resumo - revista cif brasil
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Verdiani MB, Gomes JL, Nishida MH, Marinho MP, Braga DM
Revista Científica CIF Brasil. 2016; 5(5):2-14. 2
APLICABILIDADE DA CIF BASEADA NOS OBJETIVOS FUNCIONAIS NA
PARALISIA CEREBRAL ICF applicability based on functional goals on Cerebral Palsy
Mariana Bettini Verdiani1, Juliana Leme Gomes2, Marjory Harumi Nishida3, Marcela Pereira
Marinho4, Douglas Martins Braga5
Resumo A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e a Gross Motor Function Classification System (GMFCS) são utilizadas para avaliar a funcionalidade da população com Paralisia Cerebral (PC) e funcionam como base para determinação de objetivos funcionais nos centros de reabilitação. Nosso objetivo foi verificar se essas escalas apresentam alguma relação e, verificar se os objetivos funcionais estão corretamente relacionados às duas medidas padrão. Trata-se de um estudo retrospectivo, onde coletamos e comparamos os objetivos funcionais traçados pelos fisioterapeutas e os códigos da CIF determinados por eles e por pesquisadores. Observamos boa correlação entre as medidas, porém discrepância significativa entre os códigos escolhidos por terapeutas e pesquisadores. Este achado pode estar relacionado à dificuldade de aplicação prática da CIF ou a dificuldade dos terapeutas no momento de traçar os objetivos funcionais. Acreditamos que maiores estudos devam ser feitos na área para facilitar a aplicabilidade da CIF. Palavras-chave: Paralisia Cerebral, CIF, Fisioterapia.
Abstract The International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF) and the Gross Motor Function Classification System (GMFCS) are performed to evaluate the functionality of children with Cerebral Palsy (CP) and used as a baseline to define functional goals on rehabilitation centers. Our objective was to verify whether these scales have any relation and whether functional goals are being adequately related to both standard measurements. A retrospective study in which are compared the functional goals defined by the therapists and the ICF codes defined by them and by trained researchers. We found good relationship between the two standard measurements, however a significant difference for the codes chosen by therapists and researchers. This difference may be related either to the difficulty on performing the ICF on practical situations or to the therapists to decide the functional goal. We believe that more studies should be done to facilitate the applicability of the ICF . Key words: Cerebral Palsy, ICF, Fisioterapy. 1 Especialista em Fisioterapia Neurofuncional pela Faculdade Metropolitanas Unidas São Paulo. Email: [email protected] 2 Fisioterapeuta. Pós-graduanda em Aprendizagem Motora - Escola de Educação Física e Esporte - USP. Email: [email protected] 3 Especialista em Intervenção em Neuropediatria pela Universidade Federal de São Carlos. Email: [email protected] 4 Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia Aplicada a Neurologia Infantil e Adulto - UNESP. Email: [email protected] 5 Especialista em Hidroterapia em Doenças Neuromusculares pela Universidade Federal de São Paulo. Email: [email protected]
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Introdução
Os programas de reabilitação vêm passando por uma mudança de conceito, definindo
saúde em termos mais amplos onde fatores sociais, psicológicos e ambientais também
contribuem para qualidade de vida e saúde dos pacientes. Uma das formas atuais de se avaliar
a saúde (ou a falta da mesma) em uma população é de acordo com a alteração da sua
funcionalidade, definida como a relação entre o corpo, o comportamento e a vida em
sociedade1.
Uma patologia bastante comum nos centros de reabilitação é a Paralisia Cerebral (PC),
definida como uma lesão difusa não progressiva em um cérebro imaturo causadora de um
grupo de distúrbios permanentes que alteram o desenvolvimento infantil, causando
importante limitação funcional. Ela apresenta incidência entre 1,5 e 2,5 a cada 1000 nascidos
vivos nos países desenvolvidos. No Brasil, estima-se em torno de 17 a 20 mil novos casos ao
ano2,3. Mensurar o impacto dos distúrbios na vida funcional e traçar objetivos a serem
trabalhados com os pacientes com essa patologia tem sido um desafio para os profissionais da
reabilitação4.
A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), criada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), visa unificar a linguagem a respeito dos componentes e
estados relacionados à saúde e bem estar5. Ela reflete a mudança de abordagem no qual
prioriza a funcionalidade como componente da saúde sendo reconhecida como modelo de
estruturação para avaliação, formulação de problemas e metas para intervenção no
tratamento de pacientes com deficiência6.
Outra maneira para classificar a funcionalidade da criança e adolescente com PC na
fisioterapia e que nos auxilia ao traçar objetivos funcionais terapêuticos é a Gross Motor
Function Classification System (GMFCS), que tem como objetivo classificar a função motora
grossa do paciente por meio de cinco níveis motores, considerando sua idade e seu
desempenho motor dentro de diferentes contextos como: casa, escola e espaços
comunitários7.
Observamos que essas duas classificações (GMFCS e CIF) são bastante utilizadas para
padronizar e uniformizar as avaliações e tratamentos no que se refere à PC e, baseando -se
nelas, surgiu o que chamamos de objetivo funcional, que é traçado especificamente para cada
paciente, o qual entendemos como uma tarefa a ser alcançada dentro do que o paciente almeja
e do que é possível8.
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Sendo assim, o objetivo deste estudo é verificar se as duas escalas utilizadas como base
para traçar os objetivos funcionais, apresentam alguma relação entre si e, verificar se os
objetivos funcionais traçados pelos fisioterapeutas estão corretamente relacionados com
essas duas medidas padrão. Esperamos confirmar a hipótese de que o fisioterapeuta está
sendo capaz de correlacionar o objetivo funcional ao GMFCS e CIF de acordo co m o potencial
de cada paciente e, permitir, caso isso não ocorra, o reconhecimento do problema para
promover uma melhor abordagem ao paciente atendido.
Métodos
Trata-se de um estudo retrospectivo por análise de prontuários de pacientes atendidos no
setor de Fisioterapia Aquática da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) –
Ibirapuera.
Coleta de dados
Foi realizado levantamento de prontuários de pacientes atendidos no setor de Fisioterapia
Aquática da AACD no período de maio a dezembro de 2014, com diagnóstico de PC e idade
entre 3 a 17 anos. Foram excluídos os prontuários que continham dados de identificação
incompletos, GMFCS indefinido (o mesmo é definido previamente pelos médicos da
instituição), ausência de CIF e de pacientes com histórico de cirurgias ortopédicas e/ou
bloqueios neuromusculares que tenham sido realizadas dentro do período da coleta dos
dados.
Os prontuários selecionados continham um campo denominado objetivo funcional, o qual
era traçado pelo terapeuta e em seguida correlacionado por ele mesmo com a CIF.
Posteriormente três pesquisadores independentes analisaram os objetivos funcionais
propostos e definiram uma palavra-chave para cada um. Baseando-se na palavra-chave
buscaram um código na CIF que melhor as definisse9. Os três códigos eram confrontados e o
código que se repetisse seria considerada o correto. Os pesquisadores não tinham
conhecimento do código que havia sido usado previamente pelo terapeuta.
Como se tratava de uma população de crianças e adolescentes, utilizamos a CIF-CJ (versão
para crianças e jovens) para classificar os objetivos funcionais, porém em alguns casos em que
os objetivos propostos não apresentassem nenhum código condizente nessa versão, foi
consultada a CIF versão completa para selecionar o mais adequado, por exemplo, o código
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‘B4550 - Resistência física geral’, foi determinado como um dos objetivos funcionais a serem
estabelecidos, porém só está presente na versão completa da CIF.
Análise Estatística
Para todas as análises foi realizado o teste de Igualdade de Duas Proporções após: 1)
análises simples de porcentagem, média e desvio padrão para caracterização da amostra; 2)
análises de porcentagem para correlacionar as variáveis GMFCS, objetivos funcionais
(palavras-chave), código da CIF do terapeuta e código da CIF dos pesquisadores e; 3) análises
de porcentagem para determinar concordância ou discordância entre os códigos da CIF
estabelecidos pelos pesquisadores e pelos terapeutas. O nível de significância definido foi de p
< 0.05.
Resultados
Foram 217 prontuários de crianças com diagnóstico de PC, atendidos no setor de
Fisioterapia Aquática da AACD – Ibirapuera no período descrito, que se enquadraram nos
critérios de inclusão. A partir desses, 1 prontuário foi excluído por dados de identificação
incompletos, 39 eram de pacientes de idade abaixo de 3 anos, 16 não tinham a descrição da
classificação no GMFCS, 4 prontuários não apresentaram a classificação da CIF definido pelo
terapeuta e 17 eram de pacientes que tinham realizado cirurgias ortopédicas ou bloqueios
musculares no período de coleta. Após as exclusões obtivemos uma amostra total final de 140
pacientes.
Caracterização da amostra
A amostra final foi homogênea com 51,4% dos prontuários sendo de pacientes do sexo
masculino e a idade média de 8,5 ± 4,4 anos. A maioria da amostra (39,3%) era de crianças
classificadas no nível III do GMFCS, seguidas das classificadas nos níveis II e IV (21,4% e
25,7% respectivamente) e a minoria nos níveis I e V (entre 4,3% e 9,3% respectivamente) . A
grande maioria da amostra apresentava comprometimento espástico (88,6%) de membros
inferiores (81,4% de diparéticos).
Em relação aos domínios da CIF, observamos que o domínio de Atividades e Participação
prevaleceu sobre o de Funções do Corpo tanto para o grupo de terapeutas (94,3%) como de
pesquisadores (90,4%).
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Quando analisamos os códigos escolhidos notamos que os terapeutas selecionaram
principalmente aqueles relacionados à marcha e outras formas de deslocamentos (75%),
sendo os principais ‘D4500 Andar distâncias curtas’; ‘D4600 – Deslocar-se dentro de casa’ e
‘D4501 – Andar distâncias longas’. Para os pesquisadores a marcha e os deslocamentos
também apareceram como o principal objetivo (67,1%), sendo os códigos mais escolhidos o
‘D465 - deslocar-se utilizando algum tipo de equipamento’; ‘D4600 - Deslocar-se dentro de
casa’ e; por último ‘D4500 - Andar distâncias curtas’ (Tabela 1).
Os códigos relacionados ao controle e manutenção do corpo no espaço (englobando
também alcance e função dos membros superiores), apareceram em 12,8% dos casos para
terapeutas e 15,7% para pesquisadores e os códigos relacionados a transferências e mudança
da posição do corpo no espaço foram de 6,3% para terapeutas e 6,7% para pesquisadores.
Códigos da CIF selecionados Terapêutas Pesquisadores
N % p N % p
Funções do corpo
B770 – Funções relacionadas ao padrão da marcha 5 3,6 <0,001** 27 6,4 <0,001**
B7603 – Funções de apoio do membro superior ou do membro inferior. 0 0 <0,001** 3 0,7 <0,001**
B28015 - Dor em membro inferior 1 0,7 <0,001** 2 0,5 <0,001**
B4550 – Resistência física geral 1 0,7 <0,001** 1 0,2 <0,001**
Outros 0 0 9 1,9
Atividades e participação
D465 - Deslocar-se utilizando algum tipo de equipamento 7 5 <0,001** 86 20,5 Ref
D4600 - Deslocar-se dentro de casa 14 10 0,013* 57 13,6 0,008*
D4500 - Andar distâncias curtas 29 20,7 Ref 39 9,3 <0,001**
D4501 - Andar distâncias longas 14 10 0,013* 21 5,0 <0,001**
D4154 - Permanecer de pé 7 5 <0,001** 21 5,0 <0,001**
D4503 – Andar contornando obstáculos 7 5 <0,001** 20 4,8 <0,001**
D4502 – Andar sobre superfícies diferentes 7 5 <0,001** 2 1,4 <0,001**
Outros 20 39,3 21 40,4
CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde; Ref – Referencia (valor maior tomado como referência na análise dos
demais resultados)
* p < 0,05; ** p< 0,001
Tabela 1. Códigos da CIF mais prevalentes determinados pelos terapeutas e pelos pesquisadores.
Comparações entre GMFCS, CIF terapeutas e CIF pesquisadores.
Verificamos ao comparar os níveis de GMFCS com os códigos da CIF designados pelos
terapeutas que os mais prevalentes para GMFCS nível V estão relacionados principalmente a
manutenção da posição do corpo no espaço. No GMFCS nível IV foi selecionado
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principalmente o código de marcha a curtas distâncias e secundariamente o de marcha
domiciliar, sendo estes, um achado também para o nível III. Nos níveis II e I do GMFCS o
código mais prevalente foi em relação à marcha contornando obstáculos, seguido da marcha a
longas distâncias e comunitária (Tabela 2).
Quando observamos os códigos da CIF escolhidos pelos pesquisadores e os comparamos
com os níveis de GMFCS e com os códigos da CIF escolhidos pelos terapeutas, notamos
semelhança entre os códigos mais escolhidos por terapeutas e por pesquisadores para os
níveis I e V, e diferença para os níveis II, III e IV. Nos níveis II e III os códigos mais prevalentes
para os pesquisadores foram relacionados ao deslocar-se utilizando algum tipo de
equipamento, enquanto no nível IV foi em relação à marcha domiciliar (Tabela 2).
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Terapeutas Pesquisadores
GMFCS
Códigos da CIF
Nível I
Nível II
Nível III
Nível IV Nível V Nível I
Nível II
Nível III
Nível IV
Nível V
N (%) P N (%) P N (%) P N (%) P N (%) P N (%) P N (%) P N (%) P N (%) P N (%) p
d4153 -
permancer
sentado
0 (0,0) 0,121 0 (0,0) 0,02* 0 (0,0) <0,001
**
3 (8,3) 0,032*
3
(23,1)
Ref 0 (0,0) 0,007* 0 (0,0) <0,001
**
0 (0,0) <0,001
**
11
(10,2)
0,037* 9
(23,1)
Ref
d4154 -
permanecer de pé
0 (0,0) 0,121 0 (0,0) 0,02* 1 (1,8) <0,001
**
3 (8,3) 0,032*
3
(23,1)
Ref 0 (0,0) 0,007* 0 (0,0) <0,001
**
3 (1,8) <0,001
**
9 (8,3) 0,012* 9
(23,1)
Ref
d4500 - andar
distancias curtas
0 (0,0) 0,121 4
(13,3)
0,718 15
(27,3)
Ref 10
(27,8)
Ref 0 (0,0) 0,066
0 (0,0) 0,007* 4 (4,4) <0,001
**
20
(12,1)
0,006* 15
(13,9)
0,206 0 (0,0) 0,001
**
d4502 - andar
sobre superfícies
diferentes
0 (0,0) 0,121 5
(16,7)
Ref 2 (3,6) <0,001
**
0 (0,0) <0,001
**
0 (0,0) 0,066
0 (0,0) 0,007* 6 (6,7) 0,005* 0 (0,0) <0,001
**
0 (0,0) <0,001
**
0 (0,0) 0,001
**
d4503 - andar
contornando
obstáculos
2
(33,3)
Ref 1 (3,3) 0,085 4 (7,3) 0,006* 0 (0,0) <0,001
**
0 (0,0) 0,066
6
(33,3)
Ref 5 (5,6) 0,002* 9 (5,5) <0,001
**
0 (0,0) <0,001
**
0 (0,0) 0,001
**
d4600 - deslocar-
se dentro de casa
0 (0,0) 0,121 1 (3,3) 0,085 8
(14,5)
0,101 5
(13,9)
0,147 0 (0,0) 0,066
0 (0,0) 0,007* 4 (4,4) <0,001
**
31
(18,8)
0,281 22
(20,4)
Ref 0 0,001
**
d465 – deslocar-
se utilizando
algum tipo de
equipamento
0 (0,0) 0,121 0 (0,0) 0,02* 5 (9,1) 0,013* 2 (5,6) 0,011* 0 (0,0) 0,066 3
(16,7)
0,248 19
(21,1)
Ref 39
(23,6)
Ref 21
(19,4)
0,865 4
(10,3)
0,129
CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde; Ref – Referencia (valor maior tomado como referência na análise dos demais resultados); Níveis I, II, III, IV e V relacionados ao GMFCS – Gross Motor
Function Classification Scale
* p < 0,05; ** p < 0,001
Tabela 2. Relação entre os códigos da CIF determinados pelos terapeutas e pesquisadores com os níveis de GMFCS (total, porcentagem e valor de p).
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Concordância entre os pesquisadores e entre pesquisadores e terapeutas.
Quando analisados os resultados de concordância entre os pesquisadores em relação à
escolha das palavras-chave pudemos notar concordância significativa de 72,1%. Em relação
aos códigos da CIF escolhidos notamos concordância significativa de 66,7% entre os
pesquisadores. Sendo assim, entre os pesquisadores houve uma pequena perda (5,4%) ao
transportarem as palavras-chave escolhidas para o código da CIF adequado (Figura 1). As
palavras-chave e códigos designados apresentaram concordância independente do nível do
GMFCS do paciente.
Já quando comparamos a concordância entre pesquisadores e terapeutas em relação aos
códigos da CIF definidos verificou-se discordância de 56% entre eles (Figura 2).
Figura 1. Gráfico de distribuição de concordância entre os três pesquisadores ao definir as palavras -chave e códigos da CIF para cada objetivo funcional.
Figura 2. Gráfico de distribuição de concordância entre os pesquisadores e terapeutas ao definir os códigos da CIF para cada objetivo funcional.
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Discussão
Como principal achado deste estudo, podemos citar que os códigos da CIF definidos tanto
pelos terapeutas quanto pesquisadores se enquadraram corretamente no quadro funcional
esperado para cada nível do GMFCS10,11, quando correlacionamos às duas medidas funcionais
(CIF e GMFCS) o que indica que eles podem ser correlacionados.
Já, quando observado o quadro geral dos códigos da CIF utilizados, vemos que a grande
maioria (mais de 90%) pertencia ao domínio de Atividades e Participação, o que reflete
adequadamente a funcionalidade do paciente e vai de acordo com outros estudos na
literatura12,13. Dentro desse domínio os códigos mais selecionados estavam relacionados à
marcha e deslocamentos, o que corrobora com a literatura que demonstra que para pacientes
com PC o principal interesse dos profissionais nos centros de reabilitação é relacionado à
marcha13,14, principalmente nos níveis II, III e IV do GMFCS. Para os níveis mais graves, além
do deslocamento, que é incluído no nível de mobilidade, outros domínios como o autocuidado
e a interação social se mostram importantes para a reabilitação 13.
Notamos que houve discrepância significativa entre os códigos da CIF estabelecidos pelos
pesquisadores e terapeutas para definir o mesmo objetivo funcional. O código mais presente
para os pesquisadores foi o ‘D465 – Deslocar-se utilizando algum tipo de equipamento’, que se
sobrepôs significativamente aos demais códigos (exceto ‘D4600 - Deslocar-se dentro de casa’),
inclusive ao código mais presente para os terapeutas, o ‘D4500 – Andar distâncias curtas’, e
vice-versa. Este achado pode indicar dificuldade dos profissionais em transferir o que
consideraram o objetivo funcional para o seu paciente para a linguagem da CIF.
Além disso, apesar dos códigos escolhidos serem capazes de definir o quadro funcional
geral de cada paciente, como citado anteriormente, quando realizada a transposição do
objetivo funcional para a CIF, nota-se novamente uma divergência entre pesquisadores e
terapeutas alterando o principal objetivo visado para cada nível. Como exemplo, podemos
citar os níveis III e IV do GMFCS que possuem objetivos relacionados à marcha, no entanto,
para os terapeutas eles eram especialmente relacionados a distâncias curtas para os dois
níveis, enquanto os pesquisadores acreditaram que a melhor classificação seria a marcha com
aditamentos ou domiciliar, respectivamente. Acreditamos que essa pequena diferença possa
impactar diretamente na prática clínica de uma equipe multiprofissional que a dota a CIF
como referência, pois condutas são traçadas pela equipe em torno do objetivo que o outro
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membro da equipe especificou, e o mesmo pode não ser exatamente o que ele selecionou
como código.
Estudos que avaliam a CIF e sua aplicabilidade na prática clínica têm justificado que a
classificação, por abranger diversas faces da estrutura biopsicossocial do sujeito, é longa e
complexa, tanto para interpretação quanto operacionalização, o que dificulta o seu uso na vida
prática do profissional de reabilitação em diversas áreas do cuidado9,15.
Neste estudo, por exemplo, identificamos dois tipos de dificuldades. Primeiramente
observamos que múltiplos códigos poderiam estar relacionados a um mesmo objetivo
funcional, como os códigos ‘D4500 – Andar distâncias curtas’ e ‘D4600 – Deslocar-se dentro
de casa’, que foram os que apresentaram maiores níveis de discordância entre si. O código
‘D4600 – Deslocar-se dentro de casa’, considera o andar como uma forma de deslocamento e o
ambiente domiciliar pode também ser considerado de curta distância, dessa forma um mesmo
objetivo pode ser descrito de duas formas diferentes e causar diferença na comunicação de
uma equipe dentro da instituição.
Demais estudos também identificaram essa duplicidade e sugeriram que, com o treino
adequado dos profissionais esse tipo de erro seria minimizado 15,16,17. Outra sugestão para a
resolução da “duplicidade de códigos” seria a simplificação da CIF, por meio do
desenvolvimento de core sets (uma breve lista de categorias consideradas mais rele vantes
para descrição funcional do indivíduo com uma condição de saúde determinada) específicos
para a população de PC15,16,17.
Os core sets foram recentemente definidos para a população com PC no estudo de Veronica
Schiariti et al, 2015 e abrangem 135 categorias (sendo que a versão ainda mais resumida
conta com 25 categorias)18. Trata-se ainda de uma classificação longa, que contém a maioria
dos códigos que apresentaram duplicidade no nosso estudo e, portanto, acreditamos que,
para a futura aplicação dos core sets definidos para essa população na instituição, seja
importante que haja um treinamento e avaliações periódicas que comprovem a efetividade do
mesmo, a fim de evitar essas duplicidades.
Outra dificuldade encontrada foi a formulação dos objetivos funcionais descritos pelos
terapeutas, que muitas vezes foram vagos e muito abrangentes. Estes achados corroboram
com outro estudo12 que salientou que o objetivo vago oferece ao leitor múltiplas
interpretações e leva a dificuldade em entender a ideia central do objetivo, para que o mesmo
seja adequadamente transportado para a CIF. Como exemplo podemos citar o objetivo
funcional “Aprimorar marcha domiciliar com andador para maior independência”, este pode
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ser entendido de duas maneiras – o terapeuta pode desejar aprimorar a marcha domiciliar da
criança ou pode desejar aprimorar a marcha com andador para ganhar sua independência.
Não é possível definir um único “centro” desse objetivo (que aqui chamamos de palavra -
chave) e, portanto, ele pode ter sido entendido pelo pesquisador de uma forma diferente da
mensagem que o terapeuta quis passar.
Quando o objetivo funcional oferece margem para dois significados, sugerimos que seja
desenvolvido dentro de cada equipe um diagrama que viabilize o direcionamento da escolha
do código mais adequado e torne a codificação mais rápida e de maior aplicabilidade. Este
diagrama sugerido como um guia, que visa direcionar seus profissionais na definição do
melhor código da CIF para o seu objetivo funcional14,19.
Acreditamos que o diagrama, criado de acordo com as necessidades da equipe
multiprofissional, junto dos core sets específicos para a população com PC e do treinamento
periódico da utilização da CIF pelos profissionais da instituição de reabilitação, levariam a um
melhor entendimento da classificação para uma aplicação mais rápida e funcional, o que
permitiria maior tempo para as atividades de atendimento ao público.
Como limitação, podemos citar o processo de escolha do código à partir do objetivo
funcional, que para os pesquisadores contava com a etapa de definição de palavra-chave. Já, os
terapeutas não foram orientados a definir uma palavra-chave para seus objetivos, portanto
não tínhamos esse dado para comparação entre os grupos para confirmar se a dificuldade
estava somente na leitura e interpretação do objetivo funcional formulado por terceiros ou na
decodificação para a CIF. Pudemos notar também que a amostra final apresentou -se
heterogênea quando dividida de acordo com o nível do GMFCS, isto é, o nível III do GMFCS
prevaleceu em relação aos níveis I e V.
Esse trabalho exemplifica o uso da CIF dentro de um centro de reabilitação e indica
possíveis melhorias a serem pensadas para sua aplicação. Para futuros estudos sugerimos que
os core sets sejam implementados pelos profissionais para serem testados na prática clínica
juntamente com diagramas facilitadores da leitura da CIF e transcrição de objetivos, para
verificarmos se essas estratégias seriam adequadas para melhoria do uso da CIF na
instituição. Caso obtenhamos um bom resultado, esse exemplo pode ser utilizado para outras
instituições, tornando a CIF um instrumento cada vez mais presente no nosso país.
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Conclusão
Com os dados obtidos nesse estudo podemos concluir que as duas medidas funcionais, a
CIF e o GMFCS, podem ser correlacionados entre si. Já para a adequada correlação dos
objetivos funcionais com a CIF ainda é necessário maior treinamento da equipe, aliado a
estratégias para facilitar e tornar mais prático o uso da CIF na rotina diária do terapeuta.
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Capitulo: Introdução do livro.
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