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Revista de Endodontia Pesquisa e Ensino on Line – Ano 9 Numero 15 Janeiro/Junho, 2012ISSN 1980-7473 - http://www.ufsm.br/endodontiaonline
REPARO DE LESÃO PERIAPICAL: RELATO DE CASO
REPAIR OF PERIAPICAL LESION: CASE REPORT
Maria Gabriela Pereira de Carvalho - Professora Associada. Doutora da Disciplina de Endodontia da UFSM,
Santa Maria, Brasil.
Sidney Ricardo Dotto - Professor Adjunto. Doutor da Disciplina de Endodontia da UFSM, Santa Maria, Brasil.
Greice Carvalho Brondani– Acadêmica do Curso de Biomedicina, Unifra, Santa Maria, Brasil.
Vanessa Paola Filter – Acadêmica e Monitora da Disciplina de Endodontia do Curso de Odontologia da
UFSM, Santa Maria, Brasil.
Priscila Pauli Kist – Acadêmica do Curso de Odontologia da UFSM, Santa Maria, Brasil.
RESUMO
A lesão periapical ocorre em dentes não vitais como o resultado de uma agressão
crônica, devido à presença de microorganismos no interior do canal radicular.
Radiograficamente ele aparece como uma lesão radiolúcida circunscrita na região do
ápice dental. No exame radiográfico inicial do paciente foi observado uma lesão
radiolúcida circunscrita na região periapical do elemento 22. No exame clínico, obteve-se
resposta negativa ao teste de vitalidade pulpar ao frio, ausência de dor a percussão
vertical, horizontal e a palpação. Após a análise dos dados do exame clínico e
radiográfico foi proposto o tratamento endodôntico. Foi utilizado hidróxido de cálcio
(Calen) como medicação intracanal, e as trocas foram realizadas em intervalos de 4 e 2
meses, devido a dificuldade de contato com o paciente. Logo na primeira troca da
medicação já foi constatado radiograficamente uma diminuição do diâmetro da lesão e da
radiolucidez, indicando o reparo da lesão periapical. Com isso, se pode concluir que o
tratamento de canal deve ser realizado para que ocorra a regressão da lesão periapical, e
que o hidróxido de cálcio (Calen) estimula o reparo periapical, mesmo que não sejam
realizadas trocas frequentes da medicação.
PALAVRAS-CHAVE: Lesão periapical, reparo, hidróxido de cálcio.
ABSTRACT
The periapical lesion occurs in non-vital teeth as a result of a chronic aggression, due to
the presence of microorganisms inside the root canal. Radiographically it appears as a
radiolucent lesion circumscribed around the area of the dental apex. In the initial
radiographic examination of the patient we could observe a radiolucent lesion
circumscribed around the periapical area of the element 22. On clinic examination, we
obtained a negative response from the pulp tester to cold, no pain due to vertical and
horizontal percussion, and no pain due to palpation. After analyzing the data from the
clinical and radiographic examination was proposed endodontic treatment. We used
calcium hydroxide (Calen) as an intra-root medication, and exchanges were performed on
intervals of 4 and 2 months, because it was difficult to get in contact with the patient. On
the first change it was possible to notice by radiographically means a decrease in the
diameter of the lesion and the radiolucency, indicating the repair of the periapical lesion.
Thus, it was possible to conclude that the root canal treatment should be performed so
that the regression of the periapical lesion can occur, and also the calcium hydroxide
(Calen) will be able to stimulate the periapical repair, even if frequent changes of
medication are not made.
KEY-WORDS: periapical lesion, repair, calcium hydroxide.
INTRODUÇÃO
A lesão periapical ocorre em dentes não vitais como o resultado de uma agressão
crônica, assintomática, de baixa intensidade, devido à presença de tecido necrótico, o
qual é oriundo de uma invasão microbiana no sistema de canais radiculares.
Radiograficamente ela aparece como uma lesão radiolúcida circunscrita na região do
ápice dental, podendo ser classificada como cisto ou granuloma periapical, os quais só
são diferenciadas em um exame histológico devido a presença ou ausência de um
revestimento epitelial em torno da lesão5.
A conduta indicada para casos de granuloma periapical é o tratamento
endodôntico, com o objetivo de esvaziar os canais radiculares e reduzir o número de
microrganismos no seu interior para que então seja possível ocorrer o reparo periapical.
Além do preparo mecânico, são utilizadas substâncias irrigadoras, como a clorexidina e o
hipoclorito de sódio, e as medicações intra-canais, como o tricresol formalina, o otosporin,
o hidróxido de cálcio e o paramonoclorofenol canforado, para auxiliar na limpeza do
sistema de canais radiculares. No caso de cisto periapical, o tratamento de canal é a
primeira opção de tratamento, porém o sucesso pode não ser obtido e então a terapia
cirúrgica torna-se necessária5.
O hidróxido de cálcio é amplamente utilizado nos tratamentos endodônticos
atualmente7. Por ter um pH alto, ele age por contato impedindo a multiplicação microbiana
e consequentemente a sua sobrevivência. Além dessa propriedade, ele também promove
uma barreira física no interior dos canais radiculares dificultando ainda mais a
multiplicação bacteriana. Outra característica, é que ele possui uma ação anti-inflamatória
e cria condições favoráveis ao reparo dos tecidos periapicais1,6,7. O hidróxido de cálcio
pode ser associado com água destilada, solução salina, propilenoglicol, e com o
paramonoclorofenol canforado (PMCC), o qual é adicionado com o objetivo de acentuar
as propriedades do hidróxido de cálcio7.
Este trabalho tem como objetivo relatar um caso de reparo de lesão periapical após
tratamento endodôntico com duas trocas de medicação intra-canal (hidróxido de cálcio)
em um período de 6 meses.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, 41 anos, foi encaminhada para o atendimento
odontológico devido à necessidade de realização de tratamento endodôntico no elemento
22. Durante anamnese não foi constatado nenhum comprometimento sistêmico que
pudesse interferir no tratamento odontológico.
No exame radiográfico inicial foi observado uma
lesão radiolúcida circunscrita na região periapical do
elemento 22, e uma lesão radiolúcida na face mesial do
mesmo (figura 1).
No exame clínico, após o paciente não relatar dor
espontânea, obteve-se resposta negativa ao teste de
vitalidade pulpar ao frio no elemento 22. Não foi relatado
dor a percussão vertical ou horizontal, dor a palpação e
também não foi constatado mobilidade. Na face mesial do
mesmo foi detectada uma lesão de cárie cavitada em
atividade. Após a análise dos dados do exame clínico e
radiográfico, chegou-se ao diagnóstico de abscesso periapical crônico e o tratamento
proposto foi a necropulpotomia.
Na primeira sessão, após isolamento
absoluto com dique de borracha, foi realizada a
abertura coronária com a remoção de todo o
tecido cariado presente e confeccionada a forma
de contorno e de conveniência adequadas.
Posteriormente foi feita a neutralização imediata
com hipoclorito de sódio a 1,5%, a odontometria
e o preparo químico-mecânico com limas tipo K-
FILE (DENTSPLY®) do número 15 até o número
35. Como solução irrigadora foi utilizado o
hipoclorito de sódio a 1%, a medicação intra-canal foi usada e foi realizada uma
restauração provisória com cimento ionômero de vidro (Vitro Fil – DFL®).
Na segunda sessão, aplicou-se de ácido etilenodiamino tetra-acético (EDTA) gel
3% (BIODINÂMICA®), e como medicação intra-canal foi utilizado hidróxido de cálcio com
Figura 1 – Radiografia Inicial
Figura 2 – Aplicação da medicação
PMCC (pasta calen – SS WHITE®), a qual foi inserida no canal radicular com auxilio da
seringa endodôntica Mario Leonardo (DUFLEX®) (figura 2). Por último, foi realizada uma
restauração provisória com cimento ionômero de vidro (Vitro Fil – DFL®).
A paciente só conseguiu retornar ao atendimento
odontológico quatro meses após, nesse momento, foi
realizada a troca da medicação intra-canal. A radiografia
(figura 3) mostra a lesão menos radiolúcida e com menor
diâmetro se comparada com a inicial. Novamente a
paciente ausentou-se, sem que pudéssemos ter contato
por mais dois meses, quando então foi feita a obturação do
canal radicular pela técnica da condensação lateral
utilizando o cimento Endofill (DENTSPLY®). Após a
conometria (figura 4) foi iniciada a obturação do canal
radicular. Uma radiografia para confirmar a completa
obturação do canal radicular foi realizada e então foi feito o corte dos cones de guta-
percha (figura 5). Nesse momento a lesão apresentava-se com um diâmetro muito inferior
que o inicial.
DISCUSSÃO
Após a limpeza e o preparo mecânico do canal radicular, diminui o processo
inflamatório e inicia-se um processo de reparo com a atividade fibroblástica começando a
formação de um novo tecido com a mesma arquitetura e função do qual foi destruído
anteriormente3.
Figura 3 –Odontometria
Figura 4 – Conometria Figura 5 – Obturação
O uso da medicação intra-canal auxilia no controle pós-operatório, visto que o
preparo mecânico sozinho não alcança todo o sistema de canais laterais e acessórios e
também os túbulos dentinários. Existem diversas opções de curativos de demora, como
antibióticos associados com corticoides, compostos fenólicos (PMCC) e hidróxido de
cálcio7.
Nesse caso, foi eleito o hidróxido de cálcio como curativo de demora por ele
impedir o crescimento bacteriano devido ao seu alto pH, além de ser biocompatível e
favorecer o reparo apical. A permanência dentro do canal radicular, em contato direto com
as paredes dentinárias, é aceita por tempos relativamente longos (mais de 30 dias) 2,
quando não há presença de exsudato, caso contrário, a troca do material deve
obrigatoriamente ser feito de 7 em 7 dias. Ele pode ser preparado com vários veículos
como, água destilada, propilenoglicol e soro fisiológico, pode ser levado até o canal
radicular por meio de propulsor de Lentulo, limas, ou seringa endodôntica de Mario
Leonardo. Alguns estudos demonstraram que não há diferença na eficácia do material
com as diferentes técnicas de inserção, porém outros relataram melhor preenchimento
apical utilizando a seringa Mario Leonardo, a qual foi utilizada no presente caso 6,8. Por
agir por contato, o hidróxido de cálcio deve ser utilizado em canais modelados, seco e
após a remoção da smear layer das paredes dentinárias, através do uso de EDTA7.
O paramonoclorofenol tem seu efeito aliado a sua característica fenólica e a
presença do íon cloro. Ele é adicionado de canfora, para ter a sua ação irritativa
diminuída, formando o paramonoclorofenol canforado (PMCC). O PMCC possui um
potencial antimicrobiano significativo, é delimitado por sua ação ser somente por contato,
e principalmente por ser inibido na presença de matéria orgânica, o que impede o seu uso
enquanto o canal radicular não esteja completamente limpo e seco, é indicado para casos
de canais radiculares finos, onde existe a dificuldade de inserção de hidróxido de cálcio7.
Com isso, o uso do PMCC é indicado associado com o hidróxido de cálcio, para
diminuir a sua toxicidade e aumentar o poder antimicrobiano do hidróxido de cálcio, como
vários estudos na literatura já demonstraram4.
A finalização do tratamento endodôntico e a restauração definitiva do
remanescente dentário deve ser realizada assim que a desinfecção do canal radicular
esteja completa, devido ao risco de fratura do dente por ele estar permanecendo com
uma restauração provisória7.
CONCLUSÃO
O tratamento do canal radicular deve ser realizado para que ocorra a regressão da
lesão periapical e o hidróxido de cálcio (Calen – SS WHITE) estimula o reparo periapical,
mesmo que não sejam realizadas trocas frequentes da medicação.
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