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Revista Negócios Estrangeiros N.º 18 Suplemento

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Revista NegóciosEstrangeirosPublicação do Instituto Diplomático, Ministério dos Negócios Estrangeiros

DirectorEmbaixador Carlos Neves Ferreira

(Presidente do Instituto Diplomático)

Director ExecutivoJorge Azevedo Correia

Editor ExecutivoJoão Carlos Silva

Design GráficoRisco – Projectistas e Consultores de Design, S.A.

Pré ‑impressão e ImpressãoEuropress

Tiragem400 exemplares

PeriodicidadeSemestral

Preço de capa5

Anotação/ICS

N.º de Depósito Legal176965/02

ISSN1645 ‑1244

EdiçãoInstituto Diplomático, Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE)

Rua das Necessidades, n.º 19 – 1350 ‑218 LisboaTel. 351 21 393 20 40 – Fax 351 21 393 20 49 – e ‑mail: [email protected]

NúmeroRevista N.º 18 Suplemento . Abril 2011

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Seminário Diplomático3 e 4 de Janeiro de 2011

Suplemento

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7 Nota do Director

9 Intervenção do Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros Luís Amado

31 Intervenção do Dr. António Vitorino

49 A Crise Financeira da Zona Euro – palestra proferida no Ministério dos Negócios Estrangeiros

Vítor Bento

Índice

Os artigos reflectem apenas a opinião dos seus autores. E em nenhumas circunstâncias poderão ser invocados para comentar ou como traduzindo posições oficiais dos responsáveis pela política externa portuguesa.

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7

Como todos os anos, no princípio de 2011 o Ministério dos Negócios Estrangeiros

organizou o seu Seminário Diplomático.

O presente suplemento ao n.º 18 da Revista Negócios Estrangeiros (NE) regista

duas das intervenções aí proferidas: uma do Senhor Ministro que, como tem feito

todos os anos, nos deu a sua visão do ano que havia decorrido e as orientações

genéricas para a actividade diplomática do ano que tinha entrado; outra do

Dr. António Vitorino, sobre a posição portuguesa face à crise financeira interna‑

cional, com uma atenção especial aos problemas do euro e de Portugal enquanto

membro do eurogrupo.

Aproveitou ‑se esta edição especial para, igualmente, deixar o registo de uma

intervenção do Dr. Vítor Bento numa palestra dirigida aos adidos de embaixada,

em Dezembro, no quadro das actividades de formação deste grupo de funcioná‑

rios, recém entrados no Ministério. O tema foi, ainda, o da crise financeira do final

de 2008, um modelo explicativo e as suas consequências para um país com as

características de Portugal.

O texto do Ministro Luís Amado é a transcrição revista no seu Gabinete da sua

intervenção, que foi feita sem suporte escrito e sofre, por isso, daquilo a que os

especialistas chamam marcas de oralidade. Ganha em expressividade o que perde em

estilo literário. Ele nos perdoará não ter sido possível fazer melhor em matéria de

transformação do seu discurso numa forma escrita mais cuidada.

Já o texto do Dr. António Vitorino, que inicialmente padecia do mesmo pro‑

blema, foi transcrito e depois revisto pelo autor, pelo que o brilho das ideias se

junta ao rigor do estilo e à lógica do argumento. Estou ‑lhe, naturalmente, muito

grato pelo trabalho que quis ter e pela colaboração que quis dar ao Instituto

Diplomático.

O Dr. Vítor Bento, na palestra que fez aos adidos de embaixada utilizou um

extenso e detalhado PowerPoint. Não tendo a aula sido gravada, não foi possível

reconstituir um texto que não existia e ter ‑lhe ‑ía dado um trabalho, porventura

Nota do Director

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8 excessivo e que não ousei pedir ‑lhe, refazer a sua intervenção e proceder à ligação

“literária” dos diversos quadros, gráficos e blocos argumentativos nos quais assen‑

tou a sua exposição.

Pareceu ‑me, porém, que a estrutura desta exposição e a sequência utilizada se

explicavam por si próprias e o discurso e argumentos a elas subjacentes ressaltavam

sem a necessidade de um “tecido conjuntivo” textual. Dará mais trabalho a enten‑

der do que uma simples leitura, mas isso é bom porque é pedagógico e exige mais

do leitor.

Ou seja, o Instituto Diplomático entendeu que seria lamentável que não ficas‑

se o registo escrito destas três comunicações. Outras houve no âmbito do

Seminário e nas mais palestras realizadas a benefício dos adidos, merecedoras do

mesmo cuidado, mas não foi possível, quase sempre por indisponibilidade dos

autores, juntá ‑las a estas que agora se editam.

A todos quantos se esforçaram para que este número especial da revista saísse

o meu muito obrigado.

Espera ‑se que a sua leitura contribua para a compreensão do difícil momento

presente e para a tomada de decisões informadas.

Março de 2011

O Presidente do Instituto Diplomático

Carlos Neves Ferreira

(embaixador)

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9

Intervenção do Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros

Luís Amado1

Eu quEria ComEçar, naturalmente, por agradecer na pessoa do Director do Instituto, o meu

querido amigo General Rodrigues Viana, a facilidade que nos dá, mais uma vez. É

com muito gosto que aqui estamos nesta casa e que agradecemos, em nome do

Ministério, a disponibilidade sempre muito aberta do Instituto de Defesa Nacional

para colaborar connosco nestas circunstâncias.

E agradecer também, naturalmente, ao Director do Instituto Diplomático pelo

trabalho de preparação deste seminário; e saudar, na pessoa do Secretário ‑Geral, e

em cada um de vós, a todos os diplomatas e a todos os trabalhadores e quadros téc‑

nicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e desejar a todos um Bom Ano, apesar

das dificuldades e das circunstâncias adversas que temos pela frente.

Como é habitual nestas circunstâncias, e do facto de o Seminário Diplomático

acontecer sempre, no nosso caso, no princípio do ano, é sempre natural que se pro‑

cure, nesta primeira intervenção, fazer um balanço do que foi o ano de 2010 e

perspectivar um pouco do que podemos antever do que será o ano de 2011, o ano

que agora se inicia.

Este seminário é um pouco a abertura do ano diplomático na tradição da nossa

casa. Por isso, é sempre com satisfação que nos encontramos aqui neste início do ano

para partilhar ideias, para nos revermos, e também para reflectirmos em conjunto

sobre os problemas com que nos confrontamos no nosso dia a dia. E, mais do que

nunca, todos temos a noção de que 2011 é um ano de profundos desafios para o

1 Intervenção no dia 3 de Janeiro de 2011, no Instituto de Defesa Nacional, no âmbito do Seminário

Diplomático 2011.

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10 país, naturalmente, mas também para cada um de nós, com as responsabilidades que

nos cabem e que temos, sobretudo, de responder a problemas que passam muito

pela esfera de acção das nossas competências e das nossas capacidades.

E é por isso, e pela circunstância absolutamente extraordinária do ano que

vamos viver, que gostaria, para lá de, como é habitual, reflectir um pouco sobre o

que foi a experiência de 2010 e sobre as perspectivas para 2011, de partilhar con‑

vosco, com franqueza e com sinceridade, um conjunto de ideias e de reflexões, mas

também de inquietações, que não deixam de nos assaltar num momento em que

temos de iniciar um ano de tamanha adversidade.

Creio que a especificidade das nossas funções e das nossas missões – da minha e

das dos Secretários de Estado, mas também da de cada um de vós – impõe uma res‑

ponsabilidade extraordinária no tempo que estamos a viver, porque as nossas missões

prendem ‑se necessariamente com a relação do nosso país com o exterior, com a comu‑

nicação com a comunidade internacional no seu conjunto, num tempo marcado por

uma crise que varre o mundo, e em particular a Europa, e em que estamos na linha da

frente na percepção dos fenómenos que, marcando o ritmo das transformações que

hoje o Mundo conhece, não deixam de ter um impacto extraordinário na vida dos

cidadãos comuns – que também somos. Assumindo essa condição, não podemos dei‑

xar de manifestar a nossa inquietação em relação aos tempos que vivemos.

Por isso, temos responsabilidades, que não podemos de forma alguma ignorar,

face aos problemas com que o país se confronta. Temos, como ninguém, nem nos

governos, nem nas administrações, a responsabilidade primeira de promover e de

defender a imagem e os interesses do nosso país no exterior. Por isso, num ano em

que todos sentimos que o país está exposto – como poucas vezes esteve – às pressões

e às dinâmicas que se desenvolvem a partir do exterior, e que condicionam o nosso

futuro colectivo, é natural que cada um de nós, no exercício das suas missões, em

diferentes planos, não possa deixar de manifestar a sua inquietação face aos proble‑

mas com que nos confrontamos. Tão pouco podemos deixar de reflectir sobre as

condições em que, no exercício das nossas competências e nas nossas capacidades,

podemos e devemos ajudar a resolver os problemas do país. É essa a especificidade

da nossa missão e, também, da missão diplomática. Ninguém mais, na Administração

Pública, tem essa responsabilidade: representar o país, proteger e defender a imagem

do país, proteger e defender os interesses do país.

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11E quando o país se confronta com uma dinâmica adversa, resultante, sobretudo,

de fenómenos que ultrapassam a nossa fronteira, é obvio que é na frente da acção

política e diplomática externa que os problemas se concentram e é aí que tem de

encontrar um primeiro nível de resposta.

Mas comecemos por 2010. Não podemos dizer, de forma alguma, que 2010 foi

um ano que nos tenha corrido mal. Foi um ano que, pelo contrário, do ponto de

vista dos objectivos da política externa, nos correu bem.

Atingimos, no essencial, os objectivos ambiciosos que nos propusemos, num

esforço conjunto do Ministério – dos seus técnicos, dos seus quadros, dos seus

diplomatas, dos seus responsáveis políticos – que permitiu que o país reforçasse a

sua imagem no exterior, marcasse a sua presença e a sua influência no plano inter‑

nacional e projectasse as competências da carreira diplomática e dos diplomatas

portugueses. Trabalho que foi, aliás, também reconhecido internamente pela genera‑

lidade dos observadores que acompanham a vida da política portuguesa. E por isso

eu reconheço que o ano de 2010 foi um ano em que, apesar das adversidades que o

país conheceu, apesar dos constrangimentos que não deixaram de se sentir também

na nossa actividade e no dia a dia, conseguimos no essencial responder às priorida‑

des que tínhamos definido como fundamentais.

Recordo que aqui, neste mesmo espaço, há um ano atrás, tínhamos definido

como essenciais cinco acções prioritárias. Uma prendia ‑se com o apoio que consi‑

derámos indispensável à recuperação económica do país, pelo apoio à internaciona‑

lização da actividade económica, antecipando a crise que todos identificávamos e

que passava necessariamente, como ainda passa, pelo reforço da internacionalização

dessa actividade. E creio que, de uma maneira geral, cumprimos alguns dos objecti‑

vos que nos tínhamos proposto nesse domínio.

Definimos como segunda prioridade reforçar o espaço geopolítico da Lusofonia,

no quadro do exercício da Presidência Portuguesa da CPLP2 que concluiu, em Julho

de 2010, com a passagem do testemunho para Angola, que exerce pela primeira vez

a Presidência.

2 Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (N.E.).

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12 Propusemo ‑nos acompanhar a abertura deste novo ciclo do projecto europeu

que representava a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, ao qual estávamos e esta‑

mos natural e particularmente ligados, e cuja responsabilidade pela sua implemen‑

tação assumimos desde a primeira hora.

Propusemo ‑nos ainda – quarta prioridade – contribuir para a renovação da

agenda transatlântica, tendo em consideração, justamente, que realizaríamos no final

do ano a primeira cimeira de Chefes de Estado e de Governo da NATO que se reali‑

zaria em Portugal – como se realizou, com sucesso reconhecido.

E, por último, tínhamos como prioridade reforçar a nossa acção por forma a

garantir que, numa disputada e difícil competição por um lugar de membro não‑

‑permanente para o biénio 2011 ‑2012, pudéssemos garantir a nossa presença no

Conselho de Segurança, o que veio, de facto, a acontecer.

Em todos estes domínios conseguimos, ao longo de 2010 – e, sublinho, apesar

dos constrangimentos e das dificuldades que fomos sentindo ao longo do ano, por

força também da crise que se reflectiu no dia a dia da actividade do Ministério dos

Negócios Estrangeiros e de cada um de nós – realizar muito dos objectivos que nos

propusemos.

Reforçámos as competências do Ministério no acompanhamento da promoção

da acção externa do nosso país, participámos em inúmeras missões comerciais e

económicas que se desenvolveram por todo o mundo, organizámos cimeiras em

Portugal e fora de Portugal com Marrocos, com a Argélia, com a Tunísia, com o

Brasil, com Moçambique, com Cabo Verde, com a França. Um conjunto de cimeiras

significativas em que a vertente económica esteve sempre presente e em que come‑

çámos talvez com renovada acção a contribuir para a formação de uma agenda eco‑

nómica – absolutamente indispensável para garantir também o desenvolvimento

futuro das Cimeiras –. Pudemos, naturalmente, no quadro do modelo da organização

de promoção e de acção externa que temos e que é limitado nas suas circunstâncias,

creio eu, marcar uma presença significativa.

É certo que todos reconhecemos que este é um modelo eventualmente esgotado,

sobretudo num momento em que se percebe que o País tem de diversificar os seus

mercados, que tem de fazer uma aposta definitiva nos bens transaccionáveis, e tem

de orientar o paradigma da sua economia para um modelo exportador. O que signi‑

fica que terá de seguramente garantir que 50% do seu produto, a prazo, possa ser

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13resultante de actividade orientada para a exportação, o que pressupõe uma reorgani‑

zação do nosso modelo de promoção e de acção económica no exterior, e uma forte

integração no Ministério dos Negócios Estrangeiros das actividades e das instituições

que têm essa vocação.

É assim que todos os modelos de economias centradas na exportação se afirma‑

ram na economia mundial hoje. E se olharmos e estudarmos os modelos de organi‑

zação da actividade económica externa dos países que têm economias de exportação

na base da sua actividade económica reconhecemos as insuficiências, os limites e os

constrangimentos do nosso modelo de organização da promoção da acção económica

externa.

Por isso, no quadro do modelo que temos, pudemos, do meu ponto de vista,

realizar com relativo sucesso as acções que se nos impunham.

Relativamente ao espaço da Lusofonia, gostaria de registar apenas um ou dois

aspectos importantes do ano que passou e que nem sempre são devidamente valori‑

zados. Passámos o testemunho a Angola na Presidência da CPLP, mas gostaria de

salientar o facto de que a Presidência da CPLP se centrou na promoção do papel

internacional da língua portuguesa. E foi a primeira vez que isso aconteceu na CPLP.

A CPLP tem três pilares – a concertação político ‑diplomática, a cooperação para o

desenvolvimento e a promoção da língua portuguesa –, mas todas as Presidências

anteriores a 2009 ‑2010 se tinham centrado em temáticas ligadas aos dois pilares da

concertação político ‑diplomática ou da cooperação para o desenvolvimento.

Nenhuma Presidência tinha tido no centro da sua agenda a problemática da promo‑

ção, da expansão internacional da língua portuguesa.

Sabemos que esse esforço no mundo em que estamos não depende apenas de

Portugal. É um esforço que tem de ser assumido em conjunto pelos países da

Lusofonia, pelos países da CPLP, e por isso a dimensão multilateral da política de

promoção da internacionalização da língua portuguesa era um elemento chave para

estruturar uma política ambiciosa de promoção da língua portuguesa no século que

agora se iniciou.

Foi muito gratificante verificar que, no fim da Presidência Portuguesa, foi ple‑

namente assumido pelos Estados ‑Membros da CPLP que esse objectivo, de promoção

da língua portuguesa como língua de vocação universal, era assumido por todos em

conjunto.

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14 A circunstância de a Cimeira de Luanda ter aprovado formalmente o Plano de

Brasília e de ter aprovado o novo estatuto internacional da língua portuguesa reflecte

a atenção que todos os Estados passaram a dar ao valor estratégico da língua oficial

de todos os Estados ‑Membros na projecção dos seus interesses no plano internacio‑

nal, em particular nas organizações internacionais que todos integram.

Em matéria de política da língua, passou despercebida a Conferência de Brasília

(porque, enfim, temos a valorização que temos das questões internacionais na nossa

agenda mediática) mas o que é um facto é que a primeira conferência internacional

sobre a língua portuguesa foi organizada durante a Presidência Portuguesa, em

colaboração com o Brasil, em Brasília. Dessa conferência, saiu um plano de acção

assumido por todos os Estados ‑Membros, o que significa que, pela primeira vez, a

batalha da promoção internacional da língua portuguesa deixou de ser uma bata‑

lha de Portugal e passou a ser uma batalha assumida por todos os Estados ‑Membros

da CPLP.

É por isso que eu gostaria de registar, no balanço de 2010, este facto que passou

despercebido mas que tem, do ponto de vista estratégico, um enorme impacto.

Também por essa razão, durante o ano que passou relançámos as bases para a

implementação do Acordo Ortográfico, orientação que durante muito tempo foi

adiada mas que era absolutamente fundamental para podermos multilateralizar a

política de promoção da língua portuguesa no plano internacional. Também por isso,

no âmbito da política da língua, pudemos, pela primeira vez, integrar o ensino do

português no estrangeiro sob tutela do ICA3, sob tutela do Ministério dos Negócios

Estrangeiros, aproveitando, também, sinergias fundamentais para a nossa própria

política de promoção da língua portuguesa.

Estes elementos estruturais de política foram assumidos discretamente, é certo,

sem grande impacto, mas são elementos de grande importância do ponto de vista

dos interesses estratégicos do nosso país, sobretudo aqueles relativos à política da

língua.

Em relação à política europeia, tivemos um ano particularmente exigente. Vamos

ter, em 2011, um ano ainda mais exigente.

3 Instituto Camões (N.E.).

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15Trata ‑se de uma área da acção política que se torna, por força das circunstâncias,

absolutamente central na actividade do nosso Ministério, seja do ponto de vista

inter ‑governamental europeu, seja do ponto de vista intra ‑governamental, a nível

nacional. É um facto que algumas decisões importantes foram tomadas em 2010.

Registo a participação muito activa que tivemos na renovação da Estratégia

2020, que substitui a Estratégia de Lisboa – um processo muito participado em que

os serviços do Ministério, e de todos os departamentos do Governo que directa ou

indirectamente lhes estão associados, participaram –, assim como todo o trabalho de

implementação do Tratado de Lisboa, que esteve na primeira linha das prioridades

do Ministério, da Secretaria de Estado e da Direcção ‑Geral, em particular no que diz

respeito ao Serviço Europeu de Acção Externa e no apoio às candidaturas que indi‑

vidualmente se foram afirmando para diferentes posições nas diferentes Delegações

desse Serviço.

Temos neste momento em curso o apoio a uma vintena de candidaturas a dife‑

rentes lugares em vários serviços e Delegações em diferentes regiões do Mundo.

Mas o trabalho essencial nessa frente – na frente europeia – durante 2010 foi,

naturalmente, o acompanhamento da crise económica e financeira na Europa, em

particular da crise do euro e do impacto que esta teve na nossa própria economia,

bem como da própria relação do país com o projecto europeu, em particular com as

suas responsabilidades no âmbito da Zona Euro.

O Ministério, e os serviços competentes, foram obrigados a um esforço muito

grande nesse domínio. Foram confrontados com realidades que não se podiam ante‑

cipar, de grande densidade e complexidade técnica, designadamente no que se refere

às questões ligadas com a estabilidade do euro e ao processo de readaptação da

União Económica e Monetária a uma nova realidade inesperada com a qual a Europa

e o projecto europeu se confrontaram.

Esse trabalho foi um trabalho de enorme exigência para os serviços competentes

do Ministério e será seguramente em 2011 um dos trabalhos mais exigentes, de

maior responsabilidade e de maior exigência técnica e política, e por isso segura‑

mente uma das prioridades para o próximo ano.

Na frente das relações transatlânticas, tínhamos a responsabilidade de organizar

pela primeira vez uma cimeira a nível de Chefes de Estado e de Governo. Tinha havido

já uma reunião a nível ministerial mas não uma cimeira a nível de Chefes de Estado

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16 e de Governo – que teve lugar em Lisboa, em Novembro. Foi uma organização difí‑

cil, em todos os aspectos, mas podemos hoje reconhecer que correu bem – é essa a

avaliação que todos os observadores e todos os analistas fazem do que foi o resultado

da Cimeira de Lisboa.

A Cimeira foi considerada uma cimeira histórica, que fica também associada

à capital de Portugal, membro fundador da Aliança. Aprovou um novo conceito

estratégico, encerrou uma fase mais crítica das relações com a Rússia e, por outro

lado, adoptou uma nova estratégia e plano de transição para o Afeganistão – a

situação mais complicada com que a NATO e todos os aliados se confrontam –,

para além de ter aprovado também um programa para um sistema antimíssil com

enorme impacto para a defesa e segurança do continente europeu, ultrapassando

dificuldades estruturais que teriam implicações muito sérias na segurança e na

defesa colectiva da Europa se outra via, que anteriormente esteve em desenvolvi‑

mento, tivesse continuidade. Felizmente a Cimeira interrompeu esse processo e

pôde restabelecer, relativamente a esse programa, um conjunto de referências

absolutamente fundamental para a reestruturação da política de segurança e defesa

da Europa para os próximos anos, com as implicações que esse programa em con‑

creto tem, desde logo, no reequilíbrio dos pilares europeu e transatlântico da

Aliança.

Mas independentemente do sucesso da Cimeira, que vem a benefício de inven‑

tário da nossa diplomacia, importa sublinhar que em todos estes aspectos desta

agenda histórica da Cimeira de Lisboa – conceito estratégico, a perspectiva nova das

relações com a Rússia, a revisão da missão no Afeganistão, e a redefinição de objec‑

tivos e de prioridades em relação a essa missão –, o que é mais gratificante é verifi‑

carmos que muitas das ideias que estão assumidas pela Aliança são também o resul‑

tado de contribuições materiais de Portugal, da diplomacia portuguesa e da política

externa portuguesa.

Não fomos agentes passivos em todo este processo e podemos chegar ao seu fim

com a satisfação de ver que, quer o novo conceito estratégico, quer a nova perspec‑

tiva das relações com a Rússia que afasta definitivamente uma era de confrontação,

que identificava a Rússia como um inimigo estratégico – até ideológico nalgumas

concepções que afloraram na fase final deste período –, são ideias que sempre defen‑

demos ao longo dos últimos anos e que quer na Missão da NATO, quer na UE em

Bruxelas, quer nas principais capitais aliadas, sempre defendemos, de início até em

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17algumas circunstâncias, de forma isolada. Por isso, é com grande satisfação que tam‑

bém vemos que essa parte da nossa agenda política se projecta hoje em documentos

que fecham um capítulo importante da história da Aliança e que a preparam para os

desafios com que se confronta no século XXI.

E, por isso, quando falávamos de uma prioridade para a renovação da agenda

transatlântica, faziamo ‑lo com a perspectiva de um conjunto de ideias que acabaram

por ter uma consagração efectiva nos principais documentos de orientação que hoje

a Aliança assumiu.

Em segundo lugar, nunca perdemos, felizmente, a referência da importância

fundamental do aprofundamento das relações bilaterais com os Estados Unidos da

América, e fizemo ‑lo quer no âmbito da preparação desta Cimeira, quer no âmbito

dos debates relativamente a temas mais sensíveis da relação bilateral, nas missões

aliadas, designadamente no Afeganistão, correspondendo ao apelo bilateral dos

Estados Unidos, e reforçando a nossa participação, apesar das dificuldades e dos

constrangimentos. Participámos também, como é sabido, no esforço para a resolução

de Guantanamo, um problema de enorme complexidade jurídica, política e estraté‑

gica para o Ocidente e para os Estados Unidos. Por isso, o reforço das relações com

os Estados Unidos foi também um contributo importante que procurámos dar para

a renovação da agenda transatlântica e para o aprofundamento de um vector funda‑

mental da nossa política externa.

Embora por vezes isso não seja devidamente percebido em certos círculos e por

certos actores, não nos podemos dar ao luxo de desprezar toda e qualquer oportu‑

nidade de reforçar a nossa relação bilateral com a potência marítima e com a potência

americana. Tornar ‑nos ‑íamos rapidamente irrelevantes se não fossemos capazes de

aproveitar toda e qualquer oportunidade para, no quadro dos princípios que regem

a nossa política externa, favorecer o aprofundamento dessa relação. Sobretudo quando

sabemos que a Península Ibérica é, cada vez mais, uma unidade geopolítica percebida

como tal nas principais capitais mundiais e que temos, cada vez mais, uma Espanha

tendencialmente atlântica e que valorizará, de forma irrecusável no futuro, uma

relação privilegiada com os Estados Unidos.

Nessa perspectiva não podemos, de forma alguma, como disse, deixar de apro‑

veitar todas as oportunidades para poder aprofundar a nossa relação bilateral com os

Estados Unidos. E foi isso também que, no quadro da nossa política transatlântica,

procurámos ao longo de 2010: vincar bem essa orientação e essa prioridade.

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18 E, por último, aproveitámos bem o ano – sempre, refiro, apesar dos constrangi‑

mentos e das dificuldades que todos sentimos, no plano político mas também no plano

da acção profissional de cada um de nós ‑ para projectar a influência, a presença e a

acção internacional do nosso país. Foi um esforço muito grande, aquele que promove‑

mos para a campanha para o Conselho de Segurança, e principalmente no último ano

– é sempre nesse último ano que as coisas se decidem, como sabemos, e esse esforço

foi partilhado por todos nós. O Ministro, naturalmente, os Secretários de Estado, o

Embaixador em Nova Iorque em particular, mas todos os Embaixadores nas diferentes

capitais – mesmo muito Embaixadores que estão na disponibilidade –, participaram

nesse esforço e nessa campanha. E o que é um facto é que pudemos, apesar das difi‑

culdades, apesar da perturbação que a imagem do país não deixou de ter (por força

das mensagens muito negativas que marcaram a segunda metade do ano relativamente

à situação actual), apesar de tudo, garantir uma presença no Conselho de Segurança no

próximo biénio e mostrar que Portugal é um país respeitado, que tem credibilidade

do ponto de vista internacional e que isso se deve, sobretudo, ao esforço da política

externa, à densidade da nossa relação com o Mundo, à sua dimensão histórica e cul‑

tural tão profunda, como podemos hoje identificar em tantas regiões do Mundo, e

naturalmente ao trabalho de todos nós. Esse objectivo foi alcançado.

No âmbito dessa campanha, aproveitámos também, como era desejável, para dar

profundidade aos nossos interesses em muitos domínios e aprofundámos relações

bilaterais com muitos países com os quais não contactamos tão sistematicamente, em

razão dos quatro critérios que temos seguido ao longo dos últimos anos para diver‑

sificar as nossas relações bilaterais com os diferentes membros da comunidade inter‑

nacional: os países com quem temos relações históricas e culturais particulares; os

países que têm fortes comunidades portuguesas; as economias emergentes, das quais

vamos cada vez depender mais no futuro; os países fornecedores de gás e petróleo.

Infelizmente, sabemos que durante muitos anos desprezámos quase totalmente uma

relação mais próxima com os países que nos fornecem o gás e o petróleo que con‑

sumimos. E por isso o reequilíbrio dessa relação é instrumental também para res‑

ponder a outros objectivos da acção externa do Estado português.

Nem tudo correu bem, seguramente. Mas em alguns aspectos correu até melhor

do que podíamos esperar, e por isso é com confiança e com serenidade que encara‑

mos o ano que agora se inicia e os desafios com que estamos confrontados. Temos

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19todos uma grande experiência, temos todos competências e capacidades afirmadas

do ponto de vista internacional e somos respeitados por aquilo que fazemos no

plano internacional, e por isso não temos que ter medo dos desafios com que o

futuro nos confronta. É essa a orientação que não podemos deixar de assumir quando

se inicia um ano muito importante para o futuro do nosso país no plano internacio‑

nal e no plano interno.

Mas temos também que olhar para a realidade com muito pragmatismo, e, por

isso mesmo, enfaticamente e com reforçado realismo, sem deixar de ter em consi‑

deração alguns princípios e algumas ideias de força, pragmáticas, realistas, mas com

um enquadramento conceptual e teórico ajustado à realidade do tempo que estamos

a viver. Se não formos capazes de fazer esse exercício, também o pragmatismo e o

realismo de pouco nos servem.

Primeiro, temos que ter a noção de que a política externa portuguesa está hoje

no centro da vida política nacional. Nem todos pensam assim, nem todos percebem

esta situação, mas o que é um facto é que, como se viu em 2010 e como se irá ver

em 2011, a política externa de um país como Portugal está no centro da vida polí‑

tica nacional. Não é essa a expressão que ela tem no dia a dia da comunicação social

mas é essa a realidade que temos de assumir. Primeiro porque não temos plena

soberania sobre importantes sectores da nossa actividade interna, do domínio eco‑

nómico e do domínio social.

Estamos todos confrontados com um problema económico sério a nível mun‑

dial, europeu e nacional, sobre o qual não temos plena soberania. Os centros de

decisão estão em Bruxelas, nas capitais europeias e cada vez mais estas, por sua vez,

são condicionadas por centros de decisão internacionais, em particular no quadro do

G20, face à dinâmica dos problemas económicos com que o mundo se confronta e

à necessidade de, cada vez mais, o plano da governação económica global se definir

como o plano inspirador e indutor das principais decisões que são tomadas a nível

regional e a nível dos Estados. Por isso, negociação e decisão internacional pressu‑

põem um esforço permanente das nossas missões, que estão na linha da frente.

Em segundo lugar, porque o mundo mudou muito rapidamente – de forma

porventura inesperada até – e criou uma dinâmica de interdependência económica

e financeira absolutamente inesperada há vinte anos atrás, interdependência essa

também política, o que impõe ajustamentos na matriz de relações externas e na

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20 matriz de inserção geopolítica de todos os países, e em particular de um país como

Portugal, com a malha de relações que tem, não apenas na Europa, mas em todo o

mundo. Como tal, este é um processo de leitura, de observação, de acompanhamento

desta realidade em mudança, que só em primeira mão os diplomatas e o Ministério

dos Negócios Estrangeiros devem e podem fazer. O que implica mais responsabili‑

dade para a política externa.

Por último, porque a crise que estamos a viver – a crise financeira que se reflec‑

tiu na crise que a Europa hoje conhece e cujos desenvolvimentos nos têm surpreen‑

dido em muitos aspectos – revelou fragilidades estruturais do nosso país, em parti‑

cular na nossa economia, como em outras economias europeias. Percebemos hoje

que a crise nacional que vivemos é uma crise completamente diferente daquelas que

vivemos no passado. Não é uma crise nacional, é uma crise que se encaixa numa

crise europeia, que por sua vez se encaixa numa crise financeira, numa crise de rea‑

justamento macroeconómico global e de redistribuição da riqueza à escala global,

que põe em causa e que exerce enorme pressão sobre o modelo económico e social

e os níveis de bem ‑estar europeus e por isso nacionais.

Ninguém tem mais responsabilidade do que nós para perceber a natureza de

dinâmicas tão complexas, tão interactivas entre os planos nacional, regional e inter‑

nacional. Responsabilidades que cabem a cada um de nós, no exercício das nossas

competências, no dia a dia do exercício das nossas funções.

É por isso que eu digo que esta crise, sendo uma crise diferente daquelas que

vivemos no passado, pela sua dimensão e natureza e pela sua complexidade, exige

muito mais da política externa do que qualquer outra crise alguma vez exigiu. É certo

que os problemas têm de ser resolvidos internamente. É certo que as opções da polí‑

tica interna serão determinantes para ultrapassar a crise que vivemos. Mas é absolu‑

tamente indispensável que percebamos, todos, que é na interacção de decisões de

âmbito nacional, de âmbito europeu e de âmbito internacional, que encontraremos

o rumo e a saída para os problemas com que o país está hoje confrontado.

Não nos podemos reduzir a uma perspectiva puramente nacional – é um erro

fazê ‑lo. A responsabilidade que a política externa tem, por isso, no contexto da vida

política nacional, é cada vez maior, do meu ponto de vista.

Isso coloca um outro tipo de problema: a gestão das relações entre as opções da

política interna e a política externa. É um problema que apresenta uma faceta nova

para o dia a dia da nossa acção. Sabemos que numa situação de plena soberania, a

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21acção externa é induzida pelas opções da política interna. Mas, no quadro da sobe‑

rania partilhada em que vivemos, os compromissos internacionais – neste caso os

compromissos europeus – impõem e condicionam muitas das opções da política

interna. Em particular, nas áreas de soberania partilhada, como são as áreas da polí‑

tica económica e de muitos aspectos da política social.

Esta circunstância é muito determinante no tempo que estamos a viver, porque

aqui já não se trata, pela natureza da crise que vivemos, de transposição de directivas.

Aprendemos a viver com essa indução na política interna das decisões e dos com‑

promissos que decorrem dos tratados, das políticas, dos processos políticos e dos

processos legislativos consequentes que são assimilados e absorvidos pelas institui‑

ções nacionais. Projecta ‑se, por isso, uma relação mais tranquila com este fenómeno

de indução das opções internas pelos factores condicionantes da política externa

europeia.

Ora, o que esta crise, com a inesperada acutilância com que se manifestou no

nosso país, vem revelar, é que a Europa está numa encruzilhada e o processo político

europeu está condicionado pela vertigem das circunstâncias com que a Europa se

confronta e pela necessidade de tomar decisões que nos confrontam com muitos

problemas do ponto de vista, sobretudo, da gestão dos processos de legitimidade e

de representatividade política interna.

Essa realidade vai ser sentida ainda mais no próximo ano. Sentimo ‑la já este

ano – e quem vai ao Parlamento sentiu isso com particular relevância, mas em

2011 – vamos ter de saber viver com esta realidade, porque estes são problemas

que têm que ver com a própria natureza e gestão do processo europeu.

Se estivéssemos num modelo federal, como Maastricht naturalmente induzia,

tudo seria mais fácil porque não estaríamos no domínio da soberania, nem no domí‑

nio da política externa ao confrontarmo ‑nos com estes problemas. Sucede que o

modelo em vigor é um modelo intergovernamental, que o Tratado de Lisboa assu‑

miu, e portanto um modelo de relação soberana entre Estados. Sendo assim, a polí‑

tica externa tem de estar presente.

A política externa está na primeira linha da gestão deste problema. E o que é

mais contraditório é que o Tratado de Lisboa absorveu todo o capítulo da acção

externa no Tratado Constitucional, que foi rejeitado – designadamente pela França,

é bom sempre recordá ‑lo – e ao fazê ‑lo criou uma dinâmica de esbatimento da polí‑

tica externa no âmbito europeu. Basta ter a noção de que os Ministros deixaram de

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22 ter assento no Conselho Europeu, precisamente porque havia o entendimento, que

correspondia à visão mais federal, de que as questões europeias seriam questões já

não de política externa mas de política interna europeia.

Ora, os problemas que vivemos nos últimos meses de 2010, e que vamos viver

ao longo do ano de 2011, são problemas de grande melindre do ponto de vista

político, de grande melindre do ponto de vista do enquadramento das relações de

soberania num modelo intergovernamental, não federal, e marcado por estas contra‑

dições e por estes dilemas do próprio projecto europeu.

Na primeira linha deste processo, quem pode estar senão nós? A política externa,

o Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, o Director ‑Geral dos Assuntos Europeus,

os serviços competentes para gerir estes processos, que põem problemas políticos

muito sérios, de tipo intergovernamental – e já estamos a ver as tensões que temos

vivido nos últimos meses entre os Governos europeus sobre esta matéria. Ninguém

imaginou ouvir aquilo que alguns de nós já puderam ouvir em alguns Conselhos

Europeus e os Chefes de Estado e de Governo puderam ouvir em particular.

Além disso, põem ‑se problemas intragovernamentais, porque na gestão de todos

estes processos de indução de decisões tomadas pelas instituições europeias sem um

processo político e um processo legislativo adequado à realidade do modelo inter‑

governamental, e portanto de uma soberania partilhada, fomos confrontados em

algumas decisões com opções muito difíceis.

Não apenas Portugal: todos os Estados foram confrontados com essas situações.

Naturalmente, o problema político mais sério que estas situações projectam é o pro‑

blema das relações entre órgãos de soberania, para os quais vamos ter de estar muito

atentos ao longo do próximo ano. Designadamente, tendo presentes medidas que

vão ter de ser tomadas, desde logo no âmbito da política fiscal e orçamental, poderes

e competências reservadas aos Parlamentos nacionais, e que têm de ser devidamente

enquadrados no respeito das fronteiras que o modelo estabelece e que é irrecusável

do ponto de vista da partilha da soberania e da assunção da soberania por parte dos

Parlamentos nacionais.

A gestão desta fronteira entre o poder dos Parlamentos e o poder e as compe‑

tências dos Executivos no confronto com as orientações que, sobretudo em matéria

de governação económica, as instituições europeias projectam com um voluntaris‑

mo incontornável, será sem dúvida um dos problemas mais sérios que vamos ter ao

longo de 2011.

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23A primeira prioridade para 2011, se me perguntarem, é justamente acompanhar

com muito rigor, com muita atenção política, com muita precisão técnica, o que se

vai passar na primeira metade do primeiro semestre de 2011 na frente europeia.

Temos de dar a estes aspectos absoluta prioridade. Não pelo Tratado de Lisboa e a sua

implementação, pelo Serviço Europeu de Acção Externa, mas sobretudo pela relação

intergovernamental e intra ‑governamental e pela relação entre órgãos de soberania

na aplicação de um programa legislativo muito exigente que as instituições euro‑

peias vão desenvolver durante o primeiro semestre de 2011 em matéria de regulação

económica.

Por isso, a prioridade das prioridades para este ano são as questões europeias. O

país necessita absolutamente de gerir com muita exigência e com muita responsabi‑

lidade a relação com os compromissos que já assumiu na frente europeia – para

além, naturalmente, do acompanhamento do processo relativo à implementação do

Tratado de Lisboa, para além das questões ligadas com a negociação das perspectivas

financeiras, a nova política agrícola comum, a política comercial, a nova política de

coesão, quatro dossiers importantíssimos que estarão na agenda europeia ao longo

do próximo ano e que serão determinantes, também, no estabelecimento de uma

política mais coerente na frente europeia. Temos de dar particular atenção a toda a

agenda relacionada com a governação económica da Europa, pela particular sensibi‑

lidade que esta tem do ponto de vista institucional e político em Portugal, mas tam‑

bém pelas consequências do ponto de vista da nossa política fiscal e orçamental, da

nossa política económica e da nossa situação financeira.

Depois, como segunda prioridade para 2011, vamos ter de dar particular aten‑

ção à agenda internacional, em particular às questões que se reflectem na agenda do

Conselho de Segurança das Nações Unidas.

É uma responsabilidade que assumimos, que temos de saber acompanhar.

Sabemos quais são os problemas principais com que vamos ser confrontados, mas há

muitos que são inesperados – em particular, crises – e surgirão ao longo destes dois

anos. Vamos ser surpreendidos, certamente, por algumas dessas situações, crises e con‑

flitos como as da Costa do Marfim ou do Sudão; em particular a situação no Médio

Oriente, o conflito sobre o programa nuclear iraniano e a situação no Líbano (que é

muito tensa e dramática). Seguramente, situações que vão exigir muito da nossa diplo‑

macia e da nossa acção em diferentes capitais para acompanhar essa agenda.

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24 A par, naturalmente, do acompanhamento que devemos fazer da situação eco‑

nómica do nosso país, e do apoio à internacionalização da nossa actividade econó‑

mica, no momento em que é absolutamente indispensável garantir o aprofundamento

das relações do nosso Ministério com o Ministério da Economia e com outros

Ministérios e serviços que estão interligados e que têm de trabalhar em conjunto.

No essencial, as preocupações fundamentais que temos do ponto de vista de priori‑

dades para o próximo ano são essas, para além da reforma do Ministério, que se tem

de ajustar à visão que temos da situação internacional.

O enquadramento da nossa acção durante o próximo ano deverá ser dominado

por uma particular atenção e acompanhamento de três questões determinantes

para a nossa agenda em matéria de política externa: a situação económica mundial;

a crise das dívidas soberanas e em particular a crise da Zona Euro; e as tensões

geopolíticas que vamos ter pela frente e com que vamos lidar durante os próximos

anos.

São estas as questões que enquadrarão as nossas acções e que não podem deixar

de estar presentes na definição das nossas opções quando estabelecemos as nossas

prioridades, seja em relação às questões da frente europeia, seja em relação às ques‑

tões da frente internacional ou dos apoios que temos de garantir à internacionaliza‑

ção da nossa actividade económica.

A situação económica mundial é determinante para a forma como podemos

superar a crise da Zona Euro, mas também temos todos a noção de que o colapso do

euro teria um enorme impacto na estabilidade internacional e agudizaria os proble‑

mas da economia internacional. Sabemos que algumas das tensões geopolíticas

podem ter um impacto dramático na recuperação da economia mundial e no desen‑

volvimento de toda a problemática da crise das dívidas soberanas.

São, por isso, três questões que estão ligadas e cuja abordagem deve permitir

uma leitura atenta de toda a dinâmica que estabelecem e projectam também no dia

a dia da nossa política externa.

A situação económica internacional é preocupante porque o crescimento ainda

é fraco, desequilibrado e lento. Tivemos um crescimento negativo, pela primeira vez

depois da Segunda Guerra Mundial, a nível da economia global em 2009: aquilo que

se convenciona já hoje chamar a grande recessão – não a grande depressão – de

2009. Sabemos que esse crescimento é desequilibrado: um crescimento hesitante na

economia americana, um crescimento muito fraco na Zona Euro e um crescimento

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25mais forte nas economias emergentes. O crescimento da economia europeia no pró‑

ximo ano deverá ser quatro vezes inferior ao crescimento nos países de economia

menos desenvolvida.

Alguns considerarão este desequilíbrio virtuoso porque representa, no fundo, o

reequilíbrio macroeconómico a nível global e um processo de redistribuição da

riqueza entre as diferentes regiões económicas do mundo. E assim é: a realidade

multipolar da geopolítica em transformação é um pouco o resultado do reajusta‑

mento macroeconómico em curso. Outros verão nele o declínio do Ocidente e da

hegemonia da economia ocidental, o que também é aceitável como leitura desta

nova realidade.

O importante é que, apesar de tudo, este processo seja feito sem que os funda‑

mentos da estabilidade económica e social da Europa e do Ocidente sejam definiti‑

vamente postos em causa. Os níveis do desemprego, o baixo crescimento económico

na Europa e o problema das dívidas soberanas, não deixam de lançar inquietantes

preocupações sobre as condições de estabilidade política no Ocidente se, de facto, a

dinâmica do desemprego e do fraco crescimento económico gerar mais instabilidade

social e, por isso, também mais instabilidade política, com consequências imprevisí‑

veis para a estabilidade do próprio sistema internacional.

Por isso, o programa que, desde a Cimeira de Pittsburgh – a primeira cimeira

que reuniu os países mais desenvolvidos e os países em desenvolvimento –, foi apro‑

vado é, no fundo, um programa que tem estado a ser aplicado. É um programa

complexo e lento, mas que, no seu essencial, responde aos principais problemas e

visa, no fundo, reequilibrar dois exercícios diferentes.

Um exercício a nível interno, a nível dos Estados, substituindo o extraordinário

esforço de investimento público e de despesa pública para suprir o bloqueamento

abrupto do investimento e do consumo privados num determinado momento, a

partir de 2008. Esse reequilíbrio entre fazer liderar mais o crescimento pelo investi‑

mento e pelo consumo privado é um exercício que se tem revelado difícil de enqua‑

drar, consoante as diferentes situações de cada economia e de cada país.

Depois, também um exercício de reequilíbrio externo, em que os países que

mais consumiam e que mais poupavam têm de gerir de forma diferente as suas pers‑

pectivas de desenvolvimento económico. Por isso, as receitas que estão a ser aplicadas

têm efeito, naturalmente, no programa europeu e têm consequências na nossa pró‑

pria gestão macroeconómica.

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26 Continua a preocupação de reabilitar e reformar os sectores financeiros que

foram mais atingidos pela crise. Sugerem ‑se políticas monetárias dos bancos centrais

mais laxistas em relação às situações em que o consumo privado é fraco e medidas

de consolidação fiscal muito exigentes em relação aos países que têm desequilíbrios

macroeconómicos e problemas de endividamento a médio e longo prazo, susceptí‑

veis de gerar desequilíbrios difíceis de gerir. Ao mesmo tempo, propõe ‑se que os

países que têm excedentes apliquem uma parte do excedente no investimento interno

e no estímulo à procura interna.

São estes quatro níveis de intervenção e de orientações que o G20, assumido

pelo programa de estabilização financeira e económica na Europa, tem estado a pro‑

jectar. É um processo lento e difícil de gerir, e, como temos percebido, em particular

na Zona Euro, outro tipo de dinâmicas e outro tipo de problemas têm imposto a sua

lei e têm perturbado uma gestão tranquila deste programa a nível mundial.

Por isso muitas tensões têm vindo a ser geradas justamente em torno da gestão

deste programa: tensões na área da relação do valor entre as moedas, desvalorizações

competitivas, tensões proteccionistas aqui e ali. Não é fácil gerir este processo, mas

não há outra via que não seja a de o continuar a acompanhar, em conjunto com as

principais instâncias internacionais e os principais actores económicos globais, e em

função, também, de um programa ambicioso que o G20 continua a desenvolver

apesar das suas limitações políticas e institucionais.

É com esse programa que temos de viver também no processo de estabilização

da Zona Euro, que tem incidência particular em Portugal. Alertámos, aquando do

Seminário do ano passado, para o problema da dívida soberana, precisamente por

termos a noção de que evitámos uma grande depressão depois da recessão de 2009,

com um forte e massivo investimento público financiado por dívida pública. Por

isso, resolvemos um problema mas criámos outros. Foi, aliás, isso que tive a ocasião

de vos exprimir aqui enquanto inquietação relativamente ao futuro também no

nosso país, uma vez que esta foi uma das situações que o país teve de gerir.

Se tivermos presente que, em Junho de 2009, a Alemanha tinha tomado, uni‑

lateralmente, uma decisão fundamental no domínio da gestão do seu défice e da

perspectiva a médio e a longo prazo da sua dívida pública – que passou desperce‑

bida em todas as capitais –, percebemos as implicações que a gestão do défice e da

dívida pública tem hoje na frente europeia. A Alemanha, como sabem, decidiu

introduzir na Constituição um limite ao défice e ao endividamento, com um

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27Governo de grande coligação e com o apoio do Partido Liberal e do Partido dos

Verdes. Foi de facto uma opção do país, e ao fazê ‑lo condicionou os mercados e a

expectativa dos mercados, alertou para o problema a prazo da dívida e, sobretudo,

estabeleceu a obrigação do Tesouro alemão como a referência de refúgio relativa‑

mente ao risco dos investimentos e das aplicações financeiras a nível mundial e a

nível europeu. Se repararem – é um exercício interessante que eu tive o cuidado

de fazer –, o que eram linhas paralelas nos spreads da dívida pública de todos os

países da Zona Euro (linhas paralelas, pequenas divergências), a partir de Setembro

de 2009, passaram a ser um processo de divergência. Na base, mesmo caindo,

temos o spread da dívida pública alemã, e depois, daí para cima, temos o arco das

linhas das diferentes dívidas soberanas. Por isso, a questão da dívida soberana

grega não foi de forma alguma inesperada, porque foi de alguma forma induzida

por este movimento.

Toda a perturbação da Zona Euro é, em grande parte, o resultado de uma opção

clara, assumida pela Alemanha, em relação à problemática da dívida soberana e da

sua gestão como condicionante da estabilidade do euro, um dos princípios funda‑

mentais do compromisso da fundação do euro e do abandono do marco alemão. Por

isso o problema da dívida soberana passou a ser um problema europeu, um problema

do euro e o problema mais sério com que nos confrontámos ao longo do último ano

e com que nos iremos confrontar em 2011.

Participámos activamente nesse processo, como sabem. Através dos serviços

competentes, acompanhámos todo o debate que conduziu ao bailout da dívida grega

e mais tarde da dívida da Irlanda, à criação da facilidade de estabilização financeira

provisória até 2013 e participámos activamente no debate sobre a criação de um

mecanismo financeiro europeu, cujo programa legislativo será discutido, aprovado e

aplicado ao longo de 2011.

Temos que ter a noção de que este é o problema central da sustentabilidade da

Zona Euro e do desenvolvimento do projecto europeu. Por isso, ele não pode deixar

de condicionar um país que tem a dívida soberana que Portugal tem, como outros

países da periferia europeia. Como tal, temos de saber, ao longo do próximo tempo,

gerir estas tensões resultantes de uma situação muito crítica com que o projecto

europeu hoje vive. Tensões entre o centro e a periferia, que todos temos vivido, mas

tensões também no centro relativamente à linha a seguir e à via a adoptar para resol‑

ver os problemas da estabilidade da Zona Euro.

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28 Do meu ponto de vista, os problemas no centro são muito mais sérios do que

os problemas da relação entre o centro e a periferia, e é para esses que devemos

orientar a nossa atenção durante o próximo ano. É preciso perceber, e se possível

antecipar, o que podem ser os desenvolvimentos imediatos, já a partir deste ano, do

projecto europeu face a esta tensão em torno das políticas que, relativamente ao

euro, se definem no centro do processo europeu.

Temos, por isso, de dar uma grande prioridade a esse processo e acompanhar

com particular atenção estas tensões da geopolítica europeia, que não podem escon‑

der as outras tensões geopolíticas com as quais vamos ter de lidar durante 2011, em

particular as crises e os conflitos mais sérios – o mais grave dos quais será segura‑

mente, do meu ponto de vista, a situação no Médio Oriente e a situação relativamente

ao programa nuclear iraniano.

Se não formos capazes de gerir de forma equilibrada estes conflitos, teremos

seguramente, então, uma situação internacional absolutamente dramática, porque o

esforço de recuperação da economia mundial, que é hoje lento, desequilibrado e

fraco, será definitivamente posto em causa e o problema dos Estados que têm dese‑

quilíbrios macroeconómicos tão significativos, como é o nosso caso, serão segura‑

mente muito afectados por essa situação. Por isso, toda a frente de gestão e de acom‑

panhamento dos conflitos – até pela responsabilidade que temos de lidar com eles,

no dia a dia, no Conselho de Segurança, porque muitos deles vão ser chamados à

agenda desse Conselho – será, sem dúvida, uma das exigências fundamentais com

que iremos ser confrontados.

Para não ser mais exaustivo – já vos macei demais na manhã de hoje –, termi‑

naria chamando a atenção para a necessidade que temos de fazer alguns ajustamen‑

tos de reforma no Ministério face a este conjunto de exigências com que estamos

confrontados, não apenas pela pressão das circunstâncias do país mas também pelas

mudanças que estão a acontecer no ambiente internacional e europeu. Por isso,

alguns aspectos importantes da reforma vão ser prioridade importante para a acção

do Ministério nos próximos meses, designadamente os Estatutos, a revisão da rede

diplomática e tudo o que tem que ver com a gestão e a administração do próprio

Ministério.

É nesta perspectiva de organizar a resposta necessária para um período absolu‑

tamente extraordinário como aquele que estamos a viver, e sobretudo para desafios

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29tão exigentes como aqueles que temos pela frente, que eu vos convoco a todos e a

cada um de vós para nos continuarem a acompanhar neste esforço que muito tem

dignificado o país, a carreira diplomática e a actividade do Ministério dos Negócios

Estrangeiros ao longo dos próximos anos, procurando cada um de nós, mais do que

lamentar as dificuldades e os problemas que temos pela frente, saber como reagir e

como colocar as nossas energias e as nossas competências e capacidades ao serviço

do país, sabendo, como nós sabemos, que estamos na linha da frente do combate aos

problemas com que temos de lidar nos próximos meses.

Agradeço a todos a atenção com que me ouviram e desejo ‑vos uma vez mais

renovados votos de Bom Ano, para todos e para as vossas famílias, seja no plano

pessoal seja no profissional.

Muito obrigado a todos.NE

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31

Intervenção do Dr. António Vitorino1

quEria ComEçar por agradecer ao Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros o convite e

pedir desculpa por não trazer nenhum PowerPoint. O que significa naturalmente

que, como orador, não passaria no critério da inovação enunciado na intervenção

precedente do Dr. Carlos Costa2 – confesso que em regra me dou mal com a técnica

dos PowerPoint –, mas em compensação talvez não seja pior, nestes tempos incertos

que correm, não deixar muitas coisas escritas...

A resposta europeia à crise financeira assenta num certo paradoxo, porque a

percepção que a opinião pública tem dessa resposta é a de que ela tem sido errática

e, em muitas circunstâncias, tardia. E, contudo, do ponto de vista da substância da

resposta, parece ‑me incontornável reconhecer que nos últimos dois anos houve uma

evolução relevantíssima da orientação política e da produção legislativa da União

Europeia nos domínios económico e financeiro, sobretudo no que diz respeito à

regulação do funcionamento dos mercados financeiros e do sistema bancário.

Há quatro ou cinco anos atrás, falar em Bruxelas de legislação em matéria

financeira – quando o alfa e o ómega na matéria era o chamado “processo

Lamfalussy”, baseado na mera coordenação de indicadores e numa confiança quase

cega na auto ‑regulação dos mercados e das instituições financeiras (a chamada soft

law) – era considerado uma heresia, um estado de espírito profundamente contras‑

tante com aquilo que foi possível obter de facto em matéria de legislação (hard law)

nestes últimos dois anos, alguma dessa legislação, aliás, tendo entrado em vigor

hoje mesmo.

1 Instituto de Defesa Nacional, 3 de Janeiro, no âmbito do Seminário Diplomático 2011 (3 e 4 de Janeiro de

2011). Transcrição de uma intervenção oral sem apoio escrito, revista pelo autor.2 A intervenção do Dr. António Vitorino seguiu ‑se à do Governador do Banco de Portugal, Dr. Carlos Costa.

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32 Basta a este propósito recordar as novas regras e organismos criados sobre os

denominados riscos sistémicos no sistema financeiro, os novos quadros de regulação

e de supervisão das instituições bancárias de dimensão europeia, as regras destinadas

a regular o funcionamento das agências de rating, a directiva sobre os chamados pro‑

dutos derivados bem como as regras sobre os hedge funds. Estes são, sem dúvida alguma,

exemplos de um novo quadro de governance económica europeia que seriam comple‑

tamente impensáveis há apenas três ou quatro anos atrás.

E contudo, fica ‑nos na boca este sabor amargo de que a resposta é insuficiente,

errática e tardia. Porque será que se tem esta impressão aparentemente contrariada

pelos factos? Basicamente creio que tal sensação se fica a dever ao facto de a resposta

europeia ser essencialmente reactiva (isto é, segue os acontecimentos sem que se

sinta uma capacidade efectiva de antecipação dos problemas) e porque é de facto

lenta – sim, é verdade – é lenta no sentido em que a complexidade do aparelho ins‑

titucional da União Europeia faz mediar um longo período de tempo entre o diag‑

nóstico das necessidades, as medidas em torno das quais se constrói um consenso e

a sua efectiva aplicação prática…

Se compararmos o grau de resposta europeu com o grau de resposta americano,

mesmo levando em conta todas as várias complexidades que o sistema político ame‑

ricano encerra (sobretudo agora, depois da última eleição para o Congresso e para o

Senado e das orientações contraditórias em muitos pontos entre a nova maioria

republicana na Câmara dos Representantes e a Administração Obama), é verdade que

a resposta europeia tem sido mais lenta e parcial, o que muitas vezes tem levado

alguns dos países membros da União a agirem unilateralmente em certos domínios

(como foi o caso da decisão tomada pela Alemanha de proibição do chamado short

selling), o que leva a perder o sentido de conjunto da resposta europeia e consequen‑

temente provoca a descredibilização da capacidade de a Europa, no seu conjunto,

encontrar em tempo útil uma resposta efectiva aos desafios da crise global com que

nos confrontamos.

Acresce como vulnerabilidade adicional que aqui e além prevalece na adopção das

soluções europeias uma lógica de acordo segundo o menor denominador comum, o

que também não é uma questão de somenos importância quando se trata de analisar

(e testar) a vontade política europeia perante as pressões dos mercados. Por exemplo,

na regulação dos hedge funds é forçoso reconhecer que o lobby da City londrina e a estra‑

tégia negocial do governo conservador britânico lograram desarticular algumas das

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33propostas iniciais da Comissão que se afiguravam mais consistentes com o peso e a

relevância que os hedge funds têm no funcionamento da economia europeia.

Mas porque é que se considera que esta resposta europeia tem sido errática? Em

certa medida esta natureza errática decorre do facto de nem sempre ser facilmente

perceptível, quer na opinião pública quer na própria avaliação dos mercados, em que

medida é que se procura uma resposta europeia a dezasseis (talvez hoje devesse dizer

a dezassete, uma vez que a Estónia acabou de entrar na Zona Euro no passado dia 1

de Janeiro), ou seja, uma resposta articulada dos países da moeda comum, e em que

medida é que a resposta europeia repousa sobre a responsabilidade colectiva dos

vinte e sete Estados ‑Membros da União. Esta hesitação quanto ao universo envolvido

só pode lançar perplexidade sobre a solidez da solidariedade europeia neste momento

tão delicado da vida económica global.

Qual é verdadeiramente o critério que permite identificar o que é da responsa‑

bilidade dos dezassete países da moeda comum e o que é da responsabilidade dos

vinte e sete países da União? Desta hesitação não consigo encontrar um exemplo

mais paradigmático do que o processo decisório que envolveu o denominado bail out

da Grécia. Para além da ambiguidade durante longo tempo assumida pela Alemanha,

que teve efeitos perniciosos no agravamento da situação grega, foi muito sintomático

que os países que não estão no Euro se tenham excluído do esforço de comparti‑

cipação do fundo de estabilização financeira então criado para esse efeito, com

excepção da Polónia (para já não falar da resistência oferecida pela Eslováquia a

assumir a sua quota ‑parte nesse esforço conjunto); por contraste, quando foi neces‑

sário fazer o bail out da Irlanda, alguns países que estão fora da zona Euro, e que por

isso não participaram, como disse, no apoio à Grécia, a começar pelo Reino Unido

e pela Suécia, acabaram por contribuir para o financiamento do bail out irlandês atra‑

vés de acordos bilaterais paralelos à intervenção conjunta do Fundo de Estabilização

Europeu e do Fundo Monetário Internacional. Naturalmente que a ninguém escapou

este pequeno detalhe: a exposição dos bancos britânicos em relação à Irlanda era

“apenas” de 150 mil milhões de euros, pormenor que decerto terá contribuído para

a decisão britânica marcada assim por tão súbita generosidade.

Vistas as coisas na perspectiva dos mercados, o teste à solidariedade europeia

não pode ser mais catastrófico, no sentido de que a capacidade de se encontrar uma

frente comum de resposta é ambígua e, sobretudo, suscita a dúvida de se saber se

essa resposta vai ser levada às suas últimas consequências.

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34 O que é que isto interessa para nós? Interessa nesta precisa medida em que

(e desculpem se neste ponto vou parecer ser um bocadinho brutal) à luz do que se

passou com os casos grego e irlandês, a grande dúvida que se coloca é saber o que

vai suceder com a situação em que se encontra Portugal, enquanto “caso de fronteira”.

Ou seja, trata ‑se de saber se a nossa exposição aos mercados financeiros globais ainda

vai ser incluída na “técnica do salame”, que presidiu aos casos grego e irlandês (um

a seguir ao outro sem lograr conter o efeito de contágio continuado), ou se já é

tratado à luz de uma nova resposta mais global e compreensiva, resposta essa que me

parece incontornável e absolutamente necessária, e quanto mais cedo essa resposta

envolvente for encontrada melhor será para todos.

Esta dúvida é uma dúvida muito importante para nós, portugueses, pois é uma

dúvida eminentemente política antes de ser uma mera questão técnica e econó‑

mica, e é uma dúvida que vai obviamente obrigar a uma clarificação a muito curto

prazo da vontade dos Estados ‑Membros quanto à sustentabilidade da moeda única

europeia.

Na minha opinião pessoal, neste quadro de transição que estamos a viver, o

nosso interesse nacional é sermos associados à Espanha no sentido de propiciar uma

nova visão da União Europeia quanto aos impactos da crise da dívida soberana e

quanto aos instrumentos e mecanismos disponíveis para lhe responder. Sei que fazer

esta associação com a Espanha, neste local3, faz tremer as paredes do Instituto que

nos acolhe, mas a vida tem destas ironias e dizê ‑lo é ainda, e acima de tudo, defender

o que melhor serve o que reputo ser o nosso interesse nacional. E não é, aliás, iné‑

dito que no contexto europeu, em várias circunstâncias, o nosso interesse nacional

corresponda a estarmos associados à Espanha. Isto por uma razão relativamente sim‑

ples: é que o grupo das três economias periféricas que estão sob pressão dos merca‑

dos financeiros (a Grécia, a Irlanda e, também, Portugal) representa conjuntamente

6% da economia da Zona Euro.

Quando consideramos o caso da Espanha, aí já estamos a falar de um país que,

por si só, representa 12% da economia da Zona Euro, o que significa que com a

inclusão da Espanha no radar de uma solução há uma mudança de escala, e esta

3 Esta intervenção foi realizada no Instituto de Defesa Nacional, que havia cedido as suas instalações para o

Seminário Diplomático 2011 (N.E.).

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35mudança de escala exige uma mudança de estratégia, porque a lógica do one by one

para conter o risco do contágio já provou ser ineficiente e insustentável a prazo, em

função do interesse superior da sustentabilidade e da credibilidade da moeda única

europeia.

Voltarei mais à frente a falar do que poderá ser uma tal resposta alternativa à

“lógica do salame”, que manifestamente não tem produzido os resultados desejados.

Claro está que, para nós, sermos associados à Espanha na análise da sustentabi‑

lidade da nossa posição, nesta conjuntura conturbada, não é de somenos importân‑

cia. É preciso reconhecer que um eventual bail out português (e isto para os politica‑

mente correctos, chamo a atenção para que reparem bem que disse “eventual”, de

modo a que amanhã não se diga que afirmei que iria mesmo haver um resgate em

relação a Portugal!) é do maior interesse para os bancos espanhóis, que estão parti‑

cularmente expostos à dívida portuguesa. Portanto, esse link entre o que é a dívida

pública portuguesa (pública e privada) e a sustentabilidade do sistema financeiro

espanhol tem, consequentemente, repercussões na sustentabilidade do próprio rating

da Espanha – não propriamente da “República Espanhola” como ouço de vez em

quando dizer na comunicação social portuguesa, mas do Reino de Espanha, já que

parece que para alguns jornalistas existe a impossibilidade de conceberem que uma

monarquia também possa estar sujeita a um rating...

O rating do Reino de Espanha, que também resulta da exposição do sistema ban‑

cário espanhol a Portugal, aconselha a que, na perspectiva do interesse europeu, e já

não na perspectiva apenas do interesse português, as duas economias ibéricas sejam

consideradas em conjunto.

Porque este é o problema central: como é que a resposta europeia é susceptível

de suster o efeito de contágio, que não se deterá por qualquer efeito mágico ali para

os lados do Caia, mas que, ao atingir a Espanha, passará a englobar quase 20% da

economia da Zona Euro, passando a ter uma outra dimensão e um outro peso, sem

comparação com a situação antecedente.

É verdade que, como, aliás, sublinhou há pouco o Dr. Carlos Costa, também a

Itália e a Bélgica têm uma particular exposição aos mercados financeiros externos.

Até certo ponto, as necessidades de financiamento externo apresentam características

diferentes das de outros países, já que as respectivas dívidas públicas são muito supe‑

riores à portuguesa (superior mesmo ao dobro do limite do Pacto de Estabilidade e

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36 Crescimento que é de 60% do PIB de cada país), mas têm sobretudo a característica

de serem dívidas públicas internas, que assim beneficiam da elevada propensão à

poupança dos respectivos povos. Mas a dimensão dessas dívidas não os isola do efeito

de contágio que decorre da corrente crise da dívida soberana, na medida em que a

pressão em curso afecta a Zona Euro no seu conjunto.

Mas também não é menos verdade que o decréscimo da competitividade da

economia italiana é dos mais acentuados no conjunto europeu e, portanto, o proble‑

ma – não apenas macro ‑financeiro, mas o problema económico de fundo – com que

a Itália está confrontada não é substancialmente diferente do problema económico

de fundo da Espanha ou do problema económico de fundo de Portugal, que é um

problema de produtividade, de competitividade e de crescimento dos custos unitá‑

rios do trabalho em relação aos custos da Alemanha que são tomados como referên‑

cia nesta matéria pelos mercados financeiros.

Aqui não irei exactamente até onde foi, na intervenção precedente, o Dr. Carlos

Costa, ao comparar o crescimento dos custos unitários de trabalho em Portugal com

os custos unitários de trabalho na Alemanha nos últimos dez a quinze anos.

Deixem ‑me ser claro, não me atrevo sequer a discordar da evidência apresentada

pelo Dr. Carlos Costa de que essa diferença seja assim tão significativa como por

vezes se vê escrito.

Mas o meu ponto é um ponto ligeiramente ao lado do argumento técnico ou da

evidência estatística, é um ponto essencialmente político: é que os mercados consi‑

deram que o crescimento dos custos unitários de trabalho em Portugal constitui um

factor de vulnerabilidade da nossa situação económica, e consequentemente uma

vulnerabilidade da competitividade da nossa economia. Na realidade, a diferença

assinalada pelos analistas não se fica a dever a que esses custos tenham crescido exa‑

geradamente entre nós (há vários anos que praticamos uma política de moderação

salarial) mas, sobretudo, ao facto de as reformas adoptadas na Alemanha, nos cha‑

mados quatro pacotes Hartz, terem gerado uma contenção dos custos unitários do

trabalho na Alemanha nos últimos dez anos, o que potenciou a competitividade das

empresas germânicas e, consequentemente, ampliou o gap face aos custos unitários

em Espanha e em Portugal por referência ao benchmark alemão, com a consequente

perda de competitividade comparativa.

Retomando a questão central: a do contágio da crise soberana e a necessidade

de encontrar uma resposta europeia que salvaguarde a sustentabilidade do euro.

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37Neste ponto fundamental, das duas uma: ou somos credíveis no sentido de dizer que

o que está aqui em causa é a sustentabilidade da moeda única europeia e portanto o

contágio tem que ser imediatamente sustido em nome do interesse europeu comum;

ou, então, cada um actua por si para defender o seu interesse nacional e daí só pode

resultar não apenas o agravamento da pressão sobre a moeda única mas também uma

crise do próprio sentido político último do processo de integração europeia.

Todos aqueles que de entre vós ainda lêem o Astérix, sabem que os gauleses, isto

é, os franceses de antanho só têm medo de uma coisa: que o céu lhes caia em cima

da cabeça. É preciso explicar que os alemães, por seu turno, também só têm medo

de uma coisa: é que os franceses lhes caiam em cima da cabeça!

Qual é, então, a resposta alternativa a esta lógica do cair um a um como resul‑

tado da ausência de um antídoto eficaz ao continuado efeito de contágio?

Os federalistas europeus respondem facilmente a esta questão, dizendo que não

pode haver uma união monetária sem união política, incluindo uma união fiscal.

Logo a resposta consiste em avançar no sentido da união política europeia!

Pelo meu lado tenho o maior respeito pelos federalistas, embora o meu euro‑

peísmo (do qual espero que não duvidem) não assente, propriamente, nesse tipo de

visão. Mas não posso deixar de assinalar que neste ponto se verifica uma curiosa

convergência entre a argumentação dos federalistas e dos eurocépticos... Ambos pro‑

clamam que não há união monetária viável sem união politica, incluindo uma união

fiscal.

Os eurocépticos dizem ‑no, claro está, porque deste modo prenunciam a morte

do euro e os federalistas, pelo contrário, dizem ‑no porque querem salvar o euro e

aprofundar a construção europeia.

Mas, independentemente do ponto de vista que se perfilhe, há duas coisas de

que podemos estar certos no curto prazo.

Em primeiro lugar, parece ‑me seguro que não haverá no curto prazo novas

transferências de soberania a favor da União Europeia e, portanto, fazer depender a

resposta ao problema da sustentabilidade do euro de alterações dos Tratados que

impliquem novos avanços na união politica e, inclusivamente, a configuração de

uma união fiscal de tipo federal (orçamento supranacional e poder fiscal federal),

parece ‑me ser totalmente irrealista.

Em segundo lugar, estou seguro que qualquer avanço no sentido da união polí‑

tica nos termos atrás descritos exige um calendário impraticável para constituir uma

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38 resposta eficaz à questão da sustentabilidade do euro que é uma questão que se joga

no muito curto prazo.

Há, ainda, um outro ponto que gostava de referir, porque às vezes parece que é

uma questão que cai facilmente no esquecimento: não podemos ignorar que nos

vinculámos livremente a uma União Económica e Monetária desde Maastricht, em

1992, a qual nunca foi concebida como uma união de transferências líquidas entre

Estados. Esta regra, aliás, não foi uma invenção da senhora Merkel, que agora aparece

diabolizada nesta matéria. Só que esta regra essencial da Zona Euro faz parte da

matriz genética da UEM tal como a pretendeu o então Chanceler Kohl que, como

toda a gente sabe, sempre foi considerado um profundo e convicto europeísta. Não

creio, pois, que se possa esperar uma alteração desta postura estrutural da Alemanha,

nem mesmo sob o impacto da actual crise.

Portanto, partamos do princípio de que os alemães, neste ponto, não vão ceder,

o que significa que, como diria a minha avó, “quem não tem cão caça com gato”.

Onde está então o gato? Ou seja, como viver, raciocinar e posicionarmo ‑nos, como

um país que faz parte de uma união monetária que queremos que subsista, mas onde

a política fiscal reside nos Estados ‑Membros?

A resposta passa por aceitarmos como um dado incontornável que não é possível

conceber a sustentabilidade e a credibilidade do Euro como moeda única sem ao

mesmo tempo aceitar que se faça, no contexto da UEM, o escrutínio das políticas

fiscais de cada um dos Estados ‑Membros e do seu efeito agregado no espaço europeu.

Ainda que, há que reconhecê ‑lo, por esta via se esteja a reintroduzir uma concepção

ou um conceito implícito de “risco ‑país” em função das características económicas

de base de cada um dos países que participam na moeda única europeia.

Vivemos à custa do chapéu ‑de ‑chuva da credibilidade da Zona Euro no seu con‑

junto durante estes últimos dez anos, mas não podemos obstar a que em certa medida

os mercados reintroduzam uma avaliação do “risco ‑país” quando se trata de definir

as condições de financiamento dos países mais vulneráveis, como decorrência do

facto de esta ser uma união monetária atípica.

Trata ‑se, portanto, de uma união monetária onde não existe uma política fiscal

comum e, consequentemente, sendo a politica fiscal da responsabilidade de cada

Estado, a reintrodução do “risco ‑país” faz ‑se pela via da pressão sobre as condições

de financiamento dos Estados junto dos mercados internacionais.

Daqui derivam, na minha opinião, dois corolários inevitáveis.

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39O primeiro está em cima da mesa: a necessidade de se reforçar a credibilidade

do Pacto de Estabilidade e Crescimento tanto na vertente preventiva como na ver‑

tente sancionadora. O segundo, para o qual se evolui lentamente (mas já se evoluiu

alguma coisa), tem a ver com a necessidade da coordenação das políticas económicas

nacionais.

Não pensem que esta frase é uma frase simples de ser dita. O Embaixador Vallera

deverá lembrar ‑se o que sucedeu quando, na Convenção sobre o Futuro da Europa,

se falou na necessidade da governance económica e na necessidade da coordenação das

políticas económicas nacionais. O Grupo de Trabalho sobre este tema não avançou

porque foi objecto de um autêntico veto alemão.

Os representantes alemães tornaram então bem claro que a Alemanha não con‑

cordaria com alterações de substância dos Tratados em matéria de coordenação das

políticas económicas nacionais e daí que o Tratado Constitucional e o Tratado de

Lisboa se tenham confinado a pequenas alterações, apesar de tudo cirúrgicas e inte‑

ressantes, mas não suficientes para responder aos desafios que se colocam hoje à

coordenação das politicas económicas nacionais.

Qual é, pois, o problema politico com que Portugal está confrontado neste

domínio?

Como acho que o nosso destino está na Europa e que o interesse europeu con‑

siste em fazer tudo o necessário para preservar o euro, a nossa preocupação central

deve ser garantir que, a nível europeu, estas duas vias, a via do reforço do Pacto de

Estabilidade e Crescimento e a via da coordenação das politicas económicas nacio‑

nais, sejam tratadas em paralelo, de forma equitativa e equilibrada, já que isso, de

facto, não tem acontecido até aqui.

Voltarei a este ponto um pouco mais à frente, pois não posso, por escrúpulo

intelectual, deixar de falar numa terceira alternativa. E esta terceira alternativa é a da

chamada “purificação do euro”. Não é, contudo, uma tese recente, é uma tese que

surgiu logo a seguir à definição dos países que se qualificaram para a moeda única

europeia, para o euro.

Sem entrar em confidências despropositadas nesta sede, recordo ‑me perfeita‑

mente de que os britânicos costumavam dizer, entre o sério e o irónico, que para

que a libra esterlina entrasse para o euro havia cinco critérios mais um: os célebres

cinco critérios económicos de Brown mais um que não se atreviam sequer a formu‑

lar: que o euro pusesse fora aqueles que tinham entrado e não deviam ter entrado!

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40 Esta tese não é tão pouco comum quanto se possa supor. Podem facilmente

encontrar ecos dela quando falarem com responsáveis suecos, holandeses ou até

mesmo alguns alemães. Se, por exemplo, atentarem no debate interno no partido

liberal alemão, que é um dos partidos da coligação governamental alemã, verificam

que esta tese da “purificação do euro” está presente, não é inocente e tem eco real

nas respectivas opiniões públicas.

Esta tese é hoje glosada de várias maneiras, com maior ou menor cinismo, no

debate político europeu e na grande imprensa internacional. Uns falam na teoria do

harmónio: os prevaricadores do Pacto de Estabilidade e Crescimento deveriam sair

da moeda única com a promessa de que um dia, quando tiverem a casa em ordem,

poderão voltar a entrar no euro. Só que esta teoria do harmónio implicaria, para os

que saíssem da moeda única, a reintrodução absoluta do “risco ‑país”, tendo como

consequência o estabelecimento de uma taxa de câmbio à custa de uma desvaloriza‑

ção brutal, instantânea e muito provavelmente não controlada. Alguns estudos feitos

a propósito da Grécia indiciam que esse “novo dracma”, por exemplo, sofreria uma

desvalorização superior em 40% com as consequências inerentes no plano das con‑

dições de vida dos cidadãos e nas condições de operação das empresas.

Acresce que uma tal dissociação da Zona Euro só poderia ser feita desde que se

respondesse a uma questão política central: neste caso onde é que se poria a fasquia

dessa pretensa “purificação” do euro?

Voltamos ao que atrás já referi: seria politicamente sustentável que a teoria do

harmónio visasse apenas os dois (eventualmente os três) pequenos países expostos

à pressão dos mercados?

Além dos efeitos políticos que tal opção teria na recorrente questão dos equilí‑

brios entre os pequenos e os grandes países dentro da União Europeia, pergunto ‑me

se de facto uma eventual saída dos pequenos países resolveria algum dos problemas

de fundo da credibilidade da Zona Euro, para já não falar da ineficácia de tal solução

para suster o assinalado efeito de contágio. Mas como não incluir também a Espanha

neste grupo quando os respectivos basics económicos e financeiros não são substan‑

cialmente diferentes dos demais países periféricos? E como gerir, à luz desta lógica

“purificadora”, os casos italiano e belga?

Uma tal operação dita “purificadora” seria sempre, pois, politicamente muito

complexa e muito difícil, mas, em função das vozes que a preconizam, não nos

podemos distrair quanto ao seu alcance.

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41Convém, ainda, deixar claro que os efeitos disruptores de uma tal operação de

“purificação” do euro iriam muito para além do estrito domínio da União

Económica e Monetária e o seu significado e alcance acabariam por atingir ineluta‑

velmente o coração do projecto europeu na sua própria essência.

Em Portugal ainda não surgiram com intensidade as vozes dos que defendem a

saída de Portugal do euro – mas acabarão por surgir, não tenho sobre isso a menor

dúvida. E esta será uma grande linha de demarcação das posições políticas em

Portugal durante os próximos tempos. Espero, sinceramente, que o consenso euro‑

peísta que se gerou entre nós desde há quase três décadas sobreviva a este risco e a

esta tensão. Acho que a exposição do Dr. Carlos Costa, sob esse ponto de vista, foi

totalmente clara e consistente na demonstração de que uma eventual saída de

Portugal do euro não resolveria nenhuma das questões essenciais do ponto de vista

económico e financeiro, e nenhuma das questões cruciais que se colocam à susten‑

tabilidade do nosso país!

A nossa tarefa, em meu entender, é demonstrar que os problemas económicos e

financeiros com que estamos confrontados não só não passam pela saída do euro,

como a apresentação da saída do euro como solução é apenas uma maneira de fugir

à analise das questões essenciais para a nossa economia e não representaria nenhuma

solução de fundo para os problemas nacionais.

Concluo a minha intervenção com a resposta à questão sobre qual a solução

alternativa aos riscos do egoísmo nacional e da desagregação do actual núcleo cons‑

titutivo do euro, por um lado, e à “fuga para a frente” de um federalismo europeu

inviável no curto prazo?

Entendo que a solução passa, por um lado, pelo reforço dos mecanismos do Pacto

de Estabilidade e Crescimento, por muito duras que essas imposições possam ser para

o nosso país e, por outro, por um quadro inovatório de coordenação das políticas

económicas nacionais dos países da Zona Euro. Convém, aliás, recordar a este propó‑

sito que os primeiros grandes prevaricadores do Pacto de Estabilidade e Crescimento

foram exactamente a França e a Alemanha em 2003, no quadro de um processo por

défices excessivos que lhes foi instaurado pela Comissão Europeia e que culminou por

uma decisão salomónica do Tribunal de Justiça da União Europeia. Uma solução que,

por não ter sido exactamente favorável ao papel das instituições comunitárias na gestão

da moeda única europeia, esteve na base das limitadas alterações introduzidas pelo

Tratado de Lisboa nas bases legais da União Económica e Monetária.

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42 Importa, portanto, assumir que, na presente conjuntura, a construção de uma

vontade política comum para garantir a credibilidade da moeda única europeia passa

pelo reforço dos mecanismos de Pacto de Estabilidade e Crescimento, de que decorre

a prioridade absoluta para Portugal de cumprir o objectivo de reduzir o défice do

Orçamento de Estado para 3% do PIB no prazo previsto (em 2013) e de iniciar, neste

mesmo período de tempo, a trajectória de redução da dívida pública.

Note ‑se que, neste ponto, tentei ser cauteloso nas palavras que utilizei: iniciar a

trajectória da redução da dívida pública, que é isso que está em causa no curto prazo.

Inverter uma trajectória não é, obviamente, reduzir a dívida pública para o limiar dos

60% do PIB tal como estatui o Pacto de Estabilidade e Crescimento! O início dessa

trajectória de desendividamento passa, em primeira linha, pela inversão do curso de

evolução da dívida pública, mas exige, de igual modo, ter em linha de conta o pró‑

prio peso da dívida privada bem como a perspectiva de evolução do nosso défice

externo corrente. A sustentabilidade da nossa posição perante os mercados passa,

pois, por este triângulo: dívida pública, dívida privada e défice externo, cujas com‑

ponentes não podem ser dissociadas entre si. Para compreender esta ligação basta

recordar que se a dívida pública se situa em valores próximos dos 82% do PIB, a

dívida privada colo cada no exterior estaria perto do dobro desse valor. Por seu turno,

o nosso défice externo (que deve ter conhecido já uma ligeira redução por força da

retracção económica implicada pelas medidas de austeridade em curso de aplicação)

não andará longe dos 7% do PIB.

Reduzir o défice público, iniciar a trajectória de redução da dívida (tanto pública

como privada), reverter o curso de evolução das contas externas por via do aumen‑

to sustentado das exportações: eis o que estará sob escrutínio dos mercados para

efeitos de análise e de avaliação da sustentabilidade do processo de ajustamento em

Portugal.

Em segundo lugar, a sustentabilidade da moeda única europeia exige, a par do

reforço do Plano de Estabilidade e Crescimento, um novo quadro de coordenação das

políticas económicas nacionais que tenha como eixo orientador limitar os efeitos

recessivos da austeridade. Sobre este ponto – e no que diz respeito a Portugal – não

poderia dizer nem mais nem melhor do que já foi aqui dito pelo Dr. Carlos Costa,

quer no que diz respeito ao crescimento das exportações, quer no que diz respeito

à selectividade do investimento, quer no que diz respeito aos ganhos de produtivi‑

dade decorrentes da inovação, da investigação aplicada, etc.

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43O ponto que gostava de focar tem sobretudo a ver com o que é que significa a

coordenação das políticas económicas nacionais como elemento constitutivo indis‑

pensável da sustentabilidade da moeda única europeia. É neste domínio que reside

o grande défice de cidadania do projecto europeu e que, também, tem havido um

certo défice de ideias para alimentar o debate inadiável.

Na minha visão das coisas, esta coordenação das políticas económicas nacionais

a nível europeu tem que assentar em dois grandes eixos. O primeiro tem a ver com

a leitura do efeito agregado das políticas fiscais nacionais a nível europeu. Este ponto

é um ponto muito importante, na medida em que, se estamos no quadro de uma

união monetária onde a politica fiscal está nas mãos dos Estados ‑Membros, é eviden‑

te que para que uma tal união monetária funcione torna ‑se necessário avaliar qual é

o efeito cumulativo das politicas fiscais nacionais, sem o que a lógica de funciona‑

mento do sistema sai irreparavelmente afectada. É este o “gato” que substitui o “cão”

na história da minha avó! Não existindo uma política fiscal supranacional, a sua

função tem que ser desempenhada pelo efeito coordenado das políticas fiscais nacio‑

nais em função dos objectivos comuns da moeda única europeia.

Mas entendamo ‑nos sobre o que significa (e o que implica) tal coordenação das

políticas fiscais nacionais: não se trata de dizer aos alemães que têm que começar a

gastar mais ou a consumir mais (essa foi a versão simplificada francesa, há alguns

meses atrás, da qual, aliás, rapidamente se libertaram...). O problema do consumo

privado na Alemanha é, aliás, um problema muito complexo, que tem a ver não

apenas com a tradição aforradora e a obsessão com a inflação, mas também com o

facto de a Alemanha ter uma perspectiva de evolução demográfica das mais terríveis

no conjunto dos países europeus. Com efeito, as previsões demográficas dizem ‑nos

que a Alemanha será, provavelmente, dos países mais envelhecidos do mundo no

curto intervalo de dez anos e, consequentemente, não se pode alicerçar uma estraté‑

gia comum europeia que passe por dizer aos alemães para não aforrarem quando

existe a perspectiva de um impacto demográfico profundo poder atingir em pleno a

Alemanha. Isto com todas as consequências económicas e sociais dele decorrentes,

muito em particular quando, no plano europeu, não há um sistema de segurança

social federal que lhes permita contar com os países mais jovens para compensar o

envelhecimento da sua própria população.

Acresce que não está demonstrado que um aumento do consumo interno ale‑

mão tivesse um impacto significativo na resolução dos problemas económicos dos

países periféricos.

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44 O primeiro eixo passa assim pela avaliação conjunta do efeito agregado das

políticas fiscais nacionais e pela necessidade de um instrumento de regulação con‑

juntural das políticas orçamentais nacionais.

É por isso que o princípio do denominado “semestre europeu”, proposto pela

Comissão Europeia como instrumento de coordenação das políticas económicas nacio‑

nais, é tão importante, dado que ele se prefigura como o mecanismo de ponderação

das opções de política económica dos Estados ‑Membros e seu efeito sobre a sustenta‑

bilidade do euro. Fico, por isso, muito perplexo com o argumento de que com o

“semestre europeu” e a coordenação ex ante dos princípios orientadores dos orça‑

mentos nacionais, os países membros da Zona Euro perdem soberania. Sinceramente,

a realidade, como nós próprios estamos hoje experimentando, mostra ‑nos que os

países já não têm essa mítica soberania e que, pelo contrário, a dinâmica do “semestre

europeu” constitui o único instrumento possível para permitir que haja uma visão

de conjunto do que é o efeito agregado das politicas orçamentais nacionais no fun‑

cionamento de uma economia que assenta numa moeda única europeia.

O ex ‑presidente da Comissão Europeia Jacques Delors fez recentemente uma

referência complementar ao objectivo da coordenação dos orçamentos nacionais que

me parece muito clarificadora da necessidade de uma visão de conjunto do binómio

ajustamento estrutural/relançamento económico: para alcançar tal objectivo torna‑

‑se indispensável integrar o processo de coordenação das políticas fiscais nacionais

com um instrumento destinado a conduzir politicas anti ‑cíclicas que permitam que

na Zona Euro, em períodos de crescimento económico débil em alguns países

(designadamente naqueles onde se aplicam medidas de austeridade que comportam

sempre um efeito recessivo), seja possível recorrer a estímulos a essas economias

sem que isso signifique uma oneração dos orçamentos nacionais cujos défices se

pretendem precisamente reduzir. É um fundo novo? Poderia bem sê ‑lo. Mas pode ser

mais realista pensar que essa função possa ser desempenhada mediante uma reorien‑

tação da lógica de utilização dos fundos estruturais disponíveis para um tal fim,

mediante uma reformulação das condições dessa utilização designadamente no que

concerne à respectiva componente nacional. Esta segunda perspectiva, que me parece

mais realista tendo em conta a improbabilidade de um aumento do orçamento

comunitário no curto/médio prazo, significa, contudo, que os Estados ‑Membros,

individualmente considerados, poderão, neste novo quadro, perder parte da capaci‑

dade de decidirem a alocação dos fundos estruturais ao nível a que decidem hoje,

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45para aceitarem que os fundos estruturais, que hoje são divididos por países, possam

ter um efeito agregado adicional para conduzir politicas anticíclicas a nível europeu

em função de objectivos macroeconómicos comuns e, consequentemente, reforçar a

sustentabilidade do euro.

Esta discussão é uma discussão que não vai levar muito tempo a ter de ser feita,

porque a Comissão Europeia vai apresentar em Junho deste ano o primeiro draft das

Perspectivas Financeiras para o período 2014/2020 e, ou este elemento é integrado

nessas Perspectivas Financeiras como uma das componentes da gestão económica e

do governo económico da Zona Euro, ou então teremos perdido uma oportunidade

única para reforçar a sustentabilidade da moeda comum europeia mediante o recurso

às disponibilidades financeiras comuns da União.

Este é o primeiro eixo. Mas em meu entender há um segundo eixo que me

parece incontornável, se pretendemos parar mesmo o efeito de contágio da crise da

dívida soberana. Terá de existir no curto prazo uma forma qualquer de mutualização

do stock existente das dívidas soberanas dos Estados em zona de risco.

Não se trata de pôr os alemães a pagar a dívida pública portuguesa, mas já há

alguns sinais no sentido de que o mecanismo de apoio pontual adoptado em relação

à Grécia e à Irlanda está a ser repensado para o futuro. Aliás, há pouco, o Dr. Carlos

Costa já fez uma descrição da intervenção do Sistema dos Bancos Centrais Europeus

na aquisição de dívida dos Estados que constitui um elemento desta preocupação a

que ora faço referência. O que, de facto, tem sido nestes últimos meses o papel do

BCE e do Sistema de Bancos Centrais Europeus senão uma forma de mutualização da

dívida pública dos Estados ‑Membros naquilo que pode competir especificamente às

autoridades monetárias em defesa da sustentabilidade da moeda única europeia?

Só que este instrumento me parece insuficiente para estancar o aludido efeito

de contágio. A que acresce que estas intervenções não têm garantias de durar o

tempo suficiente para permitir aos países que estão debaixo da pressão dos mercados

ultrapassarem esta situação de emergência com que estão confrontados.

Portanto, alguma coisa mais terá de ser feita, e a prazo que espero não seja

muito longo. Nesta sede, estou ‑me a referir a mecanismos de natureza política para

criar o espaço e a margem de manobra necessários para que os Estados vulneráveis

possam gerir a reconversão das trajectórias das suas dívidas públicas. Este mecanismo

tem sido apresentado sob a designação genérica de eurobonds, de dívida pública con‑

traída centralmente pela própria União. Pessoalmente, não vejo alternativa a que, a

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46 prazo, esse tipo de mecanismo venha a ser utilizado. Contudo, a questão essencial é

a de saber se virão a tempo de evitar maiores males, ou se a estratégia é obrigar os

prevaricadores a fazerem a via ‑sacra da austeridade até à décima segunda estação e

só depois, então, se adoptará uma solução do tipo dos eurobonds.

Apesar das reservas que a este propósito têm sido emitidas, estou certo de que até

os alemães perceberão que, no limite, lhes sairá mais barato recorrer a uma forma de

mutualização do stock acumulado da dívida pública de alguns países da Zona Euro do

que continuar com o sistema actual que não corta cerce o círculo vicioso em que nos

encontramos. Para grandes males, grandes remédios, e acho que a lógica alemã é essa:

os eurobonds são um grande remédio que só se justifica quando houver um grande mal.

Ora o mal actual já é suficientemente preocupante para justificar que, mesmo sem a

adopção imediata dos denominados eurobonds, se justifica procurar soluções que criem

o espaço necessário para os países sobreendividados reconverterem a trajectória de

evolução das suas próprias dívidas públicas mediante uma “almofada europeia”.

Concluo dizendo que estas preocupações da gestão económica da Zona Euro e da

União no seu conjunto, têm de ser incorporadas no debate sobre as novas Perspectivas

Financeiras 2014/2020, sobre as quais, contudo, não tenho à partida grandes ilusões.

Em primeiro lugar, para mim é claro que não haverá aumento do tecto da des‑

pesa, ou seja, não haverá reforço do orçamento da União. A cruzada britânica é evi‑

dente sob esse ponto de vista e a situação portuguesa é uma situação relativamente

desconfortável, por duas razões: primeiro, porque hoje mesmo vi num jornal que a

taxa de execução do QREN é baixa, estamos na ordem dos 20%. É bom não esquecer,

ou não ignorar, que um dos elementos importantes quando se estabelece a pool position

para a definição da afectação de fundos para o próximo período plurianual, o que

conta em primeiro lugar é a taxa de execução efectiva (não a alocação formal de

fundos) e, em segundo lugar, a avaliação que a Comissão sempre faz da credibilidade

das alocações no período que falta ainda transcorrer até ao final das Perspectivas

Financeiras em curso.

Neste sentido, portanto, não temos muito tempo para garantir que a taxa de

execução efectiva seja sustentadora da nossa posição negocial das Perspectivas

Financeiras 2014/2020.

Mas isso também não significa desbaratar dinheiro, e aí é que está o essencial

do exercício de uma boa governação. Temos que aumentar a taxa de execução efec‑

tiva dos fundos europeus colocados à nossa disposição para o período 2007/2013,

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47mas temos que o fazer à luz da selectividade do investimento e em função dos objec‑

tivos de que falava há pouco o Dr. Carlos Costa – e aqui a estrada é estreita e a janela

de oportunidade pequena.

Em segundo lugar, temos que definir um perfil dos interesses nacionais para

efeitos da negociação das Perspectivas Financeiras subsequentes, para o período

2014/2020. E aqui há dois perfis possíveis.

Podemos adoptar uma perspectiva conservadora e continuar a apostar nos paco‑

tes nacionais como apostámos até aqui, com assinalável sucesso, aliás, na negociação

das anteriores Perspectivas Financeiras. Chamo, porém, a atenção para o facto de que

os pacotes nacionais, nas próximas Perspectivas Financeiras, vão ser mais difíceis de

obter. Em primeiro lugar porque o grupo de países que têm o mesmo tipo de inte‑

resses que nós temos alterou o seu perfil. Em segundo lugar porque não estou con‑

vencido de que nas próximas Perspectivas Financeiras tenhamos interesses conver‑

gentes com a Espanha, no que diz respeito às prioridades da alocação dos fundos

numa perspectiva conservadora, e a Espanha terá porventura mais interesse numa

lógica conservadora do que Portugal. Por isso, temos que nos preocupar não apenas

sobre quais são os nossos objectivos, mas também, em segundo lugar, sobre quais

possam ser os nossos aliados na consecução desses objectivos.

É bom não esquecer que os novos Estados ‑Membros, que em 2007 ainda não

tinham grande traquejo na gestão e na utilização dos fundos, têm já agora um track

record muito apreciável e, portanto, o argumento que Portugal usava para defender o

seu interesse nacional, que era a limitada capacidade de absorção dos novos Estados‑

‑Membros, já não poderá ser reeditado nas próximas negociações. Portanto, o debate

sobre os envelopes nacionais vai ser muito mais complexo, muito mais difícil. Por

outro lado, uma mudança de paradigma na alocação das Perspectivas Financeiras,

tendo em linha de conta as novas regras da governance económica europeia, parece ‑me

ser não apenas a forma mais inteligente de defender o interesse nacional, como tam‑

bém a única forma possível de se ser convictamente europeísta, o que é, apesar de

tudo o que lhes disse, aquilo que sinceramente continuo a ser!

Muito obrigado.NE

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Vítor Bento*

* Economista, membro do Conselho de Estado e Presidente do Conselho de Administração da SIBS.

A Crise Financeira da Zona Euro – palestra proferida no

Ministério dos Negócios Estrangeiros

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