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RETROANÁLISE DE UM ESCORREGAMENTO EM SOLO
RESIDUAL COM PLANOS DE FOLIAÇÃO
Thiago Brito de Mattos.
Petrobras Distribuidora S.A., Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]
COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil
Leonardo De Bona Becker.
Poli/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]
Willy Alvarenga Lacerda.
COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]
RESUMO: O trabalho apresenta a retroanálise da ruptura de um talude rodoviário do Rio de Janeiro
escavado em solo residual jovem com marcante foliação oriunda do gnaisse de origem. Foram
realizadas análises de estabilidade em duas seções do talude rompido para as quais a aplicação dos
parâmetros de resistência determinados por ensaios de laboratório não explicou a ruptura. Tendo em
vista o pequeno volume de água que seria necessário para preencher as fraturas e foliações, acredita-
se que possa ter havido pressão de água nas mesmas, mesmo não se tendo registrado chuvas intensas
à época.
PALAVRAS-CHAVE: Estabilidade de taludes, Solo residual, Foliação.
1. INTRODUÇÃO
As rochas metamórficas são oriundas de outras
rochas que sofrem mudanças mineralógicas,
químicas e estruturais, ainda em estado sólido,
em decorrência de elevações de temperatura e
pressão no domínio das transformações
diagenéticas. Na sua formação é comum o
desenvolvimento de diversas estruturas, dentre
as quais pode-se citar a foliação que é um tipo de
estrutura planar decorrente da orientação
paralela de minerais e argilo-minerais.
Além disso, com o processo de metamorfisação
das rochas de origem podem ocorrer intrusões de
outros materiais magmáticos que passarão a
compor a rocha metamórfica.
Com o processo de evolução pedogênica
destas rochas e a sua consequente transformação
em solo, estas estruturas e intrusões podem
permanecer visíveis nos solos gerados, e serem
responsáveis por características relevantes de
seu comportamento sob aspectos de engenharia.
Estas feições estruturais aparecem nos solos
residuais jovens e podem influenciar
desfavoravelmente a segurança das obras, de
forma similar ao que acontece em maciços
rochosos (Figura 1).
Figura 1 - a) Planos de foliação desfavoráveis a
estabilidade da massa de solo; b) Planos de foliação
favoráveis a estabilidade da massa de solo.
Nos gnaisses é comum que os planos de
foliação sejam ricos em minerais micáceos
alinhados que os tornam planos de resistência
inferior ao resto da massa de solo.
Este aspecto da formação dos solos pode se
tornar fundamental na estabilidade de cortes em
massas de solo residual jovem.
2. DESCRIÇÃO DO ESCORREGAMENTO
Trata-se de um escorregamento ocorrido na obra
de duplicação e implantação de melhorias na
rodovia BR-101 (Rio – Santos), no trecho de 26
quilômetros entre Santa-Cruz (Rio de Janeiro –
RJ) e Itacuruçá (Mangaratiba – RJ), Realizada
entre 2007 e 2011.
Na Figura 2 apresenta-se uma imagem de
satélite do talude após a ruptura.
Figura 2 - Imagem de satélite do talude já rompido.
Para duplicação da rodovia foi realizado um
corte para alargamento da plataforma de
rodagem. Presume-se que a ruptura do talude
tenha ocorrido devido a mudança de sua
geometria.
Ao cortar uma faixa da superfície do talude
teria sido interceptada uma superfície
aproximadamente plana mais frágil que as
demais. Na conformação anterior esta superfície
não representava risco, pois não era interceptada,
e mergulhava abaixo da plataforma da rodovia.
Como o trecho consiste em corte pleno não
houve risco também de uma ruptura global. Este
mecanismo é apresentado pelo esquema da
Figura 3.
Figura 3 - Provável mecanismo das causas da ruptura.
Com o início da ruptura e a exposição da
superfície às condições ambientais houve a
evolução do escorregamento no talude, como é
apresentado nas Figuras 4 e 5.
Figura 4 - Vista geral do talude rompido poucos dias após
a ruptura ter ocorrido.
Figura 5 - Vista geral do talude rompido cerca de um ano
após a ruptura.
No local pôde-se observar evidências da
classificação pedogênica como solo residual
jovem, uma vez que a massa de solo apresentava
claras estruturas reliquiares oriundas da rocha
mãe, tais como: planos aproximadamente
paralelos com presença de minerais micáceos, e
faixas de heterogeneidade decorrentes de
prováveis intrusões de material magmático
diferente da rocha originária.
Por estas características pôde-se também
avaliar que a rocha mãe da massa de solo era um
gnaisse.
As estruturas planares e as faixas de provável
intrusão podem ser notadas nas figuras 6 e 7.
Figura 6 - Planos de foliação reliquiar presentes na massa
de solo de maneira desfavorável a estabilidade do talude.
Figura 7 - Veios de intrusão de outros minerais na rocha
mãe, visíveis na massa de solo residual jovem.
Os dados geométricos do talude são
apresentados na Tabela 1.
Tabela 1 - Dados geométricos do talude.
TIPO SÍMBOLO VALOR
Altura h 15,40 m
Inclinação do
talude α talude 56,0º
Inclinação do
plano de ruptura α plano de rup. 33,6º
3. ENSAIOS DE LABORATÓRIO
Na visita técnica ao local da ruptura foram
coletadas amostras deformadas e indeformadas
em dois pontos do talude, conforme indicações
da Figura 8.
Figura 8 - Localização dos pontos de coleta de amostras.
A amostra indeformada à esquerda foi
coletada de uma massa de solo correspondente a
um nível acima da superfície de ruptura
enquanto a amostra indeformada à direita
continha a superfície preferencial de ruptura.
Com o material oriundo das amostras
deformadas realizou-se ensaios de
caracterização, cujos resultados são resumidos
na Tabela 2.
Tabela 2 - Resumo dos resultados de caracterização das
amostras.
AMOSTRA ARGILA
(%)
SILTE
(%)
AREIA FINA
(%)
Deformada
à esquerda 6 43 13
Deformada
à direira 16 45 22
AMOSTRA
AREIA
MÉDIA
(%)
AREIA
GROSSA
(%)
PEDREGULHO
(%)
Deformada
à esquerda 26 11 1
Deformada
à direira 14 3 0
AMOSTRA
DENSIDADE
REAL DOS
GRÃOS
LL
(%)
LP
(%)
Deformada
à esquerda 2,70 NL NP
Deformada
à direira 2,73 NL NP
AMOSTRA IP CLASSIFICAÇÃO
UNIFICADA
Deformada
à esquerda - SM
Deformada
à direira - ML
Segundo o sistema de classificação unificado
as amostras foram classificadas como areia
siltosa (deformada à esquerda) e silte de baixa
compressibilidade (deformada à direita), as suas
curvas granulométricas são apresentadas na
Figura 9.
Figura 9 - Curvas granulométricas.
Com o material da amostra indeformada à
esquerda (material do corpo da massa de solo)
realizou-se também uma campanha de ensaios de
cisalhamento direto.
Foram aplicadas tensões normais de 25kPa,
50kPa, 100kPa e 200kPa, em ensaios realizados
à umidade natural e inundados. Os corpos de
prova foram talhados de forma que os planos de
foliação ficassem paralelos ao plano de ruptura
do ensaio.
As envoltórias de resistência obtidas são
apresentadas nas Figuras 10 e 11. Foram
ajustadas envoltórias retilíneas de pico e de
volume constante para as condições de umidade
natural e ensaio inundado. Para a condição de
volume constante também foram ajustadas
envoltórias curvilíneas, somente para efeitos de
comparação.
Cabe ressaltar que as envoltórias do solo
exibem não linearidade significativa,
principalmente na condição de umidade natural,
conforme percebe-se pelos valores do
coeficiente de determinação R².
Figura 10 - Envoltória de resistência obtida pelo ensaio de
cisalhamento direto à umidade natural
Figura 11- Envoltória de resistência obtida pelo ensaio de
cisalhamento direto inundado.
Os parâmetros de resistência obtidos são
apresentados na Tabela 3.
Tabela 3 - Parâmetros de resistência - cisalhamento
direto.
UMIDADE
NATURAL INUNDADO
ÂNGULO
DE
ATRITO
(GRAUS)
Pico 45,3 38,4
Vol.
Constante 40,6 37,3
COESÃO
Pico 53,7 8,7
Vol.
Constante 0 0
Com o material da amostra indeformada à
direita foi realizada uma campanha de ensaios de
compressão triaxial tipo CIU em amostras
saturadas, para verificar se a não imposição de
um plano de ruptura às amostras resultaria em
parâmetros de resistência inferiores aos do
cisalhamento direto.
Foram aplicadas tenções confinantes de
25kPa, 50kPa, 100kPa e 200kPa, e ajustou-se os
planos de foliação à direção de ruptura
preferencial estimada para o ensaio, para que
estes pudessem ser representativos das
condições de resistência da massa de solo do
talude.
As envoltórias de resistência em função dos
parâmetros p’ e q são apresentadas na Figura 12.
Figura 12 - Envoltórias de resistência p' x q para oensaio
triaxial CIU.
Foram realizados dois ensaios de 200kPa,
com resultados bastante diferentes,
provavelmente em função da heterogeneidade do
solo. Por este motivo foram ajustadas duas
envoltórias, uma para cada um dos referidos
ensaios.
Apesar da variabilidade dos resultados
ocasionada pela heterogeneidade do solo, não foi
possível detectar um padrão que justificasse a
adoção de parâmetros de resistência menores.
4. RETROANÁLISE
Adotando os parâmetros c (coesão aparente) e ϕ
(ângulo de atrito interno) obtidos nos ensaios de
cisalhamento direto realizados, foram feitas
diferentes modelagens de estabilidade em duas
seções do talude, cujas geometrias são
apresentadas nas Figuras 13 e 14.
Figura 13 - Geometria da seção A.
Figura 14 - Geometria da seção B.
Estas modelagens apresentaram fatores de
segurança superiores à unidade, levando à
conclusão que os parâmetros de resistência
associados aos ensaios de cisalhamento direto
não explicavam a ruptura ocorrida, podendo
haver uma camada de solo mais fraco, não
detectada nos ensaios, ou pressão de água na
superfície de ruptura e nas trincas.
Observando que a ruptura inicial ocorreu com a
formação de uma trinca aproximadamente
vertical (Figura 15), realizou-se uma nova
análise, segundo o modelo de ruptura proposto
por (Hoek & Bray, 1974). O modelo baseia-se
em uma análise mecânica de corpo livre
conforme apresentado nas Figuras 16 e 17.
Foi suposto que o plano de foliação e a trinca
estivessem sob pressão de água e foram
utilizados os parâmetros de resistência
determinados nos ensaios de cisalhamento direto
em amostras inundadas.
Devido ao volume reduzido que é necessário
para preencher a trinca e o plano de foliação,
mesmo chuvas rápidas poderiam ter causado este
preenchimento e assim proporcionado a ruptura
do talude.
Figura 15 – Estágio inicial da ruptura demonstrando uma
trinca aproximadamente vertical.
Figura 16 - Representação tridimencional da geometria do
modelo (Hoek & Bray, 1974).
Figura 17 - Representação da seção do modelo e indicação
do modelo de diagrama de poro-pressões incidentes (Hoek
& Bray, 1974).
A análise segundo este modelo foi realizada
somente para a seção A (indicada na Figura 13),
mais baixa das seções analisadas, em razão desta
já representar a condição menos favorável à
ruptura.
A nova geometria considerada na seção A,
incluindo a trinca, é apresentada na Figura 18.
Figura 18 - Geometria da seção A, considerando a trinca
vertical.
A área da seção do bloco deslocável (Ar) foi
medida pela geometria da seção apresentada.
Ar=5,29 (m2) (1)
Com isto pôde-se calcular o peso do bloco
deslocável (W) por unidade de largura.
W=Ar.γnat.1 (m)=5,29
(m2).16,6 ( kN m³)⁄ . 1,0(m)=87,8 (kN) (2)
E também as resultantes de poro-pressão
atuantes na base e na trinca vertical.
U=γ
w.zw.l
2=
10 ( kN m³)⁄ .zw.4,36 (m)
2≅21,8 zw
(3)
V=γ
w.zw.zw
2=
10 ( kN m³).zw2⁄
2≅5,0 zw
2
(4)
Inicialmente foi traçado o diagrama de corpo
livre da condição que considera a trinca sem
pressão de água, obtendo-se as resultantes das
tensões normais e cisalhantes à base do bloco (N’
e T, respectivamente) indicadas abaixo:
N'=73,1 (kN) (5)
T=48,6 (kN) (6)
Sabendo-se que:
σn=N'
Ab
=73,1 (kN)
4,36(m). 1(m)=16,8(kPa)
(7)
Onde:
Ab é a área da base de contato do bloco.
τ=T
Ab
=48,6 (kN)
4,36(m).1(m)=11,1 (kPa)
(8)
Considerando o critério de ruptura de Mohr-
Coulomb e os parâmetros de resistência obtidos
nos ensaios de cisalhamento direto com corpos-
de-prova inundados, obtêm-se:
s=c'+σ'.tgφ' (9)
s=8,7(kPa)+16,8(kPa).tg38,4°=22,0(kPa) (10)
Com isso pôde-se estabelecer o Fator de
Segurança quanto a ruptura para esta condição.
F.S.=s
τ=
22,0 (kPa)
11,1 (kPa)=1,98
(11)
Assim, para a condição sem pressão de água,
não haveria a ruptura e o talude permaneceria
estável.
Entretanto, sabe-se que a ruptura ocorreu,
então adotando-se o modelo da Figura 17,
supondo o preenchimento da trinca vertical com
água e a subpressão causada pela percolação ao
longo da superfície reliquiar:
F.S.=1,0 (12)
T=Ab.s=Ab.c'+Ab.N'
Ab
.tgφ'=Ab.c'+Ab.N'.tgφ'
(13)
Fazendo o equilíbrio de forças na direção
horizontal:
∑ Fh=0 (14)
V+U cos56°+N'cos56°=Tcos34° (15)
5.zw2 +21,8.zw.cos56°+N'.(cos56°-tgφ'cos34°)-
Ab.c'.cos34°=0 (16)
E o equilíbrio de forças na direção vertical:
∑ Fv=0 (17)
W=Ucos34°+N'cos34°+Tsen34° (18)
21,8.zw.cos34°+N'(cos34°+tgφ'.sen34°)+
Ab.c'.sen34°-W=0 (19)
Considerando os parâmetros de resistência
obtidos no ensaio de cisalhamento direto com
corpos-de-prova inundados e montando o
sistema de equações para as variáveis N'e zw,
obtêm-se:
zw=1,67 (m) (20)
N'=28,5 (kN) (21)
Isto significa que, considerando a superfície
de ruptura e a trinca preenchidas por água, por
exemplo durante uma chuva rápida, bastaria 1,67
m de coluna d’água na trinca para que ocorresse
a ruptura.
5. CONCLUSÕES
Apresentou-se o estudo de um caso de ruptura
ocorrido em talude rodoviário em seção de corte,
construído em solo residual jovem oriundo de
um gnaisse com estruturas reliquiares evidentes.
Durante o trabalho foram coletadas amostras
do solo do talude, qualificadas e suficientes para
a realização de ensaios de caracterização,
cisalhamento direto (com corpos-de-prova à
umidade local e inundados) e triaxiais do tipo
CIU.
Com os parâmetros de resistência obtidos nos
ensaios de laboratório foram realizadas análises
de estabilidade computacionais que tentaram
estabelecer para quais parâmetros de resistência
poderia ocorrer a ruptura.
Os parâmetros de resistência encontrados nos
ensaios de laboratório não explicavam a ruptura.
O fenômeno pode ser explicado pela existência
de uma camada de material mais fraco, não
detectada nos ensaios, ou pela possibilidade de
percolação de águas oriundas de chuvas rápidas
através das trincas e foliações presentes no
talude.
O modelo proposto por (Hoek & Bray, 1974)
indicou que a ruptura poderia ocorrer para os
parâmetros determinados desde que houvesse
água na superfície de ruptura e uma coluna
d’água de 1,67m na trinca vertical.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Hoek, E., & Bray, J. W. (1974). Rock slope engineering.
New York: The Institution of Mining and
Metallurgy.
Vargas, M. (1977). Introdução a Mecânica dos Solos. São
Paulo: MCgraw-Hill do Brasil, Ed. da
Universidade de São Paulo.
Vários autores. (1998). Geologia de Engenharia. (S. N.
Antonio Manoel dos Santos Oliveira), Ed. São
Paulo: Associação Brasileira de Geologia de
Engenharia.