retratos da leitura no brasil - instituto pró-livro

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INSTITUTO PR-LIVRO Presidente Vice-presidente administrativo Vice-presidente tcnico

Jorge YunesPaulo Roberto Rocco Oswaldo Siciliano

GOVERNO DO ESTADO DE SO PAULO Governador

Jos Serra

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SO PAULO Diretor-presidente Diretor Industrial Diretor Financeiro Diretora de Gesto de Negcios

Hubert AlquresTeiji Tomioka Clodoaldo Pelissioni Lucia Maria Dal Medico

Retratos da leitura no BrasilGaleno Amorim | organizador

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao Biblioteca da Imprensa Ocial do Estado de So Paulo Retratos da leitura no Brasil / Organizador Galeno Amorim. - So Paulo : Imprensa Ocial : Instituto Pr-livro, 2008. 232p. : graf., tab. Vrios autores. ISBN 978-85-7060-616-7. 1. Leitores Aspectos Sociais 2. Leitores Formao 3. Livros e leitura Brasil 4. Leitura Brasil Estatstica I. Amorim, Galeno

CDD 028.9 ndices para catlogo sistemtico: 1. Brasil : Leitura : estatstica 028.9

Direitos reservados. Proibida a reproduo total ou parcial sem a autorizao prvia dos editores.

Impresso no Brasil 2008 Foi feito o depsito legal na Biblioteca Nacional (Lei n 10.994, 14.12.2004) Direitos reservados protegidos pela lei no 9.610/98 Proibida a reproduo total ou parcial sem a prvia autorizao do autor e ou dos editores

Edio de acordo com a nova ortograa.

Instituto Pr-Livro Rua Funchal, 263, cj. 33, Vila Olmpia 04551 060 So Paulo SP www.prolivro.org.br [email protected] Tel. 011 3846 6475

Imprensa Ocial do Estado de So Paulo Rua da Mooca, 1.921 Mooca 03103 902 So Paulo SP www.imprensaocial.com.br [email protected] SAC capital e Grande So Paulo 011 5013 5108 | 5109 SAC Demais localidades 0800 0123 401

O Instituto Pr-Livro uma organizao social civil de interesse pblico uma Oscip criada por trs das principais entidades do livro no Brasil: Cmara Brasileira do Livro (CBL), Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel) e Associao Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros). mantido com recursos provenientes das contribuies mensais de empresas do mercado editorial brasileiro. Seu objetivo principal viabilizar aes para ajudar a fomentar a leitura e o livro no Brasil. Para tanto, desenvolve projetos prprios e apoia iniciativas de organizaes sem fins lucrativos ou rgos pblicos com quem estabelece parcerias, mediante prestao de assessoria, participao direta em aes ou doaes. Constitui-se, portanto, numa resposta institucional das entidades do livro no Pas diante da necessidade de fortalecimento de aes estruturais e de participar ativamente das polticas pblicas do livro e leitura.

Jorge Yunes

PREFCIO

Construindo um Brasil leitorInvestigar o comportamento leitor do brasileiro no tarefa fcil. E no basta conhecer essa realidade. Se o nosso objetivo avanar na construo de um Pas leitor, fundamental promover a reexo e o debate sobre esses resultados envolvendo os diferentes segmentos da sociedade e o governo. Ser necessrio estreitar relaes para buscar solues efetivas amparadas nas polticas pblicas e nas aes de especialistas, representantes do governo e da cadeia produtiva do livro. Com essa expectativa e com o objetivo de apresentar a anlise de especialistas sobre os resultados da segunda edio da pesquisa Retratos da leitura no Brasil, o Instituto Pr-Livro (IPL) decidiu promover esta publicao, contando com a parceria da Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, que aceitou nosso convite para edit-la. A leitura das anlises feitas pelos autores convidados para esta reflexo mostra que os temas abordados se cruzam, tecendo um panorama da situao da leitura no Brasil a partir de diferentes olhares: pesquisadores, educadores, profissionais que representam a cadeia produtiva e os responsveis pela formulao das polticas e sua instalao. Essa reunio e o quase consenso em torno do tema livro e leitura demonstram que comea a se tornar efetiva a instalao de debates e aes coordenadas entre

a sociedade e o governo, encontro esse fundamental para o avano na melhoria dos indicadores de leitura no Pas. O Instituto Pr-Livro sente-se honrado com a conana que est sendo depositada nesta entidade que presido e em poder dispor da colaborao de tantos especialistas renomados na construo desse primeiro projeto importante e de mbito nacional do IPL. Este projeto que j se traduz em diferentes aes teve incio assim que fomos convocados pelas entidades fundadoras do instituto Abrelivros, CBL e Snel para promover a segunda edio da pesquisa. Era, assim, oferecida ao IPL a oportunidade de promover o maior estudo de mbito nacional que tem por propsito contribuir com a reexo sobre a situao da leitura no Pas e, tambm, possibilitar o conhecimento sobre os resultados de investimentos realizados pelo governo e outras instituies da rea do livro e da leitura desde a instituio da Lei do Livro, em 2003. Sem dvida, era a oportunidade de investir em um projeto que se tornou referncia como o primeiro e nico estudo em mbito nacional sobre o comportamento leitor do brasileiro. Os resultados da primeira edio at hoje subsidiam estudos, orientam decises de governo e so citados por especialistas da rea. Seus indicadores foram amplamente debatidos por ocasio das comemoraes do Ano Ibero-Americano da Leitura, o Vivaleitura, em 2005. Mas, passaram-se mais de 7 anos e, felizmente, nesse tempo, muito se investiu em programas de governo e em projetos direcionados ao fomento leitura. Nos ltimos anos, podemos citar, por exemplo, o desenvolvimento de aes e polticas de governo que possibilitaram o acesso ao livro a milhes de estudantes do ensino mdio, a expressiva ampliao de estudantes de nvel mdio e superior e o esforo em zerar o nmero de cidades brasileiras sem bibliotecas, alm de outras polticas que favoreceram a incluso e o alcance educao. Essas aes, alm de outras, criaram impactos importantes nos indicadores de leitura, que podem agora ser conferidos nos resultados da segunda edio da pesquisa Retratos da leitura no Brasil.

Era, portanto, fundamental uma avaliao dessa amplitude para se conhecer o impacto dessas polticas. Para se conhecer seus resultados e, principalmente, consolidar ou orientar novas aes que sejam efetivas. Esse foi o principal objetivo do Instituto Pr-Livro ao decidir realizar a pesquisa, divulg-la e fomentar debates, estudos e proposies entre especialistas e interessados no assunto. Os resultados da pesquisa e esses estudos devero tambm orientar as aes do prprio Instituto e indicar caminhos a seguir: Onde investir? Quais projetos apoiar nanceiramente? O Instituto pretende tambm ampliar o frum de discusses apresentando os resultados da pesquisa em seminrios, como o promovido em Braslia, em maio de 2008, e participando de outros encontros dirigidos aos diferentes segmentos das cadeias produtiva e mediadora da leitura. Dever empreender todos os esforos para promover as prximas edies e garantir, assim, que esse estudo seja repetido a cada 3 anos, de forma a construir sries histricas. Esperamos tambm contribuir com o aperfeioamento da metodologia Cerlalc/Unesco, que a elaborou por solicitao do Brasil. isso que vai possibilitar a comparao com os indicadores de outros pases. Promover esta publicao como parte desse projeto teve, portanto, como principal objetivo, possibilitar o acesso anlise de renomados especialistas sobre os resultados da pesquisa e a situao da leitura no Brasil, contribuindo para ampliar esse debate e criar uma massa crtica sobre o assunto. Essa troca de ideias dever possibilitar o avano na identicao de aes efetivas e no fortalecimento das polticas pblicas. Para ampliar a rede, est prevista a distribuio deste livro aos rgos da educao e cultura e a entidades da cadeia produtiva do livro. Reunir, para essa reexo, renomados especialistas na rea da leitura foi obra incansvel de nosso colaborador Galeno Amorim, a quem foi conada a coordenao da publicao e, tambm, da pesquisa. Todos aqueles que se interessam pelo assunto j conhecem a dedicao desse especialista, militante incansvel dessa causa, e, acredito, compartilham do agradecimento que lhe dirigido.

Devemos agradecer, tambm, Imprensa Ocial do Estado de So Paulo, em nome de seu presidente, Hubert Alqures, por ter compartilhado desses objetivos e aceitado ser nosso parceiro promovendo esta edio e sua distribuio e venda. Fao votos que a leitura a seguir traga muitas inquietaes e o desejo de nos unirmos para buscar aes efetivas para a construo de um Brasil leitor.

Jorge Yunes presidente do Instituto Pr-Livro e da Associao Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros). diretor-superintendente do Instituto Brasileiro de Edies Pedaggicas (Ibep) e da Companhia Editora Nacional e formado em Direito pela Pontifcia Universidade Catlica (PUC) de So Paulo.

Hubert Alqures

APRESENTAO

Por uma nao de leitoresUm pas se faz com homens e livros Monteiro Lobato No universo da literatura, tantas possibilidades h de interpretao do texto, quantos so os signicados das palavras. O prprio sentido da palavra ler, por exemplo, sofreu evoluo ao longo do tempo. No latim, legere, que deu origem ao vocbulo, signicava colher; recolher; juntar. Pode-se armar que a linguagem escrita uma das maiores invenes de todos os tempos, um instrumento que evoluiu para atender ao inexorvel avano da humanidade. Tamanha sua importncia que se tornou uma ferramenta de poder: aqueles que detinham o domnio do conhecimento, em geral adquirido pela escrita e pela leitura, passaram a sobrepor-se queles que no o possuam. Ainda hoje, e cada vez mais, a cultura representa a melhor maneira de integrao do indivduo na sociedade e a leitura o mais eciente instrumento para o acesso ao conhecimento. Onde nasceria o estmulo primeiro leitura? No seio familiar ou seria adquirido na escola? Dizem que o gosto pela leitura um hbito que se consolida a partir da prtica cotidiana, devendo, portanto, ser estimulado desde a infncia, at tornar-se uma necessidade. Muitos armam que os pais so os principais responsveis pelo incentivo leitura e que um bom leitor se faz, fundamentalmente, em casa.

Por outro lado, h evidncias de que do total de leitores no pas, a grande maioria tem grau de escolaridade do ensino mdio e pertence classe mdia. Mas tambm evidente que as diculdades de leitura conguram um quadro de inadequada formao educacional, decorrente da precariedade e da inecincia do sistema de ensino. O presente projeto no se prope a apresentar solues a questes relacionadas ao dcit de leitura no pas. Retratos da leitura no Brasil, de iniciativa do Instituto Pr-Livro, pretende mostrar o perl, to el quanto possvel, dos leitores e no-leitores brasileiros, mostrando os resultados obtidos pela adoo de polticas pblicas e seu grau de ecincia. Se ao reunir pesquisadores, educadores e prossionais ans para analisar e comentar o retrato pretendido, o resultado lograr o estmulo ao debate e suscitar a anlise acerca dos possveis caminhos para a formao de leitores, o projeto ter atingido seu objetivo maior. A Imprensa Ocial, com seus ttulos publicados, parcerias com universidades, instituies culturais e organizaes no-governamentais, o patrocnio e incentivo a programas de literatura em televiso educativa, tambm contribui com o processo de formao de leitores. Por isso, muito nos apraz a parceria que ora se efetiva com o Instituto Pr-Livro traduzida pela coedio dos resultados dessa pesquisa imprescindvel causa do livro e ampliao do universo dos leitores no Brasil. Por ltimo, gostaria de relembrar a histria de Severino Manoel de Souza, o catador de papel que inaugurou em 2005, num prdio invadido no centro de So Paulo uma biblioteca com livros encontrados e recolhidos no lixo. O acervo, com mais de 16 mil ttulos atendia aos prprios moradores do imvel, cerca de 1.800 usurios, cadastrados em um computador doado a Severino. Isso nos traz a esperana de que a leitura venha a ser uma das necessidades essenciais do ser humano, enquanto fonte de conhecimento e de prazer, tornando mais vasto o territrio de sua imaginao. E, como tal, um direito a ser garantido.

Hubert Alqures diretor-presidente da Imprensa Ocial do Estado de So Paulo

SUMRIO

Introduo Galeno Amorim Os muitos retratos da leitura no Brasil 15 Moacyr Scliar O valor simblico da leitura 31 Jorge Werthein Leitura e cidadania 41 Maria Antonieta Antunes Cunha Acesso leitura no Brasil 49 Luclia Helena do Carmo Garcez Esse Brasil que no l 61 Andr Lzaro e Jeanete Beauchamp A escola e a formao de leitores 73 Jferson Assumo Leitura cultural, crtica ou utilitria 83 Zoara Failla Os jovens, leitura e incluso 95 Felipe Lindoso A cadeia produtiva do livro e a leitura 109 Jos Castilho Marques Neto Uma nova agenda para as polticas pblicas do livro e leitores 127 Resultados da pesquisa Retratos da leitura no Brasil 2007 143

Galeno Amorim

INTRODUO

Os muitos retratos da leitura no Brasil1. Aonde a pesquisa pode nos levar Uma leitura mais atenta dos resultados e, sobretudo, das entrelinhas das respostas dos entrevistados para a pesquisa Retratos da leitura no Brasil pode trazer algumas revelaes importantes. A primeira delas que no d para negar que tem havido avanos nos ltimos anos e que os brasileiros esto lendo mais. Ou, pelo menos, um pouco mais. Em seguida, uma constatao, que no chega a negar a armativa anterior e muito menos a tirar o brilho que, porventura, ela possa conter: o Pas ainda est longe de ser uma nao de cidados leitores e h muito cho pela frente at que se chegue l. Como a metodologia foi modicada em relao edio anterior, no se pode, entretanto, fazer comparaes dos resultados gerais com aqueles obtidos em 2000 algo que s ser possvel a partir da divulgao dos prximos nmeros da pesquisa, em 2011. Dito isso, constata-se que o estudo traz algumas boas surpresas como o fato de Monteiro Lobato havia anos sem ser reeditado aparecer como o escritor brasileiro mais admirado; ou a poesia, que quase j no mais publicada, gurar entre os cinco gneros mais lidos pelos leitores. E algumas conrmaes como rearmar o papel da escola como palco privilegiado para a formao de leitores. Mais do que isso, d pistas: mostra, por exemplo, que, ao que tudo indica, estamos no caminho certo provavelmente o ritmo ainda

no seja dos melhores e, talvez, muitos de ns, com algum tipo de responsabilidade no assunto, ainda no estejamos conseguindo fazer tudo aquilo que era esperado. De qualquer forma, entre os milhares de grcos, quadros e informaes provenientes dos cruzamentos dos dados colhidos com a populao brasileira, inclusive de no-leitores, d para se extrair pelo menos duas grandes notcias no terreno institucional. A boa que a pesquisa cuidou de escancarar aos olhos de todos, e sobre isso no deixou nenhuma dvida de que quando o Estado investe em polticas pblicas o que, anal, seu dever faz-lo os resultados no tardam a aparecer. Basta olhar, por exemplo, os ndices de leitura produzidos pelas crianas e jovens que frequentam as escolas mais do que o dobro do que se l fora delas. Isso, no entanto, traz tona outra questo: a escola est falhando na tarefa de formar leitores que, alm de dominar as habilidades de leitura, tambm gostem de ler e continuem a fazer isso depois que estiverem longe dela. Isso, naturalmente, quando consegue fazer que lidem com essas tcnicas, visto que continua po o desempenho dos alunos brasileiros em compreenso leitora nas medies internacionais. A m notcia que o Brasil, apesar dos recentes avanos, ainda no reconhece a questo do livro e da leitura como algo realmente importante e estratgico para seu presente e, sobretudo, para construir outro tipo de futuro. Isso ca claro ao se constatar o quanto ainda hesita na hora em que deveria conferir a ela a dimenso de uma poltica de Estado o que inclui oramentos pblicos mnimos, estrutura para bem aplic-los e uma clara denio de papis para os diferentes entes da federao. Basta dar uma espiada nos captulos deste livro e observar a baixa frequncia da populao nas bibliotecas brasileiras, um servio pblico que, embora essencial, continua a merecer s um tratamento de segunda classe. No por outra razo, elas esto s mnguas e, vez ou outra, surgem notcias na imprensa dando conta do fechamento de algumas delas. Esta segunda edio de Retratos da leitura no Brasil apresenta amplo diagnstico que, na medida do possvel, busca aprofundar a investigao sobre diversos aspectos da leitura no Pas. Espera16 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

se que os resultados a que se chegou e, mais ainda, as reexes e os novos estudos que esses engendraro sejam teis queles que atuam na rea. Sejam eles da cadeia produtiva do livro, da cadeia mediadora da leitura ou, principalmente, gestores de programas, projetos e polticas pblicas em quaisquer esferas da vida nacional que tenham por nalidade desenvolver e fomentar a leitura entre os brasileiros. Como tambm, de resto, poder ter boa serventia aos que se dedicam a pesquisar, explicar e propor novas sadas para mudar a realidade atual. Mas, certamente, no est a o mrito maior da retomada de Retratos da leitura no Brasil. Uma iniciativa do Instituto Pr-Livro organizao no-governamental criada e mantida pelas principais entidades do livro no Pas, em resposta desonerao scal do livro, assinada pelo presidente Luiz Incio Lula da Silva em ns de 2004 , esta edio da pesquisa, agora renovada e ampliada, era uma antiga aspirao do mundo do livro, que ainda carece de diagnsticos mais precisos. De certa forma, ela atende s demandas de autoridades, gestores, empresrios e aos reclamos dos meios de comunicao e da prpria sociedade, historicamente s voltas com as diculdades histricas para tatear nesse pantanoso terreno do desconhecido. Anal, no vamos chegar a lugar algum sem uma compreenso mais clara do momento atual. Mas, principalmente, se, a partir das constataes, revelaes e inquietaes que o estudo em si traz, no pararmos para reetir sobre isso, reconhecer as decincias, apontar caminhos e, por m, estabelecer um grande pacto nacional em favor da leitura, com responsabilidades para cada uma das partes: Estado nos mbitos nacional, estadual e municipal , setor privado e sociedade organizada. Est a, portanto, a principal contribuio de Retratos da leitura no Brasil, agora transformada em livro que, em breve, chegar s mos das autoridades do governo federal, aos secretrios estaduais de Educao e Cultura, s prefeituras e aos atores sociais e militantes que constituem o chamado Povo do Livro editores, livreiros, escritores, trabalhadores do setor, professores, bibliotecrios, pesquisadores, ONGs e interessados em geral no tema. O que se pde ver nas semanas seguintes divulgao dos resultaIntroduo 17

dos desta segunda edio, que se deu em ns de maio de 2008, em Braslia, foi uma intensa busca pelo relatrio nal uma das razes que justicam a apressada edio deste livro. Ao mesmo tempo, pesquisadores independentes, universidades, centros de estudos e pesquisas e promotores dos eventos do mundo do livro pelo Pas afora sem contar, naturalmente, os meios de comunicao, que acolheram e repercutiram os resultados com incrvel abrangncia e rapidez tm demonstrado enorme interesse em, mais do que conhecer, se debruar sobre os dados e discuti-los. Nesse sentido, esto sendo programados seminrios, debates, conferncias e teses acadmicas em diversas regies do Pas e deve ser assim at que sejam pintados, em 2010, novos retratos para mostrar a quantas anda a leitura no Brasil (e espera-se que esteja bem melhor do que se viu neste inverno de 2008!), dando incio a um novo ciclo de reetir, planejar, fazer, monitorar e avaliar. At l, porm, h muito o que se fazer. Os autores escalados para a tarefa de promover as reexes necessrias a partir dos dados brutos da pesquisa o que o prezado leitor poder ver de perto nos nove captulos que constituem a primeira parte da presente obra; na segunda, esto os grcos e os resultados propriamente ditos cuidaram de apontar alguns desses caminhos. Alguns deles aproveitaram para fazer, de forma bastante apropriada, um mergulho em certos aspectos da leitura que no podem, de forma nenhuma, ser colocados em segundo plano justamente no momento em que se busca apurar hbitos e prticas leitoras no Brasil. Mesmo porque o ato de ler no pode ser meramente quanticado e traduzido, por mais conveis possam ser, em meros nmeros. Ler para o outro um ato de amor. J ler para si prprio , mais do que uma ao intuitiva que busca prazer, conhecimento e desenvolvimento da prpria inteligncia, uma atitude de cidadania. Mesmo porque um livro, mais do que qualquer outro objeto que se conhece, vai muito alm do seu signicado primeiro, na medida em que contm bem mais do que as meras folhas de papel coladas ou costuradas e os sinais grcos nelas estampados. justamente alm do limite dessa simplria denio que se d seu signicado pleno e tem incio a produo do valor simblico e social da leitura.18 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

No rastro da importncia social e poltica de um estudo dessa natureza e ele o mais amplo levantamento realizado at hoje no Pas sobre hbitos, prticas e opinies referentes leitura , alguns dos autores se enveredaram por outro caminho, igualmente oportuno. Esses se debruaram sobre os ndices e as ideias expressadas pela populao brasileira para reetir sobre as prprias prticas que eles atualmente empreendem na condio de responsveis que so por algumas das polticas em andamento no Brasil de 2008. Disso, natural que saia algo capaz de produzir novas aes e diretrizes para melhorar e aperfeioar o que vem sendo feito nessa rea no Pas. Pode parecer pouco, mas no . Por m, depois de perpassar os diversos aspectos e responsabilidades quanto ao tema, a obra se prope a outra reexo, e da maior importncia para que os livros e a leitura venham a ter, a dimenso que merecem e precisam na vida nacional. No ltimo captulo da primeira parte, trata-se de forma bastante apropriada da construo de uma nova agenda para as polticas pblicas do livro e leitura, onde se apresentam caminhos, aes e estratgias a serem buscados nos prximos anos para que outros avanos sejam gerados. Anal, no h quem duvide que a evoluo que se deu na atual dcada e isso pode ser conrmado pelo exame dos prprios indicadores de Retratos da leitura no Brasil se sustenta, em parte, em dois grandes pilares. O primeiro deles reside no fato de que no ltimo sculo, de Monteiro Lobato se quisermos centrar o objeto da nossa anlise, por ora, somente no perodo mais recente da histria do Brasil at os dias atuais, uma legio de brasileiros, annimos ou no, arregaou as mangas e foi luta para militantes em favor dessa causa. A segunda que, em consequncia de um novo perodo de mobilizao, que teve seu auge em 2005, nas comemoraes no Brasil do Ano Ibero-Americano da Leitura entre ns conhecido como Vivaleitura , foi amplamente debatida e construda uma agenda informal de polticas pblicas, que, de certo modo, parece j ter surtido algum efeito. O ponto de partida para os avanos mais recentes e muitos aconteceram no sculo passado, como a criao do InstitutoIntroduo 19

Nacional do Livro (INL), extinto na dcada de 1990, e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE), ou, ainda, a converso dos programas governamentais do livro em poltica de Estado foi, sem dvida, a instituio da Lei do Livro, em 2003. Depois disso, o Brasil promoveu a desonerao scal do livro e no so muitos os pases do mundo onde ele completamente livre de impostos e taxas, como por aqui , criou programas governamentais de nanciamento s editoras e fez ressurgir instncias polticas de debate e concertao, como o caso da Cmara Setorial do Livro, Literatura e da Leitura. Ao mesmo tempo, o governo intensicou os esforos para zerar o nmero de municpios sem biblioteca (eles eram 1,3 mil em 2003 e devem chegar a zero em ns de 2008). Mais importante ainda, criou o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), passo fundamental para converter o tema em poltica de Estado. Agora, entretanto, preciso ir alm, a comear pela consolidao e o enraizamento dessa poltica nos Estados e cidades (na forma de planos estaduais e municipais do livro e leitura). E, principalmente, criando instrumentos do Estado capazes de nanciar, gerir e articular essas polticas que tambm precisam ser monitoradas, observadas e permanentemente avaliadas. Espero, nalmente, que a pesquisa e o livro, duas iniciativas capitaneadas pelo Instituto Pr-Livro que tive o privilgio de organizar e coordenar, sejam capazes de oferecer a munio necessria se no para compreender um pouco o comportamento leitor da populao brasileira, pelo menos para trazer novas inquietaes. Talvez joguem alguma luz nos esforos que vm sendo feitos, acima de quaisquer questes menores, por governos, empresas e sociedade. Uma coisa certa: ainda h muito o que se fazer! E h muitas cadeiras vazias e lugar para muito mais gente nessa viagem. E, digase de passagem, que adorvel viagem...

20 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

2. Como ela foi feita e por qu Esta segunda edio da pesquisa Retratos da leitura no Brasil comeou a ser engendrada no incio de 2004, quando o governo brasileiro discutia os rumos, diretrizes e metas para uma poltica pblica do livro, leitura e bibliotecas que apontasse, no mnimo, para os prximos 20 ou 30 anos. Na ocasio, os diversos atores sociais que atuam na rea foram convocados a debater e ajudar a construir esse caminho. Unesco, IBGE e universidades foram instados a, com os tcnicos e dirigentes dos ministrios da Cultura e da Educao, denir as necessidades e o escopo de um diagnstico ideal, e mais atual, sobre o comportamento leitor da populao. A ideia era incluir indicadores que pudessem, mais tarde, servir de parmetro para comparaes internacionais, contribuindo tambm para o estabelecimento de objetivos e metas de curto, mdio e longo prazos, at 2022, quando se comemoraro os 200 anos da Independncia do Brasil. Naquele mesmo ano, o Brasil apresentou a demanda ao Centro Regional de Fomento ao Livro na Amrica Latina e no Caribe (Cerlalc), um organismo internacional vinculado Unesco. No bojo dos preparativos para a celebrao, em 2005, do Ano Ibero-Americano da Leitura (batizado de Ilimita, em espanhol, e Vivaleitura, no Brasil) foi criado um grupo de trabalho com especialistas de diversos pases da regio. Com apoio da OEI (Organizao dos Estados Ibero-Americanos para a Educao, a Cincia e a Cultura), o Cerlalc promoveu, nos anos seguintes, diversos encontros na Colmbia, Mxico e Brasil. O objetivo era chegar a uma metodologia que pudesse servir de base para as investigaes internacionais e levassem em conta tanto as novas vises sobre a leitura no mundo quanto as peculiaridades regionais. O primeiro projeto-piloto foi realizado em ns de 2004 no municpio de Ribeiro Preto (SP), onde a prefeitura, com diversos parceiros locais e nacionais, desenvolveu uma ampla poltica de bibliotecas (abriu, desde 2001, ano da primeira Lei do Livro em uma cidade brasileira, 80 unidades). A metodologia foi testada pelo instituto A. Franceschini Anlise de Mercado, de So Paulo, que fora responsvel pela primeira edio da pesquisa Retratos da leitura no Brasil,Introduo 21

realizada em 2000 pela Cmara Brasileira do Livro (CBL), Sindicato Nacional dos Editores de Livro (Snel), Associao Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros) e Associao Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa). Dois anos depois, em 2006, coube ao Ibope Inteligncia testar a metodologia, j em estgio mais avanado, no segundo projeto piloto, no Rio Grande do Sul. O estudo foi nanciado pela Cmara Rio-Grandense do Livro e apoiado pela OEI. O Ibope Inteligncia foi novamente convocado, no ano seguinte, dessa vez pelo Instituto Pr-Livro, para realizar o estudo com abrangncia nacional e agora como uma ao do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). Por ter participado de todas as discusses e etapas anteriores desde 2003, acabei convidado, na condio de diretor do Observatrio do Livro e da Leitura, para coordenar os trabalhos, que aconteceram entre setembro de 2007 e maio de 2008 (o trabalho de campo foi da segunda metade de novembro ao incio de dezembro de 2007). O objetivo central da nova edio de Retratos da leitura no Brasil foi medir a intensidade, forma, motivaes e condies para a prtica da leitura no Pas na segunda metade desta dcada. Decidiu-se tambm gerar outras informaes de carter quantitativo e qualitativo sobre o acesso ao livro e leitura e intensicar a investigao sobre as bibliotecas pblicas e seu papel na formao de leitores. Ao buscar um padro internacional para as medies, permitindo comparaes entre os pases, a ideia tambm j era criar as condies necessrias para a construo de uma srie histrica a partir de 2008, com novas medies em intervalos de trs anos. Uma das principais inovaes da nova metodologia, e que se revelou um grande acerto, foi incluir no universo a ser investigado a populao com idade entre 5 e 13 anos, que cou fora da primeira edio, em 2000, e da maioria dos estudos internacionais. Essa deciso agregou um contingente de 34,7 milhes de brasileiros, constitudo na maioria por crianas e jovens em idade escolar e, portanto, leitores em potencial. Tambm passou a fazer parte da amostra atacando, assim, outra lacuna existente em praticamente todos os estudos feitos pelo mundo afora , a populao com menos de 3 anos de escolaridade.22 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

So 51,5 milhes de pessoas (dos quais 20 milhes com menos de 14 anos) nessa condio. Tambm esto a os analfabetos, que reforam o time de 77 milhes brasileiros no-leitores. Ao todo, entre uma e outra edio da pesquisa, o universo investigado aumentou de 86 milhes em 2000 (o que correspondia a 49% da populao) para 172,7 milhes seis anos mais tarde, (ou 92% da populao, em 2006). O substancial aumento, quase dobrando a amostra em um perodo em que o crescimento vegetativo da populao foi de 10,2%, implicou, evidentemente, drsticas alteraes nas amostras da populao segundo escolaridade, idade, gnero, religio, regies geogrcas, etc. Outra inovao signicativa foi a ampliao das cidades investigadas. Enquanto em 2000 haviam sido realizadas 5,2 mil entrevistas em 44 municpios de 19 das 27 unidades da Federao, dessa vez os pesquisadores foram a 311 cidades de todos os Estados brasileiros mais o Distrito Federal. Assim, todas as capitais e regies metropolitanas foram pesquisadas e o nmero de pequenas cidades visitadas foi sete vezes maior do que em 2000, o que permitiu captar melhor a diversidade da geograa nacional.

Crescimento Vegetativo da Populao em 2000/2006: 10,2%190.000.000 185.000.000 180.000.000 175.000.000169.872.855 171.667.536 173.966.052 169.369.557 184.388.620 182.060.108 187.227.792

170.000.000 165.000.000 160.000.000 2000** Fonte: Censo 2000 (IBGE) ** Fonte: PNAD 2001/2006 (IBGE)

2001**

2002**

2003**

2004**

2005**

2006**

Introduo 23

Municpios que compem a amostraDados do IBGE* Municpios At 20.000 De 20.001 a 50.000 De 50.001 a 100.000 De 100.001 a 200.000 De 200.001 a 500.000 De 500.001 a 1.000.000 Mais de 1.000.000 Total 4260 835 273 101 69 16 11 5.565 Populao 33.262.623 24.674.857 18.685.263 14.235.154 20.743.718 11.290.555 29.234.371 152.126.540 % 22% 16% 12% 9% 14% 7% 19% 100% Amostra da Pesquisa Municpios 71 71 44 40 58 16 11 311 Entrevistas 973 959 539 441 742 385 973 5012 % 19% 19% 11% 9% 15% 8% 19% 100%

Fonte: Censo IBGE 2000 (apenas populao com 5 anos de idade ou mais)

Os Estados na amostra nacionalPopulao com 5 anos ou mais UF %AC AL AM AP BA CE DF ES GO MA MG MS MT PA PB PE PI PR RJ RN RO RR RS SC SE SP TO TOT. 583.839 2.783.284 2.984.612 551.953 12.768.334 7.531.058 2.204.490 3.213.080 5.314.256 5.517.275 18.115.802 2.101.230 2.608.945 6.389.489 3.322.368 7.765.179 2.790.413 9.636.894 14.660.460 2.800.454 1.430.302 362.134 10.277.056 5.581.281 1.851.276 38.377.884 1.210.469 172.733.817 0,3% 1,6% 1,7% 0,3% 7,4% 4,4% 1,3% 1,9% 3,1% 3,2% 10,5% 1,2% 1,5% 3,7% 1,9% 4,5% 1,6% 5,6% 8,5% 1,6% 0,8% 0,2% 5,9% 3,2% 1,1% 22,2% 0,7% 100,0%

Entrevistas da amostra % Diferena14 84 84 14 378 210 70 98 154 154 532 56 70 182 98 224 84 280 420 84 42 14 294 168 56 1106 42 5012 0,3% 1,7% 1,7% 0,3% 7,5% 4,2% 1,4% 2,0% 3,1% 3,1% 10,6% 1,1% 1,4% 3,6% 2,0% 4,5% 1,7% 5,6% 8,4% 1,7% 0,8% 0,3% 5,9% 3,4% 1,1% 22,1% 0,8% 100,0% 0,06% -0,06% 0,05% 0,04% -0,15% 0,17% -0,12% -0,10% 0,00% 0,12% -0,13% 0,10% 0,11% 0,07% -0,03% 0,03% -0,06% -0,01% 0,11% -0,05% -0,01% -0,07% 0,08% -0,12% -0,05% 0,15% -0,14%

24 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

Os municpios pesquisados

311 municpios selecionados Mtodo PPT (Probabilidade Proporcional ao Tamanho)

Mtodo PPT Sorteio de municpios por tamanho da populao Sorteio dos setores censitrios Seleo dos entrevistados

De forma a compor o Perl Demogrco do BrasilExemplos:

Introduo 25

O territrio nacional foi plenamente coberto com a aplicao de 5.012 questionrios, que tiveram uma durao mdia de 60 minutos cada um, e foi feita nos prprios domiclios. Uma em cada quatro entrevistas foi scalizada, o que est bem acima dos padres normais. O Ibope operou com margem de erro de 1,4% e intervalo de conana de 95% (ou seja, se a mesma pesquisa for realizada 100 vezes, em 95 delas os resultados sero semelhantes). O Ibope Inteligncia fez uma pesquisa quantitativa de opinio e deniu o nmero de entrevistas proporcionalmente ao tamanho de cada unidade federativa. Sorteou as amostras probabilsticas e os setores censitrios nos Estados e municpios utilizando o mtodo chamado PPT (Probabilidade Proporcional ao Tamanho) e, em seguida, os domiclios, at formar, proporcionalmente, as quotas por gnero, idade, grau de instruo, ramo de atividade, situao ocupacional, renda e nmero de pessoas no domiclio, seguindo risca a prpria formao atual da populao brasileira. O objetivo central da segunda edio de Retratos da leitura no Brasil foi diagnosticar e medir o comportamento leitor da populao, especialmente em relao aos livros, mas sem deixar de analisar outros suportes, como os jornais, revistas, histrias em quadrinhos, livros digitais, audiolivros ou aquelas que atendem a determinados grupos de leitores, como o livro em braile. Buscou-se, assim, conhecer o perl de leitores e dos no-leitores de livros, suas preferncias, opinies, hbitos e prticas do cotidiano. Quis saber, tambm, sobre quem so os principais inuenciadores, as barreiras contra a leitura e como anda a percepo sobre leitura no imaginrio da sociedade. Para isso, a pesquisa adotou alguns conceitos que acabariam por dar o tom a todo o trabalho. Foram considerados leitores, por exemplo, aqueles que, no momento da entrevista, declararam ter lido pelo menos um livro nos trs meses anteriores. E, da mesma forma, no-leitores os que disseram no ter lido nenhum livro nesse perodo, ainda que em outros possam ter lido ou nos trs ltimos meses tenham folheado ou lido apenas ocasionalmente livros ou qualquer outro suporte de leitura. A pesquisa no fazia qualquer avaliao sobre a qualidade da leitura ou mesmo sobre os nveis de26 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

compreenso dos textos lidos. Como qualquer pesquisa de opinio, baseou-se to-somente nas declaraes dos entrevistados em resposta s questes formuladas pelos pesquisadores. Foram criados quatro indicadores principais, que mostraram, em linhas gerais, o seguinte: Nmero de leitores: 95 milhes; Nmero de no-leitores: 77 milhes; Nmero de livros comprados: 1,2 livro por habitante/ano (o que d 36,2 milhes de compradores de livros); Nmero de livros lidos (4,7 livros por habitante/ano). importante, ainda, notar que entre 2000 e 2006 o Brasil ganhou um contingente de mais 5 milhes de pessoas com formao universitria, aumentando esse nmero para 15 milhes de habitantes com esse grau de instruo. No mesmo perodo, agregou outros 12 milhes de jovens com instruo mdia concluda. Em 2006, o nmero de brasileiros matriculados na escola, da Educao Infantil Ps-Graduao, j era de 61 milhes, 5,6 milhes dos quais nos cursos de alfabetizao de jovens e adultos. Vale destacar, ainda, que nesse curto perodo entraram em operao os programas de distribuio de livros gratuitos para os alunos do Ensino Mdio, onde esto matriculados 9 milhes de jovens. Talvez esses nmeros possam dar alguma pista para tentar entender certas modicaes no comportamento leitor da populao. Anal, muito pouco tempo para explicar um suposto aumento da leitura que, em geral, rechaado pelo senso comum. Uma rpida comparao feita pelo Ibope com um mesmo grupo de leitores (mais de 15 anos de idade, mnimo de trs anos de escolaridade e que leu pelo menos um livro nos 3 meses anteriores entrevista) apontou um aumento de 1,8 para 3,7 livros lidos por ano. No se pode, entretanto, extrapolar esse dado para a populao em geral, em funo da mudana de metodologia. Mas, enm, os brasileiros esto lendo mais ou no? Teria havido alguma mudana substancial capaz de modicar o comportamento leitor da populao para cima ou para baixo? Essas e outrasIntroduo 27

perguntas esto sendo feitas sistematicamente desde o primeiro semestre de 2008, quando o Ibope Inteligncia tabulou os primeiros dados da pesquisa. Desde ento, vrios dos principais especialistas brasileiros no tema foram escalados para ajudar a pensar sobre isso e produzir novas reexes. Certamente continuaro a faz-lo nos prximos trs anos. Parte disso est aqui, nos 9 captulos que compem a Parte I do livro Retratos da leitura no Brasil. Na Parte II, o leitor poder conferir nos grcos e quadros e tirar ele prprio suas concluses.

Galeno Amorim diretor do Observatrio do Livro e da Leitura e foi o primeiro coordenador do Plano Nacional do Livro e Leitura. Presidiu o Conselho Diretivo do Ano Ibero-Americano da Leitura (Vivaleitura) e o Comit Executivo do Centro Regional de Fomento ao Livro na Amrica Latina e no Caribe (Cerlalc/Unesco). consultor internacional de polticas pblicas do livro e leitura, autor de 10 livros e ex-secretrio da Cultura de Ribeiro Preto (SP), onde criou e dirigiu diversos rgos de polticas do livro e leitura.28 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

CAPTULO

1 Moacyr Scliar

O valor simblico da leitura

ostumamos associar a palavra leitura a um texto escrito. Lemos um livro, lemos um jornal, lemos uma carta, lemos uma bula de remdio, e de fato, nas 13 acepes registradas no Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa, a maioria tem este sentido, de ler textos. Mas, no sentido gurado, diz Houaiss, a palavra leitura quer dizer maneira de compreender, de interpretar, um texto, uma mensagem, um acontecimento. E d como exemplo: Os crticos realizaram uma leitura muito limitada do lme. Ou seja: nem s a textos a leitura se refere. Como diz Wilson Martins em A palavra escrita (So Paulo, tica, 1996, p. 33): A escrita apenas um provavelmente o mais perfeito e o menos obscuro entre inmeros outros sistemas de linguagem visual: a essa mesma categoria pertencem os desenhos, a mmica, os cdigos de sinais marinhos e terrestres, luminosos ou no, os gestos, em particular a linguagem dos surdos-mudos, etc. Se podemos fazer uma leitura de um lme, de um incidente, de um desenho, isso quer dizer, na verdade, que estamos vendo esse lme, esse incidente, esse desenho, como coisas paradigmticas, simblicas. Leitura tem sempre a ver com simblico, porque como diz Edward Sapir, citado por Martins: A histria da escrita , em essncia, uma longa tentativa para desenvolver um simbolismo independente com base na representao grca, seguida da lenta e amargura-

C

31

da constatao que a linguagem falada de um simbolismo mais poderoso do que qualquer espcie de grco. Ou seja: em matria de comunicao entre seres humanos a fala ainda soberana. Mas ela tem suas limitaes que muito cedo foram descobertas. H um lme canadense que o mostra muito bem. Ele retrata a chegada dos colonizadores brancos ao Canad. O encontro entre esses e os indgenas , naturalmente, marcado pelo estranhamento. Em particular, o chefe da tribo, cuja cultura grafa, no entende por que os brancos rabiscam coisas em papel. O comandante do navio ento se prope a demonstrar, de maneira prtica, a utilidade da escrita. Mostra um marinheiro que est a distncia e diz ao indgena que quer a pistola dele e que o homem vai fornec-la. Escreve ento um bilhete dizendo Manda-me tua pistola, ou algo no estilo, e pede que o ndio o leve at o marinheiro. Ao receber o papel, este, de imediato, entrega sua pistola. O ndio ca assombrado: como o marujo descobriu que seu chefe queria a pistola, se nada ouviu dele? E ento se d conta de que o texto fez a mgica. Podemos imaginar o temor e o respeito com que passou a olhar letras manuscritas ou impressas em papel. A partir dali elas certamente adquiriram para o chefe, e talvez para a tribo, um valor simblico. Que, entre parnteses, deve ter ajudado na dominao da regio pelos brancos. Os ndios poderiam fazer suas as palavras de Galileu Galilei: De todas as invenes nenhuma mais sublime do que aquela que nos permite comunicar nossos mais ntimos pensamentos a outra pessoa, no importa quo distante esteja em termos de tempo ou de lugar, e pela simples disposio, no papel, de duas dezenas de pequenos sinais. o pice da criatividade humana. Historicamente, a escrita corresponde a um salto no desenvolvimento humano. A linguagem oral, os gestos, o desenho daro lugar quilo que os alemes chamam de Ideenschrift, a escrita de ideias, das quais o ideograma o exemplo; depois passamos para o Wortschrift, a escrita de palavras. E ser uma escrita fontica: os sons contidos na palavra sero traduzidos em letras. Nesse processo, cresce o valor simblico da escrita. De que falamos, quando falamos em smbolos? Falamos de objetos, imagens ou outras representaes de ideias e de conceitos. Um universo to32 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

vasto e complexo que existe at um ramo do conhecimento a ele dedicado, a semitica. A prpria palavra smbolo muito signicativa. Vem do grego symbolon, em que syn quer dizer juntos, e bolon arremessar. Unidos por smbolos ns, humanos, nos arremessamos juntos nesta aventura que a vida. Juntos, no separados; esse carter de unio que o smbolo proporciona uma coisa importante e contrasta, como j veremos, com outras conotaes que a escrita pode ter. A escrita percorreu longo caminho at chegar onde estamos. Os primeiros sistemas de comunicao, que eram ideogrcos, datam do 7o milnio a.C. A evoluo da escrita teve como cenrio principal o Oriente Mdio; ali surgiu, na Mesopotmia, a escrita cuneiforme, assim chamada porque os caracteres tinham a forma de cunha. J a escrita hieroglca dos egpcios inclua desenhos (de aves, por exemplo). Essa escrita era muito importante para manter unido o imprio egpcio; estava a cargo de uma educada elite de escribas, que estavam a servio do fara, dos sacerdotes, dos nobres, e eram recrutados entre famlias selecionadas. Escrever era importante; ler igualmente. Havia, nos templos, o sacerdote-leitor, muitas vezes representados nas pinturas lendo de um pergaminho; a ele cabia ociar as cerimnias fnebres.

Leitores brasileiros e o gosto pela leitura no tempo livre13% no gostam (12,1 milhes)

41% gostam muito (39,6 milhes)

46% gostam um pouco (43,7 milhes)

Fonte: Pesquisa Retratos da leitura no Brasil Fonte: Pesquisa Retratos da leitura no Brasil

O valor simblico da leitura 33

No Oriente Mdio surgiu o primeiro alfabeto unindo smbolos a fonemas. Foram os fencios, habitantes do atual Lbano, que desenvolveram e aperfeioaram esse alfabeto. Dele se originaram os alfabetos grego e latino. O Oriente Mdio foi o bero de um texto muito importante na histria do nosso mundo, sobretudo do Ocidente, um texto que, de incio, estava sob a guarda, zelosa e ciumenta, de um pequeno grupo humano a princpio formado por uma reunio de tribos e depois unicado nacionalmente num povo e num reino. Esse processo foi catalisado por uma religio grupal que, diferente das outras praticadas na regio, era monotesta: cultuava uma nica divindade, Javeh ou Jeov. A histria desse povo e de sua relao com a divindade est contada naquilo que hoje conhecemos como Bblia. O termo grego e signica livros. De fato, a Bblia antes uma coleo de livros que comearam a ser escritos provavelmente entre 950 e 850 a.C. e tem vrios autores, o que se comprova pelos diferentes estilos. O conjunto desses livros foi denominado, pelo cristianismo, Antigo Testamento, em contraposio ao Novo Testamento, que narra a vida de Jesus. Durante sua histria, os hebreus estiveram sob o jugo de diferentes imprios; assim, Alexandre o Grande incorporou a regio ao imprio macednico, dando incio a um processo

Gosto pela leitura no tempo livre aumenta com a idade70%Gosta muito

60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%5 a 10 11 a 13 14 a 17 18 a 24 25 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 e maisNo gosta Gosta um pouco

Fonte: Pesquisa Retratos da leitura no Brasil

34 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

de helenizao, ou seja, de imposio da cultura grega, durante o qual a Bblia foi traduzida para o grego. Em The Alphabet versus the Goddess (Londres, Penguin, 1998) Leonard Shlain defende a tese de que a ascenso do alfabeto coincidiu com a substituio do culto da Deusa-Me, e de outras deusas, pelo culto de deuses e, em particular, pelo culto de um Deus nico, caracterstico do monotesmo nascido no Oriente Mdio. O culto das deusas era baseado em imagens, portanto, em uma viso direta; j o monotesmo rejeitava tais imagens, era uma religio abstrata e nela o texto passou a adquirir um papel importante. As sociedades monotestas eram sociedades patriarcais, e o domnio da escrita passou a ser apangio dos homens. Mulher no podia escrever. Da a surpresa suscitada h uns anos pela armativa do scholar norteamericano Harold Bloom, segundo a qual o Antigo Testamento, ao menos em parte, teria sido escrito por uma mulher vivendo na corte do rei Salomo, cerca de 10 sculos antes de Cristo. Bloom parte, para sua armativa, de certo estilo feminino que teria o texto bblico, mas sua opinio est longe de ser unnime. A Bblia pode ser lida de diferentes maneiras. Classicamente considerada um texto religioso, um guia tico. Mas tambm uma coletnea de esplndidas histrias, que falam dos dramas bsicos inerentes condio humana, como o caso do cime de Caim em relao a Abel. Isso explica por que um livro que comeou a ser escrito h cerca de trs milnios , at hoje, um best-seller. Mas um best-seller envolto numa aurola de respeito e mesmo de devoo. Copi-lo, o que era feito em pergaminhos, exigia da pessoa que se encarregaria da tarefa uma cuidadosa preparao. Essa pessoa tinha de jejuar, tinha de orar; e, ao traar cuidadosamente as letras, no podia cometer qualquer erro. Numa poca em que no era possvel, como no computador, deletar o equvoco, e em que tambm no existia corretores, isso era uma falha sem conserto. O pergaminho era enterrado como se fosse um ser humano falecido. A devoo judaica pelo texto no cava a. que, no existindo nmeros (que s seriam inventados pelos rabes, mais tarde), as letras tomavam o lugar dos algarismos, e esses adquiriam um carter simblico. Por exemplo, em hebraico, a palavra vida formada deO valor simblico da leitura 35

duas letras que correspondem ao nmero 18. Esse considerado sagrado. Um judeu religioso, quando zer uma doao, estabelecer a soma por meio do 18 ou de um mltiplo dele. A Cabala, que o misticismo judaico, preservou durante muito tempo esse tipo de numerologia. O simbolismo que envolve a Bblia de natureza religiosa. E foi incorporado por outras religies monotestas, o cristianismo, por meio do Novo Testamento, o islamismo, pelo Coro; so, para usar uma expresso rabe, os povos do livro. Segundo uma tradio judaica, no perodo de 10 dias que medeia entre o Ano Novo e o Dia do Perdo, os judeus devem orar para serem inscritos no Livro da Vida. que nesse mesmo perodo se abre outro grande livro, o Livro do Destino, e nele estar escrito o que acontecer para as pessoas, se vivero ou morrero. Paralelamente, existe em rabe uma expresso muito signicativa da importncia da escrita: Maktub, estava escrito. As coisas no acontecem por acaso, resultam de um desgnio divino, e esse desgnio est escrito. Entre os gregos e os romanos tambm se acreditava que a palavra escrita tinha poderes extraordinrios: podia curar, podia amaldioar, podia repelir. Uma prtica comum na antiguidade grecoromana era o uso de tabuletas escritas nos tmulos ou perto deles. Um tipo de tabuleta, por exemplo, continha uma maldio para aqueles que ousassem profanar a sepultura; outra, ao contrrio, amaldioava a pessoa enterrada e era colocada, por inimigos dessa pessoa, nas proximidades do tmulo. Alm disso, as letras tinham uma simbologia prpria; na cultura grega, as vogais eram associadas com astros, e esses por sua vez podiam inuenciar as pessoas: assim, Saturno era o planeta da melancolia, a Lua era o astro da loucura (da vem a palavra luntico). O simbolismo da escrita se prolongou no passar dos tempos, sobretudo porque atrs dele estava o fato inexorvel: a maioria das pessoas no lia nem escrevia. Durante a Idade Mdia a cultura escrita foi preservada nos mosteiros, coisa que inspirou a Umberto Eco o romance O nome da rosa, depois transformado em lme. Isso em parte se devia ao fato de que as obras, literrias, ou religiosas, ou loscas, estavam em pergaminho, matria-prima muito cara. Alm36 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

disso, na antiguidade, essas obras eram copiadas mo. Resultado: havia pouqussimos exemplares de cada uma delas, e esses exemplares pertenciam a ordens religiosas ou aos reis ou aos nobres ainda que, mesmo entre esses, muitos fossem analfabetos. A descoberta da imprensa mudou essa situao. que, com a revoluo mercantil, que marcou o advento da modernidade, comeou a ascenso da burguesia e do regime poltico que ela defendia: a democracia burguesa. Agora, mais pessoas tinham acesso ao texto, mas ainda assim tratava-se de uma minoria. Ainda em meados do sculo passado metade da populao brasileira era analfabeta. E isso refora o poder simblico do texto. Porque o texto um smbolo disso mesmo, do poder. Tem acesso ao texto quem pode: quem pode frequentar colgio, quem pode comprar livros, quem tem tempo para ler. A impotncia, o desamparo que sentem os analfabetos representam uma coisa penosa. Lembro que, quando menino, muitas vezes estava na parada de um nibus quando um homem ou uma mulher, pobremente vestidos, se aproximavam de mim e perguntavam, apontando o veculo que chegava: Meu lho, que nibus esse? Pergunta que tinha uma explicao bvia: eles no sabiam ler. E seu constrangimento era de dar d. Uma vez, contudo, eu pude ter uma plida ideia do que no poder ler nem escrever. A convite do governo japons fui quele pas para um seminrio de sade pblica realizado em Tquio. A capital do Japo recebe muitos ocidentais, e assim no era difcil encontrar revistas, jornais e livros em ingls; igualmente nos lmes da tev havia legendas nesse idioma. Mas ento fui para Kyoto, uma cidade mais tradicional, onde tudo, ou quase tudo, era escrito em japons. Eu olhava um anncio na rua e no podia ler; eu olhava uma manchete de jornal e no podia ler. A aio que senti foi enorme. Um dia sa por uma rua central, entrando em vrias livrarias at achar uma que vendia obras em ingls e francs. Sa dali verdadeiramente aliviado j tinha o que ler! e consciente de ter vivido uma experincia importante. Minha chegada literatura deu-se muito cedo, e em duas etapas. Primeiro, foram as histrias que meu pai, imigrante vindo daO valor simblico da leitura 37

Rssia, contava todas as noites, na casa do bairro do Bom Fim, em Porto Alegre, onde morvamos. Era um grande contador de histrias ele. Sabia encantar seus ouvintes com narrativas e aquilo muito cedo despertou em mim a vontade de ser tambm um contador de histrias. Mas meu pai, apesar dessa vocao, no era um leitor. De famlia muito pobre, como eram as famlias de imigrantes, ele mal tinha frequentado a escola e no tinha o hbito da leitura. Minha me, que tambm era imigrante, teve, contudo, uma trajetria diferente; ela foi escola, terminou o curso normal (era professora primria, como se dizia na poca) e uma grande leitora to f de Jos de Alencar que deu ao lho o nome de um dos personagens criados pelo grande escritor. Ela fazia questo de que os lhos lessem, e uma vez por ano levava-me Livraria do Globo, no centro de Porto Alegre, onde havia uma espcie de feira do livro. Eu cava absolutamente deslumbrado naquela enorme livraria, e a vontade que tinha era de comprar todos os livros ali existentes. Mas eu sabia que ele custa dinheiro, sabia que na nossa casa a grana era escassa, de modo que lhe perguntava quanto eu estava autorizado a gastar. E a resposta dela era uma s: na nossa casa no pode faltar livros, compra quantos quiseres. Atrs dessa resposta estava a milenar tradio judaica de venerao ao texto; e estava tambm a conscincia de que o conhecimento e a cultura representavam a maneira mais exequvel de melhorar nossa condio. O que ela estava dizendo era algo como: ns, imigrantes, tivemos uma vida dura, mas vocs, nossos lhos, vivero melhor se puderem estudar, se tiverem uma prosso liberal. E o livro era o smbolo para isso, era a porta de entrada de um mundo melhor. Resultado: todas as casas no Bom Fim, mesmo as mais pobres, tinham sua pequena biblioteca. De novo, tratava-se de um smbolo. E um smbolo muito eloquente. Mas para mim a leitura no era s uma forma de adquirir conhecimento ou cultura. Ler era tambm penetrar num mundo mgico, um mundo em que a gente podia dar rdea solta imaginao. Eu lia Monteiro Lobato, rico Verssimo, Mrio Quintana, Jlio Verne... E porque lia, e porque admirava os textos desses escritores comecei a escrever, estimulado por meus pais, por paren38 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

tes, por vizinhos, por professores. Tive a sorte de conhecer pessoas que representaram para mim verdadeiros modelos: Jorge Amado, por exemplo. Amigo de meu primo, o artista plstico Carlos Scliar, Jorge, quando vinha a Porto Alegre, hospedava-se na casa do pai de Carlos, Henrique Scliar. Eu era um menininho, mas minha me me levava l para ver o escritor. S ver, no falar com ele, porque a tanto no me atreveria; cava na porta da sala, mirando, com olhos arregalados, aquele homem que coisa prodigiosa! escrevia livros. Do que foi dito acima, conclui-se que a leitura e a escrita tm duplo aspecto. De um lado, o aspecto utilitrio: a gente l para se informar, para saber das coisas, como descobriu o chefe indgena do Canad. De outra parte, temos o aspecto simblico, que em parte deriva do aspecto utilitrio. Lendo, adquirimos saber; ora, saber poder, e essa verdade se arma dia-a-dia no tipo de sociedade em que vivemos, uma sociedade em que a informao decisiva. Houve um momento em que o texto escrito parecia ter sido deslocado pela cultura da imagem, na medida em que a tev tinha um nmero crescente de espectadores. Mas ento surgiu o computador e a Internet, e a tela j no era mais s o territrio da imagem, o texto voltava a ela com fora total. Hoje h cada vez mais jovens diante de telas onde esto no imagens, mas palavras e mensagens, decodicadas por meio da leitura. H um aspecto que refora o simbolismo da leitura. o fato de que leitores, mesmo distantes no tempo e no espao, formam uma famlia, uma verdadeira irmandade. Hoje a leitura uma coisa pessoal, feita em silncio, mas a gente esquece que nem sempre foi assim. Nos mosteiros medievais, por exemplo, um monge lia para os outros, ainda que esses outros soubessem ler. No sculo 19, o pai ou a me lia para a famlia reunida que, igualmente, podia ler. Mas que o texto proporciona um vnculo emocional, inclusive com o autor no por outra razo Baudelaire considera o leitor mon semblable, mon frre, meu semelhante, meu irmo. E o escritor precisa ser lido, o que explica o pattico apelo da poeta Edna St.Vincent Milay: Read me, do not let me die, leia-me, no me deixe morrer. H vida, no texto, a vida que o autor, sobretudo o poeta ou o ccionista, ali depositou.O valor simblico da leitura 39

Por ltimo, mas no menos importante, temos o que Barthes chamou de o prazer do texto. Leitura informa, leitura emociona, leitura coisa prazerosa. H um aspecto ldico no ato de escrever, na escolha das palavras que construiro o nosso relato; e esse prazer de uma forma ou de outra chega ao leitor. Por isso, em se tratando de leitores jovens, melhor apresentar a leitura como um convite amvel, no como uma tarefa, como uma obrigao que, ao m e ao cabo, solapam o prprio simbolismo da leitura, transformada num trabalho rido quando no penoso. A casa da leitura tem muitas portas, e a porta do prazer das mais largas e acolhedoras. O simbolismo que envolve a leitura mudou muito ao longo dos milnios: simbolismo religioso, simbolismo mgico, simbolismo de poder. Mas a leitura continua sendo um ato simblico. Simboliza aquilo que a humanidade tem de melhor.

Moacyr Scliar autor de 80 obras em diferentes gneros, conto, romance, crnica, ensaio, co juvenil. Vrios de seus livros foram traduzidos, vrios foram premiados e adaptados para a tev, teatro e cinema. Colabora em numerosos peridicos. mdico, especialista em sade pblica, doutor em Cincias e membro da Academia Brasileira de Letras.40 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

CAPTULO

2 Jorge Werthein

Leitura e cidadania

menina que roubava livros (editora Intrnseca) o ttulo de magnco romance que est h vrios meses entre os mais vendidos no Brasil. A histria se explica na primeira visada. Com caracterstica nica. O narrador a morte. Todos vamos, um dia, acertar as contas e deitar para sempre. Na circunstncia em que a histria se desenrola, a perspectiva do nal mais do que ameaadora. presente. Constante. A menina, judia, rouba livros na Alemanha, durante a Segunda Guerra, para aprender e transmitir conhecimentos enquanto bombas explodem ao redor de sua casa, seus amigos morrem, seus pais sofrem. Ela insiste em ler. E sobrevive. metfora da vida descrita de maneira magistral por um australiano que jamais viveu o conito europeu. Markus Zusak, de apenas 32 anos, nasceu e viveu nos mares do Sul, onde produziu obra exemplar. Ele, tambm, foi buscar nos livros inspirao e conhecimento para produzir seu romance imperdvel. A vida no fcil, nem justa. Mais injusta no mundo subdesenvolvido. As facilidades proporcionadas pela tecnologia so fartas e abundantes nos pases ricos. Nos menos favorecidos, no. O Brasil vem reduzindo sua taxa de analfabetismo com velocidade constante nas ltimas dcadas. Hoje de 9% da populao, ou 16 milhes de analfabetos absolutos com 15 anos ou mais. A pessoa

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que no sabe ler nem escrever se sente profundamente limitada e discriminada. No consegue entender o jornal, no sabe como pegar nibus e nem tem condies para obter um emprego. A histria do Brasil explica em parte sua decincia educacional. O Pas viveu 322 anos como colnia de Portugal. Nesse territrio, onde hoje existe um pas, tudo era proibido. No havia imprensa, no existiam escolas, muito menos universidades. O comrcio era feito unicamente com Lisboa. E os raros estudantes da poca tiveram de viajar para a capital do Imprio para buscar instruo em Coimbra. Foram pouqussimos. A imprensa surgiu, no Pas, por intermdio de dois caminhos opostos: Em 1808, Dom Joo VI criou a imprensa rgia, ocial, enquanto na mesma poca, em Londres, comeou a ser editado, em portugus, o Correio Braziliense, que chegava ao Rio de Janeiro como contrabando. Sua circulao era proibida. A imprensa surge, a um s tempo, ocial e marginal. Mas as novas necessidades do Pas que havia se tornado reino unido a Portugal e Algarves zeram surgir as primeiras faculdades no Pas. No nal do sculo 19 j existiam prossionais liberais no Rio de Janeiro, situao impensvel antes da chegada da famlia real portuguesa. O Brasil independente percebeu o desao de transformar uma sociedade escravocrata em liberal. Importou mo de obra europia excedente nos pases de origem. Logo em seguida vieram os japoneses, que agora esto comemorando o centenrio do primeiro desembarque de migrantes nipnicos no Porto de Santos, em So Paulo. O territrio brasileiro foi, ao longo da colnia, uma rea de onde se deveria retirar tudo o que era possvel carregar. Europeus eram predadores daquele territrio. Levaram madeira, ouro, diamantes, acar e trouxeram negros para fazer o trabalho que no queriam realizar. Surgiu uma sociedade mestia, que sofreu uma nova rodada de mestiagem com a chegada dos migrantes europeus. Esse o Brasil que desponta no sculo 20 como um pas vastssimo, de dimenses continentais, enormes problemas internos de desigualdade, gigantescos obstculos para realizar a sua prpria integrao. Enm, um pas a ser construdo.42 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

A colonizao do Brasil foi diferente do processo similar ocorrido nos pases hispnicos. Aqui funcionou bem o nico imprio nas Amricas. Dom Joo VI, seu lho Pedro I e seu neto Pedro II consolidaram o Pas, deniram os limites territoriais, iniciaram as primeiras polticas pblicas no sentido de interiorizar o desenvolvimento. A Repblica, que continha um forte germe autoritrio, resultado da herana positivista, deu sua contribuio ao crescimento. Na segunda metade do sculo 20, o Brasil foi uma das economias que mais cresceram no Ocidente. Deixou de ser um quintal abandonado e iniciou vigoroso processo de industrializao, nanciado, em boa parte, pelo rendimento da agricultura, tendo o caf como seu carro-chefe. Hoje o Pas gura entre as 10 maiores economias do mundo. a segunda maior das Amricas, frente do Canad e do Mxico. Mas aquele problema, antigo e fundamental, permaneceu como chaga aberta na sociedade. A desigualdade, a baixa qualidade da educao, o analfabetismo e a necessidade de distribuir renda passaram a constar entre os itens mais importantes da agenda dos governantes brasileiros. A questo nacional vai se colocar de permeio a tantos desaos. A desigualdade no ocorre apenas entre cidados, acontece tambm entre regies. Leitura e cidadania tm tudo a ver. um binmio correto, objetivo, que anuncia a estreita relao entre uma ao de governo e sua consequncia na vida dos nacionais. Ao tempo da colnia, o governante proibia a leitura e a difuso do conhecimento. O propsito era no formar cidados, privilgio admitido apenas aos membros da elite. O Pas democrtico, que abre espao para que os contrrios convivam em paz dentro do mesmo espao poltico, precisa oferecer mais e mais oportunidades a todos para aprender, conhecer, ler e, por intermdio desse caminho, se transformar em cidados de fato e de direito. Nos ltimos anos, o Brasil avanou muito nessa estrada. Os desaos vo mudando de qualidade se a tecnologia oferecer novas oportunidades. O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf ) informa que 67% dos brasileiros tm interesse na leitura. Segundo a pesquisa Retratos da leitura no Brasil, 72% dos brasileiros associam aLeitura e cidadania 43

leitura a valores positivos. Mas at bem pouco tempo atrs em cerca de mil municpios brasileiros no existiam bibliotecas (o Pas tem 5.564 municpios). Em 89% deles no existem livrarias. O governo federal, os governos estaduais e diversas instituies da sociedade civil promovem aes para fornecer livros, informaes e alcanar o brasileiro que est na ponta da linha, em alguma regio menos desenvolvida. um tremendo esforo que envolve pesada logstica. No fcil. Os resultados esto chegando. Poderiam ter mais velocidade. Porm, inegvel que a situao de hoje melhor que a de ontem. O que faz a diferena agora a tecnologia. Os professores dispem de recursos impensveis anos atrs. Eles tm sua disposio projetores, computadores com acesso Internet e a possibilidade de interagir com outros centros de excelncia. Podem, se quiserem, utilizar recursos para amplicar a voz e falar para um universo cada vez maior. Em vrios pases normal ter salas de aula com 200 ou 300 alunos, que so convidados a ler antecipadamente sobre o tema que o professor vai discorrer. E, posteriormente, voltam aos livros para conferir o que foi exposto. um tipo de ensino de massa, que visa a qualicar muita gente em pouco tempo. Mas, h outro caminho ainda no totalmente percebido no Brasil. A nova tecnologia dos telefones celulares a chamada 3G transformou esses aparelhos em pequenas maravilhas, capazes de

Lugares onde os leitores costumam ler textos na InternetEm casa Em Cyber Caf ou LanHouse (17,6 milhes) (12,1 milhes) 5% 3% 2% 1% 2% 65% 13% 18%

No trabalho 5,2 Na sala de aula Na casa de amigos ou parentes Na biblioteca Outros Nenhum destes

Fonte: Pesquisa Retratos da leitura no Brasil

44 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

produzir uma srie de atividades, inclusive permitir o dilogo, ao vivo, com algum em qualquer ponto do planeta. Telefone no mais utilizado apenas para comunicao verbal. Ele se presta para transmisso de dados, para ver televiso, para receber e mandar e-mails, para ouvir rdio, para ler jornais, para ver lmes. para essa nova tecnologia que os gestores da educao precisam olhar com muita ateno. Os professores devem se capacitar para utilizar a nova linguagem. Em pases africanos, por exemplo, mdicos e professores utilizam o celular para prescrever receitas e orientar seus alunos. Existem cerca de 1,2 bilho de usurios de telefones celulares no mundo. No Brasil j foram comercializados 170 milhes de aparelhos que cobrem mais de 80% do territrio nacional. O plantador de soja no interior de Mato Grosso sabe o preo exato de seu produto nas bolsas de valores do mundo por intermdio do aparelho. ele que transmite notcias mais importantes e faz a conexo daquele remoto produtor no setentrio brasileiro com o mundo. Esse o novo caminho. Na Internet h de tudo. Informao sobre praticamente o universo das curiosidades humanas. preciso dispor das ferramentas certas e saber utiliz-las para obter o melhor resultado. Infelizmente, os dados disponveis nos censos elaborados pelo Ministrio da Educao indicam que 50% dos professores da rede pblica no tm computador. Se eles no dispem do equipamento no sabero ensinar ao aluno como fazer para chegar rede mundial. Volto ao incio. O Brasil um pas de dimenses continentais, que se desenvolve apesar dos desnveis de renda entre pessoas e regies. Algumas delas, como comum na Amaznia, so de acesso difcil, ou quase impossvel via terrestre. O ideal seria ter boas escolas, inclusive prossionalizantes, em cada um dos municpios brasileiros (esse um dado do IBGE de 2007). Mas, na prtica, a realidade difcil, onerosa e demorada. At o ano de 2010 todo o territrio nacional estar coberto pela rede de telefonia mvel. o momento de aproveitar essa formidvel ferramenta que a tecnologia produziu. O primeiro telefone celular, produzido pela Motorola, surgiu em 1973, ao preo de US$ 3.995. Sua bateria funcionava apenas 20 minutos. S se prestava a falar e ouvir. MaisLeitura e cidadania 45

nada. Hoje, os aparelhos so vendidos em lojas especializadas e supermercados, com prestaes cada vez mais baixas. Eles se transformaram em necessidade que no distingue a classe social de seu proprietrio. Todos os utilizam sem receio. um instrumento notvel de mobilizao social, se bem utilizado. Trata-se de uma oportunidade nica de dar um salto importante de qualidade em matria de educao massicada e, ao mesmo tempo, personalizada para atingir objetivos determinados. A cidadania decorre do processo de educao. O homem e a

Principais formas de acesso ao livro no Brasil(Por regio geogrca)Norte NordesteComprados Fotocopiados/ xerocados Presenteados Emprestados por bibliotecas e escolas Emprestados por particulares Distribudos pelo governo e/ou escolas Da Internet No costuma ler livros 39% 7% 27% 37% 51% 34% 5% 0% 39% 8% 23% 29% 50% 37% 6% 1%

Sudeste47% 5% 24% 33% 42% 11% 8% 9%

Sul50% 6% 17% 45% 41% 12% 7% 1%

C. Oeste51% 10% 35% 31% 50% 13% 11% 1%

Fonte: Pesquisa Retratos da leitura no Brasil (resposta dada somente por leitores).

Principais formas de acesso ao livro no Brasil(Por classe social)Classe A Classe BComprados Fotocopiados/ xerocados Presenteados Emprestados por bibliotecas e escolas Emprestados por particulares Distribudos pelo governo e/ou pelas escolas Da Internet No costuma ler livros 73% 5% 30% 24% 35% 3% 10% 5% 65% 8% 30% 31% 47% 11% 13% 6%

Classe C Classe D48% 8% 21% 37% 46% 15% 9% 5% 32% 5% 24% 33% 44% 29% 3% 4%

Classe E27% 2% 25% 22% 49% 40% 3% 0%

Fonte: Pesquisa Retratos da leitura no Brasil (Resposta dada somente por leitores).

46 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

mulher alfabetizados conhecem seus direitos e seus deveres. Vo transmiti-los aos lhos e descendentes. Vo ajudar a escolher melhor os governantes e a julg-los nos momentos adequados. Isso cidadania. No h como falar em cidado se no houver educao que forme o carter, que molde o esprito e prepare o jovem ou a jovem para a aventura da vida adulta, com todos os seus desaos, problemas e incertezas. A vida no mundo subdesenvolvido j foi pior. O Brasil cresceu aos saltos, aos ciclos, mas o seu resultado tem sido extremamente positivo. A nossa infraestrutura est se adequando aos novos desaos do comrcio globalizado, em que o Pas passa a ter papel importante na produo de etanol, gros, comida e, quem sabe, petrleo. Tudo isso muito novo para um pas que em pouco mais de um sculo saiu do regime escravocrata, admitiu mo de obra estrangeira em volumes elevados, construiu uma sociedade mestia em ambiente de amplas liberdades democrticas. H um pas a ser feito. E uma sociedade a ser construda por cidados. Seus habitantes s vo merecer a cidadania plena se cuidarem da educao com o carinho que o assunto requer e a prioridade que necessita. Incluso digital um captulo importante do processo brasileiro de levar educao a todos. Aqueles 9% de analfabetos devero desaparecer em pouco tempo. O Plano de Desenvolvimento de Educao estabelece que dentro de 15 anos todas as crianas com at

O que os leitores mais apreciam lerIntensidade da leitura por tipo de suporteLivros Revistas Jornais Textos na Internet Nenhum/ No informou 3% 84% (80,3 milhes) 66% (62,7 milhes) 55% (52,2 milhes) 27% (25,8 milhes) L muito L um pouco

Fonte: Pesquisa Retratos da leitura no Brasil

Leitura e cidadania 47

8 anos estaro alfabetizadas no Brasil. possvel, vivel. Restaro os analfabetos funcionais, os que sabem ler e escrever, mas no conseguem entender o texto que est diante deles. E sempre haver espao e caminho para evoluir na construo da cidadania. Vamos todos buscar nos livros, digitais ou em papel, o conhecimento (a pesquisa Retratos da Leitura j mostrou que os leitores que se dedicam a ler na Internet so os que dedicam mais tempo leitura). o caminho para que os conitos naturais da vida em sociedade resultem em crescimento do bem-estar e reduo das desigualdades. H exemplos brasileiros, de Machado de Assis a Joaquim Barbosa, de pessoas que contornaram a pobreza, ultrapassaram as barreiras da desigualdade e venceram, cada um no seu ofcio, porque persistiram no seu propsito de aprender. So cidados plenos. O conhecimento os resgatou da existncia perifrica numa sociedade subdesenvolvida. Nenhum dos dois, at onde sei, foi obrigado a roubar livros. No mximo, um e outro, pegaram por emprstimo algum exemplar na casa de um amigo. O escritor e o ministro do Supremo Tribunal Federal so exemplos eloquentes, denitivos e acabados da importncia da educao na formao da cidadania.

Jorge Werthein, argentino, doutor em Educao e mestre em Comunicaes pela Universidade de Stanford, autor de vrios livros e artigos sobre educao, meios de comunicao, cincia e tecnologia, publicados em portugus, espanhol e ingls. diretor-executivo da Ritla (Rede de Informao Tecnolgica LatinoAmericana).48 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

CAPTULO

3 Maria Antonieta Antunes Cunha

Acesso leitura no Brasil

estas primeiras observaes, vale registrar que muitos dados desta Retratos da leitura no Brasil conrmam os da edio anterior (2000), mas apresentam algumas boas surpresas. A maior, sem dvida, o prprio crescimento do ndice de leitura, embora, como se vai salientar, no se possa deni-lo com rigor, devido s diferenas metodolgicas, importantes em funo do prprio avano da leitura, nesse intervalo de sete anos. Outra surpresa, que demanda boa discusso de vrios setores ligados leitura, especialmente as editoras, a posio de relevo da poesia praticamente em todas as anlises. Considerados os Estados, em alguns deles a poesia chega a superar at os livros religiosos na preferncia dos entrevistados. No entanto, parece nacional certa diculdade na publicao do gnero, relatada por poetas e divulgadores. Esse avano geral revelado em 2007 resultado do esforo de muitos e evidencia que, atuando em qualquer ponto da cadeia da leitura, estamos evoluindo. Falo de autores, ilustradores, editoras, divulgadores, livrarias, mediadores de leitura (dentro ou fora de escolas e bibliotecas), pesquisadores, gestores, do poder pblico ou no, encarregados da denio de uma poltica de leitura para nosso pas. E um trabalho de muito tempo: os valores e a leitura

N

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um deles so construdos pessoal e socialmente num longo processo. Sem cada elo da cadeia da leitura, so muitos os exemplos que vm fazendo a diferena, numa caminhada de dcadas. certo que, ao fazermos o melhor, no nosso raio de ao, estamos colaborando para que essa evoluo continue. Mas acredito tambm que todos tenhamos a convico de que h muito cho pela frente, at considerarmos atingidos os nveis mais decentes de leitura para cada cidado brasileiro. E essa convico sinal de que o melhor que fazemos insuciente e necessrio reforar uma ao como o termo cadeia sugere: um trabalho pensado, planejado, executado de maneira parceira, uma ao integrada, tendo sempre como alvo esse bem comum que nos une: a promoo da leitura. H uma grande, enorme fatia da populao que no conhece os materiais de leitura, ou conhece muito mal. H um clarssimo problema de acesso aos materiais de leitura, especialmente ao livro. Mesmo tendo-os por perto, falta a descoberta, a volta na chave que faz a sbita ligao e torna o sujeito capturado para a leitura. Ele no descobriu a senha. Por isso mesmo, frente da leitura (5 ou 4 lugar, conforme o enfoque), depois apenas de ver televiso, ouvir msica e (s vezes) ouvir rdio, os entrevistados (mesmo os mais novos) armam preferir ocupar seu tempo livre... descansando!!! Ao mesmo tempo, a falta de tempo (com ndices de s vezes mais de

Frequncia com que leem/liam para os leitores iniciantesProfessor Me (ou responsvel mulher) Outros Pai (ou responsvel homem) 51% 41% 34% Sempre/ Algumas vezesFonte: Pesquisa Retratos da leitura no Brasil

85% 49% 59% 66% Nunca

15%

50 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

50%) a alegao mais comum dos entrevistados, em vrias respostas, para tentar justicar o no-envolvimento com a leitura. Voltarei a esse dado mais adiante. H registros e muitas indagaes sobre as leituras indicadas pelos entrevistados. 1. Quatro obras apenas chegaram a pelo menos 1% na pergunta sobre o livro mais marcante na vida do entrevistado: a Bblia (5%), O Stio do Pica-pau Amarelo (1%), O Pequeno Prncipe (1%) e Dom Casmurro (1%). Vale notar que a Bblia lida por praticamente todas as categorias de adultos, mesmo pelos que se declaram agnsticos ou ateus, mas so pelo menos trs vezes mais lidas entre protestantes (9,8%) e evanglicos em geral (12,26%) do que entre catlicos (2,82%) e kardecistas (2,54%). Da mesma forma, o grande nmero de citaes de livros religiosos (livros psicografados, biograas de santos e guras de atuao religiosa ou orientaes de vida com carter religioso) poderia apontar uma necessidade a ser atendida, ou um campo a ser explorado editorialmente.

Leitura com prazer ou por obrigao

75% sentem prazer ao ler um livro (71,7 milhes)

22% leem por obrigao (21,4 milhes)

3% no opinaram

Fonte: Pesquisa Retratos da leitura no Brasil

Acesso leitura no Brasil 51

Sobre a indicao de Lobato: ele ter sido lido nas pginas das edies da Brasiliense ou nos captulos da Rede Globo, que recriam sob esse ttulo muitas narrativas do autor? 2. As demais indicaes sobre o que leram ou estavam lendo, considerados os Estados ou as faixas etrias, foram: quatro ttulos infantis, citados mesmo alm da infncia (Branca de Neve, Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, Os Trs Porquinhos,); dois juvenis (?): Harry Potter e O Pequeno Prncipe; e O Alquimista, Dom Casmurro e Violetas na Janela. Embora 64% dos entrevistados armem gostar de ler (muito, 27%; um pouco, 37%), e ler prioritariamente por prazer, e at reler (30%) certas obras, o que revelaria o fato de 40% dos entrevistados alfabetizados no conseguirem citar um livro que estejam lendo ou tenham lido: memria fraca? Desimportncia da informao, mesmo o item ttulo ter sido indicado como o segundo mais importante, na escolha do livro para leitura e para compra? Quanto citao de autores mais admirados, apenas seis aparecem nos 14 maiores Estados brasileiros: Paulo Coelho, 6%; Machado de Assis, 4%; Jorge Amado, 4%; Monteiro Lobato, 5%; Ceclia Meireles e rico Verssimo, 1%. Alguns poucos atingem 1% de indicao: Carlos Drummond de Andrade (7 Estados, 2%), Vincius de Moraes (6 Estados, 2%) e Jos de Alencar (6 Estados, 1%). 3. Quanto citao de autores mais admirados, apenas sete aparecem com pelo menos 1%: Paulo Coelho, 5,59%; Monteiro Lobato, 5,10%; Jorge Amado, 4,04%; Machado de Assis, 3,67%; Vincius de Moraes, 1,25% ; Carlos Drummond de Andrade, 1,12% e Ceclia Meireles, 1,07%. Perguntas: bom sinal a pulverizao ocorrida? Esses autores constituiriam os nomes da leitura mdia nacional? Poderiam ser tomados como tendncias de uma seleo de livros, ou, salvo Paulo Coelho, so as leituras escolares o fator determinante da indicao? (Lembre-se que o autor um item expressivo (22%) na escolha do livro a ser lido ou comprado). 4. Apenas trs autores estrangeiros so indicados com pelo menos 1% na pesquisa: Sidney Sheldon, Agatha Christie e J. K. Rowling.52 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

Motivaes dos leitores para ler um livro(Por gnero)TotalPrazer, gosto ou necessidade espontnea Exigncia escolar / acadmica Atualizao cultural/ Conhecimento geral Motivos religiosos Atualizao prossional Exigncia do trabalho Outras citaes com menos de 1% No sabe/ No opinou 36% 24% 14% 9% 7% 5% 0% 1%

Homens Mulheres31% 28% 15% 8% 8% 6% 0% 1% 41% 22% 13% 11% 6% 4% 0% 1%

Fonte: Pesquisa Retratos da leitura no Brasil (resposta estimulada em que podia assinalar trs opes).

As mulheres leem muito mais do que os homens por prazer ou gosto. E tambm por motivos religiosos. Os homens leem mais por atualizao prossional ou exigncia escolar/ acadmica.

Lugares onde os leitores costumam ler jornalEm casa No trabalho Na casa de amigos ou parentes Na sala de aula No meio de transporte (nibus, metr, avio, etc.) Em consultrios, salo de beleza ou barbearia Na biblioteca Em parques ou praas Na praia ou em clubes Em bares ou cafs Em Cyber Caf ou Lan House Nenhum destes (14,4 milhes) 5% 4% 4% 4% 3% 2% 1% 1% 1% (35,4 milhes) 37% 15% (50,2 milhes) 53%

Fonte: Pesquisa Retratos da leitura no Brasil (resposta estimulada em que podia escolher vrias opes).

Acesso leitura no Brasil 53

No entanto, sem ter o nome do autor citado (Antoine Saint-Exupry), O Pequeno Prncipe foi uma das duas obras relidas entre universitrios e os que zeram curso superior. Tais escolhas, feitas certamente sem a bno das instituies mais inuentes na indicao de leituras, revelam apenas o poder da publicidade, ou indicariam a necessidade de uma discusso mais aguda da chamada leitura de entretenimento? Ou, independentemente da leitura escolhida fora da escola, caberia s instituies educacionais a tarefa de trabalhar com obras mais consagradas para desenvolver uma leitura qualicada? Sugeririam tambm que ns, educadores e editores, estaramos exagerando numa atitude (em princpio, legtima e saudvel) de proteo produo nacional? 5. A pesquisa indica que as mulheres leem mais do que os homens, e, considerados os suportes, elas leem mais revistas, enquanto eles leem mais jornais e Internet. Seria interessante aprofundar essas respostas: especialmente, que revistas e que jornais so lidos? Em que contexto so lidos? Para tais observaes e para os resultados em geral, ca sempre por fazer a discusso sobre o qu e como leem os entrevistados, ainda que muitos defendam que esses pontos so irrelevantes: importante ler, simplesmente. Aproximemo-nos, anal, das claras indicaes dos dados da pesquisa. Primeiramente, eles conrmam a necessria e estreita relao entre leitura e educao e, objetivamente, com a escola, encarregada da alfabetizao e do letramento. Esse vnculo natural torna-se imperativo num pas com as desigualdades sociais nos nveis existentes no Brasil, onde a famlia no exerce o papel de primeira e mais importante denidora do valor da leitura. Entre os entrevistados leitores, conrma-se que a maior inuncia para a criao do envolvimento com a leitura vem dos pais (principalmente das mes). No entanto, dado o quadro de que 21% dos pais dos entrevistados no tm instruo alguma, 23% cursaram at a 4 srie do Ensino Fundamental ou tm Fundamental incompleto (15%), enquanto as mes sem qualquer escolaridade54 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

so 24%, 22% zeram at a 4 srie e 17% tm Fundamental incompleto, compreende-se quo difcil para a famlia a inculcao do valor da leitura. Por isso, apesar de no ter enfoque especco, a escola elemento constante, s vezes apenas subjacente, ao longo da pesquisa e conrma a responsabilidade que recai sobre a escola (embora no s sobre ela) na tarefa de melhorar os nveis de leitura no Brasil. Muitos entrevistados armam que no leem ou no vo a bibliotecas porque no esto estudando, o que mostra a ligao da leitura com a escola, ou com os estudos, na percepo das pessoas. O uso da biblioteca pblica parece tambm feito em funo da escola: sua frequncia maior nas faixas etrias de 5 a 17 anos, e tem como objetivos principais pesquisar e estudar. E com relao frequncia da leitura de diferentes tipos de livros, os didticos e universitrios so os nicos lidos mais frequentemente (68%) do que ocasionalmente (32%). Por outro lado, clara a progressiva valorizao da leitura, medida que avana a escolarizao dos entrevistados: em todos os suportes (livro, revista, jornal e Internet), o Ensino Superior dene um ndice maior de leitura: os entrevistados com esse nvel de ensino leem muito mais do que a mdia de livros tcnicos (34%), obras sobre Histria, Poltica e Cincias Sociais (36%), Ensaios e Humanidades (14%), Biograas (28%), e usam muito mais a Internet (46%). (A lastimar o ainda difcil de controlar uso da reprograa, usada pelos entrevistados de curso superior em 19%, muito acima tambm da mdia.) Poderamos pensar num uso puramente prtico, exigido pelos estudos universitrios, mas esses entrevistados mostram-se mais espontaneamente dispostos leitura. Enquanto homens armam gostar da leitura muito (21%), um pouco (39%) e no gostar (27%), as mulheres, muito (33%), um pouco (36%) e no gostar (18%), no curso superior, sem indicao de sexo, a pesquisa aponta para: gostar muito: 57% , um pouco: 32%, no gostar: 11%. Todos os dados indicam, portanto, a necessidade de a escola assumir verdadeiramente seu papel de formadora de leitores. Seria importante um mutiro que, a curto prazo, ajudasse esses prossioAcesso leitura no Brasil 55

nais/educadores a, eles prprios, descobrirem a tal senha, e, ou, se aperfeioarem com mediadores de leitura. Em todas as instncias de governo, mas tambm nas escolas privadas de Ensino Superior, essencial iniciar ou ampliar aes de disseminao (ou apoio) de cursos, em vrios nveis, de formao de gestores para a leitura, cursos de educao continuada com uma carga horria expressiva na rea da leitura e da literatura, produo e, sobretudo, divulgao e aquisio de obras tcnicas e de pesquisa sobre o assunto para esses prossionais. Visto que, a no ser entre os entrevistados que zeram ou fazem estudos universitrios, a leitura decresce muito entre os adultos, podemos supor que a escola no tem formado leitores para a vida inteira, talvez por prticas pouco sedutoras e obrigatrias, das quais o no-estudante procura se livrar assim que ultrapassa os limites da escola. Parecem necessrias aes de promoo da leitura que a liguem verdadeiramente vida e tornem os materiais de leitura mais prximos dos alunos. Para tanto, ultrapassar os muros da escola, visitar de forma planejada, consequente e prazerosa ambientes onde se criam jornais, revistas e livros, conversas com os atores de cada uma das cadeias de criao e produo desses materiais, conhecer sites que enfocam a leitura, ir a feiras parecem ser aes que ajudam a inserir a leitura no universo dos sujeitos, sobretudo dos mais novos. No sem razo que os entrevistados do Rio Grande do Sul e do Par informam comprar muitos livros em feiras: reconhecida a importncia das feiras de livros de Porto Alegre (alm da incrvel atuao de Passo Fundo) e de Belm. Com relao aos dados levantados sobre o uso de bibliotecas, a pesquisa mostra que muitos dos entrevistados sequer conhecem esse equipamento no bairro ou na cidade. Segundo informao de 2005 do Ministrio da Cultura e a situao, hoje, j mais favorvel , quase 90% dos municpios brasileiros tm pelo menos uma biblioteca. No entanto, apenas 66% dos entrevistados conrmam isso. A essa desinformao, soma-se a incmoda indicao de que apenas 10% dos entrevistados frequentam assiduamente tal espao. A porcentagem geral de 75% de no-usurios de bibliotecas56 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

sobe ainda mais quando so consideradas as respostas dos acima de 39 anos, conrmando a j comentada ideia de que leitura para quem estuda (isso mesmo se observa nas pequenas cidades, o que ser comentado mais adiante). Em alguns Estados, alis, a biblioteca escolar mais frequentada do que a pblica. o que ocorre no Par, Esprito Santo, Paran, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Tais dados explicam o fato de que apenas um nmero reduzido de usurios (10%) v biblioteca para ler por prazer e muito poucos (2%) aproveitem (ou tenham) outras atividades nesse espao. Por outro lado, apenas 7% dos entrevistados empregados armam que a empresa onde trabalham possui biblioteca ou hemeroteca o que deveria merecer uma ao efetiva de conscientizao sobre o valor da leitura para o crescimento da prpria rma. importante sublinhar que os 10% de frequentadores assduos das bibliotecas esto muito satisfeitos com os servios por elas prestados, em torno dos quais h uma quase unanimidade: a esmagadora maioria (predominantemente acima de 90%) diz gostar muito da biblioteca, ser atendida por bibliotecrios (que sabero a esse respeito?), ser bem atendida e ser orientada quanto indicao de obras e nela encontrar todos os livros que procura. Sobre essa aceitao e conhecendo razoavelmente esses espaos, cabem-nos algumas indagaes, sobre o prprio conceito de biblioteca e sobre o nvel de exigncia e expectativas dos entrevistados quanto ao que pode ou deve ser um espao como esse. Mas essas respostas s sero obtidas com outra pesquisa, que certamente vir. De todo modo, evidente que tambm as bibliotecas, mesmo tais como so, precisam buscar leitores, seja por algum tipo de promoo (tambm elas indo alm de suas paredes), seja por uma ampliao de seu carter, tornando-se mais prximas da atuao de centros culturais, onde esteja, sobretudo, o livro, mas todos os suportes de leitura (inclusive a Internet, como vm procurando os projetos do Ministrio da Cultura), alm de outras manifestaes culturais e artsticas tudo isso que se congura, nos tempos atuais, como formas tambm importantes de leitura.Acesso leitura no Brasil 57

Sabemos que a alegada falta de tempo para frequentar bibliotecas e para ler (seja o que for) abrange ou encobre uma srie de sentimentos e posies: por exemplo, o desinteresse e as prioridades de cada um (entre as quais, obviamente, no est a leitura), alm da eventual sobrecarga de trabalho e obrigaes. A esses e mais aos que se queixam do difcil acesso a bibliotecas, precisamos oferecer facilidades especiais, como apoiar e multiplicar os projetos que se baseiem no deslocamento de materiais de leitura para pontos estratgicos, que vo do metr e dos nibus (nas regies metropolitanas especialmente Rio de Janeiro e So Paulo, 7% dos entrevistados leem no trnsito) a parques, praas, jardins, hospitais, prises, centros esportivos, empresas, residncias particulares. Divulgar e apoiar, das mais diversas formas, inclusive nanceiramente, quando possvel, as incontveis iniciativas vitoriosas de promoo de leitura. (A Fundao Nacional do Livro Infantil e Juvenil e o Prmio Vivaleitura, com mbitos diferentes, premiam projetos desse tipo). H, tambm, os que reclamam com razo da falta de pontos de venda. fundamental, para resolver esse que um dos grandes problemas da leitura, criar aes de apoio criao e manuteno de livrarias. Mesmo para os leitores automotivados e os entrevistados de alto poder aquisitivo, os pontos de venda dos materiais de leitura, especialmente de livros, so reconhecidamente insignicantes. To fora do universo das cidades brasileiras, que essa inexistncia raramente percebida pela populao. Pessoalmente, no acredito que a venda por Internet (hoje, em torno de 2%) chegar to cedo maioria da populao brasileira e que, chegando, suprir a necessidade da livraria fsica. Precisaremos de muito tempo para convencer o leitor de que no tem sentido andar pelas estantes e mesas das livrarias, folheando revistas e livros, procurando no o que conhece e foi comprar, mas algo novo, surpreendente, que v preencher umas quantas horas de seu dia, ou da sua noite (e esse leitor existe, e essas livrarias podem existir!). Todas as diculdades, no campo da leitura, vm agravadas nas cidades de pequeno porte, com at 10 mil habitantes (e, em certa58 RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL

medida, nas chamadas do interior). Segundo a pesquisa em foco, os habitantes dessas cidades so: