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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos),Florianópolis, 2012. ISSN2179-510X
REVISTA NOVA ESCOLA: PRÁTICAS DE SILENCIAMENTO DAS VOZES DA
PROFESSORA
Carmen Brunelli de Moura1
Resumo: A Nova Escola vem construindo em seus textos modos de ser professora no ensino fundamental com ênfase em imagens que evidenciam o discurso de feminilização da educação. No entanto, ao desarticular o texto imagético do texto verbal, é possível delinear na materialidade linguístico-discursiva práticas que refletem e refratam valores discriminatórios e de silenciamento e invisibilidade das professoras. Compreende-se que todo trabalho com a linguagem focaliza as diversas maneiras pelas quais os sujeitos produzem sentidos e posicionam-se nas relações sociais. Problematiza-se: é possível apreender efeitos de uma linguagem sexista nesses posicionamentos? Esse trabalho inscreve-se metodologicamente na perspectiva interpretativista discursiva e teoricamente nas pesquisas acerca da linguagem e gênero e nas teorizações foucaultianas. Objetiva-se descrever posicionamentos sexistas na materialidade linguístico-discursiva que atravessa os textos da revista. Tomam-se como objeto de estudo textos publicados na Revista Nova Escola. Os resultados evidenciam, preliminarmente, que há uma regra genérica seguida em todos os textos, que, embora não faça parte de nenhum currículo oficial, é significativa ao revelar um silenciamento linguístico-discursivo em relação às professoras, alvo da política editorial da revista. Palavras-chave: Mídia. Gênero gramatical. Linguagem Introdução
[...]a linguagem não apenas expressa relações, poderes, lugares, ela os institui; ela não apenas veicula, mas produz e
pretende fixar diferenças. Guacira Lopes Louro
As palavras de Louro em epígrafe ilustram a ideia que trago para este trabalho de “sexismo
linguístico” e corroboram sentidos de uma relação muito próxima entre linguagem e sexo, que se
espalham pelas mais diferentes práticas sociais e passam a enunciar as singularidades da vida de
forma genérica, reforçando a tendência sexista e natural que a sociedade imputa à linguagem e esta
à constituição daquela. Poderia dizer que as palavras, de forma velada, tem “sexo”, pois adquirem
valores diferentes segundo sejam femininas ou masculinas e moldam o pensamento dos sujeitos.
É nesse contexto de diferenças que a mídia educativa passa a investir em discursividades
que constroem sentidos em torno de subjetividades da professora do ensino fundamental. São
tecnologias de gênero (DE LAURETIS, 1994), que passam a constituir discursos de verdade que
corroboram em suas dobras a naturalização de subjetividades determinadas, diferentes, silenciadas,
divididas, separadas. Nestas tecnologias, a relação linguagem e artefatos culturais ocupa lugar de
destaque, pois não é mais possível conceber a cultura dissociada das transformações da linguagem
1Professora do Departamento de Letras da Universidade Potiguar (UnP), Natal/ Brasil. Dra. em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
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que, seguramente, passa de uma visão de representação da realidade para um “movimento em
constante fluxo” (SILVA, 1994, p.249). A cultura, desta forma, pode ser compreendida como
[...] um campo de produção de significados no qual os diferentes grupos sociais, situados em posições diferenciais de poder, lutam pela imposição de seus significados à sociedade mais ampla. [...] A cultura é um campo onde se define não apenas a forma que o mundo deve ter, mas também a forma como as pessoas e os grupos devem ser (SILVA, 2002, p. 133-4).
Neste sentido, se torna impossível pensar as práticas sociais, as questões de gênero, as
sexualidades, as transformações sociais e históricas e a própria mídia educativa longe da produção
de efeitos que atravessam as práticas discursivas, compreendidas como linguagem em ação, ou seja,
linguagem que cria maneiras diversas, discursos de verdade distintos e subjetividades que produzem
efeitos e tomam posição nas relações sociais ou são silenciadas.
Nessas relações, a língua não é neutra e, em nossa sociedade, as instituições fixam
diferenças, criam e recriam realidades e verdades que passam a regular as práticas discursivas dos
sujeitos desde sua infância até sua vida adulta a partir de jogos de verdade (FOUCAULT, 2004)
enunciados por uma rede de experts. Estes experts governam a conduta dos sujeitos a partir de uma
cultura milenar na qual os homens são considerados como referência de todas as experiências e
princípio simbólico de um androcentrismo. Neste princípio, há um predomínio do uso de marcas
linguísticas que demonstram a centralidade do masculino e uma invisibilidade do feminino. Mas,
como os discursos midiáticos produzem esta centralidade? E, como constroem as subjetividades
femininas diante desta “masculinidade linguística”?
É exatamente a partir desta dualidade, das hierarquias e desigualdades entre homens e
mulheres e do uso de uma linguagem sexista, que passo a problematizar como se produzem as
subjetividades femininas frente aos efeitos construídos pela linguagem sexistaque perpassa as
práticas discursivas da revista Nova Escola? Tomam-se como objeto de estudo textos multimodais,
publicados na Revista Nova Escola, compreendidos como práticas discursivas que constituem
sujeitos. Os textos imagéticos da revista são, em sua maioria, construídos a partir da imagem da
professora; contudo, as marcas linguístico-discursivas se associam a sentidos que apontam,
sobretudo, para o professor, o que parece traduzir formas de silêncio e invisibilidade à constituição
de subjetividades femininas. Objetivo, portanto, descrever o uso linguístico-discursivo que
atravessa os textos da revista em relação ao uso do masculino genérico como forma que abarca o
masculino e o feminino.
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Para tentar compreender se a revista reflete e refrata valores discriminatórios e de
silenciamento e invisibilidade das professoras apartir de um vocabulário constituído por formas
neutras ou genéricas, inscrevo este trabalho teoricamente nos Estudos Culturais, nas contribuições
de Foucault (2004), acerca dos modos de subjetivação, e nos estudos que abordam sobre gênero.
Metodologicamente, na perspectiva interpretativista discursiva por pressuporque a realidade e os
fatos sociais não podem ser vistos como uma imagem a ser contemplada pelo pesquisador, mas que
este precisa compreender como a linguagem é usada pela sociedade e como se instituem saberes e
governo que criam novos espaços, novas possibilidades de constituição das subjetividades.
Mídia educativa, discursos e imagens
Os discursos da mídia educativa se constituem como práticas que promovem novas
subjetividades de professores/as a partir de formas diferenciadas de processos de subjetivação. A
mídia educativa engendra vários efeitos na constituição das subjetividades que, dependendo do
contexto, passam a se constituir como transgressão que, segundo Foucault (2009, p.32)“é um gesto
relativo ao limite; é aí, na tênue espessura do contexto da linha, que se manifesta o fulgor de sua
passagem”, e completa argumentando que a “transgressão transpõe e não cessa de recomeçar a
transpor uma linha que, atrás dela, imediatamente se fecha de novo em um movimento de tênue
memoria, recuando então novamente para o horizonte do intransponível”(FOUCAULT, 2009,p.32).
Por isso, é nesse espaço de transgressão que os homens passam a ser “guardiões da
linguagem” e a desvalorizar as mulheres, tomadas como subjetividades distantes, periféricas,
impedidas de transgredir ou mesmo de se desvencilhar de códigos normalizadores que demarcam
uma linguagem masculina e hegemônica. A mídia educativa oculta por entre palavras e imagens
sentidos propagados e legitimados em meio a uma história masculina da educação, reafirmando
exclusões, diferenças. Por isso, para compreender os sentidos produzidos pela linguagem da mídia,
é necessário levar em consideração as práticas socais nas quais professores/as dão sentidos as suas
palavras.
É preciso, então, compreender que há uma normalização de uma subjetividade e que esta é
masculina. Por isso, para compreender os sentidos produzidos pela linguagem da mídia, é
necessário levar em consideração essa pedagogia cultural cujas palavras devem ser fraturadas para
que seja possível “[...] ver emergir, em plena luz, esse outro sentido que ocultam.” (FOUCAULT,
2002, p.419) e imagens desconstruídas, para que outros modos de vida, pensamentos e ações
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apareçam por entre representações que“contribuem para nos ensinar como nos comportar e o que
pensar e sentir, em que acreditar, o que temer e desejar – e o que não” (KELLNER, 2001, p. 10).
Por isso, penso que os estudos de gênero não podem ser desvinculados desta pedagogia que,
na perspectiva dos estudos culturais é complexa, uma vez que as fronteiras entre o que é espaço
educativo e aquele que não é são um tanto borradas. Mas, lançar um olhar para estes espaços
alternativos se torna imprescindível, uma vez que eles passam a funcionar como produtores de
conhecimentos e saberes. Daí, as implicações de um trabalho transgressivo na constituição das
subjetividades a partir das práticas produzidas pela mídia educativa. Transgressão compreendida
como algo que “[..] transpõe e não cessa de recomeçar a transpor uma linha que, atrás dela,
imediatamente se fecha de novo em um movimento[...] (FOUCAULT, 2009,p.32). É desse modo
que os textos e imagens constituídos pela pedagogia da mídia vão construindo verdades acerca
“daquilo que significa ser homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente”
(KELLNER, 2001,p.9), ou seja, subjetividades que passam a ser desejadas ou rebatidas.
Mas, como os discursos midiáticos produzem realidades em relação às questões de gênero?
Pensando sobre uma relação uso da linguagem e diferença sexual como se constituem as
subjetividades da professora face aos efeitos de sentido inerentes ao universo masculino? Estas
problematizações apontam para marcas atribuídas aos sujeitos pela mídia que assimila discursos,
preconceitos, estereótipos que circulam na sociedade. Em relação às representações de gênero, a
mídia educativa toma para si discursos que circulam culturalmente e ressignifica-os,não no sentido
de reconhecer as diferenças e superar preconceitos, mas de reafirmar construções que se
naturalizam em vista de dois fatores:
[...] em primeiro lugar, por ser produto de uma sociedade perpassada por uma estrutura de dominação masculina. Em segundo, por se destinar a um público-alvo, um recorte de pessoas de uma massa, o anúncio se concentra em um perfil de público, um conjunto de características (detectadas por meio de pesquisas) compartilhadas por um grande número de integrantes dessa massa. (KNOLL, 2007, p. 96).
É dessa maneira que a mídia educativa atua como uma tecnologia de gênero que se constitui
a partir de certos dispositivos sociais que “[...] teriam o poder de controlar o campo de significação
social e assim produzir, promover e implantar as representações de gênero.”(DE LAURETIS,1987,
p.18). Portanto, é impossível pensar as práticas sociais, as transformações sociais e históricas e a
própria mídia educativa longe da produção de efeitos que atravessam as práticas discursivas,
compreendidas como linguagem em ação, ou seja, linguagem que cria maneiras diversas, discursos
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de verdade diferentes, e subjetividades que produzem efeitos e tomam posição nas relações sociais e
de gênero.
Relações de gênero e linguagem
Foucault faz uma grande discussão acerca da sexualidade e a institui como um dispositivo
fundado por práticasdiscursivas e não-discursivas que constituem sujeitos enquanto subjetividades
perpassadas por regimes de verdade. Verdade que está relacionada aos discursos e que
[...] é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, 2006, p. 08-09).
Mas, esse conceito de sexualidade é ampliado pelos estudos feministas nos anos 80 pelo
conceito de gênero, pois os sujeitos compreendem sua sexualidade quando se compreendem como
homens e mulheres. É a cultura construindo representações acerca do feminino e masculino e ainda,
na atualidade, a divisão entre estes papeis sociais se torna bastante acentuada, principalmente, na
mídia educativa que sugere comportamentos, ações, discursos, espaços que são adequados a
homens e mulheres de forma distinta. Assim, gênero implica em homens e mulheres construídos
pela realidade social e não em decorrência da anatomia de seus corpos.
É dessa forma que De Laurentis argumenta em relação ao conceito de gênero e defendeque,
As concepções culturais de masculino e feminino como duas categorias complementares, mas que se excluem mutuamente, nas quais todos os seres humanos são classificados formam, dentro de cada cultura, um sistema de gênero, um sistema simbólico ou um sistema de significações que relaciona o sexo a conteúdos culturais de acordo com valores e hierarquias sociais. Embora os significados possam variar de uma cultura para outra, qualquer sistema de sexo-gênero está sempre intimamente interligado a fatores políticos e econômicos em cada sociedade. (DE LAURETIS, 1994, p. 211).
Para Louro (1997, p. 23), a afirmação da relevância do conceito de gênero se dá em vista do
fato de que,
[...] obriga aquelas/es que o empregam a levar em consideração as distintas sociedades e os distintos momentos históricos de que estão tratando. [...] O conceito passa a exigir que se pense de modo plural, acentuando que os projetos e as representações sobre mulheres e homens são diversos. Observa-se que as concepções de gênero diferem não apenas entre as sociedades ou os momentos históricos, mas no interior de uma dada sociedade, ao se
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considerar os diversos grupos (étnicos, religiosos, raciais, de classe) que a constituem. (LOURO, 1997, p. 23),
No entanto, é notório o predomínio da dominação dos homens sobre as mulheres ou de
valores e comportamentos típicos e discriminatórios, sobretudo, na linguagem, pois as diferenças de
gênero se inscrevem nas palavras e, como diz Nye (1995), há pares de palavras que são análogas em
relação ao significado, mas divergem na questão do gênero e exemplifica com “[...] senhor/senhora
(mastes/mistress), homem/mulher (man/woman) solteirão/solteirona (bachelor/spinster)”, mas
parece que não é só isso e acresecenta que“Master implica dominância e controle, mas mistress,
em vez de dominância e controle, sugere uma mulher teúda ou objeto sexual.” A questão não fica só
nisso. A autora afirma que a assimetria entre homens e mulheres é recorrente e persistente nas
questões linguístico-discursivas.
Essa ditadura da língua em relação às questões de gênero não evidenciam efeitos de uma
luta feminista que se instaurou nos anos 60 para retirar a mulher de sua invisibilidade e é por meio
destas pesquisas que houve uma distinção entre dimensão biológica e social e que ser homem ou ser
mulher significa uma produção cultural e social e não uma relação com a anatomia dos corpos. São
as tecnologias sociais que vão engendrar as questões de gênero e naturalizarque o “sujeito é
brasileiro, negro, homem, etc” (LOURO, 1997,p. 25).
Descrevendo os discursos de Nova Escola
Ao se propor a trabalhar com textos multimodais, a revista Nova Escola entende que as
imagens fazem parte do cotidiano do professor/a e que as “[...] ações sociais são fenómenos
multimodais” (DIONÍSIO, 2005, p.161)e “[...] agora é impossível compreender os textos, até
mesmo as suas partes linguísticas somente, sem ter uma ideia clara de como esses outros elementos
podem estar contribuindo para o significado do texto” (KRESS, 2000, p.337). Mayer define a
multimodalidade como:
[...] a apresentação de um material usando palavras e imagens. Por palavras, eu quero dizer um material que é apresentado na forma verbal, tais como textos escritos ou orais. Por imagens, eu me refiro ao material que é apresentado na forma pictórica, tais como os que fazem uso de gráficos estáticos, incluindo ilustrações, tabelas, fotos, ou mapas, ou os que usam gráficos dinâmicos, que incluem animação ou vídeo (MAYER, 2001, p.2).
Esse material representa uma ampliação do termo discurso que passa a referir-se também
aos elementos semióticos contidos nas práticas sociais, pois como afirma Foucault (1979, p.231),
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“vivemos em uma sociedade que em grande parte marcha ao compasso da verdade- ou seja, que
produz e faz circular discursos que funcionam como verdade, que passam por tal e que detém, por
esse motivo, poderes específicos”.É nesse campo de imagens e texto escrito que Nova Escola passa
a dar visibilidade à imagem da professora a partir de um discurso homogêneo e isso inquieta, uma
vez que pensar em discurso é pensar em heterogeneidade. Para tentar compreender como as
subjetividades da professora se constituem face aos efeitos de sentido inerentes ao universo
masculino, produzido pela revista, tomo dois textos. A multimodalidade analisada remete a um
texto que faz parte do Prêmio Victor Civita para a valorização do professorque vem sendo
divulgado na Revista Nova Escola desde 1998 e se constitui a principal iniciativa do periódico para
a dispersão das práticas educativas de sucesso no Brasil. Os textos a serem analisados se constituem
de uma chamada de Nova Escola, cuja manchete é “A hora do professor”, publicada na edição de
março de 1996, e do cartaz de divulgação do prêmio em 2013.
Inicialmente, é possível observar na imagem que envolve a professora no processo
discursivo que os textos sugerem uma linguagem sexista que se contrapõe à imagem feminina. Isso
vem confirmar, com o uso da expressão “professor”, que o ambiente educacional é uma geografia
discursiva que retrata uma linguagem masculina, acentuando parecer mais fácil utilizar o
substantivo genérico, uma vez que em algumas línguas o gênero masculino implica domínio e
controle e o feminino, sugere um status inferior ou objeto sexual. O texto “A hora doprofessor”
sugere ainda, a partir da imagemda professora (anexo 1) , uma aproximação à segunda mulher de
Lipovetsky (2000) que deve ser reconhecida como mãe, amante, louvada e adorada. Aquela que
não pensa em si, mas em seus alunos, no cuidado que deve ter com o outro. São os“[...] elementos
religiosos” e "[...] atributos femininos, construindo o magistério como uma atividade que implica
doação, dedicação, amor, vigilância.” (LOURO, 1997, p 104). As diferenças de gênero na Revista
estão inscritas no léxico e na imagem, pois a impressão é de que não é possível encontrar palavras
neutras nas quais a mulher seja o gênero dominante ou mesmo semelhante.
Por isso, a constituição da subjetividade da professora no texto escrito aponta para um
silenciamentolinguístico e para a construção de um discurso masculino no qual se evidenciam
marcas de exclusão do gênero feminino. A ditadura da linguagem se faz presente e a ordem do
discurso obriga a dizer, a conformar a língua a regras tradicionais e visivelmente neutras. Como
assevera Diniz(2008),a forma de se referir-se a
[...] mulheres e homens sempre na forma masculina, mesmo quando é superior o número de indivíduos femininos [...] longe de ser um ato inofensivo, favorece uma construção que
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privilegia sempre um dos polos. No entanto, o universal masculino é regra que persiste mesmo nos textos acadêmicos, embora sua universalidade seja questionável, visto que esta função não está presente em todas as línguas. (DINIS, 2008, p. 486-7).
E isso que se evidencia nos discursos da revista que promete, em sua primeira edição de
1986, integrar a professoraao processo de mudança que ora se verifica no país; e proporcionar
uma troca de experiências e conhecimentos2. Embora, a revista seja destinada a constituir as
subjetividades da professora em seu discurso inicial, é possível evidenciar na prática a
impossibilidade de uma afirmação feminina diante do sexismo linguístico quepassou a fixarem suas
marcas linguístico-discursivas diferenças nas questões de gênero. É a revista que reafirma uma
linguagem sexista evidenciada em enunciados como o “15 de outubro, Dia do Professor, Parabéns”
ou ainda “Educação de qualidade só faz com professor de qualidade”, apesar de haver um
contingente significativo de mulheres na carreira do magistério. Ou ainda no cartaz produzido para
este mesmo evento em 2013 (anexo 2).
Olhando as imagens é possível evidenciar atividades sendo desenvolvidas em uma sala de
aula. Neste ambiente, encontram-se alunos e a alunas em suas cadeiras ou ouvindo histórias. Em
ambas as ações, dar aula e ler histórias, a imagem da professora está presente. Outro fato que chama
a atenção é o cartaz ter sido produzido a partir de uma atividade feminina: o bordado, que inspira
delicadeza. Imagem típica, diriam alguns, pois o magistério é predominantemente feminino e nada
melhor que esta imagem. Então, por que o uso do genéricona composição do texto? “Gestores”,
“professores”,“escolhidos”, “premiados” e“Educador” são as palavras que marcam linguisticamente
esta diferença. Como compreender esta relação que silencia as mulheres e confina-as a um mutismo
linguístico exacerbado diante das vozes masculinas que não se deixam calar, mesmo diante de
imagens tão significativas?
Por isso, discutir educação e mídia educativa implica em discutir linguagem e questões de
gênero. É exatamente isso que se evidencia no Prêmio Victor Civita,na qual as marcas de
masculidade se fazem presentes desde a chamada e se espalham pelo texto em expressões como
autores, professores e qualificadores como brasileiros. Isso evidencia talvez o que Nye (1995) vem
tentando argumentar em relação à linguagem e à fala das mulheres. Ela diz que as mulheres foram
coagidas a se utilizar de uma linguagem neutra e educadas a serem “vistas e não ouvidas” e se as
desigualdades de gênero estão na linguagem, inscritas em seu léxico, sua ascensão a um lugar na
sociedade por meio da linguagem parece um tanto improvável, pois,
2 NE, mar. 1986, p. 5.
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A impressão é de que não há palavras neutras com que se possa sequer tentar indicar uma relação masculino/feminina na qual a mulher seja dominante ou mesmo igual. Sendo contraditórios poder e feminilidade, o componente semântico da dominância é masculinizado e a inferioridade das mulheres é codificada na linguagem de tal modo que a igualdade seja inconsistente com feminilidade. (NYE, 1995, p.207)
Em apoio a esta crítica estão as questões de que as palavras pejorativas, negativas são
encontradas mais no campo linguístico feminino e Nye cita como exemplo “dama” que em
determinada época indicava posição social e na atualidade indica mulheres fáceis, levianas,
ordinárias. Isso denota que as palavras neutras destinadas às mulheres, em certo tempo perderam
sua carga semântica original. Diante disso, se faz necessário que as mulheres se afirmem e se
recusem a ser suprimidas linguística e discursivamente.
Algumas conclusões
A mídia educativa, especificamente, a revista Nova Escola vem, desde sua primeira edição,
regulando um modo de ser professora das series iniciais do ensino fundamental e isso se evidencia
quando tomamos os textos imagéticos que se fazem presentes no periódico que são constituídos por
fotografias, desenhos, ilustraçõesfemininas. No entanto, ao articular as imagens e o texto verbal,
evidenciou-se que as subjetividades femininas são produzidas a partir de uma linguagem sexista,
marcadamente, masculina. Essa linguagem parece traduzir formas de silêncio à constituição das
subjetividades da professora.
No entanto, alguns caminhos para a desconstrução desta naturalização masculina na língua
vêm sendo tomados como o uso do @, visto em textos de pesquisas que se propõem a traduzir estes
espaços neutros e masculinos. Ou então, o uso do artigo o/a diante do substantivo masculino e
feminino. Mas, só isso não basta para que as professoras assumam sua fala no periódico. É preciso
reavaliar a regra do genérico e do masculino, pois de outra forma, as professoras continuarão à
deriva de suas próprias práticas.
No entanto, como diz Foucault (2004, p. 267), sempre há “a possibilidade de mudar a
situação [...]. Não podemos nos colocar fora da situação, em nenhum lugar estamos livres de toda
relação de poder. [...] Enfim, [...] há sempre a possibilidade de mudar as coisas.”. Nesse sentido, há
possibilidade de transgredir, de desafiar, de abrir caminhos para a transformação, para se proteger.
Mas, para isso, é preciso mudar os regimes de verdade que se fazem presentes nos processos de
subjetivação. É difícil? Muito. Mas, é preciso insistir.
10 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos),Florianópolis, 2012. ISSN2179-510X
Referências
DIONÍSIO, Angela P. Gêneros multimodais e multiletramento. in: Karwoski, A. M. Gaydeczka, B. Brito, K.S.(Org.) Gênerostextuais: reflexões e ensino. Palmas e União da Vitória: kaygangue, 2005. DINIS,Nilson F. Educação, relações de gênero e diversidade sexual. In: Educ. Soc., Campinas, vol. 29, n. 103, p. 477-492, maio/ago. 2008. Disponível em:<http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 25 Out. 2012. Foucault, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. ______. A ordem do discurso. São Paulo, Edições Loyola, 2006. ______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. ______. Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. ______. Prefácio à Transgressão. In: Motta, Manoel Barros da (Org.). Ditos e Escritos. v. III. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 28-46. KELLNER, Douglas. A Cultura da mídia: estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru (SP): EDUSC, 2001. KNOLL, Graziela F. Relações de gênero na publicidade: palavras e imagens constituindo identidades. Dissertação de Mestrado. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2007. KRESS, Gunther. Multimodality: challengestothinkingaboutlanguage. TesolQuarterly, v. 34, n. 2, 2000, pp. 337-340. DE LAURETIS, Teresa .Technologies ofGender, EessaysonTtheory, FilmandFiction, Bloomington/ Indiana : Indiana University Press, 1987. ______. A tecnologia do gênero. In: Hollanda, B.H. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. LOURO, Guacira L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997. MAYER, Richard. Multimedialearning.Cambridge: Cambridge University Press, 2001. NYE, Andrea. Teoria feminista e as filosofias do homem. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1995. SILVA, Tomaz T. O adeus às metanarrativas educacionais. In: ______. (org.). O sujeito da Educação: estudos foucaultianos. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1994. ______. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
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NOVA ESCOLA MAGAZIN Abstract: The magazine Nova Escola is setting up in its texts ways of giving emphasis through images showing the feminization discourse in basic education. However, by changing the imaginary text from the verbal is possible to outline the materiality linguisticand refract discriminatory values from silencing and invisibility of teachers.work with the language focus on the various ways in which individuals produce meaning and position themselves in social relations. The questioning is: Is it possible to grasp the purpose of a sexist language in this positions? This work is part of an interpretative discursive perspective methodologically and theoretically in research on language and gender based on Focault aims to describe the sexist linguisticthe magazine. As object of study texts published in the Journal Nova show preliminarily that there is a generalofficial curriculum is significant to reveal a linguistictarget from the editorial magazine policy. Keywords: Media. Grammatical genre.
Anexo 1 - Fonte:http://www.dipity.com/novaescola/Premio
Anexo 2 - Fonte:http://www.fvc.org.br/premiodivulgacao.shtml
Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos),Florianópolis, 2012. ISSN
NOVA ESCOLA MAGAZINE: PRACTICE OF SILENCING TEACHER´S VOICE.
The magazine Nova Escola is setting up in its texts ways of giving emphasis through images showing the feminization discourse in basic education. However, by changing the imaginary text from the verbal is possible to outline the materiality linguistic-discursive practices that reflect and refract discriminatory values from silencing and invisibility of teachers. It is understood that all work with the language focus on the various ways in which individuals produce meaning and
relations. The questioning is: Is it possible to grasp the purpose of a sexist language in this positions? This work is part of an interpretative discursive perspective methodologically and theoretically in research on language and gender based on Focault aims to describe the sexist linguistic-discursive position materiality that runs through the texts of
As object of study texts published in the Journal Nova Escola magazineshow preliminarily that there is a general rule followed in all texts, which although not part of any official curriculum is significant to reveal a linguistic-discursive silencing in relation to teachers, target from the editorial magazine policy.
Media. Grammatical genre.Language.
http://www.dipity.com/novaescola/Premio-Victor-Civita/Acesso em:
http://www.fvc.org.br/premio-victor-civita/sobre-o-premio/poster
divulgacao.shtmlAcesso em: 18 Maio 2013.
11 , 2012. ISSN2179-510X
E: PRACTICE OF SILENCING TEACHER´S VOICE.
The magazine Nova Escola is setting up in its texts ways of giving emphasis through images showing the feminization discourse in basic education. However, by changing the imaginary
ursive practices that reflect It is understood that all
work with the language focus on the various ways in which individuals produce meaning and relations. The questioning is: Is it possible to grasp the purpose of a
sexist language in this positions? This work is part of an interpretative discursive perspective methodologically and theoretically in research on language and gender based on Focault theories. It
discursive position materiality that runs through the texts of Escola magazine. The results
rule followed in all texts, which although not part of any silencing in relation to teachers,
Acesso em: 15 nov.2010.
premio/poster-de-