retirantes da seca de 1877
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RETIRANTES DA SECA DE 1877-79 NO CEARÁ
Amanda dos Santos
Andrea Ferraz
Antônia Lira
Caroline Lindolfo
Débora Lemos
Emanuela Vitor
Luna Pinheiro
Mirella Freire
Shirley de Castro
Resumo: Os Estados da região nordeste do país, e especificamente do Estado do Ceará,
foram surpreendidos com uma arrebatadora seca durante os anos de 1877-79. Foram
três anos onde a maioria da população nordestina sentiu o sofrimento, descaso e a
exploração. A falta de chuva fez com que a maioria da população nordestina
abandonasse suas terras a procura do mínimo para sua sobrevivência: água e comida.
Palavras – chave: Seca – Ceará - Retirantes – Século XIX
No período de 1877 -79 as províncias do norte do país, Ceará, Piauí, Rio Grande
do Norte, Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia foram atingidas por uma grande
escassez de chuva.
Buscando dialogar com os autores que trataram acerca dessa temática,
procuraremos destacar ao longo do texto a trajetória histórica das vítimas da seca nesse
período, especificamente os retirantes, na província do Ceará.
No ano de 1877 e os que o sucedem são os que a população pobre que vivia nas
províncias do nordeste sentiu mais dificuldades para sobreviver. Isso porque grande
parte dos camponeses abandonava suas terras e procuravam os centros urbanos em
busca de ajuda. De acordo com dados de alguns autores, por conta da seca a cidade de
Fortaleza, que foi a principal região que foi atingida mais diretamente pela escassez de
chuva, teria aumentado de 21 mil habitantes em 1872 para 114 mil em 1878. Em outros
centros urbanos, também aconteceram problemas semelhantes. Em Aracati, cidade de
cinco mil habitantes, comportou cera de 60 mil. São alguns exemplos dos “inchaços”
sofridos por algumas cidades por conta da seca.
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Os retirantes foram as vítimas mais diretas da seca, pois eram obrigados a deixar
as suas terras e se espalhar pelos centros urbanos distribuídos pelo país. Uma vez que, o
abandono de suas terras e das suas plantações só acontecia depois de já não possuíam
sementes para plantar, e a esperança de chuva já haviam se esgotado. A princípio os
retirantes procuravam as cidades maiores do próprio sertão. Aqueles que não tinham
posses, só podiam se juntar aos outros em busca de locais que pudessem sustentar suas
famílias. Os pequenos e médios proprietários de terra abandonavam ou vendia as terras,
ou trocavam os seus escravos.
Nas fazendas, local onde trabalhavam tudo era devidamente anotado. Nos
documentos constavam: nome, estado civil, número de pessoas na família, se era
emigrante e da onde, domiciliários, rações (milho, feijão, arroz) com quantidade
distribuída. Quanto mais trabalhava mais ganhava. As mulheres se prostituíam em troca
de alimento. As pessoas mais abastadas, a elite das províncias, não sentiram as
conseqüências dessa tragédia como os retirantes.
Nos campos abandonados, nas estradas e nas cidades, que recebiam retirantes
de todo o nordeste, não apenas do Ceará, predominava a situação de miséria, doenças e
fome. A fuga da fome e da morte fez com que membros da família se dividissem,
propriedades fossem invadidas e os rebanhos devorados. Segundo Cicinato Ferreira
Neto, Rodolfo Teófilo relata que as crianças eram abandonadas semimortas pelos seus
pais para serem devoradas por morcegos. E atacados pela sedes, os retirantes se
precipitavam sobre os caldeirões d’água que encontravam, com água quente e impura, e
como conseqüência eram atacados com febres paludosas, e dias depois morriam,
ficando os corpos insepultos e à discreção dos urubus.
Desde a seca de 1877, a grande massa de retirante invade as cidades, saqueiam
mercados, lojas de alimentos e instituições públicas em busca de comida.
Na metade do ano de 1877 surgem propostas em defesa da migração para outras
províncias, principalmente para Amazônia. A presidência da província passou a dar
passagens para retirantes, gastando cerca de seis mil réis por pessoa. Foram criadas
comissões para garantir que os flagelados fossem encaminhados para o seu destino. A
emigração para o Norte do país, sob a influência do governo, foi mais um dos capítulos
da difícil e sofrida história dos retirantes cearenses.
Em muitas cidades cearenses a pobreza e a falta de recursos contribuíam para
que as autoridades de cada município argumentassem que não era possível dar
assistência aos retirantes. Em Russas, os serviços iniciados beneficiariam apenas aos
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moradores do município. Em Icó, destinava-se uma pequena quantia em dinheiro para
alguns retirantes para que eles continuassem sua viagem às cidades litorâneas. Com o
passar do tempo, quando a estiagem se prolongou e a falta de mantimentos se tornou
constante, os próprios habitantes passaram a procurar abrigo em outras vilas
aterrorizados por conta das doenças e da fome. No Crato, havia 7988 famílias, sendo
1.139 do Ceará, 254 do Rio Grande do Norte, 171 de Pernambuco e oito do Piauí, em
um total de quase 60 mil pessoas. Os migrantes de Fortaleza foram divididos em cinco
distritos. Os relatórios oficiais informam que eles foram aproveitados para algumas
obras na cidade. No final do ano de 1877, a capital cearense já estava com 85 mil
pessoas, e em Aracati, pelo menos 50 mil retirantes invadiram a cidade litorânea.
Os maus tratos aos retirantes foi um dos traços mais marcantes no período de
1877-79. Eles eram surrados por policiais e tratados como animais, os valores familiares
já não existiam mais, pais cediam filhas aos agentes de prostituição ou crianças que já
não tinham mais famílias se submetiam a esse tipo de situação em troca de um prato de
comida. O número de imigrantes mortos em consequência da seca, não é exato, pois só
eram declarados numericamente os que chegavam e eram enterrados na cidade. Dessa
forma os que não conseguiam chegar ao destino, não tinham nem mesmo um enterro e
ficavam jogados no caminho, não faziam parte da “estatística da fome”.
A medida tomada pelo governo provincial era a de atender as vítimas da seca de
imediato, com uma rede de transportes que fosse capaz de levar o auxílio até os locais
de moradia dos camponeses mais afetados. Porém, as comissões de socorro eram
consideras insuficientes, tendo em vista a aglomeração de indigentes. Nesse momento,
as autoridades juntamente com os membros da classe comercial, começaram a temer a
possibilidade descontrole dessa multidão faminta. As primeiras províncias a chamar
atenção das autoridades foram os municípios de Telha (Iguatu hoje em dia), Tamboril,
Lavras, Quixeramobim, Icó, Sobral, São Bernardo (Russas hoje em dia), Quixadá,
Acarape, Várzea Alegre, Espírito Santo (Morada Nova hoje em dia), Jaguaribe e
Cachoeira (Solonópole hoje em dia).
O sistema de nomeação das comissões de socorros favorecia a camada elitizada
das províncias, e é por esse motivo que o papel dessas comissões no período da seca é
um tema coberto de opiniões, sendo vista como uma apropriação do público pelo
privado. Podemos pensar o tema de uma forma complexa, percebendo se as atuações
dessas comissões de fato contribuíram para que o governo provincial tivesse
conhecimento da situação dos retirantes e formulassem estratégias para que eles fossem
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aparados, ou serviu apenas para aumentar a supremacia política de alguns grupos da
elite e enriquecer alguns indivíduos? Já que em relatos percebemos que havia denúncias
de desvios de dinheiro e recursos destinados as vitimas das secas, famílias eram
favorecidas em detrimento de outras, comissários foram acusados de estupros de jovens
retirantes e por estimular a prostituição nos abarracamentos, principalmente em
Fortaleza e Aracati. Não havia fiscalização e nem controle de qual destino dessas
quantias. Grande parte dos gastos com a seca do Ceará foi destinada às comissões de
socorro.
As imigrações nos primeiros meses de 1878 não paravam de aumentar. As
doenças já tinham chegado à níveis alarmantes. Os indigentes eram divididos em quatro
comissões: a de socorro imediato, para os recém chegados do interior, a de emigração; a
de socorro domiciliar, que atendiam aos morados e a de socorro nos abarracamentos. No
final do ano, começou a ploriferação da varíola. O dia 10 de dezembro ficou marcado
como os das mil mortes, pois 1004 pessoas morreram, porém os corpos de mais de 200
não chegaram nem a ser sepultados. Em Fortaleza, Quixadá, Quixeramobim, Cariús, Ipú
e Crato localizavam-se os chamados campos de concentrações nordestinos, que
diferente dos da Europa, foram criados para que os retirantes e a classe pobre que eram
vítimas da seca ficassem aprisionados lá para que as cidades, que estavam em suas
expansões econômicas, não tivessem a sua imagem ligada a mendigos e maltrapilhos.
Muitos morreram de fome, que chegou ao ponto de vários corpos serem amontoados
juntos para que fossem enterrados. Os números oficiais registraram cerca de 57.780
óbitos em Fortaleza.
Com o intuito de manter essa massa afastada dos centros urbanos, foram criadas
obras municipais para que os mesmos se empregassem em troca de um prato de ração. E
uma das principais obras que empregou esses indigentes foi a construção da estrada de
ferro de Baturité, como também no calçamento das ruas centrais de Fortaleza. Portanto,
a política de atendimento as vítimas da seca transformam os antigos pedintes e
mendigos em trabalhadores. Em contrapartida as ações de atendimento as vitimas da
seca não vinham apenas do governo imperial, mas também da camada abastada da
sociedade local. Foram criadas as “comissões de socorros” filantrópica, que recolhiam
dinheiro e alimentos. E um dos efeitos dessa filantropia foi a campanha de arrecadação
de donativos na Corte liderado por Liberato de Castro Carreira.
Em julho de 1879 foram suspensas todas as obras que empregavam os
indigentes, exceto as realizadas nas estradas de ferro.
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O Ceará e as províncias vizinhas do norte, já tinham passado por terríveis secas,
como as de 1793, 1825 e 1845. A cada seca, repetiam-se as inacreditáveis cenas de
horror. Porém, nenhum sofrimento foi tão marcante quanto as do período de 1877-79. O
desenvolvimento econômico, com a exportação algodoeira e o costume com os bons
tempos de inverno fez com que o cenário da seca e da fome deixasse a população
incrédula.
Havia relatos de cenas de pessoas que passaram a devorar os corpos de
familiares, as roupas não eram suficientes para cobrir as partes íntimas e por conta
disso, muitas mulheres eram alvo de desrespeito durante as viagens para outras
províncias. A inserção dos flagelados famintos que enojavam a sociedade. No Cariri
roubos, invasões e assassinato se espalhavam nas propriedades. Grupos de cangaceiros
se multiplicavam. De junho de 1876 a maio de 1877 foram registrados na província
cearense 74 homicídios, 10 furtos e roubos de gado.
Em março de 1880 finalmente foi reconhecida a volta do inverno no Ceará.
Foram registrados 1539 milímetros, confirmando a volta do inverno regular na
província. Durante os primeiros meses do ano de 1880, ainda foram gastos cerca de
1300 contos de réis sendo que 1.100 foram usados para comprar comida. Com o passar
do tempo, os indigentes que aglomeraram Fortaleza voltaram para o interior. Em Abril
foi suspenso o envio de socorros para o interior da província e em Maio foi concluído o
serviço de internações de doentes vitimados pelas moléstias que foram adquiridas no
tempo da estiagem.
Uma seca que durou três anos e com tanta miséria, dor, exploração e sofrimento,
com tantas fugas, mortes, cenas inacreditáveis, com certeza deixaria marcado para
sempre a população humilde do sertão nordestino.
Estima-se que mesmo com toda a mortalidade, com toda a migração, a província
cearense não recebeu uma quantia maior às que foram destinadas aos projetos de
interesses das classes hegemônicas do Sul. Barão de Studart, escritor cearense,
comparou os gastos durante a seca com outras despesas realizadas pelo Império.
Conforme dados, durante os três anos de seca, os gastos governamentais na província do
Ceará chegaram a quase 31 mil contos de réis, enquanto nas obras de Teatro Municipal
do Rio de Janeiro, gastaram-se 12 mil. Ou seja, percebe-se que mesmo com tanta
calamidade e com a crise que afetou a população nordestina com fome e doenças, o
Ceará não chegou a receber do governo central as devidas providências que realmente
merecia. Simplesmente instala uma sensação de abandono, isolamento ou esquecimento.
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Fora que, como vimos anteriormente, a elite do nosso estado colaborava com o descaso
e abandono, usufruindo para aumentar seu respaldo político e suas riquezas o dinheiro
que era destinado para amenizar os sofrimento e a fome das vítimas da seca.
REFERÊNCIA
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ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. Falas de astúcia e de angústia: a seca no imaginário
nordestino – de problema a solução (1877-1922). Dissertação (Mestrado em História) –
UNICAMP, Campinas, 1988.
THEOPHILO, Rodolpho. História da Secca do Ceará (1877-1880). Rio de Janeiro,
Imprensa Inglesa, 1922.
NETO, Cicinato Ferreira. A tragédia dos mil dias: a seca de 1877-79 no Ceará.
Fortaleza, Premius, 2006.
NUNES, Francivaldo Alves. Interesses e sentimentos caritativos nas ações de
filantropia no Brasil (Caso da seca de 1877). Revista Brasileira de História & Ciências
Sociais. Ano I – número I. Junho, 2009.
Sites:
www.fafich.ufmg.br/temporalidades. Acesso em 08/09/2011.
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=408050. Acesso em 09/09/2011.
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