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Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Ceará Tribunal de Justiça do Estado do Ceará R. Jurisp. Trib. Justiça Est. Ceará, Fortaleza, v.26, p. 1 - 409, 2008

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Revista de Jurisprudência do

Tribunal de Justiça do Ceará

Tribunal de Justiça do Estado do Ceará

R. Jurisp. Trib. Justiça Est. Ceará, Fortaleza, v.26, p. 1 - 409, 2008

Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça doCeará. v.1 - Fortaleza: Tribunal de Justiça doEstado do Ceará, 1989 -

Trimestral

1.Direito - Periódico. 2.Direito - Jurisprudência. 3.Ceará - Tribunal de Justiça - Jurisprudência.

CDU 340.342 (05)

Tribunal de Justiça do Estado do CearáAv. Ministro José Américo s/nCentro Administrativo Gov. Virgílio Távora-CambebaCEP: 60839-900www.tj.ce.gov.bre-mail: [email protected]

Tiragem da Edição: 1.000 exemplares

Expediente:Coordenação:Des. João de Deus Barros Bringel

Normalização:Maria Cláudia de Albuquerque Campos CRB - 3/214

RevisãoFrancisco Hudson Pereira Rodrigues

Diagramação e Impressão:Wellington Forte Miranda FilhoParque Gráfico do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará

Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do CearáVolume 26.2008Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, a cargo da Comissão

de Jurisprudência e Biblioteca.Os acórdãos selecionados para publicação correspondem, na íntegra, às cópias

obtidas nos Gabinetes dos Desembargadores deste Egrégio Tribunal.

Comissão de Jurisprudência: Des. João de Deus Barros Bringel, Desa.Gizela Nunes da Costa, Des. Francisco de Assis Filgueira Mendes. Suplen-tes: Desa. Huguette Braquehais, Des. Ademar Mendes Bezerra.

Sumário

Composição do Tribunal Pleno ...........................................................5Relatores ...........................................................................................7

Doutrinas

Fundamento constitucional para o uso de incentivos fiscais como instru-mento de combate às desigualdades regionais - Juliana Cardoso Lima,

Bacharela em Direito pela Faculdade Farias Brito Secretária da 1ª Câmara Cível do

TJCe. ............................................................................................................................ 11

Princípio da efetividade processual e unidade da sentença - Leonardo Henrique

de C. Carvalho, Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade de For-

taleza - Advogado. ..................................................................................................... 67

Jurisprudência Cível

Apelações Cíveis ....................................................................... 87/202Agravos de Instrumento ........................................................... 205/225Habeas Corpus Cível ............................................................... 229/232Mandado de Segurança .......................................................... 235/266Ação Recisória ........................................................................ 269/274

Jurisprudência Criminal

Apelações Crime ..................................................................... 279/333Habeas Corpus Crime ............................................................. 337/382Desaforamento ........................................................................ 385/391Revisão criminal ...................................................................... 395/402

Índice Alfabético Remissivo .................................................... 403/409

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ

COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DO ESTADO DO CEARÁ

TRIBUNAL PLENO

PresidenteDes. Fernando Luiz Ximenes Rocha

Vice-PresidenteDes. Rômulo Moreira de Deus

Corregedor Geral da JustiçaDes. José Cláudio Nogueira Carneiro

Des. Fernando Luiz Ximenes RochaDes. Ernani Barreira Porto

Des. Francisco Haroldo Rodrigues de AlbuquerqueDes. João de Deus Barros Bringel

Desa. Huguette BraquehaisDes. Rômulo Moreira de Deus

Des. José Cláudio Nogueira CarneiroDesa. Gizela Nunes da Costa

Desa. Maria Celeste Thomaz de AragãoDes. José Arísio Lopes da Costa

Des. Luiz Gerardo de Pontes BrígidoDes. João Byron de Figueiredo Frota

Des. Ademar Mendes BezerraDesa. Mariza Magalhães Pinheiro

Desa. Edite Bringel Olinda AlencarDesa. Maria Iracema do Vale HolandaDes. José Mário dos Martins Coelho

Desª. Maria Sirene de Sousa SobreiraDes. Raimundo Eymard Ribeiro de Amoreira

Des. Antônio Abelardo Benevides MoraesDes. Francisco de Assis Filgueira Mendes

Des. Lincoln Tavares DantasDes. Celso Albuquerque Macedo

Des. Francisco Lincoln Araújo e SilvaDesa. Lúcia Maria do Nascimento Fiúza Bitu

Des. Francisco Sales NetoDes. Raul Araújo Filho

Dr. Bonfim Cavalcante Carneiro - Secretário Geral

R E L AT O R E S

Des. Ernani Barreira Porto

Des. Francisco Haroldo Rodrigues de Albuquerque

Des. João de Deus Barros Bringel

Des. Rômulo Moreira de Deus

Desa. Luiz Gerardo de Pontes Brígido

Des. João Byron de Figueiredo Frota

Des. Ademar Mendes Bezerra

Desa. Maria Sirene de Souza Sobreira

Des. Raimundo Eymard Ribeiro de Amoreira

Des. Celso Albuquerque Macêdo

DOUTRINAS

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Fundamento constitucional para o uso de incentivos fiscaiscomo instrumento de combate às desigualdades regionais

Juliana Cardoso LimaBacharela em Direito pela FaculdadeFarias BritoSecretária da 1ª Câmara Cível do TJCe.

INTRODUÇÃO

Atualmente, é de suma importância analisarmosqualquer instituto do direito e das relações que este tutela, tendocomo fonte primária e inafastável a Constituição Federal. Éatravés do estudo dos seus princípios, regras e objetivos queextraímos o fim buscado pelo Estado.

O Estado, sem dúvida, é o grande responsável porsuprir as variantes necessidades do seu povo, para tanto,necessitará de encontrar meios de arrecadação de receitaspúblicas que cubram, e, consequentemente, correspondam comos gastos públicos. Dentro do Estado Fiscal moderno o custeiodas necessidades da sociedade advém, precipuamente, dostributos arrecadados pelo fisco junto aos indivíduos quecompõem a comunidade.

Todavia, os tributos para que sejam válidos devemestá regularmente previstos na lei. Sendo assim, o direitotributário é o ramo que regulará às hipóteses de limitação legalao direito de tributar, e, como tal, deve ser orientado por valoresque nascem na idéia de liberdade e que atinjam o direito dacoletividade, não podendo, de forma alguma, ser compreendidocomo um meio de coerção do Estado sobre o indivíduo, mas,sim, como um meio de alcance da justiça social, quando, é claro,devidamente controlado e fiscalizado.

O poder constituinte originário ao instaurar uma novaordem jurídica em 1988, rompendo, por completo, com a ordemjurídica precedente, trouxe inúmeras inovações, uma delas, decaráter significativo, se deu ao inserir o fundamento constitucionalpara o uso de incentivos fiscais regionais, previsto no seuart.151,I.

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Diante deste novo Estado Social e Democrático deDireito, observamos uma nova postura do Estado Fiscal quetem como finalidade, não apenas à arrecadação (função fiscal),mas, também, a concretização das normas que galgam atingirobjetivos de ordem econômica e social (função extrafiscal).

Dentro desta nova função, surge a possibilidade douso de concessão de incentivos fiscais, como mais uma hipótesede limitação ao poder de tributar, porém, presente no plano daextrafiscalidade, e sob o prisma de um novo ordenamento jurídicoque propiciou a interação do Estado Democrático de Direito comos direitos fundamentais do homem, constituindo como uns dosobjetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:garantir o desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdadessociais e regionais.

Vários dispositivos dentro da Constituição Federalde 1988 consagram a importância dada pelo poder constituinteàs regiões do país, e, portanto, não podem ser tido como leimorta, e sem eficácia. Ao contrário, a União através da aberturaconcedida pelo art. 151, I, da CF/88 poderá e deverá dar-lhesuma maior aplicabilidade.

O poder público, União, Estados, Municípios e DistritoFederal devem agir em perfeita sintonia e harmonia na buscapor um menor desequilíbrio entre as regiões de todo o País. Cadaqual deve atuar dentro de suas limitações, e através de umsistema de cooperação, para que se consiga atingir resultadosmais expressivos. Nesta luta, grande destaque é dado aosincentivos fiscais, e é sobre este instituto que voltaremos a nossaatenção.

1- CONTEXTO HISTÓRICO DAS FORMAS DECUSTEIO DAS NECESSIDADES FINANCEIRAS DO ESTADO

O estudo deste primeiro capítulo será de fundamentalimportância para compreendermos a atuação do Estado sobreo indivíduo. O Estado deve ser visto como um instrumento quetem por finalidade central salvaguardar e proteger os direitos dopovo, competindo ao governo à busca pela harmonia e o equilíbriode sua sociedade, trazendo-lhes a segurança, tranquilidade e

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felicidade. Todavia, para a realização de suas atribuições edeveres, na busca do bem comum, o Estado deverá encontraruma forma de custeio de suas necessidades financeiras diversas,as chamadas despesas públicas. Nas palavras de Celso RibeiroBastos podemos ilustrar alguns dos fins colimados pelo Estado:

Manutenção da ordem interna, asseguramento dadefesa contra eventual inimigo externo, aplicação doDireito aos casos controvertidos (distribuição dajustiça), feitura das leis que regerão a comunidade,prestação de serviços públicos, construção deestradas, fiscalização de muitas atividadesparticulares, e até mesmo no campo social eeconômico a presença do Estado faz-se sentir deforma acentuada.1

É claro que estas funções tratam apenas de um rolexemplificativo, portanto, coerente, é igualmente o pensamentode Alberto Deodato quando este afirma ser as necessidades doEstado infinitas, no qual a cada mudança e renovação de umanova sociedade, novos atributos e papéis serão desempenhadospelo poder estatal vigente.

Essas necessidades são infinitas. De terras, decasas, de estradas, de ruas, de pontes, de navios,de defesa interna e externa, de justiça, defuncionários e trabalhadores. Um mundo, enfim, debens e serviços. Mundo que cresce, dia a dia, com ointervencionismo do Estado, em busca do bem estarsocial. As suas funções não são mais, apenas, asde assegurar a ordem e a justiça, mas as deprevidência e assistência. O zelo pela velhice e peladoença. Pela existência digna. Pela família. Tudo issocusta dinheiro. E é a aquisição de dinheiro queconstitui, precipuamente, a atividade financeira doEstado, que é, em síntese, um ente que arrecada eque paga. É o maior criador e consumidor deriquezas.2

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Dentro de uma análise feita pelo saudoso mestreAliomar Baleeiro, na sua obra Uma Introdução a Ciência dasFinanças3 , este enumerou algumas formas que os governos,ao longo do tempo, utilizam para angariar recursos e custear asdespesas públicas, tais sejam, realizar extorsões sobre outrospovos ou deles receber doações voluntárias; recolher as rendasproduzidas pelos bens e empresas do Estado; exigircoativamente tributos ou penalidades; tomar ou forçarempréstimos; fabricar dinheiro metálico ou de papel.

É bem verdade que a arrecadação de receitaspúblicas pode se dar de diversas maneiras, por isso, éinteressante mencionar, fazendo uma retrospectiva pelo últimomilênio, que houve uma mudança significativa de formas decusteio das despesas do Estado. É o que o autor Ricardo LoboTorres em sua obra Curso de Direito Financeiro e Tributáriodenominou de Estado Financeiro, englobando as categorias deEstado Patrimonial4 (a forma de custeio das necessidadesfinanceiras do Estado advinha das receitas do seu própriopatrimônio); Estado de Polícia5 (a forma de custeio dasnecessidades financeiras do Estado baseava-se em seuabsolutismo político e em sua economia mercantil e comercial);Estado Socialista6 (a forma de custeio das necessidadesfinanceiras do Estado, assentava essencialmente, nosrendimentos das atividades econômicas produtivas dasempresas estatais), e o Estado Fiscal. Cabe advertir que as trêsprimeiras categorias de Estado citadas eram denominadas deEstados não fiscais (em sua essência).

1.1 Evolução do Estado Fiscal

No estudo do Estado Fiscal, verificamos que estepassou por três grandes mudanças, podendo ser dividido emdistintas fases: o Estado Fiscal Minimalista, o Estado SocialFiscal e o Estado Democrático Social. Na concepção doprofessor José Casalta Nabais:

O estado fiscal conheceu duas modalidades ou dois

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tipos ao longo da sua evolução: o estado fiscal liberal,movido pela preocupação de neutralidade econômicae social, e o estado fiscal social economicamenteinterventor e socialmente conformador7 .

Entretanto, até mesmo a título de didáticaanalisaremos o Estado Fiscal conforme as três fases jámencionadas.

1.1.1- Estado Fiscal Minimalista

O Estado Fiscal Minimalista compreendeu o fim doséculo XVIII até o início do século XX, e correspondeu à fase doEstado Liberal Clássico. Pelo próprio nome se extrai que oEstado estava vinculado estritamente a realizar atividadesinseridas no seu campo de atuação8 .

A idéia central do pensamento liberal consiste emconceber o Estado como um mal, emboranecessário. Enquanto tal, a de ser mantido e valoradona medida em que se traduza em entidadeinsubstituível na prestação de algumas atividadespara as quais o indivíduo isolado, ou voluntariamenteassociado é impotente9 .

Neste período, predominava a idéia da autonomia davontade do indivíduo, assim, o papel do Estado Liberal era restritoao exercício do poder de polícia, da atividade jurisdicional e daprestação de poucos serviços públicos, uma vez que o particulardesempenharia de forma melhor as demais atividades. Falava-se, portanto, em uma neutralidade estatal.

Considerando estes fatores, nesta fase o Estadoainda não necessitava de um sistema financeiro10 complexo, aocontrário, a tributação era limitada, pois as despesas públicaseram reduzidas, visto que o Estado não tinha o papel de suprir eprover todas as necessidades da sociedade. Sendo assim,vigorava a concepção de um Estado Liberal e neutro, porém,com a crise econômica deflagrada no fim deste período, o modelo

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liberalista passou a ser substituído pelo modelo intervencionista.

1.1.2- Estado Social Fiscal

A partir de 1919, temos uma mudança de postura doEstado que passa a interferir nas relações privadas do indivíduo,deixando de ser mero garantidor das liberdades individuais,iniciando uma intervenção estatal no domínio econômico(progressividade tributária, taxas aduaneiras protecionistas, etc.)e social (pensão por invalidez, subsídios às famílias, etc.) com aconseqüente limitação da vontade individual em prol dodenominado interesse público.

Inicia-se a fase do Estado Social Fiscal que irá seestender até aproximadamente 1989, e corresponderá ao aspectofinanceiro do Estado Social de Direito. O tributo passa a ser aprincipal fonte de receita da atividade financeira11 , advinda daeconomia privada, porém o Estado Social Fiscal tem umafinalidade denominada social ou extrafiscal, no qual o grandedestaque foi dado ao desenvolvimento de alguns setores daeconomia, incluindo em suas despesas, o incentivo àredistribuição de rendas. Uma crítica feita ao Estado Social deDireito é que era um Estado regido por normas abstratas e semlimitação do poder do Executivo, o que acarretou em um períodode enormes índices de tributações, sem um sistema defiscalização apropriado sobre as despesas públicas, e sempresob o simples argumento de está atendendo ao interesse social.

1.1.3- O Estado Democrático Social

A partir do ano de 1989, o mundo sofreu importantesmudanças, marcadas com a queda do muro de Berlim12 , osurgimento da globalização, a crise do regime socialista13 e dosintervencionismos estatais. No Brasil, tem-se no fim de 1988 apromulgação da Constituição Federal, simbolizando o fim doextenso período ditatorial que era regido por dispositivos jurídicosde exceção, imposto ao povo brasileiro. Diante destesacontecimentos, nasce a figura do Estado Democrático e SocialFiscal em consonância com o Estado Democrático e Social de

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Direito, visando à instituição de um regime constitucionalsuficientemente forte no tocante à proteção dos direitos eliberdades fundamentais e que afastasse de forma eficaz a todase quaisquer tentativas de regresso ao regime totalitário ouautoritário.

O Estado Democrático e Social Fiscal não rejeitatodas as idéias do Estado Social Fiscal, ao contrário, possuicaracterísticas dele. Contudo, restringirá a intervenção estatalno domínio social e econômico, apesar de não mais se poderfalar em neutralidade estatal, presente no antigo Estado FiscalMinimalista. A idéia do patrimonialismo passa a ser reduzida àsgrandes privatizações14 que marcam este período histórico,tendo como conseqüência que as despesas públicas passam aser custeadas preferencialmente pela arrecadação de tributos,entretanto, para evitar o arbítrio estatal, deverá ser devidamenteplanejado o equilíbrio entre as receitas e as despesas públicasatravés de uma política orçamentária com condições e metas aserem cumpridas. Novamente fazemos referência as palavrasprovidênciais de Celso Ribeiro Bastos:

Crê-se que é por aí que se propiciam as condiçõesideais de desenvolvimento, sobretudo com ocombate ao gigantismo estatal, ao disperdício dosdinheiros públicos e, fundamentalmente, à inflação.15

Diante do exposto, na concepção atual tem sedestacado a necessidade de evoluir de um Estado de Direitocom uma visão meramente protetiva do ordenamento, para aidéia de um Estado Democrático Social de Direito tendo comouns dos objetivos fundamentais: garantir o desenvolvimentonacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir asdesigualdades sociais e regionais, além de garantir as condiçõesnecessárias para a entrega de prestações públicas, como, porexemplo, na área da saúde e da educação.

Este novo Estado Democrático Social16 paraalcançar os objetivos fixados passa a exigir a proclamação deuma política tributária social. Assim, onde houver contrastessociais, o Estado deve necessariamente atuar compensando-

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os. Para tanto, precisará de um instrumento de atuação aoalcance dessa ordem social justa, que se apresentará por meioda legislação.

2- ATUAÇÃO DO DIREITO FINANCEIRO ETRIBUTÁRIO DENTRO DO ESTADO FISCAL

2.1- Conceito e característica do DireitoFinanceiro

A partir da idéia do Estado Social de Direito até osdias atuais, correspondente ao Estado Democrático e Social deDireito, desenvolveu-se uma atuação estatal que passou a serobservada e regida pelo Direito Financeiro, tratando-se este deum sistema pluralista e dividindo-se em diversos ramos edisciplinas. Vejamos a definição de Ricardo Lobo Torres:

O Direito Financeiro é o conjunto de normas eprincípios que regulam atividade financeira. Incumbe-lhe disciplinar a constituição e a gestão da FazendaPública, estabelecendo as regras e procedimentospara a obtenção da receita pública e a realizaçãodos gastos necessários à consecução dos objetivosdo Estado.17

Assim, a atividade financeira tem um papelfundamental para o atendimento das necessidades públicas18 .É através desta atividade que se realiza uma receita pública eregula-se a administração do produto da arrecadação,analisando, ainda, as possibilidades de investimentos e figurandocomo a definidora dos gastos públicos. Logo, podemos verificarque as necessidades públicas são um resultado de uma políticados governantes, no qual dentre as inúmeras necessidadescoletivas existentes na sociedade, àquelas são satisfeitas, ouseja, concretizadas, por meio de uma atividade pública.

O Direito Financeiro divide-se em relação às receitaspúblicas em: Direito Tributário (fruto de maiores observações),Direito Patrimonial Público (disciplina a receita originária do

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próprio patrimônio público)19 e Direito do Crédito Público (regulaa emissão dos títulos públicos e a captação de empréstimo).Quanto às despesas públicas em: Direito da Dívida Pública(compreende a disciplina da dívida do Estado) e Direito dasPrestações Financeiras. E, por último, em Direito Orçamentário.Estes dois últimos ramos são complementares ao estudo doDireito Tributário.

Antes de adentrarmos na análise do ramo do direitotributário e, conseqüentemente, no estudo do tributo e daslimitações ao poder de tributar, precisamos compreender quenão existe poder público formal, logo, não existe poder públicosem renda tributária, uma vez que para tutelar os direitos dasociedade, o Estado tem no tributo sua fonte de receita pública.É exemplar as análises feitas pelo professor da Faculdade deDireito da Universidade de Coimbra, José Casalta Nabais, quepasso a citar:

Os direitos, todos os direitos, porque não são dádivadivina nem frutos da natureza, porque não são auto-realizáveis nem podem ser realisticamenteprotegidos num estado falido ou incapacitado,implicam a cooperação social e a responsabilidadeindividual. Daí que a melhor abordagem para osdireitos seja vê-los como liberdades privadas comcustos públicos. Na verdade, todos os direitos têmcustos comunitários, ou seja, custos financeirospúblicos. Têm, portanto, custos públicos não só osmodernos direitos sociais, aos quais, toda a gentefacilmente aponta esses custos, mas tambémcustos públicos os clássicos direitos e liberdades,em relação aos quais, por via de regra, tais custostendem a ficar na sombra ou mesmo noesquecimento. Todos os direitos têm, assim, porsuporte, meios financeiros públicos ou, noutraspalavras, atenda a natureza fiscal do estadocontemporâneo, todos os direitos têm por suportefundamentalmente a figura dos impostos20 .

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Todavia, o tributo só é uma garantia do cidadãoquando validamente previsto na lei. Sendo assim, a criação ecobrança dos tributos não são atos discricionários e de livrearbítrio, mas, sim, atos necessariamente vinculados à lei, umavez que desta é que extraimos a competência de tributar.

No Estado constitucional moderno, o poder tributáriodeixa de ser um poder de fato, mera relação tributáriade força para converter-se num poder jurídico quese exerce através de normas. Esgota-se a relaçãode poder a partir do momento em que o Estadoexerce, no âmbito da Constituição, o seu podertributário e o faz por meio do instrumento de lei formale material, ato do poder legislativo21 .

2.1.2- Ramo do Direito Tributário

Grande relevância é dada ao Direito Tributário, poisé o ramo mais desenvolvido destes supramencionados.Importante destacar que o Direito Tributário é tambémdenominado como Direito Fiscal. Neste trabalho, usaremos aexpressão Direito Tributário, uma vez que também se atribui aoDireito Fiscal um conceito mais amplo, abrangendo todas asatividades do fisco, no qual inclui os relativos aos gastos públicos.

O professor Alfredo Augusto Becker afirma no seulivro22 que o Direito Tributário deriva da idéia de sociedade e bemcomum. Para este, e aqui fazemos referência, é o Estado o únicoresponsável por proporcionar à sociedade segurança e proteçãoaos direitos do povo. Em complemento a essa afirmação, nãopodemos deixar de compreender o Direito Tributário como oramo jurídico orientado por valores que afetam o direito dacoletividade, no qual o Estado dentro de suas novas atribuiçõese deveres deverá encontrar uma forma de custeio dasdenominadas despesas públicas. O tributo23 , então, surge comouma espécie de receita do Estado.

Na verdade, o tributo surge como uma espécieprincipal de receita que juntamente com as demais receitas,exemplo das patrimoniais, irão suprir as necessidades de

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recursos financeiros do Estado, daí a idéia de um Estado Fiscalou Estado Tributário. Fazemos referência à concepção doprofessor Celso Ribeiro Bastos que didaticamente classifica asreceitas do Estado como, originárias, as advindas do seu própriopatrimônio, e, derivadas, fruto da arrecadação de tributos,decorrente de lei, e, independente da vontade das pessoas decontribuírem para o custeio da atividade estatal.

Verificamos, portanto, que dentro da idéia do EstadoFiscal lhe será inerente a existência do tributo como uma dasprincipais fontes de arrecadações aos cofres públicos, mesmoque em proporções distintas, como já abordado em tópicosanteriores, no Estado Fiscal Minimalista até os dias atuais, doEstado Social e Democrático Fiscal.

Todavia, o tributo, objeto de arrecadação, não podeser visto como mero poder para o Estado, nem muito menos,como mero sacrifício para o cidadão, mas, sim, como meioindispensável para a vida em comunidade. Neste ponto, é degrande valor a lição de Roque Antônio Carraza, para o qual “ocontribuinte mantém uma relação de igualdade jurídica (não desubordinação) com o fisco e de que ambos têm direitos e deveresrecíprocos”.24

Visto isso, extraimos que o tributo, quandovalidamente previsto em lei, não é um meio de coerção utilizadopelo Estado sobre os indivíduos da sociedade, mas, sim, uminstrumento fundamental de defesa do Estado Social eDemocrático de Direito. Entretanto, não restam dúvidas que osresponsáveis pelo gerenciamento das atividades públicas, sejaquando da arrecadação de recursos (receitas públicas), ouquando da distribuição dos gastos (despesas públicas), devemser necessariamente norteados pelos princípios constitucionaisda Legalidade, Moralidade, Impessoalidade, Publicidade eEficiência25 . Ao contrário, descaracterizaria toda a finalidade quedeve orientar uma política tributária. Portanto, os tributospossibilitam que o Estado atinja os objetivos e princípios tuteladosna Constituição, tais sejam, a garantia de acesso à educação, àsaúde, à cultura, à segurança, à vida, etc. Direitos estes,subjetivos, próprios, tutelados pela Lei Maior, e perfeitamenteoponíveis contra o Estado em caso de algum desrespeito

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praticado por este. Com brilhantismo, o mesmo autor, asseveraque a Constituição Federal outorgou a todos os cidadãos umaproteção geral.

De fato, a Constituição confere, a toda e qualquerpessoa, vários direitos, irrenunciáveis eimprescritíveis, concernentes à vida, à liberdade, àigualdade, à segurança e à propriedade. O exercíciode tais direitos cria situações jurídicas ativas, quesão verdadeiros direitos subjetivos, oponíveis aqualquer pessoa, inclusive ao Estado.26

Entretanto, para que o Estado possa atender aosditos direitos subjetivos de toda a sociedade, é primordial quehaja uma tributação. O que significa que os impostos “são umpreço que todos, enquanto integrantes de uma dada comunidadeorganizada em estado (moderno), pagamos por uma sociedadecivilizada”.27 Todavia, a contribuição deve ter limites na liberdadedo cidadão e na idéia de solidariedade, portanto não bastacontribuir para cobrir as suas necessidades individuais, ou seja,a sua concepção de utilização dos serviços públicos, uma vezque o Estado social busca atender, igualmente, os interessesda coletividade.

2.1.3- Função Fiscal e Extrafiscal

O Estado Fiscal é regido por normas tributárias quevisam tanto a obtenção de receitas, como, também, normas quegalgam atingir objetivos de ordem diversa: econômico e social.Assim, o Estado passa a ter uma função fiscal aplicadaindistintamente a toda a coletividade e preocupada apenas coma arrecadação e concretização das receitas, e uma funçãoextrafiscal, visando estimular determinada atividade, grupo ouvalor jurídico.

Destacamos o entendimento do professor AlfredoAugusto Becker, no qual um maior intervencionismo estatal naordem social e na economia privada é necessidade inadiável,pois só deste modo se restituirá à pessoa humana a sua

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dignidade.

A principal finalidade de muitos tributos (quecontinuarão a surgir em volume e variedade sempremaiores pela progressiva transfiguração dos tributosde finalismo clássico ou tradicional) não será a deum instrumento de arrecadação de recursos para ocusteio das despesas públicas, mais a de uminstrumento de intervenção estatal no meio social ena economia privada.28

Ratificamos o pensamento do professor, contudo,com uma ressalva, pensamos que a intervenção estatal no meiosocial e na economia privada deve ser efetuada com muita cautelae com instrumentos de controle, sob o risco de se tornar umaarma para se atingir interesses de uma minoria privilegiada, emdetrimento da maioria da população.

Através de pareceres, Sacha Calmon juntamentecom Misabel Abreu pontuaram: “Por extrafiscalidade, entende-se o uso do instrumento tributário com objetivo de induzir ouinibir comportamentos humanos, exasperando ou minimizandoou mesmo excluíndo a carga tributária”29 .

Dentro do conceito de extrafiscalidade, temos,portanto, àquelas que concedem benefícios ou aumentam30 , porexemplo, alíquotas de impostos com o fim de promover ou impedircertos comportamentos sociais e econômicos. Leandro Paulsenem citação de José Casalta Nabais afirma que:

A extrafiscalidade em sentido próprio engloba asnormas jurídicos-fiscais de tributação (impostos eagravamentos de impostos) e de não tributação(benefícios fiscais) cuja função principal não é aobtenção de receitas ou uma política de receitas, masa prossecução de objetivos econômicos sociais.31

Analisando esses pontos, podemos perceber aatuação do Estado com objetivo extrafiscal na progressividadedas alíquotas de tributos sobre propriedades improdutivas por

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estarem em desacordo com o plano diretor da cidade, e portanto,não atendendo à função social da propriedade. Há, igualmente,um objetivo extrafiscal, quando o legislador, querendo assegurarcondições neutras para o livre mercado, impõe a proibição dese estabelecer diferenças fiscais em razão da origem e dodestino das mercadorias. Àqueles mesmos doutrinadores,sensatamente, acrescentaram:

Na verdade fiscalidade e extrafiscalidade são finscongênitos. Até mesmo nas situações que exigem‘neutralidade fiscal’, exatamente para estimularcomportamentos em condições iguais,paradoxalmente, pode-se falar em objetivosextrafiscais32 .

Ainda sobre o tema, o professor Paulo de BarrosCarvalho, coerentemente, comentou:

Não existe, porém, entidade tributária que se possadizer pura, no sentido de realizar tão só a fiscalidade,ou unicamente, a extrafiscalidade. Os dois objetivosconvivem, harmônicos, na mesma figura impositiva,sendo apenas lícito verificar que por vezes, umpredomina sobre o outro.33

Desta afirmativa concluimos que o Estado, dentrode uma política moderna, buscará adequar-se a sua função fiscalclássica, que como já visto, extremamente necessária para ocusteio das despesas do Estado, conjuntamente, a uma funçãoextrafiscal, oriunda com características próprias no EstadoSocial, e reajustada aos postulados do Estado SocialDemocrático, para qual o Estado deve sim possuir uma políticaextrafiscal voltada para os fins sociais e econômicos, porém deveadequar-se a um maior controle fiscalizatório desse recentepapel. Sobre isso, importante avanço que podemos destacar foicom o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal34 .

A Constituição Federal, art.151, I, autorizouexpressamente o uso da função extrafiscal, contudo, a Lei Maior,

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quando interpretada e aplicada, não pode ser feita isoladamente,pois, todos os seus dispositivos devem ser analisados comoum todo, ou seja, como partes integrantes fundamentais para oalcance dos seus objetivos. Dito isso, não resta dúvida que aextrafiscalidade deve respeitar, sob pena de ofensa àConstituição, os princípios por esta protegidos, quais sejam, àlegalidade, à isonomia, à igualdade, à capacidade econômica, àseletividade, etc. Estes princípios, conjuntamente, tem como fim“a construção de uma sociedade justa e solidária, que funda oEstado Democrático de Direito, objetivo maior, consagrado noart.3º da Carta Magna”35 .

Dentro desse novo contexto, surge a figura dosincentivos fiscais regionais com a finalidade de fortalecer aeconomia desigual das diversas regiões do país, atuando comoum instrumento estatal para impulsionar as suas principaisatividades. Aparecem, assim, as normas de estímulo, tambémdenominadas de promoção, com papel assistencial, reguladore empresarial.

3- FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DOINCENTIVO FISCAL REGIONALIZADO

3.1- Análise do art.151, I, da CF/88.

O Direito Financeiro e, conseqüentemente, oDireito Tributário são regulados pela Constituição Federal36 ,sendo esta, a responsável pela criação do Código TributárioNacional; estabelece as limitações ao poder de tributar; anunciaos principais princípios relacionados com a matéria; define apartilha das receitas públicas; dispõe sobre o crédito público;versa sobre o orçamento e a fiscalização da execuçãoorçamentária.

A Constituição Federal de 1988 inovou ao trazerexpressamente em seu texto a possibilidade de concessão deincentivo fiscal regionalizado, desde que destinado a promovero equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre asdiferentes regiões do País. Na verdade, ao inserir o benefício noseu art.151, I, a carta magma demonstrou o seu papel relevante,

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no qual os beneficiários têm que estarem enquadrados dentrode requisitos formais e em consonância com as finalidadestuteladas na constituição, in verbis:

Art.151 É vedado à União:I- instituir tributo37 que não seja uniforme em todo oterritório nacional ou que implique distinção oupreferência em relação a Estado, ao Distrito Federalou a Município, em detrimento de outro, admitida aconcessão de incentivos fiscais destinados apromover o equilíbrio do desenvolvimentosocioeconômico entre as diferentes regiões do País;

O art.151, I, está localizado dentro do título VI, CapituloI, Seção II “Das Limitações do Poder de Tributar” da atualConstituição Federal, por esta razão passamos a entender osincentivos fiscais ali inseridos como uma hipótese de limitaçãoao poder de tributar, uma vez que confere à União poder para‘concessão de incentivos fiscais destinados a promover oequilíbrio do desenvolvimento socio-econômico entre asdiferentes regiões do País’.

Em regra, à luz do princípio da capacidadeeconômica, só são possíveis discriminações em razão do valor,no qual o contribuinte só pode ser compelido a pagar seustributos, na forma de sua capacidade de gerar renda. Aplica-se,então, o Princípio da Isonomia Tributária quando os respectivoscontribuintes encontrarem-se em situações iguais, lê-se, aigualdade38 consiste em tratar igualmente os iguais edesigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.Neste ponto, é salutar os ensinamentos do Professor SoutoBorges sobre o tema:

A doutrina predominante ensina que a preceituaçãoda igualdade perante a lei constitui um princípio deordem formal e material.O aspecto formal do princípio da isonomia consisteem impedir o desigual tratamento de pessoas, sobos mesmos pressupostos de fato (desigualdade

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jurídica de fato).Sob o aspecto material, entretanto, o princípio daisonomia exclui qualquer transgressão a direitolíquido e certo, como uma aplicação manifestamenteantijurídica da lei e, especialmente, umainterpretação inconciliável com o único sentidopossível da lei, ou adotada por mero fiscalismo(desiguladade jurídica material ou verdadeiroarbítrio)39 .

Sendo assim, são proibidas quaisquerdiferenciações em razão do lugar, logo, o tributo deverá ser omesmo independente do local da atividade ou da sede dos bens,desde que dentro do território nacional40 . Vale transcrever aspalavras do saudoso mestre Aliomar Baleeiro em suasfundamentais considerações:

A unidade política do país, cuja manutenção e defesa,repetida e enfaticamente, se exigem, sob juramento,ao primeiro magistrado (art.76 da CF de 1969), seriabem precária se o território nacional nãorepresentasse um todo do ponto de vista econômico.Certamente muito pode as origens históricas, astradições, a língua, a religião, os costumes, todosos valores morais e espirituais, mas os interesseseconômico de que o país todo constitua um mercadointerno comum, sem barreiras de qualquer naturezapara a produção doméstica, é e será sempre umdos mais sólidos elos da unidade nacional. Nenhumaindustrialização do país, por exemplo, será possívelde modo geral se não com alicerces seguros nessemercado interno. E ele, como bloco, deverá enfrentara competição internacional, assegurando o equilibriodo balanço de pagamento.Os tributos federais deverão guardar uniformidadedo ponto de vista geográfico, inclusive no que serelaciona com o tratamento fiscal dos portos,aeroportos, rodovias e alfândegas.

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Em consequência dessa uniformidade, asdiscriminações dos tributos limitar-se-âo a critériospessoais, reais, ou de valor, mais nunca de lugar.Dentro da mesma categoria, ninguém pagará oimposto federal, numa região, em base maior do queem outra. O habitante de qualquer municipio temdireito a igualdade de tratamento tributário federal,que o não distinga do resto do país.Em princípio, nenhuma redução ou isenção fiscal,geograficamente restrita, pode ser votada pelocongresso, a título de estímulo da produção emzonas atrasadas, ou sob qualquer outro pretexto41 .

Daí extraimos que o art.151, I, do dispositivoconstitucional supracitado, traz uma exceção à regra,autorizando discriminações desde que presentes os seguintesrequisitos:

Tratar-se de um incentivo fiscal regional; em favorde região ou regiões mais pobres e menosdesenvolvidas; o incentivo, de modo algum, pode seconverter em privilégio das oligarquias das regiõespobres, mas se destina a promover odesenvolvimento socioeconômico daquela regiãomais atrasada42 .

Como se infere, a Constituição Federal ditou osparâmetros dentro dos quais, se pode diferenciar, distinguir eexcepcionar. É o que o os ilustres Sacha Calmon e Misabel Abreudenominaram de contraprincípio, advertindo:

Uma vez tendo sido valorado e escolhido ocontraprincípio pela própria constituição, nem cabeao aplicador do direito, nem ao legislador modificá-lo, alterá-lo, nem tão pouco expandi-lo com outrasexceções, seria substituir a vontade constitucionalpela vontade legal ou do intérprete43 .

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Estes autores esclarecem, portanto, que o princípioda igualdade proíbe o arbítrio, ou seja, não cabe o simples quererdo legislador, este deve dirigir seus atos com valoração razoávelou ao menos justificável. No dispositivo constitucional emquestão, é evidente a exposição do princípio da uniformidade dotributo federal, mas, igualmente, explícito, é também, o‘contraprincípio’, ou seja, os requisitos para que sejam criadosos incentivos fiscais.

Ora, não resta dúvida que a exceção trazida no textodo art. 151, I, da CF/88, não tem o intuito de trazer prejuízos àigualdade de tratamento tributário federal. Tampouco, ofender oPrincípio Federativo, ao contrário, é um instrumento que buscao equilíbrio econômico e social entre as regiões do País e quevem sendo pouco utilizado por nossos legisladores federais.

Todavia, estes, diante da gritante desigualdaderegional, devem observar que as “quebras, exceções oudiferenciações feitas por lei federal entre Estados, Municípios ouRegiões devem repousar em uma justificação razoável, que seexpliquem por um critério de justiça, sob pena de configuraremarbítrio, constitucionalmente vedado”44 .

É necessário entender que o legislador constituinte,busca a todo tempo trazer a idéia do Estado Social e Democráticode Direito, que só se concretizará de forma efetiva, e, enfim,sairá do papel e de discussões doutrinárias, a partir damanifestação da vontade daqueles que detêm a competência,atribuída pelo povo, de realizá-las.

3.2- Adequação ao princípio da uniformidade doterritório nacional

O art.151, I, além de trazer a previsão da concessãode incentivo fiscal regionalizado consagra segundo Paulo deBarros Carvalho45 o Princípio da Uniformidade Geográfica ouTerritorial como mais uma confirmação ao postulado federativoe o Princípio da Isonomia Tributária. Porém, como adequarmosa idéia de uniformidade tributária com os incentivos fiscais?

Cabe ressaltar que as Constituições anteriores, de1934, 1937, 1946, e 1967, já consagravam o princípio da

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uniformidade territorial. Todavia, deve ser lembrado que com aProclamação da República, ocorrida em 15.11.1889, surge,conjuntamente, a idéia de Federação, porém, lamentavelmente,esta “nasce nos braços da ditadura e do golpe de Estado militar”.Até o advento da CF/88, o Brasil presenciou no séc.XX a duraçãodas quatros repúblicas e de três ditaduras (duas civis, a da pós-revolução de 30 e a do Estado Novo, ambas de Getúlio Vargas,e uma militar, a dos generais, que desferiram o golpe de 1964, eque durou mais de vinte anos).

Entretanto, apenas a Constituição Federal de 1988positivou o instituto do incentivo fiscal regional, como exceção àuniformidade territorial, demonstrando mais uma vez a marcantecaracterística deste novo Estado Democrático e Social de Direito:ser um instrumento jurídico de defesa do cidadão, com normase princípios constitucionais de direitos sociais.

Têm-se, ainda, antes mesmo da promulgação daatual Constituição Federal, o Código Tributário de 1966, que emseu art.10, já vedava à União instituir tributo que não seja uniformeem todo o território nacional, ou que importe distinção oupreferência em favor de determinado Estado ou Município.

Portanto, em consonância com o Princípio Federativotodos os Estados-membros estão em pé de igualdade, ou seja,os tributos devem ser uniformes a todos os habitantes do país,sendo assim qualquer discriminação é tida como inconstitucional.Verifica-se, em uma leitura literal do dispositivo tributário, que“nenhuma redução, isenção ou majoração de tributo federalpoderá ser concedida pelo Congresso, a título de estímulo daprodução em zonas subdesenvolvidas ou sob outro pretextoponderável”.46

Entretanto, vale mencionar que os legisladores apartir da constituição de 1946 já se valiam das chamadasintervenções econômicas regionais, como se vê na criação pelaLei nº 1.806/53 da Superintendência para Execução do Plano daValorização Econômica da Amazônia – SPVEA e, posteriormente,da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia -SUDAM47 criada pela Lei nº 5.173/66, assim como na região daSUDENE48 . Foi o que o professor Paulo Bonavides denominoude “a era dos organismos regionais”, que sob a forma jurídica de

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autarquias e de sociedades de economias mistas, servem deinstrumento à concretização da política federal de intervençãoeconômica direta em várias regiões do País, tendo comofinalidade propagar o crescimento econômico e elevar o poderaquisitivo das populações empobrecidas, principalmente, doNorte e Nordeste, e, conseqüentemente, ampliar o mercadointerno do país.

Tem-se entendido e praticado, sem reações, que aUnião pode outorgar incentivos fiscais, naturalmentediscriminatórios, em favor do desenvolvimento dasáreas atrasadas, em proveito da homogeneidadeeconômica do país e da expansão do mercadointerno. Tais incentivos, como os favores do impostode renda no polígono da Sudene, afinal, revertem parao crescimento econômico de todo o País e beneficiamcontribuintes do sul também, quer diretamente pelasreduções fiscais por eles ganhas, quer pela ampliaçãodo mercado interno por obra da elevação do poderaquisitivo das populações empobrecidas doNordeste, Norte e Leste.49

Diante dessas práticas a Constituição Federal de1988 manteve a consagração do Princípio da UniformidadeTerritorial, porém, positivando o uso de incentivos fiscais e fixandoparâmetros (tratar-se de um incentivo fiscal regional; em favorde região ou regiões mais pobres e menos desenvolvidas; oincentivo, de modo algum, pode se converter em privilégio dasoligarquias das regiões pobres, mas se destina a promover odesenvolvimento socioeconômico daquela região mais atrasada)a serem observados obrigatoriamente pelos nossos legisladoresordinários, sob pena de afronta direta à Constituição e,conseqüentemente, ao Sistema Tributário.

3.3- Tentativa frustrada de aplicabilidade doart.151, I da CF/88

3.3.1- Inconstitucionalidade da Lei nº 8393/91

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Podemos afirmar que a Lei nº 8.393/91 foi umatentativa, no nosso ponto de vista, frustrada, feita pelo legisladorfederal, de aplicação da regra do art.151, I da CF/88, permitindoa cobrança de alíquotas diferenciadas sobre o Imposto deProdutos Industrializados (IPI) do açúcar. É também,praticamente, o exemplo que se encontra na doutrina e najurisprudência dos tribunais superiores quando do estudo e daaplicabilidade do dispositivo constitucional supracitado.

Vale enfatizarmos que, antes do advento da referidalei, o Imposto de Produtos Industrializados (IPI) sobre o açúcartinha uma alíquota de 0% em todo o território nacional, talpercentagem tinha como fundamento o princípio da seletividade,por se tratar de um gênero de primeira necessidade. Com aentrada de vigência da Lei nº 8.393/91, elevou-se a alíquota doIPI, sobre a saída do açúcar, de 0% para 18%, atingindo aprodução de todos os Estados, porém, foi concedida a isençãona área de atuação da SUDENE e da SUDAM e alíquota reduzidaem 50%, ou seja, alíquota de 9%, para os Estados do Rio deJaneiro e do Espírito Santo.

Neste caso, é visível a afronta direta à ConstituiçãoFederal, visto que o dispositivo constitucional, como regra, nãopermite o estabelecimento de regimes tributários diversos entreas várias regiões, só autoriza discriminações excepcionais desdeque presentes certos fatores. Além disso, como falar em incentivofiscal regional, se o que ocorreu foi uma oneração sobre a alíquotado imposto do IPI sobre o produto do açúcar para a maior partedo país, e um benefício para algumas áreas, sem levar emconsideração a clássica divisão regional do País.

Não é difícil de perceber que, com o aumento dealíquota, os produtores de açúcar dos Estados de Minas Gerais,São Paulo, Santa Catarina, etc, para cobrirem esta nova despesa,terão que repassar para o seu custo final de produção, atingindo,conseqüentemente, os consumidores das regiões nãoprodutoras. Ao invés de um incentivo com finalidade dedesenvolvimento regional, o que se configura é um aumento decarga tributária.

No caso exposto, temos uma ofensa frontal ao texto

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constitucional que veda a instituição de tributo que não sejauniforme em todo território nacional ou que implique distinção oupreferência em relação a Estado. É evidente que a lei privilegiouos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, levando emconta que não respeitou os parâmetros constitucionais jáassinalados, desvirtuando, portanto, a finalidade da Lei Maior.Além disso, as áreas de atuação da Sudene e da Sudam,também, não englobam todos os Estados das respectivasregiões, o que nos aparenta ter o legislador ordinário suafundamentação, não no art. 151, I, da Carta Magna, mas nos jácitados antigos meios de intervenção econômica.

Ora, o que se verifica é uma espécie de incentivosetorial, ou seja, aquele que visa estimular “certo ramo deatividade50 , não importa o local onde se dê, não podendo distinguirentre pessoas que se encontram em igualdade de condições,de situações ou que se enquadrem na política de governo”51 .Muito distinto do incentivo regional tutelado no referido dispositivoque “busca o desenvolvimento socioeconômico de determinadaregião do País, região essa constitucionalmente pressuposta eque congrega Estados e Municípios por suas característicasgeofísicas, sociais e macroeconômicas”52 .

Visto isso, é de suma importância buscarmosentender o que o legislador, ao admitir ‘a concessão de incentivosfiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimentosócio-econômico entre as diferentes regiões do País’, entendiasobre o campo de abrangência da expressão “regiões”.

É certo, sem a menor dúvida, que o territórioBrasileiro é dividido geograficamente em cinco regiões: Sudeste,Sul, Norte, Nordeste, Centro-Oeste. A própria Constituição emseu artigo 159, I, “c”, utiliza da expressão “regiões Norte, Nordeste,e Centro-Oeste”. Igualmente, o próprio professor PauloBonavides, em sua obra, A Constituição Aberta, pontuou: “O Brasilacha-se, doravante, dividido de maneira oficial em cinco extensasRegiões”53 . E ainda, o próprio Estado do Tocantins foi inseridode forma precisa na região Norte, conforme dispõe o art. 13, §1ºdo ADCT, “O Estado do Tocantins integra a região Norte...”.Portanto, não resta dúvida que “o nome região tem umadelimitação pressuposta, aceita e incorporada pela

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Constituição”54 .Daí podemos concluir que a Lei nº 8.393/91 ao elevar

a alíquota do IPI, beneficiando os estados do Rio de Janeiro e doEspírito Santo, sem levar em conta os demais estados darespectiva região que estes se inserem, e evidentemente nãoter como beneficiário uma região pobre e atrasada, ofendeufrontalmente à Constituição.

Ora, o que o art. 151, I, autoriza é tão somente oincentivo regional. Não obstante, as diferenciaçõesda Lei nº 8.393/91 nem configuram incentivo, poiscriam tributação setorial antes inexistente, nemobedecem ao critério regional, inaugurando exceçõesdentro da mesma região, elegendo, sem nenhumajustificação, unilateralmente, Estados da Federação(como o Rio de Janeiro e o Espírito Santo) comoregiões, em detrimento dos demais, ou de outrosainda mais pobres.Assim, não podendo haver tributação sobre gênerode primeira necessidade, graças ao princípio daseletividade, nem tributo federal que não sejauniforme em todo o País, as alíquotas diferenciadasda Lei nº 8.393/91 não são incentivo regional, masconfiguram apenas:• um favor setorial, concedido aos industriais doaçúcar de cana, situados nas áreas de atuação daSudene e da Sudam, do Rio de Janeiro e do EspíritoSanto;• do qual foram excluídos outros industriais emigualdade de condições e do mesmo ramo setorialde atividades, em ofensa objetiva direta ao art. 5º eao art. 151, I, da Constituição Federal55 .

3.3.2- Posição atual do STF sobre a Lei nº 8.383/91

É lamentável, contudo, que este não seja oentendimento do Supremo Tribunal Federal. Para a Corte Maior,não há que se falar em inconstitucionalidade do art.2º da Lei nº

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8.383/91, ou de sua regulamentação pelo art. 1º do Dec. nº 2092/96, por ofensa aos principios da Federação, da Igualdade, daUniformidade, da Seletividade do produto, da Livre Concorrênciae da Moralidade Administrativa, uma vez que estes princípiosconstituicionais elencados tem de ser aplicados emconformidade com o preceito do art.151,I, da ConstituiçãoFederal. Vale transcrever a decisão do Supremo Tribunal Federala respeito:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPI. CONCESSÃODE BENEFÍCIOS. ALÍQUOTAS REGIONALIZADAS.LEI 8.393/91. DECRETO 2.501/98.ADMISSIBILIDADE. 1. Incentivos fiscais concedidosde forma genérica, impessoal e com fundamento emlei específica. Atendimento dos requisitos formaispara sua implementação. 2. A Constituição na partefinal do art. 151, I, admite a “concessão de incentivosfiscais destinados a promover o equilíbrio dodesenvolvimento sócio-econômico entre asdiferentes regiões do país”. 3. A concessão de isençãoé ato discricionário, por meio do qual o PoderExecutivo, fundado em juízo de conveniência eoportunidade, implementa suas políticas fiscais eeconômicas e, portanto, a análise de seu méritoescapa ao controle do Poder Judiciário. Precedentes:RE 149.659 e AI 138.344-AgR. 4. Não é possível aoPoder Judiciário estender isenção a contribuintes nãocontemplados pela lei, a título de isonomia (RE159.026). 5. Recurso extraordinário não conhecido.(STF, 1ª Turma, um., RE n. 344.331, rel. Min. EllenGracie, fev/03).

Em decisão mais recente, igualmente, a SupremaCorte se manifestou:

DECISÃO: 1. Trata-se de agravo de instrumentocontra decisão que indeferiu processamento derecurso extraordinário interposto contra acórdão doTribunal Regional Federal da 1ª Região e assim

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ementado: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO EPROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO SOBREPRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. INCIDÊNCIASOBRE AÇÚCAR. PRINCÍPIOS DA SELETIVIDADE,UNIFORMIDADE E DA IGUALDADE.CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTIGOS 43, § 2º, III E153, § 1º, CTN, ART. 46, LEI 8.393/91. DECRETONº 420, DE 13/01/92, ARTIGO 1º. INADEQUAÇÃODA VIA MANDAMENTAL PARA DISCUSSÃO SOBREO ENQUADRAMENTO DA REEMBALAGEM DEPRODUTOS COMO PROCESSO PRODUTIVO. I.A Portaria 189, de 5 de julho de 1.995, ao eliminar apolítica unificada de preços do açúcar e do álcool,só teve o condão de extinguir o teto fixado no art. 2ºda Lei 8.393/91, não interfirindo sobre as alíquotasfixadas com base no art. 153, § 1º, da ConstituiçãoFederal, não extraindo, dessarte, a eficácia doDecreto 420, de 13 de janeiro de 1.992. II - Permitindoa Constituição Federal o tratamento fiscaldiferenciado para redução das desigualdadesregionais, não há inconstitucionalidade, porinfringência do preceito isonômico, na distinçãotributária em razão da procedência ou destino doproduto, com este objetivo. III - A alíquota de dezoitopor cento, considerando a variação das alíquotas doIPI (zero a 365,63%), consubstancia um tratamentofiscal seletivo para o açúcar, em face de o mesmocompor a cesta básica. IV - O mandado desegurança não é a via adequada para discussãosobre o enquadramento de processo produtivo, parfins da incidência do IPI. V - Remessa oficial provida.”( fls. 81) Sustenta a recorrente, com fundamento noart. 102, III, a, da Constituição Federal, ter havidoviolação aos artigos 151,I e 153, § 3º, I, daConstituição Federal. 2. Inviável o recurso. Em casoanálogo, assim decidiu esta Corte: RECURSOEXTRAORDINÁRIO. IPI. CONCESSÃO DEBENEFÍCIOS. ALÍQUOTAS REGIONALIZADAS. LEI

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8.393/91. DECRETO 2.501/98. ADMISSIBILIDADE.1. Incentivos fiscais concedidos de forma genérica,impessoal e com fundamento em lei específica.Atendimento dos requisitos formais para suaimplementação. 2. A Constituição na parte final doart. 151, I, admite a “concessão de incentivos fiscaisdestinados a promover o equilíbrio dodesenvolvimento sócio-econômico entre asdiferentes regiões do país”. 3. A concessão de isençãoé ato discricionário, por meio do qual o PoderExecutivo, fundado em juízo de conveniência eoportunidade, implementa suas políticas fiscais eeconômicas e, portanto, a análise de seu méritoescapa ao controle do Poder Judiciário. Precedentes:RE 149.659 e AI 138.344-AgR. 4. Não é possível aoPoder Judiciário estender isenção a contribuintes nãocontemplados pela lei, a título de isonomia (RE159.026). 5. Recurso extraordinário não conhecido”.(RE nº 344.331, Rel. Min. ELLEN GRACIE, PrimeiraTurma, DJ de 14.03.2003. No mesmo sentido, cf.RE nº 328.509, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJde 01.07.2003). Mais recentemente, a PrimeiraTurma, no julgamento do AI nº 515.168-AgR-ED, deminha relatoria, julgou constitucional a fixação depercentual de 18% para certas regiões, como sepode ver à seguinte ementa: “TRIBUTO. Impostosobre produtos industrializados. IPI. Alíquota.Fixação. Operações relativas a açúcar e álcool.Percentual de 18% (dezoito por cento) para certasregiões. Art. 2º da Lei nº 8.393/91. Ofensa aos arts.150, II, 151, I, e 153, § 3º, I, da CF. Inexistência.Finalidade extrafiscal. Constitucionalidadereconhecida. Improvimento ao recurso extraordinário.Não é inconstitucional o art. 2º da Lei federal nº 8.393,de 30 de dezembro de 1991. 3. Ante o exposto, negoseguimento ao agravo (arts. 21, § 1º, RISTF, 38 daLei nº 8.038, de 28.05.1990, e 557 do CPC). Publique-se. Int.. Brasília, 25 de maio de 2006. Ministro CEZAR

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PELUSO Relator (AI 392316/MG, DJ 07.06.2006, PP-00018).

Como se infere das decisões acima, o SupremoTribunal Federal vem fundamentando e negando seguimento atodos os recursos extraordinários sobre o tema, entendendo sera concessão de incentivo fiscal (isenção) um ato discricionário,em que a análise de seu mérito escaparia do poder judiciário.Data vênia, pensamos ser a matéria objeto de um estudo maisaprofundado.

Para uma melhor compreensão devemos extrair doDireito Administrativo os elementos do Ato Administrativo. Oprimeiro elemento é o sujeito competente, ou seja, todo aqueleque exerce uma função pública. A fonte da competência é a leiou a constituição, não sendo possível presumir, logo, oadministrador só pode fazer aquilo que está previsto na lei. Osegundo, a forma, prevista necessariamente na lei, possuindocomo condição da forma, a motivação, explicação, justificativa,para a prática de qualquer ato administrativo. O terceiro elementoé o motivo legal, que se traduz em fato e fundamento jurídico. Oquarto é o objeto (lícito, possível e determinado), que será oresultado prático do ato administrativo. E, por último, temos oquinto elemento, a finalidade, que deve refletir o interesse público,é o denominado resultado mediato.

Visto isso, cabe entender que o ato discricionário nãoé na sua integralidade, discricionário. Sendo assim, todos osatos discricionários são vinculados nos elementos quanto acompetência, forma e finalidade. Logo, concluimos que adiscricionariedade do ato administrativo encontra-se presenteem seu motivo e objeto, é nesses elementos que o administradorpode fazer a sua valoração de conveniência e oportunidade.

É importante frisar que a conveniência e oportunidadesão exatamente o mérito do ato administrativo. Realmente, quantoa estes, o poder judiciário está impedido de analisá-los, umavez que o poder executivo tem a liberdade de escolha, ou seja,faz um juízo de valor. Contudo, se o motivo e o objeto, assimcomo, os demais elementos do ato administrativo, a competência,forma e finalidade, estiverem ofendendo a legalidade, caberá sim,

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ao poder judiciário averiguar. Deverá, sim, verificar se a condutado legislador foi razoável e proporcional. Logo, se por exemplo,o motivo foi falso, haverá incompatibilidade com a lei, neste caso,com a Lei Maior.

Neste sentido, o professor José Souto Maior Borgesnos oferta a idéia de superlegalidade constitucional em matériatributária:

É a possibilidade de controle jurisdicional pleno dacompatibilidade das normas de direito tributário como ordenamento fundamental do país. È esta uma dasmais importantes decorrências da atuação práticados princípios constitucionais limitadores do exercíciodo poder tributário56

No exemplo citado, o poder judiciário poderá e deveráanalisar se os elementos do ato discricionário realizado pelopoder executivo estão revestidos de legalidade. É certo querestando assim comprovado, aquele não poderá adentrar nomérito da conveniência e oportunidade. Contudo, acreditar quea Lei nº 8.393/91 não ofendeu à Constituição, quando estadetermina que a exceção ao princípio da uniformidade territorialdeve ser baseada estritamente na busca do desenvolvimentosocioeconômico entre as diferentes regiões do País, é recairgravemente em erro, uma vez que só não podemos falar emofensa aos Princípios da Igualdade, da Uniformidade Territorial,do Federalismo, da Seletividade e da Moralidade quando osincentivos fiscais buscarem reduzir as desigualdades regionais,e, conseqüentemente, diminuir a miséria do país, atingindo a tãosonhada justiça social57 .

Concluimos, portanto, que a Lei nº 8.393/91 foi infelizao delimitar os seus contribuintes sem levar em conta aregionalidade. Fato que compromete ainda mais no alargamentodas desigualdades sociais e econômicas do nosso País.

O art.151, I, da Constituição Federal é um dispositivoque deve ser interpretado em harmonia com os demaismandamentos constitucionais, portanto, ao analisarmos a LeiMaior, verificamos em vários momentos o grau de relevância

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dado à regionalização e à busca do seu desenvolvimento.Impossível, pelo dito, ignorar que os incentivos fiscais ali previstonão devem ser mais uma forma de distanciamento deste objetivo.

Todavia, não queremos com isso afastar apossibilidade das concessões de incentivos fiscais estaduaisou municipais, visto que estes devem ser fruto de um estudomais aprofundado dos correspondentes governadores eprefeitos, que devem levar em conta as específicas necessidadespúblicas que estes diariamente se deparam. Ao contrário, o quese deseja é chamar a atenção da União a um papelextremamente importante, e que desde a promulgação da atualConstituição vem sendo tratada com certo descaso pelo entepolítico federal.

3.4- Incentivo fiscal regional: uma resposta dosistema tributário as normas programáticas do art. 3º eincisos da CF/88, e dos seus demais artigos.

Podemos afirmar que a possibilidade de concessãode incentivo fiscal disposto no art.151, I, da CF/88, é uma respostado legislador constituinte, dentro do sistema tributário, às normasconstitucionais previstas no art.3º e seus respectivos incisos,que preceitua:

Art.3º Constituem objetivos fundamentais daRepública Federativa do Brasil:I- construir uma sociedade livre, justa e solidária;II- garantir o desenvolvimento nacional;III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduziras desigualdades sociais e regionais;IV- promover o bem de todos, sem preconceitos deorigem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outrasformas de discriminação.

Este artigo não mantém nenhuma correspondênciacom outros dispositivos das constituições anteriores,demonstrado mais uma vez que a atual Constituição é umainteração do Estado Democrático de Direito com os direitosfundamentais do homem. Sendo assim, consagra a idéia de

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liberdade, justiça e de solidariedade. Com o termo“Desenvolvimento Nacional” extraimos, principalmente, no âmbitoeconômico, a necessidade de recursos materiais para que sepossam atingir melhores condições de vida, proporcionando àsociedade estabilidade, educação, saúde, cultura etc. O professorUadi Lammêgo Bulos complementa afirmando:

O vocábulo é recente na sociologia e na economia,significando a passagem de uma sociedade agráriapara uma sociedade industrial, com aumento doProduto Interno Bruto (PIB) e da renda per capita.Objetiva propor mudanças sociais, privilegiando anação. Normalmente, o desenvolvimento é medidopelo alto grau de alfabetização, pelo consumoelevado de bens de consumo, pelo uso em enormequantidade da energia elétrica, do cimento, dopetróleo, pelo pequeno indíce de mortalidade infantil,pelo sistema hospitalar bem aparelhado e pela boasanitarização pública, pela instalação de grandesindústrias, geradoras de empregos.58

Logo se vê que não há como falar emdesenvolvimento e necessidades, sem antes, levar emconsideração e, em grau de importância, os chamados direitoshumanos59 . Quanto à erradicação da pobreza e damarginalização e a redução das desigualdades sociais eregionais, a única forma de alcançá-las é através dodesenvolvimento social. Assim, uma constituição que pretendeser democrática deve buscar diminuir os indíces de pobreza emiséria.

Entretanto, as normas previstas neste artigo são denatureza programática, ou seja, àquelas que traçam umprograma de ação a ser desenvolvido pelo poder público,destinatário imediato do comando constitucional em pauta. Aopoder público é incumbido o dever de executar, legislar, decidir econtrolar acerca da matéria estabelecida na Constituição. Parao Professor José Afonso da Silva, são normas constitucionaisde eficácia limitada, porém, tem, ao menos, eficácia jurídicaimediata, direta e vinculante, pois, estabelecem um dever para o

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legislador ordinário; condicionam a legislação futura; com aconseqüência de serem inconstitucionais as leis ou atos que osferirem; informam a concepção do Estado e da Sociedade einspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de finssociais, proteção dos valores da justiça social e revelação doscomponentes do bem comum; condicionam a atividadediscricionária da Administração e do Judiciário; criam situaçõesjurídicas subjetivas, de vantagem ou desvantagem.

Diante do exposto, podemos concluir que o poderpúblico federal no uso de suas atribuições deve utilizar asconcessões de benefícios fiscais regionais como meio de atingiros objetivos constitucionais destacados, uma vez que osincentivos fiscais são instrumentos de desoneração tributáriaaprovados pelo próprio ente político autorizado à instituição dotributo, através de veículo legislativo específico, com o propósitode estimular o surgimento de relações jurídicas de cunhoeconômico-social.

A estrutura de cada país é formada pelo conjunto deelementos físicos, materiais, humanos e sociais, que lhe imprimiuma característica própria. Entretanto, em razão dasdiversidades de acontecimentos como desemprego,estagnação, crise em determinado setor, preços vis, faz-senecessário à atuação de uma política fiscal para restaurar ascondições de equilíbrio. No Brasil, em virtude de seu extensoterritório temos um quadro visível de regiões, especificamente,Sudeste e Sul, muito mais avançadas do que as demais regiões,tais sejam, Norte, Nordeste e Centro Oeste. Daí extraimos queo Brasil não pode ter similitudes fiscais, visto que se exige umaadaptação de região para região. A adaptação fiscal, atualmente,vem tutelada pela Constituição Federal através de uma políticatributária de concessões de incentivos fiscais.

É importante frisar que a busca da eqüidade entreas regiões não está prevista apenas no dispositivo do art.3º eart.151, I, da Constituição Federal de 1988. Como ficarádemonstrado, a garantia e a promoção da eqüidade regional sãocaracterísticas marcantes em toda a Carta Suprema, que possuidiversos artigos sobre este tema. De grande valor é a previsãodo art.5º, §1º regulando que as normas definidoras dos direitose garantias fundamentais têm aplicação imediata, logo, abrangerá

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os objetivos fundamentais já pontuados pelo art.3º, reforçandomais uma vez que apesar de serem normas tituladas comoprogramáticas, tem sua aplicação imediata.

Acrescentando a manifesta vontade do constituintena busca de desenvolver as regiões do País, temos também oart. 21, IX, que preceitua como competência privativa da União aelaboração e execução de planos nacionais e regionais deordenação do território e de desenvolvimento econômico e social.No seu art.23, X, parágrafo único preceitua:

Art.23 É competência comum da União, dos Estados,do Distrito Federal e dos Municípios:X- combater as causas da pobreza e os fatores demarginalização, promovendo a integração social dossetores desfavorecidos;Parágrafo único. Lei complementar fixará normaspara a cooperação entre a União e os Estados, oDistrito Federal e os Municípios, tendo em vista oequilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar emâmbito nacional.

Da leitura do dispositivo supra pode-se concluir quea União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm odever de cooperação mútua na execução de tarefas e objetivoscom a finalidade de atingir o bem-estar da sociedade. Sendoassim, enumera as matérias em que haja coincidência deinteresses, retratando bem a idéia de um modelo do federalismocooperativo. Aprofundando mais sobre o tema, o art.43, §1º e§2º, prevê:

Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderáarticular sua ação em um mesmo complexogeoeconômico e social, visando a seudesenvolvimento e à redução das desigualdadesregionais.§ 1º - Lei complementar disporá sobre:I - as condições para integração de regiões emdesenvolvimento;II - a composição dos organismos regionais que

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executarão, na forma da lei, os planos regionais,integrantes dos planos nacionais dedesenvolvimento econômico e social, aprovadosjuntamente com estes.§ 2º - Os incentivos regionais compreenderão, alémde outros, na forma da lei:I - igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itensde custos e preços de responsabilidade do PoderPúblico;II - juros favorecidos para financiamento de atividadesprioritárias;III - isenções, reduções ou diferimento temporário detributos federais devidos por pessoas físicas oujurídicas;IV - prioridade para o aproveitamento econômico esocial dos rios e das massas de água represadasou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitasa secas periódicas.

Sobre este dispositivo o ilustre professor Alexandrede Moraes destacou ser o art.43 como uma norma instrumentalpara efetividade de dois objetivos fundamentais da República,previstos no art.3º, inc.II e III, tais sejam, garantir odesenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e amarginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.Sendo assim, tem como finalidade permitir o auxílio da União aodesenvolvimento de regiões menos favorecidas da federação60 .

Pretendendo evitar abusos, o texto constitucionalexige reserva específica de lei complementar paraas condições para integração das regiões emdesenvolvimento e a composição dos organismosregionais que executarão, na formada lei, os planosregionais, integrantes dos planos nacionais dedesenvolvimento econômico e social, aprovadosjuntamente com estes, demonstrando, assim,pretender a concordância da maioria absoluta dosrepresentantes do povo (Câmara) e dos Estados(Senado). Tal exigência- lei complementar- dificulta

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conluios e favorecimento a determinadas regiões ouEstados em detrimento dos demais e da própriafederação.61

Além desses artigos citados, o art. 48, IV, dispõesobre a atribuições do Congresso Nacional inserindo dentreoutras, dispor sobre todas as matérias de competência da União,inclusive, sobre planos e programas regionais dedesenvolvimento. No art.159, I, “c”, está previsto que sobre oproduto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventosde qualquer natureza e sobre produtos industrializados, a Uniãodisponibilizará três por cento, para aplicação em programas definanciamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste eCentro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráterregional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento.

Temos também a presença da eqüidade entre asregiões no capítulo constitucional ‘Das Finanças Públicas’,art.163, VII, que recomenda a ‘compatibilização das funções dasinstituições oficiais de crédito da União, resguardadas ascaracterísticas e condições operacionais plenas das voltadasao desenvolvimento regional’. Por fim, destaco o seu art.170, VII(Da Ordem Econômica e Financeira) que prevê como um dosprincípios gerais da atividade econômica a redução dasdesigualdades regionais e sociais, juntamente com a soberanianacional; a propriedade privada; a função social da propriedade,a livre concorrência; a defesa do consumidor, e a busca do plenoemprego. Finalizamos este tópico com as palavras ilustres dePaulo Bonavides:

A regionalidade tomou grau hierárquico que a colocoujá no patamar mais alto da Constituição; é matériaprincipal, e os princípios, como se sabe, compõemo tecido mais nobre da Lei Maior, com inviolabilidadereforçada, porquanto, de natureza e essência,infensos à derrogação, até mesmo por via deemenda. Não são eles apenas parte do corpo daConstituição, mas a sua própria essência, seu próprioespírito, sua indestrutível tábua de valores. Ofendê-los significa, por conseguinte quebrantar a

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Constituição, fazê-la em pedaços, dissolver-lhe osvalores, fraturar-lhe a ossatura nomativa. Formamesses princípios o quadro das cláusulasimplicitamente intangíveis do ordenamentoConstitucional, providas da mesma densidade e damesma rigidez da matéria declinada no § 4º art.60da Constituição62 .

Pelo exposto, verificamos que não se pode falar emofensa aos Princípios da Igualdade, da Uniformidade Territorial,do Federalismo, da Seletividade e da Moralidade quando osincentivos fiscais buscarem reduzir as desigualdades regionais,e, conseqüentemente, diminuir a miséria do país. Todavia taisincentivos devem está relacionados a uma contraprestação dosque por eles forem beneficiados, logo o seu tempo de duração,grau de extensão e abrangência estão diretamente ligados aodesenvolvimento trazido com uma melhor capacitação de mão-de-obra, aos investimentos em pesquisas e tecnologias, a umadistribuição de renda entre as regiões, etc. Entretanto, como bemlembrou o professor Paulo Bonavides:

Os Poderes da administração costumam distanciar-se pelo silêncio, pela negligência, pelo despreparo,pela falta absoluta de sensibilidade de seus agentes.Até mesmo uma fria indiferença, provavelmente frutodo cálculo político, faz os membros do corpolegislativo raramente se ocuparem da temáticaregional. Por sua vez, juízes e tribunais não seinclinaram ainda a ver a Constituição por esse ângulonovo de sua dimensão federativa. À primeira vistatal dimensão parece oculta, mas é por inteirodiscernível o seu alcance mediante o emprego deveículos instrumentais e legítimos de interpretaçãoconstitucional63 .

É inconcebível que o texto da Carta Magna disponhasobre as normas, como acima demonstrado, no tocante àsdesigualdades e ao desequilíbrio regionais e sociais, mas nãovenha obtendo do poder legislativo as garantias necessárias para

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sua concretização. Como já acertadamente pontuado por PauloBonavides, são dispositivos que fazem parte da estrutura de todaa Constituição, desrespeitar-los é atingir frontalmente a Lei Maior.Esse também é o pensamento do ilustre doutrinador e professorJosé Souto Maior Borges:

As limitações constitucionais ao poder de tributardevem controlar o funcionamento do poderlegislativo, titular quase exclusivo da competênciaprimária em matéria de tributação, isto é, aquelacompetência que corresponde à faculdade deexercer abstratamente o poder tributário por meioda produção de normas jurídicas e se contrapõe àcompetência tributária complementar dos órgãosadministrativos, que se exerce no plano concreto daatuação da lei tributária. De maneira que, peloconfronto do exercício do poder de tributar com oslimites que lhe são postos na Constituição Federal,através das normas e princípios constitucionaisreitores da tributação, efetivar-se-á o controle daconstitucionalidade das normas tributárias64 .

Sendo assim, em virtude da supremaciaconstitucional na pirâmide normativa, se o legislador for omisso,assim como, os governantes, representantes do interesse dopovo junto ao Congresso Nacional, será perfeitamente passívelde ação direta de inconstitucionalidade por descumprimento depreceito fundamental da Carta Magna. Portanto, os incentivosfiscais regionais devem ser um instrumento de alcance dessesobjetivos demonstrados em vários momentos da Constituição,não devendo ser utilizados apenas quando do interesse particularde uma minoria. É acima de tudo um instituto de vontade dopovo e feito para o povo, diante das inúmeras dificuldades quealastra o Brasil.

4- INCENTIVOS FISCAIS DO ESTADO DO CEARÁ

4.1-Diretrizes para o programa dedesenvolvimento econômico cearense

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No capítulo anterior, concluímos que o governofederal vem se mostrando omisso na aplicação dos diversosdispositivos constitucionais que abordam e engrandecem aimportância do combate às desigualdades regionais. Emresposta a este silêncio, os Estados-membros vêmdesenvolvendo mecanismos, em suas áreas de atuação, quepossam suprir as deficiências presentes em um País de enormesdesigualdades.

Passaremos, neste capítulo, a analisar, a título deexemplo, a atuação do Estado do Ceará no combate à miséria eà busca pelo desenvolvimento de seus municípios. Tendo comointuito ressaltar mais uma vez que, o que se espera da União éuma participação mais ativa e presente na vida dos entesfederados.

Os incentivos fiscais fazem parte da Política deDesenvolvimento Econômico do Governo do Estado do Ceará65 .Através de dados fornecidos pela Secretaria do DesenvolvimentoEconômico (2003-2006), o Ceará, nos últimos anos, obteveinúmeros avanços em sua infraestrutura e economia, atingindo,conseqüentemente, um progresso no âmbito social.

Entretanto, ainda existem muitas atividades a seremimplementadas para alcançar em sua plenitude os objetivos dedesenvolvimento almejados pelo Estado, tais sejam, reduzir osíndices de pobreza, ainda gritantes; expandir as oportunidadesde empregos e rendas; combater as desigualdades inter-regionais e interpessoais; promover o aproveitamentosustentável dos recursos naturais e avançar na melhoria daqualidade de vida dos cearenses.

Segundo informações da Secretaria deDesenvolvimento do Estado, através do Coordenador deArticulação e Incentivos (2002-2006), Sr. Roberto Capelo Feijó,desde 1995, quando o Estado do Ceará iniciou uma política dedesenvolvimento com o uso de incentivos fiscais o que se viu foium avanço expressivo na industrialização e um progresso nasregiões interioranas, que acarretou em uma maior “credibilidadedo Estado em relação ao empresariado nacional e às instituiçõesfinanciadoras nacionais e internacionais, garantindo o acesso

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contínuo a investimentos privados e financiamentos de longoprazo”.

Como já abordado no capítulo anterior, no Brasil aindaé grande o desnível entre as regiões do País, no qual o Estadodo Ceará inserido na região do nordeste, ainda sofre com o seuhistórico desigual. Todavia, uma mudança significativa ocorreucom o advento da globalização, e com esta, a abertura daseconomias no mundo. A partir de tais acontecimentos, para queas empresas instaladas principalmente, nas regiões Sul eSudeste, mantivessem a competitividade sem, contudo, diminuira qualidade dos seus produtos, dentro de um parâmetro agoramundial, passou a ser necessário o uso de novas estratégiasde adaptação.

Inicia-se o que a doutrina denominou de “guerrafiscal”, uma vez que os entes federados, sob a influência dessenovo fenômeno (globalização), obtiveram uma oportunidade deatrair indústrias, na busca do desenvolvimento local, através dasconcessões de incentivos fiscais. Vê-se claramente que osEstados da Federação passaram a desempenhar um papel deresponsabilidade obrigatória da política federal.

Contudo, para que o Estado torne-se atrativo, nãobasta a disponibilização de incentivos fiscais, é igualmentenecessário: investir em infra-estrutura; apoiar iniciativas decapacitação, profissionalização e requalificação de mão-de-obra;promover parcerias com instituições creditícias; promoverinstitucionalmente o Ceará em nível nacional e internacional,dentre outros.

A infra-estrutura está diretamente ligada à oferta aocidadão e aos investidores de recursos hídricos, saneamentobásico, não só na capital como também nos municípios, oacesso de estradas, assim como o fornecimento de energiaelétrica, gás natural, comunicação, enfim, uma estrutura quepossibilite o deslocamento de uma grande indústria ou a própriaimplantação de uma nova. Salienta-se, neste ponto, que o Estadodo Ceará ainda conta com um porto competitivo e apropriadopara uma política de exportação.

Sabe-se, também, que a mão-de-obra barata é umfator fortemente analisado pelos investidores. Porém, associado

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a este ponto o Estado do Ceará deve visar a uma melhoria naeducação profissional dos cearenses. Não basta, portanto,diminuir os custos das empresas, é preciso melhorar a qualidadedo trabalhador em face de um novo empregador mais exigente.Por esta razão, o governo do Ceará mantem parcerias cominstituições de formação profissional, tais sejam, IDT/SINE,SEBRAE, SENAI, ESCOLAS TÉCNICAS, etc.

O governo do Estado, para atingir o nível dedesenvolvimento estipulado, é também o responsável por supriras fontes de financiamentos estáveis dos investimentos. Nãoresta dúvida que seja implantando, deslocando ou ampliando,as novas indústrias terão inúmeros gastos que serãorecuperados apenas com o tempo. Sendo assim, além de suaprópria contribuição para a geração de poupança, o Estado podecaptar recursos para investimentos em setores prioritários erealizar um esforço de articulação de outras fontes institucionaisem investimentos de risco e de crédito, para o financiamentodas necessidades empresariais.

Em relação às linhas de crédito, os investidorespoderão se habilitar a empréstimos de longo prazo dos seguintesagentes financeiros:

a) BNB66 – Banco do Nordeste S/A – FundoConstitucional do Nordeste: Através de recursos advindos doCresce Nordeste, o Banco do Nordeste financia a implantação,expansão, modernização e relocalização de empreendimentosindustriais, comerciais, rurais e de prestação de serviços,inclusive turismo.

b) BNDES67 – Banco Nacional do DesenvolvimentoEconômico e Social: Através de recursos advindos do BNDESAutomático, FINAME e FINAMEX.

c)SUDENE68 – Superintendência doDesenvolvimento do Nordeste, hoje transformada em Agênciade Desenvolvimento do Nordeste, orgão administrador dosincentivos fiscais regionais. Possibilidade de concessão paraempreendimentos novos: Redução do valor do Imposto deRenda, de até 75% (setenta e cinco por cento), pelo prazo deaté 2013. Possibilidade de concessão para empreendimentosexistentes: Redução do valor do Imposto de Renda devido e

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adicionais não restituíveis até 2013, observando o percentualde redução de 37,5% ( trinta e sete vírgula cinco por cento) de1998 a 2003, 25% (vinte e cinco por cento) de 2004 a 2008 e12,5% (doze vírgula cinco por cento) de 2009 a 2013.

4.2-Política de Seletividade de Atração deInvestimentos

O Estado do Ceará, dentro de sua política dedesenvolvimento, deve observar critérios que levem em conta aseletividade dos investimentos, para que sejam concedidos osincentivos fiscais. Deve-se, portanto, disponibilizar incentivos àsindústrias que tragam, necessariamente: uma contribuiçãorelevante para a geração de empregos, seja diretos ou indiretos,criando oportunidades para o primeiro emprego; que possamutilizar às matérias-primas locais e prestigiar as atividades jáexistentes; que optem pelos investimentos no interior, ajudandoassim, a diminuir o desequilibrio da distribuição de renda, aindaconcentrado na capital; que possam transferir tecnologia paraas empresas cearenses; que viabilizem a expansão do comércioe do acesso a novos mercados; que tenham umaresponsabilidade social e ambiental, etc.

É importante frisar que todo estudo e análise dosinvestimentos do Estado do Ceará às novas indústrias é tambémverificado os efeitos sobre as condições de concorrência entreas empresas locais já instaladas e o grau de responsabilidadesocial demonstrado pelos novos empreendimentos. Não é difícilde entender os motivos, uma vez que onde se busca um equilíbriodo desenvolvimento do Estado, não se pode cogitar aimplementação de investimentos que tragam danos às atividadesexistentes.

Segundo informações da Secretaria doDesenvolvimento do Estado do Ceará podemos pontuar comosetores e atividades estratégicas para o seu desenvolvimentoeconômico: as indústrias estruturantes; indústrias de bens deconsumo final e seus componentes, empresas de basetecnológica (promovendo atividades de alto valor agregado, oude alta tecnologia), indústrias de reciclagem e agroindústria, com

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ênfase nas cadeias produtivas locais (visando o aumento daeficiência e das vantagens competitivas) e no suporte ao sistemaestadual de inovação (projetos de pesquisa e desenvolvimento,difusão de tecnologia).

O grupo das indústrias estruturantes tem bastanterelevância, pois, através delas, novas indústrias são instaladas,valorizando a região onde isto é feito. Como exemplo, pode-secitar as indústrias estruturantes de base: siderurgia; energiaalternativa; refinarias e as indústrias de bens de capital: aquelasdestinadas à produção de máquinas, equipamentos e suaspartes e componentes.

Em contrapartida, as indústrias de bens de consumofinal e seus componentes geram um maior número de empregos,especialmente aquelas que reforcem as cadeias produtivaslocais (cooperativas). No Estado do Ceará, atualmente, sãomarcantes a cadeia couro-calçadista, a cadeia de confecções,a cadeia têxtil, etc.

4.2.1-Diretrizes básicas para a concessão dosbenefícios do FDI

Como já mencionado, há uma política seletiva deatração de investimentos, ou seja, diretrizes básicas que deverãonortear a concessão dos benefícios do Fundo deDesenvolvimento Industrial – FDI, assim o Estado do Ceará deveverificar a relação custo-benefício ou custo-efetividade sobre aconcessão. Essa análise é feita em razão do alto investimentodo Estado para implantar uma política de desenvolvimento.

Atualmente, todas as indústrias poderão ter acessoao Fundo de Desenvolvimento Industrial – FDI, as informaçõessobre o incentivo estão disponibilizadas pela Secretária doDesenvolvimento Econômico – SDE69 (através dos meiosimpressos e eletrônicos). O processo de habilitação ao benefícioé analisado e formalizado na SDE e submetido ao ConselhoEstadual de Desenvolvimento Industrial – CEDIN (presidido peloGovernador do Estado e composto pela SDE, SEFAZ, SEPLAN,SEAGRE), que deverá deliberar por unanimidade: a importânciado investimento para o setor e a cadeia produtiva; o potencial de

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crescimento; potencial exportador, quanto ao perfil e qualidadedo grupo econômico, e sua ligação com a economia local; alémdas vantagens comparativas e competitivas, e as atualizaçõestecnológicas.

Hoje, o limite de concessão do incentivodisponibilizado pelo Estado do Ceará sobre o ICMS está entre25% (vinte e cinco por cento) no mínimo, chegando até 75%(setenta e cinco por cento) no máximo. Estes incentivos serãoconcedidos, de acordo com a disponibilidade financeira doEstado, obedecendo ao que a SDE denomina de Sistema dePontuação (setores produtivos, localização geográfica, geraçãode emprego, volume de investimento, impacto sobre a demandapor matérias-primas e insumos locais, impacto sobre a demandapor serviços locais, gestão ambiental, responsabilidade social).

Quanto à localização, vale mencionar que o Estadodo Ceará não obsta a possibilidade de incentivos dentro da regiãometropolitana de Fortaleza – RMF (Aquiraz, Caucaia, Chorozinho,Eusébio, Fortaleza, Guaiuba, Horizonte, Itaitinga, Maracanaú,Maranguape, Pacajus, Pacatuba e São Gonçalo), contudo, oprojeto que destina investimentos para fora da RMF e, portanto,para dentro de áreas consideradas estratégicas para aestruturação de cidades médias no interior, receberá uma maiorpontuação, conseqüentemente, poderá alcançar um maiorincentivo.

Outro ponto importante se dá quanto ao prazo dobenefício, variando entre 5 (cinco) a 10 (dez) anos, sendopossível a sua prorrogação e até mesmo a concessão de umprazo de duração diferenciado, baseando-se, é claro, em umaanálise pelo Conselho Estadual de Desenvolvimento Industrialde cada indústria, em seu caso concreto, dos períodos deincentivo e a sua contraprestação à sociedade cearense. Alémdisso, o incentivo fiscal tem o intuito de implantar novasempresas, assim como, ampliar as indústrias já implantadas,trazer uma maior diversificação à economia do Estado do Ceará,recuperar empresas genuinamente cearenses, e também,estimular à certificação de qualidade.

Em regra, os incentivos destinam-se a implantaçãode novas empresas, todavia, serão concedidos os mesmos

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benefícios para as empresas que apresentarem projetos deampliação com pelo menos 50% (cinqüenta por cento) daprodução física média dos últimos 24 meses, aumento de nomínimo 60% (sessenta por cento) dos empregos diretos geradose mantidos desde a sua implantação. Não resta dúvida que estebenefício visa fortalecer cada vez mais o pólo industrial do Estadodo Ceará, além de garantir maior credibilidade aos investidoresrecentes, que poderão contar com o apoio do governo.

Há também o benefício destinado à recuperação deempresas genuinamente cearenses e que se encontremparalisadas pelo menos 12 (doze) meses imediatamenteanteriores à apresentação do pedido de concessão do incentivo.Estas empresas serão avaliadas pelo Conselho Estadual deDesenvolvimento Industrial – CEDIN que levará em consideraçãoa possibilidade de recuperação diante da realização de novosinvestimentos capazes de restaurar a viabilidade econômica doempreendimento e a capacidade de geração de emprego.

Quanto ao benefício disponibilizado pelo Estado àsempresas que apresentem projetos com o intuito de diversificarsua linha de produção, ou seja, implantar uma nova linha deprodutos, de acordo com os produtos previstos no Código deAtividades Industriais - CAI, destinados ao mercado, deve-seanalisar se haverá possibilidade de expansão de, pelo menos,30% (trinta por cento) do valor agregado médio dos últimos 2(dois) anos de operação e investimento igual ou superior a 30%(trinta por cento) do investimento inicial.

É evidente que para a política de desenvolvimentoeconômico obter sucesso, o Estado do Ceará deve,conjuntamente: implantar um Sistema de Acompanhamento eMonitoramento daquelas empresas beneficiadas, e assim,fiscalizá-las quanto a obediência do cronograma e demaisaspectos contidos no projeto, tais como emprego, investimentoe produção; observar se estão sendo cumpridas às normas depreservação ambiental, assim como, às obrigações sociais, taiscomo o recolhimento do FGTS; dentre outros pontos. Odescumprimento das metas estabelecidas no Contrato deConcessão, total ou parcial, acarretará na perca ou redução dosbenefícios concedidos às empresas pelo Estado. Atualmente, o

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processo de monitoramento e acompanhamento dodesempenho das empresas incentivadas vem sendo feito peloCODECE (Conselho de Desenvolvimento do Estado do Ceará).

Diante do exposto, é possível afirmar que o Estadodo Ceará, representando os demais Estados da Federação, estátentando fazer a sua parte com relação aos dispositivosconstitucionais, tendo como objetivo, garantir o desenvolvimentodo Estado e reduzir as suas desigualdades sociais e seusíndices de pobreza.

É certo, contudo, que os avanços obtidos até omomento, ainda estão longe de propiciar uma realidadesatisfatória para a sociedade cearense, e, portanto, não sãosuficientes para reduzir significativamente o quadro de pobrezae miséria da população e de atenuar as disparidades históricasadvindas desde a colonização do País. Para tanto, se faznecessária uma efetiva atuação do governo federal, que não podeeximir-se desta responsabilidade.

Diante das informações colecionadas podemosenxergar que o Governo do Estado do Ceará caminha no sentidode avançar na mudança do perfil sócio-econômico do Ceará,priorizando, portanto, ações que resultem na inclusão social deparcela significativa da população. É o que tentaremosdemonstrar com a apresentação de empresas que forambeneficiadas e que hoje, são de grande importância para aeconomia do Ceará e do povo cearense.

4.3-Casos práticos

Neste tópico iremos analisar alguns exemplos deprotocolos de intenções firmados entre o Estado do Ceará, emparceria com os respectivos municípios, e as indústriasbeneficiadas pelo incentivo fiscal. Verificaremos o grandedesenvolvimento ocorrido nas localidades em que as empresasforam implantadas ou ampliadas.

Além disso, conseguiremos averiguar que adicionadoaos incentivos fiscais já mencionados, ainda dentro da políticade desenvolvimento econômico, o Estado do Ceará vem

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assegurando a alguns investidores a possibilidade de diferimentode ICMS na aquisição de máquinas e equipamentos, ediferimento de ICMS na importação de matéria-prima e insumos.Há também a possibilidade da desoneração do ICMS cobradona entrada de insumos, componentes e matérias-primas aserem utilizados no processo industrial, e da transferência decrédito decorrente de exportação. Segue tabela comparativa dasindústrias incentivadas:

NOME

Marcos Tadeu Benevides Texeira

Indústria Cearense de Colchões e Espumas Ltda

H-Bettarello Curtidora e Calçados Ltda - AGABÊ

Singer do Brasil Ltda

Calçados Aniger Nordeste Ltda

SETORES

IMPLANTAÇÃO: Fabricação de vestuário infantil em geral

AMPLIAÇÃO: Industrialização e Comercialização de Laminados, Colchões e Travesseiros de espuma

IMPLANTAÇÃO: Fabricação de calçados

IMPLANTAÇÃO: Fabricação de máquinas de costuras industriais e motores elétricos universais

Calçados Aniger Nordeste Ltda

MUNICÍPIO Tianguá Maracanaú Aracati Juazeiro do Norte Quixeramobim

Data 29/12/1999 6/5/2002 5/11/1996 19/9/1996 5/11/1996

INVESTIMENTO R$ 125.000,00 R$ 4.159.376,59 R$ 5.000.000,00 R$ 8.000.000,00 R$ 10.000.000,00

Nº EMPREGOS 102 209 400 250 1200

INFRAESTRUTURA

TERRENO: A empresa se instalará numa àrea total de 800m2 (galpões modulados de 200m2 cada), cedido em comodato pelo Estado; ÁGUA; TRANSPORTE E COMUNICAÇÃO, ENERGIA ELÉTRICA.

LOCAL: Prédios cedidos em regime de comodato pela CODECE, com instalações elétricas e hidráulicas; TERRENO: Doação à empresa pela Prefeitura Municipal de Aracati; ÁGUA; TRANSPORTE E COMUNICAÇÃO, ENERGIA ELÉTRICA.

LOCAL: Prédio cedido em regime de comodato pela CODECE, com instalações elétricas e hidráulicas; ÁGUA; TRANSPORTE: criação de linhas de ônibus até a empresa; COMUNICAÇÃO: instalação de no mínimo 15 linhas de telefonia e transmissão de dados; ENERGIA ELÉTRICA.

LOCAL: Prédio cedido em regime de comodato pela CODECE, com instalações elétricas e hidráulicas; TERRENO: Doação à empresa pela Prefeitura Municipal de Quixeramobim; ÁGUA; TRANSPORTE e COMUNICAÇÃO: ENERGIA ELÉTRICA.

FDI

Emprestimo de 75% do ICMS + 36 meses período de carência + 25% taxa de retorno + Prazo Global de Operação: 13 anos

Emprestimo de 48% do ICMS + 36 meses período de carência + 25% taxa de retorno + Prazo Global de Operação: 10 anos

Emprestimo de 75% do ICMS + 36 meses período de carência + 25% taxa de retorno + Prazo Global de Operação: 10 anos

Emprestimo de 75% do ICMS + 36 meses período de carência + 25% taxa de retorno + Prazo Global de Operação: 15 anos

Emprestimo de 75% do ICMS + 36 meses período de carência + 25% taxa de retorno + Prazo Global de Operação: 10 anos + Nas exportações: Empréstimo de 10,5% sobre o valor do faturamento nas exportações

INVESTIMENTO ATUAL R$ 500.000,00 R$ 8.039.302,32 R$ 11.611.808,00 R$ 21.500.000,00 R$ 22.000.000,00 Nº EMPREGOS ATUAL 95 243 927 959 4074

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INDÚSTRIAS INCENTIVADAS PELO ESTADO DO CEARÁComo vemos, baseado nas informações fornecidas

pela Secretaria de Desenvolvimento Estadual que periodicamenterealiza auditorias nessas e nas demais empresas incentivadas,as indústrias acima destacadas vêm tendo bastante progresso,com aumentos significativos de investimentos e com a elevaçãode empregos diretos. Uma realidade que vem propiciando aosmunicípios do Ceará, de extrema pobreza e miséria, umaperspectiva melhor de vida a sua população. Infelizmente, nemtodos os relatos de indústrias incentivadas são igualmentesatisfatórios, porém a busca pelo desenvolvimento deve continuare ultrapassar todas as dificuldades que, sabemos, persistiremem permanecer.

CONCLUSÃO

O Direito é o limite que se impõe ao Estado que deveagir baseando-se nos mandamentos legais. Contudo, para quese configure em um Estado Legal é necessário à devidaobservância dos procedimentos legislativos, que deve ter naConstituição Federal sua principal fonte. Baseando-nos na LeiMaior é que devemos extrair os fundamentos das demais normasque complementarão o ordenamento jurídico. Este pensamentoé estendido a todos os ramos do direito inclusive ao ramo dodireito tributário ou fiscal.

O Estado Social e Democrático de Direito atravésde uma política tributária e orçamentária poderá desenvolver umpapel de destaque no que se refere à diminuição da desigualdadeentre as regiões, que veio se alargando com o passar do tempo.

Em toda a história de constituição do territóriobrasileiro podemos verificar que apenas algumas localidadesforam beneficiadas por um maior desenvolvimento, seja pelalocalização, pelas riquezas locais, por uma maiorindustrialização, pelo clima, por interesses políticos, dentre outrosmotivos, o que findou em um quadro ainda presente nos dias dehoje de extrema desarmonia nas distribuições de riqueza.

Sabemos que em regiões como no Norte e no

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Nordeste grandes são as dificuldades enfrentadas pelos seushabitantes que sofrem com a falta de emprego, com os preçosde produtos mais elevados, com a pouca industrialização e,conseqüentemente, com um nível de tecnologia baixo, etc.

Diante desta gritante situação, o Estado, juntamentecom o Município, deve atuar em parceria para melhorar aqualidade de vida de sua população, principalmente daquelaspessoas que vivem em localidades situadas distante da capital.Todavia, é de nosso conhecimento que a arrecadação feita pelosEstados e Municípios por si só não são suficientes para regularos elevados índices de miséria e pobreza ali existentes, fatorque é claro, não permiti a estes entes federados uma omissãona prática de uma política de desenvolvimento.

A Constituição Federal de 1988 veio representara bandeira de uma luta contra as desigualdades regionais,constituindo como uns dos objetivos fundamentais da RepúblicaFederativa do Brasil: garantir o desenvolvimento nacional ereduzir as desigualdades sociais e regionais.

A própria Carta Magma fixou formas de atuação dopoder executivo e legislativo para se obter um melhor índice deprogresso das regiões mais pobres. Um desses instrumentosestá certamente em seu mandamento previsto, no art.151, I, noqual cabe à União uma atuação positiva, efetiva e eficaz sobreas respectivas regiões através do uso de incentivos fiscais.

Não resta dúvida que isso só ocorrerá se o governofederal se desprender de interesses políticos ou privilegiados,tendo como foco de responsabilidade a diminuição dasdesigualdades entres as regiões do País. Infelizmente, o que sevê é uma participação ainda tímida deste ente, com umadiminuição pequena das desigualdades regionais.

Pelo exposto, ao longo de todo o trabalho, buscamoschamar a atenção aos mandamentos constitucionais queabordam a importância que as regiões possuem dentro de umEstado Social Democrático, ressaltando, assim, a possibilidadede a União realizar uma política de desenvolvimento que auxiliemo trabalho realizado por cada Estado e Município.

É um papel a ser desempenhado obrigatoriamente,

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pois sua omissão, descaso ou aplicação sem os parâmetros jáestudados, são perfeitamente passíveis de serem controladospelo poder judiciário através de ação direta deinconstitucionalidade por descumprimento de preceitofundamental da Carta Magna, que é um instrumento de defesado povo contra a não aplicabilidade pelo legislador da normaconstitucional.

Portanto, os incentivos fiscais regionais deve ser uminstrumento de alcance desses objetivos demonstrados emvários momentos da Constituição, não devendo ser utilizadoapenas quando do interesse particular de uma minoria. É acimade tudo um instituto de vontade do povo e feito para o povo, diantedas inúmeras dificuldades que alastra o Brasil.

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1 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e tributário. 9 ed. São Paulo:Celso Bastos Editor, 2002, p.4.2 Apud, BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e tributário. 9 ed. SãoPaulo: Celso Bastos Editor, 2002, p.4.3 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência Das Finanças. 16ªed. ver. e atualizadapor Dejalma de Campos. Rio de Janeiro: Forense, 2004.4 O Estado Patrimonial aparece, na Europa, em duas vertentes distintas: a Inglesa e aHolandesa, em que já desde o século XVI emerge os interesses da burguesia e na qual nãose formam os monopólios estatais; e a que predominou na França, Alemanha, Áustria,Espanha e Portugal, com os monopólios e os rígidos privilégios corporativos. O EstadoPatrimonial, que surge com a necessidade de uma organização estatal para fazer a guerra,agasalha diferentes realidades sociais, políticas, econômicas, religiosas, etc. Mas suadimensão principal, que lhe marca o próprio nome, consiste em se basear nopatrimonialismo financeiro, ou seja, em viver fundamentalmente de rendas patrimoniaisou dominiais do príncipe, só secundariamente se apoiando na receita extrapatrimonialde tributos. (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13ªed.Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.7).5 O Estado de Polícia sucede o Estado corporativo, de Ordem Estamental, especialmenteno século XVIII, e antecede o Estado de Direito, que cujo os adeptos recebem o apelidopejorativo. Alguns os subsumem ainda no conceito de Estado Patrimonial, em seumomento modernizador. Floresce principalmente na Alemanha e na Áustria e transmigracom certo atraso para a Itália, para Espanha e para Portugal na época pombalina. Masnão penetra na Inglaterra, na Holanda e em algumas cidades Italianas, nas quais jácomeçam a prevalecer os interesses burgueses; nem na França, onde a passagem dopatrimonialismo ao liberalismo se faz revolucionariamente. No Estado de Polícia émodernizador, intervencionista, centralizador e paternalista. O Estado de Polícia com oseu absolutismo político e a sua economia mercantil ou comercial, foi historicamentesubstituído pelo Estado Fiscal, com sua estrutura econômica capitalista e o seuliberalismo político e financeiro. (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro

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e Tributário. 13ªed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.7-8).6 O Estado Socialista é neopatrimonialista. Vive principalmente do rendimento dasempresas estatais, representando o imposto papel subalterno e desimportante. Entrouem rápida deterioração nos últimos anos, após a reunificação da Alemanha e a extinçãoda União Soviética, subsistindo apenas em poucos países (China, Cuba, etc). Pretendiaser o momento final do Estado Financeiro, substituindo o Estado Fiscal. Hoje retornarapidamente à economia de mercado e à atividade financeira lastreada nos imposto,reaproximando-se do Estado Fiscal. (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de DireitoFinanceiro e Tributário. 13ªed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.9-10).7 NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e oscustos dos direitos. pág.17. Texto extraído do site: www.google.com.br.8 “A manutenção da ordem interna, a defesa contra o inimigo externo, a distribuição dajustiçã, a aprovação e a imposição de um Direito Penal, Civil, Comercial etc.”. BASTOS,Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e tributário. 9 ed. São Paulo: Celso BastosEditor, 2002, p.13.9 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e tributário. 9 ed. São Paulo:Celso Bastos Editor, 2002, p.13.10 “Os orçamentos necessitavam de ser equilibrados, e o Estado só poderia gastar aquiloque arrecadasse, procurando, outrossim, repartir esta recadação de forma mais equitativapossível entre todos os habitantes do país. Portanto, pugna-se no bojo desta correntepelos menores gastos possíveis do Estado e pelo equilibrio orçamentário”. BASTOS,Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e tributário. 9 ed. São Paulo: Celso BastosEditor, 2002, p.14.11 “Em primeiro lugar, o atendimento pelo estado de necessidades sociais básicas, comosegurança, instrução, serviços públicos (correios e telecomunicações, transporte planode investimentos, pela criação de novos empregos públicos em geral e pelo favorecimentoe controle da ativadade econômica privada e, finalmente, colima-se a redistribuição darenda nacional como forma de realização da justiça e do nivel de vida”. BASTOS, CelsoRibeiro. Curso de direito financeiro e tributário. 9 ed. São Paulo: Celso Bastos Editor,2002, p.16.11, energia etc.). Em segundo lugar, a adoção de medidas voltadas ao desenvolvimentoeconomico do país, com o objetivo do asseguramento do pleno emprego e do aumentoda renda nacional. Propugna-se pela redação de um plano econômico geral, de um planode investimentos, pela criação de novos empregos públicos em geral e pelo favorecimentoe controle da ativadade econômica privada e, finalmente, colima-se a redistribuição darenda nacional como forma de realização da justiça e do nivel de vida”. BASTOS, CelsoRibeiro. Curso de direito financeiro e tributário. 9 ed. São Paulo: Celso Bastos Editor,2002, p.16.12 O muro de Berlim caiu no dia 09 de novembro de 1989, ato inicial da reunificação dasduas Alemanhas, formando a República Federal da Alemanha, acabando também com adivisão do mundo em dois blocos.13 Em 31 de Dezembro de 1991, Gorbachev anunciava o fim da União dasRepúblicas Socialistas Soviéticas, renunciando ao cargo que ocupava e ao seu sonhode ver um mundo socialista.14 Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990 cria o Programa Nacional de Desestatização.

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15 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e tributário. 9 ed. São Paulo:Celso Bastos Editor, 2002, p.17.16 Art.1º, CF/88 – “A república Federativa do Brasil, formada pela união indissolúveldos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático deDireito e tem como fundamentos: I-a soberania; II- a cidadania; III- a dignidade dapessoa humana; IV- os valores sociais do trablaho e da livre iniciativa; V- o pluralismopolítico”.17 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13ª ed. Rio deJaneiro: Renovar, 2006, p.12.18 “A necessidade coletiva não é a soma de necessidades individuais. O agrupamentodas necessidades individuais dá lugar a necessidades gerais. A diferença entre uma eoutra reside no seguinte: estas últimas, as gerais, são homogêneas, enquanto a necessidadecoletiva não é revestida de homogenidade. Ela surge de uma contraposição de interesses.O caráter coletivo de uma necessidade é dado tanto pelos sujeitos que a ressentem comopelos meios utilizados para satisfazê-las. É certo que as necessidades coletivas não sãonecessariamente sofridas por todos os cidadãos. Basta que a coletividade se conformecom o seu financiamento por todos”. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direitofinanceiro e tributário. 9 ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p.6.19 “O preço público cobrado pela prestação de serviço inessencial, as contraprestaçõesfinanceiras pela utilização de bens do Estado, os aluguéis e as demais fontes da receitaoriginária”. (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13ª ed.Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.13).20 NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e oscustos dos direitos. pág.11-14.Texto extraído do site: www.google.com.br.21 BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção. 3 ed. São Paulo: MalheirosEditores, 2001, p.25.22 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3 ed. São Paulo:Lejus, 2002.23 O Código Tributário Nacional traz no seu art. 3º o conceito de tributo: “Tributo étoda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir,que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividadeadministrativa plenamente vinculada”. Contudo, o ponto de grande controvérsia nadoutrina se dá na definição das espécies de tributos previstas no art. 5º do CódigoTributário Nacional que preconiza: “Os tributos são impostos, taxas e contribuições demelhoria”. O professor Yoshiaki Ichihara no seu livro Curso de Direito Tributárioentende que, para determinar a natureza específica do tributo, deve-se examinar amaterialidade do fato gerador. Materialidade esta, que na concepção do saudoso professorGeraldo Ataliba divide o tributo em vinculados e não vinculados. O art.16 do CTNprevê que o fato gerador do imposto independe de qualquer atividade estatal específica,ou seja, a matéria prevista como fato gerador não está vinculando à atuação do Estado.Em contrapartida, o art. 77 do CTN e o art.145,II da CF/88 trazem como fato geradorda taxa todo o exercício do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, deserviço público específico e divisível, ou seja, é a atuação estatal diretamente referida aocontribuinte, em forma de contra prestação de serviço, vinculando a atuação do Estado.Já o art. 81 do CTN e o art.145,III da CF/88 definem como fato gerador da contribuição

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de melhoria a ocorrência de obras públicas, igualmente, vinculando a atuação do Estadoà realização de obras. O esclarecimento destes pontos, nos faz voltar à atenção aoschamados empréstimos compulsórios, do art.15 do CTN e art.148 da CF/88, e aschamadas contribuições especiais, do art.149 da CF/88 . Para Hugo de Brito Machadoe Leandro Paulsen, o rol do art.5º do CTN está superado, devendo segundo ele, evoluirpara uma classificação dos tributos em cinco espécies.24 Carraza, RoqueAntônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16ª ed. SãoPaulo: Malheiros Editora, 2001, pág.368.25 Art.37 ‘caput’ da CF/88 prevê: “ A administração pública direta e indireta de qualquerdos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aosprincípios de legalidade, impessoalidade,moralidade, publicidade, e eficiência”.26 Carraza, RoqueAntônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª ed. SãoPaulo: Malheiros Editora, 2004, pág.368.27 NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e oscustos dos direitos. pág.15.Texto extraído do site: www.google.com.br.28 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3 ed. São Paulo:Lejus, 2002, p.587.29 COELHO, Sacha Calmon Navarro e, DERZI, Misabel Abreu Machado. Direitotributário atual: pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.337.30 “As pessoas favorecidas por isenções, créditos presumidos, prêmios e alíquotasdiminutas, devolução de tributo pago, etc, são tratadas de uma forma e maneira especialporque são consideradas da mesma categoria essencial, em razão da sua aptidão paraconcretização dos planos econômicos governamentais ou por mérito. Também aqueloutras,tratadas de forma mais desfavorável, assim o são, graças a seu comportamento, danosoà política agrária ou urbanística”. COELHO, Sacha Calmon Navarro e, DERZI, MisabelAbreu Machado. Direito tributário atual: pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2002,p.346.31 Apud., PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário àluz da doutrina e da jurisprudência. 8 ed. ver. Atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado:ESMAFE, 2006, p. 16.32 COELHO, Sacha Calmon Navarro e, DERZI, Misabel Abreu Machado. Direitotributário atual: pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.337-338.33 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14ªed. São Paulo: Saraiva,2002, p. 228.34 Lei Complementar nº 101/2000.35 COELHO, Sacha Calmon Navarro e, DERZI, Misabel Abreu Machado. Direitotributário atual: pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.340.36 CF/88- Sistema Tributário Nacional (arts.145 a 149); Limitações Constitucionais aoPoder de Tributar (arts.150 a 152); Sistema de Impostos da União (arts. 153 a 154);Sistemas de Impostos dos Estados (art.155); Sistemas de Impostos do Município(art.156); Sistema de Repartição das Receitas Tributárias (arts.157 a 162); Sistema dosEmpréstimos públicos (art.164); Sistema Monetário (art.164); Sistema dos Orçamentos(arts.165 a 169); Sistema da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária (arts.70 a75).37 Aliomar Baleeiro já dispunha: “O dispositivo, que aparece em todas as constituições

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desde a de 1891, refere-se a tributo e, portanto, compreende, por definição legal e nãoapenas teórica, os impostos, as taxas e a contribuição de melhoria (CTN, art.5º). Ainda,há que entender-se extensivo às contribuições especiais ou para fiscais, como as do §único do art. 163; art.165, XVI; parágrafo 1º do art.166; art. 21, § 2º, I, da C.F., redaçãode 1969”. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. atualizada porMisabel Abreu Machado Derzi. Rio de Juaneiro: Forense, 2000, pag. 155.38 “O Princípio da Igualdade formal é norma que impõe o mesmo tratamento aos iguaise outro aos desiguais. É norma de tratamento, pressupondo: a) a dissemelhança ‘relativa’entre todos os seres; b) a possibilidade de comparação entre os seres que podem serclassificados como ‘relativamente iguais’, segundo um certo critério ou aspectodeterminado; c) o caráter axiológico do critério, variável historicamente, que só pode serobjetivamente colhido a partir da Constituição de cada País”. COELHO, Sacha CalmonNavarro e, DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário atual: pareceres. Rio deJaneiro: Forense, 2002, p.344.39 BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção. 3 ed. São Paulo: MalheirosEditores, 2001, p.43.40 “A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade”.Carraza, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª ed. São Paulo:Malheiros Editora, 2004, pág.67.41 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. atualizada por MisabelAbreu Machado Derzi. Rio de Juaneiro: Forense, 2000, pag. 158/159.42 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. atualizada por MisabelAbreu Machado Derzi. Rio de Juaneiro: Forense, 2000, pag.159.43 COELHO, Sacha Calmon Navarro e, DERZI, Misabel Abreu Machado. Direitotributário atual: pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.349.44 COELHO, Sacha Calmon Navarro e, DERZI, Misabel Abreu Machado. Direitotributário atual: pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.345.45 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14ª ed. São Paulo:Saraiva, 2002, p. 160.46 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. atualizada por MisabelAbreu Machado Derzi. Rio de Juaneiro: Forense, 2000, pag. 155.47 Atualmente denominada de ADA (Agência de Desenvolvimento da Amazônia).48 Atualmente denominada de ADENE (Agência de Desenvolvimento do Nordeste).49 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. atualizada por MisabelAbreu Machado Derzi. Rio de Juaneiro: Forense, 2000, pag.159.50 Exemplos: A informática, a indústria naval, a indústria metalúrgica, a exportação deprodutos industrializados, dentre outros.51 COELHO, Sacha Calmon Navarro e, DERZI, Misabel Abreu Machado. Direitotributário atual: pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p..351.52 COELHO, Sacha Calmon Navarro e, DERZI, Misabel Abreu Machado. Direitotributário atual: pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.350.53 BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. 3 ed. São Paulo: Malheiros Editores,2004, pág.369.54 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. atualizada por MisabelAbreu Machado Derzi. Rio de Juaneiro: Forense, pag.160;

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55 COELHO, Sacha Calmon Navarro e, DERZI, Misabel Abreu Machado. Direitotributário atual: pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.351.56 BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção. 3 ed. São Paulo: MalheirosEditoraes, 2001, p.24.

57 Para o doutrinador Uadi Lammêgo Bullos a “justiça social é cada um poder dispordos meios materiais para viver com certo conforto, gozando segurança física, espiritual,econômica e política”. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 5 ed.ver. e atual. até a Emenda Cosntitcional n. 39/2002. São Paulo: Saraiva, 2003, pág.1218.58 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 5 ed. ver. e atual. até aEmenda Cosntitcional n. 39/2002. São Paulo: Saraiva, 2003, pág.90-91.59 “Em primeiro lugar, direitos humanos da primeira geração, que compreendem osdireitos individuais da clássica tradicão liberal, predominante no século XIX e oriundosdas revolucões do direito natural, como a Revolução Francesa, de Rousseau eMontesquieu; A Revolução Americana de Jefferson e Madison, isto é, dos constituintesda Filadélfia, e, mais remotamente, no século XVII, a Revolução Inglesa da aristocracialiberal, legitimada depois pela filosofia juz naturalista de John Locke. A seguir, florescemos direitos da segunda geração, os chamados direitos sociais, que marcaram o nossoséculo e foram primacialmente obra das revoluções de substratos socialista, bem comoda doutrina social da igreja. São designados como tais, em nosso direito constitucionalpositivo, a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, aproteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Enfim, aparecemos direitos da terceira geração, ou direitos da solidariedade. Os direitos da terceirageração compendiam, por conseguinte, aqueles direitos que emergem da idade tecnológica,da globalização da economia, da internalização cada vez mais expansiva das artérias dolivre comércio, da instantaneidade informática dos meios de comunicação. Inserem-seeles em quatro categorias cardeais: o direito à paz, o direito ao desenvolvimento, odireito ao meio ambiente e o direito ao patrimônio comum do gênero humano”.BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. 3 ed. São Paulo: Malheiros Editores,2004, pag.347/348.60 “O federalismo, como expressão do Direito Cosntitucional, nasceu com a constituiçãonorte-americana de 1787. Baseia-se na união de coletividades políticas autônomas.Quando se fala em federalismo, em Direito Constitucional, quer-se referir a uma formade Estado, denominada federação ou Estado Federal, caracterizada pela união decoletividades públicas dotadas de autonomia político-constitucional, autonomiafederativa”. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ºed. SãoPaulo: Malheiros Editores, 1999, p.103.61 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislaçãoconstitucional. 6 ed. Atualizada até a EC. nº52/06. São Paulo: Atlas, 2006, p.1021/1022.62 BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. 3 ed. São Paulo: Malheiros Editores,2004, pag. 344.63 BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. 3 ed. São Paulo: Malheiros Editores,2004, pag. 339.64 BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção. 3 ed. São Paulo: MalheirosEditores, 2001, p.24.

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65 Legislação Estadual norteadora da implantação de unidade industrial: Lei nº 11.524/88 e Lei nº 12.478/95; os Dec. nº 22.719-A, de 20.08.93; Dec. nº 23.113, de 18.03.94;Dec. nº 23.913 de 21.11.95. Legislação Estadual norteadora da ampliação de unidadeindustrial: Lei nº 11.524/88 e Lei nº 12.631/96; os Dec. nº 22.719-A, de 20.08.93; Dec.nº 23.113, de 18.03.94; Dec. nº 24.530, de 10.07.97; Dec. nº 24.670, de 16.10.97.66 www.bnb.gov.br67 www.bndes.gov.br68 www.sudene.gov.br69 www.sde.ce.gov.br

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PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE PROCESSUAL E UNIDADE DASENTENÇA

Leonardo Henrique de C. CarvalhoPós-graduado em Direito Processual Civil pelaUniversidade de FortalezaAdvogado

01. Uma reflexão necessária

“O processo deve dar, no que é possívelpraticamente , a quem tem um direito, tudoaquilo e exatamente aquilo que ele tem o direitode obter” (Chiovenda)

Na medida em que a sociedade tece críticasferrenhas ao Poder Judiciário, no sentido de que este é inoperante,devido à demora na prestação jurisdicional, desenvolve-se nomeio acadêmico e profissional a incessante busca de soluçõespara esse entrave de ordem institucional.

A justiça tarda, mas não falha. Esta frase, queouvimos repetidamente, ainda quando estudantes, revela oespírito e a ânsia dos cidadãos em obter um resultado justo porparte do Poder Judiciário. No entanto, diante dos obstáculos,não só de ordem processual, mas também de ordem estrutural,pode-se dar uma nova interpretação à velha frase, tão difundidanos corredores acadêmicos. Se a justiça é tarda, ela já é falha.

Portanto, percebe-se que o senso de justiça nãoreside apenas no ideário de uma prestação jurisdicional, obtidaapós uma morosa e muitas vezes perdulária instrução, mas,sim, na prestação jurisdicional obtida de modo mais célere, naqual a parte obtenha tudo o que lhe é de direito, em menor espaçode tempo.

Daí porque este breve estudo visa a examinar umdos mais importantes princípios do processo civil, o princípio da

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efetividade processual, que representa, atualmente, excelenteremédio para sanar a dor dos que tanto clamam por um resultadomais ágil e, ao mesmo tempo, justo.

Não se pode, no entanto, estudar novos mecanismoscapazes de imprimir mais celeridade ao processo, sem, antes,realizar uma ampla interpretação do sistema jurídico,principalmente do sistema normativo processual, posto queparadigmas vigentes não estão mais em consonância com anova ordem constitucional.

Intenta-se, também, contribuir para a construção demecanismos viáveis e eficazes para a amenização da criseinstitucional do processo, no que tange à celeridade dosjulgamentos, visto que, sob tal aspecto, a morosidade obstrui odireito constitucional do cidadão de acesso à justiça e de ter seulitígio resolvido de modo efetivo, célere e, acima de tudo, justo.

02. As crises de paradigmas da CiênciaProcessual

Crise - terminologia empregada inicialmente pelosgregos, por intermédio de Hipócrates, para indicar um pontoculminante de uma doença1 - na acepção moderna da palavra,passou a significar transformações decisivas em qualqueraspecto da vida social2 , quer profissional, quer pessoal, e temsido, ao longo do tempo, objeto de intenso estudo por parte dacomunidade científica, uma vez que esta designa atransformação pela qual passam as instituições sociais, políticasou científicas em vista da instabilidade máxima do sistema decrenças até então estabelecido3 .

Para a Escola Positivista, a sociedade, ao progredircom a história submete-se a sucessivas épocas orgânicas eépocas de crise. As épocas orgânicas são aquelas em que asociedade “repousa no sistema de crenças bem estabelecido,desenvolve-se em conformidade com ele e progride dentro doslimites por ele estabelecidos. Mas, a certa altura, esse mesmoprogresso provoca a mudança da idéia central sobre a qual essaépoca está apoiada e determina, assim, o início da época crítica”4 .

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Mas isto não quer dizer que, nas chamadas épocasorgânicas, a sociedade não venha a sofrer crises políticas,sociais, científicas, religiosas e tantas outras. Tais adversidadesestarão sempre presentes no núcleo social, não desmerecendo,no entanto, a unidade geral de valores que formam o sistema decrenças da sociedade. A época crítica somente terá início a partirdo momento em que as idéias fundamentais, que norteiam osvalores e os modos de vida dessa sociedade, não maiscorresponderem ao sistema de crenças, gerando uma falênciano status quo estabelecido, ensejando a mutação de aspectospositivos ou negativos da sociedade.

A epistemologia, que é o estudo do grau de certezado conhecimento científico em seus diversos ramos,especialmente para apreciar seu valor para o espírito humano,tem, na lição de Nicola Abbagano, a idéia de “um modo de trataro problema nascido de um pressuposto filosófico específico, noâmbito de determinada corrente filosófica”5 .

A aplicação dos métodos epistemológicos para aconsecução de soluções os conflitos de ordem filosófica,segundo PIAGET, surge e tende a ganhar maior importância apartir do momento em que as transformações decisivas, isto é,as crises, atuam no conjunto de conhecimentosfundamentados(ciência) de determinada área científica6 , no casosob estudo a ciência processual.

No entanto, BOAVENTURA SOUSA E SANTOSdiscorda do renomado filósofo, ao ponderar que “a relação dereflexão epistemológica e crise de ciência é mais complexa doque a afirmação de PIAGET pode fazer crer.”7 Entende, parajustificar seus argumentos, que é “necessário distinguir dois tiposde crise: as crises de crescimento e as crises dedegenerescência. As crises de crescimento, para usar umaexpressão de Kuhn, têm lugar ao nível da matriz disciplinar deum dado ramo da ciência, isto é, revelam-se na insatisfaçãoperante métodos ou conceitos básicos até então usados semqualquer contestação na disciplina e, aliás, decorre da existência,ainda que por vezes apenas pressentida, de alternativas viáveis.Nos períodos deste tipo, a reflexão epistemológica é a

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consciência teórica da pujança da disciplina em mutação e, porisso, é enviesada no sentido de afirmar e dramatizar a autonomiado conhecimento científico em relação às demais formas epráticas do conhecimento. É a este tipo de crise que se referePiaget”8

Já as crises de degenerescência são, para oilustrado filósofo,“ crises de paradigma, crises que atravessamtodas as disciplinas, ainda que de modo desigual, e que asatravessam em nível mais profundo. Significam o pôr em causaa própria forma de intelegibilidade do real que um dado paradigmaproporciona e não apenas os instrumentos metodológicos econceituais que lhe dão acesso. Nessas crises, que são deocorrência rara, a reflexão epistemológica é a consciência teóricada precariedade das construções assentes no paradigma emcrise e, por isso, tende a ser enviesada no sentido de consideraro conhecimento científico como uma prática de saber entreoutras, e não necessariamente a melhor. Nestes termos a críticaepistemológica elaborada nos períodos de crise dedegenerescência não pode deixar de ser também uma críticada epistemologia nos períodos de crise de crescimento”.9

GUILHERME MARINHO, obtempera que “A crise deparadigma leva a uma reestruturação ou a uma releitura, agorasob a luz do novo paradigma e de novos meios de reflexãoepistemológica, de tudo aquilo considerado definitivamenteassentado no paradigma em crise. A insatisfação geral com asinstituições, princípios e teorias construídas, conduz ao repensara realidade, não como ocorre nas crises de crescimento emque se dá a evolução de uma determinada disciplina científicadentro de critérios epistemológicos já constituídos, mas a partirde novos pontos de reflexão, questionando as bases dessamesma realidade”.10

Nas épocas orgânicas, em que se verifica aocorrência das crises de conhecimento, observa-se umaoportuna serenidade na sociedade, visto que o desenvolvimentoelaborado em sua estrutura dá-se através de modelos jáconcebidos e conhecidos e de modo ordenado pelo sistema decrenças, este fielmente solidificado sobre um paradigma já

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estabelecido.Por sua vez, aflora, em épocas denominadas críticas

pelos positivistas, a mencionada crise de degenerescência.MARINHO observa que “o progresso provoca

mudanças da idéia central em que se apoia o desenvolvimentode todas as instituições, sejam sociais, políticas, científicas ouquaisquer outras e a instabilidade interna vai gerar uma crise talque resulta na ruptura do paradigma. Nesse caso, todos osramos da ciência são atingidos e terão que abandonar as antigasreflexões epistemológicas, construídas no paradigma extinto,para reelaborá-las na realidade assente no novo paradigma, demodo a permitir o estudo científico dos seus institutos.11 ”

Conclui o notável jurista assentando que “as ciênciasjurídicas sempre passaram por crise de crescimento e, algumasvezes, por crises de degenerescência. No contexto da pós-modernidade, estamos vivendo uma crise de paradigmaconsubstanciada na transformação política do Estado que, tendoarraigadas em suas bases ideologias liberais e sociais, pretendeconstituir-se um Estado Democrático de Direito, já teoricamenteerigido pela Constituição Federal de 1988. É a nova Constituição,de cunho democrático, o resultado da quebra de paradigmasdeterminada pela vontade do povo, que quer ver essademocracia efetivada na prática. A ciência processual não escapaa um reordenamento, diante do paradigma do EstadoDemocrático de Direito, pois, agora, por ser o processo umainstituição constitucionalizada, necessário se faz a elaboraçãode uma nova reflexão epistemológica sobre seus institutos, poissão caducos os métodos epistemológicos elaborados nasépocas de crise de crescimento, inseridas no contexto de antigosparadigmas”12

Portanto, instalada nova ordem jurídicaconstitucional, em conseqüência das crises de degenerescência,cujo surgimento remonta à substituição do paradigma do EstadoLiberal pelo paradigma do Estado Social, percebe-se umalatejante crise de conhecimento no que pertine à morosidade naprestação jurisdicional, vez que a nova ordem assegurou a todosacesso a uma prestação jurisdicional digna, célere e,

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principalmente, justa.No paradigma do Estado Liberal cabia ao “Poder

Judiciário dirimir conflitos interparticulares ou, conforme o modeloconstitucional, entre esses e a administração pública, quandoprovocado, através dos procedimentos devidos, aplicando odireito material vigente de modo estrito, através de processoslógico-dedutivos de subsunção do caso concreto às hipótesesnormativas, sob os ditames da igualdade formal, estando semprevinculados ao sentido literal, no máximo lógico, da lei, enfim, sendoa boca da lei”13

Por sua vez, no paradigma do Estado Social, cabeao Poder Judiciário, por seus órgãos, aplicar, no pleno exercícioda função jurisidiconal, o direito material aos litígios que lhe sãosubmetidos de modo construtivo, devendo sempre garantir, “atodo aquele que procure o socorro dos tribunais, uma tutela efetivae, principalmente, adequada à pretensão de direito material”. 14

Diante das novas regras de comportamentoestabelecidas pela Constituição Federal, o Estado deve adaptar-se às novas exigências da sociedade, sepultando antigosparadigmas e criando mecanismos de solução das crises deconhecimento ocorridas nos mais diversos ramos da ciênciaque, no caso em espécie, restringe-se à ciência processual,notadamente à busca de um novo modo de ser consciente parasistema processual, a fim de garantir uma prestação jurisdicionalágil e eficaz.

Convém demonstrar a necessidade de se seremmodificados determinados atos processuais, notadamente anatureza jurídica da sentença, ante o paradigma de EstadoSocial, em que se busca a realização efetiva e célere da justiça.A sistemática de unidade, não mais comporta satisfaçãoadequada da tutela de direito material do cidadão, da forma comoé concebida, está a criar uma verdadeira crise de conhecimentono âmbito da ciência processual.

2. O Princípio da Efetividade Processual e ascrises do processo.

A prestação jurisdicional somente poderá ser

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materializada, desde que o cidadão tenha efetivo acesso à justiça.O acesso à justiça, preceito que tem fundamento na ConstituiçãoFederal, não pode ser interpretado somente sob o ângulo depoder a parte dirigir-se ao Poder Judiciário e deflagrar uma açãoem busca de um eventual direito. Mais que isso, quando ojudiciário, for assim provocado deve prover de forma ágil asolução do litígio, pois, do contrário, conforme a ConvençãoEuropéia para a Proteção dos Direitos Humanos e LiberdadeFundamentais, por seu artigo 6o, §1º, “a Justiça que não cumpresuas funções dentro de um prazo razoável é, para muitaspessoas, uma Justiça inacessível”.

Justiça tardia é uma injustiça qualificada e manifesta:com estas palavras, Rui Barbosa já pontificava, no início doséculo XX, sobre a necessidade de o Poder Judiciário dizer oDireito de modo célere, sob pena de aviltar e deturpar valoresque se encontram sedimentados no espírito da Justiça.

Sobre a problemática temporal da prestaçãojurisdicional, o emérito jurista LUIZ GUILHERME MARINONIdemonstrou, com a didática que lhe é peculiar, as conseqüênciasque a demora na solução de um litígio pode causar.

Disse ele que “o tempo do processo angustia oslitigantes; todos conhecem os males que a pendência da lidepode produzir. Por outro lado, a demora processual é tanto maisinsuportável quanto menos resistente economicamente é a parte,o que vem a agravar a quase que insuperável desigualdadesubstancial no procedimento. O tempo, como se pode sentir, éum dos grandes adversários do ideal de efetividade do processo.Mas o tempo não pode servir de empeço à realização do direito.O cidadão comum tem o direito à tutela hábil à realização doseu direito, e não somente um direito abstrato de ação. Em outraspalavras, tem o direito à adequada tutela jurisdicional. Emconseqüência, o princípio da inafastabilidade não garante apenasuma resposta jurisdicional, mas a tutela que seja capaz derealizar, efetivamente, o direito afirmado pelo autor, pois oprocesso, por constituir a contrapartida que o Estado oferece aocidadão diante da proibição da autotutela, deve chegar aresultados equivalentes aos que seriam obtidos se

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espontaneamente observados os preceitos legais. Desta forma,o direito à adequada tutela jurisdicional garantido pelo princípioda inafastabilidade é o direito à tutela adequada à realidade dedireito material e à realidade social”15 .

ROGÉRIA DOTTI DORIA ressalta ainda que aconseqüência de uma demorada prestação jurisdicionalacarretaria o “agravamento da situação conflitiva, a perda deconfiança no Poder Judiciário e o aumento da violência comoresultado da sanção de impunidade”16 .

Cumpre, por oportuno, ressaltar a definição e oalcance de alguns princípios processuais que fomentam areflexão ora perseguida: a instrumentalidade das formas e,principalmente, a efetividade processual.

Na lição de CARREIRA ALVIM, “o processo, qualquerque seja o seu escopo, é o instrumento da jurisdição, ou seja, omodo institucional de atuar do Estado-Juiz em face dos conflitosde interesses, seja criando para as partes a oportunidade deseu autocomporem (conciliação), seja ditando ele próprio asolução, conforme a sua própria vontade, expressa na lei.”17

Assim, a busca da pacificação social revela-sepossível, mediante utilização do processo como meio de sersolucionado o litígio pelo Estado.

Demonstrando a importância deste instrumento,lembra CARLYLE POP que “o processo deve ser suficientementeútil, a fim de que se constitua verdadeiro instrumento para queos jurisdicionados obtenham tudo aquilo que o direito lhes confere,independentemente do apego formal às peculiaridades do casoconcreto”18

Por outro lado, o processo não basta ser uminstrumento para se alcançar uma adequada tutela de direitomaterial; deve, ainda, cumprir seus escopos jurídicos, sociais epolíticos, garantindo ao cidadão pleno acesso ao Poder Judiciário,utilidade em seus procedimentos e a efetiva busca da justiçapara o caso concreto.

Ademais, presente em um Estado Social, o processonão pode limitar-se a tutelar direitos individuais; ele devetranscender preocupações individualistas e ir em busca de

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interesses coletivos e difusos, preocupando-se, outrossim, como ambiente em que vive e interagem os integrantes dacomunidade.

Nessa linha de entendimento, PORTANOVA frisa que“o tecnicismo foi eficiente instrumento de dominação e reprodutorda exploração existente numa sociedade voltada para oindividualismo. Mas isto em nada auxiliou o funcionamento dajustiça,, e as exigências hoje são massificadas de forma tal queo modelo clássico de processo não dá conta delas. Ainstrumentalidade, informando todo o processo afasta-se doconteúdo individualista de uma sociedade liberal e, com seusescopos e efetividade, centra-se em ressaltar o valor social.”19

Movida por esta semelhante preocupação, ADAPELEGRINI lembra ser preciso ter-se consciência de que oprocesso não é mero instrumento técnico a serviço da ordemjurídica, mas, acima disto, um poderoso instrumento ético,destinado à servir a sociedade e ao Estado.

Na esteira de moldar um instrumento voltado para agarantia da realização justa de um direito, a sociedade tratou desubtrair do processo o interesse individual, pois ela, sociedade,estava convicta de que seria bem difícil alcançar a plenitude dejustiça renegando o direito da coletividade.

Destinando-se a formalizar e materializar uma justiçasocial, o processo encontrou substrato necessário para tantono Princípio da Efetividade, o qual revela a supremacia dointeresse social, pois não basta pacificar; é preciso pacificar comjustiça social.

O Ministro FERNANDO GONÇALVES, doSUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, retratou bem anecessidade da aplicação do princípio da efetividade, na outorgada prestação jurisdicional em acórdão proferido na AçãoRescisória n. 1.102/SP, assim ementado: “AÇÃO RESCISÓRIA.DOCUMENTO NOVO. NÃO CARACTERIZAÇÃO.INADMISSIBILIDADE. PECULIARIDADE DO CASO. Tratando-se de pessoa idosa (76 anos), em que a extinção do processosem o julgamento de mérito pode ensejar a propositura de novaação ordinária, mas da qual pouco ou nada lhe seria de utilidade,

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julga-se, de logo, com os documentos juntados, comprovada acondição de rurícola e procedente a ação, para assegurar-lhe obenefício previdenciário postulado, atendendo-se ao disposto noart. 5º , da Lei de Introdução ao Código Civil”.

Ressaltou o ilustre Ministro, em seu voto, que “aojuiz cabe aplicar a lei, em face de idéia-força simbolizada deJustiça, condensada na constante e perpétua vontade de dar acada um o seu direito, segundo as suas condições enecessidades.”

Portanto, visualizando que a prestação jurisdicionalno caso referido somente iria ser fornecida após longos anosnão havendo qualquer utilidade, caso não fosse provida arescisória, tratou a Corte Superior de Justiça de analisar o casoe verificar a possibilidade de efetivar logo o direito da postulante,fazendo-o prontamente, em atenção ao princípio da efetividade.

Ao comentar o Princípio da Efetividade o ilustreprocessualista JOSE ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE,salientou que: “A efetividade da tutela jurisdicional depende muitoda sensibilidade do jurista, principalmente do estudioso do direitoprocessual, que deve criar soluções visando tornar instrumentoadequado à realidade social a que ele será aplicado. O processoé instrumento e, como tal, deve ser moldado de maneira a melhorproporcionar o resultado pretendido pelos que dele necessitam.Isto somente é possível se for concebido a partir da realidadeverificada no plano das relações de direito material”20

3. A antecipação da tutela em relação à parteincontroversa da demanda

Visando às exigências sociais, o legislador tratou decriar instrumentos eficazes para solucionar o relacionamentoconflituoso, ocasionado pela postergação da entrega doprovimento jurisdicional, para que o colorido da ciência não viessea esvair-se em páginas amarelas de um antigo cadernoprocessual.

Surgiu, então, o instituto da tutela antecipada,instrumento previsto no artigo 273 do Código de Processo Civil,

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que, sendo “uma das formas de tutela de urgência, possui comoprincipal característica, a possibilidade de permitir a realizaçãodo direito subjetivo, antes do final do processo no qual a existênciadeste direito é discutida”21

A melhor doutrina assevera que a antecipação datutela é “uma arma de enorme potencial para corrigir as distorçõesque o tempo provoca sobre a efetividade da tutela jurisdicional ecompensar as deficiências específicas que o instrumento dajurisdição civil tem apresentado em cada área de sua atuação.”22

A tutela antecipada instituída, a partir da necessidadede imprimir maior celeridade à prestação jurisdicional, ainda quetenha alcançado parte de seu objetivo, não foi suficiente paraadaptar-se as exigências da nova ordem social.

A 2ª Etapa da Reforma Processual, instituída pelaLei 10.444, de 7 maio de 2002, introduziu o parágrafo 6º ao artigo273, estabelecendo que a tutela antecipada também poderá serconcedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ouparcela deles, mostrar-se incontroverso.

A doutrina, no entanto, entende que o que hoje seencontra positivado já existia antes mesmo de constarexpressamente na lei.

LUIZ GUILHERME MARINONI já exaltava talpossibilidade quando disse que “a tutela antecipatória, fundadanas técnicas da não contestação e do reconhecimento jurídico(parcial) do pedido, pode ser requerida com base no artigo 273,II do Código de Processo Civil, já que a tutela visa a impedir quea defesa do réu adie, indevidamente, a realização de direito – oude parcelas de direito – que não são mais controvertidos”23 . Istoporque, segundo o emérito processualista “é abusiva a defesaque protela a realização do direito – ou parcela do direito – quenão mais é controvertido”24 .

Se um ou mais dos pedidos cumulados na demandanão se mostram mais controversos, porque, então, nãoproporcionar à parte a obtenção da própria sentença de méritoem relação à parte incontroversa, independentemente daresolução posterior das demais lides?

ROGERIA DOTTI DORIA, discute o tema com

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bastante propriedade ao lecionar que “ a partir do momento emque se verifique que na relação jurídica existe uma pretensãoque não é mais resistida, não há motivo legal ou moral para seretardar a decisão judicial”25 .

O obstáculo mor que o sistema processual impõepara a não materialização desta pretensão pelos operadores dodireito é o fato da sentença judicial ser una.

Ocorre que, diante das mudanças de paradigmas,já explicitado, não mais se concebe, hodiernamente, apermanência de institutos que não reflitam as exigências e asnecessidades sociais, pois “é preciso romper preconceitos eencarar o processo como algo que seja capaz de ‘alterar omundo’, ou seja, de conduzir as pessoas à ‘ordem jurídica justa’.A maior aproximação do processo, que é uma vigorosa tendênciametodológica hoje, exige que o processo seja posto a serviçodo homem, com o instrumental e a potencialidade de que dispõe,e não o homem a serviço de sua técnica.”26

Firma-se entendimento nesse sentido em virtude deser, a unidade da sentença, uma ato processual constituído eelaborado pelo paradigma anterior a Constituição Federal, o qualnão consubstancia a necessidade da prestação jurisdicionalefetiva, célere e socialmente justa.

Para CANDIDO DINAMARCO o legislador não quisousar. Segundo o mais destacado discípulo de LIEBMANN “arigidez do procedimento brasileiro, no qual o mérito deve serjulgado em sentença e a sentença será sempre uma só noprocesso (Art. 459, c/c art. 269, inc. I e art. 162, §1º), é somenteum dogma estabelecido no direito positivo, que bem valia a penadesmitificar; as duas Reformas do Código de Processo Civil vêmproclamando a conveniência de agilizar o processo com medidaspragmáticas e vêm debelando vários dogmas, o que deveria terconduzido a uma solução mais eficaz e menos tímida que essado novo §6º do artigo 273.27 ”

E o magistrado possui vital importância paraassegurar a materialização da efetiva e ágil entrega da prestaçãojurisdicional, pois submetido a normas de ordem constitucionaisque lhe asseguram medidas neste sentido.

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HELIANA COUTINHO, sintetizou com bastantefelicidade a importância do magistrado na sedimentação dasidéias cristalizadas no espírito democrático ao anunciar que “nãose concebe hoje seja o juiz indiferente às mudanças sociais,continuando a adotar postura positivista e legalista sem tomarconsciência de que está em suas mãos a responsabilidade e opoder de extrair das normas constitucionais o significado válidoe atual para interpretar outras leis, ou mesmo afastá-la deaplicação, na solução de um caso concreto”28

Portanto, diante da necessidade de se amoldar asrelações sociais e suas exigências aos novos paradigmasimplantados pelo Estado Democrático de Direito, cristalizadosna busca de um resultado célere por parte do Poder Judiciário,impõe-se profundas e urgentes reflexões de institutos(princípioda unidade da sentença), que criados em um paradigma anteriorjá sepultado, estão hoje obstruindo a efetiva entrega da prestaçãojurisdicional.

Assim é que a antecipação da tutela em relação aparte incontroversa da demanda, prevista no artigo 273, §6º doCódigo de Processo Civil, deve desconsiderar o princípio daunidade da sentença para admitir o próprio julgamento antecipadode mérito, alcançando, assim, os escopos políticos e sociais doprocesso, tornando-o mais efetivo, pois desta forma, estaria seabsorvendo os valores e as crenças criadas pelo paradigma doEstado Social e solucionando a chamada crise de conhecimentocom que passa o processo civil pátrio.

BIBLIOGRAFIA

29 Hipócrates - Prognosticon, 630 ABBAGANO, Nicola – Dicionário de Filosofia, Martins Fontes, São Paulo,1999.31 MARINHO, Guilherme – Estudos Continuados do Processo, Síntese, RioGrande do Sul, 2000.32 SANTOS, Boaventura de Sousa – Introdução a uma ciência pós-moderna,Edições Graal, Rio, 1989.33 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de – Tutela Jurisdicional e EstadoDemocrático de Direito, Del Rey, Belo Horizonte, 1998.34 DORIA, Rogéria Dotti – A Tutela Antecipada em relação a parte incontroversa

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da Demanda, RT, 1999.35 MARINONI, Luiz Guilherme. Efetividade do Processo e Tutela de Urgência,Sérgio Antonio Fabris Editor, 1994.36 MARINONI, Luiz Guilherme – A Antecipação de Tutela, p. 144. 3ª Ed.Malheiros, 1997CARREIRA ALVIM, José Eduardo – Tutela Específica das Obrigações deFazer e Não Fazer na Reforma Processual – Del Rey, 1997.37 POP, Carlyle – Execução de obrigação de fazer, Curitiba, Juruá, 1995.38 PORTANOVA, Rui – Princípios do Processo Civil, Rio Grande do Sul, 1999.39 BEDAQUE, José Roberto dos Santos - Direito e Processo – Influência dodireito material no processo.40 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Tutela Antecipada. São Paulo. OliveiraMendes., 1998.41 DINAMARCO, Cândido Rangel – A instrumentalidade do processo, SãoPaulo, Malheiros.42 DINAMARCO, Cândido Rangel – A Reforma da Reforma, São Paulo,Malheiros, 3ª Ed.43 COUTINHO, Heliana M. de A – O juiz agente político, São Paulo, Copola.1 Hipócrates - Prognosticon, 6, 23-242 ABBAGANO, Nicola – Dicionário de Filosofia, Martins Fontes, São Paulo,1999, p. 2223 MARINHO, Guilherme – Estudos Continuados do Processo, Síntese, RioGrande do Sul, 2000, 724 ABBAGANO, Nicola – ob. cit., p. 2225 ABBAGANO, Nicola – ob. cit, p. 1836 MARINHO, Guilherme – ob. cit. 737 SANTOS, Boaventura de Sousa – Introdução a uma ciência pós-moderna,Edições Graal, Rio, 1989, p. 178 SANTOS, Boaventura de Souza – ob. cit. pg. 17-189 SANTOS, Boaventura de Souza – ob. cit. 18-1910 MARINHO, Guilherme – ob. cit. 7411 MARINHO, Guilherme – ob. cit - 7512 MARINHO, Guilherme – ob. cit. 7513 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de – Tutela Jurisdicional e EstadoDemocrático de Direito, Del Rey, Belo Horizonte, 1998, p.38-3914 DORIA, Rogéria Dotti – A Tutela Antecipada em relação a parteincontroversa da Demanda, RT, 1999, p. 2315 MARINONI, Luiz Guilherme. Efetividade do Processo e Tutela de Urgência,Sérgio Antonio Fabris Editor, 1994, p. 57/58.16 DORIA, Rogéria Dotti – ob cit. p. 1717 CARREIRA ALVIM, José Eduardo – Tutela Específica das Obrigações deFazer e Não Fazer na Reforma Processual – Del Rey, 1997, p. 1918 POP, Carlyle – Execução de obrigação de fazer, Curitiba, Juruá, 1995, p. 3519 PORTANOVA, Rui – Princípios do Processo Civil, Rio Grande do Sul, 1999,.p.52

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20 BEDAQUE, José Roberto dos Santos - Direito e Processo – Influência dodireito material no processo, p. 2921 DORIA, Rogéria Dotti – ob cit. p. 4122 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Tutela Antecipada. São Paulo.Oliveira Mendes., 1998, p. 1723 MARINONI, Luiz Guilherme – A Antecipação de Tutela, p. 144. 3ª Ed.Malheiros, 199724 MARINONI, Luiz Guilherme –b. cit. p.14425 DORIA, Rogéria Dotti – ob cit. p. 15

26 DINAMARCO, Cândido Rangel – A instrumentalidade do processo, SãoPaulo, Malheiros, p. 42627 DINAMARCO, Cândido Rangel – A Reforma da Reforma, São Paulo,Malheiros, 3ª Ed. , p. 96,28 COUTINHO, Heliana M. de A – O juiz agente político, São Paulo, Copola, 45

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

APELAÇÕES CÍVEIS

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

N° PROCESSO: 2000.0016.0511-0 (2001.01260-8)TIPO DO PROCESSO: APELAÇÃO CÍVEL.COMARCA: FORTALEZAPARTES:Apelante: INSTITUIÇÃO ESPÍRITA NOSSO LAR.Apelado: MUNICÍPIO DE FORTALEZA.RELATOR: DES. JOÃO DE DEUS BARROS BRINGEL.

EMENTA – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA.INSTITUIÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SEMFINS LUCRATIVOS. INCIDÊNCIA DE IPTUSOBRE IMÓVEL ENCRAVADO NOS FUNDOS DESUA SEDE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃOPELA INTERESSADA DE RELACIONAR-SE ESTECOM OS OBJETIVOS DA INSTITUIÇÃO. ÔNUSQUE SE IMPÕE À EMBARGANTE, A TEOR DOPRECEITO ENCARTADO NO ART. 333, I. DO CPC.ATIVIDADE ADMINISTRATIVA E TRIBUTÁRIA DOLANÇAMENTO FISCAL QUE É OBRIGATÓRIA EVINCULADA, NÃO DISPONDO O AGENTEPOLÍTICO DE DISCRICIONARIEDADE PARALANÇAR OU DEIXAR DE FAZÊ-LO. EMBARGOSIMPROCEDENTES.APELO IMPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos deapelação cível n° 2001.01260-8, de Fortaleza, em que são partesas acima indicadas.

ACORDA a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiçado Estado do Ceará, em julgamento de turma, à unanimidade,em conhecer do recurso, todavia, para lhe negar provimento,nos termos do voto do relator. Integra este o relatório lançadonos autos na forma regimental.

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Conheço do recurso, presentes que se fazem osseus pressupostos intrínsecos e extrínsecos de suaadmissibilidade.

No mérito, não está a merecer provimento, devendosubsistir íntegra a decisão primária que julgou improcedentesos embargos do devedor opostos pela apelante ao executivofiscal em seu desfavor deflagrado pelo Fisco Municipal deFortaleza.

Não se ignora, à luz dos estatutos sociais da apelante,a sua natureza assistencial, sem fins lucrativos, desde suacriação, os quais atendem aos requisitos do art. 14, I, II e III, doCódigo Tributário Nacional, nos termos do art. 150, VI, letra “c”da Norma Ápice. É ela protótipo de entidade imune contraquaisquer impostos que possam ser instituídos, pretendidos,lançados ou exigidos contra seu patrimônio, desde que esteesteja a preencher os objetivos que caracterizam a sua naturezade instituição de assistência social, sem fins lucrativos.

Acontece, e isso também é facilmente perceptível,que somente mediante comprovação pela interessada poderá oFisco reconhecer ou não a situação de imunidade, não sedevendo esquecer que a atividade administrativa e tributária dolançamento é obrigatória e vinculada, não dispondo o agentepolítico de discricionariedade para lançar ou deixar de fazê-lo.

No caso que se destrama cobra o Fisco Municipal daapelante o tributo sob o nomen júris de IPTU, incidente sobreum terreno que se localiza nos fundos da sede da recorrente. Eassim o faz, sob a alegativa de sua localização cartográfica nãoguardar similitude com o da sede da entidade, representando,por isso, imóvel distinto daquele, fora, portanto, do alcance daimunidade tributária pretendida.

A apelante o diz projeção de sua sede, inclusive, aservir de suporte à oficina de reparos dos objetos materiais deseu patrimônio.

Ocorre que, na defesa dessa alegação, a apelantenão se desincumbiu do ônus da prova pertinente, a teor do art.333, I, do CPC. Subsumiu-se a alegar sem nada provar.

A Certidão de Dívida Ativa nos feitos fiscais goza derelativa presunção de liquidez e exigibilidade. A apelante, repita-

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se, não protestou por provas, máxime, a pericial, que, decerto,viria solucionar o impasse, e declarar se o imóvel tributado eraou não a projeção de sua sede. As fotografias apostiladas doterreno, por si, não constituem prova dessa afirmação, muitomenos revelam o decantado elo de projeção entre o terrenolitigado e aquele em que se encrava a sede da recorrente,divergindo até mesmo quanto a endereço, dado se achar ele naRua Domingos Olímpio e a sede na Av. Carapinima.

Nesse plano de idéias, justamente por não haverdemonstração pela apelante do uso do imóvel tributado para seusfins assistenciais, forçoso é concluir-se militar, no caso,presunção júris tantum em favor da apelada, no que pertine àcobrança multicitada, e, por via de conseqüência, de seremimprocedentes os embargos assestados pela ora recorrente,restando a continuidade do executivo fiscal como ilaçãoconsectária desse entendimento.

A intervenção do MP na querela, como bem destacoua douta Procuradoria Geral de Justiça, ex-vi da Súmula 189 doSTJ, tornou-se desnecessária para a espécie, por não seconfundir o interesse público justificador de sua presença, nostermos do art. 82, II, do CPC, com o interesse patrimonial daFazenda Pública.

A decisão primária, nos moldes como conferida, estápor imerecer reparo.

Assim, conheço do apelo, todavia, para lhe negarprovimento.

É como voto.

Fortaleza, 06 de novembro de 2002.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

N° PROCESSO: 2000.0092.1060-2/1TIPO DO PROCESSO: APELAÇÃO CÍVELCOMARCA: FORTALEZA

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PARTES:APELANTE: HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA.APELADA: EDUCADORA LE MAGISTERE S/CRELATOR: DES. ERNANI BARREIRA PORTO

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL –RESPONSABILIDADE CIVIL – CONTRATO DEPLANO DE SAÚDE – AÇÃO INDENIZATÓRIA –LEGITIMIDADE ATIVA – PESSOA JURÍDICA –POSSIBILIDADE – RESCISÃO UNILATERAL –AUSÊNCIA DE PROVA DE PRÉVIA NOTIFICAÇÃO– DANO MORAL EXISTENTE.RECURSO CONHECIDO PARCIALMENTEPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deApelação Cível, em que é apelante HAPVIDA ASSISTÊNCIAMÉDICA LTDA. e é apelada EDUCADORA LE MAGISTERE S/C.

A C O R D A M os Desembargadores integrantes da1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, porunanimidade, em conhecer do recurso para dar-lhe parcialprovimento, nos termos do voto do eminente Des. Relator.

Trata-se de Apelação Cível interposta por HAPVIDAASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA., contra EDUCADORA LEMAGISTERE S/C, por não haver se resignado com sentençaproferida pelo M.M. Juiz de Direito da 26ª Vara Cível da Comarcade Fortaleza.

O decisum vergastado, proferido em sede de açãode reparação de danos, deu parcial provimento ao pleito exordial,condenando a empresa apelante ao pagamento de indenizaçãopor danos morais no valor de 100 (cem) salários mínimos.

As razões apelatórias foram colacionadastempestivamente às fls. 296/315, onde a recorrente, repisandoos argumentos manejados na instância a quo aduz, em síntese,a ilegitimidade ativa ad causam da apelada e a licitude dasuspensão do contrato de plano de assistência à saúde, diante

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da inadimplência da recorrida.Contra-razões prestadas as fls. 318/313.É O RELATO.PASSO A VOTAR.Conforme se divisa dos fólios processuais, a apelada

firmou, com a empresa apelante, contrato de assistência médicaempresarial para seus funcionários.

Ocorre que, em meados de 2002, o sócio-gerenteda recorrida, quando precisou fazer uso da assistência médicacontratada, descobriu que o contrato outrora celebrado havia sidorescindido unilateralmente e sem qualquer notificação prévia.

Tal rescisão, de acordo com a exordial, ensejougrande transtorno ao referido sócio-gerente, que teve seu quadroclínico rapidamente degenerado, culminando com o sofrimentode um infarto, no início do ano 2004, onde o mesmo foi obrigadoa internar-se em hospital da rede pública para intrincadoprocedimento cirúrgico que, devido às precárias condições doestabelecimento, resultaram no agravamento do seu estado desaúde.

Ingressou, desta feita, a empresa contratante do planode assistência médica com a presente ação de reparação dedanos, que obteve julgamento parcialmente favorável na instânciaa quo, com a condenação da promovida ao pagamento deindenização por danos morais no valor de 100 (cem) saláriosmínimos.

Duas interessantes questões jurídicas emanam dosatuais fólios processuais. Primeiramente, cumpre examinar sea empresa contratante do plano médico possui legitimidade ativaad causam para postular indenização por danos morais, vezque o prejudicado direto pela rescisão contratual foi seu sócio-gerente; em seguida, é necessário averiguar se a impontualidadeno pagamento das prestações mensais é motivo idôneo afomentar a rescisão unilateral do contrato sub examine, o queafastaria a ocorrência do ato ilícito lesivo imputado à apelante.

A possibilidade de ressarcimento do chamado “danomoral” somente foi definitivamente admitida no direito pátrio pelotexto da Constituição Federal de 1988, que em seu art. 5º, incisos

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V e X, que impõem:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinçãode qualquer natureza, garantindo-se aos brasileirose aos estrangeiros residentes no País ainviolabilidade do direito à vida, à liberdade, àigualdade, à segurança e à propriedade, nos termosseguintes:V - é assegurado o direito de resposta,proporcional ao agravo, além da indenização pordano material, moral ou à imagem;X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, ahonra e a imagem das pessoas, assegurado odireito a indenização pelo dano material ou moraldecorrente de sua violação;

Se, até 1988 a discussão era indenizar ou não o danomoral, a partir de então a óptica desloca-se para os limites eformas de indenização, problemática que passou a preocupar adoutrina e a jurisprudência1 .

Do conceito tradicional de dano moral temos queeste consiste na lesão ao patrimônio psíquico ou ideal da pessoa,razão pela qual somente a pessoa natural poderia ser atingidanesse patrimônio específico.

Tal antiga concepção é alinhada com a idéia de quea indenização por dano moral consistiria na reparação da dor,sofrimento, dor física, angústia, lamentação, ou seja, umaconcepção extremamente subjetiva e ligada à fase em que odano moral era identificado como pretium doloris - o que nãopode ser mais aceito.

Passou-se a avolumar na doutrina e najurisprudência pátrias, principalmente nos últimos anos, aadmissão do dano moral à pessoa jurídica, por extensão doconceito às pessoas naturais que dela participam.

Neste sentido é o posicionamento do douto SILVIODE SALVO VENOSA:

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“Em se tratando de pessoa jurídica, o dano moralde que é vítima atinge seu nome e tradição demercado e terá sempre repercussão econômica,ainda que indireta. De qualquer forma, areparabilidade do dano moral causado à pessoajurídica ainda sofre certas restrições na doutrina ena jurisprudência, principalmente por parte dos quedefendem que a personalidade é bempersonalíssimo, exclusivo da pessoa natural. Paraessa posição, seus defensores levam emconsideração que o dano moral denota dor esofrimento, que são exclusivos do homem. Não é,entretanto, somente dor e sofrimento quetraduzem o dano moral, mas de forma ampla, umdesconforto extraordinário na conduta doofendido e, sob esse aspecto, a vítima pode sertanto a pessoa natural como a pessoa jurídica”.(Direito Civil 3ªed., São Paulo, Atlas, 2003).

SERGIO CAVALIERI FILHO (2000:83) ressalta quea honra possui um aspecto interno ou subjetivo e um aspectoexterno ou objetivo. A honra subjetiva, que diz respeito à condutahumana, sua auto-estima, é própria da pessoa natural; já a honraexterna ou objetiva reflete-se na reputação, no renome e naimagem social. Essa honra objetiva alcança tanto a pessoanatural como a pessoa jurídica.

Conclui o referido autor:

“Sendo assim, deixar o causador do dano moral sempunição, a pretexto de não ser a pessoa jurídicapassível de reparação, parece, data vênia, equívocotão grave quanto aquele que se cometia ao tempoem que não se admitia a reparação do dano moralnem mesmo em relação à pessoa física. Isso sóestimula a irresponsabilidade e a impunidade”.Porém, qualquer dúvida que ainda poderia pairar

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quanto à possibilidade de uma pessoa jurídica sofrer dano moralfoi sepultada com o texto do novo Código Civil, que, em seu art.52, aduz que:

Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no quecouber, a proteção dos direitos dapersonalidade.

A partir de então a jurisprudência passou a serremansosa em admitir a pessoa jurídica no pólo ativo da açãoindenizatória, posicionamento este ilustrado na súmula nº 227do colendo Superior Tribunal de Justiça, que possui a seguinteredação:

Súmula 227:A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Desta feita, não havendo mais dúvida quanto àpossibilidade da pessoa jurídica pleitear indenização por danosmorais, restaria tão somente, quanto a este quesito, uma únicaindagação: Qual teria sido o dano suportado pela recorrida, vezque seu sócio-gerente foi a vítima imediata do cancelamento doplano de saúde?

Ora, o contrato empresarial de plano de saúdecontratado pela apelada é baseado em uma preocupação, cadavez mais comum no meio empresarial, com o bem estar deseus empregados, que são, na maioria dos casos, o maiorpatrimônio de um empreendimento de sucesso.

Buscou a autora, portanto, assegurar aos seustrabalhadores condições satisfatórias de saúde, que lherenderiam, conseqüentemente, benefícios mediatos, como umamaior produtividade, segurança social, além da diminuição dapossibilidade de afastamento prolongado de uma pessoa de seuquadro de empregados por motivo de saúde.

Ao ocorrer o infortúnio descrito nos autos, com ainternação de seu sócio-gerente pelo período de 43 (quarenta etrês) dias, certamente que a pessoa jurídica defrontou-se com

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graves contratempos, que certamente provocaram danos gravesimediatos à pessoa do sócio-gerente, mas inequivocamentetambém ensejaram danos de natureza não-patrimonial àrecorrente, que teve importante membro incapacitado para o laborpor largo interregno.

Mais que isso, foi afetada a honra subjetiva daapelada, que não pôde adimplir com uma expectativa de propiciartratamento médico aos que subscrevessem o plano de saúdecontratado.

Tendo, assim, havido efetivo dano moral, e possuindoa apelada legitimidade para compor o pólo ativo da presente lide,resta que nos debrucemos sobre mais um tópico, qual seja: Seo fato de a apelada ter atrasado o pagamento de diversasmensalidades teria o condão de justificar a rescisão unilateraldo contrato de plano de saúde.

Tal questão não encontra maiores dificuldades parao seu equacionamento, tendo em vista a clara redação do incisoII do parágrafo único do art. 13 da Lei nº 9.656/98, que ao tratarsobre os contratos de plano de saúde impõe:

Art. 13.Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput,contratados individualmente, terão vigência mínimade um ano, sendo vedadas:I - omissisII – a suspensão ou rescisão unilateral docontrato, salvo por fraude ou não-pagamento damensalidade por período superior a sessentadias, consecutivos ou não, nos últimos dozemeses de vigência do contrato, desde que oconsumidor seja comprovadamente notificadoaté o qüinquagésimo dia de inadimplência;

Desta feita, a inadimplência pode sim ser causa desuspensão ou rescisão unilateral do contrato, mas desde queo consumidor seja comprovadamente notificado.

Logo, para que tal linha argumentativa pudesse ter

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guarida, seria necessário que constasse dos autos processuaiscomprovação da notificação da apelada, prova esta que emnenhum momento foi acostada pela empresa apelante, emdemonstração do descumprimento de pré-requisito para arescisão unilateral do contrato a que se refere a Lei nº 9.656/98e da ilicitude do procedimento da recorrente.

Portanto, a condenação estabelecida pelo EminenteMagistrado Singular demonstra-se fielmente alicerçada nadoutrina, na jurisprudência e na Lei, razão pela qual deve sermantida.

Quanto ao valor indenizatório, fixado em 100 (cem)salários mínimos, fazem-se necessárias algumasconsiderações.

Difícil tem se mostrado a senda de qualquerMagistrado em quantificar o dano moral, pois a subjetividade dasua medição não pode ser facilmente transposta para o mundoobjetivo dos cálculos matemáticos.

Contudo, o Colendo Superior Tribunal de Justiça,última instância na apreciação dos conflitos envolvendo alegislação federal, tem assumido o tortuoso papel de revisor doquantum indenizatório fixado pelos Tribunais Estaduais, razãopela qual seus precedentes devem ser, sempre que possível,utilizados como baliza para a aferição dos danos morais.

Neste esteio, em análise da jurisprudência do STJ,verifica-se que, em caso semelhante (Resp 259263/SP), masde maior gravidade, o quantum indenizatório foi fixado em R$30.000,00 (trinta mil reais).

Portanto, a condenação fixada em 100 (cem)salários mínimos é superior ao referido aresto, razão pela qual,para que não se motive o prolongamento desta lide, faz-senecessária a sua adequação aos patamares indicados pelo c.STJ, ou seja, a sua redução para R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Diante de todo o exposto, CONHEÇO do presenterecurso apelatório para DAR-LHE parcial provimento,confirmando a condenação da apelante em danos morais, masreduzindo-os para R$ 20.000,00 (vinte mil reais), acrescidos dosconsectários legais.

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É como voto.

Fortaleza, 10 de outubro de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível n.º 2000.0117.8159-0/1Remessa Oficial: JUIZ DE DIREITO DA 7ª VARA DA FAZENDAPÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁApelante: Estado do CearáApelada:MARIA TEREZA DE LIMA CUNHARelator: Desembargador Ademar Mendes BezerraÓRGÃO JULGADOR: 2ª CÂMARA CÍVEL

EMENTA. PROCESSO CIVIL EADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL EREMESSA OFICIAL. DESCONTOS DECONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA QUANDO JÁIMPLEMENTADOS TODOS OS REQUISITOSPARA A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA.INADMISSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA EMENDACONSTITUCIONAL Nº 20/1998.-Tendo o servidor preenchido todos osrequisitos necessários ao reconhecimento daaposentadoria, estando inclusive afastado doserviço, não é válida a persistência dodesconto de contribuição previdenciária, nosistema vigente anterior à EmendaConstitucional nº 41/2003, ainda mais quando ademora na publicação da aposentadoria se deve,unicamente, à Administração.-Após o advento da Emenda Constitucional nº20/98, restou pacífico o entendimento de não serpossível o desconto previdenciário dos

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servidores que já obtiveram, à época, osrequisitos para a aposentadoria, situação quesomente foi alterada por conduto da aprovaçãoda Emenda Constitucional nº 41/03.-Precedentes desta colenda Corte de Justiça.-Apelação e remessa oficial providasparcialmente.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos deApelação Cível n.º 2000.0117.8159-0/1, em que figuram as partesacima indicadas. Acorda a Segunda Câmara Cível do Tribunalde Justiça do Ceará, em julgamento unânime, conhecer paradar parcial provimento ao recurso e à remessa oficial, nos termosdo voto do Relator.

Fortaleza, 10 de janeiro de 2007.

RELATÓRIO

Cuidam os presentes autos de remessa oficial eapelação cível interposta pelo Estado do Ceará em face dedecisão definitiva, a qual reconheceu a impossibilidade dedescontos previdenciários na folha de pagamento da parterecorrida, relativos à contribuição previdenciária, determinandoa devolução do indébito tributário, por ter a mesma implementadotodos os requisitos para a aposentadoria, tendo inclusive seafastado do serviço público, cujo correlativo processo não foifinalizado em razão da demora da Administração Pública,ressalvadas, apenas, as prestações antes do qüinqüênio anteriorà proposição da ação, que foram atingidas pela prescrição.Condenou, ainda, o Estado nas custas do processo e verbahonorária à base de 10% (dez por cento) da condenação.

Em suas razões de apelação, fls. 48/51, o Estadodo Ceará argüi, em seu prol, a impossibilidade de concessão daisenção perseguida diante do não implemento da condição

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aquisitiva, bem como a legalidade dos recolhimentos realizados.A parte recorrida apresentou contra-razões

defendendo a manutenção da sentença monocrática, aduzindoque após todo o prazo necessário à implementação daaposentadoria, o servidor é afastado do cargo enquanto aguardaa solução do processo administrativo, levando o Estado meses,às vezes anos até reconhecer o direito, não podendo o servidorsofrer com a lentidão estatal. Ademais, entende ilegais edescabidos os descontos previdenciários no período de esperaperante os órgãos estatais, haja vista os artigos 331, §13, daConstituição Estadual e 153 do Estatuto dos FuncionáriosPúblicos Civis do Estado do Ceará, Lei nº 9.826/1974.

Às fls. 70/85, a douta Procuradoria Geral de Justiçalançou parecer pelo parcial provimento da apelação, no sentidode excluir a condenação em custas processuais, e improvimentoda remessa oficial.

É o relatório.

VOTO

Quanto ao mérito, temos que, pelo sistema tributáriovigente até a Emenda Constitucional nº 41/03, o pagamento decontribuição previdenciária possuía uma validação finalística:pagava-se com vistas a no futuro receber um correlativobenefício. No caso da aposentadoria, este raciocínio éperfeitamente aplicável. Assim, o servidor público deveria pagaro tributo até se aposentar, quando, então, cessava sua obrigaçãode contribuir para financiamento da Previdência Pública. Somentecom a referida Emenda Constitucional o dever de contribuirpassou a persistir após a aposentação.

Nessa linha de idéias, quando o servidor passava àinatividade extinguir-se-iam os descontos previdenciáriosrealizados em sua folha de pagamento. A demora do trâmite doprocesso de aposentação não pode ser tomada como motivopara a persistência dos descontos, pois autorizaria um verdadeiroembaraço, no sentido de que obrigaria o servidor a continuarfinanciando o sistema unicamente em razão das excessivas

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burocracia e ineficiência que impedem o célere trâmite doprocesso administrativo.

Neste ponto, registre-se que o Estatuto dosServidores Civis do Estado do Ceará em seu artigo 153,estabelece um prazo razoável para a tramitação do processoadministrativo:

“Art. 153. Uma vez iniciado o processo deaposentadoria, e apurado, no prazo de 60 dias,pelo órgão central do sistema de pessoal, que ofuncionário satisfez os requisitos legais para suadecretação, será ele afastado do exercício docargo, decorrido aquele prazo, lavrando-se, aseguir, o respectivo ato declaratório”.

No presente caso, o processo administrativo perdurapor longos anos, haja vista ter sido afastada desde 14.10.1997,importando injusto prejuízo com a manutenção dos descontos,os quais não possuem motivo algum para se manterem. Ademora da Administração Pública não pode onerar o particular.

Nesse sentido, nossa colenda Segunda Câmarapossui entendimento até aqui pacífico sobre o tema, conformese lê das seguintes ementas de julgados:

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO -PREVIDENCIÁRIO - PREENCHIMENTO DOSREQUISITOS PARA APOSENTAÇÃO -TRANSCURSO DE QUINZE ANOS - SUSPENSÃODA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGODO SERVIDOR ATIVO - RAZOABILIDADE,PROPORCIONALIDADE, MORALIDADE EEFICIÊNCIA - APLICAÇÃO. RECURSOCONHECIDO E IMPROVIDO.I - Preenchidos, há 15 (quinze) anos, osrequisitos para a aposentação do servidor, faz-

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se imperiosa a suspensão imediata do descontodas contribuições previdenciárias incidentessobre sua remuneração como servidor ativo.II - Configura manifesta afronta aos princípiosconstitucionais da eficiência, razoabilidade,proporcionalidade e moralidade a falta deperfectibilização de aposentadoria cujo pedidofoi formulado há quinze anos, não sendo razoávelque a inércia injustificada da Administraçãoimponha ônus pecuniário ao servidor.III - Antecipação de tutela mantida. Agravoconhecido, mas improvido” (Processo nº.2002.0001.2888-8/0, julgado em 23 de junho de 2004,relatoria da Desa. Gizela Nunes da Costa);

“Uma vez implementados os requisitos para aconcessão da aposentadoria, segundo alegislação vigente à época do requerimento, apublicação do ato aposentadoria é medida quese impõe, carecendo de legitimidade a condutado Poder Público de continuar descontandopercentuais previdenciários dos vencimentosdos servidores públicos legitimamenteafastados” (Processo n. 2000.0015.8568-2/0,julgado em 19 de maio de 2004, relator o doutoDesembargador José Cláudio Nogueira Carneiro);

“CONSTITUCIONAL/ADMIN ISTRATIVO.SERVIDOR QUE PASSA À INATIVIDADE.IMPOSSIBILIDADE DE DESCONTOPREVIDENCIÁRIO NO PERÍODO.-No caso, funcionária da rede estadual de ensinoque adimpliu todos os requisitos necessáriospara a sua aposentadoria, mas que a própriaAdministração Pública, por inépcia, não ahomologa.

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-O servidor público, ao completar os requisitosà aposentadoria, tem o direito subjetivo depassar à inatividade, não podendo mais o Estadorealizar descontos previdenciários,especialmente se o funcionário que aufereproventos muito menores do que o estipuladopara a contribuição dos inativos, previstos noart. 40, §18, da CF/88.-E este Tribunal de Justiça, em precedenteexatamente igual ao caso, assim ementou: ‘umavez implementados os requisitos para aconcessão da aposentadoria é medida que seimpõe, carecendo de legitimidade a conduta doPoder Público de continuar descontandopercentuais previdenciários dos vencimentosdos servidores públicos legitimamenteafastados’(TJCE - 2000.0015.8568-2, j. em19.5.2004, rel. Des. José Cláudio N. Carneiro).-Reexame Necessário conhecido e improvido.-Sentença confirmada, em todos os seus termos.-Unânime (Processo nº. 2000.0121.4299-0/1, julgadoem 18 de setembro de 2006, relatoria da Desa. MariaIracema do Vale Holanda).

De minha parte, fui relator de vários processos,devidamente julgados por esta egrégia 2ª Câmara à unanimidadee no sentido do presente voto, dentre os quais: 2005.0001.5585-5, 2000.0118.1249-5, 2000.0116.8475-6 e 2000.0117.3712-4,todos apreciados na sessão de 13.12.2006.

É intuitivo que não pode a parte ser penalizada pelademora injustificada da Administração, provocada exclusivamentepor esta, em decorrência da análise do processo administrativorespectivo.

Não impressiona o argumento segundo o qual osurgimento das Emendas Constitucionais 41 e 56 à ConstituiçãoFederal excluiriam o direito aqui reconhecido, pelo simples fato

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de que tais normas não operam retroativamente, para abrangersituações já ultrapassadas. É certo que não se pode argüir direitoadquirido a regime jurídico, e disto não se trata, mas simplesaplicação do brocardo tempus regit actum.

Por outro lado, mesmo que se aplicasse a novaredação constitucional, o que não é o caso, o valor recebidopela parte autora/apelada é inferior ao limite mínimo de incidênciaprevidenciária, conforme redação expressa do §18, do art. 40,da Constituição Federal, segundo o qual “incidirá contribuiçãosobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidaspelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximoestabelecido para os benefícios do regime geral de previdênciasocial de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecidopara os servidores titulares de cargos efetivos”. Dessa forma,de uma forma ou de outra, não haveria como incidir o tributo nosvencimentos ou proventos da parte apelada.

Quanto ao percentual de condenação da Fazendaem honorários advocatícios, fixado pelo Juiz à razão de 15%(quinze por cento), tendo em vista os parâmetros legais do artigo20, §4º, do Código de Processo Civil, entendo deva prevalecer ovalor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), o qual reputo eqüitativo,conforme já reiteradamente discutido nesta Câmara.

Finalmente, quanto à condenação ao pagamento decustas a ser assumida pelo Estado do Ceará, o Regimento deCustas, Lei estadual nº 12.381/94, dispõe que “são isentos dopagamento de custas o Estado do Ceará e seus Municípios,bem como os respectivos órgãos autárquicos e fundacionais”,sendo, portanto, o caso de ser excluída tal condenação, ante aexpressa vedação legal.

Por tais razões, conheço do presente recurso e daremessa oficial por estarem presentes seus pressupostosintrínsecos e extrínsecos, e lhes dou parcial provimento.

É como voto.

Fortaleza, 10 de janeiro de 2007.

***

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSO Nº 2000.0119.3084-6/1TIPO DO PROCESSO - APELAÇÃO CÍVELCOMARCA - FORTALEZAPARTES:APELANTE: MARIA HELENA FARIAS TORQUATO.APELADO – ESTADO DO CEARÁ.RELATOR: DES. ERNANI BARREIRA PORTO

EMENTAAPELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO.SERVIDOR PÚBLICO. ESTABILIDADEEXTRAORDINÁRIA CONFERIDA PELO ART. 19DA ADCT. GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO.INCORPORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.- A autora não ingressou no serviço públicoatravés de concurso, mas por expressaautorização constitucional (art. 19 da ADTC daCF/88), considerando que era contratada há maisde cinco anos quando da vigência da atual ordemconstitucional. Logo, somente tem direito àestabilidade.- Se a autora não tem efetividade no serviçopúblico e a norma local confere o direito àvantagem pessoal reclamada apenas aosservidores que assumirem o exercício do cargoefetivo, indevido o benefício por ela almejado.Recurso conhecido e improvido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deApelação Cível de Fortaleza, em que é Apelante MARIA HELENAFARIAS TORQUATO e Apelado ESTADO DO CEARÁ.

A C O R D A M os Desembargadores integrantes da1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,

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unanimemente, em conhecer do recurso apelatório para negar-lhe provimento e confirmar a sentença recorrida.

Trata-se de Apelação Cível interposta por MARIAHELENA FARIAS TORQUATO contra o ESTADO DO CEARÁ,por não haver se resignado com sentença proferida pelo Juízoda 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, emsede de ação ordinária.

O decisum vergastado julgou improcedente o pedidode Maria Helena Farias Torquato de reimplantação, em seusvencimentos, da gratificação de representação pelo exercício,por mais de 10 (dez) anos, do cargo comissionado de Vice-Diretorde Escola (hoje denominado de Coordenador Pedagógico, DAS-2); condenando-a ao pagamento das custas processuais.

Conforme noticiam os autos, a autora, ora apelante,professora especializada nível 21, interpõe ação ordinária contrao Estado do Ceará sob o argumento de que ingressou no serviçopúblico em 1976, e ter exercido por mais de dez anos,ininterruptamente, o cargo comissionado de Vice-Diretor deEscola, atualmente denominado de Coordenador Pedagógico,DAS-2, até ser definitivamente afastada do seu cargo deprofessor no ano de 1998.

Que tem direito à incorporação da vantagempecuniária prevista no art. 1º da Lei Estadual nº 11.847/91, porser detentora de cargo público, nos termos do art. 19 do ADCTc/c art. 6º da Lei Estadual nº 11.712/90.

Fez pedido na exordial de antecipação dos efeitosda tutela, para compelir o Estado do Ceará “a reimplamplantarnos vencimentos, contracheque, da autora a gratificação derepresentação pelo exercício, por mais de 10 (dez) anos, do cargocomissionado de Coordenador Pedagógico (Vice-Diretora deEscola Pública), DAS-2, na proporção de 5/5 (cinco quintos),nos termos do art. 1º da Lei 11.847/91”; o qual foi indeferido àsfls. 56-57.

As razões apelatórias foram colacionadastempestivamente às fls. 81-85, e as respectivas contra-razõesàs fls. 89-98.

Parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça às

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fls. 107-111.

É O RELATÓRIO.

Revisão procedida pelo ExcelentíssimoDesembargador José Arísio Lopes da Costa.

DECIDO.

A apelante diz possuir agasalho no art. 1º da LeiEstadual nº 11.847/91, no art. 6º da Lei nº 11.712/90, no art 19 daADCT da Carta Magna de 1988 e no art. 6º, § 2º, da Lei deIntrodução ao Código Civil.

Com a nova ordem constitucional, o ingresso noserviço público ficou subordinado à prévia habilitação emconcurso público. Para adequar a nova realidade constitucionalao quadro de serviço público antes existente, o constituinteassegurou no art. 19 do ADCT o direito à estabilidade aosservidores que não prestaram concurso, desde que em exercíciohá pelo menos 5 (cinco) anos antes da vigência da ConstituiçãoFederal de 1988.

O art. 19 do Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias possui a seguinte redação: “Os servidores públicoscivis da União, dos Estados, do Distrito, e dos Municípios daadministração direta, autárquica e das fundações públicas, emexercício na data da promulgação da Constituição, há pelomenos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidosna forma regular no art. 37, da Constituição, são consideradosestáveis no serviço público.”

A estabilidade excepcional prevista no art. 19 doADCT/88 não significa efetividade no cargo, para o qual éimprescindível o concurso público.

Sobre a estabilidade e efetividade, sábios são osensinamentos de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO queafirma:

“Excepcionalmente, a Constituição de 1988, aexemplo de Constituições anteriores, conferiu estabilidade a

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servidores que não foram nomeados por concurso, desde queestivessem em exercício na data da promulgação da Constituiçãohá pelo menos cinco anos continuados (art. 19 das DisposiçõesTransitórias). O benefício somente alcançou os servidorespúblicos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, daAdministração Direta, autarquias e fundações públicas.Excluiu, portanto, os empregados das fundações de direitoprivado, empresas públicas e sociedade de economia mista. Oreconhecimento de estabilidade a esses servidores não implicouefetividade, porque esta só existe com relação a cargos deprovimento por concurso; a conclusão se confirma pela normado § 1º do mesmo dispositivo, que permite a contagem de serviçoprestado pelos servidores que adquiriram essa estabilidadeexcepcional, ‘como título quando se submeterem a concursopara fins de efetivação, na forma da lei’”. (Curso de DireitoAdministrativo, 20ª edição, SP, Atlas, 2007, p. 550).

Essa é a situação da apelante, visto que goza deestabilidade, mas restrita à garantia de permanência no serviçopúblico, sem possibilidade de acesso a cargo efetivo, uma vezque este se destina exclusivamente aos servidores concursados.

A Lei nº 11.847/91, no seu art. 1º, revogadaexpressamente pela Lei nº 12.913/99, dizia que: “O servidorEstadual ocupante do cargo de provimento efetivo daAdministração Direta, das Autarquias e das fundações criadase mantidas pelo Estado passará a receber, pelo exercício docargo em comissão, vantagem correspondente a um quinto (1/5) do valor da representação, a partir do sexto ano, acrescidade mais 1/5 por cada ano de exercício, até o décimo”.

Logo, se a norma estadual, Lei nº 11.847/91, concediaacréscimo de vencimento como vantagem pessoal exclusivo aservidor ocupante de cargo efetivo, de todo inaplicável a regraàqueles que apenas adquiriram a estabilidade e jamaisefetividade.

Por força do princípio constitucional da legalidade, oadministrador está autorizado a praticar somente atosexpressamente autorizados por lei, e a legislação estadual nãocontemplava o direito à incorporação de gratificação por

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servidores estáveis em decorrência do art. 19 ADCT, mas apenasaos efetivos em cargos públicos.

O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça épacífico quanto ao entendimento de que servidor beneficiado pelaestabilidade extraordinária conferida pelo art. 19 do ADCT nãoimplica servidor efetivo, requisito indispensável, segundo arevogada Lei nº 11.847/91, para a concessão da gratificação defunção, conforme reiterada jurisprudência:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DESEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDORPÚBLICO. ESTABILIDADE EXTRAORDINÁRIACONFERIDA PELO ART. 19 DO ADCT. PLEITO DEINCORPORAÇÃO DE FUNÇÃO.IMPOSSIBILIDADE. ESTABILIDADE EEFETIVIDADE. CONCEITOS DISTINTOS. ART. 1ºDA LEI ESTADUAL N.º 11.847/91. DIREITOLÍQUIDO E CERTO NÃO EVIDENCIADO.1. O art. 1º da Lei Estadual n.º 11.847/91 impõe comorequisito indispensável para a aquisição dagratificação de função a titularidade de cargo efetivo.2. No caso concreto, o Recorrente, quando dapromulgação da Constituição Federal de 1988,contava com mais de cinco anos continuados deexercício no cargo, tendo sido, pois, beneficiado coma estabilidade de que trata o art. 19 do ADCT –estabilidade extraordinária, o que não implicaefetividade. Estabilidade e efetividade são conceitosdistintos.3. Ausência de direito líquido e certo.4. Recurso ordinário conhecido, porém, desprovido.(RMS 12499/CE; Recurso Ordinário em Mandado deSegurança; Relatora Ministra Laurita Vaz, QuintaTurma; Data do Julgamento 04/05/2006; DJ12.06.2006 p. 498).

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RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DESEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO – ESTADODO CEARÁ - LEI ESTADUAL Nº 11.847/91 -ALTERAÇÃO DO REGIME REMUNERATÓRIODOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS- INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO AREGIME JURÍDICO - GRATIFICAÇÃO DEFUNÇÃO - ESTABILIDADE EXTRAORDINÁRIA EEFETIVIDADE - CONCEITOS DISTINTOS -RECURSO IMPROVIDO.1. Nos termos do art. 1º da Lei Estadual nº 11.847/91, só fazem jus à gratificação de função osservidores efetivos, isto é, que tenham sido providosmediante concurso público.2. Efetividade e estabilidade são conceitos diversos,que não se confundem. O fato de a Recorrente serdetentora da estabilidade extraordinária prevista noart. 19 do ADCT não implica ser servidora efetiva,requisito indispensável, segundo a legislaçãoestadual, para a concessão da gratificação defunção.3. Inexistência de direito adquirido a regime jurídico.4. Recurso improvido.(RMS 19760/CE; Recurso Ordinário em Mandado deSegurança; Relator Ministro Paulo Medina, SextaTurma; Data do Julgamento 06/10/2005; DJ21.11.2005 p. 300).

Pelo exposto, conheço do presente recursoapelatório, para NEGAR-LHE provimento, confirmando asentença vergastada em todos os seus termos.

É como voto.

Fortaleza, 10 de setembro de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSO Nº 2000.0120.9720-0/1TIPO DO PROCESSO - APELAÇÃO CÍVELCOMARCA - FORTALEZAPARTES:APELANTES: JOSÉ LUCIANO GRAZIANO DA SILVA ROSASE OUTROS.APELADO: TÚLIO EUCLYDES BORGES RUBIM.RELATOR: DES. ERNANI BARREIRA PORTO

EMENTA: PROCESSO CIVIL – AÇÃOREIVINDICATÓRIA – COMPROVAÇÃO DAPROPRIEDADE – POSSUIDOR NÃOPROPRIETÁRIO – PROCEDÊNCIA -DENUNCIAÇÃO DA LIDE. DESCABIMENTO -LITISPENDÊNCIA – INOCORRÊNCIA.1. De se reconhecer a improcedência dairresignação dos recorrentes quanto à nãoinclusão do Banco Bradesco S/A na lide, uma vezque o caso não se enquadra nas três hipótesesem que tem cabimento a denunciação da lide,segundo o art. 70 do CPC ( I - o de garantia daevicção; II – o da posse indireta; e III – o do direitoregressivo de indenização).2. Referente à pretendida litispendência,acertada a decisão do Juízo ‘a quo’, que aafastou. Há litispendência quando se reproduzação idêntica a outra que já está em curso. Asações são idênticas quando têm os mesmoselementos, ou seja, quando têm as mesmaspartes, a mesma causa de pedir (próxima eremota) e o mesmo pedido (mediato e imediato).In casu, percebe-se que a presente açãoreivindicatória não repete a ação declaratória,

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tombada sob nº 93.7601-9, distribuída à 1ª VaraFederal no Ceará. A causa de pedir, próxima eremota, respectivamente os fundamentos de fatoe de direito, não são os mesmos. E, finalmente,o pedido também não é repetido em ambas asdemandas.3. Emergindo dos autos que o recorrido aoadquirir legalmente o imóvel objeto da lidetornou-se proprietário do bem (art. 1.245 do CC/2002), os recorrentes devem entregar-lhe oimóvel.Recurso apelatório conhecido e improvido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deApelação Cível de Fortaleza, em que são Apelantes JOSÉLUCIANO GRAZIANO DA SILVA ROSAS e KENJI KANO e suasesposas, ANNY JAQUELINE CISNE ROSAS e LÚCIA KANOrespectivamente, e Apelado TÚLIO EUCLYDES BORGESRUBIM.

A C O R D A M os Desembargadores integrantes da1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,unanimemente, em conhecer do recurso apelatório para negar-lhe provimento e confirmar a sentença recorrida.

Trata-se de Apelação Cível interposta por JOSÉLUCIANO GRAZIANO DA SILVA ROSAS e KENJI KANO e seuscônjuges contra TÚLIO EUCLYDES BORGES RUBIM, por nãohaverem se resignados com sentença proferida pelo Juízo da21ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, em sede de açãoordinária reivindicatória de posse, com pedido de antecipaçãode tutela de imissão de posse imediata, cumulada com a deindenização de perdas e danos, lucros cessantes.

Alega o autor da ação, Túlio Euclydes Borges Rubim,que adquiriu do Banco Bradesco S/A, mediante escritura públicade compra e venda registrada no Cartório de Registro da 3ª Zona,matrícula nº 45.574-R-8, o apartamento 102, situado na cidadede Fortaleza na Rua Agapito dos Santos, 376, Centro; mas,apesar da aquisição legalmente feita, não pôde entrar na posse

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do referido imóvel, em virtude de este estar na posse de JoséLuciano Graziano da Silva Rosas que transferiu a posse direta aKenji Kano, seu empregado.

Afirma também que José Luciano Graziano e seucônjuge adquiriram o imóvel junto ao Bradesco S/A – CréditoImobiliário, mediante financiamento, no ano de 1988; no entanto,em virtude do não pagamento das prestações, o imóvel foi aleilão e arrematado pelo Banco Bradesco S/A, que o vendeu aoautor.

Pede, liminarmente, a imissão na posse do imóvel;e, no mérito, a procedência do pedido com a condenação dosrequeridos no pagamento das perdas e danos e lucroscessantes.

Em suas respostas, os ocupantes do imóvel, KenjiKano e seu cônjuge, sustentam, em resumo, que têm a possedo imóvel por autorização expressa de José Luciano Grazianoda Silva Rosas e de sua esposa. Aduzem também que sãopontuais nas obrigações referentes ao apartamento (fls. 40-41).

Por seu turno, os ex-mutuários, José Graziano daSilva Rosas e sua esposa, em preliminar, denunciam à lide oBanco Bradesco S/A, e argúem a litispendência diante doajuizamento e processamento de duas ações na Justiça Federalem que eles são partes. No mérito, rebatem as alegações doautor, defendendo que, conquanto não se negue a boa-fé de TúlioEuclydes no ato da aquisição do imóvel, são nulos osprocedimentos de leilão, adjudicação e venda do apartamento,porque o leilão extrajudicial baseou-se em preceitoinconstitucional (Decreto-Lei nº 70/66); assim como a vendaocorreu em desobediência à ordem judicial exarada pelo JuizFederal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, em ação quetramita naquela Justiça especializada da qual são partes oscontestantes (fls. 45-54).

Na réplica o autor pede que sejam rejeitadas aspreliminares argüidas, repisa os argumentos manejados naexordial e roga novamente a concessão da antecipação da tutela(fls. 118-120).

Os pedidos de antecipação de tutela e de

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denunciação da lide foram indeferidos, tendo sido anunciado ojulgamento antecipado do feito, consoante despacho de fls. 122.

Finalmente, às fls. 124-127, o magistrado singularjulgou parcialmente procedente a ação, ordenando, em favor dopromovente, ora apelado, a expedição de mandado de imissãode posse do imóvel descrito na petição inicial, e deixando decondenar os promovidos, ora apelantes, ao ressarcimento deperdas e danos e lucros cessantes; além de, em face dasucumbência recíproca, decidir que as despesas processuaisserão rateadas pela metade entre os litigantes, pagando cadaparte ao advogado da outra R$ 500,00 (quinhentos reais).

Nas razões apelatórias colacionadastempestivamente às fls. 129-138, os recorrentes JOSÉLUCIANO GRAZIANO DA SILVA ROSAS e KENJI KANO e seuscônjuges defendem a anulação da sentença, porquanto o BancoBradesco deveria ter figurado como litisconsorte obrigatório.Aduzem a extinção do processo, ante a existência delitispendência. Sustentam a improcedência da ação, porque sãonulos o leilão, a adjudicação e a venda do imóvel, haja vistaterem sido realizados com fulcro em norma inconstitucional.

Em sede de contra-razões, Túlio Euclydes ratificaos termos da decisão vergastada (fls. 118-119).

É O RELATÓRIO.

Revisão procedida pelo ExcelentíssimoDesembargador José Mário Dos Martins Coelho.

VOTO

Controvérsia entre proprietário e ex-mutuários deapartamento em prédio residencial. O autor propõe, com baseno título de propriedade (fls. 06-07), ação reivindicatória.

Inicialmente de se reconhecer a improcedência dairresignação dos apelantes quanto à não inclusão do BancoBradesco S/A na lide, uma vez que o caso não se enquadra nastrês hipóteses em que tem cabimento a denunciação da lide,

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segundo o art. 70 do CPC ( I - o de garantia da evicção; II – o daposse indireta; e III – o do direito regressivo de indenização).

Quanto à pretendida litispendência, acertada adecisão do Juízo ‘a quo’’, que a afastou. Há litispendência quandose reproduz ação idêntica a outra que já está em curso. As açõessão idênticas quando têm os mesmos elementos, ou seja,quando têm as mesmas partes, a mesma causa de pedir(próxima e remota) e o mesmo pedido (mediato e imediato).

No caso sub exame, percebe-se que a ação ordináriareivindicatória de posse não repete a ação declaratória, tombadasob nº 93.7601-9, distribuída à 1ª Vara Federal no Ceará, na qualpleiteia-se “a declaração de ilegalidade das cobranças praticadaspelo Bradesco, bem como a devolução/compensação dosvalores pagos a maior indevidamente”. As partes não são asmesmas. A causa de pedir, próxima e remota, respectivamenteos fundamentos de fato e de direito, não são os mesmos. E,finalmente, o pedido também não é repetido em ambas asdemandas.

No mérito, constata-se que o autor, ora apelado,através da escritura de compra e venda datada de 23 de outubrode 2003, adquiriu do Banco Bradesco S/A o apartamento objetoda lide. Tal imóvel fora arrematado pelo Banco Bradesco S/A –credor hipotecário dos antigos proprietários: José LucianoGraziano da Silva Rosas e seu cônjuge, Anny Jaqueline CisneRosas – em razão de leilão do Decreto-Lei nº 70/66.

De início, afastam-se as alegações dos recorrentessobre irregularidades que contaminaram a titularidade do autor/apelado. Como se disse, o Banco Bradesco – credor hipotecário– arrematou o apartamento e o vendeu ao recorrido. Qualquerquestionamento com relação ao leilão, à adjudicação e à vendado imóvel com base no Decreto-Lei nº 70/66 deverá ser dirigidoao credor hipotecário pelo devedor do gravame.

Ressalte-se que o Egrégio Supremo Tribunal Federalreconheceu a constitucionalidade do Decreto-Lei nº 70/66,podendo o credor, efetivamente, tanto cobrar o débito pelaexecução tradicional, prevista no Código de Processo Civil, como

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pela via extrajudicial.Colaciono os seguintes precedentes do Supremo

Tribunal Federal:

1. Execução extrajudicial: firme o entendimentodo Tribunal no sentido de que o Decreto-lei 70/66 é compatível com a atual Constituição. (cf. RE287453, Moreira, DJ 26.10.2001; RE 223075,Galvão, DJ 23.06.98). 2. Agravo regimental:inovação de fundamento: inadmissibilidade. (STF,RE - AgR 408224/SE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,Julgamento: 03.08.2007, Primeira Turma, DJ de31.08.2007).

Agravo de regimental em agravo de instrumento.2. Decreto-Lei nº 70/66. Recepção pelaConstituição Federal de 1988. Precedentes. 3.Ofensa ao artigo 5º, I, XXXV, LIV e LOV, da CartaMagna. Inocorrência. 4. Agravo regimental a quese nega provimento. (STF, AI - AgR 600876/SP, Rel.Min. Gilmar Mendes, Julgamento: 18.12.2006,Segunda Turma, DJ de 23.02.2007).

A presente reivindicatória é ação real que competeao proprietário não-possuidor para retomar a coisa do poder dopossuidor não-proprietário. Com efeito, dispõe o art. 1.228 donovo Código Civil que: “O proprietário tem a faculdade de usar,gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder dequem quer que injustamente a possua ou detenha”.

O apelado, Túlio Euclydes Borges Rubim, atravésde escritura de compra e venda que foi registrada no cartóriocompetente (fls. 06-07), adquiriu do Banco Bradesco S/A oaludido apartamento. Portanto, emergindo dos autos que orecorrido tornou-se proprietário do dito imóvel ao adquiri-lolegitimamente (art. 1.245 do CC/2002), os recorrentes devementregar-lhe o bem.

Em relação a alegativa de que a venda do

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apartamento se deu em desobediência à ordem judicial exaradapelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária no Ceará,não há como prosperar. Na ação cautelar em tramitação naquelajustiça especializada a que os recorrentes se reportam, odecisum prolatado não lhes assegurou o direito de permanecerna posse do imóvel com as prestações em atraso; apenasconsiderou os argumentos dos apelantes quanto ao valor dasprestações.

Pelo exposto, conheço do presente recursoapelatório, para NEGAR-LHE provimento, confirmando asentença vergastada em todos os seus termos.

É como voto.

Fortaleza, 25 de junho de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSO Nº 2000.0123.9284-8/1TIPO DO PROCESSO: APELAÇÃO CÍVEL.COMARCA: FORTALEZA.APELANTE: ADONIAS PINHEIRO LANDIM.APELADO: INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DOCEARÁ – IPEC.RELATOR: DES. ERNANI BARREIRA PORTO

EMENTAAPELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DEREVISÃO DE PENSÃO AJUIZADA POSTERIOR AOUTRA DEMANDA COM IDÊNTICO PEDIDO,PARTES E CAUSA DE PEDIR. LITISPÊNDÊNCIACARACTERIZADA. EXTINÇÃO DO PROCESSO,SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, NOS TERMOSDO ART. 267, V, DO CPC. ASSISTÊNCIA

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JUDICIÁRIA GRATUITA. CONCESSÃO.PREVISÃO CF/98, ART. 5º, LXXIV, E ART. 4ª DALEI Nº 1.060/50.- Ocorre a litispendência quando é proposta umademanda que apresenta as mesmas partes,pedido e causa de pedir que outra já em curso,nos termos dos parágrafos 1º e 3º do art. 301 doCódigo de Processo Civil. É exatamente isso quese observa no caso em comento.- Quanto às benesses da assistência judiciáriagratuita, assiste razão ao autor. A justiça gratuitaexiste para beneficiar os hipossuficientes. Defato, a Constituição Federal garante em seu títulodos Direitos e Garantias Fundamentais, no art.5º, inciso LXXXIV, a assistência jurídica gratuitaaos necessitados.- A Lei nº 1060/50, em seu art. 4º, vincula aconcessão dos benefícios da gratuidadejudiciária à simples alegação da pobreza, naprópria petição inicial ou contestação, o que nopresente caso foi plenamente realizado,inclusive com a juntada de declaração.- Recurso conhecido e provido parcialmente.

ACORDAM os Desembargadores integrantes da 1ªCâmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,unanimemente, em conhecer do recurso, dando-lhe parcialprovimento, nos termos do voto da relatoria.

VOTO

Cuida-se de Apelação Cível interposta por ADONIASPINHEIRO LANDIM contra sentença proferida pelo Juízo da 1ºVara da Fazenda Pública de Fortaleza, nos autos de revisão depensão em face do Instituto de Previdência do Estado do Ceará– IPEC.

Adonias Pinheiro Landim ingressou com ação

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Ordinária de Revisão de Pensão, pretendendo perceber em suaintegralidade a pensão deixada pela sua esposa Maria IvoneRolim, ex-servidora estadual, que faleceu no dia 23 de outubrode 1998.

Em sua sentença, às fls. 74-78, a magistrada a quojulgou extinto o processo, com fulcro no art. 267, V, do Códigode Processo Civil, em face do reconhecimento de ofício delitispendência entre a ação revisional e o mandado de segurançaanteriormente ajuizado pelo autor. Condenou Adonias aopagamento das custas processuais e honorários advocatíciosna base de 20% do valor dado à causa.

O autor interpôs recurso de apelação, objetivando areforma da sentença. Alega que tem direito aos benefícios daassistência judiciária gratuita, pois é pobre nos termos da lei, eque não há litispendência, pois o objeto da ação mandamental éa implantação da pensão por morte; enquanto à ação ordináriatem por finalidade a atualização da pensão e recebimento doatrasado a partir do falecimento de sua esposa.

Em contra-razões, o recorrido reafirma os termosda sentença vergastada.

Pronunciamento ministerial constante às fls. 112-114opinando pelo conhecimento do recurso apelatório, mas por seutotal improvimento, com a confirmação da sentença monocráticaem todos os seus termos.

É o relatório.Ocorre a litispendência quando é proposta uma

demanda que apresenta as mesmas partes, pedido e causa depedir que outra já em curso, nos termos dos parágrafos 1º e 3ºdo art. 301 do Código de Processo Civil.

Ensina Humberto Theodoro Júnior, em sua obraCurso de Direito Processual Civil (42ª ed., editora Forense, pág.353):

“Litispendência. A existência de uma açãoanterior igual a atual impede o reconhecimento da novacausa. Ocorre a litispendência, segundo o Código, ‘quandose reproduz ação anteriormente ajuizada’ (art. 301, § 1º) eque ainda esteja em curso, pendendo de julgamento (§ 3º).

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Define, outrossim, o § 2º do mesmo artigo, o que se deveentender por ação idêntica, dizendo que, para haverlitispendência, é necessário que nas duas causas sejam asmesmas as partes, a mesma causa de pedir, e o mesmopedido...”

É exatamente isso que se observa no caso emcomento. As partes (Adonias Pinheiro Landim x Superintendentedo Instituto de Previdência do Estado do Ceará), o pedido(implantação da pensão integral a partir do falecimento da ex-servidora) e a causa de pedir (indeferimento administrativo dopedido de pagamento de pensão mensal) da ação mandamentalsão os mesmos relativos à ação Ordinária de Revisão de Pensão.Frise-se que o mandamus tramita na 4ª Vara da Fazenda Públicade Fortaleza e fora ajuizado anteriormente ao pedido de revisãode pensão.

Saliente-se que, conquanto na ação de mandadode segurança o Superintendente do Instituto de Previdência doEstado do Ceará figure como autoridade impetrada, e na açãorevisional, o IPEC, há identidade das partes, pois aquele atuacomo preposto deste.

Nesse sentido:

EMENTA – “PROCESSO CIVIL. MANDADO DESEGURANÇA. AÇÃO CAUTELAR. IDENTIDADE DEPEDIDO, CAUSA DE PEDIR E PARTE.LITISPENDÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.SITUAÇÕES FÁTICAS DIVERSAS NÃO-CONHECIMENTO.1. Verificada que a pretensão veiculada em açãomandamental, qual seja, a declaração deinexigibilidade do ICMS recolhido a título desubstituição tributária, já foi objeto de ação cautelarproposta anteriormente, deve o feito ser extinto emrazão da ocorrência de litispendência.2. A circunstância de ações possuírem ritos diversos– no caso, as ações cautelar e mandamental –, porsi só, não afasta a litispendência que se configura,

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na realidade, com a ocorrência de identidade jurídicados pedidos deduzidos.3. Impetrado mandado de segurança contraAgente da Fazenda Pública estadual eencontrando-se pendente julgamento de açãocautelar proposta contra o Estado, na qual seapresenta mesmo pedido e causa de pedir, háidentidade de partes no pólo passivo, visto queo agente fiscal atua como preposto do Estado.4. Não se conhece do dissídio pretoriano suscitadona hipótese em que os acórdãos confrontadoscuidam de situações fáticas diversas.5. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte,não provido.”(Resp 119314/ES, Rel. Min. João Otávio de Noronha,Segunda Turma, DJ 01.02.20055 p. 459) grifou-se.

Assim, inequívoca a litispendência, que deve serconhecida ex officio, a teor do art. 301, § 4º, do CPC, conformedecidido pela magistrada singular.

No que concerne às benesses da assistênciajudiciária gratuita, assiste razão ao autor. A justiça gratuita existepara beneficiar os hipossuficientes. De fato, a ConstituiçãoFederal garante em seu título dos Direitos e GarantiasFundamentais, no art. 5º, inciso LXXXIV, a assistência jurídicagratuita aos necessitados.

Especificamente quantos às custas judiciais, temosainda o disposto no art. 4° da Lei 1.060/60, que afirma: “A partegozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simplesafirmação, na própria petição inicial, de que não está emcondições de pagar as custas do processo e os honorários dosadvogados, sem prejuízo próprio ou de sua família”.

Observa-se, então, que a Lei vincula a concessãodos benefícios da gratuidade judiciária à simples alegação dapobreza, na própria petição inicial ou contestação, o que nopresente caso foi plenamente realizado, inclusive com juntadade declaração de pobreza.

O mesmo entendimento tem sido manifestado pelo

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R. Jurisp. Trib. Justiça Est. Ceará, Fortaleza, v. 26, p. 87 - 202, 2008

Egrégio Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

Processual civil. Recurso especial. Assistênciajudiciária gratuita. Estado de pobreza. Prova.Desnecessidade.- A concessão dos benefícios da assistênciajudiciária gratuita não se condiciona à prova doestado de pobreza do requerente, mas tão-somente à mera afirmação desse estado, sendoirrelevante o fato de o pedido haver sidoformulado na petição inicial ou no curso doprocesso.RESP 469594/RS; RECURSO ESPECIAL 20002/0115652-5 DJ 30.06.2003 p. 243.

Assim, por todo o exposto, CONHEÇO o presenterecurso de Apelação Cível, DANDO-LHE PARCIALPROVIMENTO para reformar a sentença hostilizada apenas noque se refere à condenação ao pagamento das custasprocessuais e honorários advocatícios, a qual não antevejopossibilidade de manutenção, e a confirmo, em todo o restante.

Fortaleza, 25 de junho de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CÍVEL N° 2000.0218.1034-7/1APELANTE: ANTÔNIO VEIMAR PONTEAPELADOS: FLORÊNCIA CARVALHO DA SILVA E OUTRAAÇÃO DE INTERDIÇÃOORIGEM: VARA ÚNICA DA COMARCA DE MUCAMBORELATOR: ADEMAR MENDES BEZERRA

EMENTA: FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL.INTERDIÇÃO. COMPROVADA INCAPACIDADE

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R. Jurisp. Trib. Justiça Est. Ceará, Fortaleza, v. 26, p. 87 - 202, 2008

CIVIL POR ENFERMIDADE MENTAL.NOMEAÇÃO DE CURADOR SEM PARENTESCOCOM A INTERDITANDA. NÃO OBRIGA-TORIEDADE DE A CURATELA FICAR A CARGODE MEMBROS DA FAMÍLIA DO INTERDITO.I – Aqueles que, uma vez comprovada moléstiamental, não tiverem o discernimento necessáriopara exercer os atos da vida civil, deverão serrepresentados por um curador, à luz do art. 1.767,I, do NCC.II – Não há falar em obrigatoriedade de nomeaçãodo curador entre os membros da família dointerdito, considerando a prevalência dosinteresses do incapaz.III – Hipótese em que a curatela de fato já estavahá mais de 25(vinte e cinco) anos a cargo da“filha de criação” da interditanda, não sendorazoável modificar tal situação, ante ascircunstâncias do caso.IV – Apelo conhecido, mas desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos daApelação Cível nº 2000.0218.1034-7/1, em que figuram as partesacima referidas.

Acordam os Desembargadores integrantes da 2ªCâmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, àunanimidade, conhecer, mas negar provimento ao recurso emreferência, nos termos do voto do Relator.

Fortaleza, 29 de novembro de 2006.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por ANTÔNIOVEIMAR PONTE, irresignado com a sentença de fls. 79/81, da

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R. Jurisp. Trib. Justiça Est. Ceará, Fortaleza, v. 26, p. 87 - 202, 2008

MMa. Juíza da Vara Única da Comarca de Mucambo, que julgouparcialmente procedente o pedido inaugural, para decretar ainterdição tão-somente da primeira demandada, FLORÊNCIACARVALHO DA SILVA, nomeando como sua curadora a Sra.MARIA JOSÉ DA SILVA LIMA, o que fez com fundamento noparágrafo 3º, do art. 1.775 do Código Civil em vigor, afastada apossibilidade da interdição de LUÍZA CARVALHO DA SILVA,segunda demandada, em virtude de seu supervenientefalecimento.

Nas razões de apelação (fl. 90), o recorrente, que ésobrinho da interditada, alega ser melhor capacitado para exercero múnus da curadoria, considerando não só o fato de ser parentepróximo de Dona Florência, como também de sempre ter estadoem condições, tanto morais quanto materiais, de lhe prestar todaa assistência necessária.

Aduz, outrossim, que se tem preocupado com asaúde da interditada, visitando-lhe com freqüência e lhedevotando especial acompanhamento, face ao seu estado, oque o habilita, como dito, a gerir de maneira mais efetiva os atosde sua vida civil.

Apresentadas contra-razões, porém a destempo,conforme despacho de fl. 94.

Ouvida às fls.104/106, a d. Procuradoria Geral deJustiça opinou pelo desprovimento do apelo, tendo em vista quea nomeação da curadora atendeu a uma situação de fatoconsolidada no tempo, já que há anos a interditada vivia sob osseus cuidados, não sendo de bom alvitre modificar tal estado decoisas.

É o relatório.

VOTO

Note-se, inicialmente, que o apelante apenasquestiona a curadoria a cargo da Sra. MARIA JOSÉ DA SILVALIMA, relativamente à pessoa da interditada FLORÊNCIACARVALHO DA SILVA, sendo esta, pois, a questão meritóriadevolvida ao conhecimento da Corte.

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A interdição, como cediço, é o processo através doqual a pessoa maior fica declarada incapaz de gerir a sua pessoae seus bens, ou apenas os bens, se for devidamente comprovadatal incapacidade. Portanto, constitui uma medida de proteção aoincapaz, com a finalidade precípua de evitar dano à sua pessoae/ou ao seu patrimônio.

Assim, aqueles que se mostram inaptos para oexercício de direitos, em conseqüência de distúrbios da mente,são considerados absolutamente incapazes (NCC, art. 3º, II),recebendo proteção legal por meio do instituto da curatela, ateor dos arts. 1.767 e ss. do referido estatuto.

Curatela, define LAFAYETTE, “é o cargo conferidopela autoridade pública a alguém para reger a pessoas e bens,ou tão somente os bens, de pessoas emancipadas que por simesmas não o podem fazer, impossibilitadas por causasdeterminadas”.

Desse conceito, não discrepa o magistério de MARIAHELENA DINIZ, para quem “A curatela é o encargo públicocometido, por lei, a alguém para reger e defender uma pessoa eadministrar os bens de maiores incapazes, que, por si sós, nãoestão em condição de fazê-lo, em razão de enfermidade oudeficiência mental”.

No caso concreto, o autor, ora apelante, requereufosse declarada a incapacidade civil da promovida, aqui apelada,FLORÊNCIA CARVALHO DA SILVA, pleiteando, a final, que a Dra.Juíza o nomeasse curador da interditanda, por se tratar doparente mais próximo, o que contribuiria sobremaneira para asua proteção e melhor representação nos atos da vida civil.

Depois do interrogatório da demandada/recorrida (fls.31/32), foi determinada a realização de perícia técnica,nomeando-se um especialista em psiquiatria (fl. 42), o qualconcluiu: “Paciente portadora de enfermidade mental (F 29 –C.I.D 10) com prejuízos para a capacidade de reger-se na vidacivil. Requer representação legal por um tutor (sic) para decisãoda vida civil“. (Laudo de fl. 50).

A despeito do resultado da perícia, a apelada já seencontrava, como se vê dos depoimentos de fls. 63/68, há

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25(vinte e cinco) anos sob os auspícios da Sra. MARIA JOSÉDA SILVA LIMA, que é filha de criação de Dona FLORÊNCIACARVALHO DA SILVA.

Ademais, todas as testemunhas arroladas foramuníssonas acerca do bom relacionamento e dos cuidados deMARIA JOSÉ para com a interditanda, senão veja-se:

“que Maria José cuida bem de Florência (fl. 63); quepelo que se vê Mazé cuida bem de Florência dandocomida na hora certa e ainda cuidando da higienede Florência (fl. 66); que Maria José cuida muito bemde Florência, pois sempre (se vê) Florência limpinhae alimentada (fl. 67); que acredita que o dinheiro sejaaplicado por Maria José em benefício de Florência,pois sempre vê Florência limpa e bem alimentada(fl.68)”.

Não há nada nos autos, por outro lado, que denotevenha Dona MARIA JOSÉ administrando o patrimônio dainterditada de forma ineficiente ou irresponsável.

Não obstante a opção do legislador tenha sido nosentido de deixar a família com o encargo de suprir asnecessidades do interdito, tal deve ser afastada quando contrariaros interesses do incapaz, princípio maior aplicado ao caso.

Na esteira desse raciocínio, MARIA HELENA DINZ,no seu comentário ao art. 1.775 do NCC: “A ordem estabelecidalegalmente, contudo, não tem caráter absoluto... O artigo subexamine, ao ser aplicado pelo órgão judicante, deverá ceder aosinteresses da pessoa protegida.”

No mesmo sentido, pondera SÍLVIO RODRIGUES:“Visto que tanto na tutela quanto na curatela é o interesse doincapaz que deve prevalecer, entendo que não deve ser rígida aordem mencionada na lei, nem creio só poder o juiz nomearestranhos quando faltarem parentes daqueles ali referidos”.

Portanto, não merece qualquer reproche a sentençaimpugnada, razão por que, em consonância com o parecer dad. Procuradoria de Justiça, conheço do apelo, conquanto

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presentes os requisitos de sua admissibilidade, para, todavia,lhe negar provimento, mantida na íntegra a r. decisão recorrida.

É como voto.

Fortaleza, 29 de novembro de 2006.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

N° PROCESSO: 2001.0000.8443-2/0TIPO DO PROCESSO: APELAÇÃO CÍVELCOMARCA: IGUATUAPELANTES: JOSÉ WELLINGTON CABRAL DE MENEZESHOLANDA E OUTROAPELADO: JOSÉ AIRTON DE LIMA FURTADORELATOR DESIGNADO: DES. ERNANI BARREIRA PORTO

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL –EMBARGOS À EXECUÇÃO – ALEGAÇÕES DEILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM,NULIDADE DO ADITAMENTO À INICIAL E FALTADE INTERESSE DE AGIR – EXCESSO DEPENHORA – ATINGIMENTO DE BEM DE FAMÍLIA.a) Quanto às preliminares suscitadas pelosrecorrentes, verifico irretocável oposicionamento do eminente Des. Relator, nosentido de afastá-las, razão pela qual acompanhoo conspícuo Relator.b) O mesmo se opera em relação às suscitaçõesde excesso de penhora e inobservância dodireito à compensação, que diante da melhorjurisprudência pátria não podem ser acolhidas,como bem delineou o nobre Relator.c) Bem de família. A alegação de bem de famíliamanejada pelos apelantes e devidamente

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acompanhada de documentação que comprovaa efetiva residência dos mesmos nos imóveisconstritos representa hipótese clara de bem defamília obrigatório, disciplinado pela Lei n. 8.009/90 e não de bem de família voluntário, este regidopelo Código Civil. Neste sentido a penhoraultimada no processo executório é descabida porafrontar norma de ordem pública, cuja origemrepousa no próprio texto constitucional, que emseu art. 226 infere que a família, base dasociedade, tem especial proteção do Estado.Recurso Apelatório conhecido e parcialmenteprovido.

VOTO

O Eminente Desembargador José Edmar de ArrudaCoelho, relativamente ao presente recurso apelatório, na seçãode julgamento desta colenda 1ª Câmara Cível de 26 de fevereirode 2007, ao final de seu judicioso voto, conheceu do recurso emtablado para negar-lhe provimento.

Conforme bem relatado, trata-se de Apelação Cívelinterposta por JOSÉ WELLINGTON CABRAL DE MENEZESHOLANDA e OUTRO contra JOSÉ AIRTON DE LIMAFURTADO, por não haverem se resignado com sentençaproferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Única da Comarca deIguatu que julgou improcedentes os embargos à execuçãoagitados em instância a quo.

Em prol de seus intentos recursais, aduzem osapelantes, preliminarmente, serem parte ilegítima para figurarno pólo passivo da presente demanda; ser nulo o processoexecutivo desde a origem em razão de aditamento à inicialoperado após a citação e a falta de interesse de agir do apelado/embargado com relação à entrega de coisa certa. No mérito,infere a ocorrência de excesso de penhora, o seu recaimentosobre bem de família e a inobservância do direito à compensação.

Inicialmente, quanto às preliminares suscitadas pelos

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recorrentes, verifico irretocável o posicionamento do eminenteDes. Relator, no sentido de afastá-las, razão pela qualacompanho o conspícuo Relator.

O mesmo se opera em relação às suscitações deexcesso de penhora e inobservância do direito à compensação,que diante da melhor jurisprudência pátria não podem seracolhidas, como bem delineou o nobre Relator.

Já diante da incidência de penhora sobre bem defamília, peço vênia ao eminente Relator para tecer algumasconsiderações pertinentes à quizila posta.

A instituição do bem de família, segundo CAIO MARIODA SILVA PEREIRA, é uma forma de afetação de bens a umdestino especial que é ser a residência da família, e, enquantofor, é impenhorável por dívidas posteriores à sua constituição,salvo as provenientes de impostos devidos pelo próprio prédio.

O instituto do bem de família foi introduzido no direitobrasileiro pelo Código Civil de 1916, que dele cuidava no Livro II,intitulado “Dos Bens”. O Decreto-Lei n. 3.200, de 19 de abril de1941, também tratou da matéria, complementando o Código Civil.

Posteriormente, adveio nova modalidade de bem defamília, imposto pelo próprio Estado por norma de ordem pública(Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990), em defesa da entidadefamiliar. Surgiu assim o bem de família obrigatório, tambémdenominado involuntário ou legal. Segundo ÁLVARO VILLAÇADE AZEVEDO, nessa lei emergencial, não fica a família à mercêde proteção, por seus integrantes, mas defendida pelo próprioEstado, de que é fundamento.

Sobreveio, finalmente, o Código Civil de 2002, quedeslocou a matéria para o Direito de Família, no título referenteao direito patrimonial, disciplinando, todavia, somente o bem defamília voluntário.

Diante disso, como bem ressalta CARLOSROBERTO GONÇALVES, coexistem na legislação civil,atualmente, duas espécies de bem de família, ambas incidindosobre bens imóveis, e móveis àqueles vinculados: a) o voluntário,decorrente da vontade dos cônjuges, companheiros ou terceiro;e b) o involuntário ou obrigatório, resultante de estipulação legal

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(Lei n. 8.009/90). O primeiro, no entanto, só se verifica quando oproprietário tem dois ou mais imóveis residenciais e deseja optarpor um deles, para mantê-lo protegido, e o fizer mediante escriturapública ulteriormente registrada. Toda a minuciosaregulamentação do instituto no novo diploma pouca aplicaçãoprática tem, pois concerne apenas ao bem de família voluntário,que raramente é instituído.

Assim, a Lei n. 8.009/90 veio ampliar o conceito debem de família, que não depende mais de instituição voluntária,mediante as formalidades previstas no Código Civil. Agora, resultaele diretamente da lei, de ordem pública, que tornou impenhorávelo imóvel residencial, próprio do casal, ou de entidade familiar,que não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial,fiscal, previdenciária ou de outra natureza.

Portanto, a alegação de bem de família manejadapelos apelantes e devidamente acompanhada de documentaçãoque comprova a efetiva residência dos mesmos nos imóveisconstritos representa hipótese clara de bem de família obrigatório,disciplinado pela Lei n. 8.009/90 e não de bem de famíliavoluntário, este regido pelo Código Civil.

Neste sentido a penhora ultimada no processoexecutório é descabida por afrontar norma de ordem pública,cuja origem repousa no próprio texto constitucional, que em seuart. 226 infere que a família, base da sociedade, tem especialproteção do Estado.

No sentido da impenhorabilidade do bem de famílialegal ou obrigatório são os seguintes acórdãos do colendoSuperior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOSÀ EXECUÇÃO FISCAL. IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA.LEI 8.009/90. COMPROVAÇÃO DO FATOCONSTITUTIVO DO DIREITO ALEGADO PELORECORRENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.1. omissis2. Se o recorrente sustenta que o imóvel sobreo qual recaiu a penhora é bem de família por ser

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o único que possui em Curitiba, seu domicílio,apresentando documentação necessária, fezprova constitutiva do seu direito nos termos doartigo 333, I do Código de Processo Civil, e nostermos do artigo 1º da Lei 8009/90 “Art. 1º Oimóvel residencial próprio do casal, ou daentidade familiar, é impenhorável e nãoresponderá por qualquer tipo de dívida civil,comercial, fiscal, previdenciária ou de outranatureza, contraída pelos cônjuges ou pelos paisou filhos que sejam seus proprietários e neleresidam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”3. Recurso especial provido.(REsp 840421 / PR ; RECURSO ESPECIAL2006/0085865-1DJ 19.10.2006 p. 256)

PROCESSUAL CIVIL. BEM IMPENHORÁVEL.ARTIGO 3º, INCISO I DA LEI 8.009/90. MÃO DEOBRA EMPREGADA NA CONSTRUÇÃO DEOBRA. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.IMPOSSIBILIDADE.1. A impenhorabilidade do bem de família,oponível na forma da lei à execução fiscalprevidenciária, é consectário do direito Social àmoradia.(...)(REsp 644733 / SC ; RECURSO ESPECIAL2004/0028948-0 DJ 28.11.2005 p. 197)

Portanto, não vislumbro a possibilidade dapermanência da penhora recaída sobre os bens de matrículasns. 6.863 e 8.055, do Cartório de Registro de Imóveis da 1ª Zonade Fortaleza.

Diante de tais considerações, CONHEÇO dorecurso apelatório para DAR-LHE parcial provimento, para,reconhecendo a existência de bem de família, liberar da penhoraos imóveis objetos das matrículas ns. 6.863 e 8.055, ambos do

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Cartório da 1ª Zona da Comarca de Fortaleza.É como voto.

Fortaleza, 05 de março de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível N° 2002.0000.0213-2/0Apelante : Instituto Educacional Santa Maria LtdaApelado : Maria Celina Mouta BarbosaRelator: Des. ADEMAR MENDES BEZERRAÓrgão Julgador : 2ª CÂMARA CÍVEL

EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DEEXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL.INSTITUIÇÃO DE ENSINO. PRESTAÇÃO DESERVIÇOS EDUCACIONAIS. RELAÇÃOSINALAGMÁTICA E INTERDEPENDENTE.TÍTULO EXECUTIVO. AUSÊNCIA DE PROVA DOCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO COMOPRESSUPOSTO PARA O AJUIZAMENTO DAEXECUÇÃO. INDEFERIMENTO DE PLANO DAINICIAL SEM CONSIGNAR À PARTE O DIREITODE SANAR O VÍCIO QUE, DE REGRA, ÉSANÁVEL. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIADO ARTIGO 616, DO CÓDIGO DE PROCESSOCIVIL. PROVIMENTO DA APELAÇÃO.-Tratando-se de vício perfeitamente sanável pelaparte deficitária, qual seja, a ausência da provada prestação de serviços durante o período deinadimplência do estudante, mister sejafacultado à parte a possibilidade de adequar otítulo executivo para, só então, ser indeferida ainicial, conforme prevê o artigo 616, do CPC.

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-Ademais, deve-se observar os princípiosprocessuais da instrumentalidade das formas, daceleridade e da economia processual.-Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.-Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos doprocesso nº 2002.0000.0213-2/0, em que figuram as partes acimaidentificadas.

Acorda a Segunda Câmara do Egrégio Tribunal deJustiça do Ceará, à unanimidade, dar provimento ao recurso deapelação, nos termos do Voto do Relator.

Fortaleza, 29 de novembro de 2006.

RELATÓRIO:

Em análise recurso de apelação cível intentado peloInstituto Educacional Santa Maria Ltda em face de decisãomonocrática que, nos autos da ação de execução por quantiacerta contra devedor solvente, protocolado sob o nº2001.02.28569-1, indeferiu a inicial, porquanto, no seu entender,o título que instruiu a ação executiva não está revestido dorequisito da liquidez, conforme art. 585, II, do CPC.

Argumenta a empresa apelante ser credora do valorde R$ 354,39 (trezentos e cinqüenta e quatro reais e trinta enove centavos) por inadimplemento da parcela referente ao mêsde dezembro de 2000, oriunda do contrato de prestação deserviços educacionais, razão pela qual ingressou com amencionada ação de execução.

Divergindo da orientação seguida pelo juízomonocrático, sustenta a adequação do título extrajudicial, eis quea liquidez do documento reside no acertamento da mensalidadeatravés do contrato, a exigibilidade se encontra clara pelo adventodo termo (prazo) sem pagamento e, finalmente, a certeza se

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acha estampada no fato de não haver controvérsia quanto àdívida.

Finalmente, entende que jamais poderia ter sidoextinto o processo sem antes oportunizar ao autor o direito deemendar a inicial, a teor dos artigos 282, 283, 284 e 616 doCódigo de Processo Civil, pugnando pelo provimento da apelaçãopara o fim de desconstituir a sentença vergastada.

Parecer da Procuradoria Geral de Justiça às fls. 52/54.

É o relatório.

VOTO:

Cuidam os autos de recurso de apelação cívelajuizado em sede de ação executiva de título extrajudicial, noqual o colégio apelante busca a reforma da decisão monocráticaque indeferiu a inicial de execução, com a conseqüente extinçãodo processo, lançada sob color de que a empresa exeqüentenão comprovou a liquidez do título, inabilitando-o, assim, para aexecução.

A questão a meu ver é simples e se biparte em umaquestão processual e de direito propriamente dita. Trata-se decontrato de prestação de serviços educacionais, de naturezabilateral e sinalagmático, assinado por duas testemunhas, noqual a instituição de ensino se obriga a prestar os serviços e, deoutro lado, o consumidor se vincula às prestações prefixadas.

Embora existam precedentes que afastam aqualidade de título executivo extrajudicial quando afirmem que “ocontrato de prestação de serviços educacionais, mesmo quandosubscrito por duas testemunhas instrumentárias, não é títuloexecutivo extrajudicial”(TACivSP 40; TACivSP, órgão especial,Ap. n. 750684-5, rel. Juiz Rizzatto Nunes, julgado e 7.10.1988),o Colendo Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimentopela exeqüibilidade do título, ao julgar o Recurso Especial n.81.399/MG, segundo o qual a interpretação diversa ao art. 585, II,e 582 do CPC “limitando-o aos casos de confissão de dívida ououtra declaração de natureza unilateral, ficaria sem sentido as

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disposições dos artigos 615, II, que permite a execução de dívidaoriunda de relação jurídica sujeita a condição ou termo. Eestaríamos em desacordo com o espírito da nova lei, que deuao inciso II do artigo 585 uma redação mais extensiva, com onítido propósito de ampliar os casos de execução, facilitando aocredor os meios para obter do juiz a mais pronta satisfação doseu interesse”.

No caso dessa prestação de serviços de educação,a instituição de ensino poderá perfeitamente ajuizar ação deexecução com base no contrato assinado, desde que comproveo débito e o adimplemento de sua obrigação. Já que a execuçãose deve a algum(ns) mês(ses), deve o colégio comprovar,suficientemente, a prestação do serviço respectivo

Esclarecedora a decisão do Superior Tribunal deJustiça quanto à matéria:

“PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DEPRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS.EXECUÇÃO DE PARCELAS ALEGADAMENTEINADIMPLIDAS PELO ALUNO. FALTA DECOMPROVAÇÃO DOS SERVIÇOSRESPECTIVOS. REQUISITO DA CERTEZA DADÍVIDA NÃO ATENDIDO. CPC, ART. 615, IV.INSUFICIÊNCIA DO TÍTULO.I-A cobrança, pela via executiva, de parcelasinadimplidas por aluno de estabelecimento deensino particular, exige, para que configurada acerteza da dívida, além da apresentação docontrato devidamente formalizado e dodemonstrativo do débito, também a prova daefetiva prestação do serviço no período emquestão, requisito este desatendido no caso dosautos.II-Recurso especial não conhecido”(RESP N.323704/MG, Min. Aldir Passarinho Júnior, 4a. Turma,julgado aos 12/03/2002).

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Não se argumente que possui a instituição de ensinopresunção de ter prestado o serviço, pois, nas palavras doconspícuo Ministro Aldir Passarinho, extraído do voto do julgadoacima, “não parece razoável entender que o contrato deprestação de serviços, por envolver nexo de prestações,sinalagma, possa ser descartado como título executivoextrajudicial. O fato de depender a cobrança da prova doserviço não desqualifica a sua natureza porque a próprialei admite no art. 615, IV, do Código de Processo Civil, queo credor prove ter adimplido a contraprestação que lhecorresponde. É certo que não vale a presunção de que oserviço foi prestado, tal e qual estava no Acórdão a que mereferi antes, da relatoria do Senhor Ministro Sálvio deFigueiredo Teixeira. Todavia, se o credor prova, como nestefeito, que prestou o serviço, assim afirmado pelas instânciasordinárias, não há razão para afastar a liquidez e certezado título, dele constando valor certo e encargos aferíveispor simples operações aritméticas”.

Portanto, mister que o exeqüente comprove,iniludivelmente, a prestação de serviços a fim de embasar a açãoexecutiva.

Todavia, embora considere importante a análiseacerca da necessidade de demonstração dos serviços prestados– daí a razão de tê-la feito a priori, imperioso reconhecer que ojuiz monocrático não consignou o direito da parte exeqüente deemendar a inicial antes da prematura extinção do processo, comoaliás pregam o art. 616, do CPC e o entendimento majoritário doSuperior Tribunal de Justiça.

Eis o texto legal:

“Art. 616. Verificando o juiz que a petição inicial estáincompleta, ou não se acha acompanhada dosdocumentos indispensáveis à propositura daexecução, determinará que o credor a corrija, noprazo de 10 (dez) dias, sob pena de ser indeferida”.

O Ministro Jorge Scartezzini foi relator de um

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memorável julgado no que diz respeito ao tema:

“PROCESSO CIVIL - RECURSO ORDINÁRIO EMMANDADO DE SEGURANÇA – ATO JUDICIALTERATOLÓGICO - CABIMENTO DAIMPETRAÇÃO - EXECUÇÃO CONTRA DEVEDORSOLVENTE - JUNTADA DE XEROCÓPIA DETÍTULO EXECUTIVO AUTENTICADA -INDEFERIMENTO DA INICIAL - FALTA DEOPORTUNIDADE PARA SANARIRREGULARIDADE - PREVISÃO LEGAL - ART.616, DO CPC – LIQUIDEZ E CERTEZA DODIREITO - ORDEM CONCEDIDA.1 - A despeito do que estabelece a Súmula 267/STF, a jurisprudência e a doutrina sempreaceitaram o uso do mandado de segurançacontra decisão judicial, desde que esta fosseimpugnada por recurso próprio, tempestivo edesprovido de efeito suspensivo e, ainda, fosseteratológica e afrontosa ao direito, suscetível decausar dano irreparável ou de difícil reparação.No caso sub judice, tendo a recorrente opostocorreição parcial e, concomitantemente, opresente writ contra sentença que, in limine,extinguiu Ação de Execução contra DevedorSolvente, ao fundamento desta não estarinstruída com o título executivo original e sim,com cópia xerox, torna-se perfeitamenteaceitável a via eleita, porquanto ainstrumentalidade do processo não pode sesobrepor ao direito (cf. RESP nº 163.187/RO e185.075/CE e RMS 4.474/RJ).2 - Cuidando-se, na espécie, de deficiênciaperfeitamente sanável, já que a recorrentejuntou título executivo que não o original, porém,autenticado, ou seja, revestido de fé pública,aplicável o dispositivo processual do art. 616,

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do CPC, devendo-se facultar a empresaexeqüente, no prazo legal, a possibilidade deefetuar tal substituição. Tal entendimento vemsedimentar os princípios da instrumentalidadedo processo, da celeridade, da economia e daefetividade na prestação jurisdicional.3-Precedentes (Ag. Reg. RESP nº 402.046/RS,Ag. Reg. no AG nº 298.203/GO e RESP nºs440.719/SC, 329.846/MG e 264.807/MG).4-Recurso provido para, reformando o v. acórdãode origem, conceder a ordem, afastando aextinção da Ação Executiva e determinando queo magistrado a quo aplique, ao caso concreto, odisposto no art. 616, do CPC. (RMS 11962/SP;RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DESEGURANÇA 2000/0045740-0, Ministro JORGESCARTEZZINI, QUARTA TURMA, DJ 06.12.2004 p.311, sem grifos na origem);

No mesmo sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL.APLICAÇÃO SUBSIDIARIA DA LEI PROCESSUAL- EMENDA DA INICIAL (ART. 284 DO CPC).POSSIBILIDADE. CONSOANTE DISPÕE A LEI, AOPROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL SÃOAPLICAVEIS, SUBSIDIARIAMENTE, AS REGRASDO CPC ATINENTES AO PROCEDIMENTOORDINÁRIO. HAVENDO (NO PROCESSO DEEXECUÇÃO) NA INICIAL, OMISSÃO OUDEFEITOS QUE DIFICULTEM OUIMPOSSIBILITEM O JULGAMENTO, AO JUIZ EDEFESO DECRETAR A EXTINÇÃO DOPROCESSO SEM QUE, ANTES, FACULTE APARTE O PRAZO PARA A EMENDA DA EXORDIAL(CPC, ART. 284)”. (RECURSO IMPROVIDO.DECISÃO UNANIME. REsp 106130 / PR , Ministro

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DEMÓCRITO REINALDO , DJ 30.06.1997 p. 30894,PRIMEIRA TURMA);

“RECURSO ESPECIAL. INICIAL DE EXECUÇÃOEM QUE NÃO CONSTOU O ENDEREÇO DOCREDOR, NEM FOI INSTRUÍDA COM ODEMONSTRATIVO DE QUE TRATA O INCISO II,DO ART. 614, DO CPC. EXTINÇÃO DAEXECUÇÃO SEM ABRIR ENSANCHAS À EMENDADA INICIAL E AO SUPRIMENTO DA OMISSÃO.ESCABIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 616, CPC,COM ASSINAR PRAZO PARA SUPRIR EVENTUALFALTA. PRESTÍGIO DA FUNÇÃOINSTRUMENTAL DO PROCESSO. RECURSOCONHECIDO E PROVIDO COM RETORNO DOSAUTOS AO JUIZ DE 1º GRAU”.(STJ - RESP 295642-RO (RSTJ 157/89), DJ25.10.2004 p. 379, QUINTA TURMA, Ministro JOSÉARNALDO DA FONSECA, REsp 593130 / RS ;RECURSO ESPECIAL, 2003/0163994-8).

Merece reparo a sentença monocrática que, comfulcro nos artigos 295, III, 583, 586 e 618, I, todos do CPC,indeferiu a inicial da execução por não conter os seus requisitosessenciais, devendo, antes, conceder prazo para que a parteadeque a inicial com os documentos indispensáveis ao seudestrame, para, somente no caso de sua negativa, extingui-lo.

Perceba-se que no caso dos autos o vício dainterposição da inicial era perfeitamente sanável (ao contrário,por exemplo, de quando a parte ajuíza ação cujo direito decaíra),merecendo, por isso, o cumprimento do rito processual previstoacertadamente no Código de Processo Civil, olvidado pelo nobrejulgador.

Este, na nossa ótica, é o sentido no novodimensionamento do processo civil, deixando de lado o apegoexcessivo à forma e alinhavando-se com sua função primordial– viabilizar a prestação jurisdicional de forma mais equânime e

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célere quanto possível.Ademais, deve-se observar os princípios processuais

da instrumentalidade das formas, da celeridade e da economiaprocessual, na medida em que militam em favor da solução maisrápida quanto possível às partes, impedindo repetiçãodesnecessária de processos e fases processuais.

Ante o exposto, voto pelo provimento do recursoapelatório, no sentido de remeter os autos à instância a quo, afim de que se dê guarida ao disposto no art. 616, do CPC.

É como voto.

Fortaleza, 29 de novembro de 2006.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível N° 2002.0009.7388-0Órgão Julgador : 2ª CÂMARA CÍVELApelante : ESTADO DO CEARÁApelado : GLEUSTON MATIAS DOS SANTOSRemessa Oficial: JUIZ DE DIREITO DA 3a.VARA DOS FEITOSDA FAZENDA PÚBLICARelator: Des. ADEMAR MENDES BEZERRA

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA.ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR.PROMOÇÃO POR ANTIGUIDADE. RESSAR-CIMENTO POR PRETERIÇÃO. REMESSAOFICIAL. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. INE-XISTÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO“IN CASU”. MATÉRIA FÁTICA.1- Em Mandado de Segurança, a parte devecomprovar, no ajuizamento da ação, o seu direitolíquido e certo, sendo impraticável instruçãoprobatória por incompatibilidade com o rito

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processual.2- O impetrante não se desincumbiu da provareferente à existência de vaga para a promoçãorequerida, a teor do entendimento exarado peloSTF no julgamento da ADIN – 2979, nem dequalquer disposição que indicasse ter sido avaga preenchida por outrem em situação menosbenéfica que a sua, inviabilizando a prova dodireito líquido e certo.3- Recurso e remessa conhecidos e providos

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos deMandado de Segurança nº 2002.0009.7388-0, em que figuramas partes acima indicadas.

Acorda a 2ª Câmara Cível do egrégio TJCE, àunanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso e à remessaoficial nos termos do voto do Relator.

Fortaleza, 21 de setembro de 2005.

RELATÓRIO:

O apelado ingressou com ação de mandado desegurança para obter promoção até a graduação de 1º SargentoPM, com base na Lei Estadual n° 10.072/76 c/c arts. 165 da LeiEstadual n° 226/48, e art. 11, inciso II, do Decreto Estadual n°15.275/82.

Argumenta que ingressou nas fileiras da Polícia Militaraos 03 de agosto de 1992, na graduação de soldado-PM, tendosido convocado para o curso de direção defensiva, possuindo,segundo entende, o direito de ser promovido ao posto de 1ºSargento-PM, haja vista que, além de possuir ótimocomportamento na instituição, possui os requisitos básicos parao ato administrativo, exempli gratia, os cursos de especialidadee a antiguidade no cargo.

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A sentença concessiva da ação mandamental foiproferida às fls. 69/74, gerando a remessa ex officio paraapreciação neste sodalício.

Inconformado, recorre o Estado do Ceará (fls. 78/94), pugnando pela reforma da sentença a quo.

Contra-razões de apelação às fls. 97/117.A Procuradoria Geral de Justiça opina no feito às fls.

130/134 pelo improvimento do recurso da remessa oficial.É o relatório.

VOTO

Em se tratando de promoção de militares porantiguidade, como é o caso, as leis que regem a matériaestabelecem todos os requisitos necessários para progressãoà escala hierárquica superior, de modo que, uma vezimplementadas as condições, surge para o policial o direitosubjetivo à promoção, não cabendo qualquer exame deconveniência e oportunidade por parte da Administração, aindamais quando a promoção se der por preterição de direito domilitar.

Dessa forma, imperioso extrair qual o regramentolegal a ser aplicado para o deslinde da presente quaestio e,após, verificar-se o atendimento a todos os requisitosnecessários à promoção pretendida.

Mister a análise normativa, sob o ponto de vista daaplicação da lei no tempo.

Registre-se que a Lei estadual n° 226/48 não foi ab-rogada (totalmente revogada) pela Lei estadual n° 10.072/76,permanecendo intacta a parte referente à descrição de militaresespecialistas e suas promoções por antiguidade e merecimento.

A matéria está posta da seguinte forma: o Decreton° 13.120/79 definiu praças da Polícia Militar que devem serconsiderados especialistas.

Em tal lista, não se inseriu a função de motorista,que a Lei n° 226/48 qualifica como vaga de especialista. Todavia,além de aquela lei em que se embasa o decreto não ter

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consignado ao mesmo a tarefa de definir as vagas deespecialistas, o decreto não tem o condão de revogar normahierarquicamente superior que, de mais a mais, não seincompatibiliza com a Lei mais moderna (Lei n° 10.072/76).

Pela sistemática da Lei de Introdução ao Código Civil,três são os princípios relativos à aplicação da lei no tempo, sendotais o da obrigatoriedade, que soluciona as questões devigência e eficácia, o da continuidade, segundo o qual presume-se que a lei produz efeitos até que outra a revogue, e o dairretroatividade, que relaciona os conceitos de aplicação evigência da norma.

Ao contrário do sustentado pelo Estado apelante, aLei n° 10.072/76 não regulou inteiramente a matéria, uma vezque não definiu nem outorgou ao decreto a definição das vagasde especialistas, vigendo, neste ponto, os ditames da Lei nº 226/48, inteiramente aplicáveis à espécie, juntamente com o Decretonº 15.275/82, que regulamenta a promoção de praças da PolíciaMilitar do Ceará e dá outras providências.

Todavia, embora vencido o argumento de que teriasido revogada a norma regulamentadora, é preciso reconhecerque o impetrante se escusou de demonstrar, livre de dúvidas, aexistência de vaga para pleitear a promoção.

Na verdade, as condições formais genéricasnecessárias que o habilitam à ascensão funcional perseguida,tal qual dispõem as regras supra aludidas, são a função deespecialista, a fim de lhe outorgar a expectativa à promoção, ointerstício mínimo a ser observado, a conclusão do curso para aespecialidade, o bom comportamento e, finalmente, ter sidopreterido no direito à promoção por outros policiais, haja vistaque foram observados os requisitos à obtenção da promoçãopara graduação(ões) superior(es).

Embora tenha defendido (e ainda o faça) oargumento segundo o qual há violação ao princípio da isonomiaa concessão administrativa de promoções com base no ditoestatuto parcialmente revogado, de situações idênticas àsinúmeras outras somente asseguradas judicialmente, o fato éque o Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento da Ação

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Direta de Inconstitucionalidade nº 2979, o seguinte:

“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Leicomplementar estadual. LC nº 206, de 26.06.2001,do Estado do Espírito Santo. Servidor público.Polícia militar do corpo de bombeiros. Praças.Promoção dita peculiar”. Necessidade daexistência de cargo vago na classe ou nívelsuperior da carreira. Interpretação conforme àconstituição, para esse fim. É constitucional leiestadual que regule promoção, dita ‘peculiar’,de praças da Polícia Militar e do Corpo deBombeiros, desde que se lhe subentenda, porinterpretação conforme à constituição, que cadapromoção só pode efetivar-se quando exista, naclasse ou nível superior, cargo vago”(ADI 2979/ES, Relator Min. Cezar Peluzo, Tribunal Pleno, DJ04.06.2004, pg; 28, sem grifos no original).

Esse também é o recente posicionamento da 2ªCâmara do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,reconhecendo, na esteira do colendo Supremo Tribunal Federal,a necessidade de comprovação de vaga para se efetuar apromoção do militar, sem a prova da qual ruirá a açãomandamental, conforme se exemplifica no seguinte julgado devotação unânime:

“EMENTA: Apelação Cível. Recursos: obrigatórioe voluntário. Direito Constitucional eAdministrativo. Mandado de Segurança. PolicialMilitar. Promoção. Critério de ressarcimento porpreterição. I - Uma vez inatendidas as exigênciaslegais pertinentes, o militar não faz jus àpromoção pleiteada e, de conseguinte, o direitoreclamado não passa a integrar o seu patrimôniojurídico. II - Ausente o direito líquido e certo,até porque não comprovado documentalmente,

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impende que o órgão judicial, em tal situação,denegue a segurança, a teor do disposto no art.8º, da Lei nº 1.533/51, atentando-se para acircunstância de que: “As disposições da Leidevem ser entendidas no sentido de que cadapromoção peculiar só poderá efetivar-se quandoexista na classe superior cargo vago” (ADI nº2979-ES, Supremo Tribunal Federal, Rel. Min.Cezar Peluso). III - Remessa obrigatória eapelação voluntária conhecidas e providas.Decisão unânime” (Apelação Cível nº2002.0000.0065-2, Rel. Desembargador José Mariade Melo, votaram os Desembargadores José CláudioNogueira Carneiro e Gizela Nunes da Costa,julgamento de 18 de maio de 2005).

No caso concreto o impetrante realmente nãocomprovou a ocorrência de vaga para a promoção pretendidanem qualquer disposição que indicasse ter sido a vagapreenchida por outrem em situação menos benéfica que a sua,o que, em se verificando, certamente ensejaria a concessão domandamus.

José dos Santos Carvalho Filho, Celso AntônioBandeira de Mello, Hely Lopes Meirelles e praticamente toda aescola de juristas na área administrativa é uníssona ao afirmarque o rito do mandado de segurança não possui dilaçãoprobatória, necessitando de prova pré-constituída que demonstrelatente o direito líquido e certo perseguido, inocorrente na espécie.

Vejam-se as palavras de José dos Santos CarvalhoFilho, em seu notável “Manual de Direito Administrativo”:

“Domina o entendimento de que líquido e certoé aquele que pode ser comprovado de plano,ou seja, aquela situação que permite ao autorda ação exibir desde logo os elementos de provaque conduzam à certeza e liquidez dos fatos queamparam o direito. Se o impetrante não tem

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esses elementos logo no início do mandado desegurança, não pode se valer desseinstrumento, mas sim das ações comuns” (autore obra citados, Lúmen Juris, 12ª edição, pág. 934).

Não vejo razão, diante disso tudo, para alongar odebate.

Ante o exposto, na esteira do entendimento doSupremo Tribunal Federal e da egrégia 2ª Câmara deste Tribunal,voto pelo provimento da remessa oficial e do recurso voluntário,para o fim de denegar a ordem.

É como voto.

Fortaleza, 21 de setembro de 2005.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CÍVEL DA 4ª VARA CIVEL DE FORT. Nº.2003.0001.3864-4APELANTE: RAIMUNDO CARNEIRO LEITE E MARIA VILACYFREIRE LEITEAPELADO: ORGANIZAÇÃO MATOS PEIXOTO LTDAÓRGÃO JULGADOR: TERCEIRA CÂMARA CÍVELRELATOR: DES. CELSO ALBUQUERQUE MACÊDO

EMENTA: APELAÇÃO. PROCESSO CIVIL.EMBARGOS DE TERCEIRO. DECISÃO ALÉMDOS LIMITES DA LIDE. PENHORA SOBREIMÓVEL. CONTRATO DE PROMESSA DECOMPRA E VENDA. AUSÊNCIA DE REGISTRO.APLICAÇÃO DA SÚMULA 84 DO STJ.PRECEDENTES. FRAUDE À EXECUÇÃO.INOCORRÊNCIA.1- CONSIDERANDO-SE QUE NÃO FOI

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ESTIPULADO PEDIDO EXPRESSO QUANTO ÀINEFICÁCIA DA VENDA DO IMÓVEL COMRELAÇÃO AO EXEQÜENTE/EMBARGADO,DEVE-SE ANULAR A SENTENÇA QUANTO AESTE CAPÍTULO, MOSTRANDO-SE ULTRAPETITA AQUELA DECISÃO.2- PARA QUE SE CARACTERIZE A FRAUDE ÀEXECUÇÃO, IMPRESCINDÍVEL NECESSÁRIO ÉA DEMONSTRAÇÃO, POR PARTE DO CREDOR,DE QUE O COMPRADOR TINHACONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DEEXECUÇÃO CONTRA O ALIENANTE OU AGIUEM CONLUIO COM O DEVEDOR-VENDEDOR,SENDO INSUFICIENTES OS ARGUMENTOSBASEADOS EM MERAS SUSPEITAS OUALEGATIVAS.3- NEM MESMO O FATO DE NÃO TER SIDOEFETIVADO O REGISTRO DE TRANSFERÊNCIADO IMÓVEL NO CRI TEM O CONDÃO DECARACTERIZAR FRAUDE À EXECUÇÃO,CONSOANTE ENTENDIMENTO CRISTALIZADOPOR MEIO DA SÚMULA Nº. 84 DO SUPERIORTRIBUNAL DE JUSTIÇA.4- APELO CONHECIDO E PROVIDO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos deApelação nº. 2003.0001.3864-4, oriundos da 4ª Vara Cível deFortaleza, em que são partes os acima nominados, acorda aTurma Julgadora da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiçado Estado do Ceará, à unanimidade de votos, em conhecer doapelo dando-lhe provimento, para o fim de, reformar a sentençamonocrática de fls. 47/50, que deu por subsistente a penhoralevada a efeito na execução, para o propósito de excluir o imóvelindicado às fls. 52/55 da constrição pretendida em favor doColégio Gênesis. Verba honorária arbitrada em 10% do valor

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atribuído à causa.

RELATÓRIO

Tratam os autos de EMBARGOS DE TERCEIROaforados por RAIMUNDO CARNEIRO LEITE e sua mulherMARIA VILACY FREIRE LEITE em face da ORGANIZAÇÃOMATOS PEIXOTO LTDA (Colégio Gênesis), no destaque deinterposição com base em posse fundada em compromisso deContrato de Compra e Venda, embora sem registro público,trazendo os autores a transcrição da Súmula 84 do STJ.

Asseveram na exordial que o imóvel penhorado nofeito expropriatório lhes pertence, tendo em vista a concretizaçãodo instrumento translativo datado em 13 de agosto de 1999, nãotendo sido ultimado o registro por existirem pendências do imóvelperante o Banco Central do Brasil, acrescentando que a vendado imóvel é anterior ao ajuizamento da demanda expropriatória.

A embargada, às fls. 25/28, afirmou que o domíniosó se transfere com a inscrição do bem no Cartório de RegistroCompetente, não devendo prevalecer a tese do autor de que aaquisição foi anterior ao ajuizamento da ação executiva. Adicionaque o autor dos Embargos de Terceiro é advogado do executadoVicente de Paula Damasceno, nos Embargos à Execução,ensejando a mais completa má-fé.

Sobreveio sentença às fls. 47/50, vazada napresunção de fraude aos direitos do exeqüente, explicitando queo embargante é patrono do executado e a suposta transação decompra e venda, sem registro, foi “coincidentemente anterior àpropositura da demanda”. Assim sendo, declarou o juízomonocrático ser improcedentes os embargos, determinando asubsistência da penhora levada a efeito na execução e tornandoa venda ineficaz com relação ao exeqüente/embargado.

Irresignados com o deslinde dado ao feito pelo juízode origem, apelaram os autores. Robusteceram as informaçõesda exordial, enunciando em síntese que o ajuizamento daobrigação assumida pelo executado/apelado é posterior àlavratura da Escritura Pública de Compra e Venda, na data já

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anteriormente mencionada, defendendo que é indubitável alegítima exclusão do imóvel indicado à penhora pelo Exeqüente,através de abundante jurisprudência ali incorporada.

Acrescentaram que devem ser reconhecidos comopossuidores de boa-fé, vez que é pacífico o entendimento noque tange à admissão de embargos, tratando-se de possecalcada em compromisso de compra e venda, mesmo semregistro público.

Argumentaram que a má-fé, contrariamente à boa-fé, não se presume, necessitando sempre ser provada. Ao final,requereram a reforma in totum da sentença monocrática,julgando procedentes os Embargos.

A Organização Matos Peixoto (Colégio Gênesis)apresentou contra-razões. Alegou que não merece reforma asentença, pois, o domínio do imóvel somente se transfere coma transcrição ou registro do título translativo da propriedade, oque não fora feito pelo Apelante. Acrescentou que há presençade fraude contra credores, já que a Escritura de Compra e Vendamesmo anterior à propositura da Ação de Cobrança, caracterizaa fraude, em função da intenção do devedor de tornar-se incapazde pagar a dívida pela alienação de seu único patrimônio.

Vieram-me os autos conclusos para julgamento.Eis o relato, com revisão da Exma. Desembargadora

Lúcia Maria do Nascimento Fiúza Bitu, à fl. dos autos.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade recursal,intrínsecos e extrínsecos, conheço da apelação.

Em primeiro plano, cumpre registrar que o artigo 460do Código de Processo Civil estabelece limite à atividadejurisdicional, orientando que a decisão seja prolatada dentro doque for pleiteado, estando o juiz adstrito e vinculado aos seustermos:

“É defeso ao juiz proferir sentença, a favor doautor, de natureza diversa da pedida, bem como

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condenar o réu em quantidade superior ou emobjeto diverso do que lhe foi demandado”.

Com efeito, ao magistrado é vedado concederbenefício diverso do que foi pedido pela parte, uma vez que,segundo o artigo 128 do Estatuto Processual Civil, “decidirá alide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defesoconhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito a leiexige a iniciativa da parte”, dispositivo que se afigura comoexpressão da máxima latina sententia debet esse conformislibello.

Segundo Ernane Fidélis dos Santos:

“a lide se limita pelo pedido do autor. Emconseqüência o juiz não pode ficar aquém nem iralém do pedido. Também lhe é vedado condenar oréu em quantidade superior ou em objeto diverso doque foi demandado (art. 460). Os dois primeiroscasos são de sentença citra petita e ultra petita,respectivamente. O último é de sentença extra petita”(Manual de Direito Processual Civil, Saraiva, I/197).

In casu, extrai-se da impugnação aos embargosapresentada pelos Apelados que o seu requerimento é no sentidode que, “continue a penhora sobre o bem imóvel descrito noauto de penhora de fls. 65” (fl. 28).

Destarte, resta claro que nenhuma das parteslitigantes pugnou pela ineficácia da venda do imóvel com relaçãoao exeqüente, ora embargado.

Na espécie, consubstancia-se, julgamento ultrapetita, calcado em objeto diverso do demandado e impugnadonos autos.

O Superior Tribunal de Justiça mantém oentendimento de que a sentença ultra petita, na qual o juiz decidealém do pedido, não deve ser integralmente anulada pelo Tribunal,devendo ser reduzida aos limites do pedido:

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PROCESSUAL CIVIL - SENTENÇA ULTRAPETITA - NULIDADE. DECRETAÇÃO EX OFFICIO- POSSIBILIDADE - ECONOMIA PROCESSUAL -ADEQUAÇÃO AOS LIMITES DO PEDIDO. 1. Asentença ultra petita é nula, e por se tratar de nulidadeabsoluta, pode ser decretada de ofício. Contudo, emnome do princípio da economia processual, quandopossível, a decisão deve ser anulada apenas na parteque extrapola o pedido formulado. Precedente. 2.Recurso especial conhecido em parte. STJ, Resp.263829/SP, 6ª T., Rel.min. Fernando Gonçalves, j.04/12/2001.

Neste sentido, Theotônio Negrão, em sua obra“Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor”,Saraiva, 28ª ed., p. 343, anota:

“Não ocorre o mesmo com a sentença ultrapetita, i.e, que decide além do pedido (ex: a quecondena o réu “em quantidade superior” àpleiteada pelo autor). Ao invés de ser anuladapelo Tribunal, deverá ser reduzida aos limites dopedido”. STJ, 3ª Turma, REsp. 29.425-7-SP, Rel.Min. Dias Trindade, j. 01/12/1992, deramprovimento em parte, v.u., DJU 08/02/1993,p.1.031, 2ª col., em.; STJ-RT 673/181; RTJ 89/553,112/373, RTJESP 49/129, RP 4/406, em. 193.

No que se refere à possibilidade da interposição deEmbargos de Terceiros, reproduzo o preceito do Art. 1.046, § 1º.do CPC,

“Art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo,sofrer turbação ou esbulho na posse de seus benspor ato de apreensão judicial, em casos como ode penhora, depósito, arresto, seqüestro,alienação judicial, arrecadação, arrolamento,

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inventário, partilha, poderá requerer Ihe sejammanutenidos ou restituídos por meio deembargos.”§ 1o Os embargos podem ser de terceiro senhore possuidor, ou apenas possuidor.

A este respeito, a lição de NELSON NERY JÚNIOR:

“Não só a propriedade e a posse são passíveisde tutela por meio dos embargos de terceiro, masoutros direitos de eficácia e garantia real, móveisou imóveis (v.g. CC 44 III), bem como ossuscetíveis de penhora e, portanto, sujeitos àalienação judicial. Podem ser defendidos pelosembargos: a) quotas de sociedade (RT 477/138); b)direito de uso de linha telefônica (STF-RT 533/236);c) direito de concessão de lavra (DL 227/67 43,Código de Mineração); d) titularidade dos direitossobre marcas e patentes (LPI, 9279, DOU 15.5.1996,p. 8353); e créditos e outros direitos patrimoniais(CPC 671 a 676); f) direitos oriundos decompromisso de compra e venda não registrado.”(NERY JÚNIOR, Nelson, NERY, Rosa MariaAndrade. Código de Processo Civil e legislaçãoprocessual civil extravagante em vigor. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1999, p. 1348).(grifo não-original).

Pretendem os recorrentes seja reconhecida a fraudeà execução, para tornar excluído o imóvel da penhora alienado aterceiro, à vista da argumentação da parte apelada de que osembargantes não cuidaram de registrar a transação no Cartóriode Registro Imobiliário e que tinham ciência de que o imóvel denº 204, Bloco “B”, integrante do Edifício Icaraí, situado na PraçaSarasate, s/n, em Icaraí, no Município de Caucaia, encontrava-se penhorado por objeto de execução.

Releve-se que, no tocante ao exposto pelo Art.

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593, abaixo trasladado, a fraude a execução considerada peloIlustre Juízo a Quo, não se emoldura em nenhum dos casosali adornados, veja-se:

“Art. 593. Considera-se em fraude de execuçãoa alienação ou oneração de bens:I - quando sobre eles pender ação fundada emdireito real;II - quando, ao tempo da alienação ou oneração,corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;III - nos demais casos expressos em lei.

Vejo, contudo, que a r. sentença recorrida nãoimprimiu a correta solução ao caso, data venia.

O ilustre Sentenciante evidenciou que há plenaafinidade entre o devedor e o terceiro erguendo-se a possibilidadede saber este da situação patrimonial insolvente do executado.Adicionou que a proximidade entre a suposta transação e oajuizamento da demanda só servem para robustecer apresunção de que se está diante de fraude aos direitos doExeqüente, tendo considerado subsistente a penhora levada aefeito na execução.

Contudo para que se caracterize a fraude àexecução, necessário é a demonstração, por parte do credor,de que o comprador tinha conhecimento da existência deexecução contra o alienante ou agiu em conluio com o devedor-vendedor, sendo insuficientes os argumentos baseados emmeras suspeitas ou alegativas, conforme bem informamentendimentos do Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO - EMBARGOS DE TERCEIRO -EXECUÇÃO FISCAL - FRAUDE À EXECUÇÃO -ALIENAÇÃO POSTERIOR À CITAÇÃO DOEXECUTADO, MAS ANTERIOR AO REGISTRODE PENHORA OU ARRESTO - NECESSIDADEDE COMPROVAÇÃO DO CONSILIUM FRAUDIS.

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1. A jurisprudência do STJ, interpretando o art. 185do CTN, pacificou-se, por entendimento da PrimeiraSeção (EREsp 40.224/SP), no sentido de só serpossível presumir-se em fraude à execução aalienação de bem de devedor já citado em execuçãofiscal. 2. Ficou superado o entendimento de que aalienação ou oneração patrimonial do devedor daFazenda Pública após a distribuição da execuçãofiscal era o bastante para caracterizar fraude, empresunção jure et de jure. 3. Afastada a presunção,cabe ao credor comprovar que houve conluio entrealienante e adquirente para fraudar a ação decobrança. 4. No caso alienação de bens imóveis,na forma da legislação processual civil (art. 659, §4º, do CPC, desde a redação da Lei 8.953/94),apenas a inscrição de penhora ou arresto nocompetente cartório torna absoluta a assertiva deque a constrição é conhecida por terceiros e invalidaa alegação de boa-fé do adquirente da propriedade.5. Ausente o registro de penhora ou arrestoefetuado sobre o imóvel, não se pode supor queas partes contratantes agiram em consiliumfraudis. Para tanto, é necessária a demonstração,por parte do credor, de que o comprador tinhaconhecimento da existência de execução fiscalcontra o alienante ou agiu em conluio com odevedor-vendedor, sendo insuficiente oargumento de que a venda foi realizada após acitação do executado. 6. Assim, em relação aoterceiro, somente se presume fraudulenta aalienação de bem imóvel realizadaposteriormente ao registro de penhora ouarresto. 7. Recurso especial improvido. (REsp811.898/CE, Rel. Ministra ELIANA CALMON,SEGUNDA TURMA, julgado em 05.10.2006, DJ18.10.2006 p. 233)

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Processo civil. Agravo no recurso especial.Execução. Penhora. Embargos de terceiro.Fraude à execução. Venda do imóvel. Ausênciade registro da penhora. Necessidade dedemonstração de má-fé do adquirente. Dissídionotório. - Assentou a 2ª Seção do STJ que ficaafastada a fraude à execução se, vendido o imóvelem data anterior à inscrição da penhora, não existirprova da má-fé do adquirente. - A incontroversaconstatação extraída dos autos de que, em data muitoanterior à própria penhora e, conseqüentemente, àsua inscrição, o imóvel já havia sido transferido aoembargante, não importa em revolvimento dosubstrato fático fixado pelo Tribunal de origem. - Asexigências formais para a comprovação dadivergência jurisprudencial devem ser mitigadasquando se cuidar de dissonância interpretativanotória. Recurso não provido. (AgReg no REsp854.778/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,TERCEIRA TURMA, julgado em 17.10.2006, DJ30.10.2006 p. 305).

Nesse sentido, competia ao Apelado comprovar queos adquirentes do imóvel agiram de má-fé, ou seja, adquiriram obem do devedor com o intuito de frustrar a execução.

Sobre o tema, reforço oportunamente ajurisprudência colacionada por Carlos Alberto Carmona, inCódigo de Processo Civil Interpretado, Coordenação de AntonioCarlos Marcato, São Paulo, Atlas, 2004, p. 1754:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DETERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO. ART. 593,II, DO CPC. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. MÁ-FÉDOS ADQUIRENTES. INEXISTÊNCIA DECOMPROVAÇÃO. DIVERGÊNCIA JURISPRU-DENCIAL. INOCORRÊNCIA. SÚMULA 83/STJ.PRECEDENTES. I - O fundamento que autoriza

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a retirada do bem litigioso do patrimônio deterceiro, em decorrência da aplicação do art. 593,II, do CPC, consiste na demonstração de quetinha ele conhecimento da ação capaz de reduziro devedor à insolvência, ou que a negociaçãotenha se dado de modo fraudulento, hipótesenão caracterizada nos autos. II - Estando o acórdãorecorrido em sintonia com o entendimento da Corte,impõe-se aplicar o Enunciado 83 da Súmula do STJ.III - Recurso especial conhecido e desprovido. (STJ,RESP 325584/SP, 5ª Turma, Rel.min. Gilson Dipp, j.11.9.2001, DJ 15.10.2001, p. 291)”.

Ademais, não restam dúvidas de que a alienação doimóvel se deu no ano de 1999, como dá conta o contrato de fls.10/14 dos autos.

Dessa forma, como noticiado pelos própriosrecorrentes nas suas razões de apelo, que a ação de Cobrançafoi proposta em 1º de setembro de 1999, posterior à Escriturade Compra e Venda, resta evidente que o bem estava livre edesembaraçado quando de sua alienação, em 13 de agosto domesmo ano, não havendo como se falar em fraude à execução.

Nem mesmo o fato de não ter sido efetivado o registrode transferência do imóvel no CRI tem o condão de caracterizarfraude à execução, consoante entendimento cristalizado por meioda Súmula nº 84 do Superior Tribunal de Justiça, vazada nosseguintes termos: É admissível a oposição de embargos deterceiro fundados em alegação de posse advinda docompromisso de compra e venda de imóvel, ainda quedesprovido do registro”.

A mais recente jurisprudência daquele egrégioTribunal Superior corrobora esse entendimento:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DETERCEIRO. PENHORA DE IMÓVEL ADQUIRIDOMEDIANTE PROMESA DE COMPRA E VENDA.IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 84/STJ - Consoante

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entendimento sumulado desta Corte são cabíveisembargos de terceiro contra penhora sobreimóvel cuja posse decorre de compromisso decompra e venda, ainda desprovido de registro”(2ª T., REsp. nº. 602.338/AL, Rel. Min. FranciscoPeçanha Martins, DJ de 10/05/04). (grifo não-original).

“PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DETERCEIRO. A posse transmitida na promessa decompra e venda pode ser defendida em embargosde terceiro, ainda que fundada em instrumentodesprovido de registro (Súmula n. 84).” (3ª T., REsp.n 326.306/GO, Rel Min. Ari Pargendler, DJ de 27/05/03). (grifo não-original).

Na mesma direção vem decidindo o Tribunal deJustiça de Minas Gerais. Transcrevo:

“EMBARGOS DE TERCEIRO - EXECUÇÃO -IMÓVEL PENHORADO - BEM DADO EMPAGAMENTO - COMPROMISSO DE COMPRA EVENDA - FALTA DE REGISTRO EM CARTÓRIO -NÃO-CONFIGURAÇÃO DE FRAUDE ÀEXECUÇÃO - BOA-FÉ - PENHORAINSUBSISTENTE. Verificado que o imóvelpenhorado é bem dado em pagamento, estando onegócio lançado em documento através de contratode promessa de compra e venda, ainda que nãoregistrado, é insubsistente a penhora, se o negócionão configurou fraude à execução e os terceirosestão de boa-fé (TJMG - Ap. Cível n.1.0026.05.019562-2/001, Rel. DES. FERNANDOCALDEIRA BRANT, DJ 15/09/2006).

“EMENTA: APELAÇÃO - EMBARGOS DETERCEIRO - CONTRATO DE PROMESSA DE

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COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADO -SÚMULA 84 DO STJ - COMPROVAÇÃO DAPOSSE - CLÁUSULA CONTRATUAL -INSUFICIÊNCIA - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ -INOCORRÊNCIA-HONORÁRIOS ADVO-CATÍCIOS - REDUÇÃO - POSSIBILIDADE. - Emsede de embargos de terceiro fundado em contratode promessa de compra e venda sem registro, suaprocedência está a depender da efetiva comprovaçãoda posse exercida sobre o bem, sendo insuficientepara tal mister a simples existência de cláusulacontratual neste sentido. - A condenação das partespor litigância de má-fé depende de demonstraçãocabal de uma das condutas previstas no art. 17 doCPC, devendo a parte agir com dolo processual, coma clara intenção de causar um dano ao processo. -Não havendo condenação, os honoráriosadvocatícios devem ser fixados em valordeterminando, em atenção ao art. 20, §4º, do CPC,podendo ser reduzidos caso tenham sido fixados emdissonância com a realidade dos autos. (TJMG - Ap.Cível n.º.1.0261.02.014579-1/001, Rel. DÍDIMOINOCÊNCIO DE PAULA, 4ªC. Cível, DJ 24/05/06).

Assim, insista-se, não resultou evidenciado, porqualquer meio, que os embargantes agiram de má-fé por ocasiãodo negócio jurídico que firmaram com o executado, incidindo,assim, o entendimento estratificado pelo Colendo SuperiorTribunal de Justiça, no sentido de que:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DETERCEIRO. EXECUÇÃO FISCAL. FRAUDECONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA EVENDA. TERCEIRO DE BOA-FÉ.PRECEDENTES. - Não há fraude à execuçãoquando no momento do compromisso particularnão existia a constrição, merecendo ser

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protegido o direito pessoal dos promissários-compradores - Há de se prestigiar o terceiropossuidor e adquirente de boa-fé quando a penhorarecair sobre imóvel objeto de execução não maispertencente ao devedor, uma vez que houve atransferência, embora sem o rigor formal exigido. -Na esteira de precedentes da Corte, osembargos de terceiro podem se opostos aindaque o compromisso particular não estejadevidamente registrado” (1ª T., Resp. 173.417/MG,REL.MIN. José Delgado, DJ de 26/10/98). (grifo não-original).

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL.AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 544 DO CPC.VIOLAÇÃO A NORMA DE REGIMENTO INTERNODE TRIBUNAL. SÚMULA N.º 399 DO STF.CERCEAMENTO DE DEFESA. SÚMULA N.º 7 DOSTJ. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DETERCEIRO. PENHORA SOBRE IMÓVEL.CONTRATO DE PERMUTA NÃO REGISTRADOEM CARTÓRIO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 84 DOSTJ. FRAUDE À EXECUÇÃO. INOCORRÊNCIA.1. É cediço na Corte que o Recurso Especial não éo meio hábil a aferir violação de norma contida emRegimento Interno de Tribunal, porquanto tal diplomanão se enquadra no conceito de norma federal,arrastando a incidência da Súmula n.º 399 do STF:“Não cabe recurso extraordinário, por violação de leifederal, quando a ofensa alegada for a regimento detribunal.” Precedentes: REsp 542.334/RS, Rel. Min.Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ de 23.05.2005; REsp673.970/RS, Rel. Min.Hélio Quaglia Barbosa, SextaTurma, DJ 14.02.2005.2.A aferição acerca da necessidade ou não deprodução de prova pericial impõe o reexame doconjunto fático-probatório exposto nos autos, o que

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é defeso ao Superior Tribunal de Justiça, face doóbice erigido pela Súmula 07/STJ, porquanto é vedadoatuar como Tribunal de Apelação reiterada ou TerceiraInstância revisora. Precedentes: RESP 670.852/PR,desta relatoria, DJ de 03.03.2005; RESP 445.340/RS, Relator Ministro José Delgado, DJ de 17.02.2003.3. Assentou-se a jurisprudência no sentido deque inocorre fraude à execução quando aalienação do bem opera-se antes de ajuizada aexecução fiscal e, a fortiori, precedentemente àpenhora.(Precedentes: REsp 293.997/RS, Rel. Min.FRANCIULLI NETTO, DJ 18.10.2004; AgRg AG532.177/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJ 31.05.2004 )4. A novel exigência do registro da penhora,muito embora não produza efeitos infirmadoresda regra prior in tempore prior in jure, exsurgiucom o escopo de conferir à mesma efeitos ergaomnes para o fim de caracterizar a fraude àexecução. 5. Assentando o acórdão que aresponsabilidade de terceiro somente poderiaadvir ou de fraude de execução ou de fraudecontra credores, a primeira a exigir prova dealienação ilícita in re ipsa e a segunda a reclamaração pauliana com a prova do consilium fraudis,a análise dessa questão referente à fraude éinterditada nesta Eg. Corte, ante a inarredávelincidência da Súmula 07 (Precedentes: AGA563346/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 30/08/2004;REsp 283.710/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezesde Direito, DJ de 03/09/2001; REsp 163.742/SE, Rel.Min. Carlos Alberto Menezes de Direito, DJ 09/08/99).6. Deveras, à luz do art. 530 do Código Civil de 1916,sobressai claro que a lei reclama o registro dos títulostranslativos da propriedade imóvel por ato inter vivos,onerosos ou gratuitos, posto que os negóciosjurídicos em nosso ordenamento jurídico não são

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hábeis a transferir o domínio do bem. Assim, titulardo direito é aquele em cujo nome está transcrita apropriedade imobiliária.7. Todavia, a jurisprudência do STJ,sobrepujando a questão de fundo sobre aquestão da forma, como técnica de realizaçãoda justiça, vem conferindo interpretaçãofinalística à Lei de Registros Públicos. Assim éque foi editada a Súmula 84, com a seguinteredação: “É admissível a oposição de embargosde terceiro fundados em alegação de posseadvinda de compromisso de compra e venda deimóvel, ainda que desprovido do registro”.8. “O CTN nem o CPC, em face da execução,não estabelecem a indisponibilidade de bemalforriado de constrição judicial. A pré-existênciade dívida inscrita ou de execução, por si, nãoconstitui ônus ‘erga omnes’, efeito decorrenteda publicidade do registro público. Para ademonstração do ‘consilium’ ‘fraudis’ não bastao ajuizamento da ação. A demonstração de má-fé, pressupõe ato de efetiva citação ou deconstrição judicial ou de atos repersecutóriosvinculados a imóvel, para que as modificaçõesna ordem patrimonial configurem a fraude.Validade da alienação a terceiro que adquiriu obem sem conhecimento de constrição já quenenhum ônus foi dado à publicidade. Osprecedentes desta Corte não consideram fraudede execução a alienação ocorrida antes dacitação do executado alienante.” (EREsp nº.31321/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 16/11/1999) 9. Aquele que não adquire do penhorado nãofica sujeito à fraude in re ipsa, senão peloconhecimento erga omnes produzido pelo registroda penhora. Sobre o tema, sustentamos:“Hodiernamente, a lei exige o registro da penhora,

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quando imóvel o bem transcrito. A novel exigênciavisa à proteção do terceiro de boa-fé, e não é atoessencial à formalização da constrição judicial; porisso o registro não cria prioridade na fase depagamento. Entretanto, a moderna exigência doregistro altera a tradicional concepção da fraudede execução; razão pela qual, somente aalienação posterior ao registro é que caracterizaa figura em exame. Trata-se de uma execuçãocriada pela própria lei, sem que se possaargumentar que a execução em si seja umademanda capaz de reduzir o devedor àinsolvência e, por isso, a hipótese estariaenquadrada no inciso II do art. 593 do CPC. Areferida exegese esbarraria na inequívoca ratio legisque exsurgiu com o nítido objetivo de protegerterceiros adquirentes. Assim, não se pode maisafirmar que quem compra do penhorado o faz emfraude de execução. ‘É preciso verificar se aaquisição precedeu ou sucedeu o registro dapenhora’. Neste passo, a reforma consagrou, nonosso sistema, aquilo que de há muito se preconizanos nossos matizes europeus.” (Curso de DireitoProcessual Civil, Luiz Fux, 2ª Ed., pp. 1298/1299),10. In casu, o juízo monocrático reconheceu, combase no contrato de permuta, contas de telefone,energia elétrica, e outros documentos acostadosaos autos, que o embargante exercia a posse doreferido imóvel, o que impunha a exclusão dapenhora.11. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no Ag641.363/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRATURMA, julgado em 06.12.2005, DJ 13.02.2006 p.667)

Nestas condições, conheço do apelo para dar-lheprovimento, reformando os termos da sentença monocrática de

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fls. 47/50, anulando-a na parte que tornou a venda do imóvelineficaz com relação ao exeqüente/embargado e excluindo oimóvel indicado às fls. 52/55, constituído do apto. 204, bloco “B”,do Edifício Icaraí, situado na praça Paulo Sarasate S/N, em Icaraí,Caucaia, da constrição pretendida em favor do Colégio Gênesis,por não evidenciar a comprovação do consilium fraudis.

Verba honorária fixada em 10% sobre o valor dacausa.

Fortaleza, 31 de janeiro de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSO nº : 2003.0004.6680-3/0TIPO DO PROCESSO: APELAÇÃO CIVEL (RemessaObrigatória)ORIGEM: COMARCA DE FORTALEZA/CEREQUERENTE – MM JUIZ DA 6ª VARA DA FAZENDAPÚBLICA.APELANTE - MUNICÍPIO DE FORTALEZAAPELADOS - NOSSA CASA COMÉRCIO e IMPORTAÇÕESLTDA. e OUTROSRELATOR - Des. ERNANI BARREIRA PORTO

EMENTA – SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA.COBRANÇA DE TAXA. IMPOSSIBILIDADE.INCONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DASÚMULA 670 DO STF.Tratando-se de taxa vinculada à prestação deserviço de iluminação pública, tem-se que estapossui caráter universal e indivisível, cujo fatogerador decorre de prestação de serviçoinespecífico, não mensurável, indivisível einsuscetível de ser referido a determinado

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contribuinte. Matéria já sumulada pelo STF (670)RECURSO IMPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deApelação Cível de Fortaleza, em que é requerente (remessaobrigatória), o MM JUIZ DA 6ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DACOMARCA DE FORTALEZA, Apelante o MUNICÍPIO DEFORTALEZA e Apelados NOSSA CASA COMÉRCIO eIMPORTAÇÕES LTDA., JOSÉ MARTINIANO JANEBRO ROCHA,LUIZ CARLOS MOTA AGUIAR e ANTÔNIO CLÁUDIO MOTA DEAGUIAR.

A C O R D A M os Desembargadores integrantes da3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,unanimemente, em conhecer do recurso para negar-lheprovimento, nos termos do voto da relatoria.

Trata-se de Apelação Cível, impetrado peloMUNICÍPIO DE FORTALEZA, objetivando a reforma da sentençade magistrado singular, em sede de Mandado de Segurança,que foi interposto por NOSSA CASA COMÉRCIO eIMPORTAÇÕES LTDA. e OUTROS, contra ato do Prefeito doMunicípio de Fortaleza, consistente na cobrança de Taxa deIluminação Púbica – TIP, disciplinada através da lei 5.365/80.

Alegam os impetrantes que são usuários dosserviços de energia fornecidos pela Companhia de Energéticado Ceará - COELCE, tendo sido obrigados, nos termos do art.2º, da lei 5.365/80, a pagarem, mensalmente, nas respectivascontas de luz, taxa de iluminação publica, em razão do consumode energia.

Afirmaram que tal cobrança, através da modalidadetaxa, é inconstitucional, uma vez que o serviço em relação aoqual o município pretende vincular a cobrança da mencionadaexação não pode ser considerado específico e divisível, nosmoldes em que o art. 145, II, da CF/88 c/c o art. 77 e 79 doCódigo Tributário Nacional exigem para a criação de uma taxa.

Ademais, aduzem que o serviço público autorizadoa motivar a cobrança deste tipo de exação não pode ser genérico,devendo ser destinado a determinado usuário, nem pode ser

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prestado em caráter geral, como ocorre com a taxa de iluminaçãopública, que é cobrada indistintamente a todos.

Assim, requereram fosse determinada a imediatasuspensão do pagamento da citada taxa, com a conseqüenteexclusão da mencionada cobrança, em suas respectivas epróximas emissões de contas de energia elétrica.

O pedido de concessão de medida liminar ”initio litise ”inaudita altera pars” foi deferida às fls.43/45 dos autos.

Informações da autoridade apontada como coatora(fls.79/91). Contestação da COELCE (fls.48/64). Parecer doilustre representante do Ministério Público, com assento noprimeiro grau (fls. 93/94), no sentido de conceder a segurança.

Decisão do juízo de primeiro grau pela concessãoda segurança (fls.113/152), determinando à autoridade coatoraa imediata supressão da cobrança da referida taxa, excluindoda conta de consumo mensal de energia elétrica dos imóveisdos impetrantes, no passo em que declarou a ilegalidade einconstitucionalidade da taxa cobrada.

Em face do julgamento da demanda, atendendo àobrigatoriedade do duplo grau de jurisdição, o MM julgador a quodeterminou a remessa dos autos a esta Egrégia Corte. Assimigualmente o fez em relação ao recurso de Apelação Civil doMunicípio de Fortaleza (fls. 155/165).

Aqui aportados os respectivos autos, foram osmesmos – inicialmente – remetidos à D. Procuradoria Geral deJustiça, para manifestação, cujo parecer propugnou pelamanutenção da sentença, em todos os seus termos (fls. 182/185).

É o relatório.DECIDO.

A controvérsia da presente demanda diz respeito àconstitucionalidade ou não da Lei Municipal nº 5.365/80, queinstituiu a cobrança de taxa, referente à prestação de Serviçode Iluminação Pública, na área do Município de Fortaleza.

Referida norma legal, como se pode ver, afronta a

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cristalina intenção do constituinte de somente permitir acobrança de taxa, em razão de serviços específicos e divisíveis,no qual – obviamente – não tem como enquadrar o serviço deiluminação pública, que não é divisível, nem tampouco específico.

Tal questionamento já fora objeto de inúmerasquerelas jurisprudenciais. Culminou, alfim, com o posicionamentopacificado do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que talcobrança é de natureza inconstitucional, não havendo mais,por conseguinte, controvérsia em torno do assunto.

Neste sentido foi editada, pelo Excelso Pretório, a

“Sumula 670 - 0 Serviço de Iluminação Públicanão pode ser remunerado mediante taxa”.

As decisões judiciais, assim balizadas, semanifestaram reiteradamente no sentido de que taxa não poderiaser instrumento tributário hábil a viabilizar tal cobrança, porquantoausentes as características da especificidade e divisibilidade,como se pode aferir pelas ementas, abaixo, a última – inclusive– deste E. TJ/CE:

“TAXA de Iluminação Pública. Ilegitimidade.Assentou o plenário do STF (RE 199.969 – Rel.Min. Ilmar Galvão - DJ 06.02.98) que ela tem porfato gerador prestação de serviço inespecífico,não mensurável, indivisível e insuscetível de serreferido a determinado contribuinte. 2. Taxa deIluminação Pública: incidência da Súmula 670.(Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº501679 – STF – Primeira Turma – Relator Min.Sepúlveda Pertence – Jul. 27.09.05 – Pub.14.10.05).”

“MUNICÍPIO – TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLÇICA– INCONSTITUCIONALIDADE.Tributário. Município de Niterói. Taxa deiluminação pública. Arts. 176 e 179 da Lei nº 480,

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de 24.11.83, com redação dada pela Lei nº 1.224,de 20.12.93.Tributo de exação inviável, posto ter por fatogerador serviço inespecífico, não mensurável,indivisível e insuscetível de ser referido adeterminado contribuinte, a ser custeado pormeio do produto da arrecadação dos impostosgerais.Recurso não conhecido, com declaração deinconstitucionalidade dos dispositivos sobepígrafe, que instituíram a taxa do município.”(R.Ex nº 231.764 – Rel. Min. Ilmar Galvão – publ.10.03.99)

“TRIBUTÁRIO. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA.SERVIÇO GERAL E INDIVISÍVEL. INVALIDADE.Não é válida a cobrança de taxa de iluminaçãopública por se tratar de serviço público grela eindivisível. Precedentes deste colendo Tribunale dos Tribunais Superiores. Apelação e remessaoficial conhecidas e improvidas. A iluminaçãopública favorece a todos os indivíduos quetrafegam pelos logradouros públicos, bem comoos proprietários de imóveis( o que impossibilitaabsolutamente a determinação dos mesmos),não sendo, conseqüentemente, possívelindividualizar a quantidade de luz gasta por cadaum, vedando a cobrança do tributo damodalidade taxa.”(Apelação Cível nº2004.0009.4292-1/00000 – TJ/CE – SegundaCâmara Cível – Relator Des. Ademar MendesBezerra – jul. 18.05.05)

Na verdade, a taxa, de acordo com os termos do art.145, II, da CF/88 c/c o art. 77 e 79 do Código Tributário Nacional,é o tributo que tem como fato gerador uma atividade estatalespecífica (tributo vinculado), concernente ao exercício regular

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do poder de polícia ou à utilização, efetiva ou potencial, deserviço público específico e divisível, prestado ao contribuinteos posto à sua disposição.

Verifica-se, destarte, que existem dois tipos de taxasno ordenamento jurídico brasileiro, a taxa de polícia e a taxa deserviço, sendo, esta última, a modalidade que tem por fatogerador uma prestação de serviço público diretamente referidaa alguém.

Desta forma, a referibilidade da taxa de serviço éelemento indispensável de sua natureza jurídica, importando anecessidade de que esta satisfaça interesses de pessoasindividualmente consideradas, mesmo que desta situaçãodecorra – necessariamente – um proveito ou vantagem para ocontribuinte, senão a mera potencialidade da sua fruição, com adisponibilização do serviço.

Nesse sentido, ensina o jurista Hugo de BritoMachado:

“...a instituição e cobrança de uma taxa não têmcomo pressuposto essencial um proveito, ouvantagem, para o contribuinte, individualmente.O essencial, na taxa, é a referibilidade daatividade estatal ao obrigado... A atividadeestatal que constitui fato gerador da taxa nãoconstitui necessariamente uma vantagem parao contribuinte. Por isto temos sustentado que acontraprestacionalidade não é umacaracterística essencial dessa espécietributária”. (MACHADO, Hugo de Brito.Comentários ao Código Tributário Nacional: artigos1º a 95. São Paulo: Atlas, 2003, p. 658)

Ademais, não é qualquer serviço que pode viabilizara cobrança de uma taxa, mas apenas aqueles caracterizadoscomo uti singuli, isto é, específicos e divisíveis, pois osserviços considerados uti universi ou gerais e indivisíveis,que se caracterizam, ao contrário, por satisfazem interesses

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das pessoas de maneira genérica, sem se poder determinar aquota parte de ninguém, a quantidade de utilização. Estascircunstâncias, como se sabe, viabilizam a cobrança deimpostos, tributos não vinculados, conforme entendimentopacificado na doutrina e na jurisprudência.

Ocorre que, diversamente ao alegado pelo Municípiode Fortaleza e implementado pela COELCE, o serviço deiluminação pública, prestado aos munícipes de Fortaleza é feitode forma compulsória, relativamente a um serviço que secaracteriza como geral, sem qualquer referibilidade(especificidade) e impossível de mensuração (divisibilidade), oque inviabiliza a cobrança através da espécie tributária utilizada,qual seja, a taxa.

Com efeito, tem-se que o serviço de iluminaçãopública não é passível de individualização ou divisibilidade,uma vez que não permite possa ser o quantum debeaturmensurado. Não se pode medir quanto, individualmente, cadapessoas, proprietária de unidade imobiliária urbana, utiliza daenergia disponibilizada em vias públicas.

Desta forma é fácil e cristalina a percepção damanifesta ilegalidade e inconstitucionalidade da tributaçãomunicipal sob comento que, sob rótulo de taxa, cobrafornecimento de iluminação pública dos proprietários de unidadesimobiliárias urbanas, neste Município de Fortaleza insuscetívelde utilização individual e de mensuração, tomando por base decálculo o consumo de energia.

A inconstitucionalidade desta denominada taxa deiluminação pública ficou tão inquestionável, que o CongressoNacional promulgou Emenda Constitucional, através da qual foiintroduzido à Carta Magna, o art. 149-a. Assim, atendendo aosapelos de todos os Municípios do País, inclusive o de Fortaleza,ficou autorizada a cobrança do serviço de iluminação pública,somente através de contribuição e nunca sob a modalidadetributária de taxa. (aplicável para cobrança de serviços uti singuli,isto é, específicos e divisíveis)

Ante o exposto, conheço da remessa obrigatória edo recurso, para negar provimento ao apelo, mantendo

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integralmente a decisão de primeiro grau.

Fortaleza 08 de maio de 2006.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSO Nº 2003.0011.6725-7/0TIPO DO PROCESSO – APELAÇÃO CÍVELCOMARCA - FORTALEZAPARTES:APELANTE: CASA DAS LINHAS SANTA MÔNICA.APELADA: ANTÔNIA MARLEIDE DE SOUZA.RELATOR: DES. ERNANI BARREIRA PORTO

EMENTACIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL.CONSUMIDOR. CLIENTE LESIONADO NOINTERIOR DE ESTABELECIMENTO CO-MERCIAL. FALTA DE MANUTENÇÃO DE SUASINSTALAÇÕES. RESPONSABILIDADE OBJE-TIVA. AUSÊNCIA DE PROVA CAPAZ DEDEMONSTRAR A CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA.DEVER DE INDENIZAR.- Ação de reparação de danos morais e materiaisporque uma barra de ferro caiu do teto da loja apelanteno pé da autora, lesionando-o.- Tratando-se de relação consumista, aplicável, nocaso em exame, o art. 14 do Código de Defesa doConsumidor, que dispõe sobre a responsabilidadeobjetiva dos fornecedores de serviço.- O estabelecimento comercial responde pelos danoscausados aos clientes por falha relativa à prestaçãodos serviços.- Ausente à prova da excludente de responsabilidade

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por culpa exclusiva da vítima.- Quanto à obrigação indenizatória do dano material,apesar da alegada perda, não vislumbro oscomprovantes nos autos.- A reparação por dano moral deve ser suficiente parareparar o dano de forma completa e nada mais, sobpena de consubstanciar-se em fonte de lucro para olesado. Dessa forma, o quantum arbitrado nasentença monocrática, a título de indenização pordano moral suportado, merece reparo, eis queexcessivo.- Recurso conhecido e provido parcial.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deApelação Cível de Fortaleza, em que é Apelante CASA DASLINHAS SANTA MÔNICA e Apelada ANTÔNIA MARLEIDE DESOUZA.

A C O R D A M os Desembargadores integrantes da1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,unanimemente, em conhecer do recurso apelatório para dar-lheprovimento e reformar parcialmente a sentença recorrida.

Cuida-se de Apelação Cível interposta pela Casa dasLinhas Santa Mônica contra Antônia Marleide de Souza, por nãohaver se resignado com sentença proferida pelo Juízo da 27ªVara Cível da Comarca de Fortaleza, em sede de ação dereparação de danos morais e materiais.

Aduz a autora da ação, Antônia Marleide, que, no dia19 de novembro de 2001, dirigiu-se à Casa das Linhas SantaMônica para comprar materiais básicos para a sua profissão decostureira e, ao adentrar no estabelecimento comercial, foisurpreendida por uma barra de ferro vindo do teto, que lhe acertouo pé direito.

Afirma que, com “profunda dores” e sem qualquerresistência física e emocional, foi socorrida pela gerente da Casadas Linhas, Srª Cristina, que pediu ao Sr. Hélio para transportá-la ao hospital próximo. No Instituto Doutor José Frota, não obteveatendimento. Conduzida ao Pronto Socorro SOS, foi detectada

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uma lesão corporal de natureza grave, deixando-lhe acamada.Diz que, após oito dias da desdita, teve complicações

médicas na lesão e voltou ao Pronto Socorro SOS, onde fezexame e trocou o gesso, tendo comprado novos medicamentoscom ajuda financeira de familiares, visto que ficou impossibilitadapara o trabalho.

Sustenta ainda que está sofrendo muito pela privaçãofinanceira pela qual passa a filha e o esposo, uma vez que seuofício de costureira ampliava a renda familiar.

Por fim, pede, em preliminar, que seja declarada apena de confissão da ré, baseada em ata de audiência doDECOM, e, em conseqüência, extinto o processo comjulgamento do mérito, com “total ganho de causa para a autora”.E ainda postula a concessão da tutela antecipada para liberaçãodo valor incontroverso, R$2.400,00 (dois mil e quatrocentosreais). No mérito, requer a condenação da autora ao pagamentode indenização por danos morais e matérias, no valor de R$59.000,00 (cinqüenta e nove mil reais) e R$6.150,00 (seis mil ecento e cinqüenta reais) respectivamente.

Em sua defesa às fls. 35-54, a requerida aduz que(1), por meio de sua gerente e empregado, prestou todo o socorropossível à autora; (2) a pena de confissão é descabida; (3) osdanos foram provocados por meio de caso fortuito; (4) osdocumentos e fotografias trazidos aos autos pela requerente sãodesprovidos das condições de prestabilidade processual; (5) nãoexiste demonstração de dano material; (6) o valor postulado atítulo de dano moral é absolutamente despido de razoabilidade ede incompatibilidade com a situação socioeconômica das partes,além de não encontrar parâmetro na jurisprudência pátria; e (7)não se apresenta inequívoca a prova do alegado em sede depedido de tutela antecipada. Pugna ao final pela improcedênciada ação, indeferimento da antecipação da tutela, com ascondenações de praxe.

Réplica às fls. 58/60, repisando os argumentosapresentados na inicial.

Tentativa de conciliação, sem êxito (fls. 69). Rejeitadaa preliminar levantada pela autora – pena de confissão (fls. 71).

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Na instrução, foram inquiridas as testemunhas arroladas pelaspartes (fls. 90-99). Memoriais escritos da ré, fls. 102-106, e daautora, fls. 111-118.

Finalmente, às fls. 123-130, o magistrado singularjulgou procedente a ação para condenar a Casa das Linhas SantaMônica no ressarcimento a Antônia Marleide dos prejuízosmateriais, valores a serem apurados em sede de liquidação desentença, e R$10,000,00 (dez mil reais), a título de reparaçãoaos danos morais, aplicando-se a correção monetária a partirda data do evento danoso. A requerida ainda foi condenada aopagamento das custas do processo e honorários advocatícios,estes estipulados na base de 20% do valor total da condenação.

Nas razões apelatórias colacionadastempestivamente às fls. 132-148, a Casa das Linhas SantaMônica reinsiste na ausência de voluntariedade na conduta,inexistência de dolo ou culpa, falta de nexo de causalidade. Negao dano moral, arbitrado em quantia excessiva, e, o dano material,não provado pela autora. Pede a reforma da sentença para quesejam julgados improcedentes os pedidos.

É o relatório.

Revisão procedida pelo ExcelentíssimoDesembargador José Mário Dos Martins Coelho.

Decido.

A apelada pretende reparação de danos morais emateriais com fundamento em lesão no pé direito provocadapor uma barra de ferro vindo do teto da loja da apelante.

Tratando-se de relação consumista, aplicável, nocaso em exame, o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor,que dispõe sobre a responsabilidade objetiva dos fornecedoresde serviço.

Em sede de responsabilidade objetiva, o consumidorsó precisa demonstrar o dano e o nexo causal. O dever deindenizar só pode ser afastado mediante prova concreta e cabal

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do fato exclusivo da vítima ou de terceiro ou do caso fortuito ouforça maior.

Na hipótese, é incontroverso que a autora, oraapelada, sofreu lesão no pé direito em decorrência de uma barrade ferro vindo do teto da Casa das Linhas Santa Mônica, comoevidenciam os depoimentos das testemunhas inquiridas dasquais ressalto o de Hélio Ricardo de Sousa e de Cristina AguiarMaia.

Afirma Hélio Ricardo de Sousa às fls. 96-97 que: “...éfuncionário da promovida; ...à época que a requerente faziacompras na promovida, o depoente trabalhava lá; ...a barra deferro de que trata a inicial era a coluna de sustentação da porta,a qual se encontrava escorada na parede; ... não se recorda seexistia alguma presilha prendendo a coluna de sustentação daporta; ...não observou a extensão da lesão; ...acompanhou aautora ao hospital sozinho; ...a barra de ferros atualmente estáfixa para não ocorrer outros acidentes”.

Diz Cristine Aguiar Maia às fls. 98-99 que: “...é esposado sócio gerente da promovida...; ...a requerente foi levada aohospital por uma pessoa da empresa; ...a barra de sustentaçãoda porta foi fixada com cimento e solda.”.

O exame de corpo de delito de fls. 24 comprova alesão.

É certo que a Casa de Linhas Santa Mônica deixoude produzir qualquer prova capaz de demonstrar a culpaexclusiva da vítima na ocorrência do acidente. Além disso, cabeà apelante diligenciar no sentido de manter suas instalaçõesseguras, evitando acidentes. Ademais, quem tira proveito daatividade econômica lucrativa deve arcar com os riscosdecorrentes, indenizando os danos sofridos pelos usuários deseus serviços.

Logo, o fato de uma barrar de ferro despencar doteto caracteriza o defeito do serviço por não oferecer a segurançaque dele se espera, e enseja o dever de indenizar os danos.

Quanto à obrigação indenizatória do dano material,sem dúvida alguma, apesar da alegada perda, não vislumbro oscomprovantes nos autos.

No que tange ao dano moral, notório se faz registrar

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que a nossa ordem jurídica tem como principal escopo protegero ilícito e reprimir o ilícito. Para tal, o direito positivo impõecondutas externas aos indivíduos denominados de deveresjurídicos, as quais, uma vez violadas, geram um dever reparatóriodecorrente do dano causado pela violação. Nesse sentido, SérgioCavalieri Filho, in Programa de Responsabilidade Civil, 2ª edição,3ª tiragem, Editora Malheiros, páginas 19-20:

“1.1 Dever jurídico originário e sucessivo –

A violação de um dever jurídico configura oilícito, que, quase sempre, acarreta dano paraoutrem, gerando um novo dever jurídico, qualseja, o de reparar o dano. Há, assim, um deverjurídico originário, chamado por alguns deprimário, cuja violação gera um dever jurídicosucessivo, também chamado de secundário, queé de indenizar o prejuízo. A título de exemplo,lembramos que todos têm o dever de respeitara integridade física do outro. Tem-se, aí, umdever jurídico originário, correspondente a umdireito absoluto. Para aquele que descumpriresse dever surgirá um outro dever jurídico: oda reparação do dano.”

Assim, o dano moral é lesão de bem integrante dapersonalidade tal como a honra, a liberdade, a saúde, aintegridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza,vexame e humilhação à vítima.

No tocante ao quantum indenizatório, inexistemparâmetros legais expressos para o arbitramento do dano moral.Tal dificuldade tornou-se ainda mais nítida com a revogação dedispositivos do Código Civil de 1916, que contemplavam algunselementos normativos passíveis de adequação.

Hoje, mais que nunca, a faculdade de mensuraçãodo julgador obedece ao seu sereno arbítrio, recorrendo-se muitasvezes a precedentes jurisprudenciais sobre a matéria, todaspautadas no sentido de prestigiar os princípios da razoabilidade

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e proporcionalidade.Novamente, o Eminente Desembargador Sérgio

Cavalieri Filho, na mesma obra já referida, páginas 81-82, aduz,quanto ao arbitramento do quantum indenizatório por dano moral:

“Creio também, que este é outro ponto onde oprincípio da lógica do razoável deve ser abússola norteadora do julgador. Razoável éaquilo que é sensato, comedido, moderado; queguarda uma certa proporcionalidade. Importadizer que o juiz, ao valorar o dano moral, devearbitrar uma quantia que, de acordo com o seuprudente arbítrio, seja compatível com areprovabilidade da conduta ilícita, a intensidadee duração do sofrimento experimentado pelavítima, a capacidade econômica do causador dodano, as condições sociais do ofendido e outrascircunstâncias mais que se fizerem presentes.”

A indenização, eventualmente, devida a quem foiatingido pela conduta ilícita de outrem, não visa propiciar umenriquecimento ao lesado e sim minimizar o sofrimento. Aindenização, considerando a capacidade financeira das partes,o vento lesivo e suas conseqüências, deve ser suficiente parareparar o dano de forma completa e nada mais, sob pena deconsubstanciar-se em fonte de lucro para o lesado.

Dessa forma, o quantum arbitrado na sentençamonocrática no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) afigura-sedesproporcional e merece reparo, devendo ser reduzida a quantiade R$5.000,00 (cinco mil reais).

Pelo exposto, conheço do presente recursoapelatório, para dar-lhe parcial provimento, somente para excluira indenização por dano material, e fixar a verba indenizatória dodano moral em R$5.000,00 (cinco mil reais).

É como voto.

Fortaleza, 10 de outubro de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível nº 2005.0007.6353-7/1Apelante: HSBC BANK BRASIL S/A - BANCO MÚTIPLOApelado: JOSÉ ALMIR DA SILVARelator: Des. Ademar Mendes Bezerra

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃOFIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AÇÃO DE BUSCA EAPREENSÃO. DISCUSSÃO ACERCA DASCLÁUSULAS CONTRATUAIS. POSSIBILIDADE.ANATOCISMO. APLICABILIDADE NA ESPÉCIE.CUMULAÇÃO INDEVIDA DE COMISSÃO DEPERMANÊNCIA. DESCARACTERIZAÇÃO DAMORA.- Conforme entendimento jurisprudencialconsolidado do Colendo STJ, admite-se a ampladefesa do devedor em sede de ação de busca eapreensão decorrente de alienação fiduciária,restando ampliado o âmbito de discussão dademanda.- Permitida a capitalização mensal de juros, paracontratos celebrados após o advento da MP nº1963-17/2000.- É inválida, porém, a cumulação da comissão depermanência com correção monetária ouquaisquer outros encargos moratórios, os quaisdevem ser expurgados da avença, mantendo-se,porém, a dita comissão pelo índice do contrato(STJ, S. 294).- A cobrança excessiva de encargos, como aindevida cumulação de comissão de permanênciacom juros moratórios e multa, descaracteriza a morado devedor, devendo haver a compensação dosvalores eventualmente pagos a maior (repetição

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simples).- Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos daApelação Cível nº 2005.0007.6353-7/1, em que figuram as partesacima indicadas.

Acorda a Segunda Câmara Cível do Tribunal deJustiça do Ceará, em julgamento unânime, dar parcial provimentoao recurso, nos termos do voto do Relator.

Fortaleza, 06 de dezembro de 2006.

RELATÓRIO

Cuidam os presentes autos de apelação cívelinterposta pelo HSBC BANK BRASIL S/A – Banco Múltiplo,contra sentença do MM Juiz da 26ª Vara Cível da Comarca deFortaleza, em sede de ação de Busca e Apreensão, que julgouparcialmente procedente o pedido inaugural.

Na vestibular da ação proposta pelo ora apelantecontra o Sr. JOSÉ ALMIR DA SILVA, aí qualificado, alegou-se,em suma, que fora celebrado, no dia 26 de novembro de 2004,um contrato de crédito direto ao consumidor com garantia dealienação fiduciária, tendo sido financiado o valor de R$ 5.900,00(cinco mil e novecentos reais), a ser pago em 36(trinta e seis)parcelas de R$296,48 (duzentos e noventa e seis reais equarenta e oito centavos), com primeiro vencimento para o dia26/12/2004, sendo objeto da alienação o veículo da marcaVolksvagem, Modelo Parati GL 1.8, ano 1994, modelo 1995, corbranca, de placas HVB 6719.

O apelado, todavia, deixou de efetuar o pagamentoda terceira parcela, assim como das subseqüentes, mesmodepois de haver sido extrajudicialmente notificado para tanto, oque motivou o requerimento de medida liminar, com aprocedência, a final, da ação.

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Instruíram a exordial os documentos de fls. 06 a 20.O MM. Juiz processante, no despacho inicial,

determinou a citação do demandado, na conformidade do artigo3º, § 1º, do Decreto-lei nº 911/69, alterado pela Lei nº 10.931/2004, deixando, provisoriamente, de conceder a liminar requerida,em virtude do direito à purgação da mora garantido ao demandado(fl. 22). Citado (fl. 23), o promovido deixou transcorrer in albis oprazo para oferecer contestação, intentando, todavia, açãodeclaratória (revisional), tendo o juízo a quo extinguido a referidaação, sem julgamento do mérito (fl. 25 a 31), sob color de serpossível discutir as cláusulas do contrato no bojo da ação debusca e apreensão, e determinado que, em homenagem aosprincípios da celeridade e economia processuais, fosse feito otraslado das cópias da peça preambular (da ação declaratória)e demais documentos para os autos da busca e apreensão, afim de servirem como contestação (fls. 31 e 42 a 68).

Inconformado, o promovente/apelante ingressou competição requerendo o desentranhamento da exordial da açãodeclaratória e, caso assim não entendesse o juízo a quo, que osargumentos ali apresentados fossem acatados em sede deréplica (fls. 33 a 41).

Em seguida, o MM. Juiz diretor do feito prolatousentença, julgando parcialmente procedente a ação (fls. 70 a77). Entendeu pela nulidade das cláusulas contratuaisconcernentes ao anatocismo (Tabela Price), à cobrança de multaem valor superior a 2% (dois por cento) - limite previsto peloCódigo de Defesa do Consumidor -, e à cobrança de comissãode permanência, determinando, deste modo, o expurgo dascláusulas nulas de pleno direito, mediante simples cálculoaritmético, passando o contrato a observar a taxa mensal dejuros pactuada, em regime de juros simples, pelo Sistema deAmortização Constante. Por fim, determinou que, após aapuração do valor devido pela Contadoria do Fórum, fosseconcedido ao promovido o prazo de dez dias para proceder aodepósito das parcelas vencidas, sob pena de deferimento daliminar de busca e apreensão.

Inconformado, o promovente interpôs apelação (fls.

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78 a 84), requerendo a reforma da decisão na parte em quesucumbiu.

Contra-razões às folhas 87 a 137.É o relatório.

VOTO

Inicialmente, ressalte-se a possibilidade dediscussão acerca das cláusulas contratuais no bojo da própriaação de busca e apreensão, sendo, mormente em nome dosprincípios da economia processual e instrumentalidade dasformas, prescindível o ajuizamento de ação declaratóriaespecífica para tratar da matéria.

Este é o entendimento consolidado do SuperiorTribunal de Justiça, senão veja-se:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA EAPREENSÃO. RECONVENÇÃO. AÇÃOREVISIONAL. ADMISSIBILIDADE.ART. 315 DO CPC.- Consolidou-se o entendimento no STJ de queé admitida a ampla defesa do devedor no âmbitoda ação de busca e apreensão decorrente dealienação fiduciária, seja pela ampliação doobjeto da discussão em contestação, a partir doquestionamento a respeito de possívelabusividade contratual; seja pela possibilidadede ajuizamento de ação revisional do contratoque deu origem à ação de busca e apreensão,que, por sua vez, deve ser reunida parajulgamento conjunto com essa.- Nada impede – e é até mesmo salutar do pontode vista processual – o cabimento dereconvenção à ação de busca e apreensãodecorrente de alienação fiduciária, para pleiteara revisão do contrato, bem como a devolução de

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quantias pagas a maior. Recurso especialconhecido e provido”. REsp 801374 / RJ;RECURSO ESPECIAL 2005/0199667-6. MinistraNANCY ANDRIGHI (1118). T3 - TERCEIRA TURMA.Data do Julgamento: 06/04/2006. DJ 02.05.2006 p.327.

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE BUSCA EAPREENSÃO. CONTESTAÇÃO QUE IMPUGNAA LEGALIDADE DE CLÁUSULASCONTRATUAIS, SOB ALEGAÇÃO DEILEGALIDADE. POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃODO TEMA NO ÂMBITO DA AÇÃO.I. Possível a discussão, no âmbito da defesaapresentada na ação de busca e apreensão, dalegalidade das cláusulas contratuais que deramorigem ao débito.II. Recurso especial conhecido e provido.” REsp595503 / PR; RECURSO ESPECIAL 2003/0174243-8. Relator(a) Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR(1110). Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Datado Julgamento 16/08/2005. Data da Publicação/FonteDJ 12.09.2005 p. 336.

No que concerne à prática do anatocismo, rechaçadapela decisão do juízo a quo, que proclamou a nulidade darespectiva cláusula, a jurisprudência é no sentido de ser possívela capitalização dos juros por período inferior a um ano, nosajustes celebrados após o advento da medida Provisória nº 1963-17/2000. Destarte, a decisão do juízo de primeira instância háque ser, neste ponto, reformada, vez que o instrumento contratualdata de 2004.

“AGRAVO REGIMENTAL. CAPITALIZAÇÃOMENSAL DOS JUROS. INEXISTÊNCIA DEPREVISÃO CONTRATUAL. MEDIDA PRO-VISÓRIA 2.170-36/2001. NÃO INCIDÊNCIA.

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COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. AUSÊNCIA DEPACTUAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE CUMU-LAÇÃO COM JUROS REMUNERATÓRIOS.COMPENSAÇÃO. VERBA HONORÁRIA.POSSIBILIDADE.1. A Segunda Seção desta Corte entende cabívela capitalização dos juros em periodicidademensal, para os contratos celebrados a partir de31 de março de 2000 - data da primitivapublicação do art. 5º da MP 1.963-17/2000,atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001 -,desde pactuada, o que não se verifica relativamentea um dos contratos firmados entre as partes, motivoque obsta seu deferimento.2. A comissão de permanência é devida para operíodo de inadimplência, desde que pactuada,requisito inexistente no que toca a dois dos contratosem revisão, vedando-se, pois, relativamente aosmesmos, a cobrança de tal encargo.3. Segundo o entendimento sumulado no enunciado294/STJ, os juros remuneratórios são devidos até oadvento da mora.4. A comissão de permanência é devida para operíodo de inadimplência, não podendo ser cumuladacom correção monetária (súmula 30/STJ) nem comjuros remuneratórios, calculada pela taxa média dosjuros de mercado, apurada pelo Banco Central doBrasil, tendo como limite máximo a taxa do contrato.5. A compensação de honorários advocatícios, emface de sucumbência recíproca, não colide com asdisposições da Lei 8.906/94.6. Agravo regimental desprovido”. Grifei.Processo AgRg no REsp 655932 / RS ; AGRAVOREGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL2004/0058891-2 Relator(a) Ministro FERNANDOGONÇALVES (1107) Órgão Julgador T4 - QUARTATURMA Data do Julgamento 07/04/2005 Data da

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Publicação/Fonte DJ 02.05.2005 p. 372

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVOSREGIMENTAIS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATODE MÚTUO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EMGARANTIA. JUROS REMUNERATÓRIOS.LIMITAÇÃO (12% A.A). IMPOSSIBILIDADE.MEDIDA PROVISÓRIA N. 1.963-17/2000REEDITADA ATÉ A DE N. 2.170-36/2001.INOVAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS.VEDAÇÃO. SÚMULA N. 121-STF.MANUTENÇÃO DA POSSE. DESCABIMENTO.ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. VERBAHONORÁRIA. AGRAVOS IMPROVIDOS.I. Não se aplica a limitação de jurosremuneratórios de 12% a.a., prevista na Lei deUsura, aos contratos bancários nãonormatizados em leis especiais, sequerconsiderada excessivamente onerosa a taxamédia do mercado. Precedente uniformizador da2ª Seção do STJ.II. Em sede de agravo regimental não se permiteadicionar fundamento às razões do recursoespecial.III. Nos contratos de mútuo com alienaçãofiduciária em garantia, ainda que expressamentepactuada, é vedada a capitalização dos juros,somente admitida nos casos previstos em lei.Incidência do art. 4º do Decreto n. 22.626/33 e daSúmula n. 121-STF.IV. A manutenção do devedor na posse do bemnão pode persistir. A uma, porque refoge doslimites da ação revisional discussão possessória.A duas, mesmo considerando que a instituiçãofinanceira não logrou demonstrar a legalidade detodos os encargos cobrados, decaiu em menorparte de sua pretensão, cabendo ao devedor

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efetuar o pagamento do débito remanescentejunto à instituição financeira. Assim, não há falar-se em manutenção do bem na posse do devedor,podendo a mesma ser requerida em ação própriapelo credor.V. Restando a instituição financeira vencedorana parte que representa o maior proveitoeconômico da demanda e ainda remanescendocomo credora da dívida, cabe ao devedor acondenação majoritária no ônus sucumbencial,considerada a reciprocidade e a compensação(art. 21, caput, do CPC), observado o juízoeqüitativo.VI. Agravos improvidos.”AgRg no REsp 831780 / RS; AGRAVO REGIMENTALNO RECURSO ESPECIAL 2006/0069245-7.Relator(a) Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR(1110). Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA. Datado Julgamento 20/06/2006. Data da Publicação/FonteDJ 14.08.2006 p. 298.

“CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVOREGIMENTAL. CONTRATO DE MÚTUO COMGARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.APLICAÇÃO DO CDC. SÚMULA N. 297-STJ.CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. VEDAÇÃO.SÚMULA N. 121-STF. MP N. 1.963-17/2000REEDITADA ATÉ A DE N. 2.170-36/2001.DEPÓSITO PARCIAL. VALORES INCON-TROVERSOS. CABIMENTO. COMPENSAÇÃO/RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO. POSSIBILIDADE.TEMAS PACIFICADOS.I. O Código de Defesa do Consumidor é aplicávelaos contratos bancários, nos termos da Súmulan. 297-STJ.II. Nos contratos de mútuo com alienaçãofiduciária em garantia, ainda que expressamentepactuada, é vedada a capitalização dos juros,

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somente admitida nos casos previstos em lei.Incidência do art. 4º do Decreto n. 22.626/33 e daSúmula n. 121-STF.III. A insuficiência do depósito não significa aimprocedência do pedido, mas sim que o efeitoda extinção da obrigação é parcial, até omontante da importância consignada, que poderáser futuramente complementada, tão logorealizados os cálculos e apurado o real montantedo débito, na esteira da jurisprudência maisrecente da 4ª Turma, aplicando o disposto no art.899, do CPC (REsp n. 448.602/SC, Rel. Min. RuyRosado de Aguiar, unânime, DJU de 17.02.2003).IV. Admite-se a repetição do indébito de valorespagos em virtude de cláusulas ilegais, em razãodo princípio que veda o enriquecimentoinjustificado do credor.”AgRg no REsp 827035 / RS; AGRAVO REGIMENTALNO RECURSO ESPECIAL 2006/0053178-7.Relator(a) Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR(1110). Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA. Datado Julgamento 18/05/2006. Data da Publicação/FonteDJ 19.06.2006 p. 152.

No que diz respeito, contudo, à cumulação decomissão de permanência com juros moratórios e multa, talconstitui abuso do fornecedor, porquanto o mencionado encargoé uma remuneração estabelecida para fazer face aoinadimplemento do contratante, incluindo em seu cálculo omontante das perdas inflacionárias. Desta forma, se além delafor aplicada correção monetária ou qualquer outro encargomoratório ocorrerá um indevido bis in idem. Neste sentidopreceitua o enunciado da súmula n.º 30 do STJ, nos seguintestermos:

“Súmula n.º 30 - A comissão de permanência e acorreção monetária são inacumuláveis”.

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Recente decisão do mesmo Tribunal Superior reiterao posicionamento sumulado:

“Contrato bancário. Ação revisional. Cobrança decomissão de permanência. Aplicação das Súmulas30, 294 e 296 do STJ. Cumulação com encargosmoratórios. Impossibilidade. Omissão. Inexistência.I - A despeito da redação do inciso I da Resoluçãonº 1.129/86, a Segunda Seção deste Tribunalconfirmou o entendimento das Turmas que acompõem, no sentido de ser vedada a cumulaçãoda comissão de permanência com correçãomonetária (Súmula 30), com os jurosremuneratórios (Súmula 296) ou quaisqueracréscimos decorrentes da mora, tais como osjuros moratórios e multa (AgRg no RESP 712.801/RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de04.05.2005).II - Agravo regimental desprovido”.(AgRg no AgRg nos EDcl no Ag 634.358/BA, Rel.Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRATURMA, julgado em 02.06.2005, DJ 20.06.2005 p.277).

No caso destes autos, a comissão de permanênciavem prevista em cúmulo com juros de mora e multa moratória,como se pode ver das cláusulas 15 e 16 do instrumento contratualrespectivo (fl. 16), pelo que deve dita comissão ser preservadano contrato (STJ, Súmula 294), afastando-se, todavia, a cobrançados mencionados juros de mora e da multa, e se compensandoos valores indevidamente pagos (repetição simples) a esse títulocom o restante do débito.

Finalmente, advirta-se que a cobrança de encargosem excesso, como in casu, descaracteriza a mora. Na esteiradesse raciocínio, observe-se trecho do magnífico voto de SuaExcelência, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao ensejo dojulgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial163.884/RS (2ª Seção do STJ - DJ 24/09/2001), segundo o qual:

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“A mora somente existe, no sistema brasileiro, sehouver fato imputável ao devedor, conforme reza oart. 963 do CCivil (antigo), isto é, se a falta daprestação puder ser debitada ao devedor. Se o credorexige o pagamento com correção monetáriacalculada por índices impróprios, com juros acimado permitido, capitalização mensal, contribuição aoProagro cobrada mais de uma vez, etc., o devedorpode não ter condições de efetuar o pagamento doque se lhe exige, e fica frustrada a oportunidade depurgar a mora. A exigência indevida é ato do credor,causa da falta do pagamento, que por isso não podeser imputada ao devedor, nos termos do art. 963acima citado”.

No mesmo diapasão, a pacífica jurisprudência doSuperior Tribunal de Justiça:

“CONTRATO BANCÁRIO. JULGAMENTO EXTRAPETITA. NÃO OCORRÊNCIA. COMISSÃO DEPERMANÊNCIA. LIMITADOR. TAXA PACTUADA.COBRANÇA DE ENCARGOS EXCESSIVOS.MORA. DESCARACTERIZAÇÃO.I - Questões de ordem pública contempladaspelo Código de Defesa do Consumidor,independentemente de sua natureza, podem edevem ser conhecidas, de ofício, pelo julgador.Por serem de ordem pública, transcendem ointeresse e se sobrepõem à vontade das partes.Falam por si mesmas e, por isso, independemde interlocução para serem ouvidas.II – Admite-se a cobrança da comissão depermanência, após o vencimento da dívida, emconformidade com a taxa média do mercado,apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxapactuada no contrato, desde que não cumulada comjuros remuneratórios nem correção monetária.

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(...)”. (AgRg no REsp 729.068/RS, Rel. MinistroCASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em02.08.2005, DJ 05.09.2005 p. 408).

“CIVIL. CONTRATO DE CRÉDITO BANCÁRIO.CAPITALIZAÇÃO MENSAL. IMPOSSIBILIDADE.MORA. DESCARACTERIZAÇÃO. TR. INEXIS-TÊNCIA DE PREVISÃO.1. A capitalização dos juros somente é admitida emcasos específicos, previstos em lei (cédulas decrédito rural, comercial e industrial), ut súmula 93/STJ, não ocorrentes na espécie, constatação apta afazer incidir a letra do art. 4º do Decreto nº 22.626/33e a súmula 121/STF. Precedentes.2. A descaracterização da mora pelo Tribunal deorigem, em virtude da constatação de pretender ainstituição financeira mais do que lhe é devido,encontra-se em consonância com o entendimentopacificado da Segunda Seção (EREsp nº 163.884/RS).3. A TR somente pode ser utilizada como índice decorreção monetária quando pactuada, o que, in casu,não ocorre, ante a inexistência de previsão contratualespecífica. (súmula 295/STJ).4. Agravo regimental não provido.(AgRg no REsp 618.111/RS, Rel. MinistroFERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA,julgado em 19.08.2004, DJ 13.09.2004 p. 261).

Ante o exposto, impõe-se o provimento parcial dorecurso apelatório interposto, para permitir a possibilidade decapitalização mensal, mantida a comissão de permanência pelataxa do contrato, ressalvada, contudo, a descaracterização damora.

É como voto.

Fortaleza, 06 de dezembro de 2006.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSO Nº 2005.0002.4513-7/1TIPO DE RECURSO: Apelação CívelAÇÃO DE ORIGEM: Mandado de SegurançaCOMARCA: ItaremaPARTES:APELANTES: 1. Pedro Pierre Carneiro 2. Feliciano Roberval CarneiroAPELADOS: 1. Secretária de Educação, Cultura e Desportode Itarema 2. Município de ItaremaRelator: Des. João de Deus Barros BringelÓrgão Julgador: 2a Câmara Cível

EMENTA. REMOÇÃO EX OFFICIO.POSSIBILIDADE DESDE QUE HAJA INTERESSEPÚBLICO E MOTIVAÇÃO DO ATO COM ADEMONSTRAÇÃO DOS CRITÉRIOS QUE AJUSTIFICAM NAQUELE CASO CONCRETO.PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃORECORRIDA NÃO ACOLHIDA.1. Trazendo a sentença de forma límpida, clarae fundamentada resposta à controvérsia típicada lide não há o que se falar em nulidade porfalta de análise expressa de todos osdispositivos e argumentos trazidos pelorecorrente. Inexigência legal. Exegese dos arts.165 e 458 do CPC. Preliminar não acolhida.2. É dever do administrador explicar de modopreciso, em relação à situação específica dosservidores que serão removidos, quais foram oscritérios que o levaram, no caso concreto, areputar como de interesse público a remoção exofficio praticada, ou seja, quais os fatos em

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concreto que apontam que tal remoção, emparticular, representa o interesse do serviço.3. No presente caso a ausência de motivaçãoleva à declaração de nulidade dos atosadministrativos que culminaram nas remoçõesdos recorrentes.4. Recurso conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos os autos do recursode apelação no 2005.0002.4513-7/1, em que são partes as acimaindicadas.

ACORDA a 2a Câmara Cível do Tribunal de Justiçado Estado do Ceará, em julgamento de turma, por unanimidade,em acolher o parecer ministerial e conhecer do recurso para,após afastar a preliminar levantada, dar-lhe provimento, nostermos do voto do Relator.

R e l a t ó r i o

Cuida-se de apelação adversando a sentença emque o Dr. Juiz de Direito da comarca vinculada de Itarema (fls.79/80), denegou ordem mandamental com vista àdesconstituição dos atos em que a Senhora Secretária deEducação, Cultura e Desporto daquele Município, por abusivos,exorbitantes e ilegais, resultaram na desmotivada alteração deseu local de trabalho, distrito de Almofala, para localidades dalidistanciados mais de 40 Km.

Na inicial de referida ação mandamental, afirmaramos requerentes terem sido aprovados em concurso públicoaberto pelo Edital n. 001/97, respectivamente, para os cargosde vigia e professor para suprirem carências em escola públicalocalizada no mencionado distrito de Almofala, localidades emque efetivamente prestavam serviços, quando, por atodesmotivado, resultantes de simples perseguição política, porcontrários às ideologias da nova administração, foram removidospara as escolas localizadas em Riacho, o primeiro, e Aguapé, osegundo, distantes de Almofala, mais de 40 km, medida que lhes

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causaram prejuízos, além de desfalcarem a escola em queprestavam serviços e para a qual foram nomeadas.

Não houve concessão de liminar.Notificada a autoridade impetrada compareceu aos

autos dizendo que os apontados atos foram decorrentes danecessidade do serviço e não por perseguição política, amboscalcados na legislação municipal, esperando, assim a negaçãodo pleito autoral.

O município, mesmo sem ser notificado, veio aosautos, como litisconsórcio passivo, respaldando os atos de suaSecretária de Educação, dizendo não ser merecedores dedesconstituição os atos por ela praticados resultantes nosdeslocamento dos impetrantes.

Depois de colhido o parecer do representanteministerial vinculado à Comarca, favorável, aliás, à pleiteadasegurança, o douto julgador singular proferiu a sentença de fls.66/69, denegando a segurança.

Contrariados com esse resultado, em recurso deapelação pedem a reforma do referido decisum, apontado-o, deprincípio, desfundamentado, mas que se não anulado, fosse omesmo reformado com a conseqüente concessão da pleiteadagarantia constitucional, tudo nos termos das razões recursaisde fls. 76/89.

O recurso foi contra-arrazoado pelo Município deItarema, às fls. 104/114, que pediu o seu improvimento, dizendodesmerecedora de reforma a douta sentença recorrida.

De sua parte, a douta Procuradoria Geral de Justiça,em seu longo parecer de fls. 123/129, após tecer consideraçõesdoutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, manifesta-se peloprovimento do apelo, por entender desmotivados os atosremocionais dos impetrantes.

É o relatório.

V o t o

A espécie meritória cuida de pedido de reforma dasentença recorrida para que seja reconhecida em favor dos

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apelantes, a nulidade dos atos administrativos que culminaramnas suas remoções ex officio.

Aduzem para tanto, preliminarmente, a nulidade dasentença recorrida por ausência de fundamentação, em totalafronta ao inc. IX, do art. 93, da Constituição da República.

Adoto, para afastar a citada preliminar, as razõesdemonstradas pelo Ministério Público de segunda instância, noseu louvável parecer de fls. 123/129:

Inicialmente, cumpre esclarecer que a sentençaproferida nos presentes autos não padece de qualquer nulidade,vez que encerra os fundamentos de que se valeu o magistradopara formar o seu convencimento, como demonstrado a seguir:

“Reputo inconsistentes os argumentosconsignados pelos impetrantes na exordial,mormente diante do que se observa no art. 36,inciso I, da Lei Municipal n. 210/2004, e no art.73, parágrafo único, inciso III, da Lei Municipaln. 214/2004.Com efeito, tais diplomas legais autorizamexpressamente a remoção ex officio deservidores municipais, de uma para outraunidade do Poder Público municipal, isto em facede interesse da administração pública. (...)”.

Não merece prosperar, pois, a preliminar de nulidadeda sentença argüida pelos apelantes.

Ora, trazendo a sentença de forma límpida, clara efundamentada resposta à controvérsia típica da lide não há oque se falar em nulidade por falta de análise expressa de todosos dispositivos e argumentos trazidos pelos recorrentes.

Destaque-se que a própria lei não exige do Juizsentenciante a adoção de tal conduta, conforme se observa dosarts. 165 e 458 do CPC.

Ultrapassado este ponto, é de se reconhecer, emconformidade com o que restou afirmado na sentença recorrida,que a remoção ex officio do funcionário público é legalmente

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prevista, sendo admissível quando há interesse público que ajustifique.

O cerne da questão, todavia, não se encontra napossibilidade ou impossibilidade da remoção, pois, não obstanteos apelantes defenderem que não podem ser designados paraprestarem serviços em outro local de trabalho diferente daquelepara o qual prestaram concurso, é de se reconhecer que secuida de argumento manifestamente inadmissível, utilizado noafã de verem afastados os atos administrativos objetos do writof mandamus.

De fato, não se deve considerar como ponto centralda lide a legalidade da remoção ex officio (como o fez omagistrado singular), uma vez que nada há de ilegal ou abusivona alteração da unidade administrativa em que o funcionáriopúblico desempenha as suas funções, mantida a denominaçãode seus cargos e vencimentos, ainda que não haja préviaconsulta ou anuência do funcionário.

É que, diferentemente da interpretação conferidapelos apelantes ao inc. II, do art. 73, da Lei Municipal n. 214, de06 de dezembro de 2001, a anuência prévia que se exige é ados dirigentes envolvidos e não a dos funcionários que serãoremovidos. Vejamos:

Art. 73 – O profissional do Magistério poderá serdeslocado de uma para outra unidade escolar ouórgão integrante da estrutura administrativa daSecretaria Municipal de Educação, Cultura, Desporto.(...)II – por permuta das partes interessadas e anuênciaprévia dos dirigentes envolvidos.

Assim, devemos analisar se as remoções ex officio,no presente caso, atendem ao interesse público e foramdevidamente fundamentadas, uma vez que a lei veda asremoções inadequadas ou arbitrárias, como as que se destinamà punição do servidor.

O problema que se expõe nos autos, portanto, não é

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a possibilidade da remoção ex officio dos recorrentes, mas simo fundamento e a motivação destas remoções, incumbindo aoJudiciário analisar se os atos praticados atendem ao interessedo serviço público ou se são abusivos, por serem imotivados oupor representarem uma punição indevida aos apelantes, comoestes alegaram.

É possível, neste contexto, o controle jurisdicionaldos motivos e fundamentos dos atos administrativos de fls. 19 e20, porquanto os mesmos somente serão válidos se atenderem,de modo apropriado, à necessidade do serviço e ao interessepúblico.

Não se ignora que se trata de matéria inserida noâmbito da discricionariedade da autoridade impetrada, mas istonão implica que o critério para a remoção ex officio possa serescolhido de modo subjetivo, sem que haja razão válida e motivosuficiente, pois neste caso a remoção será arbitrária e, portanto,ilegal.

Os ilustres representantes do Ministério PúblicoEstadual de primeira e segunda instância defendem a falta demotivação dos atos administrativos de fls. 19 e 20.

Cumpre, em esclarecimento que se faz necessário,não confundir motivação com motivo do ato. Sobre o assunto,destacamos lição do professor e Juiz Federal Dirley da CunhaJr.1 :

“Motivo é um dos elementos ou requisitos de todoato administrativo que consiste na situação de fatoou de direito que autoriza ou determina a edição doato. Motivação é a revelação ou exteriorização formaldo motivo, integrando a própria forma do atoadministrativo (que, na praxe administrativa, vem soba forma de “considerandos” que antecedem adecisão de expedir o ato). Isso porque a motivaçãoconsiste na exposição por escrito (que é a formado ato), do motivo do ato administrativo”.

No Estado Democrático de Direito não se concebe

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ato administrativo sem motivação. A exigência de motivação estáexpressa na Constituição Federal de 1988 para as decisõesjudiciais e administrativas do Poder Judiciário (CF, 93, IX e X). Ecomo bem anota Lúcia Valle Figueiredo, “se quando o Judiciárioexerce função atípica – a administrativa – deve motivar, comoconceber esteja o administrador desobrigado da mesmaconduta?”2 . A Lei n. 9874/99 abrigou, de forma expressa, no art.2o, caput, o princípio da motivação como princípio daAdministração Pública.

No caso ora trazido à análise, ambos os atosdispõem da seguinte maneira:

Vimos pelo presente comunicar à V. As., suaremoção para a Escola (...), com base no art. 73,parágrafo único, incisos II e III da Lei no 214, de 06 dedezembro de 2001, que define o Sistema deEducação do município de Itarema e estabelece oEstatuto do Magistério Municipal.Art. 73 – O profissional do Magistério poderá serdeslocado de uma para outra unidade escolar ouórgão integrante da estrutura administrativa daSecretaria Municipal de Educação, Cultura, Desporto.II – por permuta das partes interessadas e anuênciaprévia dos dirigentes envolvidos.

III – por necessidade interna de organização doSistema.Solicitamos comparecer à referida Unidade Escolare tratar com a diretora ou diretor, seu horário detrabalho.

No que diz respeito ao impetrante Pedro PierreCarneiro, a própria autoridade coatora reconheceu ainadequação do fundamento legal utilizado (art. 73, parágrafoúnico, incisos II e III da Lei no 214, de 06 de dezembro de 2001),uma vez que este é vigia e não profissional do magistério.

Os atos administrativos que culminaram nas

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remoções dos apelantes carecem visivelmente defundamentação, pois não é suficiente que o administrador indiqueo fundamento legal para o ato (e no caso do recorrente PedroPierre Carneiro, nem ao menos isso), sendo necessária aexteriorização formal do motivo.

Como brilhantemente argumentou o MinistérioPúblico de primeiro grau no seu parecer de fls. 61/65:

“(...) o ato praticado pela autoridade coatora, levadoao conhecimento dos autores, fls. 19 e 20, nãoacompanhou razões escritas e fundamento público,apenas em sede de informações, ou seja,impropriamente, é que foram dadas explicaçõessobre o mérito do ato administrativo, arrepiandodessa forma os ditames e princípios constitucionaisprevistos no art. 37 da Carta Magna”. (Grifo nosso).

Destaque-se que as razões apresentadas pelaautoridade coatora ao prestar as suas informações na açãomandamental, sequer convencem, já que não restoudemonstrada, de modo claro, a conformidade da remoção dosrecorrentes com as exigências do serviço público, não sendosuficiente a alegação de que as escolas de origem possuemmais funcionários que as instituições de ensino para as quaisos apelantes foram removidos, pois deveriam os apelados terevidenciado a necessidade de cada uma das escolas, isto é, assuas dimensões (número de alunos, estrutura da instituição deensino, horário de funcionamento etc.).

Registre-se, ainda, que a autoridade coatora oumesmo o município de Itarema não conseguiram comprovar aausência, nas localidades mais próximas, de remanejar um outroservidor, não obstante terem utilizado essa justificativa nasinformações prestadas (fls. 26 e 43).

Ora, toda e qualquer remoção ex officio estariapreviamente justificada pelo argumento utilizado pela autoridadeimpetrada (maior número de funcionários na escola de origem),fazendo tábula rasa da norma que exige que haja interesse do

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serviço.O que é certo é que os recorrentes foram removidos

para localidades distantes a 40Km e 50Km de onde exerciamas suas funções, sem a demonstração de que a remoçãoatendia ao interesse público.

A remoção tem de ser, necessariamente, resultadode um processo lógico, fundado em razões técnicas eadministrativas. A autoridade impetrada que proceda à remoçãoex officio, deve se pautar em uma análise lógica, decorrente daavaliação de critérios técnicos e da realidade que se apresentaem relação ao serviço público.

Assim, é dever do administrador explicar de modopreciso, em relação à situação específica dos servidores queserão removidos, quais foram os critérios que o levaram, no casoconcreto, a reputar como de interesse público a remoção exofficio praticada, ou seja, quais os fatos em concreto que apontamque tal remoção, em particular, representa o interesse do serviço.

O poder discricionário da autoridade impetradaencontra limites que, se violados implicam na ilegalidade do ato.

O que há, portanto, por trás das justificativasutilizadas, é uma remoção desmotivada, que não serve defundamento para o ato praticado contra os impetrantes, e quemerece reparo judicial.

Do exposto, acolho o parecer ministerial e conheçodo recurso para, após afastar a preliminar levantada, dar-lheprovimento, determinando a reforma da sentença recorrida, coma concessão da segurança requestada pelos ora recorrentes,para anular os atos administrativos de fls. 19 e 20, queculminaram nas suas remoções.

Inverto o ônus de sucumbência na condenação dascustas. Honorários advocatícios indevidos na espécie.

É como voto.

Fortaleza, 23 de janeiro de 2008.

***

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº Processo: 2006.0021.7859-1/1TIPO DO RECURSO: ApelaçãoAÇÃO DE ORIGEM: Cautelar de Exibição de DocumentosCOMARCA: FortalezaPARTES:Apelante: Condomínio Edifício Jalcy AvenidaApelado: Nilo Rodrigues da SilvaRelator: Des. João de Deus Barros Bringel

EMENTA. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DEDOCUMENTOS PROPOSTA POR CONDÔMINOEM DESFAVOR DO CONDOMÍNIO. CITAÇÃO NAPESSOA DO SÍNDICO QUE NÃO GERANULIDADE, UMA VEZ QUE ESTE PODE FIGURARCOMO RÉU NA AÇÃO QUE VISA TÃO SOMENTEA EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEUPODER. PRECEDENTE DO STJ.1. Conforme jurisprudência do STJ, o síndico éparte legítima para figurar no pólo passivo doprocesso, na medida em que só a ele cabe opoder de fazer a exibição. Afinal sendo, ocondomínio uma figura abstrata não é capaz deentregar a documentação requerida. Em setratando de simples pedido para que o síndicoexiba documentos, a cautelar pode ser propostadiretamente contra ele porque, no final, só ele équem poderá fazer a exibição.2. A ausência de citação do condomínio não geranulidade porque o verdadeiro legitimado passivo(síndico) foi devidamente citado.3. Recurso conhecido, mas não provido.

Vistos, relatados e discutidos os autos do recurso

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de apelação nº 2006.0021.7859-1/1, em que são partes as acimaindicadas.

ACORDA a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiçado Estado do Ceará, em julgamento de turma, por unanimidade,em conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos dovoto do Relator.

R e l a t ó r i o

Cuida-se de recurso de apelação interposto porCondomínio Edifício Jalcy Avenida, contra a decisão em quea Dra. Juíza da 19ª. Vara Cível da comarca de Fortaleza julgouprocedente a ação cautelar de exibição de documentos ajuizadapelo ora recorrido Nilo Rodrigues da Silva.

Na inicial da referida ação, o apelado relata que éproprietário há 18 (dezoito) anos de uma unidade do condomíniorecorrente e que o então síndico Hélio Monteiro de Oliveira,no que defende ser uma má gestão administrativa, recusou-sea prestar contas junto aos condôminos, motivo pelo qual buscoua tutela do Judiciário.

Contestação de fl. 24, apresentada pelo Sr. HélioMonteiro de Oliveira, sustentando ser parte ilegítima para figurarno pólo passivo da ação.

Após o oferecimento de réplica à contestação, aJuíza a quo proferiu a sentença de fls. 34/36, onde julgouprocedente o pedido autoral para determinar a exibição dosdocumentos nos termos dos arts. 381 e 382 do CPC.

Inconformado, o apelante interpôs o presente recursodefendendo a reforma da sentença monocrática, sob ofundamento de não ter sido formalizado o seu ato citatório apósa emenda à inicial promovida pelo recorrido, ou seja, mesmodepois de ter oferecido a petição de fls. 14/15, informando que aação passava a ser proposta em face de Condomínio EdifícioJalcy Avenida, e não mais em desfavor da pessoa do seu síndico,a Secretaria da Vara não providenciou os expedientesnecessários à citação do recorrente, mas tão somente do Sr.Hélio Monteiro de Oliveira (carta de citação de fl. 19).

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Defende, assim, o cerceamento do seu direito dedefesa.

Contra-razões de fls. 47/54, pugnando pelamanutenção do julgado e pelo não provimento do apelo.

É o relatório.

V o t o

O autor, ora recorrente, ingressou no dia 12.09.06com uma ação cautelar de exibição judicial de documentos emdesfavor do Sr. Hélio Monteiro de Oliveira, síndico do CondomínioEdifício Jalcy Avenida.

Logo em seguida, no dia 25.10.06, apresentou apetição de fls. 14/15, onde requereu a emenda à inicial, nosseguintes termos:

“A presente AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DEDOCUMENTOS passa a ser proposta em face doCONDOMÍNIO ED. JALCY AVENIDA, sito na Av.Duque de Caxias, nº 823, Centro, Fortaleza-CE,representado por meio da pessoa do síndicoHÉLIO MONTEIRO DE OLIVEIRA, brasileiro,casado contador, residente e domiciliado na Av.Duque de Caxias, nº 823, apto. 908, Centro,Fortaleza-CE, CEP.: 60.035.110”.

Compulsando os autos com fim de proferir o voto,verifico que ao proferir o despacho de fl. 18, a douta dirigenteadmitiu, implicitamente, a emenda à inicial, não tendo, contudo,a Secretaria providenciado a citação do condomínio, fazendo-o,entretanto, na pessoa do seu síndico, que se limitou a alegar asua ilegitimidade passiva e não a ilegitimidade da parte autora,conforme relatou a juíza sentenciante.

À primeira vista, a defeituação da angulaçãoprocessual seria capaz de gerar nulidade, já que foi proferidasentença sem o ingresso do condomínio no feito processual,todavia, considerando que o síndico é o representante do

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condomínio, é de se reconhecer a validade do pronunciamentojudicial recorrido.

Ora, a citação consiste no ato em que se chama aparte contrária a juízo a fim de se defender. Dessa forma, oprocesso sem a citação do réu configura negação dos direitos àgarantia do contraditório e à ampla defesa, princípiosfundamentais do devido processo legal. A ausência de citaçãono processo de conhecimento é, portanto, vício insanável amacular de nulidade todos os atos posteriores a tal omissão.

No presente caso, temos que a citação foi feitadiretamente na pessoa do representante legal do réu, o que,certamente constitui uma irregularidade, mas não uma nulidade,já que não pode a parte afirmar que a sentença foi prolatadasem que se tenha dado ciência da ação à sua pessoa, porquanto,a carta de citação, como sabemos, é sempre instruída dosdocumentos indispensáveis ao exato conhecimento da ação pelodemandado.

Não bastasse isso, temos ainda que o Sr. HélioMonteiro de Oliveira, síndico do Condomínio Ed. Jalcy Avenida, éo verdadeiro legitimado para figurar no pólo passivo da açãocautelar.

De fato, conforme jurisprudência do STJ, o síndico éparte legítima para figurar no pólo passivo do processo, na medidaem que só a ele cabe o poder de fazer a exibição. Afinal sendo,o condomínio uma figura abstrata não é capaz de entregar adocumentação requerida. Em se tratando de simples pedido paraque o síndico exiba documentos, a cautelar pode ser propostadiretamente contra ele porque, no final, só ele é quem poderáfazer a exibição.

Neste sentido, vejamos:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO CAUTELAR DEEXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS EM FACE DOSÍNDICO E NÃO DO CONDOMÍNIO. LEGITIMIDADEPASSIVA DO SÍNDICO. PRETENSÃO NÃOOPONÍVEL À COMUNHÃO. PEDIDO DE EXIBIÇÃODE DOCUMENTOS RELATIVOS A UMA LICITAÇÃO

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E CONTRATAÇÃO DE EMPRESA PARAREALIZAÇÃO DE OBRAS NO CONDOMÍNIO.POSSIBILIDADE.- A Lei 4.591/64, em seu art. 22, § 1º, alínea “g”, arroladentre asatribuições do síndico a guarda dedocumentos relativos ao condomínio, dentre eles ode licitação e de contratação de empresa pararealização de obras no condomínio.- Hipótese que não versa obrigação do entedespersonalizado “condomínio”, mas de obrigaçãopessoal de guarda de documentos pelo síndico,como mandatário, não poderia ser adimplida porterceiro, nem por eventual eleição de novo síndico,porque só o réu detinha a posse dos documentosexibendos.- É parte legitimada passiva o síndico - quando agepor si só, com abuso ou excesso de poder -, e não ocondomínio, apesar de representá-lo em juízo, porquea comunhão não possui acesso aos documentos,que estão sujeitos à guarda do síndico. (STJ – REsp224429. Rel. Min. Nancy Andrigui. T3 – TerceiraTurma, j. 15.05.01. DJ 11.06.01).

É bem verdade que a pessoa física Hélio Monteirode Oliveira, enquanto síndico e em decorrência da sindicatura,exercida na extrema legalidade e transparência, não respondepor qualquer questão de origem condominial, todavia,considerando que a Lei n.º 4.591/64 atribui ao síndico acompetência para representar o condomínio em juízo ativa epassivamente, pois, segundo a mesma Lei, o síndico, emborapossa ser eleito por maioria de votos, é o representante de todosos co-proprietários do edifício e levando-se em consideração ofato de que o síndico atua como mandatário da massacondominial e que representa o condomínio em processos emque se litigue sobre pretensão oponível à comunhão, é misterafastar a ilegitimidade passiva ad causam do representante legaldo Condomínio Ed. Jalcy Avenida.

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Não se podendo obrigar a todos os condôminos aentrega dos documentos, a ação só poderá ser dirigida ao síndico,e não ao condomínio, estando correta a indicação inicial do pólopassivo da demanda.

Assim, não obstante a douta julgadora de primeirograu ter afastado a preliminar de ilegitimidade ativa, é de sereconhecer que o recorrente sustentou na sua contestação ailegitimidade passiva; preliminar esta que não mereceacolhimento, em face das razões aqui expostas.

Afastada a preliminar de ilegitimidade passiva adcausam e reconhecida a legitimidade do Sr. Hélio Monteiro deOliveira para ser réu na presente ação cautelar, conclui-se queinexiste nulidade a ser declarada, mas tão somente equívocoque merece reparo, o que se faz neste julgamento.

A ausência de citação do condomínio não geranulidade porque o verdadeiro legitimado passivo (síndico) foidevidamente citado.

No que diz respeito à espécie meritória, razão assisteà Juíza a quo ao afirmar que a recusa na exibição de documentosde interesse do condomínio é ilegítima e censurável, devendo osíndico apresentar, quando solicitado por qualquer condômino,os documentos existentes em arquivo.

Do exposto, conheço do recurso, mas nego-lheprovimento, mantendo inalterado o dispositivo da sentençarecorrida, com as correções que aqui se fez no tocante ao seurelatório e fundamento.

É como voto.

Fortaleza, 30 de janeiro de 2008.

AGRAVO DE INSTRUMENTO

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Agravo de Instrumento nº 2003.0003.5886-5/0Agravante: Banco do Estado do Ceará S.A - BECAgravado: Alexandre Silveira FerreiraRelator: Desembargador Ademar Mendes Bezerra

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO.DECISÃO QUE DETERMINA A ABSTENÇÃO DEINSCRIÇÃO DOS NOMES DE DEVEDORES NOSCADASTROS DE RESTRIÇÃO AOS CRÉDITOS.CONTRATO CONTROVERTIDO EM AÇÃOREVISIONAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO DEEXISTÊNCIA DE PARTE INCONTROVERSA.- Havendo discussão judicial acerca dascláusulas contratuais, não é possível a inscriçãodo nome do contratante nos cadastros derestrição ao crédito.- Se a parte deposita o valor incontroverso,deixando o banco de demonstrar claramente aquantia que o numerário a ser consignado sedistingue do apresentado pelo recorrido.- Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.- Agravo conhecido e improvido.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos doAgravo de Instrumento n.º 2003.0003.5886-5/0 contra decisãodo Juízo da 28ª Vara Cível desta Capital, em que figuram aspartes acima indicadas.

Acorda a Segunda Câmara Cível do Tribunal deJustiça do Ceará, em julgamento unânime, conhecer e negarprovimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

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Fortaleza, 14 de dezembro de 2005.

RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de Agravo de Instrumentointerposto pelo Banco do Estado do Ceará S.A - BEC contradecisão interlocutória do MM. Juiz da 28ª Vara Cível da Comarcade Fortaleza, que determinou à recorrente de se abster derealizar a inserção do nome da parte agravada nos cadastrosde restrição ao crédito, suspendeu os descontos em folha depagamento e concedeu manutenção de posse do bem objetodo contrato.

Sustenta o recorrente que a medida contraria oordenamento pátrio vigente. Aduz que tal medida lhe tem causadosérios danos.

Entendi prudente ouvir o juiz da causa e o agravado,a fim de estabilizar a demanda, para obter maiores elementosde convicção e destramar a lide recursal (fls. 63).

O MM Juiz prestou as informações, ratificando ointerlocutório (fls. 68/69).

Contra-razões repousam às fls. 71/77, pugnandopelo improvimento do agravo.

O pedido de efeito suspensivo foi denegado por estaRelatoria às fls. 80/81.

É o Relatório.

VOTO

O cerne da querela consiste em saber se pode oPoder Judiciário compelir as instituições financeiras a nãoinscreverem os nomes de litigantes nos cadastros de restriçãoa créditos.

O posicionamento do Superior Tribunal de Justiçanesse aspecto é oscilante. Com efeito, no Recurso Especial nº527.618, do Rio Grande do Sul, julgado por unanimidade em 22/10/2003, a Segunda Seção daquele tribunal superior assentouentendimento de que somente seria possível a vedação de

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inscrição caso houvesse depósito realizado pelo devedor da parteincontroversa da dívida. É o que se lê da ementa:

“EMENTA: CIVIL. SERVIÇOS DE PROTEÇÃO AOCRÉDITO. REGISTRO NO ROL DEDEVEDORES. HIPÓTESES DE IMPEDIMENTO.A recente orientação da Segunda Seção destaCorte acerca dos juros remuneratórios e dacomissão de permanência (RESP´s nº 271.214-RS, 407.097-RS, 420.111-RS), e a relativafreqüência com que devedores de quantiaselevadas buscam, abusivamente, impedir osregistros de seus nomes nos cadastrosrestritivos de créditos só e só por terem ajuizadoação revisional de seus débitos, sem nada pagarou depositar, recomendam que esseimpedimento deva ser aplicado com cautela,segundo o prudente exame do juiz, atendendo-se às peculiaridades de cada caso.Para tanto, deve-se ter, necessária econcomitantemente, a presença de trêselementos: a) que haja ação proposta pelodevedor contestando a existência integral ouparcial do débito; b) que haja efetivademonstração de que a contestação da cobrançaindevida se funda na aparência do bom direito eem jurisprudência consolidada do SupremoTribunal Federal ou do Superior Tribunal deJustiça; c) que, sendo a contestação apenas departe do débito, deposite o valor referente àparte tida por incontroversa, ou preste cauçãoidônea, ao prudente arbítrio do magistrado.O Código de Defesa do Consumidor veioamparar o hiposuficiente, em defesa dos seusdireitos, não servindo, contudo, de escudo paraa perpetuação de dívidas.Recurso conhecido pelo dissídio, masimprovido”.

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Ocorre que, ao contrário do que se poderia imaginar,tal decisão não pôs fim à divergência de entendimento no SuperiorTribunal de Justiça, havendo decisões posteriores, unânimes dasturmas isoladas defendendo o entendimento de que basta adiscussão judicial do débito para desautorizar a inscrição. É oque se lê nos seguintes julgados:

“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO -INSCRIÇÃO NO CADIN - RECONHECIMENTOPELA CORTE DE ORIGEM DA EXISTÊNCIA DEPROCESSO JUDICIAL A DISCUTIR O DÉBITOQUE MOTIVOU A INSCRIÇÃO – INVIABILIDADE DAINSCRIÇÃO - ITERATIVOS PRECEDENTES -IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO SE HÁDISCUSSÃO JUDICIAL ACERCA DA DÍVIDA QUEORIGINOU A INSCRIÇÃO, SOB PENA DE AFRONTAÀ SÚMULA N. 7/STJ - RECURSO ESPECIALIMPROVIDO.- Há iterativos precedentes neste Superior Tribunalde Justiça, a demonstrar que, “nos termos dajurisprudência desta Corte, estando a dívida em juízo,inadequada em princípio a inscrição do devedor nosórgãos controladores de crédito” (REsp n. 180.665-PE, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in DJ de3/11/98). De igual modo, o douto Ministro BarrosMonteiro consignou que, “encontrando-se pendentede julgamento o litígio instaurado entre as partesacerca do alongamento do débito, não se justifica oregistro do nome do devedor no CADIN ou qualqueroutro órgão cadastral de proteção ao crédito” (REspn. 217.629-MG, in DJ de 11/9/2000). A colenda 1ªTurma também já assentou “que a jurisprudênciadesta Corte consolidou-se no sentido de que adiscussão judicial do débito impede a inscrição dodevedor em cadastros de inadimplentes” (AGREspn. 501.801-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, in DJ de20/10/2003).

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- De qualquer modo, cumpre registrar que apreciara natureza da dívida objeto do litígio judicial significaarredar do âmbito de cognição do recurso especial,pois necessário seria o reexame do conjuntoprobatório para se verificar se há discussão judicialda dívida que ensejou a inclusão do nome dacontribuinte no CADIN, o que encontra óbice noenunciado da Súmula n. 7 deste Sodalício (“Apretensão de simples reexame de prova não ensejarecurso especial”).- Recurso especial improvido.(RESP 285097 / PB ; RECURSO ESPECIAL 2000/0110828-0 Ministro FRANCIULLI NETTO T2 -SEGUNDA TURMA 25/11/2003 DJ 22.03.2004 p. 269)

* * *

PROCESSUAL CIVIL - SFH - MEDIDA CAUTELAR -EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL - SUSPENSÃO -PRECEDENTES DO STJ.- Esta eg. Corte pacificou o entendimento no sentidode que, havendo ação em juízo para discutir a dívidarelativa às prestações do SFH, fica suspensa aexecução extrajudicial e vedado o lançamento donome do mutuário-devedor nos bancos de dados deproteção ao crédito.- Recurso especial não conhecido.(RESP 584631 / PB; RECURSO ESPECIAL 2003/0161493-0 Ministro FRANCISCO PEÇANHAMARTINS T2 - SEGUNDA TURMA 19/10/2004 DJ01.02.2005 p. 493)

No presente caso, porém, não vislumbro sequer apossibilidade de aplicação do entendimento jurisprudencial daSegunda Seção do Superior Tribunal de Justiça – como busca oagravante -, pois, na peça de interposição, não há a indicaçãoou comprovação de que o autor da revisional tenha reconhecido

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alguma parte do débito advindo do contrato, de cujas cláusulasse busca a revisão ou, ainda, se estaria inadimplida tal parteincontroversa.

Quanto aos descontos em folha de pagamento, nãoprecisa, sequer, incursionar na sua validade, ou seja, saber seeles podem ou não ser levados a cabo. É que, se a parte podeconsignar o valor em juízo em qualquer ação de consignaçãoem pagamento, nos autos de revisionais, forçosa a ilação deque também o pode quando assina contrato que autorizadescontos em folha.

Ora, não é a simples assinatura que obstará o direitoconstitucional à inafastabilidade da jurisdição. Se nos outroscasos também ocorre a manifestação de vontade, embora nãose pactue sobre os descontos incidentes nos contra-cheques,não seria essa cláusula que se prestaria a afastar o direito deingressar com ações revisionais, arcando somente com asquantias incontroversas.

Se os Tribunais Superiores aceitam a possibilidadede depósitos dos valores incontroversos, entendo que, da mesmaforma, pode haver a consignação nos contratos que prevêemtais descontos, porquanto a tutela jurisdicional é direitofundamental assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Carta Federal,que, sequer, pode haver emenda constitucional tendente a aboli-lo. Se nem o constituinte derivado pode afastar a possibilidadede o Judiciário analisar as matérias que lhe são submetidas,resta-nos concluir que uma simples cláusula contratual não tempoder para tanto, donde o despropósito da pretensão deduzidano recurso.

No que tange à manutenção do bem na posse doagravado, tenho que é decorrência lógica da ação revisionalcumulada com o depósito, vez que se a parte tivesse de entregaro veículo para discutir judicialmente o contrato, estaria sendonegada a jurisdição. Apenas quando a parte se encontrar emmora, sabendo qual a quantia incontroversa, não depositandoos valores, é que se pode coonestar com a perda da posse doobjeto do contrato.

Ademais, parece-me inquestionavelmente presentes

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os pressupostos autorizadores da concessão da antecipaçãode tutela, proibitiva das inscrições nos cadastros.

Por tais razões, conheço o presente agravo, porpreencher os pressupostos processuais intrínsecos eextrínsecos, para negar-lhe provimento, pelas razões de direitojá declaradas.

É como voto.

Fortaleza, 14 de dezembro de 2005.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

N°°°°° PROCESSO: 2005.0026.5103-5/0TIPO DO PROCESSO: AGRAVO DE INSTRUMENTOCOMARCA: FORTALEZAAGRAVANTE: JOSÉ AIRTON BEZERRA FALCÃOAGRAVADOS: ESTADO DO CEARÁ e OUTROSRELATOR DESIGNADO: DES. ERNANI BARREIRA PORTO

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO –DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOADMINISTRATIVO – ELEIÇÃO DE DIRIGENTEDE ESCOLA ESTADUAL – LEI ESTADUAL Nº13.513/04 – INAPLICABILIDADE –PRECEDENTES DO STF.a) Sendo o cargo de Diretor de escola estadualclassificado como cargo em comissão seupreenchimento é prerrogativa do Governador doEstado.b) Não pode Lei estadual tolher a autonomia doPoder Executivo impondo a necessidade derealização de eleição para tais cargos, bem comoa nomeação do vencedor do pleito.Recurso apelatório conhecido e improvido.

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VOTO

Trata-se de recurso de Agravo de Instrumento,interposto por JOSÉ AIRTON BEZERRA FALCÃO, contra oESTADO DO CEARÁ e OUTROS, haja vista não haver seresignado com decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 4ªVara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza que, em sedede Ação Popular questionadora da legitimidade da nomeação,pelo Governador do Estado, da diretora da Escola de EnsinoFundamental Instituto dos Cegos, indeferiu medida liminar deafastamento da indicada.

Conforme relatado pelo Eminente Des. Relator, nasessão desta Colenda 1ª Câmara Cível de 05 de março de 2007,assevera o recorrente que a lei estadual nº 13.513/04 disciplinao processo de escolha dos dirigentes da rede de ensinocearense, o qual, a teor de seu art. 2º, é efetivado em duasetapas, sendo a primeira composta de avaliação escrita e asegunda por meio de eleição direta, pela comunidade escolar,daqueles candidatos que obtiveram média igual ou superior a 6(seis) na etapa anterior.

Afirma que, a despeito da dicção do referido art. 2º,o edital 003/2005 excluiu o direito de voto da comunidade escolar,enquadrando o Instituto dos Cegos como escola de educaçãoespecial, fato que, conforme preceitua o art. 18, do DecretoEstadual 27.556/04, permite a não realização de eleição dodirigente, podendo ocorrer sua nomeação pelo Chefe doExecutivo.

Por esse motivo, o Presidente do Conselho escolardaquele Instituto, na qualidade de cidadão, ingressou com açãopopular, a fim de ver anulada a referida cláusula editalícia, com oconseqüente afastamento da diretora nomeada, permanecendono cargo a antiga, até que se proceda nova eleição da formacomo preceitua a lei estadual nº 13.513/04.

Analisando a quizila posta o eminente Des. Relator,em judicioso voto, proferiu entendimento no sentido de prover opresente agravo de instrumento confirmando a liminar concedida

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in initio litis para manter afastada a nomeada para o cargo deDiretora do referido Instituto até a realização de eleições.

É o breve relato.Passo a votar.Em que pese o voto proferido pelo eminente Relator,

peço vênia para tecer algumas considerações pertinentes aaplicabilidade da lei estadual nº 13.513/04.

A Constituição Federal, no inciso II do art. 37,proclama a existência de duas categorias básicas de cargospúblicos: os efetivos, preenchidos através de concurso público,que se revestem de caráter de permanência e os em comissão,de ocupação transitória, nomeados em função da relação deconfiança que existe entre os seus ocupantes e a autoridadenomeante.

Sobre os cargos em comissão é a lapidar lição deJOSÉ AFONSO DA SILVA, in verbis:

Independem de concurso as nomeações para cargoem comissão declarado em lei de livre nomeação eexoneração (art. 37, II). Justifica-se a exceção,porquanto tais cargos devem ser providos porpessoas de confiança da autoridade a que sãoimediatamente subordinadas. Demais, o titularassume-os em caráter passageiro. (Curso de DireitoConstitucional Positivo, 16ª Ed., São Paulo,Malheiros).

JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, por seuturno afirma que:

Os cargos em comissão, ao contrário dos tiposanteriores (cargos vitalícios e efetivos) são deocupação transitória. Seus titulares são nomeadosem função da relação de confiança que existe entreeles e a autoridade nomeante. A natureza dessescargos impede que os titulares adquiramestabilidade. Por outro lado, assim como a

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nomeação para ocupá-los dispensa a aprovaçãoprévia em concurso público, a exoneração do titularé despida de qualquer formalidade especial e fica aexclusivo critério da autoridade nomeante. (Manualde Direito Administrativo, 15ª ed., Lúmen Juris).

Portanto, a hipótese de eleição para o cargo de diretordas escolas estaduais apesar de interessante exemplo deexercício democrático, não possui guarida em nossa normaconstitucional, por materializar espécie de cargo público nãoprevista na norma superior.

Sendo o cargo de diretor de escola estadualclassificado como cargo em comissão seu preenchimento éinerente ao Governador do Estado, através do Secretário deEducação Básica, que irá provê-lo diante do critério de confiança.

Não pode, dessa forma, norma estadual tolher aautonomia do Poder Executivo, impondo a necessidade derealização de eleição para tais cargos bem como a vinculaçãoda nomeação do vencedor do pleito.

Neste sentido é a unânime jurisprudência do PretórioExcelso, que tem decidido casos que tais nos seguintes termos:

EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta.Constituição e leis estaduais. Projeto de iniciativa dedeputado, quanto a uma das leis. Educação. Direçãode instituições de ensino mantidas pelo PoderPúblico. Normas que prevêem eleições diretas, comparticipação da comunidade escolar. Ofensaaparente aos arts. 2º, 37, II, 61, § 1º, II, “c”, e 84, II eXXV, da CF. Risco manifesto de dano àadministração pública. Medida cautelar concedida.Precedentes. Deve concedida, em ação direta deinconstitucionalidade, medida cautelar parasuspensão da vigência de normas de Constituiçãoe de leis estaduais que prevêem eleições diretas,com participação da comunidade escolar, para oscargos de direção das instituições de ensino

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mantidas pelo Poder PúblicoADI-MC 2997 / RJ - RIO DE JANEIROMEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADERelator(a): Min. CEZAR PELUSOJulgamento: 29/10/2003 Órgão Julgador: TribunalPleno.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO DOSCARGOS DE DIREÇÃO DE UNIDADESESTADUAIS DE ENSINO POR ELEIÇÃO: ART. 196,VIII, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, LEI Nº 10.486,DE 24.07.91, E DECRETO Nº 32.855, DE 27.08.91,TODOS DO ESTADO DE MINAS GERAIS.INCONSTITUCIONALIDADE: ART. 37, II, IN FINE, DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Cabe ao PoderExecutivo fazer as nomeações para os cargos emcomissão de diretor de escola pública (CF, art. 37, II,in fine). 2. É inconstitucional a norma legal que subtraiesta prerrogativa do Executivo, ao determinar arealização de processo eleitoral para opreenchimento destes cargos. 3. Ação direta julgadaprocedente para declarar a inconstitucionalidade doart. 196, VIII, da Constituição Estadual, da Lei nº10.486/91 e do Decreto nº 32.855/91, todos doEstado de Minas Gerais.ADI 640 / MG - MINAS GERAISAÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADERelator(a): Min. MARCO AURÉLIORelator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊAJulgamento: 05/02/1997 Órgão Julgador: TribunalPleno

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ENSINO PÚBLICO.DIRETORES DE ESCOLAS PÚBLICAS: ELEIÇÃO:INCONSTITUCIONALIDADE. Constituição do Estado

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de Santa Catarina, inciso VI do art. 162. I. - Éinconstitucional o dispositivo da Constituição de SantaCatarina que estabelece o sistema eletivo, mediantevoto direto e secreto, para escolha dos dirigentesdos estabelecimentos de ensino. É que os cargospúblicos ou são providos mediante concurso público,ou, tratando-se de cargo em comissão, mediantelivre nomeação e exoneração do Chefe do PoderExecutivo, se os cargos estão na órbita deste (C.F.,art. 37, II, art. 84, XXV). II. - Ação direta deinconstitucionalidade julgada procedente.ADI 123 / SC - SANTA CATARINAAÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADERelator(a): Min. CARLOS VELLOSOJulgamento: 03/02/1997 Órgão Julgador: TribunalPleno

EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. 2.Lei nº 8040, de 26.7.1990, do Estado de SantaCatarina, que dispõe sobre as funções de direçãode escolas públicas, forma de escolha dos diretores,dando outras providências. 3. Escolha, por eleiçãoda comunidade escolar, dos diretores. 4. Alegaçãode ofensa aos arts. 61, § 1º, II, letra “c”, e 37, II, daConstituição Federal, porque a lei foi de iniciativaparlamentar e concerne ao provimento de cargos emcomissão. 5. Cautelar deferida. 6. Orientação do STFno sentido de não abonar, à luz dos preceitosconstitucionais em vigor, a eletividade dos diretoresdas escolas públicas. Sendo os diretores deestabelecimentos públicos, que se integram noorganismo do Poder Executivo, titulares de cargosou funções em comissão, não seria admissível aintitulação nesses cargos, com mandatos que lhesassegurariam professores, servidores e alunos, sema manifestação do Chefe do Poder Executivo, queficaria vinculado a essa escolha para prover cargos

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de confiança, com vistas a gerir cargos do ruoloadministrativo, integrantes da estrutura educacional.7. Precedentes nas ADINs nºs 244-9-RJ, 387-9-RO,578-2-RJ, 640-1-MG, 606-1-PR, 123- 0-SC e 490-5.8. Ação direta de inconstitucionalidade julgadaprocedente, declarando-se a inconstitucionalidade daLei nº 8040, de 26.7.1990, do Estado de SantaCatarina.ADI 573 / SC - SANTA CATARINAAÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADERelator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRAJulgamento: 03/02/1997 Órgão Julgador: TribunalPleno

ESCOLAS - DIRETORES - PROCESSO DEESCOLHA - AÇÃO DIRETA DE INCONSTI-TUCIONALIDADE - CAUTELAR. Concorrem ospressupostos indispensaveis a concessão dacautelar quando os atos normativos impugnadospreveem a escolha dos diretores das escolaspublicas mediante processo seletivo peculiar e parao cumprimento de mandato. Ao primeiro exame, ahipótese envolve cargos a serem preenchidos a livrediscrição, sendo improprio o afastamento, por normalegal, da atuação do Executivo.ADI-MC 640 / MG - MINAS GERAISMEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DEI N C O N S T I T U C I O N A L I D A D ERelator(a): Min. MARCO AURÉLIOJulgamento: 22/11/1991 Órgão Julgador: TRIBUNALPLENO

CONSTITUCIONAL. O GOVERNADOR E O CHEFEDA ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL. O ART. 213, PAR.1. DA CONSTITUIÇÃO DO RGS E AS LEIS QUE OCOMPLEMENTAM, ESTABELECENDO QUE AESCOLHA DOS DIRETORES E VICE-DIRETORES

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DAS ESCOLAS PUBLICAS ESTADUAIS SEJA FEITAMEDIANTE ELEIÇÃO, PELA DENOMINADACOMUNIDADE ESCOLAR, COM EXCLUSAO DOGOVERNADOR DO ESTADO, OFENDERIAM,“PRIMA FACIE”, A PRERROGATIVA DO CHEFE DAADMINISTRAÇÃO ESTADUAL - CF, ART. 37, II. 84,XXV. PRECEDENTES DO STF: REP. 1473, ADIN.244, 387 E 573. A HIERARQUIA E ESSENCIAL AORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIOS AQUE ESTA SUJEITA. RELEVÂNCIA DOFUNDAMENTO JURÍDICO. “PERICULUM IN MORA”OCORRENTE NA ESPÉCIE. CAUTELARCONCEDIDA.ADI-MC 578 / DF - DISTRITO FEDERALMEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADERelator(a): Min. PAULO BROSSARDJulgamento: 25/09/1991 Órgão Julgador: TRIBUNALPLENO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIN. 8.040, DE 26/07/1990, DO ESTADO DE SANTACATARINA, QUE DISPÕE SOBRE AS FUNÇÕESDE DIREÇÃO DE ESCOLAS PUBLICAS, FORMADE ESCOLHA DE DIRETORES, POR PROCESSOELETIVO, DANDO OUTRAS PROVIDENCIAS.ALEGAÇÕES DE OFENSA AOS ARTS. 61, PAR. 1.,II, LETRA “C”, E ART. 37, II, AMBOS DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. RELEVÂNCIAJURÍDICA DOS FUNDAMENTOS DA INICIAL E“PERICULUM IN MORA” CARACTERIZADOS.MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA, PARASUSPENDER A VIGENCIA DA LEI N. 8.040, DE 26/07/1990, DO ESTADO DE SANTA CATARINA, ATÉO JULGAMENTO FINAL DA AÇÃO.ADI-MC 573 / SC - SANTA CATARINAMEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE

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I N C O N S T I T U C I O N A L I D A D ERelator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRAJulgamento: 05/09/1991 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENOREPRESENTAÇÃO DE INCONSTITU-CIONALIDADE. NOMEAÇÃO PARA CARGO EMCOMISSAO DE DIRETOR DE ESCOLA PÚBLICA,MEDIANTE ELEIÇÃO PELOS PROFESSORES,ALUNOS E PAIS DE ALUNOS. SENDO O CARGOEM COMISSAO CONFORMADO A CONFIANCA DOPODER NOMEANTE, NÃO SE CONCILIAM A LIVRENOMEAÇÃO COM A ESCOLHA POR ELEIÇÃO. ACONSTITUIÇÃO LIMITA O PROVIMENTO DOSCARGOS PUBLICOS AS FORMAS PREVISTAS NOARTIGO 97, PARAGRAFOS 1. E 2., NÃO DEIXANDOMARGEM A QUE SEJA CRIADO PROCESSOELETIVO PARA OS CARGOS EM COMISSAO. NÃOTENDO AS ESCOLAS PUBLICAS DE PRIMEIROGRAU A AUTONOMIA ADMINISTRATIVA EFINANCEIRA CONFERIDA A UNIVERSIDADE, NÃOHÁ QUE COGITAR DA INVESTIDURA EM SEUSCARGOS DE DIREÇÃO POR ELEIÇÃO.REPRESENTAÇÃO JULGADA PROCEDENTE EDECLARADA INCONSTITUCIONAL O ARTIGO 1. DALEI 6.709, DE 12 DE SETEMBRO DE 1985, DOESTADO DE SANTA CATARINA.Rp 1473 / SC - SANTA CATARINAREPRESENTAÇÃO.Relator(a): Min. CARLOS MADEIRAJulgamento: 14/09/1988 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONS-TITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADODO RIO GRANDE DO SUL, ARTIGO 213, § 1º. LEISGAÚCHAS NºS 9.233/91 E 9.263/91. ELEIÇÃOPARA PROVIMENTO DE CARGOS DE DIRETORES

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DE UNIDADE DE ENSINO.INCONSTITUCIONALIDADE. 1. É competênciaprivativa do Chefe do Poder Executivo o provimentode cargos em comissão de diretor de escola pública.2. Constituição do Estado do Rio Grande do Sul,artigo 213, § 1º, e Leis estaduais nºs 9.233 e 9.263,de 1991. Eleição para o preenchimento de cargosde diretores de unidade de ensino público.Inconstitucionalidade. Ação Direta deInconstitucionalidade procedente.ADI 578 / RS - RIO GRANDE DO SULAÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADERelator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊAJulgamento: 03/03/1999 Órgão Julgador: TribunalPleno

Assim, a jurisprudência do Colendo Supremo TribunalFederal é uníssona em proclamar a inconstitucionalidade dediplomas estaduais que imponham eleição para o cargo de diretorde escolas estaduais, razão pela qual não antevejo a presençade fumus boni juris a permitir o provimento do presente feitorecursal.

Diante do exposto, ante os argumentos esposados,voto no sentido de conhecer o agravo de instrumento em tablado,mas para improvê-lo, em consonância com entendimento doSupremo Tribunal Federal.

É como voto.Fortaleza, 07 de março de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

N°°°°° PROCESSO: 2005.0027.8105-2/0TIPO DO PROCESSO: AGRAVO DE INSTRUMENTOCOMARCA: FORTALEZA

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PARTES:AGRAVANTE: SARAH WELLINGDA GIRÃO DAMASCENOrepresentada por ELIZENE DE OLIVEIRA DAMASCENOAGRAVADA: SOCIEDADE MÉDICA CIRÚRGICA SÃOSEBASTIÃORELATOR: DES. ERNANI BARREIRA PORTO

Ementa: DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADECIVIL. RESPONSABILIDADE DE HOSPITAL.OBJETIVA. DANO E NEXO CAUSALEXISTENTES.O simples fato de todos os exames pré-nataisrealizados apontarem para uma gravidez normale para um feto saudável contrastarem com onascimento de uma criança com diagnóstico deHipoxia Neonatal caracteriza o nexo causal entreo procedimento de parto e do dano causado àrecorrente, independentemente da com-provação de culpa, ensejando o dever deindenizar.Recurso conhecido e parcialmente provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravode Instrumento, em que é agravante SARAH WELLINGDA GIRÃODAMASCENO representada por ELIZENE DE OLIVEIRADAMASCENO e é agravada SOCIEDADE MÉDICA CIRÚRGICASÃO SEBASTIÃO,

A C O R D A M os Desembargadores integrantes da1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, porunanimidade, em conhecer do recurso para dar-lhe parcialprovimento, nos termos do voto do eminente Des. Relator.

Cogita-se de agravo de instrumento, com pedido deefeito suspensivo, interposto por SARAH WELLINGDA GIRÃODAMASCENO representada por ELIZENE DE OLIVEIRADAMASCENO, contra SOCIEDADE MÉDICA CIRÚRGICA SÃOSEBASTIÃO, haja vista não haver se resignado com decisãoproferida pelo eminente Juiz de Direito da 18ª Vara Cível da

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Comarca de Fortaleza, que negou pedido de antecipação dosefeitos requestado pela parte autora/agravante.

A parte recorrente ingressou, na instância singular,com Ação de Reparação de Danos, com a finalidade de obterindenização por dados morais e materiais, além de pensãomensal para fazer frente às elevadas despesas mensais,necessárias em conseqüência de seqüelas de uma paralisiacerebral ocasionada durante o procedimento de parto, realizadonas dependências hospitalares da agravada.

O magistrado singular, em audiência realizada em29 de novembro de 2005, denegou o pedido de antecipação dosefeitos da tutela, por não visualizar a existências de seusrequisitos autorizadores.

Não resignada com o decisum monocrático, a parteautora interpôs o presente recurso de Agravo de Instrumento,requerendo a completa reforma da v. decisão, com a concessãoin limine da antecipação dos efeitos da tutela requestada,determinando a obrigação da agravada em pensionar o menorna quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), conforme ademonstração das despesas da criança.

Foi concedido efeito suspensivo ao recurso às fls.101/105.

Contra-razões às fls. 107/116, inferindo a inexistênciade nexo causal entre as condutas omissivas e comissivas donosocômio.

Às fls. 435/438 consta Laudo Pericial, realizado nainstância a quo, que conclui pela ausência de negligência,imprudência ou imperícia nos procedimentos adotados pela parteré.

É O RELATO.DECIDO.Um estabelecimento hospitalar é um fornecedor de

serviços, e está, portanto, sujeito às normas do Código deProteção e Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90.

Desta feita, a responsabilidade do hospital em facede seus pacientes, pelos serviços prestados é objetiva,diferentemente da responsabilidade pessoal dos profissionais

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médicos, que será nitidamente subjetiva.Conceitualmente, na teoria da responsabilidade civil

objetiva não há falar em culpa, bastando comprovar a existênciado dano e do nexo causal (relação de causa e efeito) para serresponsabilizado civilmente o agente causador do dano.

Neste sentido é a lição de Carlos Roberto Gonçalves:

A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, emdeterminadas situações, a reparação de um danocometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-seque a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porqueprescinde da culpa e se satisfaz apenas com o danoe o nexo de causalidade. (Responsabilidade Civil, 8ªed., São Paulo: Saraiva, 2003).

Assim sendo, O laudo pericial realizado na instânciaa quo, que concluiu pela inexistência de negligência,imprudência ou imperícia, poderia ser utilizado para afastar aresponsabilidade pessoal do médico, mas jamais como causade irresponsabilidade do hospital que, como fornecedor deserviço, responde independentemente da existência de culpa.

Ora, o simples fato de todos os exames pré-nataisrealizados apontarem para uma gravidez normal e para um fetosaudável contrastarem com o nascimento de uma criança comdiagnóstico de Hipoxia Neonatal caracteriza o nexo causal entreo procedimento de parto e do dano causado à recorrente,independentemente da comprovação de culpa, ensejando odever de indenizar.

Além disso, mesmo que não incorresse o nosocômiorecorrido em hipótese de responsabilidade civil objetiva, percebe-se a existência de debilidade nos procedimentos adotados pelomesmo.

O Parecer nº 04/98 do Conselho Regional deMedicina – CREMEC, aponta a anoxia como uma das principaiscausas determinantes de perda gestacional numa gravidezconsiderada de “baixo risco”, apontando a defasagem técnicados hospitais como a principal causa de sua ocorrência, nosseguintes termos:

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Considerando, por exemplo, a anoxia, que é apontadacomo uma das principais causas de óbito antepartoou intraparto, o recurso que se dispõe para o seudiagnóstico nos serviços de urgência obstétrica damaioria das maternidades em nosso País ainda é oestetoscópio de Pinard, instrumento obsoleto que nospermite apenas uma avaliação grosseira dafreqüência cardíaca fetal, no que diz respeito à sualinha base, mas não nos permite a avaliaçãoadequada das nuanças da freqüência, a ausênciade acelerações dos batimentos cardíacos bem comoa caracterização de seus sub-tipos. Portanto, a faltados recursos assistenciais necessários à boa práticaobstétrica, como a não disponibilidade damonitorização eletrônica pela cardiotocografia, (...)torna a prática obstétrica perigosa, expondo oprofissional ao dissabor de um diagnóstico tardio desofrimento fetal ou até mesmo de seu decesso. Aonosso ver, existe inquestionável responsabilidadeinstitucional no que diz respeito à má qualidade daassistência obstétrica, prestada à população.

Não se esta aqui, máxime pela estreita via recursalque é o Agravo de Instrumento, procurando examinarminuciosamente os procedimentos adotados pelo hospitalagravado, o que deve ser realizado na instância singular, massim trazendo a lume que a anoxia ou a hipoxia, são causascomuns de morte ou sofrimento fetal que podem serprecisamente detectadas em uma maternidade devidamenteequipada.

Não se pode mais encarar os procedimentosmédicos como imprevisíveis, aonde qualquer resultado éesperado, pois existem, na maioria das vezes, procedimentoscapazes de ensejar uma rápida e eficaz tomada de decisão pelomédico, diminuído ou até mesmo abolindo a chance deinsucessos em procedimentos corriqueiros como o parto.

O Conselho Federal de Medicina, em publicaçãointitulada “Projeto Diretrizes” estabelece as indicações para oprocedimento de cesariana, dentre as quais se destaca o

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“Sofrimento Fetal Agudo”, que recomenda a realização dacesariana no prazo máximo de 30 (trinta) minutos.

Ora, tivesse a equipe da empresa médica agravadasido hábil em detectar o Sofrimento Fetal, pela ausência deoxigenação, poderia ter determinado o início imediato doprocedimento recomendado pelo CFM, afastando o infortúniosofrido pela agravante, que lhe tem gerado incontáveistranstornos.

Deve-se atentar para mais um relevante aspecto.Eis que o Ministério da Saúde, através de sua Portaria nº 31, de15 de fevereiro de 1993, impõe a necessidade de todo partorealizado por hospitais credenciados ao Sistema Único de Saúdeser acompanhado por um neonatologista ou por um pediatra,para que se dê completa assistência ao recém-nascido.

Contudo, ao que se consta, todo o procedimento departo foi realizado apenas pelo obstetra, em evidente desrespeitoà norma ministerial, o que certamente surtiu reflexo negativo,caracterizador de negligência por parte do hospital recorrido, quenão se cercou de todos os cuidados necessários à realizaçãodo procedimento de parto, assumindo, portanto, responsabilidadepelas conseqüências desta conduta.

Quanto ao valor da pensão mensal requerida pelaagravante, de R$ 3.000,00 (três mil reais), verifico a necessidadede sua revisão, para que não se onere excessivamente a parteagravada e nem caracterize enriquecimento da parte agravada,devendo a mesma ser fixada em R$ 1.500,00 (mil e quinhentosreais).

Diante de todo o exposto, considerando osfundamentos legais e doutrinários esposados, voto peloconhecimento do presente recurso, para DAR-LHE PARCIALprovimento, para conceder a parte agravante a antecipação dosefeitos da tutela pretendida, com o escopo de obrigar a parteagravada ao pagamento de pensão mensal no valor de R$1.500,00 (mil e quinhentos reais).

É como voto.

Fortaleza, 24 de setembro de 2007.

HABEAS CORPUS CÍVEL

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R. Jurisp. Trib. Justiça Est. Ceará, Fortaleza, v. 26, p. 229 - 232, 2008

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Habeas Corpus Cível de Fortaleza nº 2004.0003.9112-7Impetrante: Marcus Vinicius Peixe DantasPaciente: J R R CImpetrado: Juíza de Dir. da 6ª Vara de Família deFortalezaRelator: Des. Rômulo Moreira de Deus.

Habeas Corpus Cível. A simples alegativa deincapacidade econômica não exime o dever doAlimentante. O reconhecimento das escusasdeve ser pleiteado junto ao juízo da execuçãodos alimentos, de acordo com os mecanismosprocessuais atinentes à espécie, e não peranteo Tribunal, em sede de habeas corpus. Ordemdenegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos deHabeas Corpus, em que são partes as acima indicadas.

Acordam os Desembargadores da 1ª Câmara Cíveldo Tribunal de Justiça do Ceará, por unanimidade, em denegara ordem impetrada.

Trata-se de Habeas Corpus Cível, com pedido deliminar, impetrado por Marcus Vinicius Peixe Dantas, em favorde J R R C, contra ordem de prisão decretada pela Juíza deDireito da 6ª Vara de Família de Fortaleza, em sede de execuçãode alimentos devidos à suas três filhas.

Alega o Impetrante que o Paciente apresentou, noprazo legal, justificativa da impossibilidade de pagar o débitoalimentar no valor em que foi provisoriamente fixado. Percebemensalmente a quantia de R$ 880,00 e foi condenado a pagaralimentos no valor de seis salários mínimos (R$ 1.440,00).

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Custeia integralmente a despesa de uma das filhas e a educaçãodas outras duas.

Apesar das escusas apresentadas, a ilustreMagistrada impetrada decretou a prisão civil do Alimentante.

Ausentes os requisitos autorizadores, indeferi aliminar pretendida (f. 118-119).

Informações da Juíza a quo prestadas às f. 127-127.A Procuradoria Geral da Justiça manifestou-se pela

denegação da ordem de habeas corpus (f. 128-130).É o relatório.A prisão do devedor de alimentos inadimplente será

decretada, em despacho fundamentado, quando ele se recusara cumprir suas obrigações e não demonstrar a plausibilidade desuas escusas.

No caso, a ordem de prisão obedece aos requisitosdo art. 5º LXI e LXVII, da CF/88 e do art. 733, § 1º, do CPC. AMagistrada impetrada motivadamente rejeitou as escusas aopagamento de pensão alimentícia, determinando, inclusive, aredução do valor executado por ter o Paciente comprovado opagamento de mensalidades escolares de suas filhas. Entretanto,diante do inadimplemento do restante do débito, decretou a prisãodo Devedor. Assim, não há que se falar em nulidade da decisão.

O Impetrante, além de confessar o inadimplementodo Paciente, não trouxe aos autos qualquer elemento queinvalidasse o decreto de prisão. Limitou-se a requerer oreconhecimento, por esta Corte, da impossibilidade dopagamento da prestação alimentar fixada e, conseqüentemente,a revogação da prisão do Paciente.

O reconhecimento das escusas deve ser pleiteadojunto ao juízo da execução dos alimentos, de acordo com osmecanismos processuais atinentes à espécie, e não perante oTribunal, em sede de habeas corpus.

Limita-se, assim, o habeas corpus à verificação daregularidade da prisão civil decretada, cabendo o writ, quandoevidenciada ilegalidade ou abuso de poder.

Esse é entendimento desta 1ª Câmara Cível:

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“O Habeas-Corpus não se presta à discussão arespeito de alegada impossibilidade de pagamentode pensão alimentícia, em processo de execuçãode cogitada prestação isso porque se trata de matériaque requer produção de prova, o que não secompatibiliza com a natureza do writ em referência.O argumento do paciente de que não dispõe de meiosmateriais para cumprir obrigação alimentar não oisenta de pagar a pensão arbitrada. A discussão detal alegação há se travar na órbita cível e não noâmbito estrito do remédio heróico em cogitação.Habeas-Corpus denegado” (HC nº2000.01156-4, rel.Des. Haroldo Rodrigues).

No mesmo sentido, decidiu o STJ:

“Em relação à condição econômica dos pacientes,o tema vem sendo debatido no curso da ação dealimentos, tanto em primeira instância, como pelosagravos manejados. Não se mostra o Habeas-Corpus, todavia, como via hábil para o exame dematéria concernente a fatos e provas, àimpossibilidade de pagamento ou falta de condiçõesfinanceiras. Neste sentido, aliás, a jurisprudênciadesta Corte, como exemplificam o RHC 2604-BA (DJ10/05/93) e os HCs 4304-AL (DJ 23/03/96) e 4619(DJ 06/05/96), e os RHCs 8242-SP 7850-SP e 5875-MG.” (HC 12.079-BA, STJ, Rel. Min Sálvio deFigueiredo Teixeira)

“Habeas corpus. Alimentos. Execução. Prisão civil.1 – O habeas corpus, nos termos da jurisprudênciada Corte, não é via adequada para o exameaprofundado de provas e verificação das justificativas,fáticas, apresentadas em relação à situaçãofinanceira do credor e do devedor de alimentos.(...).”(HC 27080/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Carlos Alberto

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Menezes Direito, j. 10.02.2004).

Pelos motivos expendidos, denega-se a ordempretendida.

Fortaleza, 21 de fevereiro de 2005.

MANDADO DE SEGURANÇA

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R. Jurisp. Trib. Justiça Est. Ceará, Fortaleza, v. 26, p. 235 - 266, 2008

PODER JUDICIÁRIO DOESTADO DO ESTADO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2003.0011.0559-6/0 deFortaleza-CEIMPETRANTES: Antônio Miranda de Andrade e OutrosIMPETRADOS: Governador do Estado do Ceará Secretário de Administração do Estado do CearáRELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIREDO FROTA

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO.VENCIMENTOS DE SERVIDORES PÚBLICOSESTADUAIS. MAJORAÇÃO. REVISÃO GERAL DEREMUNERAÇÃO. INEXISTÊNCIA. PRELIMINA-RES DE DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃOALEGADAS PELO MP. DENEGADA A PRIMEIRAE NÃO CONHECIDA A ÚLTIMA. A majoração devencimentos de determinada categoria deservidores públicos, efetivada por meio de leiestadual, não pode ser entendida com o caráterde revisão geral, se assim não disposto em lei.O princípio da especificidade normativa cometeaos Tribunais de Contas a competência privativapara a iniciativa de lei dispondo sobrevencimentos de seus servidores Inexistência delesão a direito líquido e certo. Denegação dasegurança.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deMandado de Segurança Nº 2003.0011.0559-6 da Comarca deFortaleza, em que são impetrantes Antônio Miranda de Andrade,Francisco Manoel de Sousa, Josué Pereira Lima, HumbertoMoreira Lima, Antônio Pereira de Queiroz e impetrados oGovernador do Estado do Ceará e o Secretário de Administraçãodo Estado do Ceará.

ACORDA o Egrégio Tribunal Pleno desta Corte de

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Justiça, em julgamento de Turma, unanimemente, rejeitar apreliminar de decadência e não conhecer a preliminar deprescrição. No mérito, ainda em votação convergente, denegara segurança.

ANTONIO MIRANDA DE ANDRADE, FRANCISCOMANOEL DE SOUSA, JOSUÉ PEREIRA LIMA, HUMBERTOMOREIRA LIMA e ANTONIO PEREIRA DE QUEIROZ impetramMandado de Segurança com pedido de liminar, contra atoomissivo praticado pelos EXMO. SR. GOVERNADOR DOESTADO DO CEARÁ e EXMO. SR. SECRETÁRIO DEADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ, que implicou emnegar-lhes a revisão geral de remuneração prevista no inciso Xdo art. 37 da Constituição Federal, quando, em 12 de agosto de1996, através da Lei Estadual n°. 12.611, foram majorados em19% os vencimentos dos servidores integrantes do GrupoOcupacional Magistério de 1° e 2° graus, sem que as demaiscategorias de servidores estaduais fossem beneficiadas, semdistinção de índices e na mesma data.

Alegam os impetrantes que, diante da omissãolegislativa estadual, caberia às autoridades impetradas estenderadministrativamente aos impetrantes a revisão remuneratória de19%, dando cumprimento ao artigo 37, inciso X, da CF/88.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 15 usque45.

O pedido de liminar guerreado pelos autores dopresente remédio heróico foi indeferido às fls. 140/142.

Devidamente notificadas as Autoridades Impetradas(fls. 147/148), apenas o Ilmo. Sr. Secretário de Administração doEstado do Ceará apresentou as suas informações adversativasàs fls. 150/159, objetando a pretensão mandamental, conquantosustente, com veemência, a legalidade do ato tido como omissivoimpugnado. A Ilustre Autoridade Impetrada fundamenta suasinformações na finalidade precípua buscada pela Lei Estadualn°. 12.611/96, qual seja, a majoração específica dos vencimentosdos servidores integrantes do Grupo Ocupacional Magistério de1° e 2° graus.

A douta Procuradoria Geral de Justiça, em minuciosa

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e bem fundamentada manifestação (fls. 161/175), pugna comamplo amparo doutrinário e jurisprudencial, ilustrando seu bemcuidado parecer com inúmeros excertos tirados dos mais ilustresdoutrinadores da área Constitucional e Administrativa, peladenegação da segurança pretendida.

É o relatório. Passo a votar.

VOTO

I – Da preliminar de decadência

Examino, inicialmente, a tese levantada pela DoutaProcuradoria Geral de Justiça da decadência da açãomandamental.

O ato tido por coator de direitos dos impetrantesdecorre de alegada omissão dos Exmo. Sr. Governador doEstado do Ceará e do Exmo. Sr. Secretário de Administração doEstado do Ceará que, na ótica dos impetrantes, deveria ter sidopraticado ao tempo da entrada em vigor da Lei Estadual n°.12.611,de 12 de agosto de 1996, que concedeu revisão de proventosaos servidores integrantes do Grupo Ocupacional Magistério de1° e 2° graus.

Face ao que dispõe o inciso X do art. 37 daConstituição Federal teria havido uma omissão legislativaestadual e caberia às Autoridades Impetradas estender,administrativamente, aos impetrantes a revisão remuneratóriaali concedida, dando direto cumprimento ao dispositivoconstitucional citado. Tratam-se aqui, pois, das chamadasprestações de trato sucessivo, renovadas mensalmente, por atode responsabilidade da Secretaria de Administração do Estadodo Ceará. A omissão no pagamento de vencimentos é mensal,logo, caracterizando a periodicidade da lesão ao direito doimpetrante.

Como se trata de matéria de ordem pública, adecadência estabelecida por lei deve ser conhecida, de ofício,pelo magistrado, conforme dispõe o art. 210 do Código Civil. Adoutrina pátria unânime corrobora o entendimento ora exposto,

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senão vejamos:

“Decretação “ex officio” da decadência: A decadênciadecorrente de prazo legal deve ser considerada ejulgada pelo magistrado, de ofício,independentemente de argüição do interessado.(DINIZ, Maria Helena, in “Novo Código CivilComentado”, coord. Ricardo Fiúza, 4ª ed. atual., p.206).

“Cuidando-se de decadência imposta por lei, deveráo juiz declará-la de ofício. Afinal, trata-se de um deverimposto por lei, não já de uma mera faculdade, quepoderia ser exercida ao talante do julgador (RenanLotufo, Código Civil, p. 559). No entendimento do STJ,“constituindo matéria de ordem pública, a decadênciapode ser decretada de ofício e a qualquer tempo,inclusive em pedido de reconsideração manejadoapós o despacho saneador que a afastou” (STJ, 5ªTurma, REsp. n°326.292, Rel. Min. Edson Vidigal,julg. 02.08.2001, publ. DJ 03.09.2001)”. (TEPEDINO,Gustavo et alli. In “Código Civil Interpretado”, Rio deJaneiro: Renovar, 2004, p. 422).

Em razão destes fundamentos jurídicos, conheçoda preliminar suscitada, denegando-a.

II – Da preliminar de prescrição

Relativamente à prescrição do Fundo de Direito, estamatéria não foi suscitada pelas partes, apenas tendo sido teselevantada pela douta Procuradoria Geral de Justiça.

Desta feita, não pode a alegação da prescrição serapreciada por esta Egrégia Corte de Justiça. Conforme dispõe oart. 194 do Novo Código Civil brasileiro: “O juiz não pode suprir,de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer aabsolutamente incapaz”. Noutros termos, o magistrado não

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poderá conhecer da prescrição da ação relativa a direitospatrimoniais, reais ou pessoais, se não for invocada pelosinteressados, não podendo, portanto, decretá-la ex officio, porser a prescrição um meio de defesa ou exceção peremptória.

Ademais, o Código de Processo Civil, em seu art.219, §5º, prescreve que: “Não se tratando de direitos patrimoniais,o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la deimediato”. Como a matéria alegada tem natureza de direitopatrimonial, o magistrado não pode conhecer de ofício talalegação.

Novamente, ressalta a importância do embasamentodoutrinário da questio juris:

“1. Não é dado ao juiz conhecer da prescriçãode ofício. A prescrição, ainda que reflita imperativosde ordem pública, visa também ao atendimentoimediato de um interesse do sujeito passivo darelação jurídica. Assim sendo, não é permitido ao juiz,salvo se para favorecer o absolutamente incapaz,declarar de ofício a ocorrência da prescrição.O Superior Tribunal de Justiça, invocando o art. 194do CC, já se pronunciou, em julgado recente, sobrea impossibilidade de conhecer o juiz da prescrição,salvo por manifestação das partes (STJ, 4ª T., REsp.434.992, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julg.06.02.2003, publ. DJ 05.05.2003). No mesmosentido: STJ, 4ª T., REsp. 174.359-SP, Rel. Min. Sálviode Figueiredo Teixeira, julg. 23.05.2000, publ. DJ07.08.2000; STJ, 3ª T. REsp. 61.606, Rel. Min.Waldemar Zveiter, julg. 16.04.1996, publ. DJ10.06.1996; e STJ, 1ª T., REsp. 8.807, Rel. Min. CésarAsfor Rocha, julg. 07.06.1993, publ. DJ 13.09.1993)”.(TEPEDINO, Gustavo et alli. In “Código CivilInterpretado”, Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 364).

“1. Direito dispositivo. Em ação judicial o juiz sópode reconhecer a prescrição se houver pedido

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expresso nesse sentido, formulado pelo interessado,a quem o decreto de prescrição aproveita. Trata-se,portanto, de direito disponível. Prescrição é exceção(defesa) e como tal deve ser oposta pelo interessado.(...)”. (JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa MariaAndrade. “Código Civil Anotado e LegislaçãoExtravagante”. 2ª ed. atual., São Paulo: Ed. RT, 2003,p. 261)

Nesse exato sentido, é mister trazer o entendimentopretoriano sobre a matéria sub judice:

PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃOPATRIMONIAL. CONHECIMENTO DE OFÍCIO.IMPOSSIBLIDADE. ARTS. 166 DO ENTÃO CÓDIGOCIVIL E 219, § 5º, CPC. NOVO CÓDIGO CIVIL. ART.194. INOCORRÊNCIA DE ALTERAÇÃO.PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.I - A prescrição patrimonial depende de provocaçãoda parte interessada, sendo vedado ao julgadorconhecê-la de ofício, nos termos dos arts. 166 doanterior Código Civil e 219, § 5º do Código deProcesso Civil, aplicados subsidiariamente aoprocesso de execução, a teor do art. 598, CPC.II - O novo Código Civil não alterou a regra, ao dispor,no art. 194, que “o juiz não pode suprir, de ofício, aalegação de prescrição, salvo se favorecer aabsolutamente incapaz”. (STJ, 4ª T., REsp. 434.992,Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julg.06.02.2003, publ. DJ 05.05.2003)

PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO POR TÍTULOEXTRAJUDICIAL - PRESCRIÇÃO - DIREITOPATRIMONIAL - DECRETAÇÃO DE OFÍCIO.I - Tratando-se de direitos patrimoniais é defeso aojuiz conhecer, de oficio, da prescrição e decretá-la,pois, neste caso, a lei exige que seja argüida pela

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parte a quem aproveita para poder ser pronunciadapelo magistrado. Inteligência dos artigos 166, doCódigo Civil e 219, parágrafo 5°, do CPC.II - Precedentes do STJ.III - Recurso conhecido e provido. (STJ, 3ª T., REsp.n° 68.226/PE, Rel. Min. Waldemar Zveiter, julg.16.04.1996, publ. DJ 10.06.1996).

À vista de tais considerações, deixo de acolher a teseda prescrição do fundo de direito levantada pela doutaProcuradoria Geral de Justiça, por não ser esta parte diretamenteinteressada no mérito da questão.

III – Do Mérito

Na realidade, o que os impetrantes pretendem é aconcessão, por via jurisdicional ou mediante simples atoadministrativo do órgão impetrado, de vantagem pecuniáriaconcedida à categoria funcional diversa, o que se revelaprovidência de todo inviável ante a inexistência de título jurídicoque, representado pela norma legal, dê legitimidade à postulação.

Se a Lei Estadual n°. 12.611/96, que concedeu oaumento aos professores, violou o princípio relativo à revisãogeral de vencimentos, como previsto no inciso X do art. 37 daCF/88, ela é que seria inconstitucional, do que se deduz que apretensão sob exame encobre, na verdade, pedido de apreciaçãode inconstitucionalidade de lei por omissão parcial, para, partindodessa premissa, conseguir-se a extensão de benefício pecuniárioem favor dos impetrantes.

Ora, o mandado de segurança não se qualifica comoinstrumento processualmente adequado a tal argüição, nãosendo, portanto, os impetrantes titulares de direito líquido e certo,pois que somente lei estadual poderia autorizar a revisão de seusvencimentos.

O Poder Judiciário não pode conceder a servidoresextensão de vantagens pecuniárias que foram exclusivamenteoutorgadas por lei a outras categorias. Do contrário, estaria

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usurpando a função inerente ao Poder Legislativo.Tal entendimento é, inclusive, incontroverso na

Súmula 339 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “Não cabeao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentarvencimentos de servidores públicos sob fundamento deisonomia”.

Ademais, o aumento ocorrido em função da Lei n°12.611/96 não se caracteriza como revisão geral de remuneraçãodos servidores, descabendo citar-se o dispositivo constitucionalque em seu art. 37, inciso X, trata do assunto. Houve, no presentecaso, somente uma revisão específica para uma determinadacategoria de servidores, sem nenhum caráter de revisão geral.

A respeito do tema consignamos a lição de Adilsonde Abreu Dallari:

“Por ‘revisão geral’ deve ser entendido apenas oreajuste decorrente da perda do valor aquisitivo damoeda, que atinge a todos os servidoresindistintivamente. A Administração não está proibidade proceder às revisões parciais, ou seja, de alterara situação remuneratória de específicas oudeterminadas categorias profissionais, seja paracorrigir injustiças, seja para proceder a uma melhoradequação ao mercado de trabalho, seja para darum tratamento mais consentâneo com a novaestruturação da carreira, inclusive mediante acriação de estímulos à evolução funcional”. (In“Regime Constitucional dos Servidores”, São Paulo:Ed. RT, 1992, p. 58)

Entende-se, pois, por revisão o ato pelo qual seformaliza a reposição do poder aquisitivo dos vencimentos.

Por outro lado, é indiscutível que a Administraçãopoderá, através de comandos legais específicos, alterar asituação remuneratória de determinada categoria funcional,fazendo-o, todavia, de forma justificada, atendendo sempre aoprincípio da razoabilidade.

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A respeito do tema, reportamo-nos à ilustre MariaSylvia Zanella Di Pietro:

“Com relação à fixação e alteração da remuneraçãodos servidores públicos, só pode ser feita por leiespecífica, observada a iniciativa privativa em cadacaso, conforme artigo 37, inciso X, na redação dadapela Emenda Constitucional n°. 19/98. A iniciativa dasleis é repartida entre o Chefe do Executivo (art. 61,§1°, II, “a”), Tribunais (art. 96, II, “b”), Ministério Público(art. 127, §2°) e Tribunal de Contas (art. 73, c/c art.96).Cada um desses órgãos remete ao Legislativoprojeto de lei, seja de criação de cargos, seja defixação de vencimentos de seus servidores, devendotodos observar os limites estabelecidos para osservidores do Executivo (art. 37, XII).O inciso XIII do artigo 37, com a nova redação dadapela Emenda n° 19, veda a vinculação ou equiparaçãode quaisquer espécies remuneratórias para o efeitode remuneração de pessoal do serviço público.O que se visa impedir, com esse dispositivo, são osreajustes automáticos de vencimentos, o queocorreria se, para fins de remuneração, um cargoficasse vinculado ao outro, de modo que qualqueracréscimo concedido a um beneficiaria a ambosautomaticamente; isso também ocorreria se osreajustes de salários ficassem vinculados adeterminados índices, como o de aumento do saláriomínimo, o de aumento de arrecadação, o de títulosda dívida pública ou qualquer outro.” (In “DireitoAdministrativo”, 16ª.ed., São Paulo: Atlas, 2003).

Fica assim configurado, com meridiana clareza, quea lei estadual estipuladora de novos parâmetros financeiros paraos servidores da administração direta não atinge aqueles queintegram outras categorias de servidores públicos a não ser os

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da categoria beneficiada pela Lei n° 12.611/96, qual seja, osservidores integrantes do Grupo Ocupacional Magistério de 1° e2° graus.

Em suma, resta caracterizada a inexistência de lesãoa direito líquido e certo dos impetrantes, posto que estes sãopoliciais militares inativos não albergados pela majoraçãovencimental da mencionada lei.

Diante do exposto, voto pela denegação do presentemandamus, em consonância com o parecer da doutaProcuradoria Geral de Justiça.

Fortaleza, 04 de agosto de 2005.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2004.0004.7354-9,Fortaleza - CEIMPETRANTE: Raimundo Neno de MenesesIMPETRADO: Secretário de Administração do Estado doCearáIMPETRADO: Secretária de Desenvolvimento Econômicodo Estado do CearáRELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIREDO FROTA

EMENTA: CONSTITUCIONAL, PROCESSUALCIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DESEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICOAPOSENTADO. ATUALIZAÇÃO DA GRATI-FICAÇÃO PESSOAL INCORPORADA AOSPROVENTOS. PRECEDENTES.Artigos 40, §§ 5º e 8º, da Constituição Federal eLei Estadual nº 9.826/74 (Estatuto dosFuncionários Públicos Civis do Estado doCeará).

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Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada.“Ressalvada a revisão prevista em lei, osproventos da inatividade regulam-se pela leivigente ao tempo em que o servidor reuniu osrequisitos necessários”. (Súmula 359, STF).“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA.CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.SERVIDOR APOSENTADO. REAJUSTE DEVANTAGEM PESSOAL INCORPORADA AOSSEUS PROVENTOS. Estrutura unitária dessesproventos a permitir que tais reajustes incidamsobre o total das parcelas de que se constituíram,sem discriminar, para tal fim, que seja esta ouaquela. Necessidade, apenas, de que exista leiprevendo a outorga de reajuste geral para osservidores em atividade. Repercussão do aludidoreajuste no patrimônio dos aposentados porforça da norma que se hospeda no § 8º, do art.40, da CF/88. Segurança, nessa parte, concedida”.(M.S. nº 2002.0008.0236-8, de Fortaleza).Segurança concedida.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deMandado de Segurança Nº 2004.0004.7354-9 da Comarca deFortaleza, em que é impetrante Raimundo Neno de Menesese impetrados o Secretário de Administração do Estado doCeará e a Secretária de Desenvolvimento Econômico doEstado do Ceará.

ACORDA o Egrégio Tribunal Pleno desta Corte deJustiça, em julgamento de Turma, unanimemente, em rejeitar apreliminar suscitada e, no mérito, também unanimemente emconceder a segurança.

RAIMUNDO NENO DE MENESES, servidor públicoestadual aposentado, da Pasta do Desenvolvimento Econômicodo Ceará, bastante qualificado nos autos, por meio de patronojudicial legalmente constituído, manejou ação mandamental, compleito de liberação de provimento jurisdicional cautelar,

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assestando ato tido como ilegal e abusivo, portanto malferidorde direito líquido e certo do impetrante, de responsabilidade dosSecretários Estaduais das Pastas da Administração eDesenvolvimento Econômico do Estado do Ceará, consistentena omissão em proceder ao reajuste concedido, em caráter geral,aos servidores públicos estaduais, através da Lei Estadual nº11.555/2001 e diplomas posteriores, relativamente à vantagempessoal incorporada, símbolo DAS 2, nos termos da Lei nº 11.171/86, operando verdadeira redução nos proventos do impetrante,ferindo as cláusulas constitucionais alusivas ao direito adquirido,à irredutibilidade de proventos, ao ato jurídico perfeito daaposentadoria e, finalmente, da irretroatividade das normasjurídicas.

Acostou o impetrante, ao petitório, a documentaçãoprobante que entendeu pertinente ao destrame da ordem (fls.39/59).

A requesta da medida cautelar restou denegada, emface da não comprovação, de plano, dos requisitos autorizatóriosao acolhimento (fls.64/66).

Comparecendo ao sítio mandamental o Secretáriode Desenvolvimento Econômico do Ceará alegou somente apreliminar de ilegitimidade passiva para figurar na ação, postonão elaborar e manter o controle sobre a folha de pagamentodos servidores, atribuição conferida ao Secretário deAdministração do Ceará.

Por sua vez, o Secretário de Administração do Ceará,prestando informações, defendeu a legalidade do atoadministrativo impugnado, suplicando, ao final, pela extinção dofeito sem julgamento de mérito, à míngua de comprovação deilegalidade a ser sanada pelo conduto mandamental.

Instada a manifestação, a douta Procuradoria Geralde Justiça opinou, sem apreciação da preliminar suscitada, pelaconcessão da ordem requerida.

É o relatório. Passo a votar.

Merece êxito a ação mandamental proposta, da clara

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pertinência dos argumentos fáticos e jurídicos deduzidos, emestreita sintonia com os precedentes da Corte de Justiça.

Antes, porém, do enfrentamento da questão de méritoda impetração, cumpre equacionar a preliminar agitada peloSecretário de Desenvolvimento Econômico do Ceará atinente àilegitimidade passiva.

Nada obstante os ingentes esforços despendidos aargüição da prejudicial não merece prosperar.

O ponto central que fundamentou a preliminar estácolocado na questão alusiva ao controle da folha de pagamentodos servidores públicos estaduais, cujo gerenciamento geralcompete ao Secretário de Administração do Estado, entretanto,setorialmente, pertence ao Secretário da respectiva Pasta ondeestiver lotado o servidor.

É bem verdade que dispositivo legal outorgou aatribuição cogitada, também, ao Secretário de Administração,porém, desponta igualmente correto, que as alterações na folhade pagamento dos servidores, relativamente às Secretarias eórgãos vinculados, especificamente considerados, é procedidano órgão de origem e lotação do servidor e encaminhadas àSecretaria de Administração para publicação eoperacionalização.

Ad argumentandum tantum, se a prejudicial levantadadetivesse procedência, qual o sentido de manter o Estado doCeará, nas respectivas Secretarias e demais órgãosadministrativos, um departamento setorial denominado Folha dePagamento, com várias chefias e servidores que trabalham nasalterações funcionais e vencimentais, encaminhando-as àSecretaria de Administração para publicação e implantação?

Partindo-se da premissa de que os órgãos do Estadoformam um sistema administrativo único (está explicitado nanorma de regência – o Estatuto dos Funcionários Públicos Civisdo Estado do Ceará – Lei Estadual nº 9.826/74), forçoso éconcluir que a autoridade requerida titular da Secretaria deDesenvolvimento Econômico do Ceará, Pasta na qual ematividade tinha lotação, também contribuiu decisivamente para aeventual lesão ao direito do impetrante.

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Além do mais, e para resolver de vez a controvérsiaacerca da improcedência da preliminar, desponta cediço queninguém é obrigado a seguir ordem manifestamente ilegal, sejade que autoridade parta e, por fim, firma-se como autoridadeimpetrada no mandado de segurança aquele que podendo evitara consumação da lesão ao direito, omitiu-se de assim proceder.

Assim, rejeita-se a preliminar aventada.No mérito, melhor fortuna não ampara os

argumentos defensivos propostos pelas autoridades impetradas.Com efeito, a prova pré-constituída que guarnece a

ação assegura que o impetrante incorporou a vantagem pessoalaludida, símbolo DAS 2, nos termos preconizados na Lei Estadualnº 11.171/86 (conhecida como Lei Geni) e que já se encontravana inatividade quando sofreu a alegada lesão ao direito,reclamando a atualização do valor correspondente, nospercentuais concedidos pelas legislações posteriores aosservidores estaduais a título de reajuste geral de vencimentos.

O primeiro corolário que desponta inelutável é que,sendo a lei concessiva de reajuste, também denominada derevisão geral de vencimentos e proventos, encontra-se o direitoporfiado agasalhado no artigo 40, § 8º, da Constituição Federal,o qual dispõe:

“Art.40.................................................................................................§ 8º. É assegurado o reajustamento dosbenefícios para assegurar-lhes, em caráterpermanente, o valor real, conforme critériosestabelecidos em lei”.

Ainda trilhando a seara constitucional, o artigo 37,inciso XI, da Carta da República, determina que os proventos epensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data,sempre que se modificar a remuneração dos servidores ematividade.

O espírito da norma está claramente colocado nosentido de evitar que um benefício, a aposentadoria, no futurovenha a se transformar em um inequívoco prejuízo imposto ao

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servidor, quando mais necessita.Por isso, como se trata, o impetrante, de servidor

público aposentado, o reajuste deve incidir sobre seus proventos,considerados como o somatório das parcelas remuneratóriasincorporadas por ocasião da passagem para a inatividade.

A lição doutrinária, na aguda visão conceitual doeminente Ministro Carlos Ayres de Brito, sobre o tema, reforçado entendimento perfilhado:

“Ao contrário do que sucede com osvencimentos, os proventos não têm estruturacompósita. Eles são uma unidade, um todo pró-indiviso, na medida em que não comportamdivisão em parte principal e parte acessória. Éclaro que, por ocasião da aposentadoria doservidor, há que se buscar o vencimento docargo ou função por ele ocupado, mais osacréscimos pecuniários já revestidos dedefinitiva aderência ao mesmo vencimento, parao fim de fixação da base de cálculo dosproventos. Esta base de cálculo é que temnatureza compósita: vencimento e vantagensincorporadas. Ela é que passa de vencimento aremuneração e, daí, a provento (...)”. (In RegimeConstitucional dos Proventos do ServidorPúblico Efetivo, Revista Trimestral de DireitoPúblico nº 15, pp. 137/139).

A conclusão emerge clara na dicção do texto,revelando que a gratificação pessoal incorporada pelo impetrante,por força da regência da Lei Estadual nº 11.171/86, permaneceuintegrando os proventos de aposentadoria, devendo sobre elesincidir os reajustes concedidos, em caráter geral, aos servidorespúblicos em atividade.

Na linha pretoriana, o Excelso Supremo TribunalFederal sumulou a matéria com o seguinte enunciado:

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“Ressalvada a revisão prevista em lei, osproventos da inatividade regulam-se pela leivigente ao tempo em que o servidor reuniu osrequisitos necessários”. (Súmula 359, STF).

Mais adiante, o eminente Ministro Maurício Corrêa,observando os precedentes da Corte Suprema, acentuou emnotável decisão:

“O art. 40, § 5º, CF é auto-aplicável, de modo quea revisão dos proventos da aposentadoriapressupõe, apenas, a existência de lei prevendoessa revisão em relação aos servidores ativos,pelo que, uma vez editada a lei que prevejareajuste dos servidores em atividade, essemesmo reajuste deve, de imediato, repercutir nocampo patrimonial dos aposentados, só porforça da existência da norma constitucional emcomento atualmente, o § 8º, do art. 40, CF”.(AgReg nº 173851-1, in Constituição Federal vistapelo Supremo Tribunal Federal, Ed. JuarezOliveira, pp. 563/564).

A orientação da Corte de Justiça local não diverge doposicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, valendoressaltar dentre os inúmeros precedentes: Ap. Cível nº1999.05697-4, Rel. Des. Rômulo Moreira de Deus; Ap. Cível nº1998.00354-0, Rel. Des. Rômulo Moreira de Deus; Ap. Cível nº2000.07276-1, Rel. Des. José Cláudio Nogueira Carneiro e, emsede do Mandado de Segurança nº 1995.01690-8, de Relatoriado Des. Francisco Gilson Viana Martins, assim ementado:

“Os proventos dos inativos sempre sofrerãoatualização, de acordo com o nível em que sedeu a inatividade, mesmo quando houvertransformação ou reclassificação do cargo oufunção respectiva (...)”.

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Mais recentemente, e para resolver em definitivo aquestão posta, a eminente e culta Desembargadora HuguetteBraquehais proferiu decisão paradigma enfrentando exatamenteo mesmo tema discutido no caso vertente, cuja ementaexpressa:

“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA.CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.SERVIDOR APOSENTADO. REAJUSTE DEVANTAGEM PESSOAL INCORPORADA AOSSEUS PROVENTOS. Estrutura unitária dessesproventos a permitir que tais reajustes incidamsobre o total das parcelas de que seconstituíram, sem discriminar, para tal fim, queseja esta ou aquela. Necessidade, apenas, deque exista lei prevendo a outorga de reajustegeral para os servidores em atividade.Repercussão do aludido reajuste no patrimôniodos aposentados por força da norma que sehospeda no § 8º, do art. 40, da CF/88. Segurança,nessa parte, concedida”. (M.S. nº 2002.0008.0236-8, de Fortaleza).

Diante das considerações doutrinárias ejurisprudenciais expendidas não há como fugir do inegávelfarpeamento ao direito líquido e certo do impetrante patrocinadopelas autoridades requeridas, negando atualização do valor dagratificação pessoal incorporada nos proventos da inatividade,nos percentuais concedidos a título de reajuste geral, por leisposteriores, aos servidores em atividade.

Isto posto, concede-se a ordem requerida, nostermos do parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça.

Fortaleza, 18 de Maio de 2006.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Mandado de Segurança nº 2004.0005.8365-4/0Impetrante: MARIA DE FÁTIMA PONTES PARENTEImpetrados: Secretário de Administração do Estado doCearáÓrgão Julgador: Tribunal PlenoRelator: Desembargador ADEMAR MENDES BEZERRA

EMENTA. MANDADO DE SEGURANÇA.PROVENTOS DE APOSENTADORIA E PENSÃOPOR MORTE. DIREITO LÍQUIDO, CERTO E EMEXERCÍCIO. ADVENTO DA EMENDACONSTITUCIONAL Nº 41, DE 19/12/2003,CONHECIDA COMO REFORMA DAPREVIDÊNCIA, A QUAL INSTITUIU DESCONTOPREVIDENCIÁRIO INCIDENTE SOBRE APENSÃO E PROVENTOS. POSSIBILIDADE.INFRINGÊNCIA AO DIREITO ADQUIRIDO E ÀIRREDUTIBILIDADE VENCIMENTAL. INO-CORRÊNCIA. ENTENDIMENTO VINCULANTEDO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.INTELIGÊNCIA DO §2º, DO ART. 102, DACONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.RECEBIMENTO AQUÉM DO MÍNIMO.OCORRÊNCIA.-O servidor aposentado ou pensionista, bemcomo o que já adquiriu direito à aposentadoriaou pensão, não está, definitivamente, isento ouimune ao pagamento de tributo legalmenteinstituído, não se podendo falar, quanto a isso,em afronta a direito adquirido ou a ato jurídicoperfeito. Sendo espécie tributária – contribuição-, não se pode invocar direito adquirido contra anão-exação, nem tampouco defender tratar-se

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o caso de imunidade, haja vista que esta devevir prevista constitucionalmente, o queobviamente não é o caso.-Por outro lado, a decisão do Pleno do STF noprocesso da Ação Direta de Inconstitucionalidadenº 3105/DF, relator para o Acórdão o Min. CezarPeluso, julgado em 18/08/2004, encerrou adiscussão em torno da inconstitucionalidade dacontribuição combatida, afirmando inexistirdireito adquirido que imunize os aposentados àtributação constitucional e que a contribuição docaso concreto observou os princípios dasolidariedade e do equilíbrio financeiro eatuarial.-Embora constitucional a aludida exação, misterque se dê aplicação ao limite da contribuiçãoprevisto no parágrafo 18, do art. 40, da CF/1988(com a redação dada pela Emenda 41) nassituações que estão dentro do limite máximoestabelecido para os benefícios do regime geralde previdência social de que trata o art. 201, danorma superior, o que é exatamente o caso dosautos.-Concessão da segurança, por não se enquadrarna decisão vinculante do STF.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos deMandado de Segurança nº 2004.0005.8365-4/0, em que figuramas partes acima identificadas.

Acorda o Tribunal de Justiça do Ceará, em suacomposição plenária, por maioria, conceder a segurança, nostermos do Voto do Relator.

Fortaleza, 8 de fevereiro de 2007.

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RELATÓRIO:

Trata-se de mandado de segurança com pedido deliminar impetrado por MARIA DE FÁTIMA PONTES PARENTE,com o objetivo de assegurar o direito de não se submeter àcobrança de contribuição previdenciária sobre sua pensão, emfunção do advento das Emendas Constitucionais Federal eEstadual de ns° 41/2003 e 56/2004, respectivamente, que deunova redação aos artigos 40 e 330 dos citados diplomas.

Argumenta a impetrante, na qualidade de inativa/pensionista, que vinha recebendo normalmente o quantumrelativo à pensão/proventos sem a incidência de tributoprevidenciário até o advento das emendas constitucionais federale estadual ns° 41 e 56, as quais previram o desconto na pensãode contribuição previdenciária no percentual de 11% (onze porcento).

Sustenta, em síntese, o seguinte: a) ao servidor oupensionista que, à data da promulgação da EC n° 41/2003 àConstituição Federal e da EC nº 56/2004 à Constituição Estadualdo Ceará tenha se aposentado ou iniciado o direito aorecebimento de pensão não pode sofrer a incidência de novasregras (exigências estabelecidas), havendo, portanto, direitoadquirido; b) o servidor ou pensionista não está obrigado anovamente contribuir para a Previdência Social em razão daintocabilidade do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, aindamais quando há na contribuição viés contratual, insuscetível dealteração unilateral; c) não deve ser aplicado o raciocínio dasolidariedade previdenciária, tendo em vista que o aposentadoou pensionista não gozaria de alguma vantagem futura; d)constituia cobrança bitributação; e)deve prevalecer a irredutibilidade deproventos/pensão.

Solicitadas as informações da autoridade indicadacoatora, as prestou às fls. 26/27, defendendo a perda do objetoda ação mandamental, tendo em vista o julgamento, peloSupremo Tribunal Federal, da Ação Direita deInconstitucionalidade nº 3.105/DF, em que se decidiu serconstitucional a regra do caput do art. 4º, da Emenda

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Constitucional nº 41, à Constituição Federal.Liminar indeferida às fls. 30/31.Chamada a intervir, a ilustre representante da

Procuradoria Geral de Justiça exarou parecer de mérito (fls. 35/40), opinando pela concessão da segurança.

É o relatório.

VOTO:

Os autos trazem questão já bastante debatida nesteegrégio Tribunal, referente à incidência de contribuiçãoprevidenciária sobre os proventos ou pensões da impetrante.

As contribuições são tributos os quais se coadunamcom o interesse coletivo, que se encontra ligado aos direitosfundamentais de 2º e 3º dimensões, haja vista que a suacaracterística essencial é a solidariedade. Assim, a incidênciadessa espécie tributária não gera qualquer mácula à Constituição,porquanto é ato potestativo do Estado, desde que respeite osprincípios básicos estabelecidos pelo constituinte, vale dizer:legalidade, irretroatividade, capacidade contributiva, isonomia,anterioridade e proibição de confisco.

É cediço que o caso em comento não traz violaçãoaos direitos adquiridos da impetrante, uma vez que se trata detributação, na qual a Magna Carta jamais tenha concedidoqualquer imunidade a essas pessoas.

Pode-se afirmar que não há direito adquirido à nãoexação tributária. Havendo a hipótese de incidência e o fatogerador, ocorre o dever de pagar o tributo, que, no caso dosautos, já se desconta na fonte.

Todavia, em última análise, a presente demanda jáfoi decidida de forma vinculante pelo Supremo Tribunal Federal,no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3105/DF:

“EMENTA: 1. Inconstitucionalidade. Seguridadesocial. Servidor público. Vencimentos.Proventos de aposentadoria e pensões.

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Sujeição à incidência de contribuiçãoprevidenciária. Ofensa a direito adquirido no atode aposentadoria. Não ocorrência. Contribuiçãosocial. Exigência patrimonial de naturezatributária. Inexistência de norma de imunidadetributária absoluta. Emenda Constitucional nº 41/2003 (art. 4º, caput). Regra não retroativa.Incidência sobre fatos geradores ocorridosdepois do início de sua vigência. Precedentesda Corte. Inteligência dos arts. 5º, XXXVI, 146, III,149, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, da CF, eart. 4º, caput, da EC nº 41/2003. No ordenamentojurídico vigente, não há norma, expressa nemsistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor públicoo efeito de lhe gerar direito subjetivo comopoder de subtrair ad aeternum a percepção dosrespectivos proventos e pensões à incidênciade lei tributária que, anterior ou ulterior, ossubmeta à incidência de contribuiçãoprevidencial. Noutras palavras, não há, em nossoordenamento, nenhuma norma jurídica válidaque, como efeito específico do fato jurídico daaposentadoria, lhe imunize os proventos e aspensões, de modo absoluto, à tributação deordem constitucional, qualquer que seja amodalidade do tributo eleito, donde não haver,a respeito, direito adquirido com oaposentamento. 2. Inconstitucionalidade. Açãodireta. Seguridade social. Servidor público.Vencimentos. Proventos de aposentadoria epensões. Sujeição à incidência de contribuiçãoprevidenciária, por força de EmendaConstitucional. Ofensa a outros direitos egarantias individuais. Não ocorrência.Contribuição social. Exigência patrimonial denatureza tributária. Inexistência de norma de

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imunidade tributária absoluta. Regra nãoretroativa. Instrumento de atuação do Estado naárea da previdência social. Obediência aosprincípios da solidariedade e do equilíbriofinanceiro e atuarial, bem como aos objetivosconstitucionais de universalidade, equidade naforma de participação no custeio e diversidadeda base de financiamento. Ação julgadaimprocedente em relação ao art. 4º, caput, da ECnº 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts.149, caput, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, e201, caput, da CF. Não é inconstitucional o art.4º, caput, da Emenda Constitucional nº 41, de 19de dezembro de 2003, que instituiu contribuiçãoprevidenciária sobre os proventos deaposentadoria e as pensões dos servidorespúblicos da União, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios, incluídas suasautarquias e fundações. 3. Inconstitucionalidade.Ação direta. Emenda Constitucional (EC nº 41/2003, art. 4º, § únic, I e II). Servidor público.Vencimentos. Proventos de aposentadoria epensões. Sujeição à incidência de contribuiçãoprevidenciária. Bases de cálculo diferenciadas.Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entreservidores e pensionistas da União, de um lado,e servidores e pensionistas dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios, de outro.Ofensa ao princípio constitucional da isonomiatributária, que é particularização do princípiofundamental da igualdade. Ação julgadaprocedente para declarar inconstitucionais asexpressões “cinqüenta por cento do” e“sessenta por cento do”, constante do art. 4º, §único, I e II, da EC nº 41/2003. Aplicação dos arts.145, § 1º, e 150, II, cc. art. 5º, caput e § 1º, e 60, §4º, IV, da CF, com restabelecimento do caráter

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geral da regra do art. 40, § 18. Sãoinconstitucionais as expressões “cinqüenta porcento do” e “sessenta por cento do”, constantesdo § único, incisos I e II, do art. 4º da EmendaConstitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003,e tal pronúncia restabelece o caráter geral daregra do art. 40, § 18, da Constituição daRepública, com a redação dada por essa mesmaEmenda” (Supremo Tribunal Federal, ADI nº 3105/DF, Relator para o Acórdão o Min. Cezar Peluzo, DJUde 18.02.2005).

Ora, levando-se em consideração o disposto no §2º,do art. 102, da Constituição Federal de 1988, segundo a qual “asdecisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo TribunalFederal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de leiou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeitovinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciárioe ao Poder Executivo”, outro não pode ser o entendimento destecolendo Tribunal senão acatar o decisum acima mencionado, e,conseqüentemente, denegar a ordem.

Todavia, no caso dos autos, mister que se reconheçaque a impetrante está inserida na situação de isenção daincidência da contribuição vergastada, conforme dispôs a própriaEmenda Constitucional nº 41.

Segundo o art. 1º, parágrafos 18º e 19º, da Emenda Constitucional nº 41/2003:

“§18. Incidirá contribuição sobre os proventosde aposentadorias e pensões concedidas peloregime de que trata este artigo que superem olimite máximo estabelecido para os benefíciosdo regime geral de previdência social de quetrata o art. 201, com percentual igual aoestabelecido para os servidores titulares decargos efetivos.§19. O servidor de que trata este artigo que tenha

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completado as exigências para aposentadoriavoluntária estabelecidas no §1º, III, a, e que optepor permanecer em atividade fará jus a um abonode permanência equivalente ao valor da suacontribuição previdenciária até completar asexigências para aposentadoria compulsóriacontidas no §1º, II”.

Como se percebe, a própria emenda constitucionalretirou do âmbito de aplicação da contribuição previdenciáriaaqueles valores de pensões ou aposentadorias que se igualemao limite máximo previsto no regime geral de previdência. Destaforma, somente os valores superiores ao valor previsto no art.201 da Constituição Federal é que serão tributados.

A impetrante comprova, através do ato deaposentadoria, publicado no DOU de 17.05.1999, bem comoatravés do seu contra-cheque (fls. 15 e 16), que sempre recebeuvalor menor do que o limite previsto para os benefícios do regimegeral de previdência social de que trata o art. 201, não podendo,por isso, receber a carga de descontos previdenciários.

Assim, senhor Presidente, sem querer alongar odebate, conquanto desnecessário, na esteia de entendimentoda nobre Procuradoria Geral de Justiça, concedo a segurança.

É o meu voto.

Fortaleza, 8 de fevereiro de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2005.0005.0513-9,Fortaleza - CEIMPETRANTE: José David Castelo PereiraLitisconsorte ativo: Luciano Ricardo dos SantosLitisconsorte ativo: Francisco José Alves Abreu

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Litisconsorte ativo: Eldimar Silva de SousaLitisconsorte ativo: Giovanni Mattos JúniorIMPETRADO: Secretário de Segurança Pública e DefesaSocial do Estado do CearáRELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIREDO FROTA

EMENTA: CONSTITUCIONAL. MANDADO DESEGURANÇA. INSCRIÇÃO EM CURSO DEFORMAÇÃO DE OFICIAIS DA POLÍCIA MILITAR.LIMITE DE IDADE. LIVRE ACESSO AOS CARGOSPÚBLICOS. RAZOABILIDADE E PROPOR-CIONALIDADE. LEGALIDADE. CONCESSÃO DASEGURANÇA.1 – O pleito dos Impetrantes para inscrição emCurso de Formação de Oficiais da Polícia Militardo Estado do Ceará tem respaldo constitucional.2 – O Edital do certame em questão, no que tangeao limite de idade para inscrição, fere osprincípios do livre acesso aos cargos públicos(art. 37, I e II, CF), da legalidade (art. 5º, II, CF), darazoabilidade e da proporcionalidade, por nãoter respaldo legal nenhum.3 – Ordem parcialmente concedida.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deMandado de Segurança Nº 2005.0005.0513-9 da Comarca deFortaleza, em que é impetrante José David Castelo Pereira,sendo litisconsortes ativos, Luciano Ricardo dos Santos,Francisco José Alves Abreu, Eldimar Silva de Sousa e GiovanniMattos Júnior e impetrado o Secretário de Segurança Públicae Defesa Social do Estado do Ceará.

ACORDA o Egrégio Tribunal Pleno desta Corte deJustiça, por maioria de votos, conceder parcialmente asegurança, deferindo-a em relação aos impetrantes José DavidCastelo Pereira, Luciano Ricardo dos Santos, Francisco JoséAlves de Abreu e Giovanni Mattos Júnior e denegá-la em relaçãoao impetrante Eldimar Silva de Sousa, nos termos do voto do

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desembargador Relator.Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de

liminar, impetrado por JOSÉ DAVID CASTELO PEREIRA,LUCIANO RICARDO DOS SANTOS, FRANCISCO JOSÉALVES DE ABREU, ELDIMAR SILVA DE SOUSA e GIOVANNIMATTOS JÚNIOR, contra ato coator do Sr. Secretário deSegurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará, queindeferiu suas inscrições no Curso de Formação de Oficiais daPolícia Militar do Estado do Ceará, de acordo com a regra editalícialimitadora da idade para o certame.

Analisando os requisitos autorizadores da medida,esta Relatoria concedeu a liminar pleiteada (fls. 69/72).

Após noticiadas (ofícios de fls. 75, 76 e 78), asautoridades impetradas deixaram transcorrer o prazo legal inalbis.

Com vistas à douta Procuradoria Geral de Justiça, oIlustre Representante Ministerial opinou pela concessão dasegurança (fls. 80/85).

Levado a julgamento na sessão do dia 23.11.2006, oeminente Desembargador Francisco Haroldo Rodrigues deAlbuquerque pediu vista dos autos, sendo adiado o julgamento(certidão de fl.92).

Na sessão do dia 07.12.2006, o desembargador quepedira vista na sessão passada mencionada, proferiu seu voto,partindo da mesma premissa adotada por esta Relatoria, noentanto, para denegar a segurança, asseverando que adiscriminação etária adotada pelo edital do concurso em análiseé plenamente justificável, dado o propósito da seleção respectiva,qual seja: a de escolher alunos para o Curso de Formação deOficiais da Corporação Militar Estadual. Antecipadamente, oEminente Desembargador Luiz Gerardo de Pontes Brígidomanifestou-se para acompanhar o voto-vista.

Na mesma sessão, este Relator, com fundamentono art. 80, §1°, do Regimento Interno desta Corte de Justiça,pediu vista dos autos para melhor exame.

Eis, em síntese, o breve relatório. Segue o voto.

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Em que pese a brilhante tese exposta pelo eminenteDesembargador Francisco Haroldo Rodrigues de Albuquerque,data maxima venia, ousamos dela discordar pelas mesmasrazões já apresentadas na primeira sessão de julgamento destemandamus.

Cumpre, de plano, ressaltar que a discriminaçãoadotada pelo edital do concurso em análise não é justificávelpela finalidade da seleção, como aduziu o Relator do voto-vista.Em verdade, não defendemos que possa haver uma fixação delimite etário para ingresso na carreira militar por parte do PoderJudiciário. A limitação etária é de ordem legal, ou seja, há umparâmetro definido em lei para inscrição no Curso de Oficiais daPolícia Militar do Ceará e é este que deve ser observado. Emmomento algum, pregamos a substituição ou a sobreposiçãoda vontade do Poder Executivo pelo Poder Judiciário.

Por esse motivo, acatamos a argumentação doImpetrante de que houve afronta por parte do edital ao princípioconstitucional da legalidade, com fundamento nos incisos II eXIII do art. 5°; nos incisos I e II do art. 37 e no parágrafo 3°, incisoX, do art. 142, todos da Constituição Federal.

Dos dispositivos constitucionais retro-mencionados,pode-se entender, destarte, que o ingresso em cargos daAdministração Pública depende de previsão legal, sendo osrequisitos estabelecidos naquele comando normativo, ou seja,lei material.

No Estado do Ceará, a Lei nº 10.072, de 20 dedezembro de 1976, dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militaresdo Ceará. O ingresso na Polícia Militar está disciplinado em seuart. 10, in verbis:

Art. 10. O ingresso na Polícia Militar é facultado atodos os brasileiros, solteiros, ou viúvos, semfilhos e com idade inferior a 22 anos na data dainscrição, sem distinção de raça ou de crençareligiosa, mediante inclusão, matrícula ou nomeação,observadas as condições previstas em lei e nos

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regulamentos da Corporação. (grifamos)

Como a referida lei estadual dispõe sobre o limitemáximo de idade para o ingresso na Polícia Militar do Estado doCeará, esta não se aplica ao caso dos impetrantes que já sãomilitares, pois estes já integram a corporação. Entretanto, comrelação ao Impetrante Eldimar Silva de Sousa, que ainda éestudante e não militar, o referido limite legal é inteiramenteaplicável.

Com relação aos outros impetrantes (José DavidCastelo Pereira, Luciano Ricardo dos Santos, Francisco JoséAlves de Abreu e Giovanni Mattos Júnior), o Decreto Estadual nº9.692, de 13 de janeiro de 1972, prevê a idade máxima de 30(trinta) anos dos candidatos militares, no ato da inscrição, aoCurso de Formação de Oficiais da PM/CE, conforme art. 13,§1º, II, “a”. Eis, portanto, o limite legal – constitucionalmenteamparado – para inscrição dos militares impetrantes no referidocertame.

Com efeito, resta configurada a ilegalidade e ainconstitucionalidade do disposto na cláusula 5.1.1 do Edital parao Curso de Formação de Oficiais da PM/CE, no que tange aorequisito etário para inscrição no referido certame. Isto porque oreferido edital não poderia restringir a idade de ingresso no cursode oficiais em 27 (vinte) anos, em evidente afronta ao critérioetário legal estabelecido no Decreto Estadual n°. 9.692/72pertinente à carreira militar estadual, ou seja, 30 (trinta) anos.

Tal entendimento, como já ressaltado no voto daprimeira sessão de julgamento, vem plenamente embasado emvários escólios pretorianos:

STF: “RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade.Concurso público para policial militar. Limitação deidade. Edital que fixa idade limite para o ingresso nacorporação, o que a Lei ordinária (L. 7.289/84), nãorestringiu. Jurisprudência assentada.(...)” (RE-AgRn°.307.112/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, julg.em 02.05.2006, DJ de 25.05.2006, p.17)

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STF: “EMENTA: Policial Militar do Distrito Federal:concurso público: limite de idade: restrição nãoprevista em lei ordinária (L. 7.289/84), não cabendoao edital limitar o que a lei não restringiu:precedentes.” (RE-AgR n°.327.784/DF, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, julgado em 07.12.2004, 1ªTurma, DJ de 18.02.2005, p. 26)

STF: “CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRA-ORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. CORPO DEBOMBEIROS MILITAR DO DISTRITO FEDERAL.LIMITE DE IDADE. LEI 7.289/84. I. - Não pode o editallimitar o que a lei não restringiu. Precedentes. II. -Agravo não provido”. (AI-AgR n°.523.254/DF, Rel.Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, julgado em 20.09.2005,DJ de 14.10.2005, p. 16)

TJRS: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAMENECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA.CONCURSO PÚBLICO. BRIGADA MILITAR.SOLDADO. LIMITE DE IDADE. LEI ESTADUAL Nº12.307/05. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. Não háilegalidade no Edital que estabeleceu limite de idadepara ingresso na função pública, quando esse estáamparado por Lei, inexistindo inconstitucionalidadeno ato. Princípio da razoabilidade observado, dianteda natureza da atividade a ser desenvolvida noexercício da função. APELAÇÃO PROVIDA.REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADO.”(Apelação e Reexame Necessário Nº 70016553299,Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 21/09/2006)

TJMT: “Inobstante seja o edital o estatuto de regênciado concurso, deve estar em harmonia, no planohierárquico-normativo, com o texto da Constituição

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Federal com os estatutos legais, estando, dessaforma, sempre vinculado à lei que dispõe sobre oprocesso seletivo e sobre as qualificações para acategoria funcional específica, não podendo fugir deseus limites, sob pena de violação ao princípio dalegalidade inerente aos atos administrativos. (TJMT,3ª Câm. Cível, Rel. Leônidas Duarte Monteiro, Ap.Cível n°.45936/2003, julg. 11.08.2004)

Resta evidente da jurisprudência ora colacionada queo edital (norma subalterna) não pode contrariar a lei, sob penade ofensa ao princípio da legalidade.

Mister, ainda, analisar o acórdão mencionado peloeminente Desembargador do voto-vista (Recurso Extraordinárion° 197.479/DF, da 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Octávio Galloti,julgado no dia 04.04.2000), o qual serviu como fundamentojurisprudencial de sua tese:

“EMENTA: Não é inconstitucional a imposição delimite máximo de idade, para ingresso de praça,nos quadros de Corpo de Bombeiros Militar (CF,art. 42, §§ 9º e 11, no texto original) À primeira vista, a citada decisão parece atender a

tese exposta pelo Eminente Desembargador do voto-vista.Contudo, analisando detidamente o relatório e o voto do referidorecurso extraordinário, percebe-se que naquele caso o edital e alei estavam consoantes nos limites de idade para ingresso noCorpo de Bombeiros Militares do Distrito Federal, o que não é ocaso dos presentes autos. Em passagem do mencionadoacórdão, infere-se:

“Consoante bem fundamentado na sentençaapelada, às fls. 54, o edital do certame, comsuporte nos Decretos 7.738/82 e 11.940/89,regulamentadores do art. 10, da Lei 7.479/86,exigiu, licitamente: “III – possuir no máximo 24

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anos e 6 meses de idade na data da sua inclusão;(...)” (grifo e destaque nosso)

No caso sub judice, ao contrário do mencionado najurisprudência citada acima, o edital está dissonante com oDecreto Estadual n°.9.692/72 para inscrição dos militares noCurso de Oficiais da PM/CE, o que, reitero, é uma afronta aoprincípio constitucional da legalidade.

Portanto, são pertinentes as alegações dosImpetrantes quanto à inconstitucionalidade da cláusula 5.1.1 doEdital nº 001/2005 em apreço que limita à idade de 27 anos parao ingresso no Curso de Formação de Oficiais da PM/CE,porquanto ofendem os princípios constitucionais darazoabilidade, da proporcionalidade e da legalidade, notadamentequanto ao livre acesso aos cargos públicos e ao livre exercícioprofissional.

Desta feita, quanto aos impetrantes José DavidCastelo Pereira, Luciano Ricardo dos Santos, Francisco JoséAlves de Abreu e Giovanni Mattos Júnior, todos militares,CONCEDO A SEGURANÇA para o único fim de garantir suasinscrições no Curso de Formação de Oficiais da PM/CE, comfundamento no art. 5º, II e IX; art. 37, I e II; art. 142, §3º, X, todosda Constituição Federal, bem como no art. 10 da Lei nº 10.072,de 20 de dezembro de 1976 (Estatuto da Polícia Militar do Ceará),e no art. 13 do Decreto Estadual nº 9.692, de 13 de janeiro de1972, confirmando assim a liminar anteriormente concedida.

Quanto ao impetrante Eldimar Silva de Sousa,estudante não militar, DENEGO A SEGURANÇA, devido ao limitede idade para o ingresso na Polícia Militar do Estado do Ceará,qual seja, 22 (vinte e dois) anos, com fundamento no art.10 daLei nº 10.072, de 20 de dezembro de 1976.

Diante do exposto, reitero nosso voto, emconsonância parcial com o parecer da douta Procuradoria Geralde Justiça e em dissonância ao voto-vista do EminenteDesembargador Francisco Haroldo Rodrigues de Albuquerque.

Fortaleza, 1º de fevereiro de 2007.

AÇÃO RESCISÓRIA

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ação Rescisória n. 2000.0014.9876-3Autor: Manoel Cordeiro de FreitasRéu: Marcos Antônio Vieira SousaRelator: Des. Rômulo Moreira de Deus

ACÓRDÃOAção Rescisória. Ação de Reparação de Danospor Acidente de Veículo. Rito Sumaríssimo(vigente à época). Ausência de Apresentação deContestação na Audiência. Alegação de que ojulgador não oportunizou a manifestação do réuapós o encerramento da prova pleiteada peloautor. Inocorrência. Acórdão desta Corte deJustiça que manteve o Julgado. Improcedênciado Pleito Rescisório.I - A hipótese de encerramento das provas emaudiência sem que tenha havido irresignaçãoexpressa e formal da própria parte, não seenquadra dentre as hipóteses do art. 485, III e Vdo C.Pr.Civ.II - Inocorrência de maltrato ao contraditório e àampla defesa.III - Ademais, à época, contra a decisão deencerramento das provas na audiência caberiarecurso de agravo, vedado, pois, revolvermatéria preclusa, posto não ser a rescisóriasucedâneo recursal.IV - Precedentes desta Corte de Justiça (TJCE –AR 2000.0014.5185-6/0, Rel. Des. Francisco HugoAlencar Furtado, julgado em 30.09.2003).V - Ação rescisória improcedente.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de

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Ação Rescisória nº 2000.0014.9876-3, em que é autor ManoelCordeiro de Freitas e Réu Marcos Antônio Vieira Sousa.

Acordam os Desembargadores integrantes dasCâmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado doCeará, por unanimidade de votos, julgar improcedente a açãorescisória.

Adota-se o relatório de f. 71-74, na forma regimentaldo art. 88, § 4o.

A ação rescisória em trato visa desconstituir oacórdão proferido pela egrégia Segunda Câmara Cível desteSodalício que, em grau de recurso, manteve incólume a sentençaproferida na ação de reparação de danos por acidente de veículo.

Cinge-se o pleito rescisório ao fato de, segundo oAutor, não lhe haver sido oportunizado o contraditório quando doencerramento das provas na audiência de instrução e julgamento.

Atribuiu o Demandante ao contido no termo deaudiência (f.15) a prova maior do maltrato ao direito de se oporao encerramento da prova.

Constata-se a presente ação não se enquadra emquaisquer das hipóteses invocadas pelo Autor, quer quanto àalegação de dolo da parte vencedora (CPC, art. 485, III), querquanto à violação literal de lei pela sentença e pelo acórdão (CPC,art. 485, V).

Ao revés, o termo de audiência acostado peloPromovente (f. 15), demonstra tão-só o seu assentimento como término da dilação probatória, não podendo o acórdão queratificou a sentença ser rescindido em decorrência do silênciodo próprio réu, mormente, por não haver apresentado defesaem audiência prevista no rito sumaríssimo vigente à época.

Ressalte-se que é ônus da parte impugnar, atravésdos meios e recursos existentes, a decisão que de qualquer modolhe cause prejuízos.

No caso vertente, inconformado com a conduta daMagistrada que não lhe oportunizara a manifestação, competiaao Autor externar seu inconformismo na própria audiência ou, noprazo legal, mediante a interposição de agravo.

A inércia acima mencionada encerra preclusão lógica

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cujo ato omissivo do réu, autor desta rescisória, demonstraincompatibilidade com quem se conformou com a decisãojudicial proferida em audiência.

Acerca da importância do regime das preclusõesno Código de Processo Civil, de modo a permitir que o processoalcance sua finalidade primordial - a sentença - o magistério deAntônio Alberto Alves Barbosa e Antônio Cezar Peluso, verbis:

“A preclusão constitui, sem dúvida, uma garantia doprocesso; força as partes litigantes e o juiz aacompanharem-no com diligência, praticando osatos processuais nas fases e momentos oportunos.É, em uma palavra, uma imperativo da ordem e dadisciplina processuais. Encarna o princípio da auto-responsabilidade de que fala Riccio, segundo o qualarcarão as partes com as conseqüênciasdesvantajosas que lhes advirão no caso dedeficiência ou incauta conduta.” In Da preclusãoProcessual Civil, BARBOSA, Antônio Alberto Alves,com notas remissivas à legislação processualvigente por Antônio Cezar Peluso, p. 61, 2ª edição,revista e atualizada, Editora Revista dos Tribunais.

Dessa opinião partilha o festejado jurista HumbertoTheodoro Júnior:

“Todos os prazos processuais, mesmo os dilatórios,são preclusivos. Portanto, “decorrido o prazo,extingue-se, independentemente de declaraçãojudicial, o direito de praticar o ato” (art. 183). Opera-se, para o que se manteve inerte aquele fenômenoque se denomina preclusão processual. (...)Preclusão lógica: é a que “decorre daincompatibilidade entre o ato praticado e outro quese queria praticar também”. Quem, por exemplo,aceitou uma sentença, expressa ou tacitamente, nãomais poderá interpor recurso contra ela (art. 503).”

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In Curso de Direito Processual Civil, JÚNIOR,Humberto Theodoro, p. 468, 36ª edição, Vol. I, EditoraForense.

Ademais, não provou o Autor desta demanda haversuscitado a questão processual objeto da rescisória na apelaçãoque ensejou o acórdão rescindendo, o que de per si impediria adesconstituição do mesmo, visto ali ter tratado somente do méritoda condenação indenizatória e não de suposto error inprocedendo da Juíza.

Daí concluir-se que não houve irresignação do réu,ora autor, quer no azo da audiência quando da decisão deenceramento da dilação probatória ou no prazo para interposiçãode agravo, quer quando do manejo da apelação que ensejou oacórdão rescindendo, o que inviabiliza a propositura da açãorescisória ante a presunção de assentimento em face daflagrante preclusão lógica, corolário da segurança jurídica e dodogma da coisa julgada.

Acresça-se ao exposto, estar evidenciado nos autosque a pretensão do autor é de natureza tipicamente recursalcomo bem enfatizou a Procuradoria de Justiça em seu bemlançado parecer (f.65-69), ora transcrito:

“A rescisória não é recurso apelatório, porque nãolhe compete reapreciar provas mal interpretadas,teses debatidas e vencidas, mas é uma açãoautônoma, independente da precursora, que sepropõe a rescindir sentença de mérito, transitada emjulgado nas hipóteses elencadas no art. 485, doCPC, quando ela contrariar o direito expresso equebrar a harmonia do ordenamento jurídico. O autor,no caso presente, fundou sua súplica nos itens III,dolo da parte vencedora e infringência de disposiçãoliteral de lei, V, do art. 485, do CPC.”

A ação rescisória não é sucedâneo recursal, comotêm reiteradamente decidido as Câmaras Cíveis Reunidas desta

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Corte de Justiça:

“Ação rescisória. É inidônea como forma de viarecursal, porquanto destinada a devolver ao tribunalo conhecimento da matéria impugnada, semespecificar a causa de pedir dentre as previstas peloartigo 485 do Código de Processo Civil. Ademais,não cabe ação rescisória para desconstituir julgadopertinente a matéria flagrantemente controvertida nostribunais (Súmula n° 343 do STF). Açãoimprocedente.” (TJCE – AR 2000.0014.5185-6/0, Rel.Des. Francisco Hugo Alencar Furtado, julgado em30.09.2003).

No mesmo sentido, trecho da ementa de acórdãoproferido pelo TJDF, verbis:

“A ação rescisória não se presta como sucedâneode recurso, para reforma de decisão, nem constituimeio de se corrigir pretendida justiça ou injustiça deum julgado. Não se deve perder de vista apreservação da coisa julgada, em respeito aoprincípio de sua imutabilidade e estabilidade, sendoa rescindibilidade do julgado a exceção.” (TJDF - AR2001.00.2.006261-6, Rel. Des. Jerônimo de Souza,Primeira Câmara Cível, julgado em 10.09.2003).

Incisava, também, neste sentido, a decisão doTribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, verbis:

“Ação Rescisória. Inexistência de qualquer máculano acórdão vergastado. Parte que busca sucedâneorecursal manifestamente descabido. Petição inicialindeferida. A ação rescisória não se presta a reabrirdiscussão já superada pelo manto da coisa julgada.Inexistindo mácula legalmente prevista, o caso é deindeferimento da inicial. Agravo regimental

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desprovido. Unânime.” (TJRS - Agravo Regimentaln. 70003301124, Rel. Des. José Aquino Flores deCamargo)

Não resta dúvida, pois, que a ação rescisória não sepresta a fazer às vezes de sucedâneo de recursos que sequerforam interpostos nos momentos oportunos, não tendo, ademais,havido qualquer incidência do art. 485, III e V, do C.Pr.Civ.,porquanto deveria ter se insurgido o réu na própria audiência ouvia recurso de agravo contra a decisão que encerrou a dilaçãoprobatória.

Ante o exposto, julga-se improcedente o pedidorescisório, posto não haver sido comprovado que a partevencedora tenha incorrido em dolo processual consubstanciadoem litigância de má-fé durante a tramitação da causa, tampoucoque o acórdão fora proferido com menosprezo ao modo e formaestabelecidos em lei.

Sem custas, por ser a parte vencida beneficiária dajustiça gratuita. E, observando-se o que dispõe o art. 12 da Lei1.060/51, os honorários advocatícios são fixados em 10% dovalor dado à causa.

Fortaleza, 25 de janeiro de 2005.

JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL

APELAÇÕES CRIME

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R. Jurisp. Trib. Justiça Est. Ceará, Fortaleza, v. 26, p. 279 - 333, 2008

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CRIME: N º 2001.0000.8952-3 - Barbalha-CE.APELANTE: REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.APELADO: GERMANO CÉSAR DANTAS.RELATOR: O EXMO. SR. DES. JOÃO BYRON DEFIGUEIRÊDO FROTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃOCRIME. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. TRIBUNALDO JÚRI POPULAR. DESCLASSIFICAÇÃO PARALESÃO CORPORAL. DECISÃO MANIFES-TAMENTE CONTRARIA À PROVA DOS AUTOS.DECISÃO ANULADA.Apelo deduzido objetivando a desconstituiçãodo decisum por julgamento manifestamentecontrário à prova dos autos. Inexistência deversão que respalde a sentença do ColegiadoPopular. Apelo provido para submeter o réu anovo Júri.Réu que, com arma branca e de fogo, produz trêsgraves ferimentos na vítima, quando esta já fugia,somente cessando a agressão com a mesma jáprostrada desfalecida, evidencia o animusnecandi, perpetrando, induvidosamente, ohomicídio tentado. Decisão anulada pararealização de outro julgamento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deApelação Crime nº 200l.0000.8952-3, da Comarca de Barbalha,neste Estado, na qual é apelante o Representante doMinistério Público e apelado Germano César Dantas.

ACORDA a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma,unanimemente, dar provimento ao recurso ministerial para, anular

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a decisão recorrida, submetendo o apelado a novo julgamento,em consonância com o parecer da douta Procuradoria Geral deJustiça.

Inconformado com a decisão do Tribunal do JúriPopular da Comarca de Barbalha, que desclassificou o delitoem que foi denunciado o réu Germano César Dantas, qualificadonos autos, do art. 121, § 2º, incisos I e IV, c/c o art. 14, inciso II,para o capitulado no art. 129, § 1º, inciso II, todos do CódigoPenal, tendo como vítima José Carlos da Silva, ocorrido no dia03 de setembro de 1996, no lugar Balneário do Caldas, daquelacidade e comarca, recorre o ilustre representante do MinistérioPúblico, alegando o decisum ter sido prolatado manifestamentecontra a prova dos autos.

Alinha, como substrato fático e jurídico às suasrazões, o réu, colega de trabalho da vítima, mas que com elativera acirrada discussão no dia anterior, no dia seguinte foi aoencontro do vitimado, já armado de revólver, efetuando contraeste vários disparos, o primeiro dos quais falhou, atingindo-o naregião das nádegas, quando este já fugia e, não satisfeito emproduzir a lesão, saiu-lhe no encalço e desferiu-lhe doisferimentos à faca, nas costas, após o que fugiu. Aduz astestemunhas que a tudo presenciaram, ajudaram a vítima a nãomorrer, levando-a ao hospital local.

Contra-arrazoando o apelo, em sucintas razões, oacusado alega o veredicto do Júri Popular estar totalmentecorreto, quando operou a desclassificação, não merecendoreproche senão na ocasião em que estabeleceu o juiz a pena dedois (02) anos e seis (06) meses de reclusão, uma vez quedeveria ter sido aplicado o regime de detenção e assimtransformada a pena em alternativa.

Encaminhados os lautos a esta Corte, foram elesremetidos à douta Procuradoria Geral da Justiça que, em parecerde fls. 165/170, opinou pelo provimento do apelo com aconseqüente anulação do julgamento e a realização de outro.

É o relatório.Merece êxito o intento recursal, manejado pelo

Parquet, amparado pela doutrina e por remansosa jurisprudência.

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Do exame detido dos autos, chega-se à inelutávelconclusão de que estão presentes, in casu, os elementos dohomicídio tentado vez que presentes no lamentável evento, oanimus necandi, os eficientes atos de execução, a idoneidadedos meios empregados para a consecução da meta optata e,ainda, a não consumação do resultado morte por motivos alheiosà vontade do agente, no caso o socorro pronto e eficaz à vítimapelas testemunhas, seu atendimento hospitalar e a resistênciafísica do ofendido que superou a gravidade dos graves ferimentosa ela infligidos, embora com seqüelas.

Com efeito, as testemunhas presenciais sãoassentes em relatar que após o desentendimento havido entreos protagonistas do fato de que se cuida, no dia aziago, o réusacou de seu revólver e atirou por três vezes na vítima, acertando-a quando esta já fugia e, não satisfeito com a lesão praticada,perseguiu-a e aplicou-lhe duas violentas facadas, uma na regiãoescapular esquerda e outra na região cervical posterior esquerda,resultando perigo de vida e incapacidade para ocupaçõeshabituais por mais de trinta dias, tudo conforme auto de examede corpo de delito de fls. 10/10 verso. Impõe-se ressaltar daslesões haver resultado intensa perda sangüínea por parte davítima bem assim lesões da bexiga e alças intestinais eperfuração pulmonar, conforme o laudo mencionado.

Testemunha presencial assevera:

“... que Germano sacou seu revólver e efetuou pelomenos dois disparos contra a vítima, mas no primeirodisparo a arma bateu catolé; Que a vítima saiucorrendo e o acusado alvejou-a pelas costas, destavez atingindo as nádegas; Que a vítima pondo a mãosob (sic) o ferimento continuou a correr e o acusadoa perseguiu agora de faca na mão; Que nãopresenciou as facadas que o acusado deu na vítimaporque logo após os disparos, saiu para buscar umcarro para socorrer o ferido e não presenciou aagressão final, mas ouviu falar por comentários daspessoas no lugar que o acusado alcançou a vítima e

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lhe desferiu uma facada...” (Antonio Vitorino deSouza, fls. 39/39 verso)

Essa versão casa-se perfeitamente com aapresentada pela vítima:

“..,Que o acusado começou a atirar no depoente eeste correu, mas perseguido e atingido por uma balapor traz, próximo ao quadril do lado esquerdo; Que odepoente tentou correr para uma das portarias epular a cerca, mas não conseguiu por conta doferimento recebido; Que o depoente virou-se e tentoucair para puxar as pernas do seu perseguidor, masno momento em que caiu foi atingido por uma facadano seu pescoço, pelo lado esquerdo da nuca; Que odepoente tentou se manter de pé mas não conseguiu,caindo prostrado ao solo enquanto Germano fugia...”(José Carlos da Silva, fls. 41/41 verso).

Nesse momento ressalta-se que a testemunhapresencial José Edinaldo de Almeida, inquirida na instância policial(fls. 16/17) inexplicavelmente não o foi em juízo, mas suasdeclarações são também acordes com a da outra cujos trechostranscrevemos bem como com as da vítima.

Relativamente ao crime tentado, prelecionamrenomados mestres, verbis:

“È a execução iniciada, que não se consuma porcircunstâncias alheias à vontade do agente. Éconceito extraído do art. 14, II, do Código Penal, aodeterminar que o crime se diz tentado, “quando,iniciada a execução não se consuma, porcircunstâncias alheias à vontade do agente”. (InCódigo Penal Anotado. Damásio E. de Jesus.Editora Saraiva, 7ª edição, pág. 41).

“...e a realização incompleta da conduta típica, que

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não é punida como crime autônomo. (...) Preferiu-se usar uma forma de extensão, ou seja paracaracterizar a tentativa de homicídio, não se encontraprevisão expressa da Parte Especial. Nesse caso,aplica-se a figura do crime consumado emassociação com o disposto no art. 14, inciso II, daParte Geral. Portanto, o crime tentado de homicídioé a união de” matar alguém” com o “início deexecução, que não se consumou por circunstânciasalheias à vontade do agente”. Pode-se ler: quempretendendo eliminar a vida de alguém dando inícioà execução, não conseguiu o resultado morte,praticou uma tentativa de homicídio.” (In CódigoPenal Comentado. Guilherme de Souza Nucci.Editora Revista dos Tribunais, 4ª edição, pág. 120)

A jurisprudência, de sua parte, pontifica sobre o crimetentado:

“Tentativa – Caracterização – Argumento formuladopelo réu de que, por ter habilidade com arma de fogo,atirou somente para ferir – Afirmação que corroboracom a existência de dolo eventual na prática do crime”(TRF 5ª Reg. –RT 825/724).

“Tentativa – Pronúncia Conversão do julgamento emdiligência, visando a juntada de laudo de exame decorpo de delito – Desnecessidade – Prova daslesões da vítima que, na hipótese, não é essencial,porque, ainda que os tiros não a tivessem atingido,restaria evidenciada a intenção homicida” (TJSP –RT 825/566).

No caso, como vimos Através da doutrina e dajurisprudência mais abalizada o Colegiado Popular da Comarcade Barbalha decidiu manifestamente contra a prova dos autosdesclassificando para lesão corporal evidente tentativa de

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homicídio, caracterizado por todos os elementos integrativos desua definição legal, impondo-se a anulação do julgado, para queoutro se realize com observância dos parâmetros legais atinentesà espécie.

Nesse sentido é o comando dos escólios pretorianos:

“A decisão do Júri somente comporta Juízo dereforma, que desatende ao respeito devido àsoberania de seus pronunciamentos, quandomanifestamente contrária à verdade apurada noprocesso, representando distorção da função dejulgar” (RT 642/287).

“É pacífico que o advérbio manifestamente (III, d) dábem a idéia de que só se admite seja o julgamentoanulado quando a decisão do Conselho de Sentençaé arbitrária, porque se dissocia integralmente daprova dos autos” (RT 526/442).

Diante do exposto, entendo o corpo de jurados haverdecidido em dissonância com o conjunto probatório, vale dizer,manifestamente contra as provas dos autos, merecendoreproche.

Isto posto, dá-se provimento ao recurso ministerialpara, anulando o veredicto, submeter o acusado a novojulgamento, nos termos do parecer da douta Procuradoria Geralda Justiça.

Fortaleza, 12 de março de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2002.0005.9724-1 APELAÇÃO CRIMECOMARCA: SOBRAL

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APELANTE: FRANCISCO ARAÚJO GOMESAPELADA: A JUSTIÇA PÚBLICARELATOR: DES. RDO. EYMARD RIBEIRO DE AMOREIRA

EMENTA: CONSTITUCIONAL – TRIBUNAL DOJÚRI - CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA –APELAÇÃO CRIME – COM ESPEQUE NO ART.593, III, LETRA “D”, DO CPP. REGIME INICIALDE CUMPRIMENTO DA PENA TRANSMUDADOA LUZ DA LEI Nº 11.464/07 – (NOVATIO LEGIS INMELLIUS).1. O grupo comandado pelo apelante, com seuprocedimento de surgir ex abrupto,surpreendendo a vítima, agindo pelo vil instintode vingança pelas desavenças passadas, tendoagarrado a vítima, juntamente com seus iguais,de molde a dificultar qualquer meio de recursopara sua sobrevivência, indisfarçavelmente fezrecair em sua conduta, simultaneamente, asqualificadoras do motivo torpe e do emprego derecurso que impossibilitou a defesa da vítima,previstas nos incisos I e IV, do § 2º do art. 121, doCPB, acolhidas com propriedade pelo CenáculoPopular da vara de origem. Nessa parte,improvido o apelo.2. Quanto ao regime de cumprimento da pena, amesma deve ser revista, à luz da vigênciaimediata da Lei nº 11.464/2007, que deu novaredação ao art. 2º da Lei nº 8.072/90,comportando para a hipótese, a aplicação doprincípio da retroatividade mais benéfica por setratar de direito material penal e de execuçãopenal, previstos no art. 5º, XL, da CartaRepublicana e art. 2º, parágrafo único, do CódigoPenal Nacional.3. Assim é que, dou provimento parcial ao apelopara, transmudar o cumprimento da pena do

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apelante para inicialmente fechado, por ser maisbenéfico (novatio legis in mellius) com aplicaçãodo § 2º, do art. 2º, da referida lei, ou seja, 2/5(dois quintos) da pena cumprida, em face de seusantecedentes, desde que, preenchidos osdemais requisitos do art. 112 da Lei de ExecuçãoPenal, a serem analisados pelo Juízo dasExecuções Criminais, no momento da concessãodo deslizamento para a meia liberdade.4. Decisão unânime.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deapelação crime, nº 2002.0005.9724-1, de Sobral, em que éapelante Francisco Araújo Gomes e apelada a Justiça Pública.

Acorda a Turma, por unanimidade de votos, emconhecer do apelo, mas para lhe dar parcial provimento, nostermos do voto do Relator.

Francisco Araújo Gomes, qualificado nos autos,interpôs o presente apelo visando rescindir decisão do Conselhode Sentença do Tribunal do Júri da comarca de Sobral que ocondenou, por sentença, a uma pena de 16 (dezesseis) anos e06 (seis) meses de reclusão, em regime integralmente fechado,por infração ao art. 121, § 2º, I e IV, c/c art. 29, do Código PenalNacional.

O fato subjacente a esta decisão, ocorreu no dia 13de setembro de 2002, por volta das 23h45min, no bairro SinháSabóia, nas proximidades do Clube Modestão, quando oapelante, na companhia de terceiros, todos integrantes dagangue conhecida como “Os Mutantes”, a golpes de faca, abateua vítima Francisco Robson Balica Sampaio, conforme testifica oauto de exame cadavérico de fs.19.

Persegue o apelo, a nulificação do veredicto popular,sob a alegativa da não ocorrência das qualificadoras do “motivofútil” e do recurso que impossibilitou a defesa da vítima, além decontestar a fixação do regime da pena em integralmente fechado(fs.131/135).

Contra-razões da parte ex-adversa às fs.136/139,

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requerendo a confirmação da decisão recorrida.Parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça às

fs.146/153, opinando pelo improvimento do apelo.É o relatório.Versa a hipótese dos autos sobre mais um crime de

morte perpetrado por gangueiros, desta feita teve como vítima apessoa de Francisco Robson Balica Sampaio, morta com nadamenos de 10 (dez) facadas.

A defesa do apelante obtempera neste recurso apossibilidade desta Corte de Justiça desconstituir a decisão doTribunal Júri para dar lugar a um novo julgamento, a pretexto deque o Conselho de Sentença, ao acolher as qualificadoras da“futilidade” e do uso de recurso que tornou impossível a defesada vítima, decidiu contra a prova dos autos.

No fatídico dia de que trata a denúncia, a vítimacompareceu a uma seresta próximo ao Clube Modestão, nomunicípio de Sobral, sem supor que a emboscada estavapreparada para pô-lo em sossego definitivamente. Fato é que,como existia uma relação de animosidade entre o apelante e avítima, já tendo esta tentado contra a vida de “Chiquim”, como éconhecido o apelante, foi cercada pelo grupo de malfeitores,iniciando-se uma série de agressões a chutes e socos contra ainfeliz criatura, que tentou ainda, inutilmente, arremessar umagarrafa na direção do Chefe da Gangue. A vítima foi derrubadaao chão e massacrada pelo grupo com nada menos de que 10(dez) facadas.

Como se vê, a pretensão recursal posta em debatenão merece vingar ante a total inconsistência das premissasem que se acostara. Observe-se que o apelo se referiuinsistentemente em futilidade, quando na verdade, a vítima foiexecutada por motivo torpe, na modalidade vingança e uso derecurso que tornou impossível a sua defesa, nos devidos termosdo discernimento do Conselho de Sentença.

Com efeito, na espécie, o grupo comandado peloapelante, com seu procedimento de surgir ex abrupto,surpreendendo a vítima, agindo pelo vil instinto de vingança pelasdesavenças passadas, tendo agarrado a vítima, juntamente com

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seus iguais, de molde a dificultar qualquer meio de recurso parasua sobrevivência, indisfarçavelmente fez recair em sua conduta,simultaneamente, as qualificadoras do motivo torpe e doemprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima,previstas nos incisos I e IV, do § 2º do art. 121, do CPB, acolhidascom propriedade pelo Cenáculo Popular da vara de origem, senãovejamos:

A confissão detalhada do apelante, se bemexaminada, apenas revela ter sido a vítima assassinada pormotivo torpe, consistente na vingança, na medida em que oapelante confessou que matou seu desafeto porque aquele, hádez dias, a golpes de punhal, tentou contra sua vida,concretizando-se, assim, a vingança, nesse sentido, verbis:

“A vingança, o ódio reprimido, que levam oagente à prática do crime, configuram o motivotorpe a que alude o art. 121, § 2º, I, do CP” (TJSP– Rec.Rel. Weiss de Andrade – RT 560/323).

E mais, a circunstância qualificadora que dificultoua defesa da vítima e resultou induvidosamente comprovada nosautos, visto que a vítima foi cercada e agredida pelo grupo, quenão lhe oportunizou qualquer gesto eficaz de defesa. Nestesentido, pacífico é o entendimento do Tribunal de Justiça doEstado de São Paulo, verbis:

“Nos casos indicados em o nº IV, do art. 121, §2º, do CP, o que qualifica o homicídio não é omeio escolhido ou usado para a prática do crime,e, sim o modo insidioso com que o agente oexecuta, empregando para isso, recurso quedificulte ou torne impossível a defesa” (TJSP -Rec. Humberto da Nova - RJTJSP 20/365).

À luz do exposto, nesta parte, nego provimento aoapelo.

Quanto ao regime de cumprimento da pena, amesma deve ser revista, à luz da vigência imediata da Lei nº

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11.464/2007, que deu nova redação ao art. 2º da Lei nº 8.072/90,comportando para a hipótese, a aplicação do princípio daretroatividade mais benéfica por se tratar de direito material penale de execução penal, previstos no art. 5º, XL, da CartaRepublicana e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal Nacional.

Assim é que, dou provimento parcial ao apelo para,transmudar o cumprimento da pena do apelante parainicialmente fechado, por ser mais benéfico (novatio legis inmellius) com aplicação do § 2º, do art. 2º, da referida lei, ouseja, 2/5 (dois quintos) da pena cumprida, em face de seusantecedentes, desde que, preenchidos os demais requisitosdo art. 112 da Lei de Execução Penal, a serem analisados peloJuízo das Execuções Criminais, no momento da concessão dodeslizamento para a meia liberdade.

É como voto.

Fortaleza, 12 de junho de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CRIME Nº: 2002.0007.2245-3, DE FORTALEZAAPELANTE: O REPRESENTANTE DO MINISTÉRIOPÚBLICOAPELADO: ANTONIO CLAUBERTO BORGES ALÍBIORELATOR: DES. FRANCISCO HAROLDO RODRIGUES DEALBUQUERQUE

EMENTA: APELAÇÃO CRIME. FURTO. REFORMADA SENTENÇA PARA RECLASSIFICAÇÃO DACONDUTA DELITVA COMO ROUBO.SIMULAÇÃO DE ARMA DE FOGO. I- A reforma dasentença absolutória afigura-se necessária,posto que a subtração da res furtiva foi cometidamediante grave ameaça. II- A simulação de arma

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de fogo constitui elemento idôneo paraconfigurar grave ameça no delito de roubo, jáque suficiente para produzir temor na vítima,revelado com a entrega da res. Recurso provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deapelação-crime, acorda a Turma Julgadora da Primeira CâmaraCriminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, semdivergência de votos, conhecer do recurso, por ser próprio etempestivo, para conceder-lhe provimento, tudo nos termos dovoto do relator.

Antônio Clauberto Borges Alíbio, qualificado nosautos, foi denunciado pelo representante do Ministério Públicocom atuação na 13° Vara Criminal da Comarca de Fortaleza,como incurso nas sanções do art. 157, caput, do Código Penalbrasileiro, sob o argumento de ter o mesmo, no dia 12 de julhode 1998, por volta das 18:00 horas, no interior do ônibus quefazia a linha Grande Circular II, da empresa Montenegro, nasproximidades da Avenida Perimetral, executando gestos de quemportava uma arma de fogo, subtraído do cobrador - OsórioCavalcante de Sousa - a quantia de R$ 38,00 (trinta e oito reais),que correspondia a todo o dinheiro arrecadado naquele dia e,ainda, 59 (cinquenta e nove) vales-transporte.

O acusado, depois de citado, compareceu em juízoe foi interrogado, oportunidade em que, embora tenha confessadoa autoria delitiva, destacou que não estava armado, tendo sidoapresentado, no prazo legal, defesa prévia.

Efetivada a instrução criminal e apresentadas asalegações finais, sobreveio a sentença de fls. 77/80, na qual ojuiz sentenciante, julgando parcialmente procedente a denúncia,condenou o acusado, tão somente, à pena de multa, no valor de02 (dois) salários mínimos, vigentes à época do crime, porinfração ao art. 155, c/c o art. 14, inciso II, ambos do CódigoPenal Brasileiro.

Irresignado com a sentença proferida pelomagistrado singular, a Promotoria Pública interpôs o presenterecurso de apelação, onde pugnou, em síntese, pela condenação

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do acusado pelo crime tipificado no art. 157, c/c o art. 14, incisoII, ambos do CPB.

O réu, ao apresentar as contra-razões de fls. 93/98,postulou pela manuntenção da sentença vergastada.

Remetidos os autos a esta Corte de Justiça, foramcom vista à douta Procuradoria Geral da Justiça, que, no parecerde fls. 110/112, manifestou-se pelo provimento do presenterecurso.

Consta, à fl. 120, termo de redistribuição a esterelator.

É o relatório.O órgão ministerial, nas razões recursais, postulou

pela condenação do acusado pelo crime de roubo, na sua formatentada, haja vista que o acusado, ao anunciar o assalto, agiumediante grave ameaça, no que, seguramente, lhe assiste razão.

O certo é que os elementos de convicção insertosnos fólios conduzem à certeza da autoria e da materialidade docrime, isso porque, além de o próprio acusado ter confessadoque praticou o crime a ele imputado na denúncia, o depoimentoda vítima, prestado de forma isenta e categórica, é incisivo nosentido de deixar bastante claro que o réu, fazendo menção deestar armado, anunciou o assalto e subtraiu da mesma todo odinheiro arrecadado naquela dia e os vales-transportes,pertencentes a empresa de ônibus. Senão, vejam-se importantestrechos das declarações da vítima, bem como do acusado, emjuízo:

(...); o acusado levantou-se, aproximou-se dodeclarante e anunciou que era uma assalto, estandonesta ocasião com a mão por debaixo da blusa,fazendo crer que estaria com uma arma; Que odeclarante sentiu-se obrigado a entregar o dinheiroapurado e os vales-transportes, (...);Que reconheceo acusado aqui presente como sendo o autor desseassalto;(...); Que o acusado ainda ameaçou odeclarante para entregar o dinheiro apurado, sob penade dar um tiro na boca do respondente;(...).

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(Declarações prestada pela vítima Osório Cavacantede Sousa Neto, às fls. 52/53).

(...); Que são verdadeiros os fatos narrados nadenúncia, com exceção da afirmativa de ter ointerogando parado numa lanchonete, e, ter pedidoproteção ao proprietário da referida lanchonete;(...);Que o interrogando ainda tinha em seu poder odinheiro e os vales-transportes surrupiado dotrocador do ônibus da empresa, que tanto o dinheiroquanto os vales que ainda se encontravam em poderdo interrogando, foram devolvidos à empresa;(...).(Declarações prestadas pelo acusado AntônioClauberto Borges Alíbio, à fl. 32v.).

Diga-se, mais, que a prova da autoria e damaterialidade do crime também estão evidenciadas pelo autode apresentação e apreensão de fl. 12 e pelos depoimentos dospoliciais militares, que prenderam o réu em flagrante. Senão,observe-se:

(...); Que dentro do bolso do acusado foramencontrados vales-transportes e a renda do ônibusque ele acabara de assaltar. Que não se lembra daquantia levada pelo acusado. Que o cobrador faloupara o depoente que o acusado colocou a mão pordentro da blusa como se tivesse um revólver, noentanto nenhuma arma foi encontrada em poder domesmo no momento de sua prisão; (...). (Depoimentoprestado por Paulo Sérgio Carvalho Silva, às fls. 47/48).

Destaque-se que a palavra coerente da vítima, emcrimes patrimoniais, assume relevante importância naidentificação do infrator, principalmente sendo ela pessoa idônea,que não conhecia o réu e não tinha qualquer motivo para acusar,injustamente, uma pessoa inocente.

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Nesse sentido, convém colacionar as seguintesdecisões:

PROVA. ROUBO. PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR.Em termos de prova convincente, a palavra davítima, evidentemente, prepondera sobre a do réu.Esta preponderância resulta do fato de que umapessoa, sem desvios de personalidade, nunca iráacusar desconhecido da prática de um delito, quandoisto não ocorreu. E quem é acusado, em geral,procura fugir da responsabilidade de seu ato.Portanto, tratando-se de pessoa idônea, semqualquer animosidade específica contra o agente, nãose poderá imaginar que ela vá mentir em Juízo eacusar um inocente. Na hipótese, os recorrentesforam reconhecidos pelas vítimas como co-autoresdo roubo. Suas declarações, ainda, encontramrespaldo na confissão feita pelo co-apelante, ao serinterrogado em juízo, onde, inclusive, fez a chamadade co-réu em relação ao outro acusado. (...).DECISÃO: Apelos defensivos desprovidos.Unânime. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,Apelação Crime nº 70014723373, Sétima CâmaraCriminal, Relator: Sylvio Baptista Neto, julgado em04/05/2006).

ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO. USO DEARMA E CONCURSO DE AGENTES.DESCLASSIFICAÇÃO PARA MODALIDADETENTADA SIMPLES. PROVA. PALAVRA DAVÍTIMA. PENA. REINCIDÊNCIA. REGIME DECUMPRIMENTO. MULTA DO TIPO. CUSTASPROCESSUAIS. Prova. Palavra da vítima. Em setratando de delito patrimonial cometido às ocultas, apalavra da vítima, associada ao reconhecimentorealizado em juízo, acrescida, ainda, dos

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depoimentos dos policiais que efetuaram a prisãoem flagrante e confissão espontânea de um dos co-réus, é suficiente à condenação. Prova segura daprática do crime imputado. (...). APELOIMPROVIDO. (Tribunal de Justiça do Rio Grande doSul, Apelação Crime nº 70013332333, SétimaCâmara Criminal, Relator: Marcelo Bandeira Pereira,julgado em 22/12/2005).

Como se pode verificar dos relatos acimatranscritos, o acusado, ao anunciar o assalto, fez gestos de queestaria armado, causando, inquestionavelmente, temor à vítima,fazendo com que a mesma, de imediato e sem resistência,entregasse ao mesmo a res furtiva. Assim, não se faz necessárioa posse efetiva de arma de fogo para o enquadramento do fatoao regramento normativo no caso em tela, posto que tal atitudefoi suficiente para concretização do objetivo do agente.

Sobre o assunto, destaque-se as decisões que seseguem:

EMENTA: PROVA. ROUBO. PALAVRA DA VÍTIMA.VALOR GRAVE AMEAÇA. SIMULAÇÃO DOPORTE DE ARMA. DELITO CARACTERIZADO.Em termos de prova convincente, a palavra davítima, evidentemente, prepondera sobre a do réu.Esta preponderância resulta do fato de que umapessoa, sem desvios de personalidade, nunca iráacusar desconhecido da prática de um delito, quandoisto não ocorreu. E quem é acusado, em geral,procura fugir da responsabilidade de seu ato.Portanto, tratando-se de pessoa idônea, semqualquer animosidade específica contra o agente, nãose poderá imaginar que ela vá mentir em Juízo eacusar um inocente. Na hipótese, a vítima informouque foi ameaçada pelo recorrente e seus comparsaspor uma arma de fogo ou simulando-se o seu porte.

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Mesmo no segundo caso, o roubo está configurado,pois esta simulação tem a idoneidade de intimidar,de incutir medo, diminuindo ou eliminando aresistência da vítima, como prevê o tipo penal doart. 157 do Código Penal. DECISÃO: Apelo defensivodesprovido. Unânime. (Apelação Crime Nº70015857402, Sétima Câmara Criminal, Tribunal deJustiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgadoem 10/08/2006).

EMENTA: APELAÇÃO-CRIME. ROUBO.DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO. GRAVEAMEAÇA. INVIABILIDADE. A caracterização dagrave ameaça a informar o delito como roubo,prescinde do emprego de arma ou de força física,bastando o caráter intimidativo, presente nasimulação de porte de arma de fogo a inibir qualquerpossibilidade de resistência da vítima. Negaramprovimento. Unânime. (Apelação Crime Nº70013598420, Oitava Câmara Criminal, Tribunal deJustiça do RS, Relator: Roque Miguel Fank, Julgadoem 25/01/2006).

Assim, uma vez demonstrado que o acusado, aoanunciar o assalto ao trocador da empresa de ônibus, agiu comgrave ameaça, restou configurado que o mesmo cometeu o delitode roubo e não o de furto, como decidiu o magistrado singular,ao sentenciar.

Diante dos fatos e fundamentos acima externadoshá que se conceder provimento ao presente recurso, para queseja reformada a sentença recorrida, classificando a condutadelitiva como roubo, fixando-se a pena-base em 04 (quatro) anosde reclusão, reduzida em um terço, por força do art. 14, inciso II,do Codígo Penal Brasileiro, diminuída, novamente, em 1/3 pelaincidência de atenuante prevista no no art. 65, inciso II, letra “d”,do CPB, tornando-a definita em 01 (um) ano e 4 (quatro) mesesde reclusão e, ainda, a 10 (dez) dias multas, sendo o dia multa

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equivalente a 1/3 do salário mínimo, a ser cumprida em regimeaberto.

É como voto.

Fortaleza, 06 de fevereiro de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CRIME Nº. 2002.0009.4496-0/0 – Fortaleza-CEAPELANTE: David Valério dos SantosAPELADO: Justiça PúblicaRELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIRÊDO FROTA

EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. ROUBO.CONJUNTO PROBATÓRIO MANIFESTO NOSAUTOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA.APELAÇÃO. REINCIDÊNCIA. INEXISTÊNCIA.REGIME SEMI-ABERTO. PROCEDÊNCIAPARCIAL.I – Condenado pelo crime de roubo qualificado,baseado no conjunto probatório manifesto nosautos, o apelante requer sua absolvição ou,alternativamente, a modificação do regime decumprimento de pena, em face da nãoreincidência (art. 33, §2º, “b”, CP).II – A sentença condenatória a quo não deve sermodificada, diante da prova coligida nos fólios.III – Deve ser acolhida a alegação de inexistênciada reincidência, pois o crime sub judice foicometido antes do trânsito em julgado dasentença condenatória pelo crime anterior. (STJ:“Reincidente é aquele que, após o trânsito emjulgado da condenação, independentemente dotipo de pena imposta, comete outro crime.

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Indevidamente considerada, deve ser afastada anota de reincidência aplicada ao réu que, até aprolação da sentença, não detinha outracondenação transitada em julgado.” – REspn.176.930, Rel. Edson Vidigal, 5ª T., julg.16.05.2000, DJU 12.06.2000, p.124)IV – Modificação do regime inicial decumprimento da pena para o semi-aberto, dianteda inexistência da reincidência do apelante.V – Provimento parcial da apelação.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deApelação Crime Nº 2002.0009.4496-0/0 da Comarca deFortaleza, em que é apelante David Valério dos Santos eapelada a Justiça Pública.

ACORDA a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma,unanimemente, dar parcial provimento ao recurso apelatório, emconsonância com o parecer da douta Procuradoria Geral daJustiça.

DAVID VALÉRIO DOS SANTOS, devidamentequalificado nos autos, foi denunciado pela prática do crime deroubo qualificado (art. 157, §2°, inc. I, do CPB), sob a alegaçãode ter, na data de 24 de maio de 2000, por volta das 18:30h, nointerior de um ônibus da Empresa Fortaleza, utilizando-se deum facão, assaltou da cobradora a importância de R$ 17,50(dezessete reais e cinqüenta centavos) e 31 (trinta e um) vales-transporte, tendo em seguida mandado parar o veículo paraempreender fuga (denúncia de fls. 03/04). Um policial militar quese encontrava no interior do veículo à paisana, que a tudopresenciara, saiu em companhia de um fiscal da empresa emperseguição ao delatado para após prendê-lo em flagrante delito(fls. 06/08).

Submetido ao contraditório e à ampla defesa, oapelante foi condenado pelo crime sub judice à pena definitivade 06 (seis) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado,e à pena de multa consistente em 10 (dez) dias-multa, sendo

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esta equivalente a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigenteà época do fato, conforme sentença de fls. 66/68.

Irresignado com o provimento judicial adverso, oapenado encetou recurso apelatório, requerendo sua absolviçãoou, alternativamente, a modificação do regime inicial decumprimento da pena, em face da inexistência da reincidência(fls. 80/83).

O Representante da Justiça Pública apresentou suascontra-razões (fls. 87/88), asseverando que a r. sentença nãomerece qualquer reforma, pois se encontra embasadaperfeitamente na prova coligida aos autos.

Após remessa dos autos à 2ª Instância, a doutaProcuradoria Geral de Justiça, em bem fundamentado parecer,pugnou pela procedência parcial da apelação, requerendo amanutenção da sentença condenatória diante da prova constantedos fólios processuais, mas a modificação do regime decumprimento de pena inicialmente imposto para o semi-aberto,diante da inexistência da alegada reincidência (fls. 97/100).

É o relatório.Inicialmente, é mister ressaltar que a peça recursal

do apelante, a despeito de conter a alegação genérica deinocência do condenado, não conduz ao raciocínio de um pedidode absolvição.

Com efeito, não há dúvidas nos autos sobre acondenação do apelante, pois restaram comprovadas suaautoria (auto de flagrante delito de fls. 06/08; provas testemunhaisàs fls. 41/46) e materialidade (auto de apresentação e apreensãode fl. 10; termos de devolução de fls. 13).

Na vertente testemunhal, importante salientar apalavra das mesmas:

“... que logo após o assalto fizeram a ligação para aempresa e esta se comunicou imediatamente como depoente; que o policial militar Marcos Luís vinhano ônibus; que o depoente estava próximo do local;que o soldado imediatamente convidou o depoentepara perseguir o ladrão; que foi dado as

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características do acusado e o depoente de logodeduziu que se tratava de Davi, o qual já conhecia;que o depoente saiu com o policial e a cobradora noveículo da empresa; que o depoente se dirigiu paraa casa do acusado e ficaram observando e compouco tempo viram o acusado em sua direção eainda o prenderam com o facão; que foi a arma queo acusado ameaçou a cobradora; que tomouconhecimento que o acusado ameaçara a cobradoracom esse facão e tomara pequena importância emdinheiro e vales-transportes; que a cobradorareconheceu o acusado; que entre o fato e a prisãodo acusado demorou meia hora; que os vales-transportes não foram recuperados e eles estavamcarimbados e não podiam serem mais usados; queo acusado parecia estar drogado e nada falou...”(trecho do depoimento da testemunha José Carlosda Silva Holanda, fiscal da empresa, às fls. 41/42)

“... que o depoente estava a paisana e viu o acusadopuxar um facão e anunciar o assalto; que o depoentepresenciou o fato porque estava no interior do ônibus;que terminado o ‘assalto’ o acusado mandou que omotorista parasse o veículo e isto feito desceucorrendo em direção à Favela Tancredo Neves; queo depoente ficou conversando com o motorista e acobradora estava aflita; que desceram do ônibus eentraram em contato com o fiscal da empresa e esteveio de imediato e saíram a procura do acusado elogo o encontraram na rua armado com o mesmofacão; que em poder do acusado estava a quantiade apenas dois reais; que o acusado não tinhanenhum vale transporte; que o acusado levou aimportância pequena, salvo engano dezessete reaise cinqüenta centavos...” (trecho do depoimento datestemunha Marcos Luiz Oliveira Costa, soldadoPM, às fls. 43/44)

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“... que já dentro do ônibus o acusado encostou-sena roleta como se fosse pagar e ali mesmo levantoua camisa e puxou o facão e encostou na declarantee anunciou o assalto e mandou abrir a gaveta emandou que a declarante colocasse o dinheiro emum saco de bombril; que a declarante com o braçopreso pelo facão disse que o acusado tirasse odinheiro e levou todos os vales-transportes, aliás jácarimbados; que então o acusado após levardezessete reais e cinqüenta centavos e trinta e umvales-transportes disse para a declarante quemandasse o motorista parar o ônibus; que como omotorista não parou o ônibus o acusado ameaçoumatar a declarante; que esta gritou para o motoristaque parasse o veículo e ele parou e o acusadodesceu; que ia um policial militar em trajes civis elogo desceram em busca de prender o acusado, oque ocorreu mais adiante na rua; que a declaranteentão viu o acusado já detido pelo policial e o fiscal ea declarante logo reconheceu como sendo a pessoaque a assaltou...” (trecho do depoimento de MariaNaiza Batista do Nascimento, vítima, às fls. 45/46)

Enfim, o édito condenatório ora guerreado estáamplamente fundamentado nas fartas e robustas provas damaterialidade e autoria do delito, não havendo qualquer provanos fólios com força para absolver o acusado, razão pela qualdeve ser mantida a sentença condenatória.

No que tange ao regime de cumprimento de penaimposto, razão assiste ao apelante, pois inexiste a reincidênciaapontada na sentença. Dos autos se infere que a sentençacondenatória do acusado por outro crime de roubo foi publicadaem 20 de novembro de 2000 (certidão de antecedentes de fls.63/64), enquanto que o fato delituoso sub judice se deu em 24de maio de 2000. Portanto, fácil concluir que ele ainda não erareincidente, pois a sentença condenatória pelo crime anterior

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não havia transitado em julgado.Vejamos os termos do art. 63 do CP: “Verifica-se a

reincidência quando o agente comete novo crime, depois detransitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro,o tenha condenado por crime anterior”.

A propósito, a jurisprudência é farta neste mesmosentido:

STF: “Para caracterizar a reincidência, necessáriaé a certidão de que a sentença anterior haja transitadoem julgado”. (RT 454/478-9)

STJ: “Reincidente é aquele que, após o trânsito emjulgado da condenação, independentemente do tipode pena imposta, comete outro crime. Indevidamenteconsiderada, deve ser afastada a nota dereincidência aplicada ao réu que, até a prolação dasentença, não detinha outra condenação transitadaem julgado.” (REsp n.176.930, Rel. Edson Vidigal,5ª T., julg. 16.05.2000, DJU 12.06.2000, p.124)

TJSC: “O trânsito em julgado da sentençacondenatória ex post e não ex ante a prática de outrodelito não caracteriza a agravante da reincidência”(RT 647/328)

TACRIMSP: “Inadmissível o reconhecimento dereincidência perante condenação do réu porsentença posterior à prática do crime do qual se cuidano processo” (JTACRIM 30/413)

TJAC: “Somente a sentença condenatória, comtrânsito em julgado, permite a aplicação da agravanteprevista no art. 61, I, do CP” (RT 733-605-6)

Não restam dúvidas, portanto, da inexistência dareincidência do apelante no presente caso, pois sua condenação

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pelo crime anterior ainda não havia transitado em julgado(certidão de antecedentes de fls. 63/64).

Afastada a reincidência, o apelante deve cumprir suapena no regime semi-aberto, nos termos do art. 33, §2º, “b”, doCódigo Penal Brasileiro, razão pela qual deve ser modificadoregime fechado anteriormente imposto.

No mais, a veneranda sentença impugnada, forjadaem boa técnica, operou a justiça no caso concreto, analisandopormenorizadamente todos os fatos relacionados ao delitocometido, as circunstâncias judiciais e pessoais (subjetivas)inerentes, fixando a reprimenda aplicada em concreto, em justadosimetria (art. 59, CP), não merecendo censura.

Por todo o exposto, voto no sentido de se concederparcial provimento ao recurso apelatório, em consonância como parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça.

Fortaleza, 12 de junho de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº2002.0010.0588-7 APELAÇÃO CRIMECOMARCA: SOBRALAPELANTE: MIGUEL MÁRCIO CAVALCANTEAPELADA: A JUSTIÇA PÚBLICARELATOR: DES. RDO. EYMARD RIBEIRO DE AMOREIRA

EMENTA: TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DOJÚRI. CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA –DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA ÀPROVA DOS AUTOS – INOCORRÊNCIA. AILUSÓRIA LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVADESACOLHIDA PELO CONSELHO DESENTENÇA SE APRESENTA VEROSSI-MELHANTE COM A PROVA.

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1. Avivam-se dos autos, que a vítima era umapessoa simplória, conhecida na comunidade emque vivia pela a alcunha de “Pé de Loro”, morta,não apareceu nenhum parente para reclamar ofato. Em contra-partida, o apelante cuidou deorganizar testemunhas, primos e outras paraafirmar que a vítima estava armada e afirmara queiria matar o recorrente, todavia, não foiencontrada nenhuma arma com a vítima.2. As testemunhas Edileuda Paula Machado eAlessandra Rodrigues da Silva que afirmaram tera vítima empurrado o apelante e que dizem quea vítima fez menção de sacar uma arma do cósda calça são “conhecidas” do apelante e entramem contradição em diversos pontos de seusdepoimentos, senão vejamos: Edileuda disseque no momento do fato não havia outraspessoas próximas, estando somente ela a 02(dois) metros do apelante e vítima. Enquanto, atestemunha apontada pela defesa José RobertoFerreira de Sousa, afirma que no momento dofato não havia outras pessoas no lugar, senão, oapelante que seguia em sua frente e a vítima queali se encontrava (fs.30 e 33).3. Outra testemunha, Francisco FlávioCavalcante, primo do apelante, que tambémafirmou que estava próximo ao local do crimerelatou “que não chegou a ouvir” comentáriosde que a vítima tivesse empurrado o apelanteantes do fato (fs.32).4. D´outra sorte, o motivo orientador do delito,por seu turno, não pode deixar de serconsiderado fútil, na medida em que, como visto,a infração derivou de uma causa não aparente,de nonada, em face da indisposição do apelanteem relação ao comportamento da vítima, que nãocumpriu o contrato do pagamento da “miçanga”,

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por isso, foi morta, desarmada e sem chance dedefesa.5. Desta feita, considerando que “a decisão doJúri somente comporta juízo de reforma, quedesatende ao respeito devido à soberania deseus pronunciamentos, quando manifestamentecontrária à verdade apurada no processo,representando distorção de sua função dejulgar” (TJSP: RT 642/287).6. Apelo improvido. Decisão unânime.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deapelação crime, nº 2002.0010.0588-7, de Sobral, em que éapelante Miguel Márcio Cavalcante e apelada a Justiça Pública.

Acorda a Turma, por unanimidade de votos, emconhecer do apelo, mas para lhe negar provimento, assim comoopinou a douta Procuradoria Geral de Justiça.

Miguel Márcio Cavalcante, qualificado nos autos,não conformado com a decisão do Conselho de Sentença doTribunal do Júri da comarca de Sobral que o condenou a penade 14 (quatorze) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regimeinicialmente fechado, por considerá-lo culpado pelo óbito deFrancisco Valmir da Silva Filho, interpôs o presente apelo comamparo no art. 593, III, “d” do Código de Processo Penal, à contada legítima defesa putativa, tese defendida em plenário, esperandoque esta egrégia Primeira Câmara Criminal nulifique a decisãorecorrida, para que seja submetido a um novo Conselho deSentença.

Apelo devidamente contra-arrazoado às fs. 126/129,requerendo o improvimento do apelo.

Parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça àsfs. 137/139, opinando pela conservação da decisão recorrida.

É o relatório.O apelo desafiado propõe a esta Câmara a

nulificação do veredicto popular, a considerar que o apelante agiurespaldado pelo art. 20, § 1º do Código Penal.

Com efeito, a prova dos autos esclarece que o Miguel

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Márcio Cavalcante, ora apelante, Camelô de profissão, vendeuao vitimado um cordão banhado a ouro, pela quantia de R$ 50,00(cinqüenta reais), fixando o prazo de seis dias para o pagamentoda “jóia”.

Sucedeu que, a vítima, titular da obrigação, nãocumpriu com o compromisso assumido, passando o credor afazer sucessivas cobranças, chegando inclusive às vias de fato.

Miguel Márcio, em virtude das inúmeras cobrançase discussões com a vítima, por causa da qualidade do produto,passou, então a conduzir um revólver calibre 38. Novo encontrocom discussões, sendo que desta feita o apelante armado, comúnico disparo, levou a vítima a defunção, para em seguidaausenta-se do sítio do crime.

Interrogado perante a autoridade policial, afirmouque: “e então mesmo sem olhar para aquele apelidadoapontou a arma para ele e fez um disparo” (fs.11).

Já em Juízo, adrede, ou seja, de caso pensado,afirmou que “a vítima se encontrava cheirando cola e quandopassou recebeu um empurrão dela; que caiu no chão tendoneste momento a vítima feito menção de tirar uma arma docós, e diante da situação sacou do revólver edisparou..”(fs.23).

Ora, o apelante ao ser interrogado pela autoridadepolicial asseverou que atirou sem olhar para a vítima e em Juízo,afirmou que a vítima fez menção de tirar uma arma do cós,inflamando com a contradição suporte para a tese da legítimadefesa putativa, a qual foi por expressiva maioria desacolhidapelo Conselho de Sentença.

Ademais, avivam-se dos autos, que a vítima era umapessoa simplória, conhecida na comunidade em que vivia pelaa alcunha de “Pé de Loro”, foi morta, não apareceu nenhumparente para reclamar o fato. Em contra-partida, o apelantecuidou de organizar testemunhas, primos e conhecidos paraafirmar que a vítima estava armada e afirmara que iria matar orecorrente, todavia, não foi encontrada nenhuma arma com avítima.

As testemunhas Edileuda Paula Machado eAlessandra Rodrigues da Silva que afirmaram ter a vítima

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empurrado o apelante e que dizem que a vítima fez menção desacar uma arma do cós da calça são “conhecidas” do apelantee entram em contradição em diversos pontos de seusdepoimentos, senão vejamos: Edileuda disse que no momentodo fato não havia outras pessoas próximas, estando somenteela a 02 (dois) metros do apelante e vítima. Enquanto, atestemunha apontada pela defesa José Roberto Ferreira deSousa, afirma que no momento do fato não havia outras pessoasno lugar, senão, o apelante que seguia em sua frente e a vítimaque ali se encontrava (fs.30 e 33).

Outra testemunha, Francisco Flávio Cavalcante,primo do apelante, que também afirmou que estava próximo aolocal do crime relatou “que não chegou a ouvir” comentários deque a vítima tivesse empurrado o apelante antes do fato (fs.32).

D´outra sorte, o motivo orientador do delito, por seuturno, não pode deixar de ser considerado fútil, na medida emque, como visto, a infração derivou de uma causa não aparente,de nonada, em face da indisposição do apelante em relação aocomportamento da vítima, que não cumpriu o contrato dopagamento da “miçanga”, por isso, foi morta, desarmada e semchance de defesa.

Desta feita, considerando que “a decisão do Júrisomente comporta juízo de reforma, que desatende aorespeito devido à soberania de seus pronunciamentos,quando manifestamente contrária à verdade apurada noprocesso, representando distorção de sua função de julgar”(TJSP: RT 642/287), e que, no caso concreto dos autos, a versãosufragada pelo Cenáculo Popular se apresenta verossimilhante,com apoio na prova colhida, inviável se torna, portanto, a suapretendida anulação, devendo ser mantido o soberano veredictodos Juízes de fato do Tribunal do Júri da comarca de Sobral.

Por todo o exposto, conheço do presente recursode apelação, mas para lhe negar provimento, o que faço emparceria com a douta Procuradoria Geral de Justiça.

É como voto.

Fortaleza, 10 de abril de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2003.0001.5873-4/0APELAÇÃO CRIME (de Palmácia )APELANTE: FRANCIMAR CARDOSO DE MENDONÇAAPELADA: A JUSTIÇA PÚBLICARELATOR: DESEMBARGADOR LUIZ GERARDO DEPONTES BRÍGIDO

-Apelação crime.-Clarificado, pela prova testemunhal, que oapelante larapiou a res em companhia de umcomparsa, é o suficiente para perfectibilizar aqualificadora do concurso de agentes, nadaobstante a falta de identificação do cúmplicefujão, repelida, de pronto, a pretendidadesclassificação para furto simples.-Recurso improvido.-Unanimidade.

Vistos, relatados e discutidos estes autos acimaidentificados.

1 – O apelante investe contra a sentença que ocondenou a cinco anos de reclusão, regime inicialmente fechado,por crime de furto qualificado pelo concurso de agentes. Assumea autoria, todavia, pede a desclassificação da conduta delitivapara furto simples, ao argumento de que agiu só.

Apelo confutado pela Promotoria, autos nestainstância revisora, a PGJ, em parecer, sugere o improvimentoda insurgência.

É o relatório, in summa.2 – Pela sua indisputável desrazão, o recurso

transmite a impressão de que foi vertido só para “encher lingüiça”,tomando desnecessariamente o tempo do órgão revisor ediferindo, por consectário, o serviço da execução penal.

Na madrugada de 27 de agosto de 2000,estacionamento do Clube Rebuliço, Palmácia, o apelante,

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enquanto as pessoas se divertiam na tradicional festa do“Xamegão”, furtou, em companhia de outro indivíduo nãoidentificado, uma camioneta S-10 que estava no local. Ocomparsa fugiu guiando a pickup, seguido pelo réu em um golvermelho. Acionada, a polícia não tardou em localizar o veículofurtado e prender o recorrente em flagrante, a poucos metros doclube, guardando, no veículo guiado por ele, equipamentos desom retirados da S-10. O comparsa, infelizmente, já haviaescapulido.

Acerca do fato, esclareceu a testemunha FranciscoCleiton Freitas da Cruz, verbis:

“...que ainda estavam nas proximidades quandouns cinco minutos depois de estacionarem oveículo viram entrar um Gol dirigido peloacusado aqui presente, acompanhado de umoutro elemento;...que logo em seguida a S-10 davítima saiu de ré, pilotada pelo elemento que alichegou no veículo do acusado” (fl. s. 130).

A ação do recorrente, e de seu cúmplice, como visto,está bem retratada no probatório, configurada, daí, a circunstânciaqualificante do delito.

Em crime de furto, “mesmo que um segundoenvolvido na prática do delito não tenha sido identificado,se sua existência é positivada e sua atuação confirmadapor depoimento testemunhal, impõe-se o reconhecimentoda qualificadora do concurso de agentes (JUTACRIM-SP vol.22, p. 224-5).

Nada mais a acrescentar por desnecessário eocioso.

3 – Do que posto, ACORDA a 1ª CÂMARA CRIMINALdo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ, à unanimidade, emnegar provimento ao apelo, para manter intacta a sentençainvectivada, tudo nos termos do voto do Relator.

Fortaleza, CE, 5 de fevereiro de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CRIME Nº 2003.0008.1847-5 – Fortaleza-CEAPELANTE: Maria Eunice Barbosa dos SantosAPELADA: Justiça PúblicaRELATOR: O EXMO. SR. DES. JOÃO BYRON DEFIGUEIREDO FROTA

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL.PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI.INFANTICÍDIO. PRELIMINARES DE VIOLAÇÃOAO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL EEXCESSO DE ACUSAÇÃO. REJEIÇÃO.DESIGNAÇÃO DO REPRESENTANTE DOMINISTÉRIO PÚBLICO PRÉVIA E BASEADA EMCRITÉRIOS OBJETIVOS. ARGÜIÇÃOPRECLUSA. INTELIGÊNCIA DO ART. 571, VIII,CPP. A QUESITAÇÃO DE AGRAVANTES NÃOCONTIDAS NA PRONÚNCIA É POSSÍVELQUANDO SEU CONHECIMENTO RESULTARDOS DEBATES, EX VI DO ART. 484, PARÁGRAFOÚNICO, II, CPP. PENA APLICADA NO MÍNIMOLEGAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. INCIDÊNCIADO ART. 563, CPP. MÉRITO. JULGAMENTOMANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA.INOCORRÊNCIA. VERSÃO ACOLHIDA PELOSJURADOS COM MANIFESTO SUPEDÂNEO NOACERVO COLIGIDO AOS AUTOS. RECURSOIMPROVIDO.1- O Promotor de Justiça contraditado foipreviamente designado pelo Procurador Geralde Justiça para funcionar junto à 1ª Promotoriade Justiça Auxiliar do Júri de Fortaleza, entrandoem exercício a partir de fevereiro de 2003, dataanterior à sessão de julgamento da apelante (02/

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05/2003), restando afastada a hipótese depromotor de exceção, cuja argüição, inclusive,se encontra preclusa, a teor do art. 571, VIII, CPP.2- A inclusão nos quesitos de duas agravantesnão contidas na sentença de pronúncia éperfeitamente possível quando seuconhecimento resultar dos debates, conformeexpressa autorização do art. 484, parágrafo único,inciso II, do Código de Processo Penal. De outrolado, a recorrente restou apenada no mínimolegal previsto, não lhe remanescendo prejuízoem face do reconhecimento da referidaagravante, o que impede a declaração da aludidanulidade, a teor do art. 563, do Código de Ritos.Preliminares rejeitadas.3- Sobejam do caderno processual elementosbastantes para conferir à recorrente aresponsabilidade penal pelo crime deinfanticídio, de modo que a versão acolhida peloConselho de Sentença encontra neles totalrespaldo, não havendo como se reputar ojulgamento manifestamente contrário à provados autos, mormente em face do entendimentopacífico sufragado pela jurisprudência nacionalno sentido de que somente a decisão que seaparte completamente da verdade apurada noprocesso deve conduzir à anulação do veredictodo Tribunal Constitucional do Júri.4- Apelo improvido. Decisão unânime.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deApelação Crime nº 2003.0008.1847-5, da Comarca de Fortaleza,neste Estado, na qual é apelante Maria Eunice Barbosa dosSantos e apelada a Justiça Pública.

A C O R D A a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma,unanimemente, rejeitar as duas preliminares e, no mérito, ainda

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por votação unânime, negar provimento ao recurso, paraconfirmar a decisão recorrida, em consonância com o parecerda douta Procuradoria Geral de Justiça.

O representante do Ministério Público com assentona 3ª Vara do Júri de Fortaleza ofereceu denúncia contra MariaEunice Barbosa dos Santos, qualificada nos autos, dando-acomo incursa nas penas do artigo 123 do Código Penal daRepública, narrando em sua peça acusatória que a denunciada,no dia 25 de agosto de 1995, ao giro das 02:00 h, no ambienteinterno de um banheiro do imóvel residencial de número 527 darua Montevidéu, bairro Serrinha, nesta capital, em seguida aoato de parir, eliminou o próprio filho por asfixia mecânica,esganadura e traumatismo craniano, consoante auto de examecadavérico de fls. 09.

Levada a julgamento perante o Terceiro Tribunal doJúri desta capital, restou Maria Eunice Barbosa dos Santoscondenada nas sanções do art. 123, c/c o art. 61, II, “c”, ambosdo Código Penal, sendo-lhe cominada a pena de 02 (dois) anosde detenção, em regime semi-aberto (fls. 209/210).

Não conformada com a decisão condenatória, delarecorreu a ré/sentenciada argüindo, preliminarmente, a nulidadedo julgamento por ausência do promotor natural da causa, alémde excesso de acusação. No mérito, pugna pela desconstituiçãodo julgamento, por considerá-lo manifestamente contrário à provados autos (fls. 215/225).

Contra-razões do agente ministerial às fls. 227/232,requerendo a manutenção do decisum.

Com vista à douta Procuradoria Geral de Justiça,esta, em seu parecer de fls. 239/241, opinou pelo improvimentodo recurso.

É o relatório.Persegue a recorrente, em sede de preliminar, a

nulidade do veredicto proferido pelo Terceiro Tribunal do Júri deFortaleza, em virtude de, segundo alega, ter sido designadopromotor de justiça com titularidade em comarca do interior doEstado, a posteriori ao crime, violando o princípio do promotornatural. Outrossim, aduz, ainda em caráter liminar, que houve

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excesso de acusação, porquanto o representante do MinistérioPúblico sugeriu a colocação de duas agravantes tipificadas noart. 61, II, “c” e “d”, do CPB, o fazendo de forma inadequada aofato e além do contido na sentença de pronúncia.

Acerca da primeira preliminar deduzida, não sevislumbra, no caso dos autos, qualquer elemento que possaconfigurar ofensa ao princípio do promotor natural, não havendorazões para imputar como política ou casuística a préviadesignação do agente ministerial que atuou no plenário do júri.Ao contrário, conforme textualmente certifica em suas contra-razões, o promotor impugnado foi previamente designado peloProcurador Geral de Justiça para funcionar junto à 1ª Promotoriade Justiça Auxiliar do Júri de Fortaleza, entrando em exercício apartir de fevereiro de 2003, data anterior à sessão de julgamentoda apelante (02/05/2003), restando afastada a hipótese depromotor de exceção.

Discorrendo a respeito do princípio do promotornatural, assevera o professor Luiz Flávio Gomes, verbis:

“Depois da Lei Orgânica do Ministério Público (lei8.625/93) já não se discute a existência no direitobrasileiro do princípio do promotor natural STF, HC67.759 e RT 726, p. 588. Mas isso não impede adesignação de promotor pelo Procurador Geral deJustiça, quando feita dentro da lei (concordância dopromotor natural com a designação e que esta nãoconduza à criação de um promotor de exceção). Nãoé possível designar promotor por critérios políticosou pouco recomendáveis (RT 755,p. 566). O que sedeve evitar é a designação casuística oumanipulações casuísticas ou designações seletivas,fora dos critérios legais (RT 724, p. 551). Fora disso,a designação de promotor é admitida peloordenamento jurídico brasileiro”.( Direito ProcessualPenal. Vol. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005).

De outro lado, a argüição da pretensa nulidade

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deveria ter sido feita no momento apropriado, sob pena depreclusão. No entanto, verifica-se que na ata de julgamento nãohouve qualquer protesto pela defesa quanto à participação dorepresentante do Parquet que atuou naquela sessão, tornandopreclusa a respectiva alegação, consoante o disposto no art.571, VIII, CPP.

Acerca da matéria, idêntica orientação seguem ostribunais pátrios:

“TJGO - APELAÇÃO CRIMINAL. JÚRI. PRINCÍPIODO PROMOTOR NATURAL. OFENSA.NULIDADE INOCORRENTE. VEREDICTOCONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS.REITERAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. LEI 8072/90.CONSTITUCIONALIDADE.I- Além de ser preclusa por falta de argüiçãooportuna, a designação de outro promotor paraa realização do novo júri, em escala preparadapelo Ministério Público com vistas ao exercíciopleno e independente de suas atribuições, nãoofende o princípio do promotor natural, pois nãoconfigurada a figura do acusador de exceção; II-(... omissis ...).” (GRIFO NOSSO). (APCrim 27485-6/213, 2ª Câmara Criminal, Des. José Lenar de MeloBandeira, julgado em 17/01/2006, DJ 01/02/2006).

“TJPR - EMENTA: PROCESSUAL PENAL EDIREITO PENAL - APELAÇÃO - JÚRI -CONDENAÇÃO - HOMICÍDIO SIMPLESTENTADO - NULIDADE DO JULGAMENTO PORSUPOSTA OFENSA AO PRINCÍPIO DOPROMOTOR NATURAL - INOCORRÊNCIA -NULIDADE POR DECISÃO MANIFESTAMENTECONTRÁRIA A PROVA DOS AUTOS -INOCORRÊNCIA DE TENTATIVA, MAS DE LESÃOCORPORAL - NÃO CONHECIMENTO -INOVAÇÃO RECURSAL - TESE DE ESTRITO

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CUMPRIMENTO DO DEVER LEGALSUSTENTADA EM PLENÁRIO E REPELIDA PELOCONSELHO DE SENTENÇA - RECURSOPARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.(1) O princípio do Promotor Natural tem porescopo evitar a designação de agente ministerialsomente para determinado julgamento, porrazões políticas, transformando o Promotor deJustiça em acusador de exceção. Deve estarcomprovado nos autos o prejuízo ao réu dadesignação de outro Promotor de Justiça que nãoo titular para atuação em Plenário, inocorrentena espécie. Preliminar de nulidade repelida. (2)(... omissis ...)”. (GRIFO NOSSO). (APCRim.312936-2, 1ª Câmara Criminal, Rel. Des. MárioHelton Jorge, julgado em 24/08/2006).

“TJSC- EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL -HOMICÍDIO - JÚRI - PRELIMINARES -SUSPEIÇÃO - ROL EXAUSTIVO - VIOLAÇÃO AOPRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL -REPRESENTANTE MINISTERIAL QUE RES-PONDIA EM SUBSTITUIÇÃO - NULIDADES DENATUREZA RELATIVA - PRECLUSÃO -RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DADEFESA - DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOSAUTOS - INOCORRÊNCIA - VEREDICTO QUEENCONTRA AMPARO NO CONTEXTOPROBATÓRIO - CONDENAÇÃO MANTIDA -RECURSOS DESPROVIDOS. Havendo o júri, emrespeito à sua soberania, condenado com base emelementos de convicção constantes dos autos, nãohá anular o julgamento, porquanto não foi arbitrário”.(GRIFO NOSSO). (APCrim. 2005.000403-4, Rel.Des. Solon d’Eça Neves, julgado em 03/05/2005).

Desse modo, divisando legítima e baseada em

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critérios objetivos a prévia designação do promotor de justiçaque oficiou no Terceiro Tribunal do Júri, além de preclusa referidairresignação, rejeito a primeira preliminar argüida.

Quanto à alegação de excesso de acusação, emface de ter o promotor de justiça sugerido a colocação de duasagravantes não contidas na sentença de pronúncia, éperfeitamente possível a sua inclusão nos quesitos quando seuconhecimento resultar dos debates, conforme expressaautorização do art. 484, parágrafo único, inciso II, do Código deProcesso Penal. Ressalte-se, também, que a agravanterecepcionada, qual seja, o emprego de recurso que dificultou outornou impossível a defesa da vítima, não integra o tipo penal doinfanticídio como elementar do crime, não havendoincompatibilidade em seu reconhecimento, a par do que dispõeo caput do art. 61, do CP.

Nesse mesmo sentido:

“STJ - HABEAS CORPUS. JÚRI.AGRAVANTES COM CORRESPONDÊNCIA ÀSQUALIFICADORAS. LIBELO. NÃO ARTI-CULAÇÃO. QUESITOS. VEDAÇÃO. 1 - É pacíficoo entendimento pretoriano ao vedar a formulação dequesitos de agravantes com correspondência àsqualificadoras, quando não tenham sido objeto dolibelo ou mesmo da pronúncia. As circunstânciasagravantes, mesmo quando não articuladas nolibelo, poderão ser incluídas nos quesitos, arequerimento do MP, na forma do art. 484,parágrafo único, II, do CPP, desde que nãoguardem correspondência com as qualificadoras(art. 61, II, letras a, c e d do Código Penal). 2 -Ordem concedida”. (GRIFO NOSSO). (HC 23414/DF,Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em03/09/2002, DJ 30/09/2002, p. 294).

“TJDF - JÚRI. PENA. ERRO OU INJUSTIÇA.AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. DEBATES.

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QUESITO ESPECÍFICO. A lei autoriza aindagação a respeito de circunstânciasagravantes não articuladas no libelo, desde queela seja argüida nos debates e o acusadorrequeira seu reconhecimento (art. 484, parágrafoúnico, inciso II, do CPP). Mostrando-se ascircunstâncias judiciais, no conjunto, desfavoráveisao agente, adequada a pena-base acima do mínimolegal. Alegado erro ou injustiça na aplicação da penaque se repele. Apelo desprovido”. (GRIFO NOSSO)(APCrim 20050150002155, Relator MARIOMACHADO, 1ª Turma Criminal, julgado em 12/05/2005, DJ 22/06/2005, p. 81).

Relativo, ainda, ao tópico, a recorrente restouapenada no mínimo legal previsto, não lhe remanescendoqualquer prejuízo pelo reconhecimento da referida agravante, oque, igualmente, impede a declaração da suposta nulidade, ateor do art. 563, do Código de Ritos.

Por tais esteios, rejeito a segunda preliminar.

DO MÉRITO

A esforçada defesa busca desconstituir a decisãodo júri a pretexto da negativa de autoria, argumentando a falta dedolo, assim como a expulsão extemporânea do feto, ressaltando,sobretudo, o não-acompanhamento médico da apelante, motivospelos quais pretende afastar-lhe a culpabilidade delituosa.

Não obstante a tese laborada, cabe perscrutar seno acervo carreado aos fólios existem elementos de convicçãoidôneos a corroborar a tese albergada pelo Cenáculo Popular.Nesse escopo, exsurgem do caderno processual os seguintesmeios de prova:

A materialidade delitiva avulta-se manifesta no Autode Exame Cadavérico de fls. 09, que indica inúmeras lesões,feridas e escoriações sofridas pelo neonato, atestando,igualmente, a ocorrência de vida extra-uterina e a morte em

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decorrência de asfixia mecânica por esganadura e traumatismocrânio-encefálico.

No que se refere à prova testemunhal, Noeme Silvade Oliveira, que se encontrava no local do fato e em cujaresidência a apelante teve o parto, declarou que, verbis:

“(...) como as dores não passavam a declarantelembrou-se de telefonar para ter ali a presença deuma ambulância, o que deixou a acusada muitosobressaltada; (...) ao chegar em casa e se dirigirpara o banheiro, percebeu que havia no local muitosangue e a acusada já estava tomando banho; quenesse exato momento a ambulância havia chegadoe então os seus componente pegaram a mulher e obebê e foram todos para a delegacia; (...) que comoestivesse aflita não viu perfeitamente as marcas daslesões no bebê, mas pode dizer que o mesmo aindarespirava embora o neonato apresentasse marcasde ferimento na boca; (...) que constatada que acriança estava enrolada em uns panos, fora do úteromaterno portanto, a equipe da ambulância reprovoua acusada censurando-lhe como uma pessoa seriacapaz de fazer aquilo; que a acusada não se alterou,manteve a tranqüilidade e permaneceu muda (...)”(fls. 73/75).

Já Maria Vanda Andrade Coelho, vizinha datestemunha retrocitada e também presente no sítio do crime,assim se manifestou:

“(...) que quando a ambulância chegou a depoenteresolveu acompanhar uma enfermeira; que ouviuchoro infantil; que a depoente indagou da mãe dacriança qual a razão daquele choro e ela respondeuque era seu filho enrolado num pano molhado; que aboca do infante estava rasgada de ambos os lados;(...) que enquanto a ambulância não chegava a

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deponete e Noeme entretiveram uma conversa coma acusada; que a depoente indagou dela se não setratava de um caso de aborto tendo a criatura ditoque não; que é nessa ocasião que a depoente ouveum choro abafado provindo do banheiro; queenquanto a acusada permanecia na sala aenfermeira que acabara de chegar na viaturadesenrolou o embrulho e encontrou o recém-nascidoenvolto; que a acusada se mantinha indiferente; (...)que os rasgões a que aludiu chegavam quase asrespectivas orelhas do infante (...)” (fls. 89/90).

Como se denota, sobejam dos autos elementos deprova bastantes para conferir à recorrente a responsabilidadepenal pelo crime sob enfoque, de modo que a versão acolhidapelo Conselho de Sentença encontra neles total respaldo, nãohavendo como se reputar o julgamento manifestamente contrárioà prova dos autos, mormente em face do entendimento pacíficosufragado pela jurisprudência nacional, no sentido de quesomente a decisão que se aparte completamente da verdadeapurada no processo deve conduzir à anulação do veredictooutorgado pelo Tribunal Constitucional do Júri, senão vejamos:

“TJGO - APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DOJÚRI. INFANTICÍDIO. NEGATIVA DE AUTORIA.LAUDO PERICIAL CORROBORADO COMOUTROS ELEMENTOS DE PROVA. DECISÃOQUE NÃO CONTRARIA A PROVA DOS AUTOS.PENA. REDUÇÃO. ESTADO PUERPERAL.I - Revelando o laudo pericial que a causa da mortedo infante foi asfixia mecânica, baseado em examehistopatológico de segmento pulmonar, presença dear no estômago, eliminação necônio anal e cianosefacial, não há como negar o nascimento com vida.II - É de se afastar a tese de negativa de autoriaquando isolada dos demais elementos probatórios.III - Não contraria a prova dos autos a decisão que

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condena a mãe por infanticídio diante da constataçãode que o neonato respirou, teve vida extra-uterina e,em seguida, morreu por asfixia, especialmentediante das circunstâncias, que, inegavelmente,apontam-na como autora do ato delituoso.IV - Somente é suscetível de anulação a decisão doCorpo de Sentença que se mostrar manifestamentecontrária à verdade apurada no processo, por revelardistorção de sua função de julgar.V – Reconhecido o estado puerperal, à sua conta,reduz-se a pena em quantum suficiente e necessárioà repressão do ato delituoso e à ressocialização dacondenada.VI – Apelo parcialmente provido”. (APCrim 19214-9/213, Rel. Des. José Lenar de Melo Bandeira, julgadoem 22/06/1999, DJ 06/07/1999).

“TJPR - INFANTICÍDIO - RÉ CONDENADA -APELO POSTULANDO NOVO JULGAMENTO,PORQUE A DECISAO DOS JURADOS FOIMANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOSAUTOS - LAUDO CADAVÉRICO QUE ATESTAQUE A “CAUSA MORTIS” FOI AFOGAMENTOPOR MEIO DE ASPIRAÇÃO - “NASSUBMERSÕES CURTAS NÃO É ENCONTRADOLÍQUIDO DENTRO DAS CAVIDADES PLEURAIS,PELO QUE, A REALIZACAO DE DOCIMASIASPULMONARES NAO LEVARIA A UM RESULTADOSATISFATÓRIO.” - DECISÃO DOS JURADOSQUE NAO FOI MANIFESTAMENTE CONTRA APROVA DOS AUTOS, PORQUE, COMSUPEDÂNEO NOS ELEMENTOS DECONVICÇÃO NELE CONSTANTES, OPTOU PORUMA DAS VERSOES APRESENTADAS -PROVIMENTO NEGADO”. (APCrim 0089183-4,Rel. Oesir Gonçalves, julgado em 21/05/1996).

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À luz do exposto, nego provimento ao recurso, emconsonância com o parecer da douta Procuradoria Geral deJustiça.

Fortaleza, 12 de março de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2003.0009.0910-1/0APELAÇÃO CRIME (de Viçosa)APELANTE: PROMOTORIA PÚBLICAAPELADO: FRANCISCO DAS CHAGAS DOS SANTOSRELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ GERARDO DE PONTESBRÍGIDO

-Apelação crime.-Júri.- Não se reveste de relevante valor moral a açãodelituosa do recorrente que desferiu oitofacadas na ex-companheira movido apenas porciúme e inveja. Pelo contrário, o móvel do crime,se medido, como deve, pelo senso comum,perfaz, não há negar, conduta reprovável e anti-social, incoadunável, pois, com a hipótese do §1º, art. 121, do CP (homicídio privilegiado).- Provido à unanimidade.

Vistos, relatados e discutidos os autos acimaidentificados.

1 – Julgado pelo Tribunal do Júri, o apelado foicondenado a seis anos de reclusão, regime fechado, porhomicídio privilegiado (relevante valor moral) na pessoa de JoelinaNicolau Dias.

Irresignada, a Promotoria vem com apelo, aduzindo,

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em suas razões, que a decisão do Conselho de Sentença émanifestamente contrária à prova dos autos, pelo que reclamaa anulação do veredicto e a designação de novo julgamento.

Contra-razões pela manutenção do decisórioimpugnado.

Autos nesta instância revisora, a PGJ opina peloprovimento recursal.

Relatório, a curto.2 – Réu e vítima mantiveram relacionamento

amoroso por demorados doze anos. Apartados há algunsmeses, a ofendida vivia ao lado de outro homem, união não aceitapor Francisco das Chagas, acusado, que tentou, por vezes, massem sucesso, reconciliar-se com ela.

Ao evento delituoso.No Natal de 2001, a vítima, seu concubino e mais

três amigos iniciaram, pela manhã, na residência do casal,intensa libação alcoólica. Já pelo final da tarde, resolveramcontinuar o pileque numa tasca intitulada “Casa dos Artistas”. Avítima acompanhou os demais. No caminho, entretanto, desistiue, sozinha, tomou o rumo de casa. Voltou para morrer. De feito,pelas 20h, o agente, tomado por ciúme e inveja, resolveu darcabo da felicidade do casal – armado de faca e ciente de queJoelina estava só, invadiu-lhe a residência furou-a,impiedosamente, oito vezes, causando-lhe o imediato decesso.

Esteve o Júri de Viçosa diante do contexto fáticoacima debuxado. Obsequioso no julgar, entendeu, por apertadamaioria de um voto, que o réu matou impulsionado por relevantevalor moral.

Os jurados cometeram equívoco, e dos grandes.Com efeito, “para que se reconheça o motivo do

relevante valor moral é preciso que a prova patenteie ter oagente agido por sentimento nobre, altruístico, de piedadeou compaixão” (RTJE 52/231). No caso dos autos, o móvel docrime, se medido, como deve, pelo senso comum, perfaz, nãohá negar, conduta reprovável e anti-social, incoadunável, pois,com a hipótese do § 1º, art. 121, do CP (homicídio privilegiado).

Resumindo: os jurados neutralizaram o contexto

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fático dos autos, premiando o réu com o reconhecimento dohomicídio privilegiado por relevante valor moral, pelo que overedicto, óbvia ilação, foi proferido “indiscriminadamente, semdisciplina intelectual, em frontal incompatibilidade” com aprova material inequívoca (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código deProcesso Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 10ª ed., p. 1481).

Vistoso o error in judicando operado pelo Júri, anula-se o julgamento para que outro se faça, desta feita em rima coma lei e com a realidade dos autos.

3 – Nestas condições, ACORDA a 1ª CÂMARACRIMINAL do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DOCEARÁ, à unanimidade e em consonância com o parecer daPGJ, em anular o veredicto recorrido, para que seja o réusubmetido, como convém, a novo julgamento, nos termos dovoto do Relator.

Fortaleza, CE, 5 de fevereiro de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2005.0004.1298-0/0APELAÇÃO CRIMINAL (de Fortaleza)APELANTE : JOSÉ GEORGE XIMENES FERREIRAAPELADA : A JUSTIÇA PÚBLICARELATOR : DES. LUIZ GERARDO DE PONTES BRÍGIDO

-Apelação crime.-Roubo biqualificado.-Mantida a prolação condenatória ao foco deprova deveras convincente da autoria delitiva,a começar pela confissão do réu, na polícia,corroborada, de envolta, pelo reconhecimentotestemunhal, efetuado com segurança pelavítima, descartável, na hipótese, o batido

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expediente da retratação judicial, ilhado de todoo acervo probatório.-Conhecida, todavia, uno ore denegada.

Vistos, relatados e discutidos os autos acimaidentificados.

1 – Condenado a cinco anos e um mês de reclusão,regime semi-aberto, mais dias-multa, por roubo biqualificado, orecorrente, prenomeado, insiste na sua inocência e pede areforma da sentença que lhe foi desfavorável, ou, pelo menos, aredução da pena imposta.

Recurso contrariado, autos no Tribunal, manifestou-se a PGJ pelo improvimento da irresignação.

É o relatório.2 – Na madrugada de 28 de junho de 2003, Av. Leste

Oeste, o réu, exibindo uma faca, e o adolescente José Wellingtonda Silva, de garrucha na mão, assaltaram o taxista FranciscoAlves da Silva, subtraindo-lhe, com violência, a quantia de R$38,00, apurada, pela vítima, após algumas horas de trabalho.

Rodaram algum tempo no táxi, sempre ameaçandoa vítima de morte. Nas cercanias da Av. Francisco Sá, amarrarama vítima no banco traseiro e abandonaram o carro. Por sorte,uma equipe da PM passava no local e libertou o taxista,capturando, em seguida, o recorrente e o menor ainda na possede parte da quantia roubada.

O apelante se diz livre de culpa, já que não há nosautos, segundo afirma, elementos aptos para fomentar a suacondenação.

Pouco a dizer.No auto flagrancial o réu confessou, detalhadamente,

toda a ação criminosa, afirmando, inclusive, que mandou o menoratirar na vítima, prova que não se elide com a simples retrataçãojudicial, isolada, a curto se vê, de todo o contexto probatório.

O taxista, em juízo, reconheceu o recorrente, semhesitar, como um dos assaltantes. A palavra da vítima, é cediço,“quando se trata de demonstrar a ocorrência de subtração

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e do reconhecimento da autoria em um roubo, é de sumavalia” para formação da convicção judicial, constituindo-se emprova segura e suficiente para a condenação, quase sempreúnica, aliás, de que se dispõe em crimes quejandos, em queestão envolvidos, na sua grande maioria, somente os agentesativo e passivo (JUTACRIM-SP vol. 100, p. 250).

Noutro giro, o órgão a quo, dentro da “larga margemde discricionariedade, que lhe confere o art. 59 do CP”,bem mensurou a culpabilidade, justificando o resultadodosimétrico tanto nas circunstâncias como nas conseqüênciasdo ato punível, afastável, daí, qualquer vício na censura penal,por sinal, graduada de molde a reprovar e prevenir, necessária esuficientemente, o delito (COSTA JÚNIOR, Paulo José.Comentários ao código penal. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 196).

Nada mais a acrescentar.

Pelo exposto, ACORDA a 1ª CÂMARA CRIMINALDO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ, unoconsensu, em negar provimento ao recurso, para manter asentença invectivada.

Fortaleza, 5 de fevereiro de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2005.0013.2051-5 APELAÇÃO CRIMECOMARCA: FORTALEZAAPELANTE: JOSÉ FRANCISCO DE CASTROAPELADA: A JUSTIÇA PÚBLICARELATOR: DES. RDO. EYMARD RIBEIRO DE AMOREIRA

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL.APELAÇÃO CRIME. ACIDENTE DE TRÂNSITO.ART. 302, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI Nº 9.503/

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97. ATROPELAMENTO FATAL. AGENTETRAFEGANDO PELA CONTRAMÃO DE DIREÇÃOAO PASSAR POR TRECHO EM OBRAS.VELOCIDADE INCOMPATÍVEL COM O LOCAL.RESPONSABILIDADE DEVIDAMENTE COM-PROVADA PELA CONFISSÃO. IMPRUDÊNCIA.RECURSO IMPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deapelação crime, nº 2005.0013.2051-5, da Comarca de Fortaleza,em que é apelante José Francisco de Castro e apelada a JustiçaPública.

Acorda a Turma, por unanimidade de votos, emconhecer do apelo, para lhe negar provimento, em consonânciacom o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça.

O representante do Ministério Público com assentona 1ª Vara de Delitos de Trânsito da Comarca de Fortaleza,denunciou José Francisco de Castro, qualificado nos autos,como incurso nas penas do art. 302, parágrafo único, inciso III,da Lei nº 9.503/97, tudo porque, no dia 19 de junho do ano de2000, na Curva da Viúva, Avenida N, no Conjunto José Walter,nesta cidade, quando dirigia o veículo do tipo Caçamba, de placasHUZ 3100-Ce, pela contramão e em velocidade incompatível como local, atropelou e matou o ciclista Antônio Elias Menezes deLima.

Evadindo-se do sítio do sinistro foi perseguido e presoem flagrante por policiais civis que passavam pelo local para,submetido ao regular sumário de culpa, findar incurso no artigo302, parágrafo único, inciso III da Lei nº 9.503/97 e posteriormentecondenado a uma pena definitiva de 02 (dois) anos e 08 (oito)meses de detenção, em regime aberto, substituída posteriormentepela pena de prestação de serviços à comunidade, a sercumprida junto às entidades assistenciais de Fortaleza, nossábados, domingos e feriados, mais uma segunda pena restritivade direitos, à escolha do Juízo da Vara de Execuções de PenasAlternativas, tudo a teor da sentença que repousa às fl. 96/104.

Não conformado com a decisão condenatória o réu

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interpôs o presente apelo de fl. 106/112, para argumentar, emsíntese, que merece ser absolvido dada à inexistência de suaculpa em razão da imprevisibilidade do acidente, dês que “a vítimaatravessou por trás de um ônibus e foi colhida pelacaçamba”(SIC), ressaltando ainda que “ foi a vítima quedesprezou os cuidados necessários à travessia da avenida enão o recorrente”(SIC). Salientando ser habilitado comomotorista, categoria D, desde 24.08.76 com quase 30 (trinta)anos de experiência profissional sem a ocorrência de nenhumoutro acidente, conclui por reiterar sua absolvição face àinexistência de culpa.

Apelo contra-arrazoado pela representante doParquet, às fl. 113/115, pugnando pela confirmação, in totum,da decisão vergastada.

Com vista à douta Procuradoria Geral de Justiça,esta, em seu parecer de fl. 120/121, opinou pela improcedênciado recurso.

É o relatório.Assentado no vertente apelo, pretende o recorrente

obter sua absolvição sob o argumento de não haver dado causaao fatídico acidente, motivo da morte do ciclista Antônio EliasMenezes de Lima. A materialidade e a autoria restam fartamentecomprovadas pelo Auto de Apresentação e Apreensão de fl. 09,pelo Auto de Exame Cadavérico de fl. 23 e pela confissão dopróprio recorrente às fl. 45/45v, onde admite ser verdadeira aacusação que lhe é imputada, alegando, todavia, que transitavanuma velocidade de, no máximo, 40 Km/h, seguindo pelacontramão de direção face à interdição da outra pista.

As testemunhas oitivadas em Juízo informaram que,na verdade, o veículo trafegava na contramão, tendo em vistaque estavam sendo realizadas obras na outra via, mas afirmamque a pista, embora com buracos, estava trafegável e outrosveículos por ela transitavam. Com relação à velocidadedesenvolvida, a informação constante é de que o motoristatrafegava em alta velocidade, mormente se se considerar o localda ocorrência que consiste num declive.

De qualquer forma, estando ou não justificado otrânsito pela contramão, trafegando ou não em velocidade

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incompatível, o certo é que o apelante portou-se com extremaimprudência ao deixar de observar as cautelas a que estavaobrigado, redobrando os cuidados ao passar por um trecho emobras.

Como o próprio sentenciado declarou na faseinstrutória (fl 45), no momento do acidente o caminhãodesenvolvia uma velocidade de, no máximo 40km/h, o que,reconheça-se, é bastante alta para um veículo carregado de areia,trafegando na contramão de direção, por um trecho em obras,daí porque não sobejam dúvidas de que o recorrente, pela suaconduta imprudente, há que responder como autor do fatídicoacidente devendo, ipso facto, sujeitar-se às penas da lei.Impossível, pois, falar-se em absolvição enquanto caracterizada,à saciedade, a imprudência do apelante.

O Juiz sentenciante fez uma detalhada análise dascircunstâncias judiciais, valorando de maneira desfavorável aorecorrente a culpabilidade, os motivos e as conseqüências doseu comportamento imprudente, sopesando as provas colhidasnos fólios para, no final condená-lo, concedendo-lhe, no mesmopasso, a substituição da pena restritiva de liberdade ematendimento ao disposto nos artigos 43 usque 48 e 55 da LeiSubstantiva Penal.

Assim, entendo inexistir constrangimento ilegal a sersaneado, e, posto isso, conheço do recurso para, nessaextensão, lhe negar provimento, harmonicamente com o parecerda douta Procuradoria Geral de Justiça.

É como voto.

Fortaleza, 25 de junho de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2005.0021.2480-9 APELAÇÃO CRIMECOMARCA: FORTALEZAAPELANTE: SUL AMÉRICA COMPANHIA NACIONAL DE

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SEGUROSAPELADOS: EDER MOURÃO SÁ E A JUSTIÇA PÚBLICARELATOR: DES. RDO. EYMARD RIBEIRO DE AMOREIRA

EMENTA: PENAL – PROCESSUAL PENAL –PROVOCAÇÃO DE INCÊNDIO. NEGATIVA DAAUTORIA. APELO QUE OBJETIVA A REFORMADA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA DODENUNCIADO COM SUPORTE NO ART. 386, VI,DO CPP. IMPOSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO DOATO, POSTO QUE, À MÍNGUA DECOMPROVAÇÃO, NÃO SE PROCLAMA AAUTORIA. RECURSO DESPROVIDO. DECISÃOUNÂNIME.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deapelação crime, nº 2005.0021.2480-9, de Fortaleza, em que éapelante Sul América Companhia Nacional de Seguros, naqualidade de assistente do Ministério Público e apelados EderMourão Sá e a Justiça Pública.

Acorda a Turma, por unanimidade de votos, emnegar provimento ao apelo para manter a decisão recorrida, emharmonia com o parecer da douta Procuradoria.

A ilustre representante do Ministério Público emexercício na 5ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza, ofereceudenúncia contra Eder Mourão Sá, qualificado nos autos, comoincurso nas sanções do art. 250, § 1º, I, do Código PenalBrasileiro, por haver, no dia 01 de março de 2003, ateado fogono estabelecimento comercial denominado Planeta Animal Ltda- ME, localizado na Av. Oliveira Paiva nº 2355-b que, de direito,pertencia às sócias Darlene Teixeira Vítor e Kátia Teixeira Vítor,respectivamente ex-mulher e ex-cunhada do denunciado, sendoproprietário de fato o acusado.

Diz, ainda, na peça delatória, que o incêndio foiprovocado propositadamente, com o objetivo de receber o valordo seguro contratado com a Sul América Companhia Nacionalde Seguros, estimado em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais),

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concluindo por afirmar que nos dias que antecederam ao sinistroo denunciado comprou mercadorias de valor superior aos quehabitualmente transacionava, cuja capacidade dearmazenamento era incompatível com o seu comércio,mercadorias tais que foram retiradas do local antes da ocorrênciado evento criminoso.

Às fl. 208 demora petição da Sul América CompanhiaNacional de Seguros, requerendo a juntada de instrumentoprocuratório e a conseqüente habilitação do seu judicial patronocomo assistente do Ministério Público, súplica deferida às fl.223/223v.

Após, submetido ao devido processo legal, o Juizprocessante, em consonância com o próprio Parquet e porentender precária a prova produzida para caracterizar a autoriado delito, restou por absolver o denunciado, com fulcro no art.386, VI, do Código de Processo Penal, como se verifica dasentença que dormita às fl. 409/411.

Inconformada com a decisão absolutória, a SulAmérica Companhia Nacional de Seguros, na condição deassistente do MP, atravessou nos autos o presente recurso defl. 422/432, pugnando pela reforma da sentença e a decorrentecondenação do réu, por entender presentes, nos fólios,elementos mais que suficientes para caracterizar o delito,praticado com o propósito maior de obter vantagem pecuniária.Critica o fato de o Laudo Pericial de fl. 09/33, elaborado pelosperitos do Instituto de Criminalística, haver chegado à conclusãode que o fogo foi intencionalmente ateado por estranhos, levandoo Juiz a entender que o fogo foi posto por “outrem”, que não oacusado.

Em contra-razões acolhidas às fl. 453/456, orecorrido ataca o apelo, pelo seu caráter meramente protelatório,levando a crer que a empresa não quer cumprir com suasobrigações para com o réu. Pleiteia, no final, a manutenção intotum, da sentença guerreada.

Instada à manifestação, a douta Procuradoria Geralde Justiça, em expediente de fl.471, alegou já haver semanifestado no processo sub examen, em parecer que repousa

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às fl. 443/446 no qual opinou pelo desprovimento do recurso.É o relatório.Perlustrando os argumentos coligidos pela parte

inconformada, eis que não vislumbro possibilidade de prosperara irresignação da apelante, posto que, desde a aurora policialaté o crepúsculo instrucional judiciário, não me foi dado encontrarqualquer eiva de irregularidade capaz de enodoar o ato sentencialvergastado.

Como regra geral do processo penal tem-se quetodos os fatos da questão própria de cada um necessitam serdevidamente provados, com o rigor do sistema, excetos osevidentes, as presunções legais, os fatos inúteis e os notórios,devendo, todos os outros, serem absolutamente provados porprovas admissível, pertinente, concludente e possível.

Examinadas as provas dos autos, no casodenunciado, não findou demonstrada a autoria do fato havidocomo criminoso que, ao contrário, encontra-se devidamenteprovado pela prova testemunhal e, principalmente, pela provapericial direta, meio instrumental que declarou a existência dainfração denunciada, de conformidade com o laudo que constao resultado do exame procedido, mencionando o que foiobservado e consignando suas conclusões inequívocas, sem,no entanto, como não era possível, indicar a autoria do crimedenunciado pelo órgão ministerial.

Toda a prova realizada, tanto pela acusação comopela defesa, foi deferida e, por esta prova devidamente produzidano Juízo competente, inclusive a testemunhal idônea, não ficouprovada, a toda evidência, a autoria dada ao denunciado EderMourão Sá, bem conhecido de quase todas as testemunhas queprestaram depoimento em juízo.

Não se pode negar que há neste caderno processual,indícios de que seja este denunciado, pelas circunstâncias fáticasevidenciadas no processo, o provável autor intelectual do crimedenunciado, - indícios que não levam à certeza da autoria,hipótese favorável ao indicado agente, já que a prova indiciária éincompatível com a exigibilidade da certeza de uma sentença

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condenatória pois, salvo a prova plena, esta não leva aoinduvidoso.

Um único indício pode levar à condenação, desdeque veemente, o que não é, como entendo, o caso dos autos.Embora não leve à certeza, a jurisprudência tem admitido acondenação quando a prova indiciária for veemente ou entãoquando diversas circunstâncias sejam concordes para tanto –sem subterfúgios. Sem a certeza induvidosa da autoria e daculpabilidade não poderá o Juiz criminal proferir condenação,dado que duvidosa a incriminação apurada no conjuntoprobatório.

Ao exame acurado do caderno processual é deconcluir-se, sem menear, que também o Juiz a quo nãoencontrou nos fólios provas suficientemente hábeis para estribaro decreto condenatório. Na verdade, a prova produzida apontapara a dedução de que o incêndio foi proposital, possivelmentepraticado por elementos que transitavam, segundo testemunhas,pelo telhado do prédio atingido.

O Laudo Pericial é categórico em afirmar a naturezacriminosa da ocorrência, muito embora não aponte o seu agenteou seus agentes, sendo certo que, embora as conclusõespericiais não excluam a possibilidade de ser o acusadoresponsável pelo sinistro, também não o apontam como autordo delito.

Nesse passo, calha pontificar que:

“A prova para condenação deve ser robusta eestreme de dúvidas, visto o Direito Penal nãooperar com conjecturas” (TACRIM, SP,ap.205.507, Rel. Goulart Sobrinho).

As alegações da apelante de que o recorrido écontumaz na prática de fraude a seguradoras, pelo que respondeou respondeu a outro processo criminal da mesma natureza,esbarra no entendimento de que:

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“Por pior que seja a vida pregressa de umcidadão, tal circunstância, que geralmente sereflete na fixação da pena, não serve como provasubstantiva e suficiente de uma autoria, nãoinduvidosamente apurada no conjuntoprobatório” (Ap. 135.461, TACrim SP, Rel. CostaMendes).

Já com referência à acusação de locupletamentoilícito, pelo fato de o acusado haver feito um seguro incompatívelcom o montante segurado, entendo que caberia à seguradora,ora apelante, ter procedido, aprioristicamente à assinatura docontrato, as averiguações necessárias, especialmente quantoà capacidade econômico-financeira da empresa do acusado parasegurar aquele valor.

Dessa sorte, tenho que o lastro probatório contidono bojo processual é frágil e que a plena certeza da culpabilidadeé fundamental para a prolação de sentença condenatória, a teordo disposto no dissídio jurisprudencial seguinte pelo qual:

“Sentença absolutória. Para condenação do réu,a prova há que ser plena e convincente, ao passoque para a absolvição basta a dúvida,consagrando-se o princípio do in dúbio pro reo,contido no art. 386, VI, do CPP” (JUTACrim 72.26,Rel Álvaro Cury).

Entendo, pois, permissa venia, que sem uma segurae definitiva comprovação em Juízo, sob o manto do contraditórioe da ampla defesa, não pode haver, para convencimento dojulgador, a plena certeza da autoria.

Na hipótese sob exame, creio desmerecedora dereparo a sentença que absolveu o réu com fundamento no art.386, VI, do Código de Processo Penal, diante do que dou comoimprocedente o apelo interposto, para manter inalterada adecisão combatida, de conformidade com a manifestação da

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douta Procuradoria Geral de Justiça.É como voto.

Fortaleza, 05 de junho de 2007.

HABEAS CORPUS

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PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇADO ESTADO DO CEARÁ

2006.0019.6028-8/0 Habeas Corpus CrimeImpetrante: Larnecs Alexandre Maia.Paciente: Jessé Evangelista Fernandes Vasconcelos.Impetrado: Juiz de Direito da 6ª Vara da Comarca deFortaleza-CE.Relatora: Desembargadora Maria Sirene de Souza Sobreira

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSOPENAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS.PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. SÚMULA 17/STJ.FALTA DE JUSTA CAUSA. PAGAMENTO ANTESDO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA – SÚMULA554/STF.1. Agente denunciado pelos delitos de falsaidentidade (art. 307, CPB) e Estelionato (art. 171,CPB), do qual o primeiro serviu de crime-meiopara o segundo (crime-fim);2. Presença do conflito aparente de normas,resolvido pelo princípio da consunção(absorção), no qual resta caracterizado apenaso crime de estelionato;3. Acusado que paga a dívida antes dorecebimento da denúncia e, por conseguinte,impõe a ausência de justa causa da ação penal,conforme precedentes do Supremo TribunalFederal, consubstanciado na Súmula 554. Ordemconcedida, a fim de trancar a ação penal.

Vistos, relatados e discutidos os autos acimaidentificados.

ACORDA a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, emconhecer da impetração, mas para conceder a ordem, em

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consonância com o parecer da Procuradoria de Justiça, e nostermos do voto da Desembargadora Relatora, a fim de trancar aação penal, declarando extinta a punibilidade.

RELATÓRIO

LARNECS ALEXANDRE MAIA ingressa comHABEAS CORPUS em favor de Jessé EvangelistaVasconcelos, contra suposto ato ilegal perpetrado pelo Juizde Direito da 6ª Vara da Comarca de Fortaleza - CE, consistenteem constrangimento ilegal decorrente da instauração de açãopenal.

Registra o impetrante que o paciente foidenunciado como incurso nas sanções do art. 307 (falsaidentidade) e art. 171, §2º, VI (fraude no pagamento por meiode cheque), ambos do Código Penal, haja vista, em setembrode 2003, no Município de Irauçuba-CE, ter se passado peloPromotor de Justiça da cidade de Itapajé-CE, oportunidadeem que emitiu um cheque, em favor da Churrascaria “OMengão”, decorrente do pagamento do consumo realizadonaquele estabelecimento e que, posteriormente, veio a darcontra-ordem, a qual frustrou o saque por parte dobeneficiário.

Discorre sobre o princípio da consunção, momentoem que cita a súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça ejurisprudências do Tribunal de Justiça do Estado de MinasGerais e do Rio de Janeiro, porquanto lembra da absorçãodo crime de falsidade pelo delito de estelionato.

Aduz que a conduta perpetrada pelo impetrante éatípica, tendo em vista faltar os elementos constitutivos dotipo penal, a saber: obtenção de vantagem ou intenção decausar dano a outrem.

Posteriormente, afirma estar ausente a justacausa para a ação penal, pois deu contra-ordem aos títulos,inclusive o cheque emitido em favor da vítima, pois teve seutalão de cheque extraviado ou roubado. A justa causa tambémse encontra ausente, haja vista o pagamento do citado título

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de crédito antes que sequer a denúncia fosse recebida,momento em que cita, de importante, as Súmulas 246 e 554,ambas do STF.

Por fim, requer seja trancada a ação penal movidapelo Ministério Público.

Não houve pedido liminar.Requisitaram-se, fls. 19, informações à autoridade

indicada coatora, a qual, em resumo, além de dizer que osautos encontram-se na fase de instrução criminal, ratificou,quanto à denúncia (fls. 21/22) os fatos relatados no remédioconstitucional, acrescentando que o Juízo de Direito daComarca de Irauçuba declinou de sua competência em favorda capital alencarina e que na defesa prévia JesséEvangelista Vasconcelos alegou o pagamento da cambial,antes do recebimento da denúncia, sem todavia juntar ocomprovante de pagamento.

Instada a se manifestar, a douta ProcuradoriaGeral de Justiça opinou às fls. 24/27 no sentido da concessãoda ordem, com a conseqüente extinção da punibilidade.

É o relatório, no que há de essencial.

VOTO

Em juízo de admissibil idade, presentes ascondições genéricas da ação, no que tange à possibilidadejurídica do pedido, legitimidade para agir e interesse de agir,este repousando sobre o binômio adequação e utilidade.

Como destacado no relatório, visa o impetrante otrancamento de ação penal iniciada por provocação doMinistério Público em face do paciente, sob a alegação deque estaria presente o princípio da consunção e que seencontra ausente a justa causa para instauração da açãopenal.

No que concerne à primeira alegação levantada peloimpetrante, princípio da consunção, é importante discorrer sobreo conflito aparente de normas, conceituado como “conflito quese estabelece entre duas ou mais normas aparentemente

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aplicáveis ao mesmo fato. Há conflito porque mais de umapretende regular o fato, mas é aparente, porque, com efeito,apenas uma delas acaba sendo aplicada à hipótese”. (FernandoCapez: Curso de direito penal, volume 1 ed. Rev. - São Paulo :Saraiva, 2001, pág. 59).

Quatro são os elementos configuradores doconflito aparente de normas, a saber: a) unidade do fato; b)pluralidade de normas; c) aparente aplicação de todas asnormas à espécie; e d) efetiva aplicação de apenas umadelas.

A solução, por sua vez, do citado instituto é feitaatravés de quatro princípios: especialidade, subsidiariedade,consunção e alternatividade.

No caso em espécie alega o autor sobre o princípioda consunção (“lex consumens derogat consumptae”), peloqual resta caracterizado quando um fato mais amplo e maisgrave consome, isto é, absorve, outros fatos menos amplose graves, que funcionam como fase normal de preparaçãoou execução ou com mero exaurimento.

O argumento levantado por Jessé EvangelistaVasconcelos de que o crime de falsa identidade é absorvidopelo delito de estelionato, se enquadra nos crimes deprogressão criminosa, em especial naquela em que o fatoanterior (“antefactum”) não é punível, pois sempre que umfato menos grave for praticado como meio necessário para arealização de outro mais grave, ficará por este absorvido. Éesta a lição da doutrina ao tratar do concurso de crime, falsaidentidade e estelionato, de seguinte teor:

“Concurso de crimes. A falsa identidade é absorvidaquando for meio para a prática de delito mais grave,como estelionato ou a bigamia” (Julio FabbriniMirabete – Código penal interpretado – 5ed. - SãoPaulo: Atlas, 2005, pág. 2296).

Nessa linha de entendimento, transcrevo decisãodo extinto Tribunal de Alçada Criminal de Justiça do Estado

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de São Paulo:

TACRSP “Falsa identidade. Delito que serviu demeio para a consumação do estel ionato.Absorção, conseqüentemente, por este, que é odelito-fim. Revisão deferida. Inteligência dos arts.307 e 171 do Código Penal. Se a falsa identidadeaparece como meio necessário à concretizaçãode outro delito-fim, é por ele absorvido” (RT384/87).

Destarte, assiste razão ao impetrante, porquanto,conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça,consubstanciado na Súmula 17/STJ, “quando o falso seexaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é poreste absorvido” (in verbis), o que de fato ocorreu, pois aconduta de se passar pelo Promotor de Justiça, leia-seidentidade falsa, acabou sendo absorvida pela obtenção devantagem ilícita (estelionato).

No tocante ao segundo argumento levantado peloimpetrante, ausência de justa causa, mister discorrer sobrea Súmula 544/STF, a qual estabelece, a contrario sensu, queo pagamento do cheque emitido sem provisão de fundos,antes do recebimento da denúncia obsta ao prosseguimentoda ação penal.

Assim, analisando os documentos trazidos ao writ,em especial a denúncia (fls. 7/9), cópia do cheque (fls. 11) erecibo (fls. 13), além das informações do MM Juiz de Direitoda 6º Vara da Comarca de Fortaleza, observa-se que opagamento do título de crédito ocorreu em 30 de janeiro de2004 e que o recebimento da denúncia somente veio a serfeito em 20 de setembro de 2004, ou seja, bem posterior aopagamento, assistindo, pois, razão ao Sr. Jessé EvangelistaVasconcelos, no que não foi vergastado pela ProcuradoriaGeral de Justiça, razão pela qual falta à ação penal justa causa.Nesse sentido transcrevo decisão do Superior Tribunal deJustiça:

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“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.DIREITO PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO.TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CHEQUESEM PROVISÃO DE FUNDOS. AUSÊNCIA DEJUSTA CAUSA. PAGAMENTO ANTES DORECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DAPUNIBILIDADE.1. Inexiste justa causa para a ação penal, quando,comprovadamente, há o pagamento do chequesem provisão de fundos, antes do recebimento dadenúncia. Precedentes.2. Recurso provido. (STJ. 6T. RHC 1503/AM; Rel.Min. Hamilton Carvalhido. DJ 06.02.2006)”

De tudo que foi exposto, conhecemos da presenteordem, inclusive para concedê-la, a fim de determinar otrancamento da ação penal, conforme o parecer da doutaProcuradoria Geral de Justiça.

É como voto.

Fortaleza-CE, 07 de novembro de 2006.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2006.0026.9535-9/0HABEAS CORPUS (de Eusébio)IMPETRANTE: DÁCIO PERES DA SILVAPACIENTE: IRIVAN CLÁUDIO DA SILVAIMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DO EUSÉBIORELATOR: DES. LUIZ GERARDO DE PONTES BRÍGIDO

-Habeas corpus.-Recebida a denúncia e interrogado o paciente,

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R. Jurisp. Trib. Justiça Est. Ceará, Fortaleza, v. 26, p. 337 - 382, 2008

não há mais falar em excesso de prazo para oencerramento da fase inquisitorial.-A prisão preventiva provida de boafundamentação, não consubstancia arbi-trariedade judicial. Daí que deve ser prestigiadase necessária à garantia da ordem pública.-Conhecido, mas denegado.-Unanimidade.

Vistos, relatados e discutidos estes autos acimaepigrafados.

1 - O impetrante pede a soltura do paciente, dizendoque ele é sujeito de arbitrariedade, porque, detido à conta deprisão temporária e indiciado por assalto e formação de quadrilha,continua aferrolhado, agora, em razão de preventiva, emboravencido o prazo para a conclusão da fase inquisitorial. A mais,argúi a desnecessidade da segregação ad cautelam visto queele, paciente, é primário, possuidor de trabalho fixo (vendedorautônomo) e de residência definida.

Sem pedido de liminar. Informado pelo impetrado. Ecom parecer negativo da PGJ.

É o relatório.2 – O paciente, consta dos autos, é suspeito de

integrar numerosa e bem articulada “gang” de assaltantes, que,mediante violência e utilizando armas de grosso calibre, invadiae saqueava sítios e casas no Eusébio, aterrorizando acomunidade do sobredito município.

Está nos informes do judicante, outrossim, que opaciente foi denunciado, juntamente com mais oito co-réus, pelaprática de roubo triplamente qualificado e formação de quadrilha,e que dos nove acusados falta apenas um, citado via edital, paraser interrogado.

In hyphotesi, conquanto excedido o decêndio legalpara o término do inquérito “não é de ser deferido o writ, se adenúncia já foi recebida e o processo tem seu curso normal”(RT vol. 519, p. 399).

Descartado, com a objetividade recomendável, o

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primeiro vértice do peticionamento, de bom aviso liquidar, a curtoe grosso, a argüida desnecessidade da prisão preventiva dopaciente. E, para isto, mais não precisa do que reprisar-sealgumas passagens do decreto restringente da liberdade dele.Na sua irreprochável prolação, escreveu o impetrado, Dr. EliGonçalves Júnior:

“Inicialmente frise-se que os custodiados seencontram presos temporariamente por ordem desteJuízo e as declarações colhidas pela polícia, oreconhecimento de alguns deles, o êxito das buscase apreensões na residência de outros, demonstramserem os autores dos delitos a si imputados,notadamente praticados com arma de fogo e comgrave ameaça a integridade física das vítimas; ... valeressaltar que a onda de crimes vem assustando edeixando em polvorosa toda a pacata populaçãolocal, fazendo-se necessário que tanto a polícia comoo Poder Judiciário, utilizem-se dos instrumentosnecessários e legais, visando coibir ou cessar aatividade delitiva tão lesiva a sociedade; .... comose observa a medida requerida visa evitar que osimputados pratiquem novos delitos e, sobretudo, visaacautelar o meio social e a própria credibilidade daJustiça; ... É fato notório que um grupo armadoconsumou, nos últimos meses, vários assaltosnessa cidade e na divisa com o município de Aquiraz.Com a prisão dos representados (hoje denunciados),dezenas de vítimas acorreram à Delegacia de Polícialocal à procura dos bens subtraídos”(fl. s. 6 usque7).

O ato constritivo, para logo se descobre, talvez nãoseja paradigmático em termos de estilo, mas justifica, e bem, asegregação do paciente, como provimento de segurança eproteção à ordem pública, constantemente abalada pelas açõesviolentas de quem optou, espontaneamente, pela profissão de

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assaltante.Evoca-se, no passo, o conselho do STJ: “Em

casos de custódia cautelar deve-se depositar máximaconfiabilidade ao juízo de primeiro grau, mormente porque,presidindo a ação penal, tem-se-no como órgão sensível àsvicissitudes do processo” (6ª T, HC nr. 21267/RN, rel. Min.Hamilton Carvalhido, DJU de 17.2.03, p. 274).

Para completar, “a mera alegação deprimariedade do réu e o fato de possuir residência etrabalho definidos mostram-se insuficientes para afastar aaplicação da medida” (STJ, 5ª T, RHC nr. 17729/MG, rel. Min.Edson Vidigal, DJU de 18.02.02, p.194).

A sociedade respirará aliviada com a permanênciado paciente atrás das grades.

Nada mais a referir.3 - Nessas condições, ACORDA a 1ª CÂMARA

CRIMINAL do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ, emconhecer da impetração, porém, para denegar a ordem, nostermos do voto do Relator e em consonância com a sugestãodo Parquet.

Fortaleza, CE, 6 de fevereiro de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2006.0026.9814-5/0HABEAS CORPUS (de Aurora)IMPETRANTES : CÉLIO JOSÉ SARAIVA e FRANCISCONARDELI MACEDO CAMPOSPACIENTE : ANTÔNIO BERNARDO DE SENAIMPETRADO : JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE AURORARELATOR : DES. LUIZ GERARDO DE PONTES BRÍGIDO

- Habeas Corpus.

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- Por mais repulsivo que tenha sido o crime nãoperde o acusado as suas garantias individuais,dentre elas o da razoável duração do recursointerposto – CF, art. 5º, LXXVIII. Nem é de seignorar que “ninguém é culpado de nadaenquanto não transitar em julgado a sentençapenal condenatória”(RT 725/521-2). Isto seaprende na faculdade e à porta do fórum.- Mesmo que o título da custódia provisória sejaa condenação infligida pelo Júri, perfazdegradante arbitrariedade, e o que é pior, denível constitucional, a permanência do réuencelado, sem que o juiz, deixando de lado aapatia, chame às contas o Promotor incuriosopara contra-arrazoar a apelação do preso,sobretudo se o órgão acusador, em desídiadescomunal, não o faz, apesar de intimado hámeses e meses para deduzir a resposta recursal.- Ordem concedida, à unanimidade, para que opaciente, que é primário, de bons antecedentese vinculado por família e ocupação ao distrito daculpa, aguarde solto o desfecho do seu recurso,assinado ao juiz impetrado o prazo de vinte (20)dias para a remessa da apelação, devidamentecontrariada, ao Tribunal, sob pena decomunicação ao Conselho Superior daMagistratura.

Vistos, relatados e discutidos.1 – Preso em flagrante por homicídio hediondo,

denunciado, pronunciado e julgado pelo Júri da Comarca deAurora, o paciente, já nomeado, recebeu dezessete anos dereclusão, regime integralmente fechado. Os impetrantesmovimentaram, daí, o presente habeas corpus, alegando, emsíntese, que o sentenciado é sujeito de coação ilegal por duasfaces: primeiro, por lhe ter sido negado aguardar solto a apelaçãointerposta contra o veredicto popular, embora implemente

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condições pessoais para tanto; segundo, pelo intolerável atrasono processamento do recurso, interposto há mais de ano, porémnão refutado pela Promotoria, permanecendo os autos, de lá aesta parte, no juízo a quo, sem andamento.

Não houve requerimento de liminar.Os autos acomodam as informações da autoridade

judiciária e o parecer da PGJ, que se inclinou pela denegação daordem.

Relatório, em suma.2 – Em meio a uma bebedeira durante um banho de

rio, a 11 de outubro de 2004 o paciente matou a faca ohomossexual Francisco Antônio da Silva, o “Chiquinha”, que oconvidara à prática de atos sexuais. Capturado em flagrante,respondeu a todo o processo carcer ad custodiam, capituladoo homicídio no art. 121, § 2º, II e IV, do CP, delito tambémetiquetado de hediondo pelo art. 1º, I, in fine, da Lei nº 8.072/90.

A diretiva da jurisprudência é a de que o autor dehomicídio hediondo, desde que preso em flagrante, preso devecontinuar após o seu julgamento pelo Júri, ainda que primário ede bons antecedentes. E que é desnecessário motivar-se arestrição à liberdade do sentenciado, “posto que a fundamentaçãose insere na própria determinação legal”(STJ, 6ª T, HC nº 5.599,rel. Min. Anselmo Santiago, j. 08.09.97, DJU 17.11.97, p. 59.607).Explica-se: “(...) o réu que respondeu ao processo preso, emcaso de condenação, deverá ser mantido no cárcere, pois sualibertação equivaleria à concessão de liberdade provisória,vedada pelo art. 2º, II, da Lei 8.072/90” (Gonçalves, Victor EduardoRios. Crimes Hediondos. Terrorismo. Tortura. 2ª ed, São Paulo,Saraiva, 2002, p. 15).

Pelo primeiro tópico, já se infere, o pedido libertárionão impressiona nem possui vigor jurídico. De ver-se, emcompensação, que, segundo informado pelo juiz, a apelação doréu não progride porque, intimada a contra-arrazoá-la em 20 desetembro de 2006, não o fez ainda a Promotoria,lamentavelmente, conquanto processo de réu preso deva,sempre, ser considerado prioritário. Acusado na cadeia tem odireito de ser julgado em tempo razoável nos dois graus de

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Jurisdição. Por este segundo enfoque, indubitável a coação ilegalimposta pelo juízo a quo à pessoa do sentenciado. Ao que seentrevê de displicência judicial assim desabrida é que juiz epromotor deixaram ao desdém causa de indivíduo em regimede execução provisória de pena, embora possuidor do direito dever definida, o quanto antes, pela instância superior a medida dacensura penalógica recebida (matéria da insurgência recursal).

A arbitrariedade imposta ao paciente pela Justiça deAurora não deriva da lei ordinária – art. 648, II, do CPP. É maiseloqüente e censurável porque deita raízes na insensibilidadedo juiz e do promotor pelo que está escrito na Constituição daRepública – art. 5º, LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial eadministrativo, são assegurados a razoável duração doprocesso e os meios que garantam a celeridade de suatramitação” (negrito pelo Relator).

O recurso já completou aniversário. E não subiu, atéhoje, ao Tribunal. Injustificável, abusivo e irrazoável atraso noprocessamento de simples apelação, o que “ofende, de modofrontal, o postulado da dignidade da pessoa humana” (STF, HCn. 85.988 [MC], rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática,DJU 10.06.05).

Ao quadro esboçado na espécie colhe, às inteiras,emblemático pronunciamento jurisprudencial: “Ocorreconstrangimento ilegal decorrente de excesso de prazo na prisão[...] na hipótese em que o recurso de apelação de sentençacondenatória demora, injustificadamente, mais de seismeses para ser processado no juízo a quo, traduzindo faltade uma regular fiscalização e condução do processo, alémdo desprezo ao direito do acusado de ver definida a suasituação [...]” (TACRIM-SP, 10ª C., HC 418.276/5, rel. juiz MárcioBártoli, j. 02.10.02, rolo-flash 1531/140 – negrito pelo Relator).

Disse Ruy em uma de suas celebres orações que“o preso por mais bárbaro que tenha sido o seu ato não decai,jamais, do abrigo da lei e da Constituição”.

Destaca-se, e com tristeza, a marcante incúriafuncional do juiz e do promotor de Aurora na condução da causado paciente.

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3 – Do que posto, ACORDA a 1ª CÂMARA CRIMINALdo TRIBUNAL de JUSTIÇA DO CEARÁ, à unanimidade econtra o parecer ministerial, em conhecer da impetração econceder a ordem de soltura, mediante alvará clausulado,assinado ao dr. juiz o prazo de vinte (20) dias para a remessa doapelo do paciente à instância revisora, sob pena de a desídia sercomunicada ao e. Conselho Superior da Magistratura.

Fortaleza, CE, 23 de janeiro de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS N.º 2006.0029.9644-8 – Jaguaribara-CEIMPETRANTE: JANDUY TARGINO FACUNDOPACIENTE: ANTÔNIO GENIVALDO ALVES DE OLIVEIRAIMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DEJAGUARIBARARELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIREDO FROTA

EMENTA: PROCESSO PENAL. HABEASCORPUS. RÉU PRESO. PRISÃO PREVENTIVA.CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO CONFI-GURAÇÃO. REITERAÇÃO DE PEDIDO.PRONÚNCIA. EXCESSO DE PRAZO SUPERADO.I – Réu preso alega constrangimento ilegal nacustódia cautelar sem fundamentação.II – Reiteração do writ. Não conhecimento. (STJ:“Habeas corpus. Reiteração de pedido. 1.Quando a impetração é mera reiteração depedido anteriormente examinado, sem qualquerfato novo, não se conhece do pedido”. - STJ 36/270).III – Excesso de prazo na formação da culpasuperado, diante da pronúncia do paciente. (STJ,

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Súmula n°.21: “Pronunciado o réu, fica superadaa alegação do constrangimento ilegal da prisãopor excesso de prazo na instrução”.)IV – Denegação da ordem.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de HabeasCorpus Crime Nº 2006.0029.9644-8 da Comarca deJaguaribara, em que é impetrante Janduy Targino Facundo,paciente Antônio Genivaldo Alves de Oliveira e impetrado oJuiz de Direito da Comarca de Jaguaribara-CE.

ACORDA a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma, porunanimidade, não conhecer do pedido quanto à alegação deausência de fundamentação e denegar o habeas corpus quantoà alegação de excesso de prazo na formação da culpa, emconsonância com o parecer da douta Procuradoria Geral daJustiça.

Trata a presente ação de habeas corpus impetradopor Janduy Targino Facundo, advogado já qualificado nospresentes autos, em favor do paciente Antonio Genivaldo Alvesde Oliveira, contra ato tido como coator do MM. Juiz de Direitoda Comarca de Jaguaribara-CE.

O Paciente foi denunciado pela prática dos crimesde homicídio qualificado (art. 121, §2°, II e IV, do CP c/c art. 1°,I, da Lei n° 8.072/90) e porte ilegal de arma de fogo (art. 14, daLei n° 10.826/03), tendo sido decretada sua prisão preventivaem 16 de junho de 2005, com fulcro no art. 312 do CPP, comogarantia da ordem pública e da instrução criminal, posto que osfatos criminosos causaram temor e ojeriza na sociedade local,pois aconteceram durante uma partida de futebol e na presençade várias pessoas que foram assistir ao jogo (fls. 115/119).

Inconformado com tal situação, e após váriospedidos de revogação da prisão cautelar, o Paciente teveimpetrado em seu favor o presente writ, alegandoconstrangimento ilegal na custódia preventiva, devido à ausênciade fundamentação do édito cautelar, por inexistir qualquerfundamento ou pressuposto legal para sua subsistência, bem

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como no excesso de prazo na formação da culpa (fls. 02/24).Notificada a autoridade apontada como coatora,

seguiu-se à prestação das informações (fls. 139/141).De posse dos informes, abriu-se vista à douta

Procuradoria Geral de Justiça, cujo Ilustre Representanteofereceu parecer desfavorável ao provimento do writ, diante dapresença dos fundamentos autorizadores da prisão cautelar (fls.143/145).

Eis, em síntese apertada, o relatório.O presente caso sub judice cinge-se ao exame dos

dois argumentos levantados pelo Impetrante: a) ausência defundamentação da medida cautelar; b) excesso de prazo naformação da culpa do Paciente.

Quanto ao primeiro ponto, trata-se de reiteração depedido. Ora, resta claro que o Paciente tenta outra vez conseguira ordem liberatória, mediante a impetração do terceiro writ, oque não muda sua situação por não haver fatos novos aensejarem uma reapreciação de seu status libertatis.

Conforme se depreende das informações daautoridade impetrada (fls. 139/141), o mesmo Paciente já teveimpetrado a seu favor, sobre os mesmos fatos, dois outroshabeas corpus (Proc. n°.2005.0022.7119-4 e Proc.n°.2006.0005.7048-6), ambos com acórdãos denegatórios dasegurança proferidos por esta Colenda Câmara Criminal.

Percebe-se claramente haver uma reiteração depedidos com a utilização dos mesmos remédios constitucionais,o que decerto não pode ser aceito por esta Corte de Justiça.Impossível revistar fatos já apreciados e definidos, sob pena deofensa à coisa julgada (art. 5°, XXXVI, CF).

Há diversos escólios jurisprudenciais acolhendo atese de impossibilidade do conhecimento de writ com reiteraçãode pedido:

STJ: “Habeas corpus. Reiteração de pedido. 1.Quando a impetração é mera reiteração depedido anteriormente examinado, sem qualquerfato novo, não se conhece do pedido” (grifamos)

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(JSTJ 36/270).

STJ: “Processual penal. Habeas corpus.Reiteração de pleito anterior. Inadmissibilidade.Em sede de habeas corpus é inadmissível aformulação do pleito já apreciado e decidido emanterior impetração, salvo na hipótese deapresentação de novos fatos ou fundamentosjurídicos” (grifamos) (RSTJ 68/113-4).

STJ: “HABEAS CORPUS - DIREITO PROCESSUALPENAL - ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AOPUDOR - REITERAÇÃO PARCIAL DE PEDIDOS -NÃO CONHECIMENTO - NÃO APRECIAÇÃO DETESES DA DEFESA - INOCORRÊNCIA - ILICITUDEDA PROVA - RECONHECIMENTO - IRRELEVÂNCIANO JULGADO - 1 - Não é de se conhecer de writna parte em que seus fundamentos são idênticosao de pedidos de habeas corpus anteriores, jájulgados pela Corte Superior de Justiça. 2 -Caracteriza prova ilícita o depoimento prestado porDelegado de Polícia, relativamente a “conversainformal” que manteve com indiciado, na faseinquisitorial. 3 - Nada obstante, não há falar emcomprometimento de acórdão impugnado, emconseqüência de supressão de prova ilícita, se o fatona sua autoria, resta demonstrado por outroselementos do conjunto probatório dos autos,mormente se a prova viciada, não passa, emverdade, quando se não a entenda como razãoalternativa, de fundamento trazido apenas adcolorandam decisionem. 4 - Em excluindo a decisãojudicial, as razões das partes, ao decidir-lhes, à luzde claros motivos outros, as questões quepropuseram, assim atende o julgador a exigênciaconstitucional da fundamentação dos julgados

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(Constituição da República artigo 93, inciso IX), nãoestando obrigado a repetir as alegações deduzidase, tampouco, como é da compreensão desteSuperior Tribunal de Justiça, responder aquestionários deduzidos pelo sucumbente. 5- Ordemconhecida em parte e, nesta extensão, denegada.”(grifamos) (STJ - HC 32.056 - GO - 6ª T. - Rel. Min.Hamilton Carvalhido - DJU 28.06.2004)

A doutrina mais abalizada corrobora aimpossibilidade de se conhecer de habeas corpus com pedidoreiterado, a saber:

Por vezes tem se decidido que é admissível oconhecimento de pedido idêntico a anteriordenegado, mesmo que a causa de pedir sejacomposta dos mesmos fundamentos, sob aalegação de que a ordem do writ não tem execuçãomandamental e não faz coisa julgada. Todavia, tem-se objetado, corretamente, que a mera repetição defundamentos já examinados não merececonhecimento. Esgotada a faculdade recursal dohabeas corpus, deixa o interessado de poderreiterar a pretensão de liberdade repelida comos mesmos fundamentos, uma vez que oimpetrante já obteve a prestação jurisdicional aque tinha direito. Falta-lhe, assim, interesse deagir. (grifamos) (MIRABETE, Julio Fabbrini. In“Código de Processo Penal Interpretado”, 11ª ed.,São Paulo: Atlas, 2003, p. 1698).

Resta claro, portanto, diante da jurisprudência edoutrina colacionadas, que o primeiro pedido objeto deste writnão pode ser conhecido, dada a sua reiteração nesta EgrégiaCorte de Justiça.

O segundo argumento defendido pelo Impetrante

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para a soltura do Paciente é o do excesso de prazo na formaçãoda culpa deste no processo.

No entanto, como bem afirmou o próprio Impetrante,o Paciente já foi devidamente pronunciado para julgamento noTribunal Popular do Júri da Comarca de Jaguaribara (sentençade fls. 30/34), o que, por si só, justifica não mais se poder acolhera alegação de excesso de prazo na instrução, tendo em vista tersido esta encerrada.

A jurisprudência pátria já, de muito tempo, se tornoupacífica sobre este ponto, razão pela qual o Superior Tribunal deJustiça editou a Súmula n°.21: “Pronunciado o réu, fica superadaa alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso deprazo na instrução”.

A alegação da defesa de que a pauta do Tribunal doJúri naquela Comarca é no mês de novembro não pode serutilizada para justificar novo excesso de prazo, o que configurariaconstrangimento ilegal. Isto porque tal fato não se deve a atrasoprovocado pelo Juiz ou pelo Ministério Público, o que decertodescredencia a jurisprudência colacionada na exordial sobre oassunto.

Não obstante, diante da visualização do alongadoespaço de tempo para o julgamento, recomenda-se à autoridadeimpetrada agilidade e zelo na condução do referido processo, afim de se evitar possíveis e futuros constrangimentos ilegais.

Diante dos fundamentos jurídicos apresentados,restam ausentes as teses para a configuração doconstrangimento ilegal ensejador da concessão do presente writ.

Por todo o exposto, quanto à alegação de ausênciade fundamentação, voto pelo não conhecimento do writ, dada areiteração da matéria; no tocante à alegação de excesso de prazona formação da culpa, voto pela denegação do habeas corpus,em consonância com o parecer da douta Procuradoria Geral deJustiça.

Fortaleza, 02 de abril de 2007.

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS N.º 2007.0001.8523-8 - FortalezaIMPETRANTE: KENNEDY FERREIRA LIMAPACIENTE: ROBERTO CUNHA FIGUEIREDOIMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA DE EXECUÇÕESFISCAIS DE CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA DACOMARCA DE FORTALEZARELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIREDO FROTA

EMENTA: PROCESSO PENAL. HABEASCORPUS PREVENTIVO. CRIME CONTRA AORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIADE JUSTA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE DETRANCAMENTO DA AÇÃO.I – O Paciente, indiciado pelo crime sonegaçãofiscal (art. 1°, inc. IV, c/c art. 11 da Lei n°. 8.137/90), não tem justa causa para requerer otrancamento da ação penal. A denúnciaministerial está consistente e calcada em sólidosfundamentos fáticos e jurídicos, com fortesindícios de participação do Paciente nos citadoseventos delituosos.II – Impossível anular a referida denúncia, poiscalcada nos requisitos do art. 41 do CPP. (STF:“(...) Penal. Processual Penal. Habeas corpus.Denúncia. Ação Penal. Trancamento.Impossibilidade. (...) I – Denúncia que atende aosrequisitos do art. 41 do CPP. II – A jurisprudênciadesta Corte firmou-se no sentido de que não setranca a ação penal se a conduta descrita nadenúncia configura, em tese, crime. III – HCindeferido” - JSTF 263/268). Ausência de causajusta.III – Denegação da ordem para o trancamento da

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ação penal.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de HabeasCorpus Crime Nº 2007.0001.8523-8 da Comarca de Fortaleza,em que é impetrante Kennedy Ferreira Lima, paciente RobertoCunha Figueiredo e impetrado o Juiz de Direito da 1ª Varade Execuções Fiscais de Crimes Contra a Ordem Tributáriada Comarca de Fortaleza-CE.

ACORDA a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma, porunanimidade, denegar a ordem impetrada, em consonância como parecer da douta Procuradoria Geral da Justiça.

Trata a presente ação de habeas corpus preventivoimpetrado por Kennedy Ferreira Lima, advogado devidamentequalificado na exordial, em favor de Roberto Cunha Figueiredo,contra ato tido como coator do MM. Juiz de Direito da 1ª Vara deExecuções Fiscais de Crimes Contra a Ordem Tributária daComarca de Fortaleza, por ter recebido denúncia contra opaciente, como incurso nas tenazes do art. 1°, inc. IV, c/c art. 11da Lei n°.8.137/90 (sonegação fiscal).

O impetrante assevera na exordial que o paciente éum dos sócios da empresa ANFISAUTO VEÍCULOS LTDA.,juntamente com os Srs. Ângelo Cunha Figueiredo e Djacir Gurgelde Figueiredo, os quais detinham conjuntamente 79,10% docapital social da referida empresa. Desta feita, alega a inépciada denúncia ministerial por não constar como acusados os trêssócios, mas apenas dois deles.

Afirma, ainda, que a contabilidade da empresa éterceirizada à contadora Célia Montenegro e que sãoencarregados da contabilidade empresarial os funcionários denome Francinaldo e Leopoldo. Tais fatos comprovariam, portanto,a ausência de responsabilidade do Sócio-Paciente.

Aduz, por fim, o Impetrante que não existem nosfólios provas da caracterização do delito imputado ao paciente,nem a descrição minuciosa do ato delituoso praticado por elemesmo, estando assim inepta a denúncia em questão, o quelevaria a configuração da justa causa para o trancamento da

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ação penal. Junta apenas o despacho de recebimento dadenúncia (fls. 19).

Notificada a autoridade apontada como coatora,seguiu-se a prestação das informações (fls. 28/29).

De posse dos informes, abriu-se vista à doutaProcuradoria Geral de Justiça, cuja Ilustre Representanteofereceu parecer desfavorável ao provimento do writ (fls. 31/36).

Eis, em síntese apertada, o relatório.Não está a merecer reparos a respeitável decisão a

quo, nada obstante as considerações deduzidas pelo Impetrante.De acordo com as informações prestadas pela

autoridade impetrada, o douto representante do Ministério Públicoapresentou de forma clara e contundente a conduta delituosa doPaciente no crime de sonegação fiscal contra a Fazenda PúblicaEstadual, tendo, inclusive, a magistrada a quo intimado o Pacientepara que este comprovasse, no prazo de 05 (cinco) dias, eventualpagamento ou parcelamento tributário, o que extinguiria apunibilidade do crime sob exame. Infere-se, ao contrário, que oPaciente não ofereceu resposta à tal oportunidade, o quecertamente ensejou o recebimento da exordial.

O crime de sonegação fiscal tipificado no art. 1°,inciso IV, da Lei n°. 8.137/90 consiste em:

“Art. 1°. Constitui crime contra a ordem tributáriasuprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social equalquer acessório, mediante as seguintes condutas:(...)IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizardocumento que saiba ou deva saber falso ouinexato;”

Ora, compete aos sócios e administradores daspessoas jurídicas de direito privado – tal como a ANFISAUTOVEÍCULOS LTDA. – a responsabilidade pelos créditoscorrespondentes a obrigações tributárias resultantes de atospraticados com excesso de poderes ou infração de lei, contratosocial ou estatuto, conforme dispõe o art. 135 do Código Tributário

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Nacional. E complementa o CTN, em seu art. 137, que aresponsabilidade é pessoal do agente quanto às infraçõesconceituadas por lei como crimes – a exemplo do crime desonegação fiscal em apreço.

Logo, a denúncia contém a exposição do fatocriminoso (consistente no crime de sonegação fiscal pelo nãopagamento do tributo estadual devido), com todas as suascircunstâncias (art. 11 da Lei n°. 8.137/90), a qualificação doacusado (o Paciente é sócio da citada empresa), a classificaçãodo crime (art. 1°, inc. IV, da Lei n°.8.137/90) e o rol detestemunhas.

Portanto, não há inépcia da denúncia ministerial, poiscalcada nos requisitos legais básicos e elementares de suaadmissibilidade (art. 41, CPP). Em suma, a denúncia se revelaperfeitamente válida e sem vícios de qualquer ordem.

Estando fortemente presentes os indícios de autoriado denunciado, ora Paciente, na participação do retro citado delito,bem como ser necessário um exame mais aprofundado dasprovas constantes nos autos, entendemos não haver justa causapara o trancamento da ação penal.

Sobre o trancamento da ação penal fundamentadaem justa causa, mister analisar a doutrina mais abalizada:

Também somente se justifica a concessão dehabeas corpus por falta de justa causa para a açãopenal quando é ela evidente, ou seja, quando ailegalidade é evidenciada pela simples exposição dosfatos com o reconhecimento de que há imputaçãode fato atípico ou da ausência de qualquer elementoindiciário que fundamente a acusação. É possível,entretanto, verificar perfunctoriamente os elementosem que se sustenta a denúncia ou a queixa, parareconhecimento da “fumaça do bom direito”, mínimodemonstrador da existência do crime e da autoria,sem o qual há falta de justa causa para a ação penal.Há constrangimento ilegal quando o fato imputadonão constitui, em tese, ilícito penal, ou quando há

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elementos inequívocos, sem discrepâncias, de queo agente atuou sob uma causa excludente da ilicitude.Não se pode, todavia, pela via estreita domandamus, trancar ação penal quando seureconhecimento exigir um exame aprofundadoe valorativo da prova dos autos. (grifamos)(MIRABETE, Julio Fabbrini. “Código de ProcessoPenal Interpretado”, 11ª ed., São Paulo: Atlas, 2004,p. 1705).

Igualmente, embasando a tese ora defendida pelaimpossibilidade de trancamento da ação penal por falta de justacausa, há diversos escólios jurisprudenciais neste mesmosentido:

STF: “(...) Penal. Processual Penal. Habeas corpus.Denúncia. Ação Penal. Trancamento.Impossibilidade. (...) I – Denúncia que atende aosrequisitos do art. 41 do CPP. II – A jurisprudência destaCorte firmou-se no sentido de que não se tranca aação penal se a conduta descrita na denúnciaconfigura, em tese, crime. III – HC indeferido” (JSTF263/268).

STF: “Em sede de habeas corpus só é possíveltrancar ação penal em situações especiais, comonos casos em que é evidente e inafastável a negativade autoria, quando o fato narrado não constitui crime,sequer em tese, e em situações similares, onde podeser dispensada a instrução criminal para aconstatação de tais fatos, situação que não seconfigura na espécie” (RT 742/533).

STF: “EMENTA: 1. Habeas Corpus. Crimes contra aordem tributária (Lei nº 8.137, de 1990). Crimesocietário. 2. Alegada inépcia da denúncia, porausência de indicação da conduta individualizada dos

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acusados. 3. Tratando-se de crimes societários, nãoé inepta a denúncia em razão da mera ausência deindicação individualizada da conduta de cadaindiciado. 4. Configura condição de admissibilidadeda denúncia em crimes societários a indicação deque os acusados sejam de algum modoresponsáveis pela condução da sociedade comercialsob a qual foram supostamente praticados os delitos.(...). 5. No caso concreto, a denúncia é apta porquecomprovou que todos os denunciados eramresponsáveis pela representação legal da sociedadecomercial envolvida. 6. Habeas corpus indeferido”.(HC 86.294/SP – Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma,j. em 27.09.2005, DJU de 03.02.2006, p.89)

STJ: “1. Descrevendo a denúncia crime em tese,não havendo dúvida quanto à participação dosdenunciados, prossegue-se na ação penal. 2. A faltade justa causa só justifica habeas corpus quando acontestação aos fatos não incursiona nocontraditório” (RSTJ 50/425-6).

Aduz, ainda, o Impetrante que para a configuraçãodo tipo penal em tela é necessária a demonstração do doloespecífico de apropriar-se (animus rem sibi habendi), ou seja, oelemento subjetivo é exigido para a acusação do Paciente. Ora,nada mais inverídico. A caracterização e comprovação do doloespecífico do crime de sonegação fiscal deve ser feita nodecorrer da instrução processual, onde se demonstrará ou nãoo elemento subjetivo da conduta do paciente. Repita-se, não setrata matéria atinente ao exame perfunctório em sede de habeascorpus, sendo desnecessária tal exigência nesta seara, aocontrário do que afirma o Impetrante.

A jurisprudência pátria corrobora esta linha deraciocínio:

STJ: “Recurso Ordinário em Habeas Corpus –

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Apropriação Indébita Previdenciária – Inépcia daDenúncia: Descrição Genérica – Falta de JustaCausa – Exigência de Dolo Específico (Animus RemSibi Habendi) – Ofensa ao Princípio da Anterioridadeda Lei – Alegações Improcedentes”. (AgRg-EREsp684412-SP, 3ª T., Rel. Min. Nilson Naves, DJU02.05.2006)

STJ: “Recurso Especial – Penal – Processo Penal –Crime de Apropriação Indébita de ContribuiçãoPrevidenciária – Demonstração de Dolo Específicode Apropriar-se dos Valores Não Recolhidos –Desnecessidade”. (REsp 819986-CE, 5ª T. – Rel.Min. Laurita Vaz – DJU 19.06.2006)

Em suma, não há que se falar em constrangimentoilegal do Paciente, pois existem indícios suficientes de autoria eprova da materialidade do crime aventado na denúncia. Restam,portanto, perfeitamente válidas tanto a decisão judicial querecebeu a delação contra o Paciente, como esta última, nãomerecendo reparação por meio deste writ.

Diante do exposto, voto pela denegação do habeascorpus, em consonância com parecer da douta ProcuradoriaGeral de Justiça.

Fortaleza, 02 de abril de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS N.º 2007.0009.4835-5/0- de Tamboril-CEIMPETRANTE: João Rodrigues NetoPACIENTE: Sebastião Pereira do NascimentoIMPETRADO: MM. Juiz de Direito da Comarca deTamboril

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RELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIRÊDO FROTA

EMENTA: PROCESSO PENAL. HABEASCORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO.LIBERDADE PROVISÓRIA. ESTATUTO DODESARMAMENTO. INCONSTITUCIONALI-DADES. CONSTRANGIMENTO ILEGALCARACTERIZADO. CONCESSÃO DO WRIT.I – Paciente preso em flagrante pelo crime deporte ilegal de arma de fogo de uso permitido(art. 14 da Lei 10.826/2003), requer a liberdadeprovisória. Diante da denegação pelo magistradoa quo, impetrou-se o presente writ, sob aalegação de que tem direito de responder aoprocesso em liberdade.II – A denegação do pedido de liberdadeprovisória no crime em comento ocasionaconstrangimento ilegal ao paciente, autorizadorde sua liberdade. Declaração deinconstitucionalidade dos parágrafos únicos dosartigos 14 e 15 e do artigo 21 da Lei n°.10.826/2003 – Estatuto do Desarmamento. (STF, ADIn°.3.112/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julg.em 02.05.2007).IV – Concessão da ordem.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de HabeasCorpus Crime Nº 2007.0009.4835-5/0 da Comarca de Tamboril,em que é impetrante João Rodrigues Neto, paciente SebastiãoPereira do Nascimento e impetrado o Juiz de Direito daComarca de Tamboril-CE.

ACORDA a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma, porunanimidade, conceder a ordem impetrada, determinando aexpedição do competente Alvará de Soltura em favor do paciente,se por outro motivo não estiver preso, em consonância com oparecer da douta Procuradoria Geral da Justiça.

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Trata a presente ação de habeas corpus impetradopor João Rodrigues Neto, advogado já qualificado nos presentesautos, em favor do paciente Sebastião Pereira do Nascimento,contra ato tido como coator do MM. Juiz de Direito da Comarcade Tamboril.

Em 24.03.2007, o paciente estava num bar doreferido município, quando foi abordado por policiais militaresque, após uma busca em todos os presentes, encontraram como paciente um revólver calibre 32, municiado, razão pela qualfora preso em flagrante pelo crime previsto no art. 14 da Lein°.10.826/2003 - Estatuto do Desarmamento (auto de fls. 23/30).

O paciente requereu o relaxamento da prisão emflagrante a fim de que fosse concedida sua liberdade provisóriadurante o trâmite processual (fl.05), tendo sido o pedido acatadoem manifestação do Parquet Estadual (fl.41), porém denegadopelo magistrado a quo (fls.42/43).

Inconformado com tal situação, o impetranteingressa com o presente writ liberatório, requerendo a expediçãode alvará de soltura em favor do mencionado paciente. Alega,primordialmente, que não houve sequer a denúncia do acusado,sendo tal ato por si só flagrante constrangimento ilegal. Aduz,ainda, que a decisão que denegou o pedido de relaxamento deprisão em flagrante não estava bem fundamentada, razão pelaqual requereu a concessão da ordem. Para tanto, o Impetrantefaz prova do alegado com documentação anexa (fls. 04/46).

Notificada a autoridade apontada como coatora,seguiu-se à prestação das informações (fls. 53/54).

Em parecer bem fundamentado, o IlustreRepresentante do Parquet opinou pela concessão da ordem,tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade proferidapelo Supremo Tribunal Federal, na ADIN n°.3.112/DF, afastandoa validade dos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15 e do artigo21 da Lei n°.10.826/2003 – Estatuto do Desarmamento (fls. 58/60).

Eis, em síntese apertada, o relatório. Passo ao voto.A análise do presente writ cinge-se ao exame da

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legislação pertinente à matéria, bem como da recente decisãoda Excelsa Corte em sede de ação direta deinconstitucionalidade.

A alegação de constrangimento ilegal do pacientedevido à denegação do pedido de relaxamento de prisão emflagrante deve ser examinada à luz da legislação pátria vigente(Estatuto do Desarmamento). Senão vejamos:

“Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, terem depósito, transportar, ceder, ainda quegratuitamente, emprestar, remeter, empregar, mantersob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório oumunição, de uso permitido, sem autorização e emdesacordo com determinação legal ou regulamentar:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, emulta.Parágrafo único. O crime previsto neste artigoé inafiançável, salvo quando a arma de fogoestiver registrada em nome do agente. (grifamos)

Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar muniçãoem lugar habitado ou em suas adjacências, em viapública ou em direção a ela, desde que essa condutanão tenha como finalidade a prática de outro crime:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, emulta.Parágrafo único. O crime previsto neste artigoé inafiançável. (grifamos)

Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18são insuscetíveis de liberdade provisória.”(grifamos)

Ante tais dispositivos legais, o magistrado impetradoentendeu por bem que o crime perpetrado pelo paciente – adespeito de este ser primário, ter profissão definida e residênciafixa, não possuir qualquer antecedente criminal (fls. 09/12) – era

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inafiançável e, portanto, insuscetível de liberdade provisória,porém fundamentado seu decisum no parágrafo único do art. 15da Lei n°.10.826/2003 (fls. 42/43).

Ad argumentandum tantum, ainda que se tenteinterpretar como mero erro de grafia na fundamentação dareferida decisão, quando o magistrado imputou ao paciente outrocrime (disparo de arma de fogo) que não o capitulado no auto deprisão em flagrante e na denúncia ministerial (fls.44/46), talentendimento não merece prosperar.

Com efeito, infere-se dos autos que o paciente nãoincorre em nenhuma das circunstâncias do arts. 311 e 312 quejustificasse sua custódia preventiva, além de militar em seu favortodos os fatores de ordem pessoal (pai viúvo com oito filhos,residência fixa, profissão definida, sem antecedentes criminais).

Acrescente-se a isto, que a Lei n°.10.826/2003estabeleceu, claramente, quais os crimes nela previstosinsuscetíveis à concessão da liberdade provisória, entre os quaisnão se encontra o delito tipificado no art. 14 da citada lei.

Em verdade, o magistrado a quo interpretouerroneamente a legislação em comento e denegou o pedido deliberdade provisória do paciente sem amparo legal.

No entanto, toda esta discussão restou superadarecentemente com a decisão do Supremo Tribunal Federal, naADIN n°.3.112/DF, do Relator Ministro Ricardo Lewandowski,julgada em 02.05.2007, que declarou a inconstitucionalidade dosparágrafos únicos dos artigos 14 e 15, bem como o artigo 21 daLei n°.10.826/2003. Relativamente aos primeiros dispositivos,que proíbem o estabelecimento de fiança, respectivamente, paraos crimes de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e dedisparo de arma de fogo, considerou-se desarrazoada a vedação,ao fundamento de que tais delitos não poderiam ser equiparadosa terrorismo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentesou crimes hediondos (CF, art. 5º, XLIII). Asseverou-se, ademais,cuidar-se, na verdade, de crimes de mera conduta que, emboraimpliquem redução no nível de segurança coletiva, não podemser igualados aos crimes que acarretam lesão ou ameaça delesão à vida ou à propriedade. Quanto ao art. 21 da lei impugnada,

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que prevê serem insuscetíveis de liberdade provisória os delitoscapitulados nos artigos 16 (posse ou porte ilegal de arma defogo de uso restrito), 17 (comércio ilegal de arma de fogo) e 18(tráfico internacional de arma de fogo), entendeu-se haver afrontaaos princípios constitucionais da presunção de inocência e dodevido processo legal (CF, art. 5º, LVII e LXI). Ressaltou-se, noponto, que, não obstante a interdição à liberdade provisória tenhasido estabelecida para crimes de suma gravidade, liberando-sea franquia para os demais delitos, a Constituição não permite aprisão ex lege, sem motivação, a qual viola, ainda, os princípiosda ampla defesa e do contraditório (CF, art. 5º, LV).

Em suma, tendo em vista a recente declaração deinconstitucionalidade dos dispositivos em comento e dafundamentação da decisão denegatória da liberdade provisóriado paciente neles baseada, não resta alternativa senão concluirpelo constrangimento ilegal do paciente.

Por todo o exposto, em consonância com o parecerda douta Procuradoria Geral de Justiça, voto pela concessão dohabeas corpus, a fim de se expedir o alvará de soltura em favordo paciente, se por outro motivo não estiver preso.

Fortaleza, 28 de maio de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2007.0014.1043-0/0 Habeas CorpusIMPETRANTE: ELIZABETE RIBEIRO E SILVAPACIENTE: JOSÉ MARCOS ALVES DA SILVAIMPETRADO: JUÍZO DE DIREITO DA 15ª VARA DA COMARCADE FORTALEZA-CERELATOR: DESEMBARGADORA MARIA SIRENE DE SOUZASOBREIRA

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL PENAL.

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HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA.CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR EXCESSODE PRAZO. CARACTERIZAÇÃO.1. A prisão provisória não pode exceder o prazoestabelecido na lei em obséquio ao princípioconstitucional da razoabilidade. In casu,observa-se que o paciente já se encontraenclausurado preventivamente há aproxima-damente 06 (seis) anos, sendo que 05 (cinco)destes aguardando a realização de diligênciasrequeridas pela defesa.2. Ordem deferida.

Vistos, relatados e discutidos os autos acimaidentificados.

ACORDAM os desembargadores que compõem a2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,por votação unânime, em CONCEDER a ordem, nos termos dovoto da Desembargadora Relatora.

RELATÓRIO

Cogita-se de Habeas Corpus impetrado porELIZABETE RIBEIRO E SILVA em favor de JOSÉ MARCOSALVES DA SILVA, sob a alegação de constrangimento ilegal porexcesso de prazo no encerramento do processo.

Afirma a impetrante que, no dia 21 de março do anode 2001, o juízo apontado coator decretou a prisão preventiva dopaciente, sob a acusação de ter violado o art. 157, § 2º, incs. I eII, do Código Penal, contra a agência do Banco Boa Vista, nestaCapital, fato esse ocorrido aos 30 de novembro de 1999.

Diz, mais, que a instrução criminal terminou aos 19de abril de 2002, tendo a defesa, em sede diligencial, requeridacópia de auditoria administrativa realizada na referida instituiçãobancária, assim como para que esta informasse os nomes doSegurança e da empresa prestadora de serviços dessainstituição.

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Afirma, porém, que, nada obstante o juízo apontadocoator ter deferido o pleito defensivo, aos 24 de junho de 2002, eoficiada a Direção do Banco sobre o pleito, até a presente data,ainda não houve o atendimento das diligências em comento.

Assevera, ainda, que, em razão da prisão preventivado paciente já perdurar por mais de 06 (seis) anos, tal custódiaà sua liberdade tornou-se ilegal, levando-se em conta o princípioda razoabilidade. Ademais, afirma que “mesmo que venha a sercondenado em regime fechado, hoje já poderia usufruir regimeprisional menos rigoroso”.

Pugna, assim, pela concessão da presente ordema fim de ser relaxado o encarceramento processual do paciente.

Com a exordial, documentação de fls. 10/62.Não foi pleiteada liminar (fls. 67/68).Notificada a autoridade indicada coatora carreou aos

presentes autos informações, às fls. 70/73, dando conta que:1. o paciente, juntamente com o acusado Cairo Lima

de Souza, foi denunciado nas sanções do art. 157, § 2º, incs. I eII, do Código Penal, acusados de terem assaltado com empregode arma de fogo e concurso de pessoas a agência do BancoBoa Vista S/A, nesta Capital, subtraindo a quantia de R$238.000.00 (duzentos e trinta e oito mil reais);

2. a instrução criminal foi ultimada no dia 19 de abrilde 2002, e na oportunidade do art. 499 do CPP, a defesa dosacusados requereu que fosse oficiado ao Banco Boa Vista paraque enviasse a este juízo resultado de uma auditoria internarealizada pela vítima após o cometimento do crime, sob aargumento de que tal diligência seria prova crucial paracomprovar a inocência dos réus;

3. aos 28 de junho de 2002, foi oficiado à instituiçãobancária acima nominada para ciência e cumprimento da referidadiligência;

4. inobstante devidamente oficiada, por 03 (três)vezes, a vítima não prestou as informações solicitadas, fato esseque ensejou renovação de tal pleito por parte da defesa, no dia23 de maio do ano pretérito, tendo sido novamente determinadaa expedição de ofício à instituição bancária;

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5. a custódia do paciente deve ser mantida ante osseus reprováveis antecedentes, para que, assim, sejapreservada a credibilidade da justiça como instrumento da ordempública.

A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se àsfls. 82/90 pelo conhecimento e denegação da ordem impetrada.

É o relatório.

VOTO

Em juízo de admissibilidade, presente as condiçõesgenéricas da ação, no que tange à possibilidade jurídica dopedido, legitimidade para agir e interesse de agir, esterepousando sobre o binômio adequação e utilidade.

Como declinado no relatório, cogita-se de HabeasCorpus com o escopo de elidir constrangimento ilegalsupostamente causado ao paciente pelo juízo da 15ª VaraCriminal da Comarca de Fortaleza-CE, em razão de excessode prazo na custódia provisória.

Analisando, com vagar e serenidade, os presentesautos, verifica-se que o writ merece deferimento, uma vez que opaciente, de fato, sofre constrição ilegal em seu direito de ir e virdecorrente de excesso de prazo no seu enclausuramentoprovisório.

É que, pelo o art. 648, II, do CPP, tem-se comoconstrangimento ilegal por excesso de prazo, remediado porhabeas corpus, a manutenção de “alguém preso por mais tempodo que determina a lei”. E como é cediço, a jurisprudência pátriaestabeleceu o prazo de 81 dias para o encerramento dosprocedimentos de réus presos provisoriamente , prazo este quetão-somente pode ser alargado se houver uma justificativaplausível, como por exemplo, grande número de réus,complexidade da causa, necessidade de expedição de cartasprecatórias, diligências, instauração de incidentes, enfim, pormotivo de força maior.

Evidentemente que o excesso de prazo deve serverificado em cada caso concreto e específico, de tal sorte que

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tão-só a extrapolação do prazo legal aferido razoavelmente éjustificável no ordenamento jurídico brasileiro.

Isso parece não ser o caso de que ora se trata.Observe-se que a prisão do paciente viola a

razoabilidade em matéria de prazo de medida cautelar pessoal.De vez que, nada obstante o processo já se encontrar com ainstrução concluída, desde o dia 19 de abril de 2002, o pacientecontinua encarcerado até a presente data, isto é, poraproximadamente 06 (seis) anos, sem que o processo a queresponde seja encerrado.

É verdade que, segundo entendimento sumuladopelo STJ, nas Súmulas 21 e 64, estando encerrada a instruçãocriminal e o excesso de prazo tendo sido provocado pela defesa,não haveria constrangimento ilegal a ser sanado via habeascorpus.

Porém, nada obstante, na espécie, verificar-se queo sumário de culpa já se encontra concluído e que a dilaçãotemporal do feito, em parte, foi ocasionada pelas diligênciasrequeridas pela defesa, ainda, assim, tenho por ilegal oconstrangimento à liberdade do paciente.

Sequer tais fatos – encerramento da formação daculpa e requerimento diligencial - têm o condão de continuarlegitimando o encarceramento cautelar do paciente. Veja quenão se mostra razoável, sob qualquer óptica de observação, queuma diligência pleiteada desde o dia 28 de junho de 2002, istoé, há mais de 05 (cinco) anos, ainda não tenha sido efetivada.

É verdade que não se pode imputa ao juízo impetradoa pecha de desidioso. Nada disso. Pois em 04 (quatro)oportunidades solicitou à instituição bancária o enviou dadocumentação requerida pela defesa.

Mas também não se amolda ao ordenamento jurídicopátrio, de índole liberal e democrática, que o direito do pacientede ser julgado em um prazo razoável, principalmente por estarpreso cautelarmente, seja vilipendiado pelo Estado-juiz, aindaque a causa da demora no cumprimento da diligência defensivaseja da instituição bancária vítima no processo em questão.

Por outro lado, registre-se que o paciente já se

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encontra preso, preventivamente, pelas informações dos autos,desde o ano de 2001, ou seja, há quase 06 (seis) anos, sem quehaja previsão de cumprimento das diligências solicitadas.

Isto, à toda evidência, desnatura irremediavelmentea razoabilidade que poderia resguardar legítima econstitucionalmente a superação do prazo da prisão processualdo paciente, máxime quando se verifica, frise-se mais uma vez,que já decorreram mais de 05 (cinco) anos do término dosumário de culpa ( 19.04.02) e do referido pedido dediligência (28.06.02), sem, no entanto, ocorrer a conclusão dafase processual prevista no art. 499 do CPP.

Assim, pode-se dizer que o excesso de duração naprisão acautelatória do paciente já extrapolou todos prazosaceitáveis e razoáveis de interferência do Estado-Juiz na esferados direitos e garantias individuais do acusado antes de sentençacondenatória com trânsito em julgado, aviltado, por via direta, adignidade da pessoa humana, pois ainda que acusado, o réu ouo condenado não deixam de ser humano e de gozarem de direitosfundamentais.

Não se pode olvidar, porém, que a irrazoabilidade daprisão preventiva do paciente, caso não seja agora sanada poreste remédio heróico, agravará mais ainda o desrespeitoantijurídico a sua liberdade individual, uma vez que, não sesabendo, ao menos, quando se efetivará a diligência em tela,decerto continuará enclausurado por mais tempo ainda, de formaque mais gravame sofrerá em razão da majoração do excessode prazo daí advindo.

Há que se ressaltar que a Convenção Americanasobre Direitos Humanos, Pacto de San José de Costa Rica, de22 de novembro de 1969, adotada pela República Federativa doBrasil, por intermédio da promulgação do Decreto nº. 678, de06.11.1992, estabelece a orientação no sentido de que “Todapessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora àpresença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei aexercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentrode um prazo razoável ou ser posta em liberdade, semprejuízo de que prossiga o processo” (art. 7º). (grifo nosso).

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Adite-se que a emenda constitucional nº. 45, de08.12.2005, corroborando a idéia acima, declarou a celeridadeprocessual como direito público subjetivo do indivíduo, aodeclarar, no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais,especificamente no inc. LXXVIII, do art. 5º, da Constituição Federalvigente, que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, sãoassegurados a razoável duração do processo e os meios quegarantam a celeridade de sua tramitação”. (grifo nosso).

Nessa esteira de argumentação é a orientação firmedos tribunais pátrios, inclusive do Supremo Tribunal Federal. Àmão de ilustrar, colacionam-se abaixo algumas decisões nessesentido. Vejamos:

STF: “Ultrapassado o prazo total alusivo à açãopenal, é de se reconhecer o excesso e ailegalidade da persistência da custódiaexpedindo-se alvará de soltura. Ao Estadocumpre aparelhar-se objetivando-se o respeitoao balizamento temporal referente à tramitaçãoda ação penal e julgamento respectivo, nadajustificando a permanência do acusado, simplesacusado, na prisão além do período previsto”(STF – 2ª T. – HC 79.750-4 – Rel. Marco Aurélio – j.14.12.1999 – Bol. IBCCRIM 114/608).

TRF DA 5ª REGIÃO: “Não só a lei processualdetermina, como a própria Constituição exige ocumprimento dos prazos processuais, um direitoimpostergável do acusado que se encontrarespondendo a processo provisoriamente preso.(...). A prisão vem, assim, caracterizando-se comocoação ilegal, a teor do art. 648, II, do CPP, e dospostulados constitucionais das garantiasfundamentais” (TRF 5ª R. 2ª T. – HC 635 – Rel.Lázaro Guimarães – j. 08.10.1996 – RTRF 5ª R. 26/292).

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TJRS: “Se se prende cidadão antes do tempocorreto – sentença transitada em julgado(exceção espetacular) – que se cumpram osprazos com seriedade, pena de gerar teratóideético-jurídico. Ordem concedida” (TJRS – 5ª C –HC 7000.002.86427 – Rel. Amilton Bueno deCarvalho – j. 03.11.1999, Revista Jurídica 270/156).

Destarte, estando o paciente preso além do tempodeterminado pela Constituição e lei processual penal, em totalviolação ao princípio da razoabilidade – posto não existir maisnada a justificar o atraso na realização das diligênciasrequeridas pela defesa ao juízo impetrado - é forçoso convirque deve imediatamente ser posto em liberdade, de forma quepossa acompanhar o término dos atos e procedimentos da açãopenal que lhe move o Ministério Público. Tudo isso em respeitoaos valores do Estado Democrático de Direito e de Justiça.

No mais, é imperioso ainda advertir que sendo osprincípios constitucionais fundamentais da liberdade, darazoabilidade, do devido e regular processo legal, e, por viaoblíqua, da presunção de inocência, que estão em jogo nopresente caso, o acanhamento jurisdicional na sua proteção podegerar prejuízos irreparáveis não apenas ao paciente, que é vítimade violação arbitrária e injustificada de imperativosconstitucionais, mas a todos os acusados. De vez que, casonão seja restabelecido o jus ambulandi do paciente, podem,igualmente, ficar permanentemente expostos a toda sorte dearbítrio e desatino dos órgãos do estado, colocando,conseqüentemente, em xeque até mesmo o princípio dasegurança e certeza jurídica, que é um dos vetores de um Estadoverdadeiro e substancialmente Democrático e de Direito.

Em última análise, não posso deixar de fazerobservação derradeira.

É que, levando-se em consideração o fato dopaciente ter cumprido aproximadamente 06 (seis) anos deprisão, tudo levar a crer que, ainda que venha a ser condenadonas sanções que lhe imputa o órgão ministerial, o quantum da

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pena que já cumpriu até hoje lhe permitiria usufruir regime prisionalmenos gravoso do que o agora suportado pelo paciente, de talforma que, à luz, novamente, do princípio da razoabilidade, nãoteria sentido manter o paciente enclausurado processualmente.Sem levar em consideração que há inclusive a possibilidade devir a ser o acusado absolvido, o que transformaria a custódiaem exame de cautelar em condenação antecipada de uminocente.

Do exposto, conheço da presente ordem, pararelaxar a prisão preventiva do paciente, determinando-se aimediata expedição do competente alvará de solturaclausulado em seu favor, para, em tal condição, acompanharos ulteriores termos da ação penal contra ele instaurada, se poroutro motivo não estiver preso.

É como voto.

Fortaleza, 13 de agosto de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS N. º 2007.0015.2872-4/0 de Fortaleza/Ce.IMPETRANTE: BORIS TRINDADEIMPETRANTE: RODRIGO GONÇALVES TRINDADEIMPETRANTE: ALBERTO TRINDADEPACIENTE: EUDES TEIXEIRA DE CARVALHO JÚNIORIMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA CRIMINAL DEFORTALEZA/CE.RELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIRÊDO FROTA

EMENTA: PROCESSO PENAL. HABEASCORPUS TRANCATIVO. CRIME DE DUPLICATASIMULADA. MAUS ANTECEDENTES. AÇÃOPENAL POR HOMICÍDIO QUALIFICADO.RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ALEGAÇÃO DE

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INÉPCIA DA DENÚNCIA POR NÃOINDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA DO AGENTE.AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTODA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE.“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federalconsidera juridicamente idônea a peça acusatóriaque contém exposição clara e objetiva dos fatosalegadamente delituosos, com narração de todosos elementos essenciais e circunstâncias que lhesão inerentes, permitindo, desse modo, àqueleque sofre a acusação penal, o exercício pleno dodireito de defesa assegurado pelo ordenamentoconstitucional” (JSTF 235/376).“Não cabe trancar-se ação penal, por ausênciade justa causa, quando vislumbra-se na denúnciaa prática do crime em tese” (RSTJ 95/405).Ordem denegada.Unânime.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de HabeasCorpus Crime Nº 2007.0015.2872-4/0 da Comarca de Fortaleza/Ce, em que são impetrantes Boris Trindade, RodrigoGonçalves Trindade, Alberto Trindade, paciente EudesTeixeira de Carvalho Júnior e impetrado o Juiz de Direito da3ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza-CE.

ACORDA a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma,unanimemente, denegar a ordem impetrada, em consonânciacom o parecer da Procuradoria Geral de Justiça.

Trata-se de ação de Habeas Corpus manejado peloscausídicos Boris Trindade, Rodrigo Gonçalves Trindade e AlbertoTrindade, em favor do paciente EUDES TEIXEIRA DECARVALHO JÚNIOR, bastante qualificado nos autos, contra atotido como coator do eminente Juiz de Direito da 3ª Vara Criminalda Comarca de Fortaleza, neste Estado, que recebeu a denúnciaformulada pela representação ministerial contra o paciente, porcrime de duplicata simulada, previsto no artigo 172, do Código

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Penal Brasileiro, praticado em detrimento do BMC S/A, nodesconto de duplicatas emitidas pela Empresa Tropical RáfiaIndustria e Comércio S/A, da qual era Diretor, em mais de R$118.000,00 (cento e dezoito mil reais), depois constatadas queeram “frias”, porque não estavam lastreadas em nenhumarelação comercial de compra e venda ou prestação de serviços,provocando a comunicação do fato à Delegacia Especializadade Defraudações e Falsificações do Ceará e, em etapa posterior,o oferecimento da delação ministerial e seu regular recebimento,com instauração da ação penal correspondente.

Aduziram os ilustres subscritores da impetração,como meio viabilizador do sucesso da pretensão externada, queo paciente está submetido a constrangimento ilegal deresponsabilidade da ilustrada autoridade judiciária requerida,consistente no recebimento da denúncia por suposta prática docrime de duplicata simulada, mediante desconto e recebimentode valores, na ordem de dezoito mil reais, em duplicatasdescontadas do Banco BMC S/A, posteriormente constatadasque eram frias, posto não corresponderem a nenhuma operaçãocomercial ou prestação de serviços, delação ministerialacoimada de inepta, pois o fato narrado não se constitui crime,nem, tampouco, o paciente subscreveu os referidos títulos decrédito, pugnando pelo imediato trancamento da ação penalrespectiva.

Acostaram a documentação probatória queconceberam relevante para a solução da impetração (fls. 10/23).

Comparecendo ao sítio mandamental, a ínclitaautoridade requerida noticiou a situação e marcha do processo,acrescentando, ainda que recebeu a delação ministerial contrao paciente pela prática do delito noticiado, porque preenchia osrequisitos legais, não se constatando nenhuma das hipótesesde rejeição previstas na legislação processual. Em face da nãolocalização do paciente no endereço fornecido, decretou asuspensão do processo e a citação por edital, sendo expedidasvárias precatórias a outras jurisdições, não obtendo êxito, atéque finalmente, foi o paciente interrogado. Numa das tentativas

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de citação, não houve consolidada a inquirição porque o pacienteestava preso e recolhido ao COTEL, por força de decretopreventivo emanado do Juízo da 2ª Vara do Júri de Recife/PE,por crime de homicídio qualificado. Finalizou asseverando aexistência de fortes e suficientes indícios de autoria e damaterialidade, a serem esclarecidos na instrução processual (fls.30/31).

A douta Procuradoria Geral da Justiça, instada amanifestação opinou pela denegação da ordem.

É o relatório.O remédio heróico aforado pelos ilustres impetrantes

não guarda foros de acolhimento, eis que adverso aos contornoslegais e jurisprudenciais aplicáveis à matéria.

Com efeito, depois de provocação do Banco BMCS/A, à Delegacia de Defraudações e Falsificações de Fortaleza,contra o paciente, na qualidade de Diretor da Empresa TropicalRáfia Indústria e Comércio S/A, com vista à instauração doinquérito policial pela prática do delito de duplicata simulada,consistente no desconto na ordem de cento e dezoito mil reaisem duplicatas, posteriormente constatadas “frias”, porque nãocorrespondiam a nenhuma operação comercial ou mesmoprestação de serviços, a delação ministerial restou devidamenterecebida e instaurada a ação penal, pela prática do crime deduplicata simulada, presentes a materialidade e indíciosveementes de autoria, não contemplando nenhuma dashipóteses legais de rejeição.

A impetração alinha apenas um fundamento básico,concebido pelos ilustrados impetrantes como apto a viabilizar oalmejado trancamento da ação penal: a inépcia da denúncia,por não descrever, individualizando a conduta do acusado, sobpena de nulidade, tendo por conseqüência a alegada ausênciade justa causa para instauração e desenvolvimento válido e eficazda ação penal.

Os fatos apurados e a documentação instrutóriaacostada revelam indícios fortes da ação delituosa perpetradapelo paciente (materialidade e indícios de autoria) e ainda,consoante noticia o judicante monocrático requerido, os maus

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antecedentes criminais ostentados, com aprisionamento cautelardecorrente de ação penal por homicídio qualificado. A denúnciadescreveu, embora sinteticamente, a conduta do paciente emcotejo com o tipo penal no qual incidiu, suficiente ao recebimentoe instauração da ação penal correspondente (fls. 17/21).

Enfrentando argumento posto na exordial daimpetração, não sobra amparo legal a coima de inépcia dadenúncia e ausência de justa causa para seu recebimento, pornão descrever, individualizando pormenorizadamente, a condutado paciente no episódio consignado referente ao descontoindevido de mais de cento e dezoito mil reais do Banco BMC S/A, pela Empresa Tropical Ráfia Indústria e Comércio S/A, daqual era Diretor, em duplicatas posteriormente constatadaseivadas de ilegitimidade, por não corresponderem a nenhumaoperação comercial ou prestação de serviços.

Muito ao contrário do asseverado pelos insignesimpetrantes, a denúncia não é imprecisa, nem omissa, nãodificultando a compreensão da acusação e a formulação precisada defesa. Descreve os fatos, com base no investigatório policialpromanado da Delegacia de Defraudações e Falsificações doCeará, embora sinteticamente, apontando o envolvimento dopaciente no ilícito penal, reafirmando pesada carga indiciáriaacerca do fato relacionado à persecução penal pelo crime deduplicata simulada, sendo bastante para validade e eficácia,instaurando a persecução penal.

Por isso mesmo a denúncia ofertada instauradorada ação penal não é imprecisa, vaga ou mesmo inepta comoalmejam os perlustrados impetrantes, de sorte que o pacientedetém plena ciência dos fatos imputados e daquilo que irá sedefender no decorrer da instrução criminal.

Noutra vertente, ainda palmilhando o singularargumento deduzido na impetração, para oferta, recebimentoda denúncia e instauração da ação penal são suficientes aconvicção da materialidade e da autoria (prova de existência docrime e indícios suficientes de autoria), que se configura nasistemática processual como a proposta acusatória, a sercomprovada, pela acusação, na instrução criminal, sujeita ao

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contraditório e a ampla defesa, por imperativo constitucional.Preenchendo, então, a denúncia a previsão legal do

artigo 41, do Código de Processo Penal e não incidindo nenhumadas hipóteses de rejeição contidas no artigo 43, da Legislaçãode Ritos Penais, deve a peça acusatória ser recebida e instauradaa ação penal respectiva.

A prova coligida nos autos demonstra, de modo claroe evidente, a materialidade e veementes elementos de convicçãoquanto à autoria, asseverado pela autoridade requerida nasinformações prestadas, bastantes ao seu regular recebimentoda peça acusatória.

Evoluindo na linha dos argumentos, a jurisprudênciapretoriana tem assentado, sob a supervisão do Excelso SupremoTribunal Federal, acerca da matéria, que se considera idônea apeça acusatória que contenha a exposição clara e objetiva dosfatos tidos como delituosos:

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federalconsidera juridicamente idônea a peça acusatóriaque contém exposição clara e objetiva dos fatosalegadamente delituosos, com narração de todos oselementos essenciais e circunstâncias que lhe sãoinerentes, permitindo, desse modo, àquele que sofrea acusação penal, o exercício pleno do direito dedefesa assegurado pelo ordenamento constitucional”(JSTF 235/376).

“Denúncia que bem individualiza as condutas,expondo de forma pormenorizada o fato criminoso,preenchendo, assim, os requisitos do art. 41 do CPP.Ademais, não se declara inepta a denúncia se o seuteor permite o exercício do direito de defesa. Otrancamento da ação penal, em habeas corpus, seapresenta como medida excepcional que só deveser aplicada quando evidente a ausência de justacausa, o que não ocorre quando a denúncia descreveconduta que configura crime em tese. Não se admite

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na via estreita do habeas corpus a análiseaprofundada de fatos e provas” (STF, HC 86622-SP,Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.29.08.2006).

“A denúncia deve apresentar-se formal ematerialmente correta. Identificar, ademais, o fatocomo crime. Satisfazer a legitimidade ativa epassiva. Remanesce o interesse de agir, ausentecausa de extinção de punibilidade. Evidenciar, alémdisso, o mínimo fático para arrimar a pretensão doMinistério Público. Tais requisitos não se confundemcom o ‘meritum causae’, isto é, se a imputaçãocorresponde à verdade real. Justifica-se o processo,evidenciada a necessidade da instrução criminal”(STJ, RSTJ 74/128).

Nessa linha de desenvolvimento, a delatóriaimpugnada descreveu os fatos imputados, demonstrando apresença dos requisitos insertos no artigo 41, ausentes ascondições que ensejariam a sua rejeição, previstas no artigo 43,ambos do Código de Processo Penal, não se caracterizandocomo inepta, mas, sim, válida e eficaz para desencadear a açãopenal pública.

Respeitante ao argumento constante da impetração,rotulada a ação penal como destituída de justa causa, comoconseqüência natural de sua inépcia, não emerge aportejurisprudencial para agasalho do tema.

É que a ausência de justa causa fundamenta-se nacarência de provas (incluindo a indiciária) para sustentar aexistência e manutenção da investigação policial ou do processocriminal, o que não se cuida, à toda evidência, na hipótesecolacionada.

A jurisprudência tribunalícia ratifica o entendimentoperfilhado:

“O processo de habeas corpus não comporta exame

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aprofundado e interpretativo da prova, notadamenteda prova testemunhal” (STF, RTJ 58/523).

“Em se tratando de habeas corpus só se reconhecea falta de justa causa para a ação penal, sobfundamento de divórcio entre a imputação fáticacontida na denúncia e os elementos de convicçãoque ela se apóia, quando a desconformidade entre aimputação feita ao acusado e os elementos que lheservem de supedâneo for incontroversa, translúcidae evidente, revelando que acusação resulta de puracriação mental de seu autor” (STJ, RT 665/342).

“Em face da natureza sumária do habeas corpus,não é possível em seu âmbito o confronto e avaloração de provas” (RT 527/355).

Ademais, os autos noticiam a inequívoca presençado crime em tese, o que inviabiliza o remédio trancativo nosmoldes recomendados pelos escólios pretorianos:

“O trancamento da ação penal por falta de justacausa, postulado na via estreita do habeas corpus,somente se viabiliza quando, pela mera exposiçãodos fatos na denúncia, se constata que há imputaçãode fato penalmente atípico ou que inexiste qualquerelemento indiciário demonstrativo da autoria pelopaciente” (STJ, RSTJ 94/353).

“Não cabe trancar-se ação penal, por ausência dejusta causa, quando vislumbra-se na denúncia aprática do crime em tese” (STJ, RSTJ 95/405).

“Inadmissível o trancamento de ação penal poralegada ausência de justa causa, quando a denúnciadescreve, com todos os elementos indispensáveis,a existência do crime em tese, exigindo a

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conveniente apuração através do regularcontraditório. Precedentes jurisprudenciais”.(STJ,RSTJ 111/291).

Assim sendo, não concretizado o alegadoconstrangimento ilegal imposto ao paciente, deve a ordem serindeferida.

Isto posto, denega-se a ordem requerida nos termosdo parecer da douta Procuradoria Geral da Justiça.

Fortaleza, 20 de agosto de 2007.

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DESAFORAMENTO

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PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ

PROCESSADO DE DESAFORAMENTO Nº 2002.0003.3584-0/1 – Amontada-CEREQUERENTE: Ministério PúblicoREQUERIDOS: Jairo Antônio de Sousa, Messias Gonçalvesde Sousa, José Inaldo Gomes, Pedro de Sousa Neto,Raimundo Marques Freitas, Elizeu Serafim de Sousa,Geraldo Guilherme Gonçalves, Aldenor Marques deAlexandre, Afonso Serafim de Sousa, José Serafim de Sousa.RELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIRÊDO FROTA

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL.HOMICÍDIO. DESAFORAMENTO. EXISTÊNCIADE INTERESSE DA ORDEM PÚBLICA. DÚVIDASOBRE IMPARCIALIDADE DOS JURADOS.DEFERIMENTO.I – Havendo interesse da ordem pública emalcançar a paz e a tranqüilidade necessárias aojulgamento do pronunciado, restando elementosconcretos que indiquem o comprometimentodesta tranqüilidade, mormente diante da infra-estrutura para o julgamento e da dúvida sobre aimparcialidade dos jurados, deve ser deferido opedido de desaforamento. Dúvida sobre aimparcialidade dos jurados caracterizada.(STF: “(...) Para se caracterizar a dúvida sobre aimparcialidade do júri não se exige a certeza,basta a previsão de índicos capazes de produzirreceio fundado da mesma” - RT 603/436).II – Necessidade de se deslocar a sede dojulgamento para a Comarca de Fortaleza, a fimde se assegurar o desenvolvimento normal dosatos processuais do Júri.

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III – Pedido de desaforamento deferido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deProcessado de Desaforamento Nº 2002.0003.3584-0/1 daComarca de Amontada/Ce, em que é requerente MinistérioPúblico e requeridos Jairo Antônio de Sousa, MessiasGonçalves de Sousa, José Inaldo Gomes, Pedro de SousaNeto, Raimundo Marques Freitas, Elizeu Serafim de Sousa,Geraldo Guilherme Gonçalves, Aldenor Marques deAlexandre, Afonso Serafim de Sousa, José Serafim de Sousa.

ACORDAM as Câmaras Criminais Reunidas doTribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade devotos, em deferir o pedido de desaforamento, para a Comarcade Fortaleza, em consonância com o parecer da ProcuradoriaGeral de Justiça, e nos termos do voto do EminenteDesembargador Relator.

Jairo Antônio de Sousa, Messias Gonçalves deSousa, José Inaldo Gomes, Pedro de Sousa Neto, RaimundoMarques Freitas, Elizeu Serafim de Sousa, GeraldoGuilherme Gonçalves, Aldenor Marques de Alexandre,Afonso Serafim de Sousa e José Serafim de Sousa, jádevidamente qualificados nos autos em epígrafe, forampronunciados por delito cometido contra Eliezer Vidal deNegreiros, capitulado no art. 121, §2°, inciso IV, do Código Penal.

O crime hediondo sub judice teve como vítima umvigia de um terreno de propriedade do Sr. Mário Toniatti, nacomunidade de Barra das Moitas, na comarca de Amontada,tendo os réus – integrantes do “Movimento dos Sem Terra” (MST)– invadido, violentamente, o citado imóvel e assassinado apauladas, facadas, machadadas e através de arma de fogo aindefesa vítima, covardia esta que causou grande comoção nomencionado município, conforme denúncia-crime (fls. 29/31).

Submetidos ao devido processo legal, fundado nocontraditório e na ampla defesa, os acusados foram pronunciadosa julgamento no Tribunal Popular do Júri da citada comarca.Interposto recurso crime em sentido estrito, a 1ª Câmara Criminaldesta Corte de Justiça negou provimento ao recurso, por

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unanimidade, em julgamento no dia 10 de abril de 2001.A Ilustre Promotora de Justiça da Comarca de

Amontada, no entanto, ao vislumbrar a aproximação da data dejulgamento, e por entender haver motivos plausíveis de dúvidassobre a imparcialidade dos jurados, bem como por razões deordem pública, requereu o desaforamento do julgamento dosaludidos réus daquela comarca para a comarca da Capital (fls.02/09). Aduz, em suma, que o julgamento dos dez réus –integrantes do MST – pode afetar a paz e a tranqüilidade social,influindo na segurança e regularidade do julgamento. Some-sea isto o fato de que a comarca em questão não dispõe decondições físicas suficientes para albergar um julgamento de talporte e nem de policiamento satisfatório para manter a segurançano local.

Instados a se manifestar, os pronunciadosrequereram o indeferimento do pleito ministerial, a fim de quefossem julgados por seus pares na Comarca de Amontada, porentenderem não haver qualquer imparcialidade do corpo dejurados e por inexistirem as alegadas inadequações nasinstalações físicas do prédio do fórum local para receber ojulgamento do Tribunal Popular do Júri (fls. 210/212).

O MM. Juiz a quo oficiante naquela Comarca, porsua vez, manifestou-se favorável ao pleito ministerial,asseverando que o Município de Amontada só possui 7 (sete)policiais e apenas uma viatura. Aduz, ainda, que um julgamentoque envolve interesses do MST (movimento social com interessee repercussão nacional) não “seria de bom alvitre ser realizadoem Amontada”, pois a estrutura local não permite, dispondoapenas de um oficial de justiça, um servidor e um salão de júrinão satisfatório para a envergadura do julgamento. Por fim, afirmaque diante da conotação política do julgamento, os juradosdaquela pequena cidade ficam mais expostos às pressões detodas as ordens (fls. 221/222).

Com vista dos autos, a douta Procuradoria-Geral deJustiça opinou pelo deferimento do pedido, deslocando-se ojulgamento do réu para a Comarca de Fortaleza, corroborandoos fundamentos já expostos (fls. 235/237).

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É o relatório.Da análise aprofundada dos argumentos fáticos e

jurídicos suscitados, entendo merecer acolhida o presente pedidode desaforamento feito pela Ilustre Representante do Parquetna Comarca de Amontada.

De acordo com o exposto nos autos, o julgamentoem apreço oferece riscos à ordem pública, mormente em faceda envergadura e relevância do mesmo numa comarca depequeno porte. O processo envolve 10 (dez) acusados, todosintegrantes do Movimento dos Sem-Terra (fenômeno socialbrasileiro de grande relevância e interesse nacional), que despertainteresses não apenas na comunidade local – por se tratar deum crime de homicídio –, mas também por envolver questõesrelativas a conflitos de terras.

O crime em questão foi cometido por invasorespertencentes ao MST, quando estes tentavam se apossar deum imóvel de propriedade alheia, sendo o vigia daquele local avítima de tão bárbaro e violento delito, quando apenas cumpria asua função. Vale ressaltar, inclusive, que já houve inúmerasmanifestações promovidas pelo MST, em defesa dos réus, queinibiram e assustaram a população local, conforme noticiam osautos.

Desta feita, resta claro que a população de umapequena cidade, como a de Amontada, pode sofrer facilmentepressões e quaisquer tipos de influência com certa facilidade,mormente diante de um movimento social com interesse erepercussão internacional. A dúvida sobre a imparcialidade docorpo de jurados, in casu, revela-se patente.

Embora o desaforamento constitua causaderrogatória da competência territorial “ratione loci” do Júri,revestindo-se de caráter de excepcionalidade, cujas causasencontram-se elencadas no art. 424 do Código de ProcessoPenal, existem situações excepcionais em que ele se impõe:uma delas é a dúvida sobre a imparcialidade do júri,justamente o caso dos autos.

Sobre a questão do desaforamento por interesse daordem pública, Julio Fabbrini Mirabete assevera:

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“É possível também o desaforamento quandohouver dúvida sobre a imparcialidade do júri,sendo esta fundamental para o julgamento.Estará ela comprometida quando o crime,apaixonando a opinião pública, gera no meiosocial animosidade, antipatia ou ódio ao réuprovocados ou exacerbados inclusive pelosmeios de comunicação. De outro, pode o réu ousua família exercer grande influência econômicaou política sobre a comunidade, abalando aimparcialidade dos jurados”. (grifo nosso).(Códigode Processo Penal Interpretado. 11ª ed. São Paulo :Atlas, 2004, p.1147).

Oportuno lembrar que, fundamentalmente, a opiniãodo Juiz de Direito, a quem está afeta a presidência do Júri, “é deser admitida como elemento de convicção do mais alto valor”(RT 512/37 e 498/345), pois ninguém melhor do que ele “parasentir e dizer com isenção da conveniência da medida, que sóexcepcionalmente é permitida, em atenção ao interesse público”(STF - HC - Rel. Rafael Mayer - RT 592/409).

A jurisprudência pátria tem admitido o processadode desaforamento quando se demonstra a ocorrência dúvidasobre a imparcialidade dos jurados, senão vejamos:

STF: “(...) Para se caracterizar a dúvida sobre aimparcialidade do júri não se exige a certeza, bastaa previsão de índicos capazes de produzir receiofundado da mesma”. (RT 603/436)

EMENTA: DESAFORAMENTO. NORMAS. Odesaforamento arrima-se em três causas: a)interesse da ordem pública; b) dúvida sobre aimparcialidade do júri; c) dúvida sobre a segurançapessoal do réu. Busca-se julgamento imparcial,

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preocupação constante do Judiciário. (grifamos)(STJ - Rec. Esp. 168.461 - ES - J. em 25.08.1998 -D.J. 26.10.1998 - Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro)

EMENTA: JURI - DESAFORAMENTO -DESIGNACAO INICIAL DE COMARCA VIZINHA -SUBSISTENCIA DOS MOTIVOS QUE ENSEJARAMO PRIMEIRO PEDIDO - DESLOCAMENTO PARAOUTRA COMARCA, EMBORA MAIS DISTANTE,MAS COM CONDICOES DE ASSEGURAR AORDEM PUBLICA E UM JULGAMENTO SERENOE IMPARCIAL - INTELIGENCIA DO ART. 424 DOCPP - DEFERIMENTO DO PEDIDO. (grifamos)(TJPR, 2ª Câm. Crim., Rel. Leonardo Lustosa, Proc.n° 163593200, vot. unânime, julg. em 23.12.2004).

EMENTA: JURI - DESAFORAMENTO - DÚVIDASOBRE A IMPARCIALIDADE DOS JURADOS -INTERESSE DA ORDEM PÚBLICA - INCIDENTEQUE SE REVELA NECESSÁRIO PARAASSEGURAR A ISENÇÃO DO JULGAMENTO -DEFERIMENTO. Se há dúvida sobre aimparcialidade do júri e existindo indício que lhedá fundamento, justifica-se o desaforamento.Impõe-se, também, a medida se, dado ocomportamento dos familiares do réu, existir aprevisão de que ocorrerá dificuldade nodesenvolvimento normal dos trabalhos do júri. (TJPR,2ª Câm. Crim., Rel. Carlos Hoffmann, Proc. n°54487800, julg. em 27.02.1997).

Da leitura dos citados escólios, resta clara anecessidade de deferimento do pedido de desaforamento in casu,pois o crime a ser julgado gerou clamor público na comunidadede Amontada, devendo, por esta razão, o Poder Judiciário buscarsempre a paz e a tranqüilidade dos trabalhos e atos processuaisde seus pares, principalmente nas comarcas do interior do

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Estado.Outro ponto que merece relevo é o interesse da

ordem pública. Neste tocante, a opinião do magistrado a quo éessencial, pois ele é quem trabalha e conhece o fórum.Principalmente o magistrado tem noção da realidade, dascondições físicas para o andamento processual, para o salãodo júri e, por fim, para o julgamento.

Ademais, de suma importância, também asinformações relativas à segurança pública, tão necessária paradesempenhar a proteção da população, dos atos processuais edo espaço e bens públicos. Conforme relata o magistrado, nãohá naquele município força policial suficiente e necessária paragarantir a tranqüilidade e paz social no julgamento popular dosacusados.

A jurisprudência já mencionada no presente vototambém corrobora os argumentos ora expostos sobre anecessidade de desaforamento de julgamento de processos doTribunal do Júri, quando existirem interesses de ordem pública,tal como o dos presentes fólios.

Desta feita, voto no sentido de que os autos em teladevam ser desaforados da Comarca de Amontada e remetidospara a Comarca de Fortaleza, comungando assim com o parecerexarado pela douta Procuradoria Geral de Justiça.

Fortaleza, 29 de agosto de 2007.

REVISÃO CRIMINAL

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PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ

REVISÃO CRIMINAL Nº 2005.0014.8472-0/0, DE FORTALEZAREQUERENTE: MARCOS ANTÔNIO NOGUEIRA PEREIRAREQUERIDA: JUSTIÇA PÚBLICARELATOR: DES. FRANCISCO HAROLDO RODRIGUES DEALBUQUERQUE

EMENTA: REVISÃO CRIMINAL – ROUBO. Arevisão criminal somente é admitida nos casostaxativamente enumerados no art. 621 do Códigode Processo Penal. Saliente-se ser impossívela desconstituição da sentença que se pretenderevisar, tendo em vista que houve crime e seuautor foi condenado, embora erroneamenteidentificado. É de geral sabedoria que a revisãocriminal não admite dilação probatória, em razãodas características de procedimento. Emboraexistam nos autos principais indícios de terhavido erro quanto à identidade do verdadeiroautor do crime, que, possivelmente, utilizou-sedo documento de identidade do requerente, nãohá prova suficiente para excluir o peticionanteda relação processual, pelo que não deve serconhecido o pedido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de revisãocriminal, acordam as Câmaras Criminais do Tribunal de Justiçado Estado do Ceará, em julgamento de Turma, não conhecer dopedido, por ter sido deficientemente instruído, nos termos do votodo relator.

Cogita-se de revisão criminal ajuizada pelo réu, desentença da 18ª Vara Criminal de Fortaleza, transitada em julgadoem 19/02/2002, que o condenou à pena de seis anos, dois mesese sete dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, além

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de multa.Alega o requerente que, apesar de ter sido

processado e julgado por crime de roubo, não é o autor do crimeque lhe é imputado, tendo em vista que foi cometido por outrapessoa, presa com sua identidade, adulterada no que diz respeitoà data de nascimento e a fotografia.

Aduziu que uma série de informações prestadas pelapessoa que foi presa em flagrante como sendo o requerente,não coincidem com seus dados pessoais, tais como a idade,assinatura, profissão, endereço, e o nome da mulher com quemvive, além das fotos colhidas no dia do crime (fls. 42/45).

Ao final, requereu fosse julgada procedente a revisãocriminal, ante o erro judiciário cometido.

Submetido os autos à apreciação da ProcuradoriaGeral de Justiça (fls. 39/40), esta entendeu que, se na verdadehá caso de homonímia, o caminho é a justificação, para provar oalegado, não se podendo adotar a revisional como sucedâneode apelação, pelo que opinou pelo indeferimento da súplica.

É o relatório.Consoante disciplina o art. 621 do Código de

Processo Penal, a revisão dos processos findos somente seráadmitida nos casos que enuncia, taxativamente, que são osseguintes:

I - quando a sentença condenatória for contrária aotexto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;II - quando a sentença condenatória se fundar emdepoimentos, exames ou documentoscomprovadamente falsos;III - quando, após a sentença, se descobrirem novasprovas de inocência do condenado ou decircunstância que determine ou autorize diminuiçãoespecial da pena.

No caso concreto, como visto, o requerente afirmaque o acusado, usando sua identidade, adulterada, passou-sepor ele, estando foragido. Enquadrar-se-ia ele na hipótese do

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acima transcrito inciso II, vez que a sentença condenatória teriase fundamentado em documento falso, no caso, a identidadeapresentada pelo verdadeiro autor, quando de sua prisão, apóso cometimento do delito, para condenar pessoa diversa, ou seja,ele promovente.

De fato, comparando-se os dados pessoaisfornecidos pelo requerente, com sua fotografia atual, carteira deidentidade, onde consta assinatura diversa da contida naidentidade fornecida quando da sobredita prisão e outroselementos que o identificam, há indícios de que se trata de outrapessoa.

No entanto, somente com uma justificação judicial,com a realização de perícia grafotécnica e verificação dasimpressões digitais, poder-se-á provar, extreme de dúvida, averacidade de suas alegações, pelo que se considera deficientea prova apresentada.

Daí concluir-se que, sem referidos exames periciaisnão há como decretar-se a nulidade da sentença, como pretendeo requerente, posto que foi condenado o verdadeiro autor docrime, embora ainda não identificado. A revisão terá por fimreformar a sentença apenas para excluir o nome do requerenteda relação processual. Em caso similar, o TRF da 5ª região,considerou parte ilegítima o requerente e expediu habeas corpus,de ofício, em que concedeu salvo-conduto à pessoa civilmenteidentificada, que provou não ser ela quem se apresentou com omesmo nome durante toda a ação penal, como se transcreve:

PROCESSO PENAL–REVISÃO CRIMINALREQUERIDA POR ADVOGADO EM BENEFÍCIODE INDIVÍDUO ALHEIO AO PROCESSO –ILEGITIMIDADE ATIVA – ACUSADOPROCESSADO SOB NOME FALSO – AUSÊNCIADE ERRO SOBRE A PESSOA DO RÉU –CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIOEM FAVOR DE PESSOA, CUJO NOME FOIUSADO – Condenação do verdadeiro autor docrime, ainda não civilmente identificado, que

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participou de todos os atos processuais,utilizando indevidamente o nome de outrem. - Oequívoco quanto ao nome do acusado em facedo uso indevido do nome alheio pelo réu nãoacarreta a nulidade da condenação quando estaincide sobre o verdadeiro autor do crime,podendo a retificação quanto ao nome ser feitaa qualquer tempo - Art. 259 do CPP. - Pedido derevisão criminal formulada pelo defensor dativo doverdadeiro autor do crime em favor daquele que temo seu nome indevidamente utilizado pelo criminoso.Ilegitimidade ativa. Inteligência do art. 623 do CPP. -Concessão de habeas corpus de ofício paradeterminar a expedição de salvo-conduto em favorda pessoa que provou ser civilmente identificadacomo Elizeu Pereira Duda, sob o fundamento de nãoser ele quem se apresentou com o mesmo nomedurante toda a ação penal. (TRF 5ª R. – RVCR2003.05.00.016030-4 – (32) – PB – TP – Rel. p/o Ac.Des. Fed. Ridalvo Costa – DJU 13.09.2005 – p. 456)

É de curial sabença que a revisão criminal não admitedilação probatória, motivo pelo qual deveria o postulante terapresentado prova pré-constituída para demonstrar a veracidadede suas alegações, providência essa que o mesmo, no entanto,não se desincumbiu.

Segundo leciona Mirabete, in Processo Penal, pág.673, não há, pela lei processual, possibilidade de se converter ojulgamento da revisão criminal em diligência, em razão dascaracterísticas dessa ação.

Assim, encontrando-se o pedido insuficientementeinstruído e dependendo o seu julgamento de prova que não veioinstruindo a inicial, não deve ser conhecido. Sobre a matéria,convém colacionar os subsídios jurisprudenciais que se seguem:

REVISÃO CRIMINAL – SENTENÇACONDENATÓRIA – ART. 12 DA LEI 6.368/76 –

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SENTENÇA QUE SE BASEOU EM UMA DASVERSÕES PROBATÓRIAS DOS AUTOS – PROVA– ÔNUS DO REVISONANDO – PEDIDOINDEFERIDO – UNANIMIDADE – I - Só é cabível avia revisional, se a sentença impugnada não se apóiaem nenhuma prova existente no processo que sedivorcia de todos os elementos probatórios, ou seja,que tenha sido proferida em aberta afronta a taiselementos do processo. II - Em sede de revisãocriminal, o ônus da prova incumbe ao requerente,competindo-lhe o dever de destruir a presunçãode veracidade e de certeza que decorre dasentença penal condenatória transitada emjulgado. III - Estando a sentença condenatóriaimpugnada lastreada em conteúdo probatóriocoerente e seguro, impõe-se o indeferimento dopedido revisional. (TJES – RvCr 100040003012 –C.Crim.Reun. – Rel. Des. Alemer Ferraz Moulin – J.06.10.2004)

REVISÃO CRIMINAL – ÔNUS DA PROVA – Emação revisional não tem lugar o princípio do indubio pro reo. No reduto desta cabe aorevisionando demonstrar de maneira inequívocae convincente o erro da decisão condenatóriahostilizada. Se o MM a quo em decisãofundamentada, sem incidência de limitações deordem geral ou de cunho especial e com estribo emsegmento do conjunto probatório, optou pelacondenação, não pode haver alteração desta pelasimples alegação de insuficiência de provas. Emrevisão criminal indaga-se somente se os autosverdadeiramente espelharam uma realidade dianteda qual a condenação não possa substituir, ou pordesgarrada de todos os elementos probatórios, oupor contrariar o texto da lei, ou ainda se estiver

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estribada em prova falsa. Ausente o erro judiciário,a revisão é improcedente. (TJBA – RvCr 5.957-6/2002 – (52968) – C.Crim.Reun. – Rel. Des. MárioAlberto Hirs – J. 18.05.2005).

REVISÃO CRIMINAL– ESTELIONATO – “CONTODO BILHETE PREMIADO”. – PRESCIN-DIBILIDADE DE PERÍCIA NOS BILHETES DELOTERIA – LIVRE CONVENCIMENTOMOTIVADO DO JUIZ – EXCESSO DE PRAZO NACONCLUSÃO DO INQUÉRITO – MATÉRIAPRECLUSA – RÉU REVEL, REGULARIDADE NACITAÇÃO EDITALÍCIA E DEFESA APRESENTADA– INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA –RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO –AUSÊNCIA DE JUNTADA DA FOTO DO RÉU AOSAUTOS – IRRELEVÂNCIA – AÇÃO REVISIONALIMPROCEDENTE – I. A juíza não está obrigada adeterminar a realização de perícia, quando, no casoconcreto, entender ser desnecessária, entendendo-se satisfatoriamente convencida por outroselementos de prova da materialidade do delito. II. “Éfirme o entendimento jurisprudencial no sentido deque o reconhecimento fotográfico, como meio deprova, é plenamente apto para a identificação do réue fixação da autoria delituosa, desde que corroboradopor outros elementos idôneos de convicção”. (HC22907/SP. DJ DATA: 04/08/2003 PG: 00337. RelatorMin. FÉLIX FISCHER) III. Tratando-se de açãorevisional, inverte-se o ônus da prova, sendo que,não restou demonstrada a inocência dorequerente e nem foram apresentadoselementos que desfaçam o fundamento dacondenação. (TAPR – RC 0259626-9 – (220776) –Curitiba – 2º G.C.Crim. – Rel. Juiz Lidio J. R. deMacedo – DJPR 12.11.2004).

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REVISÃO CRIMINAL– CONDENAÇÃOTRANSITADA EM JULGADO – DIFERENÇA DERECURSO DE APELAÇÃO – CONVERSASTELEFÔNICAS – GRAVAÇÃO –PROVA ILÍCITA –SENTENÇA CONDENATÓRIA – PRESSU-POSTOS DA REVISÃO - INVERSÃO DO ÔNUSPROBATÓRIO – DECISÃO INJUSTA –MAJORANTE § 1º DO ARTIGO 317 –INEXISTÊNCIA – PARCIAL PROCEDÊNCIA –PERDA DO CARGO PÚBLICO – Os critérios darevisão são diversos da apelação porque pararescindir a coisa julgada, somente quando a decisãoafronte a evidência dos autos, a Lei expressa oucontenha vício insanável. O acórdão proferido emrecurso de apelação, julgado pela segunda instância,é substitutivo da sentença, já o decorrente de revisãoé constitutivo se procedente. 2. Condenaçãoembasada no depoimento da vítima (direta) de quehouve solicitação de pagamento de um churrasco.Para deixar de remeter inquérito policial porestelionato ao judiciário, embora não seja provavolumosa, dentro do livre convencimento do juiz(artigo 157 do CPP), suficiente para a convicçãocondenatória, por incurso no artigo 317 do CP.Somente em apelação poderiam os julgadores desegunda instância examinar os elementos de provae substituir a sentença, até absolvendo porinsuficiência de provas. 3. Em revisão, invertem-se os parâmetros de julgamento, em razão dacoisa julgada, sendo ônus do réu provar comnovos elementos ou saciedade que a sentençacondenatória afrontou a evidencia dos autos. 4.Improvado que o réu deixou de dar andamento aoinquérito policial, só encaminhando, após a denúncia,é destituída de fundamento nos autos e contraditória,sendo excluída a parcela de aumento na

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condenação. 5. Perda do cargo público é efeito extra-penal da sentença condenatória; desnecessário sejarequerido pelo promotor de justiça na inicial. Não éautomático e deve estar fundamentado; suaexclusão só é possível em apreciação via recurso,e não na revisão criminal. 6. Parcial procedência paraexcluir a majorante do § 1º do artigo 317. do CP,readequando a pena. (TJRS – REV 70006257380 –2º G.C.Crim. – Relª Desª Elba Aparecida NicolliBastos – J. 12.12.2003)

Por todo o exposto, por se encontrarinsuficientemente instruído, não há de se conhecer do pedido derevisão criminal sob enfoque.

É como voto.

Fortaleza, 29 de novembro de 2006.

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ÍNDICE ALFABÉTICO REMISSIVO

MATÉRIA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL

Ação cautelar de exibição de documentos proposta porcondômino em desfavor do condomínio – citação na pessoa dosíndico – inexistência de nulidade.........................................197.

Ação reivindicatória – comprovação da propriedade – possuidornão proprietário – procedência........................................110/111.

Alienação fiduciária – ação de busca e apreensão – discussãoacerca das cláusulas contratuais – possibilidade – anatocismo– aplicabilidade na espécie – cumulação indevida de comissãode permanência – descaracterização da mora....................176.

Contrato de plano de saúde – rescisão unilateral – ausência deprova da notificação – dano moral...........................................90.

Contribuição previdenciária – requisitos para concessão daaposentadoria implementados – inadmissibilidade – emendaconstitucional nº 20/1998 – aplicação..................................97/98.

Embargos de terceiros – decisão além dos limites da lide –penhora sobre imóvel – contrato de promessa de compra e venda– ausência de registro – fraude à execução –inocorrência.....................................................................145/146.

Execução – alegações de ilegitimidade passiva ad causam,nulidade do aditamento à inicial e falta de interesse de agir –inexistência – excesso de penhora – atingimento de bem defamília obrigatório – impossibilidade...............................126/127.

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Iluminação pública – serviço inespecífico, não mensurável,indivisível e insuscetível de determinação do contribuinte –cobrança de taxa – impossibilidade – inconstitucionalidade –aplicação da súmula nº 670 do STF. ................................162/163.

Imunidade tributária – instituição sem fins lucrativos – imóvelencravado nos fundos da sede – indemonstração de relaçãocom objetivos da instituição – incidência de IPTU...................87.

Instituição de ensino – prestação de serviços educacionais –relação sinalagmática e interdependente – título executivoextrajudicial – ausência de prova do cumprimento da obrigação– vício sanável.................................................................131/132.

Interdição – comprovada incapacidade por enfermidade mental– nomeação de curador sem parentesco com a interditanda –prevalência dos interesses do incapaz..........................121/122.

Mandado de segurança – policial militar – promoção porantigüidade – ressarcimento por preterição – prova pré-constituída – inexistência – impossibilidade de aferição – matériafática................................................................................139/140.

Pensão – ação de revisão – ajuizamento posterior a outrademanda – idêntico pedido, partes e causa de pedir –litispendência caracterizada – extinção do processo, sem análisedo mérito..........................................................................116/117.

Responsabilidade civil – cliente lesionado no interior deestabelecimento comercial – falta de manutenção de suasinstalações – responsabilidade objetiva – culpa exclusiva davítima – inexistência – dever de indenizar.......................169/170.

Servidor público – estabilidade extraordinária conferida pelo art.19 da ADCT da Constituição de 1988 – gratificação de função –incorporação – impossibilidade.............................................104.

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Servidor público – remoção ex officio – possibilidade desde quehaja interesse público e motivação do ato – demonstração doscritérios que a justificam em concreto – ausência – declaraçãode nulidade do ato............................................................188/189.

AGRAVO DE INSTRUMENTO

Contrato de financiamento – ação revisional – não demonstraçãode existência de parte incontroversa – inscrição do nome dodevedor nos cadastros de restrição ao crédito -impossibilidade......................................................................205.

Eleição de dirigente de escola estadual – lei estadual nº 13.513/04 – inaplicabilidade – cargo em comissão - preenchimento –prerrogativa do governador do Estado – precedentes doSTF..........................................................................................211.

Estabelecimento hospitalar – responsabilidade civil objetiva pelosserviços prestados a seus pacientes – dano e nexo causalcomprovados – dever de indenizar........................................221.

HABEAS CORPUS

Pensão alimentícia – simples alegativa de incapacidadeeconômica do alimentante perante o Tribunal – via inábil paraexame de matéria concernente a fatos e provas – denegação daordem.....................................................................................229.

MANDADO DE SEGURANÇA

Proventos de aposentadoria e pensão por morte – descontoprevidenciário – possibilidade – infringência ao direito adquiridoe a irredutibilidade vencimental – inocorrência – entendimentodo STF.............................................................................252/253.

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Servidor público – militar – inscrição em curso de formação deoficiais da polícia militar – limite de idade – livre acesso aos cargospúblicos – razoabilidade e proporcionalidade – legalidade –concessão.............................................................................260.

Servidor público – vencimentos – majoração – revisão geral deremuneração – inexistência – denegação.............................235.

Servidor público aposentado – atualização da gratificaçãopessoal incorporada aos proventos – precedentes –concessão........................................................................244/245.

AÇÃO RESCISÓRIA

Acidente de veículo – reparação de danos – ausência deapresentação de contestação na audiência – maltrato aocontraditório e à ampla defesa – inocorrência......................269.

MATÉRIA CRIMINAL

APELAÇÃO CRIME

Acidente de trânsito – atropelamento fatal – imprudência -responsabilidade comprovada pela confissão...............324/325.

Furto – reforma da sentença para reclassificação da condutadelitiva como roubo – simulação de arma de fogo .......289/290.

Furto qualificado – concurso de agentes – segundo agenteenvolvido não identificado – atuação confirmada por depoimentotestemunhal – desclassificação para furto simples –impossibilidade ......................................................................307.

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Homicídio privilegiado – relevante valor moral – ciúme e inveja –conduta reprovável incoadunável com a espécie – decisãocontrária manifestamente às provas dos autos – sentençaanulada...........................................................................322/323.

Homicídio qualificado duplamente – condenação – cumprimentoda pena em regime integralmente fechado – transmutação pararegime inicialmente fechado – novatio legis in mellius – lei nº11.464/2007......................................................................285/286.

Infanticídio – preliminares de violação ao princípio do promotornatural e excesso de acusação – rejeição – quesitação deagravantes não contidas na pronúncia – possibilidade quandoseu conhecimento resulta dos debates.........................309/310.

Provocação de incêndio – negativa de autoria – sentençaabsolutória do denunciado com suporte no Art. 386, VI, do CPP– in dúbio pro reo - .................................................................328.

Roubo – conjunto probatório manifesto nos autos – sentençacondenatória – reincidência – inexistência – modificação do regimeinicial de cumprimento da pena para o semi-aberto. ............296/297.

Tentativa de homicídio – júri – desclassificação para lesãocorporal – decisão manifestamente contrária à prova dos autos– ocorrência – decisão anulada............................................279.

Tribunal do júri – crimes dolosos contra a vida – decisão contráriaà prova dos autos – inocorrência –legítima defesa putativa –desacolhimento .....................................................................302.

HABEAS CORPUS

Conflito aparente de normas – princípio da consunção – súmula17/STJ – falta de justa causa – pagamento antes do recebimentoda denúncia – súmula 554/STF.............................................337.

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Crime de duplicata simulada – maus antecedentes – ação penalpor homicídio qualificado – recebimento da denúncia – alegaçãode inépcia por não individualização da conduta do agente –ausência de justa causa – trancamento da ação penal –inviabilidade.....................................................................374/375.

Denúncia – crime contra a ordem tributária – habeas corpuspreventivo – alegação de ausência de justa causa – requisitosdo Art. 41 do CPP atendidos – impossibilidade de trancamentoda ação............................................................................355/356.

Porte ilegal de arma de fogo – liberdade provisória – estatuto dodesarmamento – inconstitucionalidades – constrangimento ilegalcaracterizado.........................................................................362.

Prisão em flagrante – crime hediondo – condenação – apelação– desídia do Ministério Público no contra-arrazoar – ordem desoltura para que aguarde em liberdade o desfecho do recurso –paciente primário, de bons antecedentes e ocupação no distritoda culpa .................................................................................346.

Prisão preventiva – constrangimento ilegal – não configuração –reiteração de pedido – pronúncia – excesso de prazosuperado..........................................................................349/350.

Prisão preventiva – constrangimento ilegal por excesso de prazo– caracterização....................................................................367.

Prisão preventiva – denúncia recebida e paciente interrogado –boa fundamentação – garantia da ordem pública – inexistênciade excesso de prazo para o encerramento da faseinquisitorial.......................................................................342/343.

DESAFORAMENTO

Homicídio – desaforamento – existência de interesse da ordempública – dúvida sobre imparcialidade dos jurados –deferimento.....................................................................385/386.

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REVISÃO CRIMINAL

Roubo – revisão criminal – admissibilidade somente nos casostaxativos enumerados no Art. 621 do CPP – existência do crimee seu autor foi condenado – não conhecimento do pedido porinsuficiência de instrução......................................................395.