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0 Conjuntura Local André Lara Resende é patrulhado por falar de tema interditado (Elio Gaspari – 08/02/2017) ... 1 Debate desimpedido (Samuel Pessoa – 12/02/2017) ................................................................... 2 ENTREVISTA: André Lara Resende (Revista Época – 11/02/2017) ................................................ 3 Será que finalmente vão perceber que vale a pena combater a inflação? (Alexandre Schwartsman – 15/02/2017) ......................................................................................................... 5 Quem sabe há saída (Marcos Lisboa – 12/02/2017)..................................................................... 6 Para crescer mais: Infraestrutura (Mario mesquita – 16/02/2017) .............................................. 7 Reduzir a meta de inflação? (Pedro Ferreira e Renato Fragelli – 15/02/2017) ............................ 9 A Finep e o BNDES são indispensáveis para o país (Marcos Cintra – 13/02/2017) .................... 11 REUNIÃO DE CONJUNTURA 20/02/2017

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Conjuntura Local

André Lara Resende é patrulhado por falar de tema interditado (Elio Gaspari – 08/02/2017) ... 1

Debate desimpedido (Samuel Pessoa – 12/02/2017) ................................................................... 2

ENTREVISTA: André Lara Resende (Revista Época – 11/02/2017) ................................................ 3

Será que finalmente vão perceber que vale a pena combater a inflação? (Alexandre

Schwartsman – 15/02/2017) ......................................................................................................... 5

Quem sabe há saída (Marcos Lisboa – 12/02/2017) ..................................................................... 6

Para crescer mais: Infraestrutura (Mario mesquita – 16/02/2017) .............................................. 7

Reduzir a meta de inflação? (Pedro Ferreira e Renato Fragelli – 15/02/2017) ............................ 9

A Finep e o BNDES são indispensáveis para o país (Marcos Cintra – 13/02/2017) .................... 11

REUNIÃO DE CONJUNTURA

20/02/2017

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André Lara Resende é patrulhado por falar de tema interditado (Elio Gaspari – 08/02/2017)

Elio Gaspari é um jornalista ítalo-brasileiro. Escreve para a Folha de S.Paulo e para o Diário de S.Paulo.

* * *

No início de janeiro, o economista André Lara Resende publicou no jornal

"Valor Econômico" o artigo "Juros e Conservadorismo Intelectual". Longo e

incompreensível para quem tropeça em coisas como "velocidade de circulação da

moeda", o texto trazia uma pergunta:

"Como é possível que depois de dois anos seguidos de queda do PIB, de

aumento do desemprego, que já passa de 12% da força de trabalho, a taxa de juro no

Brasil continue tão alta, enquanto no mundo desenvolvido os juros estão

excepcionalmente baixos?"

Resende não apresentava a resposta, mas informava que está sendo discutida

a eficácia do remédio dos juros altos contra a inflação. É possível que essa receita

seja tóxica, e esse é um debate corrente na academia internacional.

André Lara Resende foi presidente do BNDES durante o governo de Fernando

Henrique Cardoso e integrou a ekipekonômica que criou e administrou o Plano Real,

restabelecendo o valor da moeda nacional.

O artigo recebeu mais ataques que o texto de Carlos Marighella "Algumas

Questões sobre as Guerrilhas no Brasil", publicado pelo "Jornal do Brasil" em

setembro de 1968.

Na maioria dos casos, Lara Resende foi contestado sem ser citado, como se

fosse um ectoplasma. Assim fez o professor Samuel Pessôa reclamando por que

"propagandeiam-se heterodoxias que vendem ilusões".

Numa entrevista curta e por isso mesmo pouco articulada, o

economista Armínio Fraga informou que "o André foi provocativo", reconheceu que

esse é "um debate muito especializado" e atirou na testa. Disse que Lara Resende

"implicitamente sugeriu que (...) sendo mais agressivo com cortes de juros no Brasil,

talvez levasse a uma queda da inflação, o problema é que essa sugestão encontrou

terreno fértil no Brasil, que adora um atalho".

Quando a repórter Erica Fraga perguntou-lhe "por que o Brasil adora atalhos",

Armínio desconversou. Falar mal do "Brasil" é um dos tiques nervosos da demofobia.

Armínio Fraga, Samuel Pessôa e o artigo de Lara Resende são mais

inteligentes do que esse tipo de debate. O professor Delfim Netto registrou que "a tribo

dos economistas está inquieta", nem tanto pelo que Lara Resende disse, mas porque

mexeu em coisa que deve ficar fora da agenda: a taxa de juros. Vale reiterar, Lara

Resende não defendeu juros baixos mas, como disse Armínio Fraga, "implicitamente

sugeriu". E isso não se deve fazer, nem mesmo em artigos incompreensíveis para a

patuleia.

Os piores atalhos são os que flertam com o silêncio. É quase certo que Armínio

e Pessôa conheçam essa história, mas vale recontá-la: Em 1973, a editora Agir

deveria publicar uma nova edição do clássico "Introdução à Análise Econômica", de

Paul Samuelson. Lá ele condenava as ditaduras dizendo que, mesmo quando

produzem milagres econômicos, eles são transitórios. Entre elas, mencionou a

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ditadura brasileira. A editora não queria publicar a referência e pressionou Samuelson

com a ajuda de dois corifeus do liberalismo econômico nacional, os doutores Eugênio

Gudin e Roberto Campos. O atalho do silêncio funcionou, pois Samuelson concordou

com a supressão do parágrafo.

Resultado: os jovens americanos que estudaram pela edição americana

aprenderam que o Brasil podia quebrar. Os brasileiros só viram a quebra em 1982,

quando ela aconteceu.

Debate desimpedido (Samuel Pessoa – 12/02/2017)

Samuel Pessôa é professor da pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas do Rio de

Janeiro e doutor em economia pela Universidade de São Paulo, é especialista em

crescimento, flutuações e planejamento econômico.

* * *

Elio Gaspari, em sua coluna nesta Folha na quarta-feira (8), sugeriu que eu

contribuo para interditar o debate de política monetária.

No início de janeiro, André Lara Resende publicou artigo no caderno de fim de

semana do "Valor Econômico", sobre a possibilidade de que, no Brasil, a inflação seja

elevada porque os juros são altos.

Eu e Marcos Lisboa criticamos André no mesmo caderno na semana seguinte,

citando-o. Na semana posterior, no mesmo caderno, André respondeu-nos sem nos

citar.

No mesmo caderno, após mais uma semana, Eduardo Loyo apresentou

alentado artigo, novamente criticando André, e citando-o também. No Broadcast,

Carlos Kawall, citando André, elaborou sobre as limitações da literatura empregada

por André para tratar do caso brasileiro.

Há duas semanas neste espaço, escrevi sobre os atalhos em política

monetária que de tempos em tempos nos visitam. A heterodoxia proposta por André

era um dos itens de uma lista de três. Nesse artigo não citei explicitamente André nem

os autores das demais heterodoxias que mencionei.

Elio sugere que teria sido deselegante não citar André. Mas não notou que, no

artigo do "Valor" com Marcos Lisboa, citei explicitamente André. Também não notou

que André não nos citou explicitamente em sua resposta.

Adicionalmente, Elio escreve que eu patrulho ideologicamente André, além de

enxergar paralelo entre a minha forma de tratar o argumento de André e expedientes

empregados pela ditadura militar para esconder fatos da população.

No debate em curso, sempre que se discordou de André ele foi citado e seu

trabalho foi tratado com profundidade. Basta olhar o debate que ocorreu no "Valor". O

mais recente capítulo foi o excelente e claríssimo artigo no "Valor" de sexta (10) de

meu colega do Ibre José Júlio Senna.

Para o leitor, que a esta altura do campeonato já deve estar aborrecido com

essa fofoca do colunismo econômico, vale informar que o tema tratado por André é

bem complexo: os modelos monetários empregados pelos economistas, em razão da

maneira como o processo de formação de expectativas é tratado, podem gerar

dinâmicas pouco intuitivas, por exemplo, situação em que a inflação é causada pelos

juros elevados, e não o contrário.

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Apesar de o argumento ser teoricamente interessante, não há nenhuma

evidência empírica que o suporte. Nem para o Brasil, como lembrou o professor

Affonso Celso Pastore em artigo em 27/1 no jornal "O Estado de S. Paulo", reagindo

ao artigo de André (e novamente tendo o citado), nem para a economia americana.

Desde os anos 1970, pelo menos, a academia de economia sabe que qualquer

dinâmica pode ser gerada pela teoria. A prova, portanto, é dada pela evidência

empírica. Esta tem sido francamente contrária à nova heterodoxia.

Aliás, como indicado pela inflação de janeiro, divulgada na quarta (8), a relação

entre inflação e taxa de juros no Brasil é bem ortodoxa: forçamos queda dos juros em

2011 e após algum tempo a inflação subiu, em que pese o represamento de preços

administrados. Por outro lado, após seguidos trimestres de uma política monetária

apertada, a inflação iniciou forte processo de queda.

Em um ponto todos concordamos com André: se a dinâmica explosiva da

dívida pública não for contida, a inflação certamente voltará.

ENTREVISTA: André Lara Resende (Revista Época – 11/02/2017)

Formado em economia pela PUC-Rio, fez o mestrado em economia na EPGE-FGV, no

Rio de Janeiro e obteve o título de PhD em economia pelo Instituto de Técnologia de

Massachussets (MIT). Foi diretor do Banco Central do Brasil, um dos integrantes da

equipe econômica que elaborou o Plano Real, assessor especial da Presidência e,

posteriormente, presidente do BNDES.

* * *

ÉPOCA – O senhor levantou, recentemente, o debate sobre a eficácia dos juros

altos contra a inflação. Foi alvo de críticas. Sentiu-se mal compreendido pelos

colegas?

André Lara Resende – De forma alguma. Acho que o debate tem sido interessante e

muito útil. As razões da baixa eficácia dos juros altos no Brasil vêm sendo discutidas

há tempos entre os economistas. Em paralelo, a partir da experiência heterodoxa dos

bancos centrais depois da crise financeira de 2008, está em curso nos países

desenvolvidos uma revisão conceitual dos fundamentos da política monetária [o

esforço de um governo para lidar com a inflação, tendo como principal instrumento os

juros]. O arcabouço teórico da macroeconomia contemporânea ficou anacrônico e

precisa de revisão profunda. Acho que a maioria dos economistas brasileiros,

compreensivelmente imersos no turbilhão da crise do país, não acompanha com

atenção esse debate. Nos Estados Unidos, onde os ânimos andam ainda mais tensos,

a política monetária não está entre os temas mais candentes.

ÉPOCA – Sua tese foi classificada como heterodoxa por alguns críticos. Armínio

Fraga, ex-presidente do Banco Central, referiu-se a ela como “atalho”. Aplicar a

tese numa economia de histórico inflacionário, como o Brasil, não é arriscado?

Lara Resende – O ponto mais controverso que expus é a hipótese de a taxa de juros,

se mantida por muito tempo num determinado nível, levar as expectativas e a própria

inflação a convergir para ela. O resultado surpreende porque reverte a tradicional

relação entre a taxa de juros e a inflação. Embora aparentemente heterodoxa, é

resultado lógico dos modelos macroeconômicos contemporâneos de referência. A

hipótese não pode ser entendida como um atalho para baixar a inflação. Ao contrário:

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o ponto central do novo arcabouço macroeconômico é a chamada Teoria Fiscal do

Nível de Preços, segundo a qual a verdadeira âncora da inflação é o equilíbrio fiscal [o

equilíbrio das contas públicas]. Sem ele, a política monetária é pouco eficiente e pode

até mesmo ser contraproducente. Por isso, as políticas monetária e fiscal devem ser

coordenadas.

ÉPOCA – Se a saída está na organização das contas públicas, é possível afirmar

que a condução dos juros no Brasil, desde que a inflação voltou a subir, não

surtiu efeito?

Lara Resende – Não sei dizer se a política monetária foi inútil nem se a queda da

inflação agora resulta dos juros altos. Isso exigiria um estudo empírico cuidadoso. Mas

causa estranheza que a inflação tenha demorado tanto a cair, apesar da recessão

gravíssima e da taxa de desemprego alta dos últimos dois anos.

ÉPOCA – A queda da inflação e dos juros mostra que o pior da crise já passou?

Lara Resende – Ao menos em relação à economia, sim. Mas é difícil ser muito

otimista. A crise política ainda está longe do fim, a incerteza é detratora do

investimento e sem ele a recuperação fica comprometida. É provável que o Produto

Interno Bruto se estabilize e cresça um pouco, mas nossas questões estruturais

graves ainda estão aí para ser resolvidas. É preciso modernizar o Estado, hoje

oneroso e ineficiente, abrir a economia, hoje excessivamente concentrada e fechada à

competição externa, e avançar muito na educação. Só assim haverá ganho

consistente de produtividade, que é a chave para o crescimento sustentado.

ÉPOCA – Cortar gasto público é difícil. A política de juros atual e passos como a

aprovação da PEC do teto do gasto público bastam para que se retome o

crescimento?

Lara Resende – Cortar é sempre difícil, mas não há alternativa. Estamos à beira de

uma crise fiscal séria, como fica evidente pela situação dos estados. Sem credibilidade

fiscal, a política monetária é impotente. O gasto público no Brasil está próximo de 40%

da renda, no patamar de países desenvolvidos, mas com serviços públicos da pior

qualidade. O Estado custa caro e oferece pouco. É uma calamidade a situação da

segurança, da saúde e da educação, áreas em que o Estado é fundamental.

Modernizá-lo é urgente.

ÉPOCA – O senhor foi um criador do Plano Real. De lá para cá, o meio

econômico se tornou mais avesso ao debate?

Lara Resende – Não acho que haja maior aversão ao debate. As pessoas sempre

foram muito mais conservadoras do que se imaginam. Entendo o papel de um

conservadorismo político e social ilustrado. Mas o conservadorismo intelectual me

espanta, pois parece uma contradição. Desde cedo, desconfiei da ortodoxia para

combater inflações crônicas, como a do Brasil na segunda metade do século XX.

Rudiger Dornbusch, meu professor no MIT, sempre questionou o que ele considerava

minha insistência em dar atenção a argumentos não convencionais sobre inflação. De

volta ao Brasil, desenvolvi, com um grupo de economistas, as bases conceituais sobre

a inércia dos processos inflacionários crônicos. Ocorreu-me que o problema poderia

ser resolvido pela indexação da própria moeda. Publiquei minha proposta sobre o

tema e a repercussão foi grande. A reação da grande maioria dos analistas, com

algumas exceções, a mais influente delas sendo Mário Henrique Simonsen, foi

extremamente crítica. Fui convidado a expor a tese em Washington e escrevi, com

Pérsio Arida, um artigo que serviu de base para o Plano Real.

ÉPOCA – O Banco Central foi conservador ao não baixar os juros antes?

Lara Resende – Acho que a política monetária, e não a fiscal, deveria ter sido mais

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expansionista [ou seja, os juros deveriam ter caído para aquecer a economia] logo

após a crise financeira internacional de 2008. Mas não se pode afirmar que o Banco

Central tenha sempre sido mais conservador que o necessário.

ÉPOCA – Em 2011, o então presidente do Banco Central, Alexandre Tombini,

cortou juros num período em que a economia estava superaquecida e a inflação

em trajetória de alta. Foi muito criticado. Na visão de muitos, isso ajudou a

causar o desastre econômico.

Lara Resende – O corte dos juros em 2011 foi infeliz, sobretudo por dar a impressão

de que decorria da pressão da Presidência da República. Apesar disso, acho que a

política monetária contribuiu pouco para o desastre econômico. O BC tem quadros

competentes e, milagrosamente, a diretoria sempre foi ocupada por profissionais

qualificados. A catastrófica gestão econômica dos governos do PT, depois do primeiro

mandato do presidente Lula, se deve muito mais a uma visão patrimonialista arcaica

do Estado, combinada com uma política fiscal absolutamente irresponsável.

ÉPOCA – O senhor conversou com o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn,

sobre a nova tese a respeito de juros?

Lara Resende – Não, mas não tenho dúvida de que ele e sua diretoria sejam

altamente qualificados. Eu seria mais agressivo na redução dos juros a partir de agora,

mas compreendo as razões para ser cauteloso. Para um banqueiro central, é

fundamental estabelecer a reputação de independência em relação a pressões

espúrias. A queda da taxa de juros precisa ser entendida como parte de uma política

coerente e não como uma irresponsabilidade voluntarista. É nesse sentido que

considero importante a discussão aberta, não restrita aos especialistas, das questões

propostas em meu artigo.

Será que finalmente vão perceber que vale a pena combater a inflação? (Alexandre Schwartsman – 15/02/2017)

Alexandre Schwartman é doutor em economia pela Universidade da Califórnia e ex-

diretor de Assuntos Internacionais do BC.

* * *

Nesta semana, as expectativas de inflação para 2017 coletadas pelo BC

(Focus) caíram levemente abaixo da meta (4,47% x 4,50%), enquanto as estimativas

para 2018 se mantiveram em 4,5%.

Embora seja verdade que o Focus não se prime pela exatidão, isso não deixa

de marcar uma mudança importante: a última vez que observamos as expectativas ao

redor da meta (para o futuro próximo, de 12 a 18 meses à frente) foi no agora

longínquo ano de 2011, não por coincidência imediatamente antes do “cavalo de pau”

de Alexandre Pombini, que culminou com a inflação de dois dígitos em 2015.

Fato é que a dinâmica da inflação parece ter se alterado a partir do terceiro

trimestre do ano passado. Até então, embora o impacto do reajuste de preços

administrados já houvesse, em larga medida, se dissipado, a inflação propriamente

dita dava poucos sinais de alívio.

Os chamados “preços livres” ainda aumentavam a um ritmo ao redor de 9% ao

ano, enquanto os “núcleos” de inflação (medidas menos sujeitas a efeitos pontuais e

temporários) vinham em lenta desaceleração, de um pico de 8,5% no começo de 2016

para 7,5% em setembro.

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Posto de outra forma, o comportamento dos preços parecia incongruente com

a intensidade da recessão.

A taxa de desemprego àquela altura já havia se elevado de 6,5% em meados

de 2014 para quase 12% (já descontadas as flutuações sazonais da série), e o PIB

acumulava queda superior a 8% em relação ao primeiro trimestre daquele ano, o pico

recente de atividade.

A resistência da inflação levou a muitas conjecturas, da “dominância fiscal” à

“inércia inflacionária” de alguma forma incorporada à cultura econômica nacional,

passando por apelos à “inflação estrutural de serviços”.

Em comum essas teses todas apontavam para a ineficácia da política

monetária em lidar com o problema e geralmente desembocavam na recomendação

de nada fazer.

Não foi essa minha opinião, como sabem os 18 heróis. Argumentei mais de

uma vez que o aparente aumento da inércia inflacionária era a resposta racional a um

BC que sistematicamente alongara o período de convergência da inflação à meta e se

tornara prisioneiro desse mecanismo.

A conclusão, à época, apontava não apenas para um custo mais alto em

termos de atividade para domar a inflação como também que esse cresceria quanto

mais se adiasse o combate necessário.

Esse estado de coisas mudou de figura a partir de meados do ano passado.

Por um lado a nova diretoria do BC não se deixou seduzir pelas propostas de,

mais uma vez, alongar o prazo de convergência de inflação por meio da adoção de

uma “meta ajustada” para 2017. Pelo contrário, agiu para calibrar a política monetária

mirando o centro da meta, apesar das pressões para que aliviasse a mão.

Por outro lado, é bom reconhecer, as iniciativas no campo fiscal, ainda que

prometendo resultados apenas para prazos mais longos, mudaram a percepção

acerca dos riscos de sustentabilidade da dívida, firmando o terreno para a ação da

política monetária.

Em outras palavras, a promessa de aperto fiscal abriu a possibilidade para a

queda da inflação e, com ela, o afrouxamento monetário, que parece ser o principal,

se não único, impulso para o crescimento este ano.

Será que finalmente vão perceber que vale a pena combater a inflação?

Quem sabe há saída (Marcos Lisboa – 12/02/2017)

Marcos de Barros Lisboa é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia. Foi

secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e hoje é

Presidente do Insper.

* * *

O dramático conflito no Espírito Santo expressa a gravidade da crise dos

Estados e os desafios inevitáveis que têm que ser enfrentados.

A crise fiscal é o efeito colateral de um setor público que durante uma década

atendeu às crescentes demandas do setor privado, com incentivos, subsídios e

desonerações, e também das corporações de servidores, com seguidos aumentos

salariais.

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Nos tempos de bonança, as políticas foram adotadas sem a devida análise da

sua sustentabilidade e impacto sobre as contas públicas.

Além disso, as regras que permitem aposentadorias precoces e generosas, em

um setor público que contratou muitos servidores nas últimas duas décadas, resulta no

forte aumento do gasto com inativos, que vai aumentar nos próximos anos.

Com dados ainda incompletos, o TCU calcula o deficit atuarial dos Estados em

R$ 2,8 trilhões, cerca de metade do PIB do país. Alguns pesquisadores estimam que o

número final pode chegar a 80% do PIB.

Para se ter uma noção da magnitude, isso significa mais do que dobrar a atual

dívida pública, de 70% do PIB.

A esse número deve-se somar o deficit atuarial da previdência dos municípios,

dos servidores federais e da Previdência Social.

As dificuldades decorrentes do crescimento do gasto incompatível com o

aumento da receita foram agravadas com a desaceleração da economia a partir de

2013.

Em vez de enfrentar os problemas, a opção dos Estados, com apoio do

governo federal, foi financiar os gastos correntes com receitas extraordinárias, como

novas dívidas ou a venda de receitas futuras. Essa estratégia era, claramente,

insustentável, e o resultado é a crise dos Estados.

Algumas corporações se revelam insensíveis aos problemas do restante da

sociedade e pressionam para que sejam beneficiadas em detrimento dos demais.

Muitos governos tentam obter novas receitas extraordinárias, o que significa uma

herança ainda mais grave para os próximos anos.

Pode-se ceder à pressão e evitar o conflito. Outras corporações vão cobrar o

seu quinhão. A longo prazo, o resultado será uma crise fiscal ainda mais grave.

Quanto antes se consiga uma solução sustentável, menores os custos sociais,

caso contrário assistiremos à crescente deterioração da política pública. Se

tivéssemos preservado o ajuste fiscal da década passada, esses problemas não

existiriam. Soluções temporárias que apenas adiem enfrentar o problema tornarão a

crise ainda mais grave, como ocorre com o Rio de Janeiro.

O Espírito Santo escolheu enfrentar os problemas. Quem sabe o

desdobramento desse trágico conflito possa indicar uma saída sustentável, ainda que

difícil.

Para crescer mais: Infraestrutura (Mario mesquita – 16/02/2017)

Mario Mesquita é o atual economista-chefe do Itaú Unibanco.

Este início de ano tem sido marcado por certa melhora no sentimento

e nas avaliações de analistas e investidores quanto às perspectivas imediatas da

economia brasileira. A combinação de inflação e taxa de juros em queda está

influenciando positivamente a atitude de empresários e consumidores, como sugerem

índices de confiança recém-divulgados, a atividade na indústria parou de encolher e a

expectativa de uma super-safra anima o interior do país. Os economistas do Itaú

Unibanco trabalham com uma projeção de crescimento de 1% esse ano, acima do

consenso do mercado (0,5%, segundo o relatório Focus, do BC, no final de janeiro),

mas este pode começar a se deslocar para cima.

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Essa incipiente (e ainda sujeita a reversões) mudança de humor não se

estende à avaliações de médio prazo - no momento, estimamos que o crescimento

potencial da economia não passa de 2% (e muitos analistas acham que seria até

menor do que isso). Uma das razões para esse pessimismo estrutural é a baixa taxa

de investimento da economia, uma média de 19,4% do PIB nos últimos dez anos,

frente aos 22,5% na média dos outros países da região e 31,3% nos mercados

emergentes. Evidentemente, como mencionado em coluna anterior, esta taxa de

crescimento é insuficiente para colocar o Brasil em rota de convergência para o

padrão de vida observado nas economias avançadas - afirmando de forma simples,

com um crescimento potencial de 2% o país estará condenado à estagnação relativa.

O atual governo, bem como o anterior, não se mostra satisfeito com essa

situação e, também como o que o precedeu, aponta a infraestrutura como área mais

promissora para alavancar o crescimento de curto e médio prazo da economia. A

vantagem da atual administração é uma atitude menos preconceituosa ante o setor

privado, com o aparente abandono da malfadada prática de tabelamento de taxas de

retorno e da ênfase no protagonismo estatal.

A opção pelo crescimento guiado pelo Estado parece desprezar evidências

históricas, que demonstram a capacidade da iniciativa privada de liderar o processo de

investimento também no campo da infraestrutura.

O curioso é que essas evidências são tão abundantes quanto antigas. O

excelente "The Pursuit of Glory: Europe 1648-1815", do antigo professor de

Cambridge, Tim Blanning, conta como o investimento privado levou, a partir da

aprovação pelo parlamento dos "Turnpike Acts", no final do século XVII, a uma

explosão da construção de estradas pedagiadas por empresários privados. Esse

processo levou à formação de um espaço econômico nacional - o que favoreceu a

revolução industrial inglesa - e a uma drástica diminuição da duração das viagens

dentro do Reino Unido: o tempo de viagem entre Londres e Bath caiu de 50 horas em

1700 para 40 em 1750 e "apenas" 16 horas em 1800, ainda antes da explosão do

transporte ferroviário, que viria nos anos 1840, ao passo que as viagens até

Edimburgo tiveram redução de 256 para 150 e, finalmente, 60 horas nesse período.

As estradas britânicas privadas não necessariamente eram as melhores do

ponto de vista técnico - os franceses tinham (como ainda têm) engenheiros de mais

alta qualidade -, mas eram as mais eficientes do ponto de vista econômico, visto que

sua construção seguia o princípio da maximização de lucros. A Espanha também tinha

algumas estradas de boa qualidade, mas, para o azar da sua economia, estas

visavam mais facilitar os deslocamentos da família real entre seus diversos palácios

do que o transporte de mercadorias.

Talvez o melhor contra-exemplo citado por Blanning se refira à Sicília. Na

década de 1770, o governo local indicou um engenheiro militar para planejar uma

estrada entre Palermo e Catânia. O encarregado sequer completou o plano, pois não

conseguiu administrar as pressões por parte das diversas autoridades e da nobreza,

que insistiam que a estrada passasse por suas respectivas localidades ou

propriedades, ziguezagueando pela ilha, o que inviabilizou o desenho de um trajeto

minimamente racional entre as citadas cidades.

A superação do preconceito anti-lucro é um avanço. Mas dificuldades

persistem. Além da questão das fontes de financiamento, grandes empresas

multinacionais de infraestrutura têm manifestado duas preocupações com certa

frequência. Uma parece ser passível de solução relativamente simples, a outra vai

requerer um pouco mais de criatividade.

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A primeira refere-se à proteção cambial. Quem investe em euros, dólares ou

ienes quer ser remunerado nessas moedas, não em reais. A forma mais direta e

simples de oferecer proteção cambial aos investidores é indexar as tarifas ou pedágio,

de forma adequadamente suavizada, por meio de médias móveis longas, à taxa de

câmbio. Para quem se assusta com isso, vale lembrar que os preços dos combustíveis

e a energia elétrica de Itaipu já são dolarizados. Vale notar também que projetos de

infraestrutura voltados ao comércio internacional de bens e serviços, como certas

estradas, portos e aeroportos, tendem a ter receitas sensíveis aos movimentos

cambiais. A saída pela dolarização (com a devida cautela) atenderia muitos projetos

de infraestrutura, ainda que não todos.

O outro problema é setorial. O segmento de construção pesada, que ofereceria

parceiros nacionais para os investidores externos em infraestrutura, encontra-se em

boa medida fragilizado pelos efeitos das atuais (e bem-vindas) investigações sobre

corrupção. Será necessário, portanto, trabalhar para trazer novos atores para o setor,

como empresas de construção que trabalham em outros segmentos, ou mesmo

financiar a formação de novas companhias, com novas práticas e nova governança,

mas que se beneficiem do capital humano, os engenheiros e técnicos, que existem

nas empresas antigas.

Sem enfrentar esses problemas, mesmo que a questão do financiamento seja

equacionada, nosso setor de infraestrutura corre o risco de, apesar de enorme

demanda não atendida, ficar parado no tempo, como a Sicília setecentista.

Reduzir a meta de inflação? (Pedro Ferreira e Renato Fragelli – 15/02/2017)

Pedro Cavalcanti Ferreira possui graduação e mestrado em Economia pela PUC-Rio,

é Ph.D pela Universidade da Pensilvânia e professor da Escola de Pós-Graduação em

Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rio de Janeiro.

Renato Fragelli Cardoso possui graduação em Engenharia Civil de Estruturas pela

PUC-Rio, mestrado e doutorado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-

RJ) e pós-doutorado pela Universidade da Pensilvânia. É professor associado da

Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da FGV, da qual também é diretor.

* * *

A previsão de que a inflação finalmente atingirá 4,5% este ano tem levado

alguns analistas a defender a redução da meta a ser fixada para 2019. Uma análise

cautelosa da grave situação atual, porém, recomenda outras prioridades.

A boa teoria e a evidência empírica ensinam que a taxa de crescimento de

longo prazo de um país não é afetada pelo nível de inflação nele observado. Diante de

uma inflação estabilizada em torno de um patamar conhecido, os agentes -

empresários, sindicatos, etc. - incorporam às suas decisões econômicas o ritmo de

crescimento dos preços, de modo que não faz diferença se a inflação estabilizou-se

num patamar baixo, como 2% ao ano, ou num alto como 8%. Políticas expansionistas

que buscam maior crescimento sacrificando o controle inflacionário podem, no

máximo, gerar algum crescimento adicional no curto prazo, mas são inexoravelmente

seguidas de recessões quando se torna necessário impedir que a inflação continue a

subir.

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Para o cidadão comum, quanto mais alta a inflação maior o desconforto por ela

gerado. Mas, como visto acima, o incômodo de conviver com a inflação não vem

acompanhado de mais crescimento. Isto posto, não seria o caso de reduzir a inflação

ao mínimo, aproximando-a do observado nos países mais avançados? Em condições

normais, a resposta seria positiva. Mas o Brasil atual não se encontra em tais

condições.

Se a meta de inflação for reduzida, o Banco Central será forçado a diminuir a

velocidade de queda da taxa de juros. Como consequência, famílias e empresas

endividadas terão que esperar mais tempo para voltar a aumentar o consumo e o

investimento. A retomada da economia virá mais lentamente. Os desempregados, que

já beiram a dramática cifra de 12% da população ativa, terão que aguardar mais tempo

para se reempregarem. O custo financeiro da dívida pública, cujo estoque saltou

alarmantes 20% do PIB em apenas três anos, cairá mais vagarosamente. As receitas

fiscais, que despencaram 10% em termos reais nos três níveis de governo, se

recuperarão mais lentamente.

Vale lembrar que a rápida queda da inflação, observada após o afastamento de

Dilma, não resultou somente da política monetária executada por um BC com

credibilidade, mas beneficiou-se muito da grande valorização cambial, que reduziu a

taxa de R$ 4,15 em janeiro de 2016 para R$ 3,12 em apenas um ano. Diante da atual

perspectiva de subida da taxa de juros internacional e redução da taxa de juros

doméstica, não é razoável esperar uma entrada de capitais à frente tão grande a ponto

de gerar nova queda significativa da taxa de câmbio. Isto significa que a redução

subsequente da inflação será mais difícil, dependendo muito mais da política

monetária e manutenção do desemprego.

A situação fiscal de longo prazo do país é calamitosa. Mesmo com aprovação

da reforma da previdência. Estados e municípios são uma fonte de desequilíbrios

permanente. A Constituição não permite queda de salários nominais. A manutenção

da inflação em torno da meta atual de 4,5% é a forma menos ruim para se lidar com

essa realidade. Diante de um desequilíbrio causado por aumentos salariais

insustentáveis, concedidos no passado por prefeitos e governadores irresponsáveis, a

inflação em 4,5% permite aos governantes atuais diluir salários reais impagáveis,

bastando para isso não dar correções nominais.

Não há estudos confiáveis no Brasil a respeito do impacto negativo de

recessões profundas sobre o crescimento de longo prazo. Mas é certo que empresas

com grande capacidade ociosa desmobilizam equipes que, após a superação da

recessão, levarão anos para serem remontadas. Profissionais demitidos de setores

onde acumularam larga experiência quando conseguem se recolocar o fazem em

outros setores, gerando permanente perda de expertise. Interromper esse processo

autodestrutivo é urgente. Tendo a inflação atingido a meta, a prioridade deve ser

abreviar a mais profunda recessão que assolou este país em sua história.

Outro aspecto a ser considerado é que uma inflação muito baixa leva a taxas

nominais de juros igualmente baixas. Diante de um eventual futuro choque negativo de

demanda, como o do subprime em 2008, partindo-se de uma taxa nominal de juros

baixa, o espaço para o uso da política monetária contracíclica seria menor. Com uma

dívida pública em nível elevadíssimo, também não haveria espaço para se adotar uma

política fiscal anticíclica. O que se faria numa situação dessas?

Uma taxa de inflação de 4,5% facilita a mudança de salários relativos,

permitindo a preservação do emprego nos setores tradicionais com lento avanço de

produtividade, bastando para isso não corrigir salários nominais. Corrigir a causa

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desse lento avanço da produtividade deve ser a grande prioridade, não a redução de

uma inflação que já deixou de ser alta.

Mais importante do que baixar ainda mais a inflação, algo que seria muito

custoso diante da profunda recessão atual, é acelerar reformas estruturais

abandonadas durante os anos petistas. Na área do BC, a prioridade deve ser a

implantação de reformas institucionais e microeconômicas que levem à redução do

spread bancário. Igualmente importante é redução do crédito direcionado para setores

específicos, política que solapa a eficácia da política monetária, elevando o juro neutro

da economia. Finalmente, a adoção em lei da independência operacional do Banco

Central reduziria notavelmente o custo de políticas anti-inflacionárias. A agenda é

longa.

A Finep e o BNDES são indispensáveis para o país (Marcos Cintra – 13/02/2017)

Marcos Cintra é presidente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), doutor em

Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular da Fundação Getúlio

Vargas.

* * *

Debates sobre a melhoria da gestão pública tomam as páginas da grande

imprensa e é natural que haja alguma polêmica, dadas as diferentes perspectivas que

se apresentam. Entre elas, causa surpresa a opinião do economista Nilson Teixeira,

que defende a absorção da Finep pelo BNDES em artigo publicado em 17/1/17. Não é

uma ideia nova, já manifestada em outro artigo do mesmo autor, publicado em agosto

do ano passado com o título de "Privatizações reduziriam subsídios".

Trata-se de um viés racional-gerencialista que pretende eliminar a possibilidade

de sobreposição dos apoios concedidos pelo Estado. Há mérito, mas não se pode dar

crédito à proposta, dados os modelos institucionais que estão postos.

O BNDES é um banco. Tem um ethos que prioriza o financiamento público

para a reprodução do capital, contribuindo para o crescimento econômico e a geração

de empregos com a aplicação de modelos que concedem estímulos para que o

empresariado aceite se sujeitar ao risco econômico inerente aos seus investimentos.

A Finep é uma agência de fomento. Seus financiamentos lidam com o mesmo

risco econômico, mas acrescido das incertezas tecnológicas dos projetos apoiados.

Desde 1967, a Finep se notabiliza por financiar o futuro: investimentos em novas áreas

de conhecimento, novos mercados, novas tecnologias. É essencial para o

investimento na infraestrutura de pesquisa nacional, e seu trabalho promove sinergias

com o CNPq, as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa e outras instituições

públicas federais e estaduais. Além disso, a Finep exerce um papel indutor,

aproximando a Universidade e a Indústria para viabilizar o desenvolvimento de

inovações que não seriam concretizadas de forma espontânea.

O BNDES se concentra majoritariamente no financiamento ao investimento em

infraestrutura, seja ela pública (saneamento básico, escolas, portos) ou privada

(expansão produtiva). A Finep, por sua vez, corre riscos e se sujeita às incertezas

inerentes aos desafios tecnológicos da inovação de seus projetos apoiados. Tem seus

processos internos orientados para isso, e sabe lidar com os revezes que podem

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ocorrer quando, a despeito do empenho e boa-fé das organizações apoiadas não

geram os retornos esperados.

Ao longo dos anos, a Finep trilhou uma trajetória de especialização no fomento

a tecnologias e indústrias nascentes, permitindo o desenvolvimento de programas de

apoio por meio do financiamento subsidiado a empresas, da concessão de subvenção

econômica à inovação, da participação societária em empresas nascentes, do

financiamento à infraestrutura de pesquisa científica e tecnológica e da promoção da

cooperação internacional entre instituições de pesquisa e empresas. As relações

firmadas ao longo do tempo permitiram a construção de competências para

harmonizar os interesses da academia e da indústria, algo que é crítico para estimular

o fortalecimento do Sistema Nacional de Inovação e de difícil transferência para outra

instituição. A eliminação de eventuais "redundâncias" no esforço público, portanto,

traria prejuízos terríveis, provocando retrocessos graves à ciência, tecnologia &

inovação no Brasil.

Ademais, o apoio conjunto de projetos entre BNDES e Finep é virtuoso, pois os

empreendimentos em questão são submetidos ao escrutínio de equipes técnicas que

obedecem a critérios de seleção e acompanhamento distintos. A ameaça da

sobreposição de financiamentos é mitigada pela própria articulação entre as duas

estatais, tal como vem sendo praticado de forma mais intensa nos últimos anos, com a

formulação de programas de apoio conjunto a diversos setores da economia, tais

como o complexo da saúde, a cadeia de petróleo & gás, o segmento de energias

renováveis, a indústria química e outros.

É bom relembrar que a Finep se desmembrou no passado do BNDES para

apoiar a comunidade acadêmica e a engenharia nacionais. Passados cinquenta anos

desde então, não há qualquer indício de uma menor relevância da sua missão original.

Não há outra instituição no Estado brasileiro que exerça as atividades de

financiamento à ciência, tecnologia & inovação como o a Finep. Também não diminuiu

a relevância nos projetos que são desenvolvidos por seus beneficiários.

Se houver movimento no Governo para uma racionalização das funções, é

mais adequado considerar a transferência da carteira de projetos de inovação do

BNDES para a Finep, e não o contrário. É reconhecida a competência do maior banco

público do país, mas há que se refletir em como preservar a sua atuação sob uma

tensão interna entre os projetos de inovação apoiados e os demais investimentos,

para que não sejam todos submetidos à lógica da reprodução do capital que deve

proteger a sua carteira.

Sim, é preciso ter cuidado para não haver sobreposição nos apoios

concedidos. Mas o Brasil não pode andar na contramão da história. Entre as

economias mais avançadas onde o setor financeiro privado é capaz de oferecer

financiamentos a taxas próximas de zero, há aquelas que não dispõem de um banco

público de investimento, mas nenhuma dispensa a existência de uma agência de

inovação. No Brasil, o BNDES é indispensável para apoiar o investimento, assim como

a Finep é indispensável para o apoio à academia e à indústria para o fomento a

ciência, tecnologia & inovação