revista lÍnguas & ensino
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Capa: Rafael Laplace de Andrade
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Revista Línguas & Ensino. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2015.
Ano I, Vol. 1, 2015.
185 p.; 29,7 cm.
Semestral
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CURSOS DE LÍNGUAS ABERTOS À COMUNIDADE Coordenação acadêmico-científica: Danúsia Torres dos Santos
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REVISTA LÍNGUAS & ENSINO Editores: Danúsia Torres dos Santos, Franciane Santos de Sousa, Pedro da Silva Barbosa e Monica Tavares Orsini
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REVISTA L ÍNGU AS & ENSINO
REVISTA DA FACULDADE DE LETRAS DA UFRJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Ano I −−−− Vol. 1 - 2015
Faculdade de Letras UFRJ
Comissão Editorial Danúsia Torres dos Santos (UFRJ) Franciane Santos de Sousa (UFRJ) Pedro da Silva Barbosa (UFRJ) Monica Tavares Orsini (UFRJ) Conselho Editorial Ana Catarina Moraes Ramos Nobre de Mello (UFRJ) Ana Flavia Lopes Magela Gerhardt (UFRJ) Annita Gullo (UFRJ) Bianca Graziela Souza Gomes da Silva (UFRJ) Christine Siqueira Nicolaides (UFRJ) Cláudia Andréa Prata Ferreira (UFRJ) Danúsia Torres dos Santos (UFRJ) Diego Leite de Oliveira (UFRJ) Érica Schlude Wels (UFRJ) Katia Teonia Costa de Azevedo (UFRJ) Luiz Carlos Balga Rodrigues (UFRJ) Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold (UFRJ) Marilia Santanna Villar (UFRJ) Rogério Casanovas Tilio (UFRJ) Tania Martins Santos (UFRJ) Conselho Consultivo Eduardo Engelsing (Western Washington University) Marcia Paraquett Fernandes (UFBA) Marcos Bagno (UnB) Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB) Matilde Virginia Ricardi Scaramucci (Unicamp) Norimar Pasini Mesquita Júdice (UFF) Stella Maris Bortoni-Ricardo (UnB) Revisão Gustavo Benevenuti Machado (UFRJ) Luciana Faria Mazzei (UFRJ) Paula Regina de Andrade Lessa (UFRJ) Abstracts Equipe docente Christine Siqueira Nicolaides (UFRJ) Vitor Alevato do Amaral (UFRJ) Equipe discente Amanda Lomba Costa André Alves Pontes Carolina Vieira Mariano Carolinne Assis de Oliveira Eduardo da Silva Pimentel Ellen Cláudia de Mello Ferreira Fernanda Meneses Rodrigues da Costa Isabela Pires de Souza Isabela Vitória de Oliveira dos Santos Jean Fellipe Silva Lucciola Guedes João Rafael Villas Boas de Castro Barbosa Ligia Carla das Graças Reis e Silva Lorena Morais Martins Luiza de Almeida Thomaz Gonçalves Maria Eduarda Guimarães Simões Maria Fernanda Pinheiro Barreto Mariana Abreu Mariana Guedes Bartolo Marina Giovhana Vieira Marques Folly Queiroz Nicole Lencina Marques Pedro Luís Sala Vieira Péricles Francisco de Oliveira Júnior Rodrigo da Motta Dias
Suelen dos Santos Barcelos Talita Silva Pereira Tatianne Soares Lima Thaís Fontes Perestrelo Thayna Pinheiro Ferreira Wisley do Carmo Vilela
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Revista Línguas & Ensino. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2015.
Ano I, Vol. 1, 2015.
185 p.; 29,7 cm.
Semestral
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“Todos os artigos deste periódico são de inteira responsabilidade de seus autores, não cabendo qualquer responsabilidade legal sobre seu conteúdo à Faculdade de Letras da UFRJ ou à Revista Línguas & Ensino.” “Ao enviar o material para publicação, os proponentes abrem mão de pretensões financeiras decorrentes da comercialização de exemplares, concordam com as diretrizes editoriais da Revista Línguas & Ensino e assumem que seu texto foi devidamente revisado.” Faculdade de Letras – UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151 – Ilha do Fundão 21941-917 – Rio de Janeiro – RJ www.portaldeperiodicos.letras.ufrj.br / [email protected]
Sumário
8 Apresentação Mônica Tavares Orsini
10 Formando professores: sala de aula e orientação dos monitores no Projeto CLAC Marilia Santanna Villar
24 A formação continuada de professores e sua relevância na promoção da autonomia sociocultural dos aprendizes Vanessa Mota
Christine Nicolaides
40 A literatura no ensino de línguas estrangeiras Ana Cristina dos Santos
60 Uma experiência com o gênero história em quadrinhos em aula de língua estrangeira Carolina Gandra de Carvalho
Elíria Quaresma Fugazza
Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
73 A técnica do espelhamento ou a consciência da distância entre o português do Brasil e o espanhol Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
Carolina Ecard
Renata Daniely Rocha de Souza
91 Avaliação oral: práticas alternativas Carlos da Silva Sobral
Julia Ferreira Lobão
Mariana Warderlei Braga
103 Estudo comparativo entre os métodos alter ego 2 e alter ego 2+ e seu uso nos cursos de língua francesa do CLAC/UFRJ Mariana Gomes de Matos
Marília Santanna Villar
06 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
128 Análise de problemas de referenciação em redação do CLAC Joelma Castelo Bernardo da Silva
Ana Flávia Magela Gerhardt
140 O estudo do parágrafo para a construção do texto argumentativo Cybelle Borges de Abreu
Helena Gomes Teixeira de Faria
Mônica Tavares Orsini
Sabrina de Oliveira
153 A ausência de marcas de concordância verbal em textos escritos por alunos do CLAC: descrição e ensino Aline Fernandes Menezes
Antônio Anderson Marques de Sousa
Juliano Leandro do Espírito Santo
Monica Tavares Orsini
167 Língua e ensino: os possessivos da segunda pessoa do plural no português brasileiro Dalila Mendes dos Santos de Assis
Leonardo Lennertz Marcotulio
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 07
Apresentação
A Revista Línguas & Ensino constitui-se na materialização de um desejo antigo
de docentes, monitores e técnico-administrativos que atuam no Projeto CLAC - Cursos
de Línguas Abertos à Comunidade, projeto de extensão universitária da Faculdade de
Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde 1988, o projeto
oferece à sociedade carioca cursos de línguas estrangeiras: alemão, árabe, espanhol,
francês, grego, hebraico, inglês, inglês instrumental, italiano, japonês, latim, russo,
português para estrangeiros e português língua materna, nas modalidades redação e
oficina de língua portuguesa.
Na dinâmica do projeto, os monitores, respaldados pela orientação sistemática
de docentes da Faculdade de Letras da UFRJ, ministram as aulas, concretizando uma
prática pedagógica fundamentada em teorias linguísticas atuais, bem como nas reflexões
de educadores contemporâneos acerca da formação do professor e do ensino de línguas.
O projeto CLAC, portanto, contribui decisivamente para a formação de professores
críticos e qualificados que buscam exercer seu papel social de agentes transformadores.
Neste contexto, a Revista Línguas & Ensino, publicação eletrônica semestral,
hospedada no Portal de Periódicos da Faculdade de Letras da UFRJ, objetiva,
sobretudo, ser um espaço em que docentes de instituições diversas e professores em
formação possam divulgar trabalhos acerca do ensino-aprendizagem de línguas e da
formação do professor, tendo como fundamentação teórico-metodológica as recentes
contribuições de pesquisas desenvolvidas nas melhores universidades nacionais e
estrangeiras.
Neste primeiro volume, encontram-se reunidos 11 artigos, selecionados, de
forma bastante rigorosa, por pareceristas ad hoc, professores universitários dos cursos
de Licenciatura em Letras das principais universidades públicas do país. Deste conjunto,
dois artigos tratam da formação do professor de línguas; seis, do ensino de língua
estrangeira e três, do ensino de português língua materna.
Os artigos dedicados à formação do professor abordam duas realidades distintas.
O primeiro discute o trabalho de preparação e de acompanhamento por parte do
professor-orientador do monitor de língua estrangeira. O segundo relata os resultados de
pesquisa sobre as práticas em sala de aula de um grupo de professores (formados ou em
formação), participantes do curso de aperfeiçoamento denominado PROLEC (Promoção
08 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
do Letramento Crítico por meio da produção de materiais didáticos), oferecido pela
Faculdade de Letras da UFRJ e coordenado pela professora Christine Siqueira
Nicolaides.
Do total de artigos acerca do ensino-aprendizagem de LE, quatro abordam
questões relativas à metodologia utilizada pelo monitor, tanto no que diz respeito à
seleção de materiais didáticos quanto à escolha de técnicas. Em comum, os referidos
artigos buscam estratégias para o aprimoramento do processo de ensino-aprendizagem
de LE, tornando-o mais prazeroso e eficiente para o educando. Há ainda um artigo que
focaliza a avaliação, ferramenta indispensável no processo de ensino-aprendizagem,
buscando mecanismos que minimizem o estresse do educando neste momento. O artigo
dedicado ao ensino da língua portuguesa para estrangeiros busca confrontar a norma
presente em livros didáticos voltados para esse contexto com aquela vigente entre
falantes brasileiros, reforçando a necessidade de se ensinar uma norma culta real, ao
invés de um inventário de regras que não reflete o uso da língua a ser aprendida.
Os artigos pertinentes ao ensino de português língua materna remetem à
produção de textos argumentativos, objetivo central do curso de redação oferecido pelo
Projeto CLAC. Os trabalhos mostram a necessidade da articulação das teorias do texto e
da gramática para que o aprendiz produza textos escritos de qualidade.
Desta forma, todos os artigos aqui reunidos dialogam em torno do principal
desafio do professor: promover uma educação de qualidade, acessível a todos, que
possibilite ao educando empoderar-se de um saber linguístico, o que contribuirá para a
sua formação como um cidadão crítico e socialmente produtivo.
Mônica Tavares Orsini
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Faculdade de Letras
Departamento de Letras Vernáculas
Rio de Janeiro, abril de 2015
Esse primeiro volume é dedicado à Profª Drª Sílvia Beatriz Alexandra Becher Costa,
que sempre idealizou e sonhou ver a produção e a publicação desse material.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 09
FORMANDO PROFESSORES: SALA DE AULA E ORIENTAÇÃO DOS
MONITORES NO PROJETO CLAC
FORMING TEACHERS: THE CLASSROOM AND MONITOR
SUPERVISION IN THE CLAC PROJECT
Marilia Santanna Villar1
Resumo
O presente artigo visa a apresentar como o CLAC propicia aos monitores uma experiência que os prepara para sua profissão sob diferentes aspectos: os alunos monitores integram uma equipe de professores em formação, com reuniões regulares para o melhor funcionamento do curso, troca de material e preparo conjunto de diferentes tipos de atividades. Essas atividades não se limitam àquelas usadas em sala de aula, mas estão aí também inseridos os diferentes tipos de projetos desenvolvidos para a Feira Cultural ou para o Fórum CLAC. Mostramos aqui também como se dá o trabalho de orientação que se propõe como um momento de preparação, de acompanhamento do trabalho do monitor. É um espaço em que se busca a valorização de atitudes e escolhas bem feitas, assim como a crítica construtiva, quando esta é cabível. A prática em sala de aula é também acompanhada da sugestão de textos teóricos e a experiência do CLAC vem, assim, complementar a formação pedagógica desse professor em formação. Palavras-chave: formação de professores; competências; prática.
Abstract
This article aims to present how the UFRJ Language Courses Open to the Community (CLAC) provides its monitors with an experience that, under different aspects, prepares them for their profession: the monitors integrate a team of teachers in formation, with regular meetings for a better course functioning, exchange of materials and group preparation of different types of activities. These activities are not limited to those to be performed inside the classroom, but also involve the different types of projects developed for the Cultural Fair and the CLAC Forum. We also describe the process of monitor supervision, an activity that is supposed to be a moment of preparation and orientation of the monitor‘s work. It is a space that seeks to value positive attitudes and well-made choices, as well as the constructive criticism, when suitable. The classroom practice is also followed by the suggestion of theoretical texts, so the CLAC experience complements the pedagogical formation of this future teacher. Keywords: Teacher‘s formation, competences, practices.
10 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Introdução
A dificuldade da tarefa de formar bons professores consiste,
basicamente, em dois fatores: o professor deve não apenas ser competente
na disciplina que ensina, mas também deve saber ocupar o lugar de
professor na sala de aula. Se, de um lado, esses dois aspectos são óbvios e
transparecem em muitos comentários dos próprios alunos a respeito de seus
mestres — ―Ele sabe a matéria, mas não sabe ensinar‖ — por outro lado, a
formação desse profissional é complexa e necessita de um cuidado especial,
sobretudo no que diz respeito à prática em sala de aula. No presente artigo,
nosso objetivo é refletir sobre a prática docente em formação. O que significa
ter o domínio do conteúdo e saber propiciar aos alunos o acesso a esse
conteúdo? Analisamos aqui, especificamente, o papel do projeto CLAC-UFRJ
e sua contribuição na formação do professor de língua estrangeira.
Como sabemos, grande parte dos alunos que cursam uma
Faculdade de Letras prepara-se para a docência. Sua formação começa,
certamente, muito antes do ingresso no curso universitário por eles escolhido.
Seja como aluno de Ensino Médio, seja como aluno de cursos livres, o
indivíduo já vem sendo observador da prática de seus professores e, mais ou
menos conscientemente, já fez escolhas de muitas atitudes que lhe
pareceram produtivas, abominando outras, que representaram uma
experiência negativa ao longo de sua formação. No curso de Licenciatura, a
grade curricular prevê uma série de disciplinas teóricas que têm como
objetivo preparar o futuro professor, dando-lhe noções de psicologia,
sociologia, leis que regem a Educação no país. Tudo isso para que ele se
sinta amparado na prática de sua futura profissão. A Faculdade de Educação
prevê, igualmente, o estágio supervisionado que é, em muitos casos, o
primeiro contato do futuro professor com a alternância de papéis: ele, que
sempre se via sentado no meio dos alunos, troca de lugar e assume a função
de educador. É sempre uma experiência reveladora, essa do primeiro
encontro com a turma. O estagiário, nervoso, vê o quanto ele sabe — e o
quanto desconhece — e vivencia o fato de que assumir o lugar de professor
implica em uma responsabilidade real.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 11
No currículo de licenciatura dos cursos de Letras da UFRJ, são
dedicadas 400 horas ao estágio supervisionado, conforme exige a Resolução
CNE/CP/02/2002. O estágio é amparado também pelas disciplinas de
Didática Especial e Prática de Ensino. A presença do estagiário em uma
escola — acompanhando o trabalho do professor regente e seguido de perto
pelo professor da prática de ensino — leva-o ao ambiente que será seu
ambiente de trabalho por longos anos, ao contato com alunos de carne e
osso com qualidades e defeitos reais e tudo isso contribui para que ele, ao
concluir o período de estágio, sinta-se mais preparado para exercer sua
profissão.
Na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, os alunos do curso de Licenciatura encontram, ainda, no projeto
CLAC (Cursos de Língua Abertos à Comunidade), outro espaço para esse
preparo prático para a carreira de professores de língua. O CLAC traz aos
monitores uma experiência ímpar: ainda durante a graduação, eles integram
uma equipe de professores em formação, com reuniões regulares para o
melhor funcionamento do curso, troca de material, preparo conjunto de
atividades e/ou provas. Essas atividades não se limitam àquelas usadas em
sala de aula, são muitas as sugestões de projetos para a Feira Cultural ou
para o Fórum CLAC que nascem desse trabalho conjunto.
A equipe de monitores é acompanhada pelo orientador. Os
encontros semanais que são dedicados não apenas à discussão de
problemas didáticos — como seria a melhor utilização do livro, o uso de
materiais autênticos e esclarecimento de dúvidas relacionadas ao conteúdo
—, mas também são o momento para os monitores apresentarem problemas
de ordens diversas aos quais são confrontados nessa experiência em que,
pela primeira vez, ocupam o lugar do professor. Insegurança, apatia por parte
dos alunos, turmas heterogêneas, alunos que se mostram descontentes ou
até mesmo alunos que exercem certo tipo de assédio em relação ao monitor
ou a colegas do grupo. É aí que outros monitores podem dar sugestões
práticas que funcionaram em determinadas situações; o orientador, pelo seu
papel de mediador e por ser mais experiente, aconselha também. Às vezes,
12 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
são dicas simples, relativas ao mundo virtual tão presente nesse século XXI
em que a evolução tecnológica avança tão rapidamente. Como fazer com
relação a uso de blogs, Facebook ou e-mail para complementar o trabalho de
sala de aula? Até que ponto essas ferramentas tecnológicas podem ajudar e
até que ponto podem dar ao aluno acesso a informações muito pessoais
sobre os colegas e o monitor responsável pela turma? Às vezes, a criação de
uma página de Facebook só para o CLAC torna-se uma opção interessante,
sobretudo para monitores que trabalham com o primeiro período, com alunos
que ainda não se conhecem e com turmas numericamente muito grandes.
Como se dá essa interação dos monitores entre si e com o orientador?
O trabalho de orientação se propõe como um momento de
preparação, de acompanhamento do trabalho do monitor, em que não se
busca uma ―fiscalização‖ do que está sendo feito, mas a valorização de
atitudes e escolhas bem feitas, assim como a crítica construtiva quando esta
é cabível. Nesse sentido, são sugeridos também textos teóricos para
contribuir com a formação desses monitores. Textos que refletem essas
questões práticas por eles vividas na sala de aula. No caso da monitoria de
língua francesa, muitos textos de especialistas no ensino de FLE (Francês
Língua Estrangeira) ou artigos da revista Le Français dans le monde podem
contribuir. Questões da atualidade no ensino de FLE são discutidas em cada
número da revista, levando-se em conta sempre casos concretos. Assim,
discussões sobre como trabalhar a expressão oral e a leitura de artigos que
falam também do contexto sócio-econômico do aluno, entre outros, são
atividades complementares sugeridas. Em minha experiência como
professora orientadora, tive alunos que salientaram a pertinência dos textos,
dizendo, inclusive, que esses foram úteis para trabalhos que estavam
desenvolvendo para a prática de ensino em francês. E é esse exatamente o
ponto que o presente artigo pretende desenvolver: como essa experiência
prática de monitor do CLAC complementa a formação do aluno que, ao sair
da Faculdade de Letras, será mais um professor não só em um mercado de
trabalho crescente — esse do ensino de línguas estrangeiras —, mas
também de um mercado de trabalho em que tantas vezes o professor se
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 13
encontra abandonado, seja porque não faz parte de nenhuma equipe e o
coordenador é apenas um conceito, sem que haja um verdadeiro trabalho de
coesão dos professores, seja porque faltam muitas vezes boas condições no
ambiente de trabalho. O material disponibilizado muitas vezes é precário e as
salas de aula, inadequadas. O CLAC representaria, portanto, uma transição
gradativa entre o aluno de graduação e o profissional formado que integrará o
mercado de trabalho fora da faculdade.
Os textos teóricos lidos pelos alunos visam também a que estes
desenvolvam ainda mais seu espírito crítico a ponto de serem mais
autônomos e capazes de prepararem seu curso a partir de sua própria
opinião pessoal. Esse aspecto é bastante importante, porque o planejamento
é discutido com o orientador e com os demais monitores, mas é definido pelo
monitor da turma. Se ele achar pertinente alguma consideração feita pelos
demais e decidir mudar, pode mudar, embora não seja obrigado a fazê-lo. As
trocas de experiências levam ao questionamento, os monitores são obrigados
a se posicionarem diante de um problema e a encontrarem uma solução.
Como exemplo, posso citar uma situação específica, relacionada ao primeiro
período do curso de língua francesa: um monitor que tivera anteriormente o
grupo de primeiro período queixou-se do fato de o tempo verbal ―passé
composé‖ aparecer na última lição e, consecutivamente, na última prova do
francês I. Não haveria tempo hábil para se trabalhar a formação e o uso do
passé composé em uma última aula antes da revisão. Várias sugestões
foram feitas pelos próprios monitores do semestre seguinte. Todos foram
unânimes em começar o passé composé mais precocemente. Mas os
caminhos escolhidos para essa atividade foram distintos: houve quem
preferisse antecipar determinada lição do livro e quem preferisse levar por
fora o material destinado à explicação do passé composé. As decisões foram
respeitadas e os monitores puderam se sentir verdadeiramente no comando
de seus grupos. Talvez os monitores tenham se arrependido da decisão que
tomaram. Talvez não. De qualquer modo, essas experiências são o que
forma o professor e o que dá a ele respaldo para tomar suas próximas
decisões.
14 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
No CLAC, os monitores desempenham suas atividades,
compreendendo que suas decisões se fazem como uma resposta às
condições a sua volta. Se os alunos de uma turma caminham mais
rapidamente, não se trata de obrigar a outra turma de mesmo nível a seguir o
mesmo ritmo. Cada aluno, cada grupo, cada monitor será levado a
desenvolver sua própria resposta para seus problemas em dada situação.
Sempre contando com a possibilidade de discutir essas questões com o
orientador e com os monitores mais experientes.
Partindo do princípio de que os seres humanos se desenvolvem
pelas relações que estabelecem com seu meio, Perrenoud (1999) vê as
competências não como um caminho, mas como um efeito adaptativo do
homem às suas condições de existência. Desse modo, cada pessoa, de
maneira diferente, desenvolveria competências voltadas para a resolução de
problemas relativos à superação de uma situação, como, por exemplo, saber
guiar-se no caminho de volta para casa a partir de um ponto de referência, o
que mobiliza competências de reconhecimento ou mapeamento espacial;
saber lidar com as dificuldades infantis, o que aciona competências
pedagógicas; saber construir ferramentas, o que estimula competências
matemáticas e lógicas, entre outras (BESSA, p. 151).
A língua estrangeira e a cultura do outro
Para ilustrar melhor como os cursos do CLAC trabalham o
componente cultural no ensino de uma língua estrangeira, volto-me agora,
rapidamente, para a Feira Cultural, evento que voltou a integrar o calendário
do CLAC em 2011. Trata-se de um evento que acontece ao final do ano, em
novembro/dezembro e para o qual os alunos e monitores do CLAC se
preparam ao longo de todo o segundo semestre. As atividades aproximam os
alunos de uma multiculturalidade através do estudo da nova língua que eles
começam a conhecer. No nosso caso específico, a língua francesa. Muitos
projetos incluem Paris e vemos o encanto dos alunos e monitores pelos
clichés que cercam a capital francesa e os lindos e eternos cartões postais da
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Torre Eiffel e Notre Dame. Mas não ficam apenas nos clichés. Buscam
também elementos culturais menos conhecidos, como canções natalinas —
já que a Feira acontece no final do ano — ou certas especialidades
culinárias. A música é sempre bem-vinda, seja com a formação de um coral,
seja com uma pequena apresentação. Mas outros países francófonos
também já foram contemplados com projetos na Feira Cultural do CLAC
como, por exemplo, a Bélgica. Além de informações diversas sobre esse país
pouco conhecido entre nossos alunos, também fizeram jogos interativos e
biscoitos típicos. No dia da Feira Cultural propriamente dita, o mais
interessante é que os alunos dos diversos cursos podem circular e conhecer
mais sobre a cultura de outros países, e os corredores da Faculdade de
Letras transformam-se em um espaço cosmopolita em que se ouvem várias
línguas e se provam sabores distintos. Em meio a origamis e croissants, é
possível se deparar com um ateliê de cupcake com receitas em inglês e, ao
fundo, ouvir uma música em uma língua para você desconhecida. É um
momento de lazer e de crescimento cultural para todos os envolvidos e isso
fica estampado nos rostos dos orientadores e da equipe CLAC, que trabalha
muito para que essas atividades aconteçam nas melhores condições
possíveis.
Além da Feira Cultural, temos também o Fórum CLAC . Por que
criar um evento como o Fórum? Os monitores ficam no Projeto, às vezes, por
dois anos, às vezes por pouco menos do que isso. Ao longo de sua atuação
na monitoria CLAC, são muitos os trabalhos que desenvolvem com seus
grupos. Muitas questões interessam nosso público: desde as mais
tradicionais (como o preparo de avaliações orais e escritas), passando por
atividades práticas em sala de aula (relacionadas, por exemplo, ao uso de
jogos ou Internet), como a análise de questões mais pontuais (análise do
livro didático adotado no CLAC). Todos esses são temas com os quais
nossos monitores são confrontados em sua prática cotidiana. São muitas
vezes trazidos para discussão nas orientações. Assim, a organização de um
Fórum para suscitar novos questionamentos e para divulgar o trabalho
realizado mostrou-se quase que uma necessidade para dar voz aos
monitores, abrindo mais um canal em que os envolvidos com o Projeto
16 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
podem questionar a prática que fazem. Aqui são facilitadas as trocas de
experiências entre monitores de diversos idiomas. Talvez as inovações
utilizadas por alguns sejam práticas usuais para outros, talvez exercícios
usuais para alguns sejam ―tabus‖ para outros. É esse, portanto, o papel
desempenhado pelo Fórum CLAC: estabelecer pontes entre os diferentes
cursos, mostrar lado a lado a música árabe e a japonesa, a poesia francesa e
a grega e como podemos levar esses elementos para a sala de aula. Além
das conferências e minicursos — cujos temas são selecionados pela
Comissão Organizadora levando em conta a relevância para nossos
monitores —, o Fórum CLAC acolhe comunicações feitas pelos monitores,
com relatos de experiência ou artigos que analisem tais questões com uma
perspectiva prática.
A formação de professor não pode ser feita desvinculada do
trabalho de pesquisa. É por isso que mesmo alunos que não integram
projetos de Iniciação Científica encontram no Fórum o espaço para
desenvolverem um trabalho de pesquisa acadêmica que poderá ser
eventualmente a descoberta de um tema para uma especialização ou
Mestrado. É, assim, que a cada ano, os orientadores encorajam seus alunos
a apresentarem suas experiências nesse espaço. Muitas vezes, o monitor
encontra-se desanimado porque sabe que a decisão de preparar uma
comunicação implica em mais trabalho e ele acredita que o que vai dizer no
Fórum não representa, talvez, nenhuma novidade ou é um problema com o
qual todos estão acostumados. E qual não é a sua surpresa, às vezes,
quando uma comunicação feita traz à tona uma série de comentários dos
colegas que estão, sim, acostumados àquele problema, mas não sabem
como reagir diante dele. Então, não basta o diagnóstico do problema, as
sugestões feitas pelo monitor em sua comunicação ou as sugestões
apresentadas pelos colegas no momento de discussão após a apresentação
são essenciais para o crescimento de todos. Desse modo, o percurso
acadêmico toma consciência de sua própria incompletude e da necessidade
de se estar em formação contínua. Não basta usar uma lógica disciplinar e
acadêmica, o professor deve analisar a complexidade com que convive em
sala de aula. É o que diz Perrenoud (1999) quando fala sobre a escola
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 17
francesa e o preparo dos professores:
No total, não faltam ocasiões em que os professores estão
confrontados com a complexidade, graças aos estágios em sala de aula,
mas a formação, mais do que trabalhar essa complexidade como seu
principal objeto, está trabalhando com uma lógica disciplinar e acadêmica.
A ―revolução das competências‖ só acontecerá se, durante
sua formação profissional, os futuros docentes experimentarem-na
pessoalmente. A formação contínua está desenvolvendo-se. Está indo na
direção de um desenvolvimento de competências orientado para a
profissionalização (PERRENOUD, 1994a, 1996), para o acompanhamento de
equipes e projetos de estabelecimentos e para a análise das práticas, das
situações de trabalho e dos problemas profissionais (p. 95).
A complexidade da sala de aula nunca será definida na teoria.
Cada aluno é um indivíduo com uma história pessoal própria e encontra-se
inserido em um grupo que também tem uma história coletiva própria — em
certos estabelecimentos, os alunos são mantidos em um mesmo grupo ao
longo de sua formação; em outros, evita-se que as turmas tenham sempre a
mesma configuração. O professor também será diferente em diferentes
grupos, sentindo-se mais à vontade ou mais próximo de uns e menos
próximo de outros. É impossível criar uma lista de atitudes que o professor
deve tomar em um ou outra situação, assim como é impossível elencar todas
as situações-problema com as quais nos deparamos ao longo do exercício
de nossa profissão. Sem levar em conta situações de aprendizado que não
são propriamente um problema, mas que se mostram diferentes da norma.
Como lidar com elas? Não há receitas para nada disso. Nossos monitores
têm, assim, o privilégio de vivenciar uma experiência de ministrar aulas de
língua enquanto se preparam para sua carreira futura. Ao mesmo tempo em
que leem os teóricos que os preparam para esse ofício, vivenciam o ofício
nas salas do CLAC e veem, exemplificada na complexidade da sala de aula,
muitas das situações-problema sobre as quais leem. Isso é certamente uma
confirmação da necessidade de o professor estar em contínua formação,
preparando-se para as turmas em que já leciona, assim como para aquelas
que ainda lecionará; preparando-se para a sociedade em contínua mutação
18 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
em que vivemos nesse muito agitado século XXI. Assim, nossos alunos
vivenciam que
o professor intervém num meio ecológico complexo, num cenário psicológico
vivo e mutável, definido pela interação simultânea de múltiplos fatores e
condições. Nesse ecossistema, o professor enfrenta problemas de natureza
prioritariamente prática, que, quer se refiram a situações individuais de
aprendizagem ou formas de comportamentos de grupos, requerem um
tratamento singular, na medida em que se encontram fortemente
determinados pelas características situacionais do contexto e pela própria
história da turma enquanto grupo social. (GOMEZ, 1995, p. 102)
Como o monitor tem um retorno sobre sua prática docente?
O curso do CLAC não corresponde a um estágio, mas tem
também a preocupação de dar ao monitor um retorno sobre sua atitude em
sala de aula. É claro que o primeiro retorno é informal, é aquele que parte
espontaneamente dos alunos e, às vezes positivo, às vezes negativo,
costuma afetar muito o professor responsável pela turma. Por vezes, são
elogios vagos, isolados ou coletivos, o reconhecimento ao final de um
período cursado, em que os alunos perguntam ao monitor se ele continuará
com o grupo no semestre seguinte. Por vezes, são sugestões de algum outro
tipo de atividade, pedido de modificação de alguma atitude. O orientador
pode, eventualmente, assistir a algumas aulas e dar sua opinião, fazendo
sugestões. No entanto, pelo menos no curso de francês, a orientação
costuma restringir-se aos comentários feitos pelo próprio monitor ou pelos
alunos. Assim sendo, torna-se imprescindível o documento de avaliação do
monitor por parte dos alunos.
Claro que nem sempre o documento é preenchido com muito
cuidado. Certamente, há alunos que criticam o monitor sem motivos ou
outros que preferem atribuir a nota máxima ao monitor, simplesmente, para
concluir logo esse questionário que acham tedioso. No entanto, há um bom
número de alunos que compreende o objetivo do questionário e o preenche
conscientemente, procurando mostrar os pontos fortes e fracos do curso em
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 19
si e do monitor responsável por sua turma. Alguns itens avaliados são
bastante objetivos, como pontualidade e frequência. Outros tópicos são mais
vagos como ―relação com os alunos‖ ou ―equivalência do conteúdo visto em
aula e cobrado na avaliação‖.
Talvez, em um primeiro momento, o monitor sinta-se mal
quando vê que não recebeu apenas conceitos ―A‖ e ―B‖, mas que em alguns
quesitos seus alunos o consideram não tão bom quanto ele pensava ser.
Mas, quando há uma certa quantidade de alunos unânimes em avaliar um
monitor com ―C‖ em um dado quesito, isso é algo para ser levado em conta.
Se um bom número de alunos considera o desempenho do monitor como
regular, por exemplo, na preparação de material, não basta que este diga:
―Mas eu preparo tanta coisa além do livro. Eles são injustos‖. É preciso
exatamente que ele tente avaliar em que medida as atividades preparadas
correspondiam ao nível da turma — atividades fáceis demais ou difíceis
demais desanimam. E é preciso ainda que se lembre: não é o número de
páginas de exercícios extras que dirá se aquele é um bom ou um mau
professor. Assim, as fichas de avaliação têm um papel fundamental também
na autoavaliação dos monitores. Estes devem, após a leitura das avaliações,
passar à reflexão sobre sua prática, nunca, porém, deixando-se desanimar
pelas críticas, mas aprendendo a fazer delas um ponto de partida para
mudanças — se necessárias — ainda no semestre em curso e em sua
prática futura.
Portanto, para que as fichas de avaliação dos monitores
possam desempenhar esse importante papel de reflexão, devemos valorizá-
las e talvez até mesmo pensar em estruturá-las de uma maneira mais
adequada. Com relação a esse trabalho de reflexão sobre a prática docente
partindo dos comentários dos alunos no CLAC, é importante que levemos em
conta três aspectos centrais.
Em primeiro lugar, o fato de que os alunos do CLAC deverão
ser devidamente instruídos acerca do objetivo das fichas e levados, assim, a
preencherem atentamente o documento. Em segundo lugar, é necessário
20 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
que os monitores aprendam a ler essas fichas, alegrando-se com suas
qualidades ali ressaltadas e aprendendo com as críticas que eventualmente
possam existir. Por último, é imprescindível que alunos, monitores,
organizadores e demais membros do CLAC revejam o documento e seu uso
— evitar que as turmas preencham o documento em um dia próximo a
feriado, quando há poucos alunos presentes, tornar mais claros alguns itens
cuja redação deixa margem a dúvidas, propor talvez mais espaço para que
os alunos redijam seus comentários pessoais, mantendo a avaliação pela
atribuição de notas, mas dando ao aluno espaço para explicar não somente
por que atribuiu ―D‖ ou ―E‖ para algum item, mas que ele tenha também a
possibilidade de comentar aspectos positivos do monitor. Essa avaliação
pode, certamente, colaborar ainda mais para o melhor desempenho dos
monitores e para a melhoria do projeto como um todo.
Considerações Finais
No presente artigo, focalizamos o trabalho do CLAC sob alguns
aspectos centrais como o de formação do professor em um sentido mais
amplo — o de facilitador da aprendizagem no grupo, o de mediador de
discussões —. No entanto, existe outro lado da formação do professor que
merece especial atenção: a formação contínua no conteúdo da disciplina de
sua especialidade.
Assim, não podemos deixar de mencionar o papel
desempenhado pelo CLAC no sentido de reforçar o conteúdo aprendido
pelos monitores e auxiliá-los em sua formação contínua como professores e
falantes da língua estrangeira que estão ensinando. Começamos o presente
artigo mencionando o binômio ―domínio do conteúdo‖ e ―domínio de como
ensinar‖. O bom pedagogo é aquele que reconhece suas dificuldades e
pontos fracos, é aquele que procura ajuda quando se depara com dúvidas.
Certamente, a proximidade com outros colegas que trabalham na monitoria e
os encontros semanais com o orientador contribuem para que o monitor
sinta-se à vontade para perguntar sobre suas dúvidas de gramática ou uso
da língua, dúvidas que, às vezes, são comuns a muitos monitores.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 21
Desde o início da instituição Escola, muito já foi dito sobre o
papel do professor: educador, personagem central no processo ensino-
aprendizagem, personagem que ao invés de centralizar o conhecimento deve
levar seus alunos à autonomia. Espaços como o CLAC valorizam esse
profissional e o levam a questionar-se sobre sua própria prática. Mostram
que o domínio do conteúdo não é tudo, que o professor competente é aquele
que conhece sua disciplina, mas que, sobretudo, sabe como trazê-la para
mais perto de seu público alvo. Muitos ex-monitores do CLAC são agora
parte de uma equipe de professores de língua em um estabelecimento de
ensino e estão contribuindo lá também para continuar a levantar
questionamentos sobre o trabalho e o papel do professor nos dias de hoje. E
são esses os questionamentos que podem renovar a prática docente.
Cada geração relança o debate em torno dos programas, de sua sobrecarga;
redescobre a necessidade de levar-se em consideração a globalidade da
pessoa; insiste no sentido dos conhecimentos e de sua contextualização;
tem a sensação de ter, finalmente, posto o dedo sobre o fundo do problema
e ter encontrado a solução. Houve um real progresso? Talvez a abordagem
por competências na reformulação dos programas escolares não seja senão
a derradeira metamorfose de uma utopia muito antiga: fazer da escola um
lugar onde cada um aprenderia livre e inteligentemente coisas úteis na vida...
(PERRENOUD, 1999, p. 96)
22 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Notas
1 Professora Adjunta de Língua e Literatura Francesa na Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
Referências
BESSA, V. da H. Teorias da Aprendizagem. Curitiba: IESDE Brasil SA, 2008.
GÓMEZ, A.P. O pensamento prático do professor. A formação do professor
como profissional reflexivo. In: NÓVOA, A. (org.) Os professores e sua
formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995.
PERRENOUD. Construir competências desde a escola. Porto Alegre:
Artmed, 1999.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 23
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES E SUA RELEVÂNCIA
NA PROMOÇÃO DA AUTONOMIA SOCIOCULTURAL DOS APRENDIZES
THE CONTINUING FORMATION OF TEACHERS AND ITS RELEVANCE IN THE
PROMOTION OF THE SOCIOCULTURAL AUTONOMY OF THE LEARNERS
Vanessa Mota1
Christine Nicolaides2
Resumo
Este trabalho tem a finalidade de analisar crenças de professores e graduandos no que concerne ao processo de ensinagem
3 de línguas através de suas narrativas sobre suas práticas docentes durante um curso de aperfeiçoamento intitulado PROLEC (Promoção do Letramento Crítico por meio da produção de materiais didáticos), na Faculdade de Letras da UFRJ, durante o ano de 2013, financiado pela FAPERJ. As crenças de professores foram analisadas, em especial, sob dois aspectos: o da autonomia (Freire, 2011) e a do letramento crítico de aprendizes (Cervetti et alli, 2001). Os dados mostram que há um caminho longo a ser percorrido na formação continuada de professores para que aprendizes possam fazer usos de práticas sociais de maneira responsável e ética (Rojo, 2009). Palavras-chave: ensinagem; autonomia; PROLEC; letramento.
Abstract The present article aims to analyze undergraduates‘ and teachers‘ beliefs regarding language teaching-and-learning process through their narratives about their teaching practices during a training course entitled PROLEC (Promotion of Critical Literacy by means of the production of didactic material), at the Faculty of Letters of the Federal University of Rio de Janeiro - UFRJ during the year of 2013. The course was financially supported by FAPERJ (Rio de Janeiro State Funding Agency). The teachers‘ beliefs were particularly analyzed in the light of two aspects: autonomy (Freire, 2011) and of critical literacy (Cervetii et alli, 2001). The data shows that there is a long path to be followed in the continuing formation of teachers so that learners can make use of social practices in a responsible and ethical way (Rojo, 2009). Keywords: teaching-and-learning; autonomy; PROLEC; literacy.
24 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Introdução
Neste trabalho, são analisadas narrativas de participantes do
curso de aperfeiçoamento PROLEC4, que tem a finalidade de aproximar os
estudos da área de Linguística Aplicada, envolvidos na formação de
professores e na ensinagem de línguas, da realidade das salas de aulas de
escolas do estado do Rio de Janeiro, auxiliando professores a repensarem
suas práticas docentes, visando à promoção da autonomia dos aprendizes.
O público alvo deste curso envolve profissionais da área de
ensinagem de línguas de escolas públicas e privadas, embora tenha sido dada
oportunidade de estudantes de nível de graduação em Letras de participarem.
A análise das narrativas dos participantes busca entender se a realidade vivida
por esses profissionais está relacionada com o conceito de autonomia, bem
como compreender a questão do Letramento Crítico, ambos conceitos
discutidos durante o curso de aperfeiçoamento.
Este curso foi divido em cinco módulos independentes, cada um
com quatro encontros semanais, intitulados: ―Elaboração e adaptação de
materiais didáticos‖, ―Questões de letramento e autonomia na elaboração de
materiais didáticos‖, ―Uso de ferramentas tecnológicas no ensino de línguas‖,
―Modelização didática de gêneros‖ e ―Produção de sequências didáticas‖,
ministrados por professores pesquisadores da Faculdade de Letras da UFRJ.
O participante que possui nível superior e que compareceu aos cinco módulos,
apresentando a unidade didática proposta no final de cada um deles, teve
direito a um certificado de aperfeiçoamento, porém, caso não tenha participado
de todos os encontros, recebeu um certificado de participação para cada
módulo cursado.
Para a geração de dados dessa pesquisa foram feitas
observações dos encontros, bem como gravações, transcrições e entrevistas
com os participantes, sobre suas práticas docentes. É relevante ressaltar que
os dados gerados para esse trabalho refletem opiniões e relatos dos
participantes dos dois primeiros módulos do curso de aperfeiçoamento.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 25
Módulos observados e pressupostos teóricos abordados
O curso de aperfeiçoamento PROLEC – UFRJ constituiu-se por
cinco módulos independentes, todos relacionados à formação continuada de
profissionais de ensino do estado do Rio de Janeiro, e possuía uma carga
horária total de 180 horas, durante o ano de 2013. Os dados gerados para esta
pesquisa estão relacionados aos dois primeiros módulos: um referente a
materiais didáticos e o outro sobre autonomia na ensinagem de línguas, ambos
visando desenvolver conceitos e reflexões acerca do letramento crítico entre
aprendizes.
Esse curso teve de início, um total de trinta e três participantes,
entre eles, professores de escolas públicas, privadas e cursos de idiomas do
estado do Rio de Janeiro e alunos da graduação da Faculdade de Letras da
UFRJ.
O primeiro módulo do curso de aperfeiçoamento “Elaboração e
adaptação de materiais didáticos” visava analisar diferentes materiais didáticos
de diferentes instituições de ensino e níveis de aprendizagem e discutir como o
letramento crítico poderia ser trabalhado nas aulas. Foram apresentadas aos
participantes as ideias propostas por Cervetti et alli (2001)5 que abordam a
importância do letramento crítico para a vida em sociedade e como esta
concepção está ligada à ensinagem de línguas; neste artigo, é investigada a
ideia de representação. De acordo com os autores, a realidade não é dada; ela
não pode ser definitiva, e, portanto, não pode ser “capturada” pela linguagem.
Em outras palavras, devemos questioná-la, já que a “verdade” não é absoluta,
mas relativa e dependente de contextos específicos. Em outras palavras,
podemos dizer que a realidade é (re)(co)construída e, com isso, há uma
necessidade de desenvolvimento da consciência crítica.
No seguimento do curso, houve debate com a finalidade de
permitir aos participantes concordarem ou não com as ideias dos autores
mencionados e, com isso, (re)(co)construir o conhecimento. Os debates
giraram, ao longo do módulo, basicamente, em torno de como esses
26 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
profissionais trabalhavam (ou não) a criticidade dos seus aprendizes e como os
materiais didáticos, bem como as instituições de ensino, os auxiliavam (ou não)
em suas práticas docentes. Há diálogo entre escolas e profissionais da
educação? Os aprendizes possuem atitudes pró-ativas na ensinagem de
línguas? Há espaço para debates e reflexões sobre a formação de cidadãos
críticos e autônomos?
Para clarificar a relevância de tomada de decisões coletivas, o
diálogo e o uso da linguagem socialmente contextualizada, Rojo (2009, p. 108),
reforça que
(...) o fato de que a linguagem não ocorre em um vácuo social e que, portanto,
textos orais e escritos não têm sentido em si mesmos, mas interlocutores (...)
situados no mundo social com seus valores, (...) constroem seus significados
para agir na vida social. Os significados são contextualizados. (...) Tal
teorização tem uma implicação prática, porque possibilita trabalhar em sala de
aula com uma visão de linguagem que fornece artifícios para os alunos
aprenderem, na prática escolar, a fazer escolhas éticas entre o discurso
hegemônico da globalização e os significados antiéticos que desrespeitem a
diferença.
Ao trabalhar com a linguagem socialmente contextualizada,
promovemos a consciência crítica de aprendizes, o que é um tema relevante
nas obras de Paulo Freire e ainda é tema debatido nos PCNs (Parâmetros
Curriculares Nacionais)6, como um dos objetivos principais do ensino na
educação básica. Assim, ao fim do ensino fundamental, espera-se que os
alunos sejam capazes de “posicionar-se de maneira crítica, responsável e
construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de
mediar conflitos e de tomar decisões coletivas.” (p.7)
Entretanto, dialogar, de acordo com as ideias expostas por
Bakhtin (apud FARACO, 2009, p.68) não necessariamente significa que há,
digamos, concordâncias a todo o momento e aceitação de pensamentos, isto é,
das relações dialógicas podem “resultar tanto a convergência, o acordo, a
adesão, o mútuo complemento, a fusão, quanto a divergência, o desacordo, o
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 27
embate, o questionamento, a recusa.” Através dessas relações dialógicas,
podemos alterar, questionar e melhorar tanto as práticas docentes, quanto as
discentes, com autonomia para que a ensinagem de línguas seja efetivada.
O segundo módulo observado intitulado “Questões de letramento
e autonomia na elaboração de materiais didáticos”, abordava a ensinagem de
línguas voltada para a promoção da autonomia sociocultural de aprendizes. Ou
seja, uma autonomia voltada não só para o indivíduo, mas para as práticas
sociais nas quais o aprendiz está inserido. Embora os termos “independência”
e “autonomia” sejam utilizados, muitas vezes, como sinônimos, resaltamos aqui
a diferença entre eles:
(...) o segundo termo “refere-se a mais uma atitude pró-ativa e vontade de
participar. Para que alguém se torne autônomo, na acepção aqui defendida, é
preciso ainda que, além de ter uma atitude pró-ativa e participativa, ele tenha
consciência dos seus próprios recursos para o desenvolvimento de suas
competências, mas ainda seja consciente do contexto social em que está
inserido. (NICOLAIDES; MATOS; MOTA, 2013, p.187).
Freire (2011) acredita na autonomia como um amadurecimento do
ser para si, porém não podemos esquecer-nos de amadurecermos também
para e com o outro, levando em conta que a educação é como uma
“especificidade humana, como um ato de intervenção no mundo” (p.106).
Assim, fazendo uso da língua em contextos socialmente reais e em diálogo
com o outro, os aprendizes criam consciência de seus papeis sociais de forma
responsável e ética.
Durante o segundo módulo, com o propósito de despertar a
reflexão com relação às práticas colaborativas em sociedade, os participantes
assistiram e debateram sobre o vídeo Ilha das Flores7, que mostra como nós,
seres humanos, estamos, direta e indiretamente, ligados tanto com pessoas
próximas, quanto com pessoas que estão distantes, mas que acabam
influenciando nosso modo de vida, seja pela alimentação, pelo trabalho, pela
educação, entre outros. A sugestão de uma discussão sobre esse filme surgiu
através da leitura de um livro recomendado aos participantes intitulado Línguas
28 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
adicionais na escola: aprendizagens colaborativas em Inglês (SCHLATTER &
GARCES, 2012). O capítulo “Educação para a vida: o que a escola tem a ver
com isso?” inicia-se com a seguinte pergunta: “A escola pode tornar-se um
palco privilegiado para a integração de conhecimentos com vistas a
compreender o mundo, participar e nele intervir criativamente?” (p.9) Assim, um
debate pode ser iniciado abordando a função da escola para a formação do
cidadão, ou seja, a escola tem papel fundamental para os aprendizes, mas,
para isso, é necessário que eles possam “compreender as relações humanas
como complexas, diversas, situadas e historicamente construídas.” (p.14)
Com o intuito de mostrar que é possível letrar os aprendizes
criticamente, foi pedida a leitura dos capítulos do livro Multiletramentos na
escola de Roxane Rojo e Eduardo Moura (2012). Os participantes foram
divididos em grupos e cada um ficou responsável pela leitura, apresentação e
questionamentos dos capítulos presentes nessa obra, que reúne o que os
autores chamam de “protótipos”, ou seja, “estruturas flexíveis e vazadas que
permitem modificações por parte daqueles que queiram utilizá-las em outros
contextos que não os das propostas iniciais” (p.8). Ao propor o trabalho com os
multiletramentos, os autores analisaram os usos de alguns gêneros em sala de
aula, tais como trabalhar com clássicos infantis, utilizando um blog ou, até
mesmo, trabalhar minicontos multimodais:
(...) trabalhar com os multiletramentos partindo das culturas de referência do
alunado implica a imersão em letramentos críticos que requerem análise,
critérios, conceitos, uma metalinguagem, para chegar a propostas de produção
transformada, redesenhada, que implicam agência por parte do alunado.
(ROJO & MOURA, 2012, p. 8-9)
O aprendiz sendo um ser pró-ativo em sua formação e tendo
oportunidade para por em prática suas ideias, trabalhando colaborativamente
com os demais colegas e profissionais da escola, acaba se tornando um
criador de sentido com os outros, tornando-se mais autônomos através de uma
aprendizagem socioculturalmente dita. A criação coletiva é um importante
alicerce que promove a autoria, a autonomia, a interatividade, o registro e o
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 29
protagonismo da turma, incentivando os alunos a produzirem e divulgarem o
conhecimento (cf. Rojo, 2012).
Alguns dados relevantes durante esses dois módulos podem ser
observados na próxima seção, na qual há uma seleção de trechos de relatos
dos participantes contando suas experiências com relação à docência,
trocando ideias sobre suas crenças relacionadas aos textos debatidos.
Narrativas de participantes sobre suas práticas docentes
As narrativas presentes nesta seção foram gravadas e transcritas
a partir das intervenções dos participantes ao longo do período em que
ocorreram os dois primeiros módulos do curso, entre os meses de abril e maio
de 2013, na Faculdade de Letras da UFRJ, durante as aulas do curso
PROLEC.
Embora esse curso tenha como público alvo professores de
línguas, tanto de escolas públicas, quanto privadas, houve a participação de
alunos da graduação da Faculdade de Letras da UFRJ. Porém, neste trabalho,
lançamos mão de narrativas de professores de línguas, entre eles Alice, Breno
e Adriana8.
No primeiro módulo, durante um debate sobre materiais didáticos,
o foco principal foi nos livros didáticos aprovados pelo PNLD9. No dia 17 de
abril, alguns participantes expuseram suas opiniões, tanto aqueles que já os
haviam utilizado em diferentes instituições de ensino, quanto aqueles que
gostariam de ter essa oportunidade. Estes, em sua maioria, alunos da
licenciatura que ainda não lecionam. Um comentário da professora Alice nos
chamou atenção:
Transcrição 1 – Excerto do dia 17/04/2013:
(Professora Alice expõe sua opinião durante a aula do módulo de materiais
didáticos acerca da participação dos alunos na escolha dos livros)
30 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Eu fico pensando na promoção do material didático na perspectiva do aluno...
Por que não entrar numa sala de aula e perguntar ‘o que vocês gostariam de
ler’?
Percebe-se aqui que a professora tem a vontade de que haja
mais oportunidade para que as relações dialógicas (cf. Faraco, 2009) sejam
efetivadas. Tais relações podem dar mais espaço para os aprendizes serem
mais pró-ativos durante as tomadas de decisões envolvendo a ensinagem de
línguas/literatura, o que não costuma ocorrer nas escolas, conforme
declarações dos participantes. A citação de Alice está em consonância com a
seguinte argumentação do professor de língua portuguesa e literatura, Breno,
sobre como é preocupante a aceitação daquilo imposto pelas instituições de
ensino aos docentes, o que, na maioria das vezes, faz com que tanto corpo
docente quanto discente não tenha voz nas tomadas de decisões:
Transcrição 2 – Excerto do dia 17/04/13:
(Professor Breno relata a relação entre coordenação pedagógica e docentes
durante a escolha de livros)
(...) isso é muito bacana, eu já tive a oportunidade de estudar com uma
professora que já fez isso (...) isso é muito legal quando eu tenho uma
coordenação pedagógica que me apoie... Meu sonho é fazer com que minha
lista de livros paradidáticos sejam tiradas da banca da Saraiva... Porque às
vezes eu coloco uma programação e minha coordenadora vira e fala
assim: “você não vai trabalhar Dom Casmurro?” Eu também preciso de
uma organização pedagógica por trás pra que me permita muitas vezes, me
desculpe, chutar o conteúdo, e me dar oportunidade de pegar um Best Seller...
Neste relato, o professor Breno revela um descontentamento
sobre o que é imposto pela coordenação pedagógica na escolha dos livros a
serem lidos pelos aprendizes, indicando a falta de participação de docentes,
complementando a opinião da professora Alice sobre a falta de voz nas
decisões por parte do corpo discente.
Durante o segundo módulo houve debate sobre o que os
participantes entenderiam sobre letramento crítico. Ainda esse mesmo
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 31
professor, Breno, que se mostrou muito participativo durante o curso, concluiu
seu raciocínio da seguinte maneira:
Transcrição 3 – Excerto do encontro do dia 29/05/13:
(Professor Breno tenta definir o que seria “letramento crítico”)
(...) [letramento crítico] é inserir em seu contexto social... É colocar como leitor
e agente do seu mundo.
Conforme citado, Breno entendeu a relevância de contextualizar o
uso da linguagem e fazer com que os aprendizes possam desenvolver suas
habilidades, não apenas em sala de aula, mas em seu “mundo social com seus
valores” (cf. Rojo, 2009). Isto é, promover a formação de cidadãos críticos, ao
invés de promover um ensino engessado de memorização de regras
gramaticais.
Uma forma de avaliar o entendimento dos participantes sobre os
módulos e os debates, bem como suas práticas docentes, foi através das
unidades didáticas elaboradas pelos participantes ao fim de cada módulo. Em
cada unidade, os participantes foram orientados a levar em consideração
aspectos cruciais, tais como o nível dos aprendizes, o número de alunos,
problemas eventuais que poderiam surgir ao longo da aplicação da unidade,
entre outros. Cada unidade deveria ser composta de três tarefas relacionadas
ao mesmo eixo temático, a critério de cada participante, visando à promoção
do letramento crítico de aprendizes.
Logo após tentar definir o que seria letramento crítico, o
participante Breno comentou sobre sua unidade didática referente ao primeiro
módulo:
Transcrição 4 – Excerto do dia 29/05/13:
(Professor Breno relata sobre as tarefas propostas em sua unidade didática)
Na minha unidade didática, eu trabalhei com produção de texto... Uma
atividade que eu achei interessante... Eu pedi pra eles procurarem na linha do
32 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
tempo da página do Facebook deles...posts que tenham cometidos
erros...ecos, inversões...
Nesse último relato, percebemos uma tarefa proposta pelo
professor voltada aos erros gramaticais, porém sem promover a criticidade dos
aprendizes sobre esses “erros”, tais como variação linguística, contexto no qual
o post estava situado, entre outros. Verifica-se que o mesmo professor que
mencionou a importância de letrar criticamente inserindo o aprendiz “em seu
contexto social”, ao expor a sua prática docente, parece não ter seguido essa
linha de raciocínio na prática.
Esse relato guarda diferenças bastante acentuadas em relação a
este outro, da professora Adriana, também de língua portuguesa e literatura:
Transcrição 5 – Excerto do dia 29/05/13:
(Professora Adriana relata experiência na qual acredita que tenha promovido o
letramento crítico de aprendizes em uma escola pública do Rio de Janeiro)
Eu também não conhecia essa questão do letramento crítico e eu não sei se o
que eu fiz... e rapidamente relatando... comprei vários jornais e levei pra
escola... uma pet shop no Engenho de Dentro estava maltratando os animais.
Nesse dia, eu confesso que não foi pensando nessa notícia, mas está em
todos os jornais... eu queria que eles lessem vários jornais diferentes... de que
eles fossem buscar as informações... fui colocando no quadro como que foi
abordada essa notícia em diferentes jornais. E depois eu perguntei pra eles o
que eles queriam ver nas capas dos jornais... eles refletiram sobre essa
questão...
No primeiro relato do professor Breno (ver excerto 4), o docente
evidenciou a intenção de avaliar a aptidão dos alunos em reconhecer
inadequações em relação ao uso da norma culta da língua, ao passo que, no
segundo, o objetivo da professora Adriana foi fazer seus alunos refletirem
sobre a questão abordada nas notícias, preocupação que sequer foi citada no
anterior. A professora, mesmo reconhecendo até aquele momento jamais ter
recebido qualquer informação sobre letramento crítico, mostrou-se engajada e
reflexiva sobre suas práticas docentes, e as tarefas por ela propostas aos
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 33
alunos visavam à reflexão e à produção de criticidade em relação ao mundo no
qual eles estão inseridos. Em contrapartida, não percebemos a promoção do
letramento crítico durante a unidade didática relatada pelo professor Breno,
apesar de sua fala inicial sugerir o reconhecimento da importância desta
promoção. É importante ressaltar a complexidade de se trabalhar o letramento
crítico de aprendizes, em situações reais de uso da língua, para que assim,
haja a promoção da autonomia. Acreditamos que, embora o professor Breno
não tenha relatado uma tarefa com esses propósitos, ele demonstrou em seu
relato conhecer o que seria o letramento crítico, o que nos indica um importante
avanço em sua vida profissional.
A professora Adriana ainda evidencia a crença na sua função de
fomentadora da criticidade e promotora da intervenção crítica dos alunos na
sociedade:
Transcrição 6 – Excerto do dia 29/05/2013:
(Professora Adriana expõe o que considera ser o papel da escola na formação
de aprendizes)
“Na escola, aprendemos a analisar, refletir, negociar, respeitando o outro e
com o outro.”.
Apesar de muitos participantes do curso PROLEC terem, durante
conversas informais, relatado a importância de haver esse tipo de oportunidade
para que docentes e futuros docentes possam refletir e trocar experiências,
nem todos tiveram visões tão otimistas, chegando, até mesmo, a possuir uma
descrença nas possibilidades de reflexão, criticidade e autonomia serem
desenvolvidas em ambiente escolar, como foi relatado pela participante
Cristina:
Transcrição 7 – Excerto do dia 29/05/2013:
(Professora Cristina se mostra descrente sobre a formação de aprendizes de
maneira eficaz)
“A escola não dá conta dessa diversidade que acontece, como que vai dar
conta da vida?”
34 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
É um desafio muito grande formar cidadãos críticos e promover a
autonomia de alunos, pois isso requer um esforço por parte de governos,
escolas e comunidade acadêmica. É um processo que demanda investimentos
em formação inicial e continuada de professores, bem como mencionado por
Rojo & Moura (2012), é fundamental analisar
(...) o que mudar (ou não) nos currículos e referenciais, na organização do
tempo, do espaço e da divisão disciplinar escolar, na seriação, nas
expectativas de aprendizagem ou descritores de “desempenho”, nos materiais
e equipamentos disponíveis nas escolas e nas salas de aula. (p.31)
Considerações finais
De acordo com Rojo (2009), “um dos objetivos principais da
escola é justamente possibilitar que seus alunos possam participar de várias
práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita (letramentos) na vida da
cidade, de maneira ética, crítica e democrática” (p.107). As afirmações e
relatos de cada participante do PROLEC demonstram a necessidade de ações
de formação continuada que oportunizem o debate e a troca de experiências
nesta direção. Embora docentes demonstrem compreender a importância de
promover o letramento crítico também como forma de ampliar as possibilidades
de intervenção de seus alunos na sociedade em que estão inseridos, ainda é
evidente a descrença nas possibilidades da escola em assumir este papel; o
receio da não aceitação, por parte dos gestores da escola, de uma proposta
que promova a criticidade dos alunos; as dúvidas em relação a como este
processo possa ser conduzido.
Assim, uma formação continuada permite a reflexão sobre as
práticas docentes e sobre a formação de cidadãos críticos que tenham
consciência sobre seus papeis sociais, agindo de maneira autônoma em
sociedade. É importante ressaltar que a promoção da autonomia sociocultural
dos aprendizes não é tarefa apenas do professor – é parceria entre
educadores, educandos, familiares, instituições de ensino e comunidade. O
comprometimento do docente com a continuidade de sua formação se mostra
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 35
essencial, uma vez que a sociedade se transforma e se reinventa
permanentemente, e os instrumentos à nossa disposição se diversificam cada
vez mais. Rojo & Moura (2012) nos lembram de que é necessário que haja um
engajamento por parte do professor para se atualizar e estar disposto a
trabalhar, juntamente com os aprendizes, levando em conta as diferenças
socioculturais de seus alunos. Para isso, é necessário dar aos aprendizes o
poder de intervir nas decisões que se referem à sua formação e ao seu
desenvolvimento de criticidade e autonomia. Para que isto possa se efetivar, há
a necessidade de se promover mais cursos de aperfeiçoamento e atualização
para profissionais da educação, bem como um estreitamento da distância entre
estudos acadêmicos (instituições de nível superior) e contextos escolares
(instituições de nível básico). Como foi, por diversas vezes, relatado pelos
participantes, as escolas podem e devem incentivar seus profissionais a
refletirem sobre suas práticas docentes e a buscarem novas qualificações.
Com uma formação continuada de qualidade, acreditamos que professores
possam modificar suas atitudes para melhor, apostando sempre no diálogo
com seus aprendizes, para que haja a promoção de sua autonomia
sociocultural. Por fim, “um ser autônomo socioculturalmente é um ser engajado
e pró-ativo para o desenvolvimento de suas competências, sempre
considerando o contexto social ao qual está inserido” (NICOLAIDES; MATOS;
MOTA, 2013, p. 187).
36 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Notas
1 Mestranda do Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UFRJ.
2 Professora Pesquisadora do Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística
Aplicada da UFRJ.
3 Adota-se aqui o termo “ensinagem”, no lugar de “ensino e aprendizagem”, por entender que
os referidos termos são processos imbricados e não separados, sendo a delimitação entre eles
bastante tênue (v. NICOLAIDES; SZUNDY. 2013).
4 PROLEC (Promoção do Letramento Crítico por meio da produção de materiais didáticos) é
um projeto que está em consonância com outro projeto submetido à FAPERJ pelo Edital “Apoio
à melhoria do Ensino em Escolas da Rede Pública Sediadas no Estado do Rio de Janeiro –
Edital FAPERJ N.º 16/2011, pela mesma equipe de professores pesquisadores, com uma
carga horária total de 180h.
5 Retirado de < http://www.readingonline.org/articles/cervetti/>, acessado em 22 de setembro
de 2013.
6 Ver o documento na íntegra em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pcn_estrangeira.pdf
Acessado em 28 de janeiro de 2014.
7 Filme curta metragem Ilha das Flores. Retirado de <http://www.youtube.com/watch?
v=KAzhAXjUG28>, acessado em 22 de setembro de 2013.
8 Os nomes dos participantes aqui utilizados são fictícios, a fim de preservar suas identidades.
9 Para maiores informação sobre o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD):
http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=668id=12391option=com_contentview=article
Acessado em 28 de janeiro de 2014.
Referências
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38 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
SCHALLTER, M.; GARCEZ, P.M.. Línguas adicionais na escola:
aprendizagens colaborativas em Inglês. Erechim: Edelbra, 2012.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 39
A LITERATURA NO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS
LITERATURE IN FOREIGN LANGUAGE TEACHING
Ana Cristina dos Santos1
O texto não é pretexto para nada. Ou melhor, não deve ser. Um texto
existe apenas na medida em que se constitui ponto de encontro entre
dois sujeitos: o que escreve e o que lê; escritor e leitor, reunidos pelo
ato radicalmente solitário da leitura, contrapartida do igualmente solitário
ato da escritura. (Marisa Lajolo)
Resumo
Os textos literários (TL) viveram, no ensino de línguas estrangeiras (LE), um período de apogeu para depois serem relegados a um segundo plano, inclusive sendo eliminados da lista de gêneros textuais trabalhados em sala de aula. Motivo que levou muitos professores a considerarem essa modalidade textual complexa, inacessível, de pouca incidência nos usos mais frequentes do sistema da língua e a rotularem de pouco eficaz para o desenvolvimento da competência comunicativa. Hoje há uma recuperação dos gêneros literários no ensino de línguas pela compreensão de suas diversas funcionalidades, entre elas a formação do leitor literário. Porém, essa recuperação não condiz com o uso do TL em sala de aula. Por isso, esse trabalho propõe discutir a importância do tratamento didático do gênero literário nas aulas de LE; especificar o lugar e o papel do TL no processo de ensino e aprendizagem de LE e, ampliar as propostas de utilização do gênero literário na sala de aula. Desse modo, pretende-se despertar o professor para a importância da inserção do TL em sua práxis, como um material adequado à assimilação da cultura estrangeira e, principalmente, como elemento que estimula o desenvolvimento da competência leitora e literária do aprendiz. Palavras-Chave: ensino de línguas estrangeiras; gênero literário; competência literária; tratamento didático do TL.
Abstract
In foreign language teaching, literary texts reached a period of climax, but were later left in the background and even excluded from the list of textual genres used in the classrooms. This is the reason that led many teachers to consider this type of text complex or inaccessible, not frequently found among the most recurrent uses of the linguistic system. These professionals labeled it as not very efficient to the development of communicative competence. Today there is a new attempt to bring literary genres to language teaching, based on the understanding of its diverse functionalities, which include the construction of the reader of literature. However, this new attempt is not in accord with the use of literary texts in the classroom. Thus, this paper proposes to discuss the importance of the didactic treatment of the literary genre in foreign language classes, specify the place and the role of this type of text in the process of teaching and learning foreign languages, and further the proposals for the application of the literary genre in the classroom. Therefore, it aims to make the teacher aware of the importance of the insertion of literary texts in their practices, as an adequate resource of foreign culture assimilation and, mainly, as an element to stimulate the development of the learners‘ reading and literary competences. Keywords: foreign language teaching, literary genre, literary competence, didactic treatment of literary texts.
40 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Desmistificando o gênero literário no ensino de LE
Para muito de nós, professores de língua estrangeira (LE), o texto
literário (TL) ainda é um gênero textual pouco utilizado nos materiais didáticos
elaborados para a sala de aula. Contribui para essa ausência o fato de que os
livros didáticos de LE, em sua maioria, não apresentarem propostas com esse
gênero. Quando elas existem, aparecem para ensinar um aspecto da cultura da
língua meta aprendida ou para fixar e aplicar um ponto gramatical ou lexical
determinado. Inclusive nas atividades que enfocam a compreensão leitora, as
perguntas propostas não englobam as especificidades do gênero. Com isso,
subutiliza-se o texto literário ao esvaziá-lo de seu significado literário.
Essa subutilização do TL presente nos livros didáticos reflete
diretamente na práxis do professor de LE (cf. Santos, 2004; 2006; 2007; 2009;
2011) de duas maneiras: i) ele insere o texto literário em suas aulas, mas
propõe atividades utilizando uma metodologia diferente da praticada com os
outros gêneros, fazendo com que esse trabalho seja visto pelos alunos como
algo ―diferente‖, como se fosse ―o momento da literatura‖, ou então; ii) ele não
insere o texto literário nas aulas, porque acredita que ao fazê-lo, deve
apresentar questões sobre o movimento estético em que se insere o autor/texto
e, como sua aula é de língua estrangeira e não de literatura, não vê de que
maneira o seu aluno pode se beneficiar com esse tipo de proposta.
Essas práticas, aliadas à exclusão do TL pelas metodologias de
ensino de língua estrangeira2, induzem o professor à utilização de outros
gêneros e exclui o TL de suas aulas. O TL, muitas vezes, fica restrito às aulas
de cultura. Ao não utilizar o TL em sala de aula, o professor de língua
estrangeira acaba por criar vários mitos em torno do uso desse gênero em sala
de aula (cf. Santos, 2014)3, tais como: é um gênero próprio para ensinar
cultura; é difícil de ser trabalhado; não é um texto autêntico; não é próprio para
a prática comunicativa, pois não é produto de um ato de comunicação e, por
fim, as atividades com o TL não devem ocupar o mesmo grau de importância
que as propostas com outros gêneros.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 41
Nos últimos anos, um grupo de teóricos no âmbito do ensino e
aprendizagem de língua estrangeira – entre eles a autora desse trabalho - tenta
desmistificar o seu uso em sala de aula e defende a incorporação definitiva do
gênero literário nas aulas de LE. Há um consenso sobre a importância e o
tratamento didático do gênero literário nas salas de aula. Não se pretende
estabelecer a primazia desse gênero sobre qualquer outro, mas, simplesmente,
encontrar o seu espaço em sala de aula e fazer com que os professores o
utilizem para elaborar atividades para as aulas de língua estrangeira como
fazem com qualquer outro gênero.
A incorporação do gênero literário nas aulas de LE está
consoante com a ideia de que nas aulas de LE se devem elaborar atividades
que englobem os diversos gêneros textuais. Essa diversidade ajuda o aluno a
perceber que a sociedade utiliza os gêneros textuais para diferentes objetivos
discursivos, além de contribuir para o aumento de seu conhecimento
intertextual e sua competência comunicativa, como assinala Bajtín (2002, p.
270): ―Quanto melhor dominamos os gêneros discursivos, [...] mais plástica e
agilmente reproduzimos a irrepetível situação da comunicação verbal; em uma
palavra, maior é a perfeição com a que realizamos nossa livre intenção
discursiva4‖.
Com essa incorporação do TL nas aulas, desmistificam-se algumas
crenças sobre o seu uso. A primeira é que o TL é fundamental para ensinar
cultura. Para propor atividades específicas sobre cultura qualquer outro texto –
literário ou não – estaria perfeito, porque todos os textos são produzidos dentro
de um contexto socio-histórico e adquire os sentidos da cultura que o produziu.
Assim sendo, todo texto é uma ferramenta para o ensino de questões culturais e
não só o literário. A segunda é a visão de que o gênero literário é difícil de ser
trabalhado. Para Mendoza Fillola (2002, p. 114) ―os textos literários costumam
estar um tanto relegados, devido ao fato de considerar que o discurso literário é
uma modalidade complexa e elaborada de pouca incidência nos usos mais
frequentes do sistema da língua‖5. Contudo, o próprio autor afirma que essa
argumentação apresentada pelos professores não se sustenta, pois o TL utiliza
a língua cotidiana e apresenta dificuldades como qualquer outro gênero.
42 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Acrescenta (2002, p. 149) que como solução basta apenas selecionar o texto
adequado. Estamos de acordo com ele e, segundo as nossas pesquisas sobre
o uso do TL nas atividades de compreensão leitora, o que realmente acontece
é o professor não utilizar o TL, porque não lhe foi ensinado como elaborar
atividades com esse gênero. Assim, ele não sabe como utilizá-lo e, por isso,
escolhe outro texto para propor as atividades.
Por ultimo, há o fato de o professor não considerar o TL como um
texto autêntico. Essa crença leva-o a pensar que esse não é produto de um ato
de comunicação. Tais crenças acarretam o abandono do gênero na sala de
aula, pois várias propostas metodológicas enfatizam a confecção de material
didático utilizando apenas textos considerados autênticos e, portanto, produtos
de atos comunicativos. Para Acquaroni (2007, p. 18) esse é um dos principais
motivos para o professor de LE não confeccionar atividades com o TL:
[com o texto literário] estamos diante do artístico frente ao histórico. Desde esta
perspectiva, pode parecer que a literatura mente; anuncia falsidades. É,
precisamente, de esta apreciação de onde parte a ideia errônea de que a
literatura não constitui um material autêntico6... (grifo da autora).
Essas crenças conduzem ao abandono do TL em detrimento de
outros gêneros considerados pelos professores ―mais autênticos‖. Eliminá-las
é importante para os professores incorporarem o TL como um dos gêneros
textuais passíveis de serem utilizados nas aulas de LE. Por esse motivo,
centramos nossas pesquisas e discussões no único elemento do processo de
ensino e aprendizagem que pode fomentar as atividades com o texto literário: o
professor. Ele é o principal elemento para a difusão de propostas didáticas com
o TL como ―recurso para o ensino‖ e como ―ferramenta na formação de leitores‖
e não sob a concepção de ―objeto de estudo‖ como lhe foi ensinado nas aulas
de literatura em seu curso de formação (cf. Aragão, 2006).
Dessa forma, se não há como influenciar as metodologias de
ensino e tampouco os materiais didáticos existentes no mercado, os
professores são o instrumento que podemos utilizar para a conscientização da
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 43
necessidade da inserção do TL no processo de ensino e aprendizagem de LE e
para a difusão de propostas que considerem, com mais frequência, a natureza
específica dos textos literários, a fim de desenvolver as competências leitora e
literária do aluno.
As metodologias de ensino e a formação de leitores literários
Em nossa concepção, as propostas para a utilização do TL como
recurso para o ensino e ferramenta na formação de leitores perpassam pela
leitura. É através dela que o aluno desenvolve as especificidades do gênero
literário e, por sua vez, a competência literária7. Essa concepção está de
acordo com a proposta de Mendoza Fillola (2002b, p.111 e ss.) que associa o
ensino de literatura ao de leitura. O autor afirma que o contato com o texto
literário acontece através da leitura realizada. A partir de então, o leitor pode
interpretar e emitir um juízo de valor. Acrescenta que o ensino de literatura exige
uma ampla formação leitora e uma frequente atividade de leitura. Assim, os
professores devem priorizar as atividades que regulam o processo leitor; ensinar
as estratégias de leitura e o modo de relacionar as diferentes produções literárias
e considerar as contribuições pessoais dos alunos para a interpretação dos
textos. Em seu modelo teórico, a competência leitora (que é um componente da
competência literária) é a chave que abre o acesso à interação entre o texto e o
leitor.
Contudo, sabemos que as atividades de leitura elaboradas com o
texto e, principalmente, com o TL têm relação direta com as principais
abordagens metodológicas de ensino de LE. Dessa forma, à medida que
mudavam as perspectivas sobre o conceito de língua e como ensiná-la,
também as relações com o texto, a leitura e a aprendizagem sofriam
mudanças. Segundo Denyer (1999, p. 5), as primeiras abordagens tradicionais
de ensino de língua – Gramática-tradução – utilizavam, exclusivamente, os
textos literários. Nessas abordagens, o foco eram os textos literários dos
autores canônicos cujos objetivos eram conhecer a cultura e praticar a
gramática normativa e o vocabulário. Esses textos eram considerados o
modelo de língua perfeita e deveriam ser memorizados e imitados. Ainda que
44 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
as atividades partissem sempre do texto, elas não abordavam os processos de
compreensão leitora, pois a apreensão do conteúdo se dava sempre por
questionários fechados, respeitando totalmente o expressado no texto. De
acordo com Kleiman (1989, p. 38), esse tipo de leitura está focada apenas no
texto já que o leitor deve decodificá-lo. O processamento da informação é
unilateral, pois cria uma linha que parte apenas do texto para a interpretação
do leitor, em um processamento unidirecional de leitura. Esse processo é
conhecido como modelo bottow-up ou ascendente de leitura.
Com a entrada dos métodos estruturo-globais no início do século
XX, há um declínio no uso dos textos literários. Esses métodos priorizavam o
uso cotidiano da língua e, consequentemente, a supremacia da língua falada
sobre a escrita. O aluno primeiro aprendia a falar na língua meta e somente
depois, a escrever. Os diálogos elaborados pelos autores dos livros didáticos
eram mais importantes que qualquer outro texto (cf. Denyer, 1999). Os gêneros
textuais de maneira geral eram raramente utilizados, pois somente os diálogos
eram priorizados. Os textos literários passaram a ser utilizados nos níveis mais
avançados da língua apenas para ensinar civilização e cultura. Eram sempre
textos de autores canônicos que pertenciam ao mundo intelectual e/ou artístico
da língua meta. Sob essa concepção, a leitura não era uma prioridade no
processo de ensino. Para Denyer (1999, p. 5), o processo leitor nesses
métodos estava subordinado ao desenvolvimento da habilidade oral e as
atividades sobre o texto eram de aplicação de estruturas, através de respostas
a perguntas objetivas e fechadas. O processamento da informação também é
unilateral, pois parte da interpretação do leitor para o texto e abrange apenas a
opinião do aluno sobre o conteúdo. Esse processamento unidirecional de
leitura é denominado top down ou descendente.
A partir de 1970, surgem os métodos orientados à competência
comunicativa, em que tanto o conhecimento sistêmico quanto a habilidade de
usar a língua passam a ser importantes. Surge, então, o modelo
sociointeracional de leitura, que engloba uma perspectiva multidirecional de
informações. Nele, há uma interação entre os três elementos referentes ao
processo de leitura: texto, leitor e autor. De acordo com a relação estabelecida
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 45
no texto, a leitura é focada na relação entre leitor-texto ou entre leitor-autor,
mediada sempre pelo texto. Essa relação é primordial para o desenvolvimento
do processo leitor, pois há uma negociação dos significados (cf. Kleiman,
2009). Nesse modelo, a leitura aparece como um ato comunicativo. A partir de
então, os gêneros textuais voltam a ser utilizados no processo de ensino e
aprendizagem de LE.
Para Denyer (1999, p. 5-6), ainda que nos métodos comunicativos
os textos retornem a uma posição de destaque, eles são utilizados somente
como pretextos em atividades cujo objetivo é promover a reação oral. O texto e
a leitura são apenas promotores de situações que permitem a comunicação.
Com isso, o gênero literário se insere nesses métodos como um recurso que
terá a mesma utilidade que qualquer outro gênero textual: fomentar a
comunicação. Dessa forma, subutiliza-se o TL, transformando-o em mais um
recurso para a prática da produção oral, escrita e dos aspectos gramaticais. Os
livros didáticos orientados à competência comunicativa mantêm muitas
atividades de compreensão leitora de nível ascendente ou descendente e,
dificilmente, apresentam atividades que enfocam o modelo sociointeracional de
leitura. Inclusive, quando há atividades com o TL, elas raramente analisam as
particularidades do gênero e os seus aspectos estilísticos.
No final do século XX, tendo como base a Análise do Discurso de
base enunciativa, aparece outro modelo de processamento multidirecional de
leitura: o enunciativo. Esse modelo considera a função do papel social dos
gêneros discursivos e acrescenta questões relevantes para a leitura, tais como:
a (re)construção de sentidos; os efeitos dos recursos das manifestações de
polifonia e a inserção sócio-histórica dos textos, dos discursos e dos sujeitos
(cf. Vergnano, 2010).
Na leitura enunciativa, o leitor reconstrói os sentidos do texto, indo
além de uma leitura mecânica, de decodificação, sem nenhuma reconstrução
dos laços do texto com o seu contexto. A responsabilidade pela comunicação,
compreensão e construção dos sentidos do texto cabe ao leitor, em um
determinado contexto sócio-histórico, de modo que o texto não é visto como
46 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
um produto final, mas como algo a ser constantemente reconstruído (cf.
Maingueneau, 1996). Desse modo, um texto nunca fica circunscrito a uma
única época, ou momento histórico, pois o ato da leitura acarreta novos
contratos comunicativos8 que não correspondem ao de seu momento e lugar
de produção. Há, portanto, segundo Maingueneau (1996, p. 33), uma
descontextualização do texto.
Recordemos que o contrato comunicativo do gênero literário tem
como característica principal estabelecer novas relações com o mundo, pois a
literatura cria realidades que, algumas vezes, se diferenciam do que
costumamos chamar de real. Assim, a condição sine qua non para instituir o
contrato comunicativo desse gênero é a aceitação por parte do leitor e do autor
de uma regra comum aos contratos dos gêneros literários, segundo o qual
tanto o leitor como o autor/narrador devem ser cúmplices na veracidade dos
fatos narrados.
Essas características do gênero literário fazem com que o modelo
de leitura enunciativa, em nossa opinião, seja o mais condizente para o
trabalho com o gênero literário nas aulas de LE. Uma vez que o TL é produto
de um ato comunicativo e sua leitura ocorre através de uma perspectiva
multidirecional de informação, nada mais lógico que o modelo de leitura
adotado siga a mesma perspectiva. Através desse modelo, o leitor pode
abarcar o valor plurissignificativo das palavras; preencher os espaços vazios do
texto, unir as ideias que existem no texto lido com as existentes nos demais
textos, estabelecendo as relações intertextuais feitas pelo autor e, assim,
construir o significado do texto. Nesse modelo, a leitura do TL é o resultado da
interação entre os sujeitos envolvidos no processo com a negociação e a
reconstrução de sentidos, permeada pela intertextualidade. Contudo, cabe
ressaltar que as atividades de leitura do TL que englobem esse modelo ainda
são raras nos livros didáticos de LE.
De maneira resumida, observamos que, na história do ensino e
aprendizagem de LE, o texto literário esteve presente ou ausente dos livros
didáticos. Porém, a sua presença não é garantia da existência de atividades
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 47
que desenvolvam a habilidade leitora. Inclusive porque as atividades presentes
nos livros didáticos, em sua maioria, concentram-se no processo unidirecional
de informações ou são pretextos para o desenvolvimento das habilidades e
competências linguísticas diferentes da leitora. Atividades com a perspectiva
multidirecional de leitura raramente são apresentadas nos livros didáticos.
Como as atividades de compreensão leitora elaboradas pelos professores
seguem os modelos vigentes nos livros didáticos, raramente eles elaboram
atividades com base nos modelos sociointeracional ou enunciativo de leitura.
Por isso, nas aulas de LE, ressaltamos a necessidade de focar no
professor a conscientização pelo uso do TL. Ele é quem pode propor atividades
de leitura sob a perspectiva multidirecional de informação - diferentes das
existentes nos livros didáticos -, priorizando a leitura enunciativa e as marcas
linguísticas e estilísticas que diferenciam o gênero literário dos outros gêneros
textuais.
O tratamento didático do texto literário
Ao longo de nosso trabalho, enfatizamos que devemos propor
aos nossos alunos atividades que reconstruam a interação entre o gênero do
texto e o conhecimento do mundo do autor e do leitor. Isso implica elaborar
atividades que ajudem o aluno em seus ensaios preditivos, antecipatórios,
inferenciais e interpretativos. Essa deve ser a base das atividades propostas
pelos professores para o gênero literário. Assim, o TL propicia o
desenvolvimento das marcas linguísticas e estilísticas próprias de seu
gênero.
Apresentamos algumas considerações propostas que
utilizamos nas aulas com esse propósito. Objetivamos com elas ressaltar
que ao escolher um TL, o professor deve estar consciente da existência de
uma razão para utilizar este texto e não outro. Lembremos que nas
atividades com o gênero literário – como nas propostas com qualquer outro
gênero-, o professor não pode ignorar a existência de marcas específicas do
48 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
gênero textual, uma vez que essas são fundamentais para a construção do
significado do TL.
Com as considerações propostas apresentadas, desejamos
didatizar a literatura, ou seja, conceber o TL nas aulas de LE como recurso
para o ensino e como ferramenta na formação de leitores. Assim, objetivamos
conscientizar o professor ou futuro professor de LE que o TL também é um
gênero textual a ser considerado ao elaborar atividades com textos autênticos
e que, ao escolhê-lo, deve propor atividades que o caracterizem como TL e
também que o diferencie de outros gêneros. Assim, propomos uma leitura
―desescolarizada‖ do TL, ou seja, atividades que não formulem exercícios
gramaticais, ditado, de conjugação, nem qualquer outro tipo de exercício que
―subutilize‖ o TL. Ao destacar as particularidades do gênero literário, as
propostas sugeridas buscam, além de desenvolver a competência leitora,
desenvolver também a competência literária do aluno.
Cabe ressaltar que o professor antes de formular qualquer
atividade, deve conhecer as reais possibilidades dos alunos lerem o texto
proposto e realizar as tarefas. Ao preparar uma atividade com o TL, o professor
deve se ater a determinadas questões para não propor um trabalho que o
grupo não possa realizar: a) que elementos culturais existentes no texto o
aluno domina. O saber enciclopédico sobre uma cultura estrangeira, algumas
vezes, não é suficiente para o aluno perceber o texto como literário; b) propor
textos e atividades de acordo com a competência leitora do aluno, ou seja,
procurar saber qual é o mínimo exigido de compreensão narrativa e quais são
os elementos culturais que poderão ser um obstáculo para a construção do
significado do texto.
Contudo, mesmo depois de verificar as reais possibilidades de os
alunos lerem o texto, algumas dúvidas surgem nos professores com relação ao
quando, o quê e como elaborar atividades com o TL para o seu grupo. As mais
frequentes são: a) que tipo de texto selecionar; se deve ser um fragmento ou
um texto integral; b) se é melhor um texto de épocas distintas ou uma
homogeneidade temporal; c) em que momento apresentá-lo: no início ou no
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 49
final do período; d) como abordá-los e com que metodologia. Sabemos que não
temos as respostas certas para essas dúvidas, mas, ao longo de nossas
pesquisas, formulamos algumas que podem ajudar aos professores de LE.
Nos níveis iniciais, devem-se escolher textos pequenos: contos,
fábulas, pequenas obras teatrais. Geralmente, como os níveis iniciais de LE
trabalham a descrição, utilizamos textos descritivos cujo conteúdo linguístico
abarque, em sua maioria, os tempos do presente e do futuro. As obras teatrais
são bons exemplos de TL que utilizamos nesse nível por utilizarem os diálogos
quase sempre no tempo presente. No intermediário, o professor pode trabalhar
com contos maiores, os fragmentos de romances ou, inclusive, com uma
pequena obra em sua totalidade. Nesse nível, prevalece a narração, por isso,
utilizamos os textos narrativos: novelas, contos, diários. Optamos por escolher,
nesse nível, textos que utilizem os tempos verbais do passado.
No nível avançado as possibilidades são maiores, pois o aluno já
domina a LE. A escolha, então, recai entre uma obra completa ou contos
maiores. Nesse nível, a argumentação é o foco. Assim, optamos por escolher
um TL que trate de um tema polêmico e sugerimos a leitura de um texto de
outro gênero textual (mas do mesmo assunto) para elaborarmos atividades que
fomentem a argumentação.
Desse modo, a escolha do TL a ser utilizado na sala de aula de
LE está de acordo com a metodologia empregada no curso. Cabe ressaltar
que, em todos os níveis, optamos pela escolha de textos originais e não por
obras adaptadas para o ensino de LE. Acreditamos que o professor, ao
escolher textos com uma linguagem adaptada aos níveis de ensino de LE,
impossibilita o aluno de usar as estratégias de inferência (entre outras) para
negociar o significado das palavras desconhecidas. Recordemos que essa
opção não é dada ao leitor nativo quando da leitura de qualquer texto, então
por que dá-la ao aluno na LE aprendida? Se o TL escolhido possui palavras
que não são de uso dos alunos e cujos significados não podem ser inferidos,
deve-se optar por outro.
50 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
No nível inicial, é aconselhável que os textos pertençam a uma
mesma época para que o aluno se habitue à leitura desse gênero textual, mas,
nos demais níveis, essa preocupação já não é necessária. Em todas as
atividades elaboradas é necessário que os alunos leiam e compreendam a
ideia global do texto, pois assim são capazes de ir à etapa seguinte: elaborar
uma leitura mais detalhada do TL. O dicionário pode e deve ser utilizado (mas
antes o professor deve ensinar ao aluno como fazê-lo). Nas aulas com o TL, a
metodologia de ensino deve sempre adequar-se a praticada pelo professor
durante as aulas com outros gêneros textuais, para que os exercícios com o
texto literário não se diferenciam dos outros pela metodologia utilizada. Desse
modo, verifica-se que o gênero literário pode e deve estar presente no
processo de ensino e aprendizagem de LE desde o início, bastando para tal
que os alunos estejam alfabetizados na língua meta (esse mesmo princípio
ocorre no ensino de língua materna).
Uma vez analisadas essas questões e selecionado o texto, o
professor deve adotar o modelo de leitura enunciativa. Sua proposta deve
abranger as três etapas da leitura: a pré-leitura, a leitura propriamente dita e a
pós-leitura. A pré-leitura é a etapa na qual se trabalha com o conhecimento
prévio do aluno sobre o tema do texto. É a etapa de observação global do
texto, de antecipação, de deciframento. Tem como objetivos: a) adiantar o
conteúdo do texto através do título, do gênero etc.; b) criar condições que
favoreçam a recepção do texto através dos elementos facilitadores da leitura:
os ritos sociais, a época e as condições históricas que estão presentes na
narrativa. Se o TL a ser lido for um romance, nessa etapa deve-se também
fazer uma exploração da situação inicial da obra, pois tal prática possibilita
determinar o quadro da narrativa, a fim de permitir a formulação de hipóteses e
despertar no aluno o desejo de ler o texto.
A segunda etapa é a leitura propriamente dita. Nessa etapa se
relacionam os conhecimentos prévios do aluno às propostas de atividades que
trabalham as competências leitora e literária. Nessa etapa, as propostas
formuladas não devem abranger perguntas de decodificação e tampouco de
gramática, para que o TL não seja subutilizado. Por último, a etapa da pós-
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 51
leitura que tem como objetivo incitar o leitor a reagir sobre o texto lido. Nessa
etapa, o aluno relaciona o conhecimento novo adquirido, após a leitura do
texto, com a sua realidade sociocultural ou sua experiência de vida. As
propostas para essa etapa podem ser orais ou escritas. Algumas sugestões de
atividades para essa etapa seriam: a) pedir ao aluno para inventar
consequências para as ações dos personagens, prolongar a história, mudar o
final ou parte do texto; 2) melhorar a percepção do gênero do romance lido,
fazendo o aluno refletir sobre as suas características específicas; 3) introduzir a
experiência do aluno e sua subjetividade no texto lido; 4) favorecer uma
aproximação com a leitura literária na língua materna do aluno, de maneira a
fazê-lo refletir sobre a experiência da leitura.
Para iniciar a inserção do gênero literário na sala aula, utilizamos
dois textos diferentes, um literário e outro não literário. Essa é uma experiência
geralmente proveitosa e acreditamos que o professor possa fazê-la com seu
grupo. Ele deve utilizar dois textos que tratam de um mesmo assunto, mas de
gêneros textuais diferentes, a fim de os alunos observarem as particularidades
de cada gênero e, especificamente, as do gênero literário. Para a atividade, o
professor pode escolher pequenos fragmentos de TL: fábulas, poesias,
microconto ou fragmento de romances. As perguntas devem abranger as
particularidades do TL referente à forma, aos personagens, às figuras de
linguagem e a própria linguagem. A atividade tem como objetivo principal
conscientizar o aluno sobre a diferença entre a linguagem literária e a
linguagem não literária, para mostrar que é possível apresentar um mesmo
assunto de várias maneiras, através de gêneros textuais diferentes,
dependendo do contrato que se estabelece entre o enunciador e o
coenunciador e o objetivo que o texto possui.
Os dois textos ao tratar de um mesmo tema permitem ao
professor elaborar perguntas sobre a organização textual e a linguagem
utilizada nos textos, levando o aluno a perceber as diferenças existentes entre
os objetivos comunicativos de cada um e entre o uso conotativo e o uso
denotativo das palavras. Com essa proposta, o professor trabalha a
plurissignificação das palavras, característica inerente ao gênero literário. A
52 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
proposta também aproveita a bagagem cultural que o aluno já possui em sua
língua materna, pois ela estabelece as principais diferenças entre os dois
textos. Ademais, exercita a competência literária do aluno ao inserir perguntas
que consideram as especificidades do gênero literário.
No nível intermediário ou avançado, as propostas que utilizamos
já abarcam TL maiores: contos ou romances completos. As atividades se
organizam ao redor de uma série de perguntas ou esquemas que visam
descobrir se o aluno realmente compreendeu a mensagem da obra através dos
personagens, dos lugares, dos diálogos, dos modos de narração e do léxico. O
objetivo da atividade é levar os alunos, após uma leitura detalhada, a interagir
com o texto para buscar informações sobre: a) os personagens: suas relações
com os outros; as relações dos outros com ele; suas características; seu
retrato; os detalhes de suas características; as palavras que podem ser
associadas a ele; a intenção dele e dos outros personagens com ele; b) sobre
a sucessão dos fatos (a sequência lógica da obra): a diferença entre os
acontecimentos positivos (agradáveis) e os negativos (desagradáveis), a ordem
dos fatos ocorridos segundo a sequência cronológica dos acontecimentos; c)
os diálogos dos personagens: verificar se são de forma direta ou indireta; se
estão relacionados com o gênero do texto ou se há outra relação; d) a
compreensão das etapas principais da narrativa: de que maneira o
personagem (ou os personagens) passou (passaram) da situação inicial a final,
podendo apoiar-se no seguinte esquema: situação inicial → complicação →
consequência → resolução → desfecho.
É possível também fazer um quadro de referências com os
principais elementos do texto lido, tais como: os personagens; o lugar da ação;
a época de referência; o estado inicial e final dos personagens; os
acontecimentos e a posição do narrador.
É possível também construir um quadro para cada personagem
do TL que poderia conter:
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 53
DADOS DE BASE DE IDENTIDADE: nome, idade, profissão, status social,
lugar onde vive.
RELAÇÃO COM OS OUTROS PERSONAGENS: estabelecer os diferentes
laços entre os outros personagens e dizer se é um personagem principal ou
secundário.
APARÊNCIA: modos de vestir; gestos; traços psicológicos.
CARACTERÍSTICA: estabelecidos pelo autor ou inferidos pelo leitor.
O QUE SE PENSA SOBRE O PERSONAGEM: palavras ou pensamentos
dos outros personagens sobre o personagem analisado.
O QUÉ O PERSONAGEM ANALISADO PENSA SOBRE OS OUTROS: sua
opinião sobre os outros personagens.
EVOLUÇÃO DA PERCEPÇÃO DO PERSONAGEM: ao longo do texto, os
diversos elementos que modificam a interpretação do leitor sobre um
determinado personagem.
Essas atividades, ao mesmo tempo em que abrangem as
especificidades do TL, permitem ao professor trabalhar com os conteúdos
fixados para cada nível de aprendizagem da LE. Desse modo, o professor não
utiliza o TL apenas para ―um momento de cultura‖ ou para fixar estruturas
gramaticais ou lexicais. O TL, como produto de um ato comunicativo, permite
como os demais gêneros comumente utilizados em sala de aula, atividades
que desenvolvem as habilidades linguísticas do aprendiz: falar, ler, ouvir e
escrever.
Considerações finais
Observamos que as atividades com o uso do TL devem ser
estimuladas nas aulas de língua estrangeira, não só por se tratar de um gênero
a mais a ser incorporado pelo professor, mas também por expor o aluno aos
diversos usos sociais da língua meta. É também por meio do literário que as
muitas peculiaridades linguístico-comunicativas da LE ganham lugar de
concretização diante dos olhos do aprendiz.
54 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Contudo, para que esse uso se concretize é necessário que as
crenças dos professores não sejam negativas com relação ao uso do TL em
sala de aula. Por tal motivo, atividades com o TL devem estar presentes desde
a sua formação. Se ainda nessa fase, o futuro professor incorpora o gênero
como mais um material autêntico que o ajuda a desenvolver as habilidades
linguístico-comunicativos, o assimilará como um material de uso mais
recorrente em suas aulas. Para tanto, é necessário o tratamento didático do
gênero nas aulas de LE; ou seja, utilizar o TL nas aulas como recurso para o
ensino e ferramenta na formação de leitores, de maneira a estimular o
desenvolvimento das competências leitora e literária do aprendiz. Desse modo,
o uso do TL é capaz de propiciar o desenvolvimento das marcas linguísticas e
estilísticas próprias de seu gênero e que são fundamentais para a construção
do significado do TL.
Com esse objetivo, sugerimos algumas atividades. Elas são
apenas ideias para que os professores de LE possam criar as suas próprias.
Todas buscam fugir das questões simples que nos ensinam a utilizar o gênero
literário somente para as atividades culturais, gramaticais e lexicais. Elas têm
como objetivo mostrar que o gênero literário é uma ferramenta eficaz para o
ensino de LE e para a formação de leitores.
Assim, não há motivo para excluir esse gênero da sala de aula de
LE. É possível elaborar atividades com o TL sob uma visão enunciativa de
leitura, e fazer o aluno interagir com o texto, renegociando o seu significado
para construir e reconstruir, continuamente, o texto lido. Sob essa perspectiva,
o trabalho com a leitura na sala de aula de LE desenvolve tanto a competência
leitora quanto a literária do aprendiz. E, ao incluir o texto literário nas suas
aulas, os professores darão um passo a mais para criar leitores críticos e
autônomos.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 55
Notas
1 Professora Associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, professor Adjunto da
Universidade Veiga de Almeida e avaliadora institucional e de cursos pelo Instituto Nacional de
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira-INEP. É membro do GT ANPOLL "Vertentes do
Insólito". Atua no Mestrado em Letras da UERJ, no Programa de Teoria da Literatura e
Literatura Comparada.
2 Ao longo do processo de ensino\aprendizagem de LE, os textos literários ocuparam diversos
papéis: o uso total como matéria primordial para o ensino da língua meta nos métodos
tradicionais; o esquecimento total nos métodos estructuro-globais e a volta do texto literário
como um dos gêneros utilizados nos métodos comunicativos (geralmente inexistente ou sem
proposta de atividades).
3 Pesquisa feita exclusivamente com professores de Espanhol como língua estrangeira (E\LE)
e a ser publicada em SANTOS, Ana Cristina dos. ―O professor de LE e o uso do gênero literário
em sala de aula‖. In: ARAÚJO, Antonia Dilamar; Araújo, Julio Cesar. Os gêneros
textuais/discursivos nas múltiplas esferas da atividade humana: Anais do VII Simpósio
Internacional de Estudos de Gêneros Textuais. Fortaleza: Edições UFC. (no prelo).
4 Tradução nossa.
5 Tradução nossa.
6 Tradução nossa.
7 O conceito deve ser entendido como uma forma de distinguir a capacidade de um indivíduo
para a leitura literária, que lhe permite reconhecer a especificidade de um texto literário,
respeitando o modo e o gênero literário a que pertence o contexto que o caracteriza e a
tradição na qual se inscreve. (Cf. CULLER, Jonathan. In: CEIA, Carlos. Dicionário de termos
literários. Disponível em
<http://www.edtl.com.pt/?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=675&Itemid=2>. Acesso
em: 03 set 2006).
8 Utilizamos a expressão contrato comunicativo conforme Mangueneau (2000) para designar
certo número de regras e de princípios que tornam possíveis uma enunciação. Cabe destacar
que essas mudam conforme o contexto socio-histórico dos enunciadores e o gênero a que
pertence o discurso.
56 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Referências
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enseñanza de español como LE/L2. Madrid: Santillana/Universidad de
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2006. Disponível em <http://gpleer.webnode.com.br/producoesacademicas/>.
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Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 57
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Rosana C. Z. et al. (org). Hispanismo & fronteira. Anais do VI Congresso
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como língua estrangeira com apoio da Internet‖. Revista Calidoscópio. Vol. 8,
nº 1, jan/abr 2010. Disponível em
<http://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/download/156/12>.
Acesso em: 15 mar 2012.
58 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
UMA EXPERIÊNCIA COM O GÊNERO HISTÓRIA EM QUADRINHOS EM
AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
AN EXPERIENCE WITH THE COMICS GENRE IN THE FOREIGN
LANGUAGE CLASSROOM
Carolina Gandra de Carvalho1
Elíria Quaresma Fugazza2
Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold3
Resumo O gênero histórias em quadrinhos se caracteriza pelas múltiplas mensagens possíveis com base na interação do visual com o verbal, por conter elementos gráficos que reproduzem a fala e o pensamento e por conjugar a representação dos personagens – bem como suas expressões faciais e corporais – com a ação da narrativa. Essa, por sua vez, progride não somente durante a atuação do personagem, mas também na passagem de um quadrinho a outro, sugerindo um deslocamento no eixo temporal e/ou espacial. Outra especificidade do gênero em questão é a presença da carga ideológica que pode direcionar o leitor a atribuir diversos sentidos ao texto, e que pode proporcionar seu aprimoramento cultural. Para verificarmos como se dá a compreensão deste gênero por parte dos aprendizes de LE aplicamos, em turmas do projeto CLAC (Cursos de Línguas Abertos à Comunidade) do curso de espanhol, uma atividade relacionada a uma história em quadrinhos em que pudemos comparar as leituras realizadas com e sem orientação. Essa tarefa consistiu em apresentar ao grupo as características do gênero, contextualizar a história, identificar os personagens e explorar a relação entre os dois códigos (verbal e não verbal). Palavras-chave: história em quadrinhos; língua estrangeira; letramento.
Abstract Comics genre is characterized by its multiple possible messages based on the interaction between the visual and the verbal, the graphic elements that reproduce the characters‘ speech and thoughts, and the conjugation of the characters‘ representation – as well as their facial and bodily expressions – with the narrative action. The latter evolves not only during the character‘s action, but also during the passage from one panel to another, suggesting a movement in the temporal and/or spatial axis. Another specificity of the comics genre is the presence of the ideological charge that may lead the reader to convey diverse meanings to the text, which can foster his/her cultural enhancement. In order to verify how the learners of foreign languages understand this genre, we have assigned Spanish language students of the Language Courses Open to the Community (CLAC) an activity related to a comic strip. During the process, we were able to compare the readings done with and without orientation, which consisted of introducing the students to the characteristics of the genre, contextualizing the story, identifying the characters, and exploring the relation between the two codes (verbal and non-verbal). Keywords: comics; foreign language; literacy.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 59
Introdução
O interesse pela abordagem do gênero história em quadrinhos
surgiu com base no seu crescente uso no contexto educacional. Há algum
tempo, essa realidade era bastante diferente, tendo em vista a resistência que
as instituições e os órgãos fomentadores de cultura tinham em relação às
histórias em quadrinhos (doravante HQs), que acabavam sendo marginalizadas
e preteridas em detrimento de outros gêneros, considerados mais canônicos e
apropriados para o ensino formal. Sob essa perspectiva, atribuía-se mais
relevância aos gêneros literários, tais como poemas, contos e romances.
Nesse sentido, é importante traçarmos um breve percurso histórico dos
quadrinhos, a fim de que se compreenda sua ascensão e valorização ao longo
dos anos, além do seu impacto na sociedade.
Há registros de que, já no século XVII, ilustradores de histórias
infantis e autores de folhetins utilizavam imagens gráficas em suas produções
(VERGUEIRO, 2010). Aliava-se, então, a palavra impressa a elementos
pictóricos com os mais diversos fins. No século XVIII, a imprensa humorística
inglesa se utilizava dos mesmos recursos. No século seguinte, houve o
florescimento definitivo do gênero nos Estados Unidos, mais especificamente,
nos jornais dominicais, agora com teor predominantemente cômico e voltado
para os imigrantes. No século XX, no período do pós-guerra, por motivos
políticos, disseminou-se a ideia de que os quadrinhos eram uma má influência
para os jovens. Nas últimas décadas do século XX, porém, o desenvolvimento
das ciências da comunicação e dos estudos culturais alavancou os meios de
comunicação e, consequentemente, os quadrinhos, que ganharam novo status
e mais relevância nos diversos âmbitos sociais. Dessa maneira, foi mais fácil a
aproximação de tal gênero às práticas pedagógicas.
No Brasil, essa difusão foi acentuada pela inclusão das HQs em
provas de vestibular, nos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) e nas
obras aprovadas para a educação básica pelo Programa Nacional do Livro
Didático. Verifica-se também a distribuição de livros paradidáticos que fazem
uso deste gênero, de acordo com o Programa Nacional Biblioteca na Escola.
60 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Atualmente, de acordo com Ramos (2010, p. 13), ―vê-se uma outra relação
entre quadrinhos e educação, bem mais harmoniosa‖.
Percebemos, desse modo, a importância de se trabalhar as
especificidades do gênero HQs em aulas de língua, tanto materna quanto
estrangeira, com o objetivo de contribuir para o letramento de nossos
aprendizes.
Tendo em vista o caráter superficial de muitas atividades
promovidas a partir da leitura das HQs, este trabalho busca uma nova
perspectiva de utilização deste gênero em sala de aula de língua estrangeira. A
partir de uma posição mais norteadora do que transmissora, o professor pode
contemplar, juntamente com os aprendizes, características das HQs que
muitas vezes passam despercebidas por conta de um enfoque estritamente
linguístico. Nesse sentido, nos parece especialmente importante que sejam
abordadas outras formas de trabalho que explorem as histórias de maneira
mais aprofundada e completa, e que considerem todos os elementos presentes
na sua estrutura como importantes mecanismos de construção do sentido
global da narrativa.
Focado no ensino da língua, muitas vezes, o professor
desconsidera o potencial – linguístico, social, moral, político e textual – das
HQs e as relega a um mero papel de pré-texto, servindo apenas para ressaltar
ou lançar um tópico linguístico, como se a ocorrência de uma narrativa do
gênero em questão legitimasse e configurasse de maneira concreta o uso de
um ou outro elemento. Entretanto, é importante pensarmos que nossos
aprendizes de língua estrangeira são, antes de tudo, leitores de HQs em sua
língua materna e, nesse contexto, são indivíduos capazes não somente de ler
a história, mas também de compreender a mensagem, o contexto político e
histórico, o fator humorístico, o tempo e o espaço em que ocorre a narrativa. O
mesmo deve ser feito com as histórias em língua estrangeira, porém a falta de
domínio dos elementos linguísticos da L2, considerando-se que o aprendiz
ainda a está adquirindo, pode inviabilizar a proposta. Além disso, vale ressaltar
que aquele ainda está em processo de inserção na discursividade da língua
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 61
estrangeira (SERRANI, 1997), e é nesse ponto que a presença do professor
enquanto mediador se faz crucial, propondo tarefas de aproximação aos
gêneros discursivos. Nessa perspectiva, o professor estará fornecendo ao
aprendiz a orientação e as ferramentas necessárias para a maior compreensão
possível do texto, enfatizando a percepção e compreensão de todos os
elementos característicos do gênero e como todos têm função importante na
construção do sentido.
O presente trabalho teve, pois, como objetivo verificar como se dá
a compreensão de HQs em língua estrangeira por parte dos aprendizes. Além
disso, pretendemos verificar quais tipos de informação devem ser providas aos
aprendizes para que se desenvolvam as habilidades de compreensão leitora e
para que se estimule a percepção dos múltiplos sentidos que um vocábulo
pode ter, dependendo do (con)texto em que figure.
Baseamo-nos, portanto, na seguinte pergunta-problema: a
orientação promovida pelo professor, conforme proposta anteriormente, tem,
de fato, relevância no processo de leitura do referido gênero, contribuindo para
uma atribuição de sentidos para os textos trabalhados? A hipótese inicial é de
que os aprendizes da atividade com interação têm maior facilidade na
realização da tarefa.
Em primeiro lugar, devemos pensar nas HQs como textos
narrativos, que, como tal, possuem uma sequência de ações dos personagens,
um espaço e contexto definidos bem como deslocamento no eixo temporal.
Além disso, a interação entre os dois códigos – verbal e não verbal –
juntamente a outras especificidades, faz dele um gênero bastante complexo e
rico. Nesse sentido, nosso trabalho se configura como uma proposta de análise
sobre a relevância da percepção para a compreensão de sentido geral das
histórias oferecidas aos aprendizes por meio de debates que antecedem o
momento da leitura propriamente dita.
Retomando a ideia de utilização das HQs com foco na sintaxe da
língua estrangeira e na aquisição de vocabulário, acreditamos que os
62 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
elementos que se pretendem explorar não precisam ser esquecidos em
detrimento da nossa proposta, mas sim devem ser complementares,
expandidos e integrados às outras questões pertinentes ao gênero a fim de
que o aprendiz possa mobilizar, durante a leitura, conhecimentos variados que
se coadunem para um maior entendimento, evidenciando também um maior
proveito do material.
Metodologia
Selecionamos duas HQs (uma do Quino e outra do Nik)4 que
foram trabalhadas em turmas de níveis inicial e intermediário do curso de
espanhol do projeto CLAC. O fato de as histórias em questão apresentarem
também a linguagem verbal contribuiu para a escolha das mesmas. Os
aprendizes, portanto, deveriam levar em conta a relação entre os elementos
verbais e não verbais para o desenvolvimento das atividades propostas pelas
monitoras.
Após a leitura das HQs apresentadas, utilizamos as perguntas
propostas pelo exercício do livro didático El Arte de Leer Español, para verificar
como se dá a compreensão do gênero HQs em aulas de língua estrangeira,
uma vez que o código linguístico geralmente constitui um empecilho para a
produção de sentido. Estipulamos, então, que algumas turmas realizariam tal
exercício com a orientação do monitor e outras o realizariam sem orientação
com o intuito de comparar os resultados. A orientação consistiu em apresentar
aos grupos as características do gênero, contextualizar as histórias, identificar
os personagens e explorar a relação entre linguagem verbal e não verbal nas
narrativas trabalhadas. Em um momento posterior, comparamos o rendimento
dos dois grupos (os que fizeram com e os que fizeram sem orientação) a fim de
verificar a validade da nossa hipótese inicial.
Foram coletados os dados fornecidos por 65 alunos: 39
responderam às perguntas propostas para a HQ do Nik e 26 responderam às
perguntas propostas para a HQ do Quino.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 63
Fundamentação teórica
Consideramos que na leitura das HQs, assim como de qualquer
outro gênero discursivo, não existe um sentido dado pelo texto. Na verdade, no
momento da leitura o leitor tem um papel tão importante quanto o autor na
construção de sentido do texto (CORACINI, 2005), pois aciona uma série de
conhecimentos necessários para a atribuição e produção de sentido e interage
com o autor e com as outras vozes presentes no texto.
Nas aulas de línguas, no entanto, ainda é muito comum que o
trabalho com a habilidade da leitura se restrinja a perseguir marcas deixadas
propositadamente pelo autor para que o leitor possa capturar o significado
daquilo que lê. De acordo com Coracini (2005, p. 28), no caso específico das
aulas de língua estrangeira, ―apenas o nível de conhecimento da língua parece
ser necessariamente levado em conta‖. Desse modo, cabe ao professor e ao
aprendiz ―apenas reconhecer o significado que subjaz às formas linguísticas‖
(CORACINI, 2005: p. 30), pois ambos acreditam que há uma ―compreensão
literal‖ ou uma única leitura possível de um texto, como se este fosse isento de
implícitos e de ideologias. Além disso, Coracini afirma que a unanimidade da
interpretação é garantida na aula de língua estrangeira devido ao sentimento
de ignorância que o aprendiz tem em relação à LE.
Considerando os aspectos anteriormente apontados, acreditamos
que o professor deve atuar como mediador no fomento da autonomia do
aprendiz-leitor para que este se aproprie das diversas práticas de leitura e de
escrita que circulam nos variados âmbitos sociais. Assim sendo, a noção de
letramento é fundamental nesse processo. Segundo Rojo (2004), ler na vida e
na cidadania é colocar o texto em relação com outros textos e discursos que
podem ser anteriores a ele, podem estar emaranhados nele ou até mesmo ser
posteriores a ele. De modo semelhante, Tfouni (1994: p. 56) considera que a
capacidade do sujeito de colocar-se como autor do próprio discurso constitui ―a
noção-eixo do conceito de letramento enquanto processo sócio-histórico‖.
64 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Ao afirmar que é preciso levar em conta a situação sócio-histórica
e cultural do aprendiz, Kleiman (2010) se alinha a esse pensamento. Para isso,
deve-se adotar uma concepção social da língua escrita voltada para as práticas
de escrita e de leitura para que se contextualizem de modo mais produtivo os
objetos de ensino.
A partir dos pressupostos discutidos acima, consideramos que é
essencial a inserção dos sujeitos nas práticas letradas da sociedade e que as
instituições de ensino têm o papel de mediar o processo de autonomia do
aprendiz-leitor levando em conta seu conhecimento de mundo, sua formação
discursiva e sua capacidade crítica.
Análise de dados
Tendo em vista a pergunta-problema proposta, parte dos alunos
foi submetida à atividade aplicada sem instrução para a qual foi utilizada a HQ
do Nik, e outra parte, à atividade que foi realizada com instrução servindo-se
da HQ do Quino. Doravante, utilizaremos a denominação I e II,
respectivamente, para nos referirmos à atividade sem instrução e com
instrução, reproduzidas a seguir.
Neste artigo, contemplaremos somente as respostas dadas às
questões 1, da primeira proposta, e 4, da segunda, pois são as que melhor
refletem o desempenho da compreensão leitora por parte dos aprendizes a
partir da relação entre o verbal e o não verbal.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 65
Fig. 1: História em quadrinhos referente à proposta 1.
1. ¿Por qué está aburrido Gaturro?
2. ¿Qué significa dejar una huella en la vida?
3. ¿Qué tipo de huella intentarías dejar? ¿Qué cosas te gustaría realizar?
Entre as três perguntas propostas pelo exercício, julgamos que a
primeira nos forneceria dados sobre a compreensão dos aprendizes a respeito
da metáfora existente no texto.
66 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Fig. 2: História em quadrinhos referente à proposta 2.
1. ¿Qué significan las expresiones “desocupación”, “ajuste social”, “orfandad
social”?
2. ¿Qué entiendes por “los espantos que promete el porvenir”?
3. En la viñeta, “hoy” y “presente” son usados como sinónimos. Explica sus
diferencias dando un ejemplo en que no sean sinónimos.
4. ¿Qué situación QUINO está representando en esa viñeta? Relaciónala
con los textos anteriores, y explica dónde está el rasgo de humor en ese
texto que lo hace distinto de los demás.
5. ¿Cómo el médico está tratando su paciente? ¿De manera formal o no?
Explica cuál es la razón de ese tipo de tratamiento en la situación retratada.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 67
Na proposta I, buscávamos averiguar se os informantes seriam
capazes de compreender que o personagem estava chateado (aburrido) pelo
fato de o mar desfazer as pegadas que ele tentava deixar, o que chamaremos
aqui de resposta ―prevista‖. A presença do item lexical huella (pegada) na fala
do personagem poderia ser um empecilho para o entendimento da narrativa,
porém, uma leitura dos elementos não verbais contribuiria para a produção de
sentido do texto. Os aprendizes que, por sua vez, não foram capazes de
estabelecer uma relação entre o referido item lexical e os elementos não
verbais produziram o que denominaremos resposta ―não prevista‖. Os
resultados estão apresentados no gráfico:
Gráfico 1: Respostas obtidas com a proposta 1.
Consideramos, com base no gráfico acima, que o número de
respostas ―não previstas‖ foi elevado devido à ausência de orientação prévia
no momento da realização da atividade.
Na proposta II, referente ao gráfico abaixo, esperávamos que os
aprendizes considerassem os sintomas mencionados na tirinha como
problemas da sociedade contemporânea, o que, a partir de uma reflexão
crítica, lhes permitiria construir um significado. Além disso, os aprendizes
deveriam detectar o traço de humor na história, o qual se verifica no discurso
irônico do médico quando ele aconselha o paciente a ver o presente de modo
mais otimista, pois a perspectiva para o futuro é a de que a conjuntura social
não apresentará melhora.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
RESPOSTAS
Previstas
Não previstas
68 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Gráfico 2: Respostas obtidas com a proposta 2.
42%
44%
46%
48%
50%
52%
54%
RESPOSTAS
Previstas
Não previstas
O gráfico acima revela o melhor desempenho da compreensão
leitora por parte dos aprendizes na realização da tarefa proposta, visto que há
um número maior de respostas ―previstas‖, reflexo da orientação previamente
fornecida.
Estabelecendo uma comparação entre ambos os gráficos,
verificamos que, na atividade realizada sem instrução, há uma maior frequência
de respostas consideradas não previstas, enquanto que, na proposta realizada
com instrução, o percentual de respostas previstas é predominante. Desse
modo, percebe-se que a orientação fornecida pelo professor cumpriu seu papel
de mediar o processo de formação e autonomia do aprendiz-leitor, que, a partir
daquela, foi capaz de articular seu conhecimento de mundo às especificidades
do gênero HQs, bem como construir significado para um texto em língua
estrangeira.
Considerações finais
De acordo com os resultados obtidos e expostos, acreditamos
que se comprova a nossa hipótese inicial de que a provisão de instruções
prévias ao momento da leitura de fato viabiliza uma produção de sentido por
parte do aprendiz-leitor, que mobiliza diversos conhecimentos e os integra às
especificidades do gênero. Não queremos, contudo, estabelecer uma única
possibilidade de interpretação, dado que todo texto admite mais de uma leitura,
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 69
pois assim estaríamos determinando que somente as respostas ditas
―previstas‖ estariam produzindo um sentido para o texto. Cabe dizer que os
critérios para estabelecer as respostas como ―previstas‖ ou ―não previstas‖ não
partem do pressuposto de que a interpretação do professor é a única válida ou
deve ser imposta, mas sim porque elas atendiam às necessidades do que se
pretendia analisar em nossa pesquisa.
Temos consciência, todavia, de que nossa análise se baseia
apenas em dados quantitativos, o que pode restringir a pesquisa. Além disso,
este artigo focalizou somente a relação entre o verbal e o não verbal,
característicos do gênero em questão. Por último, acrescentamos que nossa
pesquisa precisa de uma análise mais aprofundada e abrangente para que os
resultados nos permitam ter uma visão mais ampla da questão do trabalho com
as HQs em aulas de língua estrangeira.
70 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Notas
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ.
2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ.
3 Coordenadora da Pós Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
4 As duas histórias foram retiradas, respectivamente, da terceira e da quarta unidades do
volume I da coleção El Arte de Leer Español.
Referências
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discursivo na aula de leitura: língua materna e língua estrangeira. São Paulo:
Pontes, 2005, p. 27-49.
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práticas não escolares de letramento para o letramento escolar. Perspectiva,
2011. Disponível em: https://journal.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/2175-
795X.2010v28n2p375. Acesso em: 28 out. 2013.
PICANÇO, D.C.de L.; VILLALBA, T. K.B. El Arte de Leer Español – Libro del
alumno – Ensino Médio. Volume I. 2 ed. Curitiba: Base Editorial, 2010.
ROJO, Roxane. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. São
Paulo: SEE: CENP, 2004.
SERRANI, Silvana. Formações discursivas e processos identificatórios na
aquisição de línguas. DELTA, vol. 13, n. 1. São Paulo, fev. 1997. Disponível
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http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102445019970001000
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Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 71
TFOUNI, Leda. Perspectivas históricas e a-históricas do letramento. Cadernos
de Estudos Linguísticos, 2012. Disponível em:
http://info03.iel.unicamp.br/revista/index.php/cel/article/viewFile/3029/2509.
Acesso em: 25 out. 2013.
VERGUEIRO, Waldomiro. Uso das HQs no ensino. In: RAMA, A. et alii. (orgs.)
Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto,
2010, p. 7-29.
72 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
A TÉCNICA DO ESPELHAMENTO OU A CONSCIÊNCIA DA DISTÂNCIA
ENTRE O PORTUGUÊS DO BRASIL E O ESPANHOL
THE MIRRORING TECHNIQUE OR THE CONSCIOUSNESS OF THE
DISTANCE BETWEEN BRAZILIAN PORTUGUESE AND SPANISH
Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold (UFRJ)1
Carolina Ecard (IC/UFRJ)2
Renata Daniely Rocha de Souza (IC/UFRJ)3
Resumo Autores como Kulikowski e González (1999) propõem que o português do Brasil (doravante PB) e o espanhol são línguas moderadamente próximas. Segundo tais autoras, estudantes de espanhol como língua estrangeira desenvolvem certas estratégias, como o uso de ―empréstimos‖, visto que esta transferência estaria legitimada pela proximidade entre o português e o espanhol. Considerando o exposto, neste trabalho, verificaremos se aprendizes brasileiros de espanhol como língua estrangeira, em nível inicial, reconheceriam (ou não) determinados ―erros‖ de sua língua materna em produções textuais de outros aprendizes. Caso não reconheçam, isso poderia supor que estes usuários aceitariam também tais ―erros‖ em suas produções. Para isso, foi aplicado um teste de reescrita a aprendizes com um ano de estudo em espanhol. Nossa hipótese é, portanto, a de que esses aprendizes, em nível inicial, reconhecem mais as interferências de nível sintático. Palavras-chave: transferência; empréstimo; língua estrangeira.
Abstract Authors like Kulikowski and González (1999) suggest that Brazilian Portuguese (henceforth BP) and Spanish are slightly similar languages. According to the authors, Spanish as foreign language students, develop strategies such as the use of ―lexical borrowings‖, once the transfer would be legitimized by the proximity between Portuguese and Spanish languages. Considering the above, in this paper, we set out to verify if Brazilian beginners of Spanish as a foreign language would recognize mistakes caused by the interference of their mother tongue in other learners‘ productions. If they do not recognize them, it might be supposed that they also accept such mistakes in their own productions. For this, a rewriting test was applied to students with a year of studies. Our initial hypothesis is that beginners recognize the interferences at the syntactic level more easily.
Keywords: transfer; lexical borrowings; foreign language.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 73
Introdução
Muitos estudos se dedicam a investigar a relação entre línguas
próximas como o PB e o espanhol. De acordo com González e Celada
(2000), é inegável que o PB e o espanhol possuem uma proximidade
moderada, o que pode repercutir no desenvolvimento da competência
linguística do aprendiz de espanhol como língua estrangeira. Se, por um lado,
tal proximidade pode se apresentar como um benefício nos estágios iniciais
de aprendizagem, por outro, pode ser um fator que dificulta a aprendizagem
nos níveis mais avançados (ALVAREZ, 2002). Segundo Lima (2004), a
proximidade entre as referidas línguas pode desempenhar uma função
facilitadora da aprendizagem de espanhol, língua estrangeira, na medida em
que viabiliza o uso de ―empréstimos‖.
Segundo Mclaughin (1987), o empréstimo das características
compartilhadas é a manifestação de um processo psicológico mais geral que
se sustenta a partir dos conhecimentos já existentes, ou seja, a língua
materna do aprendiz. Corder (1967) trata esses empréstimos como
transferência ou interseção. De acordo com o autor, haveria uma relação
clara ―entre a velocidade da aquisição e a chamada distância linguística‖
(Corder 1967: p. 88), o que indica que quanto mais parecidas a língua
materna e a língua estrangeira, maior poderá ser o acesso à língua materna
para auxiliar na aquisição da língua estrangeira. Assim, entre línguas
próximas, o processo de aquisição pode se dar de modo mais acelerado.
Autores como Mclaughin (op. cit), entendem a transferência
como uma estratégia de comunicação que se emprega quando os
conhecimentos de língua estrangeira não são suficientes; em outras palavras,
é um processo psicolinguístico que serve de apoio para facilitar a aquisição
da língua estrangeira. A transferência se subdivide em positiva e negativa,
sendo esta última também chamada de interferência. É considerada
transferência positiva quando a influência exercida pela língua materna na
língua estrangeira é de caráter benéfico; já quando a influência exercida pela
língua materna na língua estrangeira leva o aprendiz a cometer ―erros‖, que
74 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
podem gerar fossilizações4 de estruturas, é considerada, então, transferência
negativa ou interferência.
De acordo com as considerações anteriores, as relações entre o
par de línguas em questão pode se caracterizar (i) por meio de uma
proximidade superficial no plano do significante; (ii) através de uma distância
lexical, que envolve contraste em pontos específicos.
A combinação entre as duas características apresentadas
promove, segundo Cintrão (2000, p. 194), ―um descompasso importante entre
a distância percebida e a distância real. Isso favorece que o aprendiz se
arrisque mais a valer-se de empréstimos da língua materna para produzir
enunciados na língua estrangeira.‖
Nos estágios iniciais, os aprendizes de espanhol falantes de PB
parecem passar por um processo de reorganização dos elementos presentes
na língua materna para os elementos presentes na língua estrangeira. A
proximidade entre o PB e o espanhol pode auxiliá-los no contato inicial entre
estas duas línguas, mas, no desenvolver do aprendizado da língua
estrangeira, tal proximidade pode causar acomodação entre os aprendizes,
gerando, então, uma interpretação recorrente entre os alunos de espanhol
falantes de PB: 'é tudo parecido mesmo'.
Analisar mais cuidadosamente o trabalho feito em sala de aula,
desenvolvendo pesquisas que averiguem quais as dificuldades dos
aprendizes podem auxiliar na tarefa de ser professor de uma língua
estrangeira tão próxima do PB. Desse modo, neste trabalho, analisaremos
testes de reescritura dos alunos de nível inicial do curso livre de espanhol,
para alcançarmos um panorama do perfil desses alunos e dos elementos da
língua que estariam disponíveis para eles.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 75
Sobre o par de línguas português – espanhol
Um estudo feito por González e Celada (2000: p. 37) sobre o
par linguístico português-espanhol aponta para o fato de que os estudos
linguísticos de espanhol começaram tardiamente no cenário brasileiro devido
a uma cultura de proximidade com o português: ―tardamos mucho por aquí
para dejar de ver las lenguas, sobre todo las extranjeras, como meros
instrumentos de acceso a otros campos, más nobles, y para permitir que
éstas constituyeran un objeto de estudio y reflexión en y por sí mismas.‖5
De acordo com as autoras, a construção do saber espanhol
como língua estrangeira, no Brasil, necessita sair do lugar comum e,
principalmente, do processo de estagnação em relação às políticas
desenvolvidas para o ensino de espanhol língua estrangeira no Brasil. O
ensino de espanhol deve ir além, contando com a colaboração do professor
que atua em sala de aula. A relação ensino-aprendizagem de espanhol não é
uma questão, apenas, de línguas tipologicamente próximas.
Assumindo postura semelhante, o trabalho de Kulikowski e
González (1999) afirma serem português do Brasil e espanhol línguas
moderadamente próximas e, ao aprender espanhol, estudantes dispõem de
estratégias de criação de cenários, ou seja, no primeiro momento da
aquisição, o espanhol é uma língua fácil, pois tem elementos linguísticos
muito próximos ao português, o que demanda do aprendiz pouco esforço e
dedicação para aprender; não obstante, tal cenário seria desfeito, pois, ao
longo do processo, o aprendiz se depara com estruturas e situações
discursivas diferentes das utilizadas em língua materna, não podendo, assim,
recorrer à esta.
Almeida Filho (2001) afirma que o aluno brasileiro de espanhol
é um falso aprendiz de espanhol, uma vez que já conta com conhecimentos
da língua materna em favor do aprendizado da língua estrangeira. O
espanhol e o português compartilham traços lexicais, sintáticos, entre outros.
Esses traços podem ser explorados nas aulas de espanhol língua
76 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
estrangeira, mas a aula não deve se limitar a tais dados. No entanto, tal
tarefa não é fácil, pois, no Brasil, foram legitimadas algumas metodologias
que restringiram o ensino de espanhol a uma mera decodificação de itens,
ocupando-se, assim, de uma análise mais superficial das línguas. Tal
procedimento parte dos aspectos compartilhados por tais línguas e, depois,
focaliza as diferenças lexicais . (González e Celada 2000, p. 39).
No senso comum, entendemos a produção em espanhol, como
uma extensão da produção em português, uma vez que as duas línguas
compartilham semelhanças ―como toda la gente sabe‖ (González e Celada
2000, p. 37). O fato de serem próximas pode repercutir no desenvolvimento
da competência linguística do aprendiz de espanhol língua estrangeira. Tal
proximidade entre as línguas favorece os ―empréstimos‖ para preencher
alguma lacuna imediata que o aprendiz possa ter ao adquirir a língua
estrangeira. O ―empréstimo‖, que seria a utilização de um elemento da língua
materna na língua estrangeira, estaria licenciado devido à proximidade das
línguas em questão.
O empréstimo é, segundo Ortiz Alvarez (2002), uma estratégia
benéfica no início da aprendizagem, mas, ao alcançar estágios mais
avançados, tais empréstimos podem se converter em uma barreira ou, até
mesmo, uma estagnação no processo. Além disso, tais semelhanças podem
provocar equívocos na língua estrangeira, uma vez que o aprendiz sai do
sistema linguístico do português esperando encontrar o mesmo sistema
linguístico na língua estrangeira. Tais dificuldades estão atreladas, no
princípio, ao plano lexical; contudo, a distância entre o português e o
espanhol não está apenas no léxico, há distância nos planos morfológico,
sintático e discursivo. No plano lexical, os manuais de gramática e as listas
de palavras parecem estar mais propensos a sanar essas dificuldades. Não
obstante, as questões sintáticas, morfológicas e discursivas parecem ser
relegadas a um segundo plano.
Aprender uma língua estrangeira não é, apenas, conhecer as
palavras correspondentes ou dar conta de situações descontextualizadas do
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 77
uso da língua. O aprendiz que adquire uma língua estrangeira se inscreve, na
cultura, no modo de pensar e conceber a linguagem. O aprendiz não é um
―turista‖ na língua estrangeira, pelo contrário, é um ser atuante que projeta
linguagem. Reorganizar-se (sistematicamente) em língua estrangeira é
também reorganizar-se a favor de uma identificação enquanto sujeito que
adquire uma língua estrangeira. Uma das finalidades do ensino-
aprendizagem de uma língua estrangeira é o seu papel comunicativo.
Esperamos que uma língua estrangeira se mantenha fiel ao seu papel
comunicativo e que vá além do campo da decodificação de elementos
isolados do texto.
O papel da língua materna: questões de interferência
Sobre o papel da língua materna no processo de aquisição de
língua estrangeira, Corder (1967, p.88) propõe que a primeira apoia o
aprendiz no processo de aprendizagem da segunda, uma vez que há uma
velocidade de aquisição que está ligada a uma distância linguística, isto é,
quanto maior a proximidade, mais acelerado será o processo de aquisição.
Assim, entre línguas próximas, haverá maior acesso à língua materna para
ajudar na aquisição da língua estrangeira.
Conforme explicitado anteriormente, uma das relações entre o
par de línguas em questão é caracterizada por meio de uma proximidade
lexical, que pode ser superficial e/ou por meio de uma distância lexical, que
envolve contraste em pontos específicos. Tais relações, segundo Cintrão
(2004), promovem uma assimetria entre a distância de aquisição percebida e
a real. O aprendiz recorre mais aos empréstimos da língua materna para
produzir na língua estrangeira e, por seu turno, a proximidade legitima o uso
de elementos da língua materna em língua estrangeira.
A nossa pesquisa visa a incrementar a discussão acerca das
interferências linguísticas entre línguas próximas como é o caso do PB e do
espanhol. Para tanto, faremos um recorte, selecionando aprendizes de nível
inicial e focalizando somente as transferências lexicais que os aprendizes
78 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
testados reconheceriam, visto que estão em um nível inicial de língua
estrangeira, o que favorece, segundo os estudos de Ortiz (op. cit), um vínculo
maior com a língua materna. Utilizamos, conforme já dito, o teste de
reescritura, por se tratar de uma atividade mais sofisticada, em que o aluno
deve reconhecer a transferência de um item linguístico e corrigi-lo em língua
estrangeira. Sendo assim, os dados produzidos pelos informantes podem
contribuir para traçar o perfil do aluno de nível inicial de espanhol e do próprio
nível em questão.
Metodologia
Para a coleta dos dados, foram aplicados testes de reescritura a
aprendizes de espanhol como língua estrangeira de duas turmas do CLAC
(Cursos de Línguas Aberto à Comunidade), que consiste em um projeto de
extensão universitária, no qual alunos da graduação em Letras da FL/UFRJ
ministram aulas para a comunidade em geral. No que tange ao curso de
espanhol, a grande maioria dos alunos são brasileiros falantes de português
e os monitores são orientados por professores da Faculdade de Letras. O
curso está voltado para o desenvolvimento das quatro habilidades
linguísticas: escrita, leitura, compreensão e prática oral.
Perfil dos informantes
Os testes foram aplicados a um total de 14 alunos, com níveis
de escolaridade variados. Tais alunos cursavam o espanhol 3, terceiro
semestre do curso. Nenhum questionário foi aplicado, a fim de verificar se
todos os alunos selecionados para o teste eram, de fato, falantes de
português como língua materna.
O teste
Os alunos deveriam reescrever um texto produzido, em
espanhol, por um aluno do sexto período de graduação em Letras Português-
Espanhol, falante de português. O texto a ser reescrito tinha 16 linhas e 15
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 79
casos de interferência da língua materna já haviam sido identificados
previamente por nós.
A seguir, transcreveremos o texto utilizado no teste:
El texto hace um resumen sobre las protestas que ocurrieron en las
calles de dos gran centros urbanos brasileños. Por el bajo salário de los
ciudadanos y el aumento del valor de los transportes- que es un derecho del
pueblo- hubo esa reinvindicación.
En cuanto las personas del Senado tienen beneficios y no necesitan
de nada público, sea la salud, la educación o otra cosa, por teneren
condiciones financeras favorables, es pueblo fue a las calles preguntar que
ocurre en relación a eso. Hacerse ciudadanos en un país en que los
derechos de todos, ricos o no, tenían que ser iguales.
Ahora, la populación percebió que tiene el poder de cambiar las
cosas que le dicen respecto. El último movimiento que llevó tantas personas
a las calles sin tener una posición política declarada, en Brasil, fue a más de
veinte años. No hace sentido haber tantas reformulaciones de impuestos si el
valor del salário de los ciudadanos que pagan esos tributos públicos no
cambia, no sube conforme las cobranzas hechas.
No son sólo 20 céntimos, son muchas otras reinvindicaciones,
incluso esa. El pueblo despertó para la realidad, que está pagando un
producto que no funciona, así como la educación, la salud, la seguranza.
Nosotros servimos al gobierno cuando el tenia que servirnos, somos
tratados como niños, pero tenemos fuerza de personas mayores.
Aplicação do teste
Foi entregue, então, aos alunos participantes do teste uma folha
com o texto impresso e linhas em branco. Cada aluno deveria reescrever o
texto inteiro, corrigindo os ―erros‖ encontrados. O professor responsável por
aplicar o teste não poderia indicar se, de fato, havia ―erros‖ no texto, já que
era parte da tarefa o próprio aluno reconhecer os desvios no texto para, só
então, propor a correção. Também não foram dadas instruções específicas
sobre como deveria ser feita esta correção.
80 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
O teste foi realizado, durante a aula das referidas turmas, em
dias diferentes, aleatórios, já que foram necessárias autorização e
disponibilidade da professora de cada grupo. Não foi estabelecido um tempo
máximo para a execução da tarefa.
Análise dos dados
Após a aplicação do teste, os textos reescritos pelos alunos
foram mantidos em dois grupos (turma 1 e turma 2), para que se pudesse
observar, posteriormente, se haveria disparidade de resultados entre as
turmas e, em caso afirmativo, levantar possíveis justificativas para tal fato. A
partir de então, foram também contabilizadas as correções feitas, bem como
os casos de ausência de correção. Consideramos, aqui, como correção todos
os casos em que o aluno alterou alguma palavra ou expressão do texto
original por outra que julgava ser a adequada em espanhol. Esperava-se que
fossem identificados os casos de interferência da língua portuguesa e que
estes fossem substituídos pela forma correspondente em espanhol. Em
outras palavras, era esperado que o aprendiz reconhecesse traços
morfológicos, sintáticos, lexicais e fonológicos que pertencem ao português,
demonstrando, dessa forma, o grau de consciência que tem das diferenças
entre as línguas citadas.
Os dados recolhidos foram categorizados como ocorrências de
―interferência reconhecida‖ e de ―interferência não reconhecida‖. Foi
denominado ―interferência reconhecida‖ todo elemento (palavra ou
expressão) julgado pelo aluno como não pertencente à língua espanhola; e
―interferência não reconhecida‖ dados em que o aluno não percebeu que
havia interferência da língua materna.
A seguir, apresentamos um gráfico com a distribuição das duas
categorias, em que a análise inicial se baseou:
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 81
Gráfico 1
Somados os dados das duas turmas, os alunos obtiveram um
índice de 46,6% de reconhecimento de interferência, ou seja, reconheceram
quase metade dos casos de interferência presentes no teste.
De maneira geral, os casos de reconhecimento se assemelham
no que tange ao tipo de interferência identificado. Os informantes se atinham
apenas a palavras isoladas, o que parece indicar que não buscavam
elementos que fugissem do plano lexical, como, por exemplo, corrigir
sentenças inteiras, desvios de concordância verbal etc. Podemos relacionar
o tipo de correção feita pelos alunos ao que afirmam González e Celada
(2000) sobre a tradição dos estudos de língua espanhola no Brasil. As
autoras defendem que tais estudos se mantiveram durante anos estagnados
num modelo que propunha o contraste entre itens, termo a termo, de
maneira que o estudo do espanhol permanecia superficial e centrado apenas
nas diferenças mais aparentes.
Na segunda etapa da análise, foi feito o levantamento das ocorrências
de interferência identificada e sua correção. Nas duas turmas avaliadas, os
elementos identificados como não pertencentes ao espanhol foram
basicamente os mesmos, inclusive nos casos em que foram corrigidos de
forma equivocada. Vejamos, então, os dados recolhidos em cada turma.
82 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Quadro 1
Casos de
interferência
presentes no teste
Correção esperada das
interferências
Correção não
esperada
um un
salário sueldo
reinvidicación reivindicación
en cuanto encuanto
necesitan de nada
por teneren
financeras
hacerse ciudadanos
populación población
percebió percibió
fue a más de veinte
años
no hace sentido
cobranzas
seguranza
tenia tenía
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 83
Quadro 2
Turma 1
Interferência
reconhecida
Corrigida como
esperado
―la populación‖ ―la población‖
―tenia‖ ―tenía‖
―reinvidicación‖ ―reivindicación‖
―um‖ ―un‖
Quadro 3
Interferência
reconhecida
Corrigida de forma
equivocada
―en cuanto‖ ―encuanto‖ (neste caso,
a forma esperada era
―mientras‖)
84 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Quadro 4
Turma 2
Interferência
reconhecida
Corrigida como
esperado
―la populación‖ ―la población‖
―tenia‖ ―tenía‖
―reinvidicación‖ ―reivindicación‖
―um‖ ―un‖
―salário‖ ―sueldo‖
―percebió‖ ―percibió‖
Quadro 5
Interferência
reconhecida
Corrigida de forma
equivocada
―en cuanto‖ ―encuanto‖ (neste caso,
a forma esperada era
―mientras‖)
Com base nos dados, observamos que, dos 15 casos de
interferência existentes no teste, apenas 7 foram reconhecidos, com uma
média de 1 a 3 correções por aluno. Apenas dois alunos reconheceram mais
de três erros. Podemos ressaltar, ainda, que os resultados encontrados em
ambas as turmas mostraram-se bastante similares.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 85
Apesar de quase metade dos casos de interferência ter sido
reconhecida, na verdade, grande parte dos alunos corrigiu pouquíssimos
itens, fato que pode ser relacionado a não consciência sobre a distância real
entre o espanhol e o português. Os dados parecem indicar que este grupo
de alunos ainda se atém à distância percebida entre ambas as línguas a que
se refere Cintrão (2000), por isso não identificam elementos da língua
materna em meio ao texto em espanhol. No entanto, é válido postular
também que, como são alunos de nível inicial, provavelmente não conhecem
algumas palavras e estruturas do texto, portanto não saberiam se pertencem
ao espanhol de fato.
Ao ler o texto e tentar corrigir o que lhes parecia um ―erro‖, os
aprendizes se mantiveram num nível bastante superficial já que se centraram
basicamente em reescrever apenas palavras isoladas. Em nenhum dos
casos, foram corrigidos, por exemplo, falta de concordância ou expressões
inexistentes no espanhol. Vale ressaltar, inclusive, o fato de que muitos
alunos não reescreveram o texto conforme foi pedido no enunciado da
questão. Eles apenas escreveram os vocábulos separadamente, o que pode
também ser um indicador da falta de reconhecimento de ―erros‖ que
ultrapassam o nível do vocábulo, como seria esperado em casos como ―no
necesitan de nada‖ e ―fue a más de veinte años‖.
Abaixo, listam-se, no quadro 6, os dados de interferência do
português que não foram identificados pelos alunos:
86 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Quadro 6
Formas não identificadas Correção esperada
necesitan de necesitan
por teneren porque tienen
financeras financieras
hacerse ciudadano ser ciudadano
a más de veinte años hace más de veinte años
no hace sentido no tiene sentido
cobranzas cobro
seguranza seguridad
Considerações finais
Os dados da análise realizada revelam que, nos níveis iniciais,
os aprendizes são capazes de reconhecer interferências em itens isolados,
posto que, apesar de terem reconhecido boa parte dos casos de
interferência do teste (46,6%), não tentaram reorganizar uma sentença
inteira, por exemplo. Segundo Gonçalves (2013), os aprendizes de espanhol,
falantes de PB, apresentam em suas produções textuais alguns equívocos
por não dominarem o significado do elemento linguístico em questão.
Com efeito, a distância entre o par de línguas analisado pode
ser, conforme o que já foi exposto anteriormente, um facilitador no processo
de aprendizagem. No entanto, a semelhança entre as línguas pode interferir
de maneira negativa em situações como a do teste aplicado, impedindo que
os aprendizes possam reconhecer algumas interferências características do
português no espanhol. Provavelmente por este motivo, o índice de
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 87
reconhecimento de interferência por aluno tenha sido baixo (cada um
identificou de 1 a 3 casos).
Podemos propor, desse modo, a existência de níveis diferentes
de reconhecimento de interferência e, por sua vez, este nível de interferência
seria inversamente proporcional aos níveis de proficiência no espanhol
língua estrangeira. Isto é, quanto mais interferência o aprendiz apresentar,
menor será a sua proficiência em língua estrangeira. No caso do estágio
investigado nesta pesquisa, parece haver um menor reconhecimento de
interferências, o que parece indicar a necessidade de, já nesses estágios
iniciais, ter início um trabalho de conscientização sobre as distâncias entre
línguas tão próximas, como é o caso do PB e do espanhol.
88 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Notas
1 Coordenadora da Pós Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ.
3 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ.
4 Fossilização ou cristalização são os termos usados, geralmente, para denotar o que
parece ser um estado de falha permanente por parte do aprendiz de língua estrangeira ao
adquirir um elemento da língua estudada.
5 Demoramos muito por aqui a deixar as línguas, sobretudo as estrangeiras, como meros
instrumentos para o acesso a outros campos, mais nobres, e para permitir que estas
construam um objeto de estudo e reflexão em e por si mesmas. (Tradução nossa).
Referências
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90 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
AVALIAÇÃO ORAL: PRÁTICAS ALTERNATIVAS
ORAL ASSESSMENT: ALTERNATIVE PRACTICES
Carlos da Silva Sobral1
Julia Ferreira Lobão2
Mariana Warderlei Braga3
Resumo
Este estudo tem como objetivo problematizar as técnicas tradicionais de avaliação oral. Considerando problemas encontrados durante as avaliações desse formato nas turmas de nível B1 (Quadro Europeu Comum Referência para Línguas) do curso de italiano do CLAC como, por exemplo, o bloqueio momentâneo da competência oral, foram propostas outras abordagens que pudessem saná-los. Percebemos que bons alunos não conseguiam demonstrar suas reais habilidades, fazendo muitas vezes maus exames. Com isso, pensamos em práticas alternativas para que o aluno não se sentisse avaliado. O objetivo é captar o seu desempenho oral em ambiente mais calmo e espontâneo, afastando possíveis erros causados pela ansiedade ou pelo medo gerados pela temida avaliação. Desse modo, o nosso estudo se divide em duas partes: a primeira se fundamenta na leitura de textos teóricos referentes à educação e à psicologia para servir de embasamento para a segunda, que consiste de exercícios gravados com os alunos dentro de sala de aula. Assim, acreditamos ser possível aplicar uma avaliação por meio de uma perspectiva modulada, mais justa e eficaz. Palavras-chave: avaliação oral; italiano; práticas alternativas.
Abstract This study aims at problematizing traditional techniques of oral assessment. Taking into consideration problems that were found in assessments of this format in B1 level classes (Common European Framework of Reference for Languages) of the Italian course at the Language Courses Open to the Community – CLAC (for instance, a momentary block of oral competence), other approaches which could solve such problems have been proposed. We noticed that good students could not demonstrate their real skills, many times doing bad exams. Therefore, we thought of alternative practices so that the student would not feel as if they were being assessed. The goal is to observe their oral performance in a quieter and more spontaneous environment, fighting off possible mistakes caused by anxiety or fear of a frightening assessment. Therefore, our study is divided into two parts: the first one is based on the reading of theoretical texts related to education and psychology in order to serve as a foundation for the second part, which consists of recorded exercises with students in the classroom. Thus, we believe it is possible to apply an evaluation using a modulated, fairer and more effective perspective. Keywords: oral assessment; Italian; alternative practices
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 91
Introdução
Este trabalho traz uma reflexão sobre a avaliação oral aplicada
aos estudantes da língua italiana. Nossa preocupação com a maneira
tradicional de realizar avaliações orais surgiu logo nos primeiros contatos com
o ensino de L2. A partir da constatação de que os alunos apresentavam bom
desempenho oral no decorrer das aulas e sofriam uma espécie de bloqueio
durante as avaliações orais, começamos a pensar de que forma poderíamos
intervir para eliminar ou, pelo menos, diminuir os fatores determinantes do
problema em questão.
Nosso primeiro passo diante da problemática consistiu na busca
de estudiosos que tivessem discorrido sobre o tema e que pudessem, assim,
servir de embasamento teórico ao nosso estudo. São eles: Borneto (1998),
Ciliberti (1994), Mello (1992) e Walczyk (1997). Em seguida, procuramos
desenvolver e aplicar algumas práticas alternativas de avaliação, com o
objetivo de experimentar o que havia sido concebido em teoria.
Tais práticas foram aplicadas em quatro turmas de italiano do
nível B1 – terceiro semestre do curso oferecido pelo projeto de extensão
Cursos de Línguas Abertos à Comunidade (CLAC) – durante o primeiro e
segundo semestres de 2013. A escolha desse nível foi influenciada tanto pela
conveniência, considerando que já lecionávamos para turmas de italiano III,
quanto pelo fato desses alunos já possuírem, supostamente, uma boa
bagagem de conhecimentos referentes à LE, pois já tinham entrado em contato
com uma gama considerável de conteúdos gramaticais, tendo
consequentemente condições de exibir melhor performance oral do que os
alunos de níveis inferiores. Por outro lado, julgamos não ser interessante fazer
a experiência com estudantes de nível B2 (italiano IV), porque eles já estariam
em fase de conclusão de curso e, supostamente, menos sujeitos a grandes
desvios.
Considerando a impossibilidade de dispor de recursos
audiovisuais para a comprovação dos resultados obtidos a partir das
92 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
experiências, o texto será apresentado de forma analítico-descritiva. Destarte,
descreveremos, primeiramente, as turmas que foram avaliadas, com o objetivo
de formar um perfil do aluno de nível B1. Como segunda etapa, descreveremos
as experiências negativas e positivas ocorridas durante o período,
contrapondo-as e colocando em contraste, dessa forma, níveis de aprendizado
iguais, porém, em diferentes situações.
A avaliação e o filtro afetivo
Para comprovar as práticas defendidas, foram considerados
diversos teóricos das áreas de educação e psicologia.
Primeiramente, trataremos do conceito de avaliação, que vem
explicado em Ciliberti (2012: p.177) da seguinte maneira:
A avaliação constitui uma fase essencial do processo curricular. Essa tem
como objetivo verificar se o resultado atingido por meio da atividade de
aprendizado é qualitativamente e quantitativamente correspondente aos
objetivos de ensinamento. Serve então para distinguir: a) O que foi
planejado; b) O que foi realmente implementado; c) O que os estudantes
aprenderam efetivamente. Além do objetivo de avaliar formalmente os
estudantes na fase final ou em fase intermediária de um programa de
estudos, a avaliação realiza também uma função de observação sistemática
e contínua dos resultados de ensinamento e aprendizado, além de uma
função de promoção para o estudante.
Assim, de acordo com a autora, a avaliação é, antes de tudo, uma
forma de mediação para controlar o aprendizado do aluno. Porém, quando não
é feita de forma adequada, existe a probabilidade de que o aluno se sinta
desconfortável e levante o que chamamos de filtro afetivo.
No curso de italiano do CLAC, a avaliação oral tem o valor total de
cinco pontos e são levados em consideração os seguintes aspectos: fluência,
vocabulário, gramática, contexto e pronúncia. Portanto, a prova oral tem grande
peso na média final, que deve ser igual ou maior que sete. O fato de o aluno ter
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 93
acesso a tal informação já aciona seu filtro afetivo de modo negativo. Como
podemos ver em Borneto (1998: p.260) o filtro afetivo é ―uma espécie de
barreira interior que é levantada pelo aprendiz para evitar a exposição às
influências que dizem respeito à língua e que são entendidas como negativas
ou perigosas‖.
Assim, cabe ao monitor de língua empenhar-se na busca da
construção de um ambiente confortável para seus alunos, no qual sejam
avaliados os conhecimentos e a performance, sem que haja a interferência do
filtro afetivo, que os impede de testar as reais noções e competências
linguísticas. A ausência do filtro afetivo facilitará o trabalho de educadores e
educandos, uma vez que turmas com baixos níveis de estresse são mais
produtivas.
Segundo Walczyk (1997: p.10),
procedimentos em sala de aula que exercem extrema pressão sobre o aluno
também podem gerar estresse. Há pesquisas mostrando que há prejuízo na
leitura e compreensão do texto quando a atividade é exercida em situações de
pressão de tempo.
E ainda a esse respeito, de acordo com Mello (1992: p.119),
É necessário pensar em estratégias para minimizar a exposição tanto do aluno
quanto do corpo docente a fatores estressantes. Muitas vezes aprender a
identificar quais são os fatores que estão desencadeando o processo de
estresse já muda muitíssimo a situação. A partir do momento que temos
consciência sobre o que se constitui em estímulos estressores para cada um
de nós, temos a possibilidade de enfrentá-los de uma maneira muito mais
efetiva.
De acordo com as reflexões feitas, podemos afirmar que este
artigo aponta para a importância de uma melhora do ambiente de sala de aula
e põe o foco na problemática que diz respeito à avaliação, que traz quase
sempre estímulos aumentadores de estresse.
94 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Perfil das turmas de nível B1 do CLAC
Na sequência, serão apresentados os perfis das turmas nas quais
foram aplicadas as práticas de avaliação oral, tanto tradicionais como
alternativas.
Turma A, nível B1, 2013.2
Turma constituída por 11 alunos: 2 homens e 9 mulheres, com
idades entre 19 e 25 anos, todos cursando o ensino superior. Entre todos os
alunos, apenas um tinha conhecimento prévio da língua. Oito alunos
pretendiam estudá-la para incrementar o currículo e três tinham intenção de
viajar com o conhecimento da língua.
Turma B, nível B1, 2013.1
Turma constituída por 16 alunos: 8 homens e 8 mulheres, com
idades entre 20 e 36 anos, 13 alunos cursando o ensino superior e 3 alunos
graduados. Entre todos, apenas uma aluna tinha conhecimento prévio da
língua e três manifestaram intenção de utilizá-la como ferramenta de trabalho.
Os demais declararam querer aprender a língua por hobby.
Turma C, nível B1, 2013.2
Turma constituída por 4 alunos: 2 homens e 2 mulheres, com
idades entre 18 e 34 anos, 2 alunos cursando o ensino superior e 2 graduados.
Entre todos, dois possuíam conhecimento prévio da língua. Todos os alunos
pretendiam estudá-la para incrementar o currículo e para viajar.
Turma D, nível B1, 2013.1
Turma constituída por 12 alunos: 2 homens e 10 mulheres, com
idades entre 18 e 60 anos, 2 alunos no nível médio, 7 no superior e 3
graduados. Entre todos os alunos, um possuía conhecimento prévio da língua.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 95
Todos declararam intenção de estudá-la para incrementar o currículo e para
viajar com o conhecimento da língua.
O gráfico 1 apresenta a distribuição percentual por grau de
escolaridade referente ao conjunto de alunos que participaram deste
experimento.
Descrição das experiências
Primeira experiência
A primeira prática de avaliação oral foi aplicada na turma A e
resultou em uma experiência negativa. O monitor colocou um trecho do início
do filme Il sorpasso, que tem a duração de cerca de 10 minutos. Em seguida,
os alunos deveriam falar sobre algumas questões pertinentes ao trecho que
tinham acabado de assistir, como, por exemplo, sobre os personagens, a
descrição do ambiente e os diálogos.
Sem que os alunos esperassem, a câmera foi ligada pelo monitor,
sendo anunciado que seria feita, então, uma avaliação oral, na qual cada
aluno, na frente de todos, deveria falar sobre como, segundo eles, o filme
96 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
terminaria. Foi explicado, ainda, que o vídeo serviria para que o monitor, junto
aos coordenadores do curso pudesse, assim, melhor avaliá-los.
Com este procedimento, foram introduzidos diversos elementos
tensores, provocando o aumento do filtro afetivo nos alunos, interferindo,
assim, no desempenho de suas capacidades orais. Foi observado que antes de
a câmera ser ligada e a prova oral ser anunciada, os alunos apresentavam
fluência em LE; após isso, todos os alunos sofreram uma espécie de bloqueio
momentâneo e cometeram erros muito elementares, característicos de alunos
de níveis inferiores.
Segunda experiência
A segunda experiência foi desenvolvida na turma B. Nesta, o
formato de avaliação escolhido foi uma prova oral informal, considerando que
os alunos não sabiam que estavam sendo avaliados. Para sua realização foi
trazida uma máquina digital; uma encenação seria feita e registrada com o
pretexto de que o vídeo produzido seria disponibilizado no site Youtube para
que os alunos mostrassem para seus amigos e familiares.
O tema escolhido para a encenação foi o de uma simulação de
entrevista de emprego: os alunos constituíram duplas formadas pelo monitor.
Cada dupla foi formada por um aluno com maior fluência e outro com
rendimento oral mais baixo, para que ambos pudessem trocar experiências. A
simulação fluiu muito bem: o monitor permitiu que os alunos utilizassem textos
de apoio com a recomendação expressa de que seria permitido lançar mão
deles só em caso de esquecimento de uma palavra. Os alunos, por sua vez,
sem saber que estavam sendo avaliados, responderam à tarefa proposta com
muita desenvoltura e bom humor. A gravação foi levada para casa e o
desempenho dos alunos foi avaliado pelo monitor calmamente, podendo rever
o vídeo quantas vezes achasse necessário para uma avaliação mais justa.
Quando informados que o vídeo tinha servido para uma avaliação oral, sem
que eles soubessem, primeiramente os alunos se mostraram surpresos e, em
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 97
seguida, gostaram muito da ideia, alegando que, por se tratar de uma
―brincadeira‖, não tinham ficado nervosos ou ansiosos.
Terceira experiência
Na turma C, foi aplicada uma avaliação tradicional: somente o
monitor e o aluno avaliado estavam presentes em sala de aula. O tema foi
apresentado de surpresa e os alunos responderam a um pequeno questionário
relativo à saúde, esporte e bem-estar. As perguntas, feitas em italiano, foram
as seguintes:
1 - Você costuma se exercitar? Que esportes pratica?
2 - Como é a sua alimentação? Você costuma ingerir frutas e verduras?
3 - Você tem algum hábito que gostaria de mudar como, por exemplo, fumar,
beber, comer comidas gordurosas, ser sedentário etc.?
4 - Você considera que a saúde mental seja importante para que se mantenha
uma boa qualidade de vida? Por quê?
5 - Que conselhos você daria a uma pessoa sedentária que trabalha demais e,
por isso, vive estressada?
Como visto, as perguntas eram de nível básico e seriam
facilmente respondidas por um aluno de nível B1. Porém, colocadas no
contexto negativo de estresse e ansiedade, com a presença única do monitor,
que estaria ali para corrigir os supostos erros de construção de frase, as
reações foram muito adversas.
Alguns alunos se mantiveram calmos, considerando que este
seria um processo pelo qual teriam que passar para serem avaliados. Outros,
porém, misturaram idiomas, simplesmente não conseguiram responder às
perguntas de forma clara e, inclusive, nessa turma tivemos a experiência de um
aluno, que diante das cinco perguntas e da impossibilidade de respondê-las por
causa do nervosismo, começou a chorar. Surpreendentemente, o aluno em
questão era o que obtinha as melhores notas nas provas escritas, portanto,
detentor de bons conhecimentos gramaticais.
98 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Quarta experiência
Na quarta experiência, os alunos da turma D foram colocados em
uma situação caracterizada como positiva, na qual foram reduzidos ao máximo
os elementos tensores que pudessem interferir no desempenho oral.
Nessa avaliação, o monitor comunicou aos alunos (com duas
semanas de antecedência) qual seria o tema abordado durante a avaliação
oral. Assim, os alunos tiveram a oportunidade de preparar melhor o que seria
falado, poderiam escrever um texto em casa e memorizá-lo, podendo também
entrar em contato com novas estruturas e itens lexicais da língua estrangeira.
Ao descartar o elemento surpresa, já que os alunos conheciam o
tema que tinha como foco as características e a história de uma cidade da Itália
de escolha própria, os resultados apresentados foram excelentes: observou-se
que além de os alunos falarem de maneira fluente, eles empregaram muito
bem formas que ainda não haviam aprendido durante o curso, revelando que o
exercício de memorização do texto permitiu que eles aprendessem novas
frases e estruturas gramaticais do italiano.
É importante lembrar que, durante a avaliação, o monitor interferiu
muito pouco, permitindo que o tema fosse abordado livremente, justamente
para evitar que os alunos se assustassem com uma possível resposta para
uma pergunta não prevista em suas falas.
O gráfico abaixo sistematiza o desempenho das turmas tendo
como referência notas maiores e menores do que 7, média para aprovação no
CLAC. Foram considerados os seguintes parâmetros: pronúncia, vocabulário,
gramática, fluência e contexto, cada qual valendo 2 pontos.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 99
Discussão dos resultados
A partir das experiências relatadas e dos conceitos de avaliação e
filtro afetivo, podemos concluir que, quando a esfera pessoal do aluno é
atingida e seu filtro afetivo é acionado, ocorre uma espécie de bloqueio
momentâneo que interfere de forma negativa na avaliação do aluno, alterando
e pondo em crise sua confiança com relação ao seu conhecimento de L2.
Pudemos observar que os alunos que costumavam obter bons
resultados, não conseguiam ter uma boa desenvoltura de oralidade devido ao
estresse causado pelas avaliações tradicionais. Faz-se necessário, então, que
as práticas de avaliação oral sejam repensadas e, assim, elaboradas com
grande cuidado, visando um julgamento das reais capacidades do aluno,
aquelas que seriam avaliadas durante todo um semestre e não apenas as
capacidades momentâneas que seriam avaliadas durante alguns minutos de
prova.
Em plena era digital, com tantos recursos de mídia e tecnologia, é
preciso renovar estratégias pedagógicas, andragógicas e de avaliação. O
educador deve ter em vista que é necessário apropriar-se de recursos que
facilitem e inovem a forma de medir competências, considerando que as
100 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
avaliações tradicionais atendem a outro tipo de exigência, que era muito focada
e requerida em outra época e em outro tipo de sociedade.
Considerações finais
O resultado de nosso estudo mostrou-nos que é preciso dinamizar
estratégias que culminem no desenvolvimento tanto de técnicas quanto de uma
maleável filosofia de ensino que atendam ao perfil multifacetado do homem do
terceiro milênio e que considere toda a gama de instrumentos e experimentos
disponíveis numa sociedade globalizada.
Dito isso, as aplicações de avaliações alternativas voltadas para o
dia-a-dia de nossos alunos foram criadas com o objetivo de solucionar ou
minimizar os estresses apontados durante todo o artigo. Diante dos resultados
obtidos, propomos que as provas orais de L2 sejam feitas nos seguintes
moldes: 1) proposta de apresentação de diálogo criado pelos próprios alunos,
registrada em vídeo, para que o monitor possa avaliar o aluno em um ambiente
mais confortável; 2) atividades extraclasse como, por exemplo, corais, peças
de teatro, ou seja, atividades públicas que ofereçam a oportunidade de
cooperação entre os discentes, trabalhando a expressão corporal e a aquisição
de léxico; 3) observação do aluno nas atividades orais propostas ao longo do
semestre, para que o desempenho em uma prova de 5 minutos não
comprometa o seu desempenho final.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 101
Notas
1 Professor Associado II, no Departamento de Letras Neolatinas e no Programa de Pós-
Graduação em Língua e Literatura Italiana da UFRJ.
2 Graduanda do Curso de Letras/UFRJ.
3 Graduanda do Curso de Letras/UFRJ.
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102 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
ESTUDO COMPARATIVO ENTRE OS MÉTODOS ALTER EGO 2 E ALTER
EGO 2+ E SEU USO NOS CURSOS DE LÍNGUA FRANCESA DO
CLAC/UFRJ
COMPARATIVE STUDY BETWEEN ALTER EGO 2 AND ALTER EGO 2+
METHODS AND THEIR USES IN CLAC FRENCH COURSES.
Mariana Gomes de Matos¹
Marília Santanna Villar²
Resumo Analisamos algumas atividades e aspectos didáticos propostos pelos métodos de Francês língua estrangeira (FLE) Alter Ego 2 e sua versão mais recente, Alter Ego +2. As duas tem sido utilizadas nos cursos de francês dos Cursos de Línguas Abertos à Comunidade (CLAC/UFRJ) e correspondem ao nível elementar (A2) de aquisição da língua, segundo o Quadro europeu comum de referência para as línguas (QECRL). Informantes, monitores que utilizam este método para lecionar nos cursos de francês do CLAC, consideram negativa a abordagem de leitura da antiga versão do método, mencionando a pouca exposição do aluno a documentos autênticos; os tamanhos reduzidos dos documentos utilizados ou o caráter acrítico das atividades. A nova versão surpreende, portanto, ao expor, além de novos textos mais longos, originais ou semi-autênticos, propostas de preparatório para o DELF. Deste modo, buscamos refletir se a nova versão de Alter Ego apresentaria uma mudança significativa de abordagem, sobretudo nos exercícios de compreensão escrita, comparando as atividades contidas em cada versão e relacionando-as às propostas do QECRL. Pressupomos que as atividades contidas no novo método estariam em consonância com o exigido pelo quadro, o que, no entanto, não implicaria necessariamente na aplicação de tais atividades no CLAC. Palavras-chave: perspectiva acional; tarefas; língua francesa; texto; compreensão escrita.
Abstract We have analyzed some activities and didactic aspects proposed by the French as foreign language methods Alter Ego 2 and its latest version, Alter Ego +2. Both have been used in the French courses of Language Courses Open to the Community (CLAC / UFRJ) and correspond to the elementary level (A2) of language acquisition, according to the Common European Framework of Reference for Languages (CEFRL). Our sources, that is, monitors who use these methods to teach French language at CLAC, consider the reading approach of the old version of the method negative, mentioning the restricted exposure of students to authentic documents, the reduced size of the documents used or the uncritical nature of activities. The new version surprises, therefore, in exposing, – besides new longer, original or semi-authentic texts – preparatory exercises for the DELF. Hence, we seek to investigate whether the new version of Alter Ego would present a significant change in approach, particularly in written comprehension exercises, by comparing the activities contained in each version and relating them to the CEFRL's proposals. We assumed that the activities in the new method would be in line with those required by the framework, which, however, does not necessarily imply the use of such activities at CLAC. Keywords: Task approach, tasks, French language, text, written comprehension.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 103
Alter Ego e Alter Ego 2+: características metodológicas e algumas
mudanças gerais
Utilizado nos cursos de língua francesa do projeto de extensão
Cursos de Línguas Abertos à Comunidade (CLAC) da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) desde o primeiro semestre de 2009, o método de
francês língua estrangeira (FLE) Alter Ego apresenta características
relacionadas à perspectiva acional de ensino e aprendizagem. O mesmo se
pode dizer de sua edição mais recente, Alter Ego +, publicada em 2012 e
usada no CLAC desde o primeiro semestre de 20133.
A princípio, podemos observar que as mudanças na nova versão
se dão sobretudo em aspectos formais. Ela, por exemplo, apresenta uma
unidade didática (chamadas de dossiers) a menos que a sua versão antiga,
que continha nove dossiers. É mantida, porém, a organização da aula (ou
sequência pedagógica) em página dupla (duas páginas para cada sequência,
totalizando duas sequências por lição).
Figura 1: Alter Ego 2, dossier 1, lição 1 Fonte: (Berthet, 2006, p. 12-13); (idem, 2012, p.16-17)
104 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Figura 2: Alter Ego +2, dossier 1, lição 1 Fonte: (Berthet, 2012, p.16-17)
Para uma mesma lição, contida em um mesmo dossier, foram
propostos novos documentos na versão recente. Isto é, tal como é possível ver
no exemplo acima, enquanto Alter Ego 2 propusera a análise de uma página de
revista, Alter Ego +2 utilizou a página de uma rede social. No entanto, os
objetivos sociolinguageiros previstos pela lição permanecem – por exemplo: as
duas lições pretendem abordar, dentre outras competências, a descrição de
uma pessoa (seu caráter, seus defeitos e qualidades) como objetivo
comunicativo, tal como podemos visualizar no sumário (tableau de contenus),
exposto abaixo.
Figura 3: índice de Alter Ego 2
Fonte: (Berthet, 2006, p.6)
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 105
Figura 4: índice de Alter Ego +2
Fonte: (Berthet, 2012, p.10)
Além disso, vale a pena destacar a mudança do lay-out das
páginas duplas entre uma edição ou outra. Em Alter Ego, por exemplo, as
atividades de fixação do conteúdo gramatical/lexical (chamadas de s‟exercer)
são propostas no final da segunda página dupla da lição (no canto direito da
segunda página, especificamente). Em Alter Ego +, as atividades de s‟exercer
ganham páginas próprias, situadas ao final de cada dossier (ver Figuras 5 e 6).
É válido observar também que, ao final de cada dossier, podemos
encontrar, em Alter Ego+, exercícios simuladores de exames do diploma de
estudos de língua francesa (DELF), reforçando seu objetivo de estar
condizente com as diretrizes descritas pelo quadro comum europeu de
referência para as línguas (QECRL), tal como consta na introdução de Alter
Ego +2: ―Alter Ego+2 [...] visa a aquisição das competências descritas no nível
A2.2 e B1.1 do QECRL[...]. Ele permite se apresentar ao DELF A2‖ (Berthet,
2012, p. 3)4.
Enfim, muitos outros aspectos relacionados à análise de ambas
as edições poderiam ser mencionados e comentados aqui. Por outro lado,
dentre as características citadas, acreditamos ser pertinente abrir um tópico
para descrever a abordagem ou perspectiva pedagógica que permeia todo o
método: a perspectiva acional.
106 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Figuras 5 e 6: lugar da página s‟exercer em Alter Ego 2 (dossier 1, lição 1) e Alter Ego +2 (dossier 1), respectivamente.
Fonte: (Berthet, 2006, p.14 e 15); (idem, 2012, p. 30 e 31)
Uma breve explicação sobre a Perspectiva acional
Surgida nos anos 2000, a perspectiva acional defende a
aprendizagem de uma língua estrangeira com base na apreensão de todo um
conjunto de atividades e saberes ligados ao cotidiano dos alunos e da(s)
cultura(s) ligada(s) à língua alvo estudada. Assim, as atividades propostas por
essa perspectiva não apresentam caráter apenas linguageiro, isto é, um
aprendizado da língua pela língua, ou do aprendizado da língua como a mera
simulação de comunicação. Com efeito, na perspectiva acional, o usuário da
língua é compreendido também como um ator social que deve cumprir tarefas
(tâches), em circunstâncias e meios dados, no interior de um domínio de ação
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 107
particular. A tarefa constitui, portanto, o objetivo acional último que o aluno, ator
social, deve desenvolver, de modo a resolver um problema, cumprir uma
obrigação ou alcançar um fim proposto. Logo, podemos entender como tarefa
ações variadas, como pedir uma refeição no restaurante, registrar um boletim
de ocorrência, negociar um contrato, preparar um jornal com a turma, entre
muitos outros.
Desse modo, os atos de fala se realizam através de atividades
linguageiras (compreensão e produção, oral e escrita) que viabilizam a
concretização de muitas outras atividades, fazendo também parte delas. Ou
seja, os atos de fala inserem-se no interior de ações pragmáticas que por si
mesmas dão seu significado ao contexto social. Enfim, as atividades
linguageiras são os meios pelos quais a tarefa, cirscunstância próxima da vida
real, pode se concretizar. Isso se reflete, por exemplo, na definição que o
QECRL5 expõe sobre o conceito de texto.
É definida como texto toda sequência discursiva (oral e/ou escrita) inscrita em
um domínio particular e que dá lugar, como objeto ou como objetivo, como
produto ou como processo, à atividade linguageira em curso de realização de
uma tarefa.‖ (CONSEIL DE L‘EUROPE, 2001, p. 15).
Nessa pesquisa, devido à variedade de suportes propostos pelos
métodos, e a fim de facilitar a análise dos documentos propostos, levaremos
em conta apenas os registros de atividades de compreensão escritas de Alter
Ego e Alter Ego+, correspondentes ao nível elementar (A2) de aquisição da
língua.
A perspectiva acional em Alter Ego 2 e Alter Ego 2 +
A perspectiva acional, podendo ser chamada também de
abordagem orientada para a ação (BICALHO, p. 408), é explicitada desde a
introdução (avant-propos) dos métodos Alter Ego e Alter Ego +, publicados em
2006 e em 2012, respectivamente. Em ambas as edições, os autores expõem
seu ponto de vista positivo em relação ao conceito de tarefas, vistas como
108 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
motivadoras da implicação do aluno no seu próprio aprendizado e com as quais
ele pode adquirir conhecimentos gerais e estratégias de comunicação, tal como
descrito em Alter Ego 2.
As tarefas propostas se pretendem o reflexo de situações autênticas, em
domínios distintos (pessoal, público, profissional, educativo...), a fim de
valorizar a motivação do aluno e sua implicação no aprendizado. Assim, este
desenvolve conhecimentos, mas também estratégias de comunicação:
interação, mediação... (Berthet,2006, p. 3)
Em Alter Ego +2, neste mesmo trecho, percebemos uma
mudança de nuance em relação ao papel de destaque que o aluno ganha em
seu aprendizado, delineando-se a concepção do estudante enquanto ator
social: não são adquiridas apenas estratégias para utilizar a língua estrangeira,
como a própria ação de usar a língua estrangeira em si, de modo autônomo.
As tarefas propostas se pretendem o reflexo de situações autênticas, em
domínios distintos (pessoal, público, profissional, educativo...), a fim de
valorizar a motivação do aluno e sua implicação no aprendizado. Assim, este
desenvolve conhecimentos mas também estratégias que o levam
progressivamente à autonomia. (Berthet,2012, p. 4, grifo nosso)
Além disso, ambos os métodos têm em comum o fato de
proporem percursos tematizados de aprendizagem, buscando realidades
próximas da vida e do cotidiano. Deste modo, os autores preocupam-se
também com o sentido, as emoções e a experiência de cada aluno, aspectos
estes vistos como meios facilitadores do processo de ensino-aprendizagem.
Outro aspecto pertinente de ser observado é o fato de Alter Ego
se ater ao uso do texto (escrito ou oral) como meio de conhecimento indutivo
de formas gramaticais/lexicais e também de outras atividades, que não
necessariamente serão linguageiras. Assim, por exemplo, a leitura e análise de
um texto escrito (Figura 7) serve como meio não apenas para se aprender o
modo verbal condicional, como também ―para expressar um desejo, fazer uma
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 109
sugestão‖ (tradução nossa), isto é, o uso desse modo para a expressão de
uma ideia, de uma competência - tal como explicitado na Figura 8.
Figuras 7 e 8 - Texto escrito e conceitualização gramatical em Alter Ego 2 (dossier 5, lição 1) Fonte: (Berthet,2006, p. 78)
Enfim, em Alter Ego 2 as tarefas constituem atividades de
produção (escritas e/ou orais) que apresentam a finalidade de verificar a
aquisição plena dos objetivos socio-linguageiros previstos pela sequência
pedagógica. Além disso, a tarefa (ou etapa de produção) visa a uma situação
semelhante a da vida real (redigir uma intervenção em um fórum), como
podemos perceber na tarefa proposta para a lição abaixo exposta.
110 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Figura 9 : tarefa de produção escrita em Alter Ego
Fonte: (Berthet,2006, p. 79)
Em Alter Ego+2, podemos observar que estas mesmas
características foram mantidas na lição analisada, havendo apenas algumas
modificações nos enunciados da tarefa de produção escrita:
Figuras 10, 11 e 12: Texto escrito, conceitualização gramatical e tarefa de produção escrita em Alter Ego+2 (dossier 6, lição 1).
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 111
Fonte: (Berther, 2012, p.110 e 111)
Porém, percebemos que em Alter Ego +2 há também um maior
delineamento da perspectiva acional, propondo, além da tarefa, a página
Projet, inserida em cada uma das lições do método6. Tal página reflete a
retomada pela perspectiva acional da ―pedagogia do projeto‖, promovida pelo
pedagogo francês Freinet durante a década de 50. De acordo com Christian
Puren, a pedagogia do projeto não constitui apenas ―um simples pretexto a
propor situações de comunicação simuladas, detentoras de atividades de
fixação final mais ou menos livres desses conteúdos‖, mas um ―agir referencial
de aprendizagem‖ (Puren, 2009, p.126). Isto é, a proposta de trabalho do
projeto, menos direcionada que a da tarefa, constitui uma ampliação da
autonomia dos alunos em seu aprendizado, oferecendo documentos que, com
as competências progressivamente adquiridas em aula, serão objetos de
discussão, negociação e cooperação entre o grupo.
112 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Logo abaixo, expomos um exemplo de como um projeto é
proposto por Alter Ego +2.
Figura 13 - Tarefa, em Alter Ego 2+, dossier 6, lição 1 (―Para conceber uma iniciativa ligada à cultura francófona, você vai: Tarefa lição 1: examinar iniciativas em função de aspirações comuns.‖)
Fonte: (Berthet, 2012, p. 111)
Na figura 14, expomos o projeto anunciado pela figura anterior, o
qual propõe-se que seja concretizado em três etapas sequenciais. A primeira
(Você reage a iniciativas realizadas em torno da língua francesa e/ou da cultura
francófona) leva os alunos a compreenderem exemplos de documentos
autênticos e de gêneros distintos, todos rementendo à ideia de uma iniciativa
coletiva (um anúncio para um concurso cultural, a agenda cultural de um curso
de línguas e o cartaz de um encontro de degustação de iguarias francesas).
Em seguida, é proposto aos alunos realizarem, em grupos, projetos de
iniciativas semelhantes às analisadas, em função da realidade em que moram
e estudam. Finalmente, colocam-se os projetos em comum, de maneira que os
alunos triem criteriosamente as iniciativas (a mais atraente, a menos custosa, a
mais fácil de concretizar) e escolham aquela que a turma poderia/gostaria de
colocar em prática. Figura 14: Projeto para lição 1, dossier 6, de Alter Ego +2 Fonte: (Hugot apud Waendendries, 2013, p. 34 e 35)
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 113
Alter Ego 2 e Alter Ego + 2: Comentários sobre algumas atividades de
compreensão escrita
No que toca às propostas de atividades ligadas à compreensão
escrita, podemos afirmar que houve uma manutenção do percurso proposto
pelas duas edições do método: os exercícios priorizam a percepção da
estruturação dos textos escritos, propondo, por exemplo, a análise do gênero
textual, dos elementos que o caracterizam, do autor do texto e de seu público-
alvo; a identificação do plano textual, entre outros. Isto se concretiza através da
apresentação de questões do tipo múltipla escolha; de questões discursivas
(com respostas abertas ou fechadas); e de identificação de informações
verdadeiras ou falsas no documento.
Para expandir a análise proposta, comentaremos duas
sequências pedagógicas localizadas no dossier 4, intitulado Médiamania,
presente em ambas as edições (Em Alter Ego 2, a sequência analisada se
encontra na lição 2; em Alter Ego +2, na lição 3). Apesar de não serem os
mesmos, os documentos propostos para o desenvolvimento das sequências
apresentam gênero textual equivalente (fait divers7) e são usados para
alcançar os mesmos objetivos socio-linguageiros (uso de verbos no passado
para falar de um fait divers).
Figuras 15 e 16 (respectivamente): textos para atividades de compreensão escrita em Alter Ego 2 (dossier 4, lição 2) e Alter Ego + 2 (dossier 4, lição 3)
114 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Fonte: (Berthet, 2006, p. 64); (idem, 2012, p. 78)
Primeiramente, observamos que a extensão dos textos entre uma
edição e outra aumentou (em Alter Ego, os artigos contém, respectivamente,
104 e 98 palavras; enquanto em Alter Ego +, 178 e 172 palavras). Na edição
mais recente, percebemos também uma maior preocupação em contextualizar
o documento escrito, tornando-o (mais) autêntico: os artigos teriam sido
publicados no jornal Metro, no dia 14 de janeiro, na rúbrica Actu France (Em
Alter Ego, o gênero do texto escrito proposto é discriminado apenas no
enunciado da questão de compreensão escrita - página de revista). Estes
dados propiciam que o professor possa, por exemplo, realizar questões de
compreensão global do documento aos alunos (Onde o texto foi publicado?
Quando? Em que seção do jornal? Entre outras). Deste modo, o conhecimento
prévio dos alunos no aprendizado da língua estrangeira é viabilizado e
valorizado. Além disso, essa contextualização torna o método mais condizente
com o descrito em sua introdução e com o CECRL.
Em ambas as edições, podemos afirmar que a primeira questão
de compreensão escrita (nos exemplos analisados) prioriza a compreensão
global ou prévia do documento, mesmo que percebamos mudanças na
formulação das questões em si: na edição antiga, questiona-se de modo
discursivo a natureza do gênero dos documentos analisados (questão 1.2: Diga
de qual gênero de artigos se trata), enquanto que, na edição mais recente do
método, a mesma questão oferece respostas de múltipla escolha (questão 1.1:
Escolha a rúbrica correspondente: economia; jogos; fait divers, sociedade).
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 115
Figuras 17 e 18: Questões de compreensão escrita global em Alter Ego 2 (figura 17) e Alter Ego 2+ (figura 18).
Fonte: (Berthet, 2006, p. 64); (idem, 2012, p. 78)
A questão que se segue prioriza a compreesão detalhada do
documento, demandando em que ordem se encontram as ideias que cada
parágrafo dos artigos expressa (evento principal; circunstâncias do evento;
consequências e causas). Neste caso, o objetivo e o caráter discursivo das
questões é essencialmente mantido, salvo alguns acréscimos de ordem lexical
em Alter Ego + 2.
Figuras 19 e 20: Questões de compreensão escrita detalhada em Alter Ego 2 (figura 17) e Alter Ego 2+ (figura 20) Fonte: (Berthet, 2006, p. 64); (idem, 2012, p. 78).
116 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
É pertinente afirmar também que as atividades de compreensão
escrita acima expostas refletem o protagonismo do aluno na construção
autônoma do conhecimento, tal como defendido pela perspectiva acional e tal
qual exposto no índice de Alter Ego 2+. Isto porque, posteriormente, ela servirá
como meio de viabilizar a conceitualização gramatical (tempos do passado
para escrever um fait divers). Deste modo, a organização da sequência
pedagógica também corresponde ao previsto pela perspectiva acional, em que
a progressão didática se dá do sentido à forma. É válido notar também que
questões tais quais as analisadas aqui são totalmente previstas nas etapas de
compreensão escrita dos exames do DELF, comprovando mais uma vez a
condizência do método com as diretrizes que ele propõe na introdução.
Críticas de futuros professores às edições de Alter Ego e Alter Ego +
Em entrevista feita via internet com quatro (ex-)monitores de
francês do CLAC/UFRJ (aqui nomeados como informante 1 (I1); informante 2
(I2); informante 3 (I3) e informante 4 (I4)), foi-lhes proposto que expusessem
sua opinião sobre as duas edições do método8, e também que fizessem
comentários de sua prática pedadógica. Foram realizadas perguntas como:
―Com quais edições de Alter Ego você já trabalhou? Quais comparações
podem ser feitas entre as edições mais antigas e as mais recentes?‖
Dentre as respostas que obtivemos, I1 destaca o fato de o lay-out
ser menos ―poluído visualmente‖ que a edição antiga. I4 considera a escolha
de textos e as atividades de produção escrita na nova edição um avanço,
quando comparadas com a edição menos recente, a qual, segundo ele, não
preparava o aluno para escrever o seu próprio texto. Todos os informantes
afirmaram que utilizam material pedagógico extra no preparo de suas aulas
com o método Alter Ego e com Alter Ego+. Dentre aqueles que conhecem e
trabalham com a nova edição (I1 e I4), todos consideraram positivas as
mudanças trazidas pela nova versão do método, apesar de haver ressalvas
quanto ao caráter ―bobo‖ e acrítico de algumas questões de leitura nele
propostas. Por outro lado, I4 menciona positivamente as propostas de análise
estrutural dos textos escritos.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 117
Entretanto, a disposição das atividades de compreensão escrita
não necessariamente é considerada positiva pelos professores de línguas
estrangeiras entrevistados. Foi justamente o fato de estas explorarem a análise
estrutural dos textos que gerou crítica negativa da parte de I2 e I3. Eles
acreditam que esses exercícios deveriam ser mais elaborados e complexos no
antigo método. Por isso eles afirmam recorrer a folhas pedagógicas extras e a
exercícios retirados de outros métodos. I4 declarou acreditar que os textos
propostos em Alter Ego deveriam ser mais longos e mais condizentes com o
cotidiano do aluno, crendo ser positiva a inovação dos textos em Alter Ego 2.
Em outras palavras, podemos afirmar que os informantes, de um
modo geral, creem que os métodos em questão, sobretudo Alter Ego 2,
poderiam propor exercícios de interpretação argumentativa do texto, de modo a
suscitar nos alunos maior participação no que concerne ao seu senso crítico
em relação ao texto lido. A título de exemplo, segue abaixo uma de atividade
de compreensão escrita (capítulo X do romance francês Le petit prince) que
propus para uma turma de francês 4 do CLAC/UFRJ, com a qual se utilizara
também o método Alter Ego +2.
Figura 21: Atividade de compreensão escrita proposta em CLAC/UFRJ
118 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Réfléchissons un instant...
1.Le roi vous paraît-il un personnage antipathique ou seulement ridicule ? Expliquez en t‘aidant
des exemples pris dans le texte.
2.Quelle est l‘attitude du petit prince face au roi ?
3.Relève dans le texte tous les mots et toutes les tournures du roi qui expriment l‘autorité.
Explique en t‘aidant d‘exemples pris dans le texte.
D‘après-toi, est-ce que ce roi est vraiment une autorité ? Pourquoi ?
Além da extensão textual, chamamos a atenção para o fato de as
questões exigirem uma tomada de posição crítica dos estudantes, sobretudo a
questão 4: pede-se que a autoridade do rei seja problematizada pelo aluno,
esperando justificativa(s) que comprove(m) o seu ponto de vista. Logo,
podemos afirmar que o protagonismo do aluno não consistiria apenas na
realização de tarefas práticas e diretamente relacionadas ao cotidiano (tal
como proposto pela perspectiva acional e pelo QECRL), como também na
análise subjetivamente crítica do conteúdo do texto escrito que lhe é proposto.
Por outro lado, cabe ressaltar aqui os objetivos dos cursos de
línguas oferecidos pelo CLAC. Guiados por professores-orientadores, os
monitores (futuros professores de língua francesa) são encorajados a serem
independentes na preparação e realização de sua aula, ficando a seu critério a
decisão por utilizar conteúdos do próprio livro didático ou material extra, tal
como consta no documento de apresentação do Projeto CLAC/UFRJ:
(...) Este projeto, de cunho essencialmente social, tem como objetivo
desenvolver profissionais reflexivos. Isso quer dizer que o CLAC, enquanto
curso de formação de professores, capacitará seus monitores nos seguintes
aspectos: trabalharem com eficiência e efetividade ao ensinarem um idioma;
estarem mais preparados para o mercado de idiomas por ter experiência em
sala de aula; e serem, acima de tudo, críticos e transformadores de
entraves pedagógicos de sua ação. [...] Os monitores terão total liberdade
para organizar e criar atividades e exercícios para seus alunos.
(Apresentação do projeto CLAC, p.1, grifos nossos).
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 119
Desse modo, as propostas de ensino e aprendizagem descritas
no QECRL (e, portanto, aplicadas nos métodos Alter Ego e Alter Ego +) são
incorporadas de modo singular na realidade do CLAC, sendo previsto que os
professores/monitores tenham um olhar reflexivo sobre, neste caso, o método
com o qual lhes é proposto trabalhar. Daí o teor crítico de seus comentários em
relação às sequências pedagógicas das distintas versões de Alter Ego (ou,
mais especificamente, das atividades de compreensão escrita nelas inseridas).
Consequentemente, no preparo de aulas para o projeto, os monitores têm total
liberdade de aplicar documentos e atividades oriundas de variadas
metodologias, paralelas à perspectiva acional e aos métodos utilizados. Além
disso, é importante lembrar que Alter Ego e Alter Ego + são publicações
francesas, voltadas para um público que visa, entre outros objetivos, a prestar
o exame do DELF. Não é necessarimente este, portanto, o objetivo primário do
curso de língua francesa proposto pelo CLAC.
A propósito, torna-se pertinente ressaltar também que o nível A2
do QECRL, para o qual os métodos aqui analisados preparam, deduz que o
aluno domine a língua de modo a compreender textos de caráter simples ou,
ao menos, de sentido concreto. Logo, a formação de senso crítico não é um
fator esperado para este nível, considerado elementar, respectivamente. Com
efeito, de acordo com este quadro, o nível A2 prevê que o aluno pode
(...) compreender frases isoladas e expressões frequentemente utilizadas em
relação a áreas imediatas de prioridade (por exemplo, informações pessoais e
familiares simples, compras, ambiente próximo, trabalho.) Pode comunicar na
ocasião de tarefas simples e habituais que exigem apenas uma troca de
informações simples e direta sobre assuntos familiares e habituais. Pode
descrever com meios simples, sua formação, seu meio imediato e evocar
assuntos que correspondam a necessidades imediatas (Conseil de l‘europe,
2001, p. 25, tradução nossa).
O caráter elementar de A2 e intermediário de B1 também estão
presentes na descrição do que é esperado para a competência de leitura, de
acordo com a qual o aluno é capaz das seguintes ações perante um texto
escrito:
120 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Eu posso ler textos curtos bem simples. Eu posso encontrar uma informação
particular previsível em documentos correntes como os anúncios publicitários,
os prospectos, os menus e os horários e eu posso compreender cartas
pessoais curtas e simples (idem, 2001, p.26, tradução nossa).
Aliás, ainda de acordo com este quadro, a análise crítica da leitura
e a extensão longa do texto são exigidos apenas de um estudante de nível B2
(avançado independente): ―Eu posso ler artigos e relatórios sobre questões
contemporâneas nos quais os autores adotam uma atitude particular ou um
certo ponto de vista. Eu posso compreender um texto literário em prosa‖
(idem, p.28, tradução e grifo nossos).
Conclusão
Podemos afirmar que o caráter pragmático das atividades das
sequências pedagógicas de Alter Ego +2 se manteve semelhante àquele
encontrado em Alter Ego 2, estando consideravelmente de acordo com as
diretrizes encontradas no QECRL. Assim, pela análise de algumas atividades
de comprensão escrita encontradas nas duas edições, constatamos que houve
muito mais mudanças em termos visuais e temáticos que nas propostas
pedagógicas dos métodos em si, já que estes se encontram
predominantemente de acordo com a perspectiva acional de ensino-
aprendizagem. Inclusive, Alter Ego +2 a amplia quando propõe a página Projet.
Enfim, ambos os métodos constituem materiais eficientes e ideais aos
professores de FLE desejosos de pôr em prática a perspectiva acional.
Ao mesmo tempo, levando em conta a experiência metodológica
descrita pelos monitores-informantes de CLAC/UFRJ, somos levados a nos
perguntarmos se o estudante (ao menos o estudante brasileiro de língua
francesa) não poderia ir além daquilo previsto pelo próprio Quadro, ousando
em relação ao que ele prevê para seu nível de língua e à sua capacidade de,
por exemplo, ler textos simples e/ou de linguagem concreta. Por outro lado,
reconhecemos que é preciso levar em conta o caráter experimental dos cursos
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 121
de língua propostos por CLAC/UFRJ, tal como constatado no decorrer deste
artigo.
Neste caso, seria preciso também uma análise aprofundada das
atividades pedagógicas extras propostas pelos monitores do curso, e também
de seus objetivos em relação a estas mesmas atividades. Ou, inclusive, a
análise das respostas dos alunos a estas mesmas atividades, a fim de
compará-las com aquelas previstas pelos métodos. Esses, porém, já seriam
assuntos para um outro artigo.
122 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Notas
1 Bacharela e licenciada do curso de Letras Português/francês da Faculdade de Letras/UFRJ.
Monitora de língua francesa do projeto CLAC entre 08/2011 e 12/ 2013.
2 Professora adjunta de língua e literatura francesa da Faculdade de Letras /UFRJ. Orientadora
de monitores de língua francesa do projeto CLAC/UFRJ.
3 Enquanto monitora de língua francesa do projeto CLAC, conheci o trabalho dos métodos Alter
Ego1, Alter Ego 2 e Alter Ego +2, não tendo tido contato com Alter Ego +1. Por isso, apenas
Alter Ego 2 e Alter Ego +2 serão analisados neste artigo.
4 As traduções dos documentos analisados e comentados neste artigo são de minha autoria.
5 É válido ressaltar que a perspectiva acional é a privilegiada pelo QECRL.
6 As atividades relacionadas à página Projet são disponíveis para download no site da editora
Hachette, que publicou ambos os métodos: www.hachettefle.fr
7 Fatos diversos, em tradução literal. Esta rúbrica (coluna de jornal) é comumente encontrada
em jornais francófonos e expõe eventos inusitados, trágicos, ou que não estejam ligados às
demais colunas do jornal.
8 As respostas dos informantes podem ser lidas no final deste artigo, nos anexos. As perguntas
realizadas podem ser lidas (ou inclusive respondidas) em:
https://docs.google.com/forms/d/1QJtjqDLU0_VHwT1xwBYjLzqX1ieFtPhEj1gD_yzd3vQ/viewfor
m
Referências
Livros
BERTHET et alliae. Alter Ego 2. Paris: Hachette, 2006. __________. Alter Ego
+ 2. Paris: Hachette, 2012.
BICALHO, Ana Maria. ―Materiais didáticos de francês como língua estrangeira
e a competência multicultural‖. In: SCHEYERL, Denise e SIQUEIRA, Sávio
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 123
(org.) Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade:
Contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, 2012.
CONSEIL DE L‘EUROPE. Un Cadre Européen commum de référence:
Apprendre, enseigner, évaluer. Paris: Les éditions Didier, 2001.
PUREN, Christian. ―La nouvelle perspective actionnelle et ses implications sur
la conception des manuels de langue‖. In: LIONS-OLIVIERI et alli. L‟approche
actionnelle dans l‟enseignement des langues. Barcelone: Maison des langues,
2009, pp.119-137.
Artigos em periódicos
PUREN, Christian.―De l‘approche communicative à la perspective actionnelle‖.
Le Français dans le monde 347, sept - oct 2006, pp. 37 - 40. _________. ―Les
tâches dans la logique actionnelle‖. Le français dans le monde 347, sept-oct
2006, pp. 80-81.
Documentos eletrônicos
Apresentação do projeto CLAC. s.l., s.n., 2008. Disponível em:
http://clac.letras.ufrj.br/adm/PROJETO_CLAC.pdf. Acesso em: 29 set. 2014.
HUGOT, Catherine; WAENDENDRIES, Monique. Projets Alter Ego + 2.
Hachette, Paris, 2013. Disponível em: http://medias.hachette-
livre.fr/media/contenuNumerique/Telechargement/01/2143341413673777.PDF.
Acesso em: 29 set 2014.
124 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Anexos
Transcrição das respostas dadas pelos monitores-informantes
1. Com quais edições de Alter Ego você já trabalhou?
I1: Alter Ego 1 +
I2: Alter Ego 1 e 2
I3: Alter Ego 1
I4: Alter Ego 2+
2. Se conhecer ou tiver trabalhado com a edição antiga de Alter Ego 1
e/ou 2, responda às questões A e B, justificando-as.
a) Qual a sua opinião sobre as propostas de exercícios de compreensão
escrita dos antigos métodos?
I1: -
I2: Negativa. Os exercícios não buscavam saber se o aluno havia
compreendido o que leu, mas sim se compreendiam o documento em si (o que
era o documento, onde poderia ser encontrado, quem o escreveu...).
I3: Neutra. Acredito que poderiam ser exercícios mais elaborados e complexos.
I4: Negativa. Não tinham atividades que preparassem o aluno para produzir
seu texto.
b) Acredita que uma aula com uso majoritário/único das propostas do
método antigo possa ser eficaz?
I1: -
I2: Não. Em geral, uma aula eficaz usa o livro como um dos instrumentos, é
necessário
material extra. Porém, dependendo do objetivo da aula, somente o livro pode
suprir as necessidades dos alunos e do professor
I3: Não. O método antigo precisa de um complemento, seja de folhas
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 125
preparadas pelo monitor seja por exercícios retirados de outros métodos.
I4: Não. Acho que seria necessário propor textos mais longos, que sejam
realmente usuais na vida cotidiana.
3. Se conhecer ou tiver trabalhado com a nova edição Alter Ego +1 e/ou
+2, responda às questões C e D, justificando-as.
c) Qual a sua opinião sobre as propostas de exercícios de compreensão
escrita dos dois novos métodos?
I1: Positiva. É positiva, embora alguns deixem a desejar. Deixam a desejar no
sentido que às vezes as perguntas são bobas demais, ou são muito artificiais.
rs. Mas de modo geral, gosto do Alter Ego 1 Plus, acho que é um bom método
de francês!
I2: -
I3: -
I4: Positiva. Acho que a nova versão valoriza mais a compreensão do texto
considerando toda sua produção (quem escreve, para quem, o plano textual,
argumentos...)
d) Acredita que uma aula com uso majoritário/único do novo método
possa ser eficaz?
I1: Sim. Acredito que sim, pois considero o método bem completo, com muitos
áudios e textos. Me agrada bastante!
I2: -
I3: -
I4: Talvez. Não sei, acho que um curso organizado apenas em cima de um
único método pode não ser tão rico, já que sempre há pontos positivos e
negativos.
6. Fale um pouco mais das principais mudanças percebidas em Alter Ego
+.
126 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
I1: Achei que o Alter Ego 1 Plus ficou visualmente mais "limpo", aconchegante,
as páginas são menos poluídas visualmente!
I2: -
I3: -
I4: Eu não conheço o caderno de exercícios da nova edição. Sobre o trabalho
de compreensão e produção escrita considero que houve um avanço na nova
versão, tanto no que concerne as escolhas dos textos quanto as propostas de
atividades, acho que a nova versão considera o texto em sua totalidade e o
processo de escrita em suas fases de preparação e textualização, apesar de
deixar pouco espaço para isso.
7. Com que frequência você utiliza outros métodos e/ou recursos
pedagógicos no preparo de suas aulas?
I1: Frequentemente
I2: Frequentemente
I3: Sempre
I4:Frequentemente
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 127
ANÁLISE DE PROBLEMAS DE REFERENCIAÇÃO EM REDAÇÃO DO CLAC
ANALYSIS OF REFERENTIATION PROBLEMS IN CLAC STUDENTS’ WRITING
Joelma Castelo Bernardo da Silva1
Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt2
Resumo O presente trabalho tem por objetivo analisar os problemas relacionados à progressão referencial em redação dissertativo-argumentativa de um aprendiz, utilizando a Teoria dos Espaços Mentais (Fauconnier & Sweetser, 1996). O corpus empregado consiste na produção textual de um aluno do CLAC, pertencente à turma do segundo módulo de redação. A análise foi feita com base em um dos aspectos da microestrutura textual, nomeadamente à progressão da cadeia referencial construída pelo aluno ao longo do texto. Essa análise permitiu detectar quais deficiências são passíveis de ocorrer no texto do aprendiz de redação, sinalizando para elaboração de um planejamento focado no trabalho articulado entre o léxico e à coesão referencial. Palavras-chave: redação dissertativo-argumentativa; microestrutura textual; referenciação.
Abstract This paper aims to analyze the problems related to the referential progression in dissertational and argumentative writing of a student, using the Theory of Mental Spaces (Fauconnier & Sweetser,1996). The chosen corpus consists of a textual production of a student from the UFRJ Language Courses Open to the Community - CLAC, who belongs to the class of the second module of writing. The analysis was based on one aspect of textual microstructure, namely the progression of the referential chain built by the student throughout the text. This analysis made possible the detection of deficiencies that are likely to occur in the text of a student of writing, pointing out the elaboration of a planning focused on the articulation between lexicon and referential cohesion. Keywords: dissertational and argumentative writing; textual microstructure; referentiation.
128 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Introdução
O presente trabalho tem por objetivo analisar os problemas
relacionados à progressão referencial em redação dissertativo-argumentativa
de um aprendiz, utilizando a Teoria dos Espaços Mentais (FAUCONNIER &
SWEETSER, 1996). Essa teoria cognitiva permite a proposição de um modelo
para explicar como se constrói a cadeia de referências durante o processo de
feitura de um texto, o que ajudará a identificar e entender as falhas no processo
de referenciação que ocorrem nessa redação.
Pressupostos teóricos
O funcionamento da língua não é ponto pacífico para os
linguistas. A pergunta ―Para que serve a linguística?‖ pode ser respondida sob
óticas distintas entre os estudiosos da ciência da língua. Para as teorias
formalistas, a língua é um sistema previsível e acabado, sendo seu enfoque o
estudo do significado como estrutura autônoma. As teorias não formalistas, por
outro lado, entendem o significado como um processo que se constrói à
medida que modelos cognitivos são ativados no momento da interação. Assim,
o estudo do significado para os não formalistas não deve se limitar a descrever
modelos autônomos que explicariam a composição das formas linguísticas,
mas sim utilizar-se destas como pistas para entender os ―exercícios‖ que a
mente faz para tecer o significado.
A construção do conhecimento é uma complexa rede de
processos ativada pela cognição humana e que se materializa por meio da
linguagem. Uma dinâmica de trocas acompanha a decodificação/codificação
das palavras, frases, períodos que compõem a malha textual. Essa dinâmica
consiste em basicamente dois movimentos: 1) top-down: projetar sobre o texto
aquilo que já faz parte das bases do conhecimento do leitor; 2) bottom-up:
retirar do texto informações que passarão a compor novos conhecimentos.
Portanto, a cognição consiste em um fazer da mente humana que resulta em
estruturas linguísticas visíveis.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 129
Os textos são uma das portas de entrada para o estudo da
cognição humana. A partir deles, a Teoria dos Espaços Mentais (TEM) tenta
reproduzir o mapeamento referencial subjacente à estrutura linguística. A
premissa dessa teoria está no fato de que a língua não é uma estrutura
autônoma, e sim parte de uma complexa rede de processos simultâneos
responsáveis pela construção do significado.
Justificativa
O ensino da referenciação como um processo é importante, pois,
apesar de terem estudado que certos termos gramaticais, como os pronomes,
retomam termos anteriores, os alunos desconhecem que esses termos formam
uma cadeia referencial no texto. Essa dificuldade acarreta o abandono do
referente ou até mesmo o emprego de pronomes anafóricos que não se
encontram ancorados a outro termo anterior, entre outras falhas. A fim de
propor uma solução para esses problemas, é preciso recorrer a uma teoria que
forneça instrumentos para entender por que eles ocorrem.
Corpus
O presente trabalho é composto por uma redação escrita por um
estudante do Ensino Médio para o curso de redação dos Cursos de Línguas
Abertos à comunidade (CLAC), atendendo à seguinte proposta: redija um texto
dissertativo-argumentativo sobre o tema ―O ato de escrever‖, valendo-se de
seus conhecimentos e dos textos abordados em sala de aula3.
Metodologia
A TEM pode ser utilizada para explicar como se dá a progressão
referencial em textos dissertativos-argumentativos (KOCH, 2000). Nesse
momento, é importante entender a microestrutura do texto, no que tange à
referenciação. Segundo Koch (1996), coesão ―é um fenômeno que diz respeito
ao modo como os elementos linguísticos presentes na superfície textual se
encontram interligados entre si, formando sequências veiculadoras de
130 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
sentidos.‖ A nossa tarefa nesse trabalho é buscar entender de que forma
ocorre essa interligação, utilizando os instrumentos da teoria supracitada.
Uma das características de um texto é a manutenção temática,
percebida por meio da repetição de alguns termos na superfície textual. Essas
repetições apontam para uma cadeia de referentes que se interligam por meio
de processos que garantem a continuidade textual. Metaforicamente, isso
significa dizer que cada proposição de um texto semeia o que virá a germinar
em uma proposição seguinte.
Os Espaços Mentais são construtos mentais parciais nos quais
está circunscrito cada um dos SNs do texto. A cada novo enquadre do
referente, ocorre o seguinte processo: há um espaço base (EB), que é o
espaço do reconhecimento da ontologia do referente, e, a partir desse EB, são
criados novos espaços mentais que enquadram as contrapartes desse termo;
os mecanismos de relação entre foco (informação nova) e ponto de vista
(informação velha) servem de elo entre esses espaços criados a partir de um
mesmo referente, fazendo o SN ser o mesmo — à medida que retoma um
termo anterior; e diferente — à medida que recebe um novo enquadre. Esses
processos se dão a partir da dinâmica de troca entre as funções foco e ponto
de vista assumidos por SNs em cada momento do fluxo discursivo. Por meio
dessa dinâmica, é garantida a progressão referencial de um texto.
Os problemas de referenciação procedem de falhas que ocorrem
durante esse processo. A seguir, são discriminados os erros mais comuns com
as respectivas descrições de suas falhas:
Abandono do referente: o referente aparece uma única vez no texto, não desencadeando o processo de continuidade por meio da dinâmica foco e ponto de vista;
Opacidade referencial: geralmente ocorre quando são empregados pronomes e palavras genéricas que não remetem a um ponto de vista que lhes justifique a existência e enquadramento no texto;
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 131
Relação frouxa (pouco nítida) entre as contrapartes de um mesmo referente: nesse caso, a relação foco/ponto de vista acontece, porém o vínculo entre os SNs é fraco devido à falta de exatidão semântica do termo empregado para desempenhar a função de foco;
Problemas de pistas de contextualização: ocorre quando os ESPECs e COMPs dos SNs estão mal empregados, podendo acarretar outros problemas, como a opacidade referencial;
Ambiguidade referencial: ocorre quando há dois termos concorrentes para desempenhar a função de ponto de vista de um mesmo foco;
Ausência do referente: conforme o próprio nome explica, significa que posições sintáticas não foram preenchidas por SNs.
Esses problemas foram devidamente tratados em Almeida (2010),
que propôs uma fonte comum para as ocorrências encontradas em redações
de vestibular da UFRJ: a presunção de monossemia, que consiste na não
percepção do novo enquadre construído nos usos recorrentes de um mesmo
referente em um dado texto, o que faz com que o aluno, ao compor um texto
escrito, empregue o mesmo termo sem perceber sua polissemia. Uma vez que
os alunos chegam ao curso de redação não dominando ou até mesmo
desconhecendo o processo de confecção das referências, durante a feitura de
um texto, é comum encontrar essas falhas em suas dissertações. Serão
utilizados, portanto, os conceitos da TEM apresentados nesse tópico para
explicar qual a origem do problema de referenciação observado na redação a
seguir.
Apresentação da redação
Segue abaixo a redação que é foco de análise neste artigo.
Proposta de redação: redija um texto dissertativo-argumentativo sobre o tema ―O ato de escrever‖, valendo-se de seus conhecimentos e dos textos abordados em sala de aula. (25-30 linhas)
132 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Reflexão social sobre o papel da escrita
O ato da escrita não significa somente estabelecer a
comunicação banal, mas foi através desse ato que povos, leis e culturas foram formadas. Assim, não se pode cercear como outrora, e sim gerar a reflexão na humanidade. Porque tal reflexão, trazida pela escrita, é o motriz para a evolução do homem como ser social.
Séculos atrás, somente quem ―detinha‖ a escrita eram os religiosos da Igreja Católica. Pois a leitura e a escrita, caso fosse acessível a todos, gerariam a reflexão e a reação dos excluídos da sociedade. Logo, ameaçaria o poder do clero católico.
E séculos se passaram com este esquema. Após a aliança entre rei e clero a fim de legitimar mais poder, a forma de governar ficou mais arbitrária. E um segmento da sociedade pôs fim a isto devido a outros interesses econômicos, políticos sociais. Porém a forma de manipular o povo é que não mudou.
Fatos da história recente comprovam que ainda existam quem utiliza a escrita e o discurso para alienar como, por exemplo, Hitler, que se aproveitou da fragilidade do povo alemão e legitimou a ideologia nazista. E que com esta poderia subjugar os inimigos alemães e tirar seu povo daquela miséria. Adolf quando percebeu sua ascensão proibiu todos aqueles que o era contrários.
E um outro fato é recente na história brasileira fora a Ditadura Militar que reprimia e alienava a população com uma ideologia distorcida do capitalismo feroz. Cerceando a palavra que refutaria seu discurso.
Muito se luta para que na contemporaneidade a palavra, ou escrita, ou o ato de escrever seja livre para se expressar da melhor forma possível. Pois na sua essência a escrita é a única que pode gerar a reflexão.
Análise dos Espaços Mentais na redação “Reflexão social sobre o papel
da escrita”
Apesar de a redação analisada apresentar boas ideias, ela carece
de uma estrutura referencial que a torne mais clara, exigindo que o leitor faça
certo esforço para calcular a relação de sentido entre suas proposições. Esse
problema ocorre, em parte, devido aos problemas relacionados à
referenciação, os quais serão analisados nessa sessão. A argumentação do
aluno busca justificar a tese de que as massas são manipuladas por aqueles
que dominam o ofício das letras. No nível do microtexto, essa ideia núcleo dará
origem à referenciação do termo ―escrita‖ que recebe diferenciadas conotações
ao longo do texto.
No primeiro parágrafo, aparece a primeira referenciação do termo
―escrita‖ no SN ―o ato da escrita‖. No segundo parágrafo, o termo ―escrita‖ é
retomado duas vezes, no entanto, sendo usado para referenciar elementos
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 133
distintos. O primeiro SN ―escrita‖ em ―quem detinha a escrita eram religiosos da
Igreja Católica‖ se refere à habilidade de escrever que somente o clero
possuía. Já na proposição seguinte — ―Pois a leitura e a escrita, caso fosse
acessível a todos, gerariam a reflexão e a reação dos excluídos da sociedade‖
—, o SN ―a escrita‖ apresenta um novo sentido, o de texto como material
concreto, uma vez que é algo que pode ser acessível e cuja leitura provoca
reflexão. Por último, o termo ―escrita‖ aparece no último parágrafo — ―ainda
existam quem utiliza a escrita e o discurso para alienar‖. Nesse contexto, a
palavra ―escrita‖ ganha o sentido de retórica, ou seja, de discurso que deseja
convencer alguém de alguma coisa. No presente contexto, Hitler utilizou a
―escrita‖ (no sentido de retórica) para convencer os alemães a respeito da
ideologia nazista. A reiteração do termo ―escrita‖ com variados valores
semânticos aponta, em última instância, para não percepção por parte do aluno
de que o termo é polissêmico. Caso essa característica fosse percebida e os
referenciais fossem mais bem definidos, o texto progrediria de modo bem mais
fluido para o leitor.
Em decorrência da presunção de monossemia, um problema de
referenciação encontrado na redação do aluno foi a ausência de referentes.
Isso ocorre no primeiro parágrafo, em que é feita a primeira a referenciação ao
―ato da escrita‖ que deveria ser retomado como argumentos dos verbos
―cercear‖ e ―gerar‖, ocupando a posição de sujeito neste e de objeto direto
naquele. Porém, isso não ocorre, visto que não há o preenchimento dessas
posições sintáticas. O verbo ―cercear‖ aparece sem complemento, e o verbo
―gerar‖ fica impossibilitado de receber sujeito, uma vez que se encontra na
forma nominal de infinitivo. Portanto, o fluxo de referentes é interrompido em
virtude da ausência de referentes.
No terceiro parágrafo, o aluno emprega o vocábulo ―esquema‖
com a intenção de recuperar alguma informação descrita no parágrafo anterior
que não é facilmente identificada. Ela pode ser tanto a inacessibilidade de
textos escritos quanto à restrição da habilidade de escrever. Mais uma vez, a
estrutura de referenciação se encontra debilitada, dessa vez por haver dois
concorrentes para ser ponto de vista, provocando uma ambiguidade
134 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
referencial. Além disso, a relação entre as contrapartes fica frouxa devido ao
fato de nenhuma dessas informações ser hipônimo de ―esquema‖. Sendo
assim, a imprecisão semântica do foco com relação ao seu ponto de vista
fragiliza a relação entre as contrapartes.
A análise de problemas relacionados à microestrutura do texto
nos levou à origem da dificuldade que há em compreender as informações
veiculadas pela redação. Em suma, os problemas quanto à referenciação do
texto em foco foram: presunção de monossemia semântica, ausência de
referentes, ambiguidade referencial e relação frouxa entre as contrapartes.
Considerações finais
Os problemas de referenciação da redação analisada podem ser
reflexos de algumas deficiências durante a formação escolar do aluno, entre
elas a adoção de metodologias de ensino da língua materna que rejeitam a sua
relação com o contexto extralinguístico e não contemplam a abordagem de
mecanismos linguísticos relacionados a unidades maiores que o período. O
não emprego de vocábulos mais específicos para delimitar o referente no texto
demonstra que o aluno não tem conhecimento dos sentidos que as escolhas
lexicais acarretam na construção global da sua redação. Consequentemente,
são estabelecidas relações frouxas entre as partes que compõem a malha
textual. Nota-se, portanto, que o excesso de informação sobre a forma como se
estruturam palavras e períodos deixa lacunas no que diz respeito à estreita
relação entre forma e significado subjacentes às cadeias de referentes
nominais, no caso analisado.
Entende-se que esses problemas podem ser minimizados através
de exercícios que priorizem o uso do léxico a serviço da construção de
sequências textuais bem articuladas e estruturadas. Fica, portanto, uma
sugestão que pode ser adotada para definir metodologias que priorizem o
ensino do texto como um processo, que envolve dinâmicas muito diversificadas
entre seus constituintes.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 135
Lista de abreviações
COMPs - Complementadores
EB - Espaço base
ESPECs- Especificadores
SN - Sintagma nominal
TEM - Teoria dos Espaços Mentais
Notas
1 Doutoranda em Linguística da Universidade de Lisboa.
2 Professora Associada I da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisadora do
Programa Interdisciplinar de Linguística Aplicada da Faculdade de Letras - UFRJ, e do
PROFLETRAS, Programa de Mestrado profissional em Letras.
3 Proposta e redação em anexo.
Referências
ALMEIDA, M. V. B. Polissemia e progressão referencial em redações de
vestibular. Dissertação de Mestrado em Língua portuguesa. Rio de Janeiro:
UFRJ, 2010.
FAUCONNIER, G. & SWEETSER, E. Cognitive links and domains: basic
aspects of mental space theory. In: ________. Spaces, Worlds and Grammar.
Chicago: University Press, 1996, p. 1-28.
KOCH, I. Coesão textual. 8ª ed. São Paulo: Contexto, 1996.
KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e Linguagem. 6. ed. São Paulo:
Cortez, 2000.
136 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Anexos
Proposta de redação
Redação I
Monitores: Diego Teixeira / Fernando Noronha / Tatiane Mano
Texto 1
Texto 2
Condições da redação
J. Mattoso Câmara Jr.
Há, portanto, como já foi salientado, uma arte de escrever – que é a redação.
Não é uma prerrogativa dos literatos, senão uma atividade social indispensável, para a qual
falta, não obstante, muitas vezes, uma preparação preliminar.
A arte de falar, necessária à exposição oral, é mais fácil na medida em que se
beneficia da prática da fala cotidiana, de cujos elementos parte em princípio.
O que há de comum, antes de tudo, entre a exposição oral e a escrita é a
necessidade da boa composição, isto é, uma distribuição metódica e compreensível de ideias.
Impõe-se igualmente a visualização de um objetivo definido. Ninguém é capaz
de escrever bem, se não sabe bem o que vai escrever.
Justamente por causa disto, as condições para a redação no exercício da vida
profissional ou no intercâmbio amplo dentro da sociedade são muito diversas das da redação
escolar. A convicção do que vamos dizer, a importância que há em dizê-lo, o domínio de um
assunto da nossa especialidade tiram à redação o caráter negativo de mero exercício formal,
como tem na escola.
Qualquer um de nós senhor de um assunto é, em princípio, capaz de escrever
sobre ele. Não há um jeito especial para a redação, ao contrário do que muita gente pensa. Há
apenas uma falta de preparação inicial, que o esforço e a prática vencem.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 137
Por outro lado, a arte de escrever, na medida em que consubstancia a nossa
capacidade de expressão do pensar e do sentir, tem de firmar raízes na própria personalidade
e decorre, em grande parte, de um trabalho nosso para desenvolver a personalidade por este
ângulo.
A arte de falar não é mais do que uma mise-au-point dos predicados obtidos e
consolidados no exercício da atividade oral de todos os dias. A arte de escrever precisa
assentar, analogamente, numa atividade preliminar já radicada, que parte do ensino escolar e
de um hábito de leitura inteligentemente conduzido; depende muito, portanto, de nós mesmos,
de uma disciplina mental adquirida pela autocrítica e pela observação cuidadosa do que outros
com bom resultado escreveram.
(In: Manual de expressão oral & escrita. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 60)
Texto 3 A Última Crônica
Fernando Sabino
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto
ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta.
Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do
irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu
disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao
circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina,
quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e
perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café,
enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema".
Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os
assuntos que merecem uma crônica. Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba
de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A
compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela
presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido
pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os
olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a
instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo
mais que matar a fome. Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que
discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta
no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente
ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do
homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados,
a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a
ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no
138 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
pratinho -- um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha,
contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à
sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em
torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira
qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também,
atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim. São três velinhas
brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela
serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a
menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas.
Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os
pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as
velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos
sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha
no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo
botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo
de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila,
ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso. Assim
eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.
(In: A Companheira de Viagem. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1965. p. 174)
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 139
O ESTUDO DO PARÁGRAFO PARA A CONSTRUÇÃO DO TEXTO
ARGUMENTATIVO
STUDYING THE PARAGRAPH FOR THE CONSTRUCTION OF THE
ARGUMENTATIVE TEXT
Cybelle Borges de Abreu¹
Helena Gomes Teixeira de Faria²
Mônica Tavares Orsini³
Sabrina de Oliveira4
Resumo Este trabalho tem por finalidade evidenciar a importância do estudo do parágrafo como ponto de partida para a construção do texto argumentativo, estratégia que vem sendo aplicada no curso de Redação do Projeto de Extensão Universitária CLAC (Cursos de Línguas Abertos à Comunidade). Pretende-se, assim, apontar as semelhanças entre a estrutura do parágrafo e a do texto argumentativo, bem como apresentar atividades de produção textual desenvolvidas com base nesta opção metodológica. A escolha pela utilização de tal método se justifica pelo fato de o parágrafo ser um reflexo do texto, já que aquele tem a mesma estrutura deste (FIGUEIREDO, 1999). Dessa forma, o primeiro módulo do curso de Redação focaliza o parágrafo, levando o aluno a dominar as técnicas pertinentes à sua elaboração para, em seguida, passar à construção do texto. Palavras-chave: ensino de redação; linguística do texto; estrutura do parágrafo; argumentação.
Abstract The objective of this paper is to shed light on the importance of paragraph study as the basis to the construction of the argumentative text. This strategy has been applied in the Writing Course of the Federal University of Rio de Janeiro Extension Project CLAC (Language Courses Open to the Community). Thus, the intention is to indicate similarities between the structures of both the paragraph and the argumentative text as well as to present text production activities that have been developed based on this methodology. The choice of such method is justified by the fact that the paragraph is a reflex of the text, since they share the same structure (Figueiredo 1999). Thereby, the first module of the Writing Course focuses on the paragraph, leading the students to master the techniques that are relevant to its elaboration before they move to the construction of the text.
Keywords: teaching of writing; text linguistics; paragraph structure; argumentation.
140 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Considerações iniciais
Este trabalho tem por finalidade evidenciar a importância do
estudo do parágrafo como ponto de partida para a construção do texto
argumentativo, estratégia que vem sendo aplicada no primeiro módulo do curso
de Redação do Projeto de Extensão Universitária CLAC (Cursos de Línguas
Abertos à Comunidade). Esse curso é constituído de três módulos, tendo
duração de um ano e meio. O primeiro módulo explora a estrutura do parágrafo
como unidade textual e sua produção; o segundo amplia esta visão,
transpondo o conhecimento adquirido pelo aluno acerca da estruturação e
elaboração do parágrafo para a construção do texto argumentativo; o terceiro
objetiva fazer com que o leitor se torne capaz de revisar criticamente sua
própria produção.
Oralidade e escrita no ensino de redação
Ainda que o ambiente escolar frequentemente apresente fala e
escrita como modalidades distintas de uma língua, adotando uma perspectiva
dicotômica em que a fala se caracteriza como contextualizada, dependente,
redundante e não-normatizada; a escrita, como descontextualizada,
independente, condensada e normatizada, estas são práticas sociais
complementares (e não opostas), presentes nos diversos gêneros textuais do
cotidiano. Ambas apresentam ―dialogicidade, usos estratégicos, funções
interacionais, envolvimento, negociação, situacionalidade, coerência e
dinamicidade.‖ (FÁVERO, ANDRADE e AQUINO, 2014: 13).
Nesta perspectiva, o monitor do curso de Redação do CLAC, para
ensinar ao seu aluno técnicas de produção textual, parte do pressuposto de
que as diferenças entre as modalidades linguísticas ocorrem dentro de um
continuum tipológico, conforme propõe Marcuschi (2007), assumindo uma
posição menos preconceituosa em relação à língua. Dessa forma, o primeiro
módulo do curso de Redação procura refletir sobre a valorização da escrita em
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 141
detrimento da fala, a fim de tornar o processo de aprendizado da elaboração do
texto culto formal menos penoso para o aluno.
Tipos textuais
Os tipos textuais configuram-se numa construção teórica definida
pela natureza linguística de sua composição. Ou seja, são sequências
linguísticas, modos textuais. São eles: narração, argumentação, exposição,
descrição e injunção (PINILLA, RIGONI e INDIANI, 2007). A argumentação,
modo de organização do discurso trabalhado no curso de Redação do CLAC,
busca convencer, influenciar, persuadir alguém.
O parágrafo e o texto argumentativos
Tendo como premissa a valorização do conhecimento linguístico
que o aluno traz para a sala de aula, o primeiro módulo do curso de Redação
explora o conceito de parágrafo argumentativo padrão, assim denominado por
se constituir de introdução, que apresenta a ideia central ou tópico frasal;
desenvolvimento, que contém a argumentação a favor dessa ideia; e conclusão
(Garcia, 1975). Dessa forma, o parágrafo padrão reflete a estrutura do texto
argumentativo, justificando a metodologia utilizada pelo curso (FIGUEIREDO,
1999).
Para trabalhar as semelhanças entre a estrutura do parágrafo e a
do texto, o material didático elaborado pelo monitor propõe a análise
contrastiva de um parágrafo e de um texto argumentativo; ambos produzidos
por alunos do curso5.
Transcreve-se abaixo o parágrafo analisado pelo monitor em
conjunto com a turma. O tema é a importância do lazer na vida das pessoas.
O descanso é a melhor forma de diminuir o ―stress‖ causado por tarefas
extensas e rotineiras. O ser humano necessita de pausas para bem
desempenhar uma tarefa, pois assim pode se recuperar tanto fisicamente
142 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
quanto emocionalmente. Um bom exemplo disso é a chamada 'siesta'
espanhola, que nada mais é do que uma soneca após o almoço. Estudos
recentes alegam que esse simples hábito pode aumentar tanto a quantidade
como a qualidade do trabalho. É vital haver, portanto, equilíbrio entre trabalho e
descanso, para não sofrermos os malefícios do 'stress'.
(J. de Almeida)
O fragmento se inicia com um tópico frasal, ou tese, introduzindo
o parágrafo - O descanso é a melhor forma de diminuir o „stress‟ causado por
tarefas extensas e rotineiras; observam-se, também, um desenvolvimento
corroborando essa tese e uma conclusão (É vital haver, portanto, equilíbrio
entre trabalho e descanso, para não sofrermos os malefícios do „stress‟.).
O texto argumentativo transcrito a seguir, produzido por um aluno
do segundo módulo do curso de redação, apresenta estrutura bastante
semelhante. O texto trata do casamento na atualidade.
Casamento e separação de mãos dadas na atualidade
Nos dias atuais, casamento vem facilmente entrelaçado com o
risco de separação. Diante de desentendimentos e de diferentes objetivos, a
maioria dos homens e das mulheres, transformados pela sociedade que
defende a desistência e o rompimento como solução adequada e vindoura,
voltam-se para seu individualismo deixando de lado a grande oportunidade de
ensinamento e evolução que a união conjugal fornece.
Na atualidade, as brigas entre casais, por diversas
circunstâncias, encaminham rapidamente as duas partes para a opção do
divórcio. Discussões por conta de liberdade para se sair com amigos, gravidez
indesejada, cuidados com os filhos pequenos, supostos interesses amorosos
relativos a outrem, recados enviados por pessoas próximas entendidos de
maneira precipitada, entre outros são motivos para que se pense no
rompimento. Situações como estas poderiam ser resolvidas apenas com a
confiança no parceiro.
Outra forte ameaça ao casamento é a mudança de objetivos.
Quando um indivíduo passa a planejar metas opostas às do parceiro e começa
a se arrepender das escolhas que fez em prol do relacionamento, abre-se uma
brecha para a ruína do casal. A pessoa muda o foco da vida apenas para si e
para as possibilidades que poderá ter a partir do fim da relação, esquecendo-se
da família e do que construiu. Questões estas em que a solução poderia ser
encontrada em um diálogo sincero.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 143
Concluindo, perante o desejo de casamento, os parceiros
devem refletir inúmeras vezes sobre o valor da compreensão, da manutenção
do amor, do planejamento harmonioso e da força diante das adversidades para
que coisas como a discordância acerca de diversos aspectos não crie um
desequilíbrio em sua relação, mas mostre o quanto é necessário que se
fortaleça constantemente a união a fim de se construir um trajeto de amor,
aprendizado e superioridade.
(E. da Silva) É possível observar a estruturação padrão tanto no nível do
parágrafo quanto no nível do texto. Isto é, pode-se dividir cada parágrafo em
tópico frasal, desenvolvimento e conclusão, como se pode identificar a mesma
segmentação no texto.
No primeiro parágrafo do texto, verificam-se o tópico frasal que
traz a tese que será defendida ao longo do texto como um todo: Nos dias
atuais, casamento vem facilmente entrelaçado com o risco de separação; o
desenvolvimento que apresenta brevemente os argumentos que serão
explorados no desenvolvimento do texto: Diante de desentendimentos e de
diferentes objetivos; e a conclusão que será retomada na conclusão geral do
texto: a maioria dos homens e das mulheres, transformados pela sociedade
que defende a desistência e o rompimento como solução adequada e vindoura,
voltam-se para seu individualismo deixando de lado a grande oportunidade de
ensinamento e evolução que a união conjugal fornece.
Nesse sentido, é importante ressaltar que os parágrafos do
desenvolvimento terão como tópico frasal o argumento propriamente dito e o
parágrafo final retomará, de forma sintética, todas as ideias tratadas no texto –
tese e argumentação – e apresentará uma conclusão, para a qual a
argumentação encaminha, podendo ser uma sugestão de solução para a
questão exposta ou mesmo uma análise lógica da situação, formando a
seguinte equação:
Primeiro Parágrafo = Introdução = Tópico Frasal (Tese) + Desenvolvimento
(argumento 1 e argumento 2) + Conclusão;
144 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Segundo Parágrafo = Tópico frasal (argumento 1) + Desenvolvimento
(embasamento do argumento 1) + Conclusão;
Terceiro Parágrafo = Tópico frasal (argumento 2) + Desenvolvimento
(embasamento do argumento 2) + Conclusão;
Quarto Parágrafo = Conclusão = Síntese das ideias do texto + Conclusão
Geral.
Para melhor compreensão dos alunos acerca dessas equações, o
monitor utiliza um vocabulário adequado ao nível do grupo: a tese é o que o
autor pensa sobre o assunto em questão, os argumentos são o porquê de o
autor pensar de tal maneira e a conclusão é a síntese de tudo o que será dito
somada à conclusão que o autor chega após analisar sua tese e seus
argumentos. Com isso, a linguagem fica mais simples e acessível, facilitando a
organização do pensamento do aluno, guiando-o na construção de seu
questionamento, sua reflexão.
No decorrer do semestre, são feitas análises de diferentes textos
contendo esta estrutura. O aluno é convidado a identificar a tese e os
argumentos; as diferentes formas de se embasar uma tese, isto é, os diferentes
argumentos que possam sustentar uma opinião.
Atividades práticas
Nesta seção, reúnem-se algumas atividades desenvolvidas ao
longo do curso de Redação do CLAC, expondo o caminho percorrido pelos
alunos: do parágrafo argumentativo para o texto.
O exercício abaixo foi retirado do material didático do primeiro
módulo do curso e tem como objetivo levar o aluno a identificar a estrutura
padrão do parágrafo.
Identifique, no parágrafo seguinte, a introdução (tópico frasal), o
desenvolvimento e a conclusão.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 145
―As universidades, por uma série de razões, são, atualmente, as únicas
entidades realmente capacitadas a desenvolver pesquisa tecnológica no
país. Primeiro, porque dispõem de mão-de-obra abundante e relativamente
barata. Segundo, porque possuem não só os equipamentos como a
documentação exigida para este trabalho. E, terceiro, porque acumularam
uma razoável experiência através de uma série de projetos específicos,
alguns já em fase de aproveitamento industrial. O grande problema tem sido
criar mecanismos capazes de canalizar os projetos gerados nas
universidades para a indústria. Os problemas da indústria se concentram na
preocupação com prazos, vendas e lucros. A universidade, pelo contrário,
trabalha a longo prazo, muitas vezes indiferente aos aspectos cruciais como
custos, rentabilidade e obsolescência.‖
(Texto extraído de Revista Exame, 22.12.76)
No parágrafo acima, identificam-se as partes que constituem o
parágrafo padrão. O período As universidades, por uma série de razões, são,
atualmente, as únicas entidades realmente capacitadas a desenvolver
pesquisa tecnológica no país constitui o tópico frasal; o desenvolvimento está
contido no trecho Primeiro, porque dispõem de mão-de-obra abundante e
relativamente barata. Segundo, porque possuem não só os equipamentos
como a documentação exigida para este trabalho. E, terceiro, porque
acumularam uma razoável experiência através de uma série de projetos
específicos, alguns já em fase de aproveitamento industrial, no qual vemos os
três argumentos, corroborando a tese do autor, apresentada no tópico frasal;
em seguida, a conclusão, que corresponde ao trecho O grande problema tem
sido criar mecanismos capazes de canalizar os projetos gerados nas
universidades para a indústria. Os problemas da indústria se concentram na
preocupação com prazos, vendas e lucros. A universidade, pelo contrário,
trabalha a longo prazo, muitas vezes indiferente aos aspectos cruciais como
custos, rentabilidade e obsolescência, em que são tecidas as considerações
finais.
Em exercício subsequente, o aluno é convidado a identificar a
estrutura do seguinte texto argumentativo.
146 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
O texto a seguir é bastante claro quanto à determinação de cada uma de suas
partes e quanto às ideias contidas em cada um de seus parágrafos. Leia-o
atentamente e identifique o tema, a delimitação do tema, a tese e os
argumentos.
A qualidade de vida na cidade e no campo
É de conhecimento geral que a qualidade de vida nas regiões
rurais é, em alguns aspectos, superior à da zona urbana, porque no campo
inexiste a agitação das grandes metrópoles, há mais possibilidades de se
obterem alimentos adequados e, além do mais, as pessoas dispõem de maior
tempo para estabelecer relações humanas mais profundas e duradouras.
Ninguém desconhece que o ritmo de trabalho de uma
metrópole é intenso. O espírito é de concorrência, a busca de se obter uma
melhor qualificação profissional, enfim, a conquista de novos espaços lança o
ambiente urbano em meio a um turbilhão de constantes solicitações. Esse
ritmo excessivamente intenso torna a vida bastante agitada, ao contrário do
que se poderia dizer sobre os moradores da zona rural.
Por outro lado, nas áreas campestres há maior qualidade de
alimentos saudáveis. Em contrapartida, o homem da cidade costuma receber
gêneros alimentícios colhidos antes do tempo de maturação, para garantir
maior durabilidade durante o período de transporte e comercialização.
Ainda convém lembrar a maneira como as pessoas se
relacionam nas zonas rurais. Ele difere da convivência habitual estabelecida
pelos habitantes metropolitanos. Os moradores das grandes cidades, pelos
fatos já expostos, de pouco tempo dispõem para alimentar relações humanas
mais profundas.
Por tudo isso, entendemos que a zona rural proporciona a seus
habitantes maiores possibilidades de viver com tranquilidade. Só nos resta
esperar que as dificuldades que afligem os habitantes metropolitanos não
venham a se agravar com o passar do tempo.
(Texto adaptado do livro Técnicas Básicas de Redação, de
Branca Granatic.)
A tese está explicitada no primeiro parágrafo do texto. Os
argumentos deste texto são baseados no contraste entre a vida no campo e a
vida na cidade, levantando os seguintes pontos: o ritmo de trabalho, a
qualidade dos alimentos e a profundidade das relações interpessoais.
Utilizando cada um desses elementos por meio da técnica do contraste, o autor
do texto prova sua tese, explicitada logo no primeiro parágrafo, a de que a
qualidade de vida no campo é melhor à da cidade.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 147
É interessante notar que, assim como o parágrafo do primeiro
exercício desta seção compõe-se de três argumentos, que ficam claros pelos
elementos coesivos primeiro, segundo e terceiro, este texto também apresenta
três argumentos, cada um deles desenvolvido em um parágrafo.
Além de exercícios de delimitação de estruturas, ao longo do
curso o aluno é levado a produzir parágrafos e textos, segundo a estrutura
padrão. A seguir, há a transcrição de um exercício, também constitutivo do
material didático do primeiro módulo, que envolve tanto a elaboração de
parágrafo quanto de texto.
1) Dado o seguinte tema (Sociedade):
a) Delimite-o, ou seja, faça um recorte do assunto indicando que aspecto(s)
será(ão) abordado(s);
b) Elabore uma tese, ou seja, uma frase verbal que contenha seu
posicionamento sobre o tema já delimitado.
2) Formule argumentos para a tese elaborada por você no exercício 1.
3) Agora, elabore o parágrafo introdutório do texto argumentativo.
4) Elabore o texto argumentativo. Lembre-se: você já dispõe da tese, de
argumentos e do parágrafo introdutório. A partir desses comandos, transcreve-se a produção de um aluno
do curso.
1. a) A falta de investimentos na saúde e educação e a desestruturação da
sociedade
b) O declínio da sociedade é causado pela falta de investimentos nas áreas de
saúde e educação
(Por que o declínio da sociedade é causado pela falta de investimentos nas
áreas de saúde e educação?)
2) 1º porque sem saúde, as famílias não desenvolvem atividades econômicas
que possibilitem recursos para investir em qualidade de vida: lazer, vestimentas
e alimentação.
2º porque uma população educada desenvolve o pensamento crítico, cobrando
seus direitos e cumprindo seus deveres.
3) No estudo das relações interpessoais, o ser humano tem por costume formar
aglomerados que denominamos sociedade. Existem diversos fatores que
avaliam o grau de desenvolvimento de uma sociedade, por exemplo, a saúde e
148 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
a educação. Normalmente, o declínio da sociedade é caudado pela falta de
investimentos nessas áreas.
4) A saúde exerce limitações ao bem-estar de qualquer indivíduo,
principalmente os que constituem famílias, pois, sem ela, os indivíduos ficam
limitados de poder exercer atividades econômicas. Assim, ficam
impossibilitados de investir em lazer, vestuários e alimentação.
Já a educação, tem o poder de gerar um pensamento crítico nas pessoas, visto
que, uma população educada possui condições de exigir seus direitos e
cumprir seus deveres. Com direitos e deveres garantidos, o convívio entre as
pessoas se torna melhor e a sociedade se desenvolve como um todo.
Logo, é necessário um investimento em políticas que visam a recuperação da
saúde e da educação. Isso porque, quando não se investe nessas áreas,
outros setores são afetados, tais como a criação de empregos, o cuidado com
o meio ambiente e a relação entre os indivíduos, que se torna muitas vezes
desrespeitosa. Ocorrendo os devidos investimentos a sociedade poderá se
desenvolver e os indivíduos poderão melhorar sua qualidade de vida.
(R. de Carvalho)
Esse exercício reflete bem o percurso seguido pelo curso de
redação. Uma vez que o aluno constrói o texto de forma fragmentada,
consegue perceber a função do parágrafo dentro do texto argumentativo, assim
como pode verificar, na prática, a ideia que aqui se defende, a de que a
estrutura do parágrafo se assemelha a estrutura do texto.
Considerações finais
Este artigo relata a experiência dos monitores do curso de
Redação do CLAC, enfatizando suas conquistas a partir do conhecimento
teórico adquirido no meio acadêmico e do procedimento metodológico adotado.
Ao longo do curso, ao trabalhar atividades diversas, o aluno
percebe a semelhança entre a estrutura padrão do micro texto e do macro
texto. Esta opção metodológica resulta na melhora significativa dos textos
produzidos pelos alunos, visto que eles passam a entender a necessidade de
planejar o seu texto. Além do planejamento, há também uma melhora
significativa na qualidade da argumentação, uma vez que, ao compreender
bem as partes de que se compõe o texto – tanto no nível micro quanto no
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 149
macro –, o aluno também compreende de forma mais organizada e clara a
relação entre tese e argumentos.
O monitor do curso de Redação do CLAC explora também
distintas formas de produção de tese e de argumentos, o que, em um segundo
momento, no trabalho com a ligação entre os parágrafos, torna mais fácil a
tessitura da coesão textual.
Ao instrumentalizar o aluno, o monitor torna-se um facilitador do
processo de organização do fluxo das ideias. Neste percurso, o aluno passa a
se entender como um escritor e a diferenciar essa posição da posição de
locutor (oral), fator de suma importância para a construção de um texto fluido,
de fácil compreensão e impregnado das características da modalidade escrita.
Assim, a produção de textos escritos cultos formais passa a ser entendido
como um processo consciente e pautado no domínio de técnicas.
Por fim, é importante relatar que o monitor adota a estratégia da
reescritura, ou seja, o aluno é convidado a reescrever seus textos com base
nos comentários feitos pelo ele, procedimento que contribui para que o aluno
se perceba não apenas como um redator, mas também como um revisor de
seus próprios textos.
150 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Notas
1 Mestranda do programa de Linguística Aplicada da Faculdade de Letras da UFRJ.
2 Aluna do curso de graduação em Letras (Português – Literaturas) – UFRJ.
3 Professor Associado I do Setor de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da UFRJ.
4 Bacharel e Licenciatura em Letras (Português – Literaturas) – UFRJ.
5 Ressalte-se que a utilização dos textos dos alunos é autorizada por eles. Partir da produção
do próprio alunado para introduzir conceitos e técnicas tem se revelado bastante produtivo.
Referências
ALBUQUERQUE, Camila Faro de e ABREU, Cybelle Borges de. Apostila de
redação 2. RJ, UFRJ:2010. Mimeo.
FÁVERO, Leonor; ANDRADE, Maria Lúcia e AQUINO, Zilda. In: Elias, Vanda
Maria (org.). Reflexões sobre oralidade e escrita no ensino de língua
portuguesa. Ensino de língua portuguesa: oralidade, escrita, leitura. SP:
Contexto, 2014
FIGUEIREDO, Luiz Carlos. A redação pelo parágrafo. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1998.
GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna: aprendera escrever,
aprendendo a pensar. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1975.
LIMA, Bruno C.; ABREU, Cybelle B. de; TEIXEIRA, Diego P.; NORONHA,
Fernando F. S.; FARIA, Helena G. T. de; FEREIRA, Michelli B.; NOGUEIRA,
Rafael G.; LEITE, Tatiane M. F.; PAULA, Mayara N. de.; OLIVEIRA, Sabrina
de. Apostila de redação 1. RJ, UFRJ:2010. Mimeo.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 151
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Oralidade e Letramento. Da fala para a escrita:
atividades de retextualização. 8.ed. São Paulo: Cortez, 2007. pp. 15- 43.
PINILLA, Maria Aparecida; RIGONI, Maria Cristina e INDIANI, Maria Thereza.
Reflexões sobre texto e ensino (parte 1). RJ: UFRJ, 2007. Mimeo.
152 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
A AUSÊNCIA DE MARCAS DE CONCORDÂNCIA VERBAL EM TEXTOS
ESCRITOS POR ALUNOS DO CLAC: DESCRIÇÃO E ENSINO
THE ABSENCE OF VERB AGREEMENT MARKERS IN TEXTS WRITTEN
BY CLAC STUDENTS: DESCRIPTION AND TEACHING
Aline Fernandes Menezes¹
Antônio Anderson Marques de Sousa²
Juliano Leandro do Espírito Santo³
Mônica Tavares Orsini4
Resumo Tendo em vista a variabilidade dos padrões de concordância verbal (doravante CV) refutada pelo normativismo da tradição gramatical, este trabalho tem como principal objetivo a apresentação de atividades que visam à aprendizagem da regra geral de concordância verbal referente à escrita culta. Com base em trabalhos variacionistas sobre o tema (Graciosa, 1991; Vieira, 2011; Brandão e Vieira, 2012; Vieira e Freire, 2014), desenvolvemos uma análise das sentenças produzidas pelos estudantes que apresentam o cancelamento da marca de CV nos referidos textos. Tal descrição viabiliza a elaboração de exercícios específicos, que possibilitam ao aluno identificar a presença das marcas de concordância em contextos linguísticos diversos, sendo assim instrumento fundamental para o aprimoramento da produção de textos escritos formais. Palavras-chave: sociolinguística e ensino; concordância verbal; escrita culta.
Abstract Given the variability of verb agreement patterns (henceforth VA) refuted by the normativism of traditional grammar, the main purpose of this paper is to present activities that aim for the learning of the verb agreement general rule employed in formal writing. Based on variationist papers on the subject (Graciosa, 1991; Vieira, 2011; Brandão and Vieira, 2012; Vieira and Freire, 2014), we developed an analysis of the sentences produced by some Language Courses Open to the Community (CLAC) students in which VA markers are dropped. Such description is an essential tool to the enhancement of formal written text production inasmuch as it enables the development of specific exercises that allow the student to identify the presence of the agreement markers in several linguistic contexts. Keywords: sociolinguistics and teaching; verb agreement; formal writing.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 153
Introdução
No Português Brasileiro, a aplicação ou não da regra canônica
de concordância verbal constitui um fenômeno de natureza morfossintática
que diferencia a fala de indivíduos de maior grau de letramento da fala de
menos letrados. Em virtude deste fato, a ausência de marcas de CV está,
frequentemente, associada ao mau uso do idioma, podendo, assim,
sentenciar um falante a sofrer um preconceito sutil, embora altamente político
e socialmente segregador: o preconceito linguístico.
Por outro lado, as pesquisas linguísticas passaram a observar o
fato por uma ótica diferente: a científica. Os estudos sociolinguísticos, ao
legitimarem as variantes linguísticas, relativizam, por exemplo, conceitos já
cristalizados no imaginário social, como, por exemplo, o de ―erro‖.
No que tange ao fenômeno em estudo, diversos trabalhos
revelam que a marcação de CV não é categórica em nenhuma variedade da
nossa língua, ocorrendo, inclusive, na fala de indivíduos mais letrados. A
análise de Graciosa (1991, apud Vieira, 2011), com dados de fala culta,
mostra que a regra de aplicação da CV não é categórica, havendo fatores
linguísticos que atuam na ausência de marca de concordância.
Neste contexto, este artigo investiga o fenômeno variável da
CV, buscando compreender os fatores que favorecem a ausência de marca
de concordância em textos argumentativos escritos por alunos dos cursos de
Redação 1 e 2 do CLAC (Cursos de Línguas Aberto à Comunidade). A
descrição desses dados permite-nos elaborar um material didático específico
para os contextos que favorecem a não marcação da regra de CV,
contribuindo para a implementação da regra, tida como padrão, na produção
escrita do aluno, já que textos escritos formais, como uma redação, sugerem
a sua aplicação.
154 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
A concordância verbal na tradição gramatical
É comum, entre os compêndios gramaticais, o objetivo de
ditar/apresentar normas que regulam o bom uso da língua. Assim, é
consensual entre eles o estabelecimento da regra de que o verbo deve se
conformar em número e em pessoa com o sujeito. A esse respeito, Cunha e
Cintra (2001, p. 496) estabelecem que ―a solidariedade entre o verbo e o
sujeto, que ele faz viver no tempo, exterioriza-se na CONCORDÂNCIA, isto
é, na variabilidade do verbo para conformar-se ao número e à pessoa do
sujeito.‖.
Seguindo a mesma ideia, Bechara (2009, p. 656) concebe a CV
da seguinte forma:
Em português, a concordância consiste em se adaptar a palavra
determinante ao gênero, número e pessoa da palavra determinada. Diz-se
concordância verbal a que se verifica em número e pessoa entre o sujeito (e
às vezes o predicativo) e o verbo da oração.
A contribuição da Sociolinguística Variacionista para o ensino da
concordância verbal
Firmada na década de 1960 e liderada pelo linguista
estadunidense William Labov, a Sociolinguística Variacionista estuda a língua
em uso, tendo em vista a legitimação das variantes linguísticas existentes em
qualquer língua natural por meio da descrição dos fatores que determinam
sua concretização (cf. Alkmin, 2007; Mollica e Braga, 2003; Pagotto, 2011)
Partindo do pressuposto de que ―a língua é um objeto
heterogêneo, sistematicamente ordenado, em constante mudança que se
propaga no decorrer de um período de tempo e cujo desenvolvimento é fruto
da correlação de fatores linguísticos e sociais.‖ (Orsini 2003, p. 46), postula-
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 155
se que usos linguísticos equivocadamente chamados de ―erros‖ são, na
verdade, variantes de um dado fenômeno linguístico.
Com isso, verificamos que, entre língua e sociedade, existe uma
intrínseca relação de influência, em que a segunda determina os casos de
variação e mudança da primeira. Toda comunidade é caracterizada pelo
emprego de diferentes maneiras de falar/ escrever, o que configura as
variedades linguísticas. A língua é, pois, uma instituição social cujo caráter
mutante lhe é inerente. Dentro dessa perspectiva, as variantes são formas
linguísticas que coexistem, sem que haja mudança de significado.
O fato é que, na vida social, invariavelmente, umas formas são
dotadas de prestígio em detrimento de outras. Porém, isso não significa, em
termos linguísticos, que uma variante é melhor ou pior do que outra. Na
verdade, elas são legitimadas pelo sistema linguístico, dado que se realizam
de forma regular / sistemática e são linguística e socialmente condicionadas.
Enquanto fenômeno variável, a concordância pode se
concretizar ou não na fala e/ou escrita dos usuários da língua em função de
fatores diversos de natureza linguística ou social. A título de ilustração,
observemos o seguinte exemplo:
(1) As meninas brincam no quintal.
(2) As menina brinca no quintal.
Em (1), observamos que houve marcação da regra de
concordância verbal, uma vez que as desinências verbais de número e de
pessoa se harmonizam com o sujeito em questão. É, pois, um uso cânone da
regra variável de CV, mas, diferentemente do que muitos pensam, a forma
variante em (2) é tão legítima quanto a forma em (1). Desta forma, é
recorrente na fala popular a presença de marca de plural no constituinte mais
à esquerda, havendo cancelamento de marca nos constituintes seguintes. Tal
comportamento decorre da máxima que atesta que ―marcas levam a marcas,
zeros levam a zeros‖.
156 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Vieira (2011), ao comparar a frequência da presença de marca
de concordância na fala de analfabetos ou semianalfabetos do norte
fluminense à obtida por Graciosa (1991), confirma que o grau de
escolaridade do falante é fator determinante na presença ou não da marca de
concordância verbal, conforme mostram os gráficos a seguir:
Gráfico 1: Grau de realização da regra de concordância verbal na variedade ―culta‖ carioca e
nos dialetos ―populares‖ do estado do Rio de Janeiro. Vieira (2011, p. 88).
O Gráfico 1 traduz o alto percentual de realização de marca de
CV entre falantes cultos (89%), se comparado ao encontrado nos dialetos
populares do estado do Rio de Janeiro (24%). Ao estudar o fenômeno na fala
de comunidades do norte fluminense, Vieira (1995) aponta alguns fatores
linguísticos como favorecedores da não realização da marca de CV:
a) Posição do sujeito em relação ao verbo: quando anteposto, favorece a
realização da marca de CV; quando posposto, favorece a ausência da marca
de CV;
b) Distância entre o núcleo do sintagma nominal sujeito e o verbo: uma maior
quantidade de material interveniente entre esses constituintes favorece a não
realização da marca de CV;
c) Paralelismo nos níveis oracional e discursivo: para o primeiro, um menor
número de marcas explícitas de plural no sujeito leva à ausência de marcas
de plural no verbo; para o segundo, a ausência da marca de plural em um
verbo que faça parte de uma série discursiva leva à ausência da marca de
plural no verbo seguinte;
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 157
d) Animacidade do sujeito: sujeitos de referência animada, que, em geral,
recebem papel temático de agente, favorecem a realização da marca de
plural no verbo; sujeitos de natureza inanimada não favorecem essa
marcação;
e) Saliência fônica: no que diz respeito à diferença de material fônico entre as
formas singular e plural, as formas verbais com maior grau de diferença
fônica tendem a manter as marcas de concordância;
Tendo em vista o fato de os alunos em processo de letramento
reproduzirem, muitas vezes, marcas da oralidade em sua produção textual
escrita, nossa hipótese é a de que os fatores favorecedores da ausência de
marca de CV descritos acima atuem de forma decisiva para o cancelamento
da marca de CV nos textos escritos em análise. A fim de confirmar ou não
esta hipótese, fizemos um levantamento das sentenças em que houve
supressão de marca de CV para, partindo desta realidade, elaborarmos
atividades didáticas mais eficientes, que ajudem o aluno a recuperar a marca
de CV em textos escritos que exijam maior grau de monitoramento, no que
tange às normas gramaticais.
Metodologia
Nossa pesquisa pautou-se na análise de um corpus constituído
de 24 textos argumentativos produzidos por alunos do projeto CLAC,
coletados durante o primeiro semestre de 2013, a partir de diferentes
propostas de discussão.
O trabalho se desenvolveu da seguinte forma:
1. Leitura das 24 redações e coleta das ocorrências, em que houve
cancelamento da marca de CV;
2. Análise qualitativa das ocorrências e sistematização dos fatores
linguísticos que parecem atuar no favorecimento da ausência da
marca de CV;
158 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
3. Análise quantitativa da interferência dos fatores linguísticos no
favorecimento da ausência da marca de CV;
4. Elaboração de atividades que focalizem os contextos linguísticos que
parecem favorecer a ausência da marca de CV na produção dos
textos dos alunos do CLAC.
Vale destacar que os textos foram escritos por alunos dos níveis
I e II do curso de redação cujo público costuma ser bastante variado. No caso
deste trabalho, os alunos, em geral, apresentaram maior nível de
escolaridade: havia poucos alunos de 3º ano do ensino médio, seguidos por
pessoas já graduadas (professores, advogados, psicólogos) e por estudantes
universitários de diversos cursos: letras, pedagogia, ciências sociais,
administração pública e outras áreas.
Análise de dados
Primeiramente, é importante salientar que este estudo não
constitui uma pesquisa variacionista, já que não confronta as variáveis
linguísticas em questão: presença x ausência de CV. Ao contrário, nosso
objetivo é o de focalizar apenas as construções em que houve cancelamento
da marca de concordância para, a partir de um levantamento quantitativo e
qualitativo dos dados, elaborar atividades que contribuam para a apreensão
da regra geral de concordância prescrita pela tradição gramatical.
Nesta perspectiva, foram encontrados 19 dados em que houve
o cancelamento da marca de concordância. Atribuímos o baixo número de
ocorrências ao perfil social dos alunos: o maior grau de letramento dos
alunos contribui para uma maior preocupação do produtor com os aspectos
formais do texto.
Três são os fatores que parecem atuar de forma decisiva para a
ausência de marca de CV, a saber: a) saliência fônica, isto é, a diferença de
material fônico entre as formas singular e plural dos verbos, b) distância entre
o núcleo do SN sujeito e o verbo, em que quanto maior a distância entre
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 159
esses dois elementos, maiores são as chances de apagamento da marca de
CV, e c) posição do sujeito em relação ao verbo, em que sujeitos pospostos
ao verbo favorecem o cancelamento da marca de concordância.
Do total de ocorrências com ausência de marcas de CV, o fator
distância entre o sujeito e o verbo foi o mais recorrente, com 53% do total,
seguido pelo fator saliência fônica, com 26%. A posição do sujeito em relação
ao verbo mostrou-se significativa em 21% dos dados.
Distribuição do total de ocorrências
de ausência de marca de CV por fator linguístico
Gráfico 2: distribuição percentual de dados com base no fator
condicionante a não marcação de CV
Distância entre o núcleo do sintagma nominal sujeito e o verbo
O fator distância entre o núcleo do SN sujeito e o verbo
mostrou-se bastante produtivo, tendo sido coletadas 10 ocorrências. A
presença de material interveniente entre o sujeito e o verbo faz com que as
marcas de concordância sejam canceladas, por conta do distanciamento
entre esses dois constituintes (exemplo 4), ou ainda que a concordância seja
feita com o termo mais próximo (adjunto ou complemento) e, não, com o
núcleo do sujeito (exemplos 5 e 6).
(4) As variantes da língua, como por exemplo sotaques e gírias,
transforma a língua falada diferente da língua escrita normatizada. (A. C. R.,
Red. 1)
53% 26%
21%
160 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
(5) A ingestão de bebidas alcoólicas afetam a capacidade do usuário.
(A. C. R., Red. 1)
(6) A proporção dos casos de corrupção no país têm sido tão forte que a
palavra ―política‖ já gera um certo desconforto na população. (L. L., Red. 2)
Em (4), a existência do constituinte de valor circunstancial
(―como por exemplo sotaques e gírias‖) favorece o apagamento da marca de
concordância. Já em (5) e (6), a concordância se estabelece com o termo
mais próximo e não com o núcleo do sujeito, como prescreve a tradição
gramatical.
Saliência fônica
Houve 5 ocorrências de ausência de marca de CV
possivelmente ativada pelo fator saliência fônica. Segundo observa Vieira
(2011, p. 89), quanto menor é a saliência fônica entre as formas singular e
plural dos verbos, mais fácil se torna a supressão das marcas de
concordância. Logo, formas como ―fala/falam‖, em que há baixa saliência
fônica, são mais propícias ao cancelamento da marca de CV do que formas
em que a saliência fônica é maior, como em ―é/são‖.
Em (7), observamos que a supressão da marca de CV é
possivelmente favorecida pela baixa saliência fônica das formas ―tinha /
tinham‖.
(7) Com a escravidão, os negros não tinha direito a estudos. (L. N.,RED.1)5
Posposição do sujeito em relação ao verbo
De acordo com Vieira (2011, p. 90), os sujeitos pospostos
favorecem a ausência de marcas de concordância. Em nosso corpus, foram
identificadas 4 ocorrências, predominando dados com o verbo ser, como
evidencia o exemplo (8), em que o SN sujeito ―educação e instrução dos pais
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 161
aos filhos‖ foi deslocado para depois da forma verbal ―será‖, favorecendo,
portanto, a não expressão das marcas de concordância.
(8) Para isso, será necessário educação e instrução dos pais aos filhos
para resguardá-los dos riscos da internet. (M. M., Red. 2)
Atividades em sala de aula
Os resultados da análise aqui desenvolvida mostram que é
fundamental a elaboração de atividades didáticas, em que os contextos
linguísticos acima descritos estejam presentes. Assim, propomos exercícios
que contribuam para a implementação da regra geral de concordância verbal
na produção de textos escritos formais, objeto de estudo do curso de redação
do CLAC. Foram elaborados diferentes exercícios, a fim de contemplar os
contextos que parecem atuar no cancelamento de marcas de concordância.
Para tal, foram escolhidos textos (ou fragmentos) de diferentes gêneros,
publicados em jornais de grande circulação.
EXERCÍCIO 1: Após a leitura do texto ―Manifestantes temem
novas ações de violência‖, (a) identifique orações em que o sujeito se
encontra depois do verbo, observando se há ou não marcas de concordância
entre os termos; (b) comente a concordância verbal estabelecida entre o
núcleo do sujeito e o verbo da oração principal do segundo período do texto.
162 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Após a leitura do texto, o professor deve orientar os alunos na
análise dos segmentos textuais em destaque, identificando o sujeito e o
verbo que entra em concordância com ele. Além disso, o professor deve
discutir a posposição do sujeito no segundo período do texto, fator que pode
levar à ausência da marca de CV.
EXERCÍCIO 2: Identifique o sujeito das frases sublinhadas e, em
seguida, reescreva-as de acordo com a ordem canônica do português
(Sujeito – Verbo), quando possível.
a) Sucesso, aí vai Rita Lee. Cantora comemora disco de ouro.
(Jornal ―O Globo‖, 06/07/2013)
b) Chegou sua vez de ganhar um intercâmbio em Seattle: basta
participar da promoção ―Redação de Ouro‖. (Jornal ―O Globo‖,
07/07/2013)
c)
O exercício 2 explora os chamados verbos inergativos e os
inacusativos, contextos que ainda favorecem a posposição do sujeito no
Português Brasileiro contemporâneo, que se configura numa língua que
prefere a ordem direta – SVO.
EXERCÍCIO 3: Identifique o sujeito da oração em destaque na
propaganda abaixo e, em seguida, levante hipóteses para explicar a ausência
de marca de concordância entre ele e o verbo.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 163
No exercício 3, o professor deverá levar os alunos a refletir
sobre a baixa saliência fônica entre as formas ―leva / levam‖, fator que
propicia o cancelamento da marca.
Considerações finais
Este trabalho, fundamentado em estudos variacionistas acerca
do fenômeno da concordância verbal de terceira pessoa, objetivou analisar
as sentenças produzidas pelos alunos do curso de redação do CLAC, em que
se verifica a ausência da marca de concordância. Pretendemos, desta forma,
compreender o fenômeno, ao invés de simplesmente tratá-lo como um erro
(cf. Bortoni-Ricardo, 2004). Ainda que o curso pretenda capacitar o aluno a
produzir textos escritos formais, fazendo uso da norma culta, acreditamos
que tal objetivo só será alcançado se partirmos do pressuposto de que
qualquer variante linguística, presente no contexto de aula, é legítima e deve
ser observada pelo professor. Somente por meio desta metodologia, será
possível produzir exercícios que ajudem o aluno a dominar uma regra que
não faz parte da sua gramática internalizada.
164 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Notas
1 Aluna do curso de graduação em Letras da UFRJ.
2 Aluno do curso de graduação em Letras da UFRJ.
3 Aluno do curso de graduação em Letras da UFRJ.
4 Professora Associada I de Língua Portuguesa do Departamento de Letras Vernáculas da
FL da UFRJ.
5 Entre parênteses, indicam-se as iniciais do nome do aluno bem como o seu nível.
Referências
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166 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
LÍNGUA E ENSINO: OS POSSESSIVOS DA SEGUNDA PESSOA DO
PLURAL NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
LANGUAGE AND EDUCATION: POSSESSIVE SECOND PERSON PLURAL
IN BRAZILIAN PORTUGUESE
Dalila Mendes dos Santos de Assis1
Leonardo Lennertz Marcotulio2
Resumo O objetivo deste artigo é investigar como se apresenta o quadro de possessivos no português brasileiro (PB), sobretudo em relação à 2ª pessoa do plural (2PL). A partir de uma amostra de fala do PB do século XXI (Corpus do Projeto Concordância, VIEIRA, BRANDÃO e MOTA, 2008), o nosso propósito é verificar se ocorre variação entre as formas seu e de vocês como possessivo de 2PL, como apontado por Lopes (2007), ou se a forma de vocês é a única estratégia possessiva produzida, como defende Perini (2010). Além disso, também voltamos a atenção para o tratamento dado aos possessivos em manuais de Português como Língua Estrangeira (PLE), com o intuito de observar em que medida tais materiais se aproximam / afastam da tradição gramatical e de abordagens mais descritivas que consideram a realidade linguística do PB. Palavras-chave: possessivos; 2PL; de vocês; português brasileiro; PLE.
Abstract This paper aims at investigating the use of possessives in Brazilian Portuguese (PT-BR), especially concerning the 2nd person plural. From a twenty-first century sample of speech in PT-BR (Corpus from of the ‗Agreement Project‘, Vieira, Brandão & Mota, 2008), our intent is to verify if there is a variation between the forms seu (your; plural) and de vocês (of yours; plural) as possessive of the 2nd person plural, as indicated by Lopes (2007), or if the form de vocês (of yours; plural) is the only possessive strategy used, as Perini (2010) argues. We also focus on the ways in which the coursebooks of Portuguese as foreign language (PFL) approach the possessive forms so as to observe the extent to which those textbooks (do not) follow grammatical tradition and other more descriptive approaches to the linguistic reality of the PT-BR. Keywords: possessive; 2nd person plural; of yours; Brazilian Portuguese; PFL.
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 167
Introdução
Para a perspectiva tradicional, os pronomes possessivos são
definidos como itens linguísticos capazes de fazer referência às pessoas do
discurso, apresentando-as como possuidoras de algo. Vejamos abaixo o
quadro de possessivos do português apresentado por Rocha Lima (1999),
Cunha (1992) e Bechara (2010), em função do pronome pessoal
correspondente:
Quadro 1. Quadro de pronomes pessoais e possessivos do português,
adaptado das gramáticas tradicionais de Rocha Lima (1999:113), Cunha
(1992:314) e Bechara (2010:134).
Pronome Pessoal Pronome Possessivo
1 SG: eu meu / minha / meus /
minhas
2 SG: tu teu / tua / teus / tuas
3 SG: ele / ela seu / sua / seus / suas
1 PL: nós nosso / nossa / nossos /
nossas
2 PL: vós vosso / vossa / vossos /
vossas
3 PL: eles / elas seu / sua / seus / suas
Em relação aos pronomes pessoais, observamos que as formas
eu e nós se referem à 1SG e 1PL, respectivamente. Para a 3P, encontramos
as formas ele e ela, para o singular, e eles e elas, para o plural. Já a 2P
mantém os pronomes originais herdados do latim tu e vós, para o singular e
plural, respectivamente. As formas possessivas, por sua vez, se relacionam
aos traços de número e pessoa do pronome pessoal referente. O pronome
meu, por exemplo, corresponde ao pronome pessoal da 1SG eu; teu
corresponde ao pronome pessoal da 2SG tu; os possessivos nosso e vosso
são referentes dos pronomes de 1PL nós e de 2PL vós, respectivamente; por
168 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
fim, o possessivo seu faz referência aos pronomes pessoais de 3P ele, ela,
eles e elas. As formas possessivas ainda podem apresentar flexão de gênero e
número, em função dos traços do nome com o qual concordam, como em meu,
minha, meus e minhas, embora todas pertençam à mesma célula, pois têm
como referente o pronome eu.
As novas formas pronominais de 2P do português você e vocês,
nas gramáticas analisadas, não são tratadas como pronomes pessoais, mas
como pronomes de tratamento. Pelo fato de essas novas formas terem tido a
sua origem em sintagmas nominais, apresentam o seu paradigma verbo-
pronominal com formas de 3P. Assim, ainda que se refiram semanticamente à
2P, as formas você e vocês apresentam como possessivos os pronomes seu,
sua, seus e suas.
Como se pode ver, as gramáticas tradicionais somente
consideram a variante modelar, com a apresentação dos possessivos simples,
e não incluem em seu quadro de possessivos as novas formas que codificam
posse no português: os possessivos perifrásticos encabeçados pela preposição
de ou, nos termos de Castro (2006), os de-possessivos. Diferentemente da
visão tradicional, de modo a entender a complexidade e a pluralidade que
caracterizam qualquer sistema linguístico, torna-se necessário considerar os
processos de mudança linguística na história do português.
Desde o período arcaico, observamos reorganizações no quadro
pronominal, no que se refere a formas pronominais que ocupam a posição de
sujeito, com reflexos que resultaram em rearranjos no quadro dos respectivos
pronomes possessivos. De uma forma geral, ao lado dos possessivos simples,
oriundos do latim vulgar (VÄÄNÄNEM, 1988), novas formas possessivas – os
de-possessivos – passaram a integrar o quadro de possessivos do português.
O primeiro desses movimentos se dá no português arcaico. Com
a inserção das novas formas pronominais de 3P ele, ela, eles e elas
(TARALLO, 1994), as formas seu, seus, sua e suas, oriundas dos pronomes
reflexivos latinos, passam a se comportar como possessivos correspondentes
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 169
das novas formas pronominais. Pelo fato de seus traços morfológicos
evidenciarem os traços morfológicos de número e gênero do nome que
acompanham e não serem sensíveis aos traços de número e gênero do
possuidor, o uso das formas possessivas de 3P permitem uma situação de
ambiguidade. Nesse contexto, segundo Mattos e Silva (2001), numa tentativa
de desfazer a ambiguidade referencial (se singular, se plural, se masculino, se
feminino), teria sido introduzida na língua arcaica a primeira série de de-
possessivos: dele, dela, deles e delas.
Além desses de-possessivos de 3P, o português incorporou
outras formas ao longo de sua história. No que se refere à 2P, através de um
processo de gramaticalização iniciado ainda na época medieval, tem-se a
inserção da forma de tratamento Vossa Mercê, produto da reanálise do
sintagma possessivo vossa mercê em forma pronominal de tratamento, que
gerará, posteriormente, o pronome você (MARCOTULIO, 2012; LOPES, 2007).
Em relação à 1P, dá-se um processo semelhante, de
gramaticalização de sintagmas nominais em sintagmas com comportamento
pronominal, com a forma a gente (LOPES, 2007). A inserção dessas novas
formas gramaticalizadas na língua é acompanhada pela introdução de novas
formas de de-possessivos: de vocês, para a 2PL; e da gente, para a 1PL.
É interessante observar que as novas formas possessivas
introduzidas não provocam, necessariamente, o descarte dos respectivos
possessivos originais simples. Tais formas – possessivos simples e novos de-
possessivos – coexistem durante algum tempo, podendo o quadro de
possessivos sofrer novos rearranjos e especializações de uso. Posteriormente,
uma das formas pode ser eliminada da língua.
Em virtude dos rearranjos observados no sistema pronominal
(formas pessoais e possessivas) ao longo da história do português, Lopes
(2007) postula o seguinte quadro para o português brasileiro (PB):
170 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Quadro 2. Pronomes pessoais e possessivos (simples e de-possessivos) do
PB (adaptado de Lopes, 2007:116).
Pronome Sujeito Possessivo
simples
De-possessivo
eu meu -
tu | você teu | seu de você
ele seu dele
nós | a gente nosso da gente
vocês seu de vocês
eles seu deles
Podemos observar, no quadro acima, que a única pessoa que se
mantém exatamente como nos primeiros estágios do português é a 1SG, com
o pronome reto eu e o possessivo correspondente meu. No que se refere à 3P,
encontramos os pronomes pessoais ele e eles, correlacionados com o
possessivo simples seu ao lado das formas de de-possessivos dele e deles. A
1PL mostra uma situação de coexistência de duas formas pronominais: ao lado
do pronome original nós, tem-se a nova forma gramaticalizada a gente. Para os
possessivos correspondentes, também verificamos a coexistência do
possessivo simples nosso e do de-possessivo da gente. Em relação à 2SG,
observamos a coexistência, para as formas pessoais, da forma original tu, ao
lado na nova forma gramaticalizada você. Em consequência, o quadro de
possessivo também apresenta as formas simples teu (oriunda da 2P original),
ao lado de seu (forma original do paradigma de você), assim como o de-
possessivo de você3. Por fim, a 2PL é representada pela forma vocês (em
detrimento da forma original vós) e pelos possessivos seu (forma original do
paradigma de vocês) e de vocês.
Perini (2010), no entanto, em sua Gramática do Português
Brasileiro, apresenta um quadro mais simplificado que o de Lopes (2007):
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 171
Quadro 3. Pronomes pessoais e possessivos (simples e de-possessivos) do
PB atual (adaptado de Perini, 2010:305).
Pronome Sujeito Possessivo
simples
De-possessivo
eu meu -
você seu -
ele - dele
nós nosso -
vocês - de vocês
eles - deles
De uma forma geral, chama a atenção, no quadro oferecido por
Perini (2010), a não coexistência de formas em uma mesma célula, tanto para
os pronomes pessoais, quanto para os pronomes possessivos. Assim, para a
2SG, consta somente a forma você e o possessivo simples seu; para a 3P
somente são apresentadas as formas de de-possessivos dele e deles; a 1PL
não registra a nova forma gramaticalizada a gente, nem como pronome
pessoal, nem como possessivo; e, por fim, para a 2PL, somente é apresentado
o de-possessivo de vocês.
Em uma discussão já iniciada em Perini (1985), haveria uma
tendência à especialização de formas, numa tentativa de evitar ambiguidades
referenciais na língua. Assim, de todas as formas gramaticalizadas de 2P e 3P
– você, vocês, ele, eles – que apresentam originalmente o possessivo simples
seu, somente uma delas poderá seguir com esse possessivo, como ocorre com
o pronome você, de modo que o possessivo não se torne ambíguo. Todas as
demais pessoas (vocês, ele, eles) apresentam, por consequência, somente de-
possessivos (de vocês, dele, deles).
Temos, assim, duas visões sobre o assunto que merecem ser
contrastadas. Em relação ao possessivo de 2PL, em correspondência à forma
vocês, Lopes (2007) admite uma situação de variação entre seu e de vocês.
172 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Por outro lado, para Perini (2010), o possessivo simples seu se
especializa para a 2SG, e o único possessivo encontrado para a 2PL é o de-
possessivo de vocês. Uma possibilidade de conjugação das duas análises
reside no fato de, como é natural em todos os processos de implementação de
novas formas, a inserção do de-possessivo de 2PL não ter provocado a
eliminação das formas que antes desempenhavam tal função, como o
possessivo simples seu, do paradigma original de vocês, e até mesmo o
possessivo original de 2PL vosso. Assim, é possível que, dentre os dois
possessivos simples, a forma vosso tenha sido eliminada mais rapidamente do
PB, ao passo que se mantém no Português Europeu – PE (CASTRO, 2006). O
quadro postulado por Lopes (2007) mostraria, assim, um estágio em que ainda
convivem a forma simples seu e o novo possessivo de vocês. Posteriormente,
tal como mostra Perini (2010), o possessivo seu passa a restringir-se somente
à 2SG, sendo a 2PL representada apenas pelo de-possessivo de vocês.
Diante do quadro exposto, investigaremos, a partir de uma
amostra de fala, se há ou não variação entre seu e de vocês em relação à 2PL
no PB atual. Além disso, a nossa segunda questão refere-se ao tratamento que
é dado ao quadro de possessivos do PB em manuais de Português como
Língua Estrangeira (PLE). Desejamos, assim, verificar se existem diálogos
entre o ensino de PLE e as pesquisas linguísticas que versam sobre os
rearranjos no quadro de possessivos do português.
Em busca de evidências empíricas: o português brasileiro no século XXI
Com o intuito de averiguar se há ou não variação na forma
possessiva de 2PL, no PB falado do século XXI, recorremos ao Corpus do
Projeto Concordância (CPC), disponível em
http://www.concordancia.letras.ufrj.br/, elaborado por Vieira, Brandão e Mota
(2008).
Utilizamos, neste trabalho, todas as entrevistas brasileiras
disponíveis no CPC, sendo 18 gravações da Zona Sul da capital do Rio de
Janeiro, Copacabana e adjacências, e 18 gravações da cidade de Nova
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 173
Iguaçu, também vizinha da capital, perfazendo um total de 36 entrevistas.
Foram considerados todos os dados de seu e de vocês apenas das falas dos
informantes e não dos documentadores.
É importante deixar claro, no entanto, que conhecemos a
limitação de nossa amostra e que não pretendemos oferecer uma visão
panorâmica considerando a totalidade do PB. Assim, o que estamos
chamando, aqui, de PB, se refere a amostras de fala coletadas, na primeira
década do século XXI, no Rio de Janeiro. Pelo fato de o corpus ser
sociolinguisticamente estratificado, os informantes entrevistados nasceram nas
localidades de Nova Iguaçu e Copacabana, cujos pais são também
provenientes dessas localidades. Portanto, acreditamos que os nossos dados
sejam, ao menos, representativos desses dialetos. Nesse sentido, estamos
conscientes de que a nossa amostra, como qualquer amostra constituída para
estudos linguísticos, será sempre uma fotografia da dinâmica de algum ponto
específico e nunca abarcará nenhum tipo de totalidade.
Outro esclarecimento que merece ser mencionado é o fato de não
ser o nosso objetivo empreender uma análise de cunho variacionista nos
moldes labovianos (LABOV, 1994; 2001). De antemão, pela própria natureza
das fontes, já esperávamos que a quantidade de dados disponíveis seria
ínfima. Em entrevistas sociolinguísticas, como as realizadas pelo Projeto
Concordância, os documentadores fazem perguntas aos informantes sobre
temas diversos, de modo a coletar a maior quantidade possível de material
linguístico para análise. Assim, nessas situações de perguntas e respostas,
dificilmente encontramos ocorrências de formas exclusivas da 2P, tanto
singular quanto plural, e, quando registradas, geralmente apresentam valor
genérico, sem referência definida. Nesse sentido, a existência de diversas
lacunas, em relação à faixa etária, grau de escolaridade e gênero,
impossibilitaria qualquer tentativa de realização de uma descrição que
controlasse fatores extralinguísticos. O nosso único intuito é observar como se
configura o quadro dos possessivos da 2PL no PB do século XXI, de modo a
verificar se existe ou não variação (LOPES, 2007) ou se o PB atual já se
mostra em estágio final do processo de mudança, com predomínio absoluto do
174 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
de-possessivo de vocês em detrimento do possessivo simples original seu
(PERINI, 2010).
Nas entrevistas analisadas, encontramos um total de 19 dados de
possessivos da 2PL, que podem ser distribuídos da seguinte maneira:
Tabela 1. Ocorrência das formas seu e variantes e de vocês como possessivos
da 2PL entre os brasileiros entrevistados pelo Projeto Concordância.
seu e variantes de vocês
4/19 – 21% 15/19 – 79%
Conforme aponta a tabela 1, de todas as ocorrências registradas, a
utilização do de-possessivo de vocês se mostra como mais produtiva, com 79%
do total dos dados, ao passo que o possessivo seu e variantes contabiliza 21%
dos casos. Vejamos alguns exemplos de de vocês:
(1) a ... aí: eu falei ―como assim não houve feedback de vocês que não sabem explicar se
a gente tá indo pelo caminho certo ou pelo caminho errado‖.
(CPC, Copacabana, Faixa A, mulher, instrução 3)
(2) não sei se perceberam que era português / que era a brasileiro... cara... uns jovens
assim da idade de vocês não mais novo mais novo que você... dezoi::to dez dezesseis a::nos
(CPC, Copacabana, Faixa B, homem, instrução 1)
(3) isso e isso se eles pegarem vocês... então se mãe de vocês tá falando pra vocês não
irem...
(CPC, Nova Iguaçu, Faixa C, mulher, instrução 1)
De modo a exemplificar o estatuto de possessivo da forma de
vocês, tomaremos o dado (3) como representante dos demais dados.
Aplicando o teste sintático da substituição, podemos substituir todo o sintagma
nominal por um pronome pessoal de 3P, o que comprova que de vocês
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 175
pertence ao sintagma nominal a mãe de vocês (4a-b). Além disso, podemos
substituir o de-possessivo de vocês por um possessivo simples, o que
evidencia o seu estatuto de possessivo (4c):
(4) a. se [mãe de vocês] tá falando pra vocês não irem...
b. se [ela] tá falando pra vocês não irem...
c. se sua / tua / minha / nossa mãe tá falando pra vocês não irem...
Quanto aos dados de possessivos simples seu e variantes,
verificamos que todos os quatro dados encontrados não apresentam
claramente uma leitura de 2PL. Em outras palavras, as ocorrências de seu
constituem casos de ambiguidade de natureza referencial, podendo apresentar
como referentes a 2SG ou a 2PL. Vejamos, a seguir, um exemplo ilustrativo:
(5) Informante: vocês são bem jovens qual sua idade?
Documentador 1: [ah::: é dele né
Documentador 2: vinte e cinco
(CPC, Copacabana, Faixa B, homem, instrução 1)
O dado (5) mostra como o pronome seu pode, de fato, causar
uma dupla leitura, de 2SG ou de 2PL. É possível que seu seja interpretado das
seguintes formas neste caso: (i) como 2SG, que pode corresponder ao
documentador 1 ou ao documentador 2, ou (ii) como 2PL, pois o informante
poderia ter se dirigido a ambos. A dúvida do documentador 1 quanto a quem o
informante se referia – já que havia dois documentadores à sua frente – coloca
em evidência o caso da ambiguidade que esse possessivo pode causar.
Em síntese, podemos concluir que a construção de vocês como
possessivo de 2PL é a estratégia mais produtiva no PB falado do século XXI.
Ainda que levante problemas em relação à natureza do referente, o possessivo
seu ainda é registrado, com produtividade limitada, como estratégia possessiva
para a 2PL. Tal resultado corrobora a visão de Lopes (2007), a partir da qual
haveria variação entre seu e de vocês no PB, em detrimento da exclusividade
da construção de vocês apresentada por Perini (2010).
176 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
Cabe-nos, agora, analisar os manuais de PLE, a fim de observar
como estes optam por apresentar o possessivo de 2PL: se conforme as
gramáticas tradicionais ou se considerando a realidade linguística do PB.
O caso do possessivo de 2PL em Manuais de PLE
A área de PLE consiste no ensino da língua portuguesa para
estrangeiros que não a possuem como língua materna e desejam aprendê-la
como uma segunda língua. Assim como um falante nativo da língua portuguesa
busca a aprendizagem de línguas estrangeiras como inglês, espanhol, francês,
italiano, entre outras, há, hoje, uma demanda pelo aprendizado do português,
principalmente do PB, como outro idioma.
Atualmente, tem ocorrido uma maciça propagação e
fortalecimento da língua portuguesa como língua no mundo digital. Nos últimos
anos, houve um aumento de 990% de usuários da internet e da tecnologia à
procura do português. Na rede social Facebook, essa língua já ocupa o terceiro
lugar de procura e uso, ficando atrás, apenas, do inglês e do espanhol (CRUZ,
2012, p. 20).
Dessa forma, emergem propostas de ações e projetos para
promover a integração da língua portuguesa, isto é, uma polarização de
esforços na difusão do português não só no mundo digital, mas, também, em
salas de aula e cursos para aquisição do português como língua estrangeira.
O português tem ganhado espaço na comunidade global e, assim,
existe a necessidade de os profissionais de Letras se prepararem e serem
preparados para este novo campo que tem ganhado forma e se consolidado
rapidamente. Em vista disso, é importante a estruturação precisa dos materiais
e manuais de PLE para uma melhor forma de ensino.
Assim, decidimos averiguar como se apresentam os pronomes
pessoais e os correspondentes possessivos em manuais de PLE do PB,
atentando especialmente para o caso da 2PL. Para tanto, foram selecionados,
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 177
para esta análise, dois manuais de PLE: Muito Prazer – Fale o Português do
Brasil (FERNANDES et al, 2010) e Fala Brasil: português para Estrangeiros
(COUDRY e FONTÃO, 1997). O nosso objetivo é verificar até que ponto os
manuais de PLE se aproximam da abordagem tradicional, não mostrando a
realidade linguística do PB, e até que ponto se afastam delas, proporcionando
ao aluno um ensino mais real, calcado nas análises descritivas de fenômenos
do PB.
No primeiro manual, Muito Prazer – Fale o Português do Brasil
(2010), os pronomes são apresentados da seguinte maneira:
Quadro 4. Quadro de pronomes pessoais e seus possessivos correspondentes
apresentado pelo manual de PLE Muito Prazer – Fale o Português do Brasil
(2010:27).
Pronome Pessoal
Pronome Possessivo
Masculino feminino
singular/plural
eu meu(s) minha(s)
tu teu(s) tua(s)
você (ele/ela) seu(s) suas(s)
nós nosso(s) nossa(s)
vós vosso(s) vossa(s)
vocês (eles/elas) seu(s) sua(s)
Apesar de ter como subtítulo Fale o Português do Brasil, o manual
apresenta o pronome vós e a forma vosso como possessivo, embora saibamos
que tais formas não sejam correntes no PB falado atualmente (LOPES, 2007).
Vale chamar a atenção para o fato de o manual unir, por um lado, as formas
você e ele/ela e, por outro, as formas vocês e eles/elas na mesma célula. Um
estudioso da língua portuguesa pode entender que isso foi feito por uma
questão morfológica, mas pode não ser assim entendido por um estrangeiro
que está aprendendo a língua como outro idioma. Acreditamos que a melhor
178 ▪ Revista Línguas & Ensino | Faculdade de Letras - UFRJ | 2015
apresentação do quadro dos pronomes deva ―sacrificar‖, em um primeiro
momento, a questão morfológica e privilegiar os traços de pessoa e número,
isto é, as informações que relacionam os pronomes aos participantes do
discurso. Tal como é apresentado, o quadro pode erroneamente sugerir a
leitura de que as formas você e vocês não são de 2P, mas sim de 3P.
Há, assim, avanços e incoerências. Por um lado, consideramos
como avanço o fato de terem sido introduzidas as novas formas pronominais
de 2P você e vocês. Por outro lado, ainda no que se refere aos pronomes
pessoais, a nova forma gramaticalizada de 1PL a gente não consta do quadro,
além de não termos a informação de que, em relação aos traços discursivos
dos pronomes, você ocupa a mesma célula que tu, vocês a mesma de vós e a
gente a mesma de nós. Quanto aos pronomes possessivos, o quadro em
questão em nada difere do quadro apresentado pelas gramáticas tradicionais.
Não observamos a presença de nenhum de-possessivo – a saber, dele, dela,
deles, delas, da gente e de vocês. No nosso caso em particular, o possessivo
referente à forma vocês ainda é apresentado como seu, sua, seus e suas, o
que, como mostramos a partir da análise das amostras de fala do PB do século
XXI, não condiz com a realidade plural do português brasileiro.
O manual Fala Brasil (1997), por sua vez, mesmo sendo mais
antigo, foi o que apresentou um quadro mais próximo ao PB atual:
Quadro 5. Quadro de pronomes pessoais e possessivos apresentado pelo
manual de PLE Fala Brasil (1997:10).
Pronomes Pessoais e Possessivos
eu meus(s), minhas(s)
(tu) teu(s), tua(s)
você seu(s), suas
ele dele [seu(s), suas(s)]
ela dela [seu(s), suas (s)]
nós nosso(s), nossa(s)
Revista Línguas & Ensino | Volume I ▪ 179
vocês seu(s), sua(s), de vocês
eles deles [seu(s), sua(s)]
elas delas [seu(s), sua(s)]
Diferentemente do quadro apresentado no manual de PLE Muito
Prazer – Fale o Português do Brasil (2010), o manual Fala Brasil (1997)
apresenta um quadro que se aproxima mais da situação real do PB. Em
relação aos pronomes pessoais, as mesmas formas são apresentadas nos dois
manuais, com a diferença de que neste não há uma subcategorização por
células a partir de um critério morfológico. Em outras palavras, o tratamento
dado é mais neutro e cabe ao professor organizar esse quadro em sala de
aula, mostrando que formas pertencem a que pessoa do discurso. Vale dizer,
também, que nenhum dos dois manuais inclui a forma a gente no quadro dos
pronomes pessoais. Por fim, chama a atenção o fato de o manual Fala Brasil
(1997) não incluir o pronome vós, e, consequentemente, o possessivo vosso,
em seu quadro, o que o aproxima ao PB atual.
No manual Fala Brasil (1997), no entanto, diferentemente do
manual Muito Prazer – Fale o Português do Brasil (2010), já observamos a
inclusão de alguns de-possessivos, como dele e dela, para a 3SG, e deles e
delas, para a 3PL. Vemos, também, que o de-possessivo de 2PL de vocês faz
parte do repertório de possessivos. Cabe observar, no entanto, que nenhum
desses de-possessivos ocupam exclusivamente uma célula ou outra, mas
coexistem com os pronomes originais de 3P seu, sua, seus e suas,
aproximando-se ao quadro apresentado por Lopes (2007).
Em síntese, dos manuais de PLE analisados, podemos dizer que
o primeiro, Muito Prazer – Fale o Português do Brasil (2010), se assemelha
mais às gramaticais tradicionais, ao passo que o segundo, Fala Brasil (1997),
se mostra mais real em relação à realidade linguística do PB, apresentando um
quadro que se assemelha ao apresentado por Lopes (2007).
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Numa tentativa de conjugar a análise aqui realizada ao quadro
apresentado por Lopes (2007), a nossa proposta é que os manuais de PLE
apresentem os pronomes pessoais e possessivos da seguinte forma:
Quadro 6. Proposta para apresentação dos pronomes pessoais e possessivos
do PB ao aluno iniciante de PLE.
Pronomes
pessoais
Pronomes Possessivos
1SG: eu meu(s), minha(s)
2SG: tu / você teu(s), tua(s) / seu(s), sua(s)
3SG: ele / ela dele / dela / seu(s), sua(s)
1PL: nós / a gente nosso(s) / da gente
2PL: vocês de vocês / seu(s), sua(s)
3PL: eles / elas deles / delas / seu(s), sua(s)
Em nossa proposta, como mostra o quadro 6, o critério utilizado
para agrupar os pronomes pessoais foi a informação discursiva de pessoa e
número contida nos pronomes pessoais. Assim, tu e você ocupam a célula da
2SG e nós e a gente a da 1PL. Como não é corrente no PB, excluímos a forma
vós, estando a 2PL representada exclusivamente por vocês. Quanto aos
possessivos, tal como apresentado em Lopes (2007), uma vez que tu e você
representam a 2SG, o mais justo é apresentar a coexistência das formas
possessivas teu(s), tua(s), seu(s), sua(s). No entanto, diferentemente de Lopes
(2007), pelo fato de o assunto ser complexo e não tão claro na literatura sobre
o tema, decidimos não incluir o de-possessivo de você.
Os possessivos de 1PL seguem a proposta de Lopes (2007):
nosso(s), nossa(a) e da gente. Já em relação aos pronomes possessivos de
3P, incluímos os de-possessivos dele, dela, deles e delas, além de manter as
formas seu(s) e sua(s). Da mesma forma, levando em consideração os
resultados que apresentamos na seção anterior deste trabalho, concordamos
com Lopes (2007), segundo a qual as formas originais da 2PL relativas ao
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pronome vocês – seu(s) e sua(s) – devem fazer parte do quadro da 2PL, razão
pela qual não incluímos somente o de-possessivo de vocês, tal como faz Perini
(2010).
Acreditamos que, se feito dessa forma, garantiremos ao aluno um
ensino mais democrático que considera as complexidades que qualquer
sistema linguístico pode apresentar, através da variação e mudança
linguísticas, e, portanto, que reflita melhor a realidade linguística do português
brasileiro.
Considerações finais
Diferentemente da tradição gramatical, que apresenta somente os
possessivos seu, sua, seus e suas em correspondência ao pronome pessoal
vocês, este trabalho mostra, a partir da análise de um corpus de fala do PB do
século XXI, que é pertinente considerar a inclusão do de-possessivo de vocês
como possessivo da 2PL, tal como postula Lopes (2007). De modo a
proporcionar um ensino mais real, democrático e inclusivo, essa pluralidade de
formas em variação, que caracteriza a heterogeneidade linguística do PB, não
pode, a nosso ver, ser omitida na apresentação do quadro de possessivos nos
manuais de PLE.
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Notas
1 Graduada em Letras pela UFRJ.
2 Professor Adjunto II de Língua Portuguesa, Departamento de Letras Vernáculas, e Professor
Permanente do Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
3 A existência do de-possessivo de 2ª pessoa do singular de você é um tema que parece não
ser tão simples assim. Para uma discussão inicial sobre o assunto, ver Guedes (2013).
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