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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
RESPONSABILIDADE PÓS-CONSUMO: em busca da
efetividade do Direito do Ambiente no combate à poluição
por resíduos sólidos.
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí
ACADÊMICA: BIANCA SIMÕES DOMINGUES
São José (SC), 2004
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
RESPONSABILIDADE PÓS-CONSUMO: em busca da
efetividade do Direito do Ambiente no combate à poluição
por resíduos sólidos.
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação da Professora Drª Claudia Rosane Roesler.
ACADÊMICA: BIANCA SIMÕES DOMINGUES
São José (SC), «2004»
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
RESPONSABILIDADE PÓS-CONSUMO: em busca da
efetividade do Direito do Ambiente no combate à poluição
por resíduos sólidos.
BIANCA SIMÕES DOMINGUES
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do
grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI.
São José, 8 de novembro de 2004.
Banca Examinadora:
Professora Drª.Claudia Rosane Roesler – Orientadora Prof. «título, se houver» «Nome» - Membro Prof. «título, se houver» «Nome» - Membro
Dedico esse trabalho ao meu
pai que sempre me deu todo o apoio
necessário para que eu chegasse
até aqui.
AGRADECIMENTOS
Agradeço á minha orientadora Profª. Cláudia Rosane Roesler,
que no primeiro encontro indicou-me leituras que dissiparam as dúvidas
concernentes à pesquisa;
A minha amiga NiKy pela valiosa companhia e amizade;
À minha mãe (in memorian) por me ensinar os devidos valores da
vida, em principal, o respeito à natureza.
Você se inquieta em relação ao que
pode vir num futuro próximo. É a inquietação
de todas as pessoas conscientes e
inconformadas. [...] Mas, este é o nosso
mundo, o “mundo objetivo”, inseguro e sem
perspectivas claras, que estamos de alguma
forma ajudando a (des) construir.
Ávila Coimbra
SUMÁRIO
RESUMO ....................................................................................................
INTRODUÇÃO.............................................................................................
CAPÍTULO 1 – DIREITO DO AMBIENTE....................................................
1.1 UM DIREITO FUNDAMENTAL ..............................................................
1.1.1 Outras peculiaridades........................................................................
1.2 MEIO AMBIENTE COMO OBJETO DE DIREITO..................................
1.2.1 Breve histórico da evolução do Direito do Ambiente no Brasil.............
1.2.2 Reconhecimento do mundo jurídico – Lei 6.938/81.............................
1.2.3 Estabelecimento da matéria – Constituição de 88...............................
1.2.4 A importância do Direito do Ambiente e seu regramento jurídico ........
1.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO AMBIENTE...........................................
1.3.1 Regras Jurídicas X Princípios..............................................................
1.3.2 Desenvolvimento/Importância dos Princípios Jurídicos.......................
1.3.3 Princípios Jurídico-Ambientais estabelecidos na Doutrina Brasileira...
CAPÍTULO 2 – POLUIÇÃO POR RESÍDUOS SÓLIDOS............................
2.1 QUESTÕES TERMINOLÓGICAS..........................................................
2.2 TIPOS DE RESÍDUOS...........................................................................
2.2.1 O que fazer com o lixo?.......................................................................
2.3 IMPACTO...............................................................................................
2.4 LEGISLAÇÃO PERTINENTE.................................................................
2.5 POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS .................................
3. RESPONSABILIDADE PÓS-CONSUMO................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................
REFERÊNCIAS............................................................................................
RESUMO
DOMINGUES, Bianca S.. Responsabilidade pós-Consumo: em busca da efetividade do Direito do Ambiente. 2004. 80 f. Trabalho de Conclusão de Curso. Graduação em Direito. Universidade do Vale do Itajaí – São José, 2004.
Este trabalho tem como um de seus objetivos abordar questões concernentes à importância do Direito do Ambiente, face ao caótico quadro de progressiva degradação ambiental. Aborda-se, também, sobre a importância dos princípios jurídicos para o estabelecimento da matéria, bem como para a criação de normas; ressalta-se para a necessidade de aprimoramento, neste sentido, dos princípios jurídico-ambietais. Aponta-se a necessidade de individualização dos problemas ambientais, para que estem tenham a devida atenção jurídica, sendo que opta em apontar o grave problema provocado pela poluição por resíduos sólidos. Pretende-se analisar como a Responsabilidade pós-Consumo (instituto jurídico que visa compartilhar obrigações entre fabricantes, consumidores e Poder Público, em relação aos resíduos sólidos advindos, especialmente, do lixo urbano) pode reduzir o impacto de tal poluição. Constata-se que seu reconhecimento e definição não estão, ainda, estabelecidos pela doutrina jurídico-ambiental brasileira, contudo, crê-se que seu estabelecimento como princípio fundamental e específico do Direito do Ambiente representará um importante avanço na busca pela efetividade da manutenção do equilíbrio ecológico para as presentes e futuras gerações.
Palavras chaves: Direito; Meio-Ambiente; Resíduos Sólidos.
INTRODUÇÃO
O estado ecológico do Planeta, advindo da atuação humana
sobre Ele, remete-nos para a consideração feita pelo francês Charles
Richet (1850-1935), ganhador do Prêmio Nobel de Medicina em 1913, a
qual julgava a consideração feita por Lineu – homo sapiens (homem
sábio), muito lisonjeadora; sugeriu o homo stultus (homem tolo) que
achou estar mais de acordo com os fatos da história.
De fato, na medida em que o homem “progride”, caminha para o
exaurimento dos recursos naturais, bem como para poluição generalizada
dos mesmos.
O Direito, como disciplina que visa normatizar relações humanas,
desponta como grande esperança para reverter o quadro ambiental, desta
vez, normatizando sobre a relação homem-planeta, por meio do Direito do
Ambiente.
A pesquisa se inicia com considerações acerca da
fundamentalidade do consagrado Direito Ambiental, sendo que para isto
se fez breves comentários aos Direitos Fundamentais como um todo.
Seguem-se, ainda, considerações gerais acerca dos Princípios Jurídicos,
para a final apontar os Princípios Jurídico-ambientais estabelecidos pela
doutrina brasileira.
O segundo capítulo aborda, especificamente, o impacto ambiental
produzido pelos resíduos sólidos, tendo sido feita a descrição dos
resíduos existentes, bem como formas de disposição, além de apontar a
legislação pertinente, e o Projeto de Lei para o Estabelecimento da
Política Nacional de Resíduos Sólidos.
O último capítulo dedica-se à análise do princípio apresentado
pelo Projeto de Lei supracitado, qual seja: Responsabilidade pós-
Consumo.
7
Neste momento, a pesquisa dedica-se a analisar o tratamento que
tal instituto vem recebendo, bem como sua importância.
A Responsabilidade pós-Consumo surge como alternativa para a
dirimição do problema gerado pelos resíduos sólidos através da
responsabilização de fabricantes, consumidores e Poder Público pelo
destino final de embalagens que, comumente são descartadas
inconseqüente e indiscriminadamente, acarretando, assim, grave dano
ambiental além de desperdício de materiais que poderiam ser reciclados.
O Direito do Ambiente é uma disciplina nova e que busca,
incessantemente, efetivar a almejada proteção ambiental, dando margem,
para tanto, a inovações e aperfeiçoamentos doutrinários.
Espera-se que a presente pesquisa possa contribuir para a
difusão da Responsabilidade pós-Consumo, instituto que se mostra como
importantíssimo aliado no desenvolvimento do Direito do Ambiente.
CAPÍTULO 1 - DIREITO DO AMBIENTE
1.1 UM DIREITO FUNDAMENTAL
Para falar sobre o caráter fundamental do consagrado “Direito
Ambiental” – como aquele que visa garantir, às presentes e futuras
gerações humanas, um ambiente sadio para o exercício da vida1 - far-se-
iam necessárias considerações acerca das várias discussões suscitadas
pelo estudo dos Direitos Fundamentais; porém, pela limitação do presente
trabalho, serão feitas apenas breves menções sobre questões pertinentes
ao assunto.
Primeiramente observaremos algumas considerações acerca da
definição dos Direitos Fundamentais; em seguida, gerações de direitos
e, por fim, sumariamente colocaremos a questão da efetividade das
garantias fundamentais.
A busca de uma definição científica e uníssona dos Direitos
Fundamentais, esbarra em inúmeros fatores, dentre eles a mutabilidade2
de tais direitos diante de diversos contextos históricos.
José Afonso da Silva reconhece: A ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no envolver histórico dificulta definir-lhes um conceito sintético e preciso. Aumenta essa dificuldade a circunstância de se empregarem várias expressões para designa-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos
1 Esse novo direito fundamental foi reconhecido, pela primeira vez, em Estolcomo na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972 que estabeleceu como primeiro princípio: “O homem tem do direito fundamental à liberdade, à igualdade, e ao desfrute de adequadas condições de vida em um meio cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras.” 2 “Vivemos uma era de transição. Uma transição de paradigma, e por isto este caminho para uma segurança solidária e emancipatória, onde o homem não seja prisioneiro e não esteja ameaçado por suas próprias conquistas, passa pela conceituação de novos objetivos e passa pela criação de um novo paradigma, dentro do qual serão construídos novos direitos.” FILHO, Ney de Barros Bello. Teoria do Direito e Ecologia: Apontamentos para um Direito Ambiental no Século XXI. Estado de Direito Ambiental: Tendências – Aspectos Constitucionais e Diagnósticos, Org. Heline Sivini Ferreira e José Rubens Morato Leite. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p.73.
9
individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem.3
Não obstante, Ingo Wolfgang Sarlet preceitua em sua obra :
[...] com base no nosso direito constitucional positivo, [...] entendemos que os direitos fundamentais podem ser conceituados como aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, pelo seu objeto e significado, possam lhes ser equiparados, tendo, ou não, assento na Constituição formal).4
De qualquer forma, indiscutível é a pretensão dos Direitos
Fundamentais, dentre outras, a de garantir a dignidade humana; sob
todos os aspectos e de forma atemporal, indicando seu caráter
transcendental. Trata-se de matéria que em muito se diferencia das
normas desenvolvidas pelo Direito Tradicional (Público e Privado), que
sempre buscaram, apenas, dirimir questões de cunho meramente
pecuniário. Isto, por si só, torna a tarefa de conceitua-los deveras de
menor importância diante da tarefa de aplica-los.
Sobre as chamadas gerações, a doutrina moderna apresenta a
classificação dos direitos em tela em: primeira, segunda e terceira
gerações5, baseando-se na ordem histórica cronológica em que passaram
a ser institucionalmente reconhecidos.6
3 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p.174. 4 SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. Salvador: Revista Diálogo Jurídico, 2001, p. 11, vol. 1. 5 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre: 2003. “Ainda no que tange à problemática das diversas dimensões dos direitos fundamentais, é de referir a tendência de reconhecer a existência de uma quarta dimensão, que, no entanto, ainda aguarda sua consagração na esfera do direito internacional e das ordens constitucionais internas” (p.55). Nesse trecho, o autor fez menção à sugestão do mestre Paulo Bonavides, que preconiza em sua obra Curso de Direito Constitucional a existência da quarta geração de direitos, momento em que sustenta que esta é o resultado da globalização dos direitos fundamentais e corresponderiam aos direitos à democracia, è informação e ao plurarismo. 6 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Federal. SãoPaulo: Atlas, 2001. p.166.
10
Em síntese, consideram-se de primeira geração aqueles direitos e
garantias individuais e políticos clássicos – liberdades públicas; os de
segunda geração, os direitos econômicos sociais e culturais; por último,
os direitos de terceira geração, quais sejam, os de solidariedade ou
fraternidade, que englobam, dentre outros direitos difusos, o direito a um
meio ambiente equilibrado e, conseqüente qualidade de vida.
Em relevante posicionamento, o Supremo Tribunal Federal
registrou:
Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio de igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio de solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexaurabilidade.7
Édis Milaré com a corriqueira presteza sintetiza em sua bela obra
a “taxionomia e natureza jurídica” do Direito do Ambiente, de forma a
considerar que:
[...] tendo o direito do Ambiente por missão a tutela de bens e valores assim qualificados, não pode ser concebido dentro da dicotomia (público ou privado) do Direito tradicional, mas como um direito difuso ou, como queiram, um direito de terceira geração.8
Não poderíamos deixar de citar a consideração feita por Norberto
Bobbio, ao referir-se aos direitos de terceira geração: “O mais importante
deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver
num ambiente não poluído”.9
Por fim, ao questionar sobre a efetividade dos Direitos
Fundamentais, colocamo-nos diante de tema de inesgotável discussão.
Isto porque, a sociedade contemporânea, maculada por desigualdades 7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal - Pleno – MS nº 22164/AP – Relator: Ministro Celso de Mello. Diário de Justiça, Seção I, 17 nov. 1995, p. 39.206, RTJ 164/158). 8 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 9 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.6.
11
sociais, intolerância religiosa, ganância e corrupção desenfreadas
enfrenta uma crise evidente que advêm da não efetividade dos Direitos
Fundamentais, já que, da forma como são apresentados, a aplicação
deles impediria a existência dos problemas supracitados.
Na medida em que os efeitos nefastos da globalização econômica e do neoliberalismo, notadamente os relacionados com o aumento da opressão sócio-econômica e da exclusão social, somados ao enfraquecimento do Estado, têm gerado a diminuição da capacidade do poder público de assegurar aos particulares a efetiva fruição dos direitos fundamentais, além de reforçar a dominação do poder econômico sobre as massas de excluídos, verifica-se que até mesmo a noção de cidadania como “direito a ter direitos” (Celso Lafer) encontra-se sob grave ameaça [...].10
Ainda vale citar:
[...] oportuno registrar que cada vez mais se torna perceptível que a crise dos direitos fundamentais não se restringe a uma crise de eficácia e efetividade, mas se revela também como uma crise na esfera do próprio reconhecimento e da identidade dos direitos fundamentais, ainda que esta se encontre diretamente vinculada à crise da efetividade.11
Diante da crise ambiental e, no anseio que o Direito possa
oferecer mecanismos viáveis para a reversão da progressiva degradação
da qualidade de vida, oportuna se faz a colocação de Ney de Barros Bello
Filho:
O direito que protege a sociedade, que lhe dá segurança na era do risco será sempre um direito fundamental. O ambiente é um bem e um valor fundamental, e que carece de um norma fundamental que lhe dê proteção. A sua fundamentalidade traz reflexos na norma que o toma como um direito fundamental. 12
Com essa assertiva, podemos concluir que a característica da
fundamentalidade do Direito Ambiental remete – para que se faça a
devida interpretação e especificidade de suas normas - aos mecanismos
usados para a interpretação constitucional. 10 SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. Salvador: Revista Diálogo Jurídico, 2001, p.5. v.1. 11 SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988, p. 9. 12 FILHO, Ney de Barros Bello. Teoria do Direito e Ecologia: Apontamentos para um Direito Ambiental no Século XXI. In: Estado de Direito Ambiental: Tendências – Aspectos Constitucionais e Diagnósticos. Org. Heline Sivini Ferreira e José Rubens Morato Leite. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p.75.
13
1.1.1) Outras peculiaridades
Feitas, ainda que sumariamente, algumas considerações que
envolvem o estudo dos Direito Fundamentais, de forma a apontar seu
caráter mais transcendental em face às normas de Direito Tradicional,
discorreremos sobre a disciplina que originou o presente trabalho.
O Direito do Ambiente conta com inúmeras peculiaridades
consideradas, de comum acordo, por diferentes doutrinadores. Por certo
que a disciplina em si suscita questões extremamente difíceis de serem
estabelecidas dentro dos conceitos do Direito Tradicional. Aqui veremos,
tão somente, brevíssimas considerações sobre autonomia, e
características como a transnacionalidade e o objetivo principal de
prevenção do dano no Direito Ambiental. O objeto a ser tutelado, os
sujeitos desse direito, a aplicação das normas; todas estas questões
também levantam posicionamentos divergentes, mas não serão alvo do
trabalho.
Paulo de Bessa Antunes, ao considerar a discussão sobre a
autonomia do Direito Ambiental como “ontologicamente superada”, por
ter este uma relação transversal com os demais ramos do Direito,
complementa: O Direito Ambiental, como direito humano fundamental, não pode ficar subordinado às regras do Direito do proprietário ou do Direito do patrão, assim como não pode ficar subordinado às regras do Direito do Estado contra os direitos da cidadania; ao contrário, são aqueles direitos que devem se subordinar e se transformar em razão de necessidades prementes da humanidade que se refletem juridicamente na categoria dos direitos humanos fundamentais.13
Toshio Mukai registra em sua obra:
O direito que se vetoraliza à proteção do meio ambiente caracteriza-se, como é óbvio, por uma idéia fundamental: ele
13 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 25.
14
não pode ser visualizado pelo jurista com o mesmo enfoque das matérias tradicionais do Direito.14
Também o fato da incerteza que envolve os danos ambientais,
torna seu ordenamento jurídico muito complexo.
Para traçar o limite do permitido e do interdito, instituir responsabilidades, identificar os interessados, determinar campos de aplicação de regras no tempo e no espaço, o direto tem o costume de se servir de definições com contornos nítidos, critérios estáveis, fronteiras intangíveis. A ecologia reclama conceitos englobantes e condições evolutivas; o direito responde com critérios fixos e categorias que segmentam o real. A ecologia fala em termos de ecossistema e de biosfera, o direito responde em termos de limites e de fronteiras; uma desenvolve o tempo longo, por vezes extremamente longo, dos seus ciclos naturais, o outro impõe o ritmo curto das previsões humanas. E eis o dilema: ou o direito do ambiente é obra de juristas e não consegue compreender, de forma útil, um dado decididamente complexo e variável; ou a norma é redigida pelo especialista, e o jurista nega esse filho bastardo, esse “direito de engenheiro”, recheado de números e de definições incertas, acompanhado de listas intermináveis e constantemente revistas.15
De fato, para que o Direito Ambiental cumpra com seu objetivo de
preservar o meio ambiente para as futuras gerações, há a necessidade
que ele desenvolva uma força e poder normativo bastantes para uma
mudança radical no paradigma do desenvolvimento humano.
Praticamente deverá ocorrer uma Revolução a nível mundial que
tenha, no mínimo, o mesmo significado e importância histórica que a
Revolução Industrial teve, embora em busca de valores infinitamente mais
importantes dos que os trazidos por esta e, de certa forma, contrariando o
que até hoje se tem entendido como progresso humano.
1.1.1.1 Caráter transnacional
A inaptidão humana para lidar com as respostas de um planeta
vivo e usurpado desde nossa dominação sobre ele, torna inviável a 14 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. 15 OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do Direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p. 111.
15
delimitação dos danos ambientais. Isto é, não podemos controlar, e.g,
milhões de toneladas de óleo que podem ser acidentalmente despejados
no mar, tampouco os impactos que isso venha a provocar.
Não só isso, o equilíbrio ecológico é interesse de todos os
habitantes do planeta, e não de um ou outro Estado em especial.
Fundamental, destarte, a troca de experiências no combate à
degradação, bem como a reparação, do meio ambiente.
Quase subitamente, todos os países vieram ao ambiente, como quem vai a um novo oráculo. Esta tendência para o universalismo é totalmente conforme à noção de risco maior, cujas conseqüências ignoram as fronteiras e levam a considerar a Terra enquanto patrimônio comum da humanidade.16
Portanto, inegável o caráter transnacional do Direito Ambiental,
indicando mais uma peculiaridade da matéria que não pode permitir
preconceitos de qualquer natureza, devendo os Estados observar a
efetividade de aplicação de normas em outros países, para que busque o
seu constante aprimoramento jurídico-ambiental.
1.1.1.2 Caráter preventivo
Não há que se duvidar do maior objetivo do direito ambiental, qual
seja, a prevenção.
E como bem diz Milaré, o ideal e correto seria que a potestade do
ambiente fosse reconhecida intuitivamente, até porque não temos o
direito de destruir o que não criamos, porém, como infelizmente não
vivemos num mundo de santos, marcado por virtude e racionalidade, a
superação do quadro de degradação ambiental não pode prescindir do
socorro da lei.17
16 BACHELET, Michel. Ingerência ecológica: Direito Ambiental em questão. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.173. 17 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 112.
16
Desta forma, a legislação ambiental pode e deve fornecer
diretrizes para o combate a todas as formas de poluição, contendo
rigorosas punições equivalentes ao dano causado (se é que se pode falar
em mensuração pecuniária de um bem de valor incalculável), bem como
ao poder aquisitivo do poluidor, para que se afaste do risco de compensar
mais a um industrial, por exemplo, pagar uma multa a deixar de degradar
o meio ambiente (em busca de lucro).
Mesmo que em última instância o direito ambiental se apóie em dispositivos sancionadores, seus objetivos são fundamentalmente preventivos, sendo também que a repressão leva sempre à prevenção.18
A normatização ambiental, portanto, deve empenhar todas suas
forças para evitar a ocorrência dos danos ambientais, e não apenas
combater seus efeitos, seguindo o adágio popular de que “é melhor
prevenir do que remediar”.
1.2 MEIO AMBIENTE COMO OBJETO DE DIREITO
A tutela jurídica do meio ambiente envolve questões de extrema
complexibilidade, visto que, embora se busque proteger a natureza em si,
o que se está verdadeiramente protegendo somos nós mesmos.
Além dessa, outras diversas questões tornam a tarefa de inserir o
meio ambiente num ordenamento jurídico. Como questiona François Ost:
“Globalidade, processualidade, complexidade, irreversibilidade, incerteza
... como poderia o direito reapropriar-se de todos estes traços da
ecologia?”19
É interessante citar a tradicional classificação das coisas do
Direito Romano: res extra commercium e res in commercio. A primeira
definição subdivide-se em res nullius divini juris (res sacrae, res sanctae e
18 TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. O Direito Ambiental e seus princípios informativos. Revista de Direito Ambiental, nº 30, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 19 OST, François. A Natureza à margem da Lei. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p. 110.
17
res religiosae), res publicae e res communes; a segunda subdivide-se em
res extra patrimonium e res in patrimônio.
Dentro dessa classificação, os recursos naturais poderiam ser
considerados como res nullius ou res communes, entretanto, uma longa
querela doutrinária opõe dois posicionamentos: uns entendem que os
recursos naturais não seriam bens apropriáveis pelas pessoas (res
nullius), já outros pretendem que se considerem os recursos naturais bens
comuns a todos (res communes).
Os que se opõe à classificação de res nullius, justificam,
basicamente, que: se denominados ‘coisa de ninguém’, o Direito
permitiria, em regra, que os recursos naturais tornassem-se propriedade
daquele que deles se apropriar, permitindo, ainda, uma exploração
ilimitada e sem controle; por outro lado, os que se opõe ao conceito de
res communis, crêem que tal definição permitiria a todos os co-
proprietários usar, gozar e dispor dos recursos naturais, sem que
houvesse a preocupação com os interesses coletivos da humanidade.
Édis Milaré conclui, dizendo ser o meio ambiente: [...] o interesse que tem maior difusidade, pois pertence a todos e a ninguém em particular, sua proteção a todos aproveita e sua postergação em conjunto prejudica; é verdadeira res communi omnium.20
Ultrapassada a questão colocada tão somente para reafirmar o já
demontrado aspecto inovador do Direito do Ambiente, concluímos, como
fez Cyrille de Klemm em sua obra que, juridicamente, uma zona de
proteção de ecossistema tem um regime jurídico especial, que exorbita do
Direito Comum, e que existe a necessidade de uma mais eficaz proteção
ao meio ambiente, independentemente das qualificações existentes no
sistema jurídico.21
20 MILARÉ, Édis. Tutela Jurídico-Civil do Ambiente. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.55. 21 MORAES, Alexandre. Constituição Federal Interpretada e Legislação Federal. p.1999.
18
Vale acolher, ainda, o entendimento do mestre Édis Milaré que
afirma e ser a qualidade satisfatória do meio ambiente o bem jurídico a
ser resguardado pelo Direito do Ambiente. 22
1.2.1 Breve histórico da evolução do Direito do Ambiente no Brasil
A proteção ambiental no Brasil, do descobrimento em 1500 até
aproximadamente o início da segunda metade do século XX, recebeu
pouca atenção. De fato, as poucas normas existentes no período não
visavam o resguardo do meio ambiente como tal. Os objetivos eram mais
estreitos e de cunho econômico, como por exemplo, a proteção de
recursos naturais preciosos como o pau-brasil, a fim de evitar seu
exaurimento.
Do advento do Código Civil de 1916 até a década de 60, surgiram
os primeiros diplomas legais contendo algumas regras específicas
atinentes a fatores ambientais, porém os objetivos ainda não eram
exatamente preservacionistas, eram mais conservacionistas, ou visavam
resguardar a saúde pública.
Foi a partir da década de 1960, no qual crescentes e engajados
movimentos ecológicos começavam a alertar a população mundial para o
perigoso caminho pelo qual o desenvolvimento econômico levava a
humanidade, novos textos legislativos aparecem, informados por normas
mais diretamente dirigidas à prevenção e controle da degradação
ambiental. Dentre algumas leis mais importantes desse período, alguns
textos já revogados ou alterados, estão: o Estatuto da Terra (1964), o
Código Florestal (1965), o Código de Mineração (1967) e a Política
Nacional de Saneamento Básico (1967).
1.2.2 Reconhecimento do mundo jurídico – Lei 6.938/81
22 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
19
A Lei 6.938 de 1981, denominada Política Nacional do Meio
Ambiente, foi sem dúvida um marco no reconhecimento da necessidade
jurídica da proteção ambiental. A redação do art. 2º e seus incisos
empolgam aqueles que esperam sua efetiva aplicabilidade: Art. 2º A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: I – ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II – racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; III- planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV- proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; V- controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI- incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso nacional e a proteção dos recursos ambientais; VII – acompanhamento do estado da qualidade ambiental; VIII- recuperação de áreas degradadas; IX – proteção de áreas ameaçadas de degradação; X – educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacita-la, para participação ativa na defesa do meio ambiente.
Inobstante o caput do artigo preceitue seus incisos como
princípios, elenca ações que possuem mais características de metas.
Isso não impede, sobremaneira, a melhor elaboração das sugestões, a
fim de se estabelecer princípios norteadores da disciplina, como, deveras,
foi feito.23
Cumpre apontar, dentre as metas, ou se preferirem, princípios
trazidos por esta importante lei federal, o trazido pelo inciso 10, no qual se
registra a importância da educação ambiental para a defesa do meio
ambiente, enaltecendo, destarte, a imprescinbilidade da participação
social para o sucesso da manutenção do equilíbrio ecológico.
1.2.3 Estabelecimento da matéria – Constituição de 88
23 Estudaremos sobre os princípios ambientais no item 1.3.
20
A Constituição Federal de 1988 dedicou todo um capítulo à
proteção ambiental, fato este que, sem dúvida, representou um enorme
avanço para o desenvolvimento da matéria jurídico-ambiental pátria.
O art. 225, caput, e os incisos de seu §1º, dispõem: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defende-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II- preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III- definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV- exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V- controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.24
Do texto constitucional podemos identificar direitos e deveres
ambientais. Certo é que alguns constam explícitas e outros, por sua vez,
devem ser deduzidos por meio de interpretação.
De fato, ao ser desmembrada a lei fornecerá diretrizes viáveis –
se aplicadas - para o alcance da harmonia entre desenvolvimento sem
esgotamento dos recursos naturais.
24 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Art. 225, §1º, Inciso I a VII.
21
O estabelecimento do dever da coletividade constante no caput
do art. 225 da Constituição Federal, terá papel fundamental para a idéia
que se pretende trazer com o presente trabalho.
1.2.4 A importância do Direito do Ambiente e seu regramento jurídico
Inobstante a crise vivida pela sociedade, o Direito – como
disciplina que existe para normatizar as relações humanas, pode e deve
aprimorar, cada vez mais, mecanismos viáveis para a efetiva proteção
ambiental.
A crise ecológica que estamos enfrentando advém da inegável
crise do modo de vida do homem, que beira uma nova e desconhecida
revolução. Daí inssurge-se o grande - para não dizer, o maior – desafio
dos aplicadores do Direito no desenvolvimento de uma disciplina efetiva
para a defesa da vida do planeta que é dizer vida humana.
No passado, a humanidade foi ameaçada de extinção por forças naturais fora do controle humano. Mas esta é a primeira vez em que sabemos que nosso futuro será decidido pelo que fizermos ou deixarmos de fazer..25
De forma crescente a jurisprudência nacional vem reconhecendo
a importância do reconhecimento do Direito Ambiental.
O direito, na sua expressão mais pura de dar a cada um o que é seu, é sem dúvida um dos mais importantes instrumentos de que se pode lançar mão para vencer a inércia daqueles ainda não engajados ou conscientizados em relação ao interesse preservacionista.26
Inútil crer, entretanto, que os mecanismos do Direito possam,
sozinhos, reverter o caótico quadro ambiental. Diante de tantas
particularidades que envolvem a matéria, inexistindo a ação social e 25 TOYNBEE, Arnold; IKEDA, Daisaku. Escolha a vida: um diálogo sobre o futuro. 4. ed. São Paulo: Record, 1999. 26 BRASIL. Apelação Cível nº 118.652-1, de Curitiba - 4ª Vara Cível. Apelante: HABITAT - ASSOCIAÇÃO DE DEFESA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Apelada: REFRIGERANTES IMPERIAL LTDA. Relator: Des. Ivan Bortoleto, 2003.
22
estatal conjuntas, corre-se o grande risco de assistirmos o constante
desenvolver da matéria jurídico-ambiental apenas no papel sem, contudo,
desfrutarmos de sua efetividade.
Uma das conclusões chegadas ao final do 5º Congresso
Internacional de Direito Ambiental realizado em São Paulo, entre os dias 4
e 7 de junho de 2001, afirma:
O dever constitucional de não poluir, além de conter obrigação de cunho negativo (= de abstenção), exige comportamentos positivos de todos os sujeitos, públicos e privados, objetivando, pela prática de condutas específicas, prevenir, reparar e, no caso no Estado, também punir a degradação. 27
Isto se deve ao que representa o interesse difuso, outra
peculiaridade do Direito Ambiental, que se coloca agora:
Quer dizer, o interesse difuso supõe um plus de proteção ou uma proteção diversificada de um bem jurídico; pública, por um lado, e dos cidadãos por outro. Quando se diz que o Estado tutela o direito ao ambiente, nesta fórmula reconhece-se um interesse público, a faculdade de atuação do Estado, mas ao mesmo tempo um interesse jurídico, não meramente de fato, de todo cidadão à proteção adequada do bem ambiental, segundo os ditames do ordenamento jurídico. Assim, podemos dizer que o interesse difuso é um interesse híbrido, que possui uma alma pública e um corpo privado, que transcende o direito subjetivo privado e se estende pelo público. É um interesse coletivo-público, um interesse pluriindividual de relevância pública, cuja forma mais natural de agregação é a forma associativa. Um interesse comunitário de natureza cultural, não corporativo.28
Visto o que se apresenta, ainda que sumariamente, sobre a
complexidade que envolve o reconhecimento absoluto do Direito do
Ambiente – sua origem, realidade e efetividade, cumpre registrar sua
importância:
[...] é ele pressuposto para o exercício dos demais direitos, visto que representa, em última instância, o respeito à própria vida, e [...] somente aqueles que possuírem vida, e, mais ainda, vida com qualidade e saúde, é que terão condições de exercitarem os demais direitos humanos [...].
27 Anais do 5º Congresso Internacional de Direito Ambiental, São Paulo: IMESP, 2001. 28 ANTUNES, Luís Felipe Colaço. A tutela dos interesses difusos em Direito Administrativo, Coimbra: Almeidina, 1989, ps. 20-21 apud MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 7.
23
De fato, a imprescindibilidade do consagrado Direito Ambiental,
demonstra-se, facilmente, pelos pululantes apelos - sobretudo, morais -
quanto à nossa atuação e sua conseqüência em relação ao equilíbrio
natural do planeta e, mais ainda, pelo medo do porvir.
1.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO AMBIENTE
Antes de adentrarmos na descrição dos princípios ambientais já
estabelecidos pela doutrina brasileira, faremos breves considerações
sobre a teoria geral dos princípios.
1.3.1 Regras Jurídicas X Princípios
Uma primeira abordagem sobre o tema remete a uma básica
distinção entre princípios e regras, qual seja: a amplitude e abstração dos
princípios diante da especificidade das regras.
Podemos dizer que um mesmo princípio poderá criar diversas
regras, que visarão atingir o fim ditado pelo princípio. Quando uma regra é uma razão para um juízo concreto de dever ser que tenha de pronunciar, como é o caso quando é aplicável e não permite nenhuma exceção, então é uma razão definitiva [...]. Pelo contrário, os princípios são sempre apenas razões prima facie. As decisões sobre direitos pressupõem a determinação de direitos definitivos. A via desde o princípio, quer dizer, do direito prima facie, ao direito definitivo, transcorre, pois, através da determinação de uma relação de preferência. Porém, a determinação de uma relação de preferência é, de acordo com a lei de colisão, o estabelecimento de uma regra. Por ele, pode dizer-se que sempre que um princípio é, em última instância, uma razão básica para um juízo concreto de dever ser, este princípio é uma razão para uma regra que representa uma razão para uma regra que representa uma razão definitiva para este juízo concreto de dever ser. Os princípios mesmos não são nunca razões definitivas.29
29 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, apud ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p. 24.
24
Sobretudo, tanto regras quanto princípios são normas que dizem
o que devem ser: as primeiras, são normas que contêm determinações
juridicamente possíveis que podem ser cumpridas ou não; os segundos,
são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida
possível.
O ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Para tanto, os princípios são mandamentos de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferente grau e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, senão também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos. [...]. Em câmbio, as regras são normas que somente podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então há de fazer-se exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Para tanto, as regras contêm determinações no âmbito do fática e juridicamente possível [...].30
Com isso, concluímos que princípios e regras não devem ser
confundidos, havendo o risco de se diminuir a importância dos primeiros
em face aos segundos e, ainda, mesmo quando uma regra trouxer uma
idéia inovadora e benéfica, cabe a doutrina estabelece-la como princípio,
o que propiciará a criação de novas normas no mesmo sentido.
1.3.2 Desenvolvimento/Importância dos Princípios Jurídicos
Visto a distinção existente entre regras e princípios, analisaremos
sucintamente, o conceito destes, bem como seu desenvolvimento e
importância.
A definição trazida por Celso Antônio Bandeira de Mello, exalta a
importância do princípio jurídico:
[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo do critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a
30 MELLO, Celso Antonio Bandeira de apud MIRRA, Alvaro Luiz Valery. Princípíos Fundamentais do Direito Ambiental. Revista de Direito Ambiental. Nº 2, jan/mar. 1996. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996
25
lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.31
Os princípios são indispensáveis para o estabelecimento de um
sistema jurídico como um sistema lógico e racional. Cabe ao presente
trabalho analisar, com a devida ênfase, sobre a concretização de
subprincípios que irão densificar os princípios estruturantes, como ensina
Canotilho:
A densificação dos princípios constitucionais não resulta apenas da sua articulação com outros princípios ou normas constitucionais de maior densidade de concretização. Longe disso: o processo de concretização constitucional assenta, em larga medida, nas densificações dos princípios e regras constitucionais feitas pelo legislador (concretização legislativa) e pelos órgãos de aplicação do direito designadamente os tribunais (concretização judicial) a problemas concretos [...].32
Com essa assertiva podemos afirmar que os princípios podem e
devem surgir sempre que a situação a ser resolvida juridicamente
necessitar deles, sem se poder afirmar contudo o que deve vir antes: a
situação a ser resolvida ou o princípio, mesmo que este signifique, em sua
raiz latina “aquilo que se toma primeiro”. Ainda porque, em se tratando do
Direito Ambiental e da mutabilidade das condições ambientais, seria
natural que antes do surgimento do princípio que condicionaria uma
norma ambiental, surgisse o problema a ser resolvido.33
Álvaro Luiz Valery Mirra bem coloca que os princípios devem ser
extraídos do ordenamento jurídico em vigor, não cabendo ao intérprete e
ao aplicador do Direito Ambiental estabelecer os seus próprios princípios,
com base naqueles preceitos que ele gostaria que prevalecessem.34
Neste sentido, acreditamos que o enunciado do art. 225 da Carta Magna,
permite que se extraia tantos princípios quantos bastem para solucionar
31 ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais, p. 14. 32 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p. 191, apud ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Sergio Antonio Fabris: Porto Alegre, 1999, p. 28. 33 Falaremos sobre isso no 3º capítulo. 34 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios Fundamentais do Direito Ambiental in Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, ps. 50 a 66.
26
todos os problemas ambientais, um a um, sendo que ainda existem
princípios a serem criados.
No tocante à matéria pesquisada, Morato Leite registra:
Para se formular uma política ambiental com justiça ambiental, é necessário que o Estado se guie por princípios que vão se formando a partir da sedimentação das complexas questões suscitadas pela crise ambiental.35
Desta forma, podemos considerar, no tocante à disciplina jurídico-
ambiental, que a doutrina deve buscar um constante aprimoramento nas
definições, delimitações e criações dos princípios.
Pode-se afirmar que tal matéria já esteja definitivamente
estabelecida, contudo, há de existir um atento acompanhamento no
desenrolar do que já está determinado, observando-se falhas e vazios,
parecendo óbvio que, em se tratando de uma disciplina adolescente, a
mesma deve ser moldada tanto quanto se fizer necessário, sendo que a
criação de novos princípios – podendo isto ser feito através da fusão de
princípios já existentes, como já dito - é fundamental.
1.3.3 Princípios Jurídico-Ambientais já estabelecidos pela Doutrina
Brasileira
A doutrina não é uníssona ao indicar princípios estabelecidos. As
diferenças porém, são pequenas, e basta uma análise superficial para
perceber relações entre o que trazem diversos doutrinadores.
Édis Milaré, utilizando-se da expressão de Michel Prieur – ‘direito
adulto’, considera os princípios ambientais existentes, suficientes para o
reconhecimento da matéria:
Efetivamente, para que uma disciplina jurídica ganhe corpo e forma, é fundamental a presença de um conjunto de princípios e normas específicos a informa-la. [...] já é possível estabelecer um conjunto de peculiaridades e princípios [...], assim como de normas, tanto em âmbito internacional como nacional, que
35 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental extrapatrimonial. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.43.
27
possibilitam considerar o Direito do Ambiente um ‘Direito adulto’.36
De fato, como já apontado, não se pode negar a existência do
Direito Ambiental, sendo que cada vez mais os Tribunais se deparam com
questões suscitadas por tal disciplina. Por outro lado, nota-se que a
suficiência de seus princípios fundamentais, até hoje estabelecidos pela
doutrina pátria, ainda provocam inúmeras discussões. Sobre isso:
O Direito Ambiental brasileiro ressente-se de estudos que visem a sua sistematização. Foi ele sendo estruturado, principalmente, por via legislativa. Há estudos doutrinários já, mas setoriais ou de conjunto, porém sem uma preocupação de perquirição dos princípios deste Direito, que dominariam e informariam toda a disciplina.37
Por mais preciosas que sejam as colocações de Toshio Mukai38
no que tange aos princípios do Direito Ambiental e José Rubens Morato
Leite39, pela limitação do presente trabalho, seguiremos a forma utilizada
por Édis Milaré que sintetizou e elencou os princípios advindos da
Constituição Federal, da Política Nacional do Meio Ambiente e de
Convenções Internacionais.
Antes vale registrar, dentro do contexto das Convenções
Internacionais sobre Meio Ambiente, que Rio 92 foi um marco especial na
história de esforços comuns para o estabelecimento de uma ordem na
exploração dos recursos naturais: a um, porque o quadro ambiental havia
piorado muito em 20 anos, desde Estocolmo; a dois, porque parecia haver
mais esperança de êxito, se comparada a Johannesburgo.
36 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.135. 37 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 37 e ss. 38 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado, p.37. O autor discorre tão somente sobre os princípios da prevenção, poluidor-pagador ou responsabilização e cooperação; já que como apontado, defende inexistir uma principiologia ambiental do Direito Pátrio. 39 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental extrapatrimonial. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.44 e ss. Em sua obra Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 4. ed., o autor discorre sobre princípios estruturantes do Estado de Direito Ambiental, como aqueles constitutivos do núcleo essencial do direito do ambiente, quais sejam: precaução e atuação preventiva, cooperação e responsabilização.
28
Nessa ocasião foi elaborada a Agenda 21- diretrizes para o
estabelecimento do desenvolvimento sustentável, um documento digno
das mais respeitosas congratulações. Certo é que, se tais diretrizes
fossem cabalmente cumpridas, teríamos êxito na reversão do caótico
quadro ambiental planetário.
Mesmo não sendo as Declarações Internacionais “incluídas entre
as fontes tradicionais do Direito Internacional e não tenham aquela
imperatividade jurídica própria dos tratados e convenções internacionais,
ainda assim devem ser reconhecidas como instrumentos dotados de
relevância jurídica.”40
Passaremos, enfim, a observar os Princípios Fundamentais do
Direito do Ambiente, trazidos por Édis Milaré.
1) Princípio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental da pessoa humana
Identificado no caput do art. 225 da Constituição Federal, o novo
direito fundamental da pessoa humana surgiu como primeiro
princípio41em 1972 em Estocolmo, resultado da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente.
Trata-se de um direito à manutenção da vida humana.
Entretanto, não parece conveniente a ênfase que se dá ao direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em relação ao dever que
se deve ter para a fruição de tal direito.
2) Princípio da natureza pública da proteção ambiental
40 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do Direito Ambiental. Revista de Direito Ambiental. nº 2, Jan./mar. 1996. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p.53. 41 Princípio 1: “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade, e ao desfrute de adequadas condições de vida em um meio cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras”. Pode-se observar daí, o direito-dever, “solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras”. CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. 2. ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1997, p.593.
29
Há, neste princípio, vinculação com o princípio geral de Direito
Público da primazia do interesse público e também com o princípio de
Direito Administrativo da “indisponibilidade do interesse público na
proteção do meio ambiente”.
[...] o meio ambiente é, tanto para os particulares quanto para os poderes públicos, um bem indisponível, sendo, como um direito de terceira geração, de fruição comum e solidária em relação à toda sociedade.42
Decorre da previsão legal que considera o meio ambiente como
um valor a ser necessariamente assegurando e protegido para fruição de
toda coletividade.
Ele apresenta, portanto, a prevalência do direito coletivo ao direito
individual, trazendo, desta forma, certo dever em relação à proteção
ambiental.
3) Princípio do controle do poluidor pelo Poder Público
Ao Poder Público incumbe a função de intervir, por meio do
exercício do poder de polícia administrativa de seus órgãos e entidades,
limitando o exercício de direitos individuais para a utilização racional dos
recursos ambientais.
Sob este princípio também se assenta o estabelecimento de
ajustamentos de conduta que levem à cessação das atividades nocivas
ao meio ambiente, já que toda política ambiental tem características
pedagógicas, no sentido de que é um trabalho mais educativo que
propriamente repressivo.43
4) Princípio da consideração variável ambiental no processo
decisório de políticas de desenvolvimento
42 TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. O Direito Ambiental e seus princípios informativos. Revista de Direito Ambiental. nº 30, abr./jun., 2003, p.173. 43 PRIEUR, Michael. Droit de L’environnement. 3. ed. Paris: Dalloz, 1996, apud MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.139.
30
Este princípio se refere à obrigatoriedade do Estudo de Impacto
Ambiental de atividades potencialmente poluidoras.
Tem certa relação com o princípio anterior, já que cabe ao Poder
Público analisar e aprovar projetos sujeitos ao Estudo supracitado.
5) Princípio da participação comunitária
Aqui, faz-se referência à já comentada necessidade de haver
cooperação entre Estado e sociedade nas questões ambientais, como
bem estabeleceu o princípio 10 da Declaração do Rio, de 1992: A melhor maneira de tratas questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos.44
O artigo 225, caput,da Constituição Federal contemplou tal
princípio ao prescrever não só ao Poder Público como também à
coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações.
6) Princípio do poluidor-pagador
Apesar de num primeiro momento se pensar que tal princípio
daria o “direito de poluir” desde que para isso se pague uma multa, como
bem diz Édis Milaré, o princípio é denominado poluidor - pagador (poluiu,
paga os danos); e não pagador-poluidor (pagou, então pode poluir).
44 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. 2. ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1997, p.595.
31
Trata-se de internalizar os custos sociais externos decorrentes do
processo produtivo, é dizer, os agentes econômicos devem levar em
conta e assumir os custos ambientais no momento da elaboração dos
custos de produção.
7) Princípio da prevenção45
Basilar no Direito Ambiental, o princípio da prevenção remete à
prioridade que dever ser dada às medidas que evitem as agressões ao
meio ambiente.46 Isto porque, os danos ambientais, na maioria das vezes,
são irreversíveis e irreparáveis.
Como bem posiciona Celso Antonio Pacheco Fiorillo Filho:
Diante da impotência do sistema jurídico, incapaz de restabelecer, em igualdades de condições, uma situação idêntica à anterior, adota-se o princípio da prevenção do dano ao meio ambiente como sustentáculo do direito ambiental, consubstanciando-se como seu objetivo fundamental.47
Apesar da amplitude do termo que poderia remeter-nos à
necessidade de todas as pessoas (considerando impactos inerentes à
nossa existência), sem exceção, prevenirem quaisquer danos ao meio
ambiente, nota-se que o princípio desenvolveu-se em torno da prevenção
devida às atividades produtivas, devendo estas, antes de estabelecidas,
observar atentamente o impacto que possa produzir, e reduzi-los ao
máximo.
8) Princípio da função socioambiental da propriedade
45 Sobre este princípio assenta-se grande discussão quando denominado, por alguns autores de princípio da precaução. Sobre o assunto, ver: NOGUEIRA, Ana Carolina Casagrande. O conteúdo Jurídico do Princípio de Precaução no Direito Ambiental Brasileiro In: LEITE, José Rubens Morato e FERREIRA, Heline Sivini. Estado de Direito Ambiental: Tendências. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p.189 a 228. 46 Ver supra 1.1. 47 FILHO, Celso Antonio Pacheco Fiorillo. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 36.
32
Este princípio desfez a concepção do direito fundamental à
propriedade como suprema na condição de ilimitado e inatingível,
estabelecendo critérios para sua utilização, em busca do bem-estar social.
Mais uma vez, impõe-se a limitação ao direito individual,
acarretando o dever em nome do direito coletivo e em busca do direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado.
9) Princípio do direito ao desenvolvimento sustentável
Mais uma vez, deparamo-nos com a concepção de direito
ao desenvolvimento sustentável que não parece ser a mais pertinente, já
que, na verdade o homem tem o dever de promover o desenvolvimento
sustentável.
De qualquer forma, o atento autor não deixa passar tal questão,
assegurando que:
Neste princípio, talvez mais do que nos outros, surge tão evidente a reciprocidade entre direito e dever, porquanto o desenvolver-se e usufruir de um Planeta plenamente habitável não é apenas direito, é dever precípuo das pessoas e da sociedade. Direito e dever como contrapartidas inquestionáveis.48
Ainda é importante colocar que, o princípio do desenvolvimento
sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção
e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma
relação satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente, para
que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os
mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição.49
10) Princípio da cooperação entre os povos
48 MILARÉ, Édis. Direito Ambiental, p. 148. 49 FIORILLO Fº., Celso Antonio Pacheco; DIAFÉRIA, Adriana. Biodiversidade e patrimônio genético no direito ambiental brasileiro. São Paulo: Max Limonad, 1999, p.31.
33
Tal princípio, conforme descrição feita por Édis Milaré, remete ao
caráter transnacional do Direito Ambiental50.
Neste momento, vale apontar as pequenas diferenças entre os
doutrinadores: enquanto Milaré trata o princípio, ora em exame, de forma
a apontar que este se refere somente à cooperação entre Estados51 e, por
outro lado, Toshio Mukai enfatiza que tal princípio expressa a idéia de
cooperação entre o Estado e a Sociedade52, José Rubens Morato Leite
engloba a cooperação Estado-Estado e Estado-Sociedade53.
Concluindo, utilizando-nos, ainda, do ensinamento de Édis Milaré,
é evidente que o fato do Direito do Ambiente estabelecer-se sobre
princípios específicos, faz da disciplina um ramo científico autônomo; isso
não obsta, entretanto, que esses mesmos princípios possam ser
aperfeiçoados, ou até mesmo, possam surgir outros, podendo-se dizer
que os princípios do Direito do Ambiente não são apenas assentes e
retrospectivos, mas, ainda, dinâmicos e projetivos.54
50 Ver supra 1.1.1.1. 51 MILARÉ, Édis. Direito Ambiental, p.151 e 152. 52 MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado, p.39 e 40. 53 LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental Extrapatrimonial. ps. 51 a 54. 54 MILARÉ, Edis. Direito Ambiental, p.153.
CAPÍTULO 2 - POLUIÇÃO POR RESÍDUOS SÓLIDOS
Em meio a uma diversidade de impactos que o homem provoca
sobre o Planeta, desde que o dominou, abordaremos especificamente o
provocado pelo descarte de embalagens – lixo; atitude que repetimos
diariamente sem, na maioria dos casos, dimensionar sua conseqüência.
Veremos, numa breve síntese, sobre o início desse hábito, dentro
dos conglomerados humanos medievais, sendo que atualmente, a cultura
é de coleta e afastamento (de nossa vista) do lixo. Afastamento este que
não afasta, sobremaneira, o impacto gerado que já atinge seres humanos,
tanto pela contaminação do solo, das águas ou do ar, sendo
evidentemente um sério problema de saúde pública.
Outro fator fundamental para que o assunto provoque a atenção
devida é o fato de que o problema se agrava vertiginosamente, diante das
mudanças nos padrões de consumo, acentuada nos últimos 20 anos. Em
média, no mundo, cada pessoa produz 1 Kg de lixo por dia. Considerando
que somos seis bilhões de seres humanos, pode-se imaginar a
gigantesca quantidade de resíduos acumulados no meio ambiente55. Não
é demais lembrar que esses hábitos de consumo não são sustentáveis.
2.1 QUESTÕES TERMINOLÓGICAS
O estudo sobre resíduos sólidos trará ao leitor os termos: resíduo,
rejeito e lixo. Tais definições tendem a significar a mesma coisa, pois,
todos são poluentes quando dispostos de forma irregular. Alguns autores,
entretanto, exaltam a diferença entre lixo e resíduos sólidos, considerando
o primeiro como absolutamente inútil; e o segundo passível de ser
reciclado.
Paulo Affonso Leme Machado define:
55 DIAS, Genebaldo Freire. Ecopercepção: um resumo didático dos desafios socioambientais. São Paulo: Gaia, 2004.
35
O termo “resíduo sólido”, como o entendemos no Brasil, significa lixo, refugo e outras descargas de materiais sólidos, incluindo resíduos sólidos de materiais provenientes de operações industriais, comerciais e agrícolas e de atividades da comunidade, mas não inclui materiais sólidos ou dissolvidos nos esgotos domésticos ou outros significativos poluentes existentes nos recursos hídricos, tais como a lama, resíduos sólidos dissolvidos ou suspensos na água, encontrados nos efluentes industriais, e materiais dissolvidos nas correntes de irrigação. 56
Segundo a definição da NBR 10004 da Associação Brasileira de
Normas Técnicas - ABNT, de setembro de 1987, adotada pelo Conselho
Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, resíduos sólidos são:
Resíduos no estado sólido e semi-sólido, que resultam de atividades da comunidade de origem: industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede de esgotos ou corpos de água, ou exijam para isso soluções técnica e economicamente inviáveis em face à melhor tecnologia disponível. 57
2.2 TIPOS DE RESÍDUOS
Composto de uma diversidade de materiais e substâncias, o lixo é
resultado das atividades rotineiras dos cidadãos. A supracitada Norma
Técnica classifica os resíduos, quanto à sua natureza, em classe I
(material perigoso), classe II (materiais não inertes) e classe III (materiais
inertes).
Os resíduos de classe I são considerados perigosos; são aqueles
que representam ameaça ambiental, por apresentarem uma das
56 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 399. 57 CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Resolução CONAMA nº 5 de 05/08/93.
36
seguintes características: inflamabilidade, corrosividade, reatividade,
toxicidade ou patogenicidade.58
Os de classe II, define-se pela norma como aqueles que não se
encaixam como resíduos classe I, nem como resíduos classe II. Não são
inertes e apresentam características como combustibilidade,
biodegradabilidade ou soludibilidade em água.
Por fim, os de classe III são considerados inertes por não
sofrerem transformações físicas, químicas ou biológicas significativas a
ponto de acarretar risco à saúde e ao meio ambiente (tijolos, vidros,
rochas, e certos plásticos e borrachas de difícil decomposição.
Quanto à sua categoria, os resíduos ainda podem ser
classificados em:59
Resíduos Urbanos: provenientes de residências ou qualquer outra atividade que gere resíduos com características domiciliares, bem como os resíduos de limpeza pública urbana; Resíduos Industriais: provenientes de atividades de pesquisa e produção de bens, e provenientes das atividades de mineração e aqueles gerados em áreas de utilidades e manutenção dos estabelecimentos industriais; Resíduos de Serviço de Saúde: provenientes de qualquer unidade que execute atividades de natureza médico-assistencial a populações humana ou animal, centro de pesquisa, desenvolvimento ou experimentação na área de farmacologia e saúde, além de medicamentos vencidos ou deteriorados; Resíduos de Atividades Rurais: provenientes da atividade agrosilvo-pastoril, inclusive os resíduos dos insumos utilizados nestas atividades; Resíduos de Serviços de Transporte: decorrentes da atividade de transporte e os provenientes de portos, aeroportos, terminais rodoviários, ferroviários e portuários e postos de fronteira; Resíduos Radioativos: materiais resultantes de atividades humanas que contenham radionucídeos em quantidades superiores aos limites de isenção especificados de acordo com a norma da Comissão Nacional de Energia Nacional de Energia Nuclear – CNEN, e que seja de reutilização imprópria ou não prevista.
58 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Item 4.1 da norma ABNT NBR 10004. 59 MINISTÉRIO PÚBLICO – Rio Grande do Sul. Resíduos sólidos. Org. Silvia Cappelli. Centro de apoio operacional de defesa do meio ambiente. Porto Alegre: Procuradoria Geral de Justiça, 2002, p. 232.
37
O presente trabalho ater-se-á, e ainda assim de forma sucinta,
diante da inesgotável discussão que envolve o tema, aos resíduos sólidos
urbanos.
O chamado lixo urbano pode ser identificado como60:
lixo domiciliar: composto basicamente de restos de alimentos, embalagens plásticas, de metal, de vidro, de papelão, jornais e revistas, originando-se das atividades das residências; lixo comercial: incluindo resíduos originados da atividade realizada em escritórios, hotéis, lojas, cinemas, teatros, mercados, terminais etc., compostos basicamente de papéis, papelão e embalagens em geral; lixo industrial: classificados em sólidos, semi-sólidos e os resíduos líquidos que não podem ser lançados na rede de esgotos ou corpos de água, provenientes da atividade industrial; lixo hospitalar: também conhecido como lixo séptico ou contaminado, origina-se de serviços de saúde geral incluindo clinicas veterinária; varrição: inclui resíduos que resultam da limpeza de vias públicas, praças e jardins, folhagens e sedimentos diversos; lixo especial: são resíduos que não podem ser removidos pela coleta regular, incluindo grandes volumes (animais, mobiliário, carros etc.), ou que necessitam de coleta especial por sua toxidade ou, ainda, que são resultado da atividade da construção civil, como o entulho.
Dentro desta classificação, reduziremos ainda, apenas aos lixos
domiciliares e comerciais.
2.2.1 O que fazer com o lixo?
Parece óbvio, porém, cumpre-nos registrar que muito dinheiro é
jogado fora junto com o lixo. Não bastasse contribuirmos para a
degradação ambiental, colocando em risco nossa saúde, perdemos muito
dinheiro quando não separamos nosso lixo. Perdemos todos, sim, visto
que em última instância, nossos maus hábitos diários (neste caso
específico, o lixo que deixamos de separar) atinge-nos, inteiramente.
60 CAMPINAS. Secretaria de Serviços Públicos; Secretaria da Administração. Campinas: a gestão dos resíduos sólidos urbanos. Coord. Técnica e Supervisão Geral: Ernesto Dimas Paulella e Clair de Oliveira Scapim. Campinas, 1996, p.38.
38
Passaremos, agora, a explicitar algumas ações relacionadas à
destinação final dos resíduos sólidos61.
a) Coletas Seletivas/Usinas de Reciclagem62 O termo seletiva da coleta, pressupõe a separação dos resíduos,
para seu devido reaproveitamento, pelas próprias fontes geradoras, sejam
elas residências, escolas, escritórios ou quaisquer outros tipo de
estabelecimentos.
Tal atitude traria: redução nos custos de coleta; aumento da vida
útil dos aterros; otimização na operação de sistemas de compostagem;
economia e proteção de recursos naturais; produtividade maior de
material reciclado; entre outros benefícios.
Não poderíamos deixar de reconhecer, também, a crescente
atuação dos catadores que sobrevivem da cata de materiais recicláveis do
nosso lixo do dia-a-dia. Felizmente, podemos observar que com o
crescente número dessas respeitáveis pessoas – que necessitando
sobreviver de alguma forma se dignam a remexer em nosso rejeitos, têm
surgido cooperativas de catadores, sem dúvida um grande passo para o
merecido reconhecimento desses cidadãos.63
Para o sucesso da coleta seletiva, alguns pontos devem ser
observados, primeiramente, pelo Poder Público, como: educar
ambientalmente a comunidade de que material reciclável não é lixo, e
portanto, deve ser recolhido separadamente como matéria prima para
fabricação de novos produtos; dispor de usinas de reciclagem; proceder
estude de mercado para conhecer a viabilidade de comercialização dos
materiais recicláveis, desenvolvendo programas para atrair empresas que
os processem; entre outros.
61 SOARES, Mário Rogério Kolberg. Conceitos, Responsabilidades, Gerenciamento e Destino Final In: MINISTÉRIO PÚBLICO – Rio Grande do Sul. Resíduos sólidos. Org. Silvia Cappelli. Centro de apoio operacional de defesa do meio ambiente. Porto Alegre: Procuradoria Geral de Justiça, 2002, p.233. 62 SOARES, Mário Rogério Kolberg. Conceitos, Responsabilidades, Gerenciamento e Destino Final In: MINISTÉRIO PÚBLICO – Rio Grande do Sul. Resíduos sólidos, p.233. 63 Eis mais um motivo para que todos passem a separar seu lixo: uma questão de humanidade e cidadania; um incentivo àqueles que optaram em lutar por suas sobrevivências da forma mais difícil, considerando que roubar seria mais fácil.
39
b) Compostagem64 Este método define-se como processo biológico aeróbico pelo
qual a matéria orgânica presente na massa de resíduos é digerida pela
ação de microorganismos, normalmente já presentes nos próprios
resíduos, resultando um material orgânico estabilizado para a produção
de húmus.
Na realidade, observa-se que o método - desenvolvido em grande
escala, ainda não oferece vantagens incontestáveis, visto que dificilmente
a massa sujeita ao processo estará livre de elementos não orgânicos, o
que acabará poluindo o solo a ser adubado, além de ser atestado que a
energia gasta pelos centros urbanos com esta forma de tratamento é
maior do que os eventuais benefícios obtidos65, além, ainda, da emissão
de odores. Contudo, tal desvantagem inexiste para as pessoas que fazem
isso em casa, havendo aí, apenas vantagens.
c) Aterros sanitários66 Os aterros são a forma de disposição mais utilizados no Brasil,
conforme veremos adiante, na tabela elaborada pelo IBGE.
Requisitos técnicos afirmam que: deverão situar-se a mais de 200
metros de vertentes, arroios, rios e demais copos d´água superficiais,
distância medida horizontalmente a partir da cota máxima de inundação; o
nível da água do lençol freático na sua cota mais elevada, deverá
observar uma distância mínima de 2,5 metros da base do aterro; o aterro
não deverá situar-se à margem de rodovias, estradas e demais vias de
uso comum, devendo observar uma distância mínima de 20 metros, a
64 SOARES, Mário Rogério Kolberg. Conceitos, Responsabilidades, Gerenciamento e Destino Final In: MINISTÉRIO PÚBLICO – Rio Grande do Sul. Resíduos sólidos, p.234. 65 FIORILLO Fº., Celso Antonio Pacheco.Curso de Direito Ambiental, p. 175. 66 SOARES, Mário Rogério Kolberg. Conceitos, Responsabilidades, Gerenciamento e Destino Final In: MINISTÉRIO PÚBLICO – Rio Grande do Sul. Resíduos sólidos, p.237.
40
partir da faixa de domínio; a direção predominante dos ventos deverá ser
no sentido oposto às áreas mais densamente povoadas, ou seja, da
cidade para o local do aterro. Deve-se, ainda, prever a necessidade de
acesso a material de cobertura, sendo ideal que possa ser disponibilizado
pelo próprio local; observar uma vida útil compatível com o
empreendimento, não sendo inferior a 5 anos; priorizar solo com
permeabilidade baixa (argiloso), para maior garantia operacional e
menores custos de projeto.67
Sob o absoluto atendimento a essas normas técnicas construtivas
e operacionais, o aterro sanitário é uma alternativa de disposição final de
resíduos sólidos urbanos no solo, objetivando contemplar os resíduos na
menor área possível utilizando o princípio da compactação e
decomposição dos rejeitos.
Apesar de requerer um baixo investimento inicial para a
implantação e possuir custos de operação relativamente baixos de
comparados a outras formas de tratamento, necessita de grandes áreas,
que, em geral, somente são encontradas longe dos centros urbanos, o
que onera os custos de transporte, além disso, as operações se
comprometem diante de diversas condições metereológicas e existe a
necessidade de contínua supervisão e capacidade de gerenciamento em
função de inúmeras variáveis operacionais.
Caso a supervisão seja insuficiente – como normal e infelizmente
é, os efeitos serão: contaminação hídrica pela lixiviação de chorume;
proliferação de odores; contaminação do solo e lençol freático;
contaminação da cadeia alimentar; degradação e contaminação da área;
poluição visual e sonora e conseqüente desequilíbrio ecológico.
Além dessas formas ora apresentadas, existem algumas outras
alternativas - como co-processamento em fornos de cimento, entre outras,
que não cabe a este trabalho observar.
67 SOARES, Mário Rogério Kolberg. Conceitos, Responsabilidades, Gerenciamento e Destino Final In: MINISTÉRIO PÚBLICO – Rio Grande do Sul. Resíduos sólidos, p.237.
41
E, é claro, a forma ainda muito utilizada no Brasil são os
combatidos e ilegais lixões. Neles, o lixo é simplesmente despejado nas
áreas; às vezes nem tão afastadas das cidades, nem de cursos d’água;
indiscriminadamente, dia após dia, acarretando um imensurável dano.
É importante ressaltar que a recuperação de áreas degradadas
pela disposição de resíduos sólidos é extremamente cara e complexa.
O último levantamento feito pelo IBGE, em 2000 ensejou a
seguinte tabela:
42
Tabela 110 - Quantidade diária de lixo coletado, por unidade de destino final do lixo coletado, segundo as Grandes
Regiões, Unidades da Federação, Regiões Metropolitanas e Municípios das Capitais - 2000
QUANTIDADE DIÁRIA DE LIXO COLETADO (T/DIA)
UNIDADE DE DESTINO FINAL DO LIXO COLETADO GRANDES REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO, REGIÕES METROPOLITANAS E MUNICÍPIOS DAS CAPITAIS
Total Vazadouro a céu aberto
(lixão)
Vazadouro em áreas alagadas
Aterro controlado
Aterro sanitário
Estação de
compôs- tagem
Estação de triagem
Incinera-ção
Locais não-fixos
Outra
Brasil 228 413,0 48 321,7 232,6 84 575,5 82 640,3 6 549,7 2 265,0 1 031,8 1 230,2 1 566,2
Norte 11 067,1 6 279,0 56,3 3 133,9 1 468,8 5,0 - 8,1 95,6 20,4
Rondônia 692,0 537,8 - 122,3 31,9 - - - - -
Porto Velho 193,4 193,4 - - - - - - - -
Acre 538,9 269,2 - 27,0 242,7 - - - - -
Rio Branco 236,2 - - - 236,2 - - - - -
Amazonas 2 864,0 327,8 12,0 2 424,6 27,6 - - 0,7 70,0 1,3
Manaus 2 400,0 - - 2 400,0 - - - - - -
Roraima 133,1 133,1 - - - - - - - -
Boa Vista 105,0 105,0 - - - - - - - -
Pará 5 181,6 3 725,0 42,5 371,5 1 007,5 5,0 - 7,0 4,0 19,1
43
QUANTIDADE DIÁRIA DE LIXO COLETADO (T/DIA)
UNIDADE DE DESTINO FINAL DO LIXO COLETADO GRANDES REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO, REGIÕES METROPOLITANAS E MUNICÍPIOS DAS CAPITAIS
Total Vazadouro a céu aberto
(lixão)
Vazadouro em áreas alagadas
Aterro controlado
Aterro sanitário
Estação de
compôs- tagem
Estação de triagem
Incinera-ção
Locais não-fixos
Outra
Belém 2 012,0 832,0 - 300,0 880,0 - - - - -
Região Metropolitana de Belém 2 697,0 1 517,0 - 300,0 880,0 - - - - -
Amapá 455,8 453,6 1,8 - - - - 0,4 - -
Macapá 380,0 380,0 - - - - - - - -
Tocantins 1 201,7 832,5 - 188,5 159,1 - - - 21,6 -
Palmas 81,0 - - 81,0 - - - - - -
Nordeste 41 557,8 20 043,5 45,0 6 071,9 15 030,1 74,0 92,5 22,4 128,4 50,0
Maranhão 2 652,6 1 839,1 - 59,3 740,0 3,1 9,0 2,1 - -
São Luís 740,0 - - - 740,0 - - - - -
Região Metropolitana Grande São Luís 750,0 10,0 - - 740,0 - - - - -
Piauí 2 431,3 1 243,8 40,0 1 056,7 90,8 - - - - -
Teresina 1 059,5 - - 996,7 62,8 - - - - -
Ceará 10 150,5 2 751,6 - 77,6 7 306,5 - - - 14,8 -
44
QUANTIDADE DIÁRIA DE LIXO COLETADO (T/DIA)
UNIDADE DE DESTINO FINAL DO LIXO COLETADO GRANDES REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO, REGIÕES METROPOLITANAS E MUNICÍPIOS DAS CAPITAIS
Total Vazadouro a céu aberto
(lixão)
Vazadouro em áreas alagadas
Aterro controlado
Aterro sanitário
Estação de
compôs- tagem
Estação de triagem
Incinera-ção
Locais não-fixos
Outra
Fortaleza 2 375,0 - - - 2 375,0 - - - - -
Região Metropolitana de Fortaleza 7 211,2 103,0 - 7,2 7 101,0 - - - - -
Rio Grande do Norte 2 373,5 715,3 5,0 1 426,1 219,6 0,5 6,0 - 1,0 -
Natal 1 223,5 - - 1 223,0 - 0,5 - - - -
Região Metropolitana de Natal 1 385,5 27,0 - 1 318,0 40,0 0,5 - - - -
Paraíba 2 894,0 2 691,1 - 94,2 67,1 26,0 14,6 1,0 - -
João Pessoa 1 027,9 1 027,9 - - - - - - - -
Pernambuco 6 281,2 3 022,1 - 812,0 2 301,3 38,5 48,0 1,3 8,0 50,0
Recife 1 376,0 - - - 1 376,0 - - - - -
Região Metropolitana de Recife 3 221,0 675,4 - 330,0 2 099,3 35,0 30,0 1,3 - 50,0
Alagoas 2 999,3 1 698,3 - 1 096,0 185,0 5,5 - 4,0 10,5 -
Maceió 1 592,0 542,0 - 1 050,0 - - - - - -
45
QUANTIDADE DIÁRIA DE LIXO COLETADO (T/DIA)
UNIDADE DE DESTINO FINAL DO LIXO COLETADO GRANDES REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO, REGIÕES METROPOLITANAS E MUNICÍPIOS DAS CAPITAIS
Total Vazadouro a céu aberto
(lixão)
Vazadouro em áreas alagadas
Aterro controlado
Aterro sanitário
Estação de
compôs- tagem
Estação de triagem
Incinera-ção
Locais não-fixos
Outra
Região Metropolitana de Maceió 1 773,0 708,0 - 1 065,0 - - - - - -
Sergipe 1 377,1 768,0 - 579,1 30,0 - - - - -
Aracaju 410,0 - - 410,0 - - - - - -
Bahia 10 398,3 5 314,2 - 870,9 4 089,8 0,4 14,9 14,0 94,1 -
Salvador 2 490,5 - - - 2 476,5 - 14,0 - - -
Região Metropolitana de Salvador 2 940,5 - - 210,2 2 716,3 - 14,0 - - -
Sudeste 141 616,8 13 755,9 86,6 65 851,4 52 542,3 5 437,9 1 262,9 945,2 781,4 953,2
Minas Gerais 15 664,0 4 778,6 19,6 4 181,6 5 296,8 308,5 284,3 62,0 376,6 356
Belo Horizonte 4 920,6 - - 400,0 4 227,6 3,7 16,3 - - 273
Região Metropolitana de Belo Horizonte 6 889,7 403,0 - 1 604,1 4 368,6 18,7 26,3 - 196,0 273
Colar Metropolitano da Região Metropolitana de Belo Horizonte
186,1 102,2 - 54,2 - - 14,4 0,3 15,0 -
46
QUANTIDADE DIÁRIA DE LIXO COLETADO (T/DIA)
UNIDADE DE DESTINO FINAL DO LIXO COLETADO GRANDES REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO, REGIÕES METROPOLITANAS E MUNICÍPIOS DAS CAPITAIS
Total Vazadouro a céu aberto
(lixão)
Vazadouro em áreas alagadas
Aterro controlado
Aterro sanitário
Estação de
compôs- tagem
Estação de triagem
Incinera-ção
Locais não-fixos
Outra
Região Metropolitana Vale do Aço 402,0 202,0 - - 140,0 60,0 - - - -
Colar Metropolitano da Região Metropolitana Vale do Aço
59,7 43,5 - 14,8 - 0,4 1,0 - - -
Espírito Santo 2 923,6 914,1 - 526,4 1 330,6 14,0 22,8 75,9 39,8 -
Vitória 318,0 - - 3,0 295,0 - 20,0 - - -
Região Metropolitana Grande Vitória 1 465,8 135,0 - 273,0 1 000,5 - 20,0 - 37,3 -
Rio de Janeiro 17 447,2 4 825,0 20,0 4 578,3 7 328,1 380,6 271,8 23,4 20,0 -
Rio de Janeiro 8 343,0 - - 1 951,0 6 124,0 268,0 - - - -
Região Metropolitana do Rio de Janeiro 13 429,4 3 313,0 20,0 3 020,4 6 805,0 268,0 - 3,0 - -
São Paulo 105 582,0 3 238,2 47,0 56 565,1 38 586,8 4 734,8 684,0 783,9 345,0 597,2
São Paulo 20 150,2 - - - 15 426,5 4 290,0 331,0 102,7 - -
47
QUANTIDADE DIÁRIA DE LIXO COLETADO (T/DIA)
UNIDADE DE DESTINO FINAL DO LIXO COLETADO GRANDES REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO, REGIÕES METROPOLITANAS E MUNICÍPIOS DAS CAPITAIS
Total Vazadouro a céu aberto
(lixão)
Vazadouro em áreas alagadas
Aterro controlado
Aterro sanitário
Estação de
compôs- tagem
Estação de triagem
Incinera-ção
Locais não-fixos
Outra
Região Metropolitana de São Paulo 83 066,9 491,0 - 51 669,9 25 111,7 4 290,0 346,1 635,9 1,0 521,3
Região Metropolitana Baixada Santista 1 659,1 150,0 - 995,8 511,5 - 0,5 1,3 - -
Região Metropolitana de Campinas 3 508,2 63,0 10,0 920,2 2 485,1 - 21,8 2,1 - 6,0
Sul 19 874,8 5 112,3 36,7 4 833,9 8 046,0 347,2 832,6 30,1 119,9 516,1
Paraná 7 542,9 2 901,9 9,0 1 657,9 2 726,6 101,6 105,4 6,6 32,9 1,0
Curitiba 1 548,9 - - - 1 547,5 - - 1,4 - -
Região Metropolitana de Curitiba 2 131,8 114,0 - 7,5 1 982,4 25,0 1,5 1,4 - -
Região Metropolitana de Londrina 838,9 410,8 - 415,1 - - 13,0 - - -
Região Metropolitana de Maringá 460,9 443,7 7,0 1,2 9,0 - - - - -
Santa Catarina 4 863,6 1 063,5 7,7 1 127,4 2 455,2 118,7 30,0 7,6 53,5 -
Florianópolis 435,0 - - - 435,0 - - - - -
48
QUANTIDADE DIÁRIA DE LIXO COLETADO (T/DIA)
UNIDADE DE DESTINO FINAL DO LIXO COLETADO GRANDES REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO, REGIÕES METROPOLITANAS E MUNICÍPIOS DAS CAPITAIS
Total Vazadouro a céu aberto
(lixão)
Vazadouro em áreas alagadas
Aterro controlado
Aterro sanitário
Estação de
compôs- tagem
Estação de triagem
Incinera-ção
Locais não-fixos
Outra
Núcleo Metropolitano da Região Metropolitana de Florianópolis
710,7 - - 42,5 668,2 - - - - -
Área de Expansão Metropolitana da Região Metropolitana de Florianópolis
78,8 43,6 - 14,1 20,0 - 1,0 0,1 - -
Núcleo Metropolitano da Região Metropolitana do Vale do Itajaí
601,2 - - 497,3 95,0 - 8,9 - - -
Área de Expansão Metropolitana da Região Metropolitana do Vale do Itajaí
180,1 8,0 - 43,1 76,0 - 3,0 - 50,0 -
Núcleo Metropolitano da Região Metropolitana Norte/Nordeste Catarinense
514,3 16,1 - - 498,2 - - - - -
Área de Expansão Metropolitana da Região Metropolitana Norte/Nordeste Catarinense
345,4 86,8 - 176,9 80,0 - 1,5 0,2 - -
49
QUANTIDADE DIÁRIA DE LIXO COLETADO (T/DIA)
UNIDADE DE DESTINO FINAL DO LIXO COLETADO GRANDES REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO, REGIÕES METROPOLITANAS E MUNICÍPIOS DAS CAPITAIS
Total Vazadouro a céu aberto
(lixão)
Vazadouro em áreas alagadas
Aterro controlado
Aterro sanitário
Estação de
compôs- tagem
Estação de triagem
Incinera-ção
Locais não-fixos
Outra
Rio Grande do Sul 7 468,3 1 146,9 20,0 2 048,6 2 864,2 126,9 697,2 15,9 33,5 515,1
Porto Alegre 1 610,0 - - - 1 050,0 - 60,0 - - 500,0
Região Metropolitana de Porto Alegre 3 566,2 75,5 - 753,5 1 963,4 8,7 250,1 10,0 - 505,0
Centro-Oeste 14 296,5 3 131,0 8,0 4 684,4 5 553,1 685,6 77,0 26,0 104,9 26,5
Mato Grosso do Sul 1 756,5 727,7 8,0 785,6 194,2 - 25,5 - - 15,5
Campo Grande 496,4 46,4 - 450,0 - - - - - -
Mato Grosso 2 163,7 877,1 - 491,9 599,3 164,0 24,0 0,1 6,3 1,0
Cuiabá 630,0 - - - 442,0 164,0 24,0 - - -
Goiás 7 809,1 1 526,2 - 1 385,0 4 759,6 - 27,5 2,2 98,6 10,0
Goiânia 3 270,0 - - - 3 270,0 - - - - -
Região Metropolitana de Goiânia 3 709,7 63,7 - 124,0 3 522,0 - - - - -
Distrito Federal 2 567,2 - - 2 021,9 - 521,6 - 23,7 - -
Brasília 2 567,2 - - 2 021,9 - 521,6 - 23,7 - -
50
QUANTIDADE DIÁRIA DE LIXO COLETADO (T/DIA)
UNIDADE DE DESTINO FINAL DO LIXO COLETADO GRANDES REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO, REGIÕES METROPOLITANAS E MUNICÍPIOS DAS CAPITAIS
Total Vazadouro a céu aberto
(lixão)
Vazadouro em áreas alagadas
Aterro controlado
Aterro sanitário
Estação de
compôs- tagem
Estação de triagem
Incinera-ção
Locais não-fixos
Outra
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno 3 046,8 113,8 - 2 159,0 228,7 521,6 - 23,7 - -
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de População e Indicadores Sociais, Pesquisa Nacional de Saneamento
Básico 2000.
51
A tabela acima nos mostra, como já havia sido adiantado, que a
maior parte dos resíduos é encaminhada a aterros, sendo que ainda
existe um número muito grande que é encaminhado aos lixões. Não há
informação, contudo, relativa a satisfatória e devida operacionalidade
desses aterros (que sem o controle pertinente, transformam-se em
verdadeiros lixões).
Observa-se a grande diferença na quantidade de produção de lixo
entre a região Norte e Sudeste: enquanto a primeira produz uma média
de 11 mil toneladas de lixo ao dia, a segunda produz 141 mil toneladas.
Contudo, enquanto consta que do lixo produzido pelo Sudeste, 13 mil
toneladas são destinadas a lixões, mais da metade do lixo do Norte vão
para lixões.
A região Sul produz uma média de 20 mil toneladas de lixo por
dia, sendo atribuído à Santa Catarina o montante aproximado de 5 mil
toneladas diárias. Só em Florinópolis produz-se 435 toneladas diárias de
resíduos.
TABELA 2 – Visão da quantidade diária do lixo coletado e das unidades
de destinação final
Unidades de destinação final do lixo
Total no Brasil 228.413 t/dia
Quantidade diária do lixo coletado t/dia
Total de 8381 unidades
5993 Vazadouros a céu aberto, os chamados “lixões” 48.321,7 t/dia
63 Vazadouros em áreas alagadas 232,6 t/dia
1868 Aterros controlados 84.575,5 t/dia
1452 Aterros sanitários 82.640,3 t/dia
810 Aterros de resíduos especiais
260 Usinas de compostagem 6.549,7 t/dia
596 Usinas de reciclagem estações de triagem 2.265,0 t/dia
325 Instalações de incineração 1.031,8 t/dia
Locais não fixos outras 1.230,2 t/dia
1.566,2 t/dia
Fonte: Fundação Nacional de Saúde – FUNASA e a Caixa Econômica Federal – CAIXA, e da colaboração técnica e financeira da Organização Panamericana de Saúde – OPAS apud SILVA, Solange Teles da. Subsídios para a regulamentação Brasileira de resíduos
52
sólidos: a experiência “comunitária” e Européia. In: Anais do 6º Congresso Internacional de Direito Ambiental de 3 a 6 de junho de 2002: 10 anos da ECO-92: O Direito e o Desenvolvimento Sustentável. Org. Antonio Herman Benjamin. São Paulo: IMESP, 2002, p.236.
Da tabela simplificada, vê-se que se coleta diariamente no Brasil
228.413 toneladas de lixo, sendo que dos 5.507 municípios, apenas 451
efetuam uma coleta seletiva e 352 a reciclagem.
2.3 IMPACTO
Curioso registrar que, a cidade medieval era formada por
aglomerados humanos onde se convivia com detritos de toda espécie:
tem-se notícia, por meio de escritos deixados por cronistas da época que,
entre ruelas estreitas e mal cuidadas, o quotidiano doméstico mesclava-se
com abate de animais nas ruas, com a atividade de estábulos e chiqueiros
entre as casas, de onde o lixo era simplesmente jogado pelas janelas.68
Foi nessa etapa da história que se teve um dos mais trágicos
efeitos da cadeia epidemiológica do lixo, com o aparecimento e
transmissão de doenças infecto-contagiosas, como o exemplo
amplamente conhecido da peste bubônica, que se espalhou por toda
Europa, dizimando populações inteiras, disseminada por roedores que
agiam como vetores de microorganismos patológicos encontrados no lixo
e nos esgotos. Doenças como cólera, varíola, lepra e tantas outras, que
encontraram excelentes meios de proliferação nas péssimas condições da
vida urbana e para as quais não havia remédios eficazes.
Hoje em dia tais doenças possuem devido controle e nosso lixo
não é mais jogado pela janela (se bem que, pensando bem, diante de
tanta informação que se tem sobre a degradação do planeta, ao jogar
68 SALUM, C. A. L. apud CAMPINAS. Secretaria de Serviços Públicos; Secretaria da Administração. Campinas: a gestão dos resíduos sólidos urbanos. Coord. Técnica e Supervisão Geral: Ernesto Dimas Paulella e Clair de Oliveira Scapim. Campinas, 1996, p.25.
53
nosso lixo sem nos preocuparmos com sua destinação, agimos como se o
estivéssemos “jogando pela janela”), porém, o risco para o qual
caminhamos, devido ao aumento gradativo dos conglomerados urbanos e
ao crescimento da população – o que corresponde a uma diminuição
proporcional dos locais para destinação dos resíduos gerados, permite
temer por novas e desconhecidas pestes.
A água, da qual dependemos para sobreviver, está altamente
comprometida, não só pela sua finitude, como também pela poluição por
resíduos sólidos. Isto porque, ao contaminar o solo, o conhecido chorume
atinge fatalmente lençóis freáticos de águas puras, tornando-as
impróprias para o consumo humano.
A complexidade que envolve o controle da poluição por resíduos
sólidos faz com que uma solução fique cada vez mais complicada. A
realidade tecnológica demonstra constantes avanços dos processos
industriais, o problema é que por tal avanço a geração de resíduos
desses processos ultrapassa em larga escala a capacidade do meio
ambiente de recebe-los sem prejuízo ao seu equilíbrio.
E com isso, vez que são lançadas novidades no mercado,
decorrentes dos avanços tecnológicos e visando, cada vez mais, a
comodidade da sociedade consumista, sendo que esta comodidade inclui
a despreocupação, ou melhor dizendo, inconseqüência em relação aos
resíduos, não se pode cegar para o descompasso entre a produção de
lixo e a biodegradação do mesmo. É de se pensar que após a morte uma
pessoa deixara suas lembranças ao planeta por longos anos – o lixo que
produziu desde o seu nascimento.
54
2.4 LEGISLAÇÃO PERTINENTE
No Brasil, no ano de 1954 houve a promulgação da primeira Lei (a
revogada 2.312)69 que versava sobre a coleta, o transporte e o destino
final do lixo, em busca apenas da saúde e bem-estar público, isto é o lixo
deveria ficar longe da população, acarretando uma imediata sensação de
problema sanado.A Constituição Federal, sem mencionar a palavra lixo,
dispõe que:
a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.70
Dispõe, ainda, que:
todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.71
Sobre a competência do Poder Público de efetuar a proteção
ambiental, a Carta Magna considera comum à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e Municípios:
proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; e, combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização promovendo a integração social dos setores desfavorecidos.72
Podemos perceber que todas essas normas podem ser levadas
ao encontro da problemática gerada pelos resíduos sólidos, posto que
este tema é de conseqüências diversas. 69 Lei 2.312, de 3/9/1954, regulamentada pelo Decreto 49974-A, de 21.1.1961. Código Nacional de Saúde apud MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.157. 70 BRASIL. Constituição Federal de 1988. 3 Revisão até a Emenda Constitucional n. 26/00. Art. 196, Caput. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de edições técnicas, 2000. 71 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Art. 225. 72 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Art. 23, incisos VI, IX e X, respectivamente.
55
O fato de, além da União, Estados e Municípios possuírem
competência para legislar sobre o tema cria diversas normas que, em sua
maioria, buscam o mesmo objetivo. Isto porque, todas acabam seguindo
orientações fornecidas pelas Resoluções do CONAMA – Conselho
Nacional do Meio Ambiente e estas, muitas vezes seguem, as normas
geradas pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas.
Contudo, isto está longe de ser o ideal para a efetiva solução do
problema ambiental provocado pelo lixo. Por ser de difícil controle, são
inúmeros os municípios - principalmente os de pequeno porte, que não
possuem nenhuma regulamentação sobre o tema, e o que é pior, utilizam-
se de lixões, o que é proibido por norma federal. Nestes casos o
Ministério Público surge como um importante aliado para obrigar os
municípios que se utilizam desta arcaica forma de disposição de resíduos
a regularizarem tal procedimento.73
Algumas poucas normas vieram ao conhecimento das pessoas
através da mídia, podendo-se citar as relativas sobre pneumáticos, pilhas
e baterias de celulares e lâmpadas fluorescentes.
O que podemos afirmar é que o gerenciamento dos resíduos
sólidos não se submete a um regime jurídico único, sendo diversas as
normas concernentes ao assunto, fato este muito desfavorável para o
alcance de uma solução para o problema.
Basicamente, as Resoluções do Conselho Nacional do Meio
Ambiente e as Normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas,
fornecem diretrizes devidas sendo que a União, os Estados e Municípios
são livres para acolhe-las e criar suas respectivas leis.
De qualquer forma, algumas considerações se fazem importantes,
como a que traz o art 3º, inciso III da Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei n. 6.938/81), que, embora não utilize a palavra lixo,
determina que a poluição existe quando há:
73 Sobre isto, o Ministério Público de Santa Catarina, por meio do Centro de Apoio Operacional, obteve importantíssimos resultados com a criação do programa “Lixo nosso de cada dia”, mediante celebração de Termos de Ajustamento de Condutas com municípios do Estados, reduzindo, destarte a três municípios que possuem lixão, por pouco tempo. Disponível em http://www.mp.sc.gov.br. Acesso em 13/3/2003
56
Art. 3º Para os fins previstos nesta lei, entende-se por: [...] III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante das atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da
população; b) criem condições adversas às atividades sociais e
econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio
ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os
padrões ambientais estabelecidos.74 [...]
Nos moldes deste artigo, o lixo urbano possui a natureza jurídica
de poluente, e como entende Celso Antonio Pacheco Fiorillo Filho:
[...] o lixo urbano, desde o momento em que é produzido, já possui a natureza jurídica de poluente, porque, assumindo o papel de resíduo urbano, deverá ser submetido a um processo de tratamento que, por si só, constitui, mediata ou imediatamente, forma de degradação ambiental.75
No mesmo sentido, portanto, poderíamos considerar todos os que
não dão a devida destinação ao lixo, que produz (assumindo sua parcela
de responsabilidade), poluidores.
Finalizando o assunto sobre a legislação pertinente aos resíduos
sólidos, o que se pode ver é que muitas vezes resoluções e normas
dispõem de textos bastante ricos, oferecendo boas diretrizes; o problema
dá-se quando ao promulgar a devida lei, baseando-se nessas normas,
Municípios e Estados não acolhem exatamente o trazido por elas, além de
não promover políticas adequadas, criando assim leis de difícil aplicação.
Nesse sentido, a mestre Cristiane Derani registra seu
posicionamento, em entrevista feita ao Jornal da Universidade de São
Paulo:
As leis, no entanto, podem trazer problemas intrínsecos que impedem sua efetiva interferência nos mecanismos sociais, ressalta a professora de Direito Ambiental da Faculdade de Direito da USP, Cristiane Derani. “O problema não é só fazer lei, e sim que ela ofereça aparatos para que suas medidas
74 Lei 6.938 de 31/8/1981. Legislação do Meio Ambiente: atos internacionais e normas federais. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996, p.625. 75 FIORILLO Fº., Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental, p.168.
57
possam ser cumpridas. Para isso é preciso haver fiscalização e que também sejam criados espaços institucionais para a população poder participar. Hoje, a classe média está preparada para assimilar muito mais rapidamente programas ambientais ou qualquer propaganda pública nesse sentido. O que adianta, por exemplo, o cidadão ficar com baterias em casa sem saber como descartá-las adequadamente? Tudo isso está vinculado a políticas públicas e leis que amparem condutas apropriadas”, diz Cristiane. Para a professora, as resoluções do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) sobre descartes de pneus e baterias, por exemplo – que prevêm que tais produtos devem retornar ao produtor quando dispensados –, “não funcionam na prática” porque não possuem aparatos institucionais que garantam sua efetivação. “Esse é um problema de política legislativa, que cria normas mas não cria mecanismos para executá-las.”76
Ideal, portanto, que haja, junto com a uniformização legal
referente ao lixo, numa mesma lei a ser acatada de forma a não haver
concorrência entre os entes da federação, diretrizes viáveis e
mecanismos para executa-las.
2.5 POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Como já esperamos ter sido explanado no presente trabalho, a
degradação provocada pelos resíduos sólidos é gravíssima, progressiva,
praticamente irreversível, o que põe em sério risco a saúde humana e o
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Esperar que cada cidadão desenvolva sua consciência e comece
a separar seu lixo, e esperar que cada empresa, no mesmo sentido,
comece a dispor de informações bastantes para auxiliar a sociedade não
parece ser a postura mais inteligente diante a importância da questão
pesquisada e a imprescidibilidade de um mecanismo viável que permita, o
mais rápido possível, uma reversão de hábitos, principalmente.
Como vimos, a legislação que trata sobre o controle da poluição
por resíduos sólidos é composta de normas em diferentes níveis estatal,
federal, municipal, sendo que em sua maior parte buscam o mesmo fim,
76 MIGUEL, Sylvia. Uma nova legislação para uma vida melhor. Disponível em <http://www.usp.br/jorusp> Acesso em: 19 abr. 2001.
58
qual seja, reduzir o impacto provocado pela má disposição de resíduos
sólidos.
Apontou-se, também, para a desvatangem dessa realidade, já
que as normas existentes não surtem os efeitos necessários, dentre
outros motivos, pelo aparente “descomprometimento” geral.
Fato estarrecedor é a existência de mais de 80 projetos de lei
que, apensos, formam a famigerada Política Nacional de Resíduos
Sólidos, que “dormita”77, no Congresso Nacional desde 1991. Em
novembro no ano passado, após grande empenho do deputado Emerson
Kapaz (relator) e da comissão destinada à trabalhar pela aprovação do
projeto, este foi novamente engavetado.
O texto do projeto para PNRS conta com 186 artigos, dentre os
quais preceitua-se acerca de todos os tipos de resíduos e suas devidas
gestões; cria um Fundo Nacional de Resíduos Sólidos que contaria com
recursos públicos e decorrentes de multas por descumprimento da lei
para o tratamento do lixo; estabelece o princípio da Responsabilidade
pós-Consumo, entre outras coisas.
Não cabe ao presente trabalho, por mais tentador que seja,
discorrer sobre questões políticas que fazem com que assuntos tão
importantes sejam desconsiderados de tal forma, haja vista o quadro geral
que se encontra o país.
O projeto de lei para o estabelecimento da Política Nacional de
Resíduos Sólidos78 é de nº 203 de 199179 e visa instituí-la, bem como
seus princípios, objetivos e instrumentos, estabelecendo diretrizes e
normas de ordem pública e interesse social para o gerenciamento de
diferentes tipos de resíduos, incluindo os resultantes da construção civil,
comércio, e serviços de estações de tratamento de água e esgoto. 77 O termo foi utilizado em artigo elaborado em ocasião de decisão judicial do Tribunal do Paraná que obrigou um fabricante de refrigerante a recolher, por toda cidade de Curitiba, as garrafas PETs vazias produzidas por ele . BRASIL. Apelação Cível nº 118.652-1, de Curitiba - 4ª Vara Cível apelante Habitat - Associação de Defesa e Educação Ambiental, e apelada Refrigerantes Imperial Ltda. Artigo disponível em: <www.pinheiropedro.com.br/amblegal/decisao.htm>, disponível em 08 de novembro de 2004. 78 A partir deste ponto, trataremos a Política Nacional de Resíduos Sólidos como PNRS. 79 Disponível em <http://www.camara.gov.br >.Acesso em 15/5/2002
59
Visa a redução da produção dos resíduos, bem como da
nocividade deles; objetiva, também, a descentralização político-
administrativa, a responsabilidade compartilhada, a gestão e o
gerenciamento integrado dos resíduos sólidos, dispondo, ainda, normas
para o licenciamento ambiental de tal gerenciamento.
Propõe a instituição de um fundo nacional de resíduos sólidos,
com objetivos, entre outros, de apoiar ações, projetos, programas e
planos relacionados ao gerenciamento de resíduos sólidos, inclusive a
recuperação de áreas degradas pela disposição inadequada do lixo.
Feita uma análise superficial, o texto do projeto parece abordar
todas as questões satisfatoriamente, sendo que a sugestão da
responsabilidade pela destinação do lixo, compartilhada entre Poder
Público, fabricantes (incluídos comerciantes e importadores) e
consumidores, pode ser considerada a idéia mais importante de todo o
projeto.
Vale dizer que, um fenômeno que vem ocorrendo cada vez com
mais freqüência é a iniciativa, por parte dos estados, na criação de suas
próprias políticas de resíduos sólidos. Talvez pelo apelo do tema, e pela
distância que se vê relativa a aprovação da PNRS.
Ocorre que esse fato prolongaria o problema trazido pela
legislação esparsa, visto que se pode imaginar que, sendo a legislação de
um estado mais branda do que outros em relação aos fabricantes, por
exemplo, estes certamente desenvolveriam algum meio de se beneficiar
com a lei menos severa.
O certo é para o alcance (ou manutenção) do meio ambiente
ecologicamente equilibrado, através do Direito, é imprescindível a
existência de normas compatíveis, viáveis e práticas, que não dêem
espaço para objeções e que imponham sanções àqueles que não
quiserem arcar com suas devidas responsabilidades.
3. RESPONSABILIDADE PÓS-CONSUMO
Como já abordamos, mesmo que superficialmente, os princípios
no Direito podem ter seu desenvolvimento e especificação quando da
colocação de novas situações fáticas a serem resolvidas juridicamente.
A progressiva degradação ambiental é uma situação mais que
real e tangível a ser observada pelo Direito e socorrida pelos mecanismos
que tal disciplina oferece.
Podemos afirmar que o enunciado do art. 225 da Constituição
Federal é vago e possibilita o desenvolvimento de inúmeros princípios e
deveres ambientais. Isto porque, diante da gama de impactos negativos
que produzimos sobre o meio ambiente ao impor ao poder público e à
coletividade o dever de defende-lo e preserva-lo para as presentes e
futuras gerações, enseja que todos os impactos que provocamos, um a
um, deva ser cuidado de forma unitária e diferenciada, com o objetivo
maior de manter a qualidade ambiental para as futuras gerações.
Isto é, alguns dos princípios estabelecidos no Direito Ambiental,
vieram da norma constitucional, sem, contudo estarem nela
expressamente firmados. São os princípios implícitos.
Os princípios implícitos são tão importantes quanto os explícitos; constituem, como estes, verdadeiras normas jurídicas. Por isso, desconhece-los é tão grave quanto desconsiderar quaisquer outros princípios.80
De recente discussão, a Responsabilidade pós-Consumo81 ainda
não possui uma definição reconhecida pela doutrina pátria, sequer sua
natureza jurídica está afirmada. As definições a que se arriscaram alguns
estudiosos advêm das leis esparsas que trazem o tema à baila.
A primeira norma federal que cuidou da RpC foi a Resolução
CONAMA nº 257 de 1999, que estabelece em seu artigo primeiro:
80 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p.150. 81 Daqui pra frente para referir-nos à Responsabilidade pós-Consumo, utilizaremos a abreviação RpC.
61
Art 1º As pilhas e baterias [...] após seu esgotamento energético, serão entregues pelos usuários aos estabelecimentos que as comercializam ou à rede de assistência técnica autorizada pelas respectivas indústrias, para repasse aos fabricantes ou importadores, para que estes adotem, diretamente ou por meio de terceiros, os procedimentos de reutilização, reciclagem, tratamento ou disposição final ambientalmente adequada. (sem grifos no original).
A redação é clara e suficiente para esclarecer o que visa a RpC
(divisão de responsabilidades; aprofundaremos adiante). Porém, não foi
suficiente para o cumprimento do estabelecido, mesmo sendo os
infratores sujeitos às penalidades previstas nas Leis nº 6.938/81 e nº
9.605/98. Eis, novamente, questão que não cabe a este trabalho observar
(Inefetividade de resoluções).
Num outro momento, a Lei 9.974 de 2000 alterou a Lei 7.802 de
1989 que dispunha sobre a produção, comércio e utilização de
agrotóxicos, incluindo em seu art. 6º, o § 2º o que segue:
Art. 6º - As embalagens dos agrotóxicos e afins deverão atender, entre outros, aos seguintes requisitos: [...] § 2º - Os usuários de agrotóxicos, seus componentes e afins deverão efetuar a devolução das embalagens vazias dos produtos aos estabelecimentos comerciais em que foram adquiridos, de acordo com as instruções previstas nas respectivas bulas, no prazo de até um ano, contado da data de compra, ou prazo superior, se autorizado pelo órgão registrante, podendo a devolução ser intermediada por postos ou centros de recolhimento, desde que autorizados e fiscalizados pelo órgão competente.
Considerando que o texto original já trazia diversas obrigações
aos fabricantes e comerciantes, vemos que a inclusão da obrigação dos
consumidores remete, novamente, ao que tende significar a RpC.
Com estes exemplos pretendemos apenas introduzir a idéia da
RpC.
O Projeto de Lei para o estabelecimento de uma Política Nacional
de Resíduos Sólidos82, por sua vez, traz a RpC como um princípio a
nortear referida política, com a seguinte redação:
82 Projeto de Lei nº 203, de 1982. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso: 1/3/2004.
62
Art. 9º A Política Nacional de Resíduos Sólidos, [...] atenderá aos seguintes princípios: [...] IX- responsabilidade pós-consumo compartilhada entre o Poder Público, os fabricantes, importadores, comerciantes e o consumidor, de maneira que este último cumpra as determinações de separação do lixo domiciliar e de adequada disponibilização para coleta (sem grifos no original) [...].
Agora sim, estamos diante da melhor definição existente de
Responsabilidade pós-Consumo, que visa dividir responsabilidades, em
busca da efetiva solução para o problema gerado pelo lixo.
Visto que se busca, por meio do Direito Ambiental, garantir às
presentes e futuras gerações um meio ambiente ecologicamente
equilibrado; visto ser inegável que a simples existência humana provoca
um impacto sobre esse equilíbrio, parece ser óbvio que ao pleitear novos
direitos estaremos nos comprometendo a encarar novas
responsabilidades.
Alguns projetos sobre Políticas Estaduais de Resíduos Sólidos
aproximam-se da definição do princípio da RpC contido no projeto
nacional, como é o caso do Anteprojeto de Lei que institui a Política
Estadual de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Estado do Pará83:
[...] Art. 2o - São princípios da Política Estadual de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Estado do Pará: A responsabilidade compartilhada entre o Poder Público, produtores e a sociedade civil, assegurando a participação da população na gestão, controle e acompanhamento da prestação dos serviços de limpeza urbana, e no gerenciamento dos resíduos sólidos, nos termos da legislação pertinente; [...]
Porém, observa-se que a responsabilidade apresentada à
sociedade civil não é específica quanto à separação do lixo, como é
recomendado, já que não expressar o objetivo de impor à população uma
mudança de hábitos acarretará, muito provavelmente, o não alcance do
objetivo da RpC.
83 Disponível em: http://www.redegoverno.gov.br. Acesso em: 10/9/2004.
63
O projeto, com o a mesma finalidade, desenvolvido pelo Estado
de Santa Catarina84, deixa ainda mais a desejar, visto que sequer inclui a
sociedade com responsável:
[...] Art. 5º São princípios da Política Estadual de Resíduos Sólidos: [...] VII - responsabilização pós-consumo do fabricante e/ou importador pelos produtos e respectivas embalagens ofertados ao consumidor final, em que couber [...]
Nota-se, portanto, do citado projeto que a RpC foi apontada
apenas ao fabricante e/ou importador, o que, novamente afasta o
verdadeiro objetivo do princípio trazido pelo projeto nacional. Isto porque,
não é difícil entender que de nada adianta fabricantes serem
responsabilizados, se não houver cooperação dos consumidores. Isto
abarrotaria os Tribunais de recursos, já que não parece justo que o
fabricante se responsabilize, sujeito a penalização, pela coleta de
embalagens de sua produção, se o consumidor mistura todo o lixo,
indiscriminadamente, com restos de comida, lixo de banheiro, e esse todo
acaba sendo despejado em algum aterro ou lixão.
Inobstante o que já foi dito no capítulo anterior, sobre políticas
estaduais versando concorrentemente sobre resíduos sólidos, a
discussão que pode ter início pelas diferentes concepções sobre o tema
podem ser válidas, desde que, claro, esclareçam ao final, que o problema
somente vai ser adequadamente equacionado com a outorga de
responsabilidades da forma tripartite apresentada pelo projeto nacional
(considerando que o termo fabricantes engloba: comerciantes,
distribuidores e importadores).
O que se pretende demonstrar com o presente trabalho, é a
riqueza desse princípio, diante de um problema gravíssimo e progressivo.
Reforça-se: não há como pleitear por novos direitos, como o da
84 Projeto de lei s/n. Disponível em: http://www.sds.sc.gov.br. Acesso em: 12/9/2004.
64
manutenção do equilíbrio ecológico para as presentes e futuras gerações,
sem assumir novas responsabilidades.
É certo que a crise ambiental advém da industrialização e
exploração inconseqüente dos recursos naturais, contudo, o impacto
produzido pelos indivíduos comuns, não deixa de ter um peso
extremamente significante para o quadro da degradação; isto, como já
colocado, se deve ao inevitável impacto produzido por cada um e,
considerando que somos seis bilhões, a dimensão final deste impacto é
tão prejudicial quanto grandes empreendimentos.
Porém, o que se nota do desenvolvimento da matéria jurídico-
ambiental, é um aprofundamento na normatização de danos causados por
grandes atividades, isto é, há doutrina bastante quando se fala em
grandes empresas e grandes projetos, incidindo sobre aqueles,
responsabilidades civis, penais e administrativas, que pressupõem
prejuízo a terceiro que, por sua vez, enseja pedido de reparação do dano
ou indenização.
Neste momento, faz-se necessária uma importante consideração
acerca do termo “responsabilidade” da RpC.
Como dito, a responsabilidade ambiental, da forma como foi
concebida, requer: poluidor; dano; prejudicado; e, indenização ou
reparação. Os danos causados pela má disposição e aproveitamento dos
resíduos sólidos, entretanto, afeta a todos, igualmente, não sendo
possível a identificação de um prejudicado especificamente, afastando,
destarte, uma possível indenização. No mesmo sentido, todos somos
poluidores, quando não separamos nosso lixo.
Disso conclui-se estarmos diante de uma nova responsabilidade
ambiental, com novas características, completamente diversas das
apresentadas pelas responsabilidades já conhecidas.
Inobstante, o que se vê é uma aparente confusão provocada por
essa complexa questão.
65
No parecer abaixo, sobre promulgação de lei no município de São
Paulo85, o autor considerou, num primeiro momento, a RpC como
responsabilidade civil e administrativa; em seguida, apontou o aumento
da geração de resíduos pela população como um problema.
[...] Face às modificações nos meios de produção e nos hábitos de consumo, nasceu o que hoje se convencionou chamar de responsabilidade pós-consumo que, sem pretensões conceituais, poderia ser definida como a responsabilização civil e administrativa de fabricantes, importadores e distribuidores de produtos cujo descarte no meio ambiente, após sua utilização, possa causar danos ambientais e à saúde humana. [...] A fixação de um cronograma para a implementação de uma lei que inova o sistema vigente é medida recomendável, a fim de que os atingidos por seus efeitos possam adequar-se aos seus preceitos. Entretanto, se o objetivo da norma é fazer com que as embalagens permaneçam no ciclo de produção e consumo e deixem de ser descartadas nos aterros que recebem resíduos urbanos, e levando em consideração o aumento constante que se verifica na geração de resíduos pela população.[...]86 (sem grifos no original)
Por óbvio, o autor explanou o assunto da forma como foi trazido
pela Lei que estava sob análise e, não se tratando tal texto legal digno de
condecorações pela sua redação, perdoável a confusão. O que se
pretende registrar é que a maioria das considerações feitas, relativa à
Responsabilidade pós-Consumo mostra-se, um tanto precipitada.
Ainda apontamos o posicionamento do Tribunal:
A chamada responsabilidade pós-consumo no caso de produtos de alto poder poluente, como as embalagens plásticas, envolve o fabricante de refrigerantes que delas se utiliza, em ação civil pública, pelos danos ambientais decorrentes. Esta responsabilidade é objetiva nos termos da Lei nº 7347/85, artigos 1º e 4º da Lei Estadual nº 12.943/99, e artigos 3º e 14, § 1º da Lei nº 6.938/81, e implica na sua condenação nas obrigações de fazer, a saber: adoção de providências em relação a destinação final e ambientalmente adequada das embalagens plásticas de seus produtos, e
85 Lei 13.316, de 1º de fevereiro de 2002. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br . Acesso em: 14/3/2002. 86 CASTRO, Fernando B. Penteado de. Responsabilidade pós-Consumo no município de São Paulo, instituída pela Lei Nº 13.316 DE 1º.2.2002 Destinação final de embalagens, garrafas e pneumáticos. Direitos autorais reservados a Pinheiro Neto Advogados. Disponível em: http://www.pinheironeto.com.br. Acesso em: 5/11/2003.
66
destinação de parte dos seus gastos com publicidade em educação ambiental, sob pena de multa. 87
Neste caso, embora estejamos diante de louvável acórdão,
munido de belíssima fundamentação que, em decisão inédita, condenou
uma fábrica de refrigerantes a recolher todas as embalagens PETs,
resultantes de suas produção, da cidade de Curitiba – “obrigação de
fazer, de recolhimento das embalagens dos produtos que vier a fabricar,
após o consumo, quando deixadas em parques e praças, ruas, lagos, rios
e onde forem encontradas”88, tememos não ser este o rumo que o
princípio da Responsabilidade pós-Consumo pretenda seguir.
É que, ao impor desta forma a responsabilidade ao fabricante,
dará margem que este recorra da decisão, haja vista ser um ônus um
tanto quanto desproporcional para o fabricante e de dificílima consecução.
Paulo de Bessa Antunes, em artigo de sua autoria, abordou a
questão da seguinte forma:
É importante que se considere, ademais, que a responsabilidade ambiental vem ganhando contornos inteiramente diferentes da responsabilidade civil em geral. A responsabilidade ambiental se caracteriza por incidir sobre aquele que é mais capaz de suportar os ônus decorrentes da ação prejudicial ao meio ambiente. Veja-se, por exemplo, a chamada responsabilidade pós-consumo. Em tal modalidade de responsabilidade, por exemplo, os fabricantes de pilhas e baterias são os responsáveis pelo seu destino final; igualmente, os fabricantes de PET, ou de latas de alumínio, começam a ser responsabilizados pela destinação final de tais produtos. O raciocínio subjacente é o de que as empresas em questão são as maiores beneficiárias econômicas da comercialização dos produtos. Existe, ainda, a óbvia questão de que é impossível a responsabilização de milhares e milhares de pessoas que descartam PET e pilhas em qualquer lugar. Vejam-se as enchentes e o estado dos rios. As empresas produtoras, por outro lado, são facilmente identificáveis e, portanto, acionáveis judicialmente. 89
87 BRASIL. Apelação Cível nº 118.652-1, de Curitiba - 4ª Vara Cível apelante Habitat - Associação de Defesa e Educação Ambiental, e apelada Refrigerantes Imperial Ltda. 2003. 88 BRASIL. Apelação Cível nº 118.652-1, de Curitiba - 4ª Vara Cível apelante Habitat - Associação de Defesa e Educação Ambiental, e apelada Refrigerantes Imperial Ltda. 2003. 89 ANTUNES, Paulo de Bessa. Finanças e Meio ambiente Publicado na Gazeta Mercantil em 4 de abril de 2002. Disponível em: http://www.dannemann.com.br. Acesso em: 7/3/2004.
67
Agora sim estamos diante de argumentações bastante
pertinentes, entretanto, é do mesmo autor o posicionamento que defende:
A responsabilização por danos ao meio ambiente deve ser implementada levando-se em conta os fatores de singularidade dos bens ambientais atingidos, da impossibilidade ética de se quantificar o preço da vida e, sobretudo, que a responsabilidade ambiental deve ter um sentido pedagógico tanto para o poluidor como para a própria sociedade, de forma que todos possamos aprender a respeitar ao meio ambiente. 90
De fato, a colocação supracitada possibilita insistir na defesa do
estabelecimento da inovatória responsabilidade trazida RpC; possibilita,
ainda, exaltar sua importância, já que se espera ter este trabalho, até
então, exposto que os danos ambientais são variados e precisam de
tratamento específico e diferenciado.
Cumpre ressaltar que, neste caso, o papel da doutrina faz-se
fundamental, já que esperar pela aprovação da PNRS, para ver a
consagração da RpC não parece ser a melhor opção. Ainda porque, a
insistência da doutrina pode ajudar na aprovação do projeto.
Sobre a divisão de responsabilidades, poderíamos vislumbrar o
seguinte: ao Poder Público caberiam tarefas como fiscalização, incentivo
fiscal, entre outras; aos produtores, fornecimento de informações
bastantes para que o consumidor proceda com a devida separação do
lixo doméstico (podendo até mesmo oferecer alguns incentivos iniciais,
como: oferecer algum brinde em troca da embalagem); aos
revendedores91; caberia fazer a ponte entre a entrega da embalagem pelo
consumidor e a coleta pelo produtor aos consumidores, claro, caberia a
separação do lixo e a devolução das embalagens.
É possível até mesmo, com o estabelecimento da RpC, vislumbrar
uma mudança de hábitos na qual as pessoas cheguem ao supermercado 90 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1999, p. 32. 91 Neste momento, vislumbra-se grande problema que pode advir em relação aos importadores. Isto porque, estar-se-á diante de conflitos de normas entre países diversos, o que poderá atravancar o objetivo da RpC. De qualquer forma, crê-se que tal impasse possa ser resolvido, com muito trabalho, e justificando-se principalmente pelo caráter transnacional do Direito Ambiental, abordado no primeiro capítulo. Pela limitação do presente trabalho, não poderemos aprofundar tal questão.
68
carregadas de embalagens vazias; seria, sim, um regresso ao paradigma
do descartável, porém um avanço em prol do meio ambiente e das futuras
gerações.
E sobre o papel a ser desempenhado pelos Tribunais e Ministério
Público, este dependerá muito da criatividade deste último órgão, como
por exemplo: ingressar com ações para compelir fabricantes a fornecer
informações suficientes em suas embalagens sobre como o consumidor
deve agir em relação a estas quando do exaurimento do produto; ainda,
compelir supermercados a receber embalagens vazias, de todas as
naturezas, a fim de que sejam desenvolvidas ao fabricante; obrigar
fabricantes a substituir materiais, no processo produtivo, de forma a
utilizar apenas embalagens recicláveis, etc.
Não existirá dificuldade em fundamentar legalmente tais ações,
visto que as normas ambientais existentes, como já apontado, são vagas
e amplas, permitindo diversas interpretações. Ademais, todas elas
poderiam vincular-se ao que estabelece o princípio do poluidor-pagador.92
Na realidade, da pesquisa feita constatou-se que os poucos textos
que fazem referência à RpC, dão a entender que tal instituto deriva
apenas do princípio do poluidor-pagador como vemos no trecho abaixo:
A responsabilidade pós-consumo, derivada do princípio do poluidor pagador, será mis (sic) comumente aplicada aos fabricantes, importadores e comerciantes de outros produtos, como é o caso das lâmpadas fluorescentes de vapor de mercúrio, garrafas “pet” de refrigerantes e aerossóis, produtos que têm sido alvo de projetos de lei de nível nacional.93 (sem grifos no original)
Não parece ser aconselhável utilizar-se de um termo tão rico e
promissor, vinculando-o, taxativamente, à apenas um princípio,
diminuindo consideravelmente seu valor.
E mais, não só é desaconselhável; é incorreto. Isto porque não há
como vincular a responsabilidade do poder público, tampouco dos
92 Ver item 1.3.3 93 PEDRO, Antônio Fernando Pinheiro; BENNATI, Paula. Comentários sobre a Resolução CONAMA n.º 257, de 30 de junho de 1999. Rio Grande do Sul. Ministério Publico. Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente. Org. Silvia Cappelli. Porto Alegre: Procuradoria-Geral de Justiça, 2002.
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consumidores ao princípio do poluidor-pagador, que remete apenas aos
que lucram com atividades potencialmente poluidoras.
O que se vê da pesquisa é a ênfase que se deu ao princípio do
poluidor–pagador no tocante à RpC, encontrando-se afirmações de que
este se deriva daquele. De fato, a RpC contém tal princípio, no entanto
não apenas ele.
Senão vejamos: o papel a ser desempenhado pela administração
(fiscalização, incentivos fiscais, etc.) remete ao principio do controle do
poluidor pelo poder público94 e o papel do consumidor remete ao dever
constitucional de preservar o meio ambiente.95
Walter Claudius Rothenburg, em sua obra Princípios
Constitucionais discorre sobre o tema:
É possível falar, assim, da possibilidade de fragmentação dos princípios, onde parcelas de um ou diversos podem compor-se com parcelas de outro(s) e formar a norma de solução dos casos concretos. A imagem parcelar é sugestiva, embora traduza, na verdade, o fenômeno da incidência de princípio(s) inteiro(s), mas com força diferenciada conforme a situação: trata-se antes de modulação do que, propriamente, de composição. 96
Neste sentido, podemos vislumbrar que o princípio da RpC
engloba determinações oferecidas pelos princípios do poluidor-pagador e
do controle do poluidor pelo poder público, além de enfatizar, da forma
necessária, o dever constitucional da coletividade na proteção do meio
ambiente.
E a função do Direto Ambiental reside na busca incessante de
mecanismos que possibilitem a efetividade de seus objetivos principais.
Cada conjunção ou jogo de princípios será informada por determinações da mais variada ordem: é necessário insistir, neste ponto, em que o fenômeno jurídico não é uma questão
94 Ver item 1.3.3 95 Dever este que não parece estar muito bem descrito por nenhum princípio jurídico-ambiental estabelecido, sendo que o que mais se aproxima dele é o princípio da participação comunitária (ver item 1.3.3). 96 ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais, p. 37.
70
científica, porém uma questão política e, de outra parte, a aplicação do direito é uma prudência e não uma ciência.97
Desta forma, após ter sido sucintamente demonstrada a
importância dos princípios no ordenamento jurídico, no primeiro capítulo,
pretende-se demonstrar a possibilidade e importância do estabelecimento
do princípio da Responsabilidade pós-Consumo.
Antes ainda, impõe-se fazer dos princípios constitucionais, deliberadamente, ferramentas das tensões e intenções da população a que o ordenamento jurídico se reporta. A carga político-ideológica, com suas fantasias, seus medos, seus anseios, seus preconceitos e seus desejos, deve refletir a realidade vivida, sentida e sonhada pelos participantes da aventura social. Em suma: os princípios têm mesmo de rechear-se com determinado conteúdo ideológico, e prestam-se magnificamente para tanto.98 (sem grifos no original)
Não se pretende discorrer exaustivamente sobre a viabilidade ou
não da adoção do princípio da Responsabilidade pós-Consumo no
ordenamento jurídico ambiental brasileiro, e não por duvidarmos disso,
pelo contrário, a idéia de viver em meio a uma sociedade que desenvolva
o hábito de separar seu lixo, não é utópica. Desde que sejamos
satisfatoriamente informados, por tantos meio quanto forem necessários
(televisão, supermercados, nas próprias embalagens), não há porque se
duvidar da atitude consciente de cada cidadão. Mais ainda por serem
justamente aqueles mais providos os que mais produzem lixo, e os que,
supostamente, mais dispõe de educação.
Há notícias de que, um dos grandes impasses para o
reconhecimento da RpC (através da aprovação da PNRS), é o temor (e
conseqüente lobby), por parte das indústrias, referente ao “peso” da
responsabilidade; se isso será bem dividido ou não.
A responsabilidade pós-consumo, já adotada em outros países, é também um avanço, porque estimulará os geradores a colocar em práticas processos que levem à redução da
97 GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988 – interpretação e crítica. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000 apud SUNFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.151. 98 ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais, p. 78.
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geração de rejeitos e ao aumento da reciclabilidade. Isto é válido principalmente para os fabricantes de embalagens. Este princípio está intimamente ligado ao do ciclo de vida e tem encontrado resistências junto ao setor industrial. A Confederação Nacional da Indústria, por exemplo, tem afirmado que não aceita a responsabilidade pelo resíduo gerado pelo produto pós-consumo, argumentando que tal responsabilidade deveria ser assumida pelo consumidor final. 99
Argumentações como esta, em muito afeta a credibilidade no
comprometimento ambiental que muitas indústrias ressaltam em suas
atividades. Por outro lado, já se apontou neste trabalho, a
responsabilidade do consumidor, no entanto, não cabe apenas a estes a
obrigação pelo destino final do resíduo gerado. A indústria terá de assumir
seu papel.
Penoso é encarar o fato de que, talvez, tenha sido realmente
argumentos deploráveis como o supracitado, o maior motivador da não
aprovação da PNRS.
Mas, mesmo que o novo engavetamento do projeto de lei em
questão tenha sido um forte golpe para os que trabalharam duro para sua
aprovação, o seu texto, especificamente o princípio inovador elencado
em seu artigo nono100, que trouxe uma idéia completa no que tange à
responsabilização pelos resíduos sólidos, certamente, como já dito,
poderá ser de extrema valia para que os doutrinadores movimentem-se
no sentido de ressaltar sua importância, contribuindo, assim, para a breve
aprovação da fundamental PNRS.
Ainda cabe falar que, a Responsabilidade pós-Consumo, da forma
como é apresentada no projeto de lei da Política Nacional de Resíduos
Sólidos, anuncia um princípio a ser adotado pelo Direito Ambiental como
fundamental ao combate à poluição por resíduos sólidos. Não há como
questionar que a idéia central que ele oferece é imbuída de necessária
divisão de responsabilidades, em relação aos resíduos sólidos, em
conformidade com todo preceituado pelas peculiaridades e
imprescindibilidades do Direito Ambiental, qual seja, afirmar que os danos
99 ALVES, Francisco. Editorial. Jornal o Estado de São Paulo, 05/02/2002. Disponível em <http://www.estadao.com.br> Acesso em: 13/03/2002. 100 Sobre isto, ver p. 60
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ambientais não advêm apenas de grandes poluidores, sendo que o dano
em questão dá-se pela atividade rotineira do cidadão comum, que na
maioria das vezes não se dá conta da péssima contribuição que dá para a
piora do quadro ambiental.
O que ser pretende mostrar é que a RpC compreende um instituto
importantíssimo na esfera jurídico-ambiental e, quanto mais os estudiosos
se esforçarem para desenha-la, a fim de inserí-la no contexto atual da
responsabilidade ambiental, mais próximos estaremos de uma eficiente e
benéfica gestão de resíduos sólidos.
Portanto, o estabelecimento de tal princípio com seus
mecanismos, fortalecerão enormemente o papel do Direito Ambiental,
sendo um grande passo para sua efetivação.
A efetividade dos direitos fundamentais – de todos os direitos – depende, acima de tudo, da firme crença em sua necessidade e seu significado para a vida humana em sociedade, além de um grau mínimo de tolerância e solidariedade nas relações sociais, razão, aliás, pela qual de há muito se sustenta a existência de uma terceira dimensão (ou “geração”) de direitos fundamentais, oportunamente designada de direitos de fraternidade ou solidariedade. A preservação do meio ambiente [...] dependem de um ambiente familiar e de relações afetivas sadias e responsáveis, enfim, de muito mais do que um sistema jurídico que formalmente assegure estes valores fundamentais, assim como de Juízes e Tribunais que zelem pelo seu cumprimento.101
Por certo que, inserido há pouco tempo no contexto jurídico, o
meio ambiente necessita de atenção em inúmeras situações, e apenas
filtrando, especificando , fechando o cerco, é que se pode esperar
resultados concretos.
Neste sentido, espera-se ter sido demonstrado no presente
trabalho que o impacto produzido pelos resíduos sólidos é grave,
progressivo, de difícil e caríssima reparação e que a RpC pode criar
normas que estabeleçam comportamentos viáveis para frear a constante
degradação provocada pelo lixo.
101 SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, 2001. Disponível em: www.direitopublico.com.br. Acesso em: 1/8/2004.
73
Por fim, o estudo realizado permite-nos a arriscar uma definição,
ainda que tímida , qual seja:
Responsabilidade pós-Consumo é uma nova responsabilidade ambiental102 e deve ser estabelecida como princípio fundamental e específico do Direito Ambiental, que visa diminuir ao máximo o impacto produzido pelo lixo urbano por meio da divisão de responsabilidade desde o gerador até o consumidor final, e que vem a oferecer enorme contribuição para a incessante busca do Direito em normatizar satisfativamente e de forma justa, assunto que visa a manutenção da qualidade de vida no planeta.
Vê-se portanto que para o exercício e fruição do almejado direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado há de haver
deveres. Não se pode esperar que, perpetuando-se atitudes corriqueiras
e inconseqüentes em relação ao meio ambiente, a lei escrita possa
garantir algo.
102 Sem características comuns às responsabilidades civil, penal e administrativa do Direito Ambiental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho objetivou demonstrar a complexidade que se
cerca o Direito do Ambiente, no que se refere à sua efetividade, como
acontece com a maioria dos Direitos Fundamentais.
Objetivou, também, demonstrar que não se trata de matéria
estática, sendo que seu constante aprimoramento e desenvolvimento
doutrinário desempenham uma função primordial.
Foi necessário para tal, proceder a análise da criação e dos
princípios, que terão imprescindível importância para o desenvolvimento
do ordenamento jurídico.
Diante da análise específica da degradação ambiental provocada
pelos resíduos sólidos, procurou-se apontar a gravidade e progressão do
impacto, além de abordar a insuficiência de legislação pertinente,
ressaltando a falta advinda da inexistência de uma Política Nacional de
Resíduos Sólidos.
Diante deste complexo contexto, percebemos, sem dificuldade,
que o Direito Ambiental reluz entre outras disciplinas principalmente pelo
caráter preventivo: isto é, a prevenção é pressuposto basilar para o
alcance da manutenção do equilíbrio ecológico.
O princípio da Responsabilidade pós-Consumo reflete muito bem
o sentido de prevenção, visto que busca evitar que o lixo urbano seja
despejado, indiscriminadamente nos aterros ou lixões, impedindo destarte
a contaminação advinda do acumulo de resíduos.
Tal responsabilidade existe implícita como dever constitucional,
no momento em que o art. 225 da Carta Magna estabelece e dever do
poder público e da coletividade preservar o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações.
Embora o termo “responsabilidade” possa levar à associação com
a existente responsabilidade civil – que pressupõe poluidor, dano, terceiro
prejudicado e indenização - a Responsabilidade pós-Consumo possui
75
características próprias e diversas da civil, visto que não se pode falar em
terceiro prejudicado, tampouco em indenização. Ela integra
responsabilidades em todos os níveis de geração de resíduos – da
produção ao consumidor final - em diferentes proporções mas com igual
propósito, qual seja – reduzir o impacto provocado pela produção e má
disposição de lixo.
Existe, ainda, no princípio da Responsabilidade pós-Consumo,
fortes características do princípio do poluidor-pagador, no sentido de
obrigar os fabricantes a propiciar informações aos consumidores sobre o
que fazer com a embalagem quando do exaurimento do produto; além de
características do princípio do controle do poluidor pelo Poder Público, já
que a este caberá a fiscalização e devidos incentivos fiscais.
Enfim, o tema merece um maior aprofundamento doutrinário, já
que revela um mecanismo vital dentro do Direito Ambiental para o
controle do crescente e problemático impacto produzido pelos resíduos
sólidos.
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