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PUBLICAÇÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE MEDICINA DO TRABALHO – ANAMT ARTIGOS ORIGINAIS » Medicina do Trabalho e doenças emergentes, reemergentes e negligenciadas: a conduta no caso das febres da dengue, do Chikungunya e do Zika vírus » Afastamento do trabalho por pacientes gestantes: principais causas de absentismo » Determinação dos níveis de exposição de metais em trabalhadores da construção naval: impactos e desafios » A aplicação da arquitetura de informação na gestão dos riscos das doenças crônicas em trabalhadores: uma análise preliminar » Patologias osteomusculares como causa de aposentadoria por invalidez em servidores públicos do município de São Luís, Maranhão REVISÕES DE LITERATURA » Silicose e esclerose sistêmica (síndrome de Erasmus): a importância do reconhecimento da associação entre doenças » O controle estatal em saúde e segurança no trabalho e a auditoria do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional » Ocorrência de espécies fúngicas isoladas a partir de mãos e unhas de trabalhadores DIRETRIZ TÉCNICA ANAMT » Diretriz Técnica da ANAMT (DT nº 01/2015) — Epilepsia e Trabalho: Rastreamento CALENDÁRIO DE EVENTOS REVISTA BRASILEIRA DE MEDICINA DO TRABALHO Disponível em iPad e Android Volume 14 • Número 1 • 2016 ISSN 1679-4435 Endereço on-line: www.anamt.org.br

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PUBLICAÇÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE MEDICINA DO TRABALHO – ANAMT

ARTIGOS ORIGINAIS» Medicina do Trabalho e doenças emergentes, reemergentes e negligenciadas: a conduta no caso das

febres da dengue, do Chikungunya e do Zika vírus

» Afastamento do trabalho por pacientes gestantes: principais causas de absentismo

» Determinação dos níveis de exposição de metais em trabalhadores da construção naval: impactose desafios

» A aplicação da arquitetura de informação na gestão dos riscos das doenças crônicas em trabalhadores: uma análise preliminar

» Patologias osteomusculares como causa de aposentadoria por invalidez em servidores públicos domunicípio de São Luís, Maranhão

REVISÕES DE LITERATURA» Silicose e esclerose sistêmica (síndrome de Erasmus): a importância do reconhecimento da associação

entre doenças

» O controle estatal em saúde e segurança no trabalho e a auditoria do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional

» Ocorrência de espécies fúngicas isoladas a partir de mãos e unhas de trabalhadores

DIRETRIZ TÉCNICA ANAMT» Diretriz Técnica da ANAMT (DT nº 01/2015) — Epilepsia e Trabalho: Rastreamento

CALENDÁRIO DE EVENTOS

REVISTA BRASILEIRA DE MEDICINA DO TRABALHO

Disponível em iPad e Android

Vo l u m e 1 4 • N ú m e r o 1 • 2 0 1 6 ISSN 1679-4435Endereço on-line: www.anamt.org.br

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1 • 2016

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PRESIDENTE Zuher Handar (PR)

VICE-PRESIDENTE NACIONALPaulo Antonio de Paiva Rebelo (RJ)

VICE-PRESIDENTE DA REGIÃO NORTEFrancisco Ferreira de Sousa Filho (PA)

VICE-PRESIDENTE DA REGIÃO NORDESTEJosé Carlos Ribeiro (BA)

VICE-PRESIDENTE DA REGIÃO CENTRO-OESTELuiz Garcia de Oliveira Lima (MS) (In Memoriam)

VICE-PRESIDENTE DA REGIÃO SUDESTEVinício Cavalcante Moreira (MG)

VICE-PRESIDENTE DA REGIÃO SULAntônio Mário de Carvalho Guimarães (RS)

DIRETORIA ANAMT 2013–2016

DIRETOR ADMINISTRATIVOAurelino Mader Gonçalves Filho (PR)

DIRETORA ADMINISTRATIVA ADJUNTAAntonieta Quirilo Milleo Handar (PR)

DIRETOR FINANCEIRODante José Pirath Lago (PR)

DIRETOR FINANCEIRO ADJUNTOElver Andrade Moronte (PR)

DIRETOR CIENTIFICOMario Bonciani (SP)

DIRETORA DE DIVULGAÇÃOMarcia Bandini (SP)

DIRETORA DE PATRIMÔNIOFlávia Souza e Silva de Almeida (SP)

DIRETOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAISRené Mendes (SP)

DIRETORA DE LEGISLAÇÃOMaria Edilma Fernandes de Mendonça (CE)

DIRETORA DE ÉTICA E DEFESA PROFISSIONALRosylane Nascimento das Mercês Rocha (DF)

DIRETOR DE TÍTULO DE ESPECIALISTAJoão Anastácio Dias (GO)

CONSELHO FISCAL

CONSELHO FISCAL TITULARRenato Monteiro (SP)Claudio Schmitt (RS)

Charles Carone Amoury (ES)

CONSELHO FISCAL SUPLENTEGlauber Santos Paiva (CE)

Denise Fátima Brzozowski (SC)Gilberto Archero Amaral (SP)

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INDEX

COMISSÃO EDITORIAL – EDITORIAL BOARD

EDITOR – EDITORHudson de Araujo Couto

EDITORES ADJUNTOS – ASSOCIATE EDITORSFrida Marina Fischer

Mario BoncianiVera Lucia Zaher

EDITORA-ASSISTENTE – ASSISTANT EDITORSandra Lúcia Picchiotti

As instruções aos autores estão disponíveis no site

www.anamt.org.br

Volume 14

Number 1

2016

ORIGINAL ARTICLES1 Occupational Medicine and emerging, reemerging and

neglected diseases: the conduct in the case of dengue,

Chikungunya and Zika virusMarcelo Pustiglione

13 A pregnant employee absence: the main causes

of absenteeismCarolina Trovão dos Santos Baima, Flávio Américo Lopes Barroso,

Juliana Lucena, Caroline Silva Costa de Almeida,

Ana Paula Silva de Azevedo dos Santos

19 Determining levels of exposure to metals in shipbuilding

employees: impacts and challengesMaria de Fátima Ramos Moreira, Aldo Pacheco Ferreira,

Ulisses Cesar de Araújo

29 The information architecture to manage the risks of

chronic diseases in workers: a preliminary analysisAdriano Hyeda, Élide Sbardellotto Mariano da Costa,

Fides Sbardellotto, Jean Carlo Camargo Ferreira

37 Musculoskeletal pathology as a cause of disability

retirement for public servants in the municipality of São

Luís, MaranhãoGraça de Fátima Pereira Almeida, Maria Hilda Araújo Ribeiro,

Marcos Antonio Custódio Neto da Silva, Rebeca Costa Castelo

Branco, Flávia Coelho Mohana Pinheiro, Maria do Desterro Soares

Brandão Nascimento

LITERATURE REVIEWS45 Silicosis and systemic sclerosis (Erasmus syndrome):

the importance of the recognition of the association

between diseasesJuliana Augusta Spinelli da Silva Teles

52 State control in health and safety at work and the audit

of the Control Program Occupational Health MedicalFelipe Rovere Diniz Reis, Satoshi Kitamura

60 Occurrence fungal species isolated from hands and nails

of workersMilena Araújo Ferreira, Daiane Martins

TECHNICAL GUIDELINES OF ANAMT71 TECHNICAL GUIDELINES OF ANAMT (DT no 01/2015) -

Epilepsy and Work: ScreeningFernando Akio Mariya, José Domingos Neto, Diego Nozaki,

Eduardo Myung, Mario Bonciani, Flavia de Almeida

I Events Calendar

Rua Bela Cintra, 178, Cerqueira César – São Paulo/SP - CEP 01415-000Zeppelini – Tel: 55 11 2978-6686 – www.zeppelini.com.br

Filantropia – Tel: 55 11 2626-4019 – www.institutofilantropia.org.br

PRODUÇÃO EDITORIAL

ZEPPELINIP U B L I S H E R S

Antonio de Sousa UvaUniversidade de Nova Lisboa – Lisboa – Portugal

Arline Sydneia Abel ArcuriUniversidade de São Paulo – SP – BR

Berenice Isabel Ferrari GoelzerUniversidade Federal do Rio Grande do

Sul – RS – BRCarlos Nunes Tietboehl Filho

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – RS – BR

Carlos Roberto CamposUniversidade Federal de Goiás – GO – BR

Claudio TaboadelaPontifícia Universidade Católica da

Argentina – Buenos Aires – ArgentinaDante José Pirath Lago

Pontifícia Universidade Catolica do Paraná – PR – BR

Davide BosioUniversidade de Torino – Turim – Itália

Duarte Nuno VieiraUniversidade de Coimbra – Coimbra – Portugal

Eduardo Costa SáUniversidade de São Paulo – SP – BR

Eduardo Mello De CapitaniUniversidade Estadual de Campinas – SP – BR

Elizabeth Costa DiasUniversidade Federal de Minas Gerais – MG – BR

Emma Sacadura LeiteUniversidade de Nova

Lisboa – Lisboa – PortugalEverardo Andrade da Costa

Universidade Estadual de Campinas – SP – BRFernando Donato Vasconcelos

Universidade Federal da Bahia – BA – BRFlávio Henrique de Holanda Lins

Universidade Federal de Pernambuco – PE – BRFrancisco Corte Real

Instituto Nacional de Medicina Legal – Coimbra – Portugal

Hermano Albuquerque de CastroEscola Nacional de Saúde Pública – RJ – BR

Ildeberto Muniz de Almeida Universidade Estadual Paulista – SP – BR

Jandira Dantas Machado Universidade Federal de Pernambuco – PE – BR

João Anastácio Dias Universidade Federal de Goiás – GO – BR

José Tarcísio Penteado BuschinelliFaculdades de Ciências Médicas da Santa Casa

de São Paulo – SP – BRJulizar Dantas

Universidade Federal de Minas Gerais – MG – BR

Lys Esther Rocha (In Memoriam)Universidade de São Paulo – SP – BRMarco Antônio Vasconcelos Rêgo

Universidade Federal da Bahia – BA – BRMarcos Furtado de Toledo

Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais – MG – BR

Maria Cristina PântanoPontifícia Universidade Católica da Argentina –

Buenos Aires – ArgentinaMario Cesar Rodriguéz Vidal

Universidade Federal do Rio de Janeiro – RJ – BRPaulo Antonio Barros Oliveira

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – RS – BR

Paulo Antonio de Paiva RebeloUniversidade Federal do Estado do

Rio de Janeiro – RJ – BRRené Mendes

Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – MG – BR

Roque Luis Mion Puiatti Universidade Federal do

Rio Grande do Sul – RS – BRSandra Maria Gasparini

Universidade Federal de Minas Gerais – MG – BRSatoshi Kitamura

Universidade Estadual de Campinas – SP – BRSergio José Nicoletti

Universidade Federal de São Paulo – SP – BRSérgio Roberto de Lucca

Universidade Estadual de Campinas – SP – BRSolene Ziemer Krusma

Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PR – BR

Susan StockInstitut National de Santé Publique du Quebec – Montreal – Canadá

Tee L. Guidotti Fellow of the Canadian Board of Occupation

Medicine – Washington – DC – USAThomas J. Armstrong

Professor Industril and Operations Engineering, Center for Ergonomics – University

of Michigan – Michigan – USATeresa Magalhães

Instituto Nacional de Medicina Legal – Porto – PortugalVilma Sousa Santana

Universidade Federal da Bahia – BA – BRZuher Handar

Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PR – BR

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Rev Bras Med Trab. 2016;14(1):1-12

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Recebido: 07/12/2015 Aceito: 02/02/2016

Fonte de financiamento: nenhuma

ARTIGO

ORIGINAL

RESUMO | Contexto: Doenças epidêmicas vetoriais emergentes, como as febres do Chikungunya (CHIKV) e do Zika vírus (ZIKAV), e reemergentes e/ou negligenciadas, como a febre da Dengue (sorotipos DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4), têm sido objeto de muita preocupação da população e das autoridades sanitárias no Brasil, particularmente nos últimos cinco anos. A Medicina do Trabalho, como um dos braços da Saúde Pública e da Medicina Preventiva, tem papel importante nas ações de vigilância, prevenção e controle das doenças ocupacionais ou não, incluindo as coletivas epidêmicas transmitidas por vetores, como é o caso. Objetivo: Fazer uma breve atualização dessas doenças infecciosas e apontar as ações do Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), contextualizando-as de acordo com as peculiaridades das doenças estudadas. Método: Para a reali-zação deste estudo foi feita revisão da literatura e dos boletins oficiais referentes aos casos dessas viroses no Brasil nos últimos dois anos. Resultados: São apresentados perfis e quadros comparativos enfocando as características e diferenciais de cada uma das três doenças estudadas. Conclusão: A Medicina do Trabalho como ramo da Saúde Pública tem um papel preponderante no controle das doenças infecciosas, estejam elas relacionadas ou não com a atividade laboral do grupo de trabalhadores-alvo.Palavras-chave | medicina do trabalho; epidemiologia; dengue; vírus Chikungunya; Zika vírus.

ABSTRACT | Context: Emerging vector epidemic diseases such as fever Chikungunya (CHIKV) and Zika virus (ZIKAV), and reemerging and/or neglected ones, such as the Dengue fever (DENV-1 serotypes DENV-2, DENV-3 and DENV-4 ) have been the subject of much concern in the population and health authorities in Brazil, particularly in the last five years. The Occupational Medicine, as one arm of the Public Health and Preventive Medicine, has an important role in surveillance, prevention and control of diseases, occupational or not, including collective epidemic transmitted by vectors, as is the case. Objective: To make a brief update of these infectious diseases and to point the actions of Occupational Medicine Services, contextualizing them according to the pecu-liarities of these diseases. Methods: Literature and official reports concerning cases of these viruses in Brazil in the last two years were reviewed. Results: Profiles and comparative tables focusing on the features and advantages of each one of the three conditions studied are shown. Conclusion: The Occupational Medicine as a branch of Public Health has a major role in the control of infectious diseases whether they are related or not with the labor activity of the target group workers.Keywords | occupational medicine; epidemiology; dengue; Chikungunya virus; Zika virus.

Trabalho realizado no Departamento de Medicina Legal, Ética Médica, Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo (SP), Brasil.1Divisão Técnica de Vigilância Sanitária do Trabalho (DVST-CEREST Estadual) do Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo; Disciplina de Medicina do Trabalho do Departamento de Medicina Legal, Ética Médica, Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo (SP), Brasil.

Medicina do Trabalho e doenças emergentes, reemergentes e negligenciadas:

a conduta no caso das febres da dengue, do Chikungunya e do Zika vírus

Occupational Medicine and emerging, reemerging and neglected diseases: the conduct in the case of dengue, Chikungunya and Zika virus

Marcelo Pustiglione1

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Pustiglione M

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INTRODUÇÃO

Luna1 considera como doenças infecciosas emergentes e reemergentes aquelas cuja incidência em humanos vem aumentando ou ameaça aumentar. Levi2 refere-se às “doenças negligenciadas” como doenças infecciosas de grande impor-tância na saúde pública que deixaram de receber atenção adequada por parte da ciência como um todo. Qualquer que seja o enfoque dado, as três doenças objeto deste artigo se enquadram perfeitamente. Atualmente, a febre do Zika vírus (ZIKAV), mais por suas sequelas do que por sua clínica, tem sido objeto de maior interesse. A perspectiva de sua asso-ciação com microcefalia congênita vem, literalmente, ater-rorizando as mulheres em idade fértil e especialmente as gestantes, impulsionando as pesquisas sobre a transmissão vertical e as providências de controle do vetor. Podemos dizer que algo parecido também aconteceu com a febre da Dengue (Dengue clássica), a partir do momento em que surgiram evidências de que uma segunda infecção por um vírus de soro-tipo distinto do responsável pela infecção anterior aumenta o risco de formas mais graves da doença, como por exemplo a febre hemorrágica ou a síndrome do choque3.

O surgimento de novos problemas de saúde, incluindo novos agentes infecciosos, em vários países e variadas regiões, independentemente de seu grau de desenvolvi-mento socioeconômico, vem fragilizando muito a “teoria da transição epidemiológica” como justificativa dos movi-mentos de emergência e reemergência de doenças1. Fica cada vez mais difícil sustentar que esses fenômenos são apenas resultado do deslocamento das doenças infecciosas do lugar de principais causas de mortalidade pelas doenças degenerativas e “produzidas pelo homem”, decorrentes da melhoria na qualidade de vida e aumento da expectativa de vida da população4.

Os determinantes de emergência e reemergência de doenças infecciosas

Na determinação da emergência e reemergência das doenças infecciosas em geral, além da negligência das auto-ridades científicas e sanitárias, muitos outros fatores são arrolados. Considerando as doenças em estudo, podemos apontar os determinantes (1) demográficos; (2) sociais e políticos; (3) econômicos; (4) ambientais; e (5) os depen-dentes do desempenho dos serviços de saúde1.

O crescimento da população e a forte tendência à urba-nização, especialmente nos países subdesenvolvidos, vêm

inexoravelmente acompanhados de aglomeração de casas semiconstruídas, geralmente sem telhados e com caixas d’água desprotegidas e saneamento básico inexistente ou inadequado, acúmulo de lixo, entre outras condições inde-sejáveis do ponto de vista da saúde pública. “Estes fatores criam as condições adequadas para a proliferação e disse-minação de determinados agentes, seus vetores e reserva-tórios”1. Os surtos de dengue e a emergência das febres do Chikungunya (CHIKV) e ZIKAV transmitidos pelo Aedes aegypti e albopictus (Ae. aegypti ou albopictus) confi-guram exemplo lapidar da influência dos determinantes demográficos, incluindo a política de urbanização (ou a falta dela).

Do ponto vista socioeconômico, os movimentos migra-tórios externo e interno, impulsionados pela busca de mercados de trabalho, geralmente em grandes centros, acabam agravando o cenário relatado, pois “os viajantes podem transportar os agentes infecciosos, seus vetores e, ainda, hábitos e tecnologia que podem propiciar a emer-gência de doenças”1. Nessa linha de raciocínio deve ser considerada a globalização do trabalho, pela qual milhares de trabalhadores se deslocam para (ou através de) zonas de risco, potencializando a possibilidade de reemergência ou emergência de doenças.

Além disso, essa heterogeneidade social, cultural e econômica acaba expondo as classes menos favorecidas e, portanto, mais distantes das melhores informações e recursos, a condição de maior exposição à doença e, conse-quentemente, a todo cortejo clínico e sequelas decorrentes. A relação ZIKAV e microcefalia, se confirmada, reflete bem essa situação, uma vez que o vetor está mais próximo das mulheres que têm menos informação e recurso para evitar a gravidez.

Ainda associado a determinantes econômicos, devem ser consideradas as atividades de transporte nacional ou internacional de cargas. É relatada a disseminação do Aedes albopictus (o segundo vetor em importância na transmissão da dengue) pelo comercio de pneus usados1,5. Deve ser considerada também a ocupação agrícola de áreas de floresta desequilibrando o ecossistema, expondo traba-lhadores a vetores dessas doenças, transformando-os em hospedeiros de vírus em ambiente com alta densidade de mosquitos. Não podemos esquecer que o humano portador desses vírus, sintomático ou não, sendo picado pelo Aedes não contaminado, o contamina, possibilitando a expansão

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Medicina do Trabalho – Dengue, Chikungunya e Zika

da epidemia. Enfoque análogo associa outros determinantes ambientais à emergência e reemergência de doenças, como o caso de projetos de engenharia, tais como frentes de trabalho para construção de represas e rodovias1,5.

Como os serviços de saúde disponíveis à população estão organizados acaba representando um determinante muito particular. Quando aparelhados com recursos pessoais e tecnológicos para atendimento e diagnóstico (como, por exemplo, as técnicas de biologia molecular), evidenciam mais rápida e eficientemente doenças, fazendo-as “emergir” ou “reemergir”. Por outro lado, as falhas acabam contribuindo para a disseminação de doenças. A propósito, entre as hipó-teses da denominada “epidemia de microcefalia” observada no Brasil desde o último trimestre de 2015, além do ZIKAV e da consanguinidade, estão sendo consideradas falhas no programa de vacinação contra rubéola, doença tradicional-mente associada à microcefalia congênita6.

PARTICULARIDADES DO VETORAlém do quadro sintomático muito parecido, o que

agrupa essas doenças é o fato dos vírus se valerem dos mesmos vetores, o Ae. aegypti e o Ae. albopictus, mosquitos da família Culicidae, conhecidos popularmente como “pernilongo rajado”. Assim, para desenvolvimento de ações preventivas e de controle, é fundamental conhecermos esse “grande inimigo” para sabermos reconhecer sua presença e como combatê-lo.

O Ae. aegypti mede menos de 1 centímetro, é preto com manchas brancas no corpo e nas pernas (Figura 1A), é mais ativo durante o dia e não faz praticamente nenhum som audível antes de picar. Quem pica é a fêmea, tendo o homem como vítima preferencial7. O ciclo homem-Aedes aegypti-homem é a forma mais frequente

de transmissão do vírus. Entretanto, existem relatos de transmissão da doença através de exposição acidental (ocupacional) com material biológico (sangue) conta-minado, perinatal e até sexual8. A fêmea contaminada ao picar uma pessoa infectada mantém o vírus na saliva e o retransmite através da picada. Após a ingestão de sangue infectado, o mosquito torna-se apto a transmitir o vírus e assim permanece durante toda a vida7. A fêmea do Aedes aegypti pode viver cerca de 30 a 45 dias, sendo capaz de contaminar até 300 pessoas. Em sua fase de acasala-mento, ela pica o homem por que precisa de sangue para garantir o desenvolvimento dos ovos. O ciclo de vida do Aedes aegypti é composto por quatro fases: ovo, larva, pupa e adulto. As larvas necessitam de água parada, limpa ou suja, preferivelmente em locais sombreados e no perido-micílio para se desenvolverem7. Os ovos são extremamente resistentes, podendo sobreviver vários meses de seca, até que a chegada de água propicie a incubação.

Desta forma, a regra de ouro para evitar a transmissão da dengue é a eliminação do mosquito transmissor, elimi-nando focos de acúmulo de água, locais propícios para a criação do mosquito transmissor da doença. E essa é uma ação que compete a todos os cidadãos. No Quadro 1 apon-tamos os potenciais criadouros de Aedes e as ações mínimas que devem ser adotadas.

Em janeiro de 2016 a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) alertou que a casca do caramujo africano pode ser também um criadouro do Aedes aegypti porque, após a morte do molusco, “a concha que ele carrega nas costas demora muito para se degenerar e pode acumular água de chuva”9. Enfim, todos os elementos naturais ou artificiais capazes de acumular água são potenciais cria-douros do mosquito.

A B

Figura 1. Aedes aegypti: formas adulta (A) e larvária (B).

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Aedes_aegypti [Acessado em: 27 jan. 2015]

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MÉTODO

Para a realização deste estudo foi feita revisão da lite-ratura, incluindo os boletins oficiais do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde referentes aos casos destas viroses no Brasil nos últimos nos anos de 2015 e 2016.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

DENGUE (FEBRE DE QUEBRA-OSSOS, FEBRE DA DENGUE)• Agente: um vírus RNA, arbovírus do gênero Flavivírus,

pertencente à família Flaviviridae. Até hoje foram iden-tificados quatro sorotipos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Em 2015, no Brasil, cerca de 90% dos casos foram infectados pelo DENV-1, responsável pela dengue clássica, seguido pelos sorotipos DENV-4 (5%), DENV-2 e DENV-3 (menos de 1% cada)10, responsáveis pelos casos mais graves.

• Mecanismo de transmissão: através da picada da fêmea do mosquito Ae. aegypti e Ae. albopictus.

• Prevalência: significativamente maior nos países tropi-cais e subtropicais, onde as condições ambientais favo-recem o desenvolvimento e a proliferação do vetor: o Ae. aegypti e o Ae. albopictus

• Transmissibilidade: são referidos dois ciclos; um ocorre no ser humano (que vai do dia anterior ao surgimento da febre até o sexto dia da doença) e o outro, no vetor (de 8 a 12 dias após ter sido infectado até o final da vida do mosquito, em torno de seis a oito semanas).

• Imunidade: a homóloga, ou seja, para o mesmo sorotipo, é permanente, enquanto que a heteróloga ou cruzada dura de dois a três meses.

• Magnitude do problema: em 2015, em nosso país, foram notificados cerca de 1,5 milhão de casos prováveis de dengue. No período de 04/01/2015 a 14/11/2015, a região sudeste notificou o maior número de casos (63% do total notificado no país). No mesmo período os estados de Goiás e de São Paulo apresentaram as maiores incidências (cerca de 2.300/100 mil habitantes e cerca de 1.600/100 mil habitantes, respectivamente)10.

Quadro 1. Potenciais criadouros de Ae. aegypti e Ae. albopictus e providências mínimas a serem adotadas.

Potencial criadouro Providências

Caixas d’água, tanques e recipientes que armazenam água abertos ou mau tampados.

Mantê-los sempre bem tampados; lavá-los semanalmente com água, sabão e escova.

Água de chuva represada em calhas entupidas e lajes.Vistoriar sempre após precipitação de chuva e remover poças e elementos que estejam obstruindo a drenagem da água.

Pratinhos de vasos de planta. Se possível eliminá-los, caso contrário preenchê-los com areia.

Vasos de plantas aquáticas.Trocar a água semanalmente e lavar interna e externamente o vaso com água, sabão e escova.

Garrafas, latas e embalagens rígidas vazias armazenadas a céu aberto com o gargalo ou “bocas” para cima.

Quando absolutamente necessário seu armazenamento, garra-fas e latas devem ser depositadas com os gargalos para baixo e nunca a céu aberto.

Pneus armazenados a céu aberto.Quando absolutamente necessário seu armazenamento, devem depositados em locais protegidos da chuva e nunca a céu aberto.

Acúmulo de lixo a céu aberto no quintal, na rua e em terrenos baldios.

Todo lixo de qualquer natureza jamais deve ser armazenado a céu aberto; sempre em sacos depositados em lixeiras tampadas.

Resíduos de água em bebedouros de animais (cães, pássaros, etc.), bandejas de geladeira e de filtros d’água.

Os recipientes devem ser lavados diariamente com água, sabão e escova.

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Medicina do Trabalho – Dengue, Chikungunya e Zika

Foram confirmados 1.488 casos de dengue grave, 18.832 casos de dengue com sinais de alarme e 811 óbitos, sendo a maioria dos casos notificados no estado de São Paulo. Quando comparados com os dados de 2014, observa-se aumento considerável em todos os indicadores.

• Clínica: a infecção pelo DENV pode ser assintomá-tica ou causar uma doença infecciosa febril aguda epidêmica, autolimitada na maioria dos casos, que pode apresentar um amplo e variado espectro clínico, desde formas oligossintomáticas até quadros graves de choque com ou sem hemorragia, podendo evoluir para óbito. A maioria dos pacientes se recupera após evolução clínica leve, enquanto que uma pequena parte pode evoluir para doença grave11. O período de incubação varia de 4 a 10 dias, sendo em média de 5 a 6 dias. A doença tende a ser mais grave em crianças pequenas, idosos e portadores de asma brônquica, diabetes mellitus, anemia falciforme e infecção secun-dária. Via de regra, a primeira manifestação clínica da dengue é febre alta (39 a 40°C) súbita, que pode durar de dois a sete dias, acompanhada por cefaleia, mialgia, artralgia, prostração, astenia, dor retrorbital, exantema e prurido cutâneo11. Pela semelhança com outras doenças febris, é recomendado realizar a “prova do laço”, que resultando positiva aumenta a probabi-lidade da doença. Podem ocorrer hemorragias leves em mucosas e petéquias. Entre o 3º e o 7º dia a febre diminui, podendo haver alterações hematológicas com aumento do hematócrito, leucopenia e plaquetopenia, podendo caminhar para o choque, geralmente prece-dido por sinais de alarme. O choque pode levar ao óbito em 12 a 24 horas ou à recuperação rápida após tratamento adequado. O choque prolongado resulta em falência de múltiplos órgãos, acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada, com hemor-ragias graves. Nessa fase crítica pode haver manifesta-ções neurológicas como convulsões e irritabilidade.

• Casos suspeitos: toda pessoa que viva ou trabalhe em áreas onde esteja ocorrendo casos de dengue, ou tenha Ae. aegypti ou Ae. albopictus, ou tenha viajado nos últimos 14 dias para regiões de risco e que apresente febre com 2 a 7 dias de duração e 2 ou mais das seguintes manifesta-ções: (1) náuseas/vômitos; (2) exantema; (3) mialgia/artralgia; (4) cefaleia/dor retrorbital; (5) petéquias/prova do laço positiva; ou (6) leucopenia.

• Sinais de alarme: todo caso de dengue que, no período de diminuição da febre, apresente um ou mais das seguintes manifestações: (1) dor abdominal intensa/dor à palpação do abdômen; (2) vômitos persistentes; (3) ascite/derrame pleural e/ou pericárdico; (4) sangra-mento de mucosas; (5) letargia e irritabilidade; (6) lipo-tímia; (7) hepatomegalia; e (8) aumento progressivo do hematócrito.

• Sinais de dengue grave: todo caso de dengue que apre-sente um ou mais das seguintes manifestações: (1) choque (taquicardia/extremidades frias/pulso fraco ou indetec-tável/pressão diferencial convergente/evoluindo para hipotensão e insuficiência respiratória); (2) sangra-mento grave (hematêmese/melena/metrorragia, etc.); (3) comprometimento grave de múltiplos órgãos (fígado, sistema nervoso central, coração, etc.).

• Confirmação: através de sorologia para detecção de anti-corpos do tipo IgM e IgG contra os quatro sorotipos; nos primeiros dias da doença é recomendada a realização da pesquisa do dengue antígeno NS1 que tem maior sensi-bilidade e especificidade do que os demais12,13.

CHIKUNGUNYA (FEBRE DO CHIKV)• Agente: um vírus RNA, arbovírus do gênero Alphavirus,

pertencente à família Togaviridae. • Mecanismo de transmissão: através da picada da fêmea

do mosquito Ae. aegypti ou Ae. albopictus. • Prevalência: significativamente maior nos países tropi-

cais e subtropicais, onde as condições ambientais favo-recem o desenvolvimento e a proliferação do vetor: os Ae. aegypti e Ae. albopictus.

• Transmissibilidade: muito provavelmente ocorre da mesma forma relatada para a dengue.

• Imunidade: os indivíduos expostos ao vírus Chikungunya adquirem imunidade duradoura7,11.

• Magnitude do problema: no Brasil, em 2015, até o mês de novembro, foram notificados cerca de 17 mil casos autóctones suspeitos de febre do CHIKV. Desses, cerca de 7 mil foram confirmados, 95% por critério laboratorial; cerca de 9 mil casos continuam sob investigação. Quando comparados com os dados de 2014, observa-se aumento considerável em todos os indicadores.

• Clínica: após um período de incubação intrínseco médio de três a sete dias a partir da picada por mosquito

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infectado com o CHIKV, a infecção se manifesta como uma doença aguda mais comumente caracterizada por febre de início súbito (tipicamente maior do que 38,5°C e que dura geralmente de três a dez dias) e dor articular intensa (particularmente tornozelos, punho e articulações da mão; as articulações maiores como o joelho, ombro e a coluna também podem ser afetadas). A esses sintomas podem associar-se: cefaleia, dor difusa nas costas, mialgia, náusea, vômito, poliartrite, erupção cutânea e conjuntivite; não é rara a ocorrência de exan-tema maculopapular, que se inicia entre o 2º e o 5º dia e se mantém até o 10º dia de sintoma. A maioria dos indivíduos apresenta doença sintomática, estima-se que apenas 3 a 28% das pessoas com anticorpos para CHIKV apresentam infecção assintomática, mas estes indivíduos também podem transmitir o vírus para os mosquitos, mantendo o ciclo14. A maioria dos pacientes se recupera depois de sete a dez dias, porém, alguns indivíduos podem apresentar dores articulares por meses ou anos. Em alguns casos a artrite pode evoluir com dor articular crônica incapacitante e poliartrite, tenossinovite e síndrome de Raynaud.

• Casos suspeitos: toda pessoa que viva ou trabalhe em áreas onde estejam ocorrendo casos de chikungunya, ou tenha Ae. aegypti ou Ae. albopictus, ou tenha viajado nos últimos 14 dias para regiões de risco e que apresente febre com 2 a 7 dias de duração e 2 ou mais das mani-festações relatas.

• Sinais de gravidade: todo caso de febre do CHIKV que apresente uma ou mais das seguintes manifestações: meningoencefalite, mielite, paralisia facial, Guillain-Barré, lesões cutâneas bolhosas e hiperpigmentação da pele; outras formas graves incluem fenômenos hemorrágicos, uveíte, retinite, miocardite, hepatite e nefrite.

• Confirmação: em amostras colhidas até o 3º dia do início dos sintomas está indicada a pesquisa de ácidos nucléicos virais por RT-PCR em Tempo Real e RT-PCR conven-cional; em amostras colhidas até o 8º dia do início dos sintomas está indicada sorologia IgM e IgG por ELISA14.

ZIKA (FEBRE DO ZIKAV)• Agente: um vírus RNA, arbovírus do gênero Flavivírus,

pertencente à família Flaviviridae, f ilogenetica-mente próximo ao vírus da encefalite de Saint Louis.

Foram identificadas duas linhagens: uma asiática e outra africana (subdividida em linhagem do leste e do oeste)7.

• Mecanismo de transmissão: através da picada da fêmea do mosquito Ae. aegypti ou Ae. albopictus. Existem relatos de transmissão ocupacional, vertical e sexual do ZIKAV, mas para fins de prevenção e controle da doença a transmissão vetorial deve ser a principal a ser considerada7. O risco de aquisição do ZIKAV aumenta pela grande quantidade de doentes assintomáticos (cerca de 80%) e se a possibilidade de transmissão por transfusões for confirmada.

• Prevalência: o ZIKAV é considerado endêmico particu-larmente no leste e oeste da África; há evidências que, a partir de 1966, o vírus tenha se expandido ao conti-nente asiático7. Em fevereiro de 2015, sete meses após a realização da copa do mundo de futebol no Brasil, foram registrados casos caracterizados por exantema maculopapular, prurido e febre baixa ou ausente; alguns doentes queixavam-se de cefaleia, hiperemia conjun-tival e dor e edema em punhos e tornozelos. A possibi-lidade de tratar-se de uma arbovirose foi aventada e o ZIKAV passou também a ser investigado7. Dados mais recentes têm evidenciado a circulação desse vírus em várias regiões do Brasil.

• Transmissibilidade: muito provavelmente ocorre da mesma forma relatada para a dengue.

• Imunidade: ainda não existem dados suficientes para determinar a imunidade ao ZIKAV.

• Magnitude do problema: no Brasil, em 2015 foi confir-mada transmissão autóctone de febre do ZIKAV a partir do mês de abril; até novembro de 2015, 18 unidades da federação confirmaram laboratorialmente a autoctonia da doença10. A gravidade da infecção por esse vírus está mais associada à ocorrência da síndrome de Guillain-Barré em locais com circulação simultânea do DENV e com um aumento desproporcional de casos de micro-cefalia congênita em regiões com registro de casos de ZIKAV do que com sua manifestação clínica. Até 28 de novembro de 2015 foram notificados à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde 1.248 casos suspeitos de microcefalia, identificados em 311 municí-pios distribuídos em 14 unidades da federação. Entre o total de casos ocorreram sete óbitos suspeitos, todos na região nordeste13. Esse cenário coloca no olho do furacão

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as mulheres em idade fértil e as gestantes, e a microce-falia passou a ser praticamente a única preocupação da infecção pelo ZIKAV.

• Clínica: a infecção pelo ZIKAV em sua total abrangência ainda é pouco conhecida devido à carência de descrição e caracterização clínica e à história natural ainda funda-mentada a um número limitado de relatos de casos e investigações de surtos8. A maioria das infecções são assintomáticas (estima-se que apenas cerca de 20% das infecções humanas apresentam manifestações clínicas), quando ocorrem, a doença se caracteriza como uma doença febril aguda autolimitada geralmente não asso-ciada a complicações graves, sem registro de mortes e com baixa taxa de hospitalização. A febre é baixa, sendo acompanhada por exantema maculopapular, artralgia, mialgia, cefaleia, hiperemia conjuntival e, mais raramente, edema, odinofagia, tosse seca e vômitos13. Na febre pelo ZIKAV predominam o exantema e a hiperemia conjun-tival, havendo menos alteração nos leucócitos e trom-bócitos. Os sintomas desaparecem cerca de três a sete dias após seu início, porém a artralgia pode persistir por até um mês.

• Casos suspeitos: toda pessoa que viva ou trabalhe em áreas onde esteja ocorrendo casos de zika, ou tenha Ae. aegypti ou Ae. albopictus, ou tenha viajado nos últimos 14 dias para regiões de risco e que apresente o quadro clínico descrito.

• Sinais de alarme: caso ou indivíduo exposto seja gestante.• Sinais de gravidade: todo caso de febre do ZIKAV que

comece a apresentar fraqueza muscular que começa na parte inferior do corpo e se espalha para cima (sinal patognomônico da polirradiculoneuropatia desmielini-zante15 inflamatória aguda) ou paralisia dos olhos e andar instável (presentes na Síndrome de Miller Fisher)16. Devem também ser observados casos de microcefalia em gestantes infectadas pelo ZIKAV.

• Confirmação: O diagnóstico laboratorial específico de ZIKAV baseia-se principalmente na detecção de RNA viral a partir de espécimes clínicos. Acredita-se que o período virêmico seja curto, o que permitiria a detecção direta do vírus até quatro a sete dias após o início dos sintomas, sendo ideal até o terceiro dia. Até o momento, a disponibilidade para realização de isolamento viral e RT-PCR estão restritos aos Laboratórios de Referência da FIOCRUZ8,16.

O diferencial sintomático entre as febres do DENV, CHIKV e ZIKAV pode ser observado no Quadro 2.

SOBRE A MISSÃO DA MEDICINA DO TRABALHO

A Medicina do Trabalho tem por objetivo a “promoção e preservação da saúde do conjunto dos seus trabalha-dores”17. Para atingir seu objetivo o médico do trabalho deve elaborar e implementar um programa que “considere as questões incidentes sobre o indivíduo e a coletividade de trabalhadores, privilegiando o instrumental clínico-epi-demiológico na abordagem da relação entre sua saúde e o trabalho”17. Legalmente conhecido como Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), esse programa deve ser concebido e aplicado baseado “nos riscos à saúde dos trabalhadores”17, identificados nas avaliações previstas no conjunto das normas regulamentadoras (NR) e na observação criteriosa, ética, moral e técnica dos processos e ambientes de trabalho in loco (o “chão da fábrica”): o “risco ocupacional”. É ponto pacífico que o controle da saúde dos trabalhadores, de acordo com os riscos a que estão expostos, é uma exigência legal prevista no art. 168 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)18, respaldada na Convenção 161 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)19. Dessa maneira, podemos afirmar que a missão da Medicina

Quadro 2. Comparação da frequência dos principais sinais e sintomas ocasionados pelos vírus da Dengue, Chikungunya e Zika.

Sinais e sintomas Dengue Chikungunya Zika

Febre ++++ +++ +++

Mialgia/artralgia +++ ++++ ++

Edema de extremidades

0 0 ++

Exantema maculopapular

++ ++ +++

Dor retrorbital ++ + ++

Hiperemia conjuntival

0 + +++

Linfadenopatia ++ ++ +

Hepatomegalia 0 +++ 0

Leucopenia/trombocitopenia

+++ +++ 0

Hemorragia + 0 0

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do Trabalho, como parte integrante da equipe interdisci-plinar especializada que compõe os Serviços Especializados de Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT)20, é proteger e prevenir riscos e danos à vida e à saúde dos trabalhadores, através de uma política focada na segurança e saúde no trabalho (considerando a organização, o processo e o ambiente), fundamentando programas de vigilância da saúde e ações clínico-epidemiológicas proa-tivas. Nesse contexto, entendemos que o médico do trabalho deve almejar, na sua essência, ser um “conservador da saúde, conhecendo as causas que perturbam a saúde, originando as doenças, e sabendo afastá-las das pessoas sadias”21.

Considerando as doenças infecciosas em estudo e anterior-mente descritas, e a missão da Medicina do Trabalho, este artigo tem como objetivos: (1) elencar os desafios para a Medicina do Trabalho como um dos braços da Saúde Pública e da Medicina Preventiva responsável pela detecção, diagnóstico, terapêutica, prevenção e controle de doenças em conjuntos específicos de pessoas; e (2) propor formas de enfrentar esses desafios.

PROBLEMAS E DESAFIOS: PROPOSTAS DE ENFRENTAMENTO PARA A MEDICINA DO TRABALHO

As propostas serão expostas considerando os elementos da cadeia epidemiológica agente, meio e hospedeiro quanto:(1) às particularidades dos agentes de risco biológico; (2) ao vetor do DENV, CHIKV e ZIKAV como o “principal

inimigo a ser combatido”;

(3) aos programas de informação, orientação e capacitação de trabalhadores;

(4) às medidas de controle e redução da circulação dos vírus para a prevenção da emergência e reemergência dessas doenças infecciosas;

(5) à disponibilidade e facilitação de acesso dos casos ao tratamento, o “antídoto” da negligência;

(6) à identificação de atividades e situações de risco de expo-sição ocupacional aos vírus e ações preventivas;

(7) à importância da notificação de casos suspeitos e confirmados.

No Quadro 3 são apontadas propostas de enfrentamento aos agentes de riscos envolvidos nas doenças estudadas a serem desenvolvidas pela equipe interdisciplinar do SESMT.

O Quadro 4 contém orientações sobre medidas de proteção ambiental; o Quadro 5 orienta a busca ativa de criadouros do mosquito.

Os Quadros 6 e 7 abordam medidas de proteção cole-tiva e individual recomendadas.

O Quadro 8 aborda questões relacionadas à capacitação de profissionais do SESMT e de trabalhadores.

Quadro 3. Particularidades dos agentes de risco biológico.

Problemas e desafios Propostas de enfrentamento

DENV, CHIKV e ZIKAV são microrganismos acelulares que, como todo agente biológico, ao contrário dos agentes físicos e químicos, têm “vida” e consequentemente se reproduzem, se adaptam e se movimentam (por si ou através de ouros ele-mentos do ecossistema). Do ponto de vista ocupacional, eles podem: (1) fazer parte do processo de trabalho (no caso de tra-balhadores de serviços de saúde, por exemplo); (2) ter o seu habitat natural invadido por trabalhadores (trabalhadores em obras de engenharia para construção de estradas ou barra-gens, por exemplo); ou (3) invadir o ambiente de trabalho (atra-vés de hospedeiros nas epidemias urbanas, por exemplo)

• A equipe interdisciplinar do SESMT deve analisar a orga-nização, os processos e o ambiente de trabalho periódica e sistematicamente a fim de antecipar, reconhecer, avaliar e, consequentemente, controlar a ocorrência de DENV, CHIKV e ZIKAV entre os agentes de risco ocupacional exis-tentes ou que venham a existir considerando inclusive a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais

• A possibilidade do trabalhador ser deslocado a serviço da empresa para zona endêmica deve ser relatada ao SESMT para as devidas providências de prevenção

• No caso de ocorrência de epidemia na região em que se localiza a empresa, a equipe interdisciplinar do SESMT deve implementar programa de proteção do ambiente de trabalho (Quadro 4) e de busca ativa de criadouros do vetor (Quadro 5)

DENV: vírus da dengue; CHIKV: vírus Chikungunya; ZIKAV: Zika vírus; SESMT: Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho.

Quadro 4. Proteção do ambiente de trabalho.

Colocação de telas nas janelas e portas

Aplicação de repelentes e inseticidas ambientais (consultar lista de produtos autorizados pela ANVISA)

ANVISA: Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

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Medicina do Trabalho – Dengue, Chikungunya e Zika

O Quadro 9 trata do acesso dos casos suspeitos e confir-mados a serviços de saúde para esclarecimento diagnóstico e tratamento.

Atividades e situações ocupacionais com risco de expo-sição ao DENV, CHIKV e ZIKAV dependem da avaliação técnica dos processos e ambientes de trabalho. No Quadro 10, apontamos as de maior risco.

Finalmente, algumas palavras sobre a notificação de casos como estratégia de controle das epidemias.

O SESMT, particularmente no caso de atividades e regiões de risco, pode estruturar um sistema de vigilância sentinela na empresa, estimulando os trabalhadores a informar a ocor-rência de casos suspeitos, fornecendo todas as orientações de encaminhamento (guias e material impresso); além disso, pode instalar um “painel da saúde” em mídia física ou eletrônica para divulgação das informações.

O Ministério da Saúde publicou em 2014 a Lista Nacional de Notificação Compulsória23, na qual só encontramos

Quadro 5. Busca ativa de criadouros.

Deve ser realizada dentro e fora da empresa*

Pela equipe transdisciplinar do SESMT apoiada por mem-bros da CIPA ou equivalente, quando houver

É aconselhado incluir grupos de trabalhadores a fim de capacitá-los para reproduzir essa ação nas suas comunidades

*O Ae. aegypti tem autonomia de voo de até 100 metros22, daí a busca ativa no entorno; ganho assessório: prestação de serviço socioambiental à comunidade; SESMT: Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho; CIPA: Comissão Interna de Prevenção de Acidentes.

Quadro 6. Aedes aegypti: o “principal inimigo a ser combatido”.

Problemas e desafios Propostas de enfrentamento

Reduzir a densidade do mosquito vetor na empresa e seu entorno

De acordo com o Quadros 4 e 5

Proteger trabalhadores potencialmente expostos ao vetor fora do ambiente da empresa (viajantes, p.ex.) ou em trabalhos ao ar livre (frentes de trabalho, trabalha-dor rural, p.ex.)

Uso obrigatório de:• roupas que minimizem a exposição da pele• repelente na pele exposta e na roupa• mosquiteiros e telas nas janelas e portas (quando for o caso) nos

locais de repouso e acampamentos

Quadro 7. Medidas de controle e redução da circulação dos vírus (prevenção da emergência e reemergência).

Problemas e desafios Propostas de enfrentamento

Migração da força de trabalho

• Disponibilizar local de trabalho mais próximo do lócus social e cultural do trabalhador.• No caso de absorção de mão-de-obra migrante, programar períodos de observação (“quaren-

tena”) e aculturação/adaptação ao novo ambiente biopsicossocial• Atenção especial para trabalhadores vindos da Ásia, África, áreas tropicais e subtropicais

Trabalhadores itinerantes (viajantes, de frentes de trabalho, safreiros, p.ex.)

Durante o período de trabalho, uso obrigatório de:• roupas que minimizem a exposição da pele;• repelente na pele exposta e na roupa;• mosquiteiros e telas nas janelas e portas (quando for o caso) nas hospedagens ou

acampamentosAcompanhamento clínico de trabalhador vindo de zona endêmica da doença ou habitat do Ae. aegypti ou Ae. albopictus, por no mínimo 14 dias

Realização de grandes eventos de massa nacio-nais e internacionais

Elaboração de programas de vigilância e informação de casos

Casos em regiões com alta densidade do vetor (pre-venção da transmissão homem-Aedes).

• Isolamento do doente em ambiente com tela nas janelas e portas, e utilização de mosquiteiro• Circular sempre com roupas que minimizem a exposição da pele(Período mínimo de isolamento: do primeiro até o sexto dia do início da doença; período de viremia no homem)

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Quadro 8. Programas de informação, orientação e capacitação dos especialistas dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho e dos trabalhadores.

Problemas e desafios Propostas de enfrentamento

Profissionais do SESMT não capacitados

Capacitar os especialistas clínicos para identificar casos suspeitos e iniciar a investigação diagnós-tica, etiológica, epidemiológica, eventual nexo com o trabalho e notificação

Trabalhadores não informados/orientados

• Informar/orientar os trabalhadores sobre essas infecções através de palestras, cartazes, folhetos, etc.• Formar multiplicadores para disseminar o conhecimento em sua casa e em sua comunidade

(função educadora da empresa)(Essas ações devem ser estruturadas e implementadas pelo SESMT).

Associação infecção pelo ZIKAV e microcefalia congênita

Orientar trabalhadoras em idade fértil ou gestantes e trabalhadores com esposas na mesma condi-ção, sobre medidas de proteção: • usar roupas que minimizem a exposição da pele• aplicar repelente na pele exposta e na roupa• instalar mosquiteiro na cama e telas nas janelas e portas(Estudos indicam que o uso tópico de repelentes a base de n,n-Dietil-meta-toluamina (DEET) por gestantes é seguro11)

SESMT: Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho; ZIKAV: Zika vírus.

Quadro 9. Disponibilidade e facilitação de acesso dos casos a serviços de saúde.

Problemas e desafios Propostas de enfrentamento

Falta de informação sobre procedimento no caso de aparecimento de sintomas suspeitos

• Informar/orientar os trabalhadores sobre essas infecções através de palestras, cartazes, folhetos, etc.

Dificuldade de acesso a serviços de saúde

• Facilitar o acesso para o trabalhador e seus familiares

Serviços de saúde pouco ou não capacitados

Definir/credenciar serviços de saúde de referência escolhidos pela capacidade de atendimento rápido e eficiente e aparelhado para agilizar a definição do diagnóstico

Quadro 10. Identificação de indivíduos, atividades e situações de risco de exposição ocupacional aos vírus da dengue, Chikungunya e Zika.

Situação crítica Presença do agente/vetor Exemplos

Indivíduos de risco

Possível

Trabalhadores idosos (acima de 60 anos) e portadores de doenças crô-nicas, como as cardíacas e o diabetes(mortalidade 12 vezes maior do que nas faixas etárias menores)

Trabalhadoras em idade fértil e grávidas(pela associação infecção pelo ZIKAV e microcefalia)

Atividades e situações de risco

Trabalho em zona endêmica des-sas infecções viróticas ou onde haja Ae. aegypti ou albopictus

Viajantes; trabalhadores de frentes de trabalho, na construção e conser-vação de estradas, barragens, usinas, represas, ferrovias, etc.; trabalhador rural, extrativista e safreiros; militares de fronteiras, policiais florestais; reli-giosos missionários; caçadores; pesquisadores e geólogos, entre outros

Trabalho em serviços de saúde com exposição a material bioló-gico e ao Ae. aegypti ou albopictus

Pessoal técnico dos setores de coleta de sangue de laboratórios clí-nicos e de pesquisa e bancos de sangue; de laboratórios de pesquisa com potencial contato com o mosquito; e agentes comunitários de saúde, entre outros

Trabalho em petshop, floriculturas e zoológicos

Tratadores; jardineiros; e vendedores, entre outros

Trabalho no transporte e armaze-namento de cargas

Containers em caminhões, depósitos e portos que podem proporcionar condições de criadouro; caminhoneiros atravessando zona endêmica ou onde haja Ae. aegypti ou albopictus, p.ex.

Trabalho na construção civil e can-teiros de obra

Os trabalhadores do setor, especialmente os que realizam suas ativida-des em zonas de risco

Trabalho de limpeza e realizado ao ar livre.

Em dragagem de rios e canais; limpeza de ruas; coleta de lixo, entre outras, especialmente os que realizam suas atividades em zonas de risco

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Medicina do Trabalho – Dengue, Chikungunya e Zika

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em: 30 jan. 2016] Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/images/

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18. Brasil. Ministério do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452/1943, de

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19. Brasil. Ministério das Relações Exteriores. Decreto do Executivo

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em: <http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/

Viw_Identificacao/DEC%20127-1991?OpenDocument>

referência à dengue. Porém, diante da possibilidade de associação ente o ZIKAV e a microcefalia congênita, o Ministério da Saúde tem orientado para que os casos confir-mados de ZIKAV sejam comunicados/notificados em até 24 horas, conforme Portaria MS nº 1.271, de 6 de junho de 2014; e reforça que “a notificação realizada pelos meios de comunicação não isenta o profissional ou serviço de saúde de realizar o registro dessa notificação nos instru-mentos estabelecidos, utilizando a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde — CID A92.8”24. A ficha está disponível no ende-reço eletrônico: http://www.cve.saude. sp.gov.br/htm/outros/fichas/NOTCONCLU_NET.pdf. A notificação

compulsória é obrigatória para os médicos, outros profis-sionais de saúde ou responsáveis pelos serviços públicos e privados de saúde, que prestam assistência ao paciente, em conformidade com o art. 8 da Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975.

CONCLUSÃO

A Medicina do Trabalho, como ramo da Saúde Pública, tem um papel preponderante no controle das doenças infec-ciosas estejam elas relacionadas ou não com a atividade laboral do grupo de trabalhadores-alvo.

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20. Brasil. Ministério do Trabalho. Norma Regulamentadora nº 4 – Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho. [Acessado em: 30 jan. 2016] Disponível em: http://portal.mte.gov.br/images/Documentos/SST/NR/NR4.pdf>

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Endereço para correspondência: Marcelo Pustiglione – Rua dos Ingleses, 222, apto. 91 – Morro dos Ingleses – CEP: 01329-000 – São Paulo (SP), Brasil – E-mail: [email protected]

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ARTIGO

ORIGINAL

Recebido: 13/01/2014 Aceito: 30/07/2014

Fonte de financiamento: Fundação de Amparo a Pesquisa Científica e Inovação Tecnológica do Maranhão (FAPEMA).

RESUMO | Contexto: A inclusão da mulher no mercado de trabalho é fato, entretanto, aspectos fisiológicos relacionados ao gênero ainda são vistos pelos empregadores como um aspecto negativo, dentre eles, a gravidez. Nesse sentido, pouco se sabe sobre fatores relacionados à gestação como causa de absentismo e se essas condições realmente constituem um fator que reduz a produtividade de uma mulher traba-lhadora. Objetivo: Avaliar as principais causas de afastamento do trabalho por pacientes gestantes atendidas no ambulatório especializado de Obstetrícia da Maternidade Marly Sarney e relacionar com as características socioeconômicas e culturais. Método: Neste estudo descri-tivo qualitativo, os dados foram coletados no período de março a junho de 2013. Por meio de um questionário estruturado em entrevista, aplicado durante as consultas, foi realizado um levantamento dos dados socioeconômicos e culturais das pacientes atendidas no pré-natal, relacionando causas de absentismo na atividade profissional. Os dados obtidos foram tabulados e utilizados para estudos de frequência e associação pelo teste do χ2 ou exato de Fisher. Resultados: A maioria das trabalhadoras gestantes entrevistadas apresentaram idade entre 25 e 35 anos (62%), com ensino médio completo (70%), casadas ou com união estável (63%), no terceiro trimestre de gestação (49%) e com renda familiar entre 1 e 2 salários mínimos (41%). As trabalhadoras que possuem vínculo empregatício apresentam associação com maior grau de escolaridade e renda, enquanto que as trabalhadoras domésticas tiveram associação com menor escolaridade e renda. As gestantes economicamente ativas que relataram maior absentismo tiveram uma distribuição proporcionalmente maior nas trabalhadoras de maior renda. Conclusão: Os sintomas relacionados à gravidez são fatores que indubitavelmente levam ao absentismo. Contudo, o presente estudo levanta dados inéditos e relevantes sobre o perfil e comportamento das mulheres em atividade laboral, no contexto da gestação, ilustrando que a qualificação profissional influencia diretamente no comportamento da gestante. Assim, a atenção ao perfil dessas mulheres durante o atendimento pode ser importante para melhorar a efetividade do acompanhamento pré-natal das pacientes gestantes e trabalhadoras.Palavras-chave | gravidez; trabalho; absenteísmo.

ABSTRACT | Context: The inclusion of women in the labor market is a fact, however, physiological aspects related to gender are still viewed by employers as a negative aspect, among them, pregnancy. Accordingly, little is known about factors related to pregnancy as a cause of absen-teeism and whether these conditions actually constitute a factor that reduces the productivity of a working woman. Objective: To evaluate the main causes of sick leave for pregnant patients seen in the outpatient clinic of Obstetrics Maternity Marly Sarney and to relate them to socio-economic and cultural characteristics. Method: In this qualitative descriptive study, the data were collected from March to June 2013. Through a structured interview questionnaire administered during the consultations, a survey of socio-cultural data from patients treated prenatally was performed by relating the causes of absenteeism. Data were tabulated and used for studies of frequency and association by χ2 or Fisher’s exact tests. Results: The majority of the working women interviewed were aged between 25 and 35 years (62%), had completed high school (70%), were married or in a stable relationship (63%), were in the third trimester of pregnancy (49%), and with family income between 1 and 2 minimum wages (41%). Workers who have employment are associated with higher levels of education and income, while domestic workers were associated with lower education and income. Economically active women who reported higher absenteeism had a proportionally greater distribution in higher-income workers. Conclusion: Related pregnancy symptoms are factors that undoubtedly lead to absenteeism. However, this study raises novel and relevant information about the profile and behavior of women in labor activity, in the context of pregnancy, illustrating that the qualification directly influences the behavior of pregnant women. Thus, attention to the profile of these women during the service may be important to improve the effectiveness of prenatal care of pregnant patients and workers.Keywords | pregnancy; work; absenteeism.

1Instituto Laboro, Faculdade Estácio de Sá – São Luís (MA), Brasil.2Universidade Federal do Maranhão (UFMA) – São Luís (MA) , Brasil. 3Faculdade de Medicina da UFMA – São Luís (MA), Brasil.

Afastamento do trabalho por pacientes gestantes: principais causas de absentismo

A pregnant employee absence: the main causes of absenteeism

Carolina Trovão dos Santos Baima1, Flávio Américo Lopes Barroso2, Juliana Lucena3, Caroline Silva Costa de Almeida3, Ana Paula Silva de Azevedo dos Santos2

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INTRODUÇÃO

Por muito tempo, o trabalho feminino era limitado à procriação e ao cuidado com os filhos. Contudo, com a evolução histórica, as crises econômicas e a industriali-zação, a mulher foi inserida no mercado de trabalho1. Assim, o trabalho assalariado feminino tornou-se uma conquista mundial, sendo aprovado na Conferência Internacional da Mulher, que ocorreu na cidade do México, em 1975, sendo esse o primeiro plano de ação, cujas recomendações eram dirigidas aos países integrantes da Organização das Nações Unidas2,3. Entretanto, apesar disso, a mulher ainda é consi-derada com potencial de trabalho inferior quando compa-rada ao homem3.

Mulheres trabalhadoras, especialmente aquelas que têm filhos, são mais atingidas pela informalidade e também pela discriminação no ambiente de trabalho, seja pelo menor acesso a cargos de chefia, seja por receberem, em média, salários menores4. Segundo Carraro3, “além dos salários inferiores, a gravidez ou a possibilidade de engravidar faz parte do rol de discriminações, que dificultam o acesso das mulheres ao mercado de trabalho”. Apesar de legalmente a gravidez não ser impedimento para admissão ou causa para demissão, essa condição é vista pelos empregadores como desvantagem devido aos sintomas associados à gravidez.

Conforme a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID)5, a gravidez pode apresentar afecções específicas como exaustão e fadiga. Outro sintoma relatado pelas mulheres grávidas são náuseas e vômitos, principalmente entre a quarta e a sexta semana gestacional e hiperêmese gravídica (HG) como forma mais grave6-8. Segundo Von Dadelszen9 e Lacasse et al.10, mulheres que possuem baixas condições socioeconô-micas estariam mais propensas a ter náuseas e vômitos no primeiro trimestre de gravidez. Estudos mostram também que os sintomas relacionados à gravidez afetam a qualidade de vida dessas mulheres. O’Brien e Naber11, Mazzotta et al.12 e Kuo et al.13 mostraram que sintomas como náuseas e vômitos exercem um impacto significativo na vida familiar das gestantes estudadas, bem como na sua capacidade de realizar atividades diárias, laborais e sociais. O nível de estresse durante a gestação prejudica até mesmo a intenção de ter outra criança.

No Brasil, e principalmente no Maranhão, não existem relatos sobre a frequência dos sintomas da gravidez e sua relação com dados socioeconômicos e produtividade laboral.

Dessa forma, o presente trabalho propôs desenvolver um estudo na principal maternidade pública do estado, ilus-trando dados que possam colaborar com a melhoria do serviço de atendimento e orientação dessas gestantes que estão inseridas no mercado de trabalho.

MÉTODOS

O trabalho foi desenvolvido com mulheres gestantes, residentes na cidade de São Luís, Maranhão, que foram aten-didas no ambulatório de ginecologia e obstetrícia do Hospital e Maternidade Marly Saney, sendo a principal unidade de saúde do estado no atendimento a gestantes. Foram incluídas no estudo pacientes gestantes, que apresentavam uma ativi-dade laboral, não diagnosticadas com gravidez de risco e que estavam em concordância com a participação, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sob a aprovação da Comissão de Ética em Estudos Humanos CEP-UFMA nº 472.942. O estudo prospectivo descritivo foi realizado através da coleta de dados por meio de um questionário estruturado com questões abertas, fechadas, binárias, escalonadas e/ou relacionadas. As perguntas foram feitas pelo entrevistador de forma objetiva e as respostas apresentadas ao entrevistado para escolha. No questionário foram levantados dados relacionados a: faixa etária, tempo de gestação, queixas ou outras afecções específicas relacio-nadas à gravidez (CID 10 – O26.8), tempo e condições de trabalho, absentismo, relação com empregador e conhe-cimento da legislação trabalhista para gestante. O cálculo amostral foi definido em 100 pacientes, considerando um universo de atendimentos médico, entre maio e junho de 2013, com um intervalo de confiança de 95% e erro amostral de 5%. Para a análise, os dados foram tabulados utilizando o programa Microsoft Office Excel 2003 e apresentados em valores absolutos ou relativos. Na análise de associação foi aplicado o teste exato de Fisher para tabelas que apresen-taram valores nulos ou teste do χ2 para valores maiores ou iguais a um, considerando o valor p inferior a 5%.

RESULTADOS

Conforme observado na Tabela 1, a maioria das traba-lhadoras gestantes entrevistadas apresentaram idade entre

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Afastamento do trabalho por pacientes gestantes: principais causas de absentismo

25 e 35 anos, com ensino médio completo, casadas ou com união estável, no terceiro trimestre de gestação e com renda familiar entre 1 e 2 salários mínimos.

Entre as ocupações laborais, as mais frequentes foram de vendedora, professora, auxiliar administra-tiva, técnica em enfermagem, empregada doméstica, recepcionista, serviços gerais, operadora de caixa e manicure. Para avaliar a associação da escolaridade e renda com as diversas profissões citadas, essas foram categorizadas de forma que as ocupações com vínculo empregatício foram agrupadas no grupo 1 (65%); as que atuavam como consultora e/ou vendedora ou se declararam autônoma, no grupo 2 (22%); e no grupo 3 (13%) as ocupações relacionadas ao trabalho doméstico. O estudo mostrou que existe diferença entre as catego-rias profissionais e o grau de escolaridade, mostrando maior probabilidade das trabalhadoras da categoria 1 terem nível superior e das profissionais da categoria 3 terem concluído apenas o ensino fundamental (Tabelas 2 e 3). Os dados mostraram uma ocorrência significativa de

trabalhadoras gestantes com salários de até um salário mínimo na categoria 3 (Tabela 4).

Sobre as queixas relacionadas à gravidez, apenas 30% das entrevistadas relataram ausência de sintomas. A maioria relatou enjoo, cansaço, dor lombar, dor de cabeça e sangramento, como os sintomas mais frequentes. Quando questionadas sobre absentismo causado pela gestação, além dos sintomas, o compare-cimento a consultas e/ou exames pré-natais foi outro motivo citado. A Tabela 5 mostra a frequência das entrevistadas que relataram ter faltado e sua relação com o tempo de gestação, renda, satisfação com o empregador ou emprego, conhecimento sobre leis trabalhistas e registro no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Os dados mostraram associação entre as trabalhadoras que relataram ter faltado ao trabalho e a renda, as que relataram ter renda menor igual a um salário mínimo tiveram menor absentismo, enquanto que as que mostraram maior renda apresentaram uma proporção significante de falta no emprego (Gráfico 1).

%

Idade em anos

14 a 24 28

25 a 35 62

Mais de 35 10

Escolaridade

Fundamental 10

Médio 70

Superior 20

Estado civil

Solteira 37

Casada ou união estável 63

Divorciada –

Tempo de gestação

1º trimestre 14

2º trimestre 37

3º trimestre 49

Renda familiar em salários mínimos

Menos de 1 26

1 a 2 41

Mais de 2 33

Tabela 1. Perfil socioeconômico por frequência relativa das 100 trabalhadoras gestantes entrevistadas entre 01/05/13 e 30/06/2013 no ambulatório de ginecologia e obstetrícia do Hospital e Maternidade Marly Sarney em São Luís, Maranhão (n=100).

Ensino superiorTotal

Sim Não

Categoria 1 17 48 65

Outras 3 32 35

Total 20 80 100

Tabela 2. Distribuição do número de profissionais da categoria 1 segundo o grau de escolaridade superior (n=100).

Valor p<0,05 (teste do χ2: aderência)

Ensino fundamentalTotal

Sim Não

Categoria 3 4 9 13

Outras 6 81 87

Total 10 90 100

Tabela 3. Distribuição do número de profissionais da catego-ria 3 segundo o grau de escolaridade fundamental (n=100).

Valor p<0,05 (teste do χ2: aderência)

Salário mínimo ≤ 1Total

Sim Não

Categoria 3 7 6 13

Outras 19 68 87

Total 26 74 100

Valor p<0,05 (teste do χ2: aderência)

Tabela 4. Distribuição do número de profissionais da categoria 3 conforme a renda menor igual a 1 salário mínimo (n=100).

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DISCUSSÃO

Na década de 1970, as mulheres tornaram-se presentes no mercado de trabalho brasileiro de forma efetiva, colabo-rando para o crescimento da economia. O nível da taxa de atividade em 1997 foi de 73,9% para os homens e 47,2% para as mulheres, sendo que essas apresentaram níveis crescentes desde de 1992, principalmente na população feminina entre 20 e 59 anos14. O crescimento das mulheres no mercado de trabalho trouxe também a necessidade de adequação das leis trabalhistas no que concerne às particularidades das trabalha-doras como, por exemplo, art. 391 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, que trata dos direitos das trabalhadoras gestantes. Contudo, apesar da regulamentação trabalhista, o Brasil acompanha a tendência mundial de globalização, em que ocorre transição de uma sociedade industrial para uma sociedade de informação, a qual exige que os empregados tenham novas habilidades e se dediquem praticamente em tempo integral à atividade laboral15. É nesse contexto, então, que as gestantes trabalhadoras se sentem prejudicadas, já que a gravidez leva invariavelmente à redução da carga horária trabalhada, seja por sintomas relacionados à gravidez ou por motivo de consulta/exame médico. Atualmente, pouco se sabe sobre a realidade de mulheres gestantes dentro da população economicamente ativa, entretanto, a gravidez ou a possibilidade de engravidar tornam-se características desvantajosas para as mulheres no mercado de trabalho3. O presente trabalho buscou levantar dados relacionados a mulheres produtivas e gestantes, além de correlacionar as queixas relacionadas à gravidez como motivo de ausência no trabalho. Inicialmente, os dados mostraram que a maioria das entrevistadas (62%) apresentaram idades ente 25 e 35 anos. Esses dados concordam com a faixa etária da popu-lação feminina produtiva no Brasil (20 a 59 anos)14 e com trabalhos que estimam a idade reprodutiva da mulher entre 15 e 45 anos16,17. Quanto à qualificação, 70% das entrevis-tadas apresentaram o ensino médio completo, em compa-ração com 20% que apresentavam nível superior e 10% com ensino fundamental. Esses dados concordam com estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que demostraram uma melhoria na qualificação do trabalhador, já que o nível da população ocupada no Brasil em 1997 era de ensino fundamental (1º grau) incom-pleto, tanto na população masculina quanto na feminina14.

Falta no empregoTotal

Sim NaoTempo de gestação

1º trimestre 5 8 132º trimestre 26 13 393º trimestre 31 17 48Total 62 38 100

Renda (salários mínimos)Menos de 1* 8 18* 261 a 2 27 14 41Mais de 2* 27 6** 33Total 62 38 100

SatisfaçãoSim 51 31 82Não 11 7 18Total 62 38 100

ConhecimentoSim 44 25 69Não 18 13 31Total 62 38 100

INSSSim 44 20 64Não 18 18 36Total 62 38 100

Tabela 5. Distribuição das entrevistadas (n=100) que relataram ter faltado ou não ao emprego, relacionado ao tempo de gestação, à renda familiar, à satisfação com empregador/emprego, ao conhecimento das leis trabalhistas para gestantes e à inscrição no Instituto Nacional do Seguro Social.

*p<0,05; **p<0,01; INSS: Instituto Nacional do Seguro Nacional; Valor p<0,05 (teste do χ2: aderência)

Gráfico 1. Distribuição do absentismo causado pela gravidez em relação à renda das trabalhadoras (em salários mínimos). Dados coletados na entrevista com trabalhadoras gestantes (n=100) atendidas no ambulatório de ginecologia e obstetrícia do Hospital Maternidade Marly Sarney.

Ab

sen

tism

o

50

40

30

Menor do que 1

1 a 2

Não

Sim

*

*

Maior do que 2

20

10

0

Análise dos dados feita pelo teste do χ2 com significância para valor p<0,05; *p<0,05

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Afastamento do trabalho por pacientes gestantes: principais causas de absentismo

A maioria das entrevistadas se declarou como casada ou com união estável (63%), tendo renda familiar entre 1 e 2 salários mínimos (41%).

Para melhor avaliar a ocupação das gestantes estudadas, essas foram separadas em categorias com base nas leis traba-lhistas em funcionárias com vínculo empregatício, autônomas e trabalhadoras domésticas. Mesmo tendo uma melhora da renda nos últimos anos, o rendimento da população mascu-lina foi superior ao da feminina, tanto no país como nas grandes regiões, no período de 1992 a 1997. Entretanto, o crescimento do rendimento, no mesmo período, foi maior na população feminina (54,2%) associada à sua qualifi-cação, considerando que no mesmo período as mulheres concluíram mais o ensino superior do que os homens14. Neste trabalho, os dados mostraram melhor qualificação nas trabalhadoras gestantes que apresentavam vínculo empregatício, enquanto que as trabalhadoras domésticas apresentaram maior associação com ensino fundamental. Somado a esse dado, na relação entre as categorias e a renda, os dados mostraram que as trabalhadoras domésticas apre-sentavam maior proporção de renda igual ou inferior a um salário mínimo. Esses dados concordam com as diretrizes do Plano Nacional de Qualificação (PNQ), que coloca a importância da qualificação do trabalhador como uma ferra-menta de inclusão social e melhoria de renda18,19.

Segundo dados da Previdência Social, 711.164 acidentes e doenças do trabalho foram registrados em 2011, entre os trabalhadores assegurados da Previdência Social, excluindo os trabalhadores autônomos e as empregadas domésticas. Desses, aproximadamente 2% se afastaram das atividades, provocando enorme impacto social, econômico e sobre a saúde pública no Brasil20. Sabendo que a gravidez, mesmo não sendo uma condição patológica provoca sintomas que podem interferir na capacidade laboral, neste estudo foi descrita a relação da gravidez com o motivo de falta ao trabalho. Os dados mostraram que 62% das trabalhadoras

entrevistadas relataram ter faltado em decorrência de sintomas relacionados à gravidez, como enjoo, cansaço, dores na região lombar ou cefaleia, entre outras, ou por motivo de consulta/exame médico. Os dados analisados não mostram associação com o absentismo e tempo de gestação, satisfação com emprego, conhecimento da CLT ou registro no INSS. Entretanto, uma associação com a renda revelou que as trabalhadoras que apresentavam melhor renda apresentaram maior proporção de falta, enquanto que as que tiverem menor renda tiveram menos proporção de falta. Segundo Reis21 no Brasil tem-se observado que o trabalhador menos qualificado tem sido mais atingido com o aumento do desemprego21-23. As associações encontradas neste trabalho sugerem que as trabalhadoras de maior renda, que também apre-sentam melhor qualificação, teriam mais oportunidades e mais estabilidade no mercado de trabalho, comparado com as que apresentam menor renda. Nesse contexto, as trabalhadoras qualificadas teriam como priorizar a saúde durante a gestação, mesmo que isso ocasione maior absen-tismo, enquanto que as menos qualificadas estariam menos propensas a faltar ao trabalho, mesmo relatando ter conheci-mento da CLT. O presente trabalho levanta dados inéditos e relevantes sobre o perfil e comportamento das mulheres em atividade laboral, no contexto da gestação, ilustrando que a qualificação profissional influencia diretamente no comportamento da gestante. Assim, a atenção ao perfil dessas mulheres durante o atendimento pode ser importante para melhorar a efetividade do acompanhamento pré-natal das pacientes gestantes e trabalhadoras.

AGRADECIMENTOS

Ao Hospital e Maternidade Marly Sarney pelo suporte na coleta dos dados.

1. Senna DM, Freitas CU. A mulher em particular. In: Rocha LE, Rigotto RM, Buschinelli JTP (orgs.) Isto é trabalho de gente?: vida, doença e trabalho no Brasil. São Paulo: Vozes; 1993.

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Baima CTS et al.

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Endereço para correspondência: Ana Paula Silva de Azevedo dos Santos – Universidade Federal do Maranhão, Departamento de Ciências Fisiológicas, Avenida dos Portugueses, 1966 – Bacanga – CEP: 65080-805 – São Luís (MA), Brasil – E-mail: [email protected]

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Recebido: 19/08/2014

Aceito: 12/01/2015

Fonte de financiamento: nenhuma

ARTIGO

ORIGINAL

RESUMO | Objetivo: Determinar os níveis de metais (Ag, As, Cd, Co, Cr, Cu, Fe, Mn, Ni, Pb, Se, Zn) em amostras ambientais e biológicas. Métodos: Estudo transversal com 17 trabalhadores de um estaleiro de grande porte do Estado do Rio de Janeiro com idade entre 18 e 65 anos, com tempo na função laboral de pelo menos 3 anos. A pesquisa foi realizada entre 2012 e o primeiro semestre de 2013. Resultados: Os níveis dos metais nos trabalhadores pesquisados foram menores que os considerados críticos pelas legisla-ções. Os cenários avaliados foram consoantes com a literatura científica, que apresenta exemplos de sucesso na iniciativa de diminuir a exposição a metais de trabalhadores da indústria naval. Por outro lado, também, evidenciou a pesquisa que os trabalhadores desen-volvem grande parte de suas práticas em situações perigosas, potencializando as possibilidades de acidentes e outras intercorrências na saúde, deflagrados pelo trabalho a curto ou longo prazo. Conclusões: Os profissionais estudados deixam clara a insatisfação com as condições de trabalho e constrangimentos provocados em sua organização. O cenário atual da indústria naval no Brasil é de cres-cimento, porém, apesar do otimismo com investimentos no setor, pouco tem sido investido na melhoria das condições de trabalho e na criação de políticas públicas eficientes para a saúde dos trabalhadores navais.Palavras-chave | saúde do trabalhador; exposição; trabalhadores.

ABSTRACT | Objective: To determine levels of metals (Ag, As, Cd, Co, Cr, Cu, Fe, Mn, Ni, Pb, Se, Zn) in environmental and biolog-ical samples. Methods: Cross-sectional study with 17 workers of a large shipbuilding of the State of Rio de Janeiro aged between 18 and 65 years, with time in work function of at least 3 years. The survey was conducted between 2012 and the first half of 2013. Results: The levels of metals in workers surveyed were smaller than those considered critical by the laws. The scenarios evaluated were consonant with the scientific literature that shows examples of successful initiative to reduce exposure to metal workers of the ship-building industry. On the other side, the survey also showed that employees develop much of their practices in dangerous situations, increasing the chances of accidents and other health complications, triggered by work in the short or long term. Conclusion: The eval-uated workers make clear their dissatisfaction with laboral conditions and constraints caused in their organization. The current scenario of the shipbuilding industry in Brazil is growing, however, despite the optimism with investments in the sector; little has been invested in improving the working conditions and the creation of efficient public policies for the health of shipbuilding workers.Keywords | occupational health; exposure; workers.

Trabalho realizado no Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Cesteh/Ensp/Fiocruz) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.1Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana/Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/ Fundação Oswaldo Cruz (Cesteh/ENSP/Fiocruz) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.2Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

Determinação dos níveis de exposição de metais em trabalhadores

da construção naval: impactos e desafiosDetermining levels of exposure to metals in

shipbuilding employees: impacts and challenges

Maria de Fátima Ramos Moreira1, Aldo Pacheco Ferreira1, Ulisses Cesar de Araújo2

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INTRODUÇÃO

Neste estudo, pretende-se trazer para o âmbito da saúde pública, particularmente para o campo da Saúde do Trabalhador, o contexto geral de atuação de profissionais da indústria naval.

Os trabalhadores da indústria naval estão sujeitos a diferentes fatores de risco, destacando-se, dentre outros, a exposição a fumos metálicos, principalmente quando o trabalho ocorre em ambientes confinados1,2.

O campo da Saúde do Trabalhador apresenta como objeto de investigação o processo saúde e doença dos trabalhadores na sua relação com o trabalho3. Mendes e Dias4 relatam que, apesar das dificuldades teórico-metodológicas enfrentadas, a saúde do trabalhador busca a explicação sobre o adoecer e o morrer das pessoas, dos trabalhadores em particular, por meio do estudo dos processos de trabalho, de forma articulada com o conjunto de valores, crenças e ideias, as representações sociais e a possibilidade de consumo de bens e serviços, na moderna civilização urbano-industrial.

Portanto, o campo da Saúde do Trabalhador compreende práticas interdisciplinares e interinstitucionais, como técnicas sociais, políticas e humanas. Tendo atores situados em diversos lugares distintos com o objetivo comum de se produzir saúde, desenvolvem-se ações com vistas à promoção da saúde, sempre no âmbito de atuação das polí-ticas públicas de saúde5.

Os metais são elementos que ocorrem naturalmente, onipresentes e resistentes à degradação natural. Existem no ambiente em consequência de fontes naturais e antro-pogênicas6. Os efeitos tóxicos mais evidentes e relevantes surgiram especialmente nos trabalhadores expostos ocupa-cionalmente a esses elementos, além dos danos ambientais provocados pela mineração, processamento e descarte. Mesmo assim, muitos metais se tornaram indispensáveis ao funcionamento da sociedade moderna7,8.

Entre as substâncias químicas tóxicas resultantes das ativi-dades de construção e reparo de um estaleiro, encontram-se os metais. São comumente encontradas no ar, provenientes da emissão de particulados, poeiras, fumos e aerossóis, libe-rados durante os processos de jateamento, tratamento de superfície, goivagem, solda e pintura9.

A exposição a prata (Ag), arsênio (As), cádmio (Cd), cobalto (Co), cromo (Cr), cobre (Cu), ferro (Fe), manganês (Mn), níquel (Ni), chumbo (Pb), selênio (Se) e zinco (Zn)

apresenta potenciais riscos para a saúde dos trabalhadores da construção naval9,10.Alguns desses elementos, mesmo sendo essenciais (Cu, Fe, Mn e Zn), se tornam tóxicos em concentrações acima daquelas necessárias (fisiológicas). Alguns atuam sobre o sistema nervoso (Cu, Mn, Pb e Zn), outros são nefrotóxicos (Cd e Pb), enquanto o Fe é hepa-totóxico11,12. Intoxicações por Se acontecem quando há um excesso de ingestão desse elemento químico. Os primeiros sintomas são visão embaçada, diminuição de apetite, enfra-quecimento de unhas e cabelo, problemas cardiorrespira-tórios, depressão respiratória que pode progredir a óbito8.

O trabalho na construção naval é tradicionalmente perigoso, com uma taxa de acidentes maior do que duas vezes aquela da construção civil e da indústria em geral13. A construção e o reparo de navios são algumas das mais arriscadas operações de um estaleiro e envolvem a edifi-cação, montagem, modificação, transformação, instalação, limpeza, pintura, aparelhamento, testes e manutenção14.

O risco toxicológico pode ser definido como a conse-quência tóxica de uma atividade particular em relação à probabilidade de que esta venha a ocorrer15. Por conseguinte, para auxiliar no gerenciamento da exposição de populações e trabalhadores aos riscos químicos, a fim de que não se atinja ou exceda um risco intolerável, os organismos técnicos ou agências reguladoras têm estabelecido os limites de expo-sição ocupacional utilizados como parâmetro na avaliação do risco tóxico.

De modo geral, as propriedades tóxicas podem ser avaliadas por meio da relação dose-resposta ou da relação estrutura-atividade (struture-activity relationship)16. Assim, o conhecimento básico de Química, além de auxiliar na iden-tificação das substâncias ou compostos químicos, possibilita uma avaliação preliminar de risco, pois certas propriedades físicas determinam a exposição e os possíveis riscos àsaúde.

Uma das medidas mais eficazes de se prevenir a ocor-rência de intoxicações ocupacionais é a monitorização bioló-gica17-19. Para possibilitar a interpretação dos resultados da análise dos diversos indicadores biológicos (IB) usados na monitorização, constam da norma regulamentadora do Brasil os valores máximos permitidos (Índice Biológico Máximo Permitido (IBMP)), abaixo dos quais se supõe que a maioria dos trabalhadores não apresente efeitos nocivos, e também valores de referência desses parâmetros20.

Apesar de se ter vários indicadores que não têm valores de referência (VR), como ácido metilhipúrico,

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Exposição de metais em trabalhadores

metiletilcetona, dentre outros, temos uma grande maioria já com definições de VR, os quais são quesitos indispensá-veis à monitorização biológica, pois o nível dos indicadores biológicos nos indivíduos expostos deve ser comparado com o nível desse mesmo indicador em uma população cuja característica principal é a de não estar exposta ocupa-cionalmente ou por uma situação ambiental especial aos xenobióticos avaliados21.

Tais valores devem ser determinados em cada país e/ou região, pois vários são os fatores que afetam o bioindi-cador, como o tipo de alimentação, o local de moradia e de trabalho, os hábitos próprios do indivíduo, a poluição ambiental, entre outros. Infelizmente, pela não disponibi-lidade de valores da população brasileira, a maioria dos VR foi compilada da literatura internacional15.

Ao se usar valores reportados na literatura, existe o risco de se cotejar dados de populações com características muito diversas. No estabelecimento da validade de valores de refe-rência é necessário:1. conhecer as características relevantes da população usada

para o estudo;2. estabelecer a técnica de amostragem;3. estabelecer a técnica de análise do material biológico e

o desempenho da aparelhagem usada.

Este estudo teve por objetivo pesquisar a presença de metais (Ag, As, Cd, Co, Cr, Cu, Fe, Mn, Ni, Pb, Se, Zn) em amostras ambientais e biológicas durante as atividades laborais em um estaleiro de grande porte do Estado do Rio de Janeiro.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo transversal, entre 2012 e o primeiro semestre de 2013, com amostra de conveniência composta de 17 trabalhadores. A investigação foi desen-volvida em Jacuecanga, bairro de Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Hoje, o município abriga três usinas nucleares, dois estaleiros — sendo um deles de grande porte e considerado um dos maiores do Brasil —, um terminal de importação de petróleo — o Terminal da Baía da Ilha Grande (TEBIG) —, e duas grandes marinas, entre elas, a maior da América Latina. O município está dividido em 5 distritos sanitários, e no 3o distrito se localizam os estaleiros22.

A população avaliada apresentava idade entre 18 e 65 anos, tempo na função laboral de pelo menos 3 anos, e aceitou participar da pesquisa mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Avaliaram-se os indiví-duos das atividades de jateamento com granalha de escória de aço e Cu, tratamento de superfície, soldagem, goivagem e pintura em diversos locais de trabalho, sob diferentes condi-ções, como espaço confinado e aberto.

Toda a vidraria e utensílios plásticos utilizados foram descontaminados de acordo com procedimentos já descritos anteriormente23. Todos os reagentes (Merck, Brasil) utili-zados foram, pelo menos, de grau analítico (PA). As solu-ções-padrão dos metais eram preparadas diariamente em ácido nítrico 0.2% (v/v) a partir das respectivas soluções estoque de 1.000 µg/L, tendo sido a água de diluição previa-mente purificada pelo sistema Milli-Q (Millipore, USA).

Foram pesquisados os seguintes metais: Ag, As, Cd, Co, Cr, Cu, Fe, Mn, Ni, Pb, Se e Zn. Para a avaliação da exposição, foram feitos os procedimentos de acordo com a especificidade:1. ambiental – utilizou-se o método de amostragem

pessoal, que se fundamenta na coleta de ar na zona respiratória do trabalhador, a fim de estimar a concen-tração de metal inalada pelo indivíduo. Coletaram-se 23 amostras de ar durante toda a jornada de trabalho para fins de comparação com a média ponderada da concentração no tempo (time weight average (TWA)). A carga horária dos sujeitos da pesquisa era de 8 horas diárias, 5 dias por semana, totalizando 40 horas sema-nais. Na coleta de ar, foi utilizada uma bomba portátil, modelo 224-PCXR8 (SKC, USA), com vazão calibrada para 2 L/min e acoplada por um tubo de látex (SKC) a um cassete contendo suporte para filtro e membrana de éster celulose de 37 mm de diâmetro e poro de 0,8 μm (Millipore, USA). Níveis de Cd, Cr, Cu, Fe, Mn, Pb e Zn foram determinados no ar do ambiente de trabalho;

2. biológica – indicadores biológicos de exposição (IBP) (ou dose interna) adequados para cada um dos metais avaliados foram utilizados.

Amostras de sangue total foram coletadas em tubos a vácuo heparinizados de 7 mL, específicos para a deter-minação de elementos-traço, enquanto frascos coletores descontaminados previamente, de 50 mL cada, foram utili-zados para a coleta das amostras de urina. Todos os tubos

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e frascos foram etiquetados com nome, data e horário de coleta. As amostras foram conservadas e transportadas sob refrigeração para o Laboratório de Toxicologia do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Cesteh/Ensp/Fiocruz), onde permaneceram acondicionadas (-20°C) até a análise.

As análises foram feitas em um espectrômetro de absorção atômica 5100 equipado com forno de grafite HGA-600, corretor de fundo Zeeman e um amostrador automático As-60 (Perkin-Elmer, Connecticut, Estados Unidos). Tubos recobertos com grafite pirolítico (Perkin-Elmer part no B010-9322) com plataforma de grafite pirolítico (Perkin-Elmer part no B010-9324) também foram usados. A avaliação do sinal corrigido Zeeman foi realizada por medidas de absor-bância integrada (área de pico)24.

A exatidão dos resultados foi acompanhada por meio da análise, em cada série de amostras, dos seguintes mate-riais de referência, diluídos conforme sua concentração: * Contox Trace Metal Serum Control (144 1097RO2

Level I, Kaulson Laboratories, USA): [Mn]=16±4 μg/L; [Cu]=70±10 μg/dL.

* Contox Blood Lead Controls (Kaulson Laboratories, USA): 5±3 μg/dL (LBO33RO2, Low Level), 25±4 μg/dL (MB30REO2, Medium Level)

* Metals on Filter Media SRM 2676d IIId (NIST, USA): [Mn]=19,83±0,38 μg/filter; [Pb]=29,77±0,61 μg/filter; [Cd]=10,04±0,20μg/filter; [Zn]=99,31 ± 1,77 μg/filter.

* Toxic Elements in urine (freeze-dried) SRM 2670a (NIST, USA): [Mn]=2,6±0,7 μg/L (low level); [Zn]=130±30 μg/L (low level); [Cr]=2 μg/L (low level)); [Cr]=20 μg/L (high level).

RESULTADOS

Em geral, os trabalhadores utilizavam algum tipo de equipamento de proteção individual (capacete, capuz, óculos, protetor facial, máscara de solda, protetor auri-cular, luvas, botas, macacão e vestimentas de polietileno, máscaras com e sem filtro, e respirador de ar tipo linha de ar comprimido com pressão positiva, dependendo da atividade desempenhada). Entretanto, observou-se que a maioria dos trabalhadores utilizava máscaras, algumas em estado precário ou inadequadas às atividades, enquanto

outros nem as utilizavam. Houve um caso em que a pressão positiva não funcionava adequadamente. Em relação aos pintores, a vestimenta de polietileno era composta por calça e camisa, o que deixava descobertas partes do abdômen e antebraço, permitindo o contato da pele com as substâncias químicas.

Os sistemas de ventilação e exaustão, quando presentes, estavam mal projetados. Assim, tornavam-se ineficazes e, algumas vezes, promoviam a exposição de outros traba-lhadores não relacionados diretamente àquela atividade. Por exemplo, o tratamento de superfície realizado no paiol da praça de máquina contaminava todo o ambiente, expondo também os pintores às partículas metálicas.

A participação do metal no processo de trabalho, bem como sua importância toxicológica, orientou a escolha desses a serem avaliados. Assim, Fe, Mn, Pb, Cr, Cd, Cu e Zn foram determinados no ar de diferentes ambientes de trabalho, conforme apresentado na Tabela 1. Cd, Cu e Zn não foram avaliados nos processos de solda e goivagem por não terem importância para essas atividades. Entre os elementos, apenas o Pb contém limite de tolerância na legislação brasileira. Portanto, foram adotados os limites estabelecidos (concentração média ponderada no tempo – TWA) pela American Conference of Governmental Industrial Higyenists (ACGIH)25 para todos os metais, que podem ser encontrados na Tabela 2, tendo-se como base a Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais (ABHO)26. Foram comparados os resultados biológicos obtidos (VR ou IBMP, quando da existência destes).

Os resultados encontrados para os diferentes indicadores biológicos (biomarcadores de exposição ou dose interna) encontram-se na Tabela 3. Ainda que a ACGIH26 e a NR-727 não contemplem todos os metais avaliados, os valores de referência da Comunidade Europeia foram utilizados como base de comparação28.

A NR-727 só prevê VR e IBMP para Cd em urina (VR=até 2 μg/g creatinina; IBMP=5 μg/g creatinina), Pb em sangue (VR=até 40 μg/L; IBMP=60 μg/dL), Cr hexavalente em urina (VR=até 5 μg/g creatinina; IBMP=30 μg/g creatinina). Além desses, constam também As, Hg e Pb na forma tetrae-tila na urina. Por outro lado, a ACGIH adota os IBP para apenas Cd-urina (5 μg/g creatinina), Pb-sangue (30 μg/dL) e Cr-urina durante a jornada de trabalho (10 μg/L) e final da jornada e semana (25 μg/L), além de As-urina, Cd-sangue, Co e Hg em sangue e urina, no caso dos metais.

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Exposição de metais em trabalhadores

Tabela 1. Faixas de concentração de metais nas amostras de ar coletadas em diferentes atividades e ambientes de uma indústria naval em Angra dos Reis, 2012–2013.

AtividadeLocal

(número de amostras)

Tipo de ambiente

Faixa de concentração(mg.m-3)

Fe Mn Pb Cr Cd Cu Zn

Jateamento granalha/aço

Cabine (6)/Tanque (2)

Confinado 483–7323 6–373 3,8–48,3 1,2–10,2 ≤LD-0,15 ≤LD-4,0 10–20

Jateamento granalha/Cu

Plataforma/Casco (3)

Aberto 99–407 1–6 ≤LD-4,3 ≤LD-1,5 – – –

Cabine (4) Confinado 1540–8110 5–32 6,4–52,0 1,8–11,0 – 14–83 180–550

ST3 Corredor navio (4) Confinado 7424–27534 296–1028 22,2–85,0 ≤LD-33,4 0,03–0,44- 60–73 1140–3000

Solda Porão (2) Confinado 248–3824 42–619 ≤LD-2,5 ≤LD-8,2 – – –

Goivagem Convés (2) Aberto 6723–11719 245–385 2,2–18,2 0,5–17,1 – – –

LD: limite de detecção; ST3: tratamento de superfície.

Tabela 2. Valores limites estabelecidos para a concentração média ponderada no tempo (TLV- TWA) pela American Conference of Governmental Industrial Higyenists (ACGIH).

Valor Limite ACGIH

Elementos

Fe Mn Pb Cr Cd Cu Zn

TLV-TWA(mg/m3)

2000 200 50 500 50 1000 1000

Tabela 3. Concentração de metais em amostras de sangue e urina de trabalhadores da indústria naval em Angra dos Reis, 2012 – 2013

Amostra Atividade/localCr-U

(mg/L)Mn-U

(mg/L)Zn-U

(mg/L)Pb-S

(mg/L)Mn-S

(mg/L)Cu-S

(mg/L)

1 Jateamento granalha aço/Tanque ≤0,44 0,90 ≤100 98,0 5,11 898

2 Jateamento granalha aço/Tanque ≤0,44 1,22 200 81,0 7,92 792

3 Jateamento granalha Cu/Cabine ≤0,44 0,90 ≤100 48,0 5,42 593

4 Jateamento granalha Cu/Cabine ≤0,44 0,90 ≤100 158,0 2,62 937

5 Jateamento granalha Cu/Cabine ≤0,44 1,70 ≤100 129,0 7,62 712

6 Jateamento granalha Cu/Cabine ≤0,44 2,50 300 89,0 5,74 1070

7 ST3 ≤0,44 2,18 ≤100 109,0 13,22 738

8 ST3 ≤0,44 2,50 ≤100 32,0 9,17 752

9 ST3 ≤0,44 2,50 ≤100 56,0 7,61 792

10 ST3 (empreiteira) ≤0,44 1,54 ≤100 18,0 6,36 355

11 ST3 (empreiteira) ≤0,44 0,90 ≤100 77,0 8,23 448

12 ST3 (empreiteira) ≤0,44 0,90 ≤100 162,0 8,90 738

13 ST3 (empreiteira) ≤0,44 0,90 ≤100 40,0 8,20 765

14 ST3 2,18 ≤100 40,0 10,10 580

15 ST3 ≤0,44 0,58 ≤100 93,0 5,70 527

16 ST3 ≤0,44 2,82 200 40,0 8,23 765

17 ST3/Paiol ≤0,44 1,90 400 81,0 11,66 659

Faixa de referência da Comunidade Europeia 0,04–1,50 0,12–1,90 266–846 39,7–275,7 7,10–10,5 807–1643

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A conversão dos valores da urina de μg/g para μg/L pode ser realizada por meio de uma gravidade específica média (1,019)12, considerando indivíduos com ingestão hídrica normal. Assim, o IBMP para cádmio é 5,1 μg/L, pratica-mente o mesmo valor na outra unidade.

DISCUSSÃO

Dentre as Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, a NR-629 regulamenta o uso de EPI, definido como todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho.

Na lógica do controle dos riscos no ambiente de trabalho, as medidas de controle individual são as últimas a serem tomadas, priorizando-se aquelas voltadas para a eliminação/diminuição das fontes de emissão e dispersão do contami-nante pelo ambiente, como a melhoria da circulação do ar, com sistemas de ventilação/exaustão dimensionados para o local de trabalho30,31.

De acordo com a NR-932, que trata da prevenção dos riscos ambientais, quando os resultados das avaliações quan-titativas da exposição dos trabalhadores excederem os limites previstos na NR-1533, ou ainda na ausência destes, devem ser adotados os valores para exposição ocupacional da ACGIH26.

Dentre os metais avaliados, somente o Pb consta da NR-15, com limite de tolerância para até 48h por semana igual a 100 µg/m3, o dobro do estabelecido pelos higie-nistas industriais americanos. Conforme esta norma, limite de tolerância é a concentração ou intensidade máxima ou mínima, relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não causará dano à saúde do trabalhador, durante a sua vida laboral.

O Threshold Limit Value - Time Weighted Average (TLV-TWA) é definido como a concentração média ponderada no tempo para uma jornada normal de 8 horas diárias e 40 horas semanais, à qual a maioria dos trabalhadores pode estar repetidamente exposta, dia após dia, sem sofrer efeitos adversos à saúde. Por isso, os TLV-TWA estabelecidos pela ACGIH foram utilizados para comparação de todos os elementos determinados26.

Das atividades avaliadas, os níveis de exposição dos trabalhadores ao Fe estiveram, em sua maioria, acima do

TLV-TWA, que é de 2.000 μg/m3. Apenas o jateamento com granalha de escória de cobre em ambiente aberto alcançou concentrações de 20 a 5 vezes menores do que o limite estabelecido. A inalação de fumos ou poeira de óxido de ferro por trabalhadores das indústrias de metal pode resultar na deposição de partículas desse metal nos pulmões, produzindo um raio X semelhante ao da silicose. Esses efeitos são vistos em mineradores de hematita, meta-lúrgicos e soldadores34,35.

A mortalidade por câncer de pulmão nas minas de hema-tita e fundições de ferro tem aumentado. Entretanto, o papel etiológico dos óxidos de Fe ainda não está bem estabelecido nos casos em que há uma exposição combinada a outras substâncias potencialmente tóxicas e carcinogênicas36.

Quanto ao Mn, todas as atividades apresentaram concen-trações acima de 200 μg/m3, exceto também na atividade de jateamento com granalha de escória de Cu em ambiente aberto. Em particular, a via respiratória é crítica para esse metal, considerando uma absorção e distribuição direta sobre o sistema nervoso central37. A forma mais comum de toxicidade é o resultado da inalação crônica de Mn no ar de minas, siderúrgicas, operações de solda e algumas indústrias químicas38. Trabalhadores de indústrias com altas concentrações de poeira de Mn apresentam uma incidência de doença respiratória 30 vezes maior do que a normal. Entretanto, um tipo mais sério de doença resultante da exposição crônica à inalação de dióxido de manganês, geralmente por um período maior do que 2 anos, envolve o sistema nervoso central. O envenenamento crônico por Mn (manganismo) produz uma desordem neuropsiquiátrica, que persistindo pode chegar a desenvolver uma síndrome semelhante à doença de Parkinson8,39.

Nos jateamentos com granalha de escória de aço e de Cu, os resultados de Pb alcançaram níveis próximos ao limite de 50 μg/m3, enquanto alguns valores obtidos no tratamento de superfície estavam acima desse limite. Para adultos com elevada exposição ocupacional, as preocupa-ções são a neuropatia periférica e/ou a nefropatia crônica8,25. Por outro lado, os níveis de Cr, Cd e Cu se encontravam abaixo dos seus respectivos TLV-TWA, indicando que não houve risco de exposição excessiva a esses metais nessas atividades e condições de trabalho. O teor de Zn no ar se apresentou acima do limite de 1.000 μg/m3 somente na atividade de tratamento de superfície. Inalar grandes quan-tidades de Zn, sob a forma de pós ou fumos provenientes

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Exposição de metais em trabalhadores

de fundição ou solda, pode causar uma doença específica de curta duração chamada febre dos fumos metálicos, que geralmente é reversível uma vez cessada a exposição ao Zn. No entanto, muito pouco se sabe sobre os efeitos da inalação do metal a longo prazo40.

No caso do jateamento com granalha de escória de Cu, dois tipos de ambiente foram avaliados, e a faixa de concen-tração encontrada para todos os metais foi bem menor em ambiente aberto. A redução dos teores de Fe no ar variou de 15 a 20 vezes, enquanto o nível de Mn diminuiu 5 vezes, de Pb 3 vezes e de Cr 7 vezes. Apenas Pb e Cr foram deter-minados na atividade de pintura, visto que são os elementos mais frequentemente utilizados como pigmentos para tintas8. Este trabalho não ofereceu risco de exposição quanto aos metais avaliados, em razão de sua redução ou até remoção das tintas utilizadas neste setor industrial. Pode-se observar que os resultados foram interpretados para cada metal, porém o trabalhador está exposto a uma mistura de metais, e o resultado da interação destes com o organismo poderia promover a potencialização, a adição, o sinergismo ou o antagonismo dos efeitos tóxicos, que seriam causados pela exposição a cada metal isoladamente.

Quando se compara os resultados da Tabela 3 com os valores de referência da Comunidade Europeia, verifica-se que apenas o Mn apresentou valores acima da faixa de refe-rência, principalmente na urina. Em concordância com os níveis encontrados para Mn no ar, a atividade de tratamento de superfície proporcionou os níveis mais elevados de Mn na urina, uma vez que 55% dos trabalhadores avaliados nesta atividade apresentaram concentrações maiores do que os valores de referência.

Entretanto, apenas um trabalhador encontrou-se nas mesmas condições no jateamento. Em relação ao Mn no sangue, somente 2 trabalhadores obtiveram resultados acima do VR entre os 17 monitorados, e ambos realizavam a ativi-dade tratamento de superfície, de modo que se pode dizer que a exposição existe, porém fica difícil precisar em que grau. O fato de todas as concentrações de Mn no ar estarem acima do limite de exposição ocupacional na atividade de tratamento de superfície, de 55% dos trabalhadores dessa atividade apresentarem concentração de Mn em urina maior do que o VR e de que apenas dois indivíduos tiveram seus níveis de Mn-sangue acima do limite superior, pode sugerir que talvez o Mn-urina seja um melhor biomarcador para a exposição crônica tendo uma população como base.

Por outro lado, seis trabalhadores (35%) apresentaram níveis de Mn-sangue abaixo do VR. Um único resultado de Mn-urina acima da referência, mesmo com Mn-sangue normal, pode estar relacionado ao alto conteúdo de Mn renal e/ou maior concentração de Mn livre (ultrafil-trável) no sangue8. Entre os sete trabalhadores com as menores concentrações de Mn-urina (<1), quatro (57%) tiveram Mn-sangue abaixo do VR, o que pode indicar uma deficiência de Mn, que é também um metal essen-cial apesar de tóxico39. O Mn tem VR na urina e sangue norte-americanos e europeus (semelhantes), porém as dosagens em meio biológico não têm correlação com a exposição ambiental, e, portanto, não é possível de ser utilizado. Por esse motivo, não existe Mn citado como indicador biológico na NR-7, nem na ACGIH, tampouco na SCOEL europeia.

Os níveis médios de Mn-sangue refletem o conteúdo total do corpo em um grupo, mas não de forma individual. A rápida liberação de Mn do corpo limita a correlação entre os efeitos crônicos à saúde e o nível de Mn-sangue, especial-mente depois de cessada a exposição. Assim, os níveis no sangue total mostram a exposição atual, mas existe pouca correlação entre a exposição passada ao Mn e a atuais concen-trações de Mn no sangue total. Similar à interpretação das concentrações de Mn no sangue, os níveis do metal na urina são baixos e refletem a exposição muito recente a Mn38,40.

Quando se comparam os valores obtidos para Mn-sangue com aqueles estabelecidos pela Agency for Toxic Substances and Disease Registry (ATSDR)40, observa-se que todos os sujeitos também se encontram dentro do intervalo de 4 a 14 μg/L. Esses resultados estão de acordo com os achados de Ellingsen et al.41, pois estão abaixo dos valores encon-trados para 96 soldadores que são trabalhadores sabida-mente expostos ao metal em questão (Mn-sangue em torno de 8,6 μg/L).

Quanto ao Pb-sangue, obtiveram-se níveis que variaram de 2,4 a 16,6 μg/dL, e tais teores são preocupantes pelo fato de que concentrações entre 5 e 10 μg/dL já sugerem a existência de algum tipo de exposição ambiental e que níveis de 10 a 20 μg/dL já mostram uma exposição ocupa-cional25,42,43. Nesse sentido, a observação dos níveis de Pb-sangue encontrados mostra que 41% dos indivíduos se encontram expostos, significando uma exposição ambiental recente. Da mesma forma, 24% dos trabalhadores avaliados se encontram expostos ocupacionalmente.

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Há bastante dificuldade na interpretação dos resul-tados de exposições múltiplas2, visto que alguns metais são tóxicos mesmo em níveis muito baixos, enquanto outros são essenciais até certas concentrações. Os elementos essenciais são aqueles que participam do metabolismo e formação de muitas proteínas, enzimas, entre outras, e cuja deficiência causa anomalia funcional ou estrutural no organismo. Por outro lado, a existência de um limiar de toxicidade possibilita a ocorrência de efeitos adversos à saúde nos casos de exposição a elevadas concentrações desses metais12.

Além disso, a dose biologicamente efetiva para cada tecido/órgão/sistema é diferenciada6. Avaliando, por exemplo, o sistema nervoso, Pb e Mn são neurotóxicos, mas não é sabido quais os efeitos de uma ação combinada, ainda que os metais essenciais (Cu, Zn) estejam dentro da faixa ótima de concentração.

O método proposto apresentou-se adequado para a análise dos metais em amostras do ar do ambiente de trabalho e biológicas. É importante ressaltar que essa amos-tragem teve caráter exploratório e não teve a finalidade de definir o perfil de exposição ocupacional nas plantas. As coletas realizadas são uma fotografia instantânea da produção. O perfil detalhado da exposição ocupacional deve ser definido levando-se em conta amostragens em diferentes semanas, meses, clima e volume de produção. Além disso, coletamos amostras de sangue e urina para avaliar os níveis de certos metais nos fluidos biológicos dos trabalhadores, uma vez que, desde a década de 1990, são realizados estudos com a finalidade de minimizar a exposição de trabalhadores da indústria naval e daqueles com exposições em fundições, com propostas de sistemas de ventilação adequadas44, bem como a avaliação da eficiência de protetores respiratórios45.

Apesar de o monitoramento ambiental ser fundamental para avaliação e manutenção dos níveis de exposição em valores aceitáveis, identificação de fontes de emissão, monitoramento da eficácia das medidas de controle e obtenção de dados para as relações de exposição/efeito e exposição/resposta, o monitoramento biológico é mais adequado, uma vez que considera as diferenças inter e intraindividuais, integrando a toxicocinética e a

toxicodinâmica. Também considera a exposição total, apontando a amplitude da exposição e do risco. Assim, o monitoramento biológico representa um avanço em relação à avaliação dos riscos à saúde, visto que é capaz de quantificar as doses e mostrar alterações precoces e ainda reversíveis2,17.

O jateamento com granalha de aço e a atividade de tratamento de superfície podem ocasionar exposição excessiva a Fe, Mn e Pb, assim como o jateamento com granalha de Cu, que, mesmo em ambientes semiabertos, também expõe os trabalhadores a níveis elevados de Fe e Pb, apesar de esses não terem alcançado teores críticos nos biomarcadores. Por outro lado, altas concentrações de Fe e Mn são encontrados na soldagem e goivagem, constituindo-se também atividades de risco para os trabalhadores2,38,43.

CONCLUSÃO

Os níveis dos metais nos trabalhadores pesquisados foram menores que os considerados críticos pelas legisla-ções. Os cenários avaliados foram consoantes com a literatura científica, que apresenta exemplos de sucesso na iniciativa de diminuir a exposição a metais de trabalhadores da indús-tria naval. Por outro lado, também evidenciou a pesquisa que os trabalhadores trazem suas experiências com situa-ções perigosas, tanto no que se refere às possibilidades de acidentes quanto aos problemas de saúde deflagrados pelo trabalho a curto ou longo prazo. Deixam clara a insatisfação com as condições de trabalho e constrangimentos provo-cados pela organização deste.

Com a globalização, é de se esperar que o Brasil, num futuro muito próximo, deverá enfrentar um novo desafio no que diz respeito à Saúde Ocupacional, ou seja, deverá aplicar procedimentos preventivos a efeitos adversos à saúde ocasionados pelos metais. Em função desses fatos, cresce a importância da avaliação dos aspectos analíticos e a recomendação de aplicação do monitoramento biológico dos trabalhadores da indús-tria naval como guia para avaliação do risco potencial à saúde como recomenda a ACGIH.

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Recebido: 11/12/2014

Aceito: 12/02/2015

Fonte de financiamento: nenhuma

ARTIGO

ORIGINAL

RESUMO | Contexto: O aumento na prevalência dos casos de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) na empresa pode resultar em queda de produtividade, absenteísmo, presenteísmo, invalidez, aposentadoria precoce e aumento nos gastos com o sistema de saúde. A gestão dos fatores de risco para as DCNT é fundamental para garantir a saúde integral dos trabalhadores. Objetivos: Apresentar um modelo de aplicação da arquitetura de informação no gerenciamento dos fatores de risco para as DCNT dentro do programa de controle médico de saúde ocupacional (PCMSO) da empresa, apresentando os resultados preliminares. Métodos: Foi desenvolvido um sistema de gerenciamento de risco para DCNT a partir do questionário da Michigan Heart Association, e aplicado em uma empresa com 6.398 empregados e 317 estabelecimentos, distribuídos em um mesmo estado, no Brasil. Resultados: Houve a participação de 1.660 empregados (26% do total) no período de uma semana. O escore global médio na amostra foi de 13,32 pontos (DP ±6,57), ou seja, risco abaixo da média. Os três principais fatores de risco identificados foram o sedentarismo (42%), o sobrepeso e obesidade (54%) e a hipercolesterolemia (54%). O estímulo à atividade física e um programa de orientação nutricional deveriam ser priorizados na prevenção da saúde dos trabalhadores avaliados. Conclusão: A aplicação da arquitetura de informação pode contri-buir na identificação dos riscos para saúde dos trabalhadores e no planejamento de ações de prevenção contra as DCNT na empresa.Palavras-chave | doença crônica; gestão em saúde; saúde do trabalhador; fatores de risco; tecnologia da informação.

ABSTRACT | Context: The increased prevalence of chronic non-communicable diseases (NCDs) in one company can result in decreased productivity, absenteeism, presenteeism, disability and increased spending on the health care system. The management of risk factors for NCDs is critical to overall health of workers. Objective: It was developed an application model of information architecture in the management of risk factors for NCDs within the occupational health program of the company and their prelimi-nary results. Methods: It was developed a risk management system based at the questionnaire of Michigan Heart Association, and applied in a company with 6,398 employees and 317 units, distributed in the same state, in Brazil. Results: There was the participation of 1,660 employees (26% of total) in one week. The overall mean score obtained in the questionnaire was 13,32 points (SD ±6.57), below the average risk. The three main risk factors identified were physical inactivity (42%), overweight and obesity (54%) and hypercholesterolemia (54%). The incentive to physical activity and the implementation of a nutritional counseling program are the priority in the studied company. Conclusions: The use of information architecture can contribute to the identification of workers’ health risks and for plan-ning of preventive actions by the company against NCDs.Keywords | chronic disease; health management; occupational health; risk factors; information technology.

1Instituto Superior de Administração e Economia da FGV – Curitiba (PR), Brasil.2Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR); Departamento de Eventos Adversos Pós-vacinais do Município de Curitiba – Curitiba (PR), Brasil.3Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Curitiba (PR), Brasil.

A aplicação da arquitetura de informação na gestão dos riscos das doenças crônicas em

trabalhadores: uma análise preliminarThe information architecture to manage the risks

of chronic diseases in workers: a preliminary analysis

Adriano Hyeda1, Élide Sbardellotto Mariano da Costa1, Fides Sbardellotto2, Jean Carlo Camargo Ferreira3

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INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) as doenças cerebrovasculares, cardiovasculares e renovasculares, neopla-sias, doenças respiratórias e diabetes mellitus. A OMS também inclui nesse rol aquelas doenças que contribuem para o sofrimento dos indivíduos, famílias e sociedade; como: desordens mentais e neurológicas, doenças bucais, ósseas e articulares, desordens genéticas e patologias oculares e auditivas1-3.

As DCNT estão entre os maiores problemas de saúde publica da atualidade. Estimativas da OMS indicam que foram responsáveis por 63% das mortes ocorridas no mundo em 20081,4. No Brasil, em 2007, as DCNT foram respon-sáveis por 72,0% do total de mortes, com destaque para as doenças do aparelho circulatório (31,3% dos óbitos), as neoplasias (16,3%) e o diabetes (5,2%)2-4.

Em relação ao trabalho, as doenças crônicas impactam na redução da participação na força de trabalho, no quantitativo de horas trabalhadas, na maior rotatividade de empregos e nas aposentadorias precoces, assim como no comprometimento dos salários, ganhos e posição alcançada. Estimativas para o Brasil sugerem que a perda de produtividade no trabalho e a diminuição da renda familiar resultantes de apenas três DCNT (diabetes, doença do coração e acidente vascular cerebral) levarão a uma perda na economia brasileira de US$ 4,18 bilhões entre 2006 e 20153,4.

A maioria das condições crônicas é passível de prevenção. As estratégias para reduzir o surgimento e agravamento de algumas destas condições — como o diabetes, as doenças cardiovasculares, a obesidade e vários tipos de câncer — incluem detecção precoce, aumento da atividade física, redução no consumo de tabaco e uma nutrição saudável. A abordagem preventiva em nível populacional e individual revela-se eficaz para a modificação de comportamentos não saudáveis e a promoção de bons hábitos. A implantação de uma cultura preventiva contra os fatores de risco das DCNT permite ações efetivas e de baixo custo, agregando valor tangível e intangível para as empresas e para os seus trabalhadores2-4. Estima-se que produzir reduções nos riscos das DCNT, em torno de 2% ao ano, possa aumentar o cres-cimento econômico em até 1% ao ano, após uma década4.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o serviço de segurança e saúde ocupacional da empresa tem

por objetivo promover e manter um elevado grau de bem estar físico, mental e social dos trabalhadores em todas as suas atividades5. Para atingir esse objetivo, há necessidade de uma gestão do programa de controle médico de saúde ocupacional (PCMSO) voltado para a saúde integral do traba-lhador. Os exames médicos ocupacionais são fundamentais na verificação das condições de saúde do empregado e da preservação da saúde pelo desenvolvimento do trabalho no dia a dia. Além disso, é a oportunidade de conhecer a saúde integral do trabalhador, incluindo os fatores de risco para DCNT. Conforme a Norma Regulamentadora (NR) 7, os empregados com doenças crônicas deveriam ser avaliados anualmente no exame periódico6. Entretanto, este intervalo de tempo pode ser longo para um adequado monitoramento dos riscos à saúde dos trabalhadores.

A implantação de uma política de gestão dos fatores de risco da DCNT na empresa possibilita a melhoria da saúde, produtividade e qualidade de vida aos seus empregados. Para garantir um programa de gestão de risco para DCNT na empresa algumas premissas devem ser observadas4: 1. o engajamento das lideranças nos programas de saúde

e qualidade de vida dos empregados;2. o acompanhamento do perfil de saúde dos empregados

através do sistema de informação, determinando metas e monitorando o processo;

3. o planejamento de intervenções prioritárias, conforme o perfil de saúde dos empregados, com ações em grupo e individuais, de forma contínua e sustentável;

4. a participação ativa dos empregados na gestão de sua própria saúde, buscando um estilo de vida orientado para o bem-estar, incluindo tanto os aspectos físicos quanto os psíquicos (autogerenciamento da saúde);

5. a integração entre a saúde ocupacional com o plano de saúde assistencial oferecido pela empresa, priorizando a atenção primária à saúde;

6. o gerenciamento de casos críticos através do telemo-nitoramento assistencial, acompanhando a aderência ao tratamento e o risco de eventos agravantes.

A arquitetura de informação, quando bem utilizada, pode contribuir no conhecimento sobre os processos, no desenvol-vimento e monitoramento de indicadores, no planejamento de ações e no gerenciamento dos resultados. Caracteriza-se pela arte e ciência de estruturar e organizar os conteúdos e projetar sistemas de navegação com objetivo de facilitar

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Arquitetura de Informação e Doenças Crônicas

o acesso e a gestão da informação, que envolve processos de investigação, análise, desenho e implementação. Para alcançar este objetivo, há necessidade de se considerar, para cada sistema desenvolvido, as características do usuário, do conteúdo, do contexto, da usabilidade, buscando balanceá-las, para que a informação certa seja acessada pela pessoa certa no momento certo7.

O objetivo deste manuscrito foi demonstrar um exemplo de aplicação da arquitetura de informação no auxílio da gestão dos fatores de risco para DCNT, dentro do programa de controle médico de saúde ocupacional da empresa.

METODOLOGIA

O sistema de gerenciamento de fatores de risco para DCNT foi desenvolvido em 2013 para ser aplicado na Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho (SIPAT). A empresa que participou do projeto conta com 6.398 empregados distribuídos em 317 estabelecimentos ou unidades, localizados em 113 cidades de um mesmo Estado, no Brasil. A maioria dos estabelecimentos está concentrada na capital (40%) e 63,4% deles apresentam até 20 empregados (mínimo de dois e máximo de 100 funcio-nários). Considerando o tipo de atividade, a empresa é classificada como grau de risco I e apresenta um Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) único.

Em relação ao desenvolvimento do sistema, consi-derando que os principais fatores de risco envol-vidos na DCNT também estão presentes no risco de doença coronariana, foi utilizado o questionário da Michigan Heart Association, traduzido para língua brasi-leira8-10. Com apoio da tecnologia de informação, foi desenvolvida uma versão eletrônica do questionário, dispo-nibilizada na rede de comunicação interna da empresa (intranet). O sistema foi desenvolvido em um período de 14 dias, com os recursos disponíveis na empresa. Foram realizados pelo menos três testes com 15 empregados, para avaliar a distribuição do convite eletrônico, o acesso, a geração do banco de dados e a identificação de falhas na compreensão ou no preenchimento do questionário eletrônico. Após a certificação da funcionalidade do sistema, foi realizado um convite em formato eletrônico, para a caixa postal de cada estabelecimento, orientando o

gestor a divulgar a mensagem para todos os seus empre-gados. A participação era facultativa. O tempo médio para responder as questões era de cinco minutos. Ao acessar o endereço eletrônico disponibilizado no convite, o empregado era direcionado ao sistema. As questões eram liberadas para o preenchimento assim que o traba-lhador informasse a sua matrícula (número de registro do funcionário na empresa). Ao confirmar as respostas, os dados eram registrados e a pesquisa era encerrada. O sistema não permitia responder as questões mais de uma vez. As informações coletadas foram mantidas em sigilo sob a responsabilidade do coordenador da saúde ocupacional da empresa.

O questionário era composto por oito questões que avaliavam os principais fatores de risco coronariano, modificáveis ou não. Conforme a resposta escolhida para cada questão havia um escore por fator analisado e um escore global (soma de todos os escores parciais obtidos).

Entre os fatores de risco modificáveis, foram avaliados:1. Tabagismo – Foram classificados em não fumantes,

ex-tabagistas e fumantes (entre menos de 10 cigarros até 40 cigarros ao dia), com escore variando entre zero e 10 pontos11-13.

2. Sobrepeso e obesidade – Foi considerado com sobre-peso o indivíduo com índice de massa corporal (IMC) ≥25 kg/m2 e obesidade com IMC >30 kg/m2 11-14. Para responder a questão, o participante poderia acessar o ícone de ajuda. Ao inserir o peso e altura, o sistema calculava automaticamente o IMC e o peso excedente. Assim, além de conhecer o seu IMC o participante poderia saber o quanto deveria perder de peso para manter este indicador abaixo de 25 kg/m2 (valor desejável). O escore poderia variar entre zero e oito pontos.

3. Sedentarismo – Foi considerado sedentário aquele que não realizava nenhuma atividade física por pelo menos 10 minutos contínuos durante a semana, nos últimos três meses. Os ativos eram aqueles que reali-zavam, no mínimo: 60 minutos de atividade vigorosa ou 150 minutos de atividade moderada ou caminhada por semana. Os moderadamente ativos realizavam ativi-dade física, porém insuficiente para ser classificado como ativo11-13,15. Considerando que a atividade profissional avaliada era sedentária, o questionário previa um escore entre três e seis pontos.

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4. Hipertensão arterial – Foi considerado normal a pressão sistólica referida igual ou inferior a 139 mmHg, com escore variando entre zero e 10 pontos11-13,16.

5. Diabetes mellitus – Conforme o resultado da última glicemia de jejum referida foi considerado normal o resultado igual ou abaixo de 99 mg/dL, intolerância a glicose entre 100 e 125 mg/dL, e diabetes se igual ou superior a 126 mg/dL11-13. O questionário também identificava, entre aqueles que tinham diabetes, os que estavam controlados ou não. O escore poderia variar entre zero e 10 pontos;

6. Hipercolesterolemia – Conforme o resultado do último colesterol total referido foi considerado normal o resul-tado igual ou inferior a 199 mg/dL, com escore variando entre zero e 10 pontos11,17.

Entre os fatores de risco coronariano não modificável, foram avaliados:1. Idade e sexo – O questionário estratificava o risco

conforme a faixa etária, sexo, presença ou não de ovários, histórico familiar positivo para doença coronariana e outras morbidades (diabetes). O escore poderia variar entre zero e seis pontos;

2. Histórico familiar – O questionário estratificava o risco conforme o número de familiares com doença corona-riana, o grau de parentesco e a idade. O escore poderia variar entre zero e oito pontos.

Para cada questão, foi disponibilizado um ícone de ajuda com informações detalhadas sobre cada pergunta. Foi acres-centada a alternativa “não sei informar” caso o participante não soubesse a resposta. Nestes casos, não foi possível calcular o escore total e o participante era excluído da avaliação, com a recomendação de realizar uma consulta médica preventiva. Após a conclusão do questionário, o participante recebia a informação do seu escore global e do seu escore em cada fator de risco avaliado. O escore total obtido poderia variar entre três e 68 pontos. Quanto maior fosse o escore, maior seria o risco de doença cardiovascular (Tabela 1).

Considerando a necessidade de um projeto de rápido desenvolvimento, foi utilizada a arquitetura cliente/servidor Web, alçando a versatilidade, leveza e imediato posiciona-mento dos participantes. Para a gestão das informações cole-tadas foi utilizado o Sistema de Gerenciamento de Banco de Dados (SGDB) Microsoft® SQL 2008, em associação as

tecnologias de desenvolvimento Personal Home Page® (PHP 5.3) e Active Server Pages® (ASP 3.0) atinentes à arquitetura Web. A metodologia foi desenvolvida com os recursos dispo-níveis na empresa, sem fontes de financiamento externo.

RESULTADOS

O convite para participação da pesquisa foi distribuído na caixa postal eletrônica de todos os estabelecimentos da empresa. Durante o período de uma semana, o convite foi reiterado para todas as unidades em três momentos dife-rentes. Entre os 317 estabelecimentos da empresa, 264 (83,3%) divulgaram o convite para os empregados que ali trabalhavam. Sendo assim, estima-se que houve a divulgação para 5.908 empregados (92,3%).

No final da pesquisa, foram identificadas 1.660 partici-pações, ou seja, 26% do total de empregados na empresa e 28% dos que supostamente receberam o convite para parti-cipar da pesquisa. Entre os participantes, 54,3% eram do sexo masculino e 45,7% do sexo feminino. A idade média foi de 43,7 anos (DP ±9,22), variando entre 19 e 66 anos. Com relação ao grau de instrução, 86,5% estavam cursando ou concluíram o ensino superior.

Entre os 264 estabelecimentos que responderam a pesquisa, a maioria apresentou menos de dez participações por unidade (87,1%). A média de participação foi de 6,3 empregados por estabelecimento (DP ±10,3), com mediana de 3, variando entre 1 e 82 funcionários. Entre os 54 estabelecimentos que não participaram da pesquisa (16,7%), a maioria estava loca-lizado no interior do Estado (79,6%) e apresentava menos de dez empregados por unidade (74,1%).

Os resultados obtidos por fatores de risco modificáveis foram demonstrados no Gráfico 1. Foi identificado que 9%

Escore total Risco coronariano

Até 11 Risco bem abaixo da média

12 a 17 Risco abaixo da média

18 a 24 Risco médio

25 a 31 Risco moderado

32 a 40 Alto risco

41 a 68 Risco muito alto

Tabela 1. Classificação de risco coronariano proposta pela Michigan Heart Association.

Fonte: Michigan Heart Association7

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dos empregados eram fumantes, 54% tinham sobrepeso ou obesidade, 42% eram sedentários. Quanto ao metabolismo glicêmico 2,3% eram diabéticos e 16,1% referiram intolerância à glicose. Em relação ao colesterol, 54% dos empregados estavam com os valores acima do desejável. Apenas 4,8% referiram que a pressão sistólica estava acima de 139 mmHg. Também, foi possível identificar que 49,4% dos participantes utili-zaram o ícone de ajuda para o cálculo do IMC, antes de responder a questão.

O escore global médio obtido, considerando os fatores de risco modificáveis e não modificáveis, foi de 13,4 pontos (DP ±6,8), com mediana de 12 pontos, valor máximo de 68 e mínimo de quatro pontos. A maioria dos empregados apre-sentava um risco bem abaixo da média (46,3%) ou abaixo da média (33,1%). O risco médio e moderado foi identifi-cado em 19,3% e o risco alto ou muito alto em apenas 1,3% dos empregados (Gráfico 2). Entre os 103 empregados que apresentaram um escore total acima de 25 pontos, ou seja, pelo menos com risco moderado, 54,3% estão trabalhando nas unidades da capital.

DISCUSSÃO

O aumento na prevalência dos casos de DCNT na empresa pode resultar em queda de produtividade, absen-teísmo, presenteísmo, invalidez, aposentadoria precoce e aumento nos gastos com o sistema de saúde. Para reduzir este impacto e garantir um cuidado integral à saúde do trabalhador, é recomendado incluir um programa de gestão dos fatores de risco para DCNT no PCMSO da empresa. Entretanto, algumas vezes, a identificação e monitoramento dos empregados com risco para DCNT pode ser um grande desafio dependendo das características da empresa como, por exemplo, com grande número de funcionários distri-buídos em vários estabelecimentos, numa área de abran-gência estadual. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi demonstrar, através de uma análise preliminar, como a arqui-tetura de informação pode ajudar na gestão dos riscos para DCNT em uma empresa.

A implantação de um questionário de avaliação de risco para a saúde, dentro de um sistema de informação,

Gráfico 1. Distribuição de fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis na amostra do estudo.

9,0%

54,0%

42,0%

2,3%

16,1%

53,9%

4,8%

Press

ão si

stólic

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obesidad

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s

Gráfico 2. Distribuição dos trabalhadores conforme escore e o grau de risco para doenças crônicas não transmissíveis.

43,3%

14,5%

33,1%

4,8%

1,0% 0,3%

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Muito

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demonstrou ser uma estratégia de rápido desenvolvimento e fácil execução. Foi possível divulgar a informação para um grande número de estabelecimentos (264), alcançando a maior parte dos empregados (92,3%), de forma rápida (uma semana). Apesar da ampla divulgação, apenas 28% dos empregados responderam todas as questões. Como não foi utilizado um contador de acesso ao sistema, não foi possível identificar o número real de empregados que aces-saram o questionário, mas não o finalizaram (por exemplo, que não sabiam a resposta de pelo menos uma das questões).

O desenvolvimento de um ícone ajuda para cada questão foi importante, pois contribuiu na compreensão e nas respostas das perguntas. Muitos participantes recorreram a esse recurso para responder o seu IMC (49,4%). Porém, não foi possível contabilizar qual foi o número de acesso aos ícones de ajuda referentes as demais questões.

Considerando que 63,4% dos estabelecimentos da empresa apresentavam menos de dez empregados, era esperado ocorrer poucas participações por unidade (6,3 empregados, em média). Foi percebido que os estabeleci-mentos com menor número de empregados e localizados no interior do Estado representaram o maior número de falha na divulgação do convite (16,7%). Acredita-se que o número de participantes poderia ser maior se houvesse um período de divulgação da pesquisa mais prolongado, e se o convite fosse reiterado no correio eletrônico pessoal de cada trabalhador, principalmente daqueles que não respon-deram ao questionário.

Quanto ao resultado da avaliação de risco para DCNT, foi obtido um escore global médio relativamente baixo (13,4 pontos), inferior ao resultado encontrado no estudo de Moreira et al.10 de 17,8 pontos, e no estudo de Moura et al.18 de 22,5 pontos. Além da avaliação global de risco, o sistema permitiu calcular o escore médio por empre-gado, por estabelecimento e por cidade. Na amostra, foi identificada uma maior concentração de empregados com escore elevado trabalhando nas unidades da capital. Essa informação pode contribuir no planejamento de ações no controle das DCNT de acordo com o perfil de saúde dos empregados em cada região.

Foi possível também identificar os empregados críticos ou com alto risco para doenças crônicas (escore acima de 32 pontos). Considerando que o número de casos foi pequeno (1,3%), recomenda-se que sejam monitorados rigoro-samente através de um programa de gerenciamento de

casos críticos para DCNT. O telemonitoramento pode ser uma estratégia no acompanhamento da aderência ao tratamento e às consultas médicas, assim como no segui-mento dos indicadores de saúde destes trabalhadores (redução de peso, atividade física, controle do diabetes, hipertensão e dislipidemia)4.

Outro ponto positivo do sistema foi facilitar a investi-gação de cada variável isoladamente na amostra. Neste caso, três fatores de risco se destacaram: o sedentarismo (42%), a hipercolesterolemia (54%), o sobrepeso e obesidade (54%). Com objetivo de avaliar o impacto dos resultados encontrados, recorremos ao estudo brasileiro de vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico12. Trata-se de uma pesquisa realizada anualmente desde 2006 em todas as capitais dos 26 Estados brasileiros e no Distrito federal, através de inquérito tele-fônico, com objetivo de monitorar a frequência e distri-buição dos principais determinantes de DCNT no Brasil. Na publicação referente ao ano de 2012, foi demonstrado que o sedentarismo na população brasileira foi de 14,9% e o sobrepeso e obesidade representaram 68% dos casos. Segundo estudo na população norte-americana, publicado na American Heart Association em 2014, estes valores foram de 30 e 68%, respectivamente, sendo 57,2% com hiper-colesterolemia11. Sendo assim, é possível verificar que o sedentarismo foi o fator crítico nesta população. Apesar da hipercolesterolemia, assim como a obesidade e o taba-gismo estarem abaixo dos valores encontrados na população geral brasileira, deve-se reconhecer que a prevalência deles é importante e precisa ser considerada no plano de ação contra a DCNT nesta população.

Considerando que o sistema permitiu identificar o perfil de saúde de cada empregado, é possível levantar os grupos de risco por variável e realizar uma ação direcionada para cada situação. Por exemplo, espera-se que um programa contra o tabagismo seja mais efetivo se divulgado entre aqueles que apresentam o fator de risco.

A redução do impacto das DCNT na saúde do traba-lhador depende da participação ativa e do autocuidado à saúde2,4. Espera-se que o preenchimento do questionário e a demonstração dos resultados (risco de adoecimento), além de contribuírem no autoconhecimento da saúde, seja um estimulo ao participante para identificar as oportunidades de melhorias nos hábitos de vida. Como forma de incentivar o trabalhador à autogestão da saúde, são propostas algumas

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melhorias no sistema. Além de demonstrar o escore global e o escore por fator de risco após o primeiro preenchimento do questionário, recomenda-se que seja disponibilizado um novo acesso ao sistema para que o trabalhador possa simular qual seria o seu novo escore se houvesse uma modificação no seu estilo de vida. Outra sugestão é a reaplicação periódica do questionário (por exemplo, a cada seis meses), permitindo ao trabalhador fazer uma análise temporal dos seus riscos. Neste caso, recomenda-se que o histórico do registro das informa-ções esteja disponível em cada participação do empregado.

Para implantação da metodologia na empresa há necessi-dade de um sistema de informação com acessibilidade para todos os trabalhadores. Além disso, os participantes devem ter conhecimento para utilizar o correio eletrônico e a rede cliente/servido Web. Apesar das orientações disponibili-zadas para cada questão, salienta-se que o preenchimento das questões depende da interpretação de cada participante, sem a intervenção do pesquisador. Sendo assim, deve-se ressaltar que o alto grau de instrução dos participantes contri-buiu para o desenvolvimento deste projeto. Verifica-se que o questionário utilizado foi estudado na avaliação de risco coronariano e, portanto, não contempla a investigação de alguns fatores relacionados às DCNT, como o uso de bebida

alcoólica, o perfil nutricional, o risco de câncer. Na avaliação da hipertensão arterial, sugere-se acrescentar uma questão perguntando se o empregado esta tomando medicação ou se já recebeu a informação de um médico, pelo menos duas vezes, de que tinha pressão alta (casos de hipertensão controlada). Na avaliação da hipercolesterolemia, sugere-se perguntar se o trabalhador esta tomando alguma medi-cação (casos de dislipidemia controlada).

CONCLUSÃO

A gestão dos fatores de risco para DCNT deve ser consi-derada no programa de saúde ocupacional da empresa para garantir o cuidado integral da saúde do trabalhador. A arqui-tetura de informação pode contribuir na gestão dos riscos para DCNT, ou seja, no desenvolvimento de um sistema de avaliação de riscos, na divulgação da informação, na análise dos resultados e no planejamento de ações. Futuros estudos servirão para verificar a viabilidade do uso da arquitetura de informação no gerenciamento dos resultados de programas implementados na empresa contra as DCNT, assim como no incentivo à autogestão da saúde dos trabalhadores.

1. World Health Organization. Global status report on noncommunicable diseases 2010. Geneva: World Health Organization, 2011.

2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022 / Ministério da Saúde. Brasília : Ministério da Saúde, 2011, p. 1-148.

3. Schmidt MI, Duncan BB, Silva GA, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: carga e desafios atuais. Lancet. 2011;4:61-74.

4. Goulart FAA. Doenças Crônicas não transmissíveis: estratégias de controle e desafios e para os sistemas de saúde. Organização Pan-americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde; 2011 pp. 96, Disponível em: <http://apsredes.org/site2012/wp-content/uploads/2012/06/Condicoes-Cronicas_flavio1.pdf>

5. Benjamin OA. Fundamental Principles of Occupational Health and Safety, Genebra, OIT, 2001.

6. Brasil. Ministério do Trabalho. Portaria no 3.214, de 8 de junho de 1978. Aprova as Normas Regulamentadoras - NR - do Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas a Segurança e Medicina do Trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, 06 jul. 1978.

REFERÊNCIAS

7. Sá MIF. O ensino da disciplina de arquitetura de informação: uma aplicação da técnica de card sorting. XXV Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, Documento e Ciência da Informação – Florianópolis, SC, Brasil, 07 a 10 de julho de 2013.

8. Mcardle W, Katch F, Katch V. Fisiologia do exercício: nutrição e desempenho humano. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. p. 1113.

9. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Teste o seu Coração - Risco Coronariano. Disponível em: <http://prevencao.cardiol.br/testes/riscocoronariano/>

10. Moreira OC, Marins JCB. Estudo do risco coronariano em estudantes de graduação em educação física da Universidade Federal de Viçosa. Revista Brasileira de Ciência e Movimento.2005;13(4):271.

11. Go AS, Mozaffarian D, Roger VL, Benjamin EJ, Berry JD, Blaha MJ, et al. Heart Disease and Stroke Statistics--2014 Update: A Report from the American Heart Association. Circulation. 2014;129(3):399-410.

12. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção de Saúde. Vigitel Brasil 2012: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília, 2013, p. 1-136.

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Hyeda A et al.

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Endereço para correspondência: Adriano Hyeda – Rua José Loureiro, 195 – 12° andar – Centro − CEP: 80010-000 − Curitiba (PR), Brasil – E-mail: [email protected]

13. Simão AF, Precoma DB, Andrade JP, Correa FH, Saraiva JF, Oliveira GM, et al. I Diretriz Brasileira de Prevenção Cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2013;101(6 Suppl 2):1-63.

14. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic: report a WHO Consultation on Obesity. Geneva: WHO, 2000.

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16. Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95(1supl.1):1-51.

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18. Moura BP, Moreira OC, Nunes N, Marins JCB. Prevalência de fatores de risco coronarianos em praticantes de atividades aeróbicas no campus da Universidade Federal de Viçosa - MG. Arq Ciênc Saúde Unipar. 2008;12(3):213-9.

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Recebido: 29/08/2014

Aceito: 19/02/2015

Fonte de financiamento: nenhuma

ARTIGO

ORIGINAL

RESUMO | Introdução: É evidente a preocupação do governo em regulamentar as ações relacionadas à saúde. É passível de aposentadoria por invalidez o servidor acometido de espondilite anquilosante e outras doenças osteomusculares. Objetivo: Descrever o perfil de morbidade por patologias osteomusculares dos servidores públicos do município de São Luís aposentados por invalidez. Materiais e Métodos: Trata-se de um estudo observacional, descritivo e retrospectivo, de 60 fichas de funcionários contendo informações registradas pela Comissão de Perícia Médica no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2011. Calculou-se como indicador de impacto da aposentadoria por invalidez em doenças osteomusculares os somatórios dos anos perdidos em decorrência da aposentadoria. A condução do estudo recebeu anuência da Comissão de Perícia Médica do IPAM e dos funcionários por meio do Termo de Compromisso de Utilização de Prontuários e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Resultados: A análise de aposentadoria por invalidez em razão do diagnóstico por patologias osteo-musculares demonstra que ocorreu prevalência do sexo masculino (90%) na faixa etária de 61 a 65 anos, e as profissões mais acometidas foram professores e agente administrativo. As patologias osteomusculares ocorreram em 10% da amostra do estudo, e os profissionais que mais se aposentaram por invalidez tipo integral e/ou proporcional foram agente administrativo e auxiliar de serviços gerais. Conclusão: O estudo mostra a necessidade de promoção de saúde e vigilância em relação à saúde do trabalhador, propiciando melhores condições de trabalho e reduzindo o adoecimento dos servidores, diminuindo o número de aposentadoria por invalidez por patologias osteomusculares.Palavras-chave | anormalidades musculoesqueléticas; exames médicos; São Luís – MA.

ABSTRACT | Background: It is clear the concern of governments to discipline the actions related to health. It is likely to disability retirement the server stricken with ankylosing spondylitis and other musculoskeletal diseases. Objective: Describe the morbidity profile for musculoskel-etal pathologies of public in São Luís retired due to disability. Materials and Methods: This was an observational, descriptive and retrospective, study of 60 employee records containing information recorded by the Commission of Forensic Medicine between January 2009 and December 2011. The sums of years lost due to retirement were calculated as an indicator of the impact of disability retirement in musculoskeletal diseases. The conduct of the study received approval from the Commission of Forensic Medicine Division of IPAM and staff through the Commitment Term Use of Medical Records and Statement of Consent. Results: The analysis of disability retirement due to musculoskeletal disorders diagnosis shows that occurred primarily in men (90%) aged 61 – 65 years, and the professionals most affected were teachers and administrative agent. The muscu-loskeletal disorders occurred in 10% of the study sample, and the most retired for disability integral type and/or proportional were administrative agent and assistant general services. Conclusion: The study shows the need for health promotion and surveillance in relation to workers’ health, providing better working conditions and reducing illness among servers, reducing the number of disability pension for musculoskeletal pathologies.Keywords | musculoskeletal pathology; medical examination; São Luis – MA.

Trabalho realizado na Universidade Federal do Maranhão – São Luís (MA), Brasil.1Instituto de Previdência e Aposentadoria do Município – São Luís (MA), Brasil.2Curso de Medicina da Universidade Federal do Maranhão, Campus de Pinheiro (UFMA) – São Luís (MA), Brasil.3Curso de Medicina da Universidade CEUMA – São Luís (MA), Brasil.

Patologias osteomusculares como causa de aposentadoria por invalidez em servidores

públicos do município de São Luís, Maranhão Musculoskeletal pathology as a cause of disability retirement for public

servants in the municipality of São Luís, Maranhão

Graça de Fátima Pereira Almeida1, Maria Hilda Araújo Ribeiro2, Marcos Antonio Custódio Neto da Silva2, Rebeca Costa Castelo Branco2,

Flávia Coelho Mohana Pinheiro3, Maria do Desterro Soares Brandão Nascimento2

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INTRODUÇÃO

Os avanços conquistados pela humanidade, além dos benefícios, ocasionam problemas à saúde dos trabalhadores. As relações de consumo são predominantes no modo de ser e agir dos indivíduos, as inovações tecnológicas e as intensas transformações do mundo globalizado tendem a acarretar profundas mudanças no modo de viver das pessoas, inclu-sive no âmbito profissional1.

O julgamento da capacidade laborativa dos segurados da Previdência Social que solicitam benefício por incapacidade, o auxílio-doença, é atribuição da Perícia Médica, contudo o acesso ao benefício implica reconhecimento da existência de doença e de sua repercussão sobre a condição laborativa1.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) fundamenta as definições de deficiência e incapacidade com a utilização conjunta da Classificação Internacional de Doenças (CID 10) e a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)2.

No Brasil, as instituições previdenciárias organizaram-se a partir da década de 1920 por categorias profissionais segundo o modelo contributivo clássico. Até a década de 1950, houve forte expansão tanto da quantidade de instituições e filiados quanto da influência do Estado sobre elas, a ponto de serem convo-cadas a participar do financiamento da construção de Brasília.

O sistema previdenciário brasileiro atual é dividido em quatro blocos. O primeiro deles é constituído por um regime que atende ao setor privado, conhecido como Regime Geral de Previdência Social (RGPS). O segundo bloco corres-ponde ao sistema dos servidores públicos da União, conhe-cido como Regime Jurídico Único (RJU). Um terceiro bloco reúne os diversos sistemas de servidores estatutários estaduais e municipais. O quarto bloco, de caráter privado e facultativo, é constituído pelos fundos de pensão patro-cinados por empresas privadas ou estatais (previdência complementar fechada) e pelas entidades abertas de previ-dência complementar3.

As doenças osteomusculares, principalmente as LER-DORT, epidemiologicamente ocupam o segundo lugar como causa de doenças entre os trabalhadores do país4.

A preocupação dos governos em disciplinar as normas jurídicas próprias, embasadas em conhecimentos científicos atuais, são evidentes nas últimas décadas5.

O médico perito, como exemplo desse aspecto normatizador da esfera pública, segundo descrição de Sogayar6, é aquele que:

Dedica-se à avaliação da capacidade laborativa, é um profissional especializado, com atribuição de pronunciar-se conclusivamente sobre condições de saúde e capacidade do examinado, para fins de ingresso no Serviço Público, concessões de licenças para tratamento de saúde, readaptação de função e para fins de aposentadoria nos casos de invalidez.

Segundo a Lei no 8.112/90, é passível de aposentadoria por invalidez o servidor acometido de tuberculose ativa, alie-nação mental, neoplasia maligna, esclerose múltipla, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, para-lisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados de Paget (osteíte deformante) e síndrome de imunodeficiência adquirida. Essa lei descortina a possi-bilidade de inclusão de outras doenças para concessão de aposentadoria integral por invalidez.

A ampliação das doenças incapacitantes foram ampliadas segundo a Portaria Interministerial no 2.998 de 2001, a qual publicou nova lista de doenças tidas como incapacitantes, acrescentando as já contempladas pela Lei no 8.112/90 e as caracterizadas como contaminação por radiação com base em conclusão da Medicina especializada e hepatopatia grave.

No âmbito do Serviço Público, a inexistência de uma polí-tica nacional de saúde do servidor público propiciou a estru-turação de serviços de saúde e perícias com critérios diversos.

O perfil da morbidade dos servidores e as condições de trabalho dos servidores públicos na esfera federal são desco-nhecidos em razão da carência de um sistema de informação em saúde, portanto essa escassez de perfis de morbidade dos servidores públicos ocorre também nos níveis esta-duais e municipais.

O investimento em promoção à saúde, principalmente no que diz respeito ao absenteísmo, deve compor o foco gerencial em decorrência das doenças dos servidores, o que vinha sendo relegado1.

O compromisso de construção de uma política de atenção à saúde do servidor público resultou, em 2009, na criação de um Subsistema de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS). A organização estrutural do SIASS compreende os eixos de Promoção e Vigilância à Saúde, Assistência e Perícia, que são fundamentadas pela Epidemiologia, trabalho multidisci-plinar, diálogo entre os três eixos e avaliação dos ambientes e relações de trabalho.

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Patologias Osteomusculares e Aposentaria em São Luís

Em 2006, foram registrados 7,2 mil casos de lesões de ombro e, em 2007, 18,9 mil (aumento de 163%). Os casos de sinovite e tenossinovite aumentaram 126%, ou seja, de 9.845 para 22.217 casos em 2007. Em 2008, esse número foi cres-cente, principalmente com relação à doença do trabalho7,8.

As patologias osteomusculares são importantes causas de aposentadorias por invalidez. Uma parcela significativa de pacientes diagnosti cados como portadores de distúrbios osteomusculares desenvolve dor crônica e enfrenta impor-tante limita ção, ou mesmo incapacidade, para a reinserção pro dutiva, o que se constitui em grande desafio para pa cientes e médicos, e em alto custo social e econômico para o país9.

Os escassos estudos epidemiológicos sobre a classificação das patologias osteomusculares relacionadas à aposentadoria por invalidez tornam necessárias novas investigações, espe-cialmente no serviço público municipal de São Luís, sendo este o pioneiro no registro de casos de aposentadoria do tipo integral e proporcional no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2011.

OBJETIVOS

Objetivou-se descrever o perfil de morbidade por pato-logias osteomusculares dos servidores públicos do muni-cípio de São Luís, Maranhão, aposentados por invalidez.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo observacional, descritivo e retros-pectivo, tendo como base os dados obtidos das 60 (sessenta) fichas de funcionários contendo informações registradas pela Comissão de Perícia Médica, que incluíram variáveis socio-demográficas, clínicas e previdenciárias relativas às perícias ambulatoriais dos grupos de causa com diagnóstico principal em conformidade com o CID-10, registrados no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2011. Utilizaram-se as fichas clínicas dos funcionários que receberam a concessão de aposentadoria por invalidez, em especial aqueles com doenças osteomusculares. Calculou-se como indicador de impacto da aposentadoria por invalidez em doenças osteomusculares os somatórios dos anos perdidos em razão da aposentadoria. A condução do estudo recebeu anuência da Comissão de Perícia Médica do Instituto de Previdência e Assistência do

Município (IPAM) e dos funcionários por meio do Termo de Compromisso de Utilização de Prontuários e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para análise estatística foi feito um estudo descritivo dos dados sociodemográficos, anamnese, exames clínicos, radiológicos e laboratoriais, informações sobre ocorrência de doenças osteomusculares.

RESULTADOS

No período de 2009 a 2011, a Coordenação de Perícia Médica do município de São Luís atendeu a todos os servi-dores efetivos. Entre os funcionários atendidos, encontram-se servidores da Secretaria Municipal de Administração – SEMAD (251 funcionários); Secretaria Municipal de Educação – SEMED: magistério (5.630 professores) e admi-nistrativos (1.685 funcionários); Secretaria Municipal de Saúde – SEMUS (3.934 funcionários); Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos – SEMOSP (305 funcioná-rios); Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes – SMTT (777 funcionários); Hospital Municipal Djalma Marques – HMDM (1.159 funcionários); Secretaria Municipal de Urbanismo e Habitação – SEMUH (236 funcionários), além de outros (Figura 1).

Foram estudados 60 funcionários públicos com diagnós-tico de patologias incapacitantes registrados pela Coordenação de Perícia Médica do município de São Luís do Maranhão, no

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2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

7.000

8.000

Nº Funcionários

SEMADSEMED

SEMUSSEMOSP

SMTTHMDM

SEMUH

Figura 1. Distribuição dos servidores ativos, segundo a origem. IPAM, São Luís, Maranhão, 2009–2011.

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período de janeiro de 2009 a dezembro de 2011 (Tabela 1). Observa-se ainda que houve predomínio da aposentadoria tipo integral (Tabela 2).

Evidenciam-se na Tabela 3 os grupos de causas rela-cionadas às aposentadorias por invalidez, destacando-se neoplasias (12/60; 20%), doenças do aparelho circulatório (10/60; 16,67%), seguindo-se de doenças osteomusculares (10/60; 16,67%), entre outras.

Em relação à faixa etária, evidenciou-se predomínio da idade entre 61 e 70 anos (37%). Em relação ao gênero, o feminino foi o mais frequente entre todos os grupos de causa (55,00%).

Na Figura 2, evidenciam-se as profissões dos servidores aos quais foram concedidos os benefícios de aposenta-doria por invalidez no período de estudo. Observa-se que foram mais frequentes as profissões: agente administrativo, professor, auxiliar de serviços gerais e técnico de nível supe-rior, entre outros.

Os profissionais em estudo eram originariamente vincu-lados às Secretarias SEMED e SEMUS e ao Hospital Municipal Djalma Marques, entre outros (Figuras 2 e 3).

No período de 2009 a 2011, foram aposentados 14 servi-dores por patologias osteomusculares. Destes, 9 (64%) eram do sexo masculino, 50% estavam na faixa etária de 61 a 65 anos e foram predominantemente oriundos da SEMED. As profissões mais acometidas por patologias osteomusculares foram professores e agente administrativo, seguindo-se de auxiliares de serviços gerais.

Em relação à aposentadoria por invalidez e ao tempo de exercício da função pública, observa-se que 10 (6%) servi-dores receberam a concessão desse benefício por patologias

Tabela 1. Distribuição das aposentadorias registradas pelo IPAM no período de 2009 a 2011, em São Luís, Maranhão.

Ano/Aposentadoria Número %

2009 18 30

2010 28 46,7

2011 14 23,3

Total 60 100

Tabela 2. Distribuição das aposentadorias registradas pelo IPAM no período de 2009 a 2011, segundo o tipo, em São Luís, Maranhão.

Aposentadoria/Ano

Tipo de aposentadoria

Integraln (%)

Proporcionaln (%)

Totaln (%)

2009 17 (94,4) 1 (5,6) 18 (100,0)

2010 18 (64,3) 10 (35,7) 28 (100,0)

2011 14 (100,0) 0 14 (100,0)

Total 49 (81,7) 11 (18,3) 60 (100,0)

Tabela 3. Aposentadorias por invalidez segundo grupos de causas, IPAM, em São Luís, Maranhão, 2009–2011.

Grupos de causas Número %

Algumas doenças infecciosas e parasitárias

1 1,66

Neoplasias 12 20

Doenças do sangue 0 0

Doenças endócrinas 5 8,33

Transtornos mentais 3 5

Doenças do sistema nervoso 6 10

Doenças do olho 7 11,67

Doenças do ouvido 1 1,67

Doenças do aparelho circulatório 10 16,67

Doenças do aparelho respiratório 3 5

Doenças do aparelho digestivo 0 0

Doenças da pele 0 0

Doenças do sistema osteomuscular 10 16,67

Doenças do aparelho geniturinário 0 0

Gravidez, parto e puerpério 0 0

Algumas afecções originadas no período perinatal

0 0

Malformações congênitas 0 0

Sintomas, sinais e achados anormais de exames

0 0

Lesões, envenenamento... 2 3,33

Causas externas 0 0

Total 60 100

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Patologias Osteomusculares e Aposentaria em São Luís

osteomusculares. Quanto à evolução desse grupo de causas, ocorreu óbito em apenas um paciente, o qual viveu 63 anos de vida, tendo trabalhado 20 anos (Tabela 4).

DISCUSSÃO

O trabalho humano, conforme Dejours10, é fonte de realização, satisfação e prazer, estruturando e conformando o processo de identidade dos sujeitos, mas também pode transformar-se em elemento patogênico, tornando-se nocivo à saúde. No ambiente de trabalho, os processos de desgaste do corpo por patologias osteomusculares são determinados em boa parte pelo tipo de trabalho e pela forma como está organizado, portanto as doenças muscu-loesqueléticas e a dor crônica interferem nas atividades diárias laborativas.

Na Perícia Médica do INSS do Rio de Janeiro, entre 2001 e 2003, verificou-se que hérnia de disco (11%), transtornos mentais (10,5%), doenças cardiovasculares (10,5%) e tendi-nites/tenossinovites (8,5%) foram doenças predominantes, contudo esses dados são relativos somente à concessão de

0

Pro

fissõ

es

2 4 6 8 10 12 14 16 18

Operador de máquinas pesadas Motorista

Número de funcionários

Professor/professora

Técnico/a de nível superior

Art. obras de serviços públicos

Auxiliar de obras

Agente administratico/a

Auxiliar de serviços gerais

Vigia

Especialista em Educação

Guarda municipal

Figura 2. Distribuição das aposentadorias por invalidez, segundo as profissões. IPAM, São Luís, Maranhão, 2009–2011.

SENUD

SEMUS

Hospital MunicipalDjalma Marques

SEMAD

SMTT

SEMOSP

InstitutoMunicipal

GMSL

0 10 20

Secretarias do Município de São Luís

30 40

Figura 3. Distribuição das aposentadorias por invalidez, segundo origem. IPAM, São Luís, Maranhão, 2009–2011.

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benefícios por incapacidade laborativa, não sendo contem-pladas as aposentadorias por invalidez11.

Neste trabalho sobre patologias osteomusculares em São Luís detectou-se, por análise dos grupos de causas rela-cionadas às aposentadorias por invalidez, que neoplasias (12/60; 20,00%), doenças do aparelho circulatório (10/60; 16,67%) e doenças osteomusculares (10/60; 16,67%) foram

Tabela 4. Distribuição de aposentadoria por invalidez em decorrência de doenças osteomusculares de funcionários públicos do município de São Luís, Maranhão, 2009–2011.

Profissão PatologiaData de

nascimentoIdade (anos)

GêneroExame

admissional(anos)

Cio da licença médica

Tempo de serviço

trabalhado(anos)

Data da aposentadoria

Tipo de aposentadoria

EvoluçãoVivo (V)

Óbito (O)M F

Agente administra-tivo

Sinovite e tenosinovite

21/07/1955 57 1 2/05/1988 06/04/2006 18 29/11/2010Proporcional/

SEMEDV

Agente administra-tivo

Sinovite e tenosinovite

10/04/1960 52 1 16/11/1992 15/09/2007 15 13/05/2010Proporcional/

SMTTV

Técnica nível superior (médica)

Sinovite e tenosi-novite + neopla-

sia de mama14/02/1950 62 1 30/10/1987 20/06/2008 21 20/01/2011

Integral/ SEMUS

V

Professor Espondilite

anquilosante23/03/1959 53 1 02/04/1980 11/10/2006 26 11/03/2009

Integral/SEMED

V

Auxiliar de obras e serviços públicos

Espondilite anquilosante

12/08/1949 63 1 03/08/1987 29/01/2007 20 10/02/2009Integral/SMOSP

O

Auxiliar de serviços gerais

Espondilite anquilosante

03/12/1953 58 1 09/02/1988 29/05/2007 19 25/11/2009Proporcional/

SEMEDV

Agente administra-tivo

Espondilite anquilosante

04/10/1950 62 1 01/08/1984 23/01/2007 23 28/09/2010Integral/SEMED

V

Auxiliar de serviços gerais

Espondilopatias 09/10/1962 62 1 10/01/1983 04/03/2007 24 19/01/2010Proporcional/

SEMEDV

Motorista

Espondilopatias+ cegueira em

um olho e visão subnormal em

outro

11/12/1960 51 1 13/06/1986 01/02/2006 20 22/04/2010Integral/HMDM

V

Auxiliar de serviços gerais

Gonartrose 22/01/1943 67 1 02/10/1985 06.12.2007 22 25/11/2009Proporcional/

HMDMV

predominantes, contudo se referem à aposentadoria por invalidez integral e/ou proporcional.

Segundo Ferreira1, o percentual de invalidez feminina como causa do grupo de doenças osteomusculares foi mais frequente quanto aos dados obtidos pela Perícia Médica no Rio de Janeiro, os quais estão em desacordo com os achados analisados pela Coordenação de Perícia Médica do

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Patologias Osteomusculares e Aposentaria em São Luís

município de São Luís, Maranhão, em que se verificou que o sexo masculino (90%) foi predominante, como também os servidores na faixa etária de 61 a 65 anos, oriundos da Secretaria de Educação do município, sendo as profissões mais acometidas os agentes administrativos e auxiliares de serviços gerais.

As evidências desses achados em São Luís suscitam programas de promoção à saúde e reabilitação de trabalha-dores. O processo de trabalho desses servidores públicos deve ser estudado, principalmente no que tange à carga horária extrapolada, levando-se em conta a dupla jornada de trabalho e a maior tendência à obesidade e ao sedenta-rismo, pois, de dez casos de aposentadoria por invalidez, três ocorreram em decorrência de tenossinovite.

As patologias osteomusculares dos servidores em estudo indicam a necessidade de complementar a renda familiar, por ser insuficiente, com outros trabalhos.

A carga horária média semanal de trabalho em todas as escolas (em sala de aula e atividades extraclasse) foi elevada. A essa carga horária ainda devem ser somadas as horas para a preparação de aulas, os deslocamentos de uma escola para outra e as atividades domésticas.

Delcor et al.12, estudando as condições de trabalho e saúde dos professores da rede de ensino de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil, verificou que os profes-sores estudados representam uma população jovem, principalmente do sexo feminino, casadas e com nível de escolaridade superior. Esses dados sociodemográ-ficos e de escolaridade discordam dos achados em São Luís do Maranhão, onde os servidores ocupam a faixa etária de 61 a 65 anos. Ademais, esses pesquisadores da Bahia ressaltaram que a proporção de professores do sexo masculino vem aumentando no ensino médio em relação ao pré-escolar, concordando com os achados em São Luís. Sanchez et al., estudando a dor osteomus-cular em professores de nível superior, verificaram que as dores musculoesqueléticas foram observadas com maior incidência em região lombar, pescoço/região cervical e ombro13.

O Ministério da Saúde em 2001 destacou que os esforços repetidos, trabalho em postura estática contínua, exigência de força, condições organizacionais desfavorá-veis, exposição à vibração e ao frio, sobrecarga contínua das estruturas anatômicas ou falta de tempo para se recu-perar no trabalho constituem os fatores favorecedores para

a ocorrência por lesões por esforços repetitivos (LER) e distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT), portanto LER/DORT. Esses fatores interagem com a diversidade de características individuais, sociais e culturais dos trabalhadores14.

Os achados desta investigação de patologias osteomus-culares em servidores públicos de São Luís, Maranhão, evidenciam que foram mais frequentes as profissões: agente administrativo e auxiliar de serviços gerais, entre outros técnicos.

Os servidores municipais em estudo, portadores de patologias osteomusculares, que conceberam aposenta-doria do tipo integral e/ou proporcional desempenharam atividades profissionais resultantes dos fatores de risco de LER/DORT, isto é, desenvolveram a função de agente administrativo e auxiliar de serviços gerais, executando, portanto, movimentos repetitivos na realização de suas tarefas diárias, tendo relação com a temporalidade dessa repetitividade imposta pelo modo como está organizado o trabalho.

Esses servidores que receberam a aposentadoria por invalidez permaneceram no processo durante três anos em média, inclusive um deles era portador de espondilite anquilosante, que evoluiu para óbito após dois anos do rece-bimento do benefício.

Segundo Diniz et al.15, o alargamento da compreensão da deficiência pelos médicos peritos corresponde a um movi-mento internacional de não mais descrever a deficiência em termos estritamente médicos da lesão, mas como resul-tado de uma relação complexa entre lesões, desigualdades e meio ambiente.

Silva et al.16 estudaram as afecções musculoesquelé-ticas, principalmente as lombalgias e algias dos membros superiores, entre as doenças crônico-degenerativas no que diz respeito ao perfil de morbidade em diversos países. Segundo análises, o custo anual com desordens muscu-loesqueléticas tem sido estimado entre 1,0 e 2,5% do produto nacional bruto de países como Estados Unidos, Inglaterra, França e Austrália. Nos Estados Unidos, essas afecções, principalmente as da coluna, são a segunda causa mais importante de afastamento temporário do trabalho no país.

No Brasil, as doenças do sistema musculoesquelético figuram como a terceira causa de aposentadorias por inva-lidez e a primeira causa de auxílio-doença17.

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O custo dos cuidados de pacientes com artrite reumatoide e espondilite anquilosante é relevante na produtividade perdida18.

Luz 19 considera ainda importante a ser levado em conta o papel do adoecimento e da cura, que requer o entendi-mento do processo histórico o qual envolve os projetos de cura dos doentes, numa abrangência de espectro maior que as centradas nas condições psicobiológicas da doença.

Os avanços quanto ao conhecimento de dados sobre a aposentadoria por invalidez do tipo integral e/ou propor-cional em São Luís, Maranhão, proporcionarão à gestão muni-cipal fundamentos de promoção à saúde dos servidores, em especial no campo da Perícia Médica, em que o perito deverá honrar e exercer os preceitos do Código de Ética Médica.

CONCLUSÕES

O estudo sobre aposentadoria por invalidez das patologias osteomusculares caracteriza a incapacidade laborativa no Serviço Público Municipal de São Luís, Maranhão.

Por meio desse estudo retrospectivo, a análise da série histórica dos casos de aposentadoria por invalidez dos servi-dores de São Luís de 2009 a 2011 apresentou uma varia-bilidade em relação ao gênero, havendo predominância no sexo masculino para as aposentadorias por invalidez por patologias osteomusculares, diferindo, portanto, dos grupos de causa.

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19. Luz MT. Novos saberes e práticas em Saúde Coletiva – estudo sobre racionalidades médicas e atividades corporais. Rio de Janeiro: Hucitec; 2003.

Endereço para correspondência: Maria do Desterro Soares Brandão Nascimento – Universidade Federal do Maranhão, Cidade Universitária – Avenida dos Portugueses, 1966 – Bacanga – Prédio do CCBS, bloco 3, sala 3A – CEP: 65080-805 – São Luís (MA), Brasil – E-mail: [email protected]

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REVISÃO DE LITERATURA

Recebido: 24/03/2014

Aceito: 18/06/2014

Fonte de financiamento: nenhuma

RESUMO | Contexto: Silicose é uma doença pulmonar ocupacional crônica, fibrogênica, de evolução lenta, caráter progressivo e irreversível, causada pela exposição à sílica livre. Esclerose sistêmica (ES) é uma doença de caráter autoimune, com alterações vasculares e fibrose tecidual difusa. Associação entre ambas, denominada síndrome de Erasmus, já é conhecida há vários anos e geralmente ocorre após 15 anos do início da exposição à sílica. Objetivo: Revisão da literatura referente à associação entre silicose e ES. Método: Selecionados artigos nacionais e internacionais obtidos na íntegra, referentes à pneumoconiose, silicose, ES e a asso-ciação entre essas duas últimas doenças, sendo incluídos aos resultados os manuscritos que abrangiam especificamente a síndrome de Erasmus. Resultados: Encontrados na literatura nacional relatos de casos de síndrome de Erasmus, os quais apresentavam ES e exposição prévia à sílica com duração que variou de 2 a 15 anos, atividade laboral interrompida há mais de 7 anos, pacientes do sexo masculino, média de idade 46 anos, sendo a principal atividade jateamento de areia; e havia relato em 3 casos de uso inapropriado de equipamentos de proteção. Entre os cinco casos em que a tuberculose foi investigada, três apresentaram a associação entre tubercu-lose pulmonar e síndrome de Erasmus. Conclusão: Importância do reconhecimento precoce da associação entre silicose e ES, dando ênfase na história ocupacional. O diagnóstico da síndrome de Erasmus por pneumologistas, reumatologistas e médicos do trabalho permitirá intervenções mais efetivas e um tratamento precoce, que proporcionarão um melhor prognóstico para esses pacientes.Palavras-chave | pneumoconiose; silicose; escleroderma sistêmico.

ABSTRACT | Context: Silicosis is a chronic occupational lung disease, fibrogenic, slowly evolving, progressive and irreversible, caused by the exposure to silica. Systemic sclerosis (SSc) is an autoimmune disease with vascular changes and diffuse tissue fibrosis. The association between both, called Erasmus syndrome, has been known for several years and usually occurs after 15 years from the beginning of exposure to silica. Objective: To review the literature regarding the association between silicosis and SSc, known as Erasmus syndrome. Method: Selected national and international articles retrieved in full, related to pneumoconiosis, silicosis, SSc and the association between these two last diseases; manuscripts which specifically dealt Erasmus syndrome were included in the results. Results: Reports of Erasmus syndrome were found in the national literature, which presented SSc and previous exposure to silica with duration ranging from 2 to 15 years of exposure, interrupted employment business for over 7 years, male patients, mean age of 46 years, being the main activity sandblasting, and 3 cases of improper use of protective equipment were reported. Among the five cases in which tuberculosis was investigated, three showed the association between pulmonary tuberculosis and Erasmus syndrome. Conclusion: Importance of early recognition of the association between silicosis and SSc, with emphasis on occupational history. The diagnosis of Erasmus syndrome by pulmonologists, rheumatologists and occupational physicians will enable more effective inter-ventions and early treatment, which will provide a better prognosis for these patients.Keywords | pneumoconiosis; silicosis; scleroderma systemic.

Trabalho realizado no Departamento de Pós-graduação da Universidade Camilo Castelo Branco (UNICASTELO) – São Paulo (SP), Brasil. 1Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) – Campo Grande (MS); Programa de Pós-graduação em Medicina do Trabalho pela UNICASTELO – São Paulo (SP), Brasil.

Silicose e esclerose sistêmica (síndrome de Erasmus): a importância do

reconhecimento da associação entre doençasSilicosis and systemic sclerosis (Erasmus syndrome): the importance of the

recognition of the association between diseases

Juliana Augusta Spinelli da Silva Teles1

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Teles JASS

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INTRODUÇÃO

O termo silicose foi empregado pela primeira vez por Visconti, em 1870, e caracteriza-se por fibrose pulmonar causada pela inalação de poeira contendo sílica cristalina, sendo a mais frequente das pneumoconioses1.

As pneumoconioses são doenças pulmonares associadas à exposição de substâncias em forma de poeiras, sendo as principais em nosso meio: sílica, amianto, carvão mineral e talco2. Na maioria dos casos, a doença está relacionada à exposição ocupacional2.

A inalação de poeira com sílica está associada à ocorrência de silicose, doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer de pulmão, insuficiência renal e aumento do risco de tubercu-lose pulmonar e de doenças autoimunes1-3.

A sílica ou dióxido de silício é um composto natural formado pelos dois elementos químicos mais abundantes na crosta terrestre, o oxigênio e o silício. É encontrada na natureza nas formas amorfa e cristalina. A forma amorfa, embora não seja inerte, é menos tóxica do que a cristalina1.

Conhecidos desde a Antiguidade, no Egito, Grécia e Roma, em atividades de mineração, de construção e na produção de peças decorativas, o emprego e o risco de expo-sição à sílica cresceram com o processo de industrialização1.

No Brasil, estima-se que o número de trabalhadores potencialmente expostos a poeiras contendo sílica seja de aproximadamente 6 milhões, configurando um poten-cial problema de saúde pública, em especial no campo da saúde do trabalhador e do meio ambiente4,5, sendo que as atividades que apresentam o maior risco de exposição são5: • indústria extrativa: mineração e atividades de extração,

beneficiamento de pedras que contenham o mineral;• perfuração de rochas em mineração de não metálicos:

como exemplo, a mica e o feldspato;• construção civil: em várias etapas da obra como nas

fundações, acabamento, corte de azulejos e de pedras, misturas de cimento e areia;

• perfuração de rochas: construção de túneis, barra-gens e estradas;

• jateamento de areia: utilizado na indústria naval, na opacificação de vidros, na fundição e no polimento de peças na indústria metalúrgica e em várias situações de manutenção. É uma das operações de maior risco para silicose e que vem apresentando os casos mais graves da doença; está proibida no Brasil desde 2005;

• fundição de ferro, aço e outros metais: em particular onde se utilizam moldes de areia;

• indústrias cerâmicas: fabricação de pisos, azulejos, louças sanitárias e domésticas e outros, sendo que no setor de acabamento o risco é bem acentuado;

• produção, uso e manutenção de tijolos refratários;• fabricação de vidros: tanto na preparação como também

no uso de jateamento de areia usado para opacificação;• moagem de quartzo e pedras: para diversos fins;• construção de fornos refratários: particularmente no

corte do material;• execução de trabalhos diversos, artesanatos e acaba-

mento em mármore, ardósia, granito e outras pedras;• fabricação de material abrasivo;• escavação de poços;• atividades de protético;• atividade agrícola de aragem.

O risco de desenvolvimento de silicose depende da concentração, da superfície, do tamanho da partícula (partí-culas menores do que 1 mícron são mais tóxicas), da duração da exposição, do tempo de latência (tempo decorrido desde o início da exposição ao agente até os primeiros sintomas), da forma de sílica cristalina (tridimita e cristobalita são menos frequentes, mas mais tóxicas do que o quartzo) e do fato das partículas serem recém-quebradas (perfuração de poços, jateamento), provavelmente pelo maior número de radicais na superfície, responsáveis por um maior estímulo à produção de substâncias oxidantes1.

Em relação à apresentação clínica, a silicose divide-se em três formas: aguda (proteinose alveolar silicótica ou silicoprotei-nose), acelerada e crônica (clássica)1,2. Essas formas são deter-minadas pela intensidade e pelo tempo de exposição à sílica1,2.

A silicoproteinose é uma forma aguda e progressiva da doença, que se desenvolve geralmente após meses ou poucos anos de exposição elevada a partículas de sílica, finamente divididas e recém-quebradas, como ocorre no jateamento de areia ou na perfuração de rochas1. É uma forma rara de apre-sentação e, devido a melhorias nos ambientes de trabalho, há poucos casos na literatura recente em países desenvol-vidos7. O prognóstico é ruim e a morte geralmente ocorre após pouco tempo, de seis meses a dois anos, por insufi-ciência respiratória7.

A forma acelerada ocorre após um período de expo-sição à sílica de 5 a 10 anos. A alta concentração de poeira

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Síndrome de Erasmus

em locais pouco ventilados predispõe o indivíduo a essa forma de silicose1,2.

A crônica é a forma de apresentação mais comum e geralmente ocorre após mais de 10 a 15 anos de expo-sição ou de latência1,2. Tem evolução insidiosa, sendo inicialmente assintomática e pode evoluir com sintomas de dispneia progressiva1.

A silicose clássica consiste em uma doença pulmonar ocupacional crônica, fibrogênica, de evolução lenta, caráter progressivo e irreversível, causada pela exposição à sílica livre cristalizada8,9. O diagnóstico é estabelecido pela história de exposição ocupacional, manifestações clínicas, com sintomas de dispneia progressiva1 e pelas alterações radiográficas e tomográficas do tórax, sendo esse último método o mais sensível e específico. A presença de micronódulos difusos e bilaterais, predominantemente em lobos superiores, e de anéis de calcificação ganglionar (calcificação “em casca de ovo” ou egg-shell), podem ser observadas tanto na radio-grafia como na tomografia computadorizada de tórax e são características da silicose pulmonar10.

Além dos efeitos pulmonares da sílica livre, existe associação entre esse tipo de exposição e diversas outras enfermidades8. A associação entre silicose e tuberculose é bastante conhecida7. A literatura mostra que a ocorrência de tuberculose pulmonar é muito maior em silicóticos do que em não silicóticos, e que a exposição à sílica, mesmo sem evidências da presença de silicose, é um fator de risco para o desenvolvimento de tuberculose pulmonar11.

Também existem vários relatos da associação entre essa pneumoconiose e as doenças relacionadas com mecanismos autoimunes, incluindo esclerose sistêmica (ES), artrite reuma-toide (síndrome de Caplan), granulomatose de Wegener, anemia hemolítica, dermatomiosite, síndrome de Sjögren, doença de Graves e lúpus eritematoso sistêmico8.

A ES é uma doença de caráter autoimune, com altera-ções vasculares e fibrose tecidual difusa2,3,12. A associação de exposição prévia à sílica e ES foi descrita por Erasmus em 19572,3,12,16. Essa doença do tecido conjuntivo posterior à exposição à sílica ocorre geralmente após 15 anos do início da exposição e a síndrome de Erasmus refere-se ao desen-volvimento de ES em indivíduos previamente expostos à sílica e que apresentavam ou não silicose2.

A ES é uma doença inflamatória crônica do tecido conjun-tivo, relacionada a distúrbios de autoimunidade e inflamação, que determinam alterações estruturais e funcionais em

vasos de pequeno e médio calibres, evoluindo para fibrose cutâneo-visceral progressiva, sendo a forma generalizada da esclerodermia13,14.

O fenômeno de Raynaud é a manifestação inicial mais frequente e caracteriza-se por episódios reversíveis de vasoes-pasmos de extremidades, associados à palidez, seguido por cianose e rubor de mãos e pés, que ocorrem usualmente após estresse ou exposição ao frio, sendo comumente associado a lesões isquêmicas em extremidades14,15.

A ES é uma doença rara e apresenta prevalência que varia entre 30 e 290 casos por milhão de habitantes, com predomínio no sexo feminino (3 a 8:1), que pode aumentar para 15:1 quando considerada a faixa etária correspondente ao período fértil da mulher (15 a 50 anos) e diminuir para 2:1 em pacientes com início de doença acima de 50 anos de idade. Inicia-se entre a 3ª e a 6ª década de vida, e é rara em homens abaixo de 30 anos e em crianças e adolescentes13.

Diversos fatores estão envolvidos na etiopatogênese da ES, destacando-se os fatores genéticos, imunológicos, ambien-tais, a ativação endotelial e a fibrose13,14. Os fatores ambientais parecem estar envolvidos na gênese dos processos fibróticos. Dentre esses fatores, podemos destacar os solventes orgânicos (tolueno, benzeno, cloreto de polivinil, tricloroetileno, entre outros), a sílica (em mineiros de carvão e trabalhadores em pedreiras), o silicone (próteses mamárias) e o uso de drogas (inibidores do apetite, L-triptofano, bleomicina)13,14.

O Colégio Americano de Reumatologia (CAR), em 1980, divulgou os critérios preliminares para o diagnós-tico da ES, sendo necessária a presença do critério maior (esclerodermia proximal às metacarpofalangeanas) ou de dois critérios menores: 1. esclerodactilia; 2. ulcerações de polpas digitais ou reabsorção de falanges

distais; 3. fibrose nas bases pulmonares. Esses critérios mostraram

uma sensibilidade de 97% e uma especificidade de 98%13.

Em 1988 foi proposto o modelo de classificação da ES em duas formas clínicas: limitada e difusa13.

A forma limitada apresenta envolvimento cutâneo restrito às extremidades (até cotovelos, joelhos e face), ritmo lento de acometimento cutâneo, presença de calci-nose, contraturas articulares pouco frequentes, incidência tardia de manifestações viscerais, podendo cursar com anticorpo anticentrômero13.

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A forma difusa afeta tronco, face e membros, apresenta tendência à rápida progressão das alterações cutâneas, contra-turas articulares, tendínea e comprometimento visceral precoce (fibrose pulmonar, miocardiosclerose e crise renal), podendo cursar com anticorpo antitopoisomerase I (anti--Scl 70) e anticorpo anti-RNA polimerase III13.

O tratamento da ES consiste na utilização de drogas antifibróticas, drogas vasoativas, medicamentos imunossu-pressores e estimuladores da motilidade gastroesofágica13. A associação entre silicose e ES está relacionada a uma doença grave, devido ao comprometimento pulmonar, o qual necessita de uma intervenção mais precoce com medicação imunossupressora para possibilitar um sucesso terapêutico2.

Diante de um risco aumentado de silicose e tubercu-lose pulmonar11, deve-se atentar para a possibilidade dessa associação quando se inicia o tratamento em pacientes com síndrome de Erasmus, havendo um risco em potencial de agravamento do quadro clínico, com uso de drogas imunos-supressoras13. Obrigatoriamente, deve-se solicitar radiografia de tórax e teste tuberculínico (teste de Mantoux ou PPD), para afastar tuberculose pulmonar ou tuberculose latente13.

Visando ao controle e à prevenção da silicose e conco-mitantemente de doenças autoimunes que possam ser desencadeadas com a exposição prévia à sílica, desde 1990 diversos estados e municípios produziram legislações próprias para o controle da silicose, as quais se destacam1,5:• proibição do processo de corte e acabamento a seco

de rochas ornamentais. As máquinas e ferramentas utilizadas no processo de corte e acabamento devem ser dotadas de sistema de umidificação capaz de mini-mizar ou eliminar a geração de poeiras decorrentes de seu funcionamento, sendo proibidas adaptações de máquinas elétricas que não tenham sido projetadas para sistemas úmidos (Portaria nº 43, de março de 2008, do Ministério do Trabalho e Emprego)5,6;

• proibição do processo de trabalho de jateamento que utilize areia seca ou úmida como abrasivo (Portaria nº 99, de 19 de julho de 2004, do Ministério do Trabalho e Emprego)5,6;

• notificação compulsória de agravos à saúde do traba-lhador, sendo que entre os agravos estão as pneumoco-nioses (Portaria nº 777/GM, de 28 de abril de 2004)5;

• estabelece diversas atividades como de risco de expo-sição à sílica e de doenças relacionadas a essa exposição: silicose, silicotuberculose, neoplasia maligna dos brôn-quios e pulmões, doença pulmonar obstrutiva crônica, cor pulmonale e artrite reumatoide, devendo ser notificadas

ao Instituto Nacional de Seguro Social, através do preen-chimento de formulário de Comunicação de Acidentes de Trabalho (Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999)1,5;

• proibição da utilização de jateamento de areia a seco, deter-minando prazo para a mudança tecnológica nas empresas que utilizam esse procedimento (Projeto de Lei nº 1.670 de 1999, aprovado em 20 de outubro de 2004)5.

A recomendação para a utilização de máscaras ou respi-radores é regulada pela NR-6, da Portaria nº 3214/781. O respirador tem como objetivo prevenir a inalação de subs-tâncias indesejáveis e prover uma fonte de ar respirável em ambientes com baixas concentrações de oxigênio1.

Para a proteção contra poeiras, a máscara ou respi-rador indicado deve possuir filtro mecânico capaz de reter a fração respirável do material particulado1. Existem dois tipos básicos: respirador purificador de ar, que cobre a boca e o nariz, sendo dotado de um filtro com porosidade de diversas medidas; e respirador com suprimento de ar, que cobre toda a cabeça, sendo recomendado para situa-ções de baixa atmosfera de oxigênio e/ou elevada poluição ambiental, como em minas subterrâneas1.

Apesar de amplamente difundido, o emprego de respiradores não tem se mostrado eficaz para impedir o desenvolvimento de sili-cose, por apresentar vários inconvenientes e indicação inadequada1.

A Organização Internacional do Trabalho e a Organização Mundial da Saúde lançaram, em 1995, um programa conjunto de erradicação global da silicose, com a intenção de dimi-nuir drasticamente sua prevalência e proporcionar a erra-dicação dessa doença até 2030.

As medidas recomendadas internacionalmente visam evitar o aparecimento da silicose e baseiam-se em prevenir a exposição e a inalação de poeiras finas e respiráveis, contendo a sílica livre e cristalina, utilizando-se de tecno-logias apropriadas.

Este artigo teve como objetivo realizar uma revisão da literatura referente à associação entre silicose e ES, conhe-cida como síndrome de Erasmus.

MÉTODOS

Pesquisa bibliográfica realizada no período de agosto de 2013 a abril de 2014, por meio de busca por artigos científicos indexados em bancos de dados de ciências da saúde em geral, literatura Latino-Americana e do Caribe

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Síndrome de Erasmus

em ciências da saúde (LILACS), MEDLINE/PubMed, Scientific Eletronic Library Online (SciELO) e livros textos de reumatologia. Foram selecionados artigos nacionais e internacionais obtidos na íntegra, referentes a pneumoco-niose, silicose, esclerose sistêmica e associação entre essas duas últimas doenças, sendo incluídos os manuscritos que abrangiam especificamente a síndrome de Erasmus.

RESULTADOS

A associação entre silicose e ES foi inicialmente descrita por Erasmus16, em 1957, na cidade de Witwatersrand, África do Sul, em mineiros de ouro expostos a elevada concentração de sílica livre, comparados com uma população de referência.

Em um estudo observacional, no período de 1955 a 1965, Rodnan et al.17 relataram 60 homens com ES, sendo que 26 desses, ou seja, 46%, trabalhavam em mineração de carvão ou outras ocupações, as quais os expunham à expo-sição prolongada e intensa ao pó da sílica.

Mais tarde, em 1987, também na África do Sul, Cowie18

realizou um estudo caso-controle, com 10 casos e 486 controles, que revelou uma relação significativa entre a ocorrência de ES e a intensidade de exposição à sílica, em mineiros de ouro e de carvão, ainda que na ausência de silicose.

Na Alemanha, a ES em trabalhadores expostos à sílica passou a ser considerada doença ocupacional depois que estudos epidemiológicos mostraram que a probabilidade de ocorrência dessa colagenose em trabalhadores expostos à sílica é 25 a 74 vezes maior do que na população geral, aumen-tando para 110 vezes quando se estudam apenas pacientes com silicose em relação à população masculina não exposta19.

Na França, desde dezembro de 1992, o diagnóstico de ES em indivíduos com história de exposição à sílica, mesmo na ausência de silicose, é considerado como doença ocupacional20.

O mecanismo de associação entre exposição à sílica e ES parece relacionar-se à resposta inflamatória desenvol-vida pela sílica após fagocitose e liberação de mediadores por macrófagos alveolares ativados2,21.

Na fase inicial, as partículas de sílica induzem, por contato direto de sua superfície com a água e lipoproteínas da camada de revestimento bronquioloalveolar ou pela ativação de macrófagos e de células epiteliais, a formação de radicais livres. Quando a produção desses radicais supera os mecanismos de defesa antioxidantes, pode haver lesão dos pneumócitos tipo I, aumento da ativação de macrófagos,

indução e proliferação dos pneumócitos tipo II. Com a libe-ração de enzimas proteolíticas, há formação de mais espécies reativas de oxigênio e nitrogênio, e também ocorre liberação de citocinas inflamatórias como o fator de necrose tumoral alfa, o fator de transformação de crescimento beta, a interleu-cina 1 e a interleucina 6. Essas citocinas recrutam macrófagos, neutrófilos e linfócitos, dando origem à alveolite e consequente perda da integridade da barreira epitelial, permitindo assim a passagem das partículas de sílica para o interstício. O resultado final é a proliferação excessiva de fibroblastos e produção de colágeno, resultando em fibrose intersticial1,2,8,21.

A doença do tecido conjuntivo posterior à exposição à sílica ocorre em média após 15 anos do início da exposição, sendo que os padrões de imagem observados em geral são opacidades em vidro fosco, lineares, faveolamento e pequenos nódulos subpleu-rais, sendo essas alterações indistinguíveis da ES idiopática2,16.

Rustin et al.22 descreveram 17 pacientes com ES asso-ciada à sílica, dos quais 3 apresentavam ES difusa e 14 ES limitada, sendo que todos os pacientes apresentavam fenô-meno de Raynaud, enquanto 16 pacientes apresentaram fibrose intersticial pulmonar, sendo 8 desses com anticorpo antitopoisomerase I (anti-Scl 70) positivo.

Em estudo prospectivo realizado em Sevilha, Espanha, com 300 trabalhadores de uma fábrica que utilizavam jatea-mento de areia, expostos durante 10 anos, identificaram 50 casos de silicose (17%), sendo que 5 desses estavam asso-ciados à ES, ou seja, 10% dos trabalhadores apresentavam a associação (síndrome de Erasmus)23.

Na Índia, o primeiro caso de síndrome de Erasmus foi relatado em 1997. Ganguly et al.24 descreveram o segundo caso dessa asso-ciação em 2013. Esses autores relataram o caso de um homem de 26 anos com doença pulmonar parenquimatosa difusa devido a silicose e ES, que trabalhou como operador de britadeira durante um ano e em alvenaria de pedras por 5 anos. Após esse período de seis anos de exposição, parou de trabalhar devido à piora progressiva da dispneia. Apresentou na tomografia computado-rizada de tórax lesão nodular difusa, principalmente em lobos superior e médio, com conglomerados nodulares em algumas áreas e extensos anéis de calcificação ganglionar em mediastino e linfonodos hilares, característicos da silicose pulmonar. A biópsia cutânea da face apresentou alterações sugestivas da esclerodermia e anticorpo anti-Scl-70 fortemente positivo24.

Souza et al.8 relataram na discussão de seu artigo uma série de 16 casos de exposição à sílica, dentre os quais 15 pacientes apresentaram fenômeno de Raynaud e 5 pacientes com ES.

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Foram encontrados na literatura nacional (Tabela 1) relatos de casos de síndrome de Erasmus, os quais apresen-tavam ES e exposição prévia à sílica com duração que variou de 2 a 15 anos de exposição, atividade laboral interrompida há mais de 7 anos. Em todos os casos relatados os pacientes eram do sexo masculino, com média de idade de 46 anos, sendo a principal atividade jateamento de areia; e havia relato em três casos de uso inapropriado de equipamentos de proteção2,8-10,25. Entre os cinco casos em que a tubercu-lose foi investigada, três casos apresentaram a associação entre tuberculose pulmonar e síndrome de Erasmus10,25.

Miranda et al.2 (Tabela 1) descreveram 2 casos de síndrome de Erasmus em pacientes com história de exposição ocupacional à sílica, que após 10 anos do diagnóstico de pneumoconiose desenvolveram ES, sendo um caso com manifestações cutâ-neas características de ES difusa e outro caso com ES limitada2.

O primeiro caso relatado por Miranda et al.2 refere-se a um homem de 35 anos, com história ocupacional de jateamento de quartzo por 6 anos, que foi afastado do trabalho devido a dispneia aos médios esforços. Feito diagnóstico de silicose e tratado com corticoterapia, obteve remissão dos sintomas. Após 10 anos do diagnóstico de pneumoconiose, evoluiu com sintomas característicos de ES difusa, teste de PPD negativo

e tratado com medicações imunossupressoras e vasoativas, com boa evolução e melhora do quadro clínico (Tabela 1).

No segundo caso, esses mesmos autores relataram um homem de 38 anos, garimpeiro, que trabalhou com explo-sivos sem seguir normas técnicas de segurança do trabalho. Apresentou quadro de doença parenquimatosa pulmonar há 10 anos, com biópsia pulmonar apresentando partículas de sílica no tecido e cultura de líquido pleural positiva para tuberculose. Tratado com tuberculostáticos por seis meses. Evoluiu após 10 anos do diagnóstico de pneumoconiose com quadro característico de ES limitada. Apresentou quadro de sepse grave de foco cutâneo, e mesmo sendo ampliado o espectro dos antibióticos e suporte de terapia intensiva, evoluiu para óbito2 (Tabela 1).

CONCLUSÃO

Através deste artigo coloca-se em evidência a importância do reconhecimento precoce da associação entre silicose e ES, dando ênfase na história ocupacional, principalmente em casos de ES que apresentem comprometimento pulmonar em indivíduos do sexo masculino.

Artigos nacionais

Ano Desenho do estudoDuração da exposição à

sílica

Período de latência para

silicose

Associação com tuberculose

pulmonar

História ocupacional e uso de equipamentos

de proteção

Miranda et al.2 2013

Relato de caso - 2 casos, ambos do

sexo masculino 1º caso: 35 anos, com ES

difusa 2º caso: 38 anos, ES

limitada

1º caso: 6 anos2º caso: NI

NI

1º caso: ausente(PPD negativo)

2º caso: presente (diagnóstico pelo

líquido pleural)

1º caso: jateamento de quartzo e NI

2º caso: explosivos e uso inadequado de equipa-

mentos de proteção

Souza et al.8 2005Relato de caso

- 1 caso, sexo masculino, 46 anos

2 anos 30 anos NIJateamento de areia e

uso inadequado de equi-pamentos de proteção

Pinto et al.9 2006Relato de caso

- 1 caso, sexo masculino, 41 anos

15 anos 7 anos Presente Jateamento de areia e NI

Pedroso et al.10 2009Relato de caso

- 1 caso, sexo masculino, 61 anos

4 anos 30 anosAusente

(PPD negativo)

Jateamento de areia e uso inadequado de equi-pamentos de proteção

Rodrigues et al.25 2012Relato de caso

- 1 caso, sexo masculino, 57 anos

4 anos NIPresente

(diagnóstico por biópsia pulmonar)

Jateamento de areia e NI

Tabela 1. Artigos nacionais referentes à síndrome de Erasmus, selecionados e relatados nos resultados.

ES: esclerose sistêmica; NI: não informado.

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Síndrome de Erasmus

O diagnóstico da síndrome de Erasmus por pneumo-logistas, reumatologistas e médicos do trabalho permitirá intervenções mais efetivas e um tratamento precoce, que proporcionarão um melhor prognóstico para esses pacientes.

É imprescindível descartar tuberculose pulmonar ou tuberculose latente antes de iniciar medicações imunos-supressoras em pacientes com síndrome de Erasmus, devido ao elevado risco da associação entre silicose e tuberculose pulmonar.

Medidas prioritárias estão vinculadas à substituição da sílica nos diversos processos em que isto já é possível, com

redução do tempo de exposição e implantação ampla de medidas de controle ambiental.

Reduzir a exposição depende de um processo progres-sivo de vigilância, sempre com o objetivo de maximizar a proteção quando a manipulação de material silicogênico é imprescindível.

Essas estratégias são tecnicamente factíveis, eticamente necessárias e epidemiologicamente urgentes, sendo que através da prevenção da silicose estaremos promovendo concomitantemente a prevenção de doenças autoimunes e suas associações, como a síndrome de Erasmus.

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Endereço para correspondência: Juliana Augusta Spinelli da Silva Teles – Rua Padre João 17-30, apartamento 183-A – Vila Santa Tereza – CEP: 17012-020 – Bauru (SP), Brasil – E-mail: [email protected]

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Recebido: 08/01/2015 Aceito: 05/03/2015

Fonte de financiamento: nenhuma

REVISÃO DE LITERATURA

RESUMO | Para diminuir os danos sociais decorrentes dos riscos inerentes ao trabalho, os Estados criam normas que obrigam o empregador a controlar a saúde ocupacional dos trabalhadores. No Brasil, estas ações devem estar dispostas no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, segundo obriga a Norma Regulamentadora nº 07. Para garantir o cumprimento desta norma, tanto o Estado quanto o empregador podem auditar o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO). O objetivo foi verificar a aplicabilidade desta auditoria dentro do modelo brasileiro de controle estatal em saúde ocupacional. Para isso, foi feita uma revisão narrativa da literatura. Os resultados indicaram que as normas, punitivas e reparadoras, e a fiscalização, pontual e repres-sora, falham tanto em reduzir os gastos com doenças relacionadas ao trabalho quanto em estimular o cumprimento voluntário da lei. Indicaram também que as ações de controle estatal atuais (aumento do número de fiscais, flexibilização da alíquota do seguro acidente de trabalho e a fiscalização programática) seguem o modelo de controle adotado por diversos países desenvolvidos. No entanto, ao contrário destes países, o Brasil ainda não possui incentivos à adoção de Sistemas de Gestão em Saúde e Segurança no Trabalho, os quais por sua vez devem contemplar uma auditoria do PCMSO, cujos resultados podem ser usados tanto pela empresa para melhorar a gestão da saúde ocupacional quanto pelo Estado incentivar a adoção dos Sistemas de Gestão em Saúde e Segurança no Trabalho e para reduzir os gastos com acidentes e doenças relacionadas ao trabalho.Palavras-chave | saúde do trabalhador; gestão de riscos; auditoria médica.

ABSTRACT | To reduce the social consequences of the risks inherent in the work, the States shall establish rules, which require the employer to control the occupational health of workers. In Brazil, these actions are to be arranged in the Medical Control Program of Occupational Health in accord to which requires Regulatory Standard 07. To ensure compliance with this standard, both State and the employer can audit the Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO ─ Occupational Health Medical Control Program). The objective of this study was to verify the applicability of this audit within the Brazilian model of state control in occu-pational health and propose criteria for its realization. For this it was made a narrative review of the literature. The results indicated that the rules, punitive and remedial, and supervision, timely and repressive, fail both in reduce spending on work-related diseases as well as to encourage voluntary compliance. They also indicated that the current state control measures (increase in tax, easing of workers’ compensation insurance rate and programmatic oversight) follow the control model adopted by many developed countries. However, unlike these countries, Brazil yet does not have incentives for adoption of Management Systems Health and Safety at Work, that should include an audit of PCMSO, with results may be used both by the company to improve their occupational health mana-gement as the State to encouraging the adoption of Occupational Health and Security Management Systems to reduce spending on work-related accidents and diseases.Keywords | occupational health; risk management; medical audit.

Trabalho realizado na Área de Saúde Ocupacional do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – Campinas (SP), Brasil.1Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – Campinas (SP), Brasil.2Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – Campinas (SP), Brasil.

O controle estatal em saúde e segurança no trabalho e a auditoria do Programa de Controle

Médico de Saúde OcupacionalState control in health and safety at work and the audit of the

Control Program Occupational Health Medical

Felipe Rovere Diniz Reis1, Satoshi Kitamura2

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O controle estatal em SST e auditoria do PCMSO

INTRODUÇÃO

O trabalho possui riscos inerentes que o tornam insa-lubre e, se estes riscos não forem controlados, eles podem gerar danos aos trabalhadores que representarão um ônus a toda sociedade. Neste sentido, as sociedades buscam esta-belecer normas para controlar as condutas empresariais e exigir um controle mínimo sob as condições de trabalho para garantir a saúde ocupacional dos trabalhadores.

Estas normas, quando obrigatórias, estão sujeitas à fisca-lização estatal, como é o caso da Norma Regulamentadora nº 07 (NR-07) que obriga os empregadores a gerenciar a saúde ocupacional através de um Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO). No entanto, apesar das normas e da fiscalização, no Brasil os gastos sociais com acidentes e doenças relacionadas ao trabalho vêm aumentando ao longo dos últimos anos.

Neste sentido, para melhorar a gestão de saúde e segurança no trabalho (SST) e reduzir os gastos com doenças e acidentes de trabalho surgem normas voluntárias, sujeitas ou não à audi-toria de um organismo certificador privado, como é o caso da Occupational Safety and Health Administration System (OSHAS) 18001, que comprova a implementação de um Sistema de Gestão em Saúde e Segurança no Trabalho (SGSST).

OBJETIVO

O objetivo deste artigo foi reconhecer as características do modelo de controle estatal em Saúde e Segurança no Trabalho (SST) e avaliar se ele tem sido capaz de reduzir os gastos com acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, além de reconhecer as propostas apresentadas pela litera-tura para melhorar este controle, avaliando se a auditoria do PCMSO se enquadra em alguma destas propostas.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa aplicada do tipo qualitativa e exploratória. Para revisão bibliográfica, foi feita uma busca nas bases de dados SciELO, PubMed, Medline e Google, e em outros documentos (leis, portarias, manuais técnicos) a partir dos descritores: leis trabalhistas, saúde do trabalhador,

fiscalização do trabalho, vigilância em saúde do trabalhador, acidente de trabalho, doenças ocupacionais. O autor declara não haver conflito de interesses. O estudo não envolve pesquisa com seres humanos e por isso, não foi submetido a um Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

EVOLUÇÃO NORMATIVA Com a abertura do mercado nacional à produção de bens

industrializados no início do século XX, o Brasil viveu uma verdadeira “Revolução industrial” e junto com esta mudança vieram os problemas sociais como a urbanização descon-trolada, as más condições de trabalho e os baixos salários, que geraram reivindicações sociais por direitos trabalhistas que, associadas às recomendações de organismos internacionais principalmente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), fizeram o Estado brasileiro aumentar o controle sobre as relações de trabalho1.

Com a criação do Departamento Nacional do Trabalho, foi aprovada a primeira lei acidentária que obrigava o empre-gador indenizar o trabalhador acidentado no trabalho2. Embora as Inspetorias Regionais do Trabalho, transfor-madas posteriormente em Delegacias Regionais do Trabalho, tenham sido criadas no Brasil em 1919, foi só em 1965 que a Inspeção do Trabalho foi regulamentada3.

Com o crescimento acelerado da indústria nacional durante o “milagre econômico” devido à abertura ao capital estrangeiro, o Brasil alçou o primeiro lugar nas estatísticas de acidentes de trabalho e sob pressões externas criou a Fundação Jorge Duprat e Figueiredo (Fundacentro) que elaborou Normas Regulamentadoras incorporadas juridi-camente pela Portaria 3214, que contemplava entre outras, a NR 07 (denominada “Exames médicos” e atualmente definida como “Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional”), a NR-09 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais), e a NR 04 (Serviços de Especializados em Saúde e Segurança no Trabalho)4.

Os trabalhadores, através da Reforma Sanitária brasi-leira5, reivindicaram maior participação no controle e na fiscalização das condições de trabalho6. Com a Constituição de 1988, as ações de controle em SST foram divididas em ações de “vigilância” desenvolvidas pelo Ministério da Saúde,

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atualmente voltadas à assistência ao trabalhador adoe-cido ou acidentado, e ações de “fiscalização” desenvol-vidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, atualmente voltadas à autuação e à interdição por descumprimento da lei, enquanto as ações de “reparação” ficaram a cargo do Ministério da Previdência e Assistência Social que assegura auxílio financeiro ao trabalhador incapacitado para o trabalho7.

O custeio do seguro acidentes de trabalho criado em 1919 ficou nas mãos da iniciativa privada até 1967, quando, então, os empregadores passaram a ser obrigados a custear o sistema previdenciário segundo alíquotas que variavam segundo a atividade econômica desenvolvida8. Mas o cálculo da alíquota de seguro acidentário não era individualizado e não estimulava o investimento em SST9.

Assim, o histórico normativo em SST no Brasil sempre foi centralizado10, pautado na punição e na reparação, se aproximando do modelo tradicional de controle estatal11.

Foi somente em 2011, após Plano de Ação Mundial sobre a Saúde dos Trabalhadores da OMS elaborado em 200712, que o Estado brasileiro instituiu a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, dando a precedência das ações de promoção, proteção e prevenção sobre as ações de assistência, reabilitação e reparação13, propondo através do Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, uma fiscalização programática e a implantação de sistemas de gestão em segurança e saúde nos locais de trabalho, através da formulação de uma Norma Regulamentadora de Gestão em SST14.

A EFICÁCIA DA FISCALIZAÇÃOSegundo dados estatísticos do Ministério do Trabalho

e Emprego (MTE), no período de 2001 a 2013, o número de fiscais e o número de empresas fiscalizadas diminuíram, entretanto o número de Autos de Infração relacionados a SST aumentou. Mas mesmo com o aumento do número de Autos de Infração, ou seja, com o aumento da punição, não houve um aumento da taxa de regularização das infrações relacionadas a SST, conforme disposto na Tabela 115, nem uma diminuição dos gastos com bene-fícios previdenciários acidentários, que duplicaram no mesmo período16.

Além disso, estes gastos poderiam ser ainda maiores se não houvesse subnotificação, que conforme disposto na

Tabela 2, fica evidente quando observamos que em 2012 foram concedidos 10 vezes mais benefícios acidentários relacionados a doenças ocupacionais sem CAT (164 mil) do que com CAT (15 mil) o que indica uma subnotificação das doenças ocupacionais de 90%17.

Ano

Total de Acidentes e doenças de

trabalho (mil)

Com CAT Acidentes

típicos (mil)

Com CAT Doenças do

trabalho (mil)

Sem CAT(mil)

2001 340 282 18 ND

2002 393 323 22 ND

2003 399 325 23 ND

2004 465 375 30 ND

2005 499 398 33 ND

2006 512 407 30 ND

2007 659 417 22 141

2008 755 441 20 204

2009 733 424 19 199

2010 709 417 17 179

2011 711 426 15 172

2012 705 423 15 164

Tabela 2. Estatística de acidentes de trabalho conforme a Previdência Social

CAT: Comunicação de Acidente de Trabalho; ND: não disponível.

Ano Nº de AFTEmpresas

fiscalizadas (mil)

Autos de infração (mil)

TREF (%)

2001 3.080 296 93 82

2002 3.044 304 92 84

2003 2.837 285 103 83

2004 2.927 302 100 87

2005 2.935 375 107 88

2006 2.873 357 115 86

2007 3.173 357 113 86

2008 3.113 299 108 83

2009 2.949 282 113 81

2010 3.061 255 108 77

2011 3.042 269 135 74

2012 2.875 269 143 71

2013 2.719 275 155 67

Tabela 1. Estatística das ações fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego relacionadas à saúde e segurança no trabalho.

AFT: Auditores Fiscais do Trabalho; TREF: Taxa de regularização em estabelecimentos fiscalizados equivalente a relação percentual entre o número de itens da legislação trabalhista irregulares após a fiscalização e o número de itens irregulares encontrados no início da fiscalização. ND: não disponível

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O controle estatal em SST e auditoria do PCMSO

PROPOSTAS PARA MELHORIA DO CONTROLE ESTATAL

Da forma como o modelo de controle estatal em SST está instituído, ele não estimula o investimento em SST18, nem incentiva a promoção e a prevenção da saúde19. Assim, surgem como propostas para aumentar a eficiência do controle estatal o aumento da capacidade da fiscalização e o incentivo a adoção de SGSST.

Aumento da capacidade de fiscalização A capacidade da fiscalização em SST pode ser aumen-

tada através do aumento do número de fiscais, da priorização das ações fiscais, e/ou da contratação de especialistas para assessoramento das atividades fiscais.

No que se refere ao aumento do número de fiscais, o artigo 10º da Convenção nº 81 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece que o número razoável de fiscais deva ser um fiscal para cada 15 mil trabalhadores nas economias em vias de industrialização. Recentemente, o Instituto Nacional de Pesquisas Econômicas (INPE) informou que quanto maior o número de fiscais menor o número de acidentes de trabalho, sendo que um acréscimo de um fiscal para cada 1.000 empresas causa uma redução de 0,06% na taxa de acidentes de trabalho20.

Apesar disso, o número de fiscais no Brasil despencou nos últimos anos, passando de pouco mais de um fiscal para cada 10 mil trabalhadores em 1996 para menos de um fiscal para cada 30 mil trabalhadores em 2014. Em outras palavras, apesar do número de empregos no Brasil ter aumentado 65% nos últimos 10 anos, houve uma redução de 18% no número de fiscais, passando de 3.460 para 2.85021.

No que se refere à priorização da fiscalização, as ações fiscais são iniciadas por denúncias pontuais não tem se mostrado incapaz em reduzir os gastos com acidentes e doenças do trabalho22, pois, além de limitar o número de empresas fiscalizadas, ela não garante que a irregularidade não se repetirá quando a ação fiscal terminar23. Além disso, existem evidencias de que a fiscalização reduz a incidência de acidentes e doenças do trabalho em longo prazo, prin-cipalmente se forem específicas24.

Assim, a fiscalização moderna adotada em vários países estimula o cumprimento voluntário da lei através de fiscali-zações programáticas, que priorizam as empresas com altas taxas de acidentes e com histórico de não corrigir as irregu-laridades. Nestes países, a fiscalização possui metas de longo

prazo e as ações fiscais buscam estimular a mudança volun-tária do comportamento empresarial em relação à cultura de SST25. Este modelo de fiscalização considera que as sanções impostas pelo Estado são pouco coercitivas e não capazes de reduzir efetivamente os gastos sociais com acidentes e doenças do trabalho26,27.

No Brasil, a fiscalização programática passou a ser incen-tivada com a Lei 11.890 de 2008 que retirou da remuneração dos fiscais qualquer forma de gratificação por produção28 e, a partir de 2010, a fiscalização possui um programa desenvol-vido anualmente segundo diretrizes e segundo o diagnóstico do mercado de trabalho local e da capacidade de inter-venção das Delegacias Regionais do Trabalho. No entanto, na prática as ações programáticas não têm se desenvolvido bem, dado que qualquer denúncia que envolva risco grave ou relativas à atrasos nos pagamentos dos trabalhadores devem ser apuradas imediatamente.

No que se refere, a contratação de profissionais espe-cialistas para assessorar as ações fiscais, estes podem ser Agentes de Higiene e Segurança do Trabalho ou Peritos em SST, engenheiros de segurança do trabalho e/ou médicos do trabalho.

Embora o Decreto 4.55229 tenha criado o cargo de Agente de Higiene e Segurança do Trabalho ─ servidor público responsável por auxiliar os fiscais fazendo levan-tamento técnico das condições de segurança nos locais de trabalho, avaliando qualitativa ou quantitativamente os riscos ambientais e, analisando as condições de risco ocupacional ─, até hoje, não houve criação de vagas ou concursos para sua contratação pelo MTE.

Tais atividades também poderiam ser realizadas por Peritos em SST, através de auditorias nas empresas, a semelhança do que é feito pelos Peritos contratados pela Receita Federal, que, neste caso, avaliam as mercado-rias aduaneiras, conforme prevê o Decreto nº 6.75930 e a Instrução Normativa RFB nº 1.020 de 201031. Tais profis-sionais são contratados por processos seletivos e fazem perícias das mercadorias a fim de constatar se as mesmas estão regulares com a legislação e sua remuneração é paga por Parecer ou laudo, elaborados segundo critérios previa-mente estabelecidos. Esta contratação poderia atender o Artigo 22 do Decreto nº 4.552 e o item 28.1.5 da NR-28, que permite ao fiscal do trabalho solicitar o concurso de profissionais especialistas credenciados para verificar o cumprimento da legislação.

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Incentivos aos sistemas de gestão em saúde e segurança no trabalho

Outra proposta para melhorar o controle estatal em SST é incentivar a gestão sistemática das ações executadas pelas empresas, pois investir em saúde ocupacional além do cumprimento da lei aumenta a produtividade e a competi-tividade da empresa32.

Neste sentido, a Convenção 81 da OIT prevê a necessi-dade de os governos adotarem ações para facilitar uma coope-ração efetiva entre as instituições públicas e as privadas que exerçam atividades análogas relacionadas à SST e muitos países incentivam a utilização voluntária de normas de gestão como as ISO, explorando as auditorias realizadas dentro destes sistemas33.

Este modelo de controle é compatível com o disposto na Portaria 3.120 que preconiza que o processo de Vigilância em Saúde do Trabalhador deve ocorrer dentro de um prin-cípio de prioridades e da pesquisa-intervenção, no qual o agente estatal, além de diagnosticar uma irregularidade, intervenha ativamente para mudá-la, acompanhando as mudanças propostas34.

Desta forma, houve uma crescente demanda por estes sistemas de gestão tanto que o British Standart (BSI) inglês — correspondente à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) no Brasil — foi pioneiro e propôs com base nos conceitos prévios dispostos nas ISO 9.000 e ISO 14.000, a OSHAS 18001:200735.

No Brasil, a ABNT — baseada na OSHAS 18.001 — publicou a NBR 18801:2010, norma que continha, antes do seu cancelamento pelo próprio órgão certificador, requisitos de um Sistema de Gestão de Segurança e Saúde36.

As ações estatais mais comuns para incentivar a imple-mentação de SGSST pelas empresas são os programas de fiscalização voluntários e os descontos nas alíquotas do imposto acidentário.

Programas de fiscalização voluntáriosBuscando utilizar os resultados das auditorias dos

SGSST, a fiscalização em SST de diversos países tem adotado programas de fiscalização voluntários tanto que em 2010 existiam aproximadamente 42 modelos de SGSST e 14 mil empresas já tinham sido certificadas em 82 países, a maioria pela OSHAS 1800137.

Mas a proposta de uma fiscalização programática com critérios pré-determinados e com objetivos de longo prazo

que atribui uma maior autorregulação às empresas, esbarra em dificuldades práticas que precisam ser superadas, pois o Estado, através dos órgãos de vigilância e fiscalização intervém minimamente nos ambientes de trabalho pois carece de recursos humanos e de conhecimento deta-lhado do processo de produção38. Além disso, os Serviços Especializados em Segurança e Medicina do Trabalho das empresas ou contratados normalmente elaboram e executam programas descontextualizados da política organizacional da empresa39.

O exemplo mais marcante deste tipo de iniciativa, iniciado nos EUA na década de 90, foi o “OSHA`s Maine 200 Program”. As empresas com as maiores taxas de dias perdidos por acidentes e doenças relacionada ao trabalho que quisessem participar além de terem menores chances de serem fiscalizadas seriam informadas da data das fiscali-zações, mas só poderiam participar se implementassem um SGSST que pudesse ser auditado40.

Como exemplo mais recente, Taiwan, em 10 anos de implementação do programa de fiscalização voluntária, certificou 724 empresas as quais nos últimos três anos do programa tiveram 49% menos acidentes que as empresas não participantes, com uma redução de 80% da gravidade dos acidentes41.

Descontos nas alíquotas de seguro de acidente de trabalhoOutra proposta para incentivar a adoção de SGSST

é oferecer incentivos financeiros através da redução da alíquota do imposto pago como custeio, público ou privado, do seguro acidente de trabalho.

A Federação Alemã das Instituições para Seguro e Prevenção de Acidentes concede descontos nas alíquotas de seguro mediante a comprovação da adoção de um sistema integrado de gestão em SST, desde que certificado por um organismo credenciado. O incentivo utilizado é um desconto de até 50% na alíquota de seguro, de acordo com o custo da certificação42. No Chile, com a implementação do programa “Empresa competitiva” em 1997, no qual as empresas devem comprovar ações sistemáticas de SST, em dois anos a acidentalidade caiu de 10 para 5% em 199943.

Neste sentido, o Estado brasileiro, buscando estimular o investimento em SST, não através da punição e da repressão (aumentando o imposto), mas através do estímulo e da bonificação (diminuindo o imposto) a Previdência Social, através da Resolução MPS/CNPS nº 1.316 de 31 de maio

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O controle estatal em SST e auditoria do PCMSO

de 2010, prevê que a empresa que apresente casos de morte ou invalidez permanente decorrente de acidentes de trabalho poderá ter sua alíquota de imposto previdenciário (RAT) reduzida se apresentar uma prova de que investe em SST44.

Esta prova deve ser feita através do “Demonstrativo de Investimentos em Recursos Materiais, Humanos e Tecnológicos em Melhoria na Segurança do Trabalho” que deverá ser impresso, datado e assinado por representante legal da empresa, homologado por representante do sindicato dos trabalhadores e instruído com os documentos compro-batórios, entre eles uma auditoria do PCMSO, obrigatório segundo a NR-0745. Tal auditoria, no entanto, requer crité-rios objetivos, a exemplo do que vem sendo proposto em estudos recentes46, 47.

CONCLUSÃO

O modelo de controle estatal em SST está pautado em normas punitivas e reparatórias e numa fiscalização pontual

e repressora que não tem sido eficazes em reduzir os gastos com acidentes e doenças relacionadas ao trabalho.

A proposta atual do Estado para melhoraria do controle estatal em SST é aumentar a capacidade de fiscalização através do aumento do número de fiscais e do aumento do imposto acidentário dos empregadores que possuem piores estatísticas de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, o que confirma as características históricas deste modelo.

No entanto, a literatura mostra que incentivos às empresas para implementação de SGSST é a melhor proposta para aumentar a eficácia do controle estatal em SST seja através de programas de fiscalização voluntários seja através de descontos na alíquota do seguro acidente de trabalho.

Assim, o Estado brasileiro deve incentivar os empre-gadores a implementarem SGSST que contemplem auditorias do PCMSO, para que os resultados desta auditoria possam ser usados tanto para melhorar a gestão da SST e reduzir as estatísticas de acidentes e doenças relacio-nadas ao trabalho quanto para requerer a redução do imposto acidentário.

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O controle estatal em SST e auditoria do PCMSO

Endereço para correspondência: Felipe Rovere Diniz Reis – Área de Saúde Ocupacional do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas – Rua Vital Brasil, 100 – Cidade Universitária – CEP: 13083-888 – Campinas (SP), Brasil – E-mail: [email protected]

44. Brasil. Ministério da Previdência Social. Resolução MPS/CNPS nº. 1316 de 31 de maio de 2010. Atualiza a proposta metodológica que trata da flexibilização das alíquotas de contribuição destinadas ao financiamento do benefício de aposentadoria especial e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrentes dos riscos ambientais do trabalho. Diário Oficial da União 14 jun 2010; Seção 1: 84-85.

45. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria SSST nº. 24 de 29 de dezembro de 1994. Aprova o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional. Diário Oficial da União 30 dez 1994; Seção 1: 21280-21282.

46. Ribeiro, FPL. Auditoria de PCMSO – Protocolo a partir da NR-7. Rev. Bras Med Trab. 2014;12(2):57-65.

47. Hyeda A, et al. Gestão da qualidade dos exames médicos do programa de saúde ocupacional da empresa: uma análise preliminar. Rev. Bras Med Trab. 2014;12(2):66-72.

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Recebido: 02/02/2015

Aceito: 13/04/2015

Fonte de financiamento: nenhuma

REVISÃO DE LITERATURA

RESUMO | Contexto: A infecção fúngica que acomete as mãos, além de funcionar como porta de entrada para infecções, também pode causar dor, desconforto, limitação física e ocupacional. As pesquisas de microrganismos nas mãos de trabalhadores e as reco-mendações relacionadas à higiene adequada das mãos valorizam mais o risco de contaminação de alimentos e objetos e a transmissão de infecções a terceiros, desconsiderando muitas vezes a importância de manter a saúde das mãos dos profissionais. É importante conhecer a legislação e as orientações pertinentes que regulamentam as atividades profissionais e os aspectos relacionados ao desem-penho profissional para promover medidas de proteção e prevenção de agravos à saúde do trabalhador e no estabelecimento de nexo que possa existir com dermatose ocupacional. Objetivo: Pesquisar sobre estudos de espécies fúngicas isoladas a partir das mãos de manipuladores de alimentos e profissionais da área de saúde, comparar com espécies isoladas em outras populações, destacar as dermatoses cutâneas por agentes biológicos e mais especificamente por fungos dermatófitos e Candida, abordar aspectos relacionados à segurança, saúde e medicina do trabalho. Métodos: Revisão de literatura de artigos publicados nos bancos de dados da CAPES, sítio da biblioteca virtual em saúde, SciELO e pesquisas em livros específicos. Conclusões: Evidenciou-se diferenças na detecção de fungos nas mãos de trabalhadores, em manipuladores de alimentos os percentuais variaram de 26,3 a 63,4% e em profissionais de saúde a variação foi desde 6,7 até 93%; predominaram espécies de Candida. Observou-se, em outras populações, menor percentual de positividade dos exames laboratoriais e predomínio de dermatófitos. Palavras-chave | contaminação das mãos; dermatite ocupacional; onicomicose.

ABSTRACT | Context: The fungal infection that affects the hands, in addition to functioning as a gateway for infection, can also cause pain, discomfort, physical and occupational limitations. Research of microorganisms in the hands of workers and recommen-dations related to proper hand hygiene value the risk of contamination of food and objects and transmission to third parties infec-tions, often disregarding the importance of maintaining the health of the hands of professionals. It is important to know the relevant legislation and guidelines governing their professional activities and aspects related to the performance to promote protection and prevention of harm to workers’ health and the nexus of business that might exist with occupational dermatosis. Objective: To analyse studies of fungal species isolated from the hands of food handlers and health professionals, to compare them to species from other populations, highlighting the skin dermatoses by biological agents and more specifically by dermatophytes and Candida, and to address aspects related to safety, health and occupational medicine. Methods: Literature review of articles published in the CAPES, Biblioteca Virtual em Saúde website, and SciELO databases and also from specific books. Conclusions: Differences were identified in the detection of fungi in the hands of workers; in the food handlers the percentage ranged from 26.3 to 63.4%; and in health profes-sionals the range was from 6.7 to 93%, with a prevalence of Candida species. It was observed, in other populations, lower percentage of positive laboratory tests and prevalence of dermatophytes.Keywords | contamination of the hands; dermatitis, occupational; onychomycosis.

Trabalho realizado no Departamento de Morfologia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) – Manaus (AM), Brasil.1Instituto de Pós-graduação e Graduação (IPOG) e Universidade Estácio de de Sá (ESTÁCIO) – Manaus; Gerência Executiva Manaus – Manaus (AM), Brasil.2Programa de Pós-graduação em Biotecnologia da Universidade Federal do Amazonas e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) – Manaus (AM), Brasil.

Ocorrência de espécies fúngicas isoladas a partir de mãos e unhas de trabalhadores

Occurrence fungal species isolated from hands and nails of workers

Milena Araújo Ferreira1, Daiane Martins2

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Ocorrência de espécies fúngicas isoladas a partir de mãos e unhas de trabalhadores

INTRODUÇÃO

Toda e qualquer possibilidade de algum elemento ou circunstância relacionada a um processo ou ambiente de trabalho que possa causar prejuízo à saúde, seja através de acidente, doenças ou do sofrimento dos trabalhadores, ou ainda através da poluição do ambiente, define-se como risco à saúde do trabalhador. Referidos fatores ou condi-ções de risco são definidos como químicos (arsênio, berílio, asbestos, bromo, cloro, chumbo, entre outros listados como relacionados ao trabalho), biológicos (vírus, fungos, bacté-rias, parasitas, conforme lista de agentes etiológicos ou fatores de risco relacionados trabalho), físicos (frio, calor, radiação, ruídos, etc.), ergonômicos, mecânicos e da organi-zação do trabalho1,2. Os riscos biológicos ocorrem por meio de microrganismos que, em contato com o homem, podem provocar inúmeras doenças. Muitas atividades profissio-nais favorecem o contato com tais riscos, como nas indús-trias de alimentação, ginásios, piscinas, hospitais, limpeza pública (coleta de lixo), laboratórios, etc. Diversos fatores estão relacionados às doenças profissionais, tanto por causas ligadas diretamente ao trabalho realizado, bem como pelas suas condições de execução. Schilling3 classificou a relação do trabalho com as doenças em três grupos. No grupo I estão as doenças em que o trabalho ou as condições nas quais o mesmo é exercido têm relação direta com a causa do adoecimento, ou seja, o trabalho é causa necessária para o desenvolvimento ou surgimento da doença; no grupo II temos as doenças em que o trabalho pode ser um fator de risco, contributivo, mas não necessário para o surgimento da doença; no grupo III estão as doenças em que o trabalho é provocador de um distúrbio latente, ou agravador de doença já estabelecida ou preexistente. Os grupos II e III contêm doenças relacionadas a múltiplos fatores de risco2,4. O mecanismo de transmissão dos microrganismos pode ser de humano para humano, como pode envolver fontes não humanas, como solo, água, animais e objetos5. As mãos estão envolvidas entre as principais vias de transmissão de microrganismos. Através delas esses podem ser transferidos de uma superfície para outra, por meio de contato direto (pele com pele), ou indireto, através do contato com objetos e superfícies contaminados, assim, a dinâmica de trans-missão de muitas doenças tem relação com o contato pelas mãos, havendo tanto a relação do risco de contaminação individual, quanto de alimentos, objetos e de terceiros6.

Todos os indivíduos possuem microrganismos (bactérias e fungos) residentes permanentes de determinados sítios corporais, na superfície da pele e mucosas, orofaringe, trato intestinal e trato genitouninário, compondo a população comensal ou microbiota normal. Esses microrganismos estimulam a resposta imune protetora e produzem fatores de crescimento. Quando um indivíduo é exposto a um microrganismo, esse pode: colonizar de forma transiente o indivíduo, colonizar permanentemente o indivíduo ou produzir doença. É importante distinguir entre coloni-zação, um processo natural, e doença (ou infecção), que está relacionada à colonização de sítios estéreis do corpo e à exposição do indivíduo a microrganismos muito patogê-nicos5,7. Dermatofitoses e outras micoses superficiais podem ser consideradas como doenças relacionadas ao trabalho, nas quais o trabalho pode ser um fator de risco que favo-rece o adoecimento, mas não é causa necessária para que o mesmo aconteça, estando relacionadas a trabalhadores que exercem atividades em condições inadequadas de tempe-ratura e umidade, bem como a outras situações nas quais os agentes infeciosos têm ligação com a atividade ocupa-cional ou ao ambiente de trabalho2. A candidíase relacio-nada ao trabalho poderá ser verificada em trabalhadores que exercem atividades que requerem longas imersões das mãos em água, irritação mecânica das mãos, expo-sição da pele à umidade e oclusão, como nas atividades que requerem o uso de luvas por longos períodos, tais como trabalhadores de limpeza, lavadeiras, cozinheiras, enfer-meiros, assistentes dentários, entre outros, com exposição ocupacional caracterizada por meio de história laborativa e de inspeção em ambiente de trabalho2,8. Não é simples determinar um vínculo definitivo de causa e efeito entre trabalho e uma infecção específica, exige isolamento labo-ratorial do agente infeccioso, história clínica, exame físico detalhado e análise epidemiológica8.

Consoante estabelecido na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e por meio da Lei Orgânica da Saúde, nº 8.080, de 19909, a saúde do trabalhador foi inserida como campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), visando à promoção, proteção e prevenção de agravos à saúde do trabalhador10. Portanto, o objetivo desta pesquisa foi realizar um levantamento bibliográfico sobre estudos de espécies fúngicas isoladas a partir das mãos de trabalhadores, comparar espécies isoladas em outras populações, não especificadas quanto à profissão,

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Ferreira MA, Martins D

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destacar as dermatoses cutâneas por agentes biológicos e mais especificamente por fungos dermatófitos e Candida, abordar aspectos relacionados à segurança, saúde e medi-cina do trabalho.

MÉTODOS

Foi realizado um levantamento bibliográfico (relação das bibliografias existentes nos acervos das bibliotecas do sistema, livros e artigos de periódicos sobre o tema em  estudo11 de janeiro a novembro de 2014, o qual buscou estudos publicados entre 1999 e 2014. As bases de dados utilizadas nesta pesquisa foram: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Scientific Electronic Library Online (SciELO), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) – Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde, também conhecido pelo seu nome original Biblioteca Regional de Medicina (BIREME). Com o intuito de aprimorar os resul-tados, foram utilizados os seguintes descritores de busca: dermatose ocupacional; onicomicoses mãos; dermató-fitos unhas; manipuladores alimentos e contaminação mãos. Também foi realizada pesquisa em livros específicos da área de microbiologia, epidemiologia e dermatologia, manuais e diretrizes relacionadas à medicina do trabalho. Entre 49 artigos analisados, foram incluídos os que descre-viam a microbiota das mãos, avaliando a pesquisa de espé-cies fúngicas. Destacou-se três grupos: trabalhadores da área de alimentação, trabalhadores da área de saúde e um terceiro grupo relacionado à população em geral, sem foco na atividade laboral. Foram excluídos trabalhos que não especificavam sobre percentuais de coletas de microrga-nismos nas mãos, que não envolviam humanos e que não tinham relação específica com o tema de estudo.

RESULTADOS

SEGURANÇA, SAÚDE E MEDICINA DO TRABALHO

As condições gerais de vida, relações, processo e organização do trabalho são elementos fundamentais na preservação da saúde dos trabalhadores1. Para garantir e assegurar condições de saúde, tanto física quanto mental,

aos trabalhadores, existem importantes leis, as quais estão orientadas para a prevenção e a assistência do trabalhador vítima de acidente, doença ou de incapacidade relacio-nadas ao trabalho, bem como para a promoção da saúde, do bem-estar e da produtividade dos trabalhadores2. Entre o amparo legal pertinente à segurança e saúde do trabalhador destaca-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 e alterada pela Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977, que discorre no título II, no capí-tulo V, relativo à segurança e medicina do trabalho, do artigo 154 ao 201, sobre as regras a serem disciplinadas nos locais de trabalho. Como consequência das políticas voltadas para o trabalhador e considerando o disposto no artigo 200 da CLT, foram aprovadas pela Portaria nº 3.214, de 8 de junho de 1978, as Normas Regulamentadoras (NR). Referidas normas regulamentam e fornecem orien-tações sobre procedimentos obrigatórios relacionados à medicina e segurança no trabalho, destacando-se as ações relacionadas à prevenção, ao controle e à eliminação de riscos, as quais são de observância obrigatória pelas empresas privadas e públicas e pelos órgãos públicos da administração direta e indireta, bem como pelos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, que possuam empre-gados regidos pela CLT. As NR são atualizadas periodi-camente, cabendo ao Ministério do Trabalho, através da Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho, baixar as alterações necessárias. Atualmente, temos 36 normas, NR-1 a NR-36, normatizando sobre as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho. Destacou-se algumas normas que se relacionam a medidas gerais de proteção e prevenção a agravos a saúde do trabalhador e algumas específicas como a NR-32, que traz informações impor-tantes sobre riscos biológicos. A NR-4 define os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), objetivando promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho, cujo dimensionamento tem relação com o correspondente grau de risco da atividade econômica da empresa. Entre as competências dos profissionais integrantes do SESMT está reduzir até eliminar os riscos existentes à saúde do traba-lhador; suas atividades são principalmente preventivas. A Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) (NR-5), composta por representantes do empregador e dos empregados, tem a finalidade de prevenir acidentes e

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doenças decorrentes do trabalho. É importante destacar a NR-6, que trata sobre os equipamentos de proteção individual (EPI), considerando EPI todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, desti-nado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segu-rança e a saúde do trabalhador. O Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) (NR-7) está relacionado à promoção e prevenção da saúde do conjunto dos trabalhadores, visando rastreamento e diagnóstico precoce dos agravos à saúde relacionados ao trabalho. Sua implantação baseia-se na identificação dos riscos à saúde do trabalhador. O objetivo e campo de aplicação da NR-9 é o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), o qual deve ser elaborado e implementado pelo empregador para a prevenção da saúde e a integridade dos trabalhadores, através da antecipação, reconhecimentos, avaliação e consequentemente controle da ocorrência de riscos relacionados ao ambiente de trabalho. A NR-15 define sobre atividades e operações insalubres, destaca-se no Anexo nº 14 as atividades ou operações que exponham o trabalhador a agentes biológicos. Condições ambientais de trabalho, organização do trabalho, mobiliário e equipa-mentos do posto de trabalho são importantes no desem-penho adequado das atividades laborais e na prevenção de agravos à saúde do trabalhador, a NR-17-Ergonomia, ressalta sobre o estabelecimento de parâmetros que permitem a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, proporcionando um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente. A NR-24 destaca as condições sanitárias e de conforto nos locais de trabalho e a NR-36 estabelece sobre segurança e saúde no trabalho em empresas de abate e processamento de carnes e derivados, em seu item 36.9.4 aborda sobre agentes biológicos12.

A NR-32 tem como objetivo e campo de atuação a segu-rança e saúde no trabalho em serviços de saúde; considera risco biológico a probabilidade da exposição ocupacional a agentes biológicos, e por sua vez considera agentes biológicos os microrganismos, geneticamente modificados ou não, as culturas de células, os parasitos, as toxinas e os príons. no Anexo I temos a classificação dos agentes biológicos em classe de risco 1, 2, 3 e 4; no Anexo II a tabela de classificação dos agentes biológicos; e no Anexo III o plano de prevenção de riscos de acidentes com materiais perfurocortantes. Quanto à classificação dos agentes biológicos em classes de risco, temos:

• Classe de risco 1: se refere a baixo risco individual para o trabalhador e para a coletividade, sendo baixa a proba-bilidade de causar doença em humano.

• Classe de risco 2: há moderado risco individual para o trabalhador e baixa probabilidade de disseminação para a coletividade, as doenças causadas têm tratamento e profilaxia eficazes.

• Classe de risco 3: elevado risco para o trabalhador e com probabilidade de disseminação para a coletividade, pode causar doença e infecções graves ao ser humano.

• Classe de risco 4: elevado risco individual para o traba-lhador e de disseminação para a coletividade, tem grande poder de transmissibilidade entre os indivíduos, podendo causar doenças graves, incuráveis, com profilaxia ou tratamento ineficiente12.

Em 5 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição da república Federativa do Brasil, que destaca entre as competências do SUS, art. 200, inciso II, a execução das ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; e no inciso VII, colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, denominada Lei Orgânica da Saúde, incluiu no campo de atuação do SUS, art. 6º, incisos I, alínea “c” e V, executar ações de saúde do trabalhador e colaborar na proteção do meio ambiente nele compreendido o do trabalhador, entendendo por saúde do trabalhador, para fins da lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, definindo uma ampla abrangência (§ 3º); tratou ainda da saúde do trabalhador nos artigos 13, 15, 16, 17 e 182. Normas Operacionais Básicas (NOBs) foram editadas em 1991, 1993 e 1996 como mecanismos de instrumenta-lização e operacionalização do SUS. A NOB-SUS 01/96 incluiu a saúde do trabalhador no campo de atuação da atenção à saúde. Conforme a necessidade de definição das atribuições e responsabilidades como forma de orientar e instrumentalizar as ações de saúde do trabalhador urbano e do rural desenvolvidas pelas Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, foi aprovada a Norma Operacional de Saúde do Trabalhador (NOST),

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na forma de anexo à Portaria Federal 3.908/GM, de 30 de outubro de 19982. Considerando a atenção integral à saúde do trabalhador, a Portaria nº 1.679/GM, de 19 de dezembro de 2002, definiu no âmbito do SUS uma Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde dos Trabalhadores (RENAST), definindo para a sua estruturação ações na rede de Atenção Básica e no Programa de Saúde da Família, criação de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CRST) e ações na rede assistencial de média e alta complexidade do SUS. A Portaria nº 2.728, de 11 de novembro de 2009, dispõe que a RENAST deverá ser implementada de forma articulada entre o Ministério da Saúde, as Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com o envolvimento de órgãos de outros setores dessas esferas, executores de ações relacionadas com a saúde do trabalhador, além de instituições colaboradoras nessa área13. Em 23 de agosto de 2012, através da Portaria nº 1.823, foi instituida a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, a qual se estende a todos os trabalha-dores, homens e mulheres, independentemente de sua localização, urbana ou rural, de sua forma de inserção no mercado de trabalho, formal ou informal, de seu vínculo empregatício, público ou privado, assalariado, autônomo, avulso, temporário, cooperativados, aprendiz, estagiário, doméstico, aposentado ou desempregado, tendo como fina-lidade definir os princípios, as diretrizes e as estratégias a serem observados pelas três esferas de gestão do SUS, para o desenvolvimento da atenção integral à saúde do traba-lhador, com ênfase na vigilância, visando à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores e à redução da morbi-mortalidade decorrente dos modelos de desenvolvimento e dos processos produtivos.

Em relação à Previdência Social, a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social, na qual as bases para se definir a relação entre uma doença e o trabalho estão fundamen-tadas: nos artigos 19, 20 e 21, acrescentadas as alterações estabelecidas pela Lei nº 11.430, de 26 de dezembro de 2006. O Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999, e seus anexos, Regulamento da Previdência Social, em seu art. 337 estabelece sobre a caracterização de acidente do trabalho que será tecnicamente definido pela perícia médica do INSS, mediante a identificação do nexo entre o trabalho e o agravo. Este foi alterado pelo Decreto nº 6.042, de 12 de fevereiro de 2007 (disciplina a aplicação, acompanhamento

e avaliação do fator acidentário de prevenção – FAP – e do nexo técnico epidemiológico, e dá outras providências) e pelo Decreto nº 6.957, de 09 de setembro de 2009 (altera o Regulamento da Previdência Social em relação à apli-cação, acompanhamento e avaliação do FAP). A Instrução Normativa INSS/PRES nº 31, de 10 de setembro de 2008, dispõe sobre procedimentos e rotinas referentes ao Nexo Técnico Previdenciário, e dá outras providências. Todo esse amparo legal define e embasa a caracterização do nexo entre o trabalho e o agravo que é definido tecnicamente pela perícia médica do INSS, como: nexo profissional, nexo individual, nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP). O nexo profissional trata das condições de risco ou agentes etiologicos aos quais o trabalhador está exposto em seu ambiente de trabalho e as doenças relacionadas com o trabalho. Consta no anexo II do Decreto nº 3.048/99 os agente patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho e o trabalho que contêm risco (lista A), e as doenças com a respectiva relação de agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional (lista B). O nexo individual baseia-se em laudos de avaliação, por parte do perito médico previdenciário, que atestem condições espe-ciais de trabalho capazes de causar o adoecimento, mas que não constam nas listas A e B do Decreto nº 3.048/99. O NTEP é determinado a partir do cruzamento entre os códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID) e da Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) da empresa, apresentado na lista C do Anexo II do Decreto nº 3.048/99. Baseia-se em dados epidemioló-gicos, nos quais doenças com maior prevalência em dado ramo econômico, em relação a outros, pressupõem-se como de origem ocupacional13.

DERMATOSE OCUPACIONAL, EXPOSIÇÃO PROFISSIONAL E DOENÇAS FÚNGICAS

Dermatoses ocupacionais são alterações cutâneas relacionadas ao trabalho ou pelas condições nas quais o mesmo é executado, estando associadas a interações entre fatores causais indiretos (idade, sexo, etnia, antecedentes mórbidos e doenças preexistentes, umidade, tempera-tura, hábitos, entre outros) e diretos (agentes biológicos, físicos, químicos ou mecânicos). Aproximadamente 80% das dermatites ocupacionais são ocasionadas por produtos químicos, irritantes e sensibilizantes, sendo a dermatite de contato por irritantes ou alérgenos a dermatose ocupacional

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mais frequente, representando cerca de 90% dos casos. O diagnóstico é estabelecido com base na história de exposição ocupacional, melhora do quadro clínico com o afastamento e piora com o retorno ao trabalho, áreas do corpo afetadas e características das lesões, exame físico minucioso; resultados dos testes epicutâneos, nos casos de dermatoses por sensibilizantes; exames laboratoriais, culturas e histopatológicos2,14. Pode-se dividir as derma-toses ocupacionais em doenças cutâneas ocupacionais por irritantes ou alérgenos e doenças cutâneas ocupacionais não eczematosas decorrentes de agentes químicos, físicos e biológicos. Determinadas ocupações estão associadas ao aumento no risco de desenvolver infecções cutâneas, profissionais de saúde, alimentação, limpeza e manu-tenção, fazendeiros e pessoas envolvidas com a criação de gado, mas definir uma relação definitiva de causa e efeito entre o trabalho e uma infecção específica não é simples e exige isolamento laboratorial do agente, história clínica e exame físico detalhado8. Conforme citado anteriormente, a dermatose ocupacional mais frequente é a dermatite alér-gica ou por irritante, mas no presente artigo destacou-se as dermatoses cutâneas por agentes biológicos, e mais espe-cificamente por fungos dermatófitos e Candida.

Os agentes etiológicos das doenças infecciosas rela-cionadas ao trabalho não são de natureza ocupacional e o adoecimento está relacionado às condições ou circuns-tâncias em que o trabalho é executado, o nível de expo-sição ocupacional, que favorece o contato, o contágio ou a transmissão, uma vez que os agentes etiológicos estão disseminados no meio ambiente e não é possível precisar uma demarcação entre o ambiente de trabalho e o ambiente externo. Dermatofitoses, outras micoses superficiais e candidíase podem ser consideradas como doenças relacionadas ao trabalho do grupo II da clas-sificação de Schilling2 e estão relacionadas a condições de trabalho que requerem longas imersões das mãos em água, irritação mecânica das mãos, situações que envolvam aumento da transpiração, exposição da pele a umidade e oclusão, sendo que a exposição ocupacional deve ser niti-damente caracterizada pela história clínica ocupacional e pela inspeção em ambiente de trabalho8. Quanto à classi-ficação dos agentes biológicos em classe de risco, NR-32, Anexos I e II, os fungos estão no grupo 2, ou seja, risco individual moderado para o trabalhador e baixa proba-bilidade de disseminação para a coletividade, podendo

causar doenças ao ser humano, para as quais existem meios eficazes de profilaxia e tratamento12.

A determinação da relação de entre nexo causal e os transtornos à saúde e o trabalho pode ser estabelecida, como mencionado anteriormente, pelos procedimentos estabele-cidos em perícia médica previdenciária, conforme padro-nizado e especificado nas listas A e B e C no Anexo II do Decreto nº 3.048/99. A lista A traz uma relação de doenças que podem ser causadas ou estão etiologicamente relacio-nadas com cada um dos agentes patogênicos ou grupos de agentes patogênicos. Entre os agentes biológicos, os fungos são mencionados, no referido anexo II, no item XXV-8; a lista B traz as doenças infecciosas e parasitárias relacio-nadas com o trabalho (Grupo I da CID-10), relacionando as doenças e os agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional, nos itens XI e XII, do Anexo II, são mencionadas, respectivamente, as dermatofitoses e outras micoses superficiais e a candidíase. Na Tabela 1 está a lista dos trabalhos com risco e na Tabela 2 as doenças fúngicas com os respectivos agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional.

Os fungos ou seus produtos metabólicos estão rela-cionados a três tipos de doenças em humanos: alérgicas (interação de um hospedeiro sensibilizado com antígenos fúngicos), tóxicas (ingestão de alimentos contaminados com fungos) e infecciosas (o fungo age como patógeno primário ou oportunista, causando as doenças chamadas de micoses). As micoses são classificadas em superficiais, subcutâneas, sistêmicas e oportunistas15. Onicomicose relaciona-se à infecção fúngica superficial nas unhas, causada por diversas espécies de fungos: dermatófitos, não dermatófitos e leveduras. Há fatores que favorecem a instalação de onicomicose, como perturbações circu-latórias periféricas, resistência diminuída, traumatismo e fatores de manutenção, como profissão, clima, disfunção hormonal. Presume-se que em mais de 80% das onicomi-coses as alterações ou traumatismos das unhas têm relação com o início da infecção16.

Dermatofitoses ou tinhas são micoses superficiais (atual-mente cutâneas), estão relacionadas a doenças causadas por espécies de fungos filamentosos, taxonomicamente relacionados nos gêneros: Trichophyton, Microsporum e Epidermophyto. De acordo com a região do corpo afetada, podem ser classificadas clinicamente como: tinea capitis (cabeça), tinea barbae (barba), tinea corporis (corpo), tinea

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cruris (virilha), tinea pedis (pé), tinea manuum (mãos), tinea unguium (unhas)5. Caracteriza-se clinicamente pela presença de lesões cutâneas com contornos arredondados, bordas vesiculosas, pruriginosas em qualquer parte do tegu-mento. São produzidas por fungos referidos como dermató-fitos, degradam a queratina, transformando-a em material nutritivo, colonizando a pele, os pelos e as unhas, não inva-dindo os tecidos mais profundos15.

Baseado no habitat natural e no padrão de infecção dos dermatófitos, eles são classificados em três categorias: geofí-licos, zoofílicos e antropofílicos. Os dermatófitos geofílicos vivem no solo e são patógenos ocasionais em humanos e animais, geralmente infectam humanos por contato direto, sendo disseminados normalmente por esporos

que podem viver anos em cobertores e outros objetos; o Microsporum gypsem é o patógeno geofílico mais comum em humanos8. Zoofílicos são espécies que parasitam a pele e o pelo de animais, mas podem ser transmitidos ao homem7. A transmissão pode ocorrer por contato direto com espécies animais específicas ou indiretamente, quando o pelo animal contamina roupas, habitação ou alimentos. Animais domésticos infectados, como Microsporum canis em cães e gatos, são fontes comuns dessas infecções em área urbana8. Dermatófitos antropofílicos geralmente infectam humanos e podem ser transmitidos direta ou indireta-mente de pessoa a pessoa7. Frequentemente causam infec-ções epidêmicas; essas espécies adaptaram-se para utilizar humanos como hospedeiros8.

Tabela 1. Agentes patogênicos, biológicos, causadores de doenças profissionais ou do trabalho, conforme previsto no artigo 20 da Lei nº 8.213, de 1991.

Agentes patogênicos Trabalhos que contêm risco

Microrganismos e parasitas infecciosos vivos e seus produtos tóxicos.Fungos (micose cutânea)

Agricultura; pecuária; silvicultura; caça (inclusive a caça com armadi-lhas); veterinária; curtume

Construção; escavação de terra; esgoto; canal de irrigação; mineração

Manipulação e embalagem de carne e pescado

Manipulação de aves confinadas e pássaros

Trabalho com pelo, pele ou lã; veterinária

Hospital; laboratórios e outros ambientes envolvidos no tratamento de doenças transmissíveis.

Trabalhos em condições de temperatura elevada e umidade (cozi-nhas; ginásios; piscinas; etc.)

Fonte: Anexo II, Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999.

Tabela 2. Lista B, alterada pelo Decreto nº 6.957, de 9 de setembro de 2009, doenças infecciosas e parasitárias relacionadas com o trabalho (Grupo I da CID-10).

Doenças Agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional

Dermatofitose (B35) e outras micoses superficiais (B36)

Exposição ocupacional a fungos dos gêneros Epidermophyton, Microsporum e Trichophyton, em trabalhos em condições de tem-peratura elevada e umidade (cozinhas, ginásios, piscinas) e outras

situações específicas de exposição ocupacional.

Candidíase (B37)

Exposição ocupacional a Candida albicans, Candida glabrata, etc., em trabalhos que requerem longas imersões das mãos em água e irritação mecânica das mãos, tais como trabalhadores de limpeza,

lavadeiras, cozinheiras, entre outros.

Fonte: Anexo II, Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999.

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Ocorrência de espécies fúngicas isoladas a partir de mãos e unhas de trabalhadores

Candidíase ou candidose relaciona-se a um grupo diverso de infecções causadas por Candida albicans ou por outros gêneros de Candida, sendo que 70 a 80% de todas as infecções por Candida são causadas pela espécie Candida albicans. Conforme estudos epide-miológicos, cresce a prevalência de espécies como C. glabrata, C. tropicalis, C. krusei, C. dubliniensis e C. parapsilosis; e diminui a prevalência relativa de C. albicans8.

Candidose ungueal e periungueal relacionam-se às micoses superficiais produzidas pelas leveduras que atingem a região superficial da pele ou das mucosas, em sua maioria relacionadas a espécies do gênero Candida17. Espécies de Candida têm sido associadas a infecções de unhas e de tecidos moles periun-gueais relacionadas a uma causa primária de natureza física, traumática ou degenerativa, sendo as lesões mais comuns nas unhas de pessoas que molham frequentemente as mãos, que sofrem trauma nas mãos no trabalho ou que apresentam alte-rações degenerativas; também pode haver infecção bacteriana secundária18. Os agentes do gênero Candida spp são comuns de micoses oportunistas, sendo a espécie C. albicans a mais importante causa de monilíase, vaginite, esofagite e candi-díase mucocutânea crônica; e também causam infecções disseminadas relacionadas a catéteres. Elas fazem parte da microbiota normal do trato respiratório superior, gastrointes-tinal e genital feminino, além de fazer parte de determinadas regiões do tegumento cutâneo, podendo invadir a camada córnea da pele ou a lâmina ungueal de hospedeiros normais. As lesões têm localização peculiar: nas unhas das mãos e nas áreas intertriginosas da pele (região inguinal, espaços inter-digitais das mãos, região submamária e axilar). Também é possível ocorrer lesões nas unhas dos pés5,19.

REVISÃO DE ARTIGOS RELACIONADOS A ESPÉCIES FÚNGICAS ISOLADAS A PARTIR DAS MÃOS DE TRABALHADORES

Através da análise de amostras de raspados de unhas e mãos de manipuladores de alimentos são apresentados na

Tabela 3 os autores, percentuais de positividade para fungos e espécies predominantes, quando referidas.

A análise das mãos de profissionais da área de saúde é destacada em vários trabalhos envolvendo profissionais de unidade de terapia intensiva (UTI), de hospital materno-in-fantil e laboratório. A Tabela 4 destaca os autores, número das amostras, percentuais de positividade para fungos e espécies predominantes, quando referidas.

Destacando trabalhos em outras populações, a Tabela 5 consolida resultados de pesquisas de fungos em estudantes, pacientes de ambulatórios, amostras de laboratórios e popu-lação em geral, sem especificação quanto à profissão.

DISCUSSÃO

As pesquisas de microrganismos nas mãos de trabalha-dores e as recomendações relacionadas à higiene adequada das mãos valorizam mais o risco de contaminação e trans-missão de infecções a terceiros, desconsiderando muitas vezes a importância de manter a saúde das mãos dos profis-sionais e a relação entre o trabalho e o agravo, quando da ocorrência de doença que afete o trabalhador. Há falta de critérios microbiológicos objetivos para avaliação das mãos de trabalhadores, dificultando, assim, a nítida avaliação das suas condições.

Na análise dos trabalhos estudados evidenciou-se dife-renças na constatação de fungos nas mãos dos indivíduos, em manipuladores de alimentos os percentuais variaram de 34,8 a 63,4%, predominando espécies de Candida. Em profis-sionais de saúde a variação foi ainda maior desde 6,7% até 93,0%, também predominando Candida. Nos trabalhos envolvendo outras populações, observou-se um menor percentual de positividade dos exames laboratoriais e predomínio de dermatófitos. Com base nos trabalhos revisados pode-se observar divergências em relação às frequências de fungos nas mãos e unhas de trabalhadores,

Tabela 3. Análises de fungos em unhas e mãos de manipuladores de alimentos.

Autores Amostras Positividade Espécie predominante

Silva et al.20 23 34,8% Candida sp., C. parapsilosis

Lima et al.21 50 60% Candida sp., C. parapsilosis

Andrade et al.22 68 63,4%

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Tabela 5. Análises de fungos em unhas e mãos de outras populações, não especificada a profissão

Autores Amostras Positividade Espécie predominante

Martelozo et al.16 435 26,3% Leveduras

Suqueira et al.30 280(incluiu mãos e pés)

18,2%Trichophyton rubumT. mentagrophytes

Xavier31 11.085 1,5% T. rubrum

Araújo et al.32 2.920 6,8% Diversos

Reis Filho et al.33 1.035 26,0% Candida

Brilhante et al.34 2.297 1,7% Dermatófitos

Calado35 81716,4% lesões unhas das mãos, sendo

positivas 56,2%Candida não albicans

Tabela 4. Análises de fungos em unhas e mãos de profissionais da área de saúde

Autores Amostras Positividade Espécie predominante

Passos et al.23 30 73,3% Candida albicans

Palos et al.24 16 93,7%

Martins-Diniz et al.25 66 39,4% C. parapsilosis

Hinrichsen et al.26 30 22,2%

Bueno et al.27 25 80,0% Candida sp

M. pachydermatis

Santos et al.28 183 espaços intedigitais151 escamas ungueais

31,1 % 9,3%

Candida parapsilosis

Rocha29

60 enfermeiros30 estudantes e técnicos de

laboratório

20% mãos sadias*26,7% danificadas*

6,7%*Candida não albicans

*Frequência de fungos leveduriformes antes da lavagem de mãos

o que pode estar relacionado ao fato dos estudos serem dirigidos em diferentes estados, com condições climáticas, temperatura e umidade distintas, presença de hábitos de higiene e culturais diversos. Os trabalhos não seguem uma uniformidade nos grupos pesquisados, nas amostras e na sua execução, dificultando a análise comparativa, além de terem sido encontrados poucos trabalhos específicos relacionados à pesquisa de fungos nas mãos de manipu-ladores de alimentos. Os percentuais de positividade no exame micológico direto e na cultura não foram relatados, apesar da importância de realização dos dois métodos no diagnóstico de micoses.

É de suma importância seguir as legislações e orien-tações pertinentes que regulamentam as atividades profissionais, a avaliação de aspectos relacionados ao desempenho dos profissionais, infraestrutura orga-nizacional e aos recursos materiais, conjuntamente à implementação de programas, instituindo a higieni-zação correta das mãos, fiscalização do uso de EPIs e execução correta dos serviços. Tais medidas podem diminuir acentuadamente a contaminação fúngica e de outros microrganismos nas mãos, assegurando a saúde e bem-estar do profissional, bem como evitando a contami-nação de materiais, alimentos e usuários. Nesse contexto,

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REFERÊNCIAS

destacam-se as competências dos profissionais inte-grantes dos SESMT em atuar para reduzir até eliminar os riscos existentes à saúde do trabalhador, determinar a utilização de EPIs, conforme as especificações da NR-6 e de acordo a necessidade, promover medidas preventivas, esclarecer e conscientizar sobre prevenção de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais.

CONCLUSÕES

Evidenciou-se percentual maior de detecção de fungos nas mãos dos trabalhadores quando comparados com a população em geral. Em manipuladores de alimentos,

os percentuais variaram de 26,3 a 63,4%, e em profis-sionais de saúde, de 6,7 até 93,0%, com predomínio de espécies de Candida, em ambos. Em outras populações a variação foi de 1,5 a 56,2% e com predomínio de derma-tófitos. Pesquisas relacionadas à detecção de fungos nas mãos de trabalhadores podem fornecer informações quanto à colonização das mãos, caracterizando as espécies mais frequentes, podendo demonstrar particularidades em relação à população em geral. A legislação oferece emba-samento pertinente na caracterização de nexo entre o trabalho e o agravo, relacionado as dermatoses ocupacio-nais, entretanto, é necessário ampliar as pesquisas e carac-terizar melhor os aspectos relacionados com a colonização fúngica e o desenvolvimento de doença.

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Endereço para correspondência: Daiane Martins – Avenida General Rodrigo Otávio, 6.200, Universidade Federal do Amazonas, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Morfologia – Japiim – CEP: 69077-000 – Manaus (AM), Brasil – E-mail: [email protected]

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Recebido em: 29/10/2015

Aprovado em: 10/11/2015

Fonte de financiamento: nenhuma

DIRETRIZ TÉCNICA ANAMT

DIRETRIZ TÉCNICA DA ANAMT (DT nº 01/2015)* — Epilepsia e Trabalho: Rastreamento

TECHNICAL GUIDELINES OF ANAMT (DT no 01/2015) – Epilepsy and Work: Screening

Fernando Akio Mariya1, José Domingos Neto2, Diego Nozaki3, Eduardo Myung4, Mario Bonciani5, Flavia de Almeida6

‘ ... medicina de qualidade não consiste na aplicação indiscriminada de exams laboratoriais a um paciente, mas sim no esclarecimento das probabilidade e possibilidades de um caso assim como quais testes fornecem as melhores expectativas de informações valiosas.’ (Francis Peabody, 1922)

DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE EVIDÊNCIA

Para a formulação deste documento realizou-se uma revisão da literatura.

A primeira etapa foi um levantamento preliminar da literatura e definição do tema.

A segunda etapa foi a formulação das perguntas de pesquisa, definindo-se as perguntas conforme estratégia PICO (P de população ou problema, I de intervenção, C de controle e O de desfecho). Para essa etapa, realizou-se a determinação de descritores controlados a partir dos Descritores em Ciência de Saúde (DECS) vinculada à Biblioteca Virtual da Saúde (BVS). Para a primeira pergunta de pesquisa, a estratégia PICO estabelecida foi:

P(Programas de Rastreamento) I(Eletroencefalografia) C(não há descritor controlado) O(Epilepsia, Acidentes de Trabalho, Acidentes Aeronáuticos e Acidentes de Trânsito). Para a segunda pergunta de pesquisa, a estratégia PICO estabelecida foi: P(Programas de Rastreamento) I(Questionários) C(não há descritor controlado) O(Epilepsia, Acidentes de Trabalho, Acidentes Aeronáuticos e Acidentes de Trânsito).

A terceira etapa foi a realização das buscas nas seguintes bases e/ou fontes de dados - TRIP DATABASE, JAMA, PUBMED (incluindo MEDLINE), LILACS, COCHRANE LIBRARY e Biblioteca Central da Organização Internacional do Trabalho (LABORDOC). Para primeira pergunta, os critérios de inclusão foram artigos em inglês e português, sem limite de tempo, completos e temática de rastreamento da epilepsia a partir do Eletroencefalograma com ou sem fotoestimulação e os critérios de exclusão foram artigos com temática de diagnóstico e tratamento, artigos exclusiva-mente em pediatria e artigos com temática de rastreamento da epilepsia sem eletroencefalograma. A última atualização ocorreu no dia 25/07/2015. No PUBMED, utilizou-se a estratégia de busca com os descritores: “Mass Screening” AND “Electroencephalography” AND (“Epilepsy” OR “Accidents, Aviation” OR “Accidents, Occupational” OR “Accidents, Traffic”).

*Diretriz publicada originalmente no site da Associação Nacional de Medicina do Trabalho. Disponível em: <http://www.anamt.org.br/site/arq_consulta_publica/arquivo_2.pdf>.1Curso de Especialização em Medicina do Trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo (SP), Brasil.2Curso de Especialização de Medicina do Trabalho do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) – São Paulo (SP), Brasil.3Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) – São José do Rio Preto (SP), Brasil.4Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo (SP), Brasil.5Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT/AMB) – São Paulo (SP), Brasil.6Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Ciências Médicas da FCMSCSP – São Paulo (SP), Brasil.

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Mariya FA et al.

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Foram encontrados 40 artigos no total, 5 artigos incluídos, 35 artigos excluídos (17 artigos exclusivamente em pediatria, 11 artigos em temática de diagnóstico e tratamento, 6 artigos em temática de rastreamento sem EEG e 1 artigo na língua japonesa). A partir dos 5 artigos incluídos, utilizou-se a estra-tégia sensibilizada com análise das referências bibliográficas destes artigos, determinando assim, a inclusão de mais 1 artigo. Não foram encontrados artigos no JAMA, na COCHRANE LIBRARY, na LABORDOC, na TRIP DATABASE e na LILACS. Para segunda pergunta, os critérios de inclusão foram artigos em inglês e português, sem limite de tempo, completos e temática de rastreamento da epilepsia a partir de questionários aplicados a população geral que inclua a popu-lação economicamente ativa e os critérios de exclusão foram artigos com temática de rastreamento de riscos ou doenças não epilépticas, artigos com temática de rastreamento de comorbidades relacionadas a epilepsia, artigos com temática de rastreamento de doenças não epilépticas e artigos exclu-sivamente em pediatria. A última atualização ocorreu no dia 07/09//2015. No PUBMED, utilizou-se a estratégia de busca com os descritores: “Mass Screening” AND “Questionnaires” AND (“Epilepsy” OR “Accidents, Aviation” OR “Accidents, Occupational” OR “Accidents, Traffic”). Foram encontrados um total de 46 artigos sendo incluídos 7 artigos e excluídos 39 artigos (3 artigos sem acesso, 22 artigos de rastreamento de riscos ou doenças não epilépticas, 12 artigos de rastrea-mento de comorbidades relacionadas a epilepsia, 1 artigo de rastreamento de doenças não epilépticas, 1 excluído pois incluía apenas pacientes que referiam ser portadores de epilepsia). A partir dos 7 artigos incluídos, utilizou-se a estratégia sensibilizada com análise das referências biblio-gráficas destes artigos, determinando assim, a inclusão de mais 3 artigos. No TRIP DATABASE, utilizou-se a estra-tégia de busca com os descritores: (title: “Mass Screening” or “Screening”)(title: “Questionnaires” )(“Epilepsy” OR “Accidents, Aviation” OR “Accidents, Occupational” OR “Accidents, Traffic”). Foram encontrados um total de 4 artigos sendo incluído 1 artigo e excluídos 3 artigos (2 artigos de rastreamento de riscos ou doenças não epilépticas e 1 artigo exclusivamente em pediatria). Não foram encontrados artigos no JAMA, na COCHRANE LIBRARY, na LABORDOC e na LILACS.

A quarta etapa foi a análise do material levantado e deter-minação dos níveis de evidências que fundamentaram as recomendações propostas.

GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA:

A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.

B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.

C: Relatos de casos (estudos não controlados).D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em

consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

OBJETIVOS

Analisar a relevância técnica e científica do rastreamento da epilepsia na prática da medicina do trabalho.

1. INTRODUÇÃO

Aproximadamente 80% dos 50 milhões de pessoas no mundo com epilepsia vivem em países em desenvolvimen-to1(D). As taxas de incidência de epilepsia registradas na Europa e América do Norte variam entre 30 a 50 pessoas com epilepsia por 100 mil indivíduos por ano. Estudos na América do Sul relataram taxas de incidência de 113 pessoas com epilepsia por 100 mil indivíduos por ano no Chile 2(B) e 122-190 pessoas com epilepsia por 100 mil indivíduos por ano no Equador 3(B).

Em relação à epilepsia e trabalho, existem evidências que associam fracamente a epilepsia com acidentes de trabalho, porém tal associação é determinada a partir de estudos de baixa qualidade metodológica e, portanto, com conclu-sões meramente especulativas. Em uma coorte prospectiva multicêntrica de 2006, os resultados foram inconclusivos devido ao baixo número acidentes de trabalhos evidencia-dos7(B). Da mesma forma, em uma revisão sistemática de 2008, observaram-se achados não significativos para asso-ciação de epilepsia e acidente de trabalho e observou-se, a partir do levantamento preliminar, a presença de estudos com baixa qualidade metodológica8(A).

Em relação ao processo investigativo de um episódio convulsivo, o diagnóstico da epilepsia é, fundamentalmente, baseado no exame clínico sendo o eletroencefalograma (EEG) com fotoestimulação um exame complementar que

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auxilia tanto na confirmação diagnóstica como na classifi-cação da doença4(A)5(B).

Em contrapartida, a utilização do EEG para rastreamento de epilepsia é controverso. Apesar disso, o EEG é utilizado em alguns países, entre eles algumas nações da Europa, principalmente na seleção de trabalhadores para tripulação aérea na aviação civil e militar. Porém, não é mais utilizado para esta finalidade em vários outros países, como Canadá, Estados Unidos e Austrália6(C).

Dessa forma, torna-se fundamental a diferenciação entre EEG para rastreamento e EEG para diagnóstico. O EEG para rastreamento deve ser distinguido do EEG diagnóstico sendo este último utilizado na avaliação inicial de aptidão em trabalhadores com fatores de risco para convulsões, como a história de convulsão na infância, traumatismo craniano, história familiar de epilepsia, e investigação de episódio recente de alteração na consciência entre outros6(C).

Nesse sentido, o EEG para rastreamento é defendido por alguns médicos, a fim de reduzir a chance de um episódio convulsivo durante a atividade laboral, que colocaria em risco: vidas e equipamentos. Isto baseado na crença de que a exclusão de trabalhadores com certas anomalias no EEG evitaria convulsões durante a atividade laboral6(C). Nesse mesmo sentido, alguns médicos defendem a utilização do EEG para rastreamento baseando-se na problemática associada à judi-cialização da medicina a fim de proteção legal da empresa.

Dessa forma, o cenário atual no Brasil é a solicitação do EEG para rastreamento sendo comumente utilizado no exame médico ocupacional de forma periódica e sistemática, e inclusive utilizado em atividades laborais que não apre-sentam o risco de acidentes, podendo ser considerado um procedimento discriminatório.

Diante desse cenário, este levantamento de dados da literatura destina-se a contextualizar a problemática para o rastreamento da epilepsia na seleção de trabalhadores, e, ao mesmo tempo, garantir acesso seguro ao trabalho para funcionários e empresas.

2. RESULTADOS E DISCUSSÕES

2.1. O EEG É UM EXAME INDICADO PARA RASTREAMENTO DA EPILEPSIA?

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1968, por Wilson e Jungner, estabeleceu critérios de elegibilidade para

os programas de rastreamento9(D). Abaixo descrevemos algumas considerações em relação ao EEG para rastreamento.

Na seleção de um exame para rastreamento, a caracterís-tica mais importante é a sensibilidade, que deve ser muito alta10(D). Em relação ao EEG, o valor da sensibilidade encontra-se entre 20 a 55 por cento na realização de apenas um exame11,12(B). Mesmo com o seriamento da realização do exame, a sensibilidade encontrada passa de 20 a 55 por cento para não mais que 80 a 90 por cento12-15(B).

Em relação à interpretação dos achados do EEG, é importante frisar que um EEG anormal não define epilepsia, pois a maioria dos achados anormais são inespecíficos. Dessa forma, observa-se uma grande variação na interpre-tação quando o EEG é lido por médicos sem treinamento específico levando a uma interpretação errônea de padrões benignos ou normais 6-19(B)20,21(C).

Em relação aos estudos que descreviam a utilização do EEG para rastreamento, segue algumas considerações.

Todos os estudos selecionados são relacionados ao uso do EEG para rastreamento na seleção de trabalhadores para aviação civil e/ou comercial.

A prevalência de achados específicos em EEG de candidatos a seleção, na aviação civil e militar, é de apro-ximadamente 0,7% (intervalo entre 0,1-5,4%)22,25,27(B). Os estudos selecionados apresentavam limitações meto-dológicas como seguimento curto dos trabalhadores com EEGs com alterações específicas e presença de inadequa-ções nos grupos controles.

Gregory et al. analisaram uma população de 13.658 candi-datos e seguiram 43 de 69 indivíduos com EEG com alterações específicas ao longo de um período de 5 a 29 anos, e apenas 1 desenvolveu epilepsia22(B). Everett e Jenkins analisaram 2.947 candidatos e seguiram 14 indivíduos com EEGs com alterações específicas durante um período de 10 a 15 anos, observando que nenhum deles desenvolveu a epilepsia24(B). LeTourneau e Merren analisaram 28.658 candidatos e seguiram 31 de 38 indivíduos com EEG com alterações específicas, sendo que apenas 1 sujeito desenvolveu epilepsia23(B). Dessa forma, observa-se que o número de candidatos com EEG com alte-rações específicas que evoluíram com epilepsia é muito baixo (0-3%)25(B), ao mesmo tempo observa-se um número elevado de falsos positivos nestas populações estudadas. Dessa forma, o EEG para rastreamento efetuado em assintomáticos sem indicação clínica em um população com baixa prevalência da doença, tem valor limitado ou possivelmente prejudicial28(D).

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Mariya FA et al.

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Estes dados levantados foram corroborados por Mitchell e Schenk que estimaram que o uso do EEG para rastreamento poderia evitar um acidente aéreo a cada 8.000 anos com custo do rastreamento para o Reino Unido de € 2.400.000.00025(B). Portanto, apresentando custo efetividade prejudicada26(C).

Dessa forma, Zifkin et al concluíram que as atuais práticas de rastreamento a partir do EEG podem ser um impor-tante desvio de recursos de meios mais úteis para avaliar e controlar a aptidão médica, especialmente em países em desenvolvimento, nos quais o treinamento dos funcioná-rios e a manutenção de equipamentos são, provavelmente, os focos mais urgentes para ação6(C).

RecomendaçãoAs evidências científicas fundamentam pela não realização

do EEG, com ou sem fotoestimulação para rastreamento na seleção de trabalhadores para atividade laboral6(C)22-25,27(B).

Dessa forma, não recomendamos a utilização do EEG, com ou sem fotoestimulação, para rastreamento de epilepsia na prática da Medicina do Trabalho.

2.2. OS QUESTIONÁRIOS DE PREDIÇÃO CLÍNICA ESTÃO INDICADOS PARA RASTREAMENTO DA EPILEPSIA?

O Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) tem o objetivo de promoção e preservação da saúde do conjunto dos seus trabalhadores, para isto deverá considerar as questões incidentes sobre o indivíduo e a coleti-vidade de trabalhadores, privilegiando o instrumental clínico--epidemiológico na abordagem da relação entre sua saúde e o trabalho. Tem então o caráter de prevenção, rastreamento e diagnóstico precoce dos agravos à saúde relacionados ao trabalho. Dessa forma, para a implantação do PCMSO, o problema clínico a ser rastreado deve atender aos critérios propostos por Wilson e Jungner para os princípios e práticas de rastreamento de doenças.

Nesse sentido, a partir da análise dos artigos levan-tados, observa-se que os estudos de rastreamento para epilepsia utilizando questionários de predição clínica são bastante heterogêneos, principalmente, na população escolhida para rastreamento, no tipo de questionário utilizado e na sua adaptação, no conceito de epilepsia utilizado e na metodologia de análise dos resultados da aplicação dos questionários29-33(B).

Dessa forma, observa-se nesses estudos que o principal questionário de predição clinica utilizado foi o Questionário da OMS sendo aplicado, no geral, em estudos transversais apresentando sensibilidade que variou de 95,8 a 100% e especificidade que variou de 80 a 97%34-38(B).

A principal aplicação do Questionário da OMS foi obser-vada na Campanha Global Contra Epilepsia criada pela OMS, ILAE (International League Against Epilepsy), IBE (International Bureau for Epilepsy), em 1997, com os objetivos de reduzir o atraso no diagnóstico e tratamento, promover o esclarecimento público sobre a epilepsia, promover prevenção primária e secundária, melhorar o cuidado da epilepsia no atendimento médico, social e psicológico, reduzir as limi-tações dos pacientes e familiares incluindo a questão do acesso ao trabalho para os portadores da doença.

Os Projetos Demonstrativos (PD) desta campanha foram elaborados e executados em diversos países incluindo Brasil, Argentina, China, Índia, Sudão, Somália, Indonésia e outros39(B). O PD é dividido em três fases principais: avaliação da situação, avaliação da intervenção e avaliação do controle40(B). Para a fase de avaliação da situação da epilepsia, utiliza-se o questionário da OMS para rastrea-mento de epilepsia (Questionário I) que possui validação para o português sendo que na presença de uma ou mais respostas positivas nas perguntas determina-se um rastrea-mento positivo41(B).

Dessa forma, observa-se que o questionário da OMS apresenta qualidades técnico cientificas para rastreamento da epilepsia incluindo objetividade, baixo custo de aplicação e validação científica para o português. Ao mesmo tempo, o questionário apresenta limitações que inclui a baixa preva-lência da epilepsia, limitações metodológicas nos estudos levantados e ser operador dependente.

RECOMENDAÇÃO

As evidências cientificas levantadas determinam que há necessidade de mais estudos com metodologia padronizada que minimize as inúmeras fontes de vieses nos estudos que utilizam o Questionário da OMS para rastreamento a fim de permitir uma conclusão para seu uso sistematizado42(A).

Dessa forma, não recomendamos a aplicação sistemática do questionário da OMS para rastreamento de epilepsia na prática da Medicina do Trabalho29-38(B)42(A).

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3. CONCLUSÕES

A utilização do EEG para rastreamento em trabalha-dores assintomáticos, como ocorre na prática atual da Medicina do Trabalho no Brasil, apresenta limitações que prejudicam sua utilização devido à baixa sensibilidade, ao elevado número de falsos positivos e ao desvio de recursos financeiros de outras áreas mais prioritárias. Dessa forma, conclui-se com a não recomendação do EEG, com ou sem fotoestimulação, para rastreamento de epilepsia na prática da Medicina do Trabalho. Em relação ao questionário da OMS para rastreamento de epilepsia, apesar de apresentar qualidades técnico cientificas para rastreamento, as limi-tações levantadas na análise dos estudos determinou pela

não recomendação para aplicação sistemática do ques-tionário da OMS, ou seja, sem discriminação de critérios da população a ser aplicado, na prática da Medicina do Trabalho. Nesse sentido, sugere-se o incentivo de estudos, com maior poder estatístico, utilizando o questionário da OMS aplicado na Medicina do Trabalho a fim de deter-minar, com maior segurança, o impacto da aplicabilidade do questionário para o acesso seguro ao trabalho para funcionários e empresas.

CONFLITO DE INTERESSES

Não há qualquer tipo de conflito de interesses relacionado a qualquer um dos autores relacionados neste documento.

Questionário I. Questionário para identificação de indivíduos com epilepsia (OMS).

Perguntas Respostas

1 - Você tem ou teve crises (ataques, acesso, convulsão) na qual perde a consciência e cai subitamente? E na sua casa, alguém tem?

SIM [ ] NÃO[ ]

2 - Você tem ou teve crises em que perde o contato com a realidade (meio) e fica como se estivesse fora do ar ? E na sua casa, alguém tem?

SIM [ ] NÃO[ ]

3 - Você tem ou teve crises na qual tem repuxões incontroláveis em braços, pernas, na boca ou vira a cabeça para o lado? E na sua casa, alguém tem?

SIM [ ] NÃO[ ]

4 - Você tem ou teve crises de desmaio e que ao acordar nota que fez xixi ou cocô na roupa sem perceber? E na sua casa, alguém tem?

SIM [ ] NÃO[ ]

5 - Você tem ou teve crises na qual sente sensação ruim de “fundeza” ou bola na “boca do estômago” e que sobe até a garganta e em seguida sai fora do ar, e depois dizem que você ficou mexendo em algo com as mãos ou mastigando ou olhando para algo distante? E na sua casa, alguém tem essas crises?

SIM [ ] NÃO[ ]

6 - Algum médico ou profissional de saúde ou mesmo familiares já lhe disse que você tem ou teve con-vulsão febril na infância; ou durante alguma doença grave qualquer? E na sua casa, alguém teve este problema?

SIM [ ] NÃO[ ]

7 - Você tem rápidos abalos tipo “choque” nos braços (as coisas caem da mão) ou pernas, com ou sem queda, principalmente pela manhã?

SIM [ ] NÃO[ ]

8 - Há alguém na sua casa com epilepsia em algum asilo? SIM [ ] NÃO[ ]

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Rev Bras Med Trab. 2016;14(1):I

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Esta seção da revista está aberta para divulgar eventos nacionais e internacionais. O material deverá ser enviado à Editora-Assistente Sandra Lucia Picchiotti através do e-mail: [email protected] seção da revista está aberta para divulgar eventos nacionais e internacionais. O material deverá ser enviado à Editora-Assistente Sandra Lucia Picchiotti através do e-mail: [email protected]

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» O controle estatal em saúde e segurança no trabalho e a auditoria do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional

» Ocorrência de espécies fúngicas isoladas a partir de mãos e unhas de trabalhadores

DIRETRIZ TÉCNICA ANAMT» Diretriz Técnica da ANAMT (DT nº 01/2015) — Epilepsia e Trabalho: Rastreamento

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Vo l u m e 1 4 • N ú m e r o 1 • 2 0 1 6 ISSN 1679-4435Endereço on-line: www.anamt.org.br

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