revista escola de...

72
EDITORIAL Neste quinto exemplar da Revista Mineira de Saúde Publica, procura- mos dar continuidade ao nosso primeiro propósito: proporcionar um espaço para a divulgação de produções científicas e de atividades desenvolvidas no espaço mineiro da Saúde Pública. Apesar de termos estabelecido uma publicação semestral, infelizmente al- gumas dificuldades institucionais têm nos impedido de cumprir essa meta, o que, temos certeza, não tirará o brilho de mais essa conquista. Dos seis novos artigos aqui apresentados, destacamos o de Ricardo Burg Ceccim, que com muita propriedade nos ajuda a refletir sobre o processo de educação permanente em saúde. Os outros artigos, com igual relevância, nos trazem diversas abordagens sobre a questão do processo nutricional, sobre a psicologia infantil, uma impor- tante revisão sobre infecção por Rhodococcus Equis, a experiência da Secretaria de Estado da Saúde num processo de tomada de decisão e um artigo especial sobre o grande artista mineiro — Aleijadinho. Os artigos ora apresentados permitem a exposição de estudos e pensamen- tos no campo das ações de saúde, bem como retratam a disposição da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais em continuar sendo um espaço aberto aos múlti- plos atores que compõem o Sistema Único de Saúde. Águeda Amorim Corrêa Loureiro de Souza Coordenação Editorial Rev. Min. Saúde Pub. Belo Horizonte a.3 n.5 p.1-72 jul./dez.2004

Upload: lediep

Post on 17-Dec-2018

222 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

EDIT

ORIA

L

Neste quinto exemplar da Revista Mineira de Saúde Publica, procura-mos dar continuidade ao nosso primeiro propósito: proporcionar um espaçopara a divulgação de produções científicas e de atividades desenvolvidas noespaço mineiro da Saúde Pública.

Apesar de termos estabelecido uma publicação semestral, infelizmente al-gumas dificuldades institucionais têm nos impedido de cumprir essa meta, o que,temos certeza, não tirará o brilho de mais essa conquista.

Dos seis novos artigos aqui apresentados, destacamos o de Ricardo BurgCeccim, que com muita propriedade nos ajuda a refletir sobre o processo deeducação permanente em saúde.

Os outros artigos, com igual relevância, nos trazem diversas abordagenssobre a questão do processo nutricional, sobre a psicologia infantil, uma impor-tante revisão sobre infecção por Rhodococcus Equis, a experiência da Secretariade Estado da Saúde num processo de tomada de decisão e um artigo especialsobre o grande artista mineiro — Aleijadinho.

Os artigos ora apresentados permitem a exposição de estudos e pensamen-tos no campo das ações de saúde, bem como retratam a disposição da Escola deSaúde Pública de Minas Gerais em continuar sendo um espaço aberto aos múlti-plos atores que compõem o Sistema Único de Saúde.

Águeda Amorim Corrêa Loureiro de Souza

Coordenação Editorial

Rev. Min. Saúde Pub. Belo Horizonte a.3 n.5 p.1-72 jul./dez.2004

EXPEDIE

NTE

Revista Mineira de Saúde Pública

Publicação semestral da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP-MG) e da Fundação

Ezequiel Dias (FUNED), com a finalidade de divulgar a produção

científica das diversas áreas do conhecimento, no âmbito da saúde pública

e coletiva, e da formação de recursos humanos.

Coordenação Geral

Rubensmidt Ramos Riani

Editor responsável por este número

Águeda Amorim Corrêa Loureiro de Souza

Coordenação Editorial

Águeda Amorim Corrêa Loureiro de Souza

Cleinir de Souza Gomes

Conselho Editorial

Águeda Amorim Corrêa Loureiro de Souza

(Chefe da Divisão de Ensino e Desenvolvimento da ESP-MG)

Antônio Armindo Fernandes (Pesquisador da ESP-MG)

Antônio José Meira (Odontólogo e Consultor de Epidemiologia da SES-MG)

Benedito Scaranci Fernandes (Superintendente de Atenção à Saúde da SES-MG)

Gil Sevalho (Médico e Professor da ESP-MG)

José Lucas Magalhães Aleixo (Médico e Professor da ESP-MG)

Thaís Viana de Freitas (Pesquisadora e Diretora de Pesquisa e Desenvolvimento da FUNED)

Robespierre Queiroz da Costa Ribeiro (Médico e Coordenador da ATC/DRA da SES-MG)

Jornalista responsável

Rejane Dias dos Santos

MTB 1376

Secretária

Júlia Selani Rodrigues Silva

Projeto gráfico, capa, diagramação

Gutenberg Publicações

Fotos da capa

Moisés Lopes Cançado de Faria

Fotolitos e impressão

Artes Gráficas Formato

Tiragem

2.500 exemplares

Endereço para correspondência

Escola de Saúde Pública de Minas Gerais

Avenida Augusto de Lima, 2.061 – Barro Preto

30190-002 – Belo Horizonte/MG

[email protected]

Ficha catalográfica elaborada por Rinaldo de Moura Faria - CRB6-1006

Revista Mineira de Saúde Pública / Escola de Saúde Pública de

Minas Gerais . — Ano 1 , nº 1 (2002)- . — Belo Horizonte : -2004.

v.

Semestral

ISSN 1808-6373

I.Escola de Saúde Pública de Minas Gerais.

SUM

ÁRIO

Educação permanente em saúde: descentralização e disseminação de

capacidade pedagógica na saúde

Ricardo Burg Ceccim 4

A transição nutricional no contexto da transição demográfica e

epidemiológica

Ronaldo Coimbra de Oliveira 16

Prospecção de evidências científicas para tomada de decisão

na gestão da saúde pública – A experiência da Secretaria

de Estado da Saúde de Minas Gerais

Robespierre Queiroz da Costa Ribeiro

Eugênio Vilaça Mendes

Benedito Scaranci Fernandes

Mauro Chrysóstomo Ferreira 24

Caracterização da demanda infantil de um serviço de psicologia

Wagner Prazeres dos Santos

Montserrat Zapico Alonso 35

Infecção por Rhodococcus equi em imunossuprimidos: uma revisão

Graziela Flávia Xavier de Oliveira

Daniela Rezende NevesHugo Abi-Saber Rodrigues Pedrosa

Orientador: Arinos Romualdo Viana 43

Aleijadinho: o gênio do barroco mineiro e sua enfermidade

José Lucas Magalhães Aleixo 61

4

Educação permanente em saúde:

descentralização e disseminação de

capacidade pedagógica na saúde1

Ricardo Burg Ceccim2

1 Este texto é

tributário das

discussões e

do compartilhamento

intelectual com Laura

Feuerwerker e com

colegas do Deges.

2 Doutor em saúde

coletiva; professor de

Educação em Saúde

na Universidade

Federal do Rio Grande

do Sul; ex-diretor do

Departamento de

Gestão da Educação

na Saúde (Deges), do

Ministério da Saúde.

Resumo

Este artigo apresenta o processo deconstrução da política de educação per-manente estabelecido pelo Ministérioda Saúde. A formação dos Pólos deEducação Permanente é retratada comouma opção renovadora que permite areflexão dos diversos atores participan-tes da gestão do SUS sobre os proces-sos e proposições em educação emsaúde, decorrente das reais necessida-des para a implementação e fortaleci-

mento do SUS.

Palavras-chave

Educação permanente em saúde, pó-los de educação, políticas de forma-

ção.

Permanent Education in Health:

decentralization and dissemination

of the pedagogic capacity in health.

Abstract

This article presents the constructi-on process of the permanent educationpolitics settled by the Health Depart-ment (Surgeon General). The constitu-tion of the Permanent Education mainplaces is portrayed as a renovating op-tion that allows the reflection of theseveral actors that participate of the SUSadministration about the processes andpropositions in health education, origi-nated from the real needs for the im-plementation and strengthening of SUS.

Key-Words

Permanent education in health, edu-cation main places, education consti-tution politics.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004

5

A educação permanente emsaúde constitui estratégia fundamentalàs transformações do trabalho no se-tor das políticas públicas de saúde.Para que o trabalho em saúde seja lu-gar de atuação crítica, reflexiva, pro-positiva, compromissada etecnicamente competente, há necessi-dade de descentralizar e disseminarcapacidade pedagógica no setor, entreseus trabalhadores e entre os gestoresde ações, serviços e sistemas de saú-de, constituindo o Sistema Único deSaúde (SUS) como uma rede-escola.

Passados 13 meses da publica-ção portaria ministerial que deu orde-namento inicial à estruturação e aofuncionamento da educação permanen-te em saúde como política de gestãodo SUS, já existem no país 96 articula-ções interinstitucionais e locorregionaiscongregando, em torno de 1.039 enti-dades da sociedade, entre representan-tes do ensino, da gestão, do trabalho eda participação social em saúde, ocu-padas em constituir língua e história àpolítica de descentralização e de disse-minação de capacidade pedagógica nasaúde. Essas articulações interinstituci-onais e locorregionais foram propostaspela Portaria Ministerial nº 198, de 13de fevereiro de 2004, do Ministério daSaúde, como Pólos de Educação Per-manente em Saúde.

Cada Pólo de Educação Perma-nente em Saúde encontra-se em umasingular etapa de sua construção, nãohavendo espelhamento idêntico entreos projetos de cada um. Essa hetero-geneidade, entretanto, longe de deporcontrariamente à sua implementação,justifica a sua importância como ins-tância política. Diferentemente da no-ção programática de implementaçãode práticas previamente selecionadase com currículo dirigido ao treinamentode habilidades, a política de educaçãopermanente em saúde congrega, arti-cula e coloca em roda diferentes ato-res, destinando a todos um lugar de

protagonismo na condução dos siste-mas locais de saúde.

Prova da construção política e nãoprogramática é a escolha, como priori-dade, entre as ações educativas dos Pó-los, do desenvolvimento para a gestãodo SUS e do desenvolvimento para aeducação no SUS. Pode-se detectar comclareza, diante dessas majoritárias es-colhas, o desencadeamento de um pro-cesso político, e não a implementaçãode um programa. Um processo políti-co requer a produção ativa da autono-mia e do protagonismo consciente. Asduas áreas/temáticas citadas represen-taram 42% do total de ações de qualifi-cação (desenvolvimento profissional) e34% das ações de especialização (for-mação pós-graduada lato sensu) apre-sentadas para o apoio do Ministério daSaúde, em 2004, por meio dos Pólos deEducação Permanente em Saúde.

Ao propor a educação na saúdecomo política de governo, o gestor fe-deral do SUS alterou a ordem do diano setor e somou novos parceiros, euma nova etapa anuncia o cumprimen-to de compromissos até então poster-gados na área de recursos humanosem saúde. Colocar a formação e o de-senvolvimento na ordem do dia para oSUS pôs em nova evidência o trabalhoda saúde, que requer trabalhadores queaprendam a aprender, práticas cuida-doras, intensa permeabilidade ao con-trole social, compromissos de gestãocom a integralidade e a humanizaçãono trato com a saúde e dedicação aoensino e à produção de conhecimentoimplicados com as práticas concretasde cuidado às pessoas e às coletivida-des e com a gestão setorial.

Ao colocar o trabalho, no SUS,sob as lentes da formação e desenvol-vimento, o gestor federal do SUS pôsem evidência os encontros rizomáticos

que ocorrem entre ensino, trabalho, ges-tão e controle social em saúde, sínteseda noção de educação permanente emsaúde que, a seguir, abordaremos.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004

6

Construção política de

relações entre educação,

saúde, trabalho e produção de

coletivos e redes para formar

o pessoal de saúde

A escolha da educação perma-nente em saúde como ato político dedefesa do trabalho no SUS decorre dadisputa ideológica para que o setor dasaúde corresponda às necessidades dapopulação, conquiste a adesão dos tra-balhadores, constitua processos vivosde gestão participativa e transforma-dora e seduza docentes, estudantes epesquisadores à mais vigorosa imple-mentação do SUS.

Foi posto em curso no país umprocesso de construção coletiva de umapolítica de educação para o SUS. Essapolítica interrompeu a compra de ser-viços educacionais das instituições deensino para implementar pacotes decursos, assim como a interrupção dostreinamentos aplicados, pontuais e frag-mentários que sobrepunham a técnicaaos processos coletivos do trabalho.Sabemos que a forma da compra deserviços educacionais não muda ocompromisso da universidade ou daescola técnica com a sociedade e nema orientação dos cursos de formaçãopara a efetiva integração ao SUS ouapropriação dele. Sabemos tambémque os treinamentos não geram atorescomprometidos, mas apenas profissi-onais mais ilustrados sobre o tema ob-jeto dos treinamentos.

Passados 13 meses da aprova-ção da Portaria Ministerial supracitadae consumada a implementação de 96instâncias locorregionais e interinstitu-cionais de gestão da educação perma-nente em saúde, a política de formação

e desenvolvimento para a saúde dei-xou de ser simplesmente uma propos-ta do Ministério da Saúde para ser umapolítica do SUS. Política tem respon-sabilidade compartilhada de conduçãoe de acompanhamento. Políticas resul-tam de lutas sociais, da sensibilidadede gestores ou da seleção de modosde enfrentar realidades complexas.

O próprio SUS, fruto das lutassociais por saúde, expressa em seu ide-ário o sonho de um sistema de saúdeuniversal, equânime, altamente resolu-tivo, acolhedor, responsável e capaz decontribuir para o desenvolvimento daautonomia das pessoas e das popula-ções para propiciar uma vida com maissaúde. Os Pólos de Educação Perma-nente em Saúde vieram viabilizar o aces-so massivo de parceiros da sociedadepara a implantação de um SUS comelevada implicação com a qualidade dasaúde, com a promoção da vida e coma valorização dos trabalhadores e dosusuários, empreendendo o esforço daformação e desenvolvimento para o SUSque queremos.

A Lei Orgânica da Saúde deter-minava em seu artigo 14 que deveriam“ser criadas Comissões Permanentes deintegração entre os serviços de saúdee as instituições de ensino profissionale superior”, indicando que cada umadessas Comissões tivesse “por finali-dade propor prioridades, métodos eestratégias para a formação e educa-ção continuada dos recursos humanosdo Sistema Único de Saúde na esferacorrespondente, assim como em rela-ção à pesquisa e à cooperação técnicaentre essas instituições” (Lei Federalnº 8.080, de 19 de setembro de 1990,art. 14).

Os Pólos de

Educação

Permanente

em Saúde

vieram viabilizar o

acesso massivo de

parceiros

da sociedade para a

implantação de um

SUS com elevada

implicação com a

qualidade de saúde,

com a promoção

da vida e com

a valorização

dos trabalhadores

e dos usuários...

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004

7

Os Pólos de Educação Permanen-te em Saúde, como instâncias do SUS,atendendo àquilo que é proposto pelalei, trouxeram novidades políticas aoSUS. A proposta assenta-se na noçãode formação e desenvolvimento comouma instância própria, inovadora, porarticular saúde e educação e por trazeratores não previstos nas instâncias jáinstituídas. Vale lembrar que é na atualgestão do Ministério da Saúde que aárea de gestão do trabalho e da educa-ção na saúde, pela primeira vez, temlugar finalístico nas políticas do SUS.

Propôs-se para aprovação noConselho Nacional de Saúde (CNS) eaos três gestores do SUS para a pactua-ção na Comissão Intergestores Tripar-t i te (CIT) uma composiçãointerinstitucional que envolvesse ins-tituições de ensino, instâncias de

gestão e de serviço do SUS, conse-lhos de saúde e movimentos sociaislocais, estudantes e docentes, tra-balhadores e outros participantes iden-tificados com a formação edesenvolvimento. Os projetos de Pó-los seriam iniciativas locorregionais, em-basadas na esfera de gestão responsávelconstitucionalmente pela execução dasações e serviços de saúde, que são osmunicípios (Constituição Federal, art.30), mas de abrangência regional, con-forme a realidade de construção daintegralidade da promoção e prote-ção da saúde individual e coletiva nosambientes e redes assistenciais ou so-ciais em que vivemos, e conforme arealidade da mobilidade da popula-ção em busca de recursos educacio-nais e de pesquisa e documentaçãoem saúde.

TABELA 1 — Pólos de Educação Permanente em saúde: composição

Fonte: DEPARTAMENTO DE GESTÃO DA EDUCAÇÃO NA SAÚDE, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos da

Política Nacional de Educação na Saúde, 2004.

Legenda: Cosems — Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde; MST — Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra; Morhan — Movimento de Reintegração das Pessoas Portadoras e Elimina-ção da Hanseníase; Mops — Movimento Popular por Saúde; Movimento GLBTS — Movimento de Gays,Lésbicas, Transgêneros, Bissexuais e Simpatizantes da Livre Orientação Sexual; MMC — Movimento deMulheres Camponesas; Fetag — Federação dos Trabalhadores da Agricultura; Conam — ConfederaçãoNacional das Associações de Moradores; Aneps — Articulação Nacional de Movimentos e Práticas deEducação Popular em Saúde; ONGs – Organizações não governamentais.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004

8

Na efetivação das Comissões Per-manentes previstas pela lei, o setor te-ria de pensar que elas deveriam sucederàs estruturas dos Pólos de Capacitaçãoem Saúde da Família, até então exis-tentes, para enfrentar as demais fren-tes de formação e desenvolvimentorequeridas pelo SUS, superando-se a tra-dicional e tão criticada fragmentação/segmentação da educação na saúde,

como a que se assistia entre a coorde-nação de saúde da família e as coor-denações de vigilância e análise desituação de saúde, atenção integradaàs diversas doenças prevalentes, aten-ção especializada às urgências, aten-ção especializada ao parto e aonascimento humanizado, formação deequipes gestoras hospitalares e equi-pes gestoras municipais, dentre outras.

TABELA 2 — Ações de qualificação por área ou temática e número de vagas

Fonte: Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos da

Política Nacional de Educação na Saúde, 2004.

Legenda: HAS – Hipertensão Arterial Sistêmica; DM – Diabetes Mellitus; CD – Cirurgião Dentista; ACD –Auxiliar de Consultório Dentário; THD – Técnico de Higiene Dental.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004

9

A integração entre o ensino, osserviços, a gestão setorial e o trabalhono SUS, ao mesmo tempo em quedisputa pela atualização cotidiana daspráticas segundo as mais recentes abor-dagens teóricas, metodológicas, cien-tíficas e tecnológicas disponíveis,insere-se em uma necessária constru-ção de relações e de processos quevão desde a atuação conjunta das equi-pes — implicando seus agentes —até as práticas organizacionais — im-plicando a instituição e/ou o setorda saúde —, bem como as práticasinterinstitucionais e/ou intersetoriais— implicando as políticas em quese inscrevem os atos de saúde.

O que ficou definido — por for-ça de aprovação no Conselho Nacio-

nal de Saúde e pactuação na Comis-são Intergestores Tripartite — é que acomposição de cada Pólo de EducaçãoPermanente em Saúde e a proposiçãode seu plano diretor seriam de iniciativalocorregional e decorrente da disposi-ção inicial das diversas instituições des-sa base. As diretrizes dos Pólos seriamaprovadas pelo respectivo ConselhoEstadual de Saúde (CES), tendo em vistaas prioridades da política estadual desaúde conjugada com as políticas na-cionais, a vinculação com as diretrizesda Conferência Estadual de Saúde e,principalmente, com a Conferência Na-cional de Saúde. Caberia ao Conse-lho Estadual de Saúde julgar aadequação do plano diretor de cadaPólo às políticas nacional e estadual

TABELA 3 — Ações de formação por área ou temática e número de vagas

Fonte: Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos da

Política Nacional de Educação na Saúde, 2004.

Legenda: Profae – Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área da Enfermagem; FortiSUS –Política de Formação Técnica por Itinerário no SUS; Proformar – Programa de Formação de Agentes deVigilância em Saúde.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004

10

de saúde. O desenho locorregional einterinstitucional passaria pela Comis-são Intergestores Bipartite (CIB), ins-tância de encontro entre o gestorestadual e a representação do conjuntode gestores municipais por Estado, ten-do em vista garantir que a organizaçãodo conjunto de Pólos revele abrangên-cia da totalidade dos municípios de cadaEstado e que eventuais acordos paramunicípios em região fronteiriça sejampreservados e respeitados.

Passou a caber ao gestor fede-ral, depois desse trâmite, apenas aapreciação analítica de duas nature-zas: habilitação legal das instituiçõespara receber recursos públicos e coe-rência com o referencial pedagógicoe institucional da educação permanen-te em saúde, checando o cumprimen-to dos passos pactuados.

O referencial pedagógico e insti-tucional da educação permanente emsaúde constitui uma ferramenta potentepara a transformação de práticas, e issopode ser feito em curso/em ato da ges-tão setorial ou de serviços. A definiçãode educação permanente carrega, en-tão, a noção de prática pedagógica quecoloca o cotidiano do trabalho ou daformação — em saúde — como centralaos processos educativos.

A educação permanente, comovertente pedagógica da educação, ga-nhou o estatuto de política pública ape-nas na área da saúde. Esse estatutodeveu-se à difusão, pela OrganizaçãoPan-Americana da Saúde, da propostade Educação Permanente do Pessoalde Saúde para alcançar o desenvolvi-mento dos sistemas de saúde na re-gião das Américas, com o

TABELA 4 — Comparação entre os Pólos de Capacitação em Saúde da Família (Pólos PSF)

e os Pólos de Educação Permanente em Saúde (Pólos EPS)

Fonte: Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos da

Política Nacional de Educação na Saúde, 2004.

*Exceção havia no estado do Rio Grande do Sul, onde o Pólo de Capacitação em Saúde da Família conviviade maneira orgânica com o Pólo de Educação em Saúde Coletiva, instância do SUS estadual para o debatedo ensino, da pesquisa, da extensão educativa, da documentação científico-tecnológica e histórica, daassistência em ambiente de ensino, da memória documental e da educação social para a gestão daspolíticas públicas de saúde (ver Ceccim, 2002).

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004

11

reconhecimento de que os serviços desaúde são organizações complexas emque somente a “aprendizagem signifi-cativa” será capaz de fazer a adesãodos trabalhadores aos processos de mu-dança no cotidiano.

A educação permanente em saú-de configura o desdobramento de vári-os movimentos de mudança naformação dos profissionais de saúde,na atenção em saúde, na gestão setoriale no exercício do controle social. Aqui-lo que deve ser realmente central à edu-cação permanente em saúde é a suaporosidade à realidade mutável e mu-tante das ações e dos serviços de saú-de, a sua ligação política com aformação de perfis profissionais e deserviços, a introdução de mecanismos,espaços e temas que gerem auto-análi-se, autogestão, implicação e mudançainstitucional — enfim, que gerem pro-cessos de pensamento (disruptura cominstituídos, fórmulas ou modelos) e ex-perimentação (em contexto, em ato: vi-vências).

Pólos de Educação Permanente

em Saúde: dispositivo e/ou

instância do SUS para

a gestão locorregional

da formação em saúde

O SUS sozinho não tem capaci-dade de promover o desenvolvimentodos profissionais de saúde, e as insti-tuições de ensino, fora do contato coma realidade da construção do SUS, nãovão se transformar. Assim, uma novainstância de gestão — com capacida-de intersetorial e de protagonismo —passou a ser requerida. O indicativodas comissões permanentes de integra-ção ensino-serviço, presentes na Lei Or-gânica da Saúde, estava correto, masnão assegurava evidência de inclusãodas instâncias de gestão e de partici-pação social. A criação da ComissãoIntersetorial de Recursos Humanos doSUS (CIRH), no Conselho Nacional de

Saúde, já havia revelado o grande acer-to da proposta de intersetorialidade parapensar o trabalho e os trabalhadores dasaúde, mas não havia assegurado/nãoassegurou evidência de participação ati-va das escolas (superiores ou técnicas),das associações de ensino das profis-sões de saúde, das entidades de estu-dantes das profissões de saúde e dasentidades, instâncias e movimentos demedicação pedagógica em saúde coma sociedade. Havia antecedentes, masnovos caminhos eram demandados.

Lembrar a estranheza e a com-plicação que provocou a proposta dasComissões Interinstitucionais de Saú-de no início da construção do SUS(Ceccim, 1993) ajuda a clarear compre-ensões sobre as atuais reflexões relati-vas aos Pólos de Educação Permanenteem Saúde. Das Comissões Interinstitu-cionais de Saúde (CIS) e das suas Co-missões Locais Interinstitucionais deSaúde (Clis) saíram os Conselhos Mu-nicipais de Saúde, os Conselhos Esta-duais de Saúde e o novo e ímparConselho Nacional de Saúde, mas foipreciso, na seqüência, criar as CIB e aCIT como instâncias de pactuação doSUS entre aqueles que executam aspolíticas de saúde.

Quem executa as políticas de for-

mação e as políticas intersetoriais de

educação permanente em saúde, en-tretanto, não é e não pode ser apenaso(s) gestor(es) do SUS. Quem participada execução das políticas de formaçãoe das políticas intersetoriais de educa-ção permanente em saúde precisa estarentre os atores da negociação, da pac-tuação e da aprovação, até agora afas-tados dessa “convocação” ou previsãode atuação protagonista direta.

Uma política de educação parao SUS envolve não somente o desen-volvimento dos profissionais de saú-de que já estão trabalhando no SUS,mas estudantes, docentes, pesquisa-dores, gestores do ensino e gestores

A educação

permanente

em saúde

configura

o desdobramento de

vários movimentos

de mudança

na formação

dos profissionais de

saúde, na atenção

em saúde,

na gestão

setorial e no

exercício

do controle social.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004

12

de informação científico-tecnológica,que estão em seus respectivos nichosocupacionais, de formulação de pactose políticas ou de produção de práticase redes sociais. Uma política interseto-rial e de interface tem de ser produzidade maneira intersetorial e em interface,por isso as instâncias constituídas doSUS (comissões intergestores e conse-lhos) não são suficientes como palcode pactuação para as políticas de edu-cação na saúde. Uma comissão perma-nente apenas entre ensino e serviço éinsuficiente e uma comissão interseto-rial territorializada na mesma esfera dosconselhos de saúde excede ou carecedos territórios reais onde a produçãode ensino, pesquisa, extensão educati-va, documentação científico-tecnológi-ca e histórico-documental e educaçãopopular em saúde acontecem.

O território de que falo não éfísico ou geográfico: o trabalho ou alocalidade. O território é de inscriçãode sentidos no trabalho, por meio dotrabalho, para o trabalho. Deseja-secomo efeito de aprendizagem a pre-valência da sensibilidade, a destrezaem habilidades (saber-fazer) e a fluên-cia em ato das práticas. Para habitarum território, será necessário explorá-lo, torná-lo seu, ser sensível às suasquestões, ser capaz de movimentar-sepor ele com ginga, alegria e descober-ta, detectando as alterações de paisa-gem e colocando em relação fluxosdiversos, não somente cognitivos, téc-nicos e racionais, mas políticos, co-municacionais, afetivos e interativos nosentido concreto, e isso é detectávelna realidade (CECCIM, 2005).

A educação permanente em saú-de projetada pela proposta de Pólossupõe um processo de construção decompromissos sociais e da relevânciapública interinstitucional e locorregio-nal, sob os olhos uns dos outros, e docontrole da sociedade em matéria depolíticas públicas de saúde.

Há uma virada de muitos valo-res. Dar possibilidade, então, à forma-ção e ao desenvolvimento para o SUSserá, também, conquistar uma cro-nologia da implicação em que nãohá quantidade de tempo, tampoucocontinuidade evolutiva de mutações,mas o crescimento dos compromissoscom a educação permanente ou coma permeabilidade da educação às ne-cessidades sociais em saúde e de for-talecimento dos princípios e diretrizesdo SUS (CECCIM, 2005).

Quadrilátero da formação:

articulação entre formação,

gestão, atenção e participação

Temos enormes dificuldadespara transformar as práticas de saúde.A integralidade e a intersetorialidadetêm enorme dificuldade de sair do pa-pel, pois envolvem pensamento, sabe-res e práticas no ensino, na gestão, nocontrole social e na atuação profissio-nal. Os gestores do SUS que queremtransformar as práticas reclamam queos profissionais vêm para o SUS comformação inadequada, que os estudan-tes não são expostos às melhoresaprendizagens e que as universidadesnão têm compromisso com o SUS.

Os docentes e as escolas quequerem mudar a formação reclamamque as unidades de saúde não prati-cam a integralidade, não trabalhamcom equipes multiprofissionais, sãodifíceis campos de prática e que osgestores são hostis em produção depactos de reciprocidade. As duas re-clamações são verdadeiras, por isso éque a transformação das práticas desaúde e a transformação da formaçãoprofissional em saúde têm de ser pro-duzidas em conjunto. Por mais traba-lhoso que isso seja.

A interação entre os segmentosda formação, da atenção, da gestão edo controle social em saúde deveriapermitir dignificar as características

A interação entre

os segmentos

da formação, da

atenção, da ges-

tão e do controle

social em saúde

deveria permitir

dignificar as carac-

terísticas

locais, valorizar as

capacidades

instaladas,

desenvolver as

potencialidades

existentes em

cada

realidade,

estabelecer

a aprendizagem

significativa

e a efetiva e

criativa capacidade

de crítica, bem

como

produzir sentidos,

auto-análise e

autogestão.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004

13

locais, valorizar as capacidades insta-ladas, desenvolver as potencialidadesexistentes em cada realidade, estabe-lecer a aprendizagem significativa e aefetiva e criativa capacidade de críti-ca, bem como produzir sentidos, auto-análise e autogestão.

Entre os elementos analisadorespara pensar/providenciar a educaçãopermanente em saúde estão os compo-nentes do Quadrilátero da Formação (CEC-CIM; FEUERWERKER, 2004; CECCIM, 2005):

a) análise da educação dos pro-fissionais de saúde, buscando mudar aconcepção hegemônica tradicional e aconcepção lógico-racionalista, elitistae concentradora da produção de co-nhecimento;

b) análise das práticas de aten-ção à saúde, buscando a integralidade,a humanização e a inclusão da partici-pação dos usuários no projeto terapêu-tico como nova prática de saúde;

c) análise da gestão setorial,buscando modos criativos e originaisde organizar a rede de serviços se-gundo a acessibilidade e a satisfaçãodos usuários;

d) análise da organização social,buscando o efetivo contato e permea-bilidade às rede sociais que tornam osatos de saúde mais humanos e de pro-moção da cidadania.

A mudança na formação e nodesenvolvimento por si só ajuda, masessa mudança como política instaura-se em mais lugares, todos do Quadri-látero, pois todos eles estãoconformados em acoplamento. Comoem um jogo de vasos comunicantes,cada interferência ou bloqueio afetaou produz efeito de um sobre todos.Tanto a incorporação sem crítica detecnologias materiais como a eficáciados cuidados ofertados, os padrões deescuta, as relações estabelecidas comos usuários e entre os profissionais re-presentam a interferência ou bloqueio

da educação permanente em saúde. As-sim, afetam ou produzem efeito sobreos processos de mudança.

Para o setor da saúde, a estéticapedagógica da educação permanenteem saúde é a de introduzir a experiên-cia da problematização e da invençãode problemas. Esta estética é condiçãopara o desenvolvimento de uma inteli-gência proveniente de escutas, de práti-cas cuidadoras, de conhecimentosengajados e de permeabilidade aos usu-ários, isto é, uma produção em ato dasaprendizagens relativas à intervenção/interferência do setor no andar da vidaindividual e coletiva.

O convite que vem sendo feitoaos Pólos é o de trabalhar com a se-guinte pergunta: quais são os proble-mas que afastam nossa locorregião daatenção integral à saúde? A partir daí,deve-se identificar, em oficinas de tra-balho, quais os nós críticos (os proble-mas que podem ser abordados e quevão fazer diferença) e, somente então,organizar as práticas educativas.

Conclusão

Não temos visões iguais quandoestá em disputa o modelo tecnicista ecentrado na doença ou a abordagemintegral e humanística centrada nas ne-cessidades de saúde. Estudantes e mo-vimentos populares, gestores do SUSe docentes da área da saúde estão im-plicados sempre em processos de dis-puta ideológica que acontecemdurante a formação e nos exercíciosda participação. Estudantes e movi-mentos populares por sua dispersãoe profusão precisam construir canaisde comunicação com a produção deconhecimento, com a gestão do SUSe com o controle social em saúde.Estudantes e movimentos popularesnos Pólos são aliados para a mudan-ça da atenção, da gestão e da forma-ção em saúde voltada às necessidadesda população brasileira e afetam a

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004

14

implementação do ensino, da atençãoe da gestão em saúde.

Construir o processo de formu-lação e implementação da política deeducação permanente em saúde parao SUS é uma tarefa para coletivos, or-ganizados para essa produção, nos ter-mos da Portaria 198/GM/MS, de 13 defevereiro de 2004, que instituiu a Polí-tica Nacional de Educação Permanen-te em Saúde, operacionalizada pormeio dos Pólos de Educação Perma-nente em Saúde.

O Projeto de cada Pólo se com-põe por um Plano Diretor e um Planode Atividades. A aprovação do PlanoDiretor configura a instalação do Póloe a legitimação de suas diretrizes polí-ticas. O Projeto de Atividades é o pla-no de ações educativas para as quaisserão indicadas instituições executo-ras e que contarão com o apoio finan-ceiro do Ministério da Saúde. Os doisinstrumentos podem ser apresentadosconjuntamente, mas não necessariamen-te. Uma vez constituído o Plano Dire-tor, um ou vários Planos de Atividadepodem suceder-lhe, sendo apresenta-dos ao Ministério da Saúde de formasistemática e de acordo com as pactu-ações internas do Pólo em funciona-mento, sem necessidade de novo PlanoDiretor. O Plano Diretor e todos osPlanos de Atividade a ele ligados con-figuram o projeto global do Pólo.

Nosso objetivo é que os atoresnos Pólos trabalhem com um conceitoampliado de saúde, saibam que nãosão apenas os aspectos biológicos osque necessitam da atualização dos pro-

fissionais e que determinam o proces-so saúde-doença individual ou coleti-vo ou as chances de sucessoterapêutico. Também esperamos queos atores nos Pólos desenvolvam re-cursos de educação para levar em contatodas as dimensões e fatores que re-gulam, qualificam e modificam o tra-balho. Para tanto, é preciso que sejaampliada sua capacidade de escuta deprocessos, de responsabilização pelamudança das práticas e de mobiliza-ção de autorias. É preciso que os pro-cessos de formação e desenvolvimentoofereçam oportunidade de desenvol-ver o trabalho em equipe multiprofis-sional e de caráter interdisciplinar.Esperamos formar profissionais cujacompetência técnica inclua outros atri-butos que não os tradicionais, poisambos são indispensáveis para ofere-cer atenção integral à saúde humani-zada e de qualidade.

Na saúde, nunca foi proposta go-vernamental a organização de coleti-vos e redes para a formação e odesenvolvimento, pertencendo unica-mente às experiências populares quedesafiam instituídos e tradições. Con-cretamente, a política de educaçãopermanente em saúde está colocandoem ação uma prática rizomática de en-contros e produção de conhecimento.A disseminação dos Pólos e de capa-cidade pedagógica descentralizada ge-rou novos atores para o SUS, para asua construção política (e não progra-mática), para a produção da saúde nosatos, nos pensamentos e no desejo deprotagonismo pelo SUS, compreenden-do seus princípios e diretrizes.

Na saúde, a

organização de

coletivos e redes

para a formação e

o desenvolvimento

nunca foi proposta

governamental,

pertencendo

unicamente

às experiências

populares

que desafiam

instituídos e

tradições.

CECCIM, R. B. Diretrizes do SUS constitucional e considerações fundamentais. Logos Cano-as/RS, 5(1): 35-40, 1993.

CECCIM, R. B. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface– comunic, saúde, educ. (Botucatu/SP). 2005; 9(16): 161-177.

Referências

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004

15

CECCIM, R. B.; ARMANI, T. B.; ROCHA, C. M. F. O que dizem a legislação e o controle socialem saúde sobre a formação de recursos humanos e o papel dos gestores públicos, noBrasil. Ciênc Saúde Colet. Rio de Janeiro/RJ, 7(2): 373-383, 2002.

CECCIM, R. B.; ARMANI, T. B.. Gestão da educação em saúde coletiva e gestão do SistemaÚnico de Saúde. In: FERLA, A. A.; FAGUNDES, S. M. S (Org.). Tempo de inovações: a experi-ência da gestão na saúde do Rio Grande do Sul. Porto Alegre (RS): Dacasa/Escola deSaúde Pública/RS; 2002. p. 143-162.

CECCIM, R. B.; CAPOZZOLO, A. A. Educação dos profissionais de saúde e afirmação davida: a prática clínica como resistência e criação. In: MARINS, J. J. N.; REGO, S.; LAMPERT,J. B.; ARAÚJO, J. G. C. Educação médica em transformação: processos de mudança econstrução de realidades. São Paulo (SP). Hucitec; Rio de Janeiro (RJ): Abem, 2004.

CECCIM, R. B.; FEUERWERKER, L. C. M. O quadrilátero da formação para a área da saúde:ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: revista de saúde coletiva, Rio de Janeiro/RJ, 14(1): 41-65, 2004.

CECCIM, R. B.; JAEGER, M. L.; MACHADO, M. H. Gestão do trabalho e da educação nasaúde. Rev. Bras. Saúde Família, Brasília/DF, 86-103, 2004. 7 ed. especial

CECCIM, R. B. Equipe de saúde: a perspectiva interdisciplinar na produção dos atosterapêuticos. In: PINHEIRO, R.; MATTOS R. A. (Org.). Cuidado: as fronteiras da integralidade.São Paulo: Hucitec; 2004. p. 259-278.

CECCIM, R. B. Saúde e doença: reflexão para a educação da saúde. In: MEYER, D. E. E.(Org.). Saúde e sexualidade na escola. 3 ed. Porto Alegre: Mediação, 2001. p. 37-50.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004

16

Resumo

A transição nutricional refere-se amodificações no perfil nutricional dapopulação, caracterizada pela reduçãoda prevalência de desnutrição e au-mento da prevalência da obesidade.Em meio a essa mudança no perfilnutricional, destaca-se como causa econseqüência a transição epidemioló-gica, marcada por um modelo polari-zado de transição que se caracterizapela coexistência de doenças infecci-osas e não transmissíveis. A transiçãonutricional é descrita neste artigo ba-seando-se em três inquéritos nacionaisde base populacional realizados em1974/1975, 1989 e 1996, avaliando-sea prevalência de desnutrição e obesi-dade segundo sexo, idade e macrorre-gião brasileira, bem como suas

possíveis causas e conseqüências.

Palavras-chave

Transição epidemiológica, transição

nutricional, obesidade, desnutrição.

A transição nutricional no contexto

da transição demográfica e

epidemiológica

M.Sc. Ronaldo Coimbra de Oliveira1

1 Nutricionista da

Secretaria Estadual de

Saúde de Minas Gerais.

The nutritional transition in thecontext of the demographic and

epidemiologic transition

Abstract

The nutritional transition is about thechanges in the population nutritionalprofile, characterized by the reductionof the undernourishment prevalence andincreasing of the obesity prevalence.Around this change in the nutritional pro-file, the epidemiologic transition standsout as cause and consequence, markedby a polarized transition model that ischaracterized by the coexistence of in-fectious and non-transmissible diseases.The nutritional transition is described inthis article based in three national inqui-ries of population base accomplished in1974/1975, 1989 and 1996, evaluating theprevalence of undernourishment andobesity according to sex, age and Brazi-lian macro region, as well as its possi-ble causes and consequences.

Key-Words

Epidemiologic transition, nutritionaltransition, obesity, undernourishment.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – JUL./DEZ.2004

17

Introdução

O Brasil e diversos países daAmérica Latina experimentaram, nosúltimos vinte anos, uma rápida tran-sição demográfica, epidemiológica enutricional. As características e os es-tágios de desenvolvimento da transi-ção diferem entre os vários paísesda América Latina, com alguns emestágios avançados e outros, não. Noentanto, um ponto chama a atenção:o marcante aumento na prevalênciade obesidade nos diversos subgru-pos populacionais para quase todosos países latino-americanos (KAC; VE-LÁSQUEZ-MELANDEZ, 2003).

Pretende-se, com este artigo,avaliar o perfil nutricional da popu-lação brasileira nas três últimas déca-das, baseando-se nos inquéritosnutricionais realizados em 1974/1975,1986, 1996.

Desenvolvimento

O processo de transição demo-gráfica foi descrito pela primeira vezpor volta da década de quarenta, refe-rindo-se aos efeitos que as mudançasnos níveis de fecundidade, natalidadee mortalidade provocam no ritmo decrescimento populacional e na estru-tura por idade e sexo (VERMELHO; MON-TEIRO, 2003).

A teoria da transição demográfi-ca postula que os países tendem a per-correr, progressivamente, quatro estágiosna sua dinâmica populacional. O pri-meiro estágio é caracterizado por umequilíbrio populacional decorrente dasaltas de natalidade e mortalidade, prin-cipalmente infantil. No estágio seguinte,ocorre a explosão demográfica deri-vada da redução da taxa de mortalida-de infantil e a conservação da alta taxade fecundidade. No terceiro estágio, aredução acelerada das taxas de fecun-didade e baixas taxas de mortalidadelevam ao fenômeno do envelhecimen-to da população, processo no qual o

Brasil se encontra (SCHKNOLKIK, 1996).O quarto e último estágio da transi-ção demográfica, conhecido como fasemoderna da transição, caracteriza-sepor baixas taxas de fecundidade e mor-talidade, que proporcionam um equi-líbrio populacional (PEREIRA, 1995).

Concomitantemente à transiçãodemográfica, ocorrem mudanças nospadrões de morbimortalidade de umacomunidade, o que se convencionouchamar de transição epidemiológica.Frederiksen (1969) considerou impor-tante conhecer os padrões de morbi-mortalidade das sociedades para oentendimento da transição demográ-fica, porém foi Omran (1971) um dosprimeiros autores a definir o termotransição epidemiológica como umprocesso de modificação nos padrõesde morbimortalidade, que ocorreria emestágios sucessivos e seguindo a tra-jetória de um padrão tradicional paraum padrão moderno. Omran (1996)propõe quatro estágios de evoluçãoda transição epidemiológica e umquinto em potencial:

• Período das pragas e da fome;

• Período do desaparecimentodas pandemias;

• Período das doenças degene-rativas e provocadas pelo homem;

• Período do declínio da mor-talidade por doenças cardiovascula-res, modificações no estilo de vida,doenças emergentes e ressurgimentode doenças;

• Período de longevidade para-doxal, emergência de doenças enig-máticas e capacitação tecnológicapara a sobrevivência do inapto.

O caráter linear e unidirecionalsugerido pelos estágios da transiçãoepidemiológica pode ter sido observa-do em países desenvolvidos no deno-minado modelo clássico de transição.Para a maioria dos países da América

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – JUL./DEZ.2004

18

Latina, inclusive o Brasil, observa-seum modelo tardio e polarizado de tran-sição, no qual há uma superposiçãodas doenças ditas do atraso sobre asdoenças da modernidade (FRENK et al.,1991), pois, apesar de decréscimo glo-bal das taxas de mortalidade e da di-minuição da mortalidade proporcionalpor doenças infecciosas e parasitárias,a mortalidade decorrente dessa causaainda permanece elevada no Brasil, exi-gindo atenção por parte dos setorescompetentes (PAES, 1999).

O Brasil tem experimentado, nasúltimas décadas, importantes transfor-mações no seu padrão de morbimor-talidade, relacionadas, principalmente,às seguintes condições:

• A redução da mortalidade pre-coce, especialmente aquela ligada adoenças infecciosas e parasitárias;

• O aumento da expectativa devida ao nascer, com o conseqüente in-cremento da população idosa;

• O processo acelerado de ur-banização e de mudanças sociocultu-rais que respondem, em grande parte,pelo aumento dos acidentes e das vio-lências (MINAIO, 2002; SILVA JR; GOMES,2003).

No modelo polarizado de transi-ção epidemiológica brasileiro configura-se o modelo análogo de transiçãonutricional, no qual a coexistência deobesidade e subnutrição passa ser umfato marcante observado na sociedade,principalmente, nas três últimas décadas.

O conceito de transição nutrici-onal refere-se a mudanças secularesnos padrões de nutrição, dadas as mo-dificações da ingestão alimentar, comoconseqüência de transformações eco-nômicas, sociais, demográficas e sani-tárias (OPAS, 2000). A inversão nostermos de ocupação do espaço físico,quando passamos a ser um país fun-damentalmente urbano; a melhoria dascondições de saúde, decorrente, emparte, da importação de tecnologia

médica e da melhoria das condiçõesde saneamento básico; e maior parti-cipação dos trabalhadores no setor ter-ciário da economia são exemplos,dentre outros, de transformações queinterferem diretamente na geração derenda, estilos de vida e, especialmen-te, no perfil nutricional da população(BATISTA FILHO; RISSIN, 2003).

Escoda (2002) aborda a situaçãonutricional no Brasil nas três últimasdécadas, relatando que, até a décadade 1970, o quadro nutricional estevefortemente marcado por surtos epidê-micos de fome, que estavam geográfi-ca e socialmente localizados, com altosíndices de prevalência das formas gra-ves e severas de desnutrição energéti-ca protéica (DEP). Diferentemente dadécada de 1970, na de 1980 a situaçãonutricional passou a ser caracterizadapor uma deficiência global de nutrien-tes, distribuindo-se de forma generali-zada por todo o país. Na década de1990, além da manutenção do graveproblema da DEP, especialmente emalgumas regiões como o Nordeste e oNorte, observou-se o acréscimo da obe-sidade, diabetes e dislipidemias (SA-WAYA, 1997; ESCODA, 2002).

Escoda (2002) reconhece impor-tância na redução da prevalência de to-das as formas de desnutrição ocorridasnas três últimas décadas e afirma queessa queda decorre, em parte, da espe-cificidade dos indicadores utilizados paraa avaliação da situação nutricional dapopulação infantil, que prioriza os ca-sos graves em detrimento das formasmais crônicas de desnutrição.

É importante relatar que somen-te a partir de 1975 dispõe-se, no Bra-sil, de inquéritos representativos dasituação nutricional do País e de suasdiferentes macrorregiões, apesar dosvários estudos de acompanhamento doestado nutricional realizado em diver-sas regiões, estados e municípios. Emâmbito nacional, três estudos são

É importante

relatar que somen-

te a partir de

1975

dispõe-se, no Bra-

sil, de inquéritos

representativos

da situação

nutricional do País

e de suas

diferentes

macrorregiões,

apesar dos vários

estudos de acom-

panhamento do

estado nutricional

realizado

em diversas

regiões, estados e

municípios.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – JUL./DEZ.2004

19

utilizados por diversos autores paradescrever a evolução da transição nu-tricional (BARRETO; CARMO, 1995; ESCO-DA, 2002; BATISTA FILHO; RISSIN, 2003).

1. ENDEF (1974/75) — Estudo Naci-

onal de Despesas Familiares, reali-

zado pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística — IBGE, no

qual foram avaliados todos os mem-

bros dos 55.000 domicílios selecio-

nados para o estudo. O consumo

médio per capta diário de alimen-

tos, estimado pela pesagem direta de

alimentos consumidos e as medidas

antropométricas, questionadas pela

inadequação do equipamento utili-

zado, foram alguns dados obtidos

desse inquérito.

2. PNSN — Pesquisa Nacional sobre

Saúde e Nutrição, realizada no ano

de 1989 pelo Instituo Nacional de Ali-

mentação e Nutrição — INAN / MS,

na qual foram avaliados todos os

membros de 14000 domicílios seleci-

onados (Ministério da Saúde, 1990).

3. PNDS — Pesquisa Nacional sobre

Demografia e Saúde, promovida pela

Sociedade de Bem-Estar Familiar —

BEFAM — no Brasil, em 1986, com uma

sub-amostra da PNAD — Pesquisa Na-

cional por Amostragem de Domicílio,

Tabela 1 – Prevalência de agravos nutricionais em crianças brasileiras menores de cincoanos de idade nos anos de 1974/75, 1989 e 1996

Fonte: Adaptado de MONTEIRO; MONDINI; 1997.

Nota: 1 Índice peso / idade

2 Índice peso / altura

Tabela 2 – Evolução do retardo estatural de menores de cinco anos, no Brasil, por grandesregiões e estratos urbanos e rurais (1974/75, 1989, 1996)

Fonte: Adaptado de BATISTA FILHO; RISSIN, 2003.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – JUL./DEZ.2004

20

na qual avaliaram-se apenas crianças

menores de 5 anos e suas respectivas

mães (Ministério da saúde, 1996).

Em relação às crianças menoresde 5 anos, destacam-se a estabilidadede baixas proporções de crianças comsobrepeso e a enorme queda da des-nutrição ao longo dos três inquéritosestudados, como observados na Tabe-la 1 (MONTEIRO,1999).

Entretanto, ainda que essa redu-ção tenha ocorrido em todo o país, nãoocorreu de maneira uniforme, confor-me atesta Batista Filho e Rissin (2003).Segundo esses autores, tomando comoreferência o déficit estatural, que repre-senta o efeito cumulativo do estressenutricional sobre o crescimento esque-lético, observa-se na Tabela 2, que en-tre 1975 e 1989, a diminuição daprevalência do retardo de estatura foimais rápida no meio urbano da regiãoCentro-Sul (englobando o Sudeste, o Sule o Centro-Oeste), com um declínio de20,5% para 7,5%, enquanto no Norte aredução foi de 39,0% para 23% e, noNordeste, de 48,0% para 23,8%.

Analisando os estudos nacionaisde 1974/1975 e 1989, Monteiro (2000)afirmou que, no período estudado, aobesidade elevou-se em todas os ní-veis de renda, mas o aumento foi mai-or entre os indivíduos que pertenciama famílias de menor renda per capita,ou seja, à pobreza, e, a partir de 1989,deixou de ser um fator de proteçãopara a obesidade. O autor apontou,também, a diminuição da desnutriçãoem todos os níveis de renda familiarestudados, com o virtual desapareci-mento da mesma entre os adultos derenda mais alta. Apesar da redução dadesnutrição no país, estudos continu-am apontando para altas prevalências,especialmente em regiões mais pobres(TONIAL, 2002).

Monteiro (1999), analisando osdados do inquérito realizado nas regi-ões Sudeste e Nordeste em 1996/1997,

pelo Instituto Brasileiro de Geoestatís-tica (IBGE), denominado Pesquisa dosPadrões de Vida (PPV), revela que oshomens continuaram a apresentar au-mento de prevalência da obesidade nasduas regiões — cerca de 4,7% e 8,0%,nas regiões Nordeste e Sudeste, res-pectivamente, ao passo que entre asmulheres, a obesidade aumentou deforma expressiva no Nordeste e dimi-nui ligeiramente no Sudeste — cercade 12,3% e 12,4% nas regiões Nordestee Sudeste.

É evidente que as diferenciaçõesgeográficas expressam diferenciaçõessociais na distribuição da obesidade. Emprincípio, existiria maior prevalência desobrepeso/obesidade nas regiões maisricas, sendo essa condição o fator dis-criminante dos cenários epidemiológi-cos entre o Nordeste e o Sudeste doBrasil. Assim, nessa perspectiva, no en-tanto, já se desenha outra tendência: oaumento da ocorrência da obesidadenos extratos de renda mais baixa, noperíodo de 1989 a 1996, enquanto ocomportamento ascendente do proble-ma começa a se interromper entre asmulheres adultas de renda mais eleva-da (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003).

Segundo Najas (1994), os resul-tados encontrados na PNSN revelamum novo direcionamento da relaçãoentre obesidade e níveis de renda e es-colaridade. O maior desenvolvimentode algumas regiões tornam essa rela-ção negativa pelo acesso à informaçãoe a produtos mais diversificados nomercado.

Entre os aspectos explicitadospor Recine e Radaelli para justificar asaltas prevalências de obesidade no paísestão:

• estrutura demográfica: as pes-soas concentram-se mais nas cidades,onde gastam menos energia e têmacesso a variados tipos de alimentos,principalmente industrializados;

Os padrões

nutricionais

sofrem alterações

a cada século,

resultando em

mudanças na

dieta dos

indivíduos.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – JUL./DEZ.2004

21

• redução do tamanho da famí-lia: aumento da disponibilidade de ali-mento na família;

• dieta desequilibrada: predomí-nio de alimentos muito calóricos e defácil acesso (cereais, óleo e açúcar) àpopulação mais carente.

Os padrões nutricionais sofremalterações a cada século, resultando emmudanças na dieta dos indivíduos. Oséculo XX foi marcado por uma dietarica em gorduras (principalmente asde origem animal), açúcar e alimentosrefinados e reduzida em carboidratoscomplexos e fibras. O predomínio des-sa dieta tem contribuído, juntamentecom declínio progressivo da atividadefísica, para o aumento da obesidade.

Apesar de os dados sobre o pa-drão alimentar da população do paísserem escassas e irregulares, as infor-mações disponíveis mostram que, nosúltimos 20 anos, o brasileiro passou aconsumir mais alimentos de origemanimal e menos grãos e cereais (MONDI-NE; MONTEIRO, 1994). Em algumas regi-ões, o consumo de gordura está acimada recomendação máxima de 30% dascalorias totais (INAN, 1997) e a propor-ção de adultos obesos aumentou emmais de 50% desde a realização, no iní-cio da década de 1970, do Estudo Naci-onal de Despesa Familiar (MONDINI;MONTEIRO, 1994; MONTEIRO; MONDINI, 2000).

Em estudo realizado, no qual fo-ram avaliadas as mudanças na com-posição e adequação nutricional dadieta familiar nas áreas metropolitanasdo Brasil, no período de 1988 a 1996,Monteiro et al. (2000) concluíram quepermanece a tendência ascendente daparticipação relativa dos lipídios na di-

eta do Norte e do Nordeste, bem comoo aumento no consumo de ácidos gra-xos saturados em todas as áreas me-tropolitanas do país. O autor tambémrevelou a redução do consumo de car-boidratos complexos, a estagnação oua redução de consumo de legumino-sas, verduras, legumes e frutas e o au-mento no consumo de açúcares, quesão traços marcantes e negativos daevolução do padrão alimentar no perí-odo avaliado, ou seja, de 1988 a 1996.Nesse mesmo trabalho, o autor reve-lou mudanças registradas apenas naregião Centro-Sul do país, que poderi-am indicar a adesão da população adietas mais saudáveis, como o declí-nio no consumo de ovos e o recuodiscreto da elevada proporção de ca-lorias lipídicas.

Considerações finais

Diante do aumento da prevalên-cia da obesidade nos estratos de rendae escolaridade mais inferiores, a redu-ção da desnutrição nos bolsões de mi-séria, aliada a patologias decorrentesda evolução social, como o câncer eas doenças cardiovasculares, nos re-mete à complexidade da situação epi-demiológica nutricional pela qual passao Brasil, exigindo da agenda do setorde saúde os sentidos e a práxis daintegralidade, da eqüidade e da uni-versalidade na assistência médica, alémde sinalizar a importância de estudosque acompanhem a evolução nutricio-nal das populações, subsidiando os for-muladores e executores de políticaspúblicas na criação ou ajuste de inter-venções condizentes com a dinâmicados processos nutricionais.

Apesar de os

dados sobre o

padrão alimentar da

população do país

serem escassas

e irregulares,

as informações

disponíveis mostram

que, nos

últimos vinte anos,

o brasileiro passou a

consumir mais

alimentos de origem

animal e menos

grãos e cereais.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – JUL./DEZ.2004

22

BARRETO, M. L.; CARMO, E. H. Mudanças em padrões de morbimortalidade: conceitos emétodos. In. MONTEIRO, C. A. Velhos e novos males de saúde no Brasil: a evolução do paíse de suas doenças. São Paulo: Hucitec, 1995.

BATISTA FILHO, M; RISSIN, A. A transição nutricional no Brasil: tendências regionais e tem-porais. Cadernos de Saúde Pública, 19 (1), S 181-S 191, 2003.

ESCODA, M. S. Q. Para a crítica da transição nutricional. Ciência & Saúde Coletiva, 7(2):219-226, 2002.

FREDERIKSEN, H. Feedbacks in economics and demographic transition. Science, 166:837-847, 1969.

FRENK, J.; FREJKA, T.;BOBADILHA, J. L.; STERN, C.; LOZANO, R.; JOSÉ, M. La transiciónepidemiológica en América Latina. Bol. Of. Sanit. Panam., 111(6): 485-496, 1991.

INAN/MINISTÉRIO DA SAÚDE. FIBGE. IPEA. Pesquisa nacional sobre saúde e nutrição: resul-tados preliminares. Brasília: Cultura, 1990.

INAN/MINISTÉRIO DA SAÚDE. Estudo multicêntrico sobre o consumo de alimentos. Campi-nas, 1997. Mimeo.

KAC, G.; VELÁSQUEZ – MELANDEZ, G. A transição nutricional e a epidemiologia da obesida-de na América Latina. Cadernos de Saúde Pública, 19, (1), S4-S5, 2003.

MINAYO, M. C. O Brasil falando como quer ser tratado. Revista de Saúde, Ano 3, n. 3,Conselho Nacional de Saúde – CNS, 2002.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Pesquisa nacional sobre demografia e saúde. Brasília, 1996.

MONDINI, L; MONTEIRO, C. A. Mudanças no padrão de alimentação da população urbanabrasileira: 1962-1988. Revista de Saúde Pública, 28 (6): 433-9, 1994.

MONTEIRO, C. A. Evolução do perfil nutricional da população brasileira. Saúde em Foco, Riode Janeiro, n. 18, 1999.

MONTEIRO, C. A. La transición en el Brasil. In. LA OBESIDAD en la pobreza. OrganizaciónPanamericana de la Salud. Washington, Publicación Científica, 2000, n. 576. p. 73-83.

MONTEIRO, C. A.; MONDINI, L.; COSTA, R. B. L. Mudanças na composição e adequaçãonutricional da dieta familiar nas áreas metropolitanas do Brasil (1988 – 1996). Revista deSaúde Pública, 34(3): 251-258, 2000.

NAJAS, M. S.; ANDRAZZA, R.; SOUZA, A. L. M.; SACHS, A.; GUEDES, A. C. B.; SAMPAIO, L. R.;RAMOS, RAMOS, L. R.;TUDISCO, E. S. Revista de Saúde Pública, 28(3): 187-91, 1994.

OMRAN, A. R. The epidemiologic transition in the Américas. Pan-American Health Organization& University of Mayland at College Park, 1996.

OMRAN, A. R. The epidemiologic transition: a theory of the epidemiology of population change.Milbank Mem. Fund. Q., 49: 509-583, 1971.

ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. La obesidad en la pobreza: un nuevo reto parala salud publica, Washington, D. C.: OPS, 2000. n. 576, p. 132.

PAES, N. A.; SILVA, L. A. A. Infectious and parasitic diseases in Brazil: a decade of transition.Pan American Journal of Public Health (PAHO), 6:99-109, ago. 1999.

PEREIRA, M. G. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995. p.596.

RECINE, E.; RADAELI, P. Obesidade e desnutrição. Brasília NUT/FS/UnB – ATAN/DAB /SPS /MS.

SAWAYA, A. L.; FERRARI, A. A.; UGNEBU, C. H.; SOLYMOS, G. M.; VIEIRA, M.F.A.; SOUZA, M.H. N. Desnutrição urbana no Brasil em um período de transição. São Paulo: Cortez, 1997.

Referências

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – JUL./DEZ.2004

23

SCHKOLNIK, S. Tendencias demográficas en América latina: desafíos para la equidad en elámbito de la salud. In: REUNIÓN CONJUNTA DE LA ASOCIACIÓN INTERNACIONAL DEESTADÍSTICOS ESPECIALIZADOS EN ENCUESTAS Y LA ASOCIACIÓN INTERNACIONAL DEESTADÍSTICOS OFICIALES SOBRE ESTADÍSTICAS PARA EL DESARROLLO ECONÓMICO Y SOCI-AL, Aguascalientes, México, 1998.

SILVA JR., J. B.; GOMES, F. B.; CEZÁRIO, A. C.; MOURA, L. Doenças e agravos nãotransmissíveis: bases epidemiológicas. In: ROUQUAYROL, M. Z.; FILHO, N. A. Epidemiologia& Saúde. 6. ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 2000.

TONIAL, S. R. Os desafios da atenção nutricional diante da complexidade no Brasil. Ciência& Saúde Coletiva, 7(2): 227-234, 2002.

VERMELHO, L. L.; MONTEIRO, M. F. G. Transição demográfica e epidemiológica. In:MEDRONHO, R. A. Epidemiologia. Rio de Janeiro: Atheneu, 2003. p. 91-103.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – JUL./DEZ.2004

24

1 Mestre em pediatria,

Faculdade de Medicina

da UFMG; Doutor em

cardiologia, Faculdade

de Medicina da USP-SP/

Incor; Coordenador do

Setor de Avaliação

Tecnológica da Saúde –

DRA/SAS da Secretaria

de Estado da Saúde de

Minas Gerais; Assessor

para a área de pesquisa

da DIREP/FHEMIG.

Endereço para

correspondência:

Alameda Guilherme

Henrique Daniel, 94,

30.220-200,

Belo Horizonte, MG, Brasil

[email protected]

2 Consultor de

Desenvolvimento de

Sistemas e Serviços de

Saúde. Consultor da

Secretaria de Estado de

Saúde de Minas Gerais.

3 Superintendente de

Atenção à Saúde da

Secretaria de Estado de

Saúde de Minas Gerais.

4 Diretor de Redes

Assistenciais da

Secretaria de Estado de

Saúde de Minas Gerais.

Resumo

Objetivos: Obter evidências para ori-

entar o gestor de saúde quanto à imple-

mentação de serviços de cirurgia cardíaca.

Método: Revisão assistemática da litera-

tura.

Resultados: Exceto o pólo macrorregio-

nal do Jequitinhonha, todos os outros con-

templam o critério populacional de 500 mil

habitantes para instalação de um serviço de

cirurgia cardíaca. Os poucos serviços de ci-

rurgia cardíaca que apresentavam grande vo-

lume e os que realizaram um volume mínimo

de 150 cirurgias/ano estão, em sua maioria,

apresentando estabilidade ou tendência de-

crescente no volume desses procedimen-

tos. Alguns, com volume abaixo de 200

cirurgias/ano, apresentam tendência incre-

mental. A maioria (88%) dos serviços de ci-

rurgia cardíaca apresenta taxa de mortalidade

acima de 5%.

Conclusão: Apesar do critério populacio-

nal ter sido contemplado, a maioria dos servi-

ços de cirurgia cardíaca não satisfaz

importantes critérios de qualidade largamen-

te utilizados para o credenciamento desse tipo

de tecnologia.

Palavras-chave

Avaliação de tecnologia em saúde, cen-

tro de evidências, cirurgia cardíaca, gestão

da saúde, saúde pública.

Prospecção de evidências científicas para

tomada de decisão na gestão da saúde

pública – A experiência da Secretaria de

Estado de Saúde de Minas GeraisRobespierre Queiroz da Costa Ribeiro1

Eugênio Vilaça Mendes2

Benedito Sacaranci Fernandes3

Mauro Chrysóstomo Ferreira4

Prospección de evidencias

científicas para la tomada

de decisión en la gestión

de la salud pública —

La experiencia de la Secretaria

da Saúde de Minas Gerais

Resumen

Objetivos: Obtener evidencias para ori-entar el gestor de salud encuanto a la imple-mentación de servicios de cirurgía cadiaca.

Método: Revisión asistemática de la lite-ratura.

Resultados: Con excepción del polo ma-crorregional de Jequitinhonha, todos los otroscontemplan el criterio poblacional de 500.000habitantes para instalar un servicio de cirurgíacardiaca. Otros servicios de cirurgía cardiacaque presentaban grán volumen y los que rea-lizaban un volumen mínimo de 150 cirurgías/año están, en su mayoría, presetando una es-tabilidad ó tendencia decreciente en el volu-men de estos procedimientos. Algunos, todavíacon volumen por debajo de 200 cirurgías/año,presentan tendencia incremental. La mayoría(88%) de los servicios de cirurgía cardiaca pre-sentan tasa de mortalidad superior a 5%.

Conclusión: Apesar del criterio poblacio-nal haber sido contemplado, la mayoría delos servicios de cirurgía cardiaca no satisface

importantes criterios de calidad ampliamen-

te utilizados para el credenciamiento de este

tipo de tecnología.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004

25

Introdução

Tem sido relatada a ocorrência

de uma crescente epidemia de doen-ças cardiovasculares isquêmicas(DCVs), tanto em países desenvolvi-dos, como naqueles em desenvolvi-mento, até mesmo o Brasil, contribuindopara altas taxas de morbidade, morta-lidade e custos em cuidados com a

saúde e, conseqüentemente, elevadacarga para a saúde pública em termosde anos de vida perdidos, ajustadospor incapacidade (AVAI ou DALY –Disability Adjusted Life Years) (MURRAY,1996; LOTUFO, 2000; LOTUFO, 2000A; GULLI-FORD, 2001; WHO, 2003). Em nível mun-

dial, estimam-se 17 milhões de óbitosa cada ano decorrentes de doenças car-diovasculares, ou seja, uma em cadatrês mortes, e seis vezes o número demortes causadas pelo HIV/AIDS (WHO,2002). Projeções para as próximas dé-cadas indicam a permanência dasDCVs como responsáveis pelas mai-ores taxas globais de mortalidade eda hipertensão arterial um aumentode 60% na sua prevalência em 2025(KEARNEY, 2005; MURRAY, 1996).

Recentemente, verificaram-se va-lores preocupantes nas taxas de preva-lência (com tendência crescente emanálise de cinco anos) de fatores derisco cardiovascular entre crianças eadolescentes da cidade de Belo Hori-

zonte, que, naturalmente, tendem a au-mentar o número de adultos com DCVsnas próximas décadas (RIBEIRO et al.

2002; ROBESPIERRE, 2004). O Estudo deCarga de Doença no Brasil mostrou queas doenças cardiovasculares são respon-sáveis pela maior carga de doença (9,6

DALY) em nosso país, seguida pelo di-abetes mellitus (5,1 DALY) (Brasil 2004).Embora as taxas de mortalidade porDCVs se encontrem em descenso nopaís, espera-se, com a acelerada epi-demia de excesso de peso, que essastaxas voltem a apresentar curva ascen-

dente (LOTUFO 2000a ).

Também por esses expressivosvalores de morbimortalidade, as doen-ças cardiovasculares têm demandadoexpressivo arsenal de tecnologias paraos cuidados prestados aos pacientescom essas enfermidades. Entre as vári-as tecnologias utilizadas, a cirurgia car-díaca, particularmente a derevascularização miocárdica (CRVM),vem há várias décadas engrossando oarmamentarium terapêutico dasDCVs, com indicações precisas e be-nefícios importantes para o paciente.Entretanto, muitas vezes, serviços decirurgia cardíaca são estabelecidos semretorno adequado de benefícios à po-pulação a que assiste.

A partir da divulgação da porta-ria SAS/MS nº 210, de 15/6/2004, doMinistério da Saúde (MS-BR), recomen-dando como parâmetro populacionala existência de uma unidade de cirur-gia cardíaca para cada 500 mil habi-tantes, a Secretaria de Estado da Saúdede Minas Gerais (SES-MG) solicitou àentão recém-criada Coordenação deAvaliação de Tecnologias em Saúde aprospecção de evidências para emba-sar essa Secretaria nas decisões quan-to a implantação/implementação deserviços de cirurgia cardíaca no Esta-do. Essa tarefa consistiu, basicamente,na coleta (identificação, seleção), aná-lise e síntese de dados sobre a tecno-logia, as atividades características deum Centro de Evidências — formatoinicial escolhido para a implantaçãopaulatina dessa coordenadoria.

No estado de Minas Gerais, exis-tiam então 21 serviços de cirurgia car-díaca credenciados pelo Ministério daSaúde, distribuídos nos seguintes mu-nicípios: nove em Belo Horizonte, doisem Montes Claros, dois em Uberaba,dois em Uberlândia e os outros em Con-tagem, Divinópolis, Nova Lima, Ipatin-ga, Juiz de Fora e Patos de Minas. Onúmero de serviços de cirurgia cardía-ca para Minas Gerais, segundo o parâ-metro populacional do MS-BR, seria de

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004

26

De acordo com o

Efeito Roemer,

quanto mais se abre

vagas/leitos em um

hospital ou cidade,

mais leitos serão

preenchidos.

32 serviços, existindo um déficit de 11serviços. Em decorrência desse fato,surgiu imediata movimentação de ser-viços médicos solicitando o seu cre-denciamento no SUS.

Surgia, então, a necessidade deuma avaliação desta tecnologia pormeio de critérios baseados em evidên-cias científicas robustas, com o objeti-vo não só de conter custos em umarealidade que conta com recursos mui-to escassos, mas, também, de melho-ria da qualidade dos serviços decirurgia cardíaca.

Objetivos

O objetivo desta revisão assiste-mática foi obter evidências para orien-tar o gestor de saúde quanto àimplementação de uma tecnologia in-tensiva em saúde, a saber, serviços decirurgia cardíaca, a partir de evidênciascientíficas robustas validadas/utilizadasem outros serviços de saúde pública,privada, associações de especialidades,e a partir da literatura médica.

Metodologia

Buscou-se a identificação e ava-liação de evidências científicas que in-dicassem critérios confiáveis e válidospara nortear decisões a respeito da im-plementação de serviços de cirurgiacardíaca. As evidências foram obtidasa partir de prospecção sistemática emdiversas bases de dados, sites específi-cos de instituições públicas e priva-das, sites de busca (motores de busca)e outros. As evidências foram, então,sendo identificadas inicialmente medi-ante busca genérica (palavras de títu-los, palavras-chave e resumos). Emseguida, todas as palavras-chave comevidências relevantes foram listadas eutilizadas, posteriormente, em diver-sas combinações. A prospecção foi re-alizada em diversas fontes comoINAHTA, Cochrane Library, MEDLINE,LILACS, Google, DATASUS e Ministé-

rio da Saúde, dentre outras.

Indicadores

Um referencial teórico importanteconsistiu nos critérios utilizados pelassecretarias de saúde dos estados nor-te-americanos para a certificação deserviços de cirurgia cardíaca. De acor-do com o preenchimento desses crité-rios, o serviço de cirurgia cardíacaobtinha um documento denominadoCertificado de Necessidade (Certifica-

te of Need – CON), que atestava a realnecessidade da implantação/implemen-tação do serviço (ACC-ADVOCACY 2003).Apesar de algumas críticas, essa certi-ficação vem sendo utilizada como ins-trumento para refrear os gastosestratosféricos com a saúde, prevenira duplicação desnecessária de servi-ços de saúde e atingir um acesso eqüi-tativo aos cuidados de saúde comqualidade, a um custo razoável. Verifi-cou-se que as taxas de mortalidadede cirurgia cardíaca em estados norte-americanos cujos serviços não são re-gulamentados pelo CON foram maioresque naqueles que exigem esse certifi-cado (VAUGHAN-SARRAZIN 2002).

De acordo com o Efeito Roemer,quanto mais se abre vagas/leitos em umhospital ou cidade, mais leitos serão pre-enchidos. E com a regionalização dosserviços de cirurgia cardíaca surgem,conseqüentemente, os hospitais e cirur-giões com baixo volume de cirurgia.

Estabelecemos, então, dois pa-râmetros: os indicadores de necessida-de e os critérios de qualidade. Osindicadores de necessidade consistiamno indicador populacional (númeromínimo de indivíduos em uma comu-nidade a ser beneficiada pela tecnolo-gia em questão) e na dimensãoepidemiológica do agravo relacionadoà tecnologia (prevalência e morbimor-talidade das doenças cardiovasculares).Os critérios de qualidade basearam-seno conceito de escala ou volume, nosresultados da aplicação da tecnologia,nos recursos humanos nela utilizados(capacitação/titulação dos profissio-

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004

27

nais), nos recursos materiais, na infra-

estrutura do serviço e no acesso da

população à tecnologia. Como os re-

cursos humanos, materiais e infra-es-

trutura do serviço já constituíam

exigências do Ministério da Saúde para

o credenciamento do serviço, nos ate-

mos aos outros critérios, uma vez que

esses do Ministério teriam que ser con-

templados de antemão.

Há evidências de que em hospi-

tais com grandes volumes (quantida-

de) de cirurgia os pacientes apresentam

melhores resultados (menores taxas de

complicações e óbitos), enquanto na-

queles com pequenos volumes ou com

cirurgiões menos experientes os resul-

tados são piores (LUFT, 1990). A partir

da constatação, tem sido utilizado o

volume de cirurgias realizado como um

proxy de qualidade do serviço. As ta-

xas de mortalidade caem à medida que

o volume de cirurgia do hospital e do

cirurgião aumenta.

A maioria dos estudos tem de-

monstrado uma relação positiva entre

o volume de procedimentos cirúrgicos

cardiovasculares e os desfechos favo-

ráveis (OR < 1) (SOWDEN, 1997; AM-

NEWS, 2003). Apesar de ter sido

verificada uma redução no valor da

razão de chances (OR — Odds Ratio)

quando se ajusta por fatores de risco

inerentes ao paciente, especificamen-

te depois da inclusão do grau de seve-

ridade da doença, a unidade não é

incluída no intervalo de confiança desta

razão, permanecendo ainda valores de

benefício (SOWDEN, 1997).

Recentemente, essa relação vo-

lume/desfecho foi claramente demons-

trada em uma revisão sistemática de

57.150 pacientes submetidos a CRVM

— cirurgia de revascularização do mi-

ocárdio — em serviços diversos no es-

tado de Nova York (WU 2004). Nessa

revisão, em que o benefício da cirurgia

foi medido pela razão das chances (OR)

e ajustado pelo risco clínico do pacien-

te, verificou-se que os serviços que rea-

lizavam mais de 200 cirurgias ao ano

apresentavam mais benefícios (OR =

0,53 (IC95%

: 0,30 a 0,93) e 0,62 (IC95%

:

0,40 a 0,96), respectivamente para pa-

cientes de baixo e médio a elevado ris-

co), quando comparados aos serviços

com menos de 200 cirurgias/mês. Quan-

to à validade clínica (número necessá-

rio para tratar ou NNT), esse estudo

mostra, ainda, que os primeiros servi-

ços necessitavam operar, respectivamen-

te, 147 e 37 pacientes com os riscos já

descritos, para obter os benefícios cita-

dos. Quando se movia o ponto de cor-

te para valores acima de 200 cirurgias/

ano, o valor do benefício (OR) redu-

zia-se, enquanto o NNT aumentava, di-

minuindo, assim, o benefício e a

validade clínica do procedimento nos

pontos de corte mais elevados. Essa si-

tuação sugere, então, como ponto de

corte para o critério de volume ou es-

cala, o valor de 200 cirurgias/ano. Tam-

bém os pontos de corte utilizados como

critério de volume mínimo de CRVM/

ano, nas diversas fontes de evidências

prospectadas, mostram um valor medi-

ano em torno de 200 cirurgias/ano (Ta-

bela 1). Assim, e de acordo com a

revisão de Wu (2004), optamos por 200

cirurgias/ano como valor mínimo, para

um proxy da qualidade do serviço (Ta-

bela 1). Os valores para o indicador

populacional, recomendados pelo Mi-

nistério da Saúde do Brasil e do Cana-

dá, coincidem com a instalação de um

serviço de cirurgia cardíaca para cada

500 mil habitantes (Tabela 1).

Analisando 357.885 pacientescom idade superior a 65 anos, atendi-dos pelo Medicare (EUA) e submeti-dos a CRVM, Peterson et al. (1994)encontraram valor médio na taxa demortalidade no 30º dia de pós-opera-tório e um ano depois, em torno de7% a 13%, respectivamente.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004

28

Resultados

Quanto ao indicador epidemio-lógico, levantamos no banco do DA-TASUS as taxas de morbidade no estadode Minas Gerais, de acordo com a re-comendação nº 15 do Consenso emServiços de Cirurgia Cardíaca – Cana-dá (CARDIAC CARE NETWORK 2000), quesugere utilizar a taxa de admissão pa-dronizada de Infarto Agudo do Mio-cárdio (IAM) para o ajuste dastaxas-objetivos. Verificamos, então, queesses dados sugerem a existência desubnotificação do agravo, impossibili-tando a utilização deles, de forma con-fiável para a sua análise.

Para a verificação do número deinternações para cirurgias cardíacas noperíodo de 2001 a 2003, inicialmenteidentificamos os 106 procedimentos

hospitalares descritos na “Tabela deProcedimentos do SIH-SUS” nos diver-sos sub-grupos de cirurgias cardíacase, posteriormente, utilizamos a variá-vel procedimento hospitalar realiza-

do, para a seleção no banco de dadosdas internações nas quais foram reali-zados os procedimentos selecionados.

Em Minas Gerais, no período de2001/2003, independentemente da ida-de e do gênero, foram realizadas maisCRVMs, seguidas de valvoplastias. Comotratamento das cardiopatias isquêmicas,foram realizados mais procedimentosinvasivos não cirúrgicos (angioplastias)do que os cirúrgicos (CRVMs).

Em 2002, o governo de MinasGerais dividiu o estado em 13 pólosmacrorregionais — Plano Diretor deRegionalização — PDR (Figura 1).

TABELA 1 — Indicadores de necessidade e qualidade para implantação/implementaçãode serviço de cirurgia cardíaca

* Referências no final do artigo

*”Mínimo ideal”: 200 cirurgias/ano (hospital)

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004

29

No período analisado (2001/2003), mais de 20% das internações paracirurgias cardíacas, de residentes emMinas Gerais, ocorreram em outros es-tados, em cada ano. Esse percentualvaria muito quando verificado por ma-crorregião de residência do paciente.Por exemplo, em 2003, mais de 90%das internações de residentes na ma-crorregião Sul foram realizadas em ou-tros estados, enquanto apenas 1,1% dasinternações de residentes ocorreram namacrorregião Centro. Entre os estadosque receberam pacientes residentes em

Minas Gerais, São Paulo recebeu omaior número em todos os anos, apre-

sentando as maiores proporções de in-ternações. Quando calculamos as ta-

xas de internações considerando o localde residência do paciente, verificamosuma grande diferença entre as macror-regiões, variando de 0,4 internações por10 mil habitantes na macrorregião Sula 6,4 na do Triângulo Norte, em 2003.Minas Gerais apresentou um incremen-to nas taxas de internações para cirur-gias cardíacas de alta complexidade,entretanto a distribuição do número decirurgias cardíacas realizadas pelos ser-viços credenciados pelo SUS distribuiu-se de forma muito heterogênea entresuas macrorregiões (Gráfico 1).

FIGURA 1 — Pólos macrorregionais do estado de Minas Gerais

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004

30

Uma parte significativa desse vo-lume de cirurgias em pacientes interna-dos em hospitais de Minas Gerais estásendo realizada em outros estados dafederação. E, entre as macrorregiões queencaminharam os seus pacientes paraoutros estados, durante 2003, verifica-mos que as menores taxas de realizaçãode cirurgias cardíacas e, especificamen-te as CRVMs em todas as faixas etárias,encontram-se na macrorregião Sul (comum valor máximo em torno de 0,4 inter-nações por 10 mil habitantes), seguidapela Noroeste e Triângulo Sul (Gráfico2). Por outro lado, essas mesmas ma-crorregiões detentoras das menores

taxas de realização de cirurgias cardía-cas são as que mais encaminham seuspacientes cirúrgicos para ser operadosem outros estados. Entre as macrorregi-ões que mais encaminham pacientes es-tão a macrorregião Sul (mais de 90%dos adultos), seguida pelas regiões Tri-ângulo Norte, Triângulo Sul, Oeste, Su-deste e Noroeste (Gráfico 2). No Estado,para cada três casos de CRVM, um éencaminhado para outro Estado (Gráfi-co 2). Na macrorregião Sul, as microrre-giões que mais encaminham pacientescirúrgicos são as cidades de Pouso Ale-gre, seguida por São Lourenço e Alfe-nas, respectivamente.

GRÁFICO 1 – Cirurgias cardíacas de alta complexidade realizadas em Minas Gerais

GRÁFICO 2 – Cirurgias de revascularização miocárdica realizadas em Minas Gerais

Taxas de internações por 10 mil habitantes por macrorregião de residência, SUS/MG, 2001/2003

Taxas de internações por 10 mil habitantes em pacientes com 20 anos e mais, por macrorregião de

residência, SUS/MG, 2003

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004

31

GRÁFICO 3 – Tendência do volume de cirurgias cardíacas tipo revascularização miocárdica(CRVM) realizadas em Minas Gerais

Analisando o volume de cirurgi-

as de revascularização miocárdica rea-

lizadas em Minas Gerais, nos diversos

hospitais credenciados pelo SUS, em

usuários desse sistema, durante o pe-

ríodo de 2001 a 2003, verificamos que

entre os que realizam mais de 200 ci-

rurgias/mês, apenas o Hospital Madre

Tereza mantém esse volume (Gráfico

3). Se considerarmos um ponto de corte

mais baixo, de 150 cirurgias/ano como

volume mínimo de cirurgias, o Hospital

Biocor e o Hospital Madre Tereza con-

templam esse parâmetro, mesmo assim,

apresentando tendência ao decrescimento

do volume. Entre 100 a 150 cirurgias/ano, inclui-se a Santa Casa de Misericór-dia de Juiz de Fora (Gráfico 3).

Quanto às taxas de mortalida-de, considerando um ponto de cortede 10%, verificamos que pouco maisda metade (53%) dos serviços apre-sentam valores maiores que 10%; aci-ma de 5%, incluem-se mais 35% dosserviços (mortalidade entre 5% e 10%);Em decorrência, 88% dos serviçosapresentam taxa de mortalidade aci-ma de 5%, restando apenas 12% dosserviços com taxas abaixo de 5%(Gráfico 4).

Número de internações por hospitais e grupos de cirurgias. SUS/MG, 2001/2003

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004

32

GRÁFICO 4 – Revascularização miocárdica

Mortalidade hospitalar (óbitos /100 internações), por hospital e grupos de cirurgias. SUS/MG, 2001/2003

Quanto ao critério populacio-nal, a Tabela 2 mostra a densidade po-pulacional por pólo macrorregional,

indicando que, exceto a macrorregio-nal Jequitinhonha, todas as outras pos-suem mais de 500 mil habitantes.

TABELA 2 — População por macrorregião do Estado de Minas Gerais

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004

33

AMERICAN COLLEGE OF CARDIOLOGY ADVOCACY – ACC ADVOCACY. Digest of state healthpolicies. Disponível em: < www.acc.org/advocacy> Acesso em: 21 maio 2003.

SCHRAMM, J. M.; VALENTE, J. G.; LEITE, C. I.; CAMPOS, M. R.; GADELLA A. M. J. et al. Perfilepidemiológico segundo os resultados do estudo de carga de doença no Brasil. In: SAÚDEno Brasil: contribuições para a agenda nacional de prioridades de pesquisa. Brasília: Minis-tério da Saúde, 2004

CARDIAC CARE NETWORK: Consensus panel on cardiac surgical services: final report andrecommendations. 2000. Disponível em: http://ccn.on.ca/publications/targ-xs.html.

GUIDELINES for standards in cardiac surgery: update of American College of SurgeonsGuidelines/Advisory council for cardiothoracic surgery. 1996. Disponível em: http://www.facs.org/fellows_info/guidelines/cardiac.html.

GULLIFORD, M. C.; MAHABIR, D.; ROCKE, B et al. Overweight, obesity and skinfold thicknessesof children of African or Indian descent in Trinidad and Tobago. Int. J. Epidemiology, 30:989-998, 2001.

HIGH surgical volume equals better patient outcomes. AMNews, Dec. 22/29, 2003. Dispo-nível em: <http://www.ama-assn.org/amednews/2003/12/22/prsb1222.htm> Acesso em:11 jan. 2004.

KEARNEY, P. M; WHELTON, M.; REYNOLDS, K.; MUNTNER, P.; WHELTON, P. K.; HE, J. Globalburden of hypertension: analysis of worldwide data. Lancet, 265:217-23, 2005.

LOTUFO, P. A. Increasing obesity in Brazil: predicting a new peak of cardiovascular mortality.Sao Paulo Med. J. 118:161-162, 2000a.

LOTUFO, P. A. Yes, we have bananas (and also health statistics data): Brazilian-based medicine.Sao Paulo, Med. J. 118:121-122, 2000;

Referências

Conclusão

Excetuando o pólo macrorregi-onal do Jequitinhonha, os demais con-templam o critério populacional de 500mil habitantes para instalação de umserviço de cirurgia cardíaca.

Aqueles poucos serviços de ci-rurgia cardíaca que apresentavam grandevolume e os que realizaram volume mí-nimo de 150 cirurgias/ano estão, emsua maioria, apresentando estabilidadeou tendência decrescente no volume des-ses procedimentos. Outros, ainda comvolume abaixo de 200 cirurgias/ano,apresentam tendência incremental.

A maioria (88%) dos serviços decirurgia cardíaca apresenta taxa demortalidade acima de 5%.

Embora o critério populacionaltenha sido contemplado, a maioria dos

serviços de cirurgia cardíaca não satis-faz os critérios de qualidade utilizadospor serviços de saúde pública de ou-tros países para o credenciamento des-se tipo de tecnologia.

Este estudo contribui para a con-dução do novo processo de regiona-lização da Secretaria de Estado deSaúde de Minas Gerais, agregando-lhe qualidade, uma vez que utiliza pa-râmetros regionais, epidemiológicos,de qualidade do serviço, de necessi-dade real da tecnologia, dentre ou-tros, para a incorporação dessatecnologia.

Agradecimentos

Ao Dr. David Toledo Velarde,pela revisão do texto e preciosa opi-nião sobre o assunto.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004

34

LUFT, H. S.; DEBORAH, W. G.; DAVID, H. M. Hospital volume and patient outcomes: asessingthe evidence. Ann Arbor, MI: Health Administration Press, 1990.

MISSISSIPI HEALTH DEPARTMENT. Certificate of need. Disponível em: <http://www.msdh.state.ms.us/> Acesso em: 2 jun. 2004.

MURRAY, C. J. L.; LOPEZ, A. D. The global burden of disease: a comprehensive assessmentof mortality and disability from diseases, injuries, and risk Factors in 1990 and projected to2020. Boston: Harvard University Press, 1996.

PETERSON, E. D.; JOLLIS, J. G.; BEBCHUCK, J. D. et al. Changes in mortality after myocardialrevascularization in the elderly. Ann. Intern. Med., 121: 919-927, 1994.

RIBEIRO, R. Q. C.; LOTUFO, P. A.; LAMOUNIER, J. A. et al. Overweight and obesity associationswith cardiovascular risk factors. Int. J. Obesity, 26 (1): S122. 2002.

ROBESPIERRE, Q. Costa Ribeiro. Adiposidade e fatores de risco cardiovascular: estudo debase populacional. Belo Horizonte, Brasil: o estudo do coração de Belo Horizonte. 2004.190 f. Tese (Doutorado) –. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – SP,2004.

SOWDEN, A. J.; WATT, I.; SHELDON, T. A. Volume of activity and healthcare quality: is there alink? In: FERGUSON, B.; SHELDON, T. A. POSNETT, J. Concentration and choice in healthcare.London: The Royal Society of Medicine Press, 1997.

TENESSEE HEALTH DEPARTMENT. Certificate of need. Disponível em: < www.state.tn.us/health/ >. Acesso em: 6 abr. 2004.

THE LEAPFROG GROUP. Evidence-based hospital referral. Revision 9/18/2003. Disponívelem: http://www.leapfroggroup.org.html.

VAUGHAN-SARRAZIN, M. S.; HANNAN, L. E.; GORMLEY, C. J.; ROSENTHAL, G. E. Mortality inmedicare benificiaries following coronary artery bypass graft surgery in states with and withoutcertificate of need regulation. JAMA, 288(15):1859-1866, 2002.

WASHINGTON HEALTH DEPARTMENT. Certificate of need. Disponível em: < http://www.doh.wa.gov >. Acesso em: 12 mar. 2004.

WORLD HEALTH ORGANIZATION — WHO. The world health. Shaping the future. Neglectedglobal epidemics: three growing threats. Report 2003. Geneva: World Health Organization,2003.

WORLD HEALTH ORGANIZATION — WHO. The world health. Reducing risks, promoting healthlife. Report 2002. Disponível em <http://www.who.int/mediacenter/events/whr2002/en/> Acesso em: 21 maio 2003.

WU, C.; HANNAN, E. L.; RYAN, J.; BENNETT, E.; GULLIFORD, A. T.; GOLD, J. P. et al. Is theimpact of hospital and surgeon volumes on the in-hospital mortallity rate for coronary arterybypass graft surgery limited to parients at high risk? Circulation, 110:784-789, 2004.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004

35

Caracterização da demanda infantil

de um serviço de psicologia

Wagner Prazeres dos Santos 1

Montserrat Zapico Alonso 2

1 Psicólogo do Hospital

Cristiano Machado/

Fundação Hospitalar do

Estado de Minas Gerais

(FHEMIG); Coordenador do

Núcleo de Ensino e

Pesquisa – NEP/HCM;

Especialista em Psicologia

Educacional – PUC Minas.

Endereço para

correspondência

Rua Santana, nº 600,

34.545-790, Sabará, MG

tel. 31 3672-9836

[email protected]

2 Psicóloga do Centro de

Saúde Mental Infantil e

da Adolescência (CESMIA)

da Prefeitura Municipal

de Sabará; Especialista

em Psicologia

Educacional – PUC Minas.

Endereço para

correspondência

Rua Juscelino

Kubitischek, 474-B,

34.515-170, Sabará, MG

tel. 31 3674-4583

[email protected]

Resumo

Este estudo tem como objetivo conhe-

cer algumas características da demanda de

um serviço público de atendimento ambu-

latorial de psicologia da cidade de Sabará,

Minas Gerais. Foram avaliados os registros

de crianças de 2 a 12 anos de idade, totali-

zando 220 sujeitos. Analisaram-se as seguin-

tes variáveis: sexo, idade, escolaridade das

crianças e dos pais, renda familiar, profissão

dos pais, origem do encaminhamento, tipo

de queixa e procedência da clientela. Verifi-

cou-se que a maioria das crianças era do sexo

masculino (70,45%), com idades entre 7 e 9

anos (44,55%), cursando as duas primeiras

séries ou o pré-escolar (73,18%), proceden-

tes de famílias de baixa renda (70,93%) e

moradores da região onde se localiza o ser-

viço (55,46%). As queixas referiram-se a di-

ficuldades afetivo-sociais (54,20%),

problemas funcionais (23,04%) e problemas

cognitivos (22,76%), destacando-se a famí-

lia e a escola como principais fontes de en-

caminhamento (33,64% e 32,73%

respectivamente).

Palavras-chave

Perfil da clientela, caracterização da de-

manda, registro de demanda, atendimento

psicológico.

Caracterización de la demanda in-

fantil de un servicio de psicologia

Resumen

El siguiente estudio tiene como objetivo

conocer algunas de las características de la

demanda de un asistimiento público de psi-

cologia de la ciudad de Sabará, MG. Fueron

evaluados todos los registros de niños hasta

12 anõs de edad, totalizando 220 sujetos. Se

analizaron las siguientes variables: sexo, edad,

escolaridad de los ninõs y de los padres, ren-

ta familiar, profesión de los padres, origen del

encaminamiento, tipo de queja y proceden-

cia de la clientela. Se verificó que la mayoria

de los niños es del sexo masculino (73,45%),

con edad entre siete y nueve años (44,55%),

estudiando los dos primeros grados o prees-

colar (70,18%) y procedientes de familias de

baja renta (70,93%) y residientes en la región

donde se situa el servicio (55,46). Las quejas

se referiran a las dificultades afectivo-sociales

(54,20%), problemas funcionales (23,04%) y

problemas cognitivos (22,76%), sobresalien-

do la familia y la escuela como principales

fuentes del encaminamiento (33,64% y

32,73% respectivamiente)

Palabras-clave

Perfil de los clientes, caracterización de

la demanda, registro de la demanda, aten-

dimiento psicológico.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – JUL./DEZ.2004

36

Introdução

Conhecer o perfil da demandados serviços de psicologia, principal-mente aquela ligada à clínica-escoladas universidades ou ao Sistema Úni-co de Saúde (SUS), para subsidiar aelaboração de propostas de interven-ção, tem sido o objetivo de alguns es-tudos brasileiros (Carvalho; Térzis,1989; Sales, 1989; Santos, 1993; Martu-rano et al., 1993; Lopez, 1993; Barbosae Silvares, 1994).

De acordo com levantamento re-alizado referente ao período de 1998 a2002, em seis periódicos brasileiros daárea de Psicologia (Arquivos Brasilei-

ros de Psicologia; Psicologia: Teoria e

Pesquisa; Estudos de Psicologia; Psico-

logia: Ciência e Profissão; Psico; Bole-

tim de Psicologia) sobre trabalhos decaracterização de demanda em saúdemental, verificou-se que poucos foramrealizados no Estado de Minas Gerais:o de Sanches (1985), que investiga osaspectos epidemiológicos dos usuári-os de uma clínica-escola da Universi-dade Federal de Uberlândia e o de Sales(1989), com a clientela da Policlínicado município de Varginha.

Diante desta realidade, tem-secomo objetivo caracterizar a demandainfantil em saúde mental do ambulató-rio do Hospital Cristiano Machado(HCM) da cidade de Sabará, Minas Ge-rais, unidade da Fundação Hospitalardo Estado de Minas Gerais (FHEMIG),que ainda não dispõe de dados siste-matizados que possam contribuir paraa formulação de políticas públicas queincrementem o modelo de assistênciaem saúde mental.

Fundado na década de 1940, oHCM era, inicialmente, uma colônia paratratamento e recuperação dos portado-res de hanseníase de todo o Brasil. In-corporado pelo sistema de saúde doestado de Minas Gerais, vem se trans-formando em hospital geral e servindode retaguarda para dois hospitais de

Belo Horizonte. Conta, ainda, com umambulatório de várias clínicas, onde fun-ciona o Serviço de Psicologia.

Material e método

A amostra ficou constituída de220 crianças com idade variando de 2a 12 anos (Idade média = 7 a 8m; DP =1,19 e Md = 8 a 3m). Foram consulta-dos todos os formulários de Registrode Demanda para Atendimento Psico-lógico — utilizado na entrevista de tri-agem — de crianças até 12 anos deidade que, no período de maio/98 amaio/04, foram encaminhadas ao am-bulatório do HCM, para atendimentopsicológico. O perfil sociodemográfi-co da amostra encontra-se na tabela 1.

Resultados e discussão

Considerando as variáveis soci-oeconômicas referentes ao contexto fa-miliar das crianças, observou-se queno geral a escolaridade dos pais é bai-xa: 73,86% tem até 8 anos de estudo,13,64% de 9 a 11 anos de estudo eapenas 3 pessoas tinham curso uni-versitário. Quanto à qualificação pro-fissional dos pais, de acordo com aescala de profissões de Hutchinson(apud SANTOS, 1993), predominaramprofissões de diarista, doméstica e tra-balhadores da construção civil (35,68%),seguidas de profissões que requeremhabilidade manual específica e técni-ca (17,50% e 4,32% respectivamente).Foi expressiva a proporção de paisfora do mercado de trabalho, dentredesempregados, aposentados e donasde casa (32,05%). Este dado foi preju-dicado em 10,46%, tendo em vista opreenchimento incompleto de algunsregistros de demanda. Quanto à rendafamiliar, em salários mínimos (SM),70,91% dos pais situaram-se na faixade 1 a 3 SM, 23,64% na faixa de 4 a 6SM, 4,55% na faixa de 7 a 10 SM eapenas 0,91% acima de 10 SM. Essesindicadores são compatíveis aos dos

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – JUL./DEZ.2004

37

usuários do serviço público de saúde,freqüentemente caracterizados por bai-xo nível socioeconômico e cultural (FI-GUEIREDO; SCHVINGER, 1981; RIBEIRO, 1989;MARTURANO et al., 1993; LINHARES et al.,1993), situação que, segundo Martura-no (1999), é um fator que se relacionacom a disponibilidade de recursos deapoio ao desenvolvimento dos filhos,tais como, a oferta de materiais educa-cionais, revistas, jornais, brinquedos epasseios familiares.

Perfil sociodemográfico

da amostra

Na Tabela 1, verifica-se que70,45% da amostra refere-se a meninose 29,55% a meninas, predominando afaixa etária de 7 a 9 anos (44,55%). Es-tudos têm destacado a presença cres-cente de crianças, principalmente dosexo masculino, nos serviços de psico-logia (CARVALHO, TÉRZIS, 1989; TÉRZIS, CAR-VALHO, 1986; GANGORA, SILVARES, 1991;GRAMINHA, MARTINS, 1993; BARBOSA, SILVA-RES, 1994; MASSOLA, SILVARES, 1997). Nos-sos achados concordam com os deoutros estudos, como os de Lopez (1983),Santos (1990), Terzis e Carvalho (1986).Em um estudo de caracterização dosmotivos da procura de atendimento psi-copedagógico, Linhares et al. (1993)também encontraram uma predominân-cia de crianças de ambos os sexos, comidade entre 7 e 9 anos.

Em relação à escolaridade, a mai-oria das crianças pertencia à primeirasérie (25,91%), seguida da segunda sé-rie (19,54%) e pré-escolar (17,73%), pe-ríodo em que os educadores percebemcom mais freqüência as dificuldades nodesempenho acadêmico das crianças.

Considerando a origem do enca-minhamento, verificou-se que a famíliafoi que mais encaminhou as criançaspara o atendimento (33,64%), seguidapela escola (32,73%) e pelos médicos(28,18%), e apenas 5,45% da amostrafoi encaminhada por outros segmen-tos. Há uma proporção semelhante

entre meninos e meninas encaminha-dos pela rede de ensino e pelos médi-cos em geral e uma leve discrepâncianos encaminhamentos realizados pelafamília. No estudo de Linhares et al.

(1993), a área de saúde foi a que maisencaminhou crianças para atendimento(63%), seguida pela escola (21%) e fa-mília (10%). O fato de a família desta-car-se como fonte de encaminhamentopode ser em parte explicado pelo pró-prio envolvimento dos membros, facili-tando aos pais melhor observação demudanças ocorridas no processo de de-senvolvimento dos filhos (MACHADO et al.,

1994). Por outro lado, é provável que osníveis profissional e de escolaridade dospais sejam variáveis que se relacionamcom o encaminhamento. De acordo comGriest et al. (citados por SANT’ANA e SILVA-RES, 1991), pais com melhores níveis deescolaridade teriam melhor compreen-são dos problemas dos filhos e pais commenor nível de conhecimento teriam maisexpectativas irreais em relação aos fi-lhos e, conseqüentemente, seriam paisque mais inscreveriam seus filhos emclínicas de psicologia, em decorrênciade uma interpretação errônea sobre ocomportamento deles.

Para avaliar a procedência da de-manda, considerou-se quatro áreas ge-ográficas do município, de acordo coma proximidade dos bairros entre si, euma referente à rede metropolitana deBelo Horizonte. Observou-se que amaior parte das crianças residia na re-gião de Roça Grande (onde se localizao serviço), em bairros circunvizinhos(55,46%), seguidos da região de Gene-ral Carneiro (20,0%) e do centro dacidade (15,45%). Este quadro sugere anecessidade de descentralização dos ser-viços de psicologia, principalmente naárea infantil, pois somente no bairro deRoça Grande e no centro é que existemesses serviços, embora outros bairrosde grande densidade populacional pos-suam unidades básicas de saúde, massem profissionais de saúde mental.

O fato de a

família destacar-se

como fonte de

encaminhamento

pode ser em parte

explicado pelo

próprio envolvimento

dos membros,

facilitando aos pais

melhor observação

de mudanças

ocorridas

no processo

de desenvolvimento

dos filhos.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – JUL./DEZ.2004

38

Características clínicas da amostra

Para estudo das queixas apresen-tadas pelas mães ou responsáveis,adaptou-se a classificação dos proble-mas infantis de Anthony (apud MARTU-RANO et al., 1993). Ressalta-se que foramconsideradas todas as queixas apre-sentadas sobre uma mesma criança, po-dendo ela estar enquadrada em maisde uma categoria, conforme critério

sugerido por Santos (1993). São três ascategorias de queixas: afetivo-social,problemas funcionais e dificuldadescognitivas. Procedendo-se a uma aná-lise global dessas queixas, verificou-se as seguintes proporções: áreaafetivo-social: 54,20%; problemas fun-cionais: 23,04%; problemas cognitivos:22,76%. As queixas mais freqüentes

Fonte: Serviço de Psicologia do Ambulatório do Hospital Cristiano Machado/Fhemig

TABELA 1 — Freqüência e porcentagem da amostra, segundo sexo, faixa etária, escola-

ridade, fonte de encaminhamento e procedência (n = 220)

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – JUL./DEZ.2004

39

de comportamento afetivo-social foramde agressividades/brigas: (24,60%); ner-vosismo/ansiedade: (21,39%); proble-mas de conduta: (14,97%).Comparativamente, os meninos apre-sentaram queixas de agressividade, pro-blemas de conduta e desinteresse pelaescola em maiores proporções do queas meninas, entre as quais sobressaí-ram queixas de choro freqüente, isola-mento social e medo. Esses dados seassemelham aos encontrados por Li-nhares et al. (1993), embora o estudose refira à amostra selecionada por di-ficuldades escolares.

No aspecto funcional, as maio-res referências foram relativas à agita-ção motora (36,48%), enurese (15,72%)e a distúrbios do sono (13,84%). Osmeninos apresentaram mais queixas deagitação motora, distúrbios da fala, ti-ques e manipulações do corpo do queas meninas. A agitação motora relaci-ona-se com dificuldades de atenção epode, neste caso, refletir um quadroclínico específico de Transtorno deDéficit de Atenção e Hiperatividade(TDAH). Por outro lado, as meninasapresentaram mais problemas de enu-rese, distúrbios do sono, alteraçõesneurológicas e manifestações somáti-cas. No entanto, a literatura tem indi-cado que a enurese é mais frequenteem meninos (REIMÃO; DIAMENT, 1985).

Em relação aos problemas cog-nitivos, predominaram as dificuldade deaprendizagem (44,59%) — incluindo

dificuldade na leitura, na escrita e emmatemática — baixo rendimento es-colar (22,29%); dificuldade de atenção(18,47). Proporcionalmente, na com-paração dos gêneros, houve mais rela-tos de dificuldade de aprendizagem ebaixo rendimento escolar das meninase mais relatos de dificuldade de aten-ção e memória e lentidão na aprendi-zagem dos meninos. No estudo deMarturano et al. (1993), também asdificuldades de aprendizagem em es-crita, leitura e rendimento no ambi-ente escolar, obtiveram proporçõeselevadas. Fora deste ambiente sobres-saíram as dificuldades de aprendiza-gem geral e de atenção. Do mesmomodo, Santos (1990) destaca a difi-culdade de aprendizagem como oprincipal motivo de procura por aten-dimento psicológico. Para Bernardes-da-Rosa et al. (2000), os “distúrbiosespecíficos do desenvolvimento ehabilidades escolares” foram as quei-xas mais recorrentes.

Os problemas infantis, traduzidosnas queixas, aparecem no curso evolu-tivo de maneira dinâmica, conjugandomúltiplos fatores. Problemas funcionaispodem decorrer de experiências estres-santes na escola, gerando ansiedade ourespostas pouco adaptativas e dificul-dades de aprendizagem podem resul-tar de pressões emocionais no ambientefamiliar, etc. Linhares et al. (1993) cha-maram a atenção para esses “padrõesde queixas combinadas”.

Proporcionalmente,

na comparação

dos gêneros,

houve mais relatos

de dificuldade de

aprendizagem

e baixo rendimento

escolar das meninas

e mais relatos

de dificuldade de

atenção e memória

e lentidão

na aprendizagem

dos meninos.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – JUL./DEZ.2004

40

Conclusão

Ficou demonstrado que as crian-ças encaminhadas ao ambulatório doHCM para atendimento psicológicoeram predominantemente do sexomasculino, com idade variando entre7 e 9 anos, cursando as primeiras

séries do ciclo básico, provenientesde famílias com limitadas condiçõessocioeconômicas e culturais.

As principais queixas foramagressividade, nervosismo e proble-mas de conduta (área afetivo-social),

Fonte: Serviço de Psicologia do Ambulatório do Hospital Cristiano Machado/Fhemig

TABELA 2 — Freqüência e porcentagem da amostra, segundo gênero e queixas afetivo-

sociais, cognitivas e funcionais (n = 690)

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – JUL./DEZ.2004

41

agitação motora, enurese e distúrbiosdo sono (área funcional) e dificulda-des de aprendizagem, baixo rendimen-to escolar e dificuldade de atenção (áreacognitiva).

A literatura tem ressaltado a im-portância de conhecer as característi-cas e peculiaridades de determinadaclientela para melhor orientar as inter-venções. Assim, este trabalho pode sub-sidiar eventuais políticas de saúdepública para o segmento infantil domunicípio.

Diante do crescimento da de-manda em saúde mental infantil, cons-tado em outros estudos (CARVALHO; TÉRZIS,

ARCARO, N. T.; MEJIAS, N. P. A evolução da assistência psicológica e em saúde mental: doindividual para o comunitário. Psicologia: teoria e pesquisa, 6 (3), 251-266, 1990.

BARBOSA, J. I. C.; E SILVARES, E. F. M. Uma caracterização preliminar das clínicas-escola deFortaleza. Estudos de Psicologia, 11 (3), 50-56, 1994.

BERNARDES-DA-ROSA, L. T.; GARCIA, R. M.; DOMINGOS, N. A. M.; SILVARES; E.F.M. Caracte-rização do atendimento psicológico prestado por um serviço de psicologia a crianças comdificuldades escolares. Estudos de Psicologia, 17 (3), 5-14, 2000.

CARVALHO, R. M. L. L.; TERZIS, A. Caracterização da clientela atendida na clínica psicológicado Instituto de Psicologia da PUCCAMP-II. Estudos de Psicologia, 6 (1), 94-110, 1989.

FIGUEIRO, M. C.; SCHVINGER, A. A. Estratégias de atendimento psicológico-institucional auma população carente. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 33 (3), 46-57, 1981.

GONGORRA, M. N.; SILVARES, E. F. M. Estudo da origem do encaminhamento sexo e idadeda clientela infantil da clínica escola de psicologia da USP. Ciência e Cultura (Suplemento),43 (7), 877-878, 1991.

GRAMINHA, S. S. V.; MARTINS, M. A. O. Estudo das características da população que procu-ra o serviço de atendimento infantil no Centro de Psicologia Aplicada da FFCLRP-USP. Psico,24 (1), 119-130, 1993.

LINHARES, M. B. M.; PARREIRA, V. L. C.; MATURANO, A. C.; SANT’ANNA, S. C. Caracterizaçãodos motivos da procura de atendimento infantil em um serviço de psicopedagogia clínica.Medicina, 26 (2), 148-160, 1993.

LOPEZ, M. A. Características da clientela de clínicas-escola de psicologia em São Paulo.Arquivos Brasileiros de Psicologia, 35 (1), 78-92, 1983.

MACHADO, V. L. S.; MARTURANO, E. M.; LOUREIRO, S. R.; LINHARES, M. B. M.; BESSA, L. C.D. Crianças com dificuldades na aprendizagem escolar: características de comportamentoconforme avaliação de pais e professores. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 46 (34),119-138, 1994.

MARÇAL RIBEIRO, P. R. M. Saúde mental infantil em instituição: estratégias do atendimentoclínico. Estudos de Psicologia, 6 (1), 111-126, 1989.

MARTURANO, E. M. Recursos no ambiente familiar e dificuldades de aprendizagem na esco-la. Psicologia: teoria e pesquisa, 15 (2), 135-142, 1999.

1989: Santos, 1993), e considerando queno Serviço de Psicologia do ambulató-rio do HCM predomina o atendimentoindividual, verificou-se a necessidadede incorporação de outras modalida-des de atendimento que tenham cará-ter sociocomunitário e preventivo,conforme sugerido por alguns autores(MEJIAS, 1983; SANTOS, 1990; ARCARO; ME-JIAS, 1992; SILVARES; MELO, 2000), princi-palmente, no que se refere à fila deespera e a trabalhos de orientação aospais. Por fim, seria interessante, emoutro momento, estabelecer as relaçõesentre o tipo de sintomatologia com asdiferentes idades das crianças.

Referências

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – JUL./DEZ.2004

42

MARTURANO, E. M.; MAGNA, J. M.; MURTHA, P. C. Procura de atendimento psicológico paracrianças com dificuldades escolares: um perfil da clientela. Psicologia: teoria e pesquisa, 9(1), 207-226, 1993.

MASSOLA, G. M.; SILVARES, E. F. M. Percepção do comportamento infantil por professoresversus sexo e encaminhamento para atendimento psicoterapêutico. Psicologia: teoria epesquisa, 13 (3), 303-309, 1997.

MEJIAS, N. P. O psicólogo, a saúde pública e o esforço preventivo. Revista de Saúde Públi-ca, 18, 155-161, 1983.

REIMÃO, R.; DIAMENT, A. J. Sono na infância: aspectos normais e principais distúrbios. SãoPaulo, Sarvier, 1985.

SALES, J. R. Estudo sobre a clientela da área de saúde mental em Varginha. Psicologia:ciência e profissão, 9 (2), 22-26, 1989.

SANCHES, N. A. Estudos epidemiológicos de clientes da clínica-escola do Departamento dePsicologia da UFU (MG). 1985. Dissertação (Mestrado) – PUCCAMP, Campinas, 1985.

SANT’ANA, L. P.; SILVARES, E. F. M. Nível de escolaridade e profissão dos pais de criançasatendidas na clínica-escola do Instituto de Psicologia da USP. Ciência e Cultura 43 (7), 875-876, 1991.

SANTOS, M.A. Caracterização da clientela de uma clínica psicológica da Prefeitura de SãoPaulo. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 42 (2), 79-94, 1990.

_____________ Caracterização da clientela de adolescentes e adultos de uma clínica-escolade Psicologia. Psicologia: teoria e pesquisa, 9 (1), 123-144, 1993.

SILVARES, E.F.M.; MELO, M.H.S. A psicologia clínica e os programas preventivos de inter-venção comunitária. Boletim de Psicologia, L (113), 85-97, 2000.

TERZIS, A.I.; CARVALHO, R.M.L.L. Certas características da população atendida na clínica depós-graduação – PUCCAMP. Estudos de Psicologia, 3 (1 e 2), 112-127, 1986.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – JUL./DEZ.2004

43

Infecção por Rhodococcus equi em

imunossuprimidos: uma revisão

Graziela Flávia Xavier de Oliveira1

Daniela Rezende Neves2

Hugo Abi-Saber Rodrigues Pedrosa3

Orientador: Arinos Romualdo Viana4

1Acadêmica do 5º ano do

curso de Medicina da

Faculdade de Ciências

Médicas de Minas

Gerais.

Endereço para

correspondência

Rua Abadessa Gertrudes

Prado, nº 77, apto. 1002,

Belo Horizonte, MG,

30.380-790,

tel. 31 3293-25888 e

9956-1908,

[email protected]

2Acadêmica do 5º ano do

curso de Medicina da

Faculdade de Ciências

Médicas de Minas

Gerais.

Endereço para

correspondência

Rua Rio Grande do Sul,

1030, apto. 2002,

30170-111,

Belo Horizonte, MG,

tel. 31 3292-4905 e

9993-2740,

[email protected]

3Acadêmico do 4º ano do

curso de Medicina da

Faculdade de Ciências

Médicas de Minas

Gerais.

Endereço para

correspondência

Rua Colômbia, 276,

apto. 302

30320-010,

Belo Horizonte, MG,

tel. 31 3286-1853 e

9128-5092,

[email protected]

4Professor titular de

Microbiologia da

Faculdade de Ciências

Médicas de Minas

Gerais;

Tel. 31 96341557

Siglas

BAL – Lavado broncoalveolar

NCTC 1621 – Nutriente para cultivo celular

AIDS – Síndrome da imunodeficiência adquirida

HIV – Vírus da imunodeficiência humana

Th1 – Linfócito T auxiliar 1

CD4 – Linfócitos T-auxiliares

INF-ã – Interferon gama

TNF-á – Fator de necrose tumoral alfa

MW – Peso molecular

KDa – Kilodalton

IL4 e IL10 – Interleucina 4 e 10

mAc – Anticorpo monoclonal

AMPc – Monofosfato de adenosina cíclico

PCR – Reação em cadeia da polimerase

M3 – Meio de cultivo

CR3 – Fator do complemento

Resumo

O nocardioforme actinomiceto Rhodococ-

cus equi é um importante patógeno de eqüi-

nos e um patógeno emergente oportunista

de humanos. Infecta, freqüentemente, po-

tros com menos de 6 meses de idade. A

maioria dos humanos infectados apresenta

algum déficit na imunidade celular e contato

prévio com animais, solo contaminado ou

ambos. A inalação dos organismos infectantes

do solo pode levar a uma crônica e severa

pneumonia piogranulomatosa em potros e

pacientes imunocomprometidos. Além dis-

so, colite ulcerativa é uma seqüela comum

em potros e a disseminação do pulmão

para outros sítios não é rara, tanto em ani-

mais quanto em humanos. Embora o R. equi,

um cocobacilo gram-positivo e bactéria in-

tracelular facultativa, seja susceptível à mor-

te por neutrófilos, ele é capaz de resistir às

defesas macrofágicas inatas e estabelecer

residência no ambiente intracelular desse

fagócito. Usualmente, o pulmão é o órgão

primário da infecção. As manifestações de

disseminação extrapulmonares, fruto de bac-

teremia, têm sido descritas como abscessos

cutâneo, cerebral, ósseo, etc. As manifesta-

ções clínicas da doença são febre, dispnéia,

tosse, expectoração, dor torácica, hemoptise,

emagrecimento, entre outras assim como na

tuberculose. A propedêutica da rodococose

inclui radiografia de tórax, exame direto e

cultura do escarro, hemocultura, broncosco-

pia com BAL, biópsia transbrônquica, aspira-

ção transparietal, exame anatomopatológico

e, mais recentemente, análise genética. No

diagnóstico diferencial da rodococose consi-

deram-se tuberculose, nocardiose, actinomi-

cose, abscesso pulmonar, pneumonia

bacteriana por Pneumocystis carinii e outros.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

44

O sucesso do tratamento depende do diag-

nóstico precoce e do uso correto de drogas

antimicrobianas sensíveis, como imipenem,

eritromicina, rinfampicina, vancomicina, ami-

noglicosídeos e quinolonas de última gera-

ção. Portanto, deve-se pesquisar e suspeitar

do Rhodococcus equi em todo paciente imu-

nodeprimido, com pneumonia evoluindo len-

tamente, especialmente em presença de

necrose tecidual, para que o tratamento seja

precoce e específico. Com este artigo pre-

tende-se alertar os profissionais da área de

saúde sobre a importância do reconhecimen-

to e isolamento do Rhodococcus equi para

o diagnóstico diferencial da pneumonia ca-

vitária em imunossuprimidos visando à oti-

mização do tratamento e o benefício desses

pacientes.

Palavras-chave

Rhodococcus equi, infecções oportunis-

tas, doenças pulmonares, actinomicetoses,

nocardiose.

Rhodococcus equi infection in hu-man immunodeficiency: a review

Abstract

The nocardioform actinomycete Rhodo-

coccus equi is an important pathogen of hor-

ses and an emerging opportunistic pathogen

of humans. The infection occurs most in fo-

als with six months age. Most of the infec-

ted humans has some deficit in cellular

immunity and a previous contact with ani-

mals, contaminated soil or both. Inhalation

of the soil-borne organism can lead to chro-

nic and severe pyogranulomatous pneumo-

nia in young horses and immunocompromised

people. In addition, ulcerative colitis is a

common sequel to infection in foals, and dis-

semination from the lung to other body si-

tes is not uncommon in either horse or

human. Although R. equi, a facultative intra-

cellular bacterium, is susceptible to neutro-

phil-mediated killer, it is able to resist innate

macrophage defenses and establish residence

within the intracellular environment of that

phagocyte. Usually, the lung is the first or-

gan to be compromised. The extra pulmo-

nary manifestations, resultant of the blood

spread bacteria, are cutaneous, bone and

cerebral abscess. The clinical manifestations

of the disease are fever, dyspnea, cough,

increased sputum production, chest pain, he-

moptysis, weight loss and others, like in tu-

berculosis. The investigation to diagnosis

includes routine chest radiographs, sputum

smears and cultures, hemoccult, bronchos-

copy with BAL, over bronchioles biopsy, over

parietal aspiration, pathologic analysis and

more recently through genetic analysis. The

differential diagnosis of R. equi infections

are tuberculosis, lung abscess, actynomico-

sis, nocardiosis, bacterial pneumonia for P.

carinii and others. The success for treatment

depends on early diagnosis and correct use

of antibiotics like imipenem, erythromycin,

rifampin, vancomycin, aminoglycosides and

last generation quinolones. This article aim

to alert the health care professionals for the

importance in recognizing and isolating R.

equi to differential diagnosis of cavitary pneu-

monia in immunosuprimid to achieve the

correct and early treatment and the benefit

to these patients.

Key-words

Rhodococcus equi, opportunistic infecti-

ons, lung diseases, actinomycetal infections,

nocardiosis.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

45

Introdução

Este artigo consiste numa revi-são de literatura sobre a infecção emhumanos por um patógeno oportunis-ta, Rhodococcus equi (R. equi), inici-almente descrito na veterinária comocausa freqüente de infecção, princi-palmente em potros com menos de 6meses de idade (1). A rodococose teveo primeiro relato em humanos em 1967,em um paciente que fazia uso de cor-ticosteróides e apresentou quadropneumônico pelo R. equi (7). Desdeentão, já foram descritos na literaturavários outros relatos de casos de paci-entes imunossuprimidos com a doen-ça. Foi observado que um númeroelevado desses pacientes recebe diag-nóstico tardio da doença, o que, fre-qüentemente, eleva o risco de óbito.Sendo o Rhodococcus equi um micro-organismo parcialmente ácido-resisten-te, que induz a um quadro clínicosemelhante ao da tuberculose, o diag-nóstico diferencial merece especial im-portância, principalmente em paísessubdesenvolvidos como o Brasil, em quea prevalência de tuberculose é alta.Como muitas vezes não se consegueidentificar o bacilo de Koch nos proce-dimentos rotineiros dos laboratórios clí-nicos, alguns médicos iniciam otratamento empírico da tuberculose,deixando a rodococose sem tratamen-to. Diante dessa situação, pretende-se,com este artigo, alertar os profissionaisda área de saúde humana sobre a im-portância de se suspeitar e isolar, preco-cemente, o Rhodococcus equi emimunossuprimidos com lesões infecci-osas cavitárias, para que se institua otratamento específico para rodococose.

Epidemiologia

O Rhodococcus equi é uma bac-téria, inicialmente descrita na veteriná-ria, que causa infecção sobretudo empotros entre 2 e 6 meses de idade. Ainfecção é também descrita em cava-los adultos, porcos, bois, caprinos,

carneiros, pássaros selvagens e outrosanimais. Raramente provoca infecçãoem humanos (1-6).

A maior ocorrência de rodoco-cose em potros é explicada pelos bai-xos níveis de anticorpos maternos epor um sistema imunológico ainda nãocompletamente desenvolvido (8). Po-tros com algum tipo de imunodefici-ência são particularmente susceptíveisà infecção (9). As manifestações clíni-cas da doença em potros com mais de6 meses de idade e em outros animaissão raramente descritas, salvo naque-les com algum comprometimento daimunidade celular (8).

Existe ainda muita discordânciaquanto ao habitat primário e ao modode transmissão do patógeno, entretan-to, parece que o R. equi se mostra am-plamente disseminado e sua ocorrêncianão está relacionada com nenhumaárea geográfica específica (9).

Em condições ambientais, o R.

equi faz parte da microbiota intestinalde eqüinos, bovinos e suínos (10). Foiisolado de fezes ou segmentos de in-testinos em grande número de herbí-voros ou onívoros (1). É encontradono solo, em águas doce e salgada, noesterco, bem como no trato intestinalde insetos sugadores com os quais man-tém relação de mutualismo (10).

A multiplicação do R. equi nosolo depende da temperatura ambien-te, da presença de ácido graxo volátilnas fezes de herbívoros e do pH dosolo. O organismo não se multiplicaem temperaturas abaixo de 10º C. Asdiferenças nas condições climáticas, nodecorrer do ano, explicam a variaçãoanual no número de casos de rodoco-cose diagnosticada em potros (1). Hámaior prevalência da doença duranteas estações secas (8).

A infecção em animais propa-ga-se por ingestão, inalação, trans-missão via umbilical, congênita ou pormigração de larvas parasitárias do tratogastrointestinal. As infecções são nor-malmente esporádicas, mas surtos têm

Rhodococcus equi

é uma bactéria,

inicialmente descrita

em veterinária,

que causa infecção

principalmente em

potros entre 2 e 6

meses de idade.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

46

sido ocasionalmente descritos. A do-ença pode ser endêmica em algumasfazendas com casos que se repetem acada ano (9).

A rodococose teve o primeiro re-lato em humanos em 1967. Era um paci-ente portador de hepatite crônica, emuso de corticosteróides, que apresentouquadro de pneumonia pelo R. equi (7).Os humanos infectados por esse pató-geno oportunista incomum possuem al-gum comprometimento da imunidadecelular (síndrome da imunodeficiênciaadquirida, uso de terapia imunossupres-sora, doenças malignas, alcoolismo crô-nico ou transplante) e uma históriapregressa de contato com animais emfazendas, solos contaminados ou ester-cos de origem animal (2-3).

A transmissão do microorganis-mo nos humanos dá-se por via inala-tória ou transcutânea. A transmissãotranscutânea parece dar-se por trau-ma, com inoculação direta do micro-organismo (3).

Foram diagnosticados quatro ca-sos em crianças, sendo que apenas duaspossuíam algum tipo de imunodefici-ência (3). Os dois casos relatados decrianças com rodococose sem imunos-supressão, foram decorrentes de trau-ma (transmissão transcutânea). Umadelas estava com endoftalmite acom-panhada de laceração da córnea, devi-do a trauma com ponta de umasombrinha. A outra estava com umaferida aberta no joelho em decorrênciade uma queda (3).

Há uma relação entre infecçãopulmonar por Rhodococcus equi e pre-sença de malacoplasia pulmonar, quepode ser detectada histologicamente (7).

Biologia

O gênero Rhodococcus perten-ce ao mesmo grupo filogenético doCaseobacter, Corynebacterium, Myco-

bacterium, Nocardia e Aurantiaca,descrito como Nocardioform acti-

nomycete. É composto por bactérias

gram-positivas, aeróbias e catalase-po-sitivas (1).

O Rhodococcus equi é um mi-croorganismo pleomórfico, com vari-ações de apresentação: desde formascocóides (mais comuns) a formas cur-vadas e longas. Formas ovais ou co-cóides são vistas em esfregaços de puse nas culturas em meio sólido, enquan-to as formas mais longas são vistasnas culturas em caldos (9).

Nos esfregaços, as células mos-tram-se agrupadas e lembram as letrasL e V ou letras chinesas. Esfregaços decultura em meio líquido, algumas ve-zes, mostram organismos filamentososcom dilatação terminal.

Há um consenso mundial de queR. equi é um gram-positivo, emboraformas gram-negativas possam ser vis-tas, especialmente, em culturas velhas.

O R. equi mostra-se ácido-resis-tente em culturas pela técnica de Ziehl-Neelsen. A idade das culturas, o meioem que cada bactéria cresce e a técnicade coloração são importantes. As for-mas ácido-resistentes são observadas de-pois de 48 horas de incubação.

Nas preparações em que se uti-lizou tinta da Índia, foram observadasbactérias capsuladas. A microscopiaeletrônica mostrou cápsula laminar po-lissacarídica, corada com vermelho ru-tênio. O Rhodococcus equi não possuiflagelos, mas já foram detectadas fím-brias. Não há formação de esporos.

Composição da parede celular

Nas preparações da parede celu-lar de R. equi (NCTC 1621) foram en-contradas grandes quantidades dearabinose e galactose, um pouco de ma-nose, mas não ramnose (análise cro-matográfica de digeridos do organismoem ácido sulfúrico). Glicosamina e umanão conhecida hexosamina, identifica-da como 3-0-lactil glicosamina ou áci-do murâmico, foram detectadas, masnão galactosamina. Alanina, ácidoglutâmico e ácido D, L diaminopimélico

A rodococose teve

o primeiro relato em

humanos em 1967.

Era um

paciente portador de

hepatite crônica em

uso de corticosterói-

des, que apresentou

quadro de pneumo-

nia pelo R. equi

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

47

foram encontrados em grandes quanti-dades, mas ácido aspártico, lisina, seri-na e glicina não foram detectados. Hápresença de pequena quantidade de gli-cose, mas não ribose ou manose naparede celular de R. equi. Esses resul-tados indicam que a bactéria tem pare-de celular quimio tipo IV (cepa NCTC1621), com características das espéciesCorynebacterium spp, Nocardia spp e

Mycobacterium spp (9).

A parede celular de R. equi con-tém ácido micólico e ácido 2-alquila-do ramificado-3-hidroxi de cadeialonga, encontrados só em bactérias comparede celular quimio tipo IV (9).

Uma pequena amostra de croma-togramas revelou o lipídio LCN-A (umlipídio típico de Nocardia), que é simi-lar em valor aos encontrados no gêneroRhodococcus, mas diferente daquelesencontrados em outras corinebactérias.

Os principais tipos de lipídiospolares nas bactérias são fosfolipídios eglicolípides. Os produtos da hidróliseácida de lipídeos solúveis do R. equi

são glicerol, manose, inositol, glicose earabinose e os principais produtos dadesacilação foram identificados comoglicerilfosforilinositol dimanosado, glice-rilfosforilinositol, glicerol e glicose. Umapequena faixa cromatográfica de ácidosgraxos fosfolipídicos metilados mostrouque eles não eram hidroxilados. A cro-matografia gasosa e líquida revelou quea porcentagem de ácidos graxos satura-dos foi 33,1%. Há grandes quantidadesde cardiolipina, quantidades moderadasde fosfatidil etanolamina, fosfatidil ino-sitol manosados e menores quantidadesde fosfatidil glicerol e fosfatidil inositolnas análises de fosfolípides do R. equi.Não existem relatos na literatura a res-peito de lipídios polares. Os isolados deR. equi produziram pigmentos descritoscomo carotenóides (9).

Habitat

O Rhodococcus equi pode serisolado em solos de jardins, pastos, rios,

trato intestinal e fezes de algumas es-pécies animais. É um suposto saprófi-ta habitante desse meio. Dessa maneira,permanece alguma dúvida se a R. equi

é normalmente um habitante do soloou se ele está presente e sobrevive nosolo que tenha previamente sido con-taminado por fezes de animais (9).

Requerimentos nutricionais

O Rhodococcus equi cresce emágar simples. Alguns crescimentos ocor-rem em ágar MacConkey e crescimentoescasso, em ágar asparagine. O R. equi

cresce bem em telorito de potássio naconcentração de 1:500, em média. Ocrescimento é facilitado com a adiçãode dextrose ao meio base. Entretanto, oefeito estimulatório da glicose ocorrecom a utilização de pequenas quanti-dades de carboidratos, associadas aometabolismo da glicose a acetato. Crescebem (sem cromogênese) em meiocontendo sulfato de amônia como fon-te de nitrogênio e acetato, assim comocarbono e energia e em meio M3, noqual o nitrato de potássio é a fonte denitrogênio e o propionato a fonte decarbono e energia (9).

Morfologia das colônias

• Placa com ágar: em meio semi-sólido verifica-se a formação de colô-nias irregulares, arredondadas, comborda cremosa medindo de 1 a 3 mmde diâmetro, depois de 24 a 48 horasde incubação aeróbica, a 37o C. Colôni-as molhadas e viscosas tornam-se rosasou vermelhas. Os termos mucóide, su-culenta, viscosa, colônias em gotas deágua, coalescente, cremosa e brilhantesão utilizados para descrever a morfo-logia das colônias. O pigmento das co-lônias é descrito como rosa,marrom-claro, rosa-salmão, vermelho-tijolo. Há a descrição de colônias áspe-ras (irregulares), secas, de cor cinza,que com o tempo desenvolvem pig-mento amarelado.

£

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

48

• Meio com batata: há crescimen-to vigoroso neste meio, produzindo ini-cialmente, um pigmento rosa pálido,que torna-se intensamente vermelhoamarelado. Algumas cepas produzemcolônias cremosas e outras secas e en-rugadas. O crescimento nesse meio podeser moderado ou insuficiente, e as ca-racterísticas das colônias podem variar.

• No meio líquido, as colôniasmostram crescimento granular vigoro-so na superfície do caldo e delicadase difusas turvações na profundidade,formando um pesado depósito depoisde quatro a cinco dias. Podem ocorrervariações nos achados, dependendo dacomposição dos caldos usados (9).

Características

metabólicas e bioquímicas

O Rhodococcus equi cresce sobampla variação de temperatura, vari-ando de 10 a 40oC. É um aeróbio estri-to e necessita de atmosfera contendomais de 40% de dióxido de carbono.

Em relação à atividade proteolí-tica, todas as cepas do Rhodococcus

equi mostram-se catalase positivas. Nãohá atividade hemolítica e nem liquefa-ção de gelatina. Cresce em soro coa-gulado sem liquefação, aumentando suapigmentação.

Não há produção de indol, nemde citocromo C oxidase. Há relatos deque a cepa tipo NCTC 1621 foi oxida-se positiva.

A capacidade em hidrolisar uréia,ou reduzir nitrato, é variável. Seria deinteresse saber se as cepas que nãoreduzem nitrato crescem em meio con-tendo nitrogênio inorgânico como fon-te de nitrogênio.

Os testes de produção de amô-nia e arginina diidrolase, e de utiliza-ção de citrato, vermelho metil eVoges-Proskauer são negativos.

O uso de ágar acetato ou papéisde acetato nas amostras está associadoà produção de ácido sulfídrico. Em vista

das diferentes sensibilidades aos diver-sos métodos em detectar produção deácido sulfídrico, fica difícil estabele-cer se há ou não variação nas cepasde Rhodococcus equi.

As habilidades em hidrolisar uréiae hipurato são variáveis.

Não há fermentação de glicose,galactose, frutose, manose, lactose,maltose, manitol, sorbitol, glicerina, sa-carose, rafinose, adonitol, eritritol, ra-mnose, inulina, dextrina ou salicilina.A cepa tipo NCTC 1621 fermentou gli-cose, bem como produziu ácido a par-tir da oxidação da glicose.

Quanto ao teste com leite de tor-nassol, a descrição mais comum é queo Rhodococcus equi não produz suamudança, porém, já foram descritas asseguintes alterações no leite de tornas-sol: alcalinização, espessamento lentoe gradual, clareamento, acidificação,peptonização e coagulação.

Na literatura há considerável va-riação nas descrições dadas aos isola-dos do Rhodococcus equi, desde amorfologia da colônia até o compor-tamento em testes bioquímicos comu-mente utilizados (9).

Patogenia

Na última década, considerávelprogresso tem sido feito no entendi-mento da patogênese da doença porR. equi. Muitos aspectos têm sido exa-minados, tanto in vitro, como in vivo.

Sob maiores circunstâncias, a bactérianão é considerada patogênica para hu-manos, mas em pessoas imunocom-prometidas pode ser fatal. Depois dainalação, nos alvéolos pulmonares, bac-térias morfologicamente intactas são co-mumente vistas dentro dos macrófagose células gigantes, mas bactérias nun-ca estão presentes nas células do epi-télio pulmonar.

Enzimas lisossômicas e radicais li-vres do oxigênio, liberados de neutrófi-los e macrófagos intactos ou degenerados,

Sob maiores

circunstâncias,

a bactéria não é

considerada

patogênica para

humanos,

mas em pessoas

imunocomprometidas,

pode ser fatal.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

49

podem ser os responsáveis pela maiorparte da destruição tecidual associadaàs lesões do R. equi (8).

Interação com fagócitos

• Neutrófilos: a lesão pulmonartípica associada com R. equi é bron-copneumonia piogranulomatosa comabscedação, na qual ocorre infiltraçãoneutrofílica típica.

• Macrófagos: o R. equi adere-seaos macrófagos in vitro e isso requer ocomplemento do hospedeiro (CR3-CD11b,CD18). A expressão de CR3 emuma linhagem de fibroblastos está cor-relacionada à aderência bacteriana (16).As bactérias ficam viáveis dentro dosmacrófagos quatro horas depois da in-fecção como tem sido demonstrado porpesquisadores. Esse fato parece dever-se à alteração do processo de maturaçãodo fagossomo como nos microorganis-mos intracelulares Mycobacterium spp,

Nocardia asteroides e Legionella pneu-

mophila. Interessante é que a opsoni-zação de R. equi com anticorpos estáassociada ao aumento na fusão de fa-golisossomos. O tempo de replicaçãodentro de macrófagos não ativados vaide seis a oito horas. Cepas avirulentasnão replicam in vitro. A bactéria mostraser tóxica para os macrófagos e muitascélulas são irreversivelmente lesadas. Es-pecula-se que a degranulação não espe-cífica de lisossomos, concomitantementecom a liberação de conteúdo lisossomaldentro do citosol celular, pode resultarem redução da viabilidade macrofági-ca (20).

Dentre os fatores de virulência,destacam-se os antígenos de 15 a 17KDa, denominados VapA, diretamenteligados à patogenicidade do agente,às exoenzimas colesterol oxidase e fos-folipase C (fatores equi) e aos polissa-carídeos capsulares e ácidos micólicosda parede celular (12).

O polissacarídeo capsular inter-fere na capacidade de os leucócitosfagocitar a bactéria. Existe intensa he-

terogenicidade nos antígenos capsula-res (sorotipos 1-27) entre cepas de R.

equi, sendo o sorotipo 1, o mais pre-valente no mundo. Não há relação en-tre um sorotipo e o local de origem dacepa. Estudo recente demonstrou queum sorotipo capsular não está direta-mente relacionado à virulência e tantoisolados avirulentos, como virulentos,mostraram ter o mesmo sorotipo (15).

O colesterol oxidase é um produ-to importante para o R. equi. A açãocombinada dos fatores equi pode con-ferir atividade membranolítica, mas seupapel preciso na virulência não está de-finido. Tanto isolados virulentos, comoavirulantos, secretam essa proteína.

O ácido micólico contendo gli-colípides na parede celular de R. equi

é capaz de promover a formação demais granulomas e aumentar sua viru-lência. Além disso, a inoculação intra-venosa de glicolípides purificadosmostrou resultados semelhantes (12).

Tem sido observado que muitosisolados de eqüinos expressam proteí-nas 15-KDa e 17,5-KDa, que não sãoencontradas em cepas não patogêni-cas (ATCC 6939). Além disso, obser-vou-se que o soro de potros infectadosnaturalmente reagia com proteínas des-se peso molecular, enquanto o soro depotros sadios, não (15). Foi observadoque, associado a esses antígenos exis-te um grande plasmídio de 85 KDa.Estudos posteriores mostram que ce-pas que perdem o plasmídio por pas-sagem repetidas na cultura não maisexpressam esses antígenos e tornam-se avirulentas (21). O gene Vap A co-difica os antígenos 15 e 17,5 KDa. Elefoi clonado e sua localização confir-mada no plasmídio. No presente, estáincerto se o Vap A é verdadeiramentefator de virulência.

Estudos recentes em ratos têmdemonstrado que a replicação bacteri-ana e a formação de granuloma in vivo

estão correlacionadas à presença de

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

50

plasmídio (12). Parece que a replica-ção intramacrofágica dá-se somentecom cepas plasmídio positivas. A im-portância do plasmídio em infecçõeshumanas é bem menos definida e pa-rece que existe maior diversidade emseu tamanho e produtos gênicos.

Foi relatada que a resistência àantibióticos betalactâmicos está ligadaà virulência. O mecanismo ainda é in-certo e os organismos não exibem ati-vidade de betalactamase, nem têm suasproteínas de ligação à penicilina (PLPs)diferentes de organismos susceptíveis.As cepas resistentes possuem estrutu-ras na superfície celular que lembrama cauda de um bacteriófago, não vis-tas em cepas susceptíveis. Além disso,partículas tipo bacteriófago (PLP) fo-ram detectadas em todas as cepas comestruturas de superfície (17). Maioresestudos são necessários para identifi-car a natureza da matéria de superfí-cie nessas cepas (17). Estudos tambémdemonstram que duas cepas (ATCC33701, ATCC 33705) são resistentes aosbetalactâmicos, exibem estruturas desuperfície, produzem PLP e causam in-fecção crônica em ratos gnotobióticos.Entretanto, essas duas cepas tambémcarregam um grande plasmídio e pro-duzem VapA. No momento, não é cla-ro se existem determinante desuperfície espécie-específicos ou se,simplesmente, o status severamenteimunocomprometido da maioria daspessoas infectadas, possibilita que osorganismos relativamente avirulentossuportem e produzam a doença.

Imunologia

Há pelo menos três níveis de vi-rulência para o R. equi: com antígenosde 15.000 a 17.000 MW e um plasmí-deo virulento de 80-95 KDa, que causapneumonia supurativa em potros; in-termediária, contendo antígenos de20.000MW e um plasmídeo virulento de69-100 KDa, e avirulência não conten-

do antígenos, nem plasmídeos virulen-tos associados (13). Em humanos, amaioria dos isolados de pacientes HIVpositivo é virulenta ou de virulênciaintermediária, e a maioria dos isoladosde pacientes imunocomprometidos semAIDS é avirulenta. A contribuição re-lativa da imunidade celular e humoralpara resistência contra infecções porR. equi permanece obscura e parado-xal. A transferência passiva de plasmaeqüino hiperimune demonstrou efeitoprotetor em potros e diminuição daincidência e severidade da pneumoniaem fazendas onde a infecção era en-dêmica. Entretanto, a vacinação depotros e éguas com proteínas virulen-tas de R. equi não protege potros (13).Por outro lado, tem-se mostrado que aimunidade celular é crucial na defesado hospedeiro em ratos. Os R. equi

virulentos vivos, mais do que mortosou avirulentos, induzem imunidadeprotetora em ratos, e estudos, usandoanticorpos monoclonais em ratos trans-gênicos, indicam a participação de lin-fócito CD4 na eliminação da bactéria.O mecanismo para a imunidade quemedeia a resistência durante a infec-ção primária permanece não resolvi-do. Na tentativa de elucidá-lo, foramfeitas inoculações de doses subletaisde R. equi em ratos e avaliadas as res-postas (13). Os títulos de INF-ã e TNF-á aumentaram no baço e no fígado deratos infectados com microorganismosvirulentos até o quarto dia, de acordocom o aumento do número de bactéri-as, e depois diminuíram. Níveis míni-mos de INF- ã e TNF-á foram detectadosno sangue e no pulmão de ratos infec-tados com cepas avirulentas. Nem IL-4e IL-10 foram detectados no sangue epulmão dos ratos infectados em váriascepas testadas de R. equi. A neutrali-zação de TNF e INF-ã in vivo commAc, claramente, indica o papel es-sencial das citocinas no controle e so-brevivência nas infecções com R. equi

virulentos, mas não afeta os avirulentos.

No momento, não é

claro se existe

determinante de

superfície espécie-

específicos ou se,

simplesmente,

o status severamente

imunocomprometido

da maioria das pes-

soas infectadas, pos-

sibilita que

os organismos

relativamente

avirulentos suportem

e produzam a

doença.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

51

Isso mostra que as citocinas foram pro-duzidas pelo estímulo microbiano e queo TNF é necessário precocemente parareter a replicação da bactéria dentro dosórgãos (13). A depleção de TNF in vivo

por um anticorpo anti-TNF leva a umcurso letal em infecções por R. equi

virulentos, diferente do observado porNordmann et al. (19), que mostra so-mente a inibição da capacidade de ex-terminar o invasor. A secreção de INF-ã é essencial para a ação imune efici-ente, visto que o uso de mAc anti INF-ã leva à uma falha na limpeza pulmonare resulta no desenvolvimento de granu-lomas pulmonares. A ativação macro-fágica, nesse caso, é a chave da respostaimune protetora, já que os R. equi viru-lentos possuem habilidade para sobre-viver e multiplicar-se em macrófagos.O macrófago infectado aumenta emmuito sua produção de TNF, ficandoativado — um passo crítico na primei-ra linha de defesa contra tais organis-mos. Estudos mostram que a efetividadeem destruir o R. equi parece ser umaresposta tipo Th1 e que INF-ã é ummediador primário desse evento (18).Em resumo, a TNF-á e a INF-ã são cito-cinas críticas que oferecem proteçãocontra infecções primárias por organis-mos virulentos e intermediariamente vi-rulentos, e não para avirulentos (13).

Manifestações clínicas

As principais manifestações clí-nicas da rodococose têm início insidi-oso e são: pneumonia cavitária crônicacom derrame pleural; abscessos renal,hepático, cerebral, retroperitoneal; ar-trite séptica; osteomielite; bacteremiae meningite (11).

As manifestações clínicas da ro-dococose podem ser:

• pulmonares: o pulmão é o ór-gão mais comumente afetado pelo R. equi,o que pode ser explicado pela formamais freqüente de transmissão, a inalató-ria (1-3). Usualmente, os pacientes com

acometimento pulmonar desenvolvemfebre com duração de vários dias a se-manas, além de dispnéia, tosse produ-tiva, dor torácica, mal-estar, fadiga,anorexia, emagrecimento, hemoptise (1-6). Os sintomas podem durar dias ousemanas (3). As lesões são geralmentemais extensas no pulmão direito queno esquerdo (8).

• extrapulmonares o R. equi

pode infectar feridas, bem como disse-minar-se de um grande foco de infec-ção, por exemplo, um abscesso nopulmão. As manifestações de dissemi-nação extrapulmonares, fruto de bacte-remia, têm sido descritas comomeningite e abscessos cutâneo, cere-bral, ósseo, etc. A ulceração intestinal ea linfadenite vêm juntas, dependendoda intensidade da infecção intestinal, esão responsáveis pelo quadro de coliteulcerativa (1). O quadro intestinal é rarosem pneumonia e deve-se à ingestãode grandes quantidades de escarro con-taminado. Origina-se nas placas dePeyer que ficam ulceradas e destruídas.Os sítios extrapulmonares de infecção,tais como, os nódulos subcutâneos, ar-trite séptica, serosite e, raramente, lin-fangite cutânea ulcerativa, são causadospelo Rhodococcus equi, e representamfocos secundários de uma infecção res-piratória primária (3). A sintomatologiaé específica do órgão de localizaçãodo foco infeccioso.

O relato do exame clínico de pa-cientes brasileiros com rodococose, des-critos no Rio Grande do Sul, ilustra asmanifestações dessa infecção: 1) Paci-ente de 33 anos, HIV positivo há trêsanos, queixava-se de dor ventilatório-dependente no hemitórax esquerdo, tos-se e expectoração purulenta, fétida, comraias de sangue. Tinha náuseas, vômi-tos e diarréias ocasionais. O exame fí-sico mostrou emagrecimento acentuado,febre de 380 C, candidose oral, dimi-nuição dos sons respiratórios no terçosuperior do hemitórax esquerdo. 2) Paci-ente de 22 anos, brasileira, HIV negativo,

As principais

manifestações

clínicas da

rodococose têm

início insidioso

e são: pneumonia

cavitária crônica com

derrame pleural;

abscessos renal,

hepático,

cerebral,

retroperitoneal;

artrite séptica,

osteomielite;

bacteremia,

meningite.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

52

portadora de doença de Goodpasturee insuficiência renal crônica apresenta-va febre de 38,60 C, tosse com escassaexpectoração, episódios de escarro he-moptóico, mialgia, fadiga e sudoresenoturna. Ao exame, encontrava-se ta-quipnéica, taquicárdica, febril e comcandidose oral (6).

Em estudo retrospectivo, com du-ração de nove anos, realizado em hos-pitais da Espanha até 1998, dos 19.374

casos de pacientes HIV positivos di-agnosticados, 67 tinham infecção cau-sada por Rhodococcus equi. Acontagem de linfócitos CD4 era sem-pre muito baixa, indicando que a ro-dococose acomete pacientes comavançada imunossupressão.

A Tabela 1 mostra a relação dossintomas nesses 67 pacientes e a Ta-bela 2 ilustra o acometimento das es-truturas pelo Rhodococcus equi (4).

TABELA 1 — Sintomas atribuídos à infecção pelo Rhodococcus equi

Fonte: TORTOSA; ARRIZABALAGA J. et al. Prognosis and clinical evaluation of infection caused by

Rhodococcus equi in HIV-infected patients. Chest, 123 (6). 2003

Fonte: TORTOSA; ARRIZABALAGA J. et al. Prognosis and clinical evaluation of infection caused by

Rhodococcus equi in HIV-infected patients. Chest, 123 (6). 2003

TABELA 2 — Localização da infecção pelo Rhodococcus equi

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

53

Diagnóstico

O diagnóstico clínico é impres-cindível. O paciente deve ser interroga-do sobre o contato prévio com animaisem fazendas (principalmente cavalos),adubos ou solos contaminados. O com-prometimento da imunidade celular deveser investigado por meio de doençascom: síndrome da imunodeficiência ad-quirida, uso de terapia imunossupresso-ra, doenças malignas, alcoolismocrônico, transplante, dentre outras.

Exames de imagem

A radiografia de tórax evidenciainfiltrado pulmonar unilateral, de pro-gressão lenta por dois a três meses, po-dendo envolver vários lobos e formarcavidades. As anormalidades radiográfi-cas típicas nos estágios iniciais são: in-filtrados pulmonares com lesões opacascomumente localizadas nos lobos pul-monares superiores. As lesões variam emtamanho, desde nódulos de apenas 2cm até lesões grandes, envolvendo umlobo pulmonar. Se não for providencia-do tratamento ou se feito de forma ina-propriada, as lesões persistem,aumentando de tamanho e, em 2 a 4semanas, desenvolvem, tipicamente, emseu interior cavidades com nível hidroa-éreo. E complicam-se, freqüentemente,com derrame pleural e empiema (1,3,5).

No estudo retrospectivo referidoanteriormente, realizado em hospitaisda Espanha, dos 67 pacientes com ro-dococose analisados, 65 (97%) mostra-vam anormalidades radiológicas.Infiltrados pulmonares foram observa-dos em todos eles e cavitações, obser-vadas em 45 pacientes. Haviaenvolvimento multilobar em 13 paci-entes, derrame pleural em 11, linfade-nopatia mediastinal em dois pacientes.O lobo superior direito estava acome-tido em 20 pacientes, o lobo médioem cinco, o lobo inferior em 19, olobo superior esquerdo em 21 e o loboinferior em 18 pacientes (4).

Determinação

do agente etiológico

A investigação diagnóstica de le-são cavitária no paciente HIV positivoconsiste na pesquisa de bactérias, fungose micobactérias, mediante exame direto,cultura de escarro, e hemocultura (5).

A realização de exames invasi-vos, como a broncoscopia com lavadobroncoalveolar, a biópsia transbrônqui-ca ou a aspiração transparietal, podetornar-se necessária (5).

A punção transcutânea aspirati-va é o principal exame diagnóstico,pois é um método barato, bem tolera-do pelos pacientes e de rápida execu-ção e recuperação (6).

A Tabela 3 do estudo retrospec-tivo espanhol de 1998 relaciona a efi-cácia dos exames solicitados com apresença de R. equi (4).

O material clínico utilizado deveser colhido por profissional experien-te. As secreções purulentas e os frag-mentos de tecido são especialmentefidedignos para o isolamento das co-lônias (11).

O aspecto micromorfológico etintorial do Rhodococcus equi é de co-cobacilos gram-positivos agrupados,levemente ácido-resistentes no interiorde vários histiócitos (6). Quando háformação de grãos, os elementos bac-terianos podem ser vistos na hemato-xilina e na eosina (11).

Isolamento

e morfologia das colônias

O R. equi cresce em meios de ro-tina não seletivos e de ágar sangue emtripsecaseína de soja, preferencialmen-te, com infuso de cérebro e coração(1,11). Não há crescimento na maioriadas classes de ágar MacConkey. Os meiosdevem ser incubados em meio aeróbico,na temperatura de 37o C. Com 24 ho-ras de incubação, surgem colônias de1 a 2 mm de diâmetro. Com 48 horas,as colônias apresentam as seguintes

O paciente deve

ser interrogado

sobre o contato

prévio com animais

em fazendas

(principalmente

cavalos),

adubos ou solos

contaminados.

O comprometimento

da imunidade

celular deve

ser investigado...

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

54

características: ovais, lisas, semitranspa-rentes, brilhantes, coalescentes, mucói-des, semelhantes em aparência àlágrimas. As colônias variam em tama-nho de 2 a 4 mm, entretanto, colôniascoalescentes podem se mostrar maiores(1). A clássica colônia coalescente vis-coso-mucóide é o tipo predominante,mas formas menos mucóides podemtambém ser vistas. Pequena proporçãode colônias, de 1 mm ou menos, nãomucóides, podem estar presentes. As cul-turas de R. equi apresentam um cheirocaracterístico.

A produção de pigmentos é rara-mente documentada em culturas commenos de quatro dias. Não se deve es-perar que as clássicas colônias pigmen-tadas de rosa ou vermelho (pigmentovermelho cocci) surjam imediatamenteno isolado. Depois de quatro a sete diasde cultivo, as colônias podem desen-volver delicada sombra rosa-salmão, en-tretanto, podem estar sem pigmentaçãoou aparecer levemente amareladas. Amelhor descrição de pigmentação dascolônias no ágar sangue seria a cor cas-tanho-amarelada clara (1).

Características

bioquímicas de identificação

Características que podem serusadas na rotina nos laboratórios de clí-nica microbiológica para identificar oR. equi são mostradas na tabela 4 (1).

Histopatologia

As lesões pulmonares causadas porR. equi são granulomatosas e contêmmaterial caseoso espesso em seu interior.Numerosos neutrófilos e macrófagos es-tão presentes por toda área necrótica. Es-sas células são freqüentemente observadascom bactérias intactas em seu interior (8).O exame histopatológico revela múlti-plos abscessos, fibrose intersticial marca-da e exsudato fibrinoso (11).

Análise genética

Muitas vezes, as características dascolônias, a morfologia celular e a rea-ção à coloração com ácido diferem en-tre isolados de R. equi. Embora o API(Sistema de identificação multisubstra-to de Coryne – bio Meneux), um kit

TABELA 3 – Presença de Rhodococcus equi em material clínico examinado

Fonte: TORTOSA; ARRIZABALAGA et al. Prognosis and clinical evaluation of infection caused by Rhodococcus

equi in HIV-infected patients. Chest; 123 (6), 2003

O número total de amostras positivas foi > 67, porque, em alguns pacientes, o R. equi foi isolado em váriasoportunidades.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

55

comercial largamente usado em labora-tórios de microbiologia clínica, inclua oR. equi em seus dados, sua confiabilida-de é limitada. Esses resultados inconsis-tentes para a bactéria resultam,freqüentemente, em identificação errô-nea, quando o R. equi é confundido comoutras espécies de Rhodococcus ou mes-mo corinebacterias ou outros actinomi-cetos. A identificação apurada dosisolados de Rhodococcus em nível deespécie é possível com base em propri-edades quimiotaxonômicas. Entretanto,essas técnicas são excessivamente traba-lhosas, demoradas e caras para uso roti-neiro em laboratórios de clínicasmicrobiológicas para identificação bio-química dos isolados (14). Com a recen-te identificação do gene choE, um locus

cromossômico ligado ao colesterol oxi-dase, foram feitas diversas análises mu-tacionais que indicaram que o choE é ofator de lesão da membrana responsávelpela reação de hemólise (tipo AMPc)sinérgica, causada pelo R. equi na pre-sença de bactérias produtoras de esfin-gomielinase C, tais como Listeria ivanovii,Bacillus cereus e S. aureus. Esta reação

tipo AMPc pode ser vista como um mar-cador fenotípico para a identificaçãopresuntiva rápida do R. equi. Existe agoraum novo método PCR para a identifica-ção rápida e específica, baseada na de-tecção de seqüências de choE. Esse testediferencia com acuracia o patógeno deoutros actinomicetos fortemente relacio-nados e reclassifica corretamente as ce-pas identificadas no início como R. equi

para outras espécies (14). Classifica tam-bém como R. equi uma bem conhecidacepa produtora de colesterol oxidase, aBrevibacterium sterolicum ATCC 21387.O gene choE preenche todas as caracte-rísticas quanto à alta especificidade e àconservação em todas as cepas estuda-das, permitindo seu uso rotineiramente.

Poucos métodos moleculares rá-pidos têm sido desenvolvidos para aidentificação do R. equi. Isolados depotros podem ser identificados peladetecção do antígeno vapA, com anti-corpos monoclonais ou, alternativamen-te, pela detecção por meio de PCR deseu gene, que está presente em umplasmídio de 85 KDa. Entretanto, esseplasmídio não está presente em todas

TABELA 4 – Características bioquímicas para identificação do Rhodococcus equi

Fonte: PRESCOTT. Rhodococcus equi: na animal and human pathogen. Clin. Microbiol. Rev., 4:20-34, Jan.1991.

Fatores equi: exoenzimas produzidas pelo Rhodococcus equi: colesterol oxidase e fosfolipaseC (4) H2S – Ácido sulfídrico.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

56

as cepas de humanos e potros, limitan-do a utilidade da identificação vapA-ba-seada. Outro método molecular baseadoem PCR tem sido usado para amplificarum segmento cromossômico de funçãonão conhecida, mas sua validade foi ava-liada só com pequeno número de ce-pas. Um método que utiliza PCR-RFLP,objetivando proteína de 65 KDa e, pri-mariamente, planejado para a identifica-ção de micobactéria, discrimina cepasde R. equi. Entretanto, essa identificaçãoé demorada e trabalhosa (14).

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial da le-são cavitária no paciente imunossupri-mido é de difícil realização, quandoconsideramos apenas seu quadro clí-nico e a imagem radiológica. A gran-de variedade de etiologias e acomplexidade terapêutica, que impli-cam em algumas dessas causas, con-tra-indicam o tratamento empírico. Asinformações a respeito do nível de imu-nidade do paciente orientam a investi-gação de acordo com a freqüência daspatologias em cada fase (5). Na presençade imunodepressão leve, a tuberculose

pulmonar é a patologia mais comum,seguida por pneumonia bacteriana,abscesso pulmonar e, raramente, car-cinoma broncogênico. Na imunode-pressão moderada a grave, as etiologiasprováveis tornam-se numerosas, sen-do as principais a pneumonia porPneumocystis carinii, pneumonia bac-teriana, pneumonia por Rhodococcus

equi, MM. Kansasili e aspergilose pul-monar invasiva (5).

A alta prevalência de tuberculoseem nosso meio faz com que infecçõescrônicas causadas por actinomicetos ae-róbios (nocardiose, rodococose) não se-jam reconhecidas clinicamente ou sejamdiagnosticadas equivocadamente no la-boratório, em decorrência da ácido-re-sistência em comum com asmicobactérias (6). A rodococose, a tu-berculose e a nocardiose se assemelhamtambém clinica e radiologicamente. Aactinomyces israelli, agente causador daactinomicetose, produz quadro clínicosemelhante, mas, no entanto, não semostra ácido-resistente pela técnica deZiehl-Neelsen (11).

Os Nocardia asteróides e os Rho-

dococcus equi possuem tendência de

TABELA 5 – Diferenças micromorfológicas e tintoriais entre tuberculose e actinomicetoses

Fonte: SEVERO; LONDERO; Actinomicetoses. In: VERONESI; FOCACCIA (Ed.). Tratado de Infec-tologia. EditoraAtheneu. 2. ed. 2002, v. 2.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

57

disseminar-se para outros órgãos comformação de abscessos. Raramente hádisseminação do Actinomyces israelli

por via hematogênica (11).

A Tabela 5 mostra as diferençasmicromorfológicas e tintoriais entre ro-dococose, tuberculose, nocardiose eactinomicetose (11). Como o Rhodo-

coccus equi é cocobacilo gram-positi-vo, fracamente ácido-resistente, podeser confundido com difteróides. Porisso, é comum ser considerado umacontaminação e não valorizado emcultivo como agente infeccioso (6).

Tratamento

Por ser o Rhodococcus equi umparasita intracelular, seu tratamento re-quer, geramente, o uso de drogas combom nível de difusão tecidual (1). ORhodococcus equi costuma respondera vários antimicrobianos, especialmen-te os lipofílicos, por penetrar nos ma-crófagos e neutrófilos nos quais seencontra o microorganismo (4).

O sucesso do tratamento depen-de do diagnóstico precoce preciso edo uso de drogas antimicrobianas quecorrespondam à sensibilidade in vitro

do R. equi. Nesse mister, o Rhodo-

coccus tem se revelado susceptível aamplo número de antimicrobianos,como: imipenem, eritromicina, rifam-picina, vancomicina, aminoglicosíde-os e quinolonas de última geração (3).Durante o tratamento da rodococose,tem sido observada resistência aos â-lactâmicos. Esses antibióticos, portan-to, devem ser evitados ou utilizadosapenas em combinação com outrosantibióticos (1).

A peculiar patogenicidade da in-fecção pelo Rhodococcus equi deter-mina seu tratamento. Dada a altafreqüência de bacteremia e a alta con-centração de bactérias, é mais apro-priado indicar uma combinação deantibióticos com efeitos bactericidas,tais como, imipenem plus, vancomici-na ou imipenem plus teicoplamina. An-tibióticos lipofílicos com boa penetração

TABELA 6 – Suscetibilidade antimicrobiana do Rhodococcus equi em estudo com 67 pacientes

Fonte: TORTOSA; ARRIZABALAGA et al. Prognosis and clinical evaluation of infection caused by

Rhodococcus equi in HIV-infected patients. Chest, 123 (6), 2003.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

58

intracelular devem ser administrados ecombinações levando em base macro-lídios e a rifampicina têm sido com-provadas como ótimas. A azitromicinamostrou ser uma droga apropriadapara o tratamento dessa infecção, emcombinação com outras drogas, pelofato de alcançar altos níveis teciduais.

A drenagem de abscessos deveser realizada quando possível. Entre-tanto, a ressecção cirúrgica deve serlimitada àqueles pacientes que não res-pondem ao tratamento medicamento-so (4).

A resposta à terapia deve sermonitorada com radiografias de tórax,e, após o tratamento, deve ser realiza-da ausculta pulmonar por sete dias,com acompanhamento da tempera-tura corpórea e, se possível, com ava-liação bacteriológica do aspiradotraqueal. Além da antibioticoterapia,está indicada a ressecção cirúrgica dotecido necrótico, a drenagem de le-sões supurativas e o controle dos fato-res predisponentes (6). A duração daterapia varia de quatro a nove sema-nas e, usualmente, culmina em com-pleta resolução das lesões.

TABELA 7 – Suscetibilidade do Rhodococcus equi aos antimicrobianos

Fonte: PRESCOTT. Rhodococcus equi: na animal and human pathogen. Clin. Microbiol. Rev.,

4:20-34, Jan.1991.

MIC: concentração inibitória mínima

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

59

A tabela 6 pertence ao estudoretrospectivo já citado, realizado emhospitais espanhóis. Ela mostra a sus-cetibilidade in vitro do Rhodococcus

equi aos antimicrobianos. Os dadosforam obtidos a partir da amostra de67 pacientes diagnosticados com ro-dococose (4). A Tabela 7 mostra osantimicrobianos com os quais o Rho-

dococcus equi se apresenta mais sus-ceptível. A análise da Tabela 7 mostraque o microorganismo é particularmen-te susceptível à eritromicina, clinda-micina, aminoglicosídeos amicacina,gentamicina, neomicina, trobamicina,rifampicina e vancomicina. É modera-damente susceptível à penicilina G, am-picilina e tetraciclinas. Mostra-seresistente à primeira e à segunda gera-ção de cefalosporinas: cefalotina, cefa-zolina, cefalexina, cefadroxil, cefaclor,cefuroxima (1).

Conclusão

Muito tem se aprendido nas últi-mas décadas sobre infecções por R.

equi em potros, que podem se aplicara infecções em humanos. Entretanto,algumas questões importantes sobre adoença em potros permanecem e, porisso, necessitam ser esclarecidas paramelhorar o controle da doença, tantoem eqüinos, como em humanos. Agrande incidência e a prevalência daSíndrome de Imunodeficiência Adqui-rida, os alcoólatras crônicos e o au-mento do número de transplantes comnecessidade de imunossupressão

prolongada vêm tornando a doençacada vez mais freqüente e relevante naclínica pneumológica. Os dados exis-tentes hoje a respeito da prevalência eincidência da doença, mostram-se, comcerteza, equivocados. Acredita-se quea doença seja bastante subnotificada econfundida com outras patologias gra-nulomatosas. O desenvolvimento demodelo em ratos para infecção, porexemplo, com defeitos imunológicosgeneticamente definidos, deve reduziro gasto e outras dificuldades em usarpotros como animais experimentais.Tais modelos também poderiam serusados para definir importantes antí-genos na imunidade humoral e o valorde anticorpos na prevenção e no trata-mento da infecção, além de os antíge-nos de importância e a base daimunidade celular à infecção, o valormais claro do interferon gama, o fatorde necrose tumoral alfa e outras linfo-cinas no tratamento da infecção e aotimização do uso de antimicrobianos.Também, semelhantes modelos podemser usados para comparar a virulênciade diferentes cepas e relatar as dife-renças de virulência dos componentesda parede celular, podendo ser útil nodesenvolvimento de vacinas. O gran-de avanço nos testes genéticos e soro-lógicos vem revolucionando odiagnóstico, e, dessa forma, o conhe-cimento precoce da presença da en-fermidade possibilita tratamento maispreciso, com melhores resultados, re-duzindo significativamente a morbimor-talidade da doença.

1. PRESCOTT JF. Rhodococcus equi: an animal and human pathogen. Clin. Microbiol. Rev.,4:20-34, Jan.1991.

2. HARVEY R.L.; Sunstrum J. C. Rhodococcus equi infection in patients with and withouthuman immunodeficiency virus infection. RID, 13, Jan./Feb. 1991.

3. MCGOWAN, K. L.; MANGANO, M. F. Infections with Rhodococcus equi in children. DiagnMicrobiol Infect Dis, 14:347-352, 1991.

4. TORTOSA M. T, ARRIZABALAGA, J. et al. Prognosis and clinical evaluation of infectioncaused by Rhodococcus equi in HIV-infected patients. Chest, 123(6), 2003.

Referências

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

60

5. VALERY MIBA, Barros L. A. Diagnóstico diferencial de lesão cavitária em HIV positivo. J.Pneumologia 23(3), maio/jun. 1997.

6. SEVERO L. C.; PETRILLO, V. F. et al. Infecção pulmonar por Rhodococcus equi: relato dosdois primeiros casos brasileiros. J. Pneumol., 27(3):158-162, Maio/Jun. 2001.

7. SHIN, M. S.; COOPER, J. A.; HO, K. J. Pulmonary malacoplakia associated with Rhodococcusequi infection in a patient with AIDS. Chest, 115(3), March 1999

8. HILLIDGE C. J. Review of corynebacterium (Rhodococcus equi) lung abscesses in foals:Pathogenesis, diagnosis and treatment. Veterinary Record, 119:.261-264, 1986.

9. BARTON, M. D.; Hughes, K. L. Corynebacterium equi: a review. The Veterinary Bulletin,50:65-80, Feb. 1980.

10. LOPES C.A.M. and Diniz R. Rhodococcus equi: Um patógeno importante e pouco conhe-cido. Rev. Ciênc. Bioméd. São Paulo. 16:55-62, 1995

11. SEVERO L. C.; LONDERO, A.T. Actinomicetoses. In: VERONESI, R.; FOCACCIA, R. (Ed.).Tratado de infectologia. 2. ed. São Paulo: Atheneu. 2002. v. 2.

12. HONDALUS M.K. Pathogenesis and virulence of Rhodococcus equi. Veterinary Microbiology,16;56(3-4): 257-68, Jun. 1997

13. KASUGA-AOKI, H.; TAKAI, S.; SASAKI, Y.; TSUBAKI, S.; MADARAME, H.; NAKANE, A. Tu-mor necrosis factor and interferon-gamma are required in host resistance against virulentRhodococcus equi infection in mice: cytokine production depends on the virulence levels ofR. equi. Immunology, 96(1):122-127, Jan. 1999.

14. LADRON, N.; FERNANDEZ, M.; AGUERO, J.; GONZALEZ ZORN, B.; VAZQUEZ-BOLAND, J. A.;NAVAS, J. Rapid identification of Rhodococcus equi by a PCR assay targeting the choE gene.Journal of Clinical Microbiology, 41(7): 3.241-3.245, Jul. 2003.

15. TAKAI, S.; KOIKE, K.; OHBUSHI, S.; IZUMI, C.; TSUBAKI, S. Identification of 15- to 17-kilodalton antigens associated with virulent Rhodococcus equi. Journal of Clinical Microbiology,29: 439-443, 1991.

16. NORDMANN, P., ZINZENDORF, N.; KELLER, M.; LAIR, I.; RONCO, E.; GUENOUNOU, M.Interaction of virulent and non-virulent Rhodococcus equi human isolates with phagocytes,fibroblast- and epithelial- derived cells. Immunol. Med. Microbiology. 9: 199-206, 1994.

17. NORDMANN, P.; KELLER, M.; ESPINASSE, F.; RONCO, E. Correlation between antibioticresistance, phage-like particle presence and virulence in Rhodococcus equi human isolates.Journal of Clinical Microbiology. 32: 377-383, 1994.

18. KANALY, S. T.; HINES, S. A.; PALMER, G. H. Cytokine modulation alters pulmonary clearanceof Rhodococcus equi and development of granulomatous pneumonia. Infect Immunology,63: 3.037, 1995.

19. NORDMANN P.; Ronco E.; GENOUNOU, M. Involvement of interferon-gamma and tumornecrosis factor-alpha in host defense against Rhodococcus equi. Journal Infect Disease,167: 1456, 1993.

20. HIETALA, S. K.; ARDANS, A. A. Interaction of Rhodococcus equi with phagocytic cells fromR.equi exposed and non-exposed foals. Veterinary Microbiology, 14: 307-320, 1987.

21. TAKAI, S.; SEKIZAKI, T.; OZAWA, T.; SUGAWARA, T.; WATANABE, Y.; TSUBAKI, T. Associationbetween a large plasmid and 15- to 17-kilodalton antigens in virulent Rhodococcus equi.Infect. Immunology, 59: 4.056-4.060, 1991.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004

61

Aleijadinho: o gênio do barroco

mineiro e sua enfermidade

José Lucas Magalhães Aleixo1

1 Professor da Escola

de Saúde Pública de

Minas Gerais; Técnico

da Coordenadoria da

Assistência à Saúde

da Mulher, da Criança

e do Adolescente da

SES/MG.

Endereço para

correspondência

Av. Augusto de Lima,

nº 2061, 30.190-002,

Belo Horizonte, MG

Resumo

Este artigo apresenta uma síntesesobre as mais importantes hipótesesacerca da(s) enfermidade(s) do grandeescultor mineiro Antônio Francisco Lis-boa. Mostra também algumas informa-ções sobre a vida e a obra artística domestre do barroco brasileiro, tambémconhecido como Aleijadinho.

Palavras-chave

Aleijadinho, arte barroca, enfermi-dade(s) do Aleijadinho, mineiridade.

Aleijadinho: the baroque genius

and his infirmity.

Abstract

This article represents a shynthesisabout the most importants hypothesisrespect to diseases of the great minei-ro (born in Minas Gerais) sculptor, An-tônio Francisco Lisboa. Represents toosome informations about the life andartistic work of this master of brasilianbaroque art as knowed as Aleijadinho.(Little Crippled)

Key-words

Aleijadinho (Little Crippled); baro-que art, Aleijadinho’s diseases, minei-ridade (singular civilization of MinasGerais and your people)

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – JUL./DEZ.2004

62

Introdução

Antônio Francisco Lisboa, co-nhecido como Aleijadinho, representaa expressão máxima do barroco emnosso país, com obra significativa, dereconhecimento mundial, concentradaem Minas Gerais, especialmente emOuro Preto, Congonhas do Campo eSão João del-Rei.

Sua vida e obra sempre desper-taram interesse, não só pelo mérito in-trínseco de sua produção artística sempar em nosso meio, mas também poroutros aspectos que o envolveramcomo ser humano: as questões sociaisoriundas do fato de ser um mulato bas-tardo, vivendo e trabalhando com re-lativo sucesso numa sociedade dedominação colonial européia, sofren-do dupla discriminação de cor e denascença local.

Porém, é outro aspecto marcan-te de sua vid que motiva esse artigo,qual seja, a enfermidade ou enfermi-dades que o acometeram durante osúltimos quarenta anos de sua existên-cia e que, apesar das dolorosas limita-ções a ele impostas, não impediramuma produção volumosa e de valorartístico inestimável.

São várias as teorias voltadas aodiagnóstico retrospectivo de sua en-fermidade. Não trago aqui nenhumanova teoria, pois na realidade pretendofalar do Aleijadinho, do barroco minei-ro, das Minas Gerais e desse sentimen-to difuso e ao mesmo tempo incisivoque percorre a alma de muitos minei-ros, que se convencionou chamar demineiridade.

A mineiridade

Que mineiridade é essa? Muitosquestionam haver algum traço cultural,sentimento ou atitude coletiva que pos-sa ser convencionada como mineirida-

de, entendida esta como uma entidadesociológica ímpar e própria, natural-

mente gestada, desenvolvida e contidaentre as montanhas e lentamente es-praiada pelos sertões de Minas Gerais.

O certo é que alguns traços cul-turais regionais de Minas foram gene-ralizados indiscriminadamente. Mas issonão impede de se falar em uma culturamineira própria e ímpar, fechada em simesma, fermentando, no período sete-centista sob forte controle emigratórioda metrópole portuguesa, zelosa emcontrolar a exploração do ouro. E aseguir desenvolvendo-se assentada nadiversidade de um Estado com frontei-ras em intercâmbio com estados vizi-nhos, conforme relata Mata-Machado(1991) — relacionando o sertão noroes-te mineiro com o sul da Bahia —, alémdos casos similares do sul de Minascom São Paulo e da Zona da Mata comRio de Janeiro. Mesmo assim, por ou-tro lado, esse viés da diversidade con-viveu simultaneamente com outro,regional, muito próprio, assentado nasingularidade de regiões, cidades e lu-garejos relativamente isolados, onde otempo literalmente tem passado muitolentamente, ou, então, permanece pa-rado em nossa memória afetiva..

Arruda (1988), ao trabalhar otema do memorialismo mineiro e dasrazões ou emoções que motivam osescritores e memorialistas mineiroscomo Pedro Nava, Manoel Bandeira,Carlos Drumond de Andrade, MuriloMendes dentre muitos, também abor-da o tema da mineiridade.

A realidade social de Minas no sécu-

lo 19, ao encaminhar-se para certa

autonomia, criou uma subcultura

singular, fruto do amálgama entre o

passado e o presente, que se poderia

denominar por mineirismo. O mi-

neirismo constitui-se, portanto, na

expressão de uma subcultura regio-

nal. A manifestação cotidiana do mi-

neirismo é a mineirice, enquanto

um modo de aparecimento das prá-

ticas sociais inerentes aos mineiros

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – JUL./DEZ.2004

63

e que servem para distingui-los de

outros tipos regionais. A mineirida-

de exprime, em contrapartida, uma

visão que se construiu a partir da

realidade de Minas e das práticas co-

tidianas dos mineiros. Por fundar a

figura abstrata dos mineiros e conec-

tá-los a sua origem – o passado ilus-

tre setecentista – a mineiridade tem

as características do mito. E os mi-

neiros, ao identificarem-se com essa

construção, absorvem o pensamento

mítico e colaboram para a sua per-

manência. (ARRUDA, 1988, p. 220-221)

Entidade abstrata ou real, ela semanifesta em coisas muito simples,como a percepção do cheiro tão carac-terístico de Ouro Preto, proveniente dosmusgos que se escondem entre suaspedras seculares e que reacendem su-tilmente com o calor do dia, evocandomomentos de déjà vu em nossa memó-ria afetiva. O fato é que aqueles quecultuam ou cultivam essa tal mineirida-de têm enorme prazer em ver, visitar,estudar, pesquisar, ler, ouvir, falar, es-crever e respirar sobre tudo o que serelaciona com Minas Gerais, na qualcertamente se destacam o nosso Aleija-dinho e a arte barroca mineira.

Um pouco sobre o Barroco

Em breves linhas, tracemos oque venha a ser o estilo barroco, noqual se insere a obra de Aleijadinho.Com origem em Roma, pode ser en-tendido como um estilo definido, umatendência comum, um gosto aplicadoà arquitetura, escultura e pintura, quese estendeu por todo século XVII epela primeira metade do século XVIII,tanto na Europa, bem como, a seguir,na América Latina (CONTI, 1978).

O barroco atende estrategicamen-te aos anseios da Igreja Católica numaépoca em que pretendia recuperar par-te de seus crentes perdidos para o pro-testantismo, impressionando-os com

uma arquitetura e uma arte apelativaem termos de grandiosidade, fascínio emajestade, que, desse modo, evocas-sem as excelsitudes celestiais, afloran-do sentimento e emoção devocionais.

Ele surge logo depois do períodorenascentista, com suas características ar-tísticas (apelo à razão, sobriedade, defi-nição clássica de planos, linearidade,estabilidade e equilíbrio) contrapondo-se às de apelo emocional, eloquênciavisual, jogos de luz e sombra, disposi-ções em curvatura, sentido de infinitudeao olhar (trompe l’oeil), dentre outras.

O barroco se propaga por todaEuropa com maior ou menor intensi-dade em cada país, inclusive na Espa-nha e Portugal, que se apropriam desuas características gerais (TAPIÉ, 1983;CONTI, 1978) e acrescentam peculiari-dades, transmitindo-as para suas colô-nias nas Américas, nas quais, por suavez, adquire tonalidades locais, vari-ando do vulgar ao nível de excelência,como no caso do Brasil — exemplifi-cados em Olinda, Salvador, Rio de Ja-neiro e Minas Gerais que, por sua vez,teve Ouro Preto e Congonhas do Cam-po — Santuário de Bom Jesus de Ma-tozinhos e entorno —, reconhecidascomo patrimônio artístico da humani-dade, graças, em grande parte, às obrasdo mestre Aleijadinho.

Afinal quem foi esse mineiro dequem tanto se fala?

Aleijadinho:

um breve relato biográfico

Relembremos alguns aspectos in-teressantes de sua biografia, relacio-nando, ainda, algumas de suas obrasmais importantes.

Antônio Francisco Lisboa nasceunos arredores de Ouro Preto, em 29 deagosto de 1730. Filho do arquiteto por-tuguês Manoel Francisco da Costa Lis-boa e de sua escrava Isabel, foialforriado logo no nascimento.

O fato é que aqueles

que cultuam ou

cultivam essa tal de

mineiridade têm

enorme prazer em

ver, visitar, estudar,

pesquisar, ler, ouvir,

falar, escrever

e respirar sobre tudo

o que se relaciona

com Minas Gerais...

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – JUL./DEZ.2004

64

Aprendeu a ler e escrever e, cer-tamente, a profissão do pai influen-ciou-o, que seguiu a mesma carreira,distinguindo-se também na esculturaem pedra e no entalhe em madeira.

Viveu, durante a maior parte desua vida, em Ouro Preto, numa casasimples em rua lateral à Igreja de Nos-sa Senhora da Conceição, matriz deAntônio Dias, dentro da qual foi se-pultado, quando morreu, em 1814. Ali-ás, no subsolo dessa Igreja, funcionaatualmente o Museu do Aleijadinho,onde, ao lado de pratarias e obras sa-cras diversas, podemos ver algumasesculturas e entalhes em madeira desua autoria.

Segundo o Guia de Ouro Preto,de Manuel Bandeira, além de sua ci-dade natal, podem ser encontradasobras de Aleijadinho em São João del-Rei, especialmente na monumentalIgreja de São Francisco de Assis; emSabará, na Igreja do Carmo; em CatasAltas, na Igreja Matriz de Caeté; emSanta Rita Durão, na localidade deMorro Grande; e em Congonhas doCampo, no monumental Santuário doNosso Senhor Bom Jesus de Matozi-nhos, com os profetas esculpidos empedra-sabão no adro frontal, e as ca-pelas dispostas na praça em frente,representando os passos da paixão deCristo. O conjunto de Congonhas éconsiderado pela UNESCO PatrimônioHistórico da Humanidade, entretanto,nem sempre foi assim.

Jorge (1971) nos traz um impres-sionante relato sobre sérios riscos as-sestados contra o conjunto deCongonhas do Campo, ameaçando suasobrevivência na primeira metade doséculo XX. Consta que um dos admi-nistradores do Conjunto de Matozinhos,o padre Júlio Engrácia, pediu simples-mente a eliminação sumária das figu-ras dos Passos.

“Seria de muita honra para a insti-

tuição do Sr. Bom Jesus, que a ad-

ministração trata-se de substituir

esses monstros extra-humanos....”

“Oxalá mande o administrador, com

o mesmo espírito, substituir essas

horrendas figuras dos passos e con-

sumi-las para sempre, a modo de que

não fique das mesmas o menor sinal,

para honra de Deus e da arte mineira”

(Jorge, 1971, p. 186).

Deus, em sua infinita sabedoria,não permitiu fosse consumada essa bar-bárie, para Sua própria honra e tambémda arte mineira, legando-nos mais uminestimável patrimônio artístico e histó-rico, enraizado nas Minas Gerais, atual-mente de reconhecimento mundial.

Prosseguindo a relação de obras,Falcão (1955) acrescenta o frontispícioda Igreja de Santo Antônio, em Tira-dentes, como de autoria do mestre. Mas,é em Ouro Preto, que se concentra amaior parte das obras de arquitetura eestatuária de Aleijadinho, marcantementepresentes nas igrejas de Nossa Senhorado Carmo, das Mercês e Perdões, daConceição, de São José e de Bom Jesusde Matozinhos, todas elas com imagense alguma atuação do mestre nos riscosarquitetônicos ou da construção de seusaltares. Outras importantes imagens es-tão no Museu da Inconfidência e nasigrejas de São Francisco de Paula (ima-gem do padroeiro) e do Rosário (ima-gem de Santa Helena).

Em Ouro Preto, o destaque desua obra é a Igreja de São Franciscode Assis, na qual, trabalhando em par-ceria com o mestre mineiro da pinturacolonial Manoel Francisco Ataíde, con-cebeu uma verdadeira jóia do barrocomineiro, talvez sua maior expressão.

A enfermidade de Aleijadinho

A enfermidade que acometeu Alei-jadinho aos 47 anos de idade contribuiusobremaneira para o desenvolvimento deuma aura mítica em torno do homem e

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – JUL./DEZ.2004

65

do artista histórico Antônio Francisco.Seus males físicos teriam produzido gros-seiras deformidades físicas, transforman-do-o numa figura soturna que preferiaas sombras e a escuridão da noite, es-quivando-se do convívio social.

Do ponto de vista artístico, suaenfermidade foi usada pelos detrato-res de sua obra — estrangeiros e pa-trícios —, para justificar suasimpressões, muitas vezes preconceitu-osas, afirmando não poder se esperarartisticamente muito de um escultoraleijado. Por outro lado alguns de seusadmiradores procuraram enaltecer ain-da mais sua obra, considerando-a maiorjustamente pelas dificuldades impos-tas pela enfermidade.

Sem negar o impacto espiritual,psicológico e físico que representa umaenfermidade restringindo um homem ple-namente produtivo aos 47 anos de idade,acredito pessoalmente que a genialidadedo mestre Aleijadinho paira eqüidistantede ambas as visões apresentadas anteri-ormente. Tal qual a surdez progressivaque acometeu Beethoven, a genialidadedo mestre alemão foi também preserva-da, apesar de toda angústia que a enfer-midade lhe causava.

Do ponto de vista médico, a en-fermidade de Antônio Francisco temsido discutida por especialistas a par-tir dos relatos de seu primeiro biógra-fo, Rodrigo José Ferreira Bretas,descrita em obra intitulada Traços bio-

gráficos relativos ao finado Antônio

Francisco Lisboa, esculptor mineiro,

mais conhecido pelo apellido de Alei-

jadinho, publicada em 1858 (44 anosdepois da morte do artista), que tevesua primeira reprodução gráfica em1896 na Revista do Archivo Público Mi-

neiro, v. 1, p. 163-174.

Desde então, a polêmica sobresua enfermidade ganhou espaço namídia e em diversas publicações. Fur-tado (1970) relaciona extensa biblio-grafia sobre Aleijadinho com enfoque

principal em sua(s) enfermidade(s),como se segue:

Djalma Andrade (De que morreu

o Aleijadinho?, 1924), Renë Laclette (Adoença de Aleijadinho, 1929) Agripa deVasconcelos (De que morreu o Aleija-

dinho, 1930), Phocion Sepa (As molés-

tias do Aleijadinho, 1930), AméricoValério (Causa Mortis do Mestre Aleija-

dinho — Lepra ou Seryingomyelia,1933), Nicolau Ciancio (De que morreu

o Aleijadinho, 1933), José Mariano Fi-lho (Depoimentos levianos sobre a mo-

léstia de Antônio Francisco Lisboa,1942), Martins de Andrade (Sofria o Alei-

jadinho de transformação congênita,1942), Antônio Alves Passig (Ainda a

moléstia de Aleijadinho, 1943-1944),Floriano Lemos (Ruínas vivas, A doen-

ça de Aleijadinho, 1944), José MarianoFilho (Contribuição para o diagnóstico

póstumo da enfermidade ou enfermi-

dades de Antônio Francisco Lisboa,1944), Jamil Almansur Haddad (Arte e

doença de Aleijadinho, 1945), J. B. dePaula Fonseca Jr. (Por que deformava

o Aleijadinho, 1957), Alípio Corrêa Nettoe Eugênio Luiz Mauro (Médicos diag-

nosticam a doença do Aleijadinho,1963), Paulo Augusto Galvão (Hiperte-

lorismo e estrabismo divergente na obra

do Aleijadinho, 1964)

Durante o período de 1924 a1964, várias hipóteses diagnósticas fo-ram levantadas por diversos médicos eprofessores. Então, quando da come-moração do sesquicentenário de mortede Aleijadinho (1814-1964), a Associa-ção Médica de Minas Gerais promoveuum debate sobre o tema reunindo osmédicos que advogavam as hipótesesmais prováveis e consistentes sobre a(s)enfermidade(s) do Aleijadinho.

Assim sendo, compareceram àmesa-redonda o professor René Laclet-te, o professor Tancredo Alves Furta-do, o médico e historiador PedroSalles, o professor Alípio Corrêa Net-to e o professor Geraldo Guimarães

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – JUL./DEZ.2004

66

da Gama, cada um defendendo as se-guintes hipóteses diagnósticas: lepranervosa, para-amiloidose e porfiria (La-clette), lepra nervosa (Furtado), trom-boangeíte obliterante (Netto) artritereumatóide juvenil e acidente vascularcerebral (Gama).

As versões foram devidamenteexpostas, mas a polêmica permane-ceu viva no meio médico e, logo de-pois, em 1967, o professor Carlos daSilva Lacaz reforçava a defesa da hi-pótese de porfiria cutânea tardia, ba-seado em uma exumação (semcuidados técnicos) feita no túmulo doAleijadinho no princípio do século XX,quando, então, teria sido verificada umacor avermelhada nos ossos do mestre,invocando a suspeita de porfiria. Oprofessor Lacaz propos-se a fazer novae cuidadosa exumação para estudo ci-entífico dos ossos do Aleijadinho, aqual ocorreu efetivamente em 1971. En-tretanto, segundo Carvalho (1998), oprofessor Lacaz faleceu sem comple-tar aqueles estudos, o que o motivou aum novo pedido de exumação, reali-zada em 16 de março de 1998, quan-do, novamente, foram encontradosossos de cor avermelhada sugerindo odiagnóstico de porfiria, mas sem a pos-sibilidade de confirmação de que fos-sem do artista, uma vez que foramencontrados misturados à outra ossa-da. Permaneceu viva tanto a hipótesecomo a polêmica diagnóstica.

O último estudo consistente so-bre o tema vem do professor GeraldoGama, que, recentemente, em 2004, de-fendeu a tese de que o artista teriasofrido um acidente de trabalho aos47 anos de idade, provavelmente, a que-da de um andaime, provocando pro-blemas de locomoção com recuperaçãomuita lenta, ao longo de 12 anos. Jána velhice, Gama sustenta que Aleija-dinho possa ter sofrido as conseqüên-cias de um acidente vascular cerebral,ou de sífilis tardia, ou de escorbuto,até mesmo, concomitantemente.

Apesar da consistência desse úl-timo estudo, parece-nos que o assuntonão está esgotado, até porque o pró-prio mito parece realimentá-lo numquadro que mescla o afã da investiga-ção diagnóstica inerente à formaçãomédica, o fascínio por uma obra mai-or em termos de vida e arte e o desa-fio de refazer a história encontrandoa(s) verdade(s), leitmotiv muito pró-prio dos historiadores profissionais oubissextos.

Considerações finais:

o barroco mineiro e seu

significado a nível mundial

A própria existência do Aleijadi-nho foi posta em dúvida, como se fosseimpossível que, nestas longínquas pa-ragens, vivesse um artista tão genial eprofícuo. A esse respeito, Rezende(1965) reproduz parte do incisivo de-poimento do professor Tabajara Pe-droso sobre a inexistência do artista.

“Assim como chegaram a duvidar da

existência de um Shakespeare, em

face do gigantesco de sua produção

literária, houve também quem cis-

masse a respeito do Aleijadinho,

achando demasiada a sua obra para

ser de um só artista. Mas isso tanto

aqui como lá, não passou de uma

ardilosa e intempestiva cisma.” (Re-

zende, 1965, p. 49).

Hoje em dia, a obra do MestreAleijadinho tem reconhecimento mun-dial, atraindo milhares de visitantes detodas as partes do mundo para essasdistantes paragens montanhosas, ondese situam as principais cidades histó-ricas mineiras.

Por que motivo turistas europeus,tão acostumados a conviver com gran-diosas obras históricas praticamente acada esquina das cidades de seus paí-ses, viriam aportar aqui nesses sertõese montanhas para reverenciar as artesbarrocas mineiras e seus mestres?

A própria

existência do

Mestre Aleijadinho

foi posta em

dúvida como se fosse

impossível que nestas

longínquas paragens

vivesse um artista

tão genial e profícuo.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – JUL./DEZ.2004

67

Parte da resposta deixo para Má-rio de Andrade:

“As igrejas de Aleijadinho não se aco-

modam com o apelativo belo, pró-

prio à São Pedro de Roma, à catedral

de Reims, à Batalha, ou à horrível

São Marcos de Veneza. Mas são

muito lindas, são bonitas como o

quê. São dum sublime pequenino,

dum equilíbrio, duma opureza tão

bem arranjadinha e sossegada, que

são feitas pra querer bem ou acari-

nhar, que nem na cantiga nordesti-

na. São barrocas, não tem dúvida,

mas sua lógica e equilíbrio de solu-

ção é tão perfeito que o jesuitismo

enfeitador desaparece, o enfeite se

aplica com uma naturalidade tama-

nha, que, se o estilo é barroco, o sen-

timento é renascente.” (JORGE,

1971, p. 63).

Em outras palavras, há uma be-leza muito própria na obra de Aleijadi-nho, que carece de comparaçõeslineares e simplistas, e que certamenteimpressiona até mesmo aqueles acos-tumados a obras grandiosas.

Acrescento outro aspecto queconsidero também muito próprio. EmRoma existe uma grande obra históri-ca em quase toda parte. Respira-se his-tória e beleza a todo momento. Afinal,Roma foi o centro do mundo durantemuitos séculos. Toda riqueza, arte, be-leza, cultura e até uma religião inteira(a grega) para lá foram levadas, acu-mulando um acervo inigualável. To-dos os caminhos levavam à Roma.

Do outro lado, quase no fim domundo, situavam-se as Minas Gerais,para onde não havia quase nenhumcaminho, distante centenas de quilô-metros do litoral, perdidas no interiorde um país colonizado sob a égide doextrativismo.

Pois foi nesse “fim de mundo”que se construiu e se conservou umpatrimônio artístico-cultural lindo em

si próprio — mesmo se posto em qual-quer lugar do mundo — e absoluta-mente surpreendente, justamente porse situar em tão longínquas e inóspi-tas paragens.

Do afamado construtor alemão deórgãos Arp Schenitger existem hoje cin-co exemplares no mundo, um deles tra-zido no século XVIII para o Barsil, aseguir transportado em lombo de burropara a cidade de Mariana, que encantae surpreende visitantes de todas as par-tes do mundo. É lindo por si próprio esurpreendente por estar logo aqui.

A Igrejinha Nossa Senhora do Ó,de Sabará, retrata uma beleza singulardo barroco mineiro, pequena e preci-osa como uma pérola. O pequeno al-tar central traz uma obra-prima decriatividade, pois, ao se posicionar fren-te a ele, o visitante com os olhos se-micerrados, vê nitidamente a imagemde Jesus Cristo, criativa e pacientementeelaborada para ser vislumbrada ape-nas dessa forma. Linda, criativa e sur-preendente, estando logo ali.

Entre grandes serras, com desta-que para a do Caraça, ergueu-se em1774 uma pequena ermida dedicada aNossa Senhora, logo transformada emcasa de romaria e, depois, num centroeducacional, conhecido como o Colé-gio do Caraça, com proposta educaci-onal ímpar para tão longínqua paragem.(Zico, 1982 e 1990) Centro de educaçãoe de cultura, lindo, imponente em suaconjunção homem e religiosidade/ar-quitetura e natureza, e surpreendentepor estar logo aqui, escondido dentreelevadas e inóspitas montanhas, comose fosse a própria porta do céu.

Há muito de saga, força espiritu-al, criatividade, genialidade, além de sede,desejo e receptividade ao belo na cons-trução paciente e paulatina desse incrí-vel acervo histórico e cultural encravadoentre as montanhas de Minas Gerais.

Para terminar, faço um alerta atodos aqueles mineiros e brasileiros

Há muito de saga,

força espiritual,

criatividade,

genialidade, além de

sede, desejo e

receptividade ao belo

na construção

paciente e paulatina

desse incrível acervo

histórico e cultural

encravado entre as

montanhas

de Minas Gerais.

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – JUL./DEZ.2004

68

ARRUDA, M. A. N. Minas: tempo e memória. Ciências Sociais Hoje, 1988, p. 219-237. SãoPaulo: Vértice/ Editora Revista dos Tribunais/ ANPOCS, 1988.

BANDEIRA, M. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro: Tecnoprint., 1939.

CARVALHO, G. B. Qual era a doença de Aleijadinho? Belo Horizonte: Jornal da AMMG, 1998.

CONTI, F. Como reconhecer a arte Barroca. Lisboa: Edições 70, 1986.

FALCÃO, E. C. Nas paragens do Aleijadinho (Guia das Minas Gerais). São Paulo, 1955.

FURTADO, T. A. O Aleijadinho e a medicina. Belo Horizonte: Cento de Estudos Mineiros daUFMG, 1970.

GAMA, G. G. Os mistérios na vida de Aleijadinho. Belo Horizonte: Edições C. L. A., 2004.

JORGE, F. O Aleijadinho. 5. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.

MATA-MACHADO, B. N. História do sertão noroeste de Minas Gerais (1690-1930). BeloHorizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1991.

REZENDE, A. Lembrando Ouro Preto e Aleijadinho. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de MinasGerais, 1965.

TAPIÉ, V. L. O barroco. São Paulo: Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo, 1983.

ZICO, J. T. Caraça: parque natural e arquivo do colégio. Belo Horizonte: O Lutador, 1990.

ZICO, J. T. Caraça: sua igreja e outras construções. Belo Horizonte: FUMARC/UCMG, 1983

sensíveis ao apelo da mineiridade. Umjornal mineiro (O Tempo) publicou pre-ocupante reportagem constando que amaioria dos belo-horizontinos desco-nhece Ouro Preto e seu patrimônio cul-tural.

Daqui a nove anos, em 2014,estaremos vivenciando o bicentenáriode morte de Aleijadinho. Faz-se ne-cessário que essa fonte perene de be-leza e cultura esteja cada vez mais

disponível para todos. Uma nova re-tomada de valorização do que é nos-so deve fazer parte do dia-a-dia,permeando, se possível, até mesmonossas atividades e ambientes cotidi-anos, divulgando e enaltecendo nos-sa herança cultural, sempre em alto ebom som, pois esse é um dos poucoscasos em que a vocação para o silên-cio tão típica dos mineiros, não é re-comendável.

Referências

REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – JUL./DEZ.2004

69

1. Objetivos

A Revista Mineira de Saúde Pú-

blica é uma publicação semestral decaráter técnico-científico, destinada,prioritariamente, aos profissionais desaúde pública.

Editada pela Escola de Saúde

Pública de Minas Gerais, da Fundação

Ezequiel Dias, tem como objetivo a di-fusão do conhecimento em Saúde Pú-blica e Coletiva. Visa, ainda, aoaprimoramento dos serviços do Siste-ma Único de Saúde (SUS), serve comoveículo de discussão e educação con-tinuada, numa abordagem interdiscipli-nar, além de estimular e divulgar temase pesquisas na área. Presta-se, tam-bém, como veículo de divulgação deportarias, regimentos, resoluções daSecretaria de Estado de Saúde de Mi-nas Gerais e do Ministério da Saúde,bem como de normas técnicas relati-vas aos programas de saúde desen-volvidos no Estado.

2. Estruturação básica

A revista obedece à seguinteestrutura: Editorial; Artigos Originais;Educação Continuada (atualização/re-visão); Relato de Experiência; Relatode Caso; História da Saúde Pública;Livros e Revistas; Resumos de Tesese Dissertações; Comunicações da Es-cola de Saúde Pública de Minas Ge-

Instruções para colaboradores e

normas para publicação

rais, da Fundação Ezequiel Dias, daSecretaria de Estado da Saúde deMinas Gerais, Agenda de Congressose Cursos, Normas de Publicação.

3. Modalidades dos trabalhos

Os trabalhos serão aceitos deacordo com as seguintes modalida-des: 1. Artigos originais, que desen-volvam criação e crítica sobre ciência,tecnologia e arte da saúde, saúde pú-blica, disciplinas e matérias afins (má-ximo 20 páginas); 2. Artigos de

educação continuada (atualização/

revisão), que apresentem síntese atu-alizada do conhecimento disponívelsobre ciência, tecnologia e arte dasaúde, saúde pública, disciplinas ematérias afins e/ou revisão críticasobre tema relevante para a saúdepública ou de atualização em temacontroverso ou emergente (máximo 30páginas); 3. Relatos de experiência/

caso, que apresentem experiência emsaúde pública, ressaltando aspectoséticos, estratégicos, metodológicose alertas de problemas usuais ounão, enfocando sua importância naatuação prática e apontando cami-nhos e comportamentos para sua con-dução (máximo 30 páginas); 4.

Artigos sobre educação de profissio-

nais da área de Saúde Pública, que

70

apresentem análise, estudo, relato,avaliação, inferência sobre a experi-ência didático-pedagógica em proces-sos de educação de profissionais daárea de saúde pública e disciplinasafins (máximo 30 páginas); 5. Histó-ria da Saúde Pública, revelando oestudo crítico, filosófico, jornalístico,descritivo, comparativo ou não sobrefatos e personalidades que contribu-íram para a história da saúde públi-ca e de disciplinas afins (máximo 20páginas); 6. Relatórios de reuniõesou oficinas de trabalho, realizadaspara a discussão de temas relevan-tes para a saúde pública, com reco-mendações e conclusões (máximo 15páginas); 7. Comentários, na formade artigos de opinião, curtos, sobretemas específicos (máximo 15 pági-nas); 8. Relatórios de pesquisa (má-ximo 10 páginas); 9. Resenha delivros, artigos, dissertações e teses(máximo 10 páginas); 10. Notas deinstituições mantenedoras.

4. Instruções gerais para colabora-

dores

Os trabalhos devem ser prepa-rados de acordo com os requisitosexpostos no próximo item e apresen-tados por meio de carta ao ConselhoEditorial da Revista Mineira de Saú-de Pública. O endereço é Escola deSaúde Pública de Minas Gerais/Con-selho Editorial da Revista Mineira deSaúde Pública; Avenida Augusto deLima, 2.061, Barro Preto; 301.90-002, Belo Horizonte/MG. O eletrôni-co, [email protected].

A carta ao Conselho Editorialdeve explicitar que o manuscrito nãofoi publicado, parcial ou integralmen-te, nem submetido à publicação emoutros periódicos, sendo assinadapor todos os autores. Os autores deartigos originais, artigos de revisãoe comentários devem responsabilizar-se pela veracidade e ineditismo dotrabalho.

Os textos serão submetidos àrevisão de, pelo menos, dois relato-res e serão aceitos para publicação,desde que aprovados pelo ConselhoEditorial, que se reserva o direito derecusar trabalhos ou fazer sugestões(acordadas previamente com os auto-res) quanto à estruturação e redação.Será respeitado o que preconizam osCódigos de Ética de cada profissão,bem como a Resolução CFM 196/96,que dispõe sobre pesquisa com se-res humanos. O anonimato de auto-res e conselheiros será preservadona avaliação dos artigos.

Os trabalhos devem ser enca-minhados em três cópias impressas,acompanhadas de disquete, ou pelaInternet, no programa Word for Win-dows, versão 6.0 ou superior, letra“Times New Roman”, tamanho 12,entrelinha 1,5. Devem vir acompa-nhados de ofício de encaminhamen-to, contendo nome dos autores eendereço para correspondência, te-lefone, fax e e-mail.

As figuras (gráficos, desenhos,fotografias, tabelas) devem ser envia-das separadamente, numeradas deacordo com a ordem em que irão figu-rar no texto, em arquivo digital comresolução de no mínimo 300 pontospor polegada, em formato original aode sua confecção, indicando-se namargem do texto o ponto aproximadopara sua inserção. Toda ilustração deveconter um título e a fonte de onde foiextraída, redigidos de forma clara.

Estipula-se prazo de 60 diaspara solicitação de errata.

Os casos omissos serão resol-vidos pelo Conselho Editorial.

A publicação não se responsa-biliza pelas opiniões emitidas pelosautores em seus artigos.

5. Apresentação dos artigos

A redação obedece às Normasda ABNT (NBR-6021, 6222, 6023,

71

6024 e 6028). Os artigos podem serredigidos em português, espanhol einglês, digitados, página folha A4, commargens superior de 3 cm e inferiore laterais de 2 cm, respeitando-se onúmero máximo de páginas para cadamodalidade de trabalho, incluindoanexos e referências bibliográficas.

Medidas de comprimento, altu-ra, peso e volume devem ser expres-sas em unidades do Sistema MétricoDecimal (metro, quilo, litro), seus múl-tiplos e submúltiplos. Temperaturasem graus Celsius. Valores de pres-são arterial em milímetros de mercú-rio. Abreviaturas e símbolos devemobedecer aos padrões internacionais.Ao empregar pela primeira vez umaabreviatura, esta deve ser precedidado termo completo, salvo tratando-se de unidade de medida comum.

Os artigos enviados devem serapresentados na seqüência a seguir:

Página de rosto

� Título do artigo: em portuguêse inglês e/ou espanhol, em letrasmaiúsculas e sem abreviaturas.

� Nome(s) do(s) autor(es): porextenso com indicação da formaçãoprofissional, título(s) acadêmico(s),função que exerce(m) atualmente,nome da instituição a quepertence(m), telefone ou endereçoeletrônico, em nota de rodapé.

� Resumos: em português e in-glês e/ou espanhol, com no máximo100 palavras.

� Palavras-chave: três ou qua-tro palavras-chave para identificaçãode conteúdo do trabalho.

Resumo de dissertação outese, devem indicar, no rodapé da pá-gina de rosto, o ano e a instituiçãoda argüição ou defesa ou o eventoem que foi apresentado, se for o caso.

Corpo do trabalho

� Resumo e Abstract: corres-ponde à versão ao inglês do resumo,seguida pelos unitermos (key-words).

� Introdução: exposição geral dotema, apresentação do problema, jus-tificativa e objetivos, podendo incluira revisão de literatura (exposição dainformação sobre o tema, geralmen-te, em ordem cronológica).

� Desenvolvimento: núcleo dotrabalho, com exposição, explicaçãoe demonstração do assunto, incluin-do metodologia (com descrição pre-cisa e, quando indicado, também osprocedimentos analíticos), resultadosalcançados (podendo constar no má-ximo cinco tabelas e cinco figurasauto-explicativas) e discussão (poden-do ser agregada à exposição dos re-sultados).

� Conclusão: parte final do tra-balho, baseada nas evidências dis-poníveis e pertinentes ao objeto deestudo.

� Considerações finais, quandonecessário.

� Agradecimentos (opcional): pa-rágrafo à parte, depois do abstract eantes das referências, devendo-se li-mitar ao mínimo.

� Referências: listadas e nu-meradas em ordem alfabética ao fi-nal do trabalho, redigidas emespaço duplo. Os títulos dos perió-dicos, livros e editoras deverão serapresentados por extenso, constan-do os nomes de todos os autores.As referências devem obedecer aoestilo e à pontuação das normasda ABNT.

� Considerações éticas: Pare-cer da Comissão Ética que aprovou oprojeto original, quando pertinente.