responsabilidade social universitária: contribuições para ofortalecimento do debate no brasil

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Revista da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior Ano 24 Nº 36 Jun. de 2006 RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: CONTRIBUIÇÕES D A REDE UNIVERSITÁRIA DE ÉTICA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL DO BID

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A Responsabilidade Social Universitária (RSU) constitui-se temática emergente que, especificamente no cenário universitário brasileiro, ficou em evidência a partir das tendências delineadas pelas estratégias de marketing das instituições de ensino superior (IES) do setor privado, uma conseqüência direta da expansão da Responsabilidade Social Empresarial (RSE) e do Terceiro Setor. RESPONSABILIDADE SOCIAL UNIVERSITÁRIA: CONTRIBUIÇÕES PARA O FORTALECIMENTO DO DEBATE NO BRASIL

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Revista da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior

Ano

24

36Ju

n.

de

2006

RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: CONTRIBUIÇÕESD A REDE UNIVERSITÁRIA DE ÉTICA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL DO BID

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Associação Brasileira de Mantenedorasde Ensino SuperiorSCS Quadra 07 – Bloco “A”Torre Pátio Brasil Shopping - Sala 52670 330-911 - Brasília - DFTel.: (61) 3322-3252 Fax: (61) 3224-4933E-mail: [email protected] page: http://www.abmes.org.br

PRESIDÊNCIA

PresidenteGabriel Mario Rodrigues

Vice-PresidentesAntonio Carbonari NettoFabrício Vaconcellos SoaresCarmen Luiza da Silva

CONSELHO DA PRESIDÊNCIAAna Maria Costa de SousaAndré Mendes de AlmeidaCandido Mendes de AlmeidaÉdson FrancoHermes Ferreira de FigueiredoJosé Loureiro LopesLuiz Eduardo Possidente TostesManoel Ceciliano Salles de AlmeidaMara Manrubia TramaPaulo Newton de PaivaPedro Chaves dos Santos FilhoRoque Danilo BerschTerezinha Cunha

Suplentes

Eduardo Soares OliveiraJorge BastosJosé Odilon de OliveiraManoel J. F. de Barros Sobrinho

Wilson de Mattos Silva

CONSELHO FISCAL

Cláudio Galdiano CuryDécio Corrêa LimaGeraldo Maria Brocca CasagrandeJosé Janguiê Bezerra DinizPaulo César Martinez y Alonso

SuplentesDora Silvia Cunha BuenoEliziário Pereira Rezende

DIRETORIA EXECUTIVADiretor GeralGetúlio Américo Moreira Lopes

Vice-Diretor GeralDécio Batista Teixeira

Diretor AdministrativoValdir Lanza

Diretor TécnicoAdivar Ferreira de Aguiar

Secretária ExecutivaAnna Maria Faria Iida

AssessoriaCecília Eugenia Rocha HortaAnna Maria Faria IidaFrederico Ribeiro RamosIzabel Cristina Bezerra e Santiago

ApoioArlete Gonçalves RibeiroLeandro Rodrigues Uessugue

E82 Estudos: Revista da Associação Brasileira de Mantenedoras deEnsino Superior / Associação Brasileira de Mantenedora deEnsino superior. – Ano 24, n. 36 (Jun. 2006). – Brasília :Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior,2006-

v. ; 28 cm.SemestralInício: 1982Descrição baseada em: Ano 24, n. 36 (Jun. 2006)

ISSN 1516-62011. Ensino superior – responsabilidade social. 2. Ensino

superior – ética. 3. Ensino superior – periódico. I. AssociaçãoBrasileira de Mantenedoras de Ensino Superior. II. Título:Revista da Associação Brasileira de Mantenedoras de EnsinoSuperior.

CDU 378(05)

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Associação Brasileira deMantenedoras de Ensino Superior

EditorGabriel Mario Rodrigues

OrganizadoraCecília Eugenia Rocha Horta

TraduçãoRosinda Ramos

Conselho EditorialAntônio Colaço MartinsMaria Ottília Pires LanzaÉdson FrancoPaulo César Martinez y AlonsoRonald BragaSylvia Helena Cyntrão

Projeto GráficoGorovitz/Maass Arquitetos Associados

Editoração EletrônicaValdirene Alves dos Santos

SUMÁRIO

RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: CONTRIBUIÇÕESD A REDE UNIVERSITÁRIA DE ÉTICA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL DO BID

Apresentação ...................................................................................... 5

Textos

Responsabilidade social universitária: contribuições para ofortalecimento do debate no BrasilAdolfo Ignacio Calderón...................................................................... 9

A ética e a responsabilidade social da universidadeBernardo Kliksberg............................................................................. 25

A urgência da responsabilidade social universitáriaAlan Wagenberg ................................................................................. 29

Que significa responsabilidade social universitária?François Vallayes ............................................................................... 37

Responsabilidade social universitária: uma experiênciainovadora na América LatinaMónica Jiménez de la JaraJosé Manuel De F. FontecillaCatalina Delpiano Troncoso............................................................... 59

Conhecimento e responsabilidade social: ameaças edesafios para a universidade transdisciplinarLuís Carrizo. ...................................................................................... 77

Normas para apresentação de originais............................................... 93

Revista da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior

Ano

24

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de

2006

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7APRESENTAÇÃO GABRIEL MÁRIO RODRIGUES

ADOLFO IGNACIO CALDERÓN2

Introdução

A Responsabilidade Social Universitária(RSU) constitui-se temática emergente que, especi-ficamente no cenário universitário brasileiro, ficou emevidência a partir das tendências delineadas pelasestratégias de marketing das instituições de ensinosuperior (IES) do setor privado, uma conseqüênciadireta da expansão da Responsabilidade SocialEmpresarial (RSE) e do Terceiro Setor.

RESPONSABILIDADE SOCIALUNIVERSITÁRIA:CONTRIBUIÇÕES PARA OFORTALECIMENTO DO DEBATENO BRASIL1

1 O autor agradece as contribuições da professora Cecília Eugenia Rocha Horta,assessora da ABMES, e da equipe de pesquisadores do Núcleo de Ciências SociaisAplicadas da Universidade de Mogi das Cruzes, professores doutores (as)Francisco Cláudio Tavares, Tatiana Platzer do Amaral e Wagner Wuo. Contudo, asidéias expostas neste artigo ficam sob sua inteira responsabilidade.

2 Sociólogo; doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo (PUC-SP); coordenador e pesquisador do Núcleo de Ciências SociaisAplicadas da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC); pesquisador do Programade Pesquisas em Políticas Públicas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estadode São Paulo (Fapesp); Bolsista da Fundação de Amparo ao Ensino e Pesquisa(Faep); consultor da superintendência executiva da Universidade Solidária;membro do comitê científico do Fórum de Extensão das IES Particulares e doconselho de gestores do Programa Alfabetização Solidária.

Apesar de incluída recentemente na agenda públicaeducacional, após o governo federal tê-la apontadocomo uma das dimensões a ser avaliada nas IES, comoparte do Sistema Nacional de Avaliação da EducaçãoSuperior (Sinaes), as discussões em torno da RSU têmgerado certa resistência na comunidade acadêmicadevido a existência de um viés ideológico muitopresente na intelectualidade brasileira.

Para alguns, trata-se de um conceito procedente deuma matriz empresarial que não se adequaria ànatureza pública das IES, uma vez que a universidadenão seria uma empresa. Para outros, trata-se de umconceito que se enquadra na lógica neoliberal e queresponde aos interesses de um projeto de sociedadeexcludente, impulsionado pelas grandes agênciasmultilaterais (Banco Mundial, FMI, entre outros), comos quais a universidade não poderia compactuar.

Diante desse cenário, o presente artigo enquadra-sedentro dos esforços para desmistificar essas visõessobre a RSU, revisitando-as, mostrando a sua

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importância para refletir sobre a gestão universitária eprincipalmente sobre o papel da universidade nasociedade contemporânea, num período marcado porvários fatores tais como a institucionalização domercado da educação superior; a transferência dasresponsabilidades estatais para o mercado; ofortalecimento da livre iniciativa e a hegemonia depolíticas educacionais de corte neoliberal.

Sem dúvida alguma, a RSU é um tema que mereceuma discussão profunda e isenta pela comunidadeacadêmico-científica e pelas autoridades universitáriasque lideram os diversos fóruns nacionais existentes nasáreas de extensão de ensino e de pesquisa.

Para tanto, analisaremos as contribuições de autoresque fazem parte da Rede Universitária de Ética eDesenvolvimento Social do Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID), organização que vemestimulando as discussões sobre a ética e a RSU, emparceria com mais de 109 universidades de AméricaLatina, principalmente as de língua espanhola.

Acreditamos que tais contribuições serão capazes deestimular, subsidiar e fortalecer o debate sobre o temano meio acadêmico brasileiro3.

Visões diferentes sobre o mesmo tema

Embora a RSU tenha-se destacado a partirda expansão da ideologia do Terceiro Setor em suasinterfaces com o setor empresarial, convém ressaltarque não se trata de uma temática nova nas discussões arespeito do papel e da identidade da educação superior eda universidade.

As discussões em torno dos rumos da universidadepossuem uma conotação político-ideológica, a mesmaque tem permeado toda sua trajetória histórica.

Sob esse prisma, a defesa e disseminação da RSU,fazem parte de uma tradição universitária, latino-americana, pautada pela defesa de ideais huma-nísticos, em prol de uma universidade comprometidana luta contra a pobreza e pela construção de umasociedade mais justa e democrática. Neste sentido,não se alinham às forças conservadoras atualmentehegemônicas em âmbito global.

Como aponta Carrizo (2006), o que surpreende, deforma lamentável, é o fato de que ainda subsistem, semsolução, problemas já apontados, há quase meio séculoatrás, por educadores como Paulo Freire e DarcyRibeiro, entre outros, nas propostas por eles apresen-tadas de reformas necessárias para a construção deuma universidade, visando a responder aos anseios dascomunidades da América Latina, historicamentehomogeneizadas pela pobreza e exclusão social.

Seguindo esta tradição, discutir a RSU torna-se numconvite para revisitar, com rigor e não como modismo

3 Tomamos como referência os textos dos seguintes autores: Kliksberg (2006),diretor da Iniciativa Interamericana de Capital Social, Ética e DesenvolvimentodoBID; Wagenberg (2006), coordenador da Rede Universitária de Ética eDesenvolvimento Social do BID; Carrizo (2006), docente-pesquisador do CentroLatinoamericano de Economía Humana e consultor do BID em temas de Ética eDesenvolvimento da Universidade; Vallaeys (2006), professor da PontificiaUniversidade Católica do Peru e consultor em temas de Responsabilidade SocialUniversitaria da Iniciativa Interamericana de Ética, Capital Social y Desarrollo doBID; e Jimenez et alii. (2006), reitora da Universidade Católica de Temuco (Chile), diretorado Projeto Universidad Construye País – interessante experiência na área de RSUdivulgada pela Rede Universitaria de Ética e Desenvolvimento Social do BID.

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9RESPONSABILIDADE SOCIAL UNIVERSITÁRIA: CONTRIBUIÇÕESPARA O FORTALECIMENTO DO DEBATE NO BRASIL ADOLFO IGNACIO CALDERÓN

passageiro, debates iniciados no início da década de1962, como aqueles realizados em Montevidéu,durante um Congresso Internacional intitulado LaResponsabilidad Social de La Universidad, repre-sentando uma tendência prevalecente em univer-sidades européias e norte-americanas, cujos resultadosse mantêm vigentes e atuais (Calderón, 2005). Jánaquela época, RSU dizia respeito aos deveres que auniversidade tem com a sociedade que a financia,referindo-se principalmente à procura de soluçõespara os principais problemas sociais, à necessidade deuma melhor distribuição de renda e à criação demecanismos de promoção social de setores histori-camente marginalizados.

Analisando a atual conjuntura brasileira, a partir doartigo de Jimenez et al. (2006) a respeito da realidadechilena, chama atenção o fato de que os dirigentes dasuniversidades públicas do Brasil e do Chile –exatamente daquelas que reúnem grande parteda intelectualidade desses países – fazem leiturasdiferentes da RSU e apresentam posturas diametral-mente opostas.

Se no Brasil existem resistências em relação àutilização do termo RSU, é interessante constatar queno Chile as principais instituições públicas, nãonecessariamente estatais, se reuniram em torno doconceito de RSU com intuito de aprimorar a gestãouniversitária e de criar uma cultura coletiva a partir daimplantação de um Projeto em comum, denominadoProjeto Universidad Construye País, que busca

expandir o conceito e a prática da RSU no sistemauniversitário chileno. Iniciado em 13 universidadespúblicas, o Projeto começa a se expandir e pretendetambém atingir aproximadamente 30 universidadesprivadas existentes no Chile.

De acordo com Jimenez et al. (idem), o Projeto sefundamenta no fato de serem as universidadesencarregadas da formação das elites intelectuais, dasquais surgem profissionais e acadêmicos, compotencial de liderança na sociedade, que precisamtomar consciência da realidade chilena e de suasprementes necessidades. Sustenta-se em princípios evalores tais como – fraternidade, solidariedade, digni-dade da pessoa, liberdade, integridade, bem comum eeqüidade social, desenvolvimento sustentável, apreço àdiversidade, entre outros – os quais deveriam nortear ofazer acadêmico, sem se restringir à procura dacompetência, eficiência e êxito pessoal (idem).

A experiência chilena constitui-se caso paradigmático.Dirigentes universitários e suas respectivas comuni-dades acadêmicas se debruçaram sobre a temática daRSU desenvolvendo uma interessante proposta depromoção da responsabilidade social universitária, amesma que pode servir para repensar os sistemasuniversitários dos diversos países irmãos da AméricaLatina e do Caribe. Trata-se de uma proposta queenvolve conceitualização, princípios, valores eferramentas de gestão universitária, com o intuito deobservar, avaliar e realizar ações corretivas quandonecessário.

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10 ESTUDOS 36 JUNHO DE 2006

A universidade chilena: a meninados olhos do Banco Mundial

A leitura da experiência chilena na área deRSU abre a possibilidade de conhecer a realidade deum sistema universitário diferente do brasileiro, emalguns aspectos. Trata-se de um modelo visto no Brasilcom muita resistência por intelectuais e pesquisadoresda área da educação superior por ser, entre outrosmotivos, recomendado pelo Banco Mundial (1985),como exemplo de experiência bem sucedida na áreado ensino superior para os diversos países da AméricaLatina.

Para os setores da intelectualidade brasileira que seopõem a essa proposta, o risco maior diz respeito àdependência da universidade ao mercado e à perda desua autonomia. Assim, a universidade deixaria de serum espaço crítico e produtor livre e desinteressado deconhecimentos.

Sob esta ótica, Chauí (1995, p. 58-60) observa que aadoção desse modelo de universidade, que ela chamade Universidade Operacional, significaria levar a idéiae a prática da privatização do público às suas últimasconseqüências, pois decretaria: a) o fim da autonomiana criação e transmissão de conhecimentos; b) o fimda universidade pública como instituição social e comoinstituição democrática de garantia de direitos; c) asubmissão do trabalho docente e de pesquisa a padrõese finalidades externas, determinados pelas exigênciasdo mercado; d) a substituição da universidade por

centros, núcleos e institutos de pesquisas diretamentesubvencionados pelas empresas, cujos critérios deseleção e admissão de estudantes e pesquisadoresserão a eficiência e a produtividade medidas não pelasexigências intrínsecas à produção de conhecimentos,mas por sua rentabilidade econômica.

Mesmo considerando as críticas de Chauí e de outrosautores4, o sistema universitário chileno representa aconcretização de uma importante e polêmica proposta,amplamente recomendada e divulgada pelas agênciasmultilaterais, como o Banco Mundial, para superar acrise de financiamento das universidades públicas, istoé, a diversificação das fontes de financiamento e acorrespondente criação do arcabouço institucional quepossibilite a flexibilidade necessária para competir nomercado pela captação de recursos.

Por diversificação das fontes de financiamento,entende-se novas receitas que fariam parte dofinanciamento das universidades, além daquelesrecursos repassados pelo governo. Assim, nessadiversificação incluem-se as cobranças de mensa-lidades dos alunos e outras atividades geradoras derecursos, principalmente a prestação de serviços e aoferta de produtos para o atendimento da demanda domercado, sobretudo nos cursos de educaçãocontinuada (capacitação e atualização), pesquisasaplicadas, assessorias e consultorias para as empresase indústrias (Calderón, 2003).

4 Oliveira (1999), Romano (1998), Silva & Sguissardi (1999), Sobrinho (1999),Trindade (1999).

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Dentro do modelo universitário proposto pelo BancoMundial, as universidades estatais teriam de realizarmudanças no seu processo gerencial, criando umaestrutura mais dinâmica, ágil, enxuta, que possibilitasseo equilíbrio financeiro, a obtenção de lucros e a rapidezno atendimento da demanda e na elaboração deprojetos. Nessa perspectiva, o Estado não assumiria agestão direta das universidades, focando sua atuaçãoem políticas de investimentos e repasse de recursosdestinados à inclusão de setores sociais sem condiçõesde cobrir os custos do ensino superior. Aliás, umarecomendação do Banco Mundial é a eliminação dadicotomia público-privado no repasse de verbaspúblicas aos estudantes que apresentam problemasfinanceiros para arcar com a totalidade dos custos daformação universitária.

O Projeto Universidad Construye País, originário dosistema universitário chileno – que consideramosparadigmático por servir de referência e subsídio àsdiscussões das universidades de outros países daAmérica Latina – pode gerar resistências no meioacadêmico brasileiro, ainda mais pelo fato de ter achancela de uma instituição vinculada ao BID, que é aRede Universitária de Ética e Desenvolvimento Social.Convém lembrar que a crítica e a oposição ideológicas,a tudo o que procede das agências multilateraisconstitui-se um dos alicerces das abordagens ditasprogressistas do ensino superior brasileiro.

Contudo, esse projeto deve ser analisado com cautelae sem preconceitos, uma vez que ele representa umainiciativa de dirigentes universitários que deve serenquadrada no campo contra-hegemônico e na lutacontra a supremacia dos valores neoliberais.

A partir das teorias desenvolvidas pelo cientistaportuguês Boaventura de Souza Santos (1995, p. 110),pode-se afirmar que o projeto em questão é umaresposta de uma comunidade interpretativa local,composta por dirigentes universitários chilenos, quefazem uma crítica radical aos pseudovalores impostospara as universidades em tempos de globalização.Nesta ótica, prevalece a tarefa de “reconstruir umarquipélago de racionalidades locais”, “adequadas àsnecessidades locais”, “democraticamente formuladaspelas comunidades interpretativas”, uma vez que,“enquanto mais global for o problema, mais locais emais multiplamente locais devem ser a soluções”.

Novos cenários para o conceito da RSU

Se por um lado, o entendimento da RSUque se tinha há mais de quatro décadas ainda mantémvigência, podemos afirmar que ele tem adquirido novosmatizes em decorrência das rápidas mudançasocorridas no mundo, em termos políticos, econômicos,culturais, informacionais decorrentes da crise doEstado de Bem-Estar, da hegemonia do neoli-beralismo, da aceleração do processo de globalizaçãoeconômica, do surgimento da sociedade global deinformação e do conhecimento e, principalmente, dofim da guerra fria. Tais mudanças determinaram arápida obsolescência de muitas análises e discursosteóricos, historicamente recentes a respeito dauniversidade.

Alguns intelectuais, há mais de 40 anos atrás,concebiam a universidade na visão althusseriana da

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12 ESTUDOS 36 JUNHO DE 2006

existência de aparelhos ideológicos do Estado. Porexemplo, Álvaro Vieira Pinto (1994:19-25) apontavaem seus escritos que a universidade era

uma peça do dispositivo geral de domínio pelo quala classe dominante exerce o controle social,particularmente no terreno ideológico, sobre atotalidade do país.

Tratava-se de um “instrumento das classes domi-nantes”, “o instrumento mais eficiente para asseguraro comando ideológico da classe dirigente (ao lado deoutros, subsidiários, como a imprensa, o púlpito etc.)”.

Ao lançar o livro A Universidade Necessária, DarcyRibeiro (1991) apontava a necessidade de tornar auniversidade um “instrumento acelerador do processoe da revolução social” e afirmava que o maior desafioconsistia em elaborar um modelo teórico deuniversidade capaz de reverter seu papel tradicional deperpetuadora do sistema predominante, convertendo-aem um “agente de transformações da sociedade”.

Na época, Florestan Fernandes (1975:266) apontavaque a análise de Ribeiro constituía-se em um recadotípico da “intelligentzia esclarecida” que atribuía àuniversidade a missão de mudar o ritmo da história e oprocesso de transformação da civilização a partir dacriação de uma ação pedagógica e revolucionária.Fernandes (idem) ao contestar Ribeiro afirmava que a“reforma radical”, a “revolução dentro da ordem” e a“revolução contra a ordem” deveriam ser procuradosnão dentro da universidade, mas fora dela, muitoprovavelmente, na massa dos excluídos e dosmarginalizados.

Hoje dificilmente encontram-se autores que pensem auniversidade como um instrumento para a revoluçãosocial, ou como sujeito da revolução. No entanto,encontram-se professores e alunos que a partir dauniversidade querem fazer sua própria revolução, suaprópria mudança, no plano micro, no cotidiano, à suamaneira. É a aluna de classe média-alta que trabalhacom alfabetização de adultos. É o aluno que investeseu tempo explicando à população sobre a importânciada preservação do meio ambiente. São os professorese alunos que realizam cursos de formaçãoprofissionalizante para adolescentes de baixa renda oucursinhos gratuitos para possibilitar o acesso àinacessível universidade pública, ou aindadesenvolvem ações com homens de rua, crianças comnecessidade especiais etc.

Trata-se de professores, pesquisadores e estudantesque acreditam na sua própria revolução. E agem numcenário universitário marcado por múltiplasrevoluções, diversos caminhos sem rumos certos, semas grandes metanarrativas que orientavam os“antigos” projetos utópicos revolucionários, mas com omesmo espírito humanista que os norteava.

As mudanças em curso no âmbito global, o fim dosonho com uma sociedade alternativa em decorrênciado colapso do socialismo no mundo, bem como, o fimdas metas narrativas, contribuíram para a prevalênciade uma universidade desnorteada que repensa seupapel na sociedade contemporânea. Nesse contexto,ganha relevância as discussões em torno da RSU.

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13RESPONSABILIDADE SOCIAL UNIVERSITÁRIA: CONTRIBUIÇÕESPARA O FORTALECIMENTO DO DEBATE NO BRASIL ADOLFO IGNACIO CALDERÓN

Um novo contrato social para odesenvolvimento

Analisando os artigos de Wagenberg(2006), Kliksberg (2006), Vallaeys (2006), e Carrizo(2006), a respeito da RSU, podemos constatar queexiste um fio condutor que perpassa a necessidade deestabelecer um novo contrato ou pacto social entre auniversidade e a sociedade, tendo como norte odesenvolvimento humano.

De acordo com Carrizo (2006), o novo pacto deveincidir na responsabilidade social da universidade nummundo de crescente complexidade. Existem de um lado,inúmeros desafios gerados pela mundialização e, deoutro, as demandas dos países pobres do hemisfério sulfocadas, principalmente, na erradicação da injustiçasocial, da pobreza e das desigualdades de oportunidades.

Nesse cenário o conceito de desenvolvimento é funda-mental. De acordo com Kliksberg (2006), a ONU, em1989, aprovou uma resolução estipulando que sedeveria garantir a todo ser humano o “direito aodesenvolvimento”.

Se considerarmos que as teorias do desenvolvimentoforam profundamente debatidas décadas atrás,ficando de certa forma ultrapassadas, convémquestionar: Por que uma nova teoria do desenvol-vimento? De qual desenvolvimento está-se falando?

Como diz Carrizo (2006), não é mais possível manteros mitos que entusiasmaram a passagem do desen-volvimento em décadas passadas, concebendo ten-dências lineares do Progresso Humano, apostando

com euforia na capacidade da revolução tecnológicapara garantir o crescimento econômico e suaeqüidade.

Edgar Morin (2002), em seu trabalho Estamos numTitanic? aponta alguns elementos importantes paracompreender a idéia de desenvolvimento humano quepermeia o novo contrato social. Para ele, odesenvolvimento no sentido unicamente técnico eeconômico provoca o agravamento das duas pobrezas,tanto a pobreza material dos socialmente excluídos,quanto a pobreza da alma e da psiquê. Morin acreditaque é necessário repensar o desenvolvimento parahumanizá-lo, colocando a ética no centro da idéia dedesenvolvimento humano, o que significaria integração,combinação e diálogo permanentes entre os processostécnicos e econômicos e as afirmações do desen-volvimento humano que englobam as idéias éticas desolidariedade e responsabilidade.

Neste novo contrato social, para Kliksberg (2006), aUniversidade deve incorporar urgentemente na suaagenda a ética do desenvolvimento, lutando peloconhecimento da realidade, por meio da pesquisa sériae rigorosa dos grandes temas da pobreza e dadesigualdade social que estão no cerne da vidacotidiana de grandes contingentes populacionais, bemcomo, pela formação ética dos estudantes, por meio dareflexão e a vivência de experiências de solidariedadee voluntariado com a comunidade.

Nesta mesma linha, Wagenberg (2006) aposta nadimensão formadora da educação superior, ultra-passando meramente a formação acadêmica einformativa. Acredita que a universidade deve

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contribuir para que o estudante aprenda a pensar por sisó, ajudando-o a nutrir seus próprios ideais, sonhos eidéias e mostrando a realidade de um mundo com mais1 bilhão de pessoas em situação de pobreza, das quais815 milhões em estado de desnutrição.

No desenho do novo contrato entre a universidade e asociedade, no qual se repensam as atividadesuniversitárias, como o ensino, a pesquisa e a extensão,Vallaeys (2006) considera que existem três grandeseixos que poderiam dar maior consistência e susten-tação à universidade comprometendo-se esta a:a) garantir a responsabilidade social da ciência;b) promover a formação da cidadania democrática,por meio da formação de estudantes e cidadãosresponsáveis; e c) contribuir para o desenvolvimento,por meio da formação do estudante como agente dodesenvolvimento, instituindo a problemática dodesenvolvimento como tema transversal e prioritárioem todas as carreiras.

Como se pode observar, trata-se de contrapartidascontratuais que Vallaeys lança com o intuito deestimular a reflexão e alimentar o debate entreprofessores, gestores, estudantes e a sociedade. Noentanto, permanece a questão: como operacionalizar,em termos de gestão, cada uma dessas contrapartidassem cair nas armadilhas das práticas corporativas?

Como construir uma universidadesocialmente responsável?

Teoricamente, a universidade é umainstituição que tem por missão transmitir e produzir

novos conhecimentos por meio de três atividadesfundamentais: ensino, pesquisa e extensão.

Tradicionalmente, a construção das pontes entre a uni-versidade e a sociedade, a concretização do compro-misso social da universidade e a reflexão ética sobre adimensão social do ensino e da pesquisa têm sido umaatribuição da chamada extensão universitária.

Entretanto, a realidade da extensão universitária éoutra. No Brasil, é comum afirmar que a extensãouniversitária é a “prima pobre da universidade”, porvários fatores dentre os quais destacam-se:compreensão equivocada de seu conceito; despreparodos professores que não possuem o mesmoreconhecimento acadêmico nem o mesmo status dodocentes que atuam nas outras áreas; falta de recursose inexistência, na maioria das vezes, políticasinstitucionais extensionistas sérias e consistentes.

No Dicionário da Crise Universitária, CristovamBuarque (1994) fez uma afirmativa interessante:

a extensão universitária é apenas um método paraensino e pesquisa. Não deveria ser uma categoriaespecial. Mas pelo desprezo com que professores ealunos tratam a extensão, foi necessário fazer delaum tipo especial de atividade acadêmica.

Sob esta mesma perspectiva, Boaventura de SousaSantos (1995) tem afirmado que:

a legitimidade da universidade só será cumpridaquando as atividades, hoje ditas de extensão, seaprofundem tanto que desapareçam enquanto tais epassem a ser parte integrante das atividades deinvestigação e de ensino.

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15RESPONSABILIDADE SOCIAL UNIVERSITÁRIA: CONTRIBUIÇÕESPARA O FORTALECIMENTO DO DEBATE NO BRASIL ADOLFO IGNACIO CALDERÓN

Na mesma linha posiciona-se José Henrique Santos(1993), ex-reitor da Universidade Federal de MinasGerais, quando afirma que

a extensão é atividade que resulta de um excesso dedons, que dizer da superabundância de bensculturais gerados pela universidade e transferidos àsociedade. A universidade de bom nível, que possuiensino e pesquisa de qualidade, inseridaconvenientemente no seu contexto social eeconômico, já cumpre a função para qual asociedade a instituiu. O que a recomenda e legitimaé a competência, a qualidade de seu produto e não aprática mais ou menos assistencial que às vezes seconfunde com extensão.

Ora, a operacionalização da extensão universitáriacomo uma categoria especial dentro da engenhariainstitucional da universidade, determinou que emboraseja uma filosofia institucional, um espírito norteador,um ethos ético-cultural que deveria estar impregnadono ensino e na pesquisa, acabou se tornando, namaioria dos casos, uma ONG dentro da universidade,um departamento, uma pró-reitoria, uma sala comcomputadores, um gueto, mais um feudo que tambémdeve ser defendido, por seus donos, diante as ameaçase confabulações acadêmicas (Calderón, 2005).

Diante desse cenário, o conceito de RSU pode nosajudar a refletir sobre a universidade, sua engenhariainstitucional, suas atividades acadêmicas e, principal-mente, sua estrutura gerencial, a mesma que permite ofuncionamento da universidade como um todo.

De acordo com Vallaeys (2006),

a RSU exige, numa visão holística, articular asdiversas partes da instituição em um projeto de

promoção social com princípios éticos e dedesenvolvimento social, eqüitativo e sustentável,para a produção e transmissão de saberesresponsáveis e pela formação de cidadãosigualmente responsáveis.

A partir do entendimento de Vallaeys (idem), podemosrelacionar a RSU com a convergência da instituiçãocomo um todo na promoção de princípios éticos quesustentem a nova compreensão do desenvolvimentohumano. Neste sentido, o autor em questão, faz umapolêmica afirmação, quando diz que a RSU exige que auniversidade supere o enfoque da extensão univer-sitária como apêndice, bem intencionado, da formaçãoestudantil e da produção de conhecimentos.

Em termos mais pragmáticos, a experiência chilena,permite visualizar melhor o entendimento de RSU,quando Jimenez et al. (2006) afirma:

entendemos por RSU a capacidade que possui auniversidade de difundir e colocar em prática umconjunto de princípios e valores, gerais eespecíficos, por meio de quatro processosconsiderados chaves: gestão, docência, pesquisa eextensão universitária, respondendo socialmentedesta forma perante a própria comunidadeuniversitária e o país onde está inserida.

Ao analisar a conceitualização realizada pelosrepresentantes das 13 universidades chilenas queparticipam do Projeto Universidad Construye País,verificamos duas grandes contribuições: a) aimportância dada à gestão da universidade, peladefinição de mecanismos gerenciais que viabilizam oensino, a pesquisa e a extensão; b) os princípios evalores que devem nortear toda a engenharia insti-tucional postos no centro da estrutura da universidade.

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Quais seriam esses princípios e valores? Na propostachilena, os princípios e valores estariam divididos emtrês planos: pessoal, social e universitário. No planopessoal pode-se destacar: a dignidade da pessoa, aliberdade e a integridade. No plano social: o bemcomum e a eqüidade social, o desenvolvimentosustentável e o meio ambiente, a sociabilidade esolidariedade para a convivência, a aceitação e apreçoà diversidade, a cidadania, a democracia e a par-ticipação. No plano universitário: o compromisso coma verdade, a excelência, a interdependência e atransdisciplinariedade.

Dentro dessa visão, existe uma estreita relação entreas práticas acadêmicas e as práticas gerenciais, asquais deveriam irradiar os princípios e valores queestariam na base da responsabilidade socialuniversitária.

Os textos de Vallaeys (2006), Carrizo (2006) eWagenberg (2006) mostram uma preocupação chaveem relação ao chamado “currículo oculto”, conceitodesenvolvido por Michael Apple (1982), especi-ficamente para compreender a educação básica, mashabilmente incorporado por esses autores nacompreensão da educação superior.

Ao aprofundar a questão do currículo oculto, Vallaeys(2006) mostra grande preocupação pela coerênciamoral que deve existir entre o discurso e a práticaacadêmica e institucional. Ele aponta que existemrealidades acadêmicas diversas que negam, na prática,os valores ligados à solidariedade e ao desenvol-vimento eqüitativo e sustentável que são ensinados emsala de aula. Ele questiona, por exemplo: de que

adiantam os discursos sobre os cuidados com o meioambiente se a universidade não se obriga a usar papelreciclado? De que adianta ensinar em sala de aula aimportância da vida democrática e da participação semuitas vezes não há transparência nem espaços departicipação, não somente para alunos, mas tambémpara professores, na vida universitária como um todo?

Da mesma forma podemos questionar, de que adiantaensinar o respeito aos direitos das pessoas comnecessidades especiais, se as universidades nãodesenvolvem ações específicas de inclusão social, quecomeçam pela adaptação da infra-estrutura para ascadeiras de rodas? Ou ainda, ensinar a importância daluta contra o racismo, se há resistências veladas para acontratação de professores ou professoras negras?Ou ainda pregar o respeito aos idosos se a univer-sidade não possui uma política institucional de respeitoe valorização de seus professores e funcionáriosidosos?

Wagenberg (2006) é enfático ao afirmar que a lutapara a formação de líderes éticos e solidários estaráperdida se as universidades continuam com seu duplodiscurso – ensinam em sala-de-aula ética e respon-sabilidade social mas se envolvem em práticascontrárias a sua missão.

RSU: construindo a pirâmideinstitucional

A contribuição da experiência chilena paraa compreensão da RSU suscita muitas inquietações equestionamentos.

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Sem dúvida alguma, a gestão das universidades,independentemente da sua natureza institucional,estatal ou privada, é uma temática que se fortalececada vez mais em tempos de crise fiscal do Estado ede institucionalização dos mercados de ensinosuperior.

Se por um lado, a experiência chilena faz um grandeavanço ao dar a mesma importância à gestão, à

pesquisa, ao ensino e à extensão, dentro da suaconceitualização de RSU, por outro lado, convémressaltar à diferenciação que existe entre essasatividades.

A nosso ver, a universidade deve ser consideradacomo uma grande pirâmide de base triangular. Emborasendo uma única construção, possui uma base e trêsfaces entrelaçadas na sua essência.

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As faces visíveis da pirâmide representam o ensino, apesquisa e extensão erguidas numa base representadapela gestão universitária.

Convém ressaltar que entendemos por gestãouniversitária o conjunto de processos e estruturasadministrativo-gerenciais que possibilitam àuniversidade atingir sua missão institucional.

No exemplo da pirâmide, a gestão universitária (abase) está profundamente interligada com cada umadas faces, as quais se complementam entre sim,possibilitando a existência de uma construção sólida ecoesa.

Neste exemplo, os princípios e valores da RSU,apontados por Jimenez et al. (2006), constituem-sealicerces da pirâmide, ou seja, de toda a universidade.Trata-se de grandes pilares que sustentam, penetram eirradiam toda a estrutura gerencial, a mesma que emdecorrência disto, estaria voltada à viabilização dadimensão pública do ensino superior, que ganha formapor meio das atividades universitárias.

A grande contribuição da experiência chilena é tercolocado os princípios e valores, voltados aodesenvolvimento humano, como “faróis que orientam”,“guias de comportamento humano”, “fundamentais epermanentes” em uma universidade socialmenteresponsável (Jimenez et al. 2006).

O grande problema das estruturas administrativas dasuniversidades privadas é que elas acabam se tornandoestruturas autônomas, conduzidas por especialistas emadministração empresarial, que desconhecem a

dimensão pública do ensino superior. Desta forma,geram-se atritos entre as estruturas gerenciaisimpostas pelos executivos das universidades e asdemandas e pontos de vista do corpo docente eautoridades acadêmicas que viabilizam as atividadesde ensino, pesquisa e extensão.

Assim, acreditamos que seja importante preservar aliberdade de mercado no ensino superior, pensando,principalmente, na contribuição do setor privado naampliação do atendimento da demanda por ensino demassas. Mas deve-se ressaltar que os pilares dapirâmide não podem ser meramente a procura dolucro, ou seja, a acumulação desenfreada de capitalpor meio da comercialização de serviços educacionais.Isto, em hipótese alguma, significa negar anecessidade de manter uma boa saúde financeira dainstituição.

Sob a ótica da RSU, o mercado de ensino superiorpossui suas especificidades. Trata-se de um cenário noqual deveriam interagir instituições voltadas aointeresse público e, portanto, às atividades univer-sitárias que seriam reflexos de uma estrutura gerencialirradiando princípios e valores (institucionais, pessoaise sociais) e acenando para o desenvolvimento humano,numa clara demonstração de que seria possível enecessário, como diz Kliksberg (2006), superar adicotomia economia-ética.

À guisa de conclusão

A partir do que foi exposto, consideramosimportante disseminar e fortalecer a discussão da RSU

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como uma alternativa de mudanças não só emambientes universitários predatórios e mercantilistascomo também naqueles abertos às mudanças(Calderón, 2000).

Diante da hegemonia neoliberal, a RSU representaavanço teórico no fortalecimento da dimensão públicado sistema universitário brasileiro, no qual interagem,segundo o Instituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais (Inep) do Ministério da Educação,2.329 instituições de ensino superior (IES), das quais2.093 são particulares, representando 90% do total(Brasil, 2004).

Para compreender a importância do setor privado emtermos da ampliação do acesso à educação superiorde massas, deve-se considerar que as quatro maioresuniversidade brasileiras, em número de alunos, sãoprivadas: Universidade Estácio de Sá, com 104.346 milalunos; Universidade Paulista, com 93.210 alunos; aUniversidade Luterana do Brasil, com 47.883 milalunos e a Universidade Salgado de Oliveira, com47.557 mil alunos (Brasil, 2004).

De acordo com o Censo da Educação Superior de2003, dos 3,9 milhões de alunos matriculados no ensinosuperior brasileiro, 2,7 milhões estavam na redeprivada, correspondendo a 71% do total de alunosmatriculados (BRASIL, 2003). Aliás, o elevadopercentual de alunos matriculados no setor privado éconsiderado por Nunes et al. (2005) com um casodesviante se consideramos que nos países daOrganização para a Cooperação e DesenvolvimentoEconômicos (OECD) 79% dos alunos estãomatriculados em IES Públicas. Mais ainda: em 14

países parceiros da OECD o setor público respondepor 64,2% das matrículas no ensino superior. Noentanto, o caso brasileiro não é único. Chile, Coréia doSul, Filipinas, Indonésia e o Japão mantém aproxima-damente 2/3 de seus estudantes em IES particulares.

Ainda de acordo com Nunes et al. (idem), a educaçãosuperior privada emprega diretamente cerca de500 mil funcionários entre docentes e servidores. Em2002, a educação superior foi uma atividadeeconômica que gerou um rendimento médio duasvezes maior que o rendimento médio de todos ostrabalhadores formais; situou-se entre os 20 maioresempregadores e entre os 10 maiores geradores demassa salarial, segundo a Classificação Nacional deAtividades Econômicas (Conae) e a Relação Anualdas Informações Sociais (Rais). Além disso, aeducação superior registrou uma das mais baixas taxasde rotatividade no conjunto de 11 grupos cuja idademédia era igual ou superior a 40 anos.

Como diz Nunes et al. (idem), hoje a educaçãosuperior brasileira é um setor econômico robusto e, doponto de vista político, é um ativo participante dasbatalhas político-eleitorais, contando hoje com boabase de apoio no Congresso, e velada simpatia emnúcleos rarefeitos do poder.

Se a RSU representa no setor privado, um farol quepode nortear a atuação daqueles que trabalham pelofortalecimento da dimensão pública do ensino superior,no setor estatal, ela representa o desafio de refletirsobre as reais contribuições das universidadesfinanciadas pelo Estado para o desenvolvimentohumano. Esse desafio perpassa a discussão de

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estratégias que superem as daninhas açõescorporativas que geram práticas acadêmicas egerenciais – profundamente questionadas e repudiadaspela sociedade que a financia – muitas vezessustentadas em políticas de desperdício de recursospúblicos, como por exemplo, a generalização docontrato de docente-pesquisador, em período integral,com dedicação exclusiva, em todo o sistema federal.

Se o Estado realmente quer investir em pesquisa sólidae competitiva, por que então continua jogando fora osrecursos públicos em vez de focalizá-los somente nasinstituições que realmente fazem pesquisa? Consi-derando a crise fiscal do Estado, por que não seadotam salários diferenciados, de acordo com aprodutividade de cada docente ou pesquisador? Porque o professor-pesquisador que tem uma produçãoirrelevante deve ganhar o mesmo que aquele queproduz, cria e inova? (Calderón, 2004).

Todas essas questões estão no cerne da chamadareforma universitária e da chamada crise dauniversidade pública brasileira, diante da qual éfundamental que as IES estatais assumam suaresponsabilidade social sob risco de que a sociedade,cada vez mais decepcionada, se recuse a assinar onovo contrato social do qual Vallaeys (2006) nos fala.

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