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Revista Latino-Americana de História Vol. 3, nº. 10 Agosto de 2014 © by PPGH-UNISINOS Página89 Escravidão e agricultura no Rio Grande de São Pedro, período colonial: sugestão de um modelo de interpretação Luciano Costa Gomes Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar um modelo de interpretação do papel da escravidão nas atividades agrárias no Rio Grande do Sul, nas duas últimas décadas do século XVIII. As fontes pesquisadas são os mapas de habitantes de 1780, 1798 e 1802. Verificamos o aumento da participação dos escravos nas freguesias dedicadas à agricultura, que chegou a patamares semelhantes aos do Sul de Minas Gerais, reconhecida como uma área de produção de alimentos escravista. Ao considerar a extensão da presença cativa no Rio Grande, defendemos que a escravidão se tornou um dos pilares do sistema de trabalho na agricultura. Palavras-chaves: escravidão. Agricultura. Rio Grande do Sul. Abstract: Slavery and agriculture in the Rio Grande de São Pedro, colonial age: suggestion of an interpretation model. This paper aims to show an interpretation model by the role of slavery in the agrarian activities in Rio Grande do Sul, during the last two decades of the eighteenth century. The sources consulted were mapas de habitantes. It was verified the slavery participation in agrarian parishes, it arrived to the same level that was found in South of Minas Gerais, recognized as a slavery food production area. Considering the extention of captive presence in Rio Grande, it was defended that the slavery became the base on the agricultural work system. Keywords: slavery. Agriculture. Rio Grande do Sul. Introdução Sabe-se hoje que os escravos compunham parcela expressiva da população do Rio Grande do Sul no período colonial. Diferentes pesquisadores utilizaram os mapas de habitantes ou de população verdadeiros quadros estatísticos demográficos para demonstrar a antiguidade da escravidão em relação ao aparecimento da mais rentável das atividades escravistas do sul, as charqueadas. Neste artigo, refletiremos sobre a ocupação Mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorando pela mesma Instituição. Contato: [email protected] .

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Escravidão e agricultura no Rio Grande de São Pedro, período colonial:

sugestão de um modelo de interpretação

Luciano Costa Gomes

Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar um modelo de interpretação do papel da

escravidão nas atividades agrárias no Rio Grande do Sul, nas duas últimas décadas do século

XVIII. As fontes pesquisadas são os mapas de habitantes de 1780, 1798 e 1802. Verificamos

o aumento da participação dos escravos nas freguesias dedicadas à agricultura, que chegou a

patamares semelhantes aos do Sul de Minas Gerais, reconhecida como uma área de produção

de alimentos escravista. Ao considerar a extensão da presença cativa no Rio Grande,

defendemos que a escravidão se tornou um dos pilares do sistema de trabalho na agricultura.

Palavras-chaves: escravidão. Agricultura. Rio Grande do Sul.

Abstract: Slavery and agriculture in the Rio Grande de São Pedro, colonial age: suggestion

of an interpretation model. This paper aims to show an interpretation model by the role of

slavery in the agrarian activities in Rio Grande do Sul, during the last two decades of the

eighteenth century. The sources consulted were mapas de habitantes. It was verified the

slavery participation in agrarian parishes, it arrived to the same level that was found in South

of Minas Gerais, recognized as a slavery food production area. Considering the extention of

captive presence in Rio Grande, it was defended that the slavery became the base on the

agricultural work system.

Keywords: slavery. Agriculture. Rio Grande do Sul.

Introdução

Sabe-se hoje que os escravos compunham parcela expressiva da população do Rio

Grande do Sul no período colonial. Diferentes pesquisadores utilizaram os mapas de

habitantes ou de população – verdadeiros quadros estatísticos demográficos – para

demonstrar a antiguidade da escravidão em relação ao aparecimento da mais rentável das

atividades escravistas do sul, as charqueadas. Neste artigo, refletiremos sobre a ocupação

Mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorando pela mesma Instituição. Contato: [email protected].

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destes muitos escravos na capitania do Rio Grande, particularmente no seu setor agrícola, por

meio da análise dos sobreditos mapas de população e de sua comparação com dados obtidos

em outras fontes históricas. Nosso objetivo é sugerir um modelo de interpretação do papel das

atividades agrícolas na formação da escravidão na capitania do Rio Grande de São Pedro.

Este trabalho está divido em quatro partes. Na primeira, trataremos das características

da fonte analisada; na segunda, apresentaremos alguns aspectos dos debates sobre economia

na América portuguesa e, depois, sobre a presença de escravos nas lavouras do Rio Grande de

São Pedro; na terceira, analisaremos os mapas e traçaremos algumas das dinâmicas

populacionais ocorridas na capitania; por fim, analisaremos a participação de escravos na

produção agrícola a partir dos mapas de habitantes e das informações disponíveis em

diferentes pesquisas e fontes. Como um parâmetro para identificar a dimensão do escravismo

regional, utilizaremos os dados obtidos nos distritos do Sul de Minas Gerais, considerado

como um pólo escravista de produção de alimentos.

1. Mapas de população

A utilização dos mapas de habitantes, bem como os de produção, de rebanhos e

outros, iniciou-se no governo de Pombal, como uma forma de conhecer e controlar com maior

eficiência os povos, as atividades agropecuárias e comerciais, bem como os contingentes de

homens disponíveis para a guerra sob o domínio do rei de Portugal. Da elaboração destes

mapas participavam os setores civil e eclesiástico a serviço da Coroa, incluindo padres

paroquiais, bispos, comandantes de milícias, ouvidores e capitães gerais. Apesar das muitas

dificuldades enfrentadas, da pouca competência técnica dos burocratas portugueses, da

irregularidade na coleta das informações, os mapas de habitantes representam uma das poucas

fontes que permitem conhecer as populações da América portuguesa (ALDEN, 1963;

PALACIOS, 2004, p. 240).

Analisaremos os mapas de habitantes da capitania do Rio Grande de São Pedro dos

anos de 1780, 1798 e 18021. As variáveis demográficas (condição jurídica, cor, idade, etc.)

presentes em cada um destes documentos não são constantes. Em todos eles, as populações

1 As referências aos mapas de habitantes encontram-se no final do artigo. A transcrição de todos os mapas pode

ser encontrada em SANTOS, 1984, p. 32s. Agradecemos a Prof.ª Helen Osório por, gentilmente, ceder os dados

do mapa de 1780. Registre-se que Osório constatou não existir a categoria de “índios” neste último mapa, apesar

de Aurélio Porto incluí-la em sua transcrição, copiada posteriormente por Fernando Henrique Cardoso e Corcino

dos Santos. Dauril Alden também não apresentou tal categoria em sua tabulação (ALDEN, 1963, p. 196).

Agradecemos também a Aline Mello Fernandes, pela ajuda na tabulação dos dados dos mapas.

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são divididas entre livres/escravos e homens/mulheres. Como os corpos de milícia e de

ordenanças eram compostos principalmente por homens livres e brancos (ou entendidos

enquanto tais), tal população foi discriminada com maior atenção, dividida em faixas etárias

nos mapas de 1780 e 1802. Nos mapas de 1798 e 1802 aparecem as categorias de forros e

índios e, além disso, forros e escravos são separados conforme sua cor (pretos ou pardos).

Conforme aponta Dauril Alden, estes são os dois únicos mapas da América portuguesa de fins

do século XVIII que apresentam tais informações (1963, p. 198). No mapa de 1780, as

crianças brancas com menos de sete anos não foram contabilizadas, um problema encontrado

em mapas coevos de outras regiões (ALDEN, 1963, p. 190s). No de 1798, os diferentes

segmentos sociais (formados a partir de condição jurídica ou origem, cor e sexo) são

divididos entre casados e solteiros. Portanto, o primeiro dos mapas é bastante simples, se

comparado aos dois últimos2.

Em vista desta diversidade de formatos, as comparações devem ser feitas com muito

cuidado. Como o mapa de população de 1780 não apresenta o total de crianças brancas,

decidimos elaborar uma estimativa de sua participação, método proposto por Alden para

enfrentar o problema (1963, p. 191). Para estabelecer tal estimativa, calculamos o número

médio da participação relativa (%) das crianças presentes nas freguesias listadas no mapa de

1802, cujo resultado foi de 14%. O maior benefício dessa alternativa é o de desinflar a

participação dos escravos contabilizados no mapa de 1780.

2. Produção, mercado interno e distribuição da posse escrava na América portuguesa e

no Rio Grande de São Pedro

Para tornar compreensíveis nossas análises, apresentaremos de maneira sucinta

alguns aspectos dos debates relativos à economia interna e à escravidão na América

portuguesa e, depois, Império do Brasil. Estudos recentes comprovam a importância do

mercado interno para a formação dos sistemas de produção e comércio durante o período em

questão. As discussões que envolveram autores como Roberto Borges Martins (1983), Robert

2 Foram encontrados alguns equívocos no mapa de 1798, bem como na transcrição de Santos (1984, p. 35). No

mapa, a soma dos diferentes grupos populacionais de Vacaria e Santo Amaro não coincide com a soma final.

Também foram registrados, em Cachoeira, mais de 600 escravos negros casados enquanto, entre as negras, o

total é de 60 casadas. Este é um dado inverossímil e parece resultar de um erro na elaboração da fonte, motivo

pelo qual excluímos o primeiro algarismo, contabilizando um total de 62 negros casados. As transcrições do

número de brancos solteiros em Porto Alegre e Triunfo de Santos estão equivocadas e o total das populações das

duas freguesias não concorda com o do mapa. Tanto no mapa quanto na transcrição de Santos a soma dos pardos

solteiros das diferentes freguesias não concorda com o número total apresentado no final da coluna.

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Slenes (1988) e Douglas Libby (1988, p. 45ss, 74ss) demonstraram que a grande importação

de cativos para Minas Gerais, no século XIX, está intimamente associada à produção de

alimentos destinados aos mercados mineiro e carioca. No nordeste, inúmeras freguesias

cresceram a partir da produção voltada não apenas para o auto-consumo dos agricultores,

como para o abastecimento das freguesias urbanas, das tropas, das tripulações de navios, bem

como das populações metropolitanas portuguesas. Tanto Stuart Schwartz quanto Bert

Barickman enfatizam que estes mercados incentivavam a expansão da agricultura mercantil

escravista (PALACIOS, 2004, p. 36ss; SCHWARTZ, 2001, p. 123ss; BARICKMAN, 2003,

87ss, 216s, 244ss).

Dentro deste debate, a obra de João Fragoso e Manolo Florentino (2001) possui

especial destaque. Os autores demonstraram que os grandes mercadores cariocas de fins do

período colonial eram responsáveis por um amplo negócio internacional que envolvia fumo e

cachaça brasileiros, panos indianos, prata da América espanhola e japonesa e africanos

escravizados. Como resultado, chegavam inúmeros carregamentos de cativos no porto do Rio

de Janeiro, os quais eram posteriormente redistribuídos para o Sul e Sudeste da América. A

lucratividade deste negócio era tão alta que, para cobrir o déficit do comércio externo,

bastavam as reexportações de escravos para Santos e o Rio Grande do Sul. A estabilidade

deste mercado interno era tamanha que as crises do comércio internacional não o afetaram de

maneira significativa. Os comerciantes de grossa ventura representavam, pois, o topo da elite

econômica e eram responsáveis pela reprodução global do sistema social interno à colônia

portuguesa. Helen Osório enfatiza que tal comércio criava vínculos de subordinação dos

produtores sulinos para com o capital fluminense (OSÓRIO, 2007a, p. 222s).

Durante muito tempo, na ótica de autores como Caio Prado Junior e Gilberto Freire,

a escravidão brasileira constituía-se basicamente por grandes proprietários dedicados à

produção para o mercado externo, bem como pela eventual existência de pequenos

proprietários urbanos com escravos voltados para atividades domésticas. Isto é, a escravidão

só poderia ser considerada enquanto uma instituição completa nas grandes propriedades

escravistas. No entanto, as pesquisas de demografia histórica realizadas a partir da década de

1980 demonstraram que, em realidade, a escravidão brasileira caracterizava-se pela existência

de uma multidão de pequenos proprietários, mesmo que frequentemente os grandes

escravistas concentrassem a maioria dos cativos (SCHWARTZ, 1988, p. 368; LUNA, 1982).

As áreas destinadas à produção de alimentos para o mercado interno também eram

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responsáveis por forte importação de cativos, sendo a propriedade de escravos amplamente

distribuída nos domicílios existentes. Em Minas Gerais, onde se encontrava a maior

população cativa do Brasil no século XIX, apenas pequena parcela desta encontrava-se em

áreas de produção de café (MARTINS, 1983, p. 196ss). A participação de escravos nas

freguesias do sul do Recôncavo baiano, produtoras de mandioca e fumo, era elevada. Na

freguesia de Jaguaripe, em 1781, por exemplo, cerca de ¾ dos roceiros arrolados em um

levantamento eram escravistas (BARICKMAN, 2003, p. 217). Para o caso do Rio Grande de

São Pedro, no período colonial, algumas pesquisas apontaram resultados semelhantes. Em

mais da metade dos domicílios de Porto Alegre, Viamão e a Aldeia dos Anjos, em fins do

século XVIII, havia cativos (KÜHN, 2006, p. 129s; OSÓRIO, 2007b; SIRTORI e GIL, 2011;

GOMES, 2012, p. 97ss). Esta ampla difusão da propriedade escrava no Brasil constituía-se,

para alguns autores, como um dos principais pilares legitimadores da escravidão e

garantidores da estabilidade do sistema durante os três séculos de sua existência.

Em síntese, partimos de dois pressupostos básicos. O primeiro, o de que mercado

interno da América portuguesa – e depois Império do Brasil – possuía razoável vigor, a ponto

de resistir às crises do mercado internacional. O segundo, tomando as palavras de Schwartz, é

o de que “a escravidão no Brasil distribuía-se largamente entre a população livre,

constituindo-se na base econômica da sociedade como um todo e em uma forma de

investimento extremamente comum e acessível” (1988, p. 368).

Uma série de autores, ao escrever a história do Rio Grande do Sul, debruçou-se sobre

o problema da mão-de-obra na agricultura. Em linhas gerais, pode-se postular a existência de

uma espécie de disputa entre uma posição na qual a triticultura teria se baseado apenas no

trabalho familiar, enquanto outra considera a possibilidade de ter ocorrido, em diferentes

medidas, a incorporação de escravos.

João Borges Fortes preconiza o papel predominante do elemento europeu na

formação do Rio Grande do Sul. Os negros broncos, em seu entender, não “poderiam realizar

a obra transcendente de fixar uma civilização, sendo eles pela sua própria natureza apenas

instrumentos de trabalho” (FORTES, 1978 [1ª ed. 1932], p. 15s). Portanto, a agricultura era

levada a cabo apenas pela população livre. Posteriormente despida de explícito racismo, tal

ideia tornar-se-á um argumento central em alguns estudos sobre o Continente de São Pedro.

Um dos primeiros autores a problematizar a relação entre escravidão e agricultura foi

Fernando Henrique Cardoso, para qual a triticultura foi o motor primeiro da entrada maciça

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dos escravos no Rio Grande de São Pedro. Em seu entender, quando os lavradores açorianos

conseguiam acumular algum pecúlio, compravam seus escravos. No entanto, Cardoso afirma

que a escravidão não foi tão presente nos campos sulinos quanto o fora nas lavouras

canavieiras e engenhos. Portanto, apesar da significativa presença de escravos, foi somente

com o aparecimento das charqueadas que a escravidão afirmou-se enquanto sistema de

trabalho completo no Rio Grande do Sul (CARDOSO, 2005, p. 67, 77). Observe-se, pois, que

Cardoso norteou-se pela concepção anteriormente mencionada, segundo a qual a escravidão

estaria necessária e exclusivamente ligada às grandes unidades de produção, como as

plantations produtoras de açúcar no nordeste e sudeste.

A posição claudicante de Cardoso, ao avaliar com imprecisão o papel da escravidão

nos trigais gaúchos, foi, em nosso entender, bem percebida e aproveitada por Guilhermino

César, ao adotar a posição de Fortes. César tanto não discute a abordagem de Cardoso, quanto

afirma categoricamente que os poucos recursos obtidos pelos açorianos em sua produção não

permitiam o luxo de adquirir cativos. Ao discordar da posição de Cardoso, afirma que apenas

as charqueadas permitiram a introdução de grandes levas de africanos. Ao referir-se às

estatísticas do início do século XIX (“pouco merecedoras de fé”, segundo sua concepção),

defende que as grandes concentrações de cativos estariam associadas aos portos e

charqueadas (CESAR, 1970. p. 30s).

Corcino Medeiros dos Santos reconhece a amplitude da presença de escravos nas

últimas décadas do século XVIII. A expressiva presença de cativos a partir da década de

1780, apontada nos mapas de habitantes, sinaliza a incorporação do Rio Grande do Sul à

economia atlântica. Apesar de indicar a relevância do comércio de escravos e enfatizar o fato

de que o crescimento da população escrava foi maior que a livre, Santos defende que nas

fazendas predominava o trabalho familiar e de agregados, caracterizando-se o emprego de

cativos como acessório (SANTOS, 1984, p. 30, 56). Tal análise possui algo de ambíguo: se os

cativos são considerados muitos e estão amplamente distribuídos, onde eram empregados?

Maria Luiza de Queiróz, em estudo sobre a Vila do Rio Grande, posiciona-se de

maneira mais clara. Para a autora, a produção agrícola – não somente da vila, como de todo o

continente – voltava-se para a autosubsistência, praticada por uma população miserável e que

não podia se dedicar à pecuária. O mercado consumidor interno era bastante retraído,

constituído pelos soldados alimentados pela insolvente Fazenda Real. A presença de escravos,

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neste contexto, era diminuta (QUEIRÓZ, 1987, p. 77; 95ss, 103, 142ss)3.

Helen Osório foi a primeira pesquisadora a abordar o problema da presença de

escravos na agricultura por meio de análise serial, utilizando uma amostra de inventários de

todo o Rio Grande de São Pedro e a Relação de Moradores de 1797, uma espécie de censo

dos produtores agrícolas, a qual se refere apenas às freguesias de Porto Alegre, Viamão,

Aldeia dos Anjos e ao distrito de Caí. A autora constatou ampla distribuição de escravos entre

os lavradores, sendo que estes possuíam um número médio de escravos bem inferior ao dos

estancieiros (3,3 contra 11). Os pequenos proprietários de cativos predominavam e poucos

eram os senhores possuidores de mais de 49 cativos. Devido ao pequeno número de escravos

encontrado nos lares de pequenos produtores e à baixa participação de cativos em Rio Grande,

a maior produtora de trigo da capitania, conforme o mapa de habitantes de 1780, a autora

argumentou que, ao menos no início da produção do tritícola, predominou o trabalho familiar.

No entanto, em outra oportunidade, ao ressaltar a elevada distribuição da população escrava

encontrada na Relação de moradores, a autora indica que, no mínimo, a escravidão

representou uma mão-de-obra complementar ao trabalho familiar dos pequenos produtores de

Porto Alegre e freguesias vizinhas (OSÓRIO, 2007a, p. 175s; OSÓRIO, 2007b).

Ian Danilevicz verificou ampla dispersão de escravos em Viamão por meio da análise

dos róis de confessados4 de 1776 a 1782. A partir de um interessante cruzamento dos dados

dos róis com os da Relação de moradores de 1784, constatou que todos os criadores e

produtores mistos possuíam cativos, da mesma forma que a maioria dos lavradores. Ao

considerar a superioridade do número médio de familiares frente ao de escravos – apesar de

estes serem mais frequentes que os filhos – o autor, ao concordar com Osório, classificou a

participação do trabalho escravo como complementar ao familiar nas unidades agrícolas. É

interessante destacar, entretanto, que a maioria dos escravistas eram lavradores, os quais

somavam, em 1782, 71% dos casos analisados (DANILEVICZ, 2010, p. 36ss).

Em nossa pesquisa sobre Porto Alegre, no último quartel do século XVIII, avaliamos

o papel da escravidão nas unidades agrícolas. Utilizando róis de confessados, constatamos

3 Alguns fatores fragilizam a argumentação da autora. Em primeiro lugar, a análise da distribuição dos escravos

restringe-se à década de 1750, quando chegaram os casais açorianos, não existindo referências à década de 1780.

A metodologia empregada (a avaliação da distribuição dos cativos nascidos ou falecidos entre os casais da vila),

por sua vez, subestima a participação dos cativos homens, que eram a maioria dos cativos do Rio Grande. Por

fim, ao referir-se à “miserabilidade” do setor agrícola, emprega apenas relatos elaborados logo após a retomada

da vila (QUEIRÓZ, 1987, p. 96). 4 Os róis de confessados são listagens de população antigamente elaboradas pela Igreja para recensear a

população que participava dos ritos da quaresma.

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ampla difusão da propriedade escrava, expressiva presença de cativos entre os adultos

(compunham eles metade desta população) e a associação entre a formação de grupos de

parentesco via casamento e a posse de cativos. Em vista destes achados, qualificamos o

sistema de produção local como familiar-escravista: não apenas os escravos eram possuídos

por muitos senhores e representavam elevada parcela da mão-de-obra disponível, como

também o escravismo revelou-se enquanto um mecanismo fundamental no processo de

diferenciação social nesta incipiente comunidade de lavradores (GOMES, 2012).

A partir das conclusões dos últimos autores, pretendemos avaliar em que medida o

trabalho escravo pode ter sido empregado nas lavouras das diferentes freguesias da capitania.

Iniciaremos a próxima análise a partir do levantamento de alguns aspectos da história do Rio

Grande, no período anterior a confecção dos ditos mapas.

3. Crescimento populacional e escravidão no Rio Grande de São Pedro, entre 1780 e

1802

A presença portuguesa na região ao sul de Laguna foi marcada por sérias

dificuldades na década de 1750. O fracasso do Tratado de Madri e a fatídica Guerra

Guaranítica impediram a consecução do projeto de ocupar as Missões com casais açorianos.

Estes, por sua vez, ficaram distribuídos em diferentes localidades, desde o Rio Grande até o

Rio Pardo. Em 1763, o Rio Grande fora ocupado pelas forças espanholas.

O esforço português de ocupar o território tomou novos rumos na década de 1770.

Após o estabelecimento de casais açorianos em Taquari, em 1764, foram demarcadas e

distribuídas as datas de terras aos casais a partir de 1770, dando origem a freguesias como

Porto Alegre, Mostardas e Estreito. Em 1776, o Rio Grande fora retomado. Em 1777, foi

assinado o Tratado de Santo Ildefonso, no qual foram estabelecidos os campos neutrais, uma

faixa de terra entre a Lagoa da Mangueira e a Mirim e a costa marítima que não poderia ser

ocupada nem por portugueses, nem por espanhóis (CESAR, 1970, 199s).

Tais acontecimentos foram decisivos para a formação econômica e social do Rio

Grande de São Pedro na década de 1780. A partir da Relação de moradores de 1784, Osório

demonstrou que as datas de terras predominavam entre as propriedades agrárias, enquanto os

lavradores somavam quase 70% dos produtores rurais. Por outro lado, apesar do

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estabelecimento dos campos neutrais, a fronteira do Rio Pardo e do Rio Grande tornou-se um

espaço de crescente ocupação luso-americana. Foi nesta região onde mais foram concedidas

sesmarias e, como apontou Osório, entre 1780 e 1791, mais cresceram os rebanhos, em

detrimento da região de Porto Alegre (OSÓRIO, 2007a, p. 81-89, 125ss ).

A grande presença de cativos em 1780, como já apontara Santos, indica a forte

incorporação do Rio Grande no mercado atlântico. Isto é, se havia escravos, havia regiões

recebedoras dos produtos sulinos, de onde se obtinham divisas para comprá-los. Os mais

importantes desses mercados eram Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia, para onde eram

enviados charque, couro e trigo (SANTOS, 1984, p. 32; OSÓRIO, 2007a, 215-219).

De maneira complementar, levantamos em nossa pesquisa sobre Porto Alegre a

hipótese da existência de um razoável mercado local para os produtos agropecuários do Rio

Grande. O abastecimento dos recentes núcleos urbanos da capitania deveria criar uma

significativa demanda. Em Porto Alegre, no ano de 1782, por exemplo, dois terços da

população encontravam-se no perímetro urbano, situação que não deveria ser diferente das de

Rio Pardo e Rio Grande. Neste período, a tripulação dos muitos navios que circulavam entre

as duas últimas freguesias deveria elevar razoavelmente a necessidade de alimentos

disponíveis. Por fim, a manutenção dos soldados estacionados fazia com que a Fazenda Real

requisitasse mantimentos com frequência, apesar de sua pública morosidade em pagar os

dividendos (GOMES, 2012, p. 143ss). Neste sentido, é bastante provável que Queiróz esteja

equivocada ao falar da precariedade de mercados no Rio Grande, no período colonial.

A partir destes apontamentos poderemos entender a dinâmica demográfica do Rio

Grande, quando distribuímos a população das diferentes freguesias em três grandes regiões

(Porto Alegre, Rio Pardo e Rio Grande). A seguir, apresentamos os totais populacionais e as

taxas de crescimento anual globais.

Gráfico 1

Totais populacionais nas três regiões da capitania do Rio Grande de São Pedro

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Obs.: os valores do mapa de 1780 foram reajustados por meio de uma estimativa da participação de

crianças brancas, as quais não foram originalmente incluídas no cômputo.

Fonte: mapa coreográfico de 1780 e mapas de habitantes de 1798 e 1802 (ver referência de Fontes).

No ano de 1780, a distribuição da população entre as regiões era bastante

assimétrica, com predomínio inconteste de Porto Alegre. Nas regiões de Rio Grande e Rio

Pardo havia uma concentração dos habitantes nas duas freguesias principais, enquanto na de

Porto Alegre, outras freguesias possuíam populações maiores que a da capital. No entanto, o

passar dos anos tornou mais equilibrada a distribuição demográfica entre as três regiões.

Durante todo o período, a região de Porto Alegre foi a mais populosa,

particularmente no ano de 1780. Em vista dos azares da guerra iniciada em 1763, a capital do

Rio Grande foi transladada para Porto Alegre em 1772, a qual também se tornou um

importante entreposto comercial e militar. Por sua posição privilegiada junto ao Guaíba,

tornou-se um ponto de comunicação entre a vila do Rio Grande e Rio Pardo e o meio de

acesso de Viamão, Aldeia dos Anjos e Santo Antônio à via fluvial. Ao mesmo tempo em que

se mantinha afastada do perigo de eminente guerra, trabalhava-se na continuidade dos

preparativos bélicos. Na área urbana da freguesia de Porto Alegre, onde se concentravam dois

terços de sua população em 1782, residiam comerciantes, militares, artesãos, marinheiros,

além de outros tantos indivíduos não ligados às atividades agrárias (GOMES, 2012, p. 76ss).

A freguesia vizinha de Viamão destacava-se pela dimensão de sua população em 1780,

contando, inclusive, com a maior escravaria da capitania.

A freguesia de Rio Pardo, por ser um dos palcos de guerra, apresentava enorme

população concentrada no seu território, em 1780. Ao mesmo tempo, a dilatação da ocupação

da fronteira estava em estágio ainda embrionário. Triunfo apresentava uma população de

expressivo tamanho, mas Cachoeira não possuía mais de 800 habitantes. Passados vinte anos,

entretanto, estas se tornarão duas das maiores freguesias da capitania. No ano de 1780, Rio

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2000

4000

6000

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Porto Alegre Rio Pardo Rio Grande

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Grande estava marcada pelos infortúnios gerados pela guerra. Apesar de ser uma região de

ocupação antiga, possuía a menor das populações e a menor participação de cativos.

A dinâmica demográfica das três regiões pode ser observada na tabela seguinte, onde

são apresentadas as taxas de crescimento populacional anual.

Tabela 1

Taxas de crescimento populacional anual das três regiões do Rio Grande de São Pedro, entre 1780 e 1802

Regiões Total Apenas livres Apenas escravos

Porto Alegre 1,6 0,9 3,1

Rio Pardo 3,1 2,6 4,0

Rio Grande 3,9 2,8 6,5

Total 2,7 2,0 4,3

Fonte: mapa coreográfico de 1780 e mapas de habitantes de 1798 e 1802.

Obs.: os valores do mapa de 1780 foram reajustados por meio de uma estimativa da participação de crianças

brancas, as quais não foram originalmente incluídas no cômputo

Entre 1780 e 1802, Rio Grande cresceu sob ritmo mais acelerado. A uma taxa de

3,9% anuais, uma população duplica em menos de 20 anos. Rio Pardo segue logo atrás. Estas

eram as regiões de fronteira, cujo território foi ocupado progressivamente com a distribuição

de sesmarias e o aumento dos rebanhos de animais. Porto Alegre, por sua vez, apresentou uma

evolução mais lenta, de apenas 1,6%, por ser uma região de ocupação mais estável. O

aumento das populações, portanto, acompanhou o crescimento dos rebanhos de animais, que

foi mais acentuado nas regiões de Rio Grande e Rio Pardo (OSÓRIO, 2007a, p. 125ss).

A população livre de Porto Alegre quase estacionou, enquanto as de Rio Grande e

Rio Pardo cresceram bastante. No entanto, há uma característica comum a todas as regiões: o

enorme aumento dos cativos. Se em Porto Alegre o crescimento foi expressivo, em Rio

Grande, foi astronômico. A taxa anual de 6,5% implica na duplicação da população em

apenas 11 anos. A ocupação da fronteira foi, portanto, muito intensa e contou com forte

presença cativa. O gráfico seguinte evidencia o resultado da diferença da velocidade de

crescimento.

Gráfico 2

Totais de escravos nas três regiões da capitania do Rio Grande de São Pedro

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Fonte: mapa coreográfico de 1780 e mapas de habitantes de 1798 e 1802.

Obs.: os valores do mapa de 1780 foram reajustados por meio de uma estimativa da participação

de crianças brancas, as quais não foram originalmente incluídas no cômputo

No primeiro ano em foco, Porto Alegre possuía 44% dos escravos da capitania,

contra 35% possuídos por Rio Pardo e apenas 21% por Rio Grande. Como a posse escrava era

um recurso de mão-de-obra ao qual se agregava o valor de capital, este é um forte indício do

desgaste econômico sofrido pela última região após a as guerras de 1763 e 1776. As áreas sob

domínio português mais próximas (como as freguesias de Estreito e os distritos de Povo Novo

e Piratini) provavelmente suportaram parte significativa das demandas materiais decorrentes

do conflito. Demonstra-se, portanto, que as consequências econômicas da ocupação espanhola

ainda se faziam sentir.

O processo de expansão da fronteira, no entanto, mudou a distribuição regional dos

escravos. Em 1798, como assinalou Petiz (2009, p. 93), Rio Pardo passou a ser a maior

proprietária de cativos, mas, em 1802, a distribuição da posse tornou-se equilibrada entre as

três regiões. Ainda assim, apesar de Rio Grande e Rio Pardo serem as áreas de grande

expansão demográfica e produtiva, Porto Alegre não ficou para trás em termos absolutos.

4. Escravidão e produção agrícola

Neste último tópico, pretendemos avaliar em que medida é possível apontar a

natureza e o grau de utilização dos escravos nas atividades agrícolas das diferentes freguesias

do Rio Grande de São Pedro. Tal tarefa é repleta de empecilhos. Não existem fontes contendo

ao mesmo tempo dados relativos à posse de cativos e ao tipo de produção para o conjunto das

unidades produtivas da capitania. Contamos apenas com as Relações de Moradores de 1797,

a qual compreende apenas as freguesias de Porto Alegre, Viamão e Aldeia dos Anjos e o

distrito de Caí (OSÓRIO, 2007b). Além disso, não há fontes que contenham dados seriados

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1780 1798 1802

Porto Alegre Rio Pardo Rio Grande

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para as outras produções agrícolas além da triticultura.

Apesar disso, sabe-se que a agricultura era uma atividade fundamental no Rio

Grande de fins do século XVIII. Osório, em estudo sobre as Relações de Moradores de 1784

constatou que os lavradores encontravam-se em todas as freguesias da capitania, com exceção

dos distritos de Encruzilhada e Cerro Pelado (atual Piratini). Ainda assim, nestas duas

localidades eram frequentes os “criadores e lavradores”, a categoria produtiva mais

capitalizada do período, possuidora de plantações e dos maiores rebanhos registrados. Além

disso, os mapas de produção agrícola indicam o cultivo de trigo em todas as localidades do

Continente (OSÓRIO, 2007a, p. 82, 87, 178).

Antes de iniciarmos as análises, precisamos qualificar de maneira sucinta as

atividades produtivas desenvolvidas nas freguesias. A agricultura era predominante ou, no

mínimo, apresentava bastante relevo em Porto Alegre, Viamão, Santo Antônio, Rio Pardo,

Taquari, Estreito, Mostardas e Rio Grande. Em freguesias como Cachoeira (e seu distrito de

Encruzilhada), Rio Grande (em seu distrito de Cerro Pelado), Triunfo, Santo Amaro e

Vacaria, a pecuária predominava ou era uma atividade também importante5. É preciso

lembrar, entretanto, que a coexistência entre pecuária e agricultura era a regra: tanto havia

lavradores com pequenos e médios rebanhos, como criadores de gado com lavouras6. Em

Porto Alegre, Rio Grande e Rio Pardo existiam núcleos urbanos, os quais deveriam ocupar

parte significativa de suas populações7. É preciso lembrar, por fim, que a partir de 1793 o

charque tornou-se o principal produto de exportação da capitania, produzido principalmente

em Pelotas, localizada na região de Rio Grande (OSÓRIO, 2007a, p. 195; SANTOS, 1984,

p.85s; CARDOSO, 2005, p 77ss). Dito isto, analisaremos as taxas de crescimento anual das

diferentes freguesias, apresentadas na tabela seguinte.

5 Conforme Osório, os lavradores (produtores agrícolas com rebanhos inferiores a 100 cabeças de reses)

predominavam amplamente em Taquari, Rio Pardo e Santo Antônio da Patrulha, mas não em Santo Amaro e

Triunfo (2007a, p. 97); Em Porto Alegre, todos os produtores eram lavradores (GOMES, 2012, p. 132ss); em

Viamão, a maioria o era (DANILEVICZ, 2009, p. 34). Poucas foram as datas distribuídas em Santo Amaro e

Conceição do Arroio (FORTES, 1978, p. 131). Medimos a importância da agricultura por meio da avaliação da proporção de bois (o animal mais indicado para o uso nas atividades agrícolas) por reses, utilizando o Mappa das

carruagens arados animais vacuns... de 1791. Dez de 20 distritos apresentavam uma proporção menor de 30

cabeças de reses por boi: Povo Novo (distrito de Rio Grande), Taquari, Porto Alegre, Estreito, Rio Pardo (a vila),

Santo Antônio, Rio Grande (a vila), Mostardas, Passo do Coito (distrito de Rio Pardo) e Viamão, localidades

onde justamente predominavam os lavradores. 6 Das escravarias dos estancieiros da amostra de inventários de Osório, por exemplo, 20% dos cativos com

ocupação definida foram classificados como roceiros; além disso, em 66% desses inventários encontraram-se ao

menos dois instrumentos indicadores de prática agrícola. As unidades produtivas, portanto, apresentavam um

caráter misto (OSÓRIO, 2007a, p. 83, 149s, 163). 7 Tal assertiva foi confirmada para o caso de Porto Alegre, onde dois terços da população residiam no núcleo

urbano, segundo os dados do rol de confessados de 1782 (GOMES, 2012, p. 78).

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Tabela 2

Taxa de crescimento anual das freguesias do Rio Grande de São Pedro, entre 1780 e 1802

Taxa de crescimento

global 1780-1802 Apenas livres Apenas escravos

Porto Alegre 3,8 3,2 4,9

Viamão -0,2 -0,9 0,9

Nossa Senhora dos Anjos 0,1 -0,7 4,2

Conceição do Arroio 3,2 2,9 3,6

Santo Antônio 2,2 1,8 3,7

Vacaria de cima da Serra 1,2 1,7 0,1

Rio Pardo 1,5 0,6 3,7

Cachoeira 6,9 7,0 6,6

Triunfo 3,4 4,0 2,6

Santo Amaro 3,3 2,8 4,5

Taquari 0,7 -0,6 5,1

Rio Grande 5,2 4,1 7,9

Estreito 0,8 -0,3 3,9

Mostardas 2,6 2,2 3,5

Capitania (total) 2,7 2,0 4,3

Fonte: mapa coreográfico de 1780 e mapas de habitantes de 1798 e 1802.

Obs.: os valores do mapa de 1780 foram reajustados por meio de uma estimativa da participação de

crianças brancas, as quais não foram originalmente incluídas no cômputo

As freguesias localizadas nas áreas de ocupação mais antigas, próximas aos

principais cursos fluviais (Viamão, Rio Pardo, Taquari e Estreito), onde predominavam as

datas de terras e a estrutura agrária encontrava-se provavelmente bem definida, ocorreu um

processo de pequeno crescimento ou, então, de decréscimo da população. A diminuição das

populações livres pode ser explicada por possíveis migrações de famílias empobrecidas ou

que buscavam oportunidades econômicas mais lucrativas ou, ainda, de casais recentemente

formados que não encontraram terrenos disponíveis para ocupar em suas regiões de origem8.

Porto Alegre, apesar de possuir um entorno agrícola com a propriedade fundiária fixada, não

se encaixa neste padrão de estabilidade populacional devido ao crescimento do núcleo

urbanizado (GOMES, 2012, 137ss).

Por outro lado, quanto mais próximo da fronteira, maior é o crescimento

demográfico. Esta área, recentemente aberta, ocupada com enormes rebanhos de gado,

8 Esta afirmação baseia-se em dados colhidos por pesquisas relativas a Viamão e Porto Alegre. Comissoli, em

sua pesquisa sobre os açorianos de Viamão, constatou que metade daqueles que receberam datas de terras já

haviam vendidos suas propriedades em 1784 (COMISSOLI, 2009, p. 84). Em Porto Alegre, no mesmo ano,

quase metade de todas as datas haviam sido alvo de venda por parte de seus proprietários originais Dos 39 casos

verificados, 15 estão provavelmente ligados ao falecimento do chefe do domicílio e às dificuldades posteriores

enfrentadas pelas viúvas. (GOMES, 2012, p. 137, 180s). A migração poderia também representar uma estratégia

voltada para o enriquecimento. Um dos produtores de Porto Alegre, na década de 1790, por exemplo, vendeu sua

data e comprou um campo de terras na Aldeia dos Anjos (GOMES, 2012, p. 176).

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representou um poderoso chamariz de homens. Cachoeira (que inclui o então distrito de

Encruzilhada), Rio Grande (em seu distrito de Cerro Pelado), Santo Amaro e Triunfo

apresentaram taxas de crescimento elevadíssimas, superiores a 3% anuais. Esta região foi

ocupada por estâncias formadas graças à distribuição de sesmarias ou despachos do

governador a indivíduos social e economicamente bem colocados, como oficiais das tropas

auxiliares ou de ordenanças, muitos dos quais alegavam participação na guerra de 1763/1776.

(SANTOS, 1984, p. 47; OSÓRIO, 2007a, p. 90).

Um fenômeno geral em toda a capitania do Rio Grande é o fortalecimento da

escravidão. Tanto as frentes de expansão da pecuária quanto as freguesias predominantemente

agrícolas de Taquari e Estreito vivenciaram aumentos significativos de suas populações

cativas. Apesar da dificuldade em mesurar com nitidez a participação escrava nas diferentes

atividades, torna-se evidente que as duas atividades referidas funcionaram como motores

poderosos para a importação de africanos. Na ampla freguesia de Rio Grande, a

concomitância da expansão da fronteira da pecuária, o crescimento da produção de trigo, o

desenvolvimento das atividades urbanas e portuárias e das charqueadas explica o astronômico

crescimento de 7,9% de sua população cativa.

Outro instrumento eficiente para entender o peso da escravidão é a avaliação da

participação dos cativos no conjunto de uma população. Freguesias onde os escravos faziam-

se muito presentes apresentavam taxas geralmente superiores a 30%. No Recôncavo baiano,

uma das principais regiões produtoras de açúcar, nos anos de 1816-17, 31% da população era

cativa. Em Vila Rica, importante centro comercial mineiro, no ano de 1804, os escravos

somavam outros 31%. (MARCÍLIO apud SCHWARTZ, 1988, p. 373; COSTA; LUNA,

1982, p. 62). Por outro lado, taxas inferiores a 20% indicam fraca presença de escravos. No

Paraná, por exemplo, onde predominava a pecuária e a agricultura em pequena escala, os

cativos representavam cerca de 18% da população entre 1800 e 1830 (GUTIÉRRES, 1987).

A velocidade diferenciada do crescimento de livres e escravos levou a alterações na

composição das populações. No quadro abaixo, apresentamos a participação dos escravos no

conjunto das freguesias. A partir dela abordaremos o problema das relações entre produção

agrícola e escravidão.

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Tabela 3

Participação (%) de escravos nas freguesias do Rio Grande de São Pedro, 1780, 1798 e 1802

Freguesias 1780 1798 1802

Porto Alegre 31,6 41,6 40,0

Viamão 34,7 37,5 43,8

Nossa Senhora dos Anjos 9,5 29,1 23,2

Conceição do Arroio 38,0 35,4 41,6

Santo Antônio 19,9 29,4 27,2

Vacaria de Cima da Serra 38,1 31,2 30,2

Rio Pardo 22,9 42,3 36,5

Cachoeira 31,4 34,0 29,7

Triunfo 44,0 38,5 37,0

Santo Amaro 25,3 47,9 32,7

Taquari 13,9 30,4 35,6

Rio Grande 21,6 31,7 38,1

Estreito 19,4 30,9 37,5

Mostardas 28,3 42,1 34,6

Capitania (total) 25,1 35,9 35,3

Fontes: mapa coreográfico de 1780 e mapas de habitantes de 1798 e 1802.

Obs.: os valores do mapa de 1780 foram reajustados por meio de uma estimativa da participação

de crianças brancas, as quais não foram originalmente incluídas no cômputo

Se compararmos os valores encontrados no mapa de 1780 com os dois seguintes,

notar-se-á o aumento gradativo da participação dos cativos no conjunto da população. Os

valores inferiores a 25% passaram de 6 para apenas um em 1802. Para testar a validade de

nossa argumentação, compararemos os valores encontrados com os aqueles encontrados em

um sistema escravista voltada para o abastecimento alimentar.

Desde Caio Prado Junior, passando por autores como Alcir Lenharo, Martins (1983),

Slenes (1988) e Libby (1988), dentre outros, formou-se um consenso de que a economia do

Sul de Minas representava um modelo escravista particular. Nesta região, na segunda metade

do século XVIII e no XIX, os muitos escravos estavam distribuídos em pequenas e médias

propriedades voltadas para a produção de bens de subsistência para o mercado interno. De

modo especial, a Corte representava um destino importante dos alimentos mineiros.

Conforme os dados apresentados por Libby, em sua amostra dos mapas de população

de 1831-1840, os escravos representavam 32% da população do Sul de Minas. O Oeste (cujas

“atividades produtivas se voltaram para a mesma economia de subsistência que encontramos

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no Sul”) apresentava 27% de cativos. No Alto Parnaíba, onde as atividades agropecuárias

“fixaram um pequeno contingente populacional na região e a integraram à economia

mercantil de subsistência”, os cativos somavam 31% da população. Na Região do Triângulo,

os escravos chegavam a 35% do total. Para Libby, a semelhança destes resultados é

reveladora, grosso modo, de uma estrutura econômica comum a extensas áreas da província

de Minas Gerais (LIBBY, 1988, p.44-52).

Refinaremos a análise comparando os dados de nosso estudo com os de duas vilas do

Sul de Minas, Campanha e Pouso Alegre, nos anos de 1833-35. As vilas selecionadas eram

importantes produtores mercantis de alimentos e centros de comercialização para os mercados

de São Paulo e Rio de Janeiro. A vila da Campanha apresentava 16 distritos e, nelas, a

participação de escravos variava entre 19 e 44%. Do total, 7 distritos apresentavam mais de

30% de cativos e, destes, apenas 1 superava 40%. Por sua vez, a vila de Pouso Alegre possuía

9 distritos, nos quais a população escrava variava entre 14 e 33%. Do total, apenas três

distritos estavam na faixa dos 30% (DELFINO, 2010. p. 58ss; 72s)9.

No Rio Grande de São Pedro, em 1780, 6 das 14 freguesias apresentavam 30% ou

mais de escravos; em 1798, o total chegou a 12 das 14 freguesias; por fim, em 1802, 11 de 14

apresentavam 30% ou mais. Particularmente em 1798, quatro freguesias encontravam-se na

casa dos 40%. Das sete freguesias onde a agricultura era a atividade principal ou de bastante

relevo10

, apenas uma apresentava menos de 30% de cativos (Santo Antônio, com cerca de

28% entre 1798 e 1802). Portanto, havia nas freguesias agrícolas do Rio Grande do Sul uma

participação de escravos em alguma medida semelhante àquela das do Sul de Minas Gerais.

Tal comparação ajuda-nos a problematizar o papel da escravidão no Rio Grande de

São Pedro. Os escravos aumentaram bastante sua participação e passaram a compor parcela

expressiva da população de diferentes freguesias em 1802, inclusive naquelas onde a lavoura

era uma atividade de peso. Nesse sentido, é improdutivo atribuir às charqueadas o papel de ter

tornado “completo” o sistema escravista sulina, como defendeu Cardoso (2005, p. 77s). Em

realidade, tanto a pecuária como a agricultura foram as primeiras atividades responsáveis pela

9 Outras regiões agropecuárias de Minas, em períodos diferentes, apresentaram participações de escravos mais

elevadas. Na freguesia de São José, nove de dez capelas apresentaram entre 30 e 60% de cativos no ano de 1795,

situação que se manteve em 1831 (MALAQUIAS, 2010, p. 36). É importante destacar que semelhante modelo

econômico não se resume ao Sul de Minas. Nos dados apresentados por Barickman (2003, p. 214s) relativos ao

Sul do Recôncavo baiano, em fins do XVIII e início do XIX, em 5 de 7 freguesias onde predominava a cultura

da mandioca ou do fumo havia mais de 30% de cativos na população. 10 Relembramos: Porto Alegre, Viamão, Santo Antônio, Rio Pardo, Taquari, Estreito, Mostardas e Rio Grande.

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entrada maciça de cativos no Rio Grande do Sul11

e pela consolidação de um tipo de

escravidão semelhante àquele do Sul de Minas.

É importante salientar que as atividades agrícolas não ocorreram em apenas algumas

localidades. Como demonstram os diferentes mapas de produção de trigo, a agricultura era

praticada em todo o Rio Grande de São Pedro. A partir do cruzamento dos dados da tabela

com outras informações disponíveis, especialmente aquelas referentes à triticultura,

apresentaremos um modelo de como ocorreu a inserção da escravidão nas atividades agrárias,

modelo este formado a partir de um caso comprovado e de duas hipóteses baseadas em

dinâmicas demográficas e produtivas regionais.

O caso indicado refere-se a duas freguesias onde predominavam os lavradores e, pelo

menos desde o ano de 1780, era frequente o uso do trabalho escravo. Em Porto Alegre e

Viamão a população escrava passou da casa dos 30 para a dos 40% no período de 22 entre o

primeiro e o último mapa de população. Diferentes estudos já comprovaram ter sido

escravista a maioria dos lavradores locais. Os róis de confessados indicam que em Porto

Alegre, no ano de 1782, 60% dos chefes de fogo da área rural possuíam ao menos um cativo.

Em Viamão, por sua vez, entre 1776 e 1780, entre 60 e 70% dos domicílios apresentavam

cativos. A Relação de Moradores de 1797 aponta resultados semelhantes, de modo a

confirmar a pertinência da conclusão. Tendo em vista o grande acréscimo de trabalhadores

adultos fornecidos pela escravidão, acreditamos que o sistema de produção agrícola de Porto

Alegre deve ser qualificado como familiar-escravista (KÜHN, 2006, p. 130; OSÓRIO,

2007b; SIRTORI, 2008, p. 78, 119; DANILEVICZ, 2009, p. 34; GOMES, 2012, p. 98,

150ss). Suspeitamos que o caso de Mostardas também se enquadrasse neste perfil, tendo em

vista a grande participação de cativos em sua população (quase 30% em 1780) e o elevado

número de agricultores mais capitalizados da localidade12

.

A primeira hipótese refere-se a uma possível transformação de economias locais

camponesas em sistemas de produção semelhantes ao encontrado em Porto Alegre e Viamão.

11 Ao estudar Viamão, no início da década de 1750, cuja economia girava em torno da pecuária, Fábio Kühn

qualifica a localidade como “fortemente dependente da mão-de-obra escrava, especialmente africana” (2006, p.

104-111). Os autores que abordam o trabalho escravo nas freguesias agrícolas de Porto Alegre e Viamão, na

década de 1780, foram assinalados no tópico 3 deste artigo. 12 De acordo com a versão da Relação de Moradores de 1784 depositada no Arquivo Nacional, dos 63

produtores listados em Mostardas, 43% dedicavam-se “mais à lavoura que à criação” (estes eram agricultores

que possuíam mais de 100 cabeças de reses), 41% eram lavradores (estes, agricultores que possuíam 100 cabeças

ou menos) e 6% eram criadores-lavradores. O restante é formado por criadores. Fonte: Relação dos moradores

que tem campos que têm campos e animais no Rio Grande, Códice 104, v. 7, p. 107ss. A definição dos

produtores listados nas Relações encontra-se em OSÓRIO, 2007, p. 82ss.

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Rio Pardo, Santo Antônio da Patrulha, Taquari, Estreito e os distritos agrícolas de Rio Grande

possuíam diminuta população cativa no inicio da década de 1780. Nas quatro freguesias,

entretanto, tal população chegou à casa dos 30 ou 40%. A mudança no padrão de participação

de escravos é particularmente chamativa nos casos de Estreito e Taquari, onde a principal

atividade econômica era a lavoura, não existiam núcleos urbanos e eram de tamanho diminuto

os rebanhos existentes.

A segunda hipótese diz respeito à produção de trigo nas grandes estâncias por

escravos roceiros. Nos distritos de Encruzilhada e Cerro Pelado não havia lavradores,

enquanto os “criadores e lavradores” compunham parte do grupo numericamente dominante.

Por serem os mais capitalizados dos produtores, provavelmente a maioria deles possuía um

número significativo de cativos (OSÓRIO, 2007a, p. 82ss, 168)13

. O peso deste grupo na

fronteira Oeste do Rio Grande de São Pedro é confirmado pela pesquisa de Silmei Petiz, a

qual aponta uma presença de 33% de agricultores/criadores nos inventários do período

compreendido entre os anos de 1764 e 1809, possuidores do maior contingente de escravos

dentre os grupos de produtores inventariados (PETIZ, 2009, p. 75, 131).

Ao mesmo tempo, no Mapa das produções de trigo14

de 1787, Encruzilhada e Cerro

Pelado aparecem como responsáveis por, respectivamente, 2321 e 8708 alqueires de trigo.

Somados os dois valores, tem-se 10% de toda produção registrada no ano. Assinale-se, pois,

que a produção de Cerro Pelado é a quarta maior dentre as 17 de toda capitania. Ora, se há

uma significativa produção tritícola nas duas localidades e se nelas predominam os

enriquecidos “criadores e lavradores”, possuidores de muitos escravos, logo podemos supor

que parte significativa da produção agrícola das duas localidades fronteiriças tenha sido

realizada pelos cativos desses produtores. Encontramo-nos, portanto, diante de um possível

caso de região onde a produção tritícola era, em grande medida, escravista.

Conclusão

Os mapas de habitantes indicam níveis de participação de escravos, em diferentes

freguesias do Rio Grande de São Pedro, aproximados ou semelhantes aos de economias

13 Conforme a Relação de Moradores de 1784, o número médio de reses possuído por “criadores e lavradores” era de 1041 cabeças. Em amostra de inventários de todo o Rio Grande, os possuidores de mais de mil cabeças

possuíam uma média de 22 cativos. Portanto, podemos supor que a maioria dos “criadores e lavradores” eram

proprietários de escravarias de médio ou grande porte para os padrões da região (OSÓRIO, 2007a, p. 82, 168). 14

Mapa das produções dos trigos que houvera neste presente ano, e dos carros, e carretas que existem neste

Continente, anexo ao Ofício n. 57, do Comandante Coronel Joaquim José Ribeiro da Costa ao Vice-rei, Vila do

Rio Grande, primeiro de julho de 1787. Arquivo Nacional, códice 104, vol. 9, p. 179

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escravistas produtoras de bens alimentares para o mercado interno. Para o caso de Porto

Alegre e Viamão, está devidamente comprovada a validade dos dados oferecidos pelos

mapas. Sugere-se, também, crescente dependência em relação ao trabalho cativo por parte de

freguesias originalmente camponesas, bem como a relevância da produção agrícola nas

estâncias de “criadores e lavradores”, num contexto de ampla expansão da triticultura e de

fortalecimento do tráfico escravista. Os mapas de habitantes, auxiliado por outras fontes e

pesquisas, permitem desenhar um quadro mais complexo da presença da escravidão nas

relações de trabalho da capitania, no período de formação do complexo agrícola regional.

Fontes

Mapa da colheita pertencente ao ano de 1780 em todo o Rio Grande. Anexo ao ofício 33,

carta de Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara a Luiz de Vasconcelos e Souza, Porto

Alegre, 7 de agosto de 1781. Arquivo Nacional, códice 104, vol. 3, p. 126

Mapa geográfico do Rio Grande de São Pedro suas freguesias e moradores de ambos os

sexos, com declaração das diferentes condições e cidades em que se acham em 7 de outubro

de 1780. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Mappa das carruagens arados animais vacuns cavalares muares e ovelhas que tem o

Continente do Rio Grande. Ofício do [Comandante do Rio Grande de São Pedro], o

brigadeiro Rafael Pinto Bandeira ao secretário de Estado de Marinha e Ultramar Martinho de

Melo e Castro. Vila de Sam Pedro do Rio Grande, 26 de fevereiro de 1791. Arquivo Histórico

Ultramarino, caixa 3, doc. 252. Projeto Resgate: documentos manuscritos avulsos da

Capitania do Rio Grande de São Pedro, cd 1.

Mappa de todos os habitantes da Capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul, devididos

pelas freguezias actuais da mesma Capitania no anno de 1802. Mappa ou numerário de todos

os habitantes da capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul, o qual expressa as suas

condições, estados e sexos devedidos pello numero das freguesias actuais da mesma capitania

em 1798. Carta do [governador da Capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul] Paulo José

da Silva Gama, ao príncipe regente [D. João], enviando mapas da população da capitania

relativo ao ano de 1802 e relação da exportação e importação de 1802. 4 de dezembro de

1803. Anexo: 1. Arquivo Histórico Ultramarino, caixa 7, doc. 485. Projeto Resgate:

documentos manuscritos avulsos da Capitania do Rio Grande de São Pedro, cd 1.

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