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REFLEXÕES SOBRE O SISTEMA PENITENCIÁRIO: PERSPECTIVAS SOCIAIS E PEDAGÓGICAS Laura Marconi da Silva Pereira Link plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/8277926273901553 Palavras-chaves: Sistema penitenciário, criminalização, educação prisional GT5: Aspectos inquisitórios do Processo Penal e Criminogênese. Direitos Humanos e Sistema Penitenciário Resumo O presente trabalho tem como objetivo apresentar algumas reflexões acerca da sociedade brasileira em seu processo de desenvolvimento econômico e social ocorridos a partir da década de 70. Demonstrando como foi a atuação dos governos em gerir políticas sociais para atender as demandas prioritárias da sociedade que estava em processo de desenvolvimento do capitalismo. Diante dos problemas urbanos que emergiram e a falha da efetivação dos programas sociais, repercutiu a falência do sistema penitenciário do nosso país. Neste sentido, acerca da execução penal será abordado o caráter pedagógico da pena, em seu duplo sentido: na educação escolar presente nos presídios e no caráter de cumprimento da pena. Introdução Pouco mais de meio milênio após a chegada dos portugueses em terras brasileiras e quase 200 anos após a sua independência, os cidadãos brasileiros ainda estão enraizados em um misto de esperanças e incertezas. O marco da reconstrução, melhor dizendo, construção da democracia no Brasil, ganhou ímpeto após o fim da ditadura militar, com o início da Nova República, em 1985. Em 1988, a Constituinte que redigiu e aprovou uma constituição mais democrática com maiores direitos e liberdades civis, também conhecida como Constituição Cidadã, vem há 30 anos tentando desenvolver políticas públicas e políticas sociais para driblar os principais problemas sociais da realidade brasileira.

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Page 1: Resumo - ProPEd

REFLEXÕES SOBRE O SISTEMA PENITENCIÁRIO: PERSPECTIVAS SOCIAIS E

PEDAGÓGICAS

Laura Marconi da Silva Pereira

Link plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/8277926273901553

Palavras-chaves: Sistema penitenciário, criminalização, educação prisional

GT5: Aspectos inquisitórios do Processo Penal e Criminogênese.

Direitos Humanos e Sistema Penitenciário

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo apresentar algumas reflexões acerca da

sociedade brasileira em seu processo de desenvolvimento econômico e social ocorridos

a partir da década de 70. Demonstrando como foi a atuação dos governos em gerir

políticas sociais para atender as demandas prioritárias da sociedade que estava em

processo de desenvolvimento do capitalismo. Diante dos problemas urbanos que

emergiram e a falha da efetivação dos programas sociais, repercutiu a falência do

sistema penitenciário do nosso país. Neste sentido, acerca da execução penal será

abordado o caráter pedagógico da pena, em seu duplo sentido: na educação escolar

presente nos presídios e no caráter de cumprimento da pena.

Introdução

Pouco mais de meio milênio após a chegada dos portugueses em terras

brasileiras e quase 200 anos após a sua independência, os cidadãos brasileiros ainda

estão enraizados em um misto de esperanças e incertezas.

O marco da reconstrução, melhor dizendo, construção da democracia no Brasil,

ganhou ímpeto após o fim da ditadura militar, com o início da Nova República, em

1985. Em 1988, a Constituinte que redigiu e aprovou uma constituição mais

democrática com maiores direitos e liberdades civis, também conhecida como

Constituição Cidadã, vem há 30 anos tentando desenvolver políticas públicas e políticas

sociais para driblar os principais problemas sociais da realidade brasileira.

Page 2: Resumo - ProPEd

No entanto, não podemos deixar de considerar que a estabilidade da democracia

brasileira não pode ser considerada fora de perigo, o comprometimento governamental

não resolveu os problemas econômicos e sociais mais sérios até os dias atuais.

Não é necessário fazer uma grande análise para listar os problemas que são

presentes em conversas de bares, nas ruas, nos escritórios, nos noticiários e nas redes

sociais: baixa oferta de empregos, trabalho informal, insuficiência e precariedade dos

transportes públicos coletivos, trânsito violento e congestionado a qualquer hora do dia,

gerando caos a população que mais utiliza desse meio de transporte, falta de saneamento

básico aliada a fatores socioeconômicos e culturais, falta de habitações em condições

básicas para a população de baixa renda, a educação cada vez mais deficitária e pouco

estimulante aos alunos que vivem em situação de estrema vulnerabilidade social,

marcadas pelo abandono e baixa escolaridade dos alunos, expressando o descaso das

autoridades públicas com a educação pública do país, falta de segurança pública,

falência da saúde pública, discriminação racial, exclusão social, a criminalização da

miséria e as contradições do sistema carcerário, entre outras.

Esses fatores apresentados, são alguns dos casos que expressam a falta de

credibilidade da população na atuação dos governantes, quando deveriam se preocupar

em promover programas socioeducacionais, políticas afirmativas e preventivas visando

mudar o cenário crítico que se encontra o país.

Todos os problemas expostos acima, traduzem a crise política e econômica do

Brasil, colocando em xeque o descaso das Administrações Públicas com a população e a

falência do sistema carcerário.

A descrença da população na capacidade das autoridades públicas em gerir

programas contra a violência urbana aumenta o sentimento de medo e de constante

vigilância. Nos dias de hoje, o medo faz parte da “personalidade urbana”, e muitos

cidadãos estão munindo-se do porte de arma, com a suposição de fazer justiça com as

próprias mãos na tentativa de mostrar para a justiça “especializada” e “preparada”, que

ela ainda é deficitária para distribuir punições líquidas e certas.

Neste sentido, visando ampliar a discussão sobre esse tema, o presente trabalho

buscará reflexões nas políticas sociais iniciadas a partir da década de 70, nas politicas

públicas penais em suas perspectivas sociais e pedagógicas, acerca no movimento da

criminalidade urbana, demonstrando que a atuação das agências de controle e repressão

ao crime não são efetivas, e ferem diariamente os direitos humanos.

Page 3: Resumo - ProPEd

Para ampliar nossos debates e contribuir com as reflexões, iremos dialogar com

os pensamentos e estudos de alguns autores de diferentes áreas, mas que convergem

entre si, estão no campo das ciências humanas e socias, como Maria Helena Oliva

Augusto (1989) sobre as políticas sociais e as políticas públicas acerca do planejamento

estatal; Michel Foucault (2000), principalmente sobre a história das prisões; Sergio

Adorno (1991), sobre os problemas e desafios enfrentados no sistema penitenciário

brasileiro; Elionaldo Julião (2017), que aborda a educação implementada em um

ambiente prisional.

Por fim, serão analisados alguns documentos que norteiam o sistema penal, os

marcos legais da execução penal brasileira e a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, para contextualizar com os referenciais teóricos e trazer um maior

aprofundamento sobre o tema.

Breve reflexão sobre as políticas sociais no Brasil

Ao fazer um recorte na história da economia brasileira, especificamente no

processo de desenvolvimento econômico e social do Brasil ocorrido a partir da década

de 70, observamos que afloraram grandes críticas ao modelo de intervenção estatal

vigente na Era Vargas (1930 - 1945), e logo após, no período da ditadura militar (1964 -

1985).

Nesses dois períodos de tempo, o Brasil iniciou um programa de

desenvolvimento estatal, visando o crescimento econômico e a modernização do país

com base no entendimento de que o progresso social seria derivado do crescimento

econômico, segundo George Martine (1989), citado por Medeiros (2001, p.14).

O período da ditadura perde o caráter populista dos antigos governos e passa a

focar em políticas compensatórias e assistencialistas, que buscavam minimizar os

efeitos provocados pelas desigualdades crescentes que ocorreram após a aceleração do

desenvolvimento do capitalismo (em termos de modernização, industrialização e

urbanização) que o Brasil estava passando, e, com isso, buscou-se um viés produtivista,

investindo em políticas de educação para atender as demandas dos trabalhadores e

aumentar a produtividade da mão-de-obra (que era pouco qualificada), de acordo com

Medeiros (2001. p. 15).

Page 4: Resumo - ProPEd

Podemos relacionar essas ações implementadas, com a influência do modelo de

desenvolvimento que ocorreu nos Estados Unidos, chamado de Welfare State1, que uma

de suas implementações foi buscar uma proximidade do público com o privado, e com

isso uma maior participação da iniciativa privada aplicando seus recursos em políticas

sociais, como exemplifica Martine (1989, p. 100) citado por Medeiros (2001).

Os recursos que circulavam pela área social passaram a ser

estreitamente articulados com a política econômica, sendo

subordinados, em várias áreas, ao critério da racionalidade econômica. A iniciativa privada foi, assim, estimulada a assumir importantes

fatias dos setores de habitação, educação, saúde, previdência e

alimentação. Com essas inovações, a política social passou, inclusive,

a ser um dinamizador importante da iniciativa privada (p.15).

Martine (1989, p. 107) ainda conclui:

A privatização da política social criou uma tensão entre os objetivos redistributivistas e as necessidades do processo de acumulação. Se,

por um lado, favoreceu sua expansão, por outro, tornou-a regressiva,

transferindo recursos para estratos de maior renda. Em razão de sua maior capacidade de mobilização política e, portanto, de influenciar as

decisões do poder público, esses estratos conseguiram orientar as

políticas sociais de modo a atender a seus interesses políticos e

particulares, produzindo ações ineficazes, ineficientes e regressivas

(p.15).

Até a década de 80 o governo brasileiro era marcado pelo autofinanciamento,

pela centralização política, pelas privatizações, pelos interesses políticos e pela

fragmentação institucional nas políticas sociais do governo. Pode-se concluir facilmente

que essas características não conseguiam cumprir seus objetivos de proteção social e

que também não tinham pretensão em funcionar como um mecanismo redistributivo da

economia.

Diante dessa falta de comprometimento sucessiva dos governos brasileiros em

tornar ações efetivas nas políticas sociais, sendo incapaz de distribuir competências e

utilizar seus recursos de forma impessoal, tiveram como resultado várias deficiências do

sistema, como exemplifica Draibe (1989, p.15; 1998a, p. 302), citado por Medeiros

(2001),

1 De acordo com Nilton Marques de Oliveira e Luana Borges de Sousa “ O Estado de bem-estar social

(Welfare State) é uma forma de organização econômica e política, em que o Estado é o principal agente

regulamentador nos aspectos sociais, políticos e econômicos do país. O Estado de bem-estar social

emergiu em alguns países europeus devido à expansão do capitalismo após a Revolução Industrial e o

Movimento de um Estado Nacional. Suas bases foram criadas por John Maynard Keynes na década de

1930com a Grande Depressão, consolidando-se após a Segunda Guerra Mundial. ” Disponível em:

https://www.academia.edu/4108091/ESTADO_DE_BEM-

ESTAR_SOCIAL_%C3%A0_luz_do_pensamento_de_Gunnar_Myrdal_e_Amartya_Sen – acessado em

04/12/2018.

Page 5: Resumo - ProPEd

[…] como ineficiência e ineficácia dos programas sociais;

superposições de competências, objetivos e clientelas alvo; regressividade dos gastos sociais; altos custos de implementação e

administração; distanciamento entre formuladores e executores e os

beneficiários das políticas; quase total ausência de avaliação dos programas; instabilidade e descontinuidade das políticas; e peso

desproporcional dos interesses burocráticos, corporativos e privados

nas definições e na dinâmica de funcionamento da máquina social do

Estado (p. 16).

Há uma necessidade de superar as desigualdades existentes, principalmente as

que atingem as famílias com nível de renda abaixo do mínimo quanto à alimentação,

educação, saúde e habitação.

A Constituição Federal de 1988, no Capítulo II - Dos Direitos Sociais, diz que,

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o

transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” 2, entretanto,

podemos concluir que as políticas sociais não são prioritárias e as autoridades públicas

falham ao desempenhar seu papel de cumprir o estabelecido na Constituição.

Diante disso, Augusto (1989) enfatiza que o Estado expressa sua capacidade de

atender a uma multiplicidade heterogênea de interesses através de políticas que possuam

caráter universalizante, mas que se direcionam para um lado oposto, assumindo um

caminho que privilegia outros grupos por interesses, posições e lugares. Por mais que o

Estado busque o interesse no geral, não consegue se isentar totalmente, uma vez que é

um espaço de poder, domínio e de conflitos, contrariando dessa forma, sua essência, que

deveria ser a neutralidade.

É importante destacar que as políticas sociais têm boas intenções, entretanto não

são suficientes para distribuir seus benefícios e atingir seus objetivos com todos os

segmentos da sociedade.

Ao longo dos governos brasileiros a implementação das políticas sociais não

representaram uma melhora substantiva na qualidade dos serviços sociais produzidos no

país, na "qualidade de vida" da população que mais necessita desses serviços. Um dos

grandes problemas enfrentados nos últimos anos é o fato da procura ter sido maior que a

oferta, e assim a expansão quantitativa não conseguiu alcançar a melhora qualitativa, de

acordo com Augusto (1991).

2 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

Page 6: Resumo - ProPEd

Podemos chegar a conclusão de que a consolidação das políticas sociais tem

assumido um caráter assistencialista, apenas amenizando o direito que toda população

que vive a margem da sociedade deveria receber. Esses indivíduos devem ter a

percepção e autocriticidade de que são cidadãos e merecem ser respeitados como

qualquer outro grupo pertencente a camadas sociais superiores.

Há uma necessidade de maior intervenção na área social. Apesar de haver

aumento de recursos disponíveis e criação de inúmeros programas sociais, as áreas

básicas de bem-estar coletivo ainda permanecem sem alcançar grandes sucessos e

melhorias. Augusto (1989, p.114) exemplifica a atuação do governo neste sentido,

Esse conjunto de características permite explicar a "paradoxal posição

ocupada pela política social no conjunto das atividades de Governo:

central, mas extremamente ineficaz" (Draibe, 1986, p.16) e a constatação de que "tudo se transforma", mas a miséria permanece"

(Andrade, 1980, p.110).

Políticas Públicas Penais e seus desdobramentos na sociedade brasileira

Como visto anteriormente, a capacidade dos governantes em investir em

políticas socais de qualidade, resultam em uma descrença da população no próprio

governo que elegeram através do sufrágio universal.

Ocorre que as políticas sociais fazem parte do rol das ações de políticas públicas

do governo, ou seja, são políticas de governo que visam atender (ou deveriam atender)

as demandas prioritárias da sociedade para que o Estado cumpra com seus deveres e

com o funcionamento da máquina pública.

Falando especificamente sobre as políticas públicas penais, deve-se fazer uma

análise que diversos fatores estão envolvidos nesse tema, como por exemplo, a falha dos

governos em gestar programas econômicos-sociais adequados e eficazes ao escopo dos

problemas urbanos. Há uma precariedade de investimentos nas ações de saúde,

educação, alimentação, moradia, segurança e infraestrutura, o que certamente atinge a

base da pirâmide social brasileira.

O Brasil desde a implementação de políticas sociais nunca conseguiu alcançar

seus objetivos, o que até os dias atuais essa situação ainda é presente, e tem o seu

“ponto final” na situação crítica que é o sistema carcerário do país.

De acordo com os dados do Institute for Criminal Policy Research - ICPR, o

Brasil já ocupa a terceira posição no ranking mundial, a China está em segundo lugar

Page 7: Resumo - ProPEd

com 1.649.804 presos e em primeiro lugar os Estados Unidos, com 2.121.600

indivíduos presos. O Brasil já ultrapassa a posição da Rússia3.

Segundo os dados prisionais do Brasil, Pereira (2017, p.17), indica,

De acordo com o último relatório produzido pelo Infopen - Departamento Nacional Penitenciário- em 2016 (reflete a coleta

realizada na data-base considerada para o respectivo relatório

analítico, junto a gestores de cada unidade prisional das unidades geridas pelas Secretarias de Administração Penitenciária no Estado e

também aos gestores das carceragens nas unidades de Polícia Civil

para fins de complementação de dados, sendo os últimos dados

publicados datados de 31 de junho de 2016), o Brasil vem apresentando um aumento na população carcerária, em níveis

preocupantes, com um total de 726.712 pessoas presas.

A situação caótica da superlotação que se encontram as penitenciárias do país se

resume numa série de políticas públicas de criminalização em massa, que recebem o

respaldo do universo moral da cultura das classes predominantes que dão a máxima

ênfase à proteção do patrimônio privado.

Segundo Adorno (1991), as políticas penais consistem em um conjunto de

normas e leis adotadas pelo Estado que tem o objetivo a contenção da criminalidade e

da delinquência, pela promoção da reparação de um bem atingido pela ofensa criminal,

através da condenação do indivíduo pelo judiciário e na manutenção destes presos, para

por fim, realizar a segurança da população. As políticas penais enfatizam a repressão

contra o crime definido na letra da lei, e assim punem o ato criminoso contra aqueles

que não cumpriram com o contrato social4 e violam os direitos consagrados à proteção

das liberdades e do bem privado e público.

Neste sentido, as políticas públicas penais nas últimas décadas vêm promovendo

a segregação e o isolamento dos sentenciados, cada vez mais há condenações altíssimas

de reclusão, inclusive para crimes de menor potencial ofensivo, deliberando um

encarceramento em massa e uma superpopulação carcerária. Adorno (1991, p. 4) elenca

os principais efeitos dessa política:

[...] ampliação da rede de coeção; superpopulação carcerária;

administração inoperante; enrijecimento da disciplina e da segurança sem quaisquer consequências no sentido de deter a escalada da

violência e da sucessão de rebeliões que o sistema penitenciário vem

assistindo nos últimos anos; timidez nas medidas de alcance técnico

incompatíveis com o programa de expansão física elaborado

3 Conforme dados da ICPS – International Center for Prisions Studies. 4 Rousseau, O contrato social, O termo contrato social apresentado está relacionado a interpretação de Jean-Jacques Rousseau (2007) , sobre o contrato que a sociedade cria em conjunto, respeitando as leis a fim de afastar as desigualdades e injustiças, visando o bem-estar social da população.

Page 8: Resumo - ProPEd

independente de avaliações e projeções dotadas de confiabilidade;

falta de explicação de objetivos, o que se manifesta na ausência de um programa articulado, integrado e sistemático de intervenção, seja no

âmbito das políticas organizacionais administrativas ou de

ressocialização; confronto entre grupos que disputam influência sobre o poder institucional, expressos na eficácia da ideologia da ordem e da

segurança, da vigilância e disciplina.

Podemos concluir que todos esses efeitos elencados convergem para o mesmo

ponto: o poder público até os dias de hoje ainda é incapaz em gerenciar competências

para alcançar uma justiça criminal eficiente.

Com isso, gera a falta de credibilidade da população na atuação das polícias

preventivas e repressivas, bem como na atuação dos governantes em produzir políticas

eficazes contra o aumento da criminalidade. Vale ressaltar que aqui não estamos falando

do aumento da repressão contra o crime com mais violência e aumento das penas dos

crimes, e sim, em atender a classe que se faz maior presente no sistema carcerário e

nunca teve acesso ao básico da vida, aos direitos inerentes a qualquer cidadão do país.

Esse mesmo grupo que não mais acredita nas atuações dos governantes criou o

sentimento do medo constante. Os altos índices de violência urbana fazem com que

sociedade desacreditada no aparato policial realize suas funções, e com isso, munem-se

do porte de arma (muitas vezes ilegalmente) e praticam atos de espancamentos com a

suposição de fazer justiça com as próprias mãos contra aqueles que violaram as leis para

o convívio em sociedade.

Essa sensação de insegurança e o medo de se tornar mais uma vítima da ofensa

criminal não é infundado. De acordo com os dados do Infopen - Departamento Nacional

Penitenciário, através do seu último relatório produzido em 2016, os crimes de tráfico

de drogas, roubo e furto representam as maiores incidências penais pelas quais as

pessoas privadas de liberdade foram condenadas ou ainda aguardam julgamento 5.

As estatísticas das práticas delituosas estão em ascensão, cada vez mais o crime

fica organizado e se desdobra de acordo com as tecnologias utilizadas ao seu combate,

como por exemplo, os moldes empresariais que o tráfico de drogas segue, e incluindo a

camada mais alta da sociedade.

Certo é, conforme já observado acima esse quadro emergencial da política

criminal só irá conseguir alcançar novos voos investindo na base. Os governantes

precisam entender que políticas emergenciais apenas aumentando as penas dos tipos

5 Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-

informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf - acessado em 04/12/2018.

Page 9: Resumo - ProPEd

penais, e com isso cada vez mais elevando o tempo da população carcerária dentro das

prisões, como se isso fosse de fato resolver o problema, e não acentuá-lo. Esse fato é

debatido por Baratta (2002, p, 184) acerca do tempo de prisão do indivíduo no cárcere,

Exames clínicos realizados com os clássicos testes de personalidade mostram os efeitos negativos do encarceramento sobre a psique dos

condenados e a correlação destes efeitos com a duração daquele. A

conclusão que chegam estudos deste gênero é que “a possibilidade de transformar delinquente anti-social violento em um indivíduo

adaptável, mediante uma longa pena carcerária, não parece existir” e

que o “instituto da pena não pode realizar a sua finalidade como

instituto de educação”.

Nessa mesma linha de pensamento Baratta (2002) afirma que há uma natureza

contraditória da ideologia penal de reinserção social dos condenados. Não se pode ao

mesmo tempo excluir e incluir. A sociedade que exclui (e sempre excluiu a classe social

das pessoas privativas de liberdade) quer um retorno positivo dos excluídos após o

tempo que se passaram no cárcere.

As relações sociais que se criam dentro do ambiente carcerário não se diferem

muito das características típicas da sociedade capitalista: marcadas pelo egoísmo, pelo

jogo de interesses, pela corrupção dos funcionários dos presídios e na violência.

Portanto falar em inserção e reeducação social em um ambiente totalmente promíscuo e

que fere os direitos humanos a todo instante é incontroverso.

Deve-se fazer uma reeducação da nossa sociedade antes dos condenados. Antes

de buscar mudanças nos excluídos, é preciso mudar a nossa sociedade excludente,

atingindo assim, a raiz do mecanismo da exclusão, como afirma Baratta (2002).

É de notório saber que o sistema prisional não recupera ninguém e as políticas

públicas penais atreladas as políticas sociais perpetuam o sistema que presenciamos

hoje.

As perspectivas pedagógicas do sistema penitenciário brasileiro

O caráter da pena privativa de liberdade além de punir o indivíduo também tem

um viés pedagógico. A pessoa privada de liberdade deve ser penalizada pelo ato

criminoso que praticou e de certa forma analisar a sua “falha com a sociedade” durante

o cumprimento da pena.

É fato notório que essa função pedagógica da pena é não cumprida, e apenas a

sua função de punir o preso é observada. Para Foucault (2000), o caráter suplicante que

Page 10: Resumo - ProPEd

existiu no processo de humanização das penas no início do século XX, ainda é ambíguo

no processo de compreensão do desenvolvimento da punição moderna.

Essas novas punições das penas estariam retomando as penas suplicantes, com

prisões mais rígidas, e tratamentos cruéis de torturas, sem a necessidade de punir os

corpos fisicamente, mas com outras formas de punição como: psicológicas,

jurisdicionais, morais - que muitas vezes trazem danos irreversíveis – de acordo com

Alvarez (2007).

O conceito de ressocialização e reinserção social – acerca das prisões – contraria

o sentido da socialização que está impregnado na concepção político-pedagógica de

execução penal, onde o indivíduo é posto totalmente fora da sociedade livre e

introduzido em uma sociedade reclusa, como explica Julião (2017).

Acerca da educação nos espaços de restrição de liberdade, há muito ainda que

ser debatido e implementado, visto que para grande parte da população que desconhece

o assunto, entende que a educação nos presídios é um benefício para os apenados, sendo

este um direito garantido constitucionalmente e em leis.

Conforme previsto na Lei de Execução Penal nº 7.210/84, os seus artigos 10 e

11, abordam a assistência ao preso, sendo dever do Estado, com o objetivo de prevenir o

crime e orientá-lo no retorno à sociedade; elenca que a assistência deverá ser material, à

saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Seguindo os direitos e garantias

assegurados ao preso, previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, “é

assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

É importante ressaltar que os indivíduos em restrição de liberdade, mantém a

titularidade dos demais direitos, como o de integridade física, psicológica e moral,

liberdade de expressão, liberdade religiosa e direito à educação.

De acordo com a Lei de Execuções Penais, em seu artigo 83, diz que todo “[...]

estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências

com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e

prática esportiva.” Dessa forma, a educação é um dever do Estado, devendo ser

respeitado e oferecido a todos os internos dos presídios.

Especificamente sobre a educação escolar no sistema prisional, esta integra a

modalidade de ensino intitulada como Educação de Jovens e Adultos (EJA). Segundo a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394, de 1996, em seu

artigo 37, afirmando que, “a educação de jovens e adultos será destinada àqueles que

Page 11: Resumo - ProPEd

não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade

própria”, conforme Pereira (2017, p. 30).

De acordo com os dados do Infopen (2016) sobre a escolaridade, informa que os

detentos alfabetizados informalmente e com o ensino fundamental completo,

representam 20% da população prisional, o que revela um número aproximadamente de

145 mil pessoas6. Enquanto os detentos com ensino médio completo ou incompleto e

ensino superior completo ou incompleto, revelam um valor numérico de 25% de

pessoas, representando um número aproximadamente de 181 mil pessoas. Pouco mais

da outra metade de presos ainda não concluíram o ensino fundamental completo.

Embora haja previsão legal em diversos dispositivos estaduais, federais,

nacionais e documentos mundialmente reconhecidos, tanto na área educacional quanto

na jurisdicional, a educação nos espaços de privação de liberdade ainda é um direito que

poucos têm acesso. Não são todas as unidades prisionais que comportam espaço

disponível para escola.

A educação escolar nos presídios traz enormes benefícios para aqueles que

estudam, analisando o ato de aprender como uma bagagem cultural que é adquirida e

não pode ser retirada, a educação é algo que soma dentro da vida no cárcere. A função

da educação no espaço privativo de liberdade é vista como algo que positivo e contribui

para que a pena seja vivida de forma mais humana diante de um convívio do ódio, da

vingança, de um ambiente hostil e degradante, e que não recupera ninguém sozinho.

Assim como esclarece o Parecer CNE/CEB Nº: 4/2010,

As ações educativas devem exercer uma influência edificante na

vida do interno, criando condições para que molde sua

identidade, buscando, principalmente, compreender-se e aceitar-

se como indivíduo social; construir seu para a sua vida em

sociedade. (Parecer CNE/CEB Nº: 4/2010, sobre as Diretrizes

Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em

situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais.

p. 14.).

A escola retorna para seus alunos a sensação de pertencimento, resgata e ensina novas

formas de se relacionar, é um processo de desconstrução e construção de identidade,

desfaz a perversidade do estabelecimento penal e busca trazer em um ambiente

amigável e prazeroso uma nova identidade.

6 Esse número aproximado é em razão do quantitativo de 726.712 pessoas presas, segundo os dados do Infopen, 2016.

Page 12: Resumo - ProPEd

Considerações Finais

Através de uma breve reflexão sobre as políticas sociais do Brasil a partir da

década de 70, podemos ter maior percepção sobre o processo de desenvolvimento do

capitalismo ocorrido no nosso país e os inúmeros problemas sociais e econômicos

presentes a décadas e que até hoje não conseguimos erradica-los.

Houve uma tentativa de contornar a situação pelo governo, que buscou uma

proximidade entre o público e o privado para auxiliá-lo financeiramente nas ações das

políticas sociais, e assim poder alcançar os parâmetros de um país desenvolvido.

Entretanto, essa proximidade não concretizou o desejado pelas autoridades

públicas, visto que as parcerias público-privadas passaram a ser de interesses e jogo de

poder e o objetivo central para melhorar a qualidade dos serviços sociais não se fez

presente.

Essa falta de comprometimento das ações governamentais em gerir políticas

públicas de qualidade, resultam no falido sistema penitenciário que temos em nosso

país. As políticas públicas penais não se mostram de forma efetivas e não gerenciam

programas para alcançar uma justiça criminal eficiente.

Podemos concluir que o preso está enraizado em um ciclo vicioso, pois pertence

a uma classe desfavorecida na camada social - excluída pela sociedade e muitas vezes

marginalizada - com poucas condições de mudança na pirâmide social, pois não tem

acesso às políticas sociais básicas como: saúde, educação, habitação, moradia e

saneamento básico.

Dessa forma, após o cumprimento da pena, sem nenhuma mudança de

perspectiva de vida, voltam para a vida do crime, pois é onde conseguem dinheiro fácil

e rápido para sobreviver. Entretanto, o mesmo dinheiro que chega fácil e rápido, não

traz futuro, pois, rapidamente são interrompidos com a prisão, quando não pela morte.

De acordo com Julião (2017), não como falar políticas públicas penais do

sistema penitenciário sem abordar a política de educação para jovens e adultos nos

espaços de restrição de liberdade. A necessária presença de uma instituição de ensino

dentro de um espaço que priva as pessoas do convívio em sociedade e fere diariamente

os direitos humanos é algo primordial para desconstruir e construir uma nova identidade

nos presos, se mostrando capaz de restaurar a autoconfiança dos valores até então

esquecidos ou apagados.

Page 13: Resumo - ProPEd

Certo é que se não houver mudanças na nossa sociedade excludente para uma

sociedade mais inclusa, nada irá mudar. A população precisa entender que não são todos

os cidadãos que tiverem iguais direitos e oportunidades na vida, a sociedade capitalista é

cruel e não aceita aqueles que fogem da regra, sendo estes mais uma vez excluídos por

seus pares.

Page 14: Resumo - ProPEd

Referências Bibliográficas

ADORNO, Sérgio. Sistema Penitenciário no Brasil: problemas e desafios. Revista USP,

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Page 16: Resumo - ProPEd

O CENÁRIO DE CRISE DOS PROGRAMAS SOCIAIS NO BRASIL

Laura Marconi da Silva Pereira 1

Professora Orientadora: Helenice Pereira Sardenberg2

GT 3: As diferentes perspectivas no contexto dos Direitos Humanos.

RESUMO

Este artigo irá abordar sobre a entrada do modelo político neoliberal, no Brasil, no

governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992) e, notadamente, como esse modelo

influenciou as políticas sociais no país. Será demonstrado que desde a entrada do

neoliberalismo os programas sociais encontram obstáculos de ordem política e

econômica, dificultando a sua proposta integradora para a sociedade. Ademais, observa-

se que essa forma de atuação do Estado reduz a democracia e fere os direitos humanos,

priorizando uma parcela da sociedade, isto é, a classe dirigente. Importante destacar que

a pesquisa é exploratória, bibliográfica e documental, cujo o método é o

fenomenológico

Palavras-chave: Políticas públicas, democracia, cidadania, direitos humanos e direitos

sociais.

INTRODUÇÃO

Fazendo um recorte na política brasileira, no fim do século XX, podemos

observar que a entrada do neoliberalismo no Brasil se deu no governo Collor (1990 –

1992). A princípio o Brasil rejeitou o receituário neoliberal em função do modelo de

desenvolvimento e da política econômica extensa, pois havia um projeto de

industrialização e reserva de mercado para indústrias do capital no campo da

informática e desenvolvimento tecnológico.

Diante desse cenário emergem alguns problemas internos, como a crise da

dívida externa, o desequilíbrio das contas públicas (devido ao pagamento do serviço da

dívida externa), a crise fiscal, a altíssima inflação e a perda de competitividade da

economia, ligadas a fatores externos, como o fim da Guerra Fria e ao conjunto de

1 Bacharel em Direito e Licenciada em Pedagogia - Link plataforma Lattes:

http://lattes.cnpq.br/8277926273901553 2 Professora nos Cursos de Direito e Administração do Centro Universitário La Salle (Polo Niterói/RJ)

http://lattes.cnpq.br/0129280993959064

Page 17: Resumo - ProPEd

sistemáticas sobre a economia, preconizadas pelo chamado “Consenso de

Washington3”.

O governo Collor introduziu o ideário neoliberal no Brasil, com a ideia de trazer

um liberalismo radical e alinhar suas estratégias com os EUA, como liberação do

efetivo do regime de importações, abertura do mercado brasileiro ao mercado

Americano, visando o retorno do país aos círculos financeiros internacionais, a

renegociação da dívida a partir da condição dos credores (o próprio EUA ditava as

regras) e o processo de privatizações das empresas estatais.

Diante disso, podemos compreender o cenário em que o modelo econômico

neoliberal foi adentrando no Brasil e nos é presente até os dias atuais.

De acordo com Leda Paulani (2006, p. 71), o neoliberalismo é um modelo

político econômico que tem como base o fortalecimento do mercado como

“comandante” em todas as instâncias no processo de reprodução material da sociedade,

sendo que para manter esta ideologia é preciso reduzir o Estado ao mínimo necessário

para garantir as regras do jogo capitalista, isto é, impedir que o Estado faça regulações

que interfiram no mercado; segurando, também, os gastos do Estado (cortar verbas

“desnecessárias”, por exemplo, educação, saúde, programas sociais e segurança – como

o atual governo vem fazendo); aumentar o controle do Estado e impedir os problemas

inflacionários; privatizar as empresas estatais (impedir que o Estado desempenhe o

papel de produtor); abrir a economia ao mercado internacional; garantir a concorrência e

a competitividade; diminuir as regras trabalhistas e favorecer a terceirização.

A lógica do Estado, nessa nova era, busca preservar os interesses de uma parcela

específica da sociedade - da classe dominante e dirigente, deixando de lado a classe dos

trabalhadores (que é a grande maioria da população), não dando atendimento ao

emprego, nem proporcionando o aumento de renda, a proteção social, a educação, entre

outros.

3 De acordo com Thais Caroline Lacerda Mattos, “Aspecto importante do contexto em que o governo

Collor inicia as suas políticas liberalizantes, foi a difusão das ideias do “Consenso de Washington” na América Latina e 8 nos países do antigo bloco soviético. O “Consenso” decorreu de uma série de reuniões

entre os dirigentes do FMI, Banco Mundial, BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento e Tesouro

dos Estados Unidos, além de políticos e economistas latinoamericanos. A primeira delas, convocada pelo

economista inglês, John Williamson, do Institute for International Economics, ocorreu em novembro de

1989, em que foram debatidos os problemas enfrentados pelos países da região (inflação e crise

econômica), além de discutir as experiências adotadas com “sucesso”, como as do Chile e México, que

então se abriam ao capital estrangeiro e aparentemente conseguiam enfrentar tais problemas. Também ali

foram reafirmados os princípios neoliberais, tal como preconizado pelo governo norte-americano.”

Disponível em https://www.marilia.unesp.br/Home/Eventos/2015/xiiisemanaderelacoesinternacionais/o-

projeto-da-reforma_thais-caroline.pdf, acessado em 29/10/2109

Page 18: Resumo - ProPEd

Entretanto, vale ressaltar que a diminuição dos direitos sociais da classe

proletária também atinge a classe dominante e dirigente, pois são os que mais precisam

da força de trabalho deles. Os problemas sociais começam a emergir como aumento da

violência, falta de investimentos na segurança pública, falta de investimentos na

educação, falta de investimentos em programas sociais etc.

O Estado com medo dessa pauperização e para evitar uma possível convulsão

social, cria políticas pautadas em medidas compensatórias, entretanto, sem evitar a

superação da pobreza (pois faz parte do ideário neoliberal manter/ter parcela da

população na linha da pobreza – que é onde se encontra a grande massa dos

trabalhadores).

Diante desse modelo político, a democracia foi reduzida. O neoliberalismo adota

alguns elementos da democracia, com o objetivo de buscar uma aceitação pela

sociedade, entretanto essa democracia não é exercida plenamente.

De acordo com Wood (2003), há uma divisão entre a “esfera política” e a “esfera

econômica”, de modo que as questões econômicas não se relacionam com as questões

políticas, elas assumem posições específicas na sociedade. O Estado - que é separado da

economia, embora intervenha nela – pode aparentemente pertencer (por meio do

sufrágio universal) a todos, sem revelar o poder de exploração da classe dirigente.

Wood (2003) esclarece, ainda, que é dessa forma que a democracia assume seu

papel no modelo político de ideário neoliberal, seguindo a ideologia do capitalismo,

fazendo com que as atividades de produção e apropriação estejam alocadas no controle

privado, de forma que o próprio capitalismo cria mecanismo para a democracia ficar

confinada à esfera jurídico-política, tornando restrito o terreno político e,

consequentemente, sem repercussões nas questões econômicas.

Essa ideia afasta o controle democrático das instâncias que decidem sobre a

produção e aproximação da riqueza, direciona a democracia para atuar nos limites do

Estado e mantem a economia intocada.

É nesse contexto político-histórico que o presente trabalho irá abordar os direitos

sociais no atual cenário do Brasil e como podemos mudá-lo através de políticas públicas

democráticas e liberais.

ABORDAGEM TEÓRICA

Page 19: Resumo - ProPEd

Tendo em vista que os direitos sociais são os que permitem ao cidadão uma

participação mínima do que é produzido coletivamente pela sociedade, seja qual for o

país, eles se tornam de extrema importância na sociedade, assim como os direitos civis e

políticos que também são direitos sociais, como afirma Coutinho (1997).

Podemos observar que o cenário brasileiro, desde a implementação do modelo

neoliberal, assumiu o papel de restringir, por muito tempo, os direitos sociais, sob a

alegação de que ajudar financeiramente a população, através dos auxílios, concedendo

isenções nas áreas econômicas, educacionais e de saúde e, ainda, garantir direitos

políticos e civis, violariam as leis do mercado (e, portanto, o direito individual à

propriedade).

Embora a presença desses direitos na Constituição e em algumas leis, o

reconhecimento legal não garante, automaticamente, a sua materialização. Inclusive, há

uma força para que os direitos já garantidos sejam alterados e eliminados da própria

Constituição (caso recente da Reforma Trabalhista e da Reforma Previdenciária).

Neste sentido, para ampliar nossos debates e para contribuir com o

entendimento, a partir do ingresso do neoliberalismo no Brasil, no governo Collor

(1990-1992), e a mudança nas políticas sociais desde a sua implementação, que levaram

à grave crise no país, iremos dialogar com os pensamentos e estudos de alguns autores

de diferentes áreas, mas que conversam entre si. Entre eles destacamos Carlos Nelson

Coutinho (1997) sobre o processo histórico-político da cidadania na modernidade, seus

avanços e recuos. Maria Helena Oliva Augusto (1989) sobre as políticas sociais e as

políticas públicas acerca do planejamento estatal; Michael Foucault (1979) acerca da

existência de formas de exercício do poder diferentes do Estado, sendo indispensáveis à

sua sustentação e atuação eficaz; Lucia Neves e Julio Lima (2006), com textos de

diversos autores abordando o processo mais amplo de reflexão sobre a educação

brasileira contemporânea e Ellen Wood (2003) que discute sobre a noção de democracia

e a sua relação com o capitalismo como um sistema de relações sociais de poder

político.

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A ideologia do neoliberalismo, assumida pela burguesia, pugna pelo fim dos

direitos sociais. Diante da queda da taxa de lucro que abala não só o Brasil, mas outras

grandes potências mundiais, os atuais governantes buscam pôr fim ao Estado de Bem-

Page 20: Resumo - ProPEd

Estar Social, ao conjunto dos direitos sociais já conquistados pelos trabalhadores,

propondo devolver ao mercado a regulação de questões como educação, saúde,

previdência, transporte, etc., como argumenta Coutinho (1997).

Não restam dúvidas que há um desinteresse dos governantes neoliberais em gerir

programas sociais que efetivem os direitos de parcela da sociedade, aquela, inclusive,

que mais precisa haja vista a ineficiência da Seguridade Social, tal como inscrita na

Constituição de 1988, que ainda não teve sua implementação de fato.

As leis que regulamentam a saúde, a assistência social e a previdência foram

elaboradas durante o modelo político em questão, logo percebe-se o contingenciamento

de gasto social e privatizações, ou seja, estas leis não priorizam sua efetivação e nem há

interesse, mesmo que aparente, dos governantes em promovê-las.

A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL

Sabe-se que a Política de Assistência Social no Brasil, historicamente, sempre

esteve inscrita no campo da caridade e da filantropia, excluindo assim, a

responsabilidade do Estado. Esse cenário, ganha novas forma a partir da Constituição

Federal de 1988, que traz um capítulo especial para a seguridade social, estabelecendo a

competência ao Poder Público organizar a seguridade social dando universalidade ao

atendimento.

A seguridade é financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta,

conforme previsto na Constituição de 1988, mediante recursos provenientes dos

orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

De acordo com a Constituição de 1988, a seguridade social abrange três campos:

assistência social, previdência social e saúde. A introdução dessas áreas na seguridade

social traz uma noção de universalização dos direitos sociais como parte da concepção

de cidadania, que antes era restrita apenas aos beneficiários da Previdência Social,

conforme Monnerat e Souza (2011). As autoras explicam a atuação desses campos no

Brasil:

A incorporação da noção de seguridade no Brasil implicou em um

redimensionamento significativo das três políticas que a integram. No

caso da saúde, o reconhecimento de que “a saúde é direito de todos e um dever do Estado” (BRASIL, 2002, art. 196) marcou uma mudança

significativa com o modelo securitário representado pela medicina

previdenciária, ampliando, assim, a própria concepção de direito à

Page 21: Resumo - ProPEd

saúde. Na assistência social, é preciso reconhecer que, pela primeira

vez, esta adquiriu o estatuto de política pública, entendida como área de intervenção do Estado, o que abriu possibilidades de rompimento

com o legado assistencialista. E mesmo na Previdência Social, na qual

se mantém a lógica contributiva que requer uma base atuarial para garantir sua sustentabilidade, verificou-se o afrouxamento do vínculo

contributivo como princípio estruturante do sistema, legitimando

programas de transferência de renda do porte da aposentadoria rural

(FLEURY, 2006; VIANNA, 2001; MONNERAT; SENNA, 2007). (Monnerat e Souza, 2011. p. 42)

Embora esse tripé esteja dentro de uma mesma arena setorial, não há articulação

entre os campos. Ocorre uma sedimentação nas fontes de financiamento da seguridade

por área de política social, tendo em vista que não há um orçamento único para a

seguridade social. Dessa forma pode-se observar, por exemplo, a previdência social, que

tem sua arrecadação própria e não “se preocupa” em fortalecer a causa, bem como a

área da saúde, pois esta entende que redistribuir seus recursos pode enfraquecer a

construção do Sistema Único de Saúde – SUS, podendo perder a identidade, conforme

Monnerat e Souza (2011).

Neste sentido, observa-se que o abandono por parte dos governos na seguridade

social e a desarticulação interna da área social repercutem negativamente no

atendimento da política social no Brasil. Esses três setores devem agir em conjunto para

que as políticas sociais sejam alcançadas, caso contrário enfraquecem cada vez mais os

programas e ações sociais no nosso país.

As autoras Monnerat e Souza (2011. p. 43) esclarecem que:

[...] o constante contingenciamento de recursos para o campo social que poderia ter sido minimizado não fosse a ausência de cooperação

entre as três áreas envolvidas na Seguridade Social. Da mesma forma,

como segunda repercussão, a não adoção da perspectiva sistêmica, traduzida na desarticulação entre saúde, assistência social e

previdência, obstaculizou o desenvolvimento de uma cultura do

diálogo e da promoção de ações intersetoriais no campo das políticas

sociais, com consequências marcantes no contexto atual. De fato, o abandono da perspectiva de integração da política social e o

simultâneo reforço da competitividade entre setores sociais reiteraram

a fragilidade no enfrentamento da fragmentação dos programas e ações nessa área, no país. Por tudo isso, diz-se que a noção de

seguridade social contém valores políticos que precisam ser

resgatados de modo a rever os descaminhos da reforma até aqui empreendida (FLEURY, 2006).

A seguridade social esbarra em viscerais obstáculos de ordem política e

econômica para a sua implementação. Esses fatores estão ligados à negação dos direitos

Page 22: Resumo - ProPEd

sociais pelos governos. De acordo com Coutinho (1997), os governos atuam dessa

forma, pois entendem que investir em seguridade social é gastar um dinheiro que não

retorna para o governo.

Além disso, vale ressaltar que as leis orgânicas que regulamentam os diferentes

campos sociais (saúde, assistência social e previdência) foram feitas com base em uma

conjuntura política bastante diversa4. Observa-se que as mudanças trazidas Constituição

de 1988, não foram capazes de alterar o histórico de problemas enfrentados pela

seguridade social.

Um exemplo que elucida esse histórico é a assistência social que vem

apresentada na Constituição de 19885 como um dos pilares da seguridade social,

entretanto, ela não se apresenta como uma política em si, mas como texto legal,

tipificando a seguridade social. A assistência social só vai ser regulamentada em 1993,

com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), só vai ter uma política concisa

nacional em 2005, Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Em 2011, através da

Lei nº 12.435, o Sistema Único de Assistência Social - SUAS passa a integrar

plenamente o escopo da Lei Orgânica da Assistência Social, sendo este um marco

histórico para a seguridade social. Ou seja, ainda é muito recente.

Outro exemplo é o Sistema único de Saúde. A conquista para a implementação

no Brasil se deu após a Constituição Federal de 1988, na década de 90, com a Lei

Orgânica da Saúde. Entretanto devido a política de contenção de gastos à época da

regulamentação da lei, os recursos destinados ao SUS foram reduzidos à metade, o que

dificulta até os dias de hoje uma saúde pública eficaz6.

BREVE SÍNTESE SOBRE A INFLUÊNCIA DO MODELO NEOLIBERAL NOS

DIREITOS SOCIAS – CASO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

4 Momento em que o no Brasil o Governo Collor (1990- 1992) aprofunda o desenvolvimento das políticas

neoliberais no país, e são acompanhadas de fortes contingenciamentos de gasto social e de privatizações, segundo explica Monnerat e Souza (2011). 5 A nomenclatura “assistência social” está presente nas Constituições brasileiras desde a Constituição de

1931, entretanto, somente na Constituição de 1988 a assistência social aparecer dentro de uma arena

social, buscando maior efetividade política na área da seguridade social. 6 Aqui estamos falando sobre as diversas crises que os hospitais públicos enfrentam como, falta de corpo

médico, falta de materiais para trabalhar, falta de recursos para a saúde, entre outros. Entretanto, com

todos esses pesares, o SUS é um sistema de saúde referência mundialmente e principalmente por ser um

sistema universal de saúde, que atende qualquer pessoa que necessite de um atendimento hospitalar,

incluindo brasileiros e estrangeiros.

Page 23: Resumo - ProPEd

Conforme exposto acima, podemos observar que não há uma integração entre os

setores da seguridade social internamente e além disso, há uma fragilidade no

enfrentamento da fragmentação dos programas. A questão da seguridade social contém

valores políticos e econômicos que precisam ser resgatados de forma que haja uma

reformulação dos caminhos já percorridos.

Em consonância, os direitos sociais também recebem influência do modelo

neoliberal, no sentido de que as políticas sociais têm boas intenções, entretanto, não é

suficiente para distribuir seus benefícios e atingir seus objetivos com todos os

segmentos da sociedade, pois esbarram em fatores também políticos e econômicos.

A Constituição Federal de 1988, no Capítulo II - Dos Direitos Sociais, diz que,

“Art. 6º- São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,

o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição ”, entretanto,

podemos concluir que as políticas sociais não são prioritárias e o Estado falha ao

desempenhar seu papel de cumprir o estabelecido na Constituição.

Fazendo uma curta análise na área educacional, podemos ter uma maior

compreensão com algumas ideias que o autor Gramsci traz sobre a educação e a atuação

do Estado.

De acordo com Barbosa (2018) citando Gramsci, diz que ele entende que o

Estado é coerção e consenso, de forma que desempenha a função de dirigir intelectual e

moralmente as massas - seguindo interesses do modelo de produção capitalista. Sem

dúvidas, um dos aparelhos que o Estado utiliza para alcançar a consensualidade é a

escola.

Gramsci defende a ideia de que a escola deve ser unitária, formando e educando

todos de forma igual. Traz a ideia de uma escola unitária e comum, única e

desinteressada, onde os conteúdos sejam ser dados sem interesse a uma determinada

classe social. Barbosa (2018) complementa essa concepção, dizendo que a escola

unitária “expressa o princípio da educação como direito de todos e de que todos tenham

acesso aos conhecimentos, à cultura e às mediações necessárias para trabalhar e

produzir a existência e a riqueza social”.

Esse modelo de escola busca a emancipação humana pela aquisição e pela

maturidade intelectual, formando sujeitos autônomos, intelectuais e críticos - elevando

culturalmente as classes. O papel da escola não é formar somente para o trabalho, é

ensinar a prática da cidadania e a formação humana - uma formação integradora.

Page 24: Resumo - ProPEd

Infelizmente não é o que vem acontecendo na política educacional do Brasil,

cada vez se vê mais cortes de recurso para educação, priorizando o Ensino

Fundamental, com responsabilidades divididas entre Estado e Município; formação

menos abrangente e mais profissionalizante, (por exemplo a reforma do Ensino Médio e

profissionalizante, flexibiliza o currículo e algumas disciplinas podem ser optativas,

escondendo o fato de algumas escolas não terem condições de oferecerem todas as

disciplinas obrigatórias e somente ofertar aquilo que for mais possível - isso inviabiliza

o poder de escolha do aluno, que terá que optar pelo único ensino daquela escola);

privatização do ensino - aceleração da aprovação para desocupar vagas, tendo o

agravante da menor qualidade; descentralização da gestão, o Estado passa as suas

funções da Educação de Jovens e Adultos para a privatização, por exemplo o projeto

“Amigos da Escola” – mostra a desresponsabilizarão do Estado com a escola e a

educação, tirando a responsabilidade do governo em ofertar uma educação séria e de

qualidade.

Diante desses problemas apresentados, o autor Mészaros (2008), no livro A

educação para além do capital, vai dizer que é necessária uma mudança na sociedade

por um todo. Para que aconteça uma reforma educacional profunda e eficaz devemos

romper com a lógica do capital na área educacional, substituir a enraizada forma de

internalização por uma educação mais abrangente.

Segundo o autor, os processos educacionais e os processos sociais mais

abrangentes de reprodução estão altamente ligados, e explica que as reformulações que

possam acontecer na educação são inconcebíveis sem a transformação também no

quadro social.

Para elucidar essa questão o Mészaros, (2008. p.17) afirma que:

Ao pensar a educação na perspectiva da luta emancipatória, não poderia senão reestabelecer os vínculos - tão esquecidos educação e

trabalho, como que afirmando: digam-me onde está o trabalho em um

tipo de sociedade, e eu te direi aonde está a educação.

E conclui que (2008. p.17):

Romper com a lógica do capital na área de educação equivale,

portanto, a substituir as formas onipresentes e profundamente enraizadas de internalização mistificadora por uma alternativa

concreta abrangente.

Page 25: Resumo - ProPEd

Neste sentido, observamos que o Estado exerce o monopólio do controle de

diversas áreas da sociedade brasileira e as diferentes políticas por ele implementadas são

demonstradas pelo projeto político que está em hegemonia.

Em uma sociedade do capital, a educação, a saúde, a assistência social e as

questões previdenciárias, se subordinam a essa dinâmica, seguidas pelo grupo que têm

maior grau de “importância” na sociedade como, o grupo econômico. Assim como foi

falado acima, de acordo com Wood (2003) na nossa sociedade há uma divisão entre a

“esfera política” e a “esfera econômica”, de modo que as questões econômicas não se

relacionam com as questões políticas, elas assumem posições específicas na sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se neste presente trabalho argumentar que, desde a entrada do

receituário neoliberal no Brasil, que tinha a ideia de trazer um liberalismo para o país e

alinhar estratégias econômicas e políticas com os EUA, preservou os interesses de uma

parcela específica da sociedade - da classe dominante e dirigente, deixando de lado a

classe dos trabalhadores (que é a grande maioria da população), não dando atendimento

ao emprego, nem proporcionando o aumento de renda, a proteção social, a educação,

entre outros.

A questão social no Brasil passa por uma grave crise pela falta de investimentos

dos nossos governantes que seguem a lógica do modelo de produção capitalista

globalmente universalizado.

Sabe-se que a formulação e a execução dos programas sociais pelo Estado, busca

prevalecer os interesses econômicos sobre as metas de maior grau social, e sua

intervenção nessas áreas vem se fazendo, prioritariamente, através da articulação do

aparelho governamental com o setor privado, que é o maior produtor de bens, conforme

explica Augusto (1989).

O setor da seguridade social que abrange as três esferas: assistência social, saúde

e previdência, merece toda atenção e investimento. O desafio atual desse setor é criar

mecanismos inovadores que favoreçam uma reformulação do sistema de Seguridade

Social, principalmente buscar uma integração interna entre as áreas e transversar esse

sistema para outros setores, por exemplo, a educação e a segurança.

Esse mesmo caminho deve ser seguido na educação, segundo o autor Mészaros

(2008), é necessária uma mudança na sociedade por um todo para que aconteça uma

Page 26: Resumo - ProPEd

reforma educacional profunda e eficaz. Devemos romper com a lógica do capital na área

educacional, substituir a enraizada forma de internalização por uma educação mais

abrangente.

Dessa forma, podemos concluir que cabe a nós, pessoas da sociedade,

reivindicar uma educação de formação humana, uma educação plena para toda a vida,

que possibilite desenvolver nossas personalidades e maiores graus de estima.

Page 27: Resumo - ProPEd

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Page 28: Resumo - ProPEd

O DIREITO À EDUCAÇÃO: A SITUAÇÃO DAS MULHERES PRIVATIVAS DE

LIBERDADE NO PRESÍDIO NELSON HUNGRIA.

LAURA MARCONI DA SILVA PEREIRA

RESUMO:

Através de um levantamento de dados é possível constatar que o sistema penal brasileiro

ainda segue as matrizes deixas do século XVIII, visto que até hoje, não observa as

garantias previstas na Constituição e nos demais ordenamentos jurídicos: buscando

trazer condições dignas de vida no cumprimento da pena e para auxiliar a pessoa

privativa de liberdade no processo de ressocialização. Este presente trabalho tem o

objetivo de compreender e descrever como funciona a educação nos presídios através de

um estudo bibliográfico e documental sobre a educação escolar nas prisões do Brasil. E

com um recorte mais específico, no Presídio Nelson Hungria, no Rio de Janeiro. Sabe-se

que a educação prisional é uma forte aliada em trazer mais humanidade dentro da prisão.

Tem o objetivo de trazer uma identidade ressignificada, restaurando a autoconfiança e

valores éticos e morais do preso.

Palavras-chaves: Humanização das penas. Educação Prisional. Ressocialização da pessoa

privativa de liberdade.

INTRODUÇÃO

A Carta Magna instituída, em 1988, preconizou o novo projeto político societário hegemônico,

no Brasil, um Estado Desenvolvimentista, caracterizado por valorizar os direitos societários

com forte intervenção do Estado a fim de garantir um desenvolvimento econômico. É nesse

contexto pós-ditatorial que os direitos fundamentais são garantidos constitucionalmente, com

conquistas no campo das liberdades individuais, nos direitos de natureza social e política.

Revelando-se assim, mais humanista.

Uma das garantias não diferente das demais conquistadas, em grau de importância, foi a

educação, que se consolida na Constituição Federal, de 1988, quando fala dos direitos sociais,

especificamente, no artigo 6º. Tornando a educação um direito assegurado a todos, inclusive,

aos que se encontram em situação privativa de liberdade, no caso, os presidiários.

Page 29: Resumo - ProPEd

Além da nossa Constituição, no ordenamento jurídico, tem-se o Código Penal, o Código de

Processo Penal e a Lei de Execuções Penais (LEP) que tratam dos crimes e cada tipo de

infração, a trajetória na Justiça e as circunstâncias em que o apenado irá cumprir a pena.

Neste trabalho, iremos focar nos objetivos traçados e estabelecidas pela LEP por se tratar de

uma lei que visa as condições do indivíduo privativo de liberdade dentro das instituições

carcerárias, e, especificamente, no que trata a educação para essa população.

Segundo a LEP, todos os presos condenados no Brasil deveriam ter iguais oportunidades de

trabalho, educação e treinamento profissional. Embora haja um dispositivo que declare

expressamente esta norma, apenas uma reduzida parte dos presos tem oportunidade de estudar,

trabalhar e se aperfeiçoar. Esse fato fere, claramente, o objetivo que a lei propõe da reintegração

que deve ser feita com a educação e o trabalho, visto que há um benefício legal da redução das

penas, pois para cada três dias estudados e/ou trabalhados, reduz um dia da pena e,

consequentemente, o livramento condicional. A carência desses meios contribui, também, para

a perpetuação da superlotação, pois retarda a saída dos presos do sistema prisional.

Com isso, é de fundamental importância uma intervenção pedagógica educacional, visando

uma reeducação do sujeito para que possa melhor compreender novas formas de se

relacionar com o mundo, fornecendo elementos para quebrar os antigos padrões da vida que

tinham.

Este trabalho faz um levantamento de dados e informações sobre as prisões de modo geral,

considerando a importância e a urgência sobre a realidade prisional brasileira que se distancia

das políticas educacionais de abrangência dentro das prisões, buscou-se desenvolver uma

pesquisa quanto às práticas educacionais, uma vez que a pena tem um papel não só punitivo,

mas pedagógico também, a fim de proporcionar condições para que o indivíduo retorne à

sociedade e não pratique mais crimes.

A abordagem desse tema traz grande divergência nas diferentes camadas sociais, há quem diga

que a educação é papel fundamental na ressocialização do preso para que, futuramente, quando

estiver em liberdade ter chances de buscar um trabalho digno e assalariado. Há quem diga que

preso não tem direito de estudar, tem que cumprir a pena sem gerar mais gastos públicos com

escolas prisionais e trabalhar, sim, dentro da unidade prisional para pagar os seus gastos.

Grande parte dessa ideologia é transmitida através dos meios de comunicação, a mídia

sensacionalista, principalmente, os telejornais, programas que se intitulam como jornais e

fornecem à população que assiste apologia à violência policial, abrindo espaço para o discurso

de que "bandido bom é bandido morto", ou seja, são responsáveis em grande parte pela

Page 30: Resumo - ProPEd

manutenção da ignorância da população sobre o sistema carcerário e os diversos assuntos

relacionados a esse tema.

Analisando a questão da educação prisional pode-se observar uma grande porcentagem de

pessoas que não voltam a reincidir na vida do crime, confirmando o papel da educação como

transformadora na vida de qualquer pessoa, independente da condição que se encontra. A

educação é capaz de abrir caminhos antes jamais percorridos e planejados por pessoas

privativas de liberdade, e isto se concretiza quando eles se veem dentro de uma unidade

prisional e ao mesmo tempo estudando. Possibilitando-os a construir um novo caminho de vida.

O presente trabalho tem por finalidade compreender a prática pedagógica das escolas prisionais

com os alunos e os demais profissionais da educação em seu caráter eficiente e eficaz como

uma das formas de ressocialização do preso.

Sendo analisada a atuação dos profissionais, segundo documentos que lhes dão base para

reconhecer os indivíduos privados de liberdade como sujeitos de direitos às ações e políticas

educacionais que levam em consideração a diversidade e a inclusão, através de uma pesquisa

bibliográfica e de campo, de cunho descritivo, cujo o método observacional, analisou o

ambiente de uma escola prisional e as suas práticas pedagógicas; a atuação dos professores

com seus alunos e do diretor com seus professores e coordenadores, inclusive, das presas com

as demais presas.

Foi feito levantamento de alguns documentos que norteiam a educação em geral, os Pareceres,

as Diretrizes, os Parâmetros Curriculares e o Projeto Político Pedagógico, (PPP). E de forma

mais estrita o currículo dessas escolas prisionais pela Diretrizes Nacionais para a oferta de

educação nos estabelecimentos penais e a Diretoria Especial de Unidades Escolares Prisionais

e Sócioeducativas (DIESP) que é a divisão das escolas prisionais, onde se definem metas,

diretrizes e dinâmicas no desenvolvimento da educação, por intermédio de programas e

projetos que estabeleçam uma política administrativa que atenda as especificidades das

Unidades Escolares Prisionais e Socioeducativas, zelando pelo cumprimento da legislação em

vigor, em consonância com a política educacional promovida pela Secretaria de Educação do

Estado do Rio de Janeiro.

Importante se fez, também, trabalhar com as leis que asseguram os direitos ao apenado estudar,

como a Constituição Federal de 1988, a Lei de Execuções Penais, LEP, e a Declaração

Universal dos Direitos Humanos (DUDH).

AS PRISÕES NO BRASIL

Page 31: Resumo - ProPEd

Para pensarmos historicamente nas prisões no Brasil devemos nos remeter a chegada dos

portugueses, e, assim como ocorreu na Europa, a forte influência pelo movimento iluminista

ocorrida no Brasil, contrariando o desproporcional, cruel e sanguinário "direito penal"

existente. Especialmente, após a chegada da família real em 1808, a separação política do

Brasil-colônia de Portugal, em 1822, e com a primeira Constituição Brasileira, em 1824,

criaram-se maiores condições para a criação de uma legislação penal mais humana.

Em 1830, nasceu o Código Criminal que seguiu as linhas humanas que a Constituição de

1824 afirmava, como diz no "TITULO 8º - Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos

Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros.", o art. 179 e os incisos XVIII E XIX

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos

Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado

nas solidas bases da Justiça, e Equidade. XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e

todas as mais penas crueis1.

Pode-se observar, desta forma, a influência do Iluminismo no Brasil. A Constituição

estabeleceu que o código penal deveria ser criado com base na justiça e na igualdade, com as

penas cruéis sendo abolidas. Apesar das novidades, a pena de morte ainda se fazia presente.

O inciso XXI diz: “As Cadêas serão seguras, limpas, bem arejadas, havendo diversas

casas para separação dos Réos, conforme suas circunstâncias, e natureza dos seus crimes".

Logo, a Constituição, de 1824, apresentava, pelo menos, proposta de dignidade humana. Havia

uma preocupação quanto a sua integridade física e a saúde do preso e, também, assegurava que

os "réus" deveriam ficar separados conforme a gravidade dos seus delitos. Já se pensava em

não se "misturar" os réus, isto é, os primários e/ou pouco violentos com os reincidentes e mais

violentos.

Segundo Engbruch e Morais di Santis (2012), o próprio Código já apresentava uma

alternativa de prisão, quando não fosse possível a prisão nas condições previstas em lei, como

diz o art 49:

Emquanto se não estabelecerem as prisões com as commodidades, e arranjos

necessarios para o trabalho dos réos, as penas de prisão com trabalho serão substituidas pela de prisão simples, acrescentando-se em tal caso á esta mais

a sexta parte do tempo, por que aquellas deveriam impôr-se.

1Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm - acessado em 29/10/2017

às 19:09.

Page 32: Resumo - ProPEd

Infelizmente, o previsto expresso na lei não se realizava na prática, mesmo a Constituição

de 1824 “garantindo” prisões arejadas e com boa higiene, havia incompatibilidade de

adequação dos prédios prisionais, além disso, certos Municípios não tinham sequer prisão.

As Câmaras Municipais foram criadas em 1º de outubro de 1828, por D. Pedro I, entre

as diversas atribuições estabelecidas, destaca-se o art 56, pois este indica que deverá haver uma

comissão para realizar visitas periódicas às prisões relatando tudo o que for visto.

Art. 56. Em cada reunião, nomearão uma commissão de cidadãos probos, de

cinco pelo menos, a quem encarregarão a visita das prisões civis, militares, e

ecclesiasticas, dos carceres dos conventos dos regulares, e de todos os estabelecimentos publicos de caridade para informarem do seu estado, e dos

melhoramentos, que precisam.

Essas comissões relatavam a realidade lastimável das prisões, como demonstra Engbruch

e Morais di Santis (2012):

Ao descrever o sórdido ambiente, imundo e cheio de fumaça, deixa-se claro

que os presos faziam pequenos objetos (pentes, colheres) com chifres de boi. Assistência médica precária, alimentação ruim e pouca, mistura de presos

condenados e não condenados, falta de água, acúmulo de lixo fizeram a

comissão concluir que tal era “o miserável estado da Cadea capas de revoltar ao espírito menos philantropo”.

Em 1850, nasce a primeira Casa de Correção no Rio de Janeiro, de acordo com Pessoa2

(2014), também, era chamada de Casa de Correção da Corte, criada em 6 de julho, pelo Decreto

nº 678, que aprovou o seu primeiro regulamento.

A Casa de Correção tinha o objetivo de executar a pena de prisão com o trabalho, dentro

da própria prisão, como diz o artigo 1º do regulamento. Os presos que chegavam para cumprir

a pena se alocavam em uma das cem celas prontas e outras cem ainda em construção. Dois

anos após as demais celas que foram concluídas, passaram a receber um maior quantitativo de

condenados suprindo a demanda de vagas. (Pessoa, 2014)3.

Amaral (2016) afirma que ainda em 1864 - 40 anos de vigência da Constituição - as

prisões estavam muito longe de atender os fins da humanização das penas previstas na

Constituição. E não havia resposta diferente para tal situação: a escassa destinação de recursos

financeiros para adaptação das unidades prisionais através das mudanças trazidas pela

Constituição.

Assim como ocorreu na Europa, o Brasil também passou por um processo de

humanização das penas. O mesmo movimento iluminista que influenciou as penas cruéis que

2 PESSOA, Tomaz de Aquino Gláucia. Casa de Correção. 2014. Disponível em:

<http://linux.an.gov.br/mapa/?p=6333> acessado em 03/11/2017 - às 01:25 3 Ibidem

Page 33: Resumo - ProPEd

existiam na Europa, foi trazido para o Brasil para combater as atrocidades que eram feitas para

punir os corpos.

A abolição da escravidão, em 1888, foi um marco importante para diversas alterações

que incidiam no fim do período Imperial. A pena de morte foi expressamente revogada pelo

código penal de 1890 e, posteriormente, em 15 de novembro de 1889 foi proclamada a

República4.

Aspirando aos bons ares que trouxe o iluminismo, no final do século XVIII, o Brasil foi

capaz de estabelecer, na primeira Constituição do país, garantias na forma de punir o réu. Ainda

que de 1824 a 1988 ocorra um longo período, pouco podemos observar na prática a

“humanização das penas”. Há previsão expressa em lei, há quase 200 anos, que marcam o fim

da crueldade na punição do réu, o que hoje ainda ocorre, haja vista as péssimas condições de

encarceramento presente no país. Faz-se necessário, portanto, buscar os antigos ares que

influenciaram nossa primeira Constituição, mas não somente isso, importante por,

efetivamente, em prática todas as ideias que fizeram mudar a forma de punição.

QUADRO GERAL DO SISTEMA PENITENCIÁRIO

Sabemos que nosso sistema punitivo foi planejado seguindo as matrizes deixadas pelo

patrimonialismo, pela escravidão, pelas penas de torturas, pela exclusão de certas camadas da

sociedade, consagrando um modelo estrutural dos estabelecimentos penais que violam, todo

tempo, os direitos humanos das pessoas privativas de liberdade.

Podemos relembrar que desde o século XVIII, com o processo de humanização das penas

no Brasil, conforme visto no capítulo anterior, já havia críticas ao sistema punitivo existente

naquela época, inclusive, sobre a primeira prisão criada, visto que não observava as garantias

trazidas na Constituição.

Sendo assim, o reconhecimento dessas críticas deve ser usado como força motriz para

buscar novas mudanças no atual sistema penal e inspirar a política penitenciária com novas

alternativas para realinhar as diretrizes antigas e tradicionais.

Dados e informações pertinentes ao quantitativo sobre as prisões no Brasil, com

levantamentos feitos por órgãos governamentais e não governamentais, apontam uma

4 Disponível em: Apesar de abolida a pena de morte ainda tem aplicação no Brasil, em casos de crimes cometidos

em tempos de guerra. - http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/01/150117_morte_fd - acessado

em 29/10/2017 às 20:11

Page 34: Resumo - ProPEd

considerável diferença entre o número de presos de acordo com a metodologia adotada ou a

sua respectiva fonte de informação, mas que se complementam em alguns quesitos.

De acordo com o último relatório produzido pelo Infopen5 - Departamento Nacional

Penitenciário- em 2016 (reflete a coleta realizada na data-base considerada para o respectivo

relatório analítico, junto a gestores de cada unidade prisional das unidades geridas pelas

Secretarias de Administração Penitenciária no Estado e também aos gestores das carceragens

nas unidades de Polícia Civil para fins de complementação de dados, sendo os últimos dados

publicados datados de 31 de junho de 2016), o Brasil vem apresentando um aumento na

população carcerária, em níveis preocupantes, com um total de 726.712 pessoas presas.

O Conselho Nacional de Justiça, instituiu o Geopresídios, relatório dinâmico alimentado

mensalmente pelos relatórios de Inspeção, realizado por juízes com competência na área de

execução penal, extraídos do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais e

publicados de forma dinâmica, com base no último relatório judicial de inspeção preenchido6.

De acordo com o Geopresídios o Brasil apresenta um quadro de 682.060 pessoas presas,

trazendo um número diferente dos dados informados pelo Infopen, 2016.

Nessa mesma linha de pesquisa, a plataforma online World Prison Brief, gerida pelo

Institute for Criminal Policy Research - ICPR, da Escola de Direito da Universidade de

Londres7, realizou um estudo sobre o aumento da massa carcerária no Brasil estar em constante

crescimento, concluindo que em maio de 2018, já havia 682.901 pessoas privadas de liberdade

nas prisões, um número ainda maior do último dado feito pelo Geopresídios. Destacou que a

capacidade oficial do sistema prisional de vagas é de 408.116 e o nível de ocupação é de

165,4% em abril de 2018.

De acordo com o Institute for Criminal Policy Research - ICPR, o Brasil já ocupa a

terceira posição no ranking mundial, a China está em segundo lugar com 1.649.804 presos e

em primeiro lugar os Estados Unidos, com 2.121.600 indivíduos presos. O Brasil já ultrapassa

a posição da Rússia.

Pode-se observar que não há como se obter um número preciso sobre o quatitativo de

total de presos nos presídios, visto que há a influência de alguns fatores como, a falta de

informação de algumas unidades prisionais e a grande rotatividade de presos entrando e saindo

diariamente do sistema penal. Por isso os dados aqui apresentados mesclam as fontes de

5http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias -

2016/relatorio_2016_22111.pdf 6http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php e

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/02/b5718a7e7d6f2edee274f93861747304.pdf 7 http://www.prisonstudies.org/country/brazil

Page 35: Resumo - ProPEd

informações, pois são complementares, sendo capazes de apresentar um maior esclarecimento

ao quadro das pessoas privativas de liberdade.

O Brasil hoje contém 1.460 estabelecimentos penais estaduais e federais cadastrados,

presentes em todos os 26 Estados e o Distrito Federal, disponibilizando apenas 368.049 vagas

e totalizando um déficit de 358.663 vagas, de acordo com o Infopen, em 2016. Neste

contingente, o total de presos provisórios e sem condenação são de 292.450.

Pode-se observar que o número de presos provisórios, 292.450 indivíduos, é pouco

abaixo do déficit de vagas no sistema. Estamos falando de aproximadamente 40% de 726.712

mil pessoas, são quase 300 mil pessoas presas antes de serem julgadas em primeiro grau, sendo

que, grande parte dessas pessoas poderia responder em liberdade, como explica o relatório da

pesquisa “A Aplicação de Penas e Medidas Alternativas”, realizada pelo Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada – IPEA, por demanda do DEPEN8,

É gravíssima a informação de que em 37,2% dos casos pesquisados em que os réus estiveram presos provisoriamente não houve condenação à prisão ao

final do processo. Projetando esse achado para o gritante número de presos

provisórios no país, que ultrapassou a marca de 240 mil pessoas em dezembro de 2013, é provável que tenhamos cerca de 90 mil homens e mulheres

encarcerados que, por diversas razões, não serão condenados à prisão, na

maior parte dos casos com sentenças de absolvição ou condenação a penas

alternativas.

Não restam dúvidas que o Brasil vive uma tendência a aumentar sua população

carcerária, a taxa é de mais de 300 presos para cada 100 mil habitantes maiores de 18 anos,

enquanto a taxa mundial de aprisionamento encontra-se no patamar de 144 presos por 100 mil

habitantes9.

O encarceramento desse enorme contingente de pessoas aponta para uma maioria de

jovens, sendo que 55% dos presos têm até 29 anos, representados por uma maioria negra, isto

é, 64% da população carcerária é de jovens negros, com alto número de déficit educacional,

pois apenas 9% desta população têm o ensino médio completo (enquanto a média nacional se

encontra no patamar de 32%).

O Infopen, 2016 revela que a cada 100 mil homens na população brasileira, acima dos

18 anos, 418,44% estão presos, esse mesmo número em relação às mulheres com a maioridade

atingida são de 43,28% de pessoas. Sendo um total de 665.482 homens presos e 42.355

mulheres presas10.

8 http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/politicas-2/alternativas-penais-anexos/pmas_sum-

executivo-final-ipea_depen-24nov2014.pdf 9 Conforme dados da ICPS - International Centre for Prison Studies 10 http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/infopenmulheres_arte_07-03-18.pdf

Page 36: Resumo - ProPEd

O perfil criminal das pessoas privativas de liberdade é caracterizado por alguns fatores

influenciados pela dinâmica criminal, como as alterações na legislação, (dada a importância a

certos crimes), a justiça comum e judiciária - principalmente pelo estereótipo criado em

conjunto com a mídia, pois esta, além de influenciar é, também, tendenciosa contribuindo

fortemente para que a massa telespectadora assimile uma ideia de criminoso que não é muito

comum no sistema prisional. Os casos bárbaros de mortes que proporcionam um grande

número de audiência, como os crimes de homicídios ou os casos de latrocínio, quando são

seguidos de morte, de acordo com os dados do Infopen (2016), juntos representam 14% do

total de crimes cometidos das 726.712 mil pessoas, o que representam aproximadamente 101

mil pessoas.

As pressuposições feitas da atual situação do sistema penitenciário são de pessoas

pobres, negras e com baixa escolaridade e é, de fato, este o perfil da maioria das pessoas presas.

De acordo com o Infopen (2016), 64% dos presos são negros/pretos e pardos, 35% são brancos,

1% são amarelos, 0,13% são indígenas e 1% são outros.

Sobre a escolaridade, os dados informam que os detentos alfabetizados informalmente e

com o ensino fundamental completo, representam 20% da população prisional, o que revela

um número aproximadamente de 145 mil pessoas. Enquanto os detentos com ensino médio

completo ou incompleto e ensino superior completo ou incompleto, revelam um valor numérico

de 25% de pessoas, representando um número aproximadamente de 181 mil pessoas. Pouco

mais da outra metade de presos ainda não concluíram o ensino fundamental completo.

A educação básica, que engloba a educação infantil dos quatro anos aos dezessete anos

de idade, desde a pré-escola até o ensino médio, segundo o art 4º, da nº 9.394/96, Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, serve para assegurar que crianças e jovens recebam

uma educação com os padrões mínimos de qualidade de ensino, com os insumos indispensáveis

ao desenvolvimento e ao processo de ensino-aprendizagem.

Priorizar investimentos públicos em educação é de extrema importância para as pessoas

oriundas de extratos sociais desfavorecidos, pois contribui diretamente na diminuição da

pobreza e da criminalidade, visto que manter os jovens na escola, até o término do ensino

fundamental traz uma maior escolaridade e um fator protetivo aos jovens e, consequentemente,

a possível redução da massa carcerária. Hoje, somente, o ensino fundamental incompleto, sem

conclusão, traz uma porcentagem de 51% de pessoas privativas de liberdade.

O SISTEMA PENAL E AS MULHERES

Page 37: Resumo - ProPEd

Segundo dados do World Female Imprisonment List, relatório produzido pelo Institute

for Criminal Policy Research da Birkbeck, University of London, o número de mulheres presas

no mundo está aumentando em um ritmo mais acelerado do que os níveis de prisão masculina.

Os casos de aumento aparecem em todos os continentes desenvolvidos e menos desenvolvidos.

De acordo com o último relatório produzido, a população carcerária feminina mundial é de

mais de 714 mil mulheres. Demonstrando um aumento desde 2000 de mais de 50% na taxa de

crescimento.

De acordo com o ranking mundial das mulheres presas, os EUA estão em primeiro lugar

(cerca de 211.870), seguido da China (cerca de 107.113 ), Rússia (cerca de 48.478), e na quarta

posição, o Brasil (cerca de 44.700).

De acordo com o Infopen – Mulheres (2016), o número de mulheres presas no Brasil vem

aumentando constantemente em relação ao número de presos masculinos. No lapso temporal

de 2000 a 2016, o aumento foi de 656%,11 enquanto a média nacional de crescimento

masculino, no mesmo período, foi de 293%, refletindo, assim, uma curva ascendente no

encarceramento em massa de mulheres.

Este ritmo acelerado de crescimento da população carcerária masculina e feminina se

contrapõe a tendência mundial dos países que investiram em políticas públicas para diminuir o

encarceramento de massa, como alguns países da Europa.

A cada 100 mil mulheres acima dos 18 anos, há aproximadamente, mais de 55 mulheres

presas. No ranking das Unidades da Federação, São Paulo é o estado com o maior número

absoluto de presos e tem a maior população feminina encarcerada, representando (15.104

mulheres) 36% das mulheres presas no país, de acordo com o Infopen, (2016). Seguido de

Minas Gerais (aproximadamente 3.279 mulheres presas), Paraná (aproximadamente 3.251

mulheres presas) e do Rio de Janeiro, (aproximadamente 2.254 mulheres presas) e 12.

A prevalência de certos perfis de mulheres encarceradas não se diferencia muito dos

homens presos, a grande maioria é negra e com baixa escolaridade. Os dados feitos pelo

Infopen – Mulheres (2014), abordaram diferentes aspectos das mulheres presas, como: a

natureza da prisão, a raça/cor/ etnia da mulher presa, estado civil, escolaridade e a razão da sua

prisão. O conjunto de dados demonstrando a realidade das mulheres presas, permite esclarecer

as eventuais falhas da política criminal e, também, as políticas públicas, que poderiam ser mais

11 Segundo dados Ministério da Justiça, a partir de 2005, dados do Infopen/MJ, a população carcerária feminina

era de aproximadamente 5.601 mulheres no ano de 2000. Infopen - Mulheres p.15. 12 http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/infopenmulheres_arte_07-03-18.pdf

Page 38: Resumo - ProPEd

eficientes e eficazes, proporcionando maiores oportunidades às mulheres de classe social

menos favorecida.

De acordo com o Infopen – Mulheres (Ibidem), as mulheres condenadas com penas de

prisão de até oito anos, representam um número expressivo de 70%. Sendo que 32% das

mulheres cumprem a pena em regime fechado, enquanto aproximadamente 16% das mulheres

cumprem em regime semiaberto, isto demonstra que a pena de prisão como medida

sancionatória é uma regra e não exceção, inclusive, para os casos de crimes menos graves,

impactando diretamente no total de mulheres encarceradas no Brasil.

O quadro geral da faixa etária das mulheres presas no Brasil é representado por 50% com

idades entre 18 e 29 anos, e outra grande parcela em destaque é de mulheres entre 30 e 45 anos,

representadas por 39% do total de mulheres presas. O perfil etário da maioria das mulheres

privadas de liberdade repete o padrão nacional dos homens também, a maioria é jovem com

idade até 29 anos. Pode-se observar que a idade apresentada é classificada como um período

economicamente ativo da vida, sendo realidade brasileira ter um maior número de jovens

presos. Segundo o Institute for Criminal Policy Research da Birkbeck, University of London,

há uma tendência no Brasil para o crescimento da população carcerária cada vez mais jovem.

Em relação à raça/cor/etnia das mulheres presas, 62% são negras, 37% são brancas, 1%

amarela. Duas em cada três presas são negras. Os dados levantados não são diferentes em

relação aos homens, que também têm a sua maioria a população maior encarcerada.

Sobre o estado civil das mulheres encarceradas, a maior parte é solteira (62%), e a outra

parte é casada ou possui união estável (32%). Este pode ser um identificador da quantidade de

mulheres presas serem jovens.

Em relação ao grau de escolaridade das mulheres privadas de liberdade, 5% são

analfabetas ou alfabetizadas em cursos regulares, 45% com o Ensino Fundamental Incompleto,

15% com o Ensino Fundamental Completo, 17% com o Ensino Médio Incompleto, 15% com

Ensino Médio Completo, e apenas 1% tem o Ensino Superior Completo. Ainda que em níveis

baixos, o grau de escolaridade das mulheres em comparação aos homens encarcerados é um

pouco maior.

Em relação à razão dos crimes cometidos pelas mulheres encarceradas, há um grande

destaque para o crime de tráfico, que corresponde ao expressivo número de 62% das mulheres

presas, seguido do crime de roubo com 11% das mulheres presas, do crime de furto, com 9%

das mulheres presas e homicídio com 6% das mulheres presas. Os padrões de criminalidade do

público feminino são bastante distintos em relação ao público masculino. Apenas 26% dos

homens cometerem o crime de tráfico, enquanto esse número chega a 62% com as mulheres.

Page 39: Resumo - ProPEd

De acordo com A Rede Justiça Criminal, informativo nº 8, Janeiro de 2016, não há como

negar a relação entre o uso e o comércio de drogas e o quantitativo de mulheres presas.

Em toda a América Latina, mulheres negras, pardas e indígenas, de baixa

escolaridade, chefes de família e sem acesso ao mercado formal de trabalho,

têm se valido do comércio de pequenas quantidades de drogas como estratégia de complementação de renda e sustento de filhos e familiares dependentes.

Via de regra, a inserção nesse mercado se dá de modo bastante subalterno e

sem vinculação aos altos níveis hierárquicos de tomada de decisão ou controle financeiro das organizações criminosas. No entanto, a opção política por lidar

com o tema das drogas por meio de ações repressivas e criminalizantes tem

como principais vítimas os indivíduos que desempenham funções de pouca

relevância, baixa remuneração e fácil substituição no mercado transnacional das drogas: exatamente a posição ocupada pela imensa maioria das mulheres,

que cada vez mais são trancafiadas nas já superlotadas unidades prisionais

brasileiras13.

Os dados aqui apresentados pelo Infopen – Mulheres, julho de 2016, padecem de certos

vícios, como a omissão de informações de certos quesitos, as divergências dos números

apresentados no Infopen, 2016; alguns temas silenciados como, disponibilidade de informação

sobre o número de filhos por mulher presa, o tempo de espera por julgamento. Estes são dados

importantes que dificultam uma maior precisão sobre a situação das mulheres presas.

O SISTEMA PENAL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

De acordo com o Geopresídios, 201714, o Rio de Janeiro é o terceiro Estado que mais

encarcera no país, com um total de 50.219 pessoas presas. Neste ranking fica atrás do Estado

do Paraná com uma população total de 51.700, do Estado de Minas Gerais com uma população

total de 68.354 pessoas e do Estado de São Paulo, com o contingente de 240.061 pessoas presas.

Estes quatro Estados juntos somam mais da metade da população presa nacional. De acordo

com os dados do IBGE (2010)15, a população do Estado do Rio de Janeiro é de 15.989.929

pessoas, há uma média, aproximadamente, de 252 pessoas presas para cada 100 mil habitantes.

13 Disponível em:

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/02/b948337bc7690673a39cb5cdb10994f8.pdf - acessado em

28/11/2017 às 23:46 14 http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/gera_relatorio.php?tipo_escolha=comarca&opcao_escolhida=26&tipoVis

ao=presos 15 https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/panorama

Page 40: Resumo - ProPEd

Do total de 1.460 estabelecimentos penais no Brasil, 56 deles estão situados no Rio. São

três presídios femininos e cinquenta e três são presídios masculinos16. Segundo o CNJ (2017),

o Estado do Rio apresenta uma quantidade de 31075 vagas nos presídios, entretanto a

quantidade de presos é de 52.383, o que gera um déficit de 20.506 vagas no sistema carcerário

do Rio.

O total de presos provisórios é de 22.876 pessoas, sendo que quase a metade do total de

presos no Estado do Rio, ainda, não recebeu condenação em primeiro grau. O uso da prisão

provisória se tornou abusivo, mais da metade dos presos provisórios estão custodiados há mais

de 90 dias, sem nenhuma previsão de audiência ou sentença próxima (dados coletados a partir

da pesquisa de campo realizada no Presídio Nelson Hungria, o que será pormenorizado no

quarto capítulo).

Este fato está inteiramente ligado a grande demanda de processos penais que o Rio de

Janeiro tem, combinada com a quantidade de profissionais que atuam na área, o que dificulta a

celeridade processual e, consequentemente, o aumento de presos provisórios sem audiência ou

sentença em prazo razoável.

As principais características do quadro de pessoas restritas de liberdade que compõem as

prisões, hoje, no Rio de Janeiro, são de maioria negra, solteira, com baixa instrução escolar,

viciados/usuários de drogas, e integrantes de Igreja Evangélica, segundo o Infopen (2016).

Alguns presídios, no Estado do Rio de Janeiro, são separados por facções, pois há um

grande quantitativo de presos que pertencem a um determinado grupo e, por isso, os internos

não são separados pela gravidade do crime pelo qual respondem, mas, normalmente, pelos

laços firmados, a fidelidade e o pertencimento às facções de origem, por isso não “podem” se

misturar com outras. Caso aconteça, os próprios internos ao perceberem que um dos presos

pertence a uma organização criminosa diferente da sua, impõe a lei da cadeia, espancando

podendo, muitas vezes, levar ao óbito.

De acordo com os dados apresentados podemos observar que os estabelecimentos penais

são uma verdadeira “caixa-preta”. A falta de dados e a dificuldade dos acessos às unidades

prisionais traz uma distância cada vez maior da temática da prisão. Os poucos dados que se

têm, muitas vezes, são inconsistentes, pois algumas unidades deixam de fornecê-los, além

disso, as metodologias adotadas pelos órgãos de pesquisa trazem números diferentes de cada

dado pesquisado.

16

http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/gera_relatorio.php?tipo_escolha=comarca&opcao_escolhida=26&tipoVis

ao=presos

Page 41: Resumo - ProPEd

UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE O SENTIDO DA EDUCAÇÃO NOS PRESÍDIOS

Conforme visto no capítulo anterior, o sistema penitenciário brasileiro tem se apresentado para

os governantes como uma verdadeira “caixa preta”. Muito se discute, fazem levantamento de

dados, mas pouco se sabe sobre a realidade do sistema. As penitenciárias são locais onde portas

não se abrem e pouco se sabe para além dos seus muros altos. O que chega de informação para

a população são as destruições de instalações e equipamentos; a morte de presos e funcionários,

quando há motins e rebeliões; as atrocidades que os próprios presos cometem contra seus pares,

por serem de facções rivais; ou, ainda, a intolerância de alguns crimes, como, recentemente,

ocorreu em alguns presídios do Norte e Nordeste do Brasil.

Ao realizar a pesquisa de campo no Presídio Nelson Hungria, no Complexo Penitenciário

de Gericinó, em Bangu, Rio de Janeiro, se teve como objetivo compreender a relação escolar

como uma das formas de ressocialização das presas dentro do sistema prisional.

Por meio de uma pesquisa de campo, qualitativa e descritiva, analisou-se as experiências

vividas e os conteúdos coletados e observados de um modelo implementado de educação

Prisional, no Estado do Rio de Janeiro, sendo este um “programa de ressocialização”, conforme

previsto na legislação de execução penal.

A pesquisa não se preocupou em saber qual/quais crimes cada interna cometeu e nem vê-

las como “vítimas da sociedade”, pois cada pessoa sabe dos seus motivos e valores, e, carrega

consigo uma história que é particular e que as levou a estarem ali. De modo geral, pretendeu-

se evidenciar nesta pesquisa, através da análise do material empírico coletado, algumas

questões sobre a realidade da vida no cárcere, ressaltando que embora haja a escola, a Igreja e

o trabalho interno no presídio, nada terá eficácia na ressocialização se não partir da própria

presa a vontade e o desejo de mudar de vida.

A presença de escolas prisionais em presídios, no Estado do Rio de Janeiro, vem sendo

executada já há algumas décadas, mas poucos são os dados e as informações sobre o assunto

no Estado, e, principalmente, no país.

EDUCAÇÃO NAS PRISÕES: PREVISÃO LEGAL

A educação escolar recebe respaldo em previsões legais nacionais e internacionais. São

executadas, através de políticas públicas implementadas pelos estados e pelo governo, como

explica Oliveira (2012).

Page 42: Resumo - ProPEd

De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 26, todo ser

humano tem direito à instrução. A educação será orientada para conceber “o pleno

desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos

humanos e pelas liberdades fundamentais”.

Segundo a Lei de Execuções Penais nº 7.210/84, os seus artigos 10 e 11, abordam a

assistência ao preso, sendo dever do Estado, com o objetivo de prevenir o crime e orientá-lo no

retorno à sociedade; elenca que a assistência deverá ser material, à saúde, jurídica, educacional,

social e religiosa. Seguindo os direitos e garantias assegurados ao preso, previsto no artigo 5º,

inciso XLIX, da Constituição Federal, “é assegurado aos presos o respeito à integridade física

e moral”.

É importante ressaltar que os presos, embora privados de liberdade, mantêm a titularidade

dos demais direitos fundamentais, como é o caso da integridade física, psicológica e moral.

Ainda assim, no âmbito nacional, a educação escolar prisional é seguida por Pareceres,

como o Parecer CNE/CEB, nº: 4/2010, sobre as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação

para jovens e adultos em situação de privação de liberdade, nos estabelecimentos penais,

esclarecendo que a educação nos presídios é considerada como um meio para a promoção da

integração social e aquisição de novos conhecimentos que permitam ao preso buscar novos

caminhos quando saírem da prisão. O papel da educação nos presídios tem como um de seus

principais pilares a reintegração social e o desenvolvimento do potencial humano, como diz o

Parecer CNE/CEB, nº: 4/2010,

Segundo diversos estudiosos do tema, a educação em espaços de privação de liberdade pode ter principalmente três objetivos imediatos que refletem as

distintas opiniões sobre a finalidade do sistema de justiça penal: (1) manter

os reclusos ocupados de forma proveitosa; (2) melhorar a qualidade de vida na prisão; e (3) conseguir um resultado útil, tais como ofícios, conhecimentos,

compreensão, atitudes sociais e comportamento, que perdurem além da prisão

e permitam ao apenado o acesso ao emprego ou a uma capacitação superior, que, sobretudo, propicie mudanças de valores, pautando-se em princípios

éticos e morais. (p. 13)

A educação no sistema prisional integra a modalidade de ensino intitulada como

Educação de Jovens e Adultos (EJA). Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB), nº 9.394, de 1996, em seu artigo 37, afirmando que, “a educação de jovens e

adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino

fundamental e médio na idade própria”.

Além do mais, o artigo 18, da Lei de Execuções Penais, assevera que o Estado é obrigado

a promover a educação fundamental nos estabelecimentos penitenciários, devendo integrar-se

Page 43: Resumo - ProPEd

no sistema escolar da unidade federativa. O artigo 18-A, também, estende essa obrigação ao

ensino médio, regular ou supletivo.

Há outras legislações internacionais e nacionais que abordam a questão da educação

prisional, a pesquisa fez um recorte nas legislações que se apresentaram mais relevantes para

o tema pesquisado.

A PESQUISA

Em paralelo a pesquisa bibliográfica e documental sobre a educação escolar nas prisões,

foi realizada uma pesquisa de campo, buscando contextualizar as informações coletadas com

as experiências observadas na vida do cárcere, como já foi dito anteriormente.

A pesquisa foi realizada, no período de setembro a novembro, do ano de 2017, através

de visitas quase que diárias à unidade prisional Nelson Hungria. O foco da pesquisa foi

compreender, através de observações das aulas na escola prisional, a relação construída entre

alunas e professores, analisando os significados que a escola possui no contexto de uma

unidade prisional.

A presente pesquisa foi realizada no Colégio Estadual 1º Tenente PM Hailton dos Santos,

que fica dentro da unidade prisional Nelson Hungria, no Complexo Penitenciário de Bangu,

trata-se de um presídio feminino, com a presença de mulheres sentenciadas e mulheres que

ainda aguardam julgamento em primeiro grau, visto que a Cadeia Pública Joaquim Ferreira17,

encontra-se com um grande contingente de mulheres, fazendo com que muitas sejam alocadas

diretamente no Presídio Nelson Hungria.

A escola fica localizada no mesmo corredor onde ficam as demais celas do presídio, no

“miolo”, foram desativadas duas celas para dar espaço para a escola; tem a quantidade de 150

alunas matriculadas; sua estrutura é pequena, contém seis salas de aula, todas com ar

condicionado, cadeiras e mesas para todas as alunas, uma biblioteca, repleta de livros separados

por temas, uma coordenação, uma copa com refrigerador e armário para alocar os lanches das

alunas, um banheiro para as alunas e outro banheiro para os professores, dois espaços para

guardar materiais escolares e materiais de limpeza.

Nos dias de aula a coordenadora pedagógica entrega a listagem de alunas para serem

retiradas das celas para que possam ir à escola. Foram observadas inúmeras vezes atrasos na

remoção das alunas, por alguns motivos, como: a comida dos presídios é terceirizada, e, muitas

17 De acordo com o art 102, da Lei nº 7.210, a cadeia pública é destinada aos presos provisórios.

Page 44: Resumo - ProPEd

vezes, chega com atraso, visto que a escola no segundo turno começa às 13 horas, enquanto a

comida, também, é distribuída nesse mesmo horário; a falta de agentes penitenciárias para

cuidar dos corredores, ao mesmo tempo, que liberam as presas das celas, a falta de água e luz

no presídio ou na escola, esta não se importava em não ter aula no dia.

Durante a pesquisa foi observado a metodologia e os materiais pedagógicos que eram

utilizados em sala de aula, e, nenhum professor infantilizou os conteúdos, mesmo a escola

concentrada na produção de material e textos para a apresentação do Projeto de Leitura Escolar

(PLE)18.

Segundo Beiseguel (1997), a Educação de Jovens e Adultos deve ser pensada nos espaços

da escola e nos espaços a sua volta, para construir propostas curriculares mais adequadas aos

alunos. É um passo fundamental para se pensar nas possibilidades de novos desenhos

curriculares destinados a essa modalidade da educação. Os objetivos do trabalho pedagógico

precisam incorporar as possibilidades de relacionar os alunos a situações da sua vida cotidiana,

até mesmo para melhorar a sua própria qualidade de vida em relação à vida em sociedade.

Significando deixar de lado alguns conteúdos formais clássicos para que outras operações

possam contribuir para capacitação dos alunos. Saberes que contribuam para o

desenvolvimento da consciência crítica e para capacitação.

No término das aulas foi observada uma preocupação das alunas em assinarem a lista de

presença da aula, pois a lista é encaminhada para a administração do presídio para fazer a

contagem de remição da pena.

De acordo com a Lei de Execuções Penais a remissão da pena acontecerá seguindo o

previsto:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto

poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.

§ 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:

I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade

de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;

§ 5o O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3

(um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente

do sistema de educação.

18 De acordo com a SEEDUC “O Projeto de Leitura Escolar (PLE) consiste em um conjunto de propostas e

orientações que visam a garantir o acesso e a permanência de diferentes práticas leitoras, fundamentais para o

desenvolvimento cognitivo, cultural e social de nosso aluno, já que a leitura é essencial na contextualização dos

conteúdos, em todas as disciplinas das áreas do conhecimento.” Disponível em:

http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteudo?article-id=2380038 – acessado em 01/12/2017 às 18:38.

Page 45: Resumo - ProPEd

A resolução da Seap nº 621, de 01 de julho de 2016, institui no âmbito do sistema

penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, a remição da pena através de leituras. Na presente

resolução esclarece que “a leitura contribui para processo de reinserção social do custodiado

agregando valores éticos - morais e desenvolvimento de sua capacidade crítica”. E explica que

podem participar do projeto os presos da unidade que tenham capacidade de ler e escrever para

a elaboração de uma resenha da obra literária escolhida.

O participante receberá um exemplar da obra literária com o direito de levá-la para a cela.

Será concedido o prazo de 30 dias para a leitura e elaboração individual da resenha. Ao final,

alcançando uma nota igual ou superior a 10 e atingindo os objetivos, isto permitirá que o preso

possa remir quatro dias da sua pena.

É importante ressaltar que, a remissão da pena através da leitura será assegurada de forma

cumulativa com a remissão concedida pelo trabalho e pelo estudo. O participante no prazo de

12 meses poderá remir até 48 dias de sua pena.

É importante observar que a remissão pela leitura veio para agregar mais chances para

quem esteja em restrição de liberdade. A remissão pelo estudo é contada a cada 12 horas de

aula, concedendo um dia de remissão da pena. Contudo, a escola objeto desta pesquisa funciona

no período da manhã, de 9 horas às 12 horas, e no período da tarde, de 13 horas às 16 horas. A

cada dia, as detentas, recebem 4 horas de aula, precisando de mais dois dias para somar às 12

horas de remissão pela frequência escolar. Eis uma matemática complicada!

Outro ponto importante observado foi a forma de tratamento dos professores com as

alunas homossexuais, que preferiam ser chamadas pelo nome social.

A grande maioria das alunas está há demasiado tempo sem contato com a educação

escolar, muitas abandonaram a escola ainda jovens e não apresentam limites e disciplina para

permanecerem sentadas com atenção à aula, atrapalhando. Esse fato ocorre, também, devido a

realidade das alunas no sistema prisional, os desafios da vida de mulher restrita de liberdade

recebendo pouco ou nenhuma visita, sem um relacionamento afetivo estável dentro e fora da

prisão.

O relacionamento afetivo entre as próprias mulheres presas, também, interfere na escola.

Muitas presas se automutilam19 quando brigam com suas parceiras ou quando são separadas de

celas. Chegam à escola para as aulas automutiladas e passando mal. Inclusive, o uso de

remédios para dormir entre as presas é comum. Segundo relatos, quando elas estão “surtando”

19 Muitas presas têm o costume de se cortarem, nos braços como uma forma de extravasar a dor que estão

sentindo no momento. Outras afirmam que as automutilações são uma forma da presa “querer chamar atenção”,

e não se trata de um problema psicológico.

Page 46: Resumo - ProPEd

ingerem remédios para dor e ficam “dopadas” para suportarem o dia a dia insuportável que é a

prisão.

A FUNÇÃO DA ESCOLA NO AMBIENTE PRIVATIVO DE LIBERDADE

Sobre os diversos papéis que são apontados para a escola - passar o tempo, sair das celas,

encontrar amigos de outras celas (inclusive familiares), conquistar benefícios jurídicos,

aprender a ler e escrever, fazer conta, passar de ano escolar - é percebido como algo positivo

pelas alunas dentro do sistema e contribui para que a pena seja vivida de forma mais humana.

A oportunidade de estudar dentro da prisão associa-se a uma vontade pessoal, cujas

motivações se apresentam de diversas formas, haja vista as definições abaixo de algumas presas

que frequentam a escola:

_ “A gente vem pra escola para aprender e distrair a mente.”

_ “A escola representa muito aqui dentro, “a gente” se sente mais livre.”

_ “A escola é boa para remir a pena e para sair da cela um pouco.”

As tensões ali dentro da escola são aliviadas, o saber ganha força, a vontade de aprender

e a atenção voltada para o educador se mostram de forma leve; o convívio do ódio, da vingança,

da rejeição não entram no ambiente escolar, ficam do lado de fora das grades que separam a

escola das demais grades das celas. Uma presa diz que:

_ “Os professores trazem novidade do mundo lá fora, conversam com a gente sobre vários

assuntos, várias coisas, que não nos remetem a prisão”.

Essa troca de experiências com os professores e com os alunos justifica um dos

objetivos da ressocialização do preso. A escola oferece ao interno a possibilidade de resgatar

ou aprender outra forma de se relacionar, diferente do seu cotidiano no cárcere, há um processo

de desconstrução e reconstrução de identidades, desfaz-se a perversidade do estabelecimento

penal e traz a sensação de pertencimento20, um lugar que é seu, um ambiente amigável e

prazeroso para uma nova identidade ressignificada, que vai restaurando a autoconfiança e

valores éticos e morais.

Outrossim, cabe ressaltar que

As ações educativas devem exercer uma influência edificante na vida do interno, criando condições para que molde sua identidade, buscando,

principalmente, compreender-se e aceitar-se como indivíduo social; construir

20 De acordo com os relatos das presas, elas entram no sistema e se desvinculam de seus objetos pessoais, desde

a roupa até os documentos, estão sempre mudando de celas e, muitas, não são chamadas pelos nomes, recebem

apelidos, um número e até mesmo o número do artigo de seu crime.

Page 47: Resumo - ProPEd

seu projeto de vida, definindo e trilhando caminhos para a sua vida em sociedade. (Parecer CNE/CEB Nº: 4/2010, sobre as Diretrizes Nacionais para

a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de

liberdade nos estabelecimentos penais. p. 14.).

Na escola, as bagagens culturais que as alunas adquirem jamais lhes serão roubadas. Elas

exercitam os novos valores conquistados na escola que é, sobretudo, o novo local de

pertencimento e orgulho, pois que se percebem progredindo pessoal e profissionalmente.

ENTREVISTAS E RODAS DE CONVERSAS

Houve uma preocupação em fazer entrevistas com as alunas presas, pois o tempo que se

tem na escola é pouco, ainda mais com os atrasos; além dos dias em que não há aulas. Portanto,

foi autorizada pela diretora do presídio a realização das entrevistas e rodas de conversas no

local onde recebem as visitas dos familiares e onde fica a cantina do presídio.

A escolha das alunas para a roda de conversa não teve muito critério, apenas uma

indicação do corpo pedagógico da escola e dos professores. Ao iniciar-se a conversa com as 10

alunas escolhidas aleatoriamente, foi mencionado que a educação nos presídios é respaldada

em lei como um direito garantido a todos os internos no sistema prisional, sem fazer distinções,

e que, em tese, deveria ser oferecido a todos pelo Estado. Este direito não é um favor, mas, sim

um dever do Estado.

Foi feito um pequeno questionário com algumas perguntas, conforme indicado abaixo:

1- Há quanto tempo está estudando?

2- Por que parou/não estudou enquanto não estava presa?

3- Qual foi seu maior interesse em buscar a escola dentro da unidade prisional?

4- Acredita que a escola cumpre o seu papel de socializar seus alunos e dar educação?

5- Como se sente em relação aos professores? A relação de aluno / professor é amigável?

6- Após ganhar a liberdade, pretende continuar estudando?

7- A escola traz algo positivo para você aqui dentro?

8- A escola é capaz de ressocializar você?

9- Qual o seu sonho?

As respostas das internas foram variadas, mas a grande maioria foi positiva em relação à

escola. Na primeira pergunta muitas responderam que estão na escola a aproximadamente um

ano, outras há 9 meses, 7 meses, 15 dias. Observou-se que no presídio há uma grande

rotatividade, toda semana entra e sai mulheres.

Page 48: Resumo - ProPEd

Na segunda pergunta, muitas responderam que pararam de estudar porque engravidaram,

outras porque precisaram trabalhar e não conseguiam conciliar o estudo com o trabalho, outras

porque seguiram a vida com o namorado.

Na terceira pergunta, a grande maioria respondeu que buscou a escola porque querem

aprender. Com unanimidade a escola para elas é como se fosse um ambiente “fora da prisão”,

quando estão em sala, se sentem em outro ambiente diferente da prisão. Esta unanimidade é

apontada em três falas diferentes, como exemplo.

_ “A escola é um local de distração da mente e de aprendizado.”

_ “A escola é uma fuga da realidade.”

_ “A escola pra mim é pra ter mais conhecimento, para sair da cela, pois nada na cela é construtivo.”

A quarta pergunta teve resposta positiva por todas, afirmando que a escola cumpre o

papel dela dentro do espaço privativo de liberdade, é capaz de ressocializar as alunas.

Ressalvaram que a escola cumpre seus objetivos para quem realmente quer estudar, pois

existem algumas alunas que “não têm interesse em nada, apenas em sair das celas e conversar

com as colegas de sala”.

A quinta pergunta responderam que a relação com os professores é bastante respeitosa, e

são tratadas como alunas, como seres humanos, diferente do tratamento que recebem algumas

vezes por agentes penitenciárias.

_ “Os professores tratam a gente bem, chama a gente pelo nosso nome, se preocupam com a gente

também.”.

Na sexta pergunta algumas afirmaram que pretendem seguir com os estudos e outras

indicaram que pretendem concluir o ensino médio no presídio para terem melhores condições

em conseguir um emprego quando ganharem a liberdade.

A sétima pergunta, por unanimidade também foi dito que a escola traz uma calma para

as presas em um ambiente conturbado e cheio de problemas. Para todas que estudam, a escola

melhora o humor, o convívio, a disciplina, a concentração e a busca de sonhos.

Na oitava pergunta, algumas responderam que a escola é capaz de ressocializar a pessoa

presa, algumas responderam que a escola sozinha não consegue ressocializar as presas.

Indicaram que ficam pouco tempo dentro da escola e que precisam ocupar mais o tempo delas

no dia a dia, ficar na cela é muito ruim física e psicologicamente.

Na última pergunta, a maioria disse que pretende seguir estudando para buscar um bom

emprego; pretendem trabalhar, não querem mais seguir a vida do crime, pois sabem que o

ambiente que vivem é horroroso e ninguém se preocupa com elas ali dentro.

A entrevista realizada com a agente penitenciária foi seguida das seguintes perguntas:

Page 49: Resumo - ProPEd

1- Como é a sua relação com as presas? Elas respeitam?

2- Acredita que o sistema penal do Rio de Janeiro funciona?

3- Qual a maior dificuldade em lidar com as presas?

4- Acredita na recuperação do preso com o atual sistema de prisão?

5- A escola funciona para as presas?

6- A escola é capaz de mudar a vida delas como presas

7- Além da escola, o que mais contribui para o processo de ressocialização?

8- A vontade de mudar de vida só depende delas?

Em resposta à primeira pergunta as agentes afirmam que mantém uma boa relação com

as presas e buscam sempre manter um respeito mútuo. As presas sabem as regras do presídio e

da disciplina que têm que manter no dia a dia, como por exemplo, a limpeza nas celas.

A segunda pergunta foi consensual, afirmando que o Presídio Nelson Hungria funciona,

mas os demais não. Principalmente, porque “os presos não têm disciplina e fazem o que querem

no presídio”.

Na terceira pergunta as agentes informaram que não enfrentam dificuldades para lidar

com as presas.

Na quarta pergunta, afirmam que o sistema prisional é capaz de recuperar o preso sim,

pois oferecem cursos profissionalizantes, educação, acesso à religião, e “só não muda de vida

quem não quer”. Afirmam que já presenciaram a reincidência de roubo de presa, logo após

ganhar a liberdade, casos de mulheres que “saem ganham a liberdade na semana e na semana

seguinte retornam para o presídio por ter cometido mais um crime”.

Na quinta pergunta, com unanimidade, responderam que a escola funciona e,

principalmente, ensina a ler e escrever.

Na sexta pergunta, afirmam que a escola é capaz “de mudar a vida de quem deseja,

inclusive, a nossa vida”.

A sétima pergunta, indica que todo o contexto do presídio contribui para a ressocialização

das presas.

A última pergunta enaltece que a vontade de mudar de vida só irá depender de vontade

própria, pois “as presas têm recursos para seguirem novos caminhos”.

Ao conversar com as presas e com as agentes penitenciárias e a diretora do presídio,

foram observados pensamentos diversos da realidade ali apresentada. As presas sempre se

remeteram as falas de que o presídio é um péssimo ambiente, não são tratadas como seres

humanos e, sim, como “bichos”, por mais que tenham cometido um crime, merecem ser

Page 50: Resumo - ProPEd

tratadas com dignidade, são chamadas por pseudônimos pejorativos a todo tempo, e são

lembradas como pessoas ruins.

Segundo as agentes penitenciárias, a relação com as presas é boa, há um respeito mútuo.

Afirmam que o presídio auxilia as presas para mudarem de vida, com a presença da escola, da

Igreja, da assistência social, de médicos, sempre no intuito de auxiliarem as presas a buscar

uma nova vida quando retornarem à sociedade.

A diretora do presídio busca implementar projetos para garantir uma maior dignidade de

vida para as mulheres presas, mas é ciente da falência que se encontra o Estado do Rio de

Janeiro e da dificuldade de recursos para os projetos. O Presídio Nelson Hungria é um dos

poucos presídios, do Estado do Rio de Janeiro, que não está superlotado, que é limpo, que tem

disciplina - por mais que haja imposição de regras, as presas cumprem. E, ainda, assim a

diretora reconhece que, como ela mesma diz, “aqui é um lugar que a sociedade não quer saber,

a gente tenta resgatar a dignidade delas, promovemos algumas ações, cursos, implementação

de novos projetos”.

Não sem razão, ao falarmos da prisão falamos de uma arquitetura invisível, os presos são

figuras vistas como indesejáveis, todavia, falamos de gente que é fruto de uma sociedade

indigente que subtrai da maioria o direito de ser.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil foi marcado historicamente por punições cruéis, assim como aquelas que ocorreram

na Europa; o país, também, recebeu influências do Iluminismo que contrariava o cruel direito

penal existente pelas Ordenações Afonsinas.

Apenas com a vinda da família real para o Brasil e a separação do Brasil - colônia e com

a criação da primeira Constituição, em 1824, que se criaram maiores condições para uma

legislação penal mais humana.

Mesmo com a influência do Iluminismo na criação do Código Penal Brasileiro e com a

criação das primeiras casas de correção no Rio de Janeiro, as prisões estavam muito longe de

atender às exigências previstas em lei. Já em 1840 havia a superlotação das celas.

Este mesmo quadro vem se repetindo no atual sistema penitenciário brasileiro,

consequentemente, proporcionando o aumento da massa carcerária, pois não há uma política

de contenção e, sim, de perpetuação.

Os presídios são locais de onde a sociedade quer distância, os muros são altos, não se

abrem as portas e pouco se sabe da realidade do sistema.

Page 51: Resumo - ProPEd

Justamente por esse motivo, foi feita a pesquisa para observar as práticas da escola

prisional como uma das formas de ressocialização da pessoa restrita de liberdade, pois o preso

merece assistência, sendo dever do Estado prevenir o crime e reorientá-lo para o retorno da

vida em sociedade.

Infelizmente, a conclusão que se chega é que o preso está enraizado em um ciclo vicioso,

pois já pertence a uma classe social desfavorecida das demais, com poucas condições de vida

digna, sem direito a saúde, educação, trabalho formal e lazer, muitos acabam se rendendo a

vida do crime, onde o dinheiro chega fácil e rápido, mas também não traz futuro, até porque,

rapidamente são interrompidos com a prisão, quando não pela morte.

Na prisão, a situação é pior ou igual a vida que se vivia socialmente, sem expectativa de

futuro. Assim que ganha a liberdade, a situação volta a ser a mesma antes de ser preso, o que

faz com que muitos retornem à vida do crime.

Por isso a escola e as demais forças no contexto prisional devem contribuir para a

ressocialização da pessoa privativa de liberdade, sendo extremamente importante para a

ressignificação de uma nova identidade que seja capaz de restaurar a autoconfiança e os valores

éticos e morais esquecidos ou apagados.

Sabemos que hoje a situação carcerária no Brasil é falida, parece que nunca foi pensada

para dar certo, principalmente, pela sua arquitetura e a massa de pessoas que entra no sistema

a cada dia, sobrecarregando os espaços das celas.

Não podemos mudar essa realidade e nem fugir dela, mas é preciso buscar caminhos para

repensar a instituição penal que temos e a que teremos no futuro.

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Page 55: Resumo - ProPEd
Page 56: Resumo - ProPEd
Page 57: Resumo - ProPEd

CENTRO UNIVERSITÁRIO LA SALLE DO RIO DE JANEIRO

Unilasalle- RJ

CURSO DE DIREITO

A EDUCAÇÃO COMO UMA DAS FORMAS DE RESSOCIALIZAÇÃO

DA PESSOA PRIVATIVA DE LIBERDADE

LAURA MARCONI DA SILVA PEREIRA

NITERÓI – RJ

2017

Page 58: Resumo - ProPEd

LAURA MARCONI PEREIRA

A EDUCAÇÃO COMO UMA DAS FORMAS DE RESSOCIALIZAÇÃO

DA PESSOA PRIVATIVA DE LIBERDADE

Monografia apresentada ao Curso de Direito

da Unilasalle como requisito parcial para

obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª Drª: Helenice Pereira Sardenberg

NITERÓI-RJ

2017

Page 59: Resumo - ProPEd

LAURA MARCONI DA SILVAPEREIRA

A EDUCAÇÃO COMO UMA DAS FORMAS DE RESSOCIALIZAÇÃO

DA PESSOA PRIVATIVA DE LIBERDADE

Monografia apresentada ao Curso de Direito

da Unilasalle como requisito parcial para

obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________

Profª. Orientadora Drª. Helenice Pereira Sardenberg

_______________________________________________________

Profª.

_______________________________________________________

Prof.

NITERÓI-RJ

2017

Page 60: Resumo - ProPEd

Não será preferível corrigir, recuperar e

educar um Ser Humano do que cortar-lhe a

cabeça?

Fedor Dostoievsky (1821-1881)

“Se os governantes não construírem escolas,

em 20 anos faltará dinheiro para construir

presídios”.

Darcy Ribeiro (1922-1997)

Page 61: Resumo - ProPEd

Dedico este trabalho à minha mãe e minha avó

que me dão o maior e puro amor, que são o

meu escudo, que nunca mediram esforços para

me ajudar e sempre estão ao meu lado para me

reerguer e mostrar mais uma vez que vale a

pena tentar de novo. E a todas as mulheres

presas do Presídio Nelson Hungria, que me

ajudaram a construir este trabalho.

Page 62: Resumo - ProPEd

5

Agradeço ao Universo por conspirar positivamente em minha vida, por me fazer uma

mulher centrada, batalhadora e capaz de consquistar meus objetivos.

Agradeço a minha família, por estarem ao meu lado, se preocupando com o meu bem-

estar, por aceitarem as minhas ausências, serem compreensiveis nos momentos de desespero

em dias de fracaços.

Agradeço a todos meus professores da graduação de Pedagogia na Universidade do

Estado do Rio de Janeiro, que me ensinaram sobre a importancia do papel da educação na

sociedade. Deixando-me um importante legado para sempre agregar valores e auxiliar

positivamente na construção da educação do nosso país.

Agradeço igualmente a todos meus professores da graduação de Direito da

Universidade Unilasalle/RJ, por construirem um saber em mim sobre as diversas áreas do

Direito. Por me ensinarem que sempre devemos ser pessoas justas, verdadeiras e éticas na

nossa profissão. Nem sempre iremos ganhar, mas a vida é assim, um dia ganhamos e em outro

perdemos. Devo estar em busca da justiça.

Agradeço especialmente a minha professora orintadora Drª Helenice Sardemberg, por

ter paciencia na minha orientação, pelas conversas e todo apoio recebido na elaboração deste

presente trabalho.

Agradeço aos meus amigos por me apoiarem, por terem me dado força no dia a dia, por

aceitarem algumas vezes o meu mau humor e por muitas vezes transformarem meu dia em um

ótimo dia! Voces foram e são essenciais na minha vida!

Agradeço também aqueles que de alguma forma me desanimaram com a minha

pesquisa de campo, que falaram para desistir, que não me encorajaram a entrar em um

presídio sozinha e longe de casa, vocês me deram mais força ainda para continuar no meu

objetivo e a cada vez me tornar uma pessoa melhor. Que toda inveja e energia negativa

despejada retornem em forma de amor!

Page 63: Resumo - ProPEd

6

RESUMO

Este presente trabalho tem o objetivo de mostrar as influencias iluministas no processo

de humanização das penas ocorridos na Europa e no Brasil, e como esse movimento

influenciou na criação do sistema punitivo até os dias de hoje, principalmente sobre a atual

situação das prisões no Brasil. Desde o século XVIII, já havia críticas as primeiras

carcerágens, pois não obedeciam as regras constitucionais estabelecidas. Atavés de um

levantamento de dados é possível constatar que o sistema penal brasileiro ainda segue as

matrizes deixas do século XVIII, visto que até hoje, não observava as garantias previstas na

Constituição e nos demais ordenamentos jurídicos. Buscando trazer condições dignas de vida

no cumprimento da pena e para auxiliar a pessoa privativa de liberdade no processo de

ressocialização, a educação prisional se apresenta como uma forte influencia em trazer mais

humanidade dentro da prisão. A educação busca trazer uma nova identidade ressignificada,

restaurando a autoconfiança e valores éticos e morais do preso.

Palavras-chaves: Humanização das penas. Educação Prisional. Ressocialização da pessoa

privativa de liberdade.

Page 64: Resumo - ProPEd

7

ABSTRACT

This work has the purpose to show the illuminist influence on the humanization process

of the sentences occurred in Europe and Brazil, and how this movement influenced the

creation of a punitive system untill today, especially in the current prison situation in Brazil.

Since the eighteenth century, there were bad reviews about the first prisons for not following

the contitutional laws estabilished at that time. Through some research is possible to verify

that the brazilian penal system is still following the same rules as if it was the eighteenth

century, since there are no guarantees that their contitutional rights will be assure. To look for

better conditions to the condemned in their sentences and to assist them in the process of

resocialization, the prisional education presents it self as a Strong influence to bring more

humanity into prison. The education tries to bring a new identity, restoring the self esteem,

ethical and moral values of the prisoner.

Keyworlds: Humanizationof the sentences. Prision education. Resocialization the person

deprived of liberty.

Page 65: Resumo - ProPEd

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................9

CAPÍTULO 1. O processo de humanização das penas na Europa e no Brasil. ...13

1.1 As prisões na Europa...........................................................................................13

1.2 As prisões no Brasil..............................................................................................17

CAPÍTULO 2. Quadro geral do sistema penitenciário. ........................................21

2.1 O Sistema Penal e as mulheres. ..........................................................................24

2.2 O sistema penal no Estado do Rio de Janeiro. ..................................................27

CAPÍTULO 3. Uma breve reflexão sobre o sentido da educação nos presídios. ..29

3.1 Educação nas prisões: previsão legal. .................................................................29

3.2 A pesquisa. ...........................................................................................................31

3.2.1 A função da escola no ambiente privativo de liberdade. ...............................34

3.2.2 Entrevistas e rodas de conversas. ....................................................................35

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................39

REFERENCIA.............................................................................................................40

Page 66: Resumo - ProPEd

9

INTRODUÇÃO

A Carta Magna instituída, em 1988, preconizou o novo projeto político societário

hegemônico, no Brasil, um Estado Desenvolvimentista, caracterizado por valorizar os direitos

societários com forte intervenção do Estado a fim de garantir um desenvolvimento

econômico. É nesse contexto pós-ditatorial que os direitos fundamentais são garantidos

constitucionalmente, com conquistas no campo das liberdades individuais, nos direitos de

natureza social e política. Revelando-se assim, mais humanista.

Uma das garantias não diferente das demais conquistadas, em grau de importância, foi a

educação, que se consolida na Constituição Federal, de 1988, quando fala dos direitos sociais,

especificamente, no artigo 6º. Tornando a educação um direito assegurado a todos, inclusive,

aos que se encontram em situação privativa de liberdade, no caso, os presidiários.

Além da nossa Constituição, no ordenamento jurídico, tem-se o Código Penal, o Código

de Processo Penal e a Lei de Execuções Penais (LEP) que tratam dos crimes e cada tipo de

infração, a trajetória na Justiça e as circunstâncias em que o apenado irá cumprir a pena.

Neste trabalho, iremos focar nos objetivos traçados e estabelecidas pela LEP por se

tratar de uma lei que visa as condições do indivíduo privativo de liberdade dentro das

instituições carcerárias, e, especificamente, no que trata a educação para essa população.

Segundo a LEP, todos os presos condenados no Brasil deveriam ter iguais

oportunidades de trabalho, educação e treinamento profissional. Embora haja um dispositivo

que declare expressamente esta norma, apenas uma reduzida parte dos presos tem

oportunidade de estudar, trabalhar e se aperfeiçoar. Esse fato fere, claramente, o objetivo que

a lei propõe da reintegração que deve ser feita com a educação e o trabalho, visto que há um

benefício legal da redução das penas, pois para cada três dias estudados e/ou trabalhados,

reduz um dia da pena e, consequentemente, o livramento condicional. A carência desses

meios contribui, também, para a perpetuação da superlotação, pois retarda a saída dos presos

do sistema prisional.

Com isso, é de fundamental importância uma intervenção pedagógica educacional1,

visando uma reeducação do sujeito para que possa melhor compreender novas formas de se

1"A intervenção pedagógica é uma interferência que um profissional, tanto o educador quanto o psicopedagogo,

faz sobre o processo de desenvolvimento ou aprendizagem do sujeito, o qual no momento apresenta problemas

de aprendizagem. Entende-se que na intervenção o procedimento adotado interfere no processo, com o objetivo

de compreendê-lo, explicitá-lo ou corrigi-lo. É preciso introduzir novos elementos para que o sujeito, pense,

elabore de uma forma diferenciada, quebrando padrões anteriores de relacionamento com o mundo das pessoas

das ideias." por COLUNISTA PORTAL - EDUCAÇÃO

Page 67: Resumo - ProPEd

10

relacionar com o mundo, fornecendo elementos para quebrar os antigos padrões da vida que

tinham.

Desta forma, este trabalho faz um levantamento de dados e informações sobre as prisões

de modo geral, considerando a importância e a urgência sobre a realidade prisional brasileira

que se distancia das políticas educacionais de abrangência dentro das prisões, buscou-se

desenvolver uma pesquisa quanto às práticas educacionais, uma vez que a pena tem um papel

não só punitivo, mas pedagógico também, a fim de proporcionar condições para que o

indivíduo retorne à sociedade e não pratique mais crimes.

A escolha do tema se deu por ser uma questão social, tendo em vista que é um grande

tabu, para a maioria da sociedade, o sistema carcerário, pois envolve os sentimentos mais

profundos do ser humano, se expressando, principalmente, na vingança que a sociedade nutre

por aqueles que não cumpriram as regras do contrato social2 e por isso cumprem pena nas

prisões.

Dar educaçãoa um preso enquanto muitas crianças e jovens não têm acesso e condições

de frequentar uma escola, pode até trazer um pouco de controvérsia. Contudo, por que não dar

educação a um preso? Seráque o preso não se ressocializaria mais facilmente?

Logo, o presente trabalho pretende mostrar que a educação é capaz de mudar, e muito, a

vida de quem está privativo de liberdade, independente do crime que tenha praticado e para os

que já estão na reincidência, a educação é, sim, a saída para que não voltem a cometer mais

crimes.

A abordagem desse tema traz grande divergência nas diferentes camadas sociais, há

quem diga que a educação é papel fundamental na ressocialização do preso para que,

futuramente, quando estiver em liberdade ter chances de buscar um trabalho digno e

assalariado. Há quem diga que preso não tem direito de estudar, tem que cumprir a pena sem

gerar mais gastos públicos com escolas prisionais e trabalhar, sim, dentro da unidade prisional

para pagar os seus gastos. Grande parte dessa ideologia é transmitida através dos meios de

comunicação, a mídia sensacionalista, principalmente, os telejornais, programas que se

intitulam como jornais e fornecem à população que assiste apologia à violência policial,

abrindo espaço para o discurso de que "bandido bom é bandido morto", ou seja, são

https://www.portaleducacao.com.br/pedagogia/artigos/45449/o-que-sao-intervencoes-pedagogicas - acessado

em 10/11/2016 às 22:49 2ROUSSEAU, J. J. O Contrato Social/Jean-Jaques Rousseau. p. 20-22. O termo contrato social apresentado

está relacionado a interpretação de Jean-Jacques Rousseau , sobre o contrato que a sociedade cria em conjunto,

respeitando as leis a fim de afastar as desigualdades e injustiças, visando o bem-estar social da população.

Page 68: Resumo - ProPEd

11

responsáveis em grande parte pela manutenção da ignorância da população sobre o sistema

carcerário e os diversos assuntos relacionados a esse tema.

Analisando a questão da educação prisional pode-se observar uma grande porcentagem

de pessoas que não voltam a reincidir na vida do crime, confirmando o papel da educação

como transformadora na vida de qualquer pessoa, independente da condição que se encontra.

A educação é capaz de abrir caminhos antes jamais percorridos e planejados por pessoas

privativas de liberdade, e isto se concretiza quando eles se veem dentro de uma unidade

prisional e ao mesmo tempo estudando. Possibilitando-os a construir um novo caminho de

vida.

Diante do exposto, destaca-se que o principal referencial teórico da pesquisa é Foucault

(2014), com sua discussão sobre a relação entre o poder e o saber e como eles são usados

como forma de controle social, por meio de instituições. Além deste autor, far-se-á importante

refletir o que falam Elionaldo Julião (2012), pois que aborda a temática de jovens e adultos

privativos de liberdade no contexto educacional; Cláudio Prado do Amaral (2016), Chiaverini

(2009) e Paulo Freire (2013).

O presente trabalho tem por finalidade compreender a prática pedagógica das escolas

prisionais com os alunos e os demais profissionais da educação em seu caráter eficiente e

eficaz como uma das formas de ressocialização do preso.

Sendo analisada a atuação dos profissionais, segundo documentos que lhes dão base

para reconhecer os indivíduos privados de liberdade como sujeitos de direitos às ações e

políticas educacionais que levam em consideração a diversidade e a inclusão, através de uma

pesquisa bibliográfica e de campo, de cunho descritivo, cujo o método observacional,

analisou o ambiente de uma escola prisional e as suas práticas pedagógicas; a atuação dos

professores com seus alunos e do diretor com seus professores e coordenadores, inclusive, das

presas com as demais presas.

Foi feito levantamento de alguns documentos que norteiam a educação em geral, os

Pareceres, as Diretrizes, os Parâmetros Curriculares e o Projeto Político Pedagógico, (PPP). E

de forma mais estrita o currículo dessas escolas prisionais pela Diretrizes Nacionais para a

oferta de educação nos estabelecimentos penais e a Diretoria Especial de Unidades Escolares

Prisionais e Sócioeducativas (DIESP) que é a divisão das escolas prisionais, onde se definem

metas, diretrizes e dinâmicas no desenvolvimento da educação, por intermédio de programas

e projetos que estabeleçam uma política administrativa que atenda as especificidades das

Unidades Escolares Prisionais e Socioeducativas, zelando pelo cumprimento da legislação em

Page 69: Resumo - ProPEd

12

vigor, em consonância com a política educacional promovida pela Secretaria de Educação do

Estado do Rio de Janeiro.

Importante se fez, também, trabalhar com as leis que asseguram os direitos ao apenado

estudar, como a Constituição Federal de 1988, a Lei de Execuções Penais, LEP, e a

Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH).

O primeiro capítulo do presente trabalho irá abordar fatos históricos ocorridos a partir

do processo de humanização das penas do século XVIII na Europa, e como esse processo de

humanização das penas ocorreu no Brasil. Ambos tiveram forte influência do iluminismo com

uma justificativa o estopim da crueldade do sistema punitivo.

O segundo capítulo foi feito a partir de um levantamento de dados sobre o atual sistema

prisional do nosso país. Foram levantados diversos dados sobre a prisão de forma geral, a

prisão masculina e a prisão feminina. Os dados coletados são alarmantes e demonstram a

emergência em buscar novas formas de contenção da quantidade de massa de pessoas que

entram no sistema penitenciário a cada dia.

O terceiro capítulo irá abordar a educação prisional como uma das formas de

ressocialização da pessoa privativa de liberdade. Devido ao enorme contingente de pessoas

encarceradas nos estabelecimentos penais no Brasil, devem ser ofertadas possibilidades para a

pessoa presa buscar uma nova condição de vida quando ganhar a liberdade. A educação é uma

dessas formas, pois é capaz de construir uma nova identidade no preso através da restauração

de valores éticos e morais. Criando laços desprovidos de ameaças, ódios, vinganças, é um

local que busca construir pessoas melhores para retornarem a sociedade fora da vida do crime.

Page 70: Resumo - ProPEd

13

CAPÍTULO 1. O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO DAS PENAS NA EUROPA E NO

BRASIL

1.1 As prisões na Europa

A pena privativa de liberdade e o sistema penal contemporâneo apontam historicamente

as transformações sociais, econômicas e políticas que deram origem a sociedade capitalista na

qual vivemos hoje. Inicialmente, o processo de industrialização ocorrido no século XVIII, na

Europa, gerou grande impacto na transação do sistema feudal pelo de produção capitalista,

com um forte aumento do comércio, crescimento das cidades e das populações,

desenvolvimento de manufaturas, entre outros, marcando a revolução social que substituiu o

modelo de produção e introduziu novos atores na cena política até então vigente.

Podemos fazer uma rápida observação ocorrida neste período, pois segundo Foucault

(2014), a substituição da mão de obra humana pelo maquinário, alterou não só os meios de

produção, mas as relações sociais também. As novas formas de organização social são

representadas pela lógica do capital, do lucro, com o intuito de produzir maior riqueza.

Consequentemente, a substituição da mão de obra gerou um grande número de

desempregados e pessoas expulsas de suas terras, sem lugar digno de moradia. Por conta

disso, parte dessas pessoas passavam a mendigar e a viver de pequenos furtos, aumentando a

criminalidade moderna.

No início do século XVIII, as punições feitas contra as pessoas que entravam para a

criminalidade eram demasiadamente severas, era a era dos "espetáculos punitivos", quanto

mais fosse dolorosa e perfeita a execução do condenado, maior a euforia e aplausos à morte

espetacular. As formas cruéis de punição eram um instrumento político para gerar dominação

e intimidação a toda população. Ainda, havia a vingança do soberano em defesa da sociedade

contra aqueles que praticavam os crimes.

As atrocidades que eram "espetáculos punitivos" podem ser compreendidas como um

ritual político, mesmo que de um modo menor, são formas pelas quais se manifesta o poder.

De acordo com o sistema punitivo do Absolutismo, além da infração cometida produzir um

dano, prejudica também o direito de quem faz a lei. Para Foucault (2014), além do crime

atacar a vítima, ataca o soberano, pois, a lei é a vontade do soberano, é a força do príncipe.

A atrocidade que paira sobre o suplício desempenha portanto um duplo

papel: sendo princípio da comunicação do crime com a pena, ela é por outro

Page 71: Resumo - ProPEd

14

lado a exasperação do castigo em relação ao crime. Realiza ao mesmo tempo

a ostentação da verdade e do poder; é o ritual do inquérito que termina a

cerimônia onde triunfa o soberano. (p. 57).

O sistema penal começa a entrar em colapso com as novas ideias iluministas que iam

surgindo e com a decadência do Absolutismo. Segundo Chiaverini (2009), alguns fatores

favoreceram essa mudança, como, o fato dos suplícios, embora cruéis, não conseguirem

conter o aumento da criminalidade; a necessidade da força de trabalho nas indústrias; a

economia da Europa que precisava desenvolver o capitalismo, visto que, em dias de suplícios,

os trabalhadores interrompiam seus trabalhos para assistirem ao espetáculo, aumentando,

inclusive, os crimes de roubo e furto nos dias das cerimônias. Como relata Foucault (2014):

O pavor dos suplícios na realidade acendia focos de ilegalismo: nos dias de

execução o trabalho era interrompido, as tavernas ficavam cheias, lançavam-

se injúrias ou pedras ao carrasco, aos policiais e aos soldados; procurava-se

apossar do condenado, para salvá-lo ou para melhor matá-lo; brigava-se, e os

ladrões não tinham ocasião melhor que o aperto e a curiosidade em torno do

cadafalso. (p. 63).

No final do século XVIII e início do século XIX, as cerimônias das punições cruéis,

começam a desaparecer, aflorarando pensamentos sobre o "revisionismo" do sistema penal,

com base em ideias teleológicas e humanísticas. Essas ideias começam a ser repensadas por

alguns fatores. Foucault (2014) aponta que o Estado via a necessidade de uma nova estratégia

no poder de punir, de acordo com a "nova economia" que se instaurava e precisava

estabelecer as finalidades economicistas na Europa.

Amaral (2016) dispõe, em contrapartida, que alguns críticos afirmam que a raiz da

reforma humanista no sistema penal se deve ao ideário cristão de forçar o condenado a

repensar o ato que praticou e proporcionar seu arrependimento, através do encarceramento.

Defendiam que ao invés de punir o corpo do condenado, deveria punir sua "alma".

Contudo, a ideia de Foucault (2014), faz maior sentido se observamos que a tática era

buscar “lucrar” de alguma forma com a prisão. Apenas a morte do condenado não era possível

para movimentar a economia do capital.

O verdadeiro objetivo da reforma, e isso desde as suas formulações mais

gerais, não é tanto fundar um direito de punir a partir de princípios mais

equitativos; mas estabelecer uma nova "economia" do poder de castigar,

assegurar melhor distribuição dele, fazer com que não fique concentrado

demais em alguns pontos privilegiados (...), que possam ser exercidos em

toda parte, de maneira contínua e até o mais fino grão do corpo social.

(FOUCAULT, 2014, p. 80).

Page 72: Resumo - ProPEd

15

Ele ainda completa, dizendo que “Diminuir seu custo econômico e político aumenta a

eficácia, muntiplicando seus circuitos. Em resumo, construir uma nova economia e uma nova

tecnologia do poder de punir: tais são sem dúvida as razões de ser essenciais da reforma penal

no século XVII”. (Ibidem)

Portanto, a reforma penal deve ser entendida como uma estratégia do poder de punir de

forma mais regular, mais eficaz em seus efeitos, principalmente, diminuindo seu custo

econômico e seu custo político.

Segundo Chiaverini (2009), a Europa passava por um momento de queda demográfica

em função das guerras religiosas e dos conflitos internos de alguns países. E ao mesmo

tempo, com algumas conquistas das colônias de exploração como nas regiões da África, da

Ásia e da América - importando matérias-primas para a industrialização – o que gerou

prosperidade e desenvolvimento para os centros urbanos, aumentando a necessidade de mão-

de-obra para a quantidade de oferta de trabalho que surgia.

A Idade Moderna teve, como um de seus méritos, a humanização da pena, o processo

industrializador trouxe a necessidade de racionalizar o novo mercado que estava em

formação. Havia a preocupação com a nova forma de dominação e disciplina voltadas a

socializar a produção e criar uma força de trabalho perfeitamente moldada e regulada.

Segundo Chiaverini (2009),

[...] a principal preocupação continuava a ser a necessidade de uma grande

reserva de força de trabalho para o crescimento continuado da indústria. Era

interesse comum do governo e dos donos dos meios de produção a existência

de força de trabalho a baixo custo e uma legislação definindo regras para o

trabalho nas fábricas. (p. 83).

A Inglaterra foi o primeiro país a presenciar a queda do absolutismo com a revolução

industrial. O capitalismo era o sistema que mais tinha poder para influenciar as decisões

políticas e econômicas da Europa.

Havia uma preocupação com os mendigos, ociosos, vagabundos e os ladrões de

pequenos furtos, pois a Europa passava por transformações sociais, políticas e econômicas

devido à guerras religiosas, doenças devastadoras e pobreza, não existindo mão-de-obra para

executarem o novo modelo que vinha surgindo. Com isso, começaram a desenvolver ao

máximo as “casas de correção”, que ofereciam trabalho aos desempregados ou obrigava a

trabalhar quem oferecia resistência.

Page 73: Resumo - ProPEd

16

Segundo Chiaverini (2009), as “houses of correction” ou “workhouses”, primeiro,

surgiram na Inglaterra, em 1555, e ofereciam trabalho em péssimas condições, com o objetivo

claro de explorar a força de trabalho dos trabalhadores. A ideia era transformar a força de

trabalho dos indesejáveis, tornando-a socialmente útil. Os prisioneiros adquiriam novos

hábitos para a produção industrial, o trabalho profissional era elevado e exigido a exaustão.

Rusche e Kirchheimer (2004), apontam que os prisioneiros, muitas vezes, eram

demandados a continuar trabalhando por um longo período, depois de concluído o

treinamento, para poder pagar os custos da manutenção e da educação que receberam, isto

feito como uma forma de garantir ao máximo o sucesso financeiro da casa de correção.

Juntamente com as casas de correção, havia as galés que tinham como objetivo único a

exploração do trabalho humano com as condições mais baratas possíveis. Como explica

Rusche e Kirchheimer (2004, p.85), “O que é significativo no uso das galés como método de

punição é o fato de ser uma iniciativa calcada em interesses somente econômicos e não

penais”.

As galés forneciam homens para a formação de tripulação de remadores,

principalmente, em países onde havia a expansão marítima e a sentença mínima para as galés

era de 10 anos, o que nem sempre se cumpria, devido as mínimas condições existenciais,

sendo assim, muitos não sobreviviam para ganhar a liberdade.

Desta forma, começam a surgir alguns focos de luz na sociedade sobre a eficácia da

forma de punição que os vagabundos, as prostitutas, os vagos, os criminosos de pequenos e

grandes furtos e roubos, os homicidas, os órfãos, os loucos, recebiam sem alguma distinção.

Pois não havia uma separação nas casas de correção ou nas galés para o tipo de crime ou com

sentença diferenciada. Todos eram colocados nas galés para terem a sua força de trabalho

explorada.

De acordo com Krohne (1889), citado por Rusche e Kirchheimer (2004, p.109), não

havia como diferenciar o propósito e a natureza do cárcere sobre o encarceramento de todos

que eram considerados indesejáveis, das pessoas que não contribuíam para o crescimento da

economia. Não havia critérios na aplicação das sentenças, muitas eram consideravelmente

pequenas, mas a maioria era absurdamente grande.

Não sem razão, muitos filósofos começaram, à época, a buscar no estudo sobre a prisão,

as diferentes formas de encarceramento, como: Beccaria (1738- 1774), Voltaire (1694-1778),

Montesquieu (1689-1755), Jeremy Benthan (1748- 1832), John Howard (1725- 1790), entre

Page 74: Resumo - ProPEd

17

outros. Apesar de não terem vivido no mesmo período de tempo, conheceram as casas de

correção e as galés, que foram criadas.

A afirmação de Chiaverini (2009) está correta ao apontar que o iluminismo não foi o

responsável pela criação das prisões modernas, mas foi a mola propulsora, que finalizou esse

capítulo da história, ao combater as penas cruéis e trazer a realidade da situação que acontecia

na Europa - enfraquecimento da questão econômica das instituições, devido a consolidação do

capitalismo e a não necessidade de intimidar e disciplinar os trabalhadores. O iluminismo

contribuiu então, para a manutenção da prisão e impediu o retrocesso às penas cruéis.

A partir de agora iremos fazer um novo recorte na história, e vamos observar o início da

pena de prisão no Brasil a partir da Constituição de 1824.

1.2 As prisões no Brasil

Para pensarmos historicamente o processo de humanização das penas no Brasil,

devemos nos remeter a chegada dos portugueses que trouxeram as Ordenações Afonsinas,

vigentes em Portugal, com a chegada, logo após o descobrimento, de outras ordenações.

Todas, entretanto eram marcadas por formas cruéis de punição, bem como pela pena de

morte.

Para Amaral (2016), deve ser feita reflexão sobre este período histórico, pois foi

marcado pelo terror. As Ordenações sofreram forte influência do direito romano e canônico e

seus "delitos mais graves eram aqueles que atacavam a religiosidade, o Reino e os bons

costumes" (p. 65). A pena de prisão raramente era usada. Eram priorizadas as punições cruéis

e a pena de morte, que eram "frequentes nas previsões normativas como a aplicação e

execução" (Amaral, p.66).

As formas bárbaras de executar os corpos com degolação, açoitamento em pelourinho,

corte multilateral de braços, pernas, mãos, dedos, orelhas, extração de olhos, torturas, servia

de intimidação e imposição pelo sangue, através da dor física e moral, para aqueles que

ousassem pensar em violar a ordem estabelecida.

Segundo Amaral (2016), a primeira representação do direito penal, neste período, foi

em 1643, com as Ordenações Filipinas. O Livro V, das Ordenações Filipinas abordava o

sistema penal e previa a aplicação das penas desproporcionais aos delitos cometidos, a

crueldade e a injustiça e a perpetuação da pena de morte, mais comum do que a pena de

prisão.

Page 75: Resumo - ProPEd

18

Assim como ocorreu na Europa, o Brasil foi fortemente influenciado pelo movimento

iluminista, contrariando o desproporcional, cruel e sanguinário "direito penal" existente.

Especialmente, após a chegada da família real em 1808, a separação política do Brasil-colônia

de Portugal, em 1822, e com a primeira Constituição Brasileira, em 1824, criaram-se maiores

condições para a criação de uma legislação penal mais humana.

Em 1830, nasceu o Código Criminal que seguiu as linhas humanas que a Constituição

de 1824 afirmava, como diz no "TITULO 8º - Das Disposições Geraes, e Garantias dos

Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros.", o art. 179 e os incisos XVIII E XIX

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos

Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a

propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira

seguinte.

XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado

nas solidas bases da Justiça, e Equidade.

XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e

todas as mais penas crueis3.

Pode-se observar, desta forma, a influência do Iluminismo no Brasil. A Constituição

estabeleceu que o código penal devevia ser criado com base na justiça e na igualdade, com as

penas cruéis sendo abolidas. Apesar das novidades, a pena de morte ainda se fazia presente.

O inciso XXI diz: “As Cadêas serão seguras, limpas, bem arejadas, havendo diversas

casas para separação dos Réos, conforme suas circumstancias, e natureza dos seus crimes".

Logo, a Constituição, de 1824, apresentava, pelo menos, proposta de dignidade humana.

Havia uma preocupação quanto a sua integridade física e a saúde do preso e, também,

assegurava que os "réus" deveriam ficar separados conforme a gravidade dos seus delitos. Já

se pensava em não se "misturar" os réus, isto é, os primários e/ou pouco violentos com os

reincidentes e mais violentos.

O Código Criminal também trouxe novas formas de prisão: a prisão simples e a prisão

com trabalho que poderia ser perpétua. Como diz no Título II - Das Penas

Art. 34. A tentativa, a que não estiver imposta pena especial, será punida

com as mesmas penas do crime, menos a terça parte em cada um dos gráos.

Se a pena fôr de morte, impôr-se-ha ao culpado de tentativa no mesmo gráo

a de galés perpetuas. Se fôr de galés perpetuas, ou de prisão perpetua com

trabalho, ou sem elle, impor-se-ha a de galés por vinte annos, ou de prisão

com trabalho, ou sem elle por vinte annos. Se fôr de banimento, impôr-se-ha

a de desterro para fóra do Imperio por vinte annos. Se fôr de degredo, ou de

desterro perpetuo, impôr-se-ha a de degredo, ou desterro por vinte annos.

3Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm - acessado em 29/10/2017

às 19:09.

Page 76: Resumo - ProPEd

19

Segundo Engbruch e Morais di Santis (2012), o próprio Código já apresentava uma

alternativa de prisão, quando não fosse possível a prisão nas condições previstas em lei, como

diz o art 49:

Emquanto se não estabelecerem as prisões com as commodidades, e arranjos

necessarios para o trabalho dos réos, as penas de prisão com trabalho serão

substituidas pela de prisão simples, acrescentando-se em tal caso á esta mais

a sexta parte do tempo, por que aquellas deveriam impôr-se.

Infelizmente, o previsto expresso na lei não se realizava na prática, mesmo a

Constituição de 1824 “garantindo” prisões arejadas e com boa higiene, havia

incompatibilidade de adequação dos prédios prisionais, além disso, certos Municípios não

tinham sequer prisão.

As Câmaras Municipais foram criadas em 1º de outubro de 1828, por D. Pedro I, entre

as diversas atribuições estabelecidas, destaca-se o art 56, pois este indica que deverá haver

uma comissão para realizar visitas periódicas às prisões relatando tudo o que for visto.

Art. 56. Em cada reunião, nomearão uma commissão de cidadãos probos, de

cinco pelo menos, a quem encarregarão a visita das prisões civis, militares, e

ecclesiasticas, dos carceres dos conventos dos regulares, e de todos os

estabelecimentos publicos de caridade para informarem do seu estado, e dos

melhoramentos, que precisam.

Essas comissões relatavam a realidade lastimável das prisões, como demonstra

Engbruch e Morais di Santis (2012):

Ao descrever o sórdido ambiente, imundo e cheio de fumaça, deixa-se claro

que os presos faziam pequenos objetos (pentes, colheres) com chifres de boi.

Assistência médica precária, alimentação ruim e pouca, mistura de presos

condenados e não condenados, falta de água, acúmulo de lixo fizeram a

comissão concluir que tal era “o miserável estado da Cadea capas de revoltar

ao espírito menos philantropo”.

Em 1850, nasce a primeira Casa de Correção no Rio de Janeiro, de acordo com Pessoa4

(2014), também, era chamada de Casa de Correção da Corte, criada em 6 de julho, pelo

Decreto nº 678, que aprovou o seu primeiro regulamento.

A Casa de Correção tinha o objetivo de executar a pena de prisão com o trabalho, dentro

da própria prisão, como diz o artigo 1º do regulamento. Os presos que chegavam para cumprir

a pena se alocavam em uma das cem celas prontas e outras cem ainda em construção. Dois

anos após as demais celas que foram concluídas, passaram a receber um maior quantitativo de

condenados suprindo a demanda de vagas. (Pessoa, 2014)5.

4

PESSOA, Tomaz de Aquino Gláucia. Casa de Correção. 2014. Disponível em:

<http://linux.an.gov.br/mapa/?p=6333> acessado em 03/11/2017 - às 01:25 5 Ibidem

Page 77: Resumo - ProPEd

20

Amaral (2016) afirma que ainda em 1864 - 40 anos de vigência da Constituição - as

prisões estavam muito longe de atender os fins da humanização das penas previstas na

Constituição. E não havia resposta diferente para tal situação: a escassa destinação de recursos

financeiros para adaptação das unidades prisionais através das mudanças trazidas pela

Constituição.

Assim como ocorreu na Europa, o Brasil também passou por um processo de

humanização das penas. O mesmo movimento iluminista que influenciou as penas cruéis que

existiam na Europa, foi trazido para o Brasil para combater as atrocidades que eram feitas

para punir os corpos.

A abolição da escravidão, em 1888, foi um marco importante para diversas alterações

que incidiam no fim do período Imperial. A pena de morte foi expressamente revogada pelo

código penal de 1890 e, posteriormente, em 15 de novembro de 1889 foi proclamada a

República6.

Aspirando aos bons ares que trouxe o iluminismo, no final do século XVIII, o Brasil foi

capaz de estabelecer, na primeira Constituição do país, garantias na forma de punir o réu.

Ainda que de 1824 à 1988 ocorra um longo período, pouco podemos observar na prática a

“humanização das penas”. Há previsão expressa em lei, há quase 200 anos, que marcam o fim

da crueldade na punição do réu, o que hoje ainda ocorre, haja vista as péssimas condições de

encarceramento presente no país. Faz-se necessário, portanto, buscar os antigos ares que

influenciaram nossa primeira Constituição, mas não somente isso, importante por,

efetivamente, em prática todas as ideias que fizeram mudar a forma de punição.

6 Disponível em: Apesar de abolida a pena de morte ainda tem aplicação no Brasil, em casos de crimes

cometidos em tempos de guerra. - http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/01/150117_morte_fd -

acessado em 29/10/2017 às 20:11

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21

CAPÍTULO 2 - QUADRO GERAL DO SISTEMA PENITENCIÁRIO

Sabemos que nosso sistema punitivo foi planejado seguindo as matrizes deixadas pelo

patrimonialismo, pela escravidão, pelas penas de torturas, pela exclusão de certas camadas da

sociedade, consagrando um modelo estrutural dos estabelecimentos penais que violam, todo

tempo, os direitos humanos das pessoas privativas de liberdade.

Podemos relembrar que desde o século XVIII, com o processo de humanização das

penas no Brasil, conforme visto no capítulo anterior, já havia críticas ao sistema punitivo

existente naquela época, inclusive, sobre a primeira prisão criada, visto que não observava as

garantias trazidas na Constituição.

Sendo assim, o reconhecimento dessas críticas deve ser usado como força motriz para

buscar novas mudanças no atual sistema penal e inspirar a política penitenciária com novas

alternativas para realinhar as diretrizes antigas e tradicionais.

Dados e informações pertinentes ao quantitativo sobre as prisões no Brasil, com

levantamentos feitos por órgãos governamentais e não governamentais, apontam uma

considerável diferença entre o número de presos de acordo com a metodologia adotada ou a

sua respectiva fonte de informação, mas que se complementam em alguns quesitos.

De acordo com o último relatório produzido pelo Infopen7 - Departamento Nacional

Penitenciário- em 2014 (reflete a coleta realizada na data-base considerada para o respectivo

relatório analítico, junto a gestores de cada unidade prisional, limitando-se apenas às unidades

geridas pelas Secretarias de Administração Penitenciária no Estado (excluindo as carceragens

nas unidades de Polícia Civil), sendo os últimos dados publicados datados de 31 de dezembro

de 2014), o Brasil vem apresentando um aumento na população carcerária, em níveis

preocupantes.

Em relação à taxa de encarceramento geral (número de pessoas presas por

grupo de 100 mil habitantes), o Brasil encontra-se na sexta colocação

mundial, com uma taxa de 306,2 detentos por 100 mil habitantes,

ultrapassada apenas por Ruanda, Rússia, Tailândia, Cuba e Estados Unidos.

Em 2004, a taxa brasileira era de 135 presos por 100 mil habitantes. Se

considerada apenas a taxa de encarceramento feminino, saltou de 13,58 em

2005 para 32,25 detentas por 100 mil habitantes.

O diagnóstico aponta ainda que, se considerado o número de pessoas que

entraram e saíram do sistema penitenciário nacional ao longo de 2014, pelo

menos um milhão de brasileiros vivenciaram a experiência do

encarceramento, no período de um ano8.

7 http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/documentos/infopen_dez14.pdf

8 http://www.justica.gov.br/noticias/populacao-carceraria-brasileira-chega-a-mais-de-622-mil-detentos

Page 79: Resumo - ProPEd

22

O Conselho Nacional de Justiça, instituiu o Geopresídios, relatório dinâmico alimentado

mensalmente pelos relatórios de Inspeção, realizado por juízes com competência na área de

execução penal, extraídos do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais e

publicados de forma dinâmica, com base no último relatório judicial de inspeção preenchido9.

De acordo com o Geopresídios o Brasil apresenta um quadro de 654.372 pessoas presas,

trazendo um número ainda maior que os dados informados pelo Infopen, 2014.

Nessa mesma linha de pesquisa, a plataforma online World Prison Brief, gerida pelo

Institute for Criminal Policy Research - ICPR, da Escola de Direito da Universidadede

Londres10

, realizou um estudo sobre o aumento da massa carcerária no Brasil estar em

constante crescimento, concluindo que em julho de 2017, já havia 657.680 pessoas privadas

de liberdade nas prisões, um número ainda maior do último dado feito pelo Geopresídios.

Destacou que a capacidade oficial do sistema prisional de vagas é de 393.953 e o nível de

ocupação é de 163,9%, em janeiro de 2017.

De acordo com o Institute for Criminal Policy Research - ICPR, o Brasil já ocupa a

terceira posição no ranking mundial, a China está em segundo lugar com 1.649.804 presos e

em primeiro lugar os Estados Unidos, com 2.145.100 indivíduos presos. O Brasil já ultrapassa

a posição da Rússia.

Pode-se observar que não há como se obter um número preciso sobre o quatitativo de

total de presos nos presídios, visto que há a influência de alguns fatores como, a falta de

informação de algumas unidades prisionais e a grande rotatividade de presos entrando e

saindo diariamente do sistema penal. Por isso os dados aqui apresentados mesclam as fontes

de informações, pois são complementares, sendo capazes de apresentar um maior

esclarecimento ao quadro das pessoas privativas de liberdade.

O Brasil hoje contém 1.424 estabelecimentos penais estaduais e federais, presentes em

todos os 26 Estados e o Distrito Federal, disponibilizando apenas 371.884 vagas e totalizando

um déficit de 250.318 vagas, de acordo com o Infopen, em 2014. Neste contigente, o total de

presos provisórios são de 249.668 pessoas e os presos sem condenação ainda, totalizam

212.224 indivíduos.

Pode-se observar que o número de presos provisórios, 249.668 indivíduos, é quase igual

ao déficit de vagas no sistema, soamando-se 250.318 vagas. Estamos falando de pouco mais

de 40% de 622 mil pessoas, são quase 250 mil pessoas presas antes de serem julgadas em

9http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php e

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/02/b5718a7e7d6f2edee274f93861747304.pdf 10

http://www.prisonstudies.org/country/brazil

Page 80: Resumo - ProPEd

23

primeiro grau, sendo que, grande parte dessas pessoas poderia responder em liberdade, como

explica o relatório da pesquisa “A Aplicação de Penas e Medidas Alternativas”, realizada pelo

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, por demanda do DEPEN11

,

É gravíssima a informação de que em 37,2% dos casos pesquisados em que

os réus estiveram presos provisoriamente não houve condenação à prisão ao

final do processo. Projetando esse achado para o gritante número de presos

provisórios no país, que ultrapassou a marca de 240 mil pessoas em

dezembro de 2013, é provável que tenhamos cerca de 90 mil homens e

mulheres encarcerados que, por diversas razões, não serão condenados à

prisão, na maior parte dos casos com sentenças de absolvição ou condenação

a penas alternativas.

Não restam dúvidas que o Brasil vive uma tendência a aumentar sua população

carcerária, a taxa é de mais de 300 presos para cada 100 mil habitantes maiores de 18 anos,

enquanto a taxa mundial de aprisionamento encontra-se no patamar de 144 presos por 100 mil

habitantes12

.

O encarceramento desse enorme contingente de pessoas aponta para uma maioria de

jovens, sendo que 55,07% dos presos têm até 29 anos, representados por uma maioria negra,

isto é, 61,67% da população carcerária é de jovens negros, com alto número

de déficit educacional, pois apenas 9,5% desta população têm o ensino médio completo

(enquanto a média nacional se encontra no patamar de 32%).

O Infopen, 2014 revela que a cada 100 mil homens na população brasileira, acima dos

18 anos, 418,44% estão presos, esse mesmo número em relação às mulheres com a

maioridade atingida são de 43,28% de pessoas. Sendo um total de 612.980 homens presos e

44.700 mulheres presas13

.

O perfil criminal das pessoas privativas de liberdade é caracterizado por alguns fatores

influenciados pela dinâmica criminal, como as alterações na legislação, (dada a importância a

certos crimes), a justiça comum e judiciária - principalmente pelo estereótipo criado em

conjunto com a mídia, pois esta, além de influenciar é, também, tendenciosa contribuindo

fortemente para que a massa telespectadora assimile uma ideia de criminoso que não é muito

comum no sistema prisional. Os casos bárbaros de mortes que proporcionam um grande

número de audiência, como os crimes de homicídios ou os casos de latrocínio, quando são

11

http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/politicas-2/alternativas-penais-anexos/pmas_sum-

executivo-final-ipea_depen-24nov2014.pdf 12

Conforme dados da ICPS - International Centre for Prison Studies 13

http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-

versao-web.pdf

Page 81: Resumo - ProPEd

24

seguidos de morte, de acordo com os dados do Infopen (2014), juntos representam 13% do

total de crimes cometidos das 622 mil pessoas, o que representam 80.886 pessoas.

As pressuposições feitas da atual situação do sistema penitenciário são de pessoas

pobres, negras e com baixa escolaridade e é, de fato, este o perfil da maioria das pessoas

presas. De acordo com o Infopen (2014), 61,67% dos presos são negros/pretos e pardos,

37,22% são brancos, 0,65% são amarelos, 0,13% são indígenas e 0,32% são outros.

Sobre a escolaridade, os dados informam que os detentos analfabetos, alfabetizados

informalmente, e com o ensino fundamental completo, representam 75,08% da população

prisional, o que revela um número aproximadamente de 467.149 mil pessoas. Enquanto os

detentos com ensino médio completo ou incompleto e ensino superior completo ou

incompleto, revelam um valor numérico de 24,92% de pessoas, representando um número

aproximadamente de 155.052 de pessoas.

A educação básica, que engloba a educação infantil dos quatro anos aos dezessete anos

de idade, desde a pré-escola até o ensino médio, segundo o art 4º, da nº 9.394/96, Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, serve para assegurar que crianças e jovens recebam

uma educação com os padrões mínimos de qualidade de ensino, com os insumos

indispensáveis ao desenvolvimento e ao processo de ensino-aprendizagem.

Priorizar investimentos públicos em educação é de extrema importância para as pessoas

oriundas de extratos sociais desfavorecidos, pois contribui diretamente na diminuição da

pobreza e da criminalidade, visto que manter os jovens na escola, até o término do ensino

fundamental traz uma maior escolaridade e um fator protetivo aos jovens e,

consequentemente, a possível redução da massa carcerária. Hoje, somente, o ensino

fundamental incompleto, sem conclusão, traz uma porcentagem de 49,58% de pessoas

privativas de liberdade.

2.1 O Sistema Penal e as mulheres.

Segundo dados do World Female Imprisonment List, relatório produzido pelo Institute

for Criminal Policy Research da Birkbeck, University of London, o número de mulheres

presas no mundo está aumentando em um ritmo mais acelerado do que os níveis de prisão

masculina. Os casos de aumento aparecem em todos os continentes desenvolvidos e menos

desenvolvidos. De acordo com o último relatório produzido, a população carcerária feminina

é de mais de 714 mil mulheres. Demonstrando um aumento desde 2000 de mais de 50% na

taxa de crescimento.

Page 82: Resumo - ProPEd

25

De acordo com o ranking mundial das mulheres presas, os EUA estão em primeiro lugar

(cerca de 211.870), seguido da China (cerca de 107.113 ), Russia (cerca de 48.478), e na

quarta posição, o Brasil (cerca de 44.700).

De acordo com o Infopen – Mulheres (2014), o número de mulheres presas no Brasil

vem aumentando constantemente em relação ao número de presos masculinos. No lapso

temporal de 2000 a 2014, o aumento foi de 567,4%,14

enquanto a média nacional de

crescimento masculino, no mesmo período, foi de 220,20%, refletindo, assim, uma curva

ascendente no encarceramento em massa de mulheres.

Este ritmo acelerado de crescimento da população carcerária masculina e feminina se

contrapõe a tendência mundial dos países que investiram em políticas públicas para diminuir

o encarceramento de massa, como alguns países da Europa.

A cada 100 mil mulheres acima dos 18 anos, há aproximadamente, mais de 36 mulheres

presas. No ranking das Unidades da Federação, São Paulo é o estado com o maior número

absoluto de presos e tem a maior população feminina encarcerada, representando (14.810

mulheres) 39% das mulheres presas no país, de acordo com o Infopen, (2014). Seguido do

Rio de Janeiro, (aproximadamente 4.139 mulheres presas) e de Minas Gerais

(aproximadamente 3.070 mulheres presas)15

.

A prevalência de certos perfis de mulheres encarceradas não se diferencia muito dos

homens presos, a grande maioria é negra e com baixa escolaridade. Os dados feitos pelo

Infopen – Mulheres (2014), abordaram diferentes aspectos das mulheres presas, como: a

natureza da prisão, a raça/cor/ etnia da mulher presa, estado civil, escolaridade e a razão da

sua prisão. O conjunto de dados demonstrando a realidade das mulheres presas, permite

esclarecer as eventuais falhas da política criminal e, também, as políticas públicas, que

poderiam ser mais eficientes e eficazes, proporcionando maiores oportunidades às mulheres

de classe social menos favorecida.

De acordo com o Infopen – Mulheres (Ibidem), as mulheres condenadas com penas de

prisão de até oito anos, representam um número expressivo de 63%. Sendo que 45% das

mulheres cumprem a pena em regime fechado, enquanto aproximadamnete 22% das mulheres

cumprem em regime semiaberto, isto demonstra que a pena de prisão como medida

sansionatória é uma regra e não exceção, inclusive, para os casos de crimes menos graves,

impactando diretamente no total de mulheres encarceradas no Brasil.

14

Segundo dados Ministério da Justiça, a partir de 2005, dados do Infopen/MJ, a população carcerária femenina

era de aproximadamente 5.601 mulheres. Infopen - Mulheres p.10. 15

http://www.justica.gov.br/noticias/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-feminina-no-brasil/relatorio-

infopen-mulheres.pdf

Page 83: Resumo - ProPEd

26

O quadro geral da faixa etária das mulheres presas no Brasil é representado por 50%

com idades entre 18 e 29 anos, e outra grande parcela em destaque é de mulheres entre 30 e

45 anos, representadas por 39% do total de mulheres presas. O perfil etário da maioria das

mulheres privadas de liberdade repete o padrão nacional dos homens também, a maioria é

jovem com idade até 29 anos. Pode-se observar que a idade apresentada é classificada como

um período economicamente ativo da vida, sendo realidade brasileira ter um maior número de

jovens presos. Segundo o Institute for Criminal Policy Research da Birkbeck, University of

London, há uma tendência no Brasil para o crescimento da população carcerária cada vez

mais jovem.

Em relação à raça/cor/etnia das mulheres presas, 68% são negras, 31% são brancas, 1%

amarela. Duas em cada três presas são negras. Os dados levantados não são diferentes em

relação aos homens, que também têm a sua maioria a população maior encarcerada.

Sobre o estado civil das mulheres encarceradas, a maior parte é solteira (57%), e a outra

parte é casada ou possui união estável (35%). Este pode ser um identificador da quantidade de

mulheres presas serem jovens.

Em relação ao grau de escolaridade das mulheres privadas de liberdade, 12% são

analfabetas ou alfabetizadas em cursos regulares, 50% com o Ensino Fundamental

Incompleto, 10% com o Ensino Fundamental Completo, 14% com o Ensino Médio

Incompleto, 11% com Ensino Médio Completo, e apenas 1% tem o Ensino Superior

Completo. Ainda que em níveis baixos, o grau de escolaridade das mulheres em comparação

aos homens encarcerados é um pouco maior.

Em relação à razão dos crimes cometidos pelas mulheres encarceradas, há um grande

destaque para o crime de tráfico, que corresponde ao expressivo número de 68% das mulheres

presas, seguido do crime de furto, com 9% das mulheres presas, crime de roubo com 8% das

mulheres presas, e homicídio com 7% das mulheres presas. Os padrões de criminalidade do

público feminino são bastante distintos em relação ao público masculino. Apenas 26% dos

homens cometerem o crime de tráfico, enquanto esse número chega a 68% com as mulheres.

De acordo com A Rede Justiça Criminal, informativo nº 8, Janeiro de 2016, não há

como negar a relação entre o uso e o comércio de drogas e o quantitativo de mulheres presas.

Em toda a América Latina, mulheres negras, pardas e indígenas, de baixa

escolaridade, chefes de família e sem acesso ao mercado formal de trabalho,

têm se valido do comércio de pequenas quantidades de drogas como

estratégia de complementação de renda e sustento de filhos e familiares

dependentes. Via de regra, a inserção nesse mercado se dá de modo bastante

subalterno e sem vinculação aos altos níveis hierárquicos de tomada de

decisão ou controle financeiro das organizações criminosas. No entanto, a

Page 84: Resumo - ProPEd

27

opção política por lidar com o tema das drogas por meio de ações

repressivas e criminalizantes tem como principais vítimas os indivíduos que

desempenham funções de pouca relevância, baixa remuneração e fácil

substituição no mercado transnacional das drogas: exatamente a posição

ocupada pela imensa maioria das mulheres, que cada vez mais são

trancafiadas nas já superlotadas unidades prisionais brasileiras16

.

Os dados aqui apresentados pelo Infopen – Mulheres, julho de 2014, padecem de certos

vícios, como a omissão de informações de certos quesitos, as divergências dos números

apresentados no Infopen, 2014; alguns temas silenciados como, a quantidade de filhos por

mulher presa, o tempo de espera por julgamento. Estes são dados importantes que dificultam

uma maior precisão sobre a situação das mulheres presas.

2.2 O sistema penal no Estado do Rio de Janeiro

De acordo com o CNJ, 201717

, o Rio de Janeiro é o terceiro Estado que mais encarcera no país,

com um total de 50.937 pessoas presas. Neste ranking fica atrás do Estado de Minas Gerais com uma

população total de 67.000 pessoas e do Estado de São Paulo, com o contigente de 233.663 pessoas

presas. Estes três Estados juntos somam metade da população presa nacional. De acordo com os dados

do IBGE (2010)18

, a população do Estado do Rio de Janeiro é de 15.989. pessoas, há uma média,

aproximadamente, de 252 pessoas presas para cada 100 mil habitantes.

Do total de 1.424 estabelecimentos penais no Brasil, 56 deles estão situados no Rio. São três

presídios femininos e cinquenta e três são presídios masculinos19

. Segundo o CNJ (2017), o Estado do

Rio apresenta uma quantidade de 30.196 vagas nos presídios, entretanto a quantidade de presos é de

50.996, o que gera um déficit de 20.947 vagas no sistema carcerário do Rio.

O total de presos provisórios é de 22.876 pessoas, sendo que quase a metade do total de

presos no Estado do Rio, ainda, não recebeu condenação em primeiro grau. O uso da prisão

provisória se tornou abusivo, mais da metade dos presos provisórios estão custodiados há

mais de 90 dias, sem nenhuma previsão de audiência ou sentença próxima (dados coletados a

partir da pesquisa de campo realizada no Presídio Nelson Hungria, o que será pormenorizado

no quarto capítulo).

Este fato está inteiramente ligado a grande demanda de processos penais que o Rio de

Janeiro tem, combinada com a quantidade de profissionais que atuam na área, o que dificulta

16

Disponível em:

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/02/b948337bc7690673a39cb5cdb10994f8.pdf - acessado em

28/11/2017 às 23:46 17

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/02/b5718a7e7d6f2edee274f93861747304.pdf 18

https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/panorama 19

http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/gera_relatorio.php?tipo_escolha=comarca&opcao_escolhida=26&tipoVisa

o=presos

Page 85: Resumo - ProPEd

28

a celeridade processual e, consequentemente, o aumento de presos provisórios sem audiência

ou sentença em prazo razoável.

As principais características do quadro de pessoas restritas de liberdade que compõem

as prisões, hoje, no Rio de Janeiro, são de maioria negra, solteira, com baixa instrução

escolar, viciados/usuários de drogas, e integrantes de Igreja Evangélica, segundo o Infopen

(2014).

Alguns presídios, no Estado do Rio de Janeiro, são separados por facções, pois há um

grande quantitativo de presos que pertencem a um determinado grupo e, por isso, os internos

não são separados pela gravidade do crime pelo qual respondem, mas, normalmente, pelos

laços firmados, a fidelidade e o pertencimento às facções de origem, por isso não “podem” se

misturar com outras. Caso aconteça, os próprios internos ao perceberem que um dos presos

pertence a uma organização criminosa diferente da sua, impõe a lei da cadeia, espancando

podendo, muitas vezes, levar ao óbito.

De acordo com os dados apresentados podemos observar que os estabelecimentos

penais são uma verdadeira “caixa-preta”. A falta de dados e a dificuldade dos acessos às

unidades prisionais traz uma distância cada vez maior da temática da prisão. Os poucos dados

que se têm, muitas vezes, são inconsistentes, pois algumas unidades deixam de fornecê-los,

além disso, as metodologias adotadas pelos órgãos de pesquisa trazem números diferentes de

cada dado pesquisado.

Page 86: Resumo - ProPEd

29

CAPÍTULO 3 - UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE O SENTIDO DA EDUCAÇÃO

NOS PRESÍDIOS

Conforme visto no capítulo anterior, o sistema penitenciário brasileiro tem se

apresentado para os governantes como uma verdadeira “caixa preta”. Muito se discute, fazem

levantamento de dados, mas pouco se sabe sobre a realidade do sistema. As penitenciárias são

locais onde portas não se abrem e pouco se sabe para além dos seus muros altos. O que chega

de informação para a população são as destruições de instalações e equipamentos; a morte de

presos e funcionários, quando há motins e rebeliões; as atrocidades que os próprios presos

cometem contra seus pares, por serem de facções rivais; ou, ainda, a intolerância de alguns

crimes, como, recentemente, ocorreu em alguns presídios do Norte e Nordeste do Brasil.

Ao realizar a pesquisa de campo no Presídio Nelson Hungria, no Complexo

Penitenciário de Gericinó, em Bangu, Rio de Janeiro, se teve como objetivo compreender a

relação escolar como uma das formas de ressocialização das presas dentro do sistema

prisional.

Por meio de uma pesquisa de campo, qualitativa e descritiva, analisou-se as

experiências vividas e os conteúdos coletados e observados de um modelo implementado de

educação Prisional, no Estado do Rio de Janeiro, sendo este um “programa de

ressocialização”, conforme previsto na legislação de execução penal.

A pesquisa não se preocupou em saber qual/quais crimes cada interna cometeu e nem

vê-las como “vítimas da sociedade”, pois cada pessoa sabe dos seus motivos e valores, e,

carrega consigo uma história que é particular e que as levou a estarem ali. De modo geral,

pretendeu-se evidenciar nesta pesquisa, através da análise do material empírico coletado,

algumas questões sobre a realidade da vida no cárcere, ressaltando que embora haja a escola,

a Igreja e o trabalho interno no presídio, nada terá eficácia na ressocialização se não partir da

própria presa a vontade e o desejo de mudar de vida.

A presença de escolas prisionais em presídios, no Estado do Rio de Janeiro, vem sendo

executada já há algumas décadas, mas poucos são os dados e as informações sobre o assunto

no Estado, e, principalmente, no país.

3.1 Educação nas prisões: previsão legal.

A educação escolar recebe respaldo em previsões legais nacionais e internacionais. São

executadas, através de políticas públicas implementadas pelos estados e pelo governo, como

explica Oliveira (2012).

Page 87: Resumo - ProPEd

30

De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 26, todo

ser humano tem direito à instrução. A educação será orientada para conceber “o pleno

desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos

humanos e pelas liberdades fundamentais”.

Segundo a Lei de Execuções Penais nº 7.210/84, os seus artigos 10 e 11, abordam a

assistência ao preso, sendo dever do Estado, com o objetivo de prevenir o crime e orientá-lo

no retorno à sociedade; elenca que a assistência deverá ser material, à saúde, jurídica,

educacional, social e religiosa. Seguindo os direitos e garantias assegurados ao preso, previsto

no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, “é assegurado aos presos o respeito à

integridade física e moral”.

É importante ressaltar que os presos, embora privados de liberdade, mantêm a

titularidade dos demais direitos fundamentais, como é o caso da integridade física, psicológica

e moral.

Ainda assim, no âmbito nacional, a educação escolar prisional é seguida por Pareceres,

como o Parecer CNE/CEB, nº: 4/2010, sobre as Diretrizes Nacionais para a oferta de

educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade, nos estabelecimentos

penais, esclarecendo que a educação nos presídios é considerada como um meio para a

promoção da integração social e aquisição de novos conhecimentos que permitam ao preso

buscar novos caminhos quando saírem da prisão. O papel da educação nos presídios tem

como um de seus principais pilares a reintegração social e o desenvolvimento do potencial

humano, como diz o Parecer CNE/CEB, nº: 4/2010,

Segundo diversos estudiosos do tema, a educação em espaços de privação de

liberdade pode ter principalmente três objetivos imediatos que refletem as

distintas opiniões sobre a finalidade do sistema de justiça penal: (1) manter

os reclusos ocupados de forma proveitosa; (2) melhorar a qualidade de vida

na prisão; e (3) conseguir um resultado útil, tais como ofícios,

conhecimentos, compreensão, atitudes sociais e comportamento, que

perdurem além da prisão e permitam ao apenado o acesso ao emprego ou a

uma capacitação superior, que, sobretudo, propicie mudanças de valores,

pautando-se em princípios éticos e morais. (p. 13)

A educação no sistema prisional integra a modalidade de ensino intitulada como

Educação de Jovens e Adultos (EJA). Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB), nº 9.394, de 1996, em seu artigo 37, afirmando que, “a educação de jovens e

adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino

fundamental e médio na idade própria”.

Page 88: Resumo - ProPEd

31

Além do mais, o artigo 18, da Lei de Execuções Penais, assevera que o Estado é

obrigado a promover a educação fundamental nos estabelecimentos penitenciários, devendo

integrar-se no sistema escolar da unidade federativa. O artigo 18-A, também, estende essa

obrigação ao ensino médio, regular ou supletivo.

Há outras legislações internacionais e nacionais que abordam a questão da educação

prisional, a pesquisa fez um recorte nas legislações que se apresentaram mais relevantes para

o tema pesquisado.

3.2 A pesquisa

Em paralelo a pesquisa bibliográfica e documental sobre a educação escolar nas prisões,

foi realizada uma pesquisa de campo, buscando contextualizar as informações coletadas com

as experiências observadas na vida do cárcere, como já foi dito anteriormente.

A pesquisa foi realizada, no período de setembro a novembro, do ano de 2017, através

de visitas quase que diárias à unidade prisional Nelson Hungria. O foco da pesquisa foi

compreender, através de observações das aulas na escola prisional, a relação construída entre

alunas e professores, analisando os significados que a escola possui no contexto de uma

unidade prisional.

A presente pesquisa foi realizada no Colégio Estadual 1º Tenente PM Hailton dos

Santos, que fica dentro da unidade prisional Nelson Hungria, no Complexo Penitenciário de

Bangu, trata-se de um presídio feminino, com a presença de mulheres sentenciadas e

mulheres que ainda aguardam julgamento em primeiro grau, visto que a Cadeia Pública

Joaquim Ferreira20

, encontra-se com um grande contingente de mulheres, fazendo com que

muitas sejam alocadas diretamente no Presídio Nelson Hungria.

A escola fica localizada no mesmo corredor onde ficam as demais celas do presídio, no

“miolo”, foram desativadas duas celas para dar espaço para a escola; tem a quantidade de 150

alunas matriculadas; sua estrutura é pequena, contém seis salas de aula, todas com ar

condicionado, cadeiras e mesas para todas as alunas, uma biblioteca, repleta de livros

separados por temas, uma coordenação, uma copa com refrigerador e armário para alocar os

lanches das alunas, um banheiro para as alunas e outro banheiro para os professores, dois

espaços para guardar materiais escolares e materiais de limpeza.

Nos dias de aula a coordenadora pedagógica entrega a listagem de alunas para serem

retiradas das celas para que possam ir à escola. Foram observadas inúmeras vezes atrasos na

20

De acordo com o art 102, da Lei nº 7.210, a cadeia pública é destinada aos presos provisórios.

Page 89: Resumo - ProPEd

32

remoção das alunas, por alguns motivos, como: a comida dos presídios é terceirizada, e,

muitas vezes, chega com atraso, visto que a escola no segundo turno começa às 13 horas,

enquanto a comida, também, é distribuída nesse mesmo horário; a falta de agentes

penitenciárias para cuidar dos corredores, ao mesmo tempo, que liberam as presas das celas, a

falta de água e luz no presídio ou na escola, esta não se importava em não ter aula no dia.

Durante a pesquisa foi observado a metodologia e os materiais pedagógicos que eram

utilizados em sala de aula, e, nenhum professor infantilizou os conteúdos, mesmo a escola

concentrada na produção de material e textos para a apresentação do Projeto de Leitura

Escolar (PLE)21

.

Segundo Beiseguel (1997), a Educação de Jovens e Adultos deve ser pensada nos

espaços da escola e nos espaços a sua volta, para construir propostas curriculares mais

adequadas aos alunos. É um passo fundamental para se pensar nas possibilidades de novos

desenhos curriculares destinados a essa modalidade da educação. Os objetivos do trabalho

pedagógico precisam incorporar as possibilidades de relacionar os alunos a situações da sua

vida cotidiana, até mesmo para melhorar a sua própria qualidade de vida em relação à vida em

sociedade. Significando deixar de lado alguns conteúdos formais clássicos para que outras

operações possam contribuir para capacitação dos alunos. Saberes que contribuam para o

desenvolvimento da consciência crítica e para capacitação.

No término das aulas foi observada uma preocupação das alunas em assinarem a lista de

presença da aula, pois a lista é encaminhada para a administração do presídio para fazer a

contagem de remição da pena.

De acordo com a Lei de Execuções Penais a remissão da pena acontecerá seguindo o

previsto:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou

semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de

execução da pena.

§ 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:

I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar -

atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou

superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em

3 (três) dias;

§ 5o O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3

(um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior

21

De acordo com a SEEDUC “O Projeto de Leitura Escolar (PLE) consiste em um conjunto de propostas e

orientações que visam a garantir o acesso e a permanência de diferentes práticas leitoras, fundamentais para o

desenvolvimento cognitivo, cultural e social de nosso aluno, já que a leitura é essencial na contextualização dos

conteúdos, em todas as disciplinas das áreas do conhecimento.” Disponível em:

http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteudo?article-id=2380038 – acessado em 01/12/2017 às 18:38.

Page 90: Resumo - ProPEd

33

durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão

competente do sistema de educação.

A resolução da Seap nº 621, de 01 de julho de 2016, instituti no âmbito do sistema

penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, a remição da pena através de leituras. Na presente

resolução esclarece que “a leitura contribui para processo de reinserção social do custodiado

agregando valores éticos - morais e desenvolvimento de sua capacidade crítica”. E explica

que podem participar do projeto os presos da unidade que tenham capacidade de ler e escrever

para a elaboração de uma resenha da obra literária escolhida.

O participante receberá um exemplar da obra literária com o direito de levá-la para a

cela. Será concedido o prazo de 30 dias para a leitura e elaboração individual da resenha. Ao

final, alcançando uma nota igual ou superior a 10 e atingindo os objetivos, isto permitirá que

o preso possa remir quatro dias da sua pena.

É importante ressaltar que, a remissão da pena através da leitura será assegurada de

forma cumulativa com a remissão concedida pelo trabalho e pelo estudo. O participante no

prazo de 12 meses poderá remir até 48 dias de sua pena.

É importante observar que a remissão pela leitura veio para agregar mais chances para

quem esteja em restrição de liberdade. A remissão pelo estudo é contada a cada 12 horas de

aula, concedendo um dia de remissão da pena. Contudo, a escola objeto desta pesquisa

funciona no período da manhã, de 9 horas às 12 horas, e no período da tarde, de 13 horas às

16 horas. A cada dia, as detentas, recebem 4 horas de aula, precisando de mais dois dias para

somar às 12 horas de remissão pela frequência escolar. Eis uma matemática complicada!

Outro ponto importante observado foi a forma de tratamento dos professores com as

alunas homossexuais, que preferiam ser chamadas pelo nome social.

A grande maioria das alunas está há demasiado tempo sem contato com a educação

escolar, muitas abandonaram a escola ainda jovens e não apresentam limites e disciplina para

permanecerem sentadas com atenção à aula, atrapalhando. Esse fato ocorre, também, devido a

realidade das alunas no sistema prisional, os desafios da vida de mulher restrita de liberdade

recebendo pouco ou nenhuma visita, sem um relacionamento afetivo estável dentro e fora da

prisão.

O relacionamento afetivo entre as próprias mulheres presas, também, interfere na

escola. Muitas presas se automutilam22

quando brigam com suas parceiras ou quando são

22

Muitas presas têm o costume de se cortarem, nos braços como uma forma de extravasar a dor que estão

sentindo no momento. Outras afirmam que as automutilações são uma forma da presa “querer chamar atenção”,

e não se trata de um problema psicológico.

Page 91: Resumo - ProPEd

34

separadas de celas. Chegam à escola para as aulas automutiladas e passando mal. Inclusive, o

uso de remédios para dormir entre as presas é comum. Segundo relatos, quando elas estão

“surtando” ingerem remédios para dor e ficam “dopadas” para suportarem o dia a dia

insuportável que é a prisão.

3.2.1 A função da escola no ambiente privativo de liberdade

Sobre os diversos papéis que são apontados para a escola - passar o tempo, sair das

celas, encontrar amigos de outras celas (inclusive familiares), conquistar benefícios jurídicos,

aprender a ler e escrever, fazer conta, passar de ano escolar - é percebido como algo positivo

pelas alunas dentro do sistema e contribui para que a pena seja vivida de forma mais humana.

A oportunidade de estudar dentro da prisão associa-se a uma vontade pessoal, cujas

motivações se apresentam de diversas formas, haja vista as definições abaixo de algumas

presesa que frequentam a escola:

_ “A gente vem pra escola para aprender e distrair a mente.”

_ “A escola representa muito aqui dentro, “a gente” se sente mais livre.”

_ “A escola é boa para remir a pena e para sair da cela um pouco.”

As tensões ali dentro da escola são aliviadas, o saber ganha força, a vontade de

aprender e a atenção voltada para o educador se mostram de forma leve; o convívio do ódio,

da vingança, da rejeição não entram no ambiente escolar, ficam do lado de fora das grades

que separam a escola das demais grades das celas. Uma presa diz que:

_ “Os professores trazem novidade do mundo lá fora, conversam com a gente sobre vários

assuntos, várias coisas, que não nos remetem a prisão”.

Essa troca de experiências com os professores e com os alunos justifica um dos

objetivos da ressocialização do preso. A escola oferece ao interno a possibilidade de resgatar

ou aprender outra forma de se relacionar, diferente do seu cotidiano no cárcere, há um

processo de desconstrução e reconstrução de identidades, desfaz-se a perversidade do

estabelecimento penal e traz a sensação de pertencimento23

, um lugar que é seu, um ambiente

amigável e prazeroso para uma nova identidade ressignificada, que vai restaurando a

autoconfiança e valores éticos e morais.

Outrossim, cabe ressaltar que

As ações educativas devem exercer uma influência edificante na vida do

interno, criando condições para que molde sua identidade, buscando,

principalmente, compreender-se e aceitar-se como indivíduo social; construir

23

De acordo com os relatos das presas, elas entram no sistema e se desvinculam de seus objetos pessoais, desde

a roupa até os documentos, estão sempre mudando de celas e, muitas, não são chamadas pelos nomes, recebem

apelidos, um número e até mesmo o número do artigo de seu crime.

Page 92: Resumo - ProPEd

35

seu projeto de vida, definindo e trilhando caminhos para a sua vida em

sociedade. (Parecer CNE/CEB Nº: 4/2010, sobre as Diretrizes Nacionais

para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de

liberdade nos estabelecimentos penais. p. 14.).

Na escola, as bagagens culturais que as alunas adquirem jamais lhes serão roubadas.

Elas exercitam os novos valores conquistados na escola que é, sobretudo, o novo local de

pertencimento e orgulho, pois que se percebem progredindo pessoal e profissionalmente.

3.2.2 Entrevistas e rodas de conversas.

Houve uma preocupação em fazer entrevistas com as alunas presas, pois o tempo que se

tem na escola é pouco, ainda mais com os atrasos; além dos dias em que não há aulas.

Portanto, foi autorizada pela diretora do presídio a realização das entrevistas e rodas de

conversas no local onde recebem as visitas dos familiares e onde fica a cantina do presídio.

A escolha das alunas para a roda de conversa não teve muito critério, apenas uma

indicação do corpo pedagógico da escola e dos professores. Ao iniciar-se a conversa com as

10 alunas escolhidas aleatoriamente, foi mencionado que a educação nos presídios é

respaldada em lei como um direito garantido a todos os internos no sistema prisional, sem

fazer distinções, e que, em tese, deveria ser oferecido a todos pelo Estado. Este direito não é

um favor, mas, sim um dever do Estado.

Foi feito um pequeno questionário com algumas perguntas, conforme indicado abaixo:

1- Há quanto tempo está estudando?

2- Por que parou/não estudou enquanto não estava presa?

3- Qual foi seu maior interesse em buscar a escola dentro da unidade prisional?

4- Acredita que a escola cumpre o seu papel de socializar seus alunos e dar educação?

5- Como se sente em relação aos professores? A relação de aluno / professor é amigável?

6- Após ganhar a liberdade, pretende continuar estudando?

7- A escola traz algo positivo para você aqui dentro?

8- A escola é capaz de ressocializar você?

9- Qual o seu sonho?

As respostas das internas foram variadas, mas a grande maioria foi positiva em relação à

escola. Na primeira pergunta muitas responderam que estão na escola a aproximadamente um

ano, outras há 9 meses, 7 meses, 15 dias. Observou-se que no presídio há uma grande

rotatividade, toda semana entra e sai mulheres.

Page 93: Resumo - ProPEd

36

Na segunda pergunta, muitas responderam que pararam de estudar porque

engravidaram, outras porque precisaram trabalhar e não conseguiam conciliar o estudo com o

trabalho, outras porque seguiram a vida com o namorado.

Na terceira pergunta, a grande maioria rspondeu que buscou a escola porque querem

aprender. Com unanimidade a escola para elas é como se fosse um ambiente “fora da prisão”,

quando estão em sala, se sentem em outro ambiente diferente da prisão. Esta unanimidade é

apontada em três falas diferentes, como exemplo.

_ “A escola é um local de distração da mente e de aprendizado.”

_ “A escola é uma fuga da realidade.”

_ “A escola pra mim é pra ter mais conhecimento, para sair da cela, pois nada na cela é construtivo.”

A quarta pergunta teve resposta positiva por todas, afirmando que a escola cumpre o

papel dela dentro do espaço privativo de liberdade, é capaz de ressocializar as alunas.

Ressalvaram que a escola cumpre seus objetivos para quem realmente quer estudar, pois

existem algumas alunas que “não têm interesse em nada, apenas em sair das celas e conversar

com as colegas de sala”.

A quinta pergunta responderam que a relação com os professores é bastante respeitosa,

e são tratadas como alunas, como seres humanos, diferente do tratamento que recebem

algumas vezes por agentes penitenciárias.

_ “Os professores tratam a gente bem, chama a gente pelo nosso nome, se preocupam com a gente

também.”.

Na sexta pergunta algumas afirmaram que pretendem seguir com os estudos e outras

indicaram que pretendem concluir o ensino médio no presídio para terem melhores condições

em conseguir um emprego quando ganharem a liberdade.

A sétima pergunta, por unanimidade também foi dito que a escola traz uma calma para

as presas em um ambiente conturbado e cheio de problemas. Para todas que estudam, a escola

melhora o humor, o convívio, a disciplina, a concentração e a busca de sonhos.

Na oitava pergunta, algumas responderam que a escola é capaz de ressocializar a pessoa

presa, algumas responderam que a escola sozinha não consegue ressocializar as presas.

Indicaram que ficam pouco tempo dentro da escola e que precisam ocupar mais o tempo delas

no dia a dia, ficar na cela é muito ruim física e psicologicamente.

Na última pergunta, a maioria disse que pretende seguir estudando para buscar um bom

emprego; pretendem trabalhar, não querem mais seguir a vida do crime, pois sabem que o

ambiente que vivem é horroroso e ninguém se preocupa com elas ali dentro.

A entrevista realizada com a agente penitenciaria foi seguida das seguintes perguntas:

Page 94: Resumo - ProPEd

37

1- Como é a sua relação com as presas? Elas respeitam?

2- Acredita que o sistema penal do Rio de Janeiro funciona?

3- Qual a maior dificuldade em lidar com as presas?

4- Acredita na recuperação do preso com o atual sistema de prisão?

5- A escola funciona para as presas?

6- A escola é capaz de mudar a vida delas como presas

7- Além da escola, o que mais contribui para o processo de ressocialização?

8- A vontade de mudar de vida só depende delas?

Em resposta à primeira pergunta as agentes afirmam que mantém uma boa relação com

as presas e buscam sempre manter um respeito mútuo. As presas sabem as regras do presídio

e da disciplina que têm que manter no dia a dia, como por exemplo, a limpeza nas celas.

A segunda pergunta foi consensual, afirmando que o Presídio Nelson Hungria funciona,

mas os demais não. Principalmente, porque “os presos não têm disciplina e fazem o que

querem no presídio”.

Na terceira pergunta as agentes informaram que não enfrentam dificuldades para lidar

com as presas.

Na quarta pergunta, afirmam que o sistema prisional é capaz de recuperar o preso sim,

pois oferecem cursos profissionalizantes, educação, acesso à religião, e “só não muda de vida

quem não quer”. Afirmam que já presenciaram a reincidência de roubo de presa, logo após

ganhar a liberdade, casos de mulheres que “saem ganham a liberdade na semana e na semana

seguinte retornam para o presidio por ter cometido mais um crime”.

Na quinta pergunta, com unanimidade, responderam que a escola funciona e,

principalmente, ensina a ler e escrever.

Na sexta pergunta, afirmam que a escola é capaz “de mudar a vida de quem deseja,

inclusive, a nossa vida”.

A sétima pergunta, indica que todo o contexto do presídio contribui para a

ressocialização das presas.

A última pergunta enaltece que a vontade de mudar de vida só irá depender de vontade

própria, pois “as presas têm recursos para seguirem novos caminhos”.

Ao conversar com as presas e com as agentes penitenciárias e a diretora do presídio,

foram observados pensamentos diversos da realidade ali apresentada. As presas sempre se

remeteram as falas de que o presídio é um péssimo ambiente, não são tratadas como seres

humanos e, sim, como “bichos”, por mais que tenham cometido um crime, merecem ser

Page 95: Resumo - ProPEd

38

tradas com dignidade, são chamadas por pseudônimos pejorativos a todo tempo, e são

lembradas como pessoas ruins.

Segundo as agentes penitenciárias, a relação com as presas é boa, há um respeito mútuo.

Afirmam que o presídio auxilia as presas para mudarem de vida, com a presença da escola, da

Igreja, da assistência social, de médicos, sempre no intuito de auxiliarem as presas a buscar

uma nova vida quando retornarem à sociedade.

A diretora do presídio busca implementar projetos para garantir uma maior dignidade de

vida para as mulheres presas, mas é ciente da falência que se encontra o Estado do Rio de

Janeiro e da dificuldade de recursos para os projetos. O Presídio Nelson Hungría é um dos

poucos presídios, do Estado do Rio de Janeiro, que não está superlotado, que é limpo, que tem

disciplina - por mais que haja imposição de regras, as presas cumprem. E, ainda, assim a

diretora reconhece que, como ela mesma diz, “aqui é um lugar que a sociedade não quer

saber, a gente tenta resgatar a dignidade delas, promovemos algumas ações, cursos,

implementação de novos projetos”.

Não sem razão, ao falarmos da prisão falamos de uma arquitetura invisível, os presos

são figuras vistas como indesejáveis, todavia, falamos de gente que é fruto de uma sociedade

indigente que subtrai da maioria o direito de ser.

Page 96: Resumo - ProPEd

39

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de a prisão assumir seu papel na história, as punições eram feitas para impor uma

ordem e respeito às regras do príncipe que as criava. A execução penal era feita em praça

pública através dos “espetáculos punitivos”, havia uma necessidade do soberano impor os

castigos cruéis contras aqueles que iam contras as regras do contrato social. Sendo assim,

intimidava a população, através de crueldades contras os corpos dos que entravam para a vida

da criminalidade.

A forte influência da nova economia que estava surgindo com o fim do feudalismo e o

início do mercantilismo necessitava da força de trabalho nas indústrias, pois a economia na

Europa precisava desenvolver o capitalismo.

O início do século XIX é marcado pelo fim das cerimônias das punições cruéis e

começas a aflorar pensamentos sobre um revisionismo penal com base em ideias teleológicas

mais humanistas.

Com isso surgem as primeiras casas de correção, oferecendo trabalho aos

desempregados ou obrigando a trabalhar quem oferecia resistência. A ideia principal era

transformar a força de trabalho dos indesejáveis da sociedade em algo socialmente útil.

Ficando claro que o único objetivo das casas de correção era a exploração do trabalho

humano nas condições mais baratas. O Iluminismo contribuiu para a manutenção da prisão e

impediu o retrocesso as penas cruéis.

O Brasil foi marcado historicamente por punições cruéis, assim como aquelas que

ocorreram na Europa; o país, também, recebeu influências do Iluminismo que contrariava o

cruel direito penal existente pelas Ordenações Afonsinas.

Apenas com a vinda da família real para o Brasil e a separação do Brasil - colônia e

com a criação da primeira Constituição, em 1824, que se criaram maiores condições para uma

legislação penal mais humana.

Mesmo com a influência do Iluminismo na criação do Código Penal Brasileiro e com a

criação das primeiras casas de correção no Rio de Janeiro, as prisões estavam muito longe de

atender às exigências previstas em lei. Já em 1840 havia a superlotação das celas.

Este mesmo quadro vem se repetindo no atual sistema penitenciário brasileiro,

consequentemente, proporcionando o aumento da massa carcerária, pois não há uma política

de contensão e, sim, de perpetuação.

Os presídios são locais de onde a sociedade quer distância, os muros são altos, não se

abrem as portas e pouco se sabe da realidade do sistema.

Page 97: Resumo - ProPEd

40

Justamente por esse motivo, foi feita a pesquisa para observar as práticas da escola

prisional como uma das formas de ressocialização da pessoa restrita de liberdade, pois o preso

merece assistência, sendo dever do Estado previnir o crime e reorientá-lo para o retorno da

vida em sociedade.

Infelizmente, a conclusão que se chega é que o preso está enraizado em um ciclo

vicioso, pois já pertence a uma classe social desfavorecida das demais, com poucas condições

de vida digna, sem direito a saúde, educação, trabalho formal e lazer, muitos acabam se

rendendo a vida do crime, aonde o dinheiro chega fácil e rápido, mas também não traz futuro,

até porque, rapidamente são interrompidos com a prisão, quando não pela morte.

Na prisão, a situação é pior ou igual a vida que se vivia socialmente, sem expectativa de

futuro. Assim que ganha a liberdade, a situação volta a ser a mesma antes de ser preso, o que

faz com que muitos retornem à vida do crime.

Por isso a escola e as demais forças no contexto prisional devem contribuir para a

ressocialização da pessoa privativa de liberdade, sendo extremamente importante para a

ressignificação de uma nova identidade que seja capaz de restaurar a autoconfiança e os

valores éticos e morais esquecidos ou apagados.

Sabemos que hoje a situação carcerária no Brasil é falida, parece que nunca foi pensada

para dar certo, principalmente, pela sua arquitetura e a massa de pessoas que entra no sistema

a cada dia, sobrecarregando os espaços das celas.

Não podemos mudar essa realidade e nem fugir dela, mas é preciso buscar caminhos

para repensar a instituição penal que temos e a que teremos no futuro.

Page 98: Resumo - ProPEd

41

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Page 101: Resumo - ProPEd

ABORDAGENS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E

ADULTOS

Laura Marconi da Silva Pereira

Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

Resumo:

Através de uma pesquisa bibliográfica e documental podemos observar que a desde a implementação

da modalidade de ensino educação de jovens e adultos no Brasil na década de 1940, ainda apresenta

algumas inconstâncias na sua atuação. A educação de jovens e adultos ainda carrega um currículo

tradicional, dando pouca abertura para o diálogo e troca de das experiências de um alunado que já

carrega uma bagagem de vida. Esta é uma das críticas acerca de como é pensado o currículo voltado

para as turmas de jovens e adultos. O presente trabalho tem por finalidade demostrar de forma crítica

as abordagens pedagógicas na educação de jovens e adultos. Exemplificado um Projeto Político

Pedagógico dentro do Colégio Estadual Anacleto de Medeiros, na Unidade Prisional Evaristo de

Moraes, no Rio de Janeiro.

Palavras-chaves: Educação de Jovens e Adultos, Currículo, Educação Prisional.

Introdução.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é a lei fundamental e suprema do

Brasil, sendo parâmetro para as demais leis e ordenamentos jurídicos que buscam ter validade em

todas as espécies normativas.

A nova Constituição traz um caráter mais humanista, garantindo constitucionalmente os

direitos fundamentais, o direito no campo das liberdades individuais e coletivas, os direitos de

natureza social e política.

Abordando especificamente sobre os direitos sociais, a educação se consolida na Constituição

Federal no artigo 6º, tornando a educação um direito assegurado a todos. Bem como, estabelece em

seu artigo 22º, a competência privativa da União de legislar sobre as diretrizes e bases sobre a

educação nacional.

A educação de jovens e adultos é uma modalidade de ensino que teve seu início na década de

1940, com o fim do Estado Novo, quando foram criadas campanhas de alfabetização como Campanha

Nacional de Educação de Adolescentes e Adultos, CEAA, Campanha Nacional de Educação Rural,

CNER, Sistema Rádio Educativo Nacional, SIRENA e outras.

Page 102: Resumo - ProPEd

Segundo os dados do IBGE1, o censo da população em 1940 apresentava mais de 56%

pessoas analfabetas com mais de 10 anos. Esse dado teve grade relevância pois o pais estava em fase

de crescimento, acelerando o processo de industrialização e, consequentemente, o processo de

urbanização.

Com o passar do tempo a educação de jovens e adultos começou a ganhar maior visibilidade e

espaço no cenário da educação. Hoje a regulamentação dessa modalidade de ensino está prevista na

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, especificamente na “SEÇÃO V - Da

Educação de Jovens e Adultos”.

Apesar da legislação para essa modalidade de ensino prevê que as práticas educacionais

devem ser adaptadas, considerando as características do alunado, seus interesses, suas condições de

vida e de trabalho2, ainda observamos amplas divergências quanto a sua aplicabilidade na prática.

Foi feito levantamento de alguns documentos que norteiam a educação em geral, as Diretrizes

e o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola Anacleto de Medeiros. E de forma mais estrita a

forma como é criado o currículo dessa modalidade de ensino.

O presente trabalho não pretende concluir este assunto, mas sim trazer reflexão sobre as

questões curriculares, passando pela construção do conhecimento em rede e suas propostas

curriculares, sobre a infantilização desta educação e o formalismo dos currículos e como superar essa

tendência geral, apresentando concepções de currículo e deixando em aberto esse debate para

aprofundamento e construção.

Contexto da educação de jovens e adultos

Historicamente a educação de jovens e adultos começou a ser pensada nas características do

ensino regular, de forma fragmentada e com um currículo tecnicista com pouco diálogo as

experiências vividas dos alunos adultos. Essa era uma crítica que Paulo Freire (2011) fazia quanto ao

método de ensino desses alunos.

Até os dias atuais ainda encontramos dificuldades na atuação dos educandos na modalidade de

ensino destinada aos jovens e adultos. Muitos professores não conseguem abordar uma temática

menos infantil àqueles que já possuem uma trajetória na vida, que por diversos motivos não

conseguiram dar continuidade ao ensino regular na idade estabelecia pelas leis educacionais.

Ao longo de toda a trajetória, e até os dias atuais a educação de jovens e adultos vem trazendo

problemas na organização do currículo, os educadores não estão preparados para atuar com os adultos

em sala de aula.

1 https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv34956.pdf - acessado em 10/09/2018 2 De acordo com art.37, § 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96.

Page 103: Resumo - ProPEd

Esse problema, como explica Ribeiro (1999), ocorre pela defasagem na formação dos

educadores na constituição da educação de jovens e adultos como campo pedagógico, o que implica na

existência de um conjunto de práticas e saberes minimamente articulados em torno de princípios,

objetivos ou outros elementos comuns da educação.

Confirmando ainda, que os educadores não estão aptos a repensar a organização disciplinar, no

sentido de abrir possibilidades para que os educandos realizem percursos formativos mais

diversificados, mais apropriados às suas condições de vida. Os jovens e adultos devem experimentar

novos meios de aprendizagem e progressão nos estudos, e não aqueles que provavelmente os

impediram de levar a termo sua escolarização anteriormente.

Conhecimento em rede e as propostas do currículo.

A tessitura do conhecimento se baseia nas experiências que vivenciamos cotidianamente e a

maneira como agimos em sociedade. Essa noção busca superar o ideal de educação ainda existente

hoje, principalmente na educação de jovens e adultos, onde existe uma necessidade maior devido a

bagagem de vida que cada aluno carrega e leva para dentro da sala de aula.

Dessa forma, é preciso trabalhar de forma que as redes de conhecimento possam se enredar

com redes anteriores, é necessário que haja ligações dos assuntos trabalhados em sala de aula com

assuntos já aprendidos anteriormente por esses alunos para que possibilite a compreensão e o

aprendizado dos conteúdos trabalhados, e não se restringir apenas ao ensino formal, mas levar em

consideração toda bagagem cultural desses alunos.

Como demonstra Oliveira, (2009):

“Um dos problemas enfrentados pela EJA, historicamente, tem sido decorrente

da tendência predominante das propostas curriculares a fragmentação do

conhecimento e à organização do currículo numa perspectiva cientificista,

tecnicista e disciplinarista que dificulta o estabelecimento de diálogos entre as experiências vividas, os saberes anteriormente tecidos pelos educandos e os

conteúdos escolares”.

É necessário respeitar e entender a singularidade presente na sala de aula, trabalhar a

individualidade, os interesses de cada aluno e suas crenças, pois cada um tem uma maneira singular de

estabelecer conexões, bem como, tem suas experiências e saberes individuais.

Podemos observar nitidamente essa falha pedagógica na EJA ao perceber que a proposta

curricular dessa modalidade de ensino segue a lógica infantil dos currículos destinados às crianças que

frequentam as escolas regulares. Ou seja, toda a particularidade voltada às vivências sociais e culturais

desses alunos são ignoradas.

Experiências X Práticas na EJA

Page 104: Resumo - ProPEd

A educação de jovens e adultos é uma modalidade de ensino que trabalha com pessoas adultas,

que já possuem experiências nos mais variados âmbitos da vida e que em sua maioria já trabalham.

Esse público dotado de informações sobre as eventualidades do seu dia a dia merecem uma prática que

se aplica totalmente a eles e as suas realidades, levando em consideração que o ato de aprender é

subjetivo, mas a prática do professor deve favorecer o público a qual se atende.

Freire (2011)3 explica essa temática quando fala da “educação bancária”, criticando a

educação rígida, autoritária e antidialógica na qual o professor tem o papel de transferir o seu saber

para alunos, como se fossem uma “folha de papel em branco”. Enfatiza que a educação deve ser

problematizadora, deve trazer o diálogo e a participação de todos da sala de aula; deve ser questionada

e levantar dúvidas. Professor e alunos devem buscam juntos e construir conhecimento valorizando o

que já sabem.

Muitos professores da EJA usam a mesma didática para o ensino fundamental de crianças e o

ensino fundamental de jovens e adultos, acreditam que a forma de ensinar deve ser a mesma, até

mesmo na interação professor – aluno. Quando o professor constrói suas aulas dessa forma ele não

leva em conta toda a bagagem social que os adultos já possuem e ainda os infantiliza, restringe-se de

falar alguns assuntos por acreditar que os alunos não irão alcançar o diálogo.

Quando se trabalha com crianças a escola tem como uma das finalidades apresentar o mundo e

os problemas a qual toda sociedade passa, torna-las críticas, mas para os adultos que já conhecem esse

mundo e que já passam com toda clareza por problemas sociais a escola deve ser esclarecedora, e,

portanto, se apropriar do vivido pelos alunos para ensinar sobre suas realidades de forma mais crítica.

Isso implicaria no currículo e nos conteúdos programáticos da escola que muitas vezes não atribuem

esse aspecto de representar suas realidades dentro das práticas escolares.

Atualizando o esquema curricular

A criação formalista dos currículos nas escolas do Brasil hoje é baseada por uma lógica do

modelo predominantemente hegemônico político da nossa sociedade, o neoliberalismo, com sua raiz

no capitalismo. É assim que se tem o pensamento em um currículo que prioriza o saber teórico sobre o

prático, os saberes formais sobre os saberes de quem vivência situações do trabalho intelectual sobre o

manual.

Acerca dos debates enfrentados, as propostas curriculares destinadas a educação de jovens e

adultos são organizadas com os mesmos modelos destinados ao ensino regular. Percebe-se o

desinteresse dos órgãos superiores para esse modelo de ensino. Para eles pouco importa a experiência

de vida de quem busca esse ensino, visto que se formos observar a lógica capitalista, a população que

busca a EJA já tem uma posição na sociedade, e então, não teria porque investir nessa educação.

3 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2011

Page 105: Resumo - ProPEd

Certamente esse entendimento congela e negligência riquezas dos processos da vida social dos

alunos, sendo necessário superar esse entendimento formalista e cientificista do currículo e buscar

compreendê-lo como oriundo de múltiplos processos de tessitura de saberes do cotidiano.

A pratica curricular consistente só poderá ser encontrada se aceitar os saberes de quem pratica

o currículo (os alunos). Para isso, a EJA deve ser pensada nos espaços da escola e nos espaços a sua

volta, para construir propostas curriculares mais adequadas aos alunos. É um passo fundamental para

se pensar nas possibilidades de novos desenhos curriculares destinados a essa educação.

Tanto em um ensino regular e principalmente em um ensino de jovens e adultos, os alunos

trazem para dentro da sala de aula uma rede de saberes pelas suas múltiplas experiências. Na

integração entre os diferentes alunos, novas redes são tecidas e é na riqueza desse processo de

aprendizagem que possibilita a cada aluno o que vai ser aproveitado e descartado. Ou seja, uma sala de

aula sempre será constituída por sujeitos que sabem uma série de coisas e outros que deixam de saber

algumas coisas. O currículo deve proporcionar essa abertura para dar conta da multiplicidade de

saberes que se encontram, e para se inserir no cotidiano da experiência escolar. A escola não deve ser

prescrita, e sim ter uma proposta que dialogue com o que ela é.

Quando o corpo pedagógico define os conteúdos que serão integrados na proposta curricular,

deixam outros de lado. Essas propostas devem diferenciar daquelas vigentes no ensino regular, pois os

objetivos desse modelo de ensino são diferentes. Ribeiro (1999), apresenta um exemplo da construção

dos conteúdos curriculares acerca dos adultos que concluíram o ensino na escola regular e se

perguntam por que aprenderam tal conteúdo em detrimento de outros, e por que foram ensinados de tal

forma e não de outra. Foram tantos conteúdos que não faziam e não fazem sentido até hoje.

A infantilização do conteúdo piora as indagações feitas pelos alunos, muitas informações não

fazem sentido para a classe, pois a significação se torna incompreensível para eles.

Oliveira (2009), indaga que talvez eles saibam o conteúdo, mas há uma dificuldade em fazer

uma relação dos conteúdos que são passados em sala com a sua vida. Isso acontece justamente porque

o currículo de jovens e adultos é um retrato perfeito da escola regular, este currículo não leva em

consideração que os jovens e adultos tem diferentes faixas etárias, modos de fazer e aprender dos mais

distintos, e necessitam de um currículo que faça significância em suas vidas.

Um dos objetivos do trabalho pedagógico é incorporar as possibilidades de relacionar os

alunos a situações da sua vida cotidiana, para melhorar a sua qualidade de vida em relação à vida em

sociedade. Significando deixar de lado alguns conteúdos formais clássicos para que outras operações

possam contribuir para capacitação dos alunos. Saberes que contribuem para o desenvolvimento da

consciência crítica e para essa capacitação

Como exemplifica Ribeiro, (1999):

“Entretanto, também é de extrema relevância a análise de como saberes e

competências relacionados aos contextos existenciais dos jovens e adultos

trabalhadores poderiam ser abordados pedagogicamente de modo a fazer

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avançar sua capacidade crítica, criatividade e autonomia, e não meramente

como capacitação para tarefas específicas, sem maior relevância cognitiva ou

atitudinal. ”

A educação de jovens e adultos deve incorporar prioridades na seleção dos conteúdos que irão

nortear e organizar o seu trabalho. Deve haver uma articulação entre os saberes tecidos nas práticas

sociais dos sujeitos com saberes formais que possam ser articulados para dar maior conhecimento

político e técnico para intervirem na vida cotidiana.

Observando essas articulações temos o princípio da transversalidade no currículo, onde vários

saberes se relacionando com as experiências de vida e as disciplinas, dando um maior significado a

escola na vida de uma turma de jovens e adultos.

Projeto Político Pedagógico na escola prisional

Em paralelo a pesquisa documental e bibliográfica sobre a educação de jovens e adultos no

Brasil, foi realizada uma participação em 2015, no VIII Café Literário no Colégio Estadual Anacleto

de Medeiros, situado no Presídio Evaristo de Moraes, no Bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro,

onde foram observados alguns pontos acerca da modalidade de ensino do colégio.

A participação no VIII Café Literário se deu através do convite da diretora do colégio, Sônia

Maria, a alguns alunos e pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ.

O procedimento para autorização da entrada dos convidados foi bastante rigoroso. A diretora

da escola entregou uma lista com os dados completos (nome, identidade, CPF, endereço) dos

convidados ao diretor do presídio e à Secretaria de Administração Penitenciária, SEAP, onde foi feito

um levantamento dos dados, desde antecedentes criminais e relações pessoais com algum preso da

unidade, e a partir desses critérios é concedido o aval para a entrada na escola.

O Colégio Anacleto de Medeiros fica dentro da Unidade Prisional Evaristo de Moraes, trata-se

de um presídio masculino, com a presença de homens já sentenciados e homens que ainda estão

aguardando uma condenação.

Segundo os dados do Geopresídios4, o presídio tem a capacidade projetada para 1.497 pessoas,

mas a lotação atual é de 3.288 pessoas.

A escola funciona no horário diurno, com dois turnos – de 9h às 12h, 13h às 16h –, tem

aproximadamente 300 alunos, que são selecionados por documentação ou prova de nivelamento,

podendo ser matriculados no Ensino Fundamental (do 1º ao 9º ano) e no Ensino Médio (do 1º ao 3º

ano).

4 De acordo com Recibo de Cadastro de Inspeção do Presídio Evaristo de Moraes. Disponível em:

http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/gera_relatorio.php?tipo_escolha=rel_estabelecimento&opcao_escolhida=7

37-2114&tipoVisao=presos - acessado em 09/09/2018 às 1:15

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A estrutura da escola é fortalecida pela parceria e pelo diálogo, que se evidencia pelas

propostas interdisciplinares e a relação com os apenados não-alunos, funcionários e direção da

Unidade Prisional. O corpo discente formado por professores, coordenação e direção é participativo

tanto nas atividades pedagógicas quanto no apoio para a manutenção e conservação das estruturas do

colégio.

A base da escola segue os ideais de Paulo Freire, onde o homem pode se reinventar, mesmo na

adversidade, e assim reconstruir sua própria história. Desse modo, são propostos temas geradores, que

mobilizam o colégio para a prática pedagógica e conduzem os alunos para a reflexão sobre o mundo e

também sobre a sua vida.

A escola por estar inserida em uma Unidade Prisional apresenta características diferentes das

demais escolas regulares. O espaço físico, o alunado específico, a comunidade ao redor da escola, a

rotatividade dos alunos (devido a transferências), a superlotação do presídio, as rebeliões e motins,

entre outas, são algumas características que fazem da escola estar inserida em um ambiente complexo

e ter uma peculiaridade maior.

Dessa forma, é preciso pensar em um currículo que converse com todas as características que

envolvem o contexto da escola. Para isso, são utilizadas ferramentas pedagógicas diferenciadas a fim

de alcançar o sucesso. Dentre elas, podemos citar: a participação em olimpíadas escolares, concursos

educativos, confecção de vídeos5, paródias, painéis, produção e participação em festival de música,

como também produção e participação de café literário. Todas essas ferramentas servem de suporte a

todos os segmentos e disciplinas, propiciando uma integração horizontal e vertical de toda escola.

O VIII Café Literário, ocorrido em 24 de novembro de 2015, foi uma compilação do Projeto

Político Pedagógico da escola e das ações pedagógicas estabelecidos buscando uma

interdisciplinaridade entre as disciplinas da escola.

O espaço onde ocorreu o Café Literário foi em uma antiga cela transformada em auditório6 e

foi aberto com as palavras da diretora da escola, que agradeceu os esforços de todos os alunos e

professores que participaram e construíram seus trabalhos para as apresentações, parabenizando-os

orgulhosamente. Após a abertura começaram as apresentações dos trabalhos das turmas.

As turmas de alfabetização realizaram apresentaram de dança de hip hop e de capoeira. As

turmas de NEJA I, II, III, apresentaram com o tema " Afro descendência e saúde", através da releitura

dos poemas de Gregório de Matos.

A turma de NEJA I e III apresentou o tema "O sol e a saúde", abordando a questão da

tuberculose de forma crítica às condições vivenciadas pelos alunos dentro do presídio. Os alunos

5 A escola tem uma câmera fotográfica onde todas as fotos tiradas e vídeos feitos passam pelo crivo do diretor da

Unidade Prisional que autoriza ou não a divulgação para os professores. 6 De acordo com a direção da escola o auditório também serve para as aulas de Educação Física, reforço escolar

e ao efetivo prisional, visto que ela é cedida, sempre que possível, para palestras, reuniões dos Narcóticos

Anônimos, para o grupo Arte de Viver, para os Alcoólicos Anônimos e exposições em geral - propiciando uma

integração entre os alunos da escola e os internos não-alunos e os servidores da unidade prisional.

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preparam uma cartilha em papel A4, feita a mão, sobre a tuberculose, (uma das principais doenças

contagiosas dentro do presídio, segundo os alunos). A cartilha foi entregue a todos os alunos,

professores e convidados, e explicava as formas de contágio, os sintomas da doença e as formas de

tratamento. E realizaram uma encenação sobre a situação da vida deles dentro a prisão, a questão da

superlotação, a forma de tratamento dos agentes penitenciários com os internos e a questão do banho

de sol. Enceram como tudo isso acontece no dia a dia deles.

Além disso, as duas turmas também apresentaram o tema "Saúde financeira", trazendo alguns

dados sobre os gastos da saúde e sobre a tuberculose.

A turma de NEJA II apresentou o tema "Poesia abolicionista", citando poemas e textos sobre a

abolição da escravidão ocorrida no Brasil. Por fim, a turma NEJA IV apresentou o tema "Farmácia

Baldia no Colégio Estadual Anacleto de Medeiros.

No encerramento a diretora agradeceu a todos que estavam presentes e convidou alguns alunos

e pesquisadores presentes para que pudessem comentar sobre o Café Literário. Alguns dos falaram

fizeram comentários positivos e incentivando os alunos a não desistirem do estudo, a buscarem sempre

o melhor para si mesmo, pois dias melhores virão.

O Café Literário foi uma forma de reinventar o currículo. Buscou novas formas de

organização do espaço-tempo e novos meios de aprendizagem e progressão para os alunos. Toda

comunidade escolar e ao seu redor interagiu e trabalhou junto.

Houve uma simultaneidade da educação geral com a educação profissional, a teoria com a

prática, o universal com o contextualizado, reconhecendo os saberes construídos dos alunos ao longo

de suas vidas, com o objetivo de avançar sua capacidade crítica, a criatividade e autonomia.

Considerações finais

O currículo na EJA sempre apresentou falhas deste seu início no Brasil, suas concepções

consolidaram ideias que hoje são difíceis de mudar. As práticas curriculares formalistas e

infantilizantes atrapalham o desenvolvimento da educação apropriada de acordo com o perfil dos

alunos e não levam em consideração a vivência e cotidiano dos alunos para as práticas educacionais.

Aprisionam a possibilidade de aprendizagem concreta, aplicando arbitrariamente um pensamento

dominante, com propostas tradicionais, o que nos deixam poucas alternativas de mudanças.

Porém, as transformações que tanto pensamos e discutimos são possíveis através de pequenas

ações e mudanças começando pela sala de aula na relação de professor-aluno. Deve-se criar novas

formas de promover a aprendizagem fora dos limites da estrutura escolar tradicional.

Mas cabe considerar que toda problemática relacionada a educação de jovens e adultos merece

compor o currículo de formação básica de todos educadores, para que se aproximem da realidade

existente que ainda está em defasagem no nosso contexto educacional.

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É preciso desenvolver esforços no afã de proporcionar acesso a educação a todos. Lutar contra

a exclusão social e educativa e viabilizar múltiplas trajetórias de formação para toda população. A

educação é o único caminho para ter um país melhor desenvolvido.

Referências Bibliográficas.

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OLIVEIRA, Dalila Andrade (org). A gestão democrática da educação. Desafios contemporâneos.

Petrópolis: Vozes, 1997

BRASIL, Lei de Diretrizes e B. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996.

BRASIL. Recibo de Cadastro de Inspeção. Conselho Nacional de Justiça. 2018. Disponível em:

http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/gera_relatorio.php?tipo_escolha=rel_estabelecimento&opcao_es

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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2011

OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Organização curricular e práticas pedagógicas na EJA: algumas

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RIBEIRO, Vera Masagão (coord.) Educação para jovens e adultos: ensino fundamental; proposta

curricular -1• segmento. São Paulo: Ação Educativa, Brasília: Mec, 2001.

RIBEIRO, Vera Masagão. A formação de educadores e a constituição da educação de jovens e adultos

como campo pedagógico. Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99.