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Clarineta, produção de conhecimento e o Brasil Saúde: "Se correr o bicho pega... ABCL: Regularizada e forte ! CLARINETA nº5 julho de 2018 www.revistaclarineta.com.br Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas ISSN 2526-1169

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Clarineta, produção de conhecimento e o Brasil

Saúde: "Se correr o bicho pega...

ABCL: Regularizada e forte !

CLARINETAnº5 julho de 2018

www.revistaclarineta.com.br Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas ISSN 2526-1169

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Editorial

Informe ABCL

Um centenário de mestre: uma homenagem ao legado do clarinetista Lourival Oliveirapor Jailson Raulino

Clarineta Convida: “Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come” por Carolina Valverde

A Produção de Conhecimento sobre a Clarineta no Brasil por Guilherme Sampaio Garbosa, Joel Luís Barbosa e Vinicius de Sousa Fraga

Entrevista: Carlos Rieiro por Aynara Silva

META-FORMOSES ou Concerto para Clarinete Baixo e Ensemble de Jorge Peixinho: Importância, escrita idiomática e questões de interpretação por Luís Gomes e Dra. Ana Telles

Claronista em Destaque: João Paulo de Araújo

Encontros: Escola da Ospa promove I Festival Interna-cional de Clarinetistas de Porto Alegre

Reabertura do Bacharelado em Clarineta da UNICAMP

Lançamentos por Diogo Maia

Dica do Mestre: Cristiano Alves

Normas para submissões de trabalhos para publicação

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CLARINETAnº5 julho de 2018

ISSN 2526-1169 www.revistaclarineta.com.br Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas

aulas de clarinete com Prof. Edmilson NeryPlanos mensais com Desconto

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Editorial

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Prezados amigos e leitores,

Este Editorial dá boas-vindas aos mais novos integrantes do corpo de editores da Revista, os cla-rinetistas César Bonan e Anderson Alves, ambos membros da Orquestra Sinfônica Nacional da Uni-versidade Federal Fluminense. Anderson Alves pos-sui mestrado pela UNB e está no curso de doutorado em música da UFRJ, onde atua como professor subs-tituto de clarineta. César Bonan está trabalhando em seu mestrado em música na UFRJ e é integrante do Quinteto Lorenzo Fernandez. A Revista agradece a disposição e o empenho dos dois colegas para a construção de um periódico de qualidade.

O artigo de abertura da revista homenageia mais um músico do seleto grupo de clarinetistas com-positores que completou seu centenário de nasci-mento nos últimos quatro anos. Eles pertencem a uma geração que marcou a história do instrumento. Em 2015 foi Abel Ferreira, em 2017, Severino Araújo e K-Ximbinho, e agora, em 2018, Lourival Oliveira. (Lembramos que 2018 também é o ano do centená-rio de nascimento do Jacob do Bandolim). O clari-netista Jailson Raulino expande a compreensão que temos sobre o “Mestre Louro”, como era conhecido o homenageado clarinetista paraibano. Ele fala de sua carreira como instrumentista, professor, com-positor de frevos reconhecido por seus prêmios e gravações, além de sua trajetória como artista mar-cada por resistência social e cultural. Sua história de vida é uma inspiração para muitos trabalhos dos atu-ais clarinetistas do país.

O presidente da Associação Brasileira de Clarine-tistas – ABCL, o clarinetista e claronista Sérgio Alba-ch, nos atualiza sobre a situação atual da instituição, expõe seus objetivos e apresenta a diretoria. Com muito entusiasmo, convoca todos a se associarem para juntos construirmos uma organização forte, produtiva e duradoura.

“Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Com estas palavras Carolina Valverde, fisioterapeu-ta especialista na saúde do clarinetista, chama nossa atenção para questões de saúde na seção A Clarineta Convida. Ela explica como o posicionamento da ca-beça se relaciona com o pescoço e com os braços ao tocar o instrumento. Discorre também sobre aspec-tos do posicionamento dos ombros, tensão dos de-dos e dores do polegar e punho. Oferecer caminhos para uma atividade profissional mais saudável é o objetivo de seu trabalho. É necessário compreender como o organismo é e como funciona ao tocar o ins-trumento para termos uma vida profissional longa.

A Matéria de Capa apresenta um breve panorama da produção de conhecimento sobre a clarineta no Brasil. Ela discorre sobre a importância da pesqui-sa e da heurística para a área, fala da disponibilida-

de e da apropriação dos registros do conhecimento produzido, e apresenta um diagnóstico dos tópicos estudados no país. Por fim, ressalta os riscos que os cortes governamentais podem ter para a produção de conhecimento sobre clarineta, pois aponta que tanto a formação do clarinetista pesquisador como os indicativos de maturidade acadêmica da área têm dependência direta das agências governamentais de apoio à pesquisa e da educação pública, gratuita e de qualidade do país.

O entrevistado deste número é o clarinetista Carlos Rieiro, professor aposentado da Universi-dade Federal da Paraíba que tem uma carreira de destaque por suas performances como solista e ca-merista, participações em orquestra e formação de profissionais de qualidade no país. Rieiro nasceu em Buenos Ayres e veio para o Brasil ainda jovem. A cla-rinetista Ayrara Silva realiza uma entrevista descon-traída e fluente onde o professor fala de sua história, instrumento, acessórios, administração de carreira, formação e estudo, trazendo diretrizes atuais para os clarinetistas de hoje e informações importantes so-bre a prática da clarineta no país.

Na seção do Clarone, podemos conhecer em detalhes uma obra que é um marco na história do instrumento, um desafio para qualquer intérprete e uma referência da música contemporânea portu-guesa, segundo o claronista português Luís Gomes e a Dra. Ana Telles. Eles escrevem sobre a obra Meta--Formoses ou Concerto para Clarinete Baixo do com-positor Jorge Peixinho, um dos maiores expoentes da música portuguesa do século XX. Trata-se de um aprofundado estudo que aborda as inter-relações entre o compositor, o intérprete (Harry Sparnaay), a história da peça, o processo composicional, a escrita idiomática e a exploração do instrumento

O professor Cristiano Alves encerra este número da revista como convidado da seção Dica do Mestre. Ele trata de vários tópicos essenciais para a forma-ção do clarinetista. Aponta, incialmente, a relevância de se compreender a conexão entre emissão do som, manipulação do trato vocal, sustentação do instru-mento e pressão labial. Amplia esta exposição com uma reflexão sobre o que é ser clarinetista no Brasil e o elo disso com a prática de estudo com qualidade, apontando a importância do planejamento da car-reira, estudo da harmonia, prática de escalas, memo-rização, convívio profissional e aquisição de cultura geral. Muito importante!!!

Desejamos que o esforço voluntário realizado, por um grupo de respeitados profissionais, para a elaboração de mais este número da revista Clarineta possa expandir as discussões sobre os tópicos aqui tratados e colaborar com o avanço do instrumento no país.

Encerrando, convidamos os colegas para envia-rem sugestões e comentários pelo email [email protected], e textos para publicação seguindo as normas para submissão disponíveis no site e no fim da Revista.

Os editores.

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CLARINETA

Corpo editorial

Ficha técnica:

EditoresAnderson Cesar Alves (Orquestra Sinfônica Nacional, UFF, Rio de Janeiro), César Augusto Bonan Ribeiro (Orquestra Sinfônica Nacional, UFF, Rio de Janeiro), Daniel Oliveira (Orquestra do Theatro São Pedro, São Paulo), Diogo Maia (Orquestra Municipal de São Paulo, São Paulo), Joel Luís Barbosa (UFBA, Salvador), Luís A. E. Afonso – Montanha (USP, São Paulo), Mônica Isabel Lucas (USP, São Paulo), Ricardo Dourado Freire (UnB, Brasília), Vinícius de Sousa Fraga (UNICAMP, Campinas)

Corpo Editorial NacionalAmandy Bandeira de Araújo (UFRN, Natal), Cristiano Siqueira Alves (UFRJ, Rio de Janeiro), Fernando José Silveira (Uni-Rio, Rio de Janeiro), Guilherme Sampaio Garbosa (UFSM, Santa Maria), Iura de Rezende Ferreira Sobrinho (UFSJR, São João del-Rei), Jacob Furtado Cantão (UFPA, Belém), Jaílson Raulino da Silva (UFPE, Recife), Johnson Joanesburg Anchieta Machado (UFG, Goiânia), Marco Antonio Toledo Nascimento (UFC, Sobral), Marcos Jacob Costa Cohen (Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, Brasília) Maurício Alves Loureiro (UFMG, Belo Horizonte), Pedro Robatto (UFBA, Salvador), Roberto César Pires (Ex-professor da UNICAMP, Campinas)

Conselho Consultivo NacionalAndré Ehrlich (Clarinetista, Curitiba), Augusto Fonseca Maurer (UFRGS, Porto Alegre), Diego Grendene de Souza (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, Porto Alegre), Eduardo Gonçalves dos Santos (FANES, Vitória), Flávio Ferreira da Silva (UFAL, Maceió), Glória Cira Pereira Subieta (Amazonas Filarmônica, Manaus), Jairo Wilkens da Costa Sousa (Orquestra Sinfônica de Campinas, Campinas), Jônatas Zacarias de Oliveira (Conservatório Pernambucano de Música, Pernambuco), João Paulo de Araújo (UFRN, Natal), José Batista Jr. (UFRJ, Rio de Janeiro), Luca Raele (Sujeito a Guincho), Luís Nivaldo Orsi (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, São Paulo), Maurício Soares Carneiro (Orquestra Sinfônica do Paraná, Curitiba), Ney Campos Franco (Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, Belo Horizonte), Ovanir Luiz Buosi Junior (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, São Paulo), Rosa Barros Tossini (IFG, Formosa), Sergio Antonio Burgani (UNESP, São Paulo), Thiago Tavares (Orquestra Sinfônica Brasileira, Rio de Janeiro)

Conselho Editorial e Consultivo InternacionalFabien Lerat (Philharmonie de Paris, França), Henri Bok (Solista Internacional, Holanda), Nuno Pinto (Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, Portugal), Nuno Silva (Escola de Música do Conservatório Nacional, Academia Nacional Superior de Orquestra, Orquestra Metropolitana de Lisboa, Portugal), Paulo Gaspar (Banda da Armada, Portugal)

Associação Brasileira de Clarinetistas – ABCL Biênio 2017 – 2018

Diretoria: Presidente - Sérgio de Meira Albach (Curitiba, PR), Vice-presidente – Guilherme Sampaio Garbosa (Santa Maria, RS), Secretário – Thiago Tavares (Rio de Janeiro, RJ), Segundo Secretário – João Paulo de Araújo (Natal, RN), Tesoureiro – Flávio Ferreira da Silva (Maceió, AL), Segundo tesoureiro – Ney Campos Franco (Belo Horizonte, MG), Diretor de Comunicação – Rafael Nini Junior (Campinas, SP),Conselho Consultivo e Fiscal: Cristiano Siqueira Alves (Rio de Janeiro, RJ), Mario César Borges Marques Junior (São Paulo, SP)Ovanir Luiz Buosi Junior (São Paulo, SP) Representantes Regionais: Centro-oeste –Taís Vilar (DF), Nordeste – Aynara Dilma (João Pessoa, PB), Norte – Gloria Subieta (Manaus, AM), Sudeste – Marcelo Trevisan (Vitória, ES), Sul – Diego Grendene (Porto Alegre, RS)

Projeto Gráfico, design e ilustrações: Marcelo Pitel

UFBA

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM MÚSICA

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO PROFISSIONAL EM MÚSICA

Apoio Institucional

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CLARINETISTAS – ABCL

Sérgio Albach Presidente da ABCL

Diretor Artístico da Orquestra à Base de Sopro de Curitiba do Conservatório de Música Popular Brasileira

A Associação Brasileira de Clarinetistas (ABCL) foi fundada em 1996, no I Encontro Brasi-leiro de Clarinetistas em Brasília, tendo como organizador e realizador o professor de clarine-ta da UNB Ricardo Dourado Freire. Deste marco em diante, vários outros encontros nacionais, regionais e internacionais, foram realizados como já descritos na primeira edição desta revista http://www.revistaclarineta.com.br/edicoes/clarineta-01/, edição esta que marca os 20 anos da ABCL e a fundação da Revista Clarineta. Com isto, a interação de instrumentistas e pro-fessores começou a ganhar um corpo mais objetivo e a vontade de ampliar as ações da comuni-dade clarinetista. No encontro de Poços de Caldas em janeiro do ano passado, foi realizada uma assembleia onde se deu a entrada de uma nova Diretoria que se responsabilizaria para a atuali-zação e cadastro de um novo estatuto, e colocar a Associação mais ativa na vida dos clarinetistas brasileiros que poderão estar participando nas ações da ABCL através de um cadastramento na-cional, sendo aberta para músicos profissionais e estudantes.

Desde a sua posse a um ano e meio atrás, a nova diretoria focou seus esforços na revisão do estatuto, assim como no seu registro em cartório, ganhando um CNPJ e a possibilidade de re-ceber o apoio dos associados e também de outras formas, como o de empresas, por exemplo. Vencida esta batalha no final do mês de junho passado, a ABCL está entrando na fase de abertura das inscrições para a comunidade clarinetista. Tanto maior o número de adesões, mais amplas se tornam as possibilidades de ações desta organização.

Segundo o estatuto, os objetivos da ABCL serão principalmente de cunho cultural, artístico, educacional, científico, social, assistencial, recreativo e representativo, atuando na defesa e pro-moção dos interesses dos clarinetistas, segundo regulamentação estipulada por sua Diretoria, com ação orientada particularmente aos seguintes objetivos:

a) Promover eventos culturais, artísticos, científicos, educacionais e sociais.

b) Promover a edição e publicação de uma revista da área, colaborando com suas despesas.

c) Promover pesquisas e estudos analíticos sobre os clarinetistas, suas condições e relações de trabalho.

d) Promover intercâmbio cultural e profissional.

e) Promover consultoria organizacional que leve à melhora da qualidade de vida no trabalho, situação organizacional, valores e outros.

f ) Promover ações que levem ao bem-estar físico, social e psicológico dos associados.

g) Fomentar o desenvolvimento da performance, do ensino e da pesquisa em todos os ní-veis, modalidades e categorias.

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Diretoria:Presidente: Sérgio Albach (PR)Vice-Presidente: Guilherme Garbosa (RS)Secretário: João Paulo Araújo (RN)Segundo Secretário: Thiago Tavares (RJ)Tesoureiro: Flávio Ferreira (AL)Segundo Tesoureiro: Ney Franco (MG)

Diretor de Comunicação: Rafael Nini (SP)Conselho ConsultivoMário Marques (SP)Ovanir Buosi (SP)Cristiano Alves (RJ)

Comissão EditorialDaniel Oliveira (SP)Diogo Maia (SP)Joel Barbosa (BA)Luis Afonso Montanha (SP)

Monica Lucas (SP)Ricardo Dourado Freire (DF)Vinicius Fraga (MS)

Representantes Regionais da ABCLSul: Diego Grendene (RS)Centro Oeste: Taís Vilar (DF)Sudeste: Marcelo Trevisan (ES)Nordeste: Aynara Dilma (PB)Norte: Glória Subieta (AM)

Para você ter acesso ao estatuto na íntegra, ele está disponível no seguinte endereço:https://drive.google.com/file/d/1_4_7LWBp70XUXW9o_4dwcpa1hRc7lcOL/viewCom isto, gostaríamos de convidar todos os interessados a participar desta nova jornada que

se desenha com muita alegria e vontade de construirmos uma associação com força para perdu-rar por mais 20 anos, unindo a classe em todo o Brasil. Por enquanto temos uma forte represen-tatividade em todas as regiões. Confira a atual equipe da ABCL:

Nesta perspectiva a ABCL possui 22 participantes, mas a Revista Clarineta ainda conta com

um corpo editorial com mais de 40 membros. Confira em: http://www.revistaclarineta.com.br/corpo-editorial/. É muito bom ver esse movimento tão abrangente, com participações de Univer-sidades, Orquestras, Bandas e músicos autônomos. Vale a pena ressaltar que esse é um trabalho filantrópico, como definido no estatuto no Artigo 12 Parágrafo 2: Os membros da Diretoria e do Conselho Fiscal não receberão nenhum tipo de remuneração, de qualquer espécie ou natureza, pelas atividades exercidas na Associação.

Para a realização da sua inscrição, acesse: https://docs.google.com/forms/d/1VdS4b09Cp3GHs6JYF6dATO1Emoe6QfDhj2_wxpWRxnk/edit

Para concluir a afiliação como sócio da ABCL, após preencher a ficha de inscrição, o cadas-trado receberá por e-mail um boleto para a realização do pagamento da anuidade nos valores de R$150,00 para profissionais e R$75,00 para estudantes.

E seja bem-vindo!

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Uma associação nacional de clarinetistas é uma bela forma de homenagear a arte que fazemos todos os dias das nossas vidas!

Permite unir esforços, vontades e sinergias, colocando o bem comum como prioridade máxima ao serviço do clarinete, da sua música e da sua divulgação.

Na APC - Associação Portuguesa do Clarinete temos como lema “juntar um país de clarinetistas!” Acreditamos que tal só possível agregando todos, unindo gerações e nunca esquecendo os mais jovens, porque passa por eles o futuro do nosso instru-mento. Encaramos esta tarefa com um espírito altruísta e grande sentido de missão.

Desejo as maiores felicidades para a ABCL - Associação Brasileira de Clarinetistas!

Nuno PintoPresidente da APC - Associação Portuguesa do Clarinete

Professor de Clarineta da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, Porto, Portugal

A Associação Brasileira de Clarinetistas foi criada em 1996, quando co-nhecíamos muito pouco a maneira como outros clarinetistas brasileiros tocavam, era mais fácil ouvir uma gravação de um clarinetista da Europa do que conhecer o trabalho de outro clarinetista brasileiro. A partir dos Encontros de clarinetistas foi possível conhecer e valorizar o trabalho dos nossos clarinetistas e passar a reconhecer a maneira de tocar uns dos ou-tros. Os encontros permitiram o fortalecimento das afinidades e possibili-taram a admiração entre clarinetistas de todas as partes do país. Foi possível também constatar que nos recitais e concertos, que os músicos brasileiros eram tão bons ou até melhores que os estrangeiros, e isso fortaleceu a con-fiança na nossa maneira de tocar. Gradativamente, as referências deixaram de ser apenas clarinetistas estrangeiros e passaram a ser os colegas brasi-leiros. Conhecer outros clarinetistas permitiu que esteja sendo criada uma identidade coletiva, na qual clarinetistas brasileiros são a principal referên-cia para as novas gerações de clarinetistas brasileiros.

Ricardo Dourado FreireProfessor da UNB

Fundador e ex-presidente da ABCL

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Em minha experiência profissional como clarinetista, a ABCL tem de-sempenhado um papel fundamental. Fui membro regular, vice-presidente e presidente dela. Mais que responsabilidades, estas funções foram privi-légios que transformaram minha atuação profissional e minha vida. Suas dezenas de encontros possibilitaram fazer trocas regulares de experiên-cias e conhecimentos artísticos, didáticos e técnicos; acompanhar a car-reira de colegas; ampliar meus conceitos; qualificar minha performance; aprimorar minha didática; ressignificar minha vida profissional; pensar coletivamente nas questões relacionadas a organização e futuro da clas-se; compreender melhor nossa história, identidade e desafios enquanto clarinetistas de um país tão rico, diverso e diferente dos outros onde o instrumento tem um forte percurso construído e estabelecido. Somos di-ferentes em termos econômicos, sociais, históricos, culturais, educacio-nais e musicais, e isso, certamente, nos diz alguma coisa em termos dos caminhos e projetos que cada um de nós desenha para si mesmo. Através da ABCL tenho conhecido e aprofundado a amizade com colegas do país e do exterior. A Associação tem favorecido um relacionamento e trabalho frequentes com colegas que, na verdade, hoje são grandes amigos. É muito prazeroso porque, além de desenvolver o trabalho cotidiano, sonhamos juntos a clarineta que gostaríamos de ver acontecer no país. Estes sonhos inspiram e movem o motor da emoção e da inteligência. Se tornam proje-tos que, com conversas e trabalho, se transformam em realidades cons-truídas coletivamente. Sozinho vemos e entendemos, ainda que parcial-mente, nossa realidade individual e local. Mas juntos, com os colegas, vemos e compreendemos a realidade do país, a qual amplia a compreen-são e o significado de nossas realidades individuais e singulares. Sozinho idealizamos e construímos nossa casa; juntos, nosso país, nossa nação. Assim, creio que a existência de uma associação é essencial para o cres-cimento e avanço de uma área de conhecimento, principalmente, sendo ela relacionada à arte e a academia. Vejo uma Associação forte que poderá fomentar muitos avanços para a clarineta e clarinetistas de nosso Brasil. Vida longa à ABCL!!!

Joel Barbosa Professor de Clarineta da UFBA

Ex-presidente da ABCL

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Um centenário de mestre: uma homenagem ao legado do clarinetista Lourival Oliveira 1

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Lourival Oliveira (Patos/PB, 1918 – Recife/PE, 2000)“A arte imita a vida” (Aristóteles. Estagira, 384 a.C. — Atenas, 322 a.C.)Hoje, no estudo da performance, é bastante recorrente a observação

de trajetórias de vida de instrumentistas que marcaram suas gerações e, consequentemente, delinearam um perfil profissional para suas vanguardas. Considerando-se o estudo da referida subárea da música como análise do sujeito no desempenho de sua atividade performática, procuro fazer uma relação de suas experiências com o seu contexto sociocultural.

por Jailson Raulino2

1. Este artigo foi aceito para publicação mediante avaliação de pares do corpo editorial, conforme proposta nas normas de submissão de trabalhos da revista Clarineta.

2. Jailson Raulino da Silva é Doutor em Música pela UFBA e professor de clarineta da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). http://lattes.cnpq.br/2528376339259408

Figura 1: Lourival Oliveira com a clarineta. (foto: Arquivo da família)

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O maestro, clarinetista, saxofonista e compositor de frevos Lourival Oliveira, natural de Patos na Paraíba, nasceu em junho de 1918 e faleceu no Recife em junho de 2000. É considerado um dos mais importantes compositores do gênero e no ano de 2018 completaria 100 anos de nascimento.

No relato de vida do maestro Lourival foram encontrados traços comuns que possivelmente identificam fatores de uso, desuso e da prática da clarineta em geral. Dentro desses dados, acredito que as questões sociais como o êxodo rural no contexto demográfico pernambucano, o desenvolvimento urbano do Recife, o regime político, o controle da radiodifusão por parte do estado, a industrialização, a influência do capitalismo americano e a profissionalização do músico como militar foram fatores circunstanciais, porém determinantes no desenvolvimento de sua história de vida e obra. Num rol a parte convém ressaltar seu papel como maestro, clarinetista, saxofonista e compositor.

Observar sua trajetória profissional em uma linha do tempo oferece uma representação visual dos eventos que o levou a desenvolver a construção de um rico legado. Esboça experiências em seu perfil como clarinetista, que denotam uma vivência com maestria, agregando valores e ampliando horizontes em seu campo de atuação. É cabível pensá-lo como instrumento de influência social, assim como na influência de seu contexto em sua produção musical. Foi capaz de idealizar inovações em seu meio, modificando-se, por sua vez, entre si.

Figura 2: Linha do tempo com fatores de influência na formação profissional de Lourival

Em sua linha do tempo estudou música com Luís Benjamim de 1933 a 1937 ainda em Patos. Em 1938 no Recife, ingressou na Banda da Polícia Militar de Pernambuco, dirigida na época pelo Cap. José Lourenço da Silva (Cap. Zuzinha). Em 1940 estudou harmonia com Levino Ferreira e com Horácio Vilela no Conservatório Pernambucano de Música. Em 1945 licenciado da Polícia Militar (a pedido), passou a integrar a Orquestra da Rádio Clube de Pernambuco por onze anos, então dirigida por Nelson Ferreira, atuando como clarinetista, saxofonista e arranjador. Esteve em 1946 no Rio de Janeiro onde participou como clarinetista na Orquestra do Cassino Copacabana. Em 1950 fez seu primeiro frevo, “Frevo a jato”. Foi convidado pelo maestro Vicente Fittipaldi para ingressar na Orquestra

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Sinfônica do Recife como 1º clarinetista em 1953. No ano de 1958 passou a dirigir a Banda Municipal da Cidade do Recife.

Em 1963 saiu da Orquestra Sinfônica do Recife e da Banda Municipal e, no ano seguinte, entrou para a Orquestra da TV Jornal do Comércio de Pernambuco. Entre 1973 e 1974, atuou como clarinetista em música de câmara no Quinteto de Sopros do Prof. Wascyli Simões dos Anjos (oboísta fundador do primeiro Quinteto de Sopros da cidade do Recife). Posteriormente foi primeiro saxofonista e arranjador da Orquestra do Maestro Nelson Ferreira.

Compôs uma série de frevos de rua com nomes dos cangaceiros do bando de Lampião que foram reunidos em LP pela Fábrica de Discos Rozemblit, em 1979: “Lampião” (1960); “Corisco” (1961); “Maria Bonita” (1962); “Volta seca” (1963); “Ponto fino” (1964); “Sabino” (1965); “Pilão deitado” (1966); “Cocada” (1968); “Ventania” (1968); “Jararaca” (1969); “Moitinha” (1979); “Zabelê” (1979) e ainda, dentre outros, a série de frevos dedicados à clarineta a qual trataremos mais adiante. Também teve frevos gravados pela reconhecida gravadora RCA.

Como fonte primária para esse trabalho, ou seja, vida e obra do referido maestro, a entrevista realizada pelo jornalista Hugo Martins com o próprio Lourival Oliveira foi considerada como referência. Ela se deu em 1989 no programa “O tema é frevo” da Radio Universitária FM, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Recife, onde obtivemos assim o áudio dos frevos autorais: Clarinete Infernal (1961), Lágrimas de Clarinete (1962), Brincando com o Clarinete (1963), Sorriso de Clarinete (1964) e Alma de Clarinetista (1976) e ainda outros dados biográficos.

Acredito que os frevos para clarineta foram determinantes no aporte do surgimento de uma estrutura singular do referido gênero musical com dois formatos distintos: o frevo concertante para execução em ambiente fechado (frevo para clarineta) e o frevo-de-rua com solos para clarineta. Na primeira, a clarineta aparece como um instrumento preeminente, numa participação virtuosística e dialogante com a orquestra. A segunda usa a

Figura 3: Imagem da capa do LP 60.118 - “Os Cabras de Lampião”. Fábrica de Disco Rozemblit, 1979

Figura 4: Imagem da contracapa do LP 60.118 - “Os Cabras de Lampião”. Fábrica de Disco Rozemblit, 1979

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clarineta, porém mais frequentemente a requinta, pelo fato da intensidade sonora sobressair dos demais instrumentos, quando executado na rua, desenvolvendo floreio acima da melodia, ou seja, movimento melódico “acrobático” em que se exibe a destreza técnica do instrumentista, numa espécie de contracanto.

Foram encontradas partituras de quatro exemplos deste último, Corisco, Cocada, Maria Bonita e Barão no Frevo, escritos por Lourival e pertencentes a sua série composta em homenagem ao bando de “Lampião”. Nestes a linha da melódica da clarineta (requinta) sobrepõe a melodia principal. Em geral, ela se desenvolve em forma de desenho melódico ágil, transmitindo uma ideia de agitação e movimento sobre a melodia dos saxofones em subdivisões rítmicas, ou seja, em células rítmicas de valores dobrados, ou ainda dialogando com os apoios acentuados do naipe dos metais.

Procurei, portanto, abordar o frevo como produto musical da banda de música. A banda, como agente cultural e/ou como fonte geradora de novos gêneros e formações instrumentais, no contexto do desenvolvimento da cultura pernambucana e suas influências na formação do instrumentista. A observação da presença da clarineta nesse panorama musical foi, especificamente, pelo fato da existência dos frevos para clarineta solo incrementar a história do referido instrumento no Brasil.

A inclusão da clarineta nos estudos sociais, o seu desenvolvimento histórico e sua prática, relacionados, sobretudo, com a cultura popular, visam compreender o instrumentista através das observações da técnica instrumental, estilística, de composições, gravações e literatura. Enfim, buscam identificar fatores que contribuíram para melhoramentos e ampliação da área de atuação dos referidos atores, considerando-se que estudar a performance é observar o conjunto de ações desenvolvidas pelos sujeitos em situações habituais da vida.

Em um contexto de mistura entre gêneros musicais no repertório das bandas de música no Recife foi-se consolidando o que viria ser chamado frevo, denominado em sua origem de “marcha”, posteriormente, de “marcha carnavalesca pernambucana” e “marcha pernambucana” (ARAÚJO, 1996. p. 340). Ainda quanto à etimologia é conhecido de alguns compositores por “marcha-frevo” e, finalmente, “frevo”, atribuindo alguns a uma dislexia do verbo ferver, muito usada em Pernambuco para descrever agitação, confusão e rebuliço, outros apontam “frevo” como corruptela de “fervo”.

O frevo fora criado num momento fortemente caracterizado pela questão da nacionalidade e da identidade cultural, onde não lhe faltaram ações e tentativas de controle por parte do Estado. Pesquisar a música popular urbana é, de certo modo, inserir-se na tradição que constitui a discussão sobre a cultura nacional. O frevo, como música popular, massiva e urbana, carrega em si, embutido na sua intimidade, a questão da identidade em que se vê, depois de significativa negociação, finalmente, promovido a símbolo da coletividade brasileira.

Observo que a profusão desse gênero musical se deu concomitantemente ao desenvolvimento da radiofonia, da indústria de gravação e do cinema. Dessa maneira é vista a participação de músicos, entre eles clarinetistas, na instauração do projeto de urbanização, industrialização e modernização do país. Assim como, ao mesmo tempo são consolidados e legitimados os traços de uma identidade no processo de socialização.

É reconhecida a presença da banda e da clarineta na origem do frevo, da seguinte forma: em 09 de fevereiro de 1907, num anúncio de um baile do Clube Carnavalesco Misto Empalhadores do Feitosa constava no

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programa à ser executado pela orquestra, uma das marchas tendo por título O frevo, conforme descreve Leonardo Dantas (2005. p. 35):

Empalhadores do Feitosa, em sua sede que se acha com uma ornamentação belíssima, fez ontem esse apreciado clube o seu ensaio geral, saindo após em bonita passeata, a fim de buscar o seu estandarte que se acha em casa do Sr. Alfredo Bezerra, sócio emérito do referido clube. O repertório é o seguinte: Marchas – Priminha, Empalhadores, Delícias, Amorosa, O frevo, O sol, Dois Pensamentos e Luís Monte, José de Lyra, Imprensa e Honorários; Árias – José da Luz; Tango – Pimentão. (negrito nosso)

Para o carnaval de 1907 o “Clube Empalhadores do Feitosa” havia contratado como orquestra a primeira fração da Banda da Polícia Militar do Estado.

Conforme o historiador pernambucano Mário Melo, a relação do frevo com as bandas militares, não se resume na oportunidade em que os músicos encontravam para exibir seus talentos e habilidades, através das retretas, desfiles e festas cívicas. Foi com a iniciativa do Capitão José Lourenço da Silva, o maestro Zuzinha, a consolidação do gênero:

Por esse tempo [início do século XX] vindo de Paudalho, onde era mestre de música, estava aqui como regente da banda do 4o Batalhão de Infantaria aquartelado nas Cinco Pontas o Zuzinha, hoje [escrevia em 1938] Capitão José Lourenço da Silva, ensaiador da Brigada Militar. Foi ele quem estabeleceu a linha divisória entre o que depois passou a chamar-se de frevo… (MELO, 1991, p. 150)

Assim como o aparecimento e popularidade da clarineta no Recife estão diretamente relacionados com o desenvolvimento musical da cidade. Quando não pela utilização direta do instrumento nas expressões culturais, sua presença se dá pela atuação efetiva de clarinetistas no contexto musical, ainda que com o saxofone, considerado por vezes, um instrumento auxiliar do profissional, que assumiu o papel da clarineta na orquestração do frevo. De acordo com Valdemar Oliveira (1985, p. 42), “Os ases do frevo surgiram, sempre das bandas, porque as bandas são ricas da matéria prima para a confecção da obra – os metais e as madeiras [...] de onde saem, frequentemente, verdadeiros gênios do frevo”. Dentre os clarinetistas compositores de frevo que atingiram patamares de destaque e que pertenceram a atividades de banda, ressalto o clarinetista Lourival Oliveira.

É notória a importância intrínseca e recíproca da história da clarineta com a história da banda e do frevo em Pernambuco, assim como as gerações de compositores/clarinetistas que foram surgindo e seguindo enriquecendo-se mutuamente. Conclui-se, portanto, que não podem ser estudadas separadamente.

O frevo é considerado, ainda, criação de músicos oriundos de banda de música. Tinhorão (1991, p. 137) declara que seus criadores são: “[...] na sua maioria instrumentistas de bandas militares tocadores de marchas e dobrados.” Ele acrescenta também que “o frevo fixou sua estrutura numa vertiginosa evolução da música das bandas na rua, de inícios da década de 80 do século XIX até aos primeiros anos do século XX” (Idem). Há, portanto uma estreita relação entre clarineta, frevo e banda.

Nesse sentido, esse trabalho procurou uma proximidade, principalmente pela proposta de construir uma observação relacional do clarinetista com os fatos históricos do período e contexto social vivenciado. Esta foi uma característica metodológica em virtude de uma

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operação de mapeamento contextual, isto é, um agir topograficamente em busca das relações que a performatividade exerceu na configuração do objeto em foco, uma vez que a música, cremos, é consequência de todo esse relacionamento, dessa relação dialógica.

Acredito, portanto, que os frevos para clarineta, tendo os primeiros surgidos na década de 1960, vieram como ato de resistência. Devido ao crescente uso do saxofone em detrimento da utilização da clarineta, seus compositores, em geral clarinetistas, procuraram estabelecer uma autoafirmação como instrumentista e ampliar seus espaços de atuação como profissionais da música.

Dentro da situação e dos conceitos de poscolonização encontro também a influência do jazz nos frevos para clarineta. Tal influência justifica-se por uma busca de mascaramento do passado colonial, digo, uma aproximação de elementos de uma cultura similar, de formação colonial e miscigenada, porém mais desenvolvida. Ou seja, a ideia de frevo para clarineta solo com orquestra caracteriza o legado do contato do compositor com as gravações de clarinetistas e big bands, tais como Sidney Bechet, Benny Goodman, Artie Shaw, Woody Herman e ainda do clarinetista pernambucano Severino Araújo.

Esses clarinetistas compositores gravavam suas músicas para clarineta como solistas ou, em frente a suas orquestras. Conseguintemente, suas composições eram transmitidas pelas rádios recifenses (MARTINS, 2007) e possivelmente ouvidas por Lourival e demais instrumentistas. A relação dos clarinetistas brasileiros, recifenses em particular, com o jazz, ocorreu além deste contato por rádio, certamente também por gravações e uso de materiais importados (instrumentos, acessórios, métodos e partituras). É interessante notar também que a clarineta como solista em big bands foi introduzida em outras cenas musicais, por outros clarinetistas naturais da região, dentre eles o pernambucano Severino Araujo com sua Orquestra Tabajara e o potiguar Sebastião de Barros (K-Ximbinho).

O frevo é, portanto, um forte marcador identitário. Isto é, constitui uma produção local e define uma tradição que, embora se modifique, nunca é interrompida. Contém ainda em si ingredientes capazes de gerar momentos de fruição de um sentimento, seja coletivo ou individual, de um povo que busca, intensa e incessantemente, delinear seus traços de identidade. O tipo de frevo estudado, frevo para clarineta solo, apresenta uma linguagem própria, apesar de revelar ingredientes aparentemente comuns aos outros do respectivo gênero.

Numa possibilidade de abordagem musical e técnica-instrumental surge a necessidade de se pensar na aplicabilidade didática de escalas. Mediante a análise dos frevos é possível observar a utilização de escalas modais, sendo importante considerá-las na prática instrumental. Nos frevos Maria Bonita, Corisco e Clarinete Infernal de Lourival Oliveira, por exemplo, na melodia da segunda parte dos trompetes e saxofones tenor, encontramos elementos que já prefiguram o misto do modo lídio com o mixolídio, esboçando o que é considerado “modo nordestino” (quarta maior elevada com sétima abaixada), bastante explorada pelo Movimento Armorial3. Nesse sentido acrescentou ainda Lourival em entrevista: “É uma mistura de modalismo nordestino com tonalismo tradicional”.

Em análise de traços de nacionalidade, Alvarenga (1950, p. 225-235), estudando a obra de C. Guarnieri, esboça dentre os elementos determinantes, fragmentos melódicos permeados de inflexões modais. O entrelaçamento de modos é uma ocorrência peculiar na música nordestina como padrão escalar, gerando um modo híbrido, segundo Alvarenga (p.

3. O Movimento Armorial surgiu sob a inspiração e direção de Ariano Suassu-na, com a colaboração de um grupo de artistas e escritores da região Nordeste

do Brasil. Ganhou proporções no âmbito externo ao meio acadêmico através do

apoio da Prefeitura do Recife, da Secreta-ria de Educação do Estado de Pernam-

buco e do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de

Pernambuco, quando foi lançado oficial-mente, no Recife, no dia 18 de outubro de 1970. “A Arte Armorial Brasileira é aquela

que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos folhe-tos do Romanceiro Popular do Nordeste

- Literatura de Cordel, com a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus cantares, e com a Xilogravura que

ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das artes e espetáculos populares com esse mesmo romanceiro

relacionados.” (SUASSUNA, 1975).

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193). Segundo ele, “Bártok na Europa central já havia detectado e recolhido formações escalares semelhantes” (p. 233), assim como Debussy de maneira análoga fez uso de tal processo de elaboração.

Figura 5: Exemplo de escala no Modo híbrido.

Escala estrutural do trecho acima em si bemol.Portanto, acredito que a execução e divulgação desse repertório, assim

como avaliação e análise crítica desse material, certamente despertará a atenção para um número mais abrangente de trabalhos que poderão contribuir para uma maior amplitude deste campo de conhecimento.

Contudo, passados cem anos de contribuições de grandes mestres e mais de cem anos do frevo, a presença da clarineta tem sido constante, ainda que oscilantemente, com uma linguagem idiomática e peculiar ao instrumento.

Fotografia 6: Nelson Ferreira e sua Orquestra.

Nota-se a presença de Lourival Oliveira como saxofonista ao centro. (foto: Arquivo pessoal do maestro José Menezes).

Como fenômeno social, Lourival Oliveira foi enfático em defender causas próprias. Segundo ele, teve o intuito de homenagear seu instrumento, a clarineta, com uma série de frevos. Também o fez com o “cangaço” - Movimento de lutas sociais (1918 a 1940), liderado por Virgulino Ferreira da Silva (1897-1938), vulgo “Lampião”, movimento este que se processou no sertão nordestino, mais precisamente entre os estados de Alagoas, Pernambuco, Bahia, Rio G. do Norte e Paraíba. Compôs para este fim uma série de frevos com o nome, segundo ele, dos “cabras” (cangaceiros) de Lampião.

Sua contribuição ao frevo é notória ainda hoje, quando seus frevos se fazem presentes em trabalhos como o segundo volume do disco Nove de Novembro de Antônio Nóbrega e no DVD Nove de Fevereiro de Antônio Nóbrega, ambos em homenagem ao centenário do frevo, de 2006 e

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2008, respectivamente. Esta contribuição também se estende ao atual universo da clarineta brasileira ao identificar o arranjo de um destes frevos (Brincando com o Clarinete), feito pelo clarinetista Luca Raele e gravado por Nóbrega e Sujeito a Guincho, quinteto de clarinetistas internacionalmente reconhecido. Recentemente foram identificados mais dois frevos inéditos (Por que choras clarinete e Debulhando o Clarinete) do “Mestre Louro”, através do projeto “100 Anos de Lourival Oliveira”, projeto idealizado pelo arquiteto e neto do músico, Gustavo Rocha, que visa difundir a obra do maestro em digitalização e disponibilização do acervo pessoal da família com fotos, documentos e prêmios do maestro, além de partituras inéditas.A homenagem ao cangaço, a mistura do modalismo (ligado à tradição musical rural do Nordeste) com o tonalismo do frevo (urbano), e a colocação da clarineta em posição de destaque (solista) na orquestra de frevo, como nas big bands estadunidenses e quando esta perdia espaço no gênero pernambucano, ajudam a compreender quem era Lourival Oliveira. Estes aspectos indicam suas convicções das questões sociais e culturais de seu tempo, principalmente, as de resistência e, por meio de sua arte de clarinetista e compositor, deu voz aos seus posicionamentos e pensamentos. Assim, ele procurou estabelecer, reforçar e valorizar o espaço e a presença da clarineta no cenário musical pernambucano através de contribuições em todos os aspectos sociais, históricos e performativos a que esteve associado.

Referências BibliográficasLivros, revistas, teses e dissertaçõesALVARENGA, Oneyda. Música popular brasileira. 2a edição. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1950.

ARAÚJO, R. de C. B. de. Festa: máscaras do tempo: entrudo, mascarada e frevo no carnaval do Recife. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1996.

BINDER, Fernando. “Charamelas, caixas e trombetas: histórias da música luso-brasileira que atravessaram o atlântico”. In: Eurídice: Boletim da Banda do Exército Português. Lisboa: Regimento de Artilharia Antiaérea, 2006. Nº 1, B. Nº 3 – I Série. Pp. 23-25.

DINIZ, Jaime C. “O Recife e sua música”. In: Um tempo do Recife. Recife: Editora Universitária (UFPE), 1978. Pp. 39-77.

DODERER, Gerhard. “A constituição da Banda Real na Corte Joanina, 1721-24”. In: Eurídice: Boletim da Banda do Exército Português. Lisboa: Regimento de Artilharia Antiaérea, 2005. Nº 1. B. Nº 2 – I Série. Pp. 19-23.

MELO, Mário. “Origem e Significado do Frevo”. In: Anuário de Carnaval Pernambucano. Recife, 1991.

OLIVEIRA, Valdemar. Frevo, Capoeira e Passo. 2a Edição. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1985.

SILVA, Jailson Raulino da. “Choro: uma expressão genuinamente brasilei-ra”. Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas. Salvador: Ed. Joel Luís Barbosa. GrafUFBA. 2000.Vol. I.

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DANTAS, Leonardo. Bandas musicais de Pernambuco: origens e repertório. Recife: Governo do Estado de Pernambuco, Secretaria do Trabalho e Ação Social – FAT, 1998.

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________. Holandeses em Pernambuco 1630-1654. Recife: RR Donnelley Mo-ore, 2005.

TINHORÃO, José Ramos. Os sons do Brasil: trajetória da música instru-mental. São Paulo: SESC, 1991.

Referências Eletrônicas

Bit.ly/LourivalOliveira

http://antonionobrega.com.br/site/txt-nove-de-frevereiro/

http://www.dicionariompb.com.br/lourival-oliveira/dados-artisticos

http://digitalizacao.fundaj.gov.br/fundaj/

http://immub.org/compositor/lourival-oliveira

https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-711645558-cd-antonio-nobre-ga-nove-de-frevereiro-vol-2-_JM

http://www.pernambuco.com/diario/2003/09/29/especialholande-sesf134_0.html

Discografia

MARTINS, Hugo. “O tema é frevo: Compilação de frevos para clarineta de Lourival Oliveira”. Recife: Radio Universitária FM, p Fev. 1989. UFPE. (Pro-grama de rádio).

OLIVEIRA, Lourival. “Clarinete Infernal”. Na Onda do Frevo. RCA Vitor, p 1961.

_________ . “Lágrimas de Clarinete”. Frevo 40 Graus. RCA Vitor, p 1962. BBL 1159.

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_________. “Alma de Clarinetista”. Carnaval Temperatura. Dó-Ré-Mí Som, p 1976. LPP- 0068. RU- 20.109.

_________ . “Os Cabras de Lampião”. Fábrica Rozemblit, 1979. LP 60.118.

PERNAMBUCO, Banda da Polícia Militar de. “O Tema é Frevo – Ano 10”. Produção e Coordenação: Martins, Hugo e Samuel Valente. Volume 01. Re-cife: CEMCAPE e Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2007. CD s/n.

RAULINO, Jailson. “Clarinete Infernal”; “Lágrimas de Clarinete”; “Brin-cando com o Clarinete”; “Sorriso de Clarinete”; “Alma de Clarinetista”; “Corisco”; “Clarinete Alegre”; “Eliel, sopro de mel”; “Agostinho soprando no pau preto”; “Mestre Louro”. 2008. CD compilado.

Fontes Orais (Entrevistas)

MARTINS, Hugo. [21 de fevereiro de 2007]. Entrevistador: J. Raulino. Con-cedida na Rádio Universitária FM, Recife, 2007.

OLIVEIRA, Lourival. [fev. de 1989]. Entrevistador: H. Martins. Programa “O tema é frevo”. Recife: Radio Universitária FM. UFPE, 1989.

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T udo tem seu tempo. Enfim chegou o meu de escrever sobre um tema que acompa-nha minhas longas e complexas reflexões

há quase 20 anos. Aquelas perguntas sem respostas definitivas

como:“O que o clarinetista deve fazer? Defen-

der seu pescoço elevando o instrumento e provocando incômodos de toda sorte em sua mão direita; ou defender a mão direita, abaixando o instrumento e colocando o seu pescoço em sofrimento?”

Pergunto-me sempre o porquê de eu não ouvir

falar sobre essa questão específica a não ser em mi-nha prática clínica fisioterapêutica no consultório desde em torno de 1996. Pergunto-me também se serão somente os meus pacientes e ex-alunos os que reclamam dessa situação e se há algum clarine-tista que conseguiu resolver bem essa equação sem sequelas físicas ou de gasto de energia exagerado.

E a partir disso, mais uma pergunta me persegue: por que os clarinetistas não usam correia? Nunca obtive uma resposta que satisfizesse minha mente de pesquisadora e de fisioterapeuta de clari-netistas muito machucados que buscam tratamento.

Questões também como - por que os clarine-

Carolina Valverde

“Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come”

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A Clarineta Convida

Membro fundadora do EXERSER - Núcleo de Atenção Integral à Saúde do Músico. [email protected]

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tistas elevam e/ou tensionam tanto os dedos no momento da performance, já que o movi-mento deveria ser somente de flexão e não de extensão ou perda de arco - vêm fazendo parte de minhas reflexões e pesquisas.

E agora, através deste periódico sério e dirigido especificamente para clarinetistas, penso ser o me-lhor lugar para iniciar um processo de compartilha-mento destas e outras questões.

Vocês podem se perguntar sobre o motivo pelo qual uma fisioterapeuta de músicos traz, com tanta ênfase, questões específicas sobre a prática da cla-rineta. Vou contar como tudo começou. Além de compositora e percussionista, sou saxofonista. Ini-ciei meus estudos com o saxofone alto.

Após uns nove anos de experiência com esse instrumento apareceu uma oportunidade exce-lente e adquiri um saxofone soprano reto. Fiquei encantada com o timbre, porém logo começaram minhas percepções e inquietações em relação ao uso do meu corpo durante a performance com ele.

Como fisioterapeuta especializada em “Saúde do Músico”, eu não poderia ficar satisfeita em fazer um esforço de me adaptar apesar de incômodos corporais. Não seria coerente eu negar que, apesar da música linda que eu estava produzindo, meu corpo estava sendo extremamente sobrecarregado. Isso não fazia sentido algum e por isso comecei mi-nha via sacra de tentativas de adaptações biomecâ-nicas e ergonométricas.

Comecei, é claro, pela escolha de uma boa cor-reia que pudesse aliviar o peso do instrumento so-bre minha mão direita. Não foi o suficiente. Depois disso, busquei alternativas biomecânicas tentando achar o melhor ângulo da mão direita, juntamente com a busca de estudar o quanto eu poderia abaixar minha cabeça para proteger meu braço direito, sem que me desse problemas na coluna cervical e sem que atrapalhasse a minha embocadura. Não conse-gui encontrar. Ora doía a mão, ora o pescoço.

Após essas tentativas frustradas, encontrei uma artista que confeccionou um apoio para que eu, sentada, pudesse apoiar a campana do saxofone e me mantivesse com a cabeça em cima do pescoço, da forma mais confortável e fisiológica possível. Isso foi sensacional. Podia me ocupar com minha música tendo a certeza de que não estava me lesan-do. Porém surgiu uma questão: como eu faria nas performances públicas? Só tocaria sentada e com o apoio? Se eu estudasse assim, quando quisesse tocar de pé, teria resistência física para usar meu corpo de uma forma que não era como eu estava treinando? Outras perguntas surgiram e foi ficando

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mais penoso e inconveniente do que satisfatório, tocar meu instrumento.

Enquanto isso, clarinetistas chegavam (e che-gam) ao consultório em estado muito grave, comple-tamente impossibilitados de continuar a atividade musical por causa de incômodos físicos relaciona-dos à performance da clarineta. Comecei a observar que os problemas eram bastante parecidos com os meus por causa da forma do instrumento e da ma-neira que são tocados. Bom, meu caso foi resolvido. Decidi com muita clareza que não queria nem abrir mão do timbre e nem abrir mão da minha saúde. Mi-nha saída foi relativamente simples: vendi meu saxo-fone reto e adquiri um soprano curvo. Pronto! Tudo resolvido para mim. Feliz e sem dores até hoje.

Mas...e meus pacientes e alunos clarinetistas da época? E eu como fisioterapeuta de músicos? Como resolver essa questão junto com eles? Eu sou saxofo-nista. Eles eram clarinetistas e não há clarineta curva!

Comecei a observar também quais eram os ou-tros elementos que poderiam desfavorecer uma performance fisicamente saudável. Encontrei vá-rios fatores, que são pertinentes a todos os músicos em geral, mas que quando somadas às dificuldades específicas da prática clarinetística poderiam estar somando problemas. A partir daí, já que não havia encontrado uma solução definitiva com base na cinesiologia e na biomecânica, iniciei testes com meus pacientes no sentido de buscar melhorar to-das as áreas ligadas à vida deles. Esse assunto cabe muito bem nesse artigo, já que são bons parâmetros de saúde para esses “atletas da música”.

Iniciei o processo de trabalho com os clarinetis-tas a partir de um pensamento de “compensação positiva”, ou seja, trabalhar o possível para evitar piores consequências que o “impossível” poderia estar causando. Comecei a indicar cuidados e mu-danças de atitudes em relação à alimentação, ao sono, à atividade física, às relações pessoais e de trabalho, ao tempo de estudo e pausa, ao hábito de aquecimento e alongamentos bem orientados, en-fim, a tudo o que poderia fornecer elementos sau-dáveis. Percebi com isso que os músicos passaram a lidar melhor com seus incômodos físicos, porém eles não eram totalmente resolvidos, já que a causa deles se mantinha intacta. Como se fosse alguém alérgico vivendo na poeira.

Neste momento do artigo, você, clarinetista pode estar pensando: “Nossa, que horror, não tem jeito pra mim.” Calma, vamos continuar com olhos otimistas no sentido de usar as informações e o conhecimento a favor de nossa saúde e performance musical.

Vamos olhar para quatro de muitas questões

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anatômicas e biomecânicas que podem iluminar a compreensão do aparecimento de sintomas corpo-rais relacionados à prática da clarineta. Pensemos que isso pode representar os quatros pés de uma mesa para facilitar o processo.

Para este artigo escolhi padrões corporais que podem interferir no bom ou no mau funcionamen-to do corpo do clarinetista relacionados à cabeça, pescoço e membros superiores. Um e-book já está sendo escrito com padrões corporais e queixas pos-síveis por todo o corpo do clarinetista. Aguardem!

Qual a importância da cabeça estar bem posicionada? O que isso tem a ver com o pes-coço? Existem relações da posição da cabeça com os braços?

Os nervos que estimulam os movimentos e dão

de sustentação pode levar a questões relacionadas aos tecidos moles, sabemos que da verticalidade e do bom posicionamento da cabeça dependem fun-ções vitais como: a fonação e a respiração através da adequada abertura das vias respiratórias superiores – o que é de extrema importância para os clarine-tistas -, a circulação craniana, o equilíbrio ocular, o bom funcionamento das sístoles e diástoles dos hemisférios cerebrais, a percepção auditiva, os mo-vimentos mandibulares, entre outros.

A protusão de cabeça coloca os músculos do pescoço em posicionamento de estiramento e ten-são. Assim, perdem seu comprimento fisiológico sofrendo baixa de nutrição sanguínea e nervosa, causando dor. Além disso, retira as articulações da coluna cervical do posicionamento funcional e faz com que o material intra-articular e o disco intervertebral sejam deslocados posteriormente, indo de encontro aos nervos que descem para os membros superiores. Então, quando posicionamos nossa cabeça para baixo e ficamos muito tempo ou a deixamos como uma cabeça “de pato”, projetada para frente, os nervos podem ser bloqueados na sua origem, o que faz com que as estruturas até os de-dos trabalhem sem o fluxo neural livre e abundante o suficiente. O que pode acontecer com o passar do tempo é que, tendões, ligamentos, fáscias, múscu-los, enfim, os agentes dos movimentos, trabalhem na sobrecarga, como se fosse um carro sem óleo e sem combustível, levando ao desgaste e também à dor. E isso tudo ainda sustentando a clarineta na mão direita e usando os dedos em movimentos pre-cisos, independentes, repetitivos e às vezes rapida-mente.

Além dos prejuízos para a região distal, ou seja, braços e mãos, a coluna cervical é extremamente sobrecarrega, podendo desenvolver lesões e distúr-bios mecânicos localizados.

Por que os ombros devem permanecer re-laxados e não elevados durante a performan-ce musical? O que isso tem a ver com os mem-bros superiores?

Quando os braços começam a entrar em fadiga pela sustentação isométrica (com tensão e sem mo-vimento) da clarineta, os ombros começam a entrar em atitude compensatória e acabam por ficar ele-vados, para ajudar nessa sustentação. Essa pode ser mais uma das causas de sintomas de alguns clarine-tistas, desde os ombros, aos dedos; afinal, os nervos que saem da coluna cervical, passam pelos músculos dos ombros e do peito até chegarem aos dedos.

Devido a essa elevação dos ombros, pode ocor-rer encurtamento por sobrecarga de sustentação

sensibilidade aos braços, punhos, mãos e dedos têm origem na coluna cervical.

De acordo com BIENFAIT (1995), o equilíbrio da cabeça é a parte mais essencial do equilíbrio estáti-co, ou seja, referente aos músculos e estruturas que sustentam o corpo contra a gravidade. Além do mau posicionamento da cabeça, que a partir da tensão

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de um dos músculos responsáveis pela elevação do ombro, o trapézio - parte superior. Além disso, pode ocorrer a substituição de fibras musculares por tecido cicatricial fibroso denso (SALTER, 1985), tornando o músculo menos elástico e, por sua vez, comprometendo o funcionamento dos grupos musculares e das fáscias a ele ligados.

A elevação do ombro, principalmente o direito

As mãos, em atitude de relaxamento, possuem seus arcos muito bem construídos em todas as di-reções. Temos receptores nervosos periféricos nos tendões, fáscias, ligamentos, músculos que nos “avi-sam” quando há algum “perigo” que poderia atra-palhar esse incrível sistema que é a mão humana. Quando o clarinetista faz muitos movimentos rápi-dos e repetitivos com os dedos e, às vezes bruscos, de extensão ou que levam a uma tensão excessiva, a mão percebe tais movimentos como perigosos e ten-de a se contrair para se proteger.

Além disso, mais uma vez, as várias articulações das mãos vão atuar fora de um posicionamento cen-trado e adequado o que pode causar, além de outros problemas, pequenas obstruções articulares.

E uma última questão, não menos importante e que também não se trata de uma finalização dessas reflexões, a não ser nesse artigo, é em relação ao enor-me gasto de energia cinética causando movimentos não funcionais, ou “parasitários”. É importante o cla-rinetista se observar enquanto toca e perceber quais são os movimentos, as contrações de sustentação ou de movimento realmente necessários ao que ele pre-tender para cada nota soada.

O que desejamos quando pensamos em uma boa experiência durante uma performance pode se resu-mir em: consciência do uso do corpo para um menor gasto energético e melhor resultado sonoro.

Trapézio

ocorre, muitas vezes, pela falta de estabilidade da cintura escapular. O braço cansa e o trapézio entra em ação compensatória. Ao invés de utilizarmos os músculos que realizam os movimentos da articula-ção glenoumeral, eles acabam sobrecarregando os músculos responsáveis pela articulação escapulo-torácica.

Como o trapézio está inserido no ligamento da nuca, além de retirar o ombro da posição adequada, pode provocar pequenas mudanças de posição das vértebras cervicais, caso haja alguma instabilidade ou desequilíbrio nesta região.

Qual é o problema de tocar com os dedos tensos e/ou mais esticados do que o necessá-rio? Como isso pode causar problemas me-cânicos nas mãos e dedos?

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E por fim, o que acontece na mão direita por sustentar tanto tempo a clarineta? Por que o polegar e punho acabam doendo tanto?

Penso que só de olhar para essas imagens qual-quer um pode imaginar a sobrecarga que as estru-turas do punho e da mão estão sofrendo. Podemos observar as contrações dos músculos e tendões e o mau posicionamento das articulações envolvidas.

Um fato importante a ser discutido é a relação anatômica do arco da mão que liga o polegar ao dedo mínimo. Como o polegar, além de estar preso, ainda está sustentando o instrumento, isso faz com que a liberdade e agilidade do dedo mínimo fique bastante prejudicada, assim como dos outros de-dos. Imagine bem: o clarinetista trabalha com o ob-jetivo de adquirir velocidade, liberdade e precisão nos dedos e por isso precisa fazer um esforço enor-me para que isso aconteça, já que anatomicamente a mão está ocupada na sustentação do instrumento. Paradoxal, não?

Além das estruturas do antebraço, do punho, da mão e dos dedos ficarem sobrecarregadas com o es-forço de contração constante para a sustentação do instrumento, o que leva a uma diminuição de nutri-ção sanguínea e consequente micro lesões, essa si-tuação dura por muitas e muitas horas durante um dia de estudo, performance pública, aulas ou en-

saios. O corpo precisa de cuidados e de descanso!Concluindo brevemente, podemos chegar à

conclusão de que o clarinetista precisa realmente de conhecimento, além dos musicais e também de consciência do uso do seu corpo durante a sua vida de performance musical, para que esta seja longeva e com qualidade de saúde.

Como o leigo ou alguns músicos podem imagi-nar o contrário, é bom destacar que: tocar clarineta é um ato complexo e cheio de detalhes, e por isso demanda atenção, técnica e muito esforço.

A ideia de que os músicos adoecem menos que os outros trabalhadores porque é feliz com o que faz já caiu por terra faz tempo dentro do universo dos pes-quisadores e trabalhadores da “Saúde do Músico”. Porém, dentro do universo musical e para o público em geral, esse mito ainda faz parte de suas percepções fantasiosas. Infelizmente muitos músicos se acham seres especiais e acreditam, por outro lado, que doer pra tocar é normal. Inclusive muitos acham que se não dói é porque não está estudando o suficiente.

Fato é que todas essas visões, muito fora da re-alidade vigente, dificulta a clareza do problema e afasta os músicos das informações necessárias à manutenção da própria saúde. Ações de promoção de saúde como a que essa revista está propondo torna-se sem dúvida um possível remédio para a cegueira que gira em torno deste assunto tão pouco abordado.

Espero sinceramente que estas informações sejam úteis e que faça bom proveito de sua vida de clarinetista.

Quantos clarinetistas sentem dor e medo de dizer que sentem?

Deixo essa pergunta para sua reflexão!

Notas de fim

1. Dedo para baixo em direção à clarineta.2. Dedo para cima, para longe da clarineta..3. Arcos anatômicos das mãos (em flexão).4. Mecânica da Física aplicada aos seres humanos.5. Da Ergonomia – adaptação do posto de trabalho ao trabalhador.6. A família das clarinetas é extensa e dentre seus con-gêneres podemos encontrar, por exemplo, a clarineta alto em Eb e o basset horn em F que utilizam tudel e são curvos, entretanto o foco do artigo é a clarineta soprano que utiliza barrilhete e é reta.7. Estudo do movimento.8. Pescoço.9. Manutenção do corpo contra a gravidade.10. Músculos, tendões, ligamentos, nervos, fáscias...11. Referente ao funcionamento cerebral.

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12. Cabeça projetada para frente.13. Fica entre as vértebras, estrutura amortecedora.14. Braços, mãos, dedos.15. Ligam osso no osso.16. Ou tecido conjuntivo. Tecido de conecção entre estru-turas do corpo e que recobre muitas delas.17. Articulação do ombro.18. Articulação entre a escápula e as costelas.19. Relacionado ao movimento.

Referências Bibliográficas:BIENFAIT, M. Fisiologia da Terapia Manual. Tradu-ção de Ângela Santos. São Paulo: Summus. Phisiolo-gie de la Thérapie Manuelle. 1989.

SALTER, R. Distúrbio e lesões do sistema músculo-es-quelético. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1985.

SOBOTTA, J. Atlas de Anatomia Humana. 19 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,1990.

http://dorcronica10.blogspot.com.br/2014/

http://marcotuliosette.site.med.br/index.asp?Page-Name=Doen-E7as-20da-20Coluna-20Cervical

http://www.sorortopedia.com.br/site/tratamentos/lesao-traumatica-plexo-braquial/

https://www.sanganxa.com/pt/blogue/Les%-C3%A3o-que-me-d%C3%B3i-de-un-clarinetista/

E-books da Carolina ValverdePERFORMANCE MUSICAL - Questões biomecâni-

cas específicashttps://www.saxevolution.com/carolina-valver-de-ebooktambém em inglês:MUSICAL PERFORMANCE – Specifc biomechani-cal issueshttps://pages.hotmart.com/i7474141l/musical-per-formance-specific-biomechanical-issues/também em espanhol:MUSICAL PERFORMANCE - Cuestiones biomecâ-nicas específicashttps://pages.hotmart.com/w7628075k/violinista--e-violista-da-cabeca-aos-pes-um-olhar-fisiotera-peutico-especializado/

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- Elimina o desconforto causado pelos dentes nos lábios.

- Alivia o cansaço dos músculos da face.

- Possibilita tocar mais horas diárias.

- Previne a mobilidade dos dentes de apoio, pois distribui

o peso do instrumento com os dentes vizinhos.

- Evita a passagem de ar entre os dentes, possibilitando

o melhor aproveitamento do ar soprado. o melhor aproveitamento do ar soprado.

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IntroduçãoEsta seção da revista tem se dedicado a descre-

ver o panorama contemporâneo de temas relacio-nados à clarineta no Brasil, considerando seus as-pectos históricos e da atualidade, com a finalidade de compreender a área deste instrumento no país. Nos números anteriores foram abordados temas como: “Os encontros de clarinetistas”; “A clarineta nas instituições de ensino superior” e “A formação de clarinetistas brasileiros no exterior”. O objetivo tem sido contribuir com informações significativas visando dar subsídios para a elaboração de futuros projetos, tanto individuais como coletivos, da clas-se clarinetista. Este número tem como foco o pano-rama atual da produção de conhecimento sobre a clarineta no país. O texto trata, inicialmente, sobre a importância da produção deste conhecimento, dos registros dos mesmos e da apropriação dos resulta-

dos das pesquisas, depois, discorre sobre os tópicos que tem sido pesquisados e da formação do clarine-tista/pesquisador brasileiro e, finalmente, faz refle-xões sobre estes aspectos.

A produção de conhecimento de uma área é es-sencial para seus profissionais compreenderem o que ela de fato é e quem são eles dentro de sua re-alidade local e no panorama mundial oferecendo dados para diagnosticar suas qualidades e entraves. Assim, ela permite que se tenha um olhar mais fun-damentado e atento para perceber as característi-cas e desdobramentos dessa área, com os seus dife-rentes aspectos e contextos.

Em relação à clarineta no Brasil, a produção de conhecimento é essencial para se entender a ori-gem da área no país, o que ela tem sido e como está. Precisamos saber quem somos nós, como clarineta do Brasil, dentro da paleta da clarineta do mundo,

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A Produção de Conhecimento

sobre a Clarineta no Brasil

Texto: Guilherme Sampaio Garbosa1 , Joel Luís Barbosa2 e Vinicius de Sousa Fraga3

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ou seja, que “cores” e “nuances” temos que contri-buem e trazem valores, diversidade, beleza e alegria para a clarineta mundial. Temos uma identidade clarinetista própria, com características autorais e internacionais - uma clarineta com toque bra-sileiro? Ou nosso perfil é predominado por traços dos colonizadores culturais, cópias opacas de ou-tras clarinetas do mundo? Quando não sabemos quem somos, corremos o risco de nos perder. A produção de conhecimento permite ver nossas características peculiares e valorizá-las, quando assim entendemos, ajudando-nos a escolher o que queremos ser e a definir estratégias para o futuro. O repertório que tocamos, a maneira como toca-mos, o jeito como ensinamos, e os instrumentos e acessórios que fabricamos ou usamos, relaciona-dos à nossa história e cultura musical, determinam quem somos e quem é cada um de nós. Contudo, para conhecer a si mesmo em sua completude, é preciso conhecer os outros, as diversas clarinetas do mundo, a clarineta da música de concerto, da música de banda, do jazz, do klezmer, das músicas tradicionais gregas e turcas etc. Se não estudarmos a nós mesmos, certamente, ninguém nos estudará e jamais nos compreenderemos.

A Importância da PesquisaO mundo atual da clarineta desfruta de muitos

avanços da pesquisa que facilitam, impulsionam e ampliam a qualidade da atuação do estudante e do profissional. Entre eles estão, por exemplo, a internet, os aparelhos eletrônicos e os softwares que possibilitam trabalhar questões de afinação, andamento e compasso; fazer, editar e ouvir gra-vações; digitalizar partituras e documentos; e ter acesso a bibliotecas de outros países. Tudo isso é possível sem sair de casa, com microcomputa-dores, tablets e celulares. Outros avanços estão diretamente ligados à qualidade da fabricação de instrumentos, boquilhas, palhetas e abraçadeiras. A pesquisa gera a tecnologia e esta impacta dire-tamente a área, quando se faz um uso inteligente dela. No entanto, apesar de muitos desses aspec-tos da pesquisa estarem presentes na atividade diária do clarinetista, eles podem passar, muitas vezes, quase que desapercebidos.

Na verdade, para o clarinetista que dedica horas do seu dia praticando, debruçado sobre o reper-tório do instrumento, fazendo aulas e escolhendo materiais, em busca de uma técnica, sonoridade e performance que melhor o expresse, pode parecer estranho que alguém lhe fale sobre a necessidade da pesquisa no instrumento, especialmente se isso

indicar que aquilo que ele faz pode não se encai-xar nessa categoria. Assim, algumas das pergun-tas inevitáveis que podem surgir são: gastar meu tempo lendo não me faz perder horas importantes de estudo no instrumento? Eu preciso disso para tocar bem? Qual a utilidade de um achado teórico para minha atividade prática? Para que serve a pes-quisa, afinal?

Estas indagações merecem algumas considera-ções. Para o performer, a sensibilidade, a intuição e a abstração são ferramentas essenciais para a cons-trução do saber artístico. No entanto, sabemos que nossa percepção pode nos enganar e que nossos sentidos tem um alcance muito limitado para nos ajudar a entender completamente o que nos cerca. Para a construção de um conhecimento mais uni-versal que seja válido para além de um indivíduo, eles não são ferramentas apropriadas. Neste sen-tido, a estruturação de uma formação mais sólida e plena do intérprete inclui também vários outros requisitos que são indispensáveis e que agregam valores no seu desenvolvimento. Vamos refletir um pouco mais sobre este tema.

Tome o conselho tradicional que diz quando não estamos conseguindo realizar alguma coisa no instrumento, devemos estudá-lo mais. Poucas pes-soas discordariam que o estudo é imprescindível, pois o conselho não está errado. Contudo, muitos associam o verbo estudar apenas a praticar o instru-mento e não ao seu sentido completo.

A definição de “estudar” abrange tanto o aspecto prático como teórico. Entre as definições de “estu-dar” no dicionário Priberam estão tanto “Ensaiar pre-viamente para ter uma noção do efeito” como “Anali-sar atentamente para compreender ou conhecer.”4 A palavra estudo é, inclusive, utilizada como sinônimo para se referir à uma pesquisa científica. Assim, há uma diferença entre estudar apenas o instrumento e estudar também esta “alguma coisa” (o objeto do estudo) que não está sendo possível realizar no ins-trumento ou o que esteja dificultando sua realização. Ela pode ser, digamos, tanto uma passagem musical como um procedimento técnico. Há a necessidade de se detectar o problema e traçar um plano de estu-do (uma metodologia de pesquisa) para solucioná--lo. Isso pode ser feito, em muitos casos, por meio de perguntas e hipóteses e, além disso, a reflexão crítica é básica no processo de estudo. Paulo Freire diz que (1996, p. 39) “é pensando criticamente na prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” e aponta, ainda, que “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria/prática (idem, p. 12).” 5

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Quando o assunto é uma visão criativa e de livre expressão, um estudo amplo realizado através de uma série de pesquisas realizadas pelo Centro de Pesquisa para a Performance Musical como Práti-ca Criativa (CMPCP na sigla original), com sede na Inglaterra, sugere perspectivas valiosas para a per-formance musical. Ao dividir a atividade criativa em eventos na prática diária dos instrumentistas, eles encontraram evidências de que os momentos mais criativos dos estudantes não ocorrem quando tocam o instrumento, mas sim quando cantarolam a música, batem o ritmo com o corpo ou em uma mesa e até regem a si mesmos em silêncio (BROWN, 2013). Ou seja, um certo afastamento da atividade de estudo do instrumento pode ser benéfico para permitir novas possibilidades desse estudo.

Outra pesquisa realizada diz respeito às conhe-cidas escolas alemã e francesa de clarineta, com instrumentos e sonoridades características de cada uma. Se há de fato uma diferença importante en-tre elas em termos de sonoridade, deveríamos ser plenamente capazes de discernir entre elas mesmo sem saber quem está tocando o quê, certo? Bom, não é bem assim. Em síntese, uma pesquisa enge-nhosa feita por Stephanie Angloher (ANGLOHER, 2007) selecionou extratos de obras tradicional-mente associadas às tradições alemã (Mozart, Brahms e Weber) e francesa (Debussy e Stravinsky). As gravações selecionadas eram de performers das duas escolas, com ambos os sistemas e (aqui um ponto importante) sem dizer aos ouvintes quem tocava a obra. Assim, a obra de Brahms era tocada nas clarinetas alemã e francesa sem que o ouvinte pesquisado soubesse qual. O resultado indicou que os envolvidos na pesquisa não foram capazes de discernir objetivamente entre uma sonoridade ale-mã ou francesa. Isso pode ser, segundo Angloher, um indício que no mundo atual, essa diferença de sonoridade seja muito mais conceitual que prática.

Claro, pode-se discordar dos resultados destas duas pesquisas, contudo não há como negar que eles emanam não de uma percepção individual, mas de um coletivo de experiências realizadas com critérios e independência tanto quanto seja possí-vel em cada caso. Uma forma de ver essas iniciativas é de que seus resultados são irrelevantes quando realizadas por teóricos da música e não por perfor-mers, mas essa é uma forma contraproducente de se pensar. Isso porque pesquisas são como perfor-mances: algumas são razoáveis, outras muito boas e algumas chegam a ser irretocáveis e com uma contribuição fundamental para todo o universo da clarineta. Lembrando que a maneira como elas são

conduzidas determina seu grau de confiabilidade e, raramente, resultam em uma verdade universal na área da performance musical, como ocorre nas ci-ências exatas.

A importância da pesquisa reside no fato que ela pode integrar-se à prática do clarinetista, agregando valores e referências, e possibilitando ampliar suas leituras sobre o seu próprio processo de realização no instrumento. Neste sentido, este enriquecimen-to será tão maior quanto maior forem as proprieda-des e critérios utilizados na produção científica em clarineta.

A Heurística e a Pesquisa como Produção de Conhecimento

A produção de conhecimento sobre a clarineta tem se dado pela heurística e pela pesquisa. O termo heurística vem do grego antigo heurísko (eu encon-tro’, ‘eu acho’), de onde provém também a exclama-ção “heureca” (achei!).6 “A capacidade heurística é uma característica humana que [...] pode ser des-crita como a arte de descobrir e inventar ou resolver problemas mediante a experiência (própria ou ob-servada), somada à criatividade e ao pensamento lateral ou pensamento divergente.”7 Heurística, se-gundo Judea Pearl (1983) e Ippoliti Emiliano (2015) “são estratégias derivadas de experiências prévias com problemas similares. Estas estratégias fazem uso de informações de pronto acesso, embora livre-mente aplicáveis, para controlar soluções de pro-blemas em seres humanos, máquinas e questões abstratas.”8 Uma de suas principais estratégias é a da tentativa e erro. Quanto do conhecimento pro-duzido por instrumentistas tem se dado desta ma-neira ao buscar, intuitivamente, dar forma à perfor-mance de uma peça? Muitas destas formas nascem, inicialmente, subjetivas, se tornam objetivas, em ondas sonoras passiveis de medição, e se perpetu-am na tradição de se tocar o instrumento. Este tipo de produção de conhecimento também é encontra-do no ensino do instrumento e em sua fabricação.

Já o verbo pesquisar vem do latim Perquirere que quer dizer indagar, inquirir ou perguntar, sendo Per completamente e Quaerere perguntar. De acor-do com Phillips (2008, 3), pesquisa pode ser defini-da como a busca por soluções para problemas por meio de um processo sistemático de coleta de da-dos. Hopkins e Antes (1990, 21) esclarecem, ainda mais, afirmando que pesquisa é uma “investigação estruturada que (1) utiliza metodologia científica aceitável para solucionar problemas e (2) cria novo conhecimento geralmente aplicável.”9 Paulo Frei-re (1996, p. 22) escreveu: “Pesquiso para constatar,

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constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.” A pesquisa é uma estratégia científica para produzir conhecimento. Os cursos de mestrado e doutora-do visam a formação de pesquisadores e seus tra-balhos finais, as dissertações e teses, são relatos de pesquisa, ou seja, de processos de produção de co-nhecimento com seus resultados.

Conhecimento sobre ClarinetaO conhecimento relacionado, especificamen-

te, à clarineta e suas práticas constitue um legado que vem sendo construído desde o início do século XVIII com a invenção do chalumeaux e da própria clarineta. Este conhecimento é de natureza intuiti-va, racional, intelectual e científica, e de ordem te-órica e prática. Ele é multi- trans- e interdisciplinar e está relacionado com muitas áreas de conheci-mento, tais como música, arte, filosofia, educação, matemática, cultura, história, sociologia, psicolo-gia, medicina, anatomia, biologia, agronomia, fí-sica, acústica e computação. Especificamente em música, ele se relaciona principalmente com a per-formance musical, educação musical, psicologia da música, luteria, acústica e organologia. Existe um encanto neste universo de conhecimento que concerne à clarineta, composto por diversas teias de conhecimento.

Tomemos a teia da palheta, por exemplo. Esta, de maneira geral, se compõe pelas noções de plan-tio do bambu de uma zona rural, passa pela biolo-gia que estuda a formação celular desta gramínea, continua pela física que investiga a capacidade de vibração das estruturas de palhetas, inclui a sofis-ticada tecnologia digital que controla a máquina de sua fabricação industrial, e se completa com a arte, a música, a cultura, a sociologia e a psicologia no que tange, principalmente, o gosto e as tendências do músico, da plateia e do mercado. Ela, certamen-te, integra também o processo artesanal de se fazer a palheta para o instrumento. Esta teia de conhe-cimento não existe isolada das demais que consti-tuem o universo de conhecimento da clarineta. Ela coexiste com as teias de conhecimento da boqui-lha, abraçadeira, instrumento, técnica instrumen-tal, performance, pedagogia instrumental etc que têm sido tecidas ao longo do tempo.

Nestes três séculos de história do instrumento, este conhecimento tem sido registrado e transmi-tido por meio oral, escrito, imagético e sonoro em partituras, métodos, manuais, tratados, enciclopé-dias, dicionários, instrumentos, livros, artigos, dis-

sertações, teses, discos, filmes, gravuras, pinturas, fotografias, microfilmes, jornais e, mais recente-mente, por mídias digitais. Estes registros podem ser acessados em: a) bibliotecas e museus, muitos deles com catálogos eletrônicos que possuem sis-temas de procura sofisticados e que os preservam com elevado padrão de conservação; b) em arqui-vos de documentos de escolas de música, conser-vatórios, teatros, orquestras, bandas de música e outros conjuntos musicais; c) em coleções, acer-vos e centros de memória particulares; e até mes-mo em d) pinturas de teto de igrejas, por exemplo. O impressionante da atualidade é que muitos des-tes registros têm sido digitalizados e disponibiliza-dos, inclusive gratuitamente, em sítios eletrônicos elaborados com as tecnologias contemporâneas da mais alta qualidade. Clarinetistas, musicólogos e historiadores têm estudado estes documentos para construir e compreender a história da clarine-ta e dos clarinetistas.

De uma maneira geral, muito do conhecimen-to e dados sobre a clarineta no Brasil estão ame-açados de extinção e outros já se perderam na poeira do tempo, por não estarem devidamente preservados ou mesmo registrados. Uma boa par-te dos que estão registrados não está armazenada em meios adequados de conservação, ou mesmo catalogados ou com acesso público. Podem estar, por exemplo, em acervos particulares de músi-cos, orquestras, bandas de música, jornais, rádios e TV. “Outros conhecimentos e informações estão na memória de colegas músicos, clarinetistas ou não, que presenciaram, fizeram e fazem a história da clarineta no país. Eles têm permanecidos vivos apenas por meio da transmissão oral. São detalhes técnicos, musicais e históricos de uma peça ou da prática do instrumento, relacionados ao modo de se tocar, a maneira de se ensinar ou a atuação de clarinetistas em uma dada região - suas experiên-cias e realidades vivenciadas com o instrumento. Eles constituem parte da memória e da história da clarineta no país e não estão registrados ou docu-mentados. Se não forem transmitidos para outros ou registrados, se perderão. Infelizmente, isso não é raro em nosso país. É o registro do conhecimento que possibilita estudar e compreender nossa his-tória, nossa origem, como também preservar nossa memória.

Bancos de Dados OnlineA fim de registrar e facilitar o acesso à informa-

ção sobre a produção musical, tem se elaborado bancos de dados que informam sobre documentos

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e, em muitos casos, os disponibilizam. Dentre os gratuitos estão, principalmente, quatro trabalhos bibliográficos de cooperação internacional co-nhecidos como o projeto dos quatro “Rs” (http://www.r-musicprojects.org), que são o RISM, o RIPM, o RILM e o RIDiM. O RISM, Répertoire In-ternational des Sources Musicales (http://www.rism), trabalha, primariamente, com partituras impressas ou manuscritas, produzidas antes de 1900 e que tenham sido preservadas no planeta, incluindo libretos e materiais de instrução vocal e instrumental. O RIPM, Répertoire International de la Presse Musicale (https://ripm.org), oferece acesso online a extensas coleções de periódicos de fontes primárias e raras. São mais de 1.000.000 de páginas, inclusive de periódicos raros, que pos-sibilitam ter uma crônica quase que diária das ati-vidades musicais de 1760 a 1966 de alguns centros musicais europeus. O RILM, Répertoire Interna-tional de Littérature Musicale (http://www.rilm.org), documenta e disponibiliza dados da pesquisa mundial sobre música do início do século XIX até o presente. Ele inclui dados bibliográficos e textos completos de mais de 200 revistas acadêmicas e 40 enciclopédias. O RIdIM, Répertoire Internatio-nal d’Iconographie Musicale (https://ridim.org), é um banco de dados sobre fontes visuais da música, dança e teatro que trabalha, também, no desenvol-vimento de métodos, meios e centros de pesquisa para a classificação, catalogação e estudo da icono-grafia. Estes projetos são apoiados pela Internatio-nal Musicological Society (IMS) e pela Internatio-nal Association of Music Libraries, Archives, and Documentation Centres (IAML).

Talvez o banco de dados de maior utilização dos clarinetistas brasileiros tem sido o IMSLP, In-ternational Music Score Library Project (http://imslp.org). Este é um projeto de criação de uma biblioteca virtual de partituras de domínio pú-blico, criado em 2006, que disponibiliza mais de 370.000 partituras e 42.000 gravações de mais de 110.000 obras de mais de 14.000 compositores. Em termos de educação musical, um banco de dados muito útil e com acesso gratuito, não específico da área de música, é o ERIC (Education Resources In-formation Center) - Institute of Education Science (https://eric.ed.gov). Há diversos bancos de dados com acesso pago, como o The Music Index.

No Brasil, alguns bancos de dados e acervos de partituras e gravações estão digitalizados e dis-ponibilizados gratuitamente e outros estão em processo de digitalização. O Acervo Musical do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro (http://

acmerj.com.br), construído com apoio do Pro-grama Petrobras Cultural, possui, principalmente, obras do Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830). Trata-se das primeiras partituras compostas no Brasil e muitas incluem a clarineta. A Academia Brasileira de Música (http://www.abmusica.org.br), a Funarte (http://www.funarte.gov.br/partitu-ras-brasileiras-online e http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes) e o Governo do Ceará, com o Sistema Estadual Bandas de Música (http://www.portal.secult.ce.gov.br/probandas), também mantêm bancos de dados e de partituras que in-cluem a clarineta. O banco de dados do Museu Villa-Lobos (http://museuvillalobos.org.br), ainda em construção, possui um catálogo detalhado de obras do compositor, e o do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (http://www.mis.rj.gov.br) aloca uma das poucas coleções sobre clarinetistas brasileiros, a Coleção Abel Ferreira. O governo fe-deral criou a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertação (http://bdtd.ibict.br/vufind) e muitas das bibliotecas de música dos centros culturais e das universidades brasileiras estão digitalizando seus catálogos e acervos, e os disponibilizando-os gratuitamente, como a USP (http://www.eca.usp.br/biblioteca-bases/acorde/search.htm).

Ao mencionar estas poucas informações refe-rentes ao universo online da produção de conhe-cimento sobre a música no mundo e no Brasil, de-sejamos saber também sobre os bancos de dados relacionados, especificamente, à clarineta. São diversos sítios eletrônicos, facilmente encontra-dos pelos sistemas de busca da internet, mas além disso, levanta-se o desejo, e aqui fica a proposta, de se ter um banco de dados online relacionados, exclusivamente, com: 1) a clarineta no Brasil, pro-duzidos no país ou no exterior, por clarinetistas ou não clarinetistas, brasileiros ou estrangeiros, e 2) a clarineta fora do Brasil, mas produzidos no país ou por músicos brasileiros. O primeiro item concerne à clarineta brasileira e o segundo à contribuição brasileira para a clarineta internacional. O banco de dados conteria informações sobre os documen-tos, ou eles próprios quando possível, tais como partituras, textos, gravações, materiais didáticos e iconografia, com um sistema de busca sofisticado.

Outro projeto que surge ao falar deste assunto é a necessidade de se ter um local para arquivar estes documentos que tratam da clarineta no Brasil, no seu formato material e com acesso público – um centro de pesquisa, documentação e memória da clarineta no Brasil. São diversos os clarinetistas, por exemplo, que desejam doar seu acervo pessoal

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a. Curso de Graduação em Licenciatura em Música: TCCb. Programas de Pós-Graduação em Música no Brasil: monografia, dissertação e tese.c. Programas de Pós-Graduação em Música nos Estados Unidos, Suíça e Portugal: dissertação e tese.d. Programa de Pós-Graduação no Brasil em Antropologia, Lingúistica Aplicada, e Engenharia Elé-trica: Dissertação.e. Revistas acadêmicas (em ordem alfabética): Acta Acustica: The Journal of the European Acoustics Association, Alemanha; Caderno Brasileiro de Ensino de Física; Caderno Catarinense de Física; Clari-neta: Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas - ABCL; European Journal of Physics; Ictus: Pe-riódico do PPGMUS-UFBA; Journal of New Music Research; Opus: Revista Eletrônica da ANPPOM; Per Musi: Revista Acadêmica de Música; Revista Eldorado; Revista Expressão; Revista Música Hodie; The Clarinet; Urucungo: Periódico On-line de Música.f. Anais de eventos científicos (em ordem alfabética): ABEM; ANPPOM; CIARM, Itália; Clarinet and Woodwind Colloquium; Encontro de Ciências Cognitivas da Música; Seminário Nacional de Pesqui-sa em Performance Musical; SEMPEM; SIMA; SIMPOM; Simpósio Brasileiro de Computação Musi-cal; Sociedade Brasileira de Acústica.

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e não tem aonde fazer. Outros, felizmente, podem doar às suas universidades de origem, como é o caso do professor José Botelho que doou o seu à UNI-RIO e contou com o cuidado profissional do colega Fernando Silveira, professor de clarineta desta instituição de ensino.

Ao refletir sobre estas duas propostas, fica clara a importância de se ter uma associação nacional de clarinetistas forte e com recursos para viabi-lizar projetos essenciais para o avanço do instru-mento no país. Assim, aí está mais um motivo para se filiar e apoiar a ABCL – Associação Brasileira de Clarinetistas.

Breve Panorama da Produção Brasileira sobre a Clarineta

Em recente levantamento realizado pelos auto-res deste artigo sobre a produção de pesquisas e tra-balhos acadêmicos relacionados à clarineta, che-gou-se a um montante de 173 trabalhos realizados no período de 1945 a 2018. Observando a cronologia destes trabalhos, encontramos dois realizados na década de 1940 e depois de uma longa lacuna outro na década de 1960. Posteriormente, encontramos a partir dos anos de 1990 um incremento na produ-ção acadêmica que se iniciou timidamente e foi se ampliando gradativamente até os dias atuais.

Vários fatores colaboram para este cenário, já que a partir da década de 1960 foram surgindo vá-

rios cursos de graduação em música em universi-dades públicas e consequentemente foram se ex-pandindo as possibilidades da realização de cursos de clarineta em nível de graduação. Posteriormente surgiu a pós-graduação em música no país com a criação dos mestrados a partir da década de 1980 e de doutorado a partir da década de 1990. Salienta--se também que, a partir do final da década de 1980 através de agências de fomento, alguns clarinetis-tas brasileiros foram ao exterior realizar cursos de mestrado e doutorado. Hoje, o país possui algumas dezenas de doutores e mestres em clarineta e esta quantidade tem crescido anualmente.

Nesta perspectiva, através do conhecimento das datas e seus respectivos trabalhos que servem para situar os fatos, podemos ter uma compre-ensão do processo histórico que envolve a pro-dução de conhecimento sobre a clarineta no país assim como suas respectivas fontes. Neste sen-tido, olhando para estes 63 anos de pesquisas so-bre a clarineta no país vemos o importante papel formativo da Universidade e dos seus cursos de pós-graduação que vem fomentando a produção de conhecimento acerca do instrumento nas suas diversas vertentes.

Deste modo, após levantamento e análise do material, encontramos as seguintes fontes dos tra-balhos acadêmicos:

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Dentro destas fontes, são inúmeras as categorias que emergem dos trabalhos acadêmicos realizados envol-vendo a clarineta, entre elas destacamos:

a. Ensino em bandas, ensino profissionalizante, pedagogia no ensino superior, currículo no ensino su-perior, ensino de clarineta em escola pública, ensino em projeto social, ensino de clarineta na licenciatu-ra, educação e improvisação, ensino de clarineta no bacharelado, formação em banda de música, forma-ção do professor de clarineta;b. História da clarineta, história da identidade do clarinetista, performance histórica, autenticidade, his-tória do frevo, história do choro, história do clarone;c. Palheta e abraçadeira, barrilete, construção de instrumentos, clarinetas indígenas brasileiras, ergono-mia, acústica, afinação na clarineta, timbre, coluna de ar;d. Repertório tradicional, música erudita brasileira, música regional, choro, performance interpretação de música brasileira, música contemporânea, interpretação, estudos comparativos, panorama de estu-dos acadêmicos, gravação, idiomatismo, transcrição, prática deliberada, improvisação, relação compo-sitor intérprete, formação da identidade, técnica instrumental, ansiedade na performance, grupo de cla-rinetas;e. Edição crítica, catalogação, tradução de método, edição de partitura;f. Música contemporânea e tecnologia, encenação teatral e performance, eletrônica e processos com-posicionais, performance e música eletroacústica, clarone, estudo do gesto;

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Este amplo leque de tópicos nos revela a di-mensão da pesquisa sobre clarineta que vem sendo realizada por instrumentistas e pesquisadores bra-sileiros. É importante salientar a relevância da aces-sibilidade a esta produção como também a apro-priação deste conhecimento por parte da classe de clarinetistas brasileiros, sejam estudantes, profis-sionais ou amadores. Neste sentido, a divulgação destes trabalhos se faz extremamente necessária com o intuito de auxiliar o clarinetista, subsidiando e fundamentando sua reflexão sobre os diversos as-pectos inerentes à clarineta.

Todas estas categorias nos mostram a poten-cialidade crescente das pesquisas em clarineta no Brasil, as quais tem sido produzidas nos ambientes acadêmicos e divulgadas com apoio deles, em re-vistas especializadas, nos eventos e seus anais.

Considerações Finais São diversos os indicativos de maturida-

de acadêmica e científica de uma área de conheci-mento, em nosso caso a clarineta. Dentre eles, está a realização regular de congressos na área conten-do palestras, mesas-redondas e apresentações de trabalhos de pesquisa com avaliação por pares. No caso do Brasil, quando estes congressos recebem apoio das agências de fomento à pesquisa, o in-dicativo é ainda maior. Outro indicativo é a classe

de profissionais da área ter uma associação legal-mente constituída, com grande número de asso-ciados para representá-los nas diversas instâncias públicas e civis, que apoie a produção acadêmica. A existência de um periódico acadêmico da área com corpo editorial que avalie os textos submeti-dos para publicação também é um indicativo re-levante. É importante ainda que estes três indica-tivos tenham dimensões nacional e internacional. A publicação de trabalhos de seus profissionais em periódicos acadêmicos de reconhecido mérito nas áreas maiores em que se insere, em nosso caso, a música, a arte ou áreas afins, demonstra ainda que a qualidade de sua produção é respeitada. Um úl-timo indicativo que mencionaremos é a existência de cursos de pós-graduação específicos da área. Lembramos, contudo, que os programas de pós--graduação em música são, por conta da legislação educacional brasileira, centros de pesquisa volta-dos, prioritariamente, à formação do pesquisador, e não centros de artes para a formação de excelên-cia em performance e/ou pedagógica do clarinetis-ta associada à sua formação científica. Com a re-cente criação do mestrado profissional em música, este quadro vem se modificando. Estes indicativos têm estado presentes, em maior ou menor grau, na área da clarineta do Brasil nos últimos 20 anos, o que nos faz acreditar que, de alguma maneira, ela está crescendo e se fortalecendo.

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Concluindo, ao analisar os currículos lattes dos professores universitários de clarineta e dos pes-quisadores do instrumento no Brasil, nota-se que o ensino público gratuito e bolsas de estudos de agências governamentais de fomento à pesquisa e ciência têm sido fundamentais para a formação destes profissionais. O mesmo se observa com a análise do financiamento da produção de conhe-cimento sobre clarineta e de sua divulgação, pois a grande maioria está relacionada aos programas públicos de pós-graduação do país e aos eventos fi-nanciados com recursos das agências supracitadas. Assim, embora não seja único, o financiamento pú-blico tem sido essencial para a produção e avanço do conhecimento sobre o instrumento no país e, consequentemente, sua qualidade e crescimen-to podem sofrer riscos com cortes em educação e ciência, assim como com a privatização do ensino universitário. Então, faz-se mister afirmar, nova-mente, a importância da ABCL ter o maior número possível de associados para se discutir e refletir so-bre a classe em seus encontros, na revista e em gru-pos virtuais. Desta maneira, ela poderá representar os clarinetistas do país e expressar dignamente, in-clusive com associações parceiras, seu pensamento e desejo perante instituições públicas e civis.

Referências BibliográficasANGLOHER, Stephanie. Das Deutsche und Franzö-sische Klarinettensystem: Eine vergleichende Un-tersuchung zur Klangästhetik und didaktische Ver-mittlung. Tese de Doutorado. München: Herbert Utz Verlag. 2007.

BROWN, Mark. Musicians May Be Most Cre-ative ‘When not Actually Playing Instru-ment’. In: Jornal The Guardian. Disponível em http://www.theguardian.com/music/2013/oct/01/mu-sicians-creative-research-muse. 2013.

EMILIANO, I. Heuristic Reasoning: Studies in Applied Philosophy, Epistemology and Rational Ethics. Swit-zerland: Springer International Publishing. 2015.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessá-rios à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

HOPKINS, C. D.; Antes, R. L. Educational Research: A Structure for Inquiry. 3a Ed. Itasca, Ill.: F. E. Peacock, 1990.

HOPKINS, C. D.; Antes, R. L. Educational Research: A Structure for Inquiry. 3a Ed. Itasca, Ill.: F. E. Pea-cock, 1990.

PHILLIPS, K. H. Exploring Research in Music Educa-tion and Music Therapy. New York: Oxford Universi-ty Press: 2008.

Notas de fim

1. Guilherme Sampaio Garbosa é Doutor em Música pela UFBA e professor de clarineta da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. http://lattes.cnpq.br/2420177584198455 - [email protected]

2. Joel Barbosa é Doutor em Música pela University of Washington e professor de clarineta da Univer-sidade Federal da Bahia – UFBA. http://lattes.cnpq.br/7047299547171544 - [email protected]

3. Vinícius de Sousa Fraga é Doutor em Música pela UFBA e professor de clarineta da UNICAMP.

http://lattes.cnpq.br/5484808745373402 - [email protected]

4. "Estudo", in Dicionário Priberam da Língua Por-tuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.pribe-ram.pt/dlpo/estudo [consultado em 17-05-2018].

5. Freire, P. Pedagogia da autonomia: saberes ne-cessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

6. Exclamação atribuída ao matemático grego Ar-quimedes (287–212 a. .C.).

7. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Heur%C3%ADstica>. Acesso em: 18 jun. 2018.

8. “Heuristics are strategies derived from previous experiences with similar problems. These strate-gies rely on using readily accessible, though loosely applicable, information to control problem solving in human beings, machines, and abstract issues.” Disponível em: < https://en.wikipedia.org/wiki/Heuristic>. Acesso em: 18 jun. 2018.

9. “Structured inquiry that (1) utilizes acceptable scientific methodology to solve problems and (2) creates new generally applicable knowledge.”

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AynArA: Então vAmos lá! vAmos comEçAr A EntrE-vistA com o profEssor cArlos riEiro. HojE DiA 06 DE mArço DE 2018 pArA A rEvistA clArinEtA. Então, pArA comEçAr profEssor, você poDEriA nos DizEr onDE E Em quE Ano você nAscEu?Rieiro: Nasci em Buenos Aires. Bem portenho, no cen-tro da capital de Buenos Aires. 2 de março de 19(53).

AynArA: cErto. E contA prA A gEntE, profEssor como você comEçou A EstuDAr músicA? E sE você cHEgou A tEr contAto com outros instrumEntos Além DA clArinEtA.Rieiro: A minha ligação com a música foi através de meu pai. Meu pai gostava muito de música e ele trabalhava não de forma profissional. Ele tinha um grupo de música espanhola. Naquela época a

imigração espanhola em Buenos Aires era muito forte. Tinha muitos clubes que organizavam festas e bailes para a coletividade hispânica. Todo fim de semana tinha festa. Meu pai tocava com o grupo e eu sempre acompanhava ele. Então, através disso, comecei a tomar gosto pela música e, aí também o sonho de meu pai começou a ser definido, que eu fosse músico, e era um sonho dele mesmo. Ele não tinha conseguido ser músico profissional. Formado numa escola. Então, o sonho dele era que eu assu-misse esse sonho que ele não conseguiu.

AynArA: AH quE bAcAnA! E sEu pAi tocAvA quE instru-mEnto?Rieiro: Ah, meu pai tocava clarinete, sax, gaita espa-nhola, fazia de tudo.

Carlos Rieiro

Por Aynara Silva

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AynArA: Então foi ElE quEm o Ensinou As primEirAs notAs nA clArinEtA?Rieiro: Não, ele nunca quis ensinar nada, precisa-mente porque ele tinha um zelo muito grande e ti-nha medo de me ensinar alguma coisa errada e que depois não tivesse condições de ajeitar. Então, ele simplesmente esperou a idade certa para me colo-car no conservatório municipal e, naquela época, havia uma idade mínima. Você só podia estudar música no conservatório a partir de 10 anos. Assim, eu comecei aos 8 anos a estudar solfejo e teoria e aos 10 entrei no conservatório para estudar clarinete.

AynArA: muito bEm, Então o quE o sEnHor pErcEbE DE cArActErísticAs no Ensino DA clArinEtA nA Ar-gEntinA, cArActErísticAs pEculiArEs no Ensino lá quE DifErEm DA formA como é fEito Aqui no brAsil. o sEnHor poDEriA mEncionAr?Rieiro: Não, olha na realidade eu não vejo muita di-ferença. É engraçado porque sempre existe aquela briga entre Hermanos e, na realidade, somos mais parecidos do que a gente acha. Não vejo muita dife-

rença. Pode ser em alguma maneira de tocar, né?... Porque, veja bem, as escolas mais ou menos são similares, as trajetórias, as formas de ensino da cla-rineta foram muito similares. Só que na Argentina nós tivemos a sorte de ter um clarinetista como o Martin Tow, que foi realmente meu grande incenti-vador e uma pessoa que me abriu a cabeça. Eu estou falando dos anos 60, mais ou menos. Lá reinava ab-soluta a escola italiana – boquilha de cristal, botava o lábio lá em cima e todas aquelas técnicas terrorí-ficas de estudar no repeteco, repete, repete... Mui-to parecido com o que acontecia aqui no Brasil. Só que lá Martin Tow foi foi beber da fonte das Esco-las Francesas e Inglesas muito cedo. É interessante porque ele veio de uma família muito rica. Na épo-ca se dizia que era a quarta família em dinheiro da Argentina, o que não é pouco, então ele sempre es-tudou clarinete. Só que existe um costume judaico (ele era judeu) que, quando você chega aos 18 anos, o pai decide o que você vai fazer. Tem que ser curso superior na universidade e seguir a carreira do Pai. Então, quando chegou aos 18 anos, Martin sabia que

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o pai ia colocar ele contra a parede e não ia deixar ele estudar clarinete. Tinha que entrar na faculdade pra fazer curso superior, mas clarinete nem pensar. Só que ele foi espertinho. Ele recebia uma forte me-sada e começou a guardar durante anos essa mesa-da. Quando chegou aos 18 anos, o pai fez a pergunta. “Pai, sinto muito, mas amanhã estou viajando para a Europa”. Ele juntou dinheiro pra viajar pra a Eu-ropa. Passou três anos na Europa, estudando com Delecluse, na França, e com De Peyer em Londres. Ou seja, pegou o melhor que tinha naquela época, inclusive participou em Genebra daquele concur-so de clarinete. Ganhou uma menção especial, in-clusive. Quando voltou à Argentina, foi um choque anafilático pra todo mundo, porque ele vinha com boquilha de ebonite, tocando com vibrato, com ins-trumentos totalmente diferentes, Boosey , que era um instrumento inglês. Foi um choque e tocando maravilhosamente bem. Ou seja, não é que a outra escola fosse ruim, senão que ele estava oferecendo uma coisa diferenciada, a meu modo de ver, mais completa. Isso causou um golpe, assim, uma revo-lução na Argentina. Coisa que, no Brasil, demorou um pouco a se perceber. O Brasil começou a cres-cer muito a partir do momento que os meninos daqui começaram a viajar, sobretudo, para Europa; sem esquecer, é claro, o trabalho do mestre Botelho que foi a fonte onde várias gerações de clarinetistas beberam. Inclusive, você sabe que o relacionamen-to que existe hoje entre os clarinetistas argentinos e brasileiros é muito estreito. Antigamente não exis-tia, cada um estava no seu canto. Hoje em dia não, muitos clarinetistas brasileiros vão para a Argenti-na dar curso e muitos clarinetistas argentinos vem dar curso aqui. A única diferença que eu vejo é na qualidade sonora. Acho o som da escola brasileira, mais reto, mais direto; enquanto o som da escola Argentina é mais redondo, mais abrangente. Mas isso são pequenos detalhes, na realidade, as escolas são muito semelhantes.

AynArA: mArAvilHA, Então quAnDo foi quE o sEnHor comEçou A AtuAr profissionAlmEntE com A clArinEtA?Rieiro: Com 16 anos já comecei a tocar em uma or-questra de ópera do teatro municipal da cidade de Avellaneda. É um teatro de ópera, mas também fa-zia concertos. Essa foi a minha primeira experiência de orquestra.

AynArA: Então por fim o sEnHor cHEgou Aqui Ao brAsil. o quE tE trouxE Ao brAsil E como é quE foi A suA cHEgADA Aqui no pAís?Rieiro: A chegada não foi fácil, realmente a gente chegou a uma João Pessoa e uma Paraíba bem di-

ferente dessa que a gente tem hoje. Foi realmente um choque grande, né? Porque eu vim de uma ci-dade como Buenos Aires e chegava numa cidade interiorana. Por exemplo, nós tínhamos em Buenos Aires, na cidade grande, como temos hoje também, o costume de sair para jantar quando terminava um concerto. Aqui, na hora que terminava o concerto não tinha onde jantar porque as nove horas da noi-te fechava tudo. Então... foi complicado no início na relação de alimentação, mas foi bom no sentido de que nós tivemos a chance de formar uma esco-la, de começar realmente do zero. Chegamos aqui e na nossa área, ou seja de clarinete, realmente não tinha nada. Só tinha um professor que vinha duas vezes por semana, vinha de Recife, e ensinava oboé, clarinete, fagote e flauta de uma vez, ou seja, não ensinava. É impossível fazer isso. Então, realmen-te foi difícil no início, no sentido, que a gente tinha que trabalhar, né? Montar um projeto, um esquema para fazer com que a coisa começasse a funcionar e, sobretudo, procurar formas de incentivar os jovens para o estudo da música.

AynArA: Então, Ao longo DEssA trAjEtóriA, A gEntE sAbE quE o sEnHor já formou muitos profissionAis como profEssor DA ufpb, AgorA AposEntADo. o sE-nHor poDE fAlAr um pouco pArA nós quAnto tEmpo o sEnHor trAbAlHou junto à instituição E sE tEriA umA iDEiA DE quAntos Alunos já formou? como foi suA pAssAgEm pElA ufpb?Rieiro: Não tenho realmente uma cifra de uma quantidade específica de alunos, mas o que sim sei é que graças a Deus estão todos empregados e mui-to bem (risadas...), e isso já me deixa muito feliz. A passagem..., imagina, praticamente durante trinta e poucos anos a universidade foi a minha segunda casa. No início, chegou a ser quase que a minha pri-meira casa, porque a gente passava, justamente por essa dificuldade que acabei de falar. Você tem que pensar que o primeiro vestibular que nós fizemos foi com gente que não estava preparada para isso. No primeiro vestibular eu recebi dois alunos e os dois do zero, um que começara e outro que veio do interior e que a ideia dele era fazer a prova específi-ca para sax, só que saxofone não tinha. Então a che-fe do departamento falou para ele na época: “bom, olha, o quinteto de sopros está ensaiando lá na São Francisco. Vai lá e escolhe”. Aí ele foi lá, assistiu o ensaio e escolheu clarinete. Mas, então, o que acon-teceu? Naquela época dávamos quatro horas aula por semana para cada aluno, porque a ideia da gen-te era dar aula e também estudar com eles. Eu pra-ticamente, me lembro que naquela época só tinha, na semana, a quarta-feira à tarde, livre que era o dia

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que tirava para fazer supermercado porque o res-to estava lá. Ensaiávamos três horas por dia com o Quinteto, ou seja, minha primeira casa no início foi a universidade e, depois, quando começou a funcio-nar a Orquestra de Câmara da Paraíba e a Orquestra Sinfônica da Paraíba, nem se fala, aí realmente a gente passava todo o dia fora. Eh... foi uma expe-riência muito boa no sentido de que a gente con-seguiu fazer um trabalho e eu estou conseguindo agora ver os resultados dele. Para mim é uma honra. Eu fiz uma turnê com o quinteto de sopros através do Sesc por todo o Brasil e, em cada lugar que chegava, me encontrava com um aluno meu. Teve um fato, in-clusive, engraçado que quando fomos a Porto Alegre, quando terminamos o concerto, veio um rapaz. “Oi, professor, tudo bem? Eu sou seu neto”. Neto? Era o Samuel que é o primeira clarineta lá da OSPA. É que ele tinha estudado com o Alessandro em Goiás. Eu formei o Alessandro aqui na universidade, ou seja, já tinha aparecido um neto musical. Isso realmente é gratificante porque você sente que alguma coisa dei-xou. Isso realmente massageia o ego!

AynArA: Então, fAlAnDo sobrE DocênciA o quE o sE-nHor EntEnDE como sEnDo o pApEl Do profEssor E contA pArA A gEntE tAmbém quAl A suA rElAção com sEus Alunos E Ex-Alunos.Rieiro: Olha, eu tenho uma maneira diferente de en-tender o ensino. Eu acho que, como na minha for-mação no conservatório eu tive disciplinas como fi-losofia, psicologia e depois pedagogia, então, tinha que trabalhar em todos os níveis da educação. Tan-to de crianças como de adolescentes e adultos. Isso me deu uma ideia de que você não pode ter um pla-no A ou um plano B para todo mundo. Cada aluno é um mundo. Então, não é que você não vá atender ao programa pré-estabelecido, é justamente para você conseguir os resultados de um programa que você tem que entender as necessidades e carências de cada aluno, saber o que passa na cabeça dele. En-tão, às vezes, é necessário não dar aula e conversar com o aluno para entender melhor o que está pas-sando. Fundamentalmente, entender porque cada aluno é um mundo diferente, ou seja, há alunos que tem uma dificuldade num determinado item, outros em outro, outros tem facilidade no staccato, ou seja, você tem que tentar sempre ir equilibrando esse trabalho com o aluno para obter os resultados. Mas o que mais me chama sempre é o fato, e eu tra-balho muito, de reforçar a personalidade do aluno. Ou seja, eu não quero que o aluno toque como eu toco. Quero que o aluno toque como ele sente. O aluno tem que conseguir desenvolver a sua perso-nalidade. Isso para mim é fundamental.

AynArA: bom, sobrE músicA orquEstrAl, o sEnHor já fAlou um pouco, mAs compArtilHA um pouco sobrE A suA ExpEriênciA como cHEfE DE nAipE. quAis forAm os trAbAlHos mAis rElEvAntEs quE o sEnHor fEz E como solistA tAmbém à frEntE DE orquEstrAs?Rieiro: Em todas as orquestras que toquei sempre fui primeira clarineta. Isso também me inviabi-lizou a possibilidade de tocar clarinete baixo e requinta porque sempre tinha essa responsabi-lidade. Inclusive quando comecei aos 16 anos, eu só toquei de segundo dois ou três meses, logo passei para primeiro já bem rápido. Então...eh... a experiência de orquestra, o mundo da orquestra é um mundo especial. Tem aquele famoso filme “Ensaio de Orquestra” de Fellini que retrata mui-to bem o que é o interior de uma orquestra, é um mundo especial. E... nem se fala com a relação ao maestro. O maestro termina sendo algumas vezes um vilão, algumas vezes, não, mas... essa relação de vida que você tem dentro de uma orquestra é muito interessante porque você chega ao ponto de que, por exemplo se você está num trabalho num local onde você não se dá com alguma pes-soa por X motivos, você não fala mais com essa pessoa e acabou. Mas na música você não pode fazer isso, você não fala mais tem que tocar (ri-sadas...). Então, é engraçado como, de repente, você vê pessoas que convivem e se odeiam um ao outro, mas na hora da música existe essa união. É algo interessante esse tipo de experiência. De orquestras, eu toquei aqui na Paraíba na Sinfôni-ca da Paraíba, a Orquestra de Câmera da Univer-sidade, depois orquestras de projetos. Também trabalhei com muitas orquestras de festivais, em Campos do Jordão, Londrina, Belém do Pará, as orquestras que se formaram no Virtuosi em Re-cife, ou seja, uma larga quantidade de festivais. Você toca com diferentes pessoas, grandes mú-sicos. Você tem um convívio e um intercâmbio muito importante. Com referência a solista, gra-ças a Deus sempre tive uma participação bacana. Eu acho que o ano que menos concertos toquei como solista foram três. Lá na Argentina eu saí no máximo do meu apogeu. Lá tocava no míni-mo oito, nove concertos como solista durante o ano, né? Aqui quando começou, claro não ti-nha orquestra, aí teve uma baixa. Mas a partir de 1982, foi quando comecei a tocar concertos aqui sempre tive várias apresentações. Tive experiên-cias inesquecíveis com grandes Maestros como Leopold Hager, I. Karabtchevsky, C. M. Giulini, James Levine, S. Blech, David Machado, etc; e o grande Eleazar de Carvalho que foi um figura fun-damental na minha vida orquestral.

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AynArA: E nA músicA DE câmArA? o quE o sEnHor po-DEriA compArtilHAr com A gEntE? quAis os grupos quE o sEnHor Atuou?Rieiro: Na música de câmara foi onde eu mais aprendi musicalmente. Com 18 anos eu ganhei um concurso de solistas da Fundação Bariloche, aí fui lá. Passamos dois meses, ganhei uma bolsa, e co-meçamos a trabalhar com um violinista iugoslavo radicado na Argentina, Lyerko Spiller, que era um exímio professor de música de câmara. Com ele tra-balhei o trio de Brahms. E o trio de Brahms eu fiz com dois jovens também da mesma idade, um vio-loncelista e um pianista. Foi uma experiência mara-vilhosa, tão maravilhosa que terminamos formando um trio. O nome do trio era Ars Musica e ganhamos vários prêmios lá de música de câmara. Para mim foi uma experiência maravilhosa tocar com vio-

loncelo, um aprendizado enorme porque a vivên-cia que eu tinha de fraseado, ataque, através desse trabalho com o trio fui depurando, depurando, de-purando. O único lamento foi que o trio durou dois anos. O pianista ganhou uma bolsa para ir a Ingla-terra, o violoncelista para estudar no Conservatório de Moscou, e eu fui embora também já que eles ti-nham ido. Mas a experiência foi muito boa. Tanto é assim que quando eu vim para cá eu fiquei com essa história de ter um trio e terminamos fazendo um com o Nelson e com a Miriam na Universida-de. A outra experiência de música de câmara mui-to forte foi o quinteto, né? Sempre tive uma relação muito forte com o quinteto. Lá em Buenos Aires eu tinha um quinteto também muito bom que a gente trabalhava. Aqui formamos justamente o Quinteto da Universidade Federal da Paraíba, que já desde o

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primeiro ano começou a fazer turnês pela Funarte. Tivemos sempre uma convivência muito boa com a Funarte, que todo ano nos convidava para fazer turnês. Praticamente com o Quinteto, estive outro dia fazendo um levantamento, chega a quase 200 cidades brasileiras que a gente tocou. Só na turnê que a gente fez com o Sesc tocamos em 95. Também tocamos duas vezes no Teatro de Colón em Buenos Aires e no Uruguai. E à parte também, o Quinteto foi de alguma forma a referência nossa, naquela época, para atingir mais alunos. Era uma forma de chamar alunos para a escola. Então, a música de câmara em minha vida profissional foi muito importante.

AynArA: mArAvilHA, profEssor! quAis forAm os mAiorEs DEsAfios quE o sEnHor poDEriA mEncionAr nA suA cArrEirA ArtísticA?Rieiro: Desafios... eu acho que todo dia você tem de-safio, e é importante ter metas e objetivos, porque se você não tem um desafio você corre o perigo de parar. Corre o perigo de estacionar e não avançar. Então, eu sempre fui de procurar os desafios, sempre. A adre-nalina de ter coisas novas sempre foi meu forte, eu gosto disso. Claro que depois na hora, quando chega a hora digo “pra que me meti nisso?” (risadas...). Mas a adrenalina de você estar num palco e conseguir fa-zer o que você quer e terminar não há cachê no mun-do que pague isso que você sente depois de ter feito um desafio. Eu acho e sempre falo para meus alunos trabalhar muito com metas e objetivos, ou seja, você tem que estar constantemente se cobrando e procu-rando formas de não ficar parado, e avançar.

AynArA: fAlA prA gEntE, profEssor, quE mAtEriAl você utilizA HojE (boquilHA, instrumEnto...)?Rieiro: Bom, boquilha é minha eterna boquilha de cristal, que não tiro! (risadas...) Na realidade, estava brincando comigo o Jônatas no Face e falei “rapaz, em time que está ganhando não se mexe”. Então se estou me dando bem... mas realmente uso. Abraça-deiras, tenho uma abraçadeira antiga que eu uso, mas abraçadeira eu costumo muito mudar. Depen-de muito de qual música vou fazer. Ou seja, se toco Mozart, às vezes, eu gosto de tocar com uma abra-çadeira mais escura e menos brilhante, depende muito... Agora isso sim, não sou fã de modas nem de marcas e eu acho que você tem que usar e utilizar o material que realmente faz você se sentir bem. Eu tenho duas experiências. Uma, a primeira boqui-lha que eu tive era de meu pai. Meu pai passou para mim. Era uma boquilha fantástica! Nunca na minha vida consegui encontrar uma boquilha dessa, só que tinha essa mania de limpeza, fui limpar... e a mi-nha boquilha caiu da minha mão e virou pó!

AynArA: Ai! Rieiro: E aí chorei bastante. Eu tinha 17 anos. Passei quase que dois anos desesperado, porque as bo-quilhas não apareciam. Até que, de repente assim, na minha frente, uma boquilha. Um colega preten-dia tocar com ebonite e conseguiu essa boquilha. Só que ele estava na dúvida se ia ficar ou não, e eu desesperado por ela. Me encantei por ela e é a que eu tenho hoje. Eu passei uma semana sem dormir pensando “eu tenho que conseguir essa boquilha”. Graças a Deus o professor dele disse que essa bo-quilha não era para ele! (risadas...) Agradeci tanto! E é a boquilha que tenho até hoje. Agora é engraça-do... A outra coisa também foi uma abraçadeira. Eu tinha um luthier lá em Buenos Aires que já faleceu. Acompanhei um colega que foi levar um instru-mento. Fiquei vendo lá atrás. Na casa, eles tinham um lugar onde tinha um monte de bugiganga. Todo tipo de sobra de instrumento estava lá, e comecei catar. De repente, vi uma abraçadeira perdida ali no meio, estranha, totalmente diferente. Parecia mais uma abraçadeira de saxofone que de clarinete por-que ela tinha as três estrias. Aí eu... “peraí!”. Como estava com o instrumento a experimentei. Quan-do eu experimentei fiquei louco! Comprei na hora. Realmente, ela era de um tipo de material que era sumamente flexível e a utilizei por uns 20 anos, até que finalmente quebrou. Tentei até fazer uma sol-da nela, mas voltou a quebrar, até que um dia joguei fora. Aí consegui essa outra que estou utilizando até agora. O que eu vejo é o seguinte, hoje os meninos, qualquer abraçadeira nova que aparece lá vai atrás desesperado porque essa é a solução, e realmente a solução muitas vezes não está nisso aí. A solução muitas vezes está em coisas muito mais simples, por isso que tem que experimentar, toda vez que tem um material. Mesmo que seja antigo, expe-rimenta! Experimenta para encontrar aquilo que realmente você necessita.

AynArA: E A clArinEtA quE o sEnHor usA HojE?Rieiro: O clarinete é um R13, tanto Si bemol como o Lá.

AynArA: ótimo. Então profEssor, sE o sEnHor pu-DEssE DAr um consElHo pArA um clArinEtistA quE Está comEçAnDo HojE, quAl sEriA?Rieiro: Bom, como todo professor: estude, estude, estude, estude e continue estudando! (risadas...) E se tiver algum problema? Estude mais. Mas isso é o que todo professor diz. Na realidade o que eu sempre aconselho é estudar. Claro que é impor-tante. Logicamente. Mas muitas vezes ou na maio-ria das vezes, não é o tempo de estudo que solu-ciona problemas ou que dá a possibilidade a você

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de conseguir um nível clarinetístico bom. O mais importante de tudo é saber o porquê das coisas. Você tem que tocar mas saber o porquê está tocan-do. Ou seja, eu toco um ataque e tenho que saber porque, como tenho que fazer esse ataque, o que está acontecendo para que esse ataque saia ou não saia. A mesma coisa com as passagens difíceis, ou seja, você tem que entender a passagem. Não é só estudar, repetir, passar nove horas estudando uma passagem. Tem que entender, raciocinar, com-preender. Saber o motivo que faz você errar. Claro, quanto mais tempo você estuda, melhor, mas tem que ser de forma consciente, entender o que você está fazendo e saber o porquê das coisas.

AynArA: E fAlAnDo sobrE HojE, quAl Está A sEnDo A suA AtuAção musicAl AtuAl, quE projEtos o sEnHor tEm DEsEnvolviDo, E o quE o sEnHor AinDA prEtEn-DE fAzEr musicAl E pEssoAlmEntE?Rieiro: Olhe, esse ano como estou comemorando meus 40 anos na Paraíba, estou assim com uma série de concertos. Estou acertando com o Quin-teto Uirapuru para fazer o Quinteto de Brahms e o Quinteto de Mozart, e a gente vai fazer uma peça que no ano passado não deu pra fazer. E dois com-positores estão fazendo dois concertos para mim. Ou seja, tem o Alisson Siqueira que vai fazer um concerto para clarinete, cordas e percussão e tem o Rogério Borges que vai fazer um concertino para clarinete e banda. Tem também a possibilidade praticamente certa de tocar em Natal com Aman-dy, vamos fazer o Mendelssohn lá. Estou aguar-dando várias coisas que estão pendentes assim. A minha ideia era fazer um recital com obras, gru-pos e formações que foram importantes na minha vida musical. Tem obras que me marcaram muito porque através delas consegui ganhar concursos, foram apresentações especiais. A ideia é fazer um recital tocando esse repertório com cordas, com quinteto de sopros, com trio. Ainda estou na fase da montagem. E à parte, o que mais me está con-sumindo é ainda, apesar de estar aposentado, a docência. Eu trabalho esse ano graças a Deus lá na EMAN (Escola de Música Anthenor Navarro). Vamos ter o primeiro clarinetista que vai se formar lá. Um vai se formar no primeiro semestre e mais duas, que tu começou a dar aula, vão se formar no final do ano. Inclusive uma delas vai fazer o vesti-bular. Estão crescendo, porque estou com dezes-seis alunos. Um monte de gente que está vindo de Natal e de Recife para estudar me pedindo “pro-fessor, pode me dar aula?”. E lá vou eu... (risadas). A ideia é seguir tocando, mas aí lamentavelmente a gente vive. Eu também estava trabalhando em

vários projetos com a Funarte e com algumas pro-dutoras lá do Rio de Janeiro. Mas o problema é que com essa crise econômica a maioria dos projetos foram cortados, e os que continuam ainda rece-bem fortes cortes. O fato de você estar morando na Paraíba ja cria um empecilho para você viajar lá para fora porque o custo das passagens são ab-surdos. Mas tem um pessoal da Universidade que está querendo fazer um movimento de música de câmara. Me chamaram para fazer o quinteto de Prokofiev, e lá vamos! O que aparecer a gente vai fazendo. Claro que não em um ritmo acelerado. Calma! Sou aposentado. Tenho que aproveitar um pouco, fazer meu esporte também e aí pronto.

AynArA: mArAvilHA, profEssor! Então é isso. foi muito EmocionAntE.Rieiro: Foi bom! Eu que agradeço e parabenizo a inciativa de manter esta revista.

Aynara Dilma Vieira da Silva é clarinetista da Orquestra Sinfônica da Paraíba, professora de clarineta da Universidade Federal da Paraíba. Foi aluna do prof. Carlos Rieiro. http://lattes.cnpq.br/7183759959168767

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META-FORMOSES ou Concerto para Clarinete Baixo e Ensemble de Jorge Peixinho:

Importância, escrita idiomática e questões de interpretação1

por Luís Gomes e Dra. Ana Telles

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RESUMO: Este trabalho centra-se na obra Meta-Formoses ou Concerto para Clarinete Baixo de Jorge Peixinho; sendo uma das obras mais frequentemente apresentadas e gra-vadas em Portugal e no estrangeiro, dentro das suas características e formação, revela a in-fluência do intérprete que a estreou, bem como características específicas da linguagem do seu autor. Com este trabalho, pretende-se, por um lado, apresentar a obra de um ponto de vista historiográfico, discutindo, entre outros elementos, as motivações do composi-tor, a influência de Harry Sparnaay e a representatividade das respectivas apresentações dentro e fora do país, em eventos específicos do meio clarinetístico e de uma forma geral; por outro lado, procuramos aferir a sua relevância no repertório deste instrumento, tanto português como internacional, analisando, na perspectiva do intérprete, a escrita idio-mática e a forma como nesta obra é explorado o clarinete baixo. Por último, discutem-se opções interpretativas em função do conteúdo musical da obra.

PALAVRAS-CHAVE: Clarinete Baixo, Jorge Peixinho, Harry Sparnaay, Meta-Formoses ou Concerto para Clarinete Baixo, Música séc. XX; Música em Portugal.

ABSTRACT: This paper is about Meta-Formoses or Concerto for Bass Clarinet, a work by Jorge Peixinho; being one of the most performed and recorded works in Portugal and abroad with this orchestration, it features the influence of the clarinetist who premiered it as well as the specific characteristics of the composer’s musical language. This paper aims to discover this piece historically, presenting the motivations of the composer and the in-fluence of Harry Sparnay. The work was performed various times in international clarinet events and in several countries; the importance of these performances is discussed here as well. One of the objectives of this paper is to evaluate the importance of this work in the bass clarinet repertory in Portugal and internationally, analyzing the composer’s idioma-tic writing for the bass clarinet. Finally, the interpretation options concerning the piece’s musical content are also discussed. KEYWORDS: Bass clarinet, Jorge Peixinho, Harry Sparnaay, Meta-Formoses or Bass Cla-rinet Concerto, 20th century music; Music in Portugal.

IntroduçãoExistem momentos marcantes na história e desenvolvimento do clari-

nete baixo. O seu lugar atual na música encontra-se ligado a nomes e cir-cunstâncias variadas. A sua criação e posterior desenvolvimento técnico conferem-lhe um potencial que influenciou, de sobremaneira, a sua afir-mação. Como instrumento solista, muito deve aos seus intérpretes, desde os primórdios até aos dias de hoje. A ele ficam ligados nomes como Jose-ph Horák, Harry Sparnaay, Henry Bok, Marc Volta, Michael Lowenstern, etc. Verifica-se uma interligação fecunda entre instrumento, intérpretes e compositores, bem como uma dedicação e um interesse recíprocos, com mútuas vantagens. O historial, as especificidades técnicas e o respectivo

Luís Gomes Professor da Escola de Música do

Conservatório Nacional de Lisboa [email protected]

Dra. Ana Telles Professora Auxiliar

da Universidade de Évora [email protected]

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domínio, a adaptação a este instrumento extremamente versátil e exi-gente, bem como as particularidades a ele associadas são temas de abor-dagem essencial. Desta forma, pretende-se analisar a interligação entre instrumento, intérprete e compositor, que em Portugal também ocorreu, utilizando o caso específico de Jorge Peixinho com Harry Sparnaay, que resultou numa obra de relevo para clarinete baixo: Meta-Formoses ou Con-certo para Clarinete Baixo e Ensemble, de Jorge Peixinho. Para além disto, será feita uma análise em termos da importância desta obra, a sua escrita, a forma como explora o instrumento e algumas das questões que levanta ao nível de interpretação e execução técnica por parte do intérprete.

São muito poucas as obras de compositores portugueses ou residentes em Portugal escritas para clarinete enquanto instrumento solista.2 Ainda menos numerosas são as que foram escritas para clarinete baixo neste âmbito. Pode aferir-se esta afirmação, por exemplo, através de uma breve consulta no Centro de Informação e Investigação da Música Portuguesa (www.mic.pt). A relevância daquelas que existem é acrescida em virtude desta realidade.3 Importa, por isso, estudá-las, divulgá-las e aprofundar conhecimentos sobre os nomes que as criaram, os seus intérpretes e as instituições a elas associadas. No caso de Meta-Formoses ou Concerto para Clarinete Baixo e Ensemble, os intervenientes são o clarinetista baixo Har-ry Sparnaay, o compositor Jorge Peixinho e o Grupo de Música Contem-porânea de Lisboa, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, que mantinha uma postura de encomendas a compositores e apoio à música contemporânea em Portugal, à época da respectiva composição.

No contexto referido anteriormente de concertos ou obras para cla-rinete solista e ensemble ou orquestra, esta acaba por ser uma das obras portuguesas mais frequentemente apresentadas e gravadas. Tem ganho destaque no âmbito do repertório para clarinete baixo e ensemble, tanto a nível nacional como internacional.4

Como afirma Jorge Machado, no âmbito do legado de Jorge Peixinho, esta obra tem características pouco comuns, pois o estilo concertante é relativamente raro na produção deste compositor.5

Na listagem de repertório existente para clarinete baixo elaborada por Harry Sparnaay no seu livro The Bass Clarinet: a personal history,6 surgem apenas 13 obras para clarinete baixo e ensemble, sendo apenas quatro de-las anteriores a Meta-Formoses.

Tendo como base estes pressupostos, documentar o processo com-posicional da obra e analisar a forma como o compositor escreveu para o instrumento permitirão enquadrá-la no âmbito da história do clarinete baixo e do seu repertório. Por outro lado, pretende-se recolher elemen-tos relativos à difusão da obra (apresentações em Portugal e no estran-geiro, bem como gravações da mesma), e consequentemente da música de Jorge Peixinho.

MetodologiaNeste trabalho, para além da revisão bibliográfica, foi feito e enviado/

recebido por correio electrónico um pequeno questionário com questões diretas e indiretas, específicas, de opinião e de factos, de resposta não es-truturada (final aberto)7. Estas questões foram respondidas por interve-nientes com ligações à obra, ao clarinete baixo, ao Grupo de Música Con-temporânea de Lisboa e a Jorge Peixinho. O intuito era obter informação complementar, relativa a diferentes aspetos sobre os quais versa este tra-balho, junto de cada um deles. Os destinatários selecionados foram Harry

1 . Este artigo foi aceito para publicação mediante avaliação de pares do corpo editorial, conforme proposta nas normas de submissão de trabalhos da revista Clarineta.

2. No presente trabalho, as menções relativas ao clarinete ou clarinete baixo como solista referem-se ao conceito de obra para instrumento solista e ensemble ou orquestra e não a instrumento solo.

3. Este facto é reforçado pela opinião manifestada por Victor Pereira na resposta ao questionário realizado no âmbito deste trabalho e que se apresenta na metodologia. “Contrariamente ao que se passa no panorama internacional do séc. XX, no contexto português os concertos para clarinete são muito poucos. Só isso bastaria para que o surgimento de uma obra fosse facto a ter em conta, (no caso de Meta-Formoses) tratando-se de um dos compositores de referência no país (Jorge Peixinho), é sem dúvida, uma obra de grande relevo no repertório português para o instrumento. Victor PEREIRA, Resposta ao questionário elaborado por Luís Gomes, enviado por correio eletrónico, (2016).

4. Para Henri Bok, “Metaformoses is in my opinion a very important piece within the Portuguese bass clarinet repertoire first of all, but also within the general specialist repertoire dedicated to the bass clarinet. Not only because of the writing for the bass clarinet as a solo instrument, but also the rather unusual choice of instruments in the ensemble: Fl, Fl Picc, Cl, Trp, Harp, Guit, Vla, Vlc. For me the piece has stood the test of time, which is not always the case with repertoire written in the eighties.” Henri BOK, Resposta ao questionário elaborado por Luís Gomes, enviado por correio eletrónico, (2016).

5. “Penso que esta obra se insere num grupo restrito de obras para um instrumento solo e grupo instrumental/orquestra, escritas [por Jorge Peixinho] a partir dos anos 80 e resultado de encomenda da FCG, Mémoires... Miroirs. Concerto para clavicórdio, de 1980, Concerto de Outono (oboé solo), de 1983, e Concerto para Harpa e Conjunto Instrumental, de 1995, todos dedicados a um instrumentista de alto nível e especialista nas técnicas/linguagens contemporâneas.” Jorge MACHADO, Resposta ao questionário elaborado por Luís Gomes, enviado por correio eletrónico, (2016).

6. Harry Sparnaay, The bass clarinet – a personal history (PERIFERIA Sheet Music, Barcelona, 2011).

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Sparnaay, pela sua ligação desde o início à obra e na sua qualidade de es-pecialista no instrumento; Henri Bok, pela sua especialização no clarine-te baixo; Victor Pereira, por ter sido um dos solistas que tocou e gravou a obra. Outros dois nomes a quem foram colocadas as questões foram José Machado (atual diretor artístico do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa) e Jorge Machado (vice-diretor), pela ligação que ambos têm a este agrupamento e a Jorge Peixinho, sendo inclusivamente detentores dos di-reitos de autor da obra de Jorge Peixinho. Clotilde Rosa foi inquirida pelo seu relacionamento com Jorge Peixinho à época da criação da obra e por ter testemunhado, de um ponto de vista privilegiado, a sua ante-estreia.

O trabalho inclui ainda um breve resumo sobre a história do instru-mento e dos nomes de maior relevo a ele ligados, bem como uma apresen-tação dos intervenientes no surgimento de Meta-Formoses: Jorge Peixinho, Grupo de Música Contemporânea de Lisboa e Harry Sparnaay. São elen-cadas as apresentações e gravações da obra e seus intérpretes. Neste tra-balho, procedemos também a uma breve análise formal da obra, com base nas suas texturas e motivos musicais. São analisadas as características da escrita idiomática do clarinete baixo, bem como questões técnicas e de in-terpretação. A componente analítica foi feita com base nos manuscritos autógrafos existentes na sede do Grupo de Música Contemporânea de Lis-boa. A consulta da partitura geral e da parte cava do clarinete baixo, no âm-bito deste trabalho, bem como a utilização das imagens e exemplos, têm a autorização expressa dos detentores dos direitos da mesma. Os referidos materiais estão disponíveis para consulta através de hiperligações,8 bem como no CESEM - Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical.

O clarinete baixoInstrumento da família do clarinete, o clarinete baixo pertence à fa-

mília dos sopros/madeiras, na categoria das palhetas simples. Dentro dos clarinetes, é um dos mais utilizados, juntamente com os clarinetes em Sib e em Lá, bem como a requinta. A sua extensão é vasta, desde o Dó1 escrito (Sib som real),9 até um registo agudo cujos limites são difíceis de definir, pois dependem em grande medida do instrumentista e da sua capacidade.

A história documentada do clarinete baixo inicia-se com um artigo no jornal de Paris, Líélvant-Coureur, datado de 11 de Maio de 1772. Segundo Rendall,10 este artigo foi citado integralmente por Constant Pierre no seu livro Les Facteurs d’instruments de musique.

Encontramos modelos de clarinete baixo anteriores a este documen-to nas coleções dos museus de Bruxelas, Berlim, Lugano e Salzburgo, sem que, no entanto, estes possuam as características do instrumento descri-to. Surgem, mais tarde, modelos como o Clarinetten-bass feito por Henrich Grenser. No início do Séc. XIX, Desfontenelies, em Lisieux, e Dumas, em Sommières, inventaram novos modelos de clarinete baixo, mais próximos do modelo atual, com grandes melhorias técnicas. Outros construtores, como Sautermeister, em Lyon, que criou o Basse-orgue, e o italiano Catteri-no Catterini, com o seu Glicibarígono, não devem igualmente ser esqueci-dos. Adolphe Sax, em 1838, com o seu Clarinette Basse recourbée à pavillon de cuivre, evolui em termos técnicos e de construção para um modelo que é muito idêntico ao dos nossos dias. Este construtor permite que este clari-nete se torne versátil tecnicamente, com uma sonoridade definida e agra-dável e uma boa amplitude de extensão e dinâmicas, contribuindo para uma afirmação clara no meio musical. O clarinete baixo de hoje não é mais que o refinamento do modelo construído por Adolphe Sax.

7. TUCKMAN, Bruce W; Manual de Investigação em Educação (Lisboa,

Fundação Calouste Gulbenkian, 2002), pp. 308-11.

8. Parte cava do clarinete:https://dl.dropboxusercontent.

com/u/1195958/Partituras/1%20JP/Meta%20Formoses/Cl%20baixo%20

solo_Meta-Formoses.pdf. Partitura:

https://www.dropbox.com/s/jay4ptpbswkv1e8/Meta-Formoses.pdf?dl=0

9. Neste trabalho as referências aos símbolos de registo são feitas de

acordo com a convenção francesa. Claude ABROMONT, Eugène De

MONTALEMBERT, “Tableaux pratiques”, Guide de la Théorie de la Musique (Paris:

Éditions Henry Lemoine, 2001), p. 564.

10. Geoffrey RENDALL, The clarinet; some notes upon its history and construction

(London, E. Benn; New York, W. W, Norton, 1971), p.139.

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Tendo sido considerado durante muito tempo como um instrumento secundário, utilizado fundamentalmente como complemento do clarine-te, em termos de extensão, ao longo da sua história o clarinete baixo acabou por conquistar lugar de destaque. Depois de uma clara afirmação ao nível do repertório e constituição da orquestra, é na segunda metade do Séc. XX que ocorre uma verdadeira revolução na mentalidade de compositores e instrumentistas. Como afirma Melissa Simmons, “The bass clarinet was developed in the late 18th century and gained widespread acceptance in the latter part of the 19th century as a viable orchestral instrument, but it did not follow suit into the recital tradition until the middle of the 20th century”.11

Joseph Horák, músico de origem checa, realiza o primeiro recital a solo de clarinete baixo a 23 de Março de 1955. Horák cria, com Emma Kovár-nová, o Due Boemi di Praga, que permanecerá no ativo durante mais de 40 anos. Segundo Simmons, para este agrupamento foram escritas 296 obras, algumas por compositores de renome.12 À influência de Joseph Horák de-vem-se mais de 600 obras. 13

Outros dos responsáveis pelo alargamento de horizontes no que diz respeito a este clarinete foram, sem dúvida, Harry Sparnaay e Henri Bok. Este músicos influenciaram profundamente a maneira como vários com-positores recentes passaram a considerar o clarinete baixo. Harry Sparnaay e Henri Bok fizeram nascer também a vertente do ensino deste instrumen-to enquanto solista, na Europa. Na atualidade, Marc Volta, Rocco Parisi, Michael Lowenstern e muitos outros pelo mundo elevaram o estatuto do clarinete baixo ao nível do do clarinete ou qualquer outro instrumento. No presente, este é encarado na escrita musical de uma forma equivalente ao clarinete em termos de importância, sobrepondo-se inclusive muitas ve-zes, dada a sua maior riqueza de sonoridades e efeitos, bem como na sua extensão. Muitos compositores na formação instrumental das suas obras ponderam a utilização do clarinete baixo em substituição do clarinete.

Intervenientes

Jorge Peixinho

Jorge Peixinho é um nome incontornável na história da música portu-guesa, particularmente da segunda metade do século passado. Nascido em 1940, no Montijo, faleceu no dia 30 de Junho de 1995, de forma precoce. Como se pode ler na sua biografia online,14 Jorge Peixinho foi compositor, pianista, crítico, maestro, professor, conferencista, membro da direção de várias organizações, nacionais e internacionais, organizador de concertos e maestro. Estudou Piano e Composição no Conservatório Nacional em Lisboa e em Roma, na Academia de Santa Cecillia. Trabalhou ainda com Luigi Nono, Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen. Esteve presente nos Cursos Internacionais de Darmstadt em várias ocasiões ao longo da década de 60. Peixinho participou em quase todos os festivais de música contem-porânea da época e foi júri de concursos internacionais de composição; obteve também vários prémios com as suas obras; foi fundador e principal mentor do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, e membro do Con-selho Presidencial da Sociedade Internacional de Música Contemporânea.

Este contacto com variados centros de criação e experimentação mu-sical, na Europa e no mundo, colocou Jorge Peixinho numa posição privi-legiada, que lhe permitiu trazer ao meio musical português de então novos desafios, novos horizontes, novos caminhos e rumos.

11. Melissa SIMMONS, The bass clarinet recital: the impact of Josef Horák on recital repertoire for bass clarinet and piano and a list of original works for that instrumentation. (Tese de Doutoramento, Evanston, IL, Beinem School of Music, 2011), p.i.

12. Listagem de obras presente na tese de Melissa Simmons. SIMMONS, pp. 36-42.

13. Incluindo transcrições e adaptações.

14. http:// http://www.gmcl.pt/jorgepeixinho/biografia.htm (acedido em 22/03/2016).

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Tudo isto não significa que o seu trajeto no meio musical e social tenha sido facilitado. A sua música era valorizada e devidamente apreciada por muitos, mas muitas vezes contestada e incompreendida pelo público no geral. Como afirma Manuel Pedro Ferreira, no livro de José Machado In Memoriam, 15 “Peixinho foi um autor estimado, tanto pelos críticos, juízes de eficácia comunicativa e do gosto musical, como pelos compositores, juízes do profissionalismo e da inventividade artística. Sendo um compo-sitor de vanguarda teve no entanto óbvias dificuldades de relacionamento com o público”.

Ao contrário de outros compositores da sua geração, Jorge Peixinho escolheu regressar ao seu país de origem, após os anos de formação no estrangeiro, e foi aí que tentou afincadamente mudar os paradigmas da criação, interpretação e recepção musicais (bem como o ensino da com-posição). Este esforço foi sempre complementado com uma formação e atualização constantes fora de Portugal. Como afirma Francisco Monteiro,

Jorge Peixinho constitui uma referência fundamental na música portuguesa da segunda metade do século XX. Talento precoce, viandante dos grandes centros da vanguarda do pós-guerra europeu, crítico, intérprete, pedagogo, organizador de inúmeros encontros e cultor de duradouras amizades, J.P. demonstrou sempre uma vontade firme e tenaz de transformar o panorama mu-sical que o envolvia, mesmo quando as circunstâncias e os resultados lhe eram adversos.16

Pode considerar-se que é um privilégio para o clarinete baixo e seus in-térpretes ter uma obra solística escrita por este compositor.17 Na resposta ao questionário, José Machado relata que Meta-Formoses é “uma obra as-sumidamente muito importante para o autor, por todas as circunstâncias que a marcaram desde logo à nascença: a dedicatória a Harry Sparnaay, o Festival SIMC em Amesterdão e a encomenda da Fundação Gulbenkian”.18

Grupo de Música Contemporânea de LisboaO Grupo de Música Contemporânea de Lisboa tem a sua génese num

grupo de amigos, António Oliveira e Silva, Carlos Franco e Clotilde Rosa, liderados por Jorge Peixinho, a quem se viriam a juntar vários outros, uni-dos pela ideia de explorar e experimentar novas linguagens e estéticas, e encarando de forma descomplexada e aberta a chegada da vanguarda mu-sical ao país.19 Tendo celebrado oficialmente os seus 40 anos de existência a 31 de Março de 2010, portanto atualmente com mais de 45 anos de exis-tência, o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa mantem uma pro-funda ligação à figura e obra de Jorge Peixinho.

Este é um dos mais antigos grupos musicais deste género ainda em atividade na Europa, distinguindo-se claramente dois momentos da sua história: antes e outro após a morte do seu mentor. Peixinho e o seu grupo foram inspiradores e aglutinadores, centrando muita da ação no âmbito da música contemporânea em Portugal. Alguns dos seus intérpretes acabaram por dedicar-se também à composição, sendo o exemplo mais relevante o de Clotilde Rosa.

Após a morte de Peixinho, o Grupo de Música Contemporânea de Lis-boa assistiu a uma mudança de paradigma, mantendo no entanto o legado

15. Manuel Pedro Ferreira, “A obra de Peixinho: problemática e receção”

Machado, Jorge Peixinho In Memoriam (Lisboa, Editorial Caminho, 2002), p. 225.

15. Manuel Pedro Ferreira, “A obra de Peixinho: problemática e receção”

Machado, Jorge Peixinho In Memoriam (Lisboa, Editorial Caminho, 2002), p. 225.

16. Francisco Monteiro em: http://projectojp.blogspot.pt/2012_06_01_

archive.html (acedido em 20/01/2016)

17. “... [Peixinho] aquele que foi no último terço do século, o mais importante, fino

e fantasioso dos compositores ativos em Portugal”. Manuel Pedro Ferreira, “A obra

de Peixinho” (ver nota 15), p. 260.

18. José MACHADO, Resposta ao questionário elaborado por Luís Gomes,

enviado por correio eletrónico, (2016).

19. Clotilde Rosa é o único elemento dos fundadores do Grupo de Música

Contemporânea de Lisboa que se encontra vivo..

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e a abertura de espírito de sempre. Atualmente, são feitas variadas enco-mendas aos mais diversos compositores, e são estreadas obras de corren-tes e tendências estéticas sem qualquer restrição ou preconceito. Com uma formação instrumental de base composta por Violino, Viola, Violon-celo, Flauta, Clarinete, Voz, Harpa e Percussão, o Grupo de Música Con-temporânea de Lisboa proporciona o alargamento desta formação sempre que necessário. Com um historial de obras estreadas, encomendas, cons-tantes apresentações de música portuguesa no estrangeiro e ainda um le-que de registos discográficos com obras de variadíssimos compositores, pode considerar-se que o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa é hoje um dos polos mais dinâmicos da música portuguesa.

Harry SparnaayHarry Sparnaay tem-se destacado como um dos mais ativos e respeita-

dos clarinetistas-baixo da atualidade.20 Após Joseph Horák, que foi verda-deiramente um pioneiro, como já vimos, Sparnaay tem quase um milhar de obras compostas a seu pedido e/ou dedicadas a si, como se pode verificar no sua página pessoal na internet.21 Verdadeiro promotor do instrumento, este músico é também uma referência mundial no âmbito da música con-temporânea. À sua qualidade como instrumentista, aliam-se o contacto e influência que pôde exercer junto de alguns dos maiores nomes da com-posição ao longo de toda a sua vida. Sparnaay teve o privilégio de contactar e trabalhar com esses compositores, mostrando-lhes todo o potencial do clarinete baixo, o seu timbre, som, potencial técnico e versatilidade, e diz:

Todos los grandes compositores que han escrito obras para mí han trabajado directamente conmigo, ya que muchos de ellos no podían concebir la idea de escribir para el clarinete bajo. Fue una gran experiencia trabajar con Isang Yun, Iannis Xenakis, Morton Feldman, Lucia-no Berio, Franco Donatoni, Helmut Lachenmann... 22

Sparnaay está intimamente ligado ao desenvolvimento do clarinete baixo e à sua emancipação como instrumento de referência, na escrita atual, a par do clarinete.

Neste processo, tem vindo a escolher os compositores cuja persona-lidade, linguagem e estilo musical lhe agradam, e desafia-os a escrever. Tal aconteceu precisamente com Jorge Peixinho, o que Sparnaay confirma na sua resposta ao questionário: “I asked him [Peixinho] because I liked his music and also as a person I liked him, which for me is also very important”.23

Este intérprete veio a funcionar também como exemplo para muitos outros. Henri Bok (outro dos nomes com maior relevo no que ao clarinete baixo diz respeito) foi um dos primeiros alunos de Sparnaay e veio a suce-der-lhe no conservatório de Roterdão como professor da classe de clarine-te baixo. Seguiu uma metodologia semelhante de encomenda e solicitação de obras, e os dois são considerados os principais responsáveis pela eman-cipação do clarinete baixo na música do nosso tempo. Bok tem também muitas centenas de obras por si encomendadas ou a si dedicadas, incluin-do de compositores de renome. Ambos têm acesso a encontros, congres-sos, festivais e outros eventos que lhes facilitam o contacto com músicos e compositores de vários países. As valências técnicas e interpretativas de ambos, com uma forte componente expressiva, têm motivado os compo-sitores no processo de criação de novas obras para clarinete baixo. 24

20. “Harry Sparnaay es sin duda una de las voces más importantes en el mundo musical actual. Su virtuosismo en el clarinete bajo ha motivado a varios de los más grandes compositores de nuestro tiempo a escribir obras que forman parte de la literatura actual de este instrumento. Sus conciertos son todo un acontecimiento inolvidable – uno simplemente queda impressionado”. Marco MAZZINI, Entrevista Harry Sparnaay (Roterdão, 2 de Abril, 2005), http://www.clariperu.org/Entrevista_Sparnaay.html, acesso a 23/01/2016.

21. Página pessoal de Harry Sparnaay (www.harrysparnaay.info), (acedido em 22/02/2016).

22. MAZZINI, Entrevista Harry Sparnaay (ver nota 0).

23. Harry SPARNAAY, Resposta ao questionário elaborado por Luís Gomes, enviada por correio eletrónico, (2016).

24. “La verdad es que cuando uno domina bien un instrumento, motiva, y yo creo que el clarinete bajo ofrece más posibilidades que el clarinete. [...] Como sabemos, técnica no es sólo mover los dedos, si no todo lo que se relaciona con la emisión del sonido, del hacer música”. MAZZINI, Entrevista Harry Sparnaay (ver nota19).

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A obraComo vimos, Meta-Formoses ou Concerto para Clarinete Baixo ficou

marcada desde a sua ante-estreia e estreia pelos vários intervenientes que lhe estão associados,25 desde logo pela importância quer de Sparnaay no clarinete baixo, quer de Jorge Peixinho na composição, quer do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa em Portugal. A sua ante-estreia deu-se em Lisboa, nos 9ºs Encontros de Música Contemporânea da Fundação Calouste Gulbenkian (que encomendou a obra), a 12 de Maio de 1985; a estreia teve lugar em Amesterdão, no Festival Internacional do SIMC-Gau-deamus, que decorreu de 4 a 13 de Outubro de 1985.

Harry Sparnaay diz, no questionário que lhe foi colocado que,26 apesar de a memória não lhe permitir ter a certeza, deve ter conhecido Jorge Pei-xinho nos “Gaudeamus Music Weeks”; o seu depoimento no livro Jorge Peixinho In Memoriam parece confirmar esta ideia, na medida em que o mesmo intérprete afirma que “foi durante um concerto em Ijsbreker em Amesterdão e penso que foi num concerto Gaudeamus [que conheceu Jorge Peixinho]”. Sparnaay afirma ainda que Meta-Formoses é uma obra “muito lírica e intensa”, por ele “tocada duas vezes, com o seu [de Jorge Peixinho] grupo [Grupo de Música Contemporânea de Lisboa] uma vez em Amesterdão e uma vez em Lisboa”.

A obra Meta-Formoses ou Concerto para Clarinete Baixo é um marco na história deste instrumento, não só em Portugal, como a nível internacio-nal. Trata-se de uma das primeiras obras que colocam em destaque o cla-rinete baixo como instrumento solista, sendo que em Portugal esta obra apenas foi precedida pela peça escrita por Duarte Pestana para clarinete baixo e orquestra (Breve Fantasia para Clarinete Baixo). Será necessário es-perar décadas para termos novas obras, escritas no nosso país, com este perfil, nomeadamente a partir do início do Séc. XXI (existem cinco no to-tal). Mesmo a nível internacional, este perfil de obra para clarinete baixo solista e ensemble tem poucos predecessores, como já vimos; para além disso, Meta-Formoses distingue-se por uma abordagem muito específica ao nível da escrita e da forma como explora o instrumento. Pode deduzir-se que a influência de um especialista de renome mundial como Harry Spar-naay e a troca de impressões e informações entre o compositor e o solista alargaram o espectro da paleta composicional.

Neste concerto para clarinete baixo, nota-se claramente a maior parte das características da linguagem de Jorge Peixinho. A escrita para o instru-mento explora uma expressividade, lirismo e fraseio permanentes, para além de uma notável sensibilidade para escolha dos registos mais condi-zentes com os diferentes ambientes criados. Em cerca de vinte e dois mi-nutos de música, o potencial interpretativo e técnico de instrumentista e instrumento são amplamente solicitados, seja em momentos de tensão profunda, de fluentes diálogos com o ensemble e misturas de cores, tim-bres e efeitos cuidadosamente interligados. O cunho pessoal do composi-tor é evidente em colagens e citações constantes de matérias sempre de-senvolvidas de forma interligada.

Tendo Jorge Peixinho atravessado várias fases em que assumiu os pa-péis de intérprete, maestro e compositor da sua própria música, à época da composição de Meta-Formoses já se encontrava no papel de maestro, e não de pianista, do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa. Importa refe-rir que, muitas vezes, os membros do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa tocavam pela partitura, não sendo extraídas partes cavas; no entan-to, com a presença do compositor como maestro, tal passa a ser cada vez

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25. Na altura e segundo Clotilde Rosa, a obra teve impacto considerável, “O

Sparnaay era de facto muito bom!” Este clarinetista era uma estrela no universo da música contemporânea. O ambiente

daquele Centro de Arte Contemporânea foi marcante. O concerto que também

continha obras portuguesas e outras de que não me lembro, realizou-se com

algum sucesso! Mas a obra principal foi o concerto para Clarinete Baixo “Meta-

Formoses” de Jorge Peixinho! Foi um grande êxito. Clotilde ROSA, Resposta ao questionário elaborado por Luís Gomes,

enviada por correio eletrónico, (2016).

26. SPARNAAY, Resposta (ver nota 23).

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mais raro, como neste caso. Essa situação proporcionava uma liberdade, uma inter-reacção e uma interligação no processo interpretativo de que nos apercebemos repetidas vezes ao longo obra.27

As apresentações e gravações da obra e seus intérpretes : Meta-Formoses apresenta-se como uma obra representativa da música

portuguesa também pelo número de vezes que foi apresentada e gravada. Poucos concertos para clarinete foram escritos no nosso país e menos ain-da tiveram esta projeção, especialmente no meio clarinetístico nacional e internacional. A sua apresentação dentro e fora de portas é significativa. Como afirma Victor Pereira,28 esta é “uma obra que merece ser mais tocada e divulgada, de grande qualidade”.

Devemos salientar a sua presença no 1º Congresso Mundial do Clarine-te Baixo em Roterdão em 2005. Este foi o primeiro congresso a nível mun-dial exclusivamente organizado para este instrumento e, como tal, a pre-sença desta obra num grupo selecionado de repertório e intérpretes, como foi o caso, demonstra a sua representatividade a nível do repertório do instrumento. Em 2010, a apresentação no Curso e Concurso Internacional de Clarinete Julian Menendez em Ávila, Espanha, e em 2015 no Congresso Mundial do Clarinete, Clarinetfest, da International Clarinet Association, em Madrid, mostram também que em eventos ligados ao clarinete, esta peça tem tido uma relevância expressiva.

Fora de Portugal, podemos salientar a apresentação da estreia em Amesterdão em 1985, já referida anteriormente, e as apresentações em França, nas cidades de Lille e Dunquerque.

Em Portugal, Meta-Formoses já foi tocada sete vezes até hoje, com quatro apresentações em Lisboa, começando pela já referida ante-estreia que decorreu nos Encontros da Fundação Calouste Gulbenkian em 1985, na Academia dos Amadores de Música em 2005, no centro Cultural de Belém em 2010 e na Escola de Música do Conservatório Nacional em 2014. Neste lote de concertos, pode verificar-se que, na Academia de Amadores de Música, surge a primeira apresentação depois de 1985, pelo que este pode considerar-se um momento marcante na história da obra. Também a apresentação no CCB, é relevante pois, nesse contexto, Meta--Formoses foi uma das obras de Peixinho selecionadas para serem apre-sentadas nas comemorações dos quarenta anos do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa.

Na cidade do Porto, surge-nos o primeiro concerto realizado fora do âmbito do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, apresentado pelo Remix Ensemble na Casa da Música. Neste encontramos o terceiro solista a apresentar a obra, Victor Pereira, que é considerado um espe-cialista em música contemporânea até pelo lugar que ocupa como clari-netista no Remix Ensemble, agrupamento que é já uma referência nesta área específica. São de referir também os concertos no Conservatório de Música do Porto, em 2014, e na cidade de Amarante, ambos com o maes-tro Fernando Marinho.

Em termos de registo videográficos e fonográficos, existem os registos áudio amadores do concerto de ante-estreia e estreia em Lisboa e Amster-dão, que estão na posse de Harry Sparnaay e Luís Gomes. Existe ainda uma gravação VHS do concerto de ante-estreia (Lisboa) que se encontra na posse do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa. Registos videográficos dos concertos de Lille 29 e Lisboa (CCB)30 encontram-se disponíveis no youtube.

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27. Notas de programa desta obra escritas pelo compositor “Foi por sugestão de Harry Sparnaay que nasceu a ideia da realização de Meta-Formoses (1985), destinada a clarinete-baixo solista e a um pequeno conjunto de câmara (flauta e flautim, clarinete em si bemol, trompete, harpa, guitarra, viola e violoncelo). A forma geral é articulada segundo um sistema complexo de relações entre os diversos tipos de materiais de base, os quais estabelecem uma rede de transformações e sobreposições, assumindo, por isso, um carácter especial em que os diversos ciclos de reiteração dos elementos-base são assinalados por mutações constantes, susceptíveis de diferentes leituras com distintos matizes. Para além da função solística do clarinete baixo (factor, por assim dizer, «exterior»), existe um outro aspecto unificador na concepção e elaboração da obra (factor «interno»): um sistema de campos harmónicos, nos quais a técnica contrapontística e as relações intervalares assumem uma função estrutural: elemento-matriz e critérios de mobilidade e transformação. Meta-Formoses, encomenda da Fundação Gulbenkian, é dedicada a Harry Sparnaay e foi estreada em Amesterdão em Outubro de 1985 no âmbito do Festival Internacional da SIMC pelo dedicatário (como solista) e pelo Grupo de Música Contemporânea de Lisboa (Jorge Peixinho in Programa dos 9ºs EMC, Lisboa, 1985, pp. 54-5).

28. PEREIRA, Resposta (ver nota 3).29. https://www.youtube.com/watch?v=fiwSD5Sx8bs, https://www.youtube.com/watch?v=P9fSLwdFMNE.

30. https://www.youtube.com/watch?v=5SdDq7BpX5c, https://www.youtube.com/watch?v=qNppR5XDwLI

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Há dois registos áudio profissionais de Meta-Formoses disponíveis: um pelo Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, Luís Gomes e o maestro Christopher Bochmann,31 e outro pelo Remix Ensemble, Victor Pereira e o Maestro Baldur Brönnimman.32

Apresentações da obra

Data País Cidade Evento e/ou Sala Ensemble Maestro Solista

12/05/1985 Portugal Lisboa Ante-Estreia, Fundação Gulbenkian GMCL Jorge Peixinho Harry Sparnaay

04 a 13/10/1985 Holanda Amestderdão Estreia, Festival Internacional SIMC Gaudeamus GMCL Jorge Peixinho Harry Sparnaay

22/10/2005 Holanda Roterdão 1º Congresso Mundial de Clarinete baixo GMCL Christopher Bochmann Luís Gomes

25/10/2005 Portugal Lisboa Academia dos Amadores de Música GMCL Christopher Bochmann Luís Gomes

26/01/2010 França Lille Auditório do Conservatório de Lille GMCL Jean-Sebastien Béreau Luís Gomes

28/01/2010 França Dunquerque Centro de Arte Contemporânea - Sala Bizet GMCL Jean-Sebastien Béreau Luís Gomes

31/03/2010 Portugal Lisboa Celebração dos 40 anos do GMCL - CCB GMCL Christopher Bochmann Luís Gomes

25/04/2010 Portugal Porto Casa da Música, Sala Suggia REMIX Baldur Brönnimman Victor Pereira

23/07/2010 Espa-nha Avila

Curso e Concurso Internacional de Clarinete Julian Menendez, Sala Sinfónica do Centro de

Congresos e Exposiciones Lienzo NorteGMCL Christopher Bochmann Luís Gomes

25/09/2014 Portugal Lisboa Escola de Música do Conservatório Nacional GMCL Fernando Marinho Luís Gomes

26/09/2014 Portugal Porto Conservatório de Música do Porto GMCL Fernando Marinho Luís Gomes

27/09/2014 Portugal Amarante Centro Cultural de Amarante GMCL Fernando Marinho Luís Gomes

23/07/2015 Espa-nha Madrid

ClarinetFest - International Clarinet Association,Congresso Mundial de Clarinete

Centro Cultural Conde Duque, Teatro.GMCL Christopher Bochmann Luís Gomes

Parte 1 2 3 4 5 6

Compasso/Letra C.1/C.4 C.5/D D/D’ D’/C.54 C.54/H H/I I/K

Material temático/

SecçãoA1 A2 B A2 B1 B C e D

Parte 7 8 9 10 11 12

Compasso/Letra K/M M/N N/R R/S S/T T

Material Temático/

SecçãoA2 A1 A2 B E A1

Breve análise formal do concertoPode considerar-se que o título da obra encerra pistas para a com-

preensão da sua estrutura, havendo uma “morfose” no sentido em que os materiais surgem, se transformam e se sobrepõem. O discurso musical assume uma função próxima da improvisação escrita, não li-vre, mas flexível. Muitas vezes não existe uma pulsação estabelecida, sobressaindo uma liberdade de tempo e expressão interpretativa, na continuidade de um discurso fluente e escorreito. Note-se ainda uma dicotomia de momentos densos e intensos com outros, de uma acal-mia bucólica e rarefeita. Estes casos quase sempre são aproveitados para explorar o virtuosismo e a dimensão técnica do clarinete baixo. Sentem-se claramente os diálogos entre os diferentes grupos sonoros e o instrumento solista com as suas características.

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31. Disco compacto com gravação do concerto pelo Grupo de Música

Contemporânea de Lisboa, com o Maestro Christopher Bochmann e

Luís Gomes como solista. Grupo de Música Contemporânea de Lisboa. Jorge

Peixinho: Meta-Formoses / Leves Véus Velam / A Silenciosa Rosa / Llanto por

Mariana. Lisboa, Ma de Guido LMG4004 DDD, 2007.

32. Disco Compacto do concerto pelo Remix Ensemble, com o Maestro Baldur

Brönnimman e o solista Victor Pereira (gravação ao vivo). Concerto Victor

Pereira. Porto, Remix Ensemble Casa Da Música, 2010.

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Esquema Formal

Como se pode verificar no esquema formal, a obra pode ser dividida em doze partes.

A Parte 1 (desde o início até à letra de ensaio D) distingue-se por ter momentos expressivos, caracterizados pela fluência do discurso, apre-sentado de forma flexível e variável e dependente de uma condução de frase e de um tempo feitos em conjunto pelo maestro (através das in-dicações por ele dadas ao solista e ao ensemble e marcadas na partitura pelo compositor) e pelo solista, utilizando as variações de velocidade nas ornamentações e arabescos e na duração das suspensões.

A secção A1 (compassos 1 a 4) desta Parte 1 corresponde ao início da obra, que começa com um solo do clarinete baixo, sem compasso es-tabelecido, numa improvisação quase livre com ornamentação escrita, que evolui sobre um determinado campo harmónico. Sem tempo me-tronómico definido e uma indicação de andamento Moderato Libero e de carácter Expressivo, esta secção comporta momentos de junção que são indicados pelo maestro a partir de marcações escritas na partitura pelo compositor. Nestas se faz uma coordenação entre a linha meló-dica do clarinete baixo e as intervenções melódicas e/ou harmónicas de outros instrumentos. Não foi possível apurar se tais indicações na partitura foram escritas aquando dos primeiros ensaios (sendo portan-to decorrentes de uma questão interpretativa e performativa e não de uma questão composicional) ou se foram colocadas pelo autor aquan-do da escrita da obra.

Nesta mesma Parte 1, a partir da secção A2 (do compasso 5 à letra D), o solo de clarinete baixo prossegue, mas surgem diálogos e intera-ção com outros instrumentos. O próprio papel do clarinete baixo, atrás descrito, é muitas vezes substituído por outros instrumentos (como por exemplo no compasso livre 22, na marca de dupla seta/indicação de junção), a condução em termos de frase, tempo e fluência são variá-veis de acordo com as intervenções desses mesmos instrumentos ou conjuntos de instrumentos. Aparecem de forma mais sistematizada as indicações de compassos e metronómicas, mas mesmo nos momentos em que estes elementos surgem, sente-se claramente que são apenas guias de execução para que a interação seja controlada, deixando no entanto muito espaço para manter o carácter livre da secção. Nestes momentos, as constantes alterações e diferenças metronómicas con-tribuem para uma sensação de não regularidade, flutuação e fluência constante.

A Parte 2 (entre as letras de ensaio D e D’) apresenta material novo, com características mais virtuosísticas, caracterizadas por escalas e movimentos ascendentes rápidos e fluidos, com gestos alternados em contraponto, que caracterizam o que consideramos ser a secção B.

A Parte 3 (entre a letra de ensaio D’ e o compasso 54) apresenta uma reiteração do material característico apresentado na secção A2; nessa reiteração, a ornamentação é mais sucinta e menos preponderante, com um discurso um pouco mais direto.

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Na Parte 4 (entre o compasso 54 e a letra de ensaio H), reencontra-mos o material em que se identificam os gestos rápidos e virtuosos, com um desenvolvimento por parte dos instrumentos e intervenções livres de escrita pontilística, contrastando com momentos mais fluen-tes. Com efeitos contínuos de movimento, verifica-se por vezes a al-ternância de notas em trilos ou trémulos, por vezes suspensos, dando lugar a intervenções dos outros instrumentos, com variações texturais e tímbricas, que designámos por secção B1.

Estabelece-se que a Parte 5 (situada entre as letras de ensaio H e I) nos apresenta novamente o material característico da secção B, desen-volvido no sentido de um maior virtuosismo instrumental, dando por vezes a sensação de “perseguição” entre as várias intervenções do clari-nete baixo e dos diferentes instrumentos.

A Parte 6 (entre as letras de ensaio I e K) pode considerar-se um eixo central de ligação entre as duas metades da obra, feito de momentos de uma sonoridade ondulante, com solos de clarinete baixo na zona dos graves em movimentos murmurantes, alternando com vibratos largos, flatterzungs, trilos e trémulos que, em conjunto com as intervenções dos restantes instrumentos, constituem a nova secção C. Ainda nesta parte 6, encontramos um extenso compasso livre, onde o solista pára e os instrumentos intervêm num registo grave, em heterofonia, sem qualquer indicação métrica, mas apenas com indicações de tempo e de intervenções geridas pelo maestro, a secção D.

Na Parte 7 (que começa depois da letra de ensaio K e acaba na letra de ensaio M) é apresentado novamente material característico da Sec-ção A2 numa reiteração modificada da respetiva textura, do carácter e do gesto, com inovações e desenvolvimentos pontuais.

Na Parte 8 (entre as letras de ensaio M e N), encontramos uma pri-meira reexposição do material inicial, de forma claramente evocativa, a Secção A1.

Na Parte 9 desta obra (entre as letras de ensaio N e R), encontramos as mesmas características da secção A2, com desenvolvimentos e uma duração mais significativa; sinais orientadores marcam diferentes in-tervenções dos instrumentos não solistas e a primeira cadência “Ad li-bitum” do clarinete baixo.

Na Parte 10 (situada entre as letras de ensaio R e S), temos uma rea-presentação do material característico da secção B, com um reforço do virtuosismo e da técnica, num frenesim vertiginoso, em detrimento de uma expressividade apesar de tudo mantida, terminando num evocar ou relembrar de materiais apresentados também na secção C, com o solista a tocar sem acompanhamento.

Na Parte 11 (entre as letras de ensaio S e T), encontramos uma sec-ção nova, a E. Neste espaço alargado em que o solista não intervém, os compassos são mesurados e surge um momento inovador, com ca-rácter leve e rítmico, uma pulsação bem presente e características de scherzando, contrastantes com o carácter geral da obra.

A Parte final desta obra, a 12 (que começa na letra de ensaio T e ter-mina no fim da obra), faz a reexposição final do material característico da secção A1. A notação é livre, sem compassos, mas com intervenções

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33. “En el sistema francês, la parte se escribe en la clave de sol, igual que para el clarinete

en si bemol, aunque el sonido real es una novena mayor más grave”. Walter PISTON, Orquestación (Madrid, Real Musical, 1985),

p. 193

34. http://projectojp.blogspot.pt/2012/06/jorge-peixinho-edicao-critica-das-obras.

html (acedido em 11/11/2015).

35. “Technically speaking the piece is challenging (a specialist is required), but things are ‘doable’, so that the end result can be quite rewarding”. BOK, Resposta

(ver nota 4)

36. “When you think in a technical difficulty range from 1 till 5 I would put the piece in group 3. Not too difficult, but for sure not

easy”. SPARNAAY, Resposta (ver nota 23).

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variadas de instrumentos. Estas intervenções surgem ora em simultâ-neo, ora separadas em sequência. Surgem novamente os sinais de in-dicação/junção a serem dados pelo maestro. Peixinho usa estes sinais por vezes com uma seta simples e noutras ocasiões com setas duplas, sendo que o maestro dá os sinais com uma ou duas mãos, respectiva-mente, orientando a fluência e direccionalidade do discurso, gerindo as diferentes intervenções.

A escrita idiomática e a exploração do instrumentoNa parte cava do solista, esta obra encontra-se escrita de acordo com

a notação francesa (clave de Sol), com transposição à nona.33 Na partitura geral, o clarinete baixo está escrito na clave de Fá e em Dó, ou seja, no som de efeito real. A única partitura disponível é o manuscrito original, que nunca foi editado. Aliás, todas as partes cavas e a partitura geral existentes são manuscritos autógrafos. Como afirma Francisco Monteiro, “da sua ex-tensa obra [Jorge Peixinho] apenas um pequeno número de composições se encontram publicadas”.34

Meta-Formoses ou Concerto para Clarinete Baixo de Jorge Peixinho tem características que levam alguns dos intérpretes deste instrumento (Hen-ri Bok, Harry Sparnaay) a considerá-la uma obra a ser executada por es-pecialistas no instrumento mas que pode, com trabalho e dedicação, ser tocada com a necessária qualidade por clarinetistas menos experientes no clarinete baixo.35 Na realidade, é uma peça que explora muitas das po-tencialidades do clarinete baixo. Em termos de dificuldade, como afirma Sparnaay, pode atribuir-se-lhe, numa escala de 0 a 5, um grau de dificulda-de 3 com tendência para 4.36 Também Victor Pereira sobre a obra diz que, “é uma obra exigente tecnicamente mas musicalmente muito interessante”.37

Pode considerar-se que o maior desafio que a obra coloca ao intér-prete é a sua exigência ao nível da resistência. Esta é uma obra com mais de vinte e dois minutos de duração (uma das gravações existentes vai até aos vinte e seis minutos), 38 onde o solista intervém de forma prati-camente constante. Para além disso, a exploração frequente dos registos extremos, a existência de notas muito longas, um fraseio de carácter ex-pressivo e com uma exigência muito grande a nível do controlo das dinâ-micas, tornam a questão da resistência a principal dificuldade para o mú-sico, sobretudo se não estiver muito habituado a tocar este instrumento.

No caso específico desta obra, outra das dificuldades com que nos deparamos decorre do facto de a partitura e as partes cavas serem ma-nuscritos autógrafos. Francisco Monteiro afirma: “A prática de Jorge Pei-xinho de escrever música para o seu grupo ou para músicos com quem contactava habitualmente levou a que, muitas vezes, os seus manuscri-tos sejam parcos em indicações e especificações [...]”;39 no entanto, no caso em apreço, as indicações podem considerar-se suficientes. Coloca-se, sim, o problema da insuficiência de uma legendagem relativa a essas notas e indicações, para quem não conhece a linguagem e o universo deste compositor. Este problema pode colocar-se de forma particular-mente intensa para aqueles que estejam menos familiarizados com a escrita manuscrita e/ou com a notação musical contemporânea. Como afirma Hugo Queiroz,

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38. A grande variabilidade de interpretações da obra em termos de duração deve-se a algumas das características em termos composicionais, como a presença de compassos livres, sem tempo definido, numerosas suspensões e momentos de interação, também eles livres, entre o solista e o agrupamento.

39. http://projectojp.blogspot.pt/2012/06/jorge-peixinho-edicao-critica-das-obras.html (acedido em 11/11/2015).

40. Hugo QUEIRÓS, Música Portuguesa para Clarinete Baixo Solo, (Dissertação de Mestrado, Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, Porto, 2011), p. 12.

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No que toca à composição atual, os compositores pro-curam tirar o máximo partido de cada instrumento, usando muito mais para além da tradicional forma de tocar um instrumento. […] Por ainda não haver um no-tação standard para grande parte destes efeitos, é con-veniente que junto com a partitura, o compositor des-creva exatamente toda a notação que usou e ainda qual o produto sonoro que deverá resultar; só desta forma as obras poderão ser tocadas sem que seja necessário um contacto direto com os compositores. No que toca a efeitos e técnicas usadas no clarinete baixo, seria pos-sível escrever inúmeras páginas sobre este tema.40

Meta-Formoses apresenta muitos destes efeitos, e a escrita de Jorge Pei-xinho é, na sua maior parte, semelhante à notação comum na época em que foi composta. Para uma fácil leitura, compreensão e estudo da partitura e partes, podem consultar-se alguns livros e manuais existentes como o Com-pendium of Modern Instrumental Techniques de Gardner Read (1993),41 Music Notation in the Twentieth Century A Practical Guidebook de Kurt Stone, ou ain-da Music Notation A Manual of Modern Practice, também de Gardner Read.42 Por outro lado, surgem indicações e notações com características próprias de Jorge Peixinho. Obviamente, para quem já travou conhecimento com outras obras deste compositor em que constam legendas relativas à nota-ção, a tarefa fica significativamente facilitada. Podem encontrar-se legendas da maior parte dos símbolos utilizados noutras partituras, nomeadamente numa das poucas que se encontram editadas (cfr. O Canto da Sibila, para cla-rinete, percussão e piano, editada em França pelas edições Salabert), sendo desta forma possível ter-se acesso a informação fidedigna sobre o seu signi-ficado. No entanto, e apesar disto, alguma da notação é bastante intuitiva, e a sua interpretação torna-se quase natural para o clarinetista profissional que aborde regularmente partituras de música contemporânea.

No contexto da escrita, notação de efeitos, sons, anotações e indi-cações específicas, seguindo a ordem em que surgem na partitura, a pri-meira situação é bastante comum e corrente na segunda metade do séc. XX. Corresponde a um conjunto de notas em semicolcheias ou colcheias traçadas, que é frequentemente utilizada, e indica ao intérprete que as re-feridas notas devem ser tocadas o mais rapidamente possível, como or-namentação, e que as notas longas são as mais importantes. Como temos também uma indicação de espressivo e moderato libero, depreende-se que deve haver um lirismo implícito (exemplos 1 e 2).

Exemplo1 Exemplo 2

Num dos casos, uma variação de velocidade é dada através da alteração da inclinação e quantidade de traços, indicando um aumento ou diminui-ção da velocidade das notas. Como no caso anterior, é um símbolo muito utilizado na 2ª metade do séc. XX, por isso consensual. O intérprete ape-nas necessita de “ler” a imagem e seguir o “desenho” em termos de veloci-dade (Exemplo 3).

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40. Hugo QUEIRÓS, Música Portuguesa para Clarinete Baixo Solo, (Dissertação

de Mestrado, Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, Porto, 2011), p. 12.

41. Gardner READ, Compendium of Modern Instrumental Techniques (Westport,

Connecticut.London, Greenwood Press, 1993).

42. Gardner READ, Music Notation A Manual of Modern Practice (New York,

Taplinger Publishing Company, 1979).

43. Todas as notas musicais mencionadas neste texto referem as notas escritas e não

de efeito real, para melhor visualização nos exemplos ou na parte cava, que se

encontram sempre na clave de sol.

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Exemplo 3

No caso seguinte, temos uma indicação de vibrato que surge recor-rentemente ao longo de toda a obra implicando, a nível interpretativo, uma variação da pressão da embocadura e pressão do ar. Neste caso, o vibrato é feito com a respiração diafragmático-abdominal, em con-jugação com a variação da pressão labial. Existe ainda um vibrato que poderá ser feito com a alteração da digitação mas que, no caso em apre-ço, tal procedimento não se coaduna com a natureza expressiva e lírica da obra, visto não resultar de forma tão perfeita e ser menos natural. (Exemplos 4 e 5).

Exemplo 4 Exemplo 5 No exemplo seguinte, temos um multifónico da fundamental com o

terceiro harmónico, ou numa terminologia mais comum para os clarine-tistas, sons múltiplos de 12ª. No compasso 17, surge-nos a primeira indica-ção de sons múltiplos, solicitando ao solista que faça ouvir a fundamental (nota base, mi3 escrito) e o terceiro harmónico (12ª superior, si3 escrito).43 A dificuldade consiste em eliminar os outros harmónicos resultantes, que muitas vezes soam mais fortes do que esse. Este efeito é de execução re-lativamente fácil para os clarinetistas que dominam o clarinete baixo. No entanto, dada a riqueza de harmónicos deste instrumento (maior do que a do clarinete), para um clarinetista menos familiarizado com o baixo, isto poderá constituir um desafio. Com uma pequena variação da pressão/co-locação da embocadura, ou usando em auxílio a chave da 12ª (meia cha-ve, também designada por chave da mudança de registo) e um controlo dos sons obtidos, pode facilmente conseguir-se o objectivo pretendido. (Exemplo 6).

Exemplo 6

Este pedido da 12ª em simultâneo com a nota base é reiterado em várias situações ao longo da obra, nomeadamente nos exemplos seguintes.

O 1º exemplo encontra-se na letra C, onde deve ouvir-se o fá#3 junta-mente com o dó#5 (Exemplo 7).

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Exemplo 7

O mesmo se passa no compassos 28 e 29 (Exemplo 8), e no compasso 79 (Exemplo 9), onde em ambos os casos se deve ouvir o dó3 e o sol4 si-multaneamente.

Exemplo 11

Na Letra T, temos uma vez mais a mesma situação na primeira nota es-crita da penúltima pauta, onde deverão ouvir-se, a partir de dada altura e após a suspensão, as notas sol#2 e ré#4 (Exemplo 12).

Exemplo 8

Exemplo 9

No compasso 173, deverão ouvir-se as notas mi2 e si3 (Exemplo 10).

Exemplo 10

Também no compasso 188 se deverão ouvir as notas mi2 e si3 em simul-tâneo, com um desaparecimento do harmónico no 2º tempo do compasso, ficando presente apenas a nota fundamental e acontecendo o processo in-verso após as pausas (Exemplo 11).

Exemplo 12

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Como pudemos observar, nalguns destes casos, o intérprete é convi-dado a deixar os multifónicos e manter apenas uma das notas ou, inver-samente, iniciar apenas uma das notas e fazer surgir a outra, ou ainda os dois processos, com o surgir e desaparecer do efeito a ser solicitado. Esta situação exige controlo da colocação, da embocadura e do ar, usando uma alteração gradual e controlada da pressão do lábio inferior, com um bom apoio diafragmático-abdominal, sem deixar “fugir” o som que se preten-de manter. O surgimento e desaparecimento do efeito é frequentemente solicitado em dinâmicas diferentes e, nalguns casos, no decurso de uma mudança de dinâmicas (Exemplos 7, 9, 10, 11 e 12).

Multifónicos estáveis e variáveis. No início do compasso 22 (Exemplo 13), surge uma primeira indicação de multifónicos com traços por cima da pauta que indicam que Jorge Peixinho pretende mais do que um som re-sultante. Por outro lado, nalguns casos, ao colocar indicações de altura, de subida, de descida, inclinação e ainda de quantidade, o compositor dá a entender claramente o que fazer, de certo modo “desenhando” o contor-no sonoro pretendido. Saliente-se que Peixinho deixa ao critério do solista os sons resultantes da série de harmónicos naturalmente obtidos com a utilização da dedilhação normal da nota base. Nalguns casos, o intérprete poderá escolher, quase instintivamente, aqueles que mais se enquadram na campo harmónico em que se insere a passagem em questão, ou que se relacionam com intervenções dos outros instrumentos que tocam em si-multâneo. A presença de alterações dinâmicas, pianos e pianíssimos por vezes a decrescerem “al niente”, exige um bom domínio do instrumento. É particularmente difícil obter o controlo das diferentes alturas e das varia-ções sugeridas pelo “desenho” da notação.

Exemplo 13

Encontram-se ainda presentes na partitura os seguintes exemplos do procedimento descrito anteriormente:

Compasso 55 (Exemplo 14).

Exemplo 14

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Compasso 127 (Exemplo 15).

Exemplo 15

Compasso 161 (Exemplo 16)

Exemplo 16

Compasso 174 (Exemplo 17)

Exemplo 17

Final do compasso 180 (Exemplo 18).

Exemplo 18

Compasso 226 (Exemplo 19).

Exemplo 19.

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Na última nota da obra, cuja duração é muito extensa, encontramos vá-rios efeitos (mudanças de vibrato, de dinâmica, glissando, multifónicos; cfr. Exemplo 20).

Exemplo 20.

Na indicação 1 do maestro no compasso 22 (última pauta da página 2), temos uma sinalética que é indicativa dos multifónicos obtidos com a dis-torção, também conhecidos como “sons rotos”. Este é um efeito de menor exigência em termos de execução pois, à partida, a aplicação da mudança de pressão de ar, a alteração da colocação/pressão da embocadura e ainda, se necessário, uma pequena fuga de ar no tubo provocada por uma ligei-ra abertura de uma chave ou dedo poderão resultar no som pretendido. (Exemplo 21).

Exemplo 21.

Temos exemplos desta situação nos compassos 55, no segundo lá escri-to na parte final do compasso (segundo sinal, Exemplo 22) e no compasso 180, na segunda vez que surge a indicação de maestro assinalada com o al-garismo, antes da entrada da flauta (Exemplo 23).

Exemplo 22.

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Também nestes casos, o surgir ou desaparecer do efeito pode ser soli-citado (Exemplo 23).

Exemplo 23.

Multifónicos com sons resultantes alterados surgem pela primeira vez no compasso 22, última intervenção, na entrada da guitarra (Exemplo 24).

Exemplo 24.

Encontramos mais um exemplo de multifónicos alterados no compas-so 200, segunda nota/suspensão (Exemplo 25).

Exemplo 25.

Neste caso, o músico terá de encontrar posições/dedilhações alternati-vas para conseguir obter os harmónicos pedidos. Estas dedilhações podem ser encontradas nos livros/métodos escritos por Marc Volta (La Clarinette Basse),44 Henri Bok (Nouvelles Techniques De La Clarinette Basse)45 e Harry Sparnaay (The Bass Clarinet – a personal history)46. No entanto, cada instru-mento e executante reagem de forma distinta. Na realidade, uma simples mudança de marca ou modelo de instrumento, ou até de boquilha, é su-ficiente para que as dedilhações anteriormente praticadas deixem de ser eficazes. Verificamos que, em muitas das soluções apresentadas para os di-ferentes efeitos em cada um dos métodos anteriormente referidos, os au-tores sugerem diferentes soluções para os modelos de clarinete baixo mais utilizados (ver por exemplo dedilhações sugeridas por Bok, no livro atrás referido, para os modelos Selmer Paris e Buffet Crampon). Desta forma, deverá cada intérprete procurar e testar as suas próprias opções, a fim de

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44. Jean Marc VOLTA, La clarinette basse (Collection.) (International Music

Diffusion, 1996).

45. Henri BOK e Eugen WENDELL, Nouvelles Techniques De La Clarinette

Basse (Editions SALABERT, Paris, 1989).

46. SPARNAAY, The Bass clarinet (ver nota 5).

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obter o melhor resultado possível. Sparnaay diz claramente que essa bus-ca é essencial e deve ser levada a cabo, idealmente, para cada momento e situação. Os multifónicos e todas as situações análogas (que impliquem mudanças de pressão da embocadura ou digitações) são, na sua opinião, particularmente instáveis: “When multiphonics are recorded on different days, with a lighter or heavier reed or after a heavy meal, the sounding re-sult of the multiphonics can change a bit, […] because a multiphonic not only depends on the fingering used. The mouthpiece, the reed, the bore of the instrument and even your physique are also determining factors for the sounding result”. 47

Encontra-se ainda por vezes um trilo nos multifónicos resultantes, com manutenção da nota base. Esta situação implica a mesma busca de posições/dedilhações e alteração da colocação/pressão da embocadura. Neste caso o problema é conseguir obter o que o compositor pretende (tri-lo nos multifónicos) e manter a nota base estável. Deverá dar-se priorida-de à nota base, permitindo a alternância possível dos dois multifónicos em trilo e tentando obter a maior aproximação possível do intervalo em ques-tão (meio tom). Este trilo dos multifónicos tem, quase invariavelmente, efeitos na afinação e estabilidade da nota base. Esta situação é encontrada nos compassos 84, 85 e 201 (Exemplos 26 e 27 e 28 respectivamente).

Exemplo 26 Exemplo 27

Exemplo 28.

Outra das situações que podemos encontrar no compasso 180 des-ta partitura é um trémulo de determinadas notas, seguido de trémulo de multifónicos. Esta pode ser resolvida com a pesquisa das melhores dedi-lhações e alterações já referidas, da pressão do ar e pressão/colocação da embocadura. No entanto, o facto de não estar presente uma nota base tor-na mais simples a busca de um resultado mais aproximado. (Exemplo 29).

Exemplo 29.

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46. SPARNAAY, The Bass clarinet (ver nota 5) p. 134.

47. SPARNAAY, The Bass clarinet (ver nota 5) p. 134.

48. PISTON, Orquestación (ver nota 33), p.195.

49. BOK, Nouvelles Techniques De La Clarinette Basse (ver nota 45).

50. BOK, Resposta (ver nota 4 ).

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Deve salientar-se que a escrita aborda também os extremos do instru-mento e inclui problemas técnicos de dificuldade assinalável. Se tivermos em conta que, no seu tratado de orquestração, Walter Piston48 considera que “el clarinete bajo és mucho menos capaz que los otros clarinetes.... e que el fá agudo és lo más agudo que se aconseja a escribir” para o instru-mento, Peixinho foi verdadeiramente um revolucionário para a época na abordagem ao clarinete baixo. Usa-o tecnicamente ao mesmo nível dos outros clarinetes, tanto do ponto de vista da velocidade como do registo. A nota mais aguda presente na obra é um Si6 presente no compasso 156 (exemplo 30), sendo que o compositor utiliza recorrentemente os registos agudo e o grave (entre o Mi1 e o Dó1). Em muitos instrumentos da altura, o registo grave terminava no Mib1. Estes modelos de clarinete baixo, vulgar-mente designados por “modelos até ao Mib”, eram os mais comuns, espe-cialmente em Portugal.

No que diz respeito à execução das notas agudas, há várias abordagens possíveis. A mais tradicional e usual entre os clarinetistas (não especia-listas do instrumento) é a utilização das posições do clarinete, libertando meio buraco da chave do dedo médio da mão esquerda, o que implica o emprego da chave de 12ª (chave de mudança de registo). No entanto, exis-tem também, sobretudo, para os utilizadores mais experientes do instru-mento, dedilhações obtidas com recurso aos harmónicos, um pouco à se-melhança do saxofone, que se podem consultar por exemplo no livro de Henri Bok.49 Note-se que Peixinho tem absoluta noção desta alternativa, pois coloca o símbolo de harmónico sobre a nota mais aguda da obra, que se encontra no compasso 156 (ver exemplo 30). Nas notas graves, as dedi-lhações dependem apenas do modelo e da marca do instrumento, pois as chaves e mecanismos diferem de uns para outros.

Exemplo 30.

Nesta obra surgem ainda outros efeitos solicitados pelo compositor, como sejam variações na afinação, glissandos, e outros, que podem ser considerados do domínio comum da escrita para o instrumento a partir de dada altura na história e que qualquer clarinetista profissional sabe exe-cutar, sendo neste caso apenas necessário adaptar-se às características do clarinete baixo.

Numa breve análise a esta obra, Henri Bok dá a sua opinião sobre a re-spectiva escrita e afirma: “I think that Peixinho exploits the ressources of the bass clarinet to a great extent: the wide range (almost four octaves), extended techniques (split sounds, multiphonics, harmonics, flz, vibrato, etc.), not to forget the rich sonority of the instrument, especially in the low register, with long, sustained note passages”.50

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Conclusão

Pode considerar-se que a obra Meta-Formoses ou Concerto para Clarine-te Baixo de Jorge Peixinho assume um papel de relevo no repertório para este instrumento, podendo inclusivamente manter-se esta afirmação rela-tivamente a toda a família do clarinete. Para este instrumento solista com ensemble ou orquestra, trata-se da obra portuguesa mais tocada e grava-da. Teve treze apresentações públicas, sete das quais em Portugal e cinco fora do país. Destas, três foram em eventos da maior importância ligados ao clarinete, sendo de salientar a sua apresentação no Congresso Mun-dial de Clarinete Baixo em 2005. Duas gravações áudio da peça reforçam a relevância da obra no meio clarinetístico. Além do compositor, Harry Sparnaay foi um elemento determinante na génese da obra. Esta revela-se pioneira e consegue explorar de forma intensa as potencialidades líricas, sonoras e técnicas do clarinete baixo. As técnicas instrumentais exigidas revelam um conhecimento profundo do instrumento e do seu potencial. A notação está de acordo com os padrões da época em termos da com-posição. Esta obra coloca o intérprete perante dificuldades que este tem de resolver com um estudo específico e individual de cada um dos efeitos e especificidades técnicas solicitadas, com uma busca aprofundada para obtenção dos resultados pretendidos.

Meta-Formoses ou Concerto para Clarinete Baixo constitui um desafio para qualquer intérprete, um marco na história do clarinete baixo, uma re-ferência na obra de Jorge Peixinho e na música contemporânea portuguesa.

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Clarinetista e Saxofonista com mais 23 anos de atuação profis-sional tanto como solista quanto camerista. Bacharel em perfor-mance pela Universidade Federal da Paraíba e Mestre em Música pela Universidade Federal da Bahia. Professor de clarineta, saxo-fone e prática de conjunto da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte desde 2008. Atuou como clari-netista, claronista e saxofonista nas orquestras sinfônicas dos es-tados da Paraíba (musico convidado) e Bahia (2000 a 2008), e da Orquestra Filarmônica Norte-Nordeste (1998-2000). É coor-denador do projeto de extensão Orquestra Potiguar de Clarinetas da EMUFRN desde 2008 que tem tido participações efetivas em vários encontros de clarinetistas no Brasil e em duas edições do ClarinetFest®: Orlando, EUA (2017) e Ostend, Belgica (2018). Em 2011 coordenou o Xº Encontro Brasileiro de Clarinetistas rea-lizado na cidade do Natal (UFRN). Foi solista de clarone a fren-te do Claribel Clarinet Choir Guido Six (Bélgica) no concerto de abertura do ClarinetFest® 2018 realizado na cidade de Ostend (Belgica). Atualmente, cursa o Doutorado em Música, em perfor-mance, do PPGMUS da Escola de Música da UFBA sob orienta-ção do professor Joel Barbosa. É artista das clarinetas Gao Royal e das palhetas MARCA.

EMAIL [email protected] FACEBOOK https://www.facebook.com/joaopaulo.araujo.566148 YOUTUBE Clarone Brasil https://youtu.be/-2FPe5TRm8MDança nº 01 para Clarone solo https://youtu.be/cROJ4ChYha8

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João Paulo de Araújo

Introduzindo a M|Opara Clarinete e Sax

Disponível em www.armazemdosopro.com.br/d/vandoren66

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Introduzindo a M|Opara Clarinete e Sax

Disponível em www.armazemdosopro.com.br/d/vandoren

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Entre os dias 6 e 10 de novembro, a Escola de Música da Orquestra Sinfônica de Porto Ale-gre - Conservatório Pablo Komlós promove um evento inédito na capital gaúcha. A primeira edição do Festival Internacional de Clarinetistas de Porto Alegre movimentará a cena musical da cidade, oportunizando a troca de experiências em máster classes e espetáculos com des-tacados instrumentistas. Nomes como Patrick Messina (França), Cristiano Alves (RJ), Paula Pires (SP), Samuel Rodrigues de Oliveira (RS), Augusto Maurer (RS), e o Grupo de Clarinetas da Universidade Federal de Santa Maria (RS) são algumas das atrações confirmadas.

A Escola de Música da Ospa, que em novembro já estará funcionando no Palácio do Vice--governador (Palacinho), e a Casa da Música da Sinfônica sediam o evento, que terá também um concerto no Instituto Goethe. O Festival tem coordenação de Diego Grendene e conta com uma comissão organizadora formada por Augusto Maurer, Samuel Rodrigues de Oliveira e Marcelo Piraíno. O patrocínio é da Buffet Crampon e do Instituto Goethe.

Mais detalhes sobre a programação e as inscrições para o evento serão divulgadas em breve. Outras informações pelo telefone 51 3228-6737 ou por e-mail [email protected].

Escola da Ospa promove I Festival Internacional de Clarinetistas de Porto Alegre

O evento acontece de 6 a 10 de novembro. A progra-mação conta com masterclasses e espetáculos com destacados músicos nacionais e internacionaius. A Escola, o Instituto Goethe, e a Casa da Música da Ospa sediam as atividades.

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O curso, que tem a duração regular de quatro anos, é voltado para clarinetistas com ênfase em uma formação de modo amplo, capacitando-os a atuarem nas mais diversas áreas quer seja como solista, ou integrando grupos orquestrais e de música de câmara. A prova de ingresso será realizada em duas etapas, sendo a primeira feita através do envio de vídeo de 19 a 27/09/2018. A segunda etapa será realizada nos dias 14 e 15/10/2018 e consistirá em uma prova es-crita e a apresentação do repertório previamente gravado. Para informações sobre a inscrição, modalidades de ingresso, quadro de vagas, acesso ao calendário completo de ingresso e demais aspetos, basta acessar ao sítio da comissão de Vestibular CONVEST: http://www.comvest.unicamp.br/vestibular-2019/.

Todas as informações relacionadas à prova específica de clarineta podem ser obtidas no seguinte endereço: https://www.comvest.unicamp.br/vestibular-2019/manual-do-candi-dato/provas-de-habilidades-especificas/musica/. Informações sobre o Curso de Música podem ser obtidas no sítio do Departamento: https://www.iar.unicamp.br/graduacao-em-musica.

O professor responsável pelo curso é Vinicius de Sousa Fraga, cuja formação mais recente foi o curso de Formazione Continua realizado nos dois anos em que esteve no Conservatorio della Sviz-zera Italiana, em Lugano-Suiça, sob orientação de François Benda. Graduado em Clarineta pela UFSM sob orientação de Guilherme Garbosa, realizou o Mestrado e o Doutorado pela UFBA, onde esteve sob orientação de Pedro Robatto e Joel Barbosa. Tem atuado como performer, ca-merista, professor e pesquisador. Além disso, foi durante cinco anos professor de clarineta do Bacharelado em Música da UFMT, em Cuiabá-MT.

Reabertura do Bacharelado em Clarineta da UNICAMPEm 2019 teremos a reabertura do Bacharelado em Clarineta da Unicamp. O curso agora volta a fazer parte de mais uma das modalidades em instrumento oferecidas pelo curso de Graduação em Música, Departamento de Música-IA da Unicamp.

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Lançamentos por Diogo Maia

Viagem Infinita Jairo Wilkens – ClarinetaMarília Vargas – SopranoClenice Ortigara – PianoSelo/Gravadora - Paidéia Produções Artísticas

Viagem Infinita, título de um poema de Helena Kolody, define bem a experiência musical que o trio Marília Vargas (soprano), Jairo Wilkens (clarinete) e Clenice Ortigara (piano) nos pro-porciona com o CD de mesmo nome, grava-do em Curitiba (PR). Obras de Ludwig Spohr e Franz Schubert, do romantismo alemão do século XIX, e a leveza da música brasileira de inspiração nacionalista, evocadas pelas peças de João de Souza Lima e Edmundo Villani-Côr-tes fazem parte do repertório. O CD nos brin-da também com composições do multi-ins-trumentista André Mehmari sobre poesias de Helena Kolody, comissionadas especialmente para o disco e que serão estreadas mundial-mente no concerto de lançamento. O trabalho do trio está disponível em mídia física (CD) e nas plataformas digitais (Deezer e Spotify).

Time and Motion Hugo Queirós – Clarone e Clarineta contra-baixoSelo - Orlando Records

Pode-se dizer que o CD Time and Motion, de Hugo Queirós – lançado recentemente em mídia física e nas plataformas digitais – é um compilado de obras altamente significativas para o clarinete baixo. A escolha do repertório é variada e representa uma equilibrada seleção do que foi composto de melhor para o instrumento nos últimos 40 anos, negando qualquer tentação ao simplismo, de ordem técnica ou estética. A obra mais antiga aqui presente é do britânico Brian Ferneyhough (1943): Time and Motion Study I (1977), para clarinete-baixo (faixa 2, que inspira o título do álbum), que é um desafio inevitável para o claronista que queira desenvolver seu virtuosismo e seu preparo físico. As outras faixas do CD são Ombra, due pezzi (1984), de Franco Donatoni (1927-2000), para para clarinete-contrabaixo, Assonance II (1989), para clarinete-baixo, do compositor suíço Michael Jarrell (1958), Black Moon (1998) do austríaco Johannes Maria Staud (1974) e Décombres (2006), para clarinete-contrabaixo e electrônica de Raphaël Cendo (1975).

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Clarone no ChoroSégio Albach – ClaroneSelo/Gravadora - Tratore

No CD Clarone no Choro, o instrumentista, maestro e diretor musical Sérgio Albach nos brinda com 12 faixas com clássicos do choro, tendo o Clarone como solista. Podemos ouvir aqui o que há de melhor do estilo, quase todas compostas por clarinetistas, clássicos muito bem escolhidos. Heitor Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Joaquim Callado, Jacob do Bando-lim, Abel Ferreira são alguns dos que estão no repertório, além de dois compositores radi-cados em Curitiba: Waltel Branco e Cláudio Menandro. O disco traz ainda dois duetos: um com Nailor Proveta (clarinete) e outro com Nelson Ayres (piano) – convidados mais que especiais – além de um arranjo para trio, com clarone e dois clarinetes da música Gargalha-da, em que Sérgio toca os três instrumentos.

Plano BDuo Luca Raele & Daniel Oliveira – ClarinetasSelo - YBMUSIC

Este EP, lançado recentemente nas plata-formas digitais, é fruto de gravações dos ensaios para o II Encontro Internacional de Belém. Na ocasião, o duo preparou três peças: Stretch Blue, composta pelo próprio Luca Raele, Jazz Set, de William O. Smith, e De Coração a Coração, de Jacob do Ban-dolim. Stretch Blue, originalmente escrita para o Sujeito a Guincho, é aqui apresen-tada em versão para clarineta e clarone. O título se refere a algumas técnicas “estica-das”, como por exemplo os multifônicos reproduzindo acordes típicos do blues. Bill Smith é um músico de incrível versa-tilidade, seu Jazz Set, para 2 clarinetas, é composto de 5 miniaturas, todas baseadas na mesma série de 12 notas. Aqui não há improvisação, apenas a sensação rítmica e fraseado jazzístico. O EP termina com uma valsa-choro de Jacob, De Coração em Coração, que mantêm a tradição popular brasileira de produzir incríveis e sofistica-das valsas: a melodia sinuosa, a harmonia rica e sempre surpreendente, suscitou o arranjo para clarone e clarineta aqui apre-sentado.

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Dica do mestre Cristiano Alves

Agradeço imensamente à Revista pelo convite para redigir o presente artigo e saúdo os professo-res que coordenam tão relevante trabalho. Espero colaborar, proporcionando reflexão e crescimento. Aprendo muito com os ensinamentos que recebo dos mestres com os quais convivo e com os alunos para quem leciono.

Abordo, inicialmente, o processo de emissão do som e sua extrema importância no que con-cerne a performance musical. Traçando uma ana-logia com o Principio de Pareto – lei proposta por Joseph Juran (também conhecida como “Regra do 80/20”), homenageando o economista italia-no Vilfredo Pareto, propõe que, em diversas si-tuações, 80% dos efeitos advém de 20% das cau-sas – acredito que um adequado domínio sobre o processo de emissão do som impacta significati-vamente a performance artística.

Quando seguros de que ativamos um estado otimizado de emissão do som, afetamos imedia-tamente não apenas a qualidade de som e as dis-tintas matizes possíveis de serem acessadas, mas também afinação, dinâmicas, articulações, postura e a própria técnica instrumental. Isso se dá através do domínio de processos de manipulação do fluxo de ar, bem como do trato vocal. Esses dois pilares concorrem para a potencialização do uso do ar, do corpo e da capacidade plena de expressão artística.

A pressão do lábio inferior sobre a palheta de-termina, dentre outras coisas, a configuração que

o trato vocal assume e, por extensão, os forman-tes (bandas de ressonância) que se constituem a partir deste. Elevados estados de tensão, vícios posturais prejudiciais e continuada negligência a processos de feedback motor, conduzem a uma execução que pode não revelar o máximo da po-tencialidade de um artista.

De modo a acessar um estado otimizado de emissão, convém atentar para a importância da propriocepção e de mecanismos de controle sobre o fluxo de ar (buscando observar questões referen-tes à velocidade, pressão e foco) e sobre a pressão labial (exercícios específicos são observados na tese de doutorado por mim publicada na biblio-teca virtual da Unicamp), a qual rege as distintas perspectivas contidas nas matizes buscadas e no domínio de execução pretendido.

Existem formas de prover adequada susten-tação do instrumento sem que, para isso, o lábio inferior exerça excessiva pressão sobre a palheta. Além do justo posicionamento e satisfatória ação procedida pelo maxilar superior e dedo polegar direito – sustentáculos fundamentais para a boa sustentação da clarineta –, verificamos impor-tante referencial presente nos dedos que, além de exercerem a função técnica propriamente dita, desempenham relevante papel face ao suporte re-querido no presente contexto. Seria uma espécie de “apoio digital”, no qual os dedos oferecem um suporte adicional necessário à manutenção do re-

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laxamento do lábio inferior, sem que estejam, de forma alguma, “tensos” ou pressionando excessi-vamente orifícios e chaves. A boa sustentação do instrumento deve ocorrer, portanto, sem prejuízo ao requerido relaxamento do lábio inferior. Relaxa-mento este que, se exagerado, promove malefícios tão severos quanto aqueles observados por conta da exagerada pressão.

Tais níveis de otimizada pressão labial podem ser acessados voluntariamente pelo músico, que deve fugir da armadilha de, face ao nervosismo ine-rente à performance musical, tensionar não apenas o lábio inferior, como todo o corpo. A promoção de relaxamento labial auxilia na busca para que não se instale um indesejado e prejudicial processo amplo de enrijecimento muscular. Para um melhor entendimento acerca de questões referentes à emissão do som e manipulação do trato vocal, Ker-gomard, Scavone, Backus, Bonade são de grande importância. Cada um dos referidos autores abre um imenso leque de frentes de pesquisa.

A constante busca por expertise se relaciona à demanda por estudo de melhor qualidade. Concei-tos relacionados à prática deliberada e à cognição musical revelam caminhos extremamente efica-zes na busca por mecanismos funcionais de gera-ção de um poderoso sistema de feedbacks, bem como por efetivo desenvolvimento de técnicas de estudo transformadoras. Menciono Ericson, Williamon, Sloboda, Levitin, além dos brasileiros Santiago, Nogueira, Ilari e Freire como importan-tes referenciais.

Uma importante pergunta no processo de estu-do é: para que estou repetindo? Entender porque se repete algo e qual o objetivo da nova investi-da é fundamental. Gerar feedbacks cada vez mais poderosos e estratégias eficazes de resolução dos problemas deve ser a meta central. Estudar é resol-ver problemas. E de forma definitiva, preferencial-mente. Muitas vezes o estudo sem o instrumento promove subsídios valiosíssimos ao intérprete. Considero de relevante importância a proposição de pistas visuais na partitura que remetam aos modelos mentais adotados para a resolução de problemas. O modelo de reagrupamento de notas (note grouping) proposto por James Thurmond, merece especial atenção neste contexto.

Ao analisar a trajetória de grandes artistas e, sobretudo, clarinetistas em específico, percebo o quão importante é a vivência em banda de música. Nesta, são observados referenciais fundamentais acerca não apenas de tudo o que envolve música e carreira, bem como sobre companheirismo, postu-

ra, ética e profissionalismo. A prática em conjunto, em ambiente salutar e estimulante, promove o de-senvolvimento de inúmeras e relevantes compe-tências.

Antes de sermos músicos, somos brasileiros. Por que não nos embrenharmos na busca por co-nhecimento e prática da tão rica música de nosso país? Não apenas a música de concerto merece atenção. A prática do choro e dos distintos ritmos e gêneros nacionais mostra-se um importante alia-do na construção da identidade artística. Consti-tuir conjuntos, apresentar-se com estes, pesquisar, frequentar rodas de choro e eventos relacionados a todo gênero nacional, além de escutar gravações com frequência, revela-se uma verdadeira e funda-mental escola. O mesmo vale para outros gêneros de música de diversos países. É extremamente valioso abrir-se para perspectivas variadas, como jazz, rum-ba, salsa, klezmer, não limitando fronteiras.

Por sua vez, a prática da música contemporânea agrega imenso valor à formação artística do músi-co. Atuar – em todas as etapas da carreira – em con-juntos estáveis e dedicar-se à prática desta, revela um manancial substantivo enquanto perspectiva de crescimento artístico.

A prática de escalas – maiores, menores e mo-dais – e arpejos, sempre recomendada por muitos docentes, é aqui reforçada e, neste contexto, reco-mendo o método de Fernando Morais. O estudo de métodos, por sinal, é apontado por muitos como a base fundamental para a constituição de excelên-cia técnica. Há uma infinidade de cadernos de es-tudo de grande nível e sob medida para cada etapa da formação musical.

O estudo da harmonia revela-se igualmente de fundamental importância. Músicos de instrumen-tos melódicos tendem a negligenciar a prática de instrumentos harmônicos ou nem mesmo buscar consideráveis níveis de domínio da matéria. Os be-nefícios de tal domínio e prática (de instrumento harmônico, mesmo que o “básico”) são imensurá-veis. Distintas estratégias de estudo que se revelam funcionais passam por entendimento de campo harmônico, ressignificação de melodias (reagru-pando notas e constituindo novos modelos) e ree-laborando frases tendo a ideia de “elevação” – qual seja, a busca por picos melódicos que auxiliem a constituição de domínio de emissão e geração de memória muscular.

A busca por memorização do conteúdo artís-tico estudado pode potencializar sobremaneira a performance. Diversas são as estratégias relativas ao tema. De imediato, entretanto, convém des-

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Cristiano Siqueira Alves é Doutor em Música pela UNICAMP e professor de clarineta da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. http://lattes.cnpq.br/9480361228383227 - [email protected]

mistificar a questão, posto que a capacidade mne-mônica está presente em todos, segundo diversos estudos. Não há indivíduo incapaz de memori-zar coisas. Gerar associações é um caminho, bem como “nomear”, de alguma forma, trechos e frases, situando-as em contextos mais amplos e recorren-do também à memória visual, localizando o que se toca tendo por base o posicionamento do trecho em questão na respectiva página e exato local.

Cercar-se de pessoas altamente capacitadas e qualificadas profissional e pessoalmente potencia-liza o crescimento do artista e ser humano exposto a tão benéfico convívio. Comprometer-se integral-mente com as metas estabelecidas e com o ofício em si deve ser uma máxima seguida invariavel-mente. Metrônomo e afinador, quando usados de forma adequada, trazem consideráveis benefícios.

Registrar as sessões de estudo proporciona be-nefícios variados. Nem sempre é possível gravar todo o período de estudo, mas ao registrar, num momento final, trechos que foram trabalhados ao longo do dia, o músico tem acesso permanente ao resultado do que fora efetivamente assimilado. Convém imaginar que o que será gravado deveria, em tese, poder ser endereçado a outras pessoas e,

para tanto, a qualidade artística do material recolhi-do deve ser aquela que expressa, de forma mais fiel, a real capacidade do músico em questão. Por vezes, leva-se muito tempo para que o resultado de um pe-queno trecho gravado satisfaça amplamente. E este processo revela muitas coisas acerca da busca por domínio de performance e controle global.

Por fim, deixo aqui minha crença de que a bus-ca por tornar-se um grande artista passa também pela aquisição de cultura geral e por constante va-lidação de mecanismos cognitivos. Exercitar o ra-ciocínio tanto quanto esmerar-se em externalizar sentimentos e comunicar conteúdo artístico é uma máxima que considero relevante.

A todos um grande abraço, desejando-lhes sempre tudo de melhor!

SOB MEDIDAPARA SUA CAMPANAESTABILIDADE, DESIGN,ACABAMENTO AVELUDADO

Disponível em www.armazemdosopro.com.br/d/hercules

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A revista CLARINETA é uma revista acadêmica que visa divulgar co-nhecimentos científicos, artísticos, pedagógicos e técnicos referentes a área de clarineta no Brasil, mas não se restringindo apenas a este país. Ela recebe submissões de textos para publicação para suas diversas seções (artigos, entrevistas, resenhas etc).

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