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1 REVISTA JURÍDICA 2008

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REVISTA JURÍDICA 2008

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ANO 8 REVISTA JURÍDICA Nº 10 2008

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JATAÍ CESUT

DIRETOR Profº. João Geraldo de Souza Braga COORDENADORA DO CURSO DE DIREITO Profª. Sirlene Moreira Fideles COLABORADORES Profº. José Carlos Ribeiro Bibl. Soraia de Carvalho Ferreira ALUNOS: 01. Deborah de Meira e Silva 02. Eliana Assis Mendonça 03. Fabrízio dos Santos Faria 04. Fernanda Loreno Lopes Pacheco Mello 05. Lívia Christina Borges Soares Lemos 06. Maria Aparecida Ferreira Morais 07. Oriston de Souza Cardoso 08. Sissiane Dias Pedrosa 09. Vanderlei Martins de Oliveira Júnior

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SUMÁRIO 01. Editorial ...............................................................................................................004 02. O psicopata na visão do direito penal: aspectos da imputabilidade e da medida de segurança. ..................................................................................................................005 03. Condomínio de empregadores rurais. .................................................................032 04.Terceirização da mão-de-obra e a responsabilidade subsidiária da empresa tomadora dos serviços. .............................................................................................................058 05.Violência contra a mulher: Lei Maria da Penha. ................................................078 06. Redução da maioridade penal. ...........................................................................106 07. Corte de conciliação e arbitragem; modelo goiano. ...........................................132 08. Estatudo do idoso: a distância entre o marco legal e a plena efetivação do direito do idoso no Brasil..........................................................................................................146 09. Progressão de regime em crimes hediondos. .....................................................164 10. Transação penal nos juizados criminais. ............................................................186

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EDITORIAL

“A elaboração de mais uma ‘Revista Jurídica’, a de número 10, como produto científico e intelectual, é o resultado de pesquisas desenvolvidas pelos acadêmicos do Centro de Ensino Superior de Jataí, tendo por base não uma decisão isolada, mas uma escolha consciente de temas jurídicos interessantíssimos e apaixonantes, e por objetivo principal conseguir um produto científico novo e diferente, sempre se preocupando em privilegiar uma análise mais crítica do saber jurídico.

Partindo do pressuposto de que o conhecimento científico é crítico, rigoroso,

objetivo e se consolida na certeza das leis apresentadas, é que a presente edição da “Revista Jurídica”, como as anteriores e como já dito, está recheada de temas jurídicos e, por isso, temos certeza de que os resultados, para quem lê-los, serão bons, visto que a produção científica dos notáveis acadêmicos do Cesut é o resultado de um trabalho Monográfico bem desenvolvido, e, por isso, a eles endereçamos os nossos agradecimentos, além de prestarmos nossas homenagens.

Convictos de que esta nossa ‘Revista Jurídica’ brilhará pela sua qualidade, é

que convocamos os adeptos da cognição jurídica a se deliciarem com as verdades e com as empolgantes e sadias polêmicas contidas em cada um dos textos jurídicos apresentados.”

Jataí, maio de 2008

João Geraldo de Souza Braga

Diretor Acadêmico

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O PSICOPATA NA VISÃO DO DIREITO PENAL: ASPECTOS DA

IMPUTABILIDADE E DA MEDIDA DE SEGURANÇA

DÉBORAH DE MEIRA E SILVA RESUMO. A presente pesquisa analisará o indivíduo psicopata, caracterizado como sendo portador de um transtorno de personalidade eivado de particularidades e dúvidas. Este estudo mostrará, dentre outros pontos, os aspectos históricos que envolveram o tema, bem como as dificuldades de se diagnosticar um psicopata, quando este vem a cometer um delito. Ademais serão expostos alguns sintomas e sinais que nortearão o jurista na aplicação do Direito quando se vir diante de um criminoso que se difere das demais pessoas. Por fim, tendo em vista o sistema punitivo e corretivo adotado em nossa legislação, será demonstrada a solução mais adequada a ser tomada, levando-se em consideração as especificidades do psicopata. Palavras-chave: psicopata, transtornos da personalidade, imputabilidade, tratamento e medida de segurança. INTRODUÇÃO

Dada a sua particularidade marcante, o psicopata vem intrigando a humanidade desde os tempos mais remotos, mobilizando assim as mais diversas classes de profissionais, tais como: antropólogos, sociólogos, psiquiatras, juristas e tantos outros.

A relação entre os distúrbios mentais e a violência tem levado às maiores

divergências durante a história, mas, felizmente, as formas dispensadas para definição, avaliação e tratamento daqueles que têm alterado o funcionamento de suas mentes, sofreram modificações consideráveis com o evoluir da sociedade.

Aqueles que hodiernamente se enquadram no perfil de um psicopata já foram

considerados como endemoniados, bruxos ou simplesmente doentes que precisavam ser banidos da sociedade.

Hoje, sabe-se que o portador da personalidade psicopática possui um

funcionamento mental perturbado, caracterizando-se, de forma geral, por ser um indivíduo que trapaceia, rouba e mata das mais variadas formas irresponsáveis e enganosas.

Sobretudo, sabe-se que estes sujeitos não fazem parte de uma classificação

permanente e muito menos de uma instituição jurídica imutável, em que começam a surgir as maiores indagações.

O primeiro problema a ser encarado é a subjetividade do indivíduo, pois não há

uma regra absoluta que delimite com precisão onde este deverá ser enquadrado. Por tal motivo, cada caso concreto deve ser analisado individualmente, elaborando-se uma

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análise retrospectiva real do perfil do criminoso, para que a ele seja imputada ou não uma sanção penal por seus atos.

Outro problema reside no fato de que, quando um psicopata comete um fato criminoso, ele o faz por uma necessidade incontrolável de transgredir a norma, o que o faz ser pouco sensível a castigos e punições.

Ora, então como agir com esses indivíduos que possuem desvios de ordem

psíquica e que acabam por não respeitar regras impostas à sociedade? Será que a simples reclusão num presídio ou sua internação perpétua seria a

opção mais adequada para por a salvo tanto a comunidade quando o próprio delinquente?

Qual é o tratamento jurídico dispensado àqueles que são acometidos de um

transtorno mental à época da conduta delituosa? Quais são os modificativos da responsabilidade penal, e poderia ser o psicopata

enquadrado em algum deles? Essas são apenas algumas indagações que surgem diante de um fato típico

cometido por um sujeito psicopata e, para tanto, serão estas e outras questões abordadas no presente trabalho.

Neste ínterim, o primeiro ponto a ser examinado é acerca dos transtornos

mentais e seus reflexos para posterior verificação da situação jurídica e do tratamento mais adequado para o psicopata. 1 ASPECTOS DOS TRANSTORNOS MENTAIS

A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí, insânia, insânia e só insânia. (Machado de Assis. O Alienista.) 1.1 Histórico

Em uma simples análise dos fatos históricos, percebe-se que somente a partir do século XIX é iniciada uma diferenciação entre o delinquente e o enfermo mental e tal processo de distinção foi lenta e morosa com longos períodos de estagnação.

Até chegar-se à afirmativa de que nem todo delinquente é um louco e que nem

todo louco é um delinquente, foram necessárias as modificações nos próprios conceitos de saúde e enfermidade mental.

Nas concepções mágicas e primitivas encontradas na Grécia antiga, os

transtornos mentais eram atribuídos ao poder da possessão pelas divindades.

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Exatamente os gregos que vieram criar a primeira tipologia dos transtornos mentais, dividindo-os de acordo com os sintomas apresentados: os demoníacos, os energúmenos e os possuídos.

Já na Roma antiga, a postura adotada era diferente. O delinquente considerado louco recebia tratamento com certa brandura, vez que se julgava moralmente inconcebível incluir nova punição àquele que sofria da loucura. Aqui, a loucura era tida como um castigo divino, merecendo tratamento diferenciado.

A alienação na Idade Média não era mais vista como um castigo divino, mas

novamente como uma possessão demoníaca ou de bruxas, uma influência do sobrenatural, ou seja, os transtornos mentais voltaram a ser tratados como um fenômeno religioso, de forma que o seu tratamento deveria como consequência estar nas mãos dos religiosos, considerados agentes de cura.

Somente no período renascentista, começou a surgir um interesse pela análise do

comportamento anormal, encarado agora não como uma possessão demoníaca, mas como uma doença.

Por fim, as bases dos estudos acerca da alienação mental foram se

desenvolvendo de tal forma a encontrar a sistemática mais adequada à conceituação e ao tratamento dos portadores de transtornos mentais.

1.2 Conceito e diferenciação

A 4ª edição da obra DSM (DSM – IV - Diagnostic and Statistical Manual), uma publicação da Associação Americana de Psiquiatria, avaliou que os transtornos mentais são concebidos como síndromes, padrões comportamentais ou psicológicos clinicamente importantes que ocorrem num indivíduo e estão associados a sofrimento ou incapacitação, ou com um risco significativamente aumentado de sofrimento, morte, dor, deficiência ou perda importante da liberdade.

1.3 Espécies de Transtornos Mentais Os transtornos mentais são alterações no funcionamento da mente que venham a

prejudicar o adequado desempenho do indivíduo na vida familiar, na vida pessoal, no trabalho, e por consequência na possibilidade de seguir padrões e regras sociais.

É comum a utilização dos termos transtornos mentais e doenças mentais como

sinônimos, englobando um espectro de condições que afetem a mente. Entretanto, já existem diversos posicionamentos contrários, afirmando que existem características diferenciadoras entre tais denominações.

O ponto central de tal distinção se fundamenta no fato de que para a medicina,

são consideradas doenças as alterações da saúde que têm uma causa determinada com a existência de modificações físicas detectáveis. Já a expressão transtornos é utilizada

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para designar agrupamentos de sinais e sintomas associados a alterações de funcionamento sem origem conhecida. Justificam tal diferenciação até pela opção adotada pelo Governo Federal Brasileiro ao publicar em 2001 uma lei sobre os direitos das pessoas com transtorno mental (Lei n. 10.216, de 6/4/01), na qual foi utilizada exclusivamente a expressão transtorno mental.

Ainda encontram-se outros fundamentos para a defesa de que a expressão

doença mental não se ajusta ao que se quer atingir, pois se entende como sinônimo de enfermidade da mente. Assim, tecnicamente não sendo a mente algo material e sim uma atividade, não se admitiria em tese uma doença.

O Código Penal brasileiro ainda utiliza a expressão doença mental,

correspondendo ao conceito de loucura ou alienação mental, mesmo que entre os psiquiatras esteja em desuso tal denominação.

O que se vislumbra é que o legislador brasileiro da década de 40, ao mencionar o

termo doença mental, quis abranger todas as doenças, quer orgânicas ou tóxicas, funcionais e sintomáticas ou decorrentes dos transtornos do metabolismo interno.

Ademais, fora das distinções semânticas, de forma prática para as aplicações

jurídicas, a doença mental ou mesmo os transtornos mentais terão a mesma inferência jurídica, sendo necessário, entretanto, que se estabeleçam algumas diferenciações acerca das espécies de transtornos mentais e uma melhor visualização, sobre onde se encontra, nessa relação, o chamado psicopata, que é objeto especifico desse nosso estudo.

A Classificação Internacional de Doenças (CID) é um dos sistemas mais

utilizados para classificar e diagnosticar doenças no mundo. Ela é periodicamente revisada na Organização Mundial da Saúde (OMS) e sua versão em vigor e mais atualizada é a CID –10, com previsão de atualização para 2011 com a publicação da 11.

Apenas como mais uma opção de visualização das espécies de transtornos

mentais, segue abaixo um esboço doutrinário acerca de uma classificação mais simplificada e de melhor aplicação jurídica: a) transtornos mentais orgânicos (cognoscitivos) – como a demência arterioesclerótica dos idosos e a Doença de Alzheimer; b) transtornos relacionados com o consumo e dependência do álcool e de drogas; c) oligofrenia ou retardamento mental; d) esquizofrenia; e) psicoses maníaco-depressivas ou transtornos bipolares e as depressões; f) neuroses, e transtornos somatomorfos, fatícios e dissociativos; g) transtornos da personalidade que serão objeto de maior análise, a seguir, visto suas importâncias na conceituação posterior da personalidade psicopática.

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2 PERSONALIDADE E TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE 2.1 Personalidade

Diversas são as expressões e conceitos usados no intuito de dar um sentido à palavra personalidade, pois não faz parte do presente trabalho aprofundar em tal definição e sim, apresentá-la da maneira mais simples e direta possível.

Newton Fernandes e Getúlio Chofard (1995, p. 137 apud FRANÇA, 2005),

afirmam que se iniciando do pressuposto de que pessoa é o ser humano dotado de plenos recursos para desempenhar as funções psicológicas adequadas às suas finalidades vitais, pode-se atribuir à personalidade o significado de temperamento, atitudes, expressões e emoções aos quais se sujeita o homem.

Portanto, a personalidade integraria de forma geral todos os elementos de

comportamento social do ser humano, que de uma forma ou de outra seria afetado no tempo e no espaço perante a sua interação nos ambientes físicos, psíquicos, morais e culturais.

Nesse sentido, a personalidade está sujeita a transtornos no seu desenvolvimento

e em sua continuidade, como será explicitado a baixo. 2.2 Transtorno de personalidade

A Organização Mundial de Saúde (OMS), 1993, conceitua o transtorno específico de personalidade como uma perturbação grave da constituição caracterológica e das tendências comportamentais do indivíduo.

Tais personalidades representam perturbações não-normais da natureza humana

que não devem ser diretamente imputável a uma doença, lesão ou outra afecção cerebral, mas a anomalias do desenvolvimento psíquico, sendo considerados, em psiquiatria forense, como perturbação da saúde mental.

Ainda segundo o CID-10, os transtornos de personalidade (TP) são condições

do desenvolvimento da personalidade, que surgem na infância ou adolescência e continuam pela vida adulta, diferentemente do transtorno da alteração da personalidade, que sucede durante a vida como consequência de algum outro transtorno emocional ou mesmo seguindo-se a estresse grave.

Por conseguinte, os transtornos de personalidade seriam modalidades incomuns

de a pessoa interagir com sua vida ou de se manifestar socialmente, isto é, uma espécie de ruptura pessoal e social. Assim, estarão em desarmonia a afetividade e a excitabilidade com integração dos impulsos, das atitudes e das condutas.

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Em âmbito forense, os transtornos de personalidade adquirem uma grande importância, no sentido de que seus portadores se envolvem, costumeiramente, em atos criminosos, principalmente naqueles que apresentam características anti-sociais. 2.3 Espécies de transtornos da personalidade no DSM-IV

Como visto anteriormente, o Transtorno da Personalidade é um padrão de comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, é estável ao longo do tempo e provoca sofrimento ou prejuízo.

Nesta linha de raciocínio, o DSM–IV na avaliação destes transtornos delimitou suas principais espécies, que se fazem necessárias no presente estudo simplesmente para uma visão global do assunto.

Apenas a título de melhor visualização, segue abaixo uma sintética definição

acerca de cada uma destas espécies, também fornecida pela DSM– IV, ressaltando-se que em seguida se dará início ao estudo mais aprofundado do tema proposto: a) transtorno da personalidade paranóide é um padrão de desconfiança e suspeitas, de modo que os motivos dos outros são interpretados como malévolos; b) transtorno da personalidade esquizóide é um padrão de distanciamento dos relacionamentos sociais, com uma faixa restrita de expressão emocional; c) transtorno da personalidade esquizotípica é um padrão de desconforto agudo em relacionamentos íntimos, distorções cognitivas ou da percepção de comportamento excêntrico; d) transtorno da personalidade antissocial é um padrão de desconsideração e violação dos direitos dos outros; e) transtorno da personalidade borderline é um padrão de instabilidade nos relacionamentos interpessoais, auto-imagem e afetos, bem como de acentuada impulsividade; f) transtorno da personalidade histriônica é um padrão de excessiva emotividade e busca de atenção; g) transtorno da personalidade narcisista é um padrão de grandiosidade, necessidade por admiração e falta de empatia; h) transtorno da personalidade esquiva é um padrão de inibição social, sentimentos de inadequação e hipersensibilidade a avaliações negativas; i) transtorno da personalidade dependente é um padrão de comportamento submisso e aderente, relacionado a uma necessidade excessiva de proteção e cuidados; j) transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva é um padrão de preocupação com organização, perfeccionismo e controle.

3 PERSONALIDADE PSICOPÁTICA 3.1 Enfoque

Como já verificado, existem certas modalidades de transtornos mentais que são relevantes para a Psiquiatria, para a Psicanálise e para a Psicologia. Entretanto, mostram-se irrelevantes para o âmbito criminológico, ou ainda, não apresentam reflexos diretos quando se trata de estudos criminais. O indivíduo pode ter um comportamento anormal, ter completa desorganização mental, mas não ser propenso ao crime, não

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emprestando real interesse para as questões forenses, e em conseqüência para o presente estudo.

Neste ínterim, entender o funcionamento dos psicopatas, ou portadores de

transtorno de personalidade antissocial, é uma tarefa de suma importância para a sociedade, vez que o número de portadores deste transtorno cresce em grande número, vem se instalando em todos os âmbitos sociais, abrangendo com isso o interesse na área criminal.

Destarte, a psicopatologia em geral e a psiquiatria forense têm dedicado ao

estudo desse terreno cauteloso, este que envolve as pessoas que não se enquadram nas doenças mentais já bem delineadas, mas possuem características bastante específicas.

Tendo como forte empecilho a falta de um consenso definitivo, tal assunto tem despertado um combate de opiniões entre os autores ao longo do tempo. Os problemas vão desde a conceituação do tema, até as questões psicopatológicas de diagnóstico e tratamento.

Nesse sentido, a seguir serão abordados os pontos mais importantes e

esclarecedores acerca da personalidade psicopata. 3.2 Histórico

Conforme visto anteriormente, as causas invocadas para explicar e entender as perturbações mentais eram desprovidas de qualquer fundamentação lógica ou racional.

Segundo dados históricos, foi Hipócrates, por volta de 460 – 355, o primeiro que

interpretou a alienação mental com alguma base científica, identificando tal distúrbio como devido à ação da bile ou da pituíta misturando-se com o sangue.

Mais tarde, em 1835, começam a surgir indícios mais fortes de estudos

científicos, quando James Cowles Prichard (VARGAS, 1990, p. 327) apresentou a denominação insanidade moral (Moral Insanity) para se referir à conduta anti-social e à falta de senso ético de certos criminosos.

A expressão, “inferioridade psicopáticas”, foi utilizada pela primeira vez por J.

L. Koch (VARGAS, 1990, 327) em meados de 1891. Para ele, as inferioridades psicopáticas eram permanentes e congênitas e divididas em três formas: disposição psicopática, tara psíquica congênita e inferioridade psicopática (BALLONE, 2006).

Em 1904, Kraepelin faz a classificação das doenças mentais e utiliza a

denominação Personalidade Psicopática para tratar das pessoas que não são neuróticos e nem mesmo psicóticos, mas que seus parâmetros de convivência se chocam com os da sociedade vigente. Aqui, estão incluídos os homossexuais, os estados obsessivos, a loucura impulsiva, os criminosos congênitos e outros. (BALLONE, 2006).

Kurt Schneider, doutor em teologia, em direito, em ciências sociais, em filosofia

e em medicina, vem em 1923 com uma descrição empírica de determinadas

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características, mas que deixou claro em suas definições que o psicopata não é um indivíduo que é acometido de uma doença chamada psicopatia, e sim que o termo caracteriza a personalidade como um todo. Ele distinguia os seguintes tipos de Personalidade Psicopática: Hipertímicos, Depressivos, Inseguros, Fanáticos, Carentes de Atenção, Emocionalmente Lábeis, Explosivos, Desalmados, Abúlicos, e Astênicos. (BALLONE, 2006).

Aderindo à tipologia criada por Schneider, em 1939, Henderson (VARGAS,

1990, 329) demonstrava que a conduta anti-social era característica das personalidades psicopáticas e conceituava-a como uma pessoa anti-social que se mostra incorrigível.

Assim, perante mais de duzentas expressões diferentes usadas no presente século

como sinônimas de psicopatia, e fornecendo praticamente sessenta características e trinta comportamentos distintos à personalidade psicopática, faz com que esse seja um dos capítulos mais controvertidos da Psiquiatria Clínica.

Não obstante, o quadro clínico da personalidade psicopata vem sendo cada vez

mais descrito, principalmente por ausência de sentimentos afetuosos, amoralidade, impulsividade, falta de adaptação social e incorrigibilidade.

3.3 Conceito

Mesmo com as numerosíssimas tipologias existentes para clarificar o conceito de psicopatia, esta pode ser descrita como um tipo de transtorno de personalidade caracterizada por distúrbios crônicos de conduta, por falta de sentimento de culpa, inaptabilidade com valores éticos etc.

Tal distúrbio qualifica os indivíduos que, apesar de possuírem padrão intelectual

médio ou até elevado, exteriorizam, no curso da vida, variações da conduta, de natureza ética ou anti-social.

Estes portadores são incapazes de se integrar em qualquer grupo, em virtude de

seu egoísmo absoluto e pelo fato de não aceitarem qualquer tipo de regras. A princípio podem até fazer amizades com facilidade, mas, posteriormente, com os primeiros conflitos, sua amoralidade aparece em todo o potencial. Assim, acabam sendo rejeitados pelos grupos pouco tempo depois, o que justifica o fato de serem em geral pessoas solitárias, que trocam de grupo periodicamente. 3.3 Características e classificações

Para uma melhor compreensão das características essenciais da personalidade psicopática, é mister que esta seja subdividida em dois grupos principais, conforme nos ensina Blackbum (1998): (BALLONE, 2006): 1- os Psicopatas Primários, com traços impulsivos, agressivos, hostis, extrovertidos, confiantes em si mesmos, baixos teores de ansiedade e ainda com uma adequada socialização. Aqui estão presentes, em grande

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teor, as pessoas narcisistas, histriônicas, e anti-sociais, podendo sua figura se identificar muito bem com personalidades do mundo político; e 2- os Psicopatas Secundários, geralmente hostis, impulsivos, agressivos, socialmente ansiosos e isolados, mal-humorados, com baixa auto-estima, e característica de isolamento social e traços neuróticos. Podem ser identificados com líderes de seitas, cultos e associações excêntricas. Estão aqui os anti-sociais, evitativos, esquizóides, dependentes e paranoides.

Ainda sob os estudos de Blackbum (1998), os Psicopatas Primários teriam

convicções firmes para efetuar crimes mais violentos, enquanto que os Psicopatas Secundários para os roubos. (BALLONE, 2002).

Observa-se também que grande parte dos psicopatas forma uma interação social

do tipo hostilidade e dominância, restando a submissão e o cuidado por conta dos não psicopatas. Para tanto, o psicopata costuma culpar os outros, mentir com frequência, buscar atenção e ameaçar os outros com violência.

Não bastasse a gama de problemas advindos de tais características, ainda há de

se considerar o desempenho representativo dos psicopatas, por meio do qual manifestam atitudes que não fazem parte de suas características genuínas, mas, sobretudo, de suas simulações sociais.

Ainda buscando uma divisão que se amoldasse com mais perfeição à realidade,

Millom (1998) estabeleceu algumas outras divisões que em suas próprias denominações já indicam suas características, e que condensadas podem ser apresentadas da seguinte forma: o Psicopata carente de princípios, o psicopata malévolo, o psicopata dissimulado e o psicopata ambicioso. (BALLONE, 2005).

Para Schneider (VARGAS, 1990, 333), os psicopatas foram classificados da

seguinte forma: a) Psicopatas hipertímicos - são indivíduos voltados para escândalos e desarmonias familiares e conjugais; são impulsivos, inconstante, além de uma instabilidade de vida e de trabalho; b) Psicopatas depressivos - são pessoas permanentemente depressivas, melancólicas e com tendências ao suicídio; c) Psicopatas lábeis - têm mudanças bruscas de estado de ânimo, com crises de irritação e depressão, são perigosos na fase impulsiva; d) Psicopatas irritáveis ou explosivos - possuem intensa irritabilidade de humor e de afetividade, suscetíveis de fácil excitação; e) Psicopatas de instintividade débil - são frívolos, ligeiros e inquietos. Mesmo que tenham grande inteligência, começam algo e logo abandonam, além de tenderem vagabundagem, aos tóxicos e ao homossexualismo; f) Psicopatas sem sentimentos ou amorais - estes não conseguem experimentar qualquer sentimento de afeto, amor ou compaixão, sendo capazes de todas as condutas anti-sociais, desconhecem a bondade, a piedade, a misericórdia, a vergonha, a honra, ou qualquer sentimento de afeto. Mesmo na infância ja apresentam distúrbios, possuindo comportamentos anormais, principalmente de condutas cruéis com pequenos animais. Estes são os denominados por alguns de psicopatas perversos, já que de uma criminalidade instintiva. Observa-se que as medidas de reeducação e as prisões são inúteis e se mostram ineficientes, pois estes não se adequam em nenhuma forma de socialização; g) Psicopatas carentes de afeto - estes fazem parte da porção de exibicionistas e desordeiros, possuindo extrema facilidade em enganar as pessoas, com diferentes técnicas teatrais; h) Psicopatas

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fanáticos - têm preponderância tirânica, e atitudes expansivas, expressando-se de maneira filosóficas ou políticas como costumam tomar posturas radicais em assuntos polêmicos, podem vir a assumir um papel influente e incisivo na massa populacional, geralmente em épocas de grande instabilidade política; i) Psicopatas inseguros de si mesmos - estes possuem um grande complexo de inferioridade, são pessimistas e não acreditam em si mesmos; j) Psicopatas astênicos - bastante influenciáveis, acabam agindo por indução ao cometimento de delitos, além de serem tendentes à depressão, ao alcoolismo e ao suicídio.

Mesmo com a divisão apontada por Blackbum (1998) ou por Millom (1998),

existem elementos comuns a todos os grupos, seja marcado pelo egocentrismo ou por um profundo desprezo pelos sentimentos e necessidades alheias. (BALLONE, 2005). 4 A IMPUTABILIDADE

Como já explicitado anteriormente, existem inúmeras variações que envolvem a personalidade psicótica, e para que seja feita uma análise acerca da possibilidade de se imputar ou não a responsabilidade por um fato criminoso aos indivíduos portadores deste transtorno, é mister que em primeiro plano se visualize quais os conceitos, indicativos e soluções jurídicas encontradas para este instituto da imputabilidade .

Ora, é de total importância o entendimento da conduta do psicopata, e

principalmente se o mesmo possui as condições pessoais que lhe dão capacidade para lhe ser juridicamente imputada a pratica de um fato punível, conforme será estudado a seguir. 4.1 Conceito de imputabilidade e sua posição na constituição do crime

A expressão imputar traz o significado de atribuir a outro a responsabilidade de algum fato, que se difere do simples atribuir, que pode ser auto-aplicado. Entretanto, antes de adentramos diretamente no conceito de imputabilidade penal, é mister que seja feita a sua localização dentro da constituição de crime.

Segundo a doutrina tradicional, o crime se integra pela reunião simultânea da

tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, de forma que a ausência de um ou mais destes requisitos essenciais implica na inexistência do delito. Nesse modelo clássico, a culpabilidade apresenta três elementos essenciais, quais sejam: a imputabilidade, elemento psicológico-normativo, que abrange o dolo e a culpa, e por fim a exigibilidade de conduta diversa.

Noutro passo, na doutrina finalista, amparada especialmente por Damásio E. de

Jesus (2003, p. 467.), o crime é formado pela junção do fato típico e da antijuricidade, em que a culpabilidade estará inserida apenas na área de pressuposto de pena e estará estruturada nos seguintes requisitos: imputabilidade; possibilidade de conhecimento do

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injusto (potencial consciência da ilicitude); exigibilidade de conduta conforme a norma jurídica.

Não obstante as divergências existentes acerca da estruturação do crime

éinegável que a imputabilidade é um elemento constitutivo, um pressuposto, um requisito de culpabilidade que deverá ser analisado e compreendido para a aplicação das leis penais ao caso concreto.

4.2 Imputabilidade penal

Aníbal Bruno (BRUNO, 1978. p. 39) é citado por Damásio de Jesus (2003, p. 469), onde aquele ensina que “imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível.”.

Já Luiz Regis do Prado ensina que “é a plena capacidade (estado ou condição) de culpabilidade, entendida como capacidade de entender e de querer, e, por conseguinte, de responsabilidade criminal (o imputável responde por seus atos).” (PRADO, 2000, p. 271).

O legislador penal preferiu apresentar a definição dos imputáveis a contrário

sensu, veja-se: art. 26, caput, do Código Penal: é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (GOMES, 2003, p. 292).

Em outras palavras, a imputabilidade exige que o sujeito tenha o entendimento

de que o ato que cometeu é ilícito. Só é reprovável a conduta e o sujeito que tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuricidade do fato e também a de adequar essa conduta a sua consciência. É exatamente por isso que o legislador considera inimputável aquele que não possui o discernimento do certo e do errado, de forma que não consiga se portar de acordo com a norma prevista.

Com efeito, pode-se afirmar que a imputabilidade possui dois aspectos: o

cognoscitivo ou intelectivo, que se refere à capacidade de compreender ilicitude do fato, e o volitivo ou de determinação da vontade, que o faz atuar segundo essa compreensão.

Vale lembrar ainda que a imputabilidade deve ser estabelecida no tempo da

ação, isto é, no momento em que o sujeito praticou o ato delituoso, conforme preceitua o caput do artigo 26, do CP, ao mencionar as causas de exclusão de imputabilidade, devem existir “ao tempo da ação ou da omissão”.

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4.2.1 Responsabilidade e imputabilidade

Dentro do exato conceito de imputabilidade está presente a diferenciação desta para com a responsabilidade penal. Mesmo que para alguns doutrinadores como Nelson Hungria tal distinção seja bisantina e inútil, outros como Damásio E. de Jesus (2003) e Genival França (2005) frisam uma estreita correlação entre suas definições.

Tem-se assim que, a responsabilidade penal se traduz na declaração de que um

indivíduo é, em concreto, imputável e efetivamente idôneo para sofrer as consequências jurídico-penais de um delito, como o autor ou participante dele, declaração pronunciada pelos órgãos de jurisdição competente. (FÁVERO, 2007).

A responsabilidade penal é um fato de competência judicial, no qual serão

verificados outros aspectos e dados processuais, a fim de verificar se o indivíduo terá a obrigação de suportar as consequências jurídicas do seu crime.

Destarte, a responsabilidade depende da imputabilidade para sua verificação, de

forma que em toda responsabilidade existe uma imputabilidade, entretanto nem todos os imputáveis são legalmente responsáveis por certas infrações. Uma seria a obrigação de responder penalmente, e outra uma capacidade de direito penal. 4.3 Inimputabilidade

Como visto anteriormente, a imputabilidade está condicionada à existência de pelo menos duas funções psíquicas intactas: juízo de realidade e volição. Entretanto, se o indivíduo for incapaz de apreciar o caráter ilícito do fato e posicionar-se de acordo com tal apreciação, está presente a chamada inimputabilidade. Verifica-se assim, que em regra o sujeito é imputável, e somente por exceção será ele inimputável.

Em sede doutrinária, é comum a qualificação de três sistemas existentes que

determinam, conforme suas legislações, aqueles que estarão isentos de pena por serem inimputáveis.

O sistema biológico é o primeiro que indica que é sempre inimputável aquele

que apresenta uma anomalia psíquica, não se discutindo se essa anomalia causou qualquer perturbação que retirou do agente a inteligência e a vontade no momento do fato. Nesse sentido, percebe-se que esse sistema leva em conta a causa, e não o efeito. Certamente, é um critério repleto de falhas, vez que deixa impune aquele que tem entendimento e capacidade de determinação, apesar de, por exemplo, ser portador de doença mental.

Já o sistema psicológico afirma que o importante é o efeito e não a causa, de tal

forma que verificam apenas as condições psíquicas do autor no momento do fato, afastada qualquer preocupação a respeito da existência ou não de doença mental ou distúrbio patológico. Tal critério se mostra de difícil constatação, já que é pouco científico.

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Por fim, o terceiro critério denominado de sistema biopsicológico, foi o

escolhido pela lei brasileira em seu artigo 26, que veio fazer uma combinação dos dois anteriores, haja vista que tanto a causa quanto o efeito são levados em conta na valoração da imputabilidade.

Aqui se verifica em primeiro plano, se o agente é doente mental ou se tem

desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Obtendo-se uma resposta negativa, não é inimputável. Já em caso positivo, será feita uma análise se ele era capaz de entender o caráter ilícito do fato, em que será inimputável se não tiver essa capacidade. Consequentemente, tendo essa capacidade de entendimento, é o momento de apurar se o agente era capaz de determinar-se de acordo com essa consciência. Inexistente tal capacidade de determinação, o agente é também inimputável.

Neste ínterim, pelo sistema adotado pelo legislador, a doença por si só não

isentará o sujeito da pena, é mister que em decorrência dela o indivíduo não consiga no momento do fato entender o que é certo e o que é errado.

4.3.1 Hipóteses de inimputabilidade

O Código Penal brasileiro considera três hipóteses de inimputabilidade, tidas doutrinariamente também como causas de exclusão de imputabilidade, quais sejam: a doença mental e o desenvolvimento mental incompleto ou retardado (artigo 26); a menoridade, caso de desenvolvimento mental incompleto presumido (artigo 27); e a embriaguez fortuita completa (artigo 28, parágrafo primeiro).

Nestes dois últimos casos, não se fará pertinente um estudo acerca de suas

incidências, pois fogem ao tema ora proposto. Portanto, aqui se torna suficiente o conhecimento de que a menoridade, (desenvolvimento mental incompleto presumido) e a embriaguez fortuita completa são causas de exclusão de imputabilidade.

A primeira hipótese, objeto deste trabalho, é tratada no artigo 26 do Código

Penal e, como visto anteriormente, aduz que não basta apenas que o agente seja portador da doença mental e o desenvolvimento mental incompleto ou retardado, é mister que, em decorrência de tais estados e exatamente no momento da conduta, ele seja inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Como observado, a lei dispõe sobre doença mental de maneira não especifica ou

até mesmo superficial, de forma que assim estariam incluídas todas as moléstias que ocasionassem modificações na saúde mental.

Dentro de tais moléstias, há as chamadas psicoses funcionais: a esquizofrenia

(sobretudo a de forma paranoide, em que são comuns os impulsos em que o sujeito agride e mata por ser portador de mentalidade selvagem primitiva, sujeita a explosões de fúria, mas que não escolhem nenhuma classe de delitos e cometem mesmo os que demandam meditação e refinamento na execução); a psicose maníaco-depressiva (em

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que existe uma desorganização da sociabilidade e, eventualmente, da personalidade, provocando isolamento e condutas antissociais); a paranoia (que afeta o pensamento e, sobretudo, as relações com o mundo exterior, às vezes, associadas à síndrome paranoide) e ainda a epilepsia (neuropsicose constitucional com efeitos determinantes de profundas alterações do caráter, da inteligência, da consciência e dos sentidos), oligofrenia, neuroses e diversas outras.

Observada a possibilidade de estar o agente amparado pelo instituto da

imputabilidade, será aplicada a medida de segurança, e não uma pena. O referido artigo 26 expõe que “é isento de pena” ou invés de “não há crime”, informando que o crime persiste, porém seu autor não recebe pena, por falta de imputabilidade.

Tem-se também que a prova da inimputabilidade do indivíduo é fornecida

através do exame pericial, que esclarecerá sobre a integridade mental do réu. É o chamado incidente de insanidade mental, que é substanciado pela perícia psiquiátrico-forense realizada por dois peritos oficiais do Estado, um relator e um revisor.

4.3 Semi-imputabilidade

O conceito de semi-imputabilidade está presente em poucos códigos penais além do Brasil, sendo considerado, para muitos, como objeto de confusão nas decisões judiciais.

Também denominada como responsabilidade diminuída, a semi-imputabilidade

se constitui dos chamados casos fronteiriços, ou seja, os indivíduos que não possuem as capacidades intelectivas e volitivas em sua plenitude.

Nesses casos, a pessoa é imputável e responsável por ter alguma consciência da

ilicitude da conduta, entretanto a sanção é reduzida por ter agido com culpabilidade diminuída em consequência de suas condições pessoais.

A capacidade do agente semi-imputável em resistir aos impulsos é menor que

em um sujeito considerado normal, assim, lhe é necessário mais esforço para alcançar o grau de conhecimento e de autodeterminação.

Por tal circunstância, o agente será condenado, com a pena atenuada de um a

dois terços, isto é, trata-se apenas de uma diminuição de pena, e não isenção dela. Vale salientar a discussão existente na questão de ser essa redução da pena uma

obrigação ou uma faculdade do magistrado. A principal justificativa para tal posicionamento reside no fato de que o termo

“pode” exposto no parágrafo único do artigo 26 do CP, se refira à quantia que será reduzida a pena, e não à causa de diminuição propriamente dita. O que se entende, é que o juiz pode aplicar a pena reduzida que for mais conveniente ao caso, desde que seja dentro do limite máximo e mínimo estabelecido pelo legislador.

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Ora, assim constitui um direito público e subjetivo do réu, ter sua pena diminuída, de forma que tal grau da redução deva levar em conta não só a gravidade do fato, mas também sua perturbação mental responsável pela diminuição de capacidade de entendimento ou determinação.

Vale salientar que, necessitando o condenado de especial tratamento, a pena

poderá ser substituída por internação ou tratamento ambulatorial, de acordo com a regra prevista no artigo 98 do Código Penal.

Art. 98 - Na hipótese do parágrafo único do Art. 26 deste Código e necessitando

o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º. (BRASIL, 2003, p. 307).

Essa alternativa apresentada no artigo 98 do Código Penal demonstra claramente

a reforma penal e a implantação do Sistema Vicariante, em que se pode aplicar somente pena ou medida de segurança para os semi-imputáveis e unicamente a pena para os imputáveis.

Definidos então todos estes conceitos pertinentes, passa-se a seguir à análise da

verificação da imputabilidade, inimputabilidade, ou ainda, semi-imputabilidade do indivíduo psicopata.

5 SITUAÇÃO JURÍDICA DO PSICOPATA Pelas razões já expostas, as bases da imputabilidade estão condicionadas à saúde

mental e à normalidade psíquica. Representa a condição de quem tem a capacidade de realizar um ato com pleno discernimento e com a vivência de direcionar suas atitudes.

Ressalta-se que mesmo que a medicina, por meio da Psiquiatria Forense, auxilie

a justiça naquilo que ela quer saber, é exclusivamente jurídica e não médica, a noção de imputabilidade e inimputabilidade.

Nesse sentido, para a decretação dessa imputabilidade ou não, examina-se a

capacidade de entendimento e de determinação de acordo com o entendimento de um indivíduo que tenha cometido um ilícito penal.

Tem-se que a capacidade de entendimento depende essencialmente da

capacidade cognitiva, que geralmente se encontra preservada no transtorno de personalidade anti-social, bem como no psicopata. Já em relação à capacidade de determinação, depende da capacidade volitiva do indivíduo e pode estar comprometida parcialmente no transtorno anti-social de personalidade ou na psicopatia, o que pode gerar uma condição jurídica de semi-imputabilidade. Por outro lado, a capacidade de determinação pode estar preservada nos casos de transtorno de leve intensidade e que não guardam nexo causal com o ato cometido.

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Alguns autores tais como, França (1998), Pataro (1996) e Maranhão (1988), enquadram os portadores da personalidade psicopática dentro da classe dos semi-imputáveis, vez que estes não têm perfeito senso de autodeterminação, mas se encontram numa posição fronteiriça, analisando a capacidade de entendimento que estes ainda possuem. (FRANÇA, 2005).

Ponderam, no entanto, que o Código Penal vigente usa os termos “doença

mental”, quando deseja se referir aos inimputáveis, “perturbação mental”, quando se refere aos fronteiriços, e “desenvolvimento mental incompleto ou retardado”, quando atende às condições ocorrentes da oligofrenia, psicose, epilepsia e etc.

Sabe-se que no momento em que o Legislador brasileiro veio a adotar a

expressão “perturbação da Saúde Mental”, no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal, encontrou inicialmente grande resistência não somente na área jurídica, como também na psiquiatria.

A controvérsia residia principalmente no fato de quando se chamava de

fronteiriços os semiloucos, ou seja, aqueles que sem serem doentes mentais comportavam-se de modo anormal, tal conceito ia contrário à teoria unitária, que era ligada à escola positivista, e que não poderia haver graus intermediários em termos de loucura, ou se era louco ou não.

Já, na teoria eclética, não se concebia uma separação nítida entre os doentes

mentais e os mentalmente sãos, de forma que estariam os fronteiriços entre estes, de permeio.

Sobretudo, é cediço que o legislador brasileiro adotou, no Código Penal de 1984,

uma diferenciação sutil entre doença mental e perturbação da saúde mental, apenas quanto ao grau de entendimento do caráter criminoso do fato: na primeira, uma incapacidade total, já na segunda, esta seria capacidade parcial.

O fato aqui é que não se pode estabelecer uma regra absoluta, no sentido de que

para se chegar a uma conclusão, no tocante à imputabilidade ou não do psicopata, é necessário, ou melhor, indispensável um cuidadoso exame para análise de todos os aspectos da vida psíquica, além de todas as condições ambientais do agente.

Destarte, a partir da perícia médica será feita a constatação sobre a presença ou

não do distúrbio da personalidade, de forma que assim, sejam os psicopatas beneficiados com a redução de pena ou com a aplicação da medida de segurança.

Como já se tem insistido, os psicopatas ocupam uma zona limítrofe entre a

normalidade psíquica e a doença mental, em que não há a supressão total do juízo ético e são do agente, pelo que se trata de um criminoso fronteiriço.

Ora, diante das inúmeras particularidades que envolvem a caracterização desse

transtorno de personalidade, não há outro caminho a ser trilhado, senão a observação pericial do suspeito.

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No chamado incidente de insanidade mental, a avaliação pericial será de natureza retrospectiva, procurando identificar o funcionamento mental do autor do crime no momento em que este ocorreu, apontando assim, o melhor posicionamento a ser tomado diante do caso concreto.

Em regra, até que se demonstre o contrário, o psicopata está ciente dos seus atos,

vez que tem conhecimento das normas como qualquer um. Tanto é verdade que se eles tiverem o conhecimento de uma possibilidade muito grande de serem descobertos, eles preferem não agir. Exatamente por tal motivo, faz-se indispensável a realização de uma análise pericial.

Nesse diapasão, o psicopata deve ser analisado segundo o caso concreto, e

principalmente conforme sua psicopatia, para que o mesmo tenha um julgamento justo, e de acordo com o caso, seja conduzido à pena correta ou ao tratamento adequado.

Sendo o caso, partir dessa análise minuciosa, o juiz em uma sentença

condenatória, aplicará pena reduzida de um a dois terços ou necessitando o condenado de especial tratamento, a pena poderá ser substituída por internação ou tratamento ambulatorial.

Para que se tenha um maior entendimento e uma possibilidade de encontrar-se

uma solução mais adequada, vem a seguir uma exposição sobre esse instituto da medida de segurança, com um breve apanhado acerca de seus principais pontos, já que este se trata de uma das opções conferidas ao magistrado para o embasamento de sua sentença.

6 MEDIDA DE SEGURANÇA

Não obstante, a preocupação com a assistência prestada nas instituições de internação psiquiátrica e os direitos individuais de seus internados, a simples extinção do instituto da medida de segurança com base na sua falibilidade, não traria aparentemente solução desejada como querem provar alguns, especialmente quando se tem em conta que restaria apenas o sistema penitenciário como possível caminho, que da mesma forma se mostrou ineficaz ao longo dos tempos.

Posta assim a questão, é imprescindível que se observe os motivos e fatos que

levaram a tal constatação, e principalmente se buscar empós uma possível solução para a problemática. 6.1 Histórico e evolução da medida de segurança

É cediço que a história do Direito Penal é trágica e desenvolvida com muitas lágrimas e sangue, em que suas bases se fincaram na penalização como um castigo arbitrário, como vingança na mesma proporção da ofensa, além da defesa do grupo.

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Aqueles que apresentavam, de uma forma ou de outra, comportamentos diferentes eram denominados feiticeiros, possuídos ou bruxos.

No decorrer da história, os comportamentos desviantes dos membros do grupo

foram sendo absolvidos e interpretados de maneiras diferentes. Por exemplo, as leis de Manu apresentavam dispositivos de caráter preventivo

que não eram semelhantes às penas, e as antigas leis romanas já possuíam o instituto da relegação, que tinha por finalidade afastar os indivíduos perigosos da ordem pública.

Sobretudo, não havia uma distinção entre o delito de um indivíduo anormal e um

que apresentava um comportamento médio, tanto que já no século XVII, foram fundados e estruturados os hospícios europeus em semelhança às prisões, com a única tarefa de confinar essas pessoas que eram indesejáveis socialmente.

Em 1810, no Código Penal Francês já se tem disposições referentes aos menores

de 18 anos que tivessem agido sem discernimento, os quais, livres de pena, eram submetidos a medidas tutelares. Já no terreno normativo, a primeira vez que a medida de segurança surge como um conjunto de providências preventivas é no projeto de Código Penal Suíço de Carlos Stoos em 1893.

Entrementes, mesmo com o evoluir da matéria criminal, foi apenas com o

Código Penal Italiano de 1930 - que as Medidas de Segurança encontraram consolidação e uma sistematização, influenciando vários estatutos repressivos, inclusive o Código Penal Brasileiro de 1940.

No Brasil, há registros de loucura e do destino dado a seus portadores, desde a

época da colonização. Por exemplo, tem-se o caso do sapateiro André de Freitas Lessa, (apud VAINFAS, 2005) residente em Recife, que era acusado de praticar sodomia com jovens em troca de sapatos. Esse caso foi questionado e analisado no século XVI por um visitador da Inquisição, que se tratava de um tribunal destinado a defender a fé católica, bem como distinguir os acusados por heresia e aqueles que se apresentavam como loucos.

Nesse processo inquisitorial, os acusados de heresia eram julgados, ao passo que

os alienados mentais eram enviados para a “Casa de doudos”, que constituiu um esboço de um asilo, organizado em um hospital para receber os aluados mais graves.

Sobretudo, o Brasil colonial não deixou marcas no atendimento à saúde mental,

e nem mesmo se estabelecia uma relação mais específica entre o crime e a loucura. Somente em 1830 se dá início a um questionamento acerca da maneira de viver

dos loucos, que acaba por culminar em 1841 no Rio de Janeiro, com a determinação por D. Pedro II, a criação de um hospício destinado ao tratamento de alienados, em anexo ao Hospital da Santa Casa de Misericórdia da Corte.

Nesse mesmo ano, o Código Criminal do Império do Brasil (PIERANGELLI,

1980, 167), em seus artigos 10, § 2º, e 12, regulamenta a relação entre a loucura e o crime.

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No período compreendido entre 1903 a 1930, são criadas no Brasil colônias

agrícolas para os loucos, de forma que coexistiam várias formas de estabelecimentos em regimes fechados: colônia, asilos, dispensários.

Aqui, a internação era vista como única forma possível de tratar os alienados,

onde o isolamento era visto como essencial para o bem estar das famílias, para a sociedade e para o próprio interno.

Essa questão, de ser com manicômios judiciários que se resolve o problema do

louco infrator, teve grande influência de Cezar Lombroso (1835-1909), com sua ideologia científica do destino biológico fatal de um indivíduo se tornar criminoso.

Na continuidade da história, tem-se que o Código da República

(PIERANGELLI, 1980, 271) apresenta algumas disposições acerca do assunto, por exemplo, quando traz em seu artigo 29 que os inimputáveis por “afecção mental” seriam entregues à família ou internados em hospitais de alienados.

No entanto, é no Código Penal de 1940 (PIERANGELLI, 1980) que a medida de

segurança foi qualificada como uma medida punitiva acessória ou complementar, pressupondo, para sua aplicação, a prática de fato previsto como crime e a periculosidade do agente. Tal código adotou o sistema de aplicação de Medida de Segurança ao lado da pena, no denominado sistema do Duplo Binário.

Finalmente, em 11 de julho de 1984, com a Lei 7.209, reformou-se o Código

Penal pátrio, entrando em vigor o chamado Sistema Vicariante, ou seja, aplica-se a medida de segurança ou a pena, mas nunca uma cumulação entre as mesmas.

Seguindo o modelo italiano, o Código trouxe uma série de disposições gerais, divisões e enumeração das diferentes espécies de medida de segurança, além de seu modo de execução.

Ademais, a medida de segurança passa a ter um caráter de prevenção e

assistência social, no tocante ao estado daqueles aos quais não se pode aplicar uma pena, mesmo tendo praticado ações previstas na lei como crime. 6.2 Conceito e diferenciação

Trata-se a medida de segurança de uma espécie de sanção penal com natureza

essencialmente preventiva, que tem como objetivo impedir que o criminoso venha delinquir novamente, não visando retribuir uma culpa, mas impedir um perigo.

Difere-se da pena em sua natureza e fundamento, por ser esta de caráter

retributiva-preventiva com o intuito de readaptar o criminoso à sociedade, baseando-se na culpabilidade, enquanto a medida de segurança possui natureza preventiva, com fulcro na periculosidade do indivíduo, para evitar que o sujeito volte a delinquir. Ademais, as penas são proporcionais à gravidade da infração, enquanto a proporcionalidade da medida de segurança baseia-se na periculosidade do agente.

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Deve ser imposta aos inimputáveis e se faculta à possibilidade de ser imposta ao

semi-imputável. 6.3 Pressupostos de aplicação da medida de segurança

Para que se possa aplicar a medida de segurança, é mister que estejam configurados os seguintes pressupostos:

a) prática de fato punível – pelo requisito da prática de delito, tem-se um critério limitativo, com objetivo de se impedir a imposição de medida de segurança antes do delito e assegurar a segurança jurídica;

b) periculosidade do agente – aqui analisa-se os fatores internos e externos que informem a probabilidade do sujeito voltar a delinqüir. Ressalta-se que, a periculosidade é essencial tanto na aplicação da medida de segurança quanto na sua extinção, vez que enquanto não cessar a periculosidade do agente, a medida de segurança deverá ser mantida e aplicada com todos os seus caracteres (art. 97, §1º, CP), sendo assim necessário provar sua cessação para que o indivíduo não mais se submeta à aplicação da medida.

No entanto, para que seja aplicada a medida de segurança, faz-se necessária a

existência de nexo causal entre o distúrbio mental e o delito praticado, já que a partir deste, será analisada a periculosidade do agente sob o âmbito da probabilidade de reiteração da prática de outros crimes.

É importante destacar a necessidade de um laudo médico que demonstre a

doença que possui o sujeito do crime, com o objetivo de potencializar a adaptação do interno à vida em comunidade.

Ensina-nos Eduardo Reale Ferrari (2001, p. 60 apud PANTALEÃO, 2004), "a

socialização não justifica a medida de segurança, o que justifica sua aplicação é o fato de se tentar evitar a prática de crimes futuros. Periculosidade não é ensejo a uma socialização forçada” 6.4 Sistema vicariante

Conforme já mencionado, com a reforma de 1984, foi extinto o sistema do duplo binário, onde era permitida a imposição cumulativa e sucessiva da pena e da medida de segurança.

Hodiernamente, vige o sistema Vicariante, em que o juiz imporá a pena ou a

medida de segurança com base nas circunstâncias do caso concreto.

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6.5 Espécies

Duas são as espécies de medida de segurança apontadas no Código Penal atual, a detentiva e a restritiva. Esta consiste em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou ainda em outro estabelecimento adequado na faltas destes, e aquela consiste no tratamento ambulatorial.

Sabe-se também que a internação em hospital de custódia e tratamento

psiquiátrico é destinada aos inimputáveis que tenham cometido crime punível com reclusão e facultativamente aos que tenham praticado delito cuja natureza da pena abstratamente cominada é de detenção (art. 97).

Já no que tange ao tratamento ambulatorial, este é destinado ao tratamento dos

inimputáveis cuja pena privativa de liberdade seja de detenção e os semi-imputáveis, na mesma situação. (arts. 97 e 98 do CP). Nesse caso, são proporcionados ao indivíduo, os cuidados médicos sem que seja necessária a internação, mas apenas comparecer ao hospital nos dias pré-determinados. 6.6 Duração das medidas de segurança

Observa-se que o legislador tratou de estabelecer o prazo mínimo de duração da medida de segurança, que será de um a três anos (art. 97, § 1º, e 98, CP), invariável qualquer que seja o delito praticado.

Diversamente do que ocorria no Código de 1940, onde o critério para a

aplicação do mínimo legal era a quantidade da pena privativa de liberdade cominada ao delito, atualmente, é usado como critério a maior periculosidade do agente.

O que tem trazido discórdias e preocupação é o fato de que o legislador

determinou que enquanto durar a periculosidade, a internação e o tratamento ambulatorial perdurarão por tempo indeterminado, conforme disposto no artigo 97, § 1º, do Código Penal.

Nesse ínterim, a discussão gira em torno da constitucionalidade ou não da

duração das medidas de segurança, no sentido de que estaria sendo assim contrariada a proibição das penas perpétuas.

Ora, para que se esclareça este ponto, cabe frisar aqui o já anteriormente

exposto: medida de segurança e pena são sanções penais distintas, pois possuem naturezas e fundamentos diferentes, uma de caráter retributiva-preventiva, enquanto que a outra é de natureza preventiva, com ênfase na periculosidade do indivíduo.

Com fulcro em tais circunstâncias, vislumbra-se a impossibilidade de se alegar a

inconstitucionalidade da não determinação do tempo de duração da medida de segurança, pois esta se trata de uma sanção que visa eliminar a periculosidade do sujeito até o momento que seja alcançado tal objetivo.

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Convém ressaltar que a perícia médica para certificação da cessação da

periculosidade será realizada ao fim do prazo mínimo fixado e devendo ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se assim determinar o juiz da execução.

Sobretudo, dentro do prazo mínimo, pode ser realizado o exame por meio de

provocação do Ministério Público ou do interessando. Já o juiz pode determinar o exame ex officio, a repetição do exame a qualquer tempo, desde que decorrido o prazo mínimo (LEP, art. 175, V).

De suma importância para o presente estudo, é o caso da medida de segurança

substitutiva, que de acordo com o artigo 98 do Código Penal, nos casos de semi-imputabilidade, desde que o condenado necessite de tratamento curativo especial, poderá o juiz aplicar medida de segurança em substituição à aplicação da pena reduzida.

Vale lembrar que a fim de que seja feita a substituição da pena pela medida de

segurança, faz-se mister que primeiramente seja determinada a pena privativa de liberdade, para só depois dar lugar à medida de segurança.

7 DIMINUIÇÃO DE PENA OU MEDIDA DE SEGURANÇA?

Como já demonstrado, no caso de ser o indivíduo qualificado como semi-imputável, não ocorrerá a chamada excludente de imputabilidade, entretanto a responsabilidade é reconhecida de forma diminuída, no tocante à sua intensidade.

Portanto, nesse caso, o magistrado proferirá uma sentença condenatória, tendo a

opção de aplicar pena reduzida de um a dois terços ou necessitando o condenado de especial tratamento, a pena poderá ser substituída por internação ou tratamento ambulatorial, conforme regra prevista no artigo 98 do Código Penal.

Essa escolha do aplicador do direito representa um dilema em virtude da

precariedade dos nossos sistemas psiquiátricos e penitenciários. Ademais outro fator dificulta tal decisão. Até o presente momento não existem meios terapêuticos realmente capazes de favoravelmente modificar o comportamento psicopático.

Ao longo da história, foram testados todos os tipos de tratamentos possíveis,

sem, contudo, obter êxito em qualquer deles. Tais conclusões são geradas pelo fato de que o psicopata mostra-se bem

diferente do criminoso comum, não somente por ser pouco sensível à punição, mas também pela sua incapacidade de controlar a necessidade de prosseguir com suas transgressões.

Ora, a prisão do psicopata poderá resultar em um fato evasivo, pelo seu caráter

inadequado em relação à punição e prevenção dessa modalidade de criminosos e, por conseguinte, eclodir até mesmo em fugas e rebeliões lideradas pelo mesmo.

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Ademais as medidas punitivas, e mesmo com muito esforço, mostram-se ineficientes, especialmente levando em consideração a evidente falência das instituições especializadas, consequentemente, gerando insegurança para a sociedade.

Pode-se verificar ainda que quando o preso é submetido ao sistema carcerário,

surgem diversos fatores que ajudam na degeneração da saúde física e mental do detento. Por exemplo, a própria convivência com os mais variados tipos de criminosos ao tempo em que é tirado do convívio da sociedade, além da falta de uma correta distribuição entre o ócio e o trabalho, que não contribui em nada para sua ressocialização.

O desejo da sociedade de se manter um criminoso em uma prisão parece ser

confortador num primeiro momento. Entrementes, é clarividente que o sistema penitenciário não conseguiu interferir de maneira eficaz no combate à criminalidade, e muito menos na ressocialização do detendo.

Se tal fato se aplica a um criminoso comum, quanto mais ao sujeito portador da

personalidade psicopática. Em verdade, a pena reduzida não irá modificar a índole do indivíduo, pelo

contrário, irá degradá-la, tendo em vista à miséria e ao abandono dos estabelecimentos prisionais.

No tocante ao tratamento ambulatorial, realizando apenas tratamento em clínica

psiquiátrica, com o agente permanecendo livre, este também se mostra praticamente nulo, devido principalmente à sua pouca possibilidade de ressocialização sem um tratamento mais contínuo e intenso.

Nesse sentido, o mais ideal ou o menos arriscado seria o cumprimento pelo portador de personalidade psicopática de medida de segurança em forma de internação, mesmo sendo difícil a cessação de sua periculosidade.

Pode-se dizer sem receios que a falibilidade não se encontra no instituto da

medida de segurança propriamente dito, mas, sim, na maneira de sua aplicação, da mesma forma que acontece com os estabelecimentos prisionais, que não apresentam as mínimas de sobrevivência, e menos ainda de recuperação.

É muito simples criticar a ineficácia da medida de segurança, porém, analisados

seus argumentos e o seu contexto, suas debilidades são menores que em relação às penas privativas de liberdade.

Assim, apesar da perspectiva limitada da medida de segurança, o tratamento

poderia ajudar o indivíduo a deixar as drogas ou o álcool por exemplo. Não seria o ideal, mas já ao menos traria algum benefício.

Outro ponto que tem encontrado resistência de alguns doutrinadores, é que “as

medidas de segurança são tão aflitivas quanto as penas” (SOUZA, 2006), visto o seu caráter de medida perpétua. Conforme tal publicação, o Estado não pode exercer seu ius puniendi eternamente sobre um sujeito, fundamentando tal tese na ideia de que a enfermidade mental pode ser controlada com remédios e tratamentos terapêuticos, em que poderia se conceder ao doente o seu retorno para a convivência em sociedade.

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Tal corrente aduz a inconstitucionalidade do prazo indeterminado da medida de

segurança, contudo é certo que esta representa uma parcela minoritária entre os estudiosos.

No caso específico dos portadores de transtorno de personalidade psicopática, a

justificativa encontrada pelos que condenam a falta de previsão acerca do prazo final da medida de segurança, não se enquadra na realidade fática.

Como já exposto, nenhum tratamento ou meio terapêutico tem se mostrado

eficaz suficiente para reapresentar o psicopata à comunidade. Portando, mesmo que se culmine em forma de uma sanção perpétua, é

indispensável a aplicação de uma medida de segurança específica para estes casos, já que a presença dos criminosos psicopáticos no convívio social tem se mostrado nociva, inconveniente e perigosa.

Assim não se pode olvidar que mesmo sendo a internação um método mais

oneroso e com mais complicações, continua sendo o recurso mais adequado a que o psicopata deve ser submetido, tanto para sua própria segurança, quanto para a sociedade.

CONCLUSÃO

A Sociologia, a Psicologia, a Antropologia, a Psiquiatria e a Ciência Jurídica Penal têm buscado ao longo dos séculos a melhor decisão a ser tomada no tocante às condutas do psicopata.

Após inúmeros estudos, análises e experimentos foram apresentadas algumas

características comuns à grande maioria dos indivíduos portadores da personalidade psicopática, como egocentrismo e um profundo desprezo pelos sentimentos e necessidades alheias.

As causas para tais alterações de personalidade são ainda hoje matérias de muita

discussão e controvérsias, mas é fato que a interação ambiental do indivíduo tem uma importância enorme, já que esta influi diretamente no núcleo de sua personalidade. Assim, a sociedade e a família são os meios essenciais na contenção da manifestação do caráter perturbado do psicopata, evitando assim que este venha a cometer delitos.

Quando um portador do transtorno da personalidade psicopática pratica um fato

tido como criminoso, o melhor posicionamento a ser tomado, de início, é o enquadramento do indivíduo como um semi-imputável. Aqui, o magistrado proferirá uma sentença condenatória, tendo a opção de aplicar pena reduzida de um a dois terços ou necessitando o condenado de especial tratamento, a pena poderá ser substituída por internação ou tratamento ambulatorial.

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Até que se prove o contrário, o psicopata está ciente dos seus atos, vez que tem conhecimento das normas como qualquer um, possuindo, entretanto, distúrbios crônicos de conduta, falta de sentimento de culpa, inaptabilidade com valores éticos.

Destarte, até os presentes dias não se encontrou qualquer tratamento que pudesse

modificar o comportamento psicopático, mas apenas atenuar suas manifestações. Tendo por base esses fatores, aliados ao fato da precariedade dos nossos

sistemas psiquiátricos e penitenciários, o julgador se vê em um dilema. Não obstante, pode-se afirmar que a pena, mesmo que diminuída, seria a medida

mais improdutiva a ser realizada, e no tocante ao tratamento ambulatorial, este também se mostra basicamente nulo.

Resta assim, apenas a medida de segurança em forma de internação para o

psicopata, que mesmo sendo difícil a cessação de sua periculosidade, estaria pondo a salvo não somente a sociedade, mas também o próprio infrator.

Entretanto, esta não é uma regra absoluta, pelo que cada situação há de ser

verificada minuciosamente e especialmente, tanto na realização da perícia médica, quanto na sentença do magistrado.

O que se pode realmente tirar como conclusão das questões apresentadas, é que

não há uma resposta preestabelecida que indique a solução a ser tomada em cada caso concreto, mas, sim, um conjunto de “pistas” que nortearão o julgador em sua sentença. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 01. BLACKBUM, R. Psychopathy ande te contributiom of pessoality to violence. In:

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CONDOMÍNIO DE EMPREGADORES RURAIS

ELIANA ASSIS MENDONÇA

RESUMO: Esta pesquisa teve como objetivo analisar a implantação do Condomínio de Empregadores Rurais, instituto pouco divulgado, definindo-o, demonstrando os requisitos para sua criação, os direitos e deveres do produtor condômino e do empregado do Condomínio de Empregadores Rurais, bem como as vantagens e perspectiva futurista. Palavras-chave: condomínio de empregadores rurais, implantação, aspectos gerais. INTRODUÇÃO

Os quatro primeiros séculos da nossa história foram caracterizados pela mão-de-obra escrava, inexistindo qualquer preocupação efetiva com as questões trabalhistas rurais.

Cultura que acabou por deixar o trabalhador rural à margem da proteção legal

jurídica no Brasil, país considerado essencialmente agrícola. Com o passar dos anos foram surgindo leis e decretos-leis, criando benefícios ao

trabalhador rural, mas foi somente com a Constituição Federal de 1988, que o trabalhador rural teve reconhecida sua igualdade jurídica em relação ao trabalhador urbano. O art. 5° traz o princípio da igualdade, em especial igualou os trabalhadores rurais e urbanos.

O estabelecimento da igualdade implicou em importante dificuldade aos

empregadores rurais de contratação permanente e direta, em razão dos encargos trabalhistas e da peculiaridade do trabalho, que oscila nos períodos de safra e entressafra.

Noutro diapasão, a globalização e sua inexorável ampliação da concorrência de

mercado exigem que vençamos as barreiras impostas pela legislação trabalhista rural brasileira, na busca de soluções alternativas que viabilizem a estabilidade sócio-econômica da relação capital-trabalho, amoldando-se aos novos princípios e realidades da sociedade.

Quanto ao aspecto social, de nada vale a nossa velha e vigente legislação

trabalhista impor uma gama de direitos trabalhistas, se grande parte da população não tem acesso a estes direitos, e, ainda, à construção de um mercado de trabalho precário no que diz respeito à tutela jurídica do trabalhador.

Um dos problemas mais graves, que aflige tanto empregados como

empregadores rurais, são os "volantes", ou "bóias-frias", encontrados em várias regiões do país, em função justamente da sazonalidade da prestação dos serviços, sendo que,

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invariavelmente, verifica-se a precariedade como característica básica desta forma de trabalho.

Tal mão-de-obra é utilizada, normalmente, para realização de pequenos serviços

ou para atividades cujo período se limita a curtos períodos de tempo, como uma safra, por exemplo. A principal característica desta relação é o breve período de duração da necessidade do empregador e, conseqüentemente, da prestação de serviços.

Os problemas do campo transcendem a relação empregado/empregador, e afeta

uma vasta camada da sociedade, que se apresenta desde há muito, como um grande problema social.

O Direito do Trabalho, no Brasil, não contemplou o contrato de equipe, que

poderia solucionar a problemática social do desemprego e das garantias trabalhistas, como com êxito se operou na Itália e em outros países.

Várias novas alternativas foram apresentadas para a superação das mazelas

sociais decorrentes do novo contexto econômico-tecnológico e da inoperância das velhas estruturas jurídicas.

À primeira vista parece um tanto difícil solucionar os problemas descritos,

contudo, um novo instituto surgiu como alternativa para o trabalho rural, procurando aliar a legalidade à facilidade de contratação, visando precipuamente garantir o respeito aos direitos sociais dos trabalhadores, sem inviabilizar a produção, partindo de experiências advindas das relações de trabalho no setor rurícola.

O modelo é inovador porque rompe com a interpretação clássica da legislação

trabalhista de se ter apenas um empregador no pólo ativo da relação jurídica laboral. Assim, com a Portaria 1.964, de 01 de dezembro de 1999, nasce, oficial e

legitimamente, o denominado “Condomínio de Empregadores Rurais”, ou “Consórcio de Empregadores Rurais”, ou “Registro de Empregados em Nome Coletivo de Empregadores Rurais”, que é a reunião de produtores rurais voltados para a consecução dos objetivos comerciais de cada um individualmente considerado, viabilizando a atividade rural como um todo.

A seguir, veremos o denominado “Condomínio de Empregadores Rurais”, ou

simplesmente “Condomínio”.

1 CONCEITO

A princípio conceituar-se-á empregador rural e empregado rural e por fim o Condomínio de Empregadores Rurais.

Empregador Rural é toda pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que

explore atividade agro-econômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente

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ou através de prepostos e com auxílio de empregados. Inclui-se também neste caso a exploração industrial em estabelecimento agrário. (art. 3° da Lei n° 5.889/73).

Equipara-se ao empregador rural, pessoa física, o consórcio simplificado de produtores rurais, formado pela união de produtores rurais, pessoas físicas, que outorgar a um deles poderes para contratar, gerir e demitir trabalhadores para prestação de serviços, exclusivamente, aos seus integrantes, mediante documento registrado em cartório de títulos e documentos. (art. 25-A da Lei 10.256/01).

Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio

rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário. (art. 2° da Lei n. 5.889/73)

"Condomínio de Empregadores Rurais" pode ser definido como a união de

produtores rurais, pessoas físicas, com a única finalidade de contratar, diretamente, empregados rurais, sendo outorgado a um deles, poderes para contratar e gerir a mão-de-obra a ser utilizada em suas propriedades. (PELEGRINO, 2003, p. 397) 2 ORIGEM

O Condomínio de Empregadores Rurais não teve sua origem em disposição normativa específica, mas surgiu da necessidade de resolução de um problema jurídico que ameaçava a atividade econômica dos empregadores rurais e condenava o trabalhador à informalidade. Assim uma das maiores dificuldades encontradas foi o reconhecimento previdenciário, pois houve a necessidade de obter tutela judicial para fazer valer o direito de reunião de produtores rurais em nome coletivo sem que se constituísse como empresa para fins previdenciários.

No Brasil, a FAESP - Federação da Agricultura do Estado de São Paulo, teve a

ideia, em 1997, mas não a conseguiu implantar. A efetiva concretização se deu no Estado do Paraná, sendo este o pioneiro no Brasil. Desde 1997 começaram a desenvolver a contratação coletiva da mão-de-obra rural temporária, fruto da inteligência e obstinação operosa dos advogados Dr. Mário Campos de Oliveira Junior e do Dr. Sérgio Roberto Giatti Rodrigues. (CAMPOS, 2007)

O Consórcio Narciso Santim e outros, no Município de Nova Londrina (PR),

estruturado desde 1995 pelos produtores de cana-de-açúcar da Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de Nova Londrina (COPAGRA), foi o primeiro. Em seguida foram constituídos outros condomínios paranaenses: Adelino Fechio e outros, no Município de Rondon (PR); Carlos Orlando Cavalli e outros, em Paraíso do Norte (PR); Celestino Lovato e outros, em Rolândia (PR); que são, hoje, referenciais para as demais regiões do país. (LEMES, 2005, p. 56)

Em julho de 1999, a secretaria de Inspeção do Trabalho enviou um grupo de

auditores-fiscais do trabalho para conhecer a experiência em Rolândia, onde se verificou que a modalidade de contratação empreendida satisfazia as necessidades de empregados e empregadores rurais. Imediatamente se iniciou o projeto de divulgação nacional dessa forma de contratação. (CAMPOS, 2007)

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Por meio da Circular do INSS n. 056, de 25.10.99, o condomínio teve

reconhecimento previdenciário normativo, pela autorização de expedição da matrícula CEI - Cadastro Específico do INSS.

O Ministério do Trabalho e Emprego, com a Portaria n. 1.964, de 1.12.99, editou normas para a fiscalização do condomínio, além de recomendar às Delegacias Regionais do Trabalho que dessem ampla divulgação ao novo modelo de contratação, estimulando o debate entre produtores e trabalhadores rurais. (LEMES, 2005, p. 55) 3 QUANTO À EXISTÊNCIA DE UMA SOCIEDADE NO CONDOMÍNIO DE PRODUTORES RURAIS

O fato dos produtores rurais integrantes do "Condomínio de Empregadores Rurais" se unirem num congraçamento com objetivos comuns, embora com fim lucrativo na colheita, podendo, pelo fator de vizinhança, haver até mesmo a "afectio societatis" (que é a vontade de constituir uma sociedade), não significa, porém, proveito comum.

O proprietário de uma determinada gleba não arca com os bens e as despesas de

outro. Cada qual usufrui das vantagens e dos encargos de forma individualizada. Não há bens e perdas divididos entre eles. Cada qual assume, de "per si", não se podendo, pois, falar em proveito comum, afastando-se qualquer alegação de que haja uma sociedade de fato.

Ausente a intenção do grupo de criar uma pessoa para realização de uma obra

comum, não existe sociedade, quer de direito, quer de fato. O enquadramento técnico que ocorre é o "Ipso factu", que é um pacto de

solidariedade convencional. 4 OBJETIVOS

Mauro Shiavi enumera os objetivos do “Condomínio”: a) facilitar a contratação formal, considerando-se o índice alarmante de informalidade que assola o país; b) combater o desemprego; c) reduzir os custos da contração e dos encargos sociais que oneram a folha de pagamento; d) garantir direitos aos trabalhadores e dar efetividade aos direitos sociais (artigos 6º e 7º, da CF); e) prestigiar a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (artigo 1º, incisos III e IV, da CF); f) proteger a livre iniciativa (artigos 1º, IV e 170, ambos da CF); g) garantir a continuidade do contrato de trabalho; h) dar garantia à solvabilidade do crédito trabalhista em razão de fixação de responsabilidade solidária de todos os tomadores, cumprindo assim a função social do contrato de trabalho e também a da propriedade; i) adaptar o direito do trabalho à nova realidade econômica, sem desproteger o trabalhador e sem a precarização dos direitos do trabalhador. (2006)

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5 REQUISITOS

A união de alguns produtores rurais para contratação de trabalhadores é pré-requisito lógico para o início da implementação do “condomínio”.

Os principais requisitos para a constituição de um “Condomínio de

Empregadores Rurais” são os elencados a seguir. a) Celebração de “Pacto de Solidariedade” - entre os produtores para registrar

empregados em nome de vários empregadores é necessário um documento que materialize essa contratação conjunta, deixando claro que todos são responsáveis pelo cumprimento das obrigações trabalhistas.

A união solidária dos produtores integrantes do "Condomínio de Empregadores

Rurais” é constituída unicamente para fins trabalhistas e previdenciários. Aqueles constituem um pacto convencional de solidariedade entre todos, objetivando dar solução a um problema grave: a própria sobrevivência.

O parágrafo único do art. 264, do Código Civil, dispõe que: “Há solidariedade

quando, na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigação à dívida toda”. (BRASIL, 2005, p. 75)

O art. 265, do mesmo código, rege “A solidariedade não se presume; resulta da

lei ou da vontade das partes.” (BRASIL, 2005, p. 75) Daí a necessidade de se firmar o pacto. Assim o “Pacto de Solidariedade” é o

documento firmado por todos os produtores rurais que desejam contratar empregado em regime de “Condomínio”, assumindo a obrigação de responder solidariamente pelo conjunto das despesas com os trabalhadores contratados.

O pacto deve ser escrito, com a qualificação completa de todos os participantes,

inclusive CEI individual, inscrição no INCRA, endereço domiciliar e o da propriedade vinculada ao grupo.

Objetivando dar sustentação legal aos direitos e obrigações, os produtores

interessados firmam um termo de compromisso conjunto, por escritura pública lavrada em Tabelionato, devidamente registrado no Cartório de Títulos e Documentos, onde todos reconhecem a sua responsabilidade quanto à parcela dos serviços por si tomados com relação aos trabalhadores, tanto no que diz respeito aos direitos trabalhistas, quanto aos previdenciários e fiscais, inclusive relativos a terceiros.

O rateio de despesas será apurado pelo gerente ou administrador do condomínio

com base em quanto cada empregador coletivo utilizou-se da mão-de-obra contratada, e o pagamento será feito proporcionalmente, inclusive quanto às parcelas de férias, décimo terceiro salário, FGTS, contribuição previdenciária, despesas administrativas etc.

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Preceitua o art. 279, do Código Civil: impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos os encargos de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado (BRASIL, 2005, p. 78).

No caso de inadimplência de um dos empregadores-condôminos responderá pela

dívida a totalidade do “Condomínio”, rateada entre todos os participantes, e posteriormente, cobrada judicialmente do condômino inadimplente, que poderá responder inclusive por perdas e danos. O condômino que for acionado e pagar a dívida toda, somente poderá cobrar de cada condômino a sua quota-parte.

Este é o principal efeito do pacto, a dívida é comum a todos, podendo ser exigida

de cada um individualmente. A solidariedade é uma garantia a favor do credor, no caso o empregado.

Quanto ao pacto, é importante ressaltar que a constituição do “Condomínio”

deve ter como suporte básico a relação de confiança já existente entre os produtores do grupo, construída ao longo de anos de trabalho conjunto em associações, sindicatos, cooperativas, ou entre pessoas da mesma família.

Os produtores já descobriram que a união é o melhor meio de enfrentarem as

dificuldades da atividade agrícola ou de conquistarem melhores condições de trabalho. Essa confiança recíproca é que dará aos produtores a certeza de que cada qual

honrará seus compromissos. A responsabilidade solidária de todos os participantes do grupo, quanto a

eventuais direitos trabalhistas, que respondem, inclusive, com o seu patrimônio individual, proporciona maior segurança jurídica quanto ao cumprimento, por parte de todo o grupo de empregadores, das normas legais vigentes.

Os produtores podem estabelecer mecanismos de controle da participação de

cada um, como constituir um “fundo de reserva”, e até mesmo o desligamento daquele que não pagar sua quota-parte.

b) Eleição do administrador do grupo - os produtores devem escolher um condômino que receberá procuração, outorgada por instrumento público, de cada um dos produtores, com amplos poderes de gestão e administração da mão-de-obra contratada, para tarefas em todas as propriedades vinculadas, de acordo com as necessidades destas.

Esse condômino poderá substabelecer esses poderes para uma pessoa

especialmente contratada para administrar a mão-de-obra: um gerente ou administrador, que poderá ser um produtor ou um contador. Este será o encarregado das tarefas de registro, elaboração de folha de pagamento única etc., e os contratados para os serviços administrativos e contábeis serão empregados do “Condomínio”, assim como os trabalhadores rurais.

O escritório terá o endereço constante da matrícula CEI única e coletiva onde

ficarão todos os documentos à disposição da fiscalização, tanto do INSS, quanto do Ministério do Trabalho.

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c) Matrícula única (coletiva) - a união dos empregadores rurais será formalizada por meio de uma matrícula única chamada CEI - Cadastro Específico do INSS, que será coletiva.

A união dos produtores interessados, que por disposição legal têm por obrigação

recolherem as contribuições previdenciárias de seus empregados em uma matrícula CEI única, objetiva atender a totalidade deste grupo de produtores rurais. Diferentemente do que ocorre quando do recolhimento destas mesmas contribuições relativas aos seus empregados denominados fixos, que laboram continuamente nas suas propriedades rurais.

Os produtores rurais terão duas matrículas junto ao INSS, uma individual,

através da qual promoverá o registro dos seus próprios empregados, e recolherá as contribuições legais sobre estes; e outra coletiva, que terá o registro dos empregados comuns ao grupo onde serão, igualmente, recolhidas aludidas contribuições destes.

O nome do empregador constante da matrícula única será o do “cabeça” do

grupo, seguido da expressão “outros”. Ex.: “Joaquim Marques e outros”. É vedado o uso de nome fantasia.

6 DA SAZONALIDADE DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA

A atual legislação trabalhista rural não contemplou a possibilidade fática do registro do trabalhador rural, quando este realiza o trabalho em poucos dias, ou mesmo quando existe a pluralidade de empregadores que poderiam se utilizar, durante certo lapso temporal, da mão-de-obra destes mesmos trabalhadores, numa mesma região (OLIVEIRA JÚNIOR; RODRIGUES, 2000).

À título exemplificativo, temos o problema do registro de trabalhadores que

laboram nas colheitas de algodão, laranja, café, ou do setor sucroalcooleiro, segmento este que, somente no Estado do Paraná, gera 74.000 (setenta e quatro mil) empregos diretos e outros 300.000 (trezentos mil) indiretos (OLIVEIRA JÚNIOR; RODRIGUES, 2000).

As culturas agrícolas, realizadas por mini e pequenos produtores rurais,

demandam grande contingente de mão-de-obra a ser utilizado por um curto lapso de tempo, em certos casos até mesmo por um dia, ou mesmo uma manhã, para um só produtor rural, o que denota a total inviabilidade destes pequenos empregadores em procederem ao registro destes trabalhadores, eis que existem dificuldades de toda ordem tais como: registros, anotações em CTPS, elaboração de folhas de pagamento, controles de jornada de trabalho etc.

A situação também é idêntica a que se refere aos grandes e médios proprietários

rurais, que às vezes necessitariam destes mesmos trabalhadores por um período de dez a vinte dias.

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A intermediação de mão-de-obra somente é autorizada no caso do trabalho temporário e do serviço de vigilância. Mesmo implementando tal sistemática, referidos empregadores estariam desamparados juridicamente haja vista que o trabalhador registrado em uma determinada propriedade, não poderia trabalhar em outra sem o respectivo registro em nome do proprietário daquela área agrícola, ficando sujeito, portanto, às penalidades impostas pelas fiscalizações tanto da Previdência Social, quanto do Ministério do Trabalho (OLIVEIRA JÚNIOR; RODRIGUES, 2000).

A solução para resolver o problema, resguardando direitos e deveres de

empregados e empregadores, veio em 1999, com a formação do condomínio, por todas as vantagens, elencadas no item nove.

7 DIREITOS E DEVERES DO PRODUTOR CONDÔMINO

Os direitos e deveres de cada produtor integrante do “Condomínio” são idênticos àqueles inerentes ao empregador individual.

O empregador possui certas prerrogativas que a lei lhe confere concernentes ao

trabalho do empregado. Trata-se do poder diretivo, que lhe permite fixar tarefas, designar a realização de horas extraordinárias, escolher a época da concessão das férias do empregado, fixar metas, controlar a efetiva realização do trabalho, impor sanções, rescindir unilateralmente o contrato quando lhe for conveniente, entre outras, respeitados os direitos previstos em Lei e na Constituição (WIKIPEDIA, 2007).

De outra forma, o empregador tem como ônus assumir na totalidade o risco do

negócio, fornecer ao empregado todos os instrumentos a fim da realização das tarefas, disponibilizar equipamentos de proteção e pagar o salário e os encargos sociais, além de outros deveres previstos em lei (WIKIPEDIA, 2007).

8 DIREITOS E DEVERES DO EMPREGADO DO CONDOMÍNIO

O empregado rural contratado pelo condomínio goza de todos os direitos trabalhistas e previdenciários garantidos por lei, tais como: formalização do contrato de trabalho por meio da assinatura da carteira profissional, sendo o seu registro feito pela matrícula coletiva, que figurará em todos os seus documentos; salário mínimo nacional ou mais por uma jornada de trabalho de 44 horas semanais; receber equipamentos de proteção individual (EPIs), como: luvas, botas, máscaras de proteção contra agentes químicos e outros riscos inerentes ao trabalho rural; descanso remunerado de um dia por semana; não trabalhar dias santos e feriados; férias remuneradas (salário mais um terço dele) após um ano de trabalho prestado ao condomínio; décimo terceiro salário, sendo a metade paga pelo condomínio até 30 de novembro e a outra até 20 de dezembro de cada ano; horas extras trabalhadas com um acréscimo de cinquenta por cento do valor da hora normal; adicional noturno (quando for o caso) com um acréscimo de vinte por cento do valor da hora normal; aviso prévio quando o empregado for contratado sem prazo determinado para fim do contrato de trabalho; aposentadoria por tempo de

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serviço, idade ou invalidez; fundo de garantia por tempo de serviço prestado; respeito à convenção ou acordos coletivos de trabalho.

O trabalhador registrado pela matrícula coletiva é empregado de todos os

produtores integrantes do grupo, obrigando-se a prestar serviços a todos eles, de acordo com o cronograma elaborado pelo administrador.

Esse empregado deverá cumprir as ordens de cada produtor para quem prestar serviço.

9 VANTAGENS DO “CONDOMÍNIO DE EMPREGADORES RURAIS”

A preocupação de se encontrar uma solução para os trabalhadores rurais que prestam serviços de curtíssima duração não é de agora, necessitando de cautela para não se perder de vista o ordenamento jurídico em vigor.

Várias outras formas de contratação foram tentadas, resultando sempre em

enorme passivo trabalhista derivado do reconhecimento do vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços.

Têm-se como vantagens da forma de contratação ora em comento: a) Segurança Jurídica - esta é a vantagem primordial da contratação de

trabalhadores rurais pelo “Condomínio”, que se extrai da prestação laboral, pois não há a figura do intermediário, o que garante aos produtores a certeza de que não pagarão mais de uma vez pelos mesmos serviços prestados. Para os trabalhadores, a segurança jurídica refere-se ao fato de poderem identificar seus empregadores; a formalização do contrato de trabalho; e a garantia dos direitos trabalhistas.

b) Redução de custos - há redução de custos com a formalização do contrato, simples e desburocratizado, bem como os advindos de toda contratação, uma vez que, por se tratar de contrato único, todas as despesas são rateadas pelos produtores, proporcionalmente ao período em que cada um utilizou a mão-de-obra em sua propriedade, o que acaba reduzindo o custo financeiro em razão da proporcionalidade.

A contribuição é realizada em código específico de produtor rural pessoa física,

será sobre a totalidade da folha de pagamento, de 2,7% (dois vírgula sete por cento) de contribuição para terceiros, sendo 2,5% (dois vírgula cinco por cento) relativo ao salário educação e 0,2% (zero vírgula dois por cento) ao INCRA.

Se estes mesmos produtores rurais fossem enquadrados como pessoa jurídica,

prestadora de serviço, pagariam sobre a mesma folha de pagamento uma contribuição total de 28,2% (vinte e oito vírgula dois por cento), sendo 20%(vinte por cento) referente à contribuição da empresa; 5,2% (cinco vírgula dois por cento) de contribuição para terceiros, quais sejam 2,5% (dois vírgula cinco por cento) relativo ao salário educação, 2,5% (dois vírgula cinco por cento) para o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e 0,2% (vírgula dois por cento) ao INCRA; além de 3,0% (três por cento) para seguro de acidentes de trabalho (PELEGRINO, 2003, p. 417).

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A diferença de 25,5% (vinte e cinco vírgula cinco por cento), por si só justifica a implementação do condomínio, pelo momento de grave crise econômica que assola nosso País, em especial na agricultura.

A economia proporcionada pelo instituto em análise atende plenamente tanto o

lado legal, como o social, eis que permite a formalização dos registros dos empregados, possibilita maior aproveitamento da mão-de-obra e fixa o homem no campo. A arrecadação da Previdência Social aumenta ante a ampliação do universo de contribuintes.

c) Ampliação do tempo de contratação - os trabalhadores ganham com a ampliação do tempo de contratação, trazendo um aumento no bem-estar do trabalhador e, consequentemente, a obtenção de maior produtividade e qualidade no serviço prestado.

d) Possibilidade de formação de grupo técnico - outra vantagem advinda do “Condomínio” é a possibilidade de se formar um grupo técnico para identificar o melhor aproveitamento da produção agrícola, com estudos do solo, do clima e do cultivo.

A contratação de profissionais especializados não representará custos elevados,

uma vez que estes custos elevados serão rateados entre todos os produtores e, ainda, compensados com os ganhos advindos da melhoria da qualidade, do aumento e da diversidade da produção.

e) Fortalecer o empreendimento agrícola - a união de interesses dos produtores pode otimizar as técnicas produtivas, aumentar o volume de negócios do empreendimento agrícola, melhorando a comercialização de produtos, chegando até à exportação.

É possível obter um salto qualitativo nas relações de trabalho rural, hoje

pautadas na informalidade, evitando o enriquecimento de intermediários, que nenhum benefício tem trazido para qualquer das partes envolvidas diretamente na produção rural.

f) Segurança e saúde - a Constituição Federal em seu art. 7°. Dispõe: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: inciso XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (BRASIL, 2006, p. 15).

A legislação relativa à Segurança e Saúde no setor rural está estabelecida na

Portaria n.3067, de 12 de abril de 1988. O “Condomínio” é uma opção atraente em termos de Segurança e Saúde no

trabalho por dois motivos: não traz nenhum ônus além daquele a que já se obriga cada empregador individualmente; e ao se permitir a racionalização desses mesmos ônus, gerando impacto positivo na redução do custo da produção (PELEGRINO, 2003, p. 411).

Também para os empregados a opção é vantajosa, pois estando seu vínculo

estruturado, gozarão de benefícios trabalhistas e previdenciários, decorrentes de acidente de trabalho, além de possuir uma melhor estrutura em termos de garantia de condições satisfatórias de trabalho (PELEGRINO, 2003, p. 411).

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O “Condomínio” será o responsável pelo cumprimento das normas de segurança

e pela manutenção de adequadas condições de trabalho para seus empregados independentemente da unidade na qual estejam prestando suas atividades (PELEGRINO, 2003, p. 411).

Caberá ao grupo de produtores rurais, que firme o “Pacto de Solidariedade”,

observar de maneira coordenada os princípios de segurança e saúde no trabalho. Havendo riscos, sejam eles físicos, químicos, biológicos ou ergonômicos, devem ser monitorados e controlados de forma a evitar acidentes e doenças do trabalho. (PELEGRINO, 2003, p. 411)

Em caso de autuação pelos fiscais do trabalho, a verificação será realizada em

cada local de trabalho e as situações irregulares encontradas serão apontadas, conforme prescreve a lei. A responsabilidade pela adequação será do “Condomínio”, sempre que o empregado, encontrado em situação irregular, estiver sido registrado pela matrícula CEI coletiva. (PELEGRINO, 2003, p. 411-412). 10 PROBLEMAS DO CONDOMÍNIO DE EMPREGADORES RURAIS

Amauri Mascaro Nascimento menciona alguns problemas jurídicos dos condomínios ou consórcios: ninguém pode assegurar que o consórcio não pratica fraudes, talvez as mesmas das cooperativas, para burlar os direitos dos trabalhadores. A fraude não depende do tipo de tomador de serviço, mas da sua disposição de usar a lei de modo abusivo. O consórcio não é uma exceção. (2006, p. 344).

Poder-se-ia sustentar que o condomínio de empregadores reduziria postos de

trabalho, pois a mão-de-obra compartilhada entre as diversas pessoas componentes do consórcio impediria a geração de novos empregos, ainda que informais.

O Jornal de Brasília publicou em 01/10/2004 reportagem sobre ajuizamento de

ação civil pública de iniciativa do Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais, pela prática de trabalho escravo e por descumprimento de obrigações trabalhistas do Condomínio de Empregadores rurais Norberto Mânica, formado por três irmãos Mânica – Norberto, Luiz Antônio e Celso, localizado no município de Unaí (MG).

Entre as irregularidades apontadas pelo Ministério Público nas fazendas dos

Mânica, que têm o feijão como principal cultivo, estão a ausência de registro de empregados, condições precárias de alojamento e alimentação e descumprimento de normas de higiene, medicina e segurança do trabalho.

Segundo o Ministério Público do Trabalho, pelo menos 2.700 trabalhadores –

recrutados em caráter temporário para colheita das safras de 2003 e 2004 – teriam sido lesados pelo condomínio.

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Enfim, o condomínio não está a salvo, embora a intenção seja boa já que busca diminuir a precarização das condições de trabalho e dos direitos trabalhistas. Daí a importância da fiscalização do trabalho pelos órgãos federais. (SHIAVI, 2006). 11 DIFICULDADES ENCONTRADAS QUANDO DA IMPLANTAÇÃO E REGULARIZAÇÃO DO “CONDOMÍNIO DE EMPREGADORES RURAIS”

O advogado Dr. Dirceu Galdino, de Maringá/PR, idealizou o modelo do condomínio de empregadores rurais, em 1994, conseguindo implementá-lo em 1995, contando com apoio da Delegacia Regional do Trabalho após longo debate com a Procuradoria do INSS. (LEMES, 2005, p. 54).

Uma das maiores dificuldades encontradas foi o reconhecimento previdenciário

dos condomínios, pois houve a necessidade de obter tutela jurisdicional para fazer valer o direito de reunião dos produtores rurais em nome coletivo sem que se constituísse como empresa para fins previdenciários. (LEMES, 2005, p. 54).

O fisco se opôs à constituição e implementação do “Condomínio”, buscou

caracterizá-lo como pessoa jurídica, com a finalidade de obter maior arrecadação, em função da redução da alíquota para recolhimento dos encargos sobre a folha de pagamento dos empregados registrados nesta modalidade de contratação, além da redução dos custos de contratação, na medida em que estes são racionalizados, considerando que o produtor consorciado somente disporia de recursos para pagamento da folha de salários dos trabalhadores que efetivamente utilizou, especificamente naqueles dias, semanas ou meses, conforme o caso.

Venceu a argumentação do social, dos direitos constitucionais e trabalhistas que se busca cumprir com o “Condomínio”. 12 OBSTÁCULOS ENCONTRADOS HOJE PARA A IMPLANTAÇÃO DO “CONDOMÍNIO DE PRODUTORES RURAIS”

Um dos principais obstáculos encontrados em todas as regiões brasileiras refere-se à resistência dos produtores rurais em adotar a modalidade. É uma reação considerada natural, causada pelo receio diante de uma ideia nova. Toda novidade se esbarra em resistências, e não é diferente com o condomínio. (CAMPOS, 2007).

A estratégia que vem sendo utilizada, de forma exitosa, é a de insistir na

divulgação do modelo, difundindo entre os empregadores os resultados negativos de fiscalizações anteriormente realizadas e o passivo trabalhista gerado por situações irregulares, apresentando, ainda, depoimentos acerca de “condomínios” já implantados. (CAMPOS, 2007).

Em algumas regiões, como no Noroeste do Estado de Minas Gerais, houve

levantes de antigos aliciadores de mão-de-obra, conhecidos por “gatos”, insatisfeitos com o fim de sua intermediação ilegal. Esse problema vem sendo contornado com o esclarecimento dos trabalhadores e da sociedade sobre os benefícios da legalização, e apoio da Polícia Federal para coibir ações mais violentas. (CAMPOS, 2007).

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13 CONDOMÍNIO DE EMPREGADORES RURAIS E OUTRAS FORMAS DE CONTRATAÇÃO

A relação empregatícia é a relação jurídica mais adotada e importante entre todas as relações de trabalho. Outras formas de contratação diferente de empregador-empregado são recebidas com reservas diante da ausência de proteção jurídica tanto para o contratante como para o contratado.

Frente às dificuldades já explicitadas na relação contratual entre empregados e

empregadores rurais, outras alternativas são apontadas: a) Cooperativas de trabalho rural - o artigo 4º, da Lei 5.889, equipara a

empregador rural: a pessoa física ou jurídica que, habitualmente, em caráter profissional, e por conta de terceiros, execute serviços de natureza agrária, mediante utilização do trabalho de outrem. (BRASIL, 2007, p. 815).

Em relação à sociedade cooperativa, o parágrafo único do artigo 442, da CLT,

acrescentado pela Lei 8.949, de 09 de dezembro de 1994, assim estatui; “Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”. (BRASIL, 2007, p. 110).

Estabelecendo, portanto, a inexistência de vínculo empregatício entre a

sociedade cooperativa e seus associados e entre estes e os tomadores de seus serviços, proliferaram no meio rural as cooperativas de trabalho, muitas em desacordo com a legislação vigente.

Essas cooperativas têm gerado grande polêmica. Isso porque as relações de

trabalho rural são reguladas pela Lei 5.889/73, que traz em seu artigo 1º: “As relações de trabalho rural são reguladas por esta Lei, e, no que com ela não colidirem, pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943”. (BRASIL, 2007, p. 814).

Por sua vez, o art. 17 desta Lei garante: “As normas da presente Lei são

aplicáveis, no que couber, aos trabalhadores rurais não compreendidos na definição do art. 2°, que prestem serviços a empregador rural”. (BRASIL, 2007, p. 816).

Estando o trabalhador amparado pela citada lei, vários operadores jurídicos têm

entendido que o parágrafo único do art. 442, da CLT, não se destina ao trabalhador rural, pois a situação de cooperado implica em renúncia a direitos trabalhistas, que por força da Lei 5.889/73, art. 17, supra citado, são sempre assegurados ao homem do campo.

Portanto, sempre que o operador jurídico constatar, no campo dos fatos, a

presença dos pressupostos da relação empregatícia, reconhecerá o vínculo do trabalhador com aquele produtor, em face da primazia da realidade. (PELEGRINO, 2003, p. 407).

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A controvérsia deixa o produtor em situação de intranqüilidade jurídica, sujeitando em ações trabalhistas, multas, investigações e inquéritos.

b) Sindicato de trabalhadores avulsos - esta modalidade de contratação diz

respeito à intermediação de mão-de-obra por sindicato profissional. Os trabalhadores rurais seriam equiparados à figura do trabalhador avulso.

No nosso ordenamento jurídico não há previsão para a criação de sindicato

avulso no meio rural e, muito menos, possibilitando a equiparação a avulso de trabalhador rural, nem dos denominados bóias-frias. (PELEGRINO, 2003, p. 408).

A Constituição Federal, no inciso III, do artigo 8º, define claramente “o papel do

sindicato como de defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.” (art. 8., inc.III, CF). (PELEGRINO, 2003, p. 408).

Não pode o sindicato atuar como órgão agenciador de mão-de-obra, o que o

confundiria com a figura do empregador. Trata de interesses inconciliáveis, que não podem coexistir na mesma figura jurídica. Essa intermediação por sindicato pode impor aos demais trabalhadores a filiação, sob pena de não serem prestigiados, o que configuraria violação ao art.8, inc.V, da CF que determina “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato”. (PELEGRINO, 2003, p. 408).

Sabe-se que a produção agrícola tem como principais etapas que demandam

mão-de-obra a preparação do solo, o plantio e a colheita. Todas elas desenvolvidas dentro do estabelecimento de domínio do produtor e têm o propósito de se obter um produto agrícola. (PELEGRINO, 2003, p. 409).

Portanto, mesmo que o trabalhador preste serviço por período de curta duração

por intermédio dos sindicatos citados, estará estabelecido o seu vínculo empregatício com o tomador, visto que desenvolveu uma atividade essencial para o resultado produtivo, a atividade do obreiro está inserida nos fins do empreendimento rural. (PELEGRINO, 2003, p. 409).

Em suma, essa proposta de intermediação por sindicato além de inconstitucional

é ilegal. (PELEGRINO, 2003, p. 409). c) Da parceria - a parceria rural vem sendo utilizada em alguns estados do Brasil,

gerando sócios desiguais. Observa-se que o parceiro trabalhador em nada se diferencia do empregado, arcando, contudo, com os riscos da atividade econômica e amargando a desproteção social.

Dificuldades concernentes ao ônus da prova levam, comumente, ao insucesso da

Reclamação Trabalhista, e a gravidade social do fato se faz notar independentemente do arcabouço jurisprudencial já construído.

d) Da intermediação de mão-de-obra - os “turmeiros” ou “gatos” são

agenciadores de mão-de-obra rural, aos quais compete o transporte dos trabalhadores; o

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gerenciamento do trabalho da turma e a prestação de contas junto aos tomadores; a fixação do preço e a efetiva remuneração dos obreiros.

Surgiram problemas quanto à idoneidade econômica desses intermediadores, que

não gozam de lastro patrimonial para suportarem eventuais revezes econômicos (ações, acidentes etc.), proporcionando também mais um fator de insegurança nas relações laborais do campo.

e) Do contrato de safra - definido pelo parágrafo único do artigo 14, da Lei

5.889, o contrato de safra atende às necessidades de caráter episódico do empregador, trazendo as regras do contrato por prazo determinado ao campo.

A necessidade desse tipo de contratação é evidente, dada a sazonalidade da

atividade rural. O desvirtuamento da aplicação do contrato de safra fez-se constante, seja por causa do excesso de formalidades inerentes a este meio de contratação, seja em razão da alternância sucessiva dos contratos de safra em tentativa de burlar o pagamento das verbas rescisórias.

Discute-se a viabilização da contratação coletiva de safra, por meio de possível

Projeto de Lei que contemple a figura. O contrato seria negociado necessariamente pelo sindicato, firmado entre mais de um empregado e o mesmo empregador ou seu preposto, mediante autorização em convenção ou acordo coletivo de trabalho.

f) Do consórcio de empregadores - diante o exposto, parece clara a não

existência de outra forma mais segura, justa e ideal para empregados e empregadores rurais, que atinja os princípios básicos constitucionais e do direito do trabalho, quanto a do “Condomínio de Empregadores Rurais”.

14 ENQUADRAMENTO PREVIDENCIÁRIO E A CIRCULAR N° 56/99

Para efeito de enquadramento previdenciário, o Condomínio é considerado da mesma forma que qualquer empregador rural individual, pessoa física. (PELEGRINO, 2003, p. 415).

O INSS, por meio da circular n. 56, de 25 de outubro de 1999, firmou o

entendimento de que a união de produtores, apenas para a finalidade de contratar empregados com racionalização de custos, não se assemelha à figura do empregador rural pessoa jurídica e nem à figura do prestador de mão-de-obra constituído com pessoa jurídica. (PELEGRINO, 2003, p. 415). 15 O “CONDOMÍNIO DE EMPREGADORES RURAIS” PERANTE A RECEITA FEDERAL

Determina o art. 9º, da Lei 9.250/95, que os resultados positivos provenientes da atividade rural exercida pelas pessoas físicas são tributáveis, devendo integrar a base de

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cálculo do imposto, na declaração de rendimentos; e quando negativo, se constituirá em prejuízo compensável. (PELEGRINO, 2003, p. 418).

O Imposto de Renda, na atividade rural, está previsto no art. 58, do Decreto

3.000, de 26 de março de 1999. Art. 58. Considera-se atividade rural (Lei nº 8.023, de 12 de abril de 1990, art.

2º, Lei nº 9.250, de 1995, art.17, e Lei nº 9.430, de 1996, art. 59): I – a agricultura; II – a pecuária; III - a extração e a exploração vegetal e animal; IV - a exploração da apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura,

sericicultura, piscicultura e outras culturas animais; V - a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam

alteradas a composição e as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação;

VI - o cultivo de florestas que se destinem ao corte para comercialização, consumo ou industrialização.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica à mera intermediação de animais e de produtos agrícolas (Lei nº 8.023, de 1990, art. 2º, parágrafo único, e Lei nº 9.250, de 1995, art. 17). (BRASIL, 1990).

A forma de apuração do Imposto de Renda de cada produtor não se altera com a

adoção de “Condomínio de Empregadores Rurais”, devendo o resultado ser apurado em conformidade com as regras expedidas pela Receita Federal. Ou seja, as notas fiscais relativas à produção agrícola são expedidas em nome de cada produtor rural, com sua matrícula individual.

Os salários pagos aos empregados rurais, caso ultrapassem o valor da isenção

previsto na Lei n. 9.532/97, art. 21, sofrerão incidência de Imposto de Renda na fonte (Lei 41 n.7.713/88, art. 7º, inc.II), cuja obrigação da retenção e repasse caberá ao empregador.

O gerente ou administrador do “Condomínio” fará, além da contabilidade do

grupo, a contabilidade individualizada para cada produtor, com a indicação de seus gastos individuais. Deverá, ainda, cuidar para que as obrigações perante a Receita Federal sejam devidamente cumpridas pelos empregadores, sob pena de serem considerados responsáveis solidários com estes nos atos em que intervirem ou pelas omissões de que forem responsáveis, notadamente quanto ao Imposto de Renda retido na fonte dos empregados quando devido, assim disposto na Lei n. 5.172/66:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da

obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

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II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio. (BRASIL, 1966).

16 ASPECTOS PRÁTICOS

Entre outras circunstâncias empíricas, temos como mais importantes: as regras de funcionamento; o custo de utilização da mão-de-obra; a administração; e os passos para a constituição do “Condomínio”.

a) Regras de funcionamento do “Condomínio de Empregadores Rurais” - o

“Condomínio” se incumbirá de colocar à disposição dos produtores, que o constitui, os empregados necessários em suas lavouras, contratando e distribuindo os trabalhadores pelas diversas propriedades, em função da necessidade de cada produtor, daí a necessidade de definir regras de funcionamento para que as atividades possam ser desempenhadas de forma satisfatória a todos os seus componentes. (PELEGRINO, 2003, p.419).

Entre estas regras estão a previsão individual do número de empregados e por

quanto tempo, é com ela que será possível definir se os empregados requisitados poderão ser deslocados de outra(s) propriedade(s) ou se serão necessárias novas contratações temporárias ou não e as dispensas. (PELEGRINO, 2003, p. 420).

Outras definições importantes são a data e a forma de repasse ao “Condomínio”,

por cada produtor, da parte que lhe cabe pela utilização da mão-de-obra em um determinado período. Definição fundamental, pois o “Condomínio” não tem uma fonte de renda própria, devendo então ser efetuada até o quinto dia útil, ou até a data definida em acordo ou convenção coletiva, o pagamento do salário de seus empregados.

b) Custo de utilização da mão-de-obra - uma das grandes vantagens do

“Condomínio” é que proporciona ao produtor rural uma racionalização dos custos da mão-de-obra, arcando apenas com os serviços efetivamente utilizados em um determinado período, repassando apenas os valores respectivos, embutido neles os encargos sociais e todos os direitos trabalhistas (INSS, FGTS, repouso semanal remunerado, despesas com cumprimento de normas de saúde e segurança etc.), todos proporcionais ao número de empregados e ao tempo de utilização da mão-de-obra. (PELEGRINO, 2003, p. 420).

c) A administração do “Condomínio de Empregadores Rurais” - como

mencionado anteriormente, a administração é realizada por um gerente ou um administrador, que racionalizará o trabalho e fará o rateio dos custos.

O gerente ou administrador funcionará como o chefe de um departamento de

pessoal comum ao grupo de produtores. O “Condomínio” terá uma sede para seu funcionamento, sendo necessário serão contratados os empregados para executarem as

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diversas rotinas de um departamento de pessoal, bem como as de controle de produção e distribuição dos empregados pelas diversas propriedades. (PELEGRINO, 2003, p. 421).

O “Condomínio” terá uma contabilidade minuciosa que proporcione, aos seus

integrantes, transparência de todas as suas receitas e despesas. Realizar-se-á contabilidade global do grupo e a individual de cada produtor.

O gerente ou administrador deve, ainda, racionalizar a prestação de serviços,

com escalonamento de colheitas entre as diversas culturas e adequando a melhor forma de contratação, se por meio de prazo indeterminado ou determinado.

d) Passos para a constituição de um condomínio: - temos como passos: a

formação do grupo; a organização do grupo; o pacto de solidariedade; a matrícula no INSS; a fiscalização do trabalho no “Condomínio”.

Para formação do grupo não existem regras rígidas, a não ser as determinadas

pela Circular INSS n. 56/99, que limita esse modelo a propriedades pertencentes a municípios limítrofes e a pessoas físicas. Mas é importante observar outros critérios como: - número de produtores (possível administrar de forma eficiente); o tamanho da propriedade (capacidade econômica semelhante entre os produtores); diversidade de culturas (proporciona a contratação por períodos mais longos); cooperativa de produção, sindicato patronal e associação de produtores (estrutura física e humana já existente pode ser colocada à disposição desses produtores); e confiança mútua. Os produtores unidos firmam, então, um contrato de responsabilidade mútua. (PELEGRINO, 2003, p. 423-424). 17 CONSTATAÇÃO DE IRREGULARIDADES - FISCALIZAÇÃO

O Ministério do Trabalho normatizou todos os procedimentos quanto à fiscalização em propriedades rurais em que haja a prestação do trabalho subordinado a um "Condomínio".

A existência do “Condomínio” só se justifica para regularizar a contratação. A

falta de registro de qualquer trabalhador enseja autuação, com base no art. 41, caput, da CLT, em nome do produtor individual.

Na falta de registro de empregados, o Auditor-Fiscal deverá examinar a

documentação, tanto do produtor rural quanto do “Condomínio” e, se identificar falta de registro de algum empregado, o vínculo deve ser estabelecido com o produtor rural individual e não com o “Condomínio”. (PELEGRINO, 2003, p. 433).

Constatada a irregularidade do registro dos empregados em nome do

“Condomínio”, deve-se passar a verificar os demais tributos, cuja irregularidade será de responsabilidade do grupo de produtores. O Auto de Infração deve conter o número da matrícula CEI coletiva, figurando como empregador o “cabeça” do grupo seguido da expressão “outros” e o seu CPF, devendo constar no corpo dessa peça as informações básicas a respeito dessa modalidade de contratação, anexando ao auto cópia da CEI e do

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“Pacto de Solidariedade” com a relação de todos os produtores, constando nome completo e CPF, a fim de garantir a perfeita identificação de todos os empregadores rurais e a cobrança judicial. (PELEGRINO, 2003, p. 433-434).

A fiscalização deverá observar, ainda, as orientações contidas na Portaria MTE

n. 1.964, de 1º. de dezembro de 1999. Há doutrinadores que entendem ser aplicável ao instituto o Enunciado 129, do

46, TST, que estabelece: - a prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário. (BRASIL, 2007, p. 1020). 18 SITUAÇÃO ANTERIOR À INTRODUÇÃO DA INOVAÇÃO

Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílios – PNAD do IBGE de 1998, o percentual de trabalhadores rurais que estavam na ilegalidade , isto é, sem o devido registro na Carteira de Trabalho, era da ordem de 90,78% (noventa ponto setenta e oito por cento).

Além da falta de registro, que os deixa sem garantias previdenciárias, há o

descumprimento das demais normas trabalhistas, como férias, 13° salário, FGTS, repouso semanal remunerado, e, sobretudo, a preocupante desconsideração de normas referente à saúde e segurança do trabalhador. 19 RELATOS DE EXPERIÊNCIAS EXISTENTES

O “Condomínio” está sendo adotado, com grande êxito, por alguns produtores rurais dos estados do Paraná, São Paulo e Minas Gerais.

Estudos da FAESP e da FETAESP preveem que o Consórcio de Empregadores

rurais proporcionará a criação imediata de 300.000 (trezentos mil) empregos rurais, só no Estado de São Paulo. (FONSECA, 1999).

A revista Globo Rural, em sua edição nº.177, publicou reportagem sobre o

instituto, no município de Rolândia (PR), relatando a importância e benefícios trazidos a produtores e trabalhadores com a sua implantação. Depoimentos que demonstram que com a estabilidade, além dos direitos trabalhistas, veio a melhoria de vida, que para muitos representa a aquisição da casa própria. (GLOBO, 2007).

No Estado de Alagoas, o condomínio solucionou o problema das casas de

farinha, que não são consideradas indústrias, pois a mandioca é beneficiada por produtores rurais. (PEREZ, 2005).

As experiências mais expressivas são as do Estado do Paraná.

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20 UMA REALIDADE POSSÍVEL NO MEIO URBANO

Há figuras semelhantes em nosso ordenamento jurídico, como o consórcio mercantil e o consórcio administrativo.

O consórcio de empregadores urbanos poderia ser conceituado como um ajuste

de vontade de diversos entes (pessoas físicas, jurídicas ou entes despersonalizados) com a finalidade única de contratar empregados para prestarem serviços indistintamente a todos os seus integrantes. (CALVET, 2002, p. 29).

A natureza jurídica do consórcio de empregadores é espécie de negócio jurídico

que guarda estrita semelhança com o contrato, mas dele diverge principalmente porque os interesses das partes no consócio são comuns e não contraposto, como geralmente acontece na figura contratual clássica. (CALVET, 2002, p. 31).

O problema desta iniciativa plasmada na Portaria do Ministério do Trabalho de

nº.1964, de 1º. de dezembro de 1999, é que ela se destina apenas ao empregador rural, pessoa física.

As relações de trabalho, em geral, e de emprego em particular, cada dia mais

velozmente mutável, em razão do avanço tecnológico e da variação do clima social em todo o mundo, geraram situações que, hoje, também nas cidades, justificam amplamente a utilização da relação condominial na relação de emprego urbano.

Exemplos de algumas possibilidades: a) uma pessoa trabalhando em serviços de limpeza geral, uma vez por semana,

em vários escritórios de profissionais liberais, que não teriam como registrar e manter as verbas trabalhistas desta profissional a título individual;

b) pequenos empreiteiros da construção civil, agrupando-se em consórcios para 50 gerir equipes, alternando o trabalho de encanadores, eletricistas e pedreiros especializados, conforme a necessidade de cada um dos empreiteiros;

c) pequenas empresas do ramo do comércio, que compartilham problemas relacionados a sistemas informáticos, poderiam dividir os custos da contratação trabalhista de um técnico em informática;

d) o vigilante de um grupo de moradores de um determinado condomínio, ou de uma rua; ou a faxineira que prestasse serviços a estas mesmas pessoas.

A referida hipótese de contratação só possui previsão normativa na esfera rural. Não obstante, se a lei não proíbe, ou se mostra omissa, pode-se concluir que esta

contratação é possível e depende da organização dos empregadores para criar uma associação com o único fim de contratar trabalhadores com registro e pagar os débitos previdenciários.

Melhor seria que o Congresso Nacional criasse uma lei sobre condomínio de

empregadores, para evitar fraudes, maiores dúvidas e auxiliar o empregador brasileiro a

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reduzir custos trabalhistas, o que conseqüentemente aumentaria a arrecadação em função da diminuição da informalidade. (MORAES, 2007).

Encontram-se, aos montes, pessoas exercendo atividades laborativas por conta

própria, face à escassez de oportunidades de emprego, assim como as que deveriam estar protegidas, sob o manto do vínculo empregatício, e que acabam se travestindo de trabalhadores autônomos, já que o empregador não consegue suportar o ônus que recaem sobre si em função da relação de emprego. ( RODRIGUES, 2002).

O consórcio de empregadores urbanos poderá aproveitar o empregado, no

decorrer de cada dia, semana ou mês, em diferentes lugares. Ideia embrionária, mas que poderá vir a solucionar graves problemas com grande número de empregados domésticos laborando sem vínculo empregatício; enorme quantidade de Reclamatórias Trabalhistas onde o aludido vínculo é pleiteado; prestação de serviços e circulação de dinheiro sem a devida tributação etc. (RODRIGUES, 2002).

Hipoteticamente, três famílias poderiam formar um condomínio e contratar um

empregado doméstico para realizar as tarefas de responsabilidade deste na residência de cada um dos condôminos, na periodicidade por estes estipuladas, durante seis dias da semana, observando assim o repouso semanal remunerado. O empregado realizaria serviços por dois dias em cada lar. Os condôminos acertariam entre si a parcela do salário que caberia a cada um; elegeriam um responsável pela assinatura na CTPS; acertariam entre si a data do gozo de férias do empregado e demais peculiaridades. O contrato necessariamente seria escrito. (RODRIGUES, 2002).

Esta modalidade de contratação poderia se tornar menos dispendiosa para

empregadores e mais lucrativas para os empregados, que teriam a segurança de um emprego; bem como para os cofres públicos, que estaria assegurada a contribuição previdenciária que certamente as diaristas não recolhem, e ficam à mercê da sorte em caso de acidente, doença e maternidade. (RODRIGUES, 2002).

Já se encontra na cidade de São Paulo, vigia que tem carteira assinada,

contratado por moradores do quarteirão para trabalhar em turnos de oito horas. (FOLHA, 2007).

A contratação seria realizada em um único contrato. É, sem dúvida, uma

alternativa de barateamento de custos para os empregadores. A divisão de custos trabalhistas tornaria possível, aos citados trabalhadores urbanos, o gozo dos direitos a férias, horas extras, FGTS, adicional insalubridade, adicional noturno, direitos que não gozam trabalhando na informalidade.

Os fundamentos legais para viabilização imediata da contratação com

pluralidade de empregadores urbanos são: a) inexistência de óbice legal – art. 5°, II da CRFB; b) compatibilidade com o modelo tradicional ante a despersonalização da figura

do empregador; c) viabiliza a busca pelo pleno emprego – art. 170, VIII da CRFB; d) valoriza o trabalho humano – art. 170, caput da CRFB; 52 e) incrementa o valor social do trabalho – art. 1° da CRFB;

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f) incrementa o bem estar e a justiça social – art. 193 da CRFB; g) aplicação analógica do art. 25-A da Lei 8212/91. (CALVET, 2002, p. 34). Têm-se como benefícios: a) geração de postos de emprego formais com aumento de arrecadação para a

previdência e fundos sociais; b) recebimento pelos trabalhadores da proteção inerente à relação de emprego,

reduzindo as desigualdades sociais e aumentando o valor do trabalho humano, tão descuidado atualmente;

c) criação de similitude de condições de trabalho entre trabalhadores que antes laboravam de forma esparsa, fortalecendo, ainda que timidamente num primeiro momento, a coalização de trabalhadores que, no futuro, poderão discutir de forma menos desigual com seus empregadores;

d) redução de custos para os empregadores, que poderão ratear as despesas com os empregados e utilizá-los de acordo com sua estrita necessidade, otimizando o tempo de serviço dos obreiros e auferindo, com isso, maior rentabilidade;

e) diminuição do impacto financeiro em rescisões contratuais, que seriam diluídas entre os diversos integrantes do consórcio;

f) redução dos custos com o cumprimento das normas de higiene e segurança no trabalho, como rateio de equipamento de proteção individual;

g) otimização da gestão de mão-de-obra, podendo o consórcio criar órgão incumbido tão somente da contratação, fiscalização e gerenciamento dos empregados, eliminando muitas vezes o custo de terceirização e mantendo o mesmo conceito básico de descentralização que informa a moderna estrutura empresarial, gerando mais posto de emprego para as pessoas envolvidas com tal gestão;

h) incentivo à realização de parcerias entre diversas empresas, num local contíguo, desenvolverem verdadeiro pólo econômico, tal como se verifica em centros comerciais, sem a necessidade de que haja co-propriedade de estabelecimentos;

i) eliminação de trabalho eventual com incremento de contratações duradouras com os empregados, já que, no período de tempo em que um dos empregados não utilizar da mão-de-obra, esta estará sendo utilizada por outro dos patrões;

j) possibilidade de o empregado responsabilizar mais de uma empresa para cobrança de seu crédito trabalhista;

k) aumento das categorias de trabalhadores, com possibilidade de proporcional aumento de números de associados de sindicatos e, em consequência, fortalecimento do movimento sindical, seja pela participação, seja pela maior arrecadação. (CALVET, 2002, p. 35-36).

Como se vê, inúmeras são as consequências benéficas dessa nova forma plúrima

de contratação, o que deve ser levado em consideração para incentivarmos a generalização dessa figura.

A fraude mais comum poderá ser o “mascaramento” dos reais empregadores,

efetuando-se o consórcio por pessoas inidôneas ou sem lastro patrimonial para utilização da mão-de-obra para tomadores diversos e, dessa forma, fugindo o real benefício com a energia de trabalho de suas obrigações trabalhistas.

Ocorrendo qualquer caso de fraude aos preceitos trabalhistas pela utilização do

instituto em questão, haverá de ser aplicado o art. 9°, da CLT, considerando-se nulos os atos assim praticados e, em consequência, atribuir-se a todos os co-responsáveis pela

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fraude a responsabilidade de reparar o dano de forma solidária com fulcro nos arts. 186 e 942, do Código Civil, concomitante com o art. 8º, parágrafo único da CLT. (CALVET, 2002, p. 49).

O uso de consórcio em nada prejudica ao empregado, pois, trabalhando

indistintamente a mais de um empregador todos serão igual e solidariamente responsáveis pela integralidade das obrigações trabalhistas. (CALVET, 2002, p. 51-52).

Exigir qualquer formalidade para a formação do consórcio é fechar os olhos para

a realidade social e contrariar o princípio da primazia da realidade, pois, em inúmeras ocasiões, o que existe é a verdadeira repartição entre mais de um tomador de mão-de-obra enquanto que, formalmente, simula-se a situação seja pela eleição de um dos empregadores para efetuação do registro do empregado, seja pela simples ausência de formalização da relação de emprego, forçando-o ao mercado informal de trabalho. (CALVET, 2002, p. 52).

Sugere-se que, na formalização do contrato na CTPS, figure um dos

empregadores no campo do registro do contrato de trabalho, seguido da expressão “outros”, como é no meio rural, acrescentado no campo “anotações gerais” a designação dos demais empregadores.

Os intérpretes e autores do direito do trabalho não devem simplesmente rechaçar

as necessárias modificações na ordem juslaboral pela simples idéia de intangibilidade do empregado. Cabe, portanto, encontrar-se o justo caminho mediano, pelo qual seja possível harmonizar-se a ainda indispensável proteção ao empregado com a agilidade empresarial, de tal forma que a ambos seja interessante a manutenção da relação empregatícia, incrementando o chamado trabalho formal e reduzindo a massa de trabalhadores que não gozam de nenhuma proteção do ordenamento jurídico, por ficarem à margem do reconhecimento por seus patrões na condição de empregado. (CALVET, 2002, p.10).

Importante é a consciência da possibilidade de renovação e do manejo dessa

espécie contratual, cabendo aos estudiosos antes de descartarem tal possibilidade, ao menos sopesarem a viabilidade da pretensão de serviços sob essa nova modalidade.

CONCLUSÃO Com o advento da globalização e do avanço tecnológico, o Direito do Trabalho

sofreu um grande impacto em seu princípio protetor. A necessidade de redução de custos pelos empregadores, para que seus produtos possam ter competitividade nos mercados: interno e externo, leva à redução das despesas com a mão-de-obra.

A legislação brasileira legalizou uma situação que já existia e que dava certo,

solucionando o problema social e jurídico exposto. Possibilitou a regularização destes trabalhadores volantes, vulgarmente denominados "bóias frias", sem violentar a legislação vigente, eis que o sistema preenche as lacunas normativas e sociais,

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estendendo aos mesmos, inclusive, o direito à cidadania, além de propiciar elevados benefícios fiscais aos mesmos produtores.

Este modelo de contratação não contraria o disposto no art. 3°, da Lei 5.889/73,

que conceitua a figura do empregador rural. Figura como empregador, não apenas uma pessoa física, mas um conjunto de pessoas físicas que celebram um pacto para o fim de se utilizarem da mão-de-obra de cada empregado contratado pelo grupo, na medida de suas necessidades.

Esta nova modalidade de contratação de trabalhadores rurais, aqui proposta, tem

tido o apoio irrestrito do Ministério do Trabalho e Emprego que elegeu o combate à informalidade no meio rural, como uma das suas prioridades desde o ano de 2000, sendo inclusive difundido, implantado e acompanhado, mediante solicitação da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, o modelo alternativo de contratação aqui tratado, o que já ocorreu em seminários realizados em Brasília (DF), Campinas (SP), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR), Goiânia (GO), Cuiabá (MT), Fortaleza (CE), Juazeiro do Norte (CE), Natal (RN) e São Luiz (MA).

As barreiras impostas pela nossa legislação trabalhista, consolidada na década de

quarenta, bastante arcaica, não devem se constituir em dogmas intransponíveis para a busca de soluções alternativas que busquem viabilizar a estabilidade sócio-econômica da relação capital e trabalho.

Efetivamente, o consórcio de empregadores rurais parece ser uma alternativa

para a fixação do trabalhador em uma fonte de trabalho, garantindo a continuidade do contrato de trabalho, sem ficar na dependência das “falsas cooperativas” que assolam o trabalho rural; dos sucessivos contratos de safra, que são contratos por prazo determinado; do trabalho avulso; das falsas parcerias; do trabalho eventual e dos “autônomos”.

O consórcio, no meio rural, não só garante o direito ao trabalho legalizado, como

também evita os males maiores que são a falta de trabalho e o consequente desemprego. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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08. _____. Portaria 1964, de 01 de dezembro de 1999. O MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO, no uso das atribuições que lhe confere o inciso I do parágrafo único do artigo 87 da Constituição Federal, tendo em vista o disposto no artigo 7º dessa Carta e, ainda, considerando a necessidade de orientação aos Auditores-Fiscais do Trabalho quanto à fiscalização em propriedades rurais em que haja prestação de trabalho subordinado a um "Condomínio de Empregadores" (ou "Pluralidade de Empregadores Rurais", ou "Registro de Empregadores em Nome Coletivo de Empregadores" ou "Consórcio de Empregadores Rurais"). Disponível em: <http://www.trt02.gov.br/geral/tribunal2/orgaos/MTE/Portaria/P1964_99.htm> Acesso em: 22 mar. 2007.

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TERCEIRIZAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA E A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA EMPRESA TOMADORA DOS SERVIÇOS

FABRÍZIO DOS SANTOS FARIA RESUMO: Esta pesquisa teve como objeto de estudo a terceirização de mão-de-obra e a responsabilidade subsidiária da empresa tomadora dos serviços. O interesse pelo referido tema foi a crescente utilização desta modalidade contratual no mercado moderno e a necessidade de estudos sobre o assunto. Em seu desenvolvimento, serão apresentados os moldes desta modalidade contratual, bem como os requisitos legais para que ela seja válida. Sob a luz da Súmula 331 do TST, como também entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, serão expostos os motivos ensejadores da caracterização da responsabilidade subsidiária. Enfim, busca-se com este trabalho, a sintetização do máximo de informações possíveis sobre a relação existente entre a empresa tomadora dos serviços, a prestadora e os empregados desta última. Palavras-chave: terceirização, responsabilidade subsidiária. INTRODUÇÃO

Nos dias atuais, o termo terceirização de mão-de-obra tornou-se muito conhecido no meio empresarial, de forma a despertar interesse, como também a necessidade de trabalhos em que se façam abordagem deste meio de contratação de mão-de-obra, tanto pelo Direito do Trabalho como também pelo Direito Administrativo.

Podemos aqui dizer que sua origem histórica iniciou com a revolução industrial,

vindo no decorrer dos tempos até chegar aos moldes em que se encontra nos dias atuais. Através da atribuição de mão-de-obra a grupos específicos de prestação de serviço, grandes indústrias se concentravam nas atividades principais e delegavam funções secundárias.

Com o passar dos tempos, serviços de limpeza e segurança também passaram a

serem atividades desinteressantes para serem mantidas pelas empresas, passando também a ser objeto de mão-de-obra terceirizada. Desta forma, foram surgindo empresas especializadas em prestação de serviços como também em montagem de produtos.

Como se vê, o mercado que estava acostumado a ter uma empresa com o seu

pessoal empregado diretamente por ela, passou a ter também a figura do prestador de serviços, que passa a ser a empresa encarregada em contratar o pessoal para o trabalho e disponibilizá-lo para a empresa contratante, que passou a ser chamada de tomadora de serviços.

Tal fato passou a ser uma situação intrigante, tanto na esfera trabalhista, como

também administrativa, uma vez que o empregado tinha o seu vínculo empregatício firmado com um, no entanto estava subordinado à hierarquia funcional de outra empresa

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que não aquela com a qual havia firmado o seu contrato laboral. Tal fato passou a suscitar dúvidas de quem era o responsável legal por aquele empregado, se o tomador de serviços ou a empresa prestadora de serviços, que de certo modo, passou a ser vista como atravessadora de mão-de-obra, vez que era um elemento novo entre a empresa que necessitava dos serviços e o empregado, que por sua vez, necessitava de um local para trabalhar.

Surge então a dúvida se o tomador tem com aquele empregado contratado

responsabilidade solidária junto com a empresa prestadora de serviços, ou se apenas responsabilidade subsidiária, ou seja, aquela em que o primeiro é acionado para só então na sua falta, acionar-se o segundo.

Contudo, o instituto da Terceirização veio contribuir para o aprimoramento do

mercado, isto se deu com o surgimento de empresas especializadas em determinados ramos de trabalho, passando a se dedicar apenas àquele tipo de serviço. Assim o mercado passou a contar com empresas especializadas em segurança, em limpeza pública, hospitalar, dentre outras, ou seja, a empresa contratante passou a ter opção de contratar uma mão-de-obra mais eficiente do que aquela existente na empresa quando o serviço era executado por pessoal do seu próprio quadro.

Outro fator que veio a incentivar as empresas tomadoras de serviços foi o fato de

que a terceirização de mão-de-obra veio dar uma enxugada em custos com pessoal, como também oferecer uma otimização de espaços físicos necessários para o funcionamento da empresa. Atividades que eram executadas em apenas algumas épocas do ano passaram a ser objeto de atividade terceirizada, não sendo necessário manter pessoal em quadro próprio para executá-las quando necessário.

Enfim, trataremos aqui neste trabalho, dos aspectos envoltos neste tema, mesmo

não sendo uma novidade no mercado, ainda é tema de grandes discussões e dúvidas, por ter ainda a abordagem legal, um tanto quanto limitada, dando ênfase à responsabilidade da tomadora dos serviços.

Por se tratar de tema bastante complexo e extenso, daremos maior atenção às

questões voltadas à responsabilidade subsidiária que a empresa tomadora de serviços tem para com o empregado terceirizado. Para tal abordagem nos ateremos, principalmente, aos aspectos trabalhistas, deixando os de ordem administrativa em segundo plano.

Em se tratando de questões terminológicas, será encontrada no corpo deste

trabalho a utilização da terminologia Terceirização Lícita ou Legal, como também Terceirização Ilícita ou Ilegal, tal utilização foi feita empregando os moldes trazidos pelo Ilustre Prof Sérgio Pinto Martins, como também os dos nossos julgadores do TST e que não deve ser confundido com aquela terminologia com a qual estamos rotineiramente nos deparando no direito do trabalho a qual se refere à utilização de objeto lícito ou não.

É preciso, entretanto, estabelecer a distinção entre a terceirização lícita e ilícita

ou terceirização legal e ilegal, para complementar o raciocínio do Enunciado 331 do TST. A terceirização legal ou lícita é a que observa os preceitos legais relativos aos

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direitos dos trabalhadores, não pretendendo fraudá- los, distanciando- se da existência da relação de emprego. A terceirização ilegal ou ilícita é a que se refere à locação permanente de mão-de-obra, que pode dar ensejo a fraudes e a prejuízos aos trabalhadores. (2005, p.158).

Referindo-se ainda às terminologias, por culpa ineligendo, deve ser entendida a

responsabilidade em se eleger uma empresa idônea para a prestação dos serviços. Culpa in vigilando é aquela que se refere à responsabilidade de estar sempre a tomadora dos serviços vigiando para que a prestadora honre suas obrigações junto com seus empregados.

Exploraremos, ainda, aqui dados doutrinários, como também analisaremos os

enunciados que tratam do assunto trazido pelo Tribunal Superior do Trabalho, e, esperamos que o trabalho desperte o interesse de todos com o qual venham a ter contato, como também seja claro e de simples entendimento, pois este foi o nosso principal objetivo. 1 DEFINIÇÃO DE TERCEIRIZAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA

Podemos definir a terceirização de mão-de-obra como sendo uma forma

contratual em que, de um lado, encontra-se uma empresa necessitada da mão-de-obra, contudo não tendo interesse em realizá-la com pessoal do próprio quadro, e do outro, encontra-se uma empresa interessada em colocar o seu pessoal para trabalhar, vez que sua estrutura funcional não oferece local de trabalho para os serviços oferecidos por ela. Passaremos, aqui, a chamar a empresa que precisa da mão-de-obra de “tomadora de serviços” e a empresa que oferece a mão-de-obra chamaremos de “prestadora de serviços”, por serem terminações bastante usuais na realidade empresarial.

Conceituando de forma bastante clara, ensina-nos o ilustre professor Sergio

Pinto Martins: - a terceirização é um fenômeno que se apresenta com maior ou menor intensidade em quase todos os países. Num mundo que tende para a especialização em todas as áreas, gera a terceirização de novos empregos e novas empresas, desverticalizando-as, para que possam exercer apenas a atividade em que se aprimoram, delegando a terceiros a execução dos serviços em que não se especializaram. (2005, p. 15).

Contudo, devemos observar que não deve se valer da terceirização de mão-de-

obra, a empresa tomadora dos serviços com o intuito de precarização e marginalização das relações de trabalho; isso pelo fato de que, as relações que eram mantidas com o pessoal que desenvolvia as atividades quando executadas por empregados da própria tomadora de serviços devem ser mantidas com os empregados da empresa prestadora de serviços; ou seja, devem ser preservadas as condições de trabalho como também a isonomia salarial entre esta e aquela categoria de empregados.

Outro fato interessante surgido com a terceirização de mão-de-obra foi quanto às

relações jurídicas que o empregado passa a ter com a empresa tomadora e com a prestadora dos serviços. Este passa a ter uma relação hierárquica com a prestadora, pois,

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esta é seu efetivo patrão; contudo, tendo que observar uma relação organizacional com a tomadora dos serviços prestados.

Dessa forma, surgiu no mundo jurídico a dúvida de quem seria então o

responsável pelos direitos trabalhistas do empregado. O posicionamento que se tornou mais usual pelos nossos tribunais e hoje já se encontra sumulado pelo TST (Súmula 331) atribui a responsabilidade à empregadora, aqui chamada de prestadora de serviços. Contudo, é atribuída à empresa tomadora dos serviços a responsabilidade subsidiária, visto que na situação da primeira abster-se quanto a sua responsabilidade trabalhista e esgotadas as possibilidades de responsabilizá-la, a segunda, será chamada a responder como se dela fossem os débitos e obrigações. Existe aqui um benefício de ordem em favor da empresa tomadora dos serviços.

Tal fato veio tornar mais justa a relação triangular, criada pela terceirização de

mão-de-obra, uma vez que não isentou a empresa tomadora dos serviços pelas responsabilidades trabalhistas não cumpridas pela prestadora de serviços.

Podemos dizer que tal fato foi extraído dos conceitos do Direito Civil, no que

tange a responsabilidade civil extracontratual do tomador que age com culpa ineligendo ou in vigilando.

Explicando os conceitos acima citados, podemos dizer que a empresa firmadora

de um contrato de prestação de serviços, este feito à luz do Direito Civil, não se exime de futuras responsabilizações trabalhistas decorrentes do não cumprimento da responsabilidade de escolher bem a empresa contratada, como também não observar se ela está ou não cumprindo as suas obrigações trabalhistas; esta fiscalização obrigatória que deve ser feita por parte da tomadora dos serviços, será ainda tema de estudos mais adiante.

2 ÁREAS DE APLICAÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO

Existe grande discussão em torno da definição de áreas de atuação de uma empresa de mão-de-obra terceirizada. Por não existir ainda na legislação trabalhista abordagem específica sobre o tema, a interpretação, por muitas vezes, toma caminhos distintos entre um aplicador e outro do direito.

Grande impasse existe em torno da definição do que viria a ser atividade-fim e

meio numa ou noutra empresa. Isso se dá graças ao fato de que geralmente essa definição existe só na teoria, mas na vida prática torna-se impossível visualizá-las separadamente. A título de exemplificação, podemos citar a contratação de serviços de limpeza, terceirizado por hospitais e restaurantes, por uns pode ser visto como atividade-meio, por não se tratar do objeto principal da empresa, mas por outros pode ser vista como atividade fim, uma vez que a limpeza e higiene nesses ambientes são objeto de primeira necessidade.

Podemos ainda citar os casos de terceirização de mão-de-obra pelas

fornecedoras de energia elétrica, em que os empregados da prestadora de serviços são

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encarregados de fazer os serviços de corte e religação de energia, mas o fornecimento de energia não seria parte da atividade-fim da empresa tomadora dos serviços? Diante de tais situações, cabe, portanto, aos aplicadores do direito atribuir a melhor aplicação conforme o caso concreto.

A ausência de subordinação direta dos trabalhadores à empresa tomadora dos

serviços, também é outro ponto questionável. Sendo os serviços realizados pelos empregados da prestadora fora das instalações da empresa tomadora, fica fácil não existir subordinação dos primeiros com esta última; contudo, é corriqueiro, encontrarmos situações em que a mão-de-obra, é desenvolvida dentro das instalações da empresa tomadora, ou, tendo, por vezes, um empregado seu acompanhando o desenrolar das atividades e direcionando-as.

Neste último caso, fica evidente que houve sim subordinação por parte do

empregado com a empresa tomadora de serviços, tornando-se assim ilícita a contratação de mão-de-obra terceirizada, vez que as atividades foram desenvolvidas como se por pessoal próprio estivesse sendo executada. Porém, não raras são às vezes em que nos deparamos com situações semelhantes a esta aqui descrita.

De todo o exposto, neste tópico, percebemos que a área em que será permitida a

aplicação da mão-de-obra terceirizada estará mais voltada ao caso concreto do que as definições traçadas pelos doutrinadores, uma vez que as leis trabalhistas ainda se mostram ausentes neste sentido e, a súmula 331 do TST, fonte mãe até o presente momento, não define claramente as situações que são aceitas e as que não são.

Sobre esta questão, o prof Sérgio Pinto Martins, traz o seu entendimento: é

necessário lembrar o princípio da primazia da realidade na relação havida entre as partes, prevalecendo a realidade dos fatos sobre a forma empregada. Pouco importa o nome niuris utilizado ou a roupagem dada à situação, mas sim as condições de fato, estando evidenciada a relação de emprego se forem observados os requisitos constantes do art. 3º da CLT. (2005, p. 161).

3 TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA E ILÍCITA

Pelo exposto, até o momento, já temos condições de diferenciarmos as formas de terceirização com as quais nos deparamos, podendo observar se encontram ou não envoltas no caráter fundamental da licitude.

Os critérios primeiros a serem observados são os que tratam da atividade que

está sendo terceirizada, se esta é atividade fim ou não da empresa que procura a terceirização e se está ou não ocorrendo subordinação do pessoal com a empresa tomadora dos serviços.

Nossos tribunais têm tido o entendimento no sentido de que a atividade fim de

uma empresa é aquela que vem descrita em seu contrato social, como sendo o seu objeto social, consequentemente, a contratação de mão-de-obra terceirizada em realização de qualquer atividade que ali não esteja descrita será lícita. Também já se encontram

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envoltas em licitude as contratações de prestação de serviços de limpeza e segurança, graças à súmula 331 em seu inciso III do TST.

Em se tratando da subordinação, entendemos que devemos nos ater apenas à

técnica, uma vez que a subordinação jurídica, ou seja, o poder de admitir, demitir, transferir e outros, são intrínsecos da empresa prestadora e são de caráter intransferível; enquanto que a subordinação técnica é aquela voltada à execução dos serviços e esta sim, é a subordinação que nos interessa observar se está ou não ocorrendo entre o tomador dos serviços e o agente designado pela prestadora. Caso seja necessária a execução da atividade no estabelecimento da tomadora, é requisito para envolvê-la de licitude que as ordens sejam dadas por preposto da prestadora que ali deveria estar.

Outra característica importante, para a definição da licitude da terceirização, é a

pessoalidade em relação ao trabalhador executor dos serviços para a empresa contratante, uma vez que presente tal princípio, estaria caracterizado o vínculo empregatício, tornando assim ilegal a terceirização.

A redução salarial que ocorre com os empregados da empresa terceirizada em

relação aos salários pagos pela empresa contratante, ao seu pessoal, também é um fator ilegal. Empresas interessadas em conseguir o contrato de prestação de serviços com as contratantes cometem o erro de em suas propostas oferecerem contratos com valores menores, com o intuito de ganhar a concorrência; posteriormente, ao saírem vitoriosas, para não ver os seus lucros minimizados, reduzem a remuneração dos empregados que contrata para a execução dos serviços. Outra forma ilegal de terceirização é aquela em que o contrato é firmado com pessoa física.

Alguns elementos podem viciar uma contratação de mão-de-obra tornando-a

ilícita, vejamos alguns apontados pelo prof Sérgio Pinto Martins: é possível fazer uma síntese de que a terceirização ilícita implica a locação permanente de serviços, o fornecimento de mão-de-obra mais barata, com redução de salário e desvirtuamento da relação de emprego, e também a escolha de parceiros inadequados, quando inidôneos financeiramente. (2005, p. 162). 3.1 Limites à Terceirização Atribuídos à Administração Pública

Podemos encontrar situações em que o Poder Público busca na iniciativa privada mão-de-obra, lançando mão da terceirização. Nestes casos, também serão observados critérios para definição da licitude da contratação, além dos acima já mencionados.

Os limites à terceirização, quando o interessado é um ente da administração

pública, ficarão limitados aos princípios da legalidade, da eficiência e o da economicidade.

Pelo princípio da legalidade, devemos nos ater à diferença existente entre o ente

privado e o público, enquanto o primeiro pode fazer tudo que não lhe seja proibido, o segundo só poderá fazer aquilo que lhe for legalmente permitido. Por conseguinte, em

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se tratando da terceirização de mão-de-obra, a administração pública só poderá contratar se houver permissão legal para tal feito.

O princípio da legalidade significa, assim, a necessidade de o Poder Público

atuar em conformidade com a autorização prévia que lhe tenha sido dada pelo ordenamento jurídico, ainda que por mera norma de atribuição de competência. (RAMOS, 2001, p. 130).

Outro aspecto legal que obsta a contratação através da terceirização, é o fato do

ente público ter em seu quadro de pessoal cargo existente para execução daquelas atividades passíveis de contratação com terceiro; ocorrendo a excepcionalidade apenas em casos de necessidades extraordinárias.

Tal princípio visa evitar a utilização da terceirização pela administração pública

como meio de burlar a determinação constitucional de realização de concursos públicos para a investidura em cargos e empregos públicos, (art igo 37, II).

Em se tratando do princípio da eficiência, devemos entender que mesmo agindo

dentro das permissões dispostas nos meios legais, a administração pública, deve seguir os melhores meios legais, buscando atingir os fins públicos.

Não se deve, portanto, ter em mente que a simples contratação de mão-de-obra

terceirizada, trará maior eficiência do que se os serviços fossem executados pela própria administração pública, neste momento, a administração diante de uma possível contratação, deve focar na eficácia dos resultados esperados.

Atuando como limite à terceirização, a eficiência não pode ser alcançada tão- só

pela contratação de agentes privados par a execução de atividades públicas. Longe do mito privatístico de eficiência, a decisão terceirizante deve estar alicerçada em estudos sérios, evidenciadores de que a execução por particulares é a que melhor se coaduna com o interesse público. (RAMOS, 2001, p.140).

Finalmente, pelo princípio da economicidade, entende-se como a máxima

eficácia social de uma atividade econômica, ou seja, a administração pública não estar vinculada à mera produção de lucro, ela deve sim, encontrar a solução economicamente mais adequada na gestão da coisa pública. Diante deste princípio, vemo-nos diante de uma otimização da ação estatal.

De acordo com este princípio, a administração pública não deve visar apenas à

redução de custos, quando pretender terceirizar alguma atividade, ela deverá ter a preocupação com a produtividade e a rentabilidade que são integrantes da análise da qualidade e do custo do serviço.

Três modalidades de terceirização podem ser apontadas: tradicional, de risco e

com parceria. Na primeira, a terceirização é decidida em função da redução de custo. Na segunda, a contratação de terceiros para execução de atividades antes feitas pela terceirizante é realizada de forma a fraudar direitos sociais dos trabalhadores envolvidos. Tanto a terceirização tradicional quanto à de risco são inadmissveis no seio do setor público, levando à utilização de mão-de-obra desqualificada, com baixa

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produtividade, além da contratação de empresas não-idôneas, técnica e economicamente, para o atendimento do interesse público. Admite-se apenas a terceirização com parceria, em que contratante e contratado unem esforços para atuação integrada, em uma relação que pressupõe capacidade técnica, lealdade entre os parceiros e legalidade, incluindo absoluta observância aos direitos trabalhistas. (RAMOS, 2001, p. 144).

Assim sendo, nota-se vínculos tanto da administração privada, quanto da

pública, à fiscalização da legalidade da contratação de mão-de-obra terceirizada, devendo, pois, observar os critérios para tal possibilidade, com o intuito de se eximir de responsabilidades advindas de uma contratação ilegal.

4 A TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

Aqui, entendemos como administração pública àquela exercida de forma direta, autárquica, empresas públicas e sociedades de economia mista.

Como já abordamos anteriormente, a administração pública também pode

utilizar-se da terceirização de mão-de-obra, lembrando que além dos requisitos que uma empresa particular deve observar para a licitude da contratação, o ente público ainda deve observar os princípios da legalidade, da eficiência e da economicidade.

Outro fator que difere esta modalidade daquela, quando o interessado é um

particular, é a obrigatoriedade de concorrência pública para ser decidido qual empresa prestadora de serviços será a escolhida.

Algumas atividades são peculiares à administração pública e não poderão ser

objeto de terceirização; por outro lado, atividades secundárias têm sido disponibilizadas à terceirização. No Estado de Goiás, por exemplo, o fornecimento de energia elétrica e abastecimento de água, são feitos por sociedades de economia mista que têm o controle feito pela administração pública. Nestas empresas, os serviços de leitura de consumo e entrega de faturas são feitos utilizando-se a terceirização.

O que tem de ser visto é que o Estado, ao fazer terceirização, deve reduzir a

burocracia estatal, procurando desenvolver apenas a atividade em que é especializado, deixando as atividades secundárias nas mãos do particular. Não poderá, porém, a Administração Pública terceirizar serviços que lhe são peculiares, como de justiça, segurança pública, fiscalização, diplomacia etc. (MARTINS, 2005, p. 144).

Outro fator que incentiva a administração pública a buscar força laboral através

da terceirização é o fato de que os gastos com esse tipo de contratação não serão lançados nos gastos com pessoal. Os gastos com pessoal são limitados em 50% para a União e 60% para os Estados e Municípios da receita líquida corrente (art. 19 da Lei Complementar nº 101/2000).

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Por isso, ao se contratar uma empresa de segurança, por exemplo, o ente público não terá as despesas dessa contratação deduzidas em seu percentual máximo de gastos com folha de pagamento.

Em se tratando do vínculo que pode vir a surgir, entre os empregados da

empresa de terceirização de mão-de-obra e a tomadora dos serviços nos casos de contratação irregular, a súmula 331 do TST, em seu inciso II, tratou de esclarecer que não gerará vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional à referida irregularidade. Neste caso, em se tratando de contrato nulo de prestação de serviços, o ente público que foi o tomador dos serviços responderá de forma solidária pelos créditos trabalhistas.

Dessa forma, mesmo sendo a contratação da terceirização feita dentro dos

moldes legais, o ente público não ficará totalmente isento das responsabilidades trabalhistas, mas só poderá ser acionado de forma subsidiária, conforme previsto no inciso IV, também da Súmula 331 do TST, desde que tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

Tal situação gera grande polêmica entre os aplicadores do direito, vez que um

contrato de terceirização, quando feito de forma ilícita, gera vínculo quando o tomador é uma empresa particular, mas não gera quando for um ente público. Tal situação encontra explicação na Constituição Federal em seu artigo 37 inciso II onde diz que: “A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.” (BRASIL/CF, 2006, p.56).

Assim, não resta dúvida, inexiste a possibilidade de geração de vínculo

empregatício entre o empregado da tomadora de serviços com a administração pública diante de contratos ilícitos, gerando somente responsabilidade solidária ou subsidiária pelas obrigações trabalhistas. 4.1 Da Responsabilidade da Administração Pública Diante de Contratos Considerados Nulos

Como foi dito anteriormente, a administração pública será responsabilizada subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas não adimplidas pela empresa contratada para a terceirização dos serviços, quando se tratar de contrato legal.

Contudo, ponto duvidoso encontra-se a cerca da existência ou não de responsabilidade perante contratação irregular e a falta de pagamentos das obrigações trabalhistas pela prestadora de serviços. Se houve a prestação do serviço, embora que o contrato firmado entre o ente público e a empresa particular prestadora dos serviços estava envolto em ilicitudes, a relação existente entre a prestadora e seus empregados não se encontrava viciada pela ilegalidade, vez que se trata de relação jurídica distinta.

Em vista disso, como será resolvida a questão de não pagamento das obrigações

trabalhistas por parte da contratada aos seus empregados?

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Para Sérgio Pinto Martins (2005), tal situação encontra resposta em três correntes distintas, não mencionando, no entanto, quem são seus seguidores.

Na primeira, o entendimento é que se não há vínculo, não existe

responsabilidade pelo pagamento de qualquer verba, vez que a contratação de serviços terceirizados foi considerada irregular, não se encontra responsável por nenhum pagamento a administração pública.

Tomando por base o fato de que não deve haver enriquecimento ilícito do ente

público, a segunda corrente prega que devem ser pagos apenas os salários que não foram pagos pela empresa contratada.

E por último, os doutrinadores que se filiam a terceira corrente, consideram que

existe a responsabilidade estatal pelo pagamento dos salários e das verbas rescisórias, uma vez que não conseguirá o ente público devolver ao trabalhador as forças dispensadas no exercício dos trabalhos, tomando por base o entendimento do artigo 182 do Código Civil brasileiro.

Entre as três correntes doutrinárias expostas, Sérgio Pinto Martins se filia à

primeira, enquanto nós nos filiamos à terceira. (art. 3° da LICC). (2005, p. 148). Contudo, se a referida situação for analisada sob o sentido literal do inciso IV da

Súmula 331 do TST, seria mais sensato considerar a terceira corrente como certa, vês que, os nossos julgadores ao formular a referida súmula não se referiram somente à contratação regular, ficando assim aberto o entendimento de que há responsabilidade, mesmo diante da contratação irregular.

4.2 Diferenças Existentes entre Terceirização e Concessão de Serviços Públicos

Uma rápida explicação deve ser feita quanto às diferenças existentes entre a terceirização e a concessão de serviços públicos, já que são dois institutos distintos e regidos de formas diferentes.

Quando nos referimos à Terceirização, deve ser entendido por contratos

firmados entre a administração pública e uma empresa privada, em que, a segunda receberá da primeira o pagamento pelos serviços prestados em nome do Poder Público, ou seja, a terceirizada executa, mas quem é o responsável pelos serviços é o ente terceirizante.

Já a Concessão, somente a titularidade do serviço pertence ao Poder Público, vez que com a concessão, ele transfere ao particular a direção e execução do serviço passando a exercê-lo em nome próprio, recebendo uma contra-prestação pela disponibilização do serviço de quem tiver interesse em utilizá-lo. Um exemplo muito utilizado pela administração pública é a concessão de transporte coletivo.

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5 TERCEIRIZAÇÃO OU MERA INTERMEDIAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA?

Fazemos a presente abordagem, neste capítulo, para abrirmos espaço a uma breve análise da real situação encontrada quando nos referimos à Terceirização.

Antes do advento do Enunciado 331 do TST, mais precisamente ao inciso IV,

tínhamos no mercado de trabalho a figura ilegal do famoso “GATO”, que nada mais era do que uma pessoa que recrutava trabalhadores para empresas, de forma a não ter a relação de trabalho formalizada, ou seja, nem um nem o outro queria ser o responsável por aquele trabalhador.

Posteriormente à supracitada súmula, estes agentes ilícitos viram-se diante da

possibilidade de constituir uma empresa de prestação de serviços, não lhes sendo exigida finalidade empresarial específica, nem tão pouca idoneidade econômica.

É comum no mundo das prestadoras de serviços, que veremos estas

empresasmudarem de nome empresarial de tempo em tempo, porém sem se desvincularem da empresa contratante; as razões que as levam a tomar tal atitude não são claras, mas tal atitude leva-nos a questionar sobre a idoneidade destas empresas perante as obrigações por elas assumidas. Outro fato comum, vermos empresas que existem somente no papel, que não ocupam um espaço físico determinado, que só são criadas para firmarem o contrato de prestação de serviços com empresas que estão necessitando de mão-de-obra.

Utilizamos no título deste capítulo o termo mera intermediação de mão-de-obra

e o fizemos com o intuito de repensarmos se não é esta a realidade que envolve a que o papel que a empresa prestadora de serviços ocupa, é tão somente este, pois o trabalhador encontra-se no mercado à espera de uma vaga, enquanto que esta se encontra disponível no quadro funcional da tomadora de serviços e não no da prestadora. Sem a existência da vaga junto à primeira, a contratação feita pela segunda, seria desnecessária, pois ela não tem o trabalho para ser executado pelo empregado.

Diante de concor rências de contratação, de empresas prestadoras de serviços, algumas com o intuito de saírem vitoriosas, lançam mão de ofertas com valores abaixo do que seriam necessários para custear suas despesas, ao obterem seu intento, se veem diante da necessidade de repensar os seus custos. Neste momento, utilizam como forma de redução de custos, rotatividade em seu quadro de pessoal, impossibilitando assim o aperfeiçoamento dos serviços oferecidos. Outro agravante é que, diante de tal situação, acabam por não conseguir pagar aos seus empregados a remuneração devida.

Vemos-nos, assim, diante de um quadro crítico esperando providências urgentes

no sentido de regulação da criação destas empresas de prestação de serviços, para aventureios não entrarem no mercado sem o mínimo preparo necessário e respaldo financeiro para arcar com as responsabilidades assumidas.

Na prática, o que se tem verificado é que as empresa terceirizadas continuam

existindo e o serviço persiste sendo prestado, sendo preferível que houvesse uma regulamentação, mínima, para evitar fraudes. Com um projeto assim, seriam exigidos requisitos mínimos para a criação de tais empresas, principalmente suporte econômico,

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capital mínimo e idoneidade, para que não fossem criadas empresas de papel. (MARTINS, 2005, p. 163).

De todo o exposto acima, surge então a responsabilidade da tomadora dos

serviços junto aos empregados da empresa contratada, assunto que será abordado de forma mais aprofundada no próximo capítulo. 6 A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA EMPRESA TOMADORA DOS SERVIÇOS

Trataremos neste capítulo da responsabilidade que veem a ser assumida pela empresa tomadora diante da inadimplência da prestadora de serviços perante as obrigações trabalhistas junto aos empregados contratados.

Inicialmente, faremos algumas considerações e distinções importantes para o

entendimento do tema. 6.1 Da Relação de Trabalho

A Consolidação das Leis do Trabalho traz a definição de empregado: art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário. (BRASIL/CLT, 2007, 10).

Sob a luz do que dita a legislação, percebemos não haver relação de trabalho

entre a empresa tomadora de serviço e a prestadora, vez que é requisito que seja o contrato celebrado com pessoa física; reportamo-nos, assim, ao Código Civil para regular a relação existente entre estes dois sujeitos: art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo.

Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode

ser contratada mediante retribuição. (BRASIL/CC, 2005, p. 101). Sendo assim, percebemos que a relação existente, entre tomador e prestador, é

um contrato em que convenciona o serviço que será prestado e estabelece qual será o valor pago pela primeira à segunda.

Porém, a empresa prestadora de serviços por se tratar de pessoa jurídica, não tem

corpo físico para ir a campo executar as tarefas objeto do contrato firmado. É neste momento que entra em cena a necessidade de contratação de pessoal para a execução destas; esta relação que passa a existir entre a empresa prestadora de serviços e o pessoal, por ela contratado, será regido pela CLT, nos moldes do que dita o art. 3º que acima foi transcrito.

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Por outro lado, os aplicadores do direito encontram respaldo também na CLT para o combate às possíveis tentativas de fraude, nos casos em que uma empresa, para tentar se isentar de responsabilidades cria uma falsa relação contratual com uma suposta prestadora de serviços ao invés de fazer a contratação nos moldes ditados pela CLT.

Art. 9º. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de

desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. (BRASIL/CLT, 2007, 13). 6.2 Responsabilidades Solidária e Subsidiária

A responsabilidade pode ser vista por dois ângulos quando deve ser suportada por dois sujeitos distintos. No primeiro de forma solidária e, no segundo, subsidiária.

Entende-se por responsabilidade solidária aquela que, diante da existência de

dois credores ou devedores, estes respondem em igualdade pelos créditos ou pelos débitos existentes. Vale ressaltar que a solidariedade não será admitida de forma presumida, sendo necessário estar prevista em lei ou pactuada entre os envolvidos.

Em se tratando da relação existente entre a empresa tomadora e a prestadora de

serviços em relações de trabalho com os empregados contratados, por esta última, existirá solidariedade quando for considerada ilegal a forma como foi realizada a terceirização de mão-de-obra.

[ . . . ] sempre que duas empresas praticarem atos com o propósito de fraudar,

desvirtuar ou impedir a aplicação das normas do Direito do Trabalho, deverão ser condenadas solidariamente nos créditos inadimplidos. (CASTRO, 2000, p. 149).

Já a responsabilidade subsidiária é aquela revestida de benefício de ordem, ou

seja, primeiro, deve-se acionar um, para só então depois de esgotadas as possibilidades de adimplemento por este, poder invocar que tal obrigação seja cumprida pelo outro.

Voltando novamente às relações de trabalho, no que tange a terceirização de

mão-de-obra, a responsabilidade subsidiária é encontrada nos casos em que, ao ser acionada por seu empregado uma empresa prestadora de serviços, que não veio quitar as obrigações trabalhistas e estas poderão ser cobradas da empresa tomadora contratante.

Ressalta-se, contudo, a necessidade de que a empresa tomadora dos serviços

esteja figurando na relação processual desde o seu nascituro, direito este que se não foi invocado em tempo oportuno, não poderá ser diante da inadimplência da empresa prestadora dos serviços que era a empregadora do reclamante.

Se a tomadora é beneficiada da prestação de serviços do autor, deve responder subsidiariamente, conforme a orientação do inciso IV do Enunciado 331 do TST. Não é possível determinar o retorno do empregado ao status quo ante, porque não pode ser devolvida sua energia de trabalho. Assim, ele tem de receber de quem foi beneficiado da prestação dos serviços. Para serem cobrados os direitos trabalhistas da empresa tomadora é preciso, porém, sua inclusão no polo passivo da ação, pois, num processo,

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quem não foi parte na fase de conhecimento não o pode ser na execução. (MARTINS, 2005, p. 140). 7 A TERCEIRIZAÇÃO E A FISCALIZAÇÃO TRABALHISTA POR PARTE DA EMPRESA TOMADORA DOS SERVIÇOS

Como já foi dito no primeiro capítulo da presente pesquisa, a responsabilidade da empresa contratante é gerada pelo princípio extraído do direito civil da culpa in eligendo e in vigilando.

Pela primeira, entende-se como sendo aquela em que não foi observada no

momento da eleição da empresa contratada, preceitos que levassem a eleição da melhor empresa, dentre os quais podemos citar a idoneidade financeira para honrar com os encargos trabalhistas.

Já no segundo caso, a responsabilidade é gerada pela não observância, por parte

da tomadora em relação às obrigações que deveriam ser cumpridas pela prestadora dos serviços. É a esta observância ou não destas obrigações que chamamos de dever de fiscalização da empresa contratante perante a empresa contratada.

Esta fiscalização deve ser executada, tanto por parte da empresa privada, quando

contrata os serviços de uma empresa terceirizada, como também, por parte do ente público, quando da contratação. A alegação de desconhecimento das omissões cometidas pela empresa contratada diante dos direitos trabalhistas, não exime a empresa contratante de vir a ser responsabilizada pelo cumprimento dos mesmos.

[. . . ] deve responder pelo inadimplemento do prestador de serviços, pois tem

culpa in eligendo na escolha de parceiro inadequado e in vigilando, por falta de fiscalizá- lo quanto às verbas trabalhistas devidas ao empregado. (MARTINS, 2005, p. 150).

Pelo dever de fiscalização exercido pela tomadora dos serviços, devemos

entender a obrigação de estar sempre atentos ao cumprimento de pagamento de salários e de todas as outras normas do contrato de trabalho, como: cumprimento de carga horária, fornecimento de EPI’s, bem como, outros encargos gerados em decorrência do contrato de trabalho, como por exemplo, recolhimento de FGTS e Previdência Social.

Portanto, sempre que for omissa, a empresa contratante diante de uma prestação

de serviços terceirizados, no que tange aos direitos e encargos trabalhistas, será ela responsabilizada subsidiariamente pelo inadimplemento das referidas verbas por não ter exercido o seu dever de fiscalizar, de forma contínua, o cumprimento dos referidos pagamentos.

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8 ANÁLISE DA SÚMULA 331 E JURISPRUDÊNCIAS DO TST

No corpo desta pesquisa, fizemos por algumas vezes referência aos entendimentos do nosso Tribunal Superior do Trabalho. Por isso, não poderíamos deixar de dedicar um capítulo especial para analisarmos estes entendimentos ditados pelo referido órgão.

No cotidiano jurídico, é de conhecimento de todos os aplicadores do direito, que

os temas sumulados pelos TST, passam a ser incontroversos e insuscetíveis de questionamentos por esferas inferiores. A própria CLT, em seu art. 8º, atribui à jurisprudência o caráter de fonte para embasamento de decisões quando não encontrarem os aplicadores suporte em disposições legais ou contratuais.

Do acima exposto, transcrevemos a lição de Francisco Antônio de Oliveira,

citada por Rubens Ferreira de Castro: enquanto a lei é estática na sua origem, a jurisprudência é fruto da própria dinâmica dos vivenciamentos sociais, que influenciam e a modificam. Disso resulta que o Direito não é aquele dito em termos estáticos propostos pela lei, mas, sim, aquilo que dizem os tribunais, numa construção diuturna que tem em seu cerne a essência da dinâmica social. (2000, p. 132).

Como nosso foco principal está voltado para a Responsabilidade Subsidiária da

tomadora dos serviços prestados por empresa contratada, ater-nos-emos ao entendimento da súmula 331 do TST e jurisprudências correlacionadas. 8.1 Súmula 331. Contrato de Prestação de Serviços.0 Legalidade

I – A Contratação de trabalhador espor empresa interposta é ilegal, formando- se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n° 6.019, de 3-1-1974).

I I – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, I I da CF/1988).

I I I – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-6-1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo ( ar t . 71 da Lei n° 8.666, de 21-6-1993) .

Faremos aqui, uma análise de cada inciso da referida súmula transcrita

separadamente, visto que cada um deles trata de uma orientação distinta.

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No primeiro inciso, os julgadores buscaram vedar situações em que venha existir um intermediário entre o tomador dos serviços e o empregado, exercendo este agente intermédio na relação trabalhista, sem assumir os riscos da atividade econômica. Nos casos em que tal situação vier ocorrer, o vínculo será gerado com o tomador dos serviços, descaracterizando a existência deste terceiro que, em nada veio contribuir na relação de emprego.

Em uma segunda parte, deste mesmo inciso, percebemos que houve uma

ressalva em relação ao trabalho temporário, que não deverá ser considerado como ilegal se estiver sendo respeitados os preceitos legais ditados pela Lei 6.019/74 em seu artigo 10, como também o texto trazido pela Instrução Normativa SRT/MTE nº 3, de 22 de abril de 2004, que em seu artigo 1º e parágrafos trata do contrato de trabalho temporário e a possibilidade de prorrogação do mesmo.

Art. 10. O contrato entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora

ou cliente, com relação a um mesmo empregado, não poderá exceder de 3 (três) meses, salvo autorização conferida pelo órgão local do Ministério do Trabalho, segundo Instruções a serem baixadas pelo Departamento Nacional de Mão-de-obra.

Art. 1º. O contrato entre a empresa de trabalho temporário com a empresa

tomadora, em relação a um mesmo empregado, não poderá exceder de três meses. § 1º. O contrato temporário poderá ser prorrogado uma única vez, por igual

período, desde que atendidos os seguintes pressupos tos: I – prestação de serviços destinados a atender necessidade transitória de

substituição pessoal regular e permanente que exceda a três meses; ou II – manutenção das circunstâncias que geraram o acréscimo extraordinário dos

serviços e ensejaram a realização de contrato de trabalho temporário. § 2º. A prorrogação será automaticamente autorizada desde que a empresa

tomadora ou cliente comunique ao órgão local do MTE, na vigência do contrato inicial, a ocorrência dos pressupostos mencionados nos incisos I e I I.

§ 3°. O órgão local do MTE, sempre que julgar necessário empreenderá ação fiscal para verificação da ocorrência do pressuposto alegado para a prorrogação do contrato de trabalho. (BRASIL/TEM, 2004, p. 3).

Já no segundo inciso, trazido pela Súmula 331, nossos Doutores se preocuparam

em pacificar a dúvida que existia quanto a um possível vínculo que pudesse vir a ser criado com órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional, diante de contratação de mão-de-obra terceirizada considerada irregular. A Constituição Federal em seu artigo 37, inciso II, como já referido neste trabalho, estabelece que: “A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos [. . .] .” (BRASIL, 2006, p. 56).

Por conseguinte, não há que se falar de vínculo entre o empregado da prestadora

de serviços e a tomadora quando ente público, quando for declarada irregular a contratação, já que, a CF já determina que o vínculo com um ente público é através de concurso público, o inciso em análise, só veio a ratificar o que já estava expresso no texto constitucional.

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No terceiro inciso, devemos explicá-lo sob duas abordagens apontadas separadamente. Na primeira, esclarece o legislador que não existe a possibilidade de ser invocado o vínculo empregatício quando a contratação de mão-de-obra terceirizada for de serviços de vigilância, de conservação e limpeza. Num segundo momento, ele ainda esclarece que em se tratando de serviços especializados ligados à atividade-meio da empresa contratante, também não há que se falar em vínculo entre o empregado da empresa terceirizada com a contratante; desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta.

Ora, como já foi abordado anteriormente neste trabalho, devemos entendê-lo

como atividade-meio, aquela que não diz respeito aos objetivos centrais da empresa, que não conste do objeto do contrato social, neste sentido, devem ser entendidas como atividades secundárias exercidas pela empresa. Em relação à inexistência da pessoalidade e subordinação, devemos entender que, para a tomadora dos serviços não deverá importar quem executa o trabalho contratado, se é o empregado “A ou B” da prestadora dos serviços, sendo que, se o serviço for executado em estabelecimento da contratante, deve haver a figura do preposto, representando a empresa contratada para descaracterizar a subordinação.

O quarto inciso trata da Responsabilidade Subsidiária, sendo aquela em que, não

sendo honradas as obrigações trabalhistas pela empresa prestadora dos serviços, será chamada para saudá-las a empresa tomadora ou contratante, desde que esta tenha figurado na relação processual desde o seu nascituro, não importando se seja pessoa jurídica de direito público ou privado.

De logo, esclareça-se que não há necessidade de se pedir o reconhecimento de

vínculo empregatício diretamente com a tomadora dos serviços, para que possa haver condenação subsidiária da mesma. O pedido foi de responsabilização subsidiária e assim foi deferido. A terceirização foi, in casu, julgada legal, tanto que o vínculo foi reconhecido com a empresa empreiteira/fornecedora dos serviços.

Assim sendo, inexiste o julgamento extra petita alegado pela recorrente. Por

outro lado, a responsabilidade subsidiária é fruto de jurisprudência sedimentada, hoje em forma de Enunciado, e de princípios que norteiam o direito laboral que não permitem, em caso de inadimplência do verdadeiro empregador, mercê de não cumprir todas as obrigações inerentes ao contrato de trabalho celebrado com o empregado, deixar aquele que se beneficiou da mão de obra do obreiro, no particular, no exercício das atribuições ínsitas de manutenção da rede de acesso de telecomunicações, por culpa in vigilando e in elegendo, isento de qualquer responsabilidade. Conquanto o documento de fls. 42/56 fale que se trata de um contrato sob o regime de empreitada e, com base em tal aspecto, sustenta a recorrente ser o dono da obra, sem responsabilidade a nível trabalhista com os empregados admitidos pela empresa contratada, aquele é, em verdade, um contrato de prestação de serviço, típica terceirização. Isto porque, consoante se vê da cláusula primeira, destina-se não apenas à manutenção da respectiva rede. É verdade que o contrato de empreitada e de prestação de serviços, embora tenham como meta uma obrigação de fazer, se diferenciam na medida em que a empreitada se destinada a uma obra, a um resultado específico, o que não se pactua, contudo, na locação de serviços. Esta, por sua vez, para diferenciar da relação empregatícia não possui os requisitos de que trata o artigo 3º da CLT. Porém, a questão aqui não

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comporta verificar se houve ou não uma relação de emprego, uma vez que o autor não buscou, na presente ação, o reconhecimento do vínculo empregatício diretamente com a recorrente, não tão-somente a sua responsabilidade subsidiária.

Pois bem; a despeito de o recorrente ser o dono da obra, o que, a princípio,

afastaria a responsabilidade atribuída, na esteira da OJ n. 191/TST, entendo, contudo, que a não-responsabilidade somente estaria preservada se tratasse de empreitada ou prestação de serviços pactuada perante terceiros, visando como essencial valor de uso (construção ou mesmo reforma de residência, por exemplo) ou ainda na hipótese de o contrato objetivar, de forma eventual ou esporádica, específica obra não essencialmente necessária às atividades empresariais. Porém não é o caso de manutenção das redes de acessos, haja vista a necessidade premente para a qual foi celebrado o contrato entre as reclamadas. Nessas condições, à vista de que o contrato feito entre as reclamadas se destinava, também, a uma prestação de serviços de manutenção, e não apenas à realização de uma obra certa e específica, sob a direção do próprio prestador, enfatizado como objeto a obra resultante do trabalho acordado, mas sim a prestação de serviços em si dirigida à manutenção das redes através de empregados especializados, para atender a atividade essencial da própria recorrente, empresa de telecomunicações, a hipótese afasta a não-responsabilidade perseguida.

Destarte, patenteada a inadimplência do empregador (1º reclamado), mercê de

não cumprir todas as obrigações inerentes ao contrato de trabalho celebrado com o recorrido, aquele que se beneficiou da mão-de-obra do obreiro, deve ser responsável em face da culpa in vigilando e in elegendo. CONCLUSÃO

De todo o exposto neste trabalho, percebemos mesmo diante da ausência de legislação específica tratando da terceirização de mão-de-obra e a responsabilidade por ela gerada; que as empresas tomadoras dos serviços diante da inadimplência por parte da empresa terceirizada em relação ao cumprimento das relações trabalhistas, terão, via de regra, um chamamento subsidiário para quitação dos referidos pagamentos.

Existem situações que geram maiores dúvidas em como se proceder, como por

exemplo, nos casos de terceirização considerada ilícita ou ilegal ou quando o tomador dos serviços é um ente público.

Em relação à terceirização ilícita, ou seja, aquela que foi considerada viciosa por

não terem sido observados os requisitos básicos para a contratação entre empresa contratante e contratada, entendemos que tal fato gerará para a tomadora dos serviços responsabilidade solidária em relação aos empregados contratados pela empresa terceirizada; vez que se a contratação firmada entre as duas foi considerada ilegal, quebra-se o elo que existia que era a intermediação exercida pela empresa terceirizada, ligando assim os agentes de mão-de-obra diretamente a tomadora dos serviços.

Nos casos em que a tomadora de serviços é um ente público, o que se tem

percebido é que após a Súmula 331 em seus incisos, II e IV, não existe a possibilidade

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de ser gerado vínculo entre os empregados da empresa contratada com o ente público, mesmo diante de contratação ir regular. Tal fato é resul tado da exigibilidade de concurso público para o exercício de cargos ou empregos públicos, conforme previsto em nossa Constituição Federal em seu artigo 37, inciso II. Contudo, não se exime o Estado da responsabilidade subsidiária em decorrência do inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada.

Em se tratando da relação que venha ser gerada em contratação de terceirização

em que a tomadora dos serviços é um ente público, entendemos ter sido o entendimento dos Ministros do TST o mais centrado possível, pois ao aceitar o vínculo gerado por uma contração considerada irregular, iria contra o que dita a nossa Constituição Federal no que tange a investidura em cargos ou empregos públicos.

Por outro lado, com a reforma dos dizeres do inciso IV da Súmula 331,

corrigiram o equívoco, que, por algum tempo foi mantido, em relação à isenção dos entes públicos de serem considerados responsáveis subsidiários das relações não adimplidas pela empresa contratada. Consideramos que, uma vez que obteve benefícios com a prestação de serviços, deve sim ser responsabilizado subsidiariamente, ao passo que se tem o particular a responsabilidade de zelar por uma boa contratação com empresa idônea e pela vigilância do cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da empresa terceirizada, porque não teria também o ente público que se atentar a essas nuances no momento de contratar?

Sabemos que não esgotamos o assunto proposto neste trabalho em sua

totalidade, mas esperamos ter ao menos suscitado e esclarecido dúvidas e questionamentos mais frequentes em relação ao tema. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

01. BRASIL. Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005. 02. ______. Constituição da República Federativa do Brasil . Brasília: Senado,

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13. MOURA, Leonardo Jubé de. Responsabilidade Subsidiária dos Entes da Administração por Débitos Trabalhistas. Enunciado 331/TST. Ilegalidade e Inconstitucionalidade. Jus Navegandi, Teresina, ano 6, n. 57, jul . 2002 Disponível em <ht tp: / / jus2.uol .com.br/doutr ina/ texto.asp?id=2949>. Acesso em: 19 fev. 2007.

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VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: Lei Maria da Penha

FERNANDA LORENO LOPES PACHECO MELLO

RESUMO: O tema desenvolvido nesta pesquisa será a Violência contra a Mulher, na definição da Convenção de Belém do Pará. Trataremos inicialmente o que vem a ser a violência contra a mulher, para posteriormente cuidarmos das várias espécies de violência contra a mulher e finalmente adentrarmos ao tema que é a Lei Maria da Penha. O tema é bastante polêmico, porém, nosso estudo se aterá apenas e tão somente à Violência contra a Mulher, buscando nesse sentido, fazermos uma análise da Lei Maria da Penha e quais os tipos de Violências contra a mulher. Chegaremos ao final às conclusões necessárias para que o leitor possa ter uma noção do que representa a não Violência contra as Mulheres. Palavras-chave: violência, mulher, Lei Maria da Penha. INTRODUÇÃO

O presente trabalho irá abordar a violência contra a mulher, mais especificadamente a Lei Maria da Penha – Lei 11.340/2006. Questão de muita importância para os estudantes e também para os aplicadores do Direito, por ser esta debatida constantemente nos tribunais e refletida em toda a sociedade.

Na pretensão de elaborar o presente, de maneira clara, concisa e objetiva,

primeiramente foi tratado sobre os motivos da denominação da Lei Maria da Penha, além de também ser explanado sobre o conhecimento do caso que deu origem à denúncia apresentada perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, bem como é trazido um retrato da situação atual da violência doméstica.

A Lei Maria da Penha tem esse nome devido à homenagem feita a uma mulher,

uma brasileira cearense, que em 1983 sofreu violência doméstica praticada pelo marido em casa. Ela era casada com um colombiano que durante a noite efetuou um disparo de arma de fogo contra ela enquanto dormia. Tentando maquiar aquela tentativa de homicídio, ele disse que a família tinha sofrido uma tentativa de assalto, quando ela retornou para casa ainda em recuperação, não sabia que tinha sido o marido o autor do disparo, ele mais uma vez tentou matá-la, enquanto ela tomava banho, tentando eletrocutá-la. Em razão destes acontecimentos, ela ficou paraplégica, na época tinham três filhos que ainda eram menores, em razão disso tudo, ela iniciou sua luta para a defesa dos direitos da mulher contra a violência doméstica e familiar.

Se fizermos um retrospecto, vamos descobrir na pré-história várias ações e

atitudes praticadas entre membros de uma mesma sociedade, muito próxima, que vinham praticando violência contra a mulher. Até a forma de criação de nossos filhos destaca a supremacia do homem, sendo que o menino é forte, é poderoso, tem que ser o

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protetor da casa. Já a menina, é meiga, delicada, tem que saber cuidar da casa, administrar todo aquele ambiente familiar e cuidar dos filhos.

A Maria da Penha, depois que sofreu a violência que a deixou paraplégica,

procurou entidades e ONGs que pudessem apoiá-la na luta contra essa violência, e foi preciso ir até a ONG nos EUA, participar de uma reunião da comissão interamericana dos direitos humanos, e lá se formulou a denúncia contra o crime familiar que ela havia sofrido, para que o Brasil então, violando o tratado internacional fosse condenado pela ONU a adotar medidas que viessem a coibir, discriminar, impedir, erradicar, educar a população contra a violência doméstica. Por conta disso, surgiu a Lei 11.340/2006, no dia 17 de agosto de 2006.

Note-se, que a Maria da Penha sofreu a primeira agressão em 1983 e, somente

em 2006 o Brasil vem a cumprir a determinação da ONU, criando mecanismos que coíbem a violência contra a mulher.

Estudaremos, ainda, a violência contra a mulher, seu conceito, os tipos de

violência generalizada que tem se caracterizado como um grave problema de saúde pública mundial, inclusive no Brasil.

As circunstâncias geradas pelas misérias sociais acabam resultando em danos

irreparáveis à vida das pessoas, oportunizando a pobreza, a prostituição, o consumo de drogas, a ignorância, a alienação, o desemprego, dentre tantos outros indicadores de segregação do homem para a delinquência e a marginalidade. Isso tem como consequência desolações, desafetos, apatias, desajustes, agressões e desestruturação da personalidade humana.

Trataremos, especificadamente, das “Medidas Protetivas de Urgência” – da

urgência na concessão das medidas. Introdutoriamente fala-se da Prisão Preventiva, onde o juiz, de ofício ou provocado, pode decretar a prisão provisória em face do agressor, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Em seguida, enfoca-se a Decretação da Prisão; a entrega da intimação; do afastamento do lar; distanciamento do agressor. Cuidou-se, ainda, de mostrar a importância da atuação do Ministério Público.

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 1 Violência doméstica e familiar: conceito

O instituto em questão, Violência contra a Mulher, é conhecido também como Violência Doméstica.

De acordo com a Lei 11.340/2006, em seu artigo 5º, entende-se por Violência

Doméstica: qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.

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A violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder

historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens e impedindo o pleno avanço das mulheres. (BRASIL, 2007, p. 2). 1.1 Objeto da Lei 11.340/2006

A Lei 11.340/2006 extraiu dentre os mais variados tipos de violência comum uma nova espécie, qual seja, aquela praticada contra a mulher (violência própria), no seu âmbito doméstico, familiar ou de intimidade. Nesses casos, a ofendida passa a contar com precioso estatuto, não somente de caráter repressivo, mas, sobretudo, preventivo e assistencial, criando mecanismos aptos a coibir essa modalidade de agressão. Não queremos deduzir, com isso, que apenas a mulher é potencial vítima de violência doméstica. Também o homem pode sê-lo, conforme se depreendem da redação do § 9º, do art. 129, do CP, quando não restringiu o sujeito passivo, abrangendo ambos os sexos. O que a lei em comento limita são as medidas de assistência e proteção, estas sim aplicáveis somente à ofendida, vítima mulher. 1.2 Lei Maria da Penha: O porquê dessa denominação

A Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher foi sancionada pelo presidente “Lula”, no dia 7 de agosto de 2006, e recebeu o nome de Lei Maria da Penha Maia, sendo que, mereceu até comentários da parte da presidência: “Essa mulher renasceu das cinzas para se transformar em um símbolo da luta contra a violência doméstica no nosso país”, afirmou o presidente.

O projeto foi elaborado por um grupo interministerial a partir de um anteprojeto

de organizações não-governamentais. O governo federal o enviou ao Congresso Nacional no dia 2 de novembro de 2004. Lá, ele se transformou no Projeto de Lei de Conversão 37/2006, aprovado e agora sancionado.

A biofarmacêutica Maria da Penha Maia lutou durante 20 anos para ver seu

agressor condenado. Ela virou símbolo contra a violência doméstica. Em 1983, o marido de Maria da Penha, o professor universitário Marco Antônio

Herredia, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez, deu um tiro e ela ficou paraplégica. Na segunda, tentou eletrocutá-la. Na ocasião, ela tinha 38 anos e três filhas, entre 6 e 2 anos de idade.

A investigação começou em junho do mesmo ano, mas a denúncia só foi

apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro de 1984. Oito anos depois,

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Herredia foi condenado a oito anos de prisão, mas usou de recursos jurídicos para protelar o cumprimento da pena.

O caso chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da

Organização dos Estados Americanos (OEA), que acatou, pela primeira vez, a denúncia de um crime de violência doméstica. Herredia foi preso em 28 de outubro de 2002 e cumpriu dois anos de prisão. Hoje, está em liberdade.

Após as tentativas de homicídio, Maria da Penha Maia começou a atuar em

movimentos sociais contra violência e impunidade e, hoje, com 62 anos de idade completados em fevereiro de 2007, é coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV) no seu Estado, o Ceará.

Ela comemorou a aprovação da lei: "Eu acho que a sociedade estava aguardando

essa lei. A mulher não tem mais vergonha de denunciar. Ela não tinha condição de denunciar e ser atendida na preservação da sua vida" lembrou. Maria da Penha recomenda que a mulher denuncie a partir da primeira agressão. "Não adianta conviver, porque a cada dia essa agressão vai aumentar e terminar em assassinato.” (SANTOS, 2007, p. 1).

Segundo dados obtidos em reportagem publicada na Internet que trata do

progresso das mulheres no Brasil e comenta o caso de “Maria da Penha” expondo sobre a condenação de seu marido, Marco Antônio Heredia, autor da tentativa de homicídio contra sua pessoa, extrai-se que Marco Antônio foi condenado à pena de 10 anos, da qual não cumpriu 1/3 em regime fechado. Preso em setembro de 2002, foi posto em regime aberto, retornando para o Estado do Rio Grande do Norte.

É de se lembrar que à época em que foi perpetrado o crime, no ano de 1983,

ainda não entrara em vigor a Lei 8.930/94 (etiquetando o homicídio qualificado como hediondo), o que permitiu a progressão de regime ao condenado.

Dentre as deliberações tomadas pela Comissão Interamericana de Direitos

Humanos, encontra-se o pagamento de uma indenização de 20 mil dólares em favor de Maria da Penha, a título de reparação pelo dano sofrido. Esse pagamento, segundo a reportagem acima mencionada, é objeto de discussão entre a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e o governo do Estado do Ceará.

1.3 Por que muitas mulheres sofrem caladas?

Estima-se que mais da metade das mulheres agredidas sofrem caladas e não pedem ajuda. Para elas é difícil dar um basta na situação. Muitas sentem vergonha ou dependem emocionalmente ou financeiramente do agressor; outras acham que “foi só daquela vez” ou que, no fundo, são elas as culpadas pela violência; outras não falam nada por causa dos filhos, porque têm medo de apanhar ainda mais ou porque não querem prejudicar o agressor, que pode ser preso ou condenado socialmente. E ainda tem também aquela ideia do “ruim com ele, pior sem ele”.

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Muitas se sentem sozinhas, com medo e vergonha. Quando pedem ajuda, em

geral, é para outra mulher da família, como a mãe ou irmã, ou então alguma amiga próxima, vizinha ou colega de trabalho. Já o número de mulheres que recorrem à polícia é ainda menor.

Isso acontece principalmente no caso de ameaça com arma de fogo, depois de

espancamentos com fraturas ou cortes e ameaças aos filhos. 1.4 Constitucionalidade

Questiona-se a constitucionalidade da lei, vez que, num primeiro momento, parece discriminatória, tratando a mulher como “eterno” sexo frágil. Deixando desprotegido o homem, presumidamente impotente.

Tal diferenciação, como se sabe, há muito foi espancada pela Constituição

Federal que, no seu art. 226, § 5, equipara ambos os sexos em direitos e obrigações, garantindo aos dois sexos, no § 8º, proteção no caso de violência doméstica. É o que pareceu, em bem elaborado artigo, por João Paulo de Aguiar Sampaio Souza e Tiago Abud da Fonseca, quando ressaltam que não é preciso muito esforço para perceber que a legislação infraconstitucional acabou por tratar de maneira diferenciada a condição de homem e mulher e o status entre filhos que o poder constituinte originário tratou de maneira igual, criando, aí sim, a desigualdade na entidade familiar. (SOUZA, João Paulo de Aguiar Sampaio; FONSECA, Tiago Abud da. A aplicação da Lei 9.099/95 nos casos de violência doméstica contra a mulher. Boletim do IBCCrim, n.168, p. 4, nov./2006).

Para tornar a questão mais clara, citam-se exemplos de absurda injustiça para

com o homem, a saber: Numa agressão mútua o que justifica a mulher ficar amparada pelo presente diploma e o homem não? Sabendo que a violência doméstica não se resume na agressão do marido contra a mulher, qual o motivo para se proteger a filha agredida pelo pai e o filho agredido não? Para uma agressão do filho contra a mãe há lei específica protegendo a vítima, porém, para a sua agressão contra o pai, não? Não bastasse, tipos penais que discriminavam o homem foi alvo de recentes mudanças legislativas, corrigindo a odiosa discriminação, como aconteceu com o atentado ao pudor mediante fraude (onde se lia mulher honesta, a Lei 11.106/2005 alterou para alguém, abrangendo o homem) ou no tráfico de pessoas (antes da Lei 11.106/2005, tipificava-se somente o tráfico de mulheres).

Nessa linha é o pensar de Valter Foleto Santin: como se vê, a pretexto de

proteger a mulher, numa pseudopostura ‘politicamente correta’, e mulher, ao prever sanções a uma das partes do gênero humano, o homem, pessoa do sexo masculino, e proteção especial à outra componente humana, a mulher, pessoa do sexo feminino, sem reciprocidade, transformando o homem num cidadão de segunda categoria em relação ao sistema de proteção contra a violência doméstica, ao proteger especialmente a mulher, numa aparente formação de casta feminina.

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Apesar dos exemplos aduzirem a tese da inconstitucionalidade, pensamos que uma interpretação conforme pode fomentar a sua aplicação, como exige as estatísticas que demonstram a situação de verdadeira calamidade pública que assumiu a agressão contra as mulheres. Esclarecem, corretamente, Helena Omena Lopes de Faria e Mônica de Melo: “O sistema geral de proteção tem por endereçado toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade. Por sua vez, o sistema especial de proteção realça o processo de especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto de forma concreta e específica, pois determinados sujeitos de direitos, ou certas violações de direitos exigem uma resposta diferenciada. Importa o respeito à diversidade e diferença, assegurando-se um tratamento especial”. (SANTIN, Valter Foleto. Igualdade constitucional na violência doméstica. Disponível em: <www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 03 out. 2006.)

Letícia Massula adverte com muita propriedade, que “dar o mesmo tratamento

jurídico a um delito de trânsito e um delito decorrente de violência doméstica significa banalizar sobremaneira essa última”. Com efeito, a Lei 9.099/95 encaixa-se muito bem à orientação da moderna Penologia, mas não serve como instrumento estatal para a coibição da violência no âmbito das relações familiares, constitucionalmente determinada.

A hipótese da composição de danos civis em casos que aumentam o conflito

psicológico em que se debate a vítima do crime, cuja configuração, por menor que seja a marca deixada no corpo, é de natureza grave, gravíssima.

Nesse tipo, agressor e vítima emaranham-se em sentimentos de família, atuando

nos moldes secularmente construídos por homens e para homens, restando para a mulher a humilhação e o medo. Que quantia reparará a sua humilhação frente aos filhos, à vizinhança, ao mundo? Sua renúncia ao direito de queixa ou representação despertará no agressor a consciência de que ele não é seu dono? Que ela não é um objeto de sua propriedade?

Nem transação penal, nem restrição de direitos, nem multas têm adiantado

pontos positivos no combate à violência doméstica contra a mulher. Qualquer advogada ou advogado que lida com o Direito de Família e suas tangências com o Direito Criminal, já ouviu relatos de suas clientes sobre o cinismo com que a maioria dos agressores reage frente às penas restritivas de direitos.

Não se trata de folclore a conhecida e desdenhosa alusão à “doação de cestas

básicas”. “A certeza da impunidade constitui o maior estímulo ao crime”, diz o velho aforismo jurídico. Há de ser maior a ameaça penal, há de ser mais visível a atuação do aparelho repressor do Estado para que se amenizem as estatísticas relativas a homicídios, ameaças, lesões corporais e demais expressões de crueldade contra a mulher. Demonstrada a gravidade que reveste o crime de lesão corporal na esfera da violência doméstica, malgrado a pena que lhe é cominada (detenção de 6 meses a 1 ano), urge sua retirada da ambiência da Lei nº 9.099/95 para que o tratamento legal próprio, à vista de sua especificidade, lhe seja dado com vigor.

Com isso e, principalmente, com a criação de Varas Criminais Especiais de

Crimes contra a Mulher e os outros mecanismos previstos no PL nº 4559, em trâmite no

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Congresso Nacional, o Brasil, por fim, entrará na rota internacional das ações de prevenção e diminuição da violência doméstica e de gênero.

1.5 Tratados Internacionais

Basta uma simples leitura dos vários tratados ratificados pelo Brasil para concluirmos que a presente norma foi além, extrapolando o âmbito da proteção desejada pelos referidos diplomas, abrigando a mulher não apenas no seu ambiente doméstico familiar, mas também “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convívio com a ofendida, independentemente de coabitação”. 1.6 Direitos e Garantias Fundamentais da Mulher

Os artigos 2º e 3º da referida Lei traz-nos os direitos fundamentais de qualquer mulher, qual seja, direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito à convivência familiar comunitária, independentemente da sua classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião.

A Convenção sobre a eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a

Mulher foi, dentre as Convenções da ONU, a que mais recebeu reservas por entidades não governamentais, é que houve o reconhecimento de que os direitos da mulher também são direitos humanos, ficando consignado na Declaração e Programa de Ação de Viena que: “Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais.” (PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1998, p. 373). 1.7 Fins sociais

Ao ressaltar que o intérprete da lei deve levar em conta os fins sociais, o legislador tomou de empréstimo ideia contida na Lei de Introdução ao Código Civil, Dec.-lei 4.657/42, que em seu art. 5º dispõe que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige [...].” (BRASIL, 1942, p. 1). 21

Trata-se da chamada interpretação sociológica, cujo método se baseia na

adaptação do sentido da lei às realidades sociais, enfim, conferir à norma um significado que a insira no contexto em que é concebida.

O intérprete da Lei deve estar com o espírito desarmado, despido de

preconceitos, livre de fetichismo e atento à realidade que o cerca, para enfrentar os desafios propostos pela Lei, pois o Direito é uma norma essencialmente viva, está destinada a reger homens, seres que se movem, pensam, agem, mudam, modificam-se, é

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aí que a interpretação das leis não deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil.

Hoje não se tem o porquê de agir como em 1812, como ensinava o Código de

Baviera, que chegava a proibir o juiz de interpretar a lei, ou então, à época de Napoleão, onde o civilista não ensinava civil a seus alunos, mas sim o Código. Hoje a realidade é outra, o intérprete adequou as normas aos dias em que vive, não se deixando mais prender a valores éticos ou religiosos, como por exemplo, deixando de reconhecer a existência de relacionamentos homossexuais, os quais sempre existiram, sendo hoje, a necessidade de sua tutela maior que há cinquenta anos, em face de novos direitos, os quais naquela época eram inconcebíveis. 1.8 A Agressão no âmbito da unidade doméstica, familiar e íntima de afeto.

As agressões no âmbito da unidade doméstica compreendem aquela praticada no espaço caseiro, envolvendo pessoas com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, integrantes dessa aliança, como por exemplo, a agressão do patrão em face da empregada.

A violência no âmbito da família engloba aquela violência que acontece dentro

da família, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa).

Quanto à relação íntima de afeto, é qualquer agressão inserida em um

relacionamento estreito entre duas pessoas, fundado em camaradagem, confiança, amor, entre outros, basta à convivência presente ou passada, independente de coabitação. 1.9 Violação dos Direitos Humanos

A violência, qualquer que seja, representa um atentado aos direitos humanos, quer seja a vítima homem ou mulher. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, foi incisiva ao alertar que toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (1948, p. 1).

De sorte que, para configurar um atentado aos direitos humanos basta ser

humano.

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DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A

MULHER 2 FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. a) Violência física

Está prevista no art.7º, inciso I, da Lei 11.340/2006, que diz que a violência

física é o uso da força, mediante socos, tapas, pontapés, empurrões, arremesso de objetos, queimaduras, etc., visando, desse modo, ofender a integridade ou a saúde corporal da vítima, deixando ou não marcas aparentes, naquilo que se denominam, tradicionalmente, vis corporalis. b) Violência psicológica

Esta previsão legal está inserida no inciso II, do art. 7º, da Lei 11.340/2006, ensinando que a violência Psicológica é a ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal, configurando a vis compulsiva. c) Violência sexual

O inciso III, de forma ampla, entende por Violência Sexual a ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual, físico ou verbal, ou a participar de outras relações sexuais com uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Considera-se como violência sexual, também, o fato de o agressor obrigar a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros.

Consta ainda do Código Penal Brasileiro: a violência sexual pode ser

caracterizada de forma física, psicológica ou com ameaça, compreendendo o estupro, a tentativa de estupro, a sedução, o atentado violento ao pudor e o ato obsceno.

d) Violência patrimonial

Entende-se por violência Patrimonial qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,

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documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Esta forma de violência raramente se apresenta separada das demais, servindo quase sempre, como meio para agredir, física ou psicologicamente, a vítima.

Guilherme de Souza Nucci questiona a utilidade do dispositivo, ao menos na

seara penal: “Lembremos que há as imunidades absoluta ou relativa, fixadas pelos arts. 181 e 182 do Código Penal, nos casos de delitos patrimoniais não violentos no âmbito familiar”. e) Violência moral

Observa o inciso V, a violência verbal, entendida como qualquer conduta que consista em calúnia, difamação ou injúria, normalmente se dá concomitante à violência psicológica. 2.1 Fases da violência doméstica

As fases da situação de violência doméstica compõem um ciclo que se pode tornar vicioso, repetindo-se ao longo de meses ou anos.

Primeiro, vem a fase da tensão, que vai se acumulando e se manifestando por

meio de atritos, cheios de insultos e ameaças, muitas vezes recíprocos. Em seguida, vem a fase da agressão, com a descarga descontrolada de toda

aquela tensão acumulada. O agressor atinge a vítima com empurrões, socos e pontapés, ou às vezes usa objetos, como garrafa, pau, ferro e outros.

Depois, é a vez da fase da reconciliação, em que o agressor pede perdão e

promete mudar de comportamento, ou finge que não houve nada, mas fica mais carinhoso, bonzinho, traz presentes, fazendo a mulher acreditar que aquilo não vai mais voltar a acontecer.

É muito comum que esse ciclo se repita, com cada vez maior violência e

intervalo menor entre as fases. A experiência mostra que, ou esse ciclo se repete indefinidamente, ou, pior, muitas vezes termina em tragédia, com uma lesão grave ou até o assassinato da mulher. 2.1.1 Violência e religião

A violência contra as mulheres é um fenômeno antiquíssimo e considerado o

crime encoberto mais praticado no mundo.

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Tem sido legalizado, através dos tempos, por leis religiosas e seculares, legitimado por diferentes culturas e por mitos da tradição oral ou escrita.

Em seus cursos sobre a relação violência e religião, o grupo “Católicas pelo Direito de Decidir” enfatiza que a legitimidade que a religião tem dado à subordinação da mulher não é essencialmente divina.

Temos o direito de questionar e não aceitar aqueles aprendizados teológicos e

religiosos que fomentam o poderio do homem e a subordinação da mulher, sustentando assim a violência.

Deve-se “suspeitar” das imagens sagradas que possam estar legitimando uma

relação violenta e que possa estar motivando uma eterna discriminação e desigualdade entre homens e mulheres. 2.1.2 Violência e saúde - física e psicológica

A violência contra a mulher, além de ser uma questão política, cultural, policial e jurídica, é também, e principalmente, um caso de saúde pública. Muitas mulheres adoecem a partir de situações de violência em casa.

Muitas das mulheres que recorrem aos serviços de saúde, com reclamações de

enxaquecas, gastrites, dores difusas e outros problemas, vivem situações de violência dentro de suas próprias casas.

A ligação entre a violência contra a mulher e a sua saúde tem se tornado cada

vez mais evidente, embora a maioria das mulheres não relate que viveu ou vive em situação de violência doméstica. Por isso é extremamente importante que os profissionais de saúde sejam treinados para identificar, atender e tratar as pacientes que se apresentam com sintomas que podem estar relacionados a abuso e agressão. 2.1.3 Violência e saúde mental

A mulher não deve ser vista apenas como uma “vítima” da violência que foi provocada contra ela, mas como elemento integrante de uma relação com o agressor que ocorre em um contexto bastante complexo, que às vezes se transforma em uma espécie de jogo em que a “vítima” passa a ser “cúmplice”.

A mulher às vezes faz uma denúncia formal contra o agressor em uma delegacia

especializada para, logo depois, retirar a queixa. Outras vezes, ela foge para uma casa de abrigo, levando consigo as crianças por temer por suas vidas e, algum tempo depois, voltam ao lar, para o convívio com o agressor. São situações que envolvem sentimentos, forças inconscientes, fantasias, traumas, desejos de construção e destruição, de vida e de morte.

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DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO 3 PROGRAMAS DE PREVENÇÃO

Um conjunto articulado de ações entre União, Estados, Distrito Federal, Municípios e entes não governamentais, efetivará as obrigações assumidas pelo Brasil quando da ratificação da Convenção de Belém do Pará (art. 8º), tais como adotar programas para:

a) fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos;

b) modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, incluindo a construção de programas de educação formais e não-formais apropriados a todo nível do processo educativo, para contrabalançar preceitos e costumes e todo tipo de práticas que se baseiem na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher que legitimam ou exacerbam a violência contra a mulher;

c) fomentar a educação e capacitação do pessoal na administração da justiça, policial e demais funcionários encarregados da aplicação da lei, assim como do pessoal encarregado das políticas de prevenção, sanção e eliminação da violência contra a mulher;

d) aplicar os serviços especializados apropriados para o atendimento necessário à mulher objeto de violência, por meio de entidades dos setores público e privado, inclusive abrigos, serviços de orientação para toda a família, quando for o caso, e cuidada e custódia dos menores afetados;

e) fomentar e apoiar programas de educação governamentais e de setor privado destinados a conscientizar o público sobre os problemas relacionados com a violência contra a mulher, os recursos jurídicos e a reparação correspondente;

f) oferecer à mulher, objeto de violência, acesso a programas eficazes de reabilitação e capacitação que lhe permitam participar plenamente da vida privada e social;

g) estimular os meios de comunicação a elaborar diretrizes adequadas de difusão que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher em todas as suas formas e a realçar o respeito à dignidade da mulher;

h) garantir a investigação e recopilação de estatísticas e demais informações pertinentes sobre as causas, consequências e frequência da violência contra a mulher, com o objetivo de avaliar a eficácia das medidas para prevenir, punir e eliminar a violência contra a mulher e de formular e aplicar as mudanças que sejam necessárias; e

i) promover a cooperação internacional para o intercâmbio de ideias e experiências e a execução de programas destinados a proteger a mulher objeto de violência.

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3.1 Atendimento policial especializado

A criação de delegacias especializadas, por si só, já importaria em notável avanço.

Mas não basta a sua criação. É de rigor que se promova treinamento

especializado aos policiais que exercerão suas atividades junto a tais unidades. Que se escolham pessoas que revelem aptidão para o trato da mulher e sensibilidade para abordagem dos problemas por ela suportados. E que se dê preferência a policiais do sexo feminino em face do constrangimento natural que se verifica quotidianamente, quando a mulher se vê obrigada a narrar fatos incômodos para homens nem sempre preparados para ouvi-la. Muitas vezes as vítimas são mais maltratadas por policiais, com seu descaso, indiferença e desrespeito, do que pelo próprio vitimizador. A vítima é interrogada como se fosse culpada de um ilícito, sem qualquer contemplação, impondo-se-lhe uma agonia psíquica intolerável.

Foi com o objetivo de evitar essa espécie de comportamento que a Portaria

11/1977 do Delegado Geral de Polícia do Estado de São Paulo estabelece que as Delegacias de Defesa da Mulher devam ser designadas, preferencialmente, policiais civis do sexo feminino, principalmente para o exercício das funções relacionadas ao atendimento público.

Atualmente, segundo dados obtidos junto à Secretaria Especial de Políticas para

as Mulheres (SPM), são quase 400 (quatrocentas) Delegacias espalhadas pelo País, praticamente em todas as unidades da federação, com ação voltada, especialmente, à defesa da mulher. DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

FAMILIAR 4 ASSISTÊNCIA À MULHER

Os mecanismos de assistência à mulher tripartem-se em: a) assistência Social, incluindo a ofendida no cadastro de programas assistenciais

do governo federal, estadual e municipal; b) à Saúde, compreendendo o acesso aos benefícios decorrentes do

desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual;

c) a Segurança Pública, garantindo a vítima proteção policial, bem como abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida e, se necessário, acompanhamento da ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar.

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4.1 Prioridade de remoção

Das mais salutares a intenção do legislador ao assegurar, em favor da mulher vítima de violência, a garantia no emprego, seja ele público ou privado (art. 9º, III).

A lei em estudo criou mais uma possibilidade de remoção, a pedido da interessada e independentemente do interesse da administração, a ser deferida àquela “mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica”. (CUNHA, 2007, p. 50).

Aí começam os empecilhos de ordem prática a dificultar a aplicação do

dispositivo que, na teoria, se traduz em relevante inovação. A mulher que for vítima de violência doméstica ou familiar, se for servidora

pública, poderá ser removida do órgão que ela trabalha para outro, e se for funcionária da iniciativa privada, ela poderá então, ter garantido o seu vínculo de emprego por até 6 (seis) meses.

Esse afastamento, com prazo certo e fim específico, seria mantido enquanto

perdurasse a situação de risco experimentada pela ofendida. Superado esse risco, a mulher tornaria ao cargo original, sem causar prejuízos a terceiros interessados, tampouco à administração. Com isso se asseguraria, ainda, maior eficácia da decisão judicial, menos sujeita a impugnações pela via do mandado de segurança.

4.2 Garantia de emprego

Houve preocupação do legislador com a conservação da fonte de trabalho da mulher, tendo em vista que, dependendo do caso concreto, ela pode ser vítima duas vezes. A primeira ao sofrer qualquer espécie de violência, dentre as tratadas nesta lei e, a segunda, ao ser obrigada, muitas vezes, a deixar o emprego por conta destas mesmas agressões.

Ao juiz é dado, nesse caso, garantir à mulher a manutenção dessa relação

jurídico-laboral, a exemplo do que se verifica no art. 471 da CLT, que trata da suspensão e da interrupção do contrato de trabalho, que traz: “Ao empregado, afastado do emprego, são asseguradas, por ocasião de sua volta, todas as vantagens que, em sua ausência, tenha sido atribuída à categoria a que pertencia na empresa”. (BRASIL/CLT, 2007, p. 123).

Há várias dúvidas com relação a esse assunto, uma delas é, ao cessar o trabalho,

a mulher continuará recebendo remuneração, numa hipótese de “interrupção” do contrato de trabalho ou, ao contrário, não haverá trabalho e tampouco salário, e aí estaríamos diante de um caso de “suspensão” do contrato de trabalho?

Se houver uma suspensão, sofre a mulher grave conseqüência em sua situação,

pois deixará de receber salário, quando já se encontra privada do auxílio do marido ou

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companheiro agressor, agora, tratando de interrupção do contrato de trabalho, quem sofre é o empregador, posto que obrigado a pagar o salário da empregada sem que possa contar com a respectiva contraprestação.

A solução que parece mais adequada seria de suspensão do contrato de trabalho,

na qual a mulher teria mantido seu vínculo empregatício, não recebendo, porém, salário do empregador, mas sim do órgão previdenciário, como no caso da licença gestante (art. 392 CLT), não importando, tal pagamento, em nenhum ônus para o empregador.

4.3 Do atendimento pela autoridade policial

O projeto de lei original (Projeto de Lei 4.559/2004) previa que “nas hipóteses de violência familiar ou doméstica praticada ou na iminência de serem praticadas contra mulheres deverá ser imediatamente notificada à autoridade ou o agente policial para que possa comparecer no local”, conforme está no art. 6º, inciso I, do Código de Processo Penal, que tem aplicação subsidiária na lei em exame. 4.4 Proteção policial

Nada fácil à autoridade policial desincumbir-se de tão árdua tarefa consistente em garantir à vítima proteção policial. Não raras às vezes, nem em favor de autoridades públicas essa responsabilidade pode ser firmada. Noutras, a polícia não garante proteção a si mesma.

Pode e deve, como previsto no inciso IV, acompanhar a ofendida no momento

de retirada de seus bens do local onde mora. Deve representar pela prisão preventiva do agressor, conforme autoriza o art. 20 da lei. Agora, ao pretender garantir a segurança, parece que o legislador revelou-se um tanto otimista ou pretensioso, divorciado mesmo da realidade fática do cotidiano.

Feliz a previsão legislativa, garantindo à ofendida segurança capaz de permitir-

lhe retornar ao local dos fatos para retirar seus pertences. No calor da violência, a fuga da mulher, fisicamente mais frágil, é quase sempre

a única alternativa que lhe resta, muitas vezes sem que tenha, inclusive, oportunidade para retirada de seus objetos pessoais. A simples confecção do boletim de ocorrência ou termo circunstanciado não lhe garantia a devolução desses bens, ao contrário, servia, muitas vezes, de moeda de troca da “retirada da queixa”.

4.5 Exame médico

Uma das finalidades do encaminhamento da ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal é atestar, incontinenti, o tipo e grau da lesão sofrida,

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evitando que eventuais vestígios se apaguem ou sejam alterados antes de serem examinados.

Os laudos ou prontuários médicos serão admitidos como meios de prova, como

dispõem o art.12, § 3º, da lei ora examinada. 4.6 Prisão em flagrante

As infrações penais, cometidas contra a mulher, nas condições previstas na lei, admitem a prisão em flagrante. Mesmo aquelas consideradas de menor potencial ofensivo.

Com efeito, prevê o parágrafo único do art. 69, da Lei 9.099/95, que não se

imporá prisão em flagrante ao autor do fato que, de imediato, for encaminhado ao JECrim ou se comprometer a ele comparecer. Ocorre que o art. 41 do diploma em exame afasta, expressamente, a incidência da Lei 9.099/95 nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Com isso, restaura a possibilidade de prisão em flagrante para qualquer espécie de infração penal, irrelevante, aqui, a pena cominada.

Nas hipóteses em que a infração penal perpetrada for de ação penal pública

condicionada à representação ou de ação penal privada, cumpre à autoridade policial ouvir a vítima, para que esta manifeste sua intenção de representar contra seu ofensor ou de, posteriormente, ajuizar queixa-crime contra ele. Deve a autoridade policial, ainda, explicar à ofendida as conseqüências de sua opção no sentido de que, na hipótese de manifestação positiva, o agressor será preso em flagrante. Ao contrário, se não representar ou não manifestar interesse na posterior propositura da queixa, será ele colocado em liberdade, ante a impossibilidade de lavratura do flagrante.

O estatuto novel, com efeito, sem embargo do rigor com que tratou a infração

penal voltada contra a mulher, não introduziu qualquer impedimento quanto à concessão da liberdade provisória pela autoridade policial, restando, assim, intactos, os dispositivos do Código de Processo Penal que cuidam da matéria. Mesmo a lesão corporal leve que, nos termos do art. 44 da lei, mereceram uma reprimenda bem mais severa, permite a concessão da fiança, vez que apenada com detenção.

O inciso I, do art. 12, da referida lei, exige o óbvio, nas infrações penais de ação

penal pública condicionada à representação da vítima, deve-se materializar o pedido-autorização, demonstrando a presença da condição de procedibilidade. (CUNHA, 2007, p. 59).

4.7 Medidas protetivas

O dispositivo deixa claro que a concessão das medidas protetivas de urgência, previstas nos arts. 22, 23 e 24 da lei, dependem de pedido da ofendida. E assim deve

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ser, afinal nada impede que a vítima, embora tenha sofrido uma infração penal, não almeje a adoção de nenhuma daquelas medidas.

Num exemplo: a vítima teve sua honra atingida por ato do marido, fato que

configura uma violência moral (art. 7.º, V), a merecer, portanto, a proteção da lei. Conquanto tenha experimentado essa espécie de violência, pode a ofendida entender desnecessário seu afastamento do lar conjugal ou o do marido. Com isso, desnecessária seria, também, a fixação liminar de alimentos. Tampouco haveria lugar para qualquer restrição de acesso do agressor aos filhos.

Surge, a partir desse entendimento, aparente conflito com o art. 19 da lei, quando afirma que as medidas protetivas de urgência podem ser concedidas a pedido da vítima e mediante requerimento do Ministério Público.

Para harmonizar ambos os dispositivos, parecem mais adequados à conclusão de

que, em primeiro momento, perante a autoridade policial, cumpre à ofendida manifestar sua vontade no sentido de se adotar, ou não, as medidas urgentes. Nada impede, contudo, que mais adiante, possa o parquet, já em juízo, agir ex officio, pleiteando a adoção das medidas cabíveis, sobretudo quando em defesa de eventuais filhos incapazes advindo do conflituoso relacionamento.

Em síntese, cabe à vítima, segundo seu livre discernimento e após a devida

orientação a ser dada pela autoridade policial, auferir da necessidade das medidas de proteção.

Caso as dispense, deve a autoridade oficiar ao juízo, comunicando essa opção da

ofendida, deixando, assim, de remeter o pedido tratado no dispositivo em análise.

4.8 Normas aplicáveis

Uma das normas, oriundas do Código de Processo Civil, que pode ser aplicada à norma em comento é a que permite a intimação pelo correio, prevista no art. 238 do CPC.

Tal intimação, realizada, nos termos do art. 237, II do CPC, por meio de carta

registrada (AR), garante maior praticidade e rapidez, máxime quando se sabe da carência de pessoal que assola a maioria das comarcas brasileiras. É, também, um modo eficaz de se evitar que a própria ofendida entregue, a seu agressor, as intimações ou notificações, em preocupação que não passou despercebida pelo legislador, conforme se vê do parágrafo único do art. 21 desta lei:

Art. 21, Parágrafo Único. “A ofendida não poderá entregar intimação ou

notificação ao agressor.” (CUNHA, 2007, p. 59). O disposto neste parágrafo tem por escopo evitar sério inconveniente que, não

raras vezes, ocorria na prática. De sorte que a vítima, além de notificar a agressão perpetrada pelo marido ou companheiro, fato que, por si só, já era capaz de causar-lhe

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graves dissabores, se via, ainda, na obrigação de entregar ao agressor, a intimação para que comparecesse à Delegacia de Polícia ou mesmo ao Fórum.

Tratava-se de situação até comum, principalmente em locais dotados de

precárias condições de atendimento, com falta de pessoal e equipamentos materiais adequados. A partir de agora, a ciência dada ao agressor deverá ser feita pelo Estado, quer por meio da polícia, na fase extrajudicial, quer através de oficiais de justiça ou funcionários do fórum, já em juízo.

4.9 Rito

Cometido contra a mulher um crime que configure violência doméstica ou familiar, por exemplo, de estupro, o rito será o comum ou ordinário. Já se, nas mesmas condições, é a mulher vítima de uma ameaça, o rito será o sumário. Tratando-se de um crime contra a honra, o procedimento é o do art. 519 e ss., do CPP, e assim por diante. 4.10 Renúncia à representação

Sabendo que renúncia significa abdicação do exercício de um direito, clara está a impropriedade terminológica utilizada pelo legislador, quando, na realidade, pretendeu se referir à retratação da representação, ao da vítima reconsiderando o pedido-autorização antes externado. Mas mesmo essa alternativa encontra óbice na letra do art. 25, do CPP, que não admite a retratação depois de ofertada a denúncia. In casu, a audiência tratada no dispositivo em estudo é realizada quando já se tem a denúncia, conforme se verifica da parte final do artigo em comento, ao tempo, portanto, que não mais seria admitida a retratação.

Vê-se, assim, que a partir do advento da Lei Maria da Penha, os arts. 25 do CPP,

e 102 do CP, passaram a merecer uma nova leitura, de tal maneira que a retratação, nos casos de violência doméstica e familiar passa a ser admitida mesmo após a oferta da denúncia.

Como bem observa Eduardo Luiz Santos Cabette, “esta parece ser a melhor das

piores opções”. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, derrogado o art. 25, do CPP, para alongar o tempo para a retratação (jamais ‘renúncia’), teria o legislador criado uma nova formalidade processual antes do recebimento da denúncia, qual seja, a oitiva da vítima para que manifeste quanto a eventual retratação da representação anteriormente ofertada. Já nas fases anteriores, mantida estaria a sistemática tradicional da necessidade de satisfação da ‘condição de procedibilidade’ tanto para a instauração do inquérito policial, quanto para o oferecimento da denúncia.

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4.11 Penas vedadas pela Lei 11.340/2006

Como alertado na explicação do art. 41: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95.” (CUNHA, 2007, p. 126).

Houve, com a vigência da Lei 9.099/95, uma evidente vulgarização das

alternativas à pena de natureza real, em especial a imposição do pagamento de cestas básicas, que nem pena é.

Como resposta, o legislador, através do art. 17, vedou a aplicação nos casos de

violência doméstica e familiar contra mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa. A intenção é ver o agressor cumprir pena de caráter pessoal, isto é, privativa de liberdade ou restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade, limitação de fim de semana ou interdição temporária de direitos), mais adequada ao tipo de crime em análise.

5 DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

As medidas consideradas de urgência, tratadas neste capítulo, podem ser concedidas de ofício ou mediante provocação do Ministério Público, da ofendida, prescindindo, inclusive, do acompanhamento de advogado.

É o que se infere da análise deste dispositivo, juntamente com o art. 27 da Lei. Com efeito, o art. 27 torna obrigatória a assistência de advogado, mas faz uma

ressalva, exatamente, quanto ao art. 19. Vale dizer, dada à urgência da situação, a exigir, como tal, a adoção de medidas

imediatas de proteção à vítima, pode ela mesma se dirigir à presença do magistrado, postulando por seus direitos. Parece salutar que, uma vez passada a situação de urgência, se torne à regra geral do art. 27, nomeando-se advogado para acompanhamento da mulher vitimada. 5.1 Prisão preventiva

O art. 42, da Lei 11.340/2006, alargou as hipóteses de cabimento da prisão preventiva, acrescentando um inciso (IV) ao art. 313, do CPP, possibilitando ao juiz, de ofício ser provocado, decretar a prisão provisória em face do agressor, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Há delitos incompatíveis com a decretação de prisão preventiva. Ilustrando: a lesão corporal possui pena de detenção de três meses a três anos; a ameaça, de detenção de um a seis meses, ou multa. São infrações penais que não comporta preventiva, pois a pena a ser aplicada, no futuro,

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seria insuficiente para cobrir o tempo de prisão cautelar. Leve-se em conta, inclusive, para essa ponderação, que vigora no Brasil a chamada ‘política da pena mínima’, valem dizer, os juízes, raramente, aplicam pena acima do piso e, quando o fazem, é uma elevação ínfima, bem distante do máximo. 5.2 Constitucionalidade

Como salientado acima, a lei em estudo inovou no sentido de admitir a prisão preventiva para outra hipótese além daquelas relacionadas no art. 313 do CPP.

Assim, por exemplo, perpetrado um delito de lesão corporal leve contra a

mulher, nos moldes expostos pelo estatuto em exame, pode seu autor ter decretada a prisão preventiva, embora esse crime seja apenado com pena de detenção. De forma que, essa espécie de prisão provisória, na redação anterior do art. 313 do CPP, praticamente não existia para os crimes apenados com detenção, ganhou novo fôlego à partir da Lei Maria da Penha.

Essa iniciativa do legislador foi recebida com aplausos pela ainda incipiente

doutrina que se estabeleceu sobre o tema. Nesse sentido, nas sábias palavras de Eduardo Luiz Santos Cabette: o dispositivo

é providencial, constituindo-se em um utilíssimo instrumento para tornar efetivas as medidas de proteção preconizadas pela novel legislação. Não houvesse essa modificação, a maioria dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher ficaria privada do instrumento coercitivo da prisão preventiva por ausência de sustentação nos motivos elencados no art. 312, CPP, tradicionalmente e nos casos de cabimento arrolados no art. 313, CPP. (2006, p. 3).

Arremata o autor que a utilidade dessa inovação é cristalina. Basta, para

exemplificar, destacar a inocuidade da medida protetiva de urgência de proibição ao agressor de aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando um limite mínimo de distância entre estes e o agressor. Tal determinação judicial desprovida de um coercitivo rigoroso não passaria de formalidade estéril a desacreditar a própria justiça.

Não basta, para a decretação da medida de exceção, que o crime tenha sido

perpetrado contra a mulher, no âmbito doméstico ou familiar. É preciso que, além disso, estejam presentes, também, os pressupostos e fundamentos justificadores da prisão preventiva, elencadas no art. 312 do CPP, se exigirá a presença de prova da existência do crime e indício de sua autoria, a configurar o fumus boni iuris.

Além disso, a fim de completar o binômio clássico que inspira toda e qualquer

medida cautelar, é de rigor a demonstração do periculum in mora, previsto nas quatro hipóteses autorizadoras da prisão constantes da parte inicial do mencionado artigo, ou seja, prisão para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

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Outro dado nos parece fundamental, o art. 41 da lei que ampliou a redação do art.313 do CPP, permitiu a prisão preventiva “para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”. Tais medidas protetivas estão previstas nos arts. 18 usque 24 da lei. Ocorre que várias dessas medidas possuem, inequivocadamente, caráter civil. Ora, se decretar a prisão preventiva do agressor, como forma de garantir a execução de uma medida protetiva de urgência, de índole civil, parece provimento que incorrerá na inevitável pecha de inconstitucionalidade.

Com efeito, se a medida protetiva é de caráter civil, a decretação da prisão

preventiva, em um primeiro momento, violará o disposto nos arts. 312 e 313 do CPP, que tratam, por óbvio, da prática de crimes. E, pois, afrontará princípio constitucional esculpido no art. 5.º, LXVII, que autoriza a prisão civil apenas para as hipóteses de dívida de alimentos ou depositário infiel. Tais hipóteses, como é cediço, compõem um rol taxativo que, por importarem em restrição da liberdade, não admitem ampliação. De forma que, ao se imaginar possível a decretação da prisão preventiva para assegurar o cumprimento de uma medida de urgência de índole civil, se estaria criando uma nova hipótese de prisão civil, por iniciativa que é vedada ao legislador infraconstitucional.

Prisão Preventiva pressupõe, sempre, a prática de um crime. Para as hipóteses

não-penais de desobediência, deve o juiz lançar mão da tutela específica, expressamente prevista na lei em comento (art. 22, § 4.º), e que se presta, exatamente, para conferir efetivamente à decisão que tenha por objeto obrigação de fazer. Imaginar-se a possibilidade de decretação da preventiva ao marido que, contrariando ordem judicial, insiste em telefonar para a esposa, afronta de uma só vez, o art. 312 do CPP (que prevê a prisão preventiva apenas para crimes) e o próprio texto constitucional, ao se instalar uma nova modalidade de prisão civil.

Daí concluirmos ser cabível a prisão preventiva quando presentes os requisitos

expostos nos arts. 312 e 313 do CPP, dentre eles, quando a conduta do agente configurar, além de descumprimento de uma medida protetiva, a prática também de um crime. Afora isso, parece inconstitucional a medida. 5.3 Decretação da prisão

Para quem entende que a ação penal se condiciona à prévia representação da vítima, não poderá ser decretada a prisão preventiva sem que se conte com essa prévia condição de procedibilidade. Não faria sentido que se decretasse a prisão preventiva, se a ofendida, de plano, manifesta sua intenção de não representar contra seu ofensor. 5.4 Da Cautelaridade das Medidas Protetivas de Urgência que obrigam o agressor

As medidas elencadas neste dispositivo são adjetivadas pelo legislador como de urgência, assim como aquelas previstas no art. 23 e 24 da lei. Analisando as cautelares em geral, elas são providências urgentes, com as quais se busca evitar que a decisão da

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causa, ao ser obtido, não mais satisfaça o direito da parte, evitando que se realize, assim, a finalidade instrumental do processo, consistente em uma prestação jurisdicional justa.

Como tal, devem preencher os dois pressupostos tradicionalmente apontados

pela doutrina, para a concessão das medidas cautelares, consistentes no periculum in mora e fumus boni iuris.

Como destaca Fernando Célio de Brito Nogueira: sem que haja pelo menos um

começo de prova e uma situação de incontornável urgência, em tese amparada pelo direito positivo, o magistrado não tem como deferir nenhuma das medidas previstas, pois isso traduziria algo temerário. (p. 312).

Dessa forma, deve o juiz, ao analisar a conveniência da adoção de tais medidas,

atentarem à presença de tais pressupostos, podendo, inclusive, designar a audiência de justificação prévia de que trata o art. 804 do CPC. 5.4.1 Suspensão da posse ou restrição do porte de armas

Trata-se de medida que se mostra francamente preocupada com a incolumidade física da mulher, e com razão. Os dados estatísticos referentes à prática de crimes contra mulheres, com utilização de arma de fogo, são assustadores. Apenas para dar alguns números, interessante o teor de moção formulada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em 16 de setembro de 2005, à época em que se discutia o referendo que iria decidir, no dia 23 de outubro seguinte, sobre o desarmamento da população. Consta do documento que nas capitais brasileiras, 44,4% das mulheres vítimas de homicídio em 2002 foram mortas com arma de fogo. Em homicídios e tentativas de homicídios com arma de fogo, mais da metade das mulheres vítimas conheciam seu agressor, 53%. E mais de um terço dessas mulheres, 37%, tinham uma relação amorosa com seu agressor.

Daí o acerto do legislador em prever essa medida. O órgão competente a ser

comunicado é o SINARM – Sistema Nacional de Armas, da Lei 10.826/2003. Deverá, também, ser comunicada a Polícia Federal, órgão com atribuição para autorizar o porte de arma em todo o território nacional, segundo o art. 10 do mesmo diploma legal.

Acrescentamos que o conceito de “arma de fogo” deve ser alargado para incluir,

também, “acessório” ou “munição” e “artefato explosivo ou incendiário”, cuja posse irregular também configura crime, e mesmo “brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo”, cuja fabricação, venda, comercialização e importação são vedadas pelo art. 26 do Estatuto.

A razão desse entendimento reside no fato de que uma arma de brinquedo pode

ser eficazmente utilizada como meio intimidativo, cabendo ao juiz, conquanto não preveja a lei, determinar sua apreensão.

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5.4.2 Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência

A lei expressamente confere, ao juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, a possibilidade de determinar a separação de corpos entre vítima e agressor. Tal separação envolverá necessariamente, de um lado, uma mulher, na condição de ofendida. E, de outro, um homem ou mesmo outra mulher. Claro, na medida em que sustentamos que a lei abrange, também, as relações homoafetivas, deve-se concluir, por consequência, que nada impede o juiz de determinar a separação de corpos entre duas homossexuais.

Interessante anotar, nesse aspecto, que a Lei 10.455/2002 já trazia disposição

idêntica, quando acrescentou ao parágrafo único do art. 69 da Lei 9.099/95, a possibilidade de o juiz determinar ao autor, em caso de violência doméstica, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.

Trata-se de medida cautelar prevista no art. 888, VI, do Código de Processo

Civil, no art. 7.º, da Lei do Divórcio e no art. 1.562 do Código Civil. Em todas as hipóteses, o provimento abrange apenas aqueles que são casados. Quando o instituto é tratado na Lei do Divórcio, somente pode ser cogitado quando há um casamento. Já o dispositivo de CPC, quando prevê o afastamento temporário de um dos cônjuges, refere-se àqueles que são casados. E o Código Civil quando inseriu esta regra em capítulo que trata de casamento.

Nem por isso deve concluir que tal medida não possa proteger também, a

companheira, assim entendida aquela que mantém, com homem, uma união estável, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, na definição do caput, do art. 1.723, do CC. Tampouco está excluída da esfera de proteção a concubina, que impedida de casar, mantém uma relação não eventual com um homem, conforme a letra do art. 1.727 do mencionado codex. E, como já se alertou, é do espírito da lei a proteção, também, da homossexual feminina que demonstre a necessidade de afastamento do lar da companheira.

Casada ou não, tem a mulher a proteção da cautelar aqui tratada, máxime quando

o art. 22, § 1º, da lei em estudo, autoriza a concessão de outras medidas previstas na legislação em vigor, concluindo-se, sem maior esforço, que o rol previsto no art. 23 da lei é meramente exemplificativo, a admitir, portanto, ampliação. Conclusão reforçada pelo caput do art. 23, ao elencar as providências que o juiz pode tomar, sem prejuízo de outras medidas.

5.4.3 Restituição de bens

Nem sempre será fácil identificar a propriedade dos bens. No caso de casados sob o regime de comunhão parcial de bens, previsto no art. 1.658 e seguintes do Código Civil, os bens adquiridos durante a constância do casamento se comunicaram a ambos os cônjuges.

101

Parece mais conveniente, nesse caso, que o juiz adote o procedimento do arrolamento, nomeando a mulher como depositária dos bens, como previsto no art. 858, do Código de Processo Civil, até que sua propriedade fique definida na ação principal. 5.4.4 Proibição de comprar e vender

Tratando-se de bem imóvel, a lei exige o consentimento do cônjuge para a alienação do imóvel, à luz do art. 1.647, I, do Código Civil, exceto se o regime de bens for o de separação total. Impõe, ainda, uma forma solene para validade do negócio, que é a escritura pública, nos termos do art. 108, do CC. Para conferir, ademais, publicidade a tal negócio, a escritura depende do registro, sem o qual o alienante continua sendo considerado dono do bem, conforme dispõe os arts. 1.227 e 1.245, § 1.º, do CC. Portanto, se casados sob o regime de comunhão parcial de bens, só mesmo a autorização da mulher confere validade ao negócio, o que torna desnecessário o dispositivo em exame.

Se o regime é de separação absoluta, cada cônjuge tem a administração

exclusiva de seu patrimônio, podendo livremente alienar seus bens, conforme o art. 1.687 do Código Civil. O mesmo ocorre se as partes vivem uma união estável. Se o bem é de propriedade de um apenas, este pode livremente dele dispor. Caso se trate de uma propriedade em comum, para utilizar a expressão do legislador, a alienação do imóvel deve contar, necessariamente, com o consentimento de ambos os proprietários. 5.4.5 Suspensão das procurações

Quando o legislador se refere à suspensão das procurações estende essa possibilidade, sem dúvida, ao mandado judicial, referido no art. 692 do Código Civil.

No conceito de Carlos Roberto Gonçalves: “Mandato Judicial é o outorgado a

pessoa legalmente habilitada para a defesa de direito e interesses em juízo.” (2004, p. 411).

Ou seja, é aquele conferido em favor do advogado para prática de atos que lhe

são privativos. Pode ocorrer, por exemplo, que o marido agressor, na qualidade de advogado, represente em Juízo sua esposa. Nada impede que, como medida protetiva de urgência à ofendida, o juiz determine a suspensão desse contrato.

102

DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 6 MINISTÉRIO PÚBLICO COMO FISCAL DA LEI

No âmbito do Juizado de violência Doméstica e Familiar contra a mulher, a atuação do Ministério Público é obrigatória, seja a ação de índole civil ou criminal. É que a situação da mulher agredida, sempre recomendará essa participação e, por isso mesmo, a lei confere ao parquet a iniciativa das medidas relacionadas no dispositivo que vem adiante. Se a proposta a ação principal (por exemplo, de separação judicial perante a Vara da Família), essa intervenção somente se justificará em virtude da hipossuficiência (incapacidade) dos envolvidos, ou em razão da idade de uma das partes.

No Estado de São Paulo há o ato 313/2003, do Procurador-Geral de justiça,

liberando o promotor de oficiar em ações de alimentos, separações judiciais, conversão deste em divórcio etc., quando partes forem maiores e capazes. 6.1 Liberdade de opinião

O promotor de justiça, mesmo oficiando num feito em razão da hipossuficiência de uma das partes, conserva sua liberdade de opinião, não ficando adstrito, cegamente, aos interesses da parte assistida, o que torna possível que opine, inclusive, em desfavor dela. CONCLUSÃO

A escolha do tema de uma pesquisa, com esta, é bastante complexa, mas no meu caso, foi em virtude de eu ter tido a infeliz oportunidade de ter vivenciado um triste episódio de Violência Doméstica e Familiar em meu lar há muitos anos, mas que, se fechados os meus olhos, é como se estivesse passando um filme em minha cabeça e vendo tudo acontecendo. Como não era nada fácil registrar ocorrência em uma delegacia, pelo fato de sofrer ameaças de morte pelo marido, de sofrer novas agressões se falasse a qualquer pessoa que fosse. Se abandonasse o lar então, era surra na certa. Somente agora, depois de poder concluir este maravilhoso curso de Direito e estar diante de uma Lei que tem tudo para dar certo, e defender a nós, mulheres maravilhosas, é que vejo as coisas mudarem.

Felizmente, nos últimos anos, assiste-se à insurgência das mulheres que

resolveram não mais se calarem. A violência contra a mulher rompeu os limites do lar e configurou-se como questão pública, de responsabilidade do Estado que deve promover mudanças legais e institucionais capazes de impactar mentalidades e de contribuir para a construção de novas relações sociais entre homens e mulheres.

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Com o desenvolvimento deste presente trabalho, ficou claro que a Lei 11.340/2006, extraiu do caldo da violência comum uma nova espécie, qual seja, aquela praticada contra a mulher, no seu ambiente doméstico, familiar ou de intimidade. Nesses casos, a ofendida passa a contar com precioso estatuto, não somente de caráter repressivo, mas, sobretudo, preventivo e assistencial, criando deduzir, com isso, que apenas a mulher é potencial vítima de violência doméstica. Também o homem pode sê-lo, conforme o art. 129, § 9.º do CP, quando não restringiu o sujeito passivo, abrangendo ambos os sexos. O que a lei em comento limita são as medidas de assistência e proteção, estas sim aplicáveis somente à ofendida.

Com a Sanção desta Lei, o Estado brasileiro assume o seu dever de proteger e

garantir a vida e a segurança das mulheres. A partir da vigência da lei, acontecerão mudanças imediatas e concretas na vida de mulheres em situação de violência. Agressão contra a mulher no âmbito doméstico e familiar não será mais considerada como crime de menor potencial ofensivo, nem julgada pelas mesmas instâncias que arbitram discussões entre vizinhos ou desentendimentos no trânsito. Para tanto serão criados juizados especiais para que a ação penal, pela violência, e a ação civil, sejam julgadas de uma vez só.

Além disso, a nova lei tipifica violência doméstica e familiar como crime. Estabelece-se pena de três meses a três anos, proíbe a aplicação de multa

pecuniária ou penas alternativas, como doação de cesta básica, só permitindo a desistência da denúncia perante o juiz.

Possibilita a prisão do agressor em flagrante e a decretação de prisão preventiva,

proíbe que a mulher seja encarregada de entregar a intimação ao agressor, devolve à autoridade policial o poder de ouvir a vítima e o agressor e instalar inquérito policial, determina que um advogado acompanhe a mulher em todas as fases do processo, que ela seja ouvida sem a presença do agressor e comunicada pessoalmente quando for ele preso ou liberado da prisão.

A Lei 11.340/06 também define medidas para a proteção das mulheres em

situação de violência: o encaminhamento a programas e serviços de proteção, garantindo os direitos à guarda dos filhos e a seus dependentes; o benefício de programas sócias do governo para se manterem, se for servidora pública, terá prioridade na transferência para outra cidade ou Estado; se trabalhar na iniciativa privada, terá direito a afastamento por até seis meses, sem a perda do vínculo empregatício, entre outros pontos.

Concluindo, há de se dizer que o objetivo desta pesquisa, era levar ao

conhecimento de todas as mulheres e, sobretudo, propiciar-lhes a criação de uma grande consciência sobre os seus direitos. Espera-se que essa nova Lei possa encorajar as mulheres a denunciar a violência que sofrem.

Que todas nós tenhamos o direito a uma vida sem violência.

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Saraiva, 2006. 03. _______. Código Civil; Código Comercial; Código de Processo Civil;

Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 04. _______. Lei 9.099/95. Disponível em: < www.copodeleite.tits.org.br>. Portal

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105

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24. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005.

106

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

LÍVIA CHRISTINA BORGES SOARES LEMOS

RESUMO: Essa pesquisa teve como objetivo mostrar o posicionamento de diferentes ramos profissionais de nossa sociedade sobre a questão da Redução da Maioridade Penal, que é, indiscutivelmente, uma questão por demais debatida nos últimos anos por juristas, médicos, entidades relacionadas ao ensino, professores, parlamentares e por toda a população. Trata-se da possibilidade da redução, ou não, da maioridade penal de 18 para 16 anos, o que fará com um jovem de 16 anos seja considerado imputável e responda criminalmente por seus atos. Foi utilizada como método de pesquisa para esse trabalho monográfico a pesquisa em doutrinas, Códigos Penais e de Processo Penal, Constituições Federais, além de sites da internet, revistas e periódicos jurídicos. A discussão ainda está longe de ser resolvida e merece a atenção de todos os operadores do direito a fim de se trazer sempre a Justiça, assim como a melhor forma de diminuir a violência juvenil no Brasil. Palavras-chave redução: maioridade penal, favorável, contrário. INTRODUÇÃO

O Brasil é um país subdesenvolvido, com um crescimento enorme da miséria e concentrações de renda, onde são grandes as desigualdades sociais, pois poucos têm muito e muitos não têm quase nada.

Com um perfil assim desenhado, seria estranho não haver tanta violência.

Violência essa que causa mortes, perdas e só confirma o quanto a segurança pública brasileira é precária.

Aproveitando o clima de insegurança disseminado no país frente aos crescentes

índices de criminalidade e, principalmente em virtude dos crimes bárbaros cometidos por menores, que tramitam atualmente no Congresso Nacional, vários projetos de lei que propõem o rebaixamento da maioridade Penal.

O fato é que, muito se tem falado sobre a maioridade penal devido a recentes

acontecimentos, mas, infelizmente, o assunto vem à tona somente com a ocorrência de um novo crime, em momentos de comoção nacional, oportunidade em que a sociedade se choca e pede providências, mas, como sempre, nunca nada se resolve.

Porém, apesar de inúmeros crimes, não se trata de um assunto fácil de ser

solucionado. Sempre quando o tema é violência e criminalidade, especialmente envolvendo jovens, discussões e polêmicas, tomam conta do debate público.

Existem posicionamentos divergentes, argumentos para várias situações,

diversas hipotéticas soluções, que devem ser analisadas a fundo com o objetivo de não se agravar ainda mais o problema.

107

Com o objetivo de mostrar diferentes pontos de vista, através de conceitos e

dados concretos, é que apresento a presente Monografia. Inicialmente apresentaremos um histórico da legislação brasileira com relação à

maioridade penal no país, tanto na Constituição Federal, como no Código Penal e de Processo Penal, analisando os ordenamentos atuais e também todos os já revogados.

Seguidamente, adentraremos na questão da imputabilidade e seu método de

aferição, demonstrando qual é a maneira utilizada atualmente para considerar um menor inimputável ou não.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é comentado logo a seguir, onde se

busca demonstrar, através de dispositivos legais, o tratamento dado hoje aos menores quando se trata de ilícitos penais.

Logo a seguir será exposta a proposta aprovada pela Comissão de Constituição

de Justiça a respeito da redução da maioridade penal. Por fim, serão expostos os posicionamentos favoráveis, assim como os

contrários, à redução da maioridade penal, mostrando-se inclusive, o que traz a legislação de vários outros países acerca do assunto.

1 BREVE HISTÓRICO SOBRE A MAIORIDADE PENAL NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA

Não há como se falar em maioridade penal sem que se faça uma volta ao passado, um apanhado do que diziam as legislações anteriores sobre o tema, até mesmo para que se possa entender porque a utilização do sistema atual.

No decorrer do breve estudo acerca da maioridade penal, nota-se a tendência das

legislações, que, a princípio, limitavam a menoridade a 09 anos e foi progressivamente aumentando para 16 e 18 anos.

Isso se deu, sobretudo, porque a civilização atual, com o intuito de buscar uma

sociedade mais justa, menos desigual, luta para que seja dispensado ao menor um tratamento jurídico capaz de fazê-lo alcançar a maturidade. Até porque a criança é patrimônio da humanidade e o nível de civilização de um povo pode ser aferido pelo tratamento dado à infância.

Temos registrado na história do Brasil, em certas fases de sua trajetória, que a

inimputabilidade associava-se a providências de caráter repressivo, tanto que o Código Penal de 1890 fixava a inimputabilidade dos jovens até 14 anos, fazendo com que servisse também como forma de educação na idade infantil.

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1.1 Maioridade na Legislação Infraconstitucional

Com relação à legislação especial, própria do Direito Penal, até a criação da primeira legislação penal brasileira, vigorava no Brasil o mesmo ordenamento jurídico que regia os portugueses.

As Ordenações Filipinas, que vigoravam em Portugal a partir de 1603 e no

Brasil até 1830, espelhavam o espírito da época. Em 1830, com a criação do Código Criminal do Império, inspirado no Código

Penal Francês de 1810, adotou-se o sistema do discernimento, determinando a maioridade penal absoluta a partir dos 14 anos, salvo se tivesse agido com discernimento, devendo, então, ser recolhido às casas de correção, pelo tempo determinado pelo juiz, contanto que o recolhimento não excedesse a idade de dezessete anos.

Aos maiores de 14 e menores de 17 anos era dispensado tratamento especial, por

estarem sujeitos, se ao julgador parecesse justo, a uma pena daquela que caberia ao adulto. O maior de 17 e menor de 21 anos contavam sempre com o favor da atenuante da menoridade.

Por este critério, o discernimento poderia ser descoberto até mesmo em uma

criança de oito anos e um adolescente de quinze anos poderia ser condenado à prisão perpétua.

Já o Código Penal Republicano, de 1890, determinava a inimputabilidade

absoluta até os 09 anos de idade completos, sendo que os maiores de 09 e menores de 14 anos estariam submetidos a análise do discernimento, tendo a seu favor a presunção relativa da imputabilidade, de tal modo que, demonstrada a compreensão do caráter ilícito do ato, eram recolhidos a estabelecimento disciplinar industrial, por tempo que não ultrapassasse a idade de 17 anos. Ficou mantida a atenuante da menoridade.

A verificação da capacidade para distinguir o bem do mal, o reconhecimento de

o menor possuir relativa lucidez para orientar-se segundo as alternativas do lícito e do ilícito era das mais difíceis para o juiz, que quase invariavelmente decidia em favor do menor.

O dispositivo do Código de 1890, que tratava da inimputabilidade, foi revogado

em 1921 com a Lei 4.242, de 5.1.21, art. 3º, que autorizou o Governo da República a organizar o serviço de assistência e proteção à infância abandonada e delinquente, construindo abrigos, fundando casas de preservação etc., para, então estabelecer no parágrafo 20 o seguinte: o menor de 14 anos, indigitado autor ou cúmplice de crime ou contravenção, não será submetido a processo de espécie alguma e que o menor de 14 a 18 anos, indigitado autor ou cúmplice de crime ou contravenção será submetido a processo especial. (www.jusnavegandi.com.br).

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Em 1926 passou a vigorar o Código de Menores instituído pelo Decreto Legislativo de 1º de dezembro do mesmo ano, prevendo a impossibilidade de recolhimento à prisão do menor de 18 anos que houvesse praticado ato infracional.

O menor de 14 anos, conforme sua condição de abandono ou perversão, seria

abrigado em casa de educação, ou ainda, confiado à guarda de pessoa idônea até a idade de 21 anos. Poderia ficar sob custódia dos pais, tutor ou outro responsável se sua periculosidade não fosse acentuada.

Pelo art. 69, os agentes de crime ou contravenção entre 14 e 18 anos seriam

submetidos a processo especial. A idade de 18 a 21 anos continuava a constituir circunstância atenuante.

Com a introdução do Código Penal de 1940 no ordenamento jurídico brasileiro,

que vigora até os dias de hoje, embora com alterações, passou-se a adotar o critério puramente biológico, no que concerne à inimputabilidade em face da idade, estabelecendo-a para os menores de 18 anos.

O menor foi deixado às margens do Direito Penal, ficando apenas sujeito às

medidas de pedagogia corretiva do Código de Menores. Não cuidou da maior ou menor precocidade psíquica desse menor, declarando-o por presunção absoluta, desprovido das condições da responsabilidade penal.

Portanto, o Código de 1940 é o que se tem de atual na legislação brasileira, com

relação ao sistema para se aferir a inimputabilidade pela idade penal, mesmo considerado por muitos desatualizado, já que o Código de 1969, que trazia várias alterações, inclusive quanto à maioridade, nasceu e morreu sem ao menos sair do papel. 1.2 Maioridade na Constituição Federal

Em se tratando da norma Constitucional, tivemos as Constituições Federais de 1824, seguida pelas de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e a atual, de 1988. A única que possui previsão legal acerca do assunto é a vigente.

Todas as outras só fazem menção sobre a idade para se tornar eleitor, e mesmo a

Constituição de 1824, ou seja, a primeira, nem sobre isso dispõe. Vê-se, então, que a preocupação do legislador da época era simplesmente de elencar quem poderia ou não ser eleitor, e sobre quais condições.

Já a Constituição de 1988, com base no atual Código de Processo Penal, trouxe

em um de seus dispositivos o que se entende por maioridade penal. Diz o artigo 228 da Constituição, “São penalmente inimputáveis os menores de

18 anos, sujeitos às normas da legislação especial.” (BRASIL, 2006, p. 153).

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Isso significa dizer que os menores de 18 anos respondem por suas infrações por outra legislação, diferente da prevista no Código Penal e no de Processo Penal, não sendo considerados criminosos, que será tratado em capítulo próprio. 2 IMPUTABILIDADE

Para entender melhor sobre a inimputabilidade, é essencial que primeiramente se faça um estudo sobre a imputabilidade, já que ambas estão intimamente relacionadas por seus conteúdos.

Segundo o site psiqweb, o termo imputar significa atribuir culpa ou delito a

outro, portanto, imputar é o mesmo que atribuir a outro, diferentemente do simples ´atribuir`, que pode ser auto-aplicado (eu me atribuo). Assim sendo, como imputar só pode ser utilizado em relação a outra pessoa, uma pessoa considerada ¨ imputável` é aquela sobre quem podemos atribuir alguma coisa, seja uma culpa, um delito, uma responsabilidade. (2007, p. 1).

O Código Penal não define o que é a imputabilidade, contudo, chega-se a esse

conceito por eliminação, já que o ordenamento cita as causas de inimputabilidade. Sob o ponto de vista doutrinário, inimputabilidade é a incapacidade para apreciar

o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com essa apreciação. A imputabilidade é a regra; a inimputabilidade, a exceção. Todo indivíduo é

imputável, salvo quando ocorre uma causa de exclusão. A imputabilidade é definida como a aptidão do ser humano compreender que

determinado fato não é lícito e de agir em conformidade com esse entendimento. É imputável a pessoa capaz de entender o caráter ilícito de um fato e determinar-se de acordo com tal entendimento.

Trata-se da capacidade de culpabilidade. É o conjunto de qualidades pessoais

que possibilitam a censura pessoal. Sem a imputabilidade não é possível a existência da culpabilidade.

Segundo Damásio Evangelista de Jesus, (2002, p. 469) imputabilidade “é o

conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível”.

Imputabilidade não se confunde com responsabilidade penal, pois a

responsabilidade corresponde às consequências jurídicas oriundas da prática de uma infração, é o dever que a pessoa tem de prestar contas de seus atos, enquanto a imputabilidade vai apenas dizer se essa pessoa pode ou não sofrer as consequências de seu ato.

Elucida Damásio E. de Jesus, que a concepção dominante na doutrina e nas

legislações vê a imputabilidade na capacidade de entender e de querer. Imputável é o sujeito mentalmente são e desenvolvido que possui capacidade de saber que sua conduta contraria os mandamentos da ordem jurídica. (2002, p. 470-471).

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A imputabilidade, portanto, representa a capacidade psíquica de entender e

querer e de portar-se de acordo com esse entendimento e vontade, ou, como afirma Bettiol, segundo site www.tj.ro.gov.br “[...] é o complexo de determinadas condições psíquicas que possibilitam referir um fato a um indivíduo, como seu autor, com consciência e vontade.” (2001, p. 01).

O Código Penal atual considera três hipóteses de inimputabilidade a) as pessoas

que por doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado não têm as capacidades intelectuais e volitivas nos termos do artigo 26; b) os menores de 18 anos, nos termos do artigo 27, do CP; c) a embriaguês fortuita completa do artigo 28 da referida legislação.

O que interessa aqui, pelo conteúdo deste trabalho, é a alínea ¨b¨, que dita a

regra a respeito da maioridade penal. Assim, apresenta-se o Código Penal, art. 26 – “É isento de pena o agente que,

por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em

virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando

sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: I - a emoção ou a paixão; II - a

embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de

caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL, 2007, p. 17).

A legislação brasileira reconhece que é relevante o fenômeno da maturidade

quando estabelece um limite mínimo de idade para a capacidade de imputabilidade, sendo que, sem essa idade mínima há uma presunção de júris et de júri, ou seja, que não admite prova em contrário da capacidade de entendimento ou determinação, que o sujeito não tem um desenvolvimento intelectual e volitivo suficiente para compreender o caráter ilícito da conduta.

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Essa presunção de incapacidade é absoluta porque não depende, como nos outros casos, da possibilidade de compreender a criminalidade do ato ou dirigir as suas ações no caso concreto.

Foi adotado, para a questão da menoridade, o critério biológico para aferição da

inimputabilidade, que será elucidada no próximo capítulo. Considera-se imputável aquele que comete o fato típico, no dia em que completa

18 anos, sem levar em consideração a hora do seu nascimento. O momento para se verificar a imputabilidade, é o da ação ou omissão, conforme

o art. 4º do Código Penal, e não o momento da produção do resultado. Não se pode considerar imputável, aquele que realizou a conduta antes do seu 18º aniversário, mesmo que a consumação ocorra após esse dia.

Dispõe o artigo 4º da legislação penal Art. 4º - Considera-se praticado o crime

no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. (BRASIL, 2007, p. 5).

A prova da menoridade deve ser feita, inicialmente, pela certidão do termo do

registro civil, pois se impõe à restrição a prova estabelecida na lei civil, quanto ao estado das pessoas.

Porém, admite-se outra prova idônea, não se descartando a possibilidade de

exame pericial especializado, na inexistência de prova documental. É mister salientar que os menores de dezoito anos estão fora do alcance do

Direito Penal, mas não estão isentos de punição, nem de reeducação. Em se verificando alguma infração praticada por um menor, aplica-se o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº. 8.06990.

Assim como não se pode falar em pena para os menores infratores, também não

há que se falar em crime, mas sim em ato infracional, que, segundo o artigo 103 do Estatuto da Criança e Adolescente.

Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou

contravenção penal. (BRASIL, 2005, p. 55). Desse modo, toda infração prevista no Código Penal, na Lei de Contravenção

Penal e Leis Penais esparsas, quando praticada por uma criança ou adolescente, corresponde a um ato infracional.

O ato infracional, em obediência ao princípio da legalidade, somente se verifica

quanto à conduta do infrator se enquadra em algum crime ou contravenção previsto na legislação em vigor.

113

3 SISTEMAS DE AFERIÇÃO DA INIMPUTABILIDADE

Sobre a forma de se aferir a inimputabilidade, três são os sistemas adotados. O primeiro sistema é o biológico. Esse sistema leva em consideração a causa e

não o efeito; condiciona a imputabilidade à inexistência de doença mental, de desenvolvimento mental deficiente e de transtornos psíquicos momentâneos, não importando os efeitos psicológicos decorrentes do distúrbio mental. Admite, a priori, a existência de um nexo constante de causa e efeito entre a anomalia mental e o crime.

A este sistema só interessa saber se o agente é portador de alguma doença

mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Caso a resposta seja afirmativa, será considerado inimputável, independentemente de qualquer verificação concreta de essa anomalia ter retirado ou não a capacidade de entendimento e autodeterminação. Há uma presunção legal de que a deficiência ou doença mental impede o sujeito de compreender o crime ou comandar a sua vontade, sendo irrelevante indagar acerca de suas reais e efetivas consequências no momento da ação ou omissão.

Ressalta ainda o site www.tj.ro.gov.br, ao fazer citação de Maximiliano Führer,

que este juízo antecipado é impertinente, na medida em que despreza os intervalos lúcidos ou bonanças com que as doenças, por vezes, brindam suas vítimas. Longe do surto, ao paciente pode ser possível alcançar o pleno conhecimento do fato e portar-se de acordo com esse entendimento. (2001, p. 02).

O segundo sistema é o sistema psicológico. Este sistema prescinde da saúde

mental do indivíduo, o que importa é o efeito e não a causa. Leva em conta se o sujeito, no momento da prática do fato, tinha condição de compreender o seu caráter ilícito e de determinar-se ou não de acordo com essa compreensão; se o agente não possuía essa capacidade é considerado inimputável.

O sistema em tela não se preocupa com a existência de perturbação mental no

agente, mas apenas se, no momento da ação ou omissão, ele tinha ou não condições de avaliar o caráter criminoso do fato e de orientar-se de acordo com esse entendimento.

Este método é muito criticado por vários juristas, que o consideram ser o

causador de insegurança jurídica, na medida em que não evita um enorme arbítrio judicial ou a possibilidade de um extensivo reconhecimento da irresponsabilidade, em antinomia com o interesse de defesa social.

É correto afirmar que, enquanto o sistema biológico só se preocupa com a

existência da causa geradora da inimputabilidade, não se importando se ela efetivamente afeta ou não o poder de discernimento do agente, o sistema psicológico volta suas atenções apenas para o momento da prática do crime.

Por fim temos o terceiro sistema, o biopsicológico, que faz uma junção na

análise da causa e do efeito. Só é inimputável o sujeito, que, em conseqüência da anomalia mental, não possui capacidade de compreender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com essa compreensão.

114

Combinam os dois sistemas anteriores, exigindo que a causa geradora esteja

prevista em lei e que, além disso, atue efetivamente no momento da ação delituosa, retirando do agente a capacidade de entendimento e vontade.

Dessa forma, será inimputável aquele que, em razão de uma causa prevista em

lei (doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado), atue no momento da prática da infração penal sem capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Com a junção dos dois critérios afasta-se a visão causalista que reduzia o crime à

consequência da anormalidade mental, e por outro lado limita-se o amplo arbítrio judicial, com a exigência de uma base biológica no reconhecimento da inimputabilidade.

Constatada a base biológica, não há um automatismo no reconhecimento da

inimputabilidade, exige o legislador que o Juiz verifique se em razão da doença, no momento do fato, tinha o agente capacidade de avaliar o caráter criminoso.

São requisitos da inimputabilidade segundo o sistema biopsicológico: a) causal -

existência de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado; b) cronológico - atuação ao tempo da ação ou omissão; c) consequencial - perda total da capacidade de entender ou da capacidade de querer.

Em regra, é o critério adotado pelo nosso Código Penal, conforme se verifica

pela leitura do artigo 26, caput, do Código Penal. A lei penal brasileira, ao adotar o sistema biopsicológico na fixação da

responsabilidade penal, encerra nos próprios textos correspondentes verdadeiro conceito médico-legal de imputabilidade, além de, conseqüentemente, exigir do psiquiatra um pronunciamento a respeito da capacidade de imputação ou não do agente.

Como exceção a essa regra citada acima, foi adotado, no caso dos menores de 18

anos, nos quais o desenvolvimento incompleto presume a incapacidade de entendimento e vontade, o sistema biológico.

Pode até ser que o menor entenda perfeitamente o caráter criminoso do

homicídio, ou de qualquer outro crime, mas a lei presume, ante a menoridade, que ele não sabe se o que faz, adotando claramente o sistema biológico.

Ainda segundo Cezar Roberto Bitencourt, na obra Tratado de Direito Penal –

Parte Geral (2007), com base na exposição de motivos do Código Penal, o legislador, no tocante a menoridade penal, adotou o sistema biológico por medida de política criminal.

Com esse pensamento, procurou o legislador afastar da persecução penal e dos

malefícios da pena, os menores de 18 (dezoito) anos, entendendo que o Estado deve tentar educar estes indivíduos, ao invés de impor aos mesmos alguma pena.

115

4 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA

A Constituição Federal de 1988 prevê, dentre os Direitos e Garantias Fundamentais, o direito à infância, previsto no Capítulo II, do Título II, em seu artigo 6º. Trata-se de um direito social que enseja uma obrigação positiva do Estado, ou seja, a adoção de todos os meios necessários para o seu resguardo.

Com o intuito de proteger a infância, a Carta Magna optou por deixar expressos

os direitos assegurados à criança e ao adolescente, como se depreende da leitura do artigo 227.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 2006, p. 152).

Mas o dever de proteção cabe não só ao Estado, mas também à família e à

sociedade, atribuindo-lhes a obrigação de resguardar o direito à vida, à saúde, à alimentação, assim como outros fundamentais à dignidade de qualquer pessoa humana.

Com o advento da previsão dessa proteção, necessário fez-se a elaboração de

legislação infraconstitucional que tornasse efetivos esses direitos, o que ocorreu com a promulgação da Lei 8.069 em 1990, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, com base da necessidade da criação de uma Justiça especializada E mesmo com todo esse tempo de existência, ainda sofre uma série de críticas por parcela da sociedade que ainda resiste à mudança de paradigma em relação à criança e ao adolescente.

A avaliação histórica do Estatuto da Criança e do Adolescente impõe retorno às

suas fontes materiais e formais, indispensável à exegese das novas normas. De portadores de necessidades, verdadeiros objetos de tutela, crianças e

adolescentes passam a ser encarados como sujeitos de direito, portadores de todos os direitos fundamentais e sociais, inclusive o de responderem pelos seus atos.

Essa mudança radical a princípio não foi bem recebida, principalmente por parte dos pais, titulares do pátrio poder, que mostraram muita resistência.

Por muito tempo, opositores continuaram se manifestando fortemente, inclusive

na sociedade, todos acostumados à cômoda posição de encarar crianças e adolescentes como “menores”, dependentes, imaturos, necessitados de “proteção”, numa palavra, incapazes.

Proteção traduzida em medidas autoritárias justificadas pelo “superior interesse

do menor”, quase sempre concretizada na “tirania” dos pais sobre os filhos.

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O “superior interesse” da educação persistia como mito conveniente, justificando violências, inclusive físicas, nos lares, onde, ainda, até os dias atuais, em algumas famílias, predomina o autoritarismo dos “adultos” e onde, em nome do “amor”, continuam se praticando absurdos contra os mais vulneráveis.

O Estatuto, tendo por fonte material o fenômeno da violência contra crianças e

adolescentes e a chamada “questão do menor”, aparece como resposta humanitária à injustiça vivida por milhões de seres em situações de vulnerabilidade.

Como se vê, esse estatuto não apareceu por acaso, surgiu por um fenômeno

social, e tinha como principal objetivo a proteção dos menores quanto aos desmandos de seus próprios familiares.

Aos poucos o objetivo dessa legislação foi dilatado. É claro que ainda hoje

muito se ouve falar em violência doméstica, em abusos sexuais contra menores e outras atrocidades contra esses indefesos, mas existe também um outro foco.

Atualmente o Estatuto da Criança e do Adolescente tem a função de proteger o

menor da sociedade, mas também é um importantíssimo meio de proteção da sociedade contra menores infratores.

Com relação às crianças, assim consideradas até a idade de 12 anos, o artigo 98

do ECA estabelece o seguinte: art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III – em razão de sua conduta. (BRASIL, 2005, p. 75). O artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente traz quais são as medidas

protetivas. Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade

competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas I- encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - abrigo em entidade; VIII - colocação em família substituta. (BRASIL, 2005, p. 81).

O encaminhamento aos pais ou responsável é uma medida adequada àquelas

hipóteses nas quais não ocorre maior gravidade. Seria o caso de uma fuga da criança ou do adolescente, ou em casos de omissão de terceiros em relação a deveres inerentes à guarda.

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A orientação, apoio e acompanhamento temporários, que poderão ser realizados pelo Conselho Tutelar, ou por serviço de assistência social, ou, ainda, por serviços especializados do próprio Poder Judiciário, onde existam, têm aplicação em casos onde não há uma causa que possa ser incluída dentre as hipóteses de tratamento médico-psicológico, e onde não exista omissão imputável aos pais ou responsável a justificar a aplicação das medidas dos incisos VII ou VIII, por exemplo.

A matrícula e frequência obrigatórias estão diretamente ligadas à evasão e

infrequência escolar, já que a evasão caracteriza-se pela completa marginalização da criança ou adolescente do sistema de ensino. Normalmente está relacionada ao trabalho infantil e à omissão dos pais. A infreqüência escolar diz respeito às faltas injustificadas e reiteradas à escola.

A inclusão em programas sociais e de auxílio que melhor se encaixa àquelas

situações, muito comuns, em que violações dos direitos das crianças e adolescentes resultam de situação econômico-financeiras de dificuldade.

Trata-se de medida de suma importância, especialmente naqueles casos

relacionados à desnutrição, notadamente quando atingem crianças de tenra idade e que se contam aos milhares em nossa sociedade.

Os incisos V e VI do artigo 101 tratam de hipóteses nas quais estão envolvidas

direta ou indiretamente questões de saúde, ou de dependência química ou psíquica a drogas e álcool, que não deixam de ser problemas de saúde. A grande dificuldade surge do fato de que o aparelho estatal ainda não conta com suficientes recursos para prover tratamentos em quantidades condizentes com a demanda.

A colocação em abrigo ou entidade é medida que se pauta pelo vetor da

excepcionalidade, visto que priva a criança ou adolescente de um dos seus direitos básicos, qual seja o de convívio familiar. Sendo assim, é uma medida cujas consequências podem ser graves e que, portanto, deve ser aplicada com estrema cautela, ficando reservada para situações estremas, quando a permanência da criança em um determinado ambiente familiar lhe seja visivelmente mais prejudicial.

Por fim, resta a colocação em família substituta, que, da mesma forma, é medida

extrema, condicionada à constatação de situações de especial gravidade. A aplicação das medidas protetivas não é necessariamente judicial. As medidas

dos incisos I a VII do artigo 101 do ECA podem ser aplicadas também pelo Conselho Tutelar, excetuando-se a colocação em família substituta.

E mesmo em caso de colocação em família substitutiva, o artigo 93 prevê a

possibilidade de que as entidades que mantenham programas de abrigo possam. Diz o artigo 93 do ECA: “Art. 93. As entidades que mantenham programas de abrigo poderão, em caráter

excepcional e de urgência, abrigar crianças e adolescentes sem prévia determinação da autoridade competente, fazendo comunicação do fato até o 2º dia útil imediato.” (BRASIL, 2005, p. 77).

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Nas demais hipóteses, a aplicação da medida é judicial. A ação é movida pelo

Ministério Público, cuja legitimidade verte do artigo 201, inc. VIII, do ECA. “Art. 201. Compete ao Ministério Público VIII - zelar pelo efetivo respeito aos

direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis”. (BRASIL, 2005, p. 105).

Para aferição de qual a medida mais adequada dentre as aplicáveis, pode o

julgador valer-se de estudo social, cuja realização pode ser determinada de ofício ou por requerimento das partes.

Atualmente, porém, o objetivo mais conhecido e utilizado do ECA é julgar

aqueles que cometem infrações entre os doze e dezoito anos, cuja proteção especial está diretamente ligada ao fato de que suas personalidades estarem em processo de desenvolvimento intelectual, moral e social.

Prevê um tratamento diferenciado para os adolescentes infratores, classificando-

os como pessoas especiais de direitos, procurando garantir que sua formação seja sólida e harmoniosa perante a sociedade, garantindo assim a retomada de uma vida social plena sem problemas ou incidentes, lastreados em valores éticos, sociais e familiares.

E para que este desenvolvimento ocorra, são assegurados expressamente o

direito à liberdade, à convivência familiar, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, de proteção especial nas relações de trabalho, dentre outros.

Como seres cuja personalidade, intelecto e caráter estão ainda em formação, a

tarefa de redirecioná-los e reeducá-los é mais branda e menos trabalhosa, pois são mais suscetíveis em assimilar as ditas orientações.

O ECA, em seus 267 artigos, prevê medidas de prevenção e de proteção para

que não haja violação nem ameaça a esses direitos, que se estendem desde o campo cível (direito de família) até o penal. Para tanto, estabelece regras de direito material e processual, aplicando-se subsidiariamente no caso de lacunas, a legislação comum, com a ressalva de que seja compatível (artigo 152).

A medida sócio-educativa, como o próprio nome indica, significa obter a

regeneração do adolescente. Entendida a infração como uma anomalia social, deve-se dar ao doente a dose

exata do remédio para sua cura, para que o infrator possa, reabilitado, voltar a conviver em sociedade, não causando mais prejuízo à mesma.

São seis as medidas sócio-educativas adotadas pelo ECA. Ainda com relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, é importante

ressaltar-se a questão do menor infrator portador de doença mental ou perturbação à época do ato infracional.

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Quando um adolescente infrator, portador de doença ou deficiência mental,

comete uma conduta tipificada na lei penal, recebe atendimento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

Nesses casos, o ECA estabeleceu um critério diferenciado para o atendimento

dos jovens que, se fossem adultos, seriam considerados inimputáveis. Essa é uma questão de grande importância, porque o adolescente portador de

doença mental não pode ficar internado com os demais, em razão dos cuidados e atenção diferenciados que deve receber.

Desta forma, são necessárias medidas que priorizem unidades especiais de

atendimento, voltadas para o adolescente com deficiência mental, a fim de assegurar a sua recuperação de forma eficaz e preservar a recuperação dos outros adolescentes infratores.

5 PROPOSTA PARA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Sobre a questão da redução ou não da maioridade penal, há vários meses a mesma vem sendo discutida pelo Senado Federal, isso porque existem correntes entre os parlamentares, assim como entre toda a população, a favor e contra a redução da maioridade.

Debates à parte, parece que a partir de agora a discussão começa a progredir e a

tomar um ¨rumo¨, tendo-se em vista que no dia 26 de abril, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) aprovou, por 12 votos a 10, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal no país.

A proposta relatada por Demóstenes, um substitutivo apresentado, reúne seis

propostas anteriores que tramitavam na comissão com objetivo de redução da idade penal no país.

Anteriormente a essa proposta, foram rejeitadas as PECs 1899, apresentada pelo

senador Romero Jucá (PMDB-RR); 0301, também de José Roberto Arruda, 2602, liderada pelo ex-senador Íris Rezende, a PEC 9003, com primeira assinatura do senador Magno Malta (PR-ES); a PEC 904,do senador Papaléo Paes (PSDB-AP); e por último a PEC 1899, que leva a assinatura do senador Romero Jucá (PMDB-RR).

O texto do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) propõe a redução, mas

estabelece o regime prisional somente para jovens menores de 18 anos e maiores de 16 que cometerem crimes hediondos.

Segundo a Emenda Constitucional prevista, o artigo 228 da Constituição Federal

passaria a ter a seguinte redação Art 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial.

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Parágrafo único. Os menores de dezoito e maiores de dezesseis anos I - somente serão penalmente imputáveis quando, ao tempo da ação ou omissão, tinham plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, atestada por laudo técnico, elaborado por junta nomeada pelo juiz;

II – cumprirão pena em local distinto dos presos maiores de dezoito anos; III – terão a pena substituída por uma das medidas socioeducativas, previstas em

lei, desde que não estejam incursos em nenhum dos crimes referidos no inciso XLIII, do art. 5º, desta Constituição. (BRASIL, 2006, p. 153).

Como se pode observar, o texto prevê que o menor de idade deve ter pleno

conhecimento do ato ilícito cometido para ser submetido ao regime prisional, com a necessidade de laudo técnico elaborado por uma junta designada por Juiz, atestando a capacidade de entendimento do menor do ato praticado.

Haveria aí a substituição do sistema de aferição da capacidade, que passa do

sistema biológico, que leva em consideração somente a idade, para o sistema biopsicológico, seguindo a regra do Código Penal, que, além da idade, avalia o conhecimento do ato ilícito.

A PEC também estabelece que o adolescente deve cumprir pena em local

distinto dos presos maiores de 18 anos, além de propor a substituição da pena por medidas socioeducativas, desde que o menor não tenha cometido crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas ou atos de terrorismo.

A proposta de emenda à Constituição que trata da redução da maioridade penal

de 18 para 16 anos (PEC 2099) será encaminhada nos próximos dias para discussão e votação, em dois turnos, no plenário do Senado Federal.

Para ser aprovada em primeiro turno, são necessários os votos favoráveis de pelo

menos 49 dos 81 senadores. Se a proposta for reprovada em 1º turno é arquivada; se for aprovada em primeiro turno, mas não conseguir os 49 votos favoráveis no segundo turno, a proposta também vai para o arquivo.

Se a PEC for aprovada nos dois turnos de votação em plenário, será

encaminhada à apreciação da Câmara dos Deputados, onde vai encontrar 20 propostas de emenda à Constituição tratando do mesmo assunto redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.

A CCJ vai analisar a admissibilidade, a constitucionalidade e a juridicidade da

proposta. Caso seja aprovada, será então criada uma comissão especial para analisar o mérito da PEC. Só depois disso, a proposta será levada ao plenário da Câmara, onde precisará de, no mínimo, 308 votos favoráveis em cada um dos dois turnos para ser aprovada.

Se o texto encaminhado pelos senadores for aprovado pelos deputados com

alguma alteração, a PEC retorna ao Senado para nova tramitação.

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6 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Os que defendem a redução da maioridade penal para a idade de 16 anos apoiam-se, principalmente, no aumento da criminalidade por parte de menores infratores, que muitas vezes são utilizados por maiores, exatamente por não cumprirem pena, mas sim serem submetidos a medidas sócio-educativas.

Utilizam como forma de demonstração do aumento dessa criminalidade alguns

dos últimos crimes cometidos por menores. O último desses crimes que paralisou o país foi a morte do garoto João Hélio, de

seis anos de idade, vítima de um assalto. Ele não conseguiu sair do veículo levado pelos criminosos e foi arrastado por aproximadamente sete quilômetros, durante a fuga dos assaltantes.

De acordo com a polícia, o menino estava no carro com a mãe quando foram

abordados pelos assaltantes, no bairro Osvaldo Cruz, zona norte do Rio de Janeiro. A mãe foi retirada do veículo, mas não conseguiu retirar a criança, que estava no banco traseiro, presa ao cinto de segurança.

Outros três crimes chocaram o Brasil desde 2003. O casal Liana Friedenbach, 16

anos, e Felipe Caffé, 19, foram mortos em outubro de 2003, em Embu-Guaçu, na Região Metropolitana de São Paulo. O autor do crime é Roberto Aparecido Alves Cardoso, de 19 anos, o Champinha, que tinha 16 anos na ocasião do crime.

Em outro caso, ocorrido em julho de 2006, um adolescente de 16 anos foi

responsável pelo assassinato do guitarrista da banda Detonautas, Rodrigo Netto, em uma tentativa de assalto na Zona Norte do Rio de Janeiro.

A socialite Ana Cristina Vasconcellos Giannini Johannpeter, morta na noite do

dia 22 de novembro de 2006, em um cruzamento no Leblon, no Rio, também foi vítima de um adolescente de 17 anos.

Os legisladores constituintes e ordinários brasileiros, utilizando-se do critério

biológico à época da promulgação da Constituição Federal e do Código Penal, consideraram que os menores de 18 anos de idade não possuíam plena capacidade de entendimento para entender o caráter criminoso de atos que praticam.

Para muitos, no entanto, no mundo moderno e globalizado em que vivemos, tal

postura resta totalmente superada pelos fatos, sendo urgente que se faça uma Emenda à Constituição para que a maioridade penal seja reduzida para os 16 anos.

Os defensores da redução da maioridade penal consideram que o Código Penal

Brasileiro, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente, estão muito ultrapassados, principalmente porque quando foram criados o Brasil era uma país muito

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menos desenvolvido, altamente voltado a culturas rurais, onde as crianças e adolescentes realmente pensavam e agiam como tal.

E mais, afirmam que, hoje em dia, os adolescentes, além de possuírem plena

ciência da ilicitude da conduta que praticam, valem-se conscientemente da menoridade para praticarem ilícitos, sabendo o quanto são brandas as medidas passíveis de serem aplicadas a eles, sendo improvável, senão impossível, que o adolescente sinta-se intimidado em praticar um ato infracional por temor da aplicação de uma medida socioeducativa, especialmente se esse ato lhe trouxer ganhos.

Adriana Magalhães, em reportagem especial – A Polêmica Sobre a Questão da

Maioridade Penal, argumenta ao defender a redução: “Eu acho que a sociedade, dessa forma, vai estar sendo mais protegida. Eu não tenho o menor pudor em dizer que um menor criminoso tem que ser punido, não importa a sua idade, e sim o tipo de crime que ele cometeu. Claro, um menor de 10 anos, 12, 13, que rouba uma fruta na feira, que rouba comida, que comete um pequeno furto, não precisa ser e não pode ser punido da mesma forma que um homicida, que um traficante de drogas. O que não pode existir mais é esse nível de impunidade que nós estamos assistindo.” (2007, p. 1).

O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, Octávio

Gomes é favorável à redução da maioridade penal a legislação atual favorece a prática de crimes por menores. A lei não se adaptou à realidade dos nossos dias. A população clama por uma solução a curto prazo, que é o endurecimento das penas. Mas, por outro lado, necessitamos que os abrigos possam oferecer ao menor infrator condições de inserção digna na sociedade depois do cumprimento da pena. (2007, p. 1).

Como exemplo dessa plena consciência dos menores, a Revista Época, edição

468, de 17 de maio de 2007, cita o caso do menor Fábio Paulino Em 2000, Fábio Paulino, o Batoré, então com 17 anos, tornou-se conhecido por ser apontado pela polícia como participante de 15 assaltos e 50 sequestros relâmpagos.

Batoré teria começado a matar aos 13 anos. Ele fugiu oito vezes da Febem.

Numa delas, liderou uma rebelião de 121 menores que derrubaram uma grade e saíram correndo pela rua. Batoré só foi contido em 2003, quando tinha 20 anos e foi recapturado. Julgado e condenado como maior de idade, hoje cumpre pena numa penitenciária pauliasta. (p. 40-41).

Em reportagem da Revista Época, já citada anteriormente, Leandro Loyola

explica o porquê das penas tão brandas, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente [...] em tese, os menores ainda não têm noção completa das consequências dos seus atos. Devem, por isso, estar sujeitos apenas a medidas socioeducativas, como internação com atividades esportivas, escolares e artísticas, de modo que possam ser recuperados para o convívio social. (2007, p. 38).

Frise-se que os posicionamentos a favor da redução da maioridade penal para 16

anos não são recentes, pois alguns doutrinadores defendiam isso mesmo antes da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente.

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Vale lembrar a opinião de Leon Frejda Szklarowski , no seu excelente artigo: “O menor delinquente [...] não se justifica que o menor de dezoito anos e maior de quatorze anos possa cometer os delitos mais hediondos e graves, nada lhe acontecendo senão a simples sujeição às normas da legislação especial. Vale dizer punição zero.“ (2007, p.1).

É de se mencionar, também, que a maioria dos juízes brasileiros é a favor da

redução da maioridade penal, conforme aponta pesquisa realizada em 2006 pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). Nessa pesquisa, realizada com quase três mil juízes de todo o país, 38,2% mostraram-se totalmente favoráveis à redução da menoridade penal; 22,8% disseram-se apenas favoráveis, 2,3% indiferentes, 21,1% contrários e apenas 14,5% totalmente contrários.

Para esse juízes, a presunção de que ao adolescente de 16 anos faltava o

entendimento pleno da ilicitude da conduta que praticava podia encontrar alguma justificativa décadas atrás, quando o Brasil era uma sociedade agrária e atrasada socialmente. Hoje, com a densificação populacional, o incremento dos meios de comunicação e o acesso facilitado à educação, o adolescente não é mais ingênuo e tolo.

O deputado Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP), ex-governador de São Paulo, é

um ferrenho defensor da redução da maioridade penal. A defesa que faço parte do próprio Código Penal brasileiro que adota o sistema

biopsicológico para a definição da maioridade penal. Ou seja, leva em consideração o fator biológico. Diz que a pessoa é plenamente capaz, se ela tem a capacidade de entender o caráter criminoso da sua conduta, se sabe que está praticando um crime.

Só que o Código, de 1940, adotou a presunção legal de que só com 18 anos se

aperfeiçoaria essa capacidade de discernimento. (2007, p. 1). Outro argumento fortíssimo para quem defende a redução é o fato de atualmente

o legislador entender que o jovem de 16 anos já possui maturidade para votar. Entendem que quem tem capacidade de escolher Presidentes da República,

Senadores, Deputados, Prefeitos e Vereadores, interferindo, assim, diretamente na escolha dos destinos da Nação, tem, do mesmo modo, discernimento para saber que matar, roubar e furtar é errado.

Da mesma forma, e de igual importância, agiu o novo Código Civil Brasileiro,

atento ao fato de que o jovem amadurece mais cedo, permitindo, no seu artigo 5º, parágrafo único, inciso I, a emancipação aos 16 anos de idade.

A corrente de adeptos da não-redução da maioridade penal escuda-se em

argumentos frágeis. Dentre eles, que com a referida redução estaríamos colocando crianças na cadeia.

Mas, para os que defendem a idade mínima de 16 anos, tal afirmativa não passa

de um artifício de retórica, em que um simples ‘empurrão’ basta para que se chegue a conclusões logicamente inaceitáveis, e peca pela ingenuidade, pois parte da ideia de que

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a grande maioria dos adolescentes que são encaminhados para as unidades de internação são de baixa periculosidade, e que lá se tornam piores ao entrar em contato com os internos perigosos (estupradores, autores de vários homicídios e roubos etc).

Ademais, a legislação poderia perfeitamente prever, como foi aprovado pela

CCJ, estabelecimentos diferenciados para cumprimento de pena para o jovem entre 16 anos completos e 18 anos incompletos de idade, não o segregando com presos de maior periculosidade.

7 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

A corrente majoritária, com mais força atualmente, apesar de todos os últimos acontecimentos, é contra a redução da maioridade penal.

Sua voz mais eloquente talvez seja a do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que

declarou, segundo o site www.jusvi.com, que divulgou artigo de Ives Gandra da Silva Martins, ao contestar o movimento que pretende reduzir a maioridade penal Fico imaginando que, se a gente aceitar a diminuição da idade para puni-los para 16 anos, amanhã estarão pedindo para quinze, depois para dez, depois para nove, quem sabe algum dia queiram punir até um feto (dia 16 de fevereiro, todos os principais jornais do Brasil). (2007, p. 01).

Declarou, ainda, segundo a Revista Juristas em matéria de 30032007, em

matéria da Folha de São Paulo do dia 14 de fevereiro de 2007, que “O simples fato de reduzir a maioridade penal não vai reduzir os índices de violência no país. Isso (redução da maioridade penal, hoje em 18 anos) vai acabar desprotegendo os adolescentes.” (p. 00).

Em oposição também à redução da maioridade penal surgem os defensores do

Direito Penal mínimo, que buscam a real finalidade da pena, que leva a ressocialização do indivíduo através da mudança de comportamento mediante penas alternativas e não pelo confinamento e a busca da exclusão do convívio social.

O Ministro da Justiça Tarso Genro, segundo artigo do site www.mj.gov.br fez a

seguinte declaração A proposta de redução da maioridade penal não combate o crime, nem reduz qualquer tipo de violência. O que precisamos é criar condições financeiras e políticas para aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente e atacar os fatores sociais e culturais que alimentam a criminalidade. Este ataque, tanto se faz com um aparato policial bem treinado e qualificado, como principalmente com políticas de prevenção e coesão social de longo alcance, destinadas especialmente à juventude e às famílias.

O Conselho Federal da OAB se manifestou absolutamente contra a redução da

maioridade penal, em decisão unânime de seu colegiado. O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Rodrigo Collaço

também não defende a ideia da redução.

125

Os presídios vão ficar cheios de adolescentes de 16 anos. É como tirarmos as crianças da escola e as colocarmos em outra escola, a do crime. Sou favorável ao aumento do tempo de internação do adolescente infrator. Passaria dos atuais três anos para dez anos, com avaliações anuais.

Sidnei Pereira foi outro que se colocou contrário à redução da maioridade penal

no Brasil. Segundo ele, ¨a OAB se embasa em um estudo que revela que o menor de 18 anos não possui maturidade psicológica e social para disseminar as questões relacionadas à criminalidade.¨

Afirma: “Não pode se pensar que reduzindo a maioridade penal o problema da

criminalidade estará resolvido. Também tem a questão do sucateamento do sistema penitenciário brasileiro. O governo teria que construir mais de 100 presídios todos os anos. E pior, esses jovens de 16, 17 anos seriam misturados nas cadeias com marginais de alta periculosidade. Para mim isto só pioraria a situação”.

Sidnei considera que nada deve ser feito a respeito da redução ou não da

maioridade penal antes de se discutir e resolver os ¨causadores¨ da criminalidade em nosso País falta de emprego, desigualdade social, alto índice de analfabetismo, sistema educacional sucateado etc.

Acompanhando o pensamento de Pereira estão muitos profissionais do direito,

que alertam a redução etária penal é tida como uma opção fadada a não solucionar o problema da criminalidade juvenil, pois segundo estes profissionais, se os dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente forem aplicados com coercitividade e severidade aos menores infratores, o Estatuto (ECA) de per si será capaz de inibir a marginalidade juvenil, sem a necessidade de se realizar uma reforma penal.

Luiz Carlos Vieira de Figueiredo, em matéria para o site jus navigandi, cita

posições dos estudiosos do Direito da Infância e da Juventude sobre o tema PACHI (1998), Juiz de Direito de São Paulo, defende a continuação da inimputabilidade para os menores de 18 anos, apontando como soluções para a diminuição da delinqüência juvenil uma maior atuação da sociedade juntamente com o poder Público no sentido de criar mecanismos de manutenção das crianças e adolescentes nas escolas, preferindo-se cursos profissionalizantes a fim de prevenir a prática infracional. Entretanto, se a infração já houver ocorrido, deve-se implementar e melhorar a aplicação das medidas sócio-educativas em meio aberto que segundo o mesmo apresentam excelentes níveis de recuperação, também com a participação ativa da sociedade.

COSTA (2000) defende a continuidade da inimputabilidade dos menores de 18

anos, desde que seja dado um tratamento diferenciado para as diversas faixas etárias - 12 a 15 e 16 a 18 – dos jovens infratores.

SARAIVA (1999), AMARANTE (2000), FIGUEIRÊDO (1997), AMARAL E

SILVA (1994), todos eles produziram textos absolutamente contrários a quaisquer mudanças no atual regramento. (2002, p. 02-03).

Outro expoente que defende a não redução da maioridade penal é o governador

de São Paulo, José Serra (PSDB), que afirmou que a redução da maioridade penal de 18

126

para 16 anos, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, não resolve o problema da criminalidade juvenil.

Eu penso que a nossa proposta - apresentada pelos governadores da região

Sudeste que é ampliar o período de retenção do adolescente que cometeu um crime - é mais abrangente e não precisa mudar a Constituição, não está sujeita a essas controvérsias. É mais efetivo porque só exige mudar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Também para a Senadora Patrícia Saboya Gomes, segundo site

www.senado.gov.br, a redução também não trará as soluções desejadas. Para ela: não será mudando a idade de 18 para 16 anos que vamos pôr fim à participação de crianças e adolescentes na criminalidade. Precisamos urgentemente endurecer as penas para os adultos que usam esses meninos e meninas com o intuito de escapar da punição e fazer com que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja, de fato, cumprido. (2007, p. 01).

A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) divulgou recentemente,

durante a sua 45ª Assembléia Geral, em Indaiatuba (SP), nota oficial, endereçada à Comissão de Constituição e Justiça, na qual os bispos se posicionam contra a redução da maioridade penal. Diz a nota, de acordo com site www.contee.org.br: as Pastorais Sociais e os Organismos Vinculados à Comissão da Caridade, Justiça e Paz da CNBB, reunidos em Brasília nos dias 16 e 17 de abril de 2007, manifestam sua posição contrária à proposta de emenda constitucional que prevê a redução da maioridade penal que tramita na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania do Senado Federal.

Neste momento em que também o Senado Federal pensa em deliberar sobre uma

Legislação mais rigorosa para os adolescentes em conflito com a lei, ampliando o tempo de internação dos mesmos, solicitamos a retirada de pauta da referida proposta e que seja promovido um amplo debate não apenas com os parlamentares mas com todas as forças vivas da sociedade, no sentido de aprofundar a realidade do atual sistema, no qual a ampliação do tempo de internação poderá contribuir, sobretudo para o agravamento da criminalidade no país.

As medidas sócio-educativas previstas no ECA são suficientes para promover

mudanças significativas na vida dos adolescentes em conflito com a lei e na sua relação com o Estado e a sociedade. E muito mais eficientes serão a partir da implementação do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Sócio Educativo), instrumento este que objetiva prioritariamente o desenvolvimento de uma ação sócio-educativa de natureza pedagógica, pautada nos princípios dos Direitos Humanos.

Onde o ECA foi implementado integralmente já é possível conhecer

experiências com resultados bem sucedidos no atendimento aos adolescentes autores de atos infracionais, o que significa que a sua implementação integral é muito mais urgente antes de submetê-lo a uma reformulação.

Acreditamos que a verdadeira cultura da paz começa pela valorização da vida,

através da construção de relações solidárias e no respeito à dignidade humana, confiamos que esta Comissão levará à frente estes propósitos.

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Assinam Dom Aldo Di Cillo Pagotto, Presidente da Comissão Episcopal para o

Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, Dom Luiz Flávio Cappio, Dom Demétrio Valentini, Dom Pedro Luis Stringhini, Dom Jacyr Francisco Braido, Pastoral do Menor, Cáritas Brasileira, CERIS, Comissão Brasileira de Justiça e Paz, IBRADES, Pastoral Afro-Brasileira, Pastoral Carcerária, Pastoral da AIDS, Pastoral da Criança, Pastoral da Juventude, Pastoral da Mobilidade Humana, Pastoral da Mulher Marginalizada, Pastoral da Saúde, Pastoral da Sobriedade, Pastoral da Terceira Idade, Pastoral da Terra, Pastoral do Povo de Rua, Pastoral dos Migrantes, Pastoral dos Nômades, Pastoral dos Pescadores, Pastoral Operária. (2007, p. 01-02).

Miguel Reale Júnior, em sua obra Instituições de Direito Penal – Parte Geral,

(2004, p. 212-213), defende “Entendo absolutamente inconveniente a alteração, por razões de política criminal, mas não considero as propostas inconstitucionais por ferir regra pétrea da Constituição [...]”.

Os adolescentes são muito mais vítimas de crimes do que os autores,

contribuindo esse fato para a queda da expectativa de vida no Brasil, pois se existe um ´Risco Brasil`, este reside na violência da periferia das grandes e médias cidades.

Cezar Roberto Bitencourt, também contrário à redução da maioridade penal,

argumenta em sua obra Tratado de Direito Penal – Parte Geral (2007, p. 353). Enfim, para se admitir a redução da idade para a “responsabilidade penal”,

exige-se competência e serenidade, aspectos nada comuns no tratamento do sistema repressivo penal brasileiro como um todo. Aliás, a incompetência e a falta de serenidade no trato dessas questões têm sido a tônica da nossa realidade político-criminal.

Da mesma forma como os que defendem a redução da maioridade penal, os

contrários a ela possuem seus argumentos principais, também segundo a Revista Consulex, em sua Edição de nº. 245:

1. A norma contida no art. 228 da Constituição Federal é direito individual fora do âmbito do art. 5º e, por isso mesmo, cláusula pétrea, tal qual as garantias tributárias assim reconhecidas pelo SF (arts. 150 e ss);

2. Como o sistema penitenciário está falido, a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, favorecerá a escola do crime, uma vez que o caráter do adolescente ainda não está totalmente formado;

3. O discernimento do jovem infrator não decorre da idade. Ainda que advenham mudanças nesse sentido, não irá ele consultar o Código Penal antes de cometer um ato criminoso;

4. Independentemente da idade que vier a ser fixada para configurar-se a imputabilidade penal, é certo que a violência praticada por menores decorre de fatores de ordem social, econômica, familiar etc. (ausência de emprego, apelos desenfreados ao consumo; impunidade resultante do fracasso dos mecanismos de controle social, corrupção nos órgãos públicos; falta de responsabilidade do Estado com a educação integral de crianças e adolescentes, entre outros);

5. Considerando-se que o jovem infrator não tem a personalidade formada, o seu nível de consciência é inferior ap de um adulto delinqüente;

128

6. Inimputabilidade não significa impunidade, uma vez que o ECA prevê medida de internação para menores infratores. (2007, p. 41).

Uma ideia defendida por quem se diz contrário à redução da maioridade penal

no Brasil, como o ex – Senador Cristóvão Buarque, é o projeto Educando Para a Liberdade, que já vem sendo desenvolvido há algum tempo.

Trata-se do resultado de uma importante parceria entre setores do Ministério da

Educação (Departamento de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade) e do Ministério da Justiça (Departamento Penitenciário Nacional), com o objetivo de conceber estratégias para a oferta de Educação de Jovens e Adultos nas Unidades Prisionais.

Foi celebrado em 27.09.2005 um protocolo de intenções, que possibilitou

inicialmente que a Resolução nº. 232005 do Programa Brasil Alfabetizado, para que fosse dado um tratamento diferenciado para os alfabetizadores atuantes no sistema penitenciário.

Na sequência, projetou-se a realização de oficina de trabalho com os Estados

participantes de projeto pré-existente, como plano piloto, entre o MEC e a UNESCO Goiás, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Sul, além dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, que atendem parte significativa da população prisional do país.

A partir daí, o Ministério da Justiça e o Ministério da Educação realizaram uma

iniciativa específica de financiamento, contemplando apoio à coordenação da oferta de educação no sistema prisional, formação dos profissionais envolvidos na relação de ensino-aprendizagem e elaboraçãoimpressão de material didático.

Trouxe como resultados, segundo o site www.mj.gov.br: a) a descentralização

de R$ 1.000.000,00 do MJ para o MEC no ano de 2005. O MEC fez um repasse de R$ 500.000,00 para implantação de projetos pilotos nos Estado do RS, RJ, CE, GO, TO, PB, que estão em andamento; b) realização de cinco oficinas regionais para discussão das diretrizes da política educacional; c) realização do seminário nacional “Educação nas prisões” no mês de julho de 2006, objetivando a discussão com todos os Estados brasileiros e o Distrito Federal. Encontra-se em fase de aprovação e publicação as diretrizes nacionais fruto das discussões regionais e nacional; d) descentralização de R$ 700.000,00 do MJ para o MEC no ano de 2006 para a implantação de mais seis projetos.

Para se ter uma ideia, segundo o Secretário Estadual de Administração

Penitenciária, Pedro Adelson Guedes dos Santos (dados divulgados pelo site www.pi.gov.br), na Paraíba, o programa já conseguiu elevar de 2% para 12% o índice de alfabetização para os apenados do sistema prisional.

129

8 MAIORIDADE PENAL EM OUTROS ESTADOS

A maioridade penal varia imensamente entre os diferentes países, conforme a cultura jurídica e social de cada nação, indicando uma falta de consenso mundial sobre o assunto.

É importante, até como forma de comparativo, utilizando-se do Direito

comparado, fazermos um breve relato do que acontece, acerca da maioridade penal, em outros Estados do mundo.

A Revista Jurídica Consulex, em sua edição de nº. 245, de 31 de março de 2007,

trouxe, em uma de suas matérias, um quadro com uma mapa da maioridade penal pelo mundo, com base em pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado de São Paulo.

Os números dos seguintes países, divididos por continente: a) América do Norte = Estados Unidos 06 e 18 anos, conforme a legislação

estadual; México 11 ou 12 anos para a maioria dos Estados. b) América do Sul = Argentina 16 anos; Brasil 18 anos; Chile 16 anos;

Colômbia 18 anos; Peru 18 anos. c) África = África do Sul 07 anos; Argélia 13 anos; Egito 15 anos; Etiópia 09

anos; Marrocos 12 anos; Nigéria 07 anos; Quênia 08 anos; Sudão 07 anos; Tanzânia 07 anos; Uganda 12 anos.

d) Europa = Alemanha 14 anos; Espanha 12 anos; Bélgica 12 anos; Dinamarca 15 anos; Finlândia 15 anos; França 13 anos; Itália 14 anos; Noruega 15 anos; Polônia 13 anos; Escócia 08 anos; Inglaterra 10 anos; Rússia 14 anos; Suécia 15 anos; Ucrânia 10 anos.

e) Oriente Médio = Irã 09 anos para mulheres e 15 anos para homens; Turquia 11 anos. f) Ásia = Bangladesh 07 anos; China 07 anos; Coréia do Sul 12 anos; Filipinas 09 anos; Índia 07 anos; Indonésia 08 anos; Japão 14 anos; Myanmar 07 anos; Nepal 07 anos; Paquistão 07 anos; Tailândia 07 anos; Uzbequistão 13 anos; Vietnã 14 anos. CONCLUSÃO

Por mais que, à primeira vista, pareça uma decisão um tanto radical, como dizem os que são contra a redução da maioridade penal, alguma coisa deve ser feita para se tentar diminuir o índice de crimes praticados por jovens em nosso país.

Se observarmos nas revistas, nos jornais e nas televisões, cada vez mais cresce o

número de menores envolvidos em ilícitos, hoje considerados ato infracionais. Às vezes esses menores são enganados ou influenciados por bandidos tarimbados, mas o que se vê atualmente são adolescentes que sabem muito bem o que querem, conscientes de seus atos e até mesmo mentores de crimes bárbaros.

130

A afirmação de que um jovem com 16 ou 17 anos não tem completo discernimento para avaliar seus atos não tem sentido nos dias atuais. As informações chegam muito rápidas, seja através dos meios de comunicação, da família e da escola. Perde-se a inocência muito cedo.

O fato é que não dá para deixar as coisas como elas estão. Através da análise de tudo exposto até aqui, de todos os depoimentos e

comentários, acredito que a solução de todo esse debate está em um ponto fundamental educação.

Se nossos governantes se preocupassem em melhorar o ensino de nossas escolas,

se todos tivessem oportunidade de realmente ser alguém na vida, hoje não estaríamos aqui discutindo sobre a redução ou não da maioridade penal. O Brasil, infelizmente, não consegue prestar serviços adequados à sua população.

Mas mesmo que isso ainda venha a acontecer, e tenhamos uma educação bem

planejada e com bases fortes, precisamos de medidas urgentes e radicais, porque a juventude atual já está contaminada com toda essa violência.

E é com base nisso que defendo a redução da maioridade penal para 16 anos, nos

moldes da proposta aprovada pela CCJ, com separação dos menores para o cumprimento da pena com exame psicológico que avalie a capacidade de discernimento do infrator.

Considero adequada a proposta de separar os jovens e adultos no momento do

cumprimento da pena, levando em consideração que um adolescente é mais facilmente recuperável, ainda se consegue moldar seu caráter - por isso a preocupação da separação para cumprimento de pena, para que o mesmo não seja ainda mais contagiado.

Seguindo tal proposta, haveria uma modificação no sistema de aferição da

inimputabilidade penal com relação ao menor, passando, do sistema biológico, à utilização do sistema biopsicológico, muito mais justo a meu ver.

É notório que, em conjunto com a redução da maioridade penal, outras medidas

deverão ser tomadas, principalmente no tocante ao sistema carcerário brasileiro, que, na forma que se encontra hoje, não teria capacidade de abrigar esses jovens, em caso de condenação à pena privativa de liberdade.

Em resumo, mesmo com todos os problemas que a decisão possa causar,

defendo a redução da maioridade penal para 16 anos, até como forma de protesto, para que algo possa ser feito e nossos jovens recuperados, para que, daqui a alguns anos, os atuais jovens possam se tornar arrimos de família sem se preocupar com o caráter de seus futuros filhos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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www.escritorioonline.com. Acesso em 22 mar. 2007. 23. REVISTA ÉPOCA. Título. São Paulo editora, ed. 468, 17 maio 2007. 24. REVISTA ÉPOCA. . Título. São Paulo editora, ed. 286, 06 nov. 2003. 25. FOLHA DE SÃO PAULO. Revista Juristas, 30 mar. 2007.

132

CORTE DE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM: O MODELO GOIANO

MARIA APARECIDA FERREIRA MORAIS

RESUMO: Esta pesquisa teve como objetivo relatar como surgiram as cortes arbitrais no mundo, sua formação e como os povos a utilizavam desde os tempos remotos. O modelo goiano de corte arbitral vem se destacando dia-a-dia por seu modo versátil de soluções rápidas, positivas e com custo bem baixo, tornando, assim, com que as cortes venham atender a todos os que procuram uma justiça de soluções. Como procedimento metodológico foi utilizado a análise documental através de livros que relatam o assunto, além de entrevistas feitas com pessoas que entendem e convivem diretamente com o assunto. A partir desta pesquisa se vê que as cortes arbitrais estão tomando um lugar essencial na vida de quem procura uma justiça ágil e eficaz para a resolução de seus problemas no âmbito judicial em diversas áreas, inclusive a de condôminos que são as que mais utilizam essa justiça particular. A cláusula compromissória permite que a Corte profira sentença arbitral nos casos em que é firmado o compromisso e que não se chegue a uma composição amigável entre as partes. A partir deste trabalho pode-se ver que hoje em dia a justiça está cada dia mais perto da comunidade, solucionando de modo rápido os problemas existentes entre pessoas. As Cortes goianas hoje estão sobre a supervisão do Desembargador Vitor Barbosa. Palavras-chave: corte arbitral – modelo goiano. INTRODUÇÃO

Com esta pesquisa, iremos analisar como surgiu a Arbitragem no nosso ordenamento jurídico, demonstrando como as Cortes Arbitrais eram utilizadas na Antiguidade e como os povos as aproveitavam no seu dia-a-dia. Observaremos que as Cortes de Conciliação e Arbitragem vieram para desafogar a Justiça Estatal através de sua rapidez, celeridade e economia processual. As Cortes de Conciliação e Arbitragem, hoje em dia, são consideradas uma maneira rápida de se chegar a um acordo, através de um Conciliador-Árbitro que esclarece as partes e as vantagens da composição amigável, demonstrando a elas que, com a conciliação, terão um desgaste emocional e financeiro bastante reduzido.

Notaremos como a arbitragem está sendo vista e bem recebida no território

nacional e em especial no Estado de Goiás, que possui o modelo, não apenas no âmbito nacional como também na América Latina, uma vez que a arbitragem possui competência para solucionar questões advindas do Mercosul.

Analisamos com esta pesquisa, como é composta uma Corte Arbitral, como é

seu rito e qual a função de cada membro que a compõe. Visamos, com esta análise, levar ao conhecimento da real importância e o papel

que a Corte de Conciliação e Arbitragem possui em nosso dia-a-dia.

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1 SURGIMENTO DAS CORTES ARBITRAIS 1.1 Noções Históricas

Antes que o Estado avocasse a si a missão de fazer justiça, o modo primitivo de solucionar os litígios entre os homens teria sido o do emprego da força, solução puramente física que não ensejava a paz e que, portanto, tornava impossível a coexistência harmônica dos seres humanos, a vida em consonância, a segurança, a tranquilidade e a ordem.

Para isso o homem, muito cedo, recorreu a uma forma de solução transacional,

resultante de acordos entre os litigantes, com transigência de parte a parte por solução econômica e utilitária, pelo menos para aqueles casos em que a generosidade de qualquer das partes em conflito não levasse a uma solução negociada. Qualquer dos três tipos de enlace, o físico, econômico ou moral, não assegurava a justiça, porque nem sempre era dado a cada um o que lhe era devido. Daí a necessidade de confiar a um terceiro, alguém fora do conflito, a tarefa de dirimi-lo.

Surgiu, assim, o arbitramento e, com ele, a figura do árbitro. A história da Arbitragem tem acompanhado o desenvolvimento da humanidade

desde os tempos mais remotos. Na Grécia, a uniformidade cultural em muito favoreceu o desenvolvimento da

Arbitragem, sendo que em 445 a.C. o Tratado entre Esparta e Atenas já continha o que hoje denominamos de “Cláusula Compromissória”, numa tentativa de solucionar por via pacífica os conflitos de interesses. As soluções amigáveis eram realizadas com frequência, por meio da arbitragem, onde os contendores podiam submeter suas controvérsias a árbitros privados e se tem notícia de que a alguns Tribunais era reservada a competência para dirimir conflitos entre cidades gregas, como verdadeiros juízes arbitrais, distintos dos então árbitros públicos.

O compromisso feito por eles dizia respeito ao objeto da lide e os árbitros eram

indicados pelas partes. O laudo arbitral era gravado em plaquetas de mármore ou de metal, e a publicação da mesma se dava nos templos das cidades.

Em Roma, as questões cíveis primeiro eram apresentadas no Tribunal para

depois seguir para as mãos de um árbitro particular, que era escolhido pelas partes da contenda, para que o mesmo julgasse o processo. Criaram-se Tribunais, que reclamavam negócio jurídico entre as partes litigantes, pelo qual prometiam submeter ao judex a solução da lide. Uma lista de cidadãos compunha o judicium privatum, e dela se escolhia o árbitro, ao qual não se reconhecia o direito à recusa. Sua decisão, caso não a cumprisse espontaneamente o vencido, era chancelada pelo Estado, que a impunha coativamente.

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Na Idade Média também se usava a arbitragem para resolver os litígios entre nobres, cavaleiros, barões, proprietários feudais e comerciantes.

Já na França, após a Revolução Francesa, a arbitragem foi estimulada em

consagrados casos em que se tornava obrigatória (arbitragem forçada). A evolução e o conceito da arbitragem, no ordenamento jurídico brasileiro,

devem-se à prática da mesma pelos povos antigos os quais tinham a arbitragem como meio para sanar os conflitos entre as pessoas.

No Brasil Colônia, as ordenações Filipinas, que vigoravam até após a

Proclamação da República, foram quem disciplinaram a arbitragem no Livro II, que tratava dos juízes árbitros e dos arbitradores. Essas ordenações disciplinavam que mesmo que tivesse sido lavrado o compromisso arbitral, com cláusula sem recurso entre as partes, havia a possibilidade de recurso.

Com a proclamação da República, os Estados-Membros puderam legislar sobre

matéria processual e, portanto, sobre arbitragem. A arbitragem foi regulada no Código de Processo Civil de 1939, pois permitia a

composição de pendências judiciais e extrajudiciais, em qualquer tempo, por meio do juízo arbitral, qualquer que fosse o valor e desde que se tratasse de direito patrimonial sujeito à transação permitida por lei.

2 COMPOSIÇÃO DAS CORTES 2.1 Introdução às Cortes de Conciliação e Arbitragem

As Cortes de Conciliação e Arbitragem (CCA) são uma forma de Justiça Particular, criadas pelos Tribunais de Justiça, em que as pessoas optam pela mesma no lugar da Justiça que conhecemos: a Justiça Estatal.

Ela foi criada para “desafogar” a Justiça Comum e serve para resolver questões

comerciais, industriais, frete, seguro, títulos de crédito, descumprimentos de contratos, indenizações, revisão de aluguéis, dissolução de sociedade, familiar, imobiliários, entre outros, que versem sobre questões patrimoniais, não possuindo limite de causa.

É um meio alternativo de conflito em que as partes confiam a uma terceira

pessoa, o conciliador, a função de aproximá-las e orientá-las para a composição amigável, a qual será devidamente homologada pelo Conciliador-Árbitro, valendo o termo como Título Executivo Judicial. Não havendo acordo, o feito será prosseguido à Instrução e Julgamento até Sentença Arbitral, em conformidade com a Lei que rege a arbitragem, ou seja, a Lei 9.307/96 e Código de Processo Civil em vigor. As partes poderão escolher um dos Árbitros lotados na Corte de Conciliação e Arbitragem, ou, não havendo consenso entre as mesmas, haverá sorteio de um destes Árbitros para proferir a Sentença Arbitral. No acordo homologado em Audiência Conciliatória pelo

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Conciliador-Árbitro ou pela Sentença Arbitral proferida pelo Árbitro, eleito pelas partes ou sorteado, não caberá Recurso, conforme preceitua a lei mencionada.

As Cortes de Conciliação e Arbitragem servem para resolver os litígios através

da Conciliação ou Julgamento Arbitral, onde a Corte Arbitral funcionará como nos Juizados Especiais Cíveis, de maneira definitiva, com custo baixo, rapidez e eficiência, sem limite de alçada. 2.2 Formação do Corpo de uma Corte Arbitral

Sua equipe será formada por um Conciliador-Árbitro, dois Escreventes, um Mensageiro Judicial, um Escrivão-Secretário, árbitros indicados pelo Órgão Classista e Árbitros Advogados pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

O Conciliador-Árbitro, além de conciliar as partes, possui a função de Árbitro, o

qual possui a responsabilidade perante a Corte Arbitral, presidindo as audiências de Conciliação, as de Instrução e Julgamento, se for o caso, como também ao funcionamento da Corte Arbitral que lhe fora confiada.

No artigo 28 da Lei da Arbitragem está enunciado o seguinte: art 28 – “Se, no

decurso da arbitragem, as partes chegarem a acordo quanto ao litígio, o arbitro ou o tribunal arbitral poderá, a pedido das partes, declara tal fato mediante sentença arbitral, que conterá os requisitos do art. 26 desta lei”. (LENZA, 1999, p.204).

O artigo 26 da referida Lei expõe: art. 26- “São requisitos obrigatórios da

sentença arbitral: I- o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio; II- os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade; III- o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e IV- a data e o lugar em que foi proferida”.

Parágrafo único: “A sentença arbitral será assinada pelo árbitro u por todos os

árbitros. Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato”. (LENZA, 1999, p. 204). 2.3 Conciliação

A conciliação é o meio de acordo do conflito entre as partes adversas, desavindas em seus interesses ou direitos pela atuação de um terceiro, distinto dos litigantes, que tenta conduzi-los a um consenso comum, ou não sendo possível o acordo, tenta transferir para um estado meramente potencial, com vistas a seu desaparecimento futuro, sendo um dos modos alternativos de solução de conflitos.

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2.4 Arbitragem

A arbitragem é um meio alternativo de solução de conflitos, em questões patrimoniais de direitos disponíveis, em que as partes, de própria vontade, pactuam suas vontades no sentido de submeterem possíveis controvérsias, provenientes de contratos entre elas celebrados, ao julgamento de um juízo privado e/ou público, ou seja, ao juiz arbitral, sem a tutela do Poder Judiciário, com procedimentos próprios e força executória perante Tribunais Estatais.

Na arbitragem, as partes elegem em compromisso arbitral uma ou mais pessoas

denominadas árbitros ou juízes arbitrais, de confiança das partes, para o exercício neutro ou imparcial do conflito de interesse, submetendo-se à decisão final dada pelo árbitro, em caráter definitivo, uma vez que não cabe recurso neste novo sistema de resolução de controvérsias.

A função do árbitro nomeado na arbitragem é de conduzir o processo de forma

semelhante ao processo judicial, porém muito mais rápido, menos formal, de baixo custo, onde a decisão deverá ser dada por pessoas especialistas (considerados julgadores) na matéria, que é objeto de controvérsia, diferentemente do Poder Judiciário, em que o juiz, na maioria das vezes e para bem instruir seu convencimento quanto à decisão final a ser prolatada, necessita do auxílio de peritos especialistas.

Com a assinatura da cláusula compromissória ou do compromisso arbitral, a

arbitragem assume o caráter obrigatório e a sentença tem força judicial. 2.5 O Conciliador

O Conciliador é um auxiliador da Justiça que garante a agilização dos trabalhos forenses e suas soluções, que estará sempre acompanhado quando necessário por um Juiz supervisor. Ele serve para esclarecer, entre outras coisas, sobre os procedimentos de uma demanda judicial, seus gastos, tempo e desconfortos em relação à propositura de uma ação.

Na maioria das vezes, o conciliador faz com que as partes cheguem a uma

composição amigável, solucionando a lide existente entre as mesmas, através de orientações que o mesmo direciona às partes, mostrando a real importância de solucionar um desacordo, para que não seja necessária a entrada via judicial. 2.6 Árbitro

O árbitro é qualquer pessoa natural, capaz e tecnicamente preparada e qualificada que sem estar investida na magistratura estatal é juiz de direito e de fato, sendo escolhido por duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, sempre em número

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ímpar, para dirimir controvérsias entre eles, proferindo sentença arbitral de mérito com força de título executório e que tenha a confiança das partes, para sentenciar a demanda. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes foi submetido, algumas das hipóteses de impedimento e suspeição previstas nos artigos 134 e 135 do Código de Processo Civil em vigor.

O caso de laços de amizade entre o árbitro e as partes não causa qualquer

problema em relação à hipótese de suspeição, nem de impedimento, uma vez que o fato da amizade dos mesmos decorre sentimento de confiança, que é algo recomendável para o deslinde da lide em questão.

Em Goiás, ficou estabelecido que o árbitro deve ter curso superior,

preferencialmente na área jurídica, pelo fato de lidar com sentenças, tendo que passar por um curso de capacitação na sede da Esmeg (Escola Superior de Magistratura de Goiás) que atualmente é ministrado pelo Desembargador Vítor Barboza Lenza, no qual é ensinado tudo sobre a Justiça Arbitral, sendo também aplicada para conciliadores.

Hoje já se tem projeto da instalação de Cortes Arbitrais para resolver questões

dentro das instituições bancárias e do Detran. 2.7 O Compromisso Arbitral

O artigo 9º da Lei 9.307/96 conceitua o compromisso arbitral da seguinte forma: “O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.” (LENZA, 1999, p. 200).

Com o compromisso arbitral as partes, de comum acordo, optam pelo uso da

arbitragem para resolução da controvérsia surgida depois, mesmo que não exista a cláusula compromissória em seu contrato, ou que o litígio não possua relação com o mesmo.

Seu principal objetivo é estabelecer as condições do compromisso arbitral e dar

as diretrizes para seu desenvolvimento, até a decisão final, ou seja, tentar uma solução para o caso.

O compromisso arbitral poderá ser extinto se houver a escusa do juiz arbitral,

não aceitando sua nomeação e as partes tenham convencionado que não será aceito substituto, ou se juiz arbitral vier a falecer ou estiver impossibilitado de funcionar, por não poder proferir o seu voto, e também se expirar o prazo fixado pelas partes para apresentação da decisão arbitral, desde que o juiz arbitral ou o presidente do tribunal tenham sido notificados da decisão arbitral.

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2.8 Cláusula Compromissória

É a convenção escrita pela qual as partes comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a uma relação jurídica específica, antes do surgimento da controvérsia, afastando desde logo a Competência do Poder Judiciário, ou seja, ao assinar um contrato que substitui a cláusula que elege o foro do Poder Judiciário para resolver qualquer dúvida ou questão que venha dele surgir pela cláusula compromissória, de onde o eventual conflito será dirimido pelo sistema arbitral.

João Roberto da Silva em seu livro “Arbitragem aspectos gerais da Lei

9.307/96”, define Cláusula Compromissória da seguinte maneira: Cláusula Compromissória (pactum de compromittendo) é aquela constante no

contrato realizado entre as partes, no intuito de encerrarem as divergências existentes entre elas, ficando a questão submetida à arbitragem, que se realizará pelos árbitros escolhidos pelas mesmas. Mediante esta cláusula, as partes comprometem-se a aceitar a arbitragem que for realizada em seus interesses, no que se refere às divergências acerca da matéria contratual que poderão ocorrer. (1999, p. 35).

A redação da Cláusula Compromissória é livre, mas podemos citar o modelo

utilizado pela 1ª CCA de Jataí, que é usada pela maioria dos contratos que a seguinte: “Todas as questões eventualmente originárias do presente contrato serão resolvidas, de forma definitiva, via arbitral na 1ª Corte de Conciliação e Arbitragem de Jataí, Estado de Goiás (1ª CCA/GO), com sede na Rua José Manoel Vilela, nº 483, Centro, no prédio da Associação Comercial e Industrial de Jataí (ACIJ), Cep: 75.800-008, consoante os preceitos ditados pela Lei 9.307 de 23/09/1.996”.

A redação da cláusula compromissória deve ser impressa sempre em negrito

para que seja facilmente vista por qualquer dos contratantes, em todos os contratos firmados. 2.9 Sentença Arbitral

É o julgamento prolatado pelo árbitro, se único, ou pelo tribunal arbitral se por vários árbitros, depois de concluída a instrução, acerca da disputa que foi submetida a sua apreciação, a qual deve ser dada dentro do prazo que as partes deram, ou, como a lei manda, no máximo dentro de 180 dias, a menos que as partes concordem em prolongar esse prazo.

Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos na obra “Lei da Arbitragem comentada”

página 10, expõe o seguinte comentário sobre a sentença arbitral: “É sentença arbitral a decisão definitiva dos árbitros sobre o conflito de interesses submetido à apreciação do juízo. Sua estrutura formal está expressamente contemplada em lei. Trata-se de uma verdadeira sentença, tal como a proferida pelo juiz estatal. E, assim, carece, como esta ultima, de preencher requisitos essenciais. A lei os tem como “obrigatórios” e impõe,

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mesmo, a decretação da nulidade da sentença, à falta de qualquer deles (art. 32, III, da lei). É a norma (que repete o art. 1.095 do CPC, revogado) uma correspondente do art.458 do Código de Processo Civil, que trata dos requisitos essenciais da sentença do juiz estatal. Uma só coisa, ontologicamente, são a sentença do juiz e a sentença do árbitro: uma decisão, afastando-as e diferenciando-as, apenas, a origem dessa decisão, não mais a força que contêm os dois atos, como lecionou, sob o regime anterior, Moraes e Barros”.

São iguais, como ato de inteligência, lógico e de vontade. Disse bem aquele

autor quando gizou que não é a sentença arbitral um julgamento de plano, uma decisão arbitraria e muito menos caprichosa, inteiramente distanciada dos termos da controvérsia. Mesmo que esteja autorizado a decidir por equidade, ex bono et équo, tem o árbitro de fundamentar a sua decisão, dizendo os fatos a que se apegou, os existentes e os inexistentes, bem como os motivos por que chegou a uma determinada solução. (1997, p. 10).

Só pode ser feita por escrito, de maneira clara, precisa e inteligente, usando uma

linguagem simples para uma perfeita e fácil interpretação, onde deverá constar o nome das partes fazendo um apanhado do que cada um falou em seu favor, dizendo de pronto quem tem razão, explicando logo após, com base no raciocínio do árbitro porque é que chegou a essa conclusão de dar razão a um e não ao outro, dizendo qual meio utilizou para o julgamento, se foi o bom senso, a lei ou alguma regra. Deve reafirmar novamente quem ganhou, dando o prazo ao vencido para cumprimento da sentença e o valor a ser pago pelo mesmo, datar e assinar a sentença, não se esquecendo de colocar o local onde a mesma foi proferida.

Após ser proferida a Sentença Arbitral será findada a arbitragem, devendo o

árbitro enviar cópia da decisão às partes, por via postal ou outro meio de comunicação, mediante comprovação de recebimento, ou ainda, poderá entregá-la diretamente às partes, mediante recibo que comprove a mesma, para fins de controle de prazos.

A contar do recebimento da notificação da decisão da sentença, a parte

interessada terá o prazo de 5 (cinco) dias para solicitar ao árbitro que corrija qualquer erro material contido na mesma, ou que esclareça alguma obscuridade, dúvida, contradição ou ponto omisso que deveria estar manifestado na decisão.

Feito isso, o árbitro irá analisar os pedidos e verificar qualquer erro contido na

sentença e no prazo de 10 (dez) dias deverá aditar a Sentença Arbitral, notificando novamente as partes da correção da mesma.

No caso da Sentença Arbitral ser condenatória, a mesma irá constituir Título

Executivo Judiciário, caso não seja cumprido poderá ser executado na Justiça Comum, pelo fato da mesma produzir entre as partes os mesmos efeitos da sentença proferida pelo Poder Judiciário e pelo fato das Cortes Arbitrais ainda não possuírem poder de execução e nem de penhorabilidade.

Segundo o Renato Barbosa Lenza (1999), conciliador árbitro da 2ª Corte de

Conciliação e Arbitragem de Goiânia (2ª CCA), somente os árbitros podem assinar uma sentença homologatória, conforme mostra o artigo 18 da Lei de Arbitragem, que diz que

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o árbitro é o juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou homologação pelo Poder Judiciário, motivo este que existe a figura do conciliador árbitro, que também pode homologar sentença.

3 MODELO GOIANO DE ARBITRAGEM 3.1 O Modelo Arbitral no Estado de Goiás

A Corte de Conciliação e Arbitragem de Goiás é referência nacional, pelo fato do Estado possuir a maior estrutura arbitral na América Latina, a qual conta com 23 Cortes em funcionamento e com o convênio junto ao Governo de Goiás, esse número poderá ir mais além até o fim de 2007, podendo chegar a mais de 50 Cortes em todo o Estado, elas são responsáveis pelo atendimento de cerca de 18% do movimento forense cível em Goiás.

Das 23 Cortes existentes hoje no Estado, 08 estão na capital goiana e as outras

15 espalhadas pelo interior, podendo citar as de Goiânia, Jataí, Rio Verde, Itumbiara, entre outras.

A 2ª Corte Arbitral de Goiânia é considerada o modelo das Cortes, está em

funcionamento a 11 anos, com resultados muito positivos, chegando ao número de 44.761 ações protocolizadas neste período, realizando cerca de 60 audiências por dia e a média de acordos registrada nesses 11 anos está na casa de 77,06 %, motivo este que torna as Cortes de Conciliação e Arbitragem de Goiás referência para outros Estados, como exemplo de disseminação de melhores práticas de acesso a Justiça, tendo sido considerado modelo, atraindo assim a atenção de profissionais que atuam na área.

O Desembargador Victor Barbosa Lenza, responsável pela criação das cortes do

Estado de Goiás, quando juiz do Tribunal de Justiça de Goiás foi o idealizador da iniciativa, que foi fundada em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Comercial e Industrial de Goiás (ACIEG), dizendo que o principal objetivo do Poder Judiciário é o atendimento às micro e pequenas empresas que não têm acesso aos Juizados Especiais Cíveis, informando que o projeto cresceu muito e as expectativas para o atual ano são de se desenvolver ainda mais, por se tratar de uma alternativa simples, com soluções rápidas e com trabalho de credibilidade.

Para o Desembargador, em apenas 11 anos de formação das Cortes no Estado

foram contabilizadas mais de 300 mil soluções, tornando-se um modelo de eficácia para as demais.

O sucesso das Cortes em Goiás é visível, pois o Estado através do sistema

arbitral conseguiu agilizar a entrega da justiça alternativa de forma simples e menos onerosa. Hoje o Estado pode comemorar, pois o índice de soluções com a arbitragem chega à casa dos 83%.

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O colegiado de cada Corte no Estado é composto de 30 conciliadores e árbitros, dos quais 15 são selecionados e eleitos pela OAB/GO e os outros 15 pela entidade – parceira que são remunerados por audiências realizadas pela Cortes.

O sistema adotado nas Cortes na visão de outros Estados é considerado híbrido,

pois envolve o Poder Judiciário e as entidades classistas, dando maior credibilidade e fazendo um trabalho com qualidade, tornando-se, assim, um modelo a ser seguido pelos demais Estados, sendo implantado em outros locais, respeitando a particularidade de cada região.

Além da rapidez para se chegar à solução, os custos da conciliação e arbitragem

em Goiás é outro destaque, pois o associado da entidade onde está instalada a Corte de Conciliação e Arbitragem paga um valor de custas por reclamação mais barato em relação ao não associado. O deslocamento do mensageiro judicial também é pago em que se é cobrado uma taxa para o trabalho realizado pelo mesmo, que é um técnico treinado para convocar e esclarecer a parte reclamada, tornando-se uma espécie de “quebra-gelo”.

Na fase de instrução ou julgamento os custos dos árbitros ficam no patamar de 2

% a 10 % do valor da causa, de acordo com a complexidade do conflito. Pelo fato de Goiás estar um passo à frente, revolucionando o sistema de justiça

alternativa, graças à composição de forças e ao apoio do Poder Judiciário local, o torna hoje um modelo adotado pelos Estados de Tocantins e Mato Grosso. 3.2 A Formação da 1ª CCA em Jataí

A 1ª Corte de Conciliação e Arbitragem de Jataí, Estado de Goiás (1ª CCA/GO), foi criada através do Decreto Judiciário nº 070/97, de 22 (vinte e dois) de janeiro de 1997 e publicada no Diário da Justiça de Goiás no dia 31 (trinta e um) de janeiro de 1997, por um convênio de Cooperação Técnico – Jurídico- Administrativo entre o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, a Associação Comercial e Industrial de Jataí – ACIJ e a Ordem dos Advogados de Goiás – OAB/GO, subseção de Jataí, as quais se uniram por um ato solene realizado no Fórum Municipal de Jataí.

No dia 31 (trinta e um) de maio de 2000 foi inaugurada a 1ª Corte de

Conciliação e Arbitragem de Jataí, com a presença do Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, do Poder Executivo, Empresariais e demais autoridades locais.

Hoje, a 1ª CCA de Jataí conta, no seu corpo docente, da experiência da

Conciliadora Árbitra Suselma Assis Campos, que com o apoio do atual Presidente da ACIJ Vítor Geraldo Gaiardo e do Presidente da OAB, subseção de Jataí, Mario Ibrahim do Prado, vem desempenhando um trabalho excelente e de destaque na busca de soluções para os conflitos de todos que buscam essa Justiça Alternativa, que com seu esforço e dedicação festeja um índice de acordos na casa de 80 %.

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O índice de procura da 1ª Corte de Conciliação e Arbitragem de Jataí vem crescendo a cada dia mais em relação aos demais anos, se comparando os anos de 2005 e de 2006 obtém um crescimento significativo de mais de 100% de procura de um ano para outro, o que vem mostrar que o trabalho desta Justiça é sério e eficaz. 4 PROCEDIMENTOS ARBITRAIS NAS CORTES DE CONCILIAÇÃO 4.1 Procedimentos das Cortes de Conciliação de Arbitragem de Goiás

Para se ingressar junto à 1ª Corte de Conciliação e Arbitragem, o Reclamante deverá protocolar sua reclamação junto à secretaria da CCA, apresentando 03 (três) vias assinadas da Petição Inicial, cópia do título (objeto da demanda), cópia do contrato social da empresa reclamante autenticada com a última alteração e do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica se for empresas (CNPJ), se for Pessoa Física deve apresentar cópia do Registro Geral (RG) e Cadastro de Pessoa Física (CPF), após a protocolização será designado o dia e a hora para a Audiência de Conciliação, obedecendo ao prazo de 15 (quinze) dias, para a primeira audiência.

A parte irá efetuar junto à tesouraria da Corte o depósito das custas e diligências

do processo, que varia de acordo com o valor da causa. Após esse protocolo, o escrivão irá providenciar a confecção da citação ou da

cientificação, que constará o dia e hora da referida Audiência e do que se trata, que será entregue ao Oficial de Justiça, mensageiro oficial ou enviada via A.R para cumprimento da mesma.

A citação é o mandado enviado ao Reclamado quando existe a Cláusula

Compromissória no contrato existente entre as partes. Já a cientificação é a correspondência que é enviada à parte Reclamada quando

não existe nenhuma cláusula que dê à Corte o poder de decidir sobre a lide de forma arbitral.

No dia da audiência, o conciliador irá receber as partes na sala de audiências da

Corte, para tentar compor uma lide, mostrando aos mesmos a importância de um acordo.

Se no contrato contiver a Cláusula Compromissória e na Audiência de

Conciliação não for feito nenhum acordo, será designada Audiência de Instrução e Julgamento no prazo de 15 dias, para que as partes componham uma lide, apresentando, caso queiram, testemunhas e provas que julgarem necessárias, mas se mesmo assim não se chegar a um consenso, o processo será remetido à Sentença Arbitral, onde o árbitro será indicado pelas partes ou através de sorteio.

Caso não tenha a cláusula compromissória no contrato, e não houver tido êxito

na tentativa de uma composição, irá ser remarcada outra Audiência Conciliatória e será

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firmado o compromisso arbitral em que as partes no momento da Audiência elegem a Corte do referido local para solucionar a lide, elegendo a Cláusula Compromissória para que o feito prossiga para a Sentença Arbitral, mediante os preceitos da Lei 9.307/96, que torna a Corte competente para dirimir a demanda.

Se no dia da Audiência a parte Reclamada não se fizer presente e nem mandar

um representante legal para tentar solucionar a contenda será inserido o efeito de revelia e sua consequência prevista no Código Civil em vigor, em que o feito será enviado para a Sentença Arbitral, que ao Reclamante cabe o poder de escolher o arbitro para a mesma, não podendo o Reclamado reclamar posteriormente pelo fato de não se fazer presente no momento da escolha.

Acontecendo o acordo, será lavrado o termo de conciliação com as parcelas

pagas em dinheiro na tesouraria da Corte. Caso a conciliação não seja possível, na mesma audiência será apresentada à parte, a fase arbitral, firmando em termo de ocorrência da audiência o compromisso arbitral, para que no prazo de 15 dias seja marcada uma Audiência de Instrução Arbitral para decisão através de Sentença Arbitral. 4.2 Protocolo de Interação e Cooperação Técnica Jurídico para Composição de uma Corte Arbitral

É o Convênio firmado entre o Tribunal de Justiça do Estado, a Associação de Entidades e a Ordem dos Advogados do Brasil que em parceria darão composição à constituição da Corte de Conciliação e Arbitragem.

O protocolo firmado pôs à disposição da Corte de Arbitragem um juiz de direito

na qualidade de supervisor e um juiz coordenador de todas as Cortes de Conciliação e Arbitragem de cada Estado, além do oficial de justiça, do mensageiro judicial e do escrivão.

Este convênio estabelece as bases para as relações conjuntas no domínio da

cooperação técnica, objetivando a pacificação entre os jurisdicionados, no âmbito da legislação civil, comercial e administrativa, por intermédio da conciliação e arbitragem, podendo o processo que tramita na Justiça Comum ser requerido por qualquer das partes para ser remetido para a Corte Arbitral, para tentativa de autocomposição ou julgamento.

Neste protocolo estará contida toda a informação necessária para a composição e

funcionamento desta Justiça Arbitral. Também consta que, se a sentença arbitral contiver disposição mandamental, a

parte vencedora poderá pedir na própria Corte Arbitral a expedição do mandato provisório, assinado pelo arbitro e visado pelo juiz de direito supervisor, em virtude do efeito apenas devolutivo das ações de nulidade, sendo que todos os atos se praticam no juízo arbitral.

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Em Jataí o protocolo foi sacramentado em maio de 2000, através da parceria entre o Tribunal de Justiça de Goiás no ato representado pelo Senhor Desembargador Joaquim Henrique de Sá, a Associação Comercial e Industrial de Jataí por seu Presidente Napoleão Alves Neto e a Ordem dos Advogados do Brasil, OAB-GO, subseção de Jataí pelo Dr. Francisco Barbosa Garcia, Presidente na época, o qual contém o objetivo para qual será utilizado, as atividades que serão desenvolvidas, no caso deixando claro o espaço onde será instalado a Corte de Conciliação de Arbitragem; o nome dos árbitros que comporá o corpo da Corte; o seu funcionamento geral: qual o procedimento que o árbitro e o conciliador deverá adotar; os valores cobrados pelas custas, diligências e honorários do árbitro.

CONCLUSÃO

Conclui-se que, com esta pesquisa, as Cortes Arbitrais estão inseridas em nosso cotidiano, desde os tempos mais remotos, em que eram utilizadas para fazer acordos entre os povos antigos, com objetivo de solucionar demandas adversas. Que a Cláusula Compromissória surgiu na Grécia, no tratado entre Esparta e Atenas, a.C, numa tentativa de solucionar os conflitos de interesses entre estes povos. Que a evolução da Arbitragem em nosso ordenamento jurídico sucedeu-se pela prática dos povos antigos, que a utilizavam com o intuito de sanar os conflitos existentes.

As Cortes de Conciliação e Arbitragem são conceituadas como a forma de

Justiça Particular, criada pelos Tribunais de Justiça, com o intuito de descentralizar a Justiça Estatal, como, também, ser a solução mais eficaz para dirimir questões patrimoniais e soluções de conflitos desta natureza, com os parâmetros semelhantes aos dos Juizados Cíveis Especiais, sem limite de alçada, com celeridade processual a custo inferior ao da Justiça Estatal.

As Cortes Arbitrais do Estado de Goiás são criadas através do Instrumento

denominado “Protocolo de Interação e Cooperação Técnico-Jurídico”, firmado por um Órgão classista, a Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Tribunal de Justiça, mediante os preceitos da Lei nº 9.307/96, a Lei da Arbitragem no território nacional.

As Cortes do Estado de Goiás estão se tornando exemplo para os demais

Estados. Contam atualmente com o número de 23 em todo o Estado de Goiás. A 2ª Corte de Conciliação e Arbitragem de Goiânia é considerada a “Corte Escola”, por ser modelo e referência em nível nacional. Atualmente comemora índices de soluções através desta “Justiça Particular”, que ultrapassa 83% de soluções de conflitos.

Com isso, tem-se que a arbitragem está dia após dia tomando um espaço cada

vez maior até mesmo frente ao Poder Judiciário, pela sua celeridade processual. É a Justiça do FUTURO.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA 01. BULOS, Uadi Lammêgo; FURTADO, Paulo. Lei da Arbitragem: Breves Comentários à Lei

9.307, de 23-09-1.996. São Paulo: [s.n.], 1997. 02. LENZA, Vítor Barbosa. Cortes Arbitrais. Goiânia: [s.n.], 1999. 03. SILVA, João Roberto. Arbitragem Aspectos Gerais da Lei 9.307/96. São Paulo: [s.n.],

2001. 04. CAETANO, Luiz Antunes. Arbitragem e Mediação. São Paulo: [s.n.], 2002. 05. PAASHAUS, Gustavo Cintra. Apêndice, “Do Juízo Arbitral”. São Paulo: [s.n.], 2002. 06. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: [s.n.], 1959. 07. STRANGER, Irineu: Comentários a Lei Brasileira de Arbitragem. Rio de Janeiro: [s.n.],

2002.

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ESTATUTO DO IDOSO: A DISTÂNCIA ENTRE O MARCO LEGAL E A

PLENA EFETIVAÇÃO DO DIREITO DO IDOSO NO BRASIL

ORISTON DE SOUSA CARDOSO

RESUMO: O presente trabalho abordará como temática o estatuto do idoso, mostrando a sua história, sua estrutura, seus avanços, sua fragilidade e o distanciamento entre o marco legal e a realidade social, especificamente no âmbito dos idosos brasileiros. Mostraremos uma breve síntese da evolução legislativa, que foi coroada com o advento do Estatuto do Idoso, estatuído pela Lei 10.741/2003, que regulamentou os direitos da terceira idade, bem como demonstraremos que, apesar da realidade fática estar distante do ideal, o Estatuto do Idoso é um marco relevante para a construção de uma sociedade mais humanitária, onde o idoso possa ser visto como membro participante, ativo e respeitado. Palavras-chave: idoso, estatuto, direitos. INTRODUÇÃO

No presente trabalho, pudemos observar que o conceito de velhice está intimamente ligado ao de tempo e morte. Saber-se idoso é saber-se finito. Existe no fato de viver uma experiência intrínseca do fato morrer.

Portanto, a visão do idoso é de doença, incapacidade, falta de autonomia,

colaboração e participação. Envelhecer passa a ser sinônimo de peso para os familiares e para a sociedade. É nesse momento que a sociedade, mais consciente das necessidades da terceira idade e de uma nova conceituação de idoso mais solidária, justa e ética, constrói o Estatuto do Idoso.

Este prevê não só uma nova forma de conceber a velhice, mas a concebe com

igualdade perante os demais indivíduos da nação brasileira. Porém, essa igualdade resguarda seu direito às diferenças, como, por exemplo, os cuidados inerentes a essa idade, as suas condições econômicas, sociais, culturais e seus desejos para o que considera uma vida digna.

O idoso passa a ser prioridade para sua família, sociedade e poder público. Estes devem garantir direitos como: liberdade, dignidade, esporte, lazer,

habitação, cultura, educação, entre outros. Por fim, coube-nos verificar se o Estatuto do Idoso caminha em direção a uma

sociedade para todas as idades. Segundo nossa visão, infelizmente, está longe ainda do ideal, pois a teoria, ainda está longe da prática.

Entrementes, vemos que todo o encaminhamento jurídico, como é o caso do

Estatuto do Idoso que, busca promover o bem estar de qualquer parcela da população,

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está considerando a sociedade como um todo, pois, numa sociedade sistêmica, o bem estar de cada um enseja o bem estar de todos.

1 O QUE É ENVELHECIMENTO?

O conceito de idoso em nossa sociedade vem, histórica e culturalmente, alterando-se e adequando-se às necessidades dessa sociedade e de seus interesses econômicos e políticos.

Também pesam nessas alterações de interpretações sobre estar idoso, mudanças

demográficas, lutas democráticas e por cidadania, de todos os indivíduos da sociedade terrena, incluindo-se, os da terceira idade.

Para discorrermos sobre o Estatuto do Idoso, faz-se necessário entendermos um

pouco do histórico do processo de envelhecimento do ser humano. Até o início do séc. XIX existiam três noções sobre o envelhecimento humano.

A primeira era que a espécie humana já foi perfeita, mas que o pecado original provocou sua desgraça, cujo principal sinal é a morte. A segunda era que em algum lugar distante no mundo existiriam pessoas que deteriam o segredo da imortalidade. A terceira era que existiria algures uma fonte milagrosa, cujas águas teriam o poder de restaurar o vigor e a juventude perdidos e assim prolongar a vida. (Néri,1999, p. 15)

Mas o envelhecimento vai muito além destes conceitos filosóficos ou religiosos,

ele possui uma dimensão existencial e se modifica com a relação do homem e o tempo, com o mundo e sua própria história, revestindo-se não só de características biopsíquicas como também sociais e culturais.

Segundo Néri (1999, p. 121): o modo de envelhecer depende de como o curso de

vida de cada pessoa, grupo etário e geração são estruturados pela influência constante e interativa de suas circunstâncias histórico-culturais, da incidência de diferentes patologias durante o processo de desenvolvimento e envelhecimento, de fatores genéticos e do ambiente ecológico.

Há, ainda, autores que consideram o envelhecer como um processo de acumular

experiências e enriquecer a vida por meios de conhecimento e habilidades físicas. Outros dizem que “a pessoa é considerada idosa perante a sociedade a partir do momento em que encerra as suas atividades econômicas”. (NÉRI, 1999, p. 121).

Para o direito, com a edição do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), o conceito

legal de idoso pode ser definido, tendo-se por base a idade de 60 anos, a teor do art.1º. do referido Estatuto: art. 1º. “É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”. (FRANCO, 2005, p. 13).

148

Como podemos observar, o conceito de envelhecimento é variável de acordo com períodos históricos e com a estrutura social, cultural, econômica e política de cada povo.

Assim também os valores intrínsecos à representação que uma sociedade tem da

velhice são responsáveis pelas ações que possibilitaram ou não a proteção e inclusão social de seus idosos.

Os termos utilizados para a fase de envelhecimento determinando que "velho",

"idoso" e "terceira idade" referem-se a pessoas idosas com idade média de sessenta anos. A "velhice" seria a última fase da existência humana, sendo que o "envelhecimento" está atrelado às mudanças físicas, psicológicas e sociais. Logo, "amadurecer" e "maturidade" significam a sucessão de alterações ocorridas no organismo e a obtenção de papéis sociais.

Portanto, o processo de envelhecimento ocorre de maneira diferente para cada

pessoa, pois depende de seu ritmo, época da vida, da sua cultura, entre outros fatores, não se caracterizando um período só de perdas e limitações e, sim, um estado de espírito decorrente da maneira como a sociedade e o próprio indivíduo concebem esta etapa da vida.

Em uma síntese conclusiva, poderíamos dizer que “[...] envelhecer é fato irrevogável da natureza e do tempo, sentença da longetividade, veredicto da própria condição humana.” (FRANCO, 2005, p. 14). 2 A POPULAÇÃO IDOSA NO BRASIL

Necessário se torna, antes de se expor o tema central, fazer uma breve explanação acerca da população idosa no Brasil, atinando para sua conformação atual, bem como indicando as perspectivas futuras de desenvolvimento desta parcela da população, tendo por base os dados estatísticos fornecidos por institutos oficiais.

Segundo dados do IBGE, a população brasileira, que até pouco tempo era

formada por uma maioria absoluta de jovens, possui atualmente aproximadamente 14.536.029 (quatorze milhões, quinhentos e trinta e seis mil e vinte e nove) idosos (considerando idosas as pessoas que possuem idade igual ou superior a sessenta anos), o que representa 8,6% da população total.

Ainda de acordo com o IBGE, no Brasil, de 1980 a 1999, houve um aumento em

torno de 70% da população idosa. Trata-se de crescimento significativo, que nos aproxima de países desenvolvidos, como Portugal e Espanha. Em 2004, a expectativa de vida no Brasil alcançou os 71,7 anos (71 anos, 8 meses e 12 dias). Entre 1980 e 2004 a expectativa de vida do brasileiro experimentou um acréscimo de 9,1 anos, ao passar de 62,6 anos, para os atuais 71,7 anos.

Não para por aí, segundo projeções estatísticas, o Brasil continuará em

crescimento gradativo da expectativa de vida média de sua população alcançando, em

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2050, 13,5 milhões de pessoas com idade igual ou superior ao patamar de 80 anos de vida, número este que equivale à expectativa de vida da população japonesa. Vale ressaltar que têm cidades brasileiras, que a expectativa média de vida já é de 80 anos, como por exemplo Brasília.

O envelhecimento da população brasileira é reflexo do aumento da expectativa

de vida, devido ao avanço no campo da saúde e à redução da taxa de natalidade. Prova disso é a participação dos idosos com 75 anos ou mais no total da população - em 1991, eles eram 2,4 milhões (1,6%) e, em 2000, 3,6 milhões (2,1%).

Diante desta nova realidade, o Estatuto do Idoso veio para ampliar e confirmar

os direitos já existentes na Constituição Federal, pois estimativas demonstram que em 2020 estaremos na 6ª posição dentre os países com maior número de idosos, tendo mais de 30 milhões de idosos em nossa sociedade. Esses dados demonstram a necessidade de se regulamentar e efetivar os direitos existentes dos idosos de forma a propiciar uma existência digna. 3 BREVE HISTÓRICO E COMENTÁRIO SOBRE O ESTATUTO DO IDOSO

A Carta Magna de 1998, por si só, assegura todos os direitos inerentes à cidadania, à dignidade da pessoa humana, à liberdade de credo, à proibição à discriminação, seja por raça, cor ou idade, e ainda, ditas regras específicas no que tange à saúde, à assistência social e a previdência social.

Especificamente, no que tange aos Idosos, a Constituição Federal de 1988, em

seu Capítulo VII, Título VIII (Ordem Social), nos arts. 229 e 230, versa sobre alguns princípios e direitos que lhe são assegurados.

Os artigos expõem que o filho tem o dever de ajudar e amparar o pai na velhice,

enfermidade ou carência e que é um direito do idoso a participação na comunidade, a dignidade humana e o bem-estar.

Regras mais específicas foram, então, criadas para regulamentar as leis

infraconstitucionais, sempre seguindo os princípios expostos no texto constitucional. Positivar um Direito é sempre proporcionar benefícios à sociedade, é um avanço,

pois se poderá utilizar a nova lei como instrumento para validar reivindicações. O Estatuto do Idoso apresenta um campo fértil e estimulante para que a sociedade se mobilize e exija efetivação das Leis em benefício do idoso. Pensando nisto, fica presa na garganta uma indagação, ou será indignação?

Se os direitos básicos do ser humano independente da idade, raça, ou sexo, estão

assegurados pela Constituição Brasileira, porque temos que elaborar um estatuto, direcionado a uma parcela da população? A única resposta que se tem é que a sociedade brasileira, ainda, precisa evoluir, para fazer cumprir os princípios constitucionais, sendo necessária, para essa evolução, a normatização exaustiva do que deveria ser um direito natural.

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Neste contexto, a criação do Estatuto do Idoso foi de fundamental importância

para que os direitos dos idosos sejam respeitados, mas acima de tudo é um alerta à insensibilidade, pois reporta o tempo todo, sobre a necessidade de cuidarmos bem dos nossos idosos, o que deveria ser um processo natural e consciente de todo cidadão e do Estado, virou lei, passivo de punição pelo não cumprimento.

Assim, indubitavelmente, a aprovação do Estatuto do Idoso foi um avanço para

o sistema legal brasileiro e, estabelece em seu art. 1º, que “é considerada idosa a pessoa que tem idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. A família, a comunidade e o Poder Público têm o dever de garantir ao idoso, com absoluta prioridade, os direitos assegurados à pessoa humana.” (FRANCO, 2005, p. 13).

O Projeto de Lei que estabeleceu o Estatuto do Idoso é de autoria do senador

Paulo Paim (PT-RS). O projeto foi aprovado por unanimidade, tanto pelo Senado Federal, quanto pela Câmara dos Deputados.

O Estatuto do Idoso foi estabelecido pela Lei 10.741, foi sancionado pelo

Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, em 1 de outubro de 2003, garantindo e ampliando os direitos dos brasileiros com mais de 60 (sessenta) anos.

Porém o Estatuto do Idoso foi precedido por uma Politíca Nacional do Idoso,

estatuída pela Lei nº 8.842/94 e a Lei Orgânia de Assistencia Social, estabelecida pela Lei 8.742/91, que já regulamentava os preceitos constitucionais de proteção à terceira idade.

Após anos tramitando no Congresso, o Estatuto do Idoso foi aprovado em

setembro de 2003 e sancionado pelo Presidente da República no mês seguinte, ampliando os direitos dos cidadãos com idade acima de 60 anos. Mais abrangente que a Política Nacional do Idoso, lei de 1994 que dava garantias à terceira idade, o estatuto institui penas severas para quem desrespeitar ou abandonar cidadãos da terceira idade.

Veja-se, pois, os principais direitos do idoso, assegurados pelo Estatuto.

3.1 Cidadania e Dignidade da Pessoa Humana

O artigo segundo revela que, ao idoso, estão assegurados todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa, ao cidadão brasileiro, conforme a constituição e os direitos humanos. Aqui se revela a parcela de igualdade do idoso, com relação às demais pessoas que vivem nesse país.

Reintera-se sua cidadania, já existente na lei, mas que em conformidade com o

antigo conceito de idoso, foi deixado de ser levado em consideração, na prática. Aqui já está embutido o novo conceito de velhice, ou seja, o idoso tem os

mesmos direitos. É visto como cidadão.

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Ainda o artigo segundo nos remete ao direito à diferença, ou seja, que sejam atribuídos aos idosos direitos e cuidados especiais, relevantes à sua atual idade, saúde, condição econômica, social, cultural e seus desejos e necessidades.

Assim, nos termos do art. 3º, parágrafo Único, do Estatuto, o Idoso deve ter

atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população. 3.2 Dos Alimentos

Além da legislação Civil, a qual remete, o Estatuto reafirma que a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores, que conforme estabelece o art. 1.696, do Código Civil e 13 da Lei de alimentos, é devidos pelos ascendentes e descentes.

O artigo 14 do Estatuto do Idoso amplia o elenco dos obrigados à prestação

alimentar, estabelecendo que “Se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no âmbito da assistência social”. (FRANCO, 2005, p. 33).

Por seu turno, a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/93) com as

alterações estabelecidas pelo Estatuto do Idoso, em seu art. 20, § 4º, que faz jus ao benefício assistencial de manutenção, vejamos: art. 20 – “O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família”. 3.3 Saúde

O Estatuto garante direitos à vida, enquanto direito personalíssimo, e essa compreendida aqui, como vida saudável e digna, o que implica em direito à saúde, através de um conjunto articulado de ações e serviços que previnam, protejam e recuperem a saúde do idoso.

Nos termos do art. 15 do Estatuto, restou assegurada a atenção integral à saúde

do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.

Mas na prática, os idosos ainda enfrentam fila madrugada adentro para

conseguirem uma vaga no atendimento público. E não é incomum o noticiário relatarem casos de idosos que morrem na fila enquanto aguardam atendimento.

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O parágrafo segundo, do art. 15 do estatuto, por seu turno, assegura, ainda, a distribuição de remédios aos idosos, principalmente os de uso continuado (hipertensão, diabetes etc.), deve ser gratuita, assim como a de próteses e órteses.

O problema é que estas medicações quase sempre estão em falta nos postos de

distribuição, e os idosos acabam tendo que comprar. No caso das próteses e órteses, eles até conseguem ganhar, mas na maioria das vezes, depois de esperarem só conseguem através do remédio Jurídico, ou seja, Mandado de Segurança.

No que tange aos Planos de Saúde, o parágrafo 3º, do art. 15, estabelece que os

planos de saúde não podem reajustar as mensalidades de acordo com o critério da idade, pois foi atingida pela norma regulamentadora.

O art. 16 do Estatuto assegura que o idoso internado ou em observação em

qualquer unidade de saúde tem direito a acompanhante, pelo tempo determinado pelo profissional de saúde que o atende.

Entrementes, os hospitais públicos estão sempre lotados, muitas vezes colocam

os pacientes internados, em macas nos corredores sem a menor possibilidade de ter um acompanhante, ou seja, este direito raramente está sendo cumprido. 3.4 Transportes Coletivos

Aos maiores de 60 anos fica assegurada a gratuidade nos transportes coletivos públicos, urbanos e semi-urbanos.

Para o acesso à gratuidade, é suficiente a apresentação de documento pessoal

que faça prova da idade. Nos termos do art. 39 do Estatuto do Idoso, nos veículos de transporte coletivo

de que trata este artigo, serão reservados dez por cento dos assentos para os idosos, devidamente identificados.

Estabelece o art. 40, do Estatuto, que no sistema de transporte coletivo

intermunicipal e interestadual observar-se-á: I – a reserva de duas vagas gratuitas para idosos, por veículo; II – o desconto de cinqüenta por cento, no mínimo, no valor das passagens, para

os idosos que excederem as vagas gratuitas. (FRANCO, 2005, p. 74). Nos termos do art. 41 do Estatuto, fica assegurada a reserva, para os idosos, de

cinco por cento das vagas nos estacionamentos públicos e privados, posicionados de forma a garantir maior comodidade.

Por fim, estabelece o art. 42, que é assegurada a prioridade em embarque ao

idoso no sistema de transporte coletivo.

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3.5 Violência, Discriminação, Abandono e Maus Tratos

Nenhum idoso poderá ser objeto de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão. O que nos revelam constantemente os noticiários e que infelizmente esses direitos são os mais desrespeitados, inclusive pelos familiares.

Quem discriminar o idoso, impedindo ou dificultando seu acesso a operações

bancárias, aos meios de transporte ou a qualquer outro meio de exercer sua cidadania pode ser condenado, com pena de seis meses a um ano de reclusão, além de multa, mais o que se observa comumente é a utilização dos idosos como office boys, inclusive pelos próprios familiares.

A maior parte dos dispositivos das leis de proteção ao idoso refere-se às questões

sociais relativas aos idosos. No entanto, para os juristas, o mais importante e polêmico assunto disciplinado pela Lei diz respeito ao procedimento a ser aplicado aos crimes cometidos contra os idosos.

O Código Penal deixa bem claro a pena a qual incorrem, vejamos: art. 135 –

“quem deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública”, pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. (BRASIL, 2007, p. 98).

O crime de abandono material, também, recebeu nova redação, com o advento

da Lei 10.741/2003, art. 244: deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo. (Redação do Decreto-Lei Nº 2.848/ 40)

Por seu turno, no que tange a Maus-tratos, estabelece o Código Penal, em seu

art. 136, que aquele que expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina, estará sujeito à pena de detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa e, ainda, se do fato resulta lesão corporal de natureza grave, a pena é de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e, na hipótese do fato, resultar em morte, a pena é reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

Muitos dos idosos albergados, ou em casas-lar, ou em outras instituições afins,

têm famílias que os maltratavam, ou simplesmente os abandonam, e nada tem sido feito para punir esses familiares.

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Para os casos de idosos submetidos a condições desumanas, privados da alimentação e de cuidados indispensáveis, a pena para os responsáveis é de dois meses a um ano de prisão, além de multa. Se houver a morte do idoso, a punição será de 4 a 12 anos de reclusão.

Qualquer pessoa que se aproprie ou desvie bens, cartão magnético (de conta

bancária ou de crédito), pensão ou qualquer rendimento do idoso é passível de condenação, com pena que varia de um a quatro anos de prisão, além de multa. Porém é muito comum, o próprio familiar apropriar-se dos cartões magnéticos dos idosos, realizar saques e até efetivar empréstimos em beneficio próprio, sem a autorização dos idosos, ou ainda fazendo coerção aos mesmos.

O art. 110, da Lei nº 10.741/03, considera como agravante genérica da pena o

crime praticado contra idosos. Assim, o art. 61, do Código Penal, que trata do assunto, passou a ter a seguinte redação: “Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: (...) h) contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida(...)”. (BRASIL, 2007, p. 52).

Os idosos também foram protegidos com a nova redação dada pelo Estatuto do

Idoso ao art. 121, § 4º, do Código Penal: no homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (BRASIL, 2007, p. 93).

O Estatuto do Idoso acrescentou o inciso III ao art. 133, do Código Penal:

“Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: (...) § 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:(...) III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos”. (BRASIL, 2007, p. 98).

Com o Estatuto, se a injúria se dirigir contra idoso haverá aumento de pena,

ficando o art. 140, do Código Penal, com a seguinte redação: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: (...) § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa”. (BRASIL, 2007, p. 101).

Ainda, será aumentada a pena, nos termos do art. 141, do CP, (alterado pela Lei

10.741/03): “As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: (...) IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria”. (BRASIL, 2007, p. 101).

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3.5.1 Sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro.

O Estatuto do Idoso também protegeu os mais velhos nos crimes de sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro, aumentando-se a pena dos referidos crimes e alterando o Código Penal, em seus arts. 148 e 159: art. 148 – “Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: (...) § 1º - A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos: I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge do agente ou maior de 60 (sessenta) anos.” (BRASIL, 2007, p. 103); art. 159 – “Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: (...) § 1º Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha”. (BRASIL, 2007, p. 110). 3.6 Entidades de Atendimento ao Idoso

A assistência integral, na modalidade de entidade de permanência prolongada, deverá ser prestada quando verificada a inexistência de grupo familiar, abandono ou carência de recursos financeiros próprios ou da família.

O dirigente de instituição de atendimento ao idoso responde civil e

criminalmente pelos atos praticados contra o idoso. A fiscalização dessas instituições fica a cargo do Conselho Municipal do Idoso

de cada cidade, da Vigilância Sanitária e do Ministério Público. A punição em caso de mau atendimento aos idosos vai de advertência e multa

até a interdição da unidade e a proibição do atendimento aos idosos. As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias

unidades, observadas as normas de planejamento e execução emanadas do órgão competente da Política Nacional do Idoso.

As entidades governamentais e não-governamentais de assistência ao idoso

ficam sujeitas à inscrição de seus programas junto ao órgão competente da Vigilância Sanitária e ao Conselho Municipal do Idoso, ou, na falta deste, perante o Conselho Estadual ou Nacional do Idoso, especificando os regimes de atendimento. 3.7 Lazer, Cultura e Esporte e Educação

O Estatuto do Idoso estabelece, em seu art. 20 e seguintes, que o idoso tem direito à educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade.

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Assim, ao idoso é assegurado o desconto de, no mínimo, cinqüenta por cento na aquisição de ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso preferencial aos respectivos locais.

Os meios de comunicação devem manter espaços ou horários especiais aos

idosos, com finalidade informativa, educativa, artística e cultural e, ao público, sobre o processo de envelhecimento.

O grande problema é que existem pouquíssimas atividades culturais voltadas

para os idosos, esporte e lazer ficam ainda mais restritos. No que tange a Educação, o Estatuto do Idoso, em seu art. 22, estabelece como

dever do Poder Público, inserir, nos currículos mínimos, nos diversos níveis de Ensino, conteúdos voltados para o processo de envelhecimento, visando eliminar preconceitos, bem como desenvolver programas educativos, a fim de informar sobre o processo de envelhecimento.

Estabelece ainda o dever de se adotar modalidades de ensino à distância

adequado às condições do idoso. Igualmente, ainda, no que tange à Educação, o Estatuto estabelece que o Poder

Público deva criar oportunidade de acesso do idoso à educação, adequandos currículos, metodologias e material didático nos programas educacionais a ele destinados. 3.8 Habitação

O idoso tem direito à moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou ainda, em instituição pública ou privada.

Buscando dar efetividade a este direito, o Estatuto do Idoso estabeleceu em seu

art. 38, a obrigatoriedade de reserva de 3% das unidades residenciais para os idosos nos programas habitacionais públicos ou subsidiados por recursos públicos.

Assim, nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos

públicos, o idoso goza de prioridade para a aquisição de moradia própria, observado o seguinte: 1 - reserva de três por cento das unidades residenciais para idosos; 2 - implantação de equipamentos urbanos comunitários voltados ao idoso; 3 - eliminação de barreiras arquitetônicas e urbanísticas, para a garantia de acessibilidade ao idoso; 4 - critérios de financiamento compatíveis com os rendimentos de aposentadoria e pensão. (FRANCO, 2005, p. 72-73).

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3.9 Profissionalização e Trabalho

No Estatuto do Idoso, estão garantidos os direitos ao exercício de uma profissão sem discriminações, prevendo uma preparação para o período de aposentadoria, estimulando a participação em projetos sociais, com direitos a atendimento prioritário da Previdência Social, bem como dos órgãos públicos e privados que prestam assistência social.

Assim, é proibida a discriminação por idade e a fixação de limite máximo de

idade na contratação de empregados, sendo passível de punição quem o fizer. Porém é rara a contratação de pessoas com mais de 60 anos.

O primeiro critério de desempate em concurso público é o da idade, com

preferência para os concorrentes com idade mais avançada. O idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas

condições físicas, intelectuais e psíquicas. Na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a

discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos. O primeiro critério de desempate em concurso público será a idade, dando-se

preferência à idade mais elevada. Aqui, o Estatuto do Idoso entrelaça todos os direitos previstos por ele. Os

direitos à educação e cultura proporcionam uma maior consciência de seus demais direitos e de sua condição de cidadão. Tendo-se a percepção de ser um cidadão, o indivíduo tem o desejo, a pulsão de vida, de continuar sua formação, de apostar na essência de seu ser. Apostando em si, acredita ter o poder de colaborar através de sua vida, de seu trabalho, com a comunidade em que vive. Acredita que é um ser político com direito à cidadania, participação democrática e, portanto, com deveres importantíssimos, com a sociedade em que convive.

Esses deveres implícitos no repartir e no participar propiciam situações de

autodeterminação, independência e sentir-se fundamental na construção do momento histórico, cultural, social e político em que vive.

Nesta perspectiva, o viver do idoso não é passado, mas um conjunto de

momentos presentes que constroem um cidadão com atuação significativa em seu entorno. A sociedade necessita dele, como o idoso necessita dela.

Vê-se, portanto, os direitos contidos no Estatuto do Idoso, é uma reflexão que

fundamenta uma ação, o novo conceito de velhice nos levou a uma nova legislação, que nos levara a indivíduos de terceira idade mais atuantes, felizes e produtivos.

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3.10 Do Acesso à Justiça

Um dos grandes marcos do Estatuto do Idoso foi assegurar o acesso célere à Justiça para a Terceira Idade que, na maioria dos casos, corriam o risco de não conseguirem obter a efetiva entrega jurisdicional, em vida.

Assim, o Estatuto do Idoso, em seu art. 71, assegura prioridade na tramitação

dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância.

O interessado na obtenção da prioridade a que alude este artigo, fazendo prova

de sua idade, requererá o benefício à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará as providências a serem cumpridas, anotando-se essa circunstância em local visível nos autos do processo.

Outro fato relevante é que a prioridade não cessará com a morte do beneficiado,

estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, maior de 60 (sessenta) anos.

4 ESTATUTO DO IDOSO – UM ALERTA À INSENSIBILIDADE

O Estatuto do Idoso é um respaldo legal na luta pela dignidade da pessoa humana e contribuirá para que a sociedade brasileira seja de fato respeitada.

Vivemos num país onde o idoso não é respeitado, sendo tratado como cidadão

de segunda espécie, ficando marginalizado e flagrantemente desrespeitado em razão do seu declínio de vigor físico, próprio da idade e principalmente por não ser mais considerado força de trabalho, ou seja, traduzindo para o capitalismo, não dá lucro.

O tratamento degradante não parte apenas da sociedade, mas do próprio Estado,

que discute formas de fazê-lo contribuir mesmo aposentado para a Previdência Social, que lhe impõe aposentadoria ínfima, que lhe presta um serviço de saúde precário e que não se preocupa em adotar políticas públicas que os beneficie. Diante de todos esses maus-tratos surge o “paliativo”, o Estatuto do Idoso.

A Constituição Federal no art. 230 em si já era o suficiente para garantir a

proteção ao idoso, porque assegura "a sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida". (BRASIL, 2006, 144).

O dever de assegurar a participação comunitária, a defesa da dignidade, o bem-

estar e o direito à vida, pertence à família, à sociedade e ao Estado, sendo, portanto, dever de todos. Toda vez que precisamos de leis para efetivar direitos constitucionais é sinal que não os respeitamos e, por conseguinte, estamos agindo de maneira errônea.

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Nossa sociedade ainda não evoluiu o suficiente para enxergar a importância dos idosos e o compromisso social em propiciar a eles um envelhecimento digno, porque eles formaram a sociedade em que vivemos, estabeleceram padrões sociais, construíram o conhecimento que hoje adquirimos e mais, nós somos sua extensão genética, sua continuação, portanto parte deles.

Dignidade é o grau de respeitabilidade que um ser humano merece, o que difere

de caridade, de solidariedade e de assistência que trazem em si um conteúdo pejorativo de incapacidade, de impossibilidade de sobrevivência independente.

Precisamos lutar para que os idosos sejam dignos e assim tratados por todos. A velhice não torna um ser humano menos cidadão que outro, ou menos

importante para a sociedade, a experiência galgada pela vivência é algo que não se aprende nos bancos universitários, algo que não se alcança com o vigor físico. Garantir dignidade aos idosos é ao menos tempo humanístico e egoístico. Humanístico porque a humanidade tem muito a aprender com eles e necessita de sua experiência e egoístico porque só assim poderemos garantir dignidade para nós mesmos, porque os sobreviventes à adolescência certamente irão tornar-se idosos e, é este nosso futuro. (COELHO, 2003, p. 72).

A grande questão é se o novo texto de lei será capaz de modificar a visão da

sociedade em relação ao idoso e se irá frutificar a idéia de que idoso também é cidadão. Nossa história já demonstrou que leis não são capazes sozinhas de modificar o

ser humano, mas o ser humano é capaz de modificar-se, imprimindo novos valores e transformando-os em leis. Estamos, portanto, no curso inverso, aguardando que a lei modifique a sociedade.

A realidade de desrespeito chega a causar espanto, porque muito se fala em

direitos do idoso, porém a prática desses direitos é bem diferente. Podemos citar como exemplo o direito a transporte coletivo gratuito, onde

motoristas de empresas de ônibus simplesmente não param no ponto quando observam um idoso à espera, para impedir que o serviço seja gratuito para ele, deixando-o horas no ponto. E mesmo quando o ônibus pára no ponto, o idoso tem imensa dificuldade em nele subir, porque os degraus são demasiadamente altos até mesmo para as pessoas mais novas.

Ou ainda acesso arquitetônico inapropriado com escadarias, ou rampas sem piso

anti derrapante ou sem corre-mão isso presentes nas próprias instituições de saúde, o quê se torna mais agravante.

Seus 118 artigos formam um guarda-chuva de garantias legais que a sociedade

devia aos seus idosos. A partir de agora, eles terão uma ampla proteção jurídica para usufruir direitos da civilização sem depender de favores, sem amargurar humilhações e sem pedir para existir. Simplesmente viver como deve ser a vida em uma sociedade civilizada: com muita dignidade. Mas para que tudo isso se materialize, é preciso que esse instrumento de cidadania tenha a adesão de toda a sociedade, porque só assim as

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inovações que ele traz - e as leis que ele regulamenta - irão se transformar, de fato, em direitos na vida dos nossos idosos. (Luiz Inácio Lula da Silva,2003) 5 ESTATUTO DO IDOSO — TEORIA VERSUS PRÁTICA

O Estatuto do Idoso como instrumento de cidadania e pontapé inicial de formação consciente da dignidade dos cidadãos de idade avançada, e irá marcar a história jurídica de nosso país, porém devemos zelar para que o marco seja também histórico-social, no sentido de que os idosos alcancem a posição de cidadão efetivo na sociedade, galgando o lugar de respeito e dignidade que merecem por serem os formadores de nossa sociedade, porque o que o idoso realmente quer é participar ativamente da sociedade.

Mais do que um marco legal, na construção de mais um capítulo da nossa

história, que ele seja de fato efetivado na prática. Bem antes da homologação do Estatuto do Idoso, os direitos do idoso já estavam

garantidos pela Constituição. A Constituição Federal estipula que um dos objetivos fundamentais da

República é o de promover o bem de todos, sem preconceito ou discriminação em face da idade do cidadão (bem como de origem, raça, sexo, cor e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inciso IV).

A faixa etária também tem relevo constitucional, no tocante à individualização

da pena. É o que dispõe o art. 5º, inciso XLVIII, do qual diz que o idoso dever cumprir pena em estabelecimento penal distinto. O Constituinte demonstrou especial preocupação com os idosos economicamente frágeis, isentando-os do imposto sobre a renda percebida (art. 153, § 2º, I).

Continuando a proteção etária, o idoso tem direito ao seguro social, ou

aposentadoria, variando as idades, se homem ou mulher, se trabalhador urbano ou trabalhador rural (art. 201 da Constituição Federal). Para o idoso que não integre o seguro social, ou seja, o benefício a que tem direito apenas quem contribui para a Previdência Social, a Constituição assegura a prestação de assistência social à velhice.

Tal proteção deve-se dar com os recursos orçamentários da previdência social e

prevê, entre outras iniciativas, a garantia de um salário mínimo mensal ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (arts. 203, V, e 204, da Constituição Federal),e também garante a assistência através do LOAS lei 8.742/91.

Especial destaque na proteção constitucional ao idoso é o papel da família. A família é a base da sociedade e merece atenção especial do Estado. A partir

dessa conceituação, o Estado deverá assegurar assistência a cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (art.

161

226). Ainda com respeito ao aspecto familiar, é dever da família, bem como do Estado e da sociedade, amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar (art. 5º) e garantindo-lhes o direito à vida. E, na acepção constitucional, os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares (art. 230, § 1º).

Outro aspecto relevante da proteção constitucional é o direito do maior de 65

anos ao transporte urbano gratuito (art. 230, § 2º). Vale registrar que o maior de 70 anos exerce o voto facultativamente (art. 14, § 1º Inciso II, Alínea b). Nos arts. 127 e 129, a Constituição Federal reserva ao Ministério Público a defesa dos direitos coletivos da sociedade, incluindo-se idosos. No campo individual, os idosos carentes devem contar com o apoio da Defensoria Pública (art. 134).

Porém foi preciso que uma lei, com força jurídica inferior à do texto

constitucional, fosse promulgada para que, somente então, se anime o cidadão ao exercício de direitos.

A Lei nº 10.741/03 define como idoso as pessoas com idade igual ou superior a

sessenta anos e estabelece que é dever de todos (família, comunidade, sociedade e Poder Público) garantir ao idoso condições de vida adequadas.

Faz-se urgente, que o direito volte os olhos para os idosos, não para mirá-los

com piedade, mas objetivando assegurar-lhes direitos e faculdades condizentes com a fase existencial em que se encontram. Para tanto, as mudanças legislativas que superam eventuais incompreensões e removem obstáculos são sempre bem-vindas. Neste sentido, a efetivação de um estatuto do idoso é um passo importante, pois se as leis por si só não alteram a realidade, ao menos a sua existência facilitará, ou de alguma forma “obrigará” as mudanças de atitude e consequentemente promoverá as transformações.

Resta saber se, mais do que um marco legal, na construção de mais um capítulo

da nossa história, ele seja de fato efetivado na prática e se o seu cumprimento será fiscalizado pelo Poder Público e pela sociedade e, principalmente, se os serviços públicos passarão a dar atendimento eficiente à população alvejada pela lei.

CONCLUSÃO

O Estatuto do Idoso é a parte principal deste trabalho. Destacamos seus pontos fundamentais destinados a regularem os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos.

Segundo o senador Paulo Paim: “o Estatuto do Idoso tem políticas referentes à

proteção dos direitos básicos do idoso, como saúde, educação, trabalho, justiça; políticas de proteção à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.” (www.soleis.com.br).

É importante ressaltar que a Política Nacional do Idoso, que precedia o Estatuto

do Idoso e a própria Constituição Federal já assegurava os direitos dos idosos.

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Os princípios da Política do Idoso, que se fazem presentes também no Estatuto

do Idoso são: • o dever da família, da sociedade e do Estado de garantir ao idoso os direitos da

cidadania, garantir sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;

• conhecimento e informação do processo de envelhecimento; • a inexistência de discriminação de qualquer natureza; • sejam observadas as diferenças econômicas, sociais, regionais e,

particularmente, as contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil pelo poder público e pela sociedade em geral.

Das diretrizes da Política do Idoso destacamos: • integração do idoso às demais gerações através de formas alternativas de

participação, ocupação e convívio; • participação efetiva do idoso nas políticas, planos, programas e projetos a

serem desenvolvidos; • o atendimento do idoso prioritariamente através da sua própria família; • capacitação e reciclagem do pessoal nas áreas de geriatria e gerontologia e na

prestação de serviços; • criação de um sistema de informações sobre os serviços existentes para os

idosos; • divulgação de informações de caráter educativo sobre o envelhecimento; • priorização do atendimento ao idoso em órgãos públicos e privados prestadores

de serviços, quando desabrigados e sem família; • apoio a estudos e pesquisas sobre as questões relativas ao envelhecimento. A prioridade do atendimento dos idosos no Sistema Único de Saúde, a criação

de programas de saúde específicos para os idosos e até o incentivo do estudo da geriatria nas faculdades de medicina estão previstos nos dispositivos da Lei.

Mas que bom seria se o poder jurídico nem precisasse normatizar aquilo que é

interesse indiscutível de todos, parte indissociável da sensibilidade do ser humano, como é o respeito aos mais velhos!

Porém a normatização do respeito aos idosos é, no entanto, uma imperiosa

necessidade. O Estatuto do Idoso merece o apoio de todos os que lutam por uma sociedade justa e humanitária.

A Lei se coaduna com a nova mentalidade de que cabe ao idoso não apenas uma

satisfação pessoal de suas necessidades, mas também uma integração à sociedade. Certamente, caso seja aplicada, efetivamente, essa Lei, o processo de

envelhecimento será menos penoso e mais gratificante para os idosos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

01. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 2006.

02. _____. Código Penal Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. 03. _____. LEI Nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994, Dispõe sobre a política nacional

do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providencias. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L8842.htm>. Acesso em: 15 abr. 2007.

04. ______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE. Rio de Janeiro: 2002.

05. DINIZ, Maria. H. Código Civil Anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 06. NERI, Anita.L. Psicologia do Envelhecimento. Campinas: Papirus, 1995. 07. _______. Velhice e Sociedade. Campinas: Papirus, 1999.

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PROGRESSÃO DE REGIME EM CRIMES HEDIONDOS

SISSIANE DIAS PEDROSA

RESUMO: Este trabalho mostrou-nos que a Progressão de Regime em Crimes Hediondos e equiparados, nos dias atuais, é possível, sendo esta transferência de um regime mais rígido para um regime mais brando, autorizada através da nova Lei nº 11.464/2007, atendendo a certos requisitos aqui já apresentados e principalmente com os cuidados do Judiciário e órgãos superiores para cada caso. A pesquisa toda foi feita com o estudo de grandes obras do direito penal, desde os primórdios até os contemporâneos, dentre estes as últimas jurisprudência e decisões tomadas pelos órgãos da cúpula de nosso País. O resultado do trabalho foi a grande reviravolta da alteração das Lei dos Crimes Hediondos e equiparados, acontecida no último dia 29/03/2007, em que o nosso Presidente, juntamente com o Legislativo, considerou a inconstitucionalidade da não progressão de regimes anteriormente inclusa na Lei nº 8.072/1990. Sendo assim, dando nova redação ao art. 2º da Lei nº 8072/1990, nos termos do inciso XLIII, art. 5º da Constituição Federal, decretando e sancionando a nova Lei 11.464/2007. Palavras-chave: progressão de regime, crimes hediondos, alterações. INTRODUÇÃO

Inicialmente, será abordado que o papel do Estado (na evolução da pena) mudou, antes como carrasco que batia, torturava e desrespeitava o cidadão, agora como defensor de direitos humanos fundamentais, não só pelos direitos e garantias constitucionalmente expressos, mas também pela nova ordem jurídica. Logo, o direito penal deve ser aplicado com observância dos princípios e regras constitucionais.

O regime da progressão prisional anteriormente era previsto somente no art. 112

da Lei de Execuções Penais e com dois requisitos para sua concessão, sendo o requisito objetivo, o tempo e o requisito subjetivo, o mérito. Nos dias atuais a progressão pode ser concedida por meio da Lei 11.464/2007, e, ainda, observando os princípios constitucionais anteriormente ofendidos, sendo eles: o da legalidade, da humanidade e a individualização da pena.

A seguir, conceituremos o crime hediondo, sendo este uma conduta delituosa de

excepcional gravidade. Também são todos os crimes descritos na Lei 8072/1990, bem como a tortura, o terrorismo e o tráfico ilícito de entorpecentes.

Seguidamente, explicaremos sobre a proibição do regime progressivo nos crimes

hediondos antes do advento da nova lei n° 11.464/2007, expondo que o princípio constitucional da individualização da pena, era o mais ferido, ou seja, a mercê do regime progressivo, insere-se no tronco comum do processo individualizador que se inicia com a atuação do legislador, passa pela ação do juiz, e se finda, ao atingir o nível

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máximo de concreção, na execução penal. Mencionaemos também sobre entendimentos do STF anteriores a nova Lei nº 11.464/2007.

Transcreveremos na íntegra a nova Lei nº 11.464/2007, fazendo alguns

comentários rápidos sobre a lei, e logo em seguida descreveremos as alterações da nova lei, sendo elas: a concessão da liberdade provisória, da progressão de regime cumprindo as novas exigências.

Ainda, destacaremos a importância dos princípios da individualização da pena e

da legalidade, descrevendo as fases de individualização da pena e também como era que o princípio da individualização da pena era observado na lei 8072/1990.

Finalmente, discutiremos sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade

da Lei dos Crimes Hediondos.

1 PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL 1.1 Aspectos históricos da pena privativa de liberdade

Antigamente a pena possuía caráter retributivo ou de castigo, mas modernamente passou a ser vista como mecanismo de prevenção e repreensão daqueles que cometem delitos e têm por fim ressocializar o infrator. A pena deixou de ser castigo para ter por objetivo a reeducação do delinquente, para que ele não volte a cometer delitos.

A pena retrata a evolução moral e ética dos povos em cada período da história,

pois, de acordo com cada cultura e localização das populações, normas e castigos eram estabelecidos. Assim sendo, nada melhor do que analisar a origem e evolução da pena pelos períodos amplamente conhecidos, quais sejam, a Vingança Privada, a Vingança Divina e a Vingança Pública.

A Vingança Privada era feita pelas próprias mãos do ofendido; na Divina, o

poder social de controle e correção era exercido pelo ofendido, por familiares e amigos, mas em nome de Deus (Estado Teocrático); a Vingança Pública retrata o momento histórico em que o Estado passou a ter o poder de punir o infrator, mediante utilização do Direito, para garantir a ordem e a paz pública. 1.2 Do sistema progressivo

Na fase de execução da pena, decorrente do Sistema Progressivo adotado, o condenado, gradativamente, passa do regime mais grave ao regime mais brando. A exceção dizia respeito aos crimes hediondos e assemelhados, a teor das Leis 8.072/90 (antes das alterações advindas com a lei nº 11.464/07), 8.930/94 e 9.69/98, nas quais a possibilidade de progredir de regime era expressamente vedada, a não ser que

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ocorressem situações relativas a posições assumidas pelos Tribunais, ora entendendo que a vedação era inconstitucional, ora no sentido de que, fixado o regime como sendo o inicial, o caminho para a progressão não poderia ser inibido.

A progressão não significa colocação em liberdade. Trata-se de uma chance,

uma oportunidade que se dá ao condenado e, não aproveitando ele o benefício de entrar em um regime prisional mais brando, seja empreendendo fuga ou cometendo qualquer outra falta, responderá pelos seus atos, podendo sofrer desde pequenas sanções disciplinares ou até mesmo a regressão do regime prisional.

Em linhas gerais, o incidente de progressão do regime prisional segue o

processamento definido pelo art. 194 e ss. da Lei de Execução Penal, exigindo, todavia, alguns requisitos de natureza formal: o relatório do condenado, o parecer da Comissão Técnica de Classificação, o exame criminológico (quando necessário), a liquidação da pena e, para o ingresso no regime aberto, a aceitação de suas condições. 1.3 Minimalismo

Criminalistas de todo o País estiveram reunidos no Primeiro Fórum Nacional de

Debates sobre Prisão Especial e o Sistema Prisional Adequado para o Brasil – ACRIMESP, realizado no Largo de São Francisco, na capital paulista, promovido pela Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo. Em palestra proferida naquela oportunidade, o jurista Antônio Cláudio Mariz de Oliveria afirmou: o discurso que sempre se conheceu no Brasil a respeito de violência e de criminalidade, um discurso sempre imposto pelas elites, foi no sentido de que o crime era uma manifestação individual para a qual nenhuma circunstância externa concorria. Ficava, portanto, essa manifestação individual a critério da própria gente do crime. A sua vontade é que determinava a ocorrência delituosa. Nada de fora, nenhuma circunstância familiar, cultural, educacional, econômica, social, ingeria, influenciava a conduta criminosa. O agente praticava o crime porque a sua vontade assim o determinava e, com esse discurso, a sociedade dividia-se em duas partes: a parte sã e a parte doente. A parte sã da sociedade, composta por nós, homens e mulheres bem nascidos e educados, bem criados, bem nutridos, bem vestidos, bem tudo; nós imunes à prática delituosa. Um ou outro delito, um ou outro desvio e quando isso ocorria, a complacência, a compreensão, o perdão. A outra parte, não. A parte doente, fora do nosso espaço de habitação e de convivência, esta deveria ser punida se viesse a praticar crime e praticava os crimes porque o crime parece que era privilégio da parte não sadia da sociedade. Da parte doente da sociedade. Repressão, repressão e mais repressão era a única resposta que a elite colocava para a questão da criminalidade. 1.4 Conceito de Progressão de Regime

Para Fernando Capez: “trata-se da passagem do condenado de um regime mais rigoroso para outro mais suave, de cumprimento de pena privativa de liberdade, desde que sejam satisfeitas as exigências legais”. (2004, p.100).

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1.5 A previsão da prisâo Legal

Prevê o artigo 112: Art. 112 – Lei de Execuções Penais - a pena privativa de liberdade será

executada em forma progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão.

Parágrafo único: A decisão será motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário.

1.6 Requisitos para a Progressão de Regime

Requisito Objetivo: o tempo. A progressão para regime menos rigoroso ocorre, segundo a disposição do art.

112, da LEP, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão. O tempo de prisão designa, pois, o requisito objetivo para a progressão prisional.

Requisito Subjetivo: o mérito. Como segundo requisito da transferência para regime mais brando, exige o art.

112 que o mérito do preso indique a progressão. O mérito irá apontar a possibilidade ou não de adaptação do condenado ao regime menos severo, devendo ser demonstrado no curso da execução.

Do latim meritu, o vocábulo mérito quer dizer merecimento, qualidade que torna

alguém digno de prêmio, estima, apreço, castigo, desprezo. Deriva de merecere, que significa ser digno de conseguir em virtude de seus méritos. Não basta, portanto, para fins de concessão do benefício da progressão que apresente o condenado bom comportamento carcerário.

O mérito é fator subjetivo, no qual deve ser fundamentalmente analisada a

possibilidade de adaptação do condenado ao regime menos severo. Para tanto, poderá o juiz se valer dos pareceres da Comissão Técnica de Classificação e, quando necessário, de exame criminológico.

Embora evidentemente não possam esses laudos vincular a decisão do juiz,

servem eles como valiosos subsídios para a análise da personalidade e da periculosidade do condenado, bem como da possibilidade de sua adaptação ao regime menos rigoroso.

168

Entretanto, há sempre, em matéria de benefícios prisionais, o imponderável. O risco a todo o tempo estará presente, até porque os incidentes de progressão nem sempre são precedidos de informações precisas acerca da vida carcerária do condenado, nem de bem elaborados exames pela Comissão Técnica de Classificação. De tal maneira, os laudos psicossociais, mesmo eventualmente contendo fatores negativos à pessoa do condenado, não devem por si só impedir a concessão do benefício.

Em suma, os requisitos subjetivos para a concessão do benefício da progressão

de regimes são, justamente, aspectos relativos ao mérito do condenado, os quais indicam provável adaptação do condenado ao regime menos rigoroso; tais aspectos se relacionam com as condições pessoais do condenado, sempre de caráter subjetivo. 1.7 Progressão e Antecedentes Criminais

Não raro, antes da concessão de progressão, ocorre a juntada de certidão ou ficha de antecedentes criminais do condenado para averiguar se existem outras condenações contra o preso. Contudo, a existência de antecedentes criminais não poderá implicar no indeferimento da progressão, como o próprio artigo 112, da LEP, diz; só há dois requisitos para a análise da progressão; o tempo e o mérito. Portanto, a eventual existência de antecedentes criminais não pode criar obstáculos quanto à transferência do preso para um regime mais brando. 1.8 Direito do apenado

A Progressão de regime, além de constituir um direito do apenado, representa também um compromisso com o princípio da humanidade, que deve reger a execução penal.

Constitui hoje medida de segurança pública, porque, se o condenado não tem

assegurado esse direito, somente lhe restam rebeliões e fuga, pois os estabelecimentos penitenciários não oferecem sequer condições mínimas de higiene e sobrevivência. Os políticos passam a ideia de que a situação se encontra sob controle, mas a verdade não é essa.

Com efeito, a proibição do regime progressivo a determinados crimes ofende os

princípios da legalidade, da humanidade e o da individualização da pena, na fase da execução.

O direito à individualização da pena encontra-se entre os direitos e garantias

fundamentais do cidadão; é um imperativo constitucional que deve ser observado sempre, não podendo ser suprimidos por lei infraconstitucional.

Marco Aurélio de Melo, em artigo publicado no IBCCrim 8 (1994, p.100) afirma

que: [...] a principal razão de ser da progressividade no cumprimento da pena não é em si a minimização desta, ou o benefício indevido, porque contrário ao que inicialmente

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sentenciado, daquele que acabou perdendo o bem maior que é a liberdade. Está, isto sim, no interesse da preservação o ambiente social, da sociedade, que, “dia menos dia” receberá de volta aquele que inobservou a norma penal e, com isto, deu margem à movimentação do aparelho punitivo do Estado. 2 CRIMES HEDIONDOS 2.1 Conceito

Aurélio, em seu dicionário, informa que o vocábulo hediondo significa “repelente, repulsivo, horrendo” (1993 p. 884). Crimes Hediondos são os delitos considerados repugnantes pela sociedade. Mas o que é repugnante, horroroso para alguns, pode não ser para outros. Como então definir crimes denominados hediondos, se o legislador não ofereceu uma noção sequer do que se entendeu ser a hediondez do crime, quando da elaboração da lei? Isso tornou o conceito elástico, com o propósito de possibilitar, quando necessário e os interesses dominantes desejarem, a ampliação.

O texto do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, deu origem à Lei nº

8072/90. O legislador infraconstitucional não se preocupou, contudo, em conceituar o crime hediondo, em vez de fornecer uma noção clara, explícita, concreta do que entendia ser essa modalidade de atuação criminosa, preferiu adotar um sistema bem mais simples, ou seja, o de rotular, com a expressão “hediondo”, alguns tipos já descritos no CP ou em uma lei penal especial.

Desta forma, não é “hediondo” o delito que se mostre “repugnante, asqueroso,

sórdido, depravado, abjecto, horroroso, horrível”, por sua gravidade objetiva, ou por seu modo ou meio de execução, ou pela finalidade que presidiu ou iluminou a ação criminosa, ou pela adoção de qualquer outro critério válido, mas sim aquele crime que, por um verdadeiro processo de colagem, foi etiquetado como tal pelo legislador.

A insuficiência do critério é manifesta e dá azo a distorções sumamente injustas,

a partir da seleção, feita pelo legislador, das figuras criminosas ou da forma, extremamente abrangente, de sua aplicação pelo juiz.

Alberto Silva Franco (2000, p. 87-89) afirma que, devido ao aumento crescente

da criminalidade violenta, projeto de lei foi elaborado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, dispondo sobre os crimes hediondos, e as razões elaboradas pelo Professor Damásio Evangelista de Jesus demonstravam a preocupação da contenção do crime que, aproveitando-se da legislação excessivamente liberal e da justiça morosa, gerou a certeza da impunidade.

O legislador não definiu o que é hediondo, mas a população brasileira considera

hediondo o crime que é cometido de forma brutal, horrível, repugnante, e causa indignação às pessoas, o que acaba por revelar o significado qualitativo do crime definido pelo legislador constituinte.

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Pode-se, então, chamar de hediondas todas as condutas delituosas de excepcional gravidade, seja quanto à sua execução, seja quanto à natureza do bem jurídico ofendido, bem como, à especial condição da vítima que causam reprovação e repulsão.

A definição de crime hediondo poderia ter ficado a cargo do sistema judicial,

mediante análise de cada caso concreto, mas o legislador preferiu a definição legal, enumerando de forma taxativa os tipos considerados hediondos, sem qualquer critério científico.

Independentemente das indagações e críticas, os crimes considerados hediondos

foram exaustivamente enumerados pela própria lei, e possíveis inclusões ou exclusões de tipos devem ser objeto de projeto de lei, não tendo o julgador competência para analisar individualmente a gravidade de cada crime e considerá-lo hediondo ou não, em face do emprego de violência e dos meios cruéis de execução, bem como, da repulsa que tal conduta causa à sociedade. A etiqueta de hediondo não atinge somente os delitos consumados, mas também os tentados.

A locução “crime hediondo” é, em verdade, empregada, pela primeira vez, na

Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inc. XLIII), não correspondendo a nenhuma expressão consagrada pela usual terminologia penal. O texto constitucional adotou-a para significar uma restrição, por sinal, extremamente, rigorosa, de direitos e garantias enunciados no art. 5º da Carta Magna.

O eixo fundamental dessa restrição centra-se na referência a uma nova classe

tipológica de delitos na qual se excluiu a garantia processual da fiança e se proibiu o reconhecimento de determinadas causas extintivas de punibilidade (anistia e graça).

A regra constitucional contém, ainda, um acréscimo: pelos delitos elencados

deverão responder os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. No que se refere aos mandantes e aos executores, a redação traduz-se, em nível constitucional, num reforço da posição acolhida, de forma tranqüila, na doutrina penal.

Qualquer que seja o comprometimento assumido por uma pessoa em relação a

um determinado fato criminoso, tenha ela atuado como autora, como co-autora ou como partícipe, responderá, penalmente, pela conduta posta em prática. A consideração contida no texto é totalmente desnecessária.

Já a referência à omissão, merece uma observação especial. O legislador

constituinte definiu a omissão penalmente relevante como aquela na qual o omitente podia evitar que o resultado adviesse. Essa conceituação de omissão é, contudo, deficiente. Não basta “poder fazer algo” que não foi feito para caracterizá-la. É mister algo mais. Esse “poder fazer algo”, que não foi feito, para evitar a prática delituosa, só terá interesse, de conotação penal quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir significa que o omitente tinha a obrigação, em virtude de lei, ou da assunção da responsabilidade de impedir o resultado ou de uma situação de ingerência, de obstar o advento do resultado típico.

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2.2 Origem dos Crimes Hediondos

A Lei dos crimes hediondos foi criada em 1990, no Governo de Fernando Collor de Melo, para diminuir a violência que se expandia no Rio de Janeiro. Exemplos de violência da época: extorsões mediante sequestro de pessoas ricas e homicídio qualificado (Ex: atriz Daniela Perez).

São delitos praticados com extrema violência e com requintes de crueldade sem

compaixão ou misericórdia por parte dos autores. 2.3 Previsão legal e enumeração dos crimes considerados hediondos

Estão previstos na Lei nº 8072/1990 e Lei nº 11.464/2007- são considerados crimes hediondos: a) homicídio quando praticado em atividade típica de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art 121, parágrafo 2º, incisos I,II, III,IV e V); b) latrocínio; c) extorsão qualificada pela morte; d) extorsão mediante sequestro e na forma qualificada; e) estupro; f) atentado violento ao pudor; g) epidemia com resultado morte; g) falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: h) genocídio previsto nos rts 1º,2º e 3º da lei 2889/56.

São crimes equiparados a crimes hediondos: a) trafico ilícito de entorpecentes; b) tortura; c) terrorismo. 3 Proibição do Regime Progressivo nos Crimes Hediondos antes do advento da Lei nº 11.464/2007

O § 1º do art. 2º, da Lei 8072/90, proibia, em relação aos crimes hediondos e aos a eles equiparados, o regime progressivo de cumprimento de pena privativa de liberdade, lesando, segundo muitos juristas, ao mesmo tempo, os princípios constitucionais da legalidade, da individualização da pena e da humanidade da pena.

Durante largo espaço de tempo, o princípio da legalidade tangenciou a fase da

execução da pena. Confirmada a realização do fato criminoso e imposta a sanção punitiva, com pleno respeito ao devido processo legal, o cidadão despojado de seu direito de liberdade era deixado à mercê de um sistema prisional, organizado pelo estado repressor, no qual era havido como uma pessoa de segunda classe, sem direitos ou garantias jurídicas.

Eventuais relações tencionais, entre o condenado e a administração prisional,

eram equacionadas em nível puramente administrativo, sem a interferência da jurisdição.

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A execução da pena correspondia, portanto, a um espaço vazio de legalidade. A execução penal, à margem do princípio da legalidade, constitui, em verdade, um disparate na medida em que representa abrupta interrupção da liberdade pessoal do cidadão com a instauração de um sistema entregue ao arbítrio da administração penitenciária.

O princípio da legalidade não pode deixar, portanto, de incidir também na etapa

de cumprimento da pena, transformando-se em uma das garantias do cidadão: a garantia executiva.

A aplicação do princípio constitucional da legalidade, como garantia executiva,

implica, assim, no reconhecimento de que o preso não pode ser manipulado pela administração prisional como se fosse um objeto.

Por sua vez, o princípio da individualização da pena, mercê do regime prisional

progressivo, insere-se no tronco comum do processo individualizador que se inicia com a atuação do legislador, passa pela ação do juiz, e se finda, ao atingir o nível máximo de concreção, na execução penal.

Destarte, excluir, legalmente, o sistema progressivo é impedir que se faça valer,

na sua fase final, o princípio constitucional da individualização. Lei ordinária que estabeleça, portanto, regime prisional único, sem possibilidade de nenhum tipo de progressão atenta contra tal princípio e revela expressa ofensa a preceito constitucional.

Ainda, a exclusão legal do sistema progressivo conflita também com o princípio

constitucional da humanidade da pena. Pena executada, com um único e uniforme regime prisional, significa pena desumana porque inviabiliza um tratamento penitenciário racional e progressivo; deixa o recluso sem esperança alguma de obter a liberdade antes do termo final do tempo de sua condenação e, portanto, não exerce nenhuma influência psicológica positiva no sentido de seu reinserimento social; e, por fim, desampara a própria sociedade na medida em que devolve o preso à vida societária após submetê-lo a um processo de reinserção às avessas, ou seja, a uma dessocialização, a execução integral da pena, em regime fechado.

O § 1º do art. 2º, da Lei 8072/90, antes das alterações advindas com a Lei

11.464/07, contrariava de imediato o modelo tendente à ressocialização do delinquente e empresta à pena um caráter exclusivamente expiatório ou retributivo, a que não se afeiçoam nem o princípio constitucional da humanidade da pena, nem as finalidades a ela atribuídas pelo CP, art 59 e pela Lei de Execução Penal, art. 1º. 3.1 O Entendimento do Supremo Tribunal Federal antes do advento da Lei 11.464/07

Primeiramente, o Supremo Tribunal Federal não considerava a ligação existente entre o princípio da individualização da pena e a progressividade do regime de seu cumprimento.

173

Com efeito, o Ministro Paulo Brossard também considerava que apenas à lei ordinária competia fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderia efetivar ou a concreção ou a individualização da pena.

Discutia-se, iluminado por uma interpretação restritiva das funções de Poder do

Estado, se o Supremo Tribunal Federal era o foro adequado para debater, se o legislador usou bem ou não a sua prerrogativa constitucional para edição da Lei de Crimes Hediondos.

No entanto, o Ministro Marco Aurélio, à época considerado voto vencido, já

consubstanciava a constitucionalidade da Lei dos Crimes Hediondos. Como Relator do HC nº 69657 (j.18/12/1992), arguiu a inconstitucionalidade do art. 2º § 1º, da Lei nº 8072/90, acentuando, como parâmetro de controle, conforme suas palavras: [...] o princípio isonômico em sua latitude maior, quer o da individualização da pena previsto no inciso XLVI do art. 5º da Carta, e o princípio implícito segundo o qual o legislador ordinário deve atuar tendo como escopo maior o bem comum, sendo indispensável da noção deste último a observância da dignidade da pessoa, que é solapada pelo afastamento, por completo, de contexto revelador da esperança, ainda que mínima, de passar-se ao cumprimento da pena em regime menos rigoroso. (BRASIL/STF, 2007).

Para o Ministro, a progressividade do regime está umbilicalmente ligada à

própria pena, no que incentiva o condenado à correção do rumo, a empreender um comportamento penitenciário voltado à tentativa de reingressar no meio social. Todavia, contrariando-se a sistemática da execução da pena contida no Código Penal e na Lei de Execuções Penais, distinguiu-se os cidadãos não pelas condições sócio-psicológicas a ele inerentes, mas pelo episódio criminoso em que se envolveram.

Dessa forma, acentua o Ministro Marco Aurélio: assentar-se que a definição do

regime e modificações posteriores não estão compreendidas na individualização da pena é passo demasiadamente largo, implicando restringir garantia constitucional em detrimento de todo um sistema, e o que é pior, a transgressão a princípios tão caros em Estado Democrático, como são os da igualdade de todos perante a lei, o da dignidade da pessoa humana e o da atuação do Estado sempre voltado para o bem comum. (BRASIL/STF, 2007).

Cumpre ressaltar que o Ministro Marco Aurélio também identificou a ação

inconstitucional do legislador, no que toca a normatização das restrições constitucionais, como se depreende: há de se considerar que a própria Constituição Federal contempla restrições a serem impostas aqueles que se mostrem incursos em dispositivos da Lei nº 8072/90 e dentre elas não é dado encontrar a relativa à progressividade do regime de cumprimento de pena. O inciso XLIII do rol das garantias constitucionais – art. 5º - afasta, tão somente, a fiança, a graça e a anistia para, em inciso posterior (XLVI), assegurar de forma abrangente, sem excepcionar esta ou aquela prática delituosa, a individualização da pena. (BRASIL/STF, 2007).

O mesmo raciocínio tem pertinência no que concerne à extensão, pela lei em

comento, do dispositivo atinente à clemência do indulto, quando a Carta, em norma de exceção, apenas rechaçou a anistia e a graça.

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Porém, depois de várias decisões contrárias à concessão da progressão de regime em crimes hediondos, o Supremo mudou seu entendimento. Tal mudança de posicionamento se deu em decorrência do julgamento do Habeas Corpus 82.959, Pl., 23.2.06, onde o Ministro Marco Aurélio declarou, incidentemente, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º, da L. 8.072/90, o qual determinava o regime integralmente fechado para o cumprimento de pena imposta ao condenado pela prática de crime hediondo, por violação da garantia constitucional da individualização da pena (CF., art. 5º, LXVI). Foi deferida a ordem, de ofício, para afastar o óbice do regime fechado imposto, cabendo ao Juízo das Execuções analisar a eventual presença dos demais requisitos da progressão.

É bom destacar que a mesma se deu por meio do controle difuso de

constitucionalidade (analise dos efeitos da lei no caso concreto), ou seja, necessitava de comunicação ao Senado, para as providências necessárias (suspensão da eficácia do dispositivo declarado inconstitucional).

Para Luiz Flávio Gomes, o STF reconheceu a inconstitucionalidade do § 1º, do

art. 2º, da Lei nº 8072/1990(lei dos crimes hediondos) num caso concreto. Logo, essa decisão não tem (ou não teria) efeito erga omnes, somente inter partes. Mas convém sublinhar que esse assunto está ganhando uma nova dimensão dentro do STF e é bem provável que chegaremos em breve à conclusão de que, em alguns casos, do controle difuso de constitucionalidade deve também emanar eficácia erga omnes e vinculante (o fenômeno já está recebendo o nome de controle difuso abstrativizado, consoante expressão de Fredie Didier Júnior – “Transformações do recurso extraordinário”. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. Teresa Wambier e Nelson Nery Jr. (coord). São Paulo: RT, 2006, p.104-121).

No caso do HC 82.959 acham-se presentes todos os requisitos dessa nota

“abstrativizadora” (ou generalizadora). Com efeito, a decisão foi o Pleno do referido Tribunal.

De outro lado, cabe ressaltar que a matéria (progressão de regime em crimes

hediondos) não foi discutida só em relação ao caso concreto relacionado com o pedido do condenado, o tema foi debatido e discutido olhando-se para a lei “em tese” (não se voltou unicamente para o caso concreto). Ademais, houve a preocupação de se definir a extensão dos efeitos da decisão, para disciplinar relações jurídicas pertinentes “a todos” (não exclusivamente ao caso concreto).

A conclusão a que se chega, é a seguinte: apesar da inexistência de norma

explícita, o julgamento de inconstitucionalidade de um texto legal, pelo STF, na prática, mesmo quando se dá num caso concreto, no que diz respeito à sua “validade”, acaba produzindo efeitos “erga omnes” e possui eficácia vinculante (sobretudo frente ao Poder Judiciário). O descumprimento da decisão do STF, por qualquer órgão judiciário, para além de retratar uma convicção ideológica conflitiva com o Estado constitucional e democrático de Direito, dará ensejo a uma dupla conseqüência jurídica: a) em 1º lugar cabe a interposição de uma Reclamação junto ao STF (contra a decisão do juiz que está violando a declaração de inconstitucionalidade mencionada). Em outras palavras, pode o prejudicado, via reclamação, bater às portas desta Corte para que se reconheça seu direito de ver seu pedido de progressão examinado concretamente pelo Judiciário; b) em

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2º lugar, não se pode de modo algum afastar a possibilidade de uma ação indenizatória contra o Estado, por estar o Juiz afetando direitos fundamentais de um condenado, na medida em que recusa acolher uma declaração de inconstitucionalidade do STF ao mesmo tempo em que continua aplicando um texto legal já reconhecido como inválido. O descumprimento intencional e “irracionalmente ideológico” da decisão do STF, já anunciado por alguns juízes, pode indiscutivelmente implicar em responsabilidade civil do Estado (porque ninguém está obrigado a se sujeitar a uma determinada forma de execução reconhecidamente inconstitucional.

4. Da Lei nº 11.464/07

A lei 11.464/07 entrou em vigor no mês de março desse ano, e alterou o artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos, o qual passou a ter a seguinte redação:

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I - anistia, graça e indulto; II - fiança.

§ 1º. A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.

§ 2º. A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

§ 3º. Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

§ 4º. A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº. 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. (BRASIL, 2007, p. 01). 4.1 Alguns Comentários sobre a Lei nº 11.464/2007

Incrivelmente foram necessários quatorze anos e uma alteração na composição do STF para que, finalmente, se reconhecesse a inconstitucionalidade do § 1º., do artigo 2º., da Lei 8072/90 (STF, HC 82.959/SP, em 23.02.06).

Não obstante, a polêmica prosseguia na jurisprudência, com Tribunais Estaduais

considerando que a decisão do Supremo Tribunal Federal não tinha efeito "erga omnes”, de modo que continuavam decidindo pela aplicabilidade do sistema previsto na Lei dos Crimes Hediondos.

A partir da nova lei os condenados por crimes hediondos e equiparados farão jus

à progressão de regime, desde que satisfeitos todos os requisitos objetivos e subjetivos legalmente previstos. Quanto à parcela da pena a ser cumprida para que se possa pleitear a progressão, estabeleceu a lei que deve ser 2/5 para os primários e 3/5 para os reincidentes.

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Assim sendo, não resta dúvida de que o autor de crimes hediondos ou equiparados estava, até a edição da Lei 11.464/07, submetido à progressão de regime nos moldes do artigo 112 da Lei de Execução Penal, uma vez que o disposto no artigo 2º. § 1º., da Lei 8072/90, a princípio, não era mais aplicado a partir da manifestação inequívoca do STF.

É bom destacar que não há outra conclusão a se chegar a não ser a de que o

sistema da Lei 11.464/07, nesse contexto, surge como "novatio legis in pejus", somente podendo ser aplicado aos casos posteriores à sua vigência. Os casos anteriores continuam regidos pela legislação mais benéfica que os regulava.

Esta conclusão não implica necessariamente em admitir uma combinação de leis

penais, ou seja, aplicar a parte benéfica da Lei 11.464/07 (progressão de regime) e manter o sistema da Lei de Execução Penal quanto ao requisito temporal de 1/6 para os casos pretéritos. Trata-se simplesmente de reconhecer que a progressão de regime já era um direito que apenas é formalmente ratificado pela nova lei. Antes esse mesmo direito decorria da invalidade da norma que impedia a progressão, agora segue corroborado pela reforma legislativa, de maneira que a única real alteração do quadro foi o regramento especial mais rigoroso do requisito temporal.

Por isso ele não pode retroagir, enquanto a progressão apenas segue mais vigente

e válida do que nunca, em respeito aos Princípios Constitucionais da humanidade e da individualização das penas, e em homenagem a um penitenciarismo equilibrado e racional.

A chamada Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) trazia em seu bojo duas

disposições de caráter processual/penal (uma delas relacionada com a própria execução da pena), que não se compatibilizavam com a Constituição Federal: a proibição da liberdade provisória e a obrigatoriedade do cumprimento da pena no regime integralmente fechado (artigo 2º, II e seu parágrafo 1º, com a redação anterior).

As duas disposições, segundo a maioria dos juristas, eram inconstitucionais, não

somente porque feriam expressamente dispositivos constitucionais, mas porque maculavam o princípio da proporcionalidade.

Observa-se que o artigo 5º, XLIII da Constituição Federal, ao tratar dos crimes

hediondos, impede, apenas e tão-somente, a fiança, a graça e a anistia, não se referindo à liberdade provisória. Logo, lei infraconstitucional não poderia ir além, arvorando-se ao constituinte originário, proibindo também a possibilidade da liberdade provisória.

De mais a mais, no Processo Penal a regra é a liberdade, admitindo-se

excepcionalmente a prisão provisória em casos de extrema e comprovada urgência e necessidade, daí também a mácula ao princípio da proporcionalidade, implícito na Constituição. Por outro lado, nota-se que o mesmo dispositivo constitucional equipara, em termos de gravidade, os crimes hediondos, a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo, concluindo-se que estes delitos, do ponto de vista constitucional, devem ser tratados com a mesma severidade, inclusive sob o aspecto processual.

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Ora, se assim o é, atentemos que a Lei 9.455/97, que tratou do crime de tortura e é posterior à lei dos crimes hediondos, não proibiu a liberdade provisória, mas, tão-somente, a fiança, a graça e a anistia (artigo 1º, § 6º.), obedecendo-se aos ditames constitucionais.

É incontestável que a partir da edição da Lei nº 11.464/2007, aqueles que vierem

a cometer crimes hediondos ou equiparados terão a progressão de regime de acordo com o critério diferenciado e mais exigente da Lei dos Crimes Hediondos e não em conformidade com a regra geral da LEP (art. 112), que rege somente o cumprimento de 1/6 da pena para a progressão de regime. Aplica-se ao caso o Princípio da Especialidade.

Interessante destacar que o crime de tortura, já permitia a Progressão de Regime

(Lei nº. 9455/1997 – art. 1º, § 7º), sem estabelecer a parte da pena a ser cumprida minimamente.

Então, para os infratores que cometem o delito após a vigência da Lei 11.464/07,

o sistema de progressão de regime é mais rígido. Todavia, para os praticantes do crime de tortura anteriores à Lei nº 11.464/2007, continua a ser aplicado o sistema antigo do art. 112 da LEP.

Este é um caso nítido de sucessão de leis penais no tempo, de forma que a lei

posterior mais gravosa ao réu não pode retroagir. No caso da tortura, havia uma lei que permitia a Progressão, mas não regulava quanto ao requisito temporal, razão pela qual se aplicava o sistema genérico da LEP (Lei 7.210/1984). Com o advento do regulamento especial, deve este prevalecer para os casos vindouros, mantendo-se o antigo sistema mais benéfico para os pretéritos.

As modificações atingiram não somente os crimes hediondos, mas os

assemelhados, inclusive o tráfico ilícito de drogas, a alteração legislativa, portanto, revogou o disposto do art. 44, caput, da Lei nº 11.343/2006.

Aliás, idêntica conclusão, e por força de uma interpretação sistemática e

conforme a Constituição, chega-se em relação ao art. 3º, da Lei 9613/1998 (Lavagem de dinheiro) e art.21, da Lei nº 10.826/2003 (estatuto do desarmamento). 5. Princípios da Individualização da Pena e da Legalidade

O princípio constitucional da individualização da pena: o acréscimo de metade da pena cominada pode, em determinados casos, fazer coincidir os marcos punitivos, mínimo e máximo, deixando o julgador sem possibilidade de efetuar a individualização da pena. Como o dispositivo legal estabelece que deve ser respeitado “o limite superior de trinta anos de reclusão”, nos casos, por exemplo, de latrocínio (art. 157, § 3º, in fine, do CP) e de extorsão de que resultou morte (art. 158, §2º, do CP), o mínimo cominado de vinte anos, e como a causa de aumento não pode ultrapassar esse quantum punitivo, mínimo e máximo de penas ficarão equiparados, sem margem alguma para a individualização penal.

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Da mesma forma, na hipótese de extorsão mediante sequestro de que tenha

resultado a morte da vítima (art. 159, §3º do CP), o mínimo punitivo, com a causa de aumento de metade, passará a ser de trinta e seis anos e o máximo de pena será o de quarenta e cinco anos. Tais quantidades, no entanto, deverão ser igualadas em trinta anos de reclusão por força do art. 9º, da LEI nº 8.072/90.

O art. 5º, XLVI, da CF inclui entre os direitos e garantias fundamentais em

matéria penal e o princípio da “individualização da pena”. Pouco importa que o texto constitucional tenha remetido à lei ordinária a tarefa de regulá-lo. Isto não pode, à evidência, representar uma autorização, ao legislador comum, para a feitura de lei que fira o princípio constitucional, que tem eficácia imediata. Como observou J.J Gomes Canotilho (1991, p. 49), hoje não são mais os direitos fundamentais que se movem no âmbito da lei, mas é a lei que se deve manter no âmbito dos direitos fundamentais (assim se explica, designadamente, a força vinculativa imediata dos direitos fundamentais em relação ao próprio poder legislativo).

A vinculação aos direitos e garantias fundamentais constitui, portanto, uma

obrigação do legislador ordinário que não poderá, a pretexto de formular uma lei clarificadora ou caracterizadora desses direitos, cair “na legalidade dos direitos fundamentais e substituir a força normativa imediata dos direitos fundamentais pelo impulso do normativo-legal”.

(CANOTILHO, 1991, p. 53). Nenhuma lei intermediadora poderá, portanto,

fazer vistas grossas aos direitos e garantias fundamentais. Se a Constituição Federal, nesse capítulo, consagrou o princípio da individualização da pena, não terá o legislador ordinário possibilidade de tangenciá-la, estruturando uma lei que não deixe ao juiz nenhum espaço para o processo individualizador da pena. O princípio constitucional é, portanto, flagrantemente lesionado quando o mínimo e máximo punitivos são equipolentes.

O princípio constitucional da legalidade: Embora a redação dada ao princípio

constitucional da legalidade (art. 5º, XXXIX, da CF) não aclare todos os seus efeitos, é fora de dúvida que o princípio bis in idem é um de seus corolários. Qual, em verdade, seria a validade da inclusão do princípio da legalidade, na Constituição, se o legislador fosse livre para atribuir a um mesmo pressuposto fático mais de uma sanção punitiva, ou lhe fosse permitido apreciar uma mesma agravação de pena mais de uma vez? “Semelhante possibilidade não conteria, com efeito, uma inadmissível reiteração do ius puniendi do Estado? ” E tal reiteração não ensejaria a coexistência, a dano do direito de liberdade do cidadão, de dois comandos sancionatórios para um mesmo fato? Daí a proibição do duplo aproveitamento ou da dupla valoração fática. Com razão, Teresa Serra (2000 p. 10) observa que “é proibido aproveitar mais uma vez circunstâncias que levaram à formação da moldura penal, e que são pressupostos da sua aplicação, na fixação da medida da pena no caso individual”. A fundamentação desta proibição é evidente: os elementos do tipo de crime foram já ponderados no âmbito da determinação da moldura penal e, desse modo, constituem já pressupostos da medida concreta da pena, que há de ser escolhida dentro dos limites daquela moldura, sem que os referidos elementos possam-na voltar a influenciar. (SERRA, 2000, p. 15).

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Ora, o artigo 9º, da Lei nº 8072/90, como foi anteriormente salientado, utiliza-se dos mesmos pressupostos fáticos que permitem o reconhecimento da violência ficta – modo de execução integrativo de tipo básico (a única hipótese prevista é a da extorsão mediante seqüestro) e de tipos qualificados – para efeito de agravação punitiva. Na medida em que o legislador desprezou o princípio bis in idem, permitindo nessa situação o duplo exercício do ius puniendi, afrontou ao princípio da legalidade e, portanto, lesionou a Constituição Federal.

5.1 Da Pena e sua Individualização

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XLVI, preconiza: “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.

Interpretando o texto constitucional, pode-se concluir que o primeiro momento

da chamada individualização da pena ocorre com a seleção feita pelo legislador, quando escolhe para fazer parte do pequeno âmbito de abrangência do Direito Penal aquelas condutas, positivas ou negativas, que atacam nossos bens mais importantes. Destarte, uma vez feita essa seleção, o legislador valora as condutas, cominando-lhes penas que variam de acordo com a importância do bem a ser tutelado.

A proteção à vida, por exemplo, deve ser feita com uma ameaça de pena mais

severa que aquela prevista para resguardar o patrimônio; um delito praticado a título de dolo terá sua pena maior do que aquele praticado culposamente, um crime consumado deve ser punido mais rigorosamente do que o tentado. A esta fase seletiva, realizada pelos tipos penais no plano abstrato, chamamos de cominação. É a fase na qual cabe ao legislador, de acordo com um critério político, valorar os bens que estão sendo objeto de proteção pelo Direito Penal, individualizando as penas de cada infração penal de acordo com a sua importância e gravidade.

Uma vez em vigor a lei penal, proibindo ou impondo condutas sob a ameaça de

sanção, que varia de acordo com a relevância do bem, se o agente, ainda assim insistir em cometer a infração penal deverá por ela responder. Se o agente optou por matar ao invés de ferir, a ele será aplicada a pena correspondente ao crime de homicídio.

Tendo o julgador chegado à conclusão de que o fato praticado é típico, ilícito e

culpável, dirá qual a infração penal praticada pelo agente e começará, agora, a individualizar a pena a ele correspondente, observando as determinações contidas no art. 59, do Código Penal.

Fixará a pena-base de acordo com o critério trifásico determinado pelo art. 68,

do Código Penal, atendendo às chamadas circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento da pena. Esta é a fase da chamada aplicação da pena, a qual compete, como deixamos entrever, ao julgador, ou seja, ao

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aplicador da lei. A individualização sai do plano abstrato (cominação/ legislador) e passa para o plano concreto (aplicação/julgador).

Nesse sentido é a orientação do Supremo Tribunal de Justiça conforme se extrai

do seguinte julgado: Pena – Individualização (CP, art. 59) “A individualização da pena é exigência do Código Penal, com assento na Constituição da República. Cumpre ao magistrado ponderar os requisitos mínimos doa art. 59 do Código Penal. Em seguida, à pena-base, considerará circunstâncias agravantes e atenuantes. Por fim, causa de aumento ou diminuição. A sentença será fundamentada, exigindo-se, como tal, explicitação dos fatos, de modo que se conheça como foram ponderados” (STJ, RHC nº 0895-MG, 6ª Turma – Rel. Min, Vicente Cernicchiaro, DJ 1º/4/91, p. 3427). (BRASIL/STJ, 2007).

Finalizando, também ocorre a individualização na fase da execução penal,

conforme o art. 5º, da Lei nº 7210/84 (Lei de Execução Penal), assim redigido: “Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal”. (BRASIL, 2003, p.64).

Mirabete (1999, p. 155), analisando o problema da individualização no momento

da execução da pena aplicada ao condenado, preleciona: com os estudos referentes à matéria, chegou-se paulatinamente ao ponto de vista de que a execução penal não pode ser igual para todos os presos – justamente porque nem todos são iguais, mas sumamente diferentes – e que tampouco a execução pode ser homogênea durante todo o período de seu cumprimento. Não há mais dúvida de quem nem todo preso deve ser submetido ao mesmo programa de execução e que, durante a fase executória da pena, se exige um ajustamento desse programa conforme a reação observada no condenado, só assim se podendo falar em verdadeira individualização no momento executivo. Individualizar a pena, na execução consiste em dar a cada preso as oportunidades e elementos necessários para lograr a sua reinserção social, posto que é pessoa, ser distinto. A individualização, portanto, deve aflorar técnica e cientifica, nunca improvisada, iniciando-se com a indispensável classificação dos condenados a fim de serem destinados aos programas de execução mais adequados, conforme as condições pessoais de cada um. 6. Constitucionalidade da Lei dos Crimes Hediondos

A progressividade no sistema penitenciário brasileiro tem seu fundamento legal no Código Penal, art. 33 § 2º, respaldado pela Lei nº 7210/84 – Lei de Execuções Penais.

Como salienta João José Leal (1996), indiscutivelmente o sistema de execução

da pena privativa de liberdade em forma progressiva tem evitado que os horrores do penitenciarismo se tornem maiores, permitindo que o condenado possa avançar do regime fechado para o semi-aberto e deste ao aberto. Assim para Mirabete (1999, p. 171): o direito à progressão constitui, sem dúvida, um forte estímulo para que o condenado se adapte e se comporte de acordo com a disciplina prisional. Entretanto, é preciso reconhecer que o direito à progressão tem contribuído para evitar um número

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ainda maior de rebeliões, motins, fugas e suas tentativas, de maldades e perversidades, de psicose e atos de violência os mais insensatos, cruéis e horrendos, que marcam o cotidiano do sistema penitenciário brasileiro.

Para João José Leal, o legislador ignorou o princípio da individualização da

pena, previsto no CP, art. 59 e consagrado na CF, art. 5º, XLVI, segundo o qual “cada condenado receberá a reprimenda certa e determinada para prevenção e repressão do seu crime, cujo processo executório ficará também sujeito às regras do principio individualizador”, a fim de que a expectativa de ressocialização (uma das funções da pena privativa de liberdade) não fique completamente frustada. (1996, p. 88).

Nessa perspectiva, Alberto Silva Franco (2002, p. 98) nos ensina que: [...] mais

importante do que a sentença em si é o seu cumprimento na prática, porque é na execução que a pena cuminada pelo legislador, em abstrato, ajustada pelo juiz ao caso particular, encontra o seu momento de maior concreção. É aí que o processo individualizador chega à sua derradeira fase: adere, de modo definitivo, à pessoa do condenado. Excluir, portanto, o sistema progressivo é impedir o princípio constitucional da individualização das penas. Lei ordinária que estabeleça regime prisional único, sem possibilidade de nenhuma progressão, atenta contra a Constituição Federal.

Segundo Antonio Lopes Monteiro (1991), esta lei traz no seu corpo normas de

Direito Processual Penal e até de execução de pena. Quis inovar em matéria penal, mas introduziu regras outras que, na pressa de sua edição, afetam todo um sistema criminal existente em nosso ordenamento jurídico.

Nesse sentido, a Lei 7210/84 que disciplina os regimes seria considerada (em

virtude do CP, art. 40) de Direito de Execução Penal ou de Direito Penitenciário, informada por princípios diversos daqueles do Direito Penal substantivo. A natureza jurídica é diversa, pois as normas contidas na lei não criam ou alteram tipos penais, nem mesmo modificam as reprimendas impostas na sentença, não se podendo assim aplicar de forma igual, por exemplo, os princípios da ultratividade da norma penal.

Dessa forma, as regras dos regimes estão sujeitas ao princípio geral da aplicação

da lei (tempus regit actum). Como consequência, a aplicação deste dispositivo mais severo aos crimes hediondos e demais crimes é imediata, mesmo para aqueles que tenham sido cometidos anteriormente à vigência desta lei.

Contudo, a lei não pode contrariar a coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI),

alterando a sentença condenatória do juiz que no processo de conhecimento concedeu cumprimento de pena em regime semi-aberto ou aberto, ou do juiz de execução que concedeu a progressão para o condenado que fazia jus a regime menos rigoroso.

No mesmo sentido, entende João José Leal (1996), afirmando que o principio da

legalidade (CF, art. 5º, II e XXXIX) deve ser concebido como uma garantia individual, não somente diante da lei que defina novo crime e respectiva pena, mas também como garantia de que a execução penal ocorra segundo a lei do momento do delito, salvo se a mudança legal no processo executório da pena favorecer ao condenado.

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Com efeito, as normas que tratam do regime prisional estão originalmente previstas no Código Penal (art. 33 a 37), dispostas de forma pragmática. A diferença entre o cumprimento da pena em regime fechado, em regime semi-aberto e aberto não é questão de natureza meramente formal, restrita ao campo processual ou do direito de execução, mas sim de natureza material, que atinge fundo o direito de liberdade individual.

Dessa maneira, se uma norma material é derrogada (mesmo pelo princípio da

especialidade) por outra norma, esta última necessariamente deve ser de direito material, sujeita, portanto, à proibição da retroatividade temporal (se prejudicar o réu), nos termos da CF, art. 5º, XL, e do CP, art. 2º, parágrafo único.

A lei nº 8072/90, em seu art. 2º, I, dispõe que os crimes considerados hediondos

são insuscetíveis de anistia, graça e indulto. No entanto, a Constituição Federal determinou ao legislador que considere os crimes de natureza hedionda como inafiançáveis e insuscetíveis de graça e anistia, não incluindo, nesse rol taxativo, o instituto do indulto.

Nesse sentido, há uma sensível diferença conceitual entre esses institutos. O

indulto é o meio coletivo pelo qual o Presidente da República, dentro de suas atribuições, concede o perdão, eliminando coletivamente a punibilidade. Não incide, portanto, na pessoa do condenado ou no fato delituoso, mas na pena cominada.

A concessão de anistia, por sua vez, deve ser feita mediante lei de iniciativa do

Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, por se tratar de competência da União. Diferente do indulto, já é um ato complexo, cuja atuação é sobre o fato delituoso, e não sobre pessoa do condenado ou na sua pena especificamente.

No que se refere à graça, este instituto é previsto no Código de Processo Penal e

foi recepcionado pela Constituição. Nesse contexto, a característica preponderante da graça é que ela pode ser requerida pelo condenado, por qualquer pessoa do povo, pelo Conselho Penitenciário, Ministério Público ou inclusive concedida espontaneamente pelo Presidente da República.

Vistas as sensíveis diferenças, percebe-se que o legislador agiu além do exigido

pela Constituição ao negar o benefício do indulto aos condenados por crimes hediondos, atuando de maneira inconstitucional, afrontando e restringindo a competência privativa do Presidente em concedê-lo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve por objetivo demonstrar, mediante elementos jurídicos e fáticos vivenciados, que a pena privativa de liberdade pode ser cumprida com possibilidade de progressão e não totalmente em regime integral fechado.

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Para alcançar o fim almejado, estuda-se primeiramente a origem histórica da pena privativa da liberdade. Hoje, a pena tem caráter repressivo e preventivo e, ainda, objetiva a reinserção social do condenado.

A individualização da pena e a humanização do tratamento penitenciário devem

ser fomentadas, mas não simplesmente estimulando a progressão para regime menos rigoroso, mas criando condições responsáveis para que o condenado possa ser reintegrado no meio social, onde será tratado com dignidade.

Os crimes hediondos e suas particularidades foram objeto de estudo: conceito,

espécies, crimes assemelhados ou equiparados a eles (tortura, tráfico e terrorismo), peculiaridades da Lei dos Crimes Hediondos, e o regime integralmente fechado de cumprimento da pena privativa de liberdade, como regra cogente para os condenados pela prática de crimes hediondos e assemelhados.

A edição da Lei dos Crimes Hediondos, com penas e regime mais rigorosos não

conseguiu reduzir a criminalidade no Brasil. Os delitos denominados de Hediondos continuam sendo praticados em larga escala, sendo que o perfil da comunidade carcerária é de maioria dos presos do sexo masculino e se encontram no regime fechado, que inclui o integralmente fechado e, consequentemente, a manutenção do elevado índice de condenação por crimes de maior potencial ofensivo, incluído os hediondos e equiparados.

A individualização da pena garantida constitucionalmente assegura o direito de

individualização em três fases distintas, quais sejam, elaboração da norma incriminadora, fixação da pena e também sua execução. Individualizar a pena significa ver o indivíduo, respeitados os seus aspectos pessoais, possibilitando que cada condenado possa ser tratado de forma particular, com respeito e dignidade, mesmo porque são pessoas diversas e com história de vida e crime diferentes.

O Juiz de Direito deve analisar cada caso individualmente e fundamentalmente

aplicar a progressão quando presentes os requisitos legais, mesmo em crimes hediondos e equiparados, em atenção aos principio constitucionais.

O art. 2º, §1º, da Lei 8072/90 foi declarado inconstitucional porque violava os

princípios da dignidade da pessoa humana, da humanização das penas, da proporcionalidade e da individualização da pena na fase executiva. Além de ofender os princípios constitucionais, a antiga vedação da progressão de regime prisional desrespeitava normas internacionais.

O Juiz de Direito deve assumir novo papel neste novo contexto, em que o direito

penal deve obrigatoriamente estar em harmonia com as regras e princípio constitucionais, cabendo ao magistrado avaliar a validade ou não, da norma penal ante a Constituição Federal, tendo como vetor a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a justiça social.

No que se refere à proibição da progressão de regime estabelecida pela Lei dos

Crimes Hediondos, o Supremo Tribunal Federal concluiu em 23/02/2006 o julgamento do Habeas Corpus 82.959/SP impetrado pelo paciente Oséas de Campos, quando o

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plenário por maioria de votos, nos termos do voto do relator Min. Marco Aurélio reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8072/90, afastando a proibição da progressão do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade aos condenados pela prática de crimes denominados hediondos e assemelhados.

Tal decisão fundamentou-se no sentido de que a proibição da progressão de

regime afronta o princípio da individualização da pena na fase executiva e a necessidade de igual tratamento entre os crimes de tortura e os demais delitos rotulados de hediondos.

E, a partir de 29/03/2007 a Lei n 11.464/2007 alterou a Lei nº 8.072/2007 e os

condenados por crimes hediondos e equiparados passaram a fazer jus ao regime da progressão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TRANSAÇÃO PENAL NOS JUIZADOS CRIMINAIS

VANDERLEI MARTINS DE OLIVEIRA JÙNIOR

RESUMO: A Transação penal é o instituto que possibilita a aplicação imediata da pena, desde que, atendidas certas condições estabelecidas na lei dos Juizados Criminais. Qual seja, crime com pena máxima aplicada inferior a dois anos, ou multa, não possuir anterior condenação por prática de crime, não ter sido beneficiado pelo instituto da transação nos últimos cinco anos, antecedentes criminais, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias para a prática do delito, são condições estabelecidas para a concessão do benefício. Ademais, atendidas as condições estabelecidas, o representante do Ministério Público, ofertará a proposta da transação ao acusado e a seu representante, que poderá aceitá-la ou não. Palavra-chave: transação penal INTRODUÇÃO

Com a criação dos juizados especiais pelo disposto na Carta Magna em seu art. 98, I, as infrações de menor potencial ofensivo estarão sujeitas ao procedimento discriminado na lei 9099/95, que prevê a conciliação, o julgamento e a execução destas infrações, permitindo a transação e julgamento de recursos, por turmas de juízes de primeiro grau, togados ou togados e leigos. O juiz leigo orienta o trabalho dos conciliadores, auxiliando, desse modo, o juiz togado. Podendo presidir a conciliação, como permitido pelo art. 73 da lei 9099/95. Mas não a transação. A lei estadual não pode conceder ao leigo o poder de julgar, pois ao Estado não foi conferido tal poder pela CF, que reservou à União legislar, privativamente, sob direito processual. Já aos Estados e o Distrito Federal estes, concorrentemente com a União, podem legislar sobre procedimento em matéria processual.

A competência legislativa sobre matéria penal e processual fica a cargo

exclusivamente da União de acordo com disposição constitucional prevista no art. 22, I. em relação à competência procedimental de acordo com o art. 24, XI, da Constituição Federal e concorrentemente atribuída a União, o Distrito Federal e aos Estados. O inciso XI fala da competência acerca dos ritos processuais. De forma que cabe à lei federal dispor sobre as regras gerais e ao Distrito Federal e aos Estados, a suplementação de acordo com a dicção do parágrafo 1º, da CF.

Sobre crimes de menor potencial ofensivo de acordo com a lei 11.313/06 são: as

contravenções penais e os crimes à pena privativa de liberdade, seja de reclusão, ou de detenção não superior a dois anos, ou multa. Em face do parágrafo único do art. 2º, da lei 10.259/2001 (lei dos juizados federais), que estendeu o conceito de infração de menor potencial ofensivo, definindo-a, como toda aquela cuja pena máxima não for superior a 2 (dois) anos, ou multa, além de não ter excluído da sua abrangência as infrações sujeitas a procedimento especial, portanto, e tal é pacífico na doutrina e jurisprudência, a transação penal é instituto a ser aplicado a todas as contravenções e

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crimes em que a pena máxima abstrata não seja superior a 2 (dois) anos, ou multa, estando ou não submetidas a procedimento especial.

Um crime que a lei comine pena de reclusão de dois anos e outro a pena

culminada seja tão somente a de multa serão ambas julgadas pelo juizado especial, pois são considerados de menor potencial ofensivo. O que se discute é se o crime punido com pena privativa de liberdade acima de dois anos ou com multa uma ou outra pena é da competência do juizado especial. Se para o crime estão previsto dois tipos de pena privativa de liberdade ou multa e se o legislador dispôs que o crime punido com multa é de menor potencial ofensivo, evidentemente entendeu que, apesar de poder ser punido com pena acima de dois anos, esse mesmo crime pode ser punido tão-somente com pena de multa, sendo ele de menor potencial ofensivo.

1 COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS 1.1 Conciliação

É a conciliação o fim maior que se busca no juizado especial, e não a punição. A justiça consensual é voltada para tutela, o amparo e a proteção à vítima. A conciliação não se restringe à composição dos danos civis, podendo ajudar na realização da transação, aconselhando autor da infração e vítima. 1.2 Julgamento

De acordo com a nova redação do parágrafo 1º art. 162, do Código de Processo Civil, dada pela lei 11232/05, julgamento é o ato pelo qual o juiz extingue o processo, consequentemente, a lide, com ou sem resolução do mérito. Nesse julgamento está contida a sentença. É o que ocorre com a transação penal com a decisão no final do procedimento sumário. 1.3 Execução

O art. 84 cuida da execução, porém exclusivamente da execução da pena de multa. A execução das penas privativas de liberdade e restritiva de direitos, ou de multa cumulada com estas, será processada perante o órgão competente, definido pela lei 7.210/84.

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2 TRANSAÇÃO PENAL

A Lei dos Juizados Especiais Criminais veio dar efetividade ao artigo 98, inciso I, da Constituição Federal e minimizar a intervenção do Poder estatal, bem como agilizar e simplificar o procedimento e julgamento para as infrações penais de menor potencial ofensivo. As infrações penais de menor potencial ofensivo foram limitadas, inicialmente, às contravenções penais e aos crimes com pena máxima não superior a um ano, excetuados aqueles crimes que a lei prevê procedimento especial, consoante artigo 61, da mencionada legislação. Em 2001, com a entrada em vigor da Lei 10.259, que criou os Juizados Especiais Criminais Federais, o conceito de infrações de menor potencial ofensivo foi alargado para todos aqueles com pena não superior a dois anos.

É medida alternativa que visa impedir a imposição de pena privativa de

liberdade, mas não deixa de constituir sanção penal. Como o próprio dispositivo estabelece, claramente, a pena será aplicada de imediato, ou seja, antecipa-se a punição. E pena no sentido de imposição estatal, consistente em perda ou restrição de bens jurídicos do autor do fato, em retribuição à sua conduta e para prevenir novos ilícitos.

Segundo o artigo 75, da lei 9099/95, uma vez frustrada a tentativa de

composição cível, abre-se ensejo para que a vítima, ou seu representante, ofereça desde já a representação, sem que o não exercício de tal direito lhe tolha a faculdade de fazê-lo nos seis meses de que dispõe para tanto conforme lhe garante o CP como regra. Terminada a fase de composição civil dos danos, sendo esta frustrada por qualquer motivo, terá o ofendido a oportunidade de oferecer representação oral de imediato, se presente à audiência, não importando em decadência de direito se não há fizer de plano, de acordo com o disposto no art. 103, do Código Penal, o prazo e de seis meses. Mesmo que não esteja presente na audiência poderá o ofendido oferecer queixa ou representação, posteriormente, evidente que dentro do prazo do art. 103, do CP.

Sendo feita a representação, ou se o ofendido exercer seu direito de queixa, a

audiência prosseguirá nos termos do art. 76, da lei 9099/95, a fase da transação penal, mesmo que não tenha havido a composição civil dos danos. Abre-se espaço, com tal condição ou em sendo a ação penal pública, para instituto contemplado no art. 76, á transação penal. A Transação Penal é o novo instrumento de política criminal de que dispõe o MINISTÉRIO PÚBLICO para, entendendo conveniente ou oportuna a solução rápida do litígio penal, propor ao autor da infração de menor potencial ofensivo, a aplicação sem denúncia e instauração de processo, de pena não privativa de liberdade, ou seja, aquela restritiva de direitos ou multa.

Para que seja proposta a transação, o Ministério Público deve observar, além dos

requisitos acima citados, se o autor da infração não havia sido condenado anteriormente por sentença definitiva pela prática de crime à pena privativa de liberdade; se o mesmo não tiver sido beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela transação; seus antecedentes, a conduta social, sua personalidade, bem como os motivos e as circunstâncias do crime se tem como requisitos para a contemplação da transação, existência de uma infração de menor potencial ofensivo, ou seja, cuja pena máxima abstratamente cominada, seja igual ou inferior a dois ano. Ausência de condenações anteriores por crime à pena de prisão. Não ter se beneficiado do instituto nos últimos 05

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anos. Pro gnose favorável da necessidade e suficiência, aferível segundo os critérios do art. 72, inc II, do CP, obviamente com exclusão da culpabilidade. Sendo a pena de multa a única, poderá o juiz reduzi-la até metade. A aplicação da medida requer proposta clara e explícita, a ser feita ao acusado devidamente orientado e assistido por defensor, cabendo-lhe aceitar ou não. Dada à natureza da medida, entende-se cabível que o próprio acusado apresente a proposta. A sentença que homologa o acordo, imprescindivelmente realizado ante o juiz, e que é apelável, não implica reincidência (art. 76, § 4), sendo registrada apenas para fins de não concessão de benefício nos próximos cinco anos, o que faz com que não conste nos registros e conseqüentemente em certidões, nem mesmo judiciais (art. 76, § 6), não gerando título executivo judicial cível. 2.1 Conceito de Transação Penal

Devemos buscar esse conceito no Código Civil, vez que a legislação jurídica penal é omissa, não trouxe nenhuma definição sobre transação. Segundo o art. 1025, do Código Civil, “E licito aos interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”. (BRASIL, 2007, p. 213).

De acordo com tal definição, é o ato jurídico através do qual os interessados

previnem ou terminam o litígio, mediante concessões recíprocas. Trata-se de uma conciliação de interesses, um consenso entre as partes, uma convergência de vontade.

Não se trata de um negócio entre o MP e o réu, mas sim de um instituto que

permite ao juiz que se aplique de imediato uma pena alternativa encerrando o procedimento.

Assim, a transação penal é o ato jurídico através do qual o MP e o autor do fato,

atendido os requisitos legais, e na presença do magistrado, transacionam pondo fim ao procedimento, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada.

Presentes os requisitos que permitem a transação, o MP deverá, nota-se que não

trata de uma faculdade do MP, esse poderá que traz a lei, se refere a um poder-dever. De forma que não sendo caso de arquivamento e havendo representação ou queixa o MP fará o propositura da Transação Penal.

Sérgio Turra Sobrane define a transação penal como sendo: o ato jurídico

através do qual o Ministério Público e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática do fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada. (2001, p. 93).

Cumpre, aqui, salientar, que as infrações de menor potencial ofensivo, de acordo

com o artigo 61, são as contravenções penais e os crimes a que a Lei comine pena máxima não superior a dois anos, excetuado os que a lei preveja procedimento especial.

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3 PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE

Pelo Princípio da Obrigatoriedade se entende que se estiver demonstrado a tipicidade, a materialidade do crime e se houver indícios suficientes de autoria, salvo se ocorrer alguma causa de excludente de ilicitude, de extinção de punibilidade ou quando presente o princípio da insignificância, o MP tem a obrigação de oferecer a denúncia, pois os delitos não podem ficar impunes.

Muitos autores afirmam que a lei 9.099/95 mitigou o Princípio da

Obrigatoriedade do exercício da ação penal pública uma questão muito controversa e que ainda não está pacificada. Entendemos que todos os requisitos que norteiam o Princípio da Obrigatoriedade estão presentes na transação, de mesma forma explica o Prof. Afrânio Jardim.

Presentes os requisitos do parágrafo 2º, do art. 76, poderá o MP exercer a ação

penal de dois modos, formulando a proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, após atribuir ao réu à autoria ou participação de uma determinada infração penal ou apresentar a denúncia oral. Não rompendo com o Princípio da Obrigatoriedade do exercício da Ação Penal Pública condenatória, mas apenas outorgando ao MP a faculdade de exercer outra espécie de Ação. (1996 p.04).

4 PRINCÍPIOS DA TRANSAÇÃO PENAL

A transação penal tratada na lei 9.099/95 é revestida de vários princípios, citamos alguns deles: o devido processo legal; juízo natural; do contraditório; da presunção de inocência; da independência do juiz. Vejamos cada um deles. 4.1 O Devido Processo Legal

Quanto ao devido processo legal, se aplicado à lei 9.099, haverá atividade jurisdicional, pois o MP estará requerendo a aplicação da pena (pecuniária multa, ou restritiva de direito) e esta se aceita pelo réu será imediatamente aplicada pela autoridade judiciária se preenchido os demais requisitos legais. Estará, portanto, patenteada a sansão.

A própria CF em seu art. 98, I e a lei 9099, estabelece qual a forma de se

proceder e julgar as infrações de menor potencial ofensivo. Se a transação penal está prevista em lei e se estão garantidos os direitos à

jurisdição, ao juízo natural, à publicidade dos atos processuais e ao contraditório, não se pode dizer que não haja um devido processo legal.

A imposição da pena restritiva de direito ou multa tão só com o aceite pelo autor

do fato da proposta feita pelo MP, não viola o devido processo legal. Houve um

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processo simples, modesto, mas um processo revestido da formalidade exigida pela lei. O processo é sumário, célere, mas há sem sombra de dúvida um processo em que são observadas as garantias necessárias a sua defesa. 4.2 O Juízo Natural

É aquele revestido das garantias constitucionais, que tem o poder de julgar, como determina o art.5º, XXXVI, e LIII, da CF. somente os juízes, tribunais e órgãos jurisdicionais previstos na CF se identificam ao juízo natural, constitui uma prerrogativa exclusiva do estado de direito. O conceito de juízo natural existe em função dos princípios da legalidade e da igualdade e a sua adoção pelo direito positivo tem, com principal conseqüência, a vedação dos juizes extraordinários e dos tribunais de exceção.

O juiz natural é a garantia constitucional do Cidadão, da democracia, do estado

de direito. Não implicando tal princípio na obrigatoriedade do princípio da identidade física do juiz nem da continência ou conexão conforme súmula do STF, não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao fôro por prerrogativa de função de um dos denunciados. Não ofendendo ao princípio do juízo natural também, a prática de atos processuais do juiz promovido, mas ainda no exercício de sua jurisdição, segundo o STF, a designação de juízes substitutos para a realização de esforços concentrados em diversas comarcas com o objetivo de auxiliar os juízes titulares não agride ao princípio do juiz natural. 4.3 Princípio do Contraditório

O contraditório efetivo, real se torna indispensável, a fim de que com absoluto rigor, a verdade material, reste devidamente assegurada a liberdade do acusado. Além do que, o direito deste a contrariedade real assume a natureza de indisponível, dada precipuamente, a impessoalidade dos interesses em conflito, sendo, portanto, indisponível.

Praticamente o princípio do contraditório se manifesta na ação penal pela ciência

tempestiva dada ao imputado de todas as cargas judicialmente contra ele acumuláveis. Isso significa que o réu não deve ser processado sem citação e sem termo de contrariedade. 4.4 O Princípio da Presunção de Inocência

Enquanto não houver uma sentença transitada em julgado, presume-se que o réu seja inocente. Não cabendo a este provar sua inocência, mas sim a acusação é que deve comprovar sua culpabilidade. O acusado somente pode ser preso diante de uma imperiosa necessidade devidamente justificada e apoiada em critérios legais e objetivos,

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de modo a conferir o caráter cautelar da prisão. Não havendo uma presunção de inocência processual, pois enquanto não houver condenação o acusado é processualmente inocente. 4.5 Princípio da Independência do Juiz

É tido como um dos maiores princípios do processo penal, sendo fundamental,

pois sem a independência do juiz, no entanto, todos os outros princípios caem por terra, nenhum deles valerá nada.

O ilustre prof. Frederico Marques, analisando os princípios fundamentais do

processo penal, disse que o Princípio da Independência do Juiz, é um que se sobressai em nosso país, e relata; tenho para mim que, no tocante ao direito processual penal, o princípio supremo em que todos os demais encontram os elementos que os torna aplicáveis e suscetíveis de se projetarem hic et nunc, ( aqui e agora) nos procedimentos penais e aquele da independência do poder judiciário, de seus juízes e tribunais. (1993 p.15). 5 REQUISITOS PARA CONCESSÃO E CAUSAS IMPEDITIVAS DA TRANSAÇÃO PENAL

A transação penal não poderá ser proposta se estiver comprovado, de acordo com inciso 2 do art. 76, da lei 9099/95 se: o agente já foi condenado, pela prática de crime, a pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; se o agente tiver sido beneficiado, nos cinco anos anteriores, pela aplicação de pena restritiva de direitos ou multa, mediante transação; e quando seus antecedentes, conduta social e personalidade, bem como os motivos as circunstâncias não indicarem ser necessária e suficiente à adoção da aplicação da pena restritiva de direitos ou multa, fazendo-se indispensável à pena privativa de liberdade. A falta da composição civil como já falamos não impede a transação. 5.1 Anterior Condenação pela Prática de Crime

Anterior condenação, transitada em julgado, a pena privativa da liberdade, pela prática de crime. Para se exigir como causa impeditiva do benefício, a condenação deve ter ocorrido pela prática de crime e não de contravenção e a pena privativa de liberdade, e não a pena restritiva de direitos ou multa. De acordo com art. 5º, inciso LVII, da CF, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Os recursos ordinários, e extraordinários, ainda que tenham efeito devolutivo impedem o trânsito em julgado da sentença.

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5.2 Ter sido Beneficiado pelo Instituto da Transação Penal

Outra causa impeditiva seria anterior benefício, no prazo de cinco anos, ou seja quem já tiver sido beneficiado da aplicação consensual de pena não privativa de liberdade, nos termos da lei 9099/95, não poderá gozar de novo beneficio, pelo prazo de cinco anos. Para possibilitar a verificação da ocorrência de causa impeditiva consistente na anterior concessão do mesmo beneficio, o parágrafo 4, do art. 76, dispõe expressamente que a aplicação conciliada da sanção penal conste do registro exclusivamente para impedir o mesmo benefício no prazo de cinco anos. 5.3 Antecedentes Criminais, Conduta Social, Personalidade, Motivos e Circunstâncias para a Prática do Delito

A última causa de impedimento seria acerca dos antecedentes, a conduta social, a personalidade do autuado, os motivos e circunstância que indiquem não ser necessária e suficiente a transação penal. Com exceção da culpabilidade, que não pode, evidentemente, ser considerada com relação ao autuado, que ainda não foi sequer denunciado, os demais requisitos para concessão do benefício foram tomados como molde o art. 77, CP quanto à suspensão condicional da pena, com exceção a menção à culpabilidade.

Bastará a ocorrência de apenas uma das causas impeditivas para impedir a

homologação da Transação. 6 PROPOSTA DE TRANSAÇÃO

Na ação penal pública incondicionada, ou caso haja representação não sendo caso de arquivamento, proporá o Ministério Público a transação, evidentemente se preenchidos os requisitos para a concessão. Não se tratando de uma faculdade do MP e sim de um poder-dever, vez que, constitui um direito subjetivo do autor da infração.

Endentemos que se o autor do fato preencha os requisitos estabelecidos para a

obtenção da transação, e esta não sendo feita pelo representante do MP, terá ele o autor do fato o direito de exigir que o órgão ministerial o faça. O instituto da transação é um direito subjetivo do autuado, ou seja, do autor do fato, caso o MP não proponha a transação cabe ao autor impetrar hábeas corpus.

Cabe de mesma forma ao juiz caso a omissão do MP fazer a proposta de

transação, sob pena de negativa de um direito do acusado. Tourinho Filho (2002) diz o seguinte. “Não havendo representação da proposta”,

por mera obstinação do MP, parece-nos que poderá fazê-la o próprio magistrado, porquanto o autor do fato tem o direito subjetivo de natureza processual no sentido de que se formule a proposta, cabendo ao juiz o dever de atendê-lo por ser indeclinável o

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exercício da atividade jurisdicional A corrente dominante entende ao contrario, sendo que o juiz não pode propor a transação, pois, estaria passando a ser acusador, devendo ser aplicado por analogia o art. 28 c/c art. 3º, do CPP, de forma que o magistrado fará a remessa do termo circunstanciado acompanhado das razões do MP acerca da não apresentação da proposta de transação e de sua decisão contrária, ao procurador geral, que poderá: concordar com o juiz e, assim, apresentar a proposta; designar outro membro da instituição para fazê-la; ou insistir em não formulá-la.

Poderá a transação ser proposta pelo querelante? Sem dúvidas que sim, na ação

penal privada vigora, sem restrição, o princípio da oportunidade, o que viabiliza melhor a transação. O fato da lei se referir apenas ao MP como o legítimo para propor a transação penal não quer dizer que o querelante, ou o juiz, muito menos o acusado, como já vimos não tenha legitimidade para tanto. A lei não previu expressamente que o querelante pudesse fazer a proposta, porque entendeu ser óbvio, uma vez que o principio da oportunidade rege a ação penal privada. Se o querelante pode o mais, que é propor a ação penal por que não pode o menos que é propor a transação.

Caso a proposta não seja apresentada por ninguém o acusado deverá recorrer,

interpondo uma apelação, vez que a apelação é apresentada contra uma decisão que põe fim ao processo ou encerra a relação processual sem julgar o mérito ou que põe termo a um procedimento, julgando o mérito, sendo o cabível, pois houve o encerramento de um procedimento, sem que tenha ao menos início. 7 NATUREZA DA TRANSAÇÃO

A sentença penal homologatória da transação possui efeitos principais e secundários. O efeito principal é imposição da sanção penal acordada pelas partes, no caso, o Ministério Público e o autor da infração. Quanto aos efeitos secundários, a Lei criou um novo efeito, que é a proibição de nova transação penal para o autor do fato, pelo prazo de 5 anos.

Porém, foram expressamente afastados pela Lei os efeitos secundários da

reincidência, efeitos civis e antecedentes criminais. Da mesma forma que a composição de danos cíveis, não há que se falar em

processo, haja vista que não há denúncia, mesmo no caso de Ação Penal Pública Condicionada, onde há a representação.

Não havendo a transação penal, o MINISTÉRIO PÚBLICO oferecerá a

denúncia oral, de imediato, ao Juiz, se não houver a necessidade de diligências imprescindíveis. Oferecida a denúncia, pode o MINISTÉRIO PÚBLICO, obedecidos os requisitos legais, propor a suspensão condicional do processo.

Afirma Cezar Roberto que: “sempre que as partes transigem, pondo fim à

relação processual, a decisão judicial que legitima jurisdicionalmente essa convergência de vontades, tem caráter homologatório, jamais condenatório”. (1996, p.104).

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7.1 Natureza Jurídica da Decisão que Homologa a Transação

Conforme as garantias constitucionais no Estado Democrático Brasileiro, não é possível uma sentença penal condenatória sem o devido processo legal, tornando certa a autoria e a materialidade do fato imputado. Já a sentença penal homologatória é fruto de consenso, de acordo entre Ministério Público e autuado, antes da propositura da ação penal, sem julgamento do ato que originou o termo circunstanciado.

A sentença que aplica pena restritiva de direitos ou multa, com base no art. 76,

não tem caráter condenatório nem absolutório, mas simplesmente homologatório da transação penal, declarando uma situação jurídica de conformidade penal bilateral, não gerando reincidência, registro criminal ou responsabilidade civil (art.76, §§ 4º 6º). 8 ACEITAÇÃO DA PROPOSTA DE TRANSAÇÃO

A proposta de transação para ser homologada pelo juiz deve necessariamente contar com a aceitação expressa do autuado e de seu defensor, sendo que a manifestação de vontade do autor do fato é personalíssima voluntária, absoluta, formal, vinculante e tecnicamente assistida.

O autuado seguro de sua inocência e devidamente orientado pela defesa técnica

poderá preferir responder ao processo para lograr absolvição. Ou poderá não concordar com os termos da proposta formulada e, considerando seus prós e contras, escolher a via jurisdicional. A transação depende exclusivamente da vontade do autor do fato, que para isso deve tomar conhecimento das implicações da aceitação da proposta. Querendo o processo poderá prosseguir e ele demonstrar que é inocente, por não ter o órgão acusador provado que ele é culpado, sendo, portanto absolvido. De outra forma sendo esse condenado poderá recorrer e ser inocentado na segunda instância, ou se condenado, não ser-lhe aplicado pena privativa de liberdade. Portanto o acusado deve ter conhecimento das aplicações do aceite e da recusa da transação para poder decidir livremente, sem constrangimento, se aceita ou não o acordo.

Se o acusado aceitar a proposta e seu defensor não, deve prevalecer à vontade do

acusado, pois o parágrafo 4, do art. 76, refere-se à aceitação do autor da infração. Se caso o defensor aceita a proposta de transação e o acusado não, ainda assim deve prevalecer a vontade deste ultimo. 9 HOMOLOGAÇÃO DA TRANSAÇÃO PENAL

Feita a proposta e aceita, o juiz examinará se estão presentes os requisitos legais, se não estiver não homologará o acordo. Se homologar, dessa decisão cabe apelação, conforme dispõe o parágrafo 5º art. 76, da lei 9099/95. O juiz, acolhendo, após o devido exame, parágrafo 3º do art. 76, a proposta do MP aceita pelo acusado, aplicará a pena

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restritiva de direitos ou multa. Essa punição não leva à reincidência, caso o acusado venha a cometer novo crime. Importara, sim, em impedimento da concessão de nova transação, pelo prazo de cinco anos.

Se a proposta for apenas de aplicação de multa o magistrado poderá reduzi-la à

metade. Não pode aumentá-la, como previsto no CP (parágrafo 1º art. 60). A pena deve ser ao máximo individualizada, e personalizada, de modo a aplicar-

se ao infrator a pena certa e justa para a devida correção. Sendo o momento da aplicação da pena, decisivo no processo de realização das normas criminais, dando fundamento que é para a consecução da justiça e da eficácia social no campo do combate a criminalidade. 9.1 Efeitos da Sentença Homologatória

A sentença homologatória transitada em julgado impede nova transação penal pelo prazo de cinco anos (parágrafo 2, II, art. 76, da lei 9.099, seu único efeito penal). Não implica reincidência, não terá efeitos civis, nem constará de certidão de antecedentes criminais, segundo parágrafo 4 e 6, do art. 76, da lei 9099. Devendo a homologação da sentença ser registrada em livro próprio do cartório, tendo em vista que o autor do fato só poderá vir a ser novamente beneficiado depois de decorrido o prazo de cinco anos, a contar do trânsito em julgado da homologação da transação. Isso para haver maior controle, visto que todos os cartórios criminais dentro e fora do Estado deverão ter conhecimento para aplicação do parágrafo 4º, do art. 76, também deverá haver comunicação ao departamento de identificação criminal. 10 EXECUÇÃO DAS PENAS

A execução das penas está prevista nos artigos 84, e 85, pena de multa e 86, restritivas de direito e privativas de liberdade. Originariamente a lei previa que as multas eram as únicas penas que ficariam à cargo dos juizados, sendo a execução das demais remetida ao órgão competente, ou seja, a Vara de Execução Penal. Mas sobreveio a lei 9.269/96 que transformou a disciplina de execução das penas de multa que passaram a regular-se quanto à sua execução como dívidas de valores. O órgão que promove a cobrança nos termos da Lei 6.830/80 não é, contudo, em nosso Pais, a Procuradoria do Estado, mas sim o Ministério Público. Vale ressaltar que a pena não perdeu o caráter penal, pois somente a sua execução segue a disciplina das dívidas de valores. 10.1 Descumprimento da Transação

A conversão imediata da medida restritiva de direitos em pena privativa de liberdade viola flagrantemente direitos constitucionais fundamentais como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

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Assim, se o suspeito descumpre injustificadamente a medida não pode de

imediato ser preso, pela conversão da pena acordada em privativa de liberdade. A condenação, ou o reconhecimento de culpa não foi objeto do acordo. A extinção da punibilidade somente ocorre com o cumprimento da pena aceita livremente pelo autor do fato, implicando o seu descumprimento a rescisão do acordo penal, razão pela qual só resta ao Ministério Público iniciar a persecução penal, na forma do art. 77, da Lei 9.099/95, oferecendo a denuncia, ou requisitando às diligências que entender necessária.

A doutrina tem-se inclinado no sentido de execução da pena, o que não encontra

respaldo na lei, nem ao menos, na lógica jurídica. Logo, como se pode pensar em executar, na forma da lei de execuções penais como querem alguns doutrinadores, se ainda não existe condenação, e, mais, não se pode nem ao menos falar em culpa, já que a própria Constituição Federal assim assegura no art. 5º, LVII, sendo intuitivo que a execução de uma pena no juízo criminal pressupõe a formação de um juízo anterior de culpabilidade.

O descumprimento das penas implica conseqüência diversa conforme a espécie

de sanção aplicada, se de multa ou restritivas e privativas. Impende ressalvar a excepcionalidade da privação da liberdade na sistemática do juizado. Segundo a Lei 9.269/96, a pena de multa, uma vez imposta, constitui título executivo de dívida ativa sujeita á Lei 6.830/80, havendo divergência quanto a subsistência de alguns caracteres penais na execução. Quanto às penas restritivas, as opiniões são pela possibilidade de sua conversão, restando o óbice da ausência de previsão em termos de proporcionalidade, já que falta parâmetro para a conversão, uma vez que não houve fixação de pena com apreciação da culpabilidade, sendo a pena imposta não substitutiva da privativa como ordinariamente ocorre, mas pena originária. CONCLUSÃO

O instituto da transação penal tratada na esfera dos Juizados Especiais Criminais é tido como um dos maiores avanços na legislação penal vigente. Instituído com a finalidade de desafogar o judiciário, submetendo ao Juizado os crimes de menor potencial ofensivo.

Cabendo a este, a conciliação, o julgamento e a execução destas infrações. Transação é o ato jurídico através do qual os interessados previnem ou terminam

o litígio, mediante concessões recíprocas. Trata-se de uma conciliação de interesses, um consenso entre as partes, uma convergência de vontade. Assim atendidos os requisitos legais, o representante do Ministério Publico e o autor da infração, na presença do Juiz, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extingüir o conflito instaurado pela prática do fato típico, mediante o cumprimento de uma pena imposta e consensualmente ajustada.

A proposta de transação deve ser homologada pelo juiz, e contar

necessariamente com a aceitação expressa do autuado e de seu defensor. A sentença

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homologatória transitada em julgado impede nova transação penal pelo prazo de cinco anos, sendo o único efeito penal.

Não implica reincidência, não terá efeitos civis, nem constará de certidão de

antecedentes criminais. A homologação da sentença deve ser registrada em livro próprio do cartório, tendo em vista que o autor do fato só poderá vir a ser novamente beneficiado depois de decorrido o prazo de cinco anos, a contar do trânsito em julgado da homologação da transação.

Com o regular cumprimento da pena imposta, ocorrerá a extinção da

punibilidade. Caso ocorra o seu descumprimento, o Ministério Público iniciar á persecução

penal, na forma do art. 77, da Lei 9.099/95, oferecendo a denúncia, ou requisitando as diligências que entender necessárias. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Especiais Criminais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 06. BITTENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais e Alternativas à

Pena de Prisão. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. 07. FRIGINI, Ronaldo. Juizados Especiais Criminais. 1. ed. São Paulo: Somus,

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