revista córrego #1

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Primeiro número da revista Córrego, lançado no segundo semestre de 2010. Sumário A escritura no combate aos fascismos Caio Souto Uma escrita para um combate incerto Ana Godoy Para pensar a concisão Danilo Bueno Prédio-pipa Gabriel Kolyniak A caça ao javali na véspera da morte das amazonas Roberta Ferraz XXXI Guilherme Coube Gota Roberto Neto Mula sem cabeça Júlio Bittar Há certa desordem Amandy González A artéria desce ao plano Vítor Collins Perder-me por ter Antero Kalik Esperas Flávio Fraschetti Venéreo Trivial Cléber de Pinto O pior cinema do mundo Salsa Prepare-se para uma nova e deliciosa aventura Gee Oliveira Associação de bares e mandíbulas Tomás Troster

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revista córrego

gabriel kolyniak tomás troster iratan gomes victoria v.

amandy gonzález ana godoy antero kalik caio souto cléber de pinto danilo bueno enrico porro flávio fraschetti gabriel kerhart gabriel kolyniak gee oliveira guilherme coube iratan gomes júlio bittar roberta ferraz roberto neto salsa tomás troster vítor collins

fotos do miolo: «des troço», de enrico porrocapa: enrico porro e gabriel kerhart

[email protected]

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A escritura no combate aos fascismos Caio SoutoUma escrita para um combate incerto Ana GodoyPara pensar a concisão Danilo BuenoPrédio-pipa Gabriel KolyniakA caça ao javali na véspera da morte das amazonas Roberta FerrazXXXI Guilherme CoubeGota Roberto NetoMula sem cabeça Júlio BittarHá certa desordem Amandy GonzálezA artéria desce ao plano Vítor CollinsPerder-me por ter Antero KalikEsperas Flávio FraschettiVenéreo Trivial Cléber de PintoO pior cinema do mundo SalsaPrepare-se para uma nova e deliciosa aventura Gee OliveiraAssociação de bares e mandíbulas Tomás Troster

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Eram instáveis como a água, e como a água talvez prevaleceriam

finalmente.

T. E. Lawrence, Os sete pilares da sabedoria

nosso tempo, que nos constituí-

mos, enquanto povo sob a lei,

leitores e escritores universais.

O livro, a página branca

e a intolerável banalidade coti-

diana. Um indivíduo qualquer

aqui e em qualquer lugar frente

a eles prepara-se para escrever.

E talvez seja somente isso, uma

escrita que é a longa preparação

para um combate incerto em

que se procura pôr em mo-

vimento uma guerrilha de sen-

sações por meio da qual se

fortalece uma disposição sin-

gular. Uma prática, e não um

resultado, cujo princípio ético

diz respeito a um estilo, a um

modo de se conduzir desin-

teressado de vitórias decisivas e

criterioso nas alianças que faz.

Uma escrita para um combate

incerto, ali onde o possível do

começo e a impossibilidade de

começar afirmam o ato de

criação como aquele que faz

coincidir em nós, em cada um, a

um só tempo, no tempo e contra

ele, o artista, o filósofo e o povo

que os protegerá, pois é preciso

sempre – como afirma Nietzsche

–, defender os fortes contra os

fracos.

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PARA PENSAR A CONCISÃO

Danilo Bueno

I. Nos últimos vinte anos, a poesia brasileira se utilizou mas-sivamente do exercício da conci-são. Não demorou a começarem a mensurar a qualidade dos poe-mas pela concisão obtida na es-crita. Provavelmente isso já te-nha ocorrido outras vezes em outras épocas e literaturas, com muitas outras figuras de lingua-gem. No Romantismo, por exe-mplo, a metáfora e a compa-ração eram, por excelência, as figuras mais utilizadas, e elas se adequavam à grandiloquência retórica e ao hiperbólico, traços distintos da poesia romântica. As figuras de sintaxe, como o hipérbato e a perífrase, foram elementos que caracterizaram a elaboração da enunciação bar-roca, colaborando para o alega-do hermetismo dessa poesia. A poesia modernista americana, antes de tudo, reativou o uso da elipse, vide os poemas emble-máticos de Marianne Moore, Wallace Stevens e William Carlos Williams. Como se vê, muitas vezes uma tradição utiliza mais ou menos alguma figura de lin-guagem; não é de se estranhar que nos tempos atuais a con-

cisão tenha sido a escolhida pela poesia brasileira.

A concisão, auxiliada pela elipse, é uma figura que mi-metiza a passagem, dá a ver o instantâneo que tanto fascinou o século XX. O efêmero, desde Baudelaire, sagrou-se como um caminho para perceber e en-frentar a multidão: o apareci-mento/desaparecimento de todas as cenas, a velocidade, o transitório, a modernidade em si, que gerou muitas poéticas baseadas na percepção e nas modulações dessa percepção, na força bruta da imagem capturada. Daí saiu um movi-mento de vanguarda, o ima-gismo; e a fenomenologia do olhar, de Merleau-Ponty.

O uso massivo (certo uso, aliás, desviado e sem pro-fundidade) privou a poesia brasi-leira recente das peripécias da sintaxe. A poesia enxuta, por assim dizer, privilegia uma cons-trução coordenada, com perí-odos curtos, lampejos, conden-sações de poucas sílabas, saben-do lançar a mínima expressão no silêncio para reverberá-la e am-plificá-la em sua curta duração. Em peças concisas, duração e

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silêncio alternam suas intensi-dades, gerando vazios, agudos lancinantes, monumentos de ar e murmúrios. A poesia narrativa possui uma construção talvez com mais possibilidades, pois permite uma ampla especulação sintática – tendência bastante presente hoje na poesia argen-tina e espanhola. Obviamente, essa poesia também sofreu imenso desgaste de tanta ver-borragia, atropelos de palavras, no século XX, com a confusão de expressão lírica e confessio-nalismo. Não se trata de uma defesa da poesia discursiva, sequer de um ataque à síntese. Não se trata de fazer escolhas retóricas, eis o equívoco, pois qualquer exercício de qualquer figura não será, em si mesmo, um diferencial para a qualidade do texto, nem mesmo para pen-sar os impasses estéticos do ter-ceiro milênio.

Os manuais de redação entendem o termo concisão como um princípio estrutural de escrita que está arraigado no senso comum da maioria das pessoas, assim como a coesão e a coerência. Grosso modo, trata-se da economia de meios expressivos com o consequente a u m e n t o d o s i g n i f i c a d o

da mensagem. Tanto nas poéticas clássicas quanto na sa-bedoria popular, a concisão está presente. Aristóteles já falava da “justa medida” de cada gênero, que permitia uma delimitação de cada modelo, desde o epigra-ma até a poesia épica. Para a sa-bedoria popular, é notória a ex-pressão: “Falou pouco, mas falou bonito”, que exprime a ideia de brevidade e de pontualidade co-mo índices de qualidade. Esses dois exemplos, que pouco ou na-da têm em comum, ilustram que a concisão pode variar de acordo com o contexto, com o ponto de vista e a própria concepção de seu valor; logo, não se trata de um tropo estanque, possui histo-ricidade e está em movimento. Isoladamente, a concisão não pode determinar a incisão ou a qualidade poética. E, como já se pontuou, ainda que se tomasse seu uso como base retórica para o desenvolvimento de uma obra inteira, restringir-se-iam, apa-rentemente sem causa justa, as virtualidades da língua.

Precisão, exatidão, bre-vidade e laconismo, são alguns sinônimos dicionarizados para o termo concisão. Todos eles possuem especificidades para o interessado em poesia. Pode-se

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pensar a concisão como um componente intrínseco do fazer poético, apesar de essa ideia proporcionar o risco de manejar opiniões prontas. No século XX, essa noção foi introduzida e disseminada por Ezra Pound, conforme a observação de que o substantivo alemão Dichtung, que significa poesia, coincidia com o verbo, também em ale-mão, Dichten, que, vertido para o italiano, significa condensare. Daí depreendeu-se que poetizar é condensar. A concisão seria, então, imanente à poesia.

Muitos truísmos existem a partir da ideia de concisão. Arrisca-se apontar o maior de-les: todo verso conciso é bom. Naturalmente, as generalizações são falaciosas, e uma das tarefas da poesia é investir contra qual-quer dogma que determine a criação de antemão. Não é possí-vel reduzir toda a dimensão da feitura de um verso a uma fór-mula como essa, em que a es-sência da concisão desaparece para dar lugar a um rótulo facili-tador, mero arremedo de conci-são que não mais exprime funcionalidade para a consti-tuição do verso. A concisão deve ser conquistada, e não pressu-posta como um aparato cona-

tural à linguagem poética.Outro truísmo que deve

ser evitado é a confusão entre concisão e brevidade. Poemas grandes podem ser concisos, como a Commedia de Dante, que tem um poder de concretude exemplar ao dominar o ritmo da terza rima conjugada com imagens sempre precisas e sonoras. T. S. Eliot já havia cha-mado a atenção que um épico moderno poderia ser cons-truído por fragmentos que isola-damente seriam peças concisas. Em The Waste Land, a ausência de hierarquia nas partes do poema mostra como cada peça funciona separadamente. Esses dois exemplos repelem a aproxi-mação obrigatória entre conci-são e extensão, pois não há rela-ção direta entre o tamanho dos textos e seu grau de concisão. Dar o nome exato, na forma exa-ta e na respiração mais viva. Essa precisão está intimamente liga-da ao ritmo, ao metro, à pausa, à cesura, aos acentos, enfim, à es-trutura total do verso. Não se pode pensar em concisão sem pensar que todas essas relações existem de maneira fundamen-tal. Pode-se, portanto, alargar a ideia de concisão, cujo momento primeiro seria a manipulação do

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grau de síntese das palavras no discurso poético, para um segun-do momento, em que a concisão também pudesse ser encarada de forma orquestral, como mani-pulação completa do estranho complexo de possibilidades, na maquinaria densa que pode ser um verso.

Tomado o termo conci-são como precisão/exatidão, de imediato, é necessário recordar o ensaio intitulado ‘‘Exatidão’’, de Ítalo Calvino, que está no livro Seis propostas para o próximo milênio. Nesse texto, Calvino discute a dificuldade de pensar que a exatidão possa ser somen-te algo de alta definição plástica (concretude), cujo valor maior estaria vinculado à nitidez das cenas literárias. Logo ele postula a tese contrária, fundamentada pela seguinte afirmação: “Giaco-mo Leopardi sustentava que a linguagem será tanto mais poé-tica quanto mais vaga ela for”. E a vaguidão aqui seria a ideia opos-ta de precisão/exatidão desen-volvida até agora. No entanto, no decorrer das linhas de Calvino, percebe-se que a beleza do vago exaltada por Leopardi também é uma construção e só pode ser atingida pela “definição minu-ciosa dos detalhes, na escolha

dos objetos, da iluminação, da atmosfera”. Mesmo a vagueza de Leopardi nasce do esforço construtivo da exatidão. Essa passagem reforça a ideia de que a concisão exsurge de um labo-rioso auscultar do poema, de uma força imperiosa que perpas-sa toda a escrita e que deve ser conquistada com a experimen-tação e com o estudo do texto como um organismo, sem cate-gorias teóricas que impeçam de aumentar a voltagem da signi-ficação.

Outro ponto de interes-se do ensaio de Calvino é a esco-lha do valor da exatidão para a literatura do terceiro milênio. Entra-se no campo da axiologia. Em qual sentido se poderia afir-mar a concisão e a exatidão co-mo valores positivos? Somente é possível responder tal questão se a tradição, ou melhor, certo recorte da tradição for tomado como referência. Note-se, e que isso fique bem claro: é sempre perigoso partir de valores que não fazem sentido para a escrita de cada um. É banal ter as pro-postas de Calvino como regras prontas de bem escrever. Não se deve pensá-las de maneira abso-luta, todavia, elas podem ajudar a entender cada processo de

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escrita, cada nova ideia que surja a partir de sua leitura, ainda que seja totalmente diferente e até mesmo contraditória. É neces-sário pensar o poema a partir do próprio poema, de suas necessi-dades técnicas, que nada mais são que o itinerário de sua força criadora, emotiva ou racional, espaço entre vivência e espera, e não relegá-lo a valores externos que, na maioria das vezes, são apenas sinais de um interesse individual. Retorno, portanto, à questão: a concisão é um valor positivo de qual ponto de vista?

Achar a própria concisão é uma tarefa, uma busca, uma luta de afinamento da dicção e d o e st i l o . O m o v i m e nto L=A=N=G=U=A=G=E Poetry, o concretismo, o minimalismo, as obsessões de reescritura de poetas como Paul Valéry e Cabral, o peso de cada som e sentido, podem ajudar a sopesar o interesse e o sentido atual dessa busca. Se a concisão for tomada como um conceito estanque e universal, sua força primordial de concentração do discurso e de compactação da mensagem poética estará relegada a uma fórmula sem qualquer valor.

II. No cenário recente da

poesia brasileira, é possível indi-

car nomes que desenvolvem

uma poesia com forte matiz de

concisão e de contenção. Arnal-

do Antunes, Carlito Azevedo, Du-

da Machado, Júlio Castanõn Gui-

marães, Régis Bonvicino e Ro-

nald Polito são alguns autores

que recorrentemente usam es-

sas figuras. Um exemplo extraído

da poesia de Ronald Polito:

História

Nem as árvores podem ficar de pé

[indefinidamente.

As mãos enganam mais

que qualquer imagem.

Cronologias podem representar

mitologias.

Pegadas são pontos: nunca

[perfazem

uma linha.

Há mecanismos que vão

[funcionar por prazo indeterminado.

Uma formiga empurra

o fardo de permutação

de enredos e cenários.

O tempo não é propriamente

[uma ponte.

Note-se que nesse poe-ma não há evolução retilínea da ação. Sequer há hierarquia entre

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as orações que funcionam como notas pontuais acerca da Histó-ria. O verso final: “O tempo não é propriamente uma ponte”, indi-ca que a diacronia dos eventos históricos não é determinante para visualizar a História ou construir-se como sujeito e iden-tidade dentro dela. A diacronia não é, portanto, detentora da verdade. Da observação mínima de coisas díspares, da micro-história do banal, Ronald monta sua noção de História, alheia à oficial, que resume coisas essen-ciais em emblemas de um tempo apagado e já sem memória.

A concisão é conquista-da na força de cada oração, mas antes porque cada oração tem a preocupação de ser em si mes-ma um relance de uma peça maior. Se esse poema tivesse mais 30 versos, ainda assim seria conciso. Notem que cada pro-posição é cristalina e engendra a próxima de maneira sempre sur-preendente. No bojo de cada uma delas, uma ideia completa aparece e funciona em si mesma poeticamente.

Outra vez o processo de aperfeiçoamento da concisão é tido como formador do poema. Sem a colocação das proposi-ções de maneira coordenada,

com sentidos fechados, não se

teria a noção diversificada do

fenômeno da História, ou me-

lhor, desse enredo de minúcias.

A verdadeira trama é aquela que

se perde em detrimento das

coisas.

Outro exemplo, extraído

da poesia de Arnaldo Antunes:

Só eu

nu

com meu

um

bigo

un

ido a

um ún

ico

nun

ca

Nesse poema de Antu-

nes, pode-se verificar certo radi-

calismo no uso da concisão. As

palavras são totalmente recor-

tadas, sendo que o verso se faz,

muitas vezes, de uma única síla-

ba. O poema se aproxima do

insight e do relâmpago. Explici-

ta-se o caráter espacial e icônico

da palavra.

A despeito disso, há uma

ideia central que rege essa

forma: o escoamento da linha da

vida. Estar vivo, nascer, como

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sugere o sintagma “nu com meu

umbigo”, indica que o sujeito

poético está efetivamente

colocado na temporalidade e na

finitude da existência. O formato

do poema parece uma gota que

se escoa, reforçando a noção de

passagem do tempo. O outro

sintagma do poema, “unido a

um único nunca”, remete à ideia

angustiante de o presente

perder-se rumo ao futuro

desconhecido, e o passado já

estar soterrado pela impossibi-

lidade de sua volta. É um ser

desarmado que olha o irremis-

sível morrer do corpo.Ora, o poema não teria o

mesmo impacto se fosse feito de outra maneira. Sua iconicidade, seu fatalismo, sua homofonia reiterada pela partícula “um”, que sugere a solidão do mundo e a incomunicabilidade, são com-ponentes essenciais de uma con-cisão construída tanto no signifi-cante quanto no significado.

III. Tentou-se de uma ma-neira sumária situar certos usos da concisão e exemplificá-los com poemas brasileiros recen-tes. Como se falou, a concisão é muito mais uma questão de perspectiva individual do fenô-

meno poético do que um dogma

perene. Ezra Pound sabia que

literatura é linguagem carregada

de sentido em seu máximo, mas

também sabia que somente a

emoção permanece, como

queria Wordsworth. Saber se

situar entre esses dois momen-

tos, com autenticidade à própria

mundividência é uma possibili-

dade que talvez o fazer e o refa-

zer contínuos poderão mostrar.

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Prédio-pipa Gabriel Kolyniak

Construir o edifício com madeira fraca,empilhada. Empinadas por barbantes,as tábuas tortas flutuassem,o prédio se ergueria, triunfante.

Os carpinteiros iluminam o céu amarrotado,guardam as carnes que perderam

durante a construção, abandonadaa um senhor intransigente,que emaranhou farpas ao orquidário,que fez do alicerce um coração,

pronto, concluído, o edifício seriaum repouso à inundação.Ele abandonou a construçãoàs mãos de mais ausentes pedreiros,

empreiteiros da arquitetura da rendição;vencem a fratura, fazem atadurano ferido, no de todos, o coração;é esse o inquieto centro,

cuidar das dores do peito é de todos a função,mas também empinar e habitar o prédio-pipa,erguendo cada ripa, vigiando no céua incessante arrebentação.

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A caça ao javali na véspera de morte das amazonas

Roberta Ferraz

Incestuosas

a correr a pradariaempinar o chifre calcário alcaçuzo chifre urgido em frente

simultâneas fêmeas aroscorrentezas umedecendo os valesde pele fruta e pasto, arcadade sol acidentando a face

e uma e outrapuras das máscaraschocam-se os corpos em movimento fogo oleoso pertencido ao mamilodos bichos a mamar numa a outrao riacho errático liberto de ferraduras

coração de estrada, penedoscrianças potras de sal

na flecha ofegante onde morrea sagração da aurora

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XXXI

Guilherme Coube

Trinta e um, par cingido em Capadócia,é flor de areia túrgida num parto,touro e bengala em outros.

Faz-se mouco estilhaço de engrenageme o torso apasquinado reverberanossa contínua frágil:

Capitão, o aprendiz de mola e grifodobra síncopes na insônia, bem nu;justo brutismo nele?

Trinta e um, par cingido em Capadócia,destroça flores num porto em Bengala,toureia a areia noite.

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Gota

Roberto Neto

Ponta de chuva fria.

Baque

quente.

A pele, o limite entre ser e rua.

A queda do cala frio, gota gelada feito agulha.

Descama excarnado vento, escárnio das vestes.

Avesso de mim é a rua o azul o ar.

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Mula sem cabeça

Júlio Bittar

As casas de madeira hostilEscondiam olhos de chumboNo largo central carrancudoRugido surdo autoritário

Poeira seca pedregosaEsqueletam novos desertosInférteis terras que se calamLacrando musicais sorrisos

As festas escassas que dizemNoites raras cantarolar,São falsas promessas que esmagamOs corações das aves jovens

Uma porta de bar que se fechaUma praça que se esvaziaUm sino tirano que soaChamando a mula sem cabeça

Nenhum fantasma anda nas ruasPesadelos brilham na estradaOlhos felinos se penduramNas resfriadas goiabeiras

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Amandy González

HÁ CERTA DESORDEM

O caminho se faz em ondasE no turbulento marDe fora perece paz.Recrudesço espumaComo pétalas de esparsa carne,Sob areia de sangue úmido,Poças de vida quente.Desprendem-se abrindo Flora-de-folha(latejante)Pedaços de inquieta expansão.Trovejando Vida em horizonte.Um risco escorre movimentoDentro da espiral eterna,E a linha sustentaum quadradoQue da péDe saltoSoltoE desgarrado...E segue o rompimento de linha.Dália molhada, paira além-nuvem,sem trilhos.O movimento continuaImpousadamente intempestivo.

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Vítor Collins

A ARTÉRIA DESCE AO PLANO, funil aguarda ardentecasa em pau-a-pique, de punho e firme músculoa mastigar fraquejante dentição.

Filete que dali sai, escorre o universo-escuro,sucção da terra forma lagos, onde o cansaço acumula a virtuosa amargura.

Sorri uma flor, germina vermelhaà base do pé,uma bota emerge à veste do recém-erguidotronco galhudo,

a pele esfarela as pernas, cabeça trivial, alambique e Deus,sua morada faz o poço profundo,pinga amiga, suave ardida.

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Perder-me por ter

Antero Kalik

Perder-me por terPoder preceder por podre querer

Pender sob cóleraPronome persona

Já fui perecerDe asas risonhas

Voar andar a nadoNo nada no ar

Jamais padecerE como seriaEncenar a tal

Vontade de serAssim desse jeitoSobre os dejetosDo eu a mercê.

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Esperas

Flávio Fraschetti

I. O encontro

O que restava de meu rostoera coberto, pelos panos,pelas cerimônias amarradas.

Em campos de espelhos,espero sempre essa chuvaesquecer dos meus olhos.

Assim fazíamos a rotina:o dia pelas passagens,a caça pela sede.

Ao longe, um canto certeirocercado de luz, a esfera finitabrotando dos olhos ávidos.

Amarro, de nó em nó,a pele, os dedos, o dia,os dentes cravados na terra.

Sementes de um azul tão próximo. Retalha, retalha e amarraas pernas, os pelos, a pele.

O pano, colado, fundea chuva emaranhando a terra sobre os olhos.

Esperando a colheita.Esperando o passado.Intactos sob a pele.

II

Page 35: Revista Córrego #1

II. A passagem

Permanecíamos no rastro,a lama transbordandosobre a pele trêmula.

Uma luz branca acorda os olhos vidrados no ato:dança dos dias mortos.

Faíscas tentam acender o sangue.Lençóis pelas ruas anunciamum novo nascer de nuvensdevorando as fardas e as chamas do erro.

Recolho as fraturas do tempo:Encontros engessadospela sutileza do medo.

…........................................

III(O Repouso)

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III. O Repouso

Circula, circula imóvel.Cava em tuas passagens, um jamais ultrapassar.

Distante, torna-setranslúcida grande chegada.

Tateia, tateia a fuga.Desprende-se da pele,craveja de pétalas a carne exposta.

Repousa, destemido eflutuante em sua glória.Ao presente inalcançável: oferendas da pele.

(Era latente o caminho entre as covas.De si esperava apenas a imagem. Distante e consumada, a enterrariam. Banhada de luz, tornaria em seiva.)

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IV. O tempo

É hora de devorar os vendavais.No peito, o arrancar de raízestoma em mãos a seivaque derrete o aço das veias.

Com o sabor da chuva na bocaaperto as centelhas do silêncio.Com um suspiro nos olhos,as trilhas conduzem ao deserto.

Ao final, sustento os vultosdo fazer brilhar: céu entre folhas secas.Rostos dissipados no espelho.

Assim amávamos os trilhos:Festejando o luar,esperando o momentode contorcer o tempoe o relógio dos olhos.

Estraçalhados,flutuamos nesta correnteza.Pela delicadeza deste ruído,envoltos em bruma perene.

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V. A batalha

Oferecidos os retratos, impunha suas formas aos poros e extraia das passagens o dissipar necessário para reavivar os nervos e partilhar sua teia com os cantos esquecidos na guerra.---Era uma manhã de janeiro em qualquer dia daqueles que passa, e eu viafarrapos ajoelhados e pedindo perdão, sacudindo os braços em busca deafago. Via os servos e plenos carrascos entre o som da trombeta e ogrito da espada, e dizia "cubram seus ossos, pois o sagrado vazio agora é preenchido por traças", e eu trazia em meus braços um

leito e uma vidraça para cercar seus rostos. Você tinha somente olhos para me olhar com solidez em ferro e brasa em pálpebras latejantes, e eutinha somente a garganta vazia e o ódio nos pulmões ao contemplar osacrifício dos farrapos que juravam e proclamavam a própria liberdade,que juravam e proclamavam perante a espada e que não tinham senão o grito,e eu não tinha senão dois olhos e uma vidraça enquanto o grito calavana boca do som e eu não era quando lhe dizia, mas podia afirmar, eu nãoera o que agora eu sou e eu sou o sono dos mendigos na praça e o solo imundoque aconchega os pés dos meninos de rua e uma solidão nua queatormenta e escava os ossos sem nunca cessar,esperando o vento, entrincheirado sob as lamparinas na ausência do mundo.

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Venéreo Trivial

Cléber de Pinto

– Outro dia vi uma xoxota bichada, meu filho, você não sabe que desperdício... Uma menina tão ajeitadinha.. .– Qual o andar? – Décimo oitavo. E você não sabe o pior. Eu só fui ver no outro dia de manhã, quando acordei e fui chupar ela pra dar uma trepadinha antes de ir embora...– O senhor aperta o doze pra mim, fazendo o favor? – manifestou-se a senhora de vestido laranja, espremendo os olhos entre as bochechas.– ... Rapaiz, eu nunca tinha visto um negócio daquele... Parece que tinham queimado a menina com soda, meu filho... Uns trem feio demais, rapaiz...– Sétimo...– É gonorréia!... Tadinha da menina...– Ta descendo, moço? – perguntou a jovem secretária de fora do elevador.– Não. Tá subindo.– Rapaiz, eu não consegui fazer o que eu queria não. Eu ia começar, mas aí vi aquilo e na hora inventei uma dor nas costas... Deus o livre! Eu não sei se a muié percebeu que eu tava fingindo, mas ela fez foi uma massagem gostosa, viu?– Décimo segundo...– Olhe, se eu não tivesse apurrinhado, taria molinho até agora...– O senhor dá licença! – expressou-se a senhora de laranja.– Pois é, rapaiz. A cachaça é uma desgraça. Eu ali no forró, tirei a moça pra dançar. Carolina, o nome dela. Vinte e sete aninhos. Uns peitinho arrebitado, uns coxão moreno... E uma xoxota bichada! HAHAHA!!! Tu é doido, é?– Décimo sétimo...– Foi por isso que ela deu bola prum cabra velho como eu. Agora tô eu aqui. Depois num encontrei camisinha no lixo nem no chão...– Décimo oitavo.– É isso aí. Deixa eu ver se dá pra salvar meu brinquedão aqui. Até logo...– Até – completou o ascensorista.

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Page 42: Revista Córrego #1

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Page 43: Revista Córrego #1

PREPARE-SE PARA UMA NOVA E DELICIOSA AVENTURA e não se preocupe, Meu amor, eu gostaria muito que alguém pudesse me explicar por que o destino é em nome de uma demanda de clareza racionalista segura de si mesma, ...de tal maneira que a perda ou o extravio de qualquer parte não corrompe essa relação. Boa Viagem. Um adeus é sempre que o iniciou nos conhecimentos e na genealogia do amor. Eventuais pecados lhe podem ser perdoados. Que encontrar na minha estrada que encontrou ...murmuram e mancham, ao citar no automático o nome do autor de 'Reparação'. Sucumbe, tomba abandonado, réu de tanto medo. A característica que mais pode definir essa “grande saúde” não é tanto a temática que questiona "O que se faz por amor sempre acontece para além do bem e do mal"; e que não é religião, ou o jardinar dos meus afetos, ou cuidar das minhas amizades. Mas talvez uma duvidosa descendência nobre, um tanto forjada pelos ascendentes: vida seria um cultivo de amor, se fôssemos assim, antes. Foi tão profundo que queiramos preso, acusado de pretender subverter a ordem social, a fracção do vosso genoma zangado, que o governo me - - - - há anos e não estou mais apaixonada por ele. Logo irei à amada para rever minha fria e chuvosa noite para convosco. Por que é que temos de ficar tanto tempo afastados se o que mais gostamos, de tal maneira como o compositor, Significado dos Nomes, De decidir sobre suas vidas, num círculo odioso que tanto mais quero e preciso rever você (o amor não tira férias), mais quero estar contigo e fazer com que você perceba, na atualidade, as organizações governamentais que nos fazem, que significaria que os duplos vínculos são tão naturais quanto, ...(e o são ainda), seus conceitos sobre a educação, que relegados ao atraso de não nos preocuparmos com "nosso irmão", e que tal amor eterno não existe (apenas aquilo que o inventa, constante, vibrante, mortal). Ao ouvir hoje que tudo aqui é encanto e bom gosto, me veio uma confusão na cabeça, que tanto necessita de ajuda, interferindo, então, sua vida de devoção, adoração, submissão e: o velho Amor ao próximo... A alienação fica fácil e trai a mente. Trata-se do ator. Pena que não acredite em mim. – No meu amor, estou sofrendo. Com os discursos vazios, cheios de retóricas. Amei-te, mas a

Gee Oliveira

Page 44: Revista Córrego #1

isto irei vencer. Porque tudo se faz em nome do lucro ou da vaidade pessoal. Tanto isso é verdade que a cosmovisão que norteia as ações humanas veio de Sócrates, que se parece tanto com Ele e, como Eros, Sócrates não é belo, dengoso, que seu ferrão é só meu. Foi logo acusado de corromper jovens, adular outros deuses, com desvios de verbas públicas, amores, devidamente não compreendendo que tal fortuna tem sua origem no impulso, que tudo indica, onde para se chegar a esse ideal é preciso rever alguns fundamentos sobre os quais edificamos o amor: todas as coisas. É uma cena notável porque depois de tanto apelo à poesia e a música de todas as forças em sabedoria, em energia, em amor para doar, é preciso não divagar muito, ritmar os porquês da mente e treinar-se em palavras serenas, mães sozinhas, rua afora, aviltadas, ferinas, desordena. E até não preciso de ponte. Encheste-me a baliza, mas não se pode (ou não se quer) o bem corrompido e nem punir os culpados. Um desejo súbito às vezes de "amo tanto" e penso que tenho dois corações, o segundo no lugar do cérebro. E eis O Tribunal de Atenas a transmitir à Terra o Sermão da Montanha. Quando doente em nome da menor, tanto a pagã como a judaica, interrompe-se num culto da sensualidade e da sexualidade que se faz de maneira um tanto violenta, mas às vezes é só uma questão de tamanho, porque o desamparo é o mesmo; um culto como um grito de reconhecimento, sabendo recusar e rever posturas e atitudes: deseducação dos espíritos levando-os a amar e corromper os jovens e suscitar novos deuses. Quando estava sendo julgado por heresia, o que poderia ser bobinho acaba virando uma oportunidade de, se fazendo perdido, sem âmago, sem norte ou direção, desinteressado pelo dinheiro e pelo poder, cego, surdo, mudo e puto: ou se omite, ou vai à guerra. A violência distende as próprias amarrações poderosas e... Puta que te pariu pelo amor de Deus! Deixe de filosofar meu caro conterrâneo...

Tanto quanto os sofistas, Sócrates abandonou a preocupação em explicar e demonstrar o amor por aqueles que lutaram para agora termos os Nomes de quem corrompe e de quem é corrompido. Não dá mais para Odiar aos que dominam e exploram o povo, odiar aos que iluminem A Revolução. Nessa visão de poder do Estado, é clara a importância da religião, pois em nome dela são feitas valer muitas causas em favor do Estado. A ver, o Estado das

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Page 45: Revista Córrego #1

Coisas, a esperança do governo de si. Como governar o poder, o princípio? O poder corrompe, mascara, deforma a personalidade e o que faz dela ser algo, e mostra uma postura ...intolerante ...e as realizações que tanto almeja, amigos... Não se deixem enganar pelas facilidades políticas. O ato libidinoso difere de "sedução" e de "prazeres do amor" e nem sempre culmina com a centralização precisa em torno de um nome forte (porque um príncipe se precisará tanto na política interna quanto nas relações externas). Maquiavel acredita, ainda, que todos os princípios corrompem-se e degeneram-se entre si, vertidos somente via acidente externo (fortuna) ou por sabedoria intrínseca (virtù): esta última conta três histórias de amor desigual, daquilo que o asco gerado no momento, demonstrando emoções mais exacerbadas, nisto que estão todos distanciados de suas próprias necessidades, aqueles que o pervertem, e com esta desigualdade corrompendo amigos: não se deixem corromper pelas atrocidades políticas. O amor é uma relação de poder que se manifesta no interior das sociedades, dando exemplo de poder numa perspectiva sempre negativa, tanto sobre a forma de mal sempre se disfarçando para corromper o bem – ou de lucidez. Isso diminui, e muito, por exemplo, o amor de Brás Cubas por ela – e logo, a procura de uma morte perfeita por si mesmo. E nos fazem crer pessoas feitas de plenitude, se a dois; ou por causa desse poder que se mata tanto como documentado na música que dá o que se rouba, ...ou ainda mais pelo seu poderio econômico, até porque precisa reaver os gastos de investimento, rever velhos e novos amigos, rever os hábitos que circulam a vida. Antes disto acontecer, muitos dias e noites vão trabalhar, e rever... Por que você mudou tanto, Compatrícia? DEUS a fez tão bonita... Mas com sangue, seu nome manchou... e não sai Só por saber que amor te dei em vão. ...A coisa não tem nome. A coisa não tem regra. A coisa come coisa e não sai, vai correr o mundo. Boa Viagem, então. De seu Autor Desconhecido.

A verdade se tornou mais importante que a vida. Ei, cadê você agora?Saiu pelas portas do fundo, assim como entrou, sem avisar...

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ASSOCIAÇÃO DE BARES E MANDÍBULAS

Tomás Troster

Era o que se lia na placa, enegrecida mais pela poluição dos carros do que pelos cigarros. Um silêncio precedia o almoço, e Pedro pôde pensar.

Especula-se que a fome o confundira entre a temeridade e o alvoroço. Ele vislumbrou uma gorda comissão. E só.

Pedro empurrou a grade e atravessou o umbral. Subiu a escada, indiferente aos opróbrios de seu dever. Já não alimentava escrúpulos de infligir sanções a inofensivos infratores. Se não faltasse dinheiro, fruía do sono dos ignorantes, embora inventasse outra profissão para os filhos.

Os tacos de seu sapato socaram energicamente a madeira frouxa dos degraus. Eis que ouviria o ruído unânime. Com macabra sincronia, ossos se golpeavam no compasso exato de sua marcha. Pedro, deliberadamente, ignorava. Suas pernas, não. E a percussão facial acelerou no mesmo ritmo.

Antes de entrar, chutou uma última tábua, que rangeu feito gemido animal. No ambiente recluso, e agora irregular, sua visita era prevista. Seu colete de significados, inaceitável.

Quando o mestre o viu, apertou o botão. E o desespero do insigne bípede vedou-se no recinto. A caderneta era inútil.

Com generosa saliva, uma metrópole de dentes amarelados brilhava em sua frente, executando a música de seu fim. Foi com diligente atrocidade que essas mesmas mandíbulas devoraram os olhos de Pedro e inviabilizaram sua permanência no emprego. Ignora-se qualquer gesto de ternura naquele início de tarde.

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Page 49: Revista Córrego #1

em janeiro de 2011imprimiram-se 180

Pego de surpresadesliza pela calha ao córrego,

resíduo de experiênciaincólume ao espírito do tempo.

Entre os raioso palhaço é distração.

O poeta desfila um nariz alegóricoque à beira do córrego

lava ardentemente.

É no muroque se espalha

o poema.

Page 50: Revista Córrego #1