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Page 1: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Timor Lorosa’e

REVISTA DE LETRAS E CULTURAS LUSÓFONASJULHO

SETEMBRO2001

10€[IVA INCLUÍDO]

n ú m e r o

14

14

Page 2: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Nobres há muitos. É verdade. Verdade. Homens muitos. É muito verdade. Verdade que com um lenço velho As nossas mãos foram enlaçadas.

Nós, como aliados, eu digo. Panos, só um, tal qual afirmo. A lua ilumina o meu feitio. O sol ilumina o aliado.

Água de Héler! Pelo vaso sagrado! Nunca esqueça isto o aliado. Juntos, combater, eu quero! Com o aliado, derrotar, eu quero!

A lua ilumina o meu feitio. O sol ilumina o aliado. Poderemos, talvez, ser derrotados Ou combatidos, mas somente unidos.

(Ruy Cinatti, «Poema do Pacto de Sangue»)

Este poema de Ruy Cinatti, que descreve o pacto de sangue que celebrou com alguns membros defamílias nobres timorenses, sintetiza de forma sublime ahistória do relacionamento entre os nossos dois povos.História ancestral, marcada com igual intensidade pelosofrimento e pela alegria e que está perto de conhecerum desenvolvimento marcante: a independência deTimor-Leste. O Instituto Camões não podia deixar de se associar a estemomento histórico, que perspectiva desde já uma dasprincipais tarefas que a nossa política cultural externaterá de prosseguir nos tempos vindouros: a consolidaçãodo português como língua oficial do futuro Estado deTimor-Leste. Este desafio enquadra-se nos objectivos que traçamospara a nossa política cultural externa e para a futuraacção do Instituto Camões: por um lado, preservar epromover uma identidade lusófona, reforçando a ligaçãoentre todos os que falam português no mundo, e, poroutro, ser um dos instrumentos da nossa políticaexterna, contribuindo assim para um novo recorte naafirmação de Portugal.O processo de escolha de uma língua, tal qual foi feitopela Assembleia timorense, não é um acto meramenteadministrativo. A língua enquanto instrumento doinconsciente é muito mais do que um veículo decomunicação, é também um factor de construção econsolidação da identidade nacional, como nosexplicam o Professor José Mattoso e o Professor GeoffreyGunn.

A decisão soberana do povo timorense ao escolher o português como língua oficial foi também uma decisãopolítica. O português foi durante muitos anos a língua da resistência, uma língua de esperança, sendo faladoapenas pelos timorenses mais velhos e pela Igreja como nos explica Matan Ruak no seu artigo deste número. A sobrevivência da língua portuguesa deveu-se assim à coragem e tenacidade de alguns, personificados no Padre João Felgueiras, que, durante 13 anos, ensinou,secretamente, o português no Externato de S. Joséem Díli. Todas estas circunstâncias trazemresponsabilidades acrescidas à nossa futura cooperaçãocom Timor no domínio da língua e da cultura. O esforço que o Estado português terá de desenvolverparecerá sempre escasso quando comparado com a imensidão do desafio que temos pela frente.Procuraremos contudo adequar as nossas estruturas às necessidades existentes, aprofundando as acções em curso ao nível do ensino primário e secundário, que envolvem já cerca de quatro mil alunos, ampliando o Departamento de Português na Universidade Nacional de Timor-Lorosa’e e dinamizando a actividade do Centro de LínguaPortuguesa em Díli. Desde o ano de 2000 que enviamos cerca de 350 milmanuais escolares e 650 mil livros. Todavia o nossoactivo mais importante e que deve ser devidamentevalorizado são os nossos cooperantes, entre os quais se encontram os 410 professores que já passaram por Timor. Impõe-se, neste contexto, uma palavra de admiração e apreço pela sua abnegação e espírito de sacrifício.Uma referência também para a Comunidade de Paísesde Língua Portuguesa que, com a adesão de Timor,passará a contar com oito Estados membros, adquirindouma dimensão verdadeiramente transcontinental e transoceânica. Contaremos certamente com a colaboração e dedicação de todos os seus membrosneste esforço conjunto de consolidação da línguaportuguesa. Termino recorrendo novamente a Ruy Cinatti, português de filiação, timorense por sentimento, comonos descreve o Padre Peter Stilwell, fazendo votos paraque a independência de Timor-Leste no dia 20 de Maio contribua para a manutenção e reforço dos «elos sagrados, profanos e sacros» que unemPortugal a Timor.

António Martins da CruzMinistro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas

e d i t o r i a l

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DIRECTORAMaria José Stock

DIRECTORA-ADJUNTALuísa Mellid-Franco

DIRECTOR DE PRODUÇÃORui M. Pereira

DESIGN GRÁFICOTVM designers (Luís Moreira)

EDITORESJoana AmaralM. Piedade Braga Santos

ASSINATURASCélia Gomes

IMPRESSÃO Gráfica Maiadouro

ADMINISTRAÇÃOInstituto CamõesRua Rodrigues Sampaio, 1131150-279 LisboaTel: 21 310 91 00Fax: 21 314 39 [email protected]

REDACÇÃOInstituto CamõesRua Rodrigues Sampaio, 1131150-279 LisboaTel: 21 310 91 12Fax: 21 310 91 [email protected]

TIRAGEM10 000 exemplares

DEPÓSITO LEGAL124734/99

DISTRIBUIÇÃOSodilivros

© Instituto Camões

ISSN: 0874-3029

6 Sobre a Identidade de Timor Lorosa’eJ o s é M a t t o s o

14 Língua e Cultura na construção da Identidade de Timor-LesteG e o f f r e y G u n n

26 Timor-Leste: tenacidade, abnegação e inteligência políticaA . B a r b e d o d e M a g a l h ã e s

40 A importância da língua portuguesa na resistência contra a ocupação indonésiaT a u r M a t a n R u a k

42 As Raízes da ResistênciaP e . J o ã o F e l g u e i r a s

50 IMPETU e o seu movimento de libertação na Indonésia (1982–1999)J o ã o F r e i t a s d e C â m a r a

59 O Tétum, factor de identidade nacionalL u í s C o s t a

65 Panorama Linguístico de Timor Identidade Regional, Nacional e PessoalM a r i a J o s é A l b a r r a n d e C a r v a l h o

80 Língua, Identidade e Resistência. Entrevista a Geoffrey Hull

93 Onde nasce o sândalo: os portugueses em Timor nos séculos XVI e XVIIR u i M a n u e l L o u r e i r o

105 D. Frei Manuel de Santo António: missionário e primeiro bispo residente em Timor.Elementos para a sua biografia (1660-1733)

A r t u r T e o d o r o d e M a t o s

118 A Descripção da Ilha de Timor de João Marinho de MouraL u í s F . R . T h o m a z

125 Os portugueses e Timor nos séculos XVI e XVII. Bibliografia BreveR u i M a n u e l L o u r e i r o

135 A Imprensa em Timor, antes do 25 de AbrilP a u l o P i r e s

146 Borja da Costa. Um Poeta e uma Fundação. Quando florescer o arroz…M a r i a J ú l i a F e r n a n d e s

152 O Timor de Ruy CinattiP e t e r S t i l w e l l

158 As Imagens de TimorJ o ã o L o u r e i r o

162 Timor e o CinemaJ o s é d e M a t o s - C r u z

172 Timor, os Mitos e as (des)MistificaçõesL u í s C a r d o s o

REVISTA DE LETRAS E CULTURAS LUSÓFONAS

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A revista Camões – Revista de Letras e CulturasLusófonas, ao associar-se à Independência de Timor,mais não pretende do que assinalar uma datahistórica e congratular-se com o nascimento de um país com quem partilhou a História desde o século XVI. Os textos reunidos neste número foram organizados a partir de cinco núcleos confluentes no sentido dasua ordenação. O primeiro vector, de onde irradiamos quatro seguintes, é o da Identidade timorensee sobre ela se pronunciam duas personalidadesmaiores das culturas que, por circunstânciashistóricas, no primeiro caso, e de vizinhança, nosegundo, mais se aproximaram da tradição e dacultura do novo país: Portugal, através da opinião deJosé Mattoso, e Austrália, pela voz de Geoffrey Gunn.A partir de ambas as culturas, a perspectiva sobre arelação entre os conceitos de Independência e deIdentidade Nacional de J.Mattoso, e da inter-relaçãoentre língua e cultura na construção da identidade deTimor-Leste, analisada no texto de G. Gunn, acabampor configurar um segundo conjunto de textosrelacionando a Língua Portuguesa e a Resistência,tema sobre o qual se pronunciam Barbedo deMagalhães, enfatizando a tenacidade, a abnegação e a inteligência política que caracterizaram os 24 anosque durou todo o processo, Matan Ruak, que destacaa importância do relacionamento fundamente

Timor Lorosa’e

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enraizado da Língua Portuguesa na Resistência, assimcomo as experiências e os riscos assumidos pelo PadreJoão Felgueiras e por João Freitas da Câmara. Sobre As Línguas em Timor escrevem em dois artigos dereferência, Luís Costa e Maria José Albarran, o primeirosobre o Tétum, enquanto factor de Identidade Nacionale a segunda sobre o panorama linguístico em Timor. Afechar esta incursão sobre as línguas faladas em Timor,uma entrevista a Geoffrey Hull (Director de Investigaçãoe Publicações do Instituto Nacional de línguística daUniversidade Nacional de Timor Lorosa’e), dá-nos aconhecer as suas perspectivas, no que se refere à língua,mas também à cultura e à sociedade timorense.Rui Loureiro, Artur Teodoro de Matos e Luís Filipe ReisThomaz, contribuem para uma abordagemclarificadora sobre a História de Timor, ainda por fazer,remontando o leitor destas páginas aos séculos XVI e XVII, no texto de Rui Loureiro que completa esteconjunto de artigos com uma bibliografia exaustivasobre o mesmo período histórico. Entre um artigo e outro, Artur Teodoro de Matos e Luís Filipe ReisThomaz ilustram esta revista de homenagem,respectivamente, com um esboço de biografia de D. Frei Manuel de Santo António, missionário e primeiro Bispo residente em Timor, e com ummanuscrito que L. F. Thomaz transcreve e brevementecomenta, encontrado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e intitulado «Descripção da ilha

de Timor, causa da sua decadência e projecto para o seu augmento».O último grupo de textos tem directamente que ver com aspectos da cultura timorense, mais recentes e concretos. O de Paulo Pires, sobre a Imprensa emTimor, antes do 25 de Abril e o de Júlia Fernandes, queevoca o poeta Borja da Costa e a Fundação do mesmonome. O Padre Peter Stilwell preferiu trazer a estaspáginas a poesia de Ruy Cinatti na sua ligação intimistacom Timor e o seu povo. A este artigo seguem-se, quasea pretexto, as imagens de velhos postais ilustrados e defotografias na posse de particulares que João Lourençoacede em mostrar aos leitores da revista. Depois dasimagens fixas era imprescindível mencionar com algumdestaque a filmografia associada a Timor. É pela mão deJosé de Matos-Cruz que tomamos conheciemnto de queela existe, embora menos importante do que nos outros«territórios ultramarinos», a partir dos anos cinquenta, e essencialmente constituída por documentários, compoucas, e muito recentes, excepções.Finalmente, um texto admirável de Luís Cardoso,«Timor, os Mitos e as (des)Mistificações», constitui em sipróprio uma súmula nascida de afectos cruzados, quecorresponde aos diferentes vectores que esta Camões –Revista de Letras e Culturas Lusófonas deixou em aberto,fechando um passado e com os olhos postos no futurode Timor Lorosa’e.

[L.M.-F.]

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Sobre aIdentidade de

Timor Lorosa’eJ o s é M a t t o s o

O nascimento de um país novo suscita um pro-blema ao mesmo tempo interessante e difícil,quando se trata de o estudar do ponto de vistada identidade nacional. Pergunta-se, então, setrata de um fenómeno natural ou artificial, istoé, se foi precedido por fenómenos colectivos queobrigam a distinguir o povo do território emcausa dos de outros territórios, ou, pelo contrá-rio, se é sobretudo o resultado de um conjuntode actos voluntários decididos por um grupominoritário de indivíduos. Todavia, o problemanão se pode resolver por meio desta alternativaelementar. Por um lado, é inevitável admitir queo fenómeno da identidade nacional tem semprede se revelar de forma diferenciada: o fenómenotem graus, o que quer dizer que não há apenasuma forma de identidade; esta pode ser maisclara ou mais obscura, sem por isso deixar deexistir. Por outro lado, a proclamação da inde-pendência é ela própria um momento muitoimportante do processo de conscientizaçãocolectiva da identidade embora não seja sufi-ciente para lhe garantir e as força nem a sua cla-reza. Por outras palavras, a relação entre inde-pendência e identidade não é uma relaçãonecessária; normalmente uma e outra comple-tam-se, mas a sua inter-relação não é mecânica.Pode-se daí concluir que a solidez da indepen-dência deve ser reforçada por uma consciênciatão clara quanto possível da identidade. Reci-procamente, o desejo de manter a independên-cia deve suscitar uma expressão da identidadeprogressivamente mais participada a nívelcolectivo. De qualquer maneira, é necessárioreconstituir o processo de interacção entre aconsciência de identidade e o acesso à indepen-dência para poder compreender o fenómeno.

Até este momento, não existem estudos sufi-cientemente sólidos para poder definir os carac-teres da identidade nacional de Timor-Leste.Podem-se, quando muito, mencionar umas tan-tas pistas de investigação. Assim, entre os fenó-

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Fotografia de Elaine Brière. Fundação Austronésia Borja da Costa.

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menos mais antigos, deve-se referir o agrupa-mento de pequenos reinos locais em dois con-juntos, o dos «Belos», a oriente da ilha, e o do«Servião», a ocidente. Os Portugueses chama-vam aos dois chefes «imperadores», apesar de aautoridade que eles exerciam sobre os liurais serapenas honorífica ou pouco mais do que isso. Dequalquer modo, esta divisão do conjunto da ilhade Timor em duas regiões foi reforçada a partirdo princípio do século XVIII pela submissão daparte ocidental aos Holandeses, e da parteoriental aos Portugueses. Pode-se, todavia, per-guntar se os aspectos que opõem entre si as duaspartes da ilha são mais fortes do que aqueles queas unem ou aproximam. Mencionando apenasdois destes aspectos, pode-se evocar, em pri-meiro lugar, a repartição geográfica da línguatétum, a língua mais difundida em Timor-Leste,uma vez que ela ultrapassa as fronteiras dos dois«impérios». Com efeito, esta língua não se falaapenas em Timor Lorosa’e, mas também numaboa parte da região ocidental, à volta de Atam-bua. Pode-se acrescentar que os costumes dosAtoni, uma etnia de Timor ocidental situadaperto da fronteira actual, estudados por Nord-holt, revelam mais afinidades com os costumesdos Timorenses de Bobonaro ou de Ermera, aoriente da mesma fronteira, do que com osTimorenses de Baucau ou de Lautem, noestremo ocidental. Não é, pois, de admirar queum certo número de Timorenses, dos dois ladosda ilha, sonhe com uma independência que reu-nisse as duas partes da ilha numa só nação.

Esta hipótese, porém, está longe de se con-cretizar. Não admira. Com efeito, os factoresmais decisivos para a eclosão de uma identidadenacional são as práticas administrativas e cultu-rais adoptadas continuamente durante umperíodo longo, associadas a circuitos económi-cos polarizados por cidades que exercemdurante o mesmo período uma função directivanos três domínios (administrativo, cultural e

económico). Quer dizer, no caso de Timor-Leste,a administração portuguesa, que efectivamenteexerceu esse papel desde o princípio do séculoXVIII até 1975. Além disso, essa mesma admi-nistração exerceu o papel de coordenadora dospequenos reinos de liurais e a função de arbi-tragem dos seus conflitos permanentes, até àsua pacificação praticamente completa a partirde 1912. É verdade que durante o período de1942-1945, os Japoneses reavivaram em seu pro-veito as antigos conflitos entre etnias timoren-ses, com o objectivo de dirigir contra os liuraisfiéis aos Portugueses (e que apoiavam tambémos Australianos), as colunas negras, inicialmenterecrutadas em território holandês. Todavia, avitória dos Aliados no fim da Guerra reforçou oprestígio dos Timorenses fiéis aos Portugueses eatribuiu pesadas responsabilidades àqueles quetinham colaborado com as atrocidades cometi-das pelos Japoneses; por isso contribuiu paraaprofundar a divisão entre o Timor português,favorável aos Australianos, e o Timor holandês,favorável aos Japoneses.

Assim, às razões por assim dizer «estrutu-rais», que contribuíram para a manutenção doslaços de solidariedade criados pela colonizaçãoportuguesa, juntaram-se razões históricas, querdizer, acontecimentos colectivos vividos emcomum e que foram a base de uma memóriacomum. O que a memória colectiva reteve dotempo vivido sob a ocupação japonesa foram asatrocidades cometidas e a condenação daquelesque nelas colaboraram. Neste sentido, a cons-ciência colectiva, que atribuiu aos Japoneses aqualificação de «estrangeiros», de «inimigos», de«outros», favoreceu, de certo modo, o nasci-mento da noção de «Timorenses» como «nósmesmos». No fim da guerra, esta noção ficouassociada à ideia de fidelidade aos Portugueses,mas com o tempo acabou por se tornar umaespécie de consciência pré-nacional. A memóriacolectiva que, como se sabe, é uma componente 8

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tão importante da noção de identidade nacio-nal, foi decisivamente reforçada pelos aconte-cimentos vividos em Timor-Leste durante osanos de 1974-1999. Esta noção germinou, edepois tornou-se consciente no seio de umaminoria culta e politizada, desde o momento emque esta se deu conta do papel que necessaria-mente tinha de desempenhar a partir domomento em que os antigos colonizadores ofe-receram a Timor a possibilidade de obterem aindependência. Foi depois vivida com umenorme entusiasmo pela população urbana, eeste entusiasmo ficou muito vivo na memória dequem participou em tais acontecimentos. Nãomenos viva é a lembrança da frustração causadanos mesmos protagonistas pelo facto de esseentusiasmo ter rapidamente dado lugar aos vio-lentos conflitos que eclodiram entre os partidos

políticos, conflitos esses que serviram de pre-texto para a invasão e ocupação do país pelaIndonésia em 1975.

Os acontecimentos seguintes foram aindamais decisivos para a formação da memóriacolectiva. Todo o povo timorense viveu na suacarne a brutalidade de uma das mais cruéis ocu-pações militares de um território por um paísestrangeiro: os actos de genocídio, o período deresistência activa e passiva durante vários anosde um pequeno território que o exército indo-nésio não conseguia ocupar efectivamente,depois a submissão exterior a um inimigo infi-nitamente mais poderoso e a seguir a longaresistência passiva de um povo que nunca per-deu o sentido da sua dignidade e que sempreapoiou secretamente os guerrilheiros que, nasmontanhas, continuavam a sustentar a luta

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armada e que era encorajada pelos exilados queno estrangeiro chamavam a atenção do mundopara a violação dos direitos humanos na suaterra natal. Junte-se a isto, para completar a enu-meração dos elementos que conformaram amemória colectiva, a lembrança e o respeitosagrado pelas centenas de milhares de mortosou assassinados pelos «estrangeiros», quer dizer,por aqueles que não foram nunca reconhecidoscomo tendo o direito de administrar o território.

Não admira que as palavras de ordem dosguerrilheiros, com «independência ou morte»ressoassem aos ouvidos da maioria dos Timo-renses como a expressão de uma vontade quenão era apenas deles, mas de todo o povo.

Assim, o uso da força bruta pelo invasorcontribuiu para dar um sentido colectivo à resis-tência. A adesão da minoria que voluntaria-mente colaborou com a Indonésia, e, no últimoperíodo, a actuação das «milícias» que aceitaramcometer violências e atrocidades para com osseus próprios «compatriotas», são factos que,sem dúvida, têm alguma coisa que ver com asvelhas tradições de lutas entre os reinos dos liu-rais. Mas as divisões nascidas do apoio conce-dido aos Indonésios provavelmente não coinci-dem com as antigas divisões entre os «reinos»;parecem atravessar os agrupamentos humanosem função de uma lógica diferente (difícil dereconstituir com os dados de que dispomos). Poroutro lado, parece que a memória do funu(guerra) que opunha os «reinos» entre si, as divi-sões entre partidos políticos, responsáveis pornão poucas violências cometidas em 1975, e oscrimes cometidos em nome dos partidários daindependência por oposição aos partidários daautonomia (sem independência), criaram naconsciência colectiva o sentimento de umaespécie de «pecado original» que os responsá-veis pela independência procuram apagar atodo o custo. Aparentemente, os responsáveispolíticos reconhecem que a capacidade para

ultrapassar as divisões internas são um factor damaior importância para que a comunidadeinternacional reconheça a legitimidade da inde-pendência timorense. De qualquer maneira, asdivisões internas apresentam uma dupla face:por um lado, constituem uma efectiva ameaça àindependência; mas, por outro lado, constituemtambém um elemento essencial da memóriacolectiva e, por isso mesmo, reforçam o senti-mento de que para combater esse risco é neces-sário estreitar os laços comuns e aprofundar anoção de identidade nacional.

Estes factos parecem confirmar a força dosfactores que mais contribuem para a constitui-ção da identidade de Timor-Leste. Para alémdeles, poder-se-iam também mencionar outrosque se poderiam classificar como resultantes deum certo comportamento comum.

No estado actual da investigação etnológicae sociológica, não é possível fazer afirmaçõesmuito seguras. Gostaria, em todo o caso, de per-guntar aos especialistas se se poderão conside-rar como tais alguns dados que me parecem sig-nificativos. Estes parecem-me, com efeito, serespecíficos da realidade timorense como tal, enão apenas como consequências da preserva-ção até um período recente, de estruturas sociaisque se podem classificar como «tradicionais»,para não dizer «primitivas». Quero-me referir,em particular, aos vestígios de uma estrutura deparentesco muito forte (que se manifesta, porexemplo, no peso que tem a decisão dos paren-tes – não apenas dos pais – quando algum mem-bro da família quer abraçar a vocação religiosaou quer escolher o cônjuge) e também às nume-rosas e variadas manifestações do culto dosmortos. As estruturas tradicionais marcam, evi-dentemente, a mentalidade dos Timorenses, e épreciso, portanto, tê-las em conta, mas a ver-dade é que podem ser semelhantes, em termosgerais, às que vigoram também noutras socieda-des diferentes igualmente apegadas a costumes 10

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«tradicionais». Este tipo de indícios do compor-tamento colectivo terá de ser estudado cuidado-samente, mas não dispomos de muitas basesseguras para o fazer, por falta de estudos socio-lógicos e etnológicos recentes.

Excluindo, portanto, dados de tal género,podemos, apesar de tudo, mencionar outrosfenómenos sociais peculiares de Timor (que nãosabemos até que ponto se verificarão igual-mente em Timor ocidental). Quero-me referir auma sociedade que tomou como modelo anobreza tradicional autóctone, isto é, umanobreza dividida em três níveis, a saber o dosliurais, o dos datos e o dos tumungos (L. F. Tho-maz, 2001). A preservação deste nobreza e dosseus privilégios até uma época recente, com oapoio da administração portuguesa que se apro-veitava dela como estratégia de dominação detipo paternalista, verifica-se por meio de dadoshistóricos, de episódios ainda gravados na

memória de muita gente e de factos tais como olaço que ainda hoje une as «famílias largas» maisconhecidas no território e a identificação bemconhecida dos seus locais de origem: toda agente sabe de onde procedem os Guterres, osGusmãos, os Costas ou qualquer outra linhagemmais ou menos notória (M. J. Carvalho: 2002).Ora esta repartição social deu origem a hábitospróprios dos nobres, aceitados e reforçados pelaadministração portuguesa e eles própriosinfluenciados por costumes portugueses. O con-junto destes factos sociais determinou, prova-velmente, a difusão dos usos e costumes dascamadas mais altas em todo o tecido social, e,por isso mesmo, a formação de comportamen-tos colectivos valorizados por toda a gente.

Um dos indícios deste fenómeno, commanifestações muito variadas, parece-me sertestemunhado pelo uso, muito difundido etípico do tétum praça, de formas de tratamentomuito peculiares. Trata-se do título maun/manaatribuído pelos irmãos mais novos aos irmãos eirmãs mais velhos, e, por extensão, atribuídotambém a pessoas do mesmo nível, mas às quaisse deve um respeito afectuoso: por exemplomaun Xanana. Na mesma linha de significadopode-se mencionar também o título tio/tia atri-buído a pessoas da geração anterior e ainda otítulo avô/avó atribuído a pessoas mais velhas.Estas formas de tratamento são, obviamente, deorigem portuguesa, mas na língua de origemdesignam indivíduos ligados por laços de verda-deira consanguinidade. Ora, como testemunhaesta forma de tratamento, os Timorenses inspi-ram-se neste modelo familiar para aplicar osmesmos títulos a relações sociais mais largas,quando elas são marcadas simultaneamentepela proximidade afectuosa e pelo respeito.

Pode-se verificar um fenómeno análogo nocaso do uso do título amo, que se empregaquando alguém se quer dirigir a um padre ou aum bispo. Com efeito, em português antigo e em11

Grupo de percussionistas de Suai. Fotografia de Ruy Cinatti.

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Pormenor de pano tais. Fotografia de Luís F. R. Thomaz.

português da época renascentista, aquele títulodesignava o senhor dos escravos e dos criadosque viviam sob o mesmo tecto; todavia a palavraexprime também uma conotação familiar pecu-liar das pessoas ligadas entre si pelos mesmossentimentos de respeito e de afecto (M. J. Albar-ran Carvalho: 2001).

Esta manifestação da mentalidade, quecreio se pode considerar típica da identidadetimorense, baseia-se na importância atribuídaaos dois valores sociais mencionados – o res-peito e o afecto – e na estreita relação que os une.Esta valorização podia beneficiar os próprioscolonizadores quando eles conseguiam captar aconfiança dos Timorenses. Resta dizer que essetipo de valores deve ter encontrado um certoestímulo na atitude frequentemente paterna-lista habitual entre os Portugueses, e por elesdifundida nas suas várias colónias.

O valor atribuído ao respeito e à amizade (etambém, acrescente-se, o valor atribuído à honra,de que aqui não falamos) é o reverso da facilidadecom que os Timorenses desencadeiam a violên-cia física, outro aspecto de um comportamentogeneralizado entre eles. Trata-se, provavelmente,de uma consequência dos hábitos ligados ao funu(guerra) entre os sucos e entre os «reinos», mesmoentre aqueles que pertenciam à mesma etnia.Estes conflitos armados permaneceram, comovimos, pelo menos até 1912. É preciso ter emconta que as lutas entre Timorenses foram atiça-das ou aproveitadas pelos Portugueses como umaestratégia de dominação, por meio do apoio nos«reinos» aliados e o aproveitamento das suas for-ças para a repressão dos «reinos» insubmissos.Como se sabe, a mesma estratégia foi utilizadatambém pelos Holandeses nas suas colónias, eem Timor mesmo pelos Japoneses durante a 12

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Segunda Guerra Mundial e, mais perto de nós,pelos Indonésios durante o período de anexação.Ora, a agressividade mantém-se viva neste país jáquase independente, como se verifica nas rivali-dades, por vezes sangrentas, entre Timorenses deLoro mono (distritos ocidentais) e Timorenses deLorosa’e (distritos orientais), e nos combatesentre grupos de jovens que cultivam as artes mar-ciais. Como é evidente, este espírito propenso àagressividade constitui um efectivo obstáculo àestabilidade social.

Eis, portanto, algumas reflexões, obvia-mente muito incompletas e provisórias, acercada nova nação de Timor Lorosa’e, que obterá asua independência efectiva no dia 20 de Maio de2002. Esperamos que estes breves apontamen-tos possam em breve ser completados por estu-dos mais aprofundados sobre o comportamentosocial dos Timorenses e que eles possam servir

de apoio a uma consciência colectiva cada vezmais clara dos seus valores comuns.

BBiibblliiooggrraaffiiaa

M. J. Albarran CARVALHO (2001), «Aspectos Lexicais do Portu-guês Usado em Timor-Leste» Journal… University of Wes-tern Sydney (em vias de publicação).

M. J. Albarran CARVALHO, «Notas sobre o Português no Mundoe o Caso Timorense», comunicação na abertura da exposi-ção Tempo da Língua na Universidade Nacional de TimorLorosa’e, 2001.

M. J. Albarran CARVALHO (2002), «Timor Lorosa’e e DirecçõesDesviantes do Português Conservado / IncompletamenteAdquirido na Zona…». Journal… University of Western Syd-ney (em vias de publicação).

H. G. Schulte NORDHOLT, The Political Systeme of the Atoni ofTimor, Haia, M. Nijhoff, 1971.

M. J. SCHOUTEN, «Quelques Communautés intermédiaires enInsulinde Orientale», Actas II Colóquio Internacional sobreMediadores Culturais – séculos XV a XVIII – Passar as Fron-teiras – 1997, Faro, 1998.

Luís Filipe THOMAZ, «Timor: da proto-história à consolidaçãodo protectorado português», Oriente, n.º 1, 2001, pp. 39-52.

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Língua eCultura na

construção daIdentidade de

Timor-LesteG e o f f r e y G u n n

Este estudo procura examinar a inter-rela-ção entre língua e cultura na construção da iden-tidade de Timor-Leste. Analisa, em primeirolugar, as questões ligadas ao contexto civiliza-cional no início da fase de expansão do poderportuguês e islâmico no arquipélago oriental;descreve, em seguida, a emergência das comu-nidades crioulas criadas pelo contacto com osportugueses, na ilha de Timor e no conjunto doarquipélago; em terceiro lugar, examina os resul-tados da influência portuguesa na longa dura-ção, contrastando com as consequências devinte e quatro anos de ocupação indonésia naidentidade timorense, muito presente ainda nageração mais nova que luta por dar sentido aoseu futuro como parte de um estado-nação inde-pendente.

O Contexto CivilizacionalA chegada dos comerciantes ibéricos e mis-

sionários europeus aos arquipélagos sudesteasiáticos prefigura já, de um ponto de vista civi-lizacional, o confronto de culturas referido peloprofessor americano Samuel Huntington no seufamoso ensaio1. No caso da conquista de Malacapelos Portugueses em 1511 e das expedições cas-telhanas contra o Brunei islâmico, os europeusimpuseram o seu poder, tanto político como reli-gioso, pela força das armas. Mesmo assim, talcomo demonstra Anthony Reid2, historiador doSudeste asiático, num estudo sobre o que eleapelida de «fase crítica» do confronto entremuçulmanos e cristãos no arquipélago, entre1550 e 1650, as fontes cristãs sublinham que «oIslão era uma força minoritária em Maluku e naárea oriental do arquipélago em geral».

No caso do arquipélago Solor-Flores-Timor,os primeiros portugueses que aí chegaram nasprimeiras décadas do século XVI, não encontra-ram quaisquer influências indianas ou islâmi-cas. Comerciantes de madeira de sândalo vindos

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Grupo de músicos de Vinilale, c. 1970. Fotografia deLuís F. R. Thomaz.

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da China ou de ilhas e portos a ocidente, nãotrouxeram influências civilizacionais identificá-veis nas sociedades animistas e profundamentesegmentadas destas ilhas orientais. Na verdade,este facto é algo surpreendente, especialmenteporque Timor esteve, desde cedo, integrada nasredes de comércio regional.

Mas com a conversão de Makassar (Talo eGoa) ao Islão em 1605, as missões dominicanasde Solor e de Larantuca nas Flores, enfrentaramum novo elemento de contestação. Mesmoassim, quando as comunidades islâmicas deSolor foram fundadas, presumivelmente sob ainfluência dos Sultões de Ternate e Makassar, enuma altura em que os dominicanos estavam ainiciar a evangelização da ilha de Timor(Kupang, Mena, etc.), não houve contestaçãopor parte de rivais islâmicos. Makassar tornou-

-se mais agressiva em 1640 com a expulsão dosportugueses, especialmente porque tentavaentrar pela força no comércio de sândalo dasilhas do sul. Larantuca foi atacada, o que levou àtransferência das actividades da missão portu-guesa para Timor.

O único exemplo de um ataque islâmico aTimor nesta época, embora com característicasde pirataria, parece ter sido a acção do SultãoKarrilikio (Camiliquio) de Tolo, em Sulawesi,que, por volta de 1640 invadiu Timor com umaarmada de 150 prauh ou navios e uma força de7000 homens em armas, devastando a costanorte da ilha durante três meses3. Também é ver-dade que mercadores de Makassar visitavam fre-quentemente Timor durante o período docomércio de sândalo, embora não haja registo deuma presença permanente ou de proselitismo

Tecelã de tais, Bobonaro. Fotografia de Luís F. R. Thomaz.

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islâmico na ilha durante a «fase crítica» doencontro de civilizações. Veremos mais adianteque após a ocupação indonésia de Timor Lesteem 1975, novos elementos de contestação civili-zacional testaram os timorenses até ao limite,apesar de, ao aprenderem a linguagem dos inva-sores, os jovens timorenses aprenderam tam-bém a linguagem global dos direitos humanos ea luta pela democracia, tal como esta acabariapor triunfar no seio da própria Indonésia com ocolapso da ditadura de Suharto em 1998.

Mas é, ou pode, Timor-Leste ser concebidocomo parte do mundo Indonésio e Malaio? Éinteressante verificar que Samuel Huntington4

divide a civilização islâmica em três «sub-divi-sões»: Árabe, Turca e Malaia. Neste sentidomuito lato, Malaia abarca todos os povos domundo Indonésio/Malaio que são muçulma-nos. A definição de Malaio como muçulmano naMalásia/Singapura/Brunei (Darussalam) mo-dernas é ainda mais estreita. Não é este o lugarpara discutir o sentido de Malaio, mas, comorecentes investigações demonstraram, mesmo acategoria «Malaio» foi uma invenção colonialbritânica. A condição de Malaio na Malaia e Bru-nei pós-coloniais sofreu um processo de recons-trução em torno de uma nova e correcta defini-ção política (e religiosa). Apesar disso, há inú-meros povos no mundo malaio que não sãomuçulmanos, dos indígenas de Bornéu, Sula-wesi e Papua às ilhas de Lesser Sunda, incluindoTimor. O arquipélago malaio é também a áreageográfica na qual o naturalista britânico AlfredRussel Wallace5, situou Timor no seu clássicoestudo de 1969.

De um ponto de vista antropológico, é a estemundo, ou pelo menos a estas sociedades seg-mentadas e divididas em numerosos clãs doarquipélago oriental, que os timorenses perten-cem, embora também seja verdade que os pri-meiros povos a chegarem a Timor-Leste eramoriginários da Melanésia e de Papua. Do ponto

de vista linguístico, recentes investigações con-firmaram que as línguas indígenas em Timor--Leste pertencem, quer aos grupos linguísticosAustronésios, pré-austronésios ou não-austro-nésios. Esta investigação sugere que há dezas-seis unidades em todo Timor, sendo que trezedessas línguas são faladas em Timor-Leste. Hojeem dia o Tétum é a língua franca mais divulgada,embora não seja corrente no enclave de Oe-cússi ou entre os falantes Fataluku, no leste6.

Mas aqui temos o paradoxo. A antropologiae a cultura relacionam os Timorenses com aregião, tal como os timorenses de leste e de oestetem origem em raízes comuns. Porém foram aexperiência e os contactos coloniais e as influên-cias civilizacionais que dividiram as duas meta-des da ilha e distinguem a sociedade de Timor-Leste de outras sociedades indonésias vizinhas.

Comunidades CrioulasPodemos argumentar que uma das questões

mais importantes para a definição da identidadetimorense foi a criação, ao longo do tempo, decomunidades crioulas, não apenas em Timor,mas por todo o arquipélago. O maior legado civi-lizacional dos Portugueses – e Dominicanos – noarquipélago foi, sem dúvida a criação de nume-rosas comunidades crioulas, especialmente nasFlores, Solor e em Timor. Como seria de esperarestas comunidades são católicas; os nomes eapelidos foram aportuguesados e a língua por-tuguesa pode ter sido falada.

Em algumas definições o conceito decrioulo implica um ascendente europeu. Mas,na generalidade, as comunidades crioulasreflectem uma cultura híbrida que vão da cozi-nha ao vestuário, religião, transferências linguís-ticas e musicais. Por exemplo, mesmo para alémdo nível comunitário, as melodias keroncong deforte influência portuguesa, foram objecto deapropriação pelos indonésios como forma17

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musical nacional. Centenas de comunidadesdeste tipo existem ainda na Indonésia, dasMolucas a Menado, às Flores e até a Jacarta, emtorno do histórico distrito de Tugu. Malaca fazparte desse legado, assim como outras comuni-dades católicas de forte influência cultural por-tuguesa nas modernas Malásia e Singapura.Nestas comunidades, foi-se desenvolvendo, aolongo do tempo, uma forma típica de hibri-dismo entre o Malaio e o Português. Na China,Macau é um caso claramente especial. Mas ireimais longe na minha argumentação, defen-dendo que existem duas nações crioulas na Ásiado Sudeste, as Filipinas e Timor-Leste.

Embora seja provável que as primeirascomunidades de forte influência cultural portu-guesa em Timor, eram igualmente obrigadas aaprender malaio, o idioma mais difundido nocomércio do arquipélago, este idioma tambémperdeu a sua posição, especialmente após amudança da capital de Lifau, em Oé-Cússi, paraDíli, em 1769. Como Governador de Timor,Afonso de Castro7 observou, a meados do séculoXIX, em Díli, que a maioria dos chefes indígenasfalava crioulo. Segundo foi descrito por Raphaeldas Dores (1907)8 e outros lexicógrafos, a mea-dos do século XIX, muitas centenas de palavrasportuguesas entraram no Tétum-Praça, a lín-gua-franca de Díli. O Governador Castro9 expli-cou que as palavras portuguesas eram usadas naausência de termos para objectos inexistentesantes da conquista. Mas Timor também ficou defora em relação às antigas colónias portuguesas,na medida em que os Portugueses apenas puse-ram termo ao domínio restrito sobre o Tétum deforte influência portuguesa e outros dialectos,pelo menos fora dos centros urbanos, onde umacerta crioulização linguística foi desenvolvida.

Recuando no tempo para as primeiras déca-das do último século, uma pessoa reconhecida-mente capaz de fazer comparações civilizacio-nais com facilidade, foi o poeta e juiz Alberto

Osório de Castro, autor de A Ilha Verde e Verme-lha de Timor. Assim escreveu ele sobre a comu-nidade crioula de Bidau, em Díli (bairro subur-bano no extremo ocidental de Díli), que existiuorganicamente, pelo menos até à SegundaGuerra Mundial: «… e habitado pelas famíliasdos soldados e oficiais de segunda linha da Com-panhia de Bidau, é falado um dialecto crioulo--português como língua própria. Será a popula-ção o resto dos cristãos, foragidos da nossa pri-meira e abandonada capital de Lifau, no enclavede Oe-cússi, misto de portugueses, goeses,moluqueses, malaqueses e de conversos deLarantuca»10.

Ao mesmo tempo que pintava o retrato deuma sociedade crioulizada de linguagens híbri-das e influências civilizacionais, Castro tambémobservou nos Olán Timor (filhos de Timor) a dis-tinção ou a rivalidade cultural entre os Firako (amaioria falantes de Fataluku), e os Kaladi (na suamaioria falantes de Mambae), sugerindo umadivisão mais primitiva dos timorenses, fora dascategorias convencionais11.

O que eu sugiro é que o modo como os timo-renses concebiam os seus respectivos mundosnão era, obviamente, coincidente com os desejose os desígnios dos seus administradores coloniais.

A forte influência colonialportuguesa em Timor e a constituição da IdentidadeTimorense

Assim como a identidade malaia é umaconstrução, será edificante recordar como foiconstruída a identidade de Timor através dostempos coloniais, com especial referência à lin-guagem e à cultura.

Escusado será referir que os primeiros etnó-grafos de Timor foram as missões, impondofronteiras e designações. Um dos mais nítidossinais distintivos impostos aos timorenses pelos 18

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etnógrafos das missões, do meu ponto de vista,são os que dizem respeito à linguagem e ao dia-lecto. Assim se pode deduzir após leitura dedicionários e repertórios produzidos a partir de1890. É sem surpresa que se constata que oTétum é posto em evidência, mas os outros dia-lectos são igualmente descritos. (p. ex., o Cate-cismo da Doutrina Cristã, em Tétum, de Sebas-tião da Silva – Macau, 1885; e o seu DicionárioPortuguês-Tétum publicado em Macau em1889; o Dicionário Tétum-Português, de ManuelPatrício Mendes (1935); a gramática de Galoli deManuel da Silva (1900) e o respectivo dicionário

de 1905). Também foram terminados outroslivros de orações e evangelhos traduzidos emTétum, Galoli, Makassai, Midiki e línguas Mam-bai12.

A Coroa, pelo menos o Estado da Índia tam-bém integrou o quadro, especialmente namedida em que foram feitas notáveis aliançascom o reino ou governantes tradicionais. Este ouaquele reino era, ou leal a Portugal ou, ipso factoem revolta ou em conflito com os colonizadoresrivais, nomeadamente os holandeses. Parece-me que o factor étnico ou a afiliação linguísticaa este ou aquele reino era menos importante do19

Futus, sistema de tingir os panos tais. Fotografia deLuís F. R. Thomaz.

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que a sua lealdade. No que diz respeito aos qua-trocentos e tal anos de luta entre a Coroa e oreino, podemos dizer que os portugueses fica-ram a dever a posição conquistada à sua habili-dade para cimentar alianças e para impor umsentido de aliança partilhada entre aliadosinconstantes. As recompensas e a concessão degraus honoríficos contribuíram para criar umaidentidade lusitana imaginária, talvez funcio-nando em reciprocidade com a exibição de ban-deiras lulics (objectos sagrados), pelo menos nocaso dos aliados. No caso dos adversários, arevolta contra os malai (estrangeiros) voltou alegitimar, nos espíritos dos seguidores, a forçada tradição e da cultura dos lulic e da religião tra-dicional.

Com exemplo de um reino leal, observemoso que ficou gravado numa inscrição quase ilegí-vel, no pórtico da igreja Motael, em Díli: «ÀMemória do / Rei de Motael, / Brigaderio Gre-gorio / Rodrigues Pereira / Pelos Valioças / Ser-vicos Que / Prestou à Nação / 1800-1820».

Podemos dizer que a identidade timorensefoi altamente controversa durante quase todo oinício da permanência portuguesa. Não era con-traditório, para um timorense, pagar regular-mente as fintas (bens em espécies), impostosimportantes, e tudo o que devesse ser feito comoacto de lealdade em relação à Coroa Portuguesae aos seus agentes, e, ao mesmo tempo, reafir-mar a sua lealdade ao clã, linhagem ou ao luirai(senhor das terras). Em todo o caso, comodefendi anteriormente13, durante muitos anosTimor foi tratado, mais como um protectoradodo que como uma colónia, apesar dos pressu-postos legais.

Enquanto o poder das armas se inclinavapara o lado dos colonizadores europeus, com oadvento do canhoneiro a vapor, por volta de1870, ainda custa a imaginar uma identidadelusitana em Timor sem um debate sobre o papelda igreja. Diz a fama que foi com a vinda para

Timor do Bispo Medeiros e da sua equipa demissionários, vindos de Macau em 1877, que apresença da igreja na educação e no trabalhopastoral assumiu uma maior importância.Embora a educação dificilmente se estendessepara além do nível primário, emergia, noentanto, um quadro de falantes de portuguêsnas cidades da colónia, a vanguarda de uma eliteque se constituía. Detectava-se, entretanto, umimenso sincretismo ou mesmo uma tensãoentre a ortodoxia da igreja e práticas pré-cristãsna formação da identidade timorense.

A etnografia pré-guerra colonial, em Timor,o que é discutível, preocupou-se durante muitotempo com as origens dos Timorenses. Uma talpesquisa concentrou-se na antropologia física,mas também procurou estabelecer as origensdos mitos e das lendas. Após a guerra, a ênfasemudou para a classificação étnica, talvezfazendo eco de obsessões similares entre os bri-tânicos, franceses, holandeses e outros etnógra-fos coloniais da época.

Notável é o trabalho efectuado pelo Dr.António de Almeida14, que foi, a partir de 1953,o chefe da Missão Antropológica de Timor, quefoi a mais ampla plataforma de uma investiga-ção antropológica em Timor, durante mais deuma década. Almeida conduziu uma série deinvestigações que tiveram por resultado a classi-ficação de 31 grupos etno-linguísticos na coló-nia. Os referidos dialectos foram então reduzi-dos a sete grupos linguísticos principais, Vai-queno, Makua, Fataluku, Makassai, Tétum--Galoli-Waimaha e Mambai-Tokodede-Kemak.Embora este estudo só tivesse sido publicado em1982, representou um enquadramento impor-tante para a perspectiva etnológica.

No entanto, defendo que a insistência daadministração de Salazar, ao tratar as colóniasportuguesas como províncias metropolitanasultramarinas, enquanto atrasava o processo dedescolonização, contribuiu para obscurecer e21

Homem tocando flauta. Fotografia de Elaine Brière.Fundação Austronésia Borja da Costa.

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mistificar a questão da identidade timorense.Comunicações muito incipientes, terrenoescarpado, etc., reforçaram as lealdades pri-mordiais e poucos timorenses, até aos anos 60,tiveram o prazer de considerar o seu país sobuma perspectiva nacional. Aventurar-me-ei aafirmar que o primeiro corpo de timorensesque se enquadram nessa definição foi o recru-tado nas forças armadas portuguesas. A subse-quente defecção deste grupo em favor da Freti-lin, em Outubro de 1975, pareceu reforçar estavisão de si próprio. Assim, pode dizer-se que aFretilin, o primeiro partido político baseadonas massas em Timor--Leste, foi a primeiraorganização que se assumiu como verdadeira-mente timorense, identificando-se espiritual-mente com o conceito. Os homens mauberesda Fretilin eram tão simbólicos quanto a inven-ção de Timor-Leste. Também pela primeira vezo Tétum surgiu como uma língua franca indí-gena, primus inter pares, ao mesmo título queo português, a língua da modernidade. Porexemplo, o jornal da Fretilin era impresso emportuguês e, pela primeira vez, em Timor, forados circuitos restritos da igreja, em Tétumromanizado.

A «comunidade imaginada» constituídapela elite da Fretilin compartilhou, no entanto, asua visão de um futuro Timor-Leste indepen-dente e de algum modo, acertando o passo comos conflitos dos seus irmãos e irmãs em Moçam-bique e Angola, cujo apoio era recíproco. Hoje, ohorizonte de solidariedade com Timor-Lesteenvolve todos os países lusófonos, incluindoMacau e o distante Brasil. É notável que a eliteda Fretilin não se tenha sentido atraída pelosmodelos asiáticos, apesar da propaganda indo-nésia relacionando a Fretilin com a China. Detodo o modo, a elite da Fretilin não era consti-tuída por falantes de outras línguas asiáticas,nem, sobretudo, algum país asiático terá algumavez sido solidário com a sua causa.

O enquadramento indonésio daidentidade timorense

É óbvio que os 24 anos de ocupação indo-nésia constituíram uma ruptura significativanos 500 de História de contacto europeu. Temoque, a menos que a geração mais jovem deTimor-Leste comece realmente a estudar esses500 anos de História, a sua verdadeira impor-tância não perdure. Através da linguagem, espe-cialmente, e em consequência do sistema esco-lar indonésio, os habitantes de Timor-Lesteforam esclarecidos acerca da sua identidadeindonésia. Escusado será dizer que a História deTimor foi, sem transição, incorporada na Histó-ria nacional da Indonésia.

No entanto, também é verdade que pela pri-meira vez em 500 anos de organização social, osjovens de Timor-Leste alargaram os seus hori-zontes mentais à amplitude do arquipélago.Incluo várias centenas de Leste-Timorenses,refugiados económicos e políticos que traba-lham os campos de verduras do estado monta-nhoso de Sabah, a leste da Malásia, lado a ladocom os pequenos proprietários rurais de Chris-tian Kadazan (alguns dos quais foram entrevis-tados pelo autor em 1995). Uma verdadeira diás-pora interna de Timorenses de Leste espalhadosao longo do arquipélago indonésio. A maiorparte dos Timorenses de Leste desta época, liame ouviam a notícias em baasa indonésio, atravésda altamente censurada imprensa de Jacarta.

A pirâmide educacional fora obviamentedesviada para longe de Portugal para os rarosprivilegiados, na universidades e mesmo acade-mias militares de Java e Bali. O povo de Timor--Leste viajava com passaportes indonésios. Pelaprimeira vez aprendia-se em Timor-Leste emprimeira-mão o alcance hegemónico da culturade Java e Bali. A promoção foi levada a cabo emduas fases. A primeira consistia no encontrodirecto de muitos milhares de Timorenses, espe-cialmente jovens, enquanto estudantes ou via- 22

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Homem enrolado em bandeira portuguesa,enterrada no dia da chegada das tropas invasorasindonésias ao suco de Liquiçá e lá escondida até àlibertação de Timor. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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jantes. A segunda traduzia-se na presença domi-nadora de militares e seus familiares, que trans-ladaram as suas comunidades religiosas emodos de vida para o interior de Timor-Leste.Não era desafio menor, para a identidade timo-rense, a presença de dezenas de milhares detransmigrantes, colonizadores e comerciantesespontâneos, muitos vindos de Sulawesi, deidentidade fortemente islâmica.

Tal como me foi dado observar o problema,em cinco ou seis visitas prolongadas a Timor-Leste durante o regime militar Indonésio, a iden-tidade timorense era sempre altamente contes-tada. Lembro-me das palavras de um pequenoproprietário rural, em Maubara, quando passá-mos um pelo outro numa estrada deserta:«Merah Putih masih ditimbangkan disini» (abandeira vermelha e branca – da Indonésia – éainda muito apreciada por aqui). Poderia multi-plicar exemplos como este. Escusado será dizerque com o encerramento da última escola por-

tuguesa em Díli, no rescaldo do massacre deSanta Cruz, em Novembro de 1991, o portuguêsse tornou uma língua proibida. Efectivamente,sob o regime indonésio, o baasa indonésio tor-nou-se o idioma oficializado e língua franca, pelomenos entre timorenses e não-timorenses15.

Fazendo, porém, eco ds palavras de Hun-tington16, é hoje em dia claro que o povo deTimor-Leste assume actualmente múltiplasidentidades. Um timorense pode, por exemplo,ser um falante de Fataluku em casa, um votanteTim Tim nas eleições provinciais e um «indoné-sio» celebrante do dia nacional da Indonésia(como testemunhado pelo autor a 17 de Agostode 1997). Mas, surpreendentemente, sob a capadesta veneração, ou misto de respeito e temor,uma nova identidade, subversiva ou alternativa,estava já em vias de gestação. Inspirados pelaevolução da conjuntura internacional, os jovenshabitantes de Timor-Leste acabaram por rein-ventar um novo Timor-Leste independente.

Velho canhão português da linha de defesa decosta, baía de Díli. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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Uma vez mais o papel da Igreja na promoção eprotecção desta identidade não pode ser igno-rado. Por isso, um outro aspecto da questãoidentitária foi o surgimento de católicos,homens e mulheres falantes de tétum, cada vezmais conscientes da cada vez mais ampla comu-nidade internacional, moralmente justa diantedas graves injustiças cometidas pelo ocupante, epró-independência.

Ao olhar para trás, para o período indonésio,foi do maior interesse da Indonésia primeira-mente basear as suas queixas, no que a Timor--Leste diz respeito, em actos políticos (porexemplo, a Declaração de Balibo, na integraçãode 1979), e apenas acessoriamente levantarquestões de antropologia e de história, pelomenos nos fóruns internacionais. Os problemasteriam sido diferentes se as fronteiras da provín-cia indonésia, que separam o oeste do leste dailha, tivessem sido completamente apagadas e

uma qualquer versão simbólica, do mítico cen-tro político timorense de Wehala (de facto loca-lizado no lado ocidental de Timor) tivesse renas-cido e impelido à unidade os povos da ilha.

Hoje, porém, o desafio de manter a culturae a identidade de Timor-Leste resulta igual-mente do efeito da globalização, cuja porta foiaberta pela presença das Nações Unidas e pelaintrodução do inglês como língua de trabalhoentre os funcionários multinacionais.

Este texto é uma versão de uma comunicação apresentadano Seminário Internacional «The identity of East Timor andits framing within Civilization», Centro Cultural Portuguêsem Díli, Timor-Leste, a 1 de Março de 2002.A minha dívida vai para o Dr. Rui Rasquilho e especialmentepara o Professor José Mattoso, pelo enquadramento inte-lectual do debate.

1 Samuel P. Huntington, «The Clash of Civilizations?»,Foreign Affairs, Summer 1993, Vol. 72, pp. 22-28.

2 Anthony Reid, «Islamization and Christianization in Sout-heast Asia: the critical phase», in Anthony Reid (org.), Sout-heast Asia in the Early Modern Period: Trade, Power, andBelief, Ithaca & London, Cornell University Press, 1995, p.155

3 L. C. D. de Freycinet, Voyage autour du Monde (Paris, 1827),citado por Geoffrey Gunn, Timor Loro Sa’e 500 Anos, Macau,Livros do Oriente, 1999, p. 81

4 Huntington, op. cit.5 Alfred Russel Wallace, The Malay Archipelago: The Land of

the Orang-utan and the Bird of Paradise, Londres,18696 Geoffrey Hull «The languages of Timor 1772-1997: A Litera-

ture Review», in Studies in Languages and Cultures of EastTimor (vol. I), Language Acquisition Research Center, Uni-versity of Western Sydney Macarthur, 1998, pp. 1-5

7 Affonso de Castro, As possessões portuguesas na Oceânia,Lisboa, Imprensa Nacional, 1867, p. 328.

8 Raphael das Dores, Diccionario Teto-Portugues, Lisboa,Imprensa Nacional, 1907.

9 Castro, 1867, op. cit., p. 325.10 Alberto Osório de Castro, A Ilha Verde e Vermelha de Timor,

Lisboa, Cotovia, 1996, p. 94.11 Ibid., p. 74.12 Hull, op. cit., p. 8.13 Gunn 1999, op. cit.14 Hull, op. cit., p. 14; e ver António de Almeida, O Oriente de

Expressão Portuguesa, Lisboa, Fundação Oriente, 1994.15 Geoffrey C. Gunn, «Language, Literature and Political Hege-

mony in East Timor», in David Myers (ed.), The Politics ofMulticulturalism in the Asia Pacifc, Darwin, Northern Ter-ritory University Press, 1996, pp. 117-123.

16 Huntington, op. cit.

Casa tradicional em Lautém, Lospalos. Fotografia de Ruy Cinatti.

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Timor-Leste:tenacidade,

abnegação einteligência

políticaA . B a r b e d o d e M a g a l h ã e s

A derrota americana no Vietname criou umcontexto internacional extremamentedesfavorável à independência.

A queda do regime pró-americano de LonNol, no Cambodja, em 17 de Abril de 1975, coma correspondente chegada ao poder dos KmerVermelhos, nesse país, a tomada do poder peloscomunistas do Pathet Lao, com a expulsão dos«conselheiros» americanos, no Laos, no mesmomês, e, sobretudo, a queda de Saigão nas mãosdos comunistas vietnamitas em 30 de Abril de1975, deixaram o Ocidente em pânico.

As imagens da fuga apressada da EmbaixadaAmericana em Saigão são o símbolo da derrotaocidental perante um avanço comunista que, naaltura, parecia imparável.

Neste contexto geopolítico, que os estrategasmundiais analisavam no quadro de «teoria dodominó» segundo a qual a queda de uma peçaarrastaria a da seguinte, e assim sucessivamente, aIndonésia aparecia como um dos principais, senãoo principal baluarte susceptível de travar esteavanço, em catadupa, do comunismo internacio-nal na Ásia, e de defender, assim, o «Mundo Livre».

Acresce que os submarinos nucleares ame-ricanos, para não serem detectados pelos servi-ços de espionagem soviéticos, precisavam deutilizar as águas profundas dos estreitos a nortede Timor, onde a Indonésia os autorizava a pas-sar sem virem à superfície.

É neste quadro que se deve considerar oapoio que o Governo Americano, e outros gover-nos ocidentais, deram à invasão e anexação deTimor-Leste pelas forças indonésias. Na suamaneira de ver, mesmo que em Timor-Lestequase não houvesse comunistas, podia vir ahaver. E uma segunda Cuba – agora no SudesteAsiático – podia afectar a estabilidade regional etornar-se perigosa para os interesses geoestraté-gicos do Ocidente.

O primeiro governante estrangeiro a mani-festar publicamente o seu apoio à integração do

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então chamado Timor Português na Indonésiafoi o Primeiro-Ministro da Austrália, EdwardGough Whitman, na sequência da reunião que,de 6 a 8 de Setembro de 1974, teve com o Presi-dente Suharto, em Wonosobo, Indonésia.

Diversos telegramas de embaixadores oci-dentais em Jacarta, e documentos entretantotornados públicos nos Estados Unidos e na Aus-trália, confirmam a «compreensão» de muitosgovernos ocidentais, depois transformada emefectivo apoio à anexação, quer sob a forma deapoio político ou diplomático ou através do for-necimento de armas à Indonésia.

Além dos factores geo-estratégicos referi-dos, no caso da Austrália os interesses económi-cos, relacionados com o petróleo e o gás naturaldo Mar de Timor, também pesavam.

O próprio Vaticano estava desejoso emmanter boas relações com a Indonésia, a naçãocom maior número de muçulmanos do mundoonde, apesar disso, a Igreja Católica gozava deampla liberdade, e detinha numerosas escolas eaté universidades católicas.

Os principais mentores da ideia de integrarTimor-Leste na Indonésia eram cristãos ligadosao Instituto de Estudos Estratégicos de Jacarta,entre os quais o General Benny Murdani. Se oconseguissem, além de demonstrarem que, ape-sar de católicos, eram bons indonésios, aumenta-riam a percentagem da pequena minoria católica(3%) no país em que 87% se diziam muçulmanos.

A descolonização, iniciada em 1974/75, e a experiência da liberdade democrática, fizeram renascer sonhos e criaram expectativas

Até finais do século XIX, houve muitas revol-tas de diversos reinos timorenses contra a domi-nação portuguesa. Mas tratava-se, dum modogeral, de revoltas de reinos isolados ou empequenos grupos e o que estava em causa eramos poderes dos liurais (reis) e aristocracia decada reino ou dos reinos envolvidos. No início doséculo XX, no entanto, a terceira e última guerrade Manufahi já se revestiu de um carácter nacio-nal. Não só pelo elevado número de liurais (reis)e reinos revoltados, mas também pelo envolvi-mento de funcionários e outros letrados quefaziam parte da elite timorense mais ou menos«assimilada».

Estas revoltas foram esmagadas pela força.O trauma da ocupação japonesa, durante a IIGuerra Mundial, em que terá morrido cerca de13% da população, fez esquecer, em parte, ostraumas resultantes do esmagamento das revol-tas timorenses pelas autoridades coloniais,trinta anos antes.

Com o fim da ditadura, em Portugal, em 25de Abril de 1974, tornou-se possível criar parti-dos políticos e defender abertamente a inde-pendência.

Formaram-se, nestas circunstâncias, trêsorganizações políticas, em Maio de 1974, res-pectivamente: a UDT (União DemocráticaTimorense) criada em 11 de Maio e que come-çou por defender uma «autonomia progressiva

Xanana Gusmão com guerrilheiros da 2.ª Companhia.

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[…] mas sempre à sombra da bandeira de Portu-gal» e, pouco depois, afirma-se congregar «todasas tendências políticas inspiradas na realidade enas mais profundas e legítimas aspirações doPovo de Timor-Díli, desde que não comprometama paz interna e a estabilidade da área geográfica,para se atingir o objectivo final: a independênciatotal de Timor-Díli»; a ASDT (Associação SocialDemocrática Timorense) criada em 20 de Maio,e que em 11 de Setembro de 1975 se transformouem Fretilin (Frente Revolucionária de Timor--Leste Independente) que «repudia qualquerforma de colonialismo e neo-colonialismo a fimde que o Povo de Timor possa vir a ser verdadei-ramente independente e próspero»; a APODETI(Associação Popular Democrática de Timor) quedefendia «uma Integração, com autonomia, naComunidade Indonésia»; conforme consta dosrespectivos manuais políticos.

Mais tarde surgiram formações políticascom muito poucos aderentes: KOTA, Partido Tra-balhista, ADITLA, etc.

A Fretilin e a UDT suscitaram enorme ade-são, e levaram as suas mensagens de esperançaa quase todo o território.

A coligação da UDT com a Fretilin, em 20 deJaneiro de 1975, com vista a uma independênciaa médio prazo (5 a 10 anos) criou fortes expec-tativas de uma independência viável e pacífica.

Mas, como vimos atrás, o contexto interna-cional não era nada favorável à independência.E alguns generais, em Jacarta, não estavam dis-postos a aceitá-la. Convenceram, pois, o Presi-dente da UDT, Francisco Lopes da Cruz e maisalguns dirigentes deste partido a romper a coli-gação, o que aconteceu em 27 de Maio de 1975.

Entretanto a Administração Portuguesa deuinício a um processo de descolonização, nomea-

<Campa de Sebastião Gomes, no enterro de quem,a 12 de Novembro de 1991, ocorreu o massacre docemitério de Santa Cruz. Fotografia de EduardoGajeiro.

>Militares das Falintil. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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damente na área do ensino e da administraçãoregional e local.

No que se refere à primeira, em Janeiro de1975 foi criado o Grupo Coordenador para aReformulação do Ensino em Timor, compostopor timorenses e portugueses «metropolitanos»que, ao fim de três meses, apresentou um pro-jecto para o ensino de transição que o Governoaprovou depois de obtido o acordo dos três prin-cipais partidos timorenses.

No que se refere à administração, e corres-pondendo a um pedido de cidadãos timorensesdo Concelho de Lauten, foi discutida e aprovadauma reforma administrativa e realizadas as pri-meiras eleições democráticas em Timor-Leste.

Estes dois projectos suscitaram um inte-resse e uma participação timorense que exce-diam todas as expectativas.

Em 10 de Agosto de 1975, o Governador,Coronel Lemos Pires, deu posse à primeiraadministração eleita do Concelho de Lauten.

O processo estava a avançar com vista à elei-ção de administrações locais e concelhias nosoutros doze concelhos.

Em 11 de Agosto devia começar um Cursode Reciclagem de Professores, integrado no pro-grama de descolonização do ensino.

Não é por acaso que, na noite de 10 para 11de Agosto, alguns dirigentes da UDT fazem umgolpe armado. Tomam de assalto a rádio, o aero-porto e outras instalações públicas e fazem exi-gências ao Governador relativas à prisão de diri-gentes da Fretilin e à expulsão de cidadãos por-tugueses. Em Jacarta e Bali tê-los-ão convencidode que essa era a única maneira de chegar àindependência. Na prática era a melhor maneirade impedir a descolonização e de criar o caosque, mais tarde, o Governo da Indonésia usariacomo justificação para a invasão.

Pouco antes, em princípios de Julho de 1975,o General Suharto visitara vários países, entre osquais os Estados Unidos, onde obtivera apoio

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para a política de integração do Timor «Portu-guês» na Indonésia. A partir daí, o Presidente daIndonésia começara a afirmar, publicamente,que um Timor independente era inviável.

Quando, em 17 de Julho de 1975, é publicadaa Lei 7/75, que previa a eleição, em Outubro, deuma Assembleia Popular de Timor para escolhero seu futuro político, já este estava escolhido pelogoverno ditatorial de Jacarta, e contava com oapoio dos governos da Austrália, dos EUA, da Grã-Bretanha, do Japão, de países islâmicos, e outros.

Frustradas as expectativas de uma evoluçãopacífica para a independência, a Fretilin pega,também, em armas e conquista o controlo doterritório

Depois do golpe da UDT houve várias ten-tativas de restabelecimento da colaboraçãoentre a UDT e a Fretilin, com vista a uma evolu-

ção pacífica para a independência. A pressãoindonésia, nomeadamente através das emissõesda Rádio Kupang e da Rádio Atambua, em TimorOcidental, inviabilizou todas as tentativas. Em20 de Setembro a maior parte dos timorensesintegrados no Exército Português tomam o con-trolo das unidades militares, «detêm» os respec-tivos comandantes, que, em Díli, levam até àMesse de Oficiais. A seguir começam a luta con-tra a UDT que, entretanto, tinha aprisionadomembros da Fretilin. 20 de Setembro de 1975 éa data em que se constituem as Falintil (Forçasde Libertação de Timor-Leste) que irão conduzira luta armada até ao referendo de autodetermi-nação. Com apenas dois pelotões de paraque-distas sob as suas ordens efectivas (isto é, poucomais de setenta homens com capacidade para ocombate) o Governador Português pouco maispode fazer do que retirar-se para a ilha de Ataúro

<Militares das Falintil. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

>Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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(o que fez em 26 de Agosto de 1975), a fim de nãocair refém de qualquer das partes em conflito ouda Indonésia, como aconteceu a 23 militaresportugueses detidos pela UDT, por esta entre-gues às autoridades indonésias e retidos comoreféns durante perto de um ano.

Cerca de um mês depois, a Fretilin, que foilevando de vencida as forças da UDT (com ele-mentos da APODETI e de outros pequenos par-tidos) até à fronteira com a Indonésia, passa acontrolar quase todo o território de Timor-Leste,e passa a exercer um governo efectivo do mesmo.

A conivência internacional leva aosilenciamento da imprensa e torna possível ainvasão e o genocídio

Antes de atravessarem a fronteira, acompa-nhados de alguns milhares de timorenses, oslíderes da UDT, da APODETI e de outros peque-nos partidos são forçados, pelas autoridadesindonésias a quem pediam protecção, a assina-rem um pedido de integração de «Timor Portu-guês» na Indonésia.

E, controlando estes líderes, agora total-mente nas suas mãos, os militares indonésioscriam a ficção de uma reconquista, pelo Movi-mento Anticomunista (MAC) timorense (desig-nação dada à «coligação» de partidos anti-Freti-lin), com apoio de voluntários indonésios.

A fim de desmistificar esta farsa, cinco jor-nalistas de duas cadeias de televisão australianasdeslocaram-se a Balibó, perto da fronteira comTimor Ocidental, para filmarem os ataques comque as forças indonésias pretendiam conquistarpequenos enclaves de território onde pudesseminstalar timorenses para virem das «zonas liber-tadas do Timor Português», «pedidos de apoio»que legitimassem a intervenção indonésia.

As imagens dos chamados «voluntários»que dispunham de aviões, navios de guerra eartilharia pesada, talvez fossem suficientes paradesmascarar a farsa montada e obrigar o Go-

verno Australiano e outros a deixar de apoiar ainvasão.

Mas, para que isso não acontecesse, os cincojornalistas foram assassinados, em Balibó, em 16de Outubro de 1975, e as imagens por eles reco-lhidas pouco antes de morrerem, nunca forammostradas nos canais das redes de televisão aus-tralianas para as quais estavam a trabalhar.

Porque o que a Indonésia estava a fazer erado interesse da Austrália, da Grã-Bretanha, dosEUA e, dum modo geral, do Ocidente, o assassi-nato dos jornalistas não motivou qualquerinquérito com o mínimo de credibilidade. Osgovernos procuraram abafar a questão, fin-gindo acreditar nas explicações de Jacarta,segundo as quais se tratava de um lamentávelacidente da guerra entre a UDT (ou melhor oMAC) e a Fretilin.

Com este sinal tão claro de compreensão econivência, o Governo Indonésio ficou a saberque podia invadir à vontade e fazer o que qui-sesse, sem ser incomodado, nem pela imprensainternacional (cujos jornalistas estiveram,durante muitos anos, impedidos de entrar noterritório) nem dos governos.

Apesar das circunstâncias serem tão difíceis ede não contar com qualquer apoio exterior, aFretilin decidiu resistir, e teve o povo do seu lado

É difícil imaginar um quadro tão sombrio eadverso como aquele em que se encontrava opovo de Timor-Leste quando, em 7 de Dezembro,a Indonésia invade maciçamente a território.

Prevendo a invasão, poucos dias antes, em28 de Novembro de 1975, a Fretilin tinha decla-rado, unilateralmente, a independência.

Era uma tentativa, quase desesperada, dechamar a atenção da comunidade internacionalpara a sua situação e para o seu direito à auto-determinação. Era uma tentativa desesperadade travar a invasão indonésia, que se sentia estareminente. 32

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Mas o eco internacional fora quase nulo. Sóum muito reduzido número de países reconhe-ceu a auto-proclamada República Democráticade Timor-Leste.

Apesar do panorama ser tão negro, a Fretilindecidiu resistir. E aquilo que os generais indo-nésios julgavam que seria uma campanha fácil eque estaria resolvida em três semanas, revelou--se ser uma dor de cabeça permanente, durantevinte e quatro anos!

A resistência, quer das Falintil quer da popu-lação, começou logo que foram lançados os pri-

meiros pára-quedistas. E os assassinatos emmassa, pelos invasores, também começaramlogo nesse dia, na ponte-cais e noutros locais.Nem mesmo os membros do partido pró-inte-gração, APODETI, foram poupados.

A brutalidade do comportamento dos invaso-res reforçou a sintonia entre a Fretilin e a popula-ção que, na sua esmagadora maioria preferiu reti-rar-se para as montanhas e ficar sob a protecçãodas Falintil do que sob a das forças indonésias.

Apoiadas e animadas pelo seu povo, as Falin-til bateram-se com enorme coragem e tenacidade.33

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Em Novembro de 1976, quatro meses depoisde consumada a farsa da integração «a pedido doPovo de Timor-Leste», uma delegação de padresindonésios que visitou o território escrevia, norelatório da visita: «80% do território de Timor--Leste está controlado pela Fretilin (Frente Revo-lucionária de Timor-Leste Independente – movi-mento progressista criado a seguir ao 25 de Abrile que comanda toda a resistência do povo deTimor contra a Indonésia)»; «O total de vilas ealdeias ocupadas pelas tropas indonésias rondaas 150.000 pessoas, num total de 650.000 habi-tantes. O que significa que 500.000 pessoas estãofora do seu controle»; «As comunicações terrestressão muito difíceis para as tropas indonésias, queutilizam a maior parte das vezes apenas o heli-cóptero ou a marinha»; «Disseram-nos que cercade 60.000 timorenses tinham sido mortos atéagora. Consideramos este número muito elevadoporque isto significa que 10% da população tinhamorrido. Mas quando referimos estes dados a doispadres de Díli eles disseram-nos que segundo assuas estimativas, o número de mortos rondava os100.000»; «O desejo de integração na Indonésiacomeça a diminuir devido à má experiência daocupação das forças invasoras (roubos, incên-dios, violações de raparigas, etc.). Um exemplo:5.000 pessoas desejavam as boas vindas às tropasda Indonésia em Amara. Agora existem apenas1.000 pessoas na vila, porque o resto da popula-ção se juntou à Fretilin, nas montanhas».

A heroicidade das Falintil e o seu respeito pelopovo originaram uma identificação mútua queconcitou o apoio popular à Resistência.

Está por fazer a história da ResistênciaTimorense. Quase só a sua componente diplo-mática, no exterior, é minimamente conhecida.Não só por ter lugar no «exterior» e não emTimor-Leste, território completamente fechadoà imprensa internacional durante muitos anos.Mas também pelo carácter secreto das acções

militares e, sobretudo, do trabalho de espiona-gem e contra-espionagem realizado no territó-rio pelas redes clandestinas.

Na impossibilidade de escrever, agora, essahistória – que seria importante conhecer – citoapenas três testemunhos que julgo serem eluci-dativos do valor da Resistência da Fretilin.

O primeiro é de um relatório do ex-cônsulaustraliano, em Díli, James Dunn, publicado emCamberra em 11 de Fevereiro de 1977: «[…] Dis-seram-me que Díli se tinha tornado relativa-mente segura depois de Abril, embora ainda sepudessem ouvir tiros durante a noite. […] disse--me que quando foi de carro de Díli para[…] (dis-tanciando-se mais ou menos 50 Km da cidade),em Abril de 1976, o seu jeep era acompanhadopor três blindados e um camião cheio de solda-dos. […] e os soldados indonésios insistiram emestar de regresso antes da noite cair».

O segundo é de uma carta de um missioná-rio, datada de Novembro de 1977: «Primeiro –guerra: Continua com o mesmo furor inicial. AFretilin persiste na luta apesar da fome, danudez, da doença, da morte, da crise de entendi-mentos e objectivos verificada nos últimos tem-pos. Os invasores intensificaram o ataque nas trêsmodalidades clássicas: terra, mar e ar».

O terceiro é parte do testemunho de ummissionário, relativo a Setembro de 1981,quando as forças indonésias mobilizaram deze-nas de milhar de civis timorenses, obrigando-osa marchar à frente das tropas indonésias paraservirem de escudos humanos: «O exército mete--se no meio do povo: filas de povo e filas de tropasindonésias, em círculo, à volta dos focos de resis-tência do Mato. A certa altura, põe-se-lhes a estes(Frente) o dilema: destruir os atacantes (ninguémrefere escassez de poderosas armas no mato) masao mesmo tempo exterminar as multidões do seupovo, ou… morrerem eles (Mato) para salvar opovo. Foi isto o que ontem (26) me referiu o padreD., muito impressionado com este generoso acto 34

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heróico de alguns chefes superiores da Frente.Segundo o relato que ele teve, durante algumtempo, aqueles chefes da Fretilin esforçaram-separa avisar o povo para se separar. Mas ao povoisso era impossível: seria ali todo massacrado;estava envolvido por vários círculos de tropasindonésias e… não tinham qualquer arma defogo! E então os chefes […] da Fretilin, decidiram

pelo seu próprio holocausto para salvar o povo.Os testemunhos asseveram que a Fretilin temarmas capazes».

Dezenas de milhar de resistentes pagaramcom a vida a sua abnegação ao serviço do Povo.Mas o resultado foi uma identificação e coope-ração mútua tão intensa e eficaz que levavaXanana Gusmão a escrever, em Setembro de

Xanana Gusmão. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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1990, com serena confiança: «[…] Se, há 3 ou 4anos, ainda nos preocupávamos com o ‘depois daexterminação das Falintil’, hoje, a exterminaçãodas Falintil é apenas vista como um preço exigidopela PÁTRIA. Não só é com muito agrado mas écom um incontrolável orgulho que as Falintilconstatam que os seus sacrifícios puderam aca-lentar e consolidar as bases de uma resistênciaverdadeiramente nacional, tornando-as indes-trutíveis.

A situação, no plano interno, atingiu umestádio inigualável e não podemos esconder anossa imensa satisfação ao declararmos isto. Asnossas esperanças, do início desta fase, tornaram--se nesta empolgante realidade, que fomos cons-truindo com os cadáveres de todos quantos tom-baram pela Pátria, a confiança que depositamosna inexcedível abnegação do nosso Povo tradu-ziu-se na própria certeza e a fé que sempre nosguiou corporizou-se enfim numa total assunçãodo dever de buscar a vitória.

No plano global da guerra, todos estamosseguros de que o tempo corre a nosso favor e nãoa favor de Jacarta. No campo meramente militar,as Falintil estão conscientes de que já cumpriramo seu dever e estamos política, psicológica emoralmente cada vez mais preparados para acei-tar a nossa exterminação, porque sabemos que anossa exterminação não significará o fim daguerra. O Povo Maubere continuará a lutar e nãodesistirá, sejam quais forem os vendavais da His-tória».

Há, nestas palavras de Xanana, não apenasa confiança no seu Povo, mas também a humil-dade de não pretender a vitória militar, e admi-tir, até, a exterminação das Falintil.

A despartidarização das Falintil foi crucial paradesenvolver uma resistência verdadeiramentenacional e suscitar apoios internos e externos.

No texto acabado de citar, Xanana constataque se criaram as bases de uma resistência ver-

dadeiramente nacional e, por isso, indestrutível.Mas foi longo, e nem sempre bem compreen-dido e aceite, o percurso que, sob a liderança deXanana Gusmão, a Resistência fez.

Dois anos depois de ter assumido a direcçãoda Resistência, Xanana Gusmão proclama a con-vergência de todos os nacionalistas na luta con-tra a ocupação.

Três anos depois, também os principaislíderes, no exterior, da UDT e da Fretilin, estabe-lecem, em 18 de Março de 1986, a «Convergên-cia Nacionalista». Depois de um curto período(1983/87) em que a Fretilin se diz marxista-leni-

José Ramos-Horta. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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nista, em 7 de Dezembro de 1987 Xanana Gus-mão declara: «as Falintil só terão uma sublimemissão a cumprir: a defesa da Pátria de todos nóse a manutenção da ordem interna, instauradapor uma Constituição que proclame a defesa dasliberdades individuais e colectivas e o respeitopelos interesses de todos os cidadãos e camadassociais de Timor-Leste! Para que as gloriosasFalintil possam vir a cumprir plenamente a suamissão, dentro da estrutura do Governo, seja qualfor a tendência política do Executivo, necessáriose tornava afirmar desde já a neutralidade das

Forças Armadas de Libertação Nacional deTimor-Leste».

Para completar o processo de despartidari-zação das Forças Armadas de Libertação Nacio-nal, o Comandante-em-Chefe, Xanana Gusmão,em carta de 31 de Dezembro de 1988, comunicaa sua saída da Fretilin.

Em 1989, na Conferência Extraordinária deAitana, Xanana Gusmão confirma a sua saída daFretilin, resignando dos cargos que ocupavacomo membro do seu Comité Central, para setornar o Comandante-em-Chefe das ForçasArmadas de Libertação Nacional de Timor-Leste. Estas passaram a ser apartidárias, dei-xando de depender da liderança da Fretilin. Aomesmo tempo Xanana foi escolhido tambémpara Presidente do Conselho Nacional da Resis-tência Maubere, e, portanto líder máximo detoda a Resistência. Poucos meses antes dessaimportante reunião (em Dezembro de 1988) forajá criado o Conselho Nacional da ResistênciaMaubere, apartidário (em substituição doCRRN), na sequência do apelo de Xanana à des-partidarização dos movimentos estudantis(feito, também, em finais de 1988).

Em 5 de Outubro de 1989 é de novo XananaGusmão quem esclarece e precisa melhor ainda:«As Falintil […] adquiriram, nestes últimos anos,o verdadeiro papel que lhes cabe e que se insereapenas na defesa da Pátria, tendo ficado assimlibertas de qualquer dependência política paracom determinado partido. […]

As Falintil não fazem política, mas desde jáestão empenhadas em ajudar a construir umanação livre e democrática, sob os fundamentos dorespeito pelas liberdades de pensamento e asso-ciação, de expressão e reunião e do respeito inte-gral pelos direitos universais do Homem.

O pluripartidarismo e uma economia demercado serão os alicerces para um Timor-Lesteindependente (que os guerrilheiros estão cons-truindo com os seus cadáveres!). Estado livre e

Mari Alkatiri. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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não-alinhado que não renunciará ao firme pro-pósito de se candidatar à ASEAN, como contri-buto mais positivo para a estabilidade regional».

Quando o Papa João Paulo II visitou Timorem 12 de Outubro de 1989 era clara e pública adefesa do pluralismo democrático pela Resis-tência Timorense e a independência política deXanana Gusmão. Esse posicionamento abriuportas e estava já a dar frutos.

A importância dada, desde o início, àcomponente externa e diplomática daResistência, foi fulcral.

Logo a seguir à declaração unilateral daindependência, e prevendo uma invasão pró-xima, o Governo da RDTL (República Democrá-tica de Timor-Leste) faz sair do território algunsdos seus melhores elementos, nomeadamenteJosé Ramos Horta e Mari Alkatiri. O seu papel étentar obter apoios internacionais para a Causade Timor-Leste.

Apesar da extrema dificuldade nos contac-tos entre o exterior e o interior, foi grande a preo-cupação, de parte a parte, em articular de formaconjugada uma e outra componentes da Resis-tência, através das redes clandestinas que pro-curavam assegurar, tanto quanto era humana-mente possível, e com enormes riscos, a comu-nicação mútua.

Havia a convicção de que não era a vitóriamilitar que iria resolver o problema. Mas tam-bém era claro que, sem resistência armada ousem resistência clandestina a parte diplomáticaperderia, na prática, qualquer margem demanobra.

Afinal, as zonas, mais vastas ou mais restri-tas, onde a guerrilha se podia movimentar, eramo espaço de liberdade necessário para manter asituação não resolvida, a questão da autodeter-minação em aberto e acesa a chama da espe-rança. A Resistência Armada dava força e con-teúdo às acções de solidariedade no exterior e,

sobretudo, mantinha viva a questão nas NaçõesUnidas e face à Potência (ainda formalmente)Administrante.

Se, apesar de algumas dúvidas e hesitações,a liderança no interior comandava a Resistênciacomo um todo, os políticos e diplomatas noexterior também participavam na definição daestratégia global da luta, tendo em conta os pro-blemas e dificuldades que encontravam quandoprocuravam, no meio de um deserto quase com-pleto, conseguir alguns apoios para a CausaTimorense.

Manuel Carrascalão, na casa onde foi assassinadopelas milícias indonésias o seu filho Manelito. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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Felizmente a Potência Administrante nãoassinou qualquer acordo com a Indonésia ou aAustrália ao contrário do que fez a vizinha Espa-nha, ao assinar o Acordo Tripartido, com Marro-cos e a Mauritânia para a partilha do Saara Oci-dental. Pelo contrário, Portugal apresentouqueixa à ONU, no próprio dia 7 de Dezembro, esolicitou uma reunião urgente do Conselho deSegurança. Em resposta, este reuniu quinze diasdepois e aprovou, por unanimidade, em 22 deDezembro de 1975, uma importante resoluçãoque pede a retirada de todas as forças indonésiasdo território. A Assembleia-Geral, da ONU, rea-giu mais rapidamente e em 12 de Dezembroaprovou a primeira de uma série de resoluçõescondenatórias da invasão.

Mas, tirando esse primeiro e fundamentalpasso, os sucessivos e, por vezes, efémerosgovernos de Lisboa dos anos seguintes quasenada fizeram.

Em contrapartida muitos governos traba-lhavam activamente para abafar a questão nasNações Unidas, como recomendava um desta-cado membro do Foreign Office (Gordon Dug-gan), do Reino Unido, aquando da sua visita aJacarta: «Sem dúvida, visto daqui, é do interessedo Reino Unido que a Indonésia absorva o terri-tório logo que possível e com o menor espalhafatoe, se se chegar a uma situação em que haja pro-blemas com as Nações Unidas, devemos manter acabeça baixa e evitar tomar uma posição contrao governo da Indonésia».

Alguns anos mais tarde, o então Embaixadordos Estados Unidos na ONU, Daniel Patrik Moy-mian, afirmava orgulhoso, nas suas «memórias»:«os Estados Unidos desejavam que as coisas sepassassem como aconteceram e fizeram os possí-veis para que assim fosse. O Departamento deEstado desejava que as Nações Unidas se mos-trassem ineficazes em quaisquer medidas queeventualmente fossem tomadas. Esta tarefa foi--me entregue e cumpri-a com assinalável êxito».

Os representantes timorenses no exterior, enomeadamente Ramos Horta, apesar da suainexperiência e quase completo isolamento,tiveram que conquistar a pulso, no terreno extre-mamente hostil das Nações Unidas, pequenassolidariedades e apoios que, vinte anos depoistinham crescido e começado a dar frutos.

Mais tarde, o empenhamento portuguêsaumentou e, de novo, na fase final do processo,foi crucial. A articulação da diplomacia portu-guesa com a liderança timorense tornou-seentão eficaz e produziu frutos.

A despartidarização da Resistência e a cria-ção, em Abril de 1998, do Conselho Nacional daResistência Timorense (CNRT), primeira estru-tura multipartidária timorense eleita, com a par-ticipação da Fretilin, da UDT e doutras organi-zações timorenses, criou condições políticasfavoráveis e contribuiu muito para essa tão efi-caz colaboração.

Mais uma vez foi a extrema inteligência polí-tica, aliada à tenacidade e abnegação dos timo-renses que abriu as portas e suscitou as solida-riedades necessárias, a nível internacional, paraque o Acordo de Nova York de 5 de Maio de 1999tivesse lugar e o referendo se fizesse.

Os riscos de uma consulta popular feitacom «segurança» indonésia eram enormes. AResistência sabia isso e afirmava, com clareza,que preferia correr riscos a perder a oportuni-dade.

Olhando agora para trás creio que todos osque compreenderam que essa era uma «janelade oportunidade» que provavelmente não surgi-ria de novo tão cedo, apesar do elevado preçopago, concordarão que essa era, de facto, «a»oportunidade. Mas foi necessário, também em1999, que à inteligência política se associasse aabnegação do Povo Timorense para este aceitarcorrer riscos e sofrer como sofreu para conse-guir, finalmente, a tão desejada e merecida Inde-pendência.39

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A importância dalíngua portuguesa

na resistênciacontra a ocupação

indonésiaT a u r M a t a n R u a k

História. Breve Referência.Timor teria sido descoberto pelos Portugue-

ses entre os anos de 1512 e 1520. Nessa altura, asrelações com as populações locais teriam sidoapenas na base de trocas comerciais. Presume--se que se entendiam, no à princípio, por meio degestos e, aos poucos, na certeza de poderem fazerescoar os seus produtos, porque o negócio lhestrazia benefícios materiais, foram-se aperfei-çoando até poderem comunicar-se com menosembaraço com os portugueses.

Porém, essa situação não era de todo favorá-vel às duas partes e possivelmente, sob mútuaconcordância, cerca de 1560, chegaram os pri-meiros missionários portugueses que, a custo demuito sacrifício, conseguiram expandir a línguaportuguesa através da alfabetização nas escolas edas preces expressas nas capelas e igrejas católi-cas, que cada vez mais se expandiam em todo oTimor ao longo de quatro séculos.

O tétum, língua franca de Timor, desenvolvia-se espontânea e paralelamente ao seu parceirolusófono, possibilitando uma comunicação entreas populações deste país de mais de 30 dialectos,possivelmente porque servia de língua interme-diária entre os comerciantes e os missionáriosportugueses e as populações mais remotas. Oesforço dos missionários não era correspondidopelo governo português que, como atrás sedepreende, só em 1915 abriu em Timor a primeiraescola oficial e, durante mais de 50 anos, talvezcom certo arrependimento, tentou equilibrar oesforço feito pelos missionários, expandindo alíngua portuguesa através de aberturas de maisescolas, empregando até para o efeito soldadosportugueses em serviço nesta meia ilha.

Como era de esperar, não obstante esse tar-dio esforço, até 1975, apenas 5% da população sepodia exprimir em português e talvez menos demetade se comunicava na mesma língua, osci-lando esta apenas da elite administrativa para oclero católico.

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Importância da Língua Portuguesa

Três factores chaves estiveram na base damanutenção da língua portuguesa: primeiro, apresença de intelectuais falantes da língua;segundo, a existência de um número elevado detimorenses conhecedores da língua escrita; ter-ceiro, por ser a única ortograficamente maisdesenvolvida na ilha.

Realmente a língua portuguesa, a partir dosanos 60 do último século, já constituía o veículoque possibilitava comunicarmo-nos dentro doterritório e também com Portugal e restantespaíses lusófonos de uma forma mais com-preensível e inteligível. A partir da sua assimi-lação, porque era uma língua basicamenteoriunda da civilização greco-latina e de difícilaprendizagem, aprendia-se, com menos difi-culdade, o espanhol, o francês e o inglês e commuito mais desembaraço, o bahasa indonésio.

Porém, como vimos atrás, apesar de já sertão pobre a herança lusófona deixada pelos últi-mos governantes portugueses, acontecimentosposteriores ainda vieram deteriorá-la muito maisao ponto de a eliminar por completo. O fraccio-namento da sociedade timorense imposta pelainvasão e posterior ocupação militar da ilha teveimpactos negativos na evolução da língua,exceptuando os timorenses que conseguiramemigrar para Macau, Austrália e Portugal e quetiveram oportunidade de aperfeiçoar o portu-guês. Contudo, aos que ficaram no país, particu-larmente sob o controle administrativo do ocu-pante, foram-lhes retirados progressiva e inteli-gentemente a possibilidade de continuarem afalar o português, com pesadas imposições,nomeadamente, a proibição do uso da línguaportuguesa, introdução e projecção da línguamalaia, restrições e limitações do ensino do por-tuguês, reservando-a apenas no ensino do Exter-nato de São José e no Seminário em Balide, paramais tarde o abolir totalmente.

A Frente Armada e a LínguaPortuguesa

Quando nos debruçamos sobre as relaçõesentre a língua portuguesa e a Frente Armada,em particular, veremos que quatro factoresestiveram na base da manutenção dessa lín-gua: primeiro, a presença da classe dirigentelusófona; segundo, por ser a única língua orto-graficamente desenvolvida; terceiro, porqueera a nossa língua oficial definida desde sem-pre; por último, porque era uma das armaspara contrapor à língua malaia no âmbito daluta cultural.

Nos tempos da guerra de posição, de 1975 à1979, a língua oficialmente utilizada pela Resis-tência era o português, falado e escrito em qual-quer tipo de comunicação, desde o topo até abase.

Embora lutássemos com dificuldades detoda a ordem, utilizávamos todos os recursosdisponíveis para não só preservar a língua, mas,essencialmente, expandi-la aos menores e anal-fabetos, através de aprendizagem, até utilizandopara isso carvão e casca de certas plantas paraservir de papel.

Porém quando se deu a queda das Bases deApoio, as coisas mudaram, porque aquela classedetentora da língua portuguesa minguou fatal-mente e esta quase que desapareceu da circula-ção, à excepção de certas correspondênciasentre os poucos dirigentes do topo ainda sobre-viventes.

Queremos, enfim, afirmar que nunca perde-mos a vontade de manter a língua portuguesa,tanto oral como ortograficamente, apesar dasvárias dificuldades e limitações impostas naredução física dos falantes da língua portuguesa.Sempre com o espírito de que a mesma será anossa língua oficial, logramos conseguir aquiloque para muitos foi um sonho.

Com muita razão dizemos: Valeu a penalutar!

<Taur Matan Ruak. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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As Raízes daResistênciaP e . J o ã o F e l g u e i r a s

Comecemos pelo sândalo… e pelonome Timor

Considero o sândalo como o primeiro«embaixador» da Ilha de Timor. A qualidade doseu sândalo atraiu os comerciantes chineses, eestes terão já falado de Timor, e em chinês, deTimor e do seu sândalo.

Passados séculos, quando se completava aprimeira volta ao globo terrestre com o navegadorportuguês Fernão Magalhães, foi também logorecolhido pelos cartógrafos o nome desta ilha. Embreve, o mesmo nome de TIMOR, com o seu ver-dadeiro significado, entrava pela mão e coraçãode Camões, no universo cultural do Patrimónioda Humanidade, por meio de Os Lusíadas.

O comércio chinês, talvez do século XII, oscartógrafos do século XVI, os comerciantes, osmissionários e a cultura lusíada puseram diantede nós, como um «pódio» de atenções, o TimorLorosa’e, aquela terra onde o mundo começa! Aterra que o sol, em nascendo, vê primeiro. Cer-tamente que houve séculos de comércio do«odorífero sândalo». Mas vir contactar, transmi-tir, ficar e dar algo que irmanasse, foi sendo tra-balho lento, quase sem plano à vista.

Mas, com os portugueses daquele tempo,havia sempre um «plano» para se fazer aos ocea-nos. Comerciar e evangelizar.

O contacto de chineses e portugueses per-durou. Com os portugueses em Macau, depoisde Goa e Malaca, ligou-se religiosamente e cul-turalmente estes povos. Em 1975 havia milharesde chineses, a quem vulgarmente chamávamos«China Macau». E eles falavam chinês, tétum eportuguês. Não se implementou a língua chi-nesa, a não ser entre a etnia chinesa, mas lenta-mente a língua portuguesa.

A História de Timor Lorosa’e estava a ser escritaem português e certamente também em chinês.

Como noutros continentes, naqueles sécu-los, os missionários eram os que mais precisa-vam de mais «vocabulário» para poder contactar

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Fotografia de Elaine Brière. Fundação Austronésia Borja da Costa.

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«almas», espíritos, corações e levá-los àmudança de critérios, novas ideias, realidades,novas esperanças. Precisavam afinal de umvocabulário mais rico do que o necessário parao comércio daquele tempo.

A esses homens deve a cultura universal o tertransformado em valores culturais formas de fala,muito longe do que até então se conhecia. O pró-prio clássico da língua, Padre António Vieira, enal-tece esse esforço que era feito pelo missionáriopara, aconchegando o seu ouvido à boca do índio,colher aqueles sons e transformá-los em escrita.

Não só os povos de Timor Lorosa’e, masmesmo do Sudeste Asiático, encontram na origemda sua escrita e cultura, o mesmo esforço cultural,humano e científico. É assim, como outros povosespalhados pelo Globo, que também os povos deTimor Lorosa’e, que falam os variados dialectos oulínguas, constatam e agradecem que o alfabeto dalíngua portuguesa, trazido pelos missionáriosportugueses, os tenha ajudado a transformar emlinguagem escrita as suas lendas e histórias e apreservar, incluso, a existência destes dialectos.Com prevalência de alguns.

Com o aperfeiçoamento universal modernodas administrações e de novas formas de mis-sionação houve em Timor durante o século pas-sado, empenho para a promoção do desenvolvi-mento: a escola e o sentido do trabalho e da eco-nomia. Bastaria olhar para o nome de Soibada eos edifícios escolares espalhados pelo territórionaquele século.

Cerca de 450 anos de contacto da culturaportuguesa com os povos de Timor Lorosa’e deutempo e oportunidade aos povos de todas asregiões de Timor para uma natural osmose ouintercâmbio de valores. Este intercâmbio dava-se, como é óbvio, sobretudo nos vocabulários,até à aprendizagem e uso da língua mais rica deexpressão.

No ritmo de então, e neste sector cultural,fomos surpreendidos por uma «invasão» em

forma, e para domínio total. Ninguém se tinha«preparado» em nada para enfrentar a novasituação. Tivemos de «sobreviver» com o quetínhamos! Foi assim, que tudo foi posto à prova,sobretudo as vidas e os valores culturais!

Quase sem estratégia prévia, tivemos deaguentar o assalto maciço a tudo o que fossemais nuclear para uma possível «consciência»de nacionalidade.

Identidade do povo timorenseA partir de 1974, com as leis de autodeter-

minação, o povo timorense podia optar pelaindependência. Mas a invasão, no ano seguinte,parecia varrer do horizonte qualquer hipótesede livre escolha.

O fenómeno de 24 anos de resistência temcausas e forças que devem ser profundamenteestudados, mesmo para que o «timorense» seconheça a si mesmo, e encontre os valores que osustentaram numa epopeia quase única na His-tória. Porque, como é óbvio, o verdadeiro núcleode valores e energia para resistir estava «dentro»,na identidade deste mesmo povo.

Aponto dois ou três destes valores. Não foiapenas o facto de o cristianismo estar quase há5 séculos em Timor, anunciado por instituiçõesda Igreja Católica como os Dominicanos e osJesuítas, dirigidos pela hierarquia estruturada daIgreja. Mas esse facto criava laços firmes de soli-dariedade mundial cristã. Foi no decorrer destaguerra (1975-99) que se desencadeou no seio dacomunidade internacional uma quase místicapela dignidade humana e um consequentemovimento de solidariedade na defesa dosDireitos Humanos.

Um outro factor, a meu ver importantís-simo, foi a termos vivido durante quase 5 sécu-los num regime de certa comunidade e unidadede uma administração superior religiosa e civil,com os reis, os governos e as autoridades reli-giosas que governavam desde um centro. Terá 44

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sido pouco o que fizeram, mas houve séculos de«vida comum», de seguimento das mesmas leis,da mesma fé e da mesma língua.

Poderei deduzir o seguinte. O povo timo-rense durante 4 séculos conheceu e desenvolveu

valores superiores comuns, esteve em contactocom dirigentes de valor, como governantes, bis-pos missionários, funcionários de diversos con-tinentes ligados na mesma administração eusando e ensinando a mesma língua.

© EDUARDO GAJEIRO

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Assim, penso que a Língua Portuguesa,durante 450 anos, em Timor, bem como a Admi-nistração Portuguesa e a acção cultural e espiri-tual do cristianismo podiam olhar para o povotimorense vendo este de pé, com heroísmo nocampo de batalha pela sua independência.

Na minha análise, além das qualidadeshumanas do próprio Povo, foi a Língua Portu-guesa, bem como a «sua família de povos» e aformação cristã ao longo de séculos, que ades-trou tudo adestrou o Povo Timorense paraenfrentar gigantes.

A escolha da língua portuguesaUma grande e esclarecedora dedução do

evoluir da história em Timor. A Língua Portu-guesa estava tão arraigada já de séculos emTimor, que a destruição resultante da invasão fezdespertar no Povo a sabedoria para a transfor-

mar numa arma eficiente de defesa e de resis-tência.

Em Outubro de 1975, dizia-me, no Quartel--General de Taibessi, o líder Nicolau Lobato:«Nós escolhemos como Língua Nacional deTimor a Língua Portuguesa».

Passados quase 4 anos, Nicolau Lobato tom-bava heroicamente em luta, como num altar, nasaltas montanhas de Timor. Consigo levava sem-pre o Crucifixo. A cultura, a fé, a comunidade quese criou em quatro séculos explicam muito omistério da epopeia de Timor Lorosa’e. É neces-sário que os adultos não o esqueçam e que a ver-dade seja dita aos novos.

O génio da Língua Portuguesa, que já estavana medula da identidade cultural de Timor, con-seguiu cultivar o ensino desta língua, mesmonos piores tempos das perseguições da «Intel»indonésia. Assim, é de admirar que só depois doMassacre de Santa Cruz (12 de Novembro de

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1991) se atirassem definitivamente contra o«Externato de São José».

As forças invasoras bombardearam e des-truíram o Seminário de Nossa Senhora deFátima, em Dare, a uns 10 quilómetros a Sul deDíli, pelas 10 da manhã do dia 13 de Dezembrode 1975. Milagrosamente escapámos todos comvida, os que nos abrigámos debaixo dos fortesbancos da Capela. Porém, os livros da Bibliotecacontígua é que não escaparam ao poder dosmorteiros. Vimos muitos livros verdadeiramente«serrados» pelos estilhaços. As chuvas da épocaforam tão destruidoras como os morteiros de

120 mm. O barro das paredes misturado com achuva transformou os livros nuns «tijolos». Poisdestes destroços os Seminaristas de então con-seguiram salvar milhares de livros. Entretanto,os oficiais que nos visitavam e observavamaqueles livros de novo ordenados, em estantesnoutro lugar, e vendo que eram em português,pediam para nós os queimarmos! Eram para nósuma relíquia. Em 1978, transferimos o Seminá-rio para a cidade de Díli. E os tais livros, salvosda barbárie, foram transportados cuidadosa-mente pelos Seminaristas para uma nova Biblio-teca, no Colégio Bispo Medeiros.

Feita nova mudança do Seminário, então oslivros ficaram ali «abandonados»… Já não haviaali mãos timorenses a cuidar dos livros portu-gueses. E foi então que, de novo, em gesto devalor cultural e significativo, se realizou novaoperação. O Pe. Alberto Ricardo e o Pe. Basílio doNascimento, apercebendo-se do novo perigoque corriam os livros da sua antiga biblioteca,tomaram ao seu cuidado transportar, de novo,todos os livros, para a Câmara Eclesiástica…Hoje todos choramos o que aconteceu, por fim,aos livros da Biblioteca do Seminário e à docu-mentação, que ali pereceram a 5 de Setembro de1999, ensopados talvez com o sangue dos timo-renses ali massacrados.

Este episódio bem pode ficar como um sím-bolo do que o povo timorense fez pelo «Livro emPortuguês».

O milagre da escola de formaçãolusófona

Quando Monsenhor Martinho da CostaLopes, com o apoio dos padres Felgueiras e Mar-tins, reabriu o Seminário em Maio de 1978, com12 Seminaristas, tivemos dificuldade em encon-trar professores. O mesmo acontecia com ospadres Leão da Costa e Domingos da Cunha quereabriram o Externato de São José. Juntámos for-ças e o Seminário passou a frequentar por com-47

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pleto o curso dos Liceus. É a esta escola, sobre-tudo, que se deve o ensino regular do currículode ensino em Língua Portuguesa, desde a pri-mária ao 7º Ano do Liceu. Alguns dos nossosMinistros e Sacerdotes e muitos funcionários esenhoras timorenses por ali passaram. Foi um«milagre» que tivéssemos conseguido mantertantos anos esta escola de formação lusófona,cristã e nacionalista.

Após Santa Cruz, as forças ocupantes força-ram os responsáveis a fechar, de vez, o Externatode São José. Podíamos dizer: tinha cumprido asua missão.

Ficam apontados alguns elementos que nospodem dar a entender que a Língua Portuguesatinha profundas raízes em Timor e que, mesmocom a perseguição a partir de 1975, aquelas raí-zes tornaram eficiente o esforço da clandestini-dade para a promoção deste valor da sua culturae agora vista como poderosa alma cultural.

Os primeiros 10 anos de guerra foram, mui-tas vezes, de risco para quem tivesse livros oufizesse uso da Língua Portuguesa. Nesses pri-meiros anos, os livros eram escondidos, enterra-dos, à espera de melhores tempos. Em geral olivro não sobrevivia enterrado, mesmo dentro desacos de plástico. Era com tristeza que se ouviao timorense a lamentar que os seus livros tinhamapodrecido.

Gramáticas fotocopiadas em JacartaQuando começou a ser negligenciada a per-

seguição cultural, os livros começaram a emer-gir de variados modos, espalhando-se cautelo-samente por toda a parte. E era um tesouroquando apareciam! Naturalmente que eram oslivros religiosos os mais desejados.

A compensar a anterior devastação de livrosqueimados ou estragados, começaram a vulga-rizar-se as fotocópias. A princípio com grandescautelas, ainda que fizéssemos fotocópias emJacarta. Assim, muitas gramáticas de Ulisses

Machado foram fotocopiadas às dezenas emJacarta e, por amigos de confiança, trazidas paraDíli. Até que, passado o medo ao olho vigilanteda Intel, nos lançámos a sucessivas remessas defotocópias do Ulisses Machado. Era quase umpequeno negócio. Vieram depois os pequenoslivros das primeiras classes da Primária. Fomosfazendo sucessivas remessas de centenas desseslivrinhos que eram levados aos vários recantosde Timor.

Entretanto, havia em Timor um pequenolivro que certamente arrecada para si a medalhade invencível e de ter chegado a toda a parte eem todos os tempos, e ter chegado às mãos detoda a gente. Até o «bapa» (administrador indo-nésio) o queria. Era um livrinho de orações, edi-tado ininterruptamente em Braga desde háanos. É o DIA SANTIFICADO. Certamente nãohá um timorense que ignore este nome. Na ver-dade, desde 1971, foram chegando a Timor, con-tinuamente, centenas destes livros. Começada aguerra, todos os que passavam por Dare levavamno bolso da camisa o DIA SANTIFICADO. Comoera livro religioso, passava mais facilmente.Durante estes 30 anos entraram centenas demilhares que escoavam para todos os lados. Em1999, à falta de outro livro, o DS servia de livrode «leitura».

Uma revista periódica, a Cruzada Eucarís-tica, também tem lugar de honra na promoçãoda Língua Portuguesa.

Os livros de cânticos religiosos em portu-guês foram também mantendo o uso da línguaportuguesa.

A semente do português esperava omomento para germinar

Na reflexão sobre assunto de tão transcen-dente importância, pareceu-me absolutamentenecessário fazer aquele giro histórico, para nosapercebermos de que a Língua Portuguesaestava em Timor há mais de 4 séculos, era ensi- 48

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nada nas escolas há mais de 4 séculos, e línguade casa de famílias cada vez em maior número,além do ambiente religioso e de festas popula-res.

Uma língua que foi banida ostensivamentedurante mais de 20 anos, proibida nas escolas eque se apresenta viçosa logo a seguir à liberta-ção, mostra que estava mesmo com profundasraízes nos valores culturais mais sagrados destepovo. Os fenómenos dos últimos 5 a 8 anos atéagora comprovam que aquelas raízes estavamvigorosas.

A experiência de ensinar a Língua Portu-guesa, mais abertamente, mas ainda discreta,anos antes do Referendo, veio a demonstrarvigorosamente que a «semente» da Língua Por-tuguesa esperava no coração do povo, das crian-ças e dos jovens o momento para germinar.

Uns 5 ou 6 anos antes do Referendo, come-çámos em Lahane o ensino da Língua Portu-guesa a um grupo de «aspirantes» timorensespara Jesuítas. Embora fosse dedicado a essesjovens… e não faltassem imediatamente profes-

soras voluntárias para ensinar, assim, como quena clandestinidade, logo a seguir, correu a notí-cia. E começou um fluxo ininterrupto de crian-ças e jovens para se «inscreverem» no Curso deLíngua Portuguesa. Eram às 10, às 20 e 50 por diaas inscrições. Chegámos a número «limite» dealunos, impossibilitados materialmente peloespaço do lugar. Nem bastou o armazém e o ter-reno contíguo de um amigo vizinho. Era umamassa de 3.000 crianças e jovens que vinhamaprender a Língua Portuguesa.

Não havia qualquer propaganda, não haviafacilidade de instalações, e tudo faltava, desdecadernos a lapiseiras, quadros, bancos… Noentender de uma «observadora» que fazia partedas incipientes «organizações» internacionaissobre escolas, achava que esta escola de«Lahane» era coisa digna de se ver! Porque até sepodia observar a extrema pobreza das crianças.

Foi aqui que muitos começaram a estudar aLíngua Portuguesa e os próprios professores (as)sentiam que devíamos continuar com estaescola. Assim se desenvolveu o que temos agora,a Escola da Comunidade de Amigos de Jesus,que ensina a umas 400 crianças, no EnsinoBásico, e outra vertente, de cursos só de LínguaPortuguesa para uns 300 estudantes voluntários.

O ensino da Língua Portuguesa em Timor,segundo me parece, é uma actividade que brotamais da alma e da vontade do Povo do que dequalquer outra iniciativa. E também poderiaacontecer, se agora fosse proibida a Língua Por-tuguesa em Timor, uma nova «clandestinidade»lhe daria talvez uma força de revolução.

Mas penso também que se devia em todasas escolas, médias e superiores, promover desdejá, muito mais intensivamente, o ensino da Lín-gua Portuguesa, para que não estejamos a for-mar cidadãos que não compreendem bem onovo mundo que vem aí, como as nossas crian-ças. E em Timor, esta língua é perfumada comoo sândalo.

Sala de Leitura Xanana, Díli. Fotografia de Xanana Gusmão.

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IMPETUe o seu

movimento delibertação na

Indonésia(1982–1999)

J o ã o F r e i t a s d e C â m a r a

IntroduçãoA invasão e a ocupação ilegal de Timor-Leste

pelo regime militarista da Indonésia, desdeAgosto de 1975, criaram barreiras prolongandoassim o processo de Luta pela Libertação daPátria e do Povo timorense das garras do domí-nio estrangeiro. Mesmo assim, os timorensesembora dominados e rodeados por terra, ar emar pelas forças militaristas de Jacarta, foi-lhesdada a ideia natural de abertura de novos hori-zontes de luta, especialmente aos estudantestimorenses na terra dos ocupantes, procurandoassim encontrar novos espaços e meios de Resis-tência para alcançar o seu objectivo comum, aRestauração da Independência Nacional deTimor-Leste. Esta determinação foi provadapelas seguintes medidas tomadas como imple-mentação prática dos seus ideais sonhados.

IMPETU, suas ramificações e actividades

IMPETU é abreviatura de «Ikatan Maha-siswa dan Pelajar Timor-Timur» que significaLiga de Estudantes Timorenses. Esta Liga «Ika-tan» de Estudantes (Universitários «Mahasiswa»e «dan» da Escolas Secundárias «Pelajar» ) deTimor-Leste «Timor-Timur» é composta não sóde estudantes universitários como também deestudantes das escolas secundárias na Indoné-sia, que na sua tradução literal, Liga de Estudan-tes Universitários e das Escolas Secundárias deTimor-Leste, ficava mal inserida no contexto darealidade de então.

A Liga foi criada em Jacarta no ano de 1984,com o simples objectivo de atender às necessi-dades estudantis, mas foi ao mesmo tempo umaforma boa para ser aproveitada posteriormente,sobretudo para manter viva a chama de UnidadeNacional dos timorenses (fragmentada pelo sis-tema político e repressivo inimigo de divide etimpera) na Indonésia, como meio vital da luta,para o alcance dos seus supremos objectivos,

>Casa de Lautém. Fotografia de Elaine Brière. Fundação Austronésia Borja da Costa.

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isto é, a Restauração da Independência Nacionalde Timor-Leste.

Este tipo de organização estudantil expan-diu-se, posteriormente, às outras cidades deJava, criando ramificações para actuar mais emactividades de carácter político, concentrandomais atenção na defesa contra a violação deDireitos Humanos em Timor-Leste, do que umaorganização estudantil propriamente dita.

Inicialmente, isto é, nos princípios dos anos’80, as actividades desenvolvidas eram limitadasapenas à canalização de correspondência e deinformações muito restritas, do território ocu-pado para o exterior via Indonésia, às vezes atra-vés de pessoas de confiança que prestavam ser-viços oficiais às autoridades indonésias, paranão suscitar a desconfiança dos agentes da inte-ligência indonésia espalhados nos diversos pon-tos vitais de circulação humana, como nos por-tos e aeroportos. Como exemplo, menciono ocaso concreto do falecido Guilherme Gonçalvesque, já desde os princípios dos anos oitenta,mantinha uma rede com o então Comandantedas Falintil, Kay Rala Xanana Gusmão. O canalpartia do território e estendia-se para o exterior,via Indonésia, através da rede montada pelonotável Régulo de Atsabe, Guilherme Gonçalves,que nos meados dos anos ’80 ocupava a posiçãode membro do Conselho Consultivo Nacional daIndonésia em Jacarta.

Essa correspondência era passada poste-riormente para o exterior através de algunsmembros das organizações não-governamen-tais que arriscavam as suas vidas na defesa dosublime ideal, entrando na Indonésia para nosvisitar e dar a conhecer no exterior informaçõessobre a violação de Direitos Humanos emTimor-Leste. Uma das linhas ou canais que nóstínhamos com o exterior era com a organizaçãode Pat Walsh que, nos princípios do ano ’80, eraDirector de ACFOA (Australian Council ForOverseas Aid). Felizmente, esta linha dava-nos

apoio tanto humanitário como moral e políticonos momentos difíceis da nossa resistência,como energia de revitalização ao longo do pro-cesso da nossa luta clandestina na Indonésia.

Detenção e prisão dos estudantestimorenses na Indonésia e seuimpacto político na arenainternacional

AAssiilloo PPoollííttiiccoo nnaa EEmmbbaaiixxaaddaa HHoollaannddeessaa eemm JJaaccaarrttaa

Além de várias detenções e prisões arbitrá-rias feitas pelos militares indonésios no territó-rio de Timor-Leste, cinco estudantes timoren-ses, nomeadamente Antonino Gonçalves, JoãoFreitas de Câmara, Francisco Fernandes(Jacarta), Domingos Maria Sarmento e Germanoda Silva ( Díli ), apanhados e detidos pelos mili-tares indonésios nos princípios de Agosto de1986 em Jacarta e Díli, levaram a clandestini-dade à superfície, assinalando assim o início daexpansão aberta de luta pela libertação deTimor-Leste na Indonésia, passando à globali-zação informática, quando depois de libertadossob pressão internacional, quatro dos estudan-tes ameaçados e em perigo de vida, pediramasilo político na Embaixada Holandesa emJacarta nos princípios de Setembro do mesmoano.

Passados quatro meses após a realização dofacto acima mencionado, as nossas actividadese contactos com os média bem como com orga-nizações não-governamentais no território ini-migo eram feitas mais à vontade, sem controlossignificativos da parte dos agentes da inteligên-cia indonésia.

Podiam organizar-se encontros entre timo-renses sem grandes receios e suspeita de espio-nagem por parte da inteligência indonésia emqualquer cidade da do país. Além disso, já podía-mos mobilizar os operários timorenses empre-

<Rapariga transportando milho. Fotografia de Elaine Brière. Fundação Austronésia Borja da Costa.

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gados por Tutut, filha mais velha de Suharto, queestavam descontentes por serem mal pagos pelacompanhia empresária de Tutut e por teremuma vida difícil nas diferentes cidades da Indo-nésia.

Todo o sucesso adquirido quanto às mudan-ças relativamente à segurança e liberdades demovimento e organização foi obtido graças àpressão e a vigilância das organizações de soli-dariedade internacional sobre o Governo daIndonésia.

AAppeelloo àà RReeoorrggaanniizzaaççããoo ddaa FFrreennttee CCllaannddeessttiinnaannaa IInnddoonnééssiiaa

Cerca do ano de 1988, o comandante dasFalintil Kay Rala Xanana Gusmão apelou para areorganização da Frente Clandestina na Indoné-sia. Duas opções foram propostas. Unificartodas as organizações clandestinas então exis-tentes na Indonésia numa só, ou formar umaComissão Coordenadora com o objectivo decoordenar todas as actividades clandestinasentão existentes na Indonésia, tais como Rene-til, Ojectil, etc.

Foi convocada uma reunião em Semarangnos fins de Agosto de 1988, onde estiveram pre-sentes representantes timorenses sedeados nasdiversas cidades de Java e Bali, (respectiva-mente, Jacarta, Bandung, Surabaya, Yogyakarta eDenpasar) coordenada por um dos primeirosjesuítas timorenses, o Reverendo Padre Filo-meno Jacob Abel, sob especiais instruções deXanana Gusmão, com o objectivo de traçarlinhas gerais de reorganização.

Após um dia de encontro, foi acordada umaoutra reunião, no mês seguinte, em Solo (umapequena cidade situada a oeste de Yogyakarka,parte leste de Java).

Um mês depois, num bairro de lata dapequena vila de Solo, numa casa alugada porbravos estudantes timorenses, juntaram-serepresentantes da frente clandestina, prove-

nientes das diversas cidades de Java e Bali, deter-minados a cerrar fileiras e levar avante a luta pelalibertação do seu Povo e da sua Terra do jugo eda dominação militar indonésia. Esse foi o ful-cro do objectivo da nossa concentração naquelapequena cidade.

Foram três dias e três noites de intensa acti-vidade aproveitados para discussões, estudos eanálises, com a finalidade de encontrar a melhorforma de reorganização no território inimigo, ede responder correctamente à evolução da luta,de acordo com as directrizes emanadas doComando da Luta Armada para a escolha deuma das duas opções acima mencionadas.

Devido ao carácter clandestino da reunião,no fim do terceiro dia o encontro terminou coma manutenção de identidade de cada organiza-ção clandestina, mas sempre unidas pelomesmo ideal, isto é, o ideal da Libertação Nacio-nal.

DDeemmoonnssttrraaççããoo ccoonnttrraa oo MMaassssaaccrree ddee 1122 ddee NNoovveemmbbrroo

Uma semana depois do sangrento aconteci-mento de 12 de Novembro de 1991 junto ao por-tal do cemitério de Santa Cruz, em Díli, pelas dezhoras em ponto, cento e tal estudantes timoren-ses provenientes de diversas universidades einstitutos superiores indonésios de Java e Baliconcentraram-se frente ao edifício da Represen-tação Diplomática da ONU em Jacarta num pro-testo aberto contra o Governo militarista deSuharto.

Na demonstração, como Coordenador eResponsável da acção, foi entregue por mim aoChefe daquela Missão Diplomática com ende-reço ao Secretário-Geral da ONU, uma nota deprotesto contra os actos de barbaridade cometi-dos pelos militares indonésios no cemitério deSanta Cruz, apelando ao Representante Máximodaquela instituição mundial, sua imediata inter-ferência para pôr fim à massiva, periódica e sis-

Pastor lavando búfalo. Fotografia de Elaine Brière. Fundação Austronésia Borja da Costa.

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temática violação de Direitos Humanos quetinha vindo a causar até então sofrimentos emartírios intoleráveis ao inocente povo timo-rense, e dar uma definitiva solução política aonão resolvido problema de Timor-Leste na arenainternacional.

O Governo militarista indonésio, alérgico àsactuações democráticas, não tolerou o protestopacífico e disciplinado dos estudantes timoren-ses. Cerca de setenta dos cento e tal estudantesque tomaram parte na demonstração, foramapanhados e detidos, e após mais de um mês deintenso interrogatório, a maioria dos estudantesfoi libertada com ameaças de novas detenções eperdas de bolsas no caso de voltarem a envolver-

-se na política. Os outros foram submetidos aum processo judicial no tribunal, incluindo ojulgamento e prisão de cinco líderes, represen-tantes dos estudantes timorenses provenientesdas principais cidades das ilhas de Java e Bali.

Depois de um longo período de três mesesde julgamento, com início em Março de 1992,quarto dos cinco representantes dos estudantesforam condenados a uma pena de prisão de dezanos, nove anos, dois anos e meio e dez meses,respectivamente para João Freitas de Câmara,Fernando de Araújo, Virgílio da Silva Guterres eAgapito Cardoso enquanto que um dos líderesfoi libertado no fim do julgamento por nele seter achado leve grau de culpabilidade subver-

Pescador puxando a rede. Fotografia de Elaine Brière. Fundação Austronésia Borja da Costa.

56

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siva da anti-integração de Timor-Leste na Indo-nésia.

Em Junho do ano de 1992 foram condena-dos e levados para a Prisão Central de Jacarta,conhecida pelo nome «Cipinang», acusados desubversão e de serem contra a integração do ter-ritório de Timor-Leste na Indonésia.

3. Década 90, era de asilo e detransformações políticas

As perseguições, detenções, prisões arbitrá-rias e rapto de timorenses efectuados pelos mili-tares indonésios em Timor-Leste e na Indonésia,foram a causa de pedidos frequentes de protec-ção ou asilo político nas embaixadas europeiase americanas em Jacarta. As Embaixadas toma-das como alvo foram as de Suécia, França, Ingla-terra, Rússia e por último América e Áustria, nadécada de 1990.

A actuação dos timorenses nas Embaixadasacima mencionadas, contribuiram muito para aglobalização informática sobre a violação deDireitos Humanos, facto que degradou imenso aimagem de Jacarta na arena internacional emuito ajudou também à queda do regime mili-tarista de Suharto.

A degradação da imagem do governo deSuharto não teve origem apenas na questãotimorense, dado que a violação de DireitosHumanos cometida pelos militares indonésiosnão se deu só em Timor-Leste, mas também emdiversas províncias da Indonésia como IrianJaya, Aceh, Maluku, Kalimantan e até mesmo emdiversas áreas de Java, nomeadamente nossubúrbios de Jacarta, como no caso de matançasmassivas em Tanjung Priok (1983), Trisakti (Maiode 1998) e Jembatan Sudirman Atma Jaya (12 deNovembro 1998). Nos dois últimos casos onúmero total das vítimas não elevado masmesmo assim significativo, por ter resultado deum confronto entre militares armados contrauniversitários e civis desarmados junto aos cam-

pos das Universidades. Os processos judiciaiscontra os culpados encontram-se agora a decor-rer nos tribunais de justiça em Jacarta.

A década 90 foi a era de asilo político nacapital da Indonésia, Jacarta. As embaixadasalvo de pedidos de asilo foram as missões diplo-máticas europeias e americanas, nações preocu-padas com os problemas de crescente violaçãode Direitos Humanos, especialmente em Timor-Leste e nas diversas províncias da Indonésiaacima mencionadas.

Um dos factos que mais envergonhouSuharto, foi o pedido de asilo político por partede jovens timorenses que, ameaçados e perse-guidos em Timor-Leste, fugiram para Jacarta epediram asilo político na Embaixada Ameri-cana, coincidindo com a presença do então Pre-sidente Clinton no encontro da APEC em Bogor.Negociações entre os dois governos foram feitasem vão para solucionar o problema do asilo polí-tico, acabando por se recorrer a Portugal comoreceptor dos asylum seekers, para garantir amanutenção de boas relações diplomáticasentre Washington e Jacarta.

Nos meados da década 90, a IMPETU pas-sou a trabalhar abertamente em demonstraçõescontra o Governo Indonésio pela libertação deTimor-Leste, sob o comando do seu SecretárioGeral, Eng. Mariano Sabino Lopes, e a orienta-ção directa do Presidente do CNRM – CNRT eComandante das Falintil, Kay Rala Xanana Gus-mão, então nas masmorras de Cipinang.

Aconteceram muitas transformações políti-cas na década 90 em relação ao problema deTimor-Leste, graças às actividades da IMPETUna Indonésia, nas suas diversas ramificações,em coordenação com os seus representantestanto no interior como no exterior da Pátria,bem como com a solidariedade da comunidadeinternacional, incluindo as organizações não--governamentais de Direitos Humanos da Indo-nésia. Os acontecimentos que mais assinalaram57

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essas transformações foram, entre outros, o res-tabelecimento das relações diplomáticas de Por-tugal com a Indonésia, iniciado com a nomea-ção da Dra. Ana Gomes como Chefe da MissãoDiplomática e actual Embaixadora de Portugalem Jacarta, a decisão do Presidente Habibie deautorizar a realização do referendo em Timor--Leste e a libertação de Xanana Gusmão e todosos prisioneiros políticos.

4. DesfechoComo desfecho, quero deixar ficar neste

escrito os meus agradecimentos a todos quantostomaram parte na Luta de Libertação de Timor--Leste, tanto indivíduos como organizaçõesinternacionais ou países, especialmente, Portu-gal e os Países da Expressão Portuguesa que

sempre foram solidários com a nossa luta aolongo da ocupação e domínio ilegal da Indoné-sia sobre Timor-Leste.

Seguidamente, não posso deixar passar estaoportunidade para, num minuto de silêncio,relembrar todos os Heróis tombados ao longo doprocesso da Luta de Libertação Nacional, tantoconhecidos como desconhecidos. Que Deuslhes conceda lugar apropriado na Eternidade.

E, por último, quero expressar a todo o PovoTimorense os meus parabéns pelo sucessoalcançado, com apelo para que juntos e de mãosdadas, afincadamente trabalharmos para a Paz,Justiça, Progresso e Prosperidade, sempre den-tro do espírito de amor e fraternidade.

Díli, aos 8 de Maio de 2002.

Fotografia de Elaine Brière. Fundação Austronésia Borja da Costa.

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O Tétum,factor de

identidadenacional

L u í s C o s t a

Timor é um país plurilingue onde coexistemvárias línguas locais, de origem austronésia epapua, com o português durante quatro séculosda administração colonial portuguesa e com obahasa indonesia durante vinte e quatro anos deocupação indonésia.

Segundo os trabalhos do Dr. Luís F. Thomaz,Dr. Hoffer Rêgo, Pe. Artur B. de Sá, Dr. Antóniode Almeida, e um recenseamento realizado em1997, pelas Nações Unidas, podemos reconhe-cer a existência de quinze línguas principais,com referência à sua originalidade linguística eao número de pessoas que englobam (Ba’ikenu,Oe-Kusi Anbenu, povo atoni, grupo austronésio,14 000 falantes; Bunak, Bobonaro, Fatu-Luli,Lebos, Zumalai, grupo papua, 50 000 falantes;Fataluku, Lautén, Lospalos, tipo papua, 30 000falantes; Galolen, Manatuto, Laleia, Lacló,grupo austronésio, 50 000 falantes; Idaté, Laclú-bar, tipo austronésio, 5000 falantes; Kairui//Midiki, Kairui, 2000 falantes; Kemak, Atsabe,Atabae, Maliana, Mape, Kailaku, povo ema, 50000 falantes; Lakalei, Bubu-Susu, Fahi-Nehan,Kaikasa, tipo austronésio, 5000 falantes; Maka-sae, Baukau, Laga, Osú, Uatu-Lari, Venilale, tipopapua, 70 000 falantes; Manbae, Aileu, Ainaro,Ermera, Hatulia, Maubisi, Remexiu, Same,Turiskain, tipo austronésio, 80 000 falantes;Naueti, Uatu-Karbau, Uatu-Lari, tipo austroné-sio, 1000 falantes; Raklu’un, Ataúro, povo adabe,grupo austronésio, 1000; Tetun, Alas, Balibó,Batu-Gadé, Dili, Fatu-Berliu, Fatumea, Fohorén,Lakluta, Luka, Soibada/Samoro, Suai, Uekeke,tipo austronésio, 190 000 falantes (o tétum étambém falado em Akadirun-Sikun, Atanbua,Besikau, Timor Indonésio); Tokodede, Bazar-Tete, Likisá, Maubara, tipo austronésio, 50 000falantes; Uaima’a, Bukoli, Kaisidu, tipo austro-nésio, 3000 falantes).

Além destas línguas locais há que mencio-nar, e talvez aceitar como língua local, a pre-sença da língua portuguesa em Timor.

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O português começou a marcar a sua pre-sença em Timor desde a evangelização dos fra-des dominicanos em 1640, desde a implemen-tação do ensino, também a cargo dos missio-nários, quando o primeiro governador deTimor transferiu a capital de Lifau, Oe-Kusi,para Díli. Segundo o mesmo recenseamento(1997), 2% dos 857 000 habitantes de Timor-leste falam português, não incluindo os 15 000timorenses na diáspora (Portugal, Austrália eoutros países).

Os espíritos críticos podem afirmar que oportuguês é a língua colonial, língua do poderque durante séculos deixou o povo na ignorân-cia, mas foi através da língua de Camões que omundo teve conhecimento da história da luta,dor e sofrimento da resistência timorense, foiesta mesma língua que fez os corações portu-gueses sentirem orgulho quando ouviram os

jovens no cemitério de Santa Cruz rezarem asAve-Marias.

A primeira impressão de quem percorrerTimor e tentar comunicar com os seus habitantesé estar perante uma babélica imagem duma ilhaque as razões culturais e geográficas, o relevo e asguerras internas conservaram a sua variedade emrelação do grupo dominante – o liurai de Ué-Hali,do reino Belo. O liurai de Ué-Hali ao estender o seudomínio sobre toda a metade oriental da ilha,impôs também a sua língua – o tétum. Dessedomínio resultou a imposição dos datos de Belo,como casta nobre, e a sujeição de todos os reinosao liurai de Ué-Hali, consolidada pelo sistema dealiança matrimonial, que tende a manter um fun-cionamento harmonioso da sociedade. Com apresença de datos de Belo, como poder reinanteem vários reinos, o tétum tornou-se língua oficialde comunicação. 60

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A posição do tétum como língua franca foiconsolidada pela presença dos missionáriosque, ao aceitarem a conversão ao catolicismo darainha de Mena e família (1640), da rainha viúvade Lifau e família (1641) e depois da rainha deLuka (1641), reinos falantes de tétum, quandoTimor era devastado pelos malaios e mouros deMakásar, adoptaram o tétum como língua demissionação, de oração e de catequese. Foramtambém os missionários que promoveram pre-cocemente a escrita do tétum com as seguintespublicações: Catecismo Badak, 1907; Catecismobadak no oração ba loro-loron, 1907; Resumo daHistória Sagrada Português e Tetum (1908);Dicionários de Teto-Português (1900) e Portu-guês-Teto (1889); Cartilha Tetum-Português(1916); Método prático para aprender tétum;Texto em Teto da literatura oral timorense(1961).

Todo o timorense, com a excepção daszonas de Lautén e Oe-kusi, anterior à invasão,além da língua do grupo onde nasceu e apren-deu a falar, a sua língua materna, quando entraem contacto com os outros grupos estranhos aoseu, tem que usar o tétum como língua de inter-câmbio comercial e social – em suma, como lín-gua veicular. Assim sendo, o tétum funcionacomo língua de coesão nacional, sendo, aomesmo tempo, factor de identidade de todos osleste-timorenses.

Por ser o tétum, e não outra, a língua comumde todos os grupos, achamos por bem desen-vovê-lo cada vez mais. Mas desenvolver qualtétum? Para muitos timorenses o tétum é umalíngua de «menos valor», pois não está referen-ciada, estudada, nem internacionalmente pro-jectada como o português, o inglês, o bahasaindonesia. Por outro lado, porque desconhecemmuitas palavras e expressões do tétum, sentem--se constantemente obrigados a utilizar termosdestas e de mais línguas quando falam entre si.Além disso aceitam a existência de variantes

ditas «mais ricas» ou «mais puras» – tetun-los,tetun-terik (… imi rua simu ba malus tahan ne’e,imi rua hola ba bua balun ne’e, kbuhas no iis atutun ba imi isin, tun ba imi lolon…: «… recebeiambos estas folhas de bétel, tomai os dois estesbocados de areca, para que o hálito e o sopro vospenetrem e entrem em todo o corpo…») – e«mais pobres» ou «mais abastardadas» – tetun-prasa, tetun-Dili (… situasaun agora realmenteperkupa, tamba agora emar barak maka mateloro—loron kareta coke, falta controla Transito econdotor sira laiha regulamento balun seidaukprofesiona…: «… a presente situação preocupa-nos realmente, porque agora muita gente morrepor atropelamento, falta de controlo de Trânsito,muitos condutores não respeitam as leis, eoutros sem profissionalismo…») –, tudo registosque eles próprios não estão em condições de jul-gar ou, se julgam, os seus juízos baseiam-se nodesconhecimento de termos e expressões idio-máticas do tétum.

Desenvolver uma língua significa torná-lacapaz de servir os seus falantes em todas assituações de comunicação: oral e escrita, fami-liar e cuidada, informal e formal. Significa, alémdisso, torná-la apta a ser língua de ensino, línguade cultura e de ciência, e, a longo prazo, línguade comunicação internacional.

Na conjugação de vontades, ideia do Dr.Artur Marcos e colaboração técnica de MargaritaCorreia (Departamento da Linguística e Lexico-grafia, FLUL) e da disponibilidade do autor deu--se origem ao projecto da actualização do Dicio-nário Tétum-Português.

Ao participar neste projecto, os membros daequipa assumiram os seguintes princípios:

– contribuir para preservar e desenvolveruma língua é um dever dos seus falantes ede todos aqueles que acreditam que umalíngua é um factor de identidade de umpovo;

– a descrição de uma língua é essencial à sua61

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preservação e ao seu desenvolvimento,sendo o dicionário um instrumento funda-mental nessa descrição.

Além disso, a equipa definiu os objectivosfundamentais do Dicionário Tétum-Portuguêscomo sendo os seguintes:

– facilitar a aprendizagem e o uso do portu-guês aos timorenses que pretendessemaprender a língua de Camões;

– facilitar a aprendizagem do tétum por falan-tes de português;

– facilitar a tradução de textos de tétum paraportuguês;

– contribuir para conhecimento e a descriçãoda língua tétum;

– contribuir para a sua fixação ortográfica;– contribuir para a sua preservação;– contribuir para a preservação da cultura e da

visão do mundo que a língua tétum traduz; 62

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– constituir um instrumento para a preserva-ção da língua portuguesa.Sendo o tétum uma língua de reduzida tra-

dição escrita e não existindo uma gramática cre-dível da língua tétum, optou-se por reduzir ainformação categorial, não dar quaisquer indi-cações relativas a género e número, o que seprende com a própria natureza do tétum.

O Dicionário Tétum-Português está longede ser o dicionário de tétum-português ideal. É,

no entanto, de entre os existentes no seu seg-mento (entrada, categoria da palavra tétum,equivalente ou perífrase correspondente emportuguês), aquele que apresenta uma melhoractualização, bem como uma maior quantidadede informação.

Para dar seguimento ao desenvolvimento dotétum enquanto língua de comunicação quoti-diana, produziu-se um Guia de Conversação Por-tuguês-Tétum (Abril 2002). No Guia procurou-se63

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optar por um tétum que seja continuador dotétum falado pela comunidade, mas fiel à sua pró-pria estrutura e livre de pressões de outras lín-guas. Isto não significa que se rejeite a influênciado português no tétum. Pois é enorme a influên-cia do português no tétum, dada não só a perma-nência da presença portuguesa como as transfor-mações introduzidas na sociedade timorense.

Para exprimir as novas realidades surgidasna convivência de séculos, o timorense teve queusurpar do português vocábulos novos. Umgrupo importante destes vocábulos diz respeitoà religião cristã, como konfesa (confissão/con-fesssar), perdua (perdão/perdoar), tersu (terço),reza (rezar), komunga (comungar), etc. Apare-cem muitos termos referentes a estruturasadministrativas como postu (posto), koseilu(concelho), sekretaria (secretaria), repartisaun(repartição), etc. Algumas palavras de cortesiacomo bon dia (bom dia), bo noiti (boa noite), botardi (boa tarde), obrigadu (obrigado), até depois(até depois), etc. Alguns verbos como lamenta(lamentar), pasiar (passear), deskansa (descan-sar), agradese (agradecer), tristi (estar triste),gosta (gostar), etc. Numa palavra, no DicionárioTétum-Português, existem 450 palavras combase portuguesa.

A Constituição de Timor Leste consagrou oTétum como língua oficial a par da Língua Por-tuguesa. No entanto, as pessoas continuam afalar de tetun-prasa/tetun-dili ou tetun-terik/tetun-los ou tétum-veicular que, para mim,são designações dialectais.

Portanto, já é tempo de assumirmos a sim-ples designação de Tétum ou Língua Tétum edeixar de mencionar as formas dialectais. Já étempo de afirmar que não deve ser o tétumfalado em Díli a marcar a linha estrutural dotétum. Já é tempo de assumir que a língua temque estar ao serviço da cultura de um povo reale concreto, portanto tem que ser necessaria-mente continuadora da língua falada pela

comunidade e deve, quando possível, aproxi-mar-se dela, a fim de enraizar sobre bases segu-ras e vivas. Para que as bases sejam efectiva-mente sólidas deve ser fiel à sua própria estru-tura e livre de pressões de outras línguas, comoo português ou o inglês ou o bahasa indonesia.A língua comum deve ser mais tétum possível.

O tétum deve ser veículo expressivo comume válido para todo o povo, voz apta e disponívelpara as suas manifestações tanto escritas comoorais, tanto artísticas como utilitárias. E a suavirtude principal deve ser clara e que qualquerindivíduo possa entender.

Para que o tétum se desenvolva realmente,como língua de coesão e identidade nacionais, éindispensável definir uma norma ortográficaaceite por todos os leste-timorenses através dosórgãos competentes, descrever o funciona-mento da língua, quer nos seus aspectos lexicais(através de um dicionário monolingue detétum), quer nos seus aspectos gramaticais(através de pesquisas linguísticas diversas queconduzam à realização de uma gramática adop-tada como normativa), criar materiais que per-mitam o ensino da língua a leste-timorenses,falantes ou não de tétum, dotar a língua da ter-minologia necessária para a transmissão de con-ceitos científicos e tecnológicos indispensáveispara que o tétum venha a funcionar como línguade ensino das diferentes matérias (Matemática,Ciências, Física, Geografia, História, etc., etc.).

Para que este desenvolvimento seja possívele para que as tarefas possam ser levadas a cabo,é imprescindível que os responsáveis definamcomo linhas de actuação: criar condições queconduzam ao uso mais alargado do tétum e àpossibilidade do uso do tétum na educação for-mal durante os primeiros anos de escolaridadee proceder à avaliação dos professores quantoao conhecimento e prática linguística relaciona-dos com o tétum, de maneira que o ensino dotétum não se torne confuso e ineficiente. 64

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PanoramaLinguístico de

Timor Identidade

Regional,Nacional e

PessoalM a r i a J o s é A l b a r r a n d e C a r v a l h o

Instituto Camões e Universidade Nacional de Timor Lorosa’e

A jovem República situa-se numa ilha divididaem 18 línguas nacionais, em harmonia com G. Hull (1998), que propõe a seguinte classifica-ção provisória: i) um grupo A, integrado no con-tinuum de Roti a Wetar, no que corresponde àparte ocidental, compõe-se do Dawan, com oseu dialecto Baiqueno; no sector central, da ilha,acrescenta-se o Tétum, com os seus dialectosTérik, Belu, Bekais, Praça ou Díli1 e o Habu; anorte inclui-se o Raklungu ao lado do Rasuk e doRaklungy, assim como o Galoli, muito aparen-tado com certos dialectos de Wetar; e, para fina-lizar, na região oriental apresentam-se o Kairui,o Waimata, o Midiki e o dialecto Nauete: ii) umgrupo B compõe-se das seguintes regiões: oci-dental, com o Kemak (e o seu dialecto Nogo), oTokodede (e o seu dialecto Keta); central, com oMambae (e o seu dialecto Lolein) e oriental, como Idaté e o Lakalei.

Há ainda cinco línguas – Bunak, com o dia-lecto Marae, Makasai, Makalero, Fataluku eLovaia, com o dialecto Maku’a – que, não cons-tituindo um grupo, partilham característicascom A e com B (id). Pode-se, além da notóriadiversidade, observar um forte apego intergera-cional às línguas e às suas culturas tradicionais.

As 18 línguas, austronésicas ou não, apre-sentam ordens padrão maioritárias do tipoSujeito, Verbo e Objecto, mas também Sujeito,Objecto e Verbo (por exemplo o Fataluku e oBunak). Ainda consoante aquele linguista, (id),as preposições predominam, como traço geral ecomum à maioria das línguas timorenses, verifi-cando-se, paralelamente, uma inversão da cons-trução genitiva (Timor oan), ao lado de umaagentividade prefixada (maksoin), da pos-posi-ção de determinantes e do gentivo (labarik ida,ha’u nia aman). São línguas não flexionais, aglu-tinantes, do ponto de vista morfológico bem dis-tantes do português.

Entre todas estas línguas, o Tétum funcionacomo língua veicular há muito, língua de comér-

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cio, lingua franca. Quando se escolhe uma lín-gua franca, imposta por realidades históricasautónomas, caminha-se para uma unificação,quer dizer, para um perfil identitário desenhadoentre a diferença linguística e a necessidade deuma unidade para intercomunicação. Assim sefoi evoluindo para a prevalência de uma dasvariedades de Tétum, o de Díli. E o facto é queapenas entre população de Timor Lorosa’e separtilha este Tétum crioulizado, desconhecidode Timor Ocidental, onde circula o Tétum Belo eoutro crioulo, do malaio.

Se o Tétum era uma lingua franca em sécu-los próximos, o Malaio já o era no XV e ressurgiuapós 1976, aquando da invasão indonésia, ao serimposto. Contudo, relativamente ao períodomais antigo, A. Forbes (1887), a propósito da suaviagem de 1882-1883, diz-nos que o malaio nãoera falado… «our amboina servants who hadbeen with us in Timorlaut said they would wil-lingly accompany us to any other island of thearchipelago except Timor where their languagewas not spoken and the natives were so diffe-rent….» (apud G. Hull, 1998: 7). Portanto a inte-racção verbal decorria em português, sobretudono Oecusse e em Lautem, mais precisamentenas regiões do Fataluku e do Baiqueno, onde oTétum não estava muito espalhado. Era pois,fora destes dois extremos, que o Tétum servia delíngua de comunicação inter-regional, ao ladoda língua da religião e, mais tarde, do coloniza-dor – o português.

Também se vem falando Hakka e cantonês,nos meios mestiços chino-timorenses sobre-tudo ligados ao comércio. O português tem sidofalado por uma minoria de assimilados, comolíngua da escola, da administração, imposta nafase de colonização, mas e sobretudo, pelos cris-tãos, como língua da religião – que a divulgou viamissões, desde os primeiros contactos domini-canos, anteriores à efectiva colonização.

É preciso reconhecer que a República criou

as primeiras escolas – até aí era unicamente aIgreja a responsabilizar-se pelo ensino – e intro-duziu o Tétum nas primeiras classes. Mais tarde,o exército colonial espalhou o Tétum, tal comoo Português, para cimentar laços com a popula-ção timorense. Estes contributos foram signifi-cativos para maior desenvolvimento do Tétum epara o contacto entre ambas aquelas línguas.

A pesquisa das línguas nacionais pela Igreja(sobretudo com traduções do catecismo) eoutros estudiosos, ou mesmo especialistas, per-mitiu a introdução de dicionários / vocabulá-rios, gramáticas e textos afins nas seguintes lín-guas: Waimaha, Baiqueno, Bunak, Galoli, Toko-dede, Mindiki, Mambae e, muito particular-mente, Tétum. De acordo com G. Hull (1998),esta língua foi estudada por J. G. Lencastre(1929); MM Laranjeira (1932), A. B. de Sá (1961),A. Fernandes (1964). Em Díli, A. Tilman (1971-73) escreveu sobre o Tétum, em Tétum, narevista Seara. T. Marques estudou o Makassae(1990), após breve estudo de irmãos salesianos.A. Capell (1944) e H. Campagnolo (1979-80),centrados numa perspectiva científica, descre-veram o Fataluku. Nota-se, do exposto, uma faltade estudos das línguas nacionais: poucas descri-ções linguísticas, poucas gramáticas e dicioná-rios, quase nenhuma documentação escritanessas línguas. Exceptua-se o Tétum, com doismanuais, dicionário e vocabulários, uma gramá-tica, que, embora editadas na Austrália (G Hull)e em Portugal (L Costa), ainda de pequena tira-gem, correspondem à necessária base de padro-nização ortográfica e de materiais para o ensino.Nesta língua, há alguma literatura publicada,muitas vezes bilingue, tanto propriamente lite-rária – lendas, cancioneiro, poesia, oratória –como informativa – artigos de jornal, textos deONG, algumas circulares e avisos, etc. – e apolo-gética, nomeadamente de ordem religiosa, v.g.:catecismo, missal, cânticos litúrgicos, Bíblia.

Portanto, antes da invasão indonésia, o 68

< página anterior:Fotografia de Elaine Brière. Fundação AustronésiaBorja da Costa.

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Tétum era língua de comunicação e não apenaso Português, de menor circulação. Depois dainvasão, o Tétum espalhou-se por quase todo oterritório e ocupou o lugar do Português comolíngua da religião, com a tradução do Ordinárioda Missa, feita em Março de 1980. A Igreja tor-nou-se a muralha da integridade cultural que,com a tradução de vários textos sagrados2 bene-ficiou o estatuto do Tétum-Díli, impregnando-ode léxico das variedades Térik e Belu, o queresultou numa variedade literária daquela lín-gua crioulizada, reconhecida por ampla maioriacomo língua veicular, oral e escrita3.

É preciso não esquecer que o Tétum-Díli émeio de comunicação inter-regiões há muito –um crioulo para G. Hull (2000: 8). A populaçãotimorense, de pluralidade linguística, aceitou o

Tétum e preservou, como laço de comunicaçãofamiliar as outras 17 línguas anteriormenteenumeradas, quer dizer, manteve «a integri-dade cultural» do país, defendida por G. Hull(2000). Todas as propostas deste sociolinguistavão no sentido de um «programa linguísticoinclusivo» (id), que exclui a manutenção doMalaio, língua oficial até ao referendum, ou asua substituição pelo Inglês, uma vez que um eoutro ameaçam as línguas nacionais. É precisoaprender tais línguas, obviamente, pois elas sãoindispensáveis na região e no mundo actual,mas sem o estatuto de línguas oficiais. Segundoo mesmo linguista, recuperar a antiga língua,inicialmente da religião e depois do coloniza-dor, como co-oficial, ao lado do Tétum-Díli,seria a melhor opção, do ponto de vista da pre-69

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servação deste último. Portugal está bem longee as ambições imperialistas ou neocolonialistasnão se podem concretizar, sendo país economi-camente tão fraco, na presente teia de poderesinternacionais.

Além disto, está-se perante o déjà vu daquestão das línguas, tão debatida a respeito dasituação linguística africana e da qual se salientaa defesa, veementemente feita pela UNESCO, daalfabetização e primeiros anos de escolaridadenas línguas nacionais – critério a ser seguidoneste jovem país. As línguas oficiais não devem:i) esmagar a diversidade linguística do país; ii)reduzir o poder comunicativo do Tétum, línguaco-oficial a partir da Assembleia Constituinte.

Foram estas as principais razões que leva-ram o CNRT (2000) e a Assembleia Constituinte(2001-2002) a adoptar o Tétum e o Português

como línguas co-oficiais, no fito da afirmação deum perfil identitário autónomo.

Reconhece-se um significativo papel doPortuguês na génese da identidade culturalnacional e pessoal (G. Hull, 1998; 2001). Eis, emsíntese, as causas:

– trata-se de língua falada por 11% dapopulação (percentagem da UNTAET; pois naóptica do efectivo funcionamento das redescomunicativas, cerca de metade…), mas os pou-cos falantes encontravam-se espalhados portodo o território e, sobretudo, foi a língua daresistência, rede comunicativa de maior valorsimbólico. Os documentos internos, externos emesmo pessoais, dos combatentes, o morse, aspalavras de ordem, cartas, notas pessoais, poe-mas, etc., utilizaram prioritariamente o Portu-guês (70-80%), seguido pelo Tétum (cerca de 20- 70

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30%, partilhados com escassos textos noutraslínguas nacionais ou em inglês, quando deíndole internacional). Dados reais, mesmosendo a língua do resistente diversa destas…;

– língua da celebração do culto até 1980,mantém-se em alguns hinos, certas fórmulas daliturgia e deve à Igreja, responsável por toda aescolaridade até 1912, e pela sua maior parte,após tal data, a disseminação existente na actua-lidade;

– é a língua dos nomes próprios e apelidosde, respectivamente, 98% e 70% dos timorenses.O nome é fundamental nas sociedades tradicio-nais como a timorense, na qual o parentesco –laço de ligação entre os vivos e destes com osmortos – é forte. Neste contexto, é frequenteescutar a sucessão das gerações passadas, reci-tada pelos lia na’in (mestres ou senhores dapalavra). Ora, embora haja um sistema paralelode nomes nas diferentes línguas nacionais – para

os primeiros dias, relacionáveis com a naturezapor altura do nascimento, etc., nem sempreesquecidos ao nível familiar – registam-se osnomes e apelidos portugueses. Os primeiros sãoa marca do baptismo, havendo alguma manu-tenção de apelidos das línguas nacionais.Curioso é ouvir, aos lia na’in, uma listagem denomes vindos de antepassados chegados domar, dos ares, de barco, de tronco, de crocodilo,de tartaruga, de milhafre, da lua, das estrelas e,paralelamente, recolher afirmações no sentidode o «Português ser uma língua que os nossosantepassados também conheceram», através daqual, «do mar nos chegou a religião» – tradiçãomais recente, os nomes portugueses são tam-bém honrados;

– a toponímia das grandes vilas e da capi-tal, tal como a dos edifícios públicos, construí-dos durante a colonização portuguesa (MercadoMunicipal, Estádio, Matadouro, Escola do Reino

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de Venilale, Posto Administrativo, etc.) conser-vam as primeiras designações;

– é uma das línguas da minoria letrada,que, conhecedora do Malaio, publicou sobre-tudo em Português e Inglês;

– é a língua de considerável quantidade dedocumentos administrativos e paroquiais (sal-vos da destruição pós referendum);

– trata-se de uma variável do Portuguêsque se demarca do Português Europeu Contem-porâneo, numa identidade lexical, fonológica,etc., muito própria. No tocante ao léxico, a varia-ção é visível sobretudo ao nível dos campos lexi-cais da alimentação, da bebida, dos pesos emedidas, dos instrumentos de trabalho, damúsica, das tradições, da flora e da fauna;

– constitui fonte de empréstimos doTétum, cujas variedades actuais e mais, ainda, o

Tétum-Díli, um crioulo, apresentam enriqueci-mentos fonológicos derivados da fonética por-tuguesa. Destacam-se os campos lexicais da reli-gião, da política e da resistência, da administra-ção, do exército, da alimentação, da escola, dahabitação, entre outros, incluindo os nomes deparentesco, como formas de tratamento (irmão,mana, tio, avô), facto notável;

– trata-se da língua cujo contributo foiprioritário como base lexical do crioulo deBidau. Segundo o Vigário Geral, na sua corres-pondência com H. Schuchard, a pedido dofamoso crioulista, o crioulo de Bidau era de usogeneralizado em 1885 (apud A. Baxter:1990).Aquela língua é, todavia, referida como portu-guês corrompido, como era habitual, à época,entre eruditos não especializados em filologia.Adiante se desenvolve a hipótese de outros

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crioulos, da mesma família, a dos crioulos asiá-ticos de léxico português, terem estado ligados àgénese cultural de Timor.

Algumas precisões relativas à questão dosnomes se julgam interessantes, por causa do seusignificado na génese da cultura nacional,nomeadamente, na vertente da identidade pes-soal.

São nomes próprios e apelidos totalmentediferentes dos correntes na actualidade de todosos países da CPLP: i) nomes de santos; ii) nomesbíblicos ou de algumas congregações religiosas(Nicodemo, Canossa, Carmelita); iii) nomescomuns na idade Média ou no Renascimento(Sancha, Urraca, Remígio, Brites, Xisto / Dirce,Alarico, Eleutério, Domingos, Valente); iv) dimi-nutivos registados como nomes próprios (Anita,Abete, Aguido, Tó Zé), por vezes com reforçomorfológico da marcação de afectividade; v)nomes resultantes de cruzamento ou siglação ecriativamente registados como próprios (Nelida,Agusmanto, Rosalino); vi) apelidos promovidosa nomes (Guimarães); vii) apelidos de religiosaquando se trata de nascimento difícil (Graça,Baquita, Jesus, Auxilia).

Rareiam os patronímicos. Nomes criadosdurante os séculos XI-XIII, alguns formadoscerca do século X, antes e depois da formação doCondado Portucalense, constituem o acervo denomes mais antigos e dominavam particular-mente no norte de Portugal. Os únicos identifi-cados em Timor, no universo considerado – pau-tas de inscritos de todos os níveis de ensino, deLautém, Oecusse e Díli (total próximo dos 10000) – foram, por ordem decrescente de fre-quência: Soares, Gonçalves, Fernandes, Nunes,Lopes, Henriques, Gomes, Marques, Martins,Rodrigues, Alves, Mendes, Guterres, Ximenes,Moniz, Sanches. São mais ou menos 1% dosnomes estudados (M. J. Carvalho, 2002; direcçãode pesquisa de licenciandos da UNTL, 2002). Ou

os apelidos portugueses provêm do sul, ou defamílias mais recentes, o certo é que não abun-dam patronímicos.

Vejam-se os apelidos actuais, com base nareferida amostragem do universo de inscritosnos diferentes graus de ensino, começando noOecusse e seguindo o percurso inverso ao dosportugueses e topazes de quinhentos – Oecusse,Malaca-Singapura, Flores – itinerário realizadohá um ano pela autora (M. J. Carvalho, 2002),para verificar relações entre os antropónimosmais frequentes.

Por ordem alfabética, os apelidos são, noOecusse, e tal como aparecem redigidos: Abreu,Agosto, Amaral, Araújo, Barreto, Batista, Boa-vida, (de) Carvalho, Conceição, Correia, (da)Costa, (da) Cruz, Cunha, Docarmo, Dapaixão,Dorosário, Dasilva, Defátima, Faria, Fátima, Fer-nandes, Ferreira, Freitas, Gama, Gonlçalves,Gonzaga, Guterres (italianismo / castelha-nismo), Jesus, Lopes, Lopo, Manta (Mântua?),Marques, Marquês, Martins, Melo, Mendonça,Mesquita, Mota, Noronha, Nunes, Pereira, Pinto,Ramos, Reis, Remédios, Ribeiro, Rodrigues Rosa,Rosário, Sacramento, (dos) Santos, Seixas,Sequeira, Soares, Sousa, Trindade, Valente, Vaz,Xavier, Ximenes. Os mais frequentes estão subli-nhados.

Saltando para a fonte dos casados – aquiconhecidos por topazes, originários de Malaca,vindos com as várias séries de missionários emercadores aportados a Lifau – os antropóni-mos listados, como tipificadores da comunidadecristã de Malaca, por A. Rego (ed. 1998: 292),encontram-se entre os mais frequentes (M. J.Carvalho, 2002) no Oecusse de hoje, a saber: 1)Apelidos: Abreu, Amaral, Alves, Araújo, Baptista,Carvalho, Conceição, Costa, Cruz, Dias, Fernan-des, Gama, Lopes, Melo, Noronha, Nunes, Oli-veira, Pereira, Pires, Rodrigues, Rosário,Sequeira, Silva, Sousa, Vaz) Primeiros nomes:Agostinho, Francisco, Lázaro, João, Maria, etc.73

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Destacam-se outros, raros no Oecusse mas,assim como os anteriores, frequentes em Díli –naquela mesma área populacional, a dos inscri-tos nos cursos em realização: Amaral, Albuquer-que, Almeida, Andrade, Araújo, Gomes, Lobato,Lobo, Machado, Monteiro, Neto, Pestana, Pinto,Ribeiro, Sacramento, Santa Maria, Teixeira.

Socorre-se a eventualidade de relação, aquiproposta, de vários argumentos históricos, aconsultar na vasta obra de historiadores como L.F. Thomaz, B. de Sá, e em documentos de ordensreligiosas, nomeadamente dos dominicanos,franciscanos, jesuítas, dos séculos XVI a XVIII,que constituem fontes relativamente às desloca-ções de comunidades de cristãos – portugueses,euro-asiáticos e asiáticos – de Malaca para Solor– Adonara – Flores e desta ilha para Lifau.

Também se percorreram os cemitérios dePante Macaçar e Oessilo (Novembro de 2000 aMarço 2001), para confronto da antroponímiaencontrada com a registada nos das Flores(Larantuca, Sikka, Maumere), Malaca e Singa-pura, em trabalho de campo realizado entre 16 e20 de Abril de 2001, para censo das inscriçõestumulares nas localidades indicadas.

Afirma-se, após o percurso indicado:i) que a afinidade antroponímica de Malaca

com o Enclave do Oecusse, no presente, passapelas Flores, onde a autora acabou de verificar apreservação de apelidos como: (da) Cruz, Fer-nandes, Pereira, (do) Rosário, Sequeira, (da)Silva, (de) Sousa, Vaz. Estes são igualmentecomuns a Singapura e até a Goa, onde se encon-tram outros, comprovadamente conservadosaté à actualidade, por recolha da autora em Goa-Pangim (Maio 1993).

ii) que os antropónimos comuns às Flores(Larantuca, Sikka, Maumere) e ao Oecusse são:(de) Carvalho, (da) Costa, (da) Cunha, Gama, Gon-çalves, Jesus, Lopes, Martins, Pinto, Ribeiro, Xavier.

iii) que persistem em Malaca, tal como noOecusse, sendo os sublinhados comuns aos das

Flores, os apelidos: (da) Conceição, (da) Costa,Lopes, Lobo (Lopo), Melo, Noronha, Nunes.

iv) que sobrevivem em Singapura4, tal comono Oecusse – os itens sublinhados ecoam asanteriormente mencionadas comunidades cris-tãs – os apelidos: Abreu, Gonçalves, Nunes,Pinto, Rodrigues, Rosa.

À excepção de Malaca, onde apenas ostúmulos posteriores a 1970 foram analisadosface à rigorosa listagem de A. Rego da década desessenta (Reed, 1998; 1968: 292), nos restantescemitérios procedeu-se ao levantamento datotalidade dos sepulcros5 do século XX. Se osantropónimos, nomes e apelidos, se mantêmnas inscrições tumulares deste período é por-que estão vivos, de inquestionável maior /menor produtividade naqueles grupos popula-cionais. E permanecem em todo o eixo, Malaca-Singapura, Flores-Oecus--se, Díli (e não só poisdos indivíduos inscritos na capital só 10% sãodela originários…). A identidade pessoal, deque o nome é uma das expressões, passa porapropriação de língua alheia, o Português e,ainda que situada no referido eixo asiático, deledifere, nitidamente, pelo nome próprio maisarcaizante.

Fale-se um pouco dos topazes. Designaçãoque, numa língua indiana, significa bilingue,eram casados, i.e., resultantes da política demestiçagem iniciada por Albuquerque, em Goa,transplantada para Malaca, onde proliferaramestes euro-asiáticos, cada vez mais distantes doreino e espalhados pela Insulíndia. Bilingues,comerciantes, aventureiros e mercenários,assim globalmente caracterizados por L. F. Tho-maz (2001: 44-5), estes topazes asseguraramsucessivas capitanias, no século XVII, de Solor eTimor, com residência obrigatória nesta últimailha, nomeados pelos frades dominicanos e ocapitão de Malaca, até ser imposto o primeirogovernador português (1702), em sintonia como mesmo historiador (2001:48). 74

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À mencionada comunidade topaze perten-ciam os que acompanhavam missionários, mer-cadores, etc., às Malucas (fortalezas de Ternate,Tidor), às Celebes ou Macaçar, a Ambom (forta-leza de Ambom), segundo Fr. Paulo da Trindadena sua Conquista Espiritual do Oriente, escritapelo primeiro quartel de seiscentos, não sendomencionado o acompanhamento por intérpre-tes, como o autor procede, por exemplo aoescrever sobre Sumatra, e as deslocações para afortaleza de Pacém (Pero Fernandes segue comesse cargo, comprado por largos meses, factoque indicia o interesse em ser intérprete e fazpensar por que razão não se mencionam os queacompanharam as viagens para os fortes aoriente de Malaca). Em viagens atribuladas,apoiam os missionários que procedem a prega-ções e baptismos, estabelecem missões, edifi-cam igrejas e fixam-se nos litorais, sempre emcontacto com outros navegantes. São interme-diários entre estes forasteiros – portugueses,espanhóis, chineses, árabes – e os povos do inte-rior das ilhas, cujas praias ocupam, bem longedo Reino e euro-asiáticos cada vez mais asiáti-cos. Interpõem-se nas relações com Holandeses,permitem a coexistência com outras civiliza-ções, ocidentais e orientais, outras línguas e cul-turas, aos povos interiores, ligados ao campo,caça e mineração.

O seu papel na língua usada em Lifau,decerto o antepassado do crioulo de Bidau, paraonde se deslocou a capital nos fins de setecen-tos, foi essencial. J. Esperança (2001: 27-ss) argu-menta, linguisticamente, com os genitivossemelhantes aos de todos os crioulos asiáticosde base lexical portuguesa, marcados pela «repe-tição do pronome da terceira pessoa do singular»,v.g.: Bos as Kaza (Malaca), Antonio sua bufalo(Português corrompido ou crioulo de Bidau). Aestas regularidades, acrescenta o autor a similarconstrução do Tétum-Díli, v.g. Antonio niakarau, considerando-a prova de influência do

crioulo de Bidau. Aqui se reforça o argumentolinguístico aduzido, com a realidade de nãoserem identificados os intérpretes das desloca-ções entre os mencionados fortes e suas comu-nidades de intermediários e portugueses, muitoprovavelmente eles não existiram por não seremprecisos, dado que toda a comunidade usavacrioulos do português e/ou do malaio, enten-dendo-se com outros euro-asiáticos – da mesmacomunidade, de comunidade aparentada e eva-cuada ou indivíduos que mudavam de fideli-dade consoante o «necessário» – ao serviço dos75

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holandeses, já que o neerlandês divergia muitodas línguas em contacto na região e dos respec-tivos crioulos, não tendo havido política de mis-sionação holandesa a, simultaneamente, divul-gar-lhes a língua. A este respeito, M. J. Schouten(1997: 254) afirma que «Si un grand nombre deburgers moluquois avaient des noms de familleportugais, leur langue était le malais – du moinsavec de nombreux éléments portugais. L’in-fluence linguistique du portugais n’était donc pasaussi grande que dans d’autres parties de l’archi-pel, où une langue créole fondée sur le portugaisdevint lingua franca, comme par exemple à Soloret Malaka». Aquela historiadora fornece dadossuficientes para confirmar a hipótese, aquiadoptada, de os topazes terem sido veículo dedisseminação de um crioulo, o de Solor (são mis-sionários, portugueses, goeses, malaqueiros edepois topazes os capitães de Solor e Timordurante todo o século XVI e XVII), provavel-mente o mesmo de Malaca, ou seu derivado, quechega a Lifau com vagas de Larantuqueiros, deLarantuca e Ende – para onde a comunidadeeuro-asiática de Solor é evacuada após a vitóriados muçulmanos.

A verificar-se esta hipótese, a génese do pró-prio Tétum-Díli decorre das anteriores expe-riências de uso de linguae francae e de criouli-zação, cultura linguística própria da Insulíndia,mantida no Oecusse, alastrada a Timor Orientalcom a mudança da capital para Díli, e conser-vada até ao presente. Apenas se divergiu com asubstituição do crioulo de Bidau pelo Tétum-Díli – a identidade nacional exprime-se numatendência crioulizante paralela ao convívio comlínguas estranhas e preservação das restanteslínguas nacionais. A política linguística definidapela direcção do país respeita, reflectindo-o, esteperfil identitário.

M. J. Schouten (1997: 247) aponta, ainda, adimensão linguística dos contactos culturaisresultantes do comércio na Ásia do sudeste. Des-

taca as linguae francae do arquipélago, nomea-damente o pasar melayu (Malaio dos mercado-res, do bazar), os crioulos de base lexical portu-guesa e o próprio Português que, aliás, povoa delusismos o pasar melayu. Desenvolve, comoexemplo, o caso de Manado (posteriormenteMinahasa), a nordeste das Celebes ou Macaçar(hoje Sulawesi), onde se expandem, no séculoXVI, vigorosas influências culturais exteriores,espelhando uma projecção de Ternate, nas jáentão Molucas. O eixo Malaca, Ambom (comoescala segura) e Ternate, preferido pela navega-ção ao serviço dos portugueses até 1575, data daperda daquela fortaleza, mantinha a ligaçãoentre os fortes daquele arquipélago e respectivascomunidades. Cada forte aglomerava poucomais de centena e meia de indivíduos, sobretudoeuro-asiáticos, distribuídos por cerca de duasdezenas de casados, com esposas e filhos,conhecidos por orang merdeka, «estrangeirosnegros livres» «burgers» e «borgos» (id: 252), pelosmalaios, holandeses e população autóctone dasilhas em questão, e que integravam ainda chine-ses e escravos e / ou servidores de diversas ori-gens, também euro-asiáticas – alguns do actualSri Lanka – mas até africanas, etc. Ocuparam, aolongo dos tempos, posições estratégicas nas for-talezas de Malaca, Ternate, Tidor, Ambom,Manado, como em Solor, Ende, Lifau.

As populações locais habituaram-se a convi-ver com as sucessivas chegadas, de todos oslados, destes grupos que «se mélangeaient biolo-giquement et culturellement» (id: 253). Eram cris-tãos, mais ou menos sui-generis, consoante apresença de missionários, eles próprios portu-gueses ou espanhóis, ou já igualmente euro-asiá-ticos de Goa. Falavam bahasa pantej (id: 257), umMalaio distinto do padrão da época, de léxico lar-gamente tributário de empréstimos do portu-guês, muito próximo da variedade de Malaio deTernate – onde florescera idêntica comunidadeeuro-asiática em torno de forte português. A eva- 76

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cuação de Ternate, para Ambom e Manado,reforçou o uso da bahasa panteij ao lado docrioulo de base lexical portuguesa. Também refe-rido como Malaio-Português, aquele criouloestendia-se de Madagáscar até às Filipinas, e, deapogeu em meados do século XVIII, só no séculoXIX é preterido pelo Malaio, resistindo entre opovo, sobretudo o de origem mestiça, descen-dente das comunidades agora em referência (DeVries apud L Thomaz, 1983).

A historiadora demonstra que, nos fins doséculo passado, tinha alastrado, em Manado,uma lingua franca usada nos contactos dapopulação do interior com a comunidade inter-mediária fixada nas vilas costeiras, junto à forta-leza. Apresenta também a influência desta sobreas línguas autóctones. Frequentemente usadoscomo intérpretes da Companhia Holandesa dasÍndias Orientais, os euro-asiáticos desenvolve-

ram as suas potencialidades de mediadoresentre os do interior – do campo e da caça – e osdo exterior europeus, árabes, chineses ou tam-bém euro-asiáticos – ocupados no comércio.Eram o ponto de contacto entre religiões dife-rentes, culturas diversas (id: 559-260), factor quelhes conferia posição relevante na vida em tornoda fortaleza.

A proximidade da fortaleza espanhola deManila e a multiplicação da missionação não sóapoiou esta, como as outras comunidades espa-lhadas pelas não totalmente isoladas ilhas dazona, semelhantemente reforçando os topazes –designação preferida no espaço timorense,desde a fixação de euro-asiáticos em Lifau6, paraestas comunidades. Tal como, posteriormente,estes topazes, aqueles tinham deveres de milíciana protecção costeira – recorde-se a pirataria daépoca – em apoio aos capitães dos fortes, de77

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comércio entre os produtos dos habitantes dointerior e os dos vindos de fora, de tradução, detestemunho cristão, acolitando os missionáriose exibindo nomes latinos, portugueses / caste-lhanos em Manado, apenas portugueses entre ostopazes de Solor, de Larantuca, de Ende (deslo-cados para Timor até 1856, última migração, de

larantuqueiros) e de Timor. A queda da fortalezade Manado, primeiro para as mãos de holande-ses, depois por estes perdida, constituiu causade vagas de migrações das Celebes, tambémdesignadas Macaçar, para Timor, de cuja proxi-midade há consciência, testemunhada pelasreferências em lendas, outras tradições orais e,entre mais, pela toponímia – v.g.: Pante Makasar,centro contemporâneo do Oecusse, na praia, a5km de Lifau.

Era um grupo já crioulizado, utente dobahasa panteij, malaio em crioulização, comrecurso a léxico português – o mencionadoMalaio-Português – que, a pouco e pouco foisendo absorvido pela comunidade já existente,onde deveria predominar uma variedade docrioulo de Malaca, em eventual variação desdeSolor. Se, em Ambom os holandeses consegui-ram fazer predominar a bahasa panteij, emdetrimento do anterior crioulo do português, omesmo não sucedeu em Tugu, nos arredores daBatávia, onde ainda na actualidade existe umcrioulo asiático do português, então de tantovigor que as próprias crianças holandesas o fala-vam com os serviçais (De Vries, apud L. F. Tho-maz: 1983). Os crioulos do Malaio, abundantesno arquipélago, são múltiplos: Banda, Larantucae Manado; Ambom (nesta variedade, é a comu-nidade cristianizada a que mais termos portu-gueses conserva) e Cupam. Conforme T. Setjadi-ningrat e R. Kumudawati (2001: 62-67), que nãoestudaram os três primeiros, estes últimos têmforte procedência portuguesa, tendo o deCupam ocupado o espaço do vernáculo local nalinha do «typical Eastern Indonesian pattern of alingua franca promoted successively Islam andDutch colonialism and eventually becoming themother tongue of a local population». Mais umargumento a favor da hipótese, a ser rigorosa-mente verificada por crioulistas, da relação, aquivislumbrada, entre os crioulos asiáticos de baselexical portuguesa, o de Bidau, passando pelo de 78

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Lifau, do qual não há testemunhos, e pela suaprojecção no Tétum-Díli. Tendo viajado osantropónimos dos euro-asiáticos e escassíssi-mos portugueses, deslocaram-se, simultanea-mente, as línguas usadas pelos seus portadores– crioulos asiáticos de base portuguesa. Este é,em conclusão, um enfatizar do perfil timorensena sua tendência para a crioulização, aliás nãoalheia à zona.

Gentes mais abertas que as do interior, ostopazes, nas suas comunidades, absorveramchineses, escravos de diferente origem, e, sobre-tudo, tiveram um papel fundamental na génesecultural timorense, a ser verificado e enfatizado.Este papel foi, quanto ao tópico presente, nassuas vertentes linguísticas: i) um léxico cristão;ii) uma antroponímia portuguesa; iii) a criouli-zação – Lifau, Bidau, Tétum-Díli; iv) a influênciado português nas principais línguas autóctones,fornecendo-lhes léxico – e alterações fonológi-cas no caso, pelo menos, do Tétum Térik e Belu.

1 G. Hull (2001) classifica o Tétum-Díli como crioulo.2 A tradução do Antigo Testamento está a ser feita nesta lín-

gua, que foi a do Novo Testamento, de que se leva a cabosegunda versão.

3 Tão importante que 15 000 timorenses falam Tétum, naAustrália, e 5 000 em Portugal (G. Hull: 2000).

4 Com a cedência de Malaca à Companhia Inglesa das ÍndiasOrientais, pela Companhia Holandesa, em 1824, desenca-deou-se algum movimento migratório para Singapura,como para Penang, Ipoh, Kuala-Lumpur e Seremban,segundo A. Rego (reed. 1998) e A. Baxter (1998), assim sedeslocando o crioulo de Malaca para Singapura em datarecente. Os casamentos frequentes, observáveis nas inscri-ções tumulares, entre membros desta comunidade cristã –aliás como das outras – e católicos ingleses, holandeses, chi-neses, franceses contribuíram para a sobrevivência da bolsacristã na região, mais do que para a preservação do crioulo,em harmonia com aqueles autores.

5 Agradeço a J. Mattoso a colaboração na pesquisa do cemi-tério de Malaca, tanto como ao coveiro e à irmã NicolinePRR o apoio no levantamento das inscrições no cemitériocentral de Larantuca. Grata, igualmente, aos miúdos deSikka que contribuíram para o reconhecimento dos nomesportugueses, de ortografia quase irreconhecível.

6 Referências várias a depoimentos de navegadores inglesese holandeses, dos século XVI ao XVIII, confirmam o predo-mínio de euro-asiáticos, pois coincidem no sentido de veri-

ficarem que, afirmando-se portugueses, não integravammais que dois (Lifau) a quinze «brancos» (Díli)… (W. Dam-pier, F. Rosily e O. Forbes, nos séculos XVII, XVIII e XIX res-pectivamente), segundo L. F. Thomaz (1983; 2001).

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Língua,Identidade e

ResistênciaEntrevista a

Geoffrey Hull

O Prof.Dr.Geoffrey Hull (nascido em Sydney,Austrália, em 1955) é Director de Investigação ePublicações no Instituto Nacional de Linguística(INL), da Universidade Nacional de Timor Loro-sa’e. A partir dos anos 80 dedicou uma grandeparte da sua investigação enquanto linguista, aoestudo do Tétum e de outras línguas vernáculasde Timor-Leste. Tem numerosas publicaçõesneste campo, incluindo um dicionário de Tétummoderno e uma gramática de referência, paraalém de ter sido convidado por Xanana Gusmãopara delinear a estratégia dominante no que dizrespeito à linguagem, educação e identidadenacional na conferência estratégica do ConselhoNacional da Resistência Timorense de Agosto de2000. Neste artigo, o Professor Hull responde aalgumas questões pertinentes sobre a língua,cultura e sociedade em Timor Leste.

NNoo mmuunnddoo ddooss ffaallaanntteess ddee PPoorrttuugguuêêss,, aass ppeess--ssooaass nnããoo eessttããoo mmuuiittoo ffaammiilliiaarriizzaaddaass ccoomm ooppaappeell ddaa AAuussttrráálliiaa nnaa rreecceennttee lliibbeerrttaaççããoo ddeeTTiimmoorr--LLeessttee.. AAiinnddaa mmeennooss ccoonnhheecciiddoo éé oo ffaaccttooqquuee qquuaassee ttooddoo oo ttrraabbaallhhoo cciieennttííffiiccoo ssoobbrree aasslliinngguuaaggeennss ddee TTiimmoorr--LLeessttee ffooii eellaabboorraaddoo ppoorruumm cciiddaaddããoo aauussttrraalliiaannoo.. QQuuee nnooss ppooddee ddiizzeerrssoobbrree eessttee aassssuunnttoo??

Estou a trabalhar sobre as línguas de Timor--Leste desde 1991, quando era leitor de Italianoe Francês na Universidade de Wollongong.Tendo qualificações, ao nível de tradução emPortuguês, foi-me muitas vezes pedido peloDepartamento de Imigração, para traduzir paraInglês documentos portugueses. Dado que amaior parte dos clientes lusófonos era timo-rense, acabei por conhecer alguns deles pessoal-mente e fiquei horrorizado com as histórias queme contaram sobre a ocupação indonésia do seupaís. Estava há dois anos na universidadequando os indonésios invadiram Timor-Lesteem 1975 e, como a maior parte dos australianos

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da minha geração, apoiei fortemente a luta daFretilin e lamentei a cumplicidade dos nossosgovernos em relação ao terrível genocídio que seseguiu. A questão de Timor tornou-se um objec-tivo pessoal em 1991, quando tive a oportuni-dade de falar directamente com o povo timo-rense e comecei, então, a interessar-me pelo doTétum, a língua franca de Timor-Leste.

Alguns meses antes dos massacres de SantaCruz (12 de Novembro), um amigo meu goêsapresentou-me a alguns activistas da Fretilin emSydney. Estes emprestaram-me dois livros, oevangelho segundo S. Marcos, em Tétum, e umacópia do antigo dicionário Tétum-Português deRafael das Dores, publicado em 1907. Lembro--me de ter levado os livros para casa naquelefim-de-semana e de ter mergulhado a fundo noevangelho, sulcando caminhos através dele aocomparar o texto com a tradução portuguesa,consultando as palavras difíceis no dicionário etomando dúzias de apontamentos. Ao segundodia já fazia uma ideia razoável da estrutura doTétum. Também consegui ficar com uma terrí-vel dor de cabeça.

FFooii eennttããoo ppaarraa TTiimmoorr--LLeessttee,, ccoomm oo oobbjjeeccttiivvoo ddeeaapprreennddeerr mmaaiiss TTééttuumm??

Não, de todo. Foi um caso de, como se cos-tuma dizer, «tão perto e tão longe». Os indonésiostinham reaberto recentemente a sua «27ª pro-víncia» ao mundo exterior, mas o turismo estavalonge de ser encorajado, havendo uma completaproscrição em relação aos linguistas estrangeirose aos antropólogos no terreno. Não se tratavasimplesmente do facto do regime de Suhartoquerer encobrir as provas da sua campanhagenocida. Naquele tempo, os indonésios esfor-çavam-se por impor a sua língua à população. OPortuguês tinha sido proibido e o Tétum e outraslínguas vernáculas foram marginalizadas eexcluídas do sistema educativo. A presença deestrangeiros que mostrassem interesse nas lín-

guas locais era, por isso, altamente indesejável.Não fiquei desanimado, dado haver imensas

oportunidades para aprender e praticar Tétumem Sydney, onde centenas de famílias timoren-ses se tinham instalado. Devo destacar que omeu Português, até então passivo, se tinha tor-nado fluente como resultado dos meus contac-tos com os naturais de Timor-Leste na Austrália.É, aliás, a razão pela qual falo Português comuma pronúncia vagamente timorense. E tam-bém porque gosto de contrariar aqueles quedefendem que o Português é uma língua«morta» em Timor, proclamando eu que o Por-tuguês que falo foi adquirido no contacto comos nativos de Timor-Leste e não com cidadãos dePortugal ou do Brasil, dado que, em toda aminha vida, apenas passei um total de três diasem Portugal.

AA ssuuaa UUnniivveerrssiiddaaddee eennccoorraajjoouu--oo aa eessttuuddaarrTTééttuumm??

Nos anos noventa, a sociedade Australianaestava dividida quanto ao problema de Timor--Leste. Havia muitas pessoas comprometidas naluta pela independência, mas outras, especial-mente aquelas ligadas ao governo e à adminis-tração pública, consideravam Timor uma causaperdida; entre estas, havia quem apoiasse acti-vamente a integração do país na Indonésia. Asnossas Universidades, que tinham sido palco deopiniões radicais e progressivas durante os anossessenta, por volta dos anos noventa tornaram--se instituições muito conservadoras, subordi-nadas ao controle governamental através de cor-tes orçamentais muito drásticos. O Governo tra-balhista de Paul Keating favoreceu o estudo dasciências e da economia, mas destruiu o estudodas humanidades nas Universidades Australia-nas. Os estudantes das áreas da linguística, daliteratura e dos temas culturais começaram a terdificuldades em obter financiamento governa-mental para subsídios à investigação como81

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alternativa aos incrementados programas deensino.

Enquanto estudante das línguas de Timor--Leste, encontrava-me em situação particular-mente desfavorecida, dado que a política de uni-versidade em relação à investigação era o reflexodas políticas governamentais. Uma vez que oGoverno Indonésio tinha banido o estudo daslínguas de Timor-Leste (o que foi obediente-mente observado por aquelas universidadesaustralianas cujos linguistas tinham licença parafazerem trabalho de campo na Indonésia),depois da publicação do meu primeiro livrosobre o Tétum, em 1992 (o curso Mai KoliaTetun), fui vetado pelos meus colegas nos depar-tamentos universitários pró-Suharto. Por toda aparte, nos anos noventa, os meus escritos foramsistematicamente ignorados e o acesso foi-me

negado a toda e qualquer importante subvençãogovernamental.

Felizmente, através da generosidade daIgreja Católica Australiana e a um patrocinadorprivado japonês, consegui continuar a minhainvestigação na Universidade de Western Syd-ney (onde comecei a trabalhar em 1993).Lamentavelmente, existe uma tendência, porparte do Governo Australiano, em considerarTimor-Leste um apêndice cultural de Java. É arazão pela qual se está a revelar impossívelpara o INL, desde 1999, obter qualquer mate-rial de apoio por parte dos burocratas de Cam-berra, cuja ideia de promover o desenvolvi-mento da língua em Timor-Leste consiste emexportar professores de Inglês falantes deIndonésio.

EE oo PPrrooffeessssoorr ccoonnsseegguuiiaa,, ppeelloo mmeennooss,, ccoorrrreess--ppoonnddeerr--ssee ccoomm ppeessssooaass ddee TTiimmoorr--LLeessttee,, nneesssseetteemmppoo??

Corresponder-me era sempre difícil e peri-goso, devido à vigilância indonésia sobre os sis-temas postal e telefónico. Para a recolha dedados, tive primeiro que depender dos mem-bros da comunidade timorense de Sydney,incluindo Benjamim de Araújo e Corte-Real,hoje Director-Geral do nosso Instituto e Reitorda Universidade, que estudou para obter o seugrau de Mestre em Artes e Doutoramento naUniversidade Macquarie (Sydney), em meadosdos anos noventa. Depois, em 1995, recebi umacarta de encorajamento de um padre jesuíta doSeminário de Nossa Senhora de Fátima, em Díli.Este padre animou-me a continuar a produzir asfontes da língua Tétum e ofereceu-se para meassistir na investigação sobre as linguagensregionais, distribuindo dois longos questioná-rios aos seus alunos. Durante vários anos osestudantes preencheram os questionários e omeu «sócio-padre» gravou todos os dados emregistos sonoros magnéticos. 82

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Todos os materiais que me foram enviadosde Díli por correio, chegaram, felizmente, sãos esalvos e foram utilizados para completar a infor-mação que tinha conseguido recolher junto dosmembros da comunidade timorense na Austrá-lia. Neste último projecto, um timorense quecresceu na Austrália, de nome José Manuel Vie-gas, assumiu o papel de assistente de investiga-ção. Graças a estas pessoas, que me facilitaramo estudo e a dezenas de colaboradores voluntá-rios que generosamente dispuseram do seutempo, consegui coligir, por volta de 1999, umainformação extensa sobre a maioria das línguase dialectos do território. A tarefa seguinte era,claro, analisar todo esse material, um imensoempreendimento, em curso desde então.

CCoonnsseegguuiiuu aallgguummaa vveezz vviissiittaarr TTiimmoorr--LLeesstteedduurraannttee aa ooccuuppaaççããoo IInnddoonnééssiiaa??

Sim, duas vezes, mas apenas por períodosmuito curtos. Nas duas ocasiões acompanheiuma delegação episcopal australiana, comointérprete de Português e Tétum. Não eram,como é óbvio, oportunidades para trabalho decampo, mas consegui praticar o meu Tétum esobretudo estabelecer contactos com pessoaschave no território. Durante a visita de 1994, oBispo Belo conseguiu que eu e outro colega aus-traliano visitássemos a Universitas Timor Timur(UNTIM) que tinha sido instalada em Díli peloGovernador Mário Carrascalão, nos anosoitenta. A partir daquela altura, a UNTIM endos-sou oficialmente o meu projecto de investiga-ção, mas Jacarta, como era de prever, fez orelhasmoucas aos pedidos de licença para trabalho decampo.

Recordo uma experiência linguística inte-ressante durante essa visita. A UNTIM convi-dou-nos para jantar num restaurante e umcolega javanês (claramente enviado para espiar)acompanhou-nos. Fiquei surpreendido e deli-ciado ao ver que um dos representantes da

UNTIM, o Sr. Armindo Maia (hoje Ministro deEducação e Cultura), tinha a coragem de mefalar em Português, enquanto outro colega timo-rense respondia intencionalmente em Inglês àsquestões que eu lhe colocava em Português.Como eu não falava fluentemente Indonésio, o«chaperon» javanês deve ter-se sentido bastantefrustrado já que a língua oficial da «27ª provín-cia» tinha sido excluída da conversa. Este é umdos muitos exemplos da determinação dostimorenses em levar a melhor sobre a ocupaçãoatravés da resistência cultural (como advogadopor Xanana Gusmão), quando a resistênciaarmada não fosse possível.

CCoommoo eennccoonnttrroouu aa ssiittuuaaççããoo ggeerraall ddee TTiimmoorr----LLeessttee nnaaqquueellaa aallttuurraa??

Para mim era muito claro que as numerosascríticas acerca da actuação Indonésia em Timor-

83

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-Leste não eram exageradas. O território eracomo um feudo do Exército Indonésio, onde osmilitares estavam omnipresentes. A indisciplinadas tropas indonésias e da polícia era fenome-nal. Eles podiam fazer praticamente tudo o quequeriam em relação aos timorenses, sem conse-quência alguma. Era evidente que a maioria dapopulação se ressentia profundamente da ocu-pação e simpatizava com a resistência. Aterrori-zados com as represálias, os civis aprenderam aser tímidos e circunspectos ao falar com estran-geiros, mas ouvi algumas condenações sur-preendentemente francas acerca da ocupação,vindas de indivíduos cuja confiança mereci,enquanto católico e falante de Tétum e de Por-tuguês.

Na minha segunda visita, em 1997, eramembro da delegação enviada pelo ConselhoCatólico de Justiça Social Australiano (Australian

Catholic Social Justice Council), para elaborarum relatório sobre a situação dos DireitosHumanos na região.

PPooddee--nnooss ddiizzeerr aallgguummaa ccooiissaa aacceerrccaa ddeessssaavviissiittaa??

A visita foi facilitada pelo Senhor Clemen-tino do Amaral, nessa altura a trabalhar para aComissão dos Direitos do Homem da Indonésia(Komnas Ham). Recolhemos provas de um vastoleque de abusos no que diz respeito aos DireitosHumanos e apresentamos, posteriormente, umdossier aos militares e aos comandantes da polí-cia em Timor-Leste e Bali, que prometeram ela-borar uma resposta, o que nunca fizeram. Outrascópias foram enviadas para a Senhora MaryRobinson, nas Nações Unidas, ao Governo Aus-traliano e ao Vaticano. Também me foi pedidopor um oficial superior do Komnas Ham que ela-borasse um relatório sobre as razões culturaisque determinariam a dificuldade das popula-ções timorenses em aceitar a integração. Prepa-rei uma informação detalhada, mas não houveresposta. Pela minha parte, acho que todo estesilêncio era a prova da má-fé por parte dos Indo-nésios.

Vimos algumas cosas tristes em Timor--Leste. Há uma imagem que ainda me ator-menta, a de umas três dezenas de adolescentesde Quelicai metidos numa jaula, no pátio dastraseiras da esquadra de Polícia de Baucau.Faziam parte de uma multidão dentre a qualalguém lançou granadas à passagem de um veí-culo da polícia, e foram sumariamente detidos.Os rapazes pareciam aterrorizados, e algunsapresentavam marcas de agressões. Não haviaespaço suficiente para se deitarem, à noite, e ajaula tinha apenas um buraco para fazerem assuas necessidades. Lembro-me de ter tentadofalar com eles em Tétum, mas de obter apenas osilêncio por resposta, porque havia políciasindonésios por perto. Por fim, o Bispo austra- 84

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liano que estava connosco disse algumas pala-vras em Inglês, que o Sr. Amaral traduziu paraTétum. O Bispo disse aos rapazes que Jesus tinhapedido aos seus seguidores para visitar os queestavam presos; depois deu-lhes umas pagelasatravés das barras da jaula e os rapazes beija-ram-lhe a mão. Sentimo-nos todos impotentesperante aquela cena.

A visita ao pátio das traseiras da esquadra daPolícia não figurava na nossa agenda oficial. Nofim do dia, em Baucau, um jovem polícia java-nês veio ver-nos e insistiu para que o acompa-nhássemos à esquadra na manhã seguinte ondetinha algo que gostaria de nos mostrar. Na ver-dade, não tínhamos muita vontade de lá voltar,dado estarmos cansados e ansiosos por regres-sar a Díli. Mas o polícia insistiu tanto que aca-bámos por ceder. Depois de termos visto osjovens prisioneiros na gaiola, soubemos porquerazão o polícia tinha organizado aquela visita.

Quando saímos, ele disse: «Agora que vocêsviram isto, podem conseguir que alguma coisaseja feita a este respeito». Acabámos por saberque os rapazes de Quelicai tinham sido detidoshá mais de dois meses, sem julgamento, tendosido mantidos na jaula durante todo esse tempo.À noite, os soldados indonésios iam meter-secom eles, atormentando-os por puro diverti-mento, agredindo-os através das barras da jaula,queimando-os com pontas de cigarros,regando-os com água e mesmo urinando-lhespara cima.

O jovem sargento de Java tinha pedido aosseus superiores para serem proporcionadasmelhores condições humanitárias aos prisionei-ros, mas o seu apelo tinha sido ignorado. Nósfizemos, naturalmente, um relatório dirigido àsAutoridades indonésias e à Cruz Vermelha, masdeixámos Timor com a convicção de que prova-velmente nada seria feito até que os rapazes fos-85

©XA

NANA

GUS

MÃO

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sem julgados ou soltos. Voltei para a Austráliasentindo-me culpado pela liberdade de quegozava.

O facto do Governo indonésio e o seu exér-cito não enfrentarem críticas sobre a brutalidadedo seu regime suscitou em mim uma grandedesconfiança acerca da decisão das Nações Uni-das de atribuir apenas à Indonésia a responsa-bilidade pela manutenção da ordem na altura doreferendo de 1999. A 6 de Setembro, dia do meuaniversário, iniciou-se o saque de Timor-Leste,

depois do anúncio do resultado do referendo noSábado anterior (a 4 de Setembro festejava-se oaniversário da subida a diocese de Díli). É umadata que nunca esquecerei.

ÀÀ ppaarrttee aa ssiimmppaattiiaa ppaarraa ccoomm aa ccaauussaa ddee TTiimmoorr----LLeessttee ee oo ccoonnhheecciimmeennttoo ddoo PPoorrttuugguuêêss,, oo qquuee oopprreeppaarroouu ppaarraa eessttuuddaarr aass llíínngguuaass ddee TTiimmoorr----LLeessttee ttããoo pprrooffuunnddaammeennttee??

Uma das razões pelas quais o meu trabalhofoi ignorado por linguistas pró-indonésios na 86

Mercado de Díli. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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Austrália deveu-se aos meus antecedentes aca-démicos. Vim para esta área enquanto especia-lista em línguas Românicas e não nas Austroné-sias ou Papuas. Os estudiosos que se dedicavamàs línguas da Indonésia do Leste tinham habi-tualmente uma base destas disciplinas, bemcomo um bom conhecimento do Malaio e doholandês, duas línguas indispensáveis para ler einterpretar a vasta literatura nesta área. Noentanto, quanto mais estudava o Tétum e asoutras línguas timorenses, mais compreendia arelação íntima existente entre essas línguas e oPortuguês, uma língua Românica. Dado que oTétum-Praça é uma língua muito mais híbrida,na qual os elementos Neolatinos predominamactualmente sobre os indígenas, uma base delinguística Românica pode dificilmente ser con-siderada irrelevante para o estudo das línguastimorenses.

[…]

NNããoo aacchhaa qquuee ooss ttiimmoorreennsseess ssããoo uumm ppoovvoo ccoonn--sseerrvvaaddoorr??

Foi muitas vezes dito que os timorensesresistiram à ocupação indonésia por causa doseu conservadorismo inato. No entanto, confun-dir conservadorismo e tradicionalismo constituium erro fundamental. Se, por conservadorismo,se entende permanecer teimosamente agarradoao status quo, então os timorenses não são, cer-tamente, conservadores. Os únicos verdadeira-mente conservadores em Timor-Leste são osque constituem a pequena minoria que livre-mente votou pela união com a Indonésia, em1999 e que lamentam o progressivo desapareci-mento da língua e da cultura indonésia que estáa acontecer actualmente. Parecem-se mais comos neo-comunistas na Rússia. Os conservadoresraramente fazem revoluções ou combatem naresistência. O verdadeiro tradicionalismo estátão preocupado com o presente e o futuro, comocom o passado e, ao considerar o passado, dis-

tingue cuidadosamente o que é nuclear do queé periférico.

É interessante, neste contexto, observarquais os elementos do passado foram reconhe-cidos pelo povo como essenciais e os que nãoconsiderou como tal. As tradições da colectivi-dade, no que diz respeito ao catolicismo e ao usoda língua portuguesa, pertencem à primeiracategoria; a tradição de serem caçadores decabeças, poligâmicos, guerreiros inter-tribais efalantes de malaio, pertence à segunda. A tradi-ção é, basicamente, uma síntese. A síntese cul-tural timorense é detectável, não apenas nas lín-guas híbridas do território, mas também na suareligião predominante, um catolicismo devotoque não exclui as múltiplas práticas herdadas dovelho animismo, que harmoniza com a doutrinacristã; por exemplo, o culto da morte, umaimportante instituição timorense, apoiada e nãofragilizada pela Igreja. A minha perspectiva é ade que a tradição autêntica é tanto processoquanto conteúdo.

OO sseennhhoorr ffooii mmuuiittoo ccrrííttiiccoo qquuaannttoo ààss tteennttaattiivvaassddee pprroommoovveerr oo IInnggllêêss eemm TTiimmoorr--LLeessttee,, eemm ddeettrrii--mmeennttoo ddoo PPoorrttuugguuêêss.. PPoorrqquuêê??

Sou meio-inglês e muito orgulhoso daminha herança britânica. Amante da línguainglesa, como sou, fico furioso quando vejo oabuso que dela fazem enquanto ferramenta depoder e de substituição das línguas étnicas, emvez de ser delicadamente proposta como ummeio de enriquecimento cultural. Mais ainda,como cidadão australiano considero que pro-mover as boas relações com Timor-Leste, os nos-sos vizinhos mais próximos, é um ponto dehonra nacional. Respeitar os nossos vizinhossignifica aceitá-los como são e ajudá-los àmaneira deles, não à nossa.

O povo de Timor-Leste tornou claro quevaloriza o Português como elemento essencial einalienável da sua identidade nacional; os indo-87

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nésios tentaram impor a sua língua e falharam.O facto de o Português ter sobrevivido à perse-guição que lhe foi movida, prova que é parteintegrante da cultura nacional (ao contrário doholandês que desapareceu completamente daIndonésia depois da independência). Neste sen-tido, o Português não pode ser considerado umalíngua «colonial», mas sim uma língua livre-mente adoptada. Os linguistas sabem que oTétum e o Português coexistiram num relacio-namento mutuamente benéfico e que o Portu-guês é o suporte natural do Tétum no seu desen-volvimento continuado.

O cenário mais desastroso para o futuro dacultura de Timor-Leste seria aquele em que oPortuguês fosse afastado e o Inglês e o Tétumfossem erigidos como línguas oficiais. O Tétumdificilmente poderia competir com uma línguatão agressiva e altamente prestigiada como oInglês, ainda por cima uma língua com a qual(ao contrário do Português) nunca teve relaçõeshistóricas. Basta ver o destino do Tagal nas Fili-pinas depois da invasão americana, quando oEspanhol foi marginalizado e o Inglês passou ater a supremacia. Apesar do estatuto do Tagal,língua nacional e co-oficial, a língua que detémo maior prestígio na vida das Filipinas é o Inglês,uma língua colonial estranha à tradição nacio-nal e, até aos dias de hoje, pobremente assimi-lada. É significativo que o Inglês falado pelosFilipinos instruídos seja comparável, em quali-dade, com o Português da sua contrapartidatimorense. A razão? A língua universal de Timor--Leste, o Português, é genuinamente uma insti-tuição nacional, enquanto o Inglês das Filipinasnão o é. A «filipinização» como destino é preci-samente aquilo que Timor-Leste ansiosamentetenta evitar e nenhum australiano responsáveldeveria argumentar em seu favor.

Como alguém parcialmente descendente demalteses, tive também oportunidade de obser-var «a partir de dentro», os efeitos de uma revo-

lução cultural similar, em Malta. Malta faziaparte da esfera cultural italiana antes dos britâ-nicos (que ocupavam a ilha desde 1800) decidi-rem, em 1934, abolir a língua de cultura tradi-cional, o Italiano, e proclamar o dialecto maltêsco-oficial com o Inglês colonial. O destino do Ita-liano e do Maltês, em Malta, foi aproximada-mente o mesmo do Espanhol e do Tagal nas Fili-pinas e o prejuízo social provocado pela anglici-zação antinatural de uma cultura latina foi para-lelo nos dois países. Em 1993 publiquei um livrosobre este assunto, intitulado The Malta Lan-guage Question: A case Study in Cultural Impe-rialism. Há muitas lições que Timor-Leste poderetirar destas páginas.

EE,, nnoo eennttaannttoo,, mmuuiittooss jjoorrnnaalliissttaass aanngglloo--ffaallaanntteessqquueeiixxaamm--ssee aammiiúúddee qquuee hháá uummaa ««qquueessttããoo lliinn--gguuííssttiiccaa»» eemm TTiimmoorr--LLeessttee,, oonnddee ooss jjoovveennss ssããooaalleeggaaddaammeennttee hhoossttiiss aaoo PPoorrttuugguuêêss,, llíínngguuaa qquueeggoossttaarriiaamm ddee vveerr ssuubbssttiittuuííddaa ppeelloo IInnggllêêss..

Lamento ter de dizer que a maioria de esses«jornalista anglo-falantes» são australianos.Deveriam saber mais, considerando o que acon-teceu aos povos indígenas da Austrália, em rela-ção aos quais o nosso governo lançou um pro-grama de «reconciliação nacional» que chegaum pouco tarde para as vítimas de etnocídio,como se verificou. Essas pessoas, obcecadas emimpor a língua inglesa em Timor-Leste são quaseinvariavelmente brancos, da classe média efalantes de uma só língua. É ilusório considerara Austrália como uma «nação». O nosso país éum continente inteiro e tem tanta variedadeétnica como a América do Norte, ou do Sul.Quando os britânicos a invadiram, em 1788,havia mais de 250 línguas faladas. A populaçãomoderna da Austrália inclui originários daEuropa continental, Ásia, África, das Américas eda Oceânia. Oficialmente, pelo menos, um cida-dão australiano que fale português em casa, étão australiano quanto um australiano que ape- 88

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nas sabe falar Inglês, cujo sangue lhe corre nasveias.

Os indígenas australianos, que sofreram napele um dos piores regimes coloniais conheci-dos, terão tomado uma bem diferente posição

relativamente à «questão da língua» em Timor-Leste. Tendo sido espoliados das suas línguas eculturas pelos iluminados e monofalantes aus-tralianos brancos, cuja filosofia orientadora erao mito do progresso e cuja verdadeira religião é89

© EDUARDO GAJEIRO

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idolatrar a tecnologia, os Australianos aboríge-nes, se consultados sobre Timor-Leste, teriamcertamente respondido que seu povo farámelhor organizando os seus próprios assuntose mantendo a essência das suas antigas tradi-ções, em vez de as trocar por comida rápida econtraceptivos a fim de merecer o respeito dosaustralianos brancos que, há uma década,aplaudiam as proezas de Suharto na «27ª» pro-víncia. A imagem de uma Austrália «rica»,representada a ajudar um «pobre» Timor-Lesteé apenas uma meia-verdade. A outra metade éque a Austrália branca, miseravelmente pobrenas coisas metafísicas, tem tudo a aprendercom a riqueza cultural e espiritual de Timor-Leste.

Não nego, claro, que alguns jovens adultos,em Díli e Baucau, foram convencidos de que oInglês é a panaceia e o Português é uma cargainútil, prisioneira do passado, que lhes foiimposta pela nostalgia dos seus pais. Masquando ouço estas declarações, olho em volta e,geralmente, constato que esses jovens foraminfluenciados por «amigos» estrangeiros, falan-tes de inglês. Esta irresponsável propagandaanglófila, atenuou os efeitos da educação indo-nésia, cujo propósito era criar uma geração detimorenses na total ignorância da sua História eda sua cultura nacional, e instilar neles uma ati-tude crassamente materialista face à educação.Significativamente, a segunda língua de prefe-rência na Indonésia é o Inglês, a porta para odólar rápido. Uma das tarefas do novo governoserá a de explicar às vítimas da educação indo-nésia a verdade sobre a sua identidade enquantotimorenses, para que as suas ideias lhes sejampróprias, não as de estrangeiros etnocêntricosou anglicizados.

[…]

QQuuee lliinngguuiissttaass eessttuuddaarraamm aass llíínngguuaass ddee TTiimmoorr----LLeessttee aanntteess ddee tteerr ccoommeeççaaddoo oo sseeuu ttrraabbaallhhoo??

É interessante constatar que existe umarelação muito próxima entre o estudo das lín-guas vernáculas de Timor-Leste e as da vizi-nhança do continente australiano. O fio con-dutor é o Reverendo Dr. Arthur Capell que,assim como foi, reconhecidamente, o «pai» dosestudos sobre as línguas aborígenes australia-nas, escreveu a primeira monografia científicasobre as línguas de Timor-Leste, entre 1943 e1944. Nesse tempo, o Dr. Capell, um padreanglicano, dava aulas de linguística no Depar-tamento de Antropologia da Universidade deSydney. Ouvi dizer que um grupo de 500 Timo-renses de Leste, fugidos da ocupação japonesacom D. Jaime Goulart – o administrador apos-tólico de Díli – tinham sido instalados numcampo de refugiados perto de Newcastle, anorte de Sydney. O Dr. Capell já tinha um amploconhecimento das línguas da região do Pacíficoe, curioso por aprender mais sobre as faladasno Timor Português, visitou os refugiados ecoligiu dados sobre oito das línguas. Mais oumenos pela mesma altura, o Sr. Álvaro Bri-lhante Laborinho, Cônsul português em Syd-ney, deu ao Dr. Capell uma cópia do livro doCapitão José Marinho, Timor: quatro Séculos deColonização Portuguesa, obra que lhe deumuita informação etnológica básica de grandeutilidade para o seu estudo. O artigo de Capell«Povos e Línguas de Timor» foi publicado emtrês números da revista australiana Oceânia.Antes de voltar para a sua diocese arruinada, éde assinalar, de passagem, que D. Jaime foi con-sagrado como primeiro Bispo de Díli, na capelado Seminário de St. Patrick, em Sydney, a 28 deOutubro de 1945.

Entre o Dr. Capell e eu próprio, nenhum aus-traliano forneceu alguma contribuição significa-tiva para a linguística de Timor-Leste, em grandeparte preservada por estudiosos portugueses,como António de Almeida, o Padre Artur Basíliode Sá e Luís Filipe Thomaz. 90

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HHáá oouuttrrooss aauussttrraalliiaannooss,, ppoorrttuugguueesseess ee oouuttrrooss aattrraabbaallhhaarr rreegguullaarrmmeennttee nnaass llíínngguuaass ddee TTiimmoorr----LLeessttee??

Infelizmente o seu número é muitopequeno, devido ao facto dos estudantes de lin-guística serem em geral desencorajados a traba-lhar no tema das línguas de Timor-Leste nos anos90. O Dr. Lance Eccles, um linguista na Universi-dade Macquarie, juntou-se a mim em muitos dosmeus projectos de investigação e foi responsávelcomigo pela co-autoria da Tetum ReferenceGrammar, lançada em Díli neste mês de Feve-reiro (2002), pelo Ministro da Educação e Cul-tura, na presença do Bispo Belo. Neste momentoo Dr. Eccles, que é sinologista, está a trabalharnuma descrição do dialecto Hakka, falado pelacomunidade chinesa de Timor-Leste.

Uma holando-australiana, Catharina vanKlinken, frustrada no seu interesse em Timor-

-Leste pelos supervisores da sua Tese politica-mente consciente, acabou por ir para TimorOcidental, estudar um dos dialectos TétumBelunenses, falados perto da fronteira. Nestemomento está a trabalhar para as Nações Uni-das como Lexicógrafa Tétum. Um antigo estu-dante meu na Universidade de Melbourne,John Hajek, juntou uma série de contribuiçõespara o estudo do Tétum, e também posso des-tacar um trabalho similar feito em Portuguêspor João Paulo Tavares Esperança, que publi-cou, em 2001, os seus Estudos de LinguísticaTimorense.

(A propósito de estudantes, devo acrescen-tar que Kristy Sword, a mulher de Xanana Gus-mão, foi uma das minhas estudantes na Univer-sidade de Melbourne, nos anos oitenta. Nessaaltura ela estava a estudar Indonésio e eu a ensi-nar Línguas Românicas, e nenhum de nós sus-

Militares das Falintil no acantonamento de Ailéu.Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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peitava que os nossos caminhos se viriam a cru-zar outra vez, um dia, em Timor-Leste).

Alguns outros estudiosos – incluindo antro-pólogos e historiadores – deram esporadica-mente a sua contribuição à revista científicaEstudos de Línguas e Culturas de Timor-Leste,que eu fundei em 1988 e que é hoje o órgão ofi-cial da INL. No entanto, a verdade é que temosmuito poucos linguistas para um país de dezas-seis línguas indígenas e muitos mais dialectos.Há também a tarefa urgente e imensa de tradu-zir para português os instrumentos teóricos lin-guísticos até agora produzidos em Inglaterra.Este trabalho começou com dificuldade por faltade tradutores e fundos para pagar aos tradutores.

Depois da Independência, os linguistasestrangeiros que desejem empreender trabalhode campo em Timor-Leste vão ter de obter umalicença governamental de investigação, forne-cida pela INL. Esta medida é necessária para

assegurar que os estrangeiros que contribuempara o desenvolvimento da língua, o fazem emcooperação com a Universidade Nacional deTimor Lorosa’e e em conformidade com o Artigo13º da Constituição, que define o Tétum e o Por-tuguês como as línguas oficiais e garante o apoioàs outras línguas vernáculas, denominadas «lín-guas nacionais».

QQuuaaiiss aass pprriioorriiddaaddeess ccoorrrreenntteess nnoo sseeuu ttrraabbaallhhoo??Basicamente duas: formar uma nova gera-

ção de linguistas timorenses, que desenvolvame continuem os meus trabalhos, e produzir umasérie de instrumentos básicos (gramáticas,dicionários, abecedários, etc.) para o Tétum eoutras línguas. Devido aos graves problemas deinfra-estruturas em Timor, sou obrigado a fazermuito do meu trabalho escrito em Sydney, ondetenho acesso à tecnologia, às bibliotecas e possoconsultar colegas. Do mesmo modo, como o tra-balho gráfico em Díli, é ainda embrionário, amaior parte da impressão de livros ainda é feitana Austrália.

Alguns dos livros que foram dados àestampa eram publicações da INL. Outras publi-cações – manuais de língua e outros instrumen-tos de trabalho destinados ao uso de não timo-renses – são publicados pelo Projecto SebastiãoAparício da Silva, baseado em Sydney e assimchamado em honra do Padre Missionário portu-guês que elaborou o primeiro dicionário Tétum,em 1889. Como a INL ainda não tem uma páginaoficial na Internet, as notícias relativas às nossasactividades podem ser encontradas na páginada Internet deste Projecto Sebastião Aparício daSilva, cujo endereço electrónico é o seguinte:http://www.ocs.mq.edu.au/leccles/easttimor.html.

Finalmente, em nome do Instituto Nacionalde Linguística, agradeço a oportunidade de tor-nar mais conhecido o nosso trabalho no uni-verso da comunidade Lusófona. 92

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Onde nasce osândalo:

os portuguesesem Timor nosséculos XVI e

XVIIR u i M a n u e l L o u r e i r o

Investigador do CEPESA & Bolseiro da Fundação Oriente

Os portugueses em MalacaOs portugueses, logo depois de alcançarem

a Índia nos derradeiros anos do século XV, pro-cederam a um levantamento sistemático dasrealidades físicas e humanas asiáticas, de formaa compensarem as enormes lacunas do sabereuropeu, que continuava a basear-se em velhostratados medievais. A procura de «cristãos eespeciarias», para utilizar a fórmula célebre deum dos primeiros portugueses desembarcadosem Calicute, implicava um conhecimento apro-fundado da geografia humana da Ásia marítima.Que povos habitavam aquelas regiões orientais?Quais as suas crenças? Quais os seus costumes epráticas sociais? Quais os sistemas de governo?Com quem seria possível estabelecer alianças? Areligião muçulmana estava muito difundida? Ehaveria núcleos cristãos implantados em territó-rio islâmico? Que tipo de mercadorias era possí-vel obter em cada região? Onde eram produzidase vendidas as especiarias? E de onde vinhamoutras mercadorias exóticas? Que produtospodiam ser oferecidos em troca? Enfim, tantas etantas questões que necessitavam de uma res-posta urgente.

Os primeiros anos de Quinhentos assistemao crescimento espectacular da presença portu-guesa no Oriente. Os contactos exploratórios deVasco da Gama (1468?-1524) rapidamentederam origem a claras intenções de fixação ter-ritorial em diversos pontos do extenso litoralasiático e a tentativas geralmente bem conse-guidas de intervenção nos activos circuitos mer-cantis locais. Afonso de Albuquerque (1462?-1515) é normalmente considerado um dos gran-des obreiros do edifício imperial português emterras orientais. Essa avaliação parece correcta,já que foi durante o seu governo indiano que osportugueses conquistaram Goa (1510) – a futuracapital do Estado da Índia – e Malaca (1511),estabelecendo ainda um duradouro protecto-rado sobre Ormuz (1515). Estes três entrepostos,

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graças à respectiva posição geo-estratégica, per-mitiram solidificar os interesses mercantis daCoroa lusitana no litoral asiático. Mais tarde,sólidos estabelecimentos fundados em Ternate(a partir de 1522) e em Macau (a partir de 1555)vieram possibilitar a cobertura dos mares orien-tais com uma densa rede de rotas regulares. Estarede marítima, para além de permitir o escoa-mento de uma significativa quantidade de mer-cadorias de luxo em direcção ao Cabo da BoaEsperança, abria as portas a uma crescenteintervenção portuguesa nos tráficos inter-asiáti-cos, tráficos esses que, muito frequentemente,ultrapassavam em volume o movimento comer-cial entre o Oriente e Portugal.

A conquista de Malaca abriu as portas de umnovo e insuspeitado mundo aos portugueses,que, com uma rapidez impressionante, vão ten-tar entrar em contacto com os mais importantescentros mercantis da Ásia Oriental, desven-

dando, ao mesmo tempo, os principais meca-nismos que regulavam os tráficos inter-regio-nais. Afonso de Albuquerque, perseguindo umtal objectivo, procurou logo a partir de 1511 esta-belecer relações de trato e de amizade com osmais poderosos vizinhos daquela cidade malaia,de modo a viabilizar a continuidade da presençaportuguesa no Sudeste Asiático. Mesmo antes daconquista final de Malaca, enviara Duarte Fer-nandes ao Sião, a bordo de juncos chineses queregressavam ao Celeste Império, e que, de cami-nho, fariam escala na costa oriental siamesa. Jádepois da efectiva conquista da praça, Albu-querque, no prosseguimento desta política deboa vizinhança, recebeu vários embaixadores depotentados circundantes, que vinham verificar anova situação que se vivia em Malaca. Simulta-neamente, despachava emissários rumo aoutras regiões, certamente aquelas que haveriamaior urgência em contactar, quer por razões de 94

Malaca segundo Pedro Barreto de Resende no Livro das Plantas de Todas as fortalezas,cidades e povoações da Índia, de António Bocarro,Goa, 1635. Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora (inv. CXV-2-1).

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mera sobrevivência da praça, quer por interes-ses de ordem mercantil. Deste modo, Rui Nunesda Cunha foi enviado ao Pegú, onde assentouamizade e trato com o soberano local, enquantoAntónio de Abreu era encarregado de comandaruma frota destinada a demandar as ilhas maisorientais da Insulíndia, onde eram produzidasas maças e o cravo.

A geografia das viagens portuguesas, nestafase, relaciona-se intimamente com a localiza-ção dos grandes centros produtores e distribui-dores de mercadorias de luxo e de bens de pri-meira necessidade. Os mercadores lusitanos,por um lado, buscavam o cravo, a noz moscadae a maça, o almíscar e o benjoim, a cânfora e o

lacre, as sedas e as porcelanas, e tantas outrasmercadorias exóticas, que poderiam ser expor-tadas para a Europa com enormes lucros, oumesmo transaccionadas em outras praças asiá-ticas. Por outro lado, a cidade de Malaca neces-sitava desesperadamente de alimentos, pois erauma terra quase estéril, que de forma algumaproduzia mantimentos suficientes para con-sumo dos seus próprios habitantes. Além domais, este entreposto português não podiasobreviver sem um suprimento regular dos maisvariados objectos de uso quotidiano, indispen-sáveis ao bom funcionamento de uma fortalezae de uma marinha de guerra, como salitre eenxofre, componentes essenciais da pólvora,

«Demonstração das Ilhas de Maluco» segundoPedro Barreto de Resende no Livro do Estado da Índia Oriental, c. 1636. Paris, Bibliothèquenationale de France.

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chumbo para balas, e também amarras,madeira, bréu, estopa, âncoras e outros variadosapetrechos navais.

Primeiras notícias de TimorOs portugueses, com a viagem de António

de Abreu, tentavam alcançar a ilha de Banda,grande centro produtor de maça e de noz mos-cada, e também o arquipélago de Maluco, grupode cinco ilhas onde na época se concentravatoda a produção de cravinho. Embora o capitão-mor da expedição não chegasse a atingir as ilhasde Maluco, ao que parece por culpa de ventosdesfavoráveis, um dos navios portugueses,comandado por Francisco Serrão, foi naufragarjunto à ilha de Amboíno, a partir da qual logoalcançou uma das ilhas de Maluco. Em anosseguintes, os portugueses estabeleceriam rela-ções regulares com as ilhas do cravo, e sobretudocom Ternate, onde viria a ser construída umafortaleza em 1522-1523. Entretanto, durante estaexpedição, os navios de António de Abreu cos-teavam a extensa fieira de ilhas que se estendedesde Java em direcção a poente, registando cui-dadosamente notícias vivenciais sobre todas asterras visitadas, e recolhendo em cada portoescalado informes detalhados sobre as maisimportantes produções locais. Um dos mem-bros da tripulação era o jovem cartógrafo portu-guês Francisco Rodrigues, o qual, durante a jor-nada, que se prolongou pelo ano de 1512, dese-nhou diversas cartas da Insulíndia, numa dasquais Timor, a ilha «onde nasce o sândalo», faziaa primeira aparição na cartografia europeia.

As ilhas de Timor, expressão que designavaum conjunto vasto de ilhas e ilhotas situadas naextremidade oriental da Insulíndia, eram fre-quentadas, antes da chegada dos portugueses,por navegadores chineses, malaios e javaneses,que ali procuravam abastecer-se da preciosamadeira de sândalo. Os matos da ilha de Timorpropriamente dita, como escrevia o boticário

português Tomé Pires (c.1470-c.1527) por voltade 1515, estavam repletos de «grande soma desândalos brancos», mas ali encontravam-setambém outros produtos de valor, como «mel ecera e escravos», de acordo com as notícias deDuarte Barbosa (c.1480-c.1549), outro tratadistaque escrevia mais ou menos na mesma época.

As informações colhidas em Malaca, juntode mercadores asiáticos, vão atrair os portugue-ses a Timor, e, muito embora nenhum docu-mento o ateste, a primeira viagem portuguesaàquela ilha, realizada a bordo de um junco luso--malaio, teve certamente lugar em 1514 ou 1515.Para além de confirmarem os informes de carác-ter mercantil, os nautas portugueses desco-briam que os habitantes da ilha eram gentios,pouco dados a contactos com muçulmanos,para além de constatarem que ali não existiamjuncos de grande porte, indispensáveis à reali-zação de expedições mercantis. Assim, estavamreunidas todas as condições que permitiriam oposterior estabelecimento de relações entre acidade luso-malaia de Malaca e a ilha de Timor:em primeiro lugar, a importância económica dosândalo timorense justificava amplamente oinvestimento necessário à viagem; depois, ospovos da ilha, organizados em pequenos reinosautónomos, pareciam acolher calorosamente osvisitantes portugueses, uma vez que não exis-tiam antagonismos de ordem religiosa; final-mente, Timor não possuía uma marinha mer-cante própria, estando o seu comércio externototalmente dependente da iniciativa de outrospovos navegantes.

Nas décadas imediatas o tráfico portuguêsem direcção a Timor parece ter assumidoalguma regularidade, já que o sândalo ali exis-tente era uma mercadoria altamente apreciadaem muitos dos portos da Ásia marítima entãofrequentados pelas embarcações portugueses,desde o Golfo de Cambaia até à Baía de Cantão.Com efeito, o sândalo-branco de Timor (Santa- 96

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lum album) é uma madeira muito aromática,que, uma vez pulverizada, se utiliza na compo-sição de perfumes, de unguentos e de incensos,muito apreciados por todo o Oriente. Os perfu-mes e os unguentos faziam parte das formas dehigiene diária de muitos dos povos asiáticos,enquanto os incensos eram uma componenteessencial de numerosas cerimónias e rituais reli-giosos. Os próprios europeus recorriam ao sân-dalo, misturado com água-rosada, para comba-terem a febre e as enxaquecas.

Apesar da extraordinária importância dasmadeiras timorenses para os tráficos regionaisem que os portugueses participavam activa-mente, nenhum estabelecimento português foifundado naquelas partes durante a primeira

metade do século XVI. A situação parece ser umpouco semelhante à do Brasil, onde os navioslusitanos carregavam igualmente madeiras pre-ciosas, e onde também não houve a preocupa-ção de fundar um entreposto permanente, atéao momento em que a concorrência de outraspotências europeias veio impor tal necessidade.O sândalo abundava nas ilhas de Timor, nãohavendo certamente qualquer receio de que asreservas da preciosa madeira se esgotassem. E éprovável que os contactos com os pequenospotentados do litoral timorense fossem de talforma amistosos que tornassem redundante afundação de uma feitoria e de uma fortaleza per-manentes, com os pesados encargos de manu-tenção que lhes andariam associados.

Carta do Extremo Oriente e Insulíndia noItinerarium de Jan Huygen van Linschoten, 1595.Roterdão, Maritiem Museum «Prins Hendrik».

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Negócios temporais e espirituais nasilhas de Timor

O primeiro estabelecimento português naregião das ilhas de Timor, afinal, haveria de serfundado em Solor, por iniciativa de missionáriosdominicanos. Os mercadores oriundos deMalaca, nas suas expedições regulares em buscado sândalo timorense, tinham concluído que ailha de Solor, situada a norte de Timor, emborafosse menos verdejante, possuía ancoradourosmais acessíveis. Assim, os portos desta ilhacomeçaram a ser cada vez mais frequentementedemandados pelos navios portugueses, que apartir de Solor tinham acesso fácil às madeirasda vizinha Timor. Por volta de 1556, as ilhas daSunda Menor foram visitadas por uma missio-nário dominicano, frei António Taveira, que, ale-gadamente, teria feito mais de 5000 cristãosentre os habitantes de Timor, e muitos outrosnas ilhas de Solor e de Flores. É bastante prová-vel que frei Gaspar da Cruz, um outro domini-cano, também tivesse deambulado por aquelasparagens em 1557-1558, avaliando as possibili-dades de intervenção dos religiosos de SãoDomingos em áreas não missionadas por outrasordens religiosas. Nas décadas subsequentes, osdominicanos haveriam de fazer de Solor um dosprincipais centros das respectivas actividades.

A chegada a Malaca, em finais de 1561, de D.Jorge de Santa Luzia, veio trazer uma nova dinâ-mica à missionação das ilhas de Timor, já que orecém-chegado bispo era dominicano, e nuncadeixaria de apoiar os esforços dos seus confra-des. De facto, logo nos primeiros meses do anoseguinte largava para Solor um grupo de quatromissionários, encabeçados por frei António daCruz. Estes dominicanos seriam responsáveispela construção da primeira fortaleza portu-guesa em Solor, edificada ao longo do ano de1566, no seguimento de um frustrado assaltojavanês à principal povoação da ilha, que apenasfora repelido graças à imprevista intervenção de

uma nau portuguesa regressada das ilhas deMaluco. Uma comunidade luso-asiática cresceuà sombra das muralhas da fortaleza, que forne-ciam uma adequada protecção contra eventuaisataques de javaneses e de macassáres, povosislamizados que amiúde hostilizavam os portu-gueses. Enquanto os mercadores, residentes oude passagem, se dedicavam ao tráfico do sân-dalo e de outros bens, os padres multiplicavamas conversões, alargando a cristandade às ilhascircundantes. O interesse e o mérito dos domi-nicanos foram tacitamente reconhecidos pelaCoroa lusitana, que durante muitos anos dele-gou no superior da Ordem em Malaca a escolhado capitão da praça de Solor. A partir desta for-taleza, os portugueses – mercadores, aventurei-ros e missionários – passam a visitar com maisfrequência a ilha de Timor, onde uns se dedica-vam a negócios temporais, enquanto os outrostratavam na fazenda espiritual, multiplicando asconversões.

A falta de documentação não permite quan-tificar devidamente o comércio de sândalo timo-rense. Porém, informações de inícios do séculoXVII referem que a produção de Timor ascendiaa cerca de dois mil bahares da preciosa madeira,equivalendo um bahar a mais de 140 quilos. Osmercadores portugueses de forma algumamonopolizavam o tráfico, já que embarcaçõesoriundas de muitos portos extremo-orientaisdemandavam regularmente a ilha do sândalo.Juncos sediados nas províncias meridionais daChina, por exemplo, eram desde há muito clien-tes habituais do lenho «salutífero e cheiroso» –como lhe chamava Luís de Camões em 1572 –, oqual era consumido em numerosos rituais quo-tidianos dos chineses. O movimento controladopelos navios portugueses, que se destinava aabastecer sobretudo os mercados da Índia e doSudeste Asiático, não representava certamenteuma quota elevada da produção total de Timor.De outra forma, quer dizer, se o sândalo fosse 98

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uma mercadoria tão importante e tão valiosacomo o cravinho, por exemplo, os portuguesesteriam procurado estabelecer um entrepostofixo na ilha logo nas primeiras décadas do séculoXVI, como de resto o haviam feito nas ilhas deMaluco.

A presença constante de religiosos de SãoDomingos nas ilhas de Timor explica o interesseque os cronistas da Ordem manifestarem porestes longínquos territórios. Frei João dos Santos(c.1560-1622), que em 1586 chegava à Índia,para uma longa estada que se havia de prolon-gar, com uma breve interrupção, até aos seusúltimos dias, dedica um largo espaço da suaEtiópia Oriental, publicada em Lisboa em 1609,aos feitos missionários dos seus confrades emSolor, nas Flores e em Timor. E frei Luís de Sousa

(c. 1558-1632), que redigiu as três primeiras par-tes da História de São Domingos, publicadas em1623, 1662 e 1678, retomaria muitas das notíciasdo seu antecessor, salientando o esforço missio-nário dominicano nas mais remotas ilhas daInsulíndia.

O primeiro governador de Solor nomeadopor iniciativa régia parece ter sido António Vilhe-gas, talvez como recompensa de uma longa car-reira ultramarina, e certamente no âmbito dareorganização administrativa dos estabeleci-mentos portugueses no Oriente que teve lugarcom a subida ao trono de Portugal de Filipe II deEspanha. António Vilhegas largava de Lisboa emJaneiro de 1586, e no ano seguinte já se encon-trava no longínquo entreposto português. Desdeentão, a Coroa passou a assegurar a nomeação

«Esta gente habita na ilha de Çamatra e chamãose dachens; são gintios. Gente m[ui]to belicosa,pelejam com huas vratanas com as quoaes botãofrechas piquenas de peçona. Desta ilha deÇamatra vem a águila eh sândalo he bejuin debuninas he asi m[ui]to oro he prata. He hua ilham[ui]to rica». Fólios 130-131 do códice anónimoportuguês, Ms. 1889, século XVI (meados). Roma, Biblioteca Casanatense.

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do capitão de Solor, o qual detinha uma jurisdi-ção de fronteiras bastante indefinidas, masabrangendo a presença lusa em várias ilhas daSunda Menor, como Flores, Alor, Lomblen eTimor. As relações com as formações políticaslocais, muito fragmentadas, nem sempre forampacíficas, e sofreram amiúde a intrusão depotentados islâmicos vizinhos, sediados em Javae em Macassar, sobretudo. Mas o tráfico de sân-dalo e a catequização do gentio continuaram a

evoluir paulatinamente, em mais um exemplo,tão frequente na expansão portuguesa, de infor-mal aliança entre interesses mercantis e missio-nários.

A chegada dos holandeses e a quedade Malaca

Os portugueses tinham conseguido,durante quase toda a centúria de Quinhentos,manter o monopólio da rota do Cabo, impe-dindo persistentemente o acesso de navioseuropeus aos mares orientais. Com o virar doséculo, porém, a Holanda e a Inglaterra, potên-cias em fulgurante ascenção, e finalmente pos-suidoras de uma marinha de guerra capaz decompetir com as armadas lusas, começaram ademandar cada vez mais regularmente as ÍndiasOrientais. Entre 1591 e 1594 uma expediçãoinglesa comandada por James Lancaster deam-bulou por todo o oceano Índico, escalando algu-mas das ilhas mais ocidentais da Insulíndia. Eem 1595-1596, uma armada holandesa sob asordens de Cornelius de Houtman atingia o portojavanês de Banten – identificado normalmentecom a Sunda das fontes portuguesas quinhen-tistas –, lançando de imediato as bases de umapresença firme no Sudeste Asiático. A partir deentão, os interesses asiáticos dos portuguesesiriam sofrer profundos abalos, em virtude dachegada em força ao Oriente de navios oriundosdo Norte da Europa.

A partida dos holandeses rumo às Índiashavia sido precedida de minuciosas pesquisas,levadas a cabo em Goa e em Lisboa por agentescompetentes. O viajante Jan Huyghen van Lins-choten vivera na capital do Estado da Índia entre1583 e 1589, recolhendo avidamente notíciassobre os locais de origem e sobre os mecanismosde circulação das mais valiosas mercadoriasasiáticas. E o próprio Cornelius de Houtmanvisitara Lisboa antes de efectuar a sua primeiraviagem ao Índico. Linschoten, no seu Itinerário, 100©

XAN

ANA

GUSM

ÃO

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publicado pela primeira vez em Amsterdão em1596, apresentava a Insulíndia como a regiãomais apropriada ao estabelecimento dos seuscompatriotas, pois, além de possuir muitas dasmais preciosas especiarias de luxo, estava divi-dida em inúmeros potentados rivais, alguns dosquais teriam interesse em acolher os holande-ses. Acrescia ainda o facto de a presença lusa ser

aí menos densa do que noutras regiões orientais,pois os portugueses apenas possuíam um esta-belecimento sólido em Malaca, para além dealgumas fortalezas em Tidore, em Amboíno e emSolor. Mas estes entrepostos estavam separadosentre si por enormes distâncias, dificultando osabastecimentos, para além de estarem rodeadosde territórios nem sempre amigáveis.

As primeiras décadas do século XVII, assim,assistiram ao progressivo declínio do porto deMalaca, que, para além de enfrentar a concor-rência holandesa, teve de suportar os constan-tes assédios do vizinho sultanato de Achém, nonorte da ilha de Samatra, que hegemonizou aresistência muçulmana aos europeus. O facto deMalaca servir de base de apoio aos estabeleci-mentos portugueses do Oriente mais extremo

>Alçado da casa do chefe do suco de Loré, Lautém.Desenho de Leopoldo de Almeida, em Ruy Cinatti,Arquitectura Timorense, Lisboa, IICT, 1987.

>>Casa do chefe do suco de Tutu-Ala, Lautém.Fotografia de Luís F. R. Thomaz.

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explica muitas das dificuldades logísticas queestes passaram a sentir. Esta época de livre con-corrência entre várias potências europeiasparece ter sido especialmente propícia aodesenvolvimento, por aventureiros portugueses,de empreendimentos privados, baseados numapurado conhecimento das realidades geográfi-cas e humanas do Sudeste Asiático.

As ilhas da Sunda Menor foram tambémdemandadas pelos holandeses, que ali busca-vam, tal como os mercadores portugueses, apreciosa madeira de sândalo. Assim, a fortalezade Solor era ocupada uma primeira vez entre1613 e 1615 por uma força oriunda dos PaísesBaixos, de novo entre 1618 e 1629, para ser defi-nitivamente abandonada pelos portugueses em1636. A comunidade luso-asiática ali residentefoi obrigada a procurar outras paragens,fixando-se nomeadamente em Larantuca, navizinha ilha das Flores, e talvez em alguns pon-tos do litoral timorense. Por estes anos, os inte-resses dos mercadores portugueses estabeleci-dos nas ilhas de Timor tinham sido redireccio-nados, em função da situação global que se viviano Oriente. Assim, as dificuldades de acesso aMalaca, frequentemente isolada por embarca-ções hostis, aconselhavam uma diversificaçãode rotas comerciais, prática de resto já antiga,mas agora mais do que nunca incentivada.

O negócio do sândalo, no fim de contas,podia efectuar-se de forma lucrativa em muitosportos do Mar do Sul da China, sem necessidadede cruzar o Estreito de Singapura, e sobretudoem Macau, entreposto controlado pelos portu-gueses desde cerca de 1555, e nas Filipinas, quedepois de 1581 e da União Ibérica tinham fran-queado os seus portos, de modo informal, ànavegação portuguesa. À sombra destes inten-sos tráficos extremo-orientais, uma significativacomunidade portuguesa tinha-se estabelecidoem Macassar, onde se destacava a figura dopoderosíssimo mercador Francisco Vieira de

Figueiredo. E a comunidade portuguesa deSolor, logo transferida para as Flores, tambémparece ter conseguido manter uma certa pros-peridade, apesar da impossibilidade prática demanter o exclusivo das principais rotas maríti-mas naquelas remotas paragens.

Entre 1639 e 1643, entretanto, graves acon-tecimentos vieram complicar a presença portu-guesa na Ásia Oriental e no Sudeste Asiático. Noprimeiro desses anos, os portos do Japão eramdefinitivamente encerrados aos portugueses,depois de mais de um século de frutuoso inter-câmbio luso-nipónico. De súbito, a «prata fina»de que falava Luís Camões deixou de correr emdirecção a Macau, marcando uma profundaviragem nos destinos económicos daquelapequena metrópole. Dois anos mais tarde, em1641, os holandeses conseguiam finalmente

Painéis ornamentais de casas de chefe de suco,Lautém. Desenho de Leopoldo de Almeida, em RuyCinatti, Arquitectura Timorense, Lisboa, IICT, 1987.

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conquistar a praça de Malaca, no termo de quasequatro décadas de persistente hostilidade. E porvolta de 1643 chegavam ao Oriente notíciassobre a restauração da independência portu-guesa de 1640, desenvolvimento político quefechava novamente os portos filipinos às embar-cações portuguesas.

Os portugueses e Timor no séculoXVII

Para a Coroa lusitana – e lembremo-nos que1640 é o ano da Restauração – estes aconteci-mentos têm certamente um sabor amargo, jáque marcam o inevitável declínio de uma pre-sença e de uma influência seculares em territó-rios asiáticos. As comunidades luso-asiáticasresidentes em Malaca e em Macau logo tentarãorecompor-se dos golpes sofridos. Assim, grandeparte dos mercadores estabelecidos na perdidapraça malaia transferem-se para Macassar, ondeexistia já um importante núcleo português, queem determinados momentos atingiu o númerosurpreendente de 500 homens, e também paraas ilhas de Timor, que a partir desta época adqui-rem uma renovada importância estratégica,paralelamente à relevância económica nuncaperdida, como fonte aparentemente inesgotávelde sândalo. Macau, por seu turno, redireccio-nará as suas rotas em direcção aos Mares do Sul,área geográfica privilegiada – pela riqueza dassuas produções, pela fragmentação dos seusestados, pela diversidade das suas gentes –, ondeindivíduos mais empreendedores podiam aindaenriquecer à conta dos tráficos inter-regionais.

A partir de cerca de 1640, portanto, a pre-sença portuguesa em Timor começa a crescer deforma relevante, de resto sem grande oposiçãodos habitantes da ilha. Poucos anos antes, em1636, a chegada ao litoral timorense de freiRafael da Veiga tinha marcado o início de umamissionação mais consequente, embora os reli-giosos dominicanos nunca se livrassem total-

mente da fama – e talvez do proveito – de seenvolverem no tráfico de sândalo. Mais uma vez,interesses espirituais e materiais caminhavamlado a lado. Cinco anos mais tarde existiriam emTimor vinte e duas igrejas, onde missionavamexclusivamente os frades de São Domingos. Eum pouco antes de 1645, um outro religioso damesma ordem, frei António de S. Jacinto, dirigiaa construção de um forte português em territó-rio timorense, na região de Cupão, na extremi-dade ocidental da ilha, onde parece ter-se entãodesenvolvido o primeiro estabelecimento por-tuguês permanente. A praça foi ocupada pelosholandeses em 1653, transferindo-se os seusocupantes para Lifau, na costa setentrional,onde se localizaria o mais importante centroportuguês da ilha até 1668, data da transferênciade actividades para Díli.

A Coroa portuguesa começou a nomearregularmente um capitão para Timor, distintodo de Solor, depois de 1646, o que por vezes oca-sionou conflitos de autoridade. Mas as ilhas deTimor foram, durante quase todo o século XVII,uma região de fronteira, onde diversos poderes,portadores de distintos interesses, procuravamimpor-se, numa coexistência nem sempre pací-fica. Em primeiro lugar, os missionários domini-canos, detentores de algum ascendente moral,que lhes advinha da prolongada residêncianaquelas partes do Sul, mas que frequente-mente punham em causa através de uma maisou menos camuflada intervenção no tráfico dosândalo. Depois, os oficiais régios, nem semprefuncionários exemplares, que procuravam apro-veitar o tempo da respectiva capitania para acu-mularem um razoável pecúlio. Em terceiro lugar,poderosos mercadores privados, sediadossobretudo em Macassar, tentavam tambémfazer vingar a sua lei. E, em quarto lugar, o poderholandês, que, a partir de Java, de Solor e deoutros locais da Insulíndia, nunca deixou de seinteressar por Timor.103

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O resultado do enfrentamento de interessestão diversos – mas que rodavam sempre emtorno do sândalo «salutífero e cheiroso» – nemsempre emerge claramente das fontes docu-mentais portuguesas, predominantemente deorigem dominicana. Mas uma coisa é certa: aautoridade da Coroa lusitana, quando, espora-dicamente, conseguiu alguma hegemonia,nunca o poderia ter feito sem a colaboração deoutras forças em jogo naquelas longínquas para-gens, as quais adoptaram frequentemente umapolítica de compromisso – às vezes mesmo comos holandeses –, em prol do bom andamento dosnegócios.

Entretanto, em meados do século XVII, umquinto elemento começava a salientar-se nasilhas de Timor, os larantuqueiros, mestiços luso-asiáticos. Alguns deles, como Mateus da Costa eAntónio de Hornay, profundos conhecedores darealidade local e, simultaneamente, capazes dereunir importantes apoios entre os timorenses,e também entre as comunidades de mercadoresestrangeiros, conseguiram ascender a lugares derelevo, mesmo contra a oposição do Estado daÍndia, demasiado afastado para poder ditar con-dições na região. Depois de 1664, ambos dispu-taram o governo de Timor, numa querela queapenas teve fim com a morte de Mateus da Costaem 1673. Posteriormente, Hornay haveria degovernar a ilha de Timor como um rei nãocoroado durante cerca de vinte anos, até 1693,respeitando os interesses lusitanos, é certo, masrecusando qualquer interferência na sua admi-nistração. Talvez a hegemonia deste homem seexplicasse, em parte, pelo apoio que em deter-minada altura lhe proporcionou, a partir deMacassar, o poderoso Francisco Vieira de Figuei-redo.

O primeiro governador a conseguir estabe-lecer uma réstea de autoridade portuguesa naparte oriental de Timor – já que os holandeses, apartir de Cupão, dominavam a parte ocidental –

seria António Coelho Guerreiro, que chegou àilha em 1702, com o título de Governador e Capi-tão-Geral das ilhas de Timor e Solor. Entretanto,quase duzentos anos de contactos ininterruptosdos portugueses com os timorenses se haviampassado, organizados sempre em função do trá-fico de sândalo branco e de outras mercadoriasmenores, como o mel e a cera. Estes contactosfaziam-se quase sempre em regiões litorâneas,onde os navios portugueses ancoravam, paradurante um período mais ou menos prolongadoprocederem ao carregamento da preciosamadeira odorífera, que era cortada e fornecidapelos potentados timorenses. O estabeleci-mento permanente dos portugueses em Timor,assim, não é tão antigo como por vezes se temafirmado e resultou sobretudo do efeito da dis-puta do tráfico do sândalo por potências euro-peias

AAllgguummaass rreeffeerrêênncciiaass bbiibblliiooggrrááffiiccaass

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D. Frei Manuelde SantoAntónio:

missionário e primeirobispo residente em

Timor.Elementos para a suabiografia (1660-1733)

A r t u r T e o d o r o d e M a t o s

Nascido em Goa em 1660, era filho de Manuelda Mata e de D. Francisca Tavares de Sousa,«homens graves e dos principais da terra em quemoravam»1. Querendo seguir a vida eclesiástica,ingressou na Ordem dos Dominicanos em Goa,onde seria ordenado sacerdote, tendo escolhidopara nome de religião o que se lhe conhece. Asqueixas chegadas ao seu vigário-geral em Goasobre o mau procedimento de alguns dos domi-nicanos em Timor – território que havia sidoconfiado à sua cristianização – levaram-no amandar regressar os frades prevaricadores e asubstituí-los por outros de suposta boa condutapessoal e de verdadeiro zelo apostólico. Entreeles seguiu frei Manuel de Santo António, inves-tido no cargo de visitador.

Foi seu companheiro de viagem André Coe-lho Vieira, nomeado governador de Solor e Timorem 1697, substituindo António de MesquitaPimentel, cuja administração, apesar de curta,havia sido desastrosa, não só para as gentes deTimor, como até para a imagem de Portugal nes-tas ilhas2. É que tendo falecido António Hornayem 1693 e, após cerca de vinte anos de poderconquistado pela força e de ter sido «rei nãocoroado» na expressão de Charles Boxer, só a suamorte veio permitir ao vice-rei da Índia conde deVila Verde a nomeação de um governador,recaindo a escolha no macaense António deMesquita Pimentel3. Este insinuara-se na cortede Goa, fazendo-se passar por profundo conhe-cedor dos assuntos de Timor, ao mesmo tempoque parecia garantir à Fazenda Real de Índiabons lucros das riquezas minerais de Timor.Todavia, como já se demonstrou, o governo deAntónio Hornay não terá sido tão perniciosoquanto o fizeram crer alguns historiadores. Adeplorável e ruinosa administração de MesquitaPimentel impôs o seu afastamento das ilhas deTimor e Solor e a nomeação de António CoelhoVieira. Mas, antes que este chegasse ao seu des-tino já António de Mesquita Pimentel havia sido

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expulso pelos naturais e Coelho Vieira não con-seguiu passar de Larantuca na ilha das Flores.Aqui Domingos da Costa, animado, porventura,pelo exemplo de António Hornay, impediu-o deseguir para Lifau, a fim de tomar posse4. Melhorsorte teve o seu companheiro de viagem freiManuel de Santo António, que pôde chegar aodestino sem qualquer constrangimento. Comocomentaria Humberto Leitão – que à história deTimor legou tão valiosos estudos – Domingos daCosta mal suspeitaria que «em tão humilde fradeviria a ter o mais encarniçado inimigo»5.

Desembarcado em Lifau no início de 1698,visitou as cristandades, fixando-se no reino deLuca. E coadjuvado por frei João de Deus, esten-deu a sua actividade apostólica aos reinos deViqueque e Bibiluto. Depois seguiu-se os de Ves-soro, Dilor e Samoro. Em Viqueque conseguiu aconversão do seu rei – o prestigiado D. Mateusda Costa – e com a colaboração deste conseguiutrazer à obediência da coroa portuguesa váriosdos reis da província de Belos: os de Samoro,Luca, Fatu Lete Luli, Alas e Manatuto.

Mas o problema da soberania portuguesaem Timor estava por resolver. Impossibilitado detomar conta do governo e, não tendo forças pararesistir, Coelho Vieira regressou a Macau, deonde havia saído. Os moradores desta cidade,cujo comércio do sândalo lhe era vital, pressio-naram o governador da Índia António Luís daCâmara Coutinho a intervir, nomeando alguémcujo perfil fosse capaz de restaurar a soberaniaem Timor. A escolha recairá sobre o secretário doEstado da Índia, António Coelho Guerreiro, queaverbava no seu curriculum experiências gover-nativas, militares e até de comércio no Brasil eem Angola6.

Largou Coelho Guerreiro de Goa em Maiode 1701, chegando a Macau um mês depois.Aqui conseguiu aumentar os reforços com quepartira da capital, recrutou colaboradores próxi-mos para a administração e, a 2 de Janeiro do

ano seguinte, retomava a viagem rumo a Timor7.Nas proximidades de Larantuca enviou umemissário a terra com cartas a Domingos daCosta e ao vigário dos dominicanos. E, apesar dainsistência deste para que aceitasse o novogovernador, Coelho Guerreiro romperia as hos-tilidades, sem que levasse a melhor. Já com ospoucos recursos que lhe restavam rumou aLifau, aonde chegou a 14 de Fevereiro. Apesar deverificar que a praia se encontrava bem defen-dida por homens de armas e artilharia, tentouuma aproximação com Lourenço Lopes –cunhado e lugar-tenente de Domingos da Costa– enviando-lhe as cartas que trazia para ele epara vários dos reis de Timor. Mas a embarcaçãoseria impedida de chegar a terra.

É então que se faz sentir a intervenção defrei Manuel de Santo António que, casualmente,ali se encontrava e conseguira comunicar comCoelho Guerreiro. Negociando com LourençoLopes na povoação próxima de Amameco, paraassim estarem longe dos resistentes, acabariapor o convencer a aceitar as cartas e a permitir odesembarque do governador, com a promessade lhe ser dado o cargo de tenente-general, alémdas mercês de escudeiro, cavaleiro fidalgo e ohábito de Cristo. A dificuldade de comunicaçãodo dominicano com o novo governador, equando duvidava já da mediação em curso, sur-giu-lhe aquele na praia, à frente de 30 homensarmados, acompanhado de Lourenço Lopes.

Confortados com o que observavam, aspoucas forças de bordo saltaram para as embar-cações e começaram a varrer os resistentes, tam-bém já fustigados pelo pelotão do frade prega-dor. A surpresa do ataque e o pasmo pela traiçãodo seu comandante foram decisivos na derrotainfligida por Coelho Guerreiro aos soldados leaisa Domingos da Costa8.

O novo governador não poupará elogios aodominicano, não só pela sua intervenção deci-siva na rendição de Lourenço Lopes como, 106

>Homenagem às vítimas do massacre de Suai,quando no período que se seguiu ao referendocerca de 200 civis que se refugiavam na igreja da localidade foram abatidos pelas milícias pró-indonésias. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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sobretudo, na pastoral. «Anjo humano», assim odenominava António Coelho Guerreiro, por o«ver voar tanto em busca das ovelhas que se des-garram do rebanho da Igreja». Mas, além de«incansável» na evangelização, era-o também«nos actos de caridade que quotidianamenteexercitava», sugerindo ao rei a sua nomeaçãocomo bispo de Malaca com residência emTimor» Todavia já à altura o rei o havia indicadapara a Mitra sugerida.

A par das actividades missionárias freiManuel de Santo António participava activa-mente na defesa da praça de Lifau. Fazia quar-tos de sentinela nos postos mais longínquoscomo forma de prevenir deserções, incentivavaos combatentes a resistirem ao inimigo, agi-tando o escapulário como garantia de invulne-rabilidade, tratava e confortava os feridos e par-tilhava com os soldados a sua escassa ração9.

No entretanto a situação em Timor, não obs-tante a reforma administrativa introduzida pelonovo governador, era de alguma instabilidade.Lifau era frequentemente cercada, os desenten-dimentos com Lourenço Lopes haviam despon-tado e Larantuca continuava fora da soberaniaportuguesa. Os reforços, insistentemente solici-tados tardavam. Apenas de Macau havia che-gado algum. Certamente por isso, Coelho Guer-reiro, ao entrar no terceiro ano do governo soli-citou ao vice-rei Melo de Castro um sucessor.Mas este já havia decidido demiti-lo, certamentede acordo com um plano que traçara para Timore, eventualmente, com base em informaçõesporventura recebidas de Macau. É que os mer-cadores desta cidade mostravam-se inconfor-mados com a dificuldade que encontravam emcomerciar o sândalo com os revoltosos e este eraindispensável para a sua sobrevivência econó-mica. Melo de Castro estava bem distante da rea-lidade timorense. Resolveu então cometer aobispo de Malaca – a quem fizera visitador-geraldaquelas ilhas – o encargo de nomear como

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governador «algum dos seus moradores» queconsiderasse de «maior séquito» e reunissemaior «aplauso do povo», enviando-lhe ade-quada patente com espaço em branco para serescrito o nome indicado10. Este procedimentodo vice-rei ditado, certamente, por desconheci-mento mas também pela impossibilidade desocorrer Timor, não deixou de receber justoreparo da parte do Conselho Ultramarino11. Masera demasiado tarde para a remediar no ime-

diato a decisão. Em seu entender Coelho Guer-reiro não conseguira pacificar as ilhas e Goa nãotinha meios para ali investir. Restava entender-se com D. frei Manuel que bem conhecia o terri-tório e não deixaria de indicar alguém que,opondo-se a Domingos da Costa, devolvesse apaz. Aliás, como também já observou HumbertoLeitão, na carta do vice-rei a Coelho Guerreiro ébem claro na sua estratégia: «Se a desgraça tiversido tão poderosa que V. M. não conseguisse a obe-

Igreja de Suai. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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diência dos moradores e naturais que se julgueinfalível lhe obedeça tudo facilmente e compouca resistência, lhe ordeno se recolha a Macau,e volte para esta cidade donde não lhe faltarãoocupações»12. Dada a falta de meios, restava aCoelho Guerreiro entregar o governo. Mas aindaantes que o fizesse já o bispo se apressara a inter-vir no embarque do sândalo do governador e ainduzir vários dos reis de Belos a que o pressio-nassem a deixar o governo, como forma de sealcançar a paz.

Não terá sido pacífica a demissão. O bispo,como forma de a forçar, propôs-se ele próprio,talvez sem desprazer, assumir o governo e como pretexto de desarmar Domingos da Costa. E foidesconcertante a atitude que D. frei Manuel deSanto António tomou em relação a Coelho Guer-reiro. É que, melhor do que ninguém, sabia quenem um só pardau recebera dos seus vencimen-

tos e, tudo o que de seu trouxera de Goa, des-pendera na defesa da praça. Bem mereceramelhor sorte o desafortunado governador, que aTimor deu o melhor do seu saber e da sua expe-riência governativa, desenvolvendo uma polí-tica defensiva, de captação dos reis locais e atéde boa vizinhança com os holandeses. Paracúmulo teve de viajar até Batávia no navio queconduziu D. frei Manuel de Santo António que aMacau iria receber a sagração episcopal e quelargou de Lifau a 18 de Agosto de 1705. Este dei-xara Lourenço Lopes no cargo de capitão-mor,mas não conseguira convencer Domingos daCosta a aderir à causa portuguesa. Para trásficava uma, quiçá, verdadeira amizade, cimen-tada de lutas, preocupações e sofrimentos queuma inábil atitude depressa fizera ruir, porven-tura com algum assomo de protagonismo ouvaidade a que os eclesiásticos não são alheios13.

Igreja de Suai. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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No entretanto, sem notícias de Timor e como pedido de substituição de Coelho Guerreiro, ovice-rei Caetano de Melo de Castro nomeouJácome de Morais Sarmento para governadordestas ilhas. Saído de Goa em Dezembro de 1705,acabaria por se encontrar com o bispo de Malacaque regressava a Timor. Mas, adivinhandoalguma dificuldade no desembarque do novogovernador, adiantou-se-lhe na chegada, atitudedecisiva para persuadir Lourenço Lopes a aceitara nova autoridade14. Bafejado pela sorte da che-gada dos socorros pedidos por Guerreiro ao reinoe por outros enviados de Goa, empreendeu umaofensiva destinada a desalojar o inimigo de deter-minadas posições. Mas a sua política foi desas-trosa. Arrebatado, não ponderando as atitudes,chegou mesmo a exigir que o bispo o acompa-nhasse em certas operações. Este, num primeiromomento, acedeu, embora contrafeito. Mas seráD. frei Manuel a apaziguar as partes em litígio e aminimizar os danos que a sua impulsividade pro-vocava. É pela intervenção do prelado queDomingos da Costa e os seus capitães entraramem 31 de Maio de 1708, a fim de prestarem obe-diência ao governador depois de, com o assenti-mento deste, lhe ter oferecido as capitanias deLarantuca e de Sumba, esta por duas vidas. «Nãohá duvida que o reverendo bispo de Malaca tra-balhou nisto com grande zelo», comentava ogovernador ao vice-rei15. Aproveitando não só operíodo de acalmia militar com a integração deDomingos da Costa na estrutura político-admi-nistrativa vigente e do bom momento por quepassava o seu relacionamento com Morais Sar-mento, tentou a libertação de D. Mateus da Costa,capitão-mor de Belos. Este, apesar de ser um lealservidor da causa portuguesa, só porque discor-dou, como, aliás, o bispo, do ataque à fortaleza deMotael, o governador não hesitou em mandá-loprender e metê-lo num barco onde o conservouamarrado a um cepo até regressar a Lifau e semnunca lhe mandar tirar devassa16.

Mas Jácome de Morais Sarmento não cedeuaos rogos de D. frei Manuel o que motivou o pre-lado a recorrer ao vice-rei, arrolando testemu-nhas e depoimentos abonatórios do prisioneiroe da sua inculpabilidade17. No entretanto asaúde de D. Mateus definhava-se e a tuberculosedava mostras de lhe consumir a vida rapida-mente. Mas nem o seu estado físico demovia oteimoso Morais Sarmento. Só o governador quese lhe seguiu, D. Manuel de Sottomaior, no cum-primento das ordens que recebera na Índia, lhemandou tirar devassa e, provando-se a sua totalinocência, mandá-lo-á pôr em liberdade18. Depouco lhe serviria a sua reabilitação moral, jáque a física se tornara impossível, dado o estadoavançado da doença. O leal e valente capitão deBelos sucumbia em Lifau, poucos meses após achegada do governador.

Mas nem a libertação de D. Mateus da Costatraria o apaziguamento das relações entre o pre-lado e o governador. As contendas surgirampelos mais variados motivos e, como observouHumberto Leitão, nem sempre é fácil descorti-nar de que lado está a razão, já que apenas dis-pomos das acusações de um e outro19. Comoadianta ainda o mesmo historiador, a perma-nência em Timor de uma dúzia de anos, o seuafeiçoamento à terra, os continuados conflitoscom os governadores, o relaxamento dos seusirmãos de Ordem e o desrespeito do vigário-geral destes, tê-lo-ão tornado irascível e comalguns desequilíbrios emocionais, «bem conhe-cidos de todos quantos se gastaram por algumasregiões dos nossos territórios ultramarinos antesde lá chegarem os benefícios do progresso» comonotava o mesmo autor, opinião que subscreve-mos, mesmo transposta para altura de fruição dealgum conforto civilizacional.

A falta de clero, a devassidão, o desmazelo eo incumprimento dos elementares deveresapostólicos de alguns dos seus membros levouD. frei Manuel de Santo António a procurar solu- 110

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ção em Goa, onde chegou no início de 1715.Desejava o prelado colar clero nas paróquias,muitas delas já criadas por si, ficando este sob asua jurisdição directa. Mas o vigário-geral dosPregadores não cedeu nas suas prerrogativas e adiscussão chegou à Coroa20. De mãos vazias equando se preparava para regressar a Timor em

finais desse ano, foi informado de que não haviatransporte para o levar à sua diocese. Por isso ovice-rei, a pedido do Cabido que administrava aarquidiocese vacante de Goa, informou-o danecessidade de um prelado se deslocar à Pro-víncia do Norte em visita pastoral e administrara confirmação, sacramento que os fieis dessas

D. Carlos Ximenes Belo. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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terras não recebiam há mais de trinta anos. Alémdisso o mau comportamento de muitos delesrecomendavam que alguém, com «zelo e autori-dade» pudesse remediar «tanta desordem»21.Vencida alguma hesitação e receios lá partiupara o Norte de onde só regressou em finais de1716, altura em que também já havia chegado aGoa o novo arcebispo D. Sebastião de AndradePessanha.

Ou porque lhe fosse faltando ânimo paracontinuar a suportar as contrariedades que sem-pre padecera em Timor, ou porque se conven-cesse de que com o clero que lá dispunha nãoconseguiria realizar a obra espiritual necessária,tentou libertar-se do bispado de Malaca, pro-pondo a criação de uma nova diocese na Pro-víncia do Norte, fruto, certamente, da boa recor-dação que retivera da visita ali efectuada. Mas asugestão não seria aceite.

A situação em Timor era deveras complexa.Domingos da Costa, que governava interina-

mente, havia arregimentado para a sua influênciamuitos dos que anteriormente o combatiam. Tor-nava-se, por isso, necessário escolher um novogovernador, firme, mas prudente e com expe-riência que não fosse causar novos distúrbios. Oarcebispo, na altura governador interino, ouviu aopinião de D. frei Manuel de Santo António quelhe propôs alguns nomes22. A escolha não recai-ria em nenhum deles mas, incompreensivel-mente, em Francisco de Melo de Castro, cujocomportamento nos cargos de capitão de Salsetee de governador de Macau haviam motivado a suacompulsiva demissão e, no primeiro caso, peloseu próprio irmão, o vice-rei Melo de Castro.Como bem observaria Humberto Leitão «era fatalum conflito entre o severo bispo de Malaca e o des-concertado Francisco de Melo de Castro»23.

Não conseguindo evitar o seu regresso aTimor, partiu para lá na companhia do novogovernador em Janeiro de 1718. Escalaram Batá-via e, depois de Larantuca, chegaram a Lifau em

Imagens de Jesus Cristo no muro do cemitério deSanta Cruz. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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meados Junho. Fez-se a entrega do governo demodo pacífico e com «pompa e circunstância»,mas não percebeu o novo governador que boaparte dos festejos de boas-vindas seriam devidosao regresso do seu bispo. Sentindo-se presti-giado e cheio de poder pelas manifestações rece-bidas, não mediu até onde poderia ir a sua inter-venção, tomando partido por um soldado natu-ral que o bispo mandara prender como castigo

de reincidência na sua relação com umabranca24. Estalou o conflito três dias após a che-gada e, em crescendo, levou o governador a proi-bir qualquer trato com o bispo e a mandar cer-car-lhe a residência e este a responder com umapastoral em que declarava excomungados todosos obedecessem ao governador em matéria deirreverência para a Igreja. Afixada na porta daigreja, logo Melo de Castro a mandou arrancar.

D. Basílio de Nascimento. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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Seguiram-se os desagravos ao bispo pelos seuspartidários. Um encontro entre os dois, sugeridopelo governador, de pouco resultou, emboraposteriormente o prelado tenha levantado ointerdito.

A degradação do ambiente político-reli-gioso de Timor estaria a desgostar profunda-mente D. frei Manuel, que resolveu mudar-separa Larantuca. O governador embora aparen-temente indiferente à decisão tentou, na prática,impedi-la sem sucesso e, em represália, confis-cou-lhe os haveres deixados em Lifau. As suble-vações de vários reis de Belos sucederam-se. Ogovernador tentou ajuda de Larantuca que lhanegou, acabando por se refugiar no forte deNossa Senhora da Vitória em Lifau25 e depoisfugir para bordo de um barco que o conduziu aBatávia onde desembarcou no primeiro deSetembro de 171926. Daqui passou a Macau edepois à Índia onde chegou em Maio do anoseguinte.

A situação de guerra vivida em Timor levouvários capitães de Belos a insistirem com o bispopara que regressasse à ilha, enviando até doisemissários a Larantuca para o convencer27. D.frei Manuel de Santo António cedeu ao pedido e,quando chegou a Dili ainda tentou dissuadir osrevoltosos de expulsarem o governador. Maseste, perante a ofensiva, vira-se forçado a aban-donar Timor como, de facto, aconteceu.

Em meados Agosto de 1719 era conhecidaem Timor a notícia do abandono do governo porMelo de Castro. E o prelado não se faz rogadoquando os moradores de Belos e até os da pró-pria praça de Lifau lhe pediram que assumisse ogoverno28. Instalado dentro dos muros, tratou denomear para os principais postos homens dasua confiança pessoal e de criar os equilíbriospossíveis29. Dois anos depois receberia do vice-rei a nomeação como governador interino.

Mas não foi pacífica a administração do pre-lado. Pretendia eliminar em definitivo o poderio

de Domingos da Costa, «aparelhado para se opora todos quantos fossem governar»30. Abertas ashostilidades, acabaria por falecer de morte natu-ral o cabeça dos larantuqueiros. Mas nem assimcessaria a oposição do partido por ele liderado,já que Francisco Hornay, seu herdeiro, lhe con-tinuaria a rebelião, perdendo, por isso, o cargode tenente-general. Porém a contenda seráagora liderada por António de AlbuquerqueCoelho, chegado à capital timorense em finaisde Abril de 172231.

Decorrido um mês após a transmissão dopoder, o bispo de Malaca requeria ao governa-dor que lhe mandasse tirar uma devassa dosseus procedimentos, como forma de se ver desa-gravado das calúnias que em Timor e na Índiapesavam sobre a sua conduta32. Mas o apura-mento da verdade não conviria a AlbuquerqueCoelho que se foi gradualmente incompatibili-zando com o bispo33. E, sem que nada o fizesseprever, estando D. frei Manuel acometido de umataque de paludismo, numa noite de finais deJunho ou começos de Julho, o governador deslo-cou-se à sua residência e, na presença do ouvi-dor, comissário do Santo Ofício e alguns capitãesde Lifau, ordenou o seu embarque imediato paraMacau.«Bem podia V. Senhoria, pela nossa ami-zade, ter-me avisado há mais tempo» ter-lhe-ádito o bispo. Ao que aquele retorquiu: «não con-vinha»34.

Na praia aguardava-o um pequeno barcoque logo o conduziu ao navio que, no diaseguinte, o levou a Macau, deixando para sempreTimor. Aqui, pediu ao capitão-geral, D. CristóvãoSeverim, que lhe mandasse tirar uma devassapara se apurar a verdade sobre as acusações quesobre ele pesavam. Mas como este não desseseguimento ao seu requerimento, acabaria por osolicitar ao bispo de Macau, pedindo tambémcertidões do que sobre ele constasse ao provin-cial da Companhia de Jesus e ao guardião dosCapuchos, no que foi atendido. 114

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Aguardando ordens do vice-rei sobre o seudestino, pretendeu ir ao Sião, cuja jurisdição lhepertencia, mas o capitão-geral de Macau não lhopermitiu, acabando por autorizar o seu embar-que para Goa. Aqui uma vez mais solicitou ao

vice-rei e depois ao arcebispo o rol das suas cul-pas. Mas nem um nem outro atendeu o seupedido.

Desiludido, cansado e alquebrado pelosanos, escusou-se ao rei de regressar a Timor e

Mercado de Díli. Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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remeteu-lhe a devassa e as certidões obtidas emMacau35. Em 1726, insistindo nos males que lheminavam a saúde, pediu ao rei renúncia do bis-pado36. Mas também agora não viu satisfeito oseu pedido, nem teria oportunidade de passar osseus últimos anos de vida em tranquilidade, jáque em 1731 estava de novo envolvido em acesapolémica, desta feita com o culto mas imponde-rado arcebispo de Goa, D. frei Inácio de SantaTeresa37.

É que havia sido eleito pelos jesuítas juizconservador da Companhia, cargo que tambémjá exercia noutras Ordens religiosas38. O arce-bispo, sentindo-se ultrapassado na sua jurisdi-ção, declarava-o excomungado se exercessequalquer acto respeitante ao cargo. D. freiManuel replicou-lhe com outra excomunhão esucederam-se as pastorais de um e outro, for-mando-se partidos que provocaram distúrbiosna cidade. A vida do bispo de Malaca correuperigo, já que a sua residência na noite de 7 deOutubro foi assaltada por um dominicano,acompanhado de cafres e timorenses39. Mas porsorte mudara-se para o convento dos agosti-nhos, que passou a ser guardado por militaresque também protegiam o prelado nas suas dili-gências. O vice-rei tentou a conciliação. D. FreiInácio furtou-se a ela e, quando a aceitou, já obispo de Malaca exigia previamente o reconhe-cimento pelo arcebispo, do seu cargo de conser-vador40. A polémica terá continuado durantemais algum tempo.

Segundo parece, D. frei Manuel de SantoAntónio terá morrido em 1733, com 73 anos euma vida dedicada a Timor. Apontado por unspor «homem irrequieto e provocador de questõese levantamentos» em nome da ambição pessoal,julgamos que bem merece outro juízo, pois,como observou Humberto Leitão «mais nobresforam os sentimentos que ditaram os actos da suavida»41. Ao sair de Macau com destino ao exílio

escreveu ao vice-rei, fazendo uma retrospectivada sua vida, ao que nos parece, muito acertada:«vou muito contente fora da ilha de Timor, poisnão fiz bolsa alguma de dinheiro, nem busqueioutra cousa mais que a honra e gloria de Deus, obem das almas, e dei meus passos de tal sorte, quese eu não fosse não viriam esses grandes fidal-gos… a governar estas ilhas»42. Missionário porexcelência, feito bispo não poderia pactuar comcomportamentos imorais e procedimentosmundanos de muitos dos seus irmãos de reli-gião. Talvez não tenha sido um bispo modelar e,como político, também não terá tido sempre omelhor desempenho. Precipitado em muitas dassuas decisões, as vicissitudes do meio e as mui-tas contrariedades talvez tenham aguçado a suairascibilidade. Mas pautou sempre a sua acçãopor princípios que defendeu até à exaustão. Ahistória política e religiosa de Timor terá dereservar-lhe um especial lugar.

1 Arquivo Histórico Ultramarino, Timor, Carta do bispo deMalaca para o governador Francisco de Melo de Castro de19 de Julho de 1718, referido por Humberto Leitão, Vinte eOito Anos da História de Timor (1698 a 1725), Lisboa,Agência Geral do Ultramar, 1952, p. 9.

2 Sobre a sua acção governativa veja-se o nosso estudo «Umimportante relato sobre a situação política e social da ilhade Timor em finais do século XVII », Mare Liberum, Lisboa,20-21 (no prelo).

3 C. R. Boxer, «Timor Turbulento» in Fidalgos no ExtremoOriente 1550-1770, trad. port., Macau, Fundação Oriente eMuseu e Centro de Estudos Marítimos de Macau, 1990 (ed.original de 1968).

4 A família dos Costas estava unida à dos Hornays, em vir-tude do casamento de Francisco Hornay, irmão e lugar-tenente de António Hornay, ter casado com uma filha deDomingos da Costa. Este era filho natural do valorosocapitão-mor Mateus da Costa, que tendo governado asilhas de Solor e Timor nos anos de 1671-1673 mostrou emtodos os seus actos uma grande dedicação à causa portu-guesa. Cf. Artur Teodoro de Matos, Timor Português 1515-1769. Contribuição para a sua História, Lisboa Faculdadede Letras de Lisboa – Instituto Infante Dom Henrique,1974, p. 115 e bibliografia aí indicada . 116

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5 Vinte e Oito Anos da História de Timor, p. 8. 6 Sobre este governador veja-se o nosso estudo «António

Coelho Guerreiro: mercador, burocrata e governador» inMare Liberum, Lisboa, 5 (1993), pp. 107-111 e a bibliogra-fia aí citada.

7 Estes acontecimentos estão descritos com relativo por-menor em H. Leitão, Vinte e Oito Anos da História deTimor, pp.13 e segs.

8 Carta de António Coelho Guerreiro ao vice-rei Caetano deMelo de Castro de 28 de Maio de 1702 in Artur Teodoro deMatos, Timor Português…, pp.230-280. Estes factos sãotambém descritos com algum pormenor por HumbertoLeitão, Os Portugueses em Solor e Timor de 1505 a 1702, Lis-boa, 1948, pp. 265-287.

9 H. Leitão, Vinte e Oito Anos, pp. 31-32 e fontes aduzidaspelo autor.

10 Arquivo Histórico de Goa, Monções do Reino, liv. 66, fls.283-284, carta de 1o de Janeiro de 1703.

11 A. H. U. Timor, Parecer de 1 de Março de 1704.12 A. H. U., Timor, carta de 6 de Março de 1703, pub. por H.

Leitão, Vinte e Oito Anos da História de Timor, pp. 49-50.13 Veja-se a obra já várias vezes cit. de H. Leitão, Vinte e Oito

Anos da História de Timor, pp. 81-87.14 A. H. U. Timor, certidão de João da Costa de Lemos de 8 de

Julho de 1723 a Albuquerque Coelho, pub. por H. Leitão,Vinte e Oito Anos da História de Timor, pp. 300-309.

15 A. H. U. Timor, carta de Morais Sarmento ao vice-rei, de 10de Julho de 1708.

16 A. H. U. Timor, cartas ao vice-rei de Jácome de Morais Sar-mento, de 17 de Setembro de 1707 e do bispo de Malaca,de 7 de Setembro de 1708, citadas por H. Leitão, Vinte eOito Anos da História de Timor, p. 103.

17 A. H. U., Timor, carta do bispo de Malaca ao vice-rei de 7de Setembro de 1708, já cit.

18 Governou as ilhas de Timor e Solor de 1710 a 1714. 19 H. Leitão, Vinte e Oito Anos da História de Timor, p.140.

Aliás este historiador analisa com grande desenvolvi-mento todos estes acontecimentos a pp.140 e seguintes.

20 A. H. U., Timor, carta do vice-rei, Conde da Ericeira ao rei,de 8 de Janeiro de 1719, pub. por H. Leitão, Vinte e OitoAnos da História de Timor, p. 162.

21 Carta do vice-rei a D. Frei Manuel de Santo António, de 5de Novembro de 1715 publicado no Boletim do Governo doEstado da Índia, 23 (1861), in H. Leitão, Vinte e Oito Anosda História de Timor, p. 163.

22 Note-se que o relacionamento entre os dois bispos sehavia deteriorado face ao comportamento de D. freiManuel que impugnou o direito do arcebispo intervir naquestão suscitada pela eleição de uma prioresa no con-vento de Santa Mónica contestada por um grupo de frei-ras, por acharem que havia impedimento canónico. Cf.Biblioteca Pública de Évora, CXVI/2-II, «Instrucção a humIdiota com presunções de sabio. Veja-se também sobreeste assunto H. Leitão, Vinte e Oito Anos da História deTimor, p. 166.

23 Vinte e Oito Anos da História de Timor, p. 167. 24 A. H. G., Monções do Reino, liv. 86A, fls. 295-296, carta do

bispo de Malaca ao rei de 24 de Julho de 1718, publicadapor A. Faria de Morais, Solor e Timor, Lisboa, Agência Geraldas Colónias, 1944, pp. 196-199.

25 Construído por António Coelho Guerreiro.26 A. H. U., Timor, Exposição de Francisco de Melo de Castro

de 9 de Maio de 1721.27 A. H. Goa., Monções do Reino, liv. 87, fl. 79, carta do bispo

de Malaca para o vice-rei D. Luís de Meneses, conde da Eri-ceira, de 9 de Maio de 1720, publicada por A Faria deMorais, Timor e Solor, pp. 208-2121.

28 Carta do bispo de Malaca para o vice-rei, de 9 de Maio de1720, já cit.

29 A. H. U., Timor, Certidão de João da Costa de Lemos de 8de Julho de 1723, já cit.

30 Carta do bispo de Malaca de 9 de Maio de 1720, já cit.31 A. H. U., Timor, certidão de frei Amaro da Conceição, de 27

de Julho de 1723, cit por H. Leitão, Vinte e Oito Anos da His-tória de Timor, p. 279. Sobre esta personagem veja-se olivro de Paulo Miguel Martins, Percorrendo o Oriente. Avida de António de Albuquerque Coelho (1682-1745), Lis-boa, Livros Horizonte, 1998, particularmente as pp.71-83.

32 Requerimento do bispo de Malaca, parcialmente publi-cado por H. Leitão, Vinte e Oito Anos da História de Timor,pp. 281-282.

33 A. H. G. Monções do Reino, liv. 88, fls. 164 e segs., carta dobispo de Malaca ao vice-rei Francisco José de Sampaio eCastro de2 de Julho de 1722 pub. por A. Faria de Morais,Solor e Timor, pp. 215-229.

34 A. H. U., Timor, certidão de frei Amaro da Conceição, pas-sada ao governador António de Albuquerque Coelho, de 27de Julho de 1723, cit. por H. Leitão, Vinte e Oito Anos daHistória de Timor, p. 283.

35 A. H. U., Timor, carta do bispo de Malaca ao rei, de 18 deAbril de 1724.

36 A. H. U., Timor, carta do bispo de Malaca ao rei, de 4 deJaneiro de 1726.

37 Sobre este arcebispo veja-se o estudo de Leopoldo Rocha,«Uma página inédita do Real Mosteiro de Santa Mónica deGoa (1730-1734) e achegas para a história do padre nativo»in Mare Liberum, Lisboa, 17 (1999), pp. 229-266.

38 Biblioteca da Ajuda, 51-VIII-25, Manifesto que por partedos Relligiozos da Companhia se offerece à censura dosIlustrissimos Reverendissimos Padres Mestres das SagradasRelligióes residentes na Cidade de Goa sobre a validade danomeação na Pessoa do Illustrissimo Bispo de Malaca oSenhor D. Frei Manoel de Santo Antonio para Conservadorem todas as suas couzas, cit. por H. Leitão, Vinte e Oito Anosda História de Timor, p. 332.

39 B. A., 51-VIII-52, Ordem que passou Sua Exª ao AjudanteGeral, de 10 de Outubro de 1731, cit. por H. Leitão, Vinte eOito Anos da História de Timor, p. 333.

40 B. A., Carta do inquisidor Sebastião M. de Proença sobre obispo de Malaca, de 25 de Outubro de 1731, cit. por H. Lei-tão, Vinte e Oito Anos da História de Timor, pp. 333-334.

41 Vinte e Oito Anos da História de Timor, p. 335.42 A. H. U., Timor, carta do bispo de Malaca ao rei, de 4 de

Janeiro de 1726, já cit.117

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A Descripçãoda Ilha de Timor

de JoãoMarinho de

MouraL u í s F . R . T h o m a z

Entre outros documentos respeitantes aTimor, para ali levados quando D. João VI trans-feriu para o Rio a capital do seu império, con-serva-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeirouma pequeno manuscrito, classificado com acota I-25-27-13 e intitulado Descripção da ilha deTimor, causa da sua decadência e projecto para oseu augmento; como o próprio manuscrito nosinforma, foi redigido pelo coronel João Marinhode Moura, antigo governador de Timor, em Lis-boa em Dezembro de 1795.

O texto espelha a ansiedade que reinava emPortugal em consequência da Revolução Fran-cesa e suas sequelas, não só na Europa como emtodo o vasto mundo por onda a Europa se expan-dira. No caso de Timor havia sérias razões paratemer que a Holanda – que jamais tomara a sérioas pazes que assinara com Portugal em 1661,permitindo que os agentes locais da VOC (Veree-nigde Oostindische Compagnie, «CompanhiaUnida das Índias Orientais»), ignorando-a naprática, continuassem a desenvolver uma polí-tica expansionista e hegemónica – se aprovei-tasse da confusão reinante para anexar a parteleste de Timor.

A parte oeste da ilha estava, havia meioséculo já, sob o seu domínio, no rescaldo dabatalha de Penfui, travada junto ao forte doCupão, que os batavos haviam ocupado em1653. Tudo começara com desinteligências entreo rei topaz (i. e., português mestiço) de Oé-Cússie o Senobai, imperador do Servião, ou seja, suse-rano de todos reinos da metade ocidental dailha, de língua baiquena. Os homens do Senobaifizeram incursões em Oé-Cússi e os de Oé-Cússiripostaram invadindo o território daquele em1735 e de novo em 1745. Impotentes para resis-tir aos Zwarte Portugezen («portugueses pretos»,nome que os holandeses davam aos topazes), oschefes do Servião endereçaram em 1747 umapetição à VOC, solicitando apoio militar, petiçãoque mais onze régulos secundaram em 1749.

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Entretanto os arraiais topazes, comandadospelo tenente-general Gaspar da Costa haviampenetrado bem dentro do Servião, chegando àsportas do forte holandês do Cupão. Os holande-ses reuniram então uma força de mardijkers(escravos libertos ou seus descendentes), gentedas ilhas de Savu, Solor e Roti, e timorenses seusfiéis, com que sob o comando de Vaandrig Lipbateram os arraiais de Gaspar da Costa na san-grenta batalha de Penfui (9 de Novembro de1749), em que pereceram quatro reis do Serviãoaliados dos topazes, incluindo o de Amacono,que segundo parece fora nomeado «imperador»pelos topazes quando se desavieram com oSenobai. Ou porque se não tivesse apercebido dagravidade da situação, ou porque estivessedemasiado ocupado com outros problemas, o

governador português Manuel Correia deLacerda (1749-1751), de que aliás se sabe muitopouco, não interveio.

A VOC decidira-se a explorar o sucesso dePenfui enviando de Batávia, em finais de 1753,uma frota a submeter Manatuto, Adé (queparece ser o actual Com) e os demais portos dacosta norte de Timor fiéis aos portugueses; masao que parece limitou-se a operar na costa suldo Servião, onde diversos reinos assinaram em1756 tratados com a Holanda. Nesse mesmoano os holandeses ergueram, contudo, um forteem Maubara, no País dos Belos (i. e., em TimorLeste, de língua tétum), que depois desmante-laram, conservando contudo uma feitoria; sópelo tratado de delimitação de 1859 viriam aevacuar definitivamente o enclave. A VOC pas-

Pormenor de pano tais. Fotografia de Luís F. R. Thomaz.

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sou a emitir licenças de comércio a chinas,macaçares e malaios para comerciarem em todaa ilha e a aprisionar todo o vaso mercante quepara lá rumasse sem o seu salvo-conduto. Entre1758 e 1761 o opperhooft ou capitão-mor holan-dês do Cupão von Pluskow conduziu uma sériede campanhas pelo interior do país, batendo ostopazes junto a Noemúti, ao sul do Oé-Cússi,após o que se lhe submeteram diversos reinosque até aí estavam sob a influência destes; ape-nas os reinos de Ambeno e Noemúti permane-ceram na órbita dos topazes e, como tal, nomi-nalmente sujeitos aos portugueses. A adesão damor parte do Servião aos holandeses ficou con-solidada em 1759 com a conversão ao calvi-nismo do Senobai e do rei de Amacono. Os reisdo Servião, que até aí tinham nomes portugue-

ses, começam por essa época a usar nomes pró-prios holandeses. Principiou assim a desenhar-se a actual geografia religiosa de Timor: Beloscatólicos e Baiquenos protestantes, à excepçãodos de Oé-Cússi.

Temia-se agora que, aproveitando a confu-são causada pela Revolução Francesa, os holan-deses se apoderassem do resto de Timor. O autorpreconiza como profilaxia da ocupação batavanão só o reforço do dispositivo militar, mas tam-bém o desenvolvimento da mineração e o incre-mento das exportações tradicionais: sândalo,mel e cera. Os suas concepções económicas sãoassim pouco inovadoras. A sua sugestão maisválida é, quiçá, quando argumenta contra o usode Timor como colónia penal e contra o recruta-mento de delinquantes para servirem lá como

Pormenor de pano tais. Fotografia de Luís F. R. Thomaz.

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Dança da águia, Suai. Fotografia de Ruy Cinatti.

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tropas – fonte de perturbações constantes desdeo século anterior. Escutemo-lo1:

«Timor é uma ilha vezinha às Molucas,situada em 10 graos de latitude e 140 de longi-tude. E o seu comprimento é de mais de 60 légoase tem 20 e tantas de largura. O paiz é fértil e abun-dante de víveres e de gado e de caça de várias espé-cies, tem muitos mineraes de ouro, cobre, tam-biaque2 e azougue, que podia fazer uma grandeextracção pera um considerável comércio, se osseus habitantes não fossem inertes e preguiçosos,que não amam senão a vida ociosa.

Prova tanto a abundância de mineral deouro fino neste paiz que os povos tiram quanti-dade de pó de ouro separando-o das arêas quetrazem as currentezas das ribeiras e regatos quevem dos sertões, com que comercêam com osHolandezes e outras nações vezinhas.

Os seus matos produz muito pao de sândalo,cuja extracção faz um considerável comércio comos Chinas, e todos os annos vai do porto de Macauum navio dos commerciantes daquella cidadecarregar desta madeira, de que reduz uma consi-derável renda à Alfândega e direitos de SuaMagestade Fidelíssima.

Os seus sertões produzem tanto mel silvestreque dá muita cera pera commerciarem com osChinas e mais vezinhos.

Estes povos são dirigidos pelos seus Príncipessoberanos, que são tratados com título de Rey, osquaes se lisongêam muito de ser vassallos de SuaMagestade Fidelíssima por um pacto antiquís-simo, feito com os nossos primeiros conquistado-res Portuguezes; por isso renovam a sua obediên-cia a todos os governadores que vão commandaraquella ilha e de Solor em nome de Sua Mages-tade, e prestam soccorros contra os inimigos doEstado.

Os Holandeses, pela ambição das vantagensdo seu commércio, ou com projectos de futuraconquista, esquecendo-se das leis da amizade edos direitos do limite, se apossaram de uma parte

desta ilha, onde estabeleceram uma feitoria; esendo expulsos pelos Príncipes Timores que osassacinaram barbaramente, tornaram commaior força e se estabeleceram com uma fortifi-cação; depois disto conseguiram com afagos ecomércio a amizade deste Povo, com os quaescontratam e extraem géneros pera a Batávia emais colónias vezinhas. Algumas dissenções queos Governadores portuguses tem tido com os Reysde Timor supõem serem urdidas por estes Repu-blicanos, que não perdem occasião de ver se nospode extrahir por máxima aquillo que nãopodem fazer por armas.

Esta vesinhança nos deve ser temível naépoca prezente, em que os Franceses estão unidoscom estes Republicanos, e terão o projecto de nostirar a posse desta colónia tão antiga e feudatá-ria à Coroa de Sua Magestade, com uma tão dila-tada christandade, cuja missão tiveram a glóriade converter a mayor parte dos seus Reys e Prín-cipes à nossa Santa fé Cathólica que aindaseguem nesta ilha.

Os Capitães Generaes da Índia que promo-viam governadores pera Timor, a maior partedeles menos instruídos de sua situação e quali-dade, ou por outros motivos, em lugar de aaumentar concorreram pera a sua total ruína; eella estaria já reduzida a nada se a sua mesmaconcistência e natural fertilidade a não concer-vasse independente de soccorros. Elles fizeram osistema de nomearem governadores pera estaIlha homens paisanos, inertes, sem instruçãomilitar nem luzes da Política, e pera officiaes dastropas instituídas pera a defensa daquella Coló-nia e dos direitos de Sua Magestade criminosos deatrozes delitos, que escapando das forcas de Goaforam renovar os crimes em Timor, fazendo mui-tas vezes irritar os Prícipes e conspirar contra oEstado.

Pera obviar as referidas desordens e acaute-lar esta Ilha de algüas ideias de Conquista dosHolandeses com ajuda dos Franceses, seria bom 122

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que as poucas tropas que se acham nella pera adefesa fossem augmentadas a proporção danecessidade e das Rendas, disciplinadas, arma-das e fardadas. Que se lhes concedessem quatro

pecinhas de artilharia de amiudar de bronze,pera se postarem nos flancos deste Corpo quandoelle se puser em Campo; e basta que duas sejamde duas libras de balla e duas de uma, e alguns123

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officiaes de préstimo que voluntariamente qui-zessem ir servir Sua Magestade naquella Collóniapor alguns annos, pelo interesse do seu aug-mento, e alguns cadetes que possam suprir a faltade oficiais que há naquellas tropas.

Com esta regulação se farão as ditas tropasde Timor não só reductável aos Príncipes deTimor mas também aos Holandeses, que naépoca actual é gente de pouco préstimo pera aguerra e incapazes de fazer maiores progressosnas armas, cujo conhecimento tenho por umalonga experiência.

As referidas peças de amiudar, sua pala-menta e petressos, e o mais que Sua Magestade forservida destinar pera aquella colónia pode ir nonavio do contrato de tabaco que deste porto há departir pera Macao, ou em direitura pera Timor,em um navio que deste quer mandar pera aquellaColónia em direitura o commerciante destaPraça José Nunes da Silveira.

Lisboa, primeiro de Dezembrto de 1795João Marinho de MouraCoronel e Governador de Timor»

Afinal, ao contrário do que se temia tantoem Díli como em Goa, a Revolução Francesa e asguerras napoleónicas não tiveram repercussõesem Timor. A Holanda fora anexada pela Françaem 1795, com o título de «República Batava», e aVOC praticamente extinta no ano imediato, pas-sando a administração das Índias Orientais paraa responsabilidade directa do estado. Os ingle-ses haviam-se estabelecido em 1784 da ilha dePinang ou Pulo Pinão, no norte da Malásia, eobtido facilidades para comerciar em todo oArquipélago, começando a aparecer comogrande potência marítima na zona, o que obri-gava as autoridades de Batávia a contemporizarcom eles. Aliado da Inglaterra, Portugal benefi-ciava dessa situação. E como os governadoresque se sucederam em Díli tiveram o bom sensosuficiente para conservar a paz interna, a vida de

Timor decorreu por largos anos sem incidentede maior.

Tampouco teve reflexos negativos em Timora ocupação dos domínios da Holanda, Timor oci-dental inclusive, pelos ingleses, de 1811 a 1816.Pelo contrário: foi provavelmente isso o que per-mitiu ao governador José Pinto de Alcoforado eSousa, homem interessado na agricultura, queprocurara desenvolver em Timor o cultivo dacana-sacarina, introduzir aí a cultura que nostempos modernos seria a sua maior riqueza: a docafé. Os holandeses, que desde 1616 haviam feitodiligências para aclimatar o cafeeiro na própriaHolanda, haviam em 1658 começado a cultivá-loem Ceilão; e em 1699, após uma tentativa falhadaem 1696, introduziram o seu cultivo em Java. Foiprovavelmente dessa ilha, ao tempo ocupadapelos aliados dos portugueses, que Alcoforado eSousa obteve as sementes de que necessitava; anão ser que lhe tenham vindo do Rio de Janeiro(onde continuava a residir a corte portuguesa),para onde haviam sido levadas de Goa em 1760.Só investigações mais cuidadosas que a que levá-mos a cabo o poderão dizer ao certo.

Se assim foi, então existe na história deTimor um vínculo mais a ligá-la à história doBrasil, de onde no século XVII haviam vindo asculturas que são hoje a base da alimentaçãotimorense: o milho, a batata-doce e a mandioca.

1 Na transcrição do texto desenvolvemos as abreviaturas,acrescentámos acentos e sinais de pontuação, e regularizá-mos um tanto a grafia, suprimindo uma ou outra variantegráfica mais rebarbativa, desde que averiguadamente des-provida de significação fonética, de modo a tornar a leituramais agradável e fácil ao leitor contemporâneo.

2 Mais geralmente tambaca, tambaque ou tambaga (domalaio tembaga, por sua vez do sânscrito tâmraka, «aco-breado») designa em português da Ásia as mais das vezesuma liga de cobre e zinco, por vezes outras ligas em queentre o cobre; tambaga suaça (do malaio tembaga suasa,com o mesmo sentido) é uma liga cobre e zinco com ouro.Em malaio chama-se tembaga kuning («tambaca amarela»)ao arame ou latão (liga de cobre e zinco), tembaga merah(«tambaca vermelha») ao cobre, tembaga perunggu aobronze (liga de cobre e estanho) e tembaga putih («tambacabranca») à liga de chumbo e estanho. 124

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Osportugueses e

Timor nosséculos XVI

e XVIIBibliografia BreveR u i M a n u e l L o u r e i r o

Investigador do CEPESA & Bolseiro da Fundação Oriente

Esta bibliografia,incluindo referências a umvasto conjunto de títulos dedicados a Timor oucontendo notícias sobre a ilha, não pretende serexaustiva. Procurou-se antes abranger, de umaforma selectiva, e necessariamente subjectiva,as mais importantes fontes e os mais significati-vos estudos editados em Portugal desde meadosdo século XIX, e que se referem aos primeiroscontactos dos portugueses com Timor e a partemais oriental do arquipélago indonésio. Men-cionam-se igualmente algumas publicaçõesestrangeiras, quando a respectiva relevânciaassim o justifica. Todos, ou quase todos, os títu-los são seguidos por pequenas anotações queresumem o conteúdo da obra, explicando a suaimportância ou chamando a atenção para algumaspecto mais singular. Deste modo, Esta biblio-grafia poderá constituir uma ferramenta degrande utilidade no aprofundamento dos maisvariados aspectos da realidade histórica timo-rense. Alguns lapsos haverá, inevitáveis numaselecção deste tipo. Contudo, o cruzamento dasreferências contidas nas obras a seguir indicadaspermitirá alargar significativamente o corpobibliográfico referente a Timor.

A ÁSIA DO SUDESTE – HISTÓRIA, CULTURA E DESEN-VOLVIMENTO, org. de Maria Johanna Schouten,Lisboa, Vega, 1998 (159 pp.). Actas de umrecente colóquio sobre o Sudeste Asiática.Especial atenção merece o texto de Arend deRoever sobre «The Partition of Timor – An His-torical Background», pp. 45-55, que expõe comsólidos argumentos a história da divisão dailha de Timor em duas áreas de influência nosséculos XVII e XVIII.

Luís de ALBUQUERQUE, «O problema do descobri-mento da Austrália pelos Portugueses», Dúvi-das e Certezas na História dos DescobrimentosPortugueses, 2 vols., Lisboa, Vega, 1990-1991(vol. 1, pp. 87-103). Recensão crítica, extensa edocumentada, da obra de Kenneth G. McIn-

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tyre sobre o descobrimento «secreto» da Aus-trália pelos nossos navegadores, levado a caboa partir de Timor. Cf. infra, nesta Bibliografia.

Jorge Manuel dos Santos ALVES, O Domínio doNorte de Samatra: A história dos sultanatos deSamudera-Pacém e de Achém, e das suas rela-ções com os portugueses (1500-1580), Lisboa,Sociedade Histórica da Independência de Por-tugal, 1999 (301 pp.). Estimulante estudo dasrelações nem sempre pacíficas que os portu-gueses, a partir de Malaca, estabeleceram comalguns sultanatos da ilha de Samatra. Sólidainvestigação, que recorre também a fontesasiáticas. Do ponto de vista timorense, inte-ressante para conhecer o contexto da pre-sença portuguesa no Sudeste Asiático.

Duarte BARBOSA, The Book of Duarte Barbosa,edição de Mansel Longworth Dames, 2 vols.,Londres, Hakluyt Society, 1918-1921 (238 + 286pp.). Um dos nossos primeiros tratados geo-gráficos sobre o Oriente, completado por voltade 1516. O autor viveu longos anos na Índia,onde foi funcionário das feitorias portuguesasdo Malabar, familiarizando-se com as «cousasorientais», das quais dá circunstanciada rela-ção. Inclui algumas das mais antigas notíciaseuropeias sobre Timor. A edição de Dames éextremamente útil pelas numerosas anota-ções que acompanham o texto de Duarte Bar-bosa.

Duarte BARBOSA, O Livro de Duarte Barbosa –Edição crítica e anotada, edição de MariaAugusta da Veiga e Sousa, 2 vols., Lisboa, Ins-tituto de Investigação Científica Tropical,1996-2000 (287 + 527 pp.). A primeira ediçãocrítica portuguesa da obra de Barbosa. Infeliz-mente, o texto não é anotado (as notas dizemapenas respeito às variantes dos váriosmanuscritos conhecidos), pelo que o leitormais curioso terá de continuar a recorrer à edi-ção inglesa.

António BOCARRO, O Livro das Plantas de Todas

as Fortalezas, Cidades e Povoações do Estadoda Índia Oriental, edição de Isabel Cid, 3 vols.,Lisboa, Imp. Nacional – Casa da Moeda, 1992(188 + 286 pp. + 48 ests.). Extensa descrição daspossessões portuguesas no Oriente, comple-tada em Goa, por volta de 1635. A obra é acom-panhada por um conjunto de desenhos ilus-trativos, preparados por Pedro Barreto deResende, contemporâneo do autor, e por umexaustivo estudo crítico.

Charles Ralph BOXER, Francisco Vieira de Figuei-redo – A Portuguese Merchant-Adventurer inSouth East Asia, 1624-1667, Haia, MartinusNijhoff, 1967 (117 pp.). Biografia de um pode-roso aventureiro-mercador português, muitoactivo no comércio extremo-oriental, sobre-tudo em Macassar e em Timor. O apêndicedocumental contém materiais inéditos. Deleitura fascinante, como quase todas as obrasdo grande historiador britânico.

Charles Ralph BOXER, Fidalgos no ExtremoOriente, Macau, Fundação Oriente & Museu eCentro de Estudos Marítimos de Macau, 1990(295 pp.). Obra clássica do célebre historiadorbritânico, originalmente publicada em 1948.Inclui um capítulo sobre «Timor Turbulento»(pp. 181-203), que trata de acontecimentosocorridos nos séculos XVII e XVIII. CharlesBoxer tem a vantagem de conhecer tão bem asfontes portuguesas como as holandesas,ambas indispensáveis para o conhecimentoda história do Sudeste Asiático depois de 1600.

Charles Ralph BOXER, Macau na Época da Res-tauração, Lisboa, Fundação Oriente, 1993 (231pp.). Estudo clássico, que contém informaçõessobre o comércio entre Macau e Timor, que sedesenvolveu sobretudo depois de 1639 e dainterrupção das ligações portuguesas com oJapão.

Afonso de CASTRO, As Possessões Portuguesas naOceania, Lisboa, Imprensa Nacional, 1867(460 pp.). Durante muito tempo foi o grande 126

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manual para o estudo do assunto. Hoje, bas-tante ultrapassado, merece ainda uma con-sulta.

Ruy [Vaz Monteiro Gomes] CINATTI, Esboço his-tórico do Sândalo no Timor português, Lisboa,Junta de Investigações Coloniais, 1950 (31pp.). Resenha da história do sândalo timo-rense, outrora abundantíssimo, hoje quasedesaparecido.

Ruy [Vaz Monteiro Gomes] CINATTI, UsefulPlants in Portuguese Timor. An Historical Sur-vey, Coimbra, V Colóquio Internacional deEstudos Luso-Brasileiros, 1964 (separata, 18pp.). Breve levantamento das referências aplantas timorenses na literatura histórica,desde a relação de Antonio Pigafetta (1522) atéà obra de Alfred R.Wallace (1869). Todas asplantas são identificadas e descritas.

Cristóvão da COSTA, Tratado das Drogas e Medi-cinas das Índias Orientais, edição de JaimeWalter, Lisboa, Junta de Investigações Cientí-ficas do Ultramar, 1964 (356 pp.). Cristóvão daCosta, tratadista português de origem cabo-verdiana, a quem por vezes é erroneamenteatribuída a nacionalidade espanhola, publi-cou o seu Tratado em Burgos, Espanha, em1578. Uma demorada estada no Oriente, ondepraticou a medicina, havia-lhe permitidorefundir, com muitos elementos novos, osColóquios de Garcia de Orta, com quem, aliás,privou na Índia. Dedica um capítulo às duasvariedades de sândalo (cap.22).

Sebastião Rodolfo DALGADO, Glossário Luso-Asiático, fac-símile da edição de 1919-1921,Bombaim, Asian Educational Services, 1988(535 + 580 pp.). Embora necessite de algumascorrecções e outras tantas actualizações, con-tinua a ser o trabalho fundamental sobre aspalavras de origem asiática que passaram aoportuguês desde o século XVI até finais doséculo XIX. Existe uma reedição recente do Ivolume: Lisboa, Academia das Ciências de Lis-

boa, 1983.Sebastião Rodolfo DALGADO, Influência do Voca-

bulário Português em Línguas Asiáticas, fac-símile da edição de 1913, Lisboa, Escher, 1989(253 pp.). Inclui referências ao tétum e aogalóli, duas das línguas faladas em Timor.

DOCUMENTA MALUCENSIA, edição de HubertJacobs, 3 vols., Roma, Institutum HistoricumSocietatis Iesu, 1974-1984 (760 + 794 + 778pp.). Compilação de documentos, sobretudode origem jesuíta, relativos à presença euro-peia nas ilhas Molucas, no século XVI e pri-meiros anos do século XVII. Os documentossão publicados na língua original, normal-mente português, na íntegra ou em extracto,acompanhados por um vasto e rigoroso apa-rato crítico, em língua inglesa. Algumas refe-rências a Timor. Esta obra, embora rara, podeser encontrada em bibliotecas especializadas.Pode, no entanto, ser substituída pelas duascolectâneas que se indicam de seguida, certa-mente mais acessíveis ao leitor português.

DOCUMENTAÇÃO PARA A HISTÓRIA DAS MISSÕES DO

PADROADO PORTUGUÊS DO ORIENTE – ÍNDIA

(1506-1599), edição de António da Silva Rego,12 vols., Lisboa, Agência Geral das Colónias(vols.1 a 5) & Agência Geral do Ultramar (vols.6a 12), 1947-1958. Obra fundamental, vastareunião de documentos relativos à presençaportuguesa no Oriente, ao longo do séculoXVI. Inclui materiais da mais diversa origem,ultrapassando as aparentes limitações dotítulo. Numerosas referências a Timor, quepodem ser convenientemente localizadasatravés da utilização dos índice geográficos.Infelizmente, as anotações são muito escas-sas. A Fundação Oriente, em colaboração coma Comissão Nacional para as Comemoraçõesdos Descobrimentos Portugueses, reeditouesta obra em fac-símile, tornando-a maisacessível (12 volumes, Lisboa, 1991-1996),dotando-a de um muito útil 13º volume de127

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Índices, da responsabilidade de Isabel Pina(Lisboa, 2000).

DOCUMENTAÇÃO PARA A HISTÓRIA DAS MISSÕES DO

PADROADO PORTUGUÊS DO ORIENTE – INSULÍNDIA

(1506-1599), edição de Artur Basílio de Sá, 6vols., Lisboa, Agência Geral do Ultramar (vol.1a 5) & Instituto de Investigação Científica Tro-pical (vol.6), 1954-1988. Trata-se de uma vas-tíssima compilação documental, sobretudocom base em materiais quinhentistas e seis-centistas de origem portuguesa. O conteúdoultrapassa de longe o título restrito, pois mui-tos dos documentos elucidam aspectos eco-nómicos, sociais, políticos e culturais da pre-sença portuguesa na Insulíndia. O índice geo-gráfico facilita o acesso aos documentos rela-tivos a Timor.

Manuel Godinho ERÉDIA, «Informação verda-deira da Aurea Chersoneso», in António Lou-renço Caminha, Ordenações da India doSenhor Rei D.Manuel. Informação verdadeirada Aurea Chersoneso, feita pelo antigo cosmo-grapho indiano Manoel Godinho de Heredia. Ecartas de D.Jerónimo Osório, bispo do Algarve,Lisboa, Impressão Régia, 1807. A obra deGodinho de Erédia, que data de cerca de 1622,inclui uma interessante descrição das ilhas deTimor. O auto-intitulado cosmógrafo luso-macassar era um bom conhecedor da geogra-fia do Sudeste Asiático.

António Pinto FRANÇA, Portuguese Influence inIndonesia, Jacarta, Gunung Agung, 1970(118p.). Levantamento de vestígios portugue-ses na língua e na cultura dos povos de váriasilhas indonésias. O autor foi consul de Portu-gal em Jacarta entre 1965 e 1970. Existe umatradução portuguesa mais recente: Lisboa,Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.

José Manuel GARCIA, Lurdes Silva Carneiro deSOUSA e Ivo Carneiro de SOUSA, Os PrimeirosMapas e Desenhos Portugueses da Indonésia –O Livro de Francisco Rodrigues (1512-1514),

Jakarta, CEPESA & Yayasan Gedung ArsipNasional, 2000 (18 pp.). Catálogo da primeiraexposição de reproduções dos mapas e dese-nhos da Insulíndia de Francisco Rodrigues,organizada pelo Centro Português de Estudosdo Sudeste Asiático.

Geoffrey C. GUNN, Timor Loro Sae – 500 anos,Macau, Livros do Oriente, 1999 (355 pp.). Amais recente e mais actualizada história glo-bal de Timor. Muita informação importantes,amplas indicações bibliográficas. Mais demetade da obra é dedicada à história dos sécu-los XIX-XX.

D. G. E. HALL, A History of South-East Asia, Lon-dres, Macmillan, 1994 (1070 pp.). Um verda-deiro clássico da historiografia asiática, quepermitirá integrar a história de Timor no con-texto mais vasto do Sudeste asiático.

HISTÓRIA DA EXPANSÃO PORTUGUESA, direcção deFrancisco Bethencourt & Kirti Chaudhuri, 5vols., Lisboa, Círculo de Leitores, 1998 (558 +599 + 517 + 568 + 499 pp.). A mais recente, maisactualizada e mais densa síntese sobre o tema,realizada por uma vasta equipa de conceitua-dos historiadores portugueses e estrangeiros.Textos maioritariamente de boa qualidade,que aliam o rigor documental ao apuro estilís-tico. Muitas velhas questões são reexaminadasà luz das mais modernas metodologias histo-riográficas. Muitas pistas de trabalho, assimcomo amplas e actualizadíssimas indicaçõesbibliográficas. Pela respectiva novidade, aten-ção especial merecem os textos referentes àsconfigurações do império português e aopapel de Portugal no contexto internacionalnos séculos XVIII e XIX.

HISTÓRIA DOS PORTUGUESES NO EXTREMO ORIENTE,direcção de A. H. de Oliveira Marques 2 vols. /3 tms. pubs., Lisboa, Fundação Oriente, 1998-2001 (564 + 496 + 532 pp.). Um dos mais recen-tes empreendimentos historiográficos colecti-vos, que pretende tratar de forma exaustiva a 128

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presença portuguesa no Extremo Oriente emgeral e em Macau em especial. Foram já publi-cados os dois tomos do 1º volume e o 2ºvolume, que têm por sub-títulos, respectiva-mente, «Em torno de Macau», «De Macau àPeriferia» e «Macau e Timor, o Declínio doImpério». Os vários tomos incluem síntesestemáticas bastante actualizadas, que aliam origor informativo à largueza das interpretação.No contexto timorense, especial destaquemerecem a «Introdução» de Luís Filipe Thomaz(vol.1, tm.I, pp. 13-121), o capítulo sobre«Timor» de Manuel Lobato (vol.1, tm.2, pp. 349-374) e toda a parte II do vol.2, especialmente ocapítulo «Timor: O Protectorado Português», deLuís Filipe Thomaz (vol. 2, pp. 493-526). Todosos tomos são ricamente ilustrado e fornecemamplas indicações bibliográficas, embora nesteaspecto padeçam de alguma desactualização.

INDONESIA-PORTUGAL: FIVE HUNDRED YEARS OF

HISTORICAL RELATIONSHIP / Cinco Séculos deRelações Históricas, coordenação de R. Z. Lei-rissa & Ivo Carneiro de Sousa, Lisboa, CentroPortuguês de Estudos do Sudeste Asiático,2001 (259 pp.). Actas de um colóquio realizadoem Jakarta, em 2000, que incluem vários estu-dos relevantes para a hist´roia das relaçõesentre portugal e Timor, nomeadamente de RuiManuel Loureiro, «Sixteenth century Iberianaccounts of Indonesia»; José Manuel Garcia,«The Portuguese Historians who wrote aboutIndonesia»; Teotónio R. de Souza, «Socialstructures and political patterns of the Portu-guese colonialism in Asia»; e Ivo Carneiro deSousa, «Mercantilism, reforms and the Portu-guese colonial society in Southeast asia».

Sartono KARTODIRDJO, «Religious and economicaspects of Portuguese-Indonesian relations»,Studia (Lisboa), n.º 29, 1970, pp. 175-196.Estudo importante sobre a presença portu-guesa no Sudeste Asiático entre 1509 e 1640.

Donald F. LACH e Edwin J. VAN KLEY, Asia in the

Making of Europe – A Century of Advance (vol.3, 4 tms.), Chicago, University of ChicagoPress, 1994 (2077 + cxii pp.). Esta monumentalobra inclui um levantamento bastante exaus-tivo das descrições de Timor que apareceramna literatura geográfica europeia do séculoXVII, sobretudo inglesa e holandesa (vol.3,tm.3, pp. 1455-1466). Excelente contextualiza-ção histórica e muitas informações bibliográ-ficas.

Humberto LEITÃO, Os Portugueses em Solor eTimor de 1515 a 1702, Lisboa, Tipografia daLiga dos Combatentes da Grande Guerra, 1948(299 pp.). Ensaio histórico escrito por umantigo governador de Timor. Segue de perto asfontes dominicanas. Lê-se ainda com alguminteresse.

LIVRO DAS PLANTAS, FORTALEZAS, CIDADES E POVOA-ÇÕES DO ESTADO DA ÍNDIA ORIENTAL, edição deLuís Silveira, Lisboa, Instituto de InvestigaçãoCientífica Tropical, 1991 (121 pp.). Colecção deestampas preparada entre 1633 e 1641, porautor anónimo. Entre as fortificações repre-sentadas aparece a fortaleza de Solor, ondeestava estabelecida uma comunidade de reli-giosos dominicanos, que visitavam frequente-mente a ilha de Timor. O traçado de muitas dasestampas apresenta notáveis semelhançascom o Livro das Plantas de António Bocarro,sugerindo a utilização de um modelo comum.

Manuel LOBATO, «Timor», in Dicionário de Histó-ria dos Descobrimentos Portugueses, edição deLuís de Albuquerque, 2 vols., Lisboa, Ed. cami-nho, 1994 (vol. 2, pp. 1034-1037). Sínteseactualizada, que resume os contactos dos por-tugueses com Timor até finais do século XVII.

Manuel LOBATO, Política e Comércio dos Portu-gueses na Insulíndia – Malaca e as Molucas de1575 a 1605, Macau, Instituto Português doOriente, 1999 (406 pp.). O mais recente eactualizado estudo sobre a presença portu-guesa na Insulíndia oriental, e sobretudo nas129

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Molucas. Muitas referências que interessam àhistória de Timor. Amplas indicações biblio-gráficas.

Rui Manuel LOUREIRO, Guia de História de Macau(1500-1900), Macau, Comissão Territorial deMacau para as Comemorações dos Descobri-mentos Portugueses, 1999 (293 pp.). Actuali-zado instrumento de trabalho, que referenciamais de 600 títulos de estudos e fontes deperto ou de longe relacionados com o passadode Macau. Obra estruturada de forma didác-tica, que poderá ser utilizada como roteiro deiniciação ou de aprofundamento à pesquisada história de Macau em particular e da ÁsiaOriental em geral, já que todos os títulos sãoacompanhados de breves anotações contex-tualizantes e/ou explicativas. Muitas referên-cias a Timor.

Artur Teodoro de MATOS, Timor Português 1515-1769 – Contribuição para a sua História, Lis-boa, Faculdade de Letras de Lisboa–InstitutoHistórico Infante D.Henrique, 1974 (489 pp.).Estudo fundamental sobre os principaisaspectos políticos, económicos, culturais ereligiosos da presença portuguesa em Timor,baseado numa ampla e sólida pesquisa docu-mental. Inclui um vasto apêndice documentale uma bibliografia bastante exaustiva.

Artur Teodoro de MATOS, Subsídio para a Histó-ria Económico-Social de Timor no SéculoXVIII, Braga, Bracara Augusta, 1975 (28 pp.). Avida económica e social de Timor, com espe-cial atenção para os governos de António Coe-lho Guerreiro (1702-1705) e de João BaptistaVieira Godinho (1784-1788). Publica um iné-dito Regimento da Intendência-geral da Mari-nha e da Fazenda Real.

Artur Teodoro de MATOS, «António Coelho Guer-reiro: mercador, burocrata e governador»,Mare Liberum (Lisboa), n.º 5, 1993, pp. 107-112. Biografia de Coelho Guerreiro, governa-dor de Timor em 1702-1705, com uma análise

do seu testamento.Kenneth Gordon MCINTYRE, A Descoberta Secreta

da Austrália, Macau, Fundação Oriente &Centro de Estudos Marítimos de Macau, 1989(277 pp.). O autor, baseado sobretudo emargumentos cartográficos, defende um pre-coce descobrimento da Austrália, levado acabo pelos portugueses a partir do litoral deTimor. Embora polémico, lê-se com interesse,já que faculta muitas informações sobre asnavegações portuguesas nos mares que cir-cundam a ilha de Timor. A leitura desta obra,contudo, deve ser acompanhada pela consultada recensão crítica de Luís de Albuquerque (cf.supra, nesta Bibliografia).

M. A. P. MEILINK-ROELOFSZ, Asian Trade andEuropean Influence in the Indonesian Archipe-lago between 1500 and about 1630, Haia, Mar-tinus Nijhoff, 1969 (471 pp.). Este estudo fun-damental, um verdadeiro clássico de históriaeconómica e social, foi originalmente publi-cado em 1962. Apresenta a mais elaboradadescrição, e discussão, da presença europeiana Insulíndia até 1630. Aproveita devidamenteas principais fontes portuguesas, e nomeada-mente a Suma Oriental de Tomé Pires, inte-grando a ilha de Timor num contexto históricoe geográfico mais vasto. É uma obra bastanterara, mas que merece uma leitura atenta (emereceria certamente uma tradução portu-guesa).

A. Faria de MORAIS, Solor e Timor, Lisboa, Agên-cia Geral das Colónias, 1944 (232 pp.). Apon-tamentos sobre a história da presença portu-guesa na parte oriental da Insulíndia. Incluialguns documentos setecentistas inéditos.

NOTÍCIAS DE MISSIONAÇÃO E MARTÍRIO NA ÍNDIA E NA

INSULÍNDIA, edição de Jorge Santos Alves, Lis-boa, Pub. Alfa, 1989 (227 pp.). Compilação dedocumentos referentes à missionação católicano Oriente. Os textos são modernizados e pre-cedidos de uma valiosa introdução. Embora as 130

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referências a Timor não abundem, a obra éimportante pela contextualização da presençaportuguesa na Insulíndia.

Luna de OLIVEIRA, Timor na História de Portugal,3 vols., Lisboa, Agência Geral das Colónias(vols. 1 e 2) & Agência Geral do Ultramar(vol.3), 1949-1952 (340 + 594 + 310 pp.). Ensaiode uma história global da presença portu-guesa em Timor. Não inclui aparato crítico.Especialmente relevante para as questõesadministrativas, nos séculos XVIII a XX.

ONDE NASCE O SÂNDALO – OS PORTUGUESES E TIMOR

NOS SÉCULOS XVI E XVII, coordenação de RuiManuel Loureiro, Lisboa, Grupo de Trabalhodo Ministério da Educação para as Comemo-rações dos Descobrimentos Portugueses, 1995(223 p.). Colectânea de características didácti-cas, que inclui uma introdução histórica, arti-gos sobre missionação (Artur Teodoro deMatos), etnografia (Ruy Cinatti) e linguística(Luís Filipe Thomaz), e uma antologia dedocumentos anotados dos séculos XVI e XVIIrelacionados com Timor.

Garcia de ORTA, Colóquios dos Simples e Drogasda Índia, edição do Conde de Ficalho (Lisboa,1891), edição fac-similada, 2 vols., Lisboa,Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987(386 + 443 pp.). O célebre tratado de Garcia deOrta (c.1501-1568), fisico português que viveuno Oriente durante longos anos, inclui umcolóquio (col.49) sobre o sândalo, onde sãoresumidas as principais informações entãodisponíveis em Goa. A obra foi originalmentepublicada em Goa, em 1563.

OS ESPAÇOS DE UM IMPÉRIO, coordenação deMafalda Soares da Cunha, 2 vols., Lisboa,Comissão Nacional para as Comemoraçõesdos Descobrimentos Portugueses, 1998 (271 +233 pp.). Luxuoso catálogo de um exposiçãohomónima, que é acompanhado por umvolume de estudos sobre a mesma temática.especial atenção merecem a secção do catá-

logo dedicada a «Timor» (Catálogo, pp. 234-257) e o estudo sobre «Timor e o Comércio doSândalo», de João M. Teles e Cunha (Estudos,pp. 225-233).

Antonio PIGAFETTA, Primer viaje alrededor delmundo, edição de Leoncio Cabrero Fernán-dez, Madrid, Historia 16, 1985 (223 pp.). Piga-fetta era um nobre italiano, originário da Lom-bardia, que participou na primeira viagem decircumnavegação, servindo como pajem deFernão de Magalhães. Uma saúde de ferro per-mitiu-lhe resistir a todas as peripécias daquelaincrível jornada. De regresso à Europa redigiuum pormenorizado relato da expedição,recheado de notícias geográficas e antropoló-gicas sobre numerosas regiões que até entãonunca haviam sido visitadas por navegadoreseuropeus. A 1ª edição da obra, simples resumodo manuscrito original, seria impressa emParis, por volta de 1526. Inclui notícias sobre aescala da nau Victoria em Timor.

Antonio PIGAFETTA, «Viagem à volta do mundo»,in Fernão de Magalhães – A primeira viagem àvolta do mundo contada pelos que nela parti-ciparam, edição de Neves Águas, Mem Mar-tins, Pub. Europa-América, 1987, pp. 21-142.Tradução portuguesa recente da relação dePigafetta. Esta edição deve ser manuseadacom algumas precauções, pois o aparato crí-tico não é completamente seguro.

Paulo Jorge de Sousa PINTO, Portugueses eMalaios – Malaca e os Sultanatos de Johor eAchém, 1575-1619, Lisboa, Sociedade Histó-rica da Independência de Portugal, 1997 (334pp.). Estudo bem documentado e bem elabo-rado sobre as vicissitudes da presença portu-guesa em Malaca e arredores. De interessepara o enquadramento da presença portu-guesa em Timor nos séculos XVI e XVII.

Benjamim Videira PIRES, A Vida Marítima deMacau no Século XVIII, Macau, Instituto Cul-tural de Macau & Museu Marítimo de Macau,131

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1993 (190 pp.). Contém algumas informaçõessobre as ligações mercantis entre Macau eTimor.

Tomé PIRES, «Suma Oriental», in Armando Cor-tesão, A Suma Oriental de Tomé Pires e o Livrode Francisco Rodrigues, Coimbra, Acta Univer-sitatis Conimbrigensis, 1978, pp. 134-444. Aobra do célebre boticário português (c.1470-c.1527), que em 1517 desembarcou em Cantãocomo embaixador de el-rei D.Manuel, contémuma das mais antigas descrições portuguesasda Insulíndia.

PORTUGAL NO MUNDO, direcção de Luís de Albu-querque, 6 vols., Lisboa, Publicações Alfa,1989. Uma das mais recentes tentativas debalanço da expansão portuguesa. Obra colec-tiva, com trabalhos de desigual valor, natural-mente, inclui alguns estudos sobre a Insulín-dia e sobre as rivalidades luso-holandesasnaquela região oriental. Algumas referênciasbibliográficas.

PORTUGALIAE MONUMENTA CARTOGRAPHICA, ediçãode Armando Cortesão & Avelino Teixeira daMota, 6 vols., Lisboa, s.e., 1960. Monumentalcompilação de praticamente toda a cartogra-fia portuguesa conhecida dos séculos XVI eXVII. A generalidade das cartas nunca anteshaviam sido publicadas. Para além de cartas,contém importantes textos sobre cada cartó-grafo, assim como análises minuciosas dosexemplares reproduzidos. Inclui, muito natu-ralmente, numerosas representações deTimor e das ilhas vizinhas. Foi recentementepublicada uma edição fac-similada e compac-tada desta recolha (6 vols, Lisboa, ImprensaNacional – Casa da Moeda, 1988), que, apesarde ser mais fácil de manusear, perde muita daqualidade da edição original.

Roderich PTAK, «O transporte do sândalo paraMacau e para a China durante a dinastiaMing», Revista de Cultura (Macau), n.º 1, 1987,pp. 36-45. Interessante e erudito estudo sobre

o comércio de sândalo entre Timor e a China,desde tempos remotos até meados do séculoXVII. Muitas referências bibliográficas.

Virgínia RAU, O ‘Livro de Rezão’ de António Coe-lho Guerreiro, Lisboa, Companhia de Diaman-tes de Angola, 1956 (94 pp.). Biografia circuns-tanciada de Coelho Guerreiro, que governouTimor entre 1702 e 1705 (pp. 11-52). Muitasindicações bibliográficas.

Anthony REID, Southeast Asia in the Age of Com-merce 1450-1680, 2 vols., New Haven, Yale Uni-versity Pres, 1988-1993 (275 + 390 pp.). Estudomonumental e fundamental sobre a culturamaterial, a organização social e as práticasculturais dos povos do Sudeste Asiático.Embora as referências a Timor não abundem,a obra faculta informações preciosas sobre asilhas da região. Muitas indicações bibliográfi-cas.

Arend de ROEVER, «The Partition of Timor – AnHistorical Background», in A Ásia do Sudeste –História, Cultura e Desenvolvimento, org. deMaria Johanna Schouten, Lisboa, Vega, 1998,pp. 45-55. Cf. supra, A Ásia do Sudeste [....].

Ian ROWLAND, Timor, Oxford, Clio Press, 1992(117 pp.). Bibliografia essencial e comentadasobre Timor, obra útil, embora manifesta-mente incompleta. Está disponível na Biblio-teca Nacional de Lisboa.

Artur Basílio de SÁ, Textos em Teto da LiteraturaOral Timorense, Lisboa, Junta de Investigaçõesdo Ultramar, 1961 (266 pp.). Transliteração etradução de sete lendas tradicionais tétum,algumas das quais se referem à chegada dosportugueses a Timor.

Fr. João dos SANTOS, Etiópia Oriental, edição deManuel Lobato & Maria do Carmo GuerreiroVieira, Lisboa, Comissão Nacional para asComemorações dos Descobrimentos Portu-gueses, 1999 (759 pp.). Fr. João dos Santos, quemissionou no Oriente durante mais de qua-renta anos, foi um dos principais cronistas das 132

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missões orientais da Ordem de São Domingos.Como seria de esperar, a sua obra contém umadescrição das primeiras missões dominicanasnas ilhas de Solor e Timor.

Fr. Alberto de SÃO TOMÁS, Virtudes de algumasplantas da ilha de Timor, edição de FranciscoLeite de Faria & José d’Orey, Lisboa, Centro deEstudos Históricos Ultramarinos, 1969. Omanuscrito original, que aqui é publicado emfac-símile, data de 1750, e inclui gravuras colo-ridas de 33 plantas de Timor, que são descritasem pormenor, com referências à respectivautlização pelas populações locais.

Kevin SHERLOCK, A Bibliography of Timor inclu-ding East (formerly Portuguese) Timor, West(formerly Dutch) Timor and Island of Roti,Canberra, The Australian National University,1980 (292 pp.). Extensa bibliografia sobreTimor, de enorme utilidade, certamente omelhor instrumento bibliográfico sobre Timoractualmente existente. Infelizmente, as refe-rências não são anotadas.

Fr. Luís de SOUSA, História de S.Domingos, ediçãode Manuel Lopes de Almeida, 2 vols., Porto,Lello & Irmão, 1977. Fr. Luís de Sousa, que navida laica se chamou Manuel de Sousa Couti-nho, deixou uma vasta obra historiográfica,onde se destaca a crónica da sua Ordem, redi-gida a partir de um manuscrito originalmentepreparado por Fr. Luís de Cácegas. As três pri-meiras partes da História foram impressas em1623 (ainda em vida do autor), 1662 e 1678. Asmissões de Solor e de Timor, monopólio dosdominicanos, merecem nesta obra um signifi-cativo espaço. A quarta parte da crónica domi-nicana, preparada por Fr. Lucas de Santa Cata-rina seria impressa em 1767. Interessam à his-tória de Timor as seguintes secções: pt.3, liv.4,caps.13-23; e pt.4, liv.4, caps.2-6.

George Bryan SOUZA, A Sobrevivência do Impé-rio: Os Portugueses na China (1630-1754), Lis-boa, Pub. Dom Quixote, 1991 (329 pp.). Trata-

se do estudo mais recente e mais actualizadosobre a presença portuguesa no Mar do Sul daChina (e não apenas na China, como sugere otítulo da versão portuguesa). Com base numaexaustiva pesquisa documental, o autor for-nece um informado panorama das actividadesportugueses em todo o Extremo Oriente(incluindo Timor) nos séculos XVII e XVIII,dedicando especial atenção às numerosas eimportantes comunidades portuguesas esta-belecidas naquelas remotas paragens. A tra-dução portuguesa, que não terá sido revistapor um especialista, contém alguns erros gra-ves, de modo que o leitor interessado recor-rerá com proveito à edição original: The Survi-val of Empire – Portuguese Trade and Society inChina and the South China Sea 1630-1754,Cambridge, Cambridge University Press, 1986(282 pp.).

Manuel TEIXEIRA, The Portuguese Missions inMalacca and Singapore, 3 vols., Macau, Insti-tuto Cultural de Macau, 1987 (502 + 425 + 508pp.). Obra de carácter divulgativo, pois nãopossui aparato crítico, mas que contém mui-tas informações importantes sobre as activi-dades missionárias na Insulíndia, e nomeada-mente em Timor.

THE CAMBRIDGE HISTORY OF SOUTHEAST ASIA, vol.1,From early Times to c. 1800, direcção de Nicho-las Tarling, Cambridge, Cambridge UniversityPress, 1992 (655 pp.). O melhor trabalho desíntese actualmente disponível sobre a histó-ria do Sudeste Asiático. Sólidos e actualizadosestudos, com amplas indicações bibliográfi-cas. Particular atenção merecem os ensaios deLeonard Y. Andaya, de Barbara Watson Andayae de Anthony Reid.

Luís Filipe THOMAZ, «Timor: Notas histórico-lin-guísticas», Portugaliae Historica (Lisboa),vol.II, 1974, pp. 167-300. O estudo mais com-pleto sobre as línguas de Timor, muito bemdocumentado e com ampla bibliografia.133

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Ultrapassa o âmbito restrito que o título pode-ria sugerir. Algumas das notas foram já reedi-tadas, na colectânea De Ceuta a Timor, abaixoreferenciada.

Luís Filipe THOMAZ, De Ceuta a Timor, Lisboa,Difel, 1994 (778 pp.). Recente e valiosa colec-tânea de artigos dispersos do autor, que con-tém estudos fundamentais sobre a presençaportuguesa em Timor: «Relance da História deTimor» (pp. 591-612); «A formação do Tétum--Praça língua veicular de Timor Leste» (pp.613-635); «A língua portuguesa em Timor» (pp.637-665); e «O afluxo ao meio urbano no Timorportuguês» (pp. 667-723). Esta colectâneacontém ainda outros artigos mais genéricos,que enquadram devidamente a presença por-tuguesa na Insulíndia.

TIMOR – LES DÉFIS DE L’INDEPENDENCE – LUSOTOPIE

2001, Paris, Éditions Karthala, 2002 (433 pp.).Recente edição da publicação francesa anualLusotopie, que inclui um extenso e fundamen-tal dossier sobre Timor (pp. 125-415), com arti-gos sobre história, antropologia, política, etc.,que fazem o ponto da situação nos diversosdomínios. Artigos de Michel Cahen, RuiManuel Loureiro, Johanna Schouten, JustinoGuterres, Ivo Carneiro de Sousa, Romain Ber-trand, Frédéric Durand, Benedict Anderson,Peter Carey, António de Almeida Serra, LurdesSilva Carneiro de Sousa, Armando MarquesGuedes e Stéphane Dovert.

UMA LULIK TIMUR – Casa Sagrada de Oriente, coor-denação de Rui M.S. Centeno & Ivo Carneiro deSousa, Porto, Reitoria da Universidade doPorto, Faculdade de Letras do Porto & CEPESA,2001 (149 pp.). Catálogo da exposição dedicadaà casa sagrada timorense, que inclui um docu-mentada e sugestivo estudo sobre «A Casa e asCasas da Indonésia Oriental nos desenhos doLivro de Francisco Rodrigues (1512-1515)», deIvo Carneiro de Sousa (pp. 23-46).

J. C. VAN LEUR, Indonesian Trade and Society –

Essays in Asian Social and Economic History,Dordrecht (Holanda), Foris Publications, 1983(465 pp.). Importante colectânea de ensaios deum dos mais interessantes historiadores dapresença europeia na Insulíndia. O autorargumenta que até 1800 o impacto europeu noSudeste Asiático foi menos importante do queas fontes europeias levariam a supor.

Ernst van VEEN, Decay or Defeat? An inquiry intothe Portuguese decline in Asia, 1580-1645, Lei-den, Universiteit Leiden, 2000 (306 pp.). Edi-ção impressa de uma recentíssima disserta-ção de doutoramento holandesa, que ques-tiona com enrome rigor documental muitosdos mitos historiográficos que se formaramem torno da chamada «decadência» da pre-sença portuguesa na Ásia. O autor constataque os portugueses detiveram uma enormeimportância nos negóicos do Mar do sul daChina e da Insulíndia durante o período emquestão e que a ascenção holandesa não foitão rápida nem tão pacífica como se tem pen-sado.

John VILLIERS, «As derradeiras do mundo: Thedominican missions and the sandalwoodtrade in the Lesser Sunda islands in the six-teenth and seventeenth centuries», in Actas doII Seminário Internacional de História Indo-Portuguesa, edição de Luís de Albuquerque &Inácio Guerreiro, Lisboa, Instituto de Investi-gações Científicas Tropicais, 1985, pp. 571-600. Estudo bem informado, com muitas refe-rências geográficas, sobre as relações dos Por-tugueses com as ilhas de Timor, Solor e Floresnos séculos XVI e XVII.

John VILLIERS, «As origens das primeiras comuni-dades portuguesas no Sueste Asiático», Revistade Cultura (Macau), nº4, 1988, pp. 21-26.Pequeno artigo de divulgação, com informa-ções sobre a importância do sândalo timo-rense nas redes comerciais do Sudeste Asiático.

134

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A Imprensa em Timor,

antes do 25 de Abril

P a u l o P i r e s

«Se a arte de escrever foi o mais admirável invento do Homem,

o mais poderoso e fecundo foi certamentea imprensa»

Alexandre Herculano

A imprensa é obra do homem ao serviço dohomem. Foi inventada para acabar com a faltade comunicação entre os homens, permitindo adivulgação de notícias, o intercâmbio de ideias,a partilha de experiências individuais e comuni-tárias, aproximando cada vez mais os homensentre si. A escrita, essa maravilha produzida pelaimaginação prodigiosa da inteligência humana,ainda não entrou em casa de toda a gente, empleno século XXI. Apesar do esforço da Comuni-dade Internacional – UNESCO – ainda não foidebelado, nos princípios deste 3º milénio, o can-cro do analfabetismo, no mundo, sobretudo noschamados países do terceiro mundo. A culturaaudiovisual, numa determinada altura histórica,aparentemente, pareceu abafar a necessidadeda imprensa, já que os poderosos meios tecno-lógicos de informação e comunicação, postos aoserviço da política da aldeia global,, encurtamdrasticamente a distância entre os continentes eos povos. Não obstante a novidade e comodi-dade que eles nos proporcionam, em termos deacesso rápido à comunicação, o homem aperce-beu-se – e felizmente e a tempo– de que a leiturafaz parte integrante da sua sabedoria milenar.Por isso, muito cedo, se cansou de tanto ruídoque ensurdece os ouvidos e de tanto fogo de arti-fício que cega a vista. Vivifica, de novo, o ritualmágico de folhear entre os dedos um jornal, logode manhã, uma revista, ao fim de semana, umlivro, depois do jantar, na sala de estar ou noleito, antes de fechar os olhos e navegar pelomundo dos sonhos.

Quando se trata de abordar a questão daimprensa em Timor, antes de 25 de Abril de 1974,

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é mister enquadrá-la num determinado con-texto histórico-cultural cujos pressupostosmerecem uma análise cuidada e objectiva.

Ao referirmo-nos à imprensa em Timor,entendemos a imprensa em Língua Portuguesa.Isto implica que:– em primeiro lugar, os editores dominem a lín-

gua de Camões;– em segundo lugar, o público leitor/consumi-

dor saiba ler e se interesse pela leitura para ainterpretar conveniente e objectivamente;

– em terceiro lugar, para escrever e publicar sãonecessárias condições da sua efectiva exequi-bilidade.

IA pobreza, ou mesmo a ausência da

imprensa em Timor, deve-se, de facto, a estesfactores. Até à década de 50, os «letrados»,excepção feita aos missionários católicos e aalguns altos funcionários da administraçãocolonial, em Timor, eram quase nulos. Mesmoalguns homens cultos, como Carlos Cal Bran-

dão1 e Alberto Osório de Castro2 da administra-ção colonial local – para citar apenas dois – nãopodiam exercer uma actividade cultural derelevo, nessa área, porque não havia condiçõesobjectivas e materiais para isso.

Reportando-nos às décadas 20-40, pareceu-nos que a preocupação pela política da fixaçãodos europeus em Timor era de orientação maishumanista e cultural. Contudo, analisando, comcuidado o diploma legislativo nº 107, podemosconcluir que o espírito deste diploma legislativoera, sub-reptícia e discretamente, de naturezacolonialista, como era prática corrente, naépoca. Esta política está bem expressa nos con-siderandos do Diploma Legislativo nº 107, de 12de Setembro de 1927, que a seguir se explicitam:«Considerando que a função colonizadora dosdiversos povos, tanto nas suas modalidades dedesenvolvimento económico como de aperfeiçoa-mento intelectual e moral se exerce principal-mente pela intervenção dos elementos europeus;

Considerando que a fixação de tais elemen-tos no seio das populações atrasadas é o melhor 136

Baía de Díli, postal ilustrado, 1938.

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incentivo para o seu progresso e integração nomovimento civilizador;

Considerando que Timor, pela sua posiçãogeográfica, não pode aspirar a tornar-se um focode emigração portuguesa importante;

Considerando que tal desvantagem deveráser compensada pela estabilização daqueles ele-mentos nacionais que as circunstâncias aquitrouxeram […];

Considerando que para conseguir tal objec-tivo, se torna necessário dar-lhes garantias, quelhes inspirem confiança no amparo e ajuda dosPoderes Políticos;

O presente Governo aprovou e o Governadorde Timor dá o seu assentimento ao presentediploma que é executório nos termos do art. 77 daCarta Orgânica em vigor»3.

Foi ao abrigo deste diploma legislativo queficaram, a residir em Timor, os funcionáriosreformados portugueses. Era suposto que oobjectivo da fixação dos portugueses em Timorfosse para dar cumprimento ao disposto nos

considerandos do diploma legislativo, supra,referidos.

Mas, afinal, o diploma legislativo nº 123 per-mite descobrir a verdadeira intenção do governocolonial com a implementação da fixação dapopulação europeia portuguesa, supostamente,para cumprir o programa enunciado pelos «con-siderandos» do referido diploma nº107. Comefeito, proclama o articulado do diploma legis-lativo nº 123, de 19 de Dezembro, de 1928:

«Considerando que todas as granjas e plan-tações exploradas pelo Governo e Municípios dãoprejuízo, à excepção duma delas […];

Considerando que convém ao interesse daColónia, promover a fixação de elementos colo-nizadores europeus e, principalmente, portugue-ses, para o que se torna necessário, ampará-losnas suas iniciativas;

O Conselho do Governo aprovou e o Gover-nador de Timor, usando da competência que lheconfere o art. 77º da Carta Orgânica, determina:

1º – Serão aforadas em haste pública, ao con-

Rua de Díli, postal ilustrado, 1938.

137

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corrente por maior preço de licitação oferecer, asgranjas Eduardo Marques, República de Remexioe Ede.

5º – Na praça que se realizar para esse efeito,apenas serão tomadas em conta, as propostasapresentadas por funcionários portugueses refor-mados, civis ou militares, que ainda não sejamprodutores»4.

Pelo exposto, pode-se considerar que odiploma é claramente exclusivista e atentatóriodo direito universal que assiste a todo e qualquerpessoa de ter acesso à propriedade. Sem nosenvolvermos na discussão sobre o direito à pro-priedade privada, interessa-nos analisar as con-sequências desta norma legislativa. Para além delimitar o direito daqueles que, sendo eventual-mente já produtores, limita também a licitaçãodas novas granjas aos outros, já que ela só eradestinada aos «funcionários portugueses refor-mados, civis ou militares». O mais estranho é quese espera, segundo a orientação do diplomalegislativo, não o que pretendem os consideran-

dos do diploma legislativo nº 107, mas o que,posteriormente, foi decretado pelo diplomalegislativo nº 123. É à luz deste diploma que seestabeleceram em Timor «13 plantadores, 3comerciantes e 10 indivíduos, exercendo diversosmisteres». Entre esses indivíduos, contavam-se 5com posto de tenentes, 7com a patente de alfe-res, e, os restantes eram sargentos e cabos. Esses«diversos misteres» não eram, com certeza, umaactividade cultural, e, muito menos ainda, umaactividade na área de imprensa5.

E quanto aos «deportados», escreve omesmo autor que era Governador de Timor,entre 1928-1930: «O seu caso era mais compli-cado que o dos reformados, visto que além doabatimento físico e moral em que chegavam, e sevirem desprevenidos de quaisquer meios finan-ceiros, eles não conheciam o meio, e a sua quásitotalidade não fazia a menor ideia do que fosse aagricultura»6.

Conclusão: não seria com estes indivíduosque se poderia pensar em Timor e para Timoruma imprensa, em língua portuguesa. Alguns

Rua de Baucau, postal ilustrado, 1938.

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deles mal sabiam escrever o seu nome. Por umaquestão de respeito, não vamos identificar essaspessoas que desempenhavam, com honestidadee brio profissional, a missão que o Governo daProvíncia lhes incumbia na administração colo-nial, sobretudo, a nível de «chefes de postos»,mais tarde, metamorfoseados em «administra-dores do posto».

Depois da Segunda Grande Guerra e doregresso do governo português, exilado, durantea ocupação japonesa, na Austrália ou algures nachamada «Metrópole», pensou-se que se podiainaugurar uma nova era de reconstrução da ilha,sobretudo, em termos culturais. A verdade,porém, é que os tais «reformados civis e milita-res» das décadas 30 e 40 foram desaparecendo.Alguns não resistiram à ocupação japonesa e àsintempéries naturais da Ilha para as quais nãoestavam preparados.

E os outros portugueses que foram, maistarde, a Timor, eram essencialmente militares,com uma passagem transitória e fugaz pelo ter-ritório, bem como os altos funcionários admi-nistrativos. Por isso, essa presença portuguesa,relativamente mais volumosa, em Timor, eratemporária, e, por conseguinte, profundamentedesenraizada do meio onde trabalhavam. Umapresença temporalmente muito limitada nãopermite sonhos de outra ordem, isto é, projectosde grande envergadura, como o da implementa-ção de uma imprensa sólida e com futuro, a cir-cular na Ilha.

Dada a escassez dos docentes em Timor, osoficiais militares milicianos ou de carreira acu-mulavam as aulas no único Liceu existente emTimor, Dr. Francisco Machado, sediado em Díli.A gravidade da situação do ensino é que desdeque os militares ou outros estivessem munidosdo «canudo» de qualquer curso superior oumédio, e muitos desses cursos não tinham umarelação intrínseca com o ensino, na sua vertentepedagógica, estariam, ipso facto, credenciados,

habilitados e aptos parra ensinar no Liceu. Emesmo assim, constituíam um número insigni-ficante, como confirma o censo oficial da época:«Os números que se seguem, mostram o movi-mento dos últimos anos no ensino liceal emTimor: No ano lectivo de 1960, havia 15 agentesde ensino […] No ano lectivo de 1966-67, havia 36agentes de ensino»7. Saliente-se a confirmaçãoda afirmação anterior. Na verdade, o estatutoque, oficialmente, se atribui aos docentes doliceu não era de «professores», mas sim, de«agentes de ensino». Quer isto dizer que, efecti-vamente, não eram profissionais de ensino. Defacto, naquelas longínquas paragens do impérioportuguês, «onde o sol, em nascendo vê pri-meiro», no dizer de Camões, dada à escassez degente letrada, era imperioso lançar a mão a tudoe acolher com carinho gente com boa vontadepara o que fosse necessário.

Com pessoal pouco qualificado e outros emsituação de «trânsito», não era possível pensar-se num projecto ambicioso como é o daimprensa. Os que, eventualmente, tomassem adecisão de lá se radicarem, faziam-no embala-dos pelo sabor do leite do coco e pela frescura dabrisa das parias da Areia Branca, dos Coqueirosou, então encantados com a beleza selvagem eagreste da Ilha. Outros ainda, não optando porse enraizar, definitivamente, na Ilha, ficaramprofundamente ligados a ela, seduzidos queforam por ela e pela sua acolhedora gente. Ocaso paradigmático foi o de Ruy Cinatti que rea-lizou o seu sonho de se fazer «filho» de Timoratravés do ritual simbólico do «pacto de san-gue», com o rei de Aiassa. Passou, então a ser ofilho adoptivo de Timor e irmão dos descenden-tes do avô Crocodilo.

IIA segunda condição diz respeito ao

público/leitor. Se, nas décadas 50, 60 e 70 – e infe-139

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lizmente não só – o analfabetismo em Portugalera um flagelo social, o que se poderia dizer,então, de Timor? Segundo censo oficial de 1965,os habitantes de Timor eram de 555 7238, e osestudantes do Liceu, população/alvo, eventualconsumidora da imprensa, eram 607. E os estu-dantes do ensino «primário», no mesmo ano lec-tivo, eram 14 4489. Portanto, a população estu-dantil representava 27% do total da populaçãotimorense. Esta percentagem aparentementeparece ser significativa, porém não poderia cons-tituir, nunca, a população/alvo consumidora daimprensa, porque, a maioria deles só sabia ler econtar e, portanto, não podia dominar o portu-guês para compreender e interpretar leiturasmais complexas. Além disso, o currículo escolardo ensino primário, antes dos anos 50, estavaorientado para outros objectivos, que não os daprossecução de estudos de qualquer nível, médioou superior. A orientação dada a este nível deensino, o primário, era outra, diferente do currí-culo oficial ministrado nas congéneres escolas daMetrópole. O relatório oficialmente apresentadopelo Padre Artur de Sá, em 1952, na Sociedade deGeografia de Lisboa, Semana do Ultramar, con-firma isso mesmo: «Resolveu-se então […] daroutra orientação ao ensino. Modificou-se o regimedas escolas, e alteraram-se os programas. O objec-tivo primário e geral da instrução, no momentopresente, é proporcionar a todos o conhecimentodas primeiras letras, dentro de uma formaçãorural, pois as grandes esperanças de Timor estãodepositadas nas suas possibilidades agrícolas.Deste modo, os alunos serão preparados para con-tinuar, com gosto, nos seus povoados, um modo devida que é o seu, mas em nível melhorado»10.

Não há, pois, dúvida de que se continuava,mesmo no âmbito do ensino dessa época, oobjectivo preconizado e estipulado peloDiploma Legislativo nº 123, já analisado, nestaspáginas. Porém, o missionário ressalva, comojustificação perante os dirigentes da Instrução

Nacional presentes na Conferência, linhas maisà frente que: «Seria, no entanto, injusto negar-seaos rapazes, intelectualmente bem dotados, odireito a uma instrução em grau superior»11.

Entende-se aqui, um grau superior equiva-lente ao ciclo a seguir à 4ª classe, o actual 4º ano.A afirmação do missionário não passava de umdesejo. A história de Timor revela-nos a verdadenua e crua, anos depois. Segundo o censo oficialdo ano lectivo de 1969-70, os alunos do Liceueram 37612. A comparação que, eventualmente,se possa fazer, no mesmo ano lectivo, relativa-mente ao número dos alunos do ensino primá-rio (14 448), a percentagem global é, manifesta-mente, insignificante. O que é se depreendedaqui? Que entre os 376 alunos do Liceu, muitopoucos eram os naturais de Timor. A maioria dosalunos do Liceu eram filhos dos militares metro-politanos, em «trânsito», e, sobretudo, dos altosfuncionários da administração colonial, tam-bém em «trânsito» relativo, no que concerne aotempo da sua permanência na Província; eoutros que, efectivamente, gozando do privilé-gio estatuído pelos diplomas legislativos emreferência, neste texto, não estão em «trânsito»,porque já são timorenses, de naturalidade.

Todos estes factores explicam e confirmam oque Luís Filipe R. Thomaz, especialista da Histó-ria da Ásia, incluindo nela a de Timor, estudioso,investigador e, por isso mesmo, profundo conhe-cedor da realidade antropológica, cultural e lin-guística timorense, proferiu no Congresso sobre aSituação Actual da Língua Portuguesa no Mundo(Lisboa, 1983): «O português não chegou, pois,nunca a tornar-se a língua normal de comunica-ção oral […] O português – na sua forma literária,desta vez – é naturalmente a língua materna dosraros europeus criados no território, bem como damor parte dos mestiços, cujo número, segundo ocenso, era, em 1970, de 1.939»13.

A referência a esta problemática tem, comopropósito, explicar que, mesmo havendo uma 140

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imprensa em Timor, não teria consumo, e, por con-seguinte, não teria, em termos económicos, renta-bilidade. Acresce-se ainda o facto de não haver, emTimor, meios de comunicação para a distribuiçãoeficiente e rentável de qualquer tipo de imprensaou outros panfletos de informação, ainda que – porhipótese académica – houvesse no interior da ilha,possibilidades humanas e culturais para absorver

essa informação, pois, as condições de acessoeram e são difíceis, como confirma a investigaçãoda Agência Geral do Ultramar: «O áspero relevo deTimor, conjugado com o regime de torrentes dassuas ribeiras e com as inundações periódicas dassuas planícies, tornam difícil e custoso o traçado e amanutenção de um núcleo de estradas de utilizaçãopermanente durante o ano»14.

Monumento aos 500 anos do nascimento doInfante D. Henrique, em Díli, um dos principaismarcos da presença colonial portuguesa em Timor.Fotografia de Eduardo Gajeiro.

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IIIUma outra dificuldade prende-se com as

dotações orçamentais do Governo da Província,as quais não eram suficientes para resolver pro-blemas relacionados com a agricultura, com aadministração, com os meios de comunicação eeducação, etc.: «Tendo, porém, em atenção todosos saldos de exercício findos, a situação finan-ceira da província no final de 1968, apresentouum saldo total de 21.548 contos»15.

Este saldo positivo – ainda que irrisório –resulta de cortes orçamentais nas áreas onde oresultado quantitativo era menos visível, pois oque interessava, na época e ainda hoje na gover-nação, a visibilidade do produto. Ora, a activi-dade da imprensa, para além de ser pouco ounada rentável, naquele meio cultural, podia sertambém um sorvedouro, sem contrapartida, docurto e parco orçamento da Província.

No entanto, estas dificuldades não impedi-ram que, por iniciativas avulsas e com esforço

suplementar económico, aparecessem emTimor algumas publicações periódicas, em por-tuguês, com interesse local e não só.

A Diocese de Dili-Timor, não obstante mui-tas dificuldades económicas, quis corresponderao sonho de alguns jovens sacerdotes briosos, àcabeça dos quais figurava a personalidade doRev P. Jorge Barros Duarte. Foi assim que nasceua Revista Seara. O espírito desta Revista, numaprimeira fase, era o de evitar o isolamento dosmissionários que estavam espalhados pelo inte-rior da Ilha. As suas páginas estavam abertas àpartilha das experiências pastorais dos missio-nários. Paulatinamente, as suas páginas iam-sealargando a outros assuntos, de natureza antro-pológica, área em que os missionários estavam,de certo modo, à vontade, devido à sua prepara-ção filosófico-teológica e, sobretudo, porqueviviam permanentemente junto das popula-ções. Aliás, uma experiência religiosa não é maisdo que um trabalho de campo sobre os hábitos,

Escola de Vinilale, construída pelas autoridadesportuguesas nos anos 30 do século XX. Fotografiade Luís F. R. Thomaz.

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os costumes e as tradições locais. Como exem-plo típico, referimos os artigos e debates abertosà comunidade «letrada sobre o ‘Barlaque’»16 eoutros temas relacionados com os usos e costu-mes de Timor que, dada à exiguidade do espaço,não serão aqui abordados.

A instituição militar, tendo uma mística pró-pria na sua maneira de estar no mundo e nasociedade concreta em que se insere – uma ins-tituição de modelo espartano na disciplina emodelo da mística medieval de compromissocom os valores de lealdade, de honra, etc. – nãoquis deixar-se prender nas malhas do poderpolítico. A instituição militar assume-se como ogarante da paz, da estabilidade e da segurançada sociedade. De certo modo, ela estará acimadas querelas particulares de corporativismos dequalquer natureza. Julgamos poder inferir destapremissa a razão pela qual o exército, em Timor,quis também ter um jornal próprio. Deste modo,foi lançado o jornal do exército, intitulado A Pro-víncia de Timor. Como se calcula, os assuntostratados deveriam ser apenas no âmbito militar,porque os seus problemas internos não teriamtanto interesse para a opinião pública.

Finalmente, não em termos cronológicos ede importância – porque a ordem é arbitrária –o jornal A Voz de Timor. A princípio, não era, defacto, a Voz de Timor. Era o jornal do governo daProvíncia, portanto, seria mais lógico dizer A Vozdo Governo da Província. E isto, porque este jor-nal só se limitava a dar notícias das actividadesdo governo – visitas e uma ou outra inauguraçãodas escassas obras públicas – e a publicar osboletins informativos sobre nomeações dos fun-cionários e o seu estatuto jurídico e um ou outroartigo da Lei emanada da Assembleia Nacionalou diplomas do Governo relativos às colónias,caso concreto, à colónia de Timor.

Depois do movimento dos Capitães de 25 deAbril de 1974, com o aparecimento dos partidos eassociações políticas, o jornal A Voz de Timor

ganhou novo élan. Passou a ter mais páginas ecom maior tiragem, tal era a ânsia de notícias, daparte da juventude letrada, activa e militante,sobre as actividades, os projectos e as iniciativasdos partidos políticos, então, emergentes dasituação criada pelo MFA. De facto, os partidospolíticos interessavam-se pela imprensa, porqueera um meio eficaz, para além da rádio, junto dosjovens estudantes, os quais constituíam a espe-rança de Timor. Os dois maiores partidos nacio-nalistas – a UDT e a Fretilin – nunca punham emcausa a adopção do português como a língua ofi-cial dum Timor independente. Como suportedesta política nacionalista, os alunos que afluíamdo interior da Ilha para Dili, para frequentar oliceu Dr. Francisco Machado e a Escola Técnica,Prof. Dr. Silva Cunha, preenchiam por completo,essas duas instituições de ensino, com o mesmoprograma curricular do de Portugal. Tentou-seuma reforma que não deu resultados práticos,por razões de ordem ideológica e estranhas à rea-lidade local. Só que este entusiasmo juvenil foiinterrompido pela luta fratricida entre a UDT e aFretilin e pela posterior invasão de Timor peloexército do regime de Jacarta. Entra-se num novociclo, o mais dramático da história do Povo deTimor. Não se compara à ocupação japonesa, naSegunda Grande Guerra.

O regime de Jacarta proibiu o ensino de por-tuguês em Timor. Fechou a escola de S. José, emDili. Não obstante estas limitações, o povo con-tinuava a cantar em português, não se coibia de,publicamente, rezar em português, desafiandoassim o bahasa indonésio – língua indonésia –que relegavam para a sua função exclusiva-mente administrativa. A resistência adoptava oportuguês como língua de resistência. Por isso,os escritos do Xanana Gusmão que eram divul-gados e circulavam, clandestinamente, entre opovo e os guerrilheiros eram em português,escritos esses que constituíam autênticos tre-chos de rara elegância literária. 143

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O referendo de 1999 pareceu abrir uma novaera de libertação, em todas as latitudes, para opovo de Timor. Porém, a política da UNTAET emTimor parece não agradar aos timorenses, desdeos seus dirigentes ao povo simples. Nãoentrando na esfera misteriosa, e por isso, peri-gosa, dos meandros da política internacional ecircunscrevendo-nos apenas à língua portu-guesa, o CRNT – Conselho Nacional da Resis-tência Timorense, na sua Convenção em Peni-

che – e a Assembleia Constituinte de Timor, pos-teriormente transformada em Legislativa, pro-clamaram o português como a futura língua ofi-cial da República de Timor Loro Sa’e ou TimorLeste. A verdade, porém, é que a UNTAET temadoptado uma política discriminatória em rela-ção ao português. Os panfletos que mandou cir-cular entre a população para lhe dar informa-ções sobre vários assuntos acerca do direito aovoto, são um verdadeiro atentado e insulto à lín-

Escola em Bobonaro, c. 1970. Fotografia de Luís F.R. Thomaz.

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gua de Camões, de Vieira, de Pessoa e de todosnós. É, no mínimo estranho, porque o chefe daUNTAET fala português, ainda que seja brasi-leiro. Além do mais, temos em Timor, muitosprofessores portugueses, a ensinar o Portuguêsem Timor. Não vamos mais longe: entre os sacer-dotes, há quem domine perfeitamente e comelegância conceptual e literária a língua portu-guesa. Porque não consultá-los?

Por outro lado, as ambiguidades do governotimorense actual sobre uma possível entrada deTimor na comunidade anglófona, na peugada deMoçambique, deixam perplexo o povo de Timor.

Por tudo isso, consideramos que não serásuficiente enviar professores de português paraTimor. É necessário implementar uma políticade cooperação Portugal/Timor, na área de edu-cação e uma presença activa do Instituto deCamões, em Timor, desenvolvendo actividadesde divulgação, de informação e de formação deprofessores naturais no domínio da língua por-tuguesa na sua vertente escrita e oral. E porque

não um jornal ou uma revista em língua portu-guesa, da responsabilidade do Instituto deCamões?

1 Autor do livro Funo:guerra em Timor, Porto, Edições A.O.U., 1946.2 Autor do livro A Ilha Verde e Vermelha de Timor, Lisboa,

Agência-Geral das Colónias, 1943.3 Teófilo DUARTE, Ocupação e Colonização Branca de Timor,

Porto, Educação Nacional, 1944, pp. 124-125.4 Idem, ibidem, pp. 127-ss.5 Idem, ibidem, pp. 132-ss.6 Idem, ibidem, p. 134.7 Timor: pequena monografia, Lisboa, Agência-Geral do

Ultramar, 1970, p. 93.8 Ibidem, p. 33.9 Ibidem, p. 93.10 Artur de SÁ, Timor, Lisboa,Sociedade de Geografia de Lis-

boa, 1952, p. 5511 Idem, ibidem, p. 55.12 Timor: pequena monografia, Lisboa, Agência-Geral do

Ultramar, 1970, p. 93.13 Luís Filipe dosReis THOMAZ, «A língua portuguesa em

Timor», separata do Congresso Sobre a Situação Actual daLíngua Portuguesa no Mundo (1983), Lisboa, Instituto deCultura e Língua Portuguesa, 1985, pp. 322 e 325.

14 Timor: pequena monografia, Lisboa, Agência-Geral doUltramar, 1970, p. 130.

15 Ibidem, p. 15.16 Barlaque, ritual do casamento tradicional.

Escola em aquartelamento português, c. 1970.Fotografia de Luís F. R. Thomaz.

145

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Borja da Costa: Um Poeta e

uma Fundação

Quandoflorescer o

arroz...M a r i a J ú l i a F e r n a n d e s

Jornalista

Qual é a causa porque o teu milho não espigaQual é a causa porque o teu arroz não floresceQual é a causa da tua fomeQual é a causa do teu suor sem fim

(Kolele Mai, Francisco Borja da Costa)

Francisco Borja da Costa morreu no primeirodia da invasão indonésia de Timor, 7 de Dezem-bro de 1975. Estava ocasionalmente a dormirnum lar de estudantes em Díli. Saiu à rua paraver o que se passava e foi imediatamente atin-gido por um projéctil. Morreu logo. Não foi umfim imprevisível, dadas as ligações políticas deBorja da Costa, mas chegara cedo de mais. Ter-minava assim uma vida, calava-se uma voz queprometia dar a Timor muitos e variados cantos.No entanto, hoje quando alguém cantar o hinonacional timorense vai estar a repetir as palavrasescritas por Borja da Costa.

O Poeta«Qual é a causa porque o teu milho não

espiga, qual é a causa porque o teu arroz não flo-resce…» A pergunta é de estilo. O poeta pretendeapenas chamar a atenção para o sofrimento doseu povo cuja causa, não respondida no poema(Quem exactamente é o causador?), está implí-cita… é o colonialismo. O poema não tem data,ignora-se quando Borja da Costa o escreveu e emque circunstâncias. Mas a maior parte do queescreveu, ou que pelo menos se conhece dele, éuma exaltação ao seu povo… o povo timorense.Uma vida curta, que não chegou a presenciar odrama da ocupação de Timor com todo o seucortejo de desgraças.

Francisco Borja da Costa nasceu a 14 deOutubro de 1946, em Fatu Belac, na circunscri-ção de Manatuto, filho do liurai Antonio Costa,do posto de Fatu Berliu.

Naqueles tempos subsequentes à II guerra,ainda estava fresca na memória a presença dos

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japoneses que ocuparam a colónia em nome doEixo e os campos de concentração que criaramna ilha, e as histórias da resistência de algunstimorenses que pagaram com a vida a rebeldiade se terem oposto aos invasores.

Na terra de Francisco, onde o pai represen-tava a autoridade tradicional máxima, vivia-sede forma simples, da agricultura e das manadasde búfalos que engordavam à conta da comidafarta dos campos fertilíssimos no total respeitopelas tradições. Tal como no restante território,não havia indústrias e todos trabalhavam naagricultura, salvo os raros funcionários do

governo e os sacerdotes a quem competia zelarpelo lado espiritual cristão da vida dos timoren-ses.

Borja da Costa seguiu o percurso das crian-ças do seu tempo no seio de uma família tradi-cional, alargada a 16 irmãos e aos restantesparentes, à sombra do Monte Ramelau, moradados espíritos dos antepassados, numa paisagemamena pontilhada de knuas, embalado pelolento desfiar de genealogias recitadas pelos maisvelhos.

Ainda fez a antiga quarta classe em Soibadae depois seguiu para a escola em Díli e para o

Campos de arroz em Baagia, Baucau. Fotografia de Luís F. R. Thomaz.

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emprego na função pública, dos poucos possí-veis numa ilha sem grandes saídas que não fos-sem a agricultura, a vida religiosa ou a adminis-tração colonial.

Mas, Francisco tinha outras ambições quepassavam por um futuro diferente para a suailha. Como muitos jovens da mesma geração,ligou-se aos grupos políticos que queriam aindependência para o território. Foi um dos fun-dadores da FRETILIN e o seu nome estava numalista de gente a abater que os indonésios já leva-vam na invasão.

Era um homem discreto, extremamentemagro, de olhos vivos, amável e conversadorembora cheio daquela reserva polida que ostimorenses demonstram sempre nos primeiroscontactos. No fundo da alma, era diferente demuitos outros do seu tempo. A par da paixãopela ilha onde queria ver nascer um país a sério,amava a leitura, a escrita e a poesia.

Ainda em Timor, tinha poetas que amavamais do que outros, como por exemplo Anterode Quental e Fernando Pessoa; depois, quandoveio para Lisboa, lia tudo o que podia. Umaamiga que o conheceu então lembra-se de ele«andar sempre com a eterna mochila do tempoda tropa (passada em Timor) e com um bloco denotas, a escrever tudo o que o impressionava».

O 25 de Abril de 1974 encontrou-o, poracaso, em Lisboa onde chegara uns meses antespara estagiar no Diário de Notícias e em OSéculo. Já Borja da Costa havia escolhido umaprofissão: era jornalista do semanário a Voz deTimor para onde regressaria depois do estágio.

Na capital, juntou-se aos poucos estudantestimorenses que aqui viviam, cerca de vinte dosquais, talvez, sete fossem universitários. Mobili-zado pelos acontecimentos políticos, o grupoocupou a Casa de Timor, uma associação diri-gida por antigos governadores de Timor. Depoisde informarem o MFA das suas intenções dedemocratizarem o espaço considerado «colo-

nialista», convocaram um plenário de todos ostimorenses a viver em Lisboa e proclamaram a«Casa dos Timores». Situava-se nas imediaçõesdo Teatro Maria Matos e não sobreviveu ao anode 1978.

Na «Casa dos Timores», Borja da Costa sen-tia-se iluminado, dava largas às suas artes debom conversador, promovia saraus culturais,dizia poesia e chamava a atenção para uma cul-tura completamente desconhecida da gente dametrópole. Dizem alguns companheiros dessetempo que muitos dos poemas de Borja da Costaforam escritos no ambiente caloroso da «Casados Timores».

Em Setembro desse ano revolucionário,Francisco já estava em Timor para juntamentecom outros camaradas (Mari Alkatiri, NicolauLobato, Abílio e Guilhermina Araújo, Xavier doAmaral, entre outros) fundarem oficialmente aFretilin (Frente Revolucionária de Timor LesteIndependente), herdeira de uma outra organiza-ção, a ASDT (Associação Social DemocráticaTimorense) que também perseguiu ideais inde-pendentistas.

O nome Fretilin, foi, aliás, proposto pelopróprio Borja da Costa.

Regressa quase a seguir para Lisboa, paranovo estágio, desta vez, no Jornal República eparte novamente para Timor onde, em 7 deDezembro de 1975, se encontrou com a mortesem nunca ter tido tempo, sequer, para pegar emarmas contra o exército invasor.

Deixou uns tantos poemas, ao certo não sesabe quantos, porque ou se perderam ou nuncasaíram dos caderninhos onde foram escritos e oscaderninhos também levaram sumiço na guerradestruidora que se seguiu à sua morte. Noentanto, alguns ainda deram à estampa empublicações várias.

Uma das poesias mais conhecidas veiopublicada no último número da revista Coral, etem por título «Um minuto de silêncio»: 149

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Calai / Montes / Vales e fontes / regatos e ribei-ros/ pedras dos caminhos / E ervas do chão, / calai;calai / Pássaros do ar / E ondas do mar / Ventosque sopram nas praias que sobram / de terras deninguém, / Calai; Calai / Canas e bambu s/ Árvo-res e ‘ai-rús’ / palmeiras e capim / na verdura semfim / do pequeno Timor ,/ Calai / Calai-vos ecalemo-nos / POR UM MINUTO / É tempo desilêncio / no silêncio do tempo / ao tempo da vida/ PELA PÁTRIA / PELA NAÇÃO / PELO POVO /PELA NOSSA / LIBERTAÇÃO / CALAI UMMINUTO DE SILÊNCIO.

Na opinião de um amigo e companheiro depercurso que com ele musicou alguns versos,Abílio Araújo, os poemas de Francisco Borja daCosta apresentam uma inovação que, se nãofosse por outras qualidades, faria dele um nomegrande na poesia de Timor. «Ele agarrou a poe-sia tradicional em Tétum clássico, e recriou-aadaptando-a, nomeadamente com recurso à uti-lização dos paralelismos, a repetição sincopadade uma ideia. Ao ler o que ele escrevia, quem com-preende Tétum sente que está a ouvir os discursospoéticos ditos pelos homens sábios por ocasiãodas festas tradicionais timorenses, como o barlak(o casamento gentílico), por exemplo».

A utilização dessa técnica é visível nestesversos:

Maun-alin alin-maun see tilun maiIrmãos Escutai!

Oh! Rona, maun-alin sira, oh!Ouvi, Irmãos!

Ita mesa oa kiak, mesa ema kiaksomos filhos de gente pobre, somosgente necessitada

Mesa mesa oa kiak, mesa ema kiaktodos de gente necessitada, todos degente pobre

Tan sa, Ta see, tan ba sa Por quê, por quem, por causa de quê?

Tan sa, tan see, tan ba see,Por quê, por quem, por causa de quem

Tan matan ema taka, neon ema takaPorque nos vendaram os olhos e nosimpediram de pensar

Tan ema taka dalan, ema deo dalanPorque cancelaram e obstruíram onosso caminho

A Fundação Num bairro residencial de Lisboa, uma

porta fechada deve intrigar os vizinhos que habi-tuados durante anos a uma actividade regular deentradas e saídas à hora do expediente, deixa-ram de ver movimento naquela casa de timo-renses. Mais intrigante ainda deve parecer aplaca, discreta, maltratada pelo tempo que asse-gura ser aquela a Fundação Austronésia Borja daCosta. Pela porta entraram caras conhecidas quehoje fazem parte do governo de Timor, ou queaparecem de vez em quando nos jornais e tele-visões ligados ao mais jovem país do mundo.

Lá dentro, ainda há um ou outro tais (panode algodão tecido em casa) dos muitos queenfeitavam as paredes, uma ou outra miniaturada casa típica de madeira com telhados muitoinclinados e estacas que a separavam do chão deterra, uma fotografia de um búfalo de trabalho,dentro do rio, a ajudar um camponês, papéis elivros. Mas que casa misteriosa é esta?

Onze anos depois da morte de FranciscoBorja da Costa, já ia longa a lista de dramas emortes em Timor, nascia em Lisboa uma funda-ção que leva o seu nome: A Fundação Austroné-sia Borja da Costa (FABC).

Erguida graças aos apoios de ONG’s (organi-zações não governamentais) estrangeiras,nomeadamente da Holanda, da Suécia e deInglaterra, a instituição de que eram fundadoresalguns dos antigos companheiros timorenses dopoeta, tinha, entre os seus objectivos, o estudo ea divulgação da Língua Tétum, a defesa, o desen-volvimento e a divulgação da cultura e identi-dade de Timor-leste.

>Tecelã de panos tais. Fotografiade Eduardo Gajeiro150

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Devido a questões internas que se prendemcom diferenças de opinião (e desacertos políti-cos, até) entre os fundadores, a instituição queainda mantém a sede não muito longe da antiga«Casa dos Timores», está adormecida desde1993.

Ao longo de sete anos, a FABC, cujo símboloé um sol radioso a nascer atrás do Monte Rame-lau, funcionou, de facto, como uma casa da cul-tura timorense em Portugal. Publicou obrascomo a Cantolenda Maubere (tri-lingue, Portu-guês, Inglês e Tétum) organizada pelo poetatimorense Fernando Sylvain; Tebe, colectânea decanções populares de Timor-Leste compiladaspelo maestro Simão Barreto; a revista Coral, degrande divulgação da História, Antropologia eLiteratura de Timor, de que saíram três números.

Fez várias exposições sobre Timor, levadasàs escolas de todo o país; organizou um levanta-mento bibliográfico (ainda por publicar) dasobras e documentos sobre Timor existentes nasprincipais bibliotecas e instituições portugue-sas.

Por último, e não menos importante, a FABCcom o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian,distribuiu bolsas a jovens timorenses que assimpuderam completar em Portugal estudos liceaise universitários. Foram atribuídas mais de 200bolsas.

No entanto, apesar das portas da Borja daCosta estarem fechadas, as bolsas suportadaspela Gulbenkian nunca deixaram de ser distri-buídas até hoje e os assuntos são tratadosquando é preciso. O Luís encarregou-se dessatarefa que mantém religiosamente e sem rece-ber nada em troca. Mas o Luís não é só um timo-rense a viver em Lisboa, nem o antigo director--adjunto da revista Coral nem apenas o profes-sor de Tétum que escreveu um dicionário deTétum-Português e um guia de conversação namesma Língua. O Luís é irmão do poeta Fran-cisco Borja da Costa.

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O Timor deRuy Cinatti

P e t e r S t i l w e l l

Era Julho de 1946.Ruy Cinatti chegava a Timorpela primeira vez, aos trinta e um anos de idade.Após o interregno da ocupação japonesa, Portu-gal retomava a administração da sua colónia, e opoeta e silvicultor acabava de ser nomeadosecretário do governador Óscar Ruas.

O Império do Sol invadira a ilha em 1942, apretexto de combater as tropas holandesas eaustralianas presentes no território sem autori-zação de Lisboa. Três anos depois, retirara semdeixar pedra sobre pedra. «Não se podem imagi-nar os estragos causados pela fúria de destruiçãodos japoneses. São os edifícios e as florestas.Foram as manadas de cavalos e os rebanhos debúfalos. Até os veados. E o estado miserável dapopulação […] confirma o martírio e a fome aque a ilha esteve sujeita desde 1942»1.

Apesar disso, Cinatti realizava um sonho:«Metropolitano recém-chegado, eu era, virgem etonto frente a incríveis maravilhas»2. Anos antes,acompanhara em imaginação o navegador soli-tário, Alain Gerbault, até à longínqua colóniaportuguesa. Agora o mar, os corais, as flores, a«penumbra e arcada de árvores»… representa-vam a sua primeira visão das ilhas do Mar doSul3:

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VViissããooPara Alain Gerbault, falecido em Díli.

Levanto as minhas mãos repletas de água.Amanheceu!

Sonho no mar sereias: algas,Corais limosos… Eu acordavaEntre aguaceiros límpidos. Pinhais,Pássaros, flores, penumbra e arcada de

árvores– MomentoQue ao de leve anotava.Serenamente exploravaApelos e miragens.

Era o mar cheio de estrelas,Barcos partindo para não sei onde.Ondulações magnéticas, antenas.Ansiedade…

Eram ilhasHercúleas: coroasVegetais sobrenadandoAltos castelos submersos e, apenas,(«Sepultem-me no mar, longe de tudo»),Alain,Entre vagas, velas e gaivotas.

Levanto as minhas mãos repletas de água.Amanheceu!

Os tempos eram de reconstrução, e ganha-vam nova vida em Cinatti as reflexões do seutempo de universitário. Parecia-lhe entrevercomo integrar profissão e vocação poética.Sonha um desenvolvimento do território queintegre ética e ciência. Refazer rapidamente aeconomia destroçada era, a seu ver, um contra-senso. «Uma exploração científica também senão faz rapidamente. Sou, por intuição poética e

formação profissional, contrário ao imediatismo,à rapidez que considero o mais anti-económicopossível»4. Julgava poder «contribuir com o [seu]esforço para a obra de reconstrução em todos ossectores relacionados com a agricultura, a rear-borização e a protecção da natureza»5.

Mas a realidade provou ser diferente. Pelomenos de início. Cinatti viu-se confinado aosserviços de secretaria até que, por fim, sofreu umesgotamento. Então o Governador compade-ceu-se, e durante os últimos meses de 1947 ojovem agrónomo e poeta foi autorizado a per-correr livremente o território, com timorenses aorientá-lo, a fim de recolher elementos para asua tese de licenciatura. É desse período o seulevantamento fito-geográfico de Timor, até hojeo mais exaustivo alguma vez realizado6.

Um ano depois, descreve em síntese a pai-sagem que conheceu nessas caminhadas: «Avegetação de Timor, ao contrário do que se ima-gina, não é composta exclusivamente por agru-pamentos de natureza tropical, nem oprime oespírito ao ponto de nos considerarmos irreme-diavelmente à mercê do poder dos elementos daselva. A oito graus de latitude sul, a ilha oferece-nos o espectáculo incomparável de uma vegeta-ção cintilante e vária que, conforme as regiões, sesintetiza em paisagens dos mais diferentes paísesdo mundo. As florestas do Eucalyptus obliquatransportam-nos à Nova Gales do Sul e à Tasmâ-nia, já perto do círculo antárctico; os parques deTamarindus e de Ziziphus, a certos espaços donosso Alentejo; os planaltos de Fuiloro lembramos campos e os bosques do norte da Europa, a ver-dura luminosa dos condados ingleses; e, na esta-ção seca, as florestas de paus-rosas, dir-se-iamimitar os maciços arbóreos do Buçaco ou Gerez. Apar disso, é um prolongamento de Samatra, Javae outras ilhas de vegetação genesíaca, mas har-moniosamente equilibrada. Não admira que oespírito sensível de Alberto Osório de Castro fosselevado a confessar: “A flora de Timor, misteriosa e153

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fremente, em mim produz por vezes o mesmo‘grand songe terrestre’, igual vertigem e ardenteebriedade pânica à que me dão certos poe-mas…”»7.

De 1948 a 1951 Cinatti encontra-se em Lis-boa. Redige e entrega a tese – aprovada com 19valores – e quase de imediato regressa a Timorcomo chefe dos Serviços de Agricultura. A faltade condições objectivas e subjectivas de traba-lho redundam, porém, em cinco anos de frus-tração: «A inacção / reduzia-me ao espírito: / flâ-mula esfarrapada»8.

De novo, é no contacto directo e contem-plação da natureza que encontra algum con-forto:

[…]Mas eu bebo a água das fontese fico boquiaberto. Eu vejo a folhadeambulando como um pensamentoque finalmente repousa sobre outro

pensamentoaté formar sedimentos com que amoldo

a argilado meu corpo arquejante de sensação

alma9.

Entretanto, aprofunda-se nele o afecto pelostimorenses e a admiração pela sua cultura quehaviam despertado nas caminhadas de 1947:«foi por simpatia, início de vivência redobrada, emenos por curiosidade renascida, que o Timo-rense se destacou da paisagem comum: símbolode gentes exóticas; abstracção humanística; corpoe alma que por mim passava e me dera o seunome para que o chamasse… O Timorense meuamigo era, afinal, um homem como eu»10. Empoema retrospectivo de 1974, Cinatti recorda asamizades que teceu então como algo que o sal-vou em momento crítico:

Foi a paisagemque me afundou.

A poucoe poucoos homens içaram-me.

Milagre? – Não!Foi só amor.Assim Timor,os Timorenses11.

Cada vez mais Cinatti se convence que umdesenvolvimento agrícola sustentável de Timorserá possível só numa articulação íntima com acultura local e no respeito pela conservação dasflorestas. Mas aquilo a que assiste, porém, quase 154

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impotente, é ao abate das árvores – desde osgondões e camenassas de Díli às florestas quefixavam as encostas – e à degradação económicae social dos timorenses. Escreve-o num poemaque «talvez reflicta uma das minhas mais cru-ciantes verificações – a de que nada poderia fazerem prol dos Timorenses se a minha actuação senão processasse em pé de igualdade, medianteum consenso cultural que minorasse as diferen-ças civilizacionais […]. O processo, por demaiscomplexo em teoria, parecia-me (ainda meparece) extremamente simples na prática, desdeque os agentes – passivos-activos, activos-passi-vos – se compenetrassem de que a dádiva de simesmos tem que estar acima de todos os interes-ses colectivos ou individuais»12.

PPrrooppóóssiittoo IInnaaddiiáávveell

O que magoa é ver o pobretimorense esquálido beberágua do pântano,onde se escoam lixos,comer poeirae saudar-me, quandorodo na estrada,deus ocioso.

Tantos e tantos outros,timorenses esquálidos,olham-me como se dever fosseabrir covas,plantar repastode milho, arroz e carne,encher copos vazios,de bebedeira e sonho,que não magoe,mortifique o ócioreanime o tempo.

Fugir é melhor que prometeresperança em melhores dias.

Fugir é atrasaro discurso limitetravado pelas rodasda dúvida maníaca.

Eu não prometo nada.Invoco os montesferidos pela luz,o mar que me circundaem Díli terra-tédio e de má gente.

Afino-me pelo timbrelimpo das almasdos timorenses esquálidosque me soletram vivo.

E sigo,limpo na alma e no rosto,sujeito à condição que me redime.Os timorenses só terão razãoquando me matarem13.

Quando, em princípios de 1956, regressa àMetrópole de licença, Cinatti publica um mani-festo «Em favor do Timorense»14 e dois anosdepois entrega às autoridades em Lisboa um«Plano de Fomento Agrário para Timor»15. Entre-tanto, empenha-se em obter a anuência dos seussuperiores para estudar Antropologia Social eCultural. Em Outubro de 1957, fixa-se em Oxforde depois de obter um diploma inicial, preparauma tese de doutoramento sobre «A Ecologia, aHistória e a Cultura Material do Timor Portu-guês, com referência especial ao Habitat daspopulações nativas».

Em Dezembro de 1961, regressa a Timorpara recolher elementos para a tese, e anota,chocado, a delapidação em curso do patrimóniocultural do território: «Por muito estranho quepareça, a presença histórica portuguesa é maisforte na parte indonésia, na antiga parte holan-desa, do que na parte portuguesa, porque ali as155

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coisas conservaram-se. Na parte portuguesa, osmilitares, administradores, etc. roubaram tudo[…]. Vi uma imagem de marfim, uma N.ª Sr.ª daConceição, fábrica luso-indiana, ser trocada poruma N.ª Sr.ª de Fátima de plástico, daquelas quetêm música… e mais 500 paus!»16.

Datam dessa visita os 6.000 metros de filmeque dirigiu sobre Timor – hoje entregues ao cui-dado do Museu de Etnologia e da CinematecaNacional. Ainda em 1962, celebra pactos de san-gue com dois liurai, D. Armando Barreto e D.Adelino Ximénes, e tem acesso a pinturas rupes-tres ancestrais na ponta leste da ilha.

A sua última viagem a Timor decorre no Verãode 1966. Mas desta vez é o México, por onde passano regresso, que o entusiasma sobremaneira:«perdi completamente a cabeça. Ia lá só por causada arqueologia, os Aztecas, os Maias, os Toltecas,mas depois fiquei fascinado com a etnografiaactual. Ia para qualquer sítio numa camioneta devidros azuis e voltava numa camioneta de quintaclasse com janelas abertas, perus, patos, paragemem todas as aldeias, limonadas… e eu metido nomeio daquela barafunda.Delirava!»17. No entanto,era ainda Timor que o prendia. Por trás do entu-siasmo germinava uma perspectiva de futuro parao território. O fim da era colonial portuguesa erapara ele já uma evidência. Mas, tal como aconte-cera no México, talvez também Timor pudesse umdia dar corpo a uma cultura nova, nascida da per-muta entre um património luso e as culturaslocais: «suma visão, que me fez chorar – a placacomemorativa que na Praça das Três Culturas, nossubúrbios da cidade do México, proclama a honrasoberana de uma nação em marcha. Ei-los, os dize-res desta placa memorável: ‘El 13 de Agosto de 1521/ Heroicamente defendido por Cuauhtemoc / CayoTlatelolco en poder de Hernan Cortez / No fuetriunfo ni derrota / Fue doloroso nacimiento delpueblo mestizo / Que es el Mexico de hoy’»18.

Cinatti nunca viu concretizar-se a visão quenele se esboçava. O regime, a braços com três

guerras em África, era insensível às utopias poé-ticas de um obscuro funcionário da Junta deInvestigações do Ultramar. Talvez por isso,Cinatti regressou à poesia, abandonada desde1958.

Os entusiasmos do 25 de Abril de 1974 nãoo iludiram. Em Janeiro de 1975, quis prevenir opaís do perigo que se corria em Timor, mas alonga carta ao Diário de Notícias não chegou aser publicada. Nela previa um tempo em que o

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>Rapariga de Suai em traje de festa. Fotografia de Ruy Cinatti.

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controle javanês sobre a insulíndia viria a enfra-quecer. Discretamente, aventava a hipóteseduma futura fragmentação da Indonésia, e de asilhas onde no passado mais se fizera sentir ainfluência portuguesa se virem a reconstituircomo entidade autónoma.

Em Dezembro de 1975, deu-se o que temia:a invasão e anexação do território por ordem deJacarta. Foi um golpe de que nunca mais recu-perou. Remeteu-se, a partir de então, a um rigo-roso silêncio em tudo o que dizia respeito deTimor. Mas quem o conhecia de perto, sabia quealimentava secretamente a esperança que assi-nalara um ano antes com a frase premonitóriainscrita na contracapa de Timor-Amor:

Dantes a casa achava-se em ruína;mas fez-se outra nova.Avós nossos,venham todos ver como ela está agora!

[De um rito de consagração timorense]

1 Ruy Cinatti, «Timor “Ilha perdida, de mistérios densa”», inDiário de Lisboa (12 de Março de 1948).

2 Um Cancioneiro para Timor (1968), Presença, Lisboa 1996,p. 19.

3 O Livro do Nómada meu Amigo, Lisboa, 1958.4 «Timor “Ilha perdida, de mistérios densa”», in Diário de Lis-

boa, (12 de Março de 1948).5 De Timor, dactilografado, 1949, p. 7.6 Reconhecimento Preliminar das Formações Florestais no

Timor Português, Lisboa, 1950.7 «Páginas de um Diário Poético», in Panorama, 6/36-37

(1948).8 Inédito publicado em Peter Stilwell, A Condição Humana

em Ruy Cinatti, Presença, Lisboa 1995, p. 278.9 Uma Sequência Timorense, Braga 1970, p. 49.10 Um Cancioneiro para Timor, 1995, p. 21.11 Paisagens Timorenses com Vultos, Braga, 1974, pp. 65-66.12 Paisagens Timorenses com Vultos, Braga 1974, p. 149.13 Uma Sequência Timorense, Braga 1970, pp. 41-42.14 Cidade Nova, IV Série, n.º 5 (1956), pp. 306-310.15 Texto inédito que se encontra no prelo.16 «Conversa inacabada», in Grande Reportagem, n.º 18 (1985),

pp. 44-46.17 «Conversa inacabada», in Grande Reportagem, n.º 18 (1985),

pp. 44-46.18 Manhã Imensa, Lisboa, 1984, p. 49.157

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As Imagens de Timor

J o ã o L o u r e i r o

As imagens de velhos postais ilu s t rados cons-tituem, a par de raros acervos fotográficos namaior parte na posse de particulares, a melhorfonte iconográfica para a construção da HistóriaContemporânea de Timor – fins do século XIX eséculo XX.

E, neste como em tantos outros capítulos,são incontorn á veis os espólios documentaisarmazenados nos arquivos e noutros tipos deinstituições port u g u e s a s, apesar da re l a t i vaescassez das imagens face à produção existenteno domínio dos escritos.

Esta ilação antecipada é visível em sucessi-vos registos: desde a obra pioneira fundamentalsobre Timor da autoria do governador Afonso deCastro, «As possessões portuguesas na Oceânia»,editada em 1867, até às descrições dos primór-dios do século passado da autoria de dois mili-tares de pena escorreita, o tenente da marinhaJaime do Inso e o capitão Armando Pinto Cor-reia; desde os estudos históricos dos anos 30 e 40de Humberto Leitão, Faria de Morais e Luna deOliveira, até às abrangentes narrativas sobre «AIlha Verde e Vermelha de Timor» do Juiz do qua-dro ultramarino Alberto Osório de Castro ousobre a «Arquitectura Timorense» do agrónomoe etnólogo Ruy Cinatti; ou, finalmente, desde aextensa monografia elaborada por um militarculto como Hélio Felgas, nos anos subsequentesà reocupação do pós-guerra, aos re c e n t e sensaios de universitários versados no Orienteportuguês como Artur Teodoro de Matos ou LuisFilipe Thomaz.

Em todas estas obras e autores de referênciana bibliografia timorense não são de facto abun-dantes os conteúdos iconográficos, salvo nocaso do mencionado livro de Cinatti e numainteressante monografia denominada «ColóniaPortuguesa de Timor», editada em Hong Kong,no ano de 1928, por incumbência do governadorTeófilo Duarte, que contem uma colecção devinte e uma fotografias de invejável valor docu-

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mental: edifícios de Díli (câmara municipal,hospital, mercado, escola, missão), cafeeiros eflorestas, colonos europeus e régulos, postosmilitares e companhias indígenas de infantaria.

De salientar também, fora do âmbito dasedições literárias, a existência de um raríssimoálbum de fotografias mandado organizar peloantigo governador de Timor, Eng. Álvaro de Fon-toura, em 1938, cobrindo aspectos da cidade de

Díli e de algumas vilas, das montanhas e dasribeiras, dos tipos étnicos e de facetas do quoti-diano timorense.

Deste álbum, inexistente nas nossas princi-pais bibliotecas e arquivos, apenas conheço doisexemplares na posse de particulares, a que aludino meu livro «Postais Antigos & Outras Memó-rias de Timor» (1999).

E é precisamente nos velhos postais foto-

Uma cerimónia oficial típica, nos fins dos anos 50,podendo ver-se, da esquerda para a direita: o indi-víduo mais alto é o antigo deportado e comercianteViegas Carrascalão, depois o administrador decircunscrição José Duarte Santa, o bispo de Díli, D. Jaime Goulart, e o governador Serpa Rosa(foto do álbum de D. Maria de Lurdes DuarteSanta, viúva do administrador Duarte Santa).

159

Page 161: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Um missionário e os seus educandos (foto datada de 1909, que integra um lote de trinta fotografias de Timor, pertencentes à colecção particular de João Loureiro).

Rua do Comércio, Díli, (postal editado por Geisler, c. 1910).

160

Page 162: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

gráficos que se encontra um precioso auxiliar dareconstituição visual dos finais de Oitocentos edas posteriores décadas da presença portuguesaem Timor, embora o respectivo número de edi-tores seja diminuto em relação a outras antigascolónias.

Alguns deles ainda se encontram por vezesnos alfarrabistas e lojas de curiosidades antigas

de Lisboa e de outras cidades portuguesas, ousão oferecidos de forma mais sofisticada e one-rosa em leilões de livros e de papéis de valor.

Mas seguramente que, esquecidos nosarmários e nas gavetas de antigos funcionários,militares ou residentes ultramarinos, ou arru-mados a um canto de uma mala de porão, seencontrarão ainda dispersos pelo país verdadei-ros tesouros da história e da iconografia da lon-gínqua nação lusófona do Oriente.

Por tudo o que fica exposto não tenho mui-tas dúvidas que, na edificação dos alicerces daHistória de Timor, as fontes portuguesas, seja deque natureza for, não deixarão de ter um papelde relevo incontornável.

E que essa aliança de saberes e de afectoscontinuará a moldar de forma irresistível o rela-cionamento entre portugueses e timorenses.

>Edifício da Câmara Municipalde Díli, já desaparecido, (postal editado pela MissãoCatólica, c. 1935).

>>Mulheres num bazar, (postal editado peloMovimento NacionalFeminino, em Timor,c. 1968).

161

Page 163: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Timor e o

CinemaJ o s é d e M a t o s - C r u z

Ao contrário do alcance noutros territóriossob administração portuguesa, no ExtremoOriente, o nosso cinema chegou tardio e precá-rio a Timor Leste. As primeiras manifestaçõesassinaláveis surgem no pós II Guerra Mundial,quanto ao reflexo da tragédia em actualidades naMetrópole. E só no início dos anos ‘50 se verifi-caram ciclos documentais, focando a natureza eos costumes, por João Mendes ou RicardoMalheiro com os auspícios da Agência Geral doUltramar. Este organismo oficial voltou ainfluenciar a intervenção de Miguel Spiguel nadécada seguinte, quando – no local, com umaperspectiva antropológica e etnográfica – RuyCinatti havia efectuado uma recolha meticulosa,abundante e excepcionalmente importante.Depois do Abril de 1974, coube a Margarida Gilestigmatizar Timor em peripécias ficcionais.Além dos testemunhos que desvendam o sacri-fício e a afirmação do Povo Maubere, durante osanos ’90, a transição para um novo Milénio com-porta outras virtualidades criativas, num estí-mulo das relações luso-timorenses pela culturada liberdade.

11994466

Jornal Português - 5535 mm – pb – 284 mt – 9 mn.

Supervisão: António Lopes Ribeiro; produção:

Sociedade Portuguesa de Actualidades Cinemato-

gráficas/SPAC; fot.: Manuel Luís Vieira, Octávio

Bobone, Artur Costa de Macedo, Salazar Diniz,

Alfredo Cristino Gomes; loc.: Augusto Pinto; mont.:

António Lopes Ribeiro; lab. imagem: Tobis Portu-

guesa; produtor: Secretariado da Propaganda

Nacional/SPN. Sócios-Gerentes da SPAC: Francisco

Correia de Matos, Elisa Correia de Matos Lopes

Ribeiro; distribuição: Sociedade Portuguesa de

Actualidades Cinematográficas/ SPAC; data estreia:

Page 164: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Abr. 1964.

Chegada a Lisboa dos repatriados de Timor, «que

tão longe sofreram, nos anos angustiosos da con-

flagração (guerra) que assolou o mundo».

Jornal Português - 5735 mm – pb – 275 mt – 10 mn.

Supervisão: António Lopes Ribeiro; produção:

Sociedade Portuguesa de Actualidades Cinemato-

gráficas/SPAC; fot.: Manuel Luís Vieira, Octávio

Bobone, Artur Costa de Macedo, Salazar Diniz,

Alfredo Cristino Gomes; loc.: Augusto Pinto; mont.:

António Lopes Ribeiro; lab. imagem: Tobis Portu-

guesa; produtor: Secretariado da Propaganda

Nacional/SPN. Sócios-Gerentes da SPAC: Francisco

Correia de Matos, Elisa Correia de Matos Lopes

Ribeiro; distribuição: Sociedade Portuguesa de

Actualidades Cinematográficas/ SPAC; data estreia:

Mai 1946.

Chegada ao Cais de Alcântara do navio «Quanza»,

com o contingente das Forças Expedicionárias ao

Médio Oriente - Timor; 1200 homens; dois netos do

régulo D. Francisco da Costa Aleixo, «vítima dos

invasores nipónicos».

11995500

Ressurgimento da Agricultura em Timor35 mm – pb – 573 mt – 20 mn.

Realização: Tony Berwald; produção: Sociedade

Agrícola Pátria e Trabalho/SAPTL; texto: Rogério

Oliveira e Silva; planif.: Rogério Oliveira e Silva; fot.:

Tony Berwald; dir. som: Bob Salzman; loc.: Sousa

Leal; mont.: Tony Berwald; distribuição: Exclusivos

Triunfo.

Estátua de José Celestino da Silva, fundador da

SAPTL; feitorias notáveis no interior de Timor, cir-

cunscrição de Ermera; referência aos principais

produtos: café, cacau e borracha. Café: trabalhado-

res indígenas, homens e mulheres; transporte em

viatura para Dili; o «Timor Arábica», com selo da

«Cafeeira Lisboa»; embarque em Dili num navio

mercante (misto) da KTM (Holanda). Cacau: apa-

nha do fruto por mulheres e crianças; transporte

para a aldeia; aldeãos escolhem e partem o fruto

com catanas; recolha dos bagos; transporte dos

bagos para a feitoria (secagem). Borracha: aspecto

das matas; sangria da árvore da borracha; latex a

escorrer de cortes transversais convergentes no

tronco; transporte dos baldes para a feitoria, coa-

gem, pasta, prensagem; logotipo da SAPTL-Timor;

destinatário: Mabor, Lisboa. Na casa mãe da

SAPTL, a Capela de Nossa Senhora de Fátima;

missa dominical; danças indígenas no terreiro; bar-

beiro; mulheres nativas tocam instrumentos (per-

cursão); a «dança dos pés» e a «dança das cabeças».

Referência à Grande Guerra, que «destruiu tudo»;

vista aérea de Dili, mostrando ruínas (ou vestígios

de destruição) junto ao mar. Aspectos da constru-

ção da nova sede da Sociedade em Dili.

11995522

Ecos da Viagem Ministerial ao Oriente35 mm – pb – 430 mt – 15 mn.

Realização: Ricardo Malheiro; produção: Agência

Geral do Ultramar; texto: José de Freitas; fot.: João

de Macedo; dir. som: Enrique Dominguez; loc.:

Augusto Fraga; mont.: João Mendes; produtor:

Ricardo Malheiro; distribuição: Vitória Filme.

Os valiosos presentes em ouro, prata, marfim,

madeiras preciosas, oferecidos ao Ministro do

Ultramar, Comandante Sarmento Rodrigues, e sua

mulher, Maria Margarida Guerra Junqueiro Sar-

mento Rodrigues, no decurso da sua visita à Índia

Portuguesa, Timor e Macau, possível acervo de um

futuro Museu do Ultramar.

Timor35 mm – pb – 590 mt – 21 mn.

Realização: João Mendes; produção: Agência Geral

do Ultramar; texto: Redondo Júnior; fot.: João de163

Page 165: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Macedo; dir. som: Luís Barão; loc.: Raul Feio; mont.:

João Mendes; lab. imagem: Lisboa Filme; reg. som:

Lisboa Filme; produtor: Ricardo Malheiro; distri-

buição: Filmes Albuquerque; estreia: São Jorge;

data estreia: 21 Mai 1953.

Timor - presença de Portugal na distante Oceania.

Aspectos naturais, tradicionais e folclóricos.

Observações: Cf. Timor, «Portugal dos Mares do

Sul» (1953).

11995533

O Jubiléu de Salazar35mm – pb – 337 mt – 12 mn.

Realização téc.: Serviços das Imagens de Portugal;

supervisão: António Lopes Ribeiro; produção:

Secretariado Nacional da Informação/SNI; texto:

António Lopes Ribeiro; fot.: prv Perdigão Queiroga,

Abel Escoto; loc.: Pedro Moutinho; mont.: António

Lopes Ribeiro; lab. imagem: Lisboa Filme; distri-

buição: Sociedade Portuguesa de Actualidades

Cinematográficas/SPAC.

As diversas cerimónias que, ao longo do país, assi-

nalaram - «por imperativo deconsciência, mas con-

tra a vontade de Salazar» - com festejos o vigésimo

quinto aniversário da sua presença no Governo.

Cortejo organizado por Cancela de Abreu, no qual

participaram o povo, as forças armadas, os repre-

sentantes indígenas da Guiné, Moçambique ou

Timor, as bandeiras de todas as associações portu-

guesas, mesmo as espalhadas pelo mundo, e que se

dirigiu à Assembleia Nacional.

Timor,Portugal dos Mares do Sul35 mm – pb – 257 mt – 9 mn.

Realização: Ricardo Malheiro; produção: Ricardo

Malheiro; texto: Redondo Júnior; fot.: João de

Macedo; dir. som: Luís Barão; loc.: Raul Feio; data

rodagem: 1952; mont.: João Mendes; lab. imagem:

Lisboa Filme; reg. som: Lisboa Filme; patrocínio:

Agência Geral do Ultramar.; distribuição: Mundial

Filmes; estreia: São Jorge; data estreia: 21 Mai 1953.

Oecussi: aterragem de avião. Timor: na estrada,

região montanhosa (Tatamailau); cortejo de viatu-

ras. Baucau: conjunto edificado numa colina sobre

arrozais. Um grupo integrando sacerdotes e oficiais

de marinha; igreja. Vila Salazar: «dança da pomba».

Viqueque: cortejo do trabalho, corrida de cavalos.

Ermera: desfile de guerreiros.

Observações: Cf. «Timor» (1952).

Viagem Ministerial a Timor.Viagem de Sua Excelência o Ministro doUltramar ao Oriente - TimorViagem Ministerial às Províncias doOriente - Timor35 mm – pb – 534 mt – 19 mn.

Realização: Ricardo Malheiro; produção: Agência

Geral do Ultramar; texto: José de Freitas; fot.: João

de Macedo; dir. som: Enrique Dominguez; loc.:

Augusto Fraga; mont.: João Mendes; produtor:

Ricardo Malheiro; distribuição: Vitória Filme.

Ministro do Ultramar, Comandante Sarmento

Rodrigues. Em Malaca e Singapura. Timor: chegada

a Dili; acompanhado pelo Governador Serpa Rosa,

desfile da Mocidade Portuguesa, de naturais a

cavalo. Aerodromo de Dili: de avião para o enclave

de Oecussi; recepção de guerreiros Timures. Mana-

tuto. Estação radio-telegráfica de Baucau. Hipó-

dromo de Viqueque; Liurai dirige saudação em por-

tuguês; cortejo do trabalho indígena. Ossu: conde-

coração de chefes. Na estrada a caminho de Ailéu;

monumento de homenagem aos massacrados em

1942 (invasão japonesa). A caminho de Ainaru, perto

do monte Tatamailau. Dança de Lorosae (antiga

dança dos guerreiros que representa uma homena-

gem aos vencidos antes da decapitação). Ermera

(rodeada de matas de café); bombonaro: mulheres

executam a dança da pomba (com lenço branco);

guerreiros desfilam empunhando espadas. Palácio

do governo; embarque no «Gonçalo Velho» e partida.

Page 166: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

11995544

Portuguesesno Mundo35 mm – pb – 574 mt – 21 mn.

Realização: João Mendes; produção: Felipe de

Solms; argumento: Daniel Filipe; texto: Daniel

Filipe; dir. som: Enrique Dominguez; loc.: Raul

Feio; mont.: João Mendes; lab. imagem: Lisboa

Filme, Centro de Cooperação Técnica; patrocínio:

Campanha Nacional da Educação de Adultos/

/CNEA; distribuição: Europa Filmes.

O esforço de dilatação da fé, paralelamente à

expansão do povo português no Mundo. Açores,

Madeira, Cabo Verde, Guiné, Sã Tomé, Angola,

Moçambique, Índia, Macau e Timor - com natureza

e população variada, e o símbolo duma unidade

através de Portugal.

11995555**

As Missões em Timor35 mm – pb – 300 mt – 11 mn.

Produção: Agência Geral do Ultramar.

Material de arquivo.

Observações: *Ano prv.

RECONSTRUÇÃO DR TIMOR

35 mm – pb – 300 mt – 11 mn.

Produção: Agência Geral do Ultramar.

Material de arquivo.

Observações: *Ano prv.

11995588

Timor35 mm – pb – 700 mt – 25 mn.

Produção: Agência-Geral do Ultramar.

Material de arquivo.

11996600

Apontamentos Turísticos de Timor35 mm – c – 296 mt – 11 mn.

Realização: Aquilino Mendes; produção: Miguel

Spiguel; fot.: Aquilino Mendes; dir. som: Augusto

Lopes; mont.: Miguel Spiguel; lab. imagem: Tobis

Portuguesa; patrocínio: Agência-Geral do Ultra-

mar.

A beleza de Timor. Bailados típicos, danças guer-

reiras como o «Loro-Sá», luta de galos. Cavalaria de

Mobara. Artesanato. Aldeamento da Raça. Praias,

conchas.

No Extremo Oriente Português35 mm – c – 308 mt – 11 mn.

Realização: Miguel Spiguel; produção: Miguel Spi-

guel; texto: Frederico Alves; fot.: Aquilino Mendes;

dir. som: Augusto Lopes; loc.: Fernando Pessa;

música: Pedro Lobo; mont.: Miguel Spiguel; lab.

imagem: Tobis Portuguesa; patrocínio: Agência-

Geral do Ultramar.

Quando um avião poisa em Dili, uma «terra portu-

guesa, antiga e longínqua, desconhecida para mui-

tos» aparece, desvendada ao nosso olhar: é Timor.

A bela paisagem e exuberante vegetação. Curtos

aspectos de Dili e de uma aldeia indígena. Danças

folclóricas «da cobra» e «das toalhas». Pesca com

azagaias. Turismo - pousadas e piscinas. Artesa-

nato: objectos de decoração, de tartaruga e prata.

Costumes, tradições do povo - combates de galos e

danças guerreiras. Baucau, zona turística. A Ponta

de Tutuala.

Timor Português35 mm – c – 360 mt – 12 mn.

Realização: Miguel Spiguel; produção: Miguel Spi-

guel; texto: Gastão da Cunha Ferreira. Planif/Seq:

Miguel Spiguel; fot.: Aquilino Mendes; dir. som:

Augusto Lopes; loc.: Fernando Pessa; música: Pedro

Lobo; mont.: Miguel Spiguel; lab. imagem: Tobis165

Page 167: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Portuguesa; dir. produção: Miguel Spiguel; patrocí-

nio: Agência-Geral do Ultramar.

Timor - ilha descoberta pelos portugueses no

século XVI. Tatuala. Influência lusíada; serviços de

saúde e da instrução. As Missões como fonte de

educação e preparação para a vida agrícola e

pecuária. O café - sua cultura, tratamento e expor-

tação. A borracha, o cacau e o arroz - riquezas agrí-

colas da ilha; a pecuária como fonte de réditos.

11996622

Timor16 mm – c – 1708* mt.

Realização: Ruy Cinatti; produção: Centro de Estu-

dos de Antropologia Tropical, Junta de Investigação

do Ultramar; fot.: Salvador Fernandes, Ruy Cinatti;

difusão: Museu de Etnologia.

Timor, 1957-60. Paisagens, flora, flores, lagoas,

praias, fauna, comunidades piscatórias, constru-

ções nativas, habitações, raças, vivências do quoti-

diano, rotinas e rituais, cerimónias autóctones,

sacrifícios do búfalo e da galinha, danças, trajos

regionais, tecelagem, olaria, cultura popular.

Observações: *155 mn 30 sg. Material de arquivo,

sem som. Em 1999, o Museu Nacional de Etnologia

apresentou um Programa de Preservação e Trata-

mento Documental dos filmes de Ruy Cinatti reali-

zados em Timor.

11996644

Timor, PresençaPortuguesana Oceânia16 mm – pb – 307 mt – 26 mn 30 sg.

Realização: Ribeiro Soares; produção: Agência

Geral do Ultramar.

A viagem do Subsecretário de Estado da Adminis-

tração Ultramarina, Dr. Silva Cunha.

11996666

Portugal de Hoje35 mm – c – 2470 mt – 90 mn.

Realização: J.N. Pascal-Angot; produção: Interna-

tional Audio Vision; assist. realização: Henri Pas-

mentier, Alfredo Tropa, Natacha Jourdan; argu-

mento: J.N. Pascal-Angot; texto: António Gomes

Ferreira, René Lebrun, Ben Smith; fot.: Fernand

Tack, Jean Collomb; op. imagem: Roland Pontoi-

zeau, Elso Roque, Jacques Van Der Heiden; assist.

imagem: Carlos Manuel Silva, Francisco Silva,

Mátio Pereira; iluminação: Manuel Carlos Silva,

Gabriel Silva, Carlos Albero Sequeira, Jorge Manuel

Simões; electricistas: Carlos F. Ferreira, Júlio A.

Sequeira, Michel Ladovitch; loc.: A. Gomes Ferreira,

René Lebrun, Ben Smith; mont.: Anita Fernandez,

Bobette Liszek, Sophie Coussein; data rodagem:

1966; reg. som: Societé Industrielle de Sonorisation,

Valentim de Carvalho; dir. produção: Fabienne de

Jardin, René Henry Clerc, Maria Serpa Pimentel;

assist. produção: Nicole Menant; patrocínio: Trans-

portes Aéreos Portugueses/TAP; distribuição:

Secretariado Nacional da Informação/SNI; ante-

estreia: Tivoli; data ante-estreia: 9 Mar 1967; estreia:

Monumental, Europa; data estreia: 25 Maio 1967.

Panorâmica de aspectos sociais, económicos, cul-

turais e turísticos do «mundo português», do

Minho – Europa, a Timor – Oceania, com reflexos

para uma informação actual em bases temáticas e

não em áreas geográficas, destacando pautas como

a fauna, a flora, potencialidades naturais, a arqui-

tectura e os monumentos, mecanização agrícola,

esforços de industrialização.

11996677

O Exército em Timor35 mm – pb – 430 mt – 15 mn.

Produção: Serviços Cartográficos do Exército. 166

Page 168: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Aspectos do Quartel de Lospalos. Outros aquarte-

lamentos e postos fronteiriços. Edifícios escolares e

assistência sanitária. Exercício de tropas. Jura-

mento de bandeira de soldados nativos.

Portugal do meu Amor35 mm – c – 2316 mt – 84 mn.

Realização: Jean Manzon; produção: Américo Leite

Rosa; Jean Manzon Films, João Alencar Filho (Bra-

sil); supervisão: Italo di Belo; texto: David Nasser,

Gaston Bonheur; fot.: Marcel Grignon, João Este-

vão; op. imagem: (Colónias) António Estevão, Wil-

son Rocha, Domenico Pennachia; dir. som: Jean

Neny; loc.: Alberto Cury, Roland Ménard; música:

José Toledo. Direc Musical: Georges Henry; mont.:

Jean Manzon, Roberto Isnardon; data rodagem:

1966; lab. imagem: Rex Film; reg. som: Simo Franay

L.T.C. (Saint Cloud); relações públicas: Virgílio de

Morais; patrocínio: Transportes Aéreos Portugue-

ses/TAP; distribuição: Doperfilme; estreia: Estúdio

444; data estreia: 9 Nov 1967.

Do Minho a Timor, a imagem de Portugal colhida

na beleza de aldeias, vilas e cidades, com relevo

para Lisboa.

Aguarela paisagística, flagrantes, os vestígios duma

presença humana e material, como aliciantes para

um cartaz turístico.

Referências programáticas.

11996699

Embarque de Tropas para Timor,no navio «Índia»16 mm – pb – 30 mt – 3 mn.

Realização: Manuel António Pires; produção:

Manuel António Pires; fot.: Manuel António Pires.

Lisboa. Despedidas no cais e pormenores do

embarque.

Observações: Só imagem; filme amador.

11997711

Timor - Apontamentos Turísticos35 mm – c – 274 mt – 10 mn.

Realização: Miguel Spiguel; produção: Miguel Spi-

guel; fot.: Aquilino Mendes; loc.: Rui Romano;

mont.: Miguel Spiguel.

Dili: paisagem e arquitectura; bairros habitacio-

nais, hoteis, praias; redes de pesca e embarcações.

Ilha do Ataúde(Ataúro): conchas; gado – manadas

de búfalos; artesanato regional – tecidos e vergas;

caixas de madeira; cerâmica; manifestações folcló-

ricas – danças e rituais (reminescências guerreiras).

Turtuala (Tutuala): combate de galos. Cavalos de

Timor. Picos do Mundo Perdido. Habitações tradi-

cionais (estacaria) – aldeia. Uma pousada no Ilhéu

Saco (Jaco), o ponto mais oriental de Timor.

11997700--7733

Timor16 mm – c – 334 mt – 30 mn.

Realização: Raquel Soeiro de Brito; produção: Ins-

tituto de Investigação Científica e Tropical; fot.:

Raquel Soeiro de Brito.

Aspectos geográficos, sociológicos, etnográficos e

antropológicos de Timor, sob administração portu-

guesa.

11997799

O Ano Internacional da Criança16 mm – pb – Série – 5 c/m.

Realização: António de Macedo, Amílcar Lyra; pro-

dução: Cinequanon, Radiotelevisão Portuguesa/

/RTP; argumento: António de Macedo, Amílcar

Lyra. Consultora: Cândida Mendonça; fot.: Emílio

Pinto, Pedro Efe; assist. imagem: Carlos Mena,

Filipe; electricistas: Amadeu Lomar, Afonso; dir.

som: Carlos Aljustrel; mont.: Manuela Moura,

Page 169: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Celeste Alves; dir. produção: Cremilde Mourão;

patrocínio: Comissão Nacional Para o Ano Interna-

cional da Criança.

Títulos, temas e metragens de cada filme: «Criança

Deslocada» (280 mt – 25 mn) Crianças que fazem

parte de minorias – ciganas, timorenses, cabo-ver-

dianas.

11998888

Flores AmargasVd – c – 55 mn.

Realização: Margarida Gil; produção: Radiotelevi-

são Portuguesa/RTP; série: «Fados»; argumento:

Margarida Gil; fot.: Joaquim Pinto; selecção de

intérpretes: Luís Costa, (Colaboração) Fundação

Borja da Costa; exteriores: Vale do Jamor; data roda-

gem: 1988; produtor: Piedade Maio; patrocínio:

Secretaria de Estado da Cultura/SEC. Emissão:

RTP-Tv2. Data Emissão: 7 Dez 1992.

Participantes: Angelino, Romualdo Silva, Naturais

de Timor.

Vale do Jamor, Quinta dos Balteiros. Uma beleza

rasgada pelos casabres de zinco e tijolos que abri-

gam os refugiados de Timor, que chegaram desde

1976. Experiências, sonhos, segredos, desesperos.

Um resistente, na terra ocupada pela Indonésia. A

ligação de Portugal ao seu passado colonial. Uma

relação por resolver e, também, uma relação de

amor. «Flores amargas» é o nome de um ritual timo-

rense que simboliza o tempo em que a alma se

separa do corpo.

11998899

Enterrados VivosBuried Alive16 mm – c – 880* mt – 80 mn.

Realização: Gil Scrine, Rob Hibberd; produção: Gil

Scrine (Austrália); notas: *Outras versões: 680 mt –

60 mn – difusão em vídeo; argumento: Rob Hib-

berd; exteriores: Portugal, EUA, Austrália, Moçam-

bique, Zimbabwe; distribuição: ITV4 (Inglaterra);

ante-estreia: Universidade Tecnológica Nova Gales

do Sul (Sidney, Austrália); data ante-estreia: 3 Jan

1989; estreia: Festival Internacional de Cinema de

Sidney (Austrália); data estreia: Jun 1989.

Consequências da colonização portuguesa de

Timor-Leste. A situação em Portugal desde a

década de ’50 até à guerra colonial, os aconteci-

mentos do 25 de Abril e a evolução da aituação em

Timor-Leste. Invasão indonésia e esforços desen-

volvidos pelos timorenses para continuaram a ser

ouvidos nos foruns internacionais.

Observações: O projecto deste filme teve o apoio e

colaboração, na Austrália, da Convergência Nacio-

nalista – que reune militantes timorenses da Freti-

lin e da UDT – e iniciou-se em 1986. Participaram,

em Portugal, refugiados timorenses e jornalistas

nacionais. Segundo GS, trata-se de «um retrato do

fim dum império colonial e da tentativa falhada de

um povo para se autodeterminar».

11999911

Men Of Timor35 mm – c – l/m prv.

Produção: (Austrália); apresentação: (Sidney); data

apresentação: 25 Jan 1992.

Observações: Consequências da presença de sol-

dados australianos em Timor, durante a II Grande

Guerra, sob administração portuguesa.

11999922

OrangeLaranjaVd – c – 60 sg.

Page 170: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Realização: Jorge de Castro Freire; produção: Shots;

argumento: Edson Athayde, Ricardo Cabaço; fot.:

Victor Estevão; música: Guilherme Inês; mont.:

Helena Alves; apresentação: 21º Festival da Figueira

da Foz; data apresentação: Set 1992.

A violação dos Direitos do Povo de Timor. Como

alertar potenciais turistas a não se deslocarem a

países onde se cometam crimes contra a Humani-

dade. A atracção do sumo de laranja e o «espremer»

de uma população…

Observações: Betacam Sp.

Timor - Malae Buti Lao TeVd – c – 52 mn.

Realização: Alfredo Tropa; produção: Radiotelevi-

são Portuguesa/RTP; autores: Mário Lindolfo, Alí-

pio de Freitas; organização: Departamento de

Arquivo e Documentação da RTP; apresentação:

Auditório RTP; data apresentação: 29 Out 1992.

A história de Timor Leste, desde 1957 até à data em

que o navio «Lusitânia Expresso» partiu de Lisboa,

levando, com destino ao Cemitério de Santa Cruz,

a Missão Paz em Timor.

Vala ComumVd – c – 50 sg.

Realização: Albano Lemos Pires; produção: Norte-

Vídeo, Trimagem; argumento: Armando Braz, Jorge

Carvalho, Albano Lemos Pires; fot.: Albino Pires,

Jorge Carvalho; cenografia: Armando Braz, Jorge

Carvalho; música: Américo de Sousa; mont.: Antó-

nio Nunes de Sousa; difusão: Instituto Politécnico

do Porto; apresentação: 21º Festival de Cinema da

Figueira da Foz; data apresentação: Set 1992.

O genocídio do povo maubere, simbolizado na

queda sucessiva de estatuetas em gesso com 35 cm

de altura.

Homenagem às mais de 200 000 vítimas da «solu-

ção final» da Indonésia, para o «problema» de

Timor.

Observações: Betacam Sp.

11999988

O Anjo da Guarda35 mm – c – 2750 mt – 100 mn.

Realização: Margarida Gil; produção: AS Produ-

ções; Radiotelevisão Portuguesa/RTP; assist. reali-

zação: João Pinto Nogueira/Pinconé, Raul Correia;

argumento: Margarida Gil. Diálogos: Maria Velho

da Costa, Margarida Gil; fot.: Carlos Assis; assist.

imagem: Vítor Nobre, Leonardo Simões; op. 2ª

câmara: Leonardo Simões, (assist.) João Tiago; ilu-

minação: (chefe) Carlos Sequeira, João Gaspar, Luís

Santos; grupista: João Caim, Pedro Efe; maquinis-

tas: (chefe) José Pichel, José Franco, Carlos Figuei-

roa; ef. especiais: Fernando Monteiro, (assist.) João

Manuel Ambrósio, (participação) Bombeiros de

Gonçalo. Decoração: (chefe) Jorge Calvet, Fernanda

Morais. Adereços: Luís Lacerda. Construções:

(chefe) José Matos. Guarda-Roupa: (chefe) Tatão

Amaral; costureira: Catarina Santos; caracteriza-

ção: (chefe) Ana Lorena; cabeleireiro: (chefe) Ira-

cema Machado; assist. cena: Nuno Franco; anota-

ção: Vanda Santana; fot. cena: Mariana Viegas;

genérico: Geriag; telecinema: Jerónimo de Jesús,

Gabriela Silva; truca: Jerónimo de Jesús, José Antó-

nio Garrido; dir. som: Joaquim Pinto; perche: Nuno

Leonel, (est) João Som; sonoplastia/mist.: Joaquim

Pinto, Nuno Leonel; música: João Gil; exec. musi-

cal: Manuel Pinto (arranjo de cordas), José António

Santos (arranjo de sopros, clarinete), Inês de Sousa

(voz), Pedro Teixeira (violino), Mário Marques

(saxofone), TóZé Morais (trompete), Ruben de la

Cruz Santos (trombone), Sérgio Carolino (tuba),

Luís Cascão (bateria), Mário Neto (banjo); músicos:

Banda de Almoçageme, Bombos do Sotto da Casa;

músicos/cena: Helena Pimentel (piano), José Antó-

nio Santos (clarinete); participantes-cena: (RTP)

Ricardo Nogueira, João Pinto Nogueira/Pinconé,

Vanda Santana, Mário Ângelo; coreografia: (dança

do ventre) Myriam Szabo; mont.: João Braz; mont.

negativo: Graça Boavista; interiores: Cabaré Hipo-

pótamo (Lisboa); exteriores: Lisboa, Cabo da Roca,169

Page 171: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Almoçageme, Beira; casting: Antro; animais: Sigla,

Bucação; veículos: Atílio Silva. Catering: Cozinha da

Jó. Extractos de: «O Acto da Primavera» (1962) de

Manoel de Oliveira; imagens de timor: Radiotelevi-

são Portuguesa/RTP; data rodagem: Nov 1997; lab.

imagem: Tobis Portuguesa; etalonagem: Teresa Fer-

reira; material de imagem: Videocine; material de

iluminação: Contracampo; avid.: Tobis Portuguesa;

mist. som: Videocine; material de som: Filmebase;

est. musical: Estúdio Vale de Lobos, (téc) João Mar-

tins; produtor: Antónia Seabra; produção exec.:

Maria João Mayer; dir. produção: Rui Louro, (chefe)

Manuel Rebelo; assist. produção: Sérgio Baptista,

Rafael Hernandez, (est) Rossana Appoloni; sec.

produção: Dina de Freitas; contabilista: Maria João

Alberto; téc. contas: Jorge Emílio; gabinete jurídico:

Seabra, Gonçalves Ferreira, Tuca e Associados;

patrocínio: European Script Fund; apresentação:

Casino 27º Festival de Cinema da Figueira da Foz;

data apresentação: 3 Set 1998; distribuição: AS Pro-

duções; ante-estreia: Nimas; data ante-estreia: 25

Mai 1999; estreia: Nimas; data estreia: 28 Mai 1999.

Intérpretes/Personagens: Natália Luiza (Lúcia),

Catarina Furtado, Myriam Szabo e Anabela Mota

Ribeiro (Bailarinas), Amadou Dieng (Bailarino),

Isabel de Castro (Rosa Amélia), Cucha Carvalheiro

(La Salette), Zita Duarte (D. Helga), Laura Soveral

(Marta), Dalila Carmo (Sãozinha), Maria do Céu

Guerra, José Pinto, André Gomes, Henrique Viana,

Márcia Breia, Pedro Hestnes Ferreira, Carminho

Moniz Pereira, Canto e Castro, Orlando Costa,

Rogério Vieira, Fernanda Neves, Lucinda Loureiro,

Eugénia Bettencourt, Carlos Curto, Conceição

Guerra, Alberto Seixas Santos, Eric Daugbjling,

Francisco Teixeira da Mota. Vozes Off: Alberto Sei-

xas Santos (Pai), Inês Menezes (Estrevistadora da

Rádio), Dina de Freitas (Deolinda), Nuno Leonel

(Amigo), Joaquim Pinto (Zé), Mário Cesariny

(Poema).

Na procura de uma carta que o pai - um antropó-

logo que viveu em Timor - lhe deixou, Lúcia volta à

aldeia da sua infância. Aí encontra Álvaro - que

reparte o pouco tempo da vida que lhe resta entre

as rosas e o piano; e o seu anjo da guarda - que a

acompanha e protege nas suas deambulações noc-

turnas…

Observações: «Dedicado ao Meu Irmão José

Alberto Gil» - Margarida Gil. Placa de Prata – em

Figueira da Foz 1998; Grande Prémio – em Roma

1998; Menção Especial para a Actriz (Dalila Carmo)

– em Fantasporto 1999; Grande Prémio – em Tur-

coing 1999.

… E Assim Nasceu a Ilha de TimorVd – c, pb – 15 mn.

Realização: José Barahona; produção: Pavilhão de

Timor – Expo ’98, Fundação Paz e Democracia;

argumento: José Barahona, Francisco Luís Pereira;

fot.: (Exteriores) António Barbas, (interiores) João

Paulo Moedas. Pinturas: Maria Socas: digitalização

de imagem: Hugo Albuquerque; dir. som: (estúdio)

Jorge Pedro Leitão, (exteriores) Max; voz off: Henri-

que Espírito Santo: mist.: João Paulo Moedas;

música: («Uaitiu Tasi Lembe Leto Liti», «Rosalina»,

«Li Eh») Grupo Rai Timor, «Suite Para Percussão»,

«Tei Me» (Canção do Arroz), «Solo de Berimbau»,

(«Ô Hêla Lô») Vozes da Revolução do Povo Mau-

bere; recolha musical: (Etnia dos Éma) Brigite Cla-

nagirand; mont.: João Paulo Moedas; produtor: Joa-

quim de Brito; produção exec.: Henrique Espírito

Santo; dir. produção: Sandra Fanha; assist. produ-

ção: Carlos Ramos; pós-produção: Cinegrupo 7;

apoio: Prole Filme, Cinegrupo 7; apresentação:

Expo ’98 – Pavilhão de Timor; data apresentação:

1998.

Intérpretes/Personagens: Justino Guterres (Senhor

da Palavra), Wilson Marques (Rapaz da Floresta),

Luísa Marques (Rapariga da Floresta), Ruben Mar-

ques (Criança da Floresta).

O Senhor da Palavra, um ancião timorense que

representa em cada aldeia a tradição oral, trans-

mite aos jovens a lenda nativa do crocodilo que se

transformou na ilha de Timor. Um Rapaz salva o 170

Page 172: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Crocodilo da morte, por fome e sede, numa zona

desértica. Em reconhecimento da ajuda prestada, o

Crocodilo promete levar o Rapaz numa viagem

através do mundo, até ao sítio onde nasce o sol…

Observações: Betacam Analógico.

22000000

Abril 25 Anos - Aventura Demokratica25 DE ABRIL, UMA AVENTURA PARA A DEMOCRACIA

16 mm, Sp 8 mm, Vd – c – 16 mn.

Realização: Edgar Pêra; produção: Edgar Pêra; fot.:

Edgar Pêra; mont.: Edgar Pêra.

A Revolução portuguesa de 1974. Imagens e sons do

passado (o fascismo e os dias da libertação) ao pre-

sente (manifestações por Timor).

Observações: Prémio RTP – em Amascultura 2000;

Prémio à Curta Metragem/Vídeo – em Coimbra

2001.

Memórias de um GuerrilheiroVd – c – 107 mn.

Realização: Célia Antunes, Sofia Miranda; produ-

ção: Centro de Audiovisuais do ISCTE; argumento:

Célia Antunes, Sofia Miranda; fot.: Célia Antunes,

Sofia Miranda; dir. som: Célia Antunes, Sofia

Miranda; música: Abi Ho Sloz; mont.: Marina

Pereira.

António Campos nasceu em Los Palos, Timor

Loro Sae. Aos seis anos de idade, com a invasão

indonésia, foi obrigado a procurar refúgio nas

montanhas. Aí cresceu, junto dos guerrilheiros da

Falintil, com os quais aprendeu a (sobre)viver e a

lutar por uma causa: a autodeterminação do seu

povo.

Em 1968, foi capturado pelas tropas agressoras, o

que não significou o termo da sua luta, antes o

começo de uma nova fase.

Observações: Sp VHS.

22000011

A Noivado GiganteVd – c – 7 mn.

Realização: Nuno Amorim; produção: Animais;

Radiotelevisão Portuguesa/RTP; argumento: Virgí-

lio Almeida. Diálogos: Virgílio Almeida; animação:

Nuno Amorim: som: Paulo Curado; produtor: Nuno

Amorim.

Uma aldeia adormecida, algures nas montanhas de

Timor-Loro Sae. Uma anciã sem idade desperta

uma noiva de sono inquieto.

A noiva, perturbada, conta-lhe o estranho sonho

que tivera: numa noite clara como o dia, assistira à

luta entre as forças da destruição e as forças do

amor…

Observações: CineAlta/HD.

A Princesadas Lágrimas de OuroVd – c – c/m.

Realização Luiz Beja; produção: Beja Filmes; orça-

mento divulgado: 4000 contos. Consultor Literário:

Luís Carlos Patraquim; fot.: Luiz Beja; patrocínio:

Instituto Camões. Emissão: RTPÁfrica.

Ficção sobre Timor.

Observações: De uma série de 16 c/m, sobre os

vários países africanos da Lusofonia, a interpretar

por actores dos países originais.

Timor Loro SaeVd – c – 7 mn.

Realização: Vítor Lopes; produção: Cine-Clube de

Avanca; argumento: Vítor Lopes. Diálogos: Vítor

Lopes; animação: Vítor Lopes; produtor: António

Costa Valente.

Homenagem ao povo de Timor-Leste - que, ao fim

de quinhentos anos de colonianismo, lhe viu negado

o direito à autodeterminação e à independência…

Observações: Betacam Sp.

Page 173: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Timor, os Mitos e as

(des)MistificaçõesL u í s C a r d o s o

Quando Osório de Castro escreveu o livro elhe deu o nome de «A ilha verde e vermelha» tal-vez não soubesse que estava a criar um mito, omesmo que levou esse ancião de Maubisse aesconder a bandeira verde-rubra durante tantotempo, tanto quanto a memória resistia aoolvido, para depois ser devolvida ao dono con-forme as palavras do ancião, lamentado na oca-sião que embora as cores estivessem gastas pelotempo na sua fuga inexorável para o abismo,contra a qual não tinha meios para se opor, aesfera armilar continuava inteira e intacta, omesmo não acontecendo com as cabeças querolaram no chão, destruídas pela ira, sabe-se láporque mais, supondo que em represália pornão terem encontrado a bandeira enterrada nointerior do seu frágil e árido corpo ou escondidanas entranhas da sua ilha vermelha de sangue everde de esperança com que se mantinha vivo.Fez saber que o visitante se esquecera do estan-darte quando se foi embora dizendo sentir sau-dades da terra, tanto tempo ausente do lar, maisdo que o previsto para realizar o sonho com quese fez ao mar, nómada de terras estranhas e vaga-bundo de outros mares.

Osório de Castro não era político e a profis-são de médico fê-lo atento a tudo quanto orodeava para melhor entender os homens,expurgar os males que os atormentam e a paixãoda escrita fê-lo eternizar o que provavelmentemais ninguém soube colorir, o esplendor que eraa ilha verde e vermelha.

Não entro pela grande porta das decifrações,nem quero violar o longo corredor dos enigmas,o autor mais do que botânico era um retratista,talvez quisesse ser um Gauguin de outra arte, tal-vez um tanto sabedor do trágico destino deoutras ilhas que outrora foram verdes, quis dei-xar esse quadro assim como um sinal vermelhopara todos quantos ali aportam e se interessampela sorte dos pequenos paraísos perdidos novasto mar ou na imensidão do tempo – não há

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outros paraísos que não sejam paraísos perdidos–, assim resolveu a equação o mago das letrasBorges de seu nome.

Quando chove a terra empasta-se com ademasia das águas, as distintas estações do anoque separam o tempo na feminina época daschuvas que tudo molha, verde o cio da terra edura a sementeira, seguido do brusco períododa seca expondo o fruto proibido para atiçar acobiça alheia, depois enraivecer-se em labare-das de ciúme e enlouquecer com o fogo da pai-xão, esse mesmo fogo que unia todas as ilhas dopacífico descrevendo um arco luminoso,mágico e terrífico, provavelmente o único arcoque Fernão de Magalhães viu, uma vez que o dotriunfo lhe negou esse pequeno povo das ilhasde Mindanau que não queria ver o seu estreitodevassado por piratas e por outros que não osendo os achavam demasiadamente estreitosno saber e na procura que a terra era redonda.Descontentes com a arrogância do cheganteque lhes queria provar o contrário do que paraeles era uma terrível evidência, talvez por issomesmo o tivessem morto, quando ao ser per-guntado não sabia para onde ia, ele que tudosabia das nebulosas, das constelações e da artede bem navegar e com tanto mar pela frentelargo e horizontal logo ali foi encalhar, um des-cuido inglório e fatal, o sinal de que ele nuncairia até ao fim, até onde o levava o sonho ou odesvario, até onde não haveria regresso e porisso queria encontrar a exacta curvatura da terrapara ter a certeza do retorno e não sabendo can-tava, talvez devesse chorar, que no fado é amesma coisa: «Ai, minha mãe, as saudadesmatam mais que o escorbuto!»

Timor passou a constar na rota da circum-navegação pela pena de Pigafetta e mais do quetudo isso disse o outro que não era Magalhãesmas Pessoa: «Tudo vale a pena quando a almanão é pequena!»

Eis que se ergue das brumas o ancião deMaubisse, envolto com penas de galos e peloseu traje colorido de várias tonalidades, vendoo visitante encharcado de penas lhe ofereceu oseu tais para se limpar das lágrimas, o ombropara chorar as mágoas, que valeu mesmo a penater vindo para selar uma nova aliança, ainda quetivesse demorado tanto tempo a chegar, aindaque tivesse invocado para justificar o atraso afúria do vento, as correntes traiçoeiras, a ira dasmonções, o assalto dos piratas, as rotas dasespeciarias desfeitas por falta delas, o trans-torno dos fusos horários, a traição dos amigos,a intransigência dos inimigos, o belo sonho daexposição universal, o baralho da União Euro-peia, o brilho da moeda única, a triste epopeiada devolução de Macau e mais grave do quetudo isso o enjoo do mar por falta de hábito denavegar, quando cedeu à tentação da velha efarta Europa de largar tudo para se retirar emterra, qual filho pródigo de regresso à origem,ele que fora o pioneiro e se preparava paracomemorar os quinhentos anos do achamentodo Brasil.

Eis que se ergue das brumas o ancião deMaubisse depois de ter esperado tanto tempo etantas foram as noites claras que passou embranco a espreitar a linha do horizonte dondeesperava ver aparecer a Lusitânia Expresso ou aLusitânia Paixão, que importa o nome se o dese-jado era o velho senhor dos mares, para buscaro que era da sua pertença, depois de o ter esque-cido há vinte e cinco anos atrás, quando seapressou a fazer o caminho de regresso à casa,dando um ponto final na história e um nó nalinha com que teceu as malhas do Império.

Finalmente, cumprido o destino, devolvidaa bandeira, despido o mito, a ilha voltou a serverde e vermelha como era no princípio, quandoo velho crocodilo cansado de tanto mar se fezterra para se eternizar.

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Oh!Liberdade!

Se eu pudessepelas frias manhãsacordar tiritandofustigado pela ventaniaque me abre a cortina do céue ver, do cimo dos meus montes,o quadro roxode um perturbado nascer do sola leste de Timor

>Sem título, pintura a óleo de Xanana Gusmão, Abril de 1994.

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Se eu pudessepelos tórridos sóiscavalgar embevecidode encontro a mim mesmonas serenas planícies do capime sentir o cheiro de animaisbebendo das nascentesque murmurariam no arlendas de Timor

Se eu pudessepelas tardes de calmasentir o cansaçoda natureza sensualespreguiçando-se no seu suore ouvir cantar as canseirassob os risosdas crianças nuas e descalçasde todo o Timor

Se eu pudesseao entardecer das ondascaminhar pela areiaentregue a mim mesmono enlevo molhado da brisae tocar a imensidão do marnum sopro da almaque permita meditar o futuroda ilha de Timor

Se eu pudesseao cantar dos grilosfalar para a luapelas janelas da noitee contar-lhe romances do povoa união inviolável dos corpospara criar filhose ensinar-lhes a crescer e a amara Pátria Timor!

Xanana GusmãoCipinang, 8 de Outubro de 1995

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Page 178: Revista Camões #14 | Timor Lorosa'e

Timor Lorosa’e

REVISTA DE LETRAS E CULTURAS LUSÓFONASJULHO

SETEMBRO2001

10€[IVA INCLUÍDO]

n ú m e r o

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