rev copernicana para thomas khun

19
AnÆlise do livro A REVOLU˙ˆO COPERNICANA De Thomas Kuhn Trabalho efectuado para a cadeira de História da Ciência, ministrada pela Sr.ª Doutora Maria Paula Diogo 1º ano de Engenharia Do Ambiente - 1997/1998 Trabalho efectuado por: Célia Luisa Pinheiro Gaião N.º 10004 O De Revolutionibus Orbitum Caelestium, publicado em 1543, veio transformar completamente o modo de pensar e compreender a Terra e o universo da maior parte dos indivduos. Sªo as modificaıes operadas por esse livro no pensamento cosmolgico e astronmico, nªo s de fsicos e astrnomos, como tambØm de grande parte da sociedade, que Thomas Kuhn dÆ o nome de Revoluªo Copernicana . A Revoluªo Copernicana, quando elaborada e editada na dØcada de 50 por Thomas Kuhn, Ø uma obra em que se trata essencialmente dos aspectos, nªo s puramente astronmicos e matemÆticos, como tambØm a nveis cosmolgicos, fsicos, filosficos e atØ mesmo religiosos, do tumulto provocado por uma outra obra, desta feita uma obra copernicana. No entanto, o autor tambØm sublima que, por si s, esta transformaªo nªo se restringe s afirmaıes de CopØrnico no seu livro. A total viragem de mentalidades deu-se quando, aps a publicaªo dessa obra, vÆrios outros cientistas, como Kepler e Galileu, pegaram nos seus pontos e factos mais importantes, que associados s suas prprias investigaıes, retiraram elementos novos e esses sim, deveras revolucionÆrios. Podemos daqui concluir que o De Revolutionibus Orbitum Caelestium Ø um livro revolucionÆrio, na medida que vai permitir aos seguidores de CopØrnico uma abordagem inteiramente nova da astronomia revolucionÆria e cosmologia, em aspectos que nem ele prprio poderia prever. Sªo palavras do prprio Kuhn, A Revoluªo Copernicana foi uma revoluªo de ideias, uma transformaªo do conceito que o homem tinha do universo e da sua prpria relaªo com ele..

Upload: fernando-barros-jr

Post on 14-Dec-2015

224 views

Category:

Documents


5 download

DESCRIPTION

Revolução Copernicana para Thomas Khun

TRANSCRIPT

Page 1: Rev Copernicana para Thomas Khun

Análise do livro

�A REVOLUÇÃO COPERNICANA� De Thomas Kuhn

Trabalho efectuado para a cadeira de História da Ciência,

ministrada pela

Sr.ª Doutora Maria Paula Diogo

1º ano de Engenharia Do Ambiente - 1997/1998 Trabalho efectuado por: Célia Luisa Pinheiro Gaião

N.º 10004

O �De Revolutionibus Orbitum Caelestium�, publicado em 1543, veio transformar completamente o modo de pensar e compreender a Terra e o universo da maior parte dos indivíduos. São as modificações operadas por esse livro no pensamento cosmológico e astronómico, não só de físicos e astrónomos, como também de grande parte da sociedade, que Thomas Kuhn dá o nome de Revolução Copernicana .

�A Revolução Copernicana�, quando elaborada e editada na década de 50 por Thomas Kuhn, é uma obra em que se trata essencialmente dos aspectos, não só puramente astronómicos e matemáticos, como também a níveis cosmológicos, físicos, filosóficos e até mesmo religiosos, do tumulto provocado por uma outra obra, desta feita uma obra copernicana. No entanto, o autor também sublima que, por si só, esta transformação não se restringe às afirmações de Copérnico no seu livro. A total viragem de mentalidades deu-se quando, após a publicação dessa obra, vários outros cientistas, como Kepler e Galileu, pegaram nos seus pontos e factos mais importantes, que associados às suas próprias investigações, retiraram elementos novos e esses sim, deveras revolucionários. Podemos daqui concluir que o �De Revolutionibus Orbitum Caelestium� é um livro revolucionário, na medida que vai permitir aos seguidores de Copérnico uma abordagem inteiramente nova da astronomia revolucionária e cosmologia, em aspectos que nem ele próprio poderia prever. São palavras do próprio Kuhn, � A Revolução Copernicana foi uma revolução de ideias, uma transformação do conceito que o homem tinha do universo e da sua própria relação com ele.�.

Page 2: Rev Copernicana para Thomas Khun

Mas em que consiste esta transformação? Quais as inovações apresentadas por Copérnico e pelos seus seguidores, que tanto transformaram a ciência e o pensamento? É a resposta a estas perguntas, e à relação entre o livro apresentado e a perspectiva descontinuista do desenvolvimento da Ciência , de Kuhn, que esta análise pretende responder.

Índice

Índice ......................................................................................... 1

O antigo universo das duas esferas.............................................. 1

O problema dos planetas ............................................................. 3

O universo de duas esferas no pensamento Aristotélico............... 4

Reformando a tradição: de Aristóteles a Copérnico ..................... 6

A inovação de Copérnico............................................................. 8

A assimilação da astronomia copernicana ................................. 10

Análise crítica da obra �A Revolução Copernicana� ................... 14

O antigo universo das duas esferas Este capítulo abre com um pequeno resumo das ideias introduzidas por Nicolau Copérnico, ao explicar como este transferiu para o Sol, as características que tinham sido atribuídas à Terra durante mais de 12 séculos.

O esquema cosmológico vigente até aí, tinha sido elaborado inicialmente por Aristóteles (384/322 a.C.), um grande filósofo da Antiguidade Clássica , e complementado por Ptolomeu (150 a.C.), que consideravam a Terra como um centro fixo, a partir da qual os astrónomos podiam calcular os movimentos das estrelas e dos planetas. Após a publicação de o �De Revolutionibus...�, o Sol tinha substituído a Terra como o centro dos movimentos dos planetas, passando a Terra a ser considerada mais um de entre os planetas móveis. Kuhn apresenta-nos também as concepções pré- aristotélicas do universo, que, sobretudo relacionavam-se com factos ou acontecimentos celestes ou inexplicáveis, povoadas de objectos místicos. Desde as concepções egípcias às encontradas na Índia ou Babilónia, todas �Integram o homem no universo e fazem-no sentir em casa�. Em tais cosmologias, que talvez não devessem ser consideradas como tal, o céu não passa de uma simples cobertura da Terra, e encontra-se povoado de estranhas e místicas criaturas que povoavam o imaginário destas civilizações. Kuhn tenta, com a inclusão destas «teorias», fazer perceber que apenas as observações e anotações cosmológicas não podem por si só constituir uma estrutura, mas que fornecem as bases científicas para que seja possível a elaboração de uma cosmologia científica. Foram certos aspectos observados relativamente aos supostos movimentos do sol e das estrelas, principalmente, que levaram ao surgir de uma nova teoria cosmológica, ou, por palavras de Kuhn, �um simples esquema estrutural�: o universo das Duas Esferas. Esta concepção, comum a partir do século IV a.C. para

1

Page 3: Rev Copernicana para Thomas Khun

os astrónomos e filósofos gregos, defendia a existência de uma pequena esfera, a Terra, suspensa de um modo estacionário no centro de uma esfera maior, que constituía o suporte das estrelas. Esta esfera delimitava o próprio universo, visto que além dela não se encontrava absolutamente nada, nem matéria, nem espaço, apenas vácuo, que os gregos se recusavam a admitir existir dentro do universo. No entanto, este sistema também tinha teorias concorrentes, bem mais próximas da introduzida por Copérnico ou mesmo das actuais: No século V a.C., os gregos Leucipo e Demócrito imaginavam um espaço infinito, vazio, habitado por inúmeras partículas indivisíveis ou átomos. A Terra, nem era única nem se encontrava em repouso, e muito menos estava no centro, pois cada local do espaço é igual a muitos outros e as suas partículas constituintes permitiam a agregação de diferentes formas, constituindo estruturas semelhantes às do Sol e da Terra. Também em finais do século V a.C. foi apresentada pelos seguidores de Pitágoras uma outra teoria, que punha a Terra em movimento e retirava a sua unicidade. A Terra era apenas um dos corpos celestes que, incluindo o Sol, movimentavam-se em redor do Fogo central. Um século mais tarde, Heraclides de Ponto sugeria que o movimento aparente para leste das estrelas se devia, não à rotação da esfera de estrelas, mas sim a uma rotação diária da Terra central. Por fim, e em meados do século III a.C., Aristarco de Samos sugere uma teoria que não deixa de ser semelhante à de Copérnico: o Sol constituía o centro de uma esfera de estrelas, em redor da qual se movia a Terra. Apesar de actualmente considerarmos estas teorias bastante parecidas com as modernas, que consideramos a Terra como um dos planetas que orbita em redor do Sol, e que este não passa de uma das inúmeras estrelas existentes no universo, muitas das quais possuem os seus planetas, sabemos que estas teorias não foram aceites, muito pelo contrário; na Idade Média, foram até ridicularizadas.

Porque que estas teorias, embora constituíssem uma fonte de estímulos para certos inovadores, como o foi Copérnico, não foram apoiadas pelos argumentos que hoje possuímos, mas sim contestadas por todo o tipo de observações possíveis na altura, e que apoiavam a imobilidade da Terra e o universo de Duas Esferas.

Este esquema estrutural, bastante simples, está completamente de acordo com tais observações : a Terra, não sendo uma parte do céu, encontra-se fixa no centro como uma plataforma e a esfera das estrelas a girar em seu redor para leste. Como tal, não se move, porque ao mover-se arrastaria consigo o ar, as nuvens, pássaros e tudo o que se movesse. Esta conclusão podemos ainda hoje ouvi-la nas crianças pequenas, enquanto o seu senso comum ainda não foi reeducado pelos pais, que depressa os ensinam que é a Terra que se move não o Sol. Mas o que sucedia na antiguidade e que não era possível tal reeducação, e o universo de Duas Esferas foi, utilizado durante vários séculos, tendo ainda a vantagem de ser empregue, tanto na prática da navegação como da agrimensura, onde a terra é considerada, por motivos apenas de simplicidade e economia, como �uma pequena esfera fixa cujo centro coincide com o centro de uma esfera rotativa de estrelas, rotativa, muito maior�. Não é pois, de admirar que o universo das Duas Estrelas tenha tido tanto sucesso na antiguidade.

2

Page 4: Rev Copernicana para Thomas Khun

O problema dos planetas Mas o universo não resumia ao Sol, à Terra e às estrelas. Vagueavam também pelo universo determinados corpos celestes, conhecidos pelo nome de planetas, cujo comportamento em termos cinéticos era muito irregular. Eram apenas cinco (excluindo a Terra), os planetas conhecidos � Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno. Os planetas, ou �vagabundos�, como também eram denominados, assemelhavam-se a pequenos focos luminosos que variavam de intensidade e se deslocavam nas órbitas da elíptica num constante ziguezague irregular. Dividiam-se em planetas superiores, como Vénus e Mercúrio, ou superiores, como os restantes, consoante a posição que ocupavam em relação ao Sol e à Terra. O Universo das Duas Esferas não os localizava, somente explicava os seus movimentos retrógrados como desvios do planeta da sua órbita. Pensava-se que estariam localizados entre a esfera da Terra e a esfera de estrelas, e conhecendo a sua órbita, era possível determinar a sua localização.

E a capacidade desta concepção do universo para predizer certos aspectos astronómicos e fenómenos celestes como os eclipses, ou capacidade de especificar as dimensões das regiões celestes, aumentaram bastante a aceitação desta teoria na comunidade científica.

O estudo do comportamento e movimento dos planetas tornou-se assim o maior problema que se aplicava ao Universo de Duas Esferas, e os astrónomos gregos, conceberam diversas teorias onde o tentavam fazer. Entre as teorias aceites encontrava-se duas que permitiram explicar o movimento dos planetas. Eram elas a teoria das esferas homocêntricas e a teoria dos epiciclos deferentes.

A primeira colocava cada planeta no interior de uma esfera concêntrica e regular que se encontrava ligada às exteriores, e que uma rotação simultânea das esferas promoveria o movimento dos planetas. Este esquema, aplicava-se a todos os planetas, e necessitava de um acrescento das esferas necessárias a cada um. E como permitia um esquema do funcionamento concêntrico dos planetas, que se moviam sempre dentro dos eixos num movimento que, de irregular, passava assim a regular.

No entanto, esta teoria, apesar de já bastante boa, não conseguia explicar a diferença de brilho que se podia observar nestes astros. Porque tal faria imaginar a sua proximidade ou afastamento, cíclicos, da Terra, totalmente incompatíveis com a teoria de esferas regulares anterior.

Surge então uma nova teoria, a teoria dos epiciclos e dos deferentes, que permitia explicar os movimentos retrógrados dos planetas, e que culmina na teoria Ptolomaica , dos epiciclos maiores e menores deferentes, excêntricos sobre um deferente, ou um excêntrico sobre um outro excêntrico e equanto. O seu princípio é bastante simples e consiste num pequeno círculo que roda sobre um ponto da circunferência de um outro círculo, ao primeiro dos quais chamamos epiciclo e ao segundo deferente. Ptolomeu, pegando nesta teoria consegue dar uma explicação completa, não só do movimento dos planetas, como do Sol, da Lua e outros corpos celestes. No entanto, não foi a resposta final para o problema dos planetas, mas somente um início prometedor. Porque durante os treze séculos que separam a morte de Ptolomeu de Copérnico, todos os astrónomos e cosmólogos esforçaram- se por inventar pequenas modificações geométricas, que ajustassem esta teoria ao movimento dos planetas.

A partir deste universo de Ptolomeu, qualquer teoria do universo consistiria em modificações provocadas pelo passar dos séculos e que �remendava � com mais esferas os problemas que surgiam e não era passíveis de uma explicação, à primeira vista, dos movimentos segundo Ptolomeu.

3

Page 5: Rev Copernicana para Thomas Khun

O universo de duas esferas no pensamento Aristotélico Aristóteles, um sábio grego que viveu durante o século IV a.C., foi um dos grandes impulsionadores dos problemas dos planetas, ao fornecer o ponto de partida para todo o conhecimento medieval e renascentista. Aristóteles, acreditava solenemente no trabalho crítico do intelecto, que permitia assim a existência de um conhecimento verdadeiro e único. Este filósofo foi talvez o primeiro a organizar, sistemática e coerentemente, a teoria do universo existente. Esse universo consistia praticamente numa esfera de estrelas gigante que no interior da superfície externa, apresentava todo o universo. E se no interior dessa esfera existia matéria, no exterior não existia absolutamente nada.

O interior dessa esfera acabava por dividir-se em duas regiões: um mundo perfeito, e eterno, que compunha a região celeste, feita de uma matéria sólida, e cristalina, imutável, denominada éter, que constituía todos os corpos celestes. Era nesta região que se moviam o Sol e os outros planetas; onde se reúne um conjunto homocêntrico de armações cristalinas que encaixavam e formavam uma esfera gigante, côncava, e cuja superfície formava o exterior da esfera de estrelas que transportava os planetas.

As regiões restantes eram composta por quatro elementos, Terra, Água, Fogo e Ar. A Terra, por ser o elemento mais pesado, era colocada no centro geométrico de uma esfera, que constituía o centro do universo . A Água, também um elemento pesado, estaria numa armação periférica, em volta da região central da Terra. O Fogo, considerado um elemento leve, apareceria espontaneamente e formava uma armação imediatamente abaixo da esfera da Lua. Por fim, o Ar, completaria o conjunto preenchendo o espaço existente entre a armação do Fogo e a da Terra.

Aristóteles considera um universo completo ou pleno, cujos limites encontrava-se delimitados pela esfera de estrelas. Primeiro, para além desta esfera, nada existia, mas no seu interior existia apenas matéria. Os antigos acreditavam na não existência do vácuo, denominada por horror vacui, e Aristóteles dizia, que não só era impossível a existência da vácuo no mundo, como generalizava a sua não existência em relação ao próprio universo. Esta é a teoria de um universo completo, onde não pode haver espaço sem matéria.

Esta atitude foi tomada também tendo e conta que era necessária uma relação que reunisse os conceitos de espaço e matéria, pois sem tal os aristotélicos teriam que admitir a infinidade do universo. E esta suposição é completamente contrária às ideias aristotélicas, pois um universo infinito não só não teria centro, como sem a existência deste, não existiriam os locais para se agregarem os diferentes elementos.

A autoridade deste esquema de Aristóteles, é importante, mas somente porque é o princípio de uma resposta mais elaborada que foi possível a partir desta. A maior parte dos filósofos não hesitou, quando surgiram contestações, em rejeitá-la.

Mas na Antiguidade Clássica, poucos foram aqueles que tiveram um prestígio tão grande como Aristóteles, cuja teoria serviu de base para todas as outras que surgiram a partir desta. Este universo pode ser considerado, com três, quatro ou mais elementos, pode ser conciliado com a teoria dos epiciclos e deferentes e proposta a seguir por Ptolomeu, com a das esferas homocêntricas, e não conseguiu sobreviver à teoria que fez da Terra um planeta como muitos outros. Copérnico ainda tentou conciliar as duas teorias, mas falhou. Os seus seguidores 4

Page 6: Rev Copernicana para Thomas Khun

acabaram a destruição completa desta teoria, que considerando uma Terra estável e móvel, foi durante séculos uma visão do mundo trabalhada e coerente.

5

Page 7: Rev Copernicana para Thomas Khun

Reformando a tradição: de Aristóteles a Copérnico Aristóteles e Ptolomeu foram, durante muito tempo, os últimos grandes astrónomos, visto que por muitos séculos foram as suas visões da estrutura do universo que vingavam no pensamento ocidental. Desde as alterações na ciência provocadas por Ptolomeu, que não se verificara quaisquer modificações na ciência; mas na verdade, este tratou-se de um período de grande actividade científica, já que, apesar de utilizarem os mesmos conceitos, foram descobertas novas realidades e detectados os pontos fracos desta teoria. Mas, pelo menos no Ocidente, existiu um grande declínio da actividade científica. Desde o surgir do império romano, que absorveu a cultura helenística, a queda de Roma face às invasões bárbaras, às invasões muçulmanas e à interferência da Igreja, os povos europeus viram-se confrontados com a perda do saber científico. Durante a época de Roma, a ciência existente não passava de meras adequações e assimilações das teorias gregas clássicas. Aquando das invasões, e em especial as islâmicas, grande parte do conhecimento foi perdido, e apenas recuperado com o início das trocas comerciais entre a cultura cristã e a islâmica. Apesar de interdito, por muitos anos, ao conhecimento dos europeus, o saber helénico não foi perdido face às invasões muçulmanas. Porque os muçulmanos, fizeram a tradução das grandes obras dos mestres gregos, como é o caso do �Almagesto� de Ptolomeu. Surgiu então, na Idade Média, um novo período da era científica, onde as Universidades desempenharam um papel fundamental. Utilizando estes documentos, que após todas estas traduções e retraduções, estavam incompletos e até deteriorados, não se encontravam fiéis às suas fontes gregas, era quase impossível saber o certo a resposta de Ptolomeu e Aristóteles a certos problemas. Mas esse problema conseguiu ser contornado, quando os estudiosos voltam-se para os originais dos documentos que ainda existiam. E foi nas universidades que conseguiu ser formada uma nova tradição filosófica, a Escolástica, que dominou o pensamento científico nos séculos seguintes. Durante a Idade Média e parte do Renascimento, era a Igreja que dominava todo o conhecimento científico, pois controlando as universidades, determinava o progresso ou estagnação da ciência. E em relação a todas as teorias que envolvessem conceitos astronómicos, a situação chegou a tornar-se bastante importante, pois , porque acabavam por pôr em causa a formação do universo por Deus, acabavam por ser banidas ou ridicularizadas. Mas chegou uma altura em que a Igreja era a maior apoiante da teoria de Aristóteles. Porque permitia explicar, segundo termos teológicos, explicar a constituição do universo. Aristóteles e os seus seguidores foram a base das pesquisas escolásticas, de tal modo que todos os erros ou incongruências da sua teoria fossem revistos e estruturados, dando origem a novos conceitos e métodos de trabalho. Desenvolveram a lógica de Aristóteles, descobrindo falácias nas suas teorias, rejeitando-as só porque não se adequavam à experimentação. Um dos maiores comentadores desses trabalhos foi Nicolau Oresme, que através de um método tipicamente escolástico, reparte todo o texto de Aristóteles, acrescentando-lhe os seus comentários explicativos. Oresme concordava com quase tudo o que era dito por Aristóteles, com excepção da Criação. Mas fez grandes reformas nestas teorias, remediando as más concepções realizadas pelo filósofo. Chegou-se então a um ponto em que as grandes novas teorias científicas, tratavam-se de destruições, elaboradas pelos escolásticos, ao pensamento Aristotélico. Assim, durante a época de Copérnico, existiam ainda muitas

6

Page 8: Rev Copernicana para Thomas Khun

modificações e investigações a realizar. Até mesmo porque, a nível da astronomia, pouco ou nada havia sido feito.

Copérnico apareceu então numa época de grandes inovações a nível da ciência. E foi com uma nova mentalidade que foram elaboradas as teorias de Copérnico, Galileu e Kepler: uma nova perspectiva a nível da crença na possibilidade e importância na descoberta de irregularidades geométricas e aritméticas, e uma nova visão do Sol, fonte de todos os princípios e forças do universo tinham surgido.

7

Page 9: Rev Copernicana para Thomas Khun

A inovação de Copérnico Copérnico foi o autor de um dos mais marcantes livros da história da ciência. O �De Revolutionibus...�, publicado em 1543, foi um livro que, destinando-se a corrigir os erros das tabelas e teorias dos seus antecessores Aristóteles e Ptolomeu, acabou por produzir uma, única, grande diferença das teorias destes astrónomos. Retirando a Terra da posição que ocupava desde o início da humanidade, o centro do universo, e colocando-a, juntamente com todos os planetas conhecidos, a girar em redor do Sol, Copérnico foi o grande inovador que, apesar de não ter conseguido completamente separar-se das antigas teorias, abriu o caminho para uma nova mentalidade por parte de novos astrónomos e filósofos, que acabou com o desmoronamento completo da ultrapassada concepção da Terra imóvel no centro do universo. A obra de Copérnico foi elaborada com o objectivo de resolver o problema dos planetas, num a tentativa de explicar aquilo que Ptolomeu e os seus seguidores tinham falhado. Este foi o primeiro grande objectivo de o �De Revolutionibus...�, mas no qual também Copérnico acabou por falhar. Mas, as consequências que dele advieram, fizeram-no uma obra completamente inovadora. Dela deriva uma completa nova abordagem da astronomia planetária, uma simples, exacta linguagem matemática que fizeram-na ser desde logo aceite por alguns dos �pensadores� e astrónomos da época.

Foi o início duma nova cosmologia, que iniciou-se a ser construída, através dos cálculos matemáticos fáceis e exactos da posição dos planetas, e acabou em certos aspectos que não são visíveis de modo algum no �De Revolutionibus�: a abolição dos epiciclos e excêntricos, a total dissolução da esferas, a concepção do Sol como sendo uma estrela como muitas outras, a expansão infinita do universo... Porque, em si, esta obra não deixou de ser demasiado semelhante a todos os trabalhos apresentados pelos astrónomos seguidores de Ptolomeu, enquanto que as obras que se seguiram, por astrónomos que leram e se baseavam no trabalho de Copérnico, foram, estas sim, completamente inovadoras e radicais nos aspectos essenciais que caracterizaram a Revolução Copernicana.

�De Revolutionibus Orbitum Caelestium� é um texto demasiado matemático para ser compreendido por qualquer pessoa que não seja um astrónomo experiente, e apenas uma primeira parte, por ser mais acessível, e que resume as ideias principais de Copérnico, foi utilizada por Thomas Kuhn no � A Revolução Copernicana�, onde se encontram excertos deste Primeiro Livro introdutório. Mas no que consistem as ideias fundamentais de Copérnico e o que levou a que fossem expressas ?

Copérnico, criticando os trabalhos dos astrónomos da antiguidade, e concluindo a existência de demasiados erros nas suas teorias, muitas vezes baseadas em observações inadequadas ou inexistentes, avança ele próprio com uma teoria, onde a grande novidade era, perante a impossibilidade de emendar, acrescentando mais esferas, a teoria de Ptolomeu do movimento dos planetas; de que o simples movimento do planeta Terra, podia resolver um dos grandes problemas astronómicos existentes. Só um movimento circular uniforme, ou mesmo combinações desses movimentos, poderiam explicar a ocorrência de todos os fenómenos celestes.

Neste sistema, as maiores irregularidades dos movimentos dos planetas são apenas aparentes. Pois, ao serem vistos de uma Terra, também ela móvel, um planeta que se movimentasse regularmente, pareceria ao observador que o seu movimento apresentava anormalidades. Por essa razão Copérnico acreditava no movimento da Terra. Se tantos astrónomos e filósofos antigos sempre haviam rejeitado completamente a existência de uma Terra móvel e, (mesmo assim, nunca haviam conseguido provar que a Terra se encontrava fixa no centro do universo),

8

Page 10: Rev Copernicana para Thomas Khun

não conseguiam explicar na perfeição o movimento planetário, porque não mudar o ponto de vista inicial? Foi isso que Copérnico fez, retirando diversos argumentos que apontassem para este movimento, e fazendo as considerações possíveis para que a Terra pudesse ser considerada um planeta.

De acordo com a física de Copérnico, a matéria terrestre, ou celeste, era agregada em esferas, esferas essas que giravam devido à sua própria natureza. E em todos os aspectos passíveis de serem conciliados com o movimento terrestre, o universo de Copérnico é um universo clássico. Pois como é o próprio a afirmar, foi apenas transferido para a Terra o movimento considerado até então para o Sol. O Sol não era ainda uma estrela, mas sim o corpo que ocupava a posição central do universo; o seu universo era ainda finito; e eram ainda armações esféricas que movimentavam os planetas; em termos gerais, os movimentos dos planetas eram compostos de círculos, num movimento contínuo e regular, mas que não dispensava ainda os epiciclos. Kuhn sublinha: �Copérnico não atacou o universo de duas esferas, embora o seu trabalho acabasse por o derrubar, e não abandonou o uso de epiciclos e dos excêntricos,(...) abandonados pelos seus sucessores. O que Copérnico atacou e o que começou a revolução na astronomia foram certos aspectos matemáticos aparentemente triviais. �

Mas mesmo que não tenha conseguido romper com as teorias da antiguidade, tal como Thomas Kuhn sublinha, a harmonia existente em todas as considerações do sistema copernicano permite que sejam resolvidos alguns pequenos problemas, que os astrónomos da época não tinham ainda conseguido resolver, tornando assim mais fácil a aceitação da teoria de Copérnico pelos seus contemporâneos e seguidores.

O sistema de Copérnico:

A Terra deixa de ser imóvel e ”central” e passa a girar em torno do Sol como os outros planetas. Uma nova e simples explicação sobre o movimento dos planetas interiores,

Mercúrio e Vénus, assim como da ordem das suas órbitas, onde conciliava que tanto a ordem como o tamanho das órbitas poderiam ser determinados apenas mediante uma observação cuidadosa, e onde qualquer alteração provocaria uma perturbação em todo o sistema, tiveram como resultado que a estrutura cosmológica proposta por Copérnico tivesse, pelo menos uma maior naturalidade e coerência do que aquelas que colocavam a Terra imóvel.

Por alguns, Copérnico é denominado o primeiro grande astrónomo moderno, por ter sido o primeiro a desenvolver um sistema astronómico baseado no movimento da Terra. Kuhn, no entanto, prefere denominá-lo, o último grande astrónomo ptolomaico. Porque, tal como vimos anteriormente, nunca chegou a conseguir cortar com as antigas teorias. Porque, vista em última análise, se a astronomia ptolomaica era muito mais que a astronomia de uma Terra fixa, Copérnico só conseguiu diferenciá-las ao supor uma posição e um movimento terrestres diferente daqueles que eram acreditados até então.

E a partir de Copérnico, os seus seguidores podem encarar a sua teoria , do mesmo modo como ele o fez para as cosmologias de Hiparco e Ptolomeu. E são esses seguidores que, ao continuar o trabalho deste homem, completam a Revolução Copernicana, traduzindo assim um novo conceito de universo. Mas a importância do seu �mestre�, será sempre evidente. Porque é a dedicação que demonstrou aos problemas celestes, a responsável pelo pormenor cuidadoso com que Copérnico explorou as consequências matemáticas do movimento da Terra e as conseguiu ajustar ao conhecimento do céu e dos movimentos celestes.

9

Page 11: Rev Copernicana para Thomas Khun

A assimilação da astronomia copernicana O �De Revolutionibus Orbitum Caelestium� foi publicado exactamente no ano da morte do seu autor. Sem contar com as possíveis explicações que Copérnico poderia ser solicitado a fornecer, a sua obra necessitou de enfrentar sozinha toda a oposição que, de início, surgiu de todas as frentes. A grande componente técnica da sua obra, fê-la praticamente ilegível para todos aqueles que, não sendo matemáticos ou astrónomos, não conseguiam entender uma linguagem demasiado técnica e complexa. Até mesmo os astrónomos que, durante cerca de duas décadas, esperaram o lançamento de �De Revolutionibus ...�, ficaram um pouco desapontados com a complexidade da teoria cosmológica. Mas foram obrigados a confirmar a exactidão dos cálculos científicos, assim como a reconhecer a obra como o primeiro grande texto astronómico, desde o �Almagesto� de Ptolomeu. Se, por um lado, Copérnico foi muito elogiado pelo seu trabalho com as tabelas astronómicas, e cálculos matemáticos muito mais exactos que os então existentes, a sua teoria cosmológica, quando não era totalmente ignorada pelos seus colegas, era até mesmo ridicularizada. À medida que o seu sucesso crescia, crescia também o repúdio e desaprovação da opinião pública. Mas cada vez era mais difícil essa oposição: à medida que o tempo passava, e mesmo se ainda era fácil apontar sarcasmos e incongruências na teoria, era praticamente impossível encontrar provas que a refutasse completamente, pois os seus cálculos eram demasiado explícitos e bem explicados para serem desacreditados. Podemos explicar o sucesso do livro como sendo, de início, o êxito dos cálculos e diagramas que vieram substituir as antigas tabelas, e que, apesar de terem sido por Copérnico aplicados movimento da Terra, poderiam também ser explicados pelo recurso a uma terra imóvel e fixa. A maior parte dos astrónomos que continuavam a acreditar na imutabilidade da teoria da Terra estável, apesar de utilizarem esses diagramas nos seus próprios cálculos, refutavam completamente a teoria de Copérnico. Uma grande oposição a esta teoria veio a ser declarada pela Igreja Cristã. A mera suposição de que a Terra não era o corpo central do universo e que girava em redor do Sol era totalmente incompatível com a ideologia religiosa visível na Bíblia. Com a Inquirição, a batalha caminhava cada vez mais para uma repressão total de todos aqueles que acreditavam no copernicanismo. Os maiores excessos cometidos por esta instituição ocorreram durante o ano de 1616, mas o seu expoente mais famoso foi a retroação de Galileu, que foi obrigado a declarar como sendo falsa a teoria que tão verdadeiramente acreditava, para escapar da morte. Felizmente para a ciência, os astrónomos não se deixavam intimidar, e mesmo quando este facto sucedeu em 1633, era demasiado tarde para refutar o copernicanismo, pois as cada vez mais provas eram encontradas para apoiar esta teoria, sobretudo através dos contributos de Tycho Brahe, Johannes Kepler e Galileu Galilei. De origem dinamarquesa, Tycho Brahe (1546-1601) foi o maior dos astrónomos opositores do copernicanismo, mas teve extremas importância na segunda metade do século XVI. A perícia encontrada em todas as suas observações foi talvez o seu maior trunfo. Os dados por si redigidos eram ainda mais precisos quer os de Copérnico e, foram essenciais para as reformas introduzidas por Kepler. Com valores de observações nunca antes vistos, era então evidenciada a imprecisão dos cálculos então vigentes, e quer Brahe quer os seus seguidores acabaram por renovar completamente os dados em que astrónomos e matemáticos se apoiavam, possibilitando ao mesmo tempo a eliminação de diversos problemas astronómicos que surgiam pela incorrecção dos dados.

10

Page 12: Rev Copernicana para Thomas Khun

Mas mesmo Tycho Brahe, apesar de ser um apologista convicto da teoria da Terra fixa, rejeitando completamente a teoria copernicana, também ele encontrava-se insatisfeito com a antiga teoria avançada por Ptolomeu no �Almagesto�, e que se encontrava completamente ultrapassada. Então, é ele próprio a avançar um sistema alternativo, denominado �Ticónico�, onde ao mesmo tempo preservava a harmonia matemática e um apurado cálculo astronómico, e conservava a Terra na sua antiga posição. O sistema de Brahe colocava a Terra estacionária no centro da esfera de estrelas, cuja rotação diária explicava os movimentos visíveis das estrelas. Sistema titónico: A partir de um centro onde se encontra a Terra, movem-se a Lua e o Sol em movimentos circulares. No entanto, todos os restantes planetas encontram-se fixos em epiciclos que têm como centro o Sol. Mas apesar deste sistema apresentar também incongruências, porque a maioria dos planetas não se encontrariam centralizados com o universo, e o centro geométrico, a Terra, não era exactamente o centro da maioria dos fenómenos celestes, ele deveras importante na medida em que permitiu conciliar numa teoria as vantagens do sistema copernicano, sem contar com as suas desvantagens que eram reconhecidas, de ordem física, cosmológica e até mesmo teológica.

Por outro lado, como um dos maiores (se não o maior), seguidores imediatos de Copérnico, encontramos um amigo de Tycho Brahe, que com ele chegou a trabalhar e que sempre se afirmara como sendo um partidário do copernicanismo. Johannes Kepler (1571-1630) conseguiu ter uma visão mais profunda da teoria de Copérnico que o seu próprio autor. Foi ele quem demarcou e cortou definitivamente com as influências ptolomaicas- aristótélicas das quais Copérnico nunca chegou a libertar-se.

Servindo-se das muitas observações e dados herdados do seu amigo Brahe, Kepler conseguiu resolver o problema dos planetas, transformando o incómodo e deveras criticado sistema copernicano numa teoria simples e exacta que calculava as posições planetárias.

Para tal, criou duas leis que permitiram explicar o movimento dos planetas. A primeira incidia sobre o facto de os plantas moverem-se em simples trajectórias elípticas, ocupando o Sol um dos focos da órbita. A Segunda Lei de Kepler consistia no facto de que a velocidade orbital de cada planeta varia de um modo que permite que uma linha traçada desde esse planeta ao Sol, cubra áreas iguais da elipse, em intervalos de tempo iguais.

Kepler argumentava de um modo, se não igual, pelo menos semelhante a Copérnico, mas possuía um maior número de argumentos, sintetizados de uma forma bastante simples e clara. A partir deste astrónomo, já não havia possibilidades de negar o universo de Copérnico, faltando apenas as provas qualitativas das afirmações de Kepler, observações que permitissem comprovar a veracidade dos cálculos de Kepler. Estas surgiram pouco depois, através do trabalho de Galileu Galilei (1564-1642). Este astrónomo, ainda hoje é reconhecido por ter inventado a luneta, o primeiro telescópio, instrumento esse que permitiu as observações necessárias para comprovar esta teoria. Mas não foi sem dificuldade que a comunidade científica acabou por se render à teoria de um universo regido pela leis de Copérnico e Kepler. O telescópio teve sobretudo um papel fundamental e indispensável para a descoberta que o universo constituía uma multiplicidade de sistemas. Tal aconteceu quando, ao apontar telescópio para Júpiter, Galileu descobriu quatro das suas dezasseis luas, e que não orbitavam em redor do sol, mas sim em torno desse planeta. Estava provada mais uma evidência do copernicanismo, que muito pouco depois era globalmente aceite.

11

Page 13: Rev Copernicana para Thomas Khun

Por outro lado, este trabalho de Galileu, inclusive a sua invenção, permitiu uma maior divulgação das teorias científicas popularizou entre a opinião pública a revolução copernicana. Foi assim que, aos poucos, os velhos esquemas conceptuais foram desaparecendo. De início infiltrando-se, o copernicanismo acabou por vir a fazer parte da mentalidade de todos os astrónomos logo a partir do século XVII. No meio desse século, era difícil encontrar um astrónomo que não se tivesse rendido ao copernicanismo, e no final do mesmo, impossível. A astronomia de Ptolomeu e Brahe foi substituída pela de Copérnico e até mesmo a Igreja teve de se resignar à condição de que a Terra não passava de um simples planeta como muitos outros que orbitava em redor de uma das muitas estrelas do universo. O triunfo do copernicanismo foi um processo, gradual e inevitável, apesar de todas as dificuldades que teve de enfrentar.

Em 1665, cerca de 120 anos depois de Copérnico ter publicado o seu sistema do mundo, 50 anos após Kepler ter determinado as leis que regem os movimentos dos planetas e 30 após Galileu ter sido condenado por ter tornado essa realidade palpável, através da luneta, uma grande mudança estava ainda por ser operada. Durante quase 2000 anos, a astronomia e a física eram consideradas ciências separadas. Desde a época de Platão e Aristóteles que era proibido procurar causas naturais para os movimentos dos corpos celestes, pois estes eram considerados �perfeitos�, como que divinais. Ao mostrar que a Lua tem montanhas e o Sol tem manchas, ente outras, Galileu quebrou essa dita �perfeição�. Que a Lua não é mais perfeita ou divinal que a Terra, nem mesmo o Sol ou os outros planetas, foram obstáculos que, com algum custo, conseguiram ser ultrapassados.

O novo universo A Revolução Copernicana terminou muito após a publicação do �De

Revolutionibus...� e da morte de Copérnico, e sobretudo não se traduziu somente numa nova teoria astronómica. Mesmo após a publicação da teoria de Kepler e das descobertas de Ptolomeu, vários foram os problemas que subsistiram acerca cosmologia astronómica. Problemas como os que envolvem a razão do movimento dos planetas, a distância das estrelas, ou a razão pela qual os corpos caiem para a Terra, apesar do movimento da Terra em redor do Sol. Kepler teria já tentado explicar primeira destas perguntas através da anima motrix, uma força motriz por parte do Sol que através de raios empurra os planetas à volta das suas órbitas. Mas este problema só seria solucionado muito mais tarde, através da teoria das mecânica celeste de Newton. E se as Leis de Kepler são consideradas como o produto final da teoria astronómica de Copérnico, o universo infinito que resulta da teoria de Newton envolveu muito mais que uma cosmologia inovadora. Desde Kepler que os acontecimentos e factos encaminhavam-se cada vez mais para uma maior conhecimento do universo, e vários são os astrónomos que dão o seu contributo para esta fase da revolução.

Thomas Digges foi o primeiro a descrever um universo infinito e copernicano, mas a sua teoria contribuiu para o mesmo paradoxo que surgira a Nicolau de Cusa alguns séculos antes. Cusa acreditara que o universo era uma esfera infinita, mas ao declarar que o centro dessa esfera coincidiria com qualquer ponto da sua periferia, entrava no mesmo paradoxo que Digges, pois como acreditar na existência de um Sol central, se um universo infinito não teria centro?

Para Digges, tal como se verifica na gravura, o núcleo central do universo era idêntico ao de Copérnico, e o diagrama mostra as estrelas dispersas para além da última esfera.

12

Page 14: Rev Copernicana para Thomas Khun

O universo de Digges:

De reparar que para este astrónomo o Sol não é considerado uma estrela como as outras, mantendo ainda uma posição privilegiada em relação às restantes estrelas.

O italiano Giordano Bruno, cuja abordagem à cosmologia pouco se preocupava com ciência, acreditava também numa visão de um universo infinito, mas que não necessitava, ao contrário dos universos de Copérnico, Kepler e Galileu, de um centro. Nem o Sol, nem qualquer outro planeta ou estrela necessitava de estar necessariamente no centro do universo. Assim, a sua principal contribuição para a ciência foi o reconhecimento de certas semelhanças ou afinidades entre as teorias antigas e as modernas, sobretudo através da dicotomia entre o atomismo dos clássicos gregos Leucipo e Demócrito, e o copernicanismo. Esta afinidade permitiu que, entre as diversas correntes que nasceram da teoria de Copérnico, o atomismo fosse considerado a mais eficaz no seio das diversas correntes intelectuais e científicas do século XVII. O atomismo, revivido durante este século, foi apresentado como sendo a teoria mais preparada para substituir a concepção escolástica, desacreditada como copernicanismo. Nasceu assim uma teoria baseada numa concepção corpuscular: os movimentos, interacções e as combinações das variadas partículas eram governadas pelas impostas por Deus na Criação. Foi esta uma das maneiras encontrada para que a religião pudesse ainda ter um papel a desempenhar no universo, não obstante a sua rejeição pela teoria copernicana. Foi o filósofo René Descartes (1598 -1650) o primeiro a conseguir aplicar esta teoria para resolver os problemas do universo copernicano. Descartes procurava uma explicação natural para o movimento dos corpos celestes. Mas este filósofo repugnava a ideia de uma acção à distância, e decide assim que, para preencher o vazio entre os corpos celestes, existiriam �turbilhões� ou vórtices de matéria invisível, capazes de arrastar, todos no mesmo sentido, planetas e satélites.

Sendo até, este filósofo bastante bem sucedido em algumas das suas teorias, como por exemplo, a do comportamento dos corpúsculos no vazio, outras não tiveram o mesmo impacto e credibilidade, e algum tempo depois é possível descobrir todos os erros do seu sistema. Mesmo neste sistema aqui referido, sabia-se já na época que embora todos os planetas conhecidos girassem no mesmo sentido, alguns cometas não o faziam, e giravam em sentido inverso. Não obstante, o alcance das suas teorias foi tremendo, e marcou um grande contributo para a formação das concepções que lhe sucederam. Algumas dessas concepções foram avançadas seguidamente, e dois caminhos estavam já traçados, um que ligava o copernicanismo e a filosofia corpuscular, e o outro que procurava a resolução do problema físico do movimento dos planetas. Do sistema de Kepler resultava uma explicação para a rotação da Terra, e o seu desvio para leste; uma explicação do movimento dos planetas, através da força a que chamava anima motrix, e a existências de órbitas planetárias centradas no Sol. Depois de Kepler, surgiu uma nova concepção, ao mesmo tempo semelhante à sua, adoptada pelo italiano Borelli (1608-1679). Este, continuando ainda com a força anima motrix, veio introduzir uma nova força, que fazia deflectir os planetas atraídos pelo Sol. Este foi um dos últimos sistemas que surgira antes da teoria dos �Principia...�, de Newton, sendo o outro apresentado por Robert Hooke (1635-1703). Ao mesmo tempo que, em 1666, foi publicada a concepção de Borelli, este britânico conseguiu demonstrar completamente o paralelismo existente os movimentos terrestres e os celestes. Não só refutou o movimento rectilíneo em que todos acreditavam, como forneceu ele próprio a concepção de que o movimento

13

Page 15: Rev Copernicana para Thomas Khun

dos planetas consistia numa curva fechada em torno do Sol, devendo ainda existir algum princípio atractivo ou uma força que interagisse entre o sol e os planetas. A descoberta desse princípio atractivo ficou a dever-se a um astrónomo conceituado, Isaac Newton (1642-1727).

É muitas vezes referido o papel de uma maçã, que terá elucidado a este astrónomo a razão do movimento dos planetas. A analogia que (supostamente) terá feito é fácil de perceber. Se uma maçã, assim como todos os corpos sem suporte, cai para a Terra, o que acontecerá à Lua? Newton consegue perceber que a Lua também �cai� para a Terra, pois se tal não acontecesse, não continuaria a girar em torno da Terra, e desapareceria no espaço. Como a sua trajectória inclina-se para a Terra, significaria que ela cai; mas como a sua �velocidade oblíqua� é muito grande, a sua queda encurva-lhe o percurso somente o necessário para que se mantenha à mesma distância da Terra. Quando pegou neste problema, por volta de 1666, Newton conseguiu resolver matematicamente, a velocidade à qual um planeta é atraído pelo Sol, ou a Lua pela Terra, mas de maneira a permanecer uma órbita estável e circular. E assim a gravidade é apontada, quer como a força que ocasionava a queda dos corpos para a Terra, como a que permitia a atracção entre a Lua e a Terra e entre os planetas e o Sol. Os métodos matemáticos de Newton permitem-lhe também demonstrar que uma grande esfera, agia como se toda a sua massa estivesse concentrada no centro. Ou seja, era necessário calcular o raio da Terra para que se pudessem realizar tais cálculos, trabalho esse que tinha sido conseguido, com precisão, pouco tempo antes. Então Newton, em menos de dois anos, redige os primeiros dois volumes da sua obra, � Principia mathematica philosophiae naturalis�. E a partir das fórmula matemáticas aqui contidas, Newton permite calcular tanto a forma, como a velocidade das trajectórias com precisão. Este volumes continham toda a sua teoria, tanto a da gravitação como as leis gerais que estabeleceu para descrever os movimentos, que chamamos hoje �Leis de Newton� e que durante cerca de dois séculos regeram toda a mecânica.

Porque Newton nunca se satisfez completamente com esta concepção corpuscular da gravidade, e tentou sempre aprofundá-la, de modo a que os seus seguidores tentaram chegar a uma outra conclusão passível de ser considerada e aceite. Mas foi só a ciência do século XX, onde a gravidade pode ser explicada sem a necessidade de recorrer a uma força à distância, que conseguiu justificar as desconfianças de Newton e seus sucessores.

Análise crítica da obra �A Revolução Copernicana� A obra de Thomas Kuhn �A Revolução Copernicana� (1957) foi publicada alguns anos antes duma outra obra do autor, �A estrutura das revoluções científicas�, onde expressaria qual a sua concepção para o progresso em termos de história da ciência. No entanto, é de supor que, quando elaborou a primeira, já teria em mente algumas das ideias que expressaria alguns anos mais tarde. Na �A Revolução Copernicana�, Kuhn tenta principalmente focar os aspectos que considera essenciais para a percepção da revolução como sendo uma revolução científica. Um deles é a pluralidade ou globalidade desse conceito, pois esta não se limitou a abranger uma área restrita da ciência como é a astronomia ou cosmologia, mas tendo implicações e provocando modificações muito profundas no modo de pensar e agir sobre os outros campos da ciência. Kuhn afirma que �uma inovação fundamental numa especialidade científica transforma inevitavelmente as ciências vizinhas, e mais lentamente, o mundo do filósofo e do

14

Page 16: Rev Copernicana para Thomas Khun

leigo culto�. E prova-se que tal também aconteceu com a revolução copernicana. Copérnico deu o primeiro passo para o início de uma nova mentalidade e perspectiva científicas, que ocorreu alguns séculos mais tarde. De início apenas uma teoria cosmológica inovadora, como o decorrer do século XVII esta teoria provocou o surgir de novos problemas, que aos quais todos os campos ou áreas da ciência cooperavam para encontrar a solução. Porque se a astronomia copernicana rompera com as tradicionais e ingénuas respostas, não conseguira encontrar substitutos que se adequassem à nova teoria. Foi necessário o trabalho de várias especialidades da comunidade científica para que ficassem resolvidas respostas para os mais diversos problemas. O outro aspecto abordado é o descontinuismo desta concepção. O autor apresentou-nos � A estrutura das revoluções científicas� como sendo o expressar do seu ponto de vista descontinuista a nível do progresso em ciência. Mas será que na �A Revolução...� publicada alguns anos antes, conseguimos encontrar todas as características que distinguem a teoria de Kuhn? Uma breve introdução ao conteúdo principal da concepção de Kuhn é necessária apresentar para que seja possível a compreensão das ideias contidas nesta análise, que tenta conciliar o conteúdo das duas obras do autor. Existem duas teorias que se sobrepõem para o desenvolvimento científico, mas uma delas encontra-se ainda dividida em várias concepções, cada um defendida por um filósofo mais ou menos conceituado. Kuhn, Popper, Feyaraben e Lakatos defendem a tese do descontinuismo da ciência, enquanto que o continuismo é produto sobretudo do empirismo ingénuo humano. O senso comum, como é vulgarmente denominado o empirismo, apresenta na maioria das vezes uma visão continuista da ciência, de que o aperfeiçoamento desta obedecera a um processo contínuo e sem obstáculos, com a acumulação de novos conhecimentos aos já existentes. Mas outros filósofos, insatisfeitos com esta visão um tanto ingénua, apresentaram teorias descontinuistas que permitem explicar este desenvolvimento. Kuhn e Popper são dois exemplos de filósofos que apresentaram concepções diferentes para o mesmo, mas que ao mesmo tempo apresentavam uma estrutura semelhante: pregavam que o progresso e termos científicos contém momentos de ruptura que separa nitidamente uma fase de outra, por vezes antagónicas. Num breve resumo, apresentarei de seguida as teorias mais importantes, concorrentes da de Kuhn.

Popper sublinha que o progresso se faz ao nível de uma sucessão de teorias, cuja meta a alcançar é a verdade absoluta. É descontinuista por não considerar que o progresso se faça por acumulação de conhecimentos, pois as novas teorias que surgem, corrigem as anteriores.

Feyaraben e Lakatos, outros descontinuistas de renome, propõem uma tese alternativa à de Kuhn, bastante semelhante, mas um pouco menos radical. Sugerem que os períodos de transição entre os paradigmas não são fechados como Kuhn referia, mas sim que existiam certas semelhanças entre os paradigmas.

Eis um esquema que pode elucidar este aspecto:

15

Page 17: Rev Copernicana para Thomas Khun

Legenda: I: Início do paradigma M: Maturidade do paradigma Inc.: Início das incompatibilidades

O novo paradigma retira elementos do anterior, apresentando-os com uma estrutura nova, acrescentando-lhe outros, de maneira a conseguir solucionar os problemas que o anterior não conseguia. Entre o início de um paradigma e o final do anterior existia assim um período de tempo em que coexistiam ambos, denominada zona de confluência dos paradigmas. Debrucemo-nos agora mais pormenorizadamente sobre a concepção de Thomas Kuhn. Já falei aqui de paradigmas. O que serão os paradigmas? Foi este filósofo quem primeiro aplicou este conceito a alguns períodos da história da ciência. A sua teoria, também ela descontinuista, postulava que o progresso ou desenvolvimento de cada disciplina científica passava por diferentes estádios; que consistiam no período pré- paradigmático, o período de �ciência normal�, o período de crise e o período de revolução. Paradigma 1 → Período de sucesso → Maturidade do paradigma → Anomalias e incongruências → Período de crise → Paradigma 2 → ... (O período de ciência normal corresponde ao paradigma propriamente dito, desde os seu início até que comece a entrar em crise. ) O estádio pré- paradigmático caracteriza-se essencialmente pela grande falta de convicções, concepções, resultados ou até métodos, que sejam aceites pelos membros da comunidade científica. O que existe é tão somente uma série de escolas concorrentes, que disputam entre si a veracidade das suas teorias, sem que tentem demonstrá-las ou prová-las.

Quanto ao paradigma kuhniano, é muitas vezes uma teoria ou sistema, dominante durante alguma tempo, numa área científica específica. Um paradigma, sendo aceite por toda a comunidade científica, orienta durante um maior ou menor período de tempo, toda a actividade científica. A aplicação da teoria paradigmática, detentora de regras, elementos axiológicos e metafísicos, corresponde àquilo que Kuhn denomina o período de ciência normal. A �ciência normal� é a �tentativa esforçada de forçar a natureza dentro dos quadros conceptuais fornecidos pela educação profissional�. Para Kuhn, fazer ciência normal significa resolver quebra-cabeças ou puzzles, problemas que surgem e se inserem no paradigma, e que são resolvidos através do mesmo. Quando um paradigma encontra problemas aos quais não consegue dar uma resposta satisfatória, diz-se então que foram encontradas anomalias no modelo, entrando então a ciência num período de crise, que marca o início da fase da ciência extraordinária. Durante e após este período os cientistas dividem-se, surgindo um período onde o paradigma é submetido a testes e provas, após o qual, através de um período de revolução, aparece toda uma proliferação de teorias novas resultantes da investigação das comunidades científicas, que competirão entre si até que uma delas pareça ser mais adequada e é tomada como um novo paradigma, a partir do qual se forma um outro período de ciência normal.

Quando um novo paradigma é adaptado, podemos falar de progresso científico. O novo e o velho paradigma são normalmente incomensuráveis, uma vez que correspondem por vezes a visões do mundo necessariamente diferentes - incomensurabilidade do paradigmas.

16

Page 18: Rev Copernicana para Thomas Khun

Podemos então adaptar estas características, não só aos conceitos da revolução copernicana, como também às teorias e crenças anteriores a ela. Como tal, o período pré- paradigmático corresponderia à época, dos babilónios e egípcios (II a.C.), à civilização grega, Aristóteles (384/322 a.C.), e Ptolomeu (150 a.C.). Não existia ainda uma teoria formada e que fosse aceite por todos os povos, e também não podemos falar da existência de grandes astrónomos, ou mesmo filósofos, que se dedicassem ao estudo dos astros ou corpos celestes, ou qualquer outro tipo de actividade científica.

Foi com a civilização clássica grega e com o surgir de grandes filósofos como Aristóteles, Hiparco ou Ptolomeu que podemos dizer se iniciou o período de investigação normal. O primeiro paradigma a nível astronómico foi denominado de �Universo das Duas Esferas� e estendeu-se durante os 13 séculos que separaram a morte de Ptolomeu e o surgir de Nicolau Copérnico.

Neste período procedeu-se à aplicação, expansão e amadurecimento deste paradigma clássico, e as dúvidas ou questões conseguiam ser respondidas por este modelo. Os cálculos efectuados, as observações realizadas, �são só a peça para um puzzle para o qual as teorias inventadas pelos astrónomos são tentativas de solução�.

Mas se a classificação deste sistema como sendo um paradigma não apresenta dúvidas, o mesmo já não se pode dizer dos restantes períodos. Porque a classificação fechada de Kuhn provoca a que, à medida que nos aproximamos da Revolução Copernicana, aumentem as incertezas e podemos até entrar em contradição com as ideias do próprio.

Em que consistiram as primeiras anomalias? Quando se iniciou o período da ciência extraordinária? Quando onde se inicia o novo paradigma? Logo após a publicação do �O Revolutionibus...�, ou somente após a publicação dos trabalhos de Newton ? Quanto tempo durou o período de crise? Terão estas dúvidas repercussão a nível da própria teoria descontinuista do autor?

Porque imaginemos, como parece ser o consenso total, que o período de crise iniciado por Copérnico, terminou com Newton. As anomalias consistiram mas incongruências e factos deixados por esclarecer pela teoria geocêntrica, antes da publicação do �Revolutionibus...�, o problema da resolução do movimento dos planetas; e após a publicação deste, nos problemas originados por Copérnico, a que este não conseguia resolver. De Copérnico a Newton, cerca de150 anos de crise e revolução. E o paradigma que surgiu de entre os escombros deste período foi aquele que, por ser mais completo, melhor conseguia explicar todas essas anomalias, o universo newtoniano.

Sendo assim, se esta foi a divisão delimitada por Kuhn, ele contradiz-se a si próprio, pois não se apresenta totalmente como um descontinuista. Porque apesar de referir que �A história da ciência é confusa devido às relíquias dos esquemas conceituais, nos quais em tempos se cria fervorosamente e que foram sendo substituídos por teorias incompatíveis.�, também considera que �cada nova teoria científica conserva o âmago do conhecimento fornecido pelas suas predecessoras e acrescenta-o�, ou �cada novo esquema conceptual abrange os fenómenos explicados pelos seus predecessores e junta-se-lhes�.

Kuhn, que faz afirmações de que progresso em ciência faz-se substituindo as velhas teorias por novas, necessariamente incompatíveis, não parece aplicá-las à �A Revolução Copernicana�, por exemplo, pois ao longo desta verificamos que Copérnico nunca chegou a desembaraçar-se totalmente do paradigma anterior; mas ao invés, e apesar de ser bastante inovador em termos práticos, Brahe nunca aceitou a inovação da teoria de Copérnico.

Segue-se então que nunca terá existido um ponto de ruptura total entre estes paradigmas. Que o período de crise não correspondeu a esse ponto, mas sim a um sucessão de esquemas conceptuais, os sistemas de Copérnico, Brahe, Kepler, Digges, Bruno, Cusa, Descartes, Borelli e finalmente, Newton. Estes sim, ocorreram de um maneira quase descontínua, apesar de em alguns deles encontrar-mos

17

Page 19: Rev Copernicana para Thomas Khun

semelhanças com os anteriores, e embora todos (excepto o de Brahe) sejam bastante semelhantes ao sistema inicial proposto por Copérnico.

Face a todas estas contradições, será justo afirmar que a teoria de Thomas Kuhn é completamente errada? Talvez o seu maior erro, e que torna esta uma teoria menos adequada à realidade consiste na ideia de um ponto de ruptura entre paradigmas, total e necessário para que se possa dizer que existiu progresso em ciência.

Voltemos novamente às teorias propostas por Feyaraben e Lakatos. Podemos dizer que as maiores diferenças entre estas teorias e a de Kuhn, tem sobretudo a ver com a incomensurabilidade dos paradigmas. Para Kuhn, estes são totalmente incompatíveis, e existe um período de tempo que marca um ponto de ruptura total- o período de crise e revolução. Segundo Kuhn, �Abandona-se a ideia segundo a qual a nova teoria inclui em si a velha como um caso específico, pois não tem em conta o facto de que o novo paradigma atribui a velhos conceitos significados novos, tornando-os semanticamente incomensuráveis com os velhos.[...] A nova teoria não pode corresponder semanticamente à velha.�. Mas �apenas se pode esperar que a nova teoria seja capaz de explicar a velha, depois de ter reinterpretado os fenómenos já explicados por esta última, nos termos do seu esquema conceptual�. Mas como verificamos, os sistemas nunca chegaram a separar-se totalmente uns dos outros. Apesar de em si, o universo newtoniano muito pouco ter a ver com o universo das duas Esferas, a evolução que existiu entre um e outro não foi brusca, mas sim uma sucessão gradual de esquemas onde o novo esquema, ou era originado a partir do anterior, ou apresentava bastantes características semelhantes com este. Não podemos falar de uma incomensurabilidade dos paradigmas e esquemas. Sinto-me mais inclinada para imaginar o progresso do modo que Lakatos o viu, retirando elementos do paradigma ou esquema anterior, aplicando-os num novo, de uma maneira ou estrutura diferentes, e acrescentando muitos outros elementos que tenham sido descobertos até então.

FIM

18