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Epidemiologia e Serviços de Saúde R E V I S TA D O S I S T E M A Ú N I C O D E S A Ú D E D O B R A S I L | Volume 12 - Nº2 - abril / junho de 2003 | ISSN 1679-4974

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» Mudanças nos padrões de morbimortalidadeda população brasileira: os desafios para um novo século

Eduardo Hage Carmo, Maurício Lima Barreto e Jarbas Barbosa da Silva Jr.

» Controle da filariose linfática no Brasil,1951 - 2000

Zulma Medeiros, José Alexandre Menezes, Eduarda Pessoa Cesse e Fábio Lessa

» Dinâmica de circulação do vírusda dengue em uma área metropolitana do Brasil

Maria da Glória Teixeira, Maurício Lima Barreto,Maria da Conceição Nascimento Costa, Leila Denise Alves Ferreira e Pedro Vasconcelos

» Anos potencias de vida perdidos por causa evitáveis,segundo sexo, em Fortaleza, em 1996 - 1998

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

artigos neste número

Epidemiologiae Serviços de SaúdeR E V I S T A D O S I S T E M A Ú N I C O D E S A Ú D E D O B R A S I L

| Volume 12 - Nº2 - abril / junho de 2003 |

ISSN 1679-4974

Page 2: REVISTA EPI VOL12 N2 - bvsms.saude.gov.brbvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/rev_epi_vol12_n2.pdf · Maria da Conceição Nascimento Costa, ... Ermenegyldo Munhoz Junior - SVS/MS

Epidemiologiae Serviços de Saúde

A revista Epidemiologia e Serviços de Saúde do SUS

é distribuída gratuitamente. Para recebê-la, escreva

para a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.

Esplanada dos Ministérios, Bl. G

Edifício Sede do Ministério da Saúde, 1o andar

CEP: 70.058-900, Brasília/DF

ou para o endereço eletrônico [email protected]

A versão eletrônica da revista está disponível na Internet:

http//www.saude.gov.br/svs

Indexação: LILACS, ADSaúde e Free Medical Journal

| Vo l u m e 12 - No 2 - abr/jun de 200 3 |

I S S N 1679-4974

R E V I S T A D O S I S T E M A Ú N I C O D E S A Ú D E D O B R A S I L

Page 3: REVISTA EPI VOL12 N2 - bvsms.saude.gov.brbvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/rev_epi_vol12_n2.pdf · Maria da Conceição Nascimento Costa, ... Ermenegyldo Munhoz Junior - SVS/MS

© 2003. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.Os artigos publicados são de responsabilidade dos autores.É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.

Editor GeralJarbas Barbosa da Silva Júnior - SVS/MS

Editores ExecutivosMaria Regina Fernandes de Oliveira - SVS/MSAna Maria Johnson de Assis - SVS/MSErmenegyldo Munhoz Junior - SVS/MSMargarida Maria Paes Alves Freire - SVS/MSMaria Margarita Urdaneta Gutierrez - SVS/MSPaula Mendes Werneck da Rocha - SVS/MS

Comitê EditorialJosé Cássio de Moraes - CVE/SES/SPMaria Cecília de Souza Minayo - FIOCRUZ/RJMarilisa Berti de Azevedo Barros - FCM/UNICAMPMaurício Lima Barreto - ISC/UFBA/BAMoisés Goldbaum - FM/USP/SPPaulo Chagastelles Sabroza - ENSP/FIOCRUZ/RJPedro Luiz Tauil - DSC/UNB/DF

ConsultoresAlexandre Domingues Grangeiro - SVS/MSElisabeth Carmen Duarte - SVS/MSNereu Henrique Mansano - SVS/MSSandhi Barreto - SVS/MSExpedito José de Albuquerque Luna - SVS/MSEduardo Hage Carmo - SVS/MSMaria de Lourdes Souza Maia - SVS/MS

Maria Cândida de Souza Dantas - SVS/MSGerusa Maria Figueiredo - SVS/MSJoseney Raimundo Pires dos Santos - SVS/MSFabiano Geraldo Pimenta Junior - SVS/MSGiovanini Evelin Coelho - SVS/MSJosé Lázaro de Brito Ladislau - SVS/MSRegina Lourdes de Souza Nascimento - SVS/MSGuilherme Franco Neto - SVS/MSLenita Nicoletti - FIOCRUZ/MSMárcia Furquim de Almeida - FSP/USP/SPMaria da Glória Teixeira - UFBA/BAMaria Lúcia Penna - UFRJ/RJ

Projeto Gráfico e CapaFabiano Camilo

Revisão de TextoWaldir Rodrigues Pereira

Normalização BibliográficaRaquel Machado Santos

Editoração EletrônicaEdite Damásio da Silva

Tiragem25.000 exemplares

ISSN 1679-4974

Epidemiologia e Serviços de Saúde / Secretariade Vigilância em Saúde. - Brasília : Ministérioda Saúde, 1992-

Trimestral

ISSN 1679-4974ISSN 0104-1673

Continuação do Informe Epidemiológicodo SUS.A partir do volume 12 número 1, passa adenominar-se Epidemiologia e Serviços deSaúde

1. Epidemiologia.

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Sumário

Editorial

Mudanças nos padrões de morbi-mortalidadeda população brasileira: os desafios para um novo séculoChanges in the pattern of morbidity and mortality of the brazilian population: challenges for a new century

Eduardo Hage Carmo, Maurício Lima Barreto e Jarbas Barbosa da Silva Jr.

Controle da filariose linfática no Brasil, 1951 - 2000Control of lymphatic filariasis in Brazil, 1951 - 2000

Zulma Medeiros, José Alexandre Menezes, Eduarda Pessoa Cesse e Fábio Lessa

Dinâmica de circulação do vírusda dengue em uma área metropolitana do BrasilDynamics of dengue virus circulation in a metropolitan area of Brazil

Maria da Glória Teixeira, Maurício Lima Barreto, Maria da Conceição Nascimento Costa, Leila Denise Alves Ferreira e Pedro Vasconcelos

Anos potenciais de vida perdidos por causas evitáveis,segundo sexo, em Fortaleza, em 1996-1998Potential years of lost life from avoidable causes by gender - Fortaleza (Brazil), 1996-1998

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Normas para publicação

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 2 - abr/jun de 2003 ● 61

Editorial

observação criteriosa e sistemática da distribuição dos eventos de saúde constitui-se em elementofundamental para a compreensão acerca dos fatores, situações, condições ou intervençõesmodificadoras dos riscos de adoecimento de populações humanas. A análise da situação de saúde

é fundamental para informar a tomada de decisão dos gestores, nas diversas esferas de governo, namedida em que traz evidências relevantes para a elucidação de pontos essenciais à ação.

É inegável o aumento da qualidade das fontes de informação em saúde disponíveis no âmbito doSistema Único de Saúde (SUS), mesmo que diferenças regionais relevantes ainda persistam. Por exemplo,os sistemas de informação nacionais de mortalidade e de nascidos vivos vêm amadurecendo e agregandorobustez enquanto instrumentos epidemiológicos, com aumento de suas coberturas e da validade desuas informações, abrindo importantes possibilidades para análise.

Paralelamente a esse desenvolvimento – em parte, motivado por ele –, aprimoram-se e institucionalizam-se as iniciativas analíticas com uso de dados secundários. Os processos metodológicos para realizaçãode análises descritivas, monitoramento das desigualdades em saúde, análises de séries temporais, análisesespaciais, estudos ecológicos e de avaliação de impacto, entre outras abordagens, beneficiam-se dossistemas de informação em saúde pela continuidade e constante ganho de oportunidade erepresentatividade.

Entretanto, distâncias ainda persistem entre a decisão em saúde e as evidências geradas pelas análisesepidemiológicas. Talvez, esse distanciamento sustente-se no fato de que a prática da saúde coletiva combase nas evidências requer mais do que consenso quanto à melhor evidência disponível. Ela exigeconsiderações que transcendem o campo epidemiológico e invadem as dimensões social, cultural epolítico-econômica, demandando abordagens quantitativas e qualitativas. Tal prática fundamenta-se nouso consciente, explícito e crítico da melhor evidência corrente disponível para a tomada de decisõessobre a atenção às populações no campo da prevenção de doenças, proteção e promoção da saúde; eque deve ser desenvolvida de maneira integrada às experiências, práticas e conhecimentos originados dasaúde coletiva, respeitando os valores e preferências da comunidade.1,2

Uma vez que evidência científica não exclui, de todo, as incertezas, e intervenções são passíveis desofrer influências por elementos externos, nem sempre considerados a priori, as ações, programas epolíticas, ainda que baseadas em evidência, devem ser alvo permanente de processos de monitoramentoe avaliação sistemáticos, corrigidas e aprimoradas de acordo com os seus resultados.

A relativa complexidade contextual da prática da saúde coletiva baseada em evidências não deve serjustificativa para a ausência de análises epidemiológicas, voltadas a potencializar o aprimoramento e odesenvolvimento desta prática.

A revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, especialmente neste número, traz exemplos do uso daepidemiologia com esse fim. O artigo de Carmo e colaboradores3 mostra a transição do perfil demobimortalidade no Brasil, mediante análise de tendência, evidenciando os êxitos e as dificuldades dasações de saúde pública para controle de determinadas doenças transmissíveis, sejam emergentes oureemergentes. Ainda, segundo os autores, o cenário é de extrema complexidade e desigualdade, devendoser implementadas ações apropriadas ao seu enfrentamento. O artigo de Medeiros e colaboradores4 trazanálises de documentos históricos, recuperando as características e a efetividade das ações desenvolvidas

A informação, a análise e a ação em saúde

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no controle da filariose linfática no Brasil, entre 1951 e 2000. Os autores apontam para evidências quepodem subsidiar a melhor adequação do atual plano para o país. Em outro artigo, Teixeira ecolaboradores5 descrevem a distribuição da soroprevalência e soroincidência de infecções com o sorotipoum ou dois da dengue em um estudo prospectivo realizado na cidade de Salvador, Bahia. Neste estudo,as análises realizadas também podem fundamentar a tomada de decisões e reorientar ações e práticas jáconsolidadas no controle desta doença. Finalmente, Silva MGC6 analisa os Anos Potenciais de Vida Perdidos(APVP) por causas evitáveis de morte, em Fortaleza, Ceará. No estudo, grandes proporções de APVP(58% para homens e 41% para mulheres) são relacionadas às causas evitáveis, em especial aos acidentesde trânsito, homicídios, pneumonias, câncer de mama e câncer cervical. São evidências que identificamoportunidades de intervenção necessárias.

Referências bibliográficas

1. Jenicek M, Stachenko S. Evidence-based public health, community medicine, preventive care. Medical ScienceMonitor 2003;9(2):SR1-SR7.

2. Brownson RC, Gurney JG, Land GH. Evidence-based decision making in public health. Journal of Public HealthManagement and Practice 1999 Sep;5(5):86-97.

3. Carmo EH, Barreto ML, Barbosa da Silva J. Mudanças nos padrões de morbimortalidade da população brasileira: osdesafios para um novo século. Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003;12(2):61-73.

4. Medeiros Z, Menezes JA, Cesse EP, Lessa F. Controle da filariose linfática no Brasil, 1951-2000. Epidemiologia eServiços de Saúde 2003;12(2):75-84.

5. Teixeira MG, Barreto ML, Costa MCN, Ferreira LDA, Pedro V. Dinâmica da circulação do vírus da dengue em umaárea metropolitana do Brasil. Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003;12(2):85-95.

6. Silva MGC. Anos potenciais de vida perdidos por causas evitáveis, segundo sexo, em Fortaleza, em 1996-1998.Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003;12(2):97-108.

Elisabeth Carmen DuarteDiretora do Departamento de Análise de Situação de Saúde/SVS/MSConsultora

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Changes in the pattern of morbidity and mortalityof the brazilian population: challenges for a new century

Eduardo Hage CarmoSecretaria de Vigilância em Saúde/MS

Maurício Lima BarretoInstituto de Saúde Coletiva/Universidade Federal da Bahia

Jarbas Barbosa da Silva Jr.Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde

Endereço para correspondência:Esplanada dos Ministérios, Bloco G, Edifício-Sede do Ministério da Saúde, 1o andar, Brasília-DF. CEP: 70058-900.E-mail: [email protected]

Mudanças nos padrões de morbimortalidadeda população brasileira: os desafios para um novo século *

[Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003; 12(2) : 63 - 75] 63

REPUBLICAÇÃO

* Publicado anteriormente em: Finkelman, J, organizador. Caminhos da Saúde Pública no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz;Organização Pan-Americana de Saúde; 2002.Reprodução autorizada pelos editores.

Resumo

Neste artigo, são analisadas as tendências na morbidade e na mortalidade da população brasileira priorizando-se asintensas transformações ocorridas no século XX. Foram utilizados dados dos sistemas nacionais de informação sobremortalidade e internações hospitalares, de notificação de doenças transmissíveis e de diversos programas de controle doMinistério da Saúde. Dentre as tendências observadas, destacam-se a redução da mortalidade por doenças infecciosas eparasitárias e o aumento das causas crônico-degenerativas e agravos relacionados aos acidentes e violência. Essas modificaçõesnão significaram a superação das doenças transmissíveis enquanto problema relevante na população brasileira. A análisedas tendências na morbidade por esse grupo de doenças, evidencia três padrões distintos e que podem ser bem caracterizados:doenças transmissíveis com tendência declinante, representadas pelas doenças para as quais se dispõe de instrumentoseficazes de prevenção e controle, como as imunopreveníveis; doenças transmissíveis com quadro de persistência,destacando-se as hepatites B e C, a tuberculose, as leishmanioses, a esquistossomose, a malária, entre outras; edoenças transmissíveis emergentes e reemergentes, com destaque para aids, dengue e hantavirose. Essas tendênciasapresentam-se em um contexto de extrema complexidade e desigualdade social, requerendo abordagens analíticasapropriadas para que possamos melhor entendê-lo – abordagens que levem à proposição e adoção de políticas de saúdeque mantenham as conquistas alcançadas nos últimos anos, à ampliação na efetividade das ações de promoção, prevençãoe recuperação, e que ajudem a superar as desigualdades na produção do atual padrão de morbidade e mortalidade. Dessaforma, estaremos prontos para enfrentar os novos desafios que se colocam na agenda da saúde pública do país.

Palavras-chave: padrões de morbi-mortalidade; transição epidemiológica; tendências históricas.

Summary

In this paper, the morbidity and mortality trends of the Brazilian population are analyzed prioritizing the intensetransformations that occurred during the 20th century. Data from the national information systems for mortality,hospitalization, notifiable infectious diseases surveillance and, from specific control programs of the Ministry of Healthwas used. A decrease in the mortality for infectious and parasitic diseases and, an increase of chronic-degenerativediseases, accidents and violence-related health events were among the most important observed trends. Despite thesechanges infectious disease continue to be a relevant health problem for the Brazilian population. The morbidity trendsanalysis for this group of diseases depicts three distinct patterns: transmissible diseases with a decreasing trend,represented by those with effective prevention and control tools, such as vaccination; transmissible diseases with apersistent pattern, such as hepatitis B and C, tuberculosis, leishmaniosis, schistosomiasis and malaria, among others;and, emerging and reemerging diseases, such as aids, dengue and hantavirus. These trends are present in the context ofextreme complexity and social inequality. Appropriate analytical approaches for a better understaing need to be developedmaking possible the proposition and adoption of health politicies that aim to maintain the conquests of previous years,to extend the effectiveness of health actions towards promotion, prevention and care. It must include efforts to reducesocial and health inequalities responsible for the production pattern of morbidity and mortality. In this way the healthsystem will be prepared to confront the new challenges of the country´s public health agenda.

Key Words: morbidity and mortality patterns; epidemiological transition; historical trends.

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Introdução

No século XX, o Brasil experimentou intensas trans-formações na sua estrutura populacional e padrão demorbi-mortalidade. A partir da segunda metade doséculo, a constante queda da taxa de natalidade, maisacentuada que a verificada nas taxas de mortalidade,tem provocado uma diminuição nas taxas de cresci-mento populacional.1 Paralelamente, tem-se verifica-do um aumento da expectativa de vida ao nascer, quepassa de 45,9 anos em 1950 para 68,5 anos em 2000,refletindo o processo de envelhecimento da popula-ção, com aumentos contínuos e significativos na pro-porção de indivíduos com idade superior a 60 anos.

Para entendermos as modificações na estruturademográfica, faz-se necessária uma análise das recen-tes tendências no padrão de morbimortalidade. Umadas mais importantes tendências diz respeito à reduçãonas taxas de mortalidade infantil (TMI), intensificada apartir da década de 60, quando apresentava uma médianacional de 117,0/1.000 nascidos vivos, decrescendopara 50,2/1.000 nascidos vivos na década de 80 (Figu-ra 1). Na análise das informações para a década de 90,verifica-se que houve uma redução nacional média de40,1% (de 49,4/1.000 nascidos vivos em 1990, para29,6/1.000 nascidos vivos em 2000), tendo essa redu-ção ocorrido em diferentes intensidades, nas diversas

macrorregiões (Figura 2). As tendências para os doiscomponentes da taxa de mortalidade infantil (neonatale pós-neonatal) evidenciam que essa redução foi maisacentuada para a mortalidade infantil pós-neonatal. Essecomponente associa-se, mais fortemente, com fatoresrelacionados ao ambiente, concentrando maior propor-ção de óbitos por doenças infecciosas, particularmenteas infecções intestinais. Entretanto, a mortalidadeneonatal relaciona-se, principalmente, com fatores li-gados à assistência pré e pós-natal.

Tendências namortalidade por grupos de causas

Outra importante característica nos padrõesepidemiológicos do país, com evidentes reflexos naestrutura demográfica, diz respeito às modificaçõesna composição da mortalidade por grupos de causas.Assim, as doenças infecciosas e parasitárias (DIP), querepresentavam 45,7% do total de óbitos ocorridos nopaís em 1930, representaram apenas 5,9% dos óbitoscom causas definidas, no ano de 1999, comparaçãopossível a partir da análise dos registros de óbitos paraas capitais do país. Enquanto isto, as DoençasCardiovasculares (DCV), seguindo uma tendência in-versa, aumentaram sua participação de 11,8% para31,3% do total dos óbitos ocorridos no mesmo perío-

Figura 1 - Coeficiente de mortalidade infantil. Brasil e Regiões, 1930 a 1990

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Morbi-mortalidade da população brasileira

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 2 - abr/jun de 2003 ● 65

Eduardo Hage Carmo e colaboradores

Figura 3 - Mortalidade proporcional segundo grupos de causas selecionadas. Brasil - Capitais, 1930 a 1999

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Figura 2 - Coeficiente de mortalidade infantil. Brasil e Regiões, 1990 a 1999

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do (Figura 3). Analisando a evolução recente das ta-xas padronizadas de mortalidade (/100.000 habitan-tes) para os principais grupos de causas definidas (Fi-gura 4), observa-se que as DCV apresentavam uma taxade 146,4 em 1999, seguidas pelas causas externas epelas neoplasias, de 70,2 e 66,4, respectivamente. Aoanalisarmos as tendências nas taxas de mortalidade,

cabe ressaltar o fato de que, para o ano de 1991, ob-serva-se uma redução importante em todos os gruposde causas, os quais, nos anos seguintes, retornam aosníveis esperados de acordo com a tendência observa-da para toda a série histórica. Essa distorção, prova-velmente, deve-se a possíveis problemas operacionaisno Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM/

Doenças Infecciosas e ParasitáriasDoenças Cardiovasculares

NeoplasiasCausas Externas

Doenças Respiratórias

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CENEPI/FUNASA/MS) para o ano em questão. Contu-do, trata-se de uma explicação que ainda carece deconfirmação.

Enquanto as DCV apresentam uma tendência deredução nas taxas padronizadas de mortalidade, asneoplasias e as causas externas, interrompem, a par-tir do final da década de 80, o seu movimento ascen-dente, tendendo à estabilidade. As doenças respirató-rias, que, em décadas anteriores, não tinham uma par-ticipação expressiva na composição da mortalidade,apresentaram tendência à estabilidade na última dé-cada, figurando como a quarta causa de óbito na po-pulação total. A mortalidade pelas doenças infeccio-sas e parasitárias persiste na tendência descendenteiniciada em décadas anteriores, tendo apresentadotaxa de 28,0 óbitos por 100.000 habitantes, em 1999.Por fim, cabe ressaltar que, ao se analisarem os indi-cadores de mortalidade, verificam-se alguns proble-mas relacionados à sua qualidade, destacando-se aelevada proporção de óbitos por causas mal definidasque, como visto na Figura 4, colocou-se como segun-do “grupo de causa” no conjunto da mortalidade.

Tendências namorbidade por grupos de causas

Existe maior disponibilidade de dados referentesà morbidade hospitalar, que refletem, em parte, a ocor-

rência das formas clínicas mais severas das doenças.Quanto aos dados de morbidade de base não hospita-lar, existe uma maior disponibilidade para as Doen-ças Infecciosas e Parasitárias (DIP), em especial paraas doenças de notificação obrigatória. Como veremosa seguir, as tendências nos indicadores de morbidadeapresentam semelhanças – mas também importantesdiferenças –, quando comparadas com as tendênciasobservadas nos indicadores de mortalidade.

Utilizando-se a base de dados do Sistema de Infor-mação Hospitalar (SIH) do SUS, analisaram-se as ten-dências da participação relativa das hospitalizaçõespor grupos de doenças que tiveram destaque comocausa de mortalidade, em relação ao total de hospi-talizações no país. As doenças cardiovasculares, a pri-meira causa de mortalidade, representaram a segun-da causa de internações. É interessante notar que asdoenças cardiovasculares têm apresentado uma ten-dência lenta, porém constante, de redução da suaparticipação proporcional no total de internações(Figura 5), com um pequeno incremento nos últimostrês anos. As neoplasias, com uma participação mé-dia anual de 3% do total das internações, apresenta-ram tendência estável no período.

Quanto à proporção de internações por doençasinfecciosas em relação ao total de internações no país,não se observa uma tendência de redução na mesmaintensidade que a verificada para a mortalidade. Nos

Figura 4 - Taxa de mortalidade padronizada por grupos de causas. Brasil, 1980 a 1999

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250/100.000 hab.

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Doenças Infecciosas e ParasitáriasDoenças Cardiovasculares

NeoplasiasCausas Externas

Doenças RespiratóriasSinais e Sintomas Mal Definidos

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Morbi-mortalidade da população brasileira

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 2 - abr/jun de 2003 ● 67

últimos 15 anos, para o país como um todo, as doençasclassificadas no capítulo das DIPs têm apresentado va-lores próximos a 10% do total de internações, sendoestes valores superiores nas Regiões Norte e Nordeste.Na composição das causas de internações por DIP, parao ano de 2001, destacam-se as doenças infecciosas in-testinais, que representaram 59,6% do total deinternações, no país; e 69,5%, na Região Nordeste.

Para as doenças respiratórias e as causas exter-nas, também é observada tendência à estabilidade, compoucas oscilações em toda a série analisada. Enquan-to as doenças respiratórias são responsáveis poraproximadamente 16% das internações – metade dasquais são representadas pelas pneumonias –, as cau-sas externas contribuem com uma participação pró-xima a 5,5% do total de internações. Vale ressaltar que,ao considerar todos os grupos de causas de interna-ções, incluindo aqueles que não foram analisados nadiscussão sobre mortalidade, verificamos que os mo-tivos relacionados à gravidez, parto e puerpério res-pondem pela maior proporção das internações (23,9%em 2001).

Alguns contrastes emergem na compatibilizaçãodas informações nas categorias de morbidade ou mor-talidade, com relação à ordem de freqüência na parti-cipação dos diversos grupos de causas. Tal quadrojustifica-se pelo fato de que a ocorrência do óbito é

uma expressão bem definida da gravidade da doença,enquanto a hospitalização não segue, necessariamen-te, essa ordem de determinação. Como exemplo, tem-se a grande proporção de internações pelo grupo decausas relacionado à gravidez, parto e puerpério que,com raras exceções, não configuram, no seu conjun-to, qualquer situação de gravidade. Mas, aqui, deve-mos chamar a atenção para a questão da mortalidadematerna, a qual, apesar da aparente baixa magnitude,apresenta, no Brasil, taxas muito altas quando com-paradas às de outros países, refletindo deficiências naassistência pré e pós-natal.2 Por outro lado, algunsagravos podem evoluir com quadros severos; contu-do, na medida em que tenham baixa letalidade ou se-jam potencialmente reversíveis mediante ações porparte dos serviços de assistência à saúde, apresentambaixa mortalidade. Esse fenômeno acontece, por exem-plo, com referência às doenças respiratórias, expli-cando as diferenças observadas, na ordem defreqüência, entre os indicadores de morbidade e demortalidade.

Tendências das doenças infecciosas

Apesar da redução significativa da participaçãodesse grupo de doenças no perfil da mortalidade donosso país, ainda há um impacto importante sobre a

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Figura 5 - Proporção de internações por grupos de causas. Brasil, 1984 a 2001

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Doenças Infecciosas e ParasitáriasDoenças Cardiovasculares

NeoplasiasCausas Externas

Doenças Respiratórias

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morbidade, como visto nos indicadores de morbidadehospitalar, principalmente por aquelas doenças paraas quais não se dispõe de mecanismos eficazes de pre-venção e controle. Ainda assim, as alterações no qua-dro de morbimortalidade, com a perda de importân-cia relativa das doenças transmissíveis, principalmen-te no último quarto do século XX, criaram, na opiniãopública, uma falsa expectativa de que todo esse grupode doenças estaria próximo à extinção. Esse quadronão é verdadeiro para o Brasil, nem mesmo para ospaíses desenvolvidos, como demonstrado pelos movi-mentos de emergência de novas doenças transmis-síveis, como a aids; de ressurgimento, em novas con-dições, de doenças “antigas”, como a cólera ou a den-gue; de persistência de endemias importantes como atuberculose; e de ocorrência de surtos inusitados dedoenças como a Febre do Oeste do Nilo nos EstadosUnidos.

missão interrompida desde o final de 2000. O tétanoneonatal apresenta taxa de incidência muito abaixodo patamar estabelecido para considerá-lo eliminadoenquanto problema de Saúde Pública (1/1.000 nasci-dos vivos). A redução na incidência e concentraçãodos casos também permite prever uma próxima eli-minação da raiva humana transmitida por animais do-mésticos.

Ainda dentro do grupo de doenças transmissíveiscom tendência declinante, estão: a) a difteria, a co-queluche e o tétano acidental, que têm em comum ofato de serem imunopreveníveis; b) a doença de Cha-gas e a hanseníase, ambas endêmicas há várias déca-das em nosso país; c) a febre tifóide, associada acondições sanitárias precárias; d) e a oncocercose, afilariose e a peste, todas com áreas de ocorrênciarestritas.

Exemplificando o impacto da redução produzida naincidência de doenças imunopreveníveis, principalmentepara aquele grupo em que as medidas de controle im-plicaram um maior impacto (sarampo, pólio, tétanoacidental e neonatal, coqueluche, difteria), em 1980,foram registrados 153.128 casos para o conjunto des-sas doenças, número que se reduziu para apenas 3.124casos, 20 anos depois. Ainda mais relevante foi o im-pacto sobre o número de óbitos por essas mesmas do-enças, tendo-se observado a redução de 5.495 para 277óbitos, no mesmo período. Análise similar poderia serfeita para as demais doenças desse grupo, que tambémapresentaram reduções na incidência, na mortalidadee na ocorrência de seqüelas, com impactos significati-vos na qualidade de vida.

Doenças transmissíveiscom quadro de persistência

Algumas doenças transmissíveis apresentam quadrode persistência, ou de redução, em período ainda re-cente, configurando uma agenda inconclusa nessa área.Para essas doenças, é necessário o fortalecimento denovas estratégias, recentemente adotadas, que propõemuma maior integração entre as áreas de prevenção econtrole e a rede assistencial, já que um importante focoda ação nesse conjunto de doenças está voltado para odiagnóstico e tratamento das pessoas doentes, visandoà interrupção da cadeia de transmissão.

É importante, também, enfatizar a necessidade deações multissetoriais para a prevenção e controle desse

Ações multissetoriais deprevenção e controle de doençasendêmicas são necessárias diantede fatores determinantes externosà Saúde: urbanização acelerada,alterações do meio ambiente,migrações, entre outros.

No tocante à sua ocorrência no período compre-endido entre as duas últimas decádas, a situação dasdoenças transmissíveis no Brasil apresenta um qua-dro complexo, que pode ser resumido em três gran-des tendências: doenças transmissíveis com tendên-cia declinante; doenças transmissíveis com quadro depersistência; e doenças transmissíveis emergentes ereemergentes.3

Doenças transmissíveiscom tendência declinante

Em um grande número de doenças transmissíveis,para as quais dispõe-se de instrumentos eficazes deprevenção e controle, o Brasil tem colecionado êxitosimportantes. Esse grupo de doenças encontra-se emfranco declínio, com reduções drásticas nas taxas deincidência. A varíola foi erradicada em 1973 e a poli-omielite em 1989. O sarampo encontra-se com a trans-

Morbi-mortalidade da população brasileira

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grupo de doenças, já que grande parte das razões paraa manutenção da situação de endemicidade residem napersistência dos seus fatores determinantes, externosàs ações típicas do setor Saúde: urbanização aceleradasem adequada infra-estrutura urbana, alterações domeio ambiente, desmatamento, ampliação de frontei-ras agrícolas, processos migratórios, grandes obras deinfra-estrutura (rodovias e hidroelétricas) etc.

Nesse grupo de doenças, destacam-se as hepatitesvirais – especialmente as hepatites B e C – e a tuber-culose, em função das altas prevalências alcançadas,da ampla distribuição geográfica e do potencialevolutivo para formas graves que podem levar ao óbi-to. Devem-se destacar, no entanto, os resultados favo-ráveis que têm sido alcançados na redução da morta-lidade pela tuberculose, com a disponibilidade de tra-tamento específico de alta eficácia. A implantação uni-versal da vacinação contra a hepatite B, inclusive paraadolescentes, no final dos anos 90, também deve pro-duzir, a médio prazo, impactos positivos na prevençãodas formas crônicas da doença.

Ainda que apresente uma distribuição geográficamais restrita às áreas que oferecem condiçõesambientais adequadas para a transmissão, a leptospi-rose também assume relevância para a Saúde Públi-ca, em função do grande número de casos que ocor-rem nos meses mais chuvosos, bem como pela suaalta letalidade.

As meningites também se inserem nesse grupo dedoenças, destacando-se as infecções causadas pelosmeningococos B e C, que apresentam níveis importan-tes de transmissão e taxas médias de letalidade acimade 10%. Por outro lado, tem-se observado significativaredução na ocorrência da meningite causada por H.influenzae tipo B, possivelmente em conseqüência davacinação de menores de um ano, a partir de 1999,com um produto de comprovada eficácia.

Ainda nesse grupo, além da manutenção de ele-vadas prevalências, tem sido observada expansão naárea de ocorrência para as leishmanioses (viscerale tegumentar) e a esquistossomose, em geral asso-ciada às modificações ambientais provocadas pelohomem, aos deslocamentos populacionais origina-dos de áreas endêmicas e à insuficiente infra-estru-tura na rede de água e esgoto – ou na disponibilida-de de outras formas de acesso a esses serviços.

A malária, que, até recentemente, apresentava ní-veis de incidência persistentemente elevados na Re-

gião Amazônica – onde se concentram mais de 99%dos casos registrados no país –, passou a apresentar,a partir de 1999, reduções acentuadas nessas taxas(acima de 40%, em média), estimando-se que, em2002, sejam detectados menos de 300 mil casos, pa-tamar que não era atingido desde o início dos anos80. O Plano de Intensificação das Ações de Controleda Malária, lançado em julho de 2000, além de ga-rantir a ampliação do acesso ao diagnóstico e trata-mento – por intermédio da descentralização e daintegração com as ações de atenção básica –, e ummelhor equaciona-mento das ações seletivas de con-trole vetorial, possibilitou a implementação de impor-tantes ações extra-setoriais, a partir de estabelecimentode normas específicas voltadas para a instalação deassentamentos rurais e de projetos de desenvolvimento.

A febre amarela, após a eliminação do ciclo urba-no, em 1942, vem apresentando ciclos epidêmicos detransmissão silvestre, como ocorrido em 2000 (Goiás)e 2001 (Minas Gerais). Entretanto, apesar da amplia-ção da área de transmissão para Estados e Municípiossituados fora da área endêmica (Região Amazônica),tem sido observada redução na incidência a partir doano 2000 e até o presente momento. A possibilidadede reintrodução do vírus amarílico no ambiente urba-no, pela ampla dispersão do Aedes aegypti, tem moti-vado uma intensa atividade de vacinação, que resultouem mais de 60 milhões de doses aplicadas entre 1998e 2002. Na medida em que foram identificados even-tos adversos graves associados a essa vacina,4 a estra-tégia inicial, de vacinação universal, teve que ser ajus-tada para uma cobertura mais focalizada, em toda aárea de circulação natural do vírus amarílico e tam-bém na área de transição.

Doenças transmissíveisemergentes e reemergentes

Um terceiro grupo de doenças expressa, em nos-so país, o fenômeno mundial de emergência ereemergência de doenças transmissíveis. Doençasemergentes são as que surgiram, ou foram identifi-cadas, nas últimas duas décadas; ou, ainda, asque assumiram uma nova situação, passando dedoenças raras e restritas para constituírem proble-mas de Saúde Pública. Reemergentes, por sua vez,são aquelas que ressurgiram, enquanto problema deSaúde Pública, após terem sido controladas nopassado.

Eduardo Hage Carmo e colaboradores

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Desde o início da década de 80, algumas doençasinfecciosas passaram a ser registradas ou foram rein-troduzidas no país, destacando-se a aids (1980), o den-gue (1982), a cólera (1991) e a hantavirose (1993),e, dentre estas, somente a cólera apresentou reduçãosignificativa na última década. A rápida disseminaçãoda aids no país, por sua vez, tem-se refletido na ocor-rência de uma série de outras doenças infecciosas,particularmente a tuberculose.

A partir da detecção da aids no Brasil, observou-se um crescimento acelerado da doença até 1997, anoem que foram registrados 23.545 casos novos, comum coeficiente de incidência de 14,8 casos/100.000hab. A partir de então, seguiu-se uma diminuição navelocidade de crescimento da epidemia, com uma re-dução da incidência. No período de 1995 a 1999,observou-se redução de 50% na taxa de letalidade emrelação aos primeiros anos do início da epidemia,quando esta taxa era de 100%. A disponibilidade denovas drogas tem propiciado o aumento na sobrevidapara os portadores da infecção pelo HIV.

A cólera experimentou seu pico epidêmico em1993, com 60.340 casos. Apesar do ambiente favorá-vel para a disseminação e persistência dessa doença,dada a insatisfatória condição sanitária de parte dapopulação, os esforços do sistema de saúde consegui-ram reduzir drasticamente sua incidência. Em 1998 e1999, a seca que ocorreu na Região Nordeste, ondese instalou uma severa crise de abastecimento de água,inclusive nas capitais, favoreceu a possibilidade de re-crudescimento da doença, o que exigiu uma intensifi-cação das ações de prevenção e de vigilânciaepidemiológica nessa região. A cólera passou a mani-festar-se sob a forma de surtos, principalmente naspequenas localidades do Nordeste, com maior dificul-dade de acesso à água tratada e deficiência de esgota-mento sanitário. Eventualmente, podem outras formasde transmissão ser associadas com surtos, como oocorrido no porto de Paranaguá-PR, relacionado como consumo de marisco.

No ano 2000, a cólera apresentou redução impor-tante, tanto no número de casos como na área geo-gráfica em que se manifestava. Foram registrados 734casos, ocorridos na sua quase totalidade em apenasdois Estados da Região Nordeste (Pernambuco eAlagoas). Já no ano de 2001, ocorreram, em todo opaís, apenas sete casos da doença, igualmente con-centrados na Região Nordeste. Os dados dos últimos

dois anos asseguram a situação de controle da cólerae, mantida essa tendência, a doença passará a inte-grar o grupo das enfermidades transmissíveis com ten-dência declinante ou mesmo, brevemente, eliminadas.

A dengue tem sido objeto de uma das maiores cam-panhas de Saúde Pública realizadas no país. O mos-quito transmissor da doença, o Aedes aegypti, quehavia sido erradicado em vários países do continenteamericano nas décadas de 50 e 60, retorna na décadade 70, por falhas na vigilância epidemiológica e pelasmudanças sociais e ambientais propiciadas pela ur-banização acelerada dessa época.

Atualmente, o mosquito transmissor é encontradonuma larga faixa do continente americano, que se es-tende desde o Uruguai até o sul dos Estados Unidos,com registro de surtos importantes de dengue em vá-rios países como Venezuela, Cuba, Brasil, El Salvadore, recentemente, Paraguai.

As dificuldades para a eliminação de um mosquitodomiciliado, que se multiplica nos vários recipientesque podem armazenar água, particularmente aquelesencontrados nos lixos das cidades, como em garrafas,latas e pneus, ou no interior dos domicílios, como nospratinhos dos vasos de plantas, têm exigido um esfor-ço substancial do setor Saúde. Entretanto, esse traba-lho necessita ser articulado com outras políticas pú-blicas, como a limpeza urbana, além de uma maiorconscientização e mobilização social sobre a necessi-dade das comunidades manterem seu ambiente livredo mosquito. Esse último elemento, a mudança de há-bitos, tem sido apontado, mais recentemente, comoum dos mais efetivos na prevenção da infestação domosquito.

Nos últimos três anos, vem sendo registrado umaumento no número de casos, alcançando cerca de700 mil ocorrências em 2002. Entre outros fatores quepressionam a incidência da dengue, destaca-se a in-trodução recente de um novo sorotipo, o DEN 3, parao qual a susceptibilidade é praticamente universal. Acirculação seqüencial de mais de um sorotipo propi-ciou um aumento na incidência de febre hemorrágicada dengue, com conseqüente incremento na mortali-dade por essa doença.

Os primeiros casos de hantaviroses, no Brasil fo-ram detectados em 1993, em São Paulo, e a doençatem sido registrada com maior frequência nas Regi-ões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A implantação da suavigilância epidemiológica, o desenvolvimento da ca-

Morbi-mortalidade da população brasileira

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pacidade laboratorial para realizar diagnóstico, a di-vulgação das medidas adequadas de tratamento parareduzir a letalidade e o conhecimento da situação decirculação dos hantavírus nos roedores silvestres bra-sileiros possibilitaram o aumento na capacidade dasua detecção, gerando um quadro mais nítido da rea-lidade epidemiológica das hantaviroses em nosso país,assim como permitiram a adoção de medidas adequa-das de prevenção e controle.

O desafio da desigualdade

Os indicadores de morbimortalidade da populaçãobrasileira apresentados acima permitem uma compa-ração com outros países de níveis socioeconômicos se-melhantes. Tem sido fartamente documentada a situa-ção paradoxal do Brasil, que apresenta indicadoreseconômicos em níveis incompatíveis aos dos seus indi-cadores sociais, incluindo-se os de saúde, como, porexemplo, taxa de mortalidade infantil e expectativa devida ao nascer.5,6 Ainda que se observe tendência demelhoria para alguns indicadores de saúde no país, areduzida velocidade dessas tendências propicia a per-sistência – ou mesmo ampliação – das desigualdades.7

A insuficiente melhoria em alguns indicadores glo-bais de saúde no Brasil pode ser melhor visualizadana comparação com alguns países da América Latina.Assim, segundo as estimativas do Banco Mundial, para2000 (www.worldbank.og), o México apresentou umaexpectativa de vida ao nascer 4,5 anos superior à doBrasil, a Argentina 5,4 anos, o Uruguai 5,9 anos e oChile 7,1 anos. No período de 1970 a 2000, houve re-dução das Taxas de Mortalidade Infantil (TMI) paratodos esses países, bem como na grande maioria dospaíses do globo. Entretanto, enquanto essa taxa, parao Brasil, era de 29,6 óbitos por 1.000 nascidos vivosem 2000, Argentina (17,4), Uruguai (13,8) e Chile(10,1) apresentavam taxas inferiores. Somente o Mé-xico, entre os países analisados nessa comparação,apresentou taxa semelhante (29,2). Estudos tambémmostram que a expectativa de vida no Brasil é menordo que em países com rendas per capita menores ousimilares ao nosso país. China e Sri Lanka, por exem-plo, com renda per capita em torno de 1/5 da rendaper capita brasileira, apresentam expectativas de vidaao nascer significativamente maiores.

No contexto nacional, a existência de desigualda-des inter-regionais pode ser melhor apreendida pelas

diferenças entre os indicadores de mortalidade. En-quanto nas Regiões Sul e Sudeste, em 1980, as DIPs járepresentavam a quinta causa de óbito, esse grupo re-presentava, na Região Nordeste a segunda causa deóbito naquele ano e, somente em anos recentes, assu-me a mesma posição já verificada para as demais re-giões (excluindo-se os sinais e sintomas mal defini-dos). As doenças cardiovasculares, por sua vez, re-presentavam a primeira causa de óbito para todas asregiões, já em 1980. Entretanto, em 1999, esse grupode causas era responsável por taxa de mortalidadepadronizada na Região Sudeste, 83,2% e 77,0% supe-rior às taxas registradas nas Regiões Nordeste e Norte,respectivamente.

As desigualdades entre as regiões também podemser visualizadas nos indicadores relacionados à com-posição da morbidade. Assim, considerando-se a com-posição de grupos de causas da morbidade hospita-lar, entre os mesmos grupos analisados para a morta-lidade, verifica-se que as doenças cardiovascularesrepresentaram a segunda causa de internações nasRegiões Sul e Sudeste em 2001, em seguida às doen-ças respiratórias. Nessas duas regiões, naquele mes-mo ano, as DIPs representaram a terceira e quartacausas de internações, respectivamente. Na Região Nor-deste, as DIPs ainda representaram a segunda causade internações em 2001, enquanto as doençascardiovasculares representaram a terceira causa.

Eduardo Hage Carmo e colaboradores

Organismos internacionaiscomo o Banco Mundial e aOrganização Mundial de Saúdereconhecem que melhorassubstanciais na saúde dapopulação só serão alcançadascom a redução significativadas desigualdades sociais.

A análise histórica dos indicadores globais de saú-de também evidencia o quadro de desigualdades en-tre as regiões do país. Na década de 30, a Região Su-deste apresentava TMI de 153, a Região Sul de 127 e aRegião Nordeste de 168. Portanto, a Região Nordesteapresentava taxas 10% superiores à Região Sudeste e32% superiores à Região Sul. Para o ano de 99, o Nor-

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deste apresentava TMI 154% maior do que a registradana Região Sudeste e 205% maior do que a taxa daRegião Sul. Apesar de uma melhoria absoluta ter sidoobservada em todas as regiões, o agravamento dasdiferenças relativas mostra que as soluções em buscado cumprimento das potencialidades biológicas está-se dando com diferentes intensidades, provocando umaampliação das desigualdades.8 Deve-se destacar que,na última década, ocorreu uma maior redução relati-va na taxa de mortalidade infantil para a Região Nor-deste, que apresentava o valor mais elevado. Quanto àexpectativa de vida ao nascer, verificou-se tendênciade maiores ganhos, entre 1991e1999, nos Estadosque apresentavam os menores valores no início doperíodo.9

Outros indicadores de morbidade, de base nãohospitalar, também revelam as desigualdades inter-regionais. Assim, as maiores taxas de incidência ouprevalência para cólera (até o ano de 2001, quandoforam registrados os últimos casos), esquistossomose,doença de Chagas e leishmanioses têm sido registradasnas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Há, em todo o mundo, evidências de que a estra-tificação da população de acordo com seus níveissocioeconômicos define, também, estratos diferen-ciados nos níveis de saúde. Países desenvolvidos ouem desenvolvimento, com diferentes patamares nosníveis de saúde das suas populações e com diferentespadrões epidemiológicos, assemelham-se no tocanteà existência desses gradientes. A freqüência de qual-quer doença, com raras exceções, aumenta com aredução do nível social e econômico dos grupos soci-ais. É consistente o fato de que, entre países com ní-veis econômicos similares, aqueles com maiores ní-veis de desigualdade social apresentam níveis maisbaixos de saúde. Por exemplo, entre o grupo de paí-ses desenvolvidos, os Estados Unidos, apesar de ser omais rico desse restrito grupo, é o que apresenta mai-ores desigualdades sociais, gerando diferenciais nosindicadores de saúde entre distintos grupospopulacionais.10 Organismos internacionais (BancoMundial, Organização Mundial da Saúde) vêm reco-nhecendo que, sem reduções significativas nasiniqüidades sociais, será impossível alcançar melho-ras mais substanciais no quadro global de saúde dapopulação, pois observa-se que melhorias modestasno padrão das desigualdades têm fortes efeitos nos ní-

veis de saúde. No Brasil, essa questão assume grandeimportância e ganha nuances especiais. Por exemplo,em 1999, 50% dos óbitos infantis concentraram-se nos30% dos nascidos vivos que residem nos estados comas maiores taxas de pobreza,9 bem como a TMI esti-mada em 1996 para os 20% dos brasileiros mais po-bres foi três vezes maior que a estimada para os 20%de maior poder aquisitivo (www.worldbank.org). Aconcentração da riqueza e dos bens gera imensas dis-tâncias também entre as suas regiões ou entre seusespaços intra-urbanos. No interior das cidades brasi-leiras, são igualmente observados diferenciais nas ta-xas de mortalidade infantil, bem como na mortalida-de pela maioria das doenças, entre as zonas mais po-bres relacionadas com as zonas mais ricas das cida-des. Iniqüidades quanto aos gêneros e aos grupos ét-nicos agravam tal situação.

O desafio da complexidade

Vimos que entre as principais causas de óbito einternamentos em nossa população estão as doençascrônico-degenerativas, os acidentes e as diversas for-mas de violência. Entretanto, já se observam tendên-cias recentes de redução da mortalidade por algumascausas específicas de doenças cardiovasculares, sufi-ciente para redução das taxas nesse grupo de causa.No grupo das doenças infecciosas, além da reduçãona mortalidade, observa-se também diminuição sig-nificativa na morbidade por um conjunto importantede doenças.

Em outra direção, temos visto que o reapareci-mento, nas duas décadas passadas, de problemascomo a cólera e a dengue, além de expor as frágeisestruturas ambientais urbanas em nosso país, as quaistornam as populações vulneráveis a doenças que pa-

A intensificação do comérciointernacional, o narcotráfico,o contrabando de armase cigarros e os câmbios climáticosocasionados pela poluiçãoatmosférica são exemplosde novos riscos globaiscom efeito na deterioraçãodas condições de saúde.

Morbi-mortalidade da população brasileira

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reciam superadas, amplia a já alta carga de doenças dapopulação. Esses fatores agregam-se ao surgimento denovas doenças ou de novas formas de manifestação dasdoenças na população – aumento na severidade porsurgimento de novas cepas patogênicas, ampliação daresistência aos antimicrobianos –, bem como à persis-tência de problemas como a desnutrição e doençasendêmicas como a tuberculose. Essa situação implica amanutenção de estruturas de cuidado dispendiosas quecompetem por recursos escassos, os quais poderiam,em caso da não-existência desses problemas, vir a serutilizados na solução de problemas de saúde de maiormagnitude, para os quais existem menores possibilida-des de prevenção a curto prazo, como as doençascrônicas não transmissíveis.

Um quadro bem paradigmático dessa superposiçãode padrões ocorre com relação aos problemasnutricionais – reduções na prevalência da desnutri-ção proteico-calórica estão sendo acompanhadas pelocrescimento da obesidade e da anemia.11 Tambémdeve-se destacar que, em geral, o tratamento das ‘do-enças da modernidade’ requer mais recursos tecnoló-gicos e, como conseqüência, implica maiores cus-tos para o sistema de saúde. A violência, por exem-plo, ao lado das mortes e incapacidades que causa ànossa população produtiva, impõe pesadas sobrecar-gas aos sistemas de saúde e previdenciário.12

A falta de solução para alguns problemas estrutu-rais e básicos, a manutenção de condições e modo devida inadequados, a insuficiência nos mecanismos queregulam os danos ao meio ambiente, ocasionam queos riscos aos quais está exposta a nossa população sesuperponham, ao invés de se sucederem. Assim, se deum lado temos a manutenção dos problemas urbanoscaracterizados por marcantes deficiências em áreascomo saneamento ambiental, habitação e transporte,temos também o surgimento da poluição ambientalde origem química (industrial, inseticidas etc.), os ris-cos ocupacionais, o aumento dos fatores estressoresgerados pela ‘modernização’ das relações sociais, asmudanças comportamentais, o desemprego estrutu-ral e crescente e a ampliação das desigualdades intra-urbanas. Ademais, o fato de o envelhecimento dapopulação ocorrer em condições que associammúltiplos riscos, amplifica as chances de ocorrên-cia de várias doenças, aumentando a carga mór-bida e reduzindo a qualidade de vida de um grupopopulacional.

Existem, cada vez mais, relatos sobre fatores quese dão no plano internacional e seus efeitos deletériossobre a Saúde. A chamada globalização está relacio-nada com questões tão aparentemente diversas comoo aumento das desigualdades entre as nações, a inten-sificação do comércio internacional – especialmentede produtos alimentícios –, o narcotráfico e o contra-bando de armas e cigarros, ou o aumento da tempe-ratura global ocasionado pela crescente poluição at-mosférica, exemplos de ‘novos riscos globais’ comefeito na deterioração das condições de saúde. Essasuperposição de fatores ambientais e sociais ‘velhos’e ‘novos’ é que torna possível algumas doenças infec-ciosas tradicionais serem mantidas e propicia a emer-gência ou a reemergência de outras tantas, em para-lelo ao aumento das doenças crônicas e das violênci-as. Tomemos o exemplo do desemprego: além da pri-vação a que sujeita os indivíduos e suas famílias, ge-rando efeitos no estado nutricional de adultos e crian-ças e aumento do risco de exposição a doenças infec-ciosas, provoca aumento na ocorrência das doençaspsiquiátricas e cardiovasculares.

Tendo em vista a impossibilidade de uma atuação,a curto prazo, em alguns riscos gerados pelos proces-sos globais, faz-se urgente a superação de algumascategorias de risco tradicionalmente vinculadas à ocor-rência de doenças, cuja superação pode ser alcançadaem função de decisões políticas mais limitadas. Porexemplo, a completa resolução das desigualdades noacesso aos serviços de saúde e do déficit no supri-mento de água e no esgotamento sanitário em muitoscentros urbanos. Já é amplamente conhecido o efeitopositivo da melhoria das condições de saneamento,não somente na diminuição de uma série de doençasinfecciosas responsáveis por importantes demandasno sistema de saúde, como também na proteção dian-te do ressurgimento de outros problemas. Não por aca-so, em locais com alto padrão de saneamento, nãohouve o ressurgimento da cólera na década de 90.

Os desafios para as políticas de saúde

A superposição de problemas de saúde implica amanutenção de uma carga de magnitude semelhante,de morbidade e mortalidade na população, ao longodos anos. A redução dessa carga, dentro dos limitesbiológicos estabelecidos, representa um desafio paraa definição de políticas de saúde.

Eduardo Hage Carmo e colaboradores

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Os benefícios alcançados para a população, em con-seqüência de redução da mortalidade para as doençasinfecciosas, da morbidade por algumas patologias des-se grupo de causa, como também da mortalidade paraas doenças cardiovasculares, não somente devem sermantidos como necessitam ser ampliados para outrascausas de adoecimento e morte da população. Essesresultados positivos indicam que existe tecnologia sufi-ciente para melhoria dos padrões de morbidade e mor-talidade, cujos efeitos são muito mais intensos e dura-douros em contextos socioeconômico e ambiental fa-voráveis.13 A constatação supera a proposição inicial nocontexto da aplicação do termo “transição epidemio-lógica”, para explicação das grandes mudanças nospadrões epidemiológicos dos países desenvolvidos e dosdemais países da America Latina.14,15

Por outro lado, mais do que representar uma uto-pia, não se deve reforçar a ilusão, disseminada sublimi-narmente, de que é possível viver em um mundo semdoenças – incluindo as transmissíveis –, o que implica-ria, em última análise, um mundo com seres humanosimortais. Ao menos com o conhecimento atual que sedispõe sobre as potencialidades biológicas e as tecno-logias disponíveis, este não constitui o cenário das pre-sentes gerações.

As modificações internas na composição dascausas de morbidade e de mortalidade têm geradomelhorias significativas dos indicadores de saúde dopaís. O processo de envelhecimento da população tam-bém representa um avanço na plena utilização do po-

tencial biológico. Entretanto, na medida em que a ocor-rência de doenças tem-se caracterizado por superpo-sição de suas causas e riscos, um efeito que pode serobservado é a manutenção ou mesmo incremento nascausas de incapacidades. Nesse aspecto, o desafio paraas políticas de saúde, integradas às demais políticassociais, é agregar ao aumento da longevidade huma-na a qualidade de vida.

Vimos, também, que os benefícios na melhoria deindicadores de saúde não são alcançados de formahomogênea, por todos os grupos populacionais, o quecontribui para a manutenção de carga persistente demorbidade, mesmo referindo-se a problemas em que re-duções sejam observadas, fazendo com que essa mesmacarga não se reduza abaixo de determinados patamares.Ainda que as políticas de saúde tenham possibilidade deampliação dos benefícios para grupos populacionais ex-cluídos desse processo, a articulação com outras políti-cas públicas adquire relevância impar na redução dascausas e riscos. Sem essa articulação, serão mantidas asdesigualdades nos padrões epidemiológicos atuais. Taispolíticas e ações, devem ser, necessariamente, dirigidaspara os determinantes das doenças, visando ao enfren-tamento da complexidade da sua produção.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Carlos Antonio de S. T.Santos (ISC/UFBA e UEFS) pelos cálculos das taxaspadronizadas de mortalidade.

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Morbi-mortalidade da população brasileira

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Eduardo Hage Carmo e colaboradores

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Controle da filariose linfática no Brasil, 1951 - 2000

Resumo

No artigo de revisão, são analisadas as ações de controle da filariose no Brasil, no período de 1951 a 2000,avaliando o seu desempenho, na perspectiva da eliminação da doença filarial como um problema de Saúde Pública.Para tal, foi realizada pesquisa histórica a fontes bibliográficas, publicações, relatórios e outros textos referentes àscaracterísticas e à efetividade de campanhas e programas específicos no controle dessa endemia. Durante cerca decinco décadas, as ações foram estruturadas numa lógica centralizadora, cujas atividades se baseavam na identificaçãodos indivíduos infectados. Os determinantes que levaram aos insucessos das campanhas e programas foramdecorrentes de diversos elementos, entre eles a falta de uma política de saúde; da estrutura do modelo de assistência;da execução de ações nos diversos níveis da rede; além de defender um tipo de intervenção com caráter exclusivamentebiológico e verticalizado, e da ausência da participação da comunidade, entre outros. Nova proposta surgiu em1996 com o Plano Nacional de Eliminação da Filariose Linfática, ainda em fase de execução. O plano mostra-seinovador, uma vez que suas ações são baseadas numa articulação entre as esferas de governo e em obediência aoprincípio do Sistema Único de Sáude (SUS), sendo sua coordenação delegada às Secretarias de Estado de Saúde e aexecução às Secretarias Municipais de Saúde. A partir dessa proposta, o estudo das campanhas e programas especiaisutilizados nas ações de controle da filariose no Brasil, poderá, ao longo dos anos, fornecer subsídios à melhor adequaçãodo atual plano no país.

Palavras-chave: Wuchereria bancrofti; controle de endemias; filariose linfática.

Summary

In this review article the activities for filariasis control in Brazil are analyzed for the period 1951-2000,evaluating their performance in the context of filiariasis elimination as a public health problem. A historicalresearch was carried out by assessing bibliographic sources, publications, reports, and other texts with thepurpose of characterising specific campaigns and programs and evaluating their effectiveness in the controlof this endemic disease. For about five decades, control activities were structured in a centralizing mannerand were based mainly on the identification of infected individuals. Campaigns and programs proved to beunsuccessful due to several factors, such as:absence of a health policy; the structure of the assistence model;the execution of activities at various levels of the public health structure; besides the predominant type ofintervention exclusively biological and verticalized with no participation of the community, among others. Anew proposal arose in 1996 with the National Plan for Bancroftian Filariasis Elimination, still inimplementation. The plan introduces innovations since it bases the activities on an articulation between thespheres of the government, in accordance with the principles of the National Health System (SUS). Its managementhas been delegated to the state health departments and the implementation, to the municipal health bureaus.Monitoring this plan will provide information that will contribute to further strengthen the campaigns andprograms directed to the control of filariasis in Brazil.

Key words: Wuchereria bancrofti; endemic disease control; lymphatic filariasis.

Control of lymphatic filariasis in Brazil, 1951 - 2000

Zulma MedeirosCentro de Pesquisas Aggeu Magalhães-Fiocruz/ICB/UPE

José Alexandre MenezesCentro de Pesquisas Aggeu Magalhães-Fiocruz

Endereço para correspondência:Av. Moraes do Rego s/n, Campus da Universidade Federal de Pernambuco, Cidade Universitária, Recife-PE. CEP: 50670-420.E-mail: [email protected].

[Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003; 12(2) : 77 - 86] 77

ARTIGO

DE REVISÃO

Eduarda Pessoa CesseSecretaria Estadual de Saúde-PE

Fábio LessaCentro de Pesquisas Aggeu Magalhães-Fiocruz

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Introdução

No Brasil, estima-se que 49 mil pessoas estejaminfectadas pela Wuchereria bancrofti e que três mi-lhões de indivíduos residam em áreas consideradas derisco.1 Entre os indivíduos infectados, cerca de 15% ten-dem a evoluir até as manifestações crônicas.2 A filarioselinfática é uma endemia de transmissão vetorial inseridaem algumas áreas urbanas brasileiras, representandoimportante problema sanitário. Sua importância é justi-ficada tanto pelo número de casos como pela morbidadeassociada ao dano linfático.

As ações governamentais visando ao seu controlecomeçaram em 1951, sendo as campanhas o modelode assistência utilizado inicialmente, seguido dos pro-gramas especiais.3 Um primeiro estudo, realizado nadécada de 50, constatou sua transmissão em 11 loca-lidades do país.4 Na década de 80, os dados oficiais doMinistério da Saúde mostraram uma redução no nú-mero de áreas com transmissão ativa de filariose aolongo dos anos. Em 1985, após as campanhas e du-rante os programas especiais, a endemia foi conside-rada restrita a apenas duas áreas tidas como foco ativo:Recife-Pernambuco e Belém-Pará.5

Como, durante sua execução, não houve planeja-mento nem avaliação, os períodos das campanhas,1951-1970, e dos programas, 1971-2000, necessitamser melhor analisados. Um fato decorrente dessas fa-lhas e, também, dos critérios de avaliação adotadosno Brasil foi, por exemplo, a classificação da cidadede Maceió (Alagoas) como foco extinto. Entretanto, apartir da identificação de casos autóctones da infec-ção, em 1991, o Ministério da Saúde reavaliou essaposição, considerando aquela cidade como áreaendêmica.6,7

Associado a esses fatos no cenário nacional, te-mos a possibilidade de incluir a filariose como umadas seis doenças infecciosas consideradas erradicáveisou potencialmente erradicáveis, segundo proposta daOrganização Mundial da Saúde (OMS).8-10

A partir dessa proposta, o Ministério da Saúde e oConselho Nacional de Saúde (CNS) homologaram aResolução CNS no 190/96, implementando o Plano Na-cional de Eliminação da Filariose Linfática.11 Assim, oestudo das campanhas e programas especiais utiliza-dos nas ações de controle da filariose no Brasil pode-rá fornecer subsídios à melhor adequação do planode sua eliminação no país.

Este artigo de revisão procura analisar as ações decontrole da filariose no Brasil, entre 1951 e 2000, ava-liando seu desempenho, na perspectiva da eliminaçãoda doença como problema de Saúde Pública.

Campanhas de controleno período de 1951 a 1970

O enfrentamento da filariose como doença, noBrasil, ocorre desde 1910,12 mas seu controle só foiiniciado nos anos 50.13 A campanha nacional pelo seucombate iniciou-se em 1951 e, com 19 anos deatuação, teve suas ações divididas em dois momentos.O primeiro foi coordenado pelo Serviço Nacional deMalária, de 1951 a 1955, e o segundo ocorreu de 1956a 1970, sob a coordenação do Departamento Nacio-nal de Endemias Rurais.13

É possível incluir a filariose comouma das seis doenças infecciosasconsideradas erradicáveis oupotencialmente erradicáveis,segundo proposta da OrganizaçãoMundial da Saúde (OMS).

O primeiro momento, de 1951 a 1955, contou comatividades pertinentes ao aspecto humano e ento-mológico da endemia. Os inquéritos hemoscópicos fo-ram realizados por meio da busca ativa, com cobertu-ra populacional censitária em 24 localidades brasilei-ras. Os indivíduos microfilarêmicos foram tratadoscom a dietilcarbamazina na posologia de 6 mg/kg/diadurante sete dias, segundo recomendação da Organi-zação Mundial da Saúde. Em relação ao combate dosmosquitos, utilizou-se inseticida de ação residual, dotipo hexaclorobenzeno (BHC) e dieldrin.13

A população analisada, nessa primeira fase, com-preendeu 295.254 pessoas. Esses inquéritos foram rea-lizados sem definição de critérios amostrais, sendo con-sideradas, com casos autóctones de microfilaremia ascidades de Manaus-AM, Florianópolis-SC, Porto Alegre-RS, Salvador-BA, Belém-PA, Maceió-AL e Recife-PE.13,14

A segunda fase da campanha foi iniciada em 1956,após a criação do Departamento Nacional de EndemiasRurais. Nessa fase, as ações foram expandidas paraoutras localidades (Tabela 1), mas, só a partir da déca-

Filariose Linfática no Brasil

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da de 60, o Departamento Nacional de Endemias Ru-rais começou a executar as primeiras ações para ocontrole da endemia noutras áreas, além da cidadede Belém.15

As ações realizadas pelo Departamento Nacionalde Endemias Rurais foram fundamentadas em três as-pectos,13 o primeiro baseado no levantamento da dis-tribuição geográfica da filariose, por meio de inquéri-tos com busca ativa e com cobertura censitária, visan-do à descoberta, comprovação e delimitação de áreascom filariose. Os inquéritos entomológicos foram re-alizados com capturas de mosquitos para o cálculodo índice de infecção e infectividade vetorial, assimcomo para a identificação da espécie do mosquitoenvolvida na transmissão local.

O segundo aspecto diz respeito ao fato de que, nasáreas com presença de transmissão ativa, o combate

à filariose linfática ocorreria por métodos que visas-sem agir sobre o agente etiológico ou vetor, conformeindicações técnicas, sociais e econômicas, com a fi-nalidade de reduzir a transmissão e, se possível, erra-dicar a parasitose.

Como último aspecto, estariam as pesquisas e asinvestigações, principalmente epidemiológicas eprofiláticas, que tinham o objetivo de melhorar o co-nhecimento epidemiológico da endemia, aperfeiçoaros métodos de diagnóstico e desenvolver outros mé-todos que permitissem uma profilaxia de massa maiseficiente, econômica e simples.

A população total analisada durante essa segundafase da campanha foi de 811.361 pessoas, distribuí-das em 852 localidades, em 24 unidades da federa-ção. No entanto, apenas 11 dessas localidades foramclassificadas endêmicas, pela presença de indivíduos

Zulma Medeiros e colaboradores

Fonte: Franco e Silva Lima, 1967 13

Tabela 1 - Inquéritos hemoscópicos para filariose linfática realizados em Unidades Federadas durante as campanhasde 1956 a 1965

Unidades da FederaçãoNo de

localidadesPessoas

examinadas

Pessoas infectadas

Wuchereria bancrofti %

RondôniaAcreAmazonasRoraimaParáAmapáMaranhãoPiauíCearáRio Grande do NorteParaíbaPernambucoAlagoasFernando de NoronhaSergipeBahiaEspirito SantoRio de JaneiroParanáSanta CatarinaRio Grande do SulMato GrossoGoiásDistrito FederalTotal

1315

1045

96242514

210163610

1355642

128

178604535

1

8 5 2

6.8336.438

45.5381.534

98.95544.68622.910

9.80516.50414.45532.32666.28015.809

80926.00366.25831.114

313.289

167.310102.950

6.56815.662

1.247811.361

82

400

1.600190

550016

1.76319

03

200000

39129

102

4.310

0,120,030,09

01,620,420,24

00

0,010,022,660,12

00,010,30

000

0,230,030,01

00,16

0,53

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microfilarêmicos e de mosquitos vetores com larvasinfectantes de Wuchereria bancrofti. A seguir, as lo-calidades listadas em ordem decrescente conforme osíndices de microfilaremia: a) Ponta Grossa-SC(14,5%); b) Belém-PA (9,8%); c) Barra de Laguna-SC (9,4%); d) Recife-PE (6,9%); e) Castro Alves-BA(5,9%); f) Florianópolis-SC (1,4%); g) São Luís-MA(0,6%); h) Salvador-BA (0,4%); i) Maceió-AL(0,3%); j) Manaus-AM (0,2%) e l) Porto Alegre-RS(0,1%).13

Nessa segunda fase da campanha, também foramdissecados 120.339 insetos fêmeas, de diferentes es-pécies, em 12 dos 24 Estados estudados. A espécieidentificada como vetor mais importante foi Culexpipiens fatigans, atualmente denominada Culexquinquefasciatus , e os maiores índices deinfectividade vetorial foram encontrados nos Estadosdo Pará, Pernambuco e Santa Catarina.13 Além daespécie Culex pipiens fatigans, foram evidencia-das mais quatro espécies de mosquitos como ve-tores secundários, pois estavam infectados com aWuchereria bancrofti: Aedes scapularis, Anophelesdarlingi, Anopheles tarsinaculatis e Anophelesbellator.4

frente deveriam priorizar essas áreas.5,16 Durante aépoca das campanhas, foi construído um aparatologístico dito capaz de deter focos epidêmicos. A situ-ação sanitária encontrava-se aparentemente sob con-trole, isto é, o modo de ação das políticas campanhistasera suficiente para garantir a redução do número depessoas microfilarêmicas.17

O êxito aparente que as campanhas sanitárias mos-traram no controle da filariose, pelo fato de ser esteum problema focal, não teve durabilidade e não serepetiu em relação a outras endemias. Sendo esta umaendemia de área urbana, os programas verticais fo-ram organizados para atendê-la num período deter-minado, com o objetivo de causar, em pouco tempo,uma redução do número de pessoas infectadas. Naverdade, houve pouco impacto sobre a interrupção doprocesso de transmissão e, portanto, sobre o apareci-mento de novos casos.18

As campanhas realizadas de 1951 a 1969 tiveramimportante papel no mapeamento dos focos endêmicosde filariose no Brasil. Entretanto, apesar de ter ocorri-do alguma redução do percentual de casos positivos,os resultados obtidos no tocante ao seu controle nãoforam significativos, pois foram baseados, priorita-riamente, no tratamento dos indivíduos microfilarê-micos diagnosticados nos inquéritos.

Programas de controleno período de 1970 a 2000

A partir de 1970, as ações de controle da filarioseno Brasil passaram a ser realizadas pela Superinten-dência de Campanhas em Saúde Pública, sendo deno-minadas de programas. As estratégias executadas apre-sentavam poucas diferenças em relação àquelasadotadas anteriormente, com exceção da criação dospostos fixos de coleta, do tipo busca passiva, para aten-dimento da demanda espontânea.19 Durante quase todaa década de 70, essas ações ficaram restritas ao con-trole químico do vetor e ao tratamento dos indivíduosinfectados nas cidades de Recife, Belém e Salvador,consideradas como os únicos focos de filariose.5

O Ministério da Saúde, em 1977, considerou comoáreas endêmicas as cidades de Belém, Vigia, Soure eCametá, no Pará; Salvador e Castro Alves, na Bahia; eRecife, em Pernambuco.3 Na Bahia, nenhum indiví-duo microfilarêmico foi identificado num inquérito re-alizado em 1981.20 Entretanto, em meados dos anos

As campanhas realizadas entre1951 e 1969 foram importantesno mapeamento dos focosendêmicos de filariose no Brasil,mas os resultados obtidos notocante ao seu controle nãoforam significativos.

Só a partir dos anos 60, o Departamento Nacionalde Endemias Rurais considerou que, entre as áreastrabalhadas, as únicas que ainda representavam pro-blema de Saúde Pública eram Recife, Belém, Salvador eFlorianópolis. Ainda segundo esse relatório, as cidadesde Barra de Laguna e Ponta Grossa foram consideradasapenas pequenos focos e, em Maceió, a endemia estavasob controle.4

Assim, ao final da década de 60, as campanhasdeterminaram que os principais focos da endemia noBrasil estavam restritos às cidades de Recife, Belém eSalvador. Portanto, as intervenções realizadas daí para

Filariose Linfática no Brasil

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60, foram encontrados dois focos em um bairro deSalvador e outro em Castro Alves, com índices de 6,2%e 1,7%, respectivamente.21 Vale salientar que nenhumcontrole foi realizado nessas áreas, diferentemente doque foi executado em Belém e Recife.20

Os trabalhos desenvolvidos no período de 1979 a1983 revelaram que a filariose no Brasil não mais apre-sentava a gravidade do passado. Essa endemia passoua ter uma importância médico-sanitária apenasnos focos residuais de Belém-PA e Recife-PE, e seriapossível conseguir, num futuro próximo, seu totalcontrole.19

Na década de 80, o programa de controle no Recifepraticamente estagnou, em parte pela ausência de umapolítica de saúde para enfrentar o problema da filariosena cidade e pela falta de medicação para o tratamentode pessoas infectadas. Além disso, a situaçãoepidemiológica da endemia nessa cidade foi baseadaapenas nos dados obtidos pela demanda passiva, ou seja,pelos exames coletados nos postos fixos, e as coletasforam realizadas em horário inadequado.5 O somatóriodesses fatores colaborou, provavelmente, para umasubestimativa dos índices de positividade apresentados.

Ainda em relação à filariose no Estado dePernambuco, a endemia foi, durante décadas, consi-derada restrita ao Recife. No entanto, havia relatos so-bre a ocorrência de manifestações agudas e crônicasda doença, assim como descrições de manifestaçõesraras da filariose, como, por exemplo, casos deeosinofilia pulmonar tropical nos municípioscircunvizinhos ao Recife.22 Em Olinda, município li-mite ao Recife, realizou-se um inquérito hemoscópico,onde se examinaram 754 pessoas residentes em trêslocalidades, Triângulo de Peixinhos, Bultrins e Ilha deSantana, sendo encontrados 10,3%, 5,1% e 5,0%, res-pectivamente, de ocorrência de microfilaremia.23

Em 1989, o Ministério da Saúde considerou que oRecife ainda era o principal foco no país,16 em decor-rência do aumento de prevalência, a partir de 1985,de 0,5%;5 e em 1990, de 3,7%.24 Um estudo, identifi-cando a procedência de casos autóctones de infectadose o índice de infectividade vetorial, mostrou que exis-tia transmissão ativa nos três principais municípios daregião metropolitana do Recife: Olinda, Recife eJaboatão dos Guararapes.25 Dessa maneira, verifica-va-se que a transmissão permanecia ativa em váriosbairros recifenses, assim como em processo de ex-pansão na Região Metropolitana do Recife.26

A partir da constatação de que o enfrentamentodas endemias no Brasil estava sendo ineficiente, ten-tou-se estruturar suas ações, como primeiro passo nadescentralização das ações de controle, no final dosanos 80. O Ministério da Saúde, nível central articula-do com as coordenações das unidades federativas,adotou estratégias baseadas na regionalização dos ser-viços e dos programas, na perspectiva de torná-los maisadequados para o controle das doenças endêmicas.26

Nesse período, foi consolidado o Movimento Sa-nitário e, em 1990, foram elaboradas as Leis no

8.080/90 e 8.142/90, propondo e regulamentandoo Sistema Único de Saúde (SUS), que tem como prin-cípios a universalidade, o resgate da autonomiamunicipal e a definição dos papéis nos três níveis degoverno.27 Esse momento histórico também foi mar-cado pela criação da Fundação Nacional de Saúde(Funasa), que concentrava, em um único órgão, ascompetências da Superintendência de Campanhas deSaúde Pública, da Fundação de Serviço Especial deSaúde Pública e do Departamento de Informática doSistema Único de Saúde, então extintas.

Zulma Medeiros e colaboradores

Contudo, as ações realizadas pela Funasa não sur-tiram o efeito desejado no controle da filariose nasáreas endêmicas, havendo ainda o desconhecimentoda endemia em outras áreas, pois não houve mudan-ças nas estratégias adotadas até 1996. Até meado dadécada de 90, alguns municípios já tinham assumidoa endemia, como, por exemplo, Recife, Jaboatão dosGuararapes e Olinda, mas o modelo adotado era se-melhante ao do Ministério da Saúde. A Fundação Na-cional de Saúde tentou readequar o controle dasendemias numa lógica de ações descentralizadas, deforma que o programa tivesse como objetivo atingir ocontrole social, reforçando as atividades de mobili-zação comunitária e utilizando os componentes deInformação, Educação e Comunicação (IEC).11

Em 1996, o Ministério da Saúdedefiniu o Plano de EliminaçãoNacional da Filariose Linfática,tendo como parâmetroa descentralização das açõesde controle com base naproposta da OMS.

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Apesar dos avanços alcançados após a imple-mentação do Sistema Único de Saúde, as políticas desaúde brasileiras passaram, nesse contexto, por pe-ríodos de incertezas, devido às várias tentativasdesmobilizadoras daqueles que não se favorecem deuma Saúde Pública digna. Esse quadro foi observadocom relação às ações de controle das endemias, comênfase para a filariose, não tendo sidos bem apreen-didos os papéis das três esferas de governo, com atra-sos das medidas que necessitavam ser implementadase superposições de funções, além de outros proble-mas com o planejamento das ações e as atividadeslogísticas. No tocante à munici-palização das açõesde endemia, esta ainda não foi concretizada na ex-tensão necessária, nem tampouco o controle popu-lar por meio da sociedade civil organizada, e sua par-ticipação na política dos serviços de saúde.

Em 1996, o Ministério da Saúde definiu novasdiretrizes de ação com o Plano de Eliminação Nacio-nal da Filariose Linfática. Esse plano teve comoparâmetro a descentralização das ações de controle,com base na proposta da Organização Mundial da Saú-de, que incluiu a filariose linfática como uma das seisdoenças infecciosas consideradas erradicáveis oupotencialmente erradicáveis.8,9 Para tal, o Ministériodo Planejamento e Orçamento, de então, teria que as-segurar os recursos orçamentários e financeiros ne-cessários à execução do plano.11 Ademais, ele deveriaser implementado de forma imediata e articulada comas demais esferas de governo, em obediência aos prin-cípios do SUS.11

O plano tinha como objetivos estratégicos: a) in-terromper a transmissão da filariose nos focosendêmicos específicos, usando a quimioterapia e ocontrole do vetor; b) esgotar as fontes de infecção, c)prover assistência integral aos portadores demorbidade filarial; e, finalmente, d) eliminar essaendemia no território brasileiro.11

Para tal, haveria necessidade de uma reavaliaçãoepidemiológica dos focos ativos, utilizando-se a estrati-ficação dos espaços urbanos a partir de indicadores sin-téticos de risco ambiental, com a realização de inquéri-to hemoscópico e pesquisas entomológicas. Já nas áre-as consideradas livres de filariose, poderia ser usada aidentificação de eventos sentinelas, seria criado um sis-tema de informação utilizando-se todas as fases do pla-no, e a mobilização da comunidade seria uma ação bá-sica para todas as etapas de intervenção. Em relação ao

tratamento humano, deveria ser usado o dietilcar-bamazina com esquema de tratamento em massa nasáreas com alta endemicidade, associada também aocontrole integrado do vetor.28

Assim, os recursos para os municípios foram li-berados por meio de convênios celebrados entre elese a Fundação Nacional de Saúde. Foram alocadas ver-bas para os seguintes dez municípios: Belém do Pará;Maceió, Alagoas; Camaragibe, Cabo de Santo Agosti-nho, Jaboatão dos Guararapes, Itamaracá, Moreno,Olinda, Paulista e Recife, em Pernambuco. Cada umdesses municípios teve autonomia em relação às estra-tégias usadas no inquérito.1

Na cidade de Belém, foi realizado o inquérito utili-zando-se o diagnóstico pelo antígeno – ICT card-test(teste em cartão, com imunocromatografia rápida),sendo a confirmação dada pela pesquisa parasitológicacom a gota espessa de sangue capilar. Foram exami-nados 26.953 indivíduos, sendo diagnosticados 33casos; destes, apenas um foi positivo, pela gotaespessa.1

No Estado de Alagoas, já se tinha o diagnóstico deque o problema era no Município de Maceió, restritoa três bairros contíguos: Feitosa, Pitanguinha eJacintinho.29 Foi desenvolvida uma busca ativa, casa acasa, nos três bairros; parcialmente, foram examina-das 4.999 pessoas pela gota espessa, sendo detecta-dos 42 casos de microfilaremia. Em relação aosvetores, a proposta constava em combater as formasimaturas, após o rastreamento minucioso dos cria-douros nos bairros em estudo.1

Em Pernambuco, principal foco brasileiro, oitomunicípios participaram da primeira etapa do plano,em que foram realizados inquéritos utilizando-se a pes-quisa de microfilárias pela gota espessa.1 No Recife, otrabalho foi desenvolvido por microrregiões, onde fo-ram encontradas prevalências que variavam de 0,1 amais de 3%. No Município de Olinda, foram realiza-das 3.232 coletas, com uma prevalência média de1,3%. No entanto, as maiores concentrações de casosocorreram nos bairros de Águas Compridas (3,6%),Alto Nova Olinda (3,9%), Alto da Conquista (3,6%) eAzeitona (4,3%). Em Itamaracá, foram realizados7.553 exames, sendo encontrados 13 casos demicrofilaremia, distribuídos em sete localidades. En-tre os casos, um já havia sido diagnosticado anterior-mente e cinco eram autóctones do município. NoMunicípio de Camaragibe, analisaram-se 1.554 pes-

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soas, com o diagnóstico de dois microfilarêmicos,alóctones em relação ao município. Em Moreno, exa-minaram-se 2.504 indivíduos, sendo identificados doisindivíduos portadores de microfilaremia, ambos ca-sos provenientes do Recife. Entretanto, foram relata-das nas entrevistas diversas queixas clínicas. Em Cabode Santo Agostinho, foram examinados 8.018 residen-tes, sendo diagnosticados seis microfilarêmicos. Nocaso de Jaboatão dos Guararapes, os trabalhos nãoforam concluídos em decorrência do retardo no iní-cio do inquérito. Os dados do Município de Paulistanão foram apresentados na referida reunião.1

No caso da Bahia, não se tem qualquer diagnósti-co situacional diferente dos observados no inquéritode 1981. Contudo, “há necessidade de esclarecimen-tos, uma vez que existem pacientes portadores deedemas de membros em Salvador e na Ilha deItaparica”.1 Nesse segundo encontro, não estava pre-sente o representante de Santa Catarina, mas, de acor-do com as informações do primeiro encontro e dasdisponíveis na literatura,30 examinaram-se 21.639 pes-soas em 1976, e nenhum microfilarêmico foi detecta-do. Em 1993 e 1994, foram analisadas, por gota es-pessa, 206 e 1.154 pessoas residentes em Ponta Gros-sa e Barra, respectivamente. Entre essas, examinaram-se 65 por técnicas de concentração parasitológica eoutras 69 pela pesquisa de antígeno circulante utili-zando-se ensaio imunoenzimático (ELISA), testeOg4C3; todos esses tiveram seus resultados negativos.A pesquisa de formas larvares de Wuchereria bancroftiem 624 mosquitos fêmeas foi negativa.11,30

Durante o período dos programas, o Ministério daSaúde passou a tratar a filariose como se ela estivessesob controle. Isso possibilitou o aumento de casos e aexpansão da endemia para outras áreas, com é o casoda Região Metropolitana do Recife. Outros fatores quecontribuíram para esse aumento foram o número re-duzido de ações de controle vetorial, a ausência deações integradas de saneamento e de educação sani-tária, além do crescimento urbano desordenado.

Perspectivas da filariose no Brasil

A partir dos resultados apresentados da Região Me-tropolitana do Recife, tem-se como proposta o trata-mento em massa em algumas áreas dos Municípios deOlinda e Recife. Já o caso de Jaboatão dos Guararapes,dependerá dos resultados a serem apresentados. As

cidades de Jaboatão dos Guararapes, Paulista eItamaracá serão merecedoras de maiores cuidados,pela ausência de informações das duas primeiras ci-dades e pela possibilidade de transformação do Mu-nicípio de Itamaracá em área foco da doença. EmMaceió, utilizar-se-á o tratamento seletivo e serão re-alizados inquéritos censitários periódicos. Em Beléme em Florianópolis, a situação da endemia deverá seranalisada com vistas ao certificado de eliminação ouda interrupção de transmissão.1,30

No caso de Santa Catarina, Schlemper e colabora-dores30 relataram, entre os indivíduos residentes emPonta Grossa e Barra, a ausência de transmissão ativa,de novos casos de infecção e de recidiva dos casos defilariose da década de 50. Para tal, foram realizadas apesquisa de infecção e infectividade vetorial e, entreos indivíduos, a técnica de Knott e o teste Og4C3.30

Zulma Medeiros e colaboradores

Os avanços conseguidos nocontrole das endemias tambémindicam a necessidade de elaborarprogramas que permitam asmobilizações técnica, política ecultural capazes de gerarmudanças efetivas.

Existe a exigência da construção de um sistema deinformação que preencha as necessidades do plano eque gere indicadores essenciais às avaliações, em espe-cial visando ao processo de certificação de elimina-ção.31,32 O programa de morbidade deverá ser implan-tado, assim como deverá ser avaliada a prevalência damorbidade filarial em cada área endêmica.2 As estraté-gias para o controle vetorial terão como ações priori-tárias o saneamento; o levantamento, o mapeamento ea caracterização dos criadouros; a execução de inter-venções físicas e biológicas; e a vigilância e monitora-mento do controle. Existirá a necessidade de utilizaçãodos meios de comunicação para esclarecimentos, a fimde sensibilizar as comunidades para a adoção de medi-das de proteção individual contra mosquitos, e estimu-lar a educação popular.33 Contudo, esse plano deveráser avaliado após o primeiro ano de intervenção.

Deverá ser dada atenção aos municípios que apre-sentem casos de microfilaremia alóctones, mas que

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tenham condições de manter o ciclo de transmissão,ou seja, apresentem vetores e condições ambientais ade-quadas. A experiência de Jaboatão dos Guararapes nãodeve ser repetida, uma vez que, em 1959, foram encon-trados casos de microfilaremia, mas, por serem todosprocedentes do Recife,34 não foi criado nenhum siste-ma de vigilância epidemiológica para o município, sen-do hoje considerado uma das áreas de maior prevalênciade filariose na Região Metropolitana do Recife.25

Vale salientar, ainda, que problemas políticos po-derão dificultar a execução do plano, como já ocor-reu em outras endemias – por exemplo, a dracun-culíase.35 Um outro problema poderá ser a escolha daequipe técnica que irá realizar o trabalho, devendoser criadas instâncias que minimizem o risco de que aseleção seja feita atendendo apenas a conveniênciaspolíticas.

A Organização Mundial da Saúde sugere que o con-trole da filariose linfática seja realizado pelo sistemade atenção primária à saúde, tanto municipal comoestadual, ou a ele integrado. A utilização dessa estra-tégia poderá transformar o atual modelo de assistên-cia no controle de endemias em áreas urbanas, emrazão dos critérios de eficiência e eficácia das novaspropostas de ações intersetoriais, em uma propostadescentralizada e menos assistencialista.28

Alguns avanços referentes às experiências no con-trole das endemias já foram conseguidos. Observa-seentretanto, claramente, a necessidade de elaborar no-vas formas de abordar tais programas, de forma que

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Assim, o plano em pauta deve possibilitar que asinstituições responsáveis pelo controle da filariose pro-curem modelos de organização que combinem a cen-tralização das decisões e o repasse da execução dasmedidas para os diferentes níveis da rede, procuran-do alcançar a maior cobertura possível das popula-ções expostas ao problema; e que a disseminação doconhecimento e os recursos técnicos, em conjunto,viabilizem a análise da situação da endemia, apontan-do os locais onde devam interferir. É necessária, ain-da, a avaliação do impacto conseguido com a imple-mentação das ações, assim como dos custos sociais eeconômicos representados pelos doentes portadoresdas diversas manifestações clínicas. Para tal, as açõesdeverão ser avaliadas sistematicamente, consideran-do-se novas abordagens disponíveis e factíveis para omunicípio e para sua população.

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Resumo

A dinâmica de circulação da vírus da dengue em espaços intra-urbanos de grandes metrópoles e os fatores derisco para esta infecção ainda não são bem conhecidos. Embora esteja estabelecido que a pobreza é um dosdeterminantes da maioria das doenças infecciosas e parasitárias, no caso da dengue esta ainda é uma questãocontroversa. Este estudo teve como objetivos descrever a distribuição da soroprevalência e soroincidência de den-gue em distintos espaços intra-urbanos de uma grande e complexa cidade do Brasil; e verificar a existência derelação entre a intensidade de circulação viral e as condições de vida da população, bem como com os índices deinfestação vetorial. Utilizou-se um desenho de estudo prospectivo de análise ecológica, procedendo-se a inquéritossorológicos de uma amostra de residentes em 30 distintos espaços da cidade de Salvador – “áreas sentinelas” –selecionados de acordo com diferenças extremas de condições de vida. Os resultados revelaram elevadassoroprevalência (67,7%) e soroincidência (70,6%) para os sorotipos circulantes (DEN-1 e DEN-2), com grandevariabilidade nos valores entre as 30 áreas estudadas; reduzida efetividade das medidas de combate vetorial; circu-lação viral em todo o território da cidade, constatando-se que mesmo adequadas condições de vida não foramcapazes de impedir a ocorrência de elevados riscos de transmissão.

Palavras-chave: dengue; estudo prospectivo; efetividade; combate vetorial.

Summary

The dynamics of dengue virus circulation in intra-urban areas of large metropolis and the risk factors forinfection are still not well understood. Despite poverty being a recognized determinant for most infectious andparasitic diseases, it continues to be controversial for dengue. The objectives of this study were: to describe theseroprevalence and seroincidence of dengue in different intra-urban areas of a large complex city in NortheasternBrazil, and to assess the relationship between viral circulation intensity and life conditions of the studypopulation, as well as vectorial infestation. A prospective study with ecological analyses was designed. Sorologicalsurveys were conducted in a sample of the population resident in 30 different areas of the city of Salvador –“sentinel areas” – selected according to different social-economic status. The results revealed high seroprevalence(67,7%) and incidence of infection (70,6%) for the circulating serotypes DEN-1 and DEN-2, with great variabilityof the rate estimates in the 30 study areas, with low effectiveness of vector control measures. Viral circulationwas present in all the territory of the city and adequate living conditions were unable to limit the ocurrence ofdengue transmission.

Key words: dengue; prospective study; effectiveness; vector control.

Dynamics of dengue virus circulation in a metropolitan area of Brazil

Maria da Glória TeixeiraInstituto de Saúde Coletiva-Universidade Federal da Bahia

Maurício Lima BarretoInstituto de Saúde Coletiva-Universidade Federal da Bahia

Maria da Conceição Nascimento CostaInstituto de Saúde Coletiva-Universidade Federal da Bahia

Endereço para correspondência:Instituto de Saúde Coletiva, Rua Padre Feijó, 29; 4o andar, Canela, Salvador-BA. CEP: 41110-170.E-mail: [email protected].

Dinâmica de circulação do vírusda dengue em uma área metropolitana do Brasil

[Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003; 12(2) : 87 - 97] 87

ARTIGO

ORIGINAL

Leila Denise Alves FerreiraInstituto de Matemática-Universidade Federal da Bahia

Pedro VasconcelosInstituto Evandro Chagas-SVS/MS

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Introdução

São complexos e ainda não completamente conhe-cidos os fatores determinantes do ressurgimento dadengue como um dramático problema de Saúde Públi-ca. O crescimento desordenado dos centros urbanos, aprodução desenfreada de descartáveis que são dispos-tos no meio ambiente, a rapidez dos transportes aéreosque estabelece oportunidades para os vírus e o vetormoverem-se entre os países e a falência dos programasde controle do Aedes aegypti,1 têm sido os maisfreqüentemente referidos. A dinâmica de circulação viralnos espaços intra-urbanos, particularmente das gran-des metrópoles, e dos fatores que interferem nos riscosde ocorrência dessas infecções também não está bemestabelecida e, de acordo com Kuno (1995),2 estudosepidemiológicos em torno dessa questão vêm sendo ne-gligenciados, embora sejam importantes para o avançono campo do controle e prevenção do dengue.

São fatores presentes em muitas cidades brasileiras,razão pela qual as epidemias de dengue no país vêm cres-cendo em magnitude e, por outro lado, agravando-se tam-bém do ponto de vista clínico, com o surgimento de cen-tenas de casos hemorrágicos e letalidade (acima de 4%)considerada elevada. 5 Desafortunadamente, o único ins-trumental de prevenção disponível continua sendo o com-bate vetorial, que vem sendo desenvolvido em muitos pa-íses e também no Brasil, com custos operacionais eleva-dos, e que contribui para a poluição ambiental em con-seqüência da utilização de inseticidas em larga escala.Outrossim, a efetividade dessas ações parece ser bas-tante limitada.

Por sua vez, a distribuição dos riscos de exposiçãoàs infecções pelos vírus do dengue, em relação às dis-tintas situações sociais e econômicas de grandes cida-des, ainda é uma questão controversa e que têm sidorelacionada tanto a áreas onde residem populaçõessob precárias condições de vida quanto àquelas emsituações mais favoráveis.6, 7

A realização de investigações sobre o papel das po-pulações humanas e da infestação do mosquito trans-missor, considerando-se as condições econômicas e doambiente onde se processa a interação entre esses se-res, poderá contribuir para a identificação do papel decada um na manutenção da circulação viral, podendoacrescentar elementos ao debate das estratégias de pre-venção mais adequadas.

Nessa perspectiva, este estudo teve como obje-tivos descrever a distribuição da soroprevalência e in-cidência de infecções pelo vírus da dengue em distin-tos espaços intra-urbanos de uma grande e complexacidade; e verificar a existência de relação da intensi-dade de circulação viral com as condições de vida dapopulação, bem como com os índices de infestaçãovetorial.

Metodologia

Trata-se de um estudo prospectivo de soropreva-lência e soroincidência de dengue, realizado em Sal-vador - Bahia, cidade do Nordeste do Brasil que, em1998, possuía mais de 2,3 milhões de habitantes eapresentava acentuadas diferenças entre áreas espe-cíficas, no que diz respeito à situação socioeconômicae de saneamento ambiental. O estudo contemplou 30agregados espaço-populacionais (unidade de análise)denominados de “áreas sentinelas”, intencionalmen-

Investigações sobre o papeldas populações humanas e dainfestação do mosquito transmissor,as condições econômicas eambientais onde se processaa sua interação ajudarãoa identificar o papel de cadaum na manutenção dacirculação viral.

Por ser a viremia humana a principal, talvez única,fonte de infecção para o Aedes aegypti, mosquito trans-missor de maior importância epidemiológica para o ví-rus da dengue, quando, em geral, um sorotipo desseagente é intro-duzido em pequenas comunidades isola-das, após um período de transmissão com elevadas ta-xas de infecção, o ciclo se interrompe, como aconteceuem algumas ilhas do Pacífico depois da segunda grandeguerra.3 Já nos grandes centros urbanos infestados poresse vetor, a persistência da circulação é favorecida pe-las elevadas densidades das populações humanas, ta-xas de nascimentos e migração, que continuamente re-põem o estoque de indivíduos susceptíveis, criando asoportunidades para perpetuar o ciclo de transmissãodo vírus.4

Circulação do vírus do dengue em área metropolitana

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te selecionadas de acordo com dados obtidos da Fun-dação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE)8 sobre a cobertura de saneamento e nível derenda, considerados como estimadores das condiçõesde vida, conforme classificação a seguir:1. Alta: mais de 80% dos domicílios saneados e mais

de 50% das famílias com renda maior que cincosalários mínimos (80 dólares) – seis áreas.

2. Média: 50 a 80 % dos domicílios saneados e maisde 50% das famílias com renda entre um e quatrosalários mínimos – 19 áreas.

3. Baixa: menos de 50% dos domicílios saneados emais de 50% das famílias com renda abaixo deum salário mínimo – cinco áreas.Esta estratégia de seleção encontra-se descrita em

detalhes em publicação anterior.9

Para determinar o número de indivíduos dos in-quéritos sorológicos, admitiu-se uma soroprevalênciade 50% por ser a média observada em inquéritos an-teriores realizados em capitais brasileiras,10, 11 assu-mindo-se uma precisão menor ou igual a 3% e nívelde confiança de 95%; o tamanho da amostra foi esti-mado em 1.503 indivíduos, que, acrescentada de 30%para compensar as possíveis perdas, resultou em 2.149indivíduos. Utilizando-se a base de dados de um censodemográfico realizado no ano de 1997 nas 30 áreassentinelas, quando foram enumerados 68.749 indiví-duos, foi feito o sorteio aleatório dos participantes semreposição, a seguir agrupados nas áreas consideran-do o endereço residencial.12

Após o protocolo de investigação ter sido submeti-do e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Cientí-fica do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz (FundaçãoOswaldo Cruz-Bahia), foi aplicado, entre maio e julhode 1998, um questionário estruturado que incluía: nome,endereço, sexo, idade, nível educacional e história devacinação contra febre amarela. Logo após a entrevista,eram prestados esclarecimentos quanto à natureza doestudo e solicitada a assinatura do Consentimento In-formado, colhendo-se, em seguida, a primeira amostrade sangue. Os três indivíduos que informaram ter sidovacinados contra febre amarela foram excluídos, visan-do evitar falsos testes sorológicos positivos devido areações cruzadas.

Passado um ano, uma segunda amostra de sanguefoi colhida daqueles indivíduos que apresentaramreações negativas ou positivas para apenas um sorotipo

do vírus do dengue no primeiro inquérito sorológico.O sangue foi coletado mediante punção venosa, utili-zando-se tubos a vácuo de 10ml e agulhas descartáveisesterilizadas, sendo o soro separado por centrifugaçãoe estocado a -20ºC. Todas as amostras foram enviadasao Laboratório de Arbovírus do Instituto Evandro Cha-gas, onde era processada a reação de inibição dehemaglutinação,13 modificada,14 utilizando-se antí-genos dos quatro sorotipos dos vírus da dengue e demais quatro flavivírus: febre amarela, Rocio, Ilhéus eencefalite Saint Louis, embora estes não circulassemem Salvador.

Como a interpretação das respostas sorológicas aosflavivírus é controversa e difere entre a primeira (primá-ria) e subseqüente (secundária) infecção com outrosflavivírus ou sorotipos e, freqüentemente, é observa-da reação cruzada, o critério utilizado foi o adotadopela Organização Mundial da Saúde (OMS).15 Assim,títulos de inibição de hemaglutinação iguais ou maio-res que 1:20, exclusivamente para um sorotipo espe-cífico da dengue, ou títulos quatro vezes mais altospara o sorotipo um (DEN 1) do que para o sorotipodois (DEN 2), únicos que àquela época circulavamem Salvador, foram considerados positivos e específi-co para aquele sorotipo (resposta primária). Títulosindicativos de resposta secundária, também definidospelo critério da OMS, foram em seguida confirmadospela reação imunoenzimática (IgG ELISA),16 e consi-derados positivos para ambos sorotipos, significandoque ocorreram infecções por DEN-1 e DEN-2.

Para cada área sentinela, calcularam-se as soro-prevalências e soroincidências de dengue bruta e pa-dronizada por idade pelo método indireto,17 utilizan-do-se como população de referência a composiçãototal da amostra do estudo. Como o intervalo entre osdois inquéritos foi de um ano, a soroincidência foiexpressa em taxa anual por cento. Estimou-se a razãode prevalência e o risco relativo das infecções pelovírus do dengue e intervalo de confiança a 95%, to-mando como padrão de referência as áreas com con-dições de vida alta e menor valor de soroprevalência(área 427) e de soroincidência (área 7). Tambémpara os três estratos de áreas segundo condições devida, calcularam-se as respectivas soroprevalências eincidências de infecção brutas e padronizadas poridade pelo método direto,17 e aplicou-se o teste dequi-quadrado de tendência.

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90 ● Volume 12 - Nº 2 - abr/jun de 2003 ● Epidemiologia e Serviços de Saúde

A partir das informações coletadas no questionário,estimou-se para cada área os indicadores de freqüência,considerando a proporção de indivíduos por sexo, ida-de igual ou superior a 15 anos e escolaridade (assu-mindo-se como risco ter idade igual ou superior a quinzeanos e não possuir o primeiro grau completo), e rendamédia familiar igual ou menor que dois salários míni-mos. A densidade populacional média foi obtida do cen-so de 1996, realizado pela Fundação IBGE. Verificou-sea existência de associação entre as variáveis de interes-se por meio de diagramas de dispersão e cálculo doscoeficientes de correlação de Pearson.

Em abril de 1999, foram inspecionados todos osdomicílios das 30 áreas sentinelas, quando seregistraram as anotações das visitas dos agentes desaúde do Programa de Erradicação do Aedes aegyptide Salvador e verificou-se a existência de focos doAedes aegypti. A unidade de análise para esses dadostambém foi o agregado espaço populacional repre-sentado pelas áreas sentinelas. Considerou-se positivotodo prédio com um ou mais criadouros com larvasou ovos do mosquito, estimando-se por área sentinelao índice de Infestação Predial (IP) como a percenta-gem de prédios positivos. Mediante análise decovariância,18 as incidências de infecções para cadafaixa de IP (menor ou igual a 3%; 3,1 a 5%; 5,1 a10%; e maior que 10%) foram calculadas ajustando-se pela idade e média de soroprevalência. A fraçãoprevenível foi estimada considerando-se como “nãoexpostos” os indivíduos que residiam nas áreas comIP menor ou igual a 3%. O ponto de corte do IP foidefinido nesse patamar – ao invés de igual ou menorque 1%, como seria ideal – por haver poucas áreas eindivíduos (no inquérito de soroincidência) residin-do em espaços com IP que indicasse este último valor.Um reduzido número de observações, inviabilizaria,certamente, a realização de testes estatísticos.

Foram ainda determinadas a média e mediana dosIP do Aedes aegypti nos bairros sob intervenção doPrograma de Erradicação do Aedes aegypti19 (trata-mento químico dos focos com larvas do vetor e infor-mação oral aos residentes de cada domicílio sobre asformas de evitar criadouros do mosquito), a partir dedados levantados dos relatórios trimestrais desse Pro-grama, referentes ao período deste estudo (1998 e1999), elaborados pelo Centro de Controle deZoonozes da Secretaria Municipal de Saúde deSalvador.20, 21

Os dados foram digitados no Epi-Info 6.0 e anali-sados pelos softwares SAS e STATA.

Resultados

Dos 1.515 indivíduos que participaram do inqué-rito de soroprevalência, 58% eram do sexo femininoe 71% pertenciam à faixa etária acima de 15 anos,principalmente 15 a 29 (33%) e 30 a 49 (29%). Amaioria (68%) possuía oito anos ou menos de esco-laridade, cerca de 25% referia renda familiar inferiora dois salários mínimos e 50% entre dois e menos decinco salários mínimos. Participaram do inquérito desoroincidência 595 indivíduos entre os 860 elegíveis,segundo os critérios estabelecidos, o que representouuma perda de 31%. A grande maioria dessas perdasdeveu-se à mudança de endereço, não havendo indi-cador de localização por se tratar de um estudo deagregado espaço-populacional. Entretanto, a estrutu-ra social-demográfica da amostra manteve-se seme-lhante à do primeiro inquérito.

A soroprevalência média foi, respectivamente, de69% (variação de 16% a 98%) e 43% para uma e duasinfecções (DEN-1 e DEN-2). A distribuição dassoroprevalências nas áreas sentinelas pouco se alterouapós a padronização por idade. As Razões de Prevalência(RP) estimadas para a soroprevalência global indica-ram um risco de positividade que variou de 0,36 na áreasentinela 1011 a 2,20 na área 1054, ambas pertencen-tes ao estrato de condições de vida média (Tabela 1).

Observa-se, na Tabela 2, que as soroprevalênciasforam maiores (74,0%) no estrato de piores condi-ções de vida, mantendo-se essa distribuição após apadronização por idade. O teste de qui-quadrado detendência mostrou que a diferença era estatisticamentesignificante (χ2 = 8,386 ; p = 0,004).

Houve uma fraca correlação negativa entre asoroprevalência global (bruta r = -0,2598, p = 0,166;padronizada r = -0,2778 , p = 0,137) e a proporçãode indivíduos com idade igual ou superior a 15 anoscom menos de oito anos de escolaridade, mas semsignificância estatística. Também não se encontrouassociação estatisticamente significante entre a rendamédia e a soroprevalência global (bruta r = -0,0374,p = 0,845; padronizada r = 0,0571, p = 0,764) (Ta-bela 3). A densidade populacional máxima foi de49.980 e a mínima de 1.834 habitantes por km2, mos-trando grande variabilidade entre as áreas sentinelas

Circulação do vírus do dengue em área metropolitana

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 2 - abr/jun de 2003 ● 91

Tabela 1 - Soroprevalência e soroincidência (bruta e padronizada) para dengue, população do estudo,densidade populacional e índice de Infestação Predial (IP) segundo áreas sentinelas e estratos de condiçõesde vida em Salvador-BA, 1998 a 1999

Áreasentinela

Densidadepopulacional

hab/km 2

7444427

571575595

243309315

204263323

327322330

1.0541.0571.072

1.0261.0251.011

191961962

672677678

118205208

aaa

aaa

mmm

mmm

bbb

mmb

mmm

mmm

mmm

bmm

705027

2111

114

333164

635146

424440

426549

1176337

305355

565532

334477

* 1998; ** 1999a) Alta condição de vidam) Média condição de vidab) Baixa condição de vida

403512

99

85

301559

504733

322726

413942

4537

6

254139

285119

273557

13200,37597,3

27093,3

3074,149745,238879,4

21247,117638,425369,1

37591,148578,126206,6

36910,933375,949979,3

23770,214810,328459,3

16320,96526,1

11953,2

28733,917748,9

5698,3

7363,226419,4

1834,0

38062,726461,826558,5

57,170,044,4

42,981,874,6

90,948,492,2

79,492,271,7

76,261,465,0

97,660,085,7

38,558,716,2

83,377,470,9

50,092,759,4

81,879,674,0

54,466,642,2

42,380,973,9

90,549,288,9

80,292,172,8

77,161,364,3

99,058,886,4

38,161,216,4

84,275,969,4

53,091,862,8

87,378,877,7

221111

82

25

311

3

86

14

102113

313214

824229

232723

311110

131247

1389

3-

20

273

747

813

8

261811

543218

181914

2699

79

38

59,172,781,8

37,5-

80,0

66,063,6

100,0

87,566,750,0

80,061,961,5

83,956,378,6

65,976,262,1

78,370,460,9

83,981,890,0

53,875,080,9

57,573,080,4

38,2-

82,8

65,967,1

100,0

91,964,949,6

83,962,361,5

85,054,378,0

64,576,561,8

75,868,859,8

86,483,291,1

56,878,481,3

5,401,465,14

0,360,275,53

5,256,953,46

8,062,542,48

4,044,142,90

15,8312,9014,81

16,734,75

16,06

14,4025,63

5,57

4,224,72

10,02

4,4910,15

3,00

Estrato

Populaçãoamostral

N o

Positivo Bruta PadronizadaPopulaçãoamostral

N o

Positivo Bruta Padronizada

I P

Soroprevalência* (global) Soroincidência** (global)

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(Tabela 1). Este índice apresentou os mesmos valoresde correlação (r = 0,4914 e p = 0,006) com assoroprevalências brutas e padronizadas para um oudois sorotipos (Tabela 3).

A incidência para um e dois sorotipos foi de 71%(Tabela 1), com risco de infecção variando de 50%(área 323) a 90% (área 678), não se considerandotrês áreas onde o tamanho da amostra foi inferior aquatro. Naquelas onde as soroprevalências para um edois sorotipos foram mais baixas, a incidência de in-fecção mostrou-se elevada, à exceção da área 571.Em apenas uma área (575) não se encontraram indi-víduos infectados neste segundo inquérito; entretanto,o número de participantes deste espaço foi de apenasdois, e correspondeu ao mais baixo (0,27%) IP(Tabela 1). Entre os indivíduos que, no inquérito de

soroprevalência, haviam sidos negativos, 38% apresen-taram risco de se infectar pelos dois sorotipos em umperíodo de aproximadamente um ano; e entre os queforam positivos para um dos sorotipos no primeiroexame, 83% tiveram uma segunda infecção no perío-do (Tabela 4). Nesse segundo inquérito, o risco relati-vo variou de 0,64 a 1,52, excluindo-se a área 575 ondenão houve novos casos.

Verificou-se correlação negativa – estatisticamen-te significante – entre as incidências de infecções bru-ta e padronizada para a dengue e a proporção de indi-víduos com idade igual ou superior a 15 anos que nãohaviam completado o primeiro grau de escolaridade.Para a renda média e densidade populacional, tam-bém foram encontradas correlações negativas, massem significância estatística (Tabela 3).

Tabela 2 - Soroprevalência (%) e soroincidência (%) de dengue, Razão de Prevalência (RP), Risco Relativo (RR) eIntervalo de Confiança (IC) de 95% segundo estratos de condições de vida em 30 áreas sentinelas em Salvador-BA, 1998 a 1999

Estratos decondições devida

Bruta

Alta

Média

Baixa

68,8

69,2

78,4

1,0

1,06

1,19

64,8

68,7

74,0

-

0,96; 1,16

1,07; 1,33

75,0

70,6

66,2

76,6

70,3

66,7

1,0

0,94

0,88

-

0,81; 1,09

0,71; 1,09

Padronizada R P I CBruta

Soroprevalência (1998) Soroincidência (1999)

Padronizada R P I C

Tabela 3 - Coeficiente de correlação (r) para a associação entre as soroprevalências e soroincidências bruta epadronizada para o vírus do dengue e algumas variáveis selecionadas de residentes em 30 áreas sentinelasem Salvador-BA, 1998 a 1999

Variável Bruta

Escolaridade (proporção > 15 anos com 1º grauincompleto)

Renda média

Densidade populacional (hab/km2)

Índice de infestação predial (IP) ...

Padronizada

r p-valor

Soroprevalência (1998) Soroincidência (1999)

p-valorr

Bruta Padronizada

r p-valor p-valorr

-0,26

-0,04

-0,49

0,17

0,85

0,01

...

-0,28

-0,06

-0,49

...

0,14

0,76

0,01

...

-0,50

-0,09

-0,17

0,21

0,01

0,63

0,36

0,27

-0,50

-0,12

-0,15

0,17

0,01

0,52

0,43

0,36

Circulação do vírus do dengue em área metropolitana

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 2 - abr/jun de 2003 ● 93

Tabela 4 - Incidência de infecções pelo vírus do dengue em indivíduos residentes em 30 áreas sentinelas, de acordocom a situação imunológica anterior, em Salvador-BA, 1999

Situaçãoimunológicaanterior

Negativos

Positivos para um sorotipo

Total

77

219

2 9 6

23,3

83,0

49,8

124

-

1 2 4

37,5

-

20,8

N o 1 Sorotipo

Incidência de infecção

2 Sorotipos

N o % N o %

Maria da Gloria Teixeira e colaboradores

Figura 1 - Incidência de infecção pelos sorotipos 1 e 2 do vírus do dengue ajustada pela soroprevalência e idademédia de residentes em 30 áreas sentinelas, por faixas de índices de Infestação Predial (IP) pelo Aedes aegypti erespectivos intervalos de confiança. Salvador-BA, 1999

Incidência (%)100

0

20

40

60

80

< 3.0 3.1 - 5.0 5.1 - 10.0 > 10.0IP

Durante o levantamento de IP pelo Aedes aegypti,constatou-se que todas as 30 áreas sentinelas estavamsendo beneficiadas pelas ações de combate vetorialque vêm sendo desenvolvidas em Salvador pelo Cen-tro de Controle de Zoonoses. O IP, estimado a partirdos dados obtidos no levantamento deste estudo, va-riou de 0,27 a 26% entre as 30 áreas sentinelas, sendoa média de 7% e mediana de 5%. As fracas correla-ções positivas entre os valores de IP e a incidência deinfecções para dengue (bruta e padronizada) não semostraram estatisticamente significantes (Tabela 3).

Diferentemente do inquérito de soroprevalência,as maiores taxas de soroincidências brutas ou padro-nizadas estavam no estrato de elevada condições devida (Tabela 2), mas o qui-quadrado de tendêncianão mostrou significância estatística (χ2 = 1,332; ep-valor = 0,2484).

A comparação entre as incidências ajustadas poridade e soroprevalências médias das áreas sentinelas,quando agrupadas segundo os gradientes de IP consi-

derados (Figura 1), revelou que a menor incidência(55%) esteve no grupo de IP igual ou menor que 3%; ea maior (77%), no de 3 a 5%, só havendo diferençaestatisticamente significante em nível de 5% entre o pri-meiro e o segundo grupos de IP (p = 0,0067) e entre oprimeiro e o quarto (p = 0,0205).

Discussão

Foram surpreendentes os elevados valores encon-trados de soroprevalência (69%) e, particularmente,da incidência (71%) de infecções pelos vírus da den-gue, tendo em vista o curto período de tempo, cercade quatro anos, decorrido entre a introdução desseagente em Salvador e a realização deste estudo. Domesmo modo, quando se procedeu ao primeiro in-quérito (baseline), ainda não havia confirmação deque o sorotipo DEN-1 já estava circulando na cidade,pois ele só havia sido isolado em amostra de um únicoindivíduo, e a investigação do caso foi inconclusiva

331

264

5 3 5

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94 ● Volume 12 - Nº 2 - abr/jun de 2003 ● Epidemiologia e Serviços de Saúde

quanto a sua autoctonia.22 Entretanto, a elevadasoroprevalência encontrada (42,3%) para os doissorotipos, naquela ocasião, indicou que o DEN-1 jácirculava na cidade há algum tempo, intensa e simul-taneamente ao DEN-2.

A soroprevalência média observada neste estudofoi superior à de outros inquéritos realizados emdiferentes capitais brasileiras, a exemplo de Fortaleza(44%),7 Rio de Janeiro (44,5%)23 e São Luís(41,5%),11 e comparável apenas à encontrada porCunha10 em Niterói (66%), evidenciando a força detransmissão deste vírus, em curto período de tempodesde a sua introdução em Salvador. Uma explicaçãoplausível para essa elevada soroprevalência pode sera quase inexistência de ações de combate vetorial noinício da transmissão viral, em virtude dos recursospara estas atividades só terem sido liberados em 1997,após o declínio das duas alças epidêmicas (1995 e1996) registradas na cidade.22

As taxas de incidência de infecções, estimadas cer-ca de 12 meses depois do primeiro levantamento, reve-laram que tanto o DEN-1 como o DEN-2 permaneciamcirculando intensamente em todos os espaços da cida-de, ao contrário do que se poderia esperar, desde quandoo número (360) de casos notificados no período com-preendido entre os dois inquéritos foi bastante reduzi-do. As atividades de combate vetorial foram iniciadasem Salvador, em janeiro de 1997, e foi constatada umaparcial imunidade de grupo (42% para os dois sorotiposem 1998); entretanto, esses fatores parecem não ter re-duzido a transmissão do vírus da dengue. Fenômenosemelhante vinha ocorrendo em muitos outros grandescentros urbanos brasileiros que sofreram epidemiaspelos sorotipos DEN-1 e DEN-2 e que permaneceminfestados pelo mosquito transmissor, colocando gran-des contingentes populacionais expostos ao risco deacometimento de formas graves da doença,24 por serinexorável a introdução do DEN-3 e DEN-4.

Os resultados desta investigação também permiti-ram estimar que em Salvador, no período compreen-dido entre 1995 e primeiro semestre de 1998, cercade 1,5 milhão de indivíduos foram infectados por umou dois sorotipos do vírus do dengue; e que, nos 12meses seguintes, aproximadamente 560 mil novas in-fecções ocorreram.

As estimativas apresentadas evidenciam que a sub-notificação de casos de dengue é muito alta, mesmoque se considere que 50% das infecções sejam

inaparentes, pois o total acumulado de casos regis-trados pelo sistema de vigilância epidemiológica, des-de o início da epidemia até a realização do segundoinquérito, não ultrapassou 30 mil notificações.22 A não-especificidade do quadro clínico de dengue clássico,que freqüentemente é confundido com muitas outrasdoenças febris,25,26 a não ocorrência de casos graves,dando uma falsa aparência de benignidade da doen-ça, e as falhas do sistema passivo de vigilânciaepidemiológica são alguns dos fatores que podem es-tar contribuindo para este sub-registro.

A questão que se coloca com essas consideraçõesnão é a subnotificação em si, pois não é necessária no-tificação universal para se perceber a magnitude e gra-vidade de um problema de saúde, mas sim a reduçãode incidência de casos que se verifica após as explosi-vas epidemias, que pode ser indevidamente interpreta-da, particularmente pelas autoridades de saúde, comose a situação estivesse sob controle. Em geral, nessascircunstâncias, a vigilância e as medidas de prevençãosão mais negligenciadas, desconhecendo-se que, nosperíodos hiperendêmicos, o risco de ocorrência de for-mas graves da doença é elevado27 pela possibilidadeconcreta de introdução de um novo sorotipo.

As soroprevalências encontradas, embora tenhamvariado, foram bastante elevadas em quase todas as30 áreas sentinelas, inclusive naquelas situadas em es-paços com condições socioeconômicas favoráveis.

A evolução do risco de infecçãomostrou que as taxas de incidênciapraticamente se igualaram entreagrupamentos socioeconômicosdistintos, na medida em que atransmissão viralfoi se estabelecendo.

A análise da evolução do risco de infecção, de acor-do com os agrupamentos socioeconômicos, mostrouque as taxas de incidência praticamente se igualaramentre as categorias de diferentes condições de vida,na medida em que a transmissão viral foi se estabele-cendo, deixando de se observar a tendência inversaencontrada no inquérito de soroprevalência.

Esses achados diferenciam-se daqueles encontra-dos por Medronho6 no Rio de Janeiro, cidade onde a

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doença atingiu mais as populações residentes em áre-as de maior adensamento populacional e de baixa infra-estrutura urbana, o que, segundo o autor, corres-ponderia à populações com nível socioeconômico maisprecário. Fabbro28 e Costa e Natal29 observaram corre-lação entre renda e escolaridade e os coeficientes deincidência de dengue em Ribeirão Preto e São José doRio Preto, duas cidades de médio porte do interior doEstado de São Paulo; Pontes30 também registrou, naepidemia de 1990/1991 em Ribeirão Preto, uma gran-de concentração de bairros com alta incidência de den-gue, situados nas áreas com condições de vida maisdesfavoráveis. Distintamente, Vasconcelos e colabora-dores,7,11 em inquéritos sorológicos realizados em duascapitais do Nordeste, verificaram que as soropre-valências foram maiores nas áreas com melhores ín-dices socioeconômicos.

As discordâncias entre os resultados desses estu-dos podem ser explicadas pelo fato de as três primei-ras investigações terem utilizado dados dos sistemasde notificação oficiais. Estes, em geral, registram oscasos que buscam assistência médica nos serviçospúblicos, mais freqüentados pelas classes populares,não incluindo grande parte dos casos que ocorrem nosbairros da cidade com melhores condições de vida, oque pode levar a distorções no conhecimento da dis-tribuição da circulação do vírus da dengue. O nossoestudo, à semelhança do de Vasconcelos e colabora-dores (1998; 1999),7,11 refere-se a inquéritos soroló-gicos de amostra populacional aleatória, e, portanto,seus resultados devem se aproximar mais da real cir-culação espacial do vírus.

Apesar das associações estatisticamente signi-ficantes encontradas entre a soroprevalência e a den-sidade populacional e a incidência de infecção, e gra-dientes de IP e escolaridade, pode-se observar que osriscos de infecção nas diferentes áreas foram elevadosem sua grande maioria, inclusive nos espaços com boascondições de vida. É provável que essa dinâmica, pelomenos em parte, deva-se ao fato de que em Salvadorsejam encontrados densidade populacional e IP altos,tanto em áreas precárias como naquelas com melho-res condições de vida.

Quanto à escolaridade, apesar da relação inversaverificada no inquérito de incidência, significando quepara os maiores índices de escolaridade correspon-deram valores mais baixos de incidência de infecção,estes não foram tão reduzidos; além disso, não se ob-

servou qualquer tendência entre as três categoriassocioeconômicas estudadas e a taxa de soroincidência.

Acontece que, do ponto de vista formal, nas áreasmais privilegiadas, os índices de escolaridade são maiselevados, mas nem sempre correspondem a uma edu-cação também direcionada para a conservação do meioambiente. Se áreas subnormais (favelas e cortiços) es-tão espacialmente próximas de áreas mais ricas, na pers-pectiva da classe privilegiada, o principal problema aser enfrentado é a segurança para a qual os investimen-tos privados são aplicados . Não há uma preocupaçãoem se mobilizar a sociedade e os poderes públicos paradiscutir e oferecer melhores condições de vida e deinfraestrutura urbana àquelas populações, porque es-sas classes não se sentem ameaçadas por este tipo desituação. Por outro lado, embora disponham de coletade lixo mais adequada, deixam dispostos nas suas re-sidências inúmeros tipos de criadouros potenciais domosquito.24

Entende-se que, se a educação formal das popula-ções fosse aliada a um maior conhecimento sobre aimportância da higiene ambiental de toda a cidade,possivelmente ampliar-se-ia o potencial de redução dosriscos de transmissão, tanto para a dengue quanto paratodas as outras doenças relacionadas às condiçõessanitárias. Evidencia-se, assim, a importância da for-ma de organização social das grandes metrópolesmodernas dos países do terceiro mundo na determi-nação da transmissão dos vírus da dengue, como su-gerido no modelo explicativo apresentado por Teixeirae colaboradores (1999).24

A constatação desta possível semelhança de expo-sição ao risco de se infectar pelos vírus do dengue nosdiferentes espaços intra-urbanos diferencia esse agentedaqueles da grande maioria das doenças infecciosas eparasitárias, particularmente dos microorganismoscujos ciclos epidemiológicos estão ligados ao meioambiente.

Entretanto, observou-se que o grupo de indivídu-os com maior incidência foi aquele que já havia apre-sentado sorologia positiva para uma infecção no pri-meiro inquérito, sugerindo a necessidade de se inves-tigar em outras variáveis ambientais, sociais eeconômicas, além das que foram aqui consideradas.A continuidade desta linha de pesquisa poderá discri-minar melhor os estilos de vida que propiciam umamaior exposição ao risco de se infectar pelo vírus dodengue. Eles podem estar relacionados tanto ao do-

Maria da Gloria Teixeira e colaboradores

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mínio público quanto ao privado, desde quando oambiente domiciliar e peridomiciliar influenciam de-cisivamente na ocorrência da transmissão.

Outro achado bastante relevante deste estudo re-fere-se às elevadas incidências de infecção pelo vírusdo dengue, mesmo quando os índices de infestaçãoencontravam-se relativamente baixos e a imunidadede grupo já havia se estabelecido parcialmente (42%)para os dois sorotipos de vírus circulantes, expres-sando a força de transmissão desse agente.

Vale ressaltar que o Programa de Erradicação doAedes aegypti estava desenvolvendo ações em todas asáreas deste estudo há cerca de 30 meses. Esses fatosindicam que um controle da circulação viral só é obti-do quando se alcança nível de infestação muito próxi-mo de zero. Assim, as ações de combate ao vetor pare-cem só obter um impacto mais expressivo se forem exe-cutadas de modo muito eficiente e com abrangênciauniversal em cada território. As tecnologias disponíveispara essas ações não se têm revelado efetivas em váriaspartes do mundo,31,32 o que impõe o debate sobre apertinência de manter programas de combate ao Aedesaegypti, que são bastante onerosos, particularmente so-

bre os limites de recursos disponíveis para a Saúde Pú-blica nos países em vias de desenvolvimento.

A intensidade de transmissão de dengue encon-trada nas condições ambientais e imunológicas dapopulação de Salvador está em consonância com omodelo teórico desenvolvido por Newton e Reiter,33

segundo o qual o número de casos desta doença é,em grande parte, controlado pelo quantitativo de sus-ceptíveis aos sorotipos circulantes em uma dada po-pulação, o que, muitas vezes, é interpretado comoresultado direto do combate vetorial.

Entende-se que os resultados desta investigação de-vam ser considerados na definição da política de con-trole do dengue do Brasil e no aprimoramento dasações de combate vetorial. Se, por um lado, a cons-tatação de que o vírus do dengue em nosso meio nãorespeita espaços sociais fortalece o princípio de que asações de combate vetorial devem sempre ter caráteruniversal em cada território, por outro, a discrimina-ção de fatores de risco localizados em microambientesespecíficos do domínio da vida privada poderá indi-car formas direcionadas de ação com vistas à suaeliminação.

Circulação do vírus do dengue em área metropolitana

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Maria da Gloria Teixeira e colaboradores

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Anos potenciais de vida perdidos por causas evitáveis,segundo sexo, em Fortaleza, em 1996-1998

Resumo

O objetivo do presente trabalho foi determinar e analisar a mortalidade por causas evitáveis em Fortaleza noperíodo de 1996 a 1998, identificando o seu impacto em vida útil, medido em Anos Potenciais de Vida Perdidos(APVP). Foi realizado um estudo descritivo a partir do banco de dados da Secretaria de Estado de Saúde doCeará, remetido para inclusão em CD-rom do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde,baseado nas declarações de óbitos dos residentes em Fortaleza, referentes ao período de 1996 a 1998 e processa-das pela Secretaria. As declarações de óbito, após a seleção da causa básica de morte, foram codificadas e apuradaspor causas, em nível de categorias, segundo sexo e grupo etário; em seguida, foram distribuídas em grupos decausas, segundo critérios de evitabilidade propostos por Taucher. As mortes por causas mal definidas foramredistribuídas nos grupos de causas, proporcionalmente à participação por sexo e faixa etária. Os dados populacionaisforam baseados no Censo Demográfico de 1991 e na Contagem Populacional de 1996, mediante projeção geométri-ca da população de Fortaleza em 1º de julho de 1997. Para analisar o impacto da mortalidade dos grupos de causasevitáveis em APVP, foi utilizada a técnica de Romeder e McWhinnie. Os principais resultados apontaram para o limitede esperança de vida em 65 anos, 236.660,5 e 113.956 APVP, em homens e mulheres, no triênio analisado. Entreeles, a mortalidade por causas evitáveis participou com 58 e 41% para cada sexo, respectivamente, tendo sidoregistrada a proeminente colaboração do Grupo F (causas externas).

Palavras-chave: mortalidade evitável; vida potencial perdida; anos potenciais de vida perdidos.

Summary

The objective of the present study was to determine and analyze mortality from avoidable causes in thecity of Fortaleza, Ceara State, Brazil for the period 1996-98, identifying its impact upon active life, measuredin potential years of lost life (PYLL). A descriptive study was performed using the mortality database of Ceara’sState Health Department obtained from processed death certificates issued for the residents of Fortaleza in theperiod 1996-98, and ready-to-send to the Ministry of Health for inclusion in the Mortality Information System(SIM) in CD-rom format. Death certificates were selected by the underlying cause of death, separated by causeaccording to sex and age, and finally classified according to criteria of avoidability as proposed by Taucher.Undefined causes of death were distributed among the diverse groups of avoidable deaths, proportionately tosex and age participation. Populational projection was estimated using the geometric method, determiningthe number of inhabitants of Fortaleza for July 1st, 1997, based on the demographic census of 1991 and thepopulation count of 1996. The Romeder and McWhinnie technique was used to analyze the impact of thegroups of avoidable mortality on PYLL. The main results indicated an upper limit of life expectancy at 65years, and 236,660.5 PYLL for men and 113,956 PYLL for women, with avoidable causes contributing to 58%and 41%, respectively. Violent causes of death (Group F) contributed substantially to these figures

Key words: avoidable mortality; potential life lost; potential years of lost life.

Potential years of lost life from avoidable causesby gender - Fortaleza (Brazil), 1996-1998

Marcelo Gurgel Carlos da SilvaUniversidade Estadual do Ceará (UECE) - Hospital do Câncer/Instituto do Câncer do Ceará (ICC)

Endereço para correspondência:Hospital do Câncer-Instituto do Câncer do Ceará; Rua Papi Júnior, 1222, Rodolfo Teófilo, Fortaleza-CE. CEP: 60430-230;E-mail: [email protected]

ARTIGO

ORIGINAL

[Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003; 12(2) : 99 - 110] 99

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Introdução

A morte em si mesma não pode ser prevenida;porém, pode ser postergada. A importância desse fatoestá, há muito tempo, respaldada na análise da esta-tística de mortalidade, tradicionalmente um dos prin-cipais instrumentos usados no planejamento e na ad-ministração de saúde para avaliação do nível de saú-de, na definição de prioridades e alocação de recur-sos, e na vigilância de problemas específicos desaúde.1

A análise da mortalidade é de grande relevânciaem demografia e no campo de saúde. As estatísticasde óbitos representam, muitas vezes, praticamente oúnico instrumento para medir o nível de saúde da co-munidade e avaliar programas de saúde.

Técnicos envolvidos com a política da saúde depaíses em desenvolvimento sentem uma crescente ne-cessidade de indicadores que possam avaliar a freqüên-cia das mortes preveníveis e prover simples medidasde eficiência dos programas de saúde que objetivamreduzir tais mortes. Todavia, deve-se salientar que asmortes preveníveis ou evitáveis dependem do estadoda arte médica, da disponibilidade dos recursos e daoportunidade de execução das medidas terapêuticasou preventivas.

de Gales) e as taxas de mortalidade por causas suscetí-veis de tratamento médico, que podem ser considera-das desnecessariamente prematuras, a exemplo domodelo de Rutstein e colaboradores7 e da adaptação deOrtún e Gispert.8

Esses indicadores têm suscitado a feitura de “Atlasda Mortalidade Evitável”, a exemplo dos de Holland ecolaboradores,9-11 cobrindo vários países europeus; dode González e colaboradores,12 referente à Espanha eque aponta o declínio da taxa de mortalidade evitávelde 271,78 por cem mil habitantes em 1975, para232,05 em 1983; e do de Lopez-Abente e colaborado-res,13 que fizeram um mapa da ocorrência do câncerna Espanha.

Desde 1980, o Institut Municipal de Salut Publi-ca del Ajuntament de Barcelona14 realiza e publica,anualmente, estudo descritivo da mortalidade em Bar-celona e seus distritos. São fornecidas taxas de morta-lidade por idade, sexo e causa de morte, além de ou-tros indicadores complementares, como esperançade vida e mortalidade prematura expressa em APVPde 1 a 74 anos, por meio da técnica de Romeder eMcWhinnie;15 nos últimos anos, passou a incluir tam-bém a mortalidade evitável baseada em 17 causas daclassificação de Rutstein e colaboradores,7 das quais14 são sanitariamente evitáveis por prevenção secun-dária e/ou tratamento médico e três são fundamental-mente evitáveis por prevenção primária.

Em publicação que tratava da mortalidade chilenade 1955 a 1975, Taucher,16 baseada nos resultados ob-tidos, julgou conveniente elaborar uma classificaçãodas causas de morte com a finalidade de explicar asalterações dos níveis de mortalidade por meio de al-guns fatores contribuintes; no seu entender, isso per-mitiria, ao mesmo tempo, descrever a situação atual epossíveis ações corretivas no futuro.

Para a autora,16 como primeira aproximação, pa-receu útil dividir as causas de morte em evitáveis enão evitáveis. As causas evitáveis foram agrupadas emquatro categorias de ações que poderiam ter maiorinfluência em sua redução ou supressão.

A classificação de Taucher das causas evitáveis foiintroduzida no Brasil em 1981, já contemplando setegrupos, e sob essa nova forma tem sido operaciona-lizada por vários autores, segundo Silva.1 A indicaçãode agrupar as causas evitáveis segundo eixo de medi-das de controle tem tido boa receptividade no Brasil,tanto que a Fundação Sistema Estadual de Análise de

As estatísticas de óbitosrepresentam, muitas vezes,praticamente o únicoinstrumento para medir o nívelde saúde da comunidadee avaliar programas de saúde.

Diversos estudos têm enfocado a mortalidade porcausas tratáveis com nítido interesse na tendência his-tórica dessas causas ou na comparação entre países,2,3

e também como proposta de um indicador da quali-dade dos serviços de saúde.1 Trabalhos outrosenfocaram causas redutíveis em determinados segmen-tos etários, a exemplo do neonatal.4,5

Com relação à efetividade dos serviços sanitários,Alonso6 destaca dois indicadores: as taxas ajustadas demortalidade por todas as causas (que são usadas naelaboração de uma fórmula de necessidade de atenção,para alocação de recursos sanitários na Inglaterra e País

Circulação do vírus do dengue em área metropolitana

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Dados (Fundação SEADE) de São Paulo emprega-a emsuas publicações.

Recentemente, a mortalidade por causas evitáveis foiassunto enfocado por Silva,1 que destacou a elevada par-ticipação das mortes passíveis de redução na capitalcearense; e que a série histórica de 1978 a 1995, an-teriormente reportada, refletiu a tendência de quedapara a mortalidade evitável e certa estabilização para asinevitáveis.

Continuando o trabalho anterior, o objetivo desteestudo foi determinar e analisar a mortalidade por cri-térios de evitabilidade, segundo sexo, em Fortaleza,no período de 1996 a 1998, identificando o seu im-pacto em vida útil sacrificada, medido em Anos Poten-ciais de Vida Perdidos (APVP).

Metodologia

População

Os dados populacionais foram gerados a partir deresultados do Censo Demográfico de 199117 e da Con-tagem Populacional de 1996,18 mediante projeção pelométodo geométrico para a obtenção da população deFortaleza em 1º de julho de 1997, que correspondia àpopulação central do período de 1996 a 1998. A com-posição da população projetada, segundo sexo e grupoetário, seguiu as mesmas percentagens do último censo.

A Tabela 1 relaciona a população projetada de For-taleza, segundo sexo e grupo etário, adotada nesteestudo.

Mortalidade

O material básico foi extraído do banco de dadosda Secretaria de Estado de Saúde do Ceará (SESA),remetido para a inclusão em CD-rom do Sistema deInformação de Mortalidade do Ministério da Saúde,baseado nas declarações de óbitos dos residentes emFortaleza referentes ao período de 1996 a 1998 e pro-cessadas pela SESA.

Para todos os óbitos objeto do estudo, houve o idên-tico cuidado de selecionar e codificar a causa básicade morte, observando-se as disposições e as regras deseleção de causa da morte da Classificação Internaci-onal de Doença-Revisão 1995 (CID-10),19 sendo acodificação efetuada no nível de subcategorias.

A apuração dos dados foi computadorizada. Paracada ano, as declarações de óbito foram contabilizadassegundo causa de morte, sexo e grupo etário. Para ocálculo dos APVP, foram descartadas as mortes demenores de um ano, as de 65 anos e mais, assim comoos casos de idade ignorada.

Depois dessa apuração no nível de categorias, osresultados foram consolidados para apresentação porgrupos de causas evitáveis em acordo com a classifi-

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Tabela 1 - População de Fortaleza projetada*, por sexo e idade, para 01/07/97

Faixa etária Total

12345-910-1415-1920-2425-2930-3435-3940-4445-4950-5455-5960-64

Total

Masculino Feminino

19.94322.57722.20121.824

104.889108.652101.785

90.87385.04079.67862.27550.79841.57930.76124.17618.062

885.113

19.20221.76221.86821.228

101.768111.582116.703107.635

99.10192.91474.24661.23250.24437.44331.36224.429

992.719

39.14644.34144.07243.056

206.657220.235218.487198.508184.141172.592136.521112.030

91.82368.20455.53842.491

1.877.832

* Projeção pelo método geométrico

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cação Taucher,16 que foi adaptada aos códigos da CID-1019 (Figura 1). Considerando a elevada contribuiçãodas mortes por causas mal definidas, estas foramredistribuídas nos demais grupos de causas com basena participação relativa desses grupos segundo sexo efaixa etária.

A consolidação dos dados dos três anos para a com-posição do triênio 1996-98 também foi feita por com-putação eletrônica, tendo sido utilizado o Centro deProcessamento de Dados do Instituto do Câncer doCeará.

Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP)

A técnica aplicada foi a de Romeder e Whinnie,15

que estabelece uma idade limite para o cálculo dosAPVP com base na vida média da população. A obten-ção dos APVP por uma causa específica ou um grupode causas consiste em somar os produtos do númerode mortes em cada idade – entre 1 e 64 anos; ou 1 e69 anos – pelos anos de vida restantes até a idade de65 ou 70 anos, respectivamente.

A fórmula geral é expressa por:

Os valores dos anos de vida restantes (ai), consi-derando o limite de 65 anos, são retratados na Tabela2. Note-se que cada morte ocorrida entre 1 e 4 anoscorresponde a 62 APVP, ao passo que para a incidentena faixa de 60 a 64 anos debita-se 2,5 APVP à soci-edade.

Onde:ai = anos de vida restantes até a idade m, quando as

mortes ocorrem entre i e i+1 = m - (i + 0,5) =m - i - 0,5

di =número de mortes entre as idades i e i + 1

No caso de Fortaleza, a fórmula ficou assim:

As Taxas de Anos Potenciais de Vida Perdidos(TAPVP) recebem a seguinte expressão:

Resultados

Mortalidade por Causas Evitáveis

Foram registrados 33.326 óbitos de residentes emFortaleza, no período 1996-98, dos quais 18.756 dosexo masculino e 14.570 do feminino, que retrataramum risco específico de 6,65 por mil homens e 4,55por mil mulheres. Como a análise empreendida neste

n = número de homens ou mulheres de 1 a 64

Outra medida obtida foi a de APVP proporcio-nal, segundo a causa ou grupo de causas e sexo, me-diante a relação:

APVP = ����� ai d

i = ����� (m - i - 0,5) d

i

m m

i=1 i=1

APVP = ����� ai d

i = ����� (65 - i - 0,5) d

i

65 65

i=i i=i

n

65

i=1TAPVP = ����� a

i d

i x 1000

Tabela 2 - Valores de anos de vida restantes (ai),

considerando Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP)limitados em 65 anos (APVP

65), segundo faixas etárias*

Faixa etária (em anos)

1- 4 5- 910-1415-1920-2425-2930-3435-3940-4445-4950-5455-5960-6465-69

APVP65

62,057,552,547,542,537,532,527,522,517,512,5 7,5 2,5

-

* Técnica de Romeder e McWhinnie15

APVP por causa específica evitável ougrupos de causas evitáveis

APVP% =Total de APVP

x 100

APVP por causas evitáveis em Fortaleza

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 2 - abr/jun de 2003 ● 103

GRUPO A: Óbitos Evitáveis por “Vacina ou Tratamento Preventivo”

- difteria (A36); coqueluche (A37); sarampo (B05)

- febre reumática (I00-I02) e doenças reumáticas crônicas do coração (I05-I09)

- sífilis e outras doenças venéreas (A50-A64)

- tétano (A35), carbúnculo (A22), poliomielite aguda (A80) e seus efeitos tardios, raiva (A82)

GRUPO B: Óbitos Evitáveis por “Diagnóstico e Tratamento Médico Precoces”

- úlcera de estômago ou duodeno (K25-K28), gastrite e duodenite (535) (K29), apendicite (K35-K37), obstrução

intestinal (K56) e hérnia (K40-K46)

- colelitíase (K80) e colecistite (K81)

- neoplasmas malignos da mama (C50), do útero (C53-C55), da próstata (C61) e da pele (C43-C44)

GRUPO C: Óbitos Evitáveis por “Medidas de Saneamento Ambiental”

- cólera (A00), febre tifóide e paratifóide (A01) e outras infecções por salmonela (A02), e disenteria bacilar (A03)

- hepatite infecciosa (B15-B19), hidatidose (B67), outras infecções por cestóides (B71), triquinose (B75), e outras

helmintíases intestinais (B65-B66) (B76-B85)

- gastroenterite (A09) e colite (555, 562)

GRUPO D: Óbitos Evitáveis devido a “Infecções das Vias Respiratórias”

- infecções respiratórias agudas (J00-J06) (J20-J22), exceto gripe ou influenza, pneumonia (J12-J18)

GRUPO E: Óbitos Evitáveis devido a “Doenças Próprias da Primeira Infância”

- certas causas de morbidade e mortalidade perinatais (P00-P96): crescimento fetal retardado, má nutrição fetal e

prematuridade (P05-P07); trauma de parto (P10-P15); hipóxia, asfixia ao nascer e outras afecções respiratórias

(P20-P24); doenças hemolíticas do feto ou do recém-nascido (P50-P61); tétano neonatal (A33)

GRUPO F: Óbitos Evitáveis Produzidos por “Mortes Violentas”

- acidentes, envenenamento, violência (V, W, X, Y): acidente de transporte (V01-V99); envenenamento acidental e

acidentes provocados em pacientes durante procedimento médico, reações anormais e complicações tardias (X40-

X49); quedas acidentais (W00-W19); acidentes causados por fogo e chama (X00-X09); outros acidentes, incluindo

efeitos tardios, e efeitos adversos de drogas, medicamentos e substâncias biológicas usadas com finalidade

terapêutica ( W20-W49) (X10-X39) (X50-X59); suicídios e lesões auto-infligidas (X60-X84); homicídios e lesões

provocadas intencionalmente por outras pessoas (X85-Y09); outras violências (Y10-Y98)

GRUPO G: Restantes dos Óbitos Evitáveis pela Ação de um Conjunto de Medidas (“Restantes das Doenças Evitáveis”) (O00-O99)

- complicação da gravidez: aborto, causas obstétricas diretas e causas obstétricas indiretas (O00-O08); (O85-O92)

- cirrose hepática (K74)

- tuberculose (A15-A19): tuberculose pulmonar (A15-A16) e tuberculose de meninges e do sistema nervoso central

(A17)

Figura 1 - Óbitos evitáveis segundo grupos de causas

Modificado de E. TaucherObs.: Códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID-10)

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

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104 ● Volume 12 - Nº 2 - abr/jun de 2003 ● Epidemiologia e Serviços de Saúde

trabalho foi efetuada segundo sexo, as 80 perdas emque não foi possível especificar a que sexo pertenci-am foram excluídas do estudo; elas representarammenos de 0,25% do montante dos óbitos. As tabulaçõesespecíficas por idade não tomaram em consideraçãoas mortes cujas idades eram ignoradas.

Depois da apuração segundo causa básica, sexo eidade, as declarações de óbitos foram classificadas porgrupos de causas evitáveis, da classificação de Taucher,16

resultando em distribuição preliminar que identificou asubstancial participação das afecções mal definidas edas causas não evitáveis. Os valores definitivos para osgrupos de causas evitáveis e não evitáveis, após redis-tribuição das causas mal definidas, foram os figuradosnas Tabelas 3 e 4.

Nessas tabelas, verifica-se que, na faixa etária de1 a 64 anos, seriam mortes evitáveis, aproximada-mente, 47 e 31% – contra 53 e 69% de inevitáveis,em homens e mulheres, correspondentemente; ascausas violentas, com 38 e 11%, assumem a primei-ra posição na responsabilidade pela ocorrência dosóbitos.

Anos Potenciais deVida Perdidos em Fortaleza

Estipulando o limite de vida útil em 65 anos, hou-ve, em Fortaleza, de 1996 a 1998, um total de350.616,5 Anos Potenciais de Vida Perdidos, dos quais236.660,5 nos homens e 113.956 nas mulheres, o queoferece uma taxa de APVP de 89,13 por mil homens ede 38,26 por mil mulheres, na faixa etária de 1 a 64anos.

Considerando esses valores, as causas evitáveis con-tribuíram com 136.788,5 (57,80%) e 46.228(40,57%) APVP, correspondendo às taxas de APVP de51,51 por mil homens e de 15,69 por mil mulheresentre 1 e 64 anos; enquanto isso, as não evitáveis par-ticiparam com 99.872 (42,20%) e 67.728 (59,43%)APVP, correspondendo às taxas de APVP de 37,61 pormil homens e de 22,74 por mil mulheres entre 1 e 64anos (Tabelas 5 a 7).

Nos homens, o maior número de APVP foi nas fai-xas etárias de 15 a 39 anos entre as causas evitáveis, ede 40 a 49 anos nas não evitáveis; nas mulheres, omaior número limitou-se às idades compreendidas

Tabela 3 - Óbitos por grupos de causas* segundo idade, em homens residentes em Fortaleza, no período de 1996 a1998

Faixa etária

12345-910-1415-1920-2425-2930-3435-3940-4445-4950-5455-5960-64Total

A

-1-

12212342--

211

2 2

* Com redistribuição das causas mal definidas

B C D E F G N E A-G

Grupos de causas evitáveis

-1----

166457

11202449

1 3 4

1521212---

1221743

4 3

4917

48

1012

3898

101012131814

2 0 5

----------------

-

2013

51486

107447584589469363290216182122

97

3.604

22-

15-

58

2035497075

1016939

4 8 1

101453624

10277

119140194302342497617673825

1.0065.100

86361026

104123457608627521431379315325238203

4.489

187814650

206200576748821823773876932998

1.0631.2099.589

A. Por “Vacina ou Tratamento Preventivo”

B. Por “Diagnóstico e Tratamento Médico Precoces”

C. Por “Medidas de Saneamento Ambiental”

D. Devido a “Infecções das Vias Respiratórias”

E. Devido a “Doenças Próprias da Primeira Infância”

F. Produzidas por “Mortes Violentas”

G. Restantes dos “Óbitos Evitáveis”

NE. Não Evitáveis

Total

APVP por causas evitáveis em Fortaleza

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 2 - abr/jun de 2003 ● 105

entre 1 a 4 anos, em ambos grupos de causas, de-monstrando a mais expressiva contribuição das inevi-táveis nas demais faixas etárias, excetuando a de 15 a29 anos (Tabelas 5 e 6).

Quanto à participação dos APVP proporcional poridade, as causas evitáveis assumiram mais da metadedas perdas compreendidas de 5 a 39 anos nos ho-mens, ao passo que as não evitáveis tiveram a proemi-nência de 1 a 4 anos e acima dos 40 anos; nas mulhe-res, as causas evitáveis predominaram apenas na fai-xa etária de 15 a 29 anos. Notou-se, também, umaclara tendência de aumento da participação das cau-sas inevitáveis a partir dos 45 anos em ambos os sexos(Tabelas 5 e 6).

No que concerne às taxas de APVP, em geral, osvalores masculinos superam os femininos para as cau-sas evitáveis e não evitáveis em todas as faixas etárias.Taxas igualmente altas são vistas para ambos os sexosde 1 a 4 anos, sendo as das não evitáveis um poucosuperiores às das evitáveis (Tabelas 5 e 6).

No sexo masculino, taxas mais elevadas são vistasentre 15 e 39 anos para as causas evitáveis enquanto

para as não evitáveis há uma tendência de crescimentode risco com avanço etário dos 5 aos 59 anos. Nas mu-lheres, além de taxas mais baixas, existe uma tendênciade incremento do risco em causas evitáveis dos 5 aos54 anos; tal comportamento também é observado paraas causas não evitáveis, cujo pico é alcançado na faixa de55 a 59 anos (Tabelas 5 e 6).

Coube às causas externas – Grupo F – a maior res-ponsabilidade nas perdas proporcionais em ambos ossexos – sobretudo no sexo masculino, onde arcou com49,24 contra 18,06% no feminino, compondo taxasde APVP de 43,89 e 6,91 por mil (Tabela 7).

Já as segundas colocações ficaram com os Gru-pos B (por “diagnóstico e tratamento médico pre-coces”) nas mulheres e G (restantes dos óbitos evi-táveis) nos homens; o Grupo D (devido a “infecçõesdas vias respiratórias”) foi o 3º maior responsávelpela perda em vida útil em ambos os sexos. As duasúltimas posições foram ocupadas pelos Grupos A(por “vacina ou tratamento preventivo”) e E (devi-do a “doenças próprias da primeira infância”)(Tabela 7).

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Tabela 4 - Óbitos por grupos de causas* segundo idade, em mulheres residentes em Fortaleza, no período de 1996 a1998

Faixa etária

12345-910-1415-1920-2425-2930-3435-3940-4445-4950-5455-5960-64Total

A

---

111452153

10253

4 3

* Com redistribuição das causas mal definidas

B C D E F G N E A-G Total

Grupos de causas evitáveis

-1-

1-

124

12234667

10389

10892

5 4 9

20413--

12--

462471

5 5

4819

82

11573573

1213

81111

1 7 3

1---------------

1

1710

213253568707268463252333023

5 9 6

2--

1-

221283327252126131020

2 2 9

80402519676881

100110170212288418460681763

3.582

883411213744

103112124126129141206149171150

1.646

1.168743640

104112184212234296341429624609852913

5.228

A. Por “Vacina ou Tratamento Preventivo”

B. Por “Diagnóstico e Tratamento Médico Precoces”

C. Por “Medidas de Saneamento Ambiental”

D. Devido a “Infecções das Vias Respiratórias”

E. Devido a “Doenças Próprias da Primeira Infância”

F. Produzidas por “Mortes Violentas”

G. Restantes dos “Óbitos Evitáveis”

NE. Não Evitáveis

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106 ● Volume 12 - Nº 2 - abr/jun de 2003 ● Epidemiologia e Serviços de Saúde

Tabela 6 - Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP) por causas não evitáveis, segundo idade e sexo, em Fortaleza,no período de 1996 a 1998

Faixa etária

1-4

5-9

10-14

15-19

20-24

25-29

30-34

35-39

40-44

45-49

50-54

55-59

60-64

Total

Masculino

12.772,0

5.865,0

4.042,5

5.652,5

5.950,0

7.275,0

9.815,0

9.405,0

11.182,5

10.797,5

8.412,5

6.187,5

2.515,0

99.872,0

* Por 1.000 habitantes

Feminino Masculino Feminino Masculino Feminino

Anos Potenciais de Vida Perdidos

10.160,0

3.852,5

3.570,0

3.847,5

4.250,0

4.125,0

5.525,0

5.830,0

6.480,0

7.315,0

5.750,0

5.107,5

1.907,5

67.728,0

56,59

49,51

38,50

20,66

18,72

23,63

36,70

44,24

79,73

66,20

67,43

77,61

83,21

42,20

51,55

64,42

60,71

44,02

47,17

47,01

57,43

62,17

67,13

66,99

75,53

79,93

83,57

59,43

49,19

18,64

12,40

18,51

21,83

28,52

41,06

50,34

73,38

86,56

91,16

85,31

46,41

37,61

40,29

12,62

10,66

10,99

13,16

13,87

19,82

26,17

35,28

48,53

51,19

54,29

26,03

22,74

Número Proporção (%) Taxa*

Tabela 5 - Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP) por causas evitáveis, segundo idade e sexo, em Fortaleza,no período de 1996 a 1998

Faixa etária

1-4

5-9

10-14

15-19

20-24

25-29

30-34

35-39

40-44

45-49

50-54

55-59

60-64

Total

Masculino

9.796,0

5.980,0

6.457,5

21.707,5

25.840,0

23.512,5

16.932,5

11.852,5

2.842,5

5.512,5

4.062,5

1.785,0

507,5

136.788,5

* Por 1.000 habitantes

Feminino Masculino Feminino Masculino Feminino

Anos Potenciais de Vida Perdidos

9.548,0

2.127,5

2.310,0

4.892,5

4.760,0

4.650,0

4.095,0

3.547,5

3.172,5

3.605,0

1.862,5

1.282,5

375,00

46.228,0

43,41

50,49

61,50

79,34

81,28

76,37

63,30

55,76

20,27

33,80

32,57

22,39

16,79

57,80

48,45

35,58

39,29

55,98

52,83

52,99

42,57

37,83

32,87

33,01

24,47

20,07

16,43

40,57

37,73

19,00

19,81

71,09

94,78

92,16

70,84

63,44

18,65

44,19

44,02

24,61

9,37

51,51

37,86

6,97

6,90

13,97

14,74

15,64

14,69

15,93

17,27

23,92

16,58

13,63

5,12

15,69

Número Proporção (%) Taxa*

APVP por causas evitáveis em Fortaleza

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 2 - abr/jun de 2003 ● 107

Os maiores responsáveis por APVP foram aciden-tes de trânsito, homicídios, pneumonias, câncer demama e câncer cervical.

A relação APVP por óbito foi de 24,68 e 21,80, dasquais 30,47 e 28,09 para as causas evitáveis e 19,58 e18,90 para as não evitáveis, respectivamente para ho-mens e mulheres. Merece ser assinalado que as maio-res perdas por cada morte ocorreram nos Grupos D(devido a “infecções das vias respiratórias”) e C (por“medidas de saneamento ambiental”) (Tabela 7).

A razão das taxas de APVP por sexo foi de 2,33; foiigual a 3,28 para as causas evitáveis, e de 1,65 para asnão evitáveis. Observou-se a sobremortalidade mas-culina, principalmente nas causas externas – Grupo F– com 6,35. Em mulheres, houve um excedente de

risco nos Grupos A (por “vacina ou tratamento pre-ventivo”), B (por “diagnóstico e tratamento médicoprecoces”) e C (por “medidas de saneamentoambiental”) (Tabela 7).

Discussão

A distribuição da mortalidade por causas em For-taleza, no período de 1996 a 1998, manteve o padrãoobservado no triênio anterior.1 Esse resultado apon-tou o rompimento da coexistência, entre as primeirascausas responsáveis por óbitos, das doenças infeccio-sas (destacadamente representadas pelas gastro-enterites e pneumonias), das crônico-degenerativas,(e.g. câncer e doenças cardiovasculares), e daquelas

Tabela 7 - Números, proporções e taxas* de Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP) por grupos de causasevitáveis**, segundo sexo, entre 1 e 64 anos, em Fortaleza, no período de 1996 a 1998***

Grupos de causasevitáveis

A. Por “vacina ou tratamentopreventivo”

B. Por “diagnóstico e tratamentomédico precoces”

C. Por “medidas de saneamentoambiental”

D. Devido a “infecções das viasrespiratórias”

E. Devido a “doenças próprias daprimeira infância”

F. Produzidas por “mortesviolentas”

G. Restantes dos óbitos evitáveis

Todas as evitáveis (A-G)

Não evitáveis

Todas as causas

S e x o

MF

MF

MF

MF

MF

MF

MF

MF

MF

MF

* Por 1.000 habitantes, na faixa etária de 1 a 64 anos** Com redistribuição das causas mal definidas*** Técnica de Romeder e McWhinnie,15 com limite etário superior fixado em 65 anos

N o Taxas* APVP/ó b i t o

Razão detaxas (M/F)

809,01.132,0

1.654,58.366,5

1.647,52.253,5

8.013,57.334,0

-62,0

116.539,020.584,0

8.125,06.496,0

136.788,546.228,0

99.872,067.728,0

236.660,5113.956,0

0,340,99

0,707,34

0,701,98

3,396,44

-0,05

49,2418,06

3,435,70

57,8040,57

42,2059,43

100,00100,00

0,300,38

0,622,81

0,620,76

3,022,46

-0,02

43,896,91

3,062,18

51,5115,69

37,6122,74

89,1338,26

36,7726,33

12,3515,24

38,3140,98

39,0242,39

-62,00

32,3434,54

16,8928,37

30,4728,09

19,5818,90

24,6821,80

0,79

0,22

0,82

1,23

-

6,35

1,40

3,28

1,65

2,33

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

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que são provocadas pelo homem, (e.g. acidentes detrânsito e homicídios). Os três últimos triênios da sérieforam marcados pela regressão das gastroenterites epela progressão de processos crônico-degenerativos.

Azcorde com o insatisfatório nível de saúde de For-taleza, foi observada, entre 1978 e 1980, a maior par-ticipação da mortalidade por causas evitáveis, comvalores mínimos de 42% no sexo masculino e 36% nofeminino. Dado o acréscimo das perdas por causasmal definidas com base na contribuição relativa porsexo e idade de cada grupo de causas, atingiriam 61%dos óbitos em homens e 58% daqueles em mulheres,patenteando que mais da metade das mortes po-deriam ser evitadas.2

Comparando-se esses dados aos do triênio 1996-98, houve uma retração da participação das causasevitáveis – 38% nos homens e 25% nas mulheres –, eimplemento das não evitáveis – 62% em homens e75% nas mulheres –, praticamente uma inversão dascontribuições relativas entre essas causas (Tabela 7).

Os 324.448,5 APVP de Fortaleza em 1984-86 re-presentaram um aumento absoluto de 2,38%, com-parativamente a 1981-83;20 porém, em termos de ta-xas de APVP, houve reduções de riscos de 2,58% noshomens e de 4,40% nas mulheres, visto que, nessestriênios, as taxas passaram de 103,4 para 100,8 pormil homens, e de 59,3 para 56,8 por mil mulheres;com relação às causas evitáveis, as taxas caíram de69,1 para 67,9 e de 34,9 para 29 por mil homens emil mulheres, respectivamente.21

Silva,1 em sua série histórica, constatou que, notriênio inicial (1978-80), foram computados 370.545APVP; e no derradeiro (1993-95), 337.930,5 APVP, comuma redução de apenas 8,9% entre esses dois períodosextremos da série. No curso dos triênios, notou-se umatendência de declínio até o triênio 1990-92. Contudo,em 1993-95, houve um incremento relativo de 25,5%em relação ao triênio precedente.1 Neste trabalho, osnúmeros absolutos são semelhantes aos identificadoshá quase duas décadas; porém, as taxas apontam subs-tancial redução de risco.

Em taxas de APVP por mil habitantes, na vigênciada série histórica, notou-se redução desses coeficien-tes até 1990-92 e aumento de 19,36% para homens e8,71% para mulheres em 1993-95, com evidênciasde declínio dos riscos.1 Esse fenômeno, que permeiatoda a série de 1978 a 1998, reproduziu-se para ascausas evitáveis, em ambos os sexos; e para as não

evitáveis entre os homens, especialmente, porque adiminuição de taxa no sexo oposto foi muito discreta.

A comparação com estudos realizados em outrospaíses fica em parte prejudicada, porque não foi utili-zada classificação de causas de óbito semelhante àdeste trabalho. Contudo, os valores globais prestam-se para a análise comparativa direta; e os mais espe-cíficos permitem parâmetro de confronto diante dosachados de Fortaleza, aqui retratados.

Para o Centers for Disease Control and Prevention(CDC),22 foram computados 12.276.000 APVP (limitede 65 anos) em 1988 e 12.370.499 em 1989 nos Esta-dos Unidos, com decréscimo de 0,2% nas taxas de APVP(49,94 para 49,83 por mil habitantes). As principaiscausas de APVP em 1989, segundo participação relati-va, foram: lesões não intencionais (18%), câncer(15%), suicídios e homicídios (12%), doença do co-ração (11%), anomalias congênitas (5%) e síndromeda imunodeficiência adquirida (AIDS) (5%); de 1988para 1989, a participação da aids nos APVP cresceu 25%.

Ainda segundo o CDC,23 o tabagismo foi a principalcausa de doenças associadas com mortalidade prema-tura nos Estados Unidos, tendo respondido por, estima-damente, 390 mil mortes prematuras em 1985. Em1988, aproximadamente 434 mil mortes e 1.199 milAPVP (limite de 65 anos) foram atribuídos ao uso decigarro. Embora a mortalidade atribuível ao tabagismoem negros representasse 11% desse total, a taxa demortalidade atribuível ao tabagismo nos negros foi 12%mais alta que a dos brancos, enquanto a taxa para ho-mens foi duas vezes maior que a das mulheres. Quantoàs taxas de APVP atribuíveis ao tabagismo, a dos negrosfoi duas vezes a dos brancos, enquanto a dos homensfoi quase três vezes a das mulheres.

Em Barcelona,15 em 1995, foram computados71.347,5 APVP, sendo 5.080 em homens e 21.267,5 emmulheres, com taxas de APVP de 71,21 por mil homense 28,81 por mil mulheres. As cinco principais causasde APVP, considerando proporções e taxas por mil, fo-

Os maiores responsáveis porAPVP foram acidentes detrânsito, homicídios,pneumonias, câncer de mama ecâncer cervical.

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ram: aids (22,1% e 15,72), causas externas (19,4% e13,8), câncer de pulmão (7,5% e 5,31), doençaisquêmica do coração (6,4% e 3,28) e cirrose hepáti-ca (4,5% e 3,24), nos homens; e causas externas(16,8% e 4,84), aids (13,6% e 3,91), câncer de mama(13,2% e 3,48), doença cerebrovascular (3,3% e0,99) e cirrose hepática (3,1% e 0,91), nas mulheres.

Da mesma forma que em Fortaleza, as causas ex-ternas assumiram a proeminência em APVP no Rio deJaneiro em 1990;24 e em Santa Catarina em 1995.25

Vale salientar que a evolução dos APVP em Fortaleza,apontando a redução da participação de causas evitá-veis e o implemento das não evitáveis, é compatívelcom as mudanças na transição epidemiológicaidentificadas por Nedel e colaboradores26 para o Bra-sil e a Região Sul, em especial.

Lai e Hardy27 afirmam que medir o impacto de ris-cos competitivos de mortes na sociedade é importan-te para a política de Saúde Pública e para a alocaçãode recursos. Esses autores compararam a esperançade vida líquida, obtida mediante tábuas de vida de múl-tiplo decremento, com a técnica de Anos Potenciaisde Vida Perdidos da população em idade ativa (15-64anos) dos EUA (1987-92) para aids, câncer e doen-ças do coração, segundo sexo e raça. Os autores con-cluíram que APVP superestima HIV/aids em detrimentodas outras causas, ao passo que, nas tábuas de vida demúltiplo decremento, as doenças do coração supe-ram HIV/aids, e esta o câncer.

Acrescentam que as tábuas de vida de múltiplodecremento levam em conta riscos competitivos na

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Estudos mais recentes têm conferido especial aten-ção ao impacto da mortalidade por causas, sobretudoas evitáveis, como problema de Saúde Pública, expres-so em vida potencial sacrificada e sua repercussão eco-nômica para a sociedade.28-30

Conclui-se que, com o limite superior de vida mé-dia fixado em 65 anos, aconteceram 236.660,5 e113.956 anos potenciais de vida perdidos (APVP),em homens e mulheres, para os quais a mortalidadepor causas evitáveis participou com 57,80% e 40,57%nesses sexos, tendo sido registrada a maior colabo-ração do Grupo F – mortes violentas (49,24% e18,06%); as taxas totais de APVP, na faixa de 1 a 64anos, foram de 89,13 por mil homens e de 38,26por mil mulheres, cabendo às causas evitáveis as ta-xas de APVP de 51,51 e de 15,69; e às causas nãoevitáveis, 37,61 por mil homens e 22,74 por mil mu-lheres, na mesma ordem.

Em suma: a mortalidade evitável, em que pese asua redução em termos de riscos, permanece com ex-pressivo impacto sobre a vida útil sacrificada, medidaem Anos Potenciais de Vida Perdidos, merecendo ên-fase a forte contribuição das mortes violentas.

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

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Normas para publicação

Introdução

A Epidemiologia e Serviços de Saúde é umapublicação trimestral, de caráter técnico-científi-co, prioritariamente destinada aos profissionais desaúde. Editada pela Coordenação-Geral de Desen-volvimento da Epidemiologia em Serviços da Secre-taria de Vigilância em Saúde (CGDEP/SVS), tem amissão de difundir o conhecimento epidemiológicovisando ao aprimoramento dos serviços oferecidospelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nela, tambémsão divulgadas portarias, regimentos e resoluçõesdo Ministério da Saúde, bem como normas técni-cas relativas aos programas de controle.

Modelos de trabalhos

A revista recebe trabalhos candidatos a publi-cação nas seguintes modalidades: (1) Artigos ori-ginais nas seguintes linhas temáticas: avaliação desituação de saúde, estudos etiológicos, avaliaçãoepidemiológica de serviços, programas e tecno-logias, e avaliação da vigilância epidemiológica(número máximo de 20 páginas); (2) Artigos derevisão crítica sobre tema relevante para a saúdepública ou de atualização em um tema controversoou emergente (número máximo de 30 páginas); (3)Relatórios de reuniões ou oficinas de traba-lho realizadas para discutir temas relevantes à saú-de pública – suas conclusões e recomendações(número máximo de 25 páginas); (4) Comentá-rios, ou artigos de opinião curtos, abordando te-mas específicos; e (5) Notas técnicas.

Apresentação dos trabalhos

Cada trabalho proposto para publicação deveráser elaborado de acordo com os “Requisitos Uni-formes para Manuscritos Submetidos a PeriódicosBiomédicos” [Informe Epidemiológico do SUS1999;8(2):5-16 disponível em: http://www.funasa.gov.br/pub/Iesus/ies00.htm] e anexado a uma car-ta de apresentação dirigida ao Corpo Editorial daEpidemiologia e Serviços de Saúde. Para artigosoriginais, artigos de revisão e comentários, os au-

tores deverão responsabilizar-se pela veracidade eineditismo do trabalho apresentado. Na carta de en-caminhamento, deverá constar que: a) o manuscritoou trabalho semelhante não foi publicado, parcialou integralmente, nem submetido a publicação emoutros periódicos; b) nenhum autor tem associaçãocomercial que possa configurar conflito de interes-ses com o manuscrito; e c) todos os autores partici-param na elaboração do seu conteúdo intelectual –desenho e execução do projeto, análise e interpreta-ção dos dados, redação ou revisão crítica, e aprova-ção da versão final. A carta deverá ser assinada portodos os autores do manuscrito.

Formato de um trabalho para publicação

O trabalho deverá ser digitado em português,em espaço duplo, fonte Times New Roman tama-nho 12, formato RTF (Rich Text Format); impres-so em folha-padrão A4 com margem de 3 cm à es-querda; e remetido em três vias, ademais de grava-ção magnética em disquete de 31/2”

. As tabelas e fi-guras poderão ser elaboradas em programas do tipoMicrosoft Office, Corel Draw ou Harvard Grafics,nos formatos BMP (Bitmap do Windows) ou TIFF,no modo de cor CMYK. Todas as páginas deverãoser numeradas, inclusive as das tabelas e figuras.Não serão aceitas notas de texto de pé de página.Cada trabalho deverá ser enviado com: PÁGINA DEROSTO – título completo e resumido, nome dosautores e instituições por extenso, rodapé –; RE-SUMO e SUMMARY (versão em inglês do resumo);e finalmente, o ARTIGO completo – INTRODUÇÃO;METODOLOGIA, RESULTADOS, DISCUSSÃO, AGRA-DECIMENTOS, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS eTABELAS/FIGURAS anexas –, nesta ordem:

Página de rostoA página de rosto é composta do título do artigo

– em português e inglês, em letras maiúsculas –seguido do nome completo do(s) autor(es) e da(s)instituição(ções) a que pertence(m), em letrasminúsculas. É fundamental a indicação do títuloresumido, para referência no cabeçalho das pági-nas da publicação. No rodapé, constam o endereço

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completo, telefone, fax e e-mail de pelo menos oautor principal, para contato, e do órgão financia-dor da pesquisa.

ResumoColocado no início do texto, redigido em portu-

guês e com um número máximo de 150 palavras, oresumo deve conter descrição sucinta a clara doobjetivo, metodologia, resultados e conclusão doartigo. Após o resumo, o autor deve listar três ouquatro palavras-chave de acesso, contempladas nalista de Descritores de Saúde definida pelo CentroLatino-Americano e do Caribe de Informação emCiências da Saúde da Organização Pan-Americanade Saúde-BIREME/OPAS.

SummaryCorresponde à tradução em inglês do resumo,

seguido pelas palavras-chave, igualmente em inglês(Key words).

Os artigos originais, na sua estrutura, devem res-peitar a seguinte seqüência, além dos tópicos jádescritos:

IntroduçãoApresentação do problema, justificativa e objetivo

do estudo.

MetodologiaDescrição precisa da metodologia adotada e,

quando necessário, dos procedimentos analíticosutilizados. Considerações éticas do estudo de-vem ser mencionadas ao final deste apartado, commenção às comissões éticas que aprovaram o pro-jeto original – desde que o fato seja pertinente aoartigo.

ResultadosExposição dos resultados alcançados, podendo

considerar – anexas ao artigo – tabelas e figuras auto-explicativas, se necessário (ver o item TABELAS eFIGURAS).

DiscussãoRelação dos resultados observados, incluindo suas

implicações e limitações, e a sua comparação comoutros estudos relevantes para o tema e objetivos doestudo.

AgradecimentosEm havendo, devem-se limitar ao mínimo indis-

pensável, localizando-se após a DISCUSSÃO.

Referências bibliográficasListadas após a DISCUSSÃO ou AGRADECIMEN-

TOS, numeradas em algarismos arábicos, na mesmaordem de citação no artigo. O número de cada refe-rência deve corresponder ao número sobrescrito(sem parênteses) imediatamente após a respectivacitação no texto. Títulos de periódicos, livros e edi-toras devem ser colocados por extenso. A quantida-de de citações bibliográficas deve-se limitar a 30, pre-ferencialmente. Artigos de revisão sistemática emetanálise não têm limite de citações. As referênci-as devem obedecer aos “Requisitos Uniformes paraManuscritos Submetidos a Periódicos Biomédicos”.Exemplos:

Anais de congresso:1. Wunsch Filho V, Setimi MM, Carmo JC. Vigilância

em Saúde do Trabalhador. In: Anais do III Con-gresso Brasileiro de Saúde Coletiva; 1992; PortoAlegre, Brasil. Rio de Janeiro: Abrasco; 1992.

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lidade e validade dos atestados de óbito porneoplasias. II. Validação do câncer de estômagocomo causa básica dos atestados de óbito no Mu-nicípio do Rio de Janeiro. Cadernos de Saúde Pú-blica 1997;13:53-65.

Autoria institucional:3. Fundação Nacional de Saúde. Plano Nacional de

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Livros:4. Fletcher RH, Fletcher SW, Wagner EH. Clinical

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Teses:11. Waldman EA. Vigilância Epidemiológica como prá-

tica de saúde pública [Tese de Doutorado]. SãoPaulo (SP): Universidade de São Paulo; 1991.

Tabelas e figurasDispostas em folhas separadas – para cada uma –,

numeradas em algarismos arábicos e agrupadas

seqüencialmente, ao final da apresentação do artigo,segundo a sua ordem de citação no texto. As tabelas efiguras devem apresentar título conciso e, se possível,evitar o uso de abreviaturas no seu conteúdo; quandoestas forem indispensáveis, serão traduzidas em legen-das ao pé da própria tabela.

Análise e aceitação dos trabalhos

Os trabalhos serão submetidos à revisão de pelomenos dois pareceristas externos (revisão por pa-res). E serão aceitos para publicação desde que,também, sejam aprovados pelo Comitê Editorial daEpidemiologia e Serviços de Saúde.

Endereço para correspondência

Solicitações de informação e material para publi-cação devem ser encaminhados para:

Coordenação-Geral deDesenvolvimento da Epidemiologia em Serviços-CGDEPEpidemiologia e Serviços de SaúdeRevista do Sistema Único de Saúde do BrasilEsplanada dos Ministérios, bloco G, 1º andar, sala 119CEP: 70058-900Brasília-DFTelefones: (61) 315.3653 / 3654 / 3655Fax : (61) 226.4002E-mail: [email protected]

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