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CONSELHO EDITORIAL
Presidente Aurélio Wander Bastos
Coordenador Fernando Maximo de A. Pizarro Drummond
Conselho Editorial
Aurélio Wander Bastos
Alexandre Brandão Martins Ferreira
Kátia Rubinstein Tavares
Claudio Araújo Pinho
Ester Kosovski
Geraldo Luiz Mascarenhas Prado
José Ribas Vieira
Luiz Dilermando de Castelo Cruz
Vitor Sardas
Bibliotecária Angela Moreira Ribeiro CRB/RJ 3974
Revista Digital do Instituto dos Advogados Brasileiros
[recurso eletrônico] / Instituto dos Advogados Brasileiros.
vol. VIII, n.31 (jul. – set. 2016). Rio de Janeiro: Biblioteca
Daniel Aarão Reis - IAB, 2016.
Trimestral.
Disponível em: http://www.iabnacional.org.br/
ISSN 2175-2176
1. Direito – Periódicos. I. Instituto dos Advogados Brasileiros.
CDD 340.05
CDU 34(05)
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Daniel Aarão Reis em janeiro de 2017
3
DIRETORIA ESTATUTÁRIA
Presidente
Técio Lins e Silva
1º Vice-Presidente
Rita de Cássia Sant`Anna Cortez
2º Vice-Presidente
Duval Vianna
3º Vice-Presidente
Sergio Francisco de Aguiar Tostes
Secretário Geral
Jacksohn Grossman
Diretor Secretário
Carlos Eduardo de Campos Machado
Diretor Secretário
Fernando Máximo Pizarro Drummond
Diretor Secretário
Adriana Brasil Guimarães
Diretor Secretário
Antonio Laert Vieira Junior
Diretor Financeiro
Sydney Limeira Sanches
Diretor Cultural
João Carlos Castellar Pinto
Diretor de Biblioteca
Aurélio Wander Bastos
Orador Oficial
José Roberto Batochio
Diretor Adjunto
Ester kosovski
Diretor Adjunto
Eurico de Jesus Teles Neto
Diretor Adjunto
Carlos Roberto Schlesinger
Diretor Adjunto
Luiz Felipe Conde
DIRETORIA EXECUTIVA
Diretoria de Relações Institucionais
Aristóteles Dutra de Araújo Atheniense
Diretoria de Relações Internacionais
Paulo Lins e Silva
Diretoria Relações com o Interior
Armando de Souza
Diretoria Acadêmica
Maria Lucia Gyrão
Diretoria de Direitos Humanos
João Luis Duboc Pinaud
Diretoria de Comissão, Legislação e Pesquisa
Vanusa Murta Agrelli
Diretoria de Patrimônio Histórico e Cultural
Thales Rezende Rodrigues de Miranda
Diretoria de Mediação, Conciliação e Arbitragem
Ana Tereza Basílio
Diretoria de Acompanhamento Legislativo
Renato Ribeiro de Moraes
Ouvidoria
Rogério Alvaro Serra de Castro
Patrimônio Imobiliário
Arnon Velmovisky
Procurador Geral
Paulo Penalva Santos
Diretor de Sede-Brasília
Pedro Paulo Guerra de Medeiros
Diretoria de Sede
Katia Rubinstein Tavares
5
Sumário
DOUTRINA
8 BASTOS, Aurélio Wander.
Estado Brasileiro: Origens e Formação Orçamentária.
32 OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena de.
Uma crítica ao Conceito de desenvolvimento sustentável: um atentado aos valores culturais e ambientais regionais.
43 OLIVA, Nino Donato.
Responsabilidade civil e criminal pelos atos praticados pela internet: o combate aos atos ilícitos do novo milênio e a desnecessidade de lei
própria.
62 GRECO, Pedro Teixeira Pinos.
Quando a Discriminação Étnico-Racial Encontra a Medalha Olímpica:
Um Estudo de Caso
PARECER
73 VIANNA, Duval (Relator).
MATÉRIA: Impenhorabilidade de quantia depositada em fundo de
previdência privada. Garantia Projetos de Lei 1743/2015 e 1.208/2015, objetivando acrescentar inciso ao art. 833 do Código de Processo Civil.
Indicação IAB 04/2016.
RESENHAS
81 Palestra O desvio de Finalidade no Processo de Impeachment
01/07/2016 – 17h – Plenário do IAB
82 Palestra Reflexões sobre a cultura do estupro: Feminismo e Direitos
Humanos
11/07/2016 – 18h – Plenário do IAB
83 Seminário 15 anos do Estatuto da Cidade
15/07/2017 – 09h às 13h15 – Plenário do IAB
84 Solenidade de Entrega da Medalha Montezuma ao Eminente Jurista
Doutor Sérgio Ferraz, ex-presidente do IAB
20/07/2016 – 18h – Plenário do IAB
85 Palestra Aborto e Síndrome Congênita do Zika
25/07/2016 – 17h – Plenário do IAB
86 Seminário A nova lei de regularização de ativos no exterior -
Aspectos penais e tributários. A experiência européia.
26/07/2016 – 17h – Plenário IAB
87 Lançamento do Aplicativo Mobile e novo Portal do IAB
27/07/2016 – 18h – Plenário do IAB
88 Centenário de Nascimento do Advogado Daniel Aarão Reis
27/07/2016 – 18h – Plenário do IAB
89 I Seminário sobre Repercussões do Novo CPC no Direito do Trabalho
28/07/2016 -18h às 20h - Plenário do IAB
7
90 Simpósio Estado e Religião
02/08/2016 - 14h e 17h - Plenário do IAB
91 Ciclo de Conferências de Filosofia do Direito - Diálogo entre a Filosofia e o
Direito
26/08 a 25/11 (sextas-feiras) - 10h às 12h - Plenário Histórico
92 O Novo CPC e repercussões na advocacia
26/08/2016 – 10h ás 12h – Plenário IAB
93 Lançamento do Livro Direito Agrário - Homenagem a Octávio Mello
Alvarenga
31/08/2016- 17h às 21h - Biblioteca Daniel Aarão Reis
94 Mesa Redonda Desafios e oportunidades no contexto atual da
Arbitragem
13/09/2016 - 17h30 às 19h30 - Plenário do IAB
95 Lançamento do Livro Os trabalhistas: da discriminação à ascensão
e a contribuição da Abrat - Autora: Benizete Ramos de Medeiros
21/09/2016, às 19h - Local: Biblioteca Daniel Aarão Reis
96 Aula Magna - Curso de Formação e Capacitação em Mediação
Empresarial
22/09/2016 - 18h - Plenário do IAB
97 173 anos do IAB (Sessão Solene)
28/09/2016 às 18h. Local: Plenário do IAB
DOUTRINA
Estado Brasileiro: Origens e Formação Orçamentária.
Aurélio Wander Bastos *
SUMÁRIO: Preliminares Históricas. 1.1 . A Ordem Jurídica e o Patrimonialismo
de Estado 1.2. Os Novos Rumos Constitucionais 2. A Formação da Infraestrutura
Patrimonialista Brasileira. 2.1. O Patrimonialismo na República Velha. 2.2. A
Crise e as Alternativas do Modelo Republicano 3. A Construção Financeira do Estado
Moderno. 3.1. A Desconstrução do Patrimonialismo de Estado 3.1.1 A Gênese
da Política Orçamentária 3.2. A Gênese do Estado Previdenciário 3.3. O Estado
Liberal-Democrático. 4. A Lei Orçamentária de 1964, vigente. 4.1. O Projeto
Orçamentário de 1967 4.2 O Estado Pleni-provedor e a Década Perdida 4.3.
Pressupostos da Responsabilidade Fiscal. Conclusão
PRELIMINARES HISTÓRICAS
Este artigo procura, dominantemente, analisar a história da infraestrutura do
Estado brasileiro, inclusive suas resistências burocráticas, comparadamente, com a
evolução da ordem constitucional e seus efeitos em relação às políticas orçamentárias
e à administração pública. Para alcançar estes objetivos fizemos esta Preliminar
Histórica sobre a dinâmica evolutiva do Estado brasileiro, procurando demonstrar as
resistências patrimoniais e administrativas da burocracia do Estado em relação à
Constituição e, muitas vezes, à própria legislação, reduzidas na sua apreciação
tradicional às práticas do administrador público, quando “não” definidas na legislação
penal e administrativa.
Por outro lado, ressaltamos, por razões de recuperação, a história das práticas
do Estado patrimonialista brasileiro, com as suas especiais inclinações fáticas e, mais
recentemente, a prevalência crescente do Estado previdenciário, no contexto das
políticas institucional brasileiras, as políticas financeiras brasileiras. Nesta linha, não
evoluímos no nosso estudo sobre questões constitucionais propriamente ditas, nem
sobre o controle de setores sociais sobre o Estado, preocupando-nos essencialmente
com a dissensão coordenada entre as normas superiores (leis complementares e
ordinárias) e os decretos e com as portarias e as práticas burocráticas.
_____________________
Diretor da Biblioteca do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB.RJ Membro do Conselho Técnico
da CNC. Professor Titular da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – Unirio e do Instituto
Universitário de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - IUPERJ
Neste sentido, a dissensão entre a ordem constitucional e a infraestrutura
administrativa do Estado, não é apenas um fenômeno que marcou a história
institucional brasileira, mas também as relações econômicas, principalmente porque
o Estado constitucional, não se definia (e) em função dos seus pressupostos legais,
9
mas, quase sempre, em função da ordem administrativa, de sua infraestrutura e de
seus suportes políticos econômicos e controle. Desta forma, ressaltamos um especial
fenômeno em que os mecanismos de administração muitas vezes, se não quase
sempre, se sobrepõem à ordem constitucional
Na verdade, essa dissensão entre o Estado constitucional e a infraestrutura
do Estado, é um importante indicador para a leitura e compreensão das crises que
afetam a formação política e econômica do Brasil. Assim, a percepção compreensiva
desta flutuação de relações permitirá a superação determinantes das clássicas
tabelas de etapas rígidas da evolução histórica dos países metropolitanos1, de
grandes efeitos políticos sobre o reconhecimento de especiais modelos alternativos
de desenvolvimento.
O modelo de etapas históricas, possivelmente esteja mais voltado para os
estudos da evolução das sociedades europeias metropolitanas e não propriamente
para os países colonizados, modernamente reconhecido como países dependentes
(emergentes) no contexto. A inaplicabilidade direta deste modelo demonstra que o
processo de evolução colonial, no Brasil, se desenvolveu em condições paradoxais,
permitindo a convivência entre a grande propriedade sesmeira, de natureza
semifeudal, e a mão de obra escrava, por cerca mais de 300 (trezentos) anos, o que
se reproduziu eclaticamente no desenvolvimento nacional futuro.
1.1 A Ordem Jurídica e o Patrimonialismo de Estado.
Esta especial experiência patrimonialista originariamente vinculada à
exploração da terra, como patrimônio autônomo, e a formas sucessivas de
manifestação, suscetível apenas aos comandos do seu titular2, nem sempre esteve
sujeita aos mesmos grupos ou setores sociais que dominaram os diferentes ciclos
econômicos, mas também à aqueles que, por seus interesses e postulados, integram
a estrutura do Estado, e mesmo o mercado e a economia moderna. Desta forma,
apesar da grande propriedade ser a referência essencial do colonialismo
patrimonialista, os seus titulares se alternavam no cultivo e exploração da cana de
açúcar, café, criação pastoril, etc. 3.
_____________________________
1A leitura da evolução econômica, de certa forma, sempre se baseou neste modelo de etapas, (sociedade primitiva,
escravismo, feudalismo, capitalismo) mais especialmente desenvolvida por Nelson Werneck (Ed. DIFEL), que
efetivamente conduziu a literatura histórica e sociológica a significativos equívocos na definição das estratégias de
desenvolvimento. Mas, evitando este modelo de trabalho, conceitualmente pelo menos, utilizamos a clássica obra de Faoro,
Raymundo: Os Donos do Poder- formação do Patronato Político Brasileiro. 3ª. ed. (revisada). S.P. Globo. 2001.
2Ver Raymundo Faoro, em seu último capitulo “A Viagem Redonda” do Patrimonialismo ao Estamento, faz uma excelente
abordagem sobre a vinculação entre os seus capítulos antecentendes (de D. João I, de Portugal a Getúlio Vargas) e com
a acurada percepção, (com sucessíveis recaídas e conferencias a capítulos colocinais e do reinado) mostra reprodução
histórica, pelo menos até aos albores de 1937 da repetição histórica do fenômeno patrimonial estamental. (ver op. cit.
p. 819/838). Afirma no fundo a tese da unidade histórica acelerada, se não criada pelo império do capitalismo (...) il me
paressait, respondia Taine, no século XIX, aos ideólogos da política, que une maison ne dit pas contruite pour l’larchitecte,
ni pour elle me, mais pour Le propietaire qui va s’y longer (ver p. 822)
3A relação semi-servil não envolvia, basicamente, dinheiro e ocorria em função de mecanismos, de escambo, troca, meia,
parceria, terça, armazém, na relação de trabalho e produtividade.
Por outro lado, à medida que o patrimonialismo remanesceu como indicativo
da infraestrutura, a nova ordem jurídica, através de meios racionais, para alcançar
novos fins, tem procurado reordenar (desde a Constituição de 1934) as práticas
financeiras das relações entre os poderes públicos e a implementação da vida
econômica da sociedade, assim como o liberalismo (europeu) procurou libertar-se da
dependência irracional da tradição aristocrática e da burocracia de estado. Neste
sentido atribuímos grande relevância ao papel pioneiro da Constituição brasileira de
1934 e, posteriormente a constituição de 1937, que, mesmo nos seus compromissos
marcados pela experiência corporativista europeia, seguido pelo autoritarismo do
Estado Novo, representaram um corte profundo com o nosso passado histórico e uma
forte abertura para a modernização da economia, da sociedade e do Estado no Brasil.
O sistema patrimonialista, no tempo histórico, traduziu estas práticas de
dissensão entre a ordem jurídica e as relações administrativas econômicas, que
permeiam(ram) a nossa história, mesmo dos primórdios coloniais, atravessando o
período dos barões imperiais e chegando, sob múltiplas formas à República, depois,
dos oligarcas e coronéis republicanos. Este próprio fenômeno, se verifica na análise
comparada dos Institutos Jurídicos Políticos e Econômicos, da Constituição Imperial
de 1824 e da Constituição Republicana de 1891 com a dinâmica da vida econômica,
muito embora, neste paper o procuremos ressaltar na República, antes de 1934.
Na verdade, estas situações, obscurecem(ram) o principal fenômeno do
Estado brasileiro: a infraestrutura histórica das instituições estão marcadas pelo
patrimonialismo, que tem resistido às mudanças constitucionais e legislativas
modernizadoras, provocando, sucessivos desvios na cúpula política dos poderes e
dos extratos gestores da administração pública. Este fenômeno da evolução
patrimonialista, como demonstraremos, de qualquer forma, a partir dos anos 30
(trinta), ficou permeado pelas políticas corporativistas, trabalhistas e previdenciárias,
resultando, em significativos efeitos sobre as políticas orçamentárias.
A nossa experiência de estudos institucionais demonstra que a tradição do
Estado brasileiro sempre mais esteve voltada para responder funcionalmente às
demandas do patronato estamental, encastelados no Estado e representados nos
órgãos políticos e na alta burocracia. Ou seja, na verdade, uma corporação de poder,
espécie de estado maior da estrutura administrativa do Estado, predatória, e sem
qualquer compromisso com a viabilização da ordem jurídica constitucional e,
principalmente, com práticas políticas e econômicas voltadas para a construção de
um Estado gestor, com efetivo reflexo sobre o desenvolvimento econômico social,
presentes em todos os âmbitos federativos, e nas condutas do gestor público.
Nas linhas argumentativas finais, procuramos, neste paper, demonstrar as
recentes origens constitucionais do Estado gestor, bem como as dificuldades para se
viabilizar a sua implantação, mesmo após as sucessivas emendas constitucionais de
reordenação econômica (posteriores a 1995) e as leis regulamentares, relativas aos
delitos contra a administração e o patrimônio público. Estas iniciativas jurídicas têm
permitido uma significativa evolução da natureza do Estado gestor, a partir da leitura
compreensiva da legislação pioneira de Direito comum comparadamente com a
legislação administrativa, complexa, e de efeitos punitivos, em relação às condutas
anômicas no âmbito da administração.
1.2. Os Novos Rumos Constitucionais.
Pareceu-nos, finalmente, necessário desenvolver um estudo, mesmo que
superficial, da evolução orçamentária e fiscal nos textos constitucionais, que,
efetivamente só vieram ganhar corpo legislativo com a Constituição de 1946. Com
base nesta Constituição foi editada a Lei n° 4.320, de 17 de março de 19641,
assinada, todavia, pelo Presidente João Goulart e, pelas razões históricas que se
presume sem qualquer sucesso, embora todavia sem que viesse ser revogada, pela
exiguidade de sua eficácia, não sintonizou as dissensões entre a ordem constitucional
e as práticas tributárias, orçamentárias e fiscais, muito ao contrário não foi
imediatamente aplicada pela ascensão revolucionária de 31 de março /1° de abril de
1964, mas também não foi revogada, sendo aplicada com as dificuldades inerentes
1 Esta Lei estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União,
dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal
11
até os nossos dias este fato demonstra, que efetivamente não houve uma ruptura na
prática orçamentária brasileira nos mais de 50 (cinquenta) anos que seguiram.
Esta iniciativa, de significativa importância, conforme a Lei supra-indicada,
embora estatuísse normais gerais de Direito, para elaboração e controle dos
orçamentos e balanços da União, estados e dos municípios e do Distrito Federal,
como observaremos, não teve sucesso e foi sufocada, o que se presume, não apenas
pela ação revolucionária, mas, também, pela própria resistência (incipiente) da
infraestrutura do Estado burocrático, à época, e do mercado contribuinte brasileiro,
inclusive devido à ausência de uma economia sólida de desenvolvimento e à
inexistência de uma cultura tributária em contraposição às práticas patrimonialistas
de sonegação e a pressão pela acomodação previdenciária orçamentária.
A incipiente aplicabilidade da pioneira iniciativa inviabilizou uma efetiva
sintonia entre a arrecadação orçamentária e as despesas públicas, reproduzindo as
dificuldades históricas de articulação tributária federativa e a articulação
orçamentária descentralizada, permeada pelos interesses do Estado, quando não
oligárquicos e corporativos. A Constituição de 1967, quando foi outorgada já
encontrou vigente a Lei n° 5.172 de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário
Nacional, que alterou o Código de 1953) resguardou as iniciativas do Código
Tributário de 1953.2
A iniciativa daqueles anos passados, com o evoluir do tempo, provocaram
efeitos profundamente interruptivos, não apenas ao nível da União, mas também
sobre a qualidade da administração municipal e dos estados, resistentes às
providências licitatórias mais rígidas e efetivas. As políticas de contenção do déficit
público, a partir das bases orçamentárias, não evoluíram, nos rígidos limites que
deveriam presidi-las, e seus efeitos de longo prazo, como veremos, foram
amplíssimos.
2 – A Formação da Infraestrutura Patrimonialista Brasileira.
Os originários compromissos monárquicos da fundação do Estado brasileiro,
de remota influência no passado feudal “luso”, de natureza patrimonialista (e
escravista), não propriamente tinha como pressuposto a estabilidade orçamentária,
mas o abastecimento patrimonial da Coroa. Este fenômeno, num 1º (primeiro)
momento, se manifestou através da ausência, senão absoluta, de frágeis
mecanismos de arrecadação, impróprio desde a Colônia, e durante o próprio Império,
pela subtração em espécies de produtos gerados pela mão de obra escrava; e, (num)
2º segundo momento, devido aos frágeis mecanismos das práticas monopolistas de
exportação3.
Na verdade, do conceito de patrimonialismo não podemos dissociar que a
infraestrutura econômica do Brasil, mesmo ainda na sua fase colonial, fora articulada
2 Sobre esse tema ver Ives Gandra da Silva Martins. 50 anos do Código Tributário – Carta Mensal. Confederação Nacional
do Comércio de Bens, Serviços e Turismo n° 736 (julho 2016), Rio de Janeiro: CNC pg. 46.71, onde o autor discute a
importância dos dispositivos o Código Tributário Brasileiro 1953, que ganhou a eficácia com a Constituição de 1967 por
força do “princípio da recepção”, alias principalmente com base na Emenda Constitucional n° 18 de 01 de dezembro de
1965, que alterou o artigo 5° Inciso XV, a linha B da Constituição de 1946, e define que as normas tributarias são
aplicáveis a União, Estados, Distrito Federal e Municípios
3 Este artigo não está voltado para discutir o conceito de Estado patrimonialista, assim como os seus derivativos
conceituais “patrimonialismo” e patronato, deixando, todavia implícito, no texto, a evolução da discussão conceitual. De
qualquer, forma este memorial toma como referencia a clássica obra de Faoro, Raymundo: Os Donos do Poder- Formação
do Patronato político brasileiro. 3ª. ed. (revisada). S.P. Globo. 2001.
para atender as necessidades do mercado externo, sem qualquer preocupação com
o mercado interno. Este sistema se reproduziu na história burocrática do Estado
brasileiro e os seus efeitos se prolongaram (prolongam) em ciclos produtivos
diferenciados que retroalimentam não propriamente a nação, mas o patronato
exportador4. Será exatamente em função deste comércio que se organizará a
sociedade brasileira, que, não necessariamente, estava reproduzida nos ideais
instituídos da ordem jurídica, quase sempre mais avançada que a burocracia da
infraestrutura econômica.
2.1 Patrimonialismo na República Velha.
Esta estrutura que compunha o “patrimônio” do Estado Imperial, não
propriamente sofreu alterações profundas com o advento da República, cujas bases
econômicas se apoiavam na grande propriedade rural exportadora e, nos coronéis,
seus titulares, que sucederam aos baronatos e passaram a controlar o Estado
oligárquico que substituiu a estrutura escravocrata patrimonial, apoiada no trabalho
rural, de natureza (semi) servil, sem qualquer tipo de remuneração formal5. Na
verdade, a República, apesar das profundas modificações de poder, apoiou-se,
dominantemente, no patrimonialismo tradicional onde o Estado funcionava como
agente beneficiário das oligarquias.
Este fenômeno se repetirá na história futura do Brasil (pelo menos
dominantemente até 1934/37 e em 1946), demonstrando, que, nem sempre, a
infraestrutura de organização econômica e (ou) social do Estado, corresponde aos
propósitos legislativos (e burocráticos) instituídos, quem sabe a fonte de sucessivas
crises identificadas ao longo de nossa história. Esta situação se repetirá
sucessivamente nos períodos dominantes do Estado Constitucional, o que não
necessariamente ocorre nos períodos em que o Estado Constitucional sofre
restrições, senão autoritárias, do Estado dominantemente administrativo.
Na verdade, o patrimonialismo brasileiro, da primeira República,
principalmente, se desenvolve, não em função dos fatores internos, de interesses e
necessidades da população, ou, inclusive, do próprio mercado interno, mas
determinado pelos interesses patronais externos, articulados com o sistema
produtivo exportador interno, que acabou evoluindo para atender as contingências
de monopólios que viabilizavam as condições de mercado. Neste quadro, as
oligarquias produtoras mais se subordinavam aos interesses concorrenciais do
mercado externo, atendendo, apenas, ocasionalmente, aos interesses residuais do
Estado ou proclames legislativos.
Este mecanismo de produção rural, apoiado em processos de arrecadação
informal, sem sustentação tributária específica, se desenvolveu amplamente nos 1os
(primeiros) anos da República, viabilizando, inclusive, não apenas pela transferência
de recursos da monocultura, a implantação da indústria de substituição de
importações na área têxtil e de calçados, assim como, em outras áreas de natureza
artesanal interna. A conexão, como se verifica, entre a organização social e o modelo
de organização do próprio Estado, nem sempre estiveram absolutamente
sintonizados. Mas, não há como desconhecer, que, o incipiente capitalismo industrial,
evoluiu dos recursos acumulados da monocultura exportadora
Neste sentido, a República proclamada em 1889, com base nos ideais
positivistas, teve uma Constituição juridicamente federalista, promulgada em 1891,
4 Ver a nota 1 (um) e 2 (dois) e 3 (três)
5 A relação semi-servil não envolvia, basicamente, dinheiro e ocorria em função de mecanismos, de escambo, troca,
meia, parceria, terça, armazém, na relação de trabalho e produtividade.
13
sem que propugnasse, dado que estava superada a questão escravocrata, por
mudanças na estrutura da propriedade ou que evoluíssem para fortalecer políticas
de implementação capitalista. Por outro lado, esta Constituição, não propriamente
identificava uma efetiva relação entre os ideais positivistas, absolutamente
centralizadores (que, na verdade, correspondia ao Estado imperial unitário) apoiados
em um presidencialismo de natureza forte e concentrado, mas historicamente
frustrado na sua nítida vocação fiscal.
Todavia, na prática, o federalismo republicano, evoluiu para políticas
administrativas, descentralizadas, cuja base econômica, não apenas estava
comprometida com a produção agrária, também descentralizada, e as políticas de
sua exportação, controlados por um municipalismo oligárquico, que, decisivamente,
sustentava a “política de governadores” das províncias. Esta especialíssima situação
demonstrava, que, o federalismo constitucional politicamente, evoluíra para um
especial “confederalismo”. Este confederalismo pragmático entre as províncias que
definitivamente, quebrou a estrutura unitária imperial, que, modus in rebus estava
nos propósitos dos positivistas (da bandeira nacional) e no federalismo
(constitucional)6.
Economicamente, mesmo na República, a produção e o crescimento se
subordinavam às circunstâncias e contingências extrínsecas. O desenvolvimento não
significava a superação do processo produtivo, controlado pelos titulares dos
diferentes ciclos econômicos. Estes ciclos, à medida que entravam em crise, mais
exatamente provocavam(ram) a substituição do clico exportador que correspondia a
outro grupo oligárquico, que dominavam em outra região do país ou mesmo
superposta àquela em especifica decadência. Não necessariamente está superposição
de ciclos significava reformatações do Estado ou da ordem jurídica, que, todavia, se
sofriam modificações não alteravam as relações produtivas, muito embora,
ocorressem efeitos precedentes entres os fatores produtivos
Neste contexto, há de se fazer 2 (duas) observações conclusivas: o
presidencialismo constitucional, nos seus 1os (primeiros) tempos, se não perdeu a
sua natureza centralizada e concentrada, politicamente, num 2° (segundo)
momento, não conseguiu conter a ação descentralizadora dos Estados (antigas
províncias), e, na própria estrutura judiciária. Esta situação refletiu profundamente
nas frágeis políticas arrecadatórias da União que favorecia os estados dominados
pelas oligarquias municipais e regionais, e sua influência, não própria e
exclusivamente, nas órbitas fiscais estaduais, mas também na órbita política federal7.
Este quadro, por conseguinte, deixava evidente, a fragilidade da
administração patrimonial e administrativa da União republicana e, principalmente,
tributária, do pré-capitalismo emergente apoiado na grande propriedade agrária e na
mão de obra servil. Isso significa, que, no tempo, os propósitos fiscais e centralistas
da proclamação da República, de certa forma traduzidos no próprio ideal federativo
da Constituição de 1891, abolida a mão de obra escrava do processo produtivo
sucumbira, não apenas às práticas produtivas e às tradições institucionais do
6 Independentemente do livro de Raymundo Faoro está discussão deve ser reconhecida e aprofundada em Leal, Victor
Nunes: Coronelismo Enxada e Voto: 7ª ed. Brasil Forense/ Companhia das Letras 1948. Neste livro o autor aprofunda a
discussão sobre as características oligárquicas do patrimonialismo na República, sem que, todavia altere a discussão
sobre seus fundamentos econômicos e políticos, demonstrando os seus mecanismos e o favorecimento do patronato pelo
Estado.
7 Em nosso estudo de doutorado na Universidade de São Paulo – FFCHL (1983) procuramos demonstrar que esta situação
está efetivamente traduzida na legislação eleitoral, que concentrava as bases de poderes nos municípios,
dominantemente, favorecendo as alianças entre os estados federados, numa efetiva “política dos governadores”, como
política da União. Sobre esse tema ver Bastos Aurélio Wander: Formação Eleitoral do Estado Brasileiro, in ensaio
intitulado: O Poder e as Leis. Revista Seqüência - UFSC, Santa Catarina, v. 16, 01 jun. 1988. (Ver também revista Dados.
IUPERJ.1983).
patrimonialismo imperial, reformatada numa estrutura “federativa pragmaticamente
descentralizada”, evitando assim a força conceitual do termo “confederalismo” .
2.2. A Crise e as Alternativas do Modelo Republicano.
Os anos 20 (vinte), no seu final sofreu profunda crise de ruptura, sempre
exemplificada com o crack de 1929 e a crise da Constituição de Weimar na Alemanha
e no Brasil com a Revolução de 1930, e seus efeitos constitucionais em 1932, com o
Código Eleitoral e com a Constituição de 1934 e o Estado Novo em 1937. No inicio
dos anos 30 (trinta), os modelos internacionais clássicos de Estado, ainda muitos
deles monárquicos e absolutistas, começaram a sofrer impactos de desagregação em
todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos e, também no Brasil8. Os fatores
determinantes desta crise, se não era a questão da gestão patrimonial, e
administrativa, e muito menos da responsabilidade dos gestores, permitiram o
desenvolvimento de novas alternativas aos modelos tradicionais de Estado.
Diferentemente das tradições de organização do Estado, mesmo inclusive,
modelo socialista, já em expansão na Europa, que evoluiu numa linha de propósitos
que diferenciava os interesses entre produtores e trabalhadores, entre os titulares
do capital e os titulares do trabalho, não frutificou no Brasil como resultado
institucional9. O Brasil não viveu esta experiência, paradoxalmente devido à própria
resistência patrimonialista e oligárquica, que, também, paradoxalmente, provocou o
desenvolvimento das políticas trabalhistas e previdenciárias, depois da Constituição
de 1934, acentuadamente influenciadas pelo corporativismo, que depois de resistir
ao Levante Comunista, de 1935, sucumbiu ao projeto autoritário do Estado Novo
(1937).
A partir de 1922 muitos movimentos políticos evoluíram no Brasil, nem
sempre com preocupações e propósitos socialistas, mas quase sempre de Estado.
Eles evoluíram nas corporações militares, tendo, num movimento tenentista sua
manifestação inaugural e Coluna Prestes (1926/27) sua maior expressão revoltosa,
assim como o próprio levante (Intentona) de 1935 ou no movimento integralista de
1938. Nas áreas civis cresceram os partidos ou fracionamentos socialistas, muitos
deles inspirados por movimentos internacionais10, mas não tiveram influência
institucional no Brasil, embora tivessem grande passagem política. Nem ao menos
decisivamente influenciaram o estatismo da indústria de base que cresceu a partir
8 A Crise da estrutura patrimonial da República ficou evidente quando a própria oligarquia dos coronéis aprovou no
parlamento a Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926, (DOU de 7 de setembro de 1926), numa evidente
tentativa de salvar o regime, não propriamente constitucional, mas o seu reconhecimento hermenêutico a partir da ação
compreensiva do Supremo Tribunal Federal. Esta Emenda nunca estudada, comparativamente com seu passado, e seu
futuro constitucional, não conteve o avanço das instituições política, procurando resguarda as políticas estamentais e dos
governos descentralizados, ou seja, próprios objetivos reais do Estado. A sua fragilidade ficou demonstrada com o decreto
revolucionário de 11 de novembro de 1930, assinado por Getulio Vargas e o condestável da nova época Oswaldo Aranha
e outros que institui o governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil.
9 Ver Bastos Aurélio Wander: Teoria e Sociologia do Direito, 5ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora 2012. Pag. 56
e segs. Neste livro (pag. 45) avaliamos e o conceito de Carl Marx sobre “divisão social e trabalho” nas estruturas
capitalistas. Onde os elementos críticos essenciais para se compreender as regras de economia de mercado e os
fundamentos classistas do Estado capitalista que, não propriamente, era (é) um modelo político constitucional, mas uma
infraestrutura de interesse articulados. De qualquer forma, vale observar que este artigo estará voltado nos próximos
itens sobre a necessária articulação, nem sempre possível, embora conveniente entre mercado e Estado. Também neste
livro para efeitos comparativos analisamos a conseqüente a distinção entre o conceito de Durkheims “divisão social do
trabalho”, apoiado na teoria da solidariedade orgânica e mecânica.
10 Ver Victor Nunes Leal
15
de 1937 e, nem mesmo a legislação trabalhista, que se inspirou na ideologia dos
movimentos corporativistas europeus (especialmente Italiano)11.
De qualquer forma, o modelo socialista de Estado com base produtiva coletiva,
se implantou em outros países, a partir de diretrizes econômicas e políticas
centralizadas, que não evoluía(iu) com base na coleta tributaria ou nos mecanismos
de natureza fiscal. Estes modelos de alimentação tributária do orçamento mais se
identificam com as economias de mercado exatamente porque historicamente se
organizam como um sistema de captação financeira dos recursos (receitas) do Estado
capitalista, ao contrário do modelo socialista que se movimenta em função da
coletivização da produção (e da expropriação privada), inicialmente, e da produção
direta de bens pelo Estado central, nas etapas subsequentes
Por outro lado, nos Estados Unidos, palco central da crise econômica de 1929,
evoluíram as políticas do “estado de bem-estar social” (Welfare State), que,
efetivamente se apresentavam, como alternativas economicamente abertas, aos
modelos, até então em discussão. Todavia, as tentativas de, aproximação do modelo
Welfare State, que viabilizou o moderno desenvolvimento do Estados Unidos da
America, não encontrou, no Brasil as condições de evolução econômica entre os
fatores de produção que permitissem sua implementação, apesar do governo
altamente centralizado (1937/45), ou quem sabe por isso mesmo, a viabilização de
uma economia de mercado, com aberturas sociais e com leve e superficial
participação do Estado (aliás, as políticas previdenciárias nos Estados Unidos
começaram a se desenvolver em 1939, no exato quadro do New Deal).
Nesse sentido, as frágeis políticas de Welfare State, e as tradições
determinantes do patrimonialismo brasileiro, não influíram, como ocorreu no mundo
ocidental, na (re)construção econômica do Brasil. Os modelos de Estado
corporativista, indicando a necessária convivência entre patrões e empregados, se
interpuseram no quadro conflitivo com algum sucesso na Europa, mas também, na
projeção histórica tiveram restrita influência no Brasil. É inegável, inclusive, a grande
resistência da esquerda brasileira ao modelo eleitoral (1932) – Constitucional (1934),
demonstrado em 1935, e a forte reação do Estado Novo em 1937, que resguardou o
ideário econômico corporativista mas esvaziou na forma autoritária-centralizada o
modelo político.12
A sua influência, todavia, como já observamos, deixou profundas marcas,
senão de sua evolução sucessiva, sobre a questão financeira (orçamentária/fiscal),
muito embora sem qualquer consecução prática, devido à sua exigibilidade temporal.
A Constituição de 1934, todavia se não teve uma nítida inclinação trabalhista e
previdenciária, seus pressupostos trabalhistas influenciaram decisivamente o
emergente Estado Novo, inclusive na sua formatação corporativista e, na construção
do trabalhismo brasileiro que definiu constitucionalmente, preliminarmente, as
regras de convivência entre “empregadores, empregados e Estado”. Este princípio
11 O corporativismo evoluiu do sistema político Italiano do remoto modelo das guildas medievais nas décadas de 1920 e
1930 inspirado na carta Del lavoro onde o poder legislativo é atribuído as corporações profissionais, onde as associações
de classe de patrões e empregados tem influência decisiva; propugnam pela eliminação da luta de classes a favor da
colaboração entre elas, principalmente através das negociações coletivas e da intermediação dos conflitos, diversamente
da doutrina socialista marxista tudo no Estado nado contra o Estado e nada fora do Estado. O Salazarismo em Portugal
que vigorou de 1933 até 1974 é um exemplo similar de corporativismo assim como os seus excessos mesmo no início do
nazismo na Alemanha (1933/45) e na Espanha franquista (1973).
12 Nesta linha de raciocínio, o anterior Decreto n° 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, (Código Eleitoral) à Constituição
Brasileira, de 16 de julho de 1934, que incorporou a orientação, criou um Parlamento corporativo de Deputados Eleitos e
Deputados Profissionais, onde, em tese, conviveram (conviveriam) representantes do patronato e dos trabalhadores, na
exata inspiração corporativista, que autores da mesma época conceituavam como relação heteronômica de confiança e
solidariedade entre patrão e empregado, até a promulgação do “Estado Novo”, (Constituição Brasileira, 10 de novembro
de 1937.
tripartite que irar influenciar a história política de arrecadação previdenciária e ao
mesmo tempo ampliar o espaço de convivência previdenciária entre trabalhadores e
empregadores do Estado brasileiro.
3. A Construção Financeira do Estado Moderno.
Neste item vamos demonstrar a desconstrução do patrimonialismo de Estado
(ou do patronato), da República velha, evoluindo a partir da influência concomitante
dos modelos corporativista, socialista, de bem-estar social (Welfare State), social
previdenciário e liberal-democrático. Na verdade, não propriamente procuramos
identificar a diversidade entre esses modelos, no quadro geral brasileiro, mas
excetuada a fase de debate sobre as alternativas socialista, que não tiveram qualquer
realização prática, e mesmo o modelo do Welfare State, que superficialmente influiu
na formação de alguns institutos de Estado, na verdade os demais modelos influíram
concomitantemente no processo de formação institucional do Estado brasileiro.
3.1. A Desconstrução do Patrimonialismo de Estado.
O Estado brasileiro, por um período não muito longo, mas diante da efetiva
crise agrária e exportadora, e o constrangimento político das oligarquias, e muito
especialmente as expectativas de reposicionamento dos militares (1922/1926/27,
1935), não evoluiu, na linha, de um Estado socialista, assim como não teve história
e dinâmica econômica para instalar o Estado ao modelo do New Deal que,
decisivamente, foi uma alternativa interna conveniente aos Estados Unidos da
América (USA). No contexto geral das alternativas dominantes à época mais
incorporou, senão pontualmente, o modelo de Estado corporativista. Basicamente
este contraste deveu-se à grande divergência entre as ações do intervencionismo
estatal que permeou a história (recente) do Brasil, reproduzindo uma convivência
política de efeitos futuros: a convivência do patronato (político) com o modelo de
mercado, suscetível a intervenções estatais, e às políticas trabalhistas e
previdenciárias.
Neste sentido a desconstrução do patrimonialismo de Estado, foi provocado
pela desarticulação das oligarquias que controlavam a República e a consequente
Revolução de 30 (trinta), marcada pela Constituição de 1934 e 1937. Estas ambas
Constituições resultaram da ação de Getúlio Vargas, senão pela sua resistência como
ocorreu em 1934, pela sua ação direta com a proclamação do Estado Novo.
Imediatamente a Revolução 1930 Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho
Indústria e Comércio, que, dentre as suas competências, se incluía supervisionar as
entidades previdenciárias. Estas constituições entre si apesar de suas
dessemelhanças institucionais, guardavam também semelhanças ideológicas
significativas que traduziam a influência corporativista, abrindo as políticas de
confronto sem que tivessem sucesso absoluto com a infraestrutura patrimonialista,
mas que, independentemente destas observações marcaram a modernização do
Estado brasileiro.
As políticas anti-patrimonialistas evoluíram, todavia no Brasil
independentemente destes modelos, mas, a partir de anos de 1932, (especialmente
com a Revolução Paulista)13, que foi sucedida pelo Código Eleitoral de 1932, base
eleitoral da constituinte de 1933. Na história brasileira registra-se grandes
resistências das oligarquias patrimonialistas, não apenas com relação às frustradas
experiências de modelos alternativos de Estado, mas também com relação aos
13 Sobre este tema em edições recentes vê de Luis Bernardo Pericás; Caio Prado Junior, Uma Biografia Política. Editora
Boitempo 2016, pgs 504.
17
direitos do trabalhador e à definição dos novos direitos previdenciários, que (como
observamos), no seu processo de implantação absorveu linhas gerais do modelo
corporativista. Este seria o exato momento em que o Estado patrimonialista, sempre
oculto na máquina burocrática, sofre(u) as suas mais profundas restrições
econômicas e de interesse, mas, de qualquer forma, encontra sua dimensão possível
de conviver com a ordem imposta pelo Estado novo.
Coincidentemente a gênese constitucional da política orçamentária brasileira,
a exata discussão sobre as suas primeiras diretivas para a construção do Estado
brasileiro moderno estão exatamente na Constituição de 1934, assim como nela
também se concentram as primeiras manifestações constitucionais sobre a definição
de política tributária, trabalhista e previdenciária. Estas articulações foram
aprofundadas em dimensões significativas com a construção do Estado Novo em
1937, mas também com a criação da Justiça do Trabalho14. As iniciativas do Estado
Novo também com relação às políticas previdenciárias, foram extensivas,
principalmente, com a criação dos institutos de aposentadoria e pensões (IAPs), e a
partir da equalização das relações entre empregadores, empregados e Estado,
viabilizando o suporte financeiro da previdência15.
À natureza intervencionista do quadro político dominante à época (entre
1937/45), comprometido com a viabilização da implantação da indústria de base,
ancorado numa sólida máquina autoritária, permitiu, paralelamente, que várias
iniciativas legislativas de natureza trabalhista e previdenciárias fossem incentivadas
pelo Estado. Estas providências viabilizaram a acomodação de novas propostas no
quadro da estrutura de interesses burocráticos, comprometidos, ainda, com o
patrimonialismo de Estado. Esta nova legislação na verdade, mesmo com seus
reflexos corporativistas, não conseguiu desconstruir absolutamente os fundamentos
do estado tradicional brasileiro, (patrimonialista oligárquico), mas de qualquer forma,
passou a conviver com ela, apesar de todos os percalços.
No contexto da evolução do Estado brasileiro, onde os modelos socialistas, e
de bem-estar social não prosperaram, apesar das grandes concessões ao modelo
corporativista (mesmo todavia) no quadro da resistência patrimonialista, evoluiu o
Estado previdenciário, cuja receita originava-se da arrecadação apoiada em
descontos percentuais na folha de pagamento do empregado e dos depósitos
obrigacionais patronais e recursos do Estado. Mas esta política tripartite de razoável
arrecadação trabalhista e patronal, originariamente implementada por uma
amplíssima diversidades de leis protetivas setoriais por áreas de atividades
econômicas, através de institutos autônomos, da mesma forma fortaleceu a política
de arrecadação tributária das empresas em expansão e do comércio.
Após o afastamento de Getúlio Vargas (maio de 1945), ocupou a Presidência
da República o Presidente do Supremo Tribunal Federal – STF José Linhares, que,
herdando as políticas do passado getulista recente, viabilizou a criação do
Departamento de Previdência Social, do Ministério do Trabalho, efetivamente
fortalecendo a gênese previdenciária. Neste contexto evolui a Constituição de 1946,
que deu um grande avanço em relação aos institutos previdenciários gestados em
14 Apesar da criação da Justiça do Trabalho estar prevista na Constituição de 1934, não foi instalada. O Congresso
Nacional discutiu longamente a matéria, mas foi exatamente devido aos sucessivos embates no Congresso entre as forças
políticas tradicionais e as políticas de mudanças estruturais que, em âmbito global, ela somente veio ser instalada, no
Brasil, em 1941, já durante o período do Estado novo.
15 A legislação histórica demonstra que essa movimentação moderna ocorre a partir da Lei Eloi Chaves (Decreto-legislativo
n° 4.682, de 14 de janeiro de 1923), (que criou as caixas de aposentaria e pensão para os ferroviários). Neste mesmo
ano foi criado o Conselho Nacional do Trabalho.
1934/37, criando as condições para a unificação futura dos institutos
previdenciários16, sendo, que, todavia, somente em 1960, será editada a Lei orgânica
da Previdência n° 3.807, de 26 de agosto de 1960.
Esta Constituição de 1946, é a marca referencial do Estado liberal-democrático
no Brasil permitindo finalmente que (este) texto trabalhe a ascensão e crise do
modelo liberal democrático a partir dos anos 60 (sessenta). Este modelo, num
primeiro momento, após a renúncia do Presidente do Jânio Quadro (1961), sofreu
forte impacto do movimento trabalhista, representado pela herança getulista do Vice-
Presidente João Goulart. Este quadro de altíssima profundidade política sofreu forte
pressão estabilizadora dos grupos militares, cujo o equilíbrio só se tornou possível,
com a superação da crise após a aprovação pelo Congresso do regime
parlamentarista – presidencialista. A insatisfação do Presidente João Goulart com o
cerceamento de seus poderes presidenciais acabou evoluindo para forte confronto
com os grupos militares que assumiram poder em 1964. Que permaneceram no
governo até 198517.
3.1.1 A Gênese da Política Orçamentária.
Positivamente o idealismo socialista e às práticas desenvolvidas no contexto
do Welfare State não tiveram qualquer influência no Brasil. Todavia, foi a Constituição
de 1934 que mais padeceu de forte influência corporativista, principalmente nas suas
aberturas trabalhistas (art. 121); também ela inaugurou com sucesso a política
orçamentária brasileira e definiu o conceito organizativo central relativo à parte fixa
e variável da despesa orçamentária, mantido em 1937, (§ 2° art. 58), vigente até os
nossos dias. Com flutuações de nomenclatura.
É nesta linha, imprescindível ao reconhecimento da evolução das perspectivas
fiscais e orçamentárias do Estado brasileiro, que se inauguram os fundamentos da
preocupação nacional também com a cobrança tributaria além daqueles direitos
trabalhistas. Assim dispõe o seu artigo 39 da Constituição de 1934: compete
privativamente ao Poder Legislativo, com a sanção do Presidente da República: inc.
I (...); Inc. II. Votar anualmente o orçamento da receita e da despesa (da União) e,
Inc. III: dispor sobre a dívida pública da União e sobre os meios de pagar.
Segue o artigo 50: o orçamento será uno, incorporando se obrigatoriamente
à receita todos os tributos, rendas e suplementos de fundos, e incluindo-se
discriminadamente na despesa todas as dotações necessárias ao custeio dos serviços
públicos. § 1° (...) § 2°: o orçamento da despesa dividir-se-á em duas partes: uma
fixa e outra variável, não podendo a primeira ser alterada, senão em virtude da Lei
anterior. A parte variável obedece a rigorosa especialização; § 3°: a lei de orçamento
não conterá dispositivo estranho a receita prevista e à despesa fixada para os
16 Em 1986 a Lei Orgânica da Previdência Social foi alterada sendo instituído o fundo de garantia por tempo de serviço e
criado o (Instituto Nacional da Previdência Social INPS – atualmente – INSS Instituto Nacional de Seguridade Social) que
reuniu os institutos de aposentarias e pensões existentes unificando administrativamente a previdência social no Brasil.
17 Na forma da Constituição de 1946, o Presidente da República era eleito em votação diferenciada simultânea pelo Vice
– Presidente da República (art. 78/79/81). A Emenda Constitucional n° 4, (de 2 de setembro de 1961), assinada pelos
Presidentes da Mesa da Câmara e do Senado, instituiu-se o sistema parlamentar de governo (art.1° assim como deu
outras providências). A Emenda Constitucional n° 6, (de 23 de janeiro de 1963), assinada pela Mesa da Câmara e do
Senado, revogou a Emenda n° 4 e restabeleceu o sistema presidencialista de governo. O Ato Institucional n° 1 de 9 de
abril de 1964, assinado pelo General de Exercito Arthur da Costa e Silva, pelo Tenente Brigadeiro Francisco de Assim
Correa de Melo e Pelo Vice-Almirante Augusto Hamam Rademaker Grunewald, após os seus considerados políticos e
revolucionários dispõe no art. 2° que a Eleição do Vice - Presidente da República cujos os mandatos terminaram em 31
de janeiro de 1966, será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional (...) dois dias após na
forma deste mesmo Ato Institucional suspensos os impedimentos de inegibilidades foi eleito o Presidente Humberto
Castelo Branco, tendo como seu Vice José Maria Alkimim, acrescente-se também que a Emenda n° 7 de 22 de maio de
1964, (art. Único suspendeu na parte que exige a previa autorização orçamentária para cobrança de tributo em cada
exercício até de 31 de dezembro de 1964)
19
serviços anteriormente criados não se incluiu nesta proibição a abertura de créditos
suplementares e operações de créditos por antecipação de receita; § 4°: é vedado
ao Poder Legislativo conceder créditos ilimitados.
O tempo histórico demonstrava, todavia, que o fortalecimento das estruturas
orçamentárias e as políticas de arrecadação tributária e despesas públicas seriam a
forma única possível de fragilizar as estruturas patrimonialistas, o que, efetivamente,
ocorreu, também ao nível da Constituição outorgada de 1937, mas não se consolidou
como forma de alimentação da Receita Orçamentária. Esta situação ocorre,
principalmente, porque, conforme também o texto de 1934, nela não se definiu um
quadro de captação tributária, pressuposto essencial da receita para o custeio de
serviços públicos.
3.2. A Gênese do Estado Previdenciário.
A história do Seguro Social no Brasil remonta mesmo às iniciativas do período
imperial que chegou em 1888 a regular a aposentaria dos empregados do (Correio
Decreto n° 9.912/88) e, inclusive, da Caixa de Socorros dos Empregados da Estrada
de Ferro. Na própria República velha a Constituição indicou a possibilidade de se
aposentar funcionários públicos em caso de invalidez (1891), assim como foi
instituído logo depois a aposentaria por invalidez e pensão por morte dos operários
do arsenal da Marinha, e ainda foi criado um seguro para acidente do trabalho.
Seguiram-se a essas iniciativas vários seguros e providências de natureza
pontual, mas que foram evoluindo no contexto da proteção de atividades profissionais
e mesmo direitos individuais. No que se refere a concepção das políticas de seguro
social, a Constituição de 1934, ampliou o ambiente jurídico para o desenvolvimento
dessas indicações do estado moderno brasileiro, inclusive com a implatação de
dispositivo de proteção trabalhista (art. 122), a definição do orçamento (art.50), a
definição da coleta de tributos (art. 6°,7°,8°) e a definição dos direitos
previdenciários, como conceito preliminar de Previdência Social (art.138).
A Constituição de 1937, deu seguimento às proposições de 1934, sem
qualquer inovação na teoria da responsabilidade previdenciária tripartite distribuindo
entre trabalhadores, empregadores e Estado, como contribuintes. O financiamento
por conseguinte das iniciativas previdenciárias tinha aquele formato tripartite
inaugurado em 1934, mas não tratou todavia a Constituição de 1937, em
profundidade, a matéria, mas criou as condições suficiente para desenvolver políticas
de proteção trabalhista imediatamente após a Revolução 1930 e o seu
desenvolvimento efetivo após a Constituição de 1937, (art.137) com a criação do
Estado Novo.
Na prática o Estado Novo foi um duro golpe em todas as propostas de
influência externa, incentivando o modelo autoritário centralista, que, apesar de seu
projeto de construção de uma infraestrutura industrial, que buscava romper com
modelos pré-capitalistas, permaneceu (ia) ainda suscetível a forte influência
patrimonialista, comprometida na sua origem com uma economia basicamente
agrária, dominada pelo latifúndio monocultor e suas oligarquias, onde também as
relações burguesas entre patrão e empregado eram incipientes.
De qualquer forma esta Constituição de 1937, se distinguira pela definição da
legislação do trabalho (art. 137) e da liberdade e sindical (art. 138), da execução da
Justiça do Trabalho (art. 139). O seu pressuposto Constitucional conceitual apoiava-
se na afirmação de que o trabalho e um dever social (art. 136), fundamento de
legislação trabalhista futura (Consolidação das Leis do Trabalho - C.L.T), assim como
define que a economia da produção será organizada em corporações sob assistência
e proteção do Estado (art. 140).
A formação dos direitos (trabalhistas) e previdenciários, ocorreu
concomitantemente com as políticas modernizadoras (que sucederam a 1937), com
a criação de uma indústria de base como o incentivo à indústria nacional de
substituição de exportação e ao comércio de bens e serviços. Paralelamente com a
implantação das bases industriais nacionais, instaladas nas áreas urbanas, próxima
dos grandes centros, incentivou-se o desenvolvimento, não de uma legislação fiscal
impositiva que fortalecesse o orçamento da União e dos Estados, mas uma
amplíssima legislação trabalhista (com fortes sinais corporativistas) e leis
previdenciárias, apoiadas em recolhimentos financeiros patronais e de trabalhadores
e do Estado pelos organismos e autarquias previdenciários (IAP’S), mais tarde
vinculados às próprias receitas orçamentárias da União (e de alguns estados), gênese
do Estado Previdenciário brasileiro18.
Paralelamente o Estado novo promoveu uma ampla política de fortalecimento
da infraestrutura da indústria de base que propiciou o crescimento das empresas
nacionais e contribuiu para o desenvolvimento das práticas de arrecadação tributária
privadas. Na verdade, apesar das dificuldades desta afirmação a Constituição de
1937 descobriu (o novo) Brasil submerso nos 30 (trinta) anos da República Velha.
Não há como desconhecer a abertura do Brasil submerso nas propriedades rurais
servis e nos mocambos na área urbana foi desvelado, assim, como a imensa riqueza
territorial brasileira (já referidas nos art. 134).
Esta especial situação de convivência entre os diferentes momentos históricos
do país, sobrepondo o patrimonialismo remanescente e as políticas previdenciárias
emergentes e o projeto de construção de uma indústria de base comprometida com
o desenvolvimento industrial estranhamente, no contexto do Estado Novo, viabilizou,
se não apenas a gênese, mas o desenvolvimento de um Estado de novo tipo, todavia
de parâmetros excessivamente autoritários.
Este Estado de novo tipo evoluiu no sentido de viabilizar, não propriamente
práticas de arrecadação tributária, mas de criação de empresas estatais que
respondessem às demandas essenciais do desenvolvimento brasileiro, onde a União,
como acionista empresarial, se beneficiava (aria) de receitas empresarias. Este
modelo definiu-se, politicamente, com a construção de empresas estatais de
economia mista e de natureza monopolista, mais se demonstrava comprometido com
a viabilização do desenvolvimento econômico, inclusive com seus efeitos na expansão
da indústria privada, não priorizando, propriamente políticas fiscais e tributárias,
onde a correlação das receitas e despesas estivessem rigidamente definidas no
orçamento da República.
3.3. O Estado Liberal-Democrático.
É muito difícil, da história do Brasil identificar rupturas constitucionais, ou
mesmo legislativas bruscas (profundas), geralmente os processos de mudança são
movimentos de acomodação política. Por esta especial razão, exceto em situações
pontuais, é quase impossível identificar a separação das iniciativas políticas que
foram gestadas ao fim do governo Getúlio das iniciativas preliminares de 1946, ou
imediatamente após a posse do Presidente do Supremo Tribunal Federal José
Linhares na Presidência da República (29 de outubro de 1945). Os atos que
entremeiam o afastamento de Getúlio e a posse de José Linhares demonstrar
exatamente que a política previdenciária evoluiu exatamente nesta fase de transição.
18 Este IAP’S eram institutos descentralizados criados após a Lei Eloi Chaves (1923), da Caixa de Aposentadoria e Pensões,
dentre eles termos os seguintes, após a reestruturação determinada por Getulio Vargas em 1930: APM (1933); IAPC
(1934); IAPB (1934); IAPI (1936); IPASE (1938); IAPETEC (1938), depois IAPTC (1945); IAPOE (1939); ISS (1945);
CAFESP (1953); IAPFESP (1960) e outros.
21
Neste sentido, o Decreto n° 7.835, de 6 de agosto de 1945, editado no o caso
do Governo Getúlio, que consolida os direitos previdenciários, e estabelece o
percentual de 70% e 35% do salário mínimo para beneficiados referencias das
aposentadorias e pensões, respectivamente, está em intima conexão com os
decretos-lei e atos infraconstitucionais consecutivos, que viabilizaram, da mesma
forma, o Decreto-Lei n° 8.742, de 19 de janeiro de 1946, gestados nos últimos meses
do Governo do Presidente Getúlio Vargas, e editado no início do Governo do
Presidente José Linhares, que também coincidentemente implantou o Departamento
Nacional de Previdência Social, vinculado ao Ministério do Trabalho, pouco antes da
promulgação da Constituição de 18 de setembro de 1946. Ficavam assim visíveis,
senão, descentralizados, legislativamente definidos, os compromissos
previdenciários do Estado.
Nesta mesma linha caminhou a Constituição de 1946, que faz grandes
aberturas com relação à proteção dos direitos individuais (art. 141/147), priorizou
na sua estrutura originária a organização do Estado Federal e a preocupação
orçamentária (art. 73/77), por outro lado ela não fugiu dos parâmetros inaugurados
com a legislação do trabalho e da previdência social, com base em preceitos gerais
que visavam à melhoria da condição dos trabalhadores (art. 157), tais como salário
mínimo, proibição de diferenças salariais para o mesmo trabalho, proibição do
trabalho de menor, direito da gestante, estabilidade na empresa ou exploração rural,
participação do lucro das empresas e tantas outras providências, como, inclusive, o
direito de greve e a liberdade de associação profissional e sindical e definia a Lei que
regulará o exercício das profissões liberais.
No que se refere à Previdência mantinha-se a regra tripartite inaugural, e
ficava definida a necessária contribuição da União, do empregador e do empregado
em favor dos direitos previdenciários. Exemplificativamente definiu-se a proteção à
maternidade, a proteção das consequências de doenças, a proteção da velhice e os
cuidados com o falecimento, e, ainda, o seguro obrigatório pelo empregador contra
ocidentes de trabalho, bem como proibia a distinção entre o trabalho manual ou
técnico ou intelectual e também os que concernem a outros direitos, garantias e
benefícios.
Esta Constituição de 1946, alterou o nome usual na legislação de “seguro
social” para “previdência social”, ao referir-se às práticas assistenciais de
aposentadoria e pensão. A Lei n° 3.807, de 26 de agosto de 1960 (Lei Orgânica da
Previdência) consolidou as práticas previdenciárias e instaurou uma efetiva política
de “seguridade social”, cuja consolidação legislativa somente ocorrerá com o Decreto
n° 77.077, de 1° de setembro de 1976. Este Decreto da mesma forma consolidou as
tantas e diversas leis da Previdência Social.
Na verdade, a história brasileira, demonstra, que, este período do Estado
liberal-democrático, estava permeado pelo trabalhismo getulista, até 1954, e pelo
crescimento das políticas previdenciárias inclusive durante o período
desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, quando os recursos
previdenciários decisivamente subsidiaram a construção de Brasília, e do governo
João Goulart, quando não houve ações de maior interveniência nas políticas
previdenciárias. Interessantemente essas políticas se desenvolveram em
concomitância com o crescimento desenvolvimentista que traduziam oportunidades
para empresas privadas apoiadas nas antecedentes sólidas empresas estatais. Esta
combinação viabilizou especiais condições de desenvolvimento e amparo
previdenciário dos trabalhadores (e produtores), a partir do tradicional recolhimento
da quota do empregado e da quota patronal conjuntamente como uma serie de
despesas não previstas pela União, com efeitos sobre os seus sucessivos déficits (e,
em casos próprios, pelos estados federados).
Mesmo, observando o processo constituinte, a herança trabalhista e
previdenciária de 1937, na Constituição de 1946, é marcante. Ela deu
prosseguimento a uma política tributária descentralizadora, na explícita vontade de
mais arrecadar com a decretação de impostos para a alimentação orçamentária dos
entes federados, do que, propriamente, sopesar a movimentação da máquina
pública. Esclareceu exatamente as competências orçamentárias da União e o papel
do Poder Executivo sobre importação de mercadorias de procedências estrangeiras;
produção e distribuição e consumo (...), imposto de renda e proventos de qualquer
natureza, transferência de fundos para o exterior. Definiu ainda as políticas de
extensão, da competência da União para cobrar impostos de territórios federais.
No que se refere aos estados a Constituição de 1946 (art.119) definiu a
competência para cobrança de impostos sobre a propriedade territorial, exceto
urbana; e um leque extensivo de outros tantos impostos deixando inclusive explícito
a competência para decretação e arrecadação dos tributos dos municípios (art. 28),
dentre eles o imposto predial e territorial urbano, e indústrias profissões. A
Constituição, neste sentido, resguardou o princípio federativo, explicitando os
diferentes tipos de impostos e contribuições dos seus entes constitutivos.
Sem fugir da sua evolução definiu que (art. 73): o orçamento será uno,
incorporando-se a receita, obrigatoriamente, todas as rendas e suplementos de
fundos, incluindo-se discriminadamente na despesa as dotações necessárias ao
custeio de todos os serviços públicos. Nesta linha a Constituição mantinha a com
relação à (futura) Lei de Orçamento as observações anteriormente dispostas em
1934/37, observando a divisão da despesa (Inc. II, §2°) que explícita que o
orçamento da despesa dividirci se-á em duas partes: em “fixa”, que não será alterada
senão em virtude da lei anterior; outra “variável” que obedecerá a rigorosa
especialização. Finalmente esclarece as competências do Tribunal de Contas (art.
77), que evoluirá em condições especialíssimas de verificação das contas públicas no
Brasil.
Na verdade, e finalmente, o Estado constitucional no seu processo de
acomodação com as políticas remanescentes ao período anterior a 1945, com base
na Constituição de 1946, editou a Lei n° 4.320, de 17 de março de 1964, que estatui
normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e
balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Está Lei que
sobre-existe até os nossos dias, reformatou fortemente o flanco de enfoque
orçamentário, o que viabilizou uma desarticulação das práticas orçamentárias, com
significativos efeitos administrativos, em tese, uma proposta de articulação da
arrecadação tributária com a receita e as despesas públicas, procurando criar uma
efetiva política de definição de recursos orçamentários fixos, que provocou ao longo
do tempo flutuações de seus próprios limites e sucessivas alterações das despesas
variáveis.
4. A Lei Orçamentária de 1964, vigente.
A Lei n° 4.320 de 17 de março de 1964 (Lei Orçamentária Anual – LOA) foi
editada 13/14 dias antes da revolução de 31 de março de 1964, com o objetivo
estatuir normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos
orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal e,
ao mesmo tempo viabilizar execução orçamentária anual e implementar os padrões
de gestão, controle e fiscalização dos recursos públicos, prioritariamente procurando
equilibrar a receita e a despesa orçamentária.
23
Considerando o contexto deste paper tornou-se imprescindível para sua
melhor compreensão a definição de da estrutura19da Lei n° 4.320, e o
desenvolvimento das necessárias observações sobre seus efeitos em relação à
política de responsabilidade fiscal. Em primeiro lugar, tudo demonstra que a Lei não
é exatamente expressiva dos interesses presidenciais (exercia a presidência o
Presidente João Goulart) à época de sua edição ou quando foi à sanção presidencial.
Por outro lado, em segundo lugar, ao que parece, a Lei traduz divergências profundas
com a Câmara dos Deputados, com relação a elaboração do conteúdo de seus
dispositivos e a respectiva execução.
Por isto aparentemente, as suas dificuldades iniciais deveram-se, muito
especialmente às circunstâncias de transição que marcaram esta iniciativa pioneira,
de ordenar a desordenação orçamentária que sucedeu aos primeiros anos de 1960.
Mas interessantemente, ela é um documento de fundamental importância porque
mesmo tendo sido promulgada antes da dada referencial da Revolução de 1964, ela
sobreviveu a todo o período revolucionário, seguindo aplicável, inclusive mesmo
período de transição (1985/88), e após a promulgação da Constituição de 1988.
Está Lei tem um total de 115 (cento e quinze) artigos e 2 (dois) anexos,
(editada com base no artigo 5°, inciso XV, letra B da Constituição Federal de 1946).
Sendo que sua base na Constituição de 1988, e seu fundamento é o (art. 24)
devendo-se se citar ainda o (art. 165, incisos e seus parágrafos) e o (art. 31). O
Projeto desta Lei originou-se na Câmara dos Deputados, onde o Governo não tinha
maioria e quem sabe por isto mesmo 25 (Vince e cinco) dos seus artigos foram
vetados pelo Presidente da República, quando de sua promulgação.
Estes vetos, no entanto, foram rejeitados pela Câmara dos Deputados,
demonstrando seu especial poder na sua elaboração. Sucessivamente sofreu os
efeitos modificativos de 8 (oito) leis posteriores a março de 1964, e 7 (sete) decretos-
lei e outros 2 (dois) decretos e, mais recentemente de uma Medida Provisória. Isto
nos permiti concluir que a sobrevivência desta Lei deveu-se a atos legislativos que
mais se identificam (vam) com os atos do período autoritário posterior a sua
promulgação20 (pelo Congresso).
De qualquer forma ressalte-se, que, mesmo no conjunto de tantas alterações,
esta Lei, com suas modificações, foi recebida pela Constituição de 1967, assim como
pela Constituição de 1988, o que garante a sua vigência até os nossos dias, podendo-
se citar, como já o fizemos, em seu apoio, o §9° do artigo 165, e ainda o artigo 31
(que trata dos orçamentos), tendo, todavia como seu fundamento Constitucional o
inciso I e II do artigo 24.
A Lei n° 4.320/64, temporalmente pode ser classificada como a mais
importante e duradora Lei Orçamentária brasileira, senão a única, após as iniciativas
precursoras de 1934/37. Está Lei sobreviveu mesmo à Emenda Constitucional n° 7,
de 22 de maio de 1964, tendo suspendido provisoriamente a exigência do §34, artigo
19 Esta Lei contém um capítulo sobre receita (titulo I cap. II), que foi alterada pelo Decreto-Lei n° 1.939, de 20 de maio
de 1982, que define o que é receita corrente e receita de capital com suas tantas subdivisões. No capítulo sobre despesas
(titulo II cap. II) também define o que é despesa corrente e despesa de capital. Item fundamental de sua estrutura é a
definição do conteúdo e forma da proposta orçamentária cuja a redação foi dada pela Lei n° 4.489, de 19 de novembro
de 1964, sendo revogada a Lei n° 6.397 de dezembro de 1976 e pela Lei n° 1.735 de 20 de dezembro de 1982.
20 Sobre a legislação que altera esta Lei deve-se verificar o artigo 67 da Constituição de 1967, e ainda no seu corpo estão
citados o Decreto-Lei n° 201/67 a Lei n° 8.666/93 (sucessivas vezes) a Lei n° 8.883/94 a Lei n° 9.648/98, a medida
provisória n° 581/2012. Dentre os decretos remanescentes que integram o seu corpo estão o Decreto-Lei n° 1.025/69,
a Lei n° 4.489/76, Lei n° 6.397/76, o Decreto-Lei n° 1.645/78, Decreto-Lei n° 1.735/79, o Decreto-Lei n° 1.085/80,
Decreto-Lei n° 1.939/82, e o Decretos 6.745/67 e 7.045/67
141 da Constituição vigente (1946) de prévia autorização orçamentária para
cobrança de tributo em cada exercício até de 31 de dezembro de 196421. Isto significa
que todo e qualquer efeito da Lei n° 4.320/64 ficava interrompido pelo próprio
governo revolucionário. Os seus efeitos por força da redação da Lei n° 4.489, de 19
de novembro de 1964, ficaram determinados retroativamente a 1° de janeiro de
1964 (o que significa que até 17 de março de 1964, o orçamento anual ainda não
estava em execução) para fins de elaboração orçamentária e, partir de janeiro de
1965, quanto os demais itens, sendo que esta Lei de 1964, foi revogada pela Lei n°
6.397, de dezembro de 1976 e pela Lei n°1.735, de 20 de dezembro de 1982.
Às práticas estatistas empresariais intervencionistas, sempre se manifestaram
através de iniciativas empresariais diretas ou de concessões e permissões de serviço.
Na verdade, o autoritarismo que seguiu aos anos 60 (sessenta), não desenvolveu um
projeto muito diferente do autoritarismo de 30/40 (trinta/quarenta), de certa forma,
mantendo, mesmo, as políticas econômicas intervencionistas descuidando da
amortização da dívida e juros consequentes. Esta política deixou que evoluísse o
desequilíbrio entre as contribuições e despesas previdenciárias, que, na elaboração
orçamentária contribuíam para o desequilíbrio entre receita e despesa, deixando
sempre espaços para consecutivos déficit historicamente reproduzidos. Mesmo com
a instalação do Estado de Segurança Nacional (que sucedeu a 1964/1967), apesar
dos seus propósitos alternativos, não se conseguiu implementar crescentemente a
amortização da dívida e evitar os crescentes efeitos da despesa previdenciária do
Estado brasileiro.
O que se pode paradoxalmente concluir, é que a sintonia entre o Estado
Constitucional, no Brasil, e o Estado administrativo, principalmente nas coberturas
orçamentárias, tanto na sua dimensão legislativa, como na sua dimensão burocrática,
mais visivelmente se manifesta nos períodos de governo autoritário. A visibilidade
deste fenômeno, já se manifesta mais nítida ao se observar está correlação entre os
anos sucessivos a 1937 até 1945 e, no que se refere ao período posterior a 1964
embora se procurasse resguardar legislativamente a natureza constitucional do
Estado pelo menos até 1967 (evitando é claro, o excesso intervencionista de 1969),
senão absolutamente o fenômeno crescente do poder dos gestores, que, não era uma
incógnita mais estava absolutamente visível.
A Emenda Constitucional n° 1 de 13 de dezembro de 1969, na prática,
institucionalmente aumentou a visibilidade da correlação entre a desconexão da
substância constitucional remanescente, mesmo de 1946, ou de 1967, e a mecânica
administrativa do Estado,22 com o esvaziamento federativo e o crescente poder
central da União de manipular o orçamento, já na forma tributaria da Emenda
Constitucional n° 18/65. Nesta situação interpuseram-se os pressupostos
interventivos para a superação da crise, o Estado administrativo poderoso (E.C n°
1/69) sobre o Estado Constitucional de 1967, que procurara sobreviver no contexto
da segurança nacional, aspectos liberais da vida política.
21 Dispõe o supra referido artigo, a Constituição a segura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito concernente a vida, a liberdade, a segurança individual e a propriedade, nos termos seguintes:
(...) §34 nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a Lei estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício
sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra.
Esta matéria foi alterada pela Emenda Constitucional n° 18 de 01 de dezembro de 1965, promulgada nos termos do
artigo 217, §4° da Constituição que em disposições gerais (cap.1) dispôs e regulamentou o sistema tributário nacional,
sendo todavia que
22 Ver nota 2
25
4.1. O Projeto Orçamentário de 1967.
A Constituição de 1967 trouxe algumas contribuições sobre a questão
tributária e orçamentária, como já nos manifestamos anteriormente23, a Constituição
de 1967, muito embora, tenha instituída 3 (três) anos após no início do regime
militar, neste contexto trouxe algumas regras sobre orçamento. Que se inclinavam
pelo reconhecimento das políticas federalistas.
Assim vejamos: no artigo 46: Ao Congresso Nacional, com a sanção do
Presidente da República, cabe dispor, mediante lei, sobre todas as matérias de
competência da União, especialmente: I - os tributos, a arrecadação e distribuição
de rendas; II o orçamento; a abertura e as operações de crédito; a dívida pública;
as emissões de curso forçado; III - planos e programas nacionais, regionais e
orçamentos plurianuais.
Completando para pré-estabelecer os meios de ação o artigo 63 dispõe: A
despesa pública obedecerá à Lei Orçamentária Anual, que não conterá dispositivo
estranho à fixação da despesa e à previsão da receita. Não se incluem na proibição:
I - a autorização para abertura de créditos suplementares e operações de crédito por
antecipação da receita. Ainda sobre o mesmo tema dispõe o artigo 65: O orçamento
anual dividir-se-á em corrente e de capital e compreenderá obrigatoriamente as
despesas e receitas relativas a todos os poderes, órgãos e fundos, tanto da
Administração Direta, quanto da Indireta, excluídas apenas as entidades que não
recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento. O artigo 66 estabelece
que o montante da despesa autorizada em cada exercício financeiro não poderá ser
superior ao total das receitas estimadas para o mesmo período.
No que se refere ao controle e fiscalização o artigo 71, assim esclarece: a
fiscalização financeira e orçamentária da União será exercida pelo Congresso Nacional
através de controle externo, e dos sistemas de controle interno do Poder Executivo,
instituídos por lei. § 1º O controle externo do Congresso Nacional será exercido com
o auxílio do Tribunal de Contas e compreenderá a apreciação das contas do
Presidente da República, o desempenho das funções de auditoria financeira e
orçamentária, e o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis
por bens e valores públicos.
A Emenda Constitucional n° 1/69, impondo seus propósitos centralizantes e
suas políticas de concentração, não propriamente interferiu na incipiente estrutura
descentralizantes da arrecadação federativa sobrevivente de 1967, mas manteve
dominantemente a competência da União tributar (art. 21), especialmente
considerando a ação interventiva do Poder Executivo, nos estados (art. 23) e nos
municípios (art. 24). Por outro lado, o Congresso Nacional (art.66), embora
reconhecesse a necessidade de se enviar o projeto de Lei orçamentária cedeu a Lei
Orçamentária Anual de 1964, sem provocar grandes modificações na estrutura
indicada pela Constituição de 1967. De qualquer forma, independentemente destas
disposições, as competências interventivas do Presidente da República ampliaram-se
e, principalmente, seu papel no Conselho de Segurança Nacional (art. 86/89).
No fundo, este segundo período autoritário da República, constitucionalmente
marcado pela precursora Constituição de 1967, que procura articular princípios
liberais e de segurança nacional, atropelado todavia, pela Emenda Constitucional n°
1/69, sempre esteve muito próximo de políticas intervencionistas, o que de certa
forma provocou, ao longo do tempo, a sua própria negação. A longa lista de
23 Carta Mensal. Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo n° 736, julho 2016, Rio de Janeiro:
CNC pg. 46.71,
benefícios previdenciários (dentre eles a criação do seguro desemprego), colocados
como itens obrigacionais do empregador e do empregado, como já observado, gerou
no médio e longo prazo dificuldades no seu processo de gestão, como já observado.
As ampliações desses itens de benefícios previdenciários são importantíssimos
para o trabalhador brasileiro, mas gera uma sobrecarga muitas vezes de grande força
adicional na despesa previdenciária, quando não previamente estipulada porque recai
sobre a União (e em muitos casos sobre os estados e municípios). O fato toma
características econômicas, mais fortes quando comparados os itens previdenciários
com os itens das conquistas trabalhistas. Esse fato observado na sua dimensão
meramente econômicas amplia as obrigações na conta do empregador, até os anos
de 1985 chegam a, mais de 200 (duzentos) itens excetuando-se, é claro, na paridade
obrigacional entre o empregado e empregador do FGTS, numa contabilidade quase
sempre de difícil articulação do ponto de vista da empresa, da União, dos Estados e
Município.
Esses fatores entre si combinadamente têm atuado (atuaram) sobre as
dificuldades de articulação entre arrecadação e a despesa orçamentária, pesando
decisivamente sobre o déficit previdenciário, o déficit orçamentário e o déficit e
público, desconsiderando, neste trabalho a sobrecarga empresarial. Estes conjuntos
de observações indicam as profundas dificuldades para o equilíbrio orçamentário já
em 1987/88, que pesavam sobre o Estado administrativo brasileiro, na evidência da
promulgação do Estado democrático de Direito.
Este, na verdade, foi o triste quadro em que se deparou o processo
constitucional de 1987/88, que, estava, no entanto, tomado pela pressão dos
titulares de subsídios e privilégios, de um lado, e envolvido pelas expectativas de
demandas populares que evoluíram da crise do Estado de Segurança Nacional. Como
observamos, a Constituição de 1967, foi formatada com base em mecanismos
concentrados de organização política, que, em tantas circunstancias, favoreciam
relações diretas de subsídios para a estrutura empresarial privada (e empresarial-
estatal), sem grandes e rígidos compromissos com as políticas de definição e
despesas orçamentárias24. O longo debate conflitivo, entre dispositivos do Código
Tributário de 1953 e a Constituição (ões) sobre a recepção do quadro tributário
nacional que ocorro com o Código de 1966, demonstra (em 1967), o que se repete
(em 1987 e 1988), como a centralização da responsabilidade administrativa que
milita em prejuízo da descentralização federativa da receita, de tal forma que a União
perde receita e aumenta as atribuições dos poderes políticos.
Este paper não exatamente evolui (iu) por esse caminho, mas ele
demonstrado a preocupação em preservar os princípios federativos do Código
Tributário de 1953, elaborado a partir dos pressupostos de 1946, dado que o Código
enfrentou grandes resistências em 1967, e por consequência, devido à rotina
funcional do Estado, também em 1988. De qualquer forma, é razoável que se
conclua, que a norma tributaria deve estar em convergência com a norma
constitucional, dado que qualquer divergência entre elas tem repercussão a nível
24 Em posição efetivamente defensiva das regras tributária do Código Ives Grandra Martins cap, Cit, p observa que no
passado o direito tributário era formulado por jurista (...) e, não (...) como ocorre na atualidade por ‘regulamenteiros’
governamentais cuja a única função é (...) criar formas de imposições sobre o sofrido contribuinte num fantástico processo
de desfiguração do direito brasileiro na busca de cobertura para os ‘furos’ orçamentários crescentes da federação
assolada por uma onde de corrupção e incompetência administrativa.
27
orçamentário, viabilizando fontes de desfiguração do Direito e de facilitações
financeiras.
Neste sentido as próprias emendas constitucionais, destinada a viabilizar a
desestatização da economia, apesar de provocar uma radical reversão nos destinos
constitucionais, transformando o estatismo da ordem econômica, em acentuada
política de privatização, não tiveram, mesmo no médio prazo, grandes efeitos. Ao
contrario houve uma desarticulação da estrutura empresarial estatal e ao mesmo
tempo um crescimento extensivo às linhas de programação. Este fato, deveu-se
principalmente porque os governantes não conseguiram introduzir e viabilizar uma
política de responsabilidade fiscal que sintonizasse o orçamento legislativo e as
práticas executivas funcionais e ao mesmo tempo, definisse a disponibilização dos
recursos orçamentários, com específicos objetivos destinados a evitar que a União
recorresse, para o cumprimento de suas obrigações, quando não, restringindo-se ao
orçamento de despesas variáveis, interferindo no próprio orçamento fixo de despesa
ou de capital, facilitando as possibilidades de se recorrer a seus bancos ou agencias
públicas de serviços financeiros.
4.2 O Estado Pleni-provedor e a Década Perdida.
O desencontro entre os objetivos e pressupostos constitucionais com as
políticas do Estado administrativo, apoiado na burocracia das empresas públicas e de
economia mista e também nos bancos públicos, sem o potencial controle da economia
de mercado, levou à profunda crise econômica. Esta crise do Estado que tomara
dimensões pleni-provedoras, em xeque o Estado que evoluirá da Emenda
Constitucional n° 1 de 17 de outubro de 1969, que definitivamente desprezou os
ideais orçamentários que pretenderam modificar a Lei n°4.320/64, a profunda ação
interventiva da Emenda de 1969, muito embora dispusesse que a despesa pública
obedecerá à Lei Orçamentária Anual (art.60) não conseguiu conter a fixação das
despesas e a previsão da receita evitando a interferência de dispositivos estranhos.
Não faltou à Emenda a autorização para abertura de créditos suplementares
e operações de créditos para antecipação da receita (I); e as disposições para
aplicação de saldo que houver, estas duas disposições, todavia, é que na verdade
viabilizaram as ações financeiras estranhas a Lei Orçamentária, assim como ao dispor
que as despesas de capital obedeceram aos orçamentos plurianuais (§ único art. 60).
Este quadro contribuiu para a intensificação das flutuações econômicas de profundos
efeitos políticos e sindicais que agiam fortemente sobre o mercado, desequilibrando
o sucesso de qualquer política de gestão pública.
Neste quadro, pelas circunstâncias da época, as propostas de fortalecimento
da capacidade gestora do Estado diminuíram acentuadamente, mesmo considerando
o incentivo às políticas de privatização de empresa estatais, como inicialmente
programado, que, na verdade não obedecendo um rígido modelo com o mercado já
desestabilizado mais enfraqueceram a estrutura fiscal. Esta situação viabilizou
paradoxalmente um estado pleni-provedor, comprometido com as políticas de
subsídios empresariais e de privilégios estatais, admissíveis numa nação em crise
política, mas imperdoáveis quando ocorre em função de um especifico projeto de
privatização e de dinamização do mercado.
Neste período o país entrou em regressão acentuada que tomou a forma de
estagnação com uma retração da produção industrial. O mercado entrou em franca
e instável volatilidade que levou à inflação e ao crescimento baixo do produto interno
bruto (PIB) aumentando desigualdade social e à turbulência política. A Constituição
de 1988, foi promulgada no quadro circunstancial desta crise econômica seriamente
determinada, muito mais pelos ideais libertários e pela implementação dos direitos
fundamentais do que pelas expectativas de superação da grande crise econômica que
rompera com todos os parâmetros econômicos da moribunda política orçamentária.
Ao fim dos anos 80, com o fim da Guerra Fria, o Brasil ampliou o processo de
abertura da economia e se alinhou ao Consenso de Washington. Entretanto, na
década de 90, o Presidente eleito frustrou todas as esperanças de estabilização da
economia com medidas consideradas esdrúxulas pelos economistas, o Presidente na
época (1991/92) conseguiu desagradar grande parte da classe média brasileira e
sofreu processo de impeachment.
Assim, como se pode concluir dos itens anteriores, esta especialíssima
orientação, efetivamente, demonstra, que, historicamente, não propriamente,
tivemos um projeto de construção no Brasil, comprometido com políticas de gestão
patrimonial, orçamentária e fiscal, assim como de arrecadação tributária e de
despesas de recursos públicos. As nossas políticas de gestão no muito definiram
regras tributárias que não necessariamente fortaleceram a Federação devido aos
efeitos remanescentes na estrutura federativa do patrimonialismo dos períodos de
centralismo autoritário mesmo nas suas formatações constitucionais25.
Este modelo imanente à estrutura do Estado sempre influiu sobre as
constituições democráticas, que, por sua vez, sempre, senão absolutamente,
estiveram em contrates com o Estado administrativo regido pela hermenêutica das
burocracias (quase sempre travestidas nas políticas de salvação nacional). Na
verdade, esse trágico indicativo das soluções para as crises sempre caminhou para a
reestruturação nacional passando pela redução constitucional dos rígidos
mecanismos econômicos.
Apesar da razoável infraestrutura empresarial do Estado brasileiro, muito
embora, hoje extensíssima, não desenvolvemos e, quem sabe, por isso mesmo,
eficientes políticas federativas de arrecadação tributárias e controle orçamentário e
fiscal amparados na legislação geral com profunda capacidade de interveniência na
estrutura econômica empresarial capitalista. Este fenômeno, na verdade, traduz as
dificuldades constituintes de sintonizar o projeto jurídico com os propósitos
econômicos, estes sempre, mas rígidos, em relação ao projeto de desenvolvimento
nacional e, aquele, sempre mais, compreensivo com a abertura das demandas
políticas.
O pressuposto do equilíbrio da funcionalidade orçamentária está em primeiro
lugar na compatibilidade entre as normas em geral e, em segundo lugar, a
compatibilidade entre os interesses políticos e as normas das relações econômicas.
Estas seriam as únicas formas possíveis de se harmonizar a Lei de Diretrizes
25 Hans Kelsen, (Teoria Pura do Direito, 2ª Ed. Coimbra Armênio Amado 1962, p. 281.285), que numa extensíssima
percepção desta matéria aventou, não em discurso direto e explícito que o Estado de Direito não apenas se manifesta
como o Estado democrático numa estrutura hierárquica aberta das normas, mas também com regras hierárquicas
fechadas, de contornos autoritários, o que não significa Estado exceção ver também Bastos, Aurélio Wander: Teoria e
Sociologia do Direito, 5ª Ed. Freitas Bastos RJ, p. 149, 170.
29
Orçamentárias e a receita orçamentária com as despesas públicas, sempre traduzidas
na Lei Orçamentária Anual, mas, quase nunca, seja através da Lei complementar, na
verdade, evitar as contorções e os desequilíbrios orçamentários. Esta leitura deve
equalizar exatamente o projeto orçamentário.26
Neste item, não discutimos exatamente, a interveniência da Lei Orgânica da
Previdência Social no contexto orçamentário, mas a inclusão do orçamento
previdenciário no âmbito das despesas fixas do orçamento público. Este ato não só
tem (teve) um efeito reversivo marcante, fazendo do aposentado ou pensionista
previdenciário um beneficiário de recursos fixos do orçamento (público) anual, como
também a desproporcionalidade entre a receita da previdência e a sua despesa no
tempo histórico. Esta situação pode afetar (afetou) a gestão orçamentária, com
efeitos recentes, gravíssimos, sobre as políticas de gestão e o sobre peso tributário
e a relação direta das despesas orçamentárias em relação à longevidade dos
contribuintes, deixando, todavia, para itens subsequentes o estudo das demais
variáveis que tumultuam a estabilidade do orçamento.
4.3. Pressupostos da Responsabilidade Fiscal.
Está linha de observação permitiu uma significativa reavaliação das despesas
orçamentárias fortemente obrigatórias, sem excluir ou incluir itens que viabilizem a
redimensionalização da economia, considerando as necessidades básicas do país,
evitando que ocorram à margem das leis e da Constituição.
De qualquer forma, todavia, no tempo histórico foi a Constituição de 1988,
que implantou em título próprio (IV, cap. 2), uma efetiva política tributária,
orçamentária e de finanças públicas no Brasil. As políticas de responsabilidade fiscal,
efetivamente, somente vieram a se manifestar, com razoável eficácia, com a edição
da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal),
apesar de suas sucessivas e posteriores modificações por efeito de Emendas
Constitucionais e leis modificativas. Foi este conjunto regulamentar após
providências preliminares de alcance relativo, que viabilizou a execução dos
dispositivos orçamentários constitucionais de 1988.
O que se verifica, à luz do período imediatamente subsequente, é que, com
as profundas mudanças introduzidas com a Constituição de 1988, com a construção
do Estado Democrático de Direito, e a reformatação da infraestrutura administrativa,
Estado, na forma de leis complementares principalmente a área financeira, muito
especialmente, não resistiu a maiores mudanças. Ao contrário, o poder central
manteve uma infraestrutura fechada, com razoável aprimoramento da máquina
burocrática de captação, que, todavia, remanesceu divorciada das novas dimensões
e propósitos de construção de um Estado gestor, comprometido com as complexas
circunstâncias que envolvem as práticas orçamentárias equilibradas.
A harmonização destas práticas devem estar apoiadas na estrutura
constitucional-formal do Estado, em rígido controle da responsabilidade fiscal,
levando em conta não apenas a Lei de Diretrizes Fiscais – LDF, a Lei de Orçamento
Anual – LOA e a Lei de Orgânica da Previdência Social – LOPS, mas as regras de
execução orçamentária e metas; a previsão de arrecadação da receita e despesas
públicas, inclusive discriminadamente; a dívida eventual indicando as possíveis
operações de crédito e vedação, inclusive aquelas por antecipação de receita e as
operações com o Banco do Brasil; a preservação do patrimônio público e a gestão e
fiscalização da gestão fiscal.
26 Estes pressupostos estão claramente especificados na Constituição de 1988, quando conceitua a Lei de Diretrizes
Orçamentárias – LDB; a Lei Orçamentária Anual – LOA e a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS (art. 165).
Aliás, repita-se, que, este fenômeno da acomodação à superestrutura jurídica
do Estado constitucional sempre enfrentou históricas resistências, não apenas na
burocracia que implementa a infraestrutura econômica do orçamento, localizado nos
diferentes setores financeiros do executivo e do Parlamento. Este Estado
administrativo permeia (permeara) os mecanismos de funcionamento estatal e se
define como a trágica consequência das crises entre Estado Constitucional e a
ordenação econômica do orçamento, como item do Estado administrativo.
As causas que impediram esta consecução administrativa, no tempo histórico,
cumularam as resistências do patrimonialismo (oligárquico) com a vinculação
orçamentária dos benefícios previdenciários que se estenderam além dos limites de
suas especificas receitas, sem que suas despesas paulatinamente se adaptassem à
sociedade moderna complexa. Na verdade, estas dificuldades gestoras do orçamento
demonstram o trágico paradoxo do Estado brasileiro: a dissensão entre as normas
jurídicas constitucionais e a legislação ordinária regulamentar, que provoca as
históricas resistências da infraestrutura burocrática dos poderes políticos no Brasil.
CONCLUSÃO
A promulgação da Constituição de 1988, foi o indicativo mais importante da
abertura jurídica em relação da história brasileira futura, mas, também, o maior dos
desafios históricos para sintonizar a infraestrutura de funcionamento do Estado como
o Estado Democrático de Direito. A democratização do Estado ampliou
significativamente as conquistas trabalhistas e previdenciárias, mas principalmente
redefinindo a leitura hermenêutica do Estado de direito das perspectivas
democráticas nem sempre tão rígidas ou presididas pelos paramentos jurídicos, mas
sempre sensíveis aos grupos no poder ou às pressões populares.
Na elaboração deste trabalho verificamos que a sua execução seria
imprescindível para a construção de qualquer estudo sobre o Estado Democrático de
Direito e a realidade orçamentária brasileira atual. O segredo desta perspectiva de
reflexão está exatamente na identificação e avaliação do percurso da origem e
formação histórica do orçamento brasileiro. Em primeiro lugar por que as questões
não estavam postas às simples conferências das leis, mas da Constituição, e, em
segundo lugar porque a lei de Responsabilidade Fiscal que viria ser editada em 2000,
não estava restrita a uma proposta regulatória, mas à execução das Emendas
Constitucionais que sucederam a 1995, em geral de propósitos não estatistas, mas
extensivamente incluídas nas leis.
Por outro lado a história brasileira demonstra que seus institutos jurídicos e
políticos são uma evolução de estruturas simples anteriores para estruturas
complexas posteriores dos mesmos (ou semelhantes) institutos jurídicos e políticos
constitucionais; em segundo lugar, por que a marca institucional autoritária afetou
decisivamente a história brasileira, não apenas em sua vida recente, após 1964 até
1985, com o grave período de 1967/69, mas principalmente entre 1930 e 1945, onde
efetivamente está a gênese referencial do Estado brasileiro moderno.
Por outro lado, a compreensão deste percurso histórico esta permeado pela
lógica patrimonialista em que a infraestrutura legislativa e burocrática do Estado
administrativo evoluiu em dissensão, se não absoluta, relativa, com o Estado
Constitucional. Esta observação, nos leva a outra conclusão paradoxal, dado a
visibilidade da sintonia política entre as variáveis orçamentárias impostas pelo Estado
Constitucional e a ordem administrativa nos períodos autoritários, possivelmente,
quem sabe, por que o Estado Constitucional, confundia-se com o próprio Estado
administrativo. Este fenômeno, todavia, ao que a história indica, não exatamente
ocorre a partir de 1988, mas principalmente, após as Emendas que se iniciaram em
31
1994/95, que, colocaram-se senão absolutamente, em relativo confronto, o projeto
constitucional estatista, com as políticas de privatização, principalmente
considerando a imprescindível coordenação entre o produto interno bruto (PIB) as
receitas e despesas orçamentárias.
Para se ajustar o Estado brasileiro a uma sociedade moderna, a primeira
providência seria sintonizar a ordem jurídica constitucional com a ordem legislativa
regulamentar e com a ação normativa da burocracia administrativa. A dissensão
entre esses três níveis da vida jurídica e política (Constituição, Leis,
Decretos/Portarias), e seus agentes de implementação burocrática, não podem, em
qualquer de suas instâncias, priorizar ou desvincular-se da vida política e das relações
econômicas e de mercado, mas também não podem ceder aos interesses dominantes
de qualquer destes setores, na evidência da lei.
A linha conclusiva deste paper demonstra que, historicamente, este
seccionamento constitucional e as práticas administrativas permitem a formação de
uma infraestrutura institucional profundamente eclética, onde conviveram (e ainda
convivem) o patrimonialismo, livre das oligarquias agrárias, mas limitados na sua
ação pelos grandes agentes econômicos e financeiros privados e pelo remanescente
Estado Previdenciário, fortalecido antes, durante e ao fim do Estado Novo (e depois)
quando efetivamente já se prenuncia uma curva ascendente das despesas
previdenciárias em relação à própria receita previdenciária, no âmbito do contexto
orçamentário.
Esta leitura demonstra, por conseguinte, que a legislação, principalmente a
legislação previdenciária, se sobrepunha (põe) com forte impacto sobre a legislação
tributária, provocando desvio de acomodação entre a receita e as despesas no
orçamento, na prática contrariando a Lei Orçamentária Anual – LOA. Mas na certeza
que as inclinações orçamentárias da receita estão determinadas pelo volume
crescente do teto das despesas públicas esta situação é o prenuncio da crise que
atuou sobre a Constituinte de 1988 e, tendo em vista a realidade atual do país,
decisivamente sobre o desequilíbrio orçamentário entre o produto interno bruto
(PIB), em risco de queda, a despesa pública ainda sem demonstrativos evidentes de
redução e a receita orçamentária sem qualquer indicativo de crescimento.
Estas práticas fragilizaram (e fragilizam) as políticas públicas de gestão
administrativa e patrimonial, provocando movimentações anômicas, que, no
passado, anterior a 1988, sofriam radicais restrições legais. Estas difíceis situações,
no presente, têm incentivado a criação de modelos de responsabilização fiscal, que,
todavia, têm enfrentado 2 (dois) especialíssimos problemas: a vinculação das
despesas previdenciárias ao orçamento e o incremento das recentes políticas de
inclusão social.
Este dilema que estava como desafio à Constituinte em 1987/88, não apenas
para identificar os desafios do imprescindível equilíbrio futuro do orçamento, mas
também na definição do papel dos gestores públicos, no contexto de uma ordem
democrática, assim como a consequente importância da implementação das políticas
de inclusão social, no espaço orçamentário que não evoluiu voltado para as camadas
de população, que nos diferentes ciclos de nossa história, mesmo nas fases agudas
dos programas sociais, e de proteção previdenciária, continuam vivendo em
condições de difícil acesso ao mercado e de quase absoluta pobreza.
Finalmente, este trabalho aventou a questão da imprescindível necessidade
de se incentivar a evolução de efetiva política gestão pública, comprometido com as
políticas de estabilidade orçamentário, como pressuposto, não apenas do equilíbrio
do mercado, e das relações produtivas, mas principalmente do Estado Democrático
de Direito.
DOUTRINA
UMA CRÍTICA AO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: um
atentado aos valores culturais e ambientais regionais.
Jorge Rubem Folena de Oliveira1
Resumo:
O trabalho tem por objetivo fazer uma análise entre o conceito de desenvolvimento
sustentável e os interesses dos povos locais. Não é possível acreditar que um projeto
para o bem-estar de um povo tenha como ponto de partida uma realidade universal
desconhecida e distante da sua realidade.
Muitos projetos em curso, na atualidade, são impostos pelo capital internacional
hegemônico, que, sob um falso discurso de desenvolvimento sustentável, promove
a destruição dos valores culturais e ambientais dos povos tradicionais.
Neste trabalho, temos como base teórica o cruzamento das propostas de Kant sobre
a universalização da história, defendida pelos neoliberais, e os estudos críticos de
Gramsci sobre a conciliação do capital com as forças de trabalho para manter a ordem
política e social.
Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável – Hegemonia – Luta de classes
Resumen:
El trabajo tiene por objetivo hacer un enlace entre el concepto de desarrollo
sustentable y los intereses de los pueblos locales. No es posible creer que un proyecto
para el bienestar de un pueblo parta de una realidad universal desconocida y distante
de su realidad.
Muchos proyectos en curso, en la actualidad, son impuestos por capitales
internacionales hegemónicos, que, bajo un falso discurso de desarrollo sustentable
llevan a la destrucción de los valores culturales y ambientales de los pueblos
tradicionales.
En nuestro trabajo, tenemos como base teórica el cruce de las propuestas de Kant a
respecto de la universalización de la historia, defendida por los neoliberales, y los
estudios críticos de Gramsci sobre la conciliación del capital con las fuerzas del trabajo
para mantener el orden político y social.
Palabras-claves: Desarrollo sustentable – Hegemonia – Lucha de clases
_______________
¹ Doutor em ciência política pelo Instituto de Pesquisa do Río de Janeiro (IUPERJ/UCAN), Diretor de Direitos Humanos da
Casa da América Latina, Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, autor dos livros: Empresas Públicas e
desenvolvimento sustentável: um Brasil dos Brasileiros (2007), Poder Judiciário e as ditaduras brasileiras (2015), Do
conflito ao equilíbrio (2016).
33
1. Introdução
A literatura é um forte indicativo do retrato da realidade cultura dos povos locais.
Assim se percebe nas obras de autores como Juan Rulfo, Gabriel Garcia Marques,
Jorge Amado, Miguel Angel Calderón Fernandes, entre muitos outros, que tratam a
vida cotidiana das populações, exploradas políticas e economicamente pelo poder do
mando local, que se associa a interesses estrangeiros.
Os fenômenos culturais regionais e locais estão sofrendo uma forte distorção diante
da imposição de valores universais, igualmente contrapostos a todos os povos, em
consequência do desenfreado processo de globalização, na atual fase da revolução
tecnológica capitalista.
Dentre estas imposições percebe-se a universalização do conceito de
sustentabilidade, que se emprega, na maior parte das vezes, para favorecer os
interesses empresariais, causadores dos males decorrentes da exploração
econômica, social e cultural dos povos locais.
Neste trabalho não se tem a pretensão de estabelecer uma análise teórica finalista.
Nossa proposta é fazer um ensaio circunstancial sobre os acontecimentos que
possam estar influenciando o pensar e o agir político, em decorrência da imposição
de conceitos e comportamento universais, que prevalecem sobre os valores culturais
e ambientais regionais.
Objetivo desta análise será verificar o que se pretende com a imposição sutil do
conceito de sustentabilidade e sua influência na tomada de decisões governamentais,
que permitem, com naturalidade e pelo consentimento, a privatizações de recursos
naturais e culturais, que migram da esfera pública para o controle particular, como
se vê nos processos de exploração dos recursos hídricos, florestais, literários,
cinematográficos etc.
Como hipótese, é possível afirmar que conteúdos supostamente universais estão
sendo atribuídos a povos locais, sem levar em consideração suas origens e valores,
como se todos os acontecimentos humanos se dessem de uma única forma.
A partir desta hipótese pode-se afirmar que o pensar e o agir político podem ser
impostos, dentro de um falso modelo único de fazer política.
O marco teórico do trabalho está centrado em Kant e sua proposição de universalismo
da história, como elemento cultural de transformação dos povos, e também no
questionamento de Gramsci sobre o papel da influência dos intelectuais, que
procuram acomodar, pelo dirigismo e o consenso, o comportamento social e político.
O ponto de inquietação encontra-se no fato de que valores e procedimentos, pintados
em cores alegres, procuram apagar do comportamento das comunidades locais a cor
cinza dos diversos problemas humanos, que se agravam no dia-a-dia em decorrência
da concentração acentuada de capital, que faz os povos (tomados pelo medo)
entregarem - sem reação - suas riquezas materiais e imateriais, deixando de lado os
valores e as tradições regionais.
2. Kant e o universalismo
Os períodos moderno e pós-moderno sofrem a influência de pensadores como René
Descartes (meditações metafísicas), que rompe com o tomismo e introduz o
racionalismo no centro do debate (“penso, logo existo”); Immanuel Kant, com a
decomposição do pensamento racional “a priori” (que já é conhecido universalmente)
e “a posteriori” (decorrente da experiência empírica); e Jean Paul Sartre, com sua
“teoria das emoções”, que demonstra que o pensamento racional e decomposto, por
si só não é suficiente, se a ele não forem agregadas a emoção e o sentimento
humano.
Neste trabalho, o interesse central gira em torno de conceitos racionais universais
que são empregados ou, até mesmo, impostos (de forma acentuada e forte) aos
povos do mundo.
A partir da decomposição do pensamento em juízos analíticos e sintéticos (Kant,
2012) estabeleceu-se (antes do tempo e do espaço) o que vem a ser o conhecimento
puro (de existência anterior, “a priori”) e o empírico (“a posteriori”, fruto da
experimentação empírica).
Porém, Kant (2012, p. 47) deixa registrado que existem conhecimentos puros
universais; ou seja, que são iguais em todos os lugares e independem da
experimentação.
Assim, Kant divide os juízos em analítico (“a priori”, já conhecido universalmente) e
sintético (“a posteriori”, conhecido pela investigação empírica experimental).
Para Kant (1986, p. 9), em uma proposição finalista e racional, é possível afirmar
que “as ações humanas -, como todo outro acontecimento natural, são determinadas
por leis naturais universais”.
Deste modo se estabelece um racionalismo no qual “a natureza quis que o homem
tirasse internamente de si tudo o que ultrapassa a ordenação mecânica de sua
existência animal e que não participasse de nenhuma felicidade ou perfeição senão
35
aquela que ele proporciona a si mesmo, livre do instinto, por meio da própria razão.
” (Kant, 1986, p. 12)
Ou seja, a razão é a força que conduz o homem no “fio condutor da história” para,
na concepção kantiana, “alcançar uma sociedade civil que administra universalmente
o direito” (Kant, 1986, p. 14)
Portanto, é possível ao homem viver “num estado de tranquilidade e segurança”
(Kant, 1986, p. 17).
Com efeito, a construção kantiana, formulada a partir de uma história universal,
pretende “introduzir um estado cosmopolita de segurança pública entre os estados
(Kant, 1986, p. 19). Então, a partir do racionalismo kantiano, é possível “um estado
cosmopolita universal, com o seio no qual podem se desenvolver todas as disposições
originais da espécie humana” (Kant, 1986, p. 22).
É a partir destas proposições que se pode construir uma sociedade política
globalizada, com valores uniformes impostos a todos os povos, que são induzidos a
abdicar de seus valores regionais e locais genuínos por plataformas de
comportamentos importados, seja na ideologia, na política, no direito, na prática
econômica e nos valores culturais.
Para o sucesso desta imposição global, é fundamental o papel exercido pelos
intelectuais, quando se expressam nos meios de comunicação social, nas
universidades, nas escolas, nos governos, nas empresas etc.
3. Gramsci e o papel dos intelectuais
Os intelectuais são os formadores de opinião, que, segundo Gramsci, “acreditam ser
independentes, autônomos, dotados de características próprias etc.” (Gramsci, 2014,
p. 17).
Os intelectuais, na definição de Gramsci (2014, p. 21):
“são os ‘prepostos’ do grupo dominante para o exercício das
funções subalternas da hegemonia social e do governo
político, isto é: 1) do consenso ‘espontâneo’ dado pelas
grandes massas da população à orientação impressa pelo
grupo fundamental dominante à vida social, consenso que
nasce ‘historicamente’ do prestígio (e portanto, da confiança)
obtido pelo grupo dominante por causa de sua posição e de
sua função no mundo da produção; 2) do aparelho de coerção
estatal que assegura ‘legalmente’ a disciplina dos grupos que
não ‘consentem’, nem ativa nem passivamente, mas que é
constituído para toda a sociedade na previsão dos momentos
de crise de comando e na direção, nos quais desaparece o
consenso espontâneo.”
Ou seja, os intelectuais são fundamentais para a constituição do poder hegemônico
da classe social que controla o Estado, não pela dominação e força, mas pelo
consenso e pelo dirigismo, que conduz à acomodação dos integrantes da
sociedade.
Nesse passo é possível dizer que a hegemonia impõe um efeito psicológico de
fracionamento aos dominados (maioria), que acabam consentindo com a minoria
dominadora e controladora do Estado:
“o exercício ‘normal’ da hegemonia, no terreno tornado
clássico do regime parlamentar, caracteriza-se pela
combinação da força e do consenso, que se equilibram de
modo variado, sem que a força suplante em muito o consenso,
mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça
apoiada no consenso da maioria.” (Gramsci, 2000, p. 95)
Esta “combinação da força e do consenso” é que possibilita que conceitos vagos e
abertos (como “sustentabilidade” ou “desenvolvimento sustentável”, objeto da crítica
deste trabalho), possam ser aceitos pela sociedade, num processo de imposição e
induzimento sutil; no qual as pessoas não questionam os seus verdadeiros propósitos
e significados.
Para isto, os intelectuais são uma ferramenta importante para o convencimento da
sociedade de que estes conceitos (no atual contexto histórico, inseridos
universalmente como idênticos em todos os locais, como um conhecimento puro, a
partir do pensamento Kantiano) sejam aceitos consensualmente.
Portanto, entendemos que, antes de se fazer a crítica ao vago conceito de
sustentabilidade (o que é sustentabilidade?), é fundamental trazer ao debate o
questionamento de Gramsci a respeito do papel dos intelectuais, que se colocam (de
37
forma intencional ou não) a serviço da classe social dominante, a qual, por meio do
consenso e do dirigismo, faz prevalecer seus interesses políticos e econômicos contra
a sociedade, que é induzida a acreditar que vive em um mundo global e igual para
todos.
4. O conceito de sustentabilidade
Por intermédio dos diversos meio comunicação, o mundo proclama que é preciso
viver uma vida sustentável. Porém, o que é sustentabilidade?
O termo desenvolvimento sustentável foi utilizado, pela primeira vez, em 1980, pela
organização Aliança Mundial para a Natureza (UINCN). Em 1987 o conceito apareceu
em manifestação proferida na ONU pela ex-ministra norueguesa Gro Harlem
Brundltan, que afirmou que o desenvolvimento sustentável é duradouro quando
responde às necessidades do presente, sem colocar em perigo as capacidades das
gerações futuras para fazer o mesmo (Folena de Oliveira e Tavares, 2007, p. 30).
Como se vê, o termo é empregado de forma aberta e transmite uma ideia de proteção
da sociedade contra os males causados por ela mesma.
Este termo tem sido utilizado por organismos internacionais que representam, em
grande medida, o poder hegemônico internacional. (Gramsci)
Assim, dirigentes de Estados soberanos e de empresas passaram a adotar a
sustentabilidade em suas metas de trabalho. Porém, a sustentabilidade que se
universalizou não conseguiu atingir o que poderia representar, de fato e de direito, a
transformação necessária para a humanidade, na medida em que, a cada dia mais
se amplia a concentração de renda (Piketty, 2014), que os organismos internacionais
não conseguem evitar, por fazerem parte do sistema político e econômico que
representa os interesses dos ricos.
O conceito de desenvolvimento sustentável, em sua essência, deveria representar
uma melhora na qualidade de vida das gerações presente e futura, a partir da
eliminação das mazelas sociais causadas pela pobreza, gerada pela revolução
industrial capitalista, que fragilizou o homem e degradou o entorno da terra (Folena
de Oliveira e Verlene Tavares, 2007, p. 32).
Para se garantir a sustentabilidade é necessário:
a) possibilitar o acesso, por todos os indivíduos, aos itens necessários à vida:
alimentação, abrigo e educação/cultura;
b) estancar a degradação ambiental;
c) ampliar a participação popular nas decisões políticas.
Estes pontos, relacionados com a sustentabilidade, no período histórico atual, estão
diretamente ligados ao conceito de liberdade, como registra Montesquieu (a partir da
frugalidade) e Marx e Engels (ao tratarem da luta de classes).
Como diz Montesquieu (1973, p. 69), “o amor pela democracia é o amor pela
igualdade”. E prossegue, esclarecendo que “o amor pela democracia é também o
amor pela frugalidade. Nesse regime, devem todos gozar das mesmas felicidades e
regalias, devem fruir dos mesmos prazeres e acalentar as mesmas esperanças, coisas
que só se podem esperar da frugalidade geral. ”
Isto é, a vida frugal conduz à felicidade dos povos e à sustentabilidade (como já teria
constatado Montesquieu em suas observações empíricas e sociológicas) e lhes
permite alcançar o ponto de equilíbrio político e social.
Nesse mesmo passo, Marx e Engels (2002) registram que “todos os homens devem
ter condições de viver para ‘fazer história’. Mas, para viver, é preciso antes de tudo
beber, comer, morar, vestir-se e algumas outras coisas mais”.
Na verdade, não é isto que temos visto nos dias atuais. Os povos não têm conseguido
conquistar o mínimo de frugalidade e liberdade, necessário para que se possa
imaginar a sustentabilidade como um conceito real e factível.
5. A ausência de sustentabilidade e os impasses dos povos
No mundo todo, por toda parte, existem milhões de pessoas pobres, com fome e
humilhadas, que resistem dia após dia, tirando, não se sabe de onde, forças para
tentar sobreviver.
Estamos num mundo dividido. De um lado, o amplo desenvolvimento tecnológico,
com todas as suas possibilidades (alimentos transgênicos, vacinas, energias
alternativas, utilização de células embrionárias, mapeamento do genoma humano
etc.).
Do outro, milhões de pessoas excluídas de tudo, sem habitação, comida, saúde,
educação ou esperança. Encontramos populações inteiras em fuga, gerações
nascidas em campos de refugiados, pessoas transitando entre fanatismo e
39
intolerância religiosa, num permanente estado policial de guerra em que impera a
banalidade e a maldade.
Vivemos em uma sociedade na qual não existe liberdade e, no dizer de Zizek (2013,
p. 12), “pensar livremente não me legitima a fazer nada – o máximo que posso fazer,
quando o meu ‘uso público da razão’ me leva a ver as fraquezas e as injustiças da
ordem existente, é um apelo ao governante para que sejam feitas reformas.”
Como se pode observar por todos os lados, os organismos internacionais e
empresariais não têm assegurado uma vida digna e frugal para que as pessoas
possam ter uma vida melhor, como sugerido pelo conceito de sustentabilidade.
Ademais, como ressaltado, cresce a desigualdade social e os recursos dos
trabalhadores (acumulados por suas horas de trabalho e poupança) têm sido
utilizados para subsidiar projetos empresariais, ambientais e culturais, por meio de
Organizações Não Governamentais (ONG’s), e até mesmo cooperativas (que
deveriam congregar os trabalhadores, mas são manipuladas para fins empresariais),
que se valem das desonerações tributárias e do repasse de fundos e recursos
públicos.
Com isto, estas entidades, que deveriam promover ou certificar o “desenvolvimento
sustentável”, são manipuladas para promover a concentração de renda e a
exploração e, assim, não se conseguiu, nos últimos anos, diminuir o grau de pobreza
pelo mundo. Como consequência, camponeses têm vendido suas terras por baixos
preços para empresas agrícolas; o acesso à água doce tem sido privatizado e
controlado em favor de poucos empreendedores privados; as terras indígenas têm
sido ocupadas para a construção de hidroelétricas, mediante o pagamento de baixas
indenizações; a educação e a cultura estão em idêntica situação, com grupos
estrangeiros comprando (com recursos dos trabalhadores) universidades, escolas,
editoras e livrarias, em detrimento dos interesses locais e regionais, que passam a
ser tratados como universais.
Com efeito, muitas destas entidades privadas, que atuam sob a certificação de
sustentabilidade, também têm sido utilizadas por organismos internacionais e outros
agentes do poder hegemônico, denominados por Zizek como “comunistas liberais”,
que querem fazer crer aos povos, por meio dos seus atos de benevolência e
“sustentabilidade”, que “hoje não há mais uma classe trabalhadora una e explorada.
Há simplesmente problemas concretos que é necessário resolver: a fome em África,
a sujeição das mulheres muçulmanas, a violência do fundamentalismo religioso. ”
(Zizek, 2008, p. 25).
Mas é exatamente o contrário o que está ocorrendo no mundo, com muitos impasses
em curso, pois persiste a grave disputa entre o capital e o trabalho, onde os temas
relativos à fome e à exploração de mulheres e crianças (que os “comunistas liberais”
se dizem empenhados em eliminar) têm relação direta com a referida luta de classes,
pois os trabalhadores constituem a maioria da população, mas estão em posição
inferiorizada, em relação ao acesso aos bens necessários à sobrevivência física e
cultural, e são obrigados a fazer concessões ao capital financeiro hegemônico, sob o
medo de perderem o pouco ou nada que possuem, como aponta Gramsci (2000).
A conduta dos “comunistas liberais” está em linha com o pensamento de sociedade
civil-burguesa, idealizada por Hegel, e tem por meta suprir carências individuais, na
medida em que “no direito, o objeto é a pessoa, no ponto de vista moral é o sujeito,
na família é o membro da família, na sociedade civil-burguesa em geral é o cidadão
(enquanto bourgeois) – aqui do ponto de vista dos carecimentos, é o concreto da
representação, que se chama homem” (Hegel, 2010, p. 194).
Assim, ao proporem ações humanitárias, a priori, que se imagina serem de caráter
coletivo, estão buscando suprir carências individuais de pessoas pobres e
marginalizadas pelo próprio sistema econômico que comandam, por parte de suas
empresas ou instituições que representam, fazendo valer pelo consenso espontâneo
o seu poder político hegemônico, sem imposição de força.
Com isto, não se atacam as causas da pobreza, pois os “comunistas liberais” limitam
suas ações aos problemas individuais que assolam as pessoas, como doenças e fome,
com o intuito de minorar o problema do indivíduo e não o da coletividade, sem
despertar a consciência para o todo.
Este quadro de dominação está associado às ações de boa vontade, nas quais “a
sustentabilidade” está inserida, e colabora para perpetuar os flagelos que recaem
sobre uma grande massa da população mundial, impondo a hegemonia do capital
frente as forças do trabalho.
Com efeito, a sustentabilidade, que é apresentada ao mundo pelos organismos
internacionais e pelas empresas, não conseguiu solucionar os impasses da
humanidade, que se encontra diante de uma brutal concentração de renda, que
explora a todos e deteriora os valores locais/regionais, que são abolidos por conceitos
supostamente uniformes e universais, como se todos fossem iguais em seus
problemas.
41
6. Conclusão
Objetivo deste trabalho foi apresentar um questionamento sobre o conceito de
sustentabilidade, que tem sido imposto de forma universal aos povos do mundo, e
que, assim, tem permitido que os valores culturais locais sejam postos de lado,
conforme os interesses do poder hegemônico.
O que constatamos é que a sustentabilidade apregoada pelos organismos
internacionais e empresas não tem solucionado os impasses com que se defronta a
humanidade, que pioram a cada dia em consequência da brutal concentração de
renda.
A a sustentabilidade é um termo retórico, pois não tem assegurado a liberdade nem
a frugalidade necessárias ao bem-estar do povos, que, de forma pacífica, têm
aceitado a imposição de tal conceito, em detrimento até mesmo de suas riquezas e
valores culturais regionais e locais.
Desta forma, é possível afirmar que o conceito de sustentabilidade não tem garantido
as necessárias transformações políticas, sociais e econômicas para assegurar uma
vida melhor para todos, seja para a gerações presente ou a futura, como foi
inicialmente apresentado pelos organismos internacionais; estando tal proposta a
serviço da manutenção e fortalecimento da classe hegemônica internacional, que
domina o poder político mediante o consenso e a acomodação da classe trabalhadora.
REFERÊNCIAS
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sustentável: um Brasil dos brasileiros. Rio de Janeiro: ARC Editor, 2007.
GRAMSCI. A. Cardernos do cárcere, v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
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HEGEL, G..W.F. Filosofia do direito. São Leopoldo: Unisinos, 2010.
KANT, I. Ideia de uma história universal sob um ponto de vista cosmopolita. Sõ Paulo:
Brasiliense, 1986.
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MARX, K. E ENGELS, F. Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo, Abril. Os pensadores, 1973.
PICKETTY, T. O capital do século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
ZIZEK, S. Violência. Seis notas à margem. Lisboa: Relógio D’Água, 2008.
ZIZEK, S. O ano em que sonhamos perigosamente. Lisboa: Rológio D’Água, 2013.
43
Doutrina
RESPONSABILIDADE CIVIL E CRIMINAL PELOS ATOS PRATICADOS PELA
INTERNET: O COMBATE AOS ATOS ILÍCITOS DO NOVO MILÊNIO E A
DESNECESSIDADE DE LEI PRÓPRIA
Nino Donato Oliva
Graduado pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ. Pós-graduado pela
Escola da Magistratura do Estado do Rio
de Janeiro
Resumo: O presente artigo busca analisar as formas de repressão aos atos ilícitos
praticados pela rede mundial de computadores, apontando, entre outros, os motivos
pelos quais não é necessário editar lei específica para regulamentar o tema, as
formas de identificação dos transgressores da lei e a necessidade de se reparar o
dano.
Palavras-chave: Ato ilícito. Internet. Responsabilidade. Legalidade. Dano.
Reparação.
Sumário: Introdução. 1. Da desnecessidade de se criar uma leia própria para o
tema: o real significado do princípio da legalidade. 2. Dos que podem vir a ser
responsabilizados pelo ato: da necessidade de se punir condutas ilícitas e
negligentes. 3. Dos atos que excluem ou atenuam a responsabilidade. 4. Da
responsabilidade dos incapazes e da lei anti-bullying. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo busca analisar as formas de repressão aos atos ilícitos
praticados pela rede mundial de computadores, apontando, entre outros, os motivos
pelos quais não é necessário editar lei específica para regulamentar o tema, as
formas de identificação dos transgressores da lei e a necessidade de se reparar o
dano.
A internet é, provavelmente, o meio mais rápido, fácil, prático e com maior
alcance dentre todos os meios de comunicação existentes. Nada antes na história
teve um impacto tão profundo nas relações interpessoais. Graças à chamada grande
rede, toda pessoa, independentemente de qualquer atributo particular, pode, em
fração de segundos, publicar e tornar acessível ao mundo todo uma opinião, uma
imagem ou um vídeo, por exemplo; pode divulgar notícias relevantes de terceiros;
pode trocar informações pessoais ou de trabalho; e pode, além de outras tantas,
cometer atos ilícitos de proporções bíblicas, seja contra a coletividade ou contra um
só indivíduo.
Lembre-se de que, uma vez publicado, o conteúdo online fica à disposição de
quem quer que seja. Às vezes, será impossível fazer com que esse material
desapareça, mesmo quando o autor da publicação venha a excluí-la, já que, no
período em que a coisa esteve acessível a usuários na internet, por menor que seja
esse lapso temporal, não há garantias de que seu conteúdo não tenha sido baixado,
reproduzido ou replicado, ou mesmo armazenado para esses fins. O dano
eventualmente causado talvez jamais pereça.
Se utilizada para fins escusos ou por pessoas de má-fé, a internet pode ser
encarada como a mais brutal forma de se atacar a imagem de alguém. Justamente
por isso, advoga-se que as leis e o ordenamento já proíbem e preveem sanções pela
prática desses ilícitos realizados pela internet. Se se entender pela necessidade de
edição de lei para combater algo tão cruel e escatológico, então, que seja apenas no
sentido de se atribuir penas mais graves a esses ilícitos em razão do alcance que
podem ter.
O tema, intimamente ligado a princípios de justiça, de combate à impunidade,
de preservação da dignidade da pessoa humana e da simplificação da justiça e do
acesso a ela, será analisado em quatro capítulos.
No primeiro, analisam-se os motivos pelos quais é despicienda a criação de
uma lei específica sobre o tema. O segundo capítulo se presta ao exame de quem
pode vir a ser responsabilizado pelos atos, o que inclui a responsabilidade própria e
a por ato de outrem. O capítulo três cuidará das hipóteses de mitigação e atenuação
da responsabilidade, ficando o quarto e derradeiro ao estudo mais aprofundado dos
atos praticados por menores e com aspectos relevantes trazidos pela lei anti-bullying.
A pesquisa utilizará a metodologia do tipo bibliográfica, parcialmente
exploratória e qualitativa.
45
1. DA DESNECESSIDADE DE SE CRIAR UMA LEI PRÓPRIA PARA O TEMA: O
REAL SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
De tão simples, direta e objetiva a resposta ao título deste capítulo, não
precisaria, em tese, ser escrita. Não obstante, para evitar que exsurjam vozes, leves
ou de peso, no sentido de que os atos praticados pela internet não poderiam ser
punidos, por exemplo, em razão do princípio da legalidade estrita, as considerações
a seguir se impõem.
Toda vez que o ordenamento se presta a coibir determinada conduta ou a
prever uma sanção pela sua prática, ele está tentando impedir que as consequências
de um ato lesivo se materializem no mundo dos fatos. A forma pela qual essas
consequências nocivas venham a nascer é de todo irrelevante.
Tanto assim que, em regra, quando uma norma ou lei prevê, de forma
genérica ou específica, que determinado fato deverá ser considerado um ilícito, ela o
faz sem estabelecer o meio a ser utilizado para a prática do ato. Nas raras hipóteses
em que a regra define esse meio, estar-se-á sempre diante de uma previsão muito
peculiar em que o legislador entendeu por bem dar um tratamento mais ou menos
rigoroso para um fato que, à primeira vista, não se diferenciaria de tantos outros
semelhantes.
Volte-se, porém, à regra e com um exemplo prático. No Capítulo V do Código
Penal, intitulado "Dos Crimes Contra a Honra", o legislador tipifica como crime a
prática de toda e qualquer conduta que possa vir a ferir a honra, subjetiva ou
objetiva, de uma pessoa. Não há, em lugar algum do Código, qualquer tipo de
exigência quanto ao modo de se proferir ou perpetrar a ofensa.
Hipóteses há, claro, em que a forma escolhida pelo agressor poderá ser punida
com menor ou maior severidade, como é o caso do crime praticado na presença de
várias pessoas ou por meio que facilite a divulgação do delito27, casos de aumento
27 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 8 set. 2015.
de pena, conforme artigo 141, III, do Código Penal. O bem jurídico tutelado é um
direito da personalidade, mais especificamente a honra e seus consectários, como a
imagem, a autoimagem etc.
Qual seria o fundamento legal para que o ilícito contra a honra, ou outro bem
jurídico relevante, não fosse combatido ou punido se praticado pela internet?
Nenhum. Aliás, se alguma coisa, seria justamente um exemplo perfeito para a
aplicação das causas de aumento de pena citadas.
Posição em sentido contrário seria devaneio, tentativa de se defender o
indefensável. O princípio da legalidade estrita tem por objetivo impedir que o Estado
atue de forma arbitrária, que use a máquina pública para promover perseguições ou
de modo a surpreender os seus cidadãos e jurisdicionados. E só.
O princípio da legalidade tem sua origem no pensamento iluminista, com a
criação de instrumentos para minimizar as arbitrariedades do Estado contra o
indivíduo. O fundamento legal desse princípio está no art. 5º, XXXIX, da CRFB/88:
não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal28.
Não há, no sistema jurídico brasileiro, diferentemente do que ocorre no
sistema da “common Law”, figuras de crimes criadas pelo costume ou pela
jurisprudência. A norma penal só pode ser criada através do competente processo
legislativo com a obrigatória votação pelos representantes do povo, não se admitindo
legislação penal pelo Executivo sem a prévia apreciação do Parlamento.
Deixando momentaneamente o Direito Criminal de lado, note-se que,
civilmente, o contrato válido e eficaz faz lei entre as partes, sendo perfeitamente
possível a prática de um ilícito contratual que não esteja tipificado em lei. Nesse
sentido, o art. 186 do Código Civil estabelece que "aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
28 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 8 set. 2015.
47
Possui o princípio da legalidade dois aspectos essenciais: o da reserva legal,
segundo o qual deve haver uma lei - ou, no caso do ilícito civil, lei entre as partes -
tipificando o comportamento que se busca proibir; e o da anterioridade, que impõe
a obrigatoriedade de a lei ser anterior ao fato praticado.
Percebe-se, pelo exposto, que o princípio da legalidade não tem o escopo de
limitar o atuar do Estado quando o fato que se busca coibir foi efetivamente praticado.
Daí o impropério de se imaginar que um ilícito praticado pela internet não poderia
ser punido. Repita-se que a proibição à prática de um ato não busca combater os
meios usados, mas os fins que podem ser alcançados pela ação do homem.
2. DOS QUE PODEM VIR A SER RESPONSABILIZADOS PELO ATO: DA
NECESSIDADE DE SE PUNIR CONDUTAS ILÍCITAS E NEGLIGENTES.
Quando se pensa em responsabilização por ato ilícito de qualquer natureza,
inexiste dúvida de que o autor da ação será sempre responsável por reparar o dano.
Cuida-se da regra geral trazida pelos artigos 186 e 187 do Código Civil29.
Pode pairar alguma incerteza, porém, quanto à possibilidade de outras
pessoas, diversas do autor, também virem a ser responsabilizadas pelos atos do
agente ativo, isso porque os atos praticados pela internet, para que se concretizem
e se tornem efetivamente públicos, dependem de diversos serviços que envolvem
terceiros, e não se exaurem com a simples conduta do agente – os atos dependem,
entre outros, da transmissão de dados.
Exemplificando: a pessoa que ofende a honra de alguém pela internet, em
regra, o fará por meio de uma publicação ou postagem. Dependendo de onde seja
feita a publicação, ela poderá ficar em evidência por longo período de tempo,
permitindo o acesso de centenas, milhares, milhões de pessoas. O vilipêndio à honra
é constante e de abrangência muito maior do que o crime contra a honra praticado
verbalmente.
29 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 8 set. 2015.
Aqui, então, que se mostra relevante identificar quem pode controlar, ainda
que a posteriori, o conteúdo disponível em páginas da internet, responsabilizando
aqueles que, de alguma forma, contribuírem, ao menos com culpa, para a realização
ou propagação do ilícito. A maior dificuldade prática, provavelmente, estará em
conciliar isso com a liberdade de expressão, a existência de espaços abertos a
comentários públicos e outros.
Antes de seguir com o estudo acerca dos responsáveis, uma observação se
faz relevante. Muitas pessoas ainda têm a falsa ideia de que atos praticados pela
rede mundial de computadores são atos não identificáveis, que seus autores agem
no anonimato, nutrindo a sensação de que a internet é um território sem lei, um
ambiente social paralelo marcado pela ausência do Estado e de seu poder de polícia.
Essa visão é completamente divorciada da realidade. Embora não seja
possível ao usuário comum identificar a autoria de atos não assinados digitalmente,
os provedores e servidores de acesso conseguem apontar com precisão a origem de
tudo, ou de quase tudo, o que é feito online. Há mais: não apenas eles, mas peritos
policiais e pessoas com conhecimento técnico são aptos e habilitados a descobrirem,
por exemplo, quem são os autores de publicações contendo crimes contra a honra
ou contra a propriedade intelectual, de emails com ameaças, de páginas destinadas
à propagação de crimes de ódio ou de pedofilia, de ataques cibernéticos e outros.
Nesses casos, toda vez que se fala em identificação do agente, na verdade,
está-se a falar em identificação da máquina usada para a prática do ilícito. Em regra,
não se pode rastrear quem estava fazendo uso do computador, apenas qual
computador foi usado. Identificado o computador, presume-se que o proprietário do
equipamento é o responsável, embora se admita prova em contrário.
É nesse contexto que surge a ponte: por serem capazes de identificar os
usuários, por terem controle sobre o conteúdo, ainda que, em alguns casos, só se
possa fazer esse filtro de forma repressiva, e não preventiva, por possuírem
tecnologia e know-how para evitar ou combater ilícitos virtuais, além de lucrarem
49
com a venda de seus serviços, servidores e proprietários de domínio podem – e
devem – responder pelos atos dos usuários em alguns casos.
Havendo a prática de um ilícito online, não apenas os autores da ofensa, mas
todos os que contribuíram para a sua divulgação deverão ser responsabilizados,
tendo plena aplicação o verbete 221 da Súmula da Jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça: “são civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano,
decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o
proprietário do veículo de divulgação”. Apesar de o verbete sumular falar apenas em
responsabilidade civil, nada impede que os servidores venham a responder
criminalmente como partícipes ou coautores, como se verá adiante.
Antes, no entanto, é importante destacar que provedor e servidor não são
sinônimos. Provedor de internet é o responsável por garantir e fornecer o acesso do
usuário à rede mundial de computadores. É quem garante a via eletrônica de
transmissão de dados, ou seja, é quem efetivamente permite que haja conexão com
a internet. Servidor é o que hospeda o conteúdo online, é aquele que armazena
dados, normalmente nos chamados Datacenters, e os disponibiliza para acesso.
Servidor tem como função abrigar páginas, atuando como hospedeiro tecnológico
virtual.
Como se percebe, o provedor não tem qualquer tipo de relação com o
conteúdo que se encontra online, já que ele apenas permite o acesso ao que está
“publicamente publicado” na internet. Não pode o provedor, portanto, responder por
ilícitos praticados por usuários. Não obstante, o provedor pode vir a ser punido por
ilícitos próprios, como, por exemplo, na hipótese de se recusar a prestar informações,
a fornecer a identificação de um usuário ou máquina quando solicitado por autoridade
competente e com atribuição para tanto, ou quando não bloquear acesso a
determinados sites quando houver ordem judicial expressa nesse sentido.
O servidor, por outro lado, é o armazenador de todas as informações que
alguém coloca online, por mais que não exerça qualquer interferência no conteúdo
publicado pelo usuário. O servidor tem poder para retirar do acesso público qualquer
coisa que venha a ser hospedada em seus computadores. Com efeito, uma vez
informado de que algum site armazenado em seus computadores está sendo utilizado
para a prática ou veiculação de qualquer ato ilícito, o servidor passará a ostentar
responsabilidade a partir dessa notificação, que não exige forma especial30.
Ao tomar ciência do fato e optar por manter a página, o servidor incorrerá em
evidente culpa em sentindo amplo. A demora igualmente ensejará a
responsabilização solidária, civilmente, do servidor. Em matéria penal, como não se
criminaliza a conduta da pessoa jurídica, a pessoa física vinculada ao servidor e que
tenha poderes para impedir ou reprimir o ato ilícito praticado poderá ser considerada
partícipe ou coautora, conforme as circunstâncias de cada caso concreto.
O STJ, no julgamento do Recurso Especial 1186616/MG, embora tenha
confundido o conceito de servidor com o de provedor, consolidou entendimento no
sentido de que não há responsabilidade objetiva dos servidores por atos ilícitos
praticados pelos usuários, uma vez que os servidores “não podem ser obrigados a
exercer um controle prévio do conteúdo das informações prestadas no site por seus
usuários”, o que poderia configurar até mesmo uma espécie de censura, e que os
servidores “devem, assim que tiverem conhecimento inequívoco da existência de
dados ilegais no site, removê-los imediatamente, sob pena de responder pelos danos
respectivos, devendo manter, ainda, um sistema minimamente eficaz de identificação
de seus usuários, cuja efetividade será analisada caso a caso”.
Recomenda-se cautela quando da leitura do julgado, já que, como dito, o
Superior Tribunal de Justiça chama o servidor de provedor ao longo de toda a
30 É nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Para o STJ, uma vez comunicado do fato por qualquer
meio, o servidor tem obrigação de retirar imediatamente o conteúdo. Caso o servidor entenda equivocada ou abusiva a
notificação, poderá optar por manter o conteúdo online, porém, arcará com todas as consequências no caso de o Judiciário
entender, depois, que o conteúdo era efetivamente ilícito. (STJ, AgRg no AREsp 123013/SP, 3ª T., Rel. Min. João Otávio
de Noronha, julg. 27/10/2015; REsp 1512647/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/5/2015, julg. 5/8/2015.).
Apesar da jurisprudência do STJ, há quem advogue que o servidor só poderia vir a ser responsabilizado em caso de não
retirada do conteúdo após notificação judicial, alegando que entendimento contrário levaria à insegurança jurídica e à
violação da liberdade de expressão. A Lei 12.965/2014, Marco Civil da Internet, estabelece em seu art. 19 que: “com o
intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá
ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica,
não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar
indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
51
emblemática e demais irretocável decisão, constante do Informativo 481 de sua
jurisprudência.
Por fim, temos a situação dos “Provedores de Informação”, que não devem
ser confundidos com os provedores de internet. Os Provedores de Informação são os
sites e portais. São os responsáveis pelo conteúdo. Vale uma esquematização: uma
página da internet é criada e gerenciada por um Provedor de Informação, que pode
ser uma única pessoa física, no caso de site pessoal, ou uma enorme pessoa jurídica,
como o site da globo.com. Embora o Provedor de Informação produza todo o seu
conteúdo, em regra, ele vai contratar um servidor de hospedagem31, responsável por
armazenar todos os arquivos que serão disponibilizados aos usuários da internet. O
acesso, por sua vez, será garantido pelo provedor de acesso.
Obviamente, exceção feita a eventuais comentários de usuários sem vínculo
legal com a página / Provedor de Informação, caso em que se aplicaria o mesmo
regime jurídico dos servidores, o Provedor de Informação é inteiramente responsável
pelo conteúdo nele expresso, ainda que alegue, como muitos fazem, que a opinião
expressada pelo editor / articulista / jornalista / autor não seja a opinião do site.
Uma vez que o site é a ponte entre o ilícito praticado por um de seus
funcionários e a rede, o Provedor de Informação assume o risco e se torna
responsável por eventual dano causado a direito personalíssimo de terceiros. As
notas ou artigos elaborados pelo pessoal que administra o portal / site são de inteira
responsabilidade da página como um todo, da pessoa jurídica.
O Provedor de Informação, para tornar mais agradável e famoso seu portal,
angariando maior número de visitantes e assinantes, lucrando ainda mais com
propagandas e cliques, contrata pessoas de diversas áreas de conhecimento para
deixar o portal mais atrativo e glamouroso. Atuam à semelhança dos jornais
impressos. Difundem notícias, divulgam comentários e, nesse contexto, são passíveis
de cometer algum ilícito, como ofender a honra de alguém.
31 Apesar de não ser a regra, alguns Provedores de Informação são também servidores.
3. DOS ATOS QUE EXCLUEM OU ATENUAM A RESPONSABILIDADE.
Da mesma forma que não se exige uma lei própria para tipificar ou enquadrar
civilmente os ilícitos praticados pela internet, também não se pode exigir que haja
lei específica para a aplicação dos institutos favoráveis ao responsável pela prática
do ato.
A legislação brasileira traz previsões de causas excludentes da
responsabilidade. Cite-se, exemplificativamente, que o Código Penal, em seu artigo
23, prevê o rompimento da ilicitude quando o agente age em exercício regular de
direito32. O Código Civil, por sua vez, em vários dispositivos, assim como diversas
leis esparsas, prevê que o rompimento do nexo causal leva à isenção de
responsabilidade do autor do fato. São exemplos a culpa exclusiva da vítima, o caso
fortuito e a força maior, o estrito cumprimento do dever legal, também previsto no
Código Penal, e outros.
Para Carlos Roberto Gonçalves3334, “Em regra, pois, todo ato ilícito é
indenizável. A restrição a essa regra geral está consagrada no art. 188, I e II, do
Código Civil, que excepciona os praticados em legítima defesa, no exercício regular
de um direito reconhecido e a deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de
remover perigo iminente”.
Dúvida não pode haver, portanto, de que, sem nexo causal, não há falar em
responsabilidade. Se o fato danoso ocorreu por culpa exclusiva da vítima, por
exemplo, além de não se poder imputar a responsabilidade a outra pessoa, sequer
32 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 8 set. 2015.
33 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 464.
34 Ainda segundo o autor, “os arts. 929 e 930 designam casos em que, embora o agente tenha atuado sob o amparo
dessas circunstâncias inibidoras do ilícito, subsiste a obrigação de indenizar o eventual dano causado a outrem. Mesmo
não sendo considerada ilícita a conduta daquele que age em estado de necessidade, exige-se que repare o prejuízo
causado ao dono da coisa, ou à pessoa lesada, se estes não forem culpados pelo perigo”.
53
se deveria falar em autor do fato. O mesmo vale para hipóteses de caso fortuito e
força maior.
Diferentemente do que pode parecer à primeira vista, não há grande
dificuldade em imaginar cenários que possam ocorrer por culpa exclusiva da vítima
na internet. Ilustrando, pense-se na pessoa que possui fotos íntimas armazenadas
no computador ou no celular. Imagine-se, ainda, que essa mesma pessoa possua
fotos de seu companheiro na mesma máquina. Por um descuido seu, acabou
publicando em algum site as imagens.
É claro que, na impossibilidade de fazê-lo por conta própria, a pessoa terá
direito de requisitar ao Servidor ou ao Provedor de Informação que retire as imagens
equivocadamente publicadas da rede. Contudo, não poderá reclamar qualquer
indenização desses dois na hipótese de usuários terem tido acesso ao conteúdo antes
da sua remoção, salvo no caso de demora injustificada do Servidor ou do Provedor
de Informação. Também será possível, à evidência, pleitear a reparação de danos
daquele que venha a republicar as fotos obtidas.
A maior dúvida, com certeza, paira sobre a delimitação do que pode ser
considerado força maior ou caso fortuito. Quando uma companhia de serviços de
internet, em sentido amplo, sofre um ataque virtual e tem a sua base de dados
invadida, poder-se-ia falar em caso fortuito ou força maior?
Alguns casos vão fugir da zona cinzenta de incerteza e permitir uma resposta
segura, como a situação em que há a venda de um serviço de armazenamento e
proteção de dados. Atualmente, é muito comum pessoas pagarem pelo chamado
Cloud Services ou Cloud Space, que, em apertada síntese, pode ser definido como
um hard-drive virtual. Na linguagem popular, em vez de salvar seus arquivos numa
mídia física, como num pendrive ou no HD do seu próprio computador, a pessoa opta
por salvar os arquivos na nuvem, podendo acessá-los de qualquer lugar e tendo a
garantia do fornecedor de inviolabilidade do conteúdo.
Ainda que o fornecedor não se obrigue ou não garanta expressamente a
incolumidade e a privacidade dos arquivos que armazena, terá responsabilidade
objetiva por eventual violação de segurança, responsabilidade essa que nasce da
própria natureza do contrato. O usuário contratante confia na tecnologia e no know-
how do fornecedor para evitar e combater esses ataques virtuais, além do fato de
que o lucro e a contraprestação do fornecedor é justamente a venda da segurança,
motivo pelo qual esse contrato pode ser tranquilamente comparado a um contrato
de depósito – Código Civil, artigos 627 e seguintes.
Entretanto, nem sempre a armazenagem de arquivos online se dá por esse
meio, e é nesse contexto que surgem as incertezas. No Brasil, a rede social mais
usada atualmente é o Facebook, site que permite ao usuário armazenar e enviar
fotos, vídeos, arquivos de áudio, ficheiros, pastas e praticamente qualquer formato
de arquivo desejado pelo usuário.
O Facebook, como se sabe, é uma rede social, não um Servidor ou um
Provedor de Informação e Conteúdo. Seu objetivo é permitir a integração e a
interação social. No caso de um ataque cibernético ao seu banco de dados com o
consequente vazamento de informações e dados de usuários, poderia o Facebook vir
a ser responsabilizado da mesma forma que o fornecedor de serviços que vende ou
aluga um armazenamento online?
Muitos advogarão que sim, em especial por ser o Facebook parte do Google,
uma gigante multimilionária e que deveria se precaver de todas as formas possíveis
contra investidas de hackers e usuários mal intencionados. Não obstante, questiona-
se a razoabilidade desse entendimento.
Sabe-se que, mesmo adotando diversas medidas de segurança e investindo
quase infinitos recursos na questão da proteção de banco de dados, há pessoas que
dedicam suas vidas a encontrar brechas e falhas no código de programação de
grandes companhias. Até mesmo o site do Pentágono já foi invadido – e mais de uma
vez.
Caso o Facebook ou outra página similar não adote quaisquer medidas de
cuidado, é evidente que deverá responder por isso. Contudo, parece razoável
imaginar, ao menos em alguns casos, especialmente quando comprovado que o
55
Servidor ou o Provedor adotou todas as medidas que dele se esperaria, que seja
possível a invocação da força maior ou do caso fortuito.
A se aceitar a tese de que o fornecedor de serviços online pode vir a alegar a
força maior ou o caso fortuito como excludentes de responsabilidade, uma medida
se impõe em todos os casos: a inversão do ônus da prova ope judicis, a determinada
pelo juiz. Em outras palavras, caberá invariavelmente à companhia provar que
adotou todas as medidas de segurança dela exigíveis.
Não bastará a comprovação apenas de que protocolos genéricos de
privacidade foram adotados. De acordo com o tamanho da companhia e do tipo de
serviço oferecido, além do material que ela se dispõe a armazenar, ainda que
gratuitamente, o grau de segurança exigido para que sua culpa seja afastada poderá
ser maior ou menor. Desse modo, estar-se-á respeitando o Código de Defesa do
Consumidor, que prevê, em seu art. 6º, VIII, ser direito básico do consumidor a
facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a
seu favor, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
Quanto à culpa concorrente, preconiza o artigo 945 do Código Civil que, “se a
vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será
fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do
dano”35.
Da mesma forma que o rompimento do nexo causal pode ser invocado para
afastar por inteiro a responsabilização da pessoa, havendo culpa concorrente da
vítima do dano, será perfeitamente possível reduzir a eventual indenização a um
patamar razoável e mais baixo, de acordo com o grau de culpa de cada um. A
minoração do quantum deverá ser analisada em cada caso concreto, considerando-
se a intensidade da culpa dos envolvidos.
35 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 8 set. 2015.
Exemplo de culpa concorrente pode ser imaginado na situação em que uma
pessoa tem uma conta de email, cujo login depende da chamada dupla verificação
ou verificação em duas etapas. Consiste esse método em exigir do usuário, além da
sua senha de acesso, um código único que é gerado a cada acesso ao sistema – algo
similar aos dispositivos de tokens adotados por quase todos os bancos. Pense que o
usuário, por descuido ou mesmo deliberadamente, entregou sua senha a outrem e o
servidor, por alguma falha no sistema, não exigiu a verificação em duas etapas do
agente que obteve a senha.
Não se pretende tabelar ou tarifar o percentual de culpa de cada um, afinal,
como já dito, isso deverá ser aferido em cada caso. Logicamente, a culpa concorrente
não pressupõe parcelas iguais de culpa, bastando apenas que a ação de ambos os
envolvidos tenha contribuído para o resultado final.
4. DA RESPONSABILIDADE DOS INCAPAZES E DA LEI DE BULLYING.
O Código Civil estabelece, nos termos dos artigos 932 e 933, que os pais são
responsáveis pela reparação civil dos atos praticados pelos filhos menores que
estiverem sob sua autoridade e em sua companhia, ainda que não haja culpa de sua
parte. O mesmo se aplica aos tutores e curadores em relação às pessoas entregues
à sua tutela ou à sua guarda36.
Trata-se de responsabilidade objetiva que os responsáveis têm pelos
incapazes, absoluta ou relativamente, que se encontrem aos seus cuidados. Apesar
da regra insculpida nos citados dispositivos, é possível que o próprio incapaz venha
a responder pelos seus atos dos quais decorram prejuízos para outrem. De acordo
com o artigo 928 do CC, o incapaz responderá pelos prejuízos que causar, se as
36 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 8 set. 2015.
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pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem
de meios suficientes. A indenização deverá ser equitativa e não terá lugar se privar
o incapaz ou as pessoas que dele dependem do necessário ao sustento.
A previsão legal tem como fundamento o Princípio do Prejuízo, segundo o qual
nenhum dano deve ficar sem reparação ou compensação de sua vítima. Por
conseguinte, na hipótese de um incapaz financeiramente abastado cometer um ato
que gere prejuízo a alguém, ainda que seus responsáveis não possuam patrimônio
suficiente para reparar o dano causado, em vez de onerar sobremaneira a vítima do
evento, admite-se que o próprio incapaz, com seus recursos, seja responsabilizado a
indenizar a vítima.
Já se asseverou que os atos praticados pela internet podem ter potencial
lesivo ainda maior do que aqueles praticados ao vivo ou diretamente contra uma
pessoa. Viu-se que não há falar em isenção de responsabilidade quando alguém
busca se furtar a responder por um ato seu em razão de tê-lo praticado virtualmente.
Tudo isso vale para o menor e para o incapaz, observado o regramento
específico citado linhas antes. Tanto é assim que o Estatuto da Criança e do
Adolescente prevê, em diversos artigos, a possibilidade de o menor vir a ser
responsabilizado civilmente pelos seus atos, além, claro, de responder também pela
prática de atos infracionais análogos a crime, com aplicação das chamadas medidas
socioeducativas, com destaque para os artigos 112, II, e 11637.
A Lei 13.185/2015 instituiu o chamado Programa de Combate à Intimidação
Sistemática, o bullying, em todo o território nacional, definindo bullying, em linhas
gerais, como a intimidação sistemática em que há violência física ou psicológica em
atos de intimidação, humilhação ou discriminação.
Em seu art. 2º, parágrafo único, a lei cuida do cyberbullying, conceituado
como o uso de instrumentos próprios da rede mundial de computadores para
37 BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de Julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em: 8 set. 2015.
depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar
meios de constrangimento psicossocial.
Embora a lei não traga a previsão de sanções ou de responsabilidade dos
agentes praticantes de bullying, a menção ao texto legal é de grande relevo, uma
vez que os menores são frequentemente responsáveis pela prática reiterada de
bullying em escolas e ambientes de ensino em geral.
Mais do que nunca, fica claro que o inimputável, em conjunto com seus
responsáveis, poderá ser condenado a reparar o dano causado ou, ao menos, a
compensar a vítima pelos prejuízos que ela venha a encarar, ainda que de ordem
unicamente psicológica. E, em nenhum caso, poderão alegar que a internet é um
meio que propicia essas práticas, especialmente agora que foi editada uma lei que,
expressamente, fala em combate a esses atos.
Registre-se, por fim, que os responsáveis não poderão alegar a
impossibilidade de controlar o uso que as pessoas sob sua responsabilidade fazem
da grande rede. É verdade que eles não são onipresentes e não poderão participar
de todos os atos. Contudo, eles podem impor as mais variadas restrições de uso, até
mesmo com a criação de senhas de acesso e a proibição à navegação em
determinados sites. Demais, havendo uso indevido e que cause prejuízo a terceiros,
a última pessoa a arcar com o ônus será a vítima. É o que se extrai dos já citados
artigos do Código Civil e de uma interpretação sistemática e teleológica do ECA e da
Lei de Combate ao Bullying.
CONCLUSÃO.
Por todo o exposto, pode-se afirmar que a inexistência de lei específica de
responsabilidade pelos atos praticados pela internet não impede, de qualquer forma,
a responsabilização de todos aqueles que possam ser apontados como responsáveis
pela violação ou por sua propagação, ainda que não sejam os autores da conduta,
ainda que sejam incapazes.
59
Lembre-se, por oportuno, que os atos praticados pela internet são sempre
atos complexos, uma vez que sua concretização no mundo virtual depende da
existência de serviços e do atuar de terceiros, como os Provedores e Servidores.
Então, a depender do tipo do serviço prestado, até mesmo uma companhia poderá
vir a responder pelo ilícito praticado por outrem: não pela prática, em si, do terceiro
transgressor, mas por violar uma obrigação própria sua, a de controlar o conteúdo
disponibilizado, ao menos, depois de notificada para tanto. O surgimento do dever
de indenizar de Provedores e Servidores será sempre decorrente da inobservância do
dever de fazer cessar a exposição e divulgação do conteúdo identificadamente lesivo,
salvo que o Provedor ou Servidor for o próprio autor do ilícito.
Conclui-se, portanto, que os tribunais devem aplicar aos atos ilícitos
praticados pela rede mundial de computadores as normas e disciplinas legais já
existentes. O atual cenário legislativo permite o enquadramento e julgamento de
todas essas condutas, até mesmo com a aplicação de punições, lato sensu, mais
severas, a depender da extensão do dano. Impunidade não é uma opção.
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61
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Doutrina
Quando a Discriminação Étnico-Racial Encontra a Medalha Olímpica: Um
Estudo de Caso
Pedro Teixeira Pinos Greco1
Pedro Vito Giffoni Ribeiro Oliveira2
“Eu tenho um sonho.
O sonho de ver meus filhos
julgados por sua personalidade,
não pela cor de sua pele”.
Martin Luther King
I - CONSIDERAÇÕES INICIAIS E O RELATO DO CASO
O presente artigo se propõe a estudar o tema da discriminação racial, tendo
como direção o caso concreto que envolveu o medalhista olímpico da Rio 2016 Arthur
Nory e os outros atletas Fellipe Arakawa Ferreira, Henrique Flores e Ângelo Assunção,
bem como as implicações Penais, Civis e Desportivas do episódio. Para que possamos
realizar essa tarefa faremos referência ao arcabouço protetivo brasileiro e
internacional dos Direitos Humanos, abordando os marcos normativos específicos
como o Estatuto da Igualdade Racial ou Lei Federal n° 12.228/2010 e a Convenção
Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de
1966.
Vale ressaltar que aquela investigação não desconsidera a análise da
Constituição da República de 1988 que foi prolífica em enaltecer espaços de inclusão,
podendo ser citado o art. 5°, III que determina que ninguém será submetido a
tratamento desumano ou degradante, sem contar que o art. 3°, IV veda qualquer
tipo de discriminação, sobretudo, para esse texto, aquelas que envolvam raça, etnia
ou cor. Com esse espírito consagrado nos propomos
____________________
1 Pós-graduado em Direito Privado e Direito Público pela UCAM. Bacharel em Direito pela FND/UFRJ. Membro das
Comissões de Direito Desportivo do IAB e da OAB/RJ. Professor de Direito da Faculdade Gama e Souza. Advogado.
Analista Jurídico da DPERJ.
2 Bacharel em Direito pela UNESA. Advogado.
63
a explorar o presente fato social do qual fazemos uma síntese para que em seguida
façamos um breve apanhado jurídico e para que possamos encerrar nossa
composição textual com nossos comentários. Ainda objetivamos ter como farol para
todos os tópicos a dignidade da pessoa humana (1°, III,CR), a prevalência dos
direitos humanos (art. 4°, II, CR), a isonomia substancial (art. 5°, caput, CR) e o
repúdio ao racismo (4°, VIII, CR) tudo permeado pelo fito de repelir qualquer indício
de discriminação étnico-racial.
Em maio de 2015, antes do Pan Americano de Toronto que aconteceria naquele
ano, o esportista Ângelo Assunção foi vítima de seus colegas de seleção brasileira de
ginástica que supostamente estavam “brincando” com ele e fizeram em uma rede
social comentários da seguinte natureza, conforme noticiou o site O Globo3:
“Seu celular quebrou: a tela quando funciona é branca... quando ele
estraga é de que cor?” ou ainda “O saco do supermercado é branco,
o de lixo é preto por quê?”, afirmaram os ginastas Artur Nory, Felipe
Arawaka e Henrique Flores.
Como o vídeo foi divulgado em uma rede social de grande capilaridade ele
teve um impacto imediato, gerando comentários furiosos de alguns usuários que se
insurgiram contra aquilo que viram exibido. Pouco tempo depois, os desportistas ao
perceberem o tamanho que o gesto deles tomou se desculparam em diálogo que
transcrevemos na sua completude, consoante o site UOL4:
“Fala galera, gostaríamos aqui publicamente de pedir uma sincera
desculpa ao nosso amigo Ângelo Assumpção”, afirma Artur Nory. “A
brincadeira teve uma proporção muito grande e negativa”, continua
Henrique Flores. “Era um momento de brincadeira e vocês
entenderam errado”, fala Fellipe Arakawa.
____________________
3 Acessado em 27 de outubro de 2016 às 19h e 47 min no site: http://oglobo.globo.com/esportes/arthur-nory-da-
polemica-racista-medalha-de-bronze-na-olimpiada-19921083
4 Acessado em 27 de outubro de 2016 às 19h e 52 min no site:
http://olimpiadas.uol.com.br/noticias/2015/05/15/ginasta-negro-da-selecao-e-alvo-de-piadas-racistas-de-
companheiros.htm
“Mas não tem problema, a gente é amigo”, conclui Ângelo
Assumpção.
Ainda na esfera das reverberações, a Confederação Brasileira de Ginástica
(CBG) se pronunciou em nota pública que apresentamos na íntegra5:
“A Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), considerando (I)
análise preliminar de fatos e relatórios e publicações em mídias e
redes sociais envolvendo atletas da seleção nacional por questões
disciplinares; (ii) encaminhamento do feito ao STJD da Ginástica,
instância desportiva competente que funciona junto à entidade, na
forma do art. 50 e ss. da Lei 9615/98; (II) o disposto nos arts. 48
e seguintes da Lei 9615/98, arts. 30, parágrafo 2°., alíneas "j" e
"u", 47 a 59 do Estatuto da CBG; resolve: Afastar preventivamente
da seleção nacional e eventos nacionais e internacionais, e
suspender a concessão de bolsas e incentivos financeiros pelo prazo
de 30 (trinta) dias, ou até decisão final sobre o caso pela CBG e
STJD da Ginástica, os atletas da seleção de Ginástica Artística
Masculina, Arthur Nory Oyakawa Mariano, Fellipe Arakawa Ferreira
e Henrique Flores.”
Em seguida o Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Ginástica
no Processo n° 002/2015, que teve como Relatora a Auditora Patrícia Saleão, em
julgamento que ocorreu no dia 05 de agosto de 2015, por unanimidade de votos,
homologou a suspensão administrativa por 30 (trinta) dias dos 3 (três) atletas.
Outra peculiaridade do incidente foi a denúncia feita pelo desportista Ângelo
Assunção de que teria sofrido censura advindo da Confederação para que não falasse
abertamente sobre o acontecido, de acordo com o jornal O Globo6. Nessa mesma
cadência ainda impera que tratemos da hipótese de que esse caso talvez não tenha
sido solitário e para que isso fique em claro
___________________
5Acessado em 27 de outubro de 2016 às 20h e 01 min no site: http://oglobo.globo.com/esportes/confederacao-
brasileira-de-ginastica-suspende-por-30-dias-atletas-acusados-de-racismo-16216160
6 Acessado em 31 de outubro de 2016 às 11h e 47 min no site: http://oglobo.globo.com/esportes/vitima-de-racismo-
angelo-assumpcao-diz-que-foi-impedido-de-falar-sobre-caso-pela-cbg-17010792
reproduzimos parte da entrevista concedida pelo mesmo atleta ao jornal O Globo7que
citamos fielmente:
“Com Fellipe e Henrique, não fiquei tão magoado. Nos conhecemos
há cinco anos e sei que foi um caso isolado. Mas com o Arthur eu
65
sei que não foi bem assim. Ele sempre passou dos limites, me pedia
desculpas, mas nunca mostrou uma mudança de atitude. Sempre
voltou a fazer as mesmas brincadeiras”.
Nada obstante a gravidade desse episódio ele ficou esquecido por algum tempo,
todavia, com a conquista da medalha de bronze nas Olimpíadas de 2016 pelo
esportista Arthur Nory o caso voltou à ordem do dia. Em defesa de seu atleta o
técnico Cristiano Albino asseverou, em entrevista8publicada pelo site do Jornal El
País, que o evento havia ficado no passado e que se tratou, apenas, de uma piada
amistosa:
“Já é um assunto esquecido. Não temos que voltar em coisa ruim.
Vamos falar de medalha. Foi comprovado judicialmente que foi uma
brincadeira entre amigos. Se fosse assim, eu deveria entrar na
Justiça porque me chamavam de narigudo na escola.”
Frise-se que a denúncia contra Arthur Nory, Fellipe Arakawa Ferreira e Henrique
Flores foi oferecida nas instâncias desportivas, porém, restou arquivada a pedido da
Procuradoria do STJD da Ginástica. Após termos apresentado o enredo passaremos
as questões jurídicas que envolvem o tema, tratando do assunto dentro do Direito
Penal, Civil e Desportivo, sendo nosso fim ver o assunto na sua inteireza, tudo
transpassado pela lógica dos Direitos Humanos.
___________________
7Acessado em 31 de outubro de 2016 às 11h e 54 min no site: http://oglobo.globo.com/esportes/vitima-de-racismo-angelo-assumpcao-diz-que-foi-impedido-de-falar-sobre-caso-pela-cbg-17010792 8Acessado em 28 de outubro de 2016 às 15h e 47 min no site:
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/14/deportes/1471202727_863192.html
II – A DISCRIMINAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E A SUA INTERFACE COM O DIREITO PENAL,
CIVIL E DESPORTIVO
Com a intenção de melhor compreender o que é discriminação étnico-racial,
trazemos à baila a concepção dada pelo art. 1° da Convenção Internacional sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1966, ratificada pelo
Brasil9 em 1969 por meio do Decreto 65.810 de 1969:
“Para os fins da presente Convenção, a expressão ‘discriminação
racial’ significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência
baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica
que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o
reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em
igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades
fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou
em qualquer outro campo da vida pública.” (Grifos Nossos.)
Após termos construído nossos pilares legislativos no espaço dos Direitos
Humanos, que será comum para os três setores que nos propomos a esmiuçar,
detalharemos a senda penal que inaugurará esse esforço. Para isso devemos passar
por uma diferença doutrinária preliminar para que nosso capítulo o fique o mais
esclarecedor possível. Desse modo, devemos distinguir a injúria racial de racismo.
Nesse compasso demonstraremos como os autores majoritários do Direito Penal
examinam as diferenças entre essas condutas.
A injúria racial consiste em ofender a honra de alguém com a utilização de
elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, estando previsto no art.
140, § 3° do Código Penal, sendo um crime de ação pública condicionada
__________________________
9 No âmbito nacional o Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei n° 12.288/2010, trilhou a mesma estrada,
definindo discriminação racial ou étnico-racial, praticamente, nos mesmos moldes da Convenção supra, consoante
disposição contida em seu art. 1°, parágrafo único, inciso I: “Discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção,
exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por
objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e
liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida
pública ou privada”. (Grifos Nossos.).
à representação, prescritível e afiançável, possuindo pena que varia de reclusão de
um a três anos e multa. O racismo, em contrapartida, se constitui como uma conduta
discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade, estando previsto na
Lei Federal n° 7.716/1989, possuindo ação penal pública incondicionada, sendo
imprescritível e inafiançável conforme o art. 5°, XLII da Constituição. É importante
essa distinção, porque iremos resgatá-la no último item dessa pesquisa para
chegarmos em nossas considerações finais.
Ao partirmos para a seara cível o tema pode ser solucionado pela
responsabilidade civil, consoante previsões contidas nos arts. 186 e 927 do Código
Civil, porquanto os atletas agressores praticaram um ato ilícito contra a honra do
atleta Ângelo que é assegurada pela Constituição da República de acordo com os
mandamentos assentados no art. 5°, V e X, tratando-se de um dano moral
indenizável.
67
Para deixar claro que esta matéria é pertinente no que diz respeito ao
saneamento da questão, relacionaremos os seus elementos essenciais e os
encaixaremos no fato aqui abordado. O primeiro elemento é a conduta, culposa neste
caso (lato sensu), que se relaciona com a as ofensas irrogadas pelos três ginastas.
O segundo elemento é o dano experimentado por Ângelo, considerando as frases
preconceituosas pronunciadas em sua direção. Por último, temos o nexo causal que
trata, na verdade, da relação entre a conduta e o dano.
Em seguida iremos para o terceiro item de nossa análise, enfrentando o âmbito
desportivo que também repele esse comportamento, conforme preconizado pelo o
art. 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) que dispõe: “praticar
ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de
origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência”, tendo como pena:
“Suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo
se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e
suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias,
se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este
Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00
(cem mil reais)”.
Com essa informação posta podemos citar alguns casos que foram amplamente
noticiados pela imprensa, envolvendo a discriminação étnico-racial e o esporte, senão
vejamos: a) O jogador de futebol Grafite, em 2005, atuando na época pelo São Paulo
Futebol Clube, em partida contra o clube argentino Quilmes, sofreu ataques racistas
do jogador argentino Desábato; b) A jogadora de vôlei Fabiana, bicampeã olímpica,
defendendo o seu clube SESI/SP, em 2015, foi paciente de agressões racistas que
partiram de um torcedor; c) O jogador brasileiro de tênis, Júlio Silva, sofreu ofensa
preconceituosas de seu adversário Daniel Koellerer, austríaco, em partida realizada
na Itália, em 2010 e d) O lateral direito da seleção brasileira de futebol, Daniel Alves,
em 2014, foi vítima de ato racista em partida realizada entre o seu Clube Barcelona
e o Clube Villarreal.
Como mencionado no primeiro tópico deste trabalho, no episódio envolvendo
os ginastas Arthur Nory, Fellipe Arakawa Ferreira e Henrique Flores, os insultos,
foram perpetrados pelos próprios companheiros de equipe o que diferencia das outras
passagens trazidas a conhecimento do público que foram praticados por oponentes
ou pela torcida adversária.
Fica claro que os conceitos retro elencados, nos três campos, não deixam
brechas para o cometimento de atos discriminatórios raciais, extirpando qualquer
lacuna inconveniente, passando, assim, uma mensagem pedagógica para a
sociedade, na procura da igualdade substancial entre as etnias. Entretanto, para
demonstrar que apesar dos avanços legislativos, ainda temos uma longa via a
percorrer citamos a pesquisa realizada em 2009 pelo Centro de Estudos das Relações
de Trabalho e Desigualdades (CEERT) que ressalta o crescimento das demandas
judiciais, no Brasil, motivadas pela discriminação racial10.
III – (DES)CONCLUSÕES
Por isso, nos posicionamos que a discriminação étnico-racial e as suas
consequências são infortúnios que prejudicam o desenvolvimento da República
Federativa do Brasil e o florescimento do esporte.
________________________
10 Acessado em 07 de novembro de 2016 às 20h e 33 min no site: http:// http://www.ceert.org.br/noticias/outros/16/estudo-
mostra-crescimento-nas-sentencas-sobre-racismo-no-pais
A causa dessa afirmação reside nos alicerces de nosso Estado Democrático de
Direito que está pautado nos arts. 1°, III; 3°, IV; 4°, II e VIII; 5°, caput, e III, todos
da Constituição que de forma genérica podem ser lidos em conjunto para que se
assegure o congraçamento entre as pessoas e a transmissão de valores positivos
como paz e tolerância.
Tendo dito isso avançamos no último item de nosso escrito com possíveis
desfechos para o mote dentro do Direito Penal, Civil e Desportivo. Demonstraremos
apenas a nossa visão, e com isso não é nossa meta desconsiderar o posicionamento
de outros operadores do Direito, bem como suas perspectivas que por ventura
possam discordar do nosso entendimento. Cumpre destacar ainda que não é nossa
ideia martirizar os ginastas que praticaram essa conduta. Entretanto, da mesma
forma não pensamos que simplesmente rotular tal ação como mera travessura seja
o melhor caminho.
Dessa forma, quando refletimos se uma resposta Penal seria a melhor
alternativa, temos dúvidas, já que essa ciência é norteada pela ultima ratio, ou seja,
só deve ocorrer quando impreterivelmente necessário, de maneira que antes
devemos buscar soluções nas demais esferas, diante de sua natureza subsidiária.
69
Ademais, acreditamos nesse ideário, porque para nós houve injúria racial o que
demanda representação do ofendido e, assim, só seria permitido o agir estatal com
essa manifestação que na hipótese não ocorreu. Em tese subsidiária ainda
sustentaríamos para atenuar a reprimenda criminal, caso se opte pelo crime de
racismo, que houve o pedido de desculpas, o fato de os agentes serem ainda jovens,
de que não houve o intuito de ofender, uma vez que eles estavam em um contexto
descontraído e que as palavras deles tinham animus jocandi.
Por outro lado, vislumbramos que o Direito Civil poderia fornecer uma reação
satisfatória para o caso, haja vista que a reparação possui três funções que se
encaixariam perfeitamente no presente relato. A primeira delas é a retribuição pelo
dano sofrido pela vítima, de modo que Ângelo seria compensado por todo sofrimento
vivido (função compensatória); a segunda, que é um reflexo da primeira, é a punição
dos causadores do dano para que deixem de cometer a lesão (função punitiva) e a
última é desmotivação social da conduta lesiva, eis que a sanção possui um cunho
educativo, explicitando para todos da sociedade que tais condutas não serão
admitidas (função socioeducativa). Este campo do direito, diferentemente do Penal,
detém um prazo prescricional de 3 (três) anos, na forma do art. 206, § 3°, V do
Código Civil, sendo na questão temporal, mais elástico.
Sem embargo, identificamos que neste contexto tanto no Direito Penal quanto
no Direito Civil é exigido uma ação positiva do lesado o que amarra aquelas duas
áreas para executarem-se por si mesmas, entretanto, cremos que a seara desportiva
poderia ter respondido de forma mais aguda, até porque é a única que poderia ter
labutado, independentemente de provocação. Pensamos, logo, que essa esfera
deixou a desejar, pois como já pontuado houve arquivamento da representação e
isso para os atletas envolvidos é danoso. Adicionamos essa ideia, pois uma situação
em que o processo não pôde se desenvolver, a despeito das provas robustas, traz
uma sensação de impunidade que não é salutar para a boa reputação do esporte
como locus de respeito ao próximo e de jogo limpo. O ideal seria que os julgadores
tivessem a oportunidade de enfrentar o mérito, mesmo que fosse para absolver.
Esta maneira de enxergar a situação não se adequa ao movimento que busca
suavizar a discriminação racial e, além disso, vai de encontro com as normas
nacionais e internacionais de combate ao racismo. Não tratar tais hipóteses como
pilhéria é dever de toda sociedade, e no esporte de todos os seus participantes, isto
é, dos torcedores, jogadores, técnicos e dirigentes. Portanto, sustentamos que a
Justiça Desportiva poderia ter adentrado no caso e detalhado o porquê de não ter
sido mais severa e a Confederação Brasileira de Ginástica poderia ter sido mais
enfática na sua posição.
Desse jeito, reforçamos um dos objetivos dessa obra de rechaçar qualquer
forma de discriminação, notadamente as lastreadas em raça e etnia, cerrando fileiras
com o argumento de que não importa a cor da pele, sendo somente necessário
reconhecer a condição de pessoa para que aquele indivíduo possa gozar de todos os
direitos humanos e de ser tratado de forma isonômica com seus pares.
Após expormos o caso marchamos para a conclusão de nosso trabalho e com
isso fazemos nossas as palavras do próprio Ângelo Assunção que mostrou
solidariedade à jornalista Maju Coutinho do Jornal Nacional que da mesma
forma que ele foi alvo da discriminação racial por meio de uma rede social11: “Se
para alguns ser como Maju é ser diferente. Então, sou feliz por ser diferente
também”.
____________________
11 Acessado em 10 de novembro de 2016 às 20h: 36 min no sítio: http://oglobo.globo.com/esportes/vitima-
de-racismo-angelo-assumpcao-diz-que-foi-impedido-de-falar-sobre-caso-pela-cbg-17010792#ixzz4PeEu3mRt
71
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73
PARECER
EMENTA – Indicação 04/2016. Projetos de Lei
1743/2015 e 1.208/2015, objetivando acrescentar inciso
ao art. 833 do Código de Processo Civil, para o fim de
garantir a impenhorabilidade de quantia depositada em
fundo de previdência privada.
Na essência, a formação de capital para esta finalidade
tem natureza previdenciária, alimentar, apta a afastar a
incidência de penhora, indo ao encontro das demais
hipóteses de impenhorabilidade, no sentido de garantir
a subsistência e dignidade do executado e de sua família.
Por outro lado, pode ser constituído o fundo de
previdência complementar com o único intuito de
acumulação de capital; investimento em longo prazo;
planejamento tributário ou mesmo para o fim de tornar
parte do patrimônio indene à penhora, situações que ―
desvirtuando a finalidade legal do instituto ― deveriam
permitir a penhora.
Dissidência jurisprudencial sobre o tema. O acolhimento
das propostas contidas nos PL em referência teria o
condão de estabilizar a discussão. Parecer no sentido da
aprovação do PL 1743/2015, que limita a impenhora-
bilidade aos casos de investimento com o genuíno
intento previdenciário.
― RELATÓRIO ―
Por força de despacho do sr. Presidente do IAB, foi convertido em
Indicação o Projeto de Lei 1.743/2015, apensado ao PL 1.208/2015, objetivando
dispor sobre a impenhorabilidade de quantias depositadas em fundos de previdência
privada.
No primeiro PL referido, propõe-se acrescentar ao art. 833 do Código
de Processo Civil um inciso, do seguinte teor:
Art. 833. São impenhoráveis:
................................................................
XIII – a quantia depositada em fundo de previdência
privada, desde que demonstrada a necessidade de
utilização do saldo para a subsistência futura do
participante e de sua família.
Já no PL 1.208/2015, também com o objetivo de acrescentar o mesmo
inciso ao art. 833, ficaria assim a redação:
XIII – os valores depositados em plano de previdência
privada complementar.
A justificação do primeiro PL, de autoria da Deputada Brunny, discorre
sobre a importância da previdência privada em nosso país, uma vez que os benefícios
concedidos pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) são, em geral,
insuficientes para garantir a muitos cidadãos a manutenção de seu padrão de vida e
mesmo de seu sustento e da família, quando aposentados.
Por outro lado, sabe-se que outros indivíduos investem em fundos de
previdência complementar unicamente para acumulação de capital, como um
investimento, aproveitando vantagens tributárias, desnaturando o caráter
previdenciário do instituto.
A justificação do PL 1208/2015 se limita a profligar a possibilidade de
penhora dos valores aplicados nestes fundos com finalidade previdenciária, sem
prever a hipótese daquelas inversões serem realizadas como simples aplicações
financeiras, aproveitamento de isenções tributárias ou mesmo para blindar seu
capital de eventuais execuções.
― FUNDAMENTAÇÃO ―
Como se sabe, a responsabilidade patrimonial do devedor em execução
se estabelece pela submissão do patrimônio de alguém às medidas destinadas à
realização de pretensão objeto de sentença definitiva.
A regra, tradicionalmente, é a incidência sobre todos os bens que
integram o patrimônio do executado, bens presentes, como aqueles que venham a
ser adquiridos no curso do processo. Não se pode deixar de ressaltar aqui a existência
de uma divergência doutrinária a respeito do momento em que bens do patrimônio
passam à disponibilidade da constrição, tema cuja exame não é pertinente nesta
oportunidade.
Vale ressaltar que as regras relativas à responsabilidade patrimonial
do devedor são processuais. Como consequência, a verificação da incidência do
comando judicial ao patrimônio do devedor se dá com a aplicação da lei nova aos
atos processuais praticados após a sua vigência, preservando-se as situações
jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. É o que constitui o princípio
do isolamento dos atos processuais, tradicional no direito processual civil brasileiro,
reiterado no art. 14 do CPC/2015.
75
Sendo condição de eficácia das decisões judiciais e, por via de
consequência, do prestígio da função jurisdicional, a submissão do patrimônio do
devedor à execução da sentença condenatória ao pagamento de quantia certa
constitui regra que só pode admitir as exceções expressas na lei e que, por exceções,
devem ser objeto de interpretação restritiva.
Por estas razões, a legislação procura penalizar as condutas que visem
dificultar a submissão dos bens dos executados, com penalidades processuais
diversas, até mesmo corporais, como acontecia ao tempo da vigência do
Regulamento 737/1850, que dispunha no art. 525:
O executado que esconder os bens para não serem penhorados,
ou deixar de possuil-os por dólo, será preso até que entregue
os bens, ou o seu equivalente, ou até um anno, si antes não
entregar.
As exceções, de ordinário, pretendem garantir a subsistência do
executado e sua família, além de condições mínimas de dignidade, de acordo com as
concepções sociais ao tempo da edição das respectivas leis, como se vê, por exemplo,
da exceção contida no § 9º do art. 529 do Regulamento 737/1850, quando o estado
não era laico. Estabelecia tal artigo 529 que não poderiam ser “absolutamente”
penhoradas, dentre outros bens:
§ 9º. As sagradas imagens e ornamentos de altar;
Tal regra de impenhorabilidade só cederia se não houvesse outros bens
(art. 530, § 1º).
O Código de Processo Civil de 1939 (Dec. Lei 1608), na esteira dos
códigos estaduais, estabelecia que a penhora poderia “recair em quaisquer bens do
executado”, na ordem disposta no art. 930.
Por igual, trazia exceções visivelmente destinadas à garantia da
subsistência do executado e sua família, refletindo, também, as condições sociais e
econômicas de sua época, com a população vivendo majoritariamente em ambiente
rural, razão pela qual livrava de constrição (art. 942):
IV – uma vaca de leite e outros animais domésticos, à escolha
do devedor, necessários à sua alimentação ou a suas atividades,
em número que o juiz fixará de acordo com as circunstâncias;
Tal Código também refletia a situação de parcial incapacidade civil e
material das mulheres não casadas para seu próprio sustento, no momento em que
previa a possibilidade de penhora de frutos e rendimentos de bens inalienáveis
(quando não havia outros bens penhoráveis), exceto aqueles destinados aos
alimentos de “incapazes ou de mulheres viúvas ou solteiras” (art. 943, I).
Tradicionalmente, as leis processuais procuram livrar da constrição
judicial as rendas obtidas com salários, vencimentos, proventos e pensões. Por
impossibilidade de fixar um conceito geral, limitaram-se as leis processuais a
exemplificar as hipóteses de não incidência.
Os ganhos do trabalhador autônomo, por exemplo, só passaram a
integrar a lista a partir do Código de 1973, certamente pelo fato de que tal categoria
não tinha expressão social ou econômica quando da edição do Código de 1939 e
legislação anterior (códigos estaduais, Regulamento 737), embora considerados
impenhoráveis os instrumentos necessários ao exercício das profissões.
Também de longa data, consideraram os legisladores impenhoráveis
os frutos das “pensões, tenças e monte-pios” (Regulamento 737), bem como as
“pensões, tenças e montepios percebidos dos cofres públicos, de estabelecimento de
previdência ou provenientes da liberalidade de terceiro”, destinados ao sustento do
executado ou da família (CPC de 1939).
O CPC de 1973 assim estabeleceu a impenhorabilidade, no ponto:
IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações,
proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as
quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao
sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador
autônomo e os honorários de profissional liberal;
O CPC vigente repetiu a redação acima (art. 833, IV), acrescentando,
ao final do texto, a expressão: “ressalvado o § 2º”. Tal ressalva, além de preservar
a penhora nos créditos alimentícios, permite a possibilidade de constrição nas
“importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários mínimos mensais”, o que
constitui novidade e, provavelmente, endossa jurisprudência que vinha se firmando,
sob a égide do CPC/1973, de permitir a penhora nestas rendas, ainda que
parcialmente, não obstante a proibição então absoluta 38.
38 PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. ATO JUDICIAL. EXECUÇÃO.
PENHORA. CONTA-CORRENTE. VENCIMENTOS. CARÁTER ALIMENTAR. PERDA.
77
Os valores aplicados em fundos de previdência privada ganharam forte
expressão no plano econômico, na medida em que os empregados de empresas
privadas, bem como os autônomos e liberais, contribuintes obrigatórios da
previdência social (RGPS) puderam constatar que as aposentadorias ali concedidas
não permitem a manutenção de seus padrões econômicos quando em atividade,
servindo o regime de previdência privada complementar para esta finalidade.
Neste sistema, o participante realiza aplicações periódicas (sob os
regimes denominados, abreviadamente, de PGBL e VGBL) que constituem uma
reserva financeira, que poderá ser por ele antecipadamente resgatada ou recebida
em data definida, mensalmente ou em uma única parcela.
A natureza deste sistema é dada pela Constituição Federal:
Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter
complementar e organizado de forma autônoma em relação ao
regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na
constituição de reservas que garantam o benefício contratado,
e regulado por lei complementar.
Este regime consta de Capítulo da Constituição Federal que trata da
seguridade social e é previsto ao lado do regime geral (RGPS), de caráter contributivo
e de filiação obrigatória, sendo absolutamente certo que, na sua essência, tem
natureza alimentar e está compreendido nos mesmos objetivos das demais isenções
previstas atualmente no art. 833 do CPC/2015, pois visa garantir a subsistência e
preservar a dignidade do executado e de sua família.
- Como, a rigor, não se admite a ação mandamental como sucedâneo de recurso, tendo o
recorrente perdido o prazo para insurgir-se pela via adequada, não há como conhecer do
presente recurso, dada a ofensa à Súmula nº 267 do STF.
- Ainda que a regra comporte temperamento, permanece a vedação se não demonstrada
qualquer eiva de teratologia e abuso ou desvio de poder do ato judicial, como ocorre na espécie.
- Em princípio é inadmissível a penhora de valores depositados em conta-corrente destinada
ao recebimento de salário ou aposentadoria por parte do devedor. Entretanto, tendo o valor
entrado na esfera de disponibilidade do recorrente sem que tenha sido consumido
integralmente para o suprimento de necessidades básicas, vindo a compor uma reserva de
capital, a verba perde seu caráter alimentar, tornando-se penhorável.
Recurso ordinário em mandado de segurança a que se nega provimento. (RMS 25397/DF, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 03/11/2008)
(Negrito no original)
Apesar da permissão legal para o “resgate da totalidade das
contribuições vertidas ao plano pelo participante” (art. 14, III, LC 109/2001), esta
faculdade não tem o condão de afastar, de forma absoluta, a natureza
essencialmente previdenciária e, portanto, alimentar, do saldo existente naquele
fundo.
Confiram-se as palavras da Ministra Nancy Andrighi, Relatora do EResp
1.121.719-SP, julgado pela 2ª Seção do STJ, por maioria pelo voto de desempate do
presidente Luis Felipe Salomão:
79
Veja-se que a mesma razão que protege os proventos
advindos da aposentadoria privada deve valer para a reserva
financeira que visa justamente a assegurá-los, sob pena de se
tornar inócua a própria garantia da impenhorabilidade daqueles
proventos.
Outrossim, se é da essência do regime de previdência
complementar a inscrição em um plano de benefícios de caráter
previdenciário, não é lógico afirmar que os valores depositados
pelo participante possam, originalmente, ter natureza
alimentar, e, com o decorrer do tempo, “justamente porque não
foram utilizados para a manutenção do empregado e de sua
família no período em que auferidos ”, passem a se constituir
em investimento ou poupança, como decidiu o acórdão
embargado.
Por isso, a impenhorabilidade dos valores depositados
em fundo de previdência privada complementar deve ser aferida
pelo Juiz casuisticamente, de modo que, se as provas dos autos
revelarem a necessidade de utilização do saldo para a
subsistência do participante e de sua família, caracterizada
estará a sua natureza alimentar.
Ou seja, a menos que fique comprovado que, no caso
concreto, o participante resgatou as contribuições vertidas ao
Plano, sem consumi-las para o suprimento de suas
necessidades básicas, valendo-se, pois, do fundo de previdência
privada como verdadeira aplicação financeira, o saldo existente
se encontra abrangido pelo art. 649, IV, do CPC.
A proposta de inserir no art. 833 mais um inciso prevendo
expressamente a impenhorabilidade dos valores depositados em planos de
previdência privada, objeto desta Indicação, servirá para atalhar a acesa controvérsia
jurisprudencial a respeito do tema.
Note-se que o julgado acima referido, por meio de ministros compondo
uma Seção do STJ, demonstra a divergência que a hipótese encerra, onde cinco
ministros – incluindo o presidente – votaram pela impenhorabilidade e quatro
votaram pela submissão do capital investido à execução.
E este julgamento, na verdade, conferiu à questão a melhor solução,
no sentido de ― embora reconhecendo a natureza alimentar da verba ― permitir ao
juiz da execução aferir se ela é penhorável
[...] mediante análise das provas trazidas aos autos, tendentes
a demonstrar a necessidade financeira para a subsistência da
parte, de acordo com suas especificidades, haja vista a
diversidade de padrões de vida existentes em uma sociedade
capitalista. (voto de desempate do Min. Luis Felipe Salomão)
Tudo leva a opinar favoravelmente à pertinência da proposta contida
no PL 1743/2015, no sentido de tornar, em princípio, expressamente, impenhorável
a quantia destinada à formação de um fundo de previdência complementar, exceto
quando as circunstâncias do caso concreto levarem à conclusão de que se trata, na
verdade, de um investimento de capital, ou que o devedor, ingressando num destes
planos, teve o único intuito de blindar seu patrimônio de penhora.
― CONCLUSÃO ―
Assim, salvo melhor juízo, deve o Instituto dos Advogados Brasileiros
recomendar ao Congresso Nacional a aprovação do PL 1743/2015, de autoria da
Deputada Brunny, acrescentando ao art. 833 da Lei 13.105/2015 o seguinte inciso
XIII:
Art. 833. São impenhoráveis:
................................................................
XIII – a quantia depositada em fundo de previdência
privada, desde que demonstrada a necessidade de
utilização do saldo para a subsistência futura do
participante e de sua família.
Rio de Janeiro, 05 de agosto de 2016
DUVAL VIANNA – OAB/RJ 20.52
RESENHA
Palestra O desvio de Finalidade no Processo de
Impeachment
01/07/2016 – 17h – Plenário do IAB
Em meio a efervescência do processo de impeachment contra Dilma Roussef,
as Comissões de Direito Administrativo e de Direito Constitucional e a CAARJ
realizaram a palestra “O desvio de finalidade no processo de impeachment”,
com José Eduardo Cardozo (Advogado, professor de Direito Administrativo da
PUC-SP, ex-Ministro da Justiça, ex-advogado geral da União). O Presidente do
IAB, Técio lins e Silva foi o presidente da mesa, os debatedores foram Manoel
Messias Peixinho (Presidente as Comissão de Direito Administrativo), José Ribas
Vieira (Presidente da Comissão de Direito Constitucional), Marcelo Oliveira
(Presidente da CAARJ) e Gisele Cittadino (Professora do Departamento de
Direto da PUC-Rio).
RESENHA
Palestra Reflexões sobre a cultura do estupro: Feminismo
e Direitos Humanos
11/07/2016 – 18h – Plenário do IAB
A cada caso de estupro, ouve-se explicações, justificativas que buscam
relativizar/banaliza tal crime. Para refletir sobre essa tendência o IAB promoveu
a Palestra Reflexões sobre a cultura do estupro: feminismo e Direitos humanos.
O evento teve como convidados Marcia Tiburi (filosofa e escritora) e Rubens
Casara (Juiz de Direito e doutor em Direito). A mediadora da palestra foi Maíra
Fernandes (Chefe de Gabinete da presidenca do IAB) e a presidente da mesa
foi Márcia Dinis (Comissão de Direitos Humanos IAB).
RESENHA
Seminário 15 anos do Estatuto da Cidade
15/07/2017 – 09h às 13h15 – Plenário do IAB
Para debater sobre o Estatuto da Cidade, denominação dada a Lei 10.257 de
10 de julho de 2001 que regulamenta o capítulo de Política Pública da
Constituição, as Comissões de Direito Ambiental e de Direito Agrário e
Urbanístico organizaram o seminário 15 anos do Estatuto da Cidade.
RESENHA
Solenidade de Entrega da Medalha Montezuma ao
Eminente Jurista Doutor Sérgio Ferraz, ex-presidente do
IAB
20/07/2016 – 18h – Plenário do IAB
Cerimônia de entrega da Medalha Montezuma ao jurista Doutor Sérgio Ferraz.
RESENHA
Palestra Aborto e Síndrome Congênita do Zika 25/07/2016 – 17h – Plenário do IAB
O evento abarcou os temas como: Zika na gravidez e seus efeitos no feto,
debatedora Dafne Dain Gandelman Horovitz (médica geneticista, membro do
corpo clínico do centro de genética médica do Instituto Fernandes Figueira /
Fiocruz-RJ); a crise do zika vírus: saúde pública e o direito das mulheres,
debatedora Simaria Gumieri (Pesquisadora da Ansi – Instituto de Bioética e
doutoranda em Direito pela Universidade de Brasília); a maternidade como
questão ética, debatedora Deborah Prates (Advogada e membro da Comissão
de Direitos Humanos - IAB); campo de tensão: entre a ampliação de direitos e
o controle da alteridade, debatedora Maria Antônia Goulart (Advogada,
coordenadora geral e fundadora do Movimento de Ação e Inovação Social -
MAIS). Victória Sulock (Presidente da Comissão de Direito Penal – IAB) foi a
presidente da mesa. Márcia Dinis (Membro da Comissão de Direito Penal) e
Fernanda Bianco (Presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ)
foram as mediadoras.
RESENHA
Seminário A nova lei de regularização de ativos no
exterior - Aspectos penais e tributários. A experiência
européia.
26/07/2016 – 17h – Plenário IAB
A Comissão de Direito Penal do IAB, a Comissão de Direito Financeiro e
Tributário do IAB e o Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito
penal - AIDP realizaram o seminário sobre a Lei 13.524 e as consequências
penais da regularização de ativos no exterior. Katalin Ligeti (Professora de
Direito Penal da Universidade de Luxemburgo), Artur Gueiros (Procurador
regional da República e professor da UERJ), Victória de Sulock (Presidente da
Comissão de Direito Penal - IAB) e Adilson Pires (Presidente da Comissão de
Direito Financeiro e Tributário - IAB) foram os palestrantes.
RESENHA
Lançamento do Aplicativo Mobile e novo Portal do IAB
27/07/2016 – 18h – Plenário do IAB
O site do Instituto dos Advogados Brasileiros ganhou nova interface, com a
reorganização das abas. O aplicativo Mobile está disponível para iOS e Android.
RESENHA
Centenário de Nascimento do Advogado Daniel Aarão Reis
27/07/2016 – 18h – Plenário do IAB
O Instituto dos Advogados Brasileiros realizou a solenidade em homenagem e
comemoração ao centenário de nascimento do advogado Daniel Aarão Reis,
patrono Biblioteca de IAB. O advogado Eduardo Seabra Fagundes (ex-
presidente do IAB, 1976 -1978 e ex-presidente Nacional da OAB, 1979-1981)
falou em nome da Casa de Montezuma e saudou o casal Daniel Aarão Reis e
Lúcia Penna Aarão Reis.
RESENHA
I Seminário sobre Repercussões do Novo CPC no Direito
do Trabalho
28/07/2016 -18h às 20h - Plenário do IAB
O evento abarcou as questões controvertidas do novo CPC no Processo do
Trabalho. Rita Cortez, 1ª vice-presidente do IAB e presidente da Comissão
Sindical da OAB-RJ, fez a abertura do seminário. Silvia Correia (professora de
processo do trabalho e membro da comissão de Direito do Trabalho - IAB) foi
a debatedora. O desembargador Leonardo Dias Borges do TRT da 1ª Região,
professor de processo do trabalho e membro da Comissão de Direito do
Trabalho – IAB, foi o expositor do tema. O mediador do seminário foi Daniel
Apolônio Gonçalves Vieira (Presidente da Comissão de Direito do Trabalho).
RESENHA
Simpósio Estado e Religião
02/08/2016 - 14h e 17h - Plenário do IAB
O evento teve a presença do professor-doutor Fábio Carvalho Leite (PUC/RJ)
como expositor. Os debatedores foram Dra. Ana Paula de Barcellos (professora
pós-doutora da Universidade de Harvard - EUA), Dr. Guilherme Calmon
Nogueira da Gama (professor-doutor da Uerj e desembargador do TRF 2ª
Região) e Dr. Gilberto Garcia (Presidente da Comissão Especial de Direito e
Liberdade Religiosa) foi o mediador.
RESENHA
Ciclo de Conferências de Filosofia do Direito - Diálogo
entre a Filosofia e o Direito
26/08 a 25/11 (sextas-feiras) - 10h às 12h - Plenário Histórico
26/08 – Diálogo entre a Filosofia e o Direito Processual Civil
02/09 – Pensamento Jurídico Brasileiro em mudança de paradigma, com o
Prof. Francisco Amaral (palestrante).
09/09 – Bioética e Direitos humanos, com o Prof. Olinto Pegoraro (palestrante)
e Profª. Sarah Moura (moderadora).
23/09 – Direito Ambiental e a proposta ética de Hans Jonas, com Drª. Vanusa
Murta Agrelli e Profª. como palestrantes.
RESENHA
O Novo CPC e repercussões na advocacia
26/08/2016 – 10h ás 12h – Plenário IAB
José Roberto dos Santos Bedaque (Prof. Titular do Departamento de Direito
Processual da Faculdade de Direito da USP), José Rogério Cruz e Tucci (Prof.
Titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP), Paulo César
Pinheiro Carneiro (Prof. Titular de Teoria Geral do Processo da Faculdade de
Direito da Uerj), participaram como palestrantes. Ana Teresa Basílio (Diretora
de Mediação, Conciliação e Arbitragem do IAB), foi a debatedora.
RESENHA
Lançamento do Livro Direito Agrário - Homenagem a
Octávio Mello Alvarenga
31/08/2016- 17h às 21h - Biblioteca Daniel Aarão Reis
O Instituto dos Advogados Braisleiros, Sociedade Nacional de Agricultura, GZ
Editora e os coordenadores Frederico Grechi e Maria Cecília Ladeira, realizaram
o evento de lançamento do livro Direito Agrário em homenagem ao Octavio
Mello Alvarenga, com temas variados envolvendo o mundo rural.
RESENHA
Mesa Redonda Desafios e oportunidades no contexto atual
da Arbitragem
13/09/2016 - 17h30 às 19h30 - Plenário do IAB
Realização do Instituto dos Advogados Brasileiros, OAB-RJ, Centro Brasileiro de
Mediação e Arbitragem realizaram a mesa redonda, seguida do lançamento do
Curso de Mediação e Arbitragem da OAB-RJ, em parceria com CBMA e o IAB.
Participaram do evento Sérgio tostes (Presidente da Comissão de Mediação,
Conciliação e Arbitragem do IAB), Adriana Brasil Guimarães (Diretora-
secretária e membro da Comissão de Mediação, Conciliação e Arbitragem), Ana
Tereza Basílio (Diretora de Mediação, Conciliação e Arbitragem do IAB),
Gustavo Schmidt (presidente da CDMA), Joaquim de Paiva Muniz (Presidente
da Comissão de Arbitragem da OAB e membro da Comissão de Mediação,
Conciliação e Arbitragem do IAB), Francisco Mussnich (professor de Direito
Societário da PUC-RJ e associado do IAB).
RESENHA
Lançamento do Livro Os trabalhistas: da discriminação à
ascensão e a contribuição da Abrat - Autora: Benizete
Ramos de Medeiros
21/09/2016, às 19h - Local: Biblioteca Daniel Aarão Reis
Dra. Benizete Ramos de Medeiros realizou o lançamento do livro de sua autoria,
que possui prefácio do professor doutor Ivan da Costa Alemão.
RESENHA
Aula Magna - Curso de Formação e Capacitação em
Mediação Empresarial
22/09/2016 - 18h - Plenário do IAB
Realização do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem e do IAB. O evento
teve a apresentação de Sérgio Tostes (presidente da comissão de Mediação,
Conciliação e Arbitragem do IAB) e do Presidente do CBMA Carlos Schmidt.
Cesar Cury (Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro), Humberto Dalla (Promotor de justiça e professor de Direito Processual
Civil da Universidade Estácio de Sá, Uerj e Ibmec) foram os palestrantes.
Mariana Freitas de Sousa (Diretora de Mediação do CBMA e membro da
Comissão de Mediação Conciliação e Arbitragem do IAB) foi a Mediadora.
RESENHA
173 anos do IAB (Sessão Solene)
28/09/2016 às 18h. Local: Plenário do IAB
A sessão solene em comemoração aos 173 anos do Instituto dos Advogados
Brasileiros, contou a presença do Dr. José Roberto Batochio como orador oficial.
Na ocasião foi entregue a medalha Levi Carneiro ao criminalista Dr. Ubyratan
Cavancanti, membro do IAB. Também foi assinado o Termo de Convênio e
Cooperação entre o IAB e o CBMA (Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem).
IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros Biblioteca Daniel Aarão Reis
Av. Marechal Câmara n° 210, 2º andar - Rio de Janeiro - RJ CEP 20.020-080 • Telefax: (21) 2240.3173 r.02
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