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errasanta Revista franciscana de cultura, Lugares Santos e o mundo da fé Número 12 2015 – R$ 9,90 Quando o alimento é SAGRADO Reflexões na ótica das religiões monoteístas

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errasantaRevista franciscana de cultura, Lugares Santos e o mundo da féNúmero 12 ● 2015 – R$ 9,90

Quando o alimento é SAGRADOReflexões na ótica das religiões monoteístas

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editorial

Frei Jorge E.Hartmann, ofmComissário da Terra Santa

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aro amigo, temos a alegria de chegar até você com a décima segunda edição da re-vista Terra Santa. Nela elaboramos um dos-siê com o título: “Quando o alimento é sa-grado”. O motivo é a Expo 2015 – a Feira

Mundial que está ocorrendo em Milão – Itália e que trata desse argumento tão importante para todos. Contudo, fomos um pouco além, ao investigar a ligação entre os alimentos e a esfera do sagrado. Cada religião tem seu rito. Conheceremos os costumes das três religiões mono-teístas: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo.A Ordem dos Frades Menores reelegeu Frei Michael Perry como seu Ministro geral. Em entrevista, ele fala do “amor maior, que dá sentido à vida e que está no próprio DNA”. Partindo dessa afirma-ção, não podíamos dei-xar de narrar o fantástico testemunho do Frei Ibraim Sassagh, Pároco de Aleppo, que, em meio ao terror e destruição, se ofereceu para ficar com a comu-nidade a fim de dar assistência espiritual, colocando as-sim em risco sua vida. Além disso, relatamos a experiên-cia do Padre David Neuhaus, da comunidade de língua hebraica, em Jerusalém: “Um porto seguro para os jovens imigrantes”.Também o convidamos a visitar o santuário da Transfi-guração de Jesus, cuja festa é no dia 6 de agosto.Já pensou em fazer uma peregrinação aos Lugares San-tos? Leia a experiência do Frei Ivo Müller, que pode ser também sua, viajando com as agências parceiras na di-vulgação da revista Terra Santa. Além disso, saiba que cada assinante concorre ao prêmio de uma viagem à Terra Santa.Esses e tantos outros assuntos, nesta edição. Votos de Paz e Bem!

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“O amor maior, que dá sentido à vida, está no DNA”

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03 EDITORIAL “O amor maior, que dá sentido à vida, está no DNA” De Frei Jorge E. Hartmann, ofm

06 ÁLBUM Terra SanTa – Meir, o hebreu que cospe fogo S�ria – Palmira, a noiva do deserto dominada

10 ESPECIAL Porto seguro para jovens imigrantes De Carlo Giorgi

14 PERSONAGEM Por todas as partes terror e destruição! De Carlo Giorgi

17 DOSSIÊ Quando o alimento é sagrado De P. Pizzaballa, C. Milani, P. Branca, F. Pistocchini

33 TERRAS E LUGARES A memória da Transfiguração no Monte Tabor De Ir. Chiara Francesca

36 TERRAS E LUGARES As duas novas santas palestinas De Giampiero Sandionigi

38 ENTREVISTA Michael Perry Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores De Giuseppe Caffulli

42 ATUALIDADES Papa Francisco aos frades: «Levai a todos misericórdia, reconciliação e paz!» De Giampiero Sandionigi

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Terrasantaé uma publicação sob responsabilidade dos Comissariados da Terra Santa do Brasil.

ResponsávelFrei Ivo MullerComissariado da Terra Santa Convento de Santo Antônio do Pari Praça Padre Bento, 13 Caixa Postal, 50470 03031-050 São Paulo - SP - Brasil Tel: +55. 11 3311.0564 Fax: +55. 11 3311.0455

DiretorGiuseppe [email protected]

Co-diretorFrei Jorge Egídio [email protected]

RedaçãoLurdinha NunesGiampiero SandionigiCarlo GiorgiDaniel GonçalvesFrei Plácido Robaert

Conselho EditorialFrei Ivo MullerFrei Jorge Egídio HartmannFrei Miguel LoureiroPe. Antônio XavierLurdinha Nunes

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44 REPORTAGEM Palestina, as mulheres entram em ação De Chiara Cruciati

46 PEREGRINANDO Peregrinação aos Lugares Santos De frei Ivo Muller OFM

48 PANORAMA “Gaza Day by Day” De Lurdinha Nunes

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TERRASANTARevista da Custódia

Franciscana da Terra SantaUm exemplar R$ 9,90

Assinatura 2015Quatro edições R$ 31,50 no boleto

PublicidadeEditora Canção Nova

LayoutElisa Agazzi - Elisabetta Ostini

ImpressãoImpressão: Gráfica Odisséia

[email protected](51) 3019-6048 GVT

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Foto de Nati Shohat/FLaSh90

Meir, o hebreu que cospe fogo

Se chama Meir Lebel e tem 37 anos de idade. Não é raro vê-lo nas ruas e nas muralhas da Cidade Velha de Je-rusalém a improvisar espectáculos de malabarismo

com fogo. O desempenho de Lebel, que pratica esta arte circense desde os 12 anos de idade, não deixa de suscitar surpresa entre os espectadores. Sentimento este que é ainda reforçado quando descobrem que o hebreu cospe fogo de Jerusalém, pertence à comunidade ultra-ortodoxa; comuni-dade que não tem como costume ser propensa ao entreteni-mento, (pelo menos não publicamente). Mas é nesta arte que Meir vê a sua “missão”: Desfazer estereótipos e trazer um sorriso para as ruas da cidade.

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Foto de GiuSeppe CaFFuLLi

Palmira, a noiva do deserto dominada

Ao pôr do sol, as ruínas de Palmira, a imensa cidade Zenobia, emerge das areias como um conto de fadas. O destino deste sítio arqueológico mundialmente fa-

moso agora está em perigo.O auto-intitulado Estado Islâmico ocupa a cidade moderna desde ofinal de maio, nas proximida-des das áreas arqueológicas, de onde expulsou os soldados de Assad. A conquista de Palmira permite que o Estado Islâmico tenha controle das estradas em direção ao Iraque, a gestão dos recursos energéticos da região e até mesmo a possibilidade de abastecer o mercado ilegal de obras de arte da qual “Palmira”, a noiva do deserto, é particularmente rica.

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10 TERRASANTA

de CarLo GiorGi

uas crianças de qua-tro anos saltam no quintal, imitando lagartas. Um grupo de outras joga bas-

quete, enquanto a hóspede mais velha, filipina, está ocupada em cuidar de um bebê.Não é programa pós-escolar, co-mum na Rabbi Kook Street, em Je-rusalém, sede do Vicariato de São Tiago, do Patriarcado latino. Aqui se encontram crianças cris-tãs, vindas de todas as partes do mundo (Filipinas, Índia, Sri Lanka, Etiópia, etc.) que riem, jogam, brincam, leem histórias no idioma hebraico e se enten-dem perfeitamente.A iniciativa em Kook Street nasceu em setembro de 2013, graças aos voluntários da comunidade cató-lica de língua hebraica, em Jeru-salém. Todos os dias (exceto aos sábados), recebe mais de 30 crian-ças de 0 a 13 anos, das 08h às 15h.

É grande satisfação vê-las parti-cipando das atividades, jogando, brincando e fazendo as lições. As crianças são cuidadas até a che-gada dos pais. Qual é o segredo do sucesso? Ter respondido à pergunta que está dentro do co-ração de todos os pais imigrantes, a saber, “onde vou deixar meu filho, enquanto estou no traba-lho?” A questão dos filhos de imigrantes em Israel é emergên-cia social real.

Cláudia Graziano, italiana consa-grada, que trabalha no período pós-escolar, explica que “quando, uma imigrante, com autorização de residência, dá à luz a um filho, sabe que é improvável que o do-cumento de permanência seja renovado. Então ela tem que es-colher: ou voltar para casa com a criança ou permanecer em Israel ilegalmente!Muitas mães decidem permane-cer, mesmo sem documentos, por

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O Vicariato de língua hebraica do Patriarcado de Jerusalém publicou um projeto de acolhimento dos filhos de mães imigrantes (frequentemente, em situação irregular!), que não sabem onde deixar seus filhos, durante o trabalho. Situação realmente emergencial.

Na fotografia: hóspedes da escola maternal no vicariato de língua hebraicaem Jerusalém (foto de C. Giorgi)

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Porto seguro para jovens IMIGRANTESpreferir que seus filhos cresçam aqui, porque consideram seu país de origem mais pobre ou perigo-so. Na verdade, desde então, pela lei israelense, essas mães se tor-nam fantasmas. Para elas o salário é mais baixo, a jornada de traba-lho mais longa e a exploração se torna corriqueira. Já que é impos-sível cuidar das crianças, durante as horas de trabalho, numa em-presa; em resposta a essa necessi-dade, em cidades israelenses, es-

tão se espalhando falsas creches; que não atendem a todos.Assim as crianças das imigrantes vão crescendo, abandonadas à própria sorte. O problema afeta milhares de crianças, hoje, em Isra-el. De acordo com o Escritório Central israelense, a estatística é de que, em 2013, viviam no país cerca de 80 mil crianças, consideradas nem hebreias nem palestinas. Na sua maioria são filhos de imigran-tes. No mesmo ano, o número de

nascimentos de bebês, nessas con-dições, foi de cerca de 9.500.Nesta paisagem desoladora para dezenas de famílias de imigran-tes, o período pós-escolar, na Kook Street, tornou-se ajuda fun-damental e insubstituível. Cláu-dia explicou:– No início, abríamos duas tardes por semana, durante algumas horas. Havia grande procura, mas não acolhíamos mais do que

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quatro ou cinco crianças. Depois de alguns meses, veio visitar-nos Soyla, uma senhora filipina. Soyla é mãe de três meninos que não conhecem o pai! Decidimos ajudar! Assim, para que ela pu-desse trabalhar melhor e ganhar mais, propusemos a ela que trou-xesse seus filhos pela manhã e os buscasse à noite.Quando outras mães imigrantes perceberam o que havíamos feito para Soyla, manifestaram a mes-ma necessidade. Assim, o número de crianças foi aumentando. No verão, quando as escolas estão fe-chadas, conseguimos acolher ses-senta crianças, nos dois períodos!O ambiente pós-escolar do Vica-riato é administrado inteiramen-te por voluntários, a começar por Cláudia, que iniciou o projeto e o coordena. Diz ela:– Vim trabalhar aqui, há dois anos, mas estou no Oriente Médio

desde 2003. Passei muitos anos na Jordânia, no centro para deficien-tes, fundado em Mádaba, pela Sermig de Turim. Foi cuidando pessoas com deficiência, que co-mecei o trabalho com as crianças do bairro em que morávamos. Conhecemos essas crianças na rua, onde brincavam. Começa-mos por levá-las à nossa casa e, em seguida, ao Centro de Trata-mento. Foi bom porque os porta-dores de deficiência e as crianças normais tornaram-se amigas, através da criação de um grupo único. Acabar com esse precon-ceito é desafio muito grande, pois, nos países árabes, ainda é comum que a pessoa com alguma defici-ência seja vista qual maldição di-vina. Então, quando cheguei aqui, em 2013, quis fazer um projeto semelhante e abri as portas da Paróquia aos filhos de imigrantes, primeiramente, duas vezes por

semana. Assim começou o Pós--Escolar do Vicariato.Além de Cláudia, trabalham no Pós-Escolar da Kook Street vários voluntários do Vicariato de lín-gua hebraica. Entre eles, Lúcia, uma consagrada da Ordo Vir-ginum,, que ensina a fabricar pulseiras; duas moças, uma ale-mã e outra de origem etíope, re-alizam com as crianças mais ve-lhas reuniões sobre “resolução pacífica de conflitos” (para que sejam capazes de lidar com a violência e intimidação a que os filhos de imigrantes são frequen-temente vítimas). Padre Rafiq, o Pároco, é o Catequista, em he-braico. Além disso, há o basque-te e a dança. A regra é a da res-ponsabilidade; os filhos mais velhos ajudam as crianças mais novas com a lição de casa.Para promover um comportamen-to positivo, Cláudia desenvolveu

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um sistema de pontos: Para cada boa ação, um ponto a mais; para cada ação ruim, um ponto a me-nos. Quem chegar a 500 pontos, recebe um pequeno presente de 50 shekels (pouco mais de 10 euros). E Cláudia continua explicando:– É a maneira de dar-lhes algo, dadas as condições em que vi-vem, mas também é alavanca para promover um comporta-mento mais positivo, porque as crianças, que vêm aqui. não são consideradas modelos, por causa das diversas dificuldades que enfrentam. Outro dia, veio aqui uma mãe, para dizer que seu fi-lho havia roubado uma joia com valor de 30.000 shekels (6.700 €)!A vida das crianças imigrantes, em Israel, não é fácil. Mas a precarie-dade em que vivem pode, um dia, ter seu fim. E continua Cláudia:– O interessante é que, quando a criança estrangeira chega aos três anos, se for nascida aqui e sua mãe estiver em Israel há mais de seis meses, pode ser matriculada em uma escola regular, mesmo sem documentos. A escola não faz denúncia, porque, em Israel, to-dos têm o direito à educação até aos 18 anos. Mesmo não tendo documentos, crianças estrangei-ras podem aprender hebraico e uma vez adultas, casando com um israelita, ela se torna cidadã legalizada e obtêm autorização de residência permanente para toda a família. Infelizmente, em sua maioria, como todos, são frequen-temente confrontados, por não fazer o serviço militar.

Tradução de Daniel Gonçalves ▲

Há alguns meses, compramos uma fábrica ao sul de Tel Aviv e a transformamos em igreja, com capacida-de para 250 pessoas. Nela, todos os domingos são celebradas cinco missas. Aqui também, 150 crianças

participam da Catequese. É um começo! Mas acreditamos que seja muito pouco ainda para os imigrantes católicos em Israel...”Assim diz o Padre David Neuhaus, o jesuíta que, desde 2009, é o Pároco para os católicos de língua hebraica, no Patriarcado Latino de Jerusalém. Perfeitamente capaz de se expressar em árabe, apesar de ser descendente de hebreus, Padre David é um sinal vivo da pacífica coexistência entre diferentes culturas na Terra Santa.

Quem são os fiéis sob seu cuidado pastoral, no Vicariato?A comunidade de língua hebraica, em Israel, conta 600 fiéis, mas acreditamos que sejam 800 fiéis que chegaram a Israel pela primeira vez e, ao longo dos anos, foram se convertendo ao ca-tolicismo. A esses devemos adicionar, no entanto, em torno de 24 a 25.000 outros fiéis; uma boa parte de origem judaica, que chegou a Israel na década de 90, momento da queda do Império Soviético, na Europa Oriental, e mais de 60 a 70.000 imigrantes da Ásia. Esses vieram para Israel com autorização de trabalhar, por viverem em condições muito difíceis.

Quais são os problemas diários dos católicos de língua he-braica?Para os imigrantes existe o problema da insegurança e da inte-gração. Para todos, mas em especial para os mais jovens, existe a dificuldade de manter a fé, pois a sociedade israelense é forte-mente secularizada. Muitos jovens, ao terminar o serviço militar, já perderam a fé. A partir dos anos cinquenta, do século passado, até hoje, não temos sequer uma família que tenha mantido a fé por quatro gerações, de pai para filho. Para isso temos uma forte atenção pastoral: Havíamos publicado, recentemente, seis volu-mes do Catecismo e um livro de orações para a família, porque pensamos que, sem um lar cristão, as crianças não serão cristãs.

Que desafios o Vicariato enfrenta, hoje?Dois, em particular: cultivar o relacionamento com os judeus; e desenvolver o conhecimento de que somos uma igreja em que os irmãos mais velhos são palestinos. A respeito dos palestinos, devemos dizer que Deus, em sua sabedoria, firmemente Plantou a mesma fé em duas sociedades distintas. Na verdade, isso é um mistério. Devemos dizer que não existem muros e que somos um só corpo.

ENTREVISTA

Padre Neuhaus: “Nosso desafio? Transmitir aos jovens a fé !”

A esquerda: o Pároco para a comunidade Hebraica padre David Neuhaus SJ com as crianças da creche em Jerusalém. Junto com ele, Claudia Graziano (foto de C. Giorgi)

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oi um massacre, uma catástrofe, um ato as-sassino: bombardear com mísseis podero-sos os edifícios, nas

quais há crianças, famílias, pes-soas que estão dormindo!” Es-creve Frei Ibrahim Sabbagh, Pá-roco latino de Aleppo, na Síria, já está acostumado com bom-bardeios, mas descreve, como algo inédito, o último ataque do qual foi testemunha, na noite de sexta-feira e sábado.De fato, pela primeira vez, a arti-lharia dos rebeldes, hostis ao Presidente Bashar Al Assad, teria bombardeado o distrito Suleima-niye com mísseis Grad, com um

poder destrutivo maior dos que os utilizados até agora, deixando pelo menos nove mortos e deze-nas de feridos.“Após o bombardeio, no início da manhã, fui ao bairro devasta-do”, diz Frei Ibrahim.” Entrei nas casas, rezei com aqueles que re-zavam. Por todas as partes vi o

medo, o terror e a destruição. Entrei em uma casa em que os pais estavam orando e comecei a rezar com eles... Só depois enten-di que esperavam para saber o destino de dois filhos, que esta-vam no andar de cima...”Além de causar mortes e feridos, o bombardeio, no sábado, produ-

FPor todas as partes terror e destruição!

Na foto: destruição na Aleppo(foto de G. Del Grande)

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O testemunho de Frei Ibrahim Sabbagh, pároco latino de Aleppo, na Síria que já está acostumado com os bombardeios.

ziu muitas consequ-ências psicológicas: o poder de fogo inesperado leva a crer que está próxi-ma a derrota das forças do Governo e confirma a chegada à cidade da frente islâ-mica, como já aconteceu em ou-tras partes da Síria e Iraque.Para muitos, o bombardeio con-firma que o epicentro da guerra está mudando para Aleppo e aqui se está lutando a batalha decisiva para o controle de toda a Síria, o que causou a fuga de muitas famílias que haviam per-manecido até agora. Pelo menos 700 deixaram o bairro de Sulei-maniye, refugiando-se nas cida-des costeiras de Latakia e Tartus

ou em casa de amigos, nos distri-tos vizinhos de Aleppo.“De nossa parte, tivemos danos próximos à Paróquia – diz Frei Ibrahim – e estamos trabalhando para repará-los e voltar a celebrar a Missa, para dar um sinal de esperança aos cristãos.Mas, para os que nos pergunam

por ter sido atingico e danificado nosso convento, podemos dizer que essa é nossa última preo-cupação! Pensamos na vida das pessoas! O importante é a vi-da de nossas famí-lias! Acreditamos que, em determinado momento da Histó-ria, a Igreja pode vi-ver sem construções de pedra! O importan-

te é que exista uma Igreja forma-da por homens, trazida à vida por meio da ressurreição de Je-sus. Isso é o suficiente para vol-tarmos a viver”.A Custódia da Terra Santa está presente em Aleppo com quatro Freis, responsáveis pela Paróquia em Azizieh (adjacente ao bairro bombardeado de Suleimaniye) e pelo Colégio (no bairro de Tour de Ville, na entrada da cidade). Dada a situação atual, os Freis decidiram transformar o Colégio

Terra Santa – hoje ainda em área relativamente calma – em lugar de acolhimento permanente para famílias de refugiados.“Mas, o acolhimento em nosso Colégio já começou – diz Frei Ibrahim! Uma casa dirigida pela Comunidade de São Vicente de Paulo pediu-nos para cuidar de seus hóspedes que não têm para onde ir... Domingo, fugiram e nós os recebemos: são vinte anciãos e dez enfermeiros. Também esta-mos dando hospitalidade ao clero. No momento, hospedamos um Bispo melquita com seu sacerdo-te. Mas estamos disponíveis para oferecer hospitalidade a todos os sacerdotes que precisarem.Frei Ibrahim Sabbagh, 44 anos de idade, é sírio de Damasco. Estava na Itália até 2014 para estudar. Ele se ofereceu para voltar e cola-borar com seus irmãos na assis-tência espiritual aos fiéis. Antes de voltar, explicou o que o move. Assista ao vídeo com o testemu-nho do Pe. Ibraim Sabbagh e a visita do Custódio da Terra San-ta Pe. Pierbattista Pizzaballa a Damasco.

http://cmc-terrasanta.com/pt/vi-deo/atualidade-e-eventos-1/uma-testemunha-da-ressurrei-cao-8518.html

Tradução de Lurdinha Nunes

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Um livro que ajuda a entender os sinais da presença de Cristo e a conhecer as origens e as razões da nossa fé. Através de belas fotos, textos bíblicos e uma vasta experiência guiando grupos na

Terra Santa, frei Jorge Hartmann, descreve uma terra de contrastes de religiões, de culturas, de povos e ritos, de tensões vivas e palpáveis; e perfumes, sons, cantos, flores e desertos.

E principalmente ajuda a tornar conhecido os Lugares Santos e a vida de Jesus, o Santo da Terra.

Frei Jorge Egidio Hartmann OFM. Comissário da Terra Santa no Rio Grande do Sul

TERRA SANTA Para além dos muros

Um livro de capa dura com 189 páginas com mais de 130 fotos a cores em papel couchê.

Preço R$ 30,00 + R$ 5,90 taxa Correios para envioPedidos e outras informações através [email protected]

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À direita: frutos da terra,

sinais da bondade

de Deus paracom cada um

Quando o alimento é SAGRADO

Os alimentos, que ingerimos, não são apenas substâncias que contêm nutrientes. No contexto de hoje, especialmente em

coincidência com o evento mundial da Expo, em Milão, dedicado à questão da alimentação, mais do que nunca, é necessário conhecer a natureza do alimento e a ligação entre esse e o mundo sagrado.Neste dossiê propomos uma série de reflexões e aprofundamentos sobre o assunto “Alimentação e religião”, na ótica das três religiões monoteístas: cristianismo, judaísmo e islamismo.

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Chamados ao mesmo banquete

Frei pierbattiSta pizzabaLLa, oFm Custódio da Terra Santa

alimento está inti-mamente ligado ao rito, aos usos, cos-tumes, tradições e a tudo o que constrói

a identidade das pessoas, família e povos, à sua história e ao senso de pertença, às crenças e religiões.O homem possui diversos códi-gos de comportamento, que cor-respondem aos seus diversos âm-bitos de vida: econômicos, fami-liares, sentimentais, afetivos, reli-giosos, etc. O modo com que o homem se relaciona com o ali-mento envolve todas essas di-mensões e delas é parte integran-te; mais ainda, por vezes tudo o que se refere à alimentação é par-te insubstituível na construção e manutenção de específicos códi-gos de comportamento e relação.

Se o alimento é insubstituível na construção das relações sociais, é ainda mais importante na relação com Deus. O Deus das três crenças monoteístas se trata de uma reali-dade intangível, é o Deus total-mente outro, que o homem não pode alcançar com suas forças.O crente, portanto, tem a necessi-dade de individuar formas concre-tas, servindo-se de sinais, cons-truindo um ritualismo, em que possa fazer a experiência de Deus. O relacionamento com o alimento perpassa todas essas dimensões e alcança todos os aspectos dessa relação. As três religiões monoteís-tas provém de uma fé revelada, ou seja, tem sua origem numa revela-ção divina, com textos próprios a cada uma e, portanto, são portado-ras de uma dinâmica religiosa se-melhante. Possuem igualmente um patrimônio cultural comum, que deriva de suas origens co-

muns: o contexto histórico e cultu-ral do Oriente Médio. Esse contex-to original ou comum permaneceu vivo mesmo quando as religiões foram, sucessivamente, difundi-das pelo mundo: os fiéis das res-pectivas crenças, em qualquer par-te do mundo em que se encontrem, e independente de sua pertença cultural, do ponto de vista religio-so devem se reportar à tradição específica médio-oriental, recebida por eles, a qual é imutável.Os judeus da diáspora possuem usos e costumes que evocam a experiência de seu povo em Israel e, continuamente, em suas ora-ções como em diversos ritos, in-clusive alimentares, referem-se à experiência fundante de seu povo com o Deus de Israel. O muçulma-no, em qualquer parte do mundo onde vive, lê e interpreta o Alco-rão do mesmo modo e, mesmo em ambientes culturais diversos, pos-

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sui como referência imprescindí-vel e vinculante a revelação feita a Maomé, em seu específico contex-to histórico e cultural, o qual se torna norma para todos.Os alimentos são certamente uma fonte de sustento, mas acima de tudo, na história da humanidade, símbolo de ligação com o que é sagrado. Por essa razão todas as religiões, especialmente as mono-teístas, estabelecem normas ali-mentares e ressaltam que o ali-mento, fruto da criação, é um dos canais privilegiados de encontro entre o homem e Deus.O cristão, por sua vez, tem como referência normativa a experiência de Jesus, encarnado num tempo e contexto preciso. Não é por acaso, muito menos um capricho, que, por exemplo, em todo o mundo se celebre a Eucaristia com pão de fa-rinha de trigo e vinho de uva, ainda que seja em ambientes nos quais a

tradição cultural possua diferentes tradições alimentares (o pão de ar-roz na China, por exemplo).Os cristãos devem se referir, e até se coligarem fisicamente, àquela ex-periência fundamental que é a últi-ma Ceia de Jesus, celebrada segun-do um rito pré-estabelecido, num modo preciso. Existe, portanto, a mesma abordagem, o mesmo mé-todo de leitura (considerando to-das as devidas distinções), o mes-mo contexto cultural, que torna as três crenças assim vizinhas. A his-tória então fez o resto, criando entre elas incríveis meandros culturais, ainda que. nem sempre harmôni-cos. Mas, exatamente o mesmo patrimônio comum é também fon-te de distinção. O que une, também é o que divide. O Antigo Testamen-to, comum a judeus e cristãos, é li-do e interpretado de maneira mui-to diferente por um e outro, resul-tando que, se existem leituras co-

muns, existam igualmente distin-ções importantes, que não podem ser ignoradas. O mesmo discurso vale para os muçulmanos.As tradições alimentares religiosas seguem, portanto, a mesma dinâ-mica. Tendo suas origens num mesmo contexto cultural, as três religiões possuem tradições ali-mentares similares, tanto do ponto de vista cultual como cultural. Mas, existem igualmente distin-ções importantes entre elas. A pró-pria relação com o alimento é exa-tamente um daqueles elementos que marca, de maneira clara, visí-vel e reconhecível, tais distinções.“A alimentação faz parte de um conjunto de símbolos que consti-tuem o sistema cultural próprio de um grupo. Cada cultura estabele-ce um código de conduta alimen-tar, que privilegia certos alimen-tos, proibindo outros, distinguin-

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Os alimentos são certamente fonte de sustento, mas sobretudo, na história da humanidade, símbolo da ligação com a esfera do sagrado. Por esta razão todas as religiões, em especial, as monoteístas, preveem regras alimentares e sublinham como o alimento, fruto da Criação é um dos canais privilegiados do encontro do homem com Deus.

A esquerda: uma família de judeus observantes durante a ceia de Pácoa (foto de Nati Shohat/Flash 90)

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do entre o que é lícito ou não, entre o que é puro e impuro. Regras e práticas alimentares, referentes ao alimento, constituem uma lingua-gem que expressa os valores que uma cultura ensina quanto à natu-reza, às origens da autoridade so-cial, quanto aos objetivos da vida. Códigos alimentares servem para a autodefinição de determinado grupo, contribuindo no estabele-cimento do modo como o grupo é visto de fora. Nesse sentido, ser-vem. definir os limites de sua etni-cidade e construir sua identidade. O conjunto de regras, que com-põem tal código, pode ser deter-minado por fatores de origens di-versas (geográfico, econômico, higiênico, nutritivo), mas também religioso” (Giovanni Filoramo, Il cibo è sacro, Milão, 2014).Embora partindo de uma base cultural comum, as três comuni-dades religiosas são constituídas

por códigos alimentares muito diferentes.O mais antigo e, talvez, o mais complexo é o hebraico. Não creio que exista uma religião que tenha codificado, de maneira tão deta-lhada, os diversos comportamen-tos alimentares.A origem dessas leis está toda nas Escrituras hebraicas, sobretudo nos livros Êxodo, Levítico e Deu-teronômio. Essas leis entram em vigor após a aliança no Sinai, momento fundamental e fundan-te para o povo de Israel.A ideia, que está na base dessas leis tão precisas – que, com o passar do tempo, se tornaram ainda mais rígidas através da Tradição judaica (moldura que serve para guardar a Escritura) é a ideia de que toda a vida do homem deve ser orientada a Deus e que não deve existir um momento, um espaço ou instante que não seja um louvor a Deus,

um recordar – um fazer memória de quanto Deus fez pelo homem. Ao mesmo tempo, também existe uma forte e clara distinção entre o povo de Israel, povo escolhido por Deus, e os demais povos. A kashrut reflete essas duas funções funda-mentais, que “salvaguardaram” Israel ao longo de todos os séculos de sua existência.No cristianismo a situação é com-pletamente diferente, pois aboliu completamente o conjunto de leis e rituais hebraicos. A visão de Pe-dro em Atos 11 é o divisor de águas, o momento que marca essa diferença. A mudança não foi sim-ples, pois não faltaram fortes polê-micas dentro da comunidade cris-tã primitiva, mas com o tempo e a difusão do cristianismo no mundo helenista, essas polêmicas desapa-recem, e a distinção entre hebraís-mo e cristianismo tornaram-se enormes, também sobre esse ponto

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de vista. No cristianismo não há mais distinção entre alimentos puros e impuros, mas, baseando-se no ensinamento de Jesus, se afirma que a impureza provém do cora-ção e não entra pela boca: “Não é o que entra na boca torna impuro, mas o que sai da boca...” (cfr Mc 7, 18-19). Em comparação ao judaís-mo, muda-se totalmente a aborda-gem e o conceito de lei e impureza.O islamismo, sob esse ponto de vista, tem uma posição intermedi-ária entre o hebraísmo e o cristia-nismo. Não assumiu todas as leis e tradições próprias do hebraísmo, apenas algumas, distinguindo-se do hebraísmo e cristianismo por adicionar a proibição ao consumo de bebidas alcoólicas. Tanto o he-braísmo como o islamismo vetam o uso de carnes sufocadas, ou seja, carnes nas quais ainda exista san-gue e, por tal razão, ainda que por maneiras diversas, ambos obser-

vam uma particular lei de abate. No sangue está a vida, por isso é intocável, pois a vida depende exclusivamente de Deus. Para am-bos, além disso, é proibido consu-mir carne de porco. O que é co-mum às três religiões monoteístas é a regulamentação da relação en-tre alimento e penitência. Nos três credos, a relação com Deus não pode prescindir da constatação das infidelidades do homem, de sua condição pecadora, e portanto, da necessidade de pedir perdão. O processo penitencial, em cada reli-gião, é acompanhado por uma re-lação especial com o alimento, seja através de uma alimentação “po-bre”, seja, sobretudo, de jejuns es-peciais. O alimento é para todos sinônimo de festa. Um caminho penitencial deve, então, marcar a diferença, privando-se voluntaria-mente do alimento, o jejum, como sinal de penitência e pedido de

perdão, ou mesmo, limitando-se a ingerir alimentos “pobres”. O je-jum é e permanece uma importan-te característica comum. Enfim, a relação com Deus é ex-pressa por comportamentos que envolvem toda a pessoa e sua ali-mentação, que possui uma função fundamental para a vida. Faz par-te da dinâmica desta relação to-mar alimentos “ricos” em momen-tos de festa e de alegria (celebra-ções de festividades especiais do ano litúrgico) ou alimentos “po-bres”, ou jejuar, nos momentos nos quais se deve celebrar um evento dramático, pessoal ou social.O alimento é também um critério fundamental para avaliar a veraci-dade da fé pessoal. O Alcorão e as Escrituras como também as respec-tivas tradições, continuamente re-comendam que haja moderação ao alimentar-se, ou solicitude em dis-tribuir alimento aos pobres. Não se pode ser um crente fiel e verdadei-ro quem não distribui pão aos po-bres, ou seja guloso ao comer (o ri-co glutão em Lc 16, 19-31). A Igreja Católica considera a gula como um dos vícios capitais. Dante dedica um círculo do inferno aos gulosos.De modo geral, para os dois cre-dos, uma relação desordenada com o alimento indica uma rela-ção desordenada com Deus.Nas tradições alimentares médio--orientais existe obviamente uma base comum. Os respectivos tex-tos, quando falam de alimenta-ção, fazem referência às mesmas fontes alimentares: cereais, azei-tonas e rebanhos de várias espé-

À esquerda: procissão de monjas ortodoxas em Jerusalém, ao longo da Via Dolorosa, por ocasião da festa da Dormição da Virgem (foto de Yonatan Sindel/Flash90)

Abaixo: um Quiosque de frutas e verduras na Faixa de Gaza (foto de Abed Rahim Khatib/Flash90)

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cies e categorias. Todas as tradi-ções alimentares das três religi-ões, no ambiente do Mediterrâ-neo, orbitam em torno destes três pilares e sobre eles constroem tradições, provérbios, costumes, exigências de diversos tipos.Na cozinha árabe-cristã são infi-nitas as influências e inevitáveis as sobreposições com a cozinha árabe-islâmica do Oriente Médio. Muitas receitas “leves” (sem car-ne, por exemplo), que os árabes muçulmanos comem em qual-quer momento do ano, os árabes cristãos os preparam durante a Quaresma. “O que importa, para um e para outro, é a simplicidade do prato, o qual se adequa às exigências de sobriedade e jejum dos respectivos credos” (Joan Rundo, Shalom Salaam. Feste e ri-cette nel Medio Oriente).Então, podemos dizer, como con-clusão, que o alimento nas três religiões monoteístas, no contex-to médio-oriental, é uma metáfo-ra de especiais relações que inte-ragem entre si. Há muito em co-mum, mas também não faltam distinções. Tradições que se so-brepõem, em incríveis emaranha-dos culturais, com base comum única (cereais, azeitonas, reba-nhos), ainda que incapazes de reconhecer-se.Na Bíblia recorre-se frequente-mente à imagem do banquete. Gosto de recordar o texto de Is 25, 6-7: “O Senhor dos exércitos pre-parou para todos os povos, nesse monte (= Jerusalém), um banque-te de comidas suculentas, um festim de vinhos velhos, de car-

nes gordas e medulosas, de vi-nhos velhos purificados. Nesse monte, destruirá o véu que cobre a face de todos os povos e a corti-na que recobre todas as nações”. Será o próprio Senhor a preparar um banquete, e será um “rico” banquete, no qual será tirado de todas as pessoas o véu que cobre

seu rosto e, ao menos naquele momento, todos se darão conta deque seus alimentos são iguais, perceberão que têm os mesmos gostos e, portanto, descobrirão que se pertencem mutuamente.É o sonho de Deus! Esperemos que, um dia, também se torne nosso!Tradução de Frei Jean Ajluni, OFM

Frei pierbattiSta pizzabaLLa – CuStódio da terra SaNta

Otema “jejum” está presente em toda a Bíblia, na cultura do povo hebraico, e chegou até nós com o poder evocativo dos quarenta dias de jejum de Jesus, no início de sua pregação.

É justo, então, que nos perguntemos: “Qual jejum é agradável a Deus?” A resposta encontra-se no livro do profeta Isaías (58,1-14): “Este é o jejum que eu desejo: romper os grilhões da iniquidade, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e quebrar toda espécie de jugo; repartir o alimento com o esfaimado, dar abrigo aos infelizes sem asilo, vestir os maltrapilhos, socorrer os aflitos de coração”.Ta’anit, palavra hebraica que quer dizer jejum, indica o dia que não é permitido comer nem beber. Esse jejum total, prescrito em Levítico 23,27, é o dia do Yom Kippur.A fidelidade aos dias de jejum marca a história do povo judeu. Há jejuns coletivos, ligados a comemorações de tragédia ou a algumas circunstâncias. Também existe o jejum individual, um modo de fazer penitência.Na Terra Santa a prática do jejum coletivo, como a graça de participar da solene austeridade do Yom Kippur (é graça viver, mesmo como peregrino, em Jerusalém), nos remete também ao testemunho de aproximadamente 200 dias ao ano de jejum dos Coptas Ortodoxos ou à seriedade com que é praticado também por outros cristãos ortodoxos. Lembro, ainda, a expressão alegre do mês do Ramadã, duplamente sagrado para os muçulmanos em razão do jejum praticado desde o nascer ao pôr-do-sol.O sentido cristão do jejum e da abstinência deve estimular não apenas ao cultivo de maior simplicidade na vida, mas também implementar um discernimento mais lúcido e corajoso. Isso exige fidelidade aos compromissos do batismo, o que vale para todos.

Jejum, caminho de justiça

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O alimento dos hebreus

Na foto: um hebreu ultra-ortodoxo prepara o pão pascal sem fermento (foto Flash90)

O episódio bíblico do maná “descido do céu” demonstra como o alimento não foi destinado apenas para nutrir o corpo, mas que representa também um sinal da relação entre Deus e o povo de Israel, numa relação que se clarifica nas regras, que parecem meio estranhas, na kasherut.

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de CLáudia miLaNi Faculdade teológica da Itália setentrional

esde a criação de Adão e Eva, a alimen-tação teve um papel importante na tradi-ção hebraica. De fato,

partindo do início da Sagrada Escri-tura, Deus se apresenta como aque-le que doa o alimento aos viventes, oferecendo aos animais, denomina-dos seres humanos, o alimento (cf. Gn 1,29-30). No princípio, todos os seres vivos eram vegetarianos. Po-rém, logo depois, o Criador chega à conclusão que deve proceder de outro modo na história humana, especialmente diante da destruição e do ódio. Impõe-se o repensar das regras da alimentação. Diante da humanidade sobrevivente do dilú-vio, concede-se também a opção de nutrir-se de carne, desde que se abstenha do sangue, como elemen-to sagrado por excelência e, portan-to, reservado à esfera divina, sendo vetado ao ser humano (cf. Gn 9,1-5).Depois de prover a alimentação dos animais e do ser humano, o Deus bíblico se preocupa de modo parti-cular em tirar a fome do povo de Israel. Resulta, porém, emblemático o episódio do maná, caído do céu, durante quarenta anos, no deserto. O alimento, dado por Deus, veio ao encontro das lamentações do povo hebraico, que saíra do Egito e que lhe fora imposto também regras de como deveriam se alimentar. Não seria permitido recolher além do necessário para a alimentação de uma só jornada. A cada dia, basta

confiar de novo na providência di-vina, que faz novamente descer o pão do céu. Somente na sexta-feira era permitido recolher dupla por-ção de alimento, em vista da abs-tenção do trabalho no dia de sába-do, como ensinara Deus (cf. Ex 16).O episódio do maná demonstra como a comida na Bíblia não estava apenas ligada à nutrição do corpo, mas representa a relação entre Deus e o povo de Israel. Tal relação, me-diada pela alimentação, torna-se mais clara através das regras da kasherut, como comida “adaptada” ao povo hebraico. Dos 613 preceitos, prescritos aos filhos de Israel, mui-tos são direcionados à esfera ali-mentar e parecem um tanto estra-nhos. Parte-se da proibição de se alimentar de quadrúpedes que não tenham o casco partido e não sejam ruminantes, estende-se à proibição de se alimentar de animais aquáti-cos, sobretudo os que não têm bar-batanas e escamas, até a obrigação de abater ritualmente os animais, antes de consumi-los. Por fim, a le-

gislação proíbe cozinhar um cabrito no leite de sua mãe. Dessa norma se deduz a obrigação absoluta de man-ter separada a carne dos laticínios.A kasherut é vista no contexto da aliança entre Deus e o povo de Is-rael, porque somente a existência de um Deus libertador se preocupa em cuidar do seu povo, conduzin-do-o para fora do Egito, na busca de sua autonomia e da Terra Pro-metida. A partir disso, se pode justificar essa precisão na codifica-ção de seus preceitos. Ao consumir alimento kasher, o povo hebreu re-corda seu vínculo com o divino. Tal alimentação não é necessariamente melhor ou mais saudável do que as outras. Na verdade, todos os pre-ceitos podem ser resumidos no versículo: “Tende cuidado com a vos-sa vida” (Dt 4,15). Esse preceito visa proteger a pessoa e sua saúde físi-ca. A partir disso, se deduz a proi-bição de todo e qualquer alimento que possa prejudicar sua saúde.O vínculo entre Deus e o povo de Israel deve permear toda e qual-

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A esquerda: o pão ázimo na mesa da Páscoa judaica (foto de Hadas Parush Flash/90)

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quer ação cotidiana, inclusive a de ingerir tal ou tal alimento. Eviden-temente, resulta também a dinâmi-ca da bênção (berakhah), que pode quebrar a cadeia dos prazeres imediatos. Nenhum prazer deve-ria, de fato, aproximar o ser huma-no do alimento à maneira faminta e voraz de um animal. Pelo contrá-rio, deveria haver uma relação entre o divino e seu prazer. Nessa questão, a tradição rabínica codifi-ca uma multiplicidade de bênçãos, partindo do pressuposto de que o “homem, que sente prazer sem a bênção, é como se o furtasse de Deus e da congregação dos Israe-litas” (TB, Berakhot 35). A única ressalva explícita na Toráh e, sobre-tudo, na birkhat ha-mazon, é a bên-ção que se recita depois da comida e obedece à forma: “Comerás à sa-ciedade, e bendirás o Senhor, teu Deus, pela boa terra que te deu” (Dt 8,10).Se biblicamente é previsto que se deva bendizer a Deus apenas após ter comido, diante disso os rabinos recolhem muitas bênçãos a recitar

sobre os alimentos. Dentre essas bênçãos, destaca-se a qiddush (san-tificação), a ser recitada sobre o vinho, no início do shabbat e nas principais festas. Sobre o vinho, o alimento festivo por excelência, se bendiz o Nome de Deus e se recor-da a obra da criação, como dom de preceito, particularmente o dom do shabbat. Portanto, para entrar dignamente no espírito da festa, é indispensável que a oração seja acompanhada pelo alimento.Em analogia com o shabbat, todas as festas hebraicas apresentam alimen-tos rituais ou, ao menos, os mais tí-picos. O exemplo mais explícito do vínculo entre o alimento e a liturgia é, certamente, aquele que é dado no seder (ordem) da Pesach, que é a ceia ritual, que se consome como memo-rial da saída do Egito. De fato, é o gesto litúrgico mais importante da Pesach, enquanto ceia, e indica que, no judaísmo, o alimento não é en-tendido apenas como comida cor-pórea, mas tem imprescindível di-mensão simbólica. Durante o seder, são apresentados alimentos que devem ser consumidos porque, se-gundo o que ensina o Rabban Ga-maliel, “quem na Pesach não pronun-cia estas três palavras, não cumpre o preceito que recorda a saída do Egito. Os três alimentos são sacrifício pascal, pães ázimos e ervas amargas (pesach, matzah u-maror)”. Tais alimentos fazem com que o memorial da Páscoa não seja realizado apenas através de palavras, mas também com gestos e alimentos consumidos, para que em cada participante seja mais viva a experiência da saída do Egito. Todavia, o memorial não pode ja-

mais ser realizada a sós. Deve ser compartilhado com amigos e paren-tes. Por isso, a haggadah (narração) da Pesach tem seu início com as pa-lavras: “Quem tem fome, venha comer. Quem tem necessidade, venha fazer a Páscoa. Neste ano, aqui, somos escra-vos; no próximo ano, seremos homens livres na terra de Israel!”.Assim como no shabbat e na Pesach, as outras festas hebraicas também apresentam pratos típicos, ligados à história, que narram seus precei-tos a serem seguidos. Assim, du-rante a festa de Shavuot (Pentecos-tes), que comemora o recebimento da Toráh no Monte Sinai, é costu-me comer derivados de leite, por-que esses eram os alimentos mais rapidamente preparados, de acor-do com as prescrições da kasherut, recebidas por Moisés sobre o mon-te. Durante a festa de Chanukkah (inauguração), porém, é tradição comer bolos fritos, doces ou salga-dos, porque nessa festa se come-mora o milagre do azeite, que dura oito vezes mais que o óleo normal. Essa festa faz memória da nova dedicação do Templo de Je-rusalém pelos Macabeus. No Rosh ha-shanah (Primeiro de Ano), é costume consumir alimentos do-ces, desejando assim que se viva “um ano bom, doce como o mel”.Portanto, em toda a tradição hebrai-ca, se vê o alimento como indispen-sável para criar uma ponte entre a esfera física e a esfera espiritual, nutrir o corpo e celebrar, de acordo com a antropologia unitária, que não fragmenta o ser humano em diversas e inconciliáveis partes.

Tradução de Frei Ivo Müller, OFM

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de paoLo braNCa Universidade Católica Sagrado Coração de Milão

om certeza são de origem hebraica as normas que, no isla-mismo, diferenciam os alimentos permi-

tidos (halāl) dos proibidos (harām). Entre essas normas predomina a interdição do sangue e o consumo de carnes destinadas aos sacrifí-cios idolátricos: «Na verdade, Deus proibiu consumir a carne de animais mortos, o sangue e a car-ne de porco e de animais abatidos ao invocar sobre eles outro nome que não é o de Deus. Mas, quem por necessidade é forçado (a ali-mentar-se disso), contra sua von-tade e sem intenção de transgre-dir a lei, não pecará, pois Deus é perdoador e clemente» (II, 173). «Naquilo que me foi revelado não

encontro nenhuma coisa proibida a um que a degusta e que queira degustá-la, exceto animais mortos (não abatidos), sangue derrama-do, ou carne de porco (pois isso é sujeita) ou abomínio sobre o qual foi invocado outro nome que não o de Deus. Quanto, porém, a quem é forçado, sem ter o desejo ou a intenção de pecar; pois bem: teu Senhor é misericordioso e in-dulgente» (VI, 146). Restrições muito mais complexas, seguidas pelos hebreus, são sua-vizadas, quando impostas a eles como punição. «Aos judeus ha-viam sido proibidos todos os animais com unhas não fendidas, e havia sido proibida a gordura dos bois e bodes, exceto aquela gordura da espinha e das vísceras e aquela misturada aos ossos. Fazemos isso como castigo pela sua prevaricação. Na verdade, Nós somos sinceros» (VI, 147).

Além disso, é claro que também os muçulmanos se interroguem do que é lícito nutrir-se, desejan-do, também eles, um regime ali-mentar que os distinga, sem con-tudo uniformizar-se totalmente às práticas dos supostos monote-ísmos: «Quando te perguntarem o que é lícito comer, responderás: “São lícitas as coisas boas e as quais tereis ensinado a pegar dos animais de caça, levando-os à caça ao modo dos cães (que, ali-ás, não tendes feito senão ensinar a eles aquilo que Deus vos ensi-nou). Comei, portanto, aquilo que eles caçarem para vós, pro-nunciando sobre isso o nome de Deus; e temei a Deus, pois Deus é rápido no cálculo!» / Hoje, as coisas boas vos são declaradas lícitas, e lícito é para vós o ali-mento daqueles aos quais foi dado o Livro, assim como vosso alimento é lícito a eles; e a vos

Viver “HalãlˮQuais alimentos são permitidos e quais são proibidos no islamismo? Quais são as diferenças com as normas alimentares no hebraísmo; as quais, aliás, com alguma diferença, são imitadas pelas regras islâmicas? E existe o jejum do Ramadan, cuja prática está estreitamente ligada à alimentação, qual metáfora de relação com Deus.

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Na foto: uma família palestina consome uma refeição típica óleo, azeitonas, pão e zaatar, uma mistura de ervas aromáticas (foto de Abed Rahim Khatib/Flash90)

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são permitidas, como esposas, as mulheres honestas entre os cren-tes, como também as mulheres entre os quais, antes de vós, foi dado o Livro, contanto que lhes deis os dotes, vivendo castamen-te, sem fornicar e pegar amantes para vós. E, quem renegar a fé, toda a sua obra se arruinará e, no outro mundo, estará entre os que estão perdidos.» (V,4-5).Além da carne suína, são proibi-das de comer as aves de rapina, de asnos e mulas, de animais venenosos, de répteis, ratos, rãs, formigas, peixes sem escamas… mas discutida é a questão pro-posta da carne de cavalo e, espe-cialmente na China, a carne de cachorro.O sufocamento e dessangramen-to foram, às vezes, contestados pelos defensores dos animais ocidentais (os animalistas), que consideram essa prática uma

crueldade. A propósito disso, é bom lembrar que a lei islâmica impõe que o abate do animal seja rápido e feito com lâmina que reduza ao mínimo o sofrimento do animal, além do fato de que as modernas técnicas de criação se-jam, frequentemente, muito pe-nosas durante toda a vida de muitos animais.Um dos cinco preceitos funda-mentais do islamismo tem um estreito laço com a alimentação: trata-se do jejum (sawm) do mês de Ramadan, durante o qual, por todas as horas de luz no dia, é proibido comer, beber, fumar e ter relações sexuais. Esse mês, provavelmente, caía no verão (Ramadan significa, de fato, «tór-rido»), mas com o islamismo aconteceu uma mudança, porque os muçulmanos seguem o calen-dário lunar, onze dias mais breve que o solar. Tendo sido abolido o

mês intercalado, que antes servia periodicamente para igualar a diferença entre os dois calendá-rios, não existe mais correspon-dência fixa entre as estações e os meses. Também o jejum, tal como a esmola, serve para afastar o corpo e a mente das coisas terre-nas e voltá-las a Deus. Durante o Ramadan deve-se evitar brigas, mentiras, calúnias... Todos os crentes são obrigados ao jejum, a saber, homens e mulheres que chegaram à puberdade! Não são obrigados os doentes e viajantes, as mulheres grávidas e que alei-tam e os velhos. Considerado um verdadeiro «tempo forte» do ano islâmico, o Ramadan representa para os jovens, que iniciam prati-cá-lo, uma espécie de passagem ao mundo dos adultos e uma vi-da religiosa mais profunda e conscientemente vivida. Também há aspectos comunitários que contribuem no aumento da im-portância: os serões e as noites passadas em reuniões convivais, seguidas por vigílias de orações e de leitura do Al Corão. O Rama-dan conclui-se com a festa îd al-fitr, a saber, «festa do rompimen-to do jejum», chamada também de «pequena festa», para distin-gui-la da maior, celebrada no mês de peregrinação, à semelhança do que acontece para os cristãos no Natal e Páscoa. A importância hierarca dessas duas festividades inverteu-se no sentimento popu-lar e não estão ausentes degene-rações de consumismo, isso é paradoxal, pois acontece exata-mente no mês do jejum. ▲

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m seus últimos relató-rios globais sobre a fome e a desnutrição, a FAO recolheu os re-sultados do esforço

internacional para garantir a ca-da pessoa uma alimentação ade-quada. Trata-se do primeiro dos oito objetivos do Milênio, indica-dos pela ONU para os anos 2000 a 2015. Acontece que na área chamada Ásia ocidental, a qual inclui a Mesopotâmia, a Turquia e a Península arábica, o número de pessoas subnutridas não dimi-nuiu, diferentemente de outras partes do mundo onde, dos anos noventa até hoje, se verificou uma queda mais ou menos signi-ficativa. Certamente, em valores absolutos, a África subsaariana e o mundo indiano registram nú-meros muito mais altos de pesso-as com problemas de segurança

alimentar, quando não de verda-deira fome. Contudo, no mundo indiano a quota, que em 1990-1992 era de 24%, baixou para cerca de 16% em 2012-2014. No Oriente Médio, ao contrário, a instabilidade política e os confli-tos, com a consequente deteriora-ção das condições econômicas, elevaram o percentual de pessoas em risco de 6.3%, em 1990-1992, para os atuais 8.7%. Na geração passada, eram 8 milhões de pes-soas e hoje são 18 milhões.Os sinais dessa tendência regio-nal, a mais negativa do mundo, estão presentes nos imensos cam-pos de refugiados da Jordânia, nos desalojados do Norte do Ira-que e até entre os meninos sírios, abandonados a si mesmos, no Líbano. No futuro próximo, mi-lhões de pessoas poderão ser constrangidas a enfrentar graves

carências de alimentos, ou até a fome, em consequência dos transtornos políticos e militares.Num futuro próximo, milhões de pessoas, nesta região do mundo. poderão ser constrangidas a en-frentar graves carências de ali-mentos, por causa dos transtor-nos políticos e militares. Também isso será um dos temas a ser de-batido na Exposição. Israel, Pa-lestina, Egito e Líbano estão pre-sentes com seus pavilhões.A Expo de Milão, apesar de não ser um evento da ONU, interpe-la toda a comunidade internacio-nal, com a finalidade de atingir objetivos políticos. Mas sua du-ração e o grande número de as-suntos envolvidos levam a espe-rar que os temas justiça e desen-volvimento sustentável estejam em primeiro plano. Trata-se de uma extraordinária ocasião para

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Médio Oriente em risco de fome?de FraNCeSCo piStoCChiNi Jornalista, Milão

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TERRASANTA 29

Milão, por seis meses, será a capital mundial da alimentação. A Expo-2015 representa substancial novidade em relação ao passado. O tema condutor desenvolvido pelos Países participantes, em seus pavilhões, não é mais uma demonstração de poderio industrial e tecnológico, porque está em jogo o tema do limite de recursos do planeta, sobretudo quanto aos alimentos e à energia, que são limitados. O tema “Nutrir o Planeta, Energia para a vida” sugere uma reflexão sobre a escassez e a distribuição dos recursos, que, muitas vezes, geram conflitos violentos, como o mostra a História e a atualidade no Médio Oriente.

sensibilizar milhões de pessoas, cientistas, agentes políticos, em-preendedores e operadores no Terceiro Setor.Na Expo, os Estados participam com pavilhões próprios, interpre-tando de maneira livre o tema comum. Mas, nem todos os paí-ses do Oriente Médio podem participar. Iraque e Síria, países-chaves nesta região, historica-mente dotados de recursos hídri-cos, graças aos rios da Mesopotâ-mia e às capacidades tecnológi-cas, se auto-excluíram, em meio aos conflitos internos. Por isso, além das ricas monarquias petro-líferas do Golfo Pérsico (Dubai incumbiu-se da próxima Exposi-ção mundial de 2020), apenas Is-rael está em fase adiantada de execução do próprio pavilhão, e a Turquia, derrotada na disputa com Milão para a Expo-2015,

decidiu participar apenas no úl-timo momento.Outra novidade da edição mila-nesa é o envolvimento dos Países menos industrializados.Essa me-dida é sem precedentes e aconte-ce em nove pavilhões temáticos, em que grupos de Países com produções agrícolas ou culinárias semelhantes desenvolvem alguns temas em parceria. Do pavilhão temático bio-mediterrâneo, coor-denado pela Sicília, participam Egito, Líbano, Grécia e alguns Países do Norte da África. A bio-diversidade do Mare Nostrum (Mediterrâneo), com seus produ-tos ligados à agricultura e à pes-ca, é o fio condutor do pavilhã temático, a vitrina da dieta medi-terrânea, considerada patrimônio cultural da humanidade.No pavilhão temático dedicado às Terras áridas participa, por sua

vez, a Autoridade Palestina, cuja adesão é forte mensagem sobre a justa distribuição dos recursos hídricos. Indicador do diferente acesso e consumo de água doce é a marca hídrica, que informa so-bre o consumo de água per capita, nos diversos Países. Trata-s de água não apenas para beber e se lavar, mas também daquela neces-sária para produzir alimentos, que absorve 90% do ouro azul. A marca hídrica de um israelense é de cerca de 2.300 metros cúbicos por ano – consumo semelhante ao dos italianos – enquanto os pales-tinos chegam só a 1.055 metros cúbicos anuais, por pessoa! Os palestinos, além do mais, depen-dem quase inteiramente dos re-cursos de água interna.O projeto Biodeserto é um exem-plo da pesquisa no pavilhão te-

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Ao lado: uma bandeja com comidas típicas nas ruas da cidade velhaJerusalém (foto de Nati Shohat/Flash90)

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mático das zonas áridas. Desen-volvido por um grupo de estu-diosos, coordenados pela Univer-sidade Estatal de Milão, envol-veu também a Universidade egípcia de AinShams e a tunisia-na El Manar. O estudo concen-trou-se sobre o recurso a micró-bios a fim de tornar algumas plantas mais resistentes à seca. Mas a Expo-2015 não serve ape-nas de estímulo à pesquisa! É enorme ocasião para intercam-biar boas práticas. Eis dois exem-plos: a experiência egípcia de piscicultura em regiões desérti-cas, onde os peixes nos tanques enriquecem a água para a irriga-ção e, em segundo lugar, o uso de energia elétrica fotovoltaica para purificar a própria água, em lu-gares onde ela é escassa. Energia e nutrição continuam sendo te-mas inseparáveis.Mas o pavilhão temático das ter-ras áridas relata também tradi-ções culturais específicas na cul-tura alimentar e visa colocar em foco o papel das mulheres no contato quotidiano com o proble-ma da conservação de alimentos, do abastecimento de água e da biomassa para o fogo na cozinha. Suad Amiry, arquiteta sírio-pales-tina e autora de livros já traduzi-dos, é uma das embaixadoras da Expo. Ela observa que, muitas vezes, se fala de direitos violados na guerra e nas prisões, mas se esquece que a alimentação é o eixo da liberdade de escolha e uma necessidade inviolável.A estrutura de 2.400m quadra-dos,, chamada fields of tomorrow

(Campos de amanhã). é o pavi-lhão temático de Israel. Nele se pretende apresentar a natureza do País e suas relações com a Itália, numa perspectiva de enri-quecimento recíproco, explicou o responsável do pavilhão, Elazar Cohen. Através de filmes em 3D, o visitante é acompanhado na História das terras entre o Medi-terrâneo e o rio Jordão, desde antes do nascimento do Estado de Israel até hoje, e no desenvol-vimento de métodos de cultivo, para apresentar soluções futurís-ticas. Um exemplo é a micro-irri-

gação (processo de gotejamento), que se difundiu em outras partes do mundo, trazendo melhoria na produção agrícola.No pavilhão temático que, em sua forma, se inspira aos dervixes dançantes, a Turquia quer narrar a evolução de uma cozinha mul-ticultural e as técnicas agrícolas empregadas na Anatólia, indo escavar na História. Por isso seu pavilhão temático tem o título “Escavando na História, em bus-ca de futura alimentação” (Dig-ging into history for future food).O Oriente Médio é crucial por

À direita: triunfo das cores sobre uma

tenda de frutas de Jerusalém

(foto de Nati Shohat/Flash90)

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TERRASANTA 31

outro aspecto ligado à segurança alimentar: é a região com a mais alta concentração de plantas sel-vagens, necessárias no melhora-mento da qualidade genética das plantas domesticadas e utilizadas na agricultura. Do Crescente Fér-til provém a maior parte das es-pécies que consumimos, incluído o trigo. Seja qual for o projeto de “segurança alimentar”, para a conservação das espécies deve se levar em conta a origem geográ-fica das plantas interessadas. En-tre Síria, Líbano, Israel e Jordânia encontra-se a maior concentração

mundial de “parentes” selva-gens. Tal patrimônio natural está em perigo, pois as variedades não domesticadas de muitas plantas cultivadas encontram-se em regiões hoje devastadas por conflitos, enquanto apenas um número limitado é conservado em bancos de sementes. Segundo alguns estudiosos da Universida-de de Birmingham, que traba-lham para a FAO, a possibilidade de pôr em seguro essas espécies selvagens é fundamental para a segurança alimentar de todo o planeta terra. Por se prever o

crescimento da população mun-dial até 9 bilhões, na metade do século, Isso exigirá capacidade de melhoria das colheitas, introdu-zindo genes de espécies selva-gens a fim de tornar as colheitas mais resistentes à seca, às doen-ças e a outros fatores de perigo.Assim, o Oriente Médio se confir-ma, também na área da alimenta-ção, como berço do que somos e área estratégica em que se tomam algumas decisões fundamentais para o futuro de todos.

Tradução de Frei Ludovico Garmus, OFM

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O Brasil e a Expo-2015, em Milão Itália

de CarLo GiorGi

á soluções brasileiras para alimentar o mundo? Na Expo-2015, ou feira Universal Expo-2015, que está acontecendo em Milão-Itália, e vai até 31 de outubro, cada

uma das 145 nações participantes apresenta o me-lhor de sua tecnologia na produção de alimentos. O tema oficial da Expo-2015 é “Alimentar o Planeta, Energia para a Vida”.O Brasil, cujo pavilhão é um dos mais visitados, a fim de interpretar o tema da Expo, escolheu como slo-gan: “Alimentar o mun-do com soluções” e, assim, proporciona aos visitantes conhecer as práticas alimentares melhor sucedidas no país. Nos últimos 20 anos, o Brasil tem de-senvolvido pesquisas tecnológicas nas áreas de nanotecnologia e da agricultura sustentável, tornando-se um dos maiores fornecedores mundiais de produtos ali-mentares, os quais cons-tituem mais de 40% de suas exportações.O pavilhão do Brasil é uma grande estrutura de madeira (4.133 metros quadrados). Nesse enorme espa-ço, ao nível do chão, está dispos-ta toda a produção agrícola do Brasil, do feijão à taioba. Os visi-tantes podem admirá-la, olhando--a de cima ou, literalmente, “voan-do” sobre ela, graças a uma rede de corda trançada, na qual se pode subir e nela caminhar. Desde o dia 01 de maio, dia de sua abertura, até 21 de junho, mais de 745 mil pessoas já andaram na rede, com média de 15.000 visitantes por dia.

O pavilhão brasileiro também oferece seminários para estudo e análises. Por exemplo: o seminário sobre o potencial da cana-de-açúcar para o desen-volvimento e a produção de bioenergia e de plásti-cos biodegradáveis.Estão sendo realizados também workshops, em que tomam parte Professores universitários e políticos, com representantes do Brasil na área do comércio, da agricultura e da biotecnologia sustentável de produtos alimentares.

A Expo-2015 tem o obje-tivo de lutar contra a des-nutrição e a fome. O su-cesso da estratégia do Brasil no combate à fo-me foi coroado em 2014, quando o país ficou, ofi-cialmente, fora do mapa da Fome no Mapa da FAO, após atingir a quo-ta de menos de 5% da população em condi-ções de extrema neces-sidade. De acordo com dados fornecidos pelo

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), apenas 1,7% da população do país encontra-se, agora, em con-dições de desnutrição.O relatório da FAO, publicado na quarta-feira, 27 de maio, confirma os progressos realizados pelo Brasil. Assim, desde 1990 o Brasil há 84,9% a menos de pessoas subalimentadas. Isso graças às políticas destinadas a aumentar os níveis de renda e de fortalecer a

agricultura familiar com o Programa Nacional de Alimentação, desenvolvido, desde 2002, com a fina-lidade de fornecer refeições escolares a 43 milhões de crianças, nas escolas públicas de todo o país.

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A memória da Transfiguração no MONTE TABOR

A Transfiguração é tema central nos Evangelhos, passagem importante no anúncio da Boa Nova. É um evento de revelação, que fortalece a fé no coração dos discípulos.

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terra

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de ir. Chiara FraNCeSCa Convento de Santa Clara - Milão

scalar a montanha não significa somen-te subir, avançar, mas também entrar em um lugar simbó-

lico, em uma experiência “tu a tu” com o divino. Na verdade, tanto na Bíblia como na reflexão teológica e mística, a montanha é um lugar altamente sugestivo de encontro com o Absoluto.Deixemos que Pedro, Tiago e João nos conduzam ao topo do Monte Tabor, a fim de participar com eles de um evento de reve-lação e renovada aliança, em um momento único de glória, de antecipação da Ressurreição e da meta a que os discípulos, de todos os tempos, são chama-dos: A Transfiguração de Jesus.Já nos primórdios, a tradição cristã identificou o Monte Tabor, alta montanha da Galileia, co-mo o lugar em que Jesus foi transfigurado diante dos três discípulos, de Moisés e Elias. Para ilustrar a magnificência de Deus na criação, o salmista cita o Monte Tabor e Hérmon (cfr. Salmo 89,13). O profeta Jere-mias, ao falar do poder de Na-bucodonosor, rei da Babilônia,

diz que seu poder é “estável e seguro como o Tabor” (Jr 46,18). Hoje, por causa da Transfigura-ção, essa elevação tornou-se o novo Sinai, sobre o qual Deus Pai apresenta a Nova Aliança, na pessoa de Jesus: “Este é meu Filho amado, em quem coloquei toda a minha afeição. Ouvi-o!”A Transfiguração é tema cen-tral nos Evangelhos, passa-gem importante no anúncio da Boa Nova. É um evento de revelação, que fortalece a fé no coração dos discípulos, prepa-rando-os para o drama da Cruz, e prefigura a glória da ressurreição.Entre as muitas ideias que esse evento oferece à nossa reflexão, queremos nos debruçar sobre as duas reações dos discípulos. Por

um lado, há reação cheia de entusiasmo e, por outro, reação de medo. O que isso significa para nós? Inicialmente, assumi-mos todo o valor positivo: é belíssimo ver a glória de Cristo. Essa beleza é a que cada cristão deve sentir no coração. É beleza a ser desejada, a ser cultivada, por ser eterna. Mas, não nos é permitido guardá-la. A dinâmi-ca de luz e sombra é própria da história, de modo que a experi-ência da Transfiguração deve ser passada e não pode parar. Ao entusiasmo de Pedro, logo, segue “grande temor”, porque Deus se revela. Essa manifesta-ção da Glória é transitória, per-manente apenas em Deus.Na experiência espiritual de Santa Clara podemos sentir mo-

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mentos de glória. Apoiando-se no testemunho de suas coirmãs, na Legenda, o biógrafo de Clara relata que, ao chegar ao fim de sua vida, Clara teria dito: «Eu vejo o rei da glória!».Contemplando a glória de Jesus transfigurado, agradecemos ao Pai pelas Escrituras, por Moisés e Elias, pela estrada estreita que nos convida a percorrer, a fim de alcançarmos a glória, que para nós preparou. Sentiremos, então, que Jesus aquece nossos corações e confirma nossa fé, oferece-nos um olhar diferente, que nos ajuda a ver o reflexo do Filho amado em cada irmão.

“SENHOR, COMO É BELO ES-TAR AQUI...”. Seis dias depois, Jesus tomou Pedro, Tiago e

João, e os levou para um lugar à parte, sobre uma alta monta-nha. E ali foi transfigurado diante deles. Seu rosto resplan-deceu como o sol e suas vestes tornaram-se alvas como a luz. E eis que apareceram Moisés e Elias conversando com ele. En-tão Pedro, tomando a palavra, disse a Jesus: “Senhor, é bom estarmos aqui. Se queres, levan-tarei aqui três tendas: uma para

ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Ainda falava, quando uma nu-vem luminosa os cobriu com sua

sombra e uma voz, que saía da nuvem, disse: “Este é o meu Fi-lho amado, em quem me com-prazo, ouvi-o!” Os discípulos, ouvindo a voz, muito assusta-dos, caíram com o rosto por terra. Jesus chegou perto deles e, tocando-os, disse: “Levantai-vos e não tenhais medo!” Erguendo os olhos, viram apenas Jesus. Ao descerem do monte, Jesus orde-nou-lhes: “Não conteis a nin-

guém essa visão, até que o Filho do Homem ressuscite dos mor-tos” (Mt 17,1-9).

Tradução de Lurdinha Nunes

A esquerda: Basílica da Transfiguração Monte Tabor (foto de Colla)

Abaixo: mosaico da abside do Santuário da transfiguração no Tabor (foto de J.Kraj)

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de Giampiero SaNGioNiGi

or ocasião da canoni-zação das duas irmãs palestinas – madre Maria Alfonsina (1843-1927) e Irmã Mariam

de Jesus Crucificado (1846-1878) – proclamadas santas pelo Papa Francisco, no dia 17 de maio, na Praça São Pedro o patriarca latino de Jerusalém, Dom Fouad Twal, escreveu aos fieis da diocese, uma bela carta pastoral intitulada No caminho da santidade.O patriarca iniciou a carta lem-brando que o evento está dentro do Ano da vida consagrada, pro-clamado pelo pelo Papa de 30 de Novembro de 2014 e 02 de feverei-ro de 2016. Ele continua: “A notícia da canonização destas duas reli-giosas caiu como um orvalho ce-lestial na nossa terra sedenta de amor e justiça e dizimada pela violência. Esperamos por um lon-go tempo, o anúncio desta dupla canonização, o que nos dá confian-ça e esperança em Cristo. O Senhor quer confortar nossos países de-vastados por conflitos e guerras, e os nossos povos que sofrem com as constantes injustiçasˮ.

O chamado para sentirmos a ação de Deus em nós que quer que se-jamos santos é dirigida a todos e em todas as condições de vida, diz o PatriarcaTwal, “as tribula-ções que devemos enfrentar nos encoraja a santidade, seguindo o exemplo destas duas religiosas. A santidade não é impossível.ˮA santidade é uma estrada aberta a cada discípulo de Jesus, afirma Dom Fouad Twal: “Todos, inde-pendentemente da configuração que pode levar a vocação pessoal, somos chamados a uma verdadei-ra conversão do coração. Não exis-tem ‘monopólios’ no contexto da santidade. Ser santo é simples-mente ser fiel à vocação cristã. A fidelidade do sacerdote, do religio-so ou da religiosa e do leigo deriva da mesma fonte: a fidelidade a Cristo. Para um sacerdote, religio-so, pai, estudante, trabalhador, empregado, para todos, a santida-de sempre consiste em viver a fé em profundidade e plenitude, de acordo com sua escolha de vidaˮ.Santidade e tristeza não andam de mãos dadas: “Santidade – disse o Patriarca – não significa tristeza

P

القّديسةمرمي ليسوع املصلوب بواردي

St. Mariam of Jesus Crucified Baouardy

(1846-1878)

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St. Marie Alphonsine Ghattas

(1843-1927)

As duas novas santas palestinasDomingo 17 de maio, na Praça São Pedro, Roma, o patriarca latino de Jerusalém, Dom Fouad Twal, escreveu aos fieis da diocese, uma bela carta pastoral intitulada «No caminho da santidade».

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terras e lugares

TERRASANTA 37

ou melancolia, mas alegria. Não é necessario odiar essa vida e suas alegrias, mas um chamado para viver uma vida plena na alegria autêntica. Na vida dos santos se encontram muitos testemunhos surpreendentes de alegria e luz. Os santos são muito numerosos. Sabemos apenas aqueles que são lembrados nos calendários litúrgi-cos. Não podemos saber a lista de todos os verdadeiros santos. Mui-tos deles são conhecidos apenas por Deus. As nossas santas e nos-sos santos amaram a Cristo acima de tudo e de todos, apesar das di-ficuldades e tribulações. Eles ama-ram o Evangelho mais do que qualquer outro livro. O Evange-lho, foi para eles a fonte da vida espiritual e a inspiração de sua vida social. As bem-aventuranças foram a lei de seu comportamento, a luz durante a ‘noite escura’ na estrada para o Reino. Eles viveram as bem-aventuranças em espírito e verdadeˮ.Antes de concluir sua carta, o Pa-triarca deseja que as duas novas santas peçam ao Senhor pelo seu povo. Pelos cristãos leigos com-prometidos em viver a fé, pelos sacerdotes “para que sejam cora-josos apóstolos e vivam para pro-clamar o Reinoˮ, freiras e consa-gradas apaixonadas por Cristoˮ.Por fim um agradecimento a Deus pela presença na Terra Santa das Irmãs do Rosário e das Carmelitas e pelos membros de institutos reli-giosos em que santa Maria Alfon-sine e santa Mariam de Jesus Cru-cificado dedicaram grande parte da vida, até o último suspiro.

القّديسةمرمي ليسوع املصلوب بواردي

St. Mariam of Jesus Crucified Baouardy

(1846-1878)

القّديسةماري ألفونسني غّطاس

St. Marie Alphonsine Ghattas

(1843-1927)

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MICHAEL PERRYen

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de GiuSeppe CaFFuLLi

reio que esteja escrito em nosso DNA, que não pode-mos permanecer onde estamos. Somos peregrinos, estamos procurando, viajando em direção a um amor que nos chama e dá sentido às nossas vidas”.Através da janela de seu quarto, é possível ver a

cúpula da Basílica de São Pedro no céu romano. Mas, Frei Michael Perry, o Ministro geral, atravessa os espaços aus-teros da Cúria Geral dos Frades Menores com o ritmo acelerado de quem, na vida, percorreu muitas es-tradas; desde os subúrbios de Indianápolis – EUA, à África; indo às periferias existenciais (como diria Papa Francisco), povoadas por pobres e prisioneiros, na fronteira da dor, em Darfur. E ele, por ter visto a morte de perto, sente que não pode per-der tempo em testemunhar a alegria do Evangelho.– “Nasci numa família cató-lica, o terceiro de cinco fi-lhos, em Indianápolis, nu-ma realidade muito dinâ-mica, formada por famí-lias de ascendência irlan-desa. Minha família e

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38 TERRASANTA

Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores

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entrevista

TERRASANTA 39

minha Paróquia foram funda-mentais. Quando menino, eu era muito inquieto, sempre procu-rando minha estrada”.

– Frei Michael Perry, como aconteceu seu chamado?Na Universidade, estudei Di-

reito, mas, ao mesmo tempo, trabalhava como balconista nu-ma empresa de construção. Eu me sentia perdido, não frequen-tava a igreja, estava ocupado com outras coisas. Um dia, uma freira, uma ex-professora, vendo que eu tocava violão, pediu-me para animar um culto ecumênico, pro-movido pelos franciscanos com

os irmãos metodistas. Fiquei muito impressionado com

essa experiência de cooperação, de partilha e também de compro-misso comum, em Appalachia, uma das áreas mais pobres dos Estados Unidos. No verão se-guinte, fiz uma experiência de voluntariado naquela região. Fo-ram dois meses. Lá, pela primeira vez, eu, realmente, encontrei os pobres. Percebi que isso tinha a ver com o estilo franciscano: a capacidade de superar as barrei-ras para chegar aos outros.

– Então, o senhor foi seduzido pelo carisma de São Francisco?Na realidade, de Francisco e

dos franciscanos eu não sabia nada. Foi depois de algum tempo que comecei a procurar alguma coisa sobre o Santo de Assis. Após a experiência de volunta-riado, no entanto, voltei para casa transformado. Sentia uma atra-ção constante por um estilo de vida diferente do que havia leva-do até aquele momento, mas, ao mesmo tempo, estava muito in-deciso. Durante minha experiên-cia em Appalachia, conheci um casal. Eles, vendo minha insatis-fação e minha inquietação, moti-varam-me a tomar contato com os franciscanos. Então, pedi a oportunidade para fazer uma experiência, mas não me queria comprometer ainda. Saí três ve-zes do Postulantado. A primeira

vez, para verificar o relaciona-mento com uma garota, com quem havia cultivado amizade. Depois de um tempo voltei para comunidade franciscana.

– O que o senhor lembra do período de formação ?Foi um período muito interes-

sante, porque fizemos nosso ca-minho formativo com as freiras franciscanas. Para mim é muito saudável ter relações com o mun-do feminino, durante a formação e o discernimento vocacional. Durante o Noviciado, pude co-nhecer a dimensão missionária do franciscanismo através da fi-gura de nosso professor, que sempre quis ir ad gentes. Assim ele contaminou muitos de nós com o ideal missionário. E, quan-do os franciscanos belgas nos pediram para continuar sua pre-sença missionária no Congo, co-loquei-me à disposição.

– A partida para as missões, no entanto, não foi imediata?Eu tinha que completar a for-

mação, estudando Teologia. Em Chicago, onde me encontrava, além do estudo, era também ne-cessário uma experiência pasto-ral, a fim de acompanhar o cres-cimento intelectual, humano e espiritual. Eu tinha sido destina-do à comunidade afro-americana.

O Ministro Geral dos Frades Menores, uma longa experiência como missionário ad gentes e como responsável pelo Setor Justiça e Paz, nos Estados Unidos. Frei Michael conta como foi a sua vocação franciscana e a sua própria “conversão” em relação aos Lugares Santos: “O valor da presença franciscana na Terra Santa não é ainda bem compreendida dentro da Ordem”.

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Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores

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40 TERRASANTA

Para mim, foi uma experiência fundamental. Sempre tinha per-cebido o empenho dos Frades nas comunidades católicas de origem holandesa e europeia. Trabalhar entre os afro-americanos significa tocar numa realidade profunda-mente diferente e nas feridas de um povo que sofreu muito na História de nosso país. Não men-ciono o racismo, que ainda conti-nua. Também tive que purificar meu coração e meus pensamen-tos em relação a esses irmãos e aprender a não olhar para um Cristo branco, mas um Cristo que leva o rosto dos homens de todas as culturas.

– Foi uma espécie de prepara-ção para o empenho ad gentes?A experiência entre os afro-a-

mericanos motivou-me mais ain-da para me tornar disponível à missão. Assim, junto com outro irmão, pedi para ir para o Congo. Depois de apenas um ano, sofri um terrível acidente de motoci-cleta, enquanto estávamos visi-tando algumas aldeias na savana, no dia 25 de dezembro, Natal. Foi um acidente muito grave, quase morri. Só depois de duas sema-nas, conseguimos um pequeno avião dos missionários protestan-tes, e pude ser transportado aos Estados Unidos para tratamento. Aos poucos, me recuperei. Termi-nei de estudar Teologia, fui orde-nado e voltei, durante um curto período, a trabalhar nas comuni-dades afro-americanas. E, no fi-nal, pedi para voltar à África.

– Por que interrompeu esse caminho missionário?

Um missionário e antropólogo

F rei Michael Perry nasceu em Indianápolis, Indiana (EUA), em 1954. Fez os votos solenes na Ordem dos Frades

Menores, no dia 10 de outubro de 1981 e foi ordenado sacer-dote, no dia 02 de junho de 1984. Trabalhou para a Catholic Relief Services e na Conferência Episcopal dos Estados Unidos. Além de seus Estudos Teológicos, formou-se em Antropologia Religiosa, História e Filosofia. Depois de um longo período como missionário, em 2008, foi eleito Ministro provincial da Província do Sagrado Coração de Jesus. Em 2009, foi chamado a Roma como Vigário-geral de Frei José Rodriguez Carballo. Quando Frei José foi chamado pelo Papa a fim de ser Secretário da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, Frei Michael assumiu o encargo de Ministro Geral, no dia 22 de maio de 2013, a fim de completar o man-dato de seis anos de seu antecessor. Na homilia de sua pri-meira missa, como novo Ministro geral, indicou o estilo de ser Frade Menor e a quê é chamado, a saber, a fim de viver a partilha e a fraternidade, como testemunha da misericórdia de Deus. Foi reeleito Ministro geral, no Capítulo dos Frades Menores, em Santa Maria do Anjos – Assis, no dia 21 de maio de 2015.

QUEM É

Meus superiores chamaram-me novamente aos EUA a fim de ser o Reitor do Seminário e Mestre no pós-Noviciado. Anos muito inte-ressantes, nos quais lecionei Mis-siologia, Antropologia e Estudos Islâmicos. Depois, fui Capelão nas prisões. Comprometi-me a liber-tar da prisão os acusados injusta-mente e os que não tinham meios para se defender. Descobri, na-quela época, o vínculo entre justi-ça e caridade. Uma não pode ser separada da outra. Comecei a ler, dentro desta ótica, os textos fran-ciscanos e descobri que a experi-ência de Francisco, em São Da-mião, não tem sentido sem a ex-periência com o leproso. As duas experiências estão ligadas. Uma lição que nós, Frades Menores, devemos ter em mente, uma das raízes de nossa espiritualidade.

– Nasce assim sua atenção para a realidade social?

Diria que sim. Eu estava comple-tando meu Doutorado em Antro-pologia, na Inglaterra, quando fui chamado pela Conferência Episco-pal dos Estados Unidos para tra-balhar no Gabinete de Justiça, Paz e Relações Internacionais.

Eu me especializara em África e Questões de Justiça. Várias ve-zes por ano visitei a África, acom-panhando Bispos norte-america-nos a Darfur, no Sul do Sudão, Serra Leoa, Libéria, Congo. Onde quer que fosse necessário dar testemunho de solidariedade.

Às vezes, íamos à Casa Branca ou ao Congresso dos Estados Unidos, para levar informações e para solicitar mudanças na polí-tica americana nesses países.

– Como Ministro Geral, o se-nhor teve o privilégio de acom-panhar o Papa Francisco à Terra Santa, em maio de 2014. Como foi sua experiência?

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entrevista

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Foi a segunda vez que encon-trei o Papa. Quando ele foi a Assis, descobri um homem ca-paz de expressar, com sua hu-manidade, um profundo respei-to pela experiência dos outros, o desejo de promover o diálogo e a partilha. Senti nele uma gran-de liberdade. Francisco não se vangloria de ser Papa, não de-sempenha um papel. Ele se pre-ocupa com seu relacionamento pessoal com Jesus e com a hu-manidade que lhe foi confiada.

Nessa chave de leitura, sinto a proximidade do Papa com os Frades Menores: ser irmão e aju-dar todos a encontrar Cristo. Atenção e carinho expressaram sua visita à sede da Custódia da Terra Santa, em Jerusalém, almo-çando informalmente conosco.

– Como é sua relação com a Terra Santa, a “pérola das mis-sões franciscanas”?

Devo fazer uma confissão. Eu tinha muitos preconceitos sobre a presença franciscana na Terra Santa. Pricipalmente por não conhecê-la.

Antes de minha nomeação, na Cúria Geral, não tinha tido opor-tunidade de conhecer, ou mes-mo. de visitar a Terra Santa. Co-nhecia alguma coisa da política de Israel e da Palestina, mas pouca coisa. Tive ainda uma se-gunda perplexidade: na História da presença franciscana na Terra Santa, relacionada ao cuidado dos lugares santos e peregrinos, não entendia o sentido de nossa vida, naquelas terras.

Para visitá-la, tive que esperar e ir com o Definitório geral. En-tão, descobri a qualidade dos re-lacionamentos com os palestinos e também com os judeus. Vi expe-riências de diálogo e de escuta; mesmo sendo minoria, a impor-

tância de preservar a memória dos santuários e da fé cristã.

Tive que repensar e desmontar meus preconceitos. Posso falar de verdadeira conversão. Agora, percebo que, na Ordem, ainda hoje, não é bem compreendido o valor da presença franciscana na Terra Santa.

– São Francisco é ainda atual?Francisco nos ensina a estar

presente, com simplicidade e humanidade, em diferentes contextos. É o estilo da “Igreja para fora”, tão desejado pelo papa Francisco. Isso é válido não só para religiosos e sacer-dotes, mas também a Educado-res em geral.

Nós nos consideramos especia-listas em problemas dos jovens, pobres e idosos. No entanto, quase sempre, não paramos a fim de ouvi-los! Nós, Frades, somos chamados, em primeiro lugar, para estar entre as pessoas, a fim de compartilhar sua vida. É pre-ciso recuperar um espaço rico de humanidade e relacionamentos. O mundo de hoje é, muitas ve-zes, dominado por monólogos. Temos que ser, cada vez mais, homens do diálogo, superando a tentação de sempre saber o que dizer o que fazer... Devemos, antes de tudo, ouvir.

Se começarmos novamente a partir do alfabeto do diálogo que Francisco nos ensinou com sua vida pobre e itinerante, seremos capazes de comunicar a esperan-ça às pessoas. E de testemunhar a possibilidade de uma humanida-de capaz de paz e de justiça.

Ao lado: freis em procissão nas ruas de Jerusalém (foto de Mab-Cts)

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Papa Francisco aos frades: «Levai a todos misericórdia, reconciliação e paz!»

papa Francisco recebeu na manhã do dia 26 de maio, no Vaticano os Frades Meno-res, que nestes dias, em Assis, participam do Capítulo Geral. O Papa desejou tudo de

bom para Michael Perry que dia 21 de maio foi ree-leito ministro pelo voto geral dos freis Capitulares.No início do discurso, o Papa confessou que ele pediu a dois jovens amigos franciscanos argenti-nos algumas sugestões, tendo em vista da audiên-cia, nas virtudes da “minoridade” e da “fraterni-dade”, que fazem parte do centro das reflexões do capítulo.«A Minoridade - resumiu o Papa – nos chama a ser e sentir-se pequeno diante de Deus, confiando totalmente na sua infinita misericórdia. A perspec-tiva da misericórdia é incompreensível para aque-les que não vêem a si mesmos como “menores”, ou seja, pequenos, carentes e pecadores diante de Deus. Quanto mais estamos conscientes disso, tanto mais estamos perto da salvação; quanto mais estamos convencidos de que somos pecadores, mais estamos dispostos a sermos salvos. (...) Mi-noridade significa também sair de nós mesmos, de nossos próprios esquemas e pontos de vista pes-soais; significa ir além das estruturas – que tam-bém são úteis se usadas com sabedoria – para ir além dos hábitos e seguranças, para testemunhar concreta proximidade com os pobres, os necessi-tados, os marginalizados, numa atitude autêntica de partilha e de serviço».«Falando de fraternidade, o Papa Francisco reen-viou os frades à exemplo dos primeiros cristãos: "Vossa família religiosa é chamada a exprimir esta fraternidade concreta, através de uma recuperação da confiança mútua – e sublinho isto: a recuperação da confiança – nas relações interpessoais, que o mundo possa ver e crer, reconhecendo que o amor de Cristo cura as feridas e nos faz sermos um». “Nessa perspectiva, é importante que seja recupe-rada a consciência de serem portadores de miseri-córdia, de reconciliação e de paz. Realizareis frutu-osamente esta vocação e missão, se vós fordes cada vez mais uma comunidade “em saída”.

Além do mais corresponde ao vosso carisma, tam-bém atestado na Sacrum Commercium. Nesta história sobre suas origens se narra que os primei-ros frades foram convidados para mostrar o seu claustro. Para responder, subiram em uma colina e “mostrando toda a Terra em torno, até onde pudessem ver, eles disseram: ̒ Este é o nosso claus-troʼ” (FF63). Queridos irmãos, neste claustro, que é o mundo inteiro, ide ainda hoje impulsionados pelo amor de Cristo, como São Francisco vos con-vida a fazer».«Estas exortações – acrescentou Papa Bergoglio – são de grande atualidade; são profecia de fraterni-

O

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TERRASANTA 43

atualidades

dade e de minoridade para o nosso mundo hoje. Como é que é importante viver uma vida cristã e religiosa e não perder-se em disputas e fofocas, cultivando um diálogo pacífico com todos, com gentileza, mansidão e humildade, com meios pobres, anunciando a paz e vivendo com sobriedade, contentes com o que é oferecido a nós! Isso também requer um forte compromisso com a transparên-cia, a ética e a solidariedade no

uso dos bens, em um estilo de sobriedade e despojamento. Se, em vez disso, vós estais apegados aos bens e riquezas do mundo, colocais ali a vossa segurança, será o próprio Senhor a despojar-vos desse espírito mundano a fim de preservar o precioso patrimô-nio da minoridade e da pobreza, a qual vos chamou por meio de São Francisco. Ou sejais livre-mente pobres e menores, ou aca-bareis despojados».Em conclusão, o Papa disse: “O Espírito Santo é o animador da vida religiosa. Quanto mais espa-ço lhe damos, mais Ele é o anima-dor das nossas relações e da nos-sa missão na Igreja e no mundo. Quando as pessoas consagradas vivem deixando-se iluminar e guiar pelo Espírito, elas desco-brem nesta visão sobrenatural o segredo de sua fraternidade, a inspiração de seu serviço aos ir-mãos, a força da sua presença profética na Igreja e no mundo. A luz e a força do Espírito também vos ajudarão a enfrentar os desa-fios que estão diante de vós, par-ticularmente o declínio numéri-co, o envelhecimento e a diminui-ção de novas vocações”.O Capítulo Geral dos Frades Me-nores inaugurado em 10 de maio, na Domus Pacis junto à Basílica de Santa Maria dos Anjos, em Assis, e os trabalhos vão se con-cluir dia 07 de junho. Entre ou-tros ministros provinciais e fra-des participantes também está o Custódio da Terra Santa, frei Pierbattista Pizzaballa.

ISRAEL COMPLETA 67 ANOS NAVEGANDO EM DIREÇÃO A 8 MILHÕES E MEIO DE HABI-TANTES. Foi celebrada em 23 de abril, a festa da Independên-cia em Israel que completou 67 anos do Estado hebraico moder-no. O evento é particularmente vivido em um momento históri-co como o atual quando todo o Oriente Médio árabe está em mudança e o futuro deve ser para todos.Todos os anos, por ocasião da festa o Escritório Central de Estatísticas de Israel divulga alguns dados demográficos atu-alizados sobre a situação da população: do que foi divulga-do nos últimos dias são 8 mi-lhões e 345 mil os cidadãos isra-elenses. Mais de um quinto dos quais são membros das famílias pales-tinas que em 1948 optaram por ficar em suas terras, e em suas casas, apesar do surgimento do novo Estado, entendido como o inimigo.Em comparação com o ano pas-sado, o Dia da Independência teve cerca de 2% a mais de parti-cipação. Durante o ano passado os judeus que se mudaram para Israel vindos de várias partes do mundo, foram 32 mil. A popula-ção hebraica de Israel é agora composta por três quartos das pessoas que nasceram no novo estado. Em 1948 os judeus nasci-dos na Palestina eram 35% dos cidadãos.

Giampiero Sandionigi

Na foto: a saudação entre Papa Francisco e o ministro do Frades menores, frei Michael, Perry, durante a audiência no Vaticano (foto de Ansa/SFOR)

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de Chiara CruCiati

andidataram-se, fo-ram eleitas, mas de-pois foram relega-das em segundo plano pelos homens

nas câmaras municipais. Cria-ram, então os chamados «gover-nos sombra femininos». Foi esta a estratégia posta em prática a partir de 2012 pela Associação das mulheres trabalhadoras pa-lestinas para o desenvolvimento (Pwwsd, Palestinian Working Wo-men Society for Development), uma ONG fundada em 1981 cujo ob-jetivo é fornecer às mulheres palestinas instrumentos de emancipação numa sociedade estruturalmente patriarcal.«Há anos a Pwwsd atua no plano político, econômico e legal para superar um desequilíbrio ainda muito arraigado: muitas mulhe-res não conhecem os próprios direitos e não têm, por conse-guinte, condições de defendê-los – explica Reham Alhelsi, diretora

do programa da organização. Através de laboratórios, cursos de formação e atividades práti-cas pretendemos criar uma nova liderança feminina que melhore o nível de participação das mu-lheres no processo de tomada de decisões. Um destes instrumen-tos são as câmaras sombra».Em 2012, durante a última roda-da de eleições administrativas, a sociedade civil palestina incenti-vou a candidatura das mulheres, alicerçando-se na lei nacional que determina uma cota femini-na de 20 por cento: um quinto dos vereadores e dos parlamen-tares deve ser mulher.«Na época havíamos apoiado a formação de duas bancadas com-pletamente femininas, para evitar que as mulheres ficassem no final dos grupos liderados por homens – continua Reham –. Formamos equipes para monitorar as ativi-dades das urnas e evitar que as mulheres fossem obrigadas a vo-tar em familiares ou conhecidos. E enfim, participamos das campa-

nhas eleitorais das candidatas. As eleições administrativas concluí-ram-se com a eleição de 140 mu-lheres dentre as candidatas apoia-das pela nossa associação, mais de 80% das quais passou a inte-grar câmaras municipais na Cisjordânia e na Faixa de Gaza».Os problemas, porém, não esta-vam resolvidos: uma vez iniciada a atividade das novas administra-ções, as vereadoras viram-se colo-cadas à margem. Todas referiram problemas semelhantes: reuniões marcadas à noite ou mesmo à meia-noite, visando excluir a par-ticipação das mulheres (é difícil para uma mulher sair de casa de-pois do anoitecer, principalmente nas cidadezinhas mais conserva-doras); reuniões marcadas sem informar as vereadoras que deste modo vinham a saber das decisões tomadas no dia seguinte; obriga-toriedade para as mulheres de as-sinar medidas ou leis impostas pelos demais membros da câmara.«Estes empecilhos deram origem à ideia de criar «câmaras som-

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Palestina, as mulheres entram em ação

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reportagem

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Candidataram-se, foram eleitas, mas depois foram relegadas a segundo plano pelos homens nas câmaras municipais. Criaram, então os chamados «governos sombra femininos».

bra», ou seja, câmaras formadas pelas mulheres eleitas com o obje-tivo de monitorar as atividades das câmaras oficiais. Hoje há 35 delas em todas as administrações da Cisjordânia. A câmara sombra organiza atividades paralelas, debates sobre as necessidades da comunidade, propostas de lei. Participam de tais atividades não apenas as mulheres eleitas, como também as demais mulheres da comunidade que podem assim dar a própria contribuição ao pro-cesso de tomada de decisões».«E esta ideia deu certo – acrescenta Reham –. Não apenas as «câmaras sombra» encontraram soluções para problemas concretos das co-munidades a que pertencem, do abastecimento hídrico à coleta de lixo, da iluminação noturna às áreas verdes e às creches, mas tam-bém são convidadas para partici-par das reuniões ministeriais da Autoridade Nacional Palestina para discutir sobre questões que concernem e interessam àquela porção da sociedade ainda muito excluída: as mulheres».Em muitos dos Municípios en-volvidos agora é o próprio Prefei-to a solicitar a participação das «câmaras sombra» nos encontros da câmara municipal, e o sucesso deste modelo já está superando as fronteiras da Palestina: o go-verno de Amã pediu à Pwwsd para fazer uma apresentação das «câmaras sombra» na Jordânia, a fim de divulgar este modelo e pô-lo em prática.«O objetivo para os próximos três anos é criar «câmaras sombra»

em outras comunidades dos Ter-ritórios Ocupados – conclui Reham – criando bases para um planejamento de maior abran-gência: a ideia é organizar as câ-maras sombra em dois grandes fóruns, um ao Norte da Cisjordâ-nia e outro ao Sul, fóruns estes que se encontrem duas ou três vezes ao ano para compartilhar experiências, problemas, vitórias e fracassos, para debater a respei-to de projetos comuns e para fa-zer lobby junto aos ministérios e ao governo central».Porque, apesar do sucesso das «câmaras sombra», a mulher na sociedade palestina continua a não desempenhar um papel cen-tral: «Nós continuamos comba-tendo as discriminações contra as mulheres, atadas pelos fios das leis patriarcais e de uma cultura que confina a mulher ao papel reprodutivo ignorando todos os seus outros papéis e excluindo-a do processo de tomada de deci-sões», explicam as sócias da Pwwsd.A bagagem de experiências desta organização não é recente: o pri-meiro embrião das «câmaras sombra» surgiu em 1998, embora naquela época as mulheres nas câmaras de vereadores fossem apenas 65 contra 3 mil homens. Aquelas primeiras experiências, porém, incentivaram as mulheres e após uma série de insucessos e pequenos passos à frente, hoje existem 35 «câmaras sombra», cada uma delas composta por grupos de 5 a 9 mulheres da co-munidade de referência.

Todavia, a situação de desigualda-de persiste: os dados levantados pelo Órgão Central de Estatística da Palestina, atualizados no pri-meiro trimestre de 2014, indicam que o desemprego feminino atinge a taxa de 36,5 por cento contra 23,3 por cento do masculino. Verifica-se ao mesmo tempo que a taxa de desemprego dos homens palesti-nos em Gaza e Cisjordânia é de 72 por cento, enquanto o desemprego feminino tem um índice muito baixo, apenas 19 por cento. A ver-dade que está por trás de tais esta-tísticas é que muitíssimas mulheres trabalham na agricultura, nas em-presas da família ou nas lojas dos pais ou maridos. Com frequência isso significa a falta de um verda-deiro contrato de trabalho o que acarreta a quase total ausência de direitos e, por conseguinte, a au-sência de uma maior e verdadeira economia. Estes dados geram pre-ocupação por estarem entre os mais baixos do Oriente Médio, embora as mulheres palestinas se-jam as mais instruídas da região: o nível de escolaridade das moças é mais alto do que o dos rapazes (58 por cento dos estudantes universi-tários e 60 por cento dos estudantes das escolas superiores é do sexo feminino, e 94 por cento das mu-lheres palestinas é alfabetizada).Apesar disso, o desequilíbrio entre os gêneros no ambiente de trabalho, nos setores econômico e político resta amplíssimo: mes-mo com o diploma universitário nas mãos, o caminho rumo ao trabalho permanece fechado para as mulheres. ▲

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pere

grin

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de Frei ivo müLLer Comissário da Terra Santa

udo começou há cerca de dois anos, quando um grupo de Ituporan-ga-SC, motivado pelo

seu Pároco Fr. João, manifestou o desejo de fazer uma peregri-nação aos Lugares Santos.Montado o programa, ao grupo juntaram-se mais algumas pes-soas de outras regiões do Bra-sil. Tudo estava encaminhado. O início da viagem tanto so-nhada, marcada para julho de 2014, estava próximo. Mas, exatamente uma semana antes da partida, estourou o conflito na Faixa de Gaza! A agência, por motivos de segurança, re-solveu cancelar a viagem, te-mendo os bombardeios que estavam chegando perto do aeroporto Ben Gurion.Uma parte do grupo de Itupo-ranga, porém, não desistiu: apostando na ideia de viajar em outra data. A viagem de seus sonhos devia acontecer!Uniram-se ao grupo alguns peregrinos de Fortaleza e Rio de Janeiro. Assim, nos dias 20 a 30 de abril do corrente ano, aconteceu a viagem dos so-nhos. Eram 33 peregrinos, apesar da crescente alta do

dólar! A visita aos Lugares San-tos começou, propriamente, pela Galileia, nos santuários de Caná, Nazaré, Monte Tabor, Bem-Aventuranças, Cafar-naum. No Monte Tabor, fize-mos uma experiência bonita, partilhando testemunhos de transfigurações em nossas vi-das. Em seguida, passamos

pelo Monte Carmelo, onde re-cordamos Elias, o profeta fiel à aliança com Javé, e invocamos Nossa Senhora do CarmoEm Jerusalém e vizinhança, tivemos a experiência de rezar em Betfagé e Betânia, na Casa de Lázaro e suas irmãs Marta e Maria. Sobre o Monte das Oliveiras, visitamos o lugar da

Peregrinação aos Lugares Santos

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Na foto: grupo frei Ivo Müller – Abril 2015

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Ascensão de Jesus e a igreja do Pai-Nosso. Descemos a pé ao lugar em que Jesus chorou so-bre Jerusalém (no pequeno santuário “Dominus Flevit”), passamos no Getsêmani, onde Jesus suou sangue. Subimos a pé até o Monte Sião, sobre o qual estão o Cenáculo, a igreja da “Dormição” de Maria e o santuário “Gallicantu”, que re-corda o canto do galo a S. Pe-dro, que acabara de negar seu Mestre e amigo! Durante uma tarde, estivemos em Ain Karem, onde Maria vi-sitou sua prima Isabel e nasceu João Batista.Ah! Não faltou a extraordinária e inesquecível experiência de passear pelo Deserto da Judeia, indo até Jericó, com foto de ca-

melo e banho no Mar Morto... Em Belém, visitamos o Campo dos Pastores e a Gruta em que Jesus nasceu, bem como a Gru-ta do Leite, na qual a Virgem Mãe teria dado de mamar ao bebê Jesus.Estando na cidade velha de Je-rusalém, celebramos na frente do Santo Sepulcro e colocamos bilhetinhos no Muro das La-mentações. Até foi possível ca-minhar pela Esplanada do Tem-plo, passando ao lado da Mes-quita dourada, chamada de “Mesquita Omar”.Numa tarde, rezamos a Via--Sacra, no caminho percorrido por Jesus ao carregar sua cruz até o Calvário. À noite, degus-tamos um jantar típico num

restaurante beduíno, em Belém.Tudo correu bem na peregrina-ção. A impressão, que ficou, foi ótima. Disputamos o espaço com milhares de peregrinos do mundo todo. Parece que, nos Lugares Santos, seja mais seguro do que nas ruas de uma capital brasileira…Em resumo, foi o melhor pre-sente que o peregrino ou a pe-regrina tenha dado a si mesmo ou à pessoa amada.No próximo mês de julho, 2015, voltaremos aos Lugares Santos, em Israel, com outro grupo, que já está completo. Há 50 peregri-nos inscritos.No ano 2016, estão abertos dois pacotes: um para maio e outro para novembro!

Na foto: Mario e Salete – Peregrinos na Terra Santa

Na foto: Frei Ivo Müller – Mosteiro de São Jorge

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de LurdiNha NuNeS

oda Guerra produz muita destruição e é preciso tempo para reconstruir!” afirma a jornalista Andrea, ao contar o que vivenciou em suas várias viagens a Gaza. Ela organizou uma ex-

posição de fotos no Austrian Hospice, na Cidade Velha, junto à Terceira Estação da Via Dolorosa. Uma de suas motivações é mostrar uma realidade que os peregrinos e turistas não podem ver, pois não podem entrar em Gaza; e quem estiver em Gaza, não pode sair.As fotografias, em exposição, foram feitas desde 2009, quando de sua primeira visita a Gaza. A maioria delas, porém, é de 2014 e 2015.

Andrea, como foi sua primeira viagem a Gaza?– Confesso que, ao ir a Gaza pela primeira vez,

tive medo. O que se ouve falar de Gaza é guerra e destruição, violência e miséria. Eu precisava ir para compreender que, na realidade, isso é apenas uma parte de Gaza! A outra parte é vivida no “dia a dia”. Portanto, com crianças que brincam, pais que vão ao mercado, carros e asnos pelas ruas.

Que experiência você fez estando ali?Vi muita pobreza, medo! A situação está muito

complicada para seus habitantes. Apesar das difi-culdades, são acolhedores, me deixaram entrar em suas casas; convidaram-me para ficar com eles, para tomar um chá e comer com eles. É uma expe-riência positiva; mas, ao mesmo tempo, triste!

Na sua exposição há várias fotos de crianças. Como foi seu contato com elas?As crianças reagem como aquelas em qualquer

parte do mundo. Apesar de que a situação seja complicada, as crianças procuram viver da melhor forma possível. Andam pelas ruínas, apesar de perigosas; brincam nelas como se fossem parques de diversão! Do ponto de vista das crianças é um

“Gaza Day by Day”Tema da exposição da JornalistaAndrea Krogmann, em Jerusalém

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espaço interessante. Encontrei muita gente nas ruas. A popula-ção de Gaza é jovem; creio que a metade da população não tem 18 anos! É uma imagem comum ver crianças correndo pelas ruas, rindo e brincando.

Para Markus Bugnyar, Diretor da “Austrian Hospice” (casa de acolhimento de peregrinos, em Jerusalém), a história de Gaza é antiga e excepcional, rica de aspectos variados. Isso queremos ressaltar com a exposição, pois toda essa his-tória deixou vestígios, seja na cidade como na memória coletiva do povo, que sofreu e sofre com a guerra.

VOCAÇÕES, PRESENTES DA CUSTÓDIA DA TERRA SANTAPARA A IGREJA E PARA O MUNDO. Ordenações que ocorrem em um momento difícil no mundo, onde reina uma cultura de violência e de morte. Sacerdotes de diferentes nacionalidades unidos pelo mesmo chamado.

No Ano da Vida Consagrada, foram ordenados seis jovens sa-cerdotes e quatro diáconos, em Jerusalém. Mesmo sendo de dife-rentes nacionalidades, estão uni-dos pelo mesmo chamado.Para o Custódio da Terra Santa, Pe.Pier-battista Pizzaballa, as ordena-ções, no dia de S. Pedro e S. Pau-lo, são um dom para a Igreja de Jerusalém e a Igreja, em todo o mundo. São jovens que desejam colocar toda a sua vida a serviço de Cristo e da Igreja.Após passar os últimos anos de formação e estudo nos Lugares Santos, os jovens Frades foram ordenados pelo Patriarca Latino de Jerusalém, Mons. Fouad Twal.Em sua homilia, recordou: “A ordenação é ponto de chegada, após muitos estudos e muitas experiên-cias, conhecimentos humanos e mui-

ta preparação. Mas também é ponto de partida, com dimensão global. A igreja coloca ao serviço de vocês os meios para cumprir a missão. Entre esses meios, há uma cruz a ser carre-gada, um mal-entendido a ser supor-tado, uma túnica franciscana a ser usada, com todas as consequências que isso implica!”.O Patriarca ressaltou também a dificil situação do Oriente Mé-dio e disse que as ordenações ocorrem em um momento difícil no mundo, no qual reina a cul-tura de violência e de morte. E comentou:Na situação difícil em que vivemos nesta região, há belos momentos em que sentimos o Se-nhor próximo e, em outros, não o sentimos. Parece que está distante. Mas é necessário que permaneça-mos juntos, unidos. Alegram-me tantas ordenações, hoje, quando todo o mundo sofre por falta de vocações!”.Deste Lugar Santo, em que tudo começou, Mons. Foaud Twal con-vidou a todos para rezar pelos

sacerdotes que são perseguidos, pelos que não têm liberdade para evangelizar, para comunicar a Palavra de Deus:– Rezemos também para que Jerusa-lém seja um lugar de oração e não de violência, de paz e de convivência para todos os habitantes. Estas orde-nações são um presente de Deus à Custódia, e um presente da Custódia à Igreja local e universal”.

Frades ordenados:Sacerdotes: Frei Ulise Zarza (da Argentina), Frei David Grenier (do Canadá), Frei Filip Durdevic (da Croácia), Frei Alberto J. Pari (da Itália), Frei Mário Berumen Mercado (do México), Frei Fili-berto Dorantes Rodriguez (do México).Diáconos: Frei Bozo Saraf (da Croácia), Frei Andrew Ako--Hayford (de Gana), Frei Hugo Pérez Villasana (do México), Frei Rodolfo Ramírez De La Torre (do México).

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TERRA SANCTA MUSEUM. No último dia 25 de junho, o Custódio da Terra Santa, Pe. Pierbattista Pizzaballa, pôs a pedra fundamental do “Terra Sancta Museum”, em Jerusalém.

Lançado em 2013, o projeto de um museu, dedicado às raízes do Cristianismo e da preservação dos Lugares Santos, está toman-do forma. As obras começaram a ser realizadas no Convento de S. Salvador e no da Flagelação. Não se prevê construir novos edifí-cios, mas reaproveitar espaços já disponíveis, aproximadamente 2.600 metros quadrados, escolhi-dos através de cuidadoso estudo arquitetônico.No Convento de S. Salvador se-rão utilizadas as instalações da antiga biblioteca e dos escritó-rios da tipografia. Muitos espa-ços estão passando por grande limpeza, revelando surpresas interessantes. Por exemplo, sob o reboco, foi descoberto um magnífico muro de pedra, que pode datar do século XV, ou de época anterior. Trabalhos estão sendo realizados também para combater a infiltração de água. No Convento da Flagelação, em cujo porão há uma fonte, a umi-dade é uma realidade com a qual se deve estar atento. Nesse am-biente será implantada a seção multimídia.A Comissão do Museu está traba-lhando na solução de todo tipo de problema e esclarecendo a fi-nalidade da nova instituição. Pe. Dobromir Jasztal, Vigário da

Custódia, ressalta que, em outros lugares, é possível ver a História de Jerusalém. A instituição fran-ciscana, porém, se destacará em acolher peregrinos, movidos por devoção e espírito de fé!

UM FRADE DA CUSTODIA FOI LEVADO POR HOMENS ARMA-DOS NA SÍRIA. A Custódia da Terra Santa comunica que frei Dhiya Azziz, sequestrado no sábado, 4 de julho, na aldeia de Yacoubieh, na região de Orontes na Síria, foi libertado.Desde o final da tarde de sábado a

Custódia não tinha notícia sobre o destino do padre. Pensava-se que ele havia sido seqüestrado por um grupo armado da jihadista Al Nusra Jabhat braço da Al Qaeda na Síria, que administra o emirado onde fica a aldeia de Yacoubieh.Na verdade, este grupo negou envolvimento no seqüestro do frei e, aparentemente, o grupo

procurou os culpados nas al-deias vizinhas, chegando à liber-tação do frei Dhiya.Os sequestradores seriam de um dos muitos grupos de milícias que estão na região e que seqües-tram afim de conseguir dinheiro. De acordo com testemunhas frei Azziz foi bem tratado pelos se-questradores.A Custódia agradece a todos que rezaram em muitos paises para que o sequestro de frei Dhya ti-vesse um final feliz; tambem pe-las orações em intenção aos cris-tãos de Yacoubieh, da qual ele é

Pároco, por sua comunidade re-ligiosa e por sua família que vive no Iraque.A Custódia faz um apelo: Con-tinuem a rezar! lembra, que vários outros religiosos foram sequestrados na Síria desde 2013 e até hoje ninguém sabe onde eles estão.

De Carlo Giorgi

Na foto: Padre Dhiya Azziz em uma foto recente

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