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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ WOLDEMAR DEOCLECIANO MEDEIROS KLAES RESPONSABILIDADE PENAL DOS MEMBROS DA COMISSÃO DE LICITAÇÃO E DO PREGOEIRO Florianópolis (SC) 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

WOLDEMAR DEOCLECIANO MEDEIROS KLAES

RESPONSABILIDADE PENAL DOS MEMBROS DA COMISSÃO DE

LICITAÇÃO E DO PREGOEIRO

Florianópolis (SC)

2009

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WOLDEMAR DEOCLECIANO MEDEIROS KLAES

RESPONSABILIDADE PENAL DOS MEMBROS DA COMISSÃO DE

LICITAÇÃO E DO PREGOEIRO

Monografia apresentada ao Curso de Pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal com habilitação em Magistério Superior, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí.

Orientador: Prof. Msc. João Mário Martins

Florianópolis (SC)

2009

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WOLDEMAR DEOCLECIANO MEDEIROS KLAES

RESPONSABILIDADE PENAL DOS MEMBROS DA COMISSÃO DE

LICITAÇÃO E DO PREGOEIRO

Esta monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Especialista em Direito Penal e Processual Penal e aprovada pelo Centro de Ciências Jurídicas da Universidade do Vale do Itajaí, do Centro de Educação de Biguaçu.

Área de Concentração: Direito Público.

Florianópolis, 19 de outubro de 2009.

Prof. Msc. João Mário Martins

UNIVALI – CE de Biguaçu

Orientador

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Dedico esta monografia a minha mãe Laci, pelo amor incondicional que nutre por mim na senda da eternidade.

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In memorian ao meu pai Cel. Danilo Klaes que, apesar das vicissitudes naturais ao homem, testemunha o vigor de seus valores em meu ser.

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AGRADECIMENTOS

Ao Major da PMSC e Prof. João Mário Martins, meu muito estimado

orientador e incentivador, exemplo profissional e acadêmico, tendo na integridade do

caráter e humildade da alma seus traços mais marcantes.

Aos senhores Oficiais da Diretoria de Apoio Logístico e Finanças da

PMSC, pelo convívio harmônico e feliz, ambiente em que atuo profissionalmente, o

qual oportunizou vivenciar o conhecimento ora desenvolvido, com especial atenção

ao Cap PMSC Jorge da Silva Prosdócimo, pela constante sinceridade.

Aos doutos Professores e aos funcionários da Escola do Ministério

Público, pelo gratificante convívio, que muito me engrandeceu.

Ao meu amigo Defensor Público de Minas Gerais, Dr. Rodrigo

Zamprogno, pelo bom aconselhamento e amizade.

A minha família: Laci, Walter, Arthur, Marianna, Amália, Graziela,

Jaqueline, Zuleica e Osmar, todo amor e carinho lhes dou.

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RESUMO

A presente monografia foi concebida com o objetivo de delinear a responsabilidade

penal dos membros da Comissão de Licitação e do Pregoeiro, sob a égide da Lei

Federal n. 8.666/1993, e da possibilidade de co-autoria e participação nos crimes

licitatórios com outros servidores públicos e particulares com especial sujeição

jurídica com a Administração Pública (licitantes) ou não. As relações jurídicas da

Administração Pública encerram-se sob a égide do Direito Administrativo, o qual

também disciplina as relações jurídicas entre o Poder Público e os particulares,

sendo o princípio da legalidade informador de toda a atividade administrativa, tem-se

a obrigatoriedade da licitação para aquisição de bens e serviços pela Administração

Pública, consoante o interesse público. Todo o procedimento licitatório é previsto na

Lei Federal n. 8.666/1993 e na Lei Federal n. 10.520/2002. Tem-se que conduta dos

servidores públicos com desvio de finalidade e, também, de particulares, eivadas de

fraude ou outros expedientes que frustrem o caráter competitivo do processo

licitatório, ferindo os princípios da Administração Pública, reputa na prática de ilícitos

reprimíveis pelo Direito Administrativo sancionador ou pelo Direito Penal. Por

conseguinte, definido o limiar entre o ilícito administrativo e o ilícito penal, interessa

ao presente estudo o “ilícito administrativo penal”, considerado naquelas condutas

dolosas previstas nas hipóteses penais da Lei Federal n. 8.666/1993. Para tanto,

valendo-se do método dedutivo, cotejado por pesquisa doutrinária e jurisprudencial,

na compreensão de todo o processo licitatório, da formação e atribuição das

comissões de licitação e do Pregoeiro, analisando-se ainda os aspectos penais da

Lei Federal n. 8.666/1993, com discernimento doutrinário sobre a classificação dos

crimes e os institutos da co-autoria e participação, procedeu-se ao estudo dos

crimes licitatórios. Ainda, verifica-se a aplicação subsidiária e suplementar do Código

Penal, com revogação tácita dos tipos penais definidos na lei licitatória, e na

aplicação suplementar do Código de Processo Penal, uma vez que a lei licitatória

também traz regras processuais específicas, as quais afastam a aplicabilidade da

Lei Federal n. 9.099/1995.

Palavras-chave: Licitação, Comissão de Licitação e Pregoeiro, Administração

Pública, Responsabilidade Penal, Co-autoria, e Participação.

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ABSTRACT

The present monograph was conceived with the objective to delineate the criminal

liability of the members of the Commission of Licitation and the Proclamer, under

discipline of Federal Law N. 8.666/1993, and the possibility of co-authorship and

participation in the licitatory crimes with other public agent and person with special

legal subjection with the Public Administration (bidders) or not. The legal

relationships of the Public Administration are locked under the Administrative law, it

also disciplines the legal relationships between the Public Power and the particular

ones, the legality as being the informative principles of administrative activity,

compelling the licitation act for acquisition of goods and services for the Public

Administration, consonant the public interest. All the licitatory procedure is foreseen

in Federal Law N. 8.666/1993 and in Federal Law N. 10.520/2002. In case, the public

servers that proceeding with finality shunting line and, also the particular one,

contaminated of fraud or other expedients that frustrate the competitive character of

the licitatory process, wounding the principles of the Public Administration, it reputes

in the practical of illicit to be restrain with the Administrative law or the Criminal law.

Therefore, defined illicit threshold between the administrative offense and the

criminal one, the object of study is the “criminal and administrative offense”,

considered in those foreseen fraudulent behaviors in the criminal hypotheses of

Federal Law N. 8.666/1993. Using the deductive method, with doctrine and

jurisprudency research, in the understanding of all the licitatory process and the

formation and attribution of the commissions of licitation and the Proclamer, still

analyzing the criminal aspects of Federal Law N. 8.666/1993, with doctrinal

discernment on the classification of the crimes and institutes of co-authorship and

participation, it was proceeded the study of licitatory crimes. Still, verified the

subsidiary and suplemental application of the Criminal Code, and tacit revocation at

those defined criminal types by the new licitatory law discipline, and the suplemental

application of the Code of criminal procedure, a time that the licitatory law also brings

specific procedural rules, which moves away the applicability of the Federal Law N.

9.099/1993.

Word-key: Licitation, Commission of Licitation and Proclamer, Public Administration,

Criminal liability, Co-authorship, and Participation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................01

1 LICITAÇÃO.............................................................................................................05

1.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E LICITAÇÃO........................................................05

1.2 CONCEITOS SOBRE LICITAÇÃO E SUAS MODALIDADES.............................10

1.3 COMISSÃO DE LICITAÇÃO E PREGOEIRO......................................................15

2 ILÍCITO PENAL E ASPECTOS DOUTRINÁRIOS DA LEI FEDERAL N.

8.666/1993..................................................................................................................22

2.1 ILÍCITO ADMINISTRATIVO E ILÍCITO PENAL....................................................22

2.1 ASPECTOS PENAIS DA LEI FEDERAL N. 8.666/1993......................................29

2.2.1 Aspectos penais introdutórios...........................................................................29

2.2.2 Da co-autoria e participação..............................................................................35

2.2.3 Classificação doutrinária necessária ao estudo dos tipos penais da Lei Federal

n. 8.666/1993..............................................................................................................38

3. DOS CRIMES DA LEI FEDERAL N. 8.666/1993..................................................43

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS...............................................................................43

3.2 DOS CRIMES EM ESPÉCIE................................................................................44

4 ASPECTOS PROCESSUAIS E JURISPRUDENCIAIS..........................................67

4.1 ASPECTOS PROCESSUAIS DA LEI FEDERAL N. 8.666/1993.........................67

4.2 PESQUISA JURISPRUDENCIAL.........................................................................70

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................83

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................90

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1

INTRODUÇÃO

A presente monografia tem por objetivo delinear a responsabilidade

penal dos membros da Comissão de Licitação e do Pregoeiro frente a seus atos

como servidores públicos, na disciplina penal da Lei Federal n. 8.666/1993,

conhecida como a Lei federal das Licitações e Contratos Administrativos, assim

como verificar a possibilidade de co-autoria e participação com particulares com

especial sujeição jurídica ou não com a Administração Pública.

O tema escolhido tem relevância na atividade da Administração

Pública, eis que o processo licitatório é o meio legal que a oportuniza adquirir bens e

serviços, por vezes com valores de grande monta, na medida em que o gasto

público representa considerável parcela da economia interna no país, pode

influenciar e propiciar comportamentos ilícitos aos servidores públicos envolvidos no

processo licitatório; assim como, aos licitantes, contratados e terceiros envolvidos

diretamente ou não no processo, os quais vislumbram vantagens indevidas à custa

do erário.

A Administração Pública assim entendida como todo o aparelhamento

do Estado preordenado a realização de serviços, visando à satisfação das

necessidades coletivas, quer seja, a promoção do bem comum, para tanto,

necessita de recursos materiais (bens e serviços) na realização de suas atividades.

Destarte, toda a atividade administrativa, aquela concernente a

execução concreta pelo Estado de suas tarefas consideradas de interesse público,

bem como sua estrutura organizacional e funcional é disciplinada pelo Direito

Administrativo, o qual também rege as suas relações com os particulares.

Os princípios básicos da Administração Pública têm disciplina

constitucional, ex vi do caput do art. 37 da Constituição Federal, bem como

doutrinária, sendo o destaque ao princípio da legalidade, o qual norteia toda a

atividade administrativa, e dá azo aos princípios da indisponibilidade do interesse

público e da supremacia do interesse público sobre o particular.

Nesta senda, quando a Administração Pública necessitar contratar

obras, serviços, compras e alienações, na inteligência do inciso XXI, do art. 37 da

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Constituição Federal, devem ser precedidas por licitação pública, que garanta

igualdade de condições para todos os concorrentes e selecione a proposta mais

vantajosa ao interesse público.

Todo o procedimento licitatório é regulado pela Lei Federal n.

8.666/1993, sendo esta de caráter “geral”, tendo aplicabilidade em todas as esferas

de governo e para todos os entes da administração direta e indireta da União,

estados-membros e municípios, os quais apenas podem suplementá-la frente a suas

necessidades específicas. Ainda, esta Lei regula o processo administrativo

decorrente das relações jurídicas estabelecidas com os particulares, tipifica as

condutas consideradas crimes licitatórios e estabelece regras processuais penais

específicas.

A Lei Federal n. 8.666/1993 estipulou as modalidades de licitação –

convite, tomada de preço, concorrência, concurso e leilão - estas não apenas

atreladas ao objeto pretendido, mas ao possível valor a ser contratado, fazendo a

ressalva aos casos em que seja dispensável ou inexigível.

Entretanto, com o advento da Lei Federal n. 10.520/2002, criou-se uma

nova modalidade de licitação denominada “pregão”, sendo empregada na aquisição

de bens e serviços comuns ao mercado, protagonizando um processo mais célere

em atenção ao princípio da eficiência na Administração Pública, eis que invertidas

foram as fases, no caso, primeiro verifica-se o valor econômico da proposta, depois

se habilita os proponentes. Por conseguinte, aplica-se ao Pregão a disciplina da Lei

Federal n. 8.666/1993, inclusive quanto à responsabilidade administrativa e penal.

Para ser levado a efeito o procedimento licitatório, a Lei exige a criação

das comissões de licitação, compostas por pessoas integrantes ou não dos quadros

da Administração Pública, mas com esse fim especial, sendo todas consideradas

servidores públicos para os efeitos penais, ex vi do art. 84, parágrafo segundo,

coexistindo também a figura do pregoeiro, servidor público responsável por

desenvolver o procedimento do pregão.

Como toda conduta humana é dirigida a um fim, as condutas dos

servidores público e particulares tidos como ilícitas, que afrontem os princípios da

Administração Pública, dentro do processo licitatório ou durante a execução do

contrato adjacente, podem, pois, configurar infração administrativa ou infração penal.

Os crimes licitatórios estão previamente definidos nas suas hipótese e

penas na Lei Federal n. 8.666/1993 (arts. 89 usque 98), em atenção ao princípio da

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reserva legal e da máxima taxatividade; e, em se tratando de infrações

administrativas decorrentes no procedimento licitatório, a hipótese genérica e a

sanção são definidas na Lei ou em regulamentos, e aplicável com grau de

discricionariedade desposado pelos atos administrativos.

Ressalva-se que a diferença entre o ilícito administrativo e o penal é

em sua substância, eis que este, em sendo mais grave que aquele, reprime-se com

o direito penal e aquele com direito administrativo.

Em que pese que o direito administrativo possua caráter sancionar,

forjado no bojo de seu regime jurídico, suas regras são aplicáveis aos agentes

públicos e as pessoas abarcadas por uma especial relação de sujeição com a

Administração Pública, donde uma conduta ilícita praticada na seara da

administração pública pode criar relações jurídicas de sujeição também na esfera do

Direito Penal, conhecido como um ilícito administrativo penal.

Assim sendo, o servidor público, em relação aos seus atos, subsiste a

responsabilidade civil, penal e administrativa, cada uma com seus institutos

específicos, mas com princípios convergentes, de caráter constitucional, na seara da

dignidade da pessoa humana.

Conquanto que a Lei federal das Licitações e Contratos Administrativos

é uma lei geral, mas contendo normas penais e processuais penais, com a

incidência do princípio da especialidade, resta, pois, a aplicação do Codex Penal e

Processual de forma subsidiária, valendo-se integralmente de suas normas de

caráter geral.

Por conseguinte, a aplicação integral da parte geral do Código Penal,

leva ao estudo da classificação doutrinária de cada delito licitatório, e a

compreensão dos elementos normativos e subjetivos de cada tipo penal.

Como visto, os atos administrativos nos processo licitatórios são

regulados pela Lei Federal n. 8.666/1993 e Decreto Federal n. 10.520/2002,

importam em responsabilização penal, quando praticados com desvio de finalidade,

fraude e outras ações que frustrem a lisura do processo licitatório, podendo haver

co-autoria e participação entre estes servidores públicos e terceiros com especial

sujeição jurídica com a administração pública – licitantes e contratados -, ou não.

Ex positis, o presente trabalho foi dividido em quatro capítulos para

melhor compreensão de toda a temática.

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No Capítulo 1 (LICITAÇÃO), tratar-se-á da licitação em seus aspectos

doutrinários, o que percorre do estudo da Administração Pública, passando ao

conceito de licitação e a compreensão de suas modalidades, assim como a dispensa

e inexigibilidade de procedimento licitatório, e o pregão. Concluindo, pois, com o

estudo específico sobre as Comissões de Licitação, sua formação e atribuições

legais, bem como as do Pregoeiro.

No Capítulo 2 (ILÍCITO PENAL E ASPECTOS DOUTRINÁRIOS DA LEI

FEDERAL N. 8.666/1993) remete-se a compreensão doutrinária sobre ilícito

administrativo e ilícito penal, fixando-se o limiar existem entre ambos. Passa-se,

então, ao estudo dos aspectos penais introdutórios da Lei Federal n. 8.666/1993,

finalizando-se com o entendimento dos institutos penais da co-autoria e participação

e da classificação doutrinária dos delitos, necessárias ao próximo capítulo.

No Capítulo 3 (DOS CRIMES DA LEI FEDERAL N. 8.666/1993), este é

inteiramente dedicado ao estudo doutrinário dos tipos penais da Lei, através de sua

classificação jurídica e compreensão dos elementos normativos e subjetivos do tipo,

bem como se define a responsabilidade penal dos membros da Comissão de

Licitação e do Pregoeiro, visualizando-se a possibilidade de co-autoria entre estes e

particulares com especial sujeição jurídica com a Administração Pública ou não, com

atenção ao princípio da especialidade que nas hipóteses desta Lei acabaram por

revogar tacitamente dispositivos do Codex penal e a aplicabilidade de legislação

penal extravagante.

No Capítulo 4 (ASPECTOS PROCESSUAIS E JURISPRUDENCIAIS),

finalizando o presente trabalho, tem-se o estudo dos aspectos processuais da Lei

Federal n. 8.666/1993 e a pesquisa jurisprudencial com o fito de correlacionar todo o

conhecimento trazido a baila com o as decisões dos tribunais sobre a matéria do

estudo.

O método de estudo utilizado é o dedutivo, partindo-se de uma

hipótese provável, quer seja, a possível responsabilização penal dos membros da

Comissão de Licitação e do Pregoeiro e da possibilidade de co-autoria e

participação nos crimes licitatórios.

Por derradeiro, a técnica de pesquisa escolhida é o estudo doutrinário

e jurisprudencial, com a análise dos tipos penais constantes da Lei Federal n.

8.666/1993, bem como os pertinentes constantes no Código Penal, finalizando com

a conformação e delineamento da pesquisa aos objetivos pré-estabelecidos.

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5

1 LICITAÇÃO

1.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E LICITAÇÃO

O ponto de partida do presente trabalho, esteio do estudo, é a

Administração Pública, conceituada de forma ampla, na definição de Norberto

Bobbio1, como sendo:

Em seu sentido mais abrangente, a expressão Administração pública designa o conjunto das atividades diretamente destinadas à execução concreta das tarefas ou incumbências consideradas de interesse público ou comum, numa coletividade ou numa organização estatal.

Para Marcelo Alexandrino2, a Administração Pública pode ser

visualizada em sentido amplo ou estrito, a saber:

No seu sentido amplo, a expressão abrange tanto os órgãos governamentais (Governo), aos quais cabe traçar os planos e diretrizes de ação, quanto os órgãos administrativos, subordinados, de execução (Administração Publica em sentido estrito), aos quais incumbe executar os planos governamentais. A Administração Pública em sentido amplo, portanto, compreende tanto a função política, que estabelece as diretrizes governamentais, quanto a função administrativa, que as executa. O conceito Administração Pública em sentido estrito não alcança a função política de Governo, de fixação de planos e diretrizes governamentais, mas tão-somente a função propriamente administrativa, de execução de atividades administrativas. (grifo do autor)

Assim sendo, as competências do Estado, delineadas no texto da

Constituição Federal, são tradicionalmente classificadas em competências

administrativas, competências legislativas e competências tributárias, abarcando as

três esferas do poder estatal - Executivo, Legislativo e Judiciário -, interessando-nos

especificamente o campo de atuação político-administrativo, válidas para os entes

Federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Destarte, coexiste nas três esferas de poder e, conforme o caso, em

todos os entes federados, quer seja como atividade primária, Poder Executivo, ou

1 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicolas; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política.. 11. ed. Brasília: UNB, 1998. v. 2. p. 10. 2 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo. 9. ed. Niterói: Impetus, 2005. p. 15.

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como atividade secundária, no Poder Legislativo e Poder Judiciário, a atividade

administrativa, na execução efetiva de suas tarefas e atribuições consignadas pela

Constituição Federal.

A atividade administrativa, na esfera do Poder Executivo,

materialmente concebida, é desempenhada diretamente por seus órgãos,

denominada Administração Pública direta; ou, indiretamente, denominada

Administração Pública indireta, desempenhada por pessoas jurídicas com

personalidade própria, de direito interno público ou privado, com sujeição ao regime

jurídico-administrativo, como as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de

economia mista e as fundações públicas.

A Administração Pública possui uma disciplina jurídica autônoma, quer

seja, corresponde a um conjunto sistematizado de princípios e regras que lhe dão

identidade, disciplinando toda a atividade administrativa, diferenciando-se dos

demais ramos do Direito, os quais guardam um relação lógica de coerência e

unidade, compondo um sistema ou regime: o regime jurídico-administrativo.

Juridicamente, protegendo os interesses da sociedade, ramo do Direito

Público interno, temos no Direito Administrativo, com reflexos sobre os demais

ramos do direito interno público ou privado, peculiarmente, a consagração de dois

princípios: o da supremacia do interesse público sobre o privado e o da

indisponibilidade do interesse públicos pela Administração.

Diógenes Gasparini3 sobre o princípio da supremacia do interesse

público sustenta que no embate entre o interesse público e o particular deve

prevalecer o interesse público, sendo tal o grande princípio informativo do Direito

Público, adjetivando que a Administração Pública deve respeitar o direito adquirido,

a coisa julgada e ao ato jurídico perfeito, ex vi do art. 5º, inciso XXXIV da

Constituição Federal.

Sobre o princípio da indisponibilidade do interesse público, Marçal

Justen Filho4 comenta que a indisponibilidade indica a impossibilidade de sacrifício

ou transigência quanto ao interesse público pelo agente público, pois é decorrência

de sua supremacia frente ao privado, tornando-se-lhe subserviente a tal interesse,

pois tal é indisponível.

3 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 20. 4 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 36.

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Nesta seara, Bandeira de Mello5 pontifica que:

Todo o sistema de direito administrativo, a nosso ver, se constrói sobre os mencionados princípios da supremacia do interesse público sobre o particular e indisponibilidade do interesse público pela administração.

Por conseguinte, Helly Lopes Meirelles6, referente aos princípios

básicos da Administração Pública, os quais constituem os fundamentos da atividade

administrativa, ensina:

Os princípios básicos da administração pública estão consubstanciados em doze regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador: legalidade, moralidade, impessoalidade ou finalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, motivação e supremacia do interesse público. (grifo do autor)

A Constituição Federal, em seu art. 37, caput, expressamente explicita

cinco dos princípios da Administração Pública, os quais revestem os consagrados

princípios da supremacia do interesse público e o da indisponibilidade do interesse

público, in verbis:

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]

Dos princípios constitucionais acima elencados, o que mais tem relevo

ao presente estudo é o princípio da legalidade, que nas palavras de Bandeira de

Mello é o princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo,

concernente ao constitucional Estado Democrático de Direito.

Assim sendo, lato sensu, o princípio da legalidade, tal qual o

disciplinado pelo art. 5º, inciso II da Constituição Federal, proclama a sociedade

como um todo que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei"; conquanto que, esta é oriunda da produção legislativa,

donde os decretos e demais normas administrativas tem naquela o seu fundamento

de validade. E, stricto sensu, o princípio da legalidade no Brasil, significa que a

5 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 56, 10.12.2007. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 46. 6 MEIRELLES, Helly Lopes. Direito administrativo brasileiro. 31. ed. (até E.C. 48, de 10.8.2005). São Paulo: Malheiros, 2005. p. 87.

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Administração Pública nada pode fazer senão o que a lei determina, restando ao

administrador público prover os interesses caracterizados em lei, segundo os meios

e formas por ela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições7.

Ainda, Helly Lopes Meirelles8, sobre o princípio da legalidade, aduz:

A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e à exigências do bem comum, e dele não pode se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. (grifo do autor)

Na seara da legalidade administrativa, no que tange as obras públicas

e aquisição de bens e serviços pela administração pública em geral, bem como

alienações, exige-se o processo de licitação pública, conforme o disciplinado no art.

37, inciso XXI da Constituição Federal, in verbis:

Art. 37, inciso XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Marcelo Alexandrino9 comenta sobre a exigência legal de licitação

prévia à celebração de contratos pela Administração Pública:

A exigência de licitação prévia à celebração de contratos pela Administração Pública é decorrência direta do princípio da indisponibilidade do interesse público. Com a Administração não tem disposição da coisa pública, é necessário que, para contratar, seja dada a todos quanto possam desejar com ela realizar negócios, a oportunidade de, em condições de isonomia e objetividade, oferecerem propostas, assim como é necessário que a Administração, segundo critérios objetivos e de forma transparente, selecione a proposta mais vantajosa, sujeitando-se aos mais amplos controles, não só pelos órgãos que possuem específicas atribuições dessa natureza, mas também controle direto pelo povo em geral, único titular da coisa pública.

A lei geral de Licitações e Contratos Administrativos, quer seja, a Lei

Federal n. 8.666/1993, que é uma lei de normas gerais, e aplicável a todos os entes

7MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 88 a 93. 8MEIRELLES, Helly Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 87 a 88. 9ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado. 2. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2008. p. 375.

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da Federação, em seu art. 2º, caput, reprisa a regra constitucional de que a licitação

é obrigatória para "obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações,

concessões e permissões e locações da Administração Pública, quando contratado

com terceiros”.

Marçal Justen Filho10 propõem das normas gerias sobre licitações, que:

A Lei n. 8.666/93 veicula as “norma gerais” sobre licitações, filiando-se diretamente ao previsto no art. 22, XXVII, da Constituição. O disposto reserva à União a competência privativa para editar normas gerais sobre licitação e contratação administrativa em todas as suas modalidades. (grifo do autor)

No mesmo sentido, Helly Lopes Meirelles11 explica que:

Por normas gerais devem ser entendidas todas as disposições da lei aplicáveis indistintamente às licitações e contratos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e Territórios, bem como os seus desmembramentos autárquicos e paraestatais.

Ademais, no art. 1º, parágrafo único, da Lei Federal n. 8.666/1993,

disciplina que a mesma aplica-se a todos os órgãos e entidades da Administração

Pública, a saber:

Art. 1º, Parágrafo único - Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Contudo, com a Emenda Constitucional n. 19/1998, o texto

constitucional do art. 173, § 1º, passou a prever a edição de um "estatuto das

empresas pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que

explorem atividade econômica”.

Porquanto, visto da obrigatoriedade da Administração Pública

promover a licitação pública aos fins legais ora vistos, faz-se necessário conceituá-

la, bem como discorrer sobre suas modalidades; e, também, o pregão, modalidade

de licitação criada pela Lei Federal n. 10.520/2002.

10 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 292. 11 MEIRELLES, Helly Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 270.

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1.2 CONCEITOS SOBRE LICITAÇÃO E SUAS MODALIDADES

Nas criteriosas palavras do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello12,

o qual conceitua licitação como sendo, a ver:

Licitação - em suma síntese - é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir.

Em tom mais simples, o referido mestre explica o conceito alhures13:

Pode-se conceituar licitação da seguinte maneira: é o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviços ou de uso exclusivo de bens públicos, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados.

A obrigação de procedimento licitatório pelas entidades

governamentais, como dito, encontra disciplina constitucional ex vi do art. 37, inciso

XXI da Constituição Federal, decorrente do princípio da legalidade, sendo pois, tal

matéria disposta na Lei Federal n. 8.666/1993, e suas alterações, conhecida como

Lei federal das Licitações e Contratos Administrativos.

Destaca-se que ao Constituição Federal utilizou-se do ter “processo”

conglobando seus aspectos objetivos e subjetivos, mutatis mutandis escoimado na

idéia protagonizada por Fernando Capez14 em matéria processual penal, de que na

verdade é um instrumento de atuação da Administração Pública para que, através

do certame, entendido objetivamente como o “procedimento licitatório”, obtenha-se a

contratação mais vantajosa ao atendimento do interesse público; e, subjetivamente,

como a especial relação jurídica existente entre o Poder Público e o particular,

adstrito aos fins licitatórios e sob a égide da Lei.

12 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 492. 13 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 494. 14 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 13.

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No cerne do entendimento de que licitação consubstancia-se em um

procedimento à luz da teoria geral do Direito, colhe-se de Marçal Justen Filho15 que:

Antes de tudo, a licitação é um procedimento, utilizada a expressão para indicar um conceito jurídico perfeitamente delineado pela teoria geral do direito. A expressão procedimento indica a hipótese em que a produção de uma decisão jurídica (pública ou privada) depende da observância de uma sucessão pré-determinada de atos, logicamente estruturada pela lei, em que o início de uma etapa depende da exaustão da etapa anterior e em que a validade dos atos posteriores depende da sua compatibilidade com os pretéritos. O procedimento configura uma espécie de fragmentação da competência decisória, de modo a assegurar a dissociação em momentos diversos do exame dos diferentes aspectos de uma questão controvertida. Também é da essência do procedimento a coerência interna entre as diversas etapas, o que é assegurado pelos princípios da preclusão e da compatibilidade.

A licitação é “gênero” onde temos as suas espécies previstas no art. 22

da Lei Federal n. 8.666/1993, definindo e conceituando os tipos, a saber:

Art. 22. São modalidades de licitação: I – concorrência; II - tomada de preços; III - convite; IV - concurso; V - leilão. § 1o Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto. § 2o Tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação. § 3o Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas. § 4o Concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a

15 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 193 - 194.

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instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias. § 5o Leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis prevista no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação.

Por conseguinte, o art. 23 da Lei federal de Licitações e Contratos

Administrativos, prevê as modalidades de licitação, as quais, além de atrelarem-se

ao objeto pretendido, vinculam-se ao valor possível a ser contratado pela

administração pública, vejamos:

Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação: I - para obras e serviços de engenharia: a) convite - até R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais); b) tomada de preços - até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais); c) concorrência: acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais); II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior: a) convite - até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); b) tomada de preços - até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais); c) concorrência - acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais).

No parágrafo terceiro do artigo acima citado, define especificamente

que a concorrência é a modalidade de licitação cabível, qualquer que seja o valor de

seu objeto, tanto na compra ou alienação de bens, como nas concessões de direito

real de uso e nas licitações internacionais, e, conforme o caso, podendo-se ainda

valer-se da modalidade de tomada de preços.

Observando-se a Lei federal de Licitações e Contratos Administrativos,

temos taxativamente, ex vi do §8°, do seu art. 22, que “é vedada a criação de outras

modalidades de licitação ou a combinação das referidas neste artigo”. Porém, com o

advento da Lei Federal n. 10520/2002, criou-se a modalidade licitatória denominada

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“Pregão”, gerando discussão doutrinária a cerca do tema em virtude da aludida

proibição, tal diploma legal permanece em vigor.

Celso Antônio Bandeira de Mello16, tratando da modalidade de licitação

denominada Pregão, aduz:

O “pregão” que nascera inconstitucional, mas que em decorrência da Lei 10.520, de 17.7.2002, fora convalidado, pois nada se opõe a que ela seja considerada “norma geral”, pode ser entendido como a modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns qualquer que seja o valor estimado da contratação, em que a disputa pelo fornecimento é feita por meio de propostas e lances em sessão pública. (grifo do autor)

A legislação aplicável ao pregão é a Lei Federal n. 10.520/2002,

comumente chamada de Lei federal dos Pregões, a qual é regulamentada, no que

não for contrário, pelos Decretos Federais n.s 3.555/2000 e 5.450/2005.

Coexistem dois tipos de pregão: o pregão presencial, que é definido no

art. 2° do Decreto Federal n. 3.555/2000, como a “modalidade de licitação em que a

disputa pelo fornecimento de bens e serviços comuns é feita em sessão pública, por

meio de propostas de preços escritas e lances verbais”; e, o pregão eletrônico,

regulamentado pelo Decreto Federal n. 5.450/2005, como sendo aquele pregão

realizado por meio de dos recursos de tecnologia da informação para aquisição de

bens comuns.

Diógenes Gasparini17 sobre o Pregão comenta que:

A par disso, diga-se que a lei federal n. 8.666/93, chamada de Lei Geral das Licitações e Contratos da Administração Pública aplica-se subsidiariamente a essa modalidade de licitação, consoante o que prescreve o art. 9º da Lei federal n. 10.520/2002. (...) Não há dúvida que a lei instituidora do pregão se aplica aos Estados, Distrito Federal e Municípios e entidades que integram suas respectivas esferas administrativas, pois assim determina a ementa desse diploma legal, e se isso não bastasse, diga-se que o inciso I do art. 4°, o art. 7° e o art. 11 desta lei confirmam a inteligência.

Ocorre também o fenômeno da dispensa e inexibilidade do processo

licitatório, sendo os casos previstos na Lei Federal n. 8.666/1993, nos arts. 24 e 25,

onde não se realiza o aludido processo licitatório para a contratação, havendo

16 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 552. 17 GASPARNI, Diógenes. Direito administrativo. p. 576.

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conforme o caso, um procedimento interno, denominado contratação direta. Sobre

este ponto, Marçal Justen Filho18 comenta:

Sob o ponto de vista lógico, a Lei deveria ter tratado da inexibilidade antes da dispensa de licitação. É que a inexibilidade é conceito que, sob ângulo teórico, antecede ao de dispensa. Porém, pode-se afirmar que a dispensa pressupõe uma licitação “exigível”. É inexigível a licitação quando a disputa for inviável. Havendo viabilidade de disputa é obrigatória a licitação, excetuado os casos de “dispensa” impostas por Lei. Em termos práticos, isso significa que a administração deve verificar, primeiramente, se a licitação é exigível ou inexigível. Excluída a inexigibilidade, passasse a verificar se estão presentes os pressupostos da dispensa da licitação. Sob este ângulo, a inexigibilidade deriva da natureza das coisas, enquanto a dispensa é produto da vontade legislativa. Esse é o motivo pelo qual as hipóteses de inexigibilidade, indicadas em lei são meramente exemplificativas, enquanto as de dispensa são exaustivas. É que somente a dispensa de licitação é criada por lei – logo, a ausência de previsão legislativa impede reconhecimento de dispensa de licitação.

A licitação como sendo um procedimento administrativo, compreende

uma série de atividades internas e externas em que a Administração Pública busca a

escolha da melhor proposta, pelo critério de menor preço, melhor técnica, a de

técnica e preço, ou maior lance, ex vi do art. 45 da Lei federal de Licitações e

Contratos Administrativos, para firmar o contrato administrativo adjacente, alienar

bens ou concessão de direito real de uso ou contratar a pessoa licitante.

Assim sendo, sobre as fases da licitação, Diógenes Gasparni19

esclarece que:

Para nós o procedimento licitatório tem, efetivamente, essas duas partes. A interna é destinada a firmar intenção da entidade licitante e a obter certas informações necessárias à consolidação da licitação. Nessa parte, abre-se o processo de licitação, determina-se o seu objeto, estabelecem-se as suas condições, estima-se a eventual despesa e decide-se pela modalidade adequada, verifica-se a existência de recursos orçamentários, estima-se o impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor, bem como nos dois subseqüentes, e obtém a declaração do ordenador de despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. Após, obtém a autorização de abertura e a aprovação do instrumento convocatório, ou seja, do edital ou da carta-convite. É preparatória da segunda parte, ou da licitação propriamente dita. Esta se destina a selecionar a melhor proposta à celebração do ato ou contrato desejado pela Administração Pública. É especialmente na concorrência, dividida nas seguintes fases: a) abertura; b) habilitação; c) classificação; d) julgamento. Observe-se que uma ou outra dessas fases não existe em todas as modalidades de licitação. No convite ou no leilão não há fase de

18 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentário a lei de licitações e contratos administrativos. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2002. p. 235. 19 GASPARNI, Diógenes. Direito administrativo. p. 594 a 595.

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habilitação e, se exigia no leilão, é muito simples. Ademais, nem sempre acontecem nessa ordem, pois na tomada de preços a habilitação é prévia. (grifo do autor)

De forma sintética, sobre as fases externas da licitação, Celso Antônio

Bandeira de Mello20 discorre:

Ante o exposto, e considerando-se a licitação desde o ato de abertura até o encerramento, pode-se decompô-la nas seguintes fases, explicada sinteticamente: a) edital – ato pelo qual são convocados os interessados e estabelecidas as condições que irão reger o certame; b) habilitação – ato pelo qual são admitidos os proponentes aptos; c) julgamento com a classificação – ato pelo qual são ordenadas as propostas admitidas; d) homologação – ato pelo qual se examina a regularidade do desenvolvimento do procedimento anterior; e) adjudicação – ato pelo qual é selecionado o proponente que haja apresentado a proposta havida como satisfatória.

Porquanto, a fase interna da licitação é determinada pela maior

autoridade administrativa da entidade, em sintonia com as necessidades da

administração pública, através do órgão responsável pelas licitações, as quais levam

a feito todo o processo administrativo por conta do procedimento licitatório;

executado, pois, em sua fase externa, por sua Comissão de Licitação e pelo

Pregoeiro, a seguir definidos.

1.3 COMISSÃO DE LICITAÇÃO E PREGOEIRO

Antecedendo a fase externa da licitação, em regra, estão à criação pela

Administração Pública, dentro de sua estrutura administrativa, a Comissão de

Licitação e a escolha do Pregoeiro, os quais levaram a feito os atos administrativos

dentro do procedimento licitatório.

20 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 568.

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A legislação de regência não determina expressamente em que

momento deve-se compor a Comissão de Licitação, podendo iniciar a fase externa

da licitação sem sua formação, conquanto que seja formada até a data prevista para

a apresentação das propostas.

Caso não seja formada a Comissão de Licitação em tempo hábil, resta-

se todo o procedimento licitatório eivado de vício insanável, passível de nulidade,

pois afronta o princípio da isonomia e da moralidade administrativa.

Sobre a criação das comissões de licitação, Diógenes Gasparini21

discorre:

O Estatuto federal das Licitações e Contratos Administrativos não criou qualquer das comissões que menciona. Apenas prescreveu sua obrigatoriedade em certas circunstâncias, traçou os parâmetros que devem ser seguidos pela Administração Pública por ocasião de sua instituição e sinalizou a disciplina de seu funcionamento. Assim, a criação e o estabelecimento do modus operandi competem a cada entidade (União, Estado-membro, Distrito Federal, Município) que deve utilizar-se desses colegiados. É certo que na instituição e na regulamentação de seu funcionamento cada uma dessas entidades age com liberdade, observando somente os parâmetros que constituem normas gerais dessa lei, salvo em relação à União que deve atender, por inteiro, ao Estatuto federal Licitatório. [...] As comissões de licitação, quando permanentes, devem ser criadas por Lei. Essa Lei, além da instituição desse órgão público, disporá sobre outros aspectos desses colegiados, a exemplo de usa vinculação a dado órgão, de sua competência e nomeação de seus membros. [...] Quando as leis de organização administrativa ou de criação de entidades da Administração Pública Indireta nada prescrevem quanto a criação de comissão de licitação, permanente ou especial, ou sobre instituição dos demais colegiados mencionados na Lei federal de Licitações e Contratos Administrativos, a criação e regulamentação de seu funcionamento cabem à entidade que deles tem necessidade e, dentro dessa, à autoridade de maior hierarquia: (...) [...] O ato de criação desse colegiado, quando não for instituído por Lei, pode ser veiculado por decreto, resolução, portaria ou ato de mesa, da presidência, da superintendência ou da diretoria, conforme seja a natureza (Estado-membro, Assembléia Legislativa, Câmara de Vereadores, sociedade de economia mista, empresa pública, autarquia) da entidade que deve praticá-lo. (grifo do autor)

A Comissão de Licitação é formada ao menos por três membros, sendo

ao menos dois deles servidores qualificados pertencentes aos quadros permanentes

da Administração Pública, ex vi do art. 51, caput, da Lei Federal n. 8.666/1993.

A legislação prevê que os atos administrativos dentro do procedimento

licitatório, em todas as suas fases, serão presididos pela Comissão de Licitação; 21 GASPARINI, Diógenes. Comissões de licitação. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DNJ, 2002. p. 9 - 11.

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porém, no caso de convite, a comissão de licitação, excepcionalmente nas

pequenas unidades administrativas, em face da exigüidade de pessoal disponível,

poderá ser substituída por servidores formalmente designados pela autoridade

competente22.

Como visto, a legislação define o número mínimo de membros da

Comissão de Licitação, sem definir o número máximo de componentes, fazendo a

ressalva legal de que ao menos dois sejam integrantes da estrutura da

Administração Pública.

Em casos excepcionais, pode a administração pública nomear terceiro

estranho ao quadro funcional, por ter conhecimento técnico-científico ou cultural

imprescindível à composição da Comissão de Licitação, o qual exercerá múnus

público em suas atividades, respondendo administrativamente e penalmente pelos

seus atos, quer solidariamente com os demais membros, quer individualmente, com

status de servidor público.

As Comissões de Licitação são nomeadas pela autoridade competente

da entidade e se dividem em função de suas peculiaridades, em comissões

permanentes e comissões especiais, como explica Marçal Justem Filho23:

A autoridade competente para representar a entidade deverá nomear a comissão de licitação, definindo-lhe as atribuições. Em princípio trata-se de atividade discricionária. Poderá estabelecer uma pluralidade de comissões de licitação, com atribuições distintas e diversas segundo os critérios que melhor aprouverem à Administração. Assim, podem existir comissões distintas para concorrências, para tomadas de preço e para convites. As licitações que versem sobre prestação de serviço podem ser diversas daquelas que julguem compras etc. Poderá ser reduzida a discricionariedade se a entidade for dotada de regulamento específico, que discipline a formação das comissões de licitação.

A legislação prevê que a investidura do servidor público nas comissões

de licitação é de um ano, mantendo-se válidos todos os atos praticados até então,

inclusive quando decorrido tal prazo e permanecendo aquele em atividade. Por

certo, que terminado o aludido prazo, o servidor público deve cessar suas atividades

como integrante da Comissão de Licitação, o que importa apenas em

responsabilização administrativa.

22 Lei Federal n. 8.666/1993. art. 51, §1º. 23JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. p. 450.

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A recondução dos membros da Comissão de Licitação é permitida por

Lei, sendo que se interpretando o dispositivo legal24, conclui-se de que a vedação

incide sobre a recondução de todos os membros e não de parte deles.

Conforme o parágrafo terceiro, do art. 51 da Lei Federal n. 8.666/1993,

no tocante a responsabilidade, esta é solidária a todos os membros da Comissão de

Licitação, por ser um órgão colegiado e deliberarem em conjunto, em sintonia com o

interesse público; porquanto, em havendo discordância registrada em ata na reunião

em que tiver sido tomada a decisão, afasta-se a responsabilidade solidária daquele

discordante.

Quanto à temática da responsabilidade solidária entre os membros da

Comissão de Licitação, Marçal Justem Filho25 afirma:

A responsabilidade solidária dos membros da comissão independe de culpa O sujeito apenas pode ser responsabilizado na medida em que tenha atuado pessoal e culposamente para concretização do ato danoso ou desde que tenha omitido (ainda que culposamente) os atos necessários a evitá-los. (...) Ao eliminar a responsabilidade solidária do integrante da Comissão em virtude da ressalva expressa, a Lei pretende que sejam tornados públicos os vícios ocorridos. (...) A Lei determina que a discordância conste em ata. Tem-se de reputar que, dependendo da gravidade do vício, a mera ressalva na ata não é suficiente. Se o vício caracterizar ilícito administrativo ou penal, o agente terá o dever de adotar outras providências, inclusive levando-o ao conhecimento das autoridades competentes. Havendo recusa da maioria em inserir a ressalva no corpo da ata, o sujeito deverá comunicar a ocorrência às autoridades superiores.

Corroborando sobre a temática acima, Diógenes Gasparini26 ensina:

Tal responsabilidade só se caracteriza ante um comportamento culposo ou doloso do membro, dado o princípio segundo o qual somente responde pelos seus atos aquele que agiu, no mínimo com culpa. Culposa é toda ação ou omissão que causa um prejuízo a alguém, em decorrência de imprudência, negligência ou imperícia do seu autor. Dolosa, por sua vez, é qualquer ação consciente voltada para a prática de ato que se sabe ser contrário ao Direito.

24 Lei Federal n. 8.666/1993. art. 51, §4º. 25 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. p. 452. 26 GASPARINI, Diógenes. Comissões de licitação. p. 51.

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Em se tratando da licitação na modalidade Pregão, tem-se a figura do

servidor público incumbido da função de Pregoeiro, sendo que a Lei federal n.

10.520/2002, em seu art. 3º, § 4º, disciplina:

Art. 3º A fase preparatória do pregão observará o seguinte: [...] IV - a autoridade competente designará, dentre os servidores do órgão ou entidade promotora da licitação, o pregoeiro e respectiva equipe de apoio, cuja atribuição inclui, dentre outras, o recebimento das propostas e lances, a análise de sua aceitabilidade e sua classificação, bem como a habilitação e a adjudicação do objeto do certame ao licitante vencedor.

Assim sendo, depreende-se deste dispositivo legal que a nomeação do

Pregoeiro é feira antes do início da fase externa da licitação, dentre os servidores do

órgão ou entidade promotora da licitação, bem como ocorre com sua equipe de

apoio.

Geralmente o que sem observado na prática são órgãos específicos

dentro da estrutura administrativa com a função de promover as licitações, quer seja

pelas modalidades previstas na Lei federal de Licitações e Contratos

Administrativos, quer seja na modalidade de pregão.

Sobre o agente público denominado de “Pregoeiro” e da equipe que o

apóia, cabe ressaltar o entendimento da lavra de Diógenes Gasparini27:

De forma praticamente igual, essa regra é repetida pelo inc. II do art. 7º do Decreto n.º 3.555/00. Não há para essa modalidade de licitação uma comissão de pregão, como se poderia supor. O pregoeiro faz às vezes desse colegiado, assessorado pela equipe de apoio. Essa equipe a de ser composta de servidores pertencentes, preferencialmente, ao quadro permanente da entidade que deseja ver instituído o pregão e na sua maioria ocupantes de cargos efetivos ou emprego. [...] O pregoeiro é designado pela autoridade competente dentre os servidores vinculados à entidade que deseja valer-se do pregão para aquisição de bens e serviços comuns. Essa designação pode ser feita juntamente com a designação dos componentes da equipe de apoio, num único ato, portanto. [...] A designação do pregoeiro consubstancia ato administrativo formal, veiculado por decreto ou portaria, conforme seja editado pelo Executivo ou autarquia. Pode consubstanciar um ato jurídico propriamente dito quando editado por sociedade de economia mista ou empresa pública. Neste caso é editado por ato da presidência. [...] A designação é feita para um único pregão ou para pregões que vierem a ocorrer no futuro. Embora nada impeça, a designação não é feita por um período de tempo. Se for feita por um lapso, seus membros, todos, podem

27 GASPARINI, Diógenes. Comissões de licitação. p. 121 a 124.

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ser reconduzidos para um ou mais períodos subseqüentes. Sobre ele não incide a vedação que recai sobre os membros das comissões permanentes de licitação, cuja totalidade não pode ser reconduzida para o período subseqüente. Não obstante seja assim, pode, em função do interesse público, ser substituído, observado, ainda, o paralelismo de forma entre o ato designação e substituição.

As atribuições do Pregoeiro estão previstas no art. 9º do Decreto

Federal n. 3.555/2000, in verbis:

Art. 9º As atribuições do pregoeiro incluem: I - o credenciamento dos interessados; II - o recebimento dos envelopes das propostas de preços e da documentação de habilitação; III - a abertura dos envelopes das propostas de preços, o seu exame e a classificação dos proponentes; IV - a condução dos procedimentos relativos aos lances e à escolha da proposta ou do lance de menor preço; V - a adjudicação da proposta de menor preço; VI - a elaboração de ata; VII - a condução dos trabalhos da equipe de apoio; VIII - o recebimento, o exame e a decisão sobre recursos; e IX - o encaminhamento do processo devidamente instruído, após a adjudicação, à autoridade superior, visando a homologação e a contratação.

Como todo o servidor público, a atuação dos membros da Comissão de

Licitação e do Pregoeiro deve ser pautada respeitando os princípios da

Administração Pública, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal.

Conquanto que a atividade administrativa é regida pela legislação

específica de cada órgão integrante da Administração Pública, por certo que, dentre

possíveis condutas ilícitas, administrativas ou penais, deve-se observar a legislação

especial frente à geral, na seara propugnada pela Lei Federal n. 8.666/1993;

inclusive, tem-se a aplicabilidade de certos institutos de direito penal, no caso o

Princípio da Especialidade, frente o conflito aparente de normas, posteriormente

tratado neste estudo.

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A aplicação do Princípio da Especialidade28 evita o non bis in idem,

posto que condutas administrativas disciplinares ou de cunho penal devem ser

reprimidas pela legislação que mais bem se aplica ao caso, conforme a sujeição

jurídica do agente à conduta ilícita praticada, mesmo que de per si estejam

igualmente previstas em diplomas diversos.

Ainda, a sujeição do servidor público membro da Comissão de

Licitação e do Pregoeiro, quando nas funções previstas na Lei federal de Licitações

e Contratos Administrativos e na Lei Federal n. 10.520/2002, afastam-vos da égide

disciplinar administrativa estatutária ou penal comum no que tange as condutas ali

previstas, concernente ao princípio em comento.

Desta feita, sobre a responsabilidade dentro do procedimento licitatório,

Diógenes Gasparini29 leciona:

Salvo a responsabilidade solidária, instituída e regulada nesse dispositivo (art. 51, §3.º) do Estatuto federal das Licitações e Contratos Administrativos, os membros da comissão de licitação, permanente e especial, respondem individualmente pelos atos praticados. Sobremais, respondem civil, penal e administrativamente como servidores nos termos do Estatuto federal das Licitações e Contratos Administrativos (art. 82). Por fim, respondem civil, penal e administrativamente como servidores comuns e nos termos do Estatuto dos funcionários Públicos Civis da entidade a que se vinculam pelo exercício irregular de suas atribuições. Nestas duas últimas hipóteses respondem os membros das demais comissões referidas pelo Estatuto federal Licitatório.

Complementando o acima lecionado, a sujeição jurídica administrativa

que o servidor público está vinculado é que define sua responsabilidade, sendo

servidor público civil – estatutário ou celetista - ou militar – estatutário -, estadual ou

federal; existirá, pois, um diploma legal específico repressor.

Para melhor compreensão da referenciada responsabilidade, encerra-

se no Capítulo 2 a dialética existente entre ilícito administrativo e ilícito penal, o que

terá um melhor contorno doutrinário, cotejado pelos aspectos penais da Lei federal

de Licitações e Contratos Administrativos.

28 Ver nota de rodapé n. 46. 29 GASPARINI, Diógenes. Comissões de licitação. p. 53.

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2 – ILÍCITO PENAL E ASPECTOS DOUTRINÁRIOS DA LEI FEDERAL

N. 8.666/1993

2.1 ILICITO ADMINISTRATIVO E ILÍCITO PENAL

O Direito Administrativo repressivo possui contornos jurídicos do Direito

Penal, pois visa de igual forma prevenir e punir as condutas eleitas que lesam os

bens jurídicos tutelados pelo ordenamento jurídico. Entretanto, o Ilícito

Administrativo, de menor intensidade, não reclama a severidade da pena criminal,

nem o vexatório strepitus judicii, ou seja, o transtorno existente em sede de ação

penal.

Marçal Justen Filho30 sobre o regime jurídico das penalidades

administrativas discorre:

A doutrina nacional e estrangeira concorda, em termos pacíficos, que as penalidades administrativas apresentam configurações similares às de natureza penal, sujeitando-se a regime jurídico senão idêntico, ao menos semelhante. Embora não seja possível confundir Direito Penal e Direito Administrativo (repressivo), é inquestionável a proximidade dos fenômenos e institutos. [...] Por isso, os princípios fundamentais de Direito Penal vêm sendo aplicados no âmbito do Direito Administrativo Repressivo, com a perspectiva de eventuais atenuações necessárias em face das peculiaridades do ilícito no domínio da atividade administrativa. Mas a regra é que os princípios fundamentais de Direito Penal devem ser respeitados, especialmente pela impossibilidade de distinção precisa e absoluta entre sanções administrativas e penais.

Desta feita, exsurge no Direito Penal um processo seletivo de

criminalização pelo Estado, com o fim de selecionar certas pessoas que se

submetem a sua coação com o fim de impor-lhes uma pena, a qual se desenvolve

em duas etapas, denominadas pela doutrina de criminalização primária e

criminalização secundária; nesta seara, pontifica Raul Zaffaroni,31 et al, que:

Enquanto a criminalização primária (elaboração de leis penais) é uma declaração que, em geral, se refere a condutas e atos, a criminalização

30 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentário a lei de licitações e contratos administrativos. p. 567. 31 ZAFFARONI, Raúl. et al. Direito penal brasileiro: teoria geral do direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2003. v. 1. p. 43.

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secundária é a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas, que acontece quando as agências policiais detectam uma pessoa que se supõe tenha praticado certo ato criminalizado primariamente, a investigam, em alguns casos privam-na de sua liberdade de ir e vir, submetem-se à agência judicial, que legitima tais iniciativas e admite um processo (ou seja, o avanço de uma série de atos em princípios públicos para assegurar se, na realidade, o acusado praticou aquela ação); no processo, discute-se publicamente se esse acusado praticou aquela ação e, em caso afirmativo, autoriza-se a imposição de uma pena de certa magnitude que, no caso de privação de liberdade de ir e vir da pessoa, será executada por uma agência penitenciária (prisonização). (grifo do autor)

Nota-se que, de igual forma o Direito Administrativo sancionar, mutatis

mutandis, seleciona certas condutas e determinadas pessoas - quer seja, a

criminalização primária do Direito Penal - e, através de sua estrutura administrativa e

legal, sob a ótica dos princípios constitucionais do devido processo legal, da

legalidade, da reserva legal, e da não culpabilidade, em sede de processo

administrativo - tal qual a criminalização secundária do Direito Penal - julga as

possíveis condutas ilícitas, dando azo à aplicação de penalidades administrativas ou

até de restrição de liberdade, conforme a sujeição jurídica afeta a algumas

categorias de servidores públicos, como os militares estaduais e federais.

Nesta seara, diante da possibilidade de responsabilização dos ilícitos

praticados pelos servidores públicos ou particulares que tenham especial sujeição

jurídica com a Administração Pública, tais ações ou omissões quando restringem

seus efeitos na organização e funcionamento dos serviços públicos desempenhados

pelo Estado, é considerado como um ilícito administrativo puro; porquanto, quando,

de modo genérico, pela sua gravidade afetam também sociedade, tendo sua

qualificação concomitante em norma penal e administrativa repressora,

doutrinariamente considera-se como um ilícito administrativo penal.

Assim sendo, quanto à extensão jurídica dos atos perpetrados pelo

servidor público dentro do procedimento licitatório, José Cretella Junior32 comenta

que:

O agente público, que comete ilícito administrativo puro, é perigoso apenas internamente, porque compromete o bom andamento do serviço público, pondo em risco o prestígio da função pública. O agente público, que comente ilícito administrativo penal, é não só dotado de periculosidade interna, porque traz em si pontecialidade ruinosa que colocará em risco a própria Administração, como também é dotado de periculosidade externa, porque traz, em si, potencialidade danosa que se

32 CRETELLA JUNIOR, José. Das licitações públicas. 17. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 398.

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projetara sobre o cidadão comum, membro da coletividade, potencialmente ameaçada.

Considerando-se que a diferença entre o ilícito administrativo e o ilícito

penal é de substância, naquele sendo objeto do Direito Administrativo e este do

Direito Penal, caracterizando-se então uma diferenciação ontológica, discorrendo

Edmir Netto de Araújo33, que:

Já adentrando na responsabilidade administrativa ou disciplinar, embora o ilícito administrativo seja também ontologicamente diverso do ilícito penal, no caso do ilícito administrativo puro; ou mesmo não ontologicamente distinto, diferenciando-se apenas em grau, quanto o ilícito administrativo é também configurado como crime, a verdade é que os dois institutos diferenciam-se sensivelmente e de forma relevante no que respeita à aplicabilidade de princípio nullum crimen, nulla poenna sine lege, e da regra jurídica do non bis in idem, largamente aceita no direito penal. (grifo do autor)

Então, como alhures comentado, tem-se aplicáveis ao Direito Penal e,

igualmente ao Direito Administrativo sancionador, os princípios limitadores do jus

puniendi ou direito subjetivo de punir, tendo como titular legítimo o Estado,

decorrente do regime democrático constitucional e, também, dos direitos e garantias

não expressos no texto constitucional, ex vi do art. 5º, §2º da Constituição Federal,

porém “decorrente dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais

em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Ainda, Raúl Zaffaroni34 comenta sobre os princípios limitadores do jus

puniendi estatal, que:

Na atual etapa, é possível agrupar os princípios limitadores – para mero efeito de sua exposição – em três classes: a) os que constituem o conjunto de manifestações particulares do princípio geral de legalidade ou de máxima legalidade; b) os que excluem toda pretensão punitiva que incorra em uma grosseira incompatibilidade com os Direitos Humanos; c) os que limitam a criminalização, derivando-se diretamente do princípio do estado de direito ou dos princípios republicano de governo.

Fábio Medina Osório35 sobre a relação entre particulares com especial

sujeição jurídica com o Estado, os quais não exercem o múnus público e não

33 ARAÚJO, Edimir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 828. 34 ZAFFARONI, Raúl. et al. Direito penal brasileiro: teoria geral do direito penal. p. 201. 35OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. pag. 255.

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pertencem de qualquer sorte a estrutura da Administração Pública e o jus puniendi

estatal; comenta com propriedade, que:

A especialização das relações, ainda que conduza a níveis intensos e

profundos de restrição a direitos, com toda uma normativa concentrada, não elimina

a recondução da do raciocínio a patamares constitucionais e, portanto, ao núcleo

garantista fundamental do Direito Punitivo. Há garantias mínimas a serem

observadas e, por esse ângulo, é interessante reconhecer na dogmática jurídica um

papel decisivo de identificação dos conteúdos das normas sancionadoras. O Direito

Punitivo, e aqui me refiro tanto ao Direito Penal quanto ao Direito Administrativo

Sancionador, requer normas fundamentais, básicas, mínimas, para o balizamento da

atividade punitiva do Estado.

Por conseguinte, colhendo-se das palavras de Celso Delmanto36, et al,

necessário se faz alinhavar o conceito de ilícito penal – crime -, sob o aspecto formal

e material:

Conceito material: crime é a violação de um bem jurídico protegido penalmente. Conceito formal. Somente o comportamento humano positivo (ação) ou negativo (omissão) pode ser considerado crime. No entanto, para que uma conduta seja considerada criminosa, é necessário que ela seja um fato típico e antijurídico. Será fato típico quando a conduta estiver definida por lei como crime, segundo o princípio da reserva legal (CP, art. 1º), constitucionalmente garantido (CR/88, art. 5º, XXXIX). E, antijurídico quando o comportamento for contrário à ordem jurídica como um todo, pois, além das causas de exclusão expressas no CP (art. 23), há outras implícitas (chamadas supralegais, que excluem a antijuricidade ou ilicitude). Assim, presente um fato típico e antijurídico (tipicidade + antijuricidade ou ilicitude), temos um crime, mas a aplicação de pena ainda ficará condicionada à culpabilidade, que é a reprovação ao agente pela contradição entre sua vontade e a vontade da lei. Portanto, um fato só pode ser penalmente punido quando típico, antijurídico e culpável. (grifo do autor)

De outra banda, Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua infração

administrativa, em seu aspecto formal, como sendo “o descumprimento voluntário de

uma norma administrativa para qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por

uma autoridade no exercício de função administrativa”; por conseguinte, relatando

que37:

36DELMANTO, Celso. et al. Código penal comentado: legislação complementar. 6. ed. São Paulo: Renovar, 2002. p. 18 – 19. 37 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 834.

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Reconhece-se a natureza da infração administrativa de uma infração pela natureza da sanção que lhe corresponde, e se reconhece a natureza da sanção pela autoridade competente para impô-la. Não há, pois, cogitar de qualquer distinção substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais. O que as aparta é única e exclusivamente a autoridade competente para impor sanção, conforme correto e claríssimo ensinamento, que boamente sufragamos, de Heraldo Garcia Vitta. Com efeito, é disto que resulta o regime jurídico que lhes se confere a própria feição, a identidade jurídica que lhes concerne, como acentua Réis Fernandes de Oliveira e Daniel Ferreira, enfatizando um critério formal.

Assevera-se-lhe a distinção ontológica entre o ilícito administrativo e o

ilícito penal quando se perquire qual seria a autoridade competente para impor a

sanção: de Direito Penal, conforme o princípio do juiz natural e aplicada

exclusivamente pelos magistrados; e, de Direito Administrativo, pela competência

legal da autoridade administrativa coatora, malgrado a distinção substancial das

penas possíveis.

Isto posto, assinala José Cretella Junior38 sobre o ilícito administrativo

penal, que:

Por isso, o ilícito penal administrativo é apreciado pela autoridade administrativa, que lhe aplica sanções administrativas que atingem a relação de função pública, ao mesmo tempo que é apreciado pela autoridade judiciária, que lhe aplica sanções externas que atingem a liberdade, a vida, o patrimônio, a honorabilidade.

Note-se que a não existência de diferença substancial entre o ilícito

administrativo e o ilícito penal afirmado por Celso Antônio Bandeira de Mello, tem

significado complementar a afirmação de Raúl Zaffaroni de que “a diferença entre

ambos é em sua substância, porquanto ontológica”.

De certo que a substância significa a essência, vinculada ao regime

jurídico desposada pela espécie de ilícito - penal ou administrativo -, e a não

diferenciação substancial, como já visto, concerne à aplicação de princípios de

direito penal às infrações administrativas puras ou penais, dando a similitude

avistada, tal como aduz Marçal Justen Filho39, que:

O regime de direito administrativo punitivo se vincula ao direito penal. Por isso, todos os princípios fundamentais penalísticos são albergados pelo direito administrativo punitivo.

38 CRETELLA JUNIOR, José. Das licitações públicas. p. 399. 39 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 679.

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Complementa-se a quaesto com o entendimento de Edmir Netto de

Araújo40, que:

Todavia, a diferença entre ilícito administrativo e ilícito penal é de substância: enquanto um é objeto do Direito Administrativo disciplinar, outro é objeto do Direito Penal, impondo-se então a diferenciação ontológica, expressiva em relação ao ilícito administrativo puro. Já o ilícito administrativo penal, capitulado pelas duas normas das duas esferas jurídicas, pode ser considerado ontologicamente o mesmo.

Dito isto, na vez do brocado nullum crimen, nulla poenna sine lege,

temos uma conformatação própria a cada gênero de ilícito, eis que evocando o

princípio penal da taxatividade41, jungido ao princípio da legalidade, tem-se a

tipicidade característica dos ilícitos penais – enquadramento da conduta do agente

precisamente no tipo penal descrito na lei penal -, o que não ocorre de igual forma

aos ilícitos administrativos, os quais haurem uma discricionariedade que se

caracteriza como transgressão aos deveres e proibições funcionais, explícitos ou

implícitos na Lei: restando integral a aplicação da parte final (nulla poenna) deste

princípio.

Assim sendo, comenta José Armando da Costa42 que “a atipicidade,

entretanto não significa a possibilidade de punição arbitrária do agente público, mas

apenas que os motivos não precisam estar prévia e rigorosamente definidos na lei”.

Por conseguinte, Odete Medauer43 perfunctoriamente sobre o aspecto

da atipicidade das infrações administrativa, discorre:

No tocante a este aspecto, surge a questão da tipicidade das infrações disciplinares. Os estatutos utilizam, muitas vezes, fórmulas amplas e abertas, por exemplo, “procedimento irregular de natureza grave”, “inobservância de dever funcional”. Daí se mencionar a característica da “atipicidade” das infrações disciplinares, sobretudo no confronto com os ilícitos de natureza penal, para os quais prevalece a tipicidade; nessa linha, seria inaplicável ao âmbito disciplinar o famoso brocado do direito penal nullum crime sine lege. Cabem algumas ressalvas a respeito da atipicidade das infrações. Dois argumentos aparecem amiúde para justificar essa atipicidade ou a não aplicação do adágio nullum crime sine lege: a) dificuldade de catalogar com exatidão todas as condutas que possam

40 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 831. 41 Luiz Régis do Prado in Curso de direito penal brasileiro, 2002. (p. 114) leciona: Princípio da taxatividade ou da determinação (nullun crimen sine lege scripta et stricta): diz respeito a técnica da elaboração da lei penal, que deve ser suficientemente clara e precisa na formulação do conteúdo do tipo legal e no estabelecimento da sanção para que exista real segurança jurídica. Tal assertiva constitui postulado indeclinável do Estado de Direito material – democrático e social (cf. arts. 1.º a 6.º, CF). 42 COSTA, José Armando. Teoria e prática do direito disciplinar. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 233. 43 MEDAUER, Odete. Direito administrativo moderno. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005 p. 355.

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desatender deveres e proibições funcionais; b) discricionariedade do poder disciplinar. (grifo do autor)

Neste mister, sobre o princípio da reserva legal em matéria penal

(tipicidade) e da discricionariedade característica das infrações administrativas

(atipicidade), José Cretella Junior44 bem clarifica:

Por outro lado, ao passo que a repressão do ilícito penal é regida pelo princípio da legalidade, a autoridade que exerce o poder disciplinar pode aplicar, discricionariamente, sanções disciplinares, em virtude de infrações aos deveres da profissão, a princípios de honra, de dignidade, de ética, mesmo que não haja expressa disposição estatutária precisa a respeito. A Administração age dentro das chamadas normas elásticas, flexíveis ou plásticas.

Resta, pois, que as penas no direito administrativo sancionador

respeitar o adágio nulla poenna sine lege, eis que este subsiste com supedâneo nos

princípios decorrentes do Estado Democrático de Direito, sendo um despautério

dentro da ordem jurídica e social vigente aplicar sanções não previstas em lei, tal

qual é no Direito Penal.

No que tange a regra do non bis in idem, o qual declara ser proibido

alguém ser penalizado duas vezes pela mesma infração, pelo mesmo fato,

consolidado no sistema trifásico de aplicação da pena, ex vi do art. 68 do Código

Penal, escoimado no princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é explicitado

nas palavras de Luiz Régis Prado45, in verbis:

Desse modo, e coerentemente com sua finalidade maior, o Estado de Direito democrático e social deve consagrar e garantir o primado dos direitos fundamentais, abstendo-se de práticas a eles lesivas, como também propiciar condições para que sejam respeitados, inclusive com a eventual remoção de obstáculos à sua total realização.

Todavia, hodiernamente os estatutos disciplinares, a guisa da Lei

Federal n. 8.112/1990, em seus arts. 121 usque 126, demonstra claramente que a

responsabilidade disciplinar do servidor público independe da responsabilidade civil

e criminal, tal qual se segue àquelas pessoas que não sendo integrantes da

estrutura da Administração Pública, mas que possuem uma especial relação jurídica

com esta, como, por exemplo, o particular, v.g. licitantes (pessoas físicas e jurídicas

44CRETELLA JUNIOR, José. Das licitações públicas. p. 398. 45PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral: arts. 1.º a 120. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 1. p. 114.

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participantes do procedimento licitatório, oferecendo bens ou serviços à

Administração Pública), em sede dos possíveis ilícitos dentro do procedimento

licitatório.

Em última dicção sobre o tema, salientando-se a distinção da

responsabilização por ilícito nas esferas penal, administrativa e civil do agente

público, colhe-se o comentário de Edemir Netto de Araújo46, assim dito:

Entretanto, considerando-se que a infração penal atinge a sociedade como um todo e a falta disciplinar apenas o círculo funcional a que pertence o transgressor, conclui-se que os tipos de responsabilidade (penal, administrativa e civil) são diferentes, sendo válidas as penalidades diferentes, impostas em esferas distintas, e por motivos distintos, ao funcionário.

Visto que a diferença entre ilícito administrativo e penal reside em sua

gravidade, com contornos ontológicos na substância do ilícito e na aplicabilidade

repressora do Direito Penal ou do Direito Administrativo, urge definir os aspectos

penais introdutórios da Lei Federal n. 8.666/1993, para posteriormente melhor

comentar os tipos penais de per si e definir a possibilidade de co-autoria dos

membros da Comissão de Licitação e do pregoeiro com particulares que detenham

especial sujeição jurídica com a administração pública.

2.2 ASPECTOS PENAIS DA LEI FEDERAL N. 8.666/1993

2.2.1 Aspectos penais introdutórios:

No preceito de criminalização primária, a Lei Federal n. 8.666/1993

construiu tipos legais e elementos penais próprios com o escopo de tutelar de forma

ampla e específica a licitação e a contratação administrativa decorrente, visando

proteger a Administração Pública e a sociedade de condutas ilícitas praticadas nesta

seara por agentes público e terceiros com especial sujeição jurídica com o Estado.

46 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 588.

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Vicente Grecco Filho47 comenta que, num esforço moralizador, vários

procedimentos delituosos referentes a comportamentos irregulares que podem

ocorrer nos procedimentos licitatórios e nas contratações administrativas foram

tipificados em uma lei não penal, quer seja, a Lei Federal n. 8.666/1993, a qual

disciplina normas gerais sobre licitações e contratação administrativas pertinentes a

obras, serviços compras e alienações para a Administração Pública, centralizada e

descentralizada da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

O Código Penal trazia indistintamente em seu bojo grande parte da

tutela penal dos ilícitos possíveis frente à conduta reprovável dos agentes públicos e

dos particulares dentro do processo licitatório e contratação administrativa, mas a

relevância da matéria e a gravidade das potenciais lesões ao interesse público

exigiram do legislador providências penais específicas: criou-se uma seção própria

na Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos.

Flávio Sátiro Fernandes48 sobre as normas penais especiais previstas

na Lei Federal n. 8.666/1993, enfatiza que:

Um novo disciplinamento das licitações fazia-se necessário, tendo em vista, notadamente, a crescente preocupação em torno do combate aos atos de ímprobos praticados por administradores públicos, o qual a legislação anterior não mais satisfazia.

Ademais, como já visto, trata-se de ilícitos administrativos penais,

podendo o agente público e terceiros com especial sujeição jurídica sofrer,

respeitado o princípio do non bis in idem, diferentes tipos de sanções em esferas

distintas: penal, administrativa e civil, atingindo o agente e sua pessoa, seu

patrimônio ou sua condição de funcionário.

Nota-se sobre a natureza das penas cominadas pela Lei Federal n.

8.666/1993, que estas são severas e de extrema gravidade, determinando, como

regra, a incidência de multa, mas cumulada com pena privativa de liberdade, sendo

salutar destacar o entendimento de Marçal Justen Filho49, que:

Nesta linha, as sanções são bastante severas. Houve, de modo genérico, um agravamento das sanções relativamente àquelas previstas na legislação comum. Assim, por exemplo, a crime do art. 95 sujeita o infrator a pena de detenção de dois a quatro anos, além da multa e da pena correspondente à

47 GRECCO FILHO, Vicente. Dos crimes da lei de licitações. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 7. 48 FERNANDES, Flávio Sátiro. Dos crimes licitatórios. Revista Jurídica: classificação de ações e sentenças (I), São Paulo, v. 23, p. 39 a 46, set. 2004.p. 39. 49 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a lei de licitações e contratos administrativos. p. 577.

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violência. O Código Penal previa tipo similar, no art. 335, para o qual era cominada pena de detenção de seis meses a dois anos (além de multa e da pena correspondente à violência).

De maneira abrangente, José Cretella Junior50, sobre os crimes e as

penas previstas na Lei Geral das Licitações e Contratos Administrativos, comenta:

Pela primeira vez, entre nós, uma lei de licitações erige em crime, atos ou fatos, concernentes à licitação: tudo aquilo que impeça, dificulte ou frustre a licitação. De um lado, particulares, pessoas físicas ou jurídicas provadas, ambos licitantes, e de outro lado, agentes administrativos, servidores públicos, podem cometer crimes contra a Administração, ao infligirem preceitos que regem o procedimento licitatório. Nesses casos, serão acusados, processados e julgados. Estamos, então, no campo do Direito Penal Administrativo, no qual vigoram leis penais gerais e extravagantes. Como prevalece, no Direito Penal, o princípio do nullum crimen, nulla poena sine previa lege, antes destes dispositivos o agente administrativo que dispensasse ou inexigisse o procedimento licitatório, fora das hipóteses previstas na lei, não era sujeito passivo desses crimes. Agora é. Há texto expresso a respeito. Note-se que nem todos os delitos, aqui capitulados se encontram no Código Penal. (grifo do autor)

Como os arts. 89 usque 101 da Lei Federal n. 8.666/1993 contêm

normas penais especiais, exsurge o princípio da especialidade51, revelando o adágio

lex specialis derogat generalis, pois tal diploma jurídico derrogou alguns dispositivos

de legislações anteriores que disciplinavam idêntica matéria, como os arts. 32652 e

33553 do Código Penal, o que oportuniza o destaque do seguinte comentário da

lavra de Marçal Justen Filho54:

É sempre útil destacar que as normas penais contidas na Lei nº 8.666 revogaram alguns dispositivos da legislação anterior, que disciplinavam idêntica matéria. No restante, porém, aplica-se o princípio da especialidade contido no art. 2º, § 2º da Lei de Introdução ao Código Civil. Mantiveram-se em vigência todos os demais dispositivos da legislação penal. Não é possível, por isso, afirmar que os ilícitos praticados no âmbito de licitação e contratação administrativa somente podem provocar a incidência das normas tipificadoras da Lei n. 8.666/93. É inequívoco, por exemplo, que o tipo do crime de concussão do art. 316 do Código Penal continua

50 CRETELLA JUNIOR, José. Das licitações públicas. p. 404. 51 Rogério Greco in Curso de direito penal: parte geral, 2008. (p. 133 – 134), leciona: Legislação Especial: O art. 12 do Código Penal determina que suas regras gerais sejam aplicadas aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso. À falta de uma regulamentação específica para os fatos incriminados pela legislação especial, aplicam-se as regras gerais do Código Penal. Contudo, quando o estatuto especial dispuser de modo diverso, suas regras prevalecerão sobre aquelas gerais previstas no Código Penal. 52Código Penal. Art. 326. Devassar o sigilo de proposta de concorrência pública, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. 53Código Penal. Art. 335. Impedir, perturbar ou fraudar concorrência pública ou venda em hasta pública, promovida pela administração federal, estadual ou municipal, ou por entidade paraestatal; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, além da pena correspondente à violência 54 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a lei de licitações e contratos administrativos. p. 589.

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abrangendo condutas dos “servidores públicos” relacionados com a Administração.

Sobre a revogação parcial do Código Penal pela Lei Federal n.

8.666/1993, Diógenes Gasparini55 aduz que:

A Lei federal das licitações e Contratos da Administração Pública, no que concerne aos crimes relacionados com contratos e certames licitatórios de responsabilidade da Administração Pública, regulou toda a matéria penal, acabando por revogar algumas disposições do Código Penal referentes a esses assuntos. Ocorreu ai a chamada revogação tácita. Em termos expressos, essa lei, em particular, nada revogou. Outros dispositivos do Codex apenas tornaram-se inaplicáveis às licitações e contratos celebrados pela Administração Pública. Esses continuam, portanto, em vigor, operantes em outras situações. Em suma: todos os comportamentos incriminados pela Lei federal Licitatória não são mais aplicáveis às disposições semelhantes do Código Penal. O mesmo correu em que as regras do dito Codex regulam o cálculo da pena de multa ou que oferecem conceitos, como é o caso da definição de servidor público. Para fins licitatórios estas regras restaram inaplicáveis.

O art. 85 da Lei Federal n. 8.666/1993 indubitavelmente deixa claro que

se trata de crimes contra a Administração Pública, pois este diploma legal tratar

exclusivamente de matéria de direito público na seara da Licitação Pública e dos

Contratos Administrativos adjacentes, embora não tenha assim deixado expresso

em seu texto, o que oportuniza pinçar de Edemir Netto de Araújo56,

complementarmente, que:

Também não são expressamente denominados “crimes oficiais” ou “funcionais”, para os quais se exige a condição de funcionário público ou equiparado, apesar do fato da maioria dos comportamentos descritos contar, necessariamente, no pólo ativo ou passivo, com a presença de funcionário ou servidor: há possibilidade, em vários deles, do enquadramento de particular ou de beneficiário, e a condição de servidor em comissão pode ser agravante da pena (art. 84, § 2º).

Importante para os efeitos legais é definir dentro do gênero “agente

público”, suas espécies, quer seja: os servidores público, os funcionários públicos,

os empregados públicos e os agentes públicos, eis que todos em exercendo o

múnus público, integrantes ou não da administração pública, serão

responsabilizados penalmente de igual forma. Por conseguinte, agente público é a

55 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: NDJ, 2001. p. 4. 56 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 592.

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designação mais abrangente: alcança os agentes políticos, os servidores públicos e

os particulares em atuação colaboradora.

Para os efeitos penais, o art. 84 da Lei Federal n. 8.666/1993, utiliza a

denominação de “servidor público” para todo o agente público que exerce, mesmo

que transitoriamente ou sem remuneração, cargo emprego ou função pública, in

verbis:

Art. 84 - Considera-se servidor público, para os fins desta Lei, aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público.

§ 1º - Equipara-se a servidor público, para os fins desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público.

Ainda, relativamente aos funcionários públicos, pessoas pertences ao

quadro organizacional da Administração Pública e que exercem o múnus público,

incluindo ainda nesta espécie os empregados públicos, temos no art. 327 do Código

Penal, disciplinado que “se considera funcionário público, para os efeitos penais,

quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou

função pública”; entretanto, sem aplicabilidade nos crimes previstos na Lei Federal

n. 8.666/1993.

A sistemática adotada Lei Federal n. 8.666/1993 é a mesma do

Código Penal, restando-se cumulativa as penalidades administrativas e penais, ex vi

do art. 82; contudo, ex vi do art. 83, diversamente do Código Penal, a mera prática

ou sua tentativa nos crimes previstos nesta legislação especial, redunda sempre na

perda do cargo, emprego, função e mandato eletivo, independentemente da

sentença versar expressamente sobre este aspecto.

Em se tratando de causa especial de aumento de pena, ou seja,

aquelas situações específicas em relação à pessoa do sujeito ativo do delito em que

importam aumento do quantum da pena, está prevista no art. 84, §2º da Lei Federal

n. 8.666/1993, in verbis:

Art. 84, § 2o - A pena imposta será acrescida da terça parte, quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissão ou de função de confiança em órgão da Administração direta, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, fundação

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pública, ou outra entidade controlada direta ou indiretamente pelo Poder Público.

Maria Adelaide de Campos França57 destaca que “as sanções aos

crimes licitatórios restringem-se à multa e à detenção, inexistindo previsão de penas

alternativas, sequer para os crimes de menor potencial ofensivo”.

Observa-se que a Lei Federal 8.666/1993 não qualificou, tão pouco

privilegiou qualquer dos tipos penais ali previstos, conquanto que a circunstância

qualificadora ou privilegiadora do crime deve compor a figura penal, no caso deste

diploma legal são previstos apenas crimes em sua forma simples.

Outro ponto importante é que a Lei Federal 8.666/1993 não puniu

nenhuma conduta a título de culpa ex vi do art. 18, inciso II, do Código Penal,

quando a situação incriminadora tiver ocorrido resultado de imprudência, imperícia

ou negligência, estas características da culpa, o tipo penal doloso não se realiza e o

servidor não responde penalmente pro crime licitatório algum.

Ademais, além das penas privativas de liberdade previstas em cada

tipo penal da Lei Federal 8.666/1993, coexiste a aplicação de pena de multa

pecuniária conforme o art. 99, in verbis:

Art. 99. A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente. § 1o Os índices a que se refere este artigo não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação. § 2o O produto da arrecadação da multa reverterá, conforme o caso, à Fazenda Federal, Distrital, Estadual ou Municipal.

Sobre a pena pecuniária prevista na Lei, Marçal Justen Filho58

comenta:

Multa proporcional a vantagem indevida. O dispositivo confirma a interpretação de que a punição penal se vincula, na totalidade dos crimes arrolados na Lei n. 8.666/1993, a uma atuação voltada à obtenção de vantagem reprovável. A pena de multa será calculada proporcionalmente ao valor do benefício econômico que o agente buscou, injustamente, obter. [...] Fixação da Multa. A sentença fixará a multa, que será calculada em porcentagem variável, calculada sobre o valor da vantagem efetivamente

57 FRANÇA, Maria Adelaide de Campos. Comentários à lei de licitações e contratos da administração pública. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 174. 58 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a lei de licitações e contratos administrativos. p. 586.

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percebida ou potencialmente auferível. Utilizar-se-ão os critérios usuais para fixação do montante da multa. Os limites máximo e mínimo não são estabelecidos em função da vantagem, mas sobre o valor do contrato envolvido no caso concreto. (grifo do autor)

Sobre a eficácia da Lei federal das Licitações e Contratos

Administrativos, a mesma teve sua aplicabilidade de forma imediata concomitante a

sua vigência, entendida em seu sentido amplo, dado a disposição contida em seu

art. 125, que oportuniza o seguinte comentário de Diógenes Gasparini59:

O regime incriminatório, incidente sobre licitações e contratações anteriores ao ora vigorante, é o Código Penal. Nem podia ser diferente em face do princípio da irretroatividade da lei penal, salvo se benigna (art. 5º, XL, da CF). Ademais, nesse particular, revela notar sua inaplicabilidade às licitações instauradas e aos contratos assinados anteriores à sua vigência, determinada pelo art. 121 da Lei federal das Licitações e Contratos Administrativos. [...] As regras penais da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública não são, de modo algum, benéficas, pois levaram à categoria de crimes certos comportamentos antes livres. Logo, são irretroativas.

Visto estes aspectos penais introdutórios na órbita da Lei Federal n.

8.666/1993, importante é compreender a questão dos institutos jurídicos da co-

autoria e participação.

2.2.2 Da co-autoria e participação:

Como dito, o presente trabalho está focado na responsabilidade penal

dos membros da Comissão de Licitação e do Pregoeiro; entretanto, por vezes,

muitos dos ilícitos penais previstos na Lei Federal n. 8.666/1993, numa dicção

rápida, reluzem da possibilidade de serem cometidos em co-autoria ou participação,

ou seja, em concurso de pessoas, com outros agentes públicos ou particulares que

contenham ou não especial relação jurídica com a Administração Pública, no caso

os licitantes ou contratados.

59 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 4 - 8.

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Cunha-se neste tópico esta questão sob o enfoque doutrinário, eis que

os tipos penais serão estudados de per si e identificados frente as pessoas objeto

deste estudo.

Sobre o concurso de pessoas, regra prevista no caput do art. 2960 do

Código Penal, Rogério Greco61 ensina que:

Fala-se no concurso de pessoas, portanto, quando duas ou mais pessoas concorrem para a prática de uma mesma infração penal. Essa colaboração recíproca pode ocorrer tanto no caso em que são vários os autores, bem como naqueles onde existam autores e partícepes. [...] A regra trazida pelo art. 29 do Código Penal aplica-se, mormente, aos chamados crimes de concurso eventual (unissubjetivos), que são aqueles que podem ser cometidos por um único agente, mas que, eventualmente, são praticados por duas ou mais pessoas.

O Código Penal de 1984, nas palavras de Luiz Régis Prado62, adotou a

teoria monista do concurso de pessoas, onde considera que todos que concorrem

para a prática do delito são autores dele, a luz da teoria da equivalência de

condições; contudo, de forma temperada, pois respeita o princípio constitucional da

individualização das penas (Constituição Federal, art. 5º, incs. XLV e XLVI), na

medida de sua culpabilidade, estabeleceu certos graus de participação, coexistindo,

pois, o autor, o co-autor, e o partícipe.

O concurso de pessoas, quer seja em crimes monossubjetivos ou

plurisubjetivos, estes em que o tipo penal exige a participação de mais de um sujeito

ativo na realização do núcleo do tipo, necessário é conceituar os intitutos jurídicos

da co-autoria e da participação.

Em linhas gerais Fernando Capez63 leciona sobre a co-autoria e

participação, que:

Co-autores: São todos os agentes que, em colaboração recíproca e visando ao mesmo fim, realizam a conduta principal, isto é, quando dois ou mais agentes, conjuntamente, realizam o verbo do tipo. [...] Participação: Partícipe é quem, sem realizar o verbo nuclear do tipo, concorre de alguma maneira para a produção do resultado ou para a consumação do crime.

60 Código Penal. Art. 29, caput - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. 61 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral (arts. 1º a 120 do CP). 10. ed. rev. e atual. até 1º de janeiro de 2008. v. 1. p. 427. 62 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro. p. 394. 63 CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Código penal comentado. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008. p. 82.

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A forma de delimitação entre a autoria e a participação foi palco de

discussão doutrinária, levando-se em consideração para se considerar autor, num

primeiro momento, critérios objetivos, fundado na causalidade, entendida como

equivalência das condições, ou conditio sine qua nom; e, num segundo momento,

em critérios subjetivos, que seja, nas disposições internas do autor, tomando-se

como tal aquele que quer o fato como próprio animus auctoris e, então, o partícipe

agiria com animus socii (quer o fato como algo alheio, de outro), restando ambas

desacreditadas.

Por ordem, seguiu a doutrina nos últimos decênios ao critério distintivo

conhecido como “domínio do fato”, sendo autor quem tem o domínio do fato, ou seja,

o que tem o poder de decisão sobre a configuração central do fato, abarcando-se

conjuntamente aspectos objetivos e subjetivos: posto que o senhorio do autor sobre

o curso do fato é proporcionado tanto pela forma como se desenvolve a causalidade

em cada caso, como no direcionamento dado ao fato, diversamente do dolo que

existe tanto na autoria como na participação64.

Sob a égide de que o autor tem do domínio do fato em relação aos co-

autores, os quais possuem o domínio funcional dos fatos, Rogério Grecco65 comenta

que:

Esta divisão de trabalho reforça a idéia de domínio funcional do fato. Isto porque cada agente terá domínio no que diz respeito à função que lhe fora confiada pelo grupo. Com relação a essa função, que deverá ter importância na realização da infração penal, o agente é o senhor de suas decisões, e a parte que lhe toca terá importância no todo.

Ainda, utilizando-se do entendimento de Eugênio Raúl Zaffaroni66,

temos na configuração da co-autoria e sua distinção da participação, que:

Naturalmente que na co-autoria cada um dos co-autores deve reunir os requisitos típicos exigidos para ser autor. Se estes requisitos não são preenchidos, por mais que haja uma divisão do trabalho e um aporte necessário para a realização, de acordo com o plano concreto do fato, não há co-autoria. Tratando-se de uma limitação legal ao princípio do domínio do fato.

64 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 634 – 637. 65 GRECCO, Rogério. Curso de direito penal. p. 437. 66 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. p. 640.

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Por conseguinte, é apropriado também aquilatar o conceito de autor

direto ou imediato e autor indireto ou mediato, eis que fundamentalmente importará

quando da classificação dos tipos penais em relação ao sujeito ativo, através do

seguinte entendimento de Luiz Régis do Prado67:

a) Autor direto ou imediato – é aquele que pratica o fato punível pessoalmente. Pode ser: autor executor (realiza materialmente a ação típica) e autor intelectual (sem realizá-la de modo direto, domina-a completamente). b) Autor indireto ou mediato – é aquele que, possuindo o domínio do fato, serve-se de terceiro que atua como mero instrumento (geralmente inculpável – menor/doente mental; hipótese de coação moral irresistível e de obediência hierárquica). (grifo do autor)

Ainda, tem-se a possibilidade de concurso material ou formal e

continuidade delitiva, ex vi dos arts. 69, 70 e 71 da parte geral do Código Penal,

entre os crimes previstos na Lei Federal n. 8.666/1993 e os previstos na parte

especial do Código Penal.

Visto que a co-autoria aduz a realização por mais de uma pessoa dos

núcleos do tipo penal e o ajuste de vontades entre os co-autores, considerando-se

os aspectos objetivos e subjetivos do tipo penal e o controle e direção,

responsabilidade dada ao fato e relevância causal, e que a participação está na

assessorialidade adstrita ao auxílio dado por outrem ao autor ou co-autores neste

mister; importa, pois, definir elementos do delito que permitam sua identificação

quando do estudo dos tipos penais da Lei Federal n. 8.666/1993, estudados no

próximo item.

2.2.3 Classificação doutrinária necessária ao estudo dos tipos penais da Lei Federal

n. 8.666/1993:

A classificação doutrinária dos tipos penais dá-se por diversos

aspectos, valendo-se dos elementos normativos objetivos e subjetivos dos tipos

67 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro. p. 397.

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penais, racionalizando-se ab initio na cisão entre crimes e contravenções, sistema

este adotado pelo Código Penal brasileiro.

No presente estudo, do apanágio doutrinário da classificação das

infrações penais possíveis, pertinente é a que tange a qualidade do sujeito ativo do

delito, eis que se vislumbra a possibilidade de co-autoria e participação nos crimes

previstos na Lei Federal n. 8.666/1993; ainda, para melhor compreender tais tipos

penais, estudar-se-á a classificação doutrinária referente à sua duração, levando-se

em conta a existência ou não de ação criminosa, no que concerne ao resultado e a

efetiva ou não lesão ao bem jurídico protegido, quanto à realização ou não do tipo

penal, e no que concerne às circunstâncias que aumentam ou diminuem a pena.

Em relação à qualidade do sujeito ativo do delito, os crimes podem ser

classificados em: comuns, próprios ou especial e de mão própria; a seguir,

explicados nas palavras de Fernando Capez68:

1. Crimes comuns: podem ser cometidos por qualquer pessoa. 2. Crimes próprios: só podem ser cometidos por determinada pessoa ou categoria de pessoas, como o infanticídio (só a mãe pode ser autora) e os crimes contra a Administração Pública (só o funcionário público pode ser autor). 3. Crimes de mão-própria: só podem ser cometidos pelo sujeito em pessoa, como o crime de falso testemunho (art. 342 do CP). (grifo do autor)

Sem maiores embargos, se os crimes comuns podem ser cometidos

por qualquer pessoa, por certo que admitem a co-autoria e a participação, eis que

não necessitam nenhuma qualidade especial do sujeito ativo, tanto na autoria

imediata como na mediata, quer seja em crimes monosubjetivos ou plurisubjetivos,

estendível aos co-autores e partícipes.

No caso dos crimes próprios, também chamados de delicta propria, só

pode ser autor e co-autores, aplicando-se a inteligência do art. 30 do Código Penal,

aqueles que reúnem as características exigidas do autor no tipo penal objetivo,

admitindo a autoria imediata, não admitindo a autoria mediata daqueles que não

possuem essas características. E, quanto à participação é possível a quaisquer

pessoas frente aos crimes próprios, pois a assessorialidade, quer seja moral

68 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. 11. ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2004. p. 185.

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(instigação e induzimento) ou material (auxílio), perfazem a colaboração dolosa -

sem o domínio do fato – em um fato punível doloso de outrem69.

Em se tratando de crimes de mão própria em que só podem ser

cometidos pelo autor e de forma direta, onde as características personalíssimas do

autor estão expressamente descritas no tipo penal, admitem, em regra, somente a

autoria imediata, dada a impossibilidade da autoria mediata e da co-autoria, exsurge

ainda a possibilidade da participação.

Sobre os crimes de mão própria, Rogério Greco70, ensina:

Da mesma forma que, como regra, não se admite em infrações penais dessa natureza a autoria mediata, também deverá ser afastada a possibilidade de co-autoria. Isso porque, por se tratar de infrações personalíssimas, não há a possibilidade de divisão de tarefas. O delito, portanto, só pode ser realizado pessoalmente pelo agente previsto no tipo penal. Embora não se possa falar com co-autoria em delitos de mão própria, nada impede que haja concurso de partícipes. Os partícipes, mesmo não possuindo o domínio sobre o fato, podem, de alguma forma, concorrer para a infração penal, induzindo, instigando ou auxiliando materialmente o autor.

A regra do concurso de pessoas insculpida no art. 29 do Código Penal,

de acordo com o princípio do domínio do fato, remete a participação penal de “maior

importância”, prevista em seu caput, e a participação de “menor importância”,

prevista em seu parágrafo primeiro, aqui sendo caso de atenuação da pena.

Assim, nos casos de crimes próprios e de mão própria, dada a

impossibilidade da co-autoria, subsiste a responsabilização penal do não-autor que

participa ou contribui com o autor destes delitos, sendo bem explicado nas palavras

de Raúl Zaffaroni71, que:

Mas existem limitações legais ao principio do domínio do fato. Há pessoas que concorrem para o crime mediante uma contribuição indispensável, mas que não podem ser autores porque se trata de delito de mão própria ou de delicta propria. Assim, se alguém mantém uma mulher amarrada enquanto outro com ela mantém conjunção carnal, o único que comete estupro é este último, porque se trata de delito de mão própria. Da mesma forma, quem presta ao funcionário público um auxílio indispensável para que cometa a corrupção ativa não é co-autor de corrupção, porque não é funcionário público. Tanto aquele que subjuga a mulher como aquele que atua na situação só podem ser cúmplices: em virtude de sua participação

69 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. p. 643. 70 GRECO, Rogério. Manual de direito penal: parte geral. p. 443. 71 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. p. 646.

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necessária, a lei equipara aos autores para efeito da pena. Neste caso, a participação necessária não pode configurar co-autoria, porque não pode ser autor – e o co-autor não é mais que um autor – quem não tem os caracteres típicos do autor (nos delicta própria) ou não cumpre o verbo típico na forma direta e pessoal (nos delitos de mão própria). Nestes casos, quem participa o faz com uma contribuição da maior importância, porque tem domínio do fato, tal qual o autor, mas não pode ser considerado autor do fato, em face das limitações legais ao princípio do domínio do fato. Nos casos restantes, tem o julgador a faculdade de diminuir a penal, tanto para os cúmplices simples ou não necessários, como para os instigadores de acordo com a regra do §1.º do art. 29 do CP. Desta maneira estabelecemos o caso de participação de menos importância. (grifo do autor)

Quanto às demais classificações doutrinárias pertinentes ao estudo dos

tipos penais da Lei Federal n. 8.666/1993, estes referentes à sua duração

(instantâneo ou permanente), levando-se em conta a existência ou não de ação

criminosa (comissivo e omissivo), no que concerne ao resultado (material, formal e

de mera conduta) e a efetiva ou não lesão ao bem jurídico protegido (de dano e de

perigo); em ordem, destaca-se de Fernando Capez72 tal entendimento:

13. Crime instantâneo: consuma-se em um dado instante, como o homicídio. 14. Crime permanente: o momento consumativo protrai-se no tempo, como no caso do seqüestro (art. 148 do CP); 9. Crime comissivo: é o praticado por meio de ação; 10. Crime omissivo: é praticado por meio de uma omissão (abstenção de comportamento); 6. Crime material: o crime só se consuma com a produção do resultado naturalístico, como o homicídio (só se consuma com a morte); o furto (só se consuma com a subtração); o dano (só se consuma com a destruição); o estupro (só se consuma com a conjunção carnal) etc; 7. Crime formal: o tipo não exige a produção do resultado para a consumação do crime, embora seja possível a sua ocorrência. Assim, o resultado naturalístico, embora possível, é irrelevante para que a infração penal se consume. 8. Crime de mera conduta: o resultado naturalístico não é apenas irrelevante, mas impossível. È o caso do crime de desobediência ou da violação de domicílio, em que não existe absolutamente nenhum resultado que provoque modificação no mundo concreto. 4. Crime de dano: exige uma efetiva lesão ao bem jurídico protegido para sua consumação (homicídio, furto, dano, etc); 5. Crime de perigo: para a consumação, basta a possibilidade do dano, ou seja, a exposição do bem a perigo de dano (crime de periclitarão da vida ou

72 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. p. 184 – 186.

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saúde de outrem – art. 132 do CP). Subdividem-se em crime de perigo concreto, quando a realização do tipo exige a existência de uma situação de efetivo perigo, e o crime de perigo abstrato, no qual a situação de perigo é presumida, como no caso da quadrilha ou bando, em que se pune o agente, mesmo que não tenha chegado a cometer nenhum crime. (grifo do autor)

Tratando-se da classificação dos crimes quanto à realização ou não do

tipo penal (consumado ou tentado), e no que concerne às circunstâncias que

aumentam ou diminuem a pena (simples, qualificado ou privilegiado); em ordem,

destaca-se o entendimento de Diógenes Gasparini73:

Consumado é o crime onde estão reunidos todos os elementos de sua definição (art. 14. I, do CP). [...] De outro lado, tentado, é o crime que não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente, embora este tenha iniciado sua execução (art. 14. II, do CP). [...] No que concerne às circunstâncias que aumentam ou diminuem a gravidade da infração, o crime pode ser simples, qualificado ou privilegiado. Simples é o crime praticado consoante seu tipo básico. Nele não há circunstâncias que aumente ou diminua sua gravidade. [...] Qualificado é o crime em que o tipo base é agravado por uma circunstância. [...] Privilegiado é o crime em que o tipo penal base é atenuado por uma dada circunstância. (grifo do autor)

Definida a questão doutrinária da autoria, co-autoria e participação,

bem como a necessária classificação ao estudo dos crimes licitatórios, passa-se no

Capítulo 3 ao estudo dos tipos penais na seara da responsabilidade dos membros

da Comissão de Licitação e do Pregoeiro e da possibilidade de co-autoria em tais

delitos com outros agentes públicos ou particulares com especial sujeição jurídica

com a Administração Pública, bem como a possibilidade da aplicação subsidiária do

Código Penal ou legislação penal extravagante.

73 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 15 – 18.

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3 DOS CRIMES DA LEI FEDERAL N. 8.666/1993

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Lei federal sobre Licitações e Contratos da Administração Pública

prevê em sua Seção III – Dos crimes e das penas -, arts. 89 usque 98, em atenção

ao princípio da reserva legal, as possíveis condutas humanas consideradas ilícitos

penais concernentes a licitação e contratos da Administração Pública. Isto posto, em

detrimento à Parte Especial do Código Penal, pela revogação tácita de dispositivos

penais não aplicáveis conforme o princípio da especialidade; e, ainda, esta lei não

versou sobre uma Parte Geral específica, utilizando-se, pois, conforme o previsto no

art. 12 do Código Penal, as regras gerais deste Codex.

Sobre as disposições penais da Lei Federal n. 8.666/1993, refrisa-se

bem tal aspecto com o entendimento de Diógenes Gasparini74, de que:

Com efeito, aplica-se indistintamente aos autores, co-autores e partícipes de comportamentos considerados crimes por essa lei, verificáveis em quaisquer dessas administrações e esferas governamentais por ocasião da realização de licitação e celebração de contratos.

Uma consideração inicial faz-se importante, a despeito do sujeito ativo

e passivo, ex vi do art. 30 do Código Penal, no caso específico dos crimes previstos

na Lei Federal n. 8.666/1993, ressaltado por José Crettela Junior75 que:

Em todos os casos sem exceção, o sujeito passivo do crime é a Administração, ou como diz nosso Código Penal, a Administração Pública, embora eventualmente possa também ser o particular prejudicado. Por outro lado, o sujeito ativo é o funcionário público, o agente público, mas ocorrendo a participação do particular, a este se estenderá ou se comunicará essa qualidade, ou seja, o co-autor do crime contra a Administração é tratado como funcionário público. Mas, mesmo autonomamente, o particular, estranho ao funcionalismo, pode ser sujeito ativo ou passivo, de crime contra a Administração.

74 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 3. 75 CRETTELA JUNIOR, José. Das licitações públicas. p. 411.

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Visto isto, passa-se então ao estudo dos tipos penais da Lei Federal n.

8.666/1993 sob o enfoque doutrinário previsto no presente estudo.

3.2 DOS CRIMES EM ESPÉCIE

O estudo dos crimes em espécie previstos na Lei Federal n.

8.666/1993 estará jungido, de per si, a compreensão dos elementos normativos e

subjetivos do tipo, do momento consumativo do tipo e referenciando o sujeito ativo e

a objetividade jurídica, concomitante com a verificação da possibilidade de co-autora

e participação entre os membros da Comissão de Licitação, e destes ou do

Pregoeiro com outros servidores públicos e particulares com especial sujeição

jurídica com a Administração Pública ou não.

Ainda será alinhavando a questão da aplicabilidade do princípio da

especialidade, ou quando dispositivos similares do Código Penal que tratavam de

matéria similar a Lei federal das Licitações e Contratos Administrativos foram por

esta revogados tacitamente.

Quanto à questão da aplicabilidade de legislação especial extravagante

conforme qualidade específica do sujeito ativo do delito, em função de

características especiais do sujeito ativo do delito em sede de procedimento

licitatório ou contratação administrativa, alvitra-se quando do estudo jurisprudencial

concernente ao último capítulo do presente trabalho.

Assim vejamos os crimes:

O primeiro artigo penal refere-se a dispensar ou inexigir licitação,

sendo o art. 89, in verbis:

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

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São três as modalidades previstas pela norma penal - dispensar; não

exigir; ou deixar de observar as formalidades pertinentes a dispensa ou inexibilidade

da licitação -, explicadas tais condutas nas palavras de Paulo José da Costa Jr76,

que:

Dispensar é desobrigar, isentar da licitação, fora dos casos autorizados pelo art. 24 da presente lei. Inexigir significa não promover, não reclamar, não obrigar a licitação, fora dos casos regulados no art. 25 desta lei. A primeira modalidade de conduta prevista, dispensar, é de natureza comissiva. A inexigência será sempre omissiva. O agente, ao não realizar a licitação que se lhe impunha promover, estará infringindo a norma penal. A menos que se trate de uma das hipóteses prescritas pelo art. 25 desta lei. A terceira modalidade de conduta preceituada em lei é igualmente omissiva: deixar de observar as formalidades alusivas à dispensa ou inexibilidade previstas, substancialmente, no art. 26 desta lei. (grifo do autor)

A lei aludida acima é a Lei federal das Licitações e Contratos da

Administração Pública; contudo, também podem estar previstas outras formalidades

em leis ou atos estaduais, distritais ou municipais, ex vi do art. 118 do mesmo

diploma legal.

A objetividade jurídica é a moralidade administrativa e a lisura no

processo licitatório, conforme os princípios da Administração Pública e os previstos

no art. 3º da Lei Federal n. 8.666/1993.

Relativo aos sujeitos do crime, momento consumativo do tipo penal e

tentativa, colhe-se entendimento de Diógenes Gasparini77, que:

É crime próprio, pois só pode ser perpetrado por servidor assim qualificado. È possível a participação de terceiros no crime, como é o caso da autoridade superior que ratifica a dispensa ou a inexibilidade da licitação ou do assessor jurídico que oferece parecer concluindo pela legalidade de uma ou outra situação. Na hipótese do parágrafo único, o sujeito ativo será o particular que se beneficia com a ilegalidade e contrata ou pretende contratar sem a licitação. O sujeito passivo, tanto nas hipóteses do caput como no parágrafo único, é a entidade obrigada a licitar, a exemplo da União, da sociedade de economia mista e da autarquia. [...] Consuma-se o crime, no que respeita à dispensa, dispensabilidade ou inexigibilidade de licitação, com a edição do ato administrativo que libera a Administração Pública da realização dessa espécie de certame, independente da celebração de contrato. [...]

76 COSTA JR., Paulo Roberto. Direito penal das licitações: comentários aos arts. 89 a 99 da Lei n. 8.666, de 21-6-1993. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1 – 2. 77 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 104 – 105.

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No pertinente à inobservância das formalidades dos procedimentos de dispensa ou de inexibilidade o crime consuma-se coma prática do ato administrativo de dispensa ou inexigibilidade de licitação, sem atendimento prévio ou após o vencimento do prazo para sua prática. No que diz respeito ao crime do parágrafo único, a infração consuma-se no momento da celebração do contrato, isto é, da assinatura do ajuste quanto for exigido um termo de contrato ou ocorrer à aceitação ou retirada do instrumento equivalente (nota de empenho de despesa, ordem de execução de serviço). [...] Tentativa. È viável, em tese, embora seja difícil sua ocorrência na prática. Se a infração consistir na falta de comunicação à autoridade superior a tentativa, dado tratar-se de crime omissivo, é impossível.

No caso das condutas previstas no caput do art. 89, em sendo um

delito próprio, formal e de perigo concreto, exigindo a qualidade especial do sujeito

ativo de ser servidor que recebe as ditas atribuições legais, quer seja, os membros

da comissão de licitação ou o pregoeiro, restringe-se a estes agentes públicos a

possibilidade de co-autoria, sendo desnecessária a efetiva obtenção da vandagem

indevida

Nota-se que um superior hierárquico que tenha a responsabilidade de

homologar, ratificar a dispensa ou a inexibilidade da licitação, ou o assessor jurídico

que oferece parecer concluindo pela legalidade de uma ou outra situação, bem

como um membro da equipe de apoio, ou até um terceiro não licitante, devem ser

punidos a título de participação.

Em se tratando do parágrafo único, esclarece Flávio Sátiro

Fernandes78, que:

Para a o crime acima referido está prevista a possibilidade de co-autoria, em relação a quem, “tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público”. O co-autor, no caso é o particular que, concorrendo para a ilegalidade, dela se beneficia, contratando com o poder público.

Trata-se, pois, de autoria funcional do fato ao não agente público e a

inteligência do art. 30 do Código Penal, tendo o tipo penal definido esta condição

singular àqueles que têm especial sujeição jurídica com a Administração Pública, eis

que são licitantes e podem se beneficiar com a senda criminosa, pois é um crime

formal e de perigo concreto, inexige para sua configuração a efetiva obtenção da

vantagem econômica em prejuízo da Administração Publica.

78 FERNANDES, Flávio Sátiro. Dos crimes licitatórios. Revista Jurídica: classificação de ações e sentenças (I), São Paulo, v. 23, p. 39 a 46, set. 2004.p. 41.

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Vicente Grecco Filho79 alinha que o dolo é genérico, pela vontade livre

e consciente de dispensa ou inexigir a licitação ou deixar de observar as

formalidades legais; somando-se no parágrafo único, o dolo específico, pois o

agente licitante concorre para a ilegalidade perpetrada pelos agentes públicos contra

a Administração Pública.

O segundo artigo penal refere-se a frustrar ou fraudar a licitação, sendo

o art. 90, in verbis:

Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

São duas as modalidades possíveis, frustrar ou fraudar o caráter

competitivo do procedimento licitatório em prejuízo da Administração Pública e em

detrimento principalmente ao princípio da competitividade, através da participação

dolosa entre licitantes e, também, agentes públicos, sendo explicitado nas palavras

de Marçal Justen Filho80:

A primeira modalidade (frustrar) aperfeiçoa-se através da conduta que impede a disputa no procedimento licitatório. Pode verificar-se quando o servidor público introduz cláusulas no ato convocatório da licitação, destinadas a assegurar a vitória de um determinado licitante. A segunda modalidade (fraudar) envolve ardil pelo qual o sujeito impede a eficácia da competição. A Lei refere-se expressamente ao ajuste ou combinação. Normalmente, essa hipótese se concretiza quando diversos licitantes arranjam acordo para determinar a vitória de um deles. Porém, são criminalmente reprováveis acordos “parciais”, nos quais os licitantes estabeleçam condições “paralelas” às previstas no ato convocatório. Não é necessário que haja frustração ou fraude total da licitação. É suficiente que alguns dos aspectos do certame sejam atingidos. O crime se aperfeiçoa inclusive quando o acordo se destina a excluir da disputa participantes potenciais e inexistir uma definição prévia sobre qual dos concertantes será vencedor. (grifo do autor)

A objetividade jurídica é a moralidade administrativa conforme os

princípios da Administração Pública e o respeito ao princípio da competitividade

previsto no art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei Federal n. 8.666/1993.

79 GRECCO FILHO, Vicente. Dos crimes da lei de licitações. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 13. 80 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a lei de licitações e contratos administrativos. p. 579 – 580.

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Relativo ao sujeito ativo do crime, momento consumativo do tipo penal

e tentativa, colhe-se entendimento de Diógenes Gasparini81, que:

O sujeito ativo é o concorrente que frustra ou frauda, mediante ajuste, combinação ou outro expediente qualquer, a natureza competitiva do procedimento licitatório, valendo-se de outro concorrente ou servidor público ou agindo só [...] Para que haja este ajuste ou combinação essa participação é essencial. Nem sempre será assim nos casos de emprego de expediente diverso do ajuste ou da competição, desde que se possa frustrar ou fraudar a competitividade licitatória. [...] O crime consuma-se com a realização da licitação frustrada ou fraudada na sua competitividade. Como crime de dano ou resultado que é, torna-se indispensável para sua caracterização que o meio empregado frustre ou fraude, efetivamente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, tornando-se menor o número de participantes ou deserta a licitação. [...] Por ser crime material, dotado de atos de execução (inter criminis), admite tentativa.

Tem-se ao caso, em sendo crime próprio, material e de dano, a

possibilidade de co-autoria entre agentes públicos no geral e membros da comissão

de licitação ou o pregoeiro com licitantes, ou até no caso da licitação deserta82, com

pessoas que não possuem esta especial sujeição jurídica com a Administração

Pública, quer seja, os possíveis licitantes, desde que estes detenham possibilidade

jurídica de assim sê-lo.

Para tanto, é necessário o liame subjetivo entre todos os agentes, com

dolo genérico de frustrar ou fraudar o caráter competitivo da licitação, isto

asseverado por Flávio Sátiro Fernandes83, na figura complementar do dolo

específico, de que “a obtenção da vantagem é imprescindível para a configuração da

figura delituosa”. A participação é possível a qualquer pessoa na assessorialidade

quando do sabido cometimento deste delito.

O terceiro artigo penal refere-se a patrocinar interesse privado perante

a Administração Pública, sendo o art. 91, in verbis:

Art. 91. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

81 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 104 – 105. 82 Licitação deserta: é aquela em que instaurada regulamente não houve nenhum participante. 83 FERNANDES, Flávio Sátiro. Dos crimes licitatórios. Revista Jurídica: classificação de ações e sentenças (I), São Paulo, v. 23, p. 39 a 46, set. 2004.p. 41.

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Trata este crime da hipótese de patrocinar, direta ou indiretamente,

interesse privado perante a Administração Pública, guardando semelhança com o

crime de advocacia administrativa, previsto no art. 32184 do Código Penal, pois

patrocinar significa advogar, defender, proteger.

Na dicção deste tipo penal, por ser um tipo comissivo, percebe-se que

o patrocínio do interesse privado e ilegal junto a qualquer órgão da Administração

Pública deve relacionar-se exclusivamente com a instauração de licitação ou a

celebração de contrato administrativo adjacente, em atenção ao princípio da

especialidade, restando para sua configuração, tais atos administrativos invalidados

pelo Poder Judiciário; caso contrário, a conduta pode ser enquadrada na prevista no

art. 321 do Código Penal, v.g. quando a invalidação é realizada pela própria

Administração Pública.

Sobre o elemento objetivo do tipo penal em questão, Marçal Justen

Filho85 comenta:

O patrocínio consiste na defesa, na persecução, no incentivo ou na criação de condições para a vitória de um certo interesse privado. Envolve a prática de condutas que favorecem um particular relativamente a outros ou, mesmo, quanto à própria administração. O patrocínio pode ser direto ou indireto, o que denota a abrangência do tipo. Não é necessário que o sujeito defenda de modo formal o interesse de um particular determinado (hipótese totalmente improvável).

Flávio Sátiro Fernandes86 discorre sobre o momento consumativo do tipo, que:

O crime do art. 91, como está descrito, somente se configura se a licitação ou contrato tiver sua invalidação decretada pelo poder judiciário. Poderá prevalecer, diante dos termos da lei, que, em virtude da descrição legal, o agente estará livre de qualquer imputação, na hipótese de não ser, judicialmente, anulado o processo licitatório ou contrato. Evidentemente, em tal hipótese, poderá o agente ser responsabilizado pela prática do crime de advocacia administrativa previsto no art. 321 do CPB.

De forma diversa, Diógenes Gasparini87 aduz que “o presente crime é

material, pois somente se completa com a realização de um desses eventos

84Código Penal. Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo: Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa. 85 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a lei de licitações e contratos administrativos. p. 580. 86 FERNANDES, Flávio Sátiro. Dos crimes licitatórios. Revista Jurídica: classificação de ações e sentenças (I), São Paulo, v. 23, p. 39 a 46, set. 2004.p. 42 – 43. 87 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 110.

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(instauração da licitação ou celebração de contrato), sem necessidade da

decretação judicial da invalidade”, esta havida como condição de punibilidade, sendo

a tentativa plenamente possível em havendo um inter criminis no patrocínio.

Em relação ao comportamento do particular frente ao delito em

comento, Edemir Netto de Araújo88 explica:

Os comportamentos do particular em relação a este delito poderão constituir, de acordo com as circunstâncias, outros tipos penais, tais como a exploração de prestígio (art. 332 do CP), corrupção ativa (art. 333 do CP), ou ainda o delito do art. 335 do Código Penal (impedimento, perturbação ou fraude de concorrência), o qual também pode enquadrar-se nos arts. 93 ou 95 da Lei n. 8.666/93. (grifo do autor)

Paulo Roberto da Costa Jr.89 discorre sobre o sujeito ativo do crime,

que:

Sujeito agente do delito haverá de ser o funcionário público que patrocina interesse privado perante a Administração Pública. Pouco importa que não o fosse quando tivesse dado início à conduta delituosa, se, uma vez nomeado, nela persistiu. O particular (extraneus) poderá participar do delito auxiliando o intraneus na prática ilícita, induzindo-o ou instigando a ela. (grifo do autor)

O elemento subjetivo do tipo, nas palavras de Marçal Justen Filho90 é o

dolo específico, relacionado com a instauração de licitação ou avença de contrato

inválido, quando o sujeito ativo conhecia o vício e pretendia realizar o contrato, não

obstante tal ciência.

Por ser crime próprio, material e de dano, cometido exclusivamente por

qualquer agente público na realização das condutas previstas no tipo penal, coexiste

a possibilidade de co-autoria entre os membros da comissão de licitação ou o

pregoeiro, com quaisquer outros servidores públicos; sendo que a participação pode

ocorrer em relação a estes ou com licitantes ou particulares que ajudem na prática

de tal crime.

José Cretella Júnior91 ressalva sobre a possibilidade de co-autoria

deste delito entre servidor público e particular, que:

88 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 593. 89 COSTA JR., Paulo Roberto da Costa. Direito penal das licitações. p. 33. 90 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a lei de licitações e contratos administrativos. p. 580. 91 CRETELLA JUNIOR, José. Das licitações públicas. p. 414.

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O particular pode ser co-autor do crime de advocacia administrativa, desde que, de qualquer modo, concorra para o crime, comunicando-se-lhe as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, no caso concreto o status de funcionário público, já que, sem este tipo de agente não se perfaz o crime em questão.

A objetividade jurídica é a moralidade administrativa e a atuação do

servidor público em sintonia com o interesse público, dado os princípios da

Administração Pública.

O quarto artigo penal refere-se a admitir ou possibilitar vantagens,

sendo o art. 92, in verbis:

Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei:

Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais.

Neste dispositivo legal, em seu caput, são três as condutas possíveis:

admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem em favor do

adjudicatário.

Tem-se aqui a tipificação penal de possíveis condutas comissivas e

omissivas, findo o processo licitatório, eis que remete a fase de execução contratual,

deferindo-se ao contratado92 benefícios e vantagens não previstas em Lei, ou

previstas, mas sem os requisitos necessários para sua concessão, quer seja em ato

convocatório (edital) ou contrato firmado, conforme o art. 62 da Lei geral de

Licitações e Contratos da Administração Pública.

Também, existe crime quando não é observada a ordem cronológica,

prevista no art. 5º da Lei Federal n. 8.666/1993, de apresentação da comprovação

de adimplemento contratual para pagamento das faturas decorrentes, isto no caso

de diversos contratados, salvo por motivo justificável ou prazo diferenciado

92 Contratado: a pessoa física ou jurídica signatária de contrato com a Administração Pública (inciso XI do art. 6º, da Lei Federal n. 8.666/1993).

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previamente estabelecido pela Administração Pública, observando-se ainda o

previsto no art. 121 do mesmo diploma legal.

Para Marçal Justen Filho93, o sujeito ativo deste delito é o servidor

público, mas o contratado será punido desde que concorra para a consumação da

ilegalidade, não sendo suficiente o mero pleito da vantagem, estendendo-se, pois,

no parágrafo único do dispositivo legal em comento, a punição ao particular –

contratado – este beneficiado pela irregularidade.

Em sendo crime próprio, no que tange as condutas previstas no caput

do presente dispositivo legal, vislumbra-se a possibilidade de co-autoria entre os

membros da comissão de licitação ou o pregoeiro com demais servidores públicos.

E, em relação ao parágrafo único, o sujeito ativo do delito é o contratado que

concorre para a consumação da ilegalidade, sendo a participação admissível em

ambos os casos – caput e parágrafo único - de servidores públicos ou particulares

pela assessorialidade ao cometimento do delito.

Todavia, Vicente Grecco Filho94 conclui da possibilidade de

“participação do contratado na hipótese da segunda parte do caput, no pagamento

com preterição da ordem cronológica, porque a figura do parágrafo único refere-se à

primeira”.

Paulo José da Costa Jr.95 destaca que “o simples concurso, apartado

do benefício injusto não configura o crime para o contratado”, e que na hipótese

legal do pagamento de fatura em desacordo com a ordem cronológica de sua

apresentação, tem-se em segundo plano, igualmente ofendidos, os contratados

preteridos.

Destarte, tem-se que os crimes do caput são de perigo, pois não

dependem de efetivo prejuízo, sendo o crime do parágrafo único um crime de dano,

pela necessidade da obtenção da vantagem indevida ou benefício injusto.

Quanto ao elemento subjetivo do tipo, Diógenes Gasparini96 discorre

que:

No caput o elemento subjetivo é o dolo genérico, consistente na vontade livre e consciente em admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem ilegais em favor do contratado. O autor do crime deverá estar consciente da ilegalidade de seu comportamento. Assim

93 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a lei de licitações e contratos administrativos. p. 581. 94 GRECCO FILHO, Vicente. Dos crimes da lei de licitações. p. 31. 95 COSTA JR. Paulo José da. Direito penal das licitações. p. 39. 96 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 121.

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também, é o dolo no caso do parágrafo único. O contratado concorre livre e consciente para a modificação ou vantagem ilegais com o fito de obter vantagem indevida ou benefício injusto. No caso do contratado o dolo seria, ainda, específico, pois estaria ele com a modificação ou prorrogação visando uma vantagem indevida ou um benefício injusto.

A objetividade jurídica é a moralidade administrativa e a correta

execução dos contratos administrativos firmados dentro da lei.

O quinto tipo penal refere-se a impedir, perturbar ou fraudar licitação,

sendo o art. 93, in verbis:

Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

São três as condutas puníveis: impedir, perturbar ou fraudar, sendo

que as duas primeiras para serem penalmente relevantes devem ser ilegais, pois as

que configuram exercício regular de um direito, no necessário e legítimo interesse,

v.g. quando da impetração de mandado de segurança para suspender ou anular

procedimento licitatório, nada configura. Caso contrário, em sendo mera medida

procrastinadora, o elemento normativo integra-se ao subjetivo do tipo, comprovada a

litigância de má-fé, ex vi do art. 17 do CPC, configura-se então o presente delito.

O art. 33597 do Código Penal tratava exclusivamente da “concorrência”,

sendo que o presente artigo é mais abrangente, pois se refere a qualquer ato de

processo licitatório, assim revogando tacitamente aquele. Coexistindo violência no

ato, pune-se com a pena corresponde em concurso material, disciplinado pelo

Código Penal.

Marçal Justen Filho98 comenta que impedir significa obstar, sendo a

conduta reprovável que não permite a realização de ato do processo licitatório;

quanto a perturbar, significa a conduta que, embora não obstaculizando, dificulta a

prática de ato da licitação; e, que fraudar significa a utilização de artifício para evitar

o cumprimento de requisito legal ou dos efeitos do ato da licitação.

97Código Penal. Art. 335 - Impedir, perturbar ou fraudar concorrência pública ou venda em hasta pública, promovida pela administração federal, estadual ou municipal, ou por entidade paraestatal; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, além da pena correspondente à violência. Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem se abstém de concorrer ou licitar, em razão da vantagem oferecida. 98 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a lei de licitações e contratos administrativos. p. 582.

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Relativo aos sujeitos, momento consumativo do tipo, Vicente Grecco

Filho99 discorre que:

Sujeito ativo é qualquer pessoa, licitante ou não, que pratica atos causadores de impedimento ou perturbação da licitação ou que caracterizam a fraude. É admissível o concurso, quer enquanto co-autoria, quer enquanto participação. Sujeito passivo é o Estado, na pessoa da entidade que realiza a licitação. Os participantes regulares do procedimento impedido, perturbado ou fraudado podem ser prejudicados, mas não ofendidos no sentido jurídico-penal, porque não têm bem jurídico próprio atingido. [...] O crime é de resultado, exigindo o impedimento, perturbação ou fraude do ato, mas não se indaga se a conduta causou, ou não, prejuízo para a Administração.

Quanto ao elemento subjetivo do tipo, Paulo José da Costa Jr.100 relata

que:

Apresenta-se ele representado pelo dolo genérico, que é a vontade consciente e livre de o agente impedir, fraudar ou perturbar a realização do ato licitatório. Deverá o sujeito agente estar ciente da ilicitude da conduta empreendida. O extraneus que venha porventura a cooperar de algum modo com o funcionário público, na conduta criminosa, deverá agir impulsionado por dolo genérico idêntico, ciente da ilicitude do seu ato. (grifo do autor)

Desta feita, por ser crime comum, material e de perigo concreto,

vislumbra-se a possibilidade de co-autoria ou participação entre os membros da

comissão de licitação ou pregoeiro com demais servidores públicos, e com licitantes

ou particulares, punidos conforme a regra do art. 29 do Código Penal.

Diógenes Gasparini101 relata que a objetividade jurídica é o “desejo de

tutelar, proteger, é o regular desempenho da atividade administrativa, no caso, a

especialmente voltada para a realização das licitações”.

O sexto tipo penal refere-se a devassar sigilo de proposta, sendo o art.

94, in verbis:

Art. 94. Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 3 (três) anos, e multa.

99 GRECCO FILHO, Vicente. Dos crimes da lei de licitações. p. 36 – 37. 100 COSTA JR. Paulo José da. Direito penal das licitações. p. 43. 101 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 124.

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São incriminadas duas condutas, a de devassar o sigilo de proposta

apresentada em processo licitatório ou proporcionar que terceiro o faça, consoante

ao § 3º, do art. 3º da Lei, que considera o sigilo como elemento assegurador da

competitividade e igualdade no certame, eis que o conhecimento da proposta

geralmente só pode acontecer no momento oportuno e em sessão pública.

No caso do Pregão houve a inversão de fases, iniciando-se com a

classificação econômica da proposta e a oralidade nos lances dos preços, deixando

em segundo momento a habilitação, ex vi do art. 4º da Lei Federal n. 10.520/2002, o

que dificulta a ocorrência do tipo penal em comento, mas dando azo aos demais

delitos previstos na Lei, v.g. os dos arts. 90 e 93.

A presente infração é uma modalidade de violação de sigilo funcional,

antes prevista no art. 325 do Código Penal, o qual foi integralmente substituído por

este, operando-se a revogação tácita daquele e o agravamento da pena

anteriormente cominada.

Vicente Grecco Filho102 comenta sobre os elementos normativos e

consumação do tipo, que:

Consiste em devassar, que significa violar, tomar conhecimento indevidamente, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassar, que significa possibilitar, permitir, podendo evitá-lo. Basta que a violação ocorra em face de uma das propostas, não havendo necessidade de atingir todas. Não há necessidade, também, de que o contido na proposta devassada seja divulgado. É essa a intenção do agente, com certeza, mas essa circunstância não faz parte do tipo. [...] Consuma-se a infração com a devassa, que é o conhecimento do conteúdo da proposta pelo funcionário, na primeira parte do artigo, e pelo terceiro, na segunda.

Sem dificuldade, Diógenes Gasparini103 define a questão do sujeito

ativo deste crime, sendo:

O agente ativo de ambas as modalidades do crime (devassar ou proporcionar) do artigo sob análise é o servidor público. Não, por certo, qualquer servidor, mas somente o que as responsabilidades de receber e guardar os invólucros licitatórios. É crime que só pode ser cometido por esta espécie de agente, abrigando na definição do art. 84 da lei federal Licitatória. Trata-se de crime próprio. Na segunda modalidade, o beneficiado a quem o servidor público propiciou o devassamento é uma pessoa qualquer, um terceiro na dicção do artigo, qualificado como co-autor. É, portanto, sujeito ativo do crime que se comenta. Se esse conhecimento ocorre sem qualquer espécie de ajuda do servidor responsável pelo

102GRECCO FILHO, Vicente. Dos crimes da lei de licitações. p. 41. 103GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 133.

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recebimento e guarda dos invólucros licitatórios, o crime que se configura é o do art. 151 do Código Penal (violação de correspondência).

Paulo José da Costa Jr.104 expõem que a o presente crime consuma-se

com o devassamento da proposta, ou com a facilitação do devassamento, não se

fazendo necessário que o agente devasse a totalidade das propostas ou que seu

conteúdo seja divulgado, independente de dano à Administração Pública.

Por ser crime formal, próprio e de perigo concreto, aqui se vislumbra a

possibilidade de co-autoria entre os membros da comissão de licitação, caso

detenham a guarda das propostas, ou o pregoeiro, ambos com agente púbico que

tenha a responsabilidade de deter ou guardar os envelopes licitatórios ou outros

agentes públicos, bem como com terceiro a quem se proporciona à devassa, que

pode ser licitante ou não, sendo a participação admitida a qualquer pessoa que

colabore com o delito.

O elemento subjetivo do tipo nas palavras de Marçal Justen Filho105

seria:

Na hipótese “proporcionar ... o ensejo de devassá-lo”, a configuração do crime depende da existência de ação ou omissão orientadas a permitir ao terceiro a quebra do sigilo. Se o terceiro se aproveita de oportunidade e, sem que o servidor público possua consciência do que se passa, devassa o sigilo, o tipo não se configurou podendo caracterizar-se outro crime (inclusive aquele do art. 93).

O objeto jurídico tutelado é a regularidade do procedimento licitatório,

respeitando-se sua imparcialidade e lisura, na mais estrita legalidade.

O sétimo tipo penal refere-se a afastar ou procurar afastar licitante,

sendo o art. 95, in verbis:

Art. 95. Afastar ou procura afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar, em razão da vantagem oferecida.

104COSTA JR. Paulo José. Direito penal das licitações. p. 50. 105JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a lei de licitações e contratos administrativos. p. 583.

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São duas as condutas comissivas descritas no caput do tipo, afastar ou

procurar afastar licitante, porquanto do processo licitatório, empregando-se fraude,

grave ameaça ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo, requerendo para tanto

que este tenha ao menos condição de participar, em princípio, da licitação, senão

será crime impossível por absoluta impropriedade do objeto; e, no parágrafo único, a

conduta é comissiva pela abstenção ou desistência do licitante ao processo

licitatório.

Este tipo penal tem igual redação à parte final do art. 335 do Código

Penal, que foi revogado tacitamente pelos art.s 93 e 95 da Lei, havendo o

recrudescimento da pena, ainda coexistindo em concurso material a punição

correspondente a violência.

A violência prevista no tipo penal em comento é a física (vis corporalis),

que pode ser descrita conjuntamente com a grave ameaça, nas palavras de Cezar

Roberto Bitencourt106, de igual forma típica ao crime de roubo (art. 155 do Código

Penal), como sendo:

O termo “violência” empregado no texto legal significa a força física, material a vis corporalis, com a finalidade de vencer a resistência da vítima. [...] “Mediante grave ameaça” constitui forma típica da “violência moral”; é a vis compulsiva, que exerce força intimidativa, inibitória, anulando ou minando a vontade e o querer do ofendido, procurando, assim, inviabilizar eventual resistência da vítima. Na verdade, a ameaça também pode perturbar, escravizar ou violentar a vontade da pessoa, como a violência material. A violência moral pode materializar-se em gestos, palavras, atos, escritos ou qualquer outro meio simbólico. Mas somente a grave ameaça, isto é, aquela que efetivamente imponha medo, receio, temor na vítima, e que lhe seja de capital importância, opondo-se a sua liberdade de querer e de agir. (grifo do autor)

Para Vicente Grecco Filho107, no caso “a fraude é o ardil, artifício, o

engodo, a manipulação de circunstâncias que levam alguém a agir contra seus

interesses”, sendo o oferecimento de vantagem a “promessa de algum benefício, de

ordem econômica ou não, dada a especificidade do artigo (de qualquer tipo)”.

Flávio Sátiro Fernandes108 complementa, que:

106BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial: dos crimes contra o patrimônio até dos crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 3. p. 70 – 71. 107GRECCO FILHO, Vicente. Dos crimes da lei de licitações. p. 46. 108FEERNANDES, Flávio Sátiro. Dos crimes licitatórios. Revista Jurídica. p. 43.

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Não obstante, quis também condenar o afastamento do licitante (...) mesmo que disso não advenha qualquer proveito ao agente. A conduta criminosa em exame é condenada até mesmo em sua forma tentada. Não é necessário alcançar o resultado. Basta procurá-lo. Nas mesmas penas incorre, pois, tanto quem afasta o licitante mediante os expedientes ali enunciados como quem simplesmente tenta fazê-lo, embora não o consiga.

O sujeito ativo do delito, na dicção do tipo penal em questão, em

relação ao caput, é a pessoa que afasta ou tenta afastar licitante do procedimento

licitatório empregando violência, grave ameaça, fraude ou oferecendo qualquer

vantagem, não exigindo nenhuma qualidade especial do agente, portanto é crime

comum. Por conseguinte, no parágrafo único, o sujeito ativo, quando da abstenção,

é o licitante que deixa de participar da licitação em função do oferecimento da

vantagem; e, no caso da desistência, é o licitante que apresentou a proposta e

desistiu de participar em função da vantagem oferecida, restando-se como crime

próprio.

Depreende-se, como alhures, que o presente crime, nas hipóteses

previstas no caput, é crime formal e de perigo concreto, pois basta procurar afastar,

e não necessita da obtenção de qualquer vantagem para consumar tal delito; sendo,

pois, que a tentativa é considerada igualmente como crime, inviabilizando o conatus.

Por conseguinte, na hipótese do parágrafo único, o crime é material e

de perigo concreto, eis que o sujeito ativo necessita se afastar do processo

licitatório; caso aceite a vantagem e não se afaste, mesmo presente a torpeza

bilateral, comete o crime de estelionato (art. 171 do Código Penal); também não

admite a tentativa.

Assim sendo, no caso do caput, verifica-se a possibilidade de co-

autoria entre membros da comissão de licitação ou pregoeiro com outros servidores

públicos, licitantes ou particulares; no caso do parágrafo único, a co-autoria

daqueles com o licitante participante do procedimento licitatório; admitindo-se a

participação de qualquer pessoa na acessorialidade ao cometimento do crime.

Paulo José da Costa Jr.109 esclarece que a objetividade jurídica deste

delito tutela o bom andamento da Administração Pública, que tenha interesse em

que concorrências sejam realizadas normalmente e com seriedade.

109COSTA JR., Paulo José. Direito penal das licitações. p. 53.

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O oitavo delito consiste em fraudar em prejuízo da Fazenda Pública,

sendo o art. 96, in verbis:

Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente: I - elevando arbitrariamente os preços; II - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada; III - entregando uma mercadoria por outra; IV - alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida; V - tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato: Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

O presente dispositivo prevê cinco condutas puníveis mediante fraude,

relativamente à licitação ou contrato administrativo que causem prejuízo a Fazenda

Pública; conquanto não exaustiva, em função do inciso V que “tornando, por

qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato”.

José Cretella Junior110 leciona que “todo crime capitulado nesta lei,

causa, direta ou indiretamente, prejuízo a Fazenda Pública”, expressão que tem o

mesmo sentido de “cofres públicos, “erário”, “Estado”, “Administração”.

Ressalva Vicente Greco Filho, adstrito ao princípio da tipicidade, que o

artigo delimitou a questão da aquisição ou venda de bens ou mercadorias, enquanto

que “...o mesmo tipo de conduta e de prejuízo pode ocorrer relativamente a

contratos de prestação de serviços e, como maior freqüência, em contratos de

obras”.

Sobre as hipóteses legais, Paulo José da Costa Jr.111 leciona que:

I – Elevando arbitrariamente os preços. A conduta punível não consiste numa elevação qualquer de preços do mercado, mas na elevação arbitrária. Assim a majoração haverá de ser injustificada, desmotivada, contrariando regras e princípios. [...] Basta que a elevação dos preços se faça de forma arbitrária. [...] II – Vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada. A fraude é manifestada nesta modalidade de ação física: o agente vende como verdadeira mercadoria falsificada, ou como perfeita

110 CRETELLA JUNIOR, José. Das licitações públicas. p. 418. 111 COSTA JR., Paulo José. Direito penal das licitações. p. 58 – 59.

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mercadoria deteriorada. Evidentemente a fraude se apresenta no momento da entrega da mercadoria, ou seja, no instante preciso do traditio da res. [...] III – Entregando uma mercadoria por outra. [...] Sem dúvida, a mercadoria haverá de ser substituída por outra, de qualidade inferior. [...] A realização do delito independe da concordância, ou não, do administrador. Basta para sua verificação, a substituição de uma mercadoria por outra, de qualidade inferior. [...] IV – Alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida. [...] A alteração poderá verificar-se tanto em sua substância, vale dizer, na matéria, quanto em sua qualidade, ou seja, em seu modo de ser ou atributo; ou ainda mesmo na quantidade de mercadoria contratada. [...] Relevante o momento da conduta, que deverá apresentar-se por ocasião do fornecimento ou da entrega da mercadoria. (grifo do autor)

Assim sendo, verifica-se que o momento da consumação deste delito

ocorre quando a Administração Pública sofre prejuízo econômico, sendo a tentativa

possível no inter criminis: quando da prática de uma das condutas elencadas no tipo

penal e inocorre o pagamento por circunstâncias alheias a vontade do agente.

O sujeito ativo do delito é o licitante ou o contratado que pratica as

condutas descritas no tipo penal, sendo um crime próprio, material e de dano.

No caso em tela, difícil é a autoria do delito por membros da comissão

de licitação ou o pregoeiro, pois suas atribuições legais não dizem respeito ao

adimplemento contratual, o qual geralmente é responsabilidade de órgãos ou

setores distintos na estrutura administrativa, mas a co-autoria destes com licitantes é

possível. Entretanto, no caso do inciso I, quando da hipótese de dispensa ou

inexigibilidade de licitação, em que não existe competitividade a se preservar,

podem os membros da comissão de licitação ou o pregoeiro ser co-autores do

presente delito com o licitante, sendo a participação possível a qualquer pessoa que

contribua para a senda criminosa.

Marçal Justen Filho112 prescreve que “o dolo é genérico”, contudo

adiciona-se ao específico, pela intenção de causar prejuízo a Administração Pública.

Por certo que o bem jurídico tutelado é o patrimônio público da

entidade licitante, evitando-se o prejuízo econômico da fazenda Pública.

De outra banda, Marçal Justen Filho113 defende que o inciso I é

inconstitucional, a saber:

112 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a lei de licitações e contratos administrativos. p. 585. 113 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a lei de licitações e contratos administrativos. p. 599.

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[...] a elevação de preços não pode ser tipificada como crime. Nesse ponto, o dispositivo é inconstitucional, por ofender os arts. 5º, inc. XXII (garantia ao direito de propriedade) e 170, inc. IV (livre concorrência). Todo particular tem assegurada a mais ampla liberdade de formular propostas de contratação à Administração Pública. Para tanto, examinará seus custos, estimará seus lucros e fixará os riscos que pretende correr. Não pode ser constrangido a formular proposta para a Administração Pública idêntica à que formularia para terceiros. Portanto, se o particular decidir elevar seus preços, ainda que de modo aribtrário, não praticará ato reprovável pela lei penal.

O nono delito refere-se a licitar ou contratar com inidôneo, sendo o art.

97, in verbis:

Art. 97. Admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a Administração.

São duas as condutas comissivas reprovadas por este dispositivo legal:

admir licitante sabidamente declarado inidôneo ou celebrar contrato com pessoa

física ou jurídica declarada inidônea pela administração pública.

Pela inexecução total ou parcial do contrato, condutas ilícitas

praticadas na seara da licitação pública ou em relação aos contratos firmados

anteriormente, bem como fraude fiscal ou flagrante inidoneidade, consoante arts. 87

e 88 da Lei Federal n. 8.666/1993. Assim sendo, a Administração Pública, como

sanção prevista no inciso IV, do art. 87 do mesmo diploma legal, garantido o devido

processo legal, pode declarar inidôneo a pessoa física ou jurídica que detinha

especial relação jurídica com aquela, quer seja um licitante ou um contratado,

obstando sua participação em outros procedimentos licitatórios ou impossibilitando

de firmar novos contratos administrativos.

Ademais, no parágrafo único, a lei veda que o particular nesta

condição, pessoa física ou jurídica, declarada inidônea aos termos da Lei, participe

de novo procedimento licitatório ou firme qualquer contrato administrativo.

Flávio Sátiro Fernandes114 revela que o crime tem como agente ativo

“tanto o servidor que admite alguma empresa ou profissional inidôneo como o

114 FERNANDES, Flávio Sátiro. Dos crimes licitatórios. Revista Jurídica: classificação de ações e sentenças (I), São Paulo, v. 23, p. 39 a 46, set. 2004. p. 45.

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dirigente desta ou o profissional que, mesmo declarado inidôneo participe da

licitação ou contrate com a Administração Pública”.

Diógenes Gasparini115 alinhava que:

Ainda é crime próprio de servidor público quando a admissão de empresa ou profissional à licitação está a cargo da Comissão de Licitação ou do responsável pelo convite. Admitida a empresa ou o profissional inidôneo por este colegiado, todos os seus membros cometem o crime, dado que servidores. O mesmo se passa com os membros da Comissão de Licitação no caso da modalidade licitatória chamada concurso, pois são, nos termos do art. 84 da lei federal das licitações e Contratos da Administração Pública, servidores públicos. Somente expressa manifestação, divergente da maioria dos membros da comissão de Licitação que admita a empresa ou o profissional inidôneo, consigna em ata com a devida fundamentação, faz desaparecer, cremos, a responsabilidade penal de seu autor, tendo em vista o disposto no § 2.º do art. 51 da Lei feral das Licitações e Contratos da Administração Pública.

Marçal Justen Filho116 ressalva que:

Não há crime quando a sanção imposta encontra-se sujeita a questionamento na via administrativa ou judicial. Também não há crime se o sujeito participou da licitação em virtude de liminar judicial que, posteriormente, foi revogada. [...] È imperiosa a ciência de que fora imposta a declaração de inidoneidade para configurar-se o crime. Deve-se interpretar que o crime apenas seria caracterizável quando houver intento de prejudicar a Administração ou de obter vantagens indevidas. Não é reprovável que a conduta do sujeito que comparece de boa-fé para disputar, ignorando a sanção que lhe fora imposta. Por evidente, também não se pode reputar consumado o crime se os membros da Comissão de Licitação desconheciam a situação do particular.

O sujeito ativo na tipificação do caput do presente artigo é o servidor

público competente para admitir proponente licitante ou para firmar os contratos em

nome da Administração Pública, restando-se consumado no momento da admissão

ou celebração do contrato. E, no parágrafo único, o sujeito ativo aquele que,

declarado inidôneo, apresenta-se como proponente dentro do procedimento

licitatório ou celebra o contrato administrativo adjacente, sabidamente incurso nesta

condição, consumando-se o delito no momento da apresentação da proposta ou na

celebração do contrato, visualizando-se o conatus nesta hipótese.

Ex positi, em todas as hipóteses deste artigo, o delito pode ser

classificado como crime próprio, formal e de perigo abstrato.

115 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 158. 116 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a lei de licitações e contratos administrativos. p. 585.

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Desta feita, vislumbra-se a possibilidade de co-autoria entre os

membros da Comissão de Licitação ou o Pregoeiro com demais servidores públicos

na hipótese da primeira parte do tipo penal em questão, sendo que para a segunda

a parte do dispositivo penal, a conduta destes servidores públicos deve ser punida

aos moldes do art.96 (advocacia administrativa), eis que, costumeiramente, a

competência para celebrar contratos em nome da Administração Pública é da

autoridade que deflagra o procedimento licitatório e homologa o resultado do

certame; sendo a participação possível a qualquer pessoa pela acessorialidade.

Quanto ao elemento subjetivo do tipo, Paulo José da Costa Jr117.

afirma que:

Na cabeça do artigo, é o dolo específico do servidor público, representado pela vontade consciente e livre de admitir ou celebrar contrato com empresa ou profissional que sabe inidôneo. No parágrafo único, é o dolo genérico do representante legal da empresa ou profissional, consubstanciado na vontade livre e consciente de licitar ou de contratar com a Administração Pública, embora tenha sido declarado inidôneo.

A objetividade jurídica é o respeito aos princípios norteadores da

Administração Pública, em especial o da moralidade administrativa, proibindo-se que

pessoas declaradas inidôneas participem de licitações ou celebrem contratos

administrativos.

O último crime diz respeito a obstar, impedir ou dificultar o

cadastramento, sendo o art. 98, in verbis:

Art. 98. Obstar, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, suspensão ou cancelamento de registro do inscrito: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

São seis as condutas comissivas puníveis: obstar, dificultar ou impedir,

e promover indevidamente a alteração, suspensão ou cancelamento do registro do

inscrito.

Nas duas primeiras condutas – obstar ou impedir – tem-se o mesmo

significado, isto é, qualquer expediente utilizado pelo agente para que o possível

licitante não promova sua inscrição nos cadastros exigidos em Lei.

117 COSTA JR., Paulo José. Direito penal das licitações. p. 65.

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Quanto a dificultar, por óbvio, é qualquer expediente que o agente

utiliza para que torne complicado, obstaculizado, ou custoso tal registro. E, impedir,

significar impossibilitar de qualquer forma que o possível licitante promova seu

registro, inclusive com o uso de fraude ou violência, ou grave ameaça.

No caso do registro, consoante as regras previstas nos arts. 34 a 37 da

Lei Federal n. 8.666/1993, constitui crime a promoção indevida, ou seja, sem justa

causa, ilegal, pelo agente: da suspensão, tornar provisoriamente ineficaz o registro

do inscrito; cancelamento, cancelar em definitivo o registro do inscrito; ou alteração,

modificar dados cadastrais que tragam prejuízo ao inscrito.

Em atenção ao princípio da especialidade, considerando-se que na

atualidade os sistemas administrativos estatais são informatizados - v.g. na União, o

Sistema de Cadastro de Fornecedores (SICAF) -, em ocorrendo a alteração,

supressão ou cancelamento dolosos da inscrição concretizada no cadastro

obrigatório previsto em Lei, no caso em tela, afasta-se a aplicabilidade do art. 331-

B118 do Código Penal.

Quanto ao sujeito ativo deste crime, Diógenes Gasparini119 ministra

que:

Na primeira parte do dispositivo legal que se comenta, o sujeito agente do crime é qualquer pessoa, servidor público ou não. Na segunda parte é o servidor público e somente ele, pois ninguém mais pode promover os referidos atos de alteração, suspensão ou cancelamento. Somente alguém com tal competência e com acesso a esses registros podem proceder segundo a ordem desses verbos (alterar, suspender, cancelar). Trata-se portanto de crime próprio. É admissível, no entanto, a participação de não servidores, de estranho aos quadros funcionais da Administração Pública, responsável pelo registro cadastral e o seu regular funcionamento. (grifo do autor)

Vicente Greco Filho120 sobre a consumação e tentativa do tipo, revela:

Na primeira situação, o dificultar, que seria tentativa em face de obstar ou impedir, já consuma a infração, de modo que não vemos como possível o conatus. Na segunda, é possível imaginar hipótese de tentativa de promover alteração, suspensão ou cancelamento do registro.

118Código Penal. Art. 331-B - Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado. 119 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 165. 120 GRECCO FILHO, Vicente. Dos crimes da lei de licitações. p. 63.

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Por ser, na primeira parte do dispositivo legal, crime comum, material e

de dano, vislumbra-se a possibilidade de co-autoria entre os membros da Comissão

de Licitação ou o pregoeiro com outro servidor público ou particular; sendo que, para

a segunda parte, em sendo crime formal, próprio e de perigo concreto, coexiste a

possibilidade de co-autoria daqueles com o servidor público que promove

indevidamente a alteração supressão ou cancelamento, não necessitando que o

particular sofra algum prejuízo; admitindo-se, pois, no segundo a participação caso

de particular interessado.

Em se tratando do elemento subjetivo do tipo, Paulo José da Costa

Jr.121 relata:

Na primeira parte do dispositivo, o elemento subjetivo do tipo penal é o dolo genérico, representado pela vontade consciente e livre de obstar, impedir ou dificultar a inscrição do interessado no registro, certo o agente da injustiça de seu ato. Na parte final do artigo, o elemento subjetivo é também o dolo genérico, consistente na vontade livre e consciente de promover a alteração, a suspensão ou o cancelamento do registro, ciente o agente de que sua conduta é indevida.

O bem jurídico tutelado é garantir que existam concorrentes suficientes

quando dos processos licitatório e a segurança da atividade administrativa no que

concerne a integridade de seus registros cadastrais.

Por fim, tratada a questão dos tipos penais da Lei Federal n.

8.666/1993, da possibilidade de co-autoria e participação dos membros da

Comissão de Licitação e do pregoeiro com demais servidores públicos, licitantes e

particulares, tratar-se-á no próximo e último Capítulo, dos aspectos processuais da

referida Lei, bem como da necessária pesquisa jurisprudencial, inclusive sobre a

questão do princípio da especialidade, na aplicabilidade de legislação extravagante

dependendo da qualidade do agente público co-autor dos delitos em questão.

121 COSTA JR., Paulo José. Direito penal das licitações. p. 71.

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4 ASPECTOS PROCESSUAIS E JURISPRUDENCIAIS

4.1 ASPECTOS PROCESSUAIS DA LEI FEDERAL N. 8.666/1993

Fernando Capez122 conceitua processo como sendo o “meio pelo qual

o Estado procede à composição da lide, aplicando o direito ao caso concreto e

dirimindo os conflitos de interesse”.

José Eduardo Carreira Alvim123 sobre a essência do direito processual,

comenta:

O direito processual constitui-se de princípios e normas que regulam a resolução processual das lides, “incidindo, portanto sobre uma atividade estatal”, vez que a jurisdição constitui monopólio do Estado. O processo é o instrumento da jurisdição é a sua regulamentação é disciplinada pelo direito processual.

A relação jurídica processual se faz entre os três sujeitos processuais:

Estado-Juiz, autor e réu; tendo no processo a instrumentalização para a solução dos

conflitos através da jurisdição, desdobrando-se, pois, em dois aspectos, o objetivo e

o subjetivo, considerados ainda na palavra de Fernando Capez124 como sendo:

Analisando-o sobre o aspecto objetivo, isto é, dos atos, identificamos o seu primeiro elemento constitutivo, o procedimento, entendido como cadeia de atos e fatos coordenados, juridicamente relevantes, vinculados por uma finalidade comum, qual a de preparar o ato final, ou seja, o provimento jurisdicional, que, no processo de conhecimento, é a sentença de mérito. Sobre o aspecto subjetivo, surge segundo o elemento constitutivo do processo, que lhe dá vida e dinamismo: a relação jurídica processual.

Para Guilherme de Souza Nucci125, o Direito Processual Penal pode

ser conceituado como sendo:

122 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 13. 123 ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos de teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 55. 124 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 13. 125 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 2. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 73.

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[...] o corpo de normas jurídicas cuja finalidade é regular o modo, os meios e os órgãos encarregados de punir do Estado, realizando-se por intermédio do poder Judiciário, constitucionalmente incumbido de aplicar a lei ao caso concreto.

Portanto, o Direito Processual Penal é o ramo do direito público que

regula a função do Estado de julgar as infrações penais e aplicar as penas; sendo,

pois, regulado todo seu, ex vi do art. 1º do Código de Processo Penal, pelas regras

contidas neste Codex, quando legislação especial não dispuser de forma diversa,

mas sempre em caráter geral ou subsidiário, atentando-se aos princípios gerais do

Direito, e na defesa do Estado Democrático de Direito.

Destarte, a Lei Federal n. 8.666/1993 possui regras especiais

processuais contidas nos arts. 100 usque 108, os quais definem regras de processo

e procedimento aplicável nos crimes licitatórios nela definidos.

Considerando-se que os crimes licitatórios definidos nos arts. 91, 93,

97 e 98, tem pena máxima cominada de 2 (dois) anos, por força do art. 60 c/c 61 da

Lei Federal n. 9.099/1995, considerar-se-iam como crimes de menor potencial

ofensivo, desposando o rito processual sumaríssimo do Juizado Especial Criminal;

entretanto, pela inteligência do art. 100 da Lei Federal n. 8.666/1993, os crimes

previstos nesta lei são de ação penal pública incondicionada, o que, por si só

também afasta a aplicabilidade do art. 89 da lei dos Juizados Especiais.

Diógenes Gasparini126 assevera que:

Com efeito, o processo especial de julgamento dos crimes licitatórios veda, de modo absoluto, sua incidência, ainda que a pena mínima cominada, como ocorre nas hipóteses dos arts. 91, 93, 97 e 98, seja inferior a um ano. De fato, o art. 61 da Lei dos Juizados Especiais, expressamente, ressalva da incidência do art. 89 aos casos em que há lei, a exemplo da Lei federal Licitatória, que prevê para o julgamento dos crimes que institui um processo especial.

Assim sendo, consoante as regras especiais previstas na Lei federal de

Licitações e Contratos Administrativos, tem-se no art. 101 da Lei a possibilidade de

qualquer pessoa provocar a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe, por

escrito, informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstâncias em que

se deu a ocorrência; seguindo no art. 103 da Lei, com a previsão da ação penal

privada subsidiária da pública, aplicando-se para tanto os arts. 29 e 30 do Código de

Processo Penal. 126 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 86.

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Os prazos processuais especiais estão definidos nos arts. 104 ao 107

da Lei, in verbis:

Art. 104. Recebida a denúncia e citado o réu, terá este o prazo de 10 (dez) dias para apresentação de defesa escrita, contado da data do seu interrogatório, podendo juntar documentos, arrolar as testemunhas que tiver, em número não superior a 5 (cinco), e indicar as demais provas que pretenda produzir. Art. 105. Ouvidas as testemunhas da acusação e da defesa e praticadas as diligências instrutórias deferidas ou ordenadas pelo juiz, abrir-se-á, sucessivamente, o prazo de 5 (cinco) dias a cada parte para alegações finais. Art. 106. Decorrido esse prazo, e conclusos os autos dentro de 24 (vinte e quatro) horas, terá o juiz 10 (dez) dias para proferir a sentença. Art. 107. Da sentença cabe apelação, interponível no prazo de 5 (cinco) dias.

Por fim, tem-se previsto no art. 108 da Lei a aplicação subsidiária do

Código de Processo Penal, mas sem a aplicabilidade do previsto quanto aos crimes

de responsabilidade dos funcionários públicos, em seus arts. 513 usque 518, como

bem afirma Diógenes Gasparini127, de que:

[...] os crimes de responsabilidade de funcionários não são aplicáveis aos acusados do cometimento de qualquer das infrações criminais criadas pela Lei federal das Licitações e contratos da Administração Pública, dado que este diploma legal prescreveu um processo especial para este fim.

Quanto à competência para julgar os crimes licitatórios, ex vi do inciso

IV do art. 109 da Constituição Federal, caberá a Justiça Federal julgar as infrações

penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas

entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e

ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; restando, pois,

analogamente, a competência das justiças estaduais no caso dos estados-membros

e municípios, pela inteligência constitucional do art. 125, § 1º, o que dá azo ao

comentário da lavra de Diógenes Gasparini128:

Foro federal: Observe que a Justiça Federal não tem juízo em todas as comarcas, mas apenas nas capitais e grandes cidades, e que a ela vão ter somente os processos que consubstanciam as competências indicadas no art. 109 da Constituição Federal. O processo e o julgamento dos crimes previstos na Lei federal de Licitações e Contratos da Administração Pública

127 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 85. 128 GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. p. 43 – 44.

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enquadram-se genericamente nesse dispositivo constitucional, em especial no inciso IV, na medida em que cabe aos juízes federais processar e julgar as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços interesses da União, suas autarquias e empresas públicas. [...] Foro estadual: [...] Assim vão ter foro estadual os processos criminais ligados às licitações realizadas e contratos celebrados na Administração Pública, Direta e Indireta, do Estado e dos seus Municípios. Também vão desaguar nesse foto os processos penais sobre licitações e contratos de interesse das sociedades de economia mista e fundações provadas federais já que não compreendidas no inc. IV do art. 109 da Constituição federal, que escapam, pois, da competência da Justiça Federal. (grifo do autor)

Visto os aspectos processuais especiais da Lei Federal n. 8.666/1993,

e a questão da competência entre a Justiça Federal ou estadual, resta como último

intento, a devida pesquisa jurisprudencial para cotejar todo o conhecimento sobre a

responsabilidade penal dos membros da Comissão de Licitação e do Pregoeiro,

seguindo o derradeiro item.

4.2 PESQUISA JURISPRUDENCIAL

Em primeiro momento, para elucidar a questão do princípio da

especialidade, em se tratando de legislação penal extravagante, tem-se a não mais

aplicabilidade do art. 1º, inciso XI, do Decreto-Lei 201/67, de 27 de fevereiro de

1967, para repressão na hipótese do sujeito ativo autor ou co-autor do delito,

exclusivamente prefeito municipal “adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem

concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei”.

Hodiernamente, tal conduta delituosa amolda-se na hipótese do art. 89,

da Lei Federal n. 8.666/1993, ex pois incorrendo qualquer agente que se enquadre

na qualificação prevista no art. 84, parágrafo segundo, do mesmo diploma legal,

quer seja, servidor público para os fins penais desta lei, e pratique tal conduta ilícita.

Nota-se que, com a edição da Lei Federal n. 8.666/1993, em 21 de

junho de 1993, a mesma revogou expressamente o Decreto-Lei 2.300/1986 que

regulamentava a matéria licitatória no âmbito da União, e tacitamente quaisquer

outras normatizações estaduais ou municipais que com ela conflitassem.

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É cediço, para tanto, destacar parte de acórdão do eg. Tribunal de

Justiça de Santa Catarina129, o qual demonstra a tipificação da conduta supracitada

de prefeito municipal antes da edição da Lei Federal n. 8.666/1993:

DECRETO LEI N. 201/67, ARTIGO 1º, INCISO XI. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PROPRIAMENTE DITA. FLUÊNCIA ENTRE A DATA DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E A DESTE JULGAMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 109 CP. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRODUTOS ADQUIRIDOS E SERVIÇOS EXECUTADOS PELA MUNICIPALIDADE SEM LICITAÇÃO. ART. 1º, INCISO XI, DO DECRETO-LEI N. 201/67. TIPO PENAL QUE SE REFERE APENAS À TOMADA DE PREÇOS E CONCORRÊNCIA. EXIGÊNCIA, NA HIPÓTESE, TENDO EM VISTA OS VALORES DOS PRODUTOS E SERVIÇOS, APENAS DE CONVITE. ATIPICIDADE. CONSEQÜENTE CONSUNÇÃO DO CRIME DO ART. 299 DO CÓDIGO PENAL. PROCESSO-CRIME. DELITO PREVISTO NO ART. 1º, INCISO I, DO DECRETO-LEI 201/67. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS QUANTO AO ELEMENTO COGNITIVO PARA ALICERÇAR O DECRETO CONDENATÓRIO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. DENÚNCIA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Processo Crime n. 1999.013944-1, da comarca de Balneário Camboriú (Vara Criminal), em que é Autora A Justiça Pública, por seu Procurador-Geral de Justiça, e Réus Leonel Arcângelo Pavan, Júlio Cezar Lorensatto Ferreira, Liana Érica Lorensatto Ferreira e Rubens Spernau: ACORDAM, em Tribunal Pleno, por votação unânime, declarar extinta a punibilidade de Leonel Arcângelo Pavan, Júlio Cezar Lorensatto Ferreira e Rubens Spernau, no tocante aos crimes do art. 1º, inc. XI, do Dec-lei n. 201/67, e absolvê-los, no que se refere ao art. 299 do CP, nos termos do art. 386, inc. III, do CPP; absolver Leonel Arcângelo Pavan e Liana Érica Lorensatto Ferreira, do crime do art. 1º, inc. I, do Dec.-lei n. 201/67, nos termos do art. 386, inc. VII, do CPP; e, condenar Júlio Cezar Lorensatto Ferreira, ao cumprimento da pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, por infração ao art. 1º, inc. I, do Dec.-lei n. 201/67, substituída por restritivas de direitos, nos termos deste acórdão. Custas legais. [...] RELATÓRIO O representante do Ministério Público neste grau de jurisdição, Dr. José Galvani Alberton, com delegação de atribuições outorgada pelo Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral de Justiça (através da Portaria n. 0372, de 12.5.94), em 29.12.94 (fl. 7.908) ofereceu denúncia contra Leonel Arcângelo Pavan, Júlio Cezar Lorensatto Ferreira, Liana Érica Lorensatto Ferreira e Rubens Spernau, porque: "01. No período compreendido entre 1º de janeiro de 1989 e 31 de dezembro de 1992, o denunciado LEONEL ARCÂNGELO PAVAN ocupou o cargo de Prefeito Municipal do Município de Balneário Camboriú, SC. "Já o denunciado JÚLIO CEZAR LORENSATTO FERREIRA ocupou o cargo de Secretário de Administração da Prefeitura daquele município, durante a gestão do denunciado LEONEL PAVAN. O denunciado RUBENS SPERNAU exerceu a função de Secretário de Obras. "02. Durante suas gestões, era usual a contratação de serviços para o município, a serem executados por empreiteiras e empresas fornecedoras

129 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Processo Crime n. 1999.013944-1, do Tribunal Pleno. Relator: Des. Irineu José da Silva. j. 20 mai. 2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br> Acesso em: 01 out. 2009.

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de mão de obra, sem que fossem precedidos da licitação, indispensável naqueles casos. [...] "Tratou-se, sem dúvida, de procedimento forjado e, portanto, ideologicamente falso, destinado a acobertar a prévia contratação dos serviços da empresa MECA sem licitação, contratação claramente demonstrada pelo Relatório de Prestação de Serviços, que indica serviços prestados a partir de 22 de abril, e pela própria nota de empenho, datada de 19 de abril, embora indique estar supostamente embasada na Carta Convite 025/91. "A realização desse procedimento licitatório forjado foi exigida pelo denunciado LEONEL ARCÂNGELO PAVAN à Comissão de Licitação do Município, numa tentativa empreendida por ele para tentar acobertar a contratação sem a licitação prévia, que seria de rigor. "Com base nessa licitação forjada, foi celebrado o contrato de prestação de serviços n. 014-A/91, firmado em nome do Município de Balneário Camboriú, pelo denunciado LEONEL ARCÂNGELO PAVAN, na condição de Prefeito Municipal. "Dessa forma, empreendeu ele a contratação de empresa prestadora de serviços, por parte do Município, sem procedimento licitatório prévio, exigindo, depois, também, a realização de licitação ideologicamente falsa, na medida em que não representativa de procedimento prévio destinado a escolha da melhor proposta, mas apenas de procedimento forjado a posteriori, com o objetivo de acobertar a contratação precedente, em verdade já ocorrida. "Cometeu, desse modo, o denunciado LEONEL ARCÂNGELO PAVAN, portanto, um crime previsto pelo artigo 1º, inciso XI, do Decreto-lei n. 201/67, bem como outro capitulado no artigo 299 do Código Penal.” [...] (grifo do autor)

Como visto, aplicando-se o princípio da especialidade, com o advento

da Lei Federal n. 8.666/1993, de 21 de junho de 1993, quando um prefeito municipal

dispensar licitação em desacordo com a Lei, a responsabilização penal estará

prevista na hipótese do crime do art. 89, afastando-se a incidência do Decreto_Lei

201/67, eis que o inciso XI restou-se revogado tacitamente pela inteligência da nova

legislação. Nesta senda vem decidindo o eg. Tribunal de Justiça de Santa

Catarina130:

PROCESSO CRIME. DISPENSA ILEGAL DE LICITAÇÃO. ARTIGO 89 DA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (LEI N. 8.666/96). COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. RÉU PREFEITO MUNICIPAL. LEGITIMIDADE PASSIVA PARA RESPONDER POR SUPOSTAS ILEGALIDADES NAS LICITAÇÕES. NÃO COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO E DO PREJUÍZO FINANCEIRO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DENÚNCIA IMPROCEDENTE. O Prefeito Municipal, como ordenador de despesas, é diretamente responsável pelas contratações e pagamentos realizados pelo executivo

130 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Processo Crime n. 2006.042558-5. Relator: Des. Victor Ferreira. j. 01 dez. 2008. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br> Acesso em: 01 out. 2009.

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municipal, devendo responder por eventuais ilegalidades nas dispensas de licitações. Para a caracterização do crime previsto no art. 89 da Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública (Lei n. 8.666/96), é imprescindível demonstrar tanto o prejuízo financeiro à administração pública como o dolo específico, consistente em fraudar o certame licitatório para obter vantagem ilícita para si ou para outrem. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Processo Crime n. 2006.042558-5, da Comarca de Capinzal, em que é Autora a Justiça, por seu Promotor, e Réu o Prefeito Municipal Nilvo Dorini: ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por maioria de votos, julgar improcedente a denúncia com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Custas legais. Vencido o Exmo. Des. Solon d'Eça Neves, que votou no sentido de julgar procedente, em parte, a denúncia. RELATÓRIO Nilvo Dorini, Prefeito Municipal de Capinzal, foi denunciado por infração ao art. 89 da Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública (Lei n. 8.666/93), porque no ano de 2001 dispensou, em desacordo com as determinações legais, licitação para aquisição de peças e serviços para manutenção em veículos da Prefeitura Municipal, contratando-os do fornecedor "Macro Trator Ltda." pelo valor aproximado de R$ 18.854,00. No ano seguinte, adquiriu também da "Macro Trator Ltda." cerca de R$ 9.974,00 em peças e serviços. Para tanto, fracionou a despesa total com o objetivo de se esquivar do limite imposto pela Lei n. 8.666/93 e deixou de realizar pesquisas de preços para obtenção da melhor proposta, afrontando os princípios da administração pública. [...] Esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE (ART. 1º, XI, DO DL 201/67). DISPENSA OU INEXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO (ART. 89, DA LEI 8.666/67). PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. "[...] O Prefeito Municipal, como ordenador de despesas, não pode deixar de ser responsabilizado criminalmente, nos termos do art. 89, da Lei nº 8.666/93, quando burla a exigência de licitação, através de expedientes fraudulentos, como o fracionamento de despesa ou, ainda, quando frauda o próprio certame, com propostas contendo data anterior à do convite, condutas estas, ademais, diversas da descrita no art. 1º, XI, do Decreto-Lei n. 201/67, pelo que não há falar em bis in idem." Recurso não conhecido (Resp n. 504785/PB, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 02-10-03). [...]

Como visto, pode-se observar a tipificação da conduta deste prefeito

municipal incurso na disciplina penal do art. 89 da Lei Federal n. 8.666/1993, e não

mais no Decreto_Lei 201/67, quando o mesmo - agente público ex vi do § 2º do art.

84 da Lei - “dispensa ou inexige licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou

deixa de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”, o que

bem reluz o estudo do presente trabalho. Ainda, visualiza-se o princípio da

irretroatividade da lei penal, consoante a disciplina constitucional e do art. 125 da Lei

federal das Licitações e Contratos Administrativos.

No que tange a punição dos crimes previstos na Lei Federal n.

8.666/1993, referente ao elemento subjetivo do tipo penal integrar-se ao elemento

objetivo para a configuração do delito, somente ocorrer quando a conduta ilícita for

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praticada com dolo, eis que a Lei geral de Licitações e Contratos Administrativos não

previu a punição de nenhum ilícito penal na modalidade culposa, ex vi do parágrafo

único, do art. 18 do Código Penal.

Destarte, assim vem decidindo o eg. Tribunal de Justiça de Santa

Catarina, destacando-se, pois, parte do acórdão concernente ao Processo Crime n.

2004.002773-7, de 21 de setembro de 2004, do relator Des. Torres Marques131, que:

INQUÉRITO CONTRA EX-VICE-PREFEITO MUNICIPAL - SUPOSTA PRÁTICA DE CRIME PREVISTO NO ART. 89 DA LEI N. 8.666/93 - REQUERIMENTO DO REPRESENTANTE DO PARQUET AD QUEM SOLICITANDO O ARQUIMENTO DO FEITO - INEXISTÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA PRATICADA - DELITO NÃO PUNÍVEL A TÍTULO CULPOSO - ARQUIVAMENTO QUE SE IMPÕE. Vistos, relatados e discutidos estes autos de inquérito n. 04.002773-7, da comarca de Chapecó (2ª Vara Criminal e Execuções Penais), em que é indiciado Décio Jorge Munaro: ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, determinar o arquivamento. Custas na forma da lei. I - RELATÓRIO: Trata-se de inquérito policial instaurado mediante requisição do Ministério Público da comarca de Chapecó para apurar irregularidades cometidas por Décio Jorge Munaro quando exercia a função de Prefeito Municipal de Nova Itaberaba, cujo caderno indiciário foi encaminhado a esta egrégia Corte, eis que o indiciado, na condição ex-Vice-Prefeito Municipal, goza de foro privilegiado por prerrogativa de função. II - VOTO: A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do eminente Procurador, Dr. Basílio Elias de Caro, requereu o arquivamento do feito nos seguintes termos: “Décio Jorge Munaro, na qualidade de ex-Vice-Prefeito Municipal de Nova Itaberaba no exercício do cargo de Prefeito, foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 1º, XI, do Decreto-Lei n. 201/67, por ter determinado, no decurso do ano de 2000, a realização de serviço, consistente no conserto do caminhão de placa MDN 8090 pertencente à Municipalidade, sem a realização de procedimento prévio de dispensa de licitação. "Na defesa preliminar tempestivamente oferecida, propugna o indiciado pela rejeição da denúncia, aduzindo, em síntese, que o valor dos serviços então prestados ao Poder Público estaria dentro do limite estabelecido pela legislação para os casos de dispensa de licitação. Deste modo, não haveria necessidade de se observar qualquer formalidade prévia para ensejar a dispensa. "Acresceu que embora não fosse necessária a realização do procedimento em tela, teria consultado três diferentes prestadoras do serviço, efetivando a contratação com aquele que apresentou o menor preço. "Por fim, asseverou que as contas municipais do ano de 2000 teriam sido aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, não apresentando qualquer restrição. "É uma síntese do essencial, nesta fase que antecede ao recebimento da denúncia. "A denúncia está a depender de ratificação, porquanto a iniciativa para deflagração da ação penal é do Procurador-Geral de Justiça, eis que, a teor de reiteradas decisões dessa egrégia Câmara, prevalece na hipótese o foro especial por prerrogativa de função na forma do artigo 84, e respectivos

131 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Processo Crime n. 2004.002773-7, da 2ª Câmara Criminal. Relator: Des. Torres Marques. j. 20 mai. 2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br> Acesso em: 01 out. 2009.

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parágrafos do Código de Processo Penal. Assim, caberia ao chefe do Ministério Público a prerrogativa do oferecimento da denúncia, ou então a sua ratificação. "A peça inaugural foi firmada em data de 1º de agosto de 2003, posteriormente à vigência da Lei 10.628/2002, e o r. acórdão de fls. 197/201 reiterou a orientação desse Tribunal quanto ao foro competente para o processo e julgamento dos prefeitos. "Deixo de ratificar a exordial acusatória, nos termos da delegação em anexo, por duas razões. "Primeiramente, em decorrência do princípio da especialidade, a infração penal decorrente da narrativa exordial é aquela tipificada no artigo 89 da lei 8.666/93, que estabelece ser crime 'deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou inexigibilidade' e não o ilícito previsto no artigo 1º, inciso XI do Decreto-Lei n. 201/67. "Por esse fundamento, seria a hipótese de aditamento da peça vestibular, não fosse, na hipótese concreta, a atipicidade do fato. "A contratação direta da empresa que realizou os reparos no caminhão de propriedade do Município resultou num dispêndio da ordem de R$ 1.940,00, conforme os documentos de fls. 09/12. À época, em consonância com o artigo 24, II, da Lei 9.648/98, era dispensável a licitação para a realização de serviços de até R$ 8.000,00. “Na lição de Marçal Justen Filho: 'A ausência de observância das formalidades pertinentes à dispensa ou inexigibilidade da licitação somente é punível quando acarretar contratação indevida e retratar o intento reprovável do agente (visando a produzir o resultado danoso). Se os pressupostos da contratação direta estavam presentes mas o agente deixou de atender à formalidade legal, a conduta é penalmente irrelevante'. "Esta é a hipótese dos autos porquanto a dispensa de procedimento licitatório era autorizado em razão do valor do contrato. "Nos termos do artigo 24, II, da Lei n. 9648/98, que alterou a Lei das Licitações, o certame é dispensável para serviços e compras de valor de até 10% do limite previsto na alínea 'a' do inciso II do seu Art. 23, que correspondia a R$ 8.000,00. Além disso, de acordo com os documentos de fls. 33/37 o denunciado efetuou uma consulta de preços, sendo que das três empresas consultadas ele contratou a que apresentou o menor valor. De fato, observa-se que os valores ofertados foram, respectivamente, de R$ 1.940,00, apresentado pela empresa Maquiferla, e de R$ 2.770,00 e R$ 2.950,00 pelos outros dois consultados. "De toda sorte, não evidencia do caderno indiciário tenha o denunciado, ao substituir eventualmente o titular do cargo de Prefeito Municipal de Nova Itaberaba, quando então realizou a contratação direta, visado produzir prejuízo ao erário público. A dispensa é certo, dependia de um prévio procedimento administrativo que retratasse a transparência do ato contratual a ser realizado. Todavia, sua inexistência, aqui, afigura-se como mera irregularidade que não chegou a configurar o crime do artigo 89 da Lei 8.666/93, posto que, em acréscimo ao que dantes foi dito, afigura-se ausente o dolo próprio à espécie. "No que respeita ao elemento subjetivo, Marçal Justen Filho ensina que: "'Se a vontade consciente e livre de praticar a conduta descrita no tipo fosse suficiente para caracterizar o crime, então teria de admitir-se modalidade culposa. Ou seja, quando a conduta descrita no dispositivo fosse concretizada em virtude de negligência, teria de haver a punição. Isso seria banalizar o direito penal e produzir criminalização de condutas que não se revestem de reprovabilidade. É imperioso, para a caracterização do crime, que o agente atue voltado a obter um outro resultado, efetivamente reprovável e grave, além da mera contratação direta'. “Pelo exposto, deixo de ratificar a denúncia de fls. 02/03, razão pela qual devem os autos ser arquivados" (fls. 240/244). Nestes termos, o pedido de arquivamento do presente inquérito é de ser deferido, pois da análise detida dos presentes autos e das peças que o

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acompanham, vislumbra-se a atipicidade da conduta imputada ao indiciado, eis que ausente o elemento subjetivo "dolo" e por não ser o delito punível a título culposo. Destarte, restam ainda inaplicáveis as disposições do artigo 94, inciso I, da Lei Complementar Estadual n. 197/00, que determina a competência ao Egrégio Colégio de Procuradores de Justiça para "rever pela maioria absoluta de seus membros integrantes, decisão de arquivamento de inquérito policial ou peças de informações determinada pelo Procurador-Geral de Justiça, nos casos de sua atribuição originária: 1 - mediante encaminhamento do relator, em caso de não confirmação do arquivamento pelo Tribunal de Justiça” (grifo nosso). III - DECISÃO: Por esses motivos, determina-se o arquivamento do inquérito. Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Des. Irineu João da Silva, tendo lavrado parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Hipólito Luiz Piazza. (grifo do autor)

Como visto no presente trabalho, os crimes definidos na Lei Federal n.

8.666/1993 são todos punidos a título de dolo, com a devida comprovação do

elemento subjetivo do tipo penal, que de forma genérica é causar prejuízo a

Administração Pública; destacando ainda o art. 95, considerado um crime de

atentado, eis que a tentativa é punida como se consumado fosse o delito, assim

expressamente definido no tipo penal.

Entrementes, em que pese o comentário de Paulo José da Costa Jr.132

de que a conduta punível do inciso I, do artigo 96 da Lei Federal n. 8.666/1993,

consistir em uma elevação arbitrária de preços do mercado, tendo na doutrina a

possibilidade da responsabilização penal na hipótese prevista no tipo penal em

comento, agindo, pois, o sujeito ativo com dolo específico de causar prejuízo a

Administração Pública.

Tal dispositivo legal, como visto, nas palavras de Marçal Justen

Filho133, é eivado de inconstitucionalidade, pois afrontaria os arts. 5º, inc. XXII

(garantia ao direito de propriedade) e 170, inc. IV (livre concorrência), ambos da

Constituição Federal, no caso de estar em fase de julgamento das propostas.

Corroborando com o entendimento deste doutrinador, assim tem

decidido o eg. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul134:

132 Ver citação n. 112. 133 Ver citação n. 113 . 134 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Crime n. 70024655813, da 4ª Câmara Criminal. Relator: Des. Gaspar Marques Batista. j. 25 set. 2008. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br> Acesso em: 14 out. 2009.

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APELAÇÃO. CRIME CONTRA A LEI DE LICITAÇÕES. ART. 96, I, DA LEI Nº 8.666/93. PREÇOS ELEVADOS. FATO ATÍPICO. LIVRE CONCORRÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. A elevação de preços não pode ser tipificada como crime, por ofensa aos arts. 5º, inc. XXII (garantia ao direito de propriedade) e 170, inc. IV (livre concorrência). Todo particular tem assegurada a mais ampla liberdade de formular propostas de contratação à Administração Pública, competindo à comissão de licitação verificar a plausibilidade dos preços e rejeitar a proposta, quando excessivo o valor fixado. Recurso da defesa provido. Prejudicado o recurso do Ministério Público .

A CÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, dar provimento à apelação da defesa, para absolver o réu, com fundamento no art. 386, inciso III, do CPP, restando prejudicado o recurso do Ministério Público. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. JOSÉ EUGÊNIO TEDESCO (PRESIDENTE) E DES. CONSTANTINO LISBÔA DE AZEVEDO. Porto Alegre, 25 de setembro de 2008. DES. GASPAR MARQUES BATISTA, Relator.

RELA TÓR I O

DES. GASPAR MARQUES BATISTA (RELATOR) VALDIR ANTÔNIO BORTOLANZA foi denunciado nas sanções do artigo 96, inciso I, da Lei nº 8.666/93. No dia 10 de novembro de 2000, em horário incerto, na Prefeitura Municipal de Anta Gorda, o denunciado teria fraudado, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para venda de medicamentos, elevando arbitrariamente os preços. A denúncia foi recebida em 28 de novembro de 2006. O réu foi devidamente citado e interrogado, ofertando defesa prévia através da Defensoria Pública. Durante a instrução do feito, foram ouvidas sete testemunhas. Em sede de alegações finais, o Ministério Público requereu a condenação do acusado nos termos da inicial acusatória, alegando restarem comprovadas autoria e materialidade do delito. A defesa postulou a absolvição, sustentando ausência de dolo ou, em caso de condenação, a aplicação do princípio da insignificância. Sobreveio sentença, julgando procedente a denúncia, para condenar o acusado, por infração ao disposto no artigo 96, inciso I, da Lei nº 8.666/93, à pena de 03 (três) anos de detenção, em regime aberto, e multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. Inconformadas, ambas as partes apelaram da decisão. O parquet, em seu apelo, pugnou pela majoração da prestação pecuniária, sua destinação ao Município de Anta Gorda, bem como a alteração da forma de cálculo e destinação da pena de multa, com fundamento no artigo 99 da Lei nº 8.666/93. A defesa, em razões recursais, pleiteou o reconhecimento do princípio bagatelar e a atipicidade da conduta, bem como a absolvição do acusado por inexistência de dolo. Pleiteou, ainda, a análise de argumentos pré-questionados, quais sejam, a constitucionalidade de o comerciante fixar livremente preços, o princípio da legalidade e, por fim, o princípio da proporcionalidade. Os recursos foram contra-arrazoados.

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O Dr. Procurador de Justiça opinou pelo parcial provimento do recurso ministerial e pelo improvimento do recurso defensivo. É o relatório.

VOTOS

DES. GASPAR MARQUES BATISTA (RELATOR) Com razão a defesa. Conforme ensinamento de Marçal Justen Filho (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 1998, p. 599), “a elevação de preços não pode ser tipificada como crime. Nesse ponto, o dispositivo é inconstitucional, por ofender os arts. 5º, inc. XXII (garantia ao direito de propriedade) e 170, inc. IV (livre concorrência). Todo particular tem assegurada a mais ampla liberdade de formular propostas de contratação à Administração Pública. Para tanto, examinará seus custos, estimará seus lucros e fixará os riscos que pretende correr. Não pode ser constrangido a formular proposta para a Administração Pública idêntica à que formularia para terceiros. Portanto, se o particular decidir elevar seus preços, ainda que de modo aribtrário, não praticará ato reprovável pela lei penal.” Ou seja, compete à Administração Pública analisar o preço apontado na proposta e verificar se há excessividade ou não, sendo desarrazoado penalizar criminalmente o licitante que coloca preço de início aceito pela comissão de licitação, mas posteriormente considerado elevado demais, pela Administração seguinte. Por outro lado, o crime do inc. I do art. 96 da lei licitatória, ganha todos seus contornos típicos, quando o licitante altera o preço depois de fechado o certame e firmado o contrato de compra e venda ou prestação do serviço. Não há crime, se o preço excessivo consta da proposta concorrente à licitação. Nesse caso, entendendo, o funcionário encarregado do certame, que o preço é elevado, cabe convidar outros participantes, investigando melhor o mercado. Assim, impositiva a absolvição do réu, pois a fixação de preços é livre e encontra respaldo no art. 170 da Constituição Federal, que elenca a livre concorrência como um dos princípios gerais da ordem econômica pátria. Além disso, o réu não se valeu de nenhum meio ardiloso ou fraudulento, visando ludibriar a comissão licitatória. Apenas arbitrou valores que reputou adequados à proposta. A comissão é que deveria ter avaliado com mais cuidado o preço do remédio e, verificando-o exorbitante, rejeitar a proposta, ao invés de escolhê-la e pagar o valor pedido, sem certificar-se antes de tomar a decisão final. Por tais fundamentos, voto pelo provimento do recurso da defesa, para absolver o réu, pela atipicidade do fato denunciado, com fundamento no art. 386, inciso III, do CPP. Prejudicado o recurso do Ministério Público, que pleiteava o aumento da prestação pecuniária e a aplicação das regras especiais da lei de licitações, quanto à fixação da pena de multa. DES. CONSTANTINO LISBÔA DE AZEVEDO (REVISOR) - De acordo. DES. JOSÉ EUGÊNIO TEDESCO (PRESIDENTE) - De acordo. DES. JOSÉ EUGÊNIO TEDESCO - Presidente - Apelação Crime nº 70024655813, Comarca de Encantado: "À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO DA DEFESA, PARA ABSOLVER O RÉU, COM FUNDAMENTO NO ART. 386, INCISO III, DO CPP, RESTANDO PREJUDICADO O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, NOS TERMOS DOS VOTOS PROFERIDOS EM SESSÃO." Julgador(a) de 1º Grau: DEBORA GERHARDT DE MARQUE. (grifo do autor)

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Assim sendo, mediante o estudo preconizado no presente trabalho, o

delito previsto no inciso I, do art. 96 da Lei Federal n. 8.666/1993, ocorrerá somente

quando o licitante altera o preço depois de finalizado o certame e firmado o contrato

de compra e venda ou prestação do serviço, ressalvado o disposto na Lei. Não

ocorrerá crime no caso do preço excessivo constar da proposta apresentada no

momento do certame, sendo o membro da Comissão de Licitação ou o Pregoeiro

responsável por aquilatar tal fato frente ao mercado de bens e serviços, tomando as

medidas cabíveis em defesa da Administração Pública.

Em se tratando de competência processual, pela inteligência do inciso

IV, do art. 109 da Constituição Federal, cabe a Justiça Federal julgar as infrações

penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas

entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e

ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral em que a União;

restando, pois, conforme o § 1º do art. 125, quando as infrações penais praticadas

em detrimento de bens, serviços ou interesse dos estados-membros ou municípios.

Assim decidindo neste sentido o eg. Superior Tribunal Federal, em sede de Habeas

Corpus, colacionando-se, para tanto, as seguintes jurisprudências:

EMENTA Habeas Corpus. Competência de Justiça estadual. Repasse de Verbas. Lei nº 8.666/93. 1. É de competência da Justiça estadual processar e julgar agente público estadual acusado de prática de delito de que trata o art. 89 da Lei nº 8.666/93, não sendo suficiente para atrair a competência da Justiça Federal a existência de repasse de verbas em decorrência de convênio da União com Estado-membro. 2. Habeas Corpus deferido. Decisão Por maioria de votos, a Turma deferiu o pedido de habeas corpus para proclamar a competência da justiça comum, nos termos do voto do Ministro Menezes Direito, redator para o acórdão; vencido o Ministro Carlos Britto, Relator. Não participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Falaram: pelo paciente, o Dr. Luís Alexandre Rassi e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas, Subprocurador-Geral da República. 1ª. Turma, 04.12.2007.135(grifo do autor) [...] DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. FRAUDE EM LICITAÇÃO E DESVIO DE VERBAS FEDERAIS. IMPROVIMENTO. 1. O recurso extraordinário se fundamenta no art. 102, III, a, da Constituição Federal, sob o argumento de que o acórdão recorrido teria violado o disposto no art. 109, IV, do texto constitucional, relativo à competência da

135 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 90174/GO, da 1ª Turma. Rel. Min. Carlos Britto. j. 04 dez. 2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br> Acesso em: 14 out. 2009.

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justiça federal. 2. Esta Corte já teve oportunidade de apreciar matéria semelhante, relacionada à possível fraude à licitação envolvendo verbas federais, sujeitas à fiscalização pelo Tribunal de Contas da União. Tratava-se de possível fraude em licitações com desvio de verbas provenientes do FUNDEF, do FNDE e do FPM, em que se reconheceu interesse da União a ser preservado, evidenciando a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes contra esse interesse (HC nº 80.867/PI, de minha relatoria, 1ª Turma, DJ 12.04.2002). 3. Concluo no sentido da correção do julgado da Corte local, ao confirmar decisão declinatória em favor da justiça federal. No caso, havendo concurso de crimes, a competência da justiça federal também alcançará os fatos supostamente criminosos que foram praticados em conexão com aqueles de competência da justiça federal. 4. Recurso extraordinário conhecido e improvido. Decisão A Turma, à unanimidade, conheceu do recurso extraordinário e negou-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Celso de Mello e Eros Grau. Presidiu este julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie. 2ª Turma, 14.10.2008.136(grifo do autor)

Como visto, em ocorrendo crimes licitatórios envolvendo bens e

interesses da União, quer seja, no seio da administração direta ou indireta, a

competência é da Justiça Federal, o que não ocorre no caso da pessoa política ser

estado-membro ou município, mesmo que os recursos sejam oriundos da União e

fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União, como no caso apresentado, por força

do art. 26 da Lei Federal nº 11.494/2007.

Em ultima análise jurisprudencial, no que tange ao crime do art. 90 da Lei,

quer seja, “frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro

expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter,

para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação”;

assim tem entendido o eg. Tribunal de Justiça de Minas Gerais137:

EMENTA: "HABEAS CORPUS" - CRIME DE FRAUDE À LICITAÇÃO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - IMPOSSIBILIDADE - FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO CONFIGURADA. A princípio, o dolo específico consistente na intenção de obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, não pode ser afastado, já que quem pretende vencer uma licitação objetiva vantagem econômica, ou seja, a realização do contrato. A adjudicação do objeto da licitação ao autor não é essencial à caracterização do delito. Se a denúncia preenche os requisitos do artigo 41 do C.P.P. não há que se falar em inépcia da peça acusatória.

136 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial n. 464621/RN, da 1ª Turma. Rel. Min. Ellen Gracie. j. 14 out. 2008. Disponível em: <http://www.stf.gov.br> Acesso em: 14 out. 2009. 137 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus ao Processo Crime n. 1.0000.05.418284-5/000, da 3ª Câmara Criminal. Relator: Des. Paulo Cezar Dias. j. 10 mai. 2005. Disponível em: <http://www.tj.mg.gov.br> Acesso em: 14 out. 2009.

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HABEAS CORPUS (C. CRIMINAIS ISOLADAS) Nº 1.0000.05.418284-5/000 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - PACIENTE(S): CLAUDINEY GOMIDE SOARES - COATOR(ES): JD 1ª V CR COMARCA BELO HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. PAULO CÉZAR DIAS ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DENEGAR A ORDEM. Belo Horizonte, 10 de maio de 2005. DES. PAULO CÉZAR DIAS - Relator [...] Segundo a inicial, após o início da análise das propostas, por ocasião da sessão pública realizada no dia 30/08/2004, o licitante que representava a empresa A R Comércio de Peças, Produtos e Serviços Ltda, ao manusear as propostas elaboradas pelos concorrentes, verificou a existência de ‘conluio' entre as empresas UNIFAP COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA, ATELIÊ AUTOMOTIVO LTDA, CIA DO CARRO PRODUTOS E SERVIÇOS e TRÁFEGO CENTRO AUTOMOTIVO E COMERCIAL LTDA, cujos representantes legais são os denunciados. As propostas apresentadas pelas referidas empresas apresentavam o mesmo padrão, destacando-se a utilização de papel semelhante, mesmo padrão de impressão (impressora matricial), mesma grafia e erros de digitação. Realizado o exame documentoscópico pelo Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, apurou-se que as empresas acima referidas teriam elaborado suas propostas sem o sigilo que requer o procedimento licitatório, razão pela qual foram desclassificadas as propostas por elas apresentadas, por vício de ilegalidade. Finalmente, consta da exordial que a fraude dos denunciados, os quais elaboraram as propostas, consistiu no prévio ajuste acerca do percentual de desconto ofertado (percentuais de descontos bem próximos uns dos outros), o que resultou na quebra do sigilo das propostas, visando que a empresa Tráfego Centro Automotivo e Comercial Ltda., cujo representante legal é o Paciente, fosse a vencedora do certame e com isso obtivessem as vantagens decorrentes dessa adjudicação. [...] O CRIME versado no art. 90 da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações), pelo qual o paciente está denunciado, consiste em: frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, como o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação – Pena: detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. O tipo é misto alternativo. Frustrar significa tornar a licitação sem efeito, enquanto fraudar significa ludibriar, bastando a constatação de uma delas para a tipificação do CRIME. No entendimento de Marçal Justen Filho: Não é necessário que haja frustração ou fraude da eficácia total da licitação. É suficiente que alguns dos aspectos do certame sejam atingidos (Comentários à lei de licitações e contratos, 10ª ed., São Paulo, Ed. Dialética, 2004, p. 611). [...] A princípio, o dolo específico consistente na intenção de obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, não pode ser afastado, já que, como observou o culto Procurador de Justiça, Dr. Waldemar Antônio Arimatéia, é fácil concluir que quem pretende vencer uma licitação objetiva vantagem econômica, ou seja, a realização do contrato. Oportuno ainda salientar que, para se alcançar o objetivo do impetrante, que é o trancamento da ação penal proposta contra o paciente, necessário seria o exame aprofundado da prova, ou mesmo a produção de prova em

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torno da existência do dolo específico descrito na denúncia o que seria absolutamente inviável no campo restrito do Habeas Corpus. A adjudicação do objeto da licitação ao autor não é essencial à caracterização do delito. Nesse sentido anota Rui Stoco: (...) o fim colimado será sempre o de impedir ou descaracterizar o caráter competitivo do procedimento mediante concerto prévio dos licitantes, o que vem se tornando muito comum atualmente. Esse conluio tanto pode se restringir ao acertamento dos licitantes, que combinam previamente quem deva ser o vencedor, de modo que os demais apresentem propostas inferiores (em preço ou técnica (...). Para a realização do tipo penal impõe-se um resultado. Da ação ou omissão deve decorrer a eliminação do caráter competitivo do certame, beneficiando um dos autores da ação delituosa e contaminando o ato com a eiva da nulidade absoluta. ("in" Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, 7ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 2563). Nessa linha de raciocínio, o Min. Sepúlveda Pertence, no HC nº 80566-3, inclusive citado pelo impetrante, deixa claro que: A figura do art. 90, aperfeiçoa-se com a homologação da licitação fraudada pelo ajuste entre concorrentes, independentemente da efetivação da vantagem visada que é simples exaurimento do CRIME (assim, corretamente, atualizadores de Helly Lopes Meirelles, Licitação e Contrato Administrativo, 11ª ed., Malheiros, 1996, assim como Luiz Carlos Alcoforado, Licitação e Contrato Administrativo, 2º ed., Brasil, Jurídica, 2000, p. 424). É delito de consumação antecipada: malgrado nele reclame, como elemento subjetivo do injusto ou dolo específico, intuito de obter para si mesmo ou para terceiro a adjudicação objeto da licitação fraudada – a adjudicação e, menos ainda, pagamento do preço ajustado não são essenciais à configuração da materialidade objetiva do delito. Pelo que venho a expor não há dúvida de que os fatos descritos na denúncia correspondem ao CRIME tipificado no artigo 90 da Lei 8.666/93. [...] Com o devido respeito, no meu modesto entendimento, o que exige o tipo do art. 90, além do ajuste, a combinação ou outro expediente escuso para fraudar o caráter competitivo do certame - que não estão em discussão -, é o simples intuito de com essas condutas obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto. Nada mais. Como bem posto no voto do ilustre Relator, "....a adjudicação e, menos ainda, pagamento do preço ajustado não são essenciais à configuração da materialidade objetiva do delito". Portanto, o fato de não ter ocorrido a adjudicação, em face da descoberta da fraude, é irrelevante, não havendo, por outro lado, como se discutir, em face da necessidade do exame de provas, se ocorreu ou não o dolo específico (intuito de obter vantagem). Com estes breves fundamentos, acompanho o judicioso Voto do Relator e, também, denego a ordem. A SRª. DESª. JANE SILVA: Sr. Presidente. Tive oportunidade de examinar a documentação que me foi remetida inclusive o memorial apresentado pelo ilustre Advogado do Paciente, assim como o voto do eminente Relator e, agora, tendo oportunidade de ouvir o voto de V. Exª., tenho a declarar que cheguei à mesma conclusão a que chegaram ambos, razão pela qual os acompanho em seu pronunciamentos. SÚMULA : DENEGARAM A ORDEM.

Como visto, no delito em tela, tem-se para sua configuração - mediante

expediente que frustre o caráter competitivo da licitação, ou seja, que a torne sem

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efeito – a necessária a comprovação do ajuste prévio entre os licitantes e com fim de

obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação. Assim sendo, tal

delito é um crime de perigo concreto e formal ou de consumação antecipada,

aperfeiçoando-se com a homologação da licitação fraudada pelo ajuste entre

concorrentes, independentemente da efetivação da vantagem visada, que é simples

exaurimento do crime.

Nota-se que ocorreu co-autoria entre os particulares, no caso, os

licitantes, os quais praticaram tal delito, devidamente comprovado a unidade de

desígnios, com dolo específico consistente na intenção de obter vantagem

decorrente da adjudicação do objeto da licitação, já que quem pretende vencer uma

licitação objetiva vantagem econômica, ou seja, a realização do contrato,

respondendo criminalmente todos na sanção prevista no art. 90 da Lei Federal n.

8.666/1993.

Por fim, a presente pesquisa jurisprudencial satisfez a questão de

correlacionar o conteúdo doutrinário apresentado com o entendimento dos tribunais,

pois os acórdãos trouxeram casos reais que ilustraram toda a temática tratada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou delinear a responsabilidade penal dos

membros da Comissão de Licitação e do Pregoeiro sob a égide da Lei Federal n.

8.666/1993, bem como a possibilidade de co-autoria e participação com outros

servidores públicos e particulares com especial sujeição jurídica com a

Administração Pública (licitantes) ou não. Ainda teve como objetivo verificar a

aplicação subsidiária do Código Penal e legislação penal extravagante frente ao

princípio da especialidade e a utilização das normas penais da parte geral do Codex

penal.

Para tanto, no Capítulo 1 delineou-se juridicamente a questão da

Administração Pública, pois é o ambiente onde ocorrem todas as relações jurídicas

disciplinadas pela Lei Federal n. 8.666/1993, sob a égide do Direito Administrativo,

prevendo-se hipóteses penais e cominando pena, em observância ao princípio da

reserva legal, restando-se, como visto, afastada a incidência do Código Penal na

aplicação do princípio da especialidade, no que tange a responsabilização penal das

condutas praticadas com desvio de finalidade, fraude e outras ações que frustrem a

lisura do processo licitatório e possam causar prejuízo ao erário.

Importante foi discorrer sobre a Administração Pública, assim

entendida como todo o aparelhamento do Estado preordenado a realização de

serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas, qual seja, a promoção do

bem comum. Em assim sendo, a estrutura organizacional da Administração Pública é

erigida sob a égide do Direito Administrativo, o qual encontra fundamento na

Constituição Federal, ex vi do caput do art. 37, informando, pois, seus princípios

norteadores, os quais doutrinariamente foram ampliados, tal como estudado,

visualizando-se como corolário do princípio da legalidade, o da indisponibilidade do

interesse público e o da supremacia do interesse público sobre o particular.

Na senda da legalidade administrativa, no que tange as obras públicas

e aquisição de bens e serviços pela administração pública em geral, bem como

alienações, exige-se o processo de licitação pública, conforme o disciplinado no art.

37, inciso XXI da Constituição Federal. Em assim sendo, foi editada a Lei Federal n.

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8.666/1993, a qual prescreve as normas gerais sobre licitações públicas, aplicável

nas três esferas de poder e na administração direta e indireta, criou as modalidades,

hipóteses de dispensa e inexibilidade, bem como informa todo o procedimento

licitatório, com contornos penais e processais penais aos ilícitos praticados no seio

da atividade administrativa por ela regida.

Entretanto, com o advento da Lei Federal n. 10.520/2002, criou-se uma

nova modalidade de licitação denominada “pregão”, sendo empregada na aquisição

de bens e serviços comuns ao mercado, protagonizando um processo mais célere

em atenção ao princípio da eficiência na Administração Pública, aplicando-se ao

Pregão a disciplina da Lei Federal n. 8.666/1993, de caráter “geral”, inclusive quanto

à responsabilidade administrativa e penal.

O procedimento licitatório, assim entendido como o conjunto de atos

pré-ordenados, disciplinados pela Lei, com o fim de escolher a proposta mais

vatanjosa para a Administração Pública, criando uma especial relação jurídica deste

com particulares – licitantes –, sendo levado a efeito pela Comissão de Licitação e

pelo Pregoeiro. Tais servidores públicos são responsáveis pela fase externa da

licitação, desde a abertura do certame, com o lançamento do edital, habilitação dos

proponentes, julgamento das propostas e o encerramento, pela adjudicação dos

bens ao licitante vencedor.

A formação das comissões de licitação e a escolha do pregoeiro têm

prescrição legal quanto aos seus integrantes, prazos e atribuições, assim como aos

servidores públicos auxiliares neste mister, sendo nomeados pela autoridade

competente da entidade que pretende licitar, e se dividem em função de suas

peculiaridades, em comissões permanentes e comissões especiais.

Assim sendo, os membros das comissões de licitação e o Pregoeiro,

em atenção à teoria do órgão, exaram atos administrativos em nome da

Administração Pública, os quais podem ser eivados de desvio de finalidade e fraude,

restando prejuízo ao erário e até aos particulares, cometendo, pois, ilícitos de índole

administrativa ou penal.

Visto isto, no Capítulo 2, travou-se a dialética entre o ilícito

administrativo e ilícito penal, fixando-se o limiar existente, quanto que a reprimenda

administrativa é por natureza mais branda que a penal, na compreensão da

diferenciação ontológica jungida ao cerne da gravidade da conduta, conquanto que o

ilícito penal na licitação fere além da Administração Pública a sociedade como um

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todo – considerado como um ilícito administrativo penal -, reclamando, pois, o peso

do Direito Penal e suas sanções - que podem alterar o status libertatis do agente -, e

o ilícito administrativo puro, onde as sanções de caráter administrativo são aplicadas

na órbita da Administração Pública.

Ressalta-se que os princípios constitucionais norteadores do Direito

Penal, limitadores do jus puniendi estatal, estão presentes no Direito Administrativo

repressor, em que pese o caráter discricionário das sanções por este aplicadas.

Continuando neste capítulo, com a análise dos aspectos penais

contidos na Lei Federal n. 8.666/1993, observa-se que em seu bojo esta lei traz

apenas hipóteses penais de crimes e culminam suas penas (art.s 89 usque 98),

sendo que a análise doutrinária teve fundamento consubstanciado na doutrina à luz

da parte geral do Código Penal.

Por certo, a Lei Federal n. 8.666/1993 trouxe um recrudescimento nas

sanções penais aos ilícitos praticados dentro do processo licitatório, isto em relação

às hipóteses outrora previstas no Código Penal e revogadas tacitamente pela nova

Lei com a aplicação do princípio da especialidade, assim como elegeu novas

condutas como ilícitos penais que outrora não tinham tal relevância jurídica, sendo

todas de índole dolosa.

Importante destacar que para os efeitos penais da Lei Federal n.

8.666/1993, consideram-se servidores públicos, ex vi do art. 84, que “considera-se

servidor público, para os fins desta Lei, aquele que exerce, mesmo que

transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público”, sendo

inaplicável o contido no art. 327 do Código Penal.

A compreensão da classificação doutrinária dos crimes em geral foi

necessária e limitada na extensão à compreensão dos crimes licitatórios, abarcados

conjuntamente com o entendimento dos institutos penais da co-autoria e

participação, para posterior aplicação ao estudo dos tipos penais da Lei Federal n.

8.666/1993.

Por conseguinte, o Capítulo 3 foi dedicado inteiramente ao estudo dos

crimes licitatórios em espécie para, então, delinear-se a responsabilidade penal dos

membros da Comissão de Licitação e do Pregoeiro, na senda do concurso de

agentes do Código Penal verificar da possibilidade de co-autoria e participação com

outros servidores públicos e particulares com especial sujeição jurídica com a

administração pública (licitante) ou não.

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Por ordem, foram considerados os elementos normativos objetivos e

subjetivos de cada tipo penal, classificados doutrinariamente de per si, definida a

objetividade jurídica e, por fim, determinada a responsabilidade penal dos membros

da comissão de Licitação e do Pregoeiro conjuntamente com a visualização da

questão da co-autoria e participação em tais delitos.

Alguns aspectos penais sobre os delitos licitatórios devem ser

considerados, pois, como dito, as condutas praticadas pelos servidores públicos com

desvio de finalidade, e as que sejam por eles praticadas ou por particulares,

mediante fraude e outras ações que frustrem a lisura do processo licitatório e

possam causar prejuízo ao erário, afrontando os princípios da Administração Pública

e os elencados no art. 3º da Lei Federal nº 8.666/1993, são considerados ilícitos

para os fins penais desta Lei.

Todas as condutas ilícitas nos crimes licitatórios têm o dolo genérico

somado a um fim especial de agir previsto no tipo penal (dolo específico), v.g. como

no caso do crime do art. 89, em que o dolo genérico reside na vontade livre e

consciente de dispensar ou inexigir a licitação ou deixar de observar as formalidades

legais, somado ao dolo específico do parágrafo único, consubstanciado quando do

agente licitante concorrer para a ilegalidade perpetrada pelos agentes públicos

contra a Administração Pública.

Como visto, vários crimes antes previstos no Código Penal foram

revogados tacitamente na nova disciplina dada pela Lei Federal n. 8.666/1993, em

sede de crimes praticados dentro do processo licitatório.

Assim sendo, v.g. o crime do art. 91 que trata do patrocínio de

interesse privado perante a administração pública, revogou o art. 321 (advocacia

administrativa), somente no caso do interesse privado e ilegal for patrocinado junto a

qualquer órgão da Administração Pública e relacionar-se exclusivamente com a

instauração de licitação ou o contrato administrativo adjacente.

Tratando-se do crime do art. 93, este revogou o art. 335 do Código

Penal (Impedimento, Perturbação ou Frauda de Concorrência), pois a disciplina

daquele é mais abrangente que deste, o qual se referia apenas a “concorrência”,

compreendendo agora as condutas reprovadas em qualquer ato licitatório.

No caso do art. 94, a presente infração é uma modalidade de violação

de sigilo funcional, antes prevista no art. 325 do Código Penal, o qual foi

integralmente substituído por aquele, operando-se a revogação tácita deste e o

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agravamento da pena anteriormente cominada, sendo inoportuna no caso do

pregão, pois houve a inversão das fases, crivadas pela oralidade, sendo as

propostas apresentadas no momento do certame.

No que tange ao crime do art. 95, este tipo penal tem igual redação à

parte final do art. 335 do Código Penal, sendo este revogado tacitamente por aquele

e em conjunto com o art. 93 da Lei, havendo o recrudescimento da pena, ainda

coexistindo concurso material com a punição correspondente a violência aos moldes

do Código Penal.

Em se tratando do art. 96, a doutrina e a jurisprudência, como visto,

consideram seu inciso I inconstitucional, pois afrontaria os arts. 5º, inc. XXII (garantia

ao direito de propriedade) e 170, inc. IV (livre concorrência), ambos da Constituição

Federal, isto durante a fase de julgamento das propostas, pois é livre ao licitante

apresentar seus valores, cabendo a Comissão de Licitação ou o Pregoeiro verificar a

plausibilidade da proposta apresentada. Entretanto, configura-se o delito em questão

quando a elevação “arbitrária” for engendrada pelo licitante depois de concluso o

certame e firmado o contrato de compra e venda ou prestação do serviço, ou

utilizando-se ainda de meio fraudulento ou ardil para ludibriar a Comissão de

Licitação ou o Pregoeiro durante o certame.

Ressalva-se ainda que a autoria nas hipóteses previstas no tipo penal

do art. 96 torna-se improváveis à Comissão de Licitação ou o Pregoeiro, pois

costumeiramente estes não possuem tais responsabilidades dentro da estrutura

administrativa, mas a co-autoria é viável quando houver liame subjetivo na conduta

delituosa entre o licitante e tais servidores públicos, em especial, na hipótese do

inciso I.

Quanto ao crime do art. 97, a autoria é possível a Comissão de

Licitação ou o Pregoeiro na hipótese de admitir licitante sabidamente inidôneo,

restando ao licitante vencedor à autoria no caso deste, sabedor de sua condição de

inidoneidade, contratar com a Administração Pública. Assim, por ventura, houver

interveniência da Comissão de Licitação ou do Pregoeiro para que o contratante

inidôneo firme contrato com a Administração Pública, tal conduta para aqueles será

punida aos moldes do art. 96 (advocacia administrativa), eis que, costumeiramente,

tal competência é da autoridade que deflagra o procedimento licitatório e homologa

o resultado do certame, este sim incide na hipótese da segunda parte do art. 97

conjuntamente com o particular.

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Os crimes do art. 93 (impedir, perturbar ou fraudar a realização de

qualquer ato de procedimento licitatório) e da primeira parte do art. 98 (obstar,

impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer interessado nos registros

cadastrais), são os únicos delitos licitatórios considerados crimes comuns, quer seja,

pode ser realizada a conduta descrita no tipo penal por qualquer pessoa, sendo os

demais crimes próprios, quer seja, requer a qualidade especial do sujeito ativo, no

caso seria o agente servidor público ou o particular (licitante ou contratado).

Quanto ao particular que não possui especial relação jurídica com a

Administração Pública, ou seja, não é nem licitante e nem contratado, excetuando

como alhures comentado sobre os art.s 93 e 98 da Lei Federal n. 8.666/1993, no

que tange ao concurso de pessoas, resta-lhe a co-autoria e a participação nos

delitos licitatórios pela inteligência dos arts. 29 e 30 do Código Penal.

Ainda, a estes, em se tratando do crime do art. 91, como bem observou

Edemir Netto de Araújo, quando a conduta ilícita não tenha relação direta com

procedimento licitatório ou contratação adjacente, poderá constituir outros tipos

penais previstos no Código Penal, como o art. 321 (exploração de prestígio) ou o art.

333 (corrupção ativa).

Por conseguinte, durante o estudo dos crimes licitatórios em espécie,

cotejado por ampla doutrina, restou-se devidamente delineada a responsabilidade

penal dos membros da Comissão de Licitação e do Pregoeiro, como visto, pela

disciplina penal da Lei Federal n. 8.666/1993, exclusivamente para as condutas

ilícitas dentro do procedimento licitatório. Ainda, quase sempre, quando não autores

de tais delitos, os membros da Comissão de Licitação e do Pregoeiro podem ser co-

autores com demais servidores públicos ou particulares.

Ademais, se se os membros da Comissão de Licitação e o Pregoeiro

praticarem condutas tidas como ilícitos penais fora da órbita licitatória, a disciplina

será a prevista no Código Penal, principalmente no capítulo concernente aos

“Crimes contra a administração Pública”.

Fechando o presente trabalho com o Capítulo 4, oportuno foi discorrer

sobre os aspectos processuais penais da Lei Federal n. 8.666/1993, tendo suas

regras especiais complementadas pelas contidas no Código de processo Penal,

inclusive com alteração de prazos e o afastamento da incidência do art. 66 c/c 67 da

Lei Federal n. 9.099/1995, no concernente a aplicação das regras do Juizado

Especial Criminal aos crimes punidos com detenção de até 2 (dois) anos e que

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fariam juz ao rito desta Lei. E, por conseguinte, uma breve pesquisa jurisprudencial

para correlacionar toda temática estudada às decisões dos tribunais, o que, no caso

da aplicação de legislação penal extravagante, ficou evidenciado que o Decreto-Lei

201/67, no caso do inciso XI, do art. 1º, com o advento da Lei Federal n. 8.666/1993

foi revogado, sendo a disciplina das condutas ali previstas abarcadas na nova

disciplina legal.

Por derradeiro, a Lei Federal n. 8.666/1993, de caráter geral, trouxe

além das regras licitatórias uma proteção penal especial e mais grave em relação às

condutas similares que eram previstas no Código Penal, ainda elegendo novas

condutas como delitos licitatórios e, em todas as hipóteses houve um agravamento

das penas, como visto, tendo uma redação mais precisa e abrangente sobre a

matéria. Neste sentido, restou-se mais contundente entender a responsabilidade

penal dos membros da Comissão de Licitação e do Pregoeiro, e a possibilidade de

co-autoria e participação com demais servidores públicos e particulares, escoimando

em doutrinadores de escol e na jurisprudência, tendo sido explorado

satisfatoriamente a questão da Administração Pública e a obrigatoriedade de licitar

em todos os institutos trazidos por esta Lei e pela Lei Federal n. 10.520/2002.

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