revista ponto & vírgula - ano 7 | número 10 - setembro de 2015

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Josino Ribeiro vence a chuva e faz sucesso no esporte Regina Souza fala da sua pluralidade na música Cosplay: o sonho de ser super-herói na vida real Renata e Priscilla, mães de Arthur e Theo, obtêm na Justiça a dupla maternidade na certidão de nascimento dos filhos Revista laboratório do Curso de Jornalismo Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

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Revista laboratório do curso de Jornalismo da universidade Fumec

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Page 1: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

Josino Ribeiro vence a chuva e faz sucesso no esporte

Regina Souza fala da sua pluralidade na música

Cosplay: o sonho de ser super-herói na vida real

Renata e Priscilla, mães de Arthur e Theo, obtêm na Justiça a dupla maternidade na certidão de nascimento dos fi lhos

Revista laboratório do Curso de JornalismoAno 7 | Número 10 - Setembro de 2015

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Vídeos na Internet que prometem “orgasmo mental” viram febre

Expediente

ÍNdicE

Laura Aguiar, ex-aluna de Jornalismo da Fumec, investe em pesquisa na Irlanda

Josino Ribeiro

Dupla maternidade

Muros invisíveis

Luta antimanicomial

Virgem juramentada

Self healing

Academia ao ar livre

Regina Souza

Quadrinhos ácidos

Cosplay

Crônica

Universidade FumecPresidente da Fundação: Prof. Mateus José FerreiraReitor: Prof. Dr. Eduardo Martins de LimaVice-reitora: Profª. Guadalupe Machado DiasPresidente do Cons. de Curadores: Prof. Pedro Arthur VicterDiretor-Geral: Prof. Antônio Marcos NohmiDiretor de Ensino: Prof. João Batista de M. FilhoCoordenador do Jornalismo: Prof. Ismar Madeira

Ponto e VírgulaEditor: Prof. Aurelio José SilvaEditora: Profª. Vanessa CarvalhoCoordenação Editorial: Profª. Vanessa CarvalhoCoordenação Proj. Gráfi co: Prof. Aurelio José SilvaTécnico: Luis Filipe P. B. AndradeTécnico: Daniel Washington MartinsRevisão de texto: Prof. Dr. Luiz Henrique BarbosaLogomarca: Rômulo Alisson dos SantosGráfi ca: FumarcTiragem: 2.000Foto de capa: Lucas Rodrigues

Conselho EditorialProf. Alexandre SalumProfª. Ana Paola M. Amorim ValenteProf. Aurelio José SilvaProfª. Dúnya AzevedoProfª. Vanessa Carvalho

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

Ricardo Bastos lança seu olhar sobre as várias

paisagens do Vale do Jequitinhonha

Mãe de atriz global conta como se adaptou à rotina da fi lha após a fama

Foto: Ricardo Bastos

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Nenhuma sociedade perma-nece a mesma por muito tem-po. Somos feitos de mudanças. Muitos afirmam que estamos em crise, que “o mundo está ao con-trário e ninguém reparou. O que está acontecendo?” Talvez esteja-mos realmente próximos do fim, mas não do planeta e, sim, dos padrões, conceitos e dogmas em vigor até então.

Uma grande mudança toma forma e se pronuncia. Já não so-mos os mesmos e nem vivemos como nossos pais. Nossos ídolos também não são os mesmos e as aparências enganam sim, mas, em muitos casos, não fazem diferença. Seja homem ou mulher, por exem-plo, cada um tem o direito de ser, na verdade, o que quiser. Foi uma longa jornada até aqui. Muitos muros foram derrubados.

Hoje mães são pais, pais são mães; a namorada tem namorada e o marido tem marido. A mu-lher é a chefe e o homem, subor-dinado. “Igualdade” ainda que desigual, mas em busca de uma equidade. A caminhada continua árdua. Ainda há muitas pedras

para serem removidas. O precon-ceito racial, a desigualdade finan-ceira, o monopólio, a violência, o individualismo, o ódio, entre ou-tras pedras no meio do caminho.

Mas para você, que ama o pas-sado e que não vê: o novo sempre vem... E nesta edição da Ponto e Vírgula, destacamos para nossos leitores a luta de duas mulheres para serem reconhecidas pela Jus-tiça, na Certidão de Nascimento dos filhos, como Mãe e Mãe; a luta contra os crimes de ódio na Internet; a ininterrupta luta anti-manicomial; a dura realidade de algumas mulheres albanesas; en-tre outros temas da nossa meta-mórfica sociedade...

Convido os que têm medo do novo a um ato de bravura, os re-sistentes às mudanças a uma ren-dição e os saudosistas dos tempos imemoriais (como os de ferro) a olhar para o futuro – e convido você, caro leitor, a ir contra a cor-rente e mergulhar na doce meta-morfose ambulante que é a vida. Como diz o músico-poeta: “mas eis que chega a roda viva e carre-ga o destino pra lá...”

Roda ViVaAurélio José Silva

editoria

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editorial

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hiStÓRiaS do “homEm chUVa”

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entrevista

5Foto: Ana Júlia Ramos

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O jornalista Josino Ribeiro, famoso por protagonizar coberturas em dias chuvosos, conta, em entrevista à Revista Ponto e Vírgula, como conduziu seu sonho de

infância e alcançou sucesso na cobertura esportiva

Nascido no interior de Minas Gerais, na cidade de Coronel Fabri-ciano, Josino Ribeiro se formou no Centro Universitário de Barra Man-sa (UBM) em 1999, onde deu início a um sonho de infância: ser jorna-lista. “Eu vi que tinha a ver comigo a questão do jornalismo de ser um ‘fofoqueiro profissional’, de estar envolvido no assunto”. Josino traba-lhou em emissoras de rádio e mídias impressas, mas se encontrou mesmo na TV. É fascinado por conversar com as pessoas e se sente totalmente à vontade na frente de uma câmera. Passou pelas editorias de política, economia e polícia, mas sempre foi apaixonado pelo jornalismo esporti-vo, área em que trabalhou por mais tempo em sua carreira de 20 anos. Após passar por grandes emissoras de TV como Record, Band, TV Alte-rosa e Rede Globo/SporTV, hoje Jo-sino trabalha como assessor de im-prensa de grandes nomes do futebol e realizou outro grande sonho: abrir sua própria empresa de assessoria.

Por que você escolheu o jor-nalismo? Teve alguma influ-ência nessa decisão?

Eu escolhi porque desde bem pe-queno, ainda no interior, sabia que tinha tudo a ver comigo. Sempre participei de peças de teatros, sem-pre gostei de falar em público, de estar presente, sempre fui orador da turma. Eu vi que tinha a ver comigo a questão do jornalismo, de ser um “fofoqueiro profissional”. Sempre

gostei de política e de esportes. Se vou ganhar dinheiro eu não sei, mas eu gosto disso. Resolvi fazer e não tive dúvidas.

Desde o início do curso, seu objetivo era ser jornalista es-portivo ou passaram outras áreas por sua mente?

Eu sempre tive interesse em ser jornalista esportivo, sempre gostei de futebol. Mas eu procurei traçar um caminho diferente. Queria co-nhecer todas as áreas do jornalismo. Comecei na Band na área policial. Isso me deu uma experiência muito grande. Depois, passei pela política e economia, mas sempre fazendo paralelamente o esporte. Quando eu fui contratado para o esporte da TV Globo, em 2007, já me sentia pre-parado por ter passado por todas as áreas. A parti daí, fiquei só no espor-te.

O que você acha do fato de a sua profissão exigir que você faça muitas viagens?

Eu acho uma coisa bem bacana. Te dá o privilégio de conhecer ou-tros países e o próprio Brasil. Você conhece outras culturas, outros povos, outros costumes. Isso para mim foi maravilhoso porque saí de uma cidade bem pequenininha do interior. Eu me lembro de quando era ainda bem pequeno e falava: “poxa, será que eu vou poder viajar um dia? Conhecer a capital?” Estive

aqui, uma vez, quando era criança e fiquei encantado. Fui à Praça Sete e fiquei deslumbrado com tanta gente. Depois, tive o privilégio de conhecer tantos países e quase o Brasil intei-ro. O jornalismo esportivo, princi-palmente, dá mais oportunidades de viagens. Eu pude conhecer tantos lugares, fazer tantos contatos, que dificilmente teria se tivesse escolhido outra profissão.

Como surgiu essa história de “onde tem Josino tem chu-va?”

Essa história é bem legal. Foi em um jogo em São Paulo, do Campe-onato Brasileiro, que fizemos duas, três horas de pré-jogo – que nós chamamos de ‘ao vivo’ – e estava muito frio. Estávamos eu, Milton Leite, Maurício Noriega, Vanessa Riche, que são personalidades do mundo esportivo, e fui para o gra-mado. Daí, a Vanessa me chamava e, quando começava a falar ao vivo, começava a chover. Aí, quando eu parava de falar, ia para o caminhão de transmissão esperar minha se-gunda chamada, e a chuva parava. Eu voltava para o gramado e vol-tava a chover. Milton me chamava do estúdio e chovia, daí ficou esse negócio. O pessoal começou a brin-car com essa história: ‘você começa a falar e chove, depois sai e para’ e essa brincadeira toda foi ao vivo e, realmente, na maioria dos lugares que fazia transmissão chovia demais e eu mal conseguia falar. Eu chega-

Por Ana Carolina Angotti, Ana Júlia Ramos, Ana Luiza Lima, Marina Fernandes e Alexandre Cunha

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015

entrevista - josino ribeiro

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Page 7: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

va na cidade e estava um sol mara-vilhoso, quando eu ia para o gra-mado, chuva. Quando fomos para o mundial, eu fiquei 32 dias no Peru acompanhando a Seleção Brasileira e não chovia há muito tempo na ci-dade – mas, nesses 32 dias que eu estive lá, não parava de chover. Eu queria fazer matérias e elas caíam porque chovia sem parar. O pessoal que trabalhava nos hotéis que nós ficamos com a seleção saía de ter-no para tomar chuva. Eles ficavam encantados de ver tanta chuva e, a partir disso, virei ‘o homem chuva’. Até mesmo quem não me conhecia dizia ‘olha lá o homem da chuva’.

Sempre acontecem episódios inesperados na profissão de repórter. Já aconteceu algum que transformou o rumo de sua reportagem?

Já aconteceram coisas boas e ruins. No jornalismo você tem mui-to a questão do imediatismo, do im-proviso de fazer ao vivo. Eu estava fazendo, ao vivo, um jornal de rede nacional na Record, e a editora pas-sou pelo ponto que tinha dado um problema na parte técnica, que não estávamos mais no ar. Então, parei de falar. Só que estávamos ao vivo ainda para todo o Brasil. Para quem estava em casa vendo o jornal, deu a entender que eu estava perdido, que eu me perdi e parei de falar. Só que não foi nada disso.

Na assessoria esportiva, como você lida com um jogador que não se expressa bem?

Bom, para mim, o atleta não tem a obrigação de ter a minha forma-ção. Ele tem obrigação de conhecer coisas que rodeiam a vida dele. Não é só pelo fato de ele receber um salá-rio alto que não tem que saber nada da vida, mas, muitos, de fato, sabem muito pouco. Ele não tem que saber

se expressar como eu, que sou um jornalista formador de opinião. Eu tenho que estudar e saber das coisas que estão acontecendo no mundo. Eu trato com muita naturalidade. Procuro fazer minhas entrevistas

deixando o atleta bem à vontade e no universo dele. Você não pode fazer uma entrevista com um atleta e perguntar a ele sobre política. Ele não vai te informar sobre isso. Ele não é desse meio.

Josino Ribeiro, assessor de comunicação de grandes nomes do esporte

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015

josino ribeiro - entrevista

7Foto: Ana Júlia Ramos

Page 8: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

Em qual veículo de comuni-cação você se sente mais à vontade trabalhando?

Eu tive o privilégio, em 19 anos de profissão, de fazer rádio, jornal impresso, criei alguns sites para empresas e, nesses anos todos, fiz televisão. Como já disse, sempre me senti muito a vontade diante das câmeras da TV, esse equipamento bonito que, muitas vezes, deixa as pessoas assustadas. Sempre me sen-ti falando não com um equipamen-to, mas, sim, com pessoas. Estou conversando com pessoas, dando uma informação, criando vínculos, formando opinião. A TV sempre gerou isso. Todo mundo tem um sonho, quer chegar a alguma em-presa, algum tipo de veículo de co-municação e, para mim, foi muito natural. A TV me deu tanta coisa, tanto espaço, abriu tantas portas. Então, sempre me identifiquei mui-to com a televisão. O imediatismo da televisão sempre me encantou.

Você tem um time de futebol de coração? Se sim, isso pode acabar ou já acabou te influenciando em algum de seus trabalhos?

Essa pergunta é muito legal porque me dá a oportunidade de dizer para quem está começando – principalmente para quem quer seguir o caminho do jornalismo esportivo: o meu time do coração é a minha empresa. Claro que eu tenho um time, mas eu nunca ex-pressei porque acho que, quando você está nessa área, cria uma éti-ca não expressando ‘o meu time é o time A, o time B’, Cruzeiro, São Paulo, Atlético Mineiro, América, Corinthians. Poxa, não tem mais time. Eu acompanho um time, acompanho outro, cubro vários campeonatos durante tantos anos – como eu vou torcer para o time A sendo que acompanho o time B e seus respectivos jogadores, que

também circulam por esses clubes? Criar identificação com uma torci-da só não é legal para nós e nem para a nossa carreira – não é legal para vocês que estão começando nem para mim, que tenho 20 anos de carreira. Minha política de tra-balho sempre foi essa e, para mim, foi o caminho certo porque eu me dei muito bem em todos os clubes por onde eu passei como jornalis-ta e nunca tive um atleta dizendo: ‘você fala isso porque você torce para o time A ou time B’. Então, eu fui sempre muito respeitado. Quando você entra para o cami-nho do jornalismo, você pega a ca-misa do seu time, coloca na gaveta e a deixa lá.

Em seu trabalho de asses-sor, com quais nomes você já trabalhou ou trabalha atualmente?

Eu tenho uma empresa de as-sessoria com atletas profissionais. Hoje, trabalho com grandes nomes do Cruzeiro, do Atlético, da Se-leção Brasileira. O Ceará é clien-te da minha empresa, o Talmo, o Marquinhos e o Bruno Edgar do Cruzeiro, o Datlo, o Edcarlos. Tem

atletas na seleção feminina e mas-culina. E o porquê disso? Pelo fato de esses atletas, que têm nome, um nome a zelar no mundo esporti-vo, confiarem que o meu nome, da minha empresa, que a marca ‘Jo-sino Ribeiro’ conduzirá a carrei-ra deles de uma maneira positiva. Hoje tenho atletas com 16 anos, em formação, como tenho atletas renomados que foram campeões de tantas coisas e conquistaram tantas coisas, tantos títulos, mas entregaram a carreira em minhas mãos para que eu possa conduzi-la. É um trabalho muito legal, mui-to diferente de tantas coisas que eu fiz. Eu preparo essas pessoas no dia a dia para que possam, da maneira deles, dar o recado do que é ser um atleta de sucesso.

Para você, pode existir um conflito de interesses entre a profissão de assessor e de repórter?

Não existe porque, hoje, eu não trabalho mais como repórter. En-cerrei minha carreira como repór-ter. Tanto é que eu saí da TV Glo-bo para poder conduzir a minha empresa, exatamente para evitar esse conflito. Meu problema não é se trocou de mulher, o que faz na sua vida pessoal, mas, sim, a ques-tão do atleta em si. Nunca criei um grande vínculo de amizade com ne-nhum atleta. Não teria como fazer isso tendo uma empresa que cuida da carreira dele, isso é muito com-plicado. Eu jamais trabalhei assim. Por isso, cortei meu vínculo com a reportagem para conduzir essa empresa. Então, hoje faço isso com naturalidade, com segurança, com firmeza de que eu estou fazendo um trabalho que não tem mais vín-culo com outra área. Não sou mais funcionário de nenhuma empresa, pois, realmente, ficaria uma coi-sa totalmente antiética para mim como profissional

Quando você entra para o caminho do

jornalismo, você pega a camisa do seu time,

coloca na gaveta e a deixa lá

Josino Ribeiro

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entrevista - josino ribeiro

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Theo e Arthur foram gestados por uma mãe com os óvulos da outra mãe; agentes penitenciárias optaram

por fertilização in vitro e obtiveram na Justiça o reconhecimento legal de dupla maternidade

POR CLARA BARBI, JACKELINE OLIVEIRA E MARIA CLARA GONÇALVES

Renata segurando Arthur e Priscilla segurando Theo

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 9Foto: Lucas Rodrigues

Page 10: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

“No nosso primeiro encontro, eu disse que queria ter filhos e, se ela não quisesse, poderia ir embora”, conta Renata Batista, 33. A agente penitenciária esperava que Priscilla Concer, 33, sua colega de trabalho, se levantasse da mesa do jantar e fosse embora. “Ela me assustou um pou-co. Eu já havia pensado em adoção, mas era uma ideia vaga, não era uma vontade forte, até que a Renata veio com essa ideia maluca e eu peguei para mim”, conta Priscilla. O relacio-namento que ninguém acreditava no futuro, nem mesmo o casal, em abril deste ano gerou Theo e Arthur.

“Muita gente tira essa ideia de família da cabeça quando se vê ho-mossexual. Pensa que é impossível ter uma família. Eu não! Me descobri homossexual com 23 anos e, mesmo depois disso, comecei a pesquisar for-mas até chegar a inseminação e ferti-lização.” Todas as clínicas que Rena-

ta procurou, na época, responderam com um “não” porque o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não havia sido regulamentado. “Ape-nas uma clínica em Ribeirão Preto (SP) me deu uma resposta positiva, então, já sabia qual seria o meu cami-nho, só precisava esperar o tempo.”

O sonho de Renata, que foi adia-do por quase dez anos, tornou-se possível após seu casamento com Priscilla, em 2013, quando já se en-contravam financeiramente estáveis. Escolheram a fertilização in vitro, regulamentada pelo Conselho Regio-nal de Medicina (CRM), em que os óvulos são fecundados por esperma-tozoides manipulados e os embriões resultantes são implantados no útero materno. “Inicialmente, o plano era eu ficar grávida com os meus óvulos, mas, amadurecendo a ideia em algu-mas consultas, cheguei para Priscilla e falei da possibilidade de pegar os

óvulos dela porque, aí, todo mundo estava participando. Eu estaria rea-lizando o meu sonho, seria mãe de todo o jeito e ainda com o bônus de ter filhos parecidos com ela. Escolhe-mos as características do doador de acordo com as minhas características e, com os óvulos dela, esperávamos filhos parecidos com as duas”, diz Renata. No hospital Sofia Feldman, no dia 22 de Abril, pesando 2,2kg e 1,5kg respectivamente, nasceram Theo e Arthur.

Priscilla, que antes de se descobrir homossexual esteve em um relacio-namento heterossexual – namorou durante seis anos e estava noiva de um rapaz – desistiu de tudo quando, aos 27 anos, se apaixonou por uma mulher. Apesar das inúmeras dificul-dades para se aceitar, viveu esse pri-meiro relacionamento em silêncio. “ Depois de um tempo, peguei as coisas do meu passado, e puxando na me-

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201510 Fotos: Lucas Rodrigues e Aquivo Pessoal

comportamento - dupla maternidade

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mória minha adolescência, percebi que tinha muita coisa que me dava pistas de que era homossexual, mas não entendia.”

Renata se descobriu homossexual aos 23 anos, quando se apaixonou por uma amiga da igreja. Ficaram juntas por quatro anos, escondidas de todos. “Todo homossexual tem a sua história. Não é uma coisa que acontece de um dia para o outro, não é fácil se descobrir nesse meio. Eu sempre fui religiosa, era aquela be-atinha de igreja, ficava lá 24 horas. Vivi uma situação em que a minha igreja foi completamente contra. So-fri muito com essa descoberta. Passei por esse processo sozinha, não contei com ninguém. Só podia contar com Deus e foi um período terrível.”

Antes do encontro com Priscilla, Renata conta que se apaixonou pri-meiro pela moto da colega de traba-lho e, em seguida, quis saber a quem

pertencia. “Com uma moto dessas, a pessoa só poderia ser muito inte-ressante”, lembra. E não deu outra, quando se conheceram a química aconteceu. Apesar disso, somente após três anos, o namoro engrenou.

Foram mais três anos de namoro até que resolveram se casar. Junto com a decisão do casamento, assumiram-se para as famílias que, até então, as viam como amigas. “Foi um passo muito grande, estávamos com medo de falar e nossas famílias nos rejeitarem, mas, na verdade, o preconceito era nosso. Ainda não tínhamos conseguido lidar com essa situação. Só fomos conver-sar com nossas famílias quando mar-camos o casamento. Já chegamos com o convite em mãos”, conta Renata. Diferentemente do que esperavam, a reação dos familiares foi positiva. “A partir do momento em que nos acei-tamos, nossas famílias e a sociedade também nos aceitaram”, afirma.

O desejo inicial era de que já sa-íssem da maternidade com os docu-mentos registrando a filiação para garantir os plenos direitos sobre os nascituros. Infelizmente o documen-to de Nascidos Vivos foi registrado apenas no nome de Renata.

No dia 28 de maio o Ministério Público do Estado de Minas Gerais deu parecer contrário ao pedido de registro de nascimento com pa-rentalidade afetiva, alegando que é possível que os bebês possam passar por situações vexatórias, bem como constrangimentos, por possuírem du-pla maternidade em registro.

Porém, no dia 21 de agosto, o Su-premo Tribunal Federal foi contra o parecer do Ministério Público de Minas Gerais e julgou procedente a certidão de nascimento ter o nome de ambas figurando como mães dos gêmeos.

A juíza Christina Bini Lasmar

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 11Fotos: Lucas Rodrigues e Arquivo Pessoal

dupla maternidade - comportamento

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ressaltou que os gêmeos são fruto de uma maternidade planejada e deter-minou que o(a) Oficial do Registro Civil faça constar na Certidão de Nascimento de Arthur Batista Con-cer e Theo Batista Concer que Renata Batista do Amaral e Priscilla Kellen Concer são, ambas, mães e os nomes de seus genitores constem, ainda, na condição de avós maternos.

O caso foi fundamentado na juris-prudência, ou seja, decisão sobre in-terpretações das leis feitas por tribu-nais de uma determinada jurisdição, por não existir lei a respeito. “A lei é muito omissa, ela te permite um di-reito e te exclui um que é paralelo a ele. Não faz sentido ter todos os di-reitos civis de casados, mas não po-

der registrar os filhos dessa forma”, diz Renata. A advogada Zaphia Bo-roni, 26, responsável pelo caso, diz que apesar da regulamentação do casamento de casais homossexuais, eles não conseguem de livre e espon-tânea vontade registrar as crianças em nome das duas.

Apesar do caráter de urgência no processo, os bebês nasceram antes da sentença final. Neste caso, houve uma solicitação de antecipação de tutela, que é uma forma de se antecipar o mérito da questão.

Polêmica “Não existem duas mães. Mas

isso é imoral, é pecado, é doença, é perversão. Isso não é natural”. Esta

frase foi dita pela personagem Lais, na novela das 21h da Rede Globo, Babilônia, interpretada pela atriz Luisa Arraes, no momento em que descobriu que seu namorado, Rafa-el, interpretado por Chay Suede, foi criado por duas mulheres. Apesar de aparentar uma realidade distan-te, esse é um dos medos de Priscilla e Renata, ao exporem seus filhos à sociedade. Em entrevista à revista Ponto e Vírgula, elas comentam os temores presentes em suas vidas ao pensarem, que seus filhos podem sofrer preconceitos devido à orien-tação sexual do casal.

“Nosso casamento tem sido só flores, e tenho até medo disso, por-que talvez as nossas pedras vão ser

Arthur passou uma cirurgia de correcão de esôfago e está em acompanhamento médico

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201512 Fotos: Lucas Rodrigues

comportamento - dupla maternidade

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na educação dos meninos”, comenta Renata. Com o intuito de criarem as crianças preparando-as para futuras situações que elas poderão passar às mães, já pensam em como vão edu-car e explicar para os meninos, “eles vão viver no mundo, em uma escola, com coleguinhas, pais e mães de co-leguinhas que têm pensamentos di-ferentes dos nossos, e talvez vão ser essas pedras. Porque nós sofremos com o preconceitos por nossos atos, nossa orientação é uma coisa, agora colocar nossos filhos para viver isso por nossa causa é um peso muito grande. Teremos que ter uma clareza muito grande para passar essas in-formações para eles, desde sempre vão saber como foram concebidos, e

que acima de tudo foram feitos com muito amor”, comenta Renata.

O maior receio não é com os cole-gas, mas sim com os pais deles. Elas têm medo de que na escola ou em festas os colegas não possam brin-car com meninos, devido à estrutura familiar de Theo e Arthur; “as crian-ças não tem preconceitos, quem tem preconceito são os adultos, que os influenciam”, afirma Renata.

As duas explicam que, a partir do momento em que Theo e Arthur conseguirem entender a estrutura familiar em que vivem, vão deixar tudo às claras, dando-lhes suportes e instrumentos para saberem lidar com as situações que irão enfrentar ao longo da vida. Com muito diá-

logo, e sem histórias, as mães pre-tendem deixar os meninos prontos para enfrentarem a realidade. “No futuro, eles podem despertar o de-sejo de terem um pai. Vamos ter que saber lidar com isso, informá-los que a falta da presença paterna é devido a nossa condição. Mas que o fato de eles não terem um pai não quer dizer que eles são menos ama-dos. Afinal se mãe é a melhor coisa do mundo, eles tem duas”, comen-ta Renata. “Desde que eles consi-gam nos entender, vamos falar e explicar tudo a eles, e à medida em que forem crescendo, esses questio-namentos que os coleguinhas vão fazer não vão fazer diferença”, co-menta Priscilla

Theo que nasceu com 2,2kg e foi para casa dois dias depois de seu nascimento

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 13

dupla maternidade - comportamento

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A internet parece erguer um muro entre nordestinos e o resto do Bra-sil, entre negros e brancos, entre ho-mossexuais e heterossexuais etc. A geração tecnológica que deveria ser mais tolerante e aberta às diferenças devido à facilidade de debate e vas-ta diversidade, ao se esconder atrás de um computador, celular, o que seja, acaba por construir um novo muro de Berlim em pleno século 21. O jovem Gustavo Guimarães, de 19 anos, vítima de homofobia nas redes sociais, reconhece que a internet é

um meio de comunicação extrema-mente eficaz, que possui inúmeros benefícios. Mas sabe também do lado perigoso. “Um meio tão abran-gente e tão acessível reserva perigos ocultos; o conteúdo publicado pode ser acessado por quase todo o mun-do, as informações são compartilha-das em alta escala e, portanto, esta-mos sujeito ao julgamento de outras pessoas de índole desconhecida”, observa.

O estudante de engenharia de produção conta que, certa vez, pos-

tou uma foto em um grupo do Fa-cebook e recebeu comentários pre-conceituosos em sua foto. Gustavo foi chamado de “frutinha”, “bixa”, “viado”, além de ser comparado ao cantor Justin Bieber com conotação pejorativa. Gustavo Guimarães disse que, naquela época, aqueles comen-tários o incomodaram, mas que hoje já não o afetam mais. “Me senti mal naquele dia, percebi que a minha foto estava ali aberta a qualquer jul-gamento possível, vindo de qualquer pessoa, toda essa exposição acabou

mURoS iNViSÍVEiSPreconceito é a base das novas barreiras sociais do séc. 21

Karoline Marques ao lado do viner Pedro Lucas, que sofreu preconceito nas redes sociais por ser negro

Por Amanda Magalhães e Clara Barbi

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201514 Foto: João Góes Ozanan

comportamento

Page 15: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

sendo prejudicial”, desaba-fa.

Ao criar uma sensação de impunidade, as redes sociais estão registrando cada vez mais casos de preconceito entre internautas. Perfis xe-nofóbicos, homofóbicos e racistas em diversas redes sociais trazem de volta os discursos de ódio, não em proporções como os de Hi-tler e dos nazistas nos anos anteriores ao muro, mas de alcance suficiente para mu-dar vidas. Proibido e punível por lei no Brasil, esses discur-sos parecem não ter controle eficiente nas redes sociais. “As redes sociais são muito ‘boas’ a partir do momento em que quero me preservar, manter o anonimato, escon-der qualquer coisa”, afirma a socióloga Astréia Soares.

Daniela Brandão, 20 anos, conta que também foi víti-ma de homofobia nas redes sociais. Um colega de classe ironizou a orientação sexual da estudante em forma de comentários em uma foto no Facebook, porém, ela diz que não se sentiu humilhada “Quem passou vergonha foi ele, pois todos meus amigos o repri-miram via comentário. Eu apenas o bloqueei e nunca mais lhe dirigi a palavra”, disse. A jovem mostra a sua frustração com essa geração tec-nológica: “às vezes, me surpreendo com a atitude de alguns jovens. Es-tamos em uma época muito aberta à informação, à história. É só olhar para o presente, ou para o passado, para ver quantas pessoas morreram ou sofreram com esse tipo de opi-nião que condena por julgamentos falhos”.

O psiquiatra Evaristo Tostes con-ta que o preconceito vem desde as tribos de nossos antepassados. Em

uma tentativa de proteger as especi-ficidades do seu povo, as tribos fala-vam mal uma das outras. E, então, o preconceito prevaleceu até os dias atuais. “Geralmente quem precisa praticar esses atos é uma pessoa in-segura, que não está satisfeito com si mesmo, ou não se sente segura no meio em que vive”, afirma. Evaristo Tostes diz ainda não entender o po-der das redes sociais na vida de uma pessoa. “Ainda não temos noção da abrangência das mídias sociais e do nível de sua influência. Dependendo da dimensão que isso tomar e da sa-tisfação da pessoa com ela mesma, o preconceito pode levá-la a um sofri-mento enorme”, observa.

O jovem Pedro Lucas Silva, de 22 anos, é conhe-cido na internet por fazer vídeos rápidos em uma rede social chamada “Vine”. Ele conta que, certa vez, tirou foto com algumas meninas, que num primeiro momen-to se mostraram resistentes por ele ser negro, mas que, depois, quando postaram as fotos em suas próprias redes sociais, receberam comentá-rios preconceituosos como: “você tira foto com qual-quer um? Depois é roubada e não sabe o porquê”. Pedro Lucas diz que esse tipo de coisa não o afeta mais, como um dia já afetou. “Tenho personalidade forte e sei dos meus direitos. Mas me preo-cupo com as pessoas que são como eu e não têm como se defender”, afirma.

“O que vemos, além do preconceito, é o descaso com o outro. Não é um precon-ceito com todos, o problema é o outro (...) Por exemplo, quando falam do negro, eles falam dos outros negros, não daquele que é meu ami-go porque aquele é legal. O problema está no outro”,

afirma Astréia Soares. Para ela, o problema vai além do preconceito, pois é também uma crise na percep-ção da convivência com o outro – que não deixa de ser o fundamento da vida em sociedade. “Essa geração deveria ser mais aberta por ser uma geração mais exposta às diversida-des. Mas o preconceito em si não é uma coisa de geração, essa explosão que nós estamos vendo é uma coisa do momento, as pessoas se sentem mais à vontade para exporem seus preconceitos com o advento da in-ternet e das redes sociais”, afirma.

“Discurso de amor”

Daniela foi vítima de homofobia na internet

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 15Foto: João Góes Ozanan e Clara Barbi

muros invisiveis - comportamento

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A letra da música “Quem Planta o Preconceito”, da banda de reggae Natiruts, deixa claro a influência da sociedade preconceituosa em que vivemos na formação do indivíduo: “Crianças não nascem más, crianças não nascem racistas. Crianças não nascem más, aprendem o que a gen-te ensina.”

No Twitter, os perfis que insis-tem em disseminar o preconceito são combatidos por pessoas que usam as suas contas para expor os preconceituosos, com o intuito de gerar constrangimento ao discurso de ódio. Exemplo dessa ação são os perfis “Não Sou Homofóbico” (@naosouhomofobico) e “Não Sou Racista”(@naosouracista). Essas contas fazem uma crítica àqueles

que falam, por exemplo, “Não sou racista/homofóbico, até tenho ami-gos que são.”

Já o jovem Phellipe Wanderley criou uma conta no Instagram cha-mada Coisas Boas Acontecem (@coi-sasboasacontecem) e a utiliza para espalhar mensagens motivadoras do dia a dia. A descrição de seu perfil é: “Deixe a vida mais positiva e fuja dessa negatividade que esbarramos todos os dias na internet. Dê um regram e espalhe amor!”. Phillipe teve uma de suas imagens espalha-da por todas as partes do país, após às eleições, que dizia “O nordeste é lindo, o seu ódio não”. Além disso, o jovem ajuda a disseminar as men-sagens no seu perfil pessoal e em seu Facebook.

Essas contas, entre outras, criam uma rede de pessoas capazes de dis-seminar o amor, as diferenças e com-bater o ódio. Espera-se que possam inspirar muitos outros e que, aos poucos, esse pensamento mude e o “muro de Berlim brasileiro” caia.

O vexame das eleições Nas eleições de 2014, os nordes-

tinos e nortistas foram novamente alvo de depreciações nas redes so-ciais. Os discursos retomavam uma discussão antiga no país, eles faziam referência ao interesse de alguns em separar as duas regiões do resto do país. Esse preconceito, no entanto, não é recente. Uma das músicas in-terpretadas por Elba Ramalho, em 1984, já mostrava esse preconceito: “Já que existe esse conceito, que o nordeste é ruim, seco e ingrato. Já que existe a separação de fato, é pre-ciso torná-la de direito”. O que a cantora escreveu na canção “Nor-deste Independente”, há 30 anos, mostra a dificuldade de evolução do pensamento brasileiro.

As agressões contra as regiões, dessa vez, se deram devido à quanti-dade de votos recebidos pela reeleita Presidente Dilma sobre seu opositor Aécio Neves, na região nordeste, e pelo atraso na contagem de votos causada pela diferença de fuso ho-rário em alguns estados do norte. Discursos xenofóbicos causaram grandes discussões na internet. O questionamento gira em torno de até onde vai a liberdade de expressão de cada um e o poder das redes sociais nesses casos de preconceito.

Apesar das constantes publica-ções que atingem os nordestinos e nortistas desde as eleições de 2010, diversas campanhas de valorização das regiões começaram a aparecer, para combater esse preconceito. E então, aparecem pessoas com seus “discursos de amor” que nos fazem acreditar na mudança da geração

Phellipe Wanderley espalha mensagens de motivação pela internet

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201516 Foto: Divulgação/Instagram

comportamento - muros invisiveis

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A luta antimanicomial que acontece há 28 anos acende o alerta de como as pessoas que sofrem distúrbio mental devem ser tratadas

adequadamente, diferente da maneira dos manicômios

Por Marcella Souza, Renata Andrade e Samara Reis

Integrantes da Associação de Trabalho e Produção Solidária - Suricato

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 17

sociedade

Fotos: Renata Andrade

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Os manicômios, termo utilizado para denominar os lugares que re-colhem os doentes mentais para o tratamento sistematizado, onde fi-cavam enclausurados em condições desumanas e sem nenhuma tentativa de reinserção social começaram suas atividades no início do século XIX. Mas já havia há internação de lou-cos em hospícios, asilos, casas, desde pelo menos o século VII.

Com o passar do tempo houve uma mudança na sociedade que era necessária e já vem ocorrendo há al-gum tempo. Apesar das mudanças já vistas, como o tratamento aberto, o professor de psicologia Jacques Akerman reforça que ainda tem uma representação hegemônica de que a loucura é algo terrível e que este es-tigma é próprio da cultura vivida.

A Luta Antimanicomial surgiu em 1987 no encontro de Trabalha-dores da Saúde Mental, em Bauru, e tinha como lema “por uma socie-dade sem manicômios”. Havia uma resistência nacional, o movimento buscou trabalhar a questão primei-ra nos Estados do Brasil. Minas Ge-rais foi um dos Estados pioneiros a aprovar uma lei antimanicomial. O movimento cresceu em outros esta-dos e foi aprovada uma lei federal contra o tratamento manicomial. O movimento acontece anualmente no dia 18 de maio, que é o dia interna-cional da ação antimanicomial. Dia 18 de maio de 2015, em Belo Ho-rizonte, houve um protesto em prol da luta e trazia o tema, “Para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça”. O movimento luta pelo direito dessas pessoas viverem em sociedade, sem que sejam isola-das, vencendo assim o preconceito que sofrem. Propõe também inova-ções no tratamento do cidadão com transtornos mentais, ou seja, trata-mentos abertos, auxiliando contra a exclusão do louco e da loucura.

De acordo Rafael Júnior de Cas-tro, estudante do 9° período psicolo-

gia da Universidade FUMEC, é fun-damental, a diferença de ordem de tratamento humano. “Os manicô-mios eram uma reclusão, as pessoas ficavam lá para serem domesticadas, para serem excluídas. Já a assistên-cia aberta, os doentes mentais têm a oportunidade de ter certa auto-nomia, inclusive espaço físico, essa proposta é para que elas possam cir-cular nos espaços”, comenta.

Para o aluno Felipe Duarte, estu-dante do 8º período de psicologia da Universidade FUMEC, 29 anos,

o que acontcia nos manicômios era totalmente desumano, os do-entes mentais eram tratados como animais, não tinham cuidado com eles, além de não haver tentativa de reinserção social. Ele acredita que as pessoas ficam perturbadas nos mani-cômios. “O indivíduo passa a morar em um local desprovido de vinculo social, então imagino que seja meio psicótico o processo do tratamen-to”, observa.

Com o intuito de reinserir os “loucos” na sociedade surgem al-guns núcleos, tais como: os Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAM’s), o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e o Centro de

Convivência. As instituições devem buscar um modo efetivo de reinserir essas pessoas nas relações sociais da sociedade.

Os defensores do fim do manicô-mio como Gisele Amorim, Gerente do Centro de Convivência da zona Oeste, afirmam que manicômios são campo de concentração. “Aquilo não é tratamento, aquilo é punição, o sujeito não precisa ser punido por ter um sofrimento psíquico”, diz Gi-sele. Já Tereza dos Santos, que tra-balhou no ambulatório como psicó-loga e depois como chefe de serviço do Hospital Galba Veloso, acredita que cada caso deve ser analisado. “Depende do caso. Há alguns casos, a internação faz-se necessária para a segurança do paciente e de outros que o rodeiam. Porém pensar no tra-tamento ambulatorial é um objetivo que devemos sempre perseguir”, pontua.

Uma questão importante e que também é uma barreira a ser ven-cida, é a participação da família nos tratamentos. Muitas têm medo, vergonha de reinserir o louco na so-ciedade, pois esse é associado como perigoso, incapaz, improdutivo. Sem saber como lidar com a situação alguns familiares deixam de visitar os internados, perdendo o contato e dificultando o tratamento, uma vez que a família é essencial nesse pro-cesso. Se a família aceita o doente mental, será mais fácil para o mes-mo se aceitar, buscando assim levar uma vida normal, comenta Gisele Amorim.

É comum que estudantes psicó-ticos, quando vão escolher a profis-são se interessem pela comunicação. Essa escolha se dá devido aos alunos acreditarem que o curso de comuni-cação ira ensiná-los a como se co-municar com o próximo, diz Jacques Akerman.

Percebe-se que a transição dos manicômios para os tratamentos abertos proporcionou aos frequen-

“A gente participa de todas as

reuniões da casa durante a semana,

são reuniões de colegiado, como

aqui é um coletivo ninguém toma

decisão”Diz Valter

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201518

sociedade - maluco beleza

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tadores dos Centros de Convivência resultados positivos nos tratamentos fazendo com que fossem inseridos no mercado de trabalho. Um exem-plo disso é a Associação de Trabalho e Produção Solidária, Suricato, que está na ativa há 10 anos. O Surica-to trabalha com qualificação técnica e conceitual com verba cedida pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador e também com recursos do Ministério do trabalho. A associação é formada, em grande parte, por pessoas porta-doras de sofrimento mental, segue a política de trabalho de inclusão social e dá às pessoas a oportunida-de de trabalhar em quatro núcleos: culinária, marcenaria, mosaico e ar-tesanato. Para comemorar esses 10 anos, a Associação fundou há 1 ano o Centro Cultural, localizado no Bair-ro Floresta, Rua Souza Bastos, 175. O Centro Cultural é uma casa que funciona como demonstração e que foi decorada com objetos produzi-dos pelos doentes mentais e todos os objetos expostos estão a venda. Nele pode-se encontrar também uma loja, com produtos confeccionados pelos 42 integrantes dos núcleos, com ida-de entre 21 e 80 anos.

Segundo Marta Soares, gerente do Centro de Convivência São Pau-lo e terapeuta ocupacional, todos os objetos e produtos presentes na casa são resultado de muita vontade de acertar, de superar mitos da incapa-cidade produtiva e da periculosida-de, mostrando que não são como esses exageros vistos por aí.

A identidade da casa é a alegria, a alegria de estar aqui trabalhando e a espontaneidade que é uma marca da Suricato. O atendimento é diferente os trabalhadores do Centro Cultural recebem as pessoas com um sorissão aberto e as tratam de uma forma di-ferente, o que encanta todo mundo que frequenta a casa.

Os núcleos de serviço e aprendiza-gem não funcionam no mesmo local que o Centro Cultural. OS quatro

núcleos ficam espalhados pela cida-de, que mandam seus produtos de acordo com a demanda. O núcleo de costura conta com uma barraca na feira da Av. Bernardo Monteiro e até pouco tempo atrás também possuía uma barraca na Feira Hippie onde comercializavam produtos da área da marcenaria e do mosaico.

A Suricato não distribui as tarefas de modo em que fique centralizadas só em uma pessoa, através de reu-niões, através de combinados busca estar sempre dando suporte um ao outro. “A gente participa de todas as reuniões da casa durante a sema-na, são reuniões de colegiado, como aqui é um coletivo ninguém toma decisão”, diz Valter, produtor do grupo de mosaico, garçom no Cen-tro Cultural e integrante da comis-são de comunicação da Associação.

Muito dos integrantes da Suricato fazem parte da rede de tratamento mental. Uma das premissas da Asso-ciação é estar em tratamento, porque não adianta a pessoa se enquadrar no quesito de trabalhador da Suri-cato, mas não fazer o tratamento. O tratamento é feito com psiquiatras e

psicólogos nos Centros de Referên-cia, no Centro de Convivência.

A rede de saúde mental de Belo Horizonte hoje é a mais avançada do país é modelo para o pai intei-ro, porque possuí essa estrutura de atendimento em liberdade, fora dos manicômios, a nossa luta é antima-nicomial. A Suricato é pioneira no Brasil. A Associação recebe visitas de várias pessoas de outros estados do Brasil querendo adotar esse mo-delo, e do exterior também, porque a gente trabalha nos moldes das co-operativas italianas.

A Associação é uma empresa so-cial, e a missão é fazer com que as pessoas que tem distúrbio mental achem no trabalho o que dá prazer, fazendo com os loucos sejam levados de volta para a sociedade através do trabalho. É um trabalho de inclu-são social. “Eu gosto daqui, convivo bem com os clientes, com os meus amigos que trabalham aqui, é muito bom”, comenta Alan Albuquerque, 35 anos, garçom e produtor do nú-cleo de mosaico.

Objetos produzidos pelos doentes mentais e que estão a venda

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 19

maluco beleza - sociedade

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Loucura na Liberdade

Os alunos do curso de psicologia da FUMEC se reuniram no espa-ço de convivência do prédio FCH duas horas antes de partirem rumo a Praça da Liberdade com o intuito de participarem da passeata da luta antimanicomial. Organizaram uma oficina onde montaram diversos car-tazes com frases como “a liberdade é o melhor remédio” e “trancar não é tratar”, decoraram camisas que foram confeccionadas exclusiva-

mente para a Luta Antimanicomial e se enfeitaram com tintas, maquia-gens, brinquedos, e outras coisas. O diretório acadêmico do curso também foi todo modificado, com o sofá virado, várias coisas jogadas pelo chão e pouco espaço livre, com a intenção de parecer completamen-te bagunçado (remetendo ao estado dos quartos de um manicômio).

Já na chegada a Praça da Liber-dade foi observado um grande mo-vimento. Grupos de diversos centros de convivência estavam reunidos, e

havia tanto os trabalhadores dos centros quanto pacientes. Cada cen-tro trajava roupas diferentes, todas muito trabalhadas, cheias de cores, papéis, desenhos e faixas. Também havia um trio elétrico onde tocava um samba enredo feito exclusiva-mente para o movimento e que mais tarde desceria com as pessoas rumo a Praça da Estação em um grande desfile. O movimento deste ano foi uma homenagem à Franco Basaglia, psiquiatra italiano, que veio ao Bra-sil e visitou Minas Gerais

Manifestantes da Luta Antimanicomial Camisa do professor de psicologia da FUMEC

O nome surgiu de um usuário do Centro de Convivência Pampulha, ele sugeriu o nome Suricato pela forma como que esses animais se organizam. Eles sobrevivem a intempé-ries das Savanas Africanas no sistema de cooperativa, então os mais novos tem respeito com os mais velhos, tem sempre um guarda de prontidão para alertar contra predadores. Eles sozinhos não sobrevivem, só sobrevivem graças a esse sistema de cooperativismo.

Curiosidade

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201520

sociedade - maluco beleza

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ViRgEm JURamENtada

As virgens juramentadas são mu-lheres que assumem um voto de cas-tidade e passam a usar roupas mas-culinas para viverem como homens na patriarcal sociedade albanesa do norte. A origem da tradição das virgens juramentadas foi no Código de Lekë Dukagjini, ou simplesmente o Kanun, um conjunto de normas e leis utilizadas principalmente no norte da Albânia e do Kosovo, a partir do século 15.

O Kanun dita que as famílias de-vem ser patrilineares (significando que a riqueza ou herança é herdada por meio de homens de uma famí-lia) e patrilocais (após o casamento, uma mulher se muda para a casa da família de seu marido). A partir daí, as mulheres são tratadas como propriedade da família. Elas são pri-vadas de muitos direitos humanos. Não podem fumar, usar um relógio, ou votar em suas eleições locais. Não podem comprar terras e há muitos postos de trabalho em que não estão autorizadas a atuar.

A mulher torna-se uma virgem ju-ramentada por meio de um juramen-to irrevogável, na frente de 12 anci-ãos. A partir daí, ela deve praticar o celibato. Então, ela tem permissão para viver como um homem. Será autorizada a vestir roupas do sexo masculino, usar um nome masculi-no, carregar uma arma e freqüentar lugares que só são permitidos para os homens.

Os motivos são variados. Pode ser para não se separar dos pais, para evitar o casamento forçado, para se manter dentro de casa,viver e trabalhar com a família e, algu-mas mulheres, por se sentirem mais masculinas do que femininas.

Zoia Kola, a primeira taxista da Albânia, tem 65 anos e trabalha com o táxi desde os 21 anos. Zoia conta que decidiu tornar-se o ho-mem da casa muito nova, pois ti-nha sete irmãs e ela era estéril. “Me tornar homem foi a única forma que encontrei de sustentar minha mãe e minhas irmãs. Viver como homem me permitiu ter a liberda-de negada se seguisse como mu-lher. Assim, podia trabalhar com meu táxi e ainda porto uma arma comigo”. Segundo Zoia, a vida na

Albania é muito cansativa e difícil. Trabalhar não dá muito dinheiro, mas é o que se pode fazer.

A Albânia é um país muito po-bre, com um padrão de vida con-siderado mais baixo e atrasado em relação a outros países do conti-nente europeu.

Atualmente, existem virgens ju-ramentadas na Albânia e ainda há prática no norte do país. Acredita-va-se que essa tradição teria acaba-do depois de 50 anos de comunismo na Albânia, mas, pesquisas recentes sugerem que pode não ser o caso, uma vez que muitos homens têm morrido pela vingança de sangue, que tem aumentado após o colapso do regime comunista (1992), o que poderia incentivar o ressurgimento da prática do juramento

Também chamadas burrneshas ou virgjineshas, mulheres fazem votos de castidade e se vestem como homens

para burlar normas e leis machistas na Albânia

Por Janaína Barcelos

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 21Fotos: Janaina Barcelos

internacional

Page 22: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

“Me tornar homem foi a única forma que encontrei de sustentar minha mãe e minhas irmãs”

Zoia Kola, 65, taxista

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internacional - virGem juramentada

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Laura Santos Lopes de Aguiar (profissionalmente Lau-ra Aguiar), 29 anos, natural de Belo Horizonte. Cidade atual: Cork, Irlanda. Ex-aluna do cur-so de Jornalismo da FUMEC, ela hoje ocupa o cargo de geren-te de comunicação e pós-dou-toranda no centro de pesquisa The Keynes Centre, que oferece programas de desenvolvimento pessoal e profissional integrados a executivos seniors e aspirantes na University College Cork, Ir-landa.

Em maio deste ano Laura esteve na FUMEC para uma palestra sobre o documentário “We Were There: The women of the Maze and Long Kesh prison” (“Nós estivemos lá: as mulheres da prisão de Maze and Long Kesh”), que apresenta experi-ências únicas de mulheres nas prisões de Maze e Long Kesh, durante o conflito na Irlanda do Norte. Na ocasião, Laura fa-lou como foi sua experiência de trabalhar no documentário. De volta à Irlanda, em uma conver-sa por e-mail com nossa equipe

do JoRNaliSmo paRa a Vida acadêmica

Ex-aluna da Fumec, Laura Aguiar, pesquisadora da University College Cork (Irlanda), fala sobre a

experiência da edição colaborativa que foi objeto de seu doutorado na Universidade de Belfast

Por Janderson Silva

Laura Aguiar, diretora do documentário “Nós estivemos lá”

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 23

entrevista

Fotos: Thaís Costa

Page 24: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

da Ponto e Vírgula, ela contou sobre suas experiências profissionais, da importância da FUMEC em sua for-mação, dos caminhos que trilhou até chegar onde está hoje e ainda deu di-cas para alunos que, assim como ela, querem partir mundo afora. Confi-ra

Como foi saltar da FUMEC para o mundo?

Muito antes de começar meu cur-so de Jornalismo na FUMEC, já sa-bia que o Brasil era pequeno demais para mim. Tive o privilégio (e sorte) de morar na Irlanda aos 15 anos e depois novamente aos 20, quando tranquei o curso por seis meses.

Durante o curso fiz bons estágios que expandiram meus horizontes em diversas áreas da comunicação, por exemplo, em design gráfico, em jor-nalismo e em marketing. Ao mesmo tempo trabalhava como professora de inglês para conseguir me manter e não ficar muito pesado para meus pais, que, graças a Deus, puderam me ajudar nas finanças.

Quais caminhos você percor-reu?

Quando terminei o curso já sa-bia que queria construir uma vida fora do país, invés de me inscrever em programas de trainee ou está-gios em grandes empresas. Procurei bolsas de estudo no exterior e juntei dinheiro - nem participei da minha formatura!

Não achei nenhuma, mas desco-bri que naquela época o mestrado era gratuito para não-Europeus na Suécia. A lei mudou em 2011 e, infe-lizmente, hoje em dia somente é gra-tuito para cidadãos europeus.

Na Suécia fiz o mestrado em Mí-dia e Comunicação pela Universida-de de Estocolmo e foi uma experiên-cia incrível. O mestrado era todo em inglês, mas o governo de lá oferece

curso gratuito de sueco, então pude aprender uma nova língua. Além disso, conheci pessoas do mundo in-teiro e aprimorei meus conhecíamos na área de mídia e comunicação.

Você encontrou alguma difi-culdade em todo esse pro-cesso?

A maior dificuldade lá com certe-za foi arrumar emprego e me susten-tar, já que para qualquer emprego, mesmo os chamados sub-empregos, precisa-se ter sueco fluente. Isso mes-mo: fluente! Mas eu tive muita sorte de conhecer pessoas certas na hora certa! Comecei como babá de uma família irlandesa, dei aula de inglês em uma pré-escolinha internacio-nal e depois de 1 ano consegui um emprego como gerente de conteúdo online na Kit Digital, cujos clientes incluía a agência de notícias Asso-ciated Press e o canal americano ABC. Eu lembro que nos últimos seis meses lá, enquanto escrevia a minha tese de mestrado, cheguei a trabalhar nesses três lugares ao mesmo tempo! Não sei como eu dei conta!

A formação acadêmica em jornalismo te ajudou de algu-ma maneira?

Com certeza a formação jornalís-tica e os estágios que fiz me ajuda-

ram muito a conseguir esse emprego na Kit Digital. E os três anos como professora de inglês também foram fundamentais para os dois outros empregos.

Quando meu mestrado acabou, minhas opções para continuar na Europa eram: fazer um doutorado, casar com um Europeu, ou achar uma empresa que queria muito, mas muito, contratar uma funcionária não-europeia (as leis da União Eu-ropeia dificultam a emissão de visto de trabalho: é um processo longo, chato e caro e muito dificilmente empresas querem passar por isso quando se tem a opção de contratar um europeu que faz tudo o que você faz). Resolvi correr atrás da primeira opção: o doutorado.

Nunca sonhei com a área acadê-mica, mas sempre gostei de dar aula, de estudar, pesquisar e escrever. Mui-to mais do que trabalhar numa reda-ção de um jornal ou como repórter de TV. Mas foi durante a minha procura por uma bolsa de doutora-do que comecei a pensar seriamente em seguir carreira acadêmica. En-fim, entre uma pesquisa no Google e outra, acabei achando uma bolsa na Irlanda do Norte para trabalhar em um projeto fantástico chamado Prisons Memory Archive, na Que-ens University Belfast e felizmente fui selecionada depois de um longo processo seletivo.

O meu doutorado em Cinema foi o que eles chamam de “doutorado prático”, que significa que, em vez de examinar o trabalho de alguém, eu tinha de fazer um filme com o material desse projeto e fazer uma autocrítica do processo inteiro. Eu fiz o filme “Nós Estivemos Lá” so-bre as experiências das mulheres no mundo masculino da prisão Maze and Long Kesh durante o conflito na Irlanda do Norte (mais informações: prisonsmemoryarchive.com).

Esse doutorado foi uma experiên-cia maravilhosa, tanto pessoal quan-

Muito antes de começar meu curso

de Jornalismo na FUMEC já sabia que o Brasil era pequeno

demais para mim

Laura Aguiar

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201524

entrevista - laura aGuiar

Fotos: Thaís Costa

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to professional. Aprendi muito a ser mais tolerante e entender os outros, incluindo os que chamamos às vezes de “terroristas”. Aprendi também muito sobre o legado do conflito na Irlanda do Norte e vi que ainda está longe de ser resolvido. Aprendi mui-to também sobre feminismo, algo que antes eu passava longe. Hoje me considero feminista e vejo a necessi-dade de falarmos mais e mais sobre mulheres, mas também sobre outras minorias.

Por fim, esse doutorado me fez questionar muito o papel do jorna-lista e o nosso papel na entrevista. Também sobre o tanto que a sensibi-lidade e a transparência são necessá-rias e tanto que elas são esquecidas no corre-corre das redações.

Meu PhD foi sobre práticas co-laborativas de edição e exibição, ou seja, as entrevistadas todas se envol-veram na edição do filme (escolhe-ram partes das entrevistas delas, de-ram ideias para os textos, imagens e trilha sonora) e têm participado das exibições (o filme tem sido exibido com discussões depois). E um dos meus argumentos é que práticas co-laborativas demandam muito mais tempo e recurso, mas são totalmen-te necessárias quando trabalhamos com histórias de outras pessoas.

Além disso, tive a chance de dar aula no exterior também: na Queens University Belfast fui professora as-sistente nos cursos Teoria do Cinema e Cinema Documentário e lecionei como docente convidada em univer-sidades na Suécia, Canadá, Inglater-ra e Irlanda. E em maio no Brasil também, o que foi maravilhoso!

Hoje, Graças a Deus, tenho uma carreira consolidada aqui na Irlanda. Consegui um emprego na Universi-dade de Cork logo quando terminei o doutorado e estou muito relizada profissional e pessoalmente. A minha experiência profissional e acadêmica tanto no Brasil quanto no exterior ajudou muito, mas também o fato

de em 2012 ter conseguido obter ci-dadania italiana por parte da minha mãe. Isso com certeza abre muitas portas aqui.

No que a FUMEC contribuiu para isso?

Os excelentes professores que tive na FUMEC contribuíram 100% para a minha carreira. Naquela épo-ca o curso era dividido em dois anos de teoria e dois anos de prática. Isso contribuiu muito para o desenvol-vimento de um senso crítico e olhar sensível antes de colocar “a mão na massa”.

Quais dicas você poderia dar para alunos que querem tri-lhar caminhos diferentes do convencional?

Trilhar caminhos diferentes do convencional é mais difícil, mas é muito gratificante. Acho que se você correr atrás você consegue sim o que você quer. Em uma das minhas aulas no Brasil, em maio, para uma tur-ma de alunos do terceiro ano, um dos meninos me disse que ele que-ria trabalhar em Holywood quando crescer, como produtor ou diretor de cinema.A minha resposta foi: “Por que não? Vai ser difícil demais, mas não é impossível! Pega firme no in-glês, junta uma grana, procura bol-sas de estudo, estágios etc., quem

sabe não dá certo? O importante é tentar e se nada der certo, aí vai pro plano B. Mas pra que ir direto para o plano B sem nem tentar?

Como você vê a profissão de jornalista fora do contexto brasileiro?

Eu não sei muito porque já faz uns bons anos que eu estou na área acadêmica, mas pelo o que eu obser-vei, as redações estão ficando cada vez mais enxutas e os salários são um pouco mais justos.

Uma coisa que eu vejo aqui e que vejo pouco no Brasil é que os jor-nais daqui - daqui digo Reino Unido - estão explorando bem a tecnologia digital para contar histórias. O The Guardian, por exemplo, tem feito excelentes documentários interati-vos, incluindo Firestorm (drama de uma família durante um incêndio na Tasmánia) e um sobre os 100 anos da Primeira Guerra Mundial - este último está disponível até em espa-nhol! Gostaria de ver uma evolução dessa área no Brasil também, quem sabe não ajudaria a dar uma espe-rança nas redações daí?

Quais as oportunidades que outros países oferecem a estudantes brasileiros?

Tem muita oportunidade para estudantes brasileiros, o problema é que muita gente tem preguiça de procurá-las e investe pouco na flu-ência do idioma estrangeiro! Sempre me perguntam como eu “consegui” fazer mestrado e doutorado no exte-rior e eu sempre digo que foi graças ao Google.

Hoje em dia tem muitos mais si-tes com dicas para quem quer morar fora do que quando eu saí do Bra-sil, há anos. Acho que a Noruega, Finlândia e Islândia ainda oferecem mestrado gratuito para não euro-peus e em inglês

Trilhar caminhos diferentes do

convencional é muito difícil, mas é muito

gratificante

Laura Aguiar

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 25

laura aGuiar - entrevista

Fotos: Thaís Costa

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Por Ricardo Bastos

Chego bem cedo na cidade de Itinga, desço no ponto do ônibus na beira do asfalto. Pergunto ao motorista onde fica a cidade, ele aponta a direção e diz que fica logo abaixo. Curioso, caminho na manhã serena, busco um lugar para ficar. A cidade, pacata nas primeiras horas do dia, reserva uma infinidade de atividades. Saio em busca da melhor foto que pos-sa representar tudo aquilo que eu iria viver, nesses dois dias, encra-vado no sertão das Minas Gerais.

A paisagem seca do Vale do Je-quitinhonha enaltece meu olhar e contrasta com meu estado de an-siedade. Logo que encontro uma pousada, começo a planejar meu dia, conversando com algumas pessoas que se encontram no salão do café da manhã.

Fotografar em preto e branco resulta em um ensaio mais realís-tico, que nos remete a um tempo em que a produção de imagens era mais elaborada e ficava registrada por mais tempo em nossa lem-brança.

Seu Antero, sertanejo com seus 103 anos de idade, me olha com uma carinha de curiosidade. Ape-sar da idade, ele ainda trabalha com um entusiasmo frenético de um senhor que viveu toda vida nos sertões de Minas Gerais.

Seu Antero observava meus movimentos enquanto fotogra-fava um sujeito carregando toras de árvores, seguido por sua cade-linha; a cena me lembrava “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, no momento em que a obra descreve o convívio entre Juliano e sua ca-dela Baleia.

Começo a entender o quanto essa gente sofre com a seca, as ex-pressões em sua face me intrigam. Seu Antero se aproxima curioso e não tira os olhos de minha câme-ra analógica, Nikon FM2. Brinco com o senhor, dizendo que ele e a fotografia tem pouco mais que um século de vida

NoS camiNhoS do SERtão

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Os caminhos apresentam uma areia branquinha, bem fi na. Percebem-se pegadas de gente, animais e pneus. Os caminhos ajudam o vai e vem de uma população, que sofre com clima seco, rumo aos seus destinos no mundão

Fotografar em preto e branco resulta em um ensaio mais realístico, que nos remete a um tempo em que a produção de imagens era mais elaborada e fi cava registrada por mais tempo em nossa lembrança

Page 28: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

Os animais foram ao poucos sendo substituídos pelas motos, é raro ver pessoas caminhando. Já não é o mesmo sertão. A modernidade da vida cotidiana chegou para fi car

Dois dias na estrada para registrar cenas típicas no sertão do Vale de Jequitinhonha, na esperança de conseguir fotografar o maior número de pessoas que cruzassem meu caminho nas diversas formas de locomoção

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Sentado à beira da estrada, avisto um ônibus escolar; pensei que seria um meio de locomoção de estudantes, mas, pelas manhãs, ele é usado para levar as crianças para escola e, à tarde, é um transporte para todos

Na estrada, escondo atrás de galhos secos à espera de mais um personagem e avisto, de longe, um cão magro e sedento que se aproxima; rapidamente, começo a registrar o momento único

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Formas e contrastes compõem o rico cenário que, registrado em preto e branco, ressalta a simplicidade e ingenuidade dos costumes, a tranquilidade e riqueza do contato com a natureza e os hábitos locais

De repente, surge um homem pedalando sua bicicleta, desconfi ado pela minha presença, agachado no barranco. Curioso, chega mais perto e abre o sorriso. Imagino que, em sua total inocência, não esperava por um fotógrafo

Page 31: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

O calor continuava intenso e impiedoso. O sol não dava trégua. Seguia meus personagens aonde eles estivessem indo, tudo faz parte do ambiente da caatinga, árvores curtas, espinhosas e uma luz intensa fere o céu do sertão

O momento exato de clicar só depende de minha experiência: calculo a abertura do diafragma, a velocidade do obturador, que são fundamentais para defi nir o campo de profundidade

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Troncos retorcidos e cascas ressecadas pelo sol escaldante criam uma textura única no cenário sertanejo; s seca do Vale do Jequitinhonha enaltece meu olhar e se contrasta com meu estado de ansiedade

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mENtal

Vídeos que prometem provocar sensação de relaxamento viralizam na internet

C alma... Não é nada disso que você provavelmente está pensando.

ASMR (sigla em inglês para Resposta Sensorial Autônoma do Meridiano), ou simplesmente “orgasmo mental” é o termo pelo

qual ficou conhecida uma agradá-vel sensação de formigamento pro-vocada por uma série de vídeos que podem ser encontrados na internet. Vídeos que prometem despertar di-ferentes sensações em quem os vê. Mas o que é essa tal Resposta Autô-

noma do Meridiano?Autonomous Sensory Meridian

Response soa como um termo cien-tífico, mas não há nenhuma ciência por trás disso. Trata-se de um fenô-meno biológico que tem como prin-cipal característica uma sensação

Por Ruan Nataniel e Marcella Teles

Gentle Whispering é um dos canais mais famosos do YouTube destinado ao ASMR

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 33Fotos: Ruan Nataniel e Marcella Teles

comportamento

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de formigamento, causada por uma série de estímulos visuais e auditivos que podem ser sentidos em diversas partes do corpo, como couro cabelu-do, nuca, cabeça e outras extremida-des. Mas vale lembrar que nem todos estão sujeitos a tais reações. É algo subjetivo.

De acordo com a neurologista do Hospital Vera Cruz Helga Sartori, ainda não é possível explicar exa-tamente do que se trata a ASMR. A expressão não tem cunho científico e a medicina ainda não encontrou uma resposta exata para esses tais “fe-nômenos mentais”. Ela admite que esse campo seja pouco explorado. “Não posso afirmar que tais vídeos tenham base científica. Essa área é pouquíssima explorada pela ciência e não há uma base neurobiológica por trás disso. Não existe uma explicação neurológica suficientemente capaz de nos dizer qual é o mecanismo por trás dessas reações cognitivas.”

A busca por essa curiosa e dife-rente sensação já ultrapassa mais de oito milhões de resultados no site de pesquisa Google (https://goo.gl/tzu5FH).

No YouTube, diversos canais des-tinados ao ASMR podem ser facil-mente encontrados. O mais famoso deles, o Gentle Whispering, ultra-passa a marca de 420 mil inscritos e a bagatela de mais de 120 milhões de views.

A fórmula “mágica” desses víde-os parece estar nos toques suaves em objetos, movimentos leves, ruídos e sussurros quase hipnóticos próxi-mos a um microfone e tons de voz extremamente delicados e controla-dos. Vale a pena lembrar que a expe-riência é mas bem apreciada com o uso de fones de ouvido.

Longos minutos do que, em prin-cipio, parece ser monótono, garan-tem para muitos uma sensação de relaxamento ímpar, e propicia uma agradável noite de sono. “Virei fã dos vídeos ASMR. Não existe nada

melhor para me relaxar e conseguir dormir mais rapidamente”, comenta a funcionária pública, Maria Muniz, de 52 anos.

Para a psicóloga do Hospital Dr. Eugênio Gomes de Carvalho, Priscila Gomes, de Belo Horizonte, as sensa-ções proporcionadas por esses vídeos são fruto de um condicionamento de nossa própria mente. “Fixamos nossa atenção única e exclusivamente no que está sendo dito e mostrado. Automati-camente nos privamos do restante das sensações ao nosso redor. Logo, senti-mos aquilo que os vídeos nos sugerem sentir. Não há mágica”, explica.

Cientificamente provado ou não, há quem defenda com unhas e dentes a prática. Além disso, não custa nada a ninguém e você pode tentar em casa sem medo algum. E caso queira se aprofundar no assunto, existem di-versos fóruns na internet destinados ao ASMR

Você pode fazer a meditação guiada diretamente do seu celular

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201534 Fotos: Ruan Nataniel e Marcella Teles

comportamento - orGasmo mental

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Pacientes se reunem na Praça Rosinha Cadar (Zona Sul de BH) para praticar a terapia de Self-Healing

Método desenvolvido por Meir Schneider, há 44 anos, promete reverter até situações de cirurgias

A BUSCA PELO PODER INTERIOR DE CURA

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 35Fotos: Janaina Barcelos

saúde

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A Associação Brasileira de Self-Healing é um grupo sem fi ns lucra-tivos que busca divulgar o Método Meir Schneider - Self-Healing (Au-tocura) junto à sociedade em geral, e dar suporte aos seus associados. A sede fi ca em São Paulo e, em Mi-nas Gerais, Alja Lamas é uma das responsáveis pela terapia. Ela é acu-punturista, massoterapeuta, consul-tora de neobiologia e feng shui. Com formação acadêmica em engenharia civil, Alja Lamas aproximou-se das terapias naturais por acreditar que a cura das doenças só é alcançada quando assumimos a responsabili-dade pela nossa saúde. Conheceu o Self-Healing em 2004 e, desde então, estuda e aplica este método para a melhoria da saúde, da visão e corpo. Em entrevista à revista Ponto e Vírgula, ela explicou mais sobre o método e suas curas.

Alja relata que, para qualquer patologia de visão, por exemplo, é possível conseguir uma boa melhora e, em alguns casos, até a cura. No entanto, independentemente da cura ser alcançada, ela explica que as te-rapias têm intuito de prevenção e fortalecer o corpo evitando doenças. Além da visão, o self-healing trata bem outras patologias, sendo elas na coluna, problemas no sistema nervoso ou dores neuromusculares. “Para patologias em que a medicina diz não haver mais nada a se fazer, o self-healing contribui com exercí-cios e relaxamentos. Ainda que não se alcance a cura, garante-se uma melhor qualidade de vida”, afi rma a terapeuta.

“Vida é movimento, e este é o mo-tor principal da cura e do bem-estar de cada um de nós, desde a respira-ção, a circulação sanguínea, a mobi-lização passiva e ativa dos músculos e das articulações até a mudança da mente na percepção do próprio corpo, das emoções e dos hábitos de

vida”, completa Alja Lamas.Pacientes da terapeuta contam a

experiência de praticarem os exercí-cios com disciplina. Maria Cristina Villela e Maria Amélia são provas vivas dos resultados da terapia de self-healing. Elas explicam como são a rotina, os exercícios e o que foi preciso para que a melhora fosse de fato percebida.

Maria Cristina é uma senhora de 70 anos muito alegre e, desde os seus 65, já percebia que sua visão do olho direito estava um tanto quanto em-baçada. Em 2011, ela foi submetida a um exame que se chama “mapea-mento de retina” e descobriu, então, a presença de membrana epirretinia-na, que causa o comprometimento da visão. E por mais que ela não percebesse diferença na visão do olho esquerdo, a doença também o afetou. Cristina conta que recebeu a notícia sentindo um grande deses-pero. Consultou-se com um cirur-gião oftalmologista, considerado o melhor do Brasil, e soube que havia uma cirurgia a ser feita, porém, era de alto risco e só era indicada em casos extremos, ou seja, se ela já estivesse quase cega. Para maior de-sespero de Maria Cristina, antes de

passar pela cirurgia da membrana, ela deveria extirpar o canal lacrimal pois corria o risco de infecção. Com a triste expectativa de fazer três dife-rentes cirurgias para atenuar a perda de sua visão, ela entrou em depressão profunda. Tinha duas opções: deixar a cegueira chegar ou assumir o risco das cirurgias. “Chorava muito e mal conseguia dormir”, se emociona ao lembrar dessa fase.

Olhos de Maria Cristina Vilela, portadora de membrana epirretiniana

A Membrana Epirretiniana é uma doença comum que afe-ta homens e mulheres, sendo mais comum após 40 anos de

idade. É caracterizada pela formação de um tecido muito

fi no que enrruga a mácula (parte central da retina) e vai levando à cegueira. Os prin-cipais sintomas são a baixa acuidade visual e a visão de-formada (metamorfopsia) e a principal causa dessa doença é o descolamento do vítreo que libera células que proliferam

sobre a retina.

Por Janaína Barcelos

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201536 Foto: Janaina Barcelos

saúde - self healinG

Page 37: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

Mesmo assim, ela não desistiu, se-guiu buscando algo que a fizesse se sentir confiante e melhor. Acredita que sua fé em Deus sempre a levará a outros caminhos, assim como acon-teceu. Um dia, entrando em uma far-mácia, viu o anúncio do jornal Estado de Minas sobre o Self-Healing. Maria Cristina foi, então, em busca da tera-peuta Alja Lamas, que era a referência no anúncio. Começando a terapia três vezes por semana, Cristina foi deter-minada, praticando cinco horas de exercícios diários. Estava ansiosa para ver os bons resultados.

Em outubro de 2012, Cristina vol-tou a um retinólogo conhecido da fa-mília e, depois de dois dias de exames minuciosos, ele já não indicava cirur-gia, lembrando que envolvia um alto risco. Eles combinaram, então, um acompanhamento de seis em seis me-ses. Oito meses depois, Cristina voltou ao mesmo retinólogo e, para a surpre-sa dos dois, seu médico disse não sa-ber explicar sua recuperação, uma vez que esta doença não regride. O médico desaconselhava a cirurgia: “dessa vez, chorei muito, mas foi de pura alegria e gratidão”, disse Cristina.

Hoje, após quatro anos de prática de self-healing, Cristina continua com o propósito de nunca perder os resul-tados que obteve. Ela não pratica mais as cinco horas diárias, recomendadas inicialmente, mas se exercita em três horas, em casa mesmo. Ela não pre-cisou passar pela cirurgia e enxerga muito bem, mas afirma que a fé e a de-terminação foram fundamentais para o bom resultado de seu tratamento.

Maria Amélia é assistente social e se especializou em terapias familiares, individuais e cura reconectiva, tem 57 anos e afirma que sempre gostou de exercícios suaves, de cuidar do corpo e de se conectar com o mundo espiri-tual. Apesar de sempre praticar ativi-dades físicas, Amélia sentia as costas rígidas, quadris presos, movimento curto das pernas e problema postu-ral da parte esquelética e muscular.

Conheceu o self-healing através de e-mails que foram encaminhados a ela e por causa de sua nora que participou de um workshop com a Alja Lamas (terapeuta) e adorou. Há oito meses, começou as consultas com Alja e in-gressou nos grupos de terapia todas as quartas-feiras à noite. “Amo a terapia pois são movimentos leves que traba-lham as articulações, alongamentos, fortalecem minha musculatura e, ao mesmo tempo, eu faço tudo com mui-

ta consciência”, afirma Amélia.Pratica em casa quatro vezes por

semana com a ajuda de CDs que en-sinam as atividades e sente que até a visão tem melhorado com os estímu-los dos exercícios. Antes, ela não se alongava, mas adquiriu esse hábito por meio do self-healing. Não conse-guia sequer estender as mãos até os

pés e, hoje, ela já coloca as mãos no chão e as articulações estão bem mais relaxadas. “Só me trouxe benefícios e acho que o mais importante para se conseguir o resultado é a disciplina, acreditar que o trabalho trará bom resultado, ter paciência com o proces-so e aceitar o corpo como ele se apre-senta, aliando a mente ao momento, sempre positiva e determinada.” Ma-ria Amélia sente que, quando faz o self-healing, ela ultrapassa os limites do corpo e acalma a mente. “Sempre saio da terapia muito melhor do que eu entrei”, avalia.

A assistente social pratica sempre as atividades e ama ver os resultados com o passar do tempo. Os exercí-cios de que ela mais gosta são os di-recionados para a coluna, por mais que sejam desafiadores para ela.

O Self-Healing (Autocura) é um método desenvolvido na década de 70 por MeirSchneider, um ucrania-no que, aos 4 anos, foi declarado to-talmente cego. Meir era filho de pai e mãe surdos, nasceu na cidade de Lvov em 1954 com glaucoma, cata-rata, astigmatismo e nistagmo. Não aceitando sua condição, anos mais tarde começou a buscar com fervor

“Vida é movimento, e este é o motor principal da cura e do bem-estar

de cada um de nós.”

A assistente social Maria Amélia praticando exercício para a coluna

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 37Foto: Janaina Barcelos

self healinG - saúde

Page 38: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

exercícios que fossem estimulantes para os olhos, ligando as técnicas de ioga, auto-massagem e movimento. Amigos de uma biblioteca que ele começou a frequentar foram respon-sáveis por apresentar a Meir técni-cas de relaxamento, estimulação da visão e deram grande incentivo para a virada de sua vida, que deu início aos 17 anos. Dezoito meses se pas-saram e ele já havia conseguido uma visão funcional.

Não tendo todos os recursos necessários em sua cidade, Meir mudou-se para São Francisco, nos Estados Unidos, em 1976, onde trabalhou com o optometrista Ray Gottlieb, que o apoiou durante um ano. Meir foi corajoso e determina-do, apesar da descrença dos familia-res. Em 1977, fundou o Center For Conscious Health e, mais tarde, em 1980, o Center Self-Healing. Ele ha-via descoberto exercícios que duran-

te anos e incessantemente praticou, obtendo resultados inacreditáveis para a própria medicina. Eram exer-cícios feitos ao sol, com o movimen-to das próprias mãos, com bolas de tênis etc.

Dez anos se passaram e Meir Schneider conseguiu tirar carteira de motorista, sem qualquer res-trição, expedida pelo governo do Estado da Califórnia. Aos 30 anos, ele teve permissão para formar alunos no método e funcionar com School for Self-Healing que, tra-duzido para o português, significa “Escola para Autocura”. Lançou dois livros em 1994, Uma Lição de Vida que foi publicado em quatro idiomas - inglês, francês, húngaro e hebraico - e Manual de Autocu-ra, publicado no Brasil pela editora Cultrix, em 2004.

O método Meir Schneider chegou ao Brasil pela terapeuta ocupacional

Beatriz Ambrósio do Nascimento, que fez parte da fundação do Núcleo de Pesquisa e Ensino em Self Healing no Departamento de Terapia Ocu-pacional da Universidade Federal de São Carlos e fundou a Associação Brasileira de Self Healing (ABSH) que tem sede em São Paulo.

Carol Gallup, da Universidade de San Francisco, CA, EUA, é autora da dissertação de mestrado que mos-trou resultados, inclusive estatistica-mente significativos, em um caso de distrofia e que menciona os demais estudos sobre o método e que foi traduzido por Beatriz Nascimento, terapeuta ocupacional. A pesquisa explica a expressão genética, incluin-do a regulação da determinação do fenótipo da fibra muscular, que é in-fluenciada não só pela adaptação ao exercício como também pelos sinais mecânicos no músculo esquelético. “Alongar um músculo em desuso ou aplicar uma leve estimulação elétri-ca pode reverter a atrofia pelo incre-mento à síntese de proteínas, mesmo em músculos sem inervação, o que sugere que a mudança não é modu-lada pelos receptores sensoriais”, explica Carol Gallup.

Nos dias de hoje, o self-healing continua crescendo com suas pro-priedades terapêuticas e educativas, que possibilitam às pessoas o desen-volvimento da consciência corporal, tornando-as os agentes principais de sua recuperação ou da preven-ção das boas condições de saúde. A terapia é a técnica de massagem regenerativa dos tecidos ou auto-massagem, sempre combinadas com exercícios ativos, passivos e respira-tórios. Ela tem se mostrado muito eficaz na recuperação e reversão de um bom número de patologias, como esclerose múltipla, proble-mas de coluna, atrofias e distrofias musculares, osteoporose, artrite e artrose e problemas de visão, con-siderando o todo sensorial, motor, emocional, cognitivo e espiritual

Site da Associaçåo Brasileira de Self-Healing e, na foto, Meir Scheneider

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201538 Foto: Janaina Barcelos

saúde - self healinG

Page 39: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

Por Ana Beatriz Aleixo e Bruno Miranda

Exercícios todos os dias, dietas e caminhadas. Será que não existe ou-tro caminho para conquistar e man-ter o corpo ideal? Para a professora de Educação Física Heide Sobrinho, existe sim. Segundo ela, o remo é um esporte que pode substituir a acade-mia, já que exercita pernas, músculos abdominais, peito, costas e braços. Quem pratica pode melhorar a pos-tura e combater o excesso de peso. “Uma hora de treinamento pode queimar até 600 calorias”, afirma. Além disso, como a maioria das ati-

vidades físicas, ele também traz be-nefícios como o combate ao estresse, a melhora no sistema imunológico e na capacidade cardiorrespiratória, a prevenção de varizes e até o aumen-to da expectativa de vida.

Muitas empresas também incen-tivam seus empregados a aderirem ao esporte, já que, além de aumen-tar a produtividade no trabalho, remar também pode ser uma forma de aprender a trabalhar em equipe. É que, além dos barcos individuais, também existem aqueles que são para duas, quatro e até oito pessoas. Neste caso, é preciso a sincronia e a colaboração de todos para que o barco saia do lugar.

O remo é um esporte antigo, pou-co divulgado, mas que pode trazer muitos benefícios para a saúde de quem pratica, é o que afirma Augus-tus Ligório. Professor de remo desde 1960, ele revela que sua paixão pelo esporte foi herança do seu pai, Afon-so Ligório, que trouxe o remo para Minas Gerais, em 1942, e que tam-bém foi o fundador do Clube de Re-gatas Afonso Ligório (CRALMG), que até hoje é a única escola de remo registrada no estado. As atividades começaram na Lagoa da Pampulha, mas, por causa da poluição no local, elas acabaram mudando para a La-goa dos Ingleses, onde a escola está localizada desde 2000. O pai de Au-

acadEmia ao aR liVRE

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 39

saúde

Foto: Arquivo pessoal

Page 40: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

gustus remou até os 73 anos. Depois que faleceu, o filho assumiu a dire-ção do grupo. É ele mesmo quem fabrica e reforma os barcos.

Sobre o esporte, o professor escla-rece que a idade mínima é 12 anos, mas que a idade máxima não exis-te. Prova disso é Jeferson Bandeira, que tem 70 anos e até hoje faz aula de remo pelo menos três vezes por semana. Ele conta que começou a praticar o esporte aos 22 anos, no final da década de 1960, quando as atividades ainda eram permitidas na Lagoa da Pampulha. Quando se mudou para o Rio Grande do Sul, ele parou de praticar o esporte e só voltou em 2007, na Lagoa dos In-gleses. “Meu médico me recomenda, faz muito bem ao coração, pois mo-vimenta os músculos”, conta.

Em geral, a faixa etária dos alu-

nos do Grupo Regata é de 40 a 45 anos, mas a escola também tem mui-tos jovens matriculados. É o caso de João Ferretti, de 14 anos, o aluno mais novo de Augustus, que faz aula

uma vez por semana, sempre aos sábados. Ele revela que conheceu o esporte por meio de uma propagan-da de televisão nas últimas Olimpí-adas.

Atualmente, o professor tem cerca de 30 alunos. Cada aula dura 1 hora,

sendo que os primeiros 15 minutos são reservados para o alongamen-to. Qualquer pessoa pode praticar remo, desde que saiba nadar e esteja saudável. Basta usar uma roupa ade-quada para atividades esportivas e deixar o resto com o professor. Os equipamentos são emprestados pela própria escola. O valor da inscrição é R$ 150, já a mensalidade varia de acordo com o número de aulas por semana: quem pratica apenas uma vez por semana paga R$ 200 por mês, duas vezes R$ 260 e três vezes R$ 320. Mas quem quiser também pode fazer uma aula avulsa como experiência ou até mesmo como lazer, custa R$ 75 reais. Dependen-do do caso, os preços podem até se igualar aos de uma academia.

A CRALMG funciona no Iate Clube Lagoa dos Ingleses, localiza-

“Uma hora de treinamento pode queimar até 600

calorias”

CRALMG, situada na BR-040, é a única escola de remo registrada em Minas Gerais, funcionando desde 2000

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201540

saúde - academia ao ar livre

Foto: Ana Beatriz Aleixo

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do na BR-040, Km 559, Lagoa dos Ingleses, Município de Nova Lima.

A Lagoa dos Ingleses A Lagoa dos Ingleses fica localiza-

da em Nova Lima, na BR-040, sen-tido Rio de Janeiro. Ela faz parte do Complexo do Rio do Peixe e ajuda a formar um importante reservatório de água para a Região Metropolita-na. Foi criada em 1932 para arma-zenar água da chuva que seria usada para gerar energia elétrica para a Mina do Morro Velho. A Mina era propriedade de um grupo de ingle-ses, o que justifica o nome da lagoa. Por causa da beleza do local, a re-gião passou a ser muito explorada pelo mercado imobiliário. Em 1998 foi construído o clube Minas Náuti-co em uma parte da lagoa. Augustus

também dá aulas no Minas Náutico. Os preços são os mesmos, a diferen-ça é que para fazer aula lá é preciso ser sócio do clube.

Em 1999 foi inaugurado o condo-mínio Alphaville Lagoa dos Ingleses, considerado um dos mais luxuosos de Minas Gerais. No final de 2013 um grupo financeiro negociou uma área grande da região com a pro-posta de torná-la independente da Região Metropolitana de Belo Ho-rizonte, oferecendo trabalho, lazer e serviços públicos e privados na mes-ma região. O projeto está em anda-mento.

A seca na lagoaA lagoa também sofreu com a

seca que atingiu Minas Gerais no segundo semestre do ano passado.

Para agravar a situação, em outubro, a Copasa precisou utilizar o Com-plexo do Rio do Peixe para ajudar a abastecer a região da capital mineira durante o longo período de seca que atingiu o estado, o que aumentou de forma considerável a vazão da La-goa dos Ingleses.

As chuvas do início do mês de no-vembro não foram suficientes para elevar o nível da água na lagoa. Para quem vai até o local, a seca ainda é visível. Mesmo assim, o professor de remo garante que isso não impede a prática das atividades aquáticas no local. O que houve foi uma adapta-ção no início da aula: em um barco maior, Augustus transporta os alu-nos e os barcos até uma região mais profunda da lagoa, onde eles podem ter a aula normalmente

A idade minima do esporte é de 12 anos; na foto, João Ferretti, de 14 anos, o aluno mais novo da escola de remo

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 41

academia ao ar livre - saúde

Foto: Arquivo pessoal

Page 42: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

da múSica ao tEatRo

Por Débora Zilah, Gabriela Ferrari e Letícia Morais

Em entrevista à Ponto e Vírgula, Regina Souza - cantora, atriz e compositora - conta como construiu uma carreira plural

Com 24 anos de estrada, a artista Regina Souza é uma importante referência na cena cultural mineira

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201542 Fotos: Ana Julia Ramos

entrevista

Page 43: Revista Ponto & Vírgula - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

A família Souza é pródiga em ta-lentos. E a sua prodigalidade é des-crita na acepção mais generosa da palavra: diz-se daquele ou daquela que produz em abundância, fértil. Três de seus filhos marcaram a his-tória do Brasil: o músico Chico Má-rio, o cartunista Henfil (Henrique Filho) e o sociólogo Herbert de Sou-za, mais conhecido como Betinho, que foi exilado durante a ditadura, tornou-se símbolo do movimento da Anistia e, na volta, criou o Iba-se (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), uma ONG voltada a desenvolver projetos de combate à desigualdade social.

A artista Regina Souza formou sua sensibilidade nessa árvore. Nas-cida em Belo Horizonte, filha da irmã do Henfil - Zilah - com ___ Sposi-to, Regina é uma artista de muitos dons. Cantora, compositora e tam-bém atriz, tem 24 anos de palco e rua, três discos autorais e participa-ções em CDs, musicais e espetáculos como O homem da gravata florida, O homem que sabia javanês, A Ze-ropeia, Os Gigantes da Montanha.

Em entrevista à Ponto e Vírgula, ela conta um pouco de sua trajetó-ria, suas influências e alguns de

seus tra- balhos. Foi uma conversa marcada pela descontra-

ção, mas também pelo afeto, pois na equipe de reportagem estava o olhar - não menos curioso e não menos atento e rigoroso - de uma de suas sobrinhas.

Quando e como surgiu seu interesse pela música?

Desde criança meu passatempo

era brincar de teatro. Como toda criança nessa idade, as habilidades florescem nas brincadeiras. E nessas brincadeiras eu já gostava de cantar e atuar com os meus irmãos. Desde então, eu soube que era isso que eu queria fazer da vida, mas até chegar aqui foi um longo caminho.

Você era tímida quando co-meçou a cantar?

Eu sou até hoje. A maioria dos artistas quando vão apresentar para uma plateia sentem um frio na barri-ga. E isso é importante para firmar o corpo, buscar o estado de concentra-

ção e poder fazer o que tem que fa-zer. O frio na barriga é importante para buscar um estado de concen-tração. Diante do público a gente

se expõe. Como a minha trajetoira vai da música ao teatro, estou sem-pre no limiar: ora eu, ora um per-sonagem. Isso tudo foi construindo minha carreira de forma muito plu-ral. As pessoas têm até dificuldade: cantora, atriz ou compositora? De certa forma, por um tempo isso até me prejudicou um pouco, porque eu não me sentia tão dentro da música porque tinha um pé no teatro; nem tão dentro do teatro porque tinha um pé na música. Mas hoje, depois de 24 anos de profissão, as coisas estão mais claras na minha cabeca. Demora pra gente se encontrar. Da

escolha à maturidade profissional é um longo caminho.

Os seus pais a apoiaram quando você decidiu seguir carreira musical?

Meu primeiro show profissional foi aos 15 anos. Meu pai se assus-tou um pouco e na época ele falou: “filha minha não canta em bar”. Na época esse era o caminho do artista, do cantor. Isso fez com que eu me re-traísse um pouco e fui fazer faculda-de. Primeiro de química; fiquei dois anos, não dei conta, saí e fui fazer comunicação. Eu me formei em RP e montei uma escola de canto com a Babaya. Ela tinha uma salinha onde dava aula de canto e queria montar uma escola. Fiquei lá sete anos – eu gerenciava, era produtora – e lá eu alternava o trabalho de RP com o de cantora e tive minhas primeiras ex-periências no palco até que chegou uma hora em que larguei tudo e fui viver de arte.

Quais são suas influências musicais?

A primeira influência foi da mi-nha família. Tenho um tio que era cantor e compositor, o Francisco Mário. Um tio cartunista, o Henfil, e o Betinho (Herbert de Souza), so-ciólogo (criador do Ibase e de uma campanha cívica contra a fome), mas com ligação muito forte com a música. Isso do meu lado materno. Entao, eu tive desde cedo um conta-to grande com a arte e com a políti-ca. Quando eu tinha uns 13 anos, o Chico vinha a BH – ele morava no Rio – eu o acompanhava nas rádios e TVs e comecei a ter contato com a comunicação e com o palco. Claro que na genética, se o brasileiro for pesquisar, já tem isso na ancestra-lidade. No meu caso tinha isso, do lado materno e também do lado pa-terno. Por parte de pai, meu tio-avô era escritor, meu avô gostava muito

É muito emocionante saber que um

trabalho que a gente fez conquistou tantas pessoas.

Regina Souza

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reGina souza - entrevista

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de música clássica. No lado mater-no, tinha ainda o gosto pela seresta. Eu nunca fui muito de escutar músi-ca americana – a não ser clássicos de jazz – meu último disco é um disco só de versões de clássicos america-nos. Mas o rock e o pop nunca fo-ram minha praia.

De onde surgiu a ideia de produzir esse CD cantando em hebraico com a parceria de Marina Machado? E como foi o processo de aprender a cantar em hebraico?

O hebraico foi um projeto da fo-tógrafa Márcia Charnizon, que é ju-dia e passou um ano em Israel. Lá ela tirou fotos e, ao voltar, queria fazer uma exposição e queria que tivesse música. Primeiro ela chamou a Ma-rina (Machado), que havia feito um show muito bacana, no Teatro Alte-rosa. Mas o repertório era para duas cantoras, que cantavam em iidiche – uma mistura do hebraico com o alemão. Eu e Marina nos conhecía-mos da escola da Babaya, fazíamos aulas juntas e ela me chamou para cantar. Aí comecamos a aprender. E foi muito louco porque tinha o iidi-che, o hebraico, o ladino – mistura do hebraico com espanhol – e a gen-te pegava aquilo, ouvia e escrevia o que estava ouvindo, da forma como estava ouvindo. Foi uma questão de treino e, à medida que a gente ia fa-zendo, ia se tornando natural.

O sociólogo Herbet de Sou-za, o Betinho, havia escrito um livro para as crianças chamado A Zeropéia. Você teve a ideia de transformá-lo em um CD para a campanha Natal Sem Fome, e teve uma tiragem de 4.000 cópias que se esgotou rapidamente. Qual foi a sensação de ver o trabalho concluído e fazendo todo esse sucesso?

Eu fiz três discos para a campanha da fome. O primeiro foi Prato Feito, de 1997, no ano em que Betinho mor-reu. Foi um CD que tinha só composi-ções que tratavam da fome. O segun-do foi o Ação pela vida, com o mesmo enfoque. O Zeropeia foi o terceiro. Era uma história que o Betinho havia escrito e, lendo a história dele, tive a ideia de transformá-la em CD, mas não fazia ideia do alcance que teria e tem até hoje. Várias escolas trabalham o CD com as crianças; tanto usando só a música quanto interpretando.

A música “Quem sou eu” no seu CD Outonos diz um pouco sobre a sua árvore genealógica. O que a motivou a escrever esta música?

Me inspirou um trabalho tera-pêutico de constelação familiar e, por isso, eu comecei a pensar o que é que é isso, o que eu trago da mi-nha mãe, do meu pai, da minha avó, dos meus antepassados e aí fui escrevendo essa música, ten-tando descobrir, nesse mun-do todo, quem eu sou e o que trazemos, qual a nossa fun-ção e trajetória na Terra. É um trabalho sério de terapia. E eu comecei a pensar: o que trago da mi-nha mãe, pai, avós, antepassa-dos? Fui buscando e veio isso. Nisso tudo, quem sou eu? Nesse mundo todo, estamos aqui, achamos que estamos parados, mas es-tamos girando, a terra está girando, nunca somos os mesmos. É uma pergunta que a gente faz a vida intei-ra e a gente só deve saber lá do outro lado.

Existem projetos futuros na música e no teatro?

Eu acabei de lançar um disco chamado Inversões e irei fazer um show de lançamento desse CD, e es-tou preparando também um musical novo que se chama A Mesa, que é sobre a relação das pessoas em vol-ta de uma mesa, o que se passa em volta dela, apresentando músicas que falam da comida e fazendo uma pesquisa sobre ela, sobre a arte e as relações com o alimento

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entrevista - reGina souza

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mãE dE EStRElaTina Trindade, mãe da atriz Erika Januza, conta como foi se adaptar à ausência da filha – que

se mudou de Contagem para o Rio – e a rotina depois que a jovem ganhou fama

Por Marcella Souza e Samara Reis

Tina exibe arquivo feito a partir de recortes de matérias de jornais e revistas sobre a carreira da filha na mídia

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 45Fotos: Bruna Oliveira

comportamento

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Ser mãe de famoso não deve ser nada fácil. A rotina de trabalho e as viagens cons-

tantes dos artistas distanciam os ge-nitores de sua prole. Principalmente quando os pais não abandonam suas vidas pessoais para agenciar a car-reira de seus pupilos. Esse é o caso de Ernestina Trindade, 50, mãe da atriz Erika Januza, 29, a Conceição de “Subúrbia”, minissérie da Globo que foi ao ar no final de 2012 e lan-çou Erika ao estrelato. Por enquan-to, Tina, como prefere ser chamada, continua morando na mesma casa e no mesmo bairro em Contagem – MG, a aproximadamente 444 KM de Erika, que hoje mora no Rio de Janeiro.

Durante uma conversa bastante descontraída com a equipe da Re-vista Ponto e Vírgula, Tina falou so-bre as conquistas de sua filha, como ela começou sua meteórica carreira artística e a batalha intensa para al-cançar esse sonho. Tina define sua filha como uma lutadora. “Tenho muito orgulho dela, sempre muito batalhadora. É uma pessoa muito boa’’. Segundo a mãe, a filha tinha o sonho de ser modelo. Erika se ins-crevia em todos os concursos de be-leza possíveis e sempre contava com a inseparável companhia da mãe.

Tudo começou quando uma ami-ga avisou a Erika que estavam fa-zendo testes para um comercial e que seus requisitos se encaixavam no perfil solicitado. Sem saber exa-tamente de que se tratava, a aspiran-te a atriz embarcou nessa aventura e foi à luta. Ela passou na primeira fase e foi informada que teria que ir para o Rio de Janeiro para dar continuidade ao processo seletivo. Quando chegou à Cidade Maravi-lhosa, Erika Januza descobriu que o teste era para um papel na minis-série Subúrbia, de Luiz Fernando Carvalho. Quando voltou para Belo Horizonte, ficou um mês na expecta-tiva, até que recebeu um telefonema

que confirmava sua atuação como protagonista da minissérie.

Para a mãe foi uma grande alegria ver a felicidade da filha, que teve seu sonho realizado. As coisas começa-ram a se transformar, Erika mudou-se para o Rio de Janeiro. Com o co-ração despedaçado ao ver sua única filha partir, Tina a apoiou e disse que não adiantaria pedir que ficasse, pois estava muito empolgada. Apesar da distância, a relação mãe e filha não se abalou, uma vez que a as duas se comunicam pelo telefone todos os dias. Tina mostra o quarto da filha, que mantém intacto. Erika ainda usa quando vem passar uma temporada com a mãe.

Embora procure manter o mesmo ritmo de vida, Tina já se deparou com algumas mudanças em seu co-tidiano. No início da carreira da jo-vem, a mãe conta que era abordada na rua para ser parabenizada pelo sucesso da filha. Disse ainda que, desde então, elas não conseguem sair tranquilamente, pois os fãs sem-pre pedem autógrafos e poses para fotos. Segunda ela, Erika já perdeu alguns voos para atender aos fãs no aeroporto. “A fama não pode subir à cabeça. A gente tem que saber de onde veio”, pontua.

Impressionada com a fama alcan-çada pela filha, Tina relembra a via-gem que fizeram à Argentina e como Erika foi assediada nas ruas porque, na época, a novela “Em Família” es-tava sendo exibida naquele país. Na trama de Manuel Carlos, a jovem in-terpretou Alice, fruto de um estupro. Na novela, a mãe de Alice foi vio-lentada numa van por três bandidos. No desenrolar da trama, a jovem se torna uma policial e passa a comba-ter esse tipo de crime.

Teledramaturgia à parte, na vida real a relação entre mãe e filha sem-pre foi muito forte. O apoio aos ide-ais da Erika sempre foi uma cons-tante na família. Além da mãe, que sempre esteve presente na constru-

ção da sua carreira, o pai da atriz, que morreu há 12 anos, também apoiava os sonhos da filha. “Ele sempre a acompanhava em todos os concursos. Ficava andando com o jornal debaixo do braço para mos-trar aos amigos dele”, recorda Tina. Hoje, a maior fã de Erika continua a recortar jornais e revistas e a guardar em uma pasta tudo o que sai sobre a filha. Como toda mãe cautelosa, Tina acompanha atenta as notícias. Quanto às especulações veiculadas na mídia, afirma aos risos: “Eu ligo e pergunto se é verdade ou não’’.

Além do assédio, a fama de Erika também rendeu a Tina algumas rea-lizações. Ela já acompanhou a filha em festas, no Carnaval e em eventos e gravações no Projac. Conheceu di-versos famosos e conta, aos risos, que teve que se conter ao ver alguns ar-tistas para não se exceder no assédio também. Relembra do show de final de ano do Roberto Carlos em que se emocionou bastante. “Deu vontade de ficar chorando. Foi bom demais. É muito melhor assistir à gravação ao vivo do que na TV”, conta

Tina no quarto de Érika, que mantém intacto

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comportamento - mãe de famosa

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Bem-humorado, irônico e irre-verente, características que tanto descrevem o criador e suas “cria-turas”, no caso, Pedro Leite e seus quadrinhos. No ar desde 2013, os “Quadrinhos Ácidos” são tirinhas publicadas em seu site oficial e tam-bém no Facebook, que já possuem mais de 200 mil assinaturas e tam-bém já foram indicadas a prêmios nacionais, chegando a ganhar o “30º Troféu Angelo Agostini”. Mas o que tem de tão especial nestes quadri-nhos? Com uma abordagem realista, e sarcástica, o objetivo principal do projeto é rir de si mesmo, abraçando as críticas da sociedade moderna e suas peculiaridades.

Além dos quadrinhos disponíveis, na loja online é possível adquirir um “fanzine” com várias tirinhas inédi-tas da série de quadrinhos ácidos. A palavra fanzine vem da contração da expressão em inglês fanatic ma-gazine, que significa em português revista de fãs. Fanzines são publica-ções feitas por pessoas e para as pes-soas que gostam de um determinado tema em comum, sejam elas amado-ras ou profissionais.

Em entrevista a revista Ponto e Vírgula, Pedro contou como esse mundo de quadrinhos se desenvol-veu:

Você sempre teve essa pai-xão pelo humor e pelo dese-nho?

No colégio eu sempre tive pregui-ça de desenhar, só quando me formei em publicidade que eu realmente percebi que teria que investir mais nos desenhos.

Como surgiu a ideia da pri-meira tirinha?

Ela surgiu para extravasar o meu sentimento na época. Eu a criei como um teste para ver se o público iria aceitar e, ao perceber que deu muito certo no Facebook, resolvi continuar com esse padrão e criar a série.

Você imaginava que suas ti-rinhas fossem fazer tanto su-cesso? Como você vê tantas pessoas curtindo a página do

Facebook e acompanhando o site?

Eu já esperava que a série iria dar certo por causa do teste anterior. Mas não pensei que seria tanto. Hoje em dia, a série tem mais ou menos 250 mil seguidores no Facebook

Suas tirinhas são bem críti-cas em relação a sociedade. Você já recebeu algum co-mentário negativo?

Os “Quadrinhos Ácidos” vive nas redes sociais, então eu sempre rece-bo críticas e elogios diretamente dos leitores. É muito bacana isso, pois, mesmo sendo uma crítica, sei que é uma maneira de crescer com aquela opinião.

Você tem alguma tirinha predileta? Ou que te remeta a uma história engraçada?

Eu gosto bastante das que são mais críticas a sociedade, mas ado-ro também as de fumantes porque são as tirinhas que deixam o pessoal mais furioso. É muito divertido

o mUNdo com doSES dE acidEz

Tirinhas de Pedro Leite têm como proposta rir

de si mesmo

Por Clarice Chacon e Isadora Marques

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mídia

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Ricardo Assis, participante do concurso com o cosplay de Coringa

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comportamento

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Quem nunca quis ser um super-herói ou algum personagem de quadrinhos ou de desenho animado?

Para que isso aconteça, não é necessário de uma mega produção, apenas conhecer as pessoas certas

Por Ingrid Vieira, Bruna Oliveira e Danielle Dias

Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 49

comportamento

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Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201550 Fotos: Fotos: Bruna Oliveira e Ingrid Vieira

comportamento - cosplay

A fábrica de cosplays

Muitas crianças já sonharam ser super-heróis ou personagem de algum filme. Atualmente, existem pessoas que vivem para transformar esse sonho em realidade: os cos-makers, profissionais responsáveis pelo processo de transformação de pessoas comuns em personagens da ficção, os famosos cosplays.

Era uma vez uma cosmaker cha-mada Eva Maria da Conceição, 51. Eva trabalha com cosplays há três anos. Começou a costurar aos 11, fazendo suas próprias roupas, já que as costureiras não faziam da forma que ela queria.

Aos 22, apostou nisso como pro-fissão, começou a ganhar dinheiro e depois não parou. Trabalhou em facção durante um tempo, mas nun-ca sentiu prazer em exercer esse tipo de trabalho. “Eu não fiquei muito tempo trabalhando com isso porque é extremante repetitivo”.

Eva não imaginava um dia traba-lhar como cosmaker, mas já possuía

uma grande bagagem de conheci-mento e experiências que havia ad-quirido em seu passado, que foram essenciais para o desenvolvimen-to de seu trabalho na atualidade. Aprendeu a trabalhar com couro no colégio. Trabalhava na fabricação de sandálias e rasteirinhas e, quando adolescente, fez curso de bordado e corte e costura. De acordo com ela, parecia que algum dia iria encon-trar alguma utilidade para todo esse aprendizado.

O início de seu trabalho foi re-pentino. No mês de novembro de 2012, faltando exatamente três dias para o Anime Festival, o vizinho Vi-nicius Henrique chegou desesperado em seu ateliê pedindo para que ela fizesse um casaco para um determi-nado personagem. Mesmo em cima da hora, Eva, com atenção e carinho, conseguiu fazer o casaco. “Ele trouxe umas medidas erradas, mas consegui comparar com a tabela de medidas e ficou legal!” Depois da entrega e do resultado positivo, poucos dias depois o cliente voltou e realizou

mais pedidos, e assim começou sua trajetória no mundo dos cosplays.

Atualmente ela produz em média 35 a 40 cosplays por evento, e não apenas em Belo Horizonte. “Atendo clientes no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, no Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Brasília e Vitoria”, conta Eva com orgulho. Sempre preocupada com suas peças, seu objetivo é combinar qualidade e preço. Algumas vezes chegam clien-tes vindos de outros cosmakers, in-satisfeitos com o valor extremamen-te caro ou com o acabamento sem qualidade. “Hoje em dia a maioria dos clientes são universitários e ado-lescentes, que dependem do dinhei-ro dos pais ou têm que arcar com despesas da faculdade. Um cosplay de 400 ou 500 reais se torna caro, então tento facilitar o máximo.”

São tantos clientes satisfeitos, que às vezes ela não consegue atender to-dos. Eva já chegou a dispensar uma média de 10 a 20 clientes, por não ter tempo para produzir mais. Ela conta ainda que, com mais ou me-nos 300 cosplays produzidos, ape-nas três não ficaram satisfeitos com seu trabalho. A produção de um cosplay é demorada, são em média 3 a 4 meses, dependendo do ma-terial utilizado e de algumas peças que merecem maior cuidado. “Teve peças que, quando eu achava que estava acabando, surgia um detalhe ou outro”, conta Eva rindo.

Com o envolvimento tão forte na confecção de cosplays, até sua famí-lia ingressou nesse mundo de fictí-cio. “Eles gostam bastante, o meu filho não usa, mas sempre está nos eventos, a minha filha é cosplayer e ama. Meu irmão acabou se tornan-do um armeiro cosmaker”.

Eva divulga seu trabalho pelo seu perfil no facebook, fanpage, e agora possui seu próximo site. Lá tem o link para mandar o email e

entrar em co ntato. “Basicamente o cliente manda o modelo, a imagem,

Eva Maria da Conceição, cosmaker, confeccionando fantansias para cosplay

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Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 51Fotos: Bruna Oliveira e Ingrid Vieira

cosplay - comportamento

e faz o orçamento. Se confirmar, eu o convido para vir até minha casa para tirar as medidas, ver os deta-lhes e desenharmos a roupa, só en-tão eu começo a fazer. Geralmente, é por ordem de chegada, ou seja, quem deixa para pedir mais no final receberá por último.”

Alguns casos de encomendas fei-tas para festas à fantasia tiveram até lojas interessadas em comprar peças para serem revendidas. “Houve um grupo de amigas que ano passado fez as Paquitas e os Minions, uma delas neste ano fez um traje para o carnaval”.

Além de produzir os cosplays, Eva possui uma equipe chamada Frota Estelar, que tem como missão organizar eventos para arrecadação de alimentos não perecíveis, que se-rão doados para um orfanato em Ri-beirão das Neves.

Os olhos de Eva brilham ao falar e mostrar algumas de suas peças. “Para mim, fazer cosplay é brin-car de casinha e tem gente que me paga para isso. Tudo que você faz na sua vida tem que fazer com amor, para conseguir o resultado que você quer.”

Agora é a hora

Depois de dar uma passadinha na casa da Eva, encomendar o cosplay é hora de transformar o sonho em rea-lidade. Mas como sair na rua vestido de um personagem sem que as ou-tras pessoas o olhem torto ou riam da sua cara? É assim que surge um evento que acontece quatro vezes ao ano, durante um final de semana por mês, para que você possa se sentir à vontade de ser o que quiser ser, o Anime Festival.

Thays Gabriella Miranda, 19, estudante de artes, compareceu ao evento no domingo de Zatanna Za-tara, personagem da DC Comics. Thays conta que conheceu a per-sonagem pelo desenho animado da Desfile de cosplay no domingo do Anime Festival, de Zatanna Zatara

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Revista Ponto & Vírgula — setembro de 201552 Foto: Bruna Oliveira e Ingrid Vieira

comportamento - cosplay

Liga da Justiça e voltou a encontrá-la nas histórias em quadrinhos Hell-blazer, de John Constantine. Thays também conta que não é o primeiro cosplay que ela faz, ela já entrou na pele de Fionna do desenho animado Hora de Aventura, entre outros per-sonagens de animes tradicionais.

Quando pedimos algum comen-tário sobre seu cosplay ela conta a seguinte história: “Teve um senhor que tava com o filhinho dele, e me falou assim: ‘Zatanna fala pra ele comer legume?’, e eu falei, ‘Olha você tem que comer legume, se não eu vou te transformar num sapo’, ele começou a chorar, eu fui e disse que não ia fazer isso, mas que ele tinha que comer legumes, ele me abraçou e agradeceu.”

Ricardo Assis, 31, é recepcionis-ta e modelo, mas no dia do Anime Festival ele era o Coringa, o vilão do Universo do Batman. Ricardo conta que está nessa área há muito tempo e que tem uma lista enorme de cos-plays prontos. “Uma vez eu estava em um evento vestido de Superman, um menino chorou quando me viu. Ele virou pro pai e disse que eu era o Superman de verdade, não consigo me esquecer dele.” Ricardo tem um canal no youtube no qual faz curta metragens de cosplays oficiais e não oficiais, making of e tudo relaciona-do a esse universo.

Leonardo de Moura Brito, 25, venceu a última edição do concur-so Anime Festival com o cosplay de Tusk do jogo Defense of the An-cients 2 (DOTA 2). O cosplay ficou em torno de 700 a 1000 reais. Leo-nardo conta que escolheu esse per-sonagem para fugir um pouco da moda do jogo concorrente, o League Of Legends (LOL) que estava acon-tecendo no Anime Festival. Não é o primeiro prêmio que Leonardo ganha, ele já ganhou o 3° lugar na apresentação livre com o cosplay de Luigi Bros, do famoso jogo Mario Bros, 1° lugar com El Cid do anime

Cavaleiros do Zodíaco.A atração principal do evento é o

concurso cosplay, quando os perso-nagens desfilam para os jurados. O concurso é dividido em quatro fa-ses: o desfile tradicional, que ocorre nos dois dias, as apresentações tra-dicionais, apresentações livres, e o concurso cospobres, os cosplays que foram improvisados, que acontecem apenas no domingo.

Além do concurso de cosplay, o Anime Festival tem outras atrações. “Todo evento de anime tem que ter um grande atrativo, e o atrativo é o cosplay que fica andando. Depois

nós fomos pesquisando o que seria mais interessante ao Anime Festival, então surgiu a ideia das gincanas, quem não quer ir a um evento e vol-tar de lá com alguma coisa que ga-nhou? Pensamos também nos dubla-dores porque, se você é fã de algum anime, séries ou filmes, é fantástico conhecer a voz por trás do persona-gem. E assim é montada a progra-mação do evento”, conta Fernanda Ayuki, 25, apresentadora de palco do Anime Festival.

O Anime Festival também ser-ve como ponto de encontro. Thays conta que conheceu a maioria dos

Leonardo de Moura Brito, vencedor do consurso com o personagem Tusk

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Revista Ponto & Vírgula — setembro de 2015 53Foto: Bruna Oliveira e Ingrid Vieira

cosplay - comportamento

seus amigos no evento. “Eu come-cei a ir ao Anime Festival em 2013, quando saí de Janaúba para morar em Belo Horizonte. Na época, não conhecia ninguém. Então, ia sozi-nha. Era assim que eu fazia amigos. Porque, na verdade, a gente acaba indo pro Anime Festival mais para ver as pessoas caracterizadas do que para competir.”

O Anime Festival acontece há 11 anos e reúne pessoas de várias ida-des em um local que podem falar, comprar e encontrar tudo relaciona-do a series de televisão, jogos online, animes, mangás e filmes. Sua primei-ra edição ocorreu no colégio Maris-ta Dom Silvério. Os organizadores não esperavam por muitas pessoas por ser o primeiro grande evento de anime e mangás de Belo Horizonte, mas, no final de dois dias, compare-ceram mais de 1.500 pessoas.

Fernanda conta um pouco sobre o primeiro evento, “se parar para pensar em 11 anos atrás, o obje-tivo era trazer o mundo do anime pra cá, porque antigamente a gente fazia grupo pra poder assistir em VHS, a ideia do evento era justa-

mente pra isso, aproximar o anime dos mineiros.”

Nem sempre é fácil manter um evento de grande porte e, segundo os organizadores, aumentar o valor do ingresso não é uma opção. Afir-mam que é difícil fazer um evento de qualidade com um preço razo-ável. Mas isso não abala o pessoal do Anime Festival, o principal foco é fazer um evento agradável para o público e todos trabalharem com o que gostam.

São esperadas cerca de 2 mil pes-soas por dia de evento. Fernanda ressalta que BH é um dos lugares que mais tem evento desse gênero. “No início era um evento por ano, no mês de outubro, aí o dono viu que estava tendo uma procura maior e foi aumentando.”

O evento conta também com stands que vendem produtos rela-cionados a esse universo: lojas de roupas como a Cia do Ponto, que possui uma loja física na Avenida Augusto de Lima, stand de revistas em quadrinhos como a Comix, que sempre fica com filas enormes para poder entrar no espaço onde estão localizados os produtos, acessórios e muito mais, além da área de ali-mentação, com algumas comidas re-lacionadas ao universo oriental.

Antes de começar o desfile de cos-plays de domingo, o Anime Festival contou com a participação especial do Conselho Jedi de Minas Gerais. Agora, o que é Conselho Jedi? É um fã-clube mineiro de Star Wars ou Guerra nas Estrelas que possui membros fantasiados de vários per-sonagens dos filmes da saga.

“Comecei a ir no Anime Festival em 2013. Na época, eu não conhecia

ninguém. Então, ia sozinha. Era assim

que eu fazia amigos”

Thays Gabriella

Moldes de capacetes dos personagens de Star Wars

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editoria

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comportamento - cosplay

Fotos: Bruna Oliveira e Ingrid Vieira

O responsável pelas ar-maduras de Star Wars do

Conselho Jedi é Marcia-no Pereira Gonçalves, 50, mais conhecido como Marte. “Desde menino tinha muita habilidade para traba-lhos manuais, e nessa época eu tinha acaba-do de descobrir tinta para tecido, então eu estraguei todas as mi-nhas camisas. Comecei

a fazer para mim, mas foi um inferno na escola com a camisa do Superman, porque não exitia a cultura de super-hérois, e eu fiquei indignado.

Marte cresceu e junto com ele seu amor e fascínio por qua-drinhos e filmes. Formou-se em comunicação visual, hoje co-nhecido como design gráfico. Trabalhou em agências publici-tárias, onde descobriu um pou-co dos efeitos especiais causa-dos pela maquiagem, entrando assim no mercado de cenogra-fia. Aprendeu muito com o te-atro, aperfeiçoando cada vez mais suas técnicas.

“Sempre fui fascinado em filmes, principalmente

de terror. Fui fazer um curso no Teatro Universitário (TU) de efeito especial em maquia-gem, mas eu percebi que não era a minha vertente, foi aí que eu acabei caindo em ce-nografia”. Ele percebeu que poderia fazer mais, trabalhou com diversas pessoas que o ajudaram a crescer e aperfei-çoar, entrando assim no mun-do dos cosplays, dedicando-se inteiramente à Saga Star

Wars.Quando questionado,

Marte conta como encontrou sua ins-piração. “Minha paixão por Star Wars começou em 78, quando vi o primei-ro filme, Episódio IV: Uma nova Es-perança. Tinha por volta dos meus 15 anos, e o mais engraçado é que as pessoas me perguntam como fiquei sa-bendo dos filmes, mas eu não me lem-bro, porque não existia internet nem nada disso.”

Tudo começou na sua primeira ex-periência com a armadura do Darth Vader, feita de papel machê quando ele tinha 17 anos.

“Eu era só nerd até então. Quando eu assisti a transformação do Anakin em Darth Vader, eu cismei que ia fazer uma roupa. Fiz meio pessimamente o capacete dele, mas acabei fazendo a roupa toda e fiz só por diversão. Na época meu filho devia estar com seus 16 anos e eu o usei como modelo. Um amigo dele me perguntou se conhecia o Anime Festival, eu disse que não. Fomos ao evento, nos vestimos no ba-nheiro e quando saímos simplesmente paramos o evento.”

Com a empolgação que estava sur-gindo, Marciano decidiu entrar no mundo das armaduras Stormtrooper. Levou cerca de dois anos só de pes-quisa e mais um ano para desenvolver os moldes, sem contar o tempo para a criação da máquina. “Foi começar do zero, foi muito tempo gasto em processo de pesquisa, entender como é processo de montagem da armadura original, materiais envolvidos, o pro-cesso vacuum forming. Eu não tinha dinheiro para comprar minha própria máquina, então eu fiz a minha com ajuda de alguns amigos. Foi assim que surgiu o primeiro Trooper, que estava totalmente errado. Eu fiz e refiz várias vezes essa armadura, atualmente deve estar na 4° ou 5° versão”.

Em 2006, ele participou da Jedi-Con em São Paulo, com sua primei-ra armadura, o que fez com que seu trabalho explodisse no país inteiro. Tão bem conceituado no mundo Star Wars, Marte foi homenageado neste

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editoria

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cosplay - comportamento

Fotos: Bruna Oliveira e Ingrid Vieira

mesmo evento em 2009. “Foi muito gratificante, me pegaram de surpre-sa, veio uma galera do Rio e de São Paulo, do nada eu estava sendo ho-menageado. Vou ficar agradecido a eles pelo resto da vida.”.

Hoje ele faz parte do 501st ameri-cano, o primeiro e maior fã clube de Star Wars, que, para poder ingressar, o membro tem que passar por uma seleção e já possuir uma armadura licenciada. O meio mais fácil de in-gressar no fã-clube é possuir uma ar-madura confeccionada por ele, pois seus modelos são aprovados.

Marte fala do seu amigo Vinicius Ayres, que é o fundador do 501st no Brasil. “Foi meu maior incentivador e o cara que mais me ajudou nesse meio de pesquisa. Ele era o único que tinha uma armadura no país, que era importada. Ele tirava fotos, o que foi me dando referências para moldar as minhas.”.

Com o amor pelo seu trabalho ta-tuado na pele, brilho nos olhos e ar-repios nos braços, Marte conta um pouco sobre o que é o 501st e como é participar de missões especiais que lhe são designadas. “O 501 é a coi-sa mais fantástica que um fã de Star Wars pode participar, é uma grande família, uma irmandade de solda-dos. Você tem um registro real, que é o IDTK, o meu é pro resto da vida, nem quando eu morrer vai existir outro TK 6265. É isso que faz com que você exista nesse universo. O 501 no Brasil é uma unidade de co-mando, eu costumo dizer que é uma brincadeira séria porque, quando a gente participa de missões, consta nas atas do 501 americano. Você é obrigado a participar de pelo menos uma missão oficial por ano pra ser considerado ativo.”

Essa brincadeira séria surgiu há um tempo com Albin Johnson, que tinha uma filha, Katie, que foi diag-nosticada com leucemia. Para arre-cadar fundos para o tratamento da menina, ele e alguns amigos se ves-

tiram de Troopers e saíram pedindo ajuda. A campanha ficou tão séria que até George Lucas, o criador da Saga, entrou na brincadeira para ajudar. Infelizmente a garota não sobreviveu, mas foi imortalizada com o droid rosa nomeado de R2-KT. Como o mundo inteiro havia se comovido com a história, Johnson resolveu criar um exército destinado a ações filantrópicas, surgindo assim o 501st.

Não ficando apenas na área de ar-maduras Toopers, Marte fez alguns outros modelos, como a mochila dos caça fantasmas, os arcos do arquei-ro verde e gavião, escudo do Capi-tão América e o martelo do Thor. Fez também a armadura do Homem de Ferro, a primeira feita em fibra no Brasil, com a qual ele ganhou o prêmio do melhor cosplay no Ani-me Friends em 2008. “Participar do Anime Friends foi uma loucura, eu estava muito empolgado por causa do filme que tinha acabado de assis-tir. Botei na cabeça que iria fazer e fiz.”.

Ele tem um motivo especial para não participar de concursos, “Foi muito legal, mas depois eu não par-ticipei por causa do tempo. E tam-bém porque eu não acho legal, o cara gasta a noite fazendo cosplay lá no quarto dele para participar do evento, e eu chego com meu traba-lho profissional.”

Seus projetos e lutas não param por aí, hoje ele tem uma escola de artes, Stúdio A4, que tem sede em Contagem e foi fundado com um pequeno investimento. Marte pediu férias do trabalho e em uma semana a escola estava pronta. Algo que era para começar pequeno, apenas com ele dando aula, se tornou um enor-me estúdio com diversos professores renomados. “O Stúdio A4 surgiu de um projeto engavetado; meu filho deu o nome e eu fiz a marca. Disse que queria algo que lembrasse um lugar para desenhar, desenvolver ta-

lentos”. Teve ajuda de grandes no-mes, como Eddy Barrows, desenhis-ta da DC Comics, que apadrinhou a escola e a fez como ela é hoje.

Marte busca a motivação nos fãs, além de trabalhar com o que gosta. “Quando recebo um email de al-guém falando do meu trabalho ou ligam falando que a armadura che-gou, é a realização de um sonho. Eu já recebi telefonema de um cara de 35 anos, chorando porque tinha re-cebido a armadura, além dos outros que querem buscar pessoalmente.” Marte pensa em manter a linha Star Wars, com os Mandalorianos, Darth Vader e mais alguns projetos

Armadura completa de Stormtrooper

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Há pouco mais de três anos, o livro A culpa é das estrelas, sexto romance de Jhon Green, foi publicado. Desde então, a maioria dos lei-tores e dos que assistiram ao fi lme tempos de-pois carregam a incessante dúvida a respeito do nome escolhido pelo autor para sua obra.

Há quem diga que o título se deve ao cham-panhe que os protagonistas tomam no jantar da viagem a Amsterdã. Em uma conversa de Hazel e Gus, o garçom lhes oferece um champanhe e diz: “Vocês sabem o que Dom Pérignon disse após ter inventado o champanhe? ‘Venham, rá-pido’, ele disse, ‘eu estou saboreando as estre-las!’” Em seguida, Gus responde: “Algo me diz que nós vamos precisar de um pouco mais dis-so” Bom, se isto se relaciona de alguma forma ao título, eu realmente não sei, entretanto em caso de dúvida toda hipótese é válida. Pode-ria haver forma melhor de desvendar mistérios se não com que os criou? Em entrevista, John fala mais sobre o que tanto intriga seus leito-res: “Bem, na frase de Shakespeare, ‘estrelas’ signifi cam ‘destino’. No texto original, o nobre romano Cássio diz a Bruto: ‘A culpa, meu caro Bruto, não é de nossas estrelas / Mas de nós mesmos, que consentimos em ser inferiores.’” Ou seja, não há nada de errado com o destino; o problema somos nós.

Bem, isso é válido quando estamos falando de Bruto e de Cássio. Mas não quando esta-

mos falando de outras pessoas. Muitas delas sofrem desnecessariamente, não porque fi ze-ram algo de errado nem porque são más ou sei lá o quê, mas porque dão azar. Na verdade, as estrelas têm muita culpa, sim, e eu quis escrever um livro sobre como vivemos num mundo que não é justo, e sobre ser ou não possível viver uma vida plena e signifi cativa mesmo que não se chegue a vivê-la num grande palco, como Cássio e Bruto.”

Em alguns depoimentos, John fala acerca de

uma menina chamada Esther que inspirou o li-vro. A garota, fã e amiga do autor desde 2009, teve câncer e morreu em agosto de 2009. Em entrevista, ele afi rma que Esther, apesar de mui-to diferente de Hazel, inspirou cada palavra. O autor diz que tentou escrever a história por 10 anos, mas, após conhecer Esther, ele teve uma nova visão sobre a história e a construiu.

É interessante pensar que John foi genial ao construir uma história emocionante, um título inteligente, uma circunstância de inspiração ar-rebatadora até mesmo com a trilha sonora tão bem escolhida. A música “Not about Angels – Birdy” parece ter sido criada especialmente para a história. Trechos traduzidos que dizem coisas como “A nossa sorte é tão injusta” fa-zem com que estejamos ainda mais inseridos na obra e ainda mais inspirados com gostinho de “quero mais”

E a cUlpa?É dE QUEm?

Por Sara Lacerda

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