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Sem Opção Veículo: O Globo - Caderno: Economia - Seção: Não Especificado - Assunto: Pandemia - Página: 1,6,23,24 - Publicação: 12/04/20 URL Original: Resposta coletiva contra o coronavírus Resposta coletiva contra o coronavírus Empresas financiam fornecedores, e socieade cria rede de solidariedade FILIPE REDONDO Sem Estado. Família que perdeu parente com suspeita de Covid-19 recebe orientação de profissionais de saúde contratados pela União dos Moradores de Paraisópolis. Associação também contratou UTI para a favela paulistana Diante dos efeitos do coronavírus no cotidiano da população e na economia, a sociedade civil e as empresas se mobilizam para, sem esperar a ajuda do Estado, salvar vidas e garantir a sobrevivência dos negócios. Uma força-tarefa de voluntários, ONGs e associações de moradores se formou por todo o país para levar às comunidades mais pobres, além de comida e produtos de higiene, informação e até assistência de saúde. Em Paraisópolis, favela com mais de cem mil habitantes em São Paulo, a União de Moradores contratou agentes de saúde para disseminar ações de prevenção, uma ambulância e UTI. Em Salvador, depósitos de fregueses nas contas dos ambulantes chegaram antes dos R$ 600 do governo e os mantiveram em casa. No Rio, mais de 26 mil voluntários se inscreveram em programa estadual. Grandes companhias, da petroquímica ao varejo, estão financiando fornecedores e clientes, diante da demora do crédito dos bancos, para evitar quebradeira da cadeia produtiva. Só duas delas liberaram R$ 2 bilhões nas últimas semanas. Empresas e pessoas já doaram R$ 1,1 bilhão para o combate à Covid-19. O VÍRUS DA SOLIDARIEDADE A REAÇÃO À COVID-19 QUE NÃO DEPENDE DO GOVERNO O Globo 12 Apr 2020 JANAÍNA FIGUEIREDO E MAIÁ MENEZES [email protected] FILIPE REDONDO Solução comunitária. Profissionais de saúde contratados pela União dos Moradores de Paraisópolis, em São Paulo, dá orientações sobre a prevenção contra o novo coronavírus: associação também conseguiu ambulância e UTI Apandemia de Covid-19 gerou no Brasil uma reação de solidariedade que não espera por ações governamentais. Iniciativas da sociedade civil se espalharam por vários estados, levando aos mais necessitados comida, produtos de higiene, máscaras, recursos econômicos e informação numa linguagem familiar, que enfatiza a necessidade de distanciamento social e de prevenção contra a doença. Uma gigantesca rede de ajuda social que não depende do Estado está em marcha a todo vapor e representa, hoje, o único salva-vidas para milhões de pessoas. É uma força-tarefa nacional de voluntários e ONGs que vem combatendo o coronavírus de diversas maneiras. Nas últimas semanas, a distribuição de alimentos em comunidades como o Jacarezinho, no Rio, e o Morro do Papagaio, em Belo Horizonte, se intensificou. O fantasma da fome começa a rondar os mais humildes, e ONGs como Rio da Paz, liderada pelo pastor Antônio Costa e criada para combater a violência, concentraram esforços em campanhas de doações de comida. Antônio Carlos diz que sua meta é que “ninguém fique sem comer” nas favelas onde atua. — Estamos tentando acumular um estoque para o momento mais crítico. Até mesmo pessoas de cidades distantes, como Natal, nos procuram. Há pais que perderam seus filhos por balas perdidas e que hoje temem passar fome — afirma o pastor, conhecido por seu trabalho no Jacarezinho, no Mandela e no Complexo da Maré, entre outras comunidades. Os gestos de solidariedade também nascem a partir de dramas individuais que servem de exemplo das dificuldades enfrentadas por um número maior de pessoas. Na Bahia, a história do pipoqueiro de uma escola particular que viralizou nas redes sociais foi o início de uma ação que hoje alcança 18 bairros de Salvador e os municípios de Lauro de Freitas e Vitória da Conquista. Um áudio de José dos Santos, aflito porque perderia a única fonte de renda, levou os pais dos alunos a fazerem uma vaquinha que garantiu seu salário. O Zé Pipoqueiro, como é conhecido há mais de 40 anos no bairro do Horto Florestal, na capital baiana, foi inspiração para ajudar outros ambulantes. A advogada Juliana Penedo Beringer e as amigas Mariana Lisboa, Sandy Najar e Renata Rangel replicaram o modelo usado para ajudar Santos e assim nasceu o projeto Semeando Amor. — Quando a escola fechou, eu não tinha perspectiva de nada. Hoje, consigo até ajudar, indicando amigos para incluírem na lista de beneficiários — conta Zé Pipoqueiro. A campanha já arrecadou R$ 180 mil. Cada ambulante recebe, em média, R$ 1 mil. — A gente não consegue atingir a todos, mas está vendo uma cadeia de solidariedade absurda — diz Juliana, que, com sua campanha, está ajudando vendedores de barraquinha de fruta, picolé e acarajé, entre outros.

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Page 1: Resposta coletiva contra o coronavírusNa Bahia, a história do pipoqueiro de uma escola particular que viralizou nas redes sociais foi o início de uma ação que hoje alcança 18

SemOpção

Veículo: O Globo - Caderno: Economia - Seção: Não Especificado - Assunto:Pandemia - Página: 1,6,23,24 - Publicação: 12/04/20URL Original:

Resposta coletiva contra o coronavírusResposta coletiva contra o coronavírusEmpresas financiam fornecedores, e socieade cria rede de solidariedadeFILIPE REDONDOSem Estado. Família que perdeu parente com suspeita de Covid-19 recebe orientação de profissionais de saúde contratados pelaUnião dos Moradores de Paraisópolis. Associação também contratou UTI para a favela paulistanaDiante dos efeitos do coronavírus no cotidiano da população e na economia, a sociedade civil e as empresas se mobilizam para,sem esperar a ajuda do Estado, salvar vidas e garantir a sobrevivência dos negócios. Uma força-tarefa de voluntários, ONGs eassociações de moradores se formou por todo o país para levar às comunidades mais pobres, além de comida e produtos dehigiene, informação e até assistência de saúde. Em Paraisópolis, favela com mais de cem mil habitantes em São Paulo, aUnião de Moradores contratou agentes de saúde para disseminar ações de prevenção, uma ambulância e UTI. Em Salvador,depósitos de fregueses nas contas dos ambulantes chegaram antes dos R$ 600 do governo e os mantiveram em casa. No Rio,mais de 26 mil voluntários se inscreveram em programa estadual. Grandes companhias, da petroquímica ao varejo, estãofinanciando fornecedores e clientes, diante da demora do crédito dos bancos, para evitar quebradeira da cadeia produtiva. Sóduas delas liberaram R$ 2 bilhões nas últimas semanas. Empresas e pessoas já doaram R$ 1,1 bilhão para o combate àCovid-19.

O VÍRUS DA SOLIDARIEDADEA REAÇÃO À COVID-19 QUE NÃO DEPENDE DO GOVERNO

O Globo12 Apr 2020JANAÍNA FIGUEIREDO E MAIÁ MENEZES [email protected]

FILIPE REDONDOSolução comunitária. Profissionais de saúde contratados pela União dos Moradores de Paraisópolis, em São Paulo,dá orientações sobre a prevenção contra o novo coronavírus: associação também conseguiu ambulância e UTIApandemia de Covid-19 gerou no Brasil uma reação de solidariedade que não espera por ações governamentais. Iniciativas dasociedade civil se espalharam por vários estados, levando aos mais necessitados comida, produtos de higiene, máscaras,recursos econômicos e informação numa linguagem familiar, que enfatiza a necessidade de distanciamento social e deprevenção contra a doença. Uma gigantesca rede de ajuda social que não depende do Estado está em marcha a todo vapor erepresenta, hoje, o único salva-vidas para milhões de pessoas.É uma força-tarefa nacional de voluntários e ONGs que vem combatendo o coronavírus de diversas maneiras. Nas últimassemanas, a distribuição de alimentos em comunidades como o Jacarezinho, no Rio, e o Morro do Papagaio, em Belo Horizonte, seintensificou. O fantasma da fome começa a rondar os mais humildes, e ONGs como Rio da Paz, liderada pelo pastor AntônioCosta e criada para combater a violência, concentraram esforços em campanhas de doações de comida. Antônio Carlos diz quesua meta é que “ninguém fique sem comer” nas favelas onde atua.— Estamos tentando acumular um estoque para o momento mais crítico. Até mesmo pessoas de cidades distantes, como Natal,nos procuram. Há pais que perderam seus filhos por balas perdidas e que hoje temem passar fome — afirma o pastor, conhecidopor seu trabalho no Jacarezinho, no Mandela e no Complexo da Maré, entre outras comunidades.Os gestos de solidariedade também nascem a partir de dramas individuais que servem de exemplo das dificuldades enfrentadaspor um número maior de pessoas. Na Bahia, a história do pipoqueiro de uma escola particular que viralizou nas redes sociais foio início de uma ação que hoje alcança 18 bairros de Salvador e os municípios de Lauro de Freitas e Vitória da Conquista.Um áudio de José dos Santos, aflito porque perderia a única fonte de renda, levou os pais dos alunos a fazerem uma vaquinhaque garantiu seu salário. O Zé Pipoqueiro, como é conhecido há mais de 40 anos no bairro do Horto Florestal, na capital baiana,foi inspiração para ajudar outros ambulantes. A advogada Juliana Penedo Beringer e as amigas Mariana Lisboa, Sandy Najar eRenata Rangel replicaram o modelo usado para ajudar Santos e assim nasceu o projetoSemeando Amor. — Quando a escola fechou, eu não tinha perspectiva de nada. Hoje, consigo até ajudar, indicando amigos paraincluírem na lista de beneficiários — conta Zé Pipoqueiro. A campanha já arrecadou R$ 180 mil. Cada ambulante recebe, emmédia, R$ 1 mil. — A gente não consegue atingir a todos, mas está vendo uma cadeia de solidariedade absurda — diz Juliana,que, com sua campanha, está ajudando vendedores de barraquinha de fruta, picolé e acarajé, entre outros.

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AÇÃO EM 24 ESTADOSEm Belo Horizonte (BH), o Sindicato dos Músicos, em parceria com o movimento Nos Bares da Vida, está recebendo doaçõespara comprar cestas básicas para seus filiados, e também para os não filiados, que estejam passando necessidade. Algunsartistas, como o cantor e compositor Paulinho Pedra Azul, doaram CDs para serem leiloados. O fundador do movimento, ZecaMagrão, conta que recebe mensagens todos os dias de colegas pedindo ajuda.— Não podemos esperar a ação do poder público — resume Zeca.Na segunda maior favela de BH, o Morro do Papagaio, o líder comunitário Julio Fessô trabalha com voluntários para ações deprevenção para os 16 mil moradores. Um grupo de costureiras está fazendo máscaras, jovens ajudam os mais idosos a sehigienizarem e a comprarem alimentos, e Julio, com outros colaboradores, tenta disseminar as informações sobre a Covid-19.—Fizemos um funk com a linguagem da favela, para traduzir as orientações do Ministério da Saúde — conta Julio.A distribuição de cestas básicas, álcool gel e sabonetes também é feita no Morro do Papagaio. E é realizada em uma escalanacional pela Central Única das Favelas (Cufa), presente em 24 estados, graças a um exército de voluntários. Com acolaboração de grandes empresas, já foram descarregadas 600 toneladas de alimentos, informa o presidente da ONG, CelsoAthayde. Ele espera que a favela, depois da pandemia, continue contando com a solidariedade de tantas pessoas.— A favela continua servindo a sociedade, se expondo, para que comidas possam ser entregues, carros possam abastecer-se,famílias possam ter uma ajuda em casa — lembra o presidente da Cufa.AJUDA COM PROTEÇÃONo Jacarezinho e em outras favelas, Antônio Carlos e sua ONG estão na linha de frente do combate ao coronavírus. O pastorsempre trabalha com uma máscara que recebeu de doação, para evitar o contágio, assim como os seus voluntários tomamtodas as medidas de precaução necessárias.— Temos de nos cuidar para poder atender as demandas, que se multiplicam todos os dias. Precisamos de ajuda —frisa AntônioCarlos.No Complexo do Alemão, a campanha “Pandemia com empatia” tenta minimizar o impacto financeiro do vírus e ajudar naprevenção, distribuindo kits de higiene e cestas básicas. O coletivo Voz da Comunidade arrecada recursos com a preocupaçãomaior de auxiliar diaristas e empregadas domésticas. Alguns projetos tem parceria com o Mulheres em Ação e o Papo Reto. Adistribuição de kits busca atender, principalmente, casas perto do esgoto sem tratamento, explica Neila Marinho, da Voz. Naúltima semana, segundo moradores, dois jovens morreram com sintomas da Covid-19.— É difícil convencer os moradores a ficarem em casa, ainda mais depois da fala do presidente Jair Bolsonaro, contrário aoisolamento. Mas o volume de solidariedade surpreendeu. O pobre não deixa outro pobre morrer de fome —diz Neila.Na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo, organizaram-se grupos de 50 pessoas para atender os 100 mil habitantes. Aassociação de moradores contratou uma ambulância, sete profissionais da saúde e até uma UTI. Também foram lançadascampanhas como a “Adote uma diarista”, que ajuda cerca de 150 mulheres com R$ 300 mensais e uma cesta básica.— Enquanto os governos não falam sobre as favelas, nós nos organizamos. A situação aqui é de calamidade pública —diz o líderda União de Moradores de Paraisópolis, Gilson Rodríguez.

AJUDAR SEM OLHAR A QUEMNO RIO, 26 MIL VOLUNTÁRIOS SE INSCREVEM EM PROGRAMA

O Globo12 Apr 2020VERA ARAÚJO [email protected]

BRENNO CARVALHOMomento de união. Isabella Oliveira: “É minha chance de ajudar as pessoas”Arotina do médico intensivista Bruno Feijó, de 43 anos, se tornou ainda mais estressante com a chegada da Covid-19, que jámatou mais de cem mil pessoas no mundo e deixou cidades inteiras isoladas. Na semana passada, ele cuidava de cincopacientes infectados, dois deles em estado gravíssimo no CTI. Mesmo se dividindo entre diferentes hospitais, o médico decidiuabrir mais um horário em sua agenda para se tornar um voluntário na luta contra o coronavírus. Ele é um dos 26.031profissionais que se inscreveram no programa do governo do Estado do Rio para doar um pouco de seu tempo e conhecimento.— O Brasil vai precisar de muita ajuda quando a doença explodir. Se todos puderem se doar um pouquinho, disponibilizaralgumas horas de seu tempo, poderemos minimizar o sofrimento dos doentes —disse o médico, que há 15 anos atua em centrosde terapia intensiva. — Essa é a hora de mostrarmos o valor da medicina brasileira e o nosso espírito solidário.VÁRIAS PROFISSÕESMas não são só médicos, enfermeiros, psicólogos e farmacêuticos que estão dispostos a enfrentar a pandemia sem receberdinheiro por isso. A lista inclui babás, merendeiras, atendentes de call center, chefs de cozinha, porteiros, seguranças, músicos,teólogos, cuidadores de idosos, motoristas, copeiras, recepcionistas, terapeutas, veterinários, profissionais de TI, advogados ejornalistas. As inscrições“Os profissionais de saúde são nossa primeira linha de defesa no combate ao coronavírus, e os voluntários vão ajudar muito

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num cenário de caos” _ Edmar Santos, secretário estadual de Saúde“Eu não poderia ser indiferente ao que está acontecendo. Sou babá, mas posso dar uma palavra de conforto a quem luta pelavida em um leito de hospital”_ Emily de Souza, babáforam abertas pela Secretaria estadual de Saúde no último dia 18. Entre os candidatos, metade é de estudantes, e os demais,profissionais que já atuam no mercado de trabalho. Os interessados devem preencher um formulário disponível no sitevoluntarioscoronavirus.rj.gov.br. Já no início do documento fica claro o motivo da missão: “Em tempos de medo e incerteza,solidariedade faz toda a diferença”.APOIO FUNDAMENTALO site ainda está aberto, mas a primeira triagem já se encontra em andamento para selecionar profissionais de saúde. Quandohouver demanda, em caso de expansão da pandemia, os inscritos serão chamados para atuar em hospitais da rede pública.— A solidariedade fará a diferença para salvarmos vidas — disse o secretário estadual de Saúde, Edmar Santos. — Osprofissionais de saúde são nossa primeira linha de defesa no combate ao coronavírus. E o reforço das equipes, com aparticipação dos voluntários, será fundamental neste momento delicado que a saúde pública do Rio de Janeiro enfrenta.Osvoluntários vão ajudar muito num cenário de caos. Saíremos diferentes depois que tudo isso acabar.Na linha de frente nos hospitais em que trabalha, Bruno Feijó pretende tirar seis horas por semana de seu tempo de lazer com afamília para se dedicar ao trabalho voluntário. No dia seguinte à entrevista por telefone ao GLOBO, ele apresentou sintomas dadoença e teve que ficar em quarentena. Estudante de enfermagem, Isabella Oliveira, de 21 anos, teme a contaminação, masnão pensou duas vezes na hora de se inscrever.— Minha mãe não aprovou minha decisão, mas essa é a minha chance de ajudar. Entendo a minha mãe porque ela conhece osistema de saúde, sabe que falta proteção. O importante é que a gente se una para evitar que o pior aconteça —disse Isabella.UM BOM EXEMPLOAinda mais jovem, Douglas Borges, de 19 anos — ele tinha 18 quando se inscreveu —, teve o apoio da família.—Meu pai está feliz com a minha escolha. Dizer que não estou ganhando nada sendo voluntário é uma grande mentira. Salvarvidas não tem preço — afirmou o estudante de enfermagem.A vontade de fazer o bem também moveu uma médica com 30 anos de carreira. Cristina Quadrat, de 56, afirma que o momentoé de pensar nas outras pessoas:— É um ato de humanidade. A questão não é quanto eu ganho, mas o quanto eu ajudei — argumentou a médica. CristinaQuadrat, que morou cinco anos em Portugal, já trabalhou num hospital que estava preparado para receber pacientescontaminados pelo vírus ebola. Uma experiência que, segundo ela, pode ajudar muitas pessoas agora, no Rio:— Infelizmente, tudo indica que essa doença vai afetar demais os moradores de rua e as comunidades carentes. Só espero quenão seja preciso decidir quem deve viver e quem deve morrer, como aconteceu lá fora.Se o assunto é cuidar das pessoas, Emily Carvalho da Costa de Souza, de 20 anos, tem graduação. Babá, ela foi uma dasprimeiras a se inscrever no projeto:— Eu venho de uma família humilde de Tanguá, onde aprendemos a ser prestativos. Minha avó sempre ajudou as pessoas,minha mãe seguiu a mesma linha. Eu não poderia ser indiferente ao que está acontecendo. Sou babá, mas posso dar umapalavra de conforto a quem luta pela vida em um leito de hospital. Minha avó sempre fala “dar é melhor do que receber”. Pensoque hoje tenho algo a oferecer para quem precisa. Talvez, amanhã, seja eu ou alguém da minha família que precise. É semprebom ajudar, doar o nosso tempo a quem sofre.

SOCORRO POR CONTA PRÓPRIAGrandes empresas financiam pequenas para preservar suas cadeias deprodução

O Globo12 Apr 2020BRUNO ROSA [email protected]

LUKE SHARRETT/BLOOMBERG/8-4-2016Braskem. A gigante da petroquímica resolveu conceder R$ 1 bilhão em crédito para pequenas indústriascontinuarem a comprar matéria-primaDiante da demora na chegada do crédito anunciado pelo governo para as pequenas e médias empresas, as grandes companhiasdo país decidiram iniciar uma espécie de socorro por conta própria a fornecedores, clientes e varejistas. O objetivo é garantirque eles consigam atravessar acrise na economia causada pela pandemia. Linhas de crédito emergenciais com juro baixo,antecipação de pagamentos e comissões e até consultoria financeira são algumas das ações adotadas em diferentes setores, dapetroquímica ao varejo. A estratégia é preservar as cadeias produtivas diante da paralisação de atividades, que derrubouprodução e vendas. A petroquímica Braskem criou uma linha de crédito de R$ 1 bilhão para a compra de matéria-prima por seusclientes, como indústrias plásticas. A ideia é atender ao menos mil pequenas e médias empresas. Segundo Edison Terra,

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vicepresidente para América do Sul da companhia, o limite dos empréstimos será de R$ 600 mil, com base no faturamento decada firma, com juros no patamar da taxa básica de juros (Selic, hoje em 3,75%), próximodoque o governo promete: — Essalinha tem um custo competitivo evai ajudar quem não consegue ter acessoa bancos coma mesma rapidez. Iniciativa semelhantetema Vale. O reforço emergencial da mineradora envolve a antecipação de pagamentos acerca de três mil fornecedores até ofim deste mês. O volume de recursos chegará aR $1 bilhão. Na telefonia, a Vivo, que tem mais de 1.600 pontos de venda nopaís, resolveu prorrogar o vencimento de contas dos aparelhos comprados pelos franqueados que fica ramnos estoques. Nãoforam vendidos ao consumidor com o fechamento de lojas e shoppings. Márcio Fabbris, vice-presidente de Marketing da Vivo,diz que a empresa vai adiantar as comissões de vendas futuras, numa espécie de financiamento: — Além dos lojistas, temoscerca de três mil vendedores porta a porta. Vão ter dificuldade com seu fluxo de caixa. Não queremos uma ruptura.AÇÃO ESTRATÉGICAAs iniciativas ganham corpo empara leloàtent ativado governo de aumentara oferta de crédito às médias e pequenas empresas,que se queixam de que o dinheiro não chega às agências bancárias nas condições prometidas. Na semana passada, para acabarcom o empoçamento dos recursos nos bancos —ou seja, eles têm o dinheiro, mas não emprestam —o Ministério da Economiadecidiu assumir uma fatia maior do risco das operações. Isso pode destravar operações e elevarem R $50 bilhões o volume decrédito.Para especialistas em negócios, a decisão das grandes empresas de ajudar as pequenas, neste momento dec ris e,é estratégico.As maiores companhias sabem que o acessoa serviços, insumos e canais de distribuição será decisivo para elas quando chegarahorada retomada da economia.— As grandes empresas dependem de sua rede forte para sobreviver. Alógicaé preservar os negócios. Mas os recursos sãolimitados— diz Eduardo Seixas, sócio da Alvarez & Marsal. A fabricante de celulares e eletroeletrônicos Multi laser, com 3.100funcionários e faturamento anual de R$ 2,4 bilhões, também dá mais prazo para varejistas. Além disso, diz AlexandreOstrowiecki, presidenteda empresa, a ideia é também dar crédito:— A crise começou na segunda quinzena de março. De lá para cá, um terço dos pagamentos foi prorrogado. Em abril, dois terçosserão prorrogados. Nosso papel é estender o crédito a 15 mil clientes no varejo, de pequenas lojas a grandes redes. Mas precisoque os bancos também me emprestem. Os limites de bancos caíram a um quinto do que havia antes, e as taxas de juroschegaram a triplicar depois da crise.ATRÁS DOS BANCOSA empresa de beleza L'Oréal Brasil vai doar mais de 750 mil produtos de higiene, como álcoolgel, xampus e condicionadores,para hospitais públicose comunidades de Rio e São Paulo. Para apoiar pequenos e médios negócios de beleza, a empresa lançou uma plataforma pelaqual os clientes podem comprar vouchers de R$ 50 no salão da sua preferência para usar quando o estabelecimento reabrir. Emtroca, recebem um desconto no mesmo valor na compra de produtos das marcas da companhia. A Odontoclinic, rede defranquias de clínicas odontológicas que envolve 2.500 dentistas no país, decidiu ir atrás dos próprios bancos para intermediaraconcessão de crédito aseus franqueados. O vice-presidente, LucasRo mi, admite que é decisivo para a empresa que sua redetenha acessoa recursos financeiros para atravessar acrise:— Os bancos estão dificultando, com muitas exigências elonga análise de crédito. É preciso maior flexibilidade. Adiamostambém o pagamento de royalties pelo uso da marca. O maior desafio (do f ranque ado)é afolha de pagamento.Para Luis Vasco, sócio da consultoria Deloitte, abusca de soluções para pequenas empresas pelas grandes indica que há grandeurgência: — Muitas empresas estavam descapitalizadas, recuperando-se ainda de um cenário econômico fraco no país. Agora,precisam proteger suas operações.A Unilever decidiu dar crédito ao pequeno varejista e antecipar o pagamento de fornecedores. A Via Varejo, dona das marcasPontofrio e Casas Bahia, usou sua fundação para destinar R$ 1 milhão em microcrédito a empreendedores, em parceria comONGs.A rival Magazine Luiza reduziu amenosd ametade comissões cobradas de empreendedores que faturam até R$ 5 milhõespor ano interessados em vender pela internet por meio de sua plataforma. A rede de varejo diz ter antecipado em cinco mesesessa estratégia, que ajuda pequenos, mas também turbina seu crescimento na rede. A B2W, dona de Americanas.com,Submarino e Shoptime, oferece crédito para giro aos 6,8 mil lojistas que vendem produtos em seus sites, com carência de até75 dias. As empresas vão receber consultoria financeira para ajudá-las a enfrentara turbulência. —Oobjetivoé fortaleceraoperação de nossos parceiros, garantindo que eles tenham recursos financeiros para operar —diz Fábio Abrate, diretorfinanceiro da B2W Digital. Artur Grynbaum, presidente do Boticário, uma das pioneiras no modelo de franquias no país, contaque adiou o vencimento de faturas dos parceiros e está provendo ajuda em gestão financeira e comercial para sua cadeia:— O importante é manter uma comunicação assertiva em todo momento e dar fôlego financeiro para os parceiros.

Cidadãos e empresas se mobilizam para mitigar criseAlém de cobrar o governo, organizações e companhias já doaram R$ 1,1 bipara equipamentos e soluções contra o vírus

O Globo

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12 Apr 2020LEO BRANCO [email protected]

LEO ORESTES/DIVULGAÇÃORastreio digital. Gustavo Maia, fundador do aplicativo Colab: dados ajudam prefeituras a monitorar casossuspeitosEm virtude da escassez generalizada de recursos públicos para enfrentar a epidemia de coronavírus no Brasil, cidadãos eempresas estão se mexendo para levantar o dinheiro necessário para a compra de equipamentos médicos e o desenvolvimentode tecnologias úteis contra o coronavírus. Em um mês, doações que somam ao menos R$ 1,1 bilhão já foram direcionadas parasoluções capazes de complementar as ações do poder público em diferentes níveis de governo no enfrentamento da pandemia.O cálculo é da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), entidade que monitora os recursos destinados àfilantropia no Brasil. A quantia equivale a 30% do volume anual geralmente destinado à filantropia pelas empresas brasileiras. Odesafio é manter a solidariedade no longo prazo, dizem especialistas. Quase 70% das doações foram destinadas à aquisição deequipamentos de saúde como respiradores mecânicos e itens de proteção individual para médicos e enfermeiros, diz a ABCR. Orestante foi usado em programas contra os efeitos econômicos da paralisação de atividades com as medidas de contenção daepidemia, como vouchers para a troca de itens básicos de limpeza, higiene e alimentação. Juntando as duas vertentes, há aomenos 101 iniciativas da sociedade civil contra o novo vírus no Brasil, segundo o Gife, uma ONG criada para estimular afilantropia no país. —É um patamar inédito de mobilização de recursos — afirma José Marcelo Zacchi, secretário-geral do Gife.Em boa medida, as iniciativas partem de empresas de grande porte e que, até agora, tiveram algum fôlego para manter seusnegócios, ainda que sofram as consequências negativas da crise. Seguem o manual de responsabilidade social, que mostra aimportância dessas iniciativas para a imagem da empresa em momentos como este.A BR Distribuidora, por exemplo, comprometeu-se a distribuir vouchers de R$ 120 por três meses a 1.660 famílias de baixarenda de comunidades vizinhas à sede da empresa, na região central do Rio. Além disso, a companhia privatizada no anopassado — mas que mantém a Petrobras como principal acionista — deve distribuir materiais de limpeza a 15 instituiçõespúblicas próximas, como escolas e unidades de saúde. A Coca-Cola, também baseada no Rio, criou um fundo para compensar aperda de renda de 11 mil catadores de resíduos, como latinhas de refrigerantes, que também tiveram o trabalho limitado.‘KNOW-HOW’ PRIVADOA pandemia vem criando forças-tarefas de empresários e gestores públicos Brasil afora no combate ao vírus em suas regiões.Em Uberlândia, em Minas Gerais, uma aliança desse tipo levantou R$ 700 mil para o conserto de 21 aparelhos de UTI e a comprade roupas para profissionais de saúde dos hospitais públicos locais. Em São Paulo, a ONG Comunitas levantou R$ 26 milhõespara comprar 472 equipamentos de UTI. Outra iniciativa, chamada Fundo Emergencial para a Saúde Coronavírus Brasil, levantouR$ 3,5 milhões para as necessidades de unidades de referência, como a Fiocruz. —A cultura de doação está se fortalecendo nopaís — diz Paula Fabriani, uma das idealizadoras do Fundo. Em paralelo às vaquinhas entre empresas e pessoas físicas, algumasstart-ups, como são chamadas as empresas inovadoras de base tecnológica, passaram a criar soluções gratuitas para daralguma luz aos governos no desafio de conter o avanço do vírus. Um exemplo é o Colab, criado em 2013 como um aplicativopara relatar problemas de zeladoria urbana, como buracos na rua ou falta de iluminação pública, às prefeituras a partir dequeixasde cidadãos. Em março, o app do Colab ganhou a função Brasil Sem Corona, com um questionário para o usuário checar se estácom sintomas da Covid-19. As informações dadas pelos usuários estão sendo agregadas por outra startup, a Epitrack, que édedicada à análise de epidemias. O objetivo é montar mapas das zonas com maior incidência de casos suspeitos da doença. Osdados já são usados por prefeituras como as de Teresina, no Piauí, e Santo André, em São Paulo. —As informações ajudam asaber, por exemplo, as áreas das cidades com mais casos de Covid-19 subnotificados — diz Gustavo MoreiraMaia, fundador do Colab. A start-up catarinense de biotecnologia BiomeHub está tentando ajudar em outra frente: garantir asegurança da mão de obra em empresas de setores considerados essenciais, que continuam operando em meio ao isolamentosocial dos que podem ficar em casa. Um dos negócios da empresa é ajudar gestores hospitalares a avaliar o risco de infecção deprofissionais de saúde em suas unidades por meio da análise laboratorial de micro-organismos encontrados em áreas comoleitos e corredores dos centros de saúde.TESTES RÁPIDOSPor causa da pandemia, a BiomeHub criou testes rápidos de coronavírus a serem aplicados em grupos de dez pessoas. A ideia éque, uma vez detectados sinais de vírus em alguém do grupo, esse indivíduo e pessoas próximas sejam isolados e façam ostestes convencionais. Patrocinada, em parte, pela Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), a tecnologiadeve ser aplicada nas próximas semanas em funcionários de supermercados e postos de combustíveis. —Estamos em contatocom prefeituras para que a tecnologia possa evitar surtos em ambientes públicos — diz Luiz Felipe Valter de Oliveira, presidenteda BiomeHub. Luana Tavares, diretora do CLP, organização para formação de lideranças que montou um guia on-line com boaspráticas para parcerias entre os setores público e privado no combate à pandemia, observa que a urgência da crise já teve oefeito positivo de destravar burocracias para a aquisição de equipamentos de saúde. Resta saber o legado dessas iniciativas nolongo prazo. — A crise já nos mostrou a importância de uma boa estrutura de saúde pública. A torcida é para que a sociedadesiga vigilante sobre o papel do Estado —diz Luana. André Tamura, fundador da WeGov, empresa que presta consultoria de

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inovação em órgãos públicos, vê a crise como uma oportunidade de melhorar as parcerias público-privadas: —As relações entreempresariado, ONGs e poder público estavam viciadas, com muita desconfiança de todos os lados. As redes formadas paracombater a pandemia podem mudar essa imagem.“As relações entre empresariado, ONGs e poder público estavam viciadas, com muita desconfiança. As redes formadas paracombater a pandemia podem mudar essa imagem” _André Tamura, fundador da consultoria WeGov“A torcida é para que a sociedade siga vigilante sobre o papel do Estado” _Luana Tavares, diretora do CLP

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