sobre o objeto do contrato � fls. 90/93.

Inconformada, a sucumbente interpôs recurso apelatório. Argumenta, ab initio,em matéria de preliminar, que os processos de reintegração de posse e de revisãocontratual têm de ser julgados de forma simultânea, em face do que preceituam osartigos 103 e 104 do CPC. Prossegue, salientando, no mérito, que a avença cele-

172 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

brada tem de ser declarada nula, tendo em vista as cláusulas abusivas contidas namesma.(fls. 95 /112).

Contra-razões, ex vi fls. 119/130, onde o apelado propugna, em síntese,pela manutenção da sentença em todos os seus termos, pois argumenta que asrazões ventiladas no recurso, não foram argüidas em 1ª instância.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento parcial do recurso, comose vê às fls.136/141.

É, em síntese, o relatório.À douta revisão.

VOTO

Como já relatado, o puctum pruriens da irresignação em estudo ocorre pelofato de o Julgador ter proferido sentença na ação de reintegração de posse semdecidir de forma simultânea a pendenga de revisão contratual, que tem as mesmaspartes e causa de pedir, sendo o objeto da primeira integrante do pedido da segun-da.

Assim, inicialmente, cabe-me a análise da preliminar de conexão, na moda-lidade continência, para ato contínuo, se necessário, enfrentar o mérito da quizila.

A preliminar em destaque, dessarte, não é complexa, resumindo-se na ques-tão de se evidenciar ou não a reunião dos processos em comento.

A meu sentir estão corretos, nesta seara, tanto os apelantes como o emi-nente Fiscal da Lei de 2º Grau, pois em casos desta espécie, mister se faz aapreciação das contendas de uma só vez, com o escopo de que inexista soluçõescontraditórias.

No tocante à argumentação do apelado no sentido de que esta matéria estápreclusa, considerando a não argüição em primeira instância do ponto em testilha,trata-se de assunto de ordem pública, questão que não preclui, ou seja, que podeser argüido a qualquer tempo. Neste diapasão, como bem asseverou o cuidadosoPromotor de Justiça � Dr. Rodormaques Nascimento, tem-se o julgado a seguirdestacado. Ei-lo:

� A matéria do CPC 105 é de ordem pública, razão porque o juiz deve conhecê-la de ofício, sendo insuscetível de preclusão. (JTJ 182/29).�

Portanto, o Magistrado de forma equivocada decidiu a reintegração de possesem proferir o julgamento da revisão contratual, descumprindo assim o artigo 105do CPC que diz:

�Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento dequalquer das partes, pode ordenar a reunião de ações propostas em separado, afim de que sejam decididas simultaneamente.�

No caso em apreço, não precisa delongas para se aferir a conexão na moda-lidade de continência. Com efeito, a reintegração de posse foi intentada visando aretomada do automóvel que foi adquirido através de avença de arrendamento mer-cantil, contrato este que não foi cumprido in totum pelo apelante, que optou discu-

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 173

tir as cláusulas do mesmo em ação de revisão contratual.Diante do exposto, meu voto é pelo acatamento da preliminar, com o fito de

que haja remessa deste in folio à primeira instância para que o juiz observe asdiretrizes dos artigos 103 a 105 do Estatuto de Ritos Cíveis.

Sendo o meu voto pela aceitação da preliminar, dispensável é o estudo domérito da querela por dois motivos.

Primus, pelo fato de estar a mesma prejudicada, pelo fato do acatamento dapreliminar. Secundus, para evitar a supressão de instância, considerando quetodas as questões argüidas nesta seara são objeto da revisão contratual.

Ante do expendido, sou pelo provimento parcial do apelo.Aracaju, 18 de setembro de 2.001.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados, examinados e discutidos os autos acima identificados,acordam os membros do Grupo II, da 1ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça doEstado de Sergipe, adotado o relatório de fls. 143/144, por unanimidade de votos,dar provimento parcial ao apelo.

Aracaju, 1º de agosto de 2001.Votaram com o relator os senhores Desembargadores Josefa Paixão de

Santana e Roberto Eugenio da Fonseca Porto.

ACÓRDÃO Nº 2117/2001AC Nº 1174/2000RELATOR: Des. Epaminondas Silva de Andrade LimaAPELANTE: BB. Financeira S/AAPELADO: Alexandre Nascimento de Almeida

EMENTA: Apelação cível - Ação de consignação em pagamento- Preliminar de sustentação de rito inadequado para discussãodo pleito do apelado - Improcedência - No mérito, combate aodecisum que desconsiderou o pactuado.- O nosso ordenamento jurídico adotou a teoria dasubstanciação do pedido, assim, o nome dado à ação não im-porta, o que é necessário é se observar o fato gerador do direi-to pretendido.- Com o advento do Código de Defesa do Consumidor os con-tratos que contêm cláusulas adesivas têm de ser analisadoscom reservas.

174 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

- Improvimento do recurso.- Decisão unânime.

VOTO

Trata-se de apelo intentado pelo BB Financeira S/A contra a sentença profe-rida pelo douto Magistrado que julgou procedente a Ação de Consignação em Pa-gamento intentada por Alexandre Nascimento de Almeida. O decisum combatido,como já dito no Relatório, considerou que o contrato avençado entre as partes susoepigrafadas, teve em seu bojo cláusulas abusivas, quando estabeleceu juros acimado patamar legal.

Aduz o recorrente, em suma, em matéria de preliminar, que em Ação deConsignação em Pagamento não é cabível a discussão pormenorizada das cláusu-las do contrato que serviu de supedâneo para a renegociação da dívida. Com estatese, sustenta impossibilidade jurídica do pleito.

No mérito, o recorrente salienta, em síntese, que o pactuado não foi respei-tado pelo Julgador, bem como que as cláusulas avençadas não são abusivas.

O apelado sustenta, em contra-razões, que a sentença guerreada não mere-ce censuras, pugnando, afinal, pela manutenção da mesma em todos os seusaspectos.

Ante o expendido, mister se faz, ab initio, a análise da preliminar ventiladapelo apelante, para, ato contínuo, se necessário, conhecer do mérito do recurso.

Da preliminar de impossibilidade jurídica do pedido.A meu sentir, correta foi a decisão do sentenciante, pois em que pese o

requerente/apelado ter nominado o seu pleito de Consignação em Pagamento, ana-lisando acuradamente as peças processuais que compõem o presente �quebracabeça�, observo que o rito imprimido pelo MM. Juiz foi o ordinário. É verdade,perlustrando o in folio, lobrigo que a contestação foi apresentada no prazo dequinze dias, tendo sido ofertado prazo para réplica, havendo existido, inclusive,audiência de instrução.

Soma-se, ainda, a este fato, que o nosso ordenamento jurídico comina ateoria da substanciação no concernente ao pedido, ou seja, não importa o nomedado à causa, basta que o pleito esteja dentro das condições da ação e não sejainepto. Eis a lição de Moacyr Amaral Santos, em sua Obra Primeiras Lições deDireito Processual Civil, 2º Volume:

�O Código, quanto aos fundamentos do pedido, se filia à teoria dasubstanciação, em oposição à teoria da individualização. (...)�

�A teoria da substanciação impõe que na fundamentação do pedido se com-preendam a causa próxima e a causa remota (fundamentum actionis remotum),a qual consiste no fato gerador do direito pretendido. Não basta dizer �que é credor�,mas é preciso dizer também porque é credor; por exemplo: �a título de mútuo�; nãobasta dizer �que é senhor�, mas também porque o é: conforme escritura de compradevidamente transcrita.�

Conclui o insigne Professor:

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 175

�Fundamento jurídico do pedido não é norma de direito em que este se apóia.A norma jurídica em que se tutela a pretensão poderá e mesmo convirá seja indicada.Mas não se impõe ao autor a indicação. A exposição dos fatos é suficiente paradeles o juiz extrair o direito aplicável: damihi factum, dabo tibi ius; iura novitcuria.�

Em outras palavras, pode-se interpretar o texto do proficiente doutrinador daseguinte forma: não importa o nome que foi dado à ação, o que importa são os fatosnarrados que prescindem da tutela jurisdicional. Como, in casu, na peça primogênitao autor demonstrou o animus não só de consignar, bem como de discutir as cláu-sulas da renegociação de dívida, objeto do processo, agiu corretamente o ilustreJulgador quando impulsionou o feito sob o rito ordinário, evitando, dessarte, qual-quer prejuízo para as partes. Desta forma, considerando a teoria suso mencionada,bem como que inexistiu violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa,sou pela rejeição da preliminar de impossibilidade jurídica do pedido.

Do mérito.Nesta seara, a mim me parece que também improcede o pleito do apelante.

Eis o porquê:A presente querela tem por escopo o combate à sentença pelo fato de o

Magistrado ter declarado implicitamente que o artigo 192 da Constituição Federal éauto-aplicável, limitando desta forma a cobrança de juros ao percentual de 12%,tendo, também, ato contínuo, admitido a capitalização semestral dos mesmos.

Ora, quanto ao limite estipulado na decisão fustigada, este Tribunal, pordiversas vezes, já declarou a auto-aplicabilidade do aludido artigo 192, § 3º, daNorma Normarum, sendo dispensável maiores delongas.

Com efeito, já está cediço nesta Corte que a Lei nº 4594/1964 foi revogadapelo artigo 25 do Ato das Disposições Transitórias da Lei Magna, estando tambémem vigor o § 3º do artigo 1º do Decreto-lei nº 22.626/1933. A título de ilustração,vejamos trecho do Acórdão lavrado na Apelação registrada sob nº 230/1998, o qualteve como Relator o Exmo. Desembargador Aloísio de Abreu Lima:

�(...) Faz-se mister salientar que o § 3º do artigo 192 da Constituição Fede-ral, estabelece em 12% ao ano a taxa de juro máxima a ser cobrada, encontra-seem plena vigência, posto que, devido ao inserto no artigo 25 dos Ato das Disposi-ções Transitórias, as determinações, na seara financeira emanadas pelo PoderExecutivo Federal foram excluídas do âmbito jurídico brasileiro, fato que restabele-ceu a inteira vigência da mencionada Lei de Usura. (...)�

No que concerne à alegação de descumprimento do princípio pacta sunservanda, pelo fato de o julgador ter limitado juros, que não estava previsto naavença entre o apelante e o apelado, improcedente, a meu ver, é tal sustentação.É verdade, este princípio, na atualidade, tem de ser interpretado com reservas, poisa depender do caso concreto, mister se faz enxergar o mesmo com restrições,mormente quando se trata de relação de consumo, onde existem cláusulas abusivas.

Pois bem, no caso em estudo, evidente está que se trata de relação deconsumo, tendo em vista que o contrato profligado tem como objeto �renegociaçãode dívida�, e o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, diz expres-samente que serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, medi-

176 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

ante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito esecuritária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (Grifo nosso).

Evidente está, também, que na aludida avença existem cláusulas adesivas,às quais, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, têm de ser interpretadas deuma forma que favoreça mais ao aderente. Vejamos o entendimento do ilustradoNelson Zunino Neto,:

�Esta limitação fere o princípio da liberdade de contratar, porque a parte eco-nomicamente mais forte domina a relação, o que acaba por obrigar o aderente aadmitir disposições prejudiciais face a necessidade de sobrevivência financeira.Exemplo típico é o dos contratos bancários, em que as instituições financeiras sãoinfinitamente superiores na relação com pequenas e médias empresas.� (Artigopublicado no site jus navegandi)

Assim, in casu, o princípio pacta sun servanda tem de ser analisado deforma mitigada.

Diante de tudo que foi demonstrado, a meu ver a sentença hostilizada nãomerece retoques, devendo ser mantida em todos os seus termos.

Ex positis, com supedâneo em toda argumentação delineada, voto no senti-do de negar provimento ao apelo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, decidem os membrosque integram o Grupo IV da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado deSergipe, adotado o relatório de fls. 113/114, nemine discrepante, conhecer doRecurso, para, contudo, negar-lhe provimento.

Aracaju/SE, 24 de setembro de 2001.Votaram com o Relator os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro

Franco e Roberto Eugênio da Fonseca Porto.

ACÓRDÃO Nº 2376/2001AC Nº 0302/2000RELATOR: Des. Roberto Eugênio da Fonseca PortoAPELANTE: Rural Segurança S/AAPELADA: VASP Viação Aérea São PauloAPELADO: Geraldo Soares DiasAPELADA: Viviane Andrade DiasAPELADA: Flytour Agência de Viagens e Turismo Ltda

EMENTA: Apelação cível - Responsabilidade civil - Cancelamen-to de reserva em vôo internacional - Passageiro que chega aoaeroporto e se depara com situação vexatória, sendo impedido

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 177

de viajar apesar de ter tido a sua reserva confirmada - Dano moral- Convenção de Varsóvia - Denunciação da lide - Seguradora.- Causa gravame moral passível de reparação civil o ato da em-presa aérea de cancelar, motu próprio e injustificadamente, re-serva de vôo internacional do passageiro, só o permitindo via-jar em outro vôo no dia seguinte. Fato que não constitui meroaborrecimento do cotidiano.- A aplicação da Convenção de Varsóvia - que prevê apenas areparação de dano de caráter patrimonial - a vôos internacio-nais não exclui a reparação dos danos morais, com fuste naConstituição Federal de 1988 (art. 5.º, V e X e Código de Defesado Consumidor.- Se na apólice a seguradora se compromete a compor à segu-rada reparação pecuniária decorrente de danos pessoais oca-sionados aos passageiros, dentre esses se insere o dano mo-ral, como tem entendido jurisprudência do STJ.- A empresa comodatária responsável pela reserva e cancela-mento de vôos da Viação Aérea São Paulo, que, inclusive, as-sumiu ter procedido ao cancelamento indevido da reserva daautora, deve ser responsabilizada pelo dano, em denunciaçãoda lide.- Provimento parcial do apelo da VASP e improvimento do ape-lo da Rural Seguradora. Decisão unânime.

VOTO

O Exmº Sr. Des. Roberto Porto (Relator):Em sede de juízo de admissibilidade, observo que os recursos foram inter-

postos no prazo legal com o preenchimento dos demais requisitos extrínsecos eintrínsecos inerentes à espécie recursal, impondo, dessa forma, o conhecimentopor parte desta Corte Estadual.

Dito isto, analiso os inconformismos separadamente.Do apelo da Viação Aérea São PauloO trabalho desenvolvido pelo Ministério Público Estadual atuante nesta ins-

tância, através da Procuradora Maria Izabel Santana de Abreu Lima, retrata bem aquestão e serve de fundamentação para o voto em destaque. Dele, inicialmente,colho a seguinte passagem:

�A tentativa da apelante de se esquivar do pólo passivo da demanda nãoencontra respaldo jurídico-legal. De fato, tendo emitido bilhete de passagem emfavor da autora, estabeleceu-se, daí, o liame entre as duas, convolado restou ocontrato de transporte, sendo seu o ônus de embarcá-la no dia e horário previstos;

178 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

não o fazendo, a culpa contratual encontra-se nitidamente caracterizada. A esserespeito, é percuciente a lição de Rui Stoco:

�Dispensável dizer, à guisa de intróito, que a Convenção de Varsóvia rege otransporte internacional, e que se trata, à evidência, de uma obrigação contratualna medida em que o bilhete de passagem estabelece uma avença entre transporta-dor e transportado.

Significa, ainda, que se trata de uma obrigação de resultado, na medida emque não basta à empresa contratada conduzir o passageiro e sua bagagem, oumercadoria, até o destino.

Deve fazê-lo nas exatas condições estabelecidas, cumprindo a avença noque pertine ao dia, local de embarque e desembarque e hora estabelecidos, condi-ções das acomodações (classe executiva ou econômica), tipo de aeronave ofereci-da ou similar, refeição e outros� (Responsabilidade Civil ..., RT, 4.ª ed., p. 155).

Urge, nesse passo, esclarecer que em momento algum a empresa FlytourAgência de Viagens celebrou qualquer tipo de contrato com os autores; se doevento alguma culpa lhe pode ser atribuída, consoante análise a seguir, ela o serápor força do contrato celebrado com a Viação Aérea São Paulo, sem vincular aacionante.�

Houve, como se vê, nítido descumprimento contratual.Poder-se-ia cogitar a princípio a indenização tarifada do transportador, nos

termos da Convenção de Varsóvia e do Código Brasileiro de Aeronáutica. Ocorreque as novas disposições legais, compendiadas no Código de Defesa do Consumi-dor, além de atribuírem responsabilidade objetiva ao prestador de serviços, excluí-ram a limitação de sua responsabilidade, prevista naqueles diplomas normativos,revogando-os.

O que Código fez, e isso me parece importante, foi mudar o fundamento daresponsabilidade do transportador, que agora não é mais o contrato de transporte,mas sim a relação de consumo, contratual ou não.

Entendo que têm perfeita aplicação, ao presente caso, as disposições doCDC. Nos termos dos arts. 2º e 3º do referido Diploma Legal, o autor é reputadoconsumidor, pois se utilizou, como destinatário final, dos serviços de transporteaéreo, fornecidos pela transportadora VASP - Viação Aérea São Paulo e tal empre-sa é considerada fornecedora, ante a prestação desse serviço, que se propôs rea-lizar e que efetivamente realizou, ainda que de forma defeituosa, sendo indisputável,que o transporte efetuado é, por igual, tido como serviço, eis que traduz atividadefornecida no mercado de consumo, mediante remuneração.

Ora, se assim se entende, é evidente que o autor, como consumidor, incasu, tem por um dos seus direitos fundamentais o da efetiva reparação dos danospatrimoniais e morais.

O art. 12 do Código do Consumidor, ao dispor que o fabricante, o produtor, oconstrutor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentementeda existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores pordefeitos decorrentes de seus produtos, consagrou, sem sombra de dúvida, a res-ponsabilidade objetiva fundada no risco do empreendimento. No mesmo sentido oart. 14, aqui aplicável ao caso, em relação aos danos causados aos consumidores

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 179

por defeitos na prestação de serviços.Neste tópico, escreve o e. Desembargador Sérgio Cavalieri Filho:Esse defeito pode ser de concepção (que se instaura quando o serviço está

idealizado), pode ser de prestação (que ocorre quando o serviço está sendo execu-tado), e ainda de comercialização (por má informação sobre a utilização do servi-ço). Em qualquer caso, entretanto, é irrelevante que o defeito seja ou não imprevisível.O fornecedor do serviço terá que indenizar desde que demonstrada a relação decausa e efeito entre o defeito do serviço e o acidente de consumo, chamado peloCódigo de fato do serviço. (Programa de Responsabilidade Civil, 2ª ed., Malheiros,p. 217).

O consumidor, portanto, como nos demais casos de responsabilidade obje-tiva, tem, apenas, que provar o dano e o nexo causal. A discussão da culpa éinteiramente estranha às relações de consumo.

A seu turno, cabe ao fornecedor provar a existência de um das excludentesda responsabilidade: fato exclusivo da vítima ou de terceiro, ou a presença do fortui-to interno.

O que se evidenciou nos autos foi a falha no serviço por parte do transporta-dor, ora recorrente, não tendo ele demonstrado qualquer excludente de nexo causalque eximisse sua responsabilidade.

Quanto à denunciação da lide à FlytTour, comungo do mesmo posicionamentoemitido pelo d. Procuradora de Justiça em seu parecer:

�Consta nos autos contrato de comodato celebrado entre a Viação AéreaSão Paulo e a FlyTour, que, em sua cláusula 4.4.1, preconiza:

�Somente a comodatária, por intermédio de seu empregados e/ou prepostosdevidamente credenciados e homologados, poderá acessar o sistema e utilizar osequipamentos e os documentos, sendo responsável por todos os danos e prejuízoscausados à VASP ou a terceiros, decorrentes da utilização indevida dos mesmos�.

Eis a cláusula contratual que dá esteio à denunciação da lide: a FlyTour eraa responsável pelo sistema de reservas da VASP, e se comprometeu, mediantecontrato, a responsabilizar-se por quaisquer prejuízos causados pela utilização dosequipamentos referentes.

Importa destacar, ainda, que a própria apelada não nega que tenha procedidoao cancelamento da reserva da autora; ao contrário, ela o confessa, quando em suacontestação, às fls. 184/185, consigna:

�O Yazigi comunicou à FlyTour que a autora não iria mais viajar. A FlyTour,honrando compromisso que tem com a VASP, cancelou a reserva que tinha sidofeita em nome da autora, justamente para evitar o que as companhias aéreas cha-mam de �no show�, ou seja, o não comparecimento da passageira ao embarquereservado.

Ocorre, contudo, que por motivos desconhecidos da FlyTour, possivelmentenuma falha do sistema de reservas da VASP, além do cancelamento da reserva quea FlyTour tinha efetuado, cancelou-se a reserva que a própria agência de Aracajutinha assinalado�.

O que se infere dos autos, portanto, é um equívoco por parte desta empresaFlyTour, que provocou todo o tumulto que os autos noticiam. Ao que faz transparecer,

180 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

a autora fez reserva no Yázigi curso de inglês para o intercâmbio, tendo este reme-tido o seu nome à FlyTour. Dias após, fez reserva pela Propagtur, ordenando ocancelamento da anteriormente deferida. Ao proceder a este cancelamento, a FlyTourtambém cancelou a reserva que a Propagtur tinha feito. Não há como desvencilhara denunciada da relação jurídica, portanto�.

Voto, portanto, pelo provimento parcial do recurso da VASP neste aspecto.Quanto ao dano moral da autora, este se nos apresenta cristalino, diante do

conteúdo normativo do art. 5º, V e X da Constituição Federal.Nesse sentido, foi o entendimento do Ministério Público Estadual:�A esse respeito, é oportuno lembrar o eminente Min. Marco Aurélio, do STF,

ao julgar o AGRAG 196.379-9/RJ: �a Carta Política da República previu o direito àindenização por dano moral, não cabendo, em detrimento dela, potencializar a cir-cunstância de a Convenção de Varsóvia apenas dispor sobre a responsabilidade,considerando o prejuízo material, conforme, aliás, decidiu esta Turma ao julgar oRecurso Extraordinário n.º 172.720�. Nesse, o mesmo Min. ementou, no que inte-ressa:

�O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifadapor danos materiais não exclui a relativa aos danos morais. Configurados essespelo sentimento de desconforto, de constrangimento, de aborrecimento e humilha-ção decorrentes de extravio de mala, cumpre observar a Carta Política da República- incisos V e X do artigo 5.º, no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificadospelo Brasil.

Não colhe ao apelante, ainda, a alegação de que o fato revelado nos autosnão passou de mero aborrecimento cotidiano dos autores.

A autora, realmente, embarcou no dia seguinte para a sua tão desejadaviagem de férias, mas isso certamente não apagou da sua memória a vergonha, adecepção, a humilhação que experimentou no saguão do aeroporto no dia anterior.Dirigiu-se ao balcão da companhia com os seus apetrechos, ciente de que estariaembarcando acompanhada de uma amiga, para receber a frustração de não poderviajar por motivo que não concorrera, retornando a casa com todos os pertences.Imaginamos como não deve ter sido o embarque do dia seguinte, melancólico eirresignado, ainda marcado com a triste passagem do dia anterior, e viajando sozi-nha, como não deveria acontecer em vôos internacionais de férias de uma jovem,que a experiência mostra serem os embarques e desembarques selados de festivi-dade e alegria. Pensa-se, igualmente, na dor do pai, que viu sua filha naquelascondições, atestadas pelo competente médico Dr. José Augusto Lisboa.

A alegação de que a dor moral que os abateu constitui mero aborrecimentocotidiano tornou-se a panacéia para casos como o dos autos, indiscutíveis ao ho-mem médio e de bom senso, que respeita o próximo, mas questionáveis à insensí-vel empresa que apenas objetiva o lucro, relegando a segundo plano a qualidadedos seus serviços e o atendimento satisfatório aos clientes com quem contrata�.

Pelo improvimento do apelo neste aspecto.Do apelo da Rural Seguradora.No que toca ao apelo da seguradora, agiu com acerto o magistrado da cau-

sa.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 181

Em primeiro lugar, o fato de a apólice de seguros não especificar que aseguradora se obriga a reembolsar a segurada por dano moral causado a passagei-ro, não a exime da responsabilidade, pois este se insere no conceito de danopessoal, consoante tem decidido o Superior Tribunal de Justiça, como se observada seguinte ementa, do Min. Barros Monteiro, no REsp 122.663, DJ 2/5/2000:

�Seguro. Indenização por dano moral. Exclusão pretendida pela seguradorapor não se encontrar o dano moral abrangido pelo dano de natureza pessoal.

- O contrato de seguro por danos pessoais compreende o dano moral.Precedentes da Quarta Turma.Recurso especial conhecido, mas desprovido�.Outrossim, não socorre a seguradora o argumento de que, por se tratar de

evento alheio às aeronaves descritas na apólice, estaria fora do seu âmbito, pois namencionada apólice há previsão de cobertura de danos a passageiros em solo,consoante mostra a sua cláusula de n.º 01:

�A seguradora, nas condições deste contrato, e observando o limite únicocombinado por aeronave, acidente ou ocorrência, se obriga a reembolsar ao segu-rado as reparações pecuniárias pelas quais fora o mesmo legalmente responsávelperante aos passageiros, tripulantes, pessoas e bens no solo, incluindo, de acordocom as condições estabelecidas pelos resseguradores.�

Diante do exposto, voto pelo provimento parcial do apelo da VASP e peloimprovimento do apelo da Rural Seguradora, facultando à VASP o direito de regres-so a qualquer uma das denunciadas.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores do Quarto Grupo da 1.ª Câmara Cível do Tri-bunal de Justiça do Estado de Sergipe, por unanimidade, dar provimento parcial aoapelo da VASP e pelo improvimento do apelo da Rural Seguradora, de acordo como voto do relator.

Aracaju/SE, 15 de outubro de 2001.Votaram com o Relator os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro

Franco e Epaminondas Silva de Andrade Lima.

ACÓRDÃO Nº 2613/2001AC Nº 0250/2001RELATOR: Des. Roberto Eugenio da Fonseca PortoAPELANTE: J. Prudente Supermercados Ltda.APELADO: Valter Freire CarvalhoAPELANTE: Valter Freire CarvalhoAPELADO: J. Prudente Supermercados Ltda.

182 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

EMENTA: Responsabilidade civil - Dano moral - Cheque comassinatura falsificada - Inscrição do nome no SPC - Culpa con-corrente do emissor do cheque - Ausência de conferência daassinatura pelo supermercado - Apelo do autor improvido - Apelodo réu provido - Unânime.- O correntista é responsável pela guarda do talonário de che-que e, havendo extravio, roubo, perda, etc..., deve comunicar ofato à polícia, bem como à instituição financeira, sob pena deresponder concorrentemente pelos prejuízos da utilizaçãoindevida do título.- Assume o risco do negócio a empresa comercial que não agecom a devida cautela na conferência da assinatura do compra-dor com algum documento de identidade e deve responder pe-los danos causados ao correntista decorrentes do recebimen-to de cheque falsificado.- �A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não sejustificando que a reparação venha a constituir-se em enrique-cimento indevido, considerando que se recomenda que oarbitramento deva operar-se com moderação, proporcional-mente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suasatividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio, orientan-do-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela juris-prudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiênciae do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situ-ação econômica atual e as peculiaridades de cada caso� (STJ -REsp 171084/MA)

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.

RELATÓRIO

Trata-se de uma Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Ação deIndenização por Danos Morais interposta por VALTER FREIRE CARVALHO emface do J. PRUDENTE SUPERMERCADOS LTDA., onde alega o autor ter tido umafolha de cheque extraviada e utilizada indevidamente por terceiro no estabelecimen-to requerido (compra no valor de R$ 140,33 (cento e quarenta reais e trinta e trêscentavos) em 15/4/1995), sendo devolvida a cártula pelo Banco por discrepânciaentre as assinaturas. Anos depois, o autor tentou adquirir um cartão da rede G.Barbosa e sua proposta foi recusada, diante da constatação da inserção do nomedo autor no SPC.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 183

Julgou o juízo a quo procedente in totum o pedido da exordial, fixando areparação dos danos morais em vinte vezes o valor da dívida - R$ 2.806,60 (doismil, oitocentos e seis reais e sessenta centavos) (fls. 47/53). Houve recurso deambas as partes.

Aduz a parte ré em sua apelação, a ausência de prova nos autos do extraviodo cheque (ex.: comunicação do fato à polícia, a instituição financeira, etc.) o quetorna o recorrido �carecedor da ação�.

Alega, também, ter sido justa a inclusão do nome deste no SPC, uma vezque não provou ter comunicado a ocorrência do fato (extravio) à recorrente. Por fim,pede a reforma in totum da sentença de primeira instância ou, �caso seja entendi-do diferente, reconheça-se a existência de culpa concorrente do ora recorrido, fin-dando no fracionamento do valor da cártula� (fls. 55/58). Em contra-razões, o autorapenas refuta os argumentos da recorrente, pedindo que se mantenha a sentença,à exceção dos termos por ele ressalvados em seu recurso (fls. 70/75). O autor, porsua vez, recorre contra o valor da indenização fixado pela Magistrada, aduzindo quenão foi atendido o art. 159 do Código Civil, não sendo razoável o quantumindenizatório arbitrado na primeira instância (fls. 59/68).

Em contra-razões, alega a parte ré preliminarmente, �falta de interesse derecorrer� do autor, haja vista ter deixado ao prudente arbítrio do juiz a fixação dosvalores da indenização. No mérito, apenas rebate os argumentos do recorrente (fls.77/81).

Instado a se manifestar, o Ministério Público entendeu haver culpa concor-rente das partes litigantes: do correntista - ora autor - a quem compete o dever deguarda do talonário de cheques e do estabelecimento demandado por não ter tido acautela e o cuidado devido ao receber documento com assinatura flagrantementefalsa.

Desta forma, devem ser repartidos �os prejuízos dela advindos, como o valorestampado no cheque e a reparação do dano moral pela inclusão do nome do autorno cadastro restritivo�, mantendo-se o quantum fixado (fls. 87/91).

É o relatório.À douta revisão.

VOTO

Os apelos são tempestivas e estão preenchidos os demais requisitos deadmissibilidade, merecendo ser conhecidos.

Analiso inicialmente o recurso do supermercado. Há preliminar no sentido deser o autor do feito carecedor de ação, por não ter provado que teve o chequeextraviado. Entretanto, deixo de analisá-la, por se tratar de matéria envolvida nomérito.

Cinge-se a questão em analisar a responsabilidade do J. Prudente por contada inscrição do nome do apelado no SPC, em virtude de uma compra paga comcheque, sem a devida conferência da assinatura. Há também um outro aspecto ase perquirir que se refere ao fato do autor não ter tomado as devidas providências

184 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

para a sustação do cheque extraviado - documento acostado aos autos à fl. 41.Ambas questões foram muito bem dissecadas pela representante do Minis-

tério Público - Drª Maria Izabel Santana de Abreu - o que faz desmerecer maiorescomentos, cujo parecer encampo neste voto:

�... não nos aparenta tenha tido o promovente os cuidados necessários paradar publicação da perda do cheque. Em linha de princípio, a guarda do talonário decheques é do seu proprietário, que se responsabiliza pela emissão e conseqüentepagamento. De ver-se, na hipótese, que quer o demandante fazer valer a sua tesequando descurou de se cercar das cautelas usualmente exigidas por fatos dessanatureza. Não consta dos autos, então, contra-ordem de pagamento ao banco,boletim de ocorrência, publicação da perda, etc...; todas essas precauções, oualguma delas sequer, teriam o condão de demonstrar-lhe a boa-fé, fugindo, então,da obrigação nele estampada. A prova dos autos é, entretanto, falha e escassanesse ponto.

Nem por isso afastamos por inteiro a negligência da empresa requerida emreceber um título com a assinatura tão visivelmente falsa. Quer nos parecer, então,que os prepostos do supermercado desprezaram, quando do recebimento do che-que, até costumeira e salutar exigência da apresentação da carteira de identidadeou cartão do banco com vistas à confrontação de assinaturas. Assim, já se decidiu,mutatis mutandis, que ��assume os riscos decorrentes do negócio o estabeleci-mento comercial que recebe cheque furtado se, por ocasião da venda, não proce-deu com a devida cautela, exigindo identificação do portador do suposto título decrédito (5ª Câmara do TalçMG, apel. 225.426, 12/12/1996, .......).

Dessas ilações, desenganadamente concluímos ter havido concorrência deculpas no qüiproquó narrado, seja por parte do correntista, que sequer comunicouao banco ou à autoridade policial o extravio do título, ou do portador que recebeupara pagamento cheque cuja assinatura é flagrantemente falsa. E, repartida a cul-pa, dividem-se os prejuízos decorrentes do fato, tanto no que pertine ao valor es-tampado na cambial quanto os danos sofridos pelo demandante na sua inserção noSPC� (fls. 89/90).

O entendimento acima esposado está amparado na melhor doutrina e juris-prudência dos Tribunais. O Des. Sérgio Cavalieri Filho, quando analisa a responsa-bilidade decorrente de cheque falsificado, esclarece que: Só haverá responsabilida-de do correntista se ficar provado que concorreu para o evento, por exemplo, dei-xando de dar ciência ao banco do furto, roubo, extravio do talonário ou cartão,negligenciando a guarda dos mesmos�.

O STJ e outros Tribunais já decidiram a respeito, a exemplo das ementas aseguir transcritas:

AcórdãoREsp 2539/SP ; recurso especialFonte DJ DATA: 6/8/1990Relator(a) Min. Eduardo RibeiroData da Decisão 5/6/1990Orgão JulgadorT3 - Terceira Turma

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 185

EmentaCheque falso. Responsabilidade pelo pagamento. Reconhecendo o acórdão

ter havido culpa concorrente, do estabelecimento bancário e do correntista, corretaa conclusão ao declarar ser aquele responsável pelo ressarcimento de metade doprejuízo.

Decisão: Por unanimidade, não conhecer do recurso TJSP - 5ª C. ApelaçãoFonte - Tratado de Responsabilidade Civil - Rui Stoco - Editora Revista dos

Tribunais, 2001, pág. 507Relator(a)Des. Euclides de OliveiraData do Julgamento7/2/1992EmentaSe o cliente perde o talonário e não comunica o fato ao banco, verifica-se a

sua negligência, se preposto ou dependente se apodera do talonário e falsifica asua assinatura. A sua falta concorrente, assim, para o evento danoso e os prejuízosdevem ser divididos pela metade.

Assim, deve a responsabilidade pelo cheque emitido com assinatura falsa epela inscrição do nome do autor no SPC ser repartida entre as partes, face a exis-tência de culpa concorrente para a produção do dano.

Passo, então, a análise do recurso do autor. Insurge-se o apelante contra ovalor fixado a título de dano moral, com a alegação de que a Magistrada não obser-vou corretamente o art. 159 do Código Civil, o que acarretou a fixação da indeniza-ção em valor ínfimo, comparado ao dano sofrido com a inscrição do seu nome noSPC.

Pois bem. Em primeiro lugar, é válido esclarecer que o dispositivo citadorefere-se, tão-somente, a responsabilidade daquele que causou dano a alguém.Não há qualquer referência aos requisitos ou limites que devem ser seguidos peloMagistrado no momento da fixação da indenização. Ou seja, o artigo não oferecequantificadores para o arbitramento da quantia.

O valor do dano deve representar uma soma que propicie à vítima uma alegriade bem viver. É sabido que o dano moral conquanto seja ínfimo se comparado aodano sofrido pela vítima, deve ser estipulado com o objetivo de inibir o autor depráticas semelhantes. Opera-se a reparação do dano como uma forma de sançãocivil, a fim de que o ato ilícito perpetrado não venha a ser reiterado outras vezes. Istoquer dizer que não pode a indenização servir como fonte de riqueza para a vítima eo Magistrado deve ter o bom senso para arbitrar o quantum.

Indenizar significa reparar o dano causado à vítima, de maneira integral e sepossível restaurando o statu quo ante. Lembra o e. Sérgio Cavalieri Filho que:

�Na tormentosa questão de saber o que configura o dano moral, cumpre aojuiz seguir a trilha da lógica do razoável, em busca da sensibilidade ético-socialnormal. Deve tomar por paradigma o cidadão que se coloca a igual distância dohomem frio, insensível, e o homem de extremada sensibilidade. Nessa linha deprincípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ouhumilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento

186 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

psicológico do indivíduo, causando-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar, não bastando mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilida-de exacerbada.�

Não se pode esquecer que, ainda que a indenização siga critério subjetivo domagistrado, o valor estipulado deve ser dosimetrado, tendo em vista as posses doofensor e a situação pessoal do ofendido; nem tão grande que se converta em fontede enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva. Ou seja, o princí-pio da razoabilidade deve nortear a fixação do valor.

Além disso, os dados constantes do processo também devem ser levadosem consideração para a fixação e, neste aspecto, o fato do correntista ter suaparcela de culpa deve ser sopesado. Acredito, também, que o quantum deve serfixado em atenção ao valor que originou o dano (cheque de cento e quarenta reais etrinta centavos). A quantia arbitrada pela Magistrada - R$ 2.836,60 (dois mil, oito-centos e seis reais e sessenta centavos) - está em consonância com o raciocínioaqui despendido, no momento em que fixou o montante em 20 vezes o valor dodébito.

No entanto, considerando que houve culpa concorrente do autor, fixo a inde-nização no valor de R$ 1.403,30 (mil, quatrocentos e três reais e trinta centavos) emantenho a responsabilidade do autor pelo pagamento de metade do débito queoriginou a avenca, qual seja: R$ 70,16 (setenta reais e dezesseis centavos). Com-pensando-se tais quantias, fica o supermercado condenado ao pagamento da inde-nização no valor de R$ 1333,14 (mil, trezentos e trinta e três reais e quatorzecentavos). Quanto às custas e honorários advocatícios, deve ser observado o es-culpido no art. 21 do CPC.

Diante argumentos acima expendidos, voto pelo provimento do recurso dosupermercado e pelo improvimento do recurso do autor.

É como voto.

ACÓRDÃO

Acordam os membros do Grupo IV da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiçado Estado de Sergipe, à unanimidade, dar provimento ao recurso do J. PrudenteSupermercados Ltda. e improver o recurso de Valter Freire Carvalho, nos termos dovoto do Relator.

Aracaju/SE, 5/11/2001Votaram com o Relator os senhores Desembargadores Epaminondas Silva

de Andrade Lima e Josefa Paixão de Santana.

ACÓRDÃO Nº 2653/2001AC Nº 0143/2000RELATORA: Des.ª Josefa Paixão de Santana.Apelante: BCN Leasing Arrendamento Mercantil S/A.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 187

Apelada: AGROPECUS � Agricultura e Pecuária Ltda.

EMENTA: Arrendamento mercantil - Contratos bancários �CODECON � Aplicabilidade � Precedentes � Auto-aplicabilidadedo artigo 192, § 3o, CF/1988 - Aplicação da Lei de Usura (Decretono 22.626/1933) - Capitalização de juros - Proibição - Opção decompra do bem arrendado - Valor Residual Garantido (VRG) -Transformação do contrato em compra e venda à prestação -Apelo conhecido e improvido - Decisão unânime.1. A opção de compra, com o pagamento do valor residual aofinal, é uma característica essencial do contrato de leasing. Acobrança antecipada dessa parcela, embutida na prestaçãomensal, desfigura o contrato, que passa a ser uma compra evenda a prazo (art. 5o, �c�, combinado com o art. 11, §1o, da Leino 6.099, de 12.09.74, alterada pela Lei no 7.132, de 26/10/1983),com desaparecimento da causa do contrato.2. O art. 5o da Lei no 6.099/1974, com as alterações da Lei no 7.132/1983, que estabelece os elementos caracterizadores do contra-to de arrendamento mercantil, não cuida do denominado valorresidual garantido, o qual foi instituído em norma regulamentar,a Resolução no 2.309/1996 do Banco Central, o qual, se devida-mente contratado, pode ser cobrado na forma antecipada, con-figurando-se um direito renunciável pelo consumidor a qualquertempo e reembolsável ao final do contrato, caso não seja con-cretizada a venda.2. É vedada a capitalização de juros, conforme a Súmula 121 doEgrégio Superior Tribunal de Justiça.

RELATÓRIO

A AGROPECUS � Agricultura e Pecuária Ltda., intentou Ação de RevisãoContratual, em face do BCN LEASING ARRENDAMENTO MERCANTIL S/A., vi-sando obter a nulidade das cláusulas que fixam a capitalização de juros, baseadapelo coeficiente decimal de 0,998100000, além de requerer a aplicabilidade da �taxade juros de 12% ao ano, acrescida de correção monetária, conforme orientação daLei de Usura�. (fl. 06)

Alega que houve a desconfiguração do arrendamento mercantil para a com-pra e venda, afirmando �que no presente contrato a opção de compra foi efetuada nasubscrição do pacto, posto que naquela oportunidade a autora antecipou o Valor

188 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Residual Garantido, pagando a importância de R$ 9.000,00 (nove mil reais)�. (fl. 3)Alegou o contestante, preliminarmente, (fls. 32/35), a inépcia da inicial, a

impossibilidade do pedido e a carência da ação e, no mérito, (fls. 35/47), a improce-dência do pedido, para que seja �julgada improcedente a presente ação, caso nãosejam acolhidas as preliminares.

Afirmou ainda que �é impossível a anulação de contratos porque celebradosdentro das normas do Banco Central do Brasil, como demonstrado, a ré tambémdemonstrara que os contratos celebrados observam o Código do Consumidor noseu art. 54, e assim dentro da legalidade.� (fls. 47)

Na réplica, a autora declarou que �a liberdade de contratar encontra um limitequando o objeto do pacto for contrário ao ordenamento jurídico (...), mesmo porquea lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF,art. 5º, XXXV)� (fls. 53), reafirmando todos os termos da exordial.

A decisão monocrática julgou procedente o pleito do autor, para que sejafeita a �realização de novos cálculos, excluindo-se das parcelas a capitalização eos juros que excedam a doze por cento ao mês, fazendo-se compensação oudevolução do valor pago a mais; fica o requerido condenado ao pagamento dascustas e honorários advocatícios, estes fixados em dez por cento do valor atribuídoà causa� (fl. 126).

O requerido interpôs o presente recurso de apelação, no qual sustenta, prelimi-narmente, a nulidade da sentença por ter decidido extra petita, e ser contraditória,alegando que não houve o prevalecimento do princípio do Pacta Sunt Servanda.

Aduz ainda, que �o alegado excesso de cobrança com base em pretendidamudança da metodologia do cálculo que avençou decorre de suscitada nulidadedas cláusulas contratuais que as entende abusivas, avocando a aplicação do códi-go consumista, com o que comete ofensa à lei e ao princípio pacta sunt servandae porque não há submissão do contrato de leasing à Lei Consumista que esse serege pelas leis e normas do Sistema Financeiro (Lei nº 4.728/1965) e a Lei nº6.099/1974� (fls. 130).

Acrescenta que �o ilustre magistrado, no entanto, decidiu estar configuradaa compra e venda e determinou a compensação ou devolução do valor pago a maior,proferindo, assim, decisão extra petita, violando os preceitos ínsitos nos arts. 128e 460 do Código de Processo Civil, merecendo ser anulada r. sentença� (fl. 131).

Nas contra-razões, (fls. 148/150), a apelada refutou todas as alegações doapelante/requerido.

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento do presente re-curso, �para dar-lhe parcial provimento, a fim de ser reduzido o comando judicialpara as lindes da exordial�. (fl. 178).

É o relatório.

VOTO

Funda-se este apelo na consideração de que o douto Magistrado a quojulgou procedente a presente ação ordinária de revisão contratual, autorizando a

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 189

exclusão dos juros superiores a 12% ao mês e da capitalização, além dadescaracterização do leasing para a compra e venda em virtude de a requerente/apelada ter pago o Valor Residual Garantido (VRG) no dia da subscrição do contra-to. (fl. 125)

De referência à descaracterização do contrato de leasing para compra evenda, pretendida pela autora da ação, ora apelada, apesar de não constar dodispositivo, referência a essa questão, o douto julgador entendeu restar configuradaa compra e venda. (fl. 125)

Ademais, como julgou �o pedido procedente� (fl. 126), concluiu-se haver aco-lhido dita descaracterização.

Com isso, requer o apelante, o provimento do recurso, com a conseqüentereforma da decisão, para que se mantenham todas as disposições dos contratos,asseguradas entre ele e a apelada, em todos os seus termos originais, bem comoos débitos provenientes dos mesmos, conforme o princípio do Pacta SuntServanda.

De início, cumpre analisar a preliminar suscitada pelo apelante, qual seja, ade que a decisão do juízo a quo (fls. 123/126) foi proferida extra-petita e contráriaao princípio do Pacta Sunt Servanda.

É falsa a afirmativa de que a decisão foi extra petita, pois a autoridadejudiciária julgou conforme o que solicitado pelo requerente/apelado entre as fls. 05e 06.

Já a alegação da contrariedade ao preceito do Pacta Sunt Servanda tam-bém não assiste razão ao apelante, pois o contrato possui força de lei eobrigatoriedade para as partes apenas quando as suas cláusulas não são abusivase, por conseguinte, não consubstanciam o locuplamento ilícito para um dos contra-tantes.

Por essas razões, inacolho o que alegado preliminarmente, tendo de obser-var a seguir os pormenores do mérito.

Verifica-se que existem, no contrato de arrendamento mercantil em questão,várias irregularidades não subsistentes, sendo, assim, indispensável a revisão doscontratos pelo Poder Judiciário, sobretudo quando, no Código de Defesa do Consu-midor existem normas de ordem pública aplicáveis aos contratos bancários.

Quanto à taxa de juros remuneratórios, existe acirrada controvérsia. Alega obanco apelante, não ser auto-aplicável o artigo 192, § 3o da vigente Carta Magna,tese sustentada por opiniões abalizadas.

Contudo, entendemos, igualmente ladeada de opiniões ponderosas, que sea hodierna Constituição Federal limitou a taxa de juros em 12% ao ano, como o fez,conclui-se que não poderá haver regulamentação legal, elevando essa taxa.

Assim, filiamo-nos à corrente da auto-aplicabilidade do artigo 192, § 3o daConstituição Federal, in verbis:

�As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras re-munerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderãoser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será con-ceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termosque a lei determinar�.

190 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Por outro lado, o artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-rias revogou a Lei da Reforma Bancária, impondo-se a aplicação do artigo 1o, § 3o

da Lei de Usura, ficando as instituições financeiras sujeitas às regras gerais atinentesà aplicação dos juros.

Posiciona-se nesse sentido o Tribunal de Justiça deste Estado, a exemploda Apelação Cível no 1655/1999, em voto relatado pelo Desembargador José Antô-nio Andrade Goes:

�Os juros legais são limitados a 12% ao ano, quer seja pela auto-aplicabilidadedo art. 192, § 3o da CF., quer pelas disposições da Lei da Usura (Decreto no 22.626/1933)�.

Por igual, entende o eminente Desembargador Aloísio de Abreu Lima, emementa proferida na Apelação no 266/2000, in verbis:

�I - Taxa de juro superior a 12% ao ano é manifestamente ilegal, em face daauto-aplicabilidade do § 3o do art. 192 da CF, bem como pela vigência do Decreto no

22.626/1933�.Assim, o contrato em discussão não pode sujeitar à apelada a taxa de juros

superiores a 12% ao ano. Cumpre observar que houve apenas um equívoco dodouto processante, ao se referir aos juros de 12% ao mês, quando certamentepretendeu referir-se a 12% ao ano, como está de resto, em toda sua decisão (fls.126).

No tocante à capitalização de juros, é pacífico o entendimento acerca da suaproibição, prevista no artigo 4o do Decreto no 22.626/1933, e objeto da Súmula 121do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

�É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada�.Quanto ao princípio do Pacta Sunt Servanda, o artigo 6o, inciso V, c/c o

artigo 51, todos da Lei no 8.078/1990 mostra que o consumidor tem a garantia depleitear a modificação ou anulabilidade das disposições contratuais atinentes àprevisibilidade de prestações desproporcionais ou revisar o contrato, em função deacontecimentos supervenientes que as tornem excessivas.

Quanto à transmudação desse contrato em compra e venda a prazo, deu-seesse fato no momento em que a apelada efetivou o pagamento do Valor ResidualGarantido (VRG) no dia da assinatura do pacto de leasing, como já analisado (fls.03).

A esse respeito, já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça no RecursoEspecial no 218041/RS,de 2 de setembro de 1999, cuja ementa é a seguinte:

�LEASING FINANCEIRO. Valor residual. Pagamento antecipado. Juros. Li-mite.

- A opção de compra, com o pagamento do valor residual ao final, é umacaracterística essencial do contrato de leasing. A cobrança antecipada dessa par-cela, embutida na prestação mensal, desfigura o contrato, que passa a ser umacompra e venda a prazo (art. 5o, c, combinado com o art. 11, § 1o, da Lei n o 6.099,de 12/9/1974, alterada pela Lei no 7.132, de 26/10/1983, com desaparecimento dacausa do contrato.�

Nesse mesmo sentido, observa-se a ementa do acórdão do Recurso Especi-al 213850/RS, de 10 de agosto de 1999, in verbis:

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 191

�LEASING. VRG. Juros. Capitalização.- O valor residual garantia cobrado antecipadamente desfigura o contrato de

leasing.- Não é permitida a cobrança de juros capitalizados pelo descumprimento do

contrato de leasing.- No cálculo do custo da operação, podem ser incluídos juros nas taxas

autorizadas pelo CMN.- Recurso conhecido em parte.�Pelo exposto, meu voto é no sentido de que se conheça do presente recur-

so, por cabível e tempestivo, mas para lhe negar provimento, mantendo-se a sen-tença a quo em todos os seus termos.

É como voto.Aracaju/SE, 5 de novembro de 2001.Desembargadora Josefa Paixão de Santana,Relatora

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros do GrupoI, da Primeira Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, por una-nimidade de votos, em conhecer do recurso e improvê-lo, nos termos do voto darelatora, que fica fazendo parte integrante deste julgado.

Aracaju/SE, 5 de novembro de 2001.Votou com a relatora o senhor Desembargador Epaminondas Silva de Andrade

Lima.

ACÓRDÃO Nº 2844/2001AC Nº 1078/2000RELATORA: Des.ª Josefa Paixão de SantanaAPELANTE: COOPTEC - Coop. Tecnol. Trabalho, Educação eDesenvolvimentoAPELADO: Município de Aracaju

EMENTA: Mandado de Segurança � Tributário- ISS- Cooperati-va de profissionais técnicos- Incidência - Writ negado - Apeloimprovido � Decisão unânime.Por se tratar de ato não cooperado, os serviços prestados aterceiros pela cooperativa, estão sujeitos ao pagamento do ISS.Somente sobre os atos cooperados, ou seja, os praticados en-tre as cooperativas e seus associados, não incide o ISS.Apelo improvido, mantendo-se, por unanimidade, a sentença

192 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

que denegou a segurança pleiteada.

RELATÓRIO

COOPETEC (Cooperativa de Tecnologia, Trabalho, Educação e Desenvolvi-mento) impetrou Mandado de Segurança em face do Sr. SECRETÁRIO DAS FI-NANÇAS DO MUNICÍPIO DE ARACAJU, visando ser desobrigada de recolher men-salmente aos cofres municipais o ISS- Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natu-reza.

Afirma a autora-apelante que as prestações de serviço pela cooperativa,constituem ato cooperativo, sem objetivo de lucro e portanto, não sujeitas à cobran-ça de tributos.

Em sua contestação, aduziu o requerido-apelado que somente os atos coo-perados estão livres de serem tributados, e que, no entanto, o que está sendocobrado pelo Município são os serviços prestados pela cooperativa a terceiros, queestão previstos na lista de serviços da Lei Complementar nº 56/1987, recepcionadospela Lei nº 1547/1989 - Código Tributário do Município de Aracaju.

Parecer do Ministério Público, opinando pelo indeferimento do pleito exordial,por entender que a cobrança do ISS é oriunda de atos não cooperados.

A decisão monocrática (fls.199-201), denegou o presente mandado de segu-rança, afirmando que �o caso dos presentes autos não se enquadra no disposto noartigo 79 da lei supra que define ato cooperativo, sujeitando-se, desta forma, àcobrança do ISS, uma vez que está evidenciada nos autos a prática de ato nãocooperativo� (fl. 201).

A requerente interpôs o presente recurso, no qual sustenta que �não existepressuposto básico para a cobrança do aludido imposto municipal� (fl. 205)�.

O Município de Aracaju apresentou contra-razões afirmando que o fato gera-dor para a cobrança do ISS, consubstancia-se na Lei nº 1547/89 - Código Tributáriodo Município de Aracaju e que a sentença prolatada seja mantida em todos os seustermos.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo improvimento do apelo (fls.218-224).É o relatório.

VOTO

Funda-se este apelo na consideração de que a Magistrada a quo denegou asegurança, afirmando no seu decisum que pelo fato de o ato praticado ser nãocooperativo, está sujeito à cobrança do ISS.

Requer, a apelante, provimento do apelo com a conseqüente reforma dadecisão, para que não incida o ISS, por não existir pressuposto para a cobrança doaludido imposto municipal.

Ocorre que a cooperativa, organizada para a prestação de serviços, é umaassociação de pessoas, as quais praticam atos cooperativos e não cooperativos.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 193

Os atos cooperativos estão expressamente conceituados no artigo 79, daLei 5764/1971, sendo aqueles �praticados entre as cooperativas e seus associa-dos, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associadas, para aconsecução dos objetivos sociais.�

Dessa forma, as cooperativas quando praticam atos cooperativos, fazem-nos no âmbito interno, ou seja, sem a intervenção de terceiros estranhos no siste-ma operacional, sendo portanto, atos não sujeitos à cobrança de impostos.

De forma contrária, os atos não cooperativos são transações entre a coope-rativa e não-associados, realizando assim ato negocial, sujeitos portanto à tributa-ção, conforme dispõe o artigo 87, da aludida Lei nº 5.764/1971:

Os resultados das operações das cooperativas com não associados, menci-onados nos arts. 85 e 86, serão levados à conta do Fundo de Assistência Técnica,Educacional e Social e serão contabilizados em separado, de molde a permitircálculo para a incidência de tributos.

In casu, está evidenciado nos autos que a COOPTEC- Cooperativa deTecnologia, Trabalho, Educação e Desenvolvimento presta serviços variados, nãoagindo de forma ilegal o Município, ao cobrar o ISS sobre os serviços prestadospela mesma a terceiros não cooperados.

Da mesma forma entende o Egrégio STJ, em voto prolatado pelo Exmo. Sr.Ministro José Delgado, em questão análoga, o qual assevera que:

TRIBUTÁRIO. ISS. COOPERATIVAS MÉDICAS. INCIDÊNCIA1. As cooperativas organizadas para fins de prestação de serviços médicos

praticam, com características diferentes, dois tipos de atos: a) atos cooperadosconsistentes no exercício de suas atividades em benefício dos seus associadosque prestam serviços médicos a terceiros; b) atos não cooperados de serviços deadministração a terceiros que adquiram seus planos de saúde.

2. Os primeiros atos, por serem típicos atos cooperados, na expressão doart. 79, da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, estão isentos de tributação.Os segundos, por não serem atos cooperados, mas simplesmente serviços remu-nerados prestados a terceiros, sujeitam-se ao pagamento de tributos, conformedeterminação do art. 87 da Lei nº 5764/1971.

3. As cooperativas de prestação de serviços médicos praticam, na essência,no relacionamento com terceiros, atividades empresariais de prestação de serviçosremunerados.

4. Incidência do ISS sobre os valores recebidos pelas cooperativas médicasde terceiros, não associados, que optam por adesão aos seus planos de saúde.Atos não cooperados. ( REsp 254549/CE, 17/8/2000, T1)

Nesse sentido, entende também o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado deSergipe, em voto do Desembargador Fernando Ribeiro Franco, nos seguintes ter-mos:

Apelação Cível. Tributário. ISSQN. Empresa cooperativa prestadora de servi-ços médicos. Tributo pago individualmente pelo associado. Fatos geradores distin-tos. Bitributação. Inocorrência. Isenção. Súmula nº 81 do STF. Apelo Improvido.Unânime,

Se provém de fatos geradores distintos o tributo pago individualmente pelo

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médico com aquele pago pela empresa cooperativa a que está associado, comcota fixa de sua parte, inocorre in casu, a figura da bitributação.

As empresas cooperativas prestadoras de serviços médicos que têm, dentreoutros objetivos, o lucro, não gozam de isenção de impostos locais, tais como oISSQN, segundo orientação da Súmula nº 81 da Suprema Corte.

Apelo improvido. Decisão unânime.� (AC 325/97, 3/11/1998, 1ª Câmara Cível).Sendo assim, com base nos argumentos supramencionados, entendo ser

correta a cobrança do ISS sobre a prestação de serviços da cooperativa a terceiros,por tratar-se de atos não cooperados.

Pelo exposto, conheço do recurso, por cabível e tempestivo, mas para lhenegar provimento, mantendo-se a sentença que denegou a segurança.

Desembargadora JOSEFA PAIXÃO DE SANTANA.Relatora.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros do GrupoII, da Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, por unanimidadede votos, em conhecer do recurso por cabível e tempestivo, mas para improvê-lo,nos termos do voto da relatora que fica fazendo parte integrante deste julgado.

Aracaju/SE, 25 de novembro de 2001.Votaram com a relatora os senhores Desembargadores Fernando Ribeiro

Franco e Roberto Eugênio Fonseca Porto.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 195

SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO

ACÓRDÃO Nº 2212/2001AGR Nº 0365/2001RELATOR ORIGINÁRIO: Des. Aloísio de Abreu LimaRELATOR SUBSTITUTO: Juiz Ricardo Múcio S. de AbreuLimaAGRAVANTE:Banco Fiat S/AAGRAVADA: Fátima Andrade Dantas

EMENTA: Agravo de instrumento - Ação Anulatória de débito -Decisão que determinou a realização de prova pericial e a in-cumbência do custeio de tal prova à parte ré - Inversão do ônusda prova - Inteligência do art. 6º, VIII do Código de Defesa doConsumidor - Admissibilidade no tocante à condição dehipossuficiência técnica, e não econômica - Inaplicabilidadequanto ao custeio da perícia determinada de ofício pelo magis-

196 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

trado - Incidência, na hipótese, § 2º e art. 33 do Código de Pro-cesso Civil - Agravo conhecido e provido para esse fim.A aplicação do art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidoré admissível em casos de hipossuficiência técnica com relaçãoà produção probatória, e não quando tal estado devulnerabilidade não restar configurado, como, por exemplo, emcasos de hipossuficiência econômica.Sendo assim, tal preceito jurídico não se estende ao encargode custeio da perícia determinada de ofício pelo magistrado,regido, na espécie, pelo art. 19, § 2º e art. 33 do Código de Pro-cesso Civil.

RELATÓRIO

Banco Fiat S/A agravou da decisão proferida pelo Juízo da 15ª Vara Cíveldesta Comarca, nos autos da Ação Anulatória de Débito contra ele manejada porFátima Andrade Dantas, a qual determinou a realização de prova pericial às expensasdo Banco réu, com fundamento no art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor.

Alega o recorrente que segundo o que reza o art. 33 do CPC, o ônus da provaincumbe ao autor e, sendo assim, no caso em exame, a prova pericial deve sercusteada pela autora, já que foi determinada pelo Juízo de ofício.

Roga pela concessão de efeito suspensivo ao recurso, o qual foi por mimconcedido em decisão de fl. 59v.

Em resposta, a agravada argumenta que acertada foi a decisão guerreada, jáque baseou-se no art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor, o qual estatuisobre a inversão do ônus da prova em casos de hipossuficiência da parte vulnerável.

Em breve síntese, o relatório.

VOTO

A vexata quaestio do presente recurso restringe-se à análise acerca daaplicação do art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor, que determina ainversão do ônus probatório face à hipossuficiência da parte vulnerável.

A aplicação do art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor é admissívelem casos de hipossuficiência técnica com relação à produção probatória, e nãoquando tal estado de vulnerabilidade não restar configurado, como, por exemplo,em casos de hipossuficiência econômica.

Sendo assim, tal preceito jurídico não se estende ao encargo de custeio daperícia determinada de ofício pelo magistrado, regido, na espécie, pelo art. 19, § 2ºe art. 33 do Código de Processo Civil.

A complexidade da matéria em discussão evidencia a condição de

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 197

hipossuficiência, no campo técnico, a favorecer a agravada, uma vez situada emposição adversa e desigual perante o recorrente, no embate especializado que sepropõe para o deslinde.

Daí ter sido corretamente determinada a inversão do ônus da prova, opejudicis, como regra de juízo, por aplicação do princípio constitucional da isonomia,na medida em que o consumidor, como parte reconhecidamente mais fraca e vulne-rável na relação de consumo, tem de ser tratado de forma diferente, a fim de que sealcance a igualdade real entre os partícipes da relação.

Ocorre, porém, que a circunstância de se inverter o ônus da prova, por forçada hipossuficiência técnica reconhecida, não significa, necessariamente, deva so-brevir, da mesma forma, inversão relativa ao encargo de custeio, para a realizaçãoda perícia, uma vez que nem mesmo a agravada demonstrou ser, em acréscimo,hipossuficiente, também do ponto de vista econômico, a ponto de fazer jus aobenefício da justiça gratuita.

Logo, por aplicação do art. 19, § 2º e 33 do Código de Processo Civil, àautora caberá adiantar as despesas relativas à perícia, uma vez reconhecida indis-pensável e determinada, então, pelo próprio Juízo de ofício.

Para esse fim exclusivo, é que se acolhe a irresignação.Ante o exposto, meu voto é pelo provimento do recurso.Aracaju/SE, 1º de outubro de 2001.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadoresdo Terceiro Grupo da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe,por unanimidade de votos, conhecer do recurso para dar-lhe provimento, a fim dedeterminar que o adiantamento das despesas relativas ao custeio da perícia emquestão seja feito pela própria autora, já que tal prova foi determinada pelo magis-trado, como manda o art. 19, § 2º e art. 33 do CPC, nos termos do voto do relator,que fica fazendo parte integrante deste julgado. Participaram do julgamento osDesembargadores Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila e José Artêmio Barreto.

Aracaju/SE, 1º de outubro de 2001.Votaram com o Relator os senhores Desembargadores Manuel Pascoal

Nabuco D�Ávila e José Artêmio Barreto.

REEXAME NECESSÁRIO

ACÓRDÃO Nº 2351/2001RN Nº 0109/2000RELATORA: Des.ª Clara Leite de Rezende

198 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

AUTOR: Ministério Público de SergipeRÉ: Câmara de Vereadores do Município de Rosário do Catete

EMENTA: Reexame necessário - Ação civil pública - MinistérioPúblico - Ato normativo do Poder Legislativo Municipal - Decla-ração incidenter tantum de inconstitucionalidade de lei munici-pal em face da Constituição Federal - Impossibilidade - Efeitoerga omnes da sentença - Aplicação do art. 16 da Lei nº 7.347/1985 - Impropriedade da via processual eleita - Extinção do pro-cesso sem julgamento do mérito - Aplicação do art. 267, incisoVI, do Código de Processo Civil.A ação civil pública não se presta à obtenção de declaração deinconstitucionalidade de lei, eis que possui eficácia erga omnes.Sua admissão redundaria em aceitá-la como verdadeira açãodireta de inconstitucionalidade de atos normativos municipaisem face da Constituição Federal, ação essa não admitida pelaCarta Magna.Sentença reexaminada e reformada.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Reexame Necessário nº 0109/2000, da Ação Civil Pública nº 0208/1999, em que figuram como partes as acimaindicadas.

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Sergipe propôs Ação Civil Pública, compedido liminar, em face da Câmara de Vereadores do Município de Rosário do Catete,para o fim de declarar a nulidade de todos os atos e decretos de nomeação edesignação para provimento dos cargos em comissão que recaiam sobre agentessem qualquer vinculação efetiva para com o Legislativo Municipal, além da sustaçãodefinitiva dos pagamentos de salários aos servidores ocupantes de tais cargos, quenão se coadunam com o texto constitucional e por serem lesivos ao patrimôniopúblico.

Alega, o autor, que como medida intuitiva de burlar a lei, furtando-se à exi-gência constitucional do concurso público, vem, o órgão do Poder Legislativo, atra-vés de sucessivas leis municipais, criando inúmeros cargos em comissão na suaestrutura administrativa.

Aduz, ainda, que os chamados servidores efetivos também adentraram noserviço público sem a observância da seleção exigida e que não preencheram osrequisitos de estabilidade consignados no art. 19 do ADCT, eis que nenhum doscincos servidores efetivos teriam ingressado no serviço público cinco anos antes da

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 199

promulgação da Magna Carta. Por fim, alega que apesar do art 12 da Resolução nº01/93 dispor que o regime jurídico dos funcionários da Câmara Municipal serestatutário, tais servidores efetivos estariam sendo regulados pelo regime celetista.

Após manifestação acerca do pedido liminar, nos termos da Lei nº 8.437/1992, às fls. 184/187 esta fora concedida, parcialmente, para o fim de determinar asustação de todos os efeitos das nomeações decorrentes das Resoluções 01/1993, 05/1994 e 04/1997 do Poder Legislativo de Rosário do Catete/SE, suspen-dendo o exercício e pagamento dos vencimentos dos ocupantes de cargo em co-missão, sem vinculação efetiva, salvo no tocante aos cargos de um assessor jurídi-co, um Secretário-Geral e um Tesoureiro, para que estes exerçam suas tarefasfundamentais junto a Casa Legislativa.

Em sede de contestação, a câmara-ré, preliminarmente, argüi a carência deação na modalidade de impossibilidade jurídica do pedido, sob o fundamento deque os cargos em comissão teriam sido criados através de leis municipais, não sepodendo ter a nulidade de seu texto através de Ação Civil Pública, eis que nãoexiste previsão legal para tanto, mas sim pela via da Ação Direta de Inconstitucio-nalidade.

Às fls. 274/279 a sentenciante declara, de forma incidental, a inconstitucio-nalidade das nomeações, por afrontosas ao Texto Maior, eis que desrespeitosas àsnormas e princípios constitucionais e, julga parcialmente procedente o pedido inici-al, mantendo a liminar concedida, para declarar nulas as nomeações aos cargosem comissão da Câmara de Vereadores de Rosário do Catete, com a respectivasustação do pagamento de salários, com a ressalva de nomeação para um cargode assessor jurídico, Secretário-Geral e Tesoureiro, tudo nos termos da Lei nº 7.347/1985 e arts. 5º, 37 e seus incisos, da Constituição Federal.

Ausência de recurso voluntário.A Procuradoria de Justiça opina pela confirmação da sentença submetida a

reexame, por seus próprios fundamentos.É o relatório.

VOTO

A matéria submetida a reexame diz respeito à ação civil pública interpostapelo Ministério Público do Estado de Sergipe em face da Câmara de Vereadores doMunicípio de Rosário do Catete, objetivando a �declaração de nulidade de todos osatos e decretos de nomeação e designação para provimento dos cargos em comis-são...�.

Compulsando os autos visualizamos discussão lançada em preliminar decontestação, argüindo-se a carência de ação pela impossibilidade jurídica do pedi-do, eis que a ação civil pública não seria meio próprio a declaração de inconstituci-onalidade de leis, no qual, ao final, fora rejeitado, sendo declarado incindentertantum a inconstitucionalidade de tais atos normativos, que em reexame necessá-rio será auferida sua possibilidade em sede de ação civil pública.

Em nosso ordenamento jurídico o sistema de controle de leis e atos normativos

200 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

do Poder Público prevê duas formas de proteção contra eventual ofensa a preceitosestatuídos na Constituição: o controle difuso, exercido incidentalmente pelo juiz aquem incumbe apreciação do caso concreto, e o concentrado ou direto, quandoexercido por um órgão específico.

O controle direto diz respeito somente à lei em tese, e compete exclusiva-mente ao Supremo Tribunal Federal e aos Tribunais de Justiça. Ao Supremo Tribu-nal Federal cabe a declaração direta de inconstitucionalidade de leis e de atosnormativos federais ou estaduais, em face da Constituição Federal, conforme odisposto no art. 102, I, �a� da nossa Carta Magna. Aos Tribunais de Justiça dosEstados e do Distrito Federal compete a declaração direta de inconstitucionalidadede leis ou atos normativos estaduais e municipais ou distritais, em face da Consti-tuição local (art. 125, § 2º, da Constituição Federal). Ressalte-se que a decisãotomada em sede de controle abstrato tem eficácia erga omnes, essência de umprocesso objetivo, no qual inexistem partes, posto que se busca a tutela do interes-se público.

Quando qualquer órgão judicial, para decidir a causa, examina previamente aconstitucionalidade da norma invocada no processo pelas partes, ocorre o controledifuso. Neste caso, a decisão acerca da inconstitucionalidade de lei ficará limitadaàs partes da lide. Note-se que tal ocorre como regra, porquanto as sentenças pro-feridas neste tipo de ação não possuem eficácia geral. O interesse circunscreve-seàs partes envolvidas na lide, de maneira que a lei, mesmo consideradainconstitucional naquele processo, continuará a viger e a regular situações jurídicasque lhe digam respeito, no concernente àqueles que não foram atingidos pela deci-são.

Em estudo a ação civil pública dessume-se que é uma ação coletiva, e queo intuito do legislador, ao conferir efeito erga omnes à sentença, foi o de abrangera coletividade que tivesse sua esfera jurídica atingida pela matéria apreciada edecidida na ação civil. Trata-se, portanto, de um processo tipicamente objetivo,mormente quando o postulante atua na defesa de um interesse público.

Outrossim, é de se convir que, a teor do normatizado, não tem ela por finali-dade a declaração ou controle de constitucionalidade de lei, até porque seus efei-tos são erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator. Ouseja, ao acolher-se tal pretensão, acabaria por afastar a incidência de um a lei porinconstitucional, com eficácia geral e irrestrita, como das ações diretas deconstitucionalidade.

Ao comentar a lei da ação civil pública, José dos Santos Carvalho Filhoressalta:

�Consignando que a sentença civil, como regra, fará coisa julgada ergaomnes, exceto no caso que menciona, o legislador, na verdade, criou sentença decaráter normativo, vale dizer, aquela cuja eficácia vai alcançar não somente aspartes no processo, mas toda a coletividade, tal como se fosse uma regra emitidapelo Legislativo, de cunho geral, abstrato e impessoal. A coisa julgada, nesse caso,será dotada de comando genérico, de forma a assegurar a definitividade da senten-ça em qualquer outro litígio, individual ou não, que tenha o mesmo desenho do quefoi objeto de apreciação judicial.�(in, Ação Civil Pública - Comentários por Artigo,

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 201

p.339)Inobstante à fl. 26 o representante ministerial consignar não pretender a de-

claração de inconstitucionalidade das resoluções de nomeação e designação dosservidores em cargo de comissão, de outra forma não se poderia alcançar o resul-tado pretendido na presente demanda e como assim fora feito pela douta magistradade primeiro grau quando da prolação da sentença. Contudo, o autor fez uso da viainadequada para obtenção de sua pretensão. Levando em consideração que nocontrole indireto as decisões têm efeito apenas entre as partes do processo, omesmo não pode ser usado nas ações civis públicas, pois, como dispõe o art. 16da Lei nº 7.347/1985, estas se caracterizam pelos efeitos erga omnes em relaçãoà sentença proferida, por defenderem interesses difusos ou coletivos, de naturezaindivisível, do qual são titulares pessoas indeterminadas.

Sobre o tema, assim se posicionou o insigne Gilmar Ferreira Mendes:�É fácil de ver, desde logo, que a ação civil pública não se confunde, pela

própria forma e natureza, com os processos cognominados de processos subjeti-vos.

A parte ativa nesse processo não atua na defesa de interesses próprios, masprocura defender um interesse público devidamente caracterizado. Assim sendo,afigura-se difícil, senão impossível sustentar-se que a decisão que, eventualmente,afastasse a incidência de uma lei considerada inconstitucional, em ação civil, teriaefeito limitado às partes processualmente legitimadas.

É que, como já enunciado, a ação civil pública aproxima-se muito de um tipoprocesso objetivo, no qual a parte autora atua na defesa de situações subjetivas,agindo, fundamentalmente, com escopo de garantir a tutela do interesse público.�(in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, Celso Bastos Editor,1998, p. 339)

Na espécie, fato é que o controle passa efetivamente a ser concentrado enão mais difuso, como se espera em casos como tais. Entretanto, estaríamos nosutilizando de meio processual inidôneo para tal desiderato, eis que o correto seriafazê-lo por intermédio da ação de declaração de inconstitucionalidade, que temtodo um rito especial para seu processamento e julgamento preconizado constitu-cionalmente, dispondo expressamente o art. 97 da Carta Política que �somentepelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivoórgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou atonormativo do poder público�.

Assim, ao se utilizar de ação civil pública, não poderia, a sentenciante, a fimde atender o pleito autoral, efetuar o controle de constitucionalidade incidentertantum, eis que a decisão que afastar a incidência da norma por considerá-lainconstitucional, surtirá uma eficácia geral e irrestrita, o que é vedado em nossoordenamento jurídico, já que essa eficácia se iguala a das ações direta de incons-titucionalidade.

Frise-se que qualquer pretensão no sentido de limitar a eficácia da decisãoda ação civil pública apenas às partes envolvidas na relação jurídica, acarretaria anulidade do processo, posto que fere a própria natureza da ação.

Neste sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:

202 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

�Agravo Regimental.Não se admite ação que se intitula ação civil pública, mas, como decorre do

pedido, é, em realidade, verdadeira ação direta de inconstitucionalidade de atosnormativos municipais em face da Constituição Federal, ação essa não admitidapela Carta Magna.

Agravo a que se nega provimento.� (ARGAG nº 189.601-9/GO, 1ª Turma, Rel.Min. Moreira Alves, D.J. 3/10/1997)

Outro não é o posicionamento traçado pelo Superior Tribunal de Justiça:�Ação civil pública - Direitos individuais disponíveis - IPTU - Legitimidade do

Ministério Público.A legitimidade do Ministério Público é para cuidar de interesses sociais difusos

ou coletivos e não para patrocinar direitos individuais privados e disponíveis.A ação civil pública não se presta à obtenção de declaração de inconstituci-

onalidade de lei, eis que possui eficácia erga omnes.Recurso Provido� (REsp nº 234.241-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira,

D.J. 28/2/2000) grifo nosso�Ação civil pública - Taxa de iluminação pública - Ministério Público - Ilegiti-

midade ativa ad causam - Inconstitucionalidade de lei municipal - Impossibilidade.(...) A ação civil pública não substitui a ação direta de inconstitucionalidade,objetivando declaração de inconstitucionalidade de lei municipal, nem mesmo paradeclaração incidental. (...) Unânime.� (REsp nº 139.471-GO, 2ª Turma, Rel. Min.Francisco Peçanha Martins, D.J. 11/10/1999)

�Processo civil. Ação civil pública em matéria tributária. O controle difuso daconstitucionalidade, não só é possível, como obrigatório, porque o juiz ou tribunalnão podem aplicar lei inconstitucional. Na ação civil pública, todavia, esse controleincidenter tantum equivaleria, pelos seus efeitos, a verdadeira ação direta de in-constitucionalidade, com a agravante de que os beneficiários seriam os contribuin-tes, e não os consumidores, categorias afins, mas distintas. Embargos de declara-ção rejeitados. Unânime.� (EDREsp nº 106.993-MS, 2ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler,D.J. 18/5/1998)

Ante o exposto e considerando que se configura impossível a efetivação docontrole de constitucionalidade via ação civil pública, por incompatibilidade jurídica,para reformar, em grau de reexame necessário, a sentença a quo, extinguimos oprocesso sem julgamento do mérito por ausência dos pressupostos de constitui-ção e desenvolvimento válido e regular, nos termos do art. 267, inciso IV, do Códigode Processo Civil.

Aracaju/SE, 9 de outubro de 2001

ACÓRDÃO

Acorda a 2ª Câmara Cível, por seu I Grupo, à unanimidade, reformar a sen-tença reexaminada para extinguir o processo sem julgamento do mérito, nos ter-mos do voto da Excelentíssima Senhora Desembargadora Relatora.

Votaram com a relatora o senhor Desembargador Manuel Pascoal Nabuco

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 203

D�Ávila e o Juiz Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima.

ACÓRDÃO Nº 2516/2001RN Nº 0057/2001RELATOR : Des. Manuel Pascoal Nabuco D�ÁvilaAUTOR: Sandro Costa LimaRÉU: Diretor-presidente do Detran

EMENTA: Reexame necessário - Multa - Licenciamento - Pro-cedência - Sentença mantida - Decisão unânime.1. Ainda que regularmente notificado o infrator de trânsito, ca-racteriza ato arbitrário da autoridade coatora e, por isto mesmo,passível de anulação via writ, o condicionamento delicenciamento de veículo ao prévio pagamento de multas.2. Sentença mantida, por unanimidade.

RELATÓRIO

Sandro Costa Lima impetrou Mandado de Segurança contra o Presidente doDETRAN/SE, que condicionou a efetivação do licenciamento do veículo de suapropriedade ao pagamento de multas de trânsito sobre as quais somente no ato dolicenciamento foi cientificado.

Sem informações, inobstante solicitadas.A sentença que julgou procedente o writ, é vista às fls. 22/23.Não houve recurso voluntário, subindo os autos ao Egrégio Tribunal para

reexame necessário.Com vistas ao Ministério Público, o douto Procurador de Justiça Pedro Iroito

Dória Leó opinou pelo conhecimento da remessa oficial, mas para se lhe negarprovimento.

É o relatório.

VOTO

O DUA/DETRAN trazido aos autos com a exordial comprovam a cobrança ea notificação para o recolhimento das multas fora do prazo previsto em lei. Além doque, as infrações constantes neste documento induzem a conclusão que está pres-crito o direito de cobrança.

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de serproibido condicionar a renovação da licença do veículo ao pagamento de multa,litteris:

204 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

�Administrativo. Renovação de licença de veículo. Condicionamento ao paga-mento de multa cuja notificação do condutor foi presumida. Impossibilidade. Súmulanº 127 do STJ.

1. Em homenagem aos princípios da ampla defesa e do contraditório, deveser inequívoco o conhecimento das notificações relativas a infrações de trânsito,não se mostrando razoável que o condutor ou proprietário do veículo tenha a obriga-ção de comprovar que não foi devidamente cientificado, cabendo essa demonstra-ção aos órgãos de trânsito, estes cada vez mais aparelhados em sua estruturafuncional.

2. Recurso especial provido.� (STJ, Min. Paulo Gallotti, REsp 89116/SP).�Administrativo. Licenciamento. Infração de Trânsito. Multa. Exigência de

Correção Monetária. Necessidade de prévia notificação.Direito de Defesa. CTN, artigos 110, 115 e 194. Decreto nº 62.127/1968 (arts.

125, 210 e 217). Súmula 127/STJ. 1. Como condição para o licenciamento, é ilegala exigência do pagamento de multa imposta sem prévia notificação do infrator paradefender-se em processo administrativo. 2. Precedentes jurisprudenciais. Súmula127/STJ. 3. Recurso improvido.� (STJ, Min. Milton Luiz Pereira, REsp 184554/SC).

�Processual civil - Administrativo - Embargos de declaração - Admissibilidade- Efeitos modificativos - Recurso especial - Ausência de pré-questionamento - Veí-culo - Licenciamento - Exigência - Pagamento de multas - Inadmissibilidade.Inexistindo no acórdão embargado obscuridade, contradição ou omissão, sãoincabíveis embargos de declaração. Efeitos modificativos só são possíveis em ca-sos excepcionais. A ausência de pré-questionamento obstaculiza o conhecimentodo recurso especial (Súmulas nºs. 282 e 356 do STF). É ilegal condicionar a reno-vação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notifi-cado (Súmula nº 127 do STJ). O relator, com espeque no artigo 557 do Código deProcesso Civil, pode negar seguimento a recurso manifestamente improcedente.Embargos rejeitados.� (STJ, Min. Garcia Vieira, EDAGA 290796/SP).

Assim também tem entendido esta Corte:�Apelação cível. Mandado de segurança. Licenciamento de veículo. Multas

aplicadas sem observância da regular notificação do proprietário do automóvel. Ile-galidade. I - Inexiste decadência da ação mandamental quando a prova dos autospermite aferir a data de efetivação do ato inquinado de ilegal. II - Não é necessário oexaurimento da via administrativa, para fins de impetração da segurança, posto queo recurso administrativo interposto não possui efeito suspensivo. III - É ilegal o atode exigência do licenciamento de veículo, compelindo ao pagamento de multas queforam aplicadas, sem observância do regular procedimento administrativo, consis-tente na notificação prévia do proprietário do automóvel. Recurso improvido. Deci-são unânime.� (TJ/SE, Acórdão n.º 1478/2001, Rel. Desª Clara Leite de Rezende).

Assim também entendendo, voto pela manutenção da sentença submetida areexame necessário.

Por fim, a respeito do quantum indenizatório entendo não haver absurdo nasentença a quo uma vez que arbitrou a título de danos morais a importância de R$10.00,00 (dez mil reais), quanto ao fundo de comércio fixou R$ 30.000,00 (trinta milreais) e, por fim, a respeito do dano material condenou o apelante em R$ 1.500,00

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 205

(mil, quinhentos reais).Daí porque voto pelo improvimento do presente recurso.É como voto.Aracaju/SE, 29 de outubro de 2001Des. Manuel Pascoal Nabuco D�ÁvilaRelator

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos do presente reexame necessário,ACORDAM, por unanimidade, os Desembargadores do Grupo III, da 2º CâmaraCível do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe em manter a sentença monocrática,nos termos do relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante destejulgado.

Aracaju/SE, 29 de outubro de 2001.Votaram com o relator os senhores Desembargadores Clara Leite de Rezende,

José Artêmio Barreto e o Juiz Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima.

APELAÇÃO CÍVEL

ACÓRDÃO N° 1856/2001AC N° 0882/2000RELATOR: Des. José Artêmio BarretoAPELANTE: A. L. P. N.APELADA: N. J. F. S.

EMENTA: Apelação cível - Ação de reconhecimento e dissolu-ção de sociedade de fato - Sentença que reconheceu a socie-dade de fato entre os litigantes e a sua conseqüente dissolu-ção, negando ao convivente varão, o seu alegado direito aosbens relacionados na inicial - Inexistência de provas de cola-boração do apelante, para a constituição dos bens que se pre-tende partilhar - Recurso conhecido e improvido.É preciso provar a existência da união estável, apurando-se, seos conviventes colocaram recursos e esforços conjuntamentepara a obtenção do patrimônio construído, pois a simples vidaem comum é insuficiente para configurar a sociedade de fato.

206 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

RELATÓRIO

Cuida-se de Apelação Cível interposta por A. L. P. N. visando a reforma darespeitável decisão que julgou parcialmente procedentes os pedidos contidos naAção de Reconhecimento de Sociedade de Fato com Dissolução e Partilha deBens movida contra N. J. F. S.

A sentença às fls.423/425 dos autos, reconheceu existência da sociedadede fato entre os litigantes , com a sua conseqüente dissolução, negando entretan-to, o direito á meação dos bens alegadamente adquiridos na constância da relaçãode convivência, postulados pelo apelante.

Razões do apelo às fls.426/430, requerendo preliminarmente a decretaçãode revelia da apelada, posto que esta não contestou o mérito da demanda, limitan-do-se a apresentar defesa indireta. Ainda preliminarmente, pugna pela declaraçãode nulidade de todos os atos processuais praticados pela recorrida, a partir dosubstabelecimento colacionado à fl.244 dos autos, em razão de alegado vício derepresentação. No mérito, insurge-se contra o indeferimento do seu pedido de meaçãonos bens relacionados na exordial, pois contribuiu com seu trabalho direto e cola-boração indireta na aquisição destes, durante os anos de convivência com a apela-da.

Apesar de devidamente intimada, a apelada não apresentou contra-razões,conforme certidão à fl.432, verso, dos autos.

O ilustre Procurador de Justiça, Dr. José Carlos de Oliveira Filho, em parecerde sua autoria às fls.438/442, opinou pelo improvimento do presente recurso, man-tendo-se em seu inteiro a decisão fustigada.

Em síntese, o relatório.

VOTO

Em sede de preliminar, alega o apelante que devem ser declarados os efei-tos da revelia em relação à apelada, posto que esta não contestou o mérito dademanda no Juízo a quo, limitando-se apenas a apresentar defesa indireta.

Analisando o material probatório existente nos autos, entendo não assistirrazão ao apelante, quanto a preliminar acima mencionada. A ilustre juíza prolatorada decisão atacada, obteve elementos suficientes para formar o seu convencimen-to em relação à lide apresentada, restando agora irrelevante a pleiteada aplicaçãodos efeitos da revelia à apelada. Ademais, a pena inclusa no art.319 do C.P.C.,fundamenta-se em presunção relativa, ou seja, pelo conjunto probatório pode resul-tar a comprovação de fato contrário às pretensões autorais.

Assim, entendo descabida a preliminar e voto pela sua rejeição.Ainda preliminarmente, requer o apelante, a nulidade dos atos praticados

pela apelada a partir do substabelecimento à fl. 244 dos autos.O apelante obteve a oportunidade processual de argüir a nulidade dos atos

praticados, tanto na ocasião das audiências realizadas em 9/11/1998 e 2/12/1998,

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 207

quanto na petição juntada aos autos em 17/11/1999. O reconhecimento da proce-dência da presente preliminar torna-se, portanto, impossibilitada, haja vista a acei-tação tácita pelo apelante, dos atos praticados pela apelada após osubstabelecimento à fl. 244 dos autos.

Ipso facto, rejeito esta segunda preliminar.Passo, agora, ao exame de mérito da lide em tela.Pretende o apelante, receber sua meação nos bens listados na exordial, sob

o argumento de que estes foram adquiridos na constância da convivência com aapelada. Argumenta, que a MM Juíza a quo prolatou a sentença atacadadesconsiderando a participação do apelante, na compra e manutenção dos bensque ora se pretende partilhar.

Compulsando os autos, principalmente extraindo-se o conteúdo dos depoi-mentos prestados pelas testemunhas ouvidas no Juízo de origem, além da provadocumental existente nos autos, parece-me que não deve ser modificada a decisãode fls.423/425, senão vejamos:

O art. 1° da Lei n° 9.278/1996, assim conceitua a instituição da união está-vel:

� Art .1° : é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura,pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo deconstituição de família. �

Como disposto no artigo acima transcrito, para a caracterização da uniãoestável é necessário que haja uma ligação contínua entre duas pessoas de sexosopostos, visando a constituição de célula familiar, com aparência de casamentoperante terceiros, pois assim deve ser reconhecida.

De acordo com a prova coletada no curso da relação processual, restouevidenciado que os litigantes só demonstraram a intenção de viver sob os moldesda união estável, após a mudança de ambos, no ano de 1992, para o imóvel adqui-rido pela apelada em dezembro de 1991, conforme demonstra os documentos às fl.11 e 251 dos autos.

A mencionada Lei n° 9.278/1996 é clara ao dispor em seu art.5°, que apenasos bens adquiridos na constância da união estável é que se comunicam, passandoa pertencer a ambos os conviventes:

�Art. 5°: os bens móveis ou imóveis adquiridos por um ou por ambos osconviventes, na constância da relação estável e a título oneroso, são consideradosfrutos do trabalho comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e empartes iguais, salvo estipulação contrária em escrito.�

Seguindo a correta observação realizada pelo ilustre Procurador de Justiça,Dr. José Carlos de Oliveira Filho, em seu parecer às fls.438/442, observa-se nosautos, que apesar de inexistir doação formal do imóvel em que residiram os litigan-tes, também inexistem provas de contribuição moral ou material do apelante, paraa constituição do patrimônio que este pretende partilhar.

Portanto, evidencia-se impossibilitada a reforma da decisão fustigada, princi-palmente quanto ao pleito de meação dos bens listados na exordial, pelo apelante,em decorrência da ausência de provas que demonstrem sua participação na cons-trução do referido patrimônio.

208 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Ante o exposto, voto pelo improvimento do presente recurso, para que sejamantida irretocável a decisão monocrática.

Aracaju/SE, 27 de agosto de 2001.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadoresdo Segundo Grupo da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe,por unanimidade de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento na conformi-dade do voto do Relator a seguir, que fica fazendo parte integrante deste julgado.Participaram do julgamento a Excelentíssima Senhora Desembargadora Clara leitede Rezende (Presidente e Revisora) e o Excelentíssimo Senhor DesembargadorManuel Pascoal Nabuco D�Ávila (Membro) .

Aracaju/SE, 27 de agosto de 2001.Votaram com o relator os senhores Desembargadores Clara Leite de Rezende

e Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila.

ACÓRDÃO N° 1938/2001AC N° 0130/2000RELATOR: Des. José Artêmio BarretoAPELANTE: Estado de SergipeAPELADO: Luciano Teles dos Santos

EMENTA: Apelação Cível - Ato de indenização por danos mo-rais - Sentença que julgou, parcialmente procedente, o pedido -Morte de menor ocasionado por policiais que são Agentes doEstado - Responsabilidade civil devida - Recurso conhecido eimprovido.I - A Ádministração Pública se obriga a indenizar os danos cau-sados a terceiros em face de conduta irregular de seu agentebastando, para tanto, comprovar o nexo de causalidade entreesta e o resultado lesivo suportado pelo particular.II - O magistrado tem na doutrina elementos seguros para a fixa-ção do valor justo e ideal título de reparação de danos morais,considerando, as circunstâncias do caso, a gravidade do dano,a situação do lesante, e a condição do lesado.

RELATÓRIO

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 209

Trata-se de apelação interposta pelo Estado de Sergipe visando a reforma dasentença que, nos autos da Ação de Indenização intentada por Luciano Teles dosSantos, julgou procedente o pedido, condenando-o ao numerário indenizatório equi-valente a cem salários mínimos.

Sustenta o apelante primeiramente ser inaceitável o valor pleiteado a títulode dano moral, pois não se pode transformar o dano em uma fonte de renda para oofendido. Argüiu ainda haver sucumbência recíproca, com relação aos honoráriosadvocatícios entre as partes, eis que na prestação jurisdicional o Magistrado denegouo valor solicitado a título de honorários, arbitrando um quantum menor, daí devendohaver uma compensação. Levantou, também, que o Poder Público não pode sercondenado em honorários de 15%, quando o correto seria uma percentagem maissingela. Encerrando sua peça de inconformismo exarando ter havido violação aoduplo grau de jurisdição.

Em contra-razões às fls. 107/113, o apelado firma que o quantificador reque-rido não é absurdo, tendo em vista que não há pecúnia que diminua a dor pela perdade um filho. Em razão da sucumbência só houve um vencedor que foi o recorrido, eum perdedor, o Estado de Sergipe. Pondera, ainda, que o valor arbitrado na conde-nação para um pagamento de honorários advocatícios, o juiz respeitou o estatuídono 4º, do art. 20, do Código de Processo Civil, que assim reza:

�Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em quenão houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuçõesembargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativado juiz�

Por fim, foi favorável ao julgador de 1° grau de não submeter o decisum aoduplo grau de jurisdição.

A eminente Procuradora de Justiça, Dra. Maria Cristina da G. e S. F. Men-donça, em parecer de fls. 119/128, opinou pelo improvimento do recurso.

Eis o relatório.

VOTO

Trata-se de decisão que julgou procedente, em parte o petitum contido emAção de Indenização, determinando que o apelante seja condenado a pagar aorecorrido o quantum debeatur de cem salários mínimos, a título de indenizaçãopor danos morais, em virtude do malsinado ato ilícito cometido por policiais que, demaneira abrupta, ceifou a vida da prole do apelado.

Prima facie, mister se faz a análise do valor indenizatório estipulado naprestação jurisdicional, eis que a argumentação do apelante acerca do elevadonumerário arbitrado pelo pretor é, in totum, descabida por vários motivos, senãovejamos:

O Direito Pátrio lamentavelmente não fixou regras concretas para estipula-ção do numerário a ser pago a título indenizatório referente a dano moral. Inexistindocritérios com previsão legal, deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador, quepautado pela liberdade e consciência da gravidade do caso, prolatará a sentença.

210 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Outro não é o entendimento da eminente jurista Maria Helena Diniz, litteris:�Grande é o papel do magistrado, na reparação do dano moral, competindo,

a seu prudente arbítrio, examinar cada caso, ponderando os elementos probatóriose medindo as circunstâncias, preferindo o desagravo direto ou compensação nãoeconômica à pecuniária sempre que possível ou se não houver riscos de novosdanos(Curso de Direito Civil Brasileiro, p. 81)�.

Assim sendo, o valor arbitrado pelo Juiz de 1° grau não é exorbitante, pois,levando-se em conta a gravidade do fato, a extensão do dano, as seqüelas deixa-das na vítima, como também as condições da parte envolvida é justa a condena-ção.

Não ficou evidenciado nos autos culpa da vítima, daí prevalece a teoria dorisco administrativo, a qual não exige a demonstração de culpa da administração,sendo suficiente a comprovação do dano e a relação de causalidade entre aquele eo ato praticado pelo Poder Público, tudo conforme o estatuído no § 6°, do art. 37, daCarta de outubro, verbis:

�As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadorasde serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável noscasos de dolo ou culpa.�

Assim, o julgamento é procedente no sentido de acatar a indenização refe-rente a reparação de dano moral entendendo ser esta devida, mantendo o valorpleiteado.

No que tange à suscitação do apelante sobre o desrespeito da prestaçãojurisdicional referente ao § 4°, do art. 20, do Código de Processo Civil, é infundada,pois o referido parágrafo tem redação pouco adequada à sua presumível finalidadede agraciar a Fazenda Pública. Dessa forma a jurisprudência tem meios de resta-belecer a igualdade entre os litigantes, fixando os honorários nas causas em que aFazenda for vencida ou vencedora, entre 10% e 20%, como permite o § 3°. Deve serobservado o mesmo critério, em face do pequeno valor, uma vez que, só assim,aplicar-se-á por completo o princípio basilar da condenação nas despesas judiciaise honorários de advogado.

A jurisprudência Pátria é remansosa, ao asseverar que:�...tratando-se de causa em que saiu vencida a Fazenda Pública, a honorária

advocatícia, sujeita à apreciação eqüitativa do juiz, não tem que obedecer, obrigato-riamente, aos extremos de 10% e 20% do valor da condenação. ..� (Do ac. Unân.da 2ª T. do STF, de 12/8/1975, no Agr. Reg. 62,727-SP, reI. Moreira Alves).

No que se refere à sucumbência recíproca, entendo ser descabida, eis que aredução da verba concernente aos honorários advocatícios não dá ensejo àsucumbência recíproca, para autorizar a imposição de honorários recíprocos aovencedor da causa, porquanto não integram eles o pedido; constituem sanção pro-cessual imposta ao vencido e fixadas quantitativamente, pelo juiz, obedecidos oslimites e os critérios estabelecidos no § 3° e seus incisos do art. 20 do DigestoProcessual Civil.

No que pertine à alegação da ineficácia da tutela jurisdicional, segundo aqual não houve respeito ao duplo grau de jurisdição obrigatório é impertinente, pos-

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 211

to que a sentença é válida, todavia só produzirá efeitos depois de ratificada peloTribunal.

Ademais, todo quaestio que haja necessidade do reexame necessário, julgadapelo juiz monocrático, mesmo que não tenha havido recurso voluntário, ou quandoo magistrado não remeta os autos ao Tribunal, sem o óbice da preclusão deve serreexaminada pelo Tribunal ad quem, haja vista que poderá o Presidente do Tribu-nal avocá-los. De mais a mais não vislumbrei nos autos qualquer tipo de prejuízopara as partes.

Ante o exposto, voto pelo improvimento do apelo, mantendo íntegra a sen-tença monocrática.

Aracaju/SE, 4 de setembro de 2001.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadoresdo Primeiro Grupo da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe,por unanimidade, conhecer da apelação, para negar-lhe provimento, na conformida-de do voto do relator a seguir, que fica fazendo parte integrante deste julgado.Participaram do julgamento a Sra. Desembargadora Clara Leite de Rezende (Presi-dente e Revisora) e o Doutor Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima (Membro).

Aracaju/SE, 4 de setembro de 2001.Votaram com o relator a senhora Desembargadora Clara Leite de Rezende e

o Juiz Ricardo Múcio de Abreu Lima.

ACÓRDÃO N ° 2005/2001AC N° 0250/2000RELATOR: Des. José Artêmio BarretoAPELANTES: Maria Valdice de Andrade Porto e OutrosAPELANTE: IPES - Instituto de Previdência do Estado deSergipeAPELADA: Maria Leda Barbosa Porto

EMENTA: Apelação cível - Mandado de segurança - Cabimento- Concubinato incestuoso - Liminar concedida - Sentença queconfirmou a liminar e determinou a devolução e a liberação dosvalores suspensos na pensão - Recurso conhecido eimprovido.O art. 226, § 3° da Constituição Federal, cria função de assistên-cia para o Estado, podendo os concubinos e filhos virem a serassistidos previdenciariamente.

212 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

É legitima a divisão de pensão previdenciária entre a esposa ea companheira, atendendo os requisitos exigidos. (Súmula 159do TFR)Não há vedação legal ou preconceito, para demanda propostapor companheiro, ainda que decorrente de relação incestuosa,após a vigência da Lei n° 9.278/1996.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Instituto de Previdência doEstado de Sergipe - IPES e Maria Valdice de Andrade Porto, contra r. sentençaprolatada pelo M.M. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Aracaju/SE, aqual julgou procedente o Mandado de Segurança impetrado por Maria Leda Barbo-sa Porto, confirmando a liminar conferida à fl. 37, determinando ao ÓrgãoPrevidenciário a devolução e liberação dos valores suspensos na pensão suprimi-da.

Alega a apelante Maria Valdice de Andrade Porto, que a sentença proferidaem ação acautelatória de justificação, não tem sustentáculo legal para subsistiração ordinária de sociedade de fato, vez que, não é constitutiva de direito material,e por conseguinte o mérito da questão não foi apreciado.

Suscitou, ainda a não consideração da decisão administrativa do Tribunal deContas do Estado de Sergipe, restabelecendo integralmente o direito à pensão alegítima esposa, Maria Valdice de Andrade Porto, julgando ilegal a pensão percebi-da por Maria Leda Barbosa Porto, posto que, a mesma mantinha um concubinatoincestuoso com o �de cujus�, não merecendo proteção legal.

Alega mais, que o direito da apelada não se apresenta líquido e certo, paradar ensejo ao mandado de segurança.

Alega o IPES, preliminarmente, que não figura como autoridade coatora,pedindo a extinção do feito sem julgamento de mérito, com base no art. 267, VI doCPC.

Sustenta, também, a inexistência de coisa julgada material na decisão pro-ferida pelo M.M. Juiz da 3ª Vara Cível da Comarca de Aracaju, a qual considerouindevida a redução da pensão.

Afirma que, o concubinato incestuoso não deve ser visto comocompanheirismo, para efeito de concessão de pensões.

Por fim, pede que seja reconhecido o descabimento do pagamento de parce-las retroativas.

Em contra-razões, às fls. 145 a 147, a apelada afirma que a apelante-Litisconsorte pretende com o recurso apenas procrastinar o feito e que no tocanteao concubinato incestuoso, o mesmo poderá gerar fonte de direitos, com base noart. 226, § 6° da Constituição Federal.

Instado a opinar, o representante do Ministério Público em segundo grau, Dr.Fernando Ferreira de Matos, manifesta-se pelo improvimento do apelo.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 213

Eis o Relatório!

VOTO

Cumpre-me, ab initio, examinar as preliminares suscitadas pelos apelan-tes.

Quanto a alegação de que a decisão a quo, cuja cópia está acostada aosautos às fls. 34 a 35, não faz coisa julgada, não tem procedência, posto que, asentença referida foi mantida e confirmada conforme Acórdão nº 900/1998, senãovejamos:

�Reexame necessário. Mandado de segurança. Redução de pensão. Viola-ção do art. 40, § 5° da CF. Segurança concedida.

É ilegal a redução do benefício da pensão por morte quando não atingido olimite estabelecido por lei, por violação à norma do art. 40, § 5° da CF.

Segurança parcialmente concedida, diante da ressalva do art. 1° da Lei n°5.021/1966. Decisão unânime. � (TJSE, Relatora: Des.ª Clara Leite de Rezende)

Vê-se que, a decisão proferida faz coisa julgada sim, pois restaurou a pen-são da autora em sua integralidade, reconhecendo, de certa forma, a legalidade desua concessão, pois do contrário, teria negado o direito pleiteado, determinando ocancelamento do benefício.

No tocante a não acatação da decisão do Tribunal de Contas de Sergipe,entendemos que a referida Corte não tem o poder legal e constitucional dedesqualificar uma decisão judicial em face de uma decisão meramente administra-tiva.

Com relação a ilegitimidade passiva ad causam argüida pelo IPES, nãomerece razão, visto que foi o próprio instituto que suspendeu o pagamento da pen-são da apelada, sem nenhuma explicação, de a decisão judicial às fls. 34/35.

Quanto a não aceitação do concubinato impuro, passo a analisar.Nada impede o reconhecimento de uma união estável diante da separação

apenas de fato, de algum dos conviventes, podendo serem abraçados pela prote-ção legal.

A jurisprudência pátria já vinha se manifestando favoravelmente ao reconhe-cimento da entidade familiar formada pelo cônjuge separado de fato e sua compa-nheira, conforme ementa a seguir:

�União livre - previdenciário concubina do contribuinte falecido que pretendereceber a metade da pensão paga à viúva - Convivência por mais de 15 anos, nosquais o varão estava separado de fato da esposa - Situação equiparada a do divór-cio - pedido acolhido CF/88, art. 226, § 3°.

Embora o contribuinte falecido ainda fosse legalmente casado, o fato deconviver por mais de quinze anos com a companheira, quando veio a falecer, oequipara ao divorciado, devendo ser prestada a devida assistência previdenciária àsua companheira. � (Ap. Cív. 113.344-1 - São Paulo - Apte: E.L. - Apdos: M.A.L. eIPESP- rel. Des. Souza Lima - J. em 23/8/1989- TJESP)

A Lei n° 9.278/1996 não se referiu, em momento algum, ao estado civil dos

214 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

conviventes, nem tão-pouco proibiu o concubinato incestuoso, apenas determinouos requisitos para a caracterização da chamada entidade familiar, entendendo quenão mais procedem discriminações, em virtude do § 6° do art. 227 da ConstituiçãoFederal, que protege os filhos provenientes deste tipo de relação, in verbis:

�Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão osmesmos direitos e proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas àfiliação.�

A Lei n° 9.278/1996 que regulamentou o § 3° do art. 226 da ConstituiçãoFederal diz claramente:

�É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública econtínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituiçãode família. �

A Súmula nº 159 do TRF afirma:�É legítima a divisão da pensão previdenciária entre a esposa e a companhei-

ra ,� (Súmula 159 do TFR)O STJ assim já decidiu:�Filiação incestuosa - Direito à herança.Com a vigência da Lei nº 6.515/1977, que deu nova redação ao artigo 2º da

Lei nº 883/1949, o filho incestuoso passou a ter direito a suceder, em igualdade decondições com os legítimos. Não lhe sendo dado, até a Constituição de 1988,pleitear o reconhecimento da paternidade, esta haveria de ser examinada e decidi-da incidenter tantum, como questão prejudicial, para o único fim de assegurar-seo direito à herança. � (STJ - Acórdão 526 -Rel. Min. Eduardo Ribeiro D.J. 18/9/1990)(grifamos)

A apelada foi companheira do �de cujus�, por aproximadamente 35 anos,dessa união nasceu uma filha, preenchendo todos os requisitos para o efetivo reco-nhecimento de uma união estável: convivência duradoura, pública, contínua, entreum homem e uma mulher, com o objetivo de constituição de uma família.

Quanto a indignação dos apelantes ao concubinato incestuoso, transcrevocomo meu o pensamento do ilustre representante do Ministério Público, senãovejamos:

�Esta recusa está apenas no âmbito religioso e da moral e não no largocampo do direito, pois, não se tem nenhuma lei, quer constitucional ouinfraconstitucional, que proíba tal união.�

O próprio apelante - IPES - reconheceu o direito da apelada, concedendo-lhea pensão, conforme doc. de fls. 20 a 26, e o fez com fulcro no art. 41, § 2° da LeiPrevidenciária Estadual, que diz: �a companheira ou companheiro do(a) segurado(a) , desde que, no caso de companheiro, sem economia ou rendimentos própriosde qualquer natureza e sem que seja, beneficiária do IPES ou de outro sistemaprevidenciário.� Afirmando mais, na sua manifestação à fl. 77, que a sobredita Leinão impede a concessão do beneficio.

Diante da situação concreta, ainda que inusitada, é de concluir-se que en-tendimento diverso poderia vir a gerar grandes injustiças.

Com efeito, não há vedação legal ou preconceito para demanda propostapela apelada.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 215

Por fim, o IPES aduziu que o mandado de segurança não seria o instrumentoadequado para a concessão de retroativos.

Ora, se ocorreu ato arbitrário por parte do apelante em suspender a pensãoconferida à apelada, por se tratar de direito liquido e certo, é correta a decisão de 1°grau em determinar ao IPES a liberação dos valores suspensos na pensão, bemcomo a devolução das parcelas vencidas, a partir da data de suspensão.

Ex positis, conheço do recurso, por ser cabivel; no entanto, meu voto é paranegar-lhe provimento, mantendo intacta a decisão a quo, em todos os seus ter-mos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadoresdo Segundo Grupo da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado deSergipe, por unanimidade, conhecer do apelo, para negar-Ihe provimento, na confor-midade do voto do relator a seguir, que fica fazendo parte integrante deste julgado.Participam do julgamento a Excelentíssima Senhora Desembargadora Clara Leitede Rezende (Presidente e Revisora) e o Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz deDireito Substituto em 2° grau Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima (Membro).

Aracaju/SE, 10 de setembro de 2.001.Votaram com o relator a senhora Desembargadora Clara Leite de Rezende e

o Juiz Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima.

ACÓRDÃO Nº 2219/2001AC Nº 0162/2001RELATORA: Des.ª Clara Leite de RezendeAPELANTE: D. A. B.APELANTE: J. de J. B.APELADA: M. A. S.

EMENTA: Apelação cível - Ação declaratória de união estávelcom a sua respectiva dissolução da sociedade, combinada compartilha do patrimônio em comum e alimentos - Sentença quereconheceu o concubinato e determinou a divisão dos benspela metade - Alegação de desrespeito à meação da esposa napartilha - Improcedência.A celebração de casamento civil em comunhão universal debens não atinge o patrimônio anteriormente obtido em relaçãoconcubinária.Demonstrado que durante a relação entre os concubinos não

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houve a coexistência de outra, devida é a meação de todos osbens adquiridos na constância da união estável para aconcubina.Recurso improvido. Decisão unânime.

RELATÓRIO

M. A. S. move ação declaratória de união estável com a sua respectiva dis-solução da sociedade, combinando com partilha do patrimônio comum e alimentosem face de D. A. B., alegando ter vivido com este, como se casados fossem, numaunião estável, equilibrada, afetiva, pública e contínua durante mais de 23 anos atédezembro de 1996, relação esta da qual advieram sete filhos.

Requer, a autora, o reconhecimento da união estável do casal para assegu-rar o domínio e o gozo dos bens adquiridos na constância da convivência, além dopagamento de pensão alimentícia para si e para seus filhos e alimentos provisórios.Lista, nas fls. 3, 4 e 5 os bens a serem partilhados, pedindo que se oficie ao cartóriode registro imobiliário para impedir a transferência ou transcrição dos imóveis per-tencentes ao acionado.

Acrescenta que o requerido contraiu casamento com outra mulher em regi-me de comunhão universal de bens, o que acusa ter sido feito com o objetivo deburlar a lei.

O juiz processante, em despacho, fls. 21 e 22, defere a gratuidade da justiçae indefere os alimentos provisórios.

O réu contesta a ação alegando que não constituiu união estável com aautora pelo fato de ser já casado no religioso com J. de J. M. desde de 1946 e,desde de abril de 1997, formalmente casado perante a lei civil.

Afirma que o patrimônio que possui, apesar de adquirido na constância darelação concubinária com a autora, foi conseguido também através do esforço desua esposa, com quem conviveu durante todos esses anos. Aduz que já possuíabens que, depois de alienados, serviram para custear outros.

Rebate a afirmação de que a autora colaborou para adquirir o imóvel residencialda Praça Nossa Senhora da Conceição e junta documentos.

Contra-razões às fls. 46 a 48.O juiz, em despacho de fl. 56, verso, determina a citação da esposa do

demandado para que integre a relação processual, chamando o feito à ordem eanulando a audiência de conciliação realizada.

Devidamente citada, J. de J. B. confirma os argumentos e fundamentos dapeça contestatória.

Realizada a audiência de conciliação em que a requerente propôs um acor-do, resultando o mesmo infrutífero.

Em despacho, o juiz a quo defere a produção de prova testemunhal requeridapelas partes, assim como indefere o pedido de perícia técnica.

Procede-se à instrução através de audiência em que o representante o Mi-

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 217

nistério Público emite parecer pelo reconhecimento da união estável. Tomou-se odepoimento pessoal da requerente e foram ouvidas as testemunhas arroladas pelaspartes.

O juiz de 1º grau julga procedente o pedido de declaração da união estável,atribuindo à autora a meação dos bens elencados na inicial, excetuando-se o cava-lo, a carroça e o automóvel, ao tempo em que julga improcedente o pleito de ali-mentos.

Inconformados, o réu e sua esposa apelam, separadamente, aduzindo damesma forma que, tendo em vista o fato de o casamento ter sido celebrado sob oregime de comunhão universal de bens, a partilha deveria ter-se dado com base nafração cabível ao apelante, esta, finalmente, repartida para a obtenção da meaçãoda apelada.

Contra-razões, às fls 173 a 182.A Procuradoria de Justiça apresenta seu parecer argüindo preliminarmente a

deserção do recurso intentado por D. A. B., por estar desacompanhado do preparono ato de sua interposição, e a intempestividade do apelo de J. de J. B. No mérito,opina pela improcedência dos recursos.

É o relatório.

VOTO

Relativamente às preliminares argüidas pelo membro do parquet, estas nãomerecem prosperar. Vejamos:

A intempestividade alegada pelo Ministério Público do apelo interposto por J.de J. B. não restou verificada, em face do que dispõe o art. 191 do Código deProcesso Civil.

Art. 191. Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral,para falar nos autos.

Observa-se do dispositivo supratranscrito que o prazo padrão para ainterposição recursal deverá ser dobrado, obtendo-se, assim, o lapso temporal detrinta dias para os litisconsortes com procuradores diferentes. Sendo este o casodos autos e tendo a contagem do prazo se iniciado em 5 de outubro de 2000, diaseguinte à juntada do aviso de recebimento da intimação da sentença, não há quese falar em intempestividade do apelo em exame, quando juntado em 20 de outubrodo mesmo ano, isto é, quatorze dias antes do termo final do prazo. Logo, não éintempestiva essa apelação cível.

Acusa, ainda, o Ministério Público, a deserção do apelo movido por D. A. B.por descumprimento do art. 511 do CPC.

A divergência que se manifesta no caso pertine à questão do não-conheci-mento do recurso por interposto desacompanhado de preparo, depois anexado aobojo do processo.

Com efeito, temos divergido do entendimento majoritário desta Câmara quantoà aplicação da referida norma legal. Na esteira dos nossos posicionamentos ante-

218 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

riores sobre a matéria, julgamos que a juntada da guia de preparo após a apresen-tação do recurso, mas dentro do prazo recursal é válida, não podendo o apelo serjulgado deserto por este motivo.

Forçoso lembrar que decisões existem no sentido do nosso entendimento,inclusive do STJ:

�Não se pode admitir que o ato administrativo de que se reveste o preparo sesobreponha ao direito ao recurso, cujo prazo a lei processual não diminuíra� (RSTJ97/209). Neste sentido: RT 732/271, JTJ 197/225, maioria, RJTJERGS 175/629,JTAERGS 100/189, RJTAMG 60/241, RTJE 152/182"

Cremos que esta conclusão é a que melhor atende ao fim precípuo do Judi-ciário que é fazer Justiça. A este propósito, oportuna é a manifestação de TheotônioNegrão, citando o eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, em comentárioao art.511 do CPC:

�Com a devida vênia, estas últimas decisões (do STJ) são menos acertadas,primeiro porque importam em reduzir o prazo do recurso (que é de direito natural,não podendo, por isso, ser reduzido) e segundo, porque, dentro deste, ele pode atémesmo ser aditado (v. art. 499, nota 1ª). Se só quem pode o mais pode o menos, ese o recurso é o principal e o preparo o acessório, não é jurídico que este não possaser realizado no prazo fixado para recurso, embora depois da interposição deste (v.RJTJERGS 175/62).�

�Além do mais, não é justo que o advogado, às voltas com uma questãoimportante, como é a elaboração de razões que fundamentam o seu recurso, tenhaque se preocupar com assuntos meramente burocráticos e que em nada contribu-em para melhor distribuição da justiça. E não é muito fácil esse preparo, tantassão as complicações que podem surgir, inclusive fechamento dos estabelecimen-tos bancários antes da hora em se encerra o expediente forense�

�Por outro lado, não é certo que �a mais bela regra do Direito ProcessualBrasileiro�, segundo o excelso Min. Sálvio de Figueiredo (STJ - RT 683/183), é a doart.244 do CPC, de acordo com a qual �quando a lei prescrever determinada forma,sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outromodo, lhe alcançar a finalidade�?�.

�Note-se, por último, que, na Justiça Federal, o prazo para preparo é decinco dias contados da interposição do recurso (RCJF 14 - II). Essa disposiçãoestá em desacordo com o art. 511 do CPC, mais é válida e constitui mais umargumento para demonstrar que o preparo, simultâneo com a interposição do recur-so, não é fundamental para boa distribuição da Justiça; ao contrário, só pode con-tribuir para sua má distribuição.�

Compete-nos ressaltar que o entendimento em sentido contrário discrepa daorientação da Corregedoria-Geral de Justiça deste Tribunal que, inclusive, fez publi-car expediente permitindo que, quando o recurso fosse interposto após o expedien-te bancário, mas dentro do horário normal de funcionamento do Judiciário Sergipano,a sua juntada pudesse ser requerida no dia imediatamente posterior.

No mérito, discordam os apelantes com a conclusão chegada pelo Juízo de1º grau no que tange à meação dos bens adquiridos durante a união concubináriaatribuída à apelada. Alegam que a partilha deveria ter sido determinada com base

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 219

na metade dos bens cabível a D. A. B., considerando-se excluída a outra metadepertencente a sua esposa.

Seus apelos cingem-se às questões da coexistência das uniões concubináriase da comunicação dos bens com o casamento em comunhão universal.

Diante do acervo probatório juntado aos autos, o juiz monocrático entendeuestar demonstrado que �o concubinato mantido pelos requeridos acabou antes doinício do concubinato mantido pelo demandado com a autora, só vindo a ser resta-belecido em 1997, desta vez sob a forma de família constituída pelo casamento.Sendo assim, não houve coexistência entre as duas uniões (...)�.

Resta-nos averiguar se, de fato, as circunstâncias levam a crer que oconcubinato mantido entre os apelantes foi interrompido com a união estável inici-ada com a apelada.

Conforme se depreende do depoimento testemunhal de João de França:�(...) o Sr. D. não manteve nenhum relacionamento com a Sra. J. de J. B.

durante a época em que conviveu com a requerente (...)�.Confirmado pelo que disse a testemunha Maria José dos Santos:�(...) o Sr. Dionísio abandonou completamente a Sra. J. quando iniciou a

convivência com a autora; e não manteve em nenhum momento os dois relaciona-mentos ao mesmo tempo�.

E ainda, como relatou José Pedro dos Santos:�(...) o requerido Dionísio convivia com a Sra. J. de J. mas, após arrumar uma

outra mulher, saiu de casa (...)�Consubstanciam essas alegações o fato de os três filhos da recorrente te-

rem sido concebidos em 1960, 1964 e 1966 enquanto que os sete decorrentes darelação da apelada com o apelante nasceram posteriormente entre os anos de1976 e 1986, como se vê das certidões anexadas aos autos por ambas as partes.

De mais a mais, como bem notou o julgador a quo:�Por fim, convém ainda ressaltar que o fato confessado pela autora de ter o

demandado, durante a união com ela mantida, prestado alimentos à requerida, aoinvés de demonstrar a coexistência das duas relações concubinárias, serve, emverdade, para provar que elas nunca ocuparam o mesmo espaço temporal.

Afinal, ao contrário do afirmado pelos demandados, o fato de um concubinoprestar alimentos ao outro e aos filhos oriundos desta relação denota a existênciade separação posto que somente quem está separado manda entregar alimentosna casa da antiga companheira, como fez o demandado em relação à requerida J.,fato este testemunhado por José Pedro dos Santos. Acaso tivesse o requeridoconvivido com a Sra. J. durante o relacionamento que manteve com a autora, porcerto não teria se limitado a lhe prestar alimentos. Em verdade, responderia portoda a manutenção da casa, a exemplo do que fazia com a suplicante.�

Deste modo, o concubinato mantido entre o recorrente e a recorrida mos-trou-se único no período temporal em que existiu, do que se deduz que o patrimônioadquirido à época foi obtido pelos dois conviventes, segundo o que aduz o art. 5º daLei nº 9.278/1996.

Uma vez reconhecido o concubinato e sendo ele ininterrupto, procede-se àverificação dos bens a serem partilhados. Ao contrário do que intentam os apelan-

220 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

tes, a divisão deverá se proceder obedecendo-se a proporção de 50% dos benspara M. A. S. e 50% para D. A. B.

Inconsistente, juridicamente, a argumentação de que à apelada só é cabível25% do patrimônio, decorrente da meação atribuída ao apelado consoante o regimede bens em que é casado.

A celebração do casamento dos apelantes não atingiu os bens devidos àconcubina, visto que ela já era detentora do direito à sua meação. Da parte restantedesses bens (a parte do Sr. D.) é que se constitui o patrimônio do casal.

Assim entendemos correta a partilha que atribuiu à apelada a meação devidados bens descritos na sentença proferida em 1º grau de jurisdição.

Diante de todo o exposto, conhecemos do recurso para lhe negar provimen-to, mantendo a sentença recorrida por seus próprios fundamentos.

ACÓRDÃO

Acorda a 2ª Câmara Cível, por seu I Grupo, por unanimidade, improver orecurso, nos termos do voto da Excelentíssima Senhora Desembargadora Relatora.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível, em que figu-ram como as partes acima referidas.

Aracaju/SE, 25 de setembro de 2001.Votaram com a relatora os senhores Desembargadores Manuel Pascoal

Nabuco D�ÁVila e José Artêmio Barreto.

ACÓRDÃO Nº 2252/2001AC Nº 0643/2000RELATORA: Des.ª Clara Leite de RezendeAPELANTES: Orlando O. Pereira e Silvania F. PereiraAPELADO: Banco Itaú S/A

EMENTA: Apelação cível - Ação ordinária de anulação de atojurídico com pedido de antecipação de tutela - Preliminar de nu-lidade da sentença por insuficiência de fundamentação -Incabimento - No mérito: Alegação de inconstitucionalidade daexecução extrajudicial de imóvel financiado pelo SFH - Decre-to-lei nº 70/1966 - Incabimento - Não infringência dos incs. LIV eIV do art. 5º da CF.I - Tendo o julgador a quo demonstrado suficientemente o seuconvencimento, não deve prosperar a alegação de insuficiên-cia de fundamentação na sentença.II - A execução prevista no DL nº 70/1966 não agride os princí-

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 221

pios do contraditório, da ampla defesa e do devido processolegal.Recurso improvido. Decisão unânime.

RELATÓRIO

Orlando Oliveira Pereira e sua esposa Silvania Luz Freire Pereira movemAção Ordinária de Anulação de Ato Jurídico com Pedido de Antecipação de Tutelaem face de Banco Itaú S/A alegando que adquiriram o imóvel situado na Av. FranklinSobral, nº 1623, Condomínio Aquarius, Bloco �B�, ap. 901, Bairro Grageru, Aracaju-SE, através de Instrumento Particular de Venda e Compra de Bem Imóvel comGarantia Hipotecária e Outras Avenças no qual ficou acordado que o referido bemseria dado em hipoteca em favor do banco-réu como garantia da dívida correspon-dente ao financiamento.

O contrato estabeleceu que o financiamento obedeceria ao Plano de Com-prometimento de Renda - PCR que, segundo os autores, não poderia ter sido utili-zado em detrimento do Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional -PES/CP em face da Lei nº 8692/1993.

Aduzem ser a Taxa Referencial imprópria, haja vista que os juros foramcompactuados acima do que determina a Lei nº 4380/1964, na fração de 10%.

Acrescentam que a dívida não é amortizada da forma prelecionada na lei,isto é, primeiramente é amortizada parte da dívida para depois então corrigir o saldodevedor.

Afirmam que em decorrência da aplicação de índices incorretos, que nãorefletem a variação salarial do titular do financiamento, os autores incorreram emmora e, conseqüentemente, o banco-réu procedeu ao leilão do imóvel dado emgarantia, fulcrado no Decreto-lei nº 70/1966. Aduzem que essa execução extrajudicialé inconstitucional, que não observou o princípio do contraditório. Inferem tambémque a mesma está eivada de vícios por não terem os executados recebido qualqueraviso de cobrança conforme preleciona o DL nº 70/1966, além de que os Editaisdos Leilões Públicos foram publicados em jornal de circulação inexpressiva nacidade.

Requerem antecipação de tutela inaudita altera pars para que sejamsuspensos os efeitos da execução extrajudicial do imóvel dado em garantia e, aofim, seja julgado procedente o pedido de anulação do mesmo.

Juntaram os documentos de fls. 17 a 30.Em despacho de fls. 35 a 37, o juiz de 1º grau deferiu a antecipação de tutela

pleiteada.Devidamente citado, o banco-réu contesta denunciando à lide o Banco In-

dustrial e Comercial S/A. Considera prejudicado o pedido de mudança dos índicespor falta de objeto, visto que o imóvel foi alienado. Sustenta que o processo deadjudicação segue as estipulações legais. Informa que os índices de reajuste usa-dos foram aqueles determinados pela Lei nº 8692/1993, em vigência à época da

222 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

firmação do contrato. Tece comentários acerca do princípio da autonomia da vonta-de e da obrigatoriedade da avença. Aduz constitucional o Decreto-lei nº 70/1966como outras leis que regulam execuções extrajudiciais.

Traz os documentos de fls. 54 a 94.O autor oferece réplica em que aduz ser incabível a denunciação pretendida

pelo réu, uma vez que a ação tem como escopo anular a arrematação intentadapelo próprio banco.

Em fl. 112 consta o termo de audiência em que se registra a infrutífera tenta-tiva de conciliação e as reiterativas razões das partes.

O juiz a quo profere a sentença de fls. 115 a 118 na qual rejeita a preliminarde denunciação à lide por não ser hipótese elencada no art. 70 do CPC, além doque considerou patente a legitimidade passiva.

Julga, ainda, improcedente o pedido de anulação do procedimento adminis-trativo de execução por não entender pela incompatibilidade do DL nº 70/1966 comos incs. LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal.

Os autores apelam alegando que o julgador monocrático foi insuficiente nafundamentação do decisum fustigado, que somente transcreveu trechos de obrasdoutrinárias esquecendo-se de explicitar suas próprias razões. Afirma que mesmoa doutrina colacionada não se refere diretamente à inconstitucionalidade do proce-dimento de execução extrajudicial. No mais, repristina os argumentos da exordial.

Requerem seja o recurso recebido para que se acate a preliminar de nulida-de da sentença ou que se julgue procedente o pleito inicial. Os apelados apresen-tam contra-razões às fls. 134 a 145.

A Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento e improvimento do recur-so.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo, preparado e interposto nos termos do art. 513 eseguintes do Código de Processo Civil, merecendo, pois, ser conhecido.

A argüição de nulidade da sentença por insuficiência de fundamentação judi-cial não merece prosperar.

Contrariamente ao que alegam os recorrentes, o julgador a quo justificou demodo inequívoco seu posicionamento em relação à constitucionalidade do Decreto-lei nº 70, de 1966.

Como se vê da sentença de fls. 115 a 118, as razões embasadoras do con-vencimento judicial encontram-se devidamente expostas na doutrina e na jurispru-dência colacionadas, as quais refletem o pensamento do sentenciante.

Não procede a afirmação de que, sendo restrita a fundamentação a doisparágrafos, os mesmos não foram suficientes a demonstrar o conhecimento dacausa pelo juiz. Os trechos transcritos demonstram o desenvolvimento de seu raci-ocínio, chegando a uma conclusão coerente com a argumentação e atrelada aocaso concreto de argüição de inconstitucionalidade da execução extrajudicial per-

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 223

mitida no texto de lei.É o entendimento do STJ:�Civil e processual civil. Fundamentação. Prova. Interdição.Somente a ausência de fundamentação, não ocorrente na espécie, é que

enseja a decretação de nulidade da sentença com base no art. 458, II, não a funda-mentação sucinta. Sendo o processo anulado por motivo não referente à prova,esta pode ser utilizada, no mesmo feito, desde que ratificada, em respeito ao prin-cípio da economia processual. Os atos praticados pelo interditado anteriores àinterdição podem ser anulados, desde que provada a existência de anomalia psíqui-ca - causa da incapacidade - já no momento em que se praticou o ato que se queranular. Recurso não conhecido.�

(REsp. 255271/GO, STJ, 4ª T., Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, p. 5/3/2001)Assim, rejeito a preliminar de nulidade.No mérito, a irresignação dirige-se, exclusivamente, à constitucionalidade

da adjudicação promovida pelo apelado, que se alega ofensiva princípios do contra-ditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Passo, então, a analisar a questão da constitucionalidade da execuçãoextrajudicial de imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação introduzidapelo Decreto-lei nº 70, de 1966.

De acordo com o referido decreto-lei, o procedimento de execução dar-se-ána seguinte forma: o credor hipotecário comunica ao agente fiduciário o débitovencido e não pago. Este convoca o devedor a purgar a mora no prazo de vinte diase, expirando o termo sem pagamento, procede-se ao leilão público do imóvel dadoem garantia.

Tendo os recorrentes deixado de quitar as prestações do apartamento, so-breveio a alienação extrajudicial nos moldes do disposto no DL nº 70/1966.

Não há supressão da apreciação pelo judiciário do processo de execução. Oque ocorre, nesses casos, é a transferência de sua intervenção durante o processopara a fase posterior ao leilão e anterior ao último ato executório.

O referido decreto-lei não afasta do controle judicial a apreciação de ilegali-dade do procedimento de venda do imóvel financiado de forma a ferir o princípioconstitucional. Ao credor é facultado optar pela execução do modo previsto noCódigo de Processo Civil ou extrajudicialmente como regulado nos arts. 31 a 38 dodecreto-lei em discussão. Senão, vejamos:

Como bem dito pelo sentenciante �o procedimento respectivo vem tracejadonos artigos 31 a 38 do Decreto-lei nº 70, de 1966, os devedores têm oportunidadede defesa, quando notificados à purgação da mora, em vinte dias. Neste aspecto, oprof. Arruda Alvim se manifestou em parecer, no começo de 1999, assinalando que,feita a notificação, todos os meios de reação, de resistência, extrajudiciais ou judi-ciais, restam à disposição do mutuário. Inclusive, com a possibilidade de o devedor,objetivando a recuperação do bem, purgar a mora até a expedição da carta dearrematação (cf. art. 34 do DL nº 70/66)�.

O direito de ação do devedor pode ser exercido em qualquer fase da execu-ção não se excluindo do Poder Judiciário a cognição. Há a expressa previsão dodispositivo legal em comento de controle judicial posterior, antes da transferência

224 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

do bem leiloado. Pela constitucionalidade da execução extrajudicial prevista no DLnº 70/66 conclui a maior parte dos pretórios nacionais:

�Ação anulatória de execução extrajudicial de imóvel financiado pelo S.F.H. -Decreto-lei n. 70/1966 - irregularidades não comprovadas.

I - Não comprovadas as alegadas irregularidades no processo de alienaçãoextrajudicial do imóvel, não há motivos para sua anulação.

II - Reconhecida a constitucionalidade de Decreto-lei nº 70/1966.III - Consumada a alienação do imóvel, em procedimento regular, torna-se

impertinente a discussão sobre o critério de reajuste das prestações da casa pró-pria.

IV - Recurso improvido.� (REsp. 46050/RJ, STJ, 1ª T., Rel. Min. Garcia Vieira,p. 30/5/1994)

E ainda:�Execução extrajudicial. Decreto-lei nº 70/1966. Constitucionalidade.Compatibilidade do aludido diploma legal com a Carta da República, posto

que, além de prever uma fase de controle judicial, conquanto a posteriori, da vendado imóvel objeto da garantia pelo agente fiduciário, não impede que eventual ilega-lidade perpetrada no curso do procedimento seja reprimida, de logo, pelos meiosprocessuais adequados.

Recurso conhecido e provido.�(RE 223075, STF, 1ª T., Rel. Min. Ilmar Galvão, p. 6/11/1998)Diante de todo o exposto, conhecemos do recurso para lhe negar provimen-

to, mantendo a sentença recorrida por seus próprios fundamentos.

ACÓRDÃO

Acorda a 2ª Câmara Cível, por seu II Grupo, por unanimidade, improver orecurso, nos termos do voto da Excelentíssima Senhora Desembargadora Relatora.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0643/2000,em que figuram como as partes acima referidas.

Aracaju/SE, 25 de setembro de 2001Votaram com a relatora os senhores Desembargadores Manuel Pascoal

Nabuco D�Ávila e José Artêmio Barreto.

ACÓRDÃO Nº 2624/2001AC Nº 0935/2000RELATOR ORIGINÁRIO: Des. Aloísio de Abreu LimaRELATOR SUBSTITUTO: Juiz Ricardo Múcio Santana deAbreu LimaAPELANTE: Ana Márcia de Barros FigueiredoAPELANTE: Manufatura de Brinquedos Estrela S/A

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 225

APELADA: Ana Márcia de Barros FigueiredoAPELADA: Manufatura de Brinquedos Estrela S/A

EMENTA: Apelação cível - Ação de indenização por danos ma-teriais e morais - Sentença que julgou parcialmente procedenteo pedido - Denunciação da lide - Sinistro não previsto na apóli-ce - Exclusão de qualquer responsabilidade - Acidente de con-sumo - Produto defeituoso - Dano - Inteligência do art. 12 e seuparágrafo 1º do Código de Defesa do Consumidor - Responsa-bilidade objetiva - Inversão do ônus da prova conforme o art. 6ºdo CDC - Improvimento de agravo retido. Apreciação das pro-vas com acuidade pelo magistrado - Não configuração do cer-ceamento de defesa - Inocorrência de sucumbência recíproca.Parte mínima do pedido inacolhida - Aplicação do parágrafo 1ºdo art. 21 do Código de Defesa do Consumidor - Quantumindenizatório fixado acima dos limites razoáveis para tal finali-dade - Redução - Recursos conhecidos - Provimento apenasno tocante ao reconhecimento da inexistência da sucumbênciarecíproca e redução do quantum indenizatório.O segurador somente possui responsabilidade pela coberturado sinistro quando tal risco estiver previsto contratualmente naapólice, nos termos do que dispõe o art. 1460 do Código Civil.Não há cerceamento de defesa diante de indeferimento de pro-dução probatória que não interfere no mérito do julgamento dacausa e quando o juiz aprecia as provas já existentes comacuidade.O produto é defeituoso quando não oferece a segurança quedele legitimamente se espera. Em razão dele responde o fabri-cante ou importador pela reparação de danos dele decorrentespor insuficiência ou inadequação de informações a ele perti-nentes sobre sua utilização e riscos, de forma objetiva, inde-pendentemente da existência de culpa.Segundo o art. 6º do CDC, cabível é a inversão do ônusprobatório nas relações de consumo, assim, cabe ao fabrican-te a prova exclusiva acerca da responsabilidade pelo fato doproduto em decorrência de defeito por culpa exclusiva da víti-ma ou de terceiro.

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Quando a parte autora decai de parte mínima de seu pedido,não há que se falar em sucumbência recíproca, segundo o quereza o parágrafo 1º do art. 21 do CPC.

VOTO

Adoto o relatório já acostado aos autos.Em primeiro lugar, cabe a análise do agravo retido nos autos.Não vejo como prosperarem as alegações da empresa agravante.A meu ver, a magistrada de 1º grau analisou as provas com bastante acuidade

e zelo. Por isso, inocorre na espécie o cerceamento de defesa, uma vez que oindeferimento do pleito probatório da ré configurou-se oportuno, pois em nada inter-feriria no julgamento da causa, sendo, portanto, prescindível à conclusão do meritumcausae.

Não há cerceamento de defesa diante de indeferimento de produção probatóriaque não interfere no mérito do julgamento da causa e quando o juiz aprecia asprovas já existentes com acuidade.

Assim, voto pelo improvimento do agravo retido.Passo agora à análise do apelo da empresa requerida, Manufatura de Brin-

quedos Estrela S/A.Em sede de preliminar, a ré suscita a nulidade da decisão que improveu os

embargos de declaração no juízo de 1º grau sob o fundamento de inexistência deomissão, argumentando que a prestação jurisdicional foi inadequada e incompletae que restou patente a afronta ao art. 5º, XXXV, art. 93, IX da Constituição Federal eart. 458, II do CPC; e, ainda, visando a produção de efeitos modificativos da senten-ça farpeada.

Equivocou-se, porém, com relação à referida argüição, uma vez que os em-bargos de declaração é recurso que se destina a sanar contradição, obscuridade eomissão, nos termos do que dispõe o art. 535 do Código de Processo Civil e, sendoassim, vedada é a produção de efeitos modificativos através dele, como pretende arecorrente, por não possuir o mesmo caráter infringencial.

Além do mais, não houve qualquer omissão no julgado, pois a brilhante sen-tença da magistrada apreciou todas as questões discutidas no decurso do feito e osimples fato de rejeitar os embargos de declaração com espeque na ausência deomissão, quando tal aspecto assim se configura, não caracteriza a nulidade oralevantada.

Assim, rejeito a preliminar de nulidade da decisão proferida nos aclaratórios.No tocante ao improvimento da denunciação à lide da Sul América Terrestre

Marítimos e Acidentes Companhia de Seguros, também melhor sorte não merece,visto que, segundo o preceito jurídico contido no art. 1460 do Código Civil, o segu-rador somente possui responsabilidade pela cobertura de sinistro quando tal riscoestiver previsto contratualmente na apólice.

Não é o caso dos autos, portanto, pois, embora seja constadada a existên-

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 227

cia de cláusula pertinente à cobertura de risco em razão da responsabilidade civilem relação aos produtos decorrentes de acidentes provocados por defeitos dosmesmos, fl. 91 - item 1/1.1, há outra que faz menção à exclusão do risco provenien-te de danos conseqüentes da utilização do produto em virtude de propaganda ina-dequada, recomendações ou informações errôneas do segurado, seus sócios,prepostos ou empregados, fl. 92.

Assim, não há lugar para a cobertura do risco em referência, uma vez quereconhece-se justamente a responsabilidade da denunciante/segurada em decor-rência de defeito do produto devido ao fato de o mesmo não oferecer a segurançaque dele legitimamente se espera em face das informações insuficientes e inade-quadas sobre a sua utilização e riscos.

Sabe-se que o segurador somente possui responsabilidade pela coberturado sinistro quando tal risco estiver previsto contratualmente na apólice, nos termosdo que dispõe o art. 1460 do Código Civil.

Assim, mister se faz o julgamento improcedente da lide secundária referenteà denunciação, não havendo razão para a reforma da sentença neste toar.

Incursiono agora ao exame do mérito.Trata-se de Ação de Reparação de Danos Materiais e Morais em razão de

um acidente de consumo, decorrente de produto defeituoso, �Fadinha Bailarina�.A conceituação de produto defeituoso é encontrada no § 1º do art. 12 do

Código de Defesa do Consumidor, que reza:�§ 1º. O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele

legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevan-tes, entre as quais:

- sua apresentação;- o uso e os riscos que razoalvemente dele se esperam;- a época em que foi colocado em circulação;�A doutrina corrente costuma elencar três modalidades de defeitos dos produ-

tos:A. defeito de concepção, também designado de criação, envolvendo os

vícios de projeto, formulação, inclusive design dos produtos;B. defeito de produção, também nominado de fabricação, construção, mon-

tagem, manipulação e acondicionamento dos produtos;C. defeito de informação ou de comercialização, que envolve a apresenta-

ção, informação insuficiente ou inadequada, inclusive publicidade.Vale ressaltar que o defeito que suscita o dano não é o defeito estético, mas

o defeito substancial relacionado com a segurança que dele legitimamente se es-pera, levando-se em consideração aspectos extrínsecos, como a apresentação doproduto, e intrínsecos, relacionados com a sua utilização e a época em que foicolocado em circulação.

Os defeitos de informação são aqueles que decorrem de sua apresentaçãoao consumidor, vale dizer, de informações insuficientes ou inadequadas sobre suautilização, veiculadas no próprio produto, em sua embalagem ou acondicionamen-to, bem como através dos meios de comunicação.

A apresentação do produto, portanto, inclui todo o processo informativo que

228 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

o cerca com vistas à sua comercialização, incluindo instruções constantes dosrótulos, bulas, embalagens, publicidade, etc.

Também sobre tal assunto, faz-se necessário destacar o caput do art.12 doCódigo Protetivo do Consumidor, que dispõe:

�Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e oimportador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparaçãodos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabri-cação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondici-onamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequa-das sobre sua utilização e riscos�

Assim, entende-se por defeituoso o produto que não oferece a segurançaque dele legitimamente se espera. Em razão dele responde o fabricante ou impor-tador pela reparação de danos dele decorrentes por insuficiência ou inadequaçãode informações a ele pertinentes sobre sua utilização e riscos, de forma objetiva,independentemente da existência de culpa.

Acerca da segurança esperada pelos produtos colocados no mercado, paradeterminação do uso e riscos razoavelmente admissíveis, devemos contar com oscritérios de experiência ditados pelo aplicador da norma, pois, como já observou,com acuidade, Calvão da Silva, �deve o juiz, na determinação do caráter defeituoso,ser intérprete do sentimento geral de legítima segurança esperada do produto, aten-dendo não só ao uso ou consumo pretendido, mas à utilização que dele razoavel-mente possa ser feita, à luz do conhecimento ordinário ou da opinião comum dogrande público a que o mesmo se destina�.

Pois bem, a Lei nº 8.078/1990 impôs o fornecimento de produtos e serviçossegundo os melhores padrões de qualidade, confiabilidade e segurança.

A juíza monocrática, procedendo à análise acerca da existência de defeitodo produto, assim o fez:

�Não se vê dos autos, em nenhum momento, a comprovação por parte dademandada da inexistência do defeito do produto ou de culpa exclusiva da vítima oude terceiro. O argumento de que o mesmo se encontra devidamente aprovado peloINMETRO é insuficiente a tal fato.

A Fadinha Bailarina, conforme se vê, trazida aos autos pela requerida, diantedas informações nela constantes, inclusive de possibilidade de utilização por crian-ça a partir de três anos de idade, parece à primeira vista que de fato, nenhum danopode causar à integridade física das pessoas.

Contudo, de uma melhor análise da mesma, fazendo-a funcionar, vê-se que aboneca voa e rodopia com sua hélice de borracha que pelo simples manuseio evelocidade que desenvolve, sem necessidade de perícia técnica para constatação,percebe-se que ao contrário do que argumenta a parte ré e a testemunha por elaarrolada de nome Mariano de Araújo Neto, em seu depoimento de fl. 310, pode simcausar dano. A hélice não é recoberta de espuma tão macia como afirma a menci-onada testemunha e não resta dúvida de que daria causa a um vazamento no olhoe não somente um esfregamento como tenta a demandada argumentar.

O produto deveria conter informações mais detalhadas sobre os possíveisriscos que poderiam advir da sua utilização, já que pelas informações trazidas,

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 229

somada à visão que se tem do mesmo, não se espera a possibilidade de tal dano,somente chegando à conclusão do perigo a que se expõe o consumidor e emespecial as crianças, quando de sua utilização. Fato pessoalmente constatado poresta magistrada ao analisar a referida boneca, trazida aos autos pela parte ré�.

Realmente, agira com acerto a douta magistrada pois, compulsando os au-tos, verifica-se que o evento danoso, intitulado de acidente de consumo, ocorreuem decorrência de defeito existente no produto e desatenção às regras de seguran-ça legitimamente esperadas do mesmo, pois a boneca voa e gira com um movi-mento que se assemelha ao de um helicóptero, mas, sem destino certo.

Quando foi acionada pela criança Cíntia, seguiu o trajeto de forma rápida einesperada em direção ao olho da requerente, atingindo-o e causando-lhe lesão queresultou na perda da visão.

Pondera a apelante sobre a inexistência de sua culpa no acidente porque oproduto foi autorizado e certificado pelo INMETRO, atribuindo, ainda, a responsabi-lidade exclusivamente à menor, à autora e à mãe da menor. Também nega a exis-tência de qualquer defeito no produto, afirmando que o mesmo sempre esteve deacordo com as regras do Código Consumerista.

Não lhe assiste razão, seguramente.Ao dispor que o fabricante, o produtor, construtor e o importador respondem

pela reparação dos danos causados aos consumidores, independentemente daexistência de culpa, o artigo 12 acolheu os postulados da responsabilidade objeti-va, desconsiderando, portanto, no plano probatório, quaisquer investigações relaci-onadas com a conduta do fornecedor.

Desta forma, ao contrário do que afirma a empresa recorrente, não há que sefalar em culpa quando configurado o defeito do produto nos termos do artigosupramencionado, nem mesmo quando tal produto foi autorizado e certificado peloINMETRO, pois este aval não exclui a sua responsabilidade.

Ademais, somente três causas poderiam fazer excluir a sua responsabilida-de:

- se não tivesse a mesma colocado o produto no mercado;- se o defeito fosse inexistente;- ou se houvesse culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.Nenhuma dessas causas restou configurada nos autos, pois realmente o

acidente de consumo foi causado pelo defeito de informação do produto Boneca�Fadinha Bailarina�, não havendo qualquer colaboração da criança, da autora, oumesmo da mãe da menor para o evento em testilha.

O que fez a menor Cíntia somente foi acionar a Fadinha Bailarina comomanda as instruções constantes na sua embalagem, para fins de fazer a mesmavoar.

Suscitou a Manufatura Estrela o mau uso do brinquedo, porém tal aspectonão restou comprovado nos autos.

Além disso, já que alegou o mau uso do brinquedo, deveria comprová-lo, faceao disposto no art. 6º do CODECON, que prevê inversão do ônus probatório nasrelações de consumo. Assim, cabe ao fornecedor a prova exclusiva acerca da res-ponsabilidade pelo fato do produto em decorrência de defeito por culpa exclusiva da

230 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

vítima ou de terceiro, fato que não ocorreu nos presentes autos.Concluo, por fim, que não há motivos para a reforma da decisão em exame,

pois não há dúvidas de que a lesão no olho da requerente resultou do simplesmanuseio do brinquedo em questão, bem como acerca do defeito do mesmo pornão apresentar a segurança que dele legitimamente se espera.

O defeito do produto foi plenamente evidenciado pela falta de segurança quedo mesmo legitimamente se espera, além da ausência de informação e advertên-cias sobre os perigos que apresenta, principalmente por se tratar de público infantil.

No que tange à redução dos valores indenizatórios, com relação aos danosmateriais, vê-se que o valor em epígrafe não foi oportunamente contestado no juízode 1ª instância e que somente agora, em 2ª grau é que a ora apelante faz mençãoà comprovação de valor inferior ao que foi efetivamente condenada a pagar.

Sendo assim, deixo de apreciar tal questionamento, a fim de evitar a supres-são de instância, a qual é vedada em nosso Direito Processual, nos termos do art.517.

Já quanto à redução do valor concernente à reparação pelos danos morais,entendo que merecem ser acolhidos os argumentos da Manufatura de BrinquedosEstrela S/A, pois o valor fixado muito supera, a meu ver, àquele correspondente àreparação efetiva do evento lesivo com obediência à capacidade econômica daspartes, evitando-se, também, o enriquecimento sem causa.

Entendo, destarte, que tal quantia fixada merece ser reduzida pela metade,razão pela qual voto pelo provimento parcial do recurso da empresa ré, reduzindo ovalor indenizatório referente à dor moral para R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüentamil reais).

Já com relação ao apelo da autora, Sra. Ana Márcia Barros Figueiredo, en-tendo que inteira razão lhe assiste, pois vislumbrei que, com a prolação da senten-ça sub judice, a mesma somente decaíra em parte mínima de seu pedido, eis queo quantum relativo à indenização pelos danos morais correspondem a uma expec-tativa de direito apenas, razão pela qual voto pelo provimento total deste recurso,condenando apenas a empresa ré, Manufatura Estrela, exclusivamente ao paga-mento das custas e honorários advocatícios, com fulcro no parágrafo único do art.21 do CPC.

Ante o exposto, sou pelo conhecimento dos recursos, provimento do apeloda autora, reconhecendo a inexistência de sucumbência recíproca, e provimentoparcial do apelo da ré, apenas no tocante à redução do quantum referente à inde-nização pelos danos morais, fixando-o em R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüentamil reais).

Aracaju/SE, 23 de outubro de 2001

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadoresdo Terceiro Grupo da 2.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe,por unanimidade, conhecer de ambos os recursos para dar provimento a ambos

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 231

apenas no que pertine à inexistência de sucumbência recíproca e redução doquantum indenizatório referente ao dano moral para R$ 250.000,00 (duzentos ecinqüenta mil reais), na conformidade do voto do relator a seguir, que fica fazendoparte integrante deste julgado. Participaram do julgamento os DesembargadoresManuel Pascoal Nabuco D�Ávila e José Artêmio Barreto, sob a presidência daDesembargadora Clara Leite de Rezende.

Aracaju/SE, 23 de outubro de 2.001.Votaram com o relator os senhores Desembargadores Clara Leite de Rezende,

Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila e José Artêmio Barreto.

ACÓRDÃO Nº 2628/2001AC Nº 0104/2001RELATOR: Des. Manuel Pascoal Nabuco D�ÁvilaAPELANTE: Cia. Brasileira de Petróleo IpirangaAPELADO: Walmir Rodrigues dos Santos

ACÓRDÃO Nº 2626/2001AC Nº 0083/2001RELATOR: Des. Manuel Pascoal Nabuco D�ávilaAPELANTE: Cia. Brasileira de Petróleo IpirangaAPELADO: Walmir Rodrigues dos Santos

EMENTA: Recurso de apelação - Ação Cautelar - RescisãoContratual - Indenização - Improvimento.1. Ao sustar as vendas a prazo, enquanto as assegurava àsdemais concorrentes, o apelante causou desequilíbrio econô-mico-financeiro ao apelado.2. É de se ter por prejudicada a ação cautelar se ocorre perdado objeto.3. Recursos conhecidos para improver a Apelação de n.º 0083/2001 e julgar prejudicada a de n.º 0104/2001.

Adoto o Relatório de fls.

VOTO

A respeito da verificação da existência do fumus boni iuris para a conces-são do provimento cautelar, constata-se de pronto a impossibilidade de concessãodo provimento jurisdicional sumário pleiteado, tendo em vista que a culpa pelo

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inadimplemento foi da própria apelante.Na ação principal, o ponto crucial cinge-se à retirada de prazos para paga-

mento dos produtos adquiridos por parte da apelada, o que vai de encontro asdisposições contratuais, que redundou na rescisão do contrato firmado entre aspartes.

Esta conduta, fere o princípio da livre concorrência, inserto no art. 170, IV, daConstituição Federal, que assim dicta:

�Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humanoe na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme osditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

IV- livre concorrência.�Sobre o referido princípio José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito

Constitucional Positivo, 15ª Edição, Malheiros Editores, 1998, preleciona:�Visam tutelar o sistema de mercado e, especialmente, proteger a livre con-

corrência, contra a tendência açambarcadora da concentração capitalista. A Cons-tituição reconhece a existência do poder econômico. Este não é, pois, condenadopelo regime constitucional. Não raro esse poder econômico é exercido de maneiraanti-social.�

A não concessão de prazo na compra dos seus produtos por parte do ape-lante, afrontando cláusula contratual, causou visível prejuízo nos negócios do ape-lado, diante da venda à prazo cometida aos seus concorrentes. Assim, odescumprimento do pactuado ocasionou o desequilíbrio financeiro do apelado.

Não restam dúvidas que fora o inadimplemento da recorrente às disposiçõescontidas no contrato, com a retirada do prazo para pagamento, que fez com que arecorrida não cumprisse a obrigação estabelecida.

Neste sentido é a jurisprudência desta Corte, in verbis:�Ação de resilição contratual - Posto de gasolina - Contrato de compra e

venda mercantil de produtos e comodato de equipamentos - Tutela antecipada paraa concessão de prazo para pagamento e fornecimento de lista de preços - Presen-tes os requisitos autorizadores do artigo 273 do CPC - Abusividade detectada -Artigo 51, X, do Código de Defesa do Consumidor e artigo 1125 do Código CivilBrasileiro - Manutenção do despacho - Improvimento do recurso - Decisão unâni-me.� (TJ/SE, Acórdão n.º 1893/2001, Rel. Des. Roberto Eugenio da Fonseca Porto)

Sobre o dever de indenizar, judicioso foi o parecer do Ministério Público, inverbis:

�Diante da constatação da violação de cláusulas contratuais, assim como odano sofrido, encontra-se claro o dever de indenizar. Dessa forma, está claro que ovalor a ser indenizado deverá ser R$ 227.182,26 (duzentos e vinte e sete mil, centoe oitenta e dois reais e vinte e seis centavos).�

Daí porque voto pelo conhecimento dos recursos, mas para lhes negar provi-mento, mantendo as decisões monocráticas fustigadas.

É como voto.Aracaju/SE, 30 de outubro de 2001

ACÓRDÃO

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 233

Vistos, examinados e discutidos estes autos, acordam os membros da Se-gunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Sergipe, pelo seu grupo II, à unanimi-dade, para conhecer dos recursos para improver a Apelação de n.º 0083/2001 ejulgar prejudicada a de n.º 0104/2001.

Aracaju/SE, 30 de outubro de 2001.Votaram com o relator os senhores Desembargadores Clara Leite de Rezende

e José Artêmio Barreto.

ACÓRDÃO N° 2787/2001AC N° 1153/2000RELATOR: Des. José Artêmio BarretoAPELANTE: ELECTRA - Eng. e Construções Ltda.APELADA: Gilvania dos Santos Bispo

EMENTA: Apelação cível - Indenização - Acidente de trabalho -Responsabilidade objetiva da empregadora - Fixação do danomoral devendo obedecer os limites da prudência do juizsentenciante - Condenação do pagamento de indenização men-sal - Exclusão da coobrigação de empresa que não possuía vín-culo empregatício com o funcionário falecido. Recurso conhe-cido e provido parcialmente.Tendo o funcionário vínculo empregatício com a empresa ape-lante, não co-responsabiliza a empresa excluída do pólo passi-vo pelo fato de ter contratado a apelante para prestar-lhe servi-ços;Aplicação da teoria objetiva, onde o dever de indenizar surge,independentemente da idéia de culpa da empregadora, postoque evidenciada a relação do empregado com a apelante;Indenização por danos morais, devendo ser fixada com obser-vância dos limites da prudência;Condenação ao pagamento de indenização mensal por perío-do necessário à obtenção de um meio digno para sua mantença.

RELATÓRIO

Apelou ELECTRA - Eng. e Construções Ltda., da sentença proferida peloM.M. Juiz de Direito da 10ª Vara Cível, que julgou procedente a Ação de Indeniza-ção por Acidente de Trabalho, contra si proposta por Gilvania dos Santos Bispo.

234 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Preliminarmente, suscita a apelante a nulidade da sentença por não haverrecolhido antecipadamente as custas processuais.

Também em rede de preliminar, requer que a sentença seja proferida tam-bém contra a ATENCO - Atalaia Engenharia e Comércio Ltda., aduzindo que oacidente fatal se dera em obra de sua responsabilidade.

No mérito, combate o excesso do valor atribuído a título de indenização, paraa viúva, ora apelada, juntando jurisprudência relativa ao fato.

Alega que não subsiste provas de que tenha contribuído para o lastimávelacidente, posto que a empresa sempre zelou pela segurança dos seus funcioná-rios.

Por último, ataca a concessão da pensão durante o período de seis anos,pelo fato de, em não havendo prole, e, por não ter a viúva laborado, por livre eespontânea vontade, entende gritante o tempo de benefício concedido.

O eminente Procurador de Justiça, em parecer de fls.193/195 opinou peloimprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de Apelação Cível, interposta em decorrência condenação ao paga-mento de indenização mensal de R$ 151,00 (cento e cinqüenta e um reais) peloperíodo de seis anos a mais R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) a título de danosmorais e ainda ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios,tudo isso em razão do acidente que ceifou a vida do seu esposo, o Sr. JACONIASDE MELO BISPO, empregado da apelante, quando exercia suas funções laborais.

Há preliminares argüidas, que passo a analisar:A primeira diz respeito ao pagamento antecipado das custas processuais

pela autora.Ocorre que a autora requereu, na exordial, o benefício da Justiça Gratuita,

por se encontrar desempregada e não ter percebido até o momento a pensão mari-tal que ora pleiteia.

Não tendo sido contestado o seu pleito, e, sendo sucumbente o apelante,não há como prosperar a preliminar suscitada, tendo em vista ter este o dever dearcar com as custas processuais, conforme determinação do juiz monocrático, nasentença proferida às fls. 166/170 dos autos.

Isto posto; rejeito a preliminar.Quanto à segunda preliminar, também não há razão de ser.A exclusão da empresa ATENCO - Atalaia Engenharia e Construções Ltda. é

imperiosa, posto que, o falecido era empregado da apelante, estando apenas pres-tando seus serviços em usina de asfalto pertencente à ATENCO, e o fato de estarlhe prestando serviços, não a torna solidária da apelante, em razão de ser o vínculoempregatício tão-somente com a ELECTRA, a qual tem responsabilidade pelo aci-dente ocorrido.

Assim, é de se rejeitar também essa preliminar.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 235

Passo ao mérito.A questão a ser analisada agora, diz respeito unicamente ao quantum devi-

do tendo em vista a indiscutível obrigação de indenizar, independentemente de doloou culpa da empresa apelante, conforme se depreende do laudo pericial de aciden-te de trabalho; às fls. 24/26 dos autos, aplicando-se-lhe a Teoria da Responsabilida-de Objetiva.

Sendo assim, é dever da apelante indenizar à viúva, ora apelada, salvo secomprovada a ocorrência de caso fortuito ou força maior, autorizadores da exclusãode sua responsabilidade, o que efetivamente não ocorreu.

Quanto ao valor arbitrado a título de dano moral, pelo douto Juízo de 1° grau,entendo merecer reproche , vez que, esta é uma satisfação meramente compensa-tória à dor sofrida pela viúva em razão da perda trágica e precoce do seu cônjugesem parâmetro absoluto, que no entanto não deverá ferir a razoabilidade.

Na realidade, inexiste em lei, valor específico para indenização a título dedano moral, sendo pois, resultado do prudente arbítrio do julgador, que pautado naliberdade de avaliação e consciência da gravidade do caso, fixar-lhe na sentença.

No caso presente, no entanto a mim parece ter havido excessiva liberabilidadena fixação do valor indenizatário, pois que paralelo à pensão mensal atribuída atítulo de dano material, pelo que voto no sentido de prover a indenização por danomoral, mas atribuindo-lhe o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).

Outro não é o entendimento da eminente jurista Maria Helena Diniz, litteris:�Grande é o papel do magistrado, na reparação do dano moral, competindo,

a seu prudente arbítrio, examinar cada caso, ponderando os elementos probatóriose medindo as circunstâncias, preferindo o desagravo direto ou compensação nãoeconômica à pecuniária sempre que possível ou se não houver riscos de novosdanos. (Curso de Direito Civil Brasileiro, p. 81).

Por fim, incensurável o valor da indenização mensal e o tempo de sua dura-ção, tendo em vista ser uma providência necessária para que a apelada encontremeios dignos a manter-se por si própria.

A doutrina é remansosa acerca do pagamento da verba material na forma depensionamento mensal, assegurando temporariamente a garantia efetiva daquiloque o falecido poderia lhe proporcionar, ou seja, as necessidades básicas parasobrevivência condigna.

Ante o exposto, voto pelo provimento parcial do apelo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadoresdo Segundo Grupo da Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe,por unanimidade, dar-lhe provimento parcial, na conformidade do voto do relator aseguir, que fica fazendo parte integrante deste julgado. Participaram do julgamentoa Sra. Desembargadora Clara Leite de Rezende (Presidenta e Revisora) e oExcelentíssimo Sr. Desembargador Manoel Pascoal Nabuco D�Ávila (Membro) .

Aracaju/SE, 6 de novembro de 2001.

236 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Votaram com o relator os senhores Desembargadores Clara Leite de Rezendee Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila.

ACÓRDÃO Nº 2828/2001AC Nº 0779/2001RELATOR : Des. Manuel Pascoal Nabuco D�ÁvilaAPELANTES: L. C. C. S. e outra, T. P. rep. p/ sua genitoraAPELADOS: L. C. C. S. e outra, T. P. rep. p/ sua genitora

EMENTA: Recurso de apelação - Investigação de paternidade -Exame de DNA em grau de recurso - Possibilidade - Exclusãoda paternidade.1. Por se tratar de direito indisponível, em ação de investigaçãode paternidade é possível a realização de prova em grau de re-curso, tendo em vista a busca da verdade real.2. É defeso nesse tipo de ação a concessão de alimentos, porinexistir a prova da filiação, requisito essencial à concessão dapensão alimentícia. Além do que, a decisão cinge-se em decla-rar a paternidade e por ser o investigado falecido inviabilizaqualquer condenação.3. Recursos conhecidos e provido o primeiro e improvido o se-gundo, à unanimidade.

Adoto o Relatório de fls. 408/409.

VOTO

A respeito do agravo retido, interposto sob alegação de nulidade do processopelo fato das testemunhas comparecerem a Juízo, embora não intimadas, entendode todo descabido.

A questão cinge-se à determinação do Juízo ad quem que determinou adescida do processo, que se encontrava em grau de recurso, para o Juízo a quo,por solicitação de ambas as partes, com o intuito de se produzir nova prova.

Em se tratando de direito indisponível, entendo que a produção probatóriadeve ser feita com a maior atenção e nada mais prudente do que a descida dosautos para a produção do exame de DNA. Ademais, como a parte já vencedora nademanda concordou em se submeter à nova prova, foi judicioso a realização doexame de DNA.

Neste sentido já decidiu, alhures, esta Corte, in verbis:�Apelação cível. Ação de investigação de paternidade c/c alimentos. Exame

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 237

de DNA. Requerimento em sede de recurso. Alegação de cerceamento de defesa.Inacolhimento. Existência nos autos de elementos probatórios suficientes para oconvencimento judicial da paternidade. Sentença mantida. I - Não há cerceamentode defesa quando o exame de DNA é requerido somente em sede de recurso,existindo nos autos provas suficientes para a formação do convencimento do julgador.Precedente do STJ. II - É de ser mantida a sentença quando as provas e informa-ções constantes dos autos permitem declarar a paternidade investigada. Recursoimprovido. Decisão unânime.� (TJ/SE, Acórdão n.º 843/2001, Des.ª Rela. ClaraLeite de Rezende).

Às fls. 367, consta a conclusão do exame de DNA, que excluiu a paternida-de do Sr. L. B. dos S., como sendo pai biológico de T. P.

Sobre os alimentos pleiteados, entendo-os incabíveis em sede de Ação deInvestigação de Paternidade quando inexistir, exime de dúvidas, a prova da filiação,requisito essencial à concessão da pensão alimentícia. Além do que a decisãocinge-se em declarar a paternidade e por ser o investigado falecido.

Quanto aos honorários da sucumbência, entendo se encontrar prejudicadocom a reforma da decisão monocrática.

Daí porque voto pelo conhecimento dos recursos, dando provimento ao pri-meiro e improvendo o segundo.

É como voto.Aracaju/SE, 20 de novembro de 2001

ACÓRDÃO

Vistos, examinados e discutidos estes autos, acordam os membros da Se-gunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Sergipe, pelo seu grupo II, à unanimi-dade, conhecer dos recursos, dando-lhes provimento ao primeiro e improvendo osegundo.

Aracaju/SE, 20 de novembro de 2001Votaram com o relator os senhores Desembargadores Clara Leite de Rezende

e José Artêmio Barreto.

ACÓRDÃO Nº 2949/2001AC Nº 0438/2001RELATOR ORIGINÁRIO: Des. Aloísio de Abreu LimaRELATOR SUBSTITUTO: Juiz Ricardo Múcio Santana deAbreu LimaAPELANTE/APELADA: EMURB-Empresa Municipal Obras eUrbanizaçãoAPELANTES/APELADOS: Laudelino Alves São Mateus e suaesposa Maurina Araújo São Mateus

238 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

EMENTA: Responsabilidade Civil - Alegação de ocorrência decaso fortuito e força maior - Inexistência - Previsibilidade doevento - Omissão - Fixação de honorários de assistente técnicona sentença - Empresa pública - Verba honorária fixada nos ter-mos do parágrafo 3º do art. 20 - Improvimento do recurso prin-cipal e provimento do adesivo.Não restando comprovada a imprevisibilidade do evento dano-so, resultante de caso fortuito ou força maior, sendo patente aomissão da parte em preveni-lo a fim de não causar prejuízo aterceiro, patente é a responsabilidade civil pelo ressarcimento.Os honorários do assistente técnico devem ser fixados na sen-tença, pois estes se enquadram entre as despesas processu-ais, conforme art. 20, parágrafo 2º do CPC.Em se tratando de empresa pública, os honorários advocatíciosdevem ser fixados segundo o disposto no parágrafo 3º do art.20 do CPC.

RELATÓRIO

Laudelino Alves São Mateus e sua esposa, Maurina Araújo São Mateus ajui-zaram uma Ação Indenizatória contra a EMURB - Empresa Municipal Obras e Ur-banização visando o ressarcimento de valor correspondente à compra de um terre-no no Loteamento Coroa do Meio, o qual foi invadido pelas águas do mar algumtempo depois da avença com a empresa pública requerida, acrescido de juros com-pensatórios e moratórios, tudo devidamente corrigido.

O magistrado de 1º grau, Dr. Osório de Araújo Ramos Filho, julgou parcial-mente procedente o pedido formulado na vestibular, condenando a EMURB ao pa-gamento de quantia equivalente a R$ 43.800,00 (quarenta e três mil e oitocentosreais) ao autor, valor de mercado na época da avaliação, março de 1998, segundo olaudo pericial acostado nos autos; acrescidos de correção monetária pelo INPC,juros compensatórios de 12% ao ano e juros moratórios de 6% ao ano, a partir domês de dezembro do ano de 1988, com base nas Súmulas 43 e 54 do SuperiorTribunal de Justiça e considerando que tal data corresponde ao marco do efetivoprejuízo, invasão das águas; a título de indenização do imóvel em epígrafe.

Desta decisão apelaram ambas as partes.Os requerentes, Laudelino Alves São Mateus e sua esposa Maurina Araújo

São Mateus, insurgem-se com relação ao quantum indenizatório fixado, pugnandopela majoração de seu valor para R$71.437,36 (setenta e um mil, quatrocentos etrinta e sete reais e trinta e seis centavos), equivalente ao valor corrigido da quantiagasta na aquisição do imóvel.

Questionam também o critério de fixação dos honorários advocatícios de

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 239

seu patrono, ponderando que estes deveriam ser fixados entre 10% e 20% sobre ovalor total da causa, com espeque no 3º do art. 20 do Código de Processo Civil e,por fim, pugnam pelo arbitramento dos honorários do assistente técnico.

Não houve resposta a este apelo.Nas razões da EMURB, por sua vez, esta argumenta acerca da ocorrência

de força maior e exclusão de sua responsabilidade sobre o evento danoso, pugnan-do, assim, pela reforma da sentença in totum a fim de julgar totalmente improce-dente a pretensão em exame.

Em segundo plano, pleiteia a redução do valor da indenização para R$23.012,10 (vinte e três mil, doze reais e dez centavos), afirmando que este valorcorresponde à avaliação atual do terreno em destaque.

Em contra-razões, os autores alegam a operância da preclusão da manifes-tação da EMURB sobre os laudos acostados nos autos, aduzindo que quando estafoi intimada para tal finalidade, permaneceu silente, concluindo, assim, que a mes-ma perdeu a oportunidade de realizar tais questionamentos em grau de recurso.

Negam, ainda, a existência de força maior ou caso fortuito, argumentandosobre a necessidade de ser o fato impossível de ser evitado ou impedido e afirman-do que tal não é o caso dos autos, pois constitui fato público e notório a construçãode muro de enrocamento e espigões no local a fim de evitar a invasão das águas.

Tecem também comentários sobre o laudo do perito oficial, no qual há confir-mação acerca da inocorrência de força maior.

Com relação à redução do valor avaliado, dizem que há manifesta preclusãocom relação à juntada dos documentos de fls. 779/784, pois os mesmos não sãosupervenientes, não podendo, portanto, serem apreciados em 2º grau, nos termosdo art. 517 do CPC. Entretanto, refutam a avaliação anexada afirmando que estaexpressa cálculos equivocados, face à desvalorização da área em apreço.

A Procuradoria de Justiça, em parecer da Dra. Maria Cristina da Gama S.Foz Mendonça, carreado às fls. 837/846, opinou pelo conhecimento de ambos osapelos, conferindo-lhes provimento parcial para determinar que o montante da inde-nização consista no valor dispendido pelos autores, corrigido monetariamente des-de 7 de outubro de 1986, acrescido de juros compensatórios de 12% ao ano a partirda citação, condenando-se a requerida a pagar, além das custas, os honorários doassistente técnico dos autores, a serem arbitrados por esta Colenda Câmara, eainda honorários advocatícios arbitrados nos termos do art. 20, § 3º do Código deProcesso Civil.

É o relatório.

VOTO

Em primeiro lugar, analiso o apelo da EMURB.Nas razões recursais, argumenta a referida empresa pública acerca da ocor-

rência de força maior e exclusão de sua responsabilidade sobre o evento danoso,pugnando, assim, pela reforma da sentença in totum a fim de julgar totalmenteimprocedente a pretensão em exame.

240 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Do exame dos autos, porém, vislumbra-se que realmente o requerente ad-quiriu o imóvel localizado na Coroa do Meio e que algum tempo depois houvera ainvasão das águas do mar na área adquirida, fato que lhe causou prejuízos com adesvalorização da área.

Porém, entendo que não assiste razão à empresa apelante, pois fora cons-tatado através de laudo pericial acostado nos autos a previsibilidade das inunda-ções (fl. 218), além da possibilidade de ser o evento danoso evitado ou impedido.

A área da Coroa do Meio estava sujeita a processos erosivos mesmo antesda implantação do loteamento pela EMURB.

Entretanto, nota-se que a referida empresa restou inerte no sentido de propi-ciar meios eficazes de prevenção, como obras necessárias para a estabilização dapraia da Coroa do Meio.

Sabe-se que a força maior decorre de eventos naturais imprevisíveis ou quenão possam ser evitadas as suas conseqüências, nos termos do art. 1058 doCódigo Civil.

Logo, denota-se que restou devidamente configurado o dano material causa-do aos autores, decorrente da omissão do agente, bem como a sua responsabilida-de indenizatória com fulcro no que dispõe o art. 159 do Código Civil.

Com relação à redução do quantum indenizatório, em que pleiteia a recor-rente a redução acostando avaliação no valor de R$ 23.012,10 (vinte e três mil, dozereais e dez centavos) alegando que esta quantia corresponde ao valor atual dagleba, melhor sorte não merece, pois, na perícia em destaque detectou-se que olote do autor não apresenta condições de uso, haja vista o processo de erosãoexistente.

O avanço das águas impossibilitou o pleno uso e gozo da propriedade, fatoque equivale à sua perda total. Assim, vejo que o valor atual de mercado do lote nãocorresponde à reparação ressarcitória dos requerentes, ora apelados.

Concluo, então, que não procedem as alegações da EMURB, razão pelaqual voto pelo improvimento do recurso por ela ofertado.

Em análise do recurso interposto por Laudelino Alves São Mateus e MaurinaAraújo São Mateus.

Vejo que realmente o quantum pleiteado pelos apelantes correspondenteao pedido inicial formulado, relativo à quantia paga pelos mesmos na aquisição doimóvel em epígrafe, merecendo, portanto, provimento neste aspecto.

Assim, entendo que a EMURB deve ser condenada ao pagamento da quan-tia equivalente ao valor pago pelos apelantes na aquisição do imóvel, devidamentecorrigido pela variação do IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas, correspondente àimportância de R$ 71.437,36 (setenta e um mil, quatrocentos e trinta e sete reais etrinta e seis centavos), cuja correção monetária deverá incidir a partir de março de1998, data da última atualização, até a data do efetivo pagamento; com jurosmoratórios de 6% ao ano e juros compensatórios de 12% ao ano na forma dasentença, a título de indenização pela inutilização do imóvel de sua propriedade.

Com relação ao arbitramento dos honorários advocatícios, também vejo ra-zão de provimento, uma vez que a EMURB se trata de empresa pública, devendoserem fixados honorários advocatícios de acordo com o art.20, parágrafo 3º do

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 241

CPC, pois a regra do art. 4º não se estende a ela.Também enxergo pertinência com relação à fixação dos honorários do assis-

tente técnico, pois vê-se que os mesmos não foram fixados na sentença guerreadae, desta forma, mister se faz a sua inclusão na condenação, uma vez que estes seenquadram entre as despesas processuais, como expressamente prevê o art. 20,parágrafo 2º do CPC.

Com essas razões, voto pelo improvimento do apelo da EMURB e provimen-to das razões dos requerentes, Laudelino Alves São Mateus e Maurina Araújo SãoMateus, condenando a EMURB ao pagamento da quantia equivalente ao valor pagopelos apelantes na aquisição do imóvel, devidamente corrigido pela variação doIGP-DI da Fundação Getúlio Vargas, correspondente à importância de R$ 71.437,36(setenta e um mil, quatrocentos e trinta e sete reais e trinta e seis centavos), cujacorreção monetária deverá incidir a partir de março de 1998, data da última atualiza-ção, até a data do efetivo pagamento; com juros moratórios de 6% ao ano e juroscompensatórios de 12% ao ano na forma da sentença, a título de indenização pelainutilização do imóvel de sua propriedade.

Fixo também os honorários advocatícios em 15% do valor da condenação,bem como os honorários do assistente técnico em R$ 1.000,00 (mil reais).

Aracaju/SE, 13 de novembro de 2001

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadoresdo Quarto Grupo da 2.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe,por unanimidade, improver o apelo da EMURB e prover o recurso de Laudelino AlvesSão Mateus e outra, na conformidade do voto do relator a seguir, que fica fazendoparte integrante deste julgado. Participaram do julgamento os DesembargadoresClara Leite de Rezende (Presidenta com voto) e José Artêmio Barreto (membro).

Aracaju/SE, 13 de novembro de 2001.Votaram com a relatora os senhores Desembargadores Clara Leite de

Rezende e José Artêmio Barreto.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 243

CÂMARA CRIMINAL

AGRAVO

ACÓRDÃO N° 3366/2001AGR N° 0002/2001RELATOR ORIGINÁRIO: Des. Artur Oscar de Oliveira DedaRELATOR SUBSTITUTO: Juiz Cláudio Dinart Déda ChagasAGRAVANTE: Marcos Henrique da Fonseca SantosAGRAVADA: A Justiça Pública

EMENTA: Agravo criminal - Trabalho externo - Requisitos sub-jetivos - Preenchimento - Inocorrência.O descumprimento a um dos requisitos subjetivos previstos noart. 37 da Lei de Execução Penal impede a concessão de auto-rização para a prestação do trabalho externo.

RELATÓRIO

244 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Marcos Henrique da Fonseca Santos, devidamente qualificado, requereu aoMM. Juízo da 7ª Vara Criminal com fundamento no art. 35, parágrafo único, doCódigo Penal, e nos arts. 37 e 122, III, da Lei de Execução Penal, autorização paraa prestação de trabalho externo, sob a alegação de ter preenchido os requisitosobjetivos e subjetivos.

Com vista dos autos, o representante do Ministério Público, em exercício na7ª Vara Criminal, manifestou-se pela procedência do pedido, por considerar preen-chidos os requisitos do art. 35, parágrafo único, do Código Penal (fl. 21).

A MM. Juíza da Vara de Execuções Criminais indeferiu, mediante despachoexarado nos autos principais, o pedido de prestação de trabalho externo, formaliza-do às fls. 47 a 51, sob a alegação de que o apenado não preenchia os requisitos doart. 37 da Lei de Execução Penal (fl. 22), sem especificá-los.

Inconformado com a decisão da MM. Juíza a quo, o recorrente interpôs opresente Agravo Criminal, com fundamento no art. 197 da Lei nº 7.210, de 11 dejulho de 1.984, propugnando, ao final, pela reforma da decisão agravada, tendocitado, a propósito, jurisprudências dos nossos Tribunais.

Para instruir o agravo criminal, o agravante juntou ao recurso vários docu-mentos, inclusive o relativo ao pagamento do preparo (fls. 06/24 e 32/34).

A MM. Juíza processante, atendendo à solicitação contida no despacho defl. 25v, prestou as devidas informações, encartando ao ofício que dirigiu a estarelatoria os documentos necessários ao esclarecimento do pedido.

A douta Procuradoria de Justiça, no bem lançado parecer da lavra da Dra.Maria Eugênia da Silva Ribeiro (fls. 54/59), opinou pelo provimento do recurso, resu-mindo a sua manifestação nos termos da ementa:

�Recurso de agravo. Lei de execuções: art. 197. Autorização para trabalhoexterno. Art. 37 da Lei nº 7.210/1984. �Se o condenado já se encontra no regimesemi-aberto em virtude da progressão, o sexto da pena a que se refere o artigo emestudo (art. 37) já foi cumprido no regime fechado� (Júlio Fabbrini Mirabete in: Exe-cução Penal, 5ª ed, pág. 119). Progressão. Exigência temporal desnecessária.Aplicação da Súmula 40, do STJ. Requisitos preenchidos. Direito subjetivo do con-denado. Concessão� (sic.).

É o relatório.

VOTO

Trata-se de Agravo Criminal - Lei de Execução Penal, art. 197 -, interpostopelo apenado com o objetivo de reformar a decisão da MM. Juíza da 7ª Vara Crimi-nal da Comarca de Aracaju que indeferiu o pedido de prestação de trabalho externo(fls. 06/09).

O apelante foi condenado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Aracaju (10ªVara Criminal) a pena de 70 anos de reclusão, a ser cumprida em regime prisionalfechado (fls. 37/38). A decisão transitou em julgado para o acusado Marcos Henriqueda Fonseca Santos devido ao pedido de desistência da apelação, conforme referên-cia feita no Acórdão nº 1.570/2000 (fls. 39/41).

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 245

O apenado requereu perante a MM. Juíza da 7ª Vara Criminal, em incidentede execução da pena, remição de pena e a decisão do juízo a quo lhe foi favorável(fls. 48/50). Posteriormente, mediante novo incidente, obteve progressão do regimefechado para o semi-aberto, por preencher os requisitos objetivos e subjetivos, con-soante a sentença de fls. 50/51.

O crime de homicídio qualificado ocorreu, de acordo com a decisão prolatadapela MM. Juíza Presidente do Tribunal do Júri nos autos do processo tombado sobnº 952100140-2, no dia 15 de novembro de 1990, quando já vigorava a Lei dosCrimes Hediondos. Ocorre que, à época de sua consumação, o crime não eraclassificado como hediondo (nos termos da referida lei especial), tendo passado aessa condição com o advento da Lei nº 8.930/1994.

A regra do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1.990, é de direitomaterial penal, razão pela qual não pode retroagir, por ser mais gravosa, para alcan-çar fato criminoso ocorrido antes da vigência da Lei nº 8.930, sob pena de ofensa aoprincípio da legalidade (Constituição Federal, art. 5º, inciso XL, e art. 2º, parágrafoúnico, do Código Penal). Portanto, foi acertada a decisão da MM. Juíza da 7ª VaraCriminal que determinou a progressividade do regime, embora reconheçamos aexistência de divergência doutrinária e jurisprudencial respeitante a essa matéria.

Sobre a progressão de regime prisional nos crimes hediondos, o Tribunal deJustiça de São Paulo decidiu:

�Tratando-se de delito praticado antes da vigência da Lei nº 8.072, não incidea exclusão do sistema progressivo de cumprimento de penas para os chamadoscrimes hediondos, entre os quais, atualmente, o homicídio qualificado, de acordocom a Lei nº 8.930/1994. Trata-se, de acordo com entendimento preponderantenesta E. Câmara, de regra de direito material, sujeita à proibição da retroatividadeda lei mais gravosa, prevista na Constituição Federal, art. 5º, XL, e art. 2º, parágrafoúnico, do Código Penal� (TJSP - AC 157.068-3/1 - Rel. Augusto César).

A Lei de Execução Penal exige, em seu art. 37, que para a obtenção dotrabalho externo o apenado preencha os seguintes requisitos: a) aptidão para otrabalho; b) disciplina e responsabilidade; c) cumprimento mínimo de um sexto dapena.

O lapso temporal para a obtenção do trabalho externo, segundo a Súmula 40do Superior Tribunal de Justiça, deverá ser cumprido no regime fechado, não exigin-do a lei especial que esse prazo seja novamente cumprido quando houver progres-são para o regime semi-aberto.

A gravidade do crime (cometido contra menores) e a periculosidade demons-trada pela hediondez dos fatos que configuraram o triplo homicídio, como tambéma incompatibilidade do benefício - trabalho a ser executado pelo agravante - com osobjetivos da pena, não recomendam a concessão de autorização para a prestaçãode trabalho externo, em face de não se encontrarem preenchidos os requisitossubjetivos assinalados na supracitada lei especial (art. 37), embora haja nos autosdocumentos objetivando esse reconhecimento.

Diante das razões acima expendidas, nego provimento ao Agravo Criminal,mantendo irretocável a decisão da MM. Juíza da Vara de Execução Penal.

É como voto.

246 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Aracaju/SE, 20 de dezembro de 2001.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câma-ra Criminal deste E. Tribunal, por unanimidade, negar provimento ao Agravo Crimi-nal nos termos do voto do relator.

Votaram com o relator os senhores Desembargadores Gilson Gois Soares eRoberto Eugenio da Fonseca Porto.

HABEAS CORPUS

ACÓRDÃO Nº 2166/2001HC Nº 0061/2001RELATOR ORIGINÁRIO: Des. Artur Oscar de Oliveira DedaRELATOR SUBSTITUTO: Juiz Cláudio Dinart Déda ChagasIMPETRANTE: Belª. Zelita Rodrigues Correia dos SantosPACIENTES: Cláudio Anderson Brito dos Santos, Isaias VieiraSiqueira e José Anselmo Souza Mota

EMENTA: Habeas corpus - Interrupção - Prescrição retroativa -CPM - Inverificação.O acórdão condenatório é fator interruptivo da prescrição, nodia em que proferido na sessão de julgamento; não naquele deseu trânsito em julgado, e menos ainda no de sua publicaçãoem jornal oficial. Precedente do STF. Habeas Corpus indeferi-do.

RELATÓRIO

Os presentes autos cuidam de habeas corpus impetrado pela AdvogadaZelita Rodrigues dos Santos, em benefício dos pacientes Cláudio Anderson BritoDos Santos, Isaias Vieira Siqueira e José Anselmo Souza Mota, apontando a MM.Juíza de Direito da 6ª Vara Criminal da Comarca de Aracaju como autoridade coatora.

Alega a impetrante a ocorrência de prescrição retroativa das sanções impos-tas aos pacientes, pleiteando com este argumento a extinção da punibilidade dosmesmos.

É oportuno registrar os argumentos utilizados pela impetrante, litteris:

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 247

�Os requerentes foram condenados pelo v. Acórdão nº 1677/99, que acolhen-do apelação do Ministério Público reformou sentença absolutória da 6ª Vara Crimi-nal, decidindo pela condenação dos requerentes à pena unificada de seis meses dedetenção, outorgando-lhes o benefício do sursis. O v. Acórdão transitou em julgadopara a acusação e defesa em 8/11/1999. A audiência admonitória foi realizada em21/12/1999.�

�O fato que deu origem à condenação ocorreu em 15/11/1996. A denúncia foirecebida em 11/9/1997, o julgamento absolutório ocorreu em 16/9/1998 e o v. acórdãocondenatório foi prolatado em 19/8/1999, publicado no Diário da Justiça de 22/9/1999, sem decisão sobre a prescrição que favorece aos requerentes.�

E, ainda, transcreve os dispositivos legais constantes do Código Penal Mili-tar referentes ao instituto da prescrição e respectiva interrupção. Vejamos:

�Art. 133.A prescrição, embora não alegada, deve ser declarada de ofício.��Art. 125.§ 5º - O curso da prescrição da ação penal interrompe-se:I - pela instauração do processo;II - pela sentença condenatória irrecorrível.�(Sic)Nesse passo, expõe a exordial que �entre o recebimento da denúncia, 11/9/

1997 e a sentença condenatória irrecorrível, decidida no Acórdão nº 1677/1999,transcorreu dois anos, um mês e dois dias.�

Não houve pleito liminar.Não obstante a solicitação desta relatoria, e ainda reiteração do pedido de

informações dirigido à magistrada apontada como coatora, como se vê do despa-cho de fl. 44, deixou a autoridade processante de prestá-las.

Sem qualquer resposta aos ofícios nºs. 011/2001 e 046/2001 produzidospelo Cartório da 3ª Escrivania desta Colenda Corte e assinados por esta relatoria,solicitei, através do ofício sob nº 06/2001, datado de 23 de agosto do corrente ano,constante à fl. 46 deste in folio, à ilustre Desembargadora Corregedora-Geral deJustiça que avocasse os autos do processo pelo qual respondem os pacientes,com o fito de proceder ao julgamento deste mandamus.

Diante do empenho deste juízo ad quem, a autoridade processante juntouaos autos, a peça informativa imprescindível, às fls. 47 e 48, e documentação defls. 49 usque ad 78, no dia 29 de agosto de 2001.

A douta Procuradoria de Justiça, chamada a se manifestar, opinou no pare-cer da lavra da Drª. Maria Cristina da G. S. Foz Mendonça (fls. 81 a 84) pela denegaçãodo writ.

É o relatório.

VOTO

O que pretende a impetrante é que seja reconhecida a prescrição retroativae, conseguintemente, decretada a extinção de punibilidade dos pacientes, comsupedâneo nos argumentos supramencionados.

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A autoridade indigitada coatora ao fornecer as informações, expõe que aexordial acusatória fora recebida em 15/9/1997 e a sentença absolutória proferidaem 16/9/1998. Tendo o acórdão nº 1677/1999 condenatório, prolatado em sessãode julgamento realizada em 19/8/1999, e audiência admonitória em 11/12/2000.Arremata dizendo que não ocorreu o instituto da prescrição da pretensão executóriacomo pretendem os pacientes, pois que da data do acórdão condenatório (19/8/1999) até a data da audiência admonitória (11/12/2000), transcorreu um lapso detempo de apenas um ano e quatro meses.

Ocorre, porém, que a vexata quaestio reside na pretensa prescrição retro-ativa relacionada ao dia do recebimento da denúncia e da prolatação do acórdãocondenatório, o que diverge da conclusão adotada pela Juíza monocrática, nostermos das informações retrocitadas.

Cabe analisarmos os preceitos legais inseridos no Código Penal Militar, dis-postos no art. 125, ipsis verbis:

�Art. 125. A prescrição da ação penal, salvo o disposto no § 1º deste artigo,regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verifican-do-se:

(...)VII - em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.§ 1º Sobrevindo sentença condenatória, de que somente o réu tenha recorri-

do, a prescrição passa a regular-se pela pena imposta, e deve ser logo declarada,sem prejuízo do andamento do recurso se, entre a última causa interruptiva docurso da prescrição (§ 5º) e a sentença, já decorreu tempo suficiente.

§ 2º . A prescrição da ação penal começa a correr:a) do dia em que o crime se consumou;(...)§ 5º. O curso da prescrição da ação penal interrompe-se:I - pela instauração do processo;II - pela sentença condenatória recorrível.§ 6º. A interrupção da prescrição produz efeito relativamente a todos os

autores do crime; e nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, ainterrupção relativa a qualquer deles estende-se aos demais.�

Pertinente ao caso em testilha, o prazo prescricional assinalado no disposi-tivo legal retrocitado é de dois anos, uma vez que a pena imposta aos pacientes foide seis meses de detenção (arts. 209, caput, e 222, caput, c/c arts. 53, caput e80, caput, todos do Código Penal Militar).

É causa interruptiva da prescrição, consoante art. 125, § 5º. II, do CPM, asentença condenatória recorrível, contrariamente ao que foi exposto pela impetrantena proemial.

Fixa-se o termo inicial da prescrição na data do recebimento da denúncia,15/9/1997 (vide fl. 53), e o termo final da ocasião em que a decisão condenatória setornou pública, ou seja, na data da sessão de julgamento, aos 19/8/1999 (vide fls.63 a 68). Por conseguinte, o lapso de tempo existente entre o recebimento daexordial e o acórdão condenatório é, exatamente, de um ano, onze meses e quatrodias, inverificável, no caso vertente, a prescrição retroativa e conseqüente extinção

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de punibilidade pretendida pelos pacientes.Assim sendo, inacolhível seria a pretensão de se firmar o termo ad quem na

data da publicação do acórdão, posto que as decisões de segunda instância sãopúblicas e com prévia intimação das partes. Considera-se, portanto, como termofinal o dia da sessão de julgamento do acórdão condenatório.

Neste sentir, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:Ementa: - Habeas corpus . Prescrição. Interrupção. Termo final do prazo

prescricional é o da data da sessão de julgamento e não da publicação do acórdão.Pedido indeferido. (STF, HC nº 67.943-9- SP)5006765 - Habeas corpus - Prescrição - Interrupção - Sentença condenatória

recorrível - A sentença condenatória é fator interruptivo da prescrição, no dia em queproferida; não naquele de seu trânsito em julgado, e menos ainda no de sua publi-cação em jornal oficial - Precedente do STF - Habeas Corpus indeferido. (STF - HC69.260- SP- 2ª T. - Rel. Min. Francisco Rezek - DJU 4/9/1992).

STF: �A interrupção do prazo prescricional se dá no dia da realização dojulgamento, e não no dia de publicação do acórdão no Diário de Justiça. Com esseentendimento, a turma indeferiu habeas corpus impetrado contra decisão tomadaem ação penal originária por Tribunal de Justiça, em que se alegava a extinção dapunibilidade pela prescrição punitiva, considerando o lapso de tempo entre o rece-bimento da denúncia e o dia da publicação do acórdão condenatório.� (STF - HC76.448-RS - Informativo do STF nº 110, 4/3/1998).

O TJ/SP também já se posicionou neste sentido:�Prescrição. Interrupção pelo acórdão condenatório. Data a considerar-se.As decisões dos Tribunais são proclamadas em sessão pública, logo após a

discussão e o julgamento da causa. A data em que se realizou a sessão é a doacórdão para os efeitos de interromper o curso do prazo prescricional. habeascorpus indeferido.� (HC. 59.566-1 - SP, Rel. Min. Soares Muños - 5/3/1989).

Diante do exposto, voto pelo indeferimento do writ.Aracaju/SE, 25 de setembro de 2001.Juiz Cláudio Dinart Déda Chagas,Relator Substituto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos, os autos, acordam os membros da CâmaraCriminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade, indeferir a ordemimpetrada.

Aracaju/SE, 25 de setembro de 2001.Votaram com o relator o senhor Desembargador Gilson Góis Soares e o Juiz

Osório de Araújo Ramos Filho.

ACÓRDÃO Nº 2184/2001HC Nº 0171/2001

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RELATOR : Des. Gilson Gois Soares.IMPETRANTES: Bel. Ricardo Cerqueira e Bel. Carlos Botelho.PACIENTES: Genilson Galindo Chaves e Genivaldo ChavesGalindo Júnior

EMENTA: Habeas corpus - Ministério público - Atosinvestigatórios - Realização direta - Viabilidade legal - Nulidadeinocorrente e constrangimento ilegal não caracterizado - Ordemdenegada.Válidos são os atos investigatórios realizados pelo MinistérioPúblico, que pode requisitar informações, esclarecimentos oudiligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedi-mentos para fins de oferecimento de denúncia. Ordemdenegada. Decisão unânime.

RELATÓRIO

O pedido de habeas corpus, fundamentado nos termos dos artigos 647 e648 e seu inciso VI, todos do Código de Processo Penal e artigo 5.º, inciso LXVII ,da Lei Maior, impetrado pelo Bel. Ricardo Cerqueira e Bel. Carlos Botelho em favordos pacientes Genilson Galindo Chaves e Genivaldo Chaves Galindo Júnior, ambosbrasileiros, casados, autônomos, residentes nesta capital e filhos de GenivaldoGalindo da Silva e Francisca Cilene Chaves Galindo, faz-se sob a alegação deestarem sendo vítimas de constrangimento ilegal por parte do MM. Juízo de Direitoda Comarca de Canindé do São Francisco, neste Estado, indigitada autoridadecoatora.

Narra o pleito de habeas corpus que �em 28 de junho de 2001, membros doMinistério Público, especialmente designados para a Comarca de Canindé do SãoFrancisco, representaram acerca da prisão preventiva dos pacientes, alegando,sem a existência de um fato real e objetivo, a presença dos motivos que justifica-riam a segregação provisória, elencados no artigo 312 do Código de Processo Pe-nal. O magistrado em exercício na Comarca de Canindé do São Francisco, Dr.Diógenes Barreto, acolheu a representação e decretou a prisão preventiva dos paci-entes que, no momento, encontram-se presos. Ocorre, entretanto, que tanto arepresentação quanto a decisão que decretou a medida de exceção estão respal-dadas em procedimento investigatório, instaurado no âmbito ministerial e presididoaleatoriamente por promotores de justiça na indevassável privacidade de seus gabi-netes.

Aduz ainda que �a ilicitude da investigação penal a cargo de membros doMinistério Público, que constitui inominável abuso de poder, não pode sustentar umdecreto de prisão preventiva e, tão-pouco servir de base para a instauração da açãopenal, uma vez que caracteriza violação do devido processo penal e da ampla defe-

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sa. Acrescente-se, ainda, que os ilustres membros do Parquet, sem legitimidadepara proceder a investigação preparatória da ação penal, continuam exercendo talatividade, promovendo oitivas de testemunhas, em alguns casos ouvindo a mesmatestemunha mais de uma vez, e realizando diligências. �

Requereram a concessão da medida liminar para ser revogado o decreto deprisão preventiva dos pacientes e procedida a imediata liberação dos mesmos.

No despacho de fls. 125, verso, da lavra do eminente Juiz Doutor CláudioDinart Déda Chagas, em substituição a Desembargador e na condição de Membroda Câmara Especial de Férias, apenas solicitou informações à autoridade coatora.

O MM. Juiz de Direito da Comarca prestou informações apresentando todosos pormenores relativos à respectiva tramitação processual e colacionou peçasrelevantes à confrontação informativa.

A Procuradoria de Justiça, instada a se manifestar, opinou pela denegaçãodo writ.

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de pleito de habeas corpus assentado na alegada existência deconstrangimento ilegal por parte da autoridade processante, o MM. Juiz de Direitoda Comarca de Canindé do São Francisco, argumentando para tanto que o proces-so deve ser anulado ab initio, revogando-se inclusive a prisão preventiva dos paci-entes, porque houve ilicitude na investigação penal a cargo dos membros do Minis-tério Público, o que constitui inominável abuso de poder, não podendo sustentar umdecreto de prisão preventiva e, tão pouco servir de base para a instauração de umaação penal.

Esquadrinhado está, portanto, o ponto fulcral da irresignação da impetrante,ou seja, a argumentação, em suma, de que os Promotores de Justiça oficiantes naação penal promovida contra os pacientes, estariam usurpando a função atribuídaexclusivamente a delegados de polícia, porque passaram a proceder aos atosinvestigativos, oitiva testemunhal, entre outras atitudes do mesmo jaez, e que nãosendo esta conduta permitida , todos os atos processuais deveriam ser anulados.

Eis, portanto, o objeto resquestado e trazido à apreciação e julgamento des-ta E. Câmara Criminal.

Causou-me estranheza a argüição nos moldes fixados pela impetração, por-que é de conhecimento elementar a viabilidade legal de apuração direta de infra-ções penais pelo Promotor de Justiça, investigando notícias de crimes e contraven-ções penais, buscando provas e indícios quanto aos aspectos de materialidade eautoria criminógena; exatamente no âmbito dos procedimentos narrados pelosimpetrantes, mormente empós a vigência da Constituição Federal de 1988, quecometeu esse direito ao Parquet, com clareza inquestionável, como coroláriológico do princípio da exclusividade da promoção da ação penal pública.

Ao exame dos dispositivos legais indigitados e cotejados pelos impetrantes,não concordo de forma alguma com a assertiva de que o artigo 144, § 4.º da

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Constituição Federal vigente atribui apenas à polícia civil a incumbência de exer-cer as funções de polícia judiciária e de proceder à apuração de infrações penais,salvo as militares; e de que o artigo 129 da Lei Maior, que define as funçõesinstitucionais do Ministério Público, em nenhum momento confere a essa institui-ção poderes de avocar para si a investigação criminal, mas sim o de promover aação penal pública na forma da lei, onde apenas poderá requisitar diligênciasinvestigatórias e a instauração de inquérito policial, indicando os fundamentos jurí-dicos de suas manifestações processuais.

É de se observar que essas atribuições de fato estão previstas nos artigosepigrafados, mas todo o cerne da questão está centrado no aspecto da ausênciade exclusividade para o exercício de tais atribuições, onde basta se observar doteor do próprio artigo 144 da Lex Major, para se constatar claramente que apenasa polícia federal possui essa exclusividade, assim mesmo quando exercendo fun-ções de polícia judiciária da União, conforme regra ínsita no § 1.º, inciso IV, destamesma norma, que diz : �exercer, com exclusividade, as funções de polícia judici-ária da União� ; porque já com relação às apurações penais previstas no inciso I domesmo dispositivo, essa exclusividade não mais existe.

E quanto às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,como trata o caso dos autos, divergentemente das polícias federais, nem mesmoquando funcionarem como polícia judiciária desfrutam dessa exclusividade, quantomais quando estiverem no exercício de apurações penais. Essa é a regra insculpidano próprio artigo 144 da CF/88, no seu § 4.º, que diz textualmente, in verbis:

�Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuraçãode infrações penais , exceto as militares.�

Como se constata, não existe exclusividade às polícias civis para o exercí-cio dessas funções, embora não se olvide que a elas se exige a compulsoriedadede tal mister porque são de dever absoluto, sob pena , em princípio de delito deprevaricação; mas o que não obsta ao Ministério Público o poder de presidir apura-ções penais , notadamente quando entender existir hipóteses de dificuldades oudesinteresse na condução das diligências por parte da Polícia Judiciária competen-te, ou até mesmo quando houver um certo envolvimento ou interesse da própriaInstituição Policial ou até pessoal da autoridade que investiga no objeto da apura-ção, em face da titularidade constitucional para a postulação da ação penal públi-ca, portanto, faculta-lhe colher , diretamente, elementos necessários à formaçãoda sua opinio delictis, pois que preparatórios à promoção da aludida ação a queé legitimado para agir na defesa dos interesses indisponíveis da coletividade, semque isso venha a macular ou a �estabelecer um desequilíbrio entre acusação edefesa�, como, desavisadamente , sugestiona os termos da impetração.

Ressalte-se por oportuno que o Ministério Público pode requisitar informa-ções ou apurá-las diretamente, como também pode prescindir destas e do inqué-rito policial , e mediante outros elementos que entenda suficientes, promover aação penal pública, denunciando com respaldo legal os agentes e seus delitos.

Esse meu entendimento é uníssono com julgados ressaídos do SuperiorTribunal de Justiça, que assim decidiram:

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�Criminal. RHC. Abuso de autoridade. Trancamento de ação penal. Colheitade elementos pelo Ministério Público. Constrangimento ilegal não-configurado.Liminar cassada. Recurso desprovido.

Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Pú-blico, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando àinstrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da peçaacusatória.

A simples participação na fase investigatória, coletando elementos para ooferecimento da denúncia , não incompatibiliza o representante do Parquet para apromoção da ação penal.

A atuação do Órgão Ministerial não é vinculada à existência do procedimentoinvestigatório policial - o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposi-ção da acusação.� (RHC 8106/DF - Recurso ordinário em habeas corpus - em04/06/2001 - Ministro Gilson Dipp do STJ). (grifei)

�...O princípio do contraditório não prevalece no curso das investigações pre-paratórias encetadas pelo Ministério Público . Não constitui ilegalidade ou abusode poder, provimento judicial aparelhando o MP da coleta de urgentes informaçõespara apuração de ilícitos civis e penais.� ( ROMS 8617/GO em 25/03/1998 - Minis-tro Milton Luiz Pereira.�

E ainda : �Criminal . HC. Determinação de comparecimento ao núcleo de investiga-

ção do Ministério Público para depor. Constrangimento ilegal não-caracterizado.Ordem denegada.

Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Públi-co , que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à ins-trução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento de denún-cia. Ordem denegada. � (HC 13368/DF Habeas Corpus - em 04/6/2001 - MinistroGilson Dipp . - STJ)

E o voto deste mesmo acórdão, da lavra relatorial do proficiente MinistroGilson Dipp, é tão esclarecedor, que merece ao menos parcial transcrição, nademonstração coincidente com o meu entendimento.

�Nos termos dos precedentes desta Corte, tem-se como válidos os atosinvestigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode diligenciar, requisitan-do informações e documentos, a fim de instruir os seus procedimentos administra-tivos, para fins de oferecimento da peça acusatória.

Com efeito, deve ser ressaltado que a atuação do Órgão Ministerial não évinculada à existência de procedimento investigatório policial - o qual pode sereventualmente dispensado para a proposição da ação penal.

Da mesma forma, não há óbice a que o membro do Parquet requisite escla-recimentos à autoridade competente ou diligencie diretamente - hipótese verificadain casu - visando à formação de sua convicção e com o intuito de aperfeiçoar apersecução penal.

Assim, tomando conhecimento de uma infração penal, pode o MinistérioPúblico instaurar procedimento para a apuração do fato, não estando obrigado arequisitar inquérito policial.

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E o procedimento assim instaurado não afronta o texto constitucional , nemviola direitos do investigado. Ao contrário, a Constituição Federal respalda a atua-ção do Parquet , permitindo-lhe apurar diretamente as infrações penais , instauran-do procedimentos, requisitando informações e documentos de entidades públicase privadas, além de autorizar a expedição das notificações que se fizerem necessá-rias. Não há na hipótese, afronta ao princípio do devido processo legal. O proce-dimento instaurado pelo Ministério Público tem por finalidade a coleta dos elemen-tos necessários à subsidiar eventual ação penal contra o réu.

Os que se mostram contrários à investigação pelo Ministério Público geral-mente invocam o artigo 144, § 1.º, IV, da Constituição Federal, dizendo competir àpolícia judiciária , com exclusividade, a apuração das infrações penais . O menci-onado dispositivo constitucional , no entanto, não tem esse sentido que se lhe queratribuir.

A Constituição Federal , art. 129, I, diz competir, privativamente, ao Ministé-rio Público promover a ação penal pública . Esta atividade depende, para o seuefetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existên-cia do crime e indícios de que o denunciado é o seu autor.

A obtenção destes elementos pode ser feita diretamente pelo Ministério Pú-blico, pela Polícia Judiciária ou por outros Órgãos que, em razão de suas ativida-des, possa colher elementos embasadores de uma ação penal.

Entender-se que a investigação dos fatos delituosos é atribuição exclusivada polícia, na verdade, inverteria os papéis constitucionalmente definidos, tornandoas polícias, civil e federal, no âmbito das suas atribuições, em verdadeiros titularesda ação penal, na medida em que o Ministério Público somente poderia denunciaraqueles fatos ilícitos que as polícias entendessem por bem investigar, cabendo-lhes decidir , em última análise, em quais casos, quando e como, o MinistérioPúblico poderia agir.

A nossa vida forense está repleta de ações penais em que a investigação e acoleta dos elementos de prova não partiram da polícia, mas do Ministério Público ede outros Órgãos da Administração, sem que com isto se vislumbre qualquer nuli-dade na ação penal. �

A clareza, o discernimento e a acepção legal contidos no voto epigrafado,dispensam maiores circunlóquios sobre o assunto.

E não fosse essa viabilidade legal ressaída da própria Lex Fundamentalis,surpreende mais uma vez a fundamentação inconsistente na tese dos impetrantes,quando está sobejamente provado nos autos que as investigações e informaçõesque culminaram com as segregações preventivas dos pacientes e promoção dedenúncias em face dos mesmos, partiram da instauração de três inquéritos civispúblicos da iniciativa ministerial, conforme diz a autoridade coatora no decretopreventivo (fl. 88 destes autos ), assertiva confirmada pela oportuna juntada dascópias dos instrumentos de instaurações dos mesmos, procedida pela douta Pro-curadoria de Justiça, quando da emissão do laborioso parecer do eminente Procu-rador Doutor Eduardo de Cabral Menezes, e cuja possibilidade de tais procedimen-tos é referendado pela própria exordial mandamental , que disse : �É apenas emrelação aos inquéritos civis que o Parquet tem a atribuição da instauração e da

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efetivação das medidas e procedimentos administrativos cabíveis, inclusive dasinvestigações�.

E a jurisprudência pátria assim ementou :�O Órgão do Parquet pode proceder a investigações e diligências conforme

determinado nas leis orgânicas estaduais, sendo que tal atribuição fica ainda maisevidente se houve a determinação de abertura de inquérito civil público, através doqual foram colhidos os elementos ensejadores da acusação.� (HC 10725, em 8/3/2000 - STJ)

Inconteste, portanto a legitimidade para o procedimento inquisitorial civil,reconhecido pelos próprios impetrantes e utilizado pelos membros da Promotoriada Comarca de Canindé do São Francisco, para viabilizar, como de fato fez ensejara ação penal contra os acusados e a referendar a legalidade prisional preventiva, naforma da lei.

Desse modo, as argumentações da impetração não têm, efetivamente, comoprosperar.

Assim sendo, ante os fundamentos expendidos, denego o pedido dehabeas corpus.

Aracaju/SE, 27 de setembro de 2001.Desembargador Gilson Gois SoaresPresidente e Relator

ACÓRDÃO

Acordam os membros da Câmara Criminal deste E. Tribunal, por unanimida-de, DENEGAR a ordem impetrada.

Votaram com o relator os senhores Juízes Cláudio Dinart Déda Chagas eOsório de Araújo Ramos Filho.

ACÓRDÃO Nº 2365/2001HC Nº 0145/2001RELATOR ORIGINÁRIO: Des. José Barreto PradoRELATOR SUBSTITUTO: Juiz Osório de Araújo Ramos FilhoIMPETRANTE: José Raimundo Souza CostaPACIENTE: Edson Oliveira dos Santos

EMENTA: Habeas corpus - Nulidade absoluta do processo - Abinitio - Competência da justiça federal - Atentado violento aopudor - Infração penal praticada por funcionário público federalnas dependências da repartição em que exerce as suas fun-ções - Inexistência de ofensa a bem, serviço ou interesse da

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União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas- Inaplicabilidade do artigo 109, IV, da CF - Competência da Jus-tiça Comum Estadual para processar e julgar o feito.Ordem denegada.Decisão unânime.

Vistos e examinados os presentes autos de Habeas Corpus de n.º 145/2001 em que figura de impetrante o Bel. José Raimundo Souza Costa e de pacienteEdson Oliveira dos Santos, deles se verifica que pretende o paciente seja anulado,ab initio, o processo n.º 380/2001 que tramitou na Comarca de Cedro de SãoJoão, alegando ter sido o processo instruído e a sentença proferida por Juiz absolu-tamente incompetente.

RELATÓRIO

Aduz para tanto, que o pretenso delito ocorreu no interior da Agência daEmpresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT, da qual o paciente é funcioná-rio, motivo pelo qual deveria ter sido processado e julgado perante a Justiça Fede-ral, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal. Afirma ainda quese encontra preso desde o dia 21 de março do corrente ano e desde já aponta oMM. Juiz de Direito da Comarca de Cedro de São João como autoridade coatora.

Requer a concessão da liminar e, afinal, o julgamento favorável do presentedo writ.

Liminar indeferida à fl. 134.A autoridade apontada coatora prestou as informações de fls. 136 usque ad

147, onde afirma que o paciente foi denunciado pela prática do crime capitulado noartigo 214, do Código Penal Brasileiro, (atentado violento ao pudor), tendo por vítimauma menor de sete anos de idade. Informa ainda que em 18 de maio do correnteano foi proferida a sentença que condenou o réu a uma pena de seis anos dereclusão, em regime semi-aberto.

A Procuradoria de Justiça, em parecer proferido às fls. 150 a 152 opinou peladenegação da ordem, por entender que o delito em referência é totalmente alheioàs funções do paciente.

É o Relatório.

VOTO

Conforme se depreende dos autos, o paciente foi condenado pelo Juiz deDireito da Comarca de Cedro de São João, pela prática do crime de atentado violen-to ao pudor em face de uma criança de sete anos de idade, nas dependências doprédio onde funciona a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, do Municípiode Amparo de São Francisco, da qual é funcionário.

O impetrante requer a nulidade absoluta do feito, fundamentando o seu pedi-do nas disposições do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal, verbis:

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Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de

bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empre-sas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da JustiçaMilitar e da Justiça Eleitoral;

Não firma a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, ofato de ter sido o crime em comento praticado nas dependências de uma repartiçãopública federal e por um dos seus funcionários, uma vez que nenhum bem, serviçoou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas foiafetado pela infração penal atribuída ao paciente.

Como bem assevera a Douta Procuradora de Justiça Maria Izabel Santanade Abreu no seu parecer às fls. 151/152:

�Na ótica do impetrante, a hipótese encaixar-se-ia no inciso IV do artigo 109,a exigir o processamento do feito perante a Justiça Federal. O dispositivo constitu-cional invocado, todavia, não se presta aos anseios do promovente.

Acusado de prática de atos libidinosos, diversos da conjunção carnal, comuma criança, não interessa que o paciente seja funcionário público federal ou mes-mo que tenha agido nas dependências da agência de correios: nenhum bem, servi-ço ou interesse da União, de sua autarquia ou de empresa pública federal foi vilipen-diado.�

O entendimento do Pretório Excelsor sobre a matéria em debate, vem corro-borar com os argumentos esposados por esta Relatoria:

�A condição de funcionário público federal não confere ao agente a faculdadede ver-se processado e julgado em foro federal� (RT 632/366). (Código de ProcessoPenal Interpretado - Júlio Fabbrini Mirabete. Pág. 249. 8ª edição).

Ainda, à título de argumentação, vale salientar que a Constituição Federal noseu artigo 109 e incisos, estabelece a competências dos Juízes Federais, emnúmeros clausus, ficando os Juízes Estaduais com competência residual paraprocessar e julgar os feitos ali não elencados.

Sobre o tema assim se manifesta o Professor Júlio Fabbrini Mirabete:�Quanto à Justiça Comum, divide-se ela em Justiça Federal, com competên-

cia prevista nos artigos 108 e 109 da CF, e a chamada Justiça Comum Estadual,com competência residual, ou seja, a fixada por exclusão; tudo o que não cabe nacompetência das justiças especiais e da Justiça Federal é da competência dela,determinando a Constituição Federal de 1988 que a competência dos tribunais serádefinida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de inicia-tiva do Tribunal de Justiça� (art. 125, parágrafo 1º).� ( Código de Processo PenalInterpretado - Júlio Fabbrini Mirabete. Pág. 243. 8ª edição).

Portanto, entendo ser a Justiça comum Estadual competente para o julga-mento do feito objeto do presente writ, especificamente o Juízo de Direito da Comarcade Cedro de São João, com fulcro no artigo 69, inciso I, do Código de ProcessoPenal Brasileiro.

Assim, não estando configurado o constrangimento ilegal argüido peloimpetrante, sou para que seja denegada a ordem impetrada.

Aracaju/SE, 9 de outubro de 2001.

258 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Juiz Osório de Araújo Ramos Filho,Relator Substituto.

ACÓRDÃO

Frente ao exposto, acordam, em Câmara Criminal, de forma unânime, emDENEGAR a ordem de habeas corpus impetrada.

Aracaju/SE, 9 de outubro de 2001.Votaram com o relator o senhor Desembargador Gilson Gois Soares e o Juiz

Cláudio Dinart Déda Chagas.

ACÓRDÃO Nº 2755/2001HC N º 0163/2001RELATOR: Des. Gilson Gois Soares.IMPETRANTES: Evaldo Fernandes Campos e outrosPACIENTES: Tenisson Silva Santana e Tenivaldo SilvaSantana.

EMENTA: Habeas corpus - Laudo pericial - Transcrições áudio-fonográficas - Insuficiência de indícios de autoria - Ausência dospressupostos do artigo 312 do CPP- Excesso de prazo - Con-cessão da ordem impetrada.Concede-se a ordem liberatória aos pacientes quando, apósconhecimento nos autos da prova pericial esteriotipada nasdegravações/transcrições áudio-fonográficas de conversações,viabilizadas por interceptações telefônicas legalmente autori-zadas, não se vislumbra a presença de indícios suficientes paraa manutenção da custódia provisória . A ausência dessa sufi-ciência de indícios e de qualquer dos pressupostos adequa-dos aos termos do artigo 312 do CPP, viabiliza, ao menos nestemomento processual, a liberação dos custodiados preventiva-mente. Excesso de prazo que se evidencia injustificável, umavez ultrapassado o horizonte de razoabilidade. Caracterizadoo constrangimento ilegal, concede-se a ordem liberatória dehabeas corpus. Decisão unânime.

RELATÓRIO

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 259

O pedido de habeas corpus impetrado pelo Bel. Evaldo Fernandes Campose outros em favor de Tenisson Silva Santana e Tenivaldo Silva Santana, o primeirobrasileiro, separado judicialmente e autônomo; o segundo brasileiro, casado, moto-rista, ambos filhos de Cícero Vieira de Santana e de Maria de Lourdes Silva deSantana, faz-se sob a alegação de estarem sendo vítimas de constrangimentoilegal por parte da MM. Juíza de Direito da Comarca de Propriá, neste Estado.

Argumentam os impetrantes que os pacientes estão sofrendo constrangi-mento ilegal, seja em razão de excesso de prazo, seja em razão da prova pericialque demonstra a ausência de fundamento para a custódia preventiva decretadapela ilustre Juíza supramencionada, principalmente agora quando o próprio Ministé-rio Público pugna pela liberdade dos mesmos.

Requereram a concessão liminar, inaudita altera pars, da liberação dospacientes sobreditos, tendo sido indeferida, conforme despacho de fl. 15 dos autos,pelo doutor Cláudio Dinart Deda Chagas, eminente Juiz em Substituição àDesembargador e quando funcionava como membro da Câmara Especial de Férias.

Requereram os impetrantes a reconsideração do r. despacho denegativo,tendo o eminente Desembargador José Barreto Prado indeferido o pleito às fls. 239dos autos.

Notificada foi a autoridade coatora, que prestou informações apresentandotodos os permenores relativos à respectiva tramitação processual.

A Procuradoria de Justiça, instada a se manifestar, opinou pela denegaçãodo writ.

Os impetrantes juntaram aos autos uma certidão emitida pelo Cartório do2.º Ofício da Comarca de Propriá.

Às fls. 289 dos autos, há despacho desta relatoria determinando a notifica-ção da autoridade coatora para mais uma vez prestar informações, tendo em vistaelementos supervenientes necessários à subsidiar o julgamento.

Novas informações advindas do MM. Juizo a quo estão às fls. 292 dos au-tos, com documentos juntos às fls. 294 a 304 dos autos.

Nova manifestação da Procuradoria de Justiça é no sentido de que sejaconcedida a ordem mandamental.

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de pleito de habeas corpus assentado na alegada existência deconstrangimento ilegal por parte da autoridade processante, a MM. Juíza de Direitoda Comarca de Propriá/SE, argumentando para tanto que estão presos desde 31de março transato, inicialmente recolhidos à POLINTER e posteriormente à Peni-tenciária de Aracaju/SE, em razão do decreto de prisão preventiva expedido em 21de março deste ano, pela referida MM. Juíza, ainda em sede inquisitorial.

Aduzem os impetrantes que a autoridade judicial coatora sempre asseve-rou em juízo e inclusive em informações prestadas em atendimento a pleitos ante-riores de habeas corpus, que a custódia preventiva se fundamentava em razão

260 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

dos fatos conhecidos e evidenciados em conversações telefônicas legalmente in-terceptadas, onde a seu ver ratificava �a existência de uma verdadeira quadrilhaorganizada, com atuação tanto neste quanto em outros Estados da federação�, eque diante do que continha essas conversas captadas, necessário se impunha asprisões dos pacientes, a fim de se ter garantida a ordem pública, a paz social,quando em nenhum momento destas degravações/transcrições, cujas cópias ago-ra adunadas aos autos, observa-se qualquer dos delitos atribuídos aos pacientes eque foram inclusive motivo para a decretação da segregação preventiva e de enormedivulgação na imprensa sergipana.

Arremata a impetração em alegar a existência de parecer do representantedo Ministéro Público favorável à revogação prisional dos pacientes, e que, já emprocessamento este pedido de habeas corpus, os impetrantes colacionaram cer-tidão cartorária respectiva objetivando a comprovação de alegado excesso de prazopara o término da instrução criminal.

Esquadrinhados portanto os objetos resquestados e trazidos a julgamentopor esta E. Câmara Criminal, quais sejam, a existência da perícia nos autos quenada prova contra os pacientes, o excesso de prazo para o fim instrutório criminale o parecer do representante do Ministério Público oficiante e que chancelou adenúncia, favorável à revogação prisional dos pacientes.

Examinando o teor dos autos, tenho para mim que a prisão preventiva, denatureza processual e acautelatória, somente deve ser decretada quando estive-rem preenchidos os requisitos legais e ocorrerem os motivos efetivamenteautorizadores, visando garantir a eficácia de um futuro provimento jurisdicional, masque na verdade, reveste-se do caráter de excepcionalidade, na medida em quesomente poderá ser decretada quando necessária, isto é, se restar demonstrado opericulum in mora a lhe motivar, caso contrário , deve ser evitada, porque é umapunição antecipada e açodada, que pode causar um periculum in mora inversomuito maior, que é um constrangimento desfundamentado à liberdade do indivíduo.

E observo que, nesse diapasão, engasta-se, a meu ver, a situação dos paci-entes nesse específico momento processual, porque de fato o decreto de suasprisões não foi desfundamentado e a custódia preventiva dos denunciados era efe-tivamente necessária, uma vez que indícios suficientes pairavam à indigitar-lhes asautorias, contudo, após o conhecimento do teor das degravações/transcrições áudio-fonográficas das conversas interceptadas por determinação judicial, assiste razãoaos impetrantes quanto aos fundamentos lançados em seu pleito mandamental,pois sem dúvida, pelos documentos residentes nos autos, de fls. 85 a 237, e aindaas repetições de alguns pontos destacados pela MM. Juíza processante às fls. 294a 304 dos autos, todos relativos às referidas transcrições, quando das nóveis infor-mações prestadas neste habeas corpus, não vislumbro suficiência de indíciosnecessários à fomentar a manutenção da prisão provisória.

Curial que a prisão preventiva pode ser prevista e disciplinada pelo legisladorinfraconstitucional, sem ofensa ao princípio da presunção da inocência, inserto nalex fundamentalis, até porque essa segregação cautelar está autorizada pelaprópria Lei Maior nos casos de flagrante e delitos inafiançáveis e o entendimentopretoriano já se sedimentou através do teor Sumular n.º 09 do STJ, nesse sentido,

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 261

porém, não resta dúvida que se trata de medida de extrema exceção e que nãosendo nas hipóteses aventadas em epígrafe, somente deve ser decretada ou mantida,em casos de real necessidade e sob fundamentos.

Dessa forma, presentes devem estar os pressupostos para a sua decreta-ção e/ou manutenção, que são a prova da existência do crime, isto é, a materialidadedelitiva e indícios suficientes da autoria. É claro que não se exige nessa fase aprova plena, mas apenas indícios, desde que suficientes da indigitada autoria. Eagregados a esses pressupostos, ainda necessário o engaste às hipóteses degarantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal, garantia de aplica-ção da lei penal e garantia da ordem econômica.

Embora no momento da decretação pela eminente Juíza houvesse realmen-te o entendimento de sua necessidade, no entanto, constato nesse instante querealmente apenas a prova da existência do crime subsiste entre os pressupostosnecessários à prisão provisória, pois os indícios estão frágeis a sustentá-la, umavez que o teor das conversas não impõe, por si só, a participação dos pacientesnos delitos a que foram denunciados.

As conversas, a meu ver, embora repletas de um linguajar pouco recomen-dado e em momentos até de certa agressividade, no entanto, não entendo de-monstrado indícios suficientes ou mesmo comprovação da existência de práticascriminosas, a não ser que estejam regadas de codificação que poderiam exprimir ocontrário da minha prima impressão, mas nesse caso o direito penal, na busca daverdade real, não poderá trabalhar com conjecturas e cometer constrangimentoilegal defeso na lex Major.

De fato, os indícios podem existir relativamente a todos os indigitados nadenúncia, e é claro que com o prosseguimento e conclusão da instrução poderãoerigir, certamente, os culpados pelo crime, quando então a exceção da custódiapoderá ser imprescindível, mas nesse instante do até então investigado e da instru-ção criminal, não creio necessária a manutenção prisional dos pacientes, dianteda ausência de adequação dos fatos que o envolve aos requisitos e pressupostosexigidos em lei.

Ademais, não desmerece registro o parecer favorável do diligente Promotorde Justiça, o doutor Alonso Campos, à revogação da prisão dos pacientes, porqueao Ministério Público igualmente cabe a colheita de provas e indícios quanto aosaspectos de materialidade e autoria criminógena, mormente empós a vigência daConstituição Federal de 1988, que cometeu esse direito ao Parquet , inclusive demaneira direta e com clareza inquestionável, como corolário lógico do princípio daexclusividade da promoção da ação penal pública, e se o digno representante doórgão acusatório, fundamentadamente, pugna pela revogação prisional, nesse mo-mento processual, é porque de fato os indícios, após o laudo pericial erigir aosautos, tornaram-se insuficientes à manutenção da prisão, devendo com o decorrerda instrução processual somar-se às possíveis novas provas que venham a incriminá-los, quando então poderá ser-lhes decretadas novamente as suas prisões.

Em acréscimo a todo o exposto, não se deve olvidar que a instrução estáapenas iniciando, quando os pacientes estão presos há quase 08 meses, ondemesmo havendo pluralidade de réus, mais de vinte, o excesso de prazo já se evi-

262 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

dencia injustificável, porque até 11 de outubro deste ano, conforme certidão de fls.307 dos autos, das 27 testemunhas indicadas pela acusação e ainda uma referida,apenas quatro testemunhas foram ouvidas, e exatamente no dia de hoje, através decertidão que junto a esta decisão, apenas dez testemunhas das vinte e sete e maisuma referida das que foram propostas pela acusação chegaram a ser ouvidas,faltando ainda todas as das defesas dos mais de vinte réus, ultrapassando semdúvida o horizonte de razoabilidade e causando efetivo constrangimento aos paci-entes, mormente diante da situação demonstrada em epígrafe.

Dessa forma, sob os fundamentos epigrafados, voto pela concessão dopresente habeas corpus requerido em prol dos pacientes Tenisson e TenivaldoSilva Santana, determinando a expedição de alvará de soltura em favor dos mes-mos e se por al não estiverem presos, sem prejuízo de comparecimento a todosos atos processuais a que forem devidamente intimados, bem como de informar aoJuízo processante toda e qualquer mudança de endereço, sob as penas da lei efirmado o devido termo de compromisso naquele juízo.

É como voto.Aracaju/SE, 13 de novembro de 2001.Desembargador Gilson Gois Soares,Presidente e Relator.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos este autos, acordam os membros da CâmaraCriminal deste E. Tribunal, por unanimidade, em conceder a ordem impetrada.

Votaram com o relator os senhores Juízes Cláudio Dinart Déda Chagas eOsório de Araújo Ramos Filho.

ACÓRDÃO Nº 2927/2001HC Nº 0150/2001RELATOR: Des. José Barreto PradoRELATOR DESIGNADO: Juiz Cláudio Dinart Déda ChagasIMPETRANTE: Verissimo José de OliveiraPACIENTE: Vanderlei do Nascimento

EMENTA: Constitucional e processual penal - Habeas corpus -Prisão em flagrante - Fuga superveniente - Constrangimento ile-gal - Indemonstrado.Não tendo o paciente demonstrado que se encontra naiminência de sofrer violência ou coação ilegal, depois da fuga,a ordem impetrada deverá ser indeferida. Inteligência do art. 5º,

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 263

LXVIII, da Constituição Federal.

RELATÓRIO

O Defensor Público, VERÍSIMO JOSÉ DE OLIVEIRA impetrou em favor deWANDERLEI DO NASCIMENTO, devidamente qualificado, o presente habeascorpus sob a alegação de que se encontra sofrendo constrangimento ilegal em sualiberdade de ir e vir, em face do ato da MM. Juíza de Direito da Comarca de FreiPaulo, de logo apontada como autoridade coatora, que referendou a sua prisão emflagrante, propugnando, ao final, pela �expedição de alvará de soltura e conseqüen-te salvo conduto�.

Alegou que a prisão em flagrante delito foi efetivada por policiais da cidade dePinhão, no dia 21/11/2000, não tendo sido o inquérito policial remetido até a presen-te data à Justiça, porque até agora não ficou definido qual a autoridade policialresponsável pelo envio e o seu paradeiro, o mesmo ocorrendo com a substânciavegetal apreendida que, segundo a polícia, tinha as características de maconha.

A autoridade apontada coatora prestou as informações de fls. 48 a 50, afir-mando que o paciente foi preso em flagrante quando transportava em seu veículocinco fardos, pesando aproximadamente 150 quilos de substância vegetal que,segundo conclusões policiais, seria maconha e que homologou o flagrante em 23/11/2000, pois foi o mesmo efetuado seguindo à risca as determinações legais.

Afirma ainda que a substância vegetal foi encaminhada ao Instituto deCriminalística em 21/11/2001 e que: �Em 10/5/2001, encaminhado ofício ao delega-do, José Edvalson Júnior solicitando informações sobre o referido inquérito tendoem 17/5/2001, informado através ofício de n.º 255/2001 que ao flagrante onde cons-ta como conduzido o Senhor VANDERLEI DO NASCIMENTO foi entregue pessoal-mente ao Sr. Israel Sarmento, delegado regional de Itabaiana, por ordem do entãoCoordenador de Polícia Civil do Interior: Sr. SÉRGIO RICARDO BARBOSA LEITE�.

Chamado a se manifestar o Ministério Público requereu, em 30/2/2001, fos-se oficiado a Coordenadoria de Policia Civil do Interior, na pessoa de seu titular,solicitando-lhe a remessa dos autos do inquérito policial em pauta, o que foi efetu-ado em 22/2/2001, tendo em vista que os autos permaneceram com o defensor de31/5/2001 a 24/7/2001.

Emitindo o parecer de fls. 53 a 55, a Procuradoria de Justiça acatou asponderações contidas nas informações prestadas pela autoridade judicial, entendoque não existe constrangimento ilegal que justifique a concessão do remédio herói-co, opinando assim pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO VENCEDOR

Trata-se de habeas corpus preventivo, impetrado em favor do pacienteVANDERLEI DO NASCIMENTO, sob a alegação de que ainda persiste contra si,mesmo em liberdade, um auto de prisão, homologado pela autoridade judicial, quelhe cerceia o direito de ir e vir.

264 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

O paciente foi preso em flagrante delito no dia 11 de novembro do ano p.pretérito, às 17 horas, quando transportava em seu veículo cinco fardos de substân-cia vegetal entorpecente, conhecida popularmente como erva maconha, pesando150 quilos.

O auto de prisão em flagrante foi lavrado pelo Delegado Regional de Políciada cidade de Lagarto (fls. 13/24) dentro do prazo estabelecido na lei processualpenal e, depois de tomadas as providências constitucionais, o paciente foi recam-biado para a cidade de Pinhão, Distrito Judiciário da Comarca de Frei Paulo, ondefoi resgatado, no dia seguinte, por elementos armados, segundo informações doDelegado de Polícia da cidade em que se encontrava custodiado VANDERLEI DONASCIMENTO (fl. 25).

No Estado da Bahia, onde permaneceu em cárcere privado, segundo o relatodo impetrante (fls. 02/04), o paciente conseguiu se evadir do local, encontrando-se,atualmente, solto em conseqüência de fuga, embora exista a possibilidade de suarecaptura, com a permanência dos efeitos da segregação provisória.

Mesmo em liberdade decorrente de fuga, conforme afirmado na açãomandamental, o paciente alega excesso de prazo para o oferecimento da açãopenal pública incondicionada e conclusão dos demais atos do processo crime.

Com efeito, a procedência do habeas corpus, sob essa fundamentação,somente ocorreria se o paciente estivesse preso, sem oferecimento de denúncia,ou se decorrido o prazo previsto para a formação da culpa, sem que o mesmohouvesse dado causa, conforme o disposto no art. 21 e seguintes da LEIANTITÓXICOS, e no posicionamento jurisprudencial.

Se porventura a fuga do paciente tivesse ocorrido depois da impetração daordem, tratando-se de habeas corpus liberatório, outra seria a posição que enten-demos correta, ou seja, prejudicado estaria o writ em razão da perda de objeto, àinteligência do art. 659 do Código de Processo Penal.

O Superior Tribunal de Justiça, em situação análoga à hipótese acima desta-cada, assim decidiu:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS PREJUDICADO. FUGA DOPACIENTE QUE FOI PRESO EM FLAGRANTE PELA PRÁTICA DE HOMICÍDIO.�A superveniência da fuga do paciente prejudica a impetração pela perda de seuobjeto, que seria o de assegurar-lhe liberdade provisória até o julgamento do pro-cesso crime� ( STJ - HC n.º 272 (9010918) � Pernambuco � Rel. Min. CARLOSTHIBAU).

Por outro lado, tratando-se de habeas corpus preventivo, o paciente deveriater indicado os motivos que caracterizariam a violência ou coação ilegal (iminente)decorrente da lavratura do auto de prisão em flagrante e os que o tornariam nulo,mas se limitou a dizer que �persiste contra si um auto de prisão, homologado pelaautoridade judicial, que lhe cerceia o direito de ir e vir, embora não haja ação penalem tramitação...� (fl. 03), propugnando, ao final, pela revogação imediata do efeitoda prisão.

Examinando os documentos existentes nos autos, especialmente o auto deprisão em flagrante (fls. 13/24), não constatei nenhum defeito formal capaz de darcausa ao constrangimento ilegal apontado na impetração. Diante das razões acima

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 265

expendidas, julgo improcedente o pedido, negando provimento ao writ impetrado,por fundamentos diversos dos trazidos pelo douto Relator.

É como voto.

VOTO VENCIDO

Data venia do entendimento contrário adotado pela Câmara Criminal, en-tendo que o presente habeas corpus é liberatório ou repressivo e não preventivo.

Faço-o com base nos ensinamentos de Pinto Ferreira e Fernando da CostaTourinho Filho, entre outros. Disse o primeiro dos autores citados, verbis:

�O habeas corpus pode revestir-se de duas formas, isto é, há duas espéci-es de habeas corpus: a) o habeas corpus preventivo, que é impetrado quando opaciente está na iminência de sofrer coação; b) o habeas corpus liberativo ourepressivo, quando impetrado sob a alegação de que o paciente está sofrendo coa-ção.� (in Teoria e Prática do Habeas Corpus, Editora Saraiva, 1979, pág. 09).

Mais adiante, discorrendo sobre os casos de legalidade do cerceamento daliberdade, lecionou o grande mestre:

�O cerceamento ao poder de locomoção da pessoa pode ser legal ou ilegal.A legalidade existe quando o cerceamento resulta: a) do auto de prisão em flagran-te delito; b).... .� (in obra citada, pág. 42).

À luz de tais considerações, vê-se que o paciente está, em verdade, sofren-do um cerceamento legal ao seu poder de locomoção. Isto é, ele está sofrendo umarestrição, advinda da existência de um auto de prisão em flagrante, devidamentehomologado pela autoridade judiciária. Logo, ele não está na iminência de sofreressa restrição, ao contrário, ele já está sofrendo essa medida, o que me autoriza aconcluir que o habeas corpus discutido é liberatório ou repressivo.

O fato do paciente encontrar-se em liberdade, retirado da prisão, disse elepor terceiros e à força, não torna prejudicado o pedido de habeas corpus, issoporque pesa contra ele a possibilidade de ser preso, a qualquer momento e emqualquer lugar, independente de ordem escrita da autoridade judiciária.

Não vejo como confundir-se, no caso presente, iminência da prisão do paci-ente, o que de fato existe, com iminência de sofrer violência ou coação na sualiberdade de locomoção.

Justificado o meu pensar de que o discutido remédio constitucional é liberatório,decido-o quanto ao conteúdo.

As informações formuladas pela autoridade apontada coatora, datada de 24/8/2001, revelaram que o paciente foi preso em flagrante, sob a suspeita de transpor-tar uma grande quantidade de maconha, aproximadamente 150 quilos, o que, secomprovado, incidiria o paciente nas disposições da Lei n.º 6.368/1976, de preven-ção e repressão ao tráfico ilícito substâncias entorpecentes e que os autos doinquérito somente foram entregues em Juízo no dia 22/8/2001, uma vez que osmesmos se encontravam em poder do defensor do paciente há mais de dois meses(31/5 a 24/7/2001, pág. 49).

De logo se percebe que o defensor do paciente contribuiu decisivamente

266 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

para o atraso da remessa da peça informativa ao Juízo a quo, impossibilitando asua análise pelo representante do Ministério Público, competente para aferir a ne-cessidade da propositura da ação penal contra o então Indiciado.

Vale ainda salientar que o paciente, segundo consta da petição inicial, foiresgatado da Delegacia de Pinhão, no mesmo dia da prisão, por um bando dehomens armados, estando em lugar ignorado, o que revela o grau de suapericulosidade.

Ademais, esta relatoria foi cientificada através de certidão expedida peloCartório do 2º Ofício da Comarca de Frei Paulo, anexa ao presente acórdão, de queo paciente já foi denunciado como incurso no artigo 12, da Lei n.º 6.386/1976 eartigo 352, do Código Penal, tendo sido designada a audiência de qualificação einterrogatório para o dia 27/12/2001.

Portanto, ofertada a denúncia e determinado o interrogatório do acusado,estando com trâmite regular a instrução criminal, não há que se falar em excessode prazo na conclusão do inquérito policial.

Assim sendo, entendo que não há constrangimento ilegal a ser reconhecidoatravés da presente via, pelo que, deve ser denegada a ordem impetrada.

Juiz Osório de Araújo Ramos Filho,Relator Substituto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os membros daCâmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade, denegar a or-dem impetrada, nos termos do voto vencedor.

Votou com o relator o senhor Juiz Cláudio Dinart Deda Chagas.

ACÓRDÃO Nº 3047/2001HC Nº 0232/2001RELATOR ORIGINÁRIO: Des. Artur Oscar de Oliveira DedaRELATOR SUBSTITUTO: Juiz Cláudio Dinart Déda ChagasIMPETRANTE: Kleber Tavares de AndradePACIENTE: José Antônio Mendes

EMENTA: Constitucional e processual penal - Habeas corpus -Extinção da punibilidade - Decadência do direito de represen-tação - Trancamento da ação penal - Falta de justa causa - ocor-rência - Concessão da ordem impetrada.Opera-se a decadência, que é causa de extinção de punibilidade,se o direito de representação não for exercido pelo ofendido

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 267

dentro do prazo estabelecido no art. 38 do Código de ProcessoPenal - Ordem concedida - Decisão unânime.

RELATÓRIO

O advogado Kleber Tavares de Andrade impetrou, com fundamento no art. 5º,LXVIII, da Constituição Federal, e no art. 647 e seguintes do Código de ProcessoPenal, o presente habeas corpus em favor do paciente José Antônio Mendes,brasileiro, casado, comerciante, residente e domiciliado na Rua Arnaldo Dantas,605 - Bairro Santo Antônio, na cidade de Aracaju.

O impetrante alega que tramita na 8ª Vara Criminal da Comarca de Aracajuuma ação penal pública condicionada, decorrente de Acidente de Trânsito - proces-so tombado sob nº 200120800138 -, iniciada por denúncia do Ministério Público emface de representação oferecida em audiência de conciliação, de acordo com oprocedimento previsto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, embora estejaextinta a punibilidade em razão de se encontrar ultrapassado o prazo decadencial,conforme o disposto no art. 107, IV, do Código Penal.

Alega, ainda, que em sua defesa prévia, apresentada tempestivamente, re-quereu em sede de preliminar a extinção da ação penal pela ocorrência da deca-dência, tendo o pedido sido indeferido pela MM. Juíza processante sob o funda-mento de que o prazo decadencial somente passa a ser contado a partir da audiên-cia de conciliação.

Ao final, propugna pela concessão do writ com o conseqüente trancamentoda Ação Penal, em decorrência da decadência, uma das causas de extinção dapunibilidade, conforme o disposto no art. 107, IV, da supracitada lei material.

A autoridade indigitada coatora prestou as informações solicitadas (fls. 38/39), dizendo que na audiência preliminar, realizada no dia 2 de agosto do correnteano, as partes rejeitaram a proposta de conciliação; tendo os autos ido, por essarazão, com vista ao Ministério Público que ofereceu denúncia, recebida em 28 deagosto do corrente ano. Informa, ainda, que na audiência de interrogatório o pacien-te também rejeitou a proposta de suspensão do processo, prevista na Lei nº 9.099/1995.

A liminar requerida (fls. 02/08) foi denegada (fls. 34/35).Chamada a se manifestar, a douta Procuradoria de Justiça, no parecer da

lavra do Dr. Paulo Moura, opinou pela concessão da Ordem sob os seguintes argu-mentos: a) consumação da decadência; b) presunção de renúncia do direito derepresentação, decorrente de acordo realizado entre as partes.

É o relatório.

VOTO

A ordem impetrada se assenta na alegada existência de decadência do direi-to de representação, faltando, pois, o pressuposto de procedibilidade para o ofere-cimento da ação penal pública condicionada contra o paciente José Antônio Men-

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des, diante da ocorrência da extinção da punibilidade.A MM. Juíza a quo indeferiu, mediante decisão prolatada nos autos da ação

penal pública condicionada (fls. 20/22), o pedido de extinção de punibilidade peladecadência do direito de representação, formalizado pelo paciente em suas alega-ções preliminares (fls. 25/29), sob o fundamento de que o prazo decadencial come-çou a fluir a partir da audiência de conciliação (30/31), não tem supedâneo nonosso ordenamento jurídico, devendo prevalecer, no caso em reexame, à regra ísitano art. 103 do Código Penal c/c o art. 38 da supracitada lei substantiva.

A ação penal pública é exercida pelo Ministério Público, com exceção dahipótese prevista no art. 29 do Código de Processo Penal. Todavia, se condicionadaa ação penal, o ofendido (vítima) deverá exercer o direito de representação dentrodo prazo de seis meses, contado do dia em que veio a saber quem é autor docrime, sob pena da decadência desse direito, conforme o disposto no art. 38 damesma lei substantiva.

O crime de lesão corporal culposa, previsto no art. 303 do Código de TrânsitoBrasileiro, ocorreu no dia 19 de março do ano próximo pretérito (termo a quo) e,segundo as informações existentes nestes autos, o direito de representação sóveio a ser exercido pelo ofendido no dia 2 de agosto do corrente ano (termo adquem), em desacordo com o que prescreve o art. 38 do Código de Processo Penal,em face de ser aplicado subsidiariamente à Lei especial nº 9.503, de 23 de setem-bro de 1.997, ex vi do art. 219.

Sobre a matéria em comento (decadência do direito de representação), oTribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em recente acórdão (n.º 2441/2001) dalavra do eminente Desembargador Gilson Gois Soares, decidiu:

�Habeas corpus - Lesões corporais leves - Lei n.º 9.099/1995 - Ação públicacondicionada - Representação - Decadência - Inocorrência - Extinção da punibilidade- Trancamento da ação penal.

Em se tratando de crime de lesão corporal leve, que a partir da edição da Leinº 9.099/1995 passou a ser de ação pública condicionada, o prazo de decadênciado direito de representação é de 06 (seis) meses, contado do dia em que o ofendidovier a tomar conhecimento de quem seja o autor do delito.

A decadência se opera e impõe a extinção da punibilidade e conseqüentetrancamento da ação penal quanto a esse delito. Ordem concedida. Decisão unâ-nime. (HC n.º 0130/2001 - AC 2441/2001 - Rel. Des. Gilson Gois Soares.

Ademais, considerando a data do exercício do direito de representação aexistente no documento de fls. 12/15, seguindo a boa orientação jurisprudencial doPretório Excelso, o termo final do prazo decadencial teria ocorrido desde o dia 19de setembro de 2000, de acordo com a regra prevista no art. 798 do Código deProcesso Penal.

A jurisprudência predominante é nesse sentido, vejamos:Criminal. RHC. Lei nº 9.099/1995. Lesão corporal culposa. Prazo decadencial.

Desnecessidade de instauração de inquérito. Representação da vítima. Manifestaçaoinequívoca. Formulaçao perante a a utoridade policial. Validade. Recurso desprovi-do.

Somente se não exercido o direito de representação no prazo legal de seis

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 269

meses é que ocorre a extinção da punibilidade do agente pela decadência, o quenão se verifica se a vítima procura a autoridade policial em menos de três mesesdepois do fato.

Mesmo sendo desnecessária a instauração do inquérito policial para a apu-ração de lesões corporais culposas, tal hipótese apenas contraria o espírito da lei,não induzindo nulidade.

A representação, como condição de procedibilidade, prescinde de rigor for-mal, bastando a demonstração inequívoca da vontade do ofendido, no sentido deque sejam tomadas providências em relação a fato e à responsabilização do autor-sendo aceitável tal formulação perante a autoridade policial. Recurso desprovido(RHO 9350/SP -ST J Min. GILSON DIPP, em 28/2/2000).

Aracaju, 4 de outubro de 2001.Juiz Cláudio Dinart Déda Chagas,Relator Substituto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos, acordam os membros da Câmara Criminaldeste Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem nos termos do votodo relator.

Votaram com o relator o senhor Desembargador Gilson Gois Soares e o JuizOsório de Araújo Ramos Filho.

APELAÇÃO CRIMINAL

ACÓRDÃO Nº 2368/2001ACR Nº 0018/2001RELATOR: Des. Gilson Gois SoaresAPELANTE: Moisés Ramos dos SantosAPELADO: Ministério Público Estadual

EMENTA: Estupro - Ausência de prova da violência real - Auto-ria duvidosa - Princípio in dubio pro reo - Absolvição.O Direito Penal não opera no campo das incertezas, sendo de-veras exigida a prova induvidosa da materialidade e da autoriado agente para que resulte em condenação. Prova insuficientegera absolvição.Havendo insuficiência ou ausência probatória da existência do

270 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

delito de estupro, uma vez não comprovada a violência real equem seja realmente o autor, descabe ao réu a condenação.Aplicação do princípio in dubio pro reo. Absolvição. Apelaçãoprovida. Decisão unânime.

RELATÓRIO

Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual contra MoisésRamos dos Santos, brasileiro, solteiro, mecânico, filho de Vera Lúcia Ramos dosSantos, pela prática do delito de estupro, previsto no artigo 213 do Código Penal.

Diz a denúncia (fls. 02 a 03) que �consta do Inquérito Policial anexo que nodia 8 de janeiro do corrente ano o ora denunciado dirigiu-se a esta cidade e procu-rou a residência da menor Cacilda Ribeiro de Oliveira, com quatorze anos de idade,e convidou-lhe para passar uns dias em sua residência na cidade de Lagarto, paravisitar sua companheira Josemary, amiga da vítima. Numa determinada noite, aduza vítima que o réu entrou em seu quarto e obrigou-a a manter conjunção carnal,apesar da mesma ter resistido e gritado por socorro�.

O réu foi denunciado como incurso nas penas do artigo 213 do Código Penal.E em 1º de junho de 1999, a requerimento do representante do Ministério Público,foi decretada a prisão preventiva do acusado.

O réu foi qualificado e interrogado (fls. 38/9), tendo o seu advogado oferecidodefesa prévia (fls. 41/42), apresentando rol de testemunhas. A instrução criminal foiprocedida com declarações da vítima e de sua genitora e ouvida de testemunhas.

Na fase do artigo 499 do CPP, o advogado de defesa requereu a oitiva dagenitora do acusado, o que foi deferido, sendo procedido a sua ouvida, consoantetermo de declarações de fls. 81 dos autos.

Em alegações finais, o M. Público propugnou pela condenação do réu nostermos da denúncia, enquanto que a defesa requereu a sua absolvição por falta deprovas. A sentença monocrática julgou procedente a denúncia, condenando o acu-sado como incurso nas sanções do artigo 213 do Código Penal à pena definitiva deseis anos e seis meses de reclusão, em regime fechado, por se tratar de crimehediondo.

O réu, inconformado, apelou da decisão, apresentando as razões de fls. 108a 120. O Ministério Público ofereceu contra-razões às fls. 122 a 126 dos autos. Ea douta Procuradoria de Justiça apresentou parecer opinando pela manutençãototal do decisum.

É o relatório.

VOTO

O que se pretende no presente apelo é a absolvição do paciente, em face daalegada fragilidade probatória que tornaram as provas dos autos insuficientes paraa condenação.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 271

Com efeito, entendo com razão na sua irresignação o apelante, porque aconclusão a que chegou a respeitável sentença monocrática restou de todo incom-patível com a prova existente no corpo dos autos.

De fato, à acusação incumbe provar, ao menos de forma indiciária conclu-dente, de que a pessoa indigitada seja realmente o autor e a existência damaterialidade, que no estupro de mulher maior de quatorze anos teria que se provara violência real, o que efetivamente não me parece o caso dos autos, pois osindícios são frágeis demais para uma condenação relativamente ao apelante, peloque a sua culpa não restou provada, porque embora haja efetiva ocorrência do fato,os �indícios� se impõem deveras insuficientes para a condenação, onde os arestosemitidos por esta Egrégia Câmara Criminal, da lavra do eminente DesembargadorJosé Barreto Prado, assim já decidiu:

�Prova para condenação. Exigências. O direito Penal Brasileiro não opera nocampo das conjecturas, visto que condenação exige certeza da autoria e da culpa-bilidade do agente, sem o que ele deve ser absolvido. Prova duvidosa e inexistênciade provas são coisas equivalentes em matéria criminal. Apelo improvido. Sentençaabsolutória mantida. Decisão unânime�.(Ac. 653/93 - Rel. Des. José Barreto Pra-do).

�Inexistindo a certeza da autoria e da culpabilidade do agente ativo, por maisveemente que sejam os indícios, a presunção que deles emana, não é bastantepara alicerçar decreto condenatório. Recurso provido para absolver o apelante. De-cisão Unânime�. (Ac. n. 106/92 - Rel. Des. José Barreto Prado).

�Prova: condenação exige certeza. Sem a certeza total e plena da autoria eda culpabilidade, não deve o Juiz sentenciar o imputado. Recurso improvido. Deci-são unânime�.(Ac. n. 146/92 - Rel. José Barreto Prado).

Evidente que a palavra da vítima é efetivamente importante nesse tipo decrime, em razão de ser cometido quase às ocultas, contudo ela somente se afirmaquando em harmonia com as outras provas erigidas nos autos. E nesse diapasãoentendo que o conjunto probatório é frágil demais para a condenação do réu.

O laudo pericial refutado pelo recorrente, de fato, fora realizado algum tempodepois da data do ocorrido, e conclui pela inexistência de violência. E mesmotendo a peritagem, em seu comentário médico-forense, dito que �existe compatibi-lidade entre o histórico e o achado�, ou seja, de que a vítima realmente não era maisvirgem, contudo a existência de ruptura himenal, inclusive não recente, não induzque fora produzida pelo ato de um estupro, pois não faz menção de sinais deviolência ou de outro aspecto compatível, e muito menos de quem teria sido o autorde tal ruptura.

A decisão guerreada diz não se escorar somente na palavra da vítima, masque o fez também pelas declarações das genitoras da vítima e acusado e ainda nodepoimento do próprio réu, bem como nas testemunhas ouvidas nos autos, que emsuma teria concluído pela autoria do acusado.

Ocorre que discordo da decisão recorrida, porque dos depoimentos das tes-temunhas e as declarações estão visceralmente duvidosos, hesitantes, diria mes-mo indeterminantes a ponto de não poder sustentar ou imputar condenação ao réupor este delito.

272 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

Isso porque o exame de conjunção carnal sendo não afirmativo não vem acaracterizar o delito previsto no artigo 213, do Código Penal que exige para o crime�constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça� (gri-fei). Além disso, mister a existência da violência real, também não apontada peloreferido laudo.

Diante disso tudo há evidente conflito nas versões sobre a autoria, fazendocom que haja inconcludência de prova, a inviabilizar a condenação do réu, porque olastro que se tem é tão somente sob juízo de probabilidade, onde creio a r. senten-ça monocrática tenha se baseado para a condenação, e no particular, existe nosautos a palavra do réu contra a da vítima, e , permissa venia, não seria plausívelaceitar-se como definitiva a da última, por mais respeitável que seja, quando outroselementos não existem a lhe dar respaldo.

Ademais, até em face do princípio do estado da inocência, previsto no artigo5º, inciso LVII, da Lei Maior, se a acusação se propõe a provar um fato e findada ainstrução paira �dúvida razoável� sobre o mesmo, não pode efetivamente ser tidocomo provado, portanto, não se provou a autoria do réu-apelante.

Entendo assim que, a insuficiência probatória obsta a imputação ao réu deter sido o autor do estupro, pelo que se impõe a aplicação do princípio in dubio proreo, outorgando-se a sua absolvição.

Assim sendo, ante os fundamentos expendidos, dou provimento ao apelo,reformando integralmente a decisão monocrática para absolver o réu.

É o meu voto.Aracaju/SE, 9 de outubro de 2001.Desembargador Gilson Gois SoaresPresidente e Relator

ACÓRDÃO

Acordam os membros da Câmara Criminal deste E. Tribunal, por unanimida-de, dar provimento ao apelo, reformando integralmente a decisão monocrática paraabsolver o réu.

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros desta Câ-mara Criminal, à unanimidade, não conhecer do agravo regimental interposto.

Votaram com o relator os senhores Desembargadores Gilson Gois Soares eRoberto Eugenio da Fonseca Porto.

ACÓRDÃO N° 2944/2001ACR Nº 163/2001RELATOR ORIGINÁRIO: Des. Artur Oscar de Oliveira DedaRELATOR DESIGNADO: Juiz Cláudio Dinart Déda ChagasAPELANTE: Jorge Rodrigues dos Santos.APELADA: Justiça Pública

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 273

EMENTA: Apelação criminal - Crime de uso de documento falso- Prorrogação da competência ratione loci - Alegação de pres-crição retroativa - Pleito de descriminalização do fato típico -Improvimento.A competência em razão do lugar é relativa e, portanto, prorro-gável.É vazia a alegação de prescrição desprovida de fundamentoplausível.Sobejamente demonstrada a autoria e a materialidade do fatotípico, bem como a inexistência de excludente deantijuridicidade, descabe ao juiz absolver o réu com base emfundamentos metajurídicos.

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Sergipe denunciou Jorge Rodrigues dosSantos, o acusando pelo uso de documento falso, com base no art. 304 do CP.

Segundo a denúncia, �em dezembro de 1996, foi apreendida com o denunci-ado uma Carteira de Habilitação adulterada, constando a categoria �E�, onde origi-nariamente continha a categoria �B��.

�O denunciado, em suas declarações de fls. 12 e 13, afirma que pagou auma pessoa chamada �Galego� a importância de R$ 250,00 (duzentos e cinqüentareais) para modificar a categoria de sua habilitação, não sabendo indicar a localiza-ção de tal pessoa, não se descobrindo o autor da falsificação, conforme fl. 86".

Respeitado o direito ao contraditório e à ampla defesa, o magistrado a quocondenou o acusado a dois anos de reclusão aplicada em setecentos e trinta diasde prestação de serviços à comunidade e dez dias-multa, no equivalente a 1/30 dosalário por cada dia.

O condenado recorreu, pugnando pela descriminalização do fato, sob o fun-damento de que se deve afastar a aplicação da pena quando o fato incriminadordisser respeito a meros desvios de conduta de um homem de bem.

Apresentadas as contra-razões, o Procurador de Justiça considerou a exis-tência da prorrogação da competência e manifestou-se pela extinção da punibilidade,tendo em vista a ocorrência da prescrição retroativa.

VOTO

O presente apelo tem o fito de descriminalizar o fato ilícito praticado peloapelante, tendo em vista ser ele um homem de bem. Todavia, antes de adentrarneste mérito, apreciemos as considerações do parecer, ou seja, a ocorrência deprorrogação da competência e a prescrição retroativa.

274 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

1) Acerca da competência do juízo, concordamos com o registro do eminen-te Procurador de Justiça. A questão se revela tendo em vista que o crime de uso deCarteira de Habilitação falsa se consuma no local onde ela foi utilizada e apreendi-da. Com efeito, a utilização e a apreensão ocorram no Posto Policial RodoviárioFederal no Município de Floresta, em Pernambuco.

Sabidamente, o lugar do crime de uso de documento falso define a compe-tência para a ação penal. É a competência ratione loci, de caráter relativo. Logo,apesar de a ação ter sido proposta no foro de Aracaju/SE, operou-se a prorrogaçãoda competência.

2) A respeito da prescrição retroativa suscitada pelo parecerista, data venia,consideramo-la inexistente. Vejamos:

O Procurador considera que o fato típico ocorreu aproximadamente em maiode 1996 e a denúncia foi recebida em 10 de julho de 2000. Somando-se a isto o fatode a condenação haver fixado dois anos de reclusão, conclui pela ocorrência daprescrição retroativa.

Concordaríamos com tal manifestação caso fosse possível computarmosmaio de 1996 como data do fato incriminador. Nos autos não se evidencia em quedata ocorreu o uso do documento falsificado e os demais elementos são insuficien-tes para chegar-se àquela aproximação. Vejamos:

Em suas declarações, às fls. 15, o réu confesso afirma que entregou suaCarteira de Habilitação ao falsificador em 13 de fevereiro de 1996, tendo-a recebidode volta no dia 25 de fevereiro, daquele mesmo ano.

Nesse passo, não podemos tomar esta última data como sendo a da consu-mação do crime denunciado. Havemos que distinguir o crime de falsidade, que decerto ocorreu naquele interstício, com o crime de uso de documento falso, o qualse consumou no ato da apresentação da Carteira de Habilitação no Posto Rodovi-ário de Pernambuco, em data não mencionada.

O documento emitido em 19 de dezembro de 1996 pelo Diretor do Detran/SEque atesta a apreensão da Carteira do apelante, sob alegação de suspeita deadulterção, não faz menção à data em que isto ocorreu.

O interrogatório do réu e demais declarações, colhidas a partir de fevereirode 1997, não precisam o tempo do crime, nem permitem a conclusão de que o fatoocorreu aproximadamente em maio de 1996.

Em sintonia com os termos da denúncia, entendemos que a melhor aproxi-mação é a de que o crime consumou-se em dezembro de 1996, levando-se emconta a data da emissão do ofício do Diretor do Detran/SE. De qualquer modo, nãoficou devidamente demonstrada a ocorrência da prescrição retroativa.

Isto posto, afastamos a tese de que a ação está prejudicada.3) Enfim, tratemos agora da razão explícita deste recurso: a descriminalização

do fato ilícito.A autoria e a materialidade foram sobejamente demonstradas por meio das

declarações do réu confesso, da perícia de corpo de delito, do documento emitidopelo Diretor do Detran/SE e outras evidências constantes dos autos. Vale asseve-rar que não foi demonstrada qualquer excludente de antijuridicidade.

O apelante em nenhum momento retratou-se de sua confissão; entretanto,

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 275

pugna pela descriminalização do ilícito em vista de o crime ser de menor potencialofensivo e de ser o mesmo homem de bem. A doutrina denomina esse raciocíniocomo princípio da adequação social.

Sabidamente o Direito Penal dispõe de princípios gerais e específicos quebem orientam a aplicação da lei; todavia, o princípio da adequação social, bastantediscutido em meios acadêmicos, não deve prevalecer, já que incompatível com onosso ordenamento.

Ora, criminalizar ou descriminalizar fatos é exercício de atividade legislativa,absolutamente incongruente com a do magistrado. Em comentário ao menciona-do princípio da adequação, diz Fernando Capez:

�Critica-se essa teoria porque, em primeiro lugar, costume não revoga lei e,em segundo, porque não pode o juiz substituir-se ao legislador e dar por revogadauma lei incriminadora em plena vigência, sob pena de afronta ao princípio constitu-cional da separação dos poderes�.

Do mesmo modo, também devemos afastar a aplicação do princípio da insig-nificância, segundo o qual são atípicos os fatos de menor potencial ofensivo.

O STJ já decidiu no sentido da impossibilidade da aplicação do princípio dainsignificância, ainda que sob argumento de política criminal, pois não cabe ao juiz,depois de reconhecer a inexistência de excludente de antijuridicidade, absorver oréu por razões metajurídicas.

Diante do exposto, voto pelo improvimento do apelo.Aracaju/SE, 27 de novembro de 2001.

ACÓRDÃO

Vistos relatados e discutidos estes autos, os membros da Câmara Criminal,à unanimidade, acordão o improvimento da presente apelação criminal.

Aracaju/SE, 27 de novembro de 2001.Votaram com o relator o senhor Desembargador Gilson Gois Soares e o Juiz

Osório de Araújo Ramos Filho

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA

ACÓRDÃO Nº 2508/2001APO Nº 0003/2000RELATOR ORIGINÁRIO: Des. José Barreto PradoRELATOR DESIGNADO: Juiz Osório de Araújo Ramos FilhoAUTORA: Justiça PúblicaRÉU: Sérgio Oliveira da Silva

276 - JURISPRUDÊNCIA - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE , Nº 27, 2001

EMENTA: Ação penal originária - Denúncia portadora dos re-quisitos e pressupostos condicionadores da instauração daação penal. Condições da ação exigidas para o exercício da açãopenal que se identifica na denúncia ofertada. Presentes as con-dições de procedibilidade e identificados os indícios de irregu-laridades ensejam o acolhimento da peça ofertada pelo Minis-tério Público nesta Superior Instância.Denúncia recebida.Decisão unânime.

RELATÓRIO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Ação Penal Origináriade nº 03/2000 em que figura de autora a Justiça Pública e de réu Sérgio Oliveira daSilva, deles se verifica que Ministério Público do Estado de Sergipe, por seu Procu-rador de Justiça em exercício nesta Câmara Criminal, ofereceu denúncia contraSérgio Oliveira da Silva, devidamente qualificado na inicial, tendo-o como incurso esob as sanções do parágrafo 1º, do artigo 1º, do Decreto-lei nº 201/1967, incisos IIe XIII, crime de responsabilidade contra a Administração Pública do Município deNossa Senhora da Glória.

O acusado foi notificado para apresentar sua resposta, o que fez na forma doarrazoado de fls. 99 usque ad 107, onde afirma que, em verdade, não há de se falarem irregularidade praticada pelo acusado, uma vez que o mesmo não tinha conhe-cimento da existência de pessoas laborando no Município, em regime de meiajornada, e percebendo estipêndios dos cofres públicos.

Feito os autos com vista ao Ministério Público, veio a manifestação de fls.111 onde o Procurador de Justiça que oficia no feito concluiu por requerer o recebi-mento da Denúncia eis que preenche a mesma os requisitos do artigo 41 do Códigode Processo Penal.

É o Relatório

VOTO

O réu foi denunciado como incurso e sob as sanções do parágrafo 1º, doartigo 1º, do Decreto-lei nº 201/1967, incisos II e XIII, crime de responsabilidadecontra a Administração Pública do Município de Nossa Senhora da Glória, apresen-tando o Ministério Público, para tanto, farta documentação.

Os documentos colacionados nos autos espelham os indícios necessáriose suficientes para que se apure em sede de ação penal a responsabilidade doacusado pela prática do delito que lhe imputa o Ministério Público nesta SuperiorInstância.

Os argumentos sustentados pela defesa por ocasião da resposta ofertada

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - JURISPRUDÊNCIA - 277

não são suficientes para se contrapor ou elidir os indícios da prática delitiva contidana denúncia, fazendo-se necessário a instauração da ação penal para uma melhorapuração dos fatos narrados na peça acusatória.

O prefeito Sérgio Oliveira da Silva não nega a ocorrência da prática dos atosditos ilícitos. Ao contrário, confirma-os ao dizer que �...é verdadeira a denúncia daexistência de pessoas laborando no Município, em regime de meia jornada, e per-cebendo seus estipêndios através de servidores da Prefeitura, o que, de logo, seconstitui numa irregularidade. Desejar, entretanto, responsabilizar o prefeito pelosreferidos atos, e, o que é pior, dar uma conotação política aos fatos é fantasiar averdadeira realidade do ocorrido.� (fl. 101 dos autos).

Considerando o acima exposto e consistindo o presente julgamento na apre-ciação do feito para o fim de decidir pelo recebimento ou rejeição da denúncia, oupela improcedência da acusação, na forma do quanto autoriza o art. 6º da Lei8.038/90, e verificada as hipóteses do art. 41 do Código de Processo Penal, é deser recebida a denúncia na forma em que foi formulada.

Juiz Osório de Araújo Ramos Filho,Relator Substituto.

ACÓRDÃO

Frente ao exposto, acordam em Câmara de forma unânime em receber adenúncia ofertada contra o Prefeito de Nossa Senhora da Glória, Sérgio Oliveira daSilva.

Votaram com o relator o senhor Desembargador Gilson Gois Soares e o JuizCláudio Dinart Déda Chagas.

Legislação

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001- LEGISLAÇÃO - 281

Lei n° 4.384de 2 de julho de 2001

Dispõe sobre a concessão da vantagem de seguro devida, por morte em serviço ou invalidez em trabalho, aosservidores ocupantes de cargos de provimento efetivo deAgente de Segurança Penitenciária e de Guarda de Se-gurança do sistema Prisional, e dá providênciascorrelatas.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE SERGIPE.

Faço saber que a Assembléia Legislativa aprovou e eu sanciono a seguinteLei:

Art. 1º Fica assegurada a percepção da vantagem de seguro de vida, pormorte em serviço ou invalidez em trabalho, a ser concedida sob a forma de auxíliopor morte ou auxílio por invalidez, em quota única, aos servidores ocupantes decargos de provimento efetivo de Agente de Segurança Penitenciário e de Guarda deSegurança do sistema Prisional, no efetivo exercício de atividades próprias dosmesmos cargos, no âmbito da Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania,observados os parágrafos 1°, 2°, 3°, 4° e 5° deste artigo.

§ 1°. O valor do seguro, como auxílio por morte ou auxílio po invalidez, refe-rido no caput deste artigo, deve ser pago pelo Estado, através da Secretaria deEstado da Administração, correspondendo:

I - em caso de morte acidental em serviço: R$ 15.000,00 (quinze mil reais);II - em caso de invalidez total por acidente de trabalho : R$ 7.500,00 (sete mil

e quinhentos reais).§ 2°. Os valores do seguro por morte ou por invalidez, a que se refere este

artigo, devem ser corrigidos periodicamente através de decreto do governador doEstado, para a devida recomposição.

§ 3°. Nos casos de invalidez parcial, o servidor deve fazer jus ao seguro porinvalidez de que trata este artigo, porém, somente quando não puder ser aproveita-do no serviço público.

§ 4°. Para efeito de concessão do seguro, por morte ou por invalidez, previstoneste artigo, coinsidera-se acidente em serviço ou acidente de trabalho, o estrita-mente ocorrido nas seguintes circunstâncias:

I - por fato relacionado, mediata ou imediatamente, com as atribuições docargo, ainda que ocorrido em horário ou local diverso daquele determinado para oexercício de suas funções;

II - em decorrência de agressão sofrida, não provocada pelo servidor, no exer-cício regular de suas atribuições funcionais;

III - por situação ocorrida no percurso da residência para o trabalho ou vice-

282 - LEGISLAÇÃO - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001

versa, desde que ligada diretamente às atividadades funcionais exercidas;IV - em treinamento referente às atividades funcionais;V - em represália, por sua atividade de segurança penitenciária ou segurança

do sistema prisional.§ 5°. O seguro, por morte ou por invalidez, referido neste artigo, somente

deve ser pago mediante apuração dos fatos, com comprovação documental e teste-munhal, através de processo administrativo instaurado, de ofício, pelo diretor doDepartamento do Sistema Penitenciário - DESIPE/SEJUC, no prazo máximo dequinze dias contados da ocorrência do evento que provocar a morte ou a invalidez.

Art. 2°. A vantagem de seguro de vida, por morte em serviço ou por invalidezem trabalho, observadas as mesmas, formas, condições e normas, de que trata oart. 1° desta Lei, fica estendida aos servidores estaduais civis ocupantes de outroscargos, que se encontrem no efetivo desempenho de artividades referentes às fun-ções de segurança penitenciária ou segurança do sistema prisional, no âmbito daSecretaria de Estado da Justiça e da Cidadania.

Art. 3°. As despesas decorrentes da aplicação ou execução desta lei devemcorrer à conta das dotações próprias consignadas no Orçamento do Estado para oPoder Executivo.

Art. 4º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.Art. 3º. Revogam-se as disposições em contrário.Aracaju/SE, 2 de julho de 2001; 180º da Independência e 113º da República.

ALBANO FRANCO,Governador do Estado.

JUGURTA BARRETO DE LIMA,Secretário de Estado da Justiça e da Cidadania.

MARIA ISABEL CARVALHO NABUCO D�ÁVILA,Secretária de Estado da Administração.

AUGUSTO PINHEIRO MACHADO,Secretário-Chefe da Casa Civil.

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001- LEGISLAÇÃO - 283

Lei n° 4.433de 9 de outubro de 2001

Altera o § 1° e sua alínea �a�, do art. 6° da Lei n° 2704, de06 de março de 1989, que institui o Imposto sobre trans-missão �Causa Mortis� e doação de quaisquer Bens ouDireitos - ITD.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE SERGIPE.

Faço saber que a Assembléia Legislativa aprovou e eu sanciono a seguinteLei:

Art. 1º Ficam alterados o § 1° e sua alínea �a�, do art. 6° da Lei n° 2.704, de6 de março de 1989, que passam a vigorar com a seguinte redação:

�Art. 6° - ................................................................VI - ...§ 1° - O disposto no caput e seus incisos III, IV e V deste artigo fica subor-

dinado à observância, pelas entidades neles referidas, dos seguintes requisitos:(NR)

a) não distribuírem qualquer parcela de seus patrimônio ou de suas rendas,seja a que título for; (NR)

b) ...c) ...§ 2° - ....................................................................�Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo seus

efeitos a partir de 11 de janeiro de 2001.Art. 3º. Revogam-se as disposições em contrário.Aracaju/SE, 9 de outubro de 2001; 180º da Independência e 113º da Repúbli-

ca.

ALBANO FRANCO,Governador do Estado.

FERNANDO SOARES DA MOTA,Secretário de Estado da Fazenda.

AUGUSTO PINHEIRO MACHADO,Secretário-Chefe da Casa Civil.

Índices

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - ÍNDICE NUMÉRICO - 287

Índice Numérico

Ação Regimental - AgRg

N° RECURSO.. N° ACÓRDÃO ........................... RELATOR ........................................................ RTJSE0013/2000 ....... 2270/2001 ..... Originário: Des.Aloísio de Abreu Lima ..................................... 27/87

Substituto: Juiz Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima

Mandado de Segurança - MS

N° RECURSO.. N° ACÓRDÃO ........................... RELATOR ........................................................ RTJSE0012/2000 ....... 1640/2001 ..... Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho ........................... 27/920041/2001 ....... 2012/2001 ..... Des. Fernando Ribeiro Franco ................................................ 27/1120050/2001 ....... 2815/2001 ..... Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho .......................... 27/1260074/2000 ....... 2863/2001 ..... Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho .......................... 27/1310075/2000 ....... 2498/2001 ..... Desª Marilza Maynard Salgado de Carvalho .......................... 27/1150199/2001 ....... 3367/2001 ..... Des. Fernando Ribeiro Franco ................................................ 27/1380088/2001 ....... 1877/2001 ..... Des. Gilson Gois Soares ......................................................... 27/1090143/2001 ....... 2868/2001 ..... Desª Josefa Paixão de Santana ............................................. 27/1260178/2000 ....... 2499/2001 ..... Desª Clara Leite de Rezende .................................................. 27/123

Conflito de Competência - CC

N° RECURSO.. N° ACÓRDÃO ........................... RELATOR ........................................................ RTJSE0009/2001 ....... 2872/2001 ..... Des. Fernando Ribeiro Franco ................................................. 271420012/2001 ....... 2936/2001 ..... Des. José Barreto Prado ......................................................... 27/144

Revisão Criminal - RCR

N° RECURSO.. N° ACÓRDÃO ........................... RELATOR ........................................................ RTJSE0007/2001 ....... 1884/2001 ..... Des. Fernando Ribeiro Franco ................................................. 27147

Embargos Infringentes - EI

N° RECURSO.. N° ACÓRDÃO ........................... RELATOR ........................................................ RTJSE0006/2001 ....... 2304/2001 ..... Des. Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila ..................................... 27/151

Embargos de Declaração - ED

N° RECURSO.. N° ACÓRDÃO ........................... RELATOR ........................................................ RTJSE0178/2001 ....... 2707/2001 ..... Desª Josefa Paixão de Santana ............................................ 27/166

Agravo de Instrumento - AGR

N° RECURSO.. N° ACÓRDÃO ........................... RELATOR ........................................................ RTJSE0002/2001 ....... 3366/2001 ..... Originário: Des. Artur Oscar de Oliveira Deda ....................... 27/243

Substituto: Juiz Claúdio Dinart Déda Chagas

288 - ÍNDICE NUMÉRICO - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001

0194/2001 ....... 3027/2001 ..... Des.Roberto Eugenio da Fonseca Porto ................................. 27/1610365/2001 ....... 2212/2001 ..... Originário: Des.Aloísio de Abreu Lima .................................... 27/195

Substituto: Juiz Ricardo Múcio de Abreu Lima0488/2001 ....... 2718/2001 ..... Des.Roberto Eugenio da Fonseca Porto ................................. 27/155

Reexame Necessário - RN

N° RECURSO .. N° ACÓRDÃO ........................... RELATOR ........................................................ RTJSE0057/2001 ....... 2516/2001 ..... Des. Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila ..................................... 27/2030109/2000 ....... 2351/2001 ..... Desª Clara Leite de Rezende .................................................. 27/197

Apelação Cível

N° RECURSO .. N° ACÓRDÃO ........................... RELATOR ........................................................ RTJSE0250/2000 ....... 2005/2001 ..... Des. José Artêmio Barreto ...................................................... 27/2110083/2001 ....... 2626/2001 ..... Des. Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila ..................................... 27/2310130/2000 ....... 1938/2001 ..... Des. José Artêmio Barreto ...................................................... 27/2080143/2000 2653/2001 Desª Josefa Paixão de Santana 27/1860162/2001 ....... 2219/2001 ..... Desª Clara Leite de Rezende .................................................. 27/2150250/2001 ....... 2613/2001 ..... Des. Roberto Eugenio da Fonseca Porto ................................ 27/1810289/2001 ....... 2039/2001 ..... Des. Epaminondas Silva de Andrade Lima ............................. 27/1690302/2000 ....... 2376/2001 ..... Des. Roberto Eugenio da Fonseca Porto ................................ 27/1770319/2001 ....... 2075/2001 ..... Des. Epaminondas Silva de Andrade Lima ............................. 27/1710438/2001 ....... 2949/2001 ..... Originário: Des. Aloísio de Abreu Lima .................................... 27/237

Substituto: Juiz Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima0643/2000 ....... 2252/2001 ..... Desª Clara Leite de Rezende .................................................. 27/2200779/2001 ....... 2828/2001 ..... Des. Manuel Pascoal Nabuco D�Ávila ..................................... 27/2360882/2000 1856/2001 Des. José Artêmio Barreto 27/2050935/2000 ....... 2624/2001 ..... Originário: Des.Aloísio de Abreu Lima .................................... 27/224

Substituto: Juiz Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima1078/2000 ....... 2844/2001 ..... Desª Josefa Paixão de Santana ............................................. 27/1911153/2000 ....... 2787/2001 ..... Des. José Artêmio Barreto ...................................................... 27/2331174/2000 ....... 2117/2001 ...... Des. Epaminondas Silva de Andrade Lima ............................. 27/173

Habeas Corpus � HC

N° RECURSO .. N° ACÓRDÃO ........................... RELATOR ........................................................ RTJSE0061/2001 ....... 2166/2001 ..... Originário: Des. Artur Oscar de Oliveira Deda ........................ 27/246

Relator Substituto: Juiz Claúdio dinart Déda Chagas0145/2001 ....... 2365/2001 ..... Originário: Des.José Barreto Relator ..................................... 27/255

Substituto: Juiz Osório de Araújo Ramos Filho0150/2001 ....... 2927/2001 ..... Originário: Des.José Barreto Prado ........................................ 27/262

Substituto: Juiz Cláudio Dinart Déda Chagas0163/2001 ....... 2755/2001 ..... Des Gilson Gois Soares .......................................................... 27/2580232/2001 ....... 3047/2001 ..... Originário: Des. Artur Oscar de Oliveira Deda ....................... 27/266

Substituto: Juiz Cláudio Dinart Déda Chagas1711/2001 ....... 2184/2001 ..... Des Gilson Gois Soares .......................................................... 27/249

Apelação Criminal �ACR

N° RECURSO .. N° ACÓRDÃO ........................... RELATOR ..................................................... RTJSE

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - ÍNDICE NUMÉRICO - 289

0018/2001 ....... 2368/2001 ..... Des Gilson Gois Soares .......................................................... 27/2690163/2001 ....... 2944/2001 ..... Originário: Des. Artur Oscar de Oliveira Deda........................ 27/272

Substituto: Juiz Claúdio Dinart Déda Chagas

Ação Penal Originária - APO

N° RECURSO.. N° ACÓRDÃO ........................... RELATOR ........................................................ RTJSE0003/2000 ....... 2508/2001 ..... Originário: Des. José Barreto Prado ....................................... 27/275

Substituto: Juiz Osório de Araújo Ramos Filho

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - ÍNDICE ANALÍTICO - 291

Índice Analítico

A

Agravo regimental - Denegação de liminar - Cabimento - Tabelionato - RTJSE 27/87Administrativo e processo administrativo - Excesso de prazo - Cerceamento dedefesa - RTJSE 27/115Ação de indenização - Não comprovação do dano moral e culpa dos embargantes -RTJSE 27/151Ação civil pública que proíbe a exploração comercial de máquinas caça-níqueis -RTJSE 27/155Agravo de Instrumento - Guarda de menor - Requerimento - Avó materna - Conces-são - RTJSE 27/161Apelação Cível - Sucessão de instituição financeira - Ilegitimidade passiva -Inocorrência - RTJSE 27/169Apelação cível � Ação de reintegração de posse � Continência evidenciada - RTJSE27/171Ação de consignação em pagamento - Rito inadequado - Improcedência - RTJSE27/173Apelação cível - Responsabilidade civil - Cancelamento de reserva em vôo internaci-onal - RTJSE 27/176Arrendamento mercantil - Contratos bancários � CODECON �- Capitalização dejuros - Proibição - RTJSE 27/187Ação anulatória de débito - Realização de prova pericial - Inversão do ônus da prova- RTJSE 27/195Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato - Inexistência de pro-vas - Colaboração do apelante - Constituição dos bens - RTJSE 27/205Ação ordinária de anulação de ato jurídico - Antecipação de tutela - Alegação deinconstitucionalidade - Incabimento - RTJSE 27/220Ação de indenização por danos materiais e morais - Sinistro não previsto na apólice- Acidente de consumo - Produto defeituoso - Dano - RTJSE 27/225Ação cautelar - Rescisão contratual - Indenização - Improvimento - RTJSE 27/231Agravo criminal - Trabalho externo - Requisitos subjetivos - Preenchimento -Inocorrência - RTJSE 27/243

C

Comércio varejista e supermercados - Funcionamento nos finais de semana e feri-ados - RTJSE 27/138Conflito negativo - Competência das varas privativas - Ente público estadual, muni-cipal e pessoas jurídicas a eles vinculados - RTJSE 27/142Conflito de competência - Vara Privativa de Assistência Judiciária - Competência

292 - ÍNDICE ANALÍTICO - R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001

relativa - RTJSE 27/144Crime de uso de documento falso - Alegação de prescrição retroativa -Descriminalização do fato típico - RTJSE 27/273Ação penal originária - Requisitos e pressupostos - Instauração da ação penal -RTJSE 27/276

D

Depósito prévio - Instância administrativa - Legalidade - Competência concorrente -RTJSE 27/92Declaratória de união estável com a sua respectiva dissolução da sociedade - Par-tilha do patrimônio em comum e alimentos - RTJSE 27/215

E

Embargos de declaração - Alegação de omissão - Reexame dos autos - RTJSE 27/166Estupro - Ausência de prova da violência real - Autoria duvidosa - RTJSE 27/269

H

Habeas corpus - Interrupção - Prescrição retroativa - CPM - Inverificação - RTJSE27/246Habeas corpus - Ministério Público - Nulidade inocorrente e constrangimentoilegal não caracterizado - RTJSE 27/250Habeas corpus - Nulidade absoluta do processo - Competência da justiça federal- Infração penal - Funcionário público federal - RTJSE 27/255Habeas corpus - Laudo - Transcrições áudio-fonográficas - Excesso de prazo -RTJSE 27/258Habeas corpus - Prisão em flagrante - Fuga superveniente - Constrangimento ile-gal - RTJSE 27/262Habeas corpus - Extinção da punibilidade - Decadência do direito de representa-ção - RTJSE 27/266

I

Isenção de Taxa de Inscrição em Concurso Público Estadual - Servidor PúblicoEstadual - RTJSE 27/135Indenização por danos morais - Morte de menor - Policiais - Agentes do Estado -RTJSE 27/208

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - ÍNDICE ANALÍTICO - 293

Indenização - Acidente de trabalho - Responsabilidade objetiva da empregadora -RTJSE 27/233Investigação de paternidade - Exame de DNA em grau de recurso - Exclusão dapaternidade - RTJSE 27/236

M

Mandado de segurança - Descabimento - Lei nº 1.533/1951 - Art. 5.º II - Súmula nº167/STF - RTJSE 27/109Mandado de segurança - Inscrição no Cadastro de Contribuinte - Recusa do órgãofazendário - RTJSE 27/112Mandado de segurança - Remuneração de vereadores - Ajuda de custo e verba derepresentação - RTJSE 27/123Mandado de segurança - Estacionamento rotativo - Parquímetro - RTJSE 27/131Mandado de segurança � Tributário- ISS- Cooperativa de profissionais técnicos -RTJSE 27/131Mandado de segurança - Cabimento - Concubinato incestuoso - RTJSE 27/211

R

Revisão Criminal - Petição escrita e assinada por terceiro - RTJSE 27/148Responsabilidade civil - Dano moral - Cheque com assinatura falsificada - RTJSE27/182Reexame necessário - Multa - Licenciamento - RTJSE 27/203

T

Tributário - Expedição de certidão negativa de débito - Negativa - Sócio integrantede outra sociedade devedora- RTJSE 27/126

Abreviaturas

R. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, Nº 27, 2001 - ABREVIATURAS - 297

ABREVIATURAS

TIPO DO FEITO

AGR � Agravo de InstrumentoAgRg - Agravo RegimentalAC � Apelação CívelACR � Apelação CriminalCC � Conflito Negativo de CompetênciaEI � Embargos InfringentesHC - Habeas CorpusMS � Mandado de SegurançaRN � Reexame NecessárioREC - ReclamaçãoRCR - Revisão Criminal