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  • REVISTA BRASILEIRA DA

    EDUCAO PROFISSIONAL E TECNOLGICA

  • 2008 Ministrio da Educao permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Centro de Informao e Biblioteca em Educao (CIBEC)

    Impresso no Brasil

    Conselho editorialAmarildo Menezes GonzagaDbora Santesso BonnasEliezer Moreira PachecoLuciana Maria V. P. Lopes MendonaLuis Augusto CaldasLuiz Edmundo Vargas AguiarMoiss Domingos Sobrinho

    Comit CientfiCoAlssio Trindade de BarrosBernardo KipnisBraslia Carlos FerreiraGabriel GrabowskiGetlio Marques FerreiraIlma Alencastro Veiga PassosIrineu Mario ColomboJorge Correia Jesuno (Portugal)Luclia MachadoManoel Pereira da CostaMartha Pacheco (Uruguai)

    A Revista Brasileira da Educao Profissional e Tecnolgica uma publicao semestral da Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica do Ministrio da Educao. As opinies expressas nos artigos assinados so de responsabilidade exclusiva de seus autores.

    Ministrio da EducaoSecretaria de Educao Profissional e TecnolgicaEsplanada dos Ministrios, Edifcio Sede, Bloco L, 4 Andar, 70047-900, Braslia DFTel: (61) 2104-8127/ 9526 E-mail: [email protected]

    www.mec.gov.br

    Coordenao editorialMoiss Domingos Sobrinho

    Coordenao exeCutivaPatrcia BarcelosSandra Branchine

    editor responsvelAndr Vilaron

    projeto GrfiCowww.grifodesign.com.br

    revisoDenise Goulart

    fotoGrafiasArquivo Setec/MEC

    impressoGrfica Ideal

    tiraGem3 mil exemplares

    Presidncia da Repblica Federativa do BrasilMinistrio da EducaoSecretaria-ExecutivaSecretaria de Educao Profissional e Tecnolgica

    Revista Brasileira da Educao Profissional e Tecnolgica / Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica.v. 1, n. 1, (jun. 2008 - ). Braslia: MEC, SETEC, 2008.Anual ISSN: 1983-04081. Educao. 2. Educao Profissional. I. Brasil.

    Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica.

    CDU 37:331.363

  • sumrioRevista Brasileira daEducao Profissionale Tecnolgica

    Diferenciais inovadores na formao de professores para a educao profissionalLuclia Regina de Souza Machado

    A formao de docentes para a educao profissional e tecnolgicaDante Henrique Moura

    Fundamentos para o estudo do letramento de comunidades pesqueiras e aqcolas no Brasil no mbito da Poltica para a Formao Humana na rea da Pesca Marinha, Continental e Aqicultura FamiliarCarmen Helena Moscoso Lobato

    8

    23

    39

    Artigos

    Editorial6

  • Incluir sinnimo de dignidade humanaGustavo Maurcio Estevo de Azevedo

    O Plano Nacional de Ps-Graduao (PNPG) 2005-2010, a formao de gestores para a Rede de Educao Profissional e Tecnolgica e as tecnologias de informao e comunicao (TIC): a experincia do Projeto GestorBernardo KipnisOlgamir Francisco de Carvalho

    Educao tecnolgica para a indstria brasileiraAlberto Borges de Araujo

    Identidades e formao nos percursos de vida de jovens e adultos trabalhadores: desafios ao ProejaMaria Ins de Matos Coelho

    Projeto de desenvolvimento, implantao, suporte e manuteno do Observatrio Nacional do Trabalho e da Educao Profissional e TecnolgicaDaniel Vasconcelos Corra da SilvaJayme Freitas Barral NetoRodrigo Valente SerraRomeu e Silva Neto

    EPT Virtual: espao digital de apoio pesquisa e aplicao das TICs na educao profissional e tecnolgicaAntnio de Barros SerraCassandra Ribeiro de Oliveira e SilvaJos Marques Soares

    Acessibilidade nos portais da educao profissional e tecnolgica do Ministrio da EducaoAndra Poletto SonzaDbora Conforto Lucila Santarosa

    Manifestao do Concefet sobre os Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia

    46

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    146Documento

  • Revista Brasileira daEducao Profissional

    e Tecnolgica editorial

    Um novo lugar no desenvolvimento cientfico e tecnolgico nacional

    A Educao Profissional e Tecnolgica atravessa um grande momento, graas s decises de um governo que demonstra profunda compreenso do valor estratgico da mesma para o desenvolvimento nacional. Por essa razo, est em curso um vigoroso plano de expanso da rede federal que dever deixar em pleno funciona-mento, at 2010, 354 unidades de ensino e oferecer em torno de 500 mil vagas, distribudas pelos 26 estados e o Distrito Federal. Para tanto, a Secretaria de Educao profissional e Tecnolgica do Ministrio da Educao est investindo na contratao de pessoal em todos os n-veis , na melhoria da infra-estrutura fsica das escolas, pela necessidade de ofertar uma variada gama de cursos, que devero, como prioridade, estar sintonizados com as demandas do desenvolvimento local e regional.

    Um novo lugar no desenvolvimento cientfico e tecnolgico nacional, portanto, est sendo construdo para essa modalidade de ensino. Novo lugar que resulta das transformaes identitrias gestadas ao longo das ltimas dcadas na rede federal, mas cuja visibilidade social apenas recentemente comeou a tomar forma, seja por meio da criao da Universidade Tecnolgica do Paran e dos esforos para a criao dos Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia, seja pela intensificao e diversificao das atividades de ensi-no visando a atender os mais diferenciados pblicos, nas formas presencial, semi-presencial e a distncia. Que reflexo tambm das atividades de extenso, ino-vao tecnolgica e ps-graduao, do debate sobre a redefinio do ensino agrcola, da realizao das pri-meiras jornadas cientficas regionais e nacionais, dentre

  • outras aes que anunciam a superao do papel da rede federal, at h pouco limitado oferta de cursos profissionalizantes para as camadas mais pobres da populao e de simples fornecedora de mo-de-obra para o desenvolvimento econmico.

    Parte integrante de um projeto de desenvolvimento nacional que busca consolidar-se como soberano, sus-tentvel e inclusivo, a Educao Profissional e Tecnol-gica est sendo convocada no somente para atender s novas configuraes do mundo do trabalho, mas, tam-bm, para contribuir com a elevao da escolaridade dos trabalhadores e trabalhadoras em geral. Nessa dire-o, acredita-se, a atual conjuntura histrica extrema-mente favorvel transforma-o da Educao Profissional e Tecnolgica em importante ator da produo cientfica e tecnolgica nacional. Especial-mente porque o espao social das prticas de ensino, pesquisa e inovao desenvolvidas nessa rea vem se constituindo de forma diferenciada, porquanto mais vinculada cincia apli-cada e s realidades locais, em contraponto quelas desen-volvidas no espao do mundo acadmico. Este o elemento distintivo que est na gnese da constituio de uma identidade social particular para os agentes e instituies a envol-vidos. Fenmeno decorrente da histria, do papel e das relaes especficas que a Educao Profissional e Tec-nolgica tem estabelecido com a cincia e a tecnologia, o desenvolvimento regional e local e com o mundo do trabalho em geral.

    Nesse contexto, a Revista Brasileira da Educao Pro-fissional e Tecnolgica surge para dar visibilidade pro-

    duo cientfica e tecnolgica realizada no mbito dessa modalidade da educao, em particular aquela que busca refletir sobre os temas mais relevantes para o desenvol-vimento nacional. Atualmente, essa produo, principal-mente a da rede federal, encontra-se dispersa em vrias publicaes especializadas em educao, tecnologia e reas afins, dada a inexistncia de um veculo prprio. Da a necessidade de um projeto para divulg-la em um es-pao legtimo e especfico, que contribua para ampliar o dilogo dessa produo com os grandes temas e desafios nacionais no campo da cincia e da tecnologia.

    A seleo dos artigos apresentados neste primeiro nmero destaca o carter plural e democrtico que de-

    ver acompanhar a trajetria da Revista Brasileira da Educao Profissional e Tecnolgica. Des-ta forma, por um lado, apresen-ta-se uma diversidade temtica, com artigos sobre o papel das licenciaturas tecnolgicas, a formao para a rea da pesca, a formao de docentes para a Educao Profissional e Tecno-lgica, as tecnologias assistivas, o Programa Nacional de Inte-grao da Educao Profissio-nal com a Educao Bsica na Modalidade de Educao de Jovens e Adultos PROEJA. Por outro, apresenta-se uma diver-

    sidade de olhares e lugares, envolvendo acadmicos, pesquisadores da prpria rede e intelectuais vinculados ao Servio Nacional da Indstria (SENAI).

    esse o clima desta nova revista. Orgulhamo-nos, portanto, todos da Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica do Ministrio da Educao, do Conselho Editorial e do Comit Cientfico de darmos esse primei-ro passo. A semente est plantada.

    A Revista Brasileira da

    Educao Profissional e

    Tecnolgica surge para

    dar visibilidade produo

    cientfica e tecnolgica

    realizada no mbito dessa

    modalidade da educao.

  • R E V I S T A B R A S I L E I R A D A E D U C A O P R O F I S S I O N A L E T E C N O L G I C A

    Diferenciais inovadores na formao de professores para a educao profissional

    PALAVRAS-ChAVE: Formao de professores; Licenciatura; Educao Profissional e Tecnolgica.

    KEy woRds:

    Formation of teachers; Licensorship; Professional and Technological Education.

    LUCLIA REGINA DE SOUzA MACHADO

    Nmero de acessos ao AVA

    30/JUN06/MAI

    A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V0

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    Mestrandos

    30/JUN06/MAI

    Mestrandos

  • Abstract

    This article puts together some aspects of debates that took place throughout two meetings that this group held in the second semester of 2007, without outrunning the richness of the participants interventions contributions of the GT - Teachers Formation for the Professional and Technological Education, comprised of the Department of Professional and Technological Education Setec do Ministrio da Educao MEC, in association with the Department of Institutional Articulations and Policies. This article has the goal of registering considerations, indications and recommendations made by this very GT and it also bears the aim to contribute for the debates growth of all interested sectors in the construction of a solid and articulate national policy of the formation of teachers regarding the technological and professional education.

    Resumo

    Sem esgotar a riqueza das contribuies das intervenes dos participantes do GT - Formao de Professores para a Educao Profissional e Tecnolgica, constitudo pela Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica - Setec do Ministrio da Educao - MEC, por intermdio do Departamento de Polticas e Articulaes Institucionais, este artigo rene alguns aspectos da discusso ocorrida nas duas reunies que este grupo realizou no segundo semestre de 2007. Trata-se de um assunto urgente, complexo e de enorme relevncia educacional. O objetivo deste artigo o de registrar consideraes, indicaes e recomendaes feitas por este GT e sua finalidade a de contribuir para a ampliao do debate de todos os setores interessados na construo de uma slida e articulada poltica nacional de formao de professores para a educao profissional e tecnolgica.

    D I F E R E N C I A I S I N O V A D O R E S N A F O R m A O D E P R O F E S S O R E S P A R A A E D U C A O P R O F I S S I O N A L

  • R E V I S T A B R A S I L E I R A D A E D U C A O P R O F I S S I O N A L E T E C N O L G I C A10

    IntroduoO estabelecimento de diretrizes e metas para a

    formao e valorizao do magistrio e demais pro-fissionais da educao, no prazo de dez anos, um dos objetivos do Plano Nacional de Educao, Lei n 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Estamos em 2008, j se passaram sete anos! O item 7 deste Plano, que trata da Educao Tecnolgica e Formao Profis-sional, aborda objetivos e metas (7.3), das quais importante destacar duas, as metas 7 e 8. A stima solicita: Modificar, dentro de um ano, as normas atuais que regulamentam a formao de pessoal do-cente para essa modalidade de ensino, de forma a aproveitar e valorizar a experincia profissional dos formadores. A no ser por esta ltima especifica-o, no deixa clara a extenso dessas modifica-es. A oitava meta, contudo, indica que esta modificao no seria muito significativa, j que reitera a norma atual de formar professores para a educao profissional e tecno-lgica por meio de programas especiais: Estabelecer, com a colaborao entre o Minist-rio da Educao, o Ministrio do Trabalho, as universidades, os Cefets, as escolas tcnicas de nvel superior, os servios nacionais de aprendi-zagem e a iniciativa privada, programas de forma-o de formadores para a educao tecnolgica e formao profissional (grifos nossos).

    No entanto, a Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica do Ministrio da Educao vem, h al-guns anos, promovendo estudos e discusses sobre uma poltica mais ampla de formao de docentes para esta rea da educao, que contemple a ofer-ta de formao inicial, as licenciaturas. Como for-ma de ampliar a participao neste debate de todos os setores interessados e traar delineamentos que expressem, de forma convergente, as necessidades e demandas neste campo, a Setec/MEC, por inter-mdio do Departamento de Polticas e Articulaes Institucionais, constituiu um grupo de trabalho (GT) para sistematizar as questes referentes ao diagns-tico e s propostas de alternativas. A formao deste GT (Formao de Professores para a Educao Pro-

    fissional e Tecnolgica) expressa o compromisso as-sumido pela Setec quando da realizao do evento Simpsio Educao Superior em Debate: Formao de Professores para a Educao Profissional e Tec-nolgica, realizado em setembro de 2006 por esta Secretaria e pelo Inep.

    O GT Formao de Professores para a Educao Profissional e Tecnolgica reuniu-se duas vezes no segundo semestre de 2007, uma na prpria Setec (Braslia) e outra em So Lus (MA), nas dependncias do Cefet/MA. Participaram destas discusses: Alssio Trindade de Barros (Setec/MEC); Beatriz Helena Si-queira Katrein (Cefet/Pelotas); Caetana Juracy Rezen-de Silva (Setec/MEC); Edvaldo Pereira da Silva (Con-cefet e Cefet/Roraima); Francisco Aparecido Cordo (Senac/So Paulo); Lizete Kagami (Setec/MEC); Luc-lia Augusta Lindo de Paula (Anfope); Luclia Regina

    de Souza Machado (Centro Universitrio UNA); Luiz Au-gusto Caldas Pereira (Setec/MEC); Maria Cristina Madeira da Silva (Sinasefe); Maria Rita Neto Sales Oliveira (Cefet/Minas Gerais); Marisa Pieda-de Ramos (Cefet/Maranho); Rita de Cssia Daher Botelho (Cefet/Campos); Roland Bas-chta Jnior (UTFPR).

    Sem contemplar, naturalmente, toda a complexi-dade e riqueza de detalhes do contedo das inter-venes dos participantes deste GT, o presente texto busca apresentar aspectos considerados fundamen-tais das consideraes, indicaes e recomendaes que foram feitas nestas duas reunies.

    Com a chamada da Setec para a primeira reunio do ciclo de palestras para discusso das licenciaturas nos Institutos Federais de Educao, realizada, em Braslia, em maro de 2008, a expectativa que no-vos elementos se incorporaro a esta discusso.

    O GT Formao de Professores para a Educao Profissional e Tecnolgica dever, assim, ao recupe-rar a discusso acumulada sobre o tema, concluir o desenho da proposta-base de licenciaturas para a Educao Profissional e Tecnolgica, como contri-buio ao interesse da Setec/MEC de apresentar ao Conselho Nacional de Educao o resultado dos seus estudos e concluses.

    A expectativa que novos

    elementos se incorporaro

    a esta discusso.

  • D I F E R E N C I A I S I N O V A D O R E S N A F O R m A O D E P R O F E S S O R E S P A R A A E D U C A O P R O F I S S I O N A L 11

    1. Pequeno histrico da formao de professores para a educao profissional

    A falta de concepes tericas consistentes e de po-lticas pblicas amplas e contnuas tem caracterizado, historicamente, as iniciativas de formao de docentes especificamente para a educao profissional, no Brasil.

    A criao da Escola Normal de Artes e Ofcios Wen-ceslau Brs, em 1917, no antigo Distrito Federal, cons-titui o incio dessas iniciativas, j impregnado pelas di-ficuldades que vieram a seguir. Fechada pouco tempo depois, em 1937, essa escola, embora tenha chegado a ter 5.301 matriculados durante este perodo, habi-litou apenas 381 professores (309 mulheres), em sua grande maioria para atividades de trabalhos manuais em escolas primrias. Em menor nmero, professores, mestres e contramestres para escolas profissionais.

    Em 1942, a demanda por este tipo de formao foi acatada pela Lei Orgnica do Ensino Industrial (Art. 53), sem conseqncias prticas importantes. Destaca-se, no perodo, o primeiro Curso de Aperfeioamento de Professores do Ensino Industrial, em 1947, no Rio de Janeiro, com durao de um ano e trs meses, ini-ciativa da Comisso Brasileiro-Americana do Ensino Industrial CBAI, uma inspirao da Usaid (Agncia dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Interna-cional). Esta comisso patrocinou ainda a formao de gestores, enviando, neste mesmo ano, dois grupos de dez diretores de escolas tcnicas industriais para o curso de Administrao de Escolas Tcnicas do State College (Pensilvnia, EUA).

    Com a LDB n 4.024/1961, artigo 59, dois cami-nhos separados foram estabelecidos para a formao de professores. Em faculdades de filosofia, cincias e letras, os que se destinassem ao magistrio no ensino mdio. Em cursos especiais de educao tcnica, os que se habilitassem para disciplinas do ensino tcnico. Este artigo, porm, demorou a ser regulamentado, o que aconteceu somente em 1967 e 1968.

    Antes desta regulamentao, o MEC chegou a to-mar algumas iniciativas. Em 1961, baixou a Portaria Ministerial 141/61, que estabeleceu normas para re-gistros de professores do ensino industrial e o Conse-lho Federal de Educao emitiu parecer (parecer CFE

    n 257/63) para aprovar o curso especial de educa-o tcnica em cultura feminina, destinado a formar o magistrio de economia domstica e trabalhos ma-nuais. O MEC definiu, tambm, pela Portaria Minis-terial 174/65, a carga horria (800 aulas) e o nmero mnimo de dias letivos (180) do curso de didtica do ensino agrcola. Houve ainda, em 1965, a criao da Universidade do Trabalho de Minas Gerais (Utramig), que, nos seus objetivos, inclua a formao de instru-tores e professores de disciplinas especficas do ensino tcnico industrial.

    O Parecer CFE n 12/1967 foi o primeiro dispositi-vo de regulamentao dos cursos especiais de educa-o tcnica previstos pela LDB n 4.024/61 e teve ba-sicamente o objetivo de esclarecer a finalidade destes cursos. Com base neste Parecer, a Portaria Ministerial n 111/68 esclareceu que tais cursos seriam destinados aos diplomados em nvel superior ou em nvel tcnico em cujos currculos figurassem disciplinas escolhidas para lecionar e definiu o mnimo de 720 horas-aula. Cursos reservados a formar instrutores teriam, pelo menos, 200 horas-aula. O Art. 59 foi tambm regu-lamentado pelo Parecer CFE n 479/68, que estabe-leceu a obrigatoriedade de seguir currculo mnimo e as orientaes do Parecer n 262/62, que fixava a durao da formao dos professores do ensino mdio geral, incluindo as posteriores disposies que viessem modificar, esclarecer ou substituir tal dispositivo.

    A reforma universitria (Lei n 5.540/68) fez uma exigncia que foi, porm, logo em seguida relaxada: determinou que a formao de todos os professores do ensino de segundo grau, tanto para disciplinas ge-rais quanto tcnicas, deveria se dar em nvel superior. Normas complementares (Art. 16 do Decreto-lei n 464/69) argiram, contudo, que no havendo profes-sores e especialistas formados em nvel superior, exa-mes de suficincia realizados em instituies oficiais de ensino superior indicadas pelo CFE poderiam conferir esta habilitao. Tal Decreto-lei estabelecia, contudo, um prazo de cinco anos para a regularizao da situa-o dos no diplomados em nvel superior que, na data da publicao da Lei n 5.540/68, ministravam discipli-nas especficas no ensino tcnico ou exerciam funes de administrao e de especialistas no ensino primrio, exigncia que no foi, entretanto, atendida.

    A carncia de professores de ensino tcnico habili-tados em nvel superior, exigncia da Lei n 5.540/68,

  • R E V I S T A B R A S I L E I R A D A E D U C A O P R O F I S S I O N A L E T E C N O L G I C A12

    levou o MEC a ser autorizado, em 1969, por meio do Decreto-lei 655/69, a organizar e coordenar cursos superiores de formao de professores para o ensino tcnico agrcola, comercial e industrial. Criou-se1 uma agncia executiva do Departamento de Ensino Mdio do MEC (Fundao Cenafor ou Centro Nacional de Aperfeioamento de Pessoal para a Formao Profis-sional)2 e o CFE emitiu pareceres de orientao3.

    Foram, ento, desenhados cursos emergenciais, denominados Esquema I e Esquema II (Portaria Mi-nisterial 339/70). Os primeiros para complementao pedaggica de portadores de diploma de nvel supe-rior. Os segundos para tcnicos diplomados e incluam disciplinas pedaggicas do Esquema I e as de conte-do tcnico especfico.

    Nesta poca, chegou-se a planejar a formao de professores para a formao profissional. Em 1970, o CFE aprovou um plano nesse sentido e outro adicional sobre concurso vestibular e currculos, por meio dos Parece-res 151/70 e 409/70, respectivamente. Em 1971, surgiu outro plano (Parecer 111/71) sobre formao de profes-sores para disciplinas especializadas, mas voltado para o ensino mdio em geral para atender Lei n 5.692/714. As diretorias do MEC de ensino agrcola, industrial e co-mercial foram fundidas em um s departamento de en-sino mdio. Face urgncia de atender ao que prescre-

    via esta lei, os cursos Esquemas I e II ganharam normas adicionais do MEC5 e o CFE tratou de currculo mnimo para a formao de professores para disciplinas corres-pondentes s reas econmicas primria, secundria e terciria (Parecer 1.073/72).

    O CFE, nesta poca, recebeu um grande nmero de consultas, pois, quela poca, havia a exigncia de obter registros junto ao MEC para o exerccio da profis-so docente, baixando normas para os professores das disciplinas especficas do ensino de 2 grau6, sobre pos-sibilidades de continuao de estudos e ingressos nos cursos Esquema I e II7. Os assuntos referentes a registro de professor e fixao de currculo mnimo ainda foram objeto de ateno do CFE at o ano de 19768.

    Em 1977, a Resoluo n 3 do CFE instituiu a li-cenciatura plena para a parte de formao especial do 2 grau, fixando currculo mnimo e determinando que as instituies de ensino que ofertassem os Es-quemas I e II os transformassem em licenciaturas. Foi dado um prazo mximo de trs anos para isso, a partir da vigncia dessa norma. Excepcionalmente, o Esque-ma I foi admitido e apenas para as regies com falta de recursos materiais e humanos para implantar esta licenciatura. Passados 30 anos, no se generalizou a licenciatura e pouco sucesso se obteve com relao implantao dessa licenciatura.

    1. Decreto-lei n 616/69.2. O Cenafor supervisionava os planos de execuo de cursos dos centros de educao tcnica (Centro de Educao Tcnica do Rio Grande

    do Sul Cetergs; Centro de Educao Tcnica da Guanabara Ceteg; Centro de Ensino Tcnico de Braslia Ceteb; Centro de Educao Tcnica da Bahia Ceteba; Centro de Educao Tcnica do Nordeste Cetene; Centro de Educao Tcnica da Amaznia Ceteam).

    3. Parecer CFE n 266/69, para as reas comercial e industrial; Parecer CFE n 392/69, para o Ensino Mdio Tcnico; Parecer CFE n 638/69, sobre a equivalncia dos cursos de Formao de Professores do Ensino Industrial e Tcnico; Parecer CFE n 214/70, para a formao de professores do ensino tcnico-industrial. O Parecer CFE n 74/70 veio para estabelecer cargas horrias desses cursos especiais. No mnimo, 1.600 horas-aula cumpridas em 9 meses ou 800 horas-aula, em 5 meses, se o candidato j tivesse formao tcnica especfica em nvel mdio ou superior.

    4. Que reformou o ensino de 1 e 2 graus e instituiu a profissionalizao universal e compulsria neste ltimo. O Relatrio do Grupo de Trabalho (1970), que serviu de base para o anteprojeto desta lei, indicou a necessidade de formar cerca de 200.000 professores at 1980.

    5. Portaria Ministerial n 432/71.

    6. Parecer CFE n 3.761/74 (rea econmica primria); Parecer CFE n 3.771/74 (docente de disciplinas especficas do antigo ensino mdio tcnico); Parecer CFE n 3.774/74 (disciplinas especficas do ensino de 2 grau); Parecer CFE n 3.775/74 (nvel do antigo curso de formao e aperfeioamento de professores do ensino comercial).

    7. Parecer CFE n 1.886/75, sobre a possibilidade de continuao de estudos para professores de artes prticas, habilitao em artes industriais, e ingresso no curso de formao de professores de matrias especficas Esquema II para o exerccio do magistrio de 2 grau. Parecer CFE n 1.902/75 sobre ingresso de diplomados em nvel superior em cursos de Esquema I. Parecer CFE n 2.517/75 sobre possibilidade de complementao dos estudos de licenciatura plena dentro do Esquema II para os licenciados em cursos de curta durao. Parecer CFE n 51/76 sobre a extenso a qualquer diplomado em nvel superior da complementao pedaggica prevista para os cursos do Esquema I pela Portaria 432/71.

    8. Parecer CFE n 532/76 sobre registro de professor de disciplinas especializadas do ensino de 2 grau e Parecer n 4.417/76 sobre currculo mnimo do curso de graduao de professores da parte de formao especial do currculo do ensino de 2 grau.

  • D I F E R E N C I A I S I N O V A D O R E S N A F O R m A O D E P R O F E S S O R E S P A R A A E D U C A O P R O F I S S I O N A L 13

    A transformao das Escolas Tcnicas Federais de Mi-nas Gerais, Paran e Rio de Janeiro em Cefets (os primei-ros) em cumprimento Lei n 6.545/78 ensejou grande expectativa nesse sentido, pois um de seus objetivos era precisamente oferecer ensino superior de licenciatura plena e curta, visando formao de professores e espe-cialistas para as disciplinas especializadas do ensino de 2 grau e dos cursos de formao de tecnlogos.

    Entre 1979 e 1982, o CFE emitiu diversos pareceres: sobre registro de professores oriundos dos Esquemas I e II9, sobre autorizao para a oferta de cursos emergen-ciais (Parecer CFE 1.004/80), sobre a adaptao desses cursos aos termos da Resoluo CFE n 3/77 (licencia-turas)10, incluindo resoluo sobre o assunto (Resoluo CFE no. 1/81). Mas, em vez das licenciaturas, os esque-mas se impunham, chegando a Sesu/MEC a aprovar, em 1979, um plano para cursos emergenciais (Parecer Sesu/MEC no. 47/79).

    Houve, assim, um relaxamento da Resoluo CFE n 3/77, assim como o ocorrido com a exigncia da Lei n 5.540/68, confirmado com a publicao da Re-soluo CFE n 7/82, que alterou os artigos 1 e 9 da Resoluo CFE n 3 e tornou opcional a formao de professores da parte de formao especial do currculo de ensino de 2 grau, por via dos Esquemas I e II ou por via da licenciatura plena. Normas sobre a organizao e o funcionamento de todas essas modalidades de cursos foram definidas na Portaria MEC n 299/82.

    A Resoluo CFE n 7/82 (de flexibilizao) surgiu no mesmo ano em que se promulgou a Lei n 7.044/82, que alterou dispositivos da Lei n 5.692/71, referentes obrigatoriedade da profissionalizao do aluno no ensino de 2 grau. A nova lei manteve o objetivo geral do ensino de 1 e 2 graus de proporcionar ao educan-do a formao necessria ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realizao e para o exerccio consciente da cidadania, mas aboliu a exigncia da qualificao para o trabalho no 2 grau.

    Ambos os nveis de ensino deveriam, doravante, fazer simplesmente uma preparao geral para o trabalho, entendida como um elemento obrigatrio de formao integral do aluno. No 2 grau, a habilitao profissional ficou como opcional e a critrio do estabelecimento de ensino, que deveria, ento, atender aos mnimos fixa-dos pelo CFE para contedos e durao.

    Pouco tempo depois, em 1986, houve a extino dos rgos dedicados formao docente para o ensi-no tcnico vinculados ao MEC: a Coordenao Nacio-nal do Ensino Agrcola Coagri e o Centro Nacional de Aperfeioamento de Pessoal para a Formao Profissio-nal Cenafor11. Suas responsabilidades foram transferi-das para a Secretaria de Ensino de Segundo Grau (SESG) do MEC, que instituiu um grupo de trabalho, por meio da Portaria Sesu/Sesg/MEC n 355/87, destinado a ela-borar proposta de cursos regulares de licenciatura plena em matrias especficas do ensino tcnico industrial de 2 grau. Esta proposta foi encaminhada em 1989 ao CFE. A formao de docentes para as disciplinas espe-cficas do 2 grau permaneceu em pauta, sendo objeto, em 1989, do Parecer n 632/89, da Comisso Especial Interconselhos (CFE e Conselho de Mo-de-Obra). Em 1991, o CFE, mediante Parecer n 31/91, sugere o re-exame da legislao pertinente, maior flexibilidade e melhor compatibilidade entre os textos legais que tra-tam do assunto. A discusso mais geral sobre a nova LDB ocupou, porm, os debates educacionais.

    A LDB n 9.394/96 trouxe referncias gerais para a formao de professores, extensivas aos de disciplinas especficas: formao mediante relao teoria e prtica, aproveitamento de estudos e experincias anteriores dos alunos desenvolvidas em instituies de ensino e em ou-tros contextos, e prtica de ensino de, no mnimo, 300 horas. O Decreto n 2.208/97, que veio regulamentar os artigos da nova LDB referentes educao profissional, interpretou, no seu artigo 9, que as disciplinas do ensino tcnico poderiam ser ministradas no apenas por profes-sores, mas por instrutores e monitores, uma incria com

    9. Parecer CFE n 919/79; Parecer CFE n 136/80; Parecer CFE n 867/80; Parecer CFE n 589/80; Parecer CFE n 67/81 e Parecer CFE n 335/82.

    10. Parecer CFE n 1.092/80.

    11. Pela Portaria Ministerial n 821/86, foram transferidas as responsabilidades da extinta Coagri para a Sesg/MEC, e pela Portaria MEC n 66/87, as responsabilidades do Cenafor tambm para a Sesg/MEC.

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    relao s exigncias de habilitao docente. Previa que estes deveriam ser selecionados, principalmente, pela experincia profissional, que a preparao para o ma-gistrio no precisaria ser prvia, pois poderia se dar em servio e manteve a admisso de programas especiais de formao pedaggica. Apesar disso, cursos regulares de licenciatura foram tambm citados, mas sem quaisquer outras referncias mais concretas.

    O CNE, mediante Resoluo n 2/97, disps so-bre os programas especiais de formao pedaggica de docentes para as disciplinas do currculo do ensi-no fundamental e do ensino mdio e, relanceando os olhos para a educao profissional em nvel mdio, achou uma forma de incluir a formao de professores para esta modalidade nesta resoluo, sem promo-ver a discusso sobre a alternativa das licenciaturas. Destinados aos diplomados em cursos superiores, tais cursos especiais devem se relacionar habilitao pre-tendida, enfatizar a metodologia de ensino especfica a ela, concedendo direitos a certificado e registro pro-fissional equivalentes licenciatura plena; tudo isso em pelo menos 540 horas, incluindo a parte terica e prtica, esta com durao mnima de 300 horas. Ou seja, a parte terica se reduziu ao mnimo de 240 ho-ras, podendo ser, ainda, oferecida na modalidade a distncia. A Resoluo CNE n 2/97 previa avaliao desta poltica pelo CNE num prazo de cinco anos. Di-versos pareceres foram emitidos por esse rgo para responder s consultas recebidas sobre essa norma, in-cluindo uma originada do Poder Judicirio12.

    Em 4/4/2006, foi aprovado pelo CNE o Parecer CNE/CP n 5/06, que aprecia a Indicao CNE/CP n 2/02 sobre diretrizes curriculares nacionais para cursos de formao de professores para a educao bsica. Este parecer prev que os cursos de licenciatura destinados formao de professores para os anos finais do ensino fundamental, o ensino mdio e a educao profissional de nvel mdio sero organizados em habilitaes es-pecializadas por componente curricular ou abrangentes por campo de conhecimento, conforme indicado nas diretrizes curriculares pertinentes.

    2. Licenciaturas para a educao profissional: uma necessidade urgente

    A carncia de pessoal docente qualificado tem se constitudo num dos pontos nevrlgicos mais im-portantes que estrangulam a expanso da educao profissional no pas. Atualmente, anunciam-se diver-sas medidas orientadas expanso quantitativa da oferta desta modalidade educativa no pas, incluin-do-se a reorganizao das instituies federais de educao profissional e tecnolgica. Por outro lado, ampliou-se o entendimento de que essa modalida-de educacional contempla processos educativos e investigativos de gerao e adaptao de solues tcnicas e tecnolgicas de fundamental importncia para o desenvolvimento nacional e o atendimento de demandas sociais e regionais, o que requer o provimento de quadros de formadores com padres de qualificao adequados atual complexidade do mundo do trabalho.

    Compreende-se que a resoluo deste gargalo condio fundamental organizao, planejamento e coordenao nacional dos esforos de superao da estrutura fragmentada que ainda caracteriza a educao profissional no Brasil, requisito fundamen-tal sua institucionalidade, e que isso s ser possvel mediante o desenvolvimento de concepo consis-tente e poltica nacional ampla e contnua de forma-o profissional de docentes para esta rea.

    H, hoje, ofertas formativas diversificadas de for-mao de docentes para este campo, mas so muito reduzidas considerando o potencial de demanda e nem sempre atendem a todos os perfis de entrada dos candidatos. Essas ofertas so constitudas por pro-gramas especiais, cursos de ps-graduao, formao em servio e formao a distncia. Poucas so, entre-tanto, as iniciativas de cursos de licenciatura.

    12. Parecer CNE/CP n 108/99, Parecer CNE/CEB n 25/00, Parecer CNE/CES n 364/00, Parecer CNE/CES n 1.069/00, Parecer CNE/CES n 678/01, Parecer CNE/CP n 25/01, referente consulta do Poder Judicirio, Parecer CNE/CP n 25/02 e Parecer CNE/CEB n 37/02.

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    Apesar disso, as licenciaturas tm sido apontadas como absolutamente essenciais por serem o espa-o privilegiado da formao docente inicial e pelo importante papel que podem ter na profissionaliza-o docente, para o desenvolvimento de pedagogias apropriadas s especificidades da educao profis-sional, o intercmbio de experincias no campo da educao profissional, o desenvolvimento da refle-xo pedaggica sobre a prtica docente nesta rea, o fortalecimento do elo entre ensino-pesquisa-exten-so, pensar a profisso, as relaes de trabalho e de poder nas instituies escolares, a responsabilidade dos professores etc.

    As exigncias com relao ao perfil dos docentes da educao profissional esto, hoje, mais elevadas. No mais suficiente o padro do artesanato, quan-do o mestre da oficina-escola se apresentava como o espelho que o aluno praticante deveria adotar como referncia. Superado tambm est o padro da escola-oficina, que impunha ao aluno a aplicao de sries metdicas de aprendizagem. Instrutores recrutados nas empresas, segundo o padro de que para ensinar basta saber fazer, apresentam grandes limitaes no somente pedaggicas, mas tambm tericas com rela-o s atividades prticas que ensinam.

    Os professores da educao profissional enfrentam novos desafios relacionados s mudanas organizacio-nais que afetam as relaes profissionais, aos efeitos das inovaes tecnolgicas sobre as atividades de tra-balho e culturas profissionais, ao novo papel que os sistemas simblicos desempenham na estruturao do mundo do trabalho, ao aumento das exigncias de qualidade na produo e nos servios, exigncia de maior ateno justia social, s questes ticas e de sustentabilidade ambiental. So novas demandas construo e reestruturao dos saberes e conheci-mentos fundamentais anlise, reflexo e interven-es crticas e criativas na atividade de trabalho.

    Superar o histrico de fragmentao, improviso e insuficincia de formao pedaggica que caracteri-za a prtica de muitos docentes da educao profis-sional de hoje implica reconhecer que a docncia muito mais que mera transmisso de conhecimentos empricos ou processo de ensino de contedos frag-mentados e esvaziados teoricamente. Para formar a fora de trabalho requerida pela dinmica tecnol-gica que se dissemina mundialmente, preciso um outro perfil de docente capaz de desenvolver peda-gogias do trabalho independente e criativo, construir a autonomia progressiva dos alunos e participar de projetos interdisciplinares.

    Uma poltica definida para a formao de profes-sores que atenda a tais necessidades ser certamente um grande estmulo para a superao da atual debili-dade terica e prtica deste campo educacional com relao aos aspectos pedaggicos e didticos.

    Entidades da rea da educao, tais como Anped, Anfoppe, Anpae, Cedes e Forundir, tm reiterado argumentos que evidenciam a impropriedade das solues que acabam transformando polticas emer-genciais de formao de professores em solues permanentes. Tm, igualmente, chamado a ateno para a necessidade de uma ampla e massiva poltica que leve consolidao de um sistema nacional de formao docente, que inclua a modalidade inicial, a continuada, as necessrias articulaes entre for-mao inicial e continuada, bem como estratgias de formao de formadores. O que se requer a inclu-so das demandas de formao de professores para a educao profissional no bojo desta discusso, pre-servando-se o carter unitrio deste sistema nacional de formao docente, evitando-se dar continuidade fragmentao das polticas.

    Isso porque professores de educao bsica e de educao profissional comungam das mesmas neces-

    Uma poltica definida para a formao de professores que atenda a tais necessidades ser certamente um grande estmulo para a superao da atual debilidade terica e prtica deste campo

    educacional com relao aos aspectos pedaggicos e didticos.

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    sidades com relao valorizao de sua formao, desenvolvimento profissional, condies de trabalho, salrio e carreira, que os permitam enfrentar a precari-zao e se envolverem com todo o comprometimento necessrio educao de qualidade. Por outro lado, cada vez maior a aproximao entre esses dois gru-pos de profissionais docentes, em razo da expanso da educao profissional de nvel tcnico integrada ao ensino mdio, inclusive na modalidade EJA.

    As entidades acima referidas tm chamado a aten-o, tambm, para a necessidade de que a formao inicial do jovem egresso do ensino mdio seja desen-volvida de forma presencial nas licenciaturas e no em cursos na modalidade a distncia. Salientam, por fim, a importncia da poltica de acompanhamento dos processos de criao, credenciamento e autorizao de cursos e de avaliao permanente dos mesmos.

    3. Especificidades da formao de professores para a educao profissional

    A educao profissional tem no seu objeto de estudo e interveno sua primeira especificidade, a tecnologia. Esta, por sua vez, se configura como uma cincia trans-disciplinar das atividades humanas de produo, do uso dos objetos tcnicos e dos fatos tecnolgicos. Do ponto de vista escolar, disciplina que estuda o trabalho hu-mano e suas relaes com os processos tcnicos.

    prprio do ensinar-aprender tecnologia e, por-tanto, da docncia na educao profissional tratar da interveno humana na reorganizao do mundo fsi-co e social e das contradies inerentes a esses proces-sos, exigindo discutir questes relacionadas s necessi-dades sociais e s alternativas tecnolgicas.

    Porm, o carter operatrio da tecnologia e a possi-bilidade de transformar o real, mudana que constitui um efeito concreto fundamental, podem ganhar repre-sentaes diversas que acompanham os sentidos atribu-veis idia de eficcia e de sucesso. Da a necessidade de uma formao consistente, fundamentada e crtica.

    Por outro lado, os conhecimentos tecnolgicos, ao se condensarem em atos humanos e em artefatos (co-nhecimentos mortos), so historicamente determinados e nem sempre so transmissveis pelos meios discursi-vos, exigindo do docente e do aluno um esforo de pesquisa, de decodificao e re-significao.

    A docncia na educao profissional, portanto, no se faz sem a avaliao de opes tecnolgicas, o que requer apreender conhecimentos tcitos e o estado-da-arte do desenvolvimento tecnolgico, entender os motivos pelos quais h problemas em aberto mesmo existindo solues tecnolgicas para os mesmos, apren-der com lies deixadas por experincias pessoais ou coletivas passadas e imaginar futuros possveis ou alter-nativos das tecnologias.

    H invenes tecnolgicas que precedem ao de-senvolvimento das cincias indicando a necessidade de abordagens no lineares das relaes entre cin-cia e tecnologia que levem em conta as peculiarida-des destes campos.

    importante ter em vista que a mudana tecnol-gica tambm obra dos usurios de tecnologia, que a transformam e a adaptam quando tomam decises visando aumentar a confiabilidade e a rentabilidade destes recursos ou diminuir os riscos implicados (por exemplo, sobre meio ambiente), levando produo de novos saberes nascidos destas iniciativas e expe-rincias prticas. Da porque h necessidade de dar ateno tambm ao dilogo entre os conhecimentos tecnolgicos escolarizados e os que nascem dessas ini-ciativas e experincias prticas extra-escolares.

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    As formas de organizao da educao profissio-nal tambm so muito heterogneas, implicando uma diversidade de currculos, status dos formadores e das instituies de formao: diviso em setores econmicos (agrcola, industrial e servios), em reas profissionais ou em eixos tecnolgicos, variada rede de escolas e centros, mantenedoras pblicas nas trs esferas governamentais, mantenedoras privadas, regionalizao, nveis, relao com outras modalidades educacionais etc.

    No Brasil, inclui-se na educao profissional: os programas de formao inicial e continuada de traba-lhadores; o ensino tcnico nas formas concomitante, subseqente e integrado ao ensino mdio; as variantes da formao inicial e continuada e do ensino tcnico quando ministradas de forma articulada com a educa-o de jovens e adultos e a graduao tecnolgica.

    preciso considerar, portanto, a complexidade deste todo e as necessidades de cada uma das particu-laridades internas ao conjunto da educao profissio-nal brasileira. Apenas para ficar no nvel do ensino tc-nico, preciso lembrar que quando o docente atua:

    no ensino tcnico integrado ao mdio, ele deve saber integrar os conhecimentos cientficos, tec-nolgicos, sociais e humansticos, que compem o ncleo comum de conhecimentos gerais e uni-versais, e os conhecimentos e habilidades relati-vas s atividades tcnicas de trabalho e de pro-duo relativas ao curso tcnico em questo;

    no ensino tcnico concomitante ao mdio, ele deve saber articular o planejamento e o desen-volvimento dos cursos, de modo a aproveitar oportunidades educacionais disponveis; e

    no ensino tcnico subseqente ao mdio, ele deve saber lidar com um alunado heterogneo que j concluiu o ensino mdio e reforar a formao obtida na educao bsica parale-lamente ao desenvolvimento dos contedos especficos habilitao.

    a)

    b)

    c)

    Dada esta diversidade de situaes e disperso das solues que vm sendo praticadas, os professores da educao profissional so levados a atuar com um mnimo de orientaes pedaggicas e tcnicas. Com isso, o trabalho de transposio didtica realizado geralmente sem qualquer avaliao externa.

    Por ltimo, a especificidade da formao dos do-centes da EPT tambm se constitui pela necessidade urgente de sua profissionalizao e valorizao.

    4. O perfil de docente a ser formado para a educao profissional

    pressuposto bsico que o docente da educao profissional seja, essencialmente, um sujeito da reflexo e da pesquisa, aberto ao trabalho coletivo e ao cr-tica e cooperativa, comprometido com sua atualizao permanente na rea de formao especfica e pedaggi-ca, que tem plena compreenso do mundo do trabalho e das redes de relaes que envolvem as modalidades, nveis e instncias educacionais, conhecimento da sua profisso, de suas tcnicas, bases tecnolgicas e valores do trabalho, bem como dos limites e possibilidades do trabalho docente que realiza e precisa realizar.

    As bases tecnolgicas constituem um diferencial importante do perfil do docente a ser formado, pois se referem ao conjunto sistematizado de conceitos, princpios e processos relativos a um eixo tecnolgico e a determinada rea produtiva de bens e servios, resultante, em geral, da aplicao de conhecimentos cientficos. Nesse sentido, o perfil do docente precisa, tambm, estar alicerado em bases cientficas, nos con-ceitos e princpios das cincias da natureza, da mate-mtica e das cincias humanas, presentes nas tecnolo-gias e que fundamentam suas opes estticas e ticas e seu campo de atuao. Precisa, ainda, estar apoiado

    pressuposto bsico que o docente da educao profissional seja, essencialmente, um sujeito da reflexo e da pesquisa, aberto ao trabalho

    coletivo e ao crtica e cooperativa, comprometido com sua atualizao permanente na rea de formao especfica e pedaggica.

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    em bases instrumentais relativas a linguagens e cdigos, que permitem ler e interpretar a realidade e comuni-car-se com ela, habilidades mentais, psicomotoras e de relacionamento humano.

    Entende-se que se trata de um profissional que sabe o que, como e por que fazer e que aprendeu a ensinar, para desenvolver idnea e adequadamente outros pro-fissionais. Desta forma, tem papel e compromisso como educador, independentemente de outra atividade que venha a ter, contribuindo, assim, como participante ati-vo, para o desenvolvimento da educao profissional.

    Deve, portanto, ter capacidade para elaborar estra-tgias; estabelecer formas criativas de ensino-aprendi-zagem; prever as condies necessrias ao desenvol-vimento da educao profissional, considerando suas peculiaridades, as circunstncias particulares e as situ-aes contextuais em que se desenvolve; realizar um trabalho mais integrado e interdisciplinar; promover transposies didticas contextualizadas e vinculadas s atividades prticas e de pesquisa.

    O perfil profissional do docente da educao profis-sional engloba, alm das especificidades das atividades pedaggicas relativas ao processo de ensino-aprendiza-gem neste campo, as dimenses prprias do planeja-mento, organizao, gesto e avaliao desta modalida-de educacional nas suas ntimas relaes com as esferas da educao bsica e superior.

    Portanto, o professor da educao profissional deve ser capaz de permitir que seus alunos compreendam, de forma reflexiva e crtica, os mundos do trabalho, dos objetos e dos sistemas tecnolgicos dentro dos quais estes evoluem; as motivaes e interferncias das orga-nizaes sociais pelas quais e para as quais estes obje-tos e sistemas foram criados e existem; a evoluo do mundo natural e social do ponto de vista das relaes humanas com o progresso tecnolgico; como os produ-tos e processos tecnolgicos so concebidos, fabricados e como podem ser utilizados; mtodos de trabalho dos ambientes tecnolgicos e das organizaes de trabalho. Precisa saber desenvolver comportamentos pr-ativos e socialmente responsveis com relao produo, dis-tribuio e consumo da tecnologia.

    O professor da educao profissional deve ser capaz de descrever prticas profissionais (como, por quem e dentro de que condies uma atividade realizada),

    de levar em conta o uso que quer fazer desta descrio no processo de ensino-aprendizagem (tipo de apropria-o e grau de utilizao das tcnicas) e de estabelecer a diferena entre ensinar prticas e ensinar os saberes sobre estas prticas (construo mais ou menos elabora-da, mais ou menos formalizada destas prticas).

    Portanto, desejvel que, alm da experincia profissional articulada rea de formao especfica, saiba trabalhar com as diversidades regionais, polticas e culturais existentes, educar de forma inclusiva, con-textualizar o conhecimento tecnolgico, explorar situa-es-problema, dialogar com diferentes campos de co-nhecimentos e inserir sua prtica educativa no contexto social, em todos os seus nveis de abrangncia.

    Em sntese, o perfil do docente da educao pro-fissional precisa dar conta de trs nveis de complexi-dade: a) desenvolver capacidades de usar, nvel mais elementar relacionado aplicao dos conhecimen-tos e ao emprego de habilidades instrumentais; b) desenvolver capacidades de produzir, que requer o uso de conhecimentos e habilidades necessrios concepo e execuo de objetivos para os quais as solues tecnolgicas existem e devem ser adapta-das; e c) desenvolver capacidades de inovar, nvel mais elevado de complexidade relacionado s exi-gncias do processo de gerao de novos conheci-mentos e novas solues tecnolgicas.

    O professor da educao

    profissional deve ser capaz

    de permitir que seus alunos

    compreendam, de forma

    reflexiva e crtica, os mundos

    do trabalho, dos objetos e dos

    sistemas tecnolgicos dentro

    dos quais estes evoluem.

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    5. Propostas de cursos de licenciatura destinados formao inicial de docentes para a educao profissional

    I. Curso de licenciatura para graduados

    Carga horria mnima global 1.200 horas

    Estrutura curricular pedaggica800 horas de formao didtico-pedaggica400 horas de estgio pedaggico supervisionado

    habilitados para docncia emCursos tcnicos de nvel mdioCursos superiores de graduao tecnolgica

    Limites de ao do profissional docente

    Docncia apenas dos contedos profissionais, no mbito das bases tecnolgicas do seu conhecimento

    Vantagens para os formandosAtuar em profisses regulamentadas, com responsabilidade tcnica pela docnciaCurso pode equivaler a um curso de especializao (LS)

    II. Curso de licenciatura integrado com o curso de graduao em tecnologia

    Carga horria mnima global At 4.000 horas

    Estrutura curricular pedaggica

    2.400 horas ou 2.000 horas ou1.600 horas de educao tecnolgica800 horas de formao didtico-pedaggica400 horas de estgio pedaggico supervisionado400 horas de estgio profissional especfico

    habilitados para docncia em Cursos tcnicos de nvel mdio

    Limites de ao do profissional docente

    Docncia apenas dos contedos profissionais, no mbito das bases tecnolgicas do seu conhecimento

    Vantagens para os formandosDois diplomas: um de graduao tecnolgica e outro de licenciaturaPode haver economia de carga horria graas ao currculo integrado (possvel economia mxima de carga horria pela integrao: 400 horas)

    III. Curso de licenciatura para tcnicos de nvel mdio ou equivalente

    Carga horria mnima global 2.400 horas

    Estrutura curricular pedaggica

    800 horas: parte tcnica e de conhecimentos gerais da educao bsica800 horas de formao didtico-pedaggica400 horas de estgio pedaggico supervisionado400 horas de estgio profissional especfico

    habilitados para docncia em Cursos tcnicos de nvel mdio

    Limites de ao do profissional docente

    Docncia apenas dos contedos profissionais, no mbito das bases tecnolgicas do seu conhecimento

    Vantagens para os formandosValorizao de seus conhecimentos e de suas experincias de curso tcnico de nvel mdio

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    IV. Curso de licenciatura para concluintes do ensino mdio

    Carga horria mnima global 3.200 horas

    Estrutura curricular pedaggica

    1.200 horas de contedo tcnico especfico800 horas de formao didtico-pedaggica400 horas de reviso de conhecimentos da educao bsica400 horas de estgio pedaggico supervisionado400 horas de estgio profissional especfico

    habilitados para docncia emCursos tcnicos de nvel mdio(referente a ocupaes no regulamentadas em lei)

    Limites de ao do profissional docente

    Docncia apenas dos contedos profissionais, no mbito das bases tecnolgicas do seu conhecimento

    Vantagens para os formandosIncorporao da formao do tcnico de nvel mdio na modalidade subseqente

    6. Questes gerais sobre organizao curricular e pedaggica das licenciaturas para a educao profissional

    Como todo currculo escolar, o conjunto dos conte-dos da formao dos professores para a educao pro-fissional, em quaisquer das modalidades de licenciatura acima expostas, no deve ser constitudo simplesmente de uma agregao, mas ordenado, organizado e articu-lado segundo finalidades a serem alcanadas. Por isso, importante realizar estudos e pesquisas sobre os conte-dos do processo de ensino-aprendizagem da tecnolo-gia e sobre a organizao desses contedos tomando-se em conta sua especificidade.

    Alguns temas podem ser trabalhados transversal-mente em todos os contedos previstos (os especficos do campo tecnolgico, os da educao geral e os de fundamentao pedaggica), tais como: a evoluo histrica da tecnologia; tecnologia e desenvolvimento cientfico; tecnologia, qualidade de vida e desenvolvi-mento humano; tica e tecnologia; tecnologia e mun-dos do trabalho; tecnologia e impacto socioambiental.

    Os contedos especficos do campo tecnolgi-co devem levar em conta as bases epistemolgicas,

    sociolgicas, polticas, psicolgicas e didticas pr-prias da rea; reunir, num nico movimento, senti-dos unitrios da tecnologia e os que recobrem sua diversidade; considerar os elementos de invarincia da tecnologia para identificar e classificar as estrutu-ras relativamente estveis de organizao curricular e dos processos de aquisio; contemplar a variao dos princpios da tecnologia, a heterogeneidade das abordagens, objetos e quadros conceituais; ser traba-lhados no de forma isolada, mas integrados a siste-mas tecnolgicos mais amplos, que incluem mesmo os de menor porte ou alcance conjuntos complexos de diversos e associados conhecimentos e dispositi-vos cientficos, tcnicos, jurdicos, polticos, econ-micos, sociolgicos e organizacionais.

    Os contedos especficos do campo tecnolgico correspondem a complexos tecnolgicos que envol-vem aspectos da realidade natural e social implicados na atividade humana do trabalho, transpostos para ou-tro contexto de trabalho, o educacional, alicerados em slidas bases cientficas e nas especificidades dos saberes profissionais.

    A formao dos docentes da educao profissional demanda ateno cuidadosa aos contedos pedag-gicos e educacionais relacionados sociologia dos sa-beres tecnolgicos e escolares, psicologia das apren-dizagens, ergonomia cognitiva, histria da educao profissional e tecnolgica, sociologia dos currculos da educao profissional, filosofia da educao, educa-

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    o tecnolgica comparada, avaliao, construo da identidade docente profissional, mtodos de ensino na educao profissional, organizao escolar, polticas e gesto da educao profissional etc.

    Portanto, fundamental que conste da formao pe-daggica dos docentes da educao profissional conte-dos sobre a educao brasileira, a histria da educao profissional, as relaes da educao profissional com o contexto econmico-social, os fundamentos da relao entre trabalho e educao, a discusso sobre produo de saberes no e sobre o trabalho, os espaos de articu-lao entre escola e trabalho, a influncia das redes de pertencimento como legitimao e valorizao dos su-jeitos e seus saberes, mudanas no mundo do trabalho e suas implicaes para a educao, polticas e legisla-o da educao profissional, objetivos e especificidades da educao profissional, conceitos e paradigmas sobre currculo na educao profissional, relaes entre curr-culo, educao, cultura, tecnologia e sociedade; duali-dade na organizao curricular e currculo integrado; a construo curricular na educao profissional, didtica e educao profissional, organizao e planejamento da prtica pedaggica na educao profissional, avaliao do processo de ensino-aprendizagem na educao pro-fissional, docncia na educao profissional etc.

    Os ncleos contextual, estrutural e integrador, esta-belecidos pela Resoluo CNE n 2/97, podem se apre-sentar como uma possibilidade articuladora da estrutura curricular, com vistas a incentivar a integrao de conhe-cimentos necessrios formao dos professores.

    O ncleo contextual trata da compreenso do processo ensino-aprendizagem referido prtica da escola, considerando tanto as relaes que se passam no seu exterior, com seus participantes, quanto as suas relaes, como instituies, como contexto imediato e o contexto em que est inserida; contempla, assim, conhecimentos do papel da escola, da estrutura e legis-lao bsica e tecnolgica e dos fundamentos da edu-cao bsica e profissional.

    O ncleo estrutural, abordando contedos curri-culares, sua organizao seqencial, a avaliao e in-tegrao com outras disciplinas, os mtodos adequa-dos ao desenvolvimento do conhecimento em pauta, bem como sua adequao ao processo ensino-apren-dizagem, visa compreenso do desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, dos conhecimentos

    especficos do campo tecnolgico, da didtica e da psi-cologia aplicadas educao profissional.

    O ncleo integrador, centrado nos problemas con-cretos enfrentados pelos alunos na prtica de ensino, com vistas ao planejamento e reorganizao do trabalho escolar, discutidos a partir de diferentes perspectivas te-ricas, por meio de projetos multidisciplinares, com a par-ticipao de professores das vrias disciplinas do curso, visa uma ao reflexiva sobre a avaliao da aprendiza-gem, a metodologia e a prtica de ensino profissional.

    A formao didtica dos professores da educao profissional se baseia na pesquisa da evoluo histrica das solues para problemas concretos; no acompa-nhamento da elaborao e da divulgao dos conhe-cimentos tecnolgicos; em cenrios que articulam di-versas referncias com relao aos objetos, produtos, tarefas, meios, materiais, documentos, organizao e planificao de esquemas; em pesquisas especficas sobre ferramentas pedaggicas, uso da informtica educativa, tratamento de textos, normas tcnicas, voca-bulrio tcnico, ambientes e materiais, saberes prticos e tcitos, transferncia de tecnologia, julgamentos de valor, disciplinas e matrizes, currculo, relaes com o saber, relaes de saberes, atitudes e representaes, prticas de ensino e de formao.

    importante considerar que os mtodos de ensi-no-aprendizagem das tecnologias no so simples re-flexos ou derivados do conhecimento tecnolgico ou pedaggico, pois eles tambm fazem parte do conjun-to das regras que conduzem s descobertas, invenes e resoluo de problemas tecnolgicos.

    Na formao dos docentes para a educao profissio-nal, fundamental trabalhar diferentes formas de realiza-o da transposio didtica dos contedos especficos considerando a complexa diversidade apresentada por esta modalidade educacional e pelas dimenses econ-micas, sociais e culturais das demandas dos contextos profissionais para os quais se formam os alunos.

    Por isso se prev proporcionar a maior proximidade possvel do processo de ensino-aprendizagem com o contexto social e das relaes do trabalho, garantindo uma ampla base cientfico-tecnolgica e a articulao entre teoria e atividades prticas mediante a oferta de dois tempos de estgio, um na perspectiva do saber docente e outro na perspectiva do aprimoramento do saber tcnico/tecnolgico.

  • R E V I S T A B R A S I L E I R A D A E D U C A O P R O F I S S I O N A L E T E C N O L G I C A22

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    LUCLIA REGINA DE SOUzA MACHADO

    Sociloga, doutora em Educao, com ps-doutorado em Sociologia do Trabalho. coordenadora do Mestrado Profissional em Gesto Social, Educao e Desenvolvimento Local do Centro Universitrio UNA, em Belo horizonte.

  • 23

    A formao de docentes para a educao profissional e tecnolgica

    DANTE HENRIQUE MOURA

    PALAVRAS-ChAVE: Formao de Professores; Educao Profissional e Tecnolgica; Educao Pblica.

    KEy woRds:

    Formation of teachers; Professional and Technological Education; Public Education.

  • 24 R E V I S T A B R A S I L E I R A D A E D U C A O P R O F I S S I O N A L E T E C N O L G I C A

    Abstract

    The formation of teachers of the professional and technological education EPT is discussed in this text. This article is organized in a fashion so it may find solutions for two questions: the formation of teachers for which society? The formation of teachers for which EPT? The theme is developed through bibliographical review and document analysis. We came to the conclusion that in order to reach the route that is outlined throughout the text, it is of paramount importance that there must be a greater articulation among the teaching systems and other governmental organs so the public institutions at EPT may become closer not only to each other but also to the society.

    Resumo

    No texto, discutimos a formao dos docentes da educao profissional e tecnolgica EPT. O trabalho est orga-nizado de forma a buscar respostas para duas questes: formao de professores para que sociedade? Formao de professores para que EPT? Desenvolvemos o tema por meio de reviso bibliogrfica e anlise documental. Conclu-mos que para avanar na direo delineada ao longo do texto, fundamental que haja maior articulao entre os sistemas de ensino e desses com outros rgos e esferas de governo no sentido de aproximar as instituies pblicas que atuam na EPT entre si e na sociedade.

  • A F O R m A O D E D O C E N T E S P A R A A E D U C A O P R O F I S S I O N A L E T E C N O L G I C A 25

    2. Alguns aspectos que limitam o horizonte da discusso

    Nesta parte do texto, vamos refletir, ainda que de forma no exaustiva, sobre alguns elementos que estabe-lecem limites atual discusso acerca da EPT como um todo e, em conseqncia, sobre a formao dos profes-sores que atuam ou atuaro nessa esfera educacional.

    O primeiro deles a falta de uma clareza maior so-bre o modelo de desenvolvimento socioeconmico do pas. O modelo vigente, produto da dependncia eco-nmica externa histrica1, baseado nas exportaes agroindustrial, agropecuria e de matrias-primas e na importao acrtica das tecnologias produzidas nos pa-ses de capitalismo avanado. Isso, ao longo do tempo, vem fazendo com que o pas no tenha modelo prprio de desenvolvimento orientado s suas necessidades e melhorias sociais e econmicas. Ao invs disso, vem pre-valecendo, historicamente, a submisso aos indicadores econmicos, aos organismos internacionais de financia-mento e aos investidores internacionais, principalmente os de curto prazo (na prtica, especuladores).

    Com a consolidao do modelo de sociedade ne-oliberal, apoiada na globalizao dos mercados (AN-DERSON, 1996), a qual, por sua vez, viabilizada e potencializada pelos avanos tecnolgicos, principal-mente, pelas chamadas tecnologias da informao e da comunicao TIC , essa situao se agrava a passos mais largos, de modo que a distncia entre os includos e os excludos aumenta cada vez mais.

    Infelizmente, esse panorama coerente com a lgica do mercado global. Esses coletivos excludos constituem a po-pulao precria (CHOMSKY e DIETERICH, 1999). Essa populao tem um papel relevante ao constituir-se em um exrcito de reserva e contribuir para exercer uma constante presso de baixa sobre os salrios dos que tm emprego e funcionar como armazm humano para equilibrar as oscila-es conjunturais da demanda de mo-de-obra.

    1. Uma aproximao problemtica

    Neste trabalho, discutimos a formao dos do-centes das instituies de educao profissional e tecnolgica EPT. Inicialmente, preciso esclarecer que no podemos analisar diretamente essa questo especfica sem antes refletir, ainda que brevemente, sobre o modelo de desenvolvimento socioeconmi-co do pas e o papel da EPT diante desse modelo.

    Por isso, organizamos todo o trabalho voltado para a elaborao de respostas a duas questes de partida: formao de professores para que socieda-de? Formao de professores para que educao pro-fissional e tecnolgica?

    Desenvolvemos o tema proposto por meio de re-viso bibliogrfica e de anlise documental. Ressal-tamos que o texto no tem o objetivo de apresen-tar uma viso definitiva e fechada sobre as questes tratadas. Contrariamente, a idia central contribuir para o estabelecimento de um debate terico-prtico em torno da temtica, a fim de que se construa uma soluo duradoura e coerente com as verdadeiras necessidades da EPT e da sociedade brasileira.

    Para melhor localizar o leitor no texto, esclarece-mos que o artigo foi dividido em cinco sees: nesta primeira, buscamos dar uma viso geral sobre o tra-balho e apresentar suas demais sees; na segunda, analisamos alguns aspectos que limitam os horizontes dessa discusso; na seguinte, desenvolvemos os fun-damentos de uma proposta de instituies de EPT socialmente produtivas; na quarta, discutimos, em linhas gerais, uma concepo de formao docente compatvel com o perfil das instituies de EPT an-teriormente delineados; e, na ltima, apresentamos algumas idias conclusivas a partir de uma reviso das discusses apresentadas ao longo do texto.

    1. Como este no o tema central do trabalho, sugiro ver algumas obras que tratam essa questo de forma profunda: Freitag (1979); Furtado (1992); Chomsky e Dieterich (1999), s para citar alguns exemplos.

  • R E V I S T A B R A S I L E I R A D A E D U C A O P R O F I S S I O N A L E T E C N O L G I C A26

    De uma forma muito sinttica, podemos representar essa sociedade por meio das seguintes caractersticas:

    o estado como ator coadjuvante (principalmente nos pases perifricos)2;

    a busca desmedida pelo fortalecimento dos mer-cados em detrimento das prioridades sociais;

    a multiculturalidade e a interculturalidade atra-vs de um complexo processo de intercmbio de indivduos, coletividades, naes e naciona-lidades, que produzem contraditoriamente, de um lado, a interdependncia e a integrao, e, de outro, a fragmentao, o antagonismo e a xe-nofobia (CEFET/RN, 1999);

    as transformaes cientfico-tecnolgicas atin-gem todas as atividades humanas na grande maioria dos pases do mundo, de forma que a tecnologia assumida como um valor positivo a priori, gerando a hegemonia da racionalida-de tecnolgica sobre a racionalidade tica. Essa racionalidade passa a organizar o mundo com base na razo instrumental e nos princpios da produtividade, lucratividade e qualidade total (CEFET/RN, 1999);

    a tecnologia subordinada lgica do mercado re-duz o trabalho humano, intensifica o ritmo de tra-balho, assegura o aumento da produo, da produ-tividade e do valor agregado a produtos e servios, constituindo-se, por essa via, um poder social;

    concentrao de riqueza;

    precarizao do emprego, gerando o trabalho temporrio, terceirizado, quarterizado, quinte-rizado etc., provocando novas relaes sociais de trabalho;

    responsabilizao dos indivduos por no terem condies de empregabilidade, apesar da pr-pria estrutura socioeconmica no garantir os direitos que levariam os cidados a terem me-lhores condies de participao poltica, social, cultural e econmica na sociedade; e

    a)

    b)

    c)

    d)

    e)

    f)

    g)

    h)

    crescente aumento de profissionais e no pro-fissionais que no esto integrados ao mundo produtivo ou esto em atividades marginais ( margem da sociedade).

    Apesar dessa dura realidade, existe outro tipo de sociedade que pode ser buscada. Uma sociedade que tenha o ser humano e suas relaes com a natureza, por meio do trabalho, como centro e na qual a cincia e a tecnologia estejam submetidas a uma racionalidade tica ao invs de estarem, quase exclusivamente, a ser-vio do mercado e do fortalecimento dos indicadores econmicos. Nessa sociedade, a pesquisa em geral e a aplicada, em particular, tambm pode estar voltada para a busca de solues aos problemas comunitrios, notadamente das classes populares.

    Nessa sociedade, o ser humano deve ser concebido de forma integral, o qual, no confronto com outros su-jeitos, afirma a sua identidade social e poltica, e reco-nhece a identidade de seus semelhantes (CEFET/RN, 1999, p. 47). Essa concepo de ser humano resulta em pensar um eu socialmente competente, um sujeito poltico, um cidado

    que busca a autonomia, a auto-realizao e a emancipao atravs de sua participa-o responsvel e crtica nas esferas scio-econmico-polticas. Isto consiste em perceber o homem como um ser capaz de colocar-se diante da realidade histrica para, entre outros aspectos, reagir coero da sociedade, ques-tionar as pretenses de validade e de normas sociais, construir uma unidade de interesses e descobrir novas estratgias de atuao solidria (CEFET/RN, 1999, p. 47).

    Esta concepo de homem radicalmente diferente da requerida pela lgica da globalizao econmica, de forma que os processos educativos estruturados a partir desse referencial devero contribuir para a formao de cidados emancipados capazes de participar politica-

    i)

    2. Isso no ocorre de forma linear em todos os quadrantes do planeta. No caso dos pases de capitalismo avanado, principalmente os que integram o G7, h uma significativa convergncia entre os interesses dos governos nacionais e das grandes empresas transnacionais cujos capitais esto sediados nesses pases, pois o aumento do volume das transaes dessas empresas ao redor de todo o mundo, tanto as beneficia como aos prprios estados nacionais onde esto sediadas pela via dos impostos. Enquanto isso, os pases perifricos, onde esto instaladas as filiais de tais empresas, cumprem a funo de consumir seus produtos e enviar lucros para as matrizes, sendo assim, efetivamente, coadjuvantes.

  • A F O R m A O D E D O C E N T E S P A R A A E D U C A O P R O F I S S I O N A L E T E C N O L G I C A 27

    mente como sujeitos nas esferas pblica e privada, em funo de transformaes que apontem na direo de melhorias coletivas e, portanto, de uma sociedade justa.

    Entretanto, a opo por esse modelo alternativo de de-senvolvimento socioeconmico no foi assumida, o que tambm contribui para outro fator limitante na discusso acerca do futuro da sociedade brasileira: a fragmentao das discusses dos grandes temas da agenda nacional.

    Como exemplo, podemos citar o prprio mbito educacional, o que inclui a EPT e, em conseqncia, os profissionais que nela atuam ou atuaro. Nesse domnio, se est discutindo de forma separada a reforma da edu-cao superior e novos caminhos para a EPT3 que tam-bm est inserida na educao superior por meio dos cursos superiores de tecnologia (CST), embora a discus-so da educao superior praticamente no considere a EPT. Alm disso, os novos parmetros curriculares para a educao bsica tambm continuam em discusso.

    Na verdade, a mudana mais ampla e que incorpo-raria todas as aes parciais na perspectiva de uma po-ltica de estado para a educao nacional seria a reviso da prpria Lei de Diretrizes e Bases da Educao Na-cional LDB, cujo carter minimalista est viabilizando o aprofundamento do processo de mercantilizao da educao (FRIGOTTO, 2001).

    Entretanto, a atual correlao de foras instaladas no centro do poder poltico do pas (assim como as pers-pectivas de curto e mdio prazo) no nos permite vis-lumbrar que a (re)discusso ampla da LDB nos condu-ziria a uma lei comprometida com a educao pblica, gratuita, igualitria, laica, de qualidade e para todos, in-dependentemente das diferenas de ordem socioeco-nmica, tnico-racial, sexual, geracional, religiosa etc.

    Essas so limitaes prprias de uma sociedade con-traditria, fortemente marcada por uma cultura escra-vocrata. Nela, a educao ao longo do tempo teve um carter dual, ou seja, uma educao de carter acad-mico/academicista, centrada nas cincias, nas letras e nas artes, proporcionada s elites e aos seus filhos, e uma educao dirigida formao profissional de car-

    ter instrumental para o trabalho de baixa complexida-de, destinada aos filhos da classe trabalhadora.

    Entretanto, esse quadro no nos d o direito, en-quanto cidados e profissionais, de esperar pela con-solidao da nova perspectiva defendida neste texto e, somente a partir dela, materializar as novas concep-es. Cabe-nos o imenso desafio de construir esse novo caminho nas brechas que cavamos no tecido social, po-ltico e econmico vigente.

    Feitos esses esclarecimentos e delimitaes, ne-cessrio orientar a anlise, as reflexes e as proposi-es ao nosso objeto central de estudo a formao dos professores da EPT. Para isso, fundamental re-fletir sobre o papel das instituies que atuam nessa esfera, pois nesse espao que atuam os profissionais cuja formao discutiremos.

    3. Instituies de educao profissional e tecnolgica socialmente produtivas: a busca de um sentido para essa expresso

    O quadro caracterizado anteriormente nos coloca o seguinte problema: estamos construindo um modelo de EPT que deve ser coerente com que modelo de de-senvolvimento socioeconmico? Apesar da indefinio j mencionada, discutiremos uma proposta que busca coerncia com uma perspectiva de desenvolvimento socioeconmico voltado para a construo de uma sociedade justa, na expectativa de que essa sociedade v sendo construda gradativamente e que a educao contribua para isso.

    Nessa perspectiva, as instituies de EPT enfrentam vrios desafios para cumprir a funo que lhes deman-da a sociedade. O mais estrutural deles consiste em encontrar uma adequada equao para o seu financia-

    3. O Decreto n 6.095/2007 aponta para a transformao dos Centros Federais de Educao Tecnolgica (Cefet) em Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia (IFET).

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    mento (MOURA, 2004a)4. Alm desse, outros aspectos tambm merecem destaque.

    Um est relacionado com as discrepncias de opor-tunidades, nvel de escolarizao e conhecimentos, experincias profissionais, origem socioeconmica, faixa etria etc. de seus distintos grupos destinatrios atuais e/ou potenciais. Outro diz respeito demanda da sociedade em geral e do mundo do trabalho por profissionais cada vez mais capazes de gerar solues e estratgias para enfrentar novos problemas ou anteci-par-se a eles. Ou seja, o mundo do trabalho demanda por indivduos autnomos que possam atuar em um ambiente de gerao do conhecimento e, tambm, de transferncia a outros contextos em constante transfor-mao. Entretanto, necessrio que esses profissionais ultrapassem esses limites e, ao alcanarem uma verda-deira autonomia, possam atuar na perspectiva da trans-formao social orientada ao atendimento dos interes-ses e necessidades das classes trabalhadoras.

    por isso que existe mais um grande desafio, talvez o mais importante. Ele diz respeito responsabilidade social do campo da educao profissional com os su-jeitos formados em todas as suas ofertas educativas e com a sociedade em geral. Refere-se, assim, ao poder da EPT de contribuir com o aumento da capacidade de (re)insero social, laboral e poltica5 dos seus for-mandos; com a extenso de ofertas que contribuam formao integral dos coletivos que procuram a escola pblica de EPT para que esses sujeitos possam atuar, de forma competente e tica, como agentes de mudanas orientadas satisfao das necessidades coletivas, nota-damente as das classes trabalhadoras (MOURA, 2000; FREIRE, 1986; 2000a e b; 2001).

    Diante desse contexto, necessrio que se tenha clareza sobre o papel da educao, considerando suas possibilidades e limitaes. Assim, preciso adotar uma postura crtica em relao aos discursos sobre a educa-o para o desenvolvimento, os quais se fundamentam na teoria do capital humano. Tais discursos expressam a

    idia quase um lugar-comum que a educao est linearmente vinculada ao desenvolvimento econmico, ou seja, se h alto nvel educacional, h mais desenvol-vimento econmico. Dito de outra forma, a educao responsvel pelo desenvolvimento econmico. Se esta relao fosse verdadeira, a educao seria responsvel pelo desemprego estrutural do primeiro mundo e pela misria do terceiro.

    Evidentemente, essa no uma afirmao correta. Nes-se sentido, a seguinte contribuio corrobora essa idia:

    certamente demaggico afirmar que a mi-sria latino-americana seja o resultado da defi-ciente educao do subcontinente, quando h uma srie de variveis determinantes de igual ou maior importncia, como so: a dvida ex-terna; a corrupo das elites; o protecionismo do primeiro mundo que se beneficia dez vezes mais do que lhe d em termos de ajuda [...] (CHOMSKY; DIETERICH, 1999, p. 87).

    Obviamente, o papel da educao muito impor-tante, mas no se lhe pode atribuir um poder inexisten-te (MOURA, 2004), pois a atuao isolada dessa esfera no tem o poder de resolver os grandes problemas so-cioeconmicos do planeta (FRIGOTTO, 1999).

    Entretanto, para que desde o mbito educativo se contribua para a construo de mudanas significa-tivas no modelo socioeconmico vigente, urgente, dentre outros aspectos, abandonar o enfoque que atribui os insucessos educacionais, exclusivamente, s reformas e contra-reformas e seus efeitos como rigidez da legislao, instabilidade nas polticas e cri-se econmica nos investimentos na educao, pois aos centros educacionais em geral e aos educadores e educadoras, em particular, ainda lhes resta o con-trole de importantes condies internas do processo ensino-aprendizagem. Condies slidas, que reper-cutem diretamente sobre elementos como mtodo, avaliao, contedo, qualidade dos processos e dos resultados (CABELLO, 1998).

    4. Essa uma questo crucial para a educao nacional em seu todo e, evidentemente, para a EPT. Entretanto, no nosso objeto central de estudo neste trabalho. Para um maior aprofundamento a respeito do financiamento da EPT, sugerimos ver: Grabowski (2005) e Moura (2006).

    5. Referimo-nos insero ou re-insero como sendo a participao plena do indivduo na sociedade. Desta forma, vai alm da admisso a um posto de trabalho, pois, mais do que o acesso ao emprego e/ou outras fontes de gerao de renda, tambm inclui a participao social, poltica e cultural, indispensveis ao pleno exerccio da cidadania emancipada, consciente, crtica e responsvel.

  • A F O R m A O D E D O C E N T E S P A R A A E D U C A O P R O F I S S I O N A L E T E C N O L G I C A 2

    Assim, para dar respostas aos desafios anteriormente apresentados na perspectiva defendida neste trabalho necessrio aproximar mais a ao de cada institui-o de EPT do seu respectivo entorno para que possam penetrar mais na realidade social, econmica e laboral onde esto imersas e, dessa forma, contribuir para a sua transformao na direo anteriormente delineada.

    J afirmamos anteriormente (MOURA, 2004a) que essa aproximao ao entorno tende a contribuir para que se estabelea um dilogo social do qual tm que participar, alm das prprias instituies, distintos pontos de vista como o da sociologia, das cincias da educao, da psicologia, da economia, da organizao empresarial, dos sindicatos de empregados e emprega-dores, alm de outros sujeitos que integram a sociedade civil. O dilogo poder contribuir para que essas insti-tuies compreendam mais profundamente a realida-de socioeconmica onde esto imersas e, dessa forma, alm de atender s demandas e necessidades existentes de forma mais visvel, possam antecipar-se a elas e po-tencializar processos voltados para a transformao da realidade vigente na direo j delineada.

    Desse modo, haver alguma possibilidade de xito, mas sem sua consolidao, seguramente, manter-se- a realidade vigente, na qual os interesses dos sujeitos que detm o poder econmico prevalecem sobre os demais.

    Perante esse contexto, o dilogo social que mencio-namos deve estar orientado, entre outros aspectos, a:

    contribuir para a conscientizao (FREIRE, 1980) dos indivduos/coletivos, instituies e da socie-dade em geral sobre essa realidade. Esse pro-cesso deve ser o pilar bsico para que a esfera educacional possa contribuir para a construo de um gradual processo de transformao social, sem perder de vista todas as limitaes, obstcu-los e (im)possibilidades existentes;

    capacitar cada instituio e, em conseqncia, os docentes e toda a comunidade educacional para mover-se fora do centro da cultura dominante, aproximar-se a ela para entend-la, process-la e

    a)

    b)

    analis-la criticamente, juntamente com os estu-dantes, visando descobrir e compreender os pro-cessos de construo social presentes na sociedade em que vivemos (pedagogia fronteiria da resistn-cia ps-moderna, GIROUX y ARONOWITZ, 1990, citados por CORONEL LLAMAS, 1998);

    fortalecer a racionalidade tica frente raciona-lidade tecnolgica;

    impulsionar a produo e o uso social das tecno-logias (CEFET/RN, 1999);

    deslocar o conceito de tecnologia como tcni-ca, isto , apenas como aplicao sistemtica de conhecimentos cientficos para processos e arte-fatos para o conceito de tecnologia como cons-truo social, produo, aplicao e apropriao das prticas, saberes e conhecimentos;

    promover o desenvolvimento e a consolidao de uma concepo de EPT que contemple as funes reprodutora e transformadora da edu-cao, ou seja, que proporcione, em todas as ofertas educativas dos distintos nveis e ciclos, uma slida formao tcnica e humanstica dos diferentes grupos destinatrios (MOURA, 2003);

    buscar os meios de fazer com que o trabalho guarde ou reencontre a capacidade de integrar na vida coletiva os que hoje se vem diante de um processo que os conduz excluso social (CEFET/RN, 1999); e

    deslocar o conceito de empregabilidade da res-ponsabilidade do indivduo para o de uma cons-truo social da qual devem participar, no mnimo, os indivduos/coletivos, as empresas, os poderes pblicos e as entidades de classe (DIEESE, 2002).

    Por outro lado, imperioso que as fontes de fi-nanciamento das instituies de educao profissional vinculadas aos sistemas federal, estaduais e municipais sejam ampliadas atravs da constituio de um fundo especfico para esse fim6. Alm disso, necessrio bus-car colaboraes com outros ministrios, com os esta-dos, com os municpios, com outros poderes e esferas pblicas, desde que essas interaes tenham como nor-

    c)

    d)

    e)

    f)

    g)

    h)

    6. Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei, de iniciativa do Senador Paulo Paim (PT/RS), cujo objetivo a criao do Fundep Fundo de Desenvolvimento da Educao Profissional. Para um maior aprofundamento, sugerimos consultar Gabriel Grabowski; Jorge Alberto Rosa Ribeiro; Daniel dos Santos Silva, 2003.

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    te a funo social de cada instituio. Enfim, funda-mental estabelecer um dilogo com a sociedade que constitui o entorno de cada unidade educacional.

    Entretanto, no marco desse dilogo social, as institui-es EPT no podem procurar apenas fontes complemen-tares de financiamento. Na verdade, o dilogo social deve materializar-se nos distintos nveis de ensino-pesquisa e da produo cientfica e tecnolgica por meio de aes oriundas dos processos educativos internos e da interao com o entorno, em consonncia com a funo social de-finida para e por cada instituio de EPT, dentre outras possibilidades, nos seguintes domnios (MOURA, 2003):

    formao humana integral e, portanto, que in-corpore cincia, trabalho, tecnologia e cultura como eixos indissociveis;

    busca de solues para os problemas comuni-trios, ou seja, realizao de aes orientadas melhoria da qualidade de vida do entorno, espe-cialmente das classes trabalhadoras populares;

    desenvolvimento de produtos e resoluo de pro-blemas do setor produtivo, desde que haja coe-rncia com a funo social de cada instituio;

    transferncia do conhecimento a outras organi-zaes educativas ou no, por meio dos proces-sos de formao humana; e

    melhoria da prpria ao institucional por meio dos processos de pesquisa, de relao com o en-torno, de gesto, de formao e de avaliao, ou seja, investigar a prpria ao na perspectiva de melhorar a atuao ante a sociedade.

    Esses marcos de atuao so fundamentais para evitar qualquer possibilidade de desvir-tuamento do papel dessas instituies. Por-tanto, importante definir claramente a fun-o social de cada instituio de EPT e a ela submeter as aes provenientes do dilogo social. Assim, se estar buscando a vinculao das distintas atividades a objetivos socioedu-cativos. Nessa perspectiva, a interao com outras esferas pblicas fora do mbito do MEC devem ser potencializadas para refor-ar o dilogo social e, desse modo, promover uma maior compreenso das instituies e de seus distintos sujeitos acerca da realidade so-cial local, regional, nacional e mundial.

    a)

    b)

    c)

    d)

    e)

    4. A formao de docentes para a EPT

    Traamos esse panorama da EPT nas sees ante-riores com o objetivo de evidenciar a complexidade na qual esto imersas as instituies que atuam nessa esfera. Nesse sentido, para afrontar a realidade vigente na dire-o apontada, os professores, tcnico-administrativos e dirigentes das instituies de EPT, principais sujeitos en-volvidos juntamente com os estudantes, necessitam ser muito bem formados e qualificados profissionalmente.

    A formao e a capacitao devem, portanto, ir alm da aquisio de tcnicas didticas de transmisso de contedos para os professores e de tcnicas de ges-to para os dirigentes. Evidentemente, esses aspectos continuaro sendo importantes, mas o objetivo ma-cro mais ambicioso e deve privilegiar a formao no mbito das polticas pblicas do pas, principalmente as educacionais, numa perspectiva de superao do modelo de desenvolvimento socioeconmico vigente, de modo que se deve priorizar mais o ser humano do que, simplesmente, as relaes de mercado e o forta-lecimento da economia.

    Em conseqncia, estar-se- contribuindo para a consolidao de prticas profissionais que ultrapassem os limites da educao bancria (FREIRE, 1980; 1986), na qual o aluno considerado como um depsito passi-vo de contedos transmitidos pelo professor, para assu-mir uma nova perspectiva na qual o estudante agente do processo ensino-aprendizagem e, conseqentemen-te, da (re)construo do prprio conhecimento e, as-sim, de sua formao em um sentido mais amplo.

    Nesse processo educativo, o professor deve assumir outra atitude, forjada a partir de outro tipo de formao, que deve ser crtica, reflexiva e orientada pela responsa-bilidade social. Nessa perspectiva, o docente deixa de ser um transmissor de contedos acrticos e definidos por es-pecialistas externos para assumir uma atitude problema-tizadora e mediadora do processo ensino-aprendizagem sem, no entanto, perder sua autoridade nem, tampouco, a responsabilidade com a competncia tcnica dentro de sua rea do conhecimento (FREIRE, 1996).

    Alm disso, necessrio, principalmente no caso de docentes e equipes dirigentes, fazer esforos em

  • A F O R m A O D E D O C E N T E S P A R A A E D U C A O P R O F I S S I O N A L E T E C N O L G I C A 31

    trs direes distintas e igualmente importantes: a for-mao daqueles profissionais que j esto em exerc-cio, os que esto em processo de formao e os que se formaro no futuro.

    Feitas essas consideraes gerais, passaremos a discu-tir especificamente a formao de docentes para a EPT por ser o objeto do presente estudo. Inicialmente, temos que definir dois grandes eixos da formao dos docen-tes da EPT. O primeiro est relacionado com a rea de conhecimento e