revista de políticas educacionais e culturais do sinasefe

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Page 1: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE
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Page 3: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

REVISTA DE

POLÍTICAS EDUCACIONAIS

E

CULTURAIS

DO SINASEFE

SETEMBRO DE 2010

Page 4: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Diretoria Nacional do SINASEFE – Biênio 2009/2011 Coordenação Geral: Elisa Magna de Souza Barbosa – SINTETFAL Elane de Souza Mafra – SS Manaus Ricardo Eugênio Ferreira – SS Ouro Preto Coordenação de Administração e Finanças: Secretária: Tânia Maria Barbosa Guerra – SS Pelotas 1º Tesoureiro: Clério Lucas Guaitolini – SS Vitória 2º Tesoureiro: Nilton Gomes Coelho - SINTETFAL Coordenação de Pessoal: Docente: Adamor Trindade Ferreira - SINDSCOPE Técnico-Administrativo: Volmir Marcos Lima – SS Sertão Aposentado: Zelina Pinheiro Machado – SS Concórdia Coordenação de Comunicação: Secretário: Arnoldo de Souza Marques – SS Florianópolis Secretário-Adjunto: Sílvio de Jesus Rotter – ATEFCE Coordenação de Políticas Educacionais e Culturais: Secretário: Reginaldo Flexa Nunes – SS Vitória Secretário-Adjunto: José de Araújo Pereira – SS Cariri Coordenação de Formação Política e Relações Sindicais: Secretária: Carmem Lúcia Werneck – SS Barbacena Secretário-Adjunto: Irany Castro Balbino – SS São Paulo Coordenação Jurídica e Relação de Trabalho: Secretário: Eduardo Carvalho de Moraes – SS Belém Secretária-Adjunta: Gilda Suely de Oliveira – SS Rio Verde Edição e Revisão do Texto: Eugênia Tavares Martins Coordenadora Geral de Comunicação da ATEFCE – SS SINASEFE

Page 5: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

SUMÁRIO

Apresentação, .............................................................................................................7 Introdução, ...................................................................................................................9 Condições de trabalho do educador, permanência e sucesso escolar de alunos surdos: um relato de experiência, .............................................................................13 Evasão escolar no Curso Superior de Tecnologia em Irrigação e Drenagem no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – campus de Iguatu, ....................................................................................................................................25 Oferta e demanda por educação nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: o caso do IF do Ceará – campus de Iguatu, ..........................................43 Educação de Jovens e Adultos e Economia Solidária: o trabalho como princípio educativo e humanizador do ser humano, ................................................................54 O PROEJA sob o olhar dos educadores: o caso do IFPB – campus de João Pessoa/PB, ................................................................................................................76 Sinalizando a educação: dois anos de uma pesquisa no campo da Inclusão Virtual, ...................................................................................................................................92 A Educação e a Diversidade, ..................................................................................104 Africanidades, Educação Profissional e Dignidade Cultural: interrogando a forma cultural colonial, .......................................................................................................117 A questão étnico-racial no Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) do Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo, unidade Vitória: uma análise da prática docente, ......................................................................................132 Gênero Feminino e Escolarização Técnico-Profissional, ........................................143

Page 6: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Mudanças no mundo do trabalho: Educação, Identidade e Profissão, ...................155 A dimensão ambiental na Educação Profissional e Tecnológica, ...........................171 O ensino da Matemática Financeira e o Currículo do Ensino Médio e Técnico no contexto dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's), .....................................185 Educação e Cidadania, ...........................................................................................193 Sindicato, Democracia e Educação, ........................................................................211 A experiência de construção dos Projetos Pedagógicos dos cursos de PROEJA no IFES – campus de Vitória: avanços, tensões e desafios de um processo político, ..................................................................................................................................221 Os Institutos Federais e os Arranjos Produtivos: um estudo de caso do layout do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC), ..................................................................................................................................235 A difícil arte de ser professor, hoje, .........................................................................261

Page 7: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

APRESENTAÇÃO

Certa de que a superação da dicotomia entre trabalho e educação deve ser

obra dos próprios trabalhadores, a Direção Nacional do SINASEFE (biênio

2009/2011), através da Comissão Organizadora do seu “VI Seminário de

Educação”, apresenta esse novo número da “Revista de Políticas Educacionais e

Culturais do SINASEFE”, que possui como tema “Educação & Memória Social: os

desafios do ensino básico, profissional e tecnológico”.

Os artigos, aqui apresentados, foram norteados pelos eixos temáticos que

balizam o “VI Seminário de Educação do SINASEFE”, sediado na cidade de Bento

Gonçalves entre os dias 9 a 12 de setembro de 2010. Denotando a preocupação

do SINASEFE no sentido de favorecer o florescimento de uma pedagogia da

classe, pela classe, os referidos eixos versam sobre os temas: História da

Educação Básica, Profissional e Tecnológica no Brasil: memória e história social

das experiências; Educação e Inclusão Social: políticas de acesso, permanência e

sucesso escolar; Educação e Diversidade na Educação Básica, Profissional e

Tecnológica; Educação, Trabalho, Ciência e Tecnologia; Sociedade, Educação e

Cultura; Qualidade da Educação, Gestão Democrática; Expansão da Rede

Federal de Educação Básica Profissional e Tecnológica; Formação, Carreira e

Valorização dos Profissionais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica.

Nesse sentido, pautados pelos diferentes matizes da politecnia da

aprendizagem, pretendemos unir educação e luta social, favorecendo a

construção de uma instrução voltada para a formação de homens e mulheres

integrais. Rejeitando, à luz das experiências passadas, qualquer instrução que

Page 8: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

prepare as futuras gerações para a institucionalização alienante da vida, importa-

nos transformar nosso meio sindical no nascedouro de uma pedagogia classista,

capaz de contribuir para a emancipação dos trabalhadores ao valer as palavras,

ainda vivas, do sindicalista e educador libertário Marcel Martinet: “A árvore do

ensino operário deve ser plantada em plena terra operária: o sindicato”.

Afinal, a força não está no Estado ou no Capital, mas em nossos braços.

Organizados, saberemos empregá-la em proveito de nossas conquistas.

Saudações Sindicais,

Comissão Organizadora do VI Seminário de Educação do SINASEFE Comissão Organizadora da Revista de Políticas Educacionais e Culturais

do SINASEFE

Page 9: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

INTRODUÇÃO

A POLÍTICA EDUCACIONAL DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE NO BRASIL

A política educacional, no Brasil, constituiu-se a partir de uma concepção

dual de educação: uma educação para a elite, humanística e científica; e outra

educação para os pobres, ajustada às demandas do processo de produção.

A educação para a elite era realizada pelas escolas confessionais,

patrocinadas pelo Estado, ou de iniciativa privada, no final do século XIX. A Formação

Geral pretendida, então, nessas escolas, era a de formar dirigentes e quadros

qualificados para ocupar os cargos no Estado e nas empresas.

Nesse contexto, a criação da Rede Federal de Educação Tecnológica, em

1909, foi o início de uma política que visava qualificar a mão-de-obra na perspectiva

da moralidade e da disciplina ao/no trabalho. O trabalho escravo, ao longo de toda a

Colônia e Império, tinha criado uma indolência e indisposição para o trabalho, o que

inviabilizava o prosseguimento da modernização conservadora, no Brasil. Dessa

forma, o modelo de educação pretendido, através da implantação dessa Rede Federal

de Ensino, era justamente o de resgatar a cidadania e enquadrar esse trabalhador na

lógica do trabalho assalariado, recém criado no Brasil, com a nova ordem política: a

República.

No final do século XX, a intervenção da classe trabalhadora, visando à

universalização da educação e a equivalência, do Ensino Técnico ao Ensino Médio,

para o efeito de prosseguimento de estudos em cursos superiores, esteve presente

nas lutas sindicais. Apesar da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de

1961, o dualismo no sistema escolar persiste, isto é, temos hoje um ensino médio

tecnológico, orientado à formação para o trabalho complexo; e uma formação técnico-

profissional básica, destinada aos pobres.

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Page 10: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A criação do SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – em

1941 consolidou uma formação controlada pelas empresas e financiada pelo poder

público. Tal situação coroou-se com a criação do SESI – Serviço Social da Indústria –

em 1946, complementando a ação educacional com atuação, também, na área de

assistência social e baseada na doutrina social da Igreja Católica. Ou seja, a luta pela

educação é atendida, mas voltada às necessidades da produção das empresas, e

permeada pelo assistencialismo.

A Profissionalização obrigatória do Ensino Médio no Brasil, com a Lei nº

5.692/71, na prática, inviabilizou o prosseguimento dos estudos dos filhos de

trabalhadores, por causa da insuficiência perceptível na sua formação geral. Por isso,

a Rede Federal tornou-se referência, oferecendo um Ensino Profissional de qualidade

e respondendo, assim, às demandas do mercado.

O chamado “Milagre Econômico” (1968-1974) promoveu o

desenvolvimento acelerado da economia, através de grandes obras públicas. A

carência de técnicos foi suprida, em parte, pelos formandos da Rede Federal. Houve

uma valorização profissional do técnico, e dessa forma, os filhos da classe média

passaram a frequentar as Escolas Técnicas Federais. Muitos foram os absorvidos

pelas empresas; muitos também foram os que prosseguiram seus estudos, por meio

dos cursos superiores.

A tendência crescente de os alunos, oriundos das Escolas Técnicas

Federais, por receberem uma educação de excelência, serem aprovados nos

vestibulares oferecidos nas mais diversas Universidades, passou a ser uma constante;

como também o fato de esses mesmos alunos abandonarem o ciclo de seu curso

profissionalizante, ainda no terceiro ano, o que fez com que, na chamada Era

Neoliberal, os governos desse período, a saber, Fernando Collor de Melo, Itamar

Franco e Fernando Henrique Cardoso, passarem a defender a privatização, ou

estadualização, da Rede Federal de Ensino, com a justificativa de descumprirem sua

principal finalidade, a formação para o trabalho, e servirem como trampolim para o

acesso aos cursos superiores.

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Page 11: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A luta dos trabalhadores por uma educação de qualidade sempre se fez

presente no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, na Constituinte, com a

proposta do uso exclusivo dos recursos públicos para a escola pública. Essa luta

também esteve presente na discussão da nova LDB (Lei nº 9.394/1996), na qual a

sociedade sentiu-se derrotada pelo fato de a Educação Tecnológica permanecer

desvinculada do Ensino Básico, e também pelo Conselho Nacional de Educação

(CNE) tornar-se órgão colaborador do Ministério da Educação.

Com isso foi permitido, ao governo Neoliberal, executar a ampliação da

Rede Privada e a separação do Ensino Técnico da Formação Geral (Decreto nº

2.208/97). Além disso, o Decreto nº 2.208/97 instituiu a escolarização encurtada de

nível superior na Rede Federal: a educação profissional de nível tecnológico

(Tecnólogo). A ideologia Neoliberal da “empregabilidade e do empreendedorismo,

destinada a manter a coesão social em tempo de reestruturação produtiva e de

supressão de direitos do trabalhador” dominou o imaginário social do período (NEVES,

p.61). A resistência da sociedade se deu através do Congresso Nacional da Educação

– CONED – que reuniu profissionais da educação em todos os níveis e modalidades

de ensino, num movimento contra-hegemônico e de repúdio às políticas educacionais

neoliberais.

As investidas da política neoliberal para o Ensino Técnico continuaram,

através do Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP), “mediante a

implementação de cursos técnicos concomitantes ao ensino médio e de cursos de

tecnólogos, mais estreitamente voltados para atender às necessidades mais imediatas

do mercado.” (NEVES, p. 64). A teoria do capital humano, e da pedagogia das

competências, fundamentou a política educacional implantada.

Com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva consolidou-se um modelo de

democracia da inclusão social. A reforma da educação tecnológica tendeu a “promover

maior articulação da educação profissional e tecnológica com o ensino básico,

recuperando assim o papel coordenador do Estado nesses dois âmbitos da educação

escolar.” (NEVES, p.73). Neste sentido, criou-se o Programa de Integração da

Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e

Adultos (PROEJA) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI).

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Page 12: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Assim, o Decreto nº 5.154/2004, que orienta a política para Educação

Profissional, no governo Lula, estabelece três modos de articulação entre o Ensino

Médio e a Formação Técnico-profissional: Formação Integral, Concomitante e

Subsequente.

O SINASEFE, nesse contexto que ora se apresenta, alia-se a todos na

preocupação sindical de buscar entender, além de lutar a favor de políticas publicas

que realmente atendam à Educação Profissional que queremos.

Coordenação de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE Biênio 2009 - 2011

(NEVES, Lúcia Maria Wanderley. O mercado do conhecimento e o conhecimento para o mercado: da formação para o trabalho complexo no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: EPSJV, 2008.)

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Page 13: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

CONDIÇÕES DE TRABALHO DO EDUCADOR, PERMANÊNCIA E SUCESSO ESCOLAR DE ALUNOS SURDOS: UM RELATO DE

EXPERIÊNCIA

Aline Lima da Silveira Lage Associação dos Servidores do Instituto Nacional de Educação de Surdos

(ASSINES- SSIND)

[email protected]

Este trabalho é um relato que apresenta a minha experiência como docente

no Curso Bilingue de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES

– RJ) e tem como objetivo relacionar as condições de permanência e sucesso

escolar dos alunos surdos com as condições de trabalho dos educadores que

podem evidenciar o nível das políticas públicas para a inclusão. Perseguindo esse

objetivo vou descrever brevemente o curso no qual leciono, algumas questões

relativas à surdez e as estratégias utilizadas, em sala de aula, visando ao

aprendizado. Embora não seja possível esgotar a reflexão, espero contribuir para o

debate do tema.

Desde a graduação em Psicologia, com as leituras da Análise Institucional,

especialmente os debates relativos à educação, passando pela experiência de

trabalho com instituições não governamentais em favelas da cidade do Rio de

Janeiro, observando a participação da comunidade escolar nas estratégias de

implantação de programas curriculares, e até o presente momento como docente do

Curso Bilingue de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES –

RJ) e militante, entendo que é importante dar ênfase aos aspectos políticos

existentes nas práticas sociais, procurando colaborar com a luta por uma sociedade

mais justa e igualitária. A argumentação que tento desenvolver neste relato não é,

portanto, fruto de um comentário individual.

Ingressar no Curso de Pedagogia do INES, em 2007, foi a concretização de

uma intenção: ser professora no ensino superior, intervir na formação de

educadores. Todavia, não tinha noção do desafio que se colocava diante de mim.

Segundo Ciccone (2006), o INES possui o primeiro Curso Bilíngue de

Pedagogia do país. O curso oferece Licenciatura Plena na Educação Infantil, anos

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Page 14: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

iniciais do Ensino Fundamental, incluindo a Educação de Jovens e Adultos e

magistério das Disciplinas Pedagógicas do Ensino Médio. Os alunos dever ser

também preparados para as funções extraclasses da área pedagógica, como

administração, orientação e supervisão escolar. A Língua Brasileira de Sinais

(LIBRAS) é considerada a língua de instrução do curso, e a Língua Portuguesa, é

disciplina obrigatória na modalidade escrita. No processo seletivo para o ingresso no

referente curso são admitidos candidatos surdos e ouvintes que apresentem

suficiente proficiência em LIBRAS. No ensino superior, diferente do que acontece na

educação básica, a instituição possui intérpretes para o desenvolvimento das

atividades didático-pedagógicas em todas as salas de aula. Espera-se que o curso

possibilite a formação de professores para atuar na rede pública e, dessa forma,

contribuir para a educação dos surdos.

Desde a graduação, conhecia a temática exclusão/inclusão e também estava

familiarizada com a educação especial. No entanto, só depois que comecei a me

preparar para atuar em sala com meus alunos entendi que desconhecia a surdez e

as decorrências da ausência desse sentido.

Os anormais – sejam os loucos, os pobres, os surdos – e todos os que não

condizem com um padrão inventado e hegemônico – ocupam certos lugares nos

seus grupos sociais. Essa denominação genérica, anormais, abriga identidades

flutuantes, processos atrelados às políticas de identidade, atravessados pelas

relações de poder. É crucial entender que “os anormais não são, em si ou

ontologicamente, isso ou aquilo (...) o que interessa é examinar os significados de

anormal a partir dos usos que se faz dessa expressão” (Veiga-Neto, 2001, p. 106).

Os anormais, pretensamente excluídos, participam de maneira importante dos

grupos aos quais pertencem. Acredito que faz parte do trabalho do educador

evidenciar essa invenção.

A noção de inclusão parece denotar o contrário da exclusão. Comumente,

afirma-se a existência de pessoas fora do contexto social que precisam ser

inseridas. Entretanto, interpreto que as propostas de inclusão estão baseadas em

conceitos burgueses como o de cidadania. No curso sobre soberania e disciplina,

Michel Foucault (1979) afirmou que a burguesia não se importa com os anormais

(loucos, delinquentes...), mas com os procedimentos de exclusão dos anormais que

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Page 15: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

evidenciaram e produziram, a partir do século XIX, um lucro político, eventualmente,

alguma utilidade econômica que consolidaram o sistema e fizeram-no funcionar em

conjunto.

Acredito que o debate não deve se limitar à tentativa de perseguir um modo

correto (único) de definir ou compreender o(s) mecanismo(s) que denominamos

exclusão/inclusão, mas compreender seus efeitos na vida das pessoas as quais

esses termos fazem referência. Pensamos ser necessário nos juntar ao debate para

lutar contra a submissão e controle desses sujeitos; considero que a luta é política e

não conceitual. Os debates seguem, mudam-se os programas de educação, os

termos utilizados para se referir aos anormais – deficientes, excepcionais,

portadores de necessidades especiais, pessoas com deficiência – mas os problemas

que os mesmos enfrentam não diminuem. Os alunos não aprendem e tal situação só

reproduz a desigualdade social.

As análises de Lev Vygotsky têm afirmado as minhas opções na formação

que desenvolvo com os alunos surdos, também com os ouvintes. Nessa perspectiva

teórica, comprometer-se com a aprendizagem dos alunos é compreender que essa

apropriação de conhecimentos é necessária para o desenvolvimento do ser social

produtor de conhecimento.

Vygotsky é um dos autores mais comentados na atualidade. Nasceu em

1896, numa família judia, das mais cultas da cidade de Minsk. A partir de 1917,

atuou como professor e pesquisador nas áreas de Psicologia, Pedagogia, Filosofia,

Literatura, deficiência física e mental em diversas instituições de ensino e pesquisa.

Criou um laboratório de Psicologia na escola de formação de professores e

participou da criação do Instituto de Deficiências, em Moscou. Fazia parte de um

grupo de jovens intelectuais da Rússia pós-revolução que trabalhava num clima de

idealismo e efervescência intelectual. Na crença da emergência de uma nova

sociedade, seu objetivo era a busca de uma ligação entre a produção científica e o

regime social recém implantado. Vygotsky e seus colaboradores buscaram uma

nova Psicologia na qual o Homem pudesse ser compreendido enquanto corpo e

mente, como um ser biológico e social, membro de uma espécie humana e

participante de um processo histórico (Oliveira, 1997). Para Vygotsky, os métodos e

os princípios do materialismo dialético seriam a solução dos paradoxos científicos

fundamentais dos seus contemporâneos. Não pretendia descobrir a natureza da

mente citando O Capital, mas aprender a totalidade do método de Marx para

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Page 16: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

abordar o estudo da mente. Todos os fenômenos deveriam ser estudados como

processos em movimento e mudança. No objeto da Psicologia, a tarefa do cientista

seria reconstruir a origem e o curso do desenvolvimento do comportamento e da

consciência. Não só todo fenômeno tem sua história, como essa história é

caracterizada por mudanças qualitativas (mudança na forma, estrutura e

características básicas) e quantitativas. Assim, “Na melhor tradição de Marx e

Engels, o mecanismo de mudança individual ao longo do desenvolvimento tem sua

raiz na sociedade e na cultura” (Cole & Scribner, p. XXIII-XXIV, 2007). A partir de

1936, dois anos após sua morte devido à tuberculose, a censura do regime stalinista

proibiu a publicação das suas obras. As mesmas voltaram a ser editadas somente

em 1962, e chegaram ao Brasil, em 1987.

Segundo Vygotsky, o portador de deficiência não é menos desenvolvido que

os não portadores, apenas desenvolvem-se de outra maneira. O significativo não é a

deficiência em si, mas a organização dos sistemas de compensação que

possibilitam ao seu portador a interação com o mundo. O homem transforma-se de

ser biológico em ser sócio-histórico, num processo em que a cultura é parte

essencial da constituição da natureza humana. A organização das funções

psicológicas superiores tipicamente humanas está baseada na ordenação do real

construída socialmente.

Como mediadora no processo de desenvolvimento humano, a escola deve se

ocupar das interações sociais. Essas constituem o núcleo secundário da deficiência

e substituem, pelas relações sociais, o núcleo primário que são as suas

características biológicas (Monteiro, 1998). Os surdos têm de vencer várias barreiras

nas suas trajetórias de vida. As barreiras linguísticas presentes no seu cotidiano e as

barreiras sociais, decorrentes da forma como os deficientes sensoriais são

percebidos, estão presentes na sala de aula.

Na concepção vygotskiana, o ensino é um processo eminentemente social, e

a aprendizagem por ele favorecido é capaz de suscitar processos evolutivos que são

ativados em situação interpessoal. O desenvolvimento acontece quando a ajuda de

uma pessoa contribui para que outra pessoa aprenda (Isaia, 1998).

Desenvolvimento, aprendizagem e ensino são processos sociais imbricados. O

desenvolvimento ocorre por meio da apropriação da experiência sócio-histórica,

enquanto que a aprendizagem constitui o processo através do qual tal apropriação

ocorre, e o ensino é a organização da experiência a ser apropriada (Davídov &

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Page 17: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Markova, 1987 apud Isaia, 1998). Vygotsky usava o termo russo obuchenie que

significa algo como “processo de ensino-aprendizagem” para enfatizar a

interdependência dos indivíduos envolvidos.

Todavia, precisamos ressaltar também que as ações possíveis ao educador,

como já dito, fundamentais para a interação social e desenvolvimento, estão

diretamente ligadas à estrutura institucional, às suas condições materiais de

realização. Em outras palavras, as condições materiais demonstram como estão

sendo implementadas as políticas de inclusão.

Iniciei o Curso de LIBRAS antes de começar a dar aulas. Constatei que a

primeira dificuldade seria dominar a língua utilizada pelas pessoas surdas que tem

uma estrutura completamente diferente das línguas orais.

Antes do linguista William Stokoe, a língua de sinais era considerada uma

espécie de pantomima ou código gestual (Sacks, 1998). As línguas de sinais

atendem a todos os critérios para seu reconhecimento no campo científico: sintaxe,

léxico, capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças. Os sinais não são

imagens apenas, mas símbolos abstratos e complexos, com estrutura interior

igualmente complexa (Quadros & Karnopp, 2004). Mesmo sem o reconhecimento

científico, antes das pesquisas de Stokoe, as línguas de sinais foram preservadas e

transmitidas através das gerações, em vários países. Mas no Brasil, os surdos

resistiram e lutaram para sinalizar adquirindo a língua de sinais nas associações de

surdos, nas quais as festas, os jogos, os campeonatos foram estratégias de

interação social e linguística (Quadros, 2006). Hoje, há a potencialização dessa

estratégia com o uso do celular e da internet. Em 2002, a Lei 10.436 reconheceu a

Língua Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação e expressão, e também

determinou que o poder público devesse providenciar os meios para o uso e a

disseminação da mesma (Gotti, 2006).

A base neuronal da língua de sinais é espaço-visual. Embora haja tendência à

gesticulação e à organização cognitiva com base visual é incorreto afirmar que “o

surdo nasce” sabendo uma língua de sinais; ele deve aprender com seus iguais.

A língua de sinais é o ponto de partida para a introdução da língua falada.

Penetrando numa “corrente de comunicação da língua” (Bakhtin, 1998 apud Freitas,

1998, p. 101) através da linguagem dos sinais a criança adquire a língua do seu país

como se fosse estrangeira. Impor outra linguagem que nada significa é considerado

um erro. A linguagem determina o pensamento, ou seja, o pensamento é

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Page 18: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

determinado “pelos instrumentos lingüísticos do pensamento e pela experiência

sócio-cultural da criança” (Vygotsky, 2005, p. 62). Mais do que respeito às

características linguísticas distintas dos ouvintes, afirmar a língua de sinais como L1

significa possibilitar aos surdos o processamento e a produção de conhecimentos.

A proposta do ensino bilíngue no Brasil é muito recente. Essa substituiu o

oralismo como método hegemônico de aquisição linguística e educação geral dos

surdos. O português é considerado uma segunda língua, L2. Essa barreira

linguística é um grande problema na formação. Os alunos surdos têm grande

dificuldade para ler as referências bibliográficas que estão disponíveis no meio

acadêmico.

Neste ponto, considero importante descrever as principais estratégias que

tenho empregado em sala de aula visando interferir na formação/desenvolvimento

dos meus alunos e no meu próprio desenvolvimento. Espero com isso também

evidenciar, ao menos em parte, as condições de trabalho com as quais precisamos

lidar e de que maneira as mesmas podem incidir sobre a permanência e o sucesso

escolar dos alunos surdos.

Fora a recomendação da leitura do livro Vendo vozes: uma viagem ao mundo

dos surdos, de Oliver Sacks (1998) e o início do Curso de LIBRAS, no mesmo nível

que é oferecido à comunidade, não houve uma formação suficiente dos docentes

para iniciar as aulas no ensino superior do INES. Abaixo descrevo as estratégias

que foram organizadas visando à superação das principais dificuldades encontradas.

Procuro selecionar as referências bibliográficas que tenham uma linguagem

mais direta e, preferencialmente, que contenham outros recursos gráficos, o que na

verdade quase não inexiste. As revistas com temas científicos são algo mais

próximo, mas só servem como apoio, anterior ou posterior, à leitura do texto

acadêmico. Há situações nas quais é temerário não ler o próprio autor. No caso das

disciplinas que leciono, considero fundamental ler o próprio Freud, Piaget, Vygotsky,

por exemplo, para a construção de uma leitura crítica acerca dessas referências,

para comparar as análises dos seus comentadores e para refletir sobre a incidência

desses discursos na prática educativa. Mas, antes de lermos tais autores, indico a

leitura dos textos nos quais é possível fazer uma apresentação inicial de suas obras,

do contexto social e das suas intenções de pesquisa.

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Page 19: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Em alguns momentos, consigo me reunir com os alunos surdos para trabalhar

as referências. Para tal, ainda não contamos com ações inerentes ao ensino

superior como, por exemplo, monitoria. Muitos alunos trabalham no turno oposto ao

curso e não tem tempo para se reunir comigo. Eles também precisam ter paciência

com o meu nível de LIBRAS. Com pouco vocabulário e sem conhecer a forma

correta de organizar as frases sinalizadas, escrevo muitas palavras utilizando o

alfabeto. Cansa os olhos dos surdos e às minhas mãos. Exige dos sujeitos

envolvidos um grande esforço na busca de uma formação que não é garantida,

institucionalmente. Os alunos surdos tentam compreender o texto. Eu tento avançar

nos meus conhecimentos em LIBRAS e criar estratégias para expor os conceitos.

A comunicação com os alunos é mais fácil quando o aluno surdo tem boa

fluência em LIBRAS e conhecimento razoável do Português. Alguns alunos

apresentam dificuldades com as duas línguas, com esses é mais difícil a

comunicação e preciso da ajuda do intérprete. Por outro lado, há surdos tão

oralizados que não precisam dessa estratégia. Disso depende a formação escolar

do graduando. Observamos uma grande correlação desse aspecto com as

condições econômicas de sua família. Em geral, os surdos da classe trabalhadora

mais subalternizada enfrentam maiores dificuldades para superar as dificuldades

linguísticas decorrentes da defasagem sensorial porque a família não conta com os

melhores recursos para acompanhar e interferir no seu desenvolvimento. Essa

defasagem só amplia a desigualdade social.

Ainda tentando intervir nas condições de formação dos meus alunos, solicitei

sugestões a uma aluna surda que atua como assistente educacional. Essa

recomendou que cada aula fosse iniciada com a apresentação dos objetivos e um

resumo da aula anterior. Sugeriu também que eu peça aos alunos surdos o resumo

escrito das aulas. Desde então venho realizando isso e percebi que a linha do tempo

é muito importante porque estabelece ligação entre os temas. Não houve uma boa

resposta em relação ao resumo escrito, por enquanto a maioria limita-se ao discurso

sinalizado. Citou a sua própria experiência: por ter de olhar para o intérprete, não

conseguia anotar. Costumava, então, copiar os cadernos dos colegas ouvintes até

perceber que mesmo esses cometiam erros. Com o tempo parou de copiar, mas

percebeu que era importante resumir, com as próprias palavras, as aulas. Sendo

assim, podemos concluir que o professor precisa observar as atitudes dos alunos

surdos. Quando percebo que estão anotando algo relacionado com a aula, procuro

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Page 20: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

interromper, brevemente, minha fala. Utilizo menos o quadro. Minhas aulas estão

organizadas em slides que encaminho por correio eletrônico aos alunos. No entanto,

alerto que as anotações próprias ainda são necessárias.

A realização de trabalhos escritos é outro desafio. Segundo a legislação,

Portaria nº 1.679, 02/12/19991, além da presença de intérpretes de língua de

sinais/língua portuguesa para realização, revisão, complementação da avaliação

expressa em texto escrito (quando não tenha expressado o real conhecimento do

aluno nas provas), deve haver flexibilidade na correção das provas escritas,

valorizando a coesão e coerência do discurso. No Curso Bilíngue de Pedagogia os

alunos surdos podem optar pela prova em LIBRAS. Nesse caso, usamos uma

câmera e, com ajuda do intérprete, os alunos podem desenvolver a prova.

Já recorri a diversos tipos de avaliação, incluindo trabalhos escritos,

apresentação de seminários, debates, provas escritas. A escolha tem relação direta

com a disciplina. Ultimamente, peço que os alunos, surdos e ouvintes, reescrevam

seus trabalhos, refaçam suas provas quando não há clareza suficiente. De maneira

geral, escrever é um exercício delicado, pois alia o nível de apreensão do tema com

a capacidade de esclarecer o pensamento. Julgo que na revisão dos trabalhos os

alunos podem desenvolver a capacidade de escrever e acompanhar melhor sua

evolução.

Dos 16 docentes do Curso Bilingue de Pedagogia, apenas 07 são do quadro

efetivo e realizaram o curso de LIBRAS oferecido pelo Instituto. Apenas uma

docente tem maior conhecimento da língua de sinais, após muitos anos de

experiência no próprio instituto, mas não se considera fluente. Quanto aos docentes

contratados, a maioria não tinha experiência com surdos e nem conheciam língua de

sinais. O tempo do contrato acaba quando os mesmos conseguirem compreender

melhor as necessidades dos alunos.

Em sala de aula atuamos com a ajuda dos intérpretes. O INES conta com 27

intérpretes LIBRAS/Português dos quais 14 estão no ensino superior. As condições

de trabalho desses profissionais são ruins, uma vez que são terceirizados. Apenas

no ensino superior há intérpretes em todas as salas de aula. Para atender 1 Documento que dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições, considerando o disposto na Lei nº 9.131, de 24/11/1995, na Lei nº 9.394, de 20/12/1996, e no Decreto nº 2.306, de 19/08/1997, e considerando ainda a necessidade de assegurar aos portadores de deficiência física e sensorial condições básicas de acesso ao ensino superior, de mobilidade e de utilização de equipamentos e instalações das instituições de ensino.

20

Page 21: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

adequadamente aos surdos, na sua formação, acredito que é necessário planejar as

aulas com os intérpretes e investir na formação dos mesmos. No momento,

conversamos no corredor, na sala de professores, nas brechas de horário. Na

medida do possível envio com antecedência os textos que serão utilizados na sala

de aula, mas não tenho a expectativa de que possam lê-los. E imagino como seria

ter de ler os textos de todas as disciplinas que interpretam. Se o tradutor é um

traidor, como dizem aqueles que conhecem a etimologia do termo, o que nos trai é a

falta de disponibilidade estrutural. Realizamos o trabalho buscando os meios

pessoais para vencer os obstáculos, e esses não bastam.

Sem poder esgotar possíveis respostas, questiono: como é possível

permanecer em escolas como essas? Se no ensino superior do INES, onde há

intérpretes, recursos tecnológicos, alguns professores que estão mais familiarizados

com a surdez, as dificuldades são imensas, como serão as condições das escolas

regulares nas quais os surdos estão “incluídos”? Que recursos pessoais e

relacionais os surdos precisam acionar para ter sucesso na sua formação? Sucesso

que não se limite à posse de um diploma, mas que signifique a capacidade de

construção ativa de conhecimentos para os quais sua cognição está apta, desde

que, segundo as referências teóricas anteriormente citadas, aconteçam as

interações sociais necessárias.

Observamos que no primeiro período há um número razoável de alunos

surdos. Todavia, à medida que vão avançando os semestres, as turmas ficam

menores e os alunos que mais trancam a matrícula ou evadem o curso são os

surdos. Para permanecer é preciso superar todas aquelas dificuldades enumeradas

anteriormente, fora outras que podem escapar à minha observação. Quem leciona

no nível médio e no nível superior em geral reconhece que seria preciso uma série

de ações para assegurar a permanência dos alunos na escola: tais como garantir o

transporte dos alunos, alimentação, bibliotecas com acervo suficiente, bolsas. É

preciso lembrar sempre as bandeiras de luta do movimento dos profissionais da

educação: educação pública de qualidade e gratuita.

Acredito que não se pode analisar a educação dos surdos sem fazer o recorte

de classe: os surdos pobres enfrentam os maiores desafios. Essas famílias recorrem

ao sistema público de educação e saúde que, conforme sabemos, não lhes

oferecem qualidade e quantidade de serviços que vençam as características

21

Page 22: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

biológicas da surdez; que vençam as barreiras sociais impostas aos surdos; que

possibilitem aos surdos seu pleno desenvolvimento.

Podemos considerar que os recursos presentes, atualmente, no ensino

superior, em especial a presença dos intérpretes e os recursos tecnológicos, não

são suficientes para interferir de forma positiva na permanência dos alunos surdos.

É preciso garantir aos educadores, em especial docentes e intérpretes, a formação

continuada no tempo de serviço. Para tal, é preciso criar vagas para todos os

profissionais que lidam com os surdos, incluindo os assistentes educacionais surdos

(que atuam na educação básica). Gostaria de alertar que estou debatendo as

condições de uma escola exclusiva, creio que isso aponta que numa escola regular

as condições podem ser ainda mais complexas. Também denota que parte das

políticas que objetivam a permanência e o sucesso de alunos com deficiência na

escola se relaciona com as condições de trabalho dos educadores.

Quanto ao sucesso dos alunos, o que se pode considerar: o aproveitamento

revertido em nota, o desempenho apresentado na sala de aula como a capacidade

de argumentação, ou a obtenção do diploma? Acredito que não cabe apenas aos

educadores definir o que é ser bem sucedido na escola. Precisamos escutar esses

alunos para entender suas expectativas e avaliar a sua experiência nesse processo.

Argumento com os alunos que os desafios vivenciados na graduação,

possivelmente estarão presentes com a devida contextualização, nos níveis de

ensino para os quais estão sendo formados. Os problemas que os alunos surdos e

ouvintes enfrentam não são pessoais, nem restritos. Os futuros professores ouvintes

e surdos também terão muitas indagações para fazer ao longo de sua atuação

docente. Tento enfatizar as bandeiras de luta da nossa categoria, sublinhado os

aspectos políticos do processo ensino-aprendizagem; que as condições de trabalho

dos educadores influenciam a permanência e o sucesso dos alunos.

O trabalho docente no Curso de Pedagogia me possibilita entender que a

surdez é apenas uma linha que atravessa os processos de

exclusão/subalternização/marginalização social. Procuro manter minha postura de

pesquisadora e militante, problematizando com meus alunos a forma como encaram

sua posição na sociedade.

22

Page 23: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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23

Page 24: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

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24

Page 25: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

EVASÃO ESCOLAR NO CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM IRRIGAÇÃO E DRENAGEM DO INSTITUTO FEDERAL DE

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ – CAMPUS

DE IGUATU

Raimundo Euzimar de Souza Gomes [email protected]

Frank Wagner Alves de Carvalho

[email protected]

INTRODUÇÃO

A área profissional do curso é Agropecuária, e está amparado nas

Diretrizes Gerais sobre a Educação Profissional, existentes nos Artigos 39, 40,

41 e 42 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, nº 9.394/96;

sua regulamentação estabelecida pelo Decreto nº 5.154/04; pelo Parecer

CNE/CES nº 1.070/99; pela Portaria MEC nº 1.574/02; pelo Parecer CNE/CES

nº 436/01 e, em especial, pelo Parecer CNE/CEB nº 14/04 e pela Portaria

SETEC nº 522, de 17/11/04, a qual autorizou o funcionamento do curso.

O termo Educação Profissional tem uma história recente na

educação. Ele foi introduzido com a nova LDB - Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996 - Cap. III, Art. 39): A educação

profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência

e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a

vida produtiva.

Em nossa tradição educacional, o vocábulo educação tem um

referente de formação geral que tem como objetivo precípuo o

desenvolvimento humano integral informado por valores éticos, sociais,

políticos, de modo a preservar a dignidade intrínseca do ser humano e a

desenvolver ações na sociedade, com base nos mesmos valores; o que requer

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Page 26: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

uma leitura contextualizada e atualizada do mundo nas suas implicações

econômicas, culturais e científico-tecnológicas.

Por se tratar de uma problemática educacional, faz-se necessária a

definição de educação, que segundo GARCIA (1987) é: A ação e efeito de

educar, de desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais do ser

humano; disciplinamento, instrução, ensino.

Essa amplitude de fins e objetivos de ação difere da tradição da

formação profissional que se prende aos fins e valores do mercado, ao domínio

de métodos e técnicas, aos critérios de produtividade, eficiência e eficácia dos

processos. Impõe ao trabalhador certo número de qualificações e, mais

recentemente, a aquisição de competências laborais.

Quanto ao vocábulo Evasão, segundo o Dicionário Eletrônico

Houaiss da Língua Portuguesa, é escapada, fuga. Portanto, evasão escolar se

configura no empreendimento da fuga do aluno da instituição de ensino.

A evasão é um dos problemas aflitivos das instituições de ensino,

em geral. No ensino superior é um problema internacional que perturba e afeta

o resultado dos sistemas educacionais. As perdas de estudantes que iniciaram,

mas não concluíram seus cursos, se configuram em desperdícios sociais,

econômicos e, principalmente, acadêmicos. A busca minuciosa de suas causas

tem sido objeto de muitos trabalhos e pesquisas educacionais.

Sabe-se que as Instituições de Ensino Superior – IES, além do

objetivo de produzir e disseminar conhecimento cultural, devem empenhar-se

para se ajustarem à realidade do País. Para SOUZA (1991), devem promover

uma melhoria de vida na sociedade brasileira, equipando tecnicamente as

elites profissionais e proporcionando ambiente propício às vocações, cujo

destino, imprescindível à formação da cultura nacional, é o da investigação e

da ciência pura.

Visando ao ingresso no mercado de trabalho, melhor qualificação,

ou simplesmente com o intuito de obter um diploma de nível superior, há uma

crescente procura por cursos superiores. Todavia, muitos desses alunos, pelos

mais diversos motivos, abandonam o curso antes do término. E isso acontece

também com o Curso Superior de Tecnologia em Irrigação e Drenagem do

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – campus de

Iguatu.

26

Page 27: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Diante desta séria discussão, este trabalho pretende levantar,

organizar e analisar os dados relativos a esta problemática, e

consequentemente, propor soluções visando à diminuição ou, até mesmo, ao

desaparecimento definitivo deste transtorno educacional vivido não só por esta

Instituição Federal de Ensino, mas por todo o sistema educacional do País.

O Curso Superior de Tecnologia em Irrigação e Drenagem do

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – campus de

Iguatu, segundo a sua justificativa, possui a preocupação básica de habilitar

tecnólogos conscientes dos desafios que se apresentam na gestão dos

recursos ambientais, em particular, dos recursos hídricos e, de posse de

conhecimentos e de tecnologias possam, de fato, redirecionar o

aproveitamento e controle desses recursos.

O curso visa ainda, a instrumentalizar profissionais com

conhecimentos e tecnologias que reflitam os avanços da Ciência e da

Tecnologia e possam enfrentar o mercado de trabalho, a partir do domínio de

competências e habilidades voltadas para o desenvolvimento e soluções

aplicadas aos sistemas de irrigação, tanto no que se refere à elaboração de

projetos quanto na execução e no manejo desses sistemas.

Este trabalho científico busca avaliar o índice de Evasão Escolar no

Curso Superior de Tecnologia em Irrigação e Drenagem do Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – campus de Iguatu, no período

compreendido entre o primeiro semestre de 2005 e o primeiro semestre de

2008. O interesse desta pesquisa veio a lume pela percepção da ocorrência de

um percentual relevante de desistência e trancamentos de matrículas, além do

fato de existir pouca ou nenhuma informação a respeito da evasão de alunos

deste curso.

REVISÃO DE LITERATURA

Antes de tentar tecer qualquer consideração acerca desta pergunta,

gostaria de fazer alusão a um fato histórico. Durante a colonização americana,

os Estados da Virgínia e de Maryland assinaram um tratado de paz com os

índios das Seis Nações, e ofereceram aos nativos que enviassem alguns

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Page 28: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

jovens para as escolas dos brancos. Percebe-se, de acordo com a carta, que

não há uma linha definida para estabelecer um conceito sobre educação,

sendo algo extremamente relativo, dependendo, dentre outros fatores, da

cultura, do modo de vida do sujeito.

Eis a resposta dos Índios:

... Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa. ...Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens. (BRANDÃO, 2007, pp. 08-09).

O vocábulo educação, de acordo com BRANDÃO (2007), deriva do

latim educere, que significa extrair, tirar, desenvolver. Consiste,

essencialmente, na formação do caráter do homem, cujo objetivo é guiá-lo no

desenvolvimento dinâmico, no curso do qual se constituirá como pessoa

humana, dotada das armas do conhecimento, do poder de julgar e das virtudes

morais.

A educação, é inegável, faz parte da vida do ser humano, é uma

verdadeira guia para uma convivência social saudável e o possibilita produzir,

fomentar e disseminar conhecimentos; configura-se, portanto, em um fator

preponderante e imprescindível na formação humana e cidadã da sociedade.

Para SILVA (2005), a educação está situada no coração do desenvolvimento

do ser humano, fazendo frutificar os seus talentos e potencialidades criativas, o

que implica a capacidade de cada um em responsabilizar-se pela realização do

seu projeto pessoal.

Segundo ROMANELLI (2005), a educação para o desenvolvimento,

numa realidade complexa, como é a brasileira, teoricamente não é um conceito

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Page 29: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

fácil de se construir, já que se trata de pensar a educação num contexto

profundamente marcado por desníveis.

De acordo com LIBÂNEO (1994), em sentido amplo, a educação

compreende os processos formativos que ocorrem no meio social, nos quais os

indivíduos estão envolvidos de modo necessário e inevitável pelo simples fato

de existirem socialmente; nesse sentido, a prática educativa3 existe numa

grande variedade de instituições e atividades sociais decorrentes da

organização econômica, política e legal de uma sociedade. Em sentido restrito,

a educação ocorre em instituições específicas, escolares ou não, com

finalidades explícitas de instrução e ensino mediante uma ação consciente,

deliberada e determinada.

Não se pode, todavia, confundir educação com instrução, ou mesmo

com ensino. O primeiro termo, o qual possui um campo semântico muito vasto,

refere-se, segundo LIBÂNEO (1994), a um processo de desenvolvimento

unilateral da personalidade, envolvendo a formação de qualidades humanas –

físicas, morais, intelectuais, estéticas etc. – tendo em vista a orientação da

atividade humana na sua relação com o meio social, num determinado contexto

de relações sociais. O segundo verbete se refere à formação intelectual,

formação e desenvolvimento das capacidades cognoscitivas mediante o

domínio de certo nível de conhecimentos sistematizados. E, finalmente, a

terceira palavra corresponde a ações, meios e condições para realização da

instrução.

Conforme BRANDÃO (2007), a educação é uma fração do modo de

vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções

de sua cultura, em sua sociedade, e não há uma forma única nem um único

modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez

nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor

profissional não é o seu único praticante. Portanto, pode-se dizer que, a

educação ideal para um, pode não ter nenhum sentido para outrem.

Em qualquer tipo de comunidade humana onde ainda não existe

uma rigorosa divisão social das atividades produtivas entre classes desiguais, e

onde o exercício social do poder ainda não foi centralizado por uma classe

como um Estado, existe a educação sem haver a escola e existe o processo de

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Page 30: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

aprendizagem sem haver o ensino especializado e formal, como um tipo de

prática social separada das outras.

BRANDÃO (2007) enfatiza que a educação da comunidade de iguais

que reproduzia em um momento anterior a igualdade, ou a complementaridade

social, por sobre diferenças naturais, começa a reproduzir desigualdades

sociais por sobre igualdades naturais, começa desde quando aos poucos usa a

escola, os sistemas pedagógicos e as “leis do ensino” para servir ao poder de

uns poucos sobre o trabalho e a vida de muitos. Ou seja, é o Estado

burocrático e o formalismo inflexível prestando um desserviço justamente a

quem mais necessita de seus préstimos – as camadas populares.

Pois é exatamente por meio do que separa e de como separa quem

entra e quem sai das escolas que a educação, absolutamente capitalista,

cumpre a sua (des)função de reproduzir, disseminar e consagrar a

desigualdade entre os homens, afirmando, contudo, que existe como um

instrumento democrático de produção da igualdade social por meio do acesso

ao saber.

A escola primária surge em Atenas, por volta do ano 600 a. C. Só

depois da invenção da escola de primeiras letras é que o seu estudo é, pouco a

pouco, incorporado à educação dos meninos nobres. Desta maneira, surgem

em Atenas, segundo BRANDÃO (2007), escolas de bairro, não raro “lojas de

ensinar”, abertas entre as outras no mercado. Ali um humilde mestre-escola,

“reduzido pela miséria a ensinar”, leciona as primeiras letras e contas.

Já o menino escravo, que aprende com o trabalho a que o obrigam,

não chega sequer a essa escola. O menino livre e plebeu, em geral, pára nela.

O menino livre e nobre passa por ela depressa em direção aos lugares e aos

graus onde a educação grega forma de fato o seu modelo de “adulto educado”.

Para melhor visualisação da discriminação presente já naquela

época, transcrevo uma citação do legislador grego Sólon:

As crianças devem, antes de tudo, aprender a nadar e a ler; em seguida, os pobres devem exercitar-se na agricultura ou em uma indústria qualquer, ao passo que os ricos devem-se preocupar com a música e a equitação, e entregar-se à filosofia, à caça e à freqüência aos ginásios. (BRANDÃO, 2007, 40).

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Page 31: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Esta concepção foi ácida e, ironicamente, criticada por Xenofonte,

historiador, poeta e filósofo grego, quase dois séculos depois, quando

expressou que só os que podem criar os seus filhos para não fazerem nada é

que os enviam à escola; os que não podem, não enviam. Desta maneira, o

historiador reduzia a importância da escola a coisa nenhuma.

De acordo com DEOLORS apud KRAEMER (2005), a educação

desenvolve e forma a personalidade humana atuando em todos os aspectos,

começando na família, continuando na escola, e se prolongando por toda

existência. Ela forja no homem a capacidade crítica, permitindo o livre

pensamento e uma ação autônoma.

Pode-se inferir, portanto, que a educação é o princípio por meio do

qual a sociedade humana conserva e transmite a sua peculiaridade física e

espiritual. Para JAEGER (1995), a natureza do homem cria condições

especiais para a manutenção e transmissão da sua forma particular e exige

organizações físicas e espirituais, ao conjunto das quais é dado o nome de

educação.

É razoável dizer que a essência da educação consiste na

modelagem dos homens pelas diretrizes da comunidade. Então, por ser a

educação um contínuo processo de aprendizagem, independentemente de se

levar em conta o caráter temporal ou espacial, o homem não pára e está

sempre em busca de conhecimento, inovação e transformação, visando

sempre a uma troca de conhecimento numa ação continuada de

“aprendizagem-ensinamento-e-aprendizagem”. Assim, conforme

CUNNINGHAM (1975) apud FREIRE (2001), a educação aparece sempre que

há relações entre pessoas e intenções de ensinar-e-aprender.

Ainda segundo ROMANELLI (2005), a necessidade e a conveniência

de manter as diferenças de níveis sociais, tiveram, desde a época da

colonização brasileira, na educação escolar, um instrumento de reforço das

desigualdades. Nesse sentido, a função da escola foi a de ajudar a manter

privilégios de classes, o status quo, apresentando ela mesma como uma forma

de privilégio, altamente discriminatória, quando se utilizou de mecanismos de

seleção escolar e de um conteúdo cultural que não foi capaz de propiciar às

diversas camadas sociais sequer uma preparação eficaz para o trabalho. Ao

mesmo tempo que ela deu à camada dominante a oportunidade de se “ilustrar”,

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Page 32: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

exibindo seu conhecimento acadêmico com alarde e pompa, manteve-se

insuficiente e precária, em todos os seus níveis, atingindo apenas uma minoria

que nela procurava uma forma de conquistar ou manter status. Já no nível da

escola superior, ocorre a predominância de instituições que preparavam para

as carreiras liberais.

Diante desse pensamento, pode-se concluir que a escola concorre

para que apenas as classes privilegiadas, as únicas em condições de consumir

todo o conteúdo, verdadeiro símbolo de poder e instrumento de dominação,

mantenham o monopólio da cultura letrada.

A esses espíritos ociosos interessava muito esse tipo de educação

implantada pelos Jesuítas, cujo objetivo principal era cultivar com dedicação

“as coisas do espírito”, ou seja, uma educação literária, humanista e livresca,

que objetivava apenas dar um brilho de celebridade à inteligência, que

correspondia fielmente aos ideais do homem culto europeu, não perturbava a

estrutura vigente, mantendo-se totalmente alheia a aspectos políticos, e

deixando à margem o ensino técnico, que ainda hoje, apesar de avanços

consideráveis, recebe altas cargas de segregação, de discriminação, pois o

trabalho manual sempre foi considerado degradante, indigno, invariavelmente

preterido, em prol da produção intelectual e científica. Sendo justumente por

isso que as escolas técnicas são direcionadas para os filhos das classes

populares, e não das elites.

Para FREIRE (1981), essa imitação servil de outras culturas produz

uma sociedade alienada, sem consciência de seu próprio existir, pois olha para

o mundo com olhos alheios, uma vez que, quando o ser humano, de maneira

subserviente, pretende imitar a outrem, já não é ele mesmo. Contudo, finaliza o

autor: o erro não está na imitação, mas na passividade com que se recebe a

imitação ou na ausência de análise ou de autocrítica, pois é preciso partirmos

de nossas possibilidades para sermos nós mesmos; também não se pode

esquecer do nosso passado colonial que criou a ordem social escravocrata e

estigmatizou as profissões técnicas e o trabalho manual, então reservados aos

escravos.

Na visão de FREIRE (1996), a educação é um conjunto

humanizador de forças cujo alvo é a liberdade individual e a transformação

social, que possibilitam uma intervenção no mundo. No entanto, é preciso

32

Page 33: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

deixar claro que essa intervenção pode ser positiva ou negativa, pode ser

esclarecedora ou ocultadora, pode ser libertadora ou imobilizadora. Para o

autor, é por meio da educação, especificidade humana, que se pode contestar

a reprodução da ideologia dominante.

EVASÃO ESCOLAR

Evasão escolar é o desligamento do aluno de sua instituição de

ensino, e se constitui em uma preocupante realidade enfrentada pelo sistema

educacional. Deve ser levada muito a sério, pois representa um forte fator de

desequilíbrio da educação escolar. É preciso que as instituições de ensino

saibam não só atrair o alunado, mas também motivá-lo a estudar e a

permanecer na escola.

Segundo VASCONCELOS & BRITO apud FREIRE (2006,109-110),

evasão escolar é:

um eufemismo que imputa ao estudante uma responsabilidade que não é sua. O que há é uma escola que não atende a uma faixa da população, que não atinge as diferentes classes sociais, prevendo diferentes formas de aprendizado, ou seja, o que existe é uma educação feita por uma elite, para essa mesma elite. O aluno que não se encaixar nos parâmetros “desejáveis” terá dificuldade de assimilar os conteúdos estabelecidos, muito distantes que são da sua realidade. Para evitar a evasão é necessário entender a realidade circundante, promovendo uma aprendizagem a partir dessa realidade.

Para mim, o problema não é evasão, é expulsão. As escolas expulsam muito mais do que delas se evadem os alunos. Esse é um problema que tem de ser discutido, criticado, analisado. Em um determinado momento o adolescente descobre - e descobre sofridamente - que a escola não bate com as dúvidas dele, que a escola não corresponde às suas ansiedades. E, tanto quanto ele possa, o adolescente deixa a escola. No fundo a escola não se tornou capaz de evitar que o adolescente não encontrasse nada, nenhum sentido nela.

Muitas vezes, no entanto, não se pode colocar a culpa totalmente

nas instituições de ensino, uma vez que se trata, a meu ver, de uma

problemática bem mais ampla e que merece ainda estudos mais detalhados.

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Page 34: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Trata-se de um problema crônico em todo o Brasil, sendo muitas

vezes tolerada por algumas instituições de ensino, que chegam ao absurdo de

admitir a matrícula de um número mais elevado de alunos por turma do que o

necessário, pois já prevêem a evasão.

Para BRUNO & ABREU (2006), quando um aluno abandona a

escola, a escola já o abandonou há tempos. O fracasso já foi produzido e

nesse momento – o da evasão – já se cristalizou e se desdobrou, ou seja, as

autoras não levam em conta os fatores externos à escola.

O fracasso escolar, para CARVALHO (1997), alimenta a exclusão

social e é alimentado por ela. Verifica-se, portanto, uma reciprocidade das

implicações entre as estruturas internas e externas à escola no que se refere à

produção e à legitimação dessa cultura da evasão escolar.

Compreender o fracasso escolar, para ARROYO (1991,17), é:

Compreendê-lo como parte da estrutura social e política de um sistema que reforça e legitima uma sociedade seletiva, desigual e excludente. E o sistema escolar não é diferente. Está estruturado para excluir, materializando uma cultura em relação ao fracasso que por sua força e persistência desafia os esforços de educadores, mesmo os mais progressistas.

Diante dessas observações e conclusões, faz-se necessária uma

urgente mobilização da comunidade escolar, e da sociedade em geral, no

sentido de conscientizar e sensibilizar a todos – professores, alunos, pais,

diretores de instituições de ensino etc. a respeito dessa problemática

educacional.

É preciso combater de todas as formas a evasão escolar, e para

isso, o primeiro passo é garantir uma educação de qualidade desde o ensino

fundamental, valorizando os professores e oferecendo especial atenção

àqueles alunos que se mostram menos afeitos ao curso, ou a determinados

componentes curriculares.

Sobre a valorização docente, FREIRE (2006) enfatiza que os

professores precisam ser respeitados, terem o seu trabalho reconhecido e

valorizado, pagos com decência, chamados à discussão de seus problemas e

das situações que afligem o país, embutidos na problemática educacional. Não

34

Page 35: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

podem ser diminuídos, desconsiderados, responsabilizados pelas fundas

lacunas de sua formação.

Em trabalhos produzidos por BRANDÃO et al. (1983), são

apresentados os resultados de uma pesquisa elaborada e desenvolvida pelo

Programa de Estudos Conjuntos de Integração Econômica da América Latina

(ECIEL), o qual se baseou em uma amostra de cinco países latino-americanos,

e concluiu que o fator mais importante para compreender os determinantes do

rendimento escolar é a família do aluno, sendo que, quanto mais elevado o

nível da escolaridade da mãe, mais tempo o aluno permanece na escola e

maior é o seu rendimento.

Perante essa verificação, pode-se estabelecer que a família é um

dos principais determinantes do fracasso escolar do aluno, seja pelas suas

condições de vida, seja por não acompanhá-lo e orientá-lo em suas atividades

escolares.

METODOLOGIA

Para atingir os objetivos definidos foi utilizada a estratégia de

pesquisa documental, que teve por base as informações contidas nos diários

de classe dos professores e nas fichas de inscrições dos alunos. Após o

levantamento dos dados e conclusão da entrevista foram gerados gráficos

informativos dos principais aspectos contidos na quesitação apresentada aos

sujeitos da pesquisa.

O horizonte temporal para a realização da pesquisa foi fixado desde

a turma inicial – primeiro semestre de 2005 – até a turma do primeiro semestre

de 2008.

Para a conclusão dos trabalhos foi feita uma análise qualitativa e

estatística dos principais dados levantados, utilizando-se o programa Microsoft

Office Excel e as equações explicitadas abaixo.

Após a tabulação dos resultados, foram construídas tabelas

interpretativas e realizada análise estatística dos principais indicadores.

Para determinação dos percentuais, de acordo com MARTINS

(2001), foram utilizadas as equações abaixo:

35

Page 36: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

XiXX ⋅±=′

Onde:

X ′ = novo valor;

=X valor anterior;

=i taxa percentual.

100% xf

fXi

i⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛=∑

Onde:

=if valor particularizado;

=∑ if soma total dos valores

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em relação à quesitação efetuada, os resultados obtidos passam a

ser analisados de acordo com a divisão com que estão alocadas no

instrumento aplicado. A primeira pergunta é referente à procedência geográfica

do estudante. Os resultados obtidos para a amostra considerada – (13 alunos –

de um total de 34), indicaram que o percentual de estudantes oriundos de

Iguatu – CE, que ingressaram no Curso de Tecnologia de Irrigação e

Drenagem, abandonando-o após algum tempo, foi de 76% - (10 alunos). Isso

deixa claro que a grande maioria dos estudantes que ingressa no curso

superior do IFCE – campus de Iguatu é proveniente do próprio município. Os

demais 24% são procedentes de municípios da região Centro-Sul do Estado.

Esses resultados podem estar refletindo também o fato de que, sendo Iguatu,

município pólo da região, e contar com muitos cursos superiores, os estudantes

da cidade sentem-se motivados a dar continuidade à sua formação acadêmica,

36

Page 37: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

e assim, estarem mais predispostos a ingressarem no ensino superior.

Os resultados obtidos para a faixa etária dos estudantes que

ingressam no curso nos evidenciam uma completa heterogeneidade de faixa

etária dos alunos evadidos. Percebeu-se que a faixa de idade dos evadidos

varia de 16 a 40 anos. Apenas 4 alunos – (cerca de 30%) – estão dentro da

interface considerada comum – (de 16 a 19 anos). O restante – cerca de 70% -

possui idade que varia de 22 a 40 anos, ou seja, fora da idade considerada

normal para o acesso ao nível superior. Os resultados sugerem que a maioria

dos estudantes que ingressa no curso já concluiu o ensino médio há algum

tempo, inclusive segundo o relato de alguns professores do curso, os

estudantes fazem esta observação quando sentem dificuldade na realização de

algumas atividades de sala de aula.

Outra possibilidade para explicar o fato da faixa etária mais elevada

é a possível necessidade de que esses estudantes tenham ingressado em

alguma atividade de trabalho (de natureza provisória) e que depois tenham

ficado sem a atividade. O item 06 (quais as razões que o levaram a desistir do

curso?) corrobora esta possibilidade, já que 54% disseram ter abandonado o

curso por motivos de ingresso no mercado de trabalho.

Para a indagação sobre a renda familiar do estudante (fator de

fundamental importância para a estabilidade do aluno no que diz respeito à

permanência na Instituição), as respostas mostraram que 38% (5 alunos)

pertencem a famílias que ganham entre 2 a 3 salários mínimos, 23% (3 alunos)

fazem parte de famílias que recebem mensalmente entre 3 a 4 salários

mínimos, outros 23% (3 alunos) se enquadram em famílias que têm um

rendimento melhor, pois percebem mais de 5 salários mínimos por mês. Foi

revelado que apenas 16% pertencem a famílias que têm rendimento entre 1 e 2

salários mínimos.

Observa-se que, como poderia se previr, o menor contingente

enquadra-se na renda mais baixa, haja vista que, na grande maioria dos casos,

as pessoas que pertencem aos níveis de renda mais baixos direcionam suas

atividades para o mercado de trabalho, pois de outra forma seria muito difícil

conseguir manter-se (e em muitos casos, as suas famílias, pois alguns

estudantes são casados). Pode-se observar pelas respostas obtidas que as

razões de ingresso no curso são extremamente variadas.

37

Page 38: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Não se observou uma padronização nos argumentos relatados para

justificar a razão de começar o Curso de Tecnologia de Irrigação e Drenagem,

flutuando desde a influência da família e amigos, até ser o vestibular do IFCE –

campus de Iguatu a única opção para cursar a educação superior. Isso sugere

não haver, por parte de uma parcela dos candidatos, uma consciência mais

assentada sobre a escolha do curso, o que pode provocar, em médio e longo

prazos, o abandono dos estudos. Outras respostas que chamam a atenção é

que uma parte dos estudantes que desistiu do curso após certo tempo,

declarou possuir afinidade com a área em que o curso está inserido. Aqui se

coloca, possivelmente, o fato de que razões de outra ordem, além da escolha

não-consciente, podem estar afetando o comportamento do estudante.

De acordo com as respostas coletadas, a evasão desses alunos não

se deveu às condições do mercado de trabalho, pois 61% (8 alunos)

consideram que o nível de oportunidades de emprego nessa área está entre

bom ou ótimo. 39% (5 alunos) consideram que falta incentivo por parte das

autoridades governamentais.

Este quesito retrata bem as prováveis causas das evasões do curso

superior em Tecnologia em Irrigação e Drenagem do IFCE – campus de Iguatu.

Foi constatado que 8% (1 aluno) desistiram devido à dificuldade financeira de

se locomover, uma vez que reside em outra cidade. A causa de desistência de

15% (2 alunos) foi a imensa quantidade de cálculos que as disciplinas do curso

possuem. 23% (3 alunos) disseram ter sido aprovados em outro vestibular. O

ponto que mais chama a atenção é o abandono do curso por motivo de

consecução de um emprego, pois 54% (7 alunos) apontaram esta a razão da

sua desistência.

Percebe-se que os alunos não têm uma visão ampla de futuro, visto

que trocam um curso superior, que num período de médio prazo poderia lhes

render um emprego, financeiramente mais satisfatório, por empregos não

qualificados, sem nenhum vínculo ou garantia e de poucos rendimentos, já que,

conforme as respostas apuradas no item 10, todos afirmaram receber apenas

um salário mínimo.

No que diz respeito à hipótese de retomar o curso superior no IFCE

– campus de Iguatu, uma parcela considerável, equivalente a 61% (8 alunos),

afirmou que pretende reiniciá-lo. Em contraposição, 39% (5 alunos)

38

Page 39: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

descartaram essa possibilidade. Isso confirma e evidencia que a maior parte

abandonou o curso devido a questões totalmente extrínsecas à Instituição,

inclusive com razões ligadas à estruturação macroeconômica e

microeconômica do País, pois quando se considera a desistência por conta de

ingresso no mercado de trabalho, fica implícito que o imediatismo e a incerteza

quanto ao futuro agem de forma muito mais significativa do que qualquer forma

que a Instituição adotasse para demover o estudante de sua opção de

abandono.

As respostas sobre se os desistentes pretenderiam continuar sua

formação em nível superior (em outra instituição), obteve-se 100% de

respostas afirmando que sim. Isso apenas reflete a tendência de se considerar

a educação superior formal como um fim em si mesmo, refletindo a elevada

elasticidade – renda da demanda (ξR) por este tipo de educação, sendo

classificada ou como bem superior ou como bem normal.

O fato de o curso ter uma afinidade muito estreita com a área de

exatas (matemática, física, geometria, topografia, estatística, entre outras), que

lhe confere uma grande quantidade de disciplinas com forte ênfase em

cálculos, a necessidade de ingresso no mercado de trabalho (fator fortemente

apontado pelos sujeitos da pesquisa), e a situação dos que buscam ingresso

em outras carreiras (até por conta de que projetam ganhos futuros maiores,

como é o caso dos estudantes que desistiram para ingressar no Curso de

Direito), todos estes fatores juntos expressam uma força explicativa muito

grande para os resultados obtidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste trabalho, os resultados permitem concluir que a

grande maioria dos alunos que evadem o Curso de Tecnologia de Irrigação e

Drenagem do IFCE – campus de Iguatu é oriunda do próprio município de

Iguatu – CE, sendo a faixa etária desses alunos bastante elástica, variando de

16 (dezesseis) a 40 (quarenta) anos; a maior parcela desses estudantes

pertence a famílias que têm rendimentos de 2 (dois) a 3 (três) salários

mínimos, ou seja, não se encontram na base, tampouco no topo da pirâmide,

39

Page 40: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

pois famílias com rendimentos menores que esses, geralmente direcionam

seus filhos para atividades laborais, na maioria das vezes agrícolas, o que

sugere que a educação profissional, considerando-se a sua elasticidade-renda

da demanda para essas famílias, seria classificada como bem superior.

Todavia, famílias com altos rendimentos costumam encaminhar seus

descendentes para escolas que possuem um total direcionamento para o

vestibular, o que sugere uma elasticidade-renda da demanda para educação

profissional classificada como bem inferior.

Em relação às causas que levaram os estudantes a escolher o

Curso de Tecnologia em Irrigação e Drenagem, os resultados apontaram para

uma não-padronização das razões, sendo que vão desde influências familiares

e de amigos, até ser o IFCE – campus de Iguatu a única opção que dispõem

para cursar a educação de nível superior. Isso sugere que não há uma

consciência definida quando do ingresso desses estudantes no curso.

No que tange, especificamente à evasão escolar, os resultados

obtidos neste trabalho por meio da pesquisa parecem contrariar a maior

parcela dos estudiosos sobre este tema, uma vez que as causas da evasão

mencionadas pelos ex-alunos sugerem justificativas extra-escola, além do fato

de um grande número de alunos evadidos considerar a hipótese de retomar o

curso.

Apesar de os fatores de evasão apontarem, teoricamente, para

causas externas à escola, os resultados não deixam de inquietar, pois se

apresentaram com índices muito elevados para os padrões normais de evasão.

Esses resultados mostram que se torna necessária uma avaliação urgente dos

setores vinculados à esfera pedagógica do campus de Iguatu no sentido de

buscar alternativas para, se não zerar, pelo menos trazer para níveis mais

aceitáveis os indicadores em análise.

40

Page 41: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

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3 ed. – Coleções polêmicas do nosso tempo. São Paulo: Cortez, 1991.

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41

Page 42: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

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MARTINS, Gilberto de Andrade. Estatística Geral e Aplicada. São Paulo:

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WIKIPÉDIA, Enciclopédia Livre. 2008. Disponível em:

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia>. Acesso em 25.06.2008.

42

Page 43: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

OFERTA E DEMANDA POR EDUCAÇÃO NOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA: O CASO DO IF DO CEARÁ

– CAMPUS DE IGUATU

Frank Wagner Alves de Carvalho [email protected]

Ahmad Saeed Khan

Lúcia Maria Ramos Silva

INTRODUÇÃO

Os índices de desenvolvimento humano, dos diversos países, indicam o nível

de discrepância entre as condições de bem-estar das populações dos países

desenvolvidos e a dos países em desenvolvimento. De acordo com BECKER (1990), o

processo de crescimento de um país está diretamente relacionado ao nível de

investimentos feitos em capital humano.

Dentre as regiões brasileiras, o Nordeste é a que apresenta o maior índice de

analfabetismo (28,7%), o que é consistente com o menor desenvolvimento desta região

em relação às demais. As estatísticas mostram, ainda, que o Estado do Ceará tem

36,5% de analfabetismo na faixa de 07 a 14 anos e 31,5% entre as pessoas com mais

de 15 anos. Estes dados demonstram a necessidade de investimentos neste setor e

incentivos para a população, especialmente a de mais baixa renda, e a residente no

setor rural que, em geral, tem maior dificuldade de acesso à escola.

São conhecidas as dificuldades de muitos jovens, residentes nos diversos

municípios do país e em áreas rurais, de continuarem seus estudos após a conclusão

do 1o grau, equivalente, atualmente, ao Ensino Fundamental, de acordo com a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei No 9394/96); os principais empecilhos são:

necessidade de trabalhar, falta de escolas do 2o grau, equivalente ao Ensino Médio, e a

falta de recursos para se manter estudando em outras localidades.

43

Page 44: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Considera-se, portanto, a relevância desta Instituição, o Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE, para o município de Iguatu e para o

Estado do Ceará, tendo em vista a grande vocação agropecuária dos mesmos e a

contribuição que a referida Escola tem dado às comunidades inseridas dentro de sua

área de abrangência.

Pretende-se, neste estudo, identificar e analisar a oferta e a demanda por

educação técnica no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará –

campus de Iguatu.

MATERIAIS E MÉTODOS

Um projeto de investimento de capital é qualquer ação produtiva, de vida

limitada, que implique a imobilização de alguns recursos financeiros, na forma de bens

de produção, em determinado momento, na expectativa de gerar recursos (futuros)

oriundos da produção (NORONHA e DUARTE, 1995).

No processo de avaliação, consideram-se os fluxos de receitas e de custos,

que ocorrem ao longo de um horizonte pré-definido de tempo. O confronto entre dois

fluxos possibilita a determinação dos retornos aos investimentos (SOARES, 1999) e

(SINGH, 1989).

De acordo, BECKER (1964), os ganhos de todo o tempo de vida de um

indivíduo podem ser interpretados como uma série de retornos ao investimento feito em

sua educação formal.

Se o valor da educação técnica de um indivíduo (V) é igual ao fluxo descontado

de benefícios que ele espera de sua vida de trabalho, pode-se calculá-lo pela fórmula:

∑=

+=n

1t

tt )r1/(YV

Onde:

V = valor da educação técnica;

Yt = ganhos esperados no ano t;

44

Page 45: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

n = número de anos de vida de um indivíduo em que ele pode ganhar dinheiro,

inclusive anos gastos na escola de técnica;

r = taxa de desconto. Pressupõe-se, por simplicidade, que r permanece a mesma a

cada ano.

O valor presente do custo privado da educação técnica (C) será:

∑=

+=n

1t

tt )r1/()C(C

Onde:

Ct = custos para incrementar as atividades de capital humano no ano t.

O valor presente líquido dos ganhos (Vn), provocado pela educação técnica,

pode ser considerado como o valor presente de um fluxo de diferenças entre os ganhos

brutos e os custos, em cada ano, a ela associados. Então, o valor presente da

sequência de ganhos líquidos resultantes da educação técnica será dado por:

∑=

+−=n

1t

tttn )r1/()CY(V

Ou ainda:

∑=

+==n

1t

ttn )r1/()Z(ZV

Onde:

Z t = (Y t - C t)

Se X for o ganho líquido no tempo t, associado a outra atividade, por exemplo,

aquela na qual um indivíduo, com ensino fundamental completo, ingresse na força

de trabalho em vez de seguir um curso técnico, o valor presente do fluxo de ganhos

líquidos (X ), associados a esta atividade, seria:

45

Page 46: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

∑=

+=n

1t

tt )r1/()X(X

O valor presente dos ganhos (G) provocados pela educação técnica, em

relação àqueles associados com (X), pode ser calculado como:

G = Z - X

Onde:

∑∑==

+−+=n

1t

tt

n

1t

tt )r1/()X()r1/()Z(G

Os benefícios privados da educação técnica são compostos de:

- Benefícios Monetários – os ganhos adicionais por toda a vida tornados

possíveis pela educação técnica;

- Benefícios Psicológicos – adicional de ganhos através do acréscimo de

conhecimentos, alargamento das oportunidades de trabalho, prestígio e outras

vantagens sociais e culturais advindas da educação técnica.

Da mesma forma, os custos privados da educação técnica podem ser

decompostos em vários componentes:

- Despesas institucionais diretas tais como taxas, compra de livros e outros

materiais, bem como quaisquer custos adicionais associados à educação técnica.

Estes custos diretos são influenciados pelo método através do qual eles são

financiados. Ajuda financeira na forma de bolsas escolares ou doações servem para

reduzir os gastos educacionais de um indivíduo, aumentando, desse modo, o retorno

líquido esperado à educação técnica;

- Custo de Oportunidades – qualquer renda adicional que o indivíduo

poderia ter ganhado se ele não estivesse na escola técnica;

- Custos Psicológicos – o aborrecimento e tensão em virtude dos estudos,

exames etc., por exemplo, dependem do local, tipo e qualidade da instituição de ensino

técnico e da tendência ou vocação do indivíduo para os estudos desse nível.

46

Page 47: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Um indivíduo, com ensino fundamental completo, toma sua decisão de

ingressar numa escola técnica baseado nos benefícios e custos esperados a ela

associados. Para um dado conjunto de custos e benefícios haverá uma taxa implícita

de retorno. A taxa de retorno é definida como a taxa de desconto que faz o valor

presente dos ganhos (G) igual a zero, e pode ser calculada como:

∑∑==

=+−+n

1t

tt

tn

1tt 0)m1/()X()m1/()Z(

Onde:

m = taxa interna de retorno.

A lei da demanda aplica-se a todos os bens superiores e normais. A menos

que a educação técnica seja um bem de Giffen, um aumento nos custos (preços) da

educação técnica diminuirá o número demandado de inscrições para matrícula nos

Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

A FUNÇÃO DA DEMANDA

Uma representação formal da demanda por educação técnica, que inclui os

aspectos de investimento e de consumo, é dada pela seguinte equação:

Q t = f (Pt , Xt1, Xt2 , Xt3, Xt4)

Onde:

Q t = número de indivíduos que ingressam no campus de Iguatu, no ano t;

Pt = taxa paga pelo estudante no ano t, expressa em R$;

Xt1 = salário mínimo, média anual, em R$ no ano t, usado como “Proxy” para os ganhos

futuros do estudante com educação técnica, em virtude dos ganhos (piso

salarial) serem indexados à quantidade de salários mínimos;

Xt2 = população do município de Iguatu no ano t, usada como “Proxy” para o número de

candidatos potenciais aos cursos do campus;

47

Page 48: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Xt3 = PIB do Estado do Ceará no ano t, em R$, usada como “Proxy” para renda das

famílias dos potenciais candidatos a ingressar no campus de Iguatu;

Xt4 = número Institutos Federais no ano t.

A FUNÇÃO OFERTA

De acordo com a Teoria da Oferta, o número de vagas oferecidas para

matrículas por um campus deveria estar positivamente relacionado à taxa (preço) paga

pelos estudantes, recursos financeiros recebidos pela instituição e número de docentes

contratados pela instituição.

Uma apresentação formal da oferta do número de vagas é dada pela seguinte

equação:

Q t = f (Pt, Xt5 , Xt6 , Xt7)

Onde:

Q t e Pt = são definidos como anteriormente;

Xt5 = orçamento campus de Iguatu, em R$, no ano t;

Xt6 = número de docentes do campus de Iguatu, no ano t;

Xt7 = tendência.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados da equação estrutural de demanda por educação técnica, no

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – campus de Iguatu

encontram-se na TABELA 1.

48

Page 49: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

TABELA 1 – Equação selecionada para estimativa da relação estrutural de demanda

por educação técnica no Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Ceará – campus de Iguatu, 1986 – 1998

Variáveis Coeficie

ntes

Desvio

Padrão

Estatística t Valor – P Elasticidad

es

Interseção

Pt

Xt1

Xt2

Xt3

Xt4

R2: 0,846

F de Snedecor: 0,009

Pesaran & Pesaran:

0,140

Teste de Godfrey: -

0,456

-

1066,12

8

-

0,227*

0,644**

0,017**

-

8,6E9**

-1,171

244,043

0,129

0,254

0,003

3,4E-9

2,896

-4,368

-1,758

2,525

4,933

-2,547

-0,404

0,003

0,122

0,039

0,001

0,038

0,698

-

-

0,176

0,397

7,640

-0,520

-0,260

FONTE: Resultados da pesquisa

* O coeficiente é maior que o seu desvio padrão;

** O coeficiente é pelo menos duas vezes o seu desvio padrão.

Os coeficientes na equação de demanda (Tabela 1) apresentaram os sinais

consistentes com a teoria econômica, à exceção da variável explicativa produto interno

bruto do Estado do Ceará (Xt3), que teve relação negativa com a variável dependente.

O variável produto interno bruto foi usado como “Proxy” para renda das famílias

dos candidatos potenciais à educação técnica. O sinal do coeficiente pode estar sendo

afetado pelo método de cálculo do PIB do Estado do Ceará, que variou muito, ao longo

do tempo, e apresenta distorções em seu valor real, não representando

adequadamente o poder aquisitivo (renda) das famílias dos candidatos aspirantes,

superestimando-a. Pode-se considerar também que uma renda mais alta levaria as

famílias a preferir matricular os filhos numa escola com ensino propedêutico, não-

técnico.

49

Page 50: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Com relação à significância dos parâmetros, quase todos foram significantes,

exceto o variável número de Institutos Federais (Xt4), cujo coeficiente não foi

significativo. Esta não significância do parâmetro pode estar condicionada ao fato de

que a distância entre elas, em alguns casos, é grande, o que provocou uma ação

diluída do fator. O poder explicativo da regressão foi elevado, pois o coeficiente de

determinação múltipla foi igual a 0,846.

O coeficiente de elasticidade-preço da demanda de vagas no campus de Iguatu

foi de –0, 176, indicam uma acentuada inelasticidade da demanda de vagas.

ANÁLISE DA EQUAÇÃO ESTRUTURAL DE OFERTA TABELA 2 – Equação selecionada para estimativa da relação estrutural de oferta de

educação técnica no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

do Ceará – campus de Iguatu, 1986 – 1998

Variáveis Coeficient

es

Desvio

Padrão

Estatística

t

Valor – P Elasticidad

es

Interseção

Pt

Xt5

Xt6

Xt7

R2: 0,767

F de Snedecor:

0,011

Pesaran & Pesaran:

0,933

Teste de Godfrey: -

0,247

-86,303

-

0457**

8,4E-

6**

0,844

2,732*

98,201

0,110

2,8E-6

0,925

1,372

-0,878

-4,129

2,954

0,912

1,991

0,405

0,003

0,018

0,388

0,081

-

-0,356

0,270

0,140

1,432

FONTE: Resultados da pesquisa

* O coeficiente é maior que o seu desvio padrão;

** O coeficiente é pelo menos duas vezes maior que o seu desvio padrão.

50

Page 51: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Todas as variáveis exógenas incluídas na equação estrutural de oferta, com

exceção da variável número de docentes, apresentaram-se significativas, ou seja,

tiveram o valor absoluto de seus coeficientes maiores que seus respectivos desvios-

padrão. Em relação aos sinais dos coeficientes da equação estrutural de oferta, com

exceção da variável Pt, que se apresentou negativa quando o normal seria que se

apresentasse positiva, todos estão coerentes com a teoria econômica.

O sinal negativo associado à variável Pt mostra que a taxa cobrada na série

histórica considerada (1986-98) não representa o valor da educação do estudante,

porque no campus de Iguatu o estudante interno, além da educação, tem à disposição,

entre outros benefícios, alimentação e alojamento. Depreende-se, então, que o valor

cobrado representa um preço negativo, por não incluir todos os valores que

representam o custo da educação.

O coeficiente de determinação múltipla (R2) apresentou valor 0,767, o qual

pode ser considerado satisfatório. O coeficiente de elasticidade-orçamento de oferta de

vagas indica que um aumento de 100% no orçamento do campus de Iguatu, provoca

um acréscimo de 27% na quantidade ofertada de vagas. Isto sugere que uma das

fontes mais importantes que permitem uma expansão no número de vagas na escola é

o seu orçamento, proveniente do Governo Federal. A diminuição no fluxo de verbas

provenientes da União para o campus de Iguatu levará a uma estagnação, ou até a

uma redução no número de vagas, ofertadas a cada ano.

CONCLUSÕES E SUGESTÕES

O valor encontrado para o coeficiente de elasticidade-preço permite concluir

que a demanda de vagas no IF do Ceará – campus de Iguatu é inelástica em relação a

preço.

Finalmente conclui-se, pelos resultados, que algumas das mais importantes

fontes de recursos que possibilitam incrementos na oferta de vagas e ampliação da

infra-estrutura física do campus de Iguatu é a proveniente do seu orçamento e do

aumento de suas receitas próprias. Estes recursos são vitais para o seu funcionamento

51

Page 52: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

e, pela importância social exercida pela escola, torna-se importante a ampliação dos

mesmos.

No que diz respeito à perspectiva de ganhos futuros por parte dos estudantes e

sua inserção no mercado, sugere-se que o campus desenvolva um trabalho

permanente de acompanhamento da atividade dos egressos, realize encontros

periódicos, procurando, concomitantemente, estabelecer convênios com instituições de

fomento, visando possibilitar implantação de projetos desenvolvidos pelas mesmas,

assessorados por profissionais da Escola.

Sugere-se, para aumento da receita do campus, a criação de um balcão

tecnológico formado por professores, técnicos e alunos. Esse balcão teria a finalidade

de elaborar projetos agropecuários, desenvolver parcerias e realizar pesquisas

relacionadas com a realidade da região.

Deve-se, enfim, buscar uma ampliação dos recursos provenientes do Governo

Federal, de forma a possibilitar uma ampliação na infra-estrutura física do campus de

Iguatu, bem como um incremento na oferta de vagas por parte da mesma,

proporcionando, assim, maiores benefícios à sociedade.

52

Page 53: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BECKER, G. S. Human Capital: a theoretical and empirical analysis with special reference to education, New York, National Bureau of Economic

Research, 1964.

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CRESPO, J. E. Q. Análise Estrutural do Mercado de Exportação do Açúcar Brasileiro, Fortaleza, UFC/DEA, p.28-35, 1997. (Dissertação de Mestrado).

NORONHA, J.F. e DUARTE, L.P. Avaliação de Projetos Investimentos na Empresa

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1995. p.213-251.

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de Economia e Sociologia Rural. Brasília, v. 27, n. 2, p. 215-233, abr/jun. 1989.

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Page 54: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO DDEE JJOOVVEENNSS EE AADDUULLTTOOSS EE EECCOONNOOMMIIAA SSOOLLIIDDÁÁRRIIAA::

OO TTRRAABBAALLHHOO CCOOMMOO PPRRIINNCCÍÍPPIIOO EEDDUUCCAATTIIVVOO EE HHUUMMAANNIIZZAADDOORR DDOO SSEERR

HHUUMMAANNOO

Eliesér Toretta Zen

Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG

Especialista em Filosofia e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.

Professor de Filosofia e Metodologia de Projetos, no PROEJA, e de Filosofia da Educação, no curso Superior de Licenciatura em Matemática do Instituto Federal do

Espírito Santo – IFES.

Leciona a disciplina: Economia Solidária e Cooperativismo na Especialização do Proeja.

E-mail: [email protected]

Que para todos haja sempre pão para saciar a fome Educação para aliviar a ignorância

Saúde para espantar a morte Terra para colher o futuro

Teto para abrigar a esperança E trabalho para fazer dignas as mãos

(EZLN)

Resumo O artigo busca articular Trabalho, Economia Solidária e Educação de Jovens e Adultos.

Nesse sentido, assume o trabalho como dimensão ontológica na constituição e

formação do humano. O trabalho tem uma potencialidade ontologicamente formadora

dos seres humanos na medida em que é, pelo trabalho, que os seres humanos

transformam a natureza, criando cultura, humanizando a natureza e a si próprios,

reconhecendo-se a si mesmo como criador e sujeito de sua história. O trabalho, em sua

concepção ontológica, supera a alienação e desumanização imposta pelo modo de

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Page 55: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

produção capitalista ao trabalhador. A economia solidária, ao colocar no centro do

processo produtivo e educativo o ser humano, e não o capital, reforça e comunga da

concepção de trabalho na perspectiva ontológica. Nesse sentido, a economia solidária

articula a unidade entre produção e reprodução, trabalho intelectual e manual, teoria e

prática, concepção e execução, evitando a contradição fundamental do sistema

capitalista, que desenvolve a produtividade tendo como meta o lucro, excluindo

crescentes setores de trabalhadores do acesso aos bens fundamentais a uma vida

digna. Dessa forma, a Economia Solidária parte do pressuposto de que os sujeitos

jovens e adultos são trabalhadores, portanto, o trabalho em sua dimensão ontológica,

emerge como dimensão fundamental para a compreensão do ser desses sujeitos e

para a superação do caráter alienado do trabalho inerente ao sistema capitalista.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos – EJA, Economia Solidária, Trabalho,

Humanização e Desumanização.

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Page 56: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

INTRODUÇÃO

Refletir sobre o trabalho como princípio educativo e humanizador dos seres

humanos faz-se necessário ao considerarmos os sujeitos jovens e adultos como

trabalhadores. Nesse sentido, o trabalho emerge como dimensão fundamental para a

compreensão do ser desses sujeitos. De modo geral, são trabalhadores assalariados,

desempregados, subempregados, da cidade ou do campo, que lutam pela

sobrevivência. A Economia Solidária surge como resistência da classe trabalhadora às

formas perversas de exclusão do modo de produção capitalista. As pessoas que foram

excluídas não têm alternativa para conseguir viver, para garantir a reprodução da vida

ampliada, a não ser organizando-se de forma solidária.

O atual contexto do capitalismo tem originado uma grande produção do

desemprego. São muitos sujeitos. Entre eles, jovens e adultos fora do mercado formal

de trabalho assalariado, que não conseguem vender a sua força de trabalho. Esta é a

realidade de um sistema de produção que se configura pela busca incessante do lucro,

em uma sociedade que se define pelo poder do dinheiro, sistema este que declarou

homens e mulheres como figuras fundamentais para a transformação de matérias em

mercadorias, explorando a função do trabalho de forma alienante e desvinculada do

processo educacional de pensar, para não correr o risco de se transgredir a ordem do

determinismo neoliberal e para o qual a sociedade deve se sujeitar às exigências do

mercado sem questionar os seus métodos (MÉSZÁROS, 2005).

OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) E O MUNDO DO

TRABALHO

O mundo do trabalho tem sido marcado por um processo de reestruturação

produtiva e de acumulação financeira, observado a partir de meados da década de 90,

o que tem ocasionado efeitos na reconfiguração tecnológica e organizacional dos

processos produtivos. Esses fatos acabam comprometendo os vínculos de 56

Page 57: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

emprego/trabalho e acentuando a lógica destrutiva na relação entre os seres humanos

e a natureza. Antunes (1998) afirma que o capitalismo, com a configuração que vem

assumindo nas últimas décadas, acentuou sua lógica destrutiva:

O padrão produtivo taylorista e fordista vem sendo crescentemente substituído ou alterado pelas formas produtivas flexibilizadas e desregulamentadas, das quais a chamada acumulação flexível e o modelo japonês ou toyotismo são exemplos; o modelo de regulação social-democrático, que deu sustentação ao chamado estado de bem estar social, em vários países centrais, vem também sendo solapado pela (des)regulação neoliberal, privatizante e anti-social (ANTUNES, 1998, p. 40).

De acordo com o eminente autor, algumas características podem ser

enumeradas para qualificar as modificações no sistema de produção capitalista, que

vêm fragmentando e reduzindo a classe trabalhadora: a incorporação da ciência e

inovação tecnológica nos processos produtivos, a produção global e flexível, a nova

forma organizacional – toyotismo, a qualidade total e a globalização do capital

financeiro. A partir de todas essas mudanças, o que se percebe é que o volume de

desemprego aumenta e diversifica a sua forma, além de atingir desigualmente os

indivíduos segundo as suas características de sexo, escolarização, idade, raça. O

caráter destrutivo do sistema capitalista manifesta-se de forma mais contundente e

grave na precarização da força humana, que trabalha, e na degradação da natureza,

pelo homem.

Segundo Mance (2003), o conceito de Economia Solidária surge como um

projeto contra-hegemônico à economia capitalista. Nesse sentido, a economia solidária

está associada a práticas de consumo, à comercialização, à produção e serviços, em

que se defende em graus variados, entre outros aspectos, a participação coletiva, a

auto-gestão, a democracia, o igualitarismo, a cooperação, a autossustentação, a

promoção do desenvolvimento humano, a responsabilidade social e a preservação

ambiental. A economia solidária, na medida em que estabelece novas relações com a

natureza e com os seres humanos, e ao estar profundamente vinculada com a

realidade local e regional, tende a fundamentar uma nova concepção de trabalho e

desenvolvimento, uma vez que contém indicativos de superação dos problemas

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Page 58: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

fundamentais gerados pelo modo de produção capitalista (e que o mesmo não

consegue resolver), como o crescimento progressivo da miséria humana e da

destruição ambiental.

Os sujeitos da EJA são homens e mulheres, trabalhadores (as) empregados

(as) e desempregados (as), em busca do primeiro emprego ou da reintegração aos

postos de trabalhos; filhos, pais e mães; sujeitos da cidade e do campo. São sujeitos

sociais e culturais, marginalizados e excluídos das esferas socioeconômicas e

educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens culturais e sociais,

comprometendo uma participação mais efetiva no mundo do trabalho, da política e da

cultura. Trazem em sua identidade existencial a marca do sofrimento. De acordo com

Paiva (2004), os sujeitos jovens e adultos quando voltam à escola, mesmo pensando

que é ela que lhes pode permitir a ascensão social ou econômica, quase sempre

trazem uma autoestima afetada pela internalização dos fracassos anteriores em

experiências com a própria escola. Mas é nela que confiam a realização de seus

sonhos, pela esperança que depositam no projeto de vida pessoal e coletivo. Desta

forma, consideram-se fundamentais as motivações e as experiências dos alunos, as

quais dão sentido aos processos de aprendizagem. Segundo Soares (2005):

Os jovens e adultos populares não são acidentados ocasionais que, ou gratuitamente, abandonaram a escola. Esses jovens e adultos repetem histórias longas de negação de direitos, histórias coletivas. As mesmas de seus pais, avós, de sua raça, gênero, etnia e classe social. Quando se perde essa identidade coletiva racial, social, popular dessas trajetórias humanas e escolares, perde-se a identidade da EJA e passa a ser encarada como mera oferta individual de oportunidades pessoais perdidas (p.30).

Nessas experiências, produzem novos saberes e novos conhecimentos,

levando-os novamente à escola. Saberes da vida, das práticas sociais em casa, na rua,

na igreja, no mundo do trabalho, nas lutas pela sobrevivência. Saberes que nem

sempre revelam seus direitos de trabalhadores, nem sua condição de cidadãos.

Segundo Freire (2007), respeitar e valorizar esses saberes no processo educativo é

uma das tarefas fundamentais do educador-professor comprometido com a libertação:

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Page 59: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Por que não estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste descaso? Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos (FREIRE, 2007, p.30).

Assim sendo, o currículo escolar deve representar um vínculo entre os

conhecimentos prévios e a nova aprendizagem, por meio de uma relação substantiva e

não arbitrária com o que já sabem. Segundo Paiva (2004), se essa relação se

estabelece, a aprendizagem se torna significativa. Esse currículo deve, pois, considerar

os processos de aprendizagem, os conhecimentos vividos-praticados pelos alunos,

numa perspectiva de uma pedagogia crítica, pautada na concepção de escola como

uma instituição política, um espaço propício a emancipar o aluno, formador da

consciência crítico-reflexiva, buscando promover a autonomia dos sujeitos da EJA.

Ao estabelecer a relação entre os conhecimentos vividos pelos alunos,

oriundos da prática social global, incluindo o mundo do trabalho com os saberes

escolares, o diálogo torna-se uma necessidade fundamental na problematização da

realidade. A educação problematizadora e, portanto, humanizadora funda-se numa

relação dialógico-dialética entre educador e educando em que ambos aprendem juntos.

O diálogo é, assim, uma exigência existencial que possibilita a comunicação e permite

ultrapassar o imediatamente vivido. É no reconhecimento mútuo entre educador e

educando, entre um saber de experiência, feito e vivido, que ambos, educador e

educando, tornam-se sujeitos e protagonistas de sua educação e humanização. De

acordo com Arruda (2004), tomando como ponto de partida as condições de vida e

trabalho dos educandos, o educador abre um diálogo com eles sobre a questão “para

quê desejam educar-se”. Como afirmamos anteriormente, os jovens e adultos, buscam

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Page 60: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

a escola motivados por uma necessidade muito concreta: conseguir um trabalho menos

degradante e alienante, através do qual possa ganhar o suficiente para sustentar, com

dignidade, a si e sua família. Nesse sentido, fica explícito, que o vínculo entre trabalho e

educação faz-se naturalmente, pelas suas próprias condições.

O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – EJA E NA ECONOMIA SOLIDÁRIA

Conforme Paiva (2004) é na escola que os sujeitos da EJA apropriam-se dos

conhecimentos científicos e do instrumental necessário ao exercício de uma cidadania

crítica. São esses conhecimentos que permitirão aos alunos, jovens e adultos, a

pensarem, de forma crítica, as formas de trabalho que lhes são oferecidas e o papel

subalternizado dos trabalhadores no modo de produção e reprodução do capital. Nesse

contexto, o trabalho emerge como uma categoria fundamental do currículo da

Educação de Jovens e Adultos. Quando afirmamos o trabalho como categoria

fundamental na Educação de Jovens e Adultos e na Economia Solidária, de que

concepção de trabalho estamos falando? Qual concepção de trabalho emerge das

práticas e experiências da Economia Solidária?

Pensar o trabalho na perspectiva da Economia Solidária nos remete a pensá-lo

como princípio educativo e como dimensão ontológica capaz de formar/deformar os

seres humanos. É por meio do trabalho que homens e mulheres transformam a

natureza e criam sua existência material e cultural, constituindo-se como seres

humanos. Essa afirmação nos leva a entender o ser humano em sua dimensão de

historicidade. Nós nos fazemos por meio do trabalho. Não há um ser humano pronto,

acabado. Estamos sempre a nos fazer humanos ou desumanos. É pelo trabalho que o

homem cria o mundo e a si mesmo. Os seres humanos se humanizam/desumanizam

por meio do trabalho. Pelo trabalho o homem produz os bens necessários à existência,

e ao produzir sua existência, o homem se põe em relação com a natureza,

transformando-a e também em relação com os outros homens, criando a si e a

sociedade.

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Page 61: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Arruda (2004), quando se refere ao cultivo dos cinco sentidos materiais da

espécie humana, como o trabalho de toda a história anterior à existência da natureza

humanizada, afirma o caráter social do trabalho humano como fundamental no

processo de hominização. Para ele, Marx concebe o trabalho como “objetivação da

essência humana necessária para fazer os sentidos humanos do Homem e também

para criar um sentido humano apropriado para toda a riqueza da humanidade e da

natureza”. A concepção de trabalho de Marx vai além daquela que prevalece nas

sociedades de classes, onde o ócio e os trabalhos de gestão e reprodução do capital e

das mercadorias estão separados dos trabalhos manuais. Frigotto (2005), citando Marx

(1983), afirma que diferente do animal, que vem regulado, programado por sua

natureza e por isso não tem consciência de sua existência, não a modifica, mas se

adapta e responde instintivamente ao meio, os seres humanos criam e recriam, pela

ação consciente do trabalho, a sua própria vida.

Antes, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporeidade, braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de se apropriar da matéria natural numa forma útil à própria vida. Ao atuar por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza (MARX, 1983, p. 149).

Ensinar o trabalho como direito e dever é desconstruir a idéia e a prática

capitalista de privilégio de uma classe por meio da exploração do trabalho sobre a outra

e alcançar a compreensão de que essa concepção burguesa é um fenômeno que pode

e deve ser transformado. Assim, podemos afirmar que o trabalho como uma atividade

humana fundamental, ao ser introduzido no processo educativo e no currículo, permite

ao educando da EJA compreender, como se dá o processo de construção da realidade

social e, ao mesmo tempo, refletir sobre sua atuação como cidadão no sentido de

participar como sujeito na transformação da sociedade. Segundo Ramos (2003), do

ponto de vista do capital, a dimensão ontológica do trabalho é subsumida à dimensão

produtiva, pois nas relações capitalistas, o sujeito é o capital e o homem é o objeto.

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Page 62: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Nesse sentido, para assumir o trabalho como princípio educativo é preciso considerar e

superar a lógica da reprodutibilidade do capital:

Chegamos ao fim do século XX com a seguinte contradição: a ciência e a técnica, que têm a virtualidade de produzir uma melhor qualidade de vida, ocupar os seres humanos por menos tempo nas tarefas de produzir para a sobrevivência e liberá-los para o tempo livre – tempo de escolha, de fruição, de lazer, sob as relações do capitalismo tardio produzem o desemprego estrutural ou o trabalho precarizado (FRIGOTTO, 2005, p. 70).

É neste ponto que reside o sentido de articulação entre o mundo do trabalho e

a educação: a constatação da identidade entre as capacidades demandadas pelo

exercício da cidadania e pela atividade produtiva, o que permitiria construir um currículo

da EJA em que se pudesse superar a dicotomia a racionalidade técnica e caráter

abstrato dos ideais de formação humana. Concordamos com Ramos (2003) quando

nos afirma que esta seria uma das principais características de um currículo que

integrasse trabalho, ciência e cultura. A concepção de currículo que defendemos para a

Educação de Jovens e Adultos tem como foco a formação humana. Isso implica formar

(não treinar, adestrar, de forma aligeirada e restrita ao mercado de trabalho) os sujeitos

(cidadãos-trabalhadores) para compreenderem a realidade para além de sua aparência

fenomênica. Por realidade compreendemos, conforme Ramos (2003), tanto as relações

sociais em sua totalidade quanto os processos de trabalhos que envolvem o

trabalhador e dele requerem uma ação no sentido de transformação e não da simples

adaptação.

Os conhecimentos desenvolvidos pela escola e que estão presentes no

currículo constituem-se como apropriação da realidade objetiva (social e produtiva), de

modo que os conteúdos de ensino convertam-se em “categorias de análise” da

realidade. O trabalhador não seria somente “competente”, mas cognoscente da

realidade social e produtiva em que está inserido, na qual e sobre a qual opera política

e profissionalmente, podendo transformá-la porque a compreende. Isso modifica

radicalmente o sentido dos conteúdos curriculares. Eles não são conteúdos em si para

si nem são insumos para o desenvolvimento de competências. Eles são conhecimentos

objetivos construídos sócio-historicamente e constituem-se, para o trabalhador,

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Page 63: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

categorias para a compreensão da realidade em que vive, seja esta realidade, até

mesmo, o trabalho que deve realizar.

ECONOMIA SOLIDÁRIA: O TRABALHO PARA ALÉM DO CAPITAL

Tiriba (2001) nos informa que a economia solidária é um conjunto de

atividades econômicas e práticas sociais desenvolvidas pelos setores populares com a

finalidade de garantir, por meio da utilização de sua própria força de trabalho e de

recursos disponíveis, a satisfação das necessidades básicas, tanto materiais como

imateriais. Com base nisso, a concepção de economia solidária nos remete a duas

questões fundamentais: refere-se a uma dimensão da economia que transcende a

lógica capitalista de obtenção e acúmulo de bens materiais; e se refere a um conjunto

de práticas que se desenvolvem entre os setores populares, manifestando-se no

cotidiano, na produção e reprodução da existência, na perspectiva do bem-viver. A

economia popular solidária busca superar as relações sociais de produção pautadas

pela lógica do ter inerente ao sistema capitalista.

Ensina Fromm (1977) que a sociedade industrial, capitalista, busca

desenvolver nas pessoas o modo ter de existência1. Esse modo caracteriza-se pela

ganância, pelo acúmulo de riquezas, pelo consumismo, pela competição e pela

supremacia do poder do dinheiro em escala planetária sobre a vida humana e a

natureza. A sociedade aquisitiva tem como direitos intransferíveis do indivíduo adquirir,

possuir e obter lucro. Dessa forma, pode-se caracterizar o modo ter de existência:

Adquirir, possuir e obter lucro são os direitos sagrados e inalienáveis do indivíduo na sociedade industrial. O que sejam as fontes da propriedade não importa. A orientação no sentido do ter é característica da sociedade industrial ocidental, na qual a avidez por dinheiro, fama e poder tornou-se o tema dominante da vida. O homem moderno é incapaz de compreender o espírito de uma sociedade que não esteja centrada na propriedade e na avidez (FROMM, 1977, p. 39).

1 Segundo Fromm (1977) ter e ser são dois modos fundamentais de experiência, cujas respectivas forças determinam as diferenças entre os caracteres dos indivíduos e vários tipos de caráter social.

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Page 64: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A sociedade industrial capitalista é fundamentalmente orientada para o modo

ter de existência. A totalidade da vida social se encontra retificada e alienada pela

lógica do ter. De acordo com Arruda (2004), o sistema global do capital está

configurado da seguinte forma: o capital é o sujeito, os trabalhadores são os objetos; a

competição, a dominação e a submissão são as formas dominantes de relação; a

apropriação privada é a finalidade e a matriz da ação. Os resultados estruturais são a

subordinação, a desigualdade, o desemprego e a exclusão; o Estado tem o papel de

garantir a “liberdade” do mercado e o capital privado como sujeito legítimo, seja por

manipulação ideológica, seja por coerção. Em síntese, a matriz cultural dominante se

fundamenta na concepção consumista, individualista e hedonista, subordinando o ser

ao ter e reduzindo o ser humano e a natureza a mercadorias. Ainda, para o referido

autor, a Economia Solidária contrapõe-se à economia no modo de produção capitalista

na medida em que promove o trabalho humano como ser, saber, criar e fazer, ou como

toda ação transformadora do mundo da natureza em mundo humano, ou ainda como

toda ação em que, ao transformar o mundo, o ser humano constrói a si mesmo.

Na Economia Solidária, o parâmetro do crescimento econômico ilimitado como

razão de ser da atividade econômica cede lugar ao conceito complexo de riqueza como

um conjunto de bens materiais e imateriais que servem de base para o

desenvolvimento humano e social. Já afirmamos, em outros momentos, que a

Economia Solidária nos remete ao sentido etimológico da palavra “economia” que se

origina do grego oikos (casa) e nemo (eu distribuo, eu administro) (ZEN, 2009). As

normas são modificadas sempre que a casa não consegue mais servir para o cuidado

de todos os seus habitantes. O bem-viver de todos os que habitam a casa depende da

co-responsabilidade de cada um. Quanto mais cada um cuidar do bem-estar dos

outros, mais aumenta o bem-estar de todos. Nesse sentido, a Economia Solidária tem

como finalidade a gestão do bem-viver e a satisfação das necessidades dos habitantes

da casa.

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Page 65: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A RESSIGNIFICAÇÃO DO TRABALHO NA PERSPECTIVA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA Ainda, parafraseando Arruda (2004), a alienação maciça em escala planetária,

o desemprego estrutural, a profunda desigualdade e opressão provocados pelo

capitalismo têm sido confrontados por um movimento social sempre mais vigoroso, que

começou como antiglobalização e desdobrou-se num movimento alterglobalização, cuja

palavra de ordem é a mesma do Fórum Social Mundial2: outro mundo é possível, outra

globalização é possível! Nesse contexto adverso é que podemos situar a Economia

Solidária como uma nova proposta de organizar a economia e a sociedade em torno da

convicção de que outra socioeconomia global é possível, outro ser humano é possível.

O processo de reestruturação produtiva, observado a partir dos anos 80 e a

reconfiguração tecnológica e organizacional dos processos produtivos, têm provocado

efeitos na vida dos trabalhadores contribuindo para a precarização e degradação do

trabalho humano. Nesse sentido afirma Mészáros:

A consciência dos limites do capital tem estado ausente em todas as formas de racionalização de suas necessidades retificadas, e não apenas nas versões mais recentes da ideologia capitalista. Paradoxalmente, contudo, o capital é agora compelido a tomar conhecimento de alguns desses limites, ainda que, evidentemente, de uma forma necessariamente alienada. Pelo menos agora os limites absolutos da existência humana – tanto no plano militar como no ecológico – têm de ser avaliados, não importa quão distorcidos e mistificadores sejam os dispositivos de aferição da contabilidade socioeconômica capitalista. Diante dos riscos de uma aniquilação nuclear, por um lado e, por outro, de uma destruição irreversível do meio ambiente, tornou-se imperativo criar alternativas práticas e soluções cujo fracasso acaba inevitável em virtude dos próprios limites do capital, os quais agora colidem com os limites da própria existência humana (2009, p.57).

2 O FSM é um espaço de debate democrático de idéias, aprofundamento da reflexão, formulação de propostas, troca de experiências e articulação de movimentos sociais, redes, ONGs e outras organizações da sociedade civil, que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo. Após o primeiro encontro mundial, realizado em 2001, configurou-se como um processo mundial permanente de busca e construção de alternativas às políticas neoliberais. Esta definição está na Carta de Princípios, principal documento do FSM. O Fórum Social Mundial caracteriza-se também pela pluralidade e pela diversidade, tendo um caráter não confessional, não governamental e não partidário. Ele se propõe a facilitar a articulação, de forma descentralizada e em rede, de entidades e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela construção de outro mundo, mas não pretende ser uma instância representativa da sociedade civil mundial.

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Page 66: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Concordamos com Arruda (2004) quando afirma que na economia capitalista

as atividades econômicas são orientadas para gerar riquezas, que são acumuladas ou

apropriadas por aqueles que possuem bens, capital, recursos e conhecimentos. O

capitalismo tem por base a propriedade privada dos bens, dos recursos e dos meios de

produção: os equipamentos, as empresas e a propriedade da terra. Nas sociedades

capitalistas, quem não possui esses recursos não consegue satisfazer suas

necessidades básicas (alimentação, moradia, proteção, saúde, educação, lazer) e

continua na pobreza. A atual crise econômica é o resultado do atual modelo de domínio

do capital financeiro especulativo, ou seja, da “jogatina” das bolsas de valores. Quem

paga a conta dessa crise são os trabalhadores e trabalhadoras: aumenta o número de

desempregados; há redução de salários; aumenta o trabalho precarizado, entre outras

consequências. Esse é o “desenvolvimento” que o capitalismo deixou para a

humanidade, ou seja, uma humanidade desumanizada e um planeta insustentável:

O estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre será o privilégio de uma minoria. O custo em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco a sobrevivência da espécie humana (FURTADO, 1974, p. 38).

A partir de todas essas mudanças, o que se percebe é que o mercado de

trabalho atual assume novos traços. O vínculo empregatício, então, encontra-se

fragilizado. Conforme Guimarães (2002), o aparecimento desta nova categoria –

desempregados de longa duração – revela uma ruptura da relação entre emprego e

desemprego e aponta para a crise estrutural do sistema capitalista. Tiriba (2001) afirma

que as estatísticas não consideram como desempregados aqueles sujeitos que não

estão à procura de emprego, ou que trabalham informalmente. Por isso, afirma que há

de se questionar estas estatísticas sobre a questão do emprego e desemprego, pois

elas:

[...] ao totalizar a realidade humano-social desconsideram a complexidade das relações econômicas, ofuscando outros mundos nos quais a força de trabalho não se configura como uma mercadoria. Sinalizamos que a economia global

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Page 67: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

não se resume à economia capitalista e que, tampouco a economia popular (solidária) se configura como ‘refúgio dos desempregados’ (TIRIBA, 2001, p.76).

Conforme Tiriba (2001), ainda que a Economia Solidária esteja submetida ao

sistema capital, apresenta características que se contrapõem à racionalidade

capitalista. Na Economia Solidária os trabalhadores não intercambiam sua força de

trabalho por um salário; seu trabalho não consiste em trabalho pago e trabalho

excedente não pago, ou seja, trabalho alienado3. Como os trabalhadores detêm a

posse coletiva dos meios de produção, em vez do emprego da força de trabalho alheio,

o princípio é a utilização da própria força de trabalho para garantir não somente a

subsistência imediata senão também produzir um excedente que possa ser trocado e

comercializado, no mercado de pequena produção mercantil, por outros valores de uso.

Para Singer (2005), a Economia Solidária apresenta-se como alternativa capaz de

superar o capitalismo e retomar a questão do trabalho como dimensão ontológica

inerente ao ser humano. Desse modo, a Economia Solidária é uma alternativa à

precarização do emprego ou a exclusão deste no quadro que se configura a partir da

reestruturação do capitalismo.

Com propriedade, Arruda (2004) afirma que a Economia Solidária é uma

atividade econômica organizada para servir ao seu objetivo maior, que é o auto

desenvolvimento pessoal e coletivo seguro e sustentável. Isto implica a partilha da

satisfação das necessidades e a co-gestão das casas em que o povo habita em comum

– lar, bairro, município, ecossistemas, país e planeta. Em suma, a Economia Solidária é

uma forma ética, recíproca e cooperativa de consumir, produzir, intercambiar, financiar,

comunicar, educar, desenvolver-se, que promove um novo modo de pensar e viver. A

3 O conceito de alienação é histórico, tendo uma aplicação analítica numa ligação recíproca entre sujeito, objeto e o modo de produção capitalista. Karl Marx (1818-1883), filósofo alemão, analisa esse conceito em duas de suas obras “Os “Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844” e “Elementos para a Crítica da Economia Política” (1857-58)”. Marx, ao analisar a alienação, tem como horizonte refletir sobre o processo de expropriação da “mais-valia”, ou seja, do lucro, que se dá nas relações de trabalho sob o modo de produção capitalista. O processo de alienação do trabalhador no modo de produção capitalista impede a sua emancipação, pois retira dele o caráter de sujeito, transformando-o em objeto.

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Page 68: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

economia solidária se configura da seguinte maneira: a sociedade civil, especialmente o

mundo do trabalho, se empoderam para serem os sujeitos da sua vida e do seu

desenvolvimento. O Estado, o capital, a economia e a tecnologia são concebidas como

meios para viabilizar o desenvolvimento humano e social. A luta pela democratização

da escola e do Estado é um projeto comum da classe trabalhadora, cujo papel é

promover um sistema de convivialidade baseado na cooperação, no respeito mútuo, na

solidariedade e que possibilite o pleno desenvolvimento de todas as pessoas.

Nos ensinamentos de Barbosa (2007), afirma que ao atingir recentemente o

estatuto de política pública4 a economia solidária passou a ser definida como “conjunto

de atividades econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito –

organizadas sob a forma de autogestão”. Os elementos ideo-políticos que compõem

esse paradigma afirmam-se como de: difusão de valores culturais que centralizam o ser

humano como sujeito e finalidade da atividade econômica; desenvolvimento de práticas

de reciprocidade e espírito cooperativista; assunção do feminino como essencial nesse

processo de constituição de uma economia sustentada na solidariedade; associação

entre produção, distribuição e consumo, mediante investimento no desenvolvimento

local, com redes de consumidores orientados por princípios éticos solidários e

sustentáveis nas suas escolhas de consumo, e redes de comércio e ecossistema (terra,

água, reservas florestais, animais); política autogestionária5 de financiamento

responsável por meio de descentralização de moedas; comércio justo associado ao uso

de moedas comunitárias, controle dos fluxos financeiros e limitação das taxas de juros;

associação a movimentos e lutas sociais por um Estado democraticamente forte a partir

da sociedade e voltado diretamente para ela; por outro modelo de globalização que seja

contra-hegemônica ao socialmente excludente em vigor; agenciamento de novos

sujeitos políticos na prática econômica através de democratização do poder, da riqueza

4 A Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) foi criada em 2003 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e reflete o movimento de luta da sociedade civil pela consolidação de novas relações de produção, consumo e distribuição dos bens necessários à vida.

5 A autogestão é concebida como repartição de poder e esforços para ação produtiva cooperativa, com o objetivo de humanizar o trabalho e ampliar a democratização na sociedade. Não é um conceito novo, na medida em que acompanha a história do movimento operário, dos falanstérios à comuna de Paris.

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Page 69: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

e do saber, e sustentada na gestão participativa sem a tutela do Estado e distanciada

das práticas cooperativas burocratizadas.

A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL

De acordo com os participantes do Fórum Brasileiro de Economia Solidária

(FBES) a economia solidária no Brasil está avançando na sua organização política,

constituindo fóruns e redes. Desde o início dos anos 1980 surgiram iniciativas de apoio

e organização às iniciativas de economia solidária, tais como os Projetos Alternativos

Comunitários, incentivados pela Cáritas Brasileira e a cooperação agrícola nos

assentamentos de reforma agrária, organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra - MST, entre outras.

Esse processo ganhou impulso durante a década de 1990, com as seguintes

iniciativas: a) criação da Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas de

Autogestão (ANTEAG), articulando as iniciativas de empresas recuperadas por

trabalhadores e outros empreendimentos autogestionários; b) nas ações de incentivo à

socieconomia solidária do Projeto Alternativas do Cone Sul (PACS) que, junto com

outras organizações, resultou na criação da Rede Brasileira de Socioeconomia

Solidária; c) nas iniciativas promovidas pela Ação da Cidadania Contra a Fome e a

Miséria e Pela Vida, animada pelo sociólogo José Herbert de Souza, o Betinho,

juntamente com centenas de organizações não-governamentais e entidades públicas;

d) com o surgimento das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares

organizadas nas Redes (ITCPs) e com a Rede Unitrabalho que ampliaram os

horizontes da extensão universitária com caráter emancipatório, comprometendo as

Universidades e Institutos Federais com o fomento às iniciativas econômicas solidárias;

e) com as experiências de ações governamentais em apoio à economia solidária.

Um marco importante na trajetória da economia solidária ocorreu em 2001,

com a criação do Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária nos Fóruns

Sociais Mundiais, articulando essas diversas iniciativas organizativas. O trabalho do GT

brasileiro trouxe visibilidade e propiciou o intercâmbio de experiências e integração 69

Page 70: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

entre as diferentes práticas de economia solidária no Brasil e em diversas partes do

mundo. A conjugação de esforços resultou na realização da I Plenária Nacional de

Economia Solidária, em 2002, em São Paulo-SP, que iniciou a elaboração de uma

Plataforma Nacional de Economia Solidária e decidiu reivindicar ao governo recém-

eleito a criação de políticas públicas de Economia Solidária. Em 2003, foi criada a

Secretaria Nacional de Economia Solidária no âmbito do Ministério do Trabalho e

Emprego, fruto do esforço político conjunto de uma série de organizações que atuam

com economia solidária no Brasil. No mesmo ano, foi realizada a Terceira Plenária

Nacional de Economia Solidária, criando o Fórum Brasileiro de Economia Solidária

(FBES). O FBES é um instrumento do movimento da Economia Solidária, um espaço

de articulação e diálogo entre diversos atores e movimentos sociais pela construção da

economia solidária como base fundamental de outro modelo de desenvolvimento

socioeconômico do país, a partir da realidade local, de modo economicamente solidário

e ambientalmente sustentável. Em 2006 foi realizada a 1ª Conferência Nacional de

Economia Solidária, mobilizando mais de quinze mil pessoas em suas etapas

preparatórias (estaduais e microrregionais) e 1.200 pessoas na etapa nacional. A

Conferência estabeleceu diretrizes, objetivos e prioridades para as políticas públicas de

economia solidária, como direito de cidadania e obrigação do Estado.

EXPERIÊNCIAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO - ES

No estado do Espírito Santo algumas experiências de Economia Solidária vem

sendo construídas em parcerias com os movimentos sociais, via campesina,

prefeituras, MST e outras instituições. Nesse sentido, merece destaque a realização da

“II Conferência Estadual de Economia Solidária” realizada no município da Serra-ES,

promovida pela parceria entre a Secretaria de Estado do Trabalho, Assistência e

Desenvolvimento Social (Setades) e o Conselho Estadual de Economia Solidária

(CEES). A “II Conferência Estadual” teve como tema central o seguinte ideal: “Pelo

direito de produzir e viver em cooperação de maneira sustentável”. A organização do

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Page 71: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

evento contou com painéis, debates, grupos de trabalho e palestras sobre o tema

Economia Solidária.

Dentre os objetivos da conferência destacaram-se: a realização de um balanço

sobre os avanços, limites e desafios das políticas públicas de Economia Solidária no

atual contexto socioeconômico, político, cultural, ambiental nacional e internacional;

avanço no reconhecimento do direito a formas de organização econômica, baseadas no

trabalho associado; proposição de prioridades, estratégias e instrumentos efetivos de

políticas públicas e programas de economia solidária; e promoção do conhecimento

mútuo e a articulação dos poderes públicos e das organizações que constroem a

economia solidária. Como preparação para a Conferência Estadual foram realizadas

oito conferências regionais que possibilitaram o intercâmbio de conhecimentos e

experiências em torno da Economia Solidária no Espírito Santo. Nos encontros

regionais foram discutidos três eixos temáticos: ‘Avanços, limites e desafios da

Economia Solidária no atual contexto socioeconômico, político, cultural e ambiental

nacional e internacional’; ‘Direito a formas de organização econômica baseadas no

trabalho associado, na propriedade coletiva, na cooperação, na autogestão, na

sustentabilidade e na solidariedade, como modelo de desenvolvimento’; e ‘Prioridades,

estratégias e instrumentos efetivos de atuação e de organização de Políticas e

Programas da Economia Solidária’.

As Conferências regionais de Economia Solidária foram realizadas tendo como

referência os Territórios de Cidadania, Região metropolitana, Região Sul e Territórios

de Identidade da Política Territorial do Ministério de Desenvolvimento Agrário através

da Secretaria de Estado do Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social em

articulação com o Conselho Estadual de Economia Solidária e convocada pela

Comissão Organizadora Estadual. A “Conferência Estadual de Economia Solidária”

realizada no período de 27 a 29 de abril contou com a participação de 267 delegados

entre gestores públicos, sociedade civil e empreendimentos econômicos solidários. Na

ocasião foram eleitos oito delegados do poder público, oito delegados da sociedade civil

e 16 delegados dos empreendimentos econômicos solidários para representar o Estado

na II Conferência Nacional de Economia Solidária, que foi realizada de 16 a 18 de junho

de 2010, em Brasília.

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Page 72: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A economia solidária no Estado do Espírito Santo vem se constituindo como

uma nova prática coletiva, construída a partir dos valores da cooperação, da

solidariedade, da autogestão, do respeito à natureza e da valorização do trabalho

humano, tendo em vista um projeto de desenvolvimento sustentável e solidário. É um

modo diferente de organizar a produção, a distribuição e o consumo, tendo por base a

igualdade de direitos e de responsabilidades. Esta nova economia representa um

resgate histórico dos valores do trabalho, tornando-se para os trabalhadores uma

possibilidade da construção de uma nova cultura do trabalho, voltada para valorização

e dignidade do ser humano com respeito à vida. É uma alternativa para geração de

trabalho e renda visando à eliminação das desigualdades socioeconômicas e

difundindo os valores da solidariedade e do exercício da cidadania.

CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS

A questão que desafia a nós, educadores (as), é como elaborar uma proposta

curricular que seja perpassada pela concepção de trabalho na perspectiva da economia

solidária e que integre as diferentes demandas e diversidades dos sujeitos da EJA e do

Proeja (educação do campo, educação indígena e quilombola, educação especial,

educação ambiental, educação sexual, educação profissional) e as diferentes

disciplinas do currículo, tendo como eixo articulador a categoria trabalho como princípio

educativo e humanizador dos sujeitos jovens e adultos.

Cabe ressaltar o material produzido pela Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização e Diversidade (SECAD), os cadernos de EJA e o próprio Documento

Base do PROEJA, bem como o material que vem sendo construído de forma coletiva e

colaborativa pelos professores de Matemática do PROEJA – IFES, que seguem como

eixo teórico-metodológico a categoria “trabalho”, articulando-os com a diversidade de

demandas da EJA, tais como: cultura e trabalho; diversidade e trabalho; Economia

Solidária e trabalho; globalização e trabalho; juventude e trabalho; meio ambiente e

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Page 73: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

trabalho; mulher e trabalho; qualidade de vida, consumo e trabalho; tecnologia e

trabalho e trabalho no campo dos sujeitos onde e com quem os processos educativos

se dão.

Como questões a nos desafiar no sentido de aprofundamento teórico-

metodológico na construção do currículo da EJA que contemple a relação trabalho-

educação na perspectiva da Economia Solidária, podemos nos indagar: que concepção

teórico-metodológica está fundamentando a construção do currículo da EJA? Que tipo

de formação inicial e continuada os professores estão recebendo nas Universidades e

Institutos Federais a fim de contemplar essa realidade? Que tipo de ser humano quer

se formar e para que tipo de sociedade? Como podemos abordar essas temáticas na

produção do currículo? Quais as alternativas metodológicas que nos ajudam a trazer

essas temáticas para a sala de aula? Como repensar a educação profissional de jovens

e adultos na perspectiva da formação humana no atual contexto de desumanização

provocados pela lógica de acumulação/reprodução ilimitada do capital?

73

Page 74: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

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Page 76: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

O PROEJA SOB O OLHAR DOS EDUCADORES: O CASO DO IFPB – CAMPUS DE JOÃO PESSOA/PB1

Zoraida Almeida de Andrade Arruda 2

[email protected]

RESUMO Este artigo tem como objetivo contribuir numa avaliação do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA - no IFPB, implantado em 2007, tomando como base a visão do corpo docente que atuou nos dois primeiros anos de implementação do programa no campus de João Pessoa. A relevância desse estudo dá-se em função dos desafios pedagógicos inerentes à modalidade da Educação de Jovens e Adultos de um modo geral, e em particular, para a oferta de um programa que se propõe a resgatar e reinserir, no sistema educacional brasileiro, jovens e adultos que tiveram seus percursos escolares interrompidos, possibilitando-lhes a elevação da escolaridade, como também a profissionalização. Ressalta-se também a importância de que seja ofertada uma educação inserida numa proposta pedagógica de EJA, com práticas curriculares que contribuam para a formação integral do educando e de um profissional docente que contemple competências e saberes necessários à prática com esta modalidade de ensino. Os dados utilizados para análise foram provenientes da aplicação de questionário, ao corpo docente. Nossa vivência em sala de aula, os diálogos travados em reuniões pedagógicas, contribuíram nas reflexões aqui expressas. Este estudo reforça a importância da construção de um novo olhar, de uma identidade própria para todos os elementos inerentes a esta modalidade: métodos educativos apropriados, imbuídos de uma prática dialógica nas diversas situações de aprendizagem; material didático específico; adequação de horário ao público a que se destina e a formação dos educadores envolvidos. Palavras chave: Educação de Jovens e Adultos - PROEJA – Práticas Pedagógicas.

1 Texto escrito a partir de pesquisa desenvolvida no curso de especialização em educação profissional integrada è educação básica na modalidade de jovens e adultos, sob orientação da Profa. Ms.Laura Maria de Farias Brito, que resultou em Monografia defendida em 16/02/2009. 2 Especialista em Educação de Jovens e Adultos, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPB, Coordenadora do PROEJA no IFPB, campus de João Pessoa/Paraíba.

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Page 77: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

1. INTRODUÇÃO

O direito à educação, no Brasil, sempre foi marcado por situações de

desigualdades sociais. Crianças e jovens trabalhadores foram cada vez mais

firmando um contingente de pessoas afastadas da vida escolar em idade própria.

O Brasil assim contraiu uma dívida social histórica para com os cidadãos de 15

anos ou mais que não concluíram a educação básica.

A Educação de Jovens e Adultos – EJA – teve um ganho significativo ao ser

inserida no corpo legal como modalidade de ensino, através da Lei de Diretrizes e

Base da Educação – LDB n° 9.394/96, representando um passo importante na

reconquista do direito universal à educação.

Em se tratando de uma modalidade da educação básica nas etapas do

ensino fundamental e médio, assume uma especificidade própria. Deve considerar

a realidade do estudante e a proposição de um modelo pedagógico próprio, de

acordo com o que está expresso nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação de Jovens e Adultos, aprovada pelo Conselho Nacional de Educação no

ano 2000.

Traz também consigo novos desafios, principalmente do ponto de vista da

necessidade de formação do educador, do pensar em práticas pedagógicas e de

um currículo que leve em consideração as experiências e a realidade do aluno.

O presente trabalho tem como objetivo buscar elementos que contribuam

numa avaliação do PROEJA no IFPB, implantado no ano 2007, buscando

identificar junto aos professores sua visão de EJA, sua opinião sobre este

programa e quais as dificuldades encontradas em sua prática pedagógica com

esta modalidade de ensino.

A relevância deste estudo dá-se em função dos desafios pedagógicos

inerentes à modalidade da EJA, de um modo geral, e em particular, para a oferta

de um programa que se propõe a contribuir na reversão das condições de

desigualdades de um público com uma história marcada de exclusões.

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Page 78: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Ressalta-se também meu interesse no referido tema, por fazer parte da

equipe de professores que vem ministrando aulas no PROEJA, no campus do

IFPB, em João Pessoa, e por ter a compreensão da importância de ofertarmos

uma educação inserida numa proposta pedagógica de EJA, de qualidade, e que

contribua para a formação integral do educando.

2. INSTITUIÇÃO DO PROEJA

O Governo Federal criou em 2005, através do Decreto 5.478/2005

(revogado, em 13 de julho de 2006, pelo Decreto n° 5.840/2006) o Programa

Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na

Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, visando não só

resgatar, mas também reinserir, no sistema educacional brasileiro, jovens e

adultos que tiveram seus percursos escolares interrompidos, possibilitando-lhes a

elevação da escolaridade, como também a profissionalização. O PROEJA,

[...] expôs a decisão governamental de atender à demanda de jovens e adultos pela oferta de educação profissional técnica de nível médio, da qual em geral, são excluídos, bem como, em muitas situações, do próprio ensino médio.(BRASIL, 2007, p.12)

A criação do PROEJA foi motivada a partir das discussões travadas desde

a década de 80, considerando-se o cenário econômico e produtivo estabelecido,

onde foram exigidos trabalhadores com níveis de educação e qualificação cada

vez mais elevados.

Remonta também desta época as discussões sobre a integração entre

formação geral e formação profissional, aliadas ao papel da Rede Federal de

Educação Profissional nas políticas de inclusão social, diante do quadro de

exclusão educacional e social da população jovem e adulta.

Esta é uma experiência nova para a Rede Federal de Educação

Profissional e Tecnológica, na qual o Instituto Federal de Educação, Ciência e

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Page 79: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Tecnologia da Paraíba – IFPB está inserido, que não possui um quadro de

educadores com formação especializada para a EJA, requerendo, assim, uma

atenção especial.

3. DESAFIOS E AÇÕES DESENVOLVIDAS

O PROEJA busca resgatar e reinserir no sistema escolar brasileiro jovens e

adultos, possibilitando-lhes acesso à educação e a uma formação profissional na

perspectiva de uma formação integral e de inclusão desses sujeitos, a partir de um

projeto de sociedade mais justa e igualitária Sendo assim, ele certamente

oportunizará o trilhar de um novo caminho de resgate da cidadania de uma imensa

parcela da população brasileira, excluídas do sistema escolar por problemas

diversos encontrados dentro e fora da escola.

Para sua implantação, este programa também trouxe consigo desafios

pedagógicos, gerenciais e políticos. Como construir um currículo integrado, sem

desconsiderar a diversidade deste público? Como reconhecer os saberes

adquiridos em espaços não formais de aprendizagem e que instrumentos utilizar,

capazes de considerar tais elementos no processo de avaliação da

aprendizagem? Qual o papel que as escolas devam ter para conseguir, de fato,

implementar este programa? Qual a preparação que o corpo docente deva ter?

Estas são algumas indagações, dentre outras, que poderíamos levantar

para compor um conjunto de desafios postos para a execução do PROEJA,

enquanto programa, e sua consolidação, como política pública.

Aqui vamos destacar o desafio pedagógico no tocante a preparação que os

docentes das instituições que vão oferecer o PROEJA devam ter, considerando-se

que os alunos atendidos por este programa necessitam de especialistas que

saibam trabalhar com jovens e adultos que estão fora da faixa escolar regular e já

acumulam experiências de vida e de trabalho.

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Page 80: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Assim, sendo o PROEJA um campo peculiar de conhecimento, faz-se

necessário a formação/qualificação de professores e gestores para atuarem neste

programa.

Essa formação objetiva também a construção de um quadro de referências

e a sistematização de concepções e práticas político-pedagógicas e

metodológicas que orientem a implantação, implementação e monitoramento do

programa, garantindo a elaboração do planejamento das atividades do curso, a

avaliação permanente do processo pedagógico e a socialização das experiências

vivenciadas pelas turmas. Requer ainda profissionais aptos a produzirem e

sistematizarem conhecimentos nesta área de atuação.

Visando atender a qualificação desses profissionais para atuarem no

PROEJA, dentre as ações desenvolvidas pela SETEC/MEC, destacamos os

cursos de pós-graduação lato sensu, ofertados anualmente pelas Universidades e

CEFET´s, nas diversas regiões do País. A primeira edição da Especialização lato

sensu foi ofertada em 2006/2007 para 15 pólos, com cerca de 1.400 matrículas.

Na segunda edição, 2007/2008, o curso foi oferecido para 21 pólos, com

aproximadamente 2.400 matrículas. Neste ano de 2009, a terceira edição

aconteceu em 32 pólos, com cerca de 4.500 matrículas. Estas unidades-pólo

interiorizaram suas turmas, considerando-se os novos campi dos Institutos

Federais e as Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais.

Para a elaboração dos Projetos Pedagógicos destes cursos de

especialização, o MEC/SETEC encaminhou aos respectivos pólos um documento

intitulado Propostas Gerais para Elaboração de Projetos Pedagógicos de Curso de

Especialização, contendo um conjunto de orientações. Deste documento,

destacamos a seguir o objetivo geral apresentado para os referidos cursos de

especialização.

Formar profissionais com capacidades para atuar na elaboração de estratégias, no estabelecimento de formas criativas das atividades de ensino-aprendizagem e de prever pro-ativamente as condições necessárias e as alternativas possíveis para o desenvolvimento adequado da educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos, considerando as peculiaridades, as circunstâncias particulares e as

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Page 81: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

situações contextuais concretas em que programas e projetos deste campo são implementados.(BRASIL, 2006, p.8)

Considerando-se que não existe uma formação sistemática de profissionais

para atuarem neste campo - educação profissional integrada a EJA, estes cursos

de especialização tornam-se fundamentais para a implantação do PROEJA com a

qualidade que este programa requer.

Ressalta-se que as concepções desses programas de especialização são

fundamentadas nos seguintes pressupostos:

• A necessidade da formação de um novo profissional que possa atuar

na educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio na modalidade EJA como docente-pesquisador, gestor educacional de programas e projetos e formulador e executor de políticas públicas;

• A integração entre trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura geral, a qual contribui para o enriquecimento científico, cultural, político e profissional dos sujeitos que atuam nessa esfera educativa, sustentando-se nos princípios da interdisciplinaridade, contextualização e flexibilidade, como exigência historicamente construída pela sociedade;

• Espaço para que os cursistas possam compreender e aprender uns com os outros, em fértil atividade cognitiva, afetiva, emocional, contribuindo para a problematização e produção do ato educativo com uma perspectiva sensível, com a qual a formação continuada de professores nesse campo precisa lidar.(BRASIL, 2006,p.10).

Para alcançar os objetivos e finalidades propostas, o currículo do curso de

especialização está voltado para a necessária integração entre os três campos

educacionais: o ensino médio, a educação profissional técnica de nível médio e a

educação de jovens e adultos. Dessa forma, nas Propostas Gerais para

Elaboração de Projetos Pedagógicos de Curso de Especialização, sugere-se que

os conteúdos programáticos sejam estruturados a partir dos seguintes eixos

curriculares: concepções e princípios da educação profissional e da educação

básica na modalidade de educação de jovens e adultos; gestão democrática e

economia solidária; políticas e legislação educacional; concepções curriculares na

educação profissional e na educação básica na modalidade de educação de

jovens e adultos; e didáticas na educação profissional e na educação de jovens e

adultos.

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Page 82: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Outras ações em destaque, relacionada também com a formação

continuada de profissionais para atuar no PROEJA, são o Acordo de Cooperação

Técnica Científica Pedagógica, firmado entre a CAPES e SETEC, visando à

implantação e ao desenvolvimento de núcleos de pesquisa sobre o PROEJA

(tanto dos aspectos pedagógicos como os de gestão) e o fomento à criação de

linhas de pesquisa, que contemplem a proposta do PROEJA, nos programas de

pós-graduação stricto sensu existentes no país. Além disso, existem ainda as

Chamadas Públicas para apresentação de projeto de cursos com carga-horária de

120h a 240h, visando abordar temas específicos do Programa.

4. O QUE PENSAM OS EDUCADORES

Neste tópico iremos apresentar parte do resultado da pesquisa realizada,

quando aluna da segunda edição do curso de especialização, integrando meu

trabalho de conclusão do referido curso. Os dados são oriundos da aplicação de

um questionário com 13 professores, durante os meses de abril e maio/2008, num

universo de 15 professores que atuam/atuaram no PROEJA, nos anos de 2007 e

2008. Os entrevistados, quando necessário for, serão denominados por letras do

alfabeto, cujas falas emergem do texto em itálico.

Fazendo uma caracterização do corpo de professores entrevistados, temos

que 9 são do sexo masculino e 4 são do sexo feminino. Quanto ao tempo de

atuação no magistério, 3 estão entre 10 e 20 anos, 6 estão entre 20 e 30 anos, 3

possuem mais de 30 anos e 1 possui menos de 10 anos. Quanto ao tempo de

atuação com a modalidade de EJA, com exceção de um professor, os demais

possuem até cinco anos de experiência. Quanto à participação em alguma

capacitação para atuarem na EJA, 7 professores responderam afirmativamente,

destacando que a mesma foi ofertada pelo IFPB em julho de 2007.

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Page 83: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

4.1. VISÃO DE EJA Ao serem indagados sobre qual a visão que possuem da EJA, no geral, foi

destacada a oportunidade de retorno à escola na perspectiva de melhoria de vida.

Vejamos alguns dos depoimentos dados:

Tento ajudar os alunos que não tiveram chance de dar continuidade aos seus estudos e agora querem estudar e recuperar aqueles anos “perdidos”. Eu como professor, tenho responsabilidade de não mais excluir esses alunos e nem castrar mais seus sonhos.(Professor C). A EJA tem um papel importante dentro da sociedade resgatando aqueles alunos que não tiveram tempo e oportunidade de estudar como também ter um curso técnico para que possa ajudar no seu trabalho. (Professor E). É uma clientela que não teve oportunidade durante sua faixa etária para estudar portanto devemos aperfeiçoar nossa didática para adequar metodologia que venha facilitar e recuperar o tempo destes que estão querendo. (Professor G).

A EJA também é relacionada ao resgate da cidadania, conforme

observamos a seguir:

Considero muita oportuna essa modalidade de ensino e percebo que há uma grande possibilidade de um resgate à cidadania para uma população esquecida e excluída pela sociedade. (Professor I). É um importante instrumento de política educacional afirmativa, onde se dá a oportunidade a jovens e adultos, para concluírem seus estudos, quando este, por motivos diversos, tiveram seus ciclos educacionais interrompidos. Na atual conjuntura da sociedade, nunca o conhecimento, ou a formação escolar, foi tão importante para a promoção da cidadania e o bem estar social. (Professor M).

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Page 84: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Transcrevemos ainda o relato do Professor J quando afirma que,

Na realidade minha visão foi se fundamentando a partir do meu fazer, da minha prática com essa clientela. Muito se tem falado nas reuniões o fato de ser uma turma difícil e com grandes limitações. No entanto, considero que através das minhas auto-avaliações bem como por meio de relato dos próprios alunos, ao término do curso, que grande foi o avanço atingido por eles.

Ressaltamos o pensamento freireano acerca da reflexão crítica, como uma

exigência no ato de ensinar que o educador deva ter de sua prática pedagógica,

pois “não é possível a assunção que o sujeito faz de si numa certa forma de estar

sendo sem a disponibilidade para mudar. Para mudar e de cujo processo se faz

necessariamente sujeito também”. (FREIRE, 2007, p.39-40).

Ainda sobre a visão de EJA, e como exemplo de atuação de sua prática

pedagógica, destacamos outro trecho do relato feito pelo Professor J:

Pois, a minha preocupação não é focada para a memorização de regras gramaticais, de vocabulário específico a uma determinada área, mas, sim direcionada à apropriação/reconhecimento dos gêneros textuais diversos aos quais eles são apresentados durante o ano letivo e, de que forma a utilização desses gêneros textuais pode contribuir para torná-los cidadãos “antenados” com o mundo da tecnologia, do trabalho bem como da vida social que os rodeia. Assim, estarei propiciando uma pequena parcela de ampliação dos horizontes dessa camada estudantil para que eles possam enxergar a si mesmos como sujeitos atuantes do seu papel na sociedade.

Ressalta-se a importância da preocupação expressa no depoimento do

Professor J, e mais ainda, de sua intencionalidade de fazer com que o aluno

extrapole da leitura das palavras para a leitura de si próprio e do mundo. Paulo

Freire já dizia que a educação é uma forma de intervenção no mundo e que “[...]

além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos

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Page 85: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu

desmascaramento”. (FREIRE, 2007, p.98).

Os professores entrevistados, ao serem indagados se o material utilizado é

adequado à realidade dos alunos, mostraram-se divididos: 5 responderam

afirmativamente, 4 negativamente, 1 não tem certeza, 1 avalia afirmativamente em

termos, 1 avalia afirmativamente para alguns aspectos e 1 avalia que é uma

questão difícil de ser respondida. Transcreveremos, a seguir, algumas das

respostas a essa questão.

Aos que responderam afirmativamente:

Utilizo textos, músicas e filmes, dentre outros. Tenho tido excelentes resultados, pois na maioria dos casos é novidade e, portanto, estimulante (Professor A). Facilita a aprendizagem (Professor G). São materiais simples encontrados na nossa casa como também em qualquer papelaria, é de baixo custo e qualquer escola que se preze deveria também tê-lo (Professor K).

Aos que responderam negativamente:

Tenho clareza que o material didático que uso não é adequado...os textos são complicados..não existe material no campo da filosofia adequado para alunos do PROEJA” (Professor B). Seriam necessárias mais aulas práticas. (Professor D). Como nova modalidade, precisamos de um material específico. (Professor F).

O Professor I, que não tem certeza sobre o material que utiliza, afirma que

“como faz pouco tempo com a turma tem dado certo, mas gostaria de ter mais

conhecimento dessas práticas e material específico para a EJA. Uso dinâmica de

grupo”.

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Page 86: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

O Professor J justifica ser esta uma pergunta difícil de ser respondida,

“porque o professor, ingenuamente, sempre acha que está fazendo o melhor e

que está usando o melhor material didático para sua clientela”.

O aspecto relacionado ao material didático, que não se restringe apenas ao

material em si, mas à própria prática pedagógica, é algo que requer uma reflexão,

envolvendo os próprios alunos, afinal o professor, muitas vezes, é levado a crer

que aquilo que esteja praticando é o melhor para a aprendizagem. Os alunos

devem ser reconhecidos como sujeito da sua própria educação. O ato de ensinar

exige saber escutar.

É preciso que quem tem o que dizer saiba, sem dúvida nenhuma, que, sem escutar o que quem escuta tem igualmente a dizer, termina por esgotar a sua capacidade de dizer por muito tempo ter dito sem nada ou quase nada ter escutado.(FREIRE, 2007, p.117).

Também foram ressaltadas, por alguns professores, dificuldades estruturais

para aulas práticas, questões estas que precisam ser debatidas, buscando-se

soluções na perspectiva de que não haja comprometimento do trabalho como um

todo.

4.2. VISÃO SOBRE O PROGRAMA Ao serem indagados acerca do projeto de implantação do curso ora

ofertado no PROEJA, 6 professores opinaram de forma positiva, destacando a

relação com a parte profissional que tende a contribuir para uma formação integral

do aluno, ressaltando-se, porém, que o mesmo deva melhorar. Os demais

afirmaram desconhecer o projeto, não ter opinião formada ou que ainda é cedo

para uma avaliação. O Professor A, mesmo desconhecendo o projeto, afirma que

“qualquer possibilidade de novas qualificações só vem a somar”.

Transcreveremos, a seguir, algumas das respostas dadas que apontam

para aspectos que precisam ser melhorados.

Se fossemos retomar este projeto, ele deveria ser melhorado nos seguintes aspectos: a) fundamentação teórica; b)

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Page 87: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

currículo: rever matriz curricular; c) metodologia e d) avaliação. (Professor B). A proposta é válida mas deve aprimorar, para que este curso esteja dentro da realidade do aluno. (Professor C). Deveria oferecer cursos profissionalizantes em várias áreas, desde que seja desintegrado do ensino médio, pois considero insuficiente os três anos oferecidos pelo PROEJA para a formação integral do aluno. (Professor D). Muita coisa ainda precisa ser implantada e implementada, principalmente no que diz respeito a integração curricular. (Professor M).

4.3. DIFICULDADES NA PRÁTICA PEDAGÓGICA Com relação às dificuldades encontradas pelos professores na sua prática

pedagógica no PROEJA, vários elementos foram indicados, sobre os quais iremos

discorrer a seguir.

O fator tempo associado ao horário e trabalho foi a questão mais

destacada pelos professores. O horário de funcionamento das aulas do PROEJA

compreende o período de 18h20min às 22h40min, ocorre em função de muitos

dos alunos serem trabalhadores, o que dificulta não só o cumprimento do horário

de acesso, como a permanência, até o final deste período, e a falta de tempo para

estudar fora do horário de aula. Sobre estas questões vejamos o que disseram os

professores:

O tempo reduzido das aulas pelas dificuldades de locomoção dos estudantes (transporte urbano, horários, etc.) e a luta diária contra o cansaço dos mesmos, nos incita a sempre renovar as metodologias, tornando as aulas as mais dinâmicas possíveis (Professor A). Falta de tempo para estudar motivado pelo trabalho (Professor E). O não comparecimento constante às aulas (Professor E). Eles não tem tempo de realizar atividades de casa. (Professor J)

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Page 88: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Essas questões requerem um pensar sobre a organização dos tempos e

espaços no atendimento a esta modalidade. Ressalta-se ainda pelo depoimento

dado pelo Professor A, o reflexo em sala de aula, na aprendizagem do aluno, pelo

cansaço que o acompanha, após um dia de trabalho, e na percepção que o

educador deva ter disto, a ser refletida em sua prática pedagógica.

A falta de conhecimento básico por parte dos alunos foi a segunda

dificuldade mais destacada pelos professores entrevistados. Por ter uma trajetória

escolar de repetência e descontinuidade, o aluno do PROEJA muitas vezes não

apresenta aqueles conhecimentos básicos esperados pelo professor que,

normalmente, trabalha com alunos do ensino dito “regular”. Isso poderá levá-lo a

uma desmotivação, fazendo-os se sentirem fracassados. De acordo com Brunel

(2004),

sabemos que existem alunos que não correspondem satisfatoriamente a certos saberes e competências que lhe são exigidos na escola e, muitas vezes, são classificados como fracassados, sem uma análise mais detalhada de seu histórico ou de seu entorno.(p.14).

Alguns professores tentam sanar essas dificuldades buscando espaços

físicos e horários para núcleos de aprendizagem. No nosso entender, além de se

buscar propiciar mais um espaço de “encontro” dos alunos com os professores,

esta questão requer o pensar na própria organização curricular e em práticas

pedagógicas como elementos fundamentais para o desenvolvimento da produção

de saberes, considerando a experiência do aluno e a sua realidade.

A falta de recursos humanos capacitados para atuar nesta modalidade

de ensino também foi apontada como uma das dificuldades. Vejamos os relatos a

seguir:

A maior dificuldade ainda é a falta de recursos humanos capacitados para atuar nesta modalidade de educação. Temos hoje apenas 4 docentes e 1 pedagogo em processo de capacitação. É muito pouco. Sem capacitação de todos os docentes não poderemos avançar na construção de um

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Page 89: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

currículo, material didático e metodologia de ensino adequada para os alunos desta modalidade. (Professor B). Falta capacitação para melhor servir e educar esses estudantes, já que eles tem suas particularidades e necessitam de uma metodologia específica”.(Professor H).

A implantação do PROEJA trouxe consigo o desafio de se ter um

profissional capaz de atuar na educação profissional técnica de nível médio

integrada ao ensino médio na modalidade EJA. Para isto, o Governo Federal vem

investindo na formação sistemática de profissionais para atuarem nesta área e os

cursos de especialização tem sido um exemplo disto. O depoimento do Professor

B registra a pouca participação de professores neste processo formativo e esta é

uma questão fundamental que precisa ser revista.

Sobre a formação docente, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

educação de jovens e adultos é clara quando afirma que:

Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo. “Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim um docente que se nutra do geral e também das especificidades que a habilitação como formação sistemática requer.” (BRASIL, 2000, p.114).

Durante as reuniões pedagógicas ocorridas no decorrer de 2008, algumas

destas questões aqui apresentadas pelos professores foram abordadas,

principalmente naquilo que se refere às práticas pedagógicas e a relação

interdisciplinar que deveria estar ocorrendo. Nestes encontros, buscou-se

compartilhar as experiências vivenciadas em sala de aula, constatando-se que

isso deveria ser algo mais sistematizado.

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Page 90: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação de jovens e adultos deve ser entendida como uma atividade

especializada, com características próprias. Por isso, necessita de um profissional

docente que contemple competências e saberes necessários à prática com esta

modalidade de ensino. Requer a utilização de métodos educativos que atendam

às diferenças individuais do aluno, que seja imbuído de uma prática dialógica, que

leve em consideração o respeito, a liberdade, a paciência, a alegria, a esperança,

o bom senso, a curiosidade, o compromisso e a criação de situações diversas de

aprendizagem.

Na rede federal de educação profissional e tecnológica não existe um corpo

de professores formados para atuar no campo específico da EJA. E que tipo de

formação faz-se necessário? Aquela que vai além dos conhecimentos técnicos,

científicos e que favoreçam a construção de uma aprendizagem significativa,

articulada num contexto social; que leve em consideração a realidade do

educando, pelas suas características, história de vida, expectativas com a escola,

os saberes que já detém, sua visão de mundo e que carrega, consigo, a introjeção

da inferioridade naturalizada.

O PROEJA, no IFPB, se por um lado oportuniza a inclusão destes jovens e

adultos, paradoxalmente, poderá correr o risco de promover a sua exclusão a

partir do momento em que as suas necessidades sócio-educacionais e suas

perspectivas pessoais e profissionais não forem correspondidas.

Requer, portanto, a construção de um novo olhar, de uma identidade

própria, para todos os elementos inerentes a esta modalidade de ensino: métodos

educativos apropriados, imbuídos de uma prática dialógica nas diversas situações

de aprendizagem; material didático específico; adequação de horário

(tempos/espaço) ao público a que se destinam e a formação dos educadores

envolvidos.

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Page 91: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

REFERÊNCIAS

BRUNEL, Carmen. Jovens cada vez mais jovens na educação de jovens e adultos. Porto Alegre: Mediação. 2004. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 35ª ed. São Paulo: Paz e Terra. 2007. SOARES, Leôncio. PARECER CEB 11/2000. In: _______ Diretrizes Curriculares Nacionais: Educação de Jovens e Adultos. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p.25-133. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA: Educação Profissional Técnica de Nível Médio/Ensino Médio. Documento Base. Brasília: MEC, 2007. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Propostas Gerais para Elaboração de Projetos Pedagógicos de Curso de Especialização. Brasília: MEC/SETEC. mimeo, 2006.

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Page 92: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

SINALIZANDO A EDUCAÇÃO: DOIS ANOS DE UMA PESQUISA NO CAMPO DA INCLUSÃO VIRTUAL

Maurício Rocha Cruz1

A idéia de uma pesquisa que proporcionasse uma página na internet com

recursos de interatividade e que permitisse circular vídeos em Libras teve grande

aceitação no INES. O desenrolar desta experiência permitiu, aos seus participantes,

refletir sobre a usabilidade de certas ferramentas, pensar as especificidades da

língua de sinais em plataformas interativas, conhecer conceitos, perspectivas e

projetivas das Tecnologias da Comunicação e da Informação.

Pensar estes temas, dentro de um Curso de Graduação em Pedagogia, tem

se mostrado necessário frente aos avanços científicos atuais. Novas formas de

comunicação aprimoram o acesso ao conhecimento, rompem fronteiras e

aproximam diferentes. Muitos são os grupos de pesquisa que, atualmente, refletem

sobre estes temas e pensam a educação atravessada por estes avanços. Sistemas

de ensino online são testados e aprimorados a cada dia, seja para oferecer mais um

suporte ao aluno ou mesmo para que, por ele, o aluno guie completamente seus

estudos. Há ainda uma forte discussão quanto ao uso não-didático das TIC’s, etc.

etc. etc.. Parece haver também uma forte convicção de que as novas tecnologias

ameaçam ou desvirtuam os caminhos pelos quais os alunos, tradicionalmente,

percorrem para alcançar o conhecimento. Nesse caso, nos parece claro, que a sátira

de que a biblioteca de um professor caberia no pendrive de seu aluno pode

realmente impactar os menos preparados.

Temos a convicção de que as TIC´s merecem uma leitura menos visionária,

menos virtualizante. É preciso encarar as novas ferramentas em sua complexidade,

sem desmoralizá-la com discursos sobre o ctrl+c + ctrl+v. Tais discursos

marginalizam, por exemplo, o uso da internet como fonte de pesquisa. Tais

discursos aparecem com mais frequência porque os próprios professores também 1 Professor Assistente DE do INES/DESU. Graduado em Pedagogia (UERJ/FEBF). Mestre em Educação (UFF/PROPED). E-mail: [email protected]

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Page 93: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

consultam robôs de busca. Antes, os professores não detectavam, com tanta

facilidade, aquilo que foi copiado num dos muitos livros (para ser otimista) da

biblioteca de sua escola.

Encarar com seriedade o uso das ferramentas proporcionadas pelas TIC’s

significa estar em constante capacitação, aquilo que normalmente chamamos de

formação continuada. No caso em questão a razão é simples, as tecnologias que

podemos usar em sala de aula (ou mesmo fora dela) surgem a cada dia e atualizam-

se, permanentemente. Mas não necessariamente o conceito de formação precisa

estar ligado às instituições. Embora pouco em voga no cenário nacional, a auto-

formação permanece acreditando nos indivíduos, acreditando no compromisso que

ele deveria assumir consigo mesmo e depois, se for o caso, com a instituição. Se

fossemos pensar numa formação continuada, especificamente para as TIC’s, esta

formação não terminaria. Esta é a razão de ser do próprio conceito de formação

continuada: algo que amarra o indivíduo ao exercício de sua profissão. Não é

necessariamente com estes termos que a formação continuada merece ser

discutida. Por isso, apostar no compromisso do indivíduo para com o conhecimento

deveria ser mais eficiente do que oferecer melhorias salariais a cada especialização

concluída. A inversão dos valores, infelizmente, tem se expressado em análises

equivocadas.

Falar sobre as ferramentas de sucesso entre a garotada (Orkut, MSN, mp3

etc.) rende debates interessantes: desde a habilidade no uso destas ferramentas à

invasão de privacidade ou mesmo quebra de patentes. Não são poucos os

professores que usam estes temas em suas aulas, aproveitando maravilhosamente

os conhecimentos adquiridos anteriormente por seus alunos. Uma escola conectada

com seu tempo exige dinâmicas menos persuasivas, exige posturas pouco

exploradas pelos docentes. Exige uma postura conclamada a muito pelos alunos:

que o professor desça do palco, que reflita as fontes do conhecimento, conduzindo o

aluno pelos caminhos mais apropriados. Trata-se, portanto, de uma

descentralização do conhecimento, como de fato ele se apresenta na realidade, e

em oposição às fantasias de que o conhecimento, na sua forma literária, ainda é

mais eficiente para nossos alunos.

Esta pesquisa contou com a participação de estudantes voluntários que, na

medida do possível, contribuíram em atividades diversas da pesquisa. Estes alunos,

sem perspectivas alguma de bolsa e com a precariedade dos recursos disponíveis,

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Page 94: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

demonstraram o verdadeiro sentido da busca pelo conhecimento. Resta a impressão

de que mereciam mais do que lhes foi ofertado.

CONTEXTO

A idéia de uma pesquisa que promovesse ambientes online de discussão e

que circulasse vídeos em Libras insere-se num contexto institucional bastante

limitado. Com os poucos anos de experiência de funcionamento do Curso de

Pedagogia (INES/DESU) e com (ainda) os poucos profissionais de seu quadro

permanente, muitas linhas de pesquisa ainda não foram preenchidas. As grandes

mudanças na educação, provocadas pelas novas tecnologias, tem proporcionado

quebras de paradigmas e exigido melhor capacitação dos professores, nesta área. O

Curso de Pedagogia do INES necessita de um tratamento mais adequado aos

assuntos relacionados às TIC’s. Dizer que os surdos necessitam destas tecnologias

para ter uma maior acessibilidade aos conhecimentos é apenas um dos muitos

motivos pelos quais devemos nos preocupar com a questão. Mas urgente é fazer

com que os professores conheçam, discutam e transitem pelas ferramentas

disponíveis, assegurando assim uma formação integrada com os adventos

tecnológicos que tanto diferencia os comportamentos de nossas crianças.

Decorridos meus primeiros doze meses de trabalho no INES, percebi que

este era um campo fértil para pesquisas e experiências diretamente ligadas às

ferramentas tecnológicas mais acessíveis nos dias atuais. Com uma câmera na

mão, e acesso a internet, já é possível inovar e, principalmente, comunicar

(ferramenta de toda educação). Com um pouco de criatividade, por exemplo, é

possível utilizar blogs ou um serviço de hospedagem gratuita para compor um jornal,

uma webrádio, e até um canal de IPTV via stream.

Foi com idéias bem abrangentes que submeti um projeto à apreciação ao

INES, que acolheu seu desenvolvimento entre julho de 2008 e junho de 2010. Com

mudanças sugeridas, o projeto de pesquisa pode começar a sair do papel. O

objetivo maior foi criar um site voltado ao público surdo, com vídeos em Libras,

direta ou indiretamente, ligado à formação de professores. A aposta em ferramentas

interativas como blog, chat, fóruns, notícias etc. proporcionou maior autonomia por

partes dos usuários.

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Page 95: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

PERSPECTIVAS

O Curso de Pedagogia ainda não tinha uma regulamentação institucional que

definisse as políticas e os processos de credenciamento de pesquisas. Com isso,

também carecia de um programa de bolsas que regulamentasse a participação do

alunado nestas atividades. Sendo assim, com a pesquisa sendo institucionalizada

em junho de 2008, foi aberto um processo de seleção de alunos da graduação para

participar da pesquisa Sinalizando a Educação, na qualidade de Alunos Voluntários

(Auxiliar de pesquisa), com 10 horas semanais. Os candidatos tiveram que

responder a um pequeno questionário sobre sua disponibilidade, interesse e

propósitos. A princípio, cinco alunos começaram a participar das reuniões, e aos

poucos, duas alunas não conseguiram acompanhar as reuniões. Os três alunos

selecionados na graduação compuseram o grupo de pesquisa junto ao Professor

Orientador e a outros voluntários, um mestrando da UERJ/FEBF e duas pós-

graduandas do INES/ISERJ. Todos foram informados do cadastramento da pesquisa

e de sua situação voluntariada.

As perspectivas de trabalho não podiam ser tão abrangentes, embora o início

das atividades nos empolgasse com um grupo tão grande e disposto. Contávamos,

em julho de 2008, apenas com uma sala para reuniões e um computador, para ser

compartilhado pelos grupos de pesquisa e por todos os professores do Curso de

Pedagogia. Ainda no comecinho das atividades, o Diretor do INES convidou o

responsável pela pesquisa, elogiou a iniciativa, e ofereceu suporte material,

combinando um futuro encaminhamento de solicitação de compra de recursos.

Foram estas as perspectivas estruturais no início da pesquisa.

Quanto ao público, nossa idéia era primeiro oferecer e testar nosso site com

os alunos do Curso de Pedagogia do INES. Na qualidade de curso bilíngue (Libras-

Português), e no âmbito de sua formação para atuação com o público surdo, era

evidente pensar no uso da Libras no site a ser criado. Os usuários da Libras

estavam no corredor, ao nosso lado, entre nós; e esse convívio foi marcando, em

nós, propósitos e características defendidas pelos surdos para uma comunicação

mais eficaz. Este público (usuário da Libras), concentra sobre si nosso contexto,

orienta nossas perspectivas, e objetiva nossas ações.

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Page 96: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Formado o grupo, as reuniões iniciais serviram para afinar os propósitos da

pesquisa. Nestas reuniões, estabelecemos o funcionamento da pesquisa, sua

estrutura, sua intervenção no espaço. Em seguida, nos munimos de referenciais

teóricos que nos permitisse pensar a usabilidade de ferramentas interativas

(PELLANDA, BEY), que as problematizasse em relação a possibilidades formativas

(LÉVY) e, principalmente, que aproximasse o usuário das novas tecnologias

(SCLÜNZEN), tendo como requisito sua compreensão enquanto fenômeno social.

As reuniões aconteceram semanalmente, e na maioria das vezes, sem intérprete.

Na ocasião, discutimos a utilização de hospedagens gratuitas e sua

significação frente às possibilidades abertas e acessíveis a qualquer usuário da

internet. Testamos algumas possibilidades e constatamos alternativas bastante

interessantes.

Em nosso primeiro teste, hospedamos uma página com links e arquivos em

um servidor gratuito (www.freewebtown.org). Percebemos que, com poucos

conhecimentos, pode-se configurar uma conta gratuita e hospedar informações. As

primeiras páginas que hospedamos serviram para testar o princípio de navegação

por imagens. A idéia foi criar um ambiente virtual que simulasse o caminhar de um

avatá (boneco) por dentro de uma instituição com biblioteca, sala de bate-papo, sala

de vídeo, mural de notícias etc., tudo representado por imagens. Com um clique nas

setas posicionadas ao redor do avatá, o usuário do site movimentava-se,

dinamicamente, pelo mesmo.

Repetimos estes testes em um disco virtual (Diino). Um disco virtual nada

mais é que um local na internet onde podemos guardar nossos arquivos. Sem nunca

termos ouvido falar sobre experiência parecida, hospedamos páginas no disco e

criamos um redirecionamento de domínio para facilitar o acesso de usuários.

Embora o acesso aos arquivos tenha se mostrado um pouco lento, a experiência

funcionou e nos ajudou a pensar o futuro da pesquisa.

À medida que experimentávamos as possibilidades gratuitas e conferíamos

seu funcionamento, percebemos os limites das linguagens aceitas e as dificuldades

que encontraríamos se optássemos por desenvolver o site com estes recursos. A

maior dificuldade, na época, foi que não encontramos suporte a ferramentas PHP,

uma linguagem necessária para proporcionar a interação de usuários através de

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Page 97: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

fóruns, login, enquetes, etc. em serviços de hospedagens gratuitos. Sem essa

possibilidade, nosso usuário poderia ficar limitado à navegação por links e sem

intervenção no site.

A navegação por imagens nos demonstrou outro empecilho: o carregamento

de imagens fica comprometido, pela ainda precária, taxa de transferência de dados

ofertada por prestadoras de conexão com a internet no Brasil. Neste caso,

percebemos que se usássemos a linguagem flash (também sem suporte em

hospedagens gratuitas) teríamos maior sucesso. Tempos depois, descobrimos um

ranking não-oficial dos dez melhores sites em flash do mundo. Para nossa surpresa,

o princípio de navegação por imagens estava presente no site vencedor. Vale

ressaltar que tal site levou dois anos para ser construído com o patrocínio de cerca

de vinte empresas grandes. Não contávamos, obviamente, com tal aparato técnico

nem mesmo como suporte financeiro para tal empreitada, mas ficamos muitos

satisfeitos já que, ao menos conceitualmente, estávamos propondo um caminho de

sucesso.

Decidimos, após análises destas primeiras experiências, que a linguagem

flash exigia conhecimentos tecnicamente muito avançados para este grupo de

pesquisa. Decidimos mesclar HTML e PHP em nosso site e, com estas linguagens,

alcançar a interação desejada com nossos usuários.

Este propósito nos fez analisar a possibilidade de pedir a instalação de

páginas da pesquisa no servidor institucional do INES. Esta iniciativa evitaria que

contratássemos um plano de hospedagem. Entretanto, até por questões de

segurança, o uso do servidor do INES nos proporcionaria maior dificuldade de

atualização do site da pesquisa. Qualquer dificuldade de atualização no site poderia

ferir o seu próprio princípio interativo.

Estes limites nos fez contratar (com recursos pessoais) a compra de um

domínio: o endereço eletrônico www.sinalizando.net. O nome sinalizando, por

questões óbvias, refere-se à pesquisa e à ação que o gerúndio indica (em

consonância com a interatividade desejada). Já net é uma das opções disponíveis

atualmente (ex.: .com; .org; .gov; ..com.br, etc.) e encaixa-se no sentido de uma rede

de colaboração e interação virtual. As outras formas estão mais atreladas ao

comércio, à iniciativas não-governamentais, governamentais etc.

Um endereço eletrônico (www.sinalizando.net) deve redirecionar o usuário

para uma página hospedada em um servidor. Como os serviços gratuitos não

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Page 98: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

contemplavam as necessidades da pesquisa, contratamos um plano de

hospedagem para armazenar os dados e as ferramentas do site. Neste caso,

também o plano foi custeado com recursos pessoais. Mesmo sabendo da

possibilidade de reivindicar, ao INES, o fomento a estes recursos, temíamos que os

procedimentos administrativos pudessem retardar nossos objetivos. Com estes

serviços contratados, partimos para a instalação do site.

Passamos a estudar a plataforma Moodle (Modular Object Oriented Distance

Learning) e investigar se atendia aos nossos propósitos. O moodle tem sido muito

utilizado em Curso de Educação a Distância, pois possui toda uma estrutura própria

para isso. A sua versatilidade também tem estimulado sua utilização para outros

fins, em especial para permitir que usuários intervenham frente aos conteúdos

postados e até configure, à sua maneira, a visualização do site. Seu código é aberto

e gratuito, sendo atualizado, colaborativamente, por usuários do mundo inteiro. Tais

características são apoiadas pelos referencias teóricos que estudamos e,

atualmente, até o governo brasileiro incentiva a produção e a circulação do código

aberto, em oposição às patentes que impedem o livre desenvolvimento de recursos

tecnológicos.

Martin Dougiamas é o principal desenvolvedor do moodle e associa o seu

desenvolvimento ao que chama de “pedagogia social construcionista”. O moodle

propõe uma pedagogia da colaboração, onde o conhecimento se constrói,

socialmente, na medida em que as pessoas interagem com as outras e com os

conteúdos. Vejamos algumas das características desta pedagogia:

1. Construtivismo — Esta filosofia sustenta que as pessoas

constroem ativamente novos conhecimentos à medida que

interagem com seu ambiente;

2. Construcionismo — Sustenta que a aprendizagem é

particularmente eficaz quando se está construindo alguma

coisa para que outros experimentem;

3. Construcionismo Social — Um grupo de pessoas

construindo algo para as outras, criando de maneira

colaborativa uma pequena cultura de “coisas” compartilhadas,

bem como com os significados compartilhados;

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Page 99: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

4. Ligado e Separado — Neste ponto, o objeto de observação

é a motivação das pessoas em uma determinada discussão de

assuntos.

Percebemos, no grupo de pesquisa, que as possibilidades ofertadas pelo

moodle preenchiam os requisitos mínimos necessários à dinâmica desejada para o

site. Outro motivo importante para a escolha deve-se à autonomia no gerenciamento

total das senhas, por parte do administrador do site (isso permite, por exemplo, criar

diversos grupos com autonomia diferenciada para intervir no site) e as facilidades na

edição de páginas por dentro do site. Neste sentido, o usuário não depende de um

domínio técnico de linguagens de programação para organizar suas intervenções

frente ao site. Veja que estamos partindo de um princípio de navegação, onde o

usuário do site é considerado um interventor: alguém que mobiliza a informação

para além da sua apresentação autoral. Alguém que responde, cria e edita textos,

novos textos, e que em última instância, também provoca novos textos. Assim, nos

aproximamos das características defendidas por Dougiamas para o que chama de

“pedagogia social construcionista”.

A PUBLICAÇÃO DO SITE E SUA UTILIDADE PARA OS USUÁRIOS O site foi lançado em novembro de 2008, em cerimônia interna no INES, com

a presença de palestrantes, que se apresentaram por, aproximadamente, três horas,

e foi transmitida pelo referido site, acompanhado de uma sala de bate-papo para

intervenção dos internautas. Desde o princípio, as experiências aproximavam o

usuário do site das possibilidades formativas e informativas disponibilizadas.

Aos poucos, alguns fóruns foram construídos e as informações atualizavam

os usuários sobre temas específicos. A interatividade proporcionada ao usuário fez

com que um público, de mais de oitenta usuários, fizesse seu cadastro nele. É bom

salientar que não foi feita divulgação externa, e que o site ficou sendo direcionado,

exclusivamente, ao público do INES e aos surdos e profissionais ligados à questão.

Essa falta de divulgação foi pensada para testar as possibilidades de ramificações

de informações sobre conteúdos na internet sem que seus veiculadores interfiram

diretamente neste processo (enviando e-mails de divulgação, publicando anúncios,

99

Page 100: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

etc.). Outro fator importante a ser considerado é que o site permite aos usuários não

cadastrados acesso a todas as informações publicadas pelos administradores do

site. Isso faz com que, na maioria das visitas, o usuário não execute seu login. Ele,

normalmente, precisa logar-se para responder a um tópico, publicar um conteúdo,

responder e enviar mensagens, etc.. Portanto, seu anonimato é garantido enquanto

leitor e impossibilitada, na medida em que se torna um interventor do site e que

precisa receber autoria. São estes os dados que avaliamos importantes para

compreender, como muito bom, o número de cadastro de usuários que temos no

momento.

Tendo um público usuário de língua de sinais, nossas dificuldades eram

sempre maiores. Conteúdos em texto escrito (é possível falar de texto em libras) são

considerados conteúdos ofertados na segunda língua do surdo. É difícil encontrar

reconhecimento na população em geral, e até em professores, para o fato de que

um ser que não escuta terá uma dificuldade imensa para aprender o código

linguístico representado pelo encadeamento de um monte de letras. Para nós,

ouvintes, as letras têm som e as ouvimos, muito antes de aprender a escrever. Para

os surdos, a fala é uma expressão gesto-visual: representa um conjunto muito maior

de enunciados que é parcialmente despercebido pelos que ouvem. Foram estas as

características linguísticas do surdo para as quais o site foi desafiado a publicar

conteúdos em Libras.

A Libras é uma língua que se exerce no tempo e no espaço e que é

representada por uma pessoa (existem avatás que podem fazer a língua de sinais,

mas sem expressão facial). Ofertar conteúdo em Libras significava ter pessoas que

pudessem interpretar textos. Este desafio era mais que estrutural. Não tínhamos

pessoas destinadas a esta função (nem bolsas, nem intérpretes, e nem dinheiro).

Por outro lado, é forte entre os intérpretes de Libras a reivindicação por direito de

imagem, o que dificulta o deslocamento destes profissionais para atividades como

esta. Para nós, outra questão também merecia maior atenção: os conteúdos não

deviam ser pensados em Português e interpretados em Libras. Era imperioso que os

conteúdos, ou a maioria possível deles, fossem pensados segundo a estrutura da

Libras, que tem características próprias bem diferenciadas da estrutura do

Português que usamos para passar as informações. Eis que nossos desafios

aumentavam, e ainda tínhamos dificuldades com equipamentos e estrutura básica

para o funcionamento de uma pesquisa.

100

Page 101: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Ainda sim, lançamo-nos aos desafios. Com ajuda dos próprios participantes

da pesquisa, fomos criando conteúdos em Libras. Posteriormente, em disciplinas da

graduação, alunos foram apresentados ao desafio de construir textos em Libras

(conteúdos acadêmicos que pudessem auxiliar na formação do professor que irá

atender surdos). Este desafio resultou em cerca de vinte pequenas produções sobre,

e principalmente, a vida e a obra de autores relacionados, direta ou indiretamente,

com o Curso de Pedagogia do INES, e que foram publicados no site no ano de

2009. Há também uma ferramenta para envio de vídeos em Libras para o site. A

intenção é que ele pudesse tornar-se um grande local de circulação da Libras.

Como se sabe, o envio de conteúdo em Libras exige, minimamente, o uso de

uma câmera e, posterior, postagem. Minimamente, porque normalmente um vídeo é

editado e até convertido antes do envio. Isso exige certa aparelhagem e uma notória

exposição da pessoa que fará a Libras, no vídeo, para não falar de tempo,

dedicação e outras questões que podem desanimar esta empreitada. O maior

difusor da Libras hoje é o youtube, seguido dos programas televisivos que tem a

presença de intérpretes de Libras; a escola, pasmem, fica posicionada depois ainda

das igrejas. Há muito espaço, portanto, para a difusão da Libras por outros canais.

Nosso proposto e nesta questão, vale lembrar, restringiu-se a um público específico.

Muitos dados foram gerados pelos acessos, de nossos usuários cadastrados,

e outros, referem-se aqueles que não se logaram. Estatísticas de acesso não

tomaram tempo neste texto, mas vale ressaltar que alguns dados apresentam,

claramente, interesses por temas e ferramentas de navegação. A interação

proporcionada pelo site garantiu uma mobilidade eficaz e uma usabilidade

relativamente consistente. Isso significa, em última instância, a garantia de que o

usuário obteve o que procurava, mesmo sendo significativa parte dos usuários

cadastrados surdos, portanto, tendo o Português como segunda língua. No que

tange aos acessos, a seção de vídeos foi a mais visitada e tornou-se a mais

importante ferramenta do site.

PARA NÃO CONCLUIR...

Durante estes dois anos de pesquisa, percebemos o quão amplo é a

necessidade de divulgar a Libras no âmbito da internet, para não falar de outros

101

Page 102: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

âmbitos. Percebemos que a inclusão virtual é muito mais do que oferecer recursos e

tornar acessíveis determinados conteúdos. Isto já desconfiávamos, desde o começo

da pesquisa, e foi um dos motivadores para que dedicássemos atenção especial ao

público surdo, seja pensando numa dinâmica de navegação por imagens (que

retardamos para uma etapa posterior) seja exaustivamente editando sites e vídeos,

segundo critérios nunca classificados, pouco abordados e, isoladamente,

experimentados.

Partimos, por exemplo, nas edições de vídeos, de limitações nas transições

de imagens, de informações e até de cenários e vestimentas, pois a Libras não deve

ser ofuscada pelo contexto em que se insere (vale ressaltar as experiências do

Telelibras). O padrão de cenas curtas, luz, efeitos, e muitas transições, pode tornar-

se desgastante demais para aqueles que usam a visão para se orientar em quase

tudo no seu dia. Estas, e muitas outras constatações técnicas, ou não, foram

percebidas em plena experiência que se materializou em diversos vídeos postados.

A inclusão virtual não pode e não deve ser pensada como estando a serviço

unicamente do acesso. Acessar não foi para nós o principal propósito (vide o fato de

não ter havido divulgação), não até o momento em que pudéssemos experimentar o

suficiente esta inclusão, até vivenciar com nossos alunos do Curso de Pedagogia

suas dificuldades na construção de um vídeo em Libras, e posterior postagem no

site. A inclusão virtual para nós foi um desafio que exigiu acompanhamento do

público, conhecimento de suas estratégias de pesquisa, proximidade com sua

aprendizagem. Portanto, só em última instância ela foi virtual, porque no cotidiano de

nossas reflexões, e no exercício de nossas experiências, é que o conteúdo foi

produzido e pensado. Estas ressalvas não questionam o caráter da inclusão, mas

alerta para o fato de que incluir e manter incluído deve estar diretamente envolvido

com os interesses dos próprios indivíduos para o qual se destina esta inclusão.

102

Page 103: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEY, Hakim. TAZ: zona autônoma temporária. São Paulo: Editora Conrad, 2001. GIDDENS, A. As consequências da modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo: Editora UNESP, 1991. LÉVY, P. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999. _____. O que é virtual? Trad. Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 1996. PELANDA, N., SCLÜNZEN, E., JUNIOR, K. (Orgs.). Inclusão Digital: tecendo redes afetivas/cognitivas. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

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Page 104: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A EDUCAÇÃO E A DIVERSIDADE

Tânia Guerra

Secretária Geral do SINASEFE

Integrante do Conselho Coordenador e Consultivo da CEA

Integrante do Conselho Internacional de Educação do Fórum Mundial de Educação

IF Sul-riograndense

[email protected]

RESUMO

O presente trabalho busca se inserir na discussão sobre a qualidade que queremos

para a educação profissional e tecnológica e o papel social da escola, a necessidade de

referenciar esta discussão no conteúdo da Declaração dos Direitos Humanos, conforme

apontam as últimas orientações do Conselho Nacional da Educação e da Conferência

Nacional de Educação – CONAE

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Page 105: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A EDUCAÇÃO E A DIVERSIDADE

                                          Declaração Universal dos Direitos humanos:   

                                         A presente Declaração Universal dos Direitos     

                                         Humanos como o ideal comum a ser atingido  

                                         por todos os povos e todas as nações, com o  

                                         objetivo de que cada indivíduo e cada órgão 

                                         da sociedade, tendo sempre em mente  esta De­ 

                                         claração,  se esforce,  através do ensino  e da Edu­ 

                                         cação, por promover o respeito a esses direitos e li­ 

                                         berdades, e,  . . . .                                                              

O Estado tem a obrigação de promover a inclusão social e superar as

desigualdades sociais, além de promover a qualidade de vida, a cidadania e fazer a

justa distribuição da riqueza econômica, social e cultural do país, uma vez que a

exclusão social está muito mais associada à desigualdade do que à pobreza,

propriamente dita.

Em nossa sociedade, embora a Constituição garanta a igualdade entre

homens e mulheres e combata a discriminação, ainda temos nas mais diversas

instituições sociais, e entre estas a escola, cujo modelo reproduzido é o da sociedade

capitalista, as relações sociais permeadas pelo preconceito e pela desigualdade.

A escola reproduz esta desigualdade por aceitar sua naturalidade, e assim

aceita como naturais os modelos culturais, historicamente construídos, dos papéis

sociais do homem e da mulher. Ao homem cabe mandar, afinal ele é o mais inteligente;

à mulher, por sua vez, cabe ser dócil, ela é feita para guardar, acompanhar e auxiliar o

seu parceiro. O modelo ideal, então, é o do macho, branco, rico e heterossexual.

105

Page 106: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Esta visão de sociedade, visão de mundo, precisa ser urgentemente

desconstruída, porque desqualifica e discrimina a mulher, o negro, o velho o

homossexual e o portador de necessidades especiais. A escola, por sua vez, necessita

formar seres humanos que não tolerem ações discriminatórias por não aceitarem, como

naturais, tais construções.

Nossa cultura, auxiliada pelos meios de comunicação, fazem com que nossas

crianças e adolescentes tenham exemplos de violência e preconceito desde suas

primeiras experiências de vida, quando desenvolvem seu raciocínio lógico e o seu

poder de abstração. Criando seus espaços de resolução de situações concretas, e

estabelecendo relações entre elas, interiorizam seus valores éticos e suas normas

sociais e morais, estabelecendo, dessa forma, seus modelos referenciais.

É papel da escola, enfim, identificar que esta naturalização traz dor e

sofrimento; comprometendo, pois, a formação integral para a cidadania.

Valorizar a diversidade exige, justamente, lidar com ela, cotidianamente;

entendendo que as diferenças devem ser respeitadas e promovidas, superando o seu

uso como critério de exclusão social, hoje aceito e praticado em nossas instituições, e

como de resto, na sociedade.

Renomados educadores como Paulo Freire, Piaget, e tantos outros, e outras,

enfatizaram a totalidade do ser humano e sua capacidade de se construir, socialmente,

através de significados socialmente importantes. Alem de se reconhecer o(a) outro(a)

como desigual, é necessário, primeiramente, reconhecer em suas relações

interpessoais, seus direitos e deveres como tal, igualmente desiguais.

Efetivamente, assim, incorpora-se a função social do educador(a), com a

responsabilidade de, em se aceitar os diferentes seres que lhes são dados a conviver,

por conta de mais um ano letivo que se inicia, a cada mudança de ano de calendário,

transmitir valores éticos que referendem a cidadania.

106

Page 107: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

As estatísticas oficiais denotam que 47% das casas brasileiras vivem em

situação de violência doméstica, o que leva as crianças brasileiras a estabelecerem

suas primeiras relações sociais baseadas, por assim dizer, em referenciais violentos e

discriminatórios. Sabe-se também, é senso comum que, é grande a probabilidade de

quem sofre violência, qualquer que seja, quando criança vir, a reproduzi-la quando

adulto(a).

A Sociedade Civil Organizada, nos últimos anos, tenta superar este quadro

com leis que utilizam a educação, e não somente ela, como instrumento de superação

das desigualdades e formação integral de cidadãos e cidadãs construtores (as) de uma

sociedade ética, fraterna e igualitária, justamente por entenderem ser a escola o espaço

social onde se modela, ou provoca, uma mudança de mentalidade de nossa juventude.

É necessário, todavia, que nossas instituições escolares adotem, em suas

bases curriculares, conteúdos capazes de darem conta desta necessidade: educar

dentro do respeito aos Direitos Humanos e na perspectiva do combate à violência

sexista e à homofobia; no respeito às relações étnico-raciais, geracionais, e à

valorização da diversidade; o que deve ser, hoje, uma prioridade na/da educação

brasileira.

A Lei 10639/03, que trata da História e Cultura Afro-Brasileira, e a Lei

11340/06, Lei Maria da Penha, que trata da violência doméstica e familiar contra a

mulher, embora já tenham algum tempo de vigência; infelizmente, ainda não chegaram

às nossas instituições de ensino.

Hoje, tramitam no Congresso, vários projetos de lei que tratam do referido

assunto. Em especial, temos o PL 2431-A/07 e o PL 3361/08, das deputadas Maria do

Rosário e Lídice da Mata, respectivamente, que incluem, nos currículos escolares,

conteúdos e práticas que contribuam para o combate à violência doméstica, cumprindo

assim o art. 8º da Lei Maria da Penha. A relatora do segundo PL diz: saber que “romper

a visão que rebaixa, desqualifica e discrimina a mulher e o(a) negro(a) exige políticas

de longo prazo, exige a formação de indivíduos que não considerem naturais, ou não

107

Page 108: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

tolerem, ações discriminatórias em relação a quaisquer formas de diversidade: raça e

etnia, geracional, orientação sexual, deficiências e gênero”. Os dois PLs enfatizam a

necessidade de esta questão ser tratada, em todos os níveis e modalidades de ensino.

Os conteúdos e as práticas educacionais deverão, dessa forma, abordar temas

relacionados aos direitos humanos e disseminar valores éticos de respeito à dignidade

humana na perspectiva de gênero, raça/etnia e opção sexual.

Com o advento da Lei Maria da Penha, somos o décimo oitavo país da

América Latina a contar com lei específica contra a violência sexista, além do fato de o

poder público oferecer Programas de Qualificação e Formação, aos seus

professores(as) da educação básica, a fim de, devidamente preparados, atuarem nas

escolas.

A Lei 9394/96, a LDB, infelizmente, ignora os Direitos Humanos e não reforça

a necessidade de os conteúdos curriculares neles se referenciarem.

O Conselho Nacional de Educação – CNE, ao preparar o Parecer que

subsidiou as discussões para a construção do novo Plano Nacional de Educação –

PNE, em 2009, apontou para a necessidade de o novo Plano conter diretrizes

referenciadas nos Direitos Humanos. Ainda em maio deste ano, o Parecer número 04

do CNE, homologado pelo Ministro da Educação, traçou diretrizes para a educação nas

prisões, reforçando o direito de todos e todas à educação, independente de terem, ou

não, direito à liberdade civil.

Parece que o poder público, através de seus ministérios e do CNE,

despertaram para a necessidade de se ter políticas de inclusão e valorização da

diversidade, como política de Estado; única forma de responder a demanda maior da

sociedade brasileira, medida em todas as pesquisas, que é a preocupação com a

segurança pública.

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Page 109: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A HOMOFOBIA E A IDENTIDADE DE GÊNERO

Em 1975, a Organização Mundial da Saúde – OMS deixou de considerar o

homossexualismo como integrante da Classificação Internacional de Doenças

classificadas como distúrbio mental. Em 1985, a OMS declarou que deixava de

considerar o homossexualismo doença, considerando-o, a partir de então, como um

sintoma decorrente de circunstâncias psicossociais – desajuste social, retirando o

“ismo” do termo, que significa doença, e adotando o “dade”, que significa uma forma de

ser. Passou a ser tratado, então, como homossexualidade.

Em 1995, a Conferência Mundial de Beijing encaminhou o tema para as

discussões a serem levadas a efeito na ONU; entretanto, este não apareceu nas

Resoluções, por objeção das delegações islâmicas. A Conferência Regional das

Américas, em Santiago – Chile, em 2000, aprovou a Declaração de Santiago, que

compromete todos os países do continente sul - americano a combater a discriminação

por orientação sexual – a homofobia.

O Departamento de Psicologia da Universidade de Sevilha realizou o primeiro

estudo sobre o desenvolvimento de meninos e meninas em famílias de pais gays, ou

mães lésbicas, famílias monoparentais, na Espanha. Este trabalho apresentou a

seguinte conclusão: 1) pai e mãe com alta autoestima, boa saúde mental, e nível

econômico satisfatório; 2) estilo democrático de educar, com alto nível de comunicação

e afeto; 3) pais e mães consideram a paternidade e a maternidade como o legado mais

importante de suas vidas; 4) famílias cujo valor educativo principal é o respeito aos

outros e à tolerância.

E, diante da constatação feita, em diversos países, de que a violência sexual é

a forma mais recorrente de violência contra as crianças, adolescentes e jovens,

juntamente ao elevado índice recorrente da agressão física, a UNESCO e os países

membros se voltaram para a resolução deste desafio.

No Brasil, nós que queremos construir uma escola justa, livre de preconceito e

discriminação, precisamos identificar nossas dificuldades e elencar nossos

instrumentos para, somente assim, podermos enfrentá-las.

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Page 110: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

As dificuldades são aquelas próprias de nossa realidade social e cultural, que

permeiam nosso cotidiano, e que trazem a incompreensão acerca da homofobia e de

seus efeitos. Esta dificuldade não é só dos professores(as) consultados(as), uma vez

que também está presente na dificuldade de formulação de políticas públicas para o

assunto. Esta dificuldade nos leva, muitas vezes, a reproduzir esta discriminação em

vez de enfrentá-la.

Muito tem ajudado os estudos de Bourdieu e Passeron, além de outros(as)

acerca desse assunto; estudos que alertam para a necessidade de desmistificar o

poder de a educação, sozinha, transformar o mundo e criar a sociedade que

queremos.

A escola, hoje, além de produzir e difundir o conhecimento reproduz padrões

sociais, concepções de Estado e de mundo, legitima relações de poder, processos de

acumulação, e não aponta para o desejo de derrubar o modelo capitalista, ou de

construir o socialismo.

A escola é, historicamente, um espaço disciplinador e responsável pela

permanência do status quo. Ela isola o diferente, o doente, o pervertido o não normal. É

mais um lugar de opressão, discriminação e preconceitos.

A professora Guacira Louro diz (2004, p. 27), com muita propriedade, que “...

os sujeitos que, por alguma razão ou circunstância escapam da norma e promovem

uma descontinuidade na sequência sexo/gênero/sexualidade serão tomados como

minoria e serão colocados à margem das preocupações de um currículo ou de uma

educação que se pretenda para a maioria”. Paradoxalmente, esses sujeitos

marginalizados continuam necessários, “... pois servem para circunscrever os contornos

daqueles que são normais e que, de fato, se constituem nos sujeitos que importam.”

(Louro, 1997, p. 29). A homofobia, o medo voltado contra os(as) homossexuais, pode-

se expressar ainda numa espécie de “terror em relação à perda do gênero, ou seja, no

terror de não ser mais considerado como um homem ou uma mulher “reais”ou

autênticos/as”.(Louro, 1997, p. 29).

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Page 111: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A UNESCO, em 2001, em pesquisa realizada em escolas brasileiras,

constatou que a forma mais comum de discriminação, nas interações entre jovens, são

as chamadas brincadeiras, por meio de linguagem desrespeitosa e ameaças, que

comumente tem como alvo as meninas. A pesquisa apresentou o seguinte resultado: 1)

1/3 de pais e alunos não querem homossexuais em sua turma, sendo 30,6% em

Fortaleza e 22,6% em Belém. 2) A homossexualidade é rechaçada por 42% dos

rapazes e 13% das moças em Porto Alegre. 3) Professores/as ou silenciam, ou

reproduzem o preconceito. 4) Há o reconhecimento de não se saber como lidar com

seus preconceitos, e a preocupação em como formar para uma cultura da diversidade

alem da tolerância formal.

Em 2004 divulgou o resultado de outra pesquisa, com todas as Unidades da

Federação, em que 59,7% dos professores(as) julgam ser inadmissível que uma

pessoa tenha ligações homossexuais.

Na Parada do Orgulho GLBT, no Rio de Janeiro, em 2004, 40,4% dos

entrevistados(as), na faixa etária de 15 a 18 anos, declararam ter sido

discriminados(as) na escola. Na Parada de São Paulo, em 2005, 32,6%, identificaram

a escola e a faculdade como espaços de marginalização e 32,7% afirmaram ter sofrido

discriminação, por parte de professores(as) e colegas. No mesmo ano, na 8ª Parada de

Belo Horizonte, 34,5% declararam ser a escola a instituição com maior frequência de

reações homofóbicas.

No Brasil, em 2004, o governo federal lançou, em conjunto com a sociedade

civil, o Programa Brasil sem Homofobia“, na perspectiva de que a democracia não pode

prescindir do pluralismo e de políticas de equidade, interrompendo a histórica

indiferença em relação à homofobia.

Em 2007, na Inglaterra foi aprovada a Equality Act, voltada a eliminar

discriminações por orientação sexual, determinando que até mesmo as escolas

religiosas devam ensinar o respeito à livre expressão sexual.

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Page 112: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Todas as reflexões e pesquisas sobre a condição da mulher agravam-se com o

viés da raça. Se os salários das mulheres são inferiores aos dos homens; os salários da

mulher negra são inferiores aos da mulher branca.

A intolerância com as lésbicas é muito maior do que a verificada com os gays,

e se a mulher em questão for negra, a intolerância, verificada principalmente no

atendimento médico dispensado pelo sistema de saúde pública, é maior do que com as

brancas.

Se durante o século XX aconteceram alguns avanços na área dos direitos

humanos e sociais, dentro da legislação brasileira, sempre por necessidade da

expansão do capitalismo e da consolidação das políticas neoliberais, nada foi

construído visando à promoção da cidadania da população negra.

O Movimento Negro, forte e organizado, contando com importantes

protagonistas como Abdias Nascimento, as experiências do Movimento Negro Unificado

– MNU, o Movimento das Mulheres Negras e as Comunidades Quilombolas, sempre

reivindicaram a educação formal com o olhar do negro(a) como instrumento de

promoção das demandas da população negra, na perspectiva da superação das

desigualdades sociais e raciais, acreditando que o racismo é um dos mais fortes

componentes do fracasso escolar deste segmento da sociedade.

Os mais importantes instrumentos legais para atingir estas reivindicações são

a Lei 10639/03, que obriga os currículos nacionais, de todos os níveis e modalidades de

ensino, a incorporarem a História da Cultura Afro-Brasileira, e o Parecer CNE/CP 3/04,

que institui as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e o

Ensino da História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas, cabendo aos sistemas de

ensino, federal, estaduais e municipais, promover a formação de professores(as),

assegurar o cumprimento das Diretrizes e disponibilizar o material didático necessário

para garantir o sucesso escolar que o mundo e a sociedade estão a exigir. Aqui nos

referimos a relações étnico-raciais, como a relação entre brancos e negros

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Page 113: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

considerando a raiz cultural da ancestralidade africana com sua visão de mundo,

valores e princípios.

Cabe, ao cotidiano escolar, criar pedagogias de combate ao racismo e ao

preconceito, conhecer esta história, fazendo as ligações necessárias, para que

tenhamos a inclusão social devida há 500 anos a esta população, e que somente

acontecerá com a articulação entre processos educativos, políticas públicas e

movimentos sociais, uma vez que qualquer mudança de comportamento acontece além

dos muros da escola.

Aqui consideramos raça como construção social que serve para informar

características como cor da pele e tipo de cabelo com o intuito de definir destino e lugar

social dos sujeitos assim caracterizados, hoje ressignificado pelo Movimento Negro com

sentido político e de valorização, deixado pelos africanos(as).

Apesar de a população negra perfazer 45% da população brasileira, segundo

dados do IBGE, o Brasil se imagina um país branco, bem mais europeu do que

africano.

Segundo Frantz Fanon, em Os Condenados da Terra (RJ, 1979):“É obrigação

dos descendentes dos escravizadores assumirem a responsabilidade moral e política

de combater o racismo, as discriminações e construir relações sociais e raciais sadias

para que todos e todas se realizem enquanto seres humanos e cidadãos e cidadãs”,

CONCLUSÃO

Uma educação de qualidade, emancipadora e inclusiva, além de construir e

divulgar o conhecimento científico, deve reconhecer que a diversidade é pedagógica e

liberadora, e sua valorização garante a formação integral do ser humano, com justiça

social e formação de cidadania.

Podemos contribuir com esta nova escola sugerindo algumas medidas e

ações, como:

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Page 114: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

1 – conhecer e respeitar diretrizes que apontem para ações de respeito e

reconhecimento da diversidade de orientação sexual e identidade de gênero, que

eliminem a violência homofóbica e sexista;

2 – fomentar a realização de cursos interdisciplinares de formação inicial e continuada

para os trabalhadores(as) em educação, incluindo gestores(as);

3 – apoiar e estimular a articulação constante entre os sistemas de ensino e a

sociedade civil organizada, nesta tarefa;

4 – criar e integrar equipes multidisciplinares para avaliação e construção de materiais

didáticos não contaminados pelo preconceito e a discriminação;

5 – estimular a inclusão destas temáticas nos currículos e atividades de ensino,

pesquisa e extensão, fomentando a criação e o fortalecimento de núcleos de estudos

acadêmicos, grupos de trabalho nos cursos e sindicatos, com vistas a promover a

construção, a difusão e a produção de conhecimentos que contribuam com a superação

do preconceito, a violência e da discriminação em razão de orientação sexual, gênero,

raça e etnia.

O combate ao preconceito, a capacitação adequada, a divulgação das Leis

10639/03 e 11340/06, são instrumentos capazes de qualificar nossa rede para o

exercício pleno de sua função social de contribuir na construção democrática de uma nova ética, centrada na vida e na cultura da paz, superando políticas e práticas

opressoras que excluem significativa parcela da sociedade formada por pobres,

negros(as), indígenas, ciganos(as), quilombolas, homossexuais, dentre outros e outras.

114

Page 115: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 – Pareceres do CNE;

2 – Lei 9394/96, Lei 10639/03 e Lei 11340/06;

3 – Plano Nacional de Educação – diretrizes propostas pela CONAE;

4 – Projetos em tramitação no Congresso;

5 – Diferenças – Educação de qualidade para todos – SCAD/MEC;

6 – Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais – SECAD/MEC;

7 – Homofobia nas Escolas – Rogério Diniz Junqueira;

8 – Gênero e Diversidade na Escola – Maria Elizabeth Pereira e outras;

9 – Materiais Didáticos para a violência de Gênero – Pilar Jiménez Aragonés

10 – Educação em Direitos Humanos – Educação Profissional e Tecnológica –

SETEC/MEC

11 – O Elogio da Diferença – Rosiska Darcy de Oliveira

12 – Gênero: uma categoria útil de análise histórica- Joan Scott;

13 – O Horror Econômico – Vivianne Forrester;

14 – Texto Base das Conferências Estaduais LGBT – Comissão da Diversidade Sexual

da OAB/RS;

15 – Plano Nacional de Prevenção de Cidadania e de Direitos Humanos LGBT;

16 – Diversidade Sexual na Educação: Problematização sobre a Homofobia nas

Escolas – 2009 – MEC/UNESCO;

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Page 116: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

17 – Estudo sobre Ações Discriminatórias no Âmbito Escolar – 2009 – FIPE/MEC/INEP;

18 – Pesquisa Fundação Perseu Abramo;

19 – Juventudes e Sexualidade – UNESCO.

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AFRICANIDADES, EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E DIGNIDADE CULTURAL: INTERROGANDO A FORMA CULTURAL COLONIAL.

Gustavo Henrique Araújo FORDE Núcleo de Estudos Afro-brasileiros do IFES

[email protected]

RESUMO O presente ensaio é uma breve contribuição que visa fomentar reflexões acerca da

temática “Educação e Diversidade na Educação Básica, Profissional e

Tecnológica”. Trata-se de um diálogo inspirado nos estudos culturais e pós-

coloniais, e nos estudos africanos e afrobrasileiros. Os fios condutores deste

trabalho são as práticas discursivas enquanto contributos para colonização ou

emancipação da diversidade humana, de maneira a provocar deslocamentos

epistemológicos que possibilitem práticas curriculares comprometidas com a

promoção da dignidade cultural dos sujeitos na/da educação profissional e

tecnológica, sobretudo, no que tange aos aspectos civilizatórios de natureza

científica e tecnológica de matrizes africanas e afrobrasileiras, das implicações do

racismo e do etnocentrismo nos processos educativos, e da implementação de

práticas curriculares que valorizem a diversidade étnico-racial neste nível e

modalidade de ensino. Por fim, o artigo propõe debater a diversidade humana

inserida na íntima relação entre história, cultura e processos de colonização.

Palavras-chave: Africanidades, ciências e tecnologias. Educação Profissional e

relações étnico-raciais. Dignidade cultural, colonização e relações de poder.

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Quando falamos em dignidade cultural temos, ao menos, dois grandes

objetivos: um global e outro local. No global, desejamos contribuir com ações que

estimulem à humanidade livrar-se de sentimentos de xenofobia, racismos e

intolerâncias, de modo que todos – descendentes de europeus, de africanos, de

asiáticos, etc. – de alguma forma, possam beneficiar-se desse processo de

descolonização cultural onde “o branco não é apenas o Outro, mas o senhor, real ou

imaginário” (FANON, 2008, p. 124). No que tange ao objetivo local, voltamo-nos

especificamente aos africanos e seus descendentes no Brasil, uma vez que a

valorização deles na Educação Profissional e Tecnológica poderá oferecer-lhes

outras posições de sujeito no interior dos vocábulos culturais. Aqui, falamos da

possibilidade de oferecer motivações culturais, psíquicas e afetivas – mesmo que

simbólicas – ao bom processo de ensino-aprendizagem e de emancipação sócio-

cultural.

Preocupa-nos, no cerne desta reflexão, a valorização da pessoa humana

enquanto Ser localizado, histórico e culturalmente. Para os afrodescendentes, os

modelos histórico-culturais positivos são poucos, uma vez que a história das

ciências ocidentais caminha associadas às histórias de colonização, eurocentrismo e

política de branquitude. É nesse sentido que problematizamos a necessidade de

ampliar as bases curriculares e, sobretudo epistemológicas, da educação

profissional e tecnológica. Nesta, o confronto será imprescindível; afinal, o legado

científico e tecnológico africano foi excluído dos processos educativos. O seu

retorno requer deslocamentos e confrontos de poder, pois o pensamento

hegemônico das ciências ocidentais, nas palavras de D’ambrósio (1998, p. 76):

[...] é o resultado natural da evolução da disciplina dentro de um modelo econômico, cultural e social, o que não pode ser separado da expectativa principal de um certo grupo sociocultural num momento histórico. [...] representam as expectativas de certos segmentos da sociedade naquele momento.

As ciências e tecnologias, como produtos de culturas locais, provêm de

distintos berços civilizatórios, em cada um dos quais apresentam características

cognitivas e operacionais distintas. As culturas ocidentais e africanas são,

metaforicamente, os mantos que recobrem as interações do ser humano com o

meio social, interações que produzem significados singulares. Numa mesma

cultura, portanto, os sujeitos fazem uso das mesmas interações, submetem os

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processos de significações aos mesmos critérios e, desta forma, há certa

compatibilização nos conhecimentos gerados. Os conhecimentos, desta forma, são

sempre locais e pertencentes a determinado grupo étnico-cultural. Toda ciência é,

nesta perspectiva, uma etno-ciência. Adicionar o sufixo etno aos conhecimentos

científicos e tecnológicos, neste contexto, apresenta-se como uma das estratégias

políticas aos povos cujas culturas foram, historicamente, oprimidas e inferiorizadas.

Necessário, portanto, problematizar as relações que constituem a

epistemologia hegemônica, as quais inferiorizam a cultura daqueles submetidos à

dominação – marca principal dos processos de colonização cultural – impondo a

sua cosmovisão e negando àquela própria dos conquistados. Colonizando a

cultura, retirando suas raízes históricas e estereotipando sua imagem, negros e

negras, no Brasil, são apresentados a um espelho greco-branco-ocidental, espelho

este que reflete, em vez da sua imagem, a imagem do colonizador. Dito de outra

maneira, falar de personagens e mitos greco-europeus, na educação profissional e

tecnológica, é prática discursiva alojada num regime de signos eurocêntricos.

[...] aqueles indivíduos historicamente apontados como responsáveis pelo avanço e consolidação dessa ciência, são identificados na Antiguidade grega e posteriormente, na Idade Moderna, nos países centrais da Europa, sobretudo Inglaterra, França, Itália, Alemanha. Os nomes mais lembrados são Tales, Pitágoras, Euclides, Descartes, Galileu, Newton, Leibniz, Hilbert, Einstein, Hawkings. São idéias e homens originários do Norte do Mediterrâneo (D’AMBRÓSIO, 2005, p. 74).

Suspeito que a branquitude ocupa lugar de grande potencialidade neste

processo! Uma das lógicas da política da branquitude é fazer-se desejada pelos

não-brancos. As lacunas produzidas pela produção da ausência africana no

arcabouço científico e tecnológico da educação profissional é devidamente

preenchida pela presença greco-européia. A metáfora do espelho greco-branco-

ocidental nos auxilia a compreender esses processos de subjetivação nos

afrodescendentes. O espelho convida os afrodescendentes a reconhecer

positividade exclusiva no Outro que ele não é, mas que deve desejar ser!

Essas dimensões requerem análise, enquanto processos captados pelos

“olhos” da cultura, “olhos” que funcionam sob “lentes sociais” que contribuem para

um maior foco em alguns fatos pensáveis. Na educação profissional, como em

todas as demais modalidades de ensino, cada número recobre seres humanos,

cada saber resume um longo e repetido processo de diálogo entre os povos e cada

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conteúdo curricular selecionado representa escolhas comprometidas com

determinadas visões de mundo.

Tanto quanto às demais modalidades de ensino, cabe à educação

profissional, por ocupar lugar privilegiado na inserção sócio-econômica de muitos

jovens e adultos, uma responsabilidade ética com a dignidade cultural. Essa

responsabilidade é imprescindível, uma vez que, como nos disse um professor: “o

racismo aqui no Brasil é o pior que existe, porque não é um racismo declarado, é um

racismo velado, escondido” (Prof. Viriato, entrevista1). Corroborando a opinião de

Viriato, o professor Silvestre acrescentou que “é importante para o aluno utilizar um

livro didático que lhe representa e mostra a realidade dele” (Prof. Silvestre,

entrevista2), ou seja, falar da África “seria de grande importância, até para mostrar

aos outros povos que a África não é um continente inerte”, como nos disse, também

durante entrevista, o professor Zoroastro3.

Para muitos, a razão é grega! E é neste ponto que problematizamos a

fabricação de uma África selvagem e analfabeta, cuja “influência do africano, ou do

negro, está mais voltada para o campo físico e lúdico: atletismo, treinamento de

campo” (Prof. Rugério4, entrevista). Esses pensamentos docentes demonstram

intensas similaridades e continuidades com a perspectiva sobre os povos africanos

defendida pelo filósofo alemão Hegel. Para Hegel;

[...] a principal característica dos negros é que sua consciência ainda não atingiu a intuição de qualquer objetividade fixa, como Deus, como leis, pelas quais o homem se encontraria com a própria vontade, e onde ele teria uma idéia geral de sua essência [...]. O negro representa, como já foi dito, o homem natural, selvagem e indomável. Devemos nos livrar de toda reverência, de toda moralidade e de tudo o que chamamos sentimento, para realmente compreendê-lo. Neles, nada evoca a idéia do caráter humano [...]. A carência de valor dos homens chega a ser inacreditável. A tirania não é considerada uma injustiça, e comer carne humana é considerado algo comum e permitido [...] Entre os negros, os sentimentos morais são totalmente fracos – ou, para ser mais exato, inexistentes (HEGEL, apud PRAXEDES, 2008, p. 2).

Para o filósofo alemão, a África simplesmente “não faz parte da história

mundial; não tem nenhum movimento ou desenvolvimento para mostrar” (HEGEL,

apud PRAXEDES, 2008, p. 2), cabendo ao Egito a peculiaridade de existir “como

transição do espírito humano do Oriente para o Ocidente” (HEGEL, apud

1 Nome fictício. Entrevista concedida em 03 de dezembro de 2007, turno vespertino. 2 Nome fictício. Entrevista concedida em 28 de novembro de 2007, turno noturno. 3 Nome fictício. Entrevista concedida em 26 de novembro de 2007, turno vespertino. 4 Nome fictício. Entrevista concedida em 19 de novembro de 2007, turno matutino.

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PRAXEDES, 2008, p. 2). Nesta prática discursiva, identificamos a mais um golpe

que destitui o continente africano da história universal e dos africanos e africanas da

condição de seres humanos. Todavia, o Egito e diversas outras civilizações negro-

africanas, como sabemos, além de transmitir valiosas contribuições às civilizações

da antiguidade clássica, também deixou um importante legado científico e cultural à

era moderna. Tais conhecimentos foram transmitidos pelo mundo greco-romano ao

mundo árabe e espalhados na civilização ocidental.

Mas o que a educação profissional e tecnológica tem a ver com educação

anti-racista, afirmação das diferenças étnico-culturais e educação anti-colonial? O

que a “ciência e a tecnologia” têm a ver com a promoção da igualdade racial entre

brancos e negros? Indicamos por ora, que a mesma forma cultural que ontem

legitimou a escravidão, o racismo e a eugenia, por meio de supostas teorias

científicas, hoje configura a ciência e a tecnologia hegemônica.

Forma cultural é uma categoria que visa entender o padrão cultural no qual as diversidades se expressam; é menos o conteúdo expressado e mais o “lugar” onde este conteúdo é expressado. São mais as condições da expressão que a obra propriamente dita. Se comparássemos à criação artística, diríamos que é mais a tela onde a obra vai ganhar corpo que o corpo da obra de arte (OLIVEIRA, 2003, p. 107).

O que está por trás, por exemplo, da narrativa de que o primeiro

matemático foi Tales? Ou de que a matemática egípcio-africana era pouco

desenvolvida? Por trás destes enunciados, emerge um discurso colonial, de

afirmação de superioridade cultural de um povo geográfica e culturalmente

localizado e caracterizado: os greco-ocidentais! No pensamento docente,

encontramos ainda que;

Aparentemente o mundo, parece que gira em torno dos brancos. Dá impressão que tudo que se fala, ou toda pessoa que é citada são brancas. Se você não falar a cor dessa pessoa, todos têm a impressão de que essa pessoa é branca. Se, sem citar a cor da pessoa, nós pedirmos aos nossos alunos que imaginem uma pessoa e depois perguntar a cor dessa pessoa, provavelmente a imagem desta pessoa dificilmente será negra. Na grande maioria das vezes essa imagem será associada a uma pessoa branca. Se você falar qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa a imagem será do branco..., porque todas as imagens que nós temos na televisão, nas revistas e no dia-a-dia nos leva a pensar o branco (Prof. Teodorinho5, entrevista).

5 Nome fictício. Entrevista concedida em 26 de novembro de 2007, turno matutino.

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Dito de outra maneira, se a narrativa pode contribuir para a consolidação de

um sentimento de superioridade civilizatória, em detrimento dos africanos e seus

descendentes, da mesma forma terá condições de contribuir para a consolidação de

uma ciência anti-racista e não etnocêntrica, em que “o aluno é mais importante que

programas e conteúdos” (D’AMBRÓSIO, 2005, p. 86).

Diante dessas narrativas, deparamo-nos diante de um momento singular de

escolha de referencial paradigmático à educação profissional e tecnológica. Com ela

não apenas definiremos os conteúdos programáticos, mas, em especial,

decidiremos a perspectiva histórico-cultural trazida aos alunos em cada prática

curricular: momento de incorporação da perspectiva afrodescendente na educação

profissional e tecnológica.

Ao propor um diálogo entre afrodescendência e educação profissional,

priorizamos nossa análise no campo da história e do ensino de matemática, primeiro

por este ser o nosso campo de estudos e pesquisas e, outro, por compreender que a

matemática ocupa um lugar de destaque em todos os processos de escolorarização

do mundo, e seu ensino detém o mesmo status que o ensino das línguas maternas.

Os fios condutores que originaram as reflexões aqui apresentadas são a busca por

compreender a presença africana no ensino de Matemática, problematizando os

significados culturais expressos nos discursos docentes e práticas historiográficas.

Os conhecimentos, que hoje nomeamos de matemáticos, são quase tão

antigos quanto à espécie humana. O testemunho matemático conhecido mais antigo

é o “osso Ishango, com mais de 8000 anos de idade, encontrado em Ishango, às

margens do lago Edward, no Zaire (atualmente República Democrática do Congo),

no continente africano, mostrando números preservados por meio de entalhes no

osso” (EVES, 200p. 26). O Bastão de Ishango, como também é conhecido esse

osso petrificado, nos sugere pensar que encontraremos na África o berço das mais

antigas experiências matemáticas.

Entre a matemática ossificada no Bastão de Ishango (8.000 a.C.) e a

matemática dedutiva atribuída a Tales de Mileto (600 a.C.), houve uma infinidade de

avanços e descobertas matemáticas desenvolvidas pelos quatro cantos do planeta.

É neste intervalo espaço-temporal – entre Ishango e Tales – que encontraremos

registros matemáticos das civilizações que se desenvolveram a partir de 3.000 a.C.,

ao longo do rio Nilo, na África, dos rios Tigre e Eufrates, no Oriente Médio

(Mesopotâmia), e do rio Amarelo, na China. Destes, reconhecemos o Egito antigo

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um dos importantes berços civilizatórios africanos. Neste contexto, em nossas

pesquisas em torno da ‘presença africana na história e no ensino de matemática’6,

identificamos aspectos matemáticos próximos àqueles encontrados nos atuais livros

didáticos deste ensino. Portanto, a forma matemática negro-africana, de matriz

egípcia, não deixou de existir por ser ignorada pela comunidade científica

eurocêntrica.

Alvo de muita admiração e mistérios, a civilização egípcia situada no

espaço civilizatório africano núbio-egípcio-kushita (MOORE, 2005) foi – e ainda é –

alvo de distorções científicas. Distorções com relações estreitas com aspectos da

história da matemática, como a tentativa de deslocar o Egito da África para o Oriente

Médio, uma prática universalmente repetida acriticamente nas mais consagradas

obras de referência em história da matemática publicadas, no Brasil.

Neste debate o Egito antigo, em boa medida, é apresentado de maneira a

distanciá-lo dos descendentes de africanos, no Brasil. Muitos profissionais da

educação pensam a cultura egípcia, como o professor Viriato, incomunicável com as

demais culturas africanas.

Nos livros didáticos ele [o Egito] é situado na África, porém existe essa relação entre a África e a cor de pele. Então, mesmo falando de Egito na África, é como se ele não pertencesse à África. Isso é uma coisa interessante para se pensar também. A parte norte da África é a África branca, então quando se fala em África, a idéia que vem é a pele escura. Como o Egito pertence à África branca, parece que ele não pertence à África; assim, falamos do Egito como se estivesse no Oriente médio ou na Europa. [...] Agora, essa matemática africana, que é seu objeto de estudo, dos nossos antepassados, essa contribuição africana no desenvolvimento matemático aqui no Brasil, que acredito que seja relevante, se houve e se existe de fato, ela foi feita pelos negros escravos, não pela África branca, e sim pelo povo negro que foi trazido para o Brasil. Então esta matemática [a do Egito] é africana, mas quem foi trazido para o Brasil foi o escravo negro (Professor Viriato, entrevista).

Ao dizer que “a matemática do Egito é africana, mas quem foi trazido para o

Brasil foi o escravo negro”, o professor evidencia uma tripla lógica com implicações

epistemológicas: 1) o discurso ideológico que fabrica uma África branca e outra

negra; 2) o lugar de raça que aprisiona os africanos e seus descendentes na

condição de “negros”; e 3) a incomunicabilidade entre o Egito e demais civilizações

6 Para saber mais, veja: FORDE, Gustavo Henrique Araújo Forde. A presença africana no ensino de matemática: análises dialogadas entre história, etnocentrismo e educação. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, Vitória, 2008.

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africanas. Diante do exposto, é necessário, portanto, voltarmos aos ensinamentos

do professor Cheik Anta Diop, citado por Abdias do Nascimento, sobre as intensas

relações intracontinentais do Egito antigo com as demais civilizações subsaarianas.

Um pormenor interessa particularmente à memória do negro brasileiro: aquele onde Diop menciona as relações do antigo Egito com a África negra, de modo específico com os iorubás. Parece que tais relações foram tão íntimas a ponto de se poder "considerar como um fato histórico a possessão conjunta do mesmo habitat primitivo pelos iorubás e egípcios". Diop levanta a hipótese de que a latinização de Horus, filhos de Osíris e Ísis, resultou no apelativo Orixá. Seguindo essa pista de estudo comparativo, ao nível da lingüística e outras disciplinas, Diop cita J. Olumide Lucas em The religion of the Yorubas, o qual traça os laços egípcios do seu povo iorubá, concluindo que tudo leva à verificação do seguinte: a) uma similaridade ou identidade de linguagem; b) uma similaridade ou identidade de crenças religiosas; c) uma similaridade ou identidade de idéias e práticas religiosas; d) uma sobrevivência de costumes, lugares, nomes de pessoas, objetos, práticas, e assim por diante (NASCIMENTO, 1980, p. 3-4).

As reflexões de Diop, trazidas por Nascimento (1980), rompem com as

produções discursivas que fabricam uma divisão entre uma África branca e outra

negra, como também rompe com a condição intransponível do deserto do Saara,

que, supostamente, manteve incomunicáveis essas duas Áfricas.

No contexto brasileiro, é sabido que as africanidades brasileiras remetem,

significativamente, à cultura iorubana, a qual tem importante influência no Brasil, e

laços estreitos na cultura egípcia. Os iorubas eram chamados de nagôs na Bahia e,

no Rio de Janeiro e em Estados do Sul, de Negros-minas. De acordo com o que

descreve Femenick (2006), os iorubas ou yorubás são provenientes de uma etnia do

Sul do Egito ou da Etiópia, cuja cidade santa de Ifé foi sua primeira capital, que

posteriormente, foi transferida para a cidade de Oyo.

Revisitando a tradição iorubana, a antropóloga Ronilda Lyakemi Ribeiro

(1996) traz uma importante e esclarecedora síntese sobre a origem dos iorubas. Ao

que nos interessa neste trabalho, Ribeiro (1996), citando Perkins & Stembridge

(1977), relata que “os iorubas vieram do vale do Nilo e, viajando para o ocidente ao

longo da grande savana do Sudão, chegaram à Nigéria e seguiram posteriormente

rumo ao sul [...]” e, ao final, conclui que a origem mais provável dos iorubas é o Alto

Egito ou Núbia.

O reino Ioruba foi constituído por grandes cidades, dentre as quais

destacamos a cidade de Ketu, cujo povo é conhecido no Brasil por jeje, gêge ou efã.

Em Ketu, no século XVII, originou-se o reino de Daomé, cujas tradições religiosas

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jeje tiveram grande importância na formação de parte significativa dos terreiros de

candomblés no Brasil. Dahomé, etimologicamente, origina-se de “Dan = ‘serpente

sagrada’ e Homé = ‘a terra de Dan’, ou seja, Dahomé = ‘a terra da serpente

sagrada’, segundo Prandi (1996). Para Prandi, o culto Dan é oriundo do antigo Egito,

pois ali se iniciou o culto à serpente por intermédio dos Faraós que usavam anéis e

coroa com figuras de cobra; como Cleópatra, cujos adornos possuíam figuras de

cobra.

Nesses movimentos intracontinentais entre os reinos do Egito e do Ioruba, e

aqueles extracontinentais, entre os Iorubas e o Brasil, é possível estabelecer

eminências de circularidades culturais entre as culturas egípcias e iorubanas,

cultivadas no Brasil pelos africanos nagôs ou negros-minas trazidos para o Brasil. O

conceito de circularidade cultural (GINZBURG, 1998) nos fornece ferramentas

importantes de análise, para compreendermos que, neste espectro, as ciências e

tecnologias ocidentais não se referem exclusivamente aos conhecimentos de

matrizes gregas ou helênicas, mas resultam de trocas, disputas e conflitos entre os

diversos povos da antiguidade: babilônicos, egípcios, chineses, gregos, fenícios,

persas, indianos, e outros. O conceito de circularidade cultural sugere um

movimento circular e dinâmico entre culturas dos distintos povos da antiguidade. Um

movimento de interpenetração e de interferência mútua, haja vista que, no

mediterrâneo antigo, os povos não estiveram incomunicáveis ou “blindados” às

culturas estrangeiras, muito menos aprisionados no interior de sua “própria” cultura.

Temos, entre outras preocupações, a de apresentar alguns laços

compartilhados entre a forma cultural egípcia e outras civilizações africanas, no

sentido de demonstrar similaridades que nos assegurem compreender que os

africanos e as africanas, trazidos/as para o Brasil, compartilham aspectos culturais

comuns com o antigo Egito.

Mas, o que têm a ver os iorubas com educação profissional e tecnológica?

Reportamo-nos. Novamente, às racionalidades e epistemologias e as implicações

desta com a cosmovisão de mundo. A compreensão do questionamento acima

dependerá intimamente da nossa capacidade de refletir os esforços contidos nas

representações dos sistemas complexos que governam nossos sistemas de valores

e paradigmas científicos, os quais emergem de cada forma cultural. Ou seja, por ora,

não é tanto o conteúdo curricular que nos interessa, mas, sim, a forma cultural que

lhe confere status de conhecimento. Formas culturais que apresentam laços

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estreitos com modelos socioeconômicos e políticos, estando atravessadas por

relações de força e comprometidas com modelos de colonização cultural.

As formas culturais ocidentais apresentam, na perspectiva de Oliveira

(2003), uma cosmovisão essencialista, excludente e individualista, calcada no

principio da identidade, lógicas dicotômicas que compreendem a vida e suas

relações aprisionadas em regimes de verdades e purezas, criando os binarismos de

certo e errado, bem e mal, deus e diabo, puro e impuro, assim como teoria e prática,

e matemática pura e matemática aplicada, que, por sua vez funcionam como

“armadilhas ideológicas para a compreensão da cosmovisão africana” (OLIVEIRA,

2003, p. 36). Diferente destas, as formas culturais encontradas nas tradições

africanas constituem-se de lógicas includentes, imanentes e alternativas, nas quais

os elementos se comunicam e se complementam.

Uma das categorias fundamentais da estrutura mental ocidental é pensar por contradição. Ou seja, privilegia-se um ponto identitário. É-se puro quando se é igual ao Mesmo. O princípio da identidade é aquele que elege como equivalente geral não a diferença, mas a minha própria cultura. Ser igual a si mesmo é o axioma valorizado. Encerrar-se na totalidade da minha identidade, sem assimilar a novidade da cultura alheia é o mecanismo próprio do etnocentrismo (OLIVEIRA, 2003, p. 88).

Para Oliveira (2003), a racionalidade africana não pensa por contradição;

nela não há o principio identitário, pensa-se por analogia e participação, não por

pureza e contradição. Nessa cosmovisão, não há contradição entre mineral e

vegetal, tudo está interligado a tudo. É no campo epistemológico que encontramos –

talvez – as maiores dificuldades no tocante aos conhecimentos de matriz africana.

Por exemplo, para o professor Zoroastro, em África não havia condições de

desenvolver matemática.

[...] a gente sabe que boa parte dos berços da matemática está no Oriente médio, de onde algumas escolas de matemática foram banidas... Assim, quem abriu as portas para o desenvolvimento foi o Oriente médio e praticamente estagnou por ali. Quanto à África, nos períodos anteriores teve os conflitos da colonização. Conflitos de colonização racial e religiosa. Então, talvez a matemática não tenha tido muita “brecha”..., talvez a matemática fosse um problema a ser discutido futuramente na África. Eu creio que lá não existia estrutura para pensar a matemática ainda..., não que a África não tivesse capacidade..., mas não seria um problema do momento. A África tinha ainda outras turbulências. A África estava vivendo um outro momento, até devido à colonização. Assim, o que sobrava era pra África. Tudo que era de bom dali era deslocado, como o ouro..., tudo de bom da África foi levado e nada de bom foi oferecido..., então a preocupação deles era outra: era fome, o problema racial-religioso e, desta forma, não sobrava tempo para pensar matematicamente, para realizar pesquisas matemáticas. Hoje a África

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está se reestruturando e pode ser que futuramente a África desenvolva e ofereça contribuições... e, de repente, também, pode ser que possamos voltar ao passado da África e ver que tinha muitas contribuições, mas, no momento, a gente não consegue ter essa visão (Prof. Zoroastro, entrevista).

A fala do professor Zoroastro não é uma fala isolada ou descontextualizada

da história escrita pelos pensadores ocidentais. A suposta ausência de “estruturas”

na África para pensar a matemática, ou o fato de que estava vivendo outro

momento, como relata o professor, converge. Intimamente, com o pensamento do

filósofo Kant, citado por Praxedes:

Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único exemplo em que um Negro tenha mostrado talentos, e afirma: dentre os milhões de pretos que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os brancos, constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa, adquirem no mundo certo prestígio, por força de dons excelentes. Tão essencial é a diferença entre essas duas raças humanas, que parece ser tão grande em relação às capacidades mentais quanto à diferença de cores. A religião do fetiche, tão difundida entre eles, talvez seja uma espécie de idolatria, que se aprofunda tanto no ridículo quanto parece possível à natureza humana. A pluma de um pássaro, o chifre de uma vaca, uma concha, ou qualquer outra coisa ordinária, tão logo seja consagrada por algumas palavras, tornam-se objeto de adoração e invocação nos esconjuros. Os negros são muito vaidosos, mas à sua própria maneira, e tão matraqueadores, que se deve dispersá-los a pauladas (KANT, apud PRAXEDES, 2008, p. 02).

Kant, não se contentando em destituir os africanos de história e ciência,

esforça-se igualmente em inferiorizar suas religiões. Esses discursos emergem da

mesma forma cultural que impõe ao mundo uma única maneira de pensar/fazer

ciência no mundo ocidental.

A problematização da forma cultural ocidental nos coloca diante de um jogo

de identidades, onde a batalha é por definir o direito de representar e nomear o

Outro. É um jogo manipulado ideologicamente na perspectiva de construção de uma

ciência e uma tecnologia imaginada, associada à pureza e de saber “mais elevado”

que as demais, desfrutando o privilégio de representar a si mesmo e o Outro a partir

de Si mesmo, envolvendo processos de inferiorização, marginalização e colonização

cultural.

Isso anuncia que a África e as diásporas, na educação profissional e

tecnológica, serão aquilo que lhe atribuímos enquanto representação no jogo de

identidades. Serão aquilo que lhe forem atribuídos em determinada forma cultural,

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dentro de uma trama histórica e política, processo em que há inseparação entre

história e cultura.

A trama histórica, aqui, está intimamente associada a relações de luta pela

hegemonia cultural no mundo científico e tecnológico. Nesta trama, um dos maiores

desafios é a dupla necessidade de deslocar a matriz epistemológica da centralidade

greco-ocidental e de desvelar uma práxis africanizada. Na práxis africanizada, o

educador compreenderá que a objetividade da razão ocidental tem promovido um

genocídio cultural, ao silenciar outras formas de racionalidades existentes no

mundo. Assim, a práxis da africanidade, na educação profissional e tecnológica,

poderá oferecer maneiras de desembrutecer as relações humanas, integrando o

que foi fragmentado em teoria e prática, razão e emoção, sagrado e profano,

pensamento e sentimento, abstrato e concreto; dito de outra maneira, de africanizá-

los. Africanizar, neste sentido, não é reduzir as diferenças ao equivalente geral da forma cultural africana. Africanizar é dignificar, é abrir-se à alteridade, é desejar a diferença, é promover a ética, valorizando a expressão de todos e de cada um, sem massificação ou imposição de modelos [...] (OLIVEIRA, 2003, p. 175).

O que o legado africano poderá nos dizer é parte daquilo que, hoje, a

ciência pós-moderna anuncia: que o conhecimento é simultaneamente ético,

estético, afetivo e cognitivo! Nem só emoção e nem só razão, nem só o Eu e nem só

o Outro; são necessários ambos! . Inspirando-nos em Ross (1988), compreendemos

que tudo é uma bola só, integrada e integradora. Como diz Whitehead, citado por

D’Ambrósio (1998, p. 8) “o mundo real não se manifesta através de álgebra,

geometria ou física, mas ele se mostra no seu todo”. A ciência é simultaneamente

estética e cognitiva. A práxis africanizada deverá estar atenta, sobretudo, à

necessidade primeira de humanizar as relações, de integrar a ciência ao contexto

cultural e não mais fragmentar.

É importante que nos reportemos a outros modelos de conhecimento, da busca do saber e do fazer, [...], modelos alternativos de conhecimento se apresentam, obviamente em competição com aquele modelo que passou a ocupar uma posição dominante no mundo moderno. Essas formas alternativas de conhecer, de fazer e de explicar, nos oferecem uma oportunidade de refletir mais profundamente sobre a nossa própria forma de conhecer, de fazer e de explicar (D’AMBRÓSIO, 1998, p. 44).

A africanização da educação profissional e tecnológica exigirá uma

derrubada de fronteiras e, uma concepção de ciência sob a égide de um novo

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Page 129: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

paradigma pautada em aportes teórico-metodológicos que contribuam para o

processo de emancipação dos sujeitos afrodescendentes, de maneira a lhe

atribuírem uma representação positiva e favorecer o processo de descolonização

cultural.

Descolonização, aqui, é compreendida, de acordo com o pensamento

fanoniano, como um processo que substitui uma “espécie” de humanidade por outra

“espécie” de humanidade, ou seja, a descolonização visa a transformar os sujeitos

silenciados na/pela educação profissional em sujeitos notáveis, por intermédio de

uma historiografia inserida em um modelo interpretativo não colonial. A

descolonização só é possível à medida que o colonizado questiona a situação

colonial. Vejamos o que diz o próprio Fanon:

A descolonização, como sabemos, é um processo histórico: isto é, ela só pode ser compreendida, só tem a sua inteligibilidade, só se torna translúcida para si mesma na exata medida em que se discerne o movimento historicizante que lhe dá forma e conteúdo. A descolonização é o encontro de duas forças congenitalmente antagonistas, que têm precisamente a sua origem nessa espécie de substantificação que a situação colonial excreta e alimenta (FANON, 2005, p. 52).

O legado dessa referência é que, ainda nos dias de hoje, diversos estudos

e pesquisas são desenvolvidos dentro do paradigma do “olhar branco sobre o

negro”, isto é, dentro de uma forma cultural eurocêntrica. Dessa maneira, refletir a

educação profissional e tecnológica em diálogo com as pesquisas desenvolvidas no

campo dos estudos africanos e afro-brasileiros sugere (re)aproximarmos da forma

cultural africana que antecedeu o mundo colonial, num movimento epistemológico

de africanização, configurado igualmente como um movimento de descolonização

cultural e ruptura etnocêntrica. Por fim, africanizar é desejar que, sem negar a matriz

grega, possamos potencializar a matriz africana.

129

Page 130: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

REFERÊNCIAS BAKR, A. Abu. O Egito faraônico. In: MOKHTAR, G. (coord.). História Geral da África: a África antiga. São Paulo: Ática/Unesco, 1983. v. 2, p. 71-98. BENTO, Maria Aparecida Silva. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: CARONE Iray; BENTO, Maria Aparecida Silva (Org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. p. 25-58. D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Etnomatemática. São Paulo: Ática, 1998. D’AMBRÓSIO, Ubiratam. Etnomatemática: elo entre as tradições e modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. DIOP, Cheikh. Anta. A origem dos egípcios. In: MOKHTAR, G. (coord.). História Geral da África: a África antiga. São Paulo: Ática/Unesco, 1983. v. 2, p. 39-70. EVES, Howard. Introdução à história da matemática. Campinas: Editora da Unicamp, 2000. FANON, Frantz. Os Condenados da terra. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005. FANON, Frantz. Peles negras, máscaras brancas. Salvador: Editora EDUFBA, 2008. FORDE, Gustavo Henrique Araújo. A presença africana no ensino de matemática: análises dialogadas entre história, etnocentrismo e educação. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, Vitória, 2008. GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. HUYLEBROUCK, Dirk. África: berço da matemática. Scientific American Brasil, Etnomatemática, São Paulo, n. 11, p. 42-47, jul. 2006. Edição Especial. MOORE, Carlos. Novas bases para o ensino da história da África no Brasil. In: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal n0 10.639/03. Brasília: SECAD/MEC, 2005. p. 133-166. NASCIMENTO, Abdias do. O quilombismo. Rio de Janeiro: Vozes, 1980. OLIVEIRA, Eduardo David de. Cosmovisão africana no Brasil: elementos para uma filosofia afrodescendente. Fortaleza: LCR, 2003. PRANDI, Reginaldo. Herdeiras de Axé. São Paulo: Hucitec, 1996.

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Page 132: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NO PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL AO ENSINO

MÉDIO NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (PROEJA) DO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO

TECNOLÓGICA DO ESPÍRITO SANTO, UNIDADE VITÓRIA: UMA ANÁLISE DA PRÁTICA DOCENTE.

Eliesér Toretta Zen

Professor de Filosofia no Programa Nacional de Integração da Educação Profissional à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e

Adultos – PROEJA do Instituto Federal do Espírito Santo – IFES. Especialista em Filosofia e Mestre em Educação pela Universidade Federal do

Espírito Santo E-mail: [email protected]

Lucio Benedito Mauro Barbosa

Secretaria Municipal de Educação de Vitória - SEME Secretaria Municipal de Educação de Vila Velha – SEMED

RESUMO

O trabalho objetiva analisar a prática docente e a questão étnico-racial

brasileira na primeira turma do Programa de Integração da Educação

Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos

(PROEJA) do Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo

(CEFET - ES), unidade Vitória. Avalia a prática docente nos cursos do período

noturno. Trata de uma pesquisa qualitativa e quantitativa, não-experimental do

tipo levantamento. Considera o foco na questão étnico-racial a partir da História

da África. Entende que a África é muito mais do que um continente do outro

lado do Atlântico. Historiciza a trajetória do negro no Brasil. Contempla a sua

resistência durante a escravidão. Constata que na Educação de Jovens e

Adultos (EJA), do CEFET - ES, os alunos negros representam a maioria.

Examina a ausência de políticas públicas e ações afirmativas para o segmento

negro nessa instituição. Identifica falha no processo de ensino-aprendizagem

132

Page 133: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

de alunos jovens e adultos negros. Revela práticas discriminatórias na

Educação Profissional para com os alunos da Educação de Jovens e Adultos.

A relevância da pesquisa é possibilitar ações no sentido de contribuir para a

valorização da cultura e da comunidade negra e a elevação da sua auto-

estima. Alguns dos resultados que emergem da pesquisa sugerem mudanças

de postura docente para com os alunos jovens e adultos do Programa de

Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio no CEFET - ES. Outra

contribuição relevante que a pesquisa aponta é a necessidade de construção

de uma política de formação continuada dos docentes que trabalham no

PROEJA.

Palavras-Chave: Questão Étnico-racial - Negro. PROEJA. Professor.

Docência. Prática Pedagógica.

133

Page 134: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NO PROEJA DO CEFET - ES No Brasil, se considerarmos a História da Educação e sua produção

teórica, perceberemos que a situação do negro não tem provocado muito

interesse acerca das reflexões educacionais. Nesse sentido, conforme

ressaltou Gomes (2005, p. 96), “no Brasil, ao falarmos em educação em termos

de exclusão e em desigualdades sociais, inevitavelmente, falaremos da

questão racial”. Nesse sentido, os negros fazem parte da maioria dos sujeitos

da Educação de Jovens e Adultos: uma modalidade de ensino ainda

desvalorizada socialmente. Além disso, os negros da EJA representam apenas

uma das múltiplas faces segregacionistas que a educação brasileira apresenta.

Sendo assim, caberia indagar: O PROEJA permite a construção da identidade

e da autonomia dos jovens e adultos negros, ou apenas reproduz o lugar

desses sujeitos na sociedade?

O Documento Base do PROEJA (2006) esclarece que é preciso refletir

o quanto tem estado equivocada as políticas públicas para a educação de

jovens e adultos. Muitas dessas políticas ficam restritas, na maioria das vezes,

à questão do analfabetismo, sem articulação com a educação básica como um

todo, nem com a formação para o trabalho, nem com as especificidades

setoriais, traduzidas pelas questões de gênero e raça. O Documento Base do

PROEJA (Brasil 2006, p. 25) ressalta ainda:

Para que um programa possa se desenhar de acordo com marcos referenciais do que se entende como política educacional de direito, um aspecto básico norteador é o rompimento com a dualidade estrutural cultura geral versus cultura técnica, situação que viabiliza a oferta de uma educação academicista para os filhos das classes favorecidas socioeconomicamente e uma educação instrumental voltada para o trabalho para os filhos da classe trabalhadora, o que se tem chamado de uma educação pobre para os pobres.

Assim, uma das finalidades mais significativas do PROEJA deve ser a

capacidade de proporcionar uma educação básica sólida, em vínculo estreito

com a formação profissional, ou seja, a formação integral do educando. Ainda

segundo o Documento Base (Brasil 2006, p. 25):

134

Page 135: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A concepção de uma política, cujo objetivo da formação está fundamentado na integração de trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura geral, podem contribuir para o enriquecimento científico, cultural, político e profissional das populações, pela indissociabilidade dessas dimensões no mundo real. Ademais, essas dimensões estão estreitamente vinculadas às condições necessárias ao efetivo exercício da cidadania.

Contudo, os fundamentos das práticas pedagógicas para com os

alunos do PROEJA noturno do CEFET – ES permanecem reproduzindo

modelos culturais burgueses diferentes das dos alunos das classes populares e

(re) produzindo o fracasso escolar por meio da chamada evasão. Desta forma,

pouquíssimos chegam ao final do curso. Para tentar evitar isso desde o início,

Pires (2006, p.107) afirma que:

Atitudes plenas de recepção e inclusão na chegada dos alunos e alunas na procura pela vaga ou no momento da matrícula podem tornar-se um momento privilegiado para o conhecimento dos sujeitos parceiros nesse caminho a ser percorrido. Recebê-los bem, dizer que fizeram uma boa opção, que tomaram a decisão certa ao voltar a estudar, ouvi-los, apresentar a escola novamente para esses estudantes, estando ao seu lado, são atitudes plenas de acolhida e inclusão voltadas para uma educação anti-racista.

Precisamos compreender que muitos dos alunos quando chegam ao

PROEJA no CEFET – ES trazem consigo os elementos e as características da

sua cultura seja ela, étnica, religiosa, artística, afro-brasileira, etc. No entanto,

muitas dessas características culturais acabam passando em branco na sala

de aula, quando na verdade deveriam ser valorizadas e/ou, até mesmo,

exaltadas.

Quanto à questão étnico-racial no PROEJA do CEFET – ES,

analisamos apenas os cursos que iniciaram em 2006/1, no período noturno.

Ademais, sabemos que existe ainda uma série de complicações nas questões

de auto-atribuição por cor ou raça em nosso país, mesmo quando guiados

pelos critérios do IBGE. Entretanto, um dos objetivos dessa pesquisa foi deixar

claro que a categoria de negros engloba pretos e pardos, ou seja, aquilo que já

se via nos cursos do PROEJA noturno do CEFET – ES, e agora confirmado

pelos dados da pesquisa. Isso significa que o grupo étnico majoritário que

iniciou o ano letivo de 2006/1, nos cursos do período noturno do PROEJA do

135

Page 136: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

CEFET – ES, é formado por alunos negros, e estes representam 69% sobre a

população total pesquisada.

Nesse ínterim, percebemos nos cursos regulares do CEFET – ES a

quase ausência do perfil étnico negro, exceto na modalidade educação de

jovens e adultos, ou melhor, no PROEJA. Sendo assim, precisamos promover

não apenas a inclusão, mas, também, a permanência desses sujeitos nas

escolas, rompendo com o círculo de segregação educacional, principalmente

na Rede Federal de Ensino.

As turmas do PROEJA no CEFET – ES apresentam uma

heterogeneidade considerável em sua composição. No entanto, ainda que de

maneira involuntária ou inconsciente, ocorrem manifestações de discriminação

social e étnica, por parte dos professores, alunos e funcionários. Manifestações

de discriminação social, cultural e étnica acontecem quase sempre camufladas

nas conversas, gestos, atitudes e palavras. Os alunos da PROEJA são

discriminados, justamente, por serem do PROEJA, um Programa desvalorizado

por alguns “professores” que ainda não o (re) conhecem, pelos alunos do

ensino regular, por alguns professores dos cursos técnicos, funcionários, e até

por eles mesmos. O que é dito pelos corredores da escola é que no curso do

PROEJA no CEFET-ES é mais fácil de passar, é um curso fraco, entre outras

coisas.

A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NO PROEJA: UMA ANÁLISE DA PRÁTICA DOCENTE

Frequentemente, o professor não se dá conta de que está

consolidando práticas discriminatórias em seu cotidiano. Manifestações

discriminatórias camufladas ocorrem em quase todo o espaço escolar. Por isso

se faz necessária a formação de professores para o PROEJA com ênfase no

estudo das questões da diversidade e da pluralidade cultural, pois trabalhar

com esse público exige estudo e um preparo cuidadoso.

A discriminação no PROEJA se dá também pelo saber. O ensinar de

alguns professores, e o aprender dos alunos, não se baseiam na reciprocidade

e nem no intercâmbio cultural. Pelo contrário, ao não valorizarem as questões

136

Page 137: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

étnicas, o ensino-aprendizagem no PROEJA acontece, muitas vezes, através

da reprodução das relações de dominação existentes na sociedade. Ao invés

de um cidadão crítico e participativo, surge um sujeito passivo e submisso.

Entre esses professores, que se afirmam grandes mestres e doutores,

está o desprezo pela cultura popular. Outros ainda utilizam-se de termos

preconceituosos para se referirem ao PROEJA, o que só tem feito aumentar o

racismo e a discriminação para com esses alunos. Alguns docentes ainda

deixam marcas da sua prática pedagógica ao afirmarem a incapacidade de

certos alunos no PROEJA, justificando assim o fracasso escolar pela falta de

capacidade e condições dos alunos, e não pelo resultado do trabalho docente.

É comum entre os professores do CEFET – ES, especialmente dos

cursos técnicos, a expectativa de desempenho baixo em relação ao aluno do

PROEJA. Essa visão estereotipada dos resultados tem sido um estigma para

muitos alunos jovens e adultos e reflete a falta de objetivos claros e específicos

no planejamento de ensino. Além disso, a situação de pobreza e o baixo

desempenho, lamentavelmente, ainda tem sido o sinal caracterizador dos

alunos no PROEJA. Essa marca tem sido usada como argumento por alguns

para vincular, erroneamente, a queda da qualidade da educação ao acesso das

camadas populares numa escola explicitamente seletiva como é o CEFET –

ES. Dessa forma, o PROEJA acaba reproduzindo as desigualdades em nome

de uma igualdade que não se efetiva, especificamente, para o segmento negro,

majoritário nessas turmas.

Para que ocorra uma aprendizagem significativa é necessária a

valorização e a compreensão das características do universo cultural dos

sujeitos, jovens e adultos, no PROEJA. Ademais, é preciso refletir sobre as

múltiplas formas de romper com o preconceito e a discriminação, ainda

existentes nos espaços de educação de pessoas jovens e adultas. Educar

significa dialogar, permitir o aparecimento de um sujeito verdadeiro,

independente, crítico, autônomo e coerente com a sua maneira de viver e

conviver. Não existe uma educação, mas várias educações, e a escola não é o

único lugar onde ela acontece.

Precisamos levar em consideração que esses alunos não são crianças

e adolescentes, mas jovens e adultos. Estes possuem uma história e um saber,

próprios. Os professores que trabalham com o PROEJA precisam (re)

137

Page 138: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

conhecer e compreender as especificidades étnicas do discente no PROEJA,

principalmente em seus aspectos sociais e culturais. Educar pessoas jovens e

adultas requer competências e habilidades específicas, pois esse é um público

que costuma ser muito rico em diversidade e cultura.

Em geral, os professores do PROEJA do CEFET – ES encontram

dificuldades em lidar com a positividade das diferenças étnicas em sala de aula

e tentam produzir padrões nos alunos, negando suas especificidades e

particularidades. Talvez isso explique por que alguns alunos do PROEJA

respondem tão bem aos desafios mais complexos da vida, mas na escola

fracassam. Esse fracasso pode estar relacionado à negação da sua identidade

sociorracial, às diferenças, às tentativas de padronização em sala de aula e

aos preconceitos vividos na sua subjetividade, durante o processo de

aprendizagem. Enfim, professores que se preocupam demais com as suas

aulas esquecem-se dos seus alunos.

O CEFET – ES também precisa estar adequado ao contexto social no

quais os alunos do PROEJA estão inseridos e do qual se originam, caso

contrário, estará apenas reproduzindo modelos de sistemas excludentes.

Contudo, a construção da identidade do aluno do PROEJA não acontece

apenas na escola, mas também em casa, no trabalho, na igreja, na rua, e na

vida, de uma maneira em geral. Ademais, o CEFET – ES precisa propor

situações de aprendizagens positivas e (re) pensar a presença dos negros e

mestiços em seus cursos do PROEJA.

Fazem-se necessário, no PROEJA do CEFET – ES, discussões

acerca do preconceito racial e das suas manifestações na sociedade brasileira

e, em particular, na própria escola. Essa é uma discussão necessária para

ampliar a compreensão do problema étnico-racial no PROEJA e a compor um

currículo escolar que privilegie também um olhar sobre os negros e mestiços

da nossa história. Além disso, o CEFET – ES pode ser um lugar facilitador para

a construção de uma identidade positiva para os jovens e adultos negros. A (re)

construção dessa identidade precisa do apoio de imagens confirmadoras e

positivas. Nas palavras de Pires (2006, p.108) “É essencial desnaturalizar as

desigualdades e compreender o significado das diferenças”.

Ademais, o PROEJA do CEFET – ES precisa reconhecer outras

categorias para além da de trabalhadores em seus cursos, como por exemplo,

138

Page 139: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

a de negros. Além disso, essas categorias devem ser consideradas pelo fato

de serem elas constituintes das identidades e não se separarem, nem se

dissociarem, dos modos de ser e estar no mundo desses jovens e adultos

trabalhadores.

Portanto, é preciso (re) pensar o PROEJA do CEFET – ES como um

campo heterogêneo de conhecimentos específicos, o que pressupõe investigar,

entre outros aspectos, as reais condições e necessidades de aprendizagem

desses sujeitos jovens e adultos, homens e mulheres, pretos e pardos,

trabalhadores e desempregados, entre outros. É preciso também formular uma

proposta político-didático-pedagógica específica, clara e bem definida, para

que possa atender às reais necessidades de todos os envolvidos, e oferecer

respostas condizentes com a natureza da educação que buscam, e com as

concepções de formação para a vida e formação para o trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Afirmar a diversidade no Brasil já não é uma tarefa fácil, pois vivemos

em um país que desconhece a sua própria história. Porém, essa afirmação é

fundamental para a construção da própria identidade. Precisamos valorizar a

etnicidade (condição de pertencer a um grupo étnico) e não o etnocentrismo

(adoção da própria cultura como centro). Além disso, precisamos considerar os

aspectos sociais e culturais desses sujeitos negros no tocante às questões

educacionais, especificamente no PROEJA do CEFET – ES.

Nesse sentido, é fundamental que o PROEJA do CEFET – ES

preceda à implantação de uma sólida formação continuada dos docentes, por

serem estes também sujeitos da educação desses jovens e adultos, em

processo de aprender por toda a vida. O diálogo intercultural torna-se

importante no PROEJA do CEFET – ES, pois promove uma aprendizagem

mais significativa dentro das diversas culturas.

Trabalhar com a diversidade e a identidade cultural no PROEJA

significa tratar de dois assuntos: discriminação e desigualdade social. Ambas

articuladas produzem a exclusão social. Por isso, valorizar e reconhecer essa

diversidade significa agir sobre os mecanismos de discriminação e exclusão,

139

Page 140: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

entraves ao desenvolvimento de uma cidadania ativa. Ademais, diante dos

descaminhos da educação de jovens e adultos, torna-se importante

assumirmos uma postura contra todas as práticas de desumanização e

discriminação.

Precisamos valorizar toda essa grande riqueza cultural dos alunos do

PROEJA, além da comunidade negra, a fim de reafirmarmos a constante

presença do negro na nossa história, na música, na criatividade, na forma de

viver, de pensar, de andar, de dançar, de falar e de rir, de rezar, festejar a vida,

entre outras coisas. Essa riqueza cultural manifesta-se desde o convívio em

família até ao trabalho artesanal, em barro ou madeira. É a valorização dessa

pluralidade cultural que encontramos nos alunos do PROEJA que atesta a

construção das suas identidades.

Ao valorizarmos as diferenças culturais e étnicas no PROEJA não

significa que estamos privilegiando uma cultura em detrimento de outra, nem

aderindo aos valores do outro, e muito menos dividindo a sociedade em grupos

fechados. O que se busca é o respeito à diversidade, sem qualquer

discriminação.

É dessa forma que a educação de jovens e adultos deve ser pensada,

como um modelo pedagógico próprio, com o objetivo de criar situações de

ensino-aprendizagem adequadas às necessidades educacionais desses

alunos. Professores e educadores de jovens e adultos, preocupados em

valorizar as identidades e em desenvolver as potencialidades desses alunos,

também acreditam na necessidade de mudanças em sua práxis educativa.

Enfim, o PROEJA do CEFET – ES precisa, também, restituir a

presença e a dignidade da população negra como sujeitos na história e na

cultura brasileira. É preciso que estejamos convencidos da urgente

necessidade de reescrever a nossa história sob a ótica da presença e

participação da população negra, e do por que disso, tanto do ponto de vista da

recuperação da história brasileira, como da participação da escola na

construção de identidades positivas nos jovens e adultos de ascendência

africana.

140

Page 141: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

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97-117, 2006.

142

Page 143: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

GÊNERO FEMININO E ESCOLARIZAÇÃO

TÉCNICO-PROFISSIONAL

Maria José de Resende Ferreira

Licenciada em História (UFC-1990)

Especialista em História do Brasil (PUC-MG-2000), e em Educação Profissional Técnica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos

(CEFETES-2007)

Mestra em Pedagogia Profissional (ISPETP/CUBA/UFGO – 2003)

Doutoranda em Educação (UAA-PY-2010)

Professora do IFES – campus de Vitória, dos cursos de Licenciatura de Química e de Informática e Pós-PROEJA presencial e a distância

Coordenadora do PROEJA do IFES – campus de Vitória

Membro do Grupo de Pesquisa PROEJA/CAPES/SETEC-ES.

Email: [email protected]

Edna Graça Scopel

Formada em Pedagogia

Mestra em Educação pelo IPLAC e Mestranda da linha de pesquisa Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas do PPGE/UFES

Servidora do IFES – campus de Vitória, como Pedagoga do PROEJA, e Coordenadora Pedagógica

Professora do curso de Pós-graduação em Ensino Médio Integrado à Educação Profissional Técnica de Nível Médio

Professora do curso de Pós-graduação do PROEJA

Membro do Grupo de Pesquisa PROEJA/CAPES/SETEC-ES.

E-mail: [email protected]

143

Page 144: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Resumo Este artigo apresenta um recorte sobre o estudo da inserção feminina na formação

técnico-profissional dos cursos de Mecânica e Eletrotécnica do IFES – Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo – campus de Vitória e

busca resgatar a trajetória da educação profissional e da escolarização feminina,

bem como a sua inserção no mercado de trabalho e na instituição espíritosantense.

O estudo é do tipo descritivo e de abordagem quantiqualitativa. Os intercessores

teóricos foram Nader (2005, 20007), Bruschini (2000), Hirata (2002), entre outros.

Os resultados obtidos nessa pesquisa indicam que a luta pela inserção das

mulheres, em igualdade de condição com a dos homens, no sistema educacional e,

principalmente, no processo de profissionalização, ainda é uma realidade.

Evidenciam-se indicadores que comprovam a existência de discriminação referente

ao tratamento dado aos gêneros nas relações profissionais: persiste a desigualdade

sexista no mercado e nas condições de trabalho. Os mesmos indicadores apontam

também que as habilidades exigidas para inserção no mercado profissional são

exercidas com competência e responsabilidades pelo público feminino.

Palavras chave: Gênero feminino; relações de gênero; formação técnico-

profissional

144

Page 145: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

INTRODUÇÃO

No Brasil, é crescente a participação da população feminina no mercado de

trabalho e nas instituições educacionais. Estudos recentes, divulgados pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1, apontam que, em sendo a maioria da

população brasileira, dos 21,2 milhões de pessoas ocupadas (PO), as mulheres

representam 44,4% desse contingente, isto é, 9,4 milhões; em relação à População

em Idade Ativa (PIA), elas são 53,5%; e à População Economicamente Ativa (PEA),

são 45,5%; enquanto que na População Desocupada (PD), ocupam, ainda, 57,7%

(IBGE, 2009).

Os dados também revelam que esse público apresenta níveis de

escolarização mais elevados, 59,9%, que a dos homens, que é de 51,9%,

principalmente entre o segmento daquelas que possuem 11 anos ou mais de

estudos.

Entretanto, no que se refere à forma de inserção no mercado de trabalho,

elas se encontram em situação menos favorável: apenas 40% das mulheres no

mercado de trabalho têm carteira de trabalho assinada; já entre os homens, esta

proporção atinge 50%. Em relação ao rendimento médio, o das mulheres, neste

mesmo período, foi de R$ 956,80; enquanto o dos homens, R$ 1.342,70. Verifica-se,

então, que elas receberam 71,3% do rendimento dos homens. Mesmo em relação

às mulheres que possuíam nível superior completo o rendimento médio foi de R$

2.291,80; enquanto que para os homens esse valor foi de R$ 3.841,40.

Assim, observou-se que os rendimentos das mulheres são cerca de 60% menor que

o dos homens, indicando que, mesmo com grau de escolaridade mais elevado, as

divergências salariais, entre homens e mulheres, seguem elevadas (IBGE, 2009).

Esses indicadores apresentados, corroborados também pelo Departamento

Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (DIEESE, 2009),

1 Dados extraídos da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 2009, apresentam as características da inserção das mulheres no mercado de trabalho em seis regiões metropolitanas brasileiras, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 145

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demonstram também a existência de desigualdades entre homens e mulheres no

mercado de trabalho, seja na constituição como força de trabalho, nas dificuldades

de se obter uma ocupação ou nas características dos trabalhos exercidos

(BRUSCHINI, 2000).

Particularmente no Brasil, desde os primórdios da colonização, os papéis

sexuais foram prescritos com muita rigidez. A herança de uma ordem cultural

patriarcal européia relegou as responsabilidades do mundo privado-doméstico à

mulher, o que restringiu sua participação nos cargos de poder e no campo

profissional, a determinados postos de trabalhos (NADER, 2007). Estes, em grande

parte, relacionados às atividades antes desempenhadas no interior dos domicílios,

tais como serviços pessoais, educação, alimentação e saúde. O emprego

doméstico, por exemplo, é uma forma de relação de trabalho preenchida quase que,

exclusivamente, por mulheres (BRUSCHINI, 2000).

Dessa forma, as pesquisas do DIEESE e do IBGE evidenciam que o

mercado de trabalho, concretamente, define determinadas funções como mais

femininas, pois é insignificante o percentual entre as mulheres ocupadas no setor

industrial, se comparada com o do homem.

Ao discutir a inserção feminina na formação técnico-profissional dos cursos

de Mecânica e Eletrotécnica do IFES – campus de Vitória2, Ferreira (2003) resgatou

a trajetória da educação profissional e da escolarização feminina, bem como a sua

inserção no mercado de trabalho e na instituição espíritosantense. O estudo feito

apresentou uma análise quantiqualitativa, do tipo descritivo. Os intercessores

teóricos foram Nader (2005, 20007), Bruschini (2000), Hirata (2002) entre outros.

Por meio dessa investigação, detectou-se que a mesma situação,

apresentada pelas referidas instituições de pesquisa citadas, se reflete no sistema

de educação profissionalizante. Ao relacionar essas informações, com aquelas

2 A escola passou por diversas mudanças de cunho institucional e de nomenclaturas. Em 1937, com a denominação de Liceu Industrial de Vitória, passou a formar profissionais habilitados para a produção industrial. Em 1942, foi inaugurada a Unidade de Ensino de Jucutuquara, em Vitória. A partir de 1965, passou a denominar-se Escola Técnica Federal do Espírito Santo e em 1999 passa a ser conhecida como Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo. Em dezembro de 2008, a instituição passa por uma nova reformulação, baseada na Lei nº 11.892, sancionada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que criou 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia no país. O nome CEFETES é substituído por Ifes – Instituto Federal do Espírito Santo.

146

Page 147: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

divulgadas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito

Santo – campus de Vitória, por meio da Coordenadoria de Registro Escolar (CORE),

constatou-se que a participação da mulher, nesta Instituição de formação

profissional, nas diversas especialidades oferecidas, é muito variável, chegando a

ser insignificante quando se trata de cursos que preparam trabalhadores para

ocupações vistas como “naturalmente” masculinas.

Os cursos de Mecânica e Eletrotécnica, desta escola, exemplificam, com

clareza, essa questão: o número de alunas matriculadas corresponde a 8% do total

de alunos, entre os anos de 1967 a 20053. Estes cursos habilitam profissionais para

o mercado de trabalho em diversas áreas da indústria e, ainda hoje, são procurados

por um número considerável de candidatos do sexo masculino, quando essa Escola

anuncia seu processo de seleção para preenchimento de vagas.

Esse quadro apresenta uma realidade em que persiste a presença feminina

restrita a funções historicamente atribuídas a sua condição de mulher e que

guardam semelhança com as atividades por elas desempenhadas, no cuidado da

família e do domicílio. Paralelamente, Hirata (2002) vem apresentando estudos

sobre a divisão sexual do trabalho nos setores industriais e como essa problemática

se apresenta na atualidade. Esses estudos denunciam

[...] que em diversos postos de trabalho, os homens se apropriam da tecnologia enquanto conceito, desenvolveram tecnologias de produção específicas que reivindicam como direito deles, e que defendem como domínios masculinos [...] E a partir da apropriação da esfera tecnológica pelos homens há uma construção social do feminino como incompetente tecnicamente (COCKBURN, 1983 apud HIRATA, 2002, p.199).

A responsabilidade social do IFES cresce quando se tem, também, acesso

a outros estudos que se debruçam sobre a discussão dos gêneros e trabalho

industrial e afirmam que “a profissionalização industrial da mulher acontece fora da

empresa em escolas de ensino técnico [...] o que contrasta com a formação

tradicionalmente dispensada aos homens na empresa” (HIRATA, 2002, p.211. grifo

da autora), e,

Elas executam as mesmas tarefas que os homens, vestem os mesmos uniformes [...] e cumprem a mesma jornada de trabalho. No entanto, elas

3 Análise documental em andamento. Assim não dispomos ainda dos dados dos anos mais recentes.

147

Page 148: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

não têm as mesmas oportunidades sociais de formação técnica que os homens, enfrentando, por isso, mais dificuldades para promoção na carreira profissional baseada em critérios bastante rígidos (BLASS, 2000, p.1).

ALGUMAS PESQUISAS SOBRE A INSERÇÃO DAS MULHERES NOS CURSOS TÉCNICOS E NO MERCADO DE TRABALHO CAPIXABA

Ferreira (2003), nos seus estudos sobre a inserção das mulheres nos

cursos técnicos de Eletrotécnica e de Mecânica da Instituição, resgata também, por

meio de diversos estudos sobre a rede de escolas técnicas, vestígios da presença

feminina na educação profissional e, em especial, no Instituto Federal do Espírito

Santo.

Na instituição espiritosantense foi possível localizar a presença das

capixabas, nos estudos de Ferreira (2003) e de Pinto (2006). Segundo Ferreira

(2003), buscando adequar-se à mudança na legislação educacional, a escola, em

1971, passou a oferecer um número maior de matrículas para o 2º grau técnico

profissionalizante e regulamenta a abertura de matrícula para mulheres,

determinada pela legislação. No registro da Ata do Conselho de Professores, o

diretor comunica essa decisão: “O Sr. Presidente informa que no próximo ano será

livre a escolha para o elemento feminino, pois não podemos alterar um dispositivo

constitucional” (Ata do Conselho de Professores, de 04-11-1971, arquivo do

CEFETES apud PINTO, 2006, p.111).

Porém, a mesma autora afirma que na documentação pesquisada foram

encontrados registros de matrículas desse público, nos cursos profissionalizantes,

somente a partir do ano de 1973, para o curso de Eletrotécnica (4 alunas); em 1974,

no de Mecânica (2 alunas); em 1977, no de Edificações (116 alunas); e em 1979,

no de Metalurgia (12 alunas) (FERREIRA, 2003, p. 60).

Contudo, o estudo de Pinto (2006) aponta registros da presença feminina

desde a década de 50, quando o IFES “(...) recebia a denominação de Escola

Técnica de Vitória, a matrícula de mulheres estava condicionada ao curso de

Alfaiataria, congênere ao curso de Corte e Costura que, oficialmente, era destinado

às mulheres e era oferecido em algumas escolas técnicas de outros Estados” (Pinto,

2006, p.13). A legislação, portanto, abriu outras possibilidades para a

profissionalização feminina.

148

Page 149: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Esse autor apresenta, ainda, uma discussão sobre os cursos

profissionalizantes e a presença feminina na instituição. Segundo ele, os cursos

que eram caracterizados por uma formação que não exigia o trabalho “pesado” e “sujo” das oficinas, como os cursos de Edificações, Estradas e Agrimensura, o número de matrículas do sexo feminino superou o do sexo masculino. Entretanto, naqueles cursos que exigiam contato direto com o “chão da fábrica”, como Eletrotécnica, Mecânica e Metalurgia, a presença de mulheres era muito pequena (PINTO, 2006, p. 113).

Essa análise coincide com os dados acima apresentados por Ferreira

(2003) e corrobora a idéia chave desse trabalho: as determinações sociais de

gênero como fator dificultador no itinerário da escolarização feminina.

Um estudo interessante e que permite, também, mapear a presença

feminina da região do Espírito Santo, fora do âmbito privado, são os de Nader

(2005), que analisa as mudanças econômicas e relações conjugais na capital

capixaba, entre os anos de 1970-2000.

Ela afirma que, assim como ocorria em todo o país, as mulheres vitorienses

tiveram suas vidas preparadas para assumir atividades pertinentes ao casamento.

Sua ocupação principal devia ser a manutenção da casa, a criação dos filhos e o

cultivo de relações sociais. Assim, a rígida formação da população capixaba

caracterizava a educação feminina sob uma base doutrinária conservadora que

tolhia, sempre que possível, a participação da mulher na escola, no lazer e,

principalmente, no mercado de trabalho, preparando-a, especificamente, para o

casamento (NADER, 2005, p. 4).

Suas pesquisas apontam que até o início da segunda metade do século XX,

o número de mulheres vitorienses que trabalhavam fora de casa, desenvolvendo

atividades remuneradas que não se relacionavam com as funções domésticas, era

ainda muito pequeno. Essa situação mudou completamente nos anos de 1970, na

época do chamado Milagre Brasileiro, com o agravamento da pobreza que provocou

grandes mudanças em Vitória, em virtude do êxodo rural provocado pela

erradicação dos cafezais improdutivos e pela constante chegada de migrantes de

outras localidades do país, em busca de emprego nos grandes projetos de impacto

(SIQUEIRA, 2001) que se implantavam na cidade.

De acordo com Nader (2005), essa situação chamava atenção, pois esse

processo se refletia no comportamento de toda a sociedade vitoriense, uma vez que

149

Page 150: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

o aumento do empobrecimento da população local promoveu uma corrida feminina

ao mercado de trabalho. Como em outros centros urbanos em processo de

industrialização, a lógica do modelo capitalista de produção se fez presente, na

região da Grande Vitória, uma vez que “o crescimento econômico fundado no

desenvolvimento de grandes projetos industriais não foi proporcionalmente seguido

pelo crescimento de emprego” (SIQUEIRA, 2001, p. 145).

Segundo o Censo Demográfico do Estado do Espírito Santo de 1970,

analisado por essa pesquisadora, as mulheres desenvolviam atividades

relacionadas à prestação de serviços que se ligavam às tarefas domésticas

remuneradas, tais como serviços de alimentação, (cozinheiras, garçonetes) e

higiene pessoal (cabeleireiras, manicures e pedicuros, lavadeiras e engomadeiras).

Além das tradicionais ocupações como as relacionadas à arte, ao magistério, ao

comércio, à produção têxtil artesanal e à costura e as da área de saúde, tais como

parteira ou enfermeira. Da população total de 70.103 mulheres habitantes de Vitória,

somente 35,57% estavam no mercado de trabalho – 24.536 mulheres. (NADER,

2005).

Nessa década, ainda segundo a autora, o setor industrial contratava,

preferencialmente, pessoas do sexo masculino para desenvolver atividades tanto na

indústria de transformação como na de construção civil; atividades consideradas

masculinas, por excelência. Registra-se, nesses setores, a presença de 600

mulheres, neste período.

Contudo, ao final dos anos de 1970, a pesquisadora traz outras

informações que indicam que, com a implantação de outras grandes indústrias,

localizadas ao redor da cidade, abriram novas oportunidades de empregos,

absorvendo maior número de mão-de-obra feminina. Especificamente no ramo

industrial, o número de mulheres empregadas durante toda a década cresceu da

ordem de 24%.

Outros dados, defendidos por Siqueira (2001), auxiliam nessa questão,

quando esclarece que, depois dos términos dessas obras de impacto, a “grande

maioria dessa mão-de-obra foi expulsa do mercado informal de trabalho, sem

perspectiva de reintegração” (p.154). A presença de uma grande reserva de mão-de-

obra pressionava a oferta de emprego como também barateava seu custo (p.146).

Mesmo nessa conjuntura desfavorável aos trabalhadores, Nader (2005)

informa que foi o comércio e o setor de serviços que abriram maiores oportunidades

150

Page 151: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

de trabalho para as mulheres. Em 1980, o setor terciário abrangia 41,15% de todos

os empregos disponíveis na cidade e, dentro deles, enquadravam-se 53,74% da

população feminina economicamente ativa. Os empregos, nesse setor, assumiram

um papel relevante dentro do mercado empregatício feminino, principalmente nas

atividades da área de serviços que, em dez anos, teve um crescimento da ordem de

48,59%, finaliza a pesquisadora.

Atualmente, trabalho e salário femininos são necessários à sobrevivência

da própria família. No Espírito Santo, dados do PNDE/IBGE (2009) evidenciam que

as mulheres são chefes de família em 23,3% dos domicílios, e no município de

Vitória, elas formam 40,2% da população economicamente ativa, em que um terço

(33,8%) ocupa a condição de responsável pelas unidades familiares, uma proporção

bem acima da média nacional, com 24,9% dos imóveis.

Os dados também revelam as desigualdades salariais entre homens e

mulheres, em que os valores aumentam, proporcionalmente, conforme o tempo de

escolarização: as mulheres com grau de escolarização igual ou inferior a 3 anos de

estudos ganham menos que os homens com o mesmo grau de escolaridade –

61,5% - enquanto que as mulheres com maior grau de escolarização (11 ou mais

anos de estudos ) ganham 57,1% do salário dos homens (IBGE, 2009).

Esses indicadores, ainda que preliminares, são preocupantes, na medida

em que as mulheres das camadas populares, que não conseguiram completar sua

escolarização, estão mais vulneráveis diante do mercado de trabalho, o que

configuram sua presença em postos de trabalho cada vez mais precarizados e

invisíveis, como o trabalho doméstico e as atividades no mercado informal. Essa

situação contribui, ainda mais, para sua vulnerabilidade perante a sociedade.

Hoje, trabalho e salário femininos são necessários à sobrevivência da

própria família. É conhecida e pertinente a discussão da dualidade do sistema

educacional, que ainda persiste na sociedade brasileira – educação superior para as

camadas privilegiadas, e educação profissionalizante, para as camadas populares –

polêmica essa de extrema atualidade pela implantação do Decreto Governamental

2.208/97, que desvinculou o Ensino Médio do Ensino Técnico-Profissional e as

151

Page 152: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

consequentes implicações decorrentes de sua aplicabilidade nas Instituições de

Ensino Profissionalizante e que ainda vigora4.

Por outro lado, estudos científicos comprovam a contribuição da educação

técnica para a o sucesso desses jovens, oriundos dos setores populares e grupos

médios, para ingressarem no ensino superior. Dessa forma, o IFES – campus de

Vitória representa, para uma parte considerável da população capixaba, uma

alternativa para dar sequência a sua escolaridade e, ao mesmo tempo, buscar sua

inserção no mercado de trabalho, pela profissionalização. E esta clientela, que

busca essa Instituição de Ensino, grande parte pertence ao sexo feminino.

Entretanto, nos cursos de Mecânica e de Eletrotécnica, essa presença ainda, é

insignificante.

Considerando o total de jovens que buscam o IFES, quando do processo de

seleção para ingresso nestes cursos, a escola, ao atender a demanda feminina,

pode desenvolver um trabalho para incentivar a participação efetiva em atividades

técnicas não tradicionalmente femininas e desmistificar o que Hirata (2002) chama

de “apropriação masculina da técnica”.

Acredita-se que uma atuação social efetiva do IFES pode tornar possível a

qualificação dessas jovens, em setores ocupacionais da indústria, ajudando-as na

inserção no mercado de trabalho e ampliando suas opções, para uma realização

profissional consciente, evitando escolhas, como no depoimento abaixo:

[...] você tem na Escola Técnica um curso de Edificações que tem mais mulheres, porquê? Porque Edificações é associado muito à questão de ambientes, à questão referente ao mundo da mulher. Quanto ao Curso Técnico de Mecânica, está associado a automóveis, a carros, grandes máquinas, que é uma coisa que está afastada do mundo da mulher, do mundo no qual ela foi criada (depoimento de aluna apud GUIMARÃES, 1999, p.90).

4 Deve-se ressaltar que com o governo Lula há a obrigatoriedade de ofertar cursos técnicos integrados de formação técnica com a Educação Básica. Mas ainda são ofertados cursos técnico-profissionalizante com essa organização curricular (os curso técnicos subseqüentes).

152

Page 153: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A luta pela inserção das mulheres, em igualdade de condição com a dos

homens, no sistema educacional e, principalmente, no processo de

profissionalização, ainda é uma realidade. Evidenciam-se indicadores que

comprovam a existência de discriminação referente ao tratamento dado aos gêneros

nas relações profissionais: persiste a desigualdade sexista no mercado e nas

condições de trabalho. Os mesmos indicadores apontam também que as habilidades

exigidas para inserção no mercado profissional são exercidas, com competência e

responsabilidades, pelo público feminino.

Portanto, essa instituição educativa, formadora de mão-de-obra, não pode

eximir-se de cumprir sua função social. E uma delas é combater atos

discriminadores que possam impedir as pessoas de exercerem suas funções

profissionais, devido à imagética social construída, historicamente, em torno das

profissões, sobretudo no âmbito industrial.

Sabe-se que um problema social, de natureza e dimensões tão amplas, não

permite imediatismo em sua resolução. Mas, entende-se que ao buscar parceria

com o setor produtivo e com a comunidade, por meio de suas entidades

representativas, cria-se uma rede de agentes sociais, comprometida com a

visibilidade no trato da discriminação dos gêneros. O que pode trazer ganhos

significativos para essas questões.

Assim, levar em consideração que na educação escolar coexistem as

diferenças, assim como de classe e étnico-racial, configura-se, nos tempos atuais,

como uma abordagem necessária nas pesquisas educacionais, em uma sociedade

diferenciada quanto ao acesso à educação, à cultura e aos bens materiais.

Adotando-se um recorte de relações de gênero nas análises educacionais,

é possível edificar novas formas de pensamento isentas de diferenciação sexista, o

que levaria a praticas pedagógicas e sociais compatíveis com a nova posição dos

gêneros, no mundo atual.

153

Page 154: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GUIMARÂES, Valéria M. Gomes. A Mulher de batom, graxa e macacão. Uma abordagem histórica acerca da presença da mulher no Curso Técnico de Mecânica da Escola Técnica Federal da Paraíba. João Pessoa: CEFET/PB. 1999.

HIRATA, Helena. Nova Divisão Sexual do Trabalho? Um olhar voltado para a a empresa e a sociedade. São Paulo: Boitempo Editorial. 2002.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <http://.www.ibge.gov.br>. Acesso em: outubro 2009.

NADER, M. B. (org). Violência sutil contra a mulher: manifestações brasileiras. In: Família, mulher e violência. Vitória: UFES (PPGHis), 2007

_________ (org). Mudanças radicais na relação mulher e casamento: o caso de Vitória. In: XV SIMPÓSIO DE HISTÓRIA DA UFES: ETNIA, GÊNERO E PODER. 15, 2005. Vitória – ES. Anais eletrônicos do XV Simpósio de História da UFES. Vitória: UFES, 2005. 01 CD-ROM.

PINTO, Antônio Henrique. Educação Matemática e Formação para o trabalho: Práticas Escolares da Escola Técnica de Vitória de 1960 a 1990. 2006. 175 f. Tese (Doutorado em Educação). Campinas – SP: Unicamp, 2006.

SIQUEIRA, Maria da P. Smarzaro. Industrialização e empobrecimento urbano: o caso de Grande Vitória, 1950-1980. Vitória: EDUFES, 2001.

154

Page 155: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

155

MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO:

EDUCAÇÃO IDENTIDADE E PROFISSÃO

Gilvandro Vieira da SILVA

Pedagogo do IFPB – campus de Cajazeiras – PB.

Aluno do Curso de Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação da

Universidade Federal da Paraíba.

[email protected]

[email protected]

RESUMO

O presente artigo objetiva apresentar questões relativas às mudanças no mundo do

trabalho com reflexões acerca da educação tecnológica, identidade humana e

profissão na sociedade tecnológica.

Page 156: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

156

O inicio da década de 70 é colocado, por muitos pensadores, como o marco

inicial da expansão do chamado avanço tecnológico que veio através dos resultados

de pesquisas na microeletrônica e do surgimento da internet. Estes marcos

tecnológicos vão mudar significativamente as características do trabalho, que até

então tinha como base a utilização da técnica como forma de desenvolver a

produção. Neste sentido, no que diz respeito aos países subdesenvolvidos existia, e

ainda existe, a filosofia e a prática da educação profissional direcionada a instruir os

futuros trabalhadores para reproduzirem comportamentos de ações profissionais

predefinidas nos currículos, manuais técnicos, revistas especializadas, estágio, entre

outras maneiras de aprendizagem, para otimizar a produção. Além disso, vale

salientar que as escolas profissionais, muitas vezes, não dão conta da parte prática,

e o que se tem detectado, ao longo do tempo, é que o aluno vai aprender realmente

esta prática ao lado das máquinas, na lógica do ensaio e erro, contando com a ajuda

de outros profissionais experientes que estão ao seu lado. Assim, as aplicações

progressivas das novas nas relações de produção vão mudar a natureza do trabalho

e da educação, e como consequência, a forma de ser do trabalhador, que passa a

ter sua identidade enquanto pessoa e profissional modificada, exigindo-se, a partir

daí, um perfil polivalente e, acima de tudo, um trabalhador qualificado com

competências para entender a complexidade imposta pelas novas tecnologias.

É a partir da mundialização do capital que se desenvolve um complexo de reestruturação produtiva, com impactos estruturais no mundo do trabalho. Ele surge como ofensiva do capital na produção, tendo em vista que debilita a classe não apenas no aspecto objetivo, com a constituição de um novo (e precário) mundo do trabalho, mas principalmente no subjetivo. É por isso que, na perspectiva histórico-ontológica, o novo complexo de reestruturação produtiva não possui caráter “neutro” na perspectiva da luta de classes. (Alves. 2000.p.9)

Esse processo de reestruturação produtiva se inicia nos países desenvolvidos

pelo abandono dos princípios tayloristas/fordista e adoção do Toyotismo, que propõe

o uso das novas tecnologias e procedimentos organizacionais no mundo do

trabalho, implantando, assim, a flexibilidade que tornaria a produção mais

racionalizada, constituída por máquinas inteligentes e poucos trabalhadores.

Desse modo, ao utilizar o conceito de toyotismo, queremos dar-lhe uma significação particular, delimitando alguns de seus aspectos essenciais. São tais aspectos essenciais do toyotismo- seus protocolos organizacionais (e institucionais), voltados para realizar uma nova captura da subjetividade

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operaria pela lógica do capital- que possuem valor heurístico, capaz de esclarecer seu verdadeiro significado nas novas condições da mundialização do capital. (Alves. 2000.p.30)

.O Toyotismo é estruturado pelos seguintes protocolos organizacionais:

●AUTONOMAÇÃO/AUTO-ATIVAÇÃO – Consiste em fazer com que as máquinas e

os modos de operação incluam protocolos de responsabilidade pela qualidade dos

produtos nos próprios postos de fabricação;

●POLIVALÊNCIA – Impõe uma desespecialização do trabalhador, fazendo com que

o mesmo trabalhe, em um mesmo espaço, em várias funções;

●LINEARIZAÇÃO – Consiste em instalar as máquinas de tal maneira que elas se

tornem o suporte de operações sucessivas, levadas a cabo pelos operários

polivalentes;

●JUST-IN-TIME/ KANBAN – Promove um conjunto de reagregações das tarefas

produtivas, com o espírito de incorporar a subjetividade operaria como constituidora

do novo complexo de produção de mercadorias.

Estes princípios, que levam a determinação da existência de novas práticas

profissionais, são aos poucos introduzidos nos países de terceiro mundo, e seus

reflexos são sentidos pelos trabalhadores.

Neste sentido, Alves citando Shaiken (1990) confirma a extensão deste

processo de flexibilização econômica:

Nos países do Terceiro Mundo industrializados como o Brasil, a classe operaria ainda mantém, pelo menos até os anos 80, presença significativa nas industrias. Entretanto, em virtude da mundialização do capital, as empresas, conglomerados e corporações transnacionais no Terceiro Mundo, como é o caso da indústria automobilística, tendem a adotar, cada vez mais, em maior ou menor proporção, os mesmos padrões tecnológico- organizacionais do centro capitalista (desenvolve-se no Brasil dos anos 80 o que denominamos mais adiante um “ toyotismo restrito”). O complexo de reestruturação produtiva que atinge o Terceiro Mundo tende a debilitar o mundo do trabalho, (re)constituindo- ou meramente extinguindo – pela desindustrialização, os pólos de modernidade industrial, instaurados na época da industrialização emergente. Os imperativos da competitividade mundial exigem das corporações transnacionais, os verdadeiros agentes da mundialização do capital, seja nos países capitalistas centrais, seja nos países do Terceiro mundo, uma lean production, que tende a conduzir á redução de pessoal empregado na indústria. Ao lado da introdução de novas tecnologias microeletrônicas na produção, em escala mundial,

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passa-se a adotar um processo intensivo de racionalização produtiva, incorporando os princípios do toyotismo. (Alves. 2000.p.69)

Com a imposição progressiva de formas flexíveis de administração da

economia mundial vai sendo superado, e saindo de cena, o Estado com a economia

baseada no capital industrial para um Estado fundamentado, principalmente, no

capital financeiro e serviços. Esta nova forma de ser do Estado está estruturada no

projeto neoliberal que, em sua nova versão, traz como determinação a redução da

ação do Estado no que diz respeito a investimentos em políticas sociais. Esta nova

fase do Estado Capitalista representa mais um rompimento, ou momento de crise,

com fins de encontrar novas formas de acumulação de capital e esta fase traz

consigo a aplicação de novas tecnologias no mundo do trabalho e vai provocar uma

serie de mudanças em todos os setores da sociedade mundial porque a introdução

de novas tecnologias, com base principalmente na microeletrônica, diminui

significativamente os postos de trabalho devido a introdução do processo de

automação das linhas de produção. Essa introdução das novas tecnologias na

produção vem exigindo um nível de conhecimento compatível, não só com a

complexidade que passam a estruturar as máquinas inteligentes, mas também

requer perfis profissionais diferenciados, com associação a uma forma de trabalho

polivalente.

Assim, a partir deste fato, ocorre um processo continuo e dialético de

especialização e desespecialização que atingiu, e vem atingindo diretamente,

principalmente, os trabalhadores dos países subdesenvolvidos pelo fato de não

possuírem as qualificações que, a partir de então, passaram a ser exigidas para que

se pudesse estar empregado, ou na condição de empregabilidade.

Já o processo de trabalho flexível traz a possibilidade de uma redução dos níveis de divisão e fragmentação do trabalho, pois oportuniza a intercambialidade de funções e a polivalência do trabalhador, ao ser alocado em diferentes tarefas. Esta flexibilidade funcional pode ser de dois tipos: a agregação de funções para cada trabalhador, como é o caso das ilhas de fabricação onde um único homem controla um conjunto articulado de várias máquinas; e a rotação põe diferentes tarefas, como registrar a experiência de trabalho por equipes, que se responsabiliza pela sequência inteira de uma etapa produtiva, arcando com todas as funções coletivamente. Com a flexibilização funcional um novo perfil de qualificação da força de trabalho parece emergir e, em linhas gerais, pode-se dizer que estão sendo postas exigências como: posse de escolaridade básica, de capacidade de adaptação a novas situações, de compreensão global de um conjunto de tarefas e funções conexas, o que demanda capacidade de

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abstração e de seleção, trato e interpretação de informações. Como os equipamentos são frágeis e caros e como se advoga a chamada administração participativa, são requeridas também a atenção e a responsabilidade. (Machado. 1992.p.15).

De acordo com a análise que se encontra presente na nota técnica do Dieese

(2010.p.12), quando se pensa em investimento em alta tecnologia e introdução de

inovações, comumente faz-se referência à possível existência de um gargalo

estrutural na força de trabalho brasileira, que é sua baixa formação escolar e

profissional (qualificação, técnica, e tecnológica). Esta afirmação tem sido

recorrente no debate público e alguns chegam a mencionar a ocorrência de um

“apagão”, um ponto de estrangulamento que poderia, em muito pouco tempo,

impedir a continuidade do ciclo recente de crescimento observado na economia

brasileira. De fato, os dados sobre formação escolar e formação e educação

profissional não são positivos e revelam a necessidade de um grande esforço

nacional, de médio e longo prazo, para a alteração desta situação. Por exemplo,

especificamente sobre a formação profissional, segundo o suplemento da PNAD

2007, da população acima de 18 anos, apenas 3,3% (4,3 milhões de pessoas)

frequentavam algum curso profissionalizante, sendo que 77% de qualificação

profissional (dos quais, quase a metade na área de informática), 21%, técnicos de

nível médio e 2%, de graduação tecnológica. Nos três casos, predominavam os

cursos oferecidos por instituições de ensino privadas.

Realmente o que se verifica é que está em curso no mundo um processo de

avanço tecnológico que vem interferindo, de forma incisiva, na redução da força de

trabalho via automação da produção e no desaparecimento de várias profissões,

agora consideradas improdutivas, na exigência de qualificação/requalificação e

numa postura polivalente do trabalhador. Neste sentido, se faz necessário que a

educação ofereça uma resposta condizente para a formação do trabalhador, e esta

resposta precisa, obrigatoriamente, passar pela adoção da Educação Tecnológica

que, fazendo a relação entre ciência e técnica, poderá permitir uma formação

tecnológica capaz de possibilitar aos trabalhadores a condição crítica e criativa de

poder tanto pensar a tecnologia quanto de poder ser um construtor de tecnologia.

Infelizmente, o que se constata é que a escola brasileira não está preparada

para executar esta tarefa, já que continua caminhando na contra - mão da historia,

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160

adotando uma concepção de educação e currículos que permitem, aos professores,

ensinar conteúdos e utilizar metodologias conservadoras e ultrapassadas, e que

muitas vezes mal conseguem instruir. Um dos grandes problemas é que não se

trabalha a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade, e sim, o repasse de

conteúdos descontextualizados, que só possibilita a manutenção da distância com

relação à dinâmica flexível em que o trabalho se encontra imerso, ensinando, talvez,

para um mundo que não existe mais.

De acordo com Seraphim (2006.p.24), as pessoas aprendem, atualmente,

com suas atividades sociais e profissionais, e o sistema educacional passa a perder

o monopólio da criação e transmissão do conhecimento. Neste sentido, é mais do

que nunca objetivo da educação fazer a orientação dos percursos individuais do

saber e contribuir para o reconhecimento destes saberes, incluindo-se aí os saberes

não acadêmicos. Esta distância entre o sistema educacional e a dinâmica do

conhecimento que se multiplica, a todo o momento, na sociedade informacional, dá-

se, principalmente, porque os saberes estão codificados em bases de dados on-line,

em mapas alimentados em tempo real pelos fenômenos do mundo, e em simulações

interativas. Com esse novo suporte de informação e comunicação emergem gêneros

de conhecimentos inusitados, critérios de avaliação inéditos para orientar o saber;

novos atores trabalham na produção e tratamento dos conhecimentos, e qualquer

política de educação tem que levar isso em conta.

Acerca da educação ideal para o contexto da sociedade atual, onde ocorrem

mudanças provocadas também pela tecnologia, Grispum (2002) aponta que:

Um dos traços que confere, então, peculiaridade à sociedade atual é esta situação de crise, seja ela política, cultural ou ética. Temos uma sociedade marcada por contradições e desafios da civilização cientifica tecnológica: altos avanços neste campo capazes de fazer a vida mais humana,mais longa,com uma cultura,hoje,de lazer,mas que, por outro lado,nos levam, por suas estratégias,a vivenciarmos uma situação de domínio,destruição e até mesmo de alienação.A moderna civilização convive com esses contrastes mas também com suas aspirações.A educação também vive a sua crise,seja ela caracterizada pelos objetivos e finalidades de suas propostas,seja pelos seus procedimentos ou metodologias a serem seguidos.Com que modelo de educação ela está comprometida,nos dias de hoje: ensinar? dominar técnicas mais modernas? fazer com que o aluno aprenda a usar o computador? adequar o aluno às normas vigentes no campo político-social? formar o cidadão? preparar a escola para competir com a televisão? enfim, qual o modelo de educação que existe nos dias atuais? A intima vinculação da educação com o contexto social e cultural leva-nos a rever, então, os seus modelos na medida em que ela tem que estar refletindo os anseios da sociedade, e que, por estar em crise, tem os

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161

seus desafios muito mais instigados e problematizados. Sem,entrar (muito) no mérito da questão das “crises” desta sociedade, precisamos compreender como e por que elas existem e como a educação deve agir para fazer com que o individuo compreenda sua sociedade e nela interfira satisfatoriamente.

De acordo com Rodrigues (2002)

Pensar em educação significa pensar no tipo de preparo requerido para o enfrentamento com este mundo de crescente complexidade e permanente mudança e na necessária tomada de consciência dessa realidade. Qualquer projeto de educacional, ao se voltar pra as demandas da vida contemporânea, terá que também incluir uma reflexão sobre valores. Antigamente, julgava-se que os valores seriam sempre os mesmos perenemente apreciados da mesma forma. Entretanto, com o passar do tempo, vemos que novas atitudes surgem com novas visões de mundo e novas realidades. Isso significa que também os valores sofrem alterações, sua ordem hierárquica se reorganiza. Alguns filósofos chegam a considerar que novos parâmetros éticos devam ser formulados, já que os antigos não dão conta da problemática suscitada pela tecnologia.

Bastos (2009) lembra que para se discutir esse tipo de educação para a

sociedade tecnológica, informacional, ou do conhecimento, faz-se necessário deixar

clara a relação entre educação, tecnologia e trabalho.

Educação e tecnologia não são termos teóricos e abstratos, mas dimensões

com conteúdos de práticas e de existência vivenciados através da história e

retomados, hoje, em novas perspectivas, face aos desafios impostos pelos padrões

valorativos do homem moderno, e pelas transformações tecnológicas que o

envolvem. São relacionadas e relacionáveis, pois no âmago de seus conteúdos há

linguagens e comunicações, não apenas construídas definitivamente pela historia,

mas em processo dinâmico de revitalização necessitando sempre de retoques e

reformulações. A primeira vista, poderiam significar a preparação adequada de

recursos humanos para preencher quadros e aplicar técnicas. No entanto, há que se

questionar a razão de ser de cada um desses termos, isolada e interativamente, no

contexto de homem e de mundo, não apenas marcados pelos sinais do pragmatismo

imediato, mas assinalados pelo destino histórico de construir uma existência tecida

pelos encontros de parcerias, em beneficio das sociedades.

Assim, refletindo as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores para se

adequar a essa nova estrutura imposta, atualmente, no mundo do trabalho, na qual

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162

envolve a exigência de uma nova identidade, que contenha uma serie de requisitos,

como conhecimento intelectual capaz de entender a complexidade imposta pelas

novas tecnologias, aceitação de contratos temporários de trabalho e do não

recebimento de direitos trabalhistas, historicamente conquistados, dentre outras

formas de precariedade, que hoje estão presentes no mundo do trabalho,

verificamos que existe uma fragmentação nas relações de trabalho que atinge,

diretamente, a identidade do trabalhador e a profissão que exerce pelo fato de

muitas já terem sido extintas, e por não conhecer outras pela dificuldade de acessar

uma formação múltipla que se adéque a estas novas atividades e novas atribuições.

Assim, a construção de uma nova, ou de novas identidades, representa um desafio

para a classe trabalhadora que precisa ser debatida, principalmente, nos

movimentos sindicais como forma de resistência ao discurso e práticas precarizadas

e impostas pelo Estado Neoliberal.

IDENTIDADE E PROFISSÃO

No espaço social, o homem ultrapassa os limites da cultura e procura,

identidades passadas, para se perceber. No presente, vive em uma luta contínua no

intuito de construir suas identidades futuras, que vão aos poucos formando um todo

dialético que poderá ser encontrado e incorporado a qualquer momento, perfazendo

um ciclo de transformações que só se esgota com a morte.

Para Bogo (2008. p. 27):

As coisas são o que são mais aquilo que virão a ser, delineado pelo movimento de suas contradições internas, pois ao se fazerem, antecipam em si as características daquilo que serão. É a ação consciente do ser humano através do trabalho ou de outra atividade cultural, como a arte, a educação e a pesquisa, que nos permite passar de seres biológicos para seres sociais. Negamos o estado de natureza pura para nos tornarmos humanos, por meio do trabalho como base da formação da cultura sem deixarmos de ser totalmente natureza.

Esta busca pelo ser e pelo ter dá-se num ambiente social dinâmico, no qual

ocorrem, a todo o momento, diversas transformações; exigindo esforços, cada vez

maiores, pela busca desse homem do seu tempo no intuito de se tentar assegurar o

que se pode ser no próximo passo que der em direção ao futuro. Esse futuro

aparece diariamente, trazendo como necessidade o viés da atualização da

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163

identidade. Neste sentido, o espaço social é, sem duvida, o ambiente em que se dá

o desenvolvimento da identidade humana em suas mais diversas facetas

O sistema social – consolidado por valores comuns – constitui a condição do êxito da comunicação (interação) entre os indivíduos e acha que esse sistema não pode ser senão interiorizado nas personalidades, e não exterior a elas, a tese da socialização precoce constitui a solução mais simples para o problema precedente: ao se identificar com seus próximos, a criança interioriza suas normas e seus valores e torna-se, assim, um ator desejoso de se comunicar com quem tem a mesma experiência que ela, reproduzindo desse modo as normas e os valores de sua sociedade e de seu meio de origem. (Dubar. 2005.p. 64)

Isso ocorre principalmente porque o homem, enquanto ser social, necessita

de afirmação social ou reconhecimento a todo o momento em que executa uma

ação, e para isso precisa ter, em mãos, um símbolo reconhecido e respaldado pelo

outro, e pelo conjunto da sociedade, para ter segurança e obter uma relativa certeza

de que o que esta fazendo tem uma aproximação de sucesso na obtenção de seus

objetivos, afastando, assim, o medo de que o objeto com o qual está lidando não

seja o que ele realmente imagina ser. Mesmo assim, o sentimento de insegurança

continua até a consecução do objetivo, através da ação de elaboração do outro.

Essa insegurança representa um processo continuo, já que a ação do homem

na relação entre o pensar e o fazer requer um esforço muito grande da pessoa que

vai agir, e até um sofrimento, devido ao fato de, às vezes, saber o que se quer mais

não ter nenhuma segurança do que o outro pensa e quer, e isso se dá pela

impossibilidade de se poder adentrar à subjetividade do outro. Assim, a grande

problemática é que interação com o outro acontece permeada pelas normas e

valores sociais que, a principio, permitem o estabelecimento de processos de

afastamento, desconfiança, e descriminação, para quem sabe, em um determinado

momento posterior, possa vir a se transformar em aproximação, confiança, e adoção

do outro ou do seu modelo, como pratica de vida, ou relação direta com ele.

A divisão interna á identidade deve enfim e, sobretudo, ser esclarecida pela dualidade de sua própria definição: identidade para si e identidade para o outro são ao mesmo tempo inseparáveis e ligadas de maneira problemática. Inseparáveis, uma vez que a identidade para si é correlata ao Outro e a seu reconhecimento: nunca sei quem sou a não ser no olhar do Outro.Problemáticas,dado que“ a experiência do outro nunca é vivida diretamente pelo eu...de modo que contamos com nossas comunicações para nos informarmos sobre a identidade que o outro nos atribui ...e, portanto, para nos forjarmos uma identidade para nos mesmos” (Laing,

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p.29). Ora, todas as nossas comunicações com os outros são marcadas pela incerteza: posso tentar me colocar no lugar dos outros, tentar adivinhar o que pensam de mim, até mesmo imaginar o que eles acham que penso deles etc. Não posso estar na pele deles . Eu nunca posso ter certeza de que minha identidade para mim mesmo coincide com minha identidade para o Outro. (Dubar, 2005.p.1350.

Um grande complicador é que o homem, ao nascer em um campo permeado

por diversos símbolos, não consegue entender como se deu a construção de sua

identidade e se tem liberdade para refazer sua reconstrução. Portanto, boa parte de

sua própria subjetividade é desconhecida e está submetida a um processo de ordem

social que permite ao Outro se utilizar de vários instrumentos para delimitar e

determinar o seu espaço de convivência e, até mesmo, modelar o seu

comportamento. Desta forma, em todos os modos de produção o homem passou por

processos de condicionamento de sua forma de ser, seja atendendo as regras do

mais simples costume até as determinações rígidas existentes nas relações de

produção do sistema capitalista; e em sendo assim, o trabalho, como espaço

primordial da existência física e psicológica do homem, representa um dentre os

diversos instrumentos de modelagem que se desenvolvem no processo de sua

socialização.

Habermas, analisando o pensamento de Hegel acerca do trabalho, coloca o

seguinte:

É na divisão do trabalho e na troca dos produtos do trabalho que se origina a emergência do trabalho abstrato e do dinheiro (a moeda) como equivalente geral, fornecendo o modelo do comportamento recíproco. A forma institucional dessa troca é realizada pelo contrato no qual “a palavra proferida adquire um valor normativo”. A ação complementar dos atores “mediada por símbolos que fixam expectativas de comportamentos obrigatórios... é codificada como tal pelo intermediário de uma institucionalização da reciprocidade que encontra estabelecida com a troca dos produtos do trabalho”.

É claro que este processo de modelagem das identidades sociais não se dão

de forma aleatória, sem interesses envolvidos e passividade. Ao contrário, as

construções das identidades vão se dar num espaço processual de alienação e de

luta em busca de uma consciência critica que permita, no mínimo, a possibilidade de

pensar a liberdade e buscar a autonomia no ato de agir sobre a problemática social.

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165

A idéia de que a ausência de interesse é uma condição indispensável para se conhecer a verdade é falsa. É difícil apontar qualquer descoberta ou percepção significativa que não tenha sido atiçada por um interesse do pensador. Com efeito, sem interesses e pensamento torna-se estéril e despropositado. O que importa não é saber se há ou não interesse, mas que espécie de interesse existe e qual será sua relação com a verdade. Todo pensamento produtivo é estimulado pelo interesse do observador. Nunca é um interesse por si mesmo que deturpa as idéias, mas somente os interesses que são incompatíveis com a verdade, com o descobrimento da natureza do objeto que esta sendo observado. (Fromm, 1986.p.96).

Dentre as identidades que o homem busca está a identidade profissional; uma

identidade de extrema importância porque vai representar a passagem de um

momento de formação no qual o homem adquiriu habilidades e competências, seja

na educação formal ou informal, para um outro momento, em que exercerá uma

atividade profissional, da qual a sociedade vai requerer em forma de serviço para

resolver seus problemas. Neste sentido, o homem aparece como profissional,

atuando na diversidade do mundo do trabalho e dependente dele. E como é

justamente no mundo do trabalho que se encontra a sua identidade profissional, o

homem busca se compreender através do outro e através do entendimento do

mundo.

Neste percurso de busca o homem está perseguindo sempre seus interesses,

os quais estão inseridos no conjunto dos interesses sociais, para poder superar suas

dificuldades, principalmente, as de acesso às riquezas socialmente produzidas, e

assim, poder sobreviver em meio às diversas dificuldades, dando ênfase às de

natureza econômica. Sendo assim, a luta do homem por espaços capazes de lhes

proporcionar uma condição de vida mais digna é histórica; muitos exemplos de

superação vindos de ações individuais e coletivas estão registrados na sociedade

pelas ciências, especialmente pelas ciências sociais. Dessa forma, as identidades

pessoais e profissionais são construídas no contexto dos diversos interesses que

permeiam as classes sociais, o que para Habermas:

Não é legitimo (nem “cientificamente” “nem moralmente”) reduzir os processos de comunicação social (interação), cuja implicação histórica é”a libertação das formas de dominação e de servidão e sua substituição por formas de reconhecimento recíproco”, a produtos ou aspectos dos processos instrumentais e, em particular, dos processos de produção(trabalho).De acordo com ele, a questão da socialização intervém precisamente nessa relação entre trabalho e interação, ou seja entre processos ou “sistemas“ de produção e processos ou “mundos vividos” das relações sociais sem que, de maneira nenhuma, os segundos possam se

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166

reduzir aos primeiros. Em outras palavras, tanto para Habermas como para o jovem Hegel, as identidades sociais, e correlativamente, as formas de relações sociais nas quais elas se estabelecem e se exprimem não podem ser deduzidas dos sistemas de trabalho ou produção nem das “forças produtivas”. Reduzir os “mundos vividos” e os processos identitários a um aspecto ou produto dos “sistemas” é suprimir a questão da socialização e, portanto, subtrair toda autonomia às Ciências Sociais (Habermas, 1981, tomo 2, PP.331ss). Dubar, 2005.p.105 e 106).

Neste sentido, fica evidente que não se pode focar o trabalho como um

instrumento isolado do espaço social, com poderes de interferir na formação das

identidades, seja no que diz respeito à identidade pessoal ou profissional. No caso,

as instituições sociais de educação primária das crianças, como a família e a escola,

possuem juntas um poder muito grande de influenciar na formação das identidades.

Historicamente, a família tem exercido um papel preponderante na formação de

seus pares; e as expectativas de como serão e o que farão os filhos tem raízes na

própria forma de ser dos pais, tios e avos, destacando-se aí a importância da

preservação dos seus costumes e valores morais. É na família que a criança recebe

sua primeira carga educativa, de caráter informal, entrando em contato com regras

comportamentais que devem ser cumpridas, sem que haja questionamentos acerca

delas; e, quando a criança questiona, é trazida para o enquadramento através de

castigos.

Nas discussões ocorridas nas ciências sociais se diz que o primeiro ensaio de

identidade ocorre nos primeiros contatos da criança com a mãe, que vai se

construindo, passando pela a escola, e alargando pelo meio social, como um todo. A

família não possui tanta influência assim sobre a formação profissional, fazendo

apenas alguns direcionamentos para a criança, indicando as qualidades de algumas

profissões, sendo referenciadas, principalmente, as que trazem mais status social e

remuneração. Esta ação da família se ancora numa análise muitas vezes do senso

comum da necessidade que seus filhos terão de obter recursos econômicos para

sobreviver. Neste sentido, a identidade da criança que está em construção sai do

controle da família e se constrói, de forma processual, no contato com as outras

instituições e demais sujeitos sociais.

Para Dubar (2005) os indivíduos de cada geração reconstroem suas

identidades a partir:

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167

Das identidades sociais herdadas da geração anterior (“nossa primeira identidade social nos é sempre conferida”, Laing, p.116) das identidades virtuais (escolares...) adquiridas durante a socialização inicial (“primária”); das identidades possíveis (profissionais...) acessíveis no decorrer da socialização “secundaria”. De outro lado, as próprias categorias pertinentes de identificação social evoluem no tempo e permitem antecipações recíprocas sobre as quais podem se enxertar as negociações identitárias.

É claro que estas escalas de reconstrução das identidades, passando pela

família, escola e as diversas profissões, perpassa por uma discussão acerca da

desigualdade social que provoca a diferença entre as classes sociais. Crianças

nascidas em classes sociais abastadas entram logo cedo em contato com muitos

recursos que facilitam a interpretação dos objetos presentes no meio social,

enquanto as crianças menos abastadas, passam por situações de privações sendo

tidas muitas vezes, como prioridade, a busca do alimento como forma de

sobrevivência biológica.

A necessidade de emancipação pelo trabalho parece sentida mais cedo pelos jovens operários ou pelos jovens lavradores, e a atmosfera da escola não lhes satisfaz, a partir de certa idade, o desejo de inserção na vida social. (Friedmann, 1973. p216).

Assim, muitas crianças e jovens entram no mercado de trabalho muito cedo e

deixam de vivenciar suas fases de desenvolvimento.

Entre os acontecimentos mais importantes para a identidade social, a saída do sistema escolar e a confrontação com o mercado de trabalho constituem atualmente um momento essencial da construção de uma identidade autônoma. É claro que o conjunto das escolhas de orientação escolar mais ou menos forçada ou assumida representa uma antecipação importante do status social futuro. A entrada em uma “especialidade” disciplinar ou técnica constitui um ato significativo da identidade virtual. Mas, hoje em dia, é na confrontação com o mercado de trabalho que, certamente, se situa a implicação identitária mais importante dos indivíduos da geração da crise. Essa confrontação assume formas sociais diversas e significativas conforme os países, os níveis de escolaridade e as origens sociais. Mas é de seu resultado que depende tanto a identificação por outrem de suas competências, de seu status e de sua carreira possível, quanto a construção por si de seu projeto, de sua aspirações e de sua identidade possível. (Dubar, 2005.p.148 e 149).

É sabido que, historicamente, a família e a escola sempre buscaram cumprir o

papel de orientar seus filhos e alunos da melhor forma possível para o

desenvolvimento das vocações e profissões; no entanto, isso até hoje não tem

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168

acontecido a contento, por vários motivos, a saber como: muitas vezes as famílias

priorizam determinadas profissões pelo status social que representam e contribuem

para abafar as aspirações vocacionais que partem da vontade de seus orientandos,

o mercado de trabalho muda constantemente, exigindo perfis profissionais que,

muitas vezes, são complexos e requer um grau de escolaridade elevado, ou as

profissões oferecidas não possuem atrativo econômico e status.

A escola, geralmente, centra suas atividades no desenvolvimento de

conteúdos e discute pouco, ou quase nada, o mundo do trabalho e suas profissões.

Além disso, em cada etapa da historia da humanidade, o processo de

desenvolvimento tecnológico tem determinado como dever ser o mercado de

trabalho e os perfis profissionais necessários, o que gerou e gera, até hoje, um

descompasso entre as condições de formação do trabalhador e essas exigências

circunstanciais. Essa falta de informação e contato com o mercado de trabalho faz

com que a criança e o adolescente cresçam acumulando uma serie de ansiedades

quanto ao seu futuro como pessoa e profissional. Assim, principalmente, a

identidade profissional é desenvolvida no espaço de trabalho onde o trabalhador vai

numa perspectiva de ensaio e erro, acumulando experiência e aprendendo a gostar

ou odiar a profissão na qual está inserido.

Partindo dessa confrontação do trabalhador com o mercado de trabalho,

Dubar define assim como se dá a formação da identidade profissional:

É do resultado dessa primeira confrontação que dependerão as modalidades de construção de uma identidade “profissional” básica que constitua não somente uma identidade no trabalho, mas também e, sobretudo, uma projeção de si no futuro, a antecipação de uma trajetória de emprego e a elaboração de uma lógica de aprendizagem, ou melhor, de formação. Essa construção de identidade para si na confrontação com o mercado de trabalho ou com os “sistemas de emprego” coincide ainda mais com o “drama social do trabalho” de que fala Hughes, por comportar atualmente, para uma parcela dos jovens, o risco de uma exclusão duradoura do emprego estável e, para todos os jovens, a criação de estratégias pessoais e de apresentação de si (“aprender a se vender”) que pode ter grande peso no desenvolvimento futuro da vida profissional. Já não se trata apenas de “escolha da profissão” ou de obtenção de diplomas, mas de construção pessoal de uma estratégia identitária que mobilize a imagem de si, a avaliação de suas capacidades e a realização de seus desejos. (Dubar, 2005.p.149).

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Hoje, tudo está diferente para que o jovem possa construir sua identidade

pessoal e profissional, porque alem da sua condição social, dos problemas

existentes nas famílias e na escola, existe em curso uma das mudanças mais

radicais na estrutura do trabalho.

Page 170: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

170

REFERÊNCIA

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BOGO, Kellen Cristina. A História da Internet - como tudo começou. Disponível em:

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http://www.dieese.org.br/notatecnica/notaTec89CienciaTecnologiaInovacaoTrabalha

dores.pdf. Acesso em: 26 de julho de 2010.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. v. 1. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. 617 p.

DUBAR, Claude. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais.

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Giddens, Anthony. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2002.

Machado, Lucília Regina de Souza. Politecnia, escola unitária e trabalho. 2 ed.

São Paulo, Cortez, 1991.

Grinspun, Zippin. Educação Tecnológica: desafios e perspectivas. 3a Ed. São Paulo: Cortez, 2002.

SERAPHIM, Jovelino Sérgio. O processo de formação do tecnólogo. Dissertação de mestrado do Centro Estadual Paula Souza. São Paulo, 2006.

FRIEDMANN, Georges. O futuro do trabalho humano. 2a Edição. Lisboa-Portugal.:Moraes Editora. 1981

FROMM, E. Caráter. In: _ Análise do Homem. Tradução Octávio Alves Velho. Rio

de Janeiro: Editora Guanabara, 1986.

Page 171: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A DIMENSÃO AMBIENTAL NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

Graciane Regina Pereira IFSC campus de Gaspar

Email: [email protected]

INTRODUÇÃO

Os Institutos Federais, enquanto instituição de ensino, precisam ir além da

formação profissional; precisam proporcionar uma formação integral, atrelada à

busca de soluções para os problemas contemporâneos, na qual cada jovem cidadão

sinta que o exercer de sua profissão possa melhorar a qualidade de vida do planeta

e, não apenas, gerar riquezas para ele e para a sociedade. O jovem tem de

entender as profundas e complexas relações existentes entre o trabalho e os

recursos naturais; isso implica desenvolver um senso crítico que vá muito além da

simples criticidade, mas que se concretize em atos responsáveis.

Passamos por um momento em que os seres humanos sentem-se, apesar

de viverem em comunidade, isolados, autônomos. Como se fôssemos auto-

suficientes, e dentro de nossas redomas, não há entendimento da complexidade e

da interdependência das relações econômicas, sociais e ambientais, ou, estas são

banalizadas. É tempo de rever conhecimentos, valores e atitudes.

A formação de valores, que se dá nos espaços sociais (família, igreja,

comunidade...), precisa acontecer, de forma intensa e crítica, na escola, para que

este cidadão lá formado seja um agente ativo do seu contexto, especialmente, em

se tratando da Educação Profissional e Tecnológica. Sendo assim, cidadania e

profissão são inseparáveis; e a instituição deve preparar para ambos.

A Educação Profissional e Tecnológica, através das atividades de ensino,

pesquisa e extensão, auxilia na formação integral dos cidadãos, ou seja, além de

171

Page 172: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

formar profissionais para o trabalho; forma profissionais cidadãos, antenados com e

para a sociedade complexa na qual estão inseridos.

Para Cortina (2003, p.102), um modelo de formação de cidadania deve ter

as seguintes características: autonomia pessoal (o cidadão não é nem vassalo nem

súdito); consciência de direitos e deveres que devem ser respeitados; sentimento de

vínculo com os concidadãos, com os quais são compartilhados projetos comuns;

participação responsável no desenvolvimento desses projetos, com

responsabilidades; e sentimento de vínculo com todos os outros seres humanos na

busca por mudanças positivas na aldeia global. Essas características, anteriormente

apontadas, são condizentes com os princípios da Educação Ambiental, tema

transversal, obrigatório em todos os níveis e modalidades de ensino, no Brasil.

Apesar de as diversas políticas públicas há algumas décadas indicarem que

a prática pedagógica, em todos os níveis e modalidades de ensino, devam ser

permeadas pela educação ambiental, basta olharmos para o crescimento dos

problemas socioambientais para entendermos que, ou essa inserção não está sendo

feita, ou ela é incipiente, pois a mobilização social esperada não acontece.

Este artigo pretende chamar à reflexão, os educadores, sobre a importância

da incorporação da dimensão ambiental na Educação Profissional e Tecnológica na

contribuição da formação de cidadãos profissionais, responsáveis e críticos, com

relação às temáticas socioambientais.

POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Se a educação sozinha não transforma a sociedade,

sem ela tampouco a sociedade muda.

Paulo Freire

A Educação Ambiental (EA) foi pela primeira vez reconhecida como

essencial para solucionar a crise ambiental internacional, na Conferência de

Estocolmo, no ano de 1972, na Suécia. O plano de ação desta conferência

recomendava a capacitação de professores, e o desenvolvimento de novos métodos

instrucionais para a Educação Ambiental.

172

Page 173: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A UNESCO promoveu, ainda, outros três eventos internacionais marcantes

para a Educação Ambiental: Conferência de Belgrado, em 1975; Conferência de

Tbilisi, em 1977; e Conferência de Moscou, em 1987. Cada uma enfocou pontos

importantes para consolidação da Educação Ambiental, a saber:

- Estímulo para criação do Programa Internacional de

Educação Ambiental (PIEA), da UNESCO. A EA deve ser

contínua, multidisciplinar, e integrada às diferenças regionais

(Conferência de Belgrado).

- Definição de objetivos, funções, estratégias,

características, princípios e recomendações para a EA. União

da EA formal com a não-formal, despertando a sensibilização

de cada indivíduo, e da coletividade, como um todo

(Conferência de Tbilisi).

- Criação de Diretrizes Metodológicas para EA. A EA

deve modificar comportamentos (Conferência de Moscou).

A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento, a Rio – 92, produziu, dentre outros, dois importantes documentos

para a EA: a Agenda 211 e o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades

Sustentáveis e Responsabilidade Global. Ambos são referências para a EA do

mundo.

Estamos vivendo a década da Educação para o Desenvolvimento

Sustentável (2005-2014), no âmbito na UNESCO, que objetiva ajudar as pessoas a

desenvolver atitudes, habilidades e conhecimentos, para tomar decisões em

benefício de si e dos outros, agora e no futuro, e agir de acordo com estas decisões

(vale conferir o site www.unesco.org/en/esd).

No Brasil, temos a EA abordada na Constituição Federal de 1988, que

deixa clara a necessidade de a Educação Ambiental se fazer presente nos três

níveis governamentais: federal, estadual e municipal. Além dela, temos também a

Agenda 21 Brasileira, que traz a EA, de forma transversal, nas suas ações

prioritárias. 1 Capítulo 36 - promover a educação, a consciência pública e a formação. Área programática – reorientar a educação para o desenvolvimento sustentável.

173

Page 174: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A Política Nacional de Educação Ambiental (que complementa a LDB) foi

promulgada em 1999 – Lei 9.795 – e no artigo 6 – parágrafo 2 – faz referência à

capacitação de recursos humanos, que deve se dar através

da incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos educadores de todos os níveis e modalidades de ensino; da incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos profissionais de todas as áreas; da preparação de profissionais orientados para as atividades de gestão ambiental; da formação, especialização e atualização de profissionais na área de meio ambiente; do atendimento da demanda dos diversos segmentos da sociedade no que diz respeito à problemática ambiental.

Fica, portanto, claro, que os Institutos Federais, que trabalham com Cursos

Técnicos, Graduação, Pós-graduação e Qualificação Profissional precisam inserir a

dimensão ambiental no Ensino, como também na Pesquisa e na Extensão, conforme

preceitua o parágrafo terceiro – artigo 6 – da mesma lei2.

O Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA), fruto de muitas

discussões, aponta alguns dos princípios norteadores para as práticas educativas,

que são:

Concepção de ambiente em sua totalidade, considerando a

interdependência sistêmica entre o meio natural e o construído,

o socioeconômico e o cultural, o físico e o espiritual, sob o

enfoque da sustentabilidade.

• Abordagem articulada das questões ambientais locais,

regionais, nacionais, transfronteiriças e globais.

• Respeito à liberdade e à equidade de gênero.

• Reconhecimento da diversidade cultural, étnica, racial,

genética, de espécies e de ecossistemas.

• Enfoque humanista, histórico, crítico, político, democrático,

participativo, inclusivo, dialógico, cooperativo e emancipatório.

2 ...desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à incorporação da dimensão ambiental, de forma interdisciplinar, nos diferentes níveis e modalidades de ensino; a difusão de conhecimentos, tecnologias e informações sobre a questão ambiental; o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à participação dos interessados na formulação e execução de pesquisas relacionadas à problemática ambiental; a busca de alternativas curriculares e metodológicas de capacitação na área ambiental; o apoio a iniciativas e experiências locais e regionais, incluindo a produção de material educativo; a montagem de uma rede de banco de dados e imagens, para apoio às ações.

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Page 175: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

• Compromisso com a cidadania ambiental.

• Vinculação entre as diferentes dimensões do conhecimento;

entre os valores éticos e estéticos; entre a educação, o

trabalho, a cultura e as práticas sociais.

• Democratização na produção e divulgação do conhecimento e

fomento à interatividade na informação.

• Pluralismo de idéias e concepções pedagógicas.

• Garantia de continuidade e permanência do processo

educativo.

• Permanente avaliação crítica e construtiva do processo

educativo.

• Coerência entre o pensar, o falar, o sentir e o fazer.

• Transparência.

Apesar de a EA estar bem embasada pelas políticas públicas, na prática há

desconhecimento, despreparo, e até indiferença, por parte de docentes e gestores

da educação; e isto é observado em todos os níveis de ensino. A Educação

Fundamental talvez tenha maior entendimento dos princípios e diretrizes da EA e da

sua incorporação, em suas práticas pedagógicas. A Educação Profissional e

Tecnológica exige avanços nesse campo.

A TEMÁTICA AMBIENTAL E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA (INCLUSIVE AS LICENCIATURAS)

Não podemos vencer a batalha para salvar espécies animais e os ambientes,

se não conseguirmos forjar um laço emocional entre nós e a natureza.

Stephen Jay Gould

Quando o aluno chega a nossas instituições ele já tem suas experiências,

que são demonstradas, cotidianamente, pelas suas atitudes e posturas, frente ao

que é discutido, em sala de aula, e por seu comportamento. Os docentes, por sua

vez, também têm as suas experiências, as quais norteiam sua conduta pedagógica.

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Page 176: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Ambos encontram-se em um momento de construção do conhecimento, embasados

que estão na ciência, nas experiências e no contexto onde se situam. Esta

construção será mais ou menos crítica dependendo da bagagem experiencial de

cada um; mas o professor por ser o formador de opinião, ter um papel central

influenciador; portanto, as instituições de ensino precisam que seus docentes sejam

preparados para formar para a transformação, preparar para a busca, constante e

coletiva, da qualidade de vida, em todos os aspectos possíveis: sociais, ambientais,

econômicos, culturais.

Gutiérrez-Pérez (2005) fala que os mediadores ecológicos não têm só a

obrigação de desvendar os segredos dos problemas ambientais, como também

torná-los visíveis aos interlocutores que os rodeiam, e diante dos destinatários de

suas ações; por isso não podem ser neutros.

A inserção da dimensão ambiental na Educação Profissional e Tecnológica

é necessária para estimular posturas reflexivas frente às contradições entre

desenvolvimento e a proteção do meio ambiente. Esse entendimento tem de ser

integral. As atividades humanas e profissionais podem ser compatíveis com um

desenvolvimento mais sustentável ou, pelo menos, não tão impactante.

Um cuidado todo especial deve ser dado para fugir da lógica capitalista do

desenvolvimento sustentável,

onde essa expressão se converteu em um tipo de cola multiuso que pôs em contato ambientalistas e imobiliárias, empresários e conservacionistas, políticos e gestores, sem que pelo simples uso comum do termo tenha-se resolvido nada; muito pelo contrário, com a confusão gerada, quem mais saiu ganhando foram os defensores do neoliberalismo, pois o termo desenvolvimento pode significar qualquer coisa, dependendo como se olhe e com que fins se empregue (GUTIÉRREZ-PÉREZ, 2005).

O autor cita, por exemplo, o PIB, considerado para o crescimento

econômico, mas que não considera o capital social e natural. Os seres humanos e

demais seres vivos, como também os recursos naturais, não são considerados nos

sistemas produtivos; então, o desenvolvimento apresentado é uma falácia, e isso

nos é acenado o tempo todo pelas catástrofes, acidentes, desigualdades, doenças,

etc. Nós, educadores, precisamos nos antecipar aos problemas e não usá-los,

meramente, como conteúdos de aula. Precisamos chegar mais cedo!

176

Page 177: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A Educação Profissional e Tecnológica (Formação Inicial e Continuada em

Qualificação Profissional, Técnico de Nível Médio, Educação Profissional de

Graduação e Pós-graduação) precisa ser revista, seus currículos precisam

incorporar os potenciais impactos ambientais relacionados a cada formação

profissional. E, além disso, precisam familiarizar todos os estudantes com os

problemas complexos existentes ao seu redor, em todas as suas facetas,

provocando, constantemente, a reflexão e, posteriormente, a tão necessária ação.

Percebe-se uma defasagem de cultura ambiental nos educadores e nos

gestores que atuam nos Institutos Federais, ou seja, não receberam uma formação

mais integral, e nem tampouco, sob a ótica da sustentabilidade ou de valores mais

coletivos. Por isso, concomitante à inserção da temática ambiental nos cursos, há a

necessidade da formação continuada dos atuais docentes e gestores em temas

transversais; no caso, Meio Ambiente. Essa constatação foi abordada no trabalho de

Verdi e Pereira (2006), quando professores responderam que não possuíam

conhecimentos científicos suficientes para trabalharem com as questões ambientais

porque não tiveram formação nesta área, nem na graduação, pós-graduação, ou em

qualquer formação continuada.

Com a oferta das Licenciaturas, pelos Institutos Federais, vem a

responsabilidade de não se deixar esta lacuna na formação dos futuros docentes. E

que esta formação seja mais conectada com os problemas atuais. Nossos egressos

professores precisam ser agentes de provocação de mudanças sociais, precisam

preparar-se para fazer a EA formal e a não-formal.

Pensar no meio ambiente e manejá-lo de forma adequada é assunto novo;

há poucas décadas é vêm sendo assimilado pelas instituições de ensino:

ambientalização3 transformadora dos currículos e oferta de cursos relacionados à

área ambiental; pesquisas que geram conhecimento para subsidiar a construção de

políticas públicas e tecnologias limpas; e, extensão que aproxima as instituições da

sociedade, levando conhecimentos, e aplicando-os; são pontos que precisam estar

presentes no cotidiano institucional.

A dimensão ambiental precisa ser incorporada também

administrativamente, com procedimentos sistematizados para gerenciar os diversos

aspectos ambientais de cada instituição. Um exemplo específico disso é a adoção 3 É muito mais do que “colocar” conteúdos “ambientais” nas várias disciplinas, passa por uma profunda revisão do exercer pedagógico e da formação esperada.

177

Page 178: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

da Agenda Ambiental na Administração Pública – o A3P4 (ver o site:

www.mma.gov.br)

Existe a necessidade, em curto, médio e longo prazo, de soluções

tecnológicas para reverter o quadro de degradação ambiental presente, mas, e

muito mais que isso, é preciso que pessoas estejam preparadas para tomar

decisões acertadas. Assim, os Institutos Federais têm no Ensino, na Pesquisa, na

Extensão e na Administração, oportunidades de contribuir para a solução de

problemas críticos. É dessa maneira que as instituições deveriam se relacionar com

a sociedade e se esforçar, ao máximo, para satisfazer suas necessidades; através

de um processo de cooperação e diálogo. Definir uma postura institucional perante o

desenvolvimento que se busca é essencial, assim como questionar-se,

permanentemente, sobre o atendimento das necessidades básicas da sociedade, o

uso racional dos recursos naturais, a participação e a autonomia social, o respeito às

culturas, os valores humanos, a qualidade de vida, a qualidade ambiental, entre

outros fatores, fazem a diferença entre uma instituição verdadeiramente

comprometida com a transformação, de outra meramente maquiada, em que

somente tente demonstrar uma imagem positiva, mas com relações negativas ou

duvidosas relacionadas ao meio ambiente.

Desde a década de 90 já existe um movimento mundial em torno da

incorporação da dimensão ambiental em Universidades ou Instituições de Ensino

Superior; prova disso são os vários documentos já pactuados, entre eles: a

Declaração de Talloires, de 1990, a Declaração de Halifax, em 1991, a Declaração

de Swansea, em 1993, a Declaração de Kyoto, em 1993 e a Carta Copernicus, em

2003 (KRAEMER, 2010). Cada documento desses apresenta diretrizes e objetivos a

serem implementados, pelas instituições signatárias, no que tange ao meio

ambiente.

Como coloca Kraemer (2010), as Universidades, ou no nosso caso, os

Institutos Federais, são chamados a desempenhar um papel preponderante no

desenvolvimento de uma forma de educação multidisciplinar e, eticamente,

orientada, de forma a encontrar soluções para os problemas ligados ao

desenvolvimento sustentável. Para isso, devem assumir um compromisso com um

4 O Programa Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P) é uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e seu objetivo é promover a internalização dos princípios de sustentabilidade socioambiental nas organizações públicas.

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Page 179: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

processo contínuo de informação, educação e mobilização, de todas as partes

relevantes da sociedade, com relação às consequências da degradação ecológica,

incluindo o seu impacto sobre o ambiente global, e as condições que garantam um

mundo sustentável e justo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A capacidade de convergência demonstrou ser o ponto forte do desenvolvimento

sustentável e a ambigüidade semântica um ponto fraco.

Ignacy Sachs

Apesar de todos os indicadores ambientais mostrarem o avanço das

doenças da Terra, ainda estamos longe, coletivamente falando, de tratar e recuperar

a enferma. São poucos para essa tarefa, e mesmo assim, esses poucos ainda não

têm consenso sobre uma série de concepções; por isso a necessidade de as

instituições de ensino entrar na discussão e agirem.

Para um processo de ensino aprendizagem ser eficaz, o professor, um dos

protagonistas principais dessa discussão, precisa ter total ciência de seu papel. Ele

é quem acena para as possibilidades existentes e mais adequadas à construção de

uma sociedade melhor, explicitando todas as dificuldades e contradições possíveis.

Para isso, ele próprio tem de ser um exemplo: para os colegas, para os alunos, para

todos, nos contextos por ele influenciados. Esse processo é também um processo

educativo, auto-educativo, que se dá ao longo da vida. É o não acomodar-se, é o

aprender e o reaprender, constantemente.

A EA, desenvolvida no espaço do ensino, não é a solução para problemas

ambientais, mas, certamente que, é um elemento para preparar as pessoas para

que elas próprias procurem as soluções para estes problemas. E esse processo não

se limita, apenas, a uma revisão dos currículos, como vimos, mas passa por toda

uma nova postura da instituição frente às problemáticas socioambientais, de forma

permanente, acompanhando as transformações que se dão no contexto do mundo,

do país e da região.

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Page 180: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Os Institutos Federais podem contribuir, de sobremaneira, para a formação

da cidadania ambiental. Abaixo, relatados alguns pontos a serem considerados

nesta reflexão, por nossas instituições, para atender as políticas públicas existentes,

ou estimular a criação de outras necessárias, e assim consolidarmos nosso

compromisso socioambiental:

• Criar e manter procedimentos de gerenciamento dos

aspectos ambientais de cada instituição em um processo

que envolva toda a comunidade escolar (coleta seletiva, uso

racional de insumos e matérias-primas, sensibilização,

projetos, pesquisas, etc.). Para isso o compromisso dos

gestores é essencial.

• Buscar um trabalho inter5 e multidisciplinar. Apesar da

resistência de alguns docentes é necessário para temas

transversais e enriquecedor para o processo de

aprendizagem. Isso tende a ser mais difícil na medida em

que a instituição vai se compartimentando. Uma boa

estratégia para isso é trabalhar com projetos onde as

várias disciplinas têm um objetivo comum e as relações são

entendidas, as áreas e pessoas se aproximam. Assim um

determinado tema não é visto de forma fragmentada e sim

de forma sistêmica.

• Investir na formação continuada de docentes, tanto os

servidores da rede federal, quanto os demais das outras

redes (estadual e municipal) que anseiam por formação na

área ambiental e não encontram em outras instituições

possibilidades de acesso. Os servidores devem estar

permanentemente atualizados sobre os problemas atuais e

possibilidades de intervenção para minimização ou solução

dos mesmos. Sem informação não há opção para uma

decisão mais acertada.

5 “a EA não é uma matéria suplementar que se soma aos programas existentes, exige a interdisciplinaridade, uma cooperação entre as disciplinas tradicionais, indispensável para poder perceber a complexidade dos problemas do meio ambiente e formular sua solução”. Prefácio da Conferência de Tbilisi citado por Gonzáles-Gaudiano (2005).

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Page 181: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

• Desenvolver materiais específicos para nossas instituições,

para nossos cursos, porque não tem ou são inadequados.

Os temas também devem ser selecionados de acordo com

o contexto e curso, alguns são mais gerais (consumismo,

proteção dos recursos naturais, preservação da

biodiversidade biológica, etc.) outros mais específicos

(licenciamento ambiental, conforto ambiental, prevenção de

catástrofes, recuperação de áreas degradadas, etc.). Isso

também vale para metodologias diferenciadas. Um bom

exemplo é a educomunicação6, onde os jovens são os

protagonistas da construção do conhecimento; ou ainda as

aulas a campo que colocam o educando direto com o objeto

de estudo.

• Criar grupos de pesquisa, grupos de estudos, comissões e

demais formas de manter a comunidade envolvida,

aprendendo, desenvolvendo e fortalecendo relações mais

sustentáveis. Se possível, sempre buscar parcerias com

outras instituições que tenham objetivos comuns7.

• Formar profissionais específicos para lidar com problemas

específicos. Ser especializado, mas não desconectado.

Como por exemplo, cursos técnicos, tecnólogos ou pós-

graduação, além de cursos de qualificação profissional,

conforme demanda ambiental apontada.

• Politizar a ação formativa frente à complexidade dos

problemas e contextos existentes. Perceber os danos desse

desenvolvimento e delimitar a capacidade ecológica e

humana aceitável e justa.

• Conhecer e se aproximar das instituições de ensino que

desenvolvem ações ambientais no Brasil8 e pelo mundo.

6 A Educomunicação aproxima o campo da Educação Ambiental à perspectiva de uma comunicação popular educadora, autonomista e democrática (Brasil, 2008) 7 Em Maio deste, realizou-se em Camboriu-SC o I Seminário de Pesquisa: “A questão ambiental na formação profissional” promovido pelo IFSC – campus de Camboriu em parceria com outras instituições. Eventos com este precisam ser freqüentes. 8 Um exemplo é a Rede Universitária de Programas de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis (RUPEA) que tem como missão reunir, articular e fortalecer instituições universitárias e seus sujeitos sociais, promotores de iniciativas e programas de educação ambiental comprometidos com a construção de sociedades sustentáveis (www2.uefs.br/rupea).

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Page 182: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Bem como de órgãos representativos de cada profissão,

onde já se observa alguma inclinação para uma discussão

mais séria.

Precisa-se entender que a resolução dos problemas socioambientais não

envolve somente técnica, mas valores sociais, econômicos, éticos e culturais. Isso

só é possível com uma formação mais integral, na qual os jovens saibam tomar

decisões autônomas, trabalhar de forma colaborativa, compreender as interligações

de uma situação, comprometer-se com responsabilidade e ética, identificar as

fragilidades e potencialidades e agir. O papel dos Institutos Federais é estimular esses jovens a compreender a

complexidade da interação entre desenvolvimento e o meio ambiente, e torná-los

capazes de entender o impacto das atividades humanas, no ambiente, para que

possam contribuir, efetivamente, para implementação de uma forma de

desenvolvimento capaz de reverter os danos existentes, e manter um mínimo de

equilíbrio ambiental para a sustentação da vida. Formar para uma ação

transformadora e consciente.

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Page 183: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Conteúdo=7514&idMenu=7683. Acessado em 30/07/2010.

Agenda 21 Brasileira – Ações prioritárias/CPDS, 2002.

http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idCont

eudo=10068&idMenu=10683

Agenda 21. Conferências das Nações Unidas para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento. Rio de Janeiro, 1992.

http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idCont

eudo=575&idMenu=9065. Acessado em 03/08/2010.

Brasil. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Articulação Institucional e

Cidadania Ambiental. Programa Nacional de Educação Ambiental. Educomunicação socioambiental: comunicação popular e educação.

Organização: Francisco de Assis Morais da Costa. Brasília: MMA, 2008. 50 p.

Cortina, Adela. O fazer ético: guia para a educação moral. Tradutora: Cristina

Antunes. São Paulo: Moderna, 2003.

GONZALES-GAUDIANO, Edgar. Interdisciplinaridade e educação ambiental: explorando novos territórios epistêmicos. In A educação ambiental: pesquisas e

desafios. Organizadoras: Michele Sato e Isabel Carvalho. Porto Alegre: Artmed,

2005. p.119-133.

GUTIÉRREZ-PÉREZ, José. Por uma formação dos profisionais ambientalistas

baseada em competências de ação. In A educação ambiental: pesquisas e

desafios. Organizadoras: Michele Sato e Isabel Carvalho. Porto Alegre: Artmed,

2005. p. 177-210.

183

Page 184: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

kRAEMER, Maria E. P. A Universidade do Século XXI Rumo ao Desenvolvimento Sustentável. Disponível em

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Acessado em 31/07/2010.

http://ambientes.ambientebrasil.com.br/educacao/

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?ido=conteúdo.monta&idEstrutura=20&idConteudo=967. Acessado em 21/07/2010.

PRONEA. http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaoambiental/pronea3.

pdf. Acessado em 21/07/2010.

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UNESCO. http://www.unesco.org/en/esd/. Acessado em 21/07/2010.

VERDI, M; PEREIRA, G.R. A Educação Ambiental na formação de educadores: o

caso da Universidade Regional de Blumenau – FURB. Revista Eletrônica do

Mestrado em Educação Ambiental - Fundação Universidade Federal do Rio Grande,

vol.17, jun-dez, 2006.

184

Page 185: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

O ENSINO DA MATEMÁTICA FINANCEIRA E O CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO E TÉCNICO NO CONTEXTO DOS PARÂMETROS

CURRICULARES NACIONAIS (PCN´s).

Helio Rosetti Júnior Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito

Santo

Email: [email protected]

Juliano Schimiguel Professor da Universidade Cruzeiro do Sul

Email: [email protected]

RESUMO O presente trabalho tem por finalidade discutir e destacar o significado da

Educação Matemática Financeira no Ensino Médio e no Ensino Técnico, levando

em conta as questões relativas aos currículos, aos conteúdos curriculares, aos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s) estabelecidos pelo MEC, bem como

às necessidades do mercado de trabalho para os novos profissionais, nas

organizações empresariais e nas comunidades. Dessa forma, o trabalho procura

destacar a presença da Matemática Financeira nos documentos oficiais acerca de

currículo do MEC, com suas consequências para o ensino de Matemática e

formação dos alunos.

Palavras-chave: Educação Matemática; Ensino; Currículo; PCN; Matemática

Financeira.

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Page 186: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

INTRODUÇÃO

Trabalhar, educacionalmente, os fundamentos de Matemática tem sido um

desafio para o sistema educacional brasileiro. Ao longo da história, os resultados

de desenvolvimento e formação dos alunos têm sido precários, com elevadas

taxas de reprovação e retenção, por conta das enormes barreiras de

aproveitamento enfrentadas pelos estudantes.

Desenvolver estratégias educacionais, curriculares e pedagógicas que

levem o ensino de Matemática para a maioria dos alunos, sobretudo nos cursos

de perfil profissionalizante, tem sido um desafio para educadores e gestores da

educação, na perspectiva de proporcionar a evolução plena dos jovens no

contexto educacional brasileiro (ROSETTI & SCHIMIGUEL, 2009).

Vale destacar que falar em currículo escolar ou acadêmico significa,

sobretudo, falar também na vida do aluno e da comunidade escolar, em

permanente ação, isto é, educandos e educadores, no espaço escolar, constroem

e formatam, através de processos de valorização e do cotidiano que vivenciam, o

currículo apropriado para o desenvolvimento de competências e habilidades

necessárias ao desenvolvimento educacional dos estudantes.

Assim, tomamos neste texto como significado de currículo todas as

situações vivenciadas pelo estudante, dentro e fora do ambiente escolar, em seu

cotidiano, nas relações sociais, nas experiências de vida acumuladas por esse

estudante ao longo de sua vida, as quais contribuem para a formação de uma

perspectiva de construção e formação educacional.

Dessa maneira, o ensino, o trabalho pedagógico e uso dos modelos

Matemático-financeiros, em sala de aula, devem estar em consonância com as

necessidades, os interesses e as experiências de vida dos alunos.

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Page 187: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

MATEMÁTICA FINANCEIRA NOS PCN`s

Em conformidade com as Bases Legais dos PCN`s, a preocupação com a

formação para atuação no mundo do trabalho deve ser efetiva nos currículos, bem

como nos conteúdos trabalhados nas escolas, visando uma aplicação imediata

dos conhecimentos.

Do ponto de vista legal, não há mais duas funções difíceis de conciliar para o Ensino Médio, nos termos em que estabelecia a Lei nº 5.692/71: preparar para a continuidade de estudos e habilitar para o exercício de uma profissão. A duplicidade de demanda continuará existindo porque a idade de conclusão do ensino fundamental coincide com a definição de um projeto de vida, fortemente determinado pelas condições econômicas da família e, em menor grau, pelas características pessoais. (BRASIL, 1999).

De acordo com os PCN´s, numa perspectiva educacional inclusiva do

currículo, o entendimento mais amplo da Matemática, com seus temas, é

fundamental para o indivíduo, na sociedade, tomar decisões em sua vida

profissional, social e pessoal, podendo agir com equilíbrio e racionalidade diante

das relações de consumo, com condições de identificar as melhores opções de

negócios. Dessa forma, as orientações do MEC ressaltam a importância da

Matemática para o jovem no Ensino Médio destacando:

Em um mundo onde as necessidades sociais, culturais e profissionais ganham novos contornos, todas as áreas requerem alguma competência em Matemática e a possibilidade de compreender conceitos e procedimentos matemáticos é necessária tanto para tirar conclusões e fazer argumentações, quanto para o cidadão agir como consumidor prudente ou tomar decisões em sua vida pessoal e profissional. (BRASIL, 1999).

Buscando orientar os currículos de Matemática no Ensino Médio e no

Ensino Técnico, destacando uma preocupação com a formação e interação

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Page 188: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

cidadã1 do estudante com a sociedade, com a vida profissional e cultural, num

mundo e em um ambiente de trabalho em constantes transformações, os PCN’s

formulam que:

Em seu papel formativo, a Matemática contribui para o desenvolvimento de processos de pensamento e a aquisição de atitudes, cuja utilidade e alcance transcendem o âmbito da própria Matemática, podendo formar no aluno a capacidade de resolver problemas genuínos, gerando hábitos de investigação, proporcionando confiança e desprendimento para analisar e enfrentar situações novas, propiciando a formação de uma visão ampla e científica da realidade, (...) (BRASIL, 1999).

A Matemática, no Ensino Médio e na Formação Técnica, deve ser

trabalhada preparando o jovem para os diferentes contextos, fugindo-se dos

modelos previamente formatados. Afinal, no dia-a-dia do ambiente de trabalho os

problemas não são padronizados, nem as soluções são prontas para uma simples

opção. Ao contrário, apresentam a complexidade dos múltiplos fatores de uma

sociedade em permanente mudança. Com isso, no ambiente corporativo e de

trabalho, o estudante poderá fazer uso de competências e habilidades financeiras,

possibilitando mecanismos de inserção social.

No que diz respeito ao caráter instrumental da Matemática no Ensino Médio, ela deve ser vista pelo aluno como um conjunto de técnicas e estratégias para serem aplicadas a outras áreas do conhecimento, assim como para a atividade profissional. Não se trata de os alunos possuírem muitas e sofisticadas estratégias, mas sim de desenvolverem a iniciativa e a segurança para adaptá-las a diferentes contextos, usando-as adequadamente no momento oportuno. (BRASIL, 1999).

Vale destacar que o desemprego e a desocupação dos jovens2 é um dos

mais graves problemas da atualidade, pois a dramática situação da falta de postos

de trabalho e as dificuldades de acesso à rede de proteção social transformam a

1 Aqui com ações pedagógicas voltadas para a cidadania plena, a inclusão educacional e social dos alunos em suas comunidades. 2 Segundo pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2008, o desemprego entre jovens de 15 a 24 anos é 3,5 vezes maior do que entre os trabalhadores considerados adultos, com mais de 24 anos.

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fase da juventude em uma etapa de incerteza, carente de inclusão social e

educacional (BARBOSA & DELUIZ, 2008),

Nesse sentido, merece destaque a orientação contida nos PCN +3, Ensino

Médio - Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares

Nacionais, acerca do significado educacional do Ensino de Matemática.

A resolução de problemas é peça central para o ensino de Matemática, pois o pensar e o fazer se mobilizam e se desenvolvem quando o indivíduo está engajado ativamente no enfrentamento de desafios. Essa competência não se desenvolve quando propomos apenas exercícios de aplicação dos conceitos e técnicas matemáticos, pois, neste caso, o que está em ação é uma simples transposição analógica (...) (BRASIL, 2002).

Nos temas estruturadores4 do ensino de Matemática no PCN +, a

competência de se utilizar os conhecimentos matemáticos em situações diversas

nos estudos de Álgebra deve ser implementada, buscando a autonomia do

educando diante da vida, e na comunidade.

O primeiro tema ou eixo estruturador, Álgebra, na vivência cotidiana se apresenta com enorme importância enquanto linguagem, como na variedade de gráficos presentes diariamente nos noticiários e jornais, e também enquanto instrumento de cálculos de natureza financeira e prática, em geral. No ensino médio, esse tema trata de números e variáveis em conjuntos infinitos e quase sempre contínuos, no sentido de serem completos. (BRASIL, 2002)

O olhar crítico deve ser trabalhado no currículo e nos conteúdos no ensino

de Matemática, tendo em vista o conjunto de possibilidades que a Matemática

abre, na vivência do dia-a-dia.

O ensino, ao deter-se no estudo de casos especiais de funções, não deve descuidar de mostrar que o que está sendo aprendido permite um olhar mais crítico e analítico sobre as situações descritas. As funções exponencial e logarítmica, por exemplo, são usadas para descrever a

3 Orientações Educacionais Complementares a os Parâmetros Curriculares Nacionais sobre Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. 4 Aqui com o significado de ementas gerais por disciplinas, não como meros tópicos disciplinares, mas na forma do que se denomina de temas estruturadores.

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Page 190: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

variação de duas grandezas em que o crescimento da variável independente é muito rápido, sendo aplicada em áreas do conhecimento como matemática financeira, crescimento de populações, intensidade sonora, pH de substâncias e outras. A resolução de equações logarítmicas e exponenciais e o estudo das propriedades de características e mantissas podem ter sua ênfase diminuída e, até mesmo, podem ser suprimidas. (BRASIL, 2002).

A passagem, do jovem trabalhador, da escola para o mundo do trabalho é

delimitada e definida pelas dificuldades de sobrevivência da família. Usualmente,

quanto menor a renda familiar, maior a proporção de jovens que precisam

trabalhar e ingressar no mundo corporativo e organizacional.

Na resolução de problemas, o tratamento de situações complexas e diversificadas oferece ao aluno a oportunidade de pensar por si mesmo, construir estratégias de resolução e argumentações, relacionar diferentes conhecimentos e, enfim, perseverar na busca da solução. E, para isso, os desafios devem ser reais e fazer sentido. (BRASIL, 2002).

Com isso, a aprendizagem passa a ter significado real na vida do

estudante, ampliando suas possibilidades de vida e melhorando seu convívio

familiar e comunitário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Matemática, e em especial a Matemática Comercial e Financeira, não

pode continuar sendo um fator de exclusão do sistema escolar brasileiro, do

mundo profissional e do ambiente corporativo, num contexto informatizado em que

as linguagens, nos veículos de informação, são carregadas de signos lógicos

quantitativos (ROSETTI, 2003, P.22).

Por outro lado, as mudanças realizadas no mundo do trabalho têm

modificado as exigências para a entrada no mercado de trabalho, tornando cada

vez mais urgentes as necessidades de jovens e adultos trabalhadores em

aumentar sua escolaridade e qualificar-se profissionalmente, o que procuram

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Page 191: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

fazer, dentre outras formas, por meio de projetos ou programas estatais,

desenvolvidos em parceria com organizações da sociedade civil, como é o caso

do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE). (BARBOSA &

DELUIZ, 2008)

Dessa forma, incrementar currículos e práticas educacionais, no cotidiano

das escolas, incluindo os estudantes brasileiros e os trabalhadores no mundo da

Matemática Financeira, tem o significado de inserir uma parte significativa da

nossa população no ambiente numérico da vida econômica e financeira de nossa

sociedade.

191

Page 192: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

REFERÊNCIAS

BARBOSA, CARLOS SOARES; DELUIZ, NEIZE. Qualificação Profissional de

Jovens e Adultos Trabalhadores: O Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro

Emprego em Discussão. B. Téc. SENAC: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro, v. 34,

n.1, jan./abr. 2008.

BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino

Médio.

Brasília: Ministério da Educação, 1999.

BRASIL, Ministério da Educação. PCN+. Brasília: Ministério da Educação, 2002.

ROSETTI JÚNIOR, HELIO. Não Pare de Estudar. Vitória: Oficina de Letras, 2003.

ROSETTI JÚNIOR, H.; SCHIMIGUEL, J. . Educação matemática financeira:

conhecimentos financeiros para a cidadania e inclusão. InterScience Place, v. 2, p.

1-13, 2009.

192

Page 193: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

EDUCAÇÃO E CIDADANIA

Humberto Hickel de Carvalho Professor do IFSP – campus de Cubatão,

Engenheiro Eletricista, especialista em Análise de Circuitos, pela Universidade Federal

de Santa Catarina

Especialista em Filosofia e História da Educação, pelo Centro Universitário Monte

Serrat, Santos – SP

Mestre em Educação, pela Universidade Católica de Santos, Santos – SP

Delegado da seção São Paulo no GTPE do SINASEFE

E-mail: [email protected]

Ives Cabral Ribeiro Junior Professor do Ensino Médio na rede estadual de educação do Estado de São Paulo –

EE Vicente de Carvalho, Guarujá – SP

Educador filósofo pela Universidade Católica de Santos, Santos – SP

E-mail: [email protected]

RESUMO

Este trabalho trata do conceito de cidadania sob a ótica da sociedade de classes, com

referencial teórico em Antonio Gramsci, cidadania que propiciará a possibilidade da

emancipação das classes subalternas ao indicar a contestação do Estado; o trabalho

também indica forma de atuar para o alcance da cidadania de forma plena com

possibilidade de fruição dos bens materiais, culturais e sociais.

Palavras chave: cidadania, sociedade em classes, hegemonia, transformação social.

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Page 194: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

INTRODUÇÃO

A cidadania é um conceito que, atualmente, tem várias definições. Cada um a

explica à sua maneira, conforme seus interesses. Neste trabalho procuraremos, a partir

de um conceito pré posto, construir uma definição para cidadania que contemple a

possibilidade de emancipação das classes subalternas1, sob a ótica da teoria de

Gramsci.

Para tal, traçaremos a evolução do conceito de cidadania desde a Grécia antiga

até os dias atuais, com o capitalismo vigente. Em um segundo momento, destacaremos

aspectos da teoria de Gramsci que implicam no conceito de cidadania; comentaremos

o conceito de cidadania em Martins2 e o relacionaremos aos aspectos da teoria de

Gramsci. Finalmente, procuraremos destacar o papel da cidadania como possibilidade

de transformação da sociedade e emancipação das classes subalternas, através da

penetração em todos os campos da atividade humana, considerando o conceito de

Estado-ampliado3 de Gramsci e a luta pela formação da hegemonia.

1. A CIDADANIA ATRAVÉS DOS TEMPOS

Hoje, existem várias interpretações para o conceito de cidadania, porém, há um

certo consenso em relação ao que foi a cidadania no passado. Quando falamos do

passado, refiro-nos à cultura ocidental, isto é, aquela que vem da Grécia, passa pelo

Império Romano, atravessa a Idade Média, modifica-se com o Renascimento, deságua

na Revolução Industrial e chega ao capitalismo. Considerando a história, o homem, ao

mesmo tempo em que a constrói, também é por ela modificado, e assim o são seus

1O termo subalterna para designar a classe trabalhadora se justifica, apesar do sentido pejorativo que possa ter, por dois motivos: o primeiro para ser fiel a Gramsci e o segundo pelo viés de denúncia à condição de exploração a que os trabalhadores são submetidos no regime capitalista de produção de mercadorias. 2O autor escreveu sobre o ensino técnico e a globalização e, para isto, chegou a um conceito de cidadania atrelado a Gramsci. Como o conceito de cidadania em Martins cerca, a meu ver, as questões que ora trato, partirei dele. 3Estado “propriamente dito” e “sociedade civil” são dois momento distintos, não se identificam, mas estão em relação dialética, constituindo, em conjunto, o “Estado ampliado”. (LIGUORI, 2003, p. 183)

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Page 195: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

conceitos; não foi diferente com o conceito de cidadania. Através dos tempos as formas

de governar, de gestão do poder, de relacionamento entre os homens, de dominação

de um grupo sobre outros grupos de homens, se modificaram e evoluíram.

Na Grécia, a administração da cidade, polis, estava a cargo dos homens livres, o

que excluía os escravos, as mulheres e os estrangeiros.

Se vê, pois ai, portanto o que é um cidadão: É aquele que possui participação legal na autoridade deliberativa e na autoridade judiciária ai está o que denominamos cidadão da cidade (...) E denominamos cidade a multiplicidade de cidadãos capaz de ser suficiente a si próprio. (ARISTÒTELES apud MARTINS, 2000, p. 37)

Faz-se notório que participar da cidadania, ao ser atrelado àquele capaz de ser

suficiente a si próprio, era privilegio de alguns e que grande parte dos habitantes da

cidade não possuía direito de voz, ou seja, não podia opinar sobre as decisões que

diziam respeito à cidade e a si mesmo enquanto cidadãos; as leis e normas que se

estabeleciam para a cidade e para a vida dentro de seus muros levavam consideravam

somente o interesse e a vontade dos considerados cidadãos.

No Império Romano, a polis grega tem sua correlata, a civitas. A

correspondência se dá porque nas duas a gestão da cidade se faz pela participação

igualitária de seus habitantes. O problema é que em ambas a igualdade era para

poucos, havia igualdade para os de uma mesma classe, isto é, apenas para a pequena

classe dominante com posses e escravos estava reservado o direito à gestão da

cidade. Portanto, no mundo antigo, cidadania era gestão da cidade, e era exercida, de

fato, por uma pequena parcela da sociedade, excluindo-se as classes subalternas.

O desmantelamento do Império Romano provocou a emergência de outras

formas de relações sociais entre os homens. Na Europa emerge o feudalismo. Neste

tipo de sociedade, o privilégio estava do lado dos proprietários de terras e da Igreja. Os

feudos se caracterizavam como grandes propriedades de terra, com um senhor,

vassalos e servos. Os senhores e vassalos passaram a caracterizar a aristocracia, e os

servos, formavam a classe desfavorecida ou subalterna. Ao lado dos senhores estava

a Igreja, que legitimava o poder dos senhores feudais, em troca de poder, e também de

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Page 196: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

terras. Assim se formou um bloco histórico4 com o consentimento dos servos,

promovido pela Igreja, ao poder dos senhores. As cruzadas, em que o cavaleiro, ou

vassalo, lutava em nome do Rei (senhor) para cristianizar os não-cristãos e elevarem

sua alma, constituem evidência deste jogo de poder. A luta não era para melhorar as

condições de vida dos servos, e sim para manutenção do poder feudal e da instituição

Igreja. Nestas condições, não há como buscar um conceito de cidadania. Não havia no

período feudal aglomerações urbanas, portanto, não havia cidade a gerir, como no

mundo antigo; e direitos sociais são coisas que vieram depois na história...

Com o aumento das demandas por parte da aristocracia, em seus castelos

medievais, que exigia toda uma sorte de serviços, em torno desses castelos

começaram a se aglomerar artesãos, como sapateiros, alfaiates, vidraceiros,

marceneiros, e toda uma plêiade de homens que prestavam serviços à aristocracia. O

incremento desses aglomerados propiciou o surgimento dos burgos, isto é,

aglomerações urbanas em volta dos castelos. Com a prestação de serviços surge uma

nova classe no cenário das relações sociais: a burguesia, que acumula tanta riqueza,

que depõe o regime feudal. Simbólica dessa deposição é a Revolução Francesa, que,

a nosso ver, nada mais foi do que a passagem dos privilégios da aristocracia para a

burguesia emergente, apoiada pelas classes desfavorecidas, insatisfeitas que estavam

pelo trato que recebiam da aristocracia.

É dessa época o surgimento do Estado moderno como o conhecemos. Nessa

época nasce o sentimento de nação. O soldado de Napoleão não lutava por um lugar

no reino dos céus como o cavaleiro das cruzadas, lutava pela França, pela nação e

território, ou seja, pela pátria.

A burguesia, porém, não tardaria a definir as regras do jogo. Com sua liberté,

egalité et fraternité esqueceu-se de que a egalité não implica somente pertencer à

espécie homo-sapiens, era necessário que as condições de entendimento do mundo,

as condições de sobrevivência e as condições sociais, fossem estendidas, elas

também, com igualdade a todos. Assim, todos eram iguais perante as leis, mas a

formação do bloco histórico, assentado no consenso pela formação hegemônica da 4Segundo Gramsci se estabelece um bloco histórico quando as classes subalternas aceitam sua condição por consentimento.

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Page 197: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

burguesia e sua ideologia, perpetuou uma situação de classes excluídas em prol de

uma classe com privilégios. Porém aqui já se pode constatar o aparecimento de uma

forma de participação, embora torcida em prol da burguesia, pois perante a lei, todos

eram iguais; máxima do liberalismo, que mais uma vez não entende a igualdade como

igualdade de condições materiais, culturais e sociais.

O avanço das ciências, no pós-renascimento, provocou um desenvolvimento

jamais visto na história humana. A máquina a vapor, a racionalização do trabalho em

tarefas específicas com jornada de trabalho fixa, o posterior uso da eletricidade

caracterizaram a Revolução Industrial. As relações de trabalho moldaram as relações

políticas e sociais – nos períodos anteriores também foi assim, isto é, as relações de

trabalho moldaram a vida em comunidade, porém, naqueles períodos, o executor do

trabalho era o proprietário do meio de produção, o que não acontece no processo

desencadeado pela Revolução Industrial – capitalismo industrial. O divórcio entre a

propriedade dos meios de produção e o executor do trabalho provocou a perpetuação

de uma sociedade dividida em classes, agora com o agravante da fetichização do

produto do trabalho, dado que o executor de uma tarefa específica não tem acesso ao

produto final gerado pelo conjunto de tarefas que o resultou A consequência foi a

desvalorização do trabalho, a coisificação da única mercadoria que o trabalhador tinha,

sua mão de obra. O que levou ao rebaixamento do conceito que o trabalhador tinha de

si. Agora as classes dominantes detém os meios de produção e as classes subalternas

executam o hard work.

O fenômeno da globalização foi acelerado pelo advento das comunicações que

caracterizam a atualidade. Os capitais e as idéias, devidamente tratadas, percorrem o

mundo em velocidade nunca antes imaginada, é o advento do tempo real, do

instantâneo, do designado on line, mas o que se pode verificar é a precariedade no

atendimento às demandas sociais, provocada pelos subprodutos da sociedade em

classes, herdada do modelo burguês. As formas de representação e de gestão do

poder continuam a privilegiar uma classe em detrimento das classes subalternas.

Embora as modernas constituições nacionais tratem todos como iguais, na realidade,

são reflexos da sociedade liberal, do capitalismo, que pressupõe a igualdade formal

entre os homens, onde todos são iguais para competir e alcançar o poder. Esquecem-

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Page 198: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

se, portanto, de que a igualdade não pode ser considerada enquanto somente alguns

tiverem satisfeitas as necessidades de sobrevivência, e outros não.

Com a posição evidente do capital sobre as relações humanas ocorreu a

coisificação ou objetificação do mundo e o próprio trabalho se transformou em

mercadoria, associado a uma cultura da crise em prol de uma estabilidade econômica

que empurra à política do Estado mínimo em oposição ao welfare State. Parece que há

um retrocesso, partindo de Keynes, em direção a Smidth. Para assegurar a

estabilidade macro-econômica, a classe dominante se impõe, hegemonicamente

,através da ideologia da cultura da crise, em que as soluções para os problemas são

individuais e cada um deve competir com o semelhante para galgar um lugar ao sol,

descartando, assim, a visão de que o fracasso não é coletivo, e sim, particular. Dessa

forma, a classe dominante tenta desarticular a luta de classes (por vezes, obtém

sucesso) e a cidadania passa a ser aquela do modelo liberal, em que todos são

formalmente iguais perante a lei e livres para lutar por seus diretos.

A soberania do mercado passa a negar a necessidade de decisões políticas, que são precisamente as que dizem respeito aos interesses coletivos, contrapostas aos de natureza particular. A participação no mercado substitui a participação na política. O consumidor toma o lugar do cidadão – e todos nos tornamos “cidadãos-clientes”. (SIMIONATTO, 2003, p. 281)

Assim, falar em cidadania hoje, como entendida até aqui, ou seja, participação

na gestão da coisa pública – como nas cidades-estado do mundo antigo – não faz

sentido, dado que essa participação vem da idéia de igualdade entre os homens, o que

não é verdade, vez que a posição de cada um, na sociedade, é definida pela sua

posição no mundo do trabalho e este, com sua contradição fundamental, faz com que

os iguais (homo-sapiens) se tornem diferentes entre si, e até inimigos. Neste contexto,

a cidadania sem perspectiva não terá a função proposta por este trabalho, ou seja,

indicar a possibilidade de transformação e superação da sociedade de classes, da

alienação do trabalho e do próprio homem, condição para sua realização plena, para

“tornar-se consciente de que a polis é também você [o homem] e que seu destino

depende também de sua opinião, comportamento e decisões; em outras palavras, é a

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Page 199: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

participação na vida política” (ARENDT apud BENEVIDES, 2002, p. 195). Para tal,

importa buscar um conceito de cidadania que propicie a emancipação do homem.

Neste trabalho, propomos a construção do cidadão pensado por Gramsci para o futuro,

como forma de alcance de um conceito adequado de cidadania.

Entendemos, como já foi dito, que a cidadania deve proporcionar o

desenvolvimento completo do homem e a superação de qualquer forma de

desigualdade existente entre estes homens, o que nos leva, necessariamente, a

desejar com ardor o fim das sociedades de classes, pois entendemos que esta é a

base de todas as desigualdades existentes, mas sabemos que a superação do status

quo não pode ser alcançada sem uma estratégia adequada. Nesse sentido, Gramsci

propõe que antes da guerra de movimento se faz necessária a guerra de posição5. É

necessário que os homens entendam que esta mudança se encontra em suas mãos,

que a realidade é historicamente construída pelos homens, e este entendimento poderá

ser alcançado através da educação; não falamos aqui da educação formal somente,

mas do ato de conhecer, natural e necessário a todos os homens, que provoca

mudanças nos homens a todo o momento. Infelizmente estas mudanças são pequenas

demais para serem sentidas em escala social, mas se agrupadas e bem direcionadas,

podem gerar uma comoção social e provocar o tão almejado desmoronamento da

sociedade vigente. Aqui se evidencia o papel do que Gramsci denomina de intelectual

orgânico: alguém oriundo da classe subalterna, ou comprometido com interesses dessa

classe.

2. O HOMEM-INTELECTUAL DO FUTURO

Para Gramsci, todo homem é filósofo, dado que, mesmo aqueles que executam

funções mais simples na sociedade, em algum momento, têm que pensar acerca do 5Guerra de movimento é a tomada do poder, que deve ser precedida da guerra de posição, que é travada no campo das idéias na disputa pela hegemonia através da quebra do discurso hegemônico imposto pelas classes dominantes, e implica em minar o discurso hegemônico em todas a instituições do Estado ampliado, quebrando o bloco histórico e o consentimento ao status quo dado pela classe subalterna. Nesse sentido é imprescindível o papel dos intelectuais orgânicos da classe subalterna. Para Gramsci sem a guerra de posição, o poder não se manterá somente com sua tomada através da guerra de movimento.

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Page 200: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

que estão fazendo. Também o fato de se expressar, por uma linguagem simbólica, o

torna filósofo, pois toda linguagem simbólica carrega consigo uma concepção de

mundo. Essa concepção de mundo está alojada no senso comum de cada homem; e

inserido no senso comum há, segundo Gramsci, um núcleo de bom senso. A elevação

do senso comum, a partir do núcleo de bom senso de cada um, é que propiciará a

formação do cidadão do futuro, que segundo Gramsci, deverá ter o seguinte perfil:

O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloqüência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas numa inserção ativa na vida prática, como construtor, organizador, ‘persuasor permanente’, já que não apenas orador puro – mas superior ao espírito matemático abstrato; da técnica-trabalho chega à técnica-ciência e à concepção humanista histórica, sem a qual permanece ‘especialista’ e não se torna ‘dirigente’ (especialista + político). (GRAMSCI, 2004, p. 53)

O que se deve perceber é que o homem do futuro, ou o cidadão do futuro, será

aquele que, especialista em sua profissão, deverá ter a possibilidade de se tornar

dirigente. Concorrem para este objetivo vários fatores que serão analisados abaixo. A

consequência principal é que o homem deverá ser capaz de exercer o seu papel de

cidadão, e, por meio dele, ter possibilidade de fruição da justiça social tão almejada

com o acesso aos bens materiais, culturais e sociais.

Um dos desdobramentos do conceito de intelectual do futuro de Gramsci é a

superação da cidadania nos parâmetros do Estado moderno:

A idéia de “dirigentes” que Gramsci tem em mente, portanto, é mais ampla do que a noção de cidadania, hoje em voga, que pode ser entendida como uma forma de registrar e englobar os indivíduos no sistema de democracia liberal. “Dirigentes”, para o autor dos Cadernos, significa que é dada a todos a possibilidade concreta de se tornarem autodirigentes, de serem sujeitos políticos capazes de conduzir em conjunto a democracia, de serem “organizadores de todas as atividades e funções inerentes ao desenvolvimento orgânico de uma sociedade plena, civil e política”. (SEMERARO, 2003, p. 272)

Para o exercício efetivo de uma cidadania que provoque a emancipação das

classes subalternas será necessária a elevação do senso comum, a partir do bom

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Page 201: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

senso, para um senso crítico. Os caminhos para o alcance desse objetivo são

indicados, na teoria de Gramsci, que importa-nos aprofundar.

3. A CIDADANIA NA ATUALIDADE E O PENSAMENTO DE GRAMSCI

Procurar-se-á demonstrar, neste tópico, que a busca do exercício da cidadania

passa pela formação de uma visão de mundo unitária e comprometida com as classes

subalternas; para isto é necessária a construção de um movimento contra-hegemônico,

que pode ser efetivado pelos aparelhos do Estado ampliado, como os partidos

políticos, a escola e as ONGs.

Para efetuar a ponte que liga a teoria de Gramsci ao que entendemos ser a

cidadania, que poderá ser causadora da transformação da sociedade, partiremos do

conceito abaixo.

Cidadania é a participação dos indivíduos de uma determinada comunidade em busca da igualdade em todos os campos que compõem a realidade humana, mediante a luta pela conquista e a ampliação dos direitos civis, políticos e sociais, objetivando a posse dos bens materiais, simbólicos e sociais, contrapondo-se à hegemonia dominante na sociedade de classes, o que determina novos rumos para a vida da comunidade e para a própria participação. (MARTINS, 2000, p 58)

A busca da igualdade, em todos os campos que compõem a realidade humana,

é o ponto nevrálgico a ser desvelado nessa definição, pois, para atender ao conceito de

cidadania assim posto com a posse dos bens materiais, simbólicos [culturais] e sociais

[acesso ao poder], a igualdade deve ser alcançada, e, ao mesmo tempo, para que a

igualdade possa ser alcançada, é indispensável o exercício da cidadania. Assim,

estamos diante de uma via de mão dupla, ou seja, para o exercício da cidadania é

necessária a igualdade, que só é alcançada por esse mesmo exercício. Como fugir

desse ciclo?

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Page 202: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

O principal aspecto da teoria gramsciana, nesse sentido, é a necessidade de

criação de uma contra hegemonia, de modo a superar o status quo e provocar a

transformação da sociedade, com a consequente quebra do bloco histórico atual.

A vivência da igualdade implica na participação igualitária, na possibilidade de

cada homem se expressar para poder expor seu modo de ser histórico, no mundo.

Essa possibilidade implica na existência de mecanismos de participação e também no

saber se expressar e ter uma concepção de mundo adequada à realidade que se quer

transformar, ou seja, o homem precisa se expressar adequadamente, além de ser

possuidor de uma concepção de mundo e projeto adequado aos objetivos que pretende

realizar. Como forma de participação e vivência, podemos citar os partidos políticos, as

organizações não governamentais (ONGs), os movimentos sociais e as entidades de

classe; quanto ao acesso ao saber para aquisição de uma concepção de mundo

adequada, também, e principalmente, a escola tem seu papel. É claro que estas

instituições não são exclusivistas no desenvolvimento de suas funções, mas por vezes

se interpenetram.

A civilização burguesa moderna, na visão de Gramsci, se perpetua através de operações de hegemonia – isto é, através das atividades e iniciativas de uma ampla rede de organizações culturais, movimentos políticos e instituições educacionais que difundem sua concepção do mundo e seus valores capilarmente pela sociedade. (BUTTIGIEG, 2003. p. 46)

Além da escola, nessa tarefa de formação de uma nova concepção de mundo,

também é necessária a atuação, em todo o campo, do Estado ampliado, dado que o

mesmo é utilizado para formação da hegemonia da classe dominante através da mídia,

dos eventos culturais, etc.

A formação da concepção de mundo, adequada à transformação, requer o que

Gramsci define como guerra de posição, conforme já indicado, na qual os intelectuais

orgânicos da classe dominada, através de sua atuação nos aparelhos que formam a

hegemonia, vão minando as bases do status quo e construindo uma contra-hegemonia.

Estes aparelhos são formados por instituições oficiais e não oficiais, porém todas

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Page 203: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

pertencentes ao Estado ampliado. Podemos citar como oficiais, as escolas6 e

universidades, institutos de pesquisa, ministérios, etc., e como não oficiais, a mídia

impressa, falada ou televisionada e as ONGs.

Para estabelecer uma estratégia contra-hegemônica, uma questão chave é desenvolver a “guerra de posições” para criar diferentes frentes na luta hegemônica. Uma série de problemas (cultura, educação, meio ambiente, gênero, minorias), que à primeira vista parecem não políticos – em outras palavras, são temas sociais e culturais num sentido forte -, têm grande potencial hegemônico. Portanto, é importante criar e organizar a contra-hegemonia nestes campos. (OHARA & MATSUDA, 2003, p. 248)

Como aparelho que forma a hegemonia, na sociedade civil, o partido político

também pode ser o formador de uma contra-hegemonia, justamente nessa sociedade.

Cada grupo social cria consigo os intelectuais orgânicos, e estes têm a função de

formular a ideologia a favor do grupo que representam, e isto pode ser feito por meio

do partido político. Evidente está que, para que o partido tenha o perfil adequado à

transformação da sociedade, em prol das classes dominadas, os intelectuais orgânicos

devem ser os comprometidos com essas classes. Não necessariamente oriundos

dessa classe, mas comprometidos com essa classe. Só assim a conexão entre a

sociedade civil e a sociedade política, papel principal do partido político, num sentido

saudável às aspirações das classes dominadas, poderá ocorrer.

Poderíamos dizer que ele [Gramsci] considerava como papel específico do partido político ligar sociedade civil e sociedade política e estabelecer uma mediação entre essas duas instâncias. Para nós é indispensável (...) renovar ou reelaborar a teoria sobre o partido político como “aparelho da hegemonia dentro da sociedade civil”. (Idem, p. 247)

Na participação com igualdade está implícita a necessidade de formação de uma

concepção de mundo crítica, ou seja, será necessária a elevação do senso comum, a

partir do bom senso, para outro senso comum, qualitativamente superior ao primeiro.

6Para a escola Gramsci tem uma proposta denominada de Escola Unitária, que contemplaria a formação necessária à conscientização em relação à emancipação da classe subalterna. (GRAMSCI, 2004, p. 33)

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Page 204: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Este deve contemplar a possibilidade de transformação da sociedade por meio da

criação de uma contra-hegemonia caracterizada por uma concepção de mundo

unitária, em contraposição às visões fragmentárias, que são disseminadas pelas

classes dominantes às classes subalternas, a fim de se manterem no poder. Para

formação da contra hegemonia é necessária a formação de intelectuais orgânicos da

classe subalterna. Nesse sentido, têm importância os aparelhos de formação da

hegemonia, a saber, as instituições que compõem o Estado ampliado. O uso dos

aparelhos da formação da hegemonia é necessário para propiciar o debate que

promova a elevação do senso comum a um senso crítico. O debate é possível,

principalmente se o homem tiver acesso à cultura letrada, e este se faz por meio de

frequência aos bancos escolares. Sem o domínio das humanidades e dos princípios da

ciência, o homem sempre terá uma visão limitada, e difícil será a elevação do senso

comum a senso crítico. Para que a igualdade seja alcançada, também a escola deverá

ser a mesma para todas as crianças, independente da classe social a qual pertençam.

Hoje, há esforços no sentido de inclusão de todas as crianças, na escola, e dos

jovens carentes, na universidade. Este é um primeiro passo, mas as escolas que se

destinam às crianças das classes desfavorecidas ainda carecem de qualidade de

ensino. Fatores centrais, que ocasionam a falta de condições de aprendizado, como a

não satisfação das necessidades básicas de sobrevivência das famílias carentes, não

são tratados efetivamente pelos governos. Por outro lado os professores são mal

remunerados. Esses fatores, em conjunto com outros, estão impedindo, em grande

parte, o efetivo exercício da cidadania.

Porém, para Gramsci, a educação não se restringe à escola, é algo bem mais

amplo, e define o campo de atuação para a construção efetiva da hegemonia, embora

seu núcleo central seja a escola.

Para Gramsci, educação significa muito mais do que instrução escolar. Na concepção de Gramsci, a educação equivale, simplesmente, às operações fundamentais da hegemonia. (...) as relações educacionais constituem o próprio núcleo da hegemonia, (...) qualquer análise da hegemonia necessariamente implica um cuidadoso estudo das atividades e das instituições educacionais e que nem as complexidades da hegemonia nem o significado da educação podem ser entendidos enquanto se pensar a educação

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Page 205: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

exclusivamente em termos de “relações escolares” (conceito de Estado ampliado – nota nossa). (BUTTIGIEG, 2003, p. 47)

Outro tipo de instituição que pode contribuir ao alcance da igualdade por meio da

hegemonia são as ONGs. Muitas dessas organizações afirmam que seus campos de

atuação são aqueles onde se exerce a cidadania. Por muitos têm sido definidas,

inclusive, como instituições da cidadania, quando não, as instituições maiores de sua

realização. É preciso certo cuidado nessa afirmação, pois este não é um campo

monolítico, mas de disputas, e existem destas instituições com os mais diversos

objetivos. As ONGs são, a nosso ver, instituições importantes no processo de

fortalecimento da democracia e da sociedade civil, mas uma parte delas funciona,

também, como substitutas de outras instituições da luta de classes, como os sindicatos

e partidos políticos, e podem se tornar instrumentos de escamoteamento desta luta.

Com isso, esta parte das ONGs colabora para a manutenção do modelo vigente, pois

não se predispõem à efetivação de uma transformação social. Também se deve

considerar que seu fomento, a mais das vezes, vem do capital internacional, o que as

atrela ao modelo de poder constituído.

... as ONGs se apresentam como uma forma qualificada de pluralidade e de cidadania, como uma reconfiguração da política em redes de entidades e de atores atuando não por relações de classe, por vínculos comunitários ou pelo sistema de representação, mas pela prestação de serviços, pela informação, pela articulação e o monitoramento de políticas públicas. (SEMERARO, 2003, p. 267) Economicamente dependentes de recursos externos, vivem a precariedade e a incerteza em relação a trabalhos de longo prazo. Sujeitas à aprovação de projetos para obter fundos, suas intervenções se restringem, muitas vezes, a iniciativas sintonizadas com os grupos no poder e com bandeiras inofensivas ao sistema, perdendo de vista os objetivos que as originaram e sua vinculação com as causas populares. A ação circunstancial, a vinculação a agências internacionais, a “neutralidade” política tornam muitas ONGs débeis para questionar o sistema e propensas a estratégias interativas, colaborativas, humanitaristas e filantrópicas. Seguindo a linha do cooperativismo e da “sinergia”, muitas ONGs acabam contribuindo para legitimação dos grupos dominantes, sustentando e representando o “diálogo” com instituições multilaterais, que, na prática, são unilateralmente estruturadas com os centros financeiros. (Idem, p. 267)

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Page 206: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

É importante destacar, ainda, que no campo de luta do Estado ampliado existem

ONGs que se articulam com movimentos sociais portadores e vinculados a projetos

políticos progressistas no seio da sociedade civil, como o Movimento dos Sem Terra

(MST). Estes movimentos são, a nosso juízo, os indícios de que aos poucos a

sociedade, mobilizada e consciente de sua formação em classes, começa a exercer a

cidadania da maneira que se procura descrever neste trabalho. Para que isto torne-se

possível, ou seja, o efetivo exercício da cidadania, alguns fatores são necessários.

No tópico abaixo, à guisa de conclusão, procuraremos demonstrar dois fatores

fundamentais para que a construção da contra hegemonia ocorra e a cidadania possa

ser exercida efetivamente: construção de uma concepção de mundo unitária e

mobilização associada à ação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que a cidadania seja exercida de maneira efetiva e tenha a possibilidade de

transformação da sociedade com a consequente emancipação das classes subalternas

é fundamental que cada classe tenha consciência de si mesma, ou seja, tenha

consciência de que é uma classe, e que tem anseios em comum, tem as mesmas

necessidades, como no MST. A partir daí é que se poderá inferir para a formação de

uma visão de mundo unitária, e, portanto, a possibilidade de mobilização em torno de

objetivos específicos.

Considerando que

A ‘natureza’ do homem é o conjunto das relações sociais, que determina uma consciência historicamente definida; só esta consciência pode indicar o que é ‘natural’ ou ‘contra a natureza’. Além disso: o conjunto das relações é contraditório e está em contínuo desenvolvimento, de modo que a ‘natureza’ do homem não é algo homogêneo para todos os homens em todos os tempos. (GRAMSCI, 2001, p. 51)

206

Page 207: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Fica evidente a necessidade de formação de uma consciência unitária, dado

que esta é historicamente definida, e a história nos mostra que as classes dominantes

moldaram a consciência até hoje, de forma a manter as classes dominadas em sua

posição de subalternidade por meio da construção de uma hegemonia que fragmenta a

concepção de mundo dos desfavorecidos.

A construção de uma contra hegemonia passa pelo engajamento de todas as

pessoas comprometidas com a transformação da sociedade; e não basta estar

consciente e não agir. O pensamento sem ação é devaneio. A passividade contribui

para a manutenção do sistema de poder que até hoje explora o trabalho alheio, e

aliena dos verdadeiros produtores da riqueza, fruto desse trabalho.

a massa de homens abdica de sua vontade, deixa que outros façam, deixa que se atem os nós que depois só a espada poderá cortar [...] A fatalidade que parece dominar a história não é mais, precisamente, do que a aparência ilusória desta indiferença, desse absenteísmo. Fatos amadurecem na sombra, poucas mãos (não submetidas a nenhum controle) tecem a rede da vida coletiva – e a massa ignora [...]. Mas os fatos que amadurecem terminam por vir à tona; e a rede tecida na sombra se conclui [...] É preciso cobrar de cada um o modo como cumpriu a tarefa que a vida lhe propôs [...]. É preciso que tudo o que acontece não pareça resultar do acaso, da fatalidade, mas seja obra inteligente dos homens. (MEDICI, 2003, p. 211)

Devemos lembrar que há uma passividade que é uma forma de luta, isto é, a

passividade que contesta ao sistema justamente pela ausência de ação, mas essa

passividade pode ser vista como ação, dado que a ausência é revestida de significado

político, desde que a classe que a provoca seja consciente de sua atuação.

Somente quem poderá promover a mudança, através da ação e mobilização, é a

classe desfavorecida que poderá, se devidamente preparada, alcançar o objetivo, ou

seja, a transformação social através do exercício da cidadania.

Não é dos grupos sociais ‘condenados’ pela nova ordem [a classe dominante condenada a auferir cada vez mais os lucros que a racionalização do trabalho e a conseqüente acumulação de capital proporciona] que se pode esperar a reconstrução, mas sim daqueles que estão criando, por imposição e através do próprio sofrimento, as bases materiais dessa nova ordem: estes últimos ‘devem’ encontrar o sistema de vida ‘original’ e não de marca americana, a fim de transformarem em ‘liberdade’ o que hoje é ‘necessidade’ [superação da sociedade de classes]. (GRAMSCI, 2001, p. 280)

207

Page 208: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Portanto, os fatores fundamentais para o exercício da cidadania, que provoquem

a saída do reino da necessidade para o reino da liberdade, após a construção de uma

contra hegemonia, são a consciência de classe e a ação; evidente que para isto são

necessários os mecanismos de ação e a atuação no aparelho hegemônico das classes

dominantes: partidos políticos, mídia, instituições escolares, movimentos sociais,

ONGs, para da quebra do bloco histórico, como já afirmamos anteriormente, e então

atingir o conceito de cidadania, proposto por MARTINS, a fim de que as classes

subalternas tenham acesso aos direitos sociais e a plena satisfação de suas

necessidades pela fruição dos bens materiais, culturais e sociais.

208

Page 209: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Coutinho; co-edição, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. 3a. ed. Rio de

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209

Page 210: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

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a realidade, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 272-290.

210

Page 211: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

SINDICATO, DEMOCRACIA E EDUCAÇAO

Reginaldo Flexa Nunes

Professor do IFES campus de Vitória-ES

Licenciado em História (UFRN – 1988) e Filosofia (UFES – 2005)

Especialista em História do Brasil (PUC/MG – 1994)

Membro da Direção Nacional do SINASEFE, na Coordenação de Políticas Educacionais e Culturais (Gestão 2010-2011)

Email: [email protected]

RESUMO

O sindicato, como sujeito social, criador da institucionalização da democracia

proletária e de uma educação integral constitui-se, na prática, num agente de

transformação social ao criar uma nova cultura democrática.

Palavras-chave: cidadania, democracia, sindicato público, educação, sujeito social.

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Page 212: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

SINDICATO

Propomos um novo conceito de sindicato que está sendo construído no

imaginário social (CASTORIADIS). O sindicato como sujeito social gerador de uma

nova cultura, um novo jeito de ser. O sindicato como movimento social e entidade

representativa de uma categoria (profissionais da educação), relaciona-se com a

produção da existência e, ao mesmo tempo, se constitui como entidade coletiva, que

institui a democracia não-burguesa e promove a educação integral. Nesta

perspectiva, a história (espaço e tempo; passado, presente e futuro) e o trabalho

(produção material e construção do ser) são vistos como princípios educativos.

Neste caso, o processo histórico deixa de ser visto como simples superestrutura que

reflete os acontecimentos dos âmbitos da política e da economia (ROSELI, p.39) e

passa a ser visto a partir das experiências dos sujeitos concretos de uma luta social.

E através do trabalho, como princípio educativo, entende-se que o sujeito histórico-

social ao produzir sua existência, educa-se na prática social.

O sindicato como sujeito social é gerador de educação integral e

emancipadora, portanto, garantidor de autonomia e criatividade para vivência numa

sociedade democrática. O sindicato ao criar um espaço de deliberações coletivas

possibilita os enfrentamentos da sociedade democrática (burguesa) e ao mesmo

tempo cria, a partir desse espaço, uma nova cultura democrática, baseada numa

educação realizada através da prática social assentada nas deliberações.

O sindicato origina-se no desenraizamento promovido pela sociedade urbano-

industrial no século XIX. O papel do sindicato é promover um novo enraizamento:

O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro. Participação natural, isto é, que vem automaticamente do lugar, do nascimento, da profissão, do ambiente. Cada ser humano precisa ter múltiplas raízes. Precisa receber quase que a totalidade de sua vida moral, intelectual, espiritual, por intermédio dos meios de que faz parte naturalmente. (ROSELI, pp. 97-98).

O sindicato precisa ser referência para produzir nos sindicalizados, nos

diversos ambientes de trabalho onde atua um enraizamento projetivo. Nas palavras

da professora Roseli: “vinculação a um passado e a uma possibilidade de futuro, que

212

Page 213: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

lhes permite desenvolver-se como seres morais, intelectuais, espirituais e,

poderíamos acrescentar, culturais.” (ROSELI, p. 99).

A sociedade brasileira, no início do século XX, ao promover o processo de

industrialização, realizado através do Estado e na sua forma dependente, provocou

um acelerado êxodo rural. Isso provocou um desenraizamento. Por outro lado,

possibilitou o fortalecimento de uma cultura de classe média com o crescimento do

número de funcionários públicos. O Estado, ao ter um papel mais ativo na condução

econômica (criação de estatais: CVRD, Petrobrás e CSN) e social (Consolidação

das Leis Trabalhistas – CLT), necessitou de um quadro de funcionários

alfabetizados para o exercício das funções burocráticas. A valorização da educação

como promotora do desenvolvimento nacional torna-se o pensamento hegemônico.

A educação, como capital humano, atendia perfeitamente às demandas dos

empregos criados no Estado e na crescente indústria. Criou-se uma nova cultura

hegemônica baseado na urbanização e na classe média, inserida na nova ordem

capitalista (A Guerra Fria). Os novos hábitos urbanos e o fortalecimento da classe

média incrementaram o mercado consumidor brasileiro: fogão, ferro elétrico, carro,

geladeira, equipamentos domésticos em geral. Os funcionários públicos foram

formados na cultura de classe média e, por isso mesmo, distanciaram-se das lutas

da classe trabalhadora. Não se viam como trabalhadores e não se organizavam em

sindicatos. Não tinham consciência de classe.

Somente na década de 1970, com a precarização do ambiente de trabalho e

dos salários, os funcionários públicos sentiram necessidade de se organizarem.

Surgiram então as associações. Até então, era proibida a organização em sindicatos

Mas, apesar dessa necessidade de organização, a cultura de classe média era

hegemônica e esses funcionários públicos não se misturaram com o restante da

classe trabalhadora. Passaram a praticar uma luta eminentemente corporativista.

A luta reivindicatória apareceu após a Constituição de 1988 quando se

criaram os sindicatos dos servidores públicos. O sindicato cresceu na mesma

proporção do crescimento dos serviços públicos, que são transformados em direitos

sociais na constituição. O ensino nas escolas brasileiras continuou centrado na

perspectiva do capital humano (O ensino como ascensão social).

213

Page 214: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A luta pela escola pública, gratuita, laica e referenciada socialmente apareceu

no processo de lutas pelas direitas já e no processo de elaboração da nova

constituição na década de 1980. A crise do modelo de sociedade burguesa

(individualista) gerou também a crise da escola brasileira, pois a educação visava

atender o mercado (“capital humano”). O problema hoje (início do Século XXI) é que

o maior nível de escolaridade não permite a inclusão social. O desemprego é

estrutural. Não basta competência e escolaridade para garantir emprego. Do Estado

a sociedade exige transparência e às empresas a sociedade questiona a

modernização que dispensa mão-de-obra. A educação nas escolas perdeu o sentido

e entrou em crise. A evasão, a repetência, o vandalismo, a violência se tornaram

sintomas dessa crise.

O sindicato, nesse contexto, ao lutar por uma nova escola passa

necessariamente pela luta por uma nova cultura, em que os valores de

solidariedade, igualdade, cidadania são imprescindíveis. A constatação do sindicato

como um sujeito social abre o horizonte da luta que todos devemos enfrentar. A

luta interna de formação e valorização do espaço sindical (assembléia, seminários,

encontros, grupos de trabalhos) deve nos conduzir à concepção de sindicato que

educa para a liberdade, a cidadania e a autonomia. Ou seja, a educação

emancipadora, no atual contexto, passa necessariamente pelo fortalecimento de

uma nova ética centrada na luta social. O sindicato passa a ser visto na perspectiva

não apenas de um fragmento da classe trabalhadora, mas vai além ao incorporar

lutas não só dos assalariados mais de todos os despossuídos (sem-terra, sem-

trabalho, sem-educação, sem-moradia, sem-saúde, sem-segurança).

A unificação da classe trabalhadora, a organização reivincativa e a auto-

gestão sindical ao se incorporarem na centralidade da vida social criam o ambiente

educativo necessário para o fortalecimento da cultura proletária. Nas palavras da

Revolução Russa: “Todo o poder aos sovietes.” É entendido aqui que todo o poder

sindical está na educação das massas. A democracia na sociedade urbana,

industrial e burguesa baseia-se na democracia da massa, portanto, representativa e

indireta. A cidadania na sociedade burguesa é realizada através dos partidos de

massa e a participação é indireta na criação de leis e na modificação delas. O

complexo aparato burocrático na condução do Estado e da relação dele com as

empresas e os sindicatos se dão na forma dos conflitos parlamentares (partidos). Há

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Page 215: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

um distanciamento dos trabalhadores na percepção do seu papel na ingerência

estatal. A cultura individualista, da classe média e burguesa impede a efetiva

participação democrática. A isso nós designamos democracia burguesa.

A questão que nos preocupa será como superar a democracia burguesa e

implantarmos a democracia proletária. O que estamos defendendo é que o

sindicato pode ser o caminho para viabilização da educação na sua forma integral e

não apenas fragmentada (formar para o mercado). Essa formação da massa

trabalhadora evidentemente não será realizada por belos discursos ou teorias

fundamentadas. Mas na práxis (teoria – que se constrói para e com a prática e a

prática que se organiza através e com a teoria) que possibilitará uma nova formação

educativa e cultural: greves, paralisações, passeatas, grupos de trabalho e de

estudos, participação nas lutas internas do sindicato, assembléia, congressos e

outros. A democracia assim é um acontecimento interminável de construção e

reconstrução disso que é a vivência na sociedade (o exemplo dessa democracia é a

vivenciada na polis – tal qual a cidade Grega antiga) (VALLE, p. 33). A democracia

vista na perspectiva de uma permanente interrogação da prática política

desenvolvida na sociedade. Os gregos antigos, ao inventar a política, introduziram

na história humana a interrogação permanente. Criaram instituições políticas

(assembléia do povo) que forjaram a característica principal da democracia grega: a

participação ampliada dos cidadãos através do voto e da ocupação de cargos (por

sorteio e rotatividade). Na Grécia Antiga a Assembléia do Povo se reunia pelo

menos quatro vezes por ano e, no intervalo das sessões, se reunia a boulé

(representantes do povo), composta por 50 membros sorteados de cada uma das

dez tribos (VALLE, p. 35). Além disso, havia o mecanismo pelo qual a comunidade

política podia reavaliar uma decisão tomada e punir os culpados. Dessa forma, em

Atenas, a institucionalização de uma interrogação sistemática e permanente fez com

que a própria forma de organização social se transformasse numa escola de

democracia.

Escola de Democracia

Para os Gregos a questão fundamental era a justiça, não a legitimidade do

poder e do direito a governar como aparecerá para os modernos (Renascimento –

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Page 216: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

século XV – e os iluministas – século XVII). Tendo a igualdade como princípio “a

participação política não é submetida a qualquer condição prévia, e que a educação

não é vista como atividade pré-política que dá acesso à participação, mas como

decorrência dessa mesma participação.” (VALLE, p. 39). Ainda há no imaginário

social brasileiro a idéia de que a falta de formação escolar (analfabetismo) é um

entrave à participação política e que a escola tem que formar para a cidadania. A

participação política se torna uma escola de democracia, criando uma sociedade

educativa. A política sindical ao se fazer democrática aproxima-se da democracia

proletária, pois suas lutas devem se ampliar para a melhoria das condições de vida

da maioria. A política sindical também possibilita a formação integral do ser humano,

pois se baseia no princípio do conhecimento em construção e na responsabilidade

para consigo mesmo e para com sua espécie. O ser humano integral e emancipado,

nesse sentido, é visto como um ser em construção interminável (portanto, ser livre) e

em interrogação permanente (portanto, ser em busca da igualdade). Sendo assim,

dessa “participação, de fato, decorre a construção dessa ‘sociedade educativa’ [...]

quando é a própria polis que forma seus cidadãos” (VALLE, p. 39). A política sindical

ao conceber a idéia de que as funções de governo (e do sindicato) e participação na

atividade legislativa (criação de leis) são tarefas de todos, visualiza uma democracia

que está na origem da própria sociedade. A justiça, a igualdade, a segurança são

elementos fundadores da sociedade humana e garantidor da sobrevivência da

espécie. A política sindical supera a política partidária porque esta, impregnada de

valores burgueses, não dá conta de encaminhar solução para a crise de educação e

de sociedade que vivemos.

A Prática Social – a nova educação, a nova escola

Qual educação atende a classe trabalhadora e permite superar a crise de

sociedade que vivemos? Parece-nos que a resposta está sendo dada na prática

social. A escola que educa para a cidadania é a própria sociedade que ao produzir

sua existência, produz também resistência contra a desigualdade e a falta de

liberdade. A origem dos sindicatos de trabalhadores no século XIX, na Inglaterra,

estava associada à participação política dos trabalhadores na “resistência ao capital,

na questão do salário e da jornada de trabalho” (NOGUEIRA, p. 29). Além desse

216

Page 217: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

sindicalismo econômico surgiu um sindicalismo de influência anarquista

(anticapitalista e revolucionária) que descartava a ação política de negociação e

defendia a emancipação social, “por meio da soma das ações reivindicatórias no

cotidiano do trabalho e da greve geral na constituição de uma nova sociedade, sem

exploração.” (NOGUEIRA, p. 30). Os sindicatos são mediadores na tomada de

consciência de classe. Eles atuam na formação política (educação cidadã) e

transitam o tempo todo da economia à política, permitindo o desenvolvimento da

consciência dos trabalhadores (NOGUEIRA, p. 31).

A ampliação da democracia burguesa (voto do analfabeto, dos direitos

sociais) e a burocratização dos sindicatos significaram a crise do sindicalismo

ideológico e revolucionário. Os sindicatos aproximaram-se dos partidos políticos e a

prática de colaboração de classe permitiu um “arranjo corporativo com o Estado e o

capital” (NOGUEIRA, p. 35). A politização e a institucionalização dos sindicatos

possibilitaram a sustentação da ordem democrático-burguesa. A crise atual indica

que o sindicalismo colaboracionista está superado.

Mas o sindicato que emergiu dessa crise, fortaleceu a necessidade de

transformação social. Para Nogueira (p. 39):

as organizações operárias e sindicais vinculam-se a uma lógica instrumental da economia à política que, de um lado, se foi fundamental para a inclusão social dos assalariados na sociedade de mercado, de outro, não desenvolveu a perspectiva de transformação do regime de trabalho assalariado e nem de emancipação econômica e social dos trabalhadores.

O sindicato de serviço (de classe média, chamados de colarinho branco),

presente no setor público e privado, formou-se a partir da precarização das

condições de trabalho nos escritórios e no serviço público. E os sindicatos de

profissionais da educação ao se expandirem garantiram a ampliação da oferta de

educação pública (caso da França) (NOGUEIRA, p. 55).

A educação pública oferecida no momento da nascimento da social-

democracia (segunda metade do século XX) foi modelada na lógica do capital

humano. O emprego era a contrapartida dessa formação acadêmica e, portanto,

atendia a essa nova conformação do capitalismo (sociedade industrial, pós-guerras

217

Page 218: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

mundiais, Guerra Fria). A crise atual gera a crise da educação, assentada sobre

esse princípio (capital humano).

Cultura Democrática

A questão ecológica e a questão das minorias (movimentos dos negros, das

feministas, dos homossexuais, dos deficientes, dos índios) são geradores de uma

crise de valores na sociedade atual, porque questiona o consumismo, a

descriminação, o desenvolvimento ilimitado, o trabalho desumanizador. Nasce a

oportunidade de apresentação de soluções alternativas ao que vem sendo efetivado.

Os sindicatos de trabalhadores, ao vivenciarem uma cultura democrática,

assentada na valorização do ser humano na sua integralidade e não apenas como

um ser para o trabalho produtivo são mediadores de uma nova sociedade, nova

cultura baseada na solidariedade, na igualdade, na liberdade e na justiça. Neste

sentido é possível restaurar a “unidade de interesse de todos os trabalhadores [...]

desde que os sindicatos não se limitem a reivindicar pautas trabalhistas específicas,

mas se concentrem nas condições de vida” (NOGUEIRA, 65); “[...] não se trata mais

de lançar-se ao assalto de uma fortaleza estatal, ou de construir uma nova torre de

Babel, mas de conquistar, posição por posição, esta rede de poderes horizontais,

mista, que envolve de alto a baixo a cidadela estatal.” (NOGUEIRA, 67). A luta pela

hegemonia em torno do Estado ampliado. Essa situação traz desafios novos aos

sindicatos que deve voltar-se para o campo da luta na sociedade civil (Gramsci apud

NOGUEIRA, 67).

Segundo Antunes (1995), os principais desafios futuros do sindicalismo são:

1. Os sindicatos serão capazes de romper com a enorme barreira social que separa os trabalhadores estáveis em relação àqueles trabalhadores em tempo parcial, precários, subempregados e terceirizados? [...] 3. Serão capazes de romper com o novo corporativismo que defende apenas categorias organizadas? 4. Serão capazes de estruturar um sindicalismo horizontal e de romper com a institucionalização e a burocratização? 5. Serão capazes de superar a ação defensiva e contribuir com a busca de um projeto mais ambicioso e emancipadora dos trabalhadores?”[...] impõe-se o velho problema a unidade na diversidade. (NOGUEIRA, pp. 72-74).

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Page 219: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

CONCLUSAO

Precisamos de um sindicalismo de novo tipo, com lutas ampliadas e não

apenas corporativistas; institucionalizador de um novo modo de democrático que se

realiza na prática interna de funcionamento com a participação direta, dialogando

com outros movimentos sociais e com o próprio Estado; e que, portanto, cria espaço

e tempo de formação integral e transforma-se em escola de democracia a sua

prática social, promovendo enraizamento dos trabalhadores.

219

Page 220: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOGUEIRA, Arnaldo José França Mazzei. A Liberdade desfigurada: A trajetória do

sindicalismo no setor público brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2005.

TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo: educação, competitividade e

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SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. Edição comemorativa. Campinas,

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VALLE, Lílian do. Os enigmas da educação; a Paidéia democrática entre Platão

e Castoriadis. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

Revisão de texto: Márcia Greice Campos de Melo Nunes.

220

Page 221: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A EXPERIÊNCIA DE CONSTRUÇÃO DOS PROJETOS PEDAGÓGICOS DOS CURSOS DO PROEJA NO IFES – CAMPUS DE VITÓRIA:

AVANÇOS, TENSÕES E DESAFIOS DE UM PROCESSO POLÍTICO

Bruno dos Santos Prado Moura1

Edna Graça Scopel2

Eliesér Toretta Zen3

Laís Carla Simeão da Silva4

Maria da Glória de Oliveira Médici5

Maria José de Resende Ferreira6

RESUMO Neste texto se discute, sob a forma de um relato reflexivo, a experiência de

elaboração do projeto pedagógico dos cursos do PROEJA no IFES – campus de

Vitória. Objetivamos, com ele, compartilhar a vivência de um processo de discussão

e reflexão que envolve a entrada da modalidade de Educação de Jovens e Adultos

no IFES, a problemática do currículo integrado e o sentido da educação dos alunos

trabalhadores. Para isso, iniciamos o texto com uma argumentação sobre as

ranhuras provocadas pela entrada da EJA na rede federal de educação, seguida de

apresentação da trajetória de trabalho das comissões de elaboração dos projetos

pedagógicos dos cursos do PROEJA. Identificamos, nessa trajetória, avanços,

tensões e desafios, os quais evidenciam a necessidade de dar sequência aos

movimentos então iniciados, e de reconhecer o caráter político necessário ao

fortalecimento da EJA e à consolidação do PROEJA no IFES.

Palavras-chave: PROEJA; Projeto pedagógico de curso; IFES. 1 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo-UFES. Atua como professor do PROEJA desde 2007. 2 Mestranda da linha de pesquisa Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, Pedagoga do Instituto Federal do Espírito Santo e Membro do Grupo de Pesquisa PROEJA/CAPES/SETEC-ES. e-mail: [email protected]

3 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo-UFES. Professor de Metodologia e Filosofia do PROEJA e integrante do Grupo de Pesquisa Interinstitucional PROEJA/CAPES/SETEC. 4 Pedagoga do PROEJA no IFES. Professora da Universidade Federal do Espírito Santo e integrante do Grupo Interinstitucional PROEJA/CAPES/SETEC. 5 Especialista em Educação Profissional Técnica Integrada à Educação Básica na Modalidade de EJA – IFES. 6 Mestra em Educação. Coordenadora do Proeja e integrante do Grupo de Pesquisa Interinstitucional PROEJA/CAPES/SETEC

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Page 222: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

O processo de construção da proposta curricular do PROEJA7 faz parte de

um grande trabalho dos profissionais envolvidos com a modalidade de Educação e

Jovens e Adultos – EJA – no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do

Espírito Santo – campus de Vitória. Apesar de a Educação de Jovens a Adultos ser

uma realidade nova na instituição, ela já tem provocado importantes movimentos em

favor da discussão, não só do projeto que se pretende construir, mas também do

que tem vigorado, no ensino técnico federal, há cem anos, consideradas as

variações pelas quais passou a rede, ao longo desse tempo.

A proposta da rede federal de oferecer educação e formação profissional de

qualidade tem sido realizada de uma maneira muito parcial, atingindo um estrato

muito pequeno da população brasileira. O alto grau de seletividade que caracteriza a

entrada na instituição, além de outros fatores, contribui para configurar um ensino

altamente elitizado, voltado para atender os anseios dos grupos socialmente

privilegiados. Esse foco pouco tem contribuído para um avanço na discussão entre

os profissionais da rede sobre as finalidades do ensino médio e da formação

profissional, prevalecendo um ensino de cunho propedêutico, e voltado,

principalmente, para o mercado de trabalho.

A entrada da modalidade EJA, na rede, tem provocado ranhuras nessa

realidade, na medida em que suscita embates teórico-práticos em torno dessa

proposta de educação, exatamente porque traz, no seu bojo, o questionamento do

sentido atribuído à escolarização e à formação profissional. Enquanto modalidade

que se propõe a reparar, equalizar e qualificar (PARECER CNE/CEB 11/2000), a

Educação de Jovens e Adultos tem como meta o resgate do sujeito na perspectiva

da cidadania (PAIVA, 2009). Nesse sentido, como campo de reflexão educacional, a

EJA nos convida ao questionamento do sentido da cidadania burguesa, baseada no

princípio do mérito.

A partir desse questionamento é possível conceber a EJA, na perspectiva

de uma cidadania popular, requerendo, então, pensá-la em outra base

antropológica: aquela que afirma a dignidade dos sujeitos historicamente excluídos

do direito à educação e à totalidade dos bens necessários à vida. Dessa forma,

busca-se superar a ideologia neoliberal burguesa que tem transformado a educação

em mercadoria, e o direito à educação, em benefício. Portanto, afirmar a EJA como

7 PROEJA – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.

222

Page 223: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

direito significa reconhecer que os jovens e adultos devem educar-se ao longo da

vida, buscando desenvolver todas as suas potencialidades humanizadoras, e não

receber um simples treinamento para o mercado.

A burguesia brasileira sempre negou a escolaridade básica e, como

consequência, a formação profissional efetiva, à maioria dos jovens e adultos

trabalhadores. Em seu projeto sempre esteve uma educação unidimensional, a

serviço do mercado e do capital. Seu objetivo sempre consistiu na oferta de uma

educação profissional, descolada de uma formação de cultura geral, estruturante da

consciência ativa dos homens. Sem esta formação básica integrada à formação

profissional só restou, aos trabalhadores, um adestramento polivalente, cujo objetivo

é formar trabalhadores obedientes.

Dessa forma, entender a educação como uma formação estruturante da

consciência ativa dos homens significa assumi-la como pressuposto para a

cidadania, não no sentido meritocrático, mas sim, no sentido de pertencimento e

participação em todos os bens (sociais, culturais, econômicos e políticos) produzidos

pela sociedade, ao longo dos tempos, e de desenvolvimento pleno de todas as

potencialidades humanas.

Diante da realidade configurada a partir da implantação do PROEJA na

rede federal (DECRETO 5840/2006), o desafio que se impôs consistiu na busca pela

realização de um currículo integrado, de modo a superar uma perspectiva de

formação restrita ao mercado de trabalho e baseada na dicotomia trabalho

manual/trabalho intelectual. Frente a esse desafio, logo se percebeu que o

envolvimento dos profissionais ligados à área de formação profissional e a de

formação básica era um pressuposto fundamental para o processo de elaboração e

discussão dos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC’s) do PROEJA.

Foi a partir dessas constatações que se formaram as comissões8 para

elaboração dos PPC’s do PROEJA no Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Espírito Santo, cujos trabalhos seguiram a seguinte trajetória:

1) Em 23 e 24 de junho de 2008, o Grupo de Pesquisa Interinstitucional

UFES/IFES organizou um seminário que envolveu professores da Coordenadoria do

PROEJA e dos cursos técnicos. O seminário discutiu as possibilidades de

8 As comissões de elaboração dos projetos pedagógicos foram compostas pelos professores que participam das reuniões de formação continuada, assim como dos coordenadores de cada curso.

223

Page 224: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

construção de um currículo integrado para o PROEJA, trazendo experiências do

estado do Paraná.

2) Ainda em junho de 2008, foram instituídas, pelas portarias de nº 421 e

422, as Comissões de Elaboração dos Projetos Pedagógicos dos Cursos do

PROEJA. Findado o prazo estabelecido por essas portarias, e diante das discussões

realizadas, foi solicitada, pelo grupo, a ampliação do mesmo, sendo ela atendida e

estabelecida pelas Portarias de nº 97, 98 e 99, de 15 de janeiro de 2009. As

comissões eram composta de professores das áreas de formação técnica e de

formação básica, juntamente com os pedagogos(as) que atuam junto aos curso. O

trabalho das comissões consistiu em discutir a reestruturação dos cursos e levar

propostas para o grupo de professores reunidos nos encontros de formação, onde

elas eram novamente discutidas.

3) Em julho de 2008, houve a primeira reunião das Comissões, na qual

foram apresentados o processo histórico e a legislação básica, e outro encontro no

mesmo mês, no qual procurou-se realizar a complementação da legislação e definir

as ações que deram início o processo de discussão dos PPC’s nas coordenadorias.

4) Seguiram-se mais quatro reuniões entre os membros das comissões e,

em 23 de outubro de 2008, foi apresentada a primeira proposta do Curso de

Metalurgia. Em 30 de outubro, a Coordenadoria de Edificações apresentou sua

proposta e, em 06 de novembro, foi a vez da Comissão do Curso de Segurança do

Trabalho.

5) As propostas passaram a ser discutidas, com foco nas especificidades

de cada coordenadoria, e junto com o grupo de professores da Formação

Continuada.

6) Em dezembro, foram estabelecidas as ações para 2009 e, no início

desse ano, foram retomados os trabalhos. Ao longo do ano de 2009, aconteceram

cinco reuniões com a presença de representantes das três comissões, e muitas

outras reuniões nas coordenadorias e com o grupo de formação. Em paralelo a esse

processo, e consumando os debates em torno das propostas dos cursos, os

professores do grupo de Formação Continuada se reuniram por área para revisar e

propor alterações nas ementas das disciplinas, resultando, desse trabalho,

propostas de ensino apoiadas em eixos temáticos.

224

Page 225: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

7) No mês de outubro de 2009, foi realizado um encontro com os alunos do

1º ao 8º módulos dos três cursos do PROEJA, a fim de apresentar o resultado dos

trabalhos das comissões e favorecer a participação dos mesmos no processo de

elaboração dos projetos pedagógicos dos cursos. A forte presença e intensa

participação dos alunos, nos debates realizados no encontro, tornaram evidentes

para todos a amplitude do trabalho realizado.

Atualmente, o grupo está na fase de finalização dos projetos, a fim de

encaminhá-los para discussão e aprovação pelos setores competentes. A partir

dessa trajetória, e daquilo que foi vivenciado pelos profissionais ligados ao PROEJA,

é possível detectar avanços, tensões e desafios no processo de efetivação da

modalidade EJA no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito

Santo.

AVANÇOS

Um avanço significativo que o processo de discussão e elaboração dos

PPC’s promoveu corresponde à superação de uma perspectiva compensatória

presente na oferta da modalidade pela instituição. A reflexão desenvolvida pelos

profissionais envolvidos com o trabalho, junto aos alunos, tem contribuído muito para

um processo de construção da EJA como campo pedagógico (RIBEIRO, 1999) no

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, contribuindo

para que a mesma seja compreendida como direito. Consideramos que esse

processo é de fundamental importância para a superação dos voluntarismos

pedagógicos, e de uma visão que tem acompanhado a Educação de Jovens e

Adultos ao longo da sua história, associando-a a uma formação aligeirada e de baixo

nível, ou seja, uma educação pobre para os pobres.

Os jovens e adultos quase sempre são oriundos das classes populares,

com trajetórias escolares descontínuas, que incluem reprovações e repetências.

Muitas vezes, o retorno à escola já se deu, no ensino fundamental, na mesma

modalidade educativa, pela condição de trabalhadores, que só lhes permite o

acesso à escola noturna. Apesar da experiência do trabalho, nem sempre têm

emprego, mas o buscam com frequência, ou são subempregados, buscando

melhores oportunidades. Nessas experiências, produzem saberes, conhecimentos,

225

Page 226: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

com que chegam, novamente, à escola. Saberes da vida, das práticas sociais em

casa, na rua, na igreja, no mundo do trabalho, nas lutas pela sobrevivência. Saberes

que nem sempre, revelam seus direitos de trabalhadores, nem sua condição de

cidadãos. Sabemos que os alunos da EJA, quando chegam à sala de aula, trazem

consigo experiências, saberes e valores vividos em sua luta pela sobrevivência, nas

relações sociais, no mundo do trabalho e no seio da família.

Nesse sentido, o currículo escolar deve representar um vínculo entre os

conhecimentos prévios e a nova aprendizagem, por meio de uma relação

substantiva, e não arbitrária, com o que já sabem. Segundo Paiva (2004), se essa

relação se estabelece a aprendizagem se torna significativa. Nesse sentido, o

currículo da EJA deve considerar os processos de aprendizagem, os conhecimentos

vividos-praticados pelos alunos, na prática social, numa perspectiva de uma

pedagogia crítica e pautada na concepção de escola como uma instituição política,

um espaço propício a emancipar o aluno, contribuindo para a formação da

consciência crítico-reflexivo e promovendo a autonomia dos sujeitos da EJA.

Reconhecer os jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e

aprendizagem (OLIVEIRA, 1999) significa atuar em favor de uma prática fundada em

concepções e princípios intensamente debatidos e derivados de profunda reflexão,

que busca a valorização e a inclusão desses sujeitos no processo ensino-

aprendizagem, garantindo aos mesmos o direito de aprender. Dessa forma, é

possível evitar as mesclas das quais nos fala Weisz:

Se o professor procura inovar sua prática, adotando um modelo de ensino que pressupõe a construção de conhecimento sem compreender suficientemente as questões que lhe dão sustentação, corre o risco, grave no meu modo de ver, de ficar se deslocando de um modelo que lhe é familiar para o outro, meio desconhecido, sem muito domínio de sua própria prática “mesclando”, como se costuma dizer. (2006).

Nesse sentido, as discussões realizadas em prol da elaboração dos

Projetos Pedagógicos dos cursos trouxeram a tona muitos pré-conceitos em torno

da modalidade, ao mesmo tempo em que estimularam a reflexão sobre os sentidos

do fazer pedagógico no PROEJA. Esse movimento foi bastante significativo, pois

expressou a vontade dos profissionais envolvidos com a modalidade EJA no IFES

de buscar bases sólidas para a prática pedagógica.

226

Page 227: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Outro avanço importante dessas discussões foi o envolvimento, cada vez

maior, dos profissionais que atuam junto às turmas do PROEJA, incentivado pelos

debates ocorridos nas reuniões de Formação Continuada, assim como pela

consciência do fato de a proposta curricular9 vigente não atender ao que sugeria o

Documento Base (2006). Do grupo de profissionais que frequentam a reunião

formaram-se as Comissões responsáveis pela elaboração dos Projetos Pedagógicos

dos cursos, cujas conclusões e atividades foram intensamente debatidas com todos

os professores presentes nas reuniões de formação. No entanto, na construção

desse novo projeto para os cursos do PROEJA, a estratégia usada, inicialmente,

consistiu apenas na apresentação das ementas das disciplinas da área de formação

básica, acompanhada de discussões e questionamentos que contribuíram para

problematizar a concepção de integração apresentada pelo Documento Base.

No processo de discussão dos PPC’s, o contato entre professores das

áreas de Formação Geral e Técnica permitiu-nos a aproximação das fronteiras. Tal

aproximação se caracterizou pelas tentativas de compreensão mútua das atividades

realizadas por ambas as áreas, pela busca por conhecer as características de cada

uma e suas respectivas disciplinas, e pelo desejo de se chegar a um consenso em

torno da proposta de matriz curricular (distribuição de disciplinas)10. Vale lembrar

que a implantação do PROEJA, no IFES, se deu a partir de uma idéia de integração

que se confundia (e ainda se confunde?) com uma justaposição da área de

Formação Técnica à área de Formação Básica.

Diante dessa realidade, as inquietações dos professores, em relação às

questões referentes ao currículo integrado e sua implementação, impulsionaram o

pensar de um novo Projeto Político-pedagógico, buscando uma efetiva articulação

entre a Educação Básica de Nível Médio e a Formação Técnico-profissional, visando

à formação integral do sujeito. Acreditamos que o trabalho das comissões contribuiu,

significativamente, para o fortalecimento da modalidade EJA na instituição, assim

como foi um ponto a favor da busca pela consolidação do PROEJA na rede federal.

9 Atualmente, os cursos do Proeja no Ifes se estruturam da seguinte forma: ao entrar na instituição o aluno jovens ou adulto cursa quatro módulos (equivalentes a dois anos) de disciplinas da área de formação básica, seguidos de mais quatro módulos (mais dois anos) de disciplinas da área de formação profissional. 10 É importante esclarecer que as discussões em torno do currículo integrado se restringiram, em sua totalidade, a distribuição de disciplinas para composição da matriz curricular, assemelhando-se o trabalho mais a uma justaposição, sem avanços na concepção de integração enquanto totalidade.

227

Page 228: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Entretanto, cabe destacar que o trabalho das comissões não poderia se

completar sem a participação dos alunos, sendo ela efetivada com a realização do

Encontro dos Alunos do PROEJA, no campus de Vitória do IFES. Nesse encontro,

os alunos manifestaram-se quanto à proposta, então em elaboração, expondo seus

pontos de vista, não só sobre o trabalho das comissões, como também sobre a

situação na qual se encontram os cursos. A ampla participação dos alunos permitiu-

nos verificar o resultado de um amplo trabalho de discussão junto aos mesmos

sobre o PROEJA, e sua presença na instituição.

Outro avanço significativo consiste na crescente integração entre ensino e

pesquisa, em torno do PROEJA, no IFES. A presença, cada vez maior, do grupo de

pesquisa PROEJA/CAPES/SETEC, nas discussões sobre o programa, mostrou-se

proveitosa e fecunda, principalmente em atividades voltadas para Formação

Continuada dos professores, contribuindo para repensar o fazer pedagógico.

No processo de discussão dos PPC’s, os integrantes do grupo contribuíram

em favor de uma reflexão do currículo que transcendesse aos seus aspectos

instrumentais. Tais intervenções, somadas às dos demais profissionais envolvidos

com o PROEJA, foram fundamentais para que se pensasse a formação docente

para além do trabalho inicial, ocorrido nos bancos universitários, estando ela

também presente nos momentos de reflexão da própria prática, de embates

ideológicos, de construção de consensos em favor de um ensino e de uma

aprendizagem que, de fato, contribua para um entendimento da EJA como uma

modalidade específica da Educação Básica.

TENSÕES

Os avanços mencionados não ocorreram sem as tensões manifestadas ao

longo dos debates em torno da reformulação dos Projetos Pedagógicos dos cursos

do PROEJA. A mais evidente delas se manifesta na própria presença da modalidade

na instituição. Segundo Oliveira e Cesarino,

É possível [...] observar que a implementação do PROEJA, ao promover a inclusão dos alunos do EMJAT, no acesso aos cursos técnicos integrados ao ensino médio na modalidade EJA, tem produzido uma desordem na lógica de organização da oferta. Essa desordem, como categoria conceitual apropriada de Balandier por Santos (2006), no campo da EJA, pode ser

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Page 229: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

traduzida pela heterogeneidade e pelas condições de vida dos sujeitos que a escola vem acolhendo e que desafiam os padrões de normalidade, comumente observados na escola regular [...]. (2009, p. 08).

De fato, essa tensão mostrou-se evidente nos debates dos grupos das

comissões quando da necessidade de reconhecer o PROEJA como um curso

diferenciado dos demais, até então ofertado pelas coordenadorias. Foi preciso uma

postura vigilante, por parte de alguns dos membros das comissões, perante

tentativas de equalizar as propostas em discussão a outras realidades educativas

existentes na instituição e diferentes da modalidade EJA. A idéia subjacente a tais

tentativas era de que os alunos seriam todos iguais, não sendo consideradas, assim,

as especificidades dos sujeitos da EJA, desmerecendo a necessidade de um

tratamento didático-pedagógico diferenciado.

Tal tensão, geradora de embates ideológicos e de concepções de

educação, foi sentida de maneira diversa entre as comissões. Se para algumas a

experiência se deu com embates em proporção razoável, dentro do esperado, em

outras, os contatos foram marcados pela dificuldade de se chegar a uma coesão de

idéias. Inúmeras foram as vezes em que algumas decisões tomadas eram

retalhadas quando passadas por análise do grupo da área de Formação Técnica e

vice versa. Assim como um grande número de vezes foi defendida a justaposição

dos conhecimentos da área de Formação Técnica aos da área de Formação Básica,

sob a alegação de o curso ter caráter técnico. O difícil diálogo realizado em algumas

das comissões se refletiu no resultado apresentado ao grupo de professores, além

de ter impossibilitado o avanço da construção da proposta naquele momento.

Tal situação nos remete para outra tensão presente nas discussões.

Referimo-nos a proposta do PROEJA de promover uma

[...] formação humana, no sentido lato, com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permita compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa. A perspectiva precisa ser, portanto, de formação na vida e para a vida e não apenas de qualificação do mercado ou para ele. (BRASIL, 2006, p. 07).

Essa proposta vai de encontro ao que, historicamente, tem promovido a

rede federal em termos de Educação e Formação Profissional, uma vez que seu

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Page 230: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

foco primordial manteve-se na formação de profissionais e quadros técnicos

qualificados para o mercado de trabalho.

Nesse contexto, a implantação do PROEJA e a entrada do público ao qual

se destina o programa, suscitam questionamentos entre alguns profissionais sobre o

padrão de qualidade dos alunos que serão formados, evidenciando atributos

valorativos e depreciativos em relação aos aspectos cognitivos desses alunos.

Como parte dessa problemática, as comissões e suas respectivas propostas pouco

conseguiram se livrar das amarras estabelecidas pela lógica do mercado de

trabalho, tendo sido necessário, em um momento de aguda tensão, a presença de

um gestor educacional, de modo que fossem esclarecidos ao grupo os anseios da

instituição, em relação aos cursos do PROEJA. Sabemos que as tensões e os

embates fazem parte da elaboração dos PPC’s, visto que é um processo de

construção coletiva que reúne diferentes vozes. Tais tensões desvelam a amplitude

do processo formativo e possibilitam visualizar os desafios a serem enfrentados.

DESAFIOS

As tensões identificadas são um alerta para o fato de que muitos são os

desafios que a implementação do PROEJA, na rede federal, suscita. Aqui vamos

mencionar alguns.

Um dos desafios mais presentes na discussão dos Projetos Pedagógicos

dos cursos do PROEJA consiste na integração entre as áreas geral e técnica e entre

as disciplinas. Essa não foi, e não será uma, tarefa fácil de ser realizada. Sobre as

discussões em torno dos PPC’s é possível afirmar que se avançou muito pouco,

ficando a composição do curso muito semelhante a experiências já praticadas na

instituição. Nesse sentido, faz necessária uma reflexão mais aprofundada da

proposta construída para a Educação de Jovens e dultos enquanto modalidade

Integrada a Educação Profissional.

[...] a EJA têm desafiado todos os que trabalham nessa modalidade de educação, pelos enormes questionamentos e enfrentamentos teórico-medológicos. O atendimento a essa demanda requer a formação constante dos professores face à carência específica que dê conta das características próprias dos sujeitos da EJA, contemplando o estudo de sua história, de

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Page 231: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

suas diversas formas de organização, que poderão contribuir com novos sentidos para as práticas pedagógicas. (SAMPAIO e ALMEIDA, 2009, p. 14).

O entendimento da EJA, nas suas especificidades, pode contribuir para

iluminar os entraves existentes na aproximação das áreas de formação dos cursos

do PROEJA, sugerindo reflexões sobre a estrutura disciplinar dos cursos, os

objetivos de ensino estabelecidos pelas disciplinas nos seus campos de reflexão

didático-pedagógico-formativos e o papel dos conhecimentos técnicos em um curso

que se propõe integrar Formação Básica com Formação Profissional.

Acreditamos que o processo de elaboração dos PPC’s contribuiu para

aproximar os profissionais, dando um passo inicial em favor da construção de uma

proposta curricular que contemple as concepções e princípios que embasam o

PROEJA.

Outro desafio inadiável consiste em avançar nessas concepções e

princípios. Ao longo das discussões, percebemos ensaios de aprofundamento que

não se efetivaram plenamente nas propostas apresentadas, uma vez que

prevaleceu a tentativa de conciliar o que já existe com aquilo que propõe o

Documento Base do Proeja (2006). Avançar na perspectiva da integração curricular

é imprescindível para a plenitude do programa, de modo a superar a formação dual

presente na estrutura educacional brasileira. Neste sentido, Frigotto nos convida a

pensar que

Para os trabalhadores e educadores que atuam nos diferentes espaços da sociedade e na escola e que têm uma visão crítica às relações sociais capitalista compete lutar, no plano teórico e da prática, por uma educação que desenvolva todas as dimensões do ser humano. A isso denominamos uma educação omnilateral ou politécnica. Por isso, pensar de uma maneira ou de outra faz uma diferença radical. Ou seja, de reproduzir e legitimar a exploração e alienação ou de combatê-la e, de dentro desta sociedade, buscar superá-las (Frigotto, 2007, s/p).

Ao longo dos debates, nas comissões e com o grupo de professores, muito

se discutiu sobre o papel do projeto integrador11 como o grande articulador dessa

11 O projeto integrador é uma atividade desenvolvida pelos alunos dos cursos Proeja que consiste na pesquisa e desenvolvimento de um tema a ser aplicado em uma realidade escolhida pela turma. Esse projeto é desenvolvido, atualmente, na disciplina Metodologia e abrange três módulos da etapa de formação básica. Nas propostas, a disciplina Metodologia mudou seu nome para Projeto Integrador.

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Page 232: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

integração curricular, mas pouco se avançou nessa discussão e o projeto assumiu

formas diferenciadas, segundo as características de cada curso.

Outro desafio é a revisão da forma de ingresso dos alunos nos cursos do

PROEJA. Atualmente, é feita apenas uma prova de conhecimentos, sendo a mesma

classificatória e eliminatória. A idéia de modificar essa forma de ingresso foi

apresentada pelo grupo de professores e propõe a diversificação do processo

seletivo, de modo a atingir o público-alvo ao qual se destina o programa. Esse

processo envolveria: palestra, aplicação de uma prova, análise de questionário

sócio-econômico e entrevista.

Acreditamos que a reformulação do curso e a diversificação do processo

seletivo podem contribuir para a redução da evasão nos cursos do PROEJA. A

evasão constitui-se no desafio que perpassa toda a movimentação dos profissionais

envolvidos com esse programa no IFES. Reduzi-la, e quem sabe superá-la,

representa uma vitória significativa para os sujeitos da EJA (profissionais e alunos),

pois fortalecerá a modalidade e consolidará o programa na instituição.

Aos profissionais, então, fica o desafio maior de manter-se envolvido nessa

luta, reconhecendo, assim, que não se pode fazer educação sem posicionamento

político, não se pode mudar uma realidade sem encará-la de frente.

232

Page 233: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto n. 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o

Programa Nacional de Integração Profissional com a Educação Básica na

Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, e dá outras providências.

Brasília, DF, 2006a.

BRASIL, Ministério da Educação. PROEJA - Documento Base. MEC, SETEC:

Brasília, 2006b.

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA

(Brasil). Parecer nº 11, de 05 de maio de 2000. Institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília, DF, 2000.

OLIVEIRA, Marta Kohl. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e

aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, nº 12, p. 59-73,

set./out./Nov./dez. 1999

OLIVEIRA, Edna Castro de; CESARINO, Karla Ribeiro de Assis. Os sentidos do

proeja: possibilidades e impasses na produção de um novo campo de conhecimento

na formação de professores. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 31, 2008, Caxambu.

Anais eletrônicos... Disponível em:

<http://www.anped.org.br/reunioes/31ra/inicio.htm>. Acesso em: 11 nov. 2009.

PAIVA, Jane. Os sentidos do direto à educação de jovens e adultos. Petrópolis:

DP et al; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2009.

RIBEIRO, Vera Masagão. A formação de educadores e a constituição da educação

de jovens e adultos como campo pedagógico. Revista Educação e Sociedade. Campinas, ano XX, nº 68, p. 184-202, dez. 1999.

233

Page 234: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

SAMPAIO, Marisa Narcizo; ALMEIDA, Rosilene Souza (org). Práticas de Educação de Jovens e Adultos: complexidades, desafios e propostas. Belo Horizonte:

Autêntica, 2009.

WEISZ, T. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2006.

234

Page 235: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Os Institutos Federais e os Arranjos Produtivos: um estudo de caso do layout do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

de Santa Catarina (IFSC)

Professor Dr. Maurício Gariba Júnior [email protected]

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina Departamento Acadêmico de Eletrônica

Professor M. Eng. Luiz Alberto de Azevedo

[email protected] Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina

Departamento Acadêmico de Eletrônica

Professor Msc. Educação Marival Coan [email protected]

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina Departamento Acadêmico de Formação Geral

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, com base teórico-metodológica, descritivo-analítica,

realizada a partir de análise documental, numa perspectiva crítica ontológica,

objetiva apresentar e debater a expansão da Educação Profissional e Tecnológica

em curso em todos os estados da Federação e Distrito Federal, veiculada na

territorialidade do Estado brasileiro, como um possível instrumento orgânico que

oportunize a sociedade uma Educação Tecnológica para além das bases

mercadológicas.

Imbuídos desta visão, citamos Bastos (1997, p.305), o qual já informava que

“as questões que envolvem a educação profissional nos remetem a refletir sobre o

contexto maior e indissociável da educação maior, integrada a seus diversos níveis,

com vistas a construir um arcabouço lógico e coerente em benefício do cidadão” e,

ainda, que “as discussões mais recentes que giram em torno da educação

profissional nos conduzem à própria questão do ensino médio, como patamar

conclusivo do ensino básico” (Bastos, 1997, p. 305).

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Page 236: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

O citado autor já destacava, naquela oportunidade, que “o grande desafio

para educadores e pesquisadores é construir cientificamente um desenho do ensino

médio, em bases profundas de educação tecnológica” (Bastos, 1997, p. 306), e que

“não significa necessariamente educação profissionalizante” (Bastos, 1997, p. 306),

em face de compreender que “as dimensões da educação tecnológica serão os

fundamentos para se elevar o edifício da cidadania às esferas de uma sociedade em

mutação e como indicadores para futuras realizações profissionais” (Bastos, 1997, p.

306). Para imbricar o contexto, referenciamo-nos em um dos textos de Frigotto

(2008, p.2), o qual informa que “um balanço da literatura que busca caracterizar a

especificidade de nossa formação social de imediato nos conduz a perceber que o

projeto societário dominante da burguesia brasileira”, em sua compreensão ao longo

do século XX, “foi de forma reiterada pela construção de uma sociedade de

capitalismo dependente e associado”. (Frigotto, 2008, p. 2)1.

Assim, partindo de pressupostos como esses, com os quais estamos de

acordo, iniciamos o esboço deste desenho lembrando que a atual governança,

mediante coligação de partidos políticos, sob a liderança do Partido dos

Trabalhadores (PT), sancionou, recentemente, a Lei n.o 11.892/2008 que instituiu a

Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos

Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETS). Pacheco e Rezende (2009,

p.8) informam que “o foco dos institutos federais é a promoção da justiça social, da

equidade, do desenvolvimento sustentável com vistas à inclusão social, bem como a

busca de soluções técnicas e geração de novas tecnologias”, respondendo, “de

forma ágil e eficaz, às demandas crescentes por formação profissional, por difusão

1 Gustavo Ioschpe (2010) em matéria intitulada “Brasil: a primeira potência de semiletrados?”, publicada na revista Veja, faz referência ao trabalho desenvolvido pelos economistas Gustav Ranis, Frances Stewart e Alejandro Ramirez sobre a importância da educação para o desenvolvimento das nações, informando que eles “analisaram 76 países durante um período de 32 anos. Dividiram-nos de acordo com dois critérios: crescimento econômico e desenvolvimento humano (nesse caso, medido através de uma combinação de indicadores de educação e saúde). Usando essas duas dimensões, você pode ter duas situações de equilíbrio (quando o lado humano e o econômico são igualmente altos ou baixos) e duas de desequilíbrio (quando o humano é alto e o econômico baixo, e vice-versa). Surgem algumas conclusões interessantes desse estudo. A primeira é que as situações de desequilíbrio duram pouco. Se um país tem muito crescimento econômico e pouco capital humano (CH), ele tende a parar de crescer (caso, sim, do Brasil nas décadas de 60 e 70) ou a aumentar seu lado humano. A segunda: é muito difícil sair de uma situação de equilíbrio negativo: mais da metade dos países que tinham baixo crescimento e baixo CH em 1960 permanecia empacada na mesma posição na década de 90. A terceira é que o crescimento econômico, quando desacompanhado de evolução do lado humano, dura pouco: de todos os países que tinham alto crescimento econômico e baixo CH no início do período, nenhum conseguiu chegar ao equilíbrio em alto nível. Todos, sem exceção, terminaram o período com baixo crescimento e baixo CH. A quarta, e mais importante, é que a estratégia de privilegiar o lado humano dá frutos muito melhores do que aquela que enfatiza só o lado econômico: dos países que começaram o período com alto CH e baixo crescimento econômico, um terço chegou ao nirvana da alta renda e alto nível humano; um terço continuou com um lado mais desenvolvido que o outro, e apenas um terço regrediu para o fim trágico do baixo crescimento e baixo CH. O resumo da ópera é o seguinte: é muito difícil passar de uma situação de subdesenvolvimento e chegar ao chamado Primeiro Mundo. Mas, se o período 1960-92 servir de guia, das duas estratégias possíveis – privilegiar o crescimento econômico versus privilegiar o crescimento humano –, a primeira se mostrou um fracasso total, e só através da segunda é que um terço dos países chegou ao objetivo desejado.” (Destaques nosso).

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Page 237: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

de conhecimentos científicos e de suporte aos arranjos produtivos locais” (Pacheco

& Rezende, 2009, p. 8).

Destacamos, todavia, ser importante considerar que esse movimento da

governança é posterior à realização da I Conferência Nacional de Educação

Profissional e Tecnológica (CONFETEC),2 cuja temática não esteve em sua pauta

de debates e apresentava como slogan a Educação profissional para o

desenvolvimento e a inclusão social. Como na análise que depreendemos dos

documentos da atual governança, não fica clara a questão das políticas a serem

adotadas para superar tal contexto, o da exclusão social, apropriamo-nos do

entendimento de Kuenzer (2005, p.14-15), ao argumentar que a lógica que “estamos

chamando de exclusão includente, corresponde outra lógica, equivalente e em

direção contrária, do ponto de vista da educação, ou seja, a ela dialeticamente

relacionada: a inclusão excludente” (grifos do autor), em sua compreensão porque

nos diversos níveis e modalidades da educação escolar aos quais não correspondam os necessários padrões de qualidade que permitam a formação de identidades autônomas intelectual e eticamente, capazes de responder e superar as demandas do capitalismo. (Kuenzer, 2005, pp. 14-15) 3

Quanto a esse contexto, Kuenzer (2005) apresenta o seguinte entendimento a

respeito da postura política assumida e executada pelos agentes do governo federal

na sociedade brasileira:

Estas estratégias têm sido várias, mas merecem destaque as que temos chamado de ‘empurroterapia’, as quais têm decorrido de uma distorcida

2 O senhor Eliezer Moreira Pacheco, representando o governo federal, informa em “Anais e deliberações da I Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica” (2006, p.7), que “a I Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica, realizada em novembro de 2006, em Brasília, representa um marco na história da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) no Brasil”, e que “em quase cem anos de existência, esta é a primeira vez em que houve um amplo debate para definir uma política nacional para o segmento”. Entendemos que o desvelar da essência da “educação profissional e tecnológica”, está no seguinte trecho do discurso do senhor Fernando Haddad (Ibid., p.13, grifo nosso): “De uma coisa estou absolutamente convicto: temos de dedicar boa parte da agenda da educação deste país ao tema educação profissional e tecnológica. Tenho igual convicção de que o resgate de um considerável contingente da nossa juventude, hoje fora da escola – refiro-me aos jovens de 15 a 17 anos que não estão matriculados nas escolas públicas do país; estamos falando de algo em torno de 1m8 a dois milhões de jovens – é uma tarefa da educação profissional, a ser desenvolvida pelas redes de formação inicial, de nível médio e de nível superior de todo o nosso sistema, o que vai exigir um grande esforço, tanto federal quanto estadual, para, depois de atrair essa juventude, acolhê-la nos bancos escolares. Temos de reconquistá-la, encontrar uma maneira de sensibilizá-la, apoiá-la, estimulá-la a voltar para a escola. Tenho certeza de que a educação profissional é o maior atrativo que lhe podemos oferecer.” 3 Sposati (2006) informa que “A banalização do conceito exclusão/inclusão social vem, em primeiro plano, de seu uso substituto aos conceitos de opressão, dominação, exploração, subordinação entre outros tantos que derivam do exame crítico da luta de classes da sociedade salarial, como mera modernização da definição de pobre, carente, necessitado, oprimido. A relação entre exclusão/inclusão identifica a iniquidade da desigualdade. Confrontar a exclusão na sua relação com a inclusão é colocar a análise no patamar ético-político, como questão de justiça social, possibilitando a descoberta de novas identidades e dinâmicas sociais. Ninguém é plenamente excluído. Não se trata de uma condição de permanência mas da identificação da potência do movimento de indignação e inconformismo. A exclusão social é a apartação de uma inclusão pela presença da discriminação e do estigma.”

237

Page 238: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

apropriação de processos desenvolvidos no campo da esquerda para minimizar os efeitos da precarização cultural decorrente da precarização econômica, com a única preocupação de melhorar as estatísticas educacionais: ciclagem, aceleração de fluxo, progressão automática, classes de aceleração, e assim por diante. É importante destacar que estas estratégias, se adequadamente implementadas, favorecem a democratização das oportunidades educacionais. (KUENZER, 2005, p.15 grifos do autor).

Outra questão que consideramos ser importante relacionar, para revelar a

essência que fundamenta o esboço do desenho deste artigo, refere-se à Lei n.o

11.184/2005, que transformou o Centro Federal de Educação Tecnológica do

Paraná (CEFETPR) em Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR),em

face de que no interior dessa Rede havia um movimento pela implantação da

Universidade Tecnológica Federal (UTF)4 nos moldes estabelecidos pela atual

governança para o CEFETPR. Entendemos que todo o movimento dessas

comunidades, no transcorrer da linha do tempo, em nossa perspectiva, é decorrente

de uma ação de suas comunidades que buscaram o desenvolvimento dessas

autarquias, até então, compreendidas na época da edição da Lei n.o 11.892/2008,

como Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET), as quais tinham por

premissa “verticalizar de forma singular as universais e indissociáveis atividades de

ensino, pesquisa e extensão”.

Em nossa compreensão, essa verticalização está precariamente formalizada

no primeiro inciso do artigo 3.o da Lei n.o 11.184/2005:

desenvolver a educação tecnológica, entendida como uma dimensão essencial que ultrapassa as aplicações técnicas, interpretando a tecnologia como processo educativo e investigativo para gerá-la e adaptá-la às peculiaridades regionais.

4 O documento de credenciamento do CEFETSC junto ao MEC, como Universidade Tecnológica Federal de Santa Catarina (UTFSC) (2006, p.28), apresenta as seguintes conclusões sobre a justificativa relativa ao pleito: “Em suma, uma vez estabelecida a verticalização institucional, isso trará como benefícios: uma condição de capacitação e atualização permanente dos professores, o acesso a laboratórios avançados, os recursos para bolsas de estágio e pós- graduação, uma formação complementar para os alunos, uma integração multidisciplinar e entre diferentes níveis de formação escolar, os recursos em bolsas para atividades de pesquisa, os recursos para atualização e manutenção de laboratórios. A nova e futura Instituição não necessita encerrar nenhuma das atividades com as quais vem atuando. Ensino médio, ensino técnico e ensino tecnológico, portanto, irão manter suas atuais funções. O que se permite na nova organização é a possibilidade de estender ou ampliar o que já vem fazendo, especialmente com novos cursos de graduação, cursos de pós-graduação e pesquisa tecnológica. Também não se deve ter o receio de que os recursos já escassos deverão ser repartidos em maior número de fatias entre as partes interessadas. Pelo contrário, a ampliação do leque proposto de novas atribuições possibilita não só angariar mais recursos financeiros do próprio Ministério da Educação, mas principalmente de outras agências de fomento, como CNPq, CAPES e FAPESC.”

238

Page 239: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Para aprofundar a visão, resgatamos o seguinte entendimento de Linsingen

(2006) a respeito do imbricamento da Ciência, Tecnologia e Sociedade na

modalidade Educação Tecnológica:

Atualmente, apesar de delimitações relativamente rígidas dessas fronteiras nas áreas técnicas, evidencia-se a inadequação dessa separação e das fragmentações que são simultaneamente suas causas e efeitos, principalmente no que diz respeito à relação entre ciência e tecnologia. A cisão entre conhecimentos científicos e artefatos tecnológicos não é muito adequada, já que fica cada vez mais evidente que para a configuração daqueles é muitas vezes necessário contar com estes. A relação inversa, do conhecimento científico que configura a tecnologia, é ainda mais evidente e cada vez mais intensiva assumida por engenheiros e tecnólogos. Entretanto, o conhecimento científico da realidade e sua transformação tecnológica não são processos independentes e sucessivos, senão que se acham entrelaçados em uma trama na qual constantemente se juntam teorias e dados empíricos com procedimentos técnicos e artefatos, e estes, por sua vez, são tecidos em redes sociotécnicas. (LINSINGEN, 2006, p.3)

O contexto apresentado se refere à modalidade Educação Tecnológica

compreendida, em nossa avaliação, por uma educação centrada nos conceitos de

omnilateralidade e de politecnia (Marx 1977, Marx e Engels, 1971, 1986, Manacorda

1991), e para além das determinações do mercado sob a lógica do capital, conforme

Mészáros, 2005. Entendemos como relevante sempre colocarmos esta discussão

acerca de que educação, que homem e que sociedade temos e queremos?

Tampouco julgamos suficiente dizer que queremos uma educação que forme

para o mundo do trabalho em oposição à educação que forma para o mercado, para

a empregabilidade. Sob a materialidade e determinações do capital, precisamos

discernir muito bem o que estamos a fazer: se reforçando a lógica perversa da

produção da mais-valia para poucos, ou construindo a contra-hegemonia para a

superação da lógica do capital na perspectiva da verdadeira emancipação humana.

Frigotto (2007, p. 243) discursando na I CONFETEC informa que “um dos

equívocos mais frequentes e recorrentes nas análises da educação no Brasil, em

todos os seus níveis e modalidades, tem sido o de tratá-la em si mesma e não como

constituída e constituinte de um projeto dentro de uma sociedade”. Na compreensão

do autor (2007, p. 243), “cindida em classes, frações de classes e grupos sociais

desiguais e com marcas históricas específicas”, sendo que “esse equívoco se

explica tanto nas visões iluministas, quanto nas economicistas e reprodutivistas”

(Frigotto, 2007, p. 243), em face de que “no primeiro caso, a educação é concebida

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Page 240: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

como o elemento libertador da ignorância e constitutiva da cidadania” (Frigotto,

2007, p. 243), e “no segundo, sob os auspícios do economicismo, a educação é

propalada como capital humano e produtora de competências” (Frigotto, 2007, p.

243), ou seja, “uma espécie de galinha dos ovos de ouro, capaz de nos tirar do

atraso e nos colocar entre os países desenvolvidos e de facultar mobilidade social”

(Frigotto, 2007, p. 243).

A instituição da UTF na Rede, todavia, parece não ter sido compreendida pela

governança como um estágio de desenvolvimento dos CEFETs, mas sim como uma

fuga de Cursos Técnicos e da Educação de Jovens e Adultos, conforme declarado

pelo secretário Eliezer Pacheco (SETEC), em entrevista concedida à jornalista

Tupinambás (2009), no decorrer do Fórum Mundial de Educação: “Não vamos criar

novas universidades tecnológicas porque elas não oferecem cursos técnicos, ensino

médio profissionalizante e educação de jovens e adultos voltadas para a formação

técnica”, e, ainda, porque “temos a certeza de que os CEFETs que se tornarem

universidades logo irão seguir o caminho acadêmico e do bacharelado, sendo que o

Brasil tem uma carência absurda de técnicos qualificados” (Pacheco apud

Tupinambás, 2009). A jornalista (2009), discorrendo sobre a matéria, ainda informa

que “a resistência do governo federal em permitir a criação das universidades

tecnológicas é justificada pela implantação, em 2008, de um novo modelo de escola

no país, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnológica (IFETS)”.

Constata-se, todavia, a contradição da equipe ministerial do MEC que, ao

mesmo tempo em que enaltece os Cursos Técnicos e alude sobre a importância de

as autarquias desenvolverem suas atividades tendo como horizonte o compromisso

e a responsabilidade social, acaba destruindo os Cursos Superiores de Tecnologia,

argumentando que esses estão calcados numa perspectiva behaviorista e

funcionalista, e ainda desenvolve um movimento na Rede em favor dos Cursos de

Engenharia, replicando o fazer das universidades federais, conforme pode ser

constatado nas duas edições (2008 e 2009) do documento intitulado Princípios

Norteadores das Engenharias nos Institutos Federais.

No que tange à visão governamental sobre os Institutos, Pacheco e Rezende

(2009, p.8), esboçando esse horizonte vislumbrado pela equipe do MEC, declaram

que “o foco dos institutos federais é a promoção da justiça social, da equidade, do

desenvolvimento sustentável com vistas à inclusão social, bem como a busca de

soluções técnicas e gerações de novas tecnologias”, sendo que “essas instituições

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Page 241: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

devem responder, de forma ágil e eficaz, às demandas crescentes por formação

profissional, por difusão de conhecimentos científicos e de suporte aos arranjos

produtivos locais” (Pacheco & Resende, 2009, p. 8). Os autores (2009, p.8) ainda

informam que:

os institutos federais podem atuar em todos os níveis e modalidades da educação profissional, com estreito compromisso com o desenvolvimento integral do cidadão trabalhador, devendo articular, em experiência institucional inovadora, todos os princípios fundamentais do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).

Entretanto, se faz necessário que os Institutos Federais sejam compreendidos

como: “visão sistêmica da educação; enlace da educação com o ordenamento e o

desenvolvimento territorial; aprofundamento do regime de cooperação entre os entes

federados em busca da qualidade e da equidade” (Pacheco & Resende, 2009, p, 8).

Para fechar toda essa imagem sobre o instituto, Pacheco e Rezende (2009,

p.8-9) informam que “esse arranjo educacional abre novas perspectivas para o

ensino médio-técnico, por meio de uma combinação do ensino de ciências,

humanidades e educação profissional e tecnológica”.

A IMPLEMENTAÇÃO DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SANTA CATARINA NO CONTEXTO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Os Institutos despontam, no entendimento da governança atual, como uma

nova institucionalidade centrada na oferta de Cursos Técnicos, devendo garantir o

mínimo de 50% de suas vagas, inciso I do caput do artigo 7.o da Lei n.o 11.892/2008,

e, no mínimo, 20% de suas vagas para atender aos Cursos de Licenciatura, alínea b

do inciso VI do caput do mesmo artigo citado. Destacamos que os restantes, 30% de

suas vagas, na visão da governança, podem ser destinados aos Cursos Superiores

de Tecnologia, aos Cursos de Bacharelado e Engenharia, aos Cursos de Pós-

graduação lato sensu de Aperfeiçoamento e Especialização e, ainda, aos Cursos de

Pós-graduação stricto sensu de Mestrado e Doutorado. Todo esse cenário se

projeta, no entendimento da equipe do MEC em “Institutos Federais” (2009, p.17), a

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Page 242: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

um contexto de desenvolvimento científico e tecnológico, “associado ao

desenvolvimento econômico, político e social numa perspectiva progressista” (2009,

p. 17), na visão desses, “basta lembrar que o desenvolvimento tecnológico está

associado ao processo de nascimento e expansão do sistema capitalista” (2009, p.

17).

A perspectiva de atuação dos institutos está, portanto, no atendimento dos

arranjos produtivos locais, cuja medida governamental relaciona-se a uma

distribuição dos campi fundada numa dinâmica que possibilite, conforme entende o

MEC em “Institutos Federais” (2009, p. 36), “ouvir e articular as demandas do

território nos quais essas instituições estão inseridas, com suas possibilidades

científicas e tecnológicas, tendo como foco a melhoria da qualidade de vida, a

inclusão social e a construção da cidadania” (2009, p. 36), em sua compreensão, “é

imprescindível” (2009, p. 36). A dinâmica instituída pela equipe ministerial com

relação à implantação dos Institutos, portanto, está completamente esboçada, ou

seja, sua arquitetura organizacional a ser inserida num determinado espaço da

territorialidade do Estado brasileiro deve estar voltada para essa visão apresentada

e justificada.

Em se tratando do estado de Santa Catarina, compreendemos que

antecedendo uma abordagem sobre como o corpo diretivo da autarquia desenvolve

o desenho da arquitetura organizacional do IFSC nessa territorialidade, faz-se

necessário anteceder uma apresentação sobre os contornos desse estado. Assim,

dentre os documentos pesquisados, extraímos do documento Santa Catarina em

Dados 2009 algumas informações que explicitam em nosso entendimento os

contornos dessa territorialidade, como:

- Situa-se na América do Sul, mais precisamente na região Sul do Brasil. Ao norte faz fronteira com o estado do Paraná, ao sul com o estado do Rio Grande do Sul, a leste com o Oceano Atlântico e a oeste com a República Argentina. Está localizada em uma posição estratégica no Mercosul. A capital, Florianópolis, está a 1.850 km de Buenos Aires (Argentina), a 1.350 km de Assunção (Paraguai), 1.360 km de Montevidéu (Uruguai), a 705 km de São Paulo, a 1.144 km do Rio de Janeiro e a 1.673 km de Brasília. [...] - O índice de desenvolvimento de Santa Catarina é o quarto melhor do país, sendo superado por São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro. [...] Santa Catarina é o terceiro em Educação, o quarto em Saúde e o quinto em Emprego & Renda. A cidade com melhor índice de desenvolvimento no estado, segundo o estudo, é Jaraguá do Sul. Na sequência vem Brusque, Tubarão e Blumenau. [...]

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Page 243: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

- A indústria de transformação catarinense é a quarta do país em quantidade de empresas e a quinta em número de trabalhadores. O segmento alimentar é o maior empregador, seguindo-se o de artigos do vestuário e o de produtos têxteis. O PIB catarinense é o sétimo do Brasil, registrando, em 2006, R$ 93,2 bilhões. [...] O setor secundário participa com 34,4%, o setor terciário com 58,7% e o primário com 6,9%. Dentro do setor secundário, a participação da indústria de transformação é de 24,4%, de acordo com a nova metodologia de cálculo do IBGE. [...] - No estado estão situadas importantes indústrias, algumas com destaque na América Latina e outras no mundo. Santa Catarina é líder na América Latina em produção de cerâmica e porcelanas de mesa, copos e taças de cristais, elementos de fixação (parafusos, porcas), blocos e cabeçotes para motor, máquinas para desdobramento de madeira; impulsores de partida, mancais e polias para veículos, matrizes e pulsões para indústria cerâmica, compressores de pistão, fitas elásticas e fitas rígidas; motores, geradores e transformadores elétricos, portas de madeira e camisetas de malha. [...] - Santa Catarina ocupa primeira posição no Brasil na fabricação de cerâmica para revestimento; eletroferragens galvanizadas a fogo para distribuição de energia elétrica, telefonia e tv a cabo; centrais telefônicas e telefones (convencionais e sem fio); softwares para o segmento de projetos prediais, gestão (ERP), soluções para o setor têxtil, soluções para gerenciamento de filas em bancos; embalagens para adubo, fertilizante, cal/calcário e argamassa, e chapéus femininos linha praia, dentre outros. É o maior produtor de suínos, pescados e industrializados de carnes (derivados de frango, suínos e bovinos) do Brasil. [...] - O estado de Santa Catarina está entre os maiores exportadores do país. Em 2008 as vendas para o mercado internacional foram de US$ 8,3 bilhões, 4,2% do total exportado pelo Brasil, o que lhe possibilitou a nona posição em nível nacional e permitiu um saldo positivo de US$ 305 milhões na balança comercial. Os principais mercados de destino dos produtos catarinenses em 2008 foram Estados Unidos (13,5%), Japão (6,8%), Argentina (6,7%) e Países Baixos-Holanda (6,6%). A indústria possui uma participação de 61% nas exportações do estado. (SISTEMA FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 2009, p.10-18)

Assim, partimos da premissa de que as informações apresentadas são

suficientes para se esboçar o perfil do estado de Santa Catarina, quanto as suas

questões de maior abrangência, ou seja, características e potencialidades.

Compreendemos, todavia, que o processo em curso caracteriza-se pela expansão de um projeto pedagógico da autarquia que interage com uma realidade

educacional já presente na territorialidade do estado de Santa Catarina. Imbuídos

dessa premissa, julgamos ser necessário que seja revelada a essência dessa

realidade, a qual está perpassada neste momento, analisada por meio da oferta dos

cursos de Ensino Médio e de Educação Profissional Técnica de Nível Médio no

estado.

243

Page 244: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

No caso dos Cursos de Ensino Médio, resultados do Censo Escolar de 2009

(Tabela 1) realizado pelo Ministério da Educação, por intermédio do Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a pesquisa,

mediante informações apontadas, revela que em Santa Catarina a matrícula inicial

em Instituições estaduais e municipais foi de 248.723 estudantes.

TABELA 1: Matrícula inicial no Ensino Médio (no Ensino Regular e na Educação de Jovens e Adultos)

Ensino Médio

Regular Educação de Jovens e Adultos (EJA) Dependência

administrativa Parcial Integral Parcia

l Integral

Estadual Urbana 198.466 571 39.814

0

Estadual Rural 5.277 337 358 0 Municipal Urbana 861 3 2.735 0 Municipal Rural 77 185 39 0

Estadual e Municipal 204.681 1.096 42.946

0

Fonte: MEC/INEP – Censo Escolar 2009

Segundo, ainda, os dados do MEC/INEP, verificamos que o Ensino Médio

dessas Instituições foi ofertado, na forma regular, para 205.777 (82,73%) matrículas

e, na forma Educação de Jovens e Adultos, para 42.946 (17,27%) estudantes. Além

disso, o aluno, quando da matrícula para Ensino Médio regular, pode optar pela

modalidade parcial ou integral, enquanto que no Ensino Médio EJA, somente parcial.

Conforme os dados apresentados, a grande maioria desses estudantes, 247.627

(99,56%) optaram pela modalidade parcial.

Percebemos também, nos dados divulgados pelo MEC/INEP de 2009, que há

uma concentração maior de estudantes, 242.450 (97,48%), matriculados nos centros

urbanos, e 6.273 (2,52%), nos centros rurais. E do total de alunos, 244.823 (98,43%)

representam as matrículas em Cursos de Ensino Médio nas instituições estaduais,

enquanto 3.900 (1,57%), nas escolas municipais.

Já a respeito da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, em Santa

Catarina, os dados utilizados do MEC/INEP são de 2005 e, conforme Tabela 2,

constatamos que dos 87 estabelecimentos que oferecem estes cursos, 62 (71,26%),

244

Page 245: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

são instituições privadas, distribuídas por categoria, conforme dados do MEC/INEP

(2009) da seguinte forma: duas comunitárias, uma confessional, 12 filantrópicas e 50

particulares.

Estas instituições privadas são responsáveis por 18.363 (55,57%) matrículas

no estado, contra 14.680 (44,43%) vagas das escolas públicas, sendo que deste

total, 10.063 (68,55%) são oriundas de instituições estaduais, 4.336 (29,54%)

federais e 281 (1,91%) municipais.

TABELA 2: Estabelecimentos e matrículas dos Cursos de Educação Profissional por

Dependência Administrativa

Dependência

Administrativa Total Federal Estadual Municipal Privada

Estabelecimentos 87 8 16 1 62

Matriculas 33.043 4.336 10.063 281 18.363

Fonte: MEC/INEP/DEEB – Censo Escolar 2005

Destacamos que em relação às 25 (28,74%) instituições públicas, os 16

estabelecimentos estaduais representam um percentual de 30,45% das matrículas

dos Cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio no estado catarinense;

as oito instituições federais atendem 13,12%, e apenas um estabelecimento

municipal 0,85%.

Na Tabela 3, podemos verificar que a maior oferta de Cursos Técnicos é do

tipo subsequente, com 55,88%, seguido do concomitante, com 36,27%, e o

integrado, com 7,85%. Enquanto nas instituições privadas o número maior de

Cursos Técnicos é do tipo subsequente (66,67%), nas públicas, essa maioria é dos

Cursos Técnicos concomitantes com 44,44%.

A exemplo dos cursos de Ensino Médio, conforme a Tabela 3, os Cursos

Técnicos, na sua maioria, estão concentrados nas regiões urbanas do estado de

Santa Catarina, sendo que nas instituições públicas essa relação é menor do que as

privadas.

245

Page 246: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

TABELA 3: Estabelecimentos que oferecem Cursos de Educação Profissional por Localização, Modalidade de Oferta e Dependência Administrativa

Dependência Administrativa

Federal Estadual Municipal Privada Tota

l Rural

Urbana

Total

Rural

Urbana

Total

Rural

Urbana

Total

Rural

Urbana

8 3 5 13 4 9 1 - 1 62 1 61 Federal Estadual Municipal Privada

Total

Rural

Urbana

Total

Rural

Urbana

Total

Rural

Urbana

Total

Rural

Urbana

C S I C S I C S I C S I 5 8 1 10 5 6 1 - - 21 44 1

Fonte: MEC/INEP/DEEB - Censo Escolar 2005 Nota 1: O mesmo estabelecimento pode oferecer mais de uma modalidade de oferta. Nota 2: C – Concomitante; S – Subsequente; I – Integrado.

Fica faltando, todavia, uma visão mais alargada com relação aos complexos

industriais (produtivos) do estado, mesmo porque estamos abordando uma autarquia

que tem larga tradição na formação de técnicos, como interpreta a governança atual,

destinada ao atendimento dos arranjos produtivos locais. Então, partindo da

premissa de que essa governança mudou a Razão Social da autarquia, que era de

CEFETSC para IFSC, compreendendo que agora ela desponta como uma nova

institucionalidade e desenvolve movimento de expansão nessa territorialidade,

imbuída de um compromisso assumido frente ao MEC, apresentamos no Quadro 1,

os Complexos Industriais do estado (2009, p.19).

QUADRO 1: Complexos Industriais do Estado de Santa Catarina

Alimentação e Bebidas

Santa Catarina possui uma indústria alimentar bastante forte, sendo o maior produtor de suínos do Brasil e o segundo de frangos. O estado também se destaca na pesca, ocupando nacionalmente liderança na produção de pescados. A produção de vinho e cerveja também deve ser citada, tendo presença marcante no segmento de Bebidas do estado.

Máquinas e Equipamentos

O segmento produtor de máquinas e equipamentos do estado se destaca na fabricação de compressores e eletrodomésticos (linha branca). As principais indústrias se localizam na região Norte do estado, principalmente em Joinville.

Têxtil e Vestuário

O estado catarinense é o segundo pólo têxtil e do vestuário do Brasil. No estado está estabelecida a maior empresa brasileira fabricante de camisas de malha e segunda maior do mundo. Também é o maior produtor de fitas elásticas da América Latina e destaca-se na produção de artigos de cama, mesa e banho. No comércio internacional, o estado é o maior exportador do Brasil de roupas de toucador/cozinha, de tecidos atoalhados de algodão e de camisetas T-Shirt de malha.

Metalurgia e Produtos de Metal

Em Santa Catarina está situada a maior fundição independente da América Latina, destacando-se na fabricação de produtos fundidos para a indústria automotiva e conexões em ferro para redes hidráulicas e de gás. O estado é líder nacional em eletroferragens galvanizadas a fogo para distribuição de energia elétrica, telefonia e TV a cabo, além de

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Page 247: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

elementos de fixação (parafusos, porcas etc.). Tecnologia/ Informática

O estado é líder nacional em softwares para o segmento de projetos prediais, gestão (ERP), soluções para o setor têxtil, soluções para gerenciamento de filas em bancos e destaca-se na fabricação de telefones, centrais telefônicas, aparelhos de segurança, conversores de energia, reguladores de tensão e equipamentos de comunicação de dados.

Cerâmica Santa Catarina possui importante pólo cerâmico, sendo que a maior concentração de indústrias está na região Sul e em Tijucas, na Grande Florianópolis. É o maior exportador do Brasil de cerâmica para revestimento e líder na América Latina em produção de cerâmica de mesa. A cerâmica vermelha também se destaca dentro desse segmento de atividade.

Mobiliário O estado catarinense destaca-se nacionalmente na produção de móveis com predominância de madeira, sendo o maior exportador do Brasil. São Bento do Sul e Rio Negrinho são as cidades com a maior concentração de empresas do setor moveleiro, enquanto que o Oeste catarinense se destaca como o segundo maior pólo fabricante de móveis do estado.

Madeira A indústria madeireira de Santa Catarina destaca-se nacionalmente, tendo uma participação de 14,2% sobre igual setor nacional. O estado é o maior fabricante de portas de pínus e batentes do país e líder em exportação.

Produtos de Plástico

A indústria de produtos plásticos catarinense destaca-se nacionalmente na produção de tubos e conexões de PVC, embalagens, descartáveis plásticos (copos, pratos etc.), utilidades domésticas, cordas e fios de PET reciclado e produtos de EPS (isopor). Este último ocupa liderança no mercado latino-americano, assim como embalagens plásticas para fertilizantes. O estado é o segundo pólo produtor de artigos de matérias plásticas do país.

Máquinas, Aparelhos e Materiais Elétricos

O segmento produtor de máquinas, aparelhos e materiais elétricos de Santa Catarina possui uma participação de 11,7% sobre igual setor nacional. Destaca-se com maior grau de importância a fabricação de geradores, transformadores e motores elétricos, cujo peso é de 37,8% sobre igual segmento brasileiro. Santa Catarina é o maior exportador de motores elétricos do Brasil.

Veículos automotores/ autopeças

O estado destaca-se na produção de carrocerias para ônibus e caminhões, bem como na produção de autopeças. É líder na América Latina na produção de impulsores de partida, mancais e polias para veículos automotores, compressores de pistão e blocos e cabeçotes para motor.

Celulose e Papel

A indústria de celulose e papel de Santa Catarina possui uma participação de 7,6% sobre igual setor nacional. Destaca-se como maior produtor de embalagens de papelão ondulado do Brasil.

Indústria Naval

A indústria naval catarinense é a segunda do país em número de trabalhadores e a previsão é de que esse número aumente em curto prazo. É um segmento industrial com boas perspectivas de crescimento, sendo que em Navegantes e Itajaí se concentram o maior número de empresas construtoras de embarcações.

Fonte: SISTEMA FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 2009, p.19.

Em seguida, na premissa de evoluir a imagem esboçada, apresentamos na

Figura 1 o mapa do estado de Santa Catarina que apresenta as mesorregiões

definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), objetivando

evidenciar como essas proporcionam padrões de desenvolvimento equilibrado,

considerando os arranjos produtivos locais. E, para relacionar a mesorregião com a

produção industrial do estado, considerando sua concentração nessas

mesorregiões, extraímos do documento Santa Catarina em Dados 2009, do Sistema

FIESC, (2009, p.18), o seguinte cenário:

1) Oeste Catarinense: alimentar e móveis.

2) Norte Catarinense: metalurgia, máquinas e equipamentos, material elétrico,

autopeças, plástico, confecções e mobiliário.

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Page 248: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

3) Serrana: madeireiro.

4) Vale do Itajaí: têxtil, vestuário e cristal.

5) Grande Florianópolis: tecnológico.

6) Sul Catarinense: cerâmico, carvão, vestuário e descartáveis plásticos.

FIGURA 1 - Mesorregiões Homogêneas do IBGE

Fonte: IBGE (2010)

Pelas informações disponibilizadas, percebemos a existência de uma certa

vocação natural desses municípios que compõem as mesorregiões, mesmo tendo a

compreensão de que o processo desenvolvimentista é dinâmico e tende a alterar os

tradicionais contornos produtivos locais para uma outra composição. Também é de

se esperar que esse cenário inicial seja fortalecido, em face dos investimentos já

realizados e de uma certa cultura empresarial/industrial estar instituída, inclusive de

forma a potencializá-lo. Feito esse destaque, passamos a apresentar, então, no

Quadro 2, o movimento do corpo diretivo do IFSC, com relação à expansão da

autarquia e sua consolidação como uma nova institucionalidade.

248

Page 249: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

QUADRO 2: Expansão do IFSC: campus implantados

Campus Situação Área de Concentração/Tipos de Ofertas Acadêmicas

Florianópolis Tecnologia, Especialização, Mestrado e Serviço São José Tecnologia, Licenciatura e Serviço Jaraguá do Sul Tecnologia, Licenciatura e Serviço Continente Especialização e Serviço Araranguá Tecnologia, Licenciatura e Serviço Joinville Tecnologia, Licenciatura e Serviço Chapecó

Implantado

Tecnologia, Especialização e Serviço Fonte: Website do IFSC (2010).

Com relação ao Quadro 2, entendido pelo corpo da Reitoria como campi

implantados, destacamos que os campi de Florianópolis, São José, Jaraguá do Sul,

e mesmo Joinville, não podem ser interpretados como elementos do processo de

expansão da atual governança, em face de que esses já estavam presentes desde

quando a autarquia passou por um processo desenvolvimentista, quando a

comunidade da anterior Escola Técnica Federal de Santa Catarina (ETFSC) decidiu

participar do Programa de Expansão da Educação Profissional e Tecnológica

(PROEP). (Re)lembramos que esta decisão estava na época perpassada pela

busca/viabilização de instrumentalização com vistas a potencializar a autarquia,

tendo também como horizonte a elaboração do seu projeto de transformação em

Centro Federal de Educação Tecnológica e, assim, ofertar a modalidade Educação

Tecnológica em Nível Superior, compreendido como Cursos Superiores de

Tecnologia (CST).

Tratava-se, portanto, não de uma opção, mas sim de uma questão de

desenvolvimento, em face de a comunidade, a partir da infraestrutura disponível

realimentada, buscar atingir outro estágio de ação acadêmica, tendo por horizonte

as premissas da sociedade catarinense, porém sempre imbuída da perspectiva da

necessidade de construir pontes didático-pedagógicas entre os níveis das ofertas

acadêmicas e não de optar/refutar.

Outro destaque que necessita ser prestado trata do fato de que o campus

Continente não é fruto desse processo de expansão porque a instituição educacional

já existia desde a época do PROEP, fruto, naquela época, de uma parceria entre

governo federal e instituição privada, as então denominadas instituições

249

Page 250: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

comunitárias, recentemente incorporadas ao patrimônio do Estado brasileiro

mediante ação do ministério público.5

Compreendemos que a questão técnica é preocupante, todavia, não se trata

aqui da apuração de uma possível fidelidade da informação, e sim dos elementos

epistemológicos que dão sustentação a todo esse processo. Partimos da premissa

de que o processo de expansão, dessa autarquia, deve ser compreendido para além

dos números, que nada mais representam do que uma parcela do aspecto

qualitativo. Para aprofundar a questão temática, se fizermos uma relação entre os

campi de Florianópolis e Continente, constataremos que a distância física entre

estes é de aproximadamente 7,2 km (10 minutos), o que não justificaria a

composição de dois campi diferenciados, em face de promover duplicação

desnecessária de infraestruturas, tanto material em seu aspecto generalístico, como

de recursos humanos, o que caracterizaria aplicação inadequada de recursos

públicos.

Se fizermos, ainda, uma triangulação entre os três campi de Florianópolis,

Continente e São José, verificaremos que a distância entre os dois campi extremos

é de apenas 14,3 km (20 minutos), sendo que para ir-se de um para o outro, passa-

se pelos limites do campus de Continente, o que em tese aprofunda a questão no

que tange à utilização ilibada de recursos públicos, mesmo porque existe forte

identidade entre as ofertas acadêmicas dos dois campi e, ainda, destacamos que as

fronteiras entre os dois municípios desapareceram por completo.

Assim, questionamentos no desenvolvimento desse processo são lançados:

por que não integrar infraestruturas, como acontece com as experiências de sucesso

desenvolvidas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no estado?

5 O Website da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2010) apresenta o seguinte entendimento sobre o Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP): “é uma iniciativa do Ministério da Educação em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego e com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que pretende ser o principal agente de implantação do Sistema de Educação Profissional no País, através de um conjunto de ações a serem desenvolvidas em articulação com diversos segmentos da sociedade. O Ministério da Educação, através da SEMTEC/PROEP, de acordo com a nova legislação sobre educação, visa à expansão, modernização, melhoria de qualidade educacional e a permanente atualização profissional no País, através da ampliação e diversificação da oferta de vagas; da adequação de currículos e cursos às necessidades do mundo do trabalho; da qualificação, reciclagem e reprofissionalização de trabalhadores, independente do nível de escolaridade e da formação e habilitação de jovens e adultos nos níveis médio (técnico) e superior (tecnológico). As ações do Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP) têm como objetivos primordiais: 1. A ampliação e diversificação da oferta de cursos, nos níveis básico, técnico e tecnológico. 2. A separação formal entre o ensino médio e a Educação Profissional. 3. O desenvolvimento de estudos de mercado para a construção de currículos sintonizados com o mundo do trabalho e com os avanços tecnológicos. 4. O ordenamento de currículos sob forma de módulos. 5. O acompanhamento do desempenho dos(as) formandos(as) no mercado de trabalho, como fonte contínua de renovação curricular. 6. O reconhecimento e certificação de competências adquiridas dentro e fora do ambiente escolar. 7. A criação de um modelo de gestão institucional inteiramente aberto.”

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Page 251: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Para que se tenha noção sobre como se interpreta essa reprodução

desnecessária, em se tratando de recursos públicos, apresentamos, no Quadro 3, a

estrutura organizacional extraída do documento intitulado Regimento da Unidade

Florianópolis, aprovado pelo Conselho Diretor em 2 de julho de 2008, Resolução n.o

11/2008/CD, considerando a estrutura de cargos e funções para esse campus,

assim estruturada:

QUADRO 3: Estrutura Organizacional do campus de Florianópolis

Estrutura Cargo/Função Código Valor em R$ Direção da unidade Diretor CD-3 5.833,75Vice-Diretor Geral Vice CD-4 4.236,41Assessoria de Gabinete Assessor FG-1 763,99Assessoria de Comunicação, Marketing e Ouvidoria

Assessor FG-1 763,99

Coordenação de Ingresso Coordenador ---- 0,00Coordenação de Relações Externas Coordenador ---- 0,00Coordenação do Serviço de Integração Escola/Empresa

Coordenador FG-4 218,15

Coordenação de Eventos Coordenador FG-4 218,15Departamento de Ensino Chefe CD-4 4.236,41Coordenação do Núcleo Pedagógico Coordenador FG-4 218,15Coordenação de Mídia e Biblioteca Coordenador FG-4 218,15Coordenação de Registro Geral Coordenador FG-4 218,15Coordenação de Apoio ao Ensino Coordenador FG-2 513,97Departamento de Infraestrutura Chefe CD-4 4.236,41Coordenação de Gestão de Pessoas Coordenador FG-1 763,99Coordenação de Tecnologia da Informação e Comunicação

Coordenador FG-2 513,97

Coordenação de Engenharia Coordenador ---- 0,00Coordenação de Materiais e Patrimônio Coordenador FG-4 218,15Coordenação de Serviços Gerais Coordenador FG-4 218,15Coordenação de Manutenção Coordenador FG-4 218,15Coordenação do Setor de Saúde Coordenador ---- 0,00Departamento Acadêmico Chefe CD-4 4.236,41Coordenação de Curso Coordenador FG-2 513,97Coordenação de Infraestrutura Coordenador FG-4 218,15Coordenação de Registros Acadêmicos Coordenador FG-4 218,15Coordenação de Educação Física e Desporto Coordenador FG-4 218,15Coordenação de Atividades Artísticas Coordenador FG-4 218,15

TOTAL: 30.828,41Fonte: Website do IFSC e do campus de Florianópolis (2010).

No Quadro 4 apresentamos as últimas ações dos profissionais da autarquia

ocupantes dos cargos da Reitoria, com vistas à expansão da instituição,

compreendendo-se como um processo de implantação de novos campi no estado de

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Page 252: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Santa Catarina, imbuídos das premissas estabelecidas pela governança atual.

Destacamos que as informações disponibilizadas são decorrentes de pesquisa no

próprio Website da autarquia e da análise de documentos institucionais,

caracterizando, portanto, um contexto de síntese, em face dos alargados horizontes

projetados por essa equipe.

Neste quadro, procuramos relacionar a localização do campus com a

projeção de suas ofertas acadêmicas e sua respectiva situação de atendimento às

premissas estabelecidas pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

(SETEC), e também, na possibilidade de que seja possível imbricá-las com o

contexto relativo aos arranjos produtivos locais, e assim, conjecturar quanto ao

planejado pela equipe da reitoria do IFSC, em relação ao estabelecido pela equipe

do MEC.

QUADRO 4: Expansão do IFSC: campus em implantação

Campus Situação Ofertas Acadêmicas São Miguel do Oeste

Para o primeiro semestre de 2010 estão previstos os cursos de: Processamento de Produtos e Instalações Produtivas, Gestão de Águas e Energia, Reciclagem de Materiais, Legislação Sanitária, Gestão e Legislação de Recursos Naturais, Gestão de Propriedades Rurais, Manutenção de Veículos, Produção de Móveis, Processos de Costura Industrial.

Canoinhas Irá oferecer cursos nas áreas de: Agroecologia, Agroindústria, Edificações, Mecatrônica, Vestuário e Móveis.

Criciúma Os cursos que foram definidos como prioritários para o município são: Mecatrônica, Eletrotécnica, Design de Móveis, Edificações, Plástico e Vigilância em Saúde.

Gaspar Os cursos oferecidos serão nas áreas de: Modelagem do Vestuário, Meio Ambiente, Plástico, Qualidade, Química, Vestuário e Análise e Desenvolvimento de Processos.

Lages Os cursos apontados para região são de: Agroecologia, Biotecnologia, Eletroeletrônica, Mecânica, Móveis, Vestuário, Edificações.

Itajaí Os cursos definidos como prioridade para a região são os de: Pesca, Construção Naval, Mecânica, Mecatrônica, Cozinha e Petróleo e Gás.

Palhoça-Bilínbue Os cursos previstos para este campus vão ser abranger dois eixos: Produção Cultural e Design e Formação de Profissionais de Educação.

Xanxerê

Em implantação

Os cursos definidos como prioridade para a implantação são nas áreas de: Agroindústria, Meio Ambiente, Fabricação Mecânica e Segurança do Trabalho.

Fonte: Website do IFSC (2010).

252

Page 253: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Para propiciar visibilidade espacial sobre a localização desses campi na

territorialidade do estado de Santa Catarina, e uma possível relação entre os

mesmos, apresentamos a Figura 2, extraída do Plano de Desenvolvimento

Institucional (PDI), do IFSC (2009, p.18), que explicita a localidade de cada um

desses, e uma possível relação física entre eles.

Figura 2 – Distribuição geográfica dos campi e Núcleos Avançados do IFSC

Fonte: Website do IFSC (2010).

Imbricando-se informações disponibilizadas na Figura 1, Quadro 4 e Figura 2,

chegamos às seguintes reflexões:

− Os campi de Araranguá e Criciúma estão inseridos na mesorregião 6, Sul

Catarinense, o que em tese não justificaria a existência de mais de um

campus, e sim a estruturação de alguns núcleos avançados, inclusive para

potencializar o próprio campus e seus respectivos núcleos. Idêntico raciocínio

se estende aos demais campi que estão inseridos numa mesma mesorregião,

como as mesorregiões da Grande Florianópolis, do Vale do Itajaí, do Norte

Catarinense, e também do Oeste Catarinense, em face de cada mesorregião

estar configurada mediante um complexo de arranjo produtivo local,

previamente estabelecido por aquele segmento social. Esclarecemos que

esse raciocínio não está perpassado pela manutenção de um contexto

situacional, mas sim, pela perspectiva de um contexto que possibilite o seu

253

Page 254: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

pleno desenvolvimento, e não o estabelecimento de uma disputa

desnecessária entre esses campi.

− A lógica instituída pela atual equipe da Reitoria, a princípio, em nossa

avaliação, não se funda nas premissas estabelecidas pela governança atual,

em face de alocar recursos públicos na implantação de mais de um campus

dentro de uma mesma mesorregião reproduzindo infraestruturas e

dificultando, inclusive, sua potencialização atual e futura e, ainda, leva esses

a um contexto de competição desnecessária pelo preenchimento de ofertas

acadêmicas, das mais variadas matizes, incutindo naquelas comunidades um

estado de confusão, a princípio, desnecessário.

(Re)lembramos que a SETEC compreende que o processo em curso parte da

premissa de que se trata da expansão de projeto pedagógico da autarquia. A

reprodução de infraestruturas não seria, portanto, um dos princípios da nova

institucionalidade, afinal a governança atual não agregou institucionalidades para

uma outra ação educacional do Estado brasileiro?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partimos da premissa de que existe uma necessidade premente de explicar, à

comunidade catarinense, assim como para os profissionais da educação da

autarquia, sobre como se estrutura e quais são os indicadores que norteiam o

processo de expansão do IFSC, em face de se constatar que esse não tem os

devidos fundamentos necessários a sua execução. Entendemos que é preciso que a

Reitoria do IFSC publique os pressupostos teórico-metodológicos e técnicos que

norteiam o projeto de expansão da autarquia, no cenário catarinense, assim como a

metodologia que orienta a sua execução.

Argumentar que ele tem acontecido mediante reuniões com comunidades não

seria simplesmente justificar o óbvio? Haveria alguma comunidade catarinense que,

de pronto, negaria a instalação de um campus do IFSC em sua territorialidade e

assim optar por negar certa condição de empregabilidade aos seus munícipes? E a

classe político-partidária fecharia os olhos à oportunidade de conquistar mais

adeptos?

254

Page 255: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

São questões pontuais, porém, que determinam o fluxo do processo que, por

se tratar de uma instituição educacional pública, deve estar perpassada pela mais

completa lisura. Enfatizamos, portanto, a necessidade de revelar os pressupostos

que sustentam o processo de expansão e explicitar quais são os indicadores

técnicos que norteiam esse diálogo e a partir de que premissas eles foram definidos,

mesmo porque estamos agindo em nome de uma instituição do Estado brasileiro,

mantida mediante coleta de impostos, ou seja, gestando recurso público, e não

pessoal. Propalar e justificar a ação mediante a existência farta de recurso público

para o processo de expansão como uma fonte inesgotável (política de governo) é

ainda mais preocupante, principalmente quando a comunidade internacional declara

que no Brasil se desenvolve uma Educação de quarto mundo, pela qual somos

diretamente responsáveis.6

Para precisar a questão financeira que geralmente acompanha as políticas de

partidos políticos no âmbito da educação, para além do seu exclusivo financiamento,

apresentamos, no Quadro 5, um movimento do corpo diretivo do campus de

Florianópolis, transmutando recursos destinado ao Funcionamento da Educação

Profissional para viabilização da contratação de efetivo de recursos humanos,

negado pela atual governança. Assim, verificamos que se por um lado o MEC

constrói prédios em nome da expansão da Educação Profissional e Tecnológica, por

outro, esvazia o IFSC do ponto de vista dos recursos humanos necessários a sua

ação educacional, promovendo a privatização dessa instituição por dentro e à custa

dos recursos públicos. Seria esse o modelo que norteia a expansão? Teriam esses

profissionais temporários a devida sintonia entre formação técnica e requisitos

necessários a atuação em uma autarquia de Educação Profissional e Tecnológica?

Por que não investir na contratação definitiva desses quadros, inclusive com vista a

tornar o serviço público mais efetivo, considerando sua ação social? Ou a política

dos oito anos de FHC, com vista à construção do Estado mínimo, foi incorporada

pela atual coalizão partidária e está em curso?

6 O parágrafo primeiro do inciso XXI, do artigo 37, da Constituição da República Federativa do Brasil 1998 (p.38) estabelece que: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.”

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Page 256: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

Quadro 5: Aprofundamento da privatização da autarquia.

Natureza da despesa Valor em R$ Contratação de profissionais para exercer a função de Zeladoria 110.000,00 Contratação de profissionais para atuar como Recepcionistas 96.030,00 Contratação de profissionais para atuar como Inspetor de alunos 80.000,00 Contratação de empresa para prestação de Serviços de Limpeza e Conservação

456.000,00

Contratação de profissionais para prestação de serviços em Portaria

177.519,00

Contratação de profissionais para realização de serviços de Jardinagem

43.213,00

Contratação de empresa para prestação de Serviços de Vigilância 345.000,00 Contratação de profissionais para serviços de Copeiragem 38.710,00

Total parcial 1.346.472,00 Fonte: Planilha orçamentária do campus de Florianópolis do IFSC (2010).

Nossa argumentação decorre do fato, numa primeira avaliação, de a atual

equipe da Reitoria do IFSC não atentar para a organização natural do estado e suas

características construídas e estabelecidas ao longo da temporalidade, conforme

manifestação técnica do IBGE (Figura 1). Não pretendemos entrar no debate

orgasmático e polissêmico, mas sim técnico. Para exemplificar, informamos que no

caso do município de Criciúma, o qual se caracteriza por ser pólo produtor de

cerâmica, inclusive com destaque nacional e internacional, a equipe atual da Reitoria

implanta um campus do IFSC sem oferecer à comunidade uma única oferta gratuita

nesse nicho de atividade produtiva, assumindo postura contrária ao estabelecido

pela equipe atual do MEC, bem como desconsidera a potencialidade da região. O

natural não seria instrumentalizar com vistas a potencializar e desenvolver, e não

desconsiderar?

Outra questão constatada é a falta de conceitos, pelos menos explicitados de

forma pública. A equipe da Reitoria do IFSC não deixa claro quais os indicadores

que definem a implantação de campus e quais os indicadores que norteiam a

definição de Núcleo Avançado de um determinado campus. Será que as

comunidades têm conhecimento e clareza sobre tais conceitos? O que caracterizaria

a necessidade de implantação de, por exemplo, um campus? Será que conseguem

abstrair contextos situacionais na definição de um ou outro, quando das

denominadas audiências públicas? Porque, segundo o nosso entendimento, nas

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Page 257: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

situações arroladas relativas à expansão do IFSC evidenciam-se casos de campi

que talvez pudessem ser apenas Núcleos Avançados.

Considerando que a atual equipe da Reitoria se caracteriza, frente ao MEC,

como um braço responsável no estado pela Educação Profissional e Tecnológica,

essa não deveria ter o compromisso, ainda frente ao Estado e ao povo brasileiro, de

apresentar seus estudos e indicadores técnicos relativos a essas definições, assim

como para as futuras projeções?

Para uma transparência pública, não seria pertinente que a equipe do MEC

definisse indicadores para nortear o processo de implantação de campi, assim como

para acompanhar e desenvolver processo de avaliação dessas ações,

responsabilizando aqueles que empregam os recursos públicos? Afinal, o MEC

também tem a responsabilidade sobre a regulação dos processos encaminhados

pelas autarquias. Compreendemos que legislação e instrumentos não lhe faltam.

Não se trata, de forma alguma, do estabelecimento de implicâncias, muito

pelo contrário, temos verificado que no discurso e na ação de membros da

governança atual, envolvidos com educação, postura similar ocorreu durante os oito

anos do governo anterior (FHC), também com vistas a encurtar, cada vez mais, a

presença do Estado no sistema educacional brasileiro. Não estariam, por exemplo,

as autarquias federais trocando Cursos de Tecnologia por Cursos de Bacharelado, e

transferindo-os para a iniciativa privada?

Temos convicção de que o processo de expansão da Educação Profissional e

Tecnológica, como entende a atual equipe do MEC, é de relevância para a

sociedade brasileira, porém deve acontecer numa perspectiva pautada apenas pelos

argumentos técnicos e fundado no projeto societário do Estado brasileiro.

Afinal, o que estamos expandindo? Pura materialidade?

257

Page 258: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

REFERÊNCIAS

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Page 261: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

A DIFÍCIL ARTE DE SER PROFESSOR, HOJE

Maria Ana Possoli Beltram Professora de Língua Portuguesa e Literatura do IFRS – campus de Bento

Gonçalves

E-mail: [email protected]

Parafraseando o verso de Camões, em um de seus sonetos memoráveis,

mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, inicio esta reflexão sobre as

mudanças ocorridas no ensino fundamental e médio, especificamente na área de

currículos e na construção do conhecimento.

A escola traz, em sua natureza ideológica, o reflexo da sociedade de sua

época, do seu tempo histórico, social, econômico e político. E nesse curso ou

percurso, fez-se necessária uma constante reavaliação dos conteúdos e dos

métodos de ensino e, também, das teorias da aprendizagem. Essa adaptação ao

tempo presente sempre foi o grande desafio da Escola. Ao longo da história do

ensino, no Brasil, surgiram teorias educacionais que formularam conceitos sobre

aprendizagem, com propostas de grades curriculares, no afã de atender as

necessidades e os objetivos das novas gerações.

Em sala de aula, cabe ao professor conhecer o aluno em seu contexto

social e cultural, com o propósito de conduzi-lo à construção do seu conhecimento e

à formação do cidadão integrado ao seu meio e ao seu tempo histórico. Para que

isso ocorra é necessário que o professor construa conceitos apoiados na pedagogia,

na sociologia, na história, na cultura, além de possuir o domínio de sua área de

conhecimento; e, mais, é preciso que ele tenha o olhar voltado para um horizonte

sempre novo.

Nos anos 50, após a conclusão do curso primário, o aluno ingressava no

curso ginasial através do exame de admissão que averiguava o conhecimento nas

disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, com ênfase nos cálculos das quatro

operações, raciocínio, leitura e redação. Até hoje me são valiosas, e úteis, aquelas

habilidades nas quatro operações, juros, regra de três, noções de geometria e

cálculos de área e perímetro. Livros? Apenas dois: a seleta literária e o de

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Page 262: Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE

matemática. Lembro que resolvia os cálculos em papel de embrulhar o pão para

poupar as linhas do caderno. Poucos eram os livros; e caros, os cadernos.

Entretanto, tínhamos a Biblioteca da Escola e a Biblioteca Pública repleta de livros –

e dispúnhamos de tempo para ler.

Nas quatro séries do curso ginasial, a grade curricular apresentava as

atuais ciências exatas e humanísticas, além do francês, do inglês e do latim – este

foi essencial para compreender a formação e a compreensão das palavras. Naquela

época, a frequência às aulas, o estudo, a leitura e a pesquisa em livros da biblioteca

compreendiam a ascensão ao conhecimento. Ao professor, cabia a tarefa de abrir os

caminhos do cognitivo; ao aluno, o interesse em construir a sua aprendizagem. Ser

bom professor ou bom aluno compreendia ser, consequentemente, um bom leitor. A

sala de aula e a biblioteca eram os espaços de construção do conhecimento.

O Ensino Médio era oferecido em três modalidades: clássico, com ênfase

na área das disciplinas humanas; científico, com ênfase na área das disciplinas

humanas; científico, com ênfase na área das disciplinas exatas; e magistério, com

ênfase nas disciplinas de didática e teorias pedagógicas.

A Língua Portuguesa era ensinada pelas normas da linguagem padrão.

Trechos da epopéia “Os Lusíadas” frequentemente eram utilizados para análise da

composição frasal e do vocabulário. A leitura constante das obras clássicas era

recomendada pela excelência da linguagem e pelo aprofundamento dos temas. A

leitura ocupava nosso maior tempo – que na época parecia quase infinito.

Lia-se muito, e sem pressa: para apreciar o ritmo das palavras; para poder

associar o significado de cada palavra ao conjunto da frase; para compor – frase a

frase – a idéia do conjunto. E relíamos, porque a releitura serve para descobrir o fio

condutor que une as idéias em núcleos temáticos. Lia-se sem pressa, para entender

bem o sentido das coisas.

Hoje, como professora de Língua e Literatura, percebo a dificuldade em

introduzir um texto relativamente longo nas aulas, porque o aluno não tem paciência

de ler e reler; mais difícil ainda é conduzi-lo ao aprofundamento do sentido do texto e

à reflexão. A apresentação oral ou escrita, das leituras dos livros de Literatura, está

sendo substituída por resenhas superficiais, ou resumos copiados da internet. Esta

oferece de forma fácil, rápida e sem esforço, o que lhe interessa saber e as

informações que deseja obter; e, pior, ocupa grande parte do tempo do aluno.

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Difícil é a tarefa do professor de Literatura nos dias atuais: ele precisa

mostrar ao aluno que só a leitura de um bom livro contém a magnitude da

experiência humana, vivida em um tempo e um espaço único. Difícil é, dia após dia,

conduzir o aluno à descoberta de que a história de cada um, em particular, torna-se

a história de todo o ser humano, porque o amor, a dor, os sonhos e a morte são

universais e pertencem à nossa dimensão do vivido.

Não me causa só estranhamento, mas uma quase tristeza, perceber o

desinteresse do aluno, de hoje, na busca do conhecimento através da leitura dos

grandes escritores; o livro se tornou menos atraente que o computador, e a

produção escrita virou uma colcha de retalhos, com trechos copiados da internet. É

preciso dar-se conta de que a construção da linguagem é sempre um ato de

descoberta; que na palavra existe a relação de significante e de significado; e de que

cada pensamento, ou cada construção frasal, se nos dá como algo novo e, algumas

vezes, como o ainda não dito.

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