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1 DIREITO CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS RESPONSABILIDADE CIVIL CONCEITO Responsabilidade, de acordo com Savatier, “é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”. No conceito acima não se faz menção à culpa, pois em diversas hipóteses a responsabilidade civil é objetiva, prescindindo-se da demonstração de dolo ou culpa. Responsabilidade civil, grosso modo, é a obrigação de indenizar o dano. Usa-se o termo indenização como sendo o gênero, que abrange o ressarcimento (indenização dos danos materiais) e reparação (indenização dos danos morais). A responsabilidade civil tem duas funções: a) Restabelecer o equilíbrio violado pelo dano, restituindo o prejudicado o status quo ante; b) Servir como sanção civil compensatória, punindo o lesante e inibindo a prática dos atos lesivos. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA Responsabilidade subjetiva: é a derivada de dolo ou culpa. Assim, só surge a obrigação de indenizar se o dano houver sido causado de forma dolosa ou culposa. Responsabilidade objetiva: é aquela em que a obrigação de indenizar independe de dolo ou culpa, bastando o nexo causal entre a conduta e o dano experimentado pela vítima. Exemplos: responsabilidade do Estado pelos danos causados por seus agentes; responsabilidade do INSS por acidentes do trabalho etc. Anote-se que a responsabilidade do empregador por acidente do trabalho é subjetiva, depende de dolo ou culpa (art.7º, XXVIII, da CF). De fato, a responsabilidade objetiva é exceção, isto é, só incide nos casos expressos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (art.927, parágrafo único do CC). A responsabilidade objetiva subdivide-se em: a) própria ou pura: é a baseada na teoria do risco, dispensando-se qualquer discussão acerca da culpa. b) imprópria ou impura: é aquela em que a lei presume a culpa, invertendo-se o ônus da prova. O Código Civil brasileiro adotou como regra a responsabilidade subjetiva, conforme se depreende da análise do seu art. 186, tanto é que as hipóteses de responsabilidade civil objetiva, por representar exceção ao sistema, só são aquelas expressas na lei. Em diversas hipóteses, porém, a responsabilidade é objetiva, a saber: a) responsabilidade do dono do animal (art. 936); b) responsabilidade do dono do prédio em ruína (art. 937); c) responsabilidade do habitante do imóvel do qual caírem coisas (art. 938); d) responsabilidade por ato lícito de dano causado em estado de necessidade;

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DIREITO CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

RESPONSABILIDADE CIVIL

CONCEITO Responsabilidade, de acordo com Savatier, “é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a

reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”.

No conceito acima não se faz menção à culpa, pois em diversas hipóteses a responsabilidade civil é objetiva, prescindindo-se da demonstração de dolo ou culpa.

Responsabilidade civil, grosso modo, é a obrigação de indenizar o dano. Usa-se o termo indenização como sendo o gênero, que abrange o ressarcimento (indenização

dos danos materiais) e reparação (indenização dos danos morais). A responsabilidade civil tem duas funções: a) Restabelecer o equilíbrio violado pelo dano, restituindo o prejudicado o status quo ante; b) Servir como sanção civil compensatória, punindo o lesante e inibindo a prática dos atos

lesivos. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA

Responsabilidade subjetiva: é a derivada de dolo ou culpa. Assim, só surge a obrigação de indenizar se o dano houver sido causado de forma dolosa ou culposa.

Responsabilidade objetiva: é aquela em que a obrigação de indenizar independe de dolo ou culpa, bastando o nexo causal entre a conduta e o dano experimentado pela vítima. Exemplos: responsabilidade do Estado pelos danos causados por seus agentes; responsabilidade do INSS por acidentes do trabalho etc. Anote-se que a responsabilidade do empregador por acidente do trabalho é subjetiva, depende de dolo ou culpa (art.7º, XXVIII, da CF). De fato, a responsabilidade objetiva é exceção, isto é, só incide nos casos expressos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (art.927, parágrafo único do CC).

A responsabilidade objetiva subdivide-se em: a) própria ou pura: é a baseada na teoria do risco, dispensando-se qualquer discussão acerca

da culpa. b) imprópria ou impura: é aquela em que a lei presume a culpa, invertendo-se o ônus da

prova. O Código Civil brasileiro adotou como regra a responsabilidade subjetiva, conforme se

depreende da análise do seu art. 186, tanto é que as hipóteses de responsabilidade civil objetiva, por representar exceção ao sistema, só são aquelas expressas na lei.

Em diversas hipóteses, porém, a responsabilidade é objetiva, a saber: a) responsabilidade do dono do animal (art. 936); b) responsabilidade do dono do prédio em ruína (art. 937); c) responsabilidade do habitante do imóvel do qual caírem coisas (art. 938); d) responsabilidade por ato lícito de dano causado em estado de necessidade;

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e) responsabilidade do credor que demanda dívida vincenda (art. 939); f) responsabilidade do credor que demanda dívida já paga (art. 940); g) responsabilidade dos pais, tutor ou curador por danos causado pelo menor ou incapaz (art.

933, I e II); h) responsabilidade do empregador por danos causados pelos empregados (art. 933, III); i) responsabilidade de donos de hotéis ou de escolas pelos danos causados pelos seus

hóspedes ou educandos (art. 933, IV); j) responsabilidade de quem exerce atividade que normalmente implica, por sua natureza, em

risco para os direitos de outrem (parágrafo único do art. 927). Fora do Código Civil há ainda diversas hipóteses de responsabilidade objetiva. Exemplos:

Código de Defesa do Consumidor; Código Brasileiro de Aeronáutica etc. A rigor, a responsabilidade civil objetiva verifica-se em três hipóteses: a. nos casos previstos em lei. É a chamada responsabilidade objetiva típica ou fechada. b. nos casos de exercício de atividade de risco. É a chamada responsabilidade objetiva aberta,

pois o conceito de atividade de risco é genérico e abre muitas possibilidades de enquadramento. c. nos casos de abuso de direito. O art. 187 prevê o abuso de direito e para a sua

caracterização não exige dolo ou culpa, ao contrário do art. 186 do CC. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL Tanto na responsabilidade contratual quanto na extracontratual, exige-se a culpa do agente,

o dano e o nexo causal. Excepcionalmente, na responsabilidade contratual, dispensa-se a prova do dano. De fato, este é presumido quando houver cláusula penal.

Na responsabilidade contratual, antes de surgir a obrigação de indenizar, já existe um vínculo entre o agente e a vítima, ao passo que na responsabilidade extracontratual ou aquiliana esse vínculo jurídico só surge após a prática do ato.

O fundamento da responsabilidade contratual é o art. 389 do CC; o fundamento da responsabilidade extracontratual é o art. 186 do CC.

Na responsabilidade contratual, em que a obrigação é de resultado, presume-se a culpa do devedor inadimplente. Há, pois, uma inversão do ônus da prova, competindo ao devedor comprovar a inexistência de culpa ou a presença de força maior ou outra excludente da responsabilidade civil. Nos contratos em que a obrigação é de meio, o ônus da prova da culpa é da vítima.

Na responsabilidade extracontratual, o ônus da prova da culpa é da vítima. Esta deve comprovar que o agente causador do dano procedeu de forma culposa.

Assim, tome-se como exemplo o taxista que colide o seu veículo, resultando ferimentos no passageiro. Encarada a hipótese como responsabilidade extracontratual, a vítima, para obter a indenização deverá comprovar a culpa do motorista, caso contrário ficará irressarcida. Em contrapartida, considerando a hipótese como sendo responsabilidade contratual, presume-se a culpa do motorista. Este, para livrar-se da responsabilidade de indenizar, deverá comprovar a excludente do caso fortuito ou força maior. Sílvio Rodrigues considera o fato como responsabilidade contratual, pois há entre as partes um contrato tácito de transporte.

Por outro lado, no que tange à capacidade, o menor ou o incapaz só tem responsabilidade contratual se o contrato for celebrado sob a assistência ou representação de seu representante legal. Nesse caso, será responsável pelo inadimplemento. Saliente-se que o menor púbere pode ser responsabilizado pelo contrato celebrado sem assistência se dolosamente ocultou a sua idade, ao

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ser inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior (art. 180). Na responsabilidade extracontratual, o menor ou o incapaz se responsabiliza pelos prejuízos

causados à vítima, se as pessoas por eles responsáveis não tiverem obrigação de indenizar ou não dispuserem de meios suficientes (art. 928).

Vê-se, portanto, que o Código Civil ampliou a responsabilidade extracontratual dos menores ou incapazes. Anote-se, contudo, que a responsabilidade é subsidiária. Na área contratual, porém, nem responsabilidade subsidiária haverá, caso o contrato seja celebrado sem assistência ou representação do respectivo representante legal. Em havendo assistência ou representação, a responsabilidade do menor ou incapaz passa a ser direta e não subsidiária.

O Código de 1916, em seu art. 156, equiparava o menor púbere ao maior nas obrigações resultantes de ato ilícito em que tivesse agido com culpa. O Código atual não repetiu esse dispositivo, revogando-o globalmente. Assim, ainda que haja procedido com culpa, o menor de 18 anos só tem responsabilidade civil subsidiária. Acrescente-se que essa responsabilidade subsidiária é aplicada ao absolutamente ou relativamente incapaz.

Finalmente, na responsabilidade contratual, determinados contratos só são indenizáveis se o dano houver sido causado a título de dolo ou culpa grave, ganhando relevância a questão da gradação da culpa. Tal ocorre, por exemplo, com os contratos gratuitos ou benéficos (art. 392). Diferentemente, na responsabilidade extracontratual, a indenização é devida ainda que a culpa seja levíssima.

RESPONSABILIDADE CIVIL E RESPONSABILIDADE PENAL A apuração da responsabilidade penal, em regra, é obrigatória, pois a ação penal, no silêncio

da lei, é pública incondicionada, competindo ao Ministério Público oferecer a denúncia em face do sujeito ativo do delito.

A apuração da responsabilidade civil, por sua vez, é facultativa, porquanto a vítima pode ou não mover a ação indenizatória.

A responsabilidade penal é pessoal, pois visa aplicar uma pena ao delinquente. A responsabilidade civil é patrimonial, sendo vedada a prisão, salvo na hipótese de devedor de alimentos.

A responsabilidade penal é intransmissível, ao passo que na responsabilidade civil impera a transmissibilidade, obrigando os sucessores do causador do dano a indenizar a vítima, até as forças da herança (arts. 943 e 1.792 do CC).

A responsabilidade penal independe de prejuízo experimentado pela vítima; a responsabilidade civil só subsiste se houver prejuízo.

Os menores de 18 anos não têm responsabilidade penal. Todavia, têm responsabilidade civil subsidiária, vale dizer, são responsáveis pela indenização do dano se as pessoas por eles responsáveis não tiverem obrigação de indenizar ou não dispuserem de meios suficientes.

Por outro lado, pode ocorrer de o ilícito penal também se caracterizar como ilícito civil. Nesse caso, o agente, além de sofrer a pena, terá ainda que indenizar a vítima ou seus sucessores.

A propósito, dispõe o art. 935 que a responsabilidade civil é independente da criminal. Assim, o fato de ser absolvido na esfera criminal não implica em isenção da obrigação de indenizar. Portanto, antes mesmo da instauração do processo penal, a vítima pode mover a ação de indenização.

É possível a ação civil de indenização em razão de crime, chamada actio civilis ex delicto, ainda que a ação penal esteja em andamento, mas o juiz cível tem a faculdade de suspender o processo para aguardar o desfecho do processo crime e vice-versa (arts.92 a 94 do CPP). O art.200 do CC

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preceitua que: “Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva”.

É perfeitamente possível a subsistência da responsabilidade civil, não obstante a absolvição penal. No furto de uso, por exemplo, o agente será absolvido criminalmente, pois o Código Penal não contempla esse fato, remanescendo, porém, intacta a obrigação de indenizar.

Igualmente, admite-se a responsabilidade penal sem que haja a responsabilidade civil. Tal ocorre, por exemplo, com o agente que é condenado criminalmente pelo delito de porte ilegal de arma.

Do exposto dessume-se que, em regra, a sentença penal absolutória não afasta eventual responsabilidade civil. Excepcionalmente, porém, ela fará coisa julgada na esfera cível, inviabilizando a indenização. De fato, isso ocorre nas seguintes hipóteses:

a. absolvição por inexistência do fato; b. absolvição por negativa de autoria; c. absolvição por excludente da antijuridicidade, vale dizer, legítima defesa, estado de

necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito. Anote-se, porém, que apenas o estado de necessidade defensivo exclui a obrigação de

indenizar; no estado de necessidade agressivo esta obrigação subsiste. Com efeito, o estado de necessidade defensivo ocorre quando, para preservar bem jurídico

próprio ou alheio, o agente sacrifica bem jurídico pertencente ao causador da situação de perigo. Exemplo: o agente, para safar-se das chamas, destrói a porta da casa do causador do incêndio. Nesse caso, não há obrigação de indenizar o dano proporcionado ao causador do perigo (art. 188, II).

O estado de necessidade agressivo, por sua vez, ocorre quando, para preservar bem jurídico próprio ou alheio, o agente sacrifica bem jurídico pertencente a um terceiro inocente. Nesse caso, o agente deve reparar o dano sofrido pelo terceiro inocente (art. 929); todavia, ele terá ação de regresso contra o causador do perigo (art. 930). A lógica, porém, recomendava que o terceiro inocente, cujo bem foi sacrificado, movesse ação direta contra o causador do perigo, pleiteando a indenização devida, mas o Código Civil orientou-se em sentido diferente.

Atente-se que, no estado de necessidade agressivo, o agente pratica um fato lícito, e, no entanto, é obrigado a indenizar. Além do estado de necessidade agressivo, há ainda outras hipóteses de indenização advindas de um fato lícito. Exemplos: responsabilidade civil do Estado; responsabilidade do dono do prédio encravado que exige passagem pelo prédio vizinho, mediante pagamento de indenização (art. 1285); indenização pelo escoamento de águas para o prédio inferior (art.1.289); pela passagem de cabos e tubulações (art.1.286); pela servidão forçada de aqueduto (art.1.293) e pelo alargamento necessário da servidão predial (art.1.385, §3º).

Por outro lado, malgrado a absolvição penal, pode subsistir a responsabilidade civil, quando aquela houver sido fundamentada na insuficiência de prova ou em culpa levíssima.

Acrescente-se ainda que a sentença de pronúncia, impronúncia ou despronúncia não elimina a responsabilidade civil, pois são decisões provisórias. Igualmente, persiste a responsabilidade civil se houver decisão arquivando o inquérito policial, extinguindo a punibilidade ou absolvendo o réu, sob o argumento de que o fato imputado não constitui crime (art. 67 do CPP).

Finalmente, a sentença penal condenatória transitada em julgado funciona como título executivo na esfera cível (art. 475-N, II, do CPC). Portanto, o agente condenado na esfera criminal não pode alegar, no cível, excludentes da antijuridicidade, ausência de dolo ou culpa ou outra defesa que elimina a responsabilidade civil. Dispõe o art.200 do CC: “Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva”. Portanto, a vítima tem a opção de aguardar o trânsito em julgado da sentença penal

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para só depois tomar as providências necessárias à execução civil do julgado penal, porquanto só após o trânsito em julgado da sentença penal é que o prazo prescricional começa a fluir.

REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Dispõe o art. 186 do CC: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou

causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, fica obrigado a reparar o dano”. Vê-se, portanto, que são quatro os requisitos da responsabilidade civil: a. ação ou omissão do agente; b. culpa ou dolo do agente; c. relação de causalidade; d. dano experimentado pela vítima. Vimos, porém, que, em determinadas hipóteses, a responsabilidade civil é objetiva,

prescindindo-se da demonstração do dolo ou culpa. Atente-se que o art. 186 exige, de forma cumulativa, para que surja o dever de indenizar, que

o agente viole direito e cause dano a outrem. Não basta, portanto, a violação do direito ou a culpa, urge ainda que do fato tenha resultado prejuízo a alguém.

Saliente-se ainda que o dano, conquanto imprescindível, em casos excepcionais torna-se

dispensável. Com efeito, subsiste a obrigação de indenizar, independentemente de prejuízo, nos seguintes casos:

a) cláusula penal (art. 416); b) demanda por dívida já paga. Em tal situação, a lei prevê que o autor da ação deve pagar ao

devedor o dobro da quantia cobrada (art. 940). c) juros de mora (art.404 a 407); d) o segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se

pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado (art.773 do CC).

e) reprodução fraudulenta de obra literária, científica ou artística, não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares além dos apreendidos (Lei nº 9.610/1998, art.103, parágrafo único).

AÇÃO OU OMISSÃO DO AGENTE. TEORIA DO ABUSO DO DIREITO A obrigação de indenizar pode decorrer das seguintes situações:

responsabilidade por ato próprio; responsabilidade por ato de terceiro; responsabilidade por danos causados por coisas que estejam sob a guarda do agente; responsabilidade por danos causados por animais que estejam sob a guarda do agente.

Em todas essas hipóteses, como esclarece Sílvio Rodrigues, a obrigação de indenizar surge de

conduta que infringe dever contratual, legal, ou social. A responsabilidade por ato próprio é chamada direta; nas demais hipóteses, indireta ou complexa.

A violação do dever social é o abuso do direito. Nesse caso, não há violação da lei, mas do espírito da lei. Se, por exemplo, alguém requer a abertura de inquérito sem fundamentos consistentes, comete ato ilícito, devendo reparar o dano. Note-se que não há violação da lei, pois

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esta permite a quem quer que seja pedir a abertura de inquérito. Aliás, a lide temerária, que é aquela descrita no art.17 do CPC, é uma fonte fecunda de caracterização do abuso do direito.

Com efeito, dispõe o citado art.17: “Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidentes manifestamente infundados; VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.” O assédio judicial, que é a instigação para que outras pessoas movam ações judiciais

infundadas contra determinada pessoa, também é um exemplo de lide temerária, ensejando responsabilidade civil por danos morais, com base na teoria do abuso do direito.

O abuso de direito é disciplinado no art. 187 do CC, cujo teor é o seguinte: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente

os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. No abuso de direito, o agente não viola os limites objetivos da lei, pelo contrário, os obedece,

mas desvia-se dos fins sociais que ela se destina. O abuso do direito nada mais é do que o excesso no exercício regular dos direitos decorrentes de lei ou de contrato. É, pois o uso irregular ou anormal do direito.

Sobre o conceito de abuso de direito, paira divergência doutrinária. Com efeito, a corrente subjetiva sustenta que só há abuso de direito quando o agente age

com a intenção de prejudicar a terceiro ou quando o direito é exercido sem qualquer interesse. A corrente objetiva preconiza que há abuso de direito quando este pode ser exercido de

várias maneiras, mas o agente opta por aquela que é mais prejudicial à vítima. Aludida corrente dispensa qualquer indagação acerca da intenção do agente, examinando apenas o ato e o dano em si.

Assim, de acordo com a teoria subjetiva, o abuso de direito é verificável em duas hipóteses: a) ato praticado com objetivo de prejudicar a vítima. Exemplo: o agente publica em jornal que

determinado sócio foi excluído da empresa, visando a sua desmoralização. b) ato praticado sem interesse legítimo. Exemplo: o vizinho do construtor de dirigível ergue

grandes pilastras de madeiras, comprometendo a segurança dos dirigíveis, visando com isso forçá-lo à aquisição do imóvel.

De conformidade com a corrente objetiva, o abuso de direito consiste no ato praticado com desvio da finalidade social a que ele se destina. Exemplo: o mandante revoga o mandato ao descobrir que o mandatário era muçulmano.

As duas teorias auxiliam na identificação do conceito do abuso de direito. Em todas essas hipóteses, deve ser reconhecido o abuso de direito.

A caracterização do abuso de direito dispensa o reconhecimento da culpa. De fato, a reparação do dano pode basear-se na culpa ou no abuso de direito. Sobre o assunto, dispõe o Enunciado 37 da I Jornada de Direito Civil do CJF: “Art.187. A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”. No tocante ao abuso do direito de propriedade, dispõe o §2º do art.1.228 do CC: “São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”. Referido dispositivo, que exige o dolo para a caracterização do abuso do

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direito, conduz o intérprete à responsabilidade subjetiva, colidindo com o art.187 do CC que consagra para o abuso do direito a responsabilidade objetiva. A doutrina proclama a prevalência do art.187 do CC e o afastamento do §2º do art.1.228. Com efeito, reza o Enunciado 49 do CJF/STJ: “a regra do art.1.228, §2º, do Novo Código Civil interpreta-se restritivamente, em harmonia com o princípio da função social da propriedade e com o disposto no art.187.” Presente a culpa torna-se desnecessária a indagação do abuso de direito.

A teoria do abuso do direito é aplicável também fora do campo da responsabilidade civil. O pai, por exemplo, abusa do poder familiar, quando impede que o seu filho pratique esporte ou receba a visita dos avós.

O reconhecimento da teoria do abuso do direito deixa nítida a possibilidade de o dever de indenizar o dano emergir sem que haja violação da lei.

Na área trabalhista considera-se abuso de direito o fato de o empregador dispensar o empregado doente, que não tem condições de se colocar no mercado de trabalho, privando-o do benefício previdenciário. Tal atitude extrapola os limites da boa-fé contratual, sendo cabível, em razão da dor que a dispensa causou, ação de indenização por danos morais. Igualmente, tem direito à indenização por danos morais o empregado dispensado por justa causa que teve os fatos da dispensa divulgados pelo empregador. De fato, mesmo faltoso, processado ou até condenado criminalmente, o trabalhador mantém íntegros e invioláveis os direitos inerentes à sua personalidade e dignidade.

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO PRÓPRIO DO AGENTE OU DIRETA Dentre os casos de responsabilidade civil por ato próprio do agente, merecem destaques os

seguintes:

ato praticado contra honra sexual da mulher; calúnia, difamação e injúria; demanda de pagamento de dívida vincenda ou já paga; responsabilidade decorrente do rompimento de noivado; assédio moral e sexual; ruptura de casamento e união estável; dano ao embrião e ao nascituro;

Cumpre observar que a responsabilidade civil por omissão, conquanto comum na esfera

contratual, torna-se de difícil ocorrência no campo extracontratual. Todavia, na omissão de socorro, após o agente ter atropelado sem culpa a vítima, visualiza-se um bom exemplo de responsabilidade civil advinda diretamente da omissão.

Em caso de pluralidade de agentes, dispõe o parágrafo único do art.942 do CC que “são

solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art.932”. Portanto, a vítima pode pleitear a indenização de qualquer um dos codevedores pelo total da dívida ou o quantum que lhe é devido (art.275 do CC), mas o devedor que pagar terá direito de regresso contra os corresponsáveis cobrando-lhes as respectivas quotas na dívida (art.283 do CC).

ATO PRATICADO CONTRA HONRA SEXUAL DA MULHER Na vigência do Código de 1916, o simples defloramento de uma mulher virgem menor, era

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suficiente para obrigar o agente a indenizar o presumido dano. O novo Código, atento à evolução dos costumes, não repetiu esta regra. Desapareceu,

portanto, a presunção do dano. Urge, para que surja a obrigação de indenizar, a prova do prejuízo e da ilicitude do ato. Como esclarece Carlos Roberto Gonçalves, “se é verdade que o ‘tabu’ da virgindade está desaparecendo, as vítimas encontrarão dificuldade para comprovar o dano, pois o prejuízo indenizável nesses casos é a dificuldade para conseguir futuro matrimônio. Restam apenas alguns danos de natureza patrimonial, e eventualmente de natureza moral, como o contágio de doença (AIDS, por exemplo, ou alguma doença venérea), aborto, despesas médicas e hospitalares e eventual reparação do dano moral decorrentes de violência sexual, posse mediante fraude, corrupção de menores, estupros, etc.”. É cabível a indenização quando o homem ou a mulher forem vítimas de algum ilícito que lhes causem dano material ou moral, como o estupro, assédio sexual, violação sexual fraudulenta etc.

No Código de 1916, o art. 1.548 preceituava que o casamento entre a vítima e ofensor excluía a obrigação de indenizar. O novo Código não contém dispositivo similar. Creio, porém, que o casamento implica em renúncia tácita ao direito de indenização. Não basta, porém, o agente querer casar-se com a vítima. Urge, para que se desobrigue do dever de indenizar, a realização efetiva do casamento. É claro que o casamento da vítima com o terceiro não exclui a obrigação de o agente indenizar.

CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA Calúnia é a imputação falsa de um fato criminoso. Dizer, por exemplo, que Fulano furtou

carro de Beltrano. Difamação é a imputação de um fato desonroso, pouco importando se é verdadeiro ou falso.

Dizer, por exemplo, que fulano está devendo cem mil reais para determinado banco. Injúria é a imputação de uma qualidade ofensiva, pouco importando também se é verdadeira

ou falsa. Chamar, por exemplo, alguém de ladrão ou de pederasta. A calúnia, difamação e a injúria, além de figurarem como delitos, são ainda ilícitos civis,

gerando ao ofensor a obrigação de reparar os prejuízos materiais e morais. Sobre o assunto, dispõe o art. 953: “A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas

resulte ao ofendido. Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar,

equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso”. O caput do art. 953 cuida do dano material ou patrimonial. Exemplos: perda de emprego em

razão da calúnia; perda da clientela em razão da injúria. Na maioria dos casos, porém, torna-se difícil a apuração do prejuízo material ou então este é

insignificante. Em razão disso, o parágrafo único do art. 953 acrescenta que se o ofendido não puder provar o prejuízo material, caberá ao juiz fixar equitativamente o valor da indenização. Trata-se da indenização por dano moral, consistente no sofrimento íntimo da vítima, mas sem qualquer repercussão no seu patrimônio. Esse parágrafo único é inconstitucional pois preceitua que o dano moral só seria cabível em face da inexistência do dano material, violando o art.5º, incisos V e X, da CF, que permite a cumulação do dano material e moral. A propósito, dispõe a súmula 37 do STJ: “São cumuláveis as indenizações por dano moral e dano material oriundos do mesmo fato”.

Sobre os critérios de arbitramento do dano moral, analisaremos mais adiante. Desde já, porém, cumpre registrar que, ao contrário do Código de 1916, o Código atual não vincula essa indenização ao valor da multa prevista no Código Penal.

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O STJ editou a súmula 221: “São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação”.

DEMANDA DE PAGAMENTO DE DÍVIDA VINCENDA OU JÁ PAGA O art. 939 impõe uma penalidade ao credor que ajuíza ação de cobrança antes do vencimento

da dívida, preceituando que ele ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro.

Portanto, a demanda de dívida vincenda gera três sanções: a) dilata o tempo de vencimento da dívida. Se, por exemplo, o autor ajuizou ação com quatro

meses de antecedência, após o vencimento da dívida terá que aguardar mais quatro meses para efetuar a cobrança;

b) perda dos juros correspondentes ao tempo que faltava; c) pagamento em dobro das custas processuais. Por outro lado, dispõe o art. 940 que “aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou

em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição”.

Assim, o credor que demanda dívida já paga é obrigado a devolver ao devedor o dobro do que dele cobrou, vale dizer, se cobrou cem mil reais, que já havia sido pago, será obrigado a pagar duzentos mil reais. E, no caso de cobrar do devedor mais do que lhe era devido, deverá devolver o equivalente do que dele exigir, isto é, se tinha direito a dez mil reais e cobrou doze mil reais, deverá pagar dois mil reais a título de sanção.

Aludidas penalidades, de acordo com a jurisprudência, só podem ser impostas se o credor agiu de má-fé. Aguiar Dias sustentava a presunção juris tantum dessa malícia do credor, cabendo-lhe demonstrar que o erro é escusável, para que escape ao dever de reparar.

A pena é tão grande e desproporcionada que, como salienta Washington de Barros Monteiro, só mesmo diante de prova inconcussa e irrefragável do dolo deve ser aplicada. A propósito, o STF editou a súmula 159: “A cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil”. O art. 1531 corresponde ao art. 940 do CC atual. Há, no entanto, valorosas opiniões doutrinárias sustentando que para a aplicação pura e simples dos arts. 939 e 940 não há necessidade de se comprovar o dolo do autor da ação, sendo suficiente a prova da culpa. Alguns autores entendem que a responsabilidade é objetiva, porquanto decorre do abuso do direito de cobrança.

Convém, porém, esclarecer, que a pena é devida ainda que o devedor não tenha prejuízo, mas a sua cumulação com perdas e danos depende necessariamente da comprovação do prejuízo efetivamente sofrido.

Aludida indenização não pode ser pedida em contestação, mas sim em reconvenção ou ação autônoma, pois não se trata de sanção processual, mas de perdas e danos fundadas no direito material. Creio que não pode ser pleiteada em embargos à execução, pois estes têm natureza declaratória ou constitutiva, ao passo que essa indenização deve ser objeto de sentença condenatória.

Por outro lado, acrescenta o art. 941 que a indenização é excluída se o autor desistir da ação antes de contestada a lide. Nesse caso, porém, o réu ainda pode pleitear a indenização, desde que comprove que sofreu algum prejuízo.

Finalmente, cumpre não confundir a pena do art. 940 do CC com a litigância de má-fé prevista

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nos arts. 16 a 18 do CPC. Todas exigem o dolo. Todavia, o art. 940 é uma sanção de direito material, imposta em razão da violação do CC, ao passo que os arts. 16 a 18 são sanções processuais cominadas em face da violação de regras processuais. A sanção do art. 940 do CC só pode ser pleiteada em reconvenção ou ação autônoma; a litigância de má-fé pode ser decretada de ofício pelo juiz ou requerida na contestação. Na verdade, essas sanções não se excluem, mas se completam, tendo por fim fixar a forma de indenização por perdas e danos, sendo lícita a sua cumulação.

RESPONSABILIDADE DECORRENTE DO ROMPIMENTO DE NOIVADO Esponsais é a promessa recíproca de contrair futuro matrimônio. É, pois, o noivado. É claro que é incabível qualquer ação para compelir o noivo arrependido ao cumprimento da

promessa de casamento. Semelhante pretensão colide com o princípio da liberdade. Todavia, o rompimento unilateral e injustificável da promessa de casamento faculta ao outro

noivo o direito de mover ação de indenização em face do noivo arrependido, visando a reparação dos danos morais e materiais, com base no art. 186 do CC.

Urge, porém, para que haja o direito à indenização, que o rompimento tenha sido injustificado, pois só assim se configura a culpa do arrependido. Se o motivo for justo, como a infidelidade ou o descobrimento de defeito físico oculto, o ato ilícito não se caracteriza. Igualmente, a indenização só é devida se a promessa de casamento emanou do próprio noivo arrependido e não de seus pais. Se o rompimento for justo, mas a forma de romper injusta, humilhante, em público, haverá obrigação de indenizar.

O dano material ou patrimonial corresponde às despesas de enxoval, abandono de emprego para se casar, aluguel de apartamento etc. Quanto aos presentes oferecidos em razão do noivado, devem ser devolvidos se o casamento não se realizar (art.546 do CC).

O dano moral, isto é, o sofrimento, o vexame, a dor, deve ser arbitrado pelo juiz. Finalmente, cumpre registrar a minoritária corrente doutrinária, que sustenta a exclusão de

toda e qualquer indenização, ainda que o rompimento seja injusto, argumentando que o Código Civil não prevê o contrato de esponsais, outrossim, que deve ser preservado o princípio do livre consentimento do matrimônio. Ora, a hipótese não é de responsabilidade contratual, mas extracontratual, com apoio no art. 186 do CC. Não há falar-se em violação da liberdade matrimonial, pois o objeto da ação é a indenização e não a concretização do casamento.

ASSÉDIO MORAL E SEXUAL O assédio moral (mobbing), conforme ensina Sônia Mascaro Nascimento, é o conjunto de

atos que, aos poucos, desestabiliza emocionalmente o trabalhador. Exemplos: pressão para que o empregado se demita, mediante ataques injustos ao seu rendimento profissional; manipulação de sua reputação pessoal e profissional, ridicularizando-o; abuso do poder para menosprezá-lo; fixação de metas inatingíveis etc. O trabalhador lesado, que teve sua dignidade atingida, pode mover, na Justiça do Trabalho, ação de rescisão trabalhista indireta cumulada com indenização pelos danos morais e materiais.

Quanto ao assédio sexual, consiste nas insinuações libidinosas contínuas do superior hierárquico contra o subalterno, causando-lhe constrangimento. É preciso que o subalterno não tenha aderido à conduta, caso contrário desaparece o direito à indenização. Uma paquera discreta, mesmo insistente, como, por exemplo, convites para jantar ou ir ao cinema, não configura assédio sexual, diante do livre arbítrio da vítima em aceitar ou não os galanteios. A jurisprudência, tendo

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em vista a dificuldade de se provar o fato, tem admitido a gravação telefônica ou filmagem pelo assediado. Diante do assédio sexual no ambiente de trabalho é cabível ação de rescisão indireta cumulada com indenização pelos danos materiais e morais, na Justiça do Trabalho.

RUPTURA DE CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL Conquanto a ruptura do casamento ou união estável seja um direito da pessoa, em alguns

casos pode gerar a obrigação de indenizar quando essa ruptura houver causado injustamente danos morais ou patrimoniais. Conforme ensina Aguiar Dias, um indivíduo que induziu uma mulher a viver com ele, determinando a perda de sua posição social ou do seu emprego não poderá romper essa união impunemente, se ela, já estando velha, nada mais possa conseguir, pois lhe será difícil contrair matrimônio ou arranjar emprego.

A violação dos deveres conjugais ou de união estável, como fidelidade e mútua assistência, também ensejam violação por dano moral. Igualmente, a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral (art.7º, I a V, da Lei nº 11.340/2006).

De fato, os princípios da responsabilidade civil se aplicam ao Direito de Família, por força do art.186 do CC.

DANO AO EMBRIÃO OU NASCITURO Os direitos da personalidade do embrião ou nascituro são assegurados desde a concepção,

tendo pois personalidade jurídica formal, embora a personalidade jurídica material, que é a aptidão para adquirir os direitos patrimoniais, só surja a partir do nascimento com vida. Conforme ensina Maria Helena Diniz, na vida intra-uterina, até mesmo em caso de fertilização assistida in vitro, dever-se-á ter o mais absoluto respeito pela vida e integridade física e mental (CC, art.949) dos embriões pré-implantatórios ou dos nascituros, sendo suscetível de indenização por dano moral qualquer lesão que venha a sofrer, como deformação, traumatismos, toxinfecções, intoxicação etc.

O fumo e o alcoolismo da mãe também ensejam em prol do nascituro a ação de indenização, se algum dano lhe sobrevier. Há entendimento que a indenização só é dada a partir do nascimento com vida, momento em que sua personalidade jurídica se torna completa.

RESPONSABILIDADE CIVIL COMPLEXA OU INDIRETA A responsabilidade complexa é o fato de o agente responder por danos causados por

terceiros ou então por coisas animadas ou inanimadas. Trata-se de uma exceção ao princípio de que o homem só é responsável pelos danos

causados diretamente por ele. Consequentemente, a responsabilidade complexa não admite interpretação extensiva ou ampliativa.

RESPONSABILIDADE POR FATO DE TERCEIRO Dispõe o art. 932 do CC: “São também responsáveis pela reparação civil: a) os pais, pelos filhos menores que estiverem sob a sua autoridade e em sua companhia; b) o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; c) o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do

trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

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d) os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

e) os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia”.

Para que os pais, tutores, curadores, empregadores, donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, sejam responsáveis pela reparação do dano é necessário que a vítima comprove a culpa do incapaz, do empregado, dos hóspedes e educandos. Configurada a culpa, há uma presunção jure et jure de que aquelas pessoas são também responsáveis.

O novo Código Civil adotou a teoria da responsabilidade objetiva. Com efeito, reza o art. 933 que: “As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.

No regime do Código de 1916, a presunção de culpa dos pais, tutores, curadores, etc, era relativa juris tantum, isto é, eles se liberavam da responsabilidade, comprovando não terem atuado com culpa.

No Código atual, como vimos, adotou-se a responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, consagrando-se, destarte, a teoria do risco. Portanto, não há falar-se em presunção absoluta ou relativa de culpa.

Assim, a vítima, para obter indenização, deve provar: a) a relação de subordinação entre o causador do dano e a pessoa mencionada no art. 932; b) a culpa do causador do dano. Presentes estes dois requisitos, as pessoas mencionadas no art. 932 respondem de forma

objetiva pela reparação do dano. Noutras palavras, há uma presunção absoluta de que também atuaram com culpa.

Por outro lado, se o dano houver sido causado por mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação (art. 942, 2ª parte). O parágrafo único do art. 942 acrescenta que: “São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932”.

Assim, se o ato ilícito é praticado por mais de um agente, a vítima pode mover ação de indenização contra qualquer um ou contra todos, pois a responsabilidade é solidária. Igualmente, entre as pessoas designadas no art. 932, a responsabilidade também é solidária. Portanto, nada obsta que a vítima mova ação direta contra o empregado que lhe causou o dano.

RESPONSABILIDADE DOS PAIS Os pais só são obrigados a indenizar os atos ilícitos dos filhos menores de 18 anos, se estes

estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Portanto, a guarda é essencial para que surja a responsabilidade civil dos pais. Não basta o

poder familiar, pois o Código Civil exige expressamente que o menor esteja sob a sua autoridade e em sua companhia. No divórcio, por exemplo, permanecendo o menor sob a guarda exclusiva da mãe, só ela responde pela indenização, excluindo-se, destarte, a responsabilidade do pai, mas no caso de guarda compartilhada a responsabilidade civil é de ambos os pais. Anote-se, porém, que o simples afastamento do filho da casa paterna não exclui a responsabilidade do pai, tendo em vista a subsistência da guarda. Acrescente-se ainda que se a guarda estiver com terceiro, este será o responsável e não os pais.

Comprovada a culpa do filho menor, os pais respondem objetivamente independentemente de culpa. Devem, por exemplo, indenizar o acidente de trânsito provocado culposamente pelo filho,

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outrossim, o furto, o estupro e outros crimes ou ilícitos civis do menor. Tratando-se de menor sem discernimento, por exemplo, com quatro anos de idade, uma

parte da doutrina liderada por Orlando Gomes, sustenta que não há culpa ou ato ilícito por parte deste menor, de modo que o pai não responde pela reparação do dano, pois a responsabilidade indireta supõe a ilicitude no ato de quem causa o prejuízo.

A jurisprudência, porém, admite a responsabilidade dos pais, ainda que o menor não tenha discernimento. Com o novo Código Civil, a discussão encontra-se encerrada, pois se adotou a teoria objetiva, fundada na idéia do risco. Aliás, a ilicitude do ato praticado pelo absolutamente incapaz pode ser perfeitamente analisada em face da violação da norma jurídica.

O novo Código Civil consagrou a responsabilidade subsidiária do menor, seja este absolutamente ou relativamente incapaz, isto é, ele só responde pelo prejuízo que causar, se as pessoas por eles responsáveis não tiverem obrigação de indenizar ou não dispuserem de meios suficientes. A indenização, nesse caso, deve ser equitativa e não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem (art. 928 e parágrafo único). Adotou-se, como se vê, o princípio da responsabilidade subsidiária e mitigada, afastando-se do princípio da irresponsabilidade absoluta da pessoa incapaz.

Portanto, a responsabilidade civil, em princípio, é exclusiva dos pais. Só haverá solidariedade se o menor estiver emancipado. Se os pais não dispuserem de meios suficientes para a reparação do dano, a responsabilidade passa a ser exclusiva do menor.

Saliente-se, contudo, que, no caso de emancipação legal, como a advinda do casamento, exclui-se a responsabilidade dos pais pelos danos causados pelo filho. Subsiste, porém, a responsabilidade quando a emancipação houver sido voluntária, isto é, por ato exclusivo dos pais.

Por outro lado, quando o menor é empregado de outrem, os pais não respondem pelos atos ilícitos praticados durante o trabalho. Nesse caso, a responsabilidade é do patrão. Igualmente, se o menor estiver internado em estabelecimento de ensino, a responsabilidade é do dono da escola.

Finalmente, os pais não respondem pelos atos ilícitos praticados pelo filho maior, ainda que este viva em sua companhia.

RESPONSABILIDADE DOS TUTORES E CURADORES Comprovada a culpa do pupilo ou do incapaz, o tutor ou curador responde objetivamente,

ainda que não tenha negligenciado na vigilância. Aludida responsabilidade é idêntica à dos pais em relação aos filhos menores, logo, além da tutela ou curatela, é necessário que o tutor ou curador tenham também a guarda.

Saliente-se, contudo, que o hospital ou estabelecimento psiquiátrico, no qual o incapaz for internado, passa a ser o responsável por seus atos, cessando a responsabilidade do curador, independentemente do caráter gratuito ou oneroso da internação. De fato, com a delegação da vigilância do incapaz transfere-se automaticamente a responsabilidade por seus atos, sendo ineficaz a eventual cláusula excluindo a responsabilidade do hospital.

Se o demente maior não está sob curatela, mas mora com os pais, estes são os responsáveis pelos seus atos. Nesse caso, de acordo com Aguiar Dias, os pais só respondem se demonstrada a sua culpa, não bastando a culpa do incapaz, pois o fundamento da responsabilidade é o art. 159 do CC (atual art. 186). Aguiar Dias ainda acrescenta que se o louco não estiver em poder de ninguém, ele mesmo é responsável pelos seus atos.

Finalmente, o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Esta indenização, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as

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pessoas que dele dependam. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR OU COMITENTE Para que o empregador ou comitente responda pelos danos causados pelos seus

empregados, serviçais e prepostos, são necessários os seguintes requisitos: a) relação de subordinação. Não são necessárias a remuneração do preposto nem a

permanência dessa relação de subordinação; b) culpa do empregado ou comitente; c) que o ato danoso tenha sido praticado no exercício do trabalho ou por ocasião dele. Não é

preciso, porém, que o ato se relacione com as suas funções. Entretanto, o patrão não responde pelos atos dos empregados em greve nem pelos praticados fora das suas funções.

Presentes esses requisitos, presume-se a responsabilidade do patrão, independentemente de culpa, respondendo ainda que não haja culpa in vigilando ou in eligendo.

Sobre o assunto, a Súmula 341 do STF preceitua: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.

O Código atual adotou a responsabilidade objetiva do patrão ou comitente. Portanto, a rigor, não há falar-se em presunção de culpa, mas em presunção da responsabilidade. Aludida súmula tornou-se inócua.

Comprovada a culpa do empregado ou comitente, o patrão responde objetivamente. Para eximir-se da responsabilidade deve provar que o dano não foi causado pelo seu empregado ou preposto ou que o dano não foi causado no exercício do trabalho ou em razão dele. O Enunciado 191 do CJF/STJ estipula: “A instituição hospitalar responde, na forma do art.932, III, do CC, pelos atos culposos praticados por médicos integrantes do seu corpo clínico.”

O Código de 1916, no seu art. 1.522, fazia distinção entre a responsabilidade do empregador, conforme este se tratasse de pessoa física, sociedade, associação ou fundação. Comprovada a culpa do empregado, presumia-se a culpa do empregador quando este fosse pessoa física ou sociedade, mas se o empregador fosse associação ou fundação só respondia subjetivamente, isto é, mediante a demonstração da culpa in eligendo ou in vigilando. O novo Código Civil não faz qualquer distinção. Portanto, comprovada a culpa do empregado, presume-se a responsabilidade do empregador, seja este pessoa física, sociedade, associação ou fundação.

Por outro lado, como observa Orlando Gomes, o ato praticado por trabalhador autônomo, como o empreiteiro, não acarreta a responsabilidade de quem encomendou a obra. Nesse caso, o responsável é o empreiteiro.

Finalmente, o empregador tem direito de regresso contra o empregado para obter o reembolso, salvo se procedeu com culpa, dando-lhe falsas instruções, entregando-lhe equipamentos defeituosos etc.

RESPONSABILIDADE DOS EDUCADORES A escola responde pelos danos culposos ou dolosos causados pelos alunos contra terceiros,

nos moldes da teoria objetiva, desde que presentes os seguintes requisitos: a) que o dano tenha sido causado no momento em que aluno estava em sua vigilância e

autoridade. Fora desse momento, a escola só pode responder subjetivamente, isto é, mediante demonstração de sua culpa;

b) que o aluno seja menor. De fato, o aluno maior não se submete a vigilância, pois é senhor e responsável pelos seus atos. Como salienta Carlos Roberto Gonçalves, “exclui-se, pois, a

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responsabilidade dos estabelecimentos de ensino superior, em que a missão é de instruir e não de vigiar, e o aluno não se encontra, normalmente, sob a vigilância do professor ou do educandário”;

c) que o ensino seja remunerado, isto é, como o fito de lucro. A escola é uma prestadora de serviço. Em razão disso, a sua responsabilidade é regida pelo

Código de Defesa do Consumidor. O Código Civil, entretanto, também disciplinou a matéria. De um lado, a lei posterior revoga a anterior, mas de outro lado, a lei geral não revoga a especial. A discussão, aparentemente, torna-se irrelevante, porque tanto o Código Civil quanto o Código de Defesa do Consumidor adotaram a Teoria da Responsabilidade Objetiva, independentemente de culpa. A meu ver, a matéria encontra-se regulada por ambos os códigos, prevalecendo a exegese conciliadora. Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor é aplicado aos danos causados pela escola ao aluno, ao passo que o Código Civil cuida dos danos causados pelo aluno contra terceiros. Maria Helena Diniz estende a responsabilidade objetiva ao diretor do estabelecimento de ensino e aos mestres não por exercerem sobre seus discípulos um dever de vigilância, mas por assumirem risco da sua atividade profissional e por imposição de Lei (CC, art.933). A meu ver, não há previsão legal para isso, porquanto o art.932, III, só prevê a responsabilidade objetiva para o dono da escola, sendo vedada a analogia. Tratando-se de danos causados por terceiros contra o aluno, cremos que a responsabilidade da escola é subjetiva, sendo regida pelo art. 186 do Código Civil.

Do exposto dessume-se que, provada a culpa do aluno, presume-se a responsabilidade da escola. Trata-se de uma presunção absoluta. Todavia, a escola tem direito de regresso contra o aluno e não contra os seus pais, pois estes não respondem pelos danos causados por seus filhos durante o período em que estão sob vigilância da escola. Como esclarece Caio Mário da Silva Pereira, “a escola ao acolher o aluno recebe a transferência da guarda e vigilância, sendo, pois, responsável pelo ato lesivo, que este causar a terceiro”. De acordo com art. 928 do Código Civil, o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Anote-se ainda que o incapaz só responde se a indenização não o privar do necessário (parágrafo único, do art. 928 do Código Civil). Saliente-se, contudo, que o STF admitiu a ação regressiva contra os pais (RJTJSP 25/611).

RESPONSABILIDADE DOS DONOS DE HOTÉIS E CASAS DE HOSPEDAGEM O dono de hotel responde pelo dano causado por seus hóspedes ou moradores. Se estes, por

exemplo, cometem um furto dentro do estabelecimento, lesando o patrimônio de terceiro, o dono do hotel é solidariamente responsável.

Trata-se de uma responsabilidade contratual. Provada a culpa do hóspede, presume-se a responsabilidade do dono do hotel. Trata-se de

uma responsabilidade objetiva, isto é, independentemente de culpa. Aludida responsabilidade só é excluída se houver caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.

Por outro lado, os danos causados pelo hotel, isto é, por seus funcionários, aos hóspedes são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pois se trata de uma relação de consumo. A responsabilidade também é objetiva.

Como salienta Maria Helena Diniz, o hóspede lesado, para receber a indenização, só terá de comprovar o contrato de hospedagem e o dano dele resultante.

O Código Civil só prevê a responsabilidade objetiva do dono de hotel ou casa de hospedaria pelos atos ilícitos provocados pelos seus hóspedes ou moradores. Os atos ilícitos praticados por seus empregados também geram responsabilidade objetiva, por força do art. 932, III, do CC, enquadrando-se também a hipótese do CDC.

Saliente-se, contudo, a omissão do Código Civil quanto aos atos ilícitos praticados por terceiro,

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como um furto ou roubo. Em tal situação, cremos que a responsabilidade é subjetiva, sendo regida pelo art. 186 do CC, exigindo-se a demonstração da culpa do dono de hotel ou casa de hospedaria. Em relação ao furto, torna-se nítida a culpa in vigilando, impondo-se a obrigação de indenizar. Quanto ao roubo à mão armada, a jurisprudência exclui a obrigação de indenizar, considerando esse fato força maior.

Finalmente, o dono de hotel ou hospedaria responde objetivamente pelos danos causados por seus hóspedes ou moradores, quando a hospedagem for onerosa. Tratando-se de hospedagem gratuita, subsiste a responsabilidade, mas de forma subjetiva, nos moldes do art. 186 do CC. Pelos danos causados por seus empregados, ainda que a hospedagem seja gratuita, a responsabilidade é objetiva, nos moldes do art. 932, inc. III, do CC.

RESPONSABILIDADE DOS QUE PARTICIPARAM NO PRODUTO DO CRIME Conquanto a pessoa não tenha participado do crime, se recebeu o seu produto ainda que

gratuitamente e inocentemente, deverá restituir à vítima. Trata-se de uma hipótese de ação in rem verso.

RESPONSABILIDADE DOS FARMACÊUTICOS O farmacêutico, quando se dedica à venda de medicamentos, sendo, pois, o dono da

farmácia, responde solidariamente pelos atos ilícitos de seus empregados ou prepostos, nos moldes do art. 34 do Código de Defesa do Consumidor. Trata-se de uma responsabilidade objetiva.

Entretanto, o farmacêutico, quando for um profissional liberal, passa a ter responsabilidade subjetiva, nos moldes do art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor.

DIREITO DE REGRESSO Dispõe o art. 934 do Código Civil: “Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele

por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absolutamente ou relativamente incapaz”.

O dispositivo em apreço prevê a ação in rem verso. Só não há direito de regresso quando o causador do dano for descendente absoluta ou

relativamente incapaz, preservando-se, nesse caso, o princípio da solidariedade familiar, mas esses gastos com indenização por ato ilícito, para diversos autores, devem ser trazidos à colação, pois o art.2.010 do CC não abre exceção à colação dessas verbas. Em relação ao tutor e curador não terão direito de regresso na hipótese de o tutelado ou curatelado não disporem recursos financeiros ou puderem ficar privados do necessário para se manterem, pois nessas condições o pupilo ou curatelado são excluídos da obrigação de indenizar. Exclui-se também o direito de regresso quando o pupilo ou curatelado for descendente do tutor ou curador, por força do art.934 do CC.

Quanto ao ato ilícito praticado pelo empregado menor, no exercício do trabalho ou em razão dele, deve ser ressarcido pelo empregador, que não terá direito de regresso contra o pai do menor, salvo quando o genitor no contrato de trabalho se responsabilizou pelos eventuais danos.

RESPONSABILIDADE DOS EMPRESÁRIOS Dispõe o art.931 do CC: “Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas

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respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação”.

Referido dispositivo legal consagra a responsabilidade objetiva dos empresários individuais e sociedades empresárias pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. É somente aplicável esse dispositivo nas relações jurídicas não consumeristas, como é o caso do contrato celebrado entre empresários. Presente a relação de consumo, a responsabilidade é igualmente objetiva, mas regida pelo Código de Defesa do Consumidor.

Quanto à responsabilidade dos empresários pelos atos ilícitos de seus representantes ou empregados, aplica-se o art.932, III, do CC, que consagra a responsabilidade objetiva.

RESPONSABILIDADE POR DANOS CAUSADOS POR COISAS QUE ESTEJAM SOB A GUARDA DO

AGENTE INTRODUÇÃO Oriunda da França, desde o Código de Napoleão, a teoria da guarda atribui ao dono da coisa

inanimada a responsabilidade de reparar o dano causado a terceiro. De acordo com aludida teoria, a responsabilidade é objetiva, independentemente de culpa. O

guardião só se exime da responsabilidade mediante prova de que o dano adveio de caso fortuito ou culpa exclusiva da vítima. O agente não se libera provando inexistência de culpa de sua parte.

Assim, o dano causado pela coisa deve ser ressarcido pelo seu dono, presumindo-se a responsabilidade deste último, invertendo-se, destarte, o ônus da prova.

A teoria da guarda, conquanto não adotada expressamente no Código como uma norma genérica, acabou sendo adotada especificamente nos arts. 1.528 e 1.529 do Código de 1916, correspondentes aos arts. 937 e 938, respectivamente, do Código atual, e parcialmente no art. 1.527 do Código de 1916, correspondente ao art. 936 do Código atual.

Por analogia, a teoria da guarda tem sido aplicada em outras hipóteses. Como adverte Aguiar Dias “seria ilógico responsabilizar-se o proprietário do animal (art. 1.527) ou o dono do imóvel (arts. 1.528 e 1.529) e não responsabilizar-se, em medida igual, o proprietário das demais coisas inanimadas”. Assim, por exemplo, no caso de queda de árvore, presume-se a responsabilidade do dono da árvore pelo dano produzido, excluindo-se a obrigação de indenizar apenas na hipótese de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.

Sobre o assunto, abordaremos os seguintes tópicos: responsabilidade pela ruína do edifício; responsabilidade resultante de coisas líquidas e sólidas (effusis et dejectis); responsabilidade por dano causado por veículo roubado ou furtado; responsabilidade por dano causado por veículo dirigido por terceiro; responsabilidade decorrente do exercício de atividade perigosa; responsabilidade das empresas locadoras de veículos; responsabilidade em caso de arrendamento mercantil (leasing); responsabilidade decorrente do contrato de transporte.

RESPONSABILIDADE PELA RUÍNA DE EDIFÍCIO Dispõe o art. 937 do Código Civil: “O dono do edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de ruína, se esta

provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta”.

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Assim, o dono do imóvel é presumidamente o responsável pelos danos causados em razão da ruína do edifício. Facilita-se, portanto, o ressarcimento da vítima, pois esta não precisa descobrir quem foi o responsável pelo defeito da construção do prédio. Com efeito, ocorrendo o desabamento, por exemplo, queda de marquise ou queda de elevador, presume-se a responsabilidade do proprietário. Este é o único legitimado a figurar no polo passivo da relação processual, nos moldes da teoria da responsabilidade objetiva. Todavia, terá ação regressiva contra o culpado, que pode ter sido o empreiteiro ou o inquilino.

Nada obsta que a vítima mova a ação contra o responsável direto, provando a culpa deste. Em tal situação, haverá solidariedade entre o responsável direto e o proprietário.

Noutras palavras, em termos de responsabilidade objetiva, apenas o proprietário do imóvel tem legitimidade passiva, mas se a vítima optar pela responsabilidade subjetiva, prevista no art. 186, enveredando pela discussão da culpa, poderá também acionar o responsável direto.

A responsabilidade, como esclarece Washington de Barros Monteiro, não se restringe aos danos causados pela ruína do prédio, como impropriamente menciona o Código Civil. Se de uma casa desprende, por exemplo, uma telha, se num teatro cai o lustre, matando o assistente, fica o proprietário obrigado a reparar o dano.

O dono não se isenta da indenização alegando que ignorava o mau estado do prédio. Será obrigado a indenizar ainda que se trate de um dano causado por defeito de construção, ressalvando-se, porém, o seu direito de regresso contra o construtor.

A responsabilidade do proprietário do imóvel é excluída nas seguintes hipóteses: dano causado por caso fortuito ou força maior; dano causado por culpa exclusiva da vítima; dano resultante de ruína que adveio de falta de reparo, cuja necessidade não era manifesta.

Ao proprietário do imóvel compete o ônus da prova de uma dessas excludentes, pois, como vimos, a sua responsabilidade é presumida. Assim, ocorrendo o dano, a falta de reparo é presumidamente manifesta, evidente, visível, notória. Se, porém, o proprietário provar que não era manifesta, por exemplo, um defeito oculto, libera-se da obrigação de indenizar. Portanto, a presunção de responsabilidade é juris tantum, isto é, relativa, admitindo a prova em contrário. Para Maria Helena Diniz, no entanto, o autor da ação de indenização é que tem o ônus da prova de que a falta de reparos era notória.

A teoria da guarda não é adotada na sua pureza, pois, de acordo com essa teoria, a ausência de culpa não exclui a obrigação de reparar o dano. No caso em apreço, provando-se que a falta de reparo não era manifesta, o proprietário se libera da obrigação de indenizar, diante da ausência de culpa. Outros casos, porém, de ausência de culpa não são excludentes da responsabilidade, aproximando-se da teoria da guarda. A única ausência de culpa que exclui a responsabilidade é a referente à falta de reparo não manifesta. A doença ou dificuldades financeiras do proprietário ou o fato de a ruína do prédio ser anterior à aquisição do domínio não excluem a responsabilidade civil.

Finalmente, se o prédio ainda estiver em construção, responderá objetivamente a construtora, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, sendo solidários todos os envolvidos com a construção, inclusive, a incorporadora.

RESPONSABILIDADE RESULTANTE DE COISAS LÍQUIDAS E SÓLIDAS (EFFUSIS ET DEJECTIS) Dispõe o art. 938 do Código Civil: “Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que

dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido”. Trata-se da responsabilidade civil por defenestramento, que significa jogar fora pela janela, ou effusis et dejectis.

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Assim, o habitante do imóvel é presumidamente responsável pelo dano causado por coisas líquidas (effusis) ou coisas sólidas (dejectis) dali lançadas ou caídas. Exemplos: rojão lançado de apartamento; vaso de flor que, em razão do vento, despenca da janela.

Trata-se da adoção integral da teoria da guarda, cuja natureza é objetiva. De fato, o habitante do imóvel não se exonera da obrigação de indenizar provando a ausência de culpa.

Ainda que a queda tenha sido acidental, subsiste a sua responsabilidade, que só é excluída mediante prova de culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito. Se a coisa é lançada em lugar adequado, mas a vítima inadvertidamente ali estava, exclui-se a obrigação de indenizar, porque, em tal situação, a culpa terá sido exclusivamente dela.

A vítima, para obter a indenização, movendo a actio effusis et dejectis, só precisa comprovar o evento, o dano e o nexo causal. Ainda que o objeto tenha sido lançado por terceiro, o habitante do imóvel terá que indenizar, ressalvando o seu direito de regresso. No caso de imóvel cedido a terceiro de forma onerosa (locação) ou gratuita (comodato), exclui-se a responsabilidade civil do proprietário, recaindo a responsabilidade sobre o possuidor que o habita (comodatário ou locatário). De fato, o responsável é o guardião do imóvel, isto é, o morador, ainda que se trate de mero ocupante.

Por outro lado, paira controvérsia, sobre o legitimado passivo da relação processual, quando o dano advém de objeto lançado de um prédio, sem que se consiga apurar o apartamento de onde caiu.

Aguiar Dias sustenta que a responsabilidade é solidária de todos os moradores do edifício, ressalvando que nos grandes edifícios de apartamentos, o morador da ala oposta à em que se deu a queda ou lançamento de objeto ou líquido não pode, decerto, presumir-se responsável pelo dano. Discordo desse entendimento, pois a solidariedade não se presume, só podendo resultar da lei ou da vontade das partes (art. 265). A meu ver, a responsabilidade de todos os moradores da ala em que o objeto caiu deve ser divisível, rateando-se o prejuízo entre eles. Cumpre registrar a opinião de Sílvio Rodrigues, segundo o qual, não sendo apurado o apartamento de onde o objeto caiu, não há falar-se em indenização por parte dos moradores de uma ala do edifício, pois o ônus da prova do nexo causal compete ao autor da ação. Data vênia, a responsabilidade é daquele que habita o prédio de onde caiu o objeto, de modo que, por interpretação extensiva, abrange os habitantes de edifício em condomínio. Ademais, o Código Civil dispensou a vítima de comprovar a autoria. Segundo a jurisprudência dominante, no entanto, a responsabilidade é do condomínio, que figurará como réu na ação indenizatória, mas terá direito de regresso contra o causador do dano, nos termos do art.934 do CC.

RESPONSABILIDADE POR DANO CAUSADO POR VEÍCULO ROUBADO OU FURTADO Tratando-se de furto, o dono do veículo pode ser responsabilizado pelo dano causado pelo

ladrão, desde que presentes os seguintes requisitos: a) que o ladrão tenha tido culpa pelo evento danoso. Se a culpa for exclusiva da vítima,

exclui-se a responsabilidade do ladrão e do dono do automóvel; b) que o dono do veículo seja o culpado pelo furto. O ônus da prova da culpa é da vítima. Tal

ocorre, por exemplo, quando o veículo é estacionado com as chaves no contato ou com o vidro aberto. Portanto, a responsabilidade do dono do veículo é subjetiva, enquadrando-se no art. 186 do CC. É claro que o dono do veículo tem direito de regresso contra o ladrão. Nada obsta também que a vítima mova ação de indenização contra o ladrão. Na verdade, há solidariedade entre o ladrão e o dono do veículo.

Quando, porém, o veículo é objeto de roubo, em regra, não há culpa do dono do automóvel,

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equiparando-se o fato à força maior, excluindo, destarte, a sua responsabilidade. Assim, se o proprietário perde a guarda do veículo, não pode mais responder como seu

guardião, salvo se a perda da guarda emanou de sua culpa. RESPONSABILIDADE POR DANO CAUSADO POR VEÍCULO DIRIGIDO POR TERCEIRO Provada a culpa do condutor, presume-se a responsabilidade do proprietário do veículo. Este

é obrigado a indenizar, independentemente de culpa, isto é, ainda que tenha confiado a direção do automóvel a uma pessoa prudente e devidamente habilitada. Como salienta Aguiar Dias, o proprietário responde porque confiou o carro a pessoa sem idoneidade econômica, pois se a tivesse, contra ela ingressaria o lesado. O STF já decidiu que não se exige a culpa in vigilando ou in eligendo do proprietário do veículo.

Para justificar esse ponto de vista, invoca-se a teoria da guarda da coisa inanimada, aplicando-se ainda analogicamente o disposto no art. 936 do Código Civil.

A questão, contudo, não é pacífica. Diversos acórdãos eximem o proprietário do veículo da obrigação de indenizar quando este comprovar a ausência de culpa de sua parte.

RESPONSABILIDADE POR DANO CAUSADO PELO ADQUIRENTE DO VEÍCULO, QUE NÃO O TRANSFERIU PARA O SEU NOME

Uma primeira corrente, baseada no art. 221, 2ª parte, do CC, segundo o qual os efeitos do

negócio jurídico só se operam perante terceiros após o registro do instrumento particular, considera que o alienante do veículo responde pelos danos causados pelo adquirente, invocando-se ainda a súmula 489 do STF cujo teor é o seguinte: “A compra e venda de automóvel não prevalece contra terceiros de boa-fé, se o contrato não foi transcrito no Registro de Títulos e Documentos”.

Uma segunda corrente, acertadamente, exclui, a partir da tradição do bem, a responsabilidade civil do alienante pelos danos causados pelo adquirente do veículo. De fato, o art.221 do CC e a súmula 489 do STF cuidam da responsabilidade contratual e não da aquiliana. Com a tradição do bem móvel, o adquirente torna-se o proprietário, independentemente do registro, excluindo-se a responsabilidade do alienante pelos acidentes automobilísticos posteriores. Sobre o assunto, dispõe a súmula 132 do STJ: “A ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo alienado”.

RESPONSABILIDADE DECORRENTE DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE PERIGOSA Dispõe parágrafo único do art. 927 do Código Civil que “haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Consagrou-se no dispositivo em apreço, que prevê uma cláusula geral da responsabilidade objetiva consubstanciada na expressão atividade de risco, a teoria do risco. De acordo com essa teoria, quem, no seu interesse, no exercício de determinada atividade, que aufere lucros, criar um risco de causar dano a outrem, deve reparar o dano independentemente de culpa. Assim, a responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade: quem lucra com uma atividade deve responder pelos riscos ou desvantagens dela resultantes.

O dano causado em razão do exercício de uma atividade perigosa também deve ser indenizado, independentemente de culpa. Trata-se de um desdobramento da teoria do risco, oriunda do direito italiano.

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O novo Código Civil adotou a teoria da responsabilidade objetiva para os danos causados pelo exercício de atividade perigosa. Como esclarece Carlos Roberto Gonçalves, “atualmente, mesmo inexistindo lei que regulamente o fato, pode o juiz aplicar o princípio da responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, baseando-se no dispositivo legal mencionado, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Desse modo, toda vez que surgir uma atividade nova, resultante do progresso, poderá o Judiciário, independentemente de sua regulamentação em lei especial, considerá-la perigosa, se, por sua natureza, implicar risco para os direitos de outrem, responsabilizando objetivamente os que, exercendo-a, causarem danos a terceiro”.

Assim, os danos causados pelo exercício de atividade perigosa submetem-se à responsabilidade objetiva, quer advenham de ato lícito ou ilícito, ao passo que os danos emanados de atividade não perigosa são regidos pela responsabilidade subjetiva, sendo, pois, essencial a demonstração da culpa e a prática do ato ilícito.´

O conceito de atividade perigosa é vago, competindo a sua caracterização ao prudente arbítrio do juiz, que poderá valer-se da doutrina italiana que, delineando os seus traços básicos, concluiu que é aquela reveladora de potencialidade danosa, apurada por dados estatísticos, elementos técnicos ou pela experiência comum. Exemplos: fábrica de explosivos; empresa de fabricação de produtos químicos etc. A regra do art.931 do CC não afasta as normas acerca da responsabilidade pelo fato do produto previstas no art.12 do CDC, que continuam mais favoráveis ao consumidor lesado (Enunciado 190 do CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil).

Na Itália, exclui-se a responsabilidade mediante comprovação de que todas as cautelas foram tomadas para afastar o dano. No Brasil, não há essa excludente. Todavia, de acordo com o magistério de Agostinho Alvim, o fortuito externo, como a enchente, o raio etc, deve ser causa de exclusão da responsabilidade objetiva, mas esta subsiste quando o dano é causado pelo fortuito interno, isto é, inerente à atividade ou ao homem que a desenvolve, como o enfarte do motorista que dirige o automóvel ou o estouro do pneu. No tocante à responsabilidade civil do empregador pelas lesões que os empregados sofrerem no exercício do trabalho, isto é, por acidentes laborativos, uma primeira corrente sustenta que a sua responsabilidade é sempre subjetiva, competindo ao empregado o ônus da prova da culpa, por força do art.7º, XXVIII da CF, que exige, para que o empregador seja obrigado a indenizar os acidentes do trabalho, a prova do dolo ou culpa. O citado dispositivo constitucional, porém, deve ser interpretado restritivamente, nele se incluindo a ressalva “salvo se for atividade de risco”. Tratando-se de atividade de risco aplica-se o parágrafo único do art.927 que consagra a responsabilidade objetiva. O enunciado 377 do CJF dispõe que: “O art.7º, XXVIII, da Constituição Federal não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, quando se tratar de atividade de risco”.

RESPONSABILIDADE CIVIL NOS ACIDENTES DE TRÂNSITO Uma primeira corrente, com base no parágrafo único do art.927 do CC, sustenta que a

responsabilidade civil decorrente de acidentes de trânsito é objetiva, pois se trata de uma atividade de risco. Ademais, se o Decreto-lei 73/66 impôs o seguro obrigatório para os proprietários de veículos automotores, para garantir a indenização até certo valor independentemente de culpa, é porque quis consagrar para a hipótese a teoria do risco, de enfoque objetivo. A propósito, esse seguro obrigatório, que é obrigação ex lege, não se confunde com a responsabilidade civil comum dos arts.949 e 950 do CC, de modo que a vítima pode exigir cumulativamente essas duas indenizações.

Uma segunda corrente, defendida por Fabio Ulhoa Coelho e Maria Helena Diniz, considera a

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responsabilidade subjetiva, competindo à vítima o ônus da prova da culpa do motorista. RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS LOCADORAS DE VEÍCULOS Dispõe a súmula nº 492 do STF: “A empresa locadora de veículo responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos

por este causados a terceiros, no uso do carro locado”. Aludida responsabilidade, cuja natureza é objetiva, caracterizando-se independentemente de

culpa da empresa locadora, justifica-se na teoria do risco, isto é, aquele que explora atividade perigosa a terceiros deve arcar com os prejuízos. Não se trata de uma responsabilidade indireta, baseada em fato de terceiro, mas de uma responsabilidade própria inspirada na socialização dos riscos.

Maria Helena Diniz, porém, sustenta que se trata de mais um caso de responsabilidade de fato de terceiro.

Mário Moacyr Porto ataca a súmula, asseverando que essa responsabilidade não se apoia na lei, sendo puramente pretoriana.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, para decidir a questão, invocou os arts.2º,14 e 17 do Código de Defesa do Consumidor .

Saliente-se, contudo, que a empresa locadora só responde se houver culpa do condutor do veículo locado. Nesse caso, ambos são responsáveis solidários. Sobre a razão da solidariedade, o STF já decidiu que o locador age com culpa à medida em que arrenda o veículo a qualquer pessoa sem aferir a solvência do usuário, deixando ainda de destinar parte do seu lucro à cobertura da eventual insolvência do motorista .

RESPONSABILIDADE EM CASO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING) No arrendamento mercantil, a empresa locadora tem a intenção de vender o bem,

transferindo-o a outrem para que este realize a exploração econômica do veículo, ao passo que na locação não há a intenção de venda e a exploração econômica do carro é feita pela empresa locadora. Esses contratos, como se vê, distinguem-se nitidamente.

Não obstante, uma corrente jurisprudencial aplica a súmula nº 492 do STF às empresas de arrendamento mercantil, atribuindo responsabilidade solidária entre arrendador e o arrendatário, acoimando ainda de nula a cláusula que atribui responsabilidade exclusiva ao arrendatário por dano causado a terceiro. Discordo dessa exegese, que se baseia na analogia, pois não vislumbro semelhança entre esses contratos. Como explica Fábio Konder Comparato: “A instituição financeira exerce a função de simples intermediária entre o locatário e o vendedor do bem, o que faz com que não se lhe possa imputar qualquer responsabilidade”.

Saliente-se ainda que na alienação fiduciária em garantia, a instituição financeira, que é a credora fiduciária, conquanto seja a proprietária resolúvel do bem, não responde pelos atos ilícitos praticados pelo devedor fiduciante. Por analogia, a solução deve ser a mesma em relação ao leasing.

RESPONSABILIDADE POR DANOS CAUSADOS POR ANIMAIS QUE ESTEJAM SOB A GUARDA

DO AGENTE Dispõe o art.936 do Código Civil:

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“O dono, ou o detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”.

Como se vê, a lei presume a responsabilidade do dono ou detentor do animal, facilitando o recebimento da indenização, pois a vítima terá que provar apenas: a) o dano, que pode ser contra pessoas, coisas ou plantações; b) que o dano derivou do animal; c) que o animal pertencia ao réu.

Assim, o autor da ação de indenização tem o ônus da prova do nexo causal, competindo-lhe a demonstração de que o dano foi provocado por animal pertencente ao réu, sob pena de a ação ser julgada improcedente.

Tratando-se de animal silvestre, o dono da terra onde este se encontra não tem qualquer responsabilidade, pois não é o seu proprietário ou seu detentor, salvo se apreendeu ou se apropriou do animal.

Note-se que a lei atribui a responsabilidade civil ao proprietário ou detentor do animal. De acordo com Orlando Gomes, detentor é aquele que tem o animal em seu poder a qualquer título, abrangendo, por consequência, até o empregado do dono. Saliente-se, porém, que se o animal estiver com o preposto do proprietário, este último é solidariamente responsável (arts.932, III, 933 e 936), mas enquanto a responsabilidade do preposto é objetiva por fato do animal (art.936), o dono só responderá objetivamente se comprovada a culpa do preposto (art.932, III e 933 do CC). Se o animal de uma empresa lesiona o empregado a responsabilidade do proprietário também é objetiva, pois o art.936 do CC não faz nenhuma ressalva quanto à vítima.

A responsabilidade civil é atribuída ao guardião do animal, que nem sempre é o proprietário. De fato, o comodatário ou depositário do animal respondem pelos danos, excluindo-se, nesses casos, a responsabilidade do proprietário. Saliente-se que o guarda é aquele que tem o poder de direção e vigilância sobre o animal. A construção de tapume especial, que visa impedir a passagem de animais de pequeno porte, é uma obrigação do proprietário ou detentor do animal.

No caso de furto do animal, o dono não tem responsabilidade civil pelos danos eventualmente ocorridos. Todavia, se o furto se der por negligência do dono, que não o guardou cuidadosamente, impõe-se a responsabilidade civil pela culpa preexistente.

Por outro lado, a presunção de responsabilidade do dono ou detentor do animal é relativa, podendo ser excluída de duas formas: culpa exclusiva da vítima e força maior. Quanto ao caso fortuito, o Código é omisso, mas o STJ entende que é sinônimo de força maior. Se houver culpa concorrente da vítima, o valor da indenização será reduzido.

Denota-se claramente a adoção da teoria da guarda, segundo a qual a responsabilidade é objetiva, independentemente de culpa. De acordo com a aludida teoria, o guardião só se exime da responsabilidade mediante prova de que o dano adveio de força maior ou culpa exclusiva da vítima. Não basta, para eximir-se, a prova da inexistência de culpa de sua parte. Na vigência do Código anterior, o guarda se liberava da obrigação de indenizar mediante prova da ausência de culpa, isto é, de que guardava e vigiava o animal com o cuidado preciso.

No caso de o animal ser provocado por outro animal, desde que esse fato seja imprevisível e inevitável, a situação deve ser considerada caso fortuito ou força maior, excluindo-se a responsabilidade do dono ou detentor do animal, por força da aplicação da teoria da guarda, passando a responsabilidade a ser exclusiva do dono do animal provocador. Em não se apurando qual é o animal provocador, discute-se sobre quem deve arcar com a responsabilidade civil. Uma primeira corrente sustenta que não há falar-se em indenização; uma segunda preconiza que os danos devem ser repartidos entre os dois proprietários dos respectivos animais.

De acordo com Orlando Gomes, se o dano é causado por vários animais, não se podendo individualizar o dano de cada um, não há cogitar-se da obrigação de indenizar.

Finalmente, em relação aos acidentes provocados por animais em rodovias públicas, a

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responsabilidade é solidária entre o proprietário do animal e a concessionária de serviços públicos encarregada de sua conservação e exploração, pois, conforme preceitua o art.942, 2ª parte, do Código Civil, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. De fato, o art. 1º, §§ 2º e 3º do Código de Trânsito Brasileiro atribui às entidades componentes do Sistema Nacional do Trânsito o dever de adotar as medidas destinadas à garantia do trânsito seguro. Essas empresas têm o dever de fiscalizar as cercas lindeiras da rodovia, exigindo que os proprietários reforcem-nas, evitando, assim, o transpasse de semoventes. Ademais, o Código de Defesa do Consumidor responsabiliza os prestadores do serviço público, independentemente da verificação de culpa, pelos defeitos na prestação dos serviços. As concessionárias e permissionárias do Sistema Nacional de Trânsito enquadram-se no conceito de prestadores de serviços, conforme art.14 do Código de Defesa do Consumidor. Acrescente-se, ainda, que o art.37, § 6º, da Constituição Federal atribui responsabilidade objetiva às pessoas jurídicas de direito privado, prestadora de serviços públicos, pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, por ação ou omissão. Todavia, como esclarece Carlos Roberto Gonçalves, a concessionária, se condenada, terá ação reversiva contra o dono do animal, para cobrar deste a sua quota-parte.

RESPONSABILIDADE DECORRENTE DO CONTRATO DE TRANSPORTE INTRODUÇÃO Dispõe o art.730 do Código Civil que: “Pelo contrato de transporte alguém se obriga,

mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas”. O art.732 do Código Civil ressalva que: “Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis,

quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais”.

Portanto, manteve-se a vigência do Código de Defesa do Consumidor, do Código Brasileiro de Aeronáutica, da Convenção de Varsóvia etc, desde que não contrariem as disposições do Código Civil .

Saliente-se ainda que o contrato de transporte é de resultado, pois o passageiro deve chegar são e salvo e a mercadoria intacta. Portanto, se ocorre acidente e o passageiro é ferido ou a mercadoria avariada, configura-se inadimplemento contratual, acarretando à transportadora a obrigação de indenizar. A propósito, como ensina Carlos Roberto Gonçalves, denomina-se cláusula de incolumidade a obrigação tacitamente assumida pelo transportador de conduzir o passageiro são e salvo ao local do destino.

O TRANSPORTE DE PESSOAS O Decreto nº 2.681, de 7 de dezembro de 1912 atribui responsabilidade objetiva às estradas

de ferro. Não obstante se trate de uma norma que regulamenta o transporte das ferrovias, o certo é que a jurisprudência aplica analogicamente esse decreto a qualquer outro tipo de transporte (ônibus, táxis, automóveis, etc), até mesmo aos elevadores.

De acordo com o aludido decreto, as estradas de ferro respondem pelos desastres, independentemente de dolo ou culpa. A responsabilidade só é excluída mediante caso fortuito ou força maior ou culpa exclusiva do viajante. A culpa concorrente da vítima sequer reduz o valor da indenização, conforme o art.12 do sobredito decreto. Essa sistemática foi mantida pelo Código de Defesa do Consumidor (art.14,§ 3º), que acrescentou ainda a excludente da culpa exclusiva de terceiro. Saliente-se, porém, que a responsabilidade do transportador não é elidida mediante

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demonstração da culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva (Súmula nº 187 do STF e art.735 do Código Civil). A propósito, também dispõe o art.735 do CC: “A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”. Como adverte Carlos Roberto Gonçalves, somente o fato exclusivo de terceiro, especialmente quando doloso, configura o fortuito externo, que, por ser inteiramente estranho aos riscos do transportador, não pode ser a este imputado. É o que ocorre com a morte de passageiro com disparo de arma de fogo no interior de coletivo, durante assalto. Mas há julgados considerando o assalto um fato previsível, imputando a responsabilidade ao transportador. Note-se que o Código Civil, nesse aspecto, é mais vantajoso que o Código de Defesa do Consumidor, pois neste a culpa exclusiva de terceiro é excludente da responsabilidade civil.

O Código Civil de 2002 manteve a responsabilidade objetiva do transportador, prevendo como excludente apenas a força maior (art.734). Todavia, como observa Carlos Roberto Gonçalves, embora não mencionadas expressamente, devem ser admitidas também as excludentes da culpa exclusiva da vítima e do fato exclusivo de terceiro, por extinguirem o nexo de causalidade. De fato, se o ato de terceiro é estranho ao transporte equipara-se à força maior, como os disparos e pedras que se atiram em ônibus. Se, porém, os assaltos, disparos, pedras forem frequentes em tal local não há falar-se em equiparação à força maior.

Observe-se que o art.734 do Código Civil prevê como excludente a força maior, silenciando sobre o caso fortuito, filiando-se à doutrina de Agostinho Alvim, que faz distinção entre fortuito externo (força maior) e fortuito interno (caso fortuito). O primeiro diz respeito a acontecimento estranho à pessoa, à coisa, ou à empresa do agente, como o raio, inundação, terremoto, etc. O segundo refere-se a acontecimento ligado à pessoa ou à coisa ou à empresa do agente, como o estouro de pneus ou o rompimento da barra de direção do veículo. Apenas o fortuito externo exclui a obrigação de indenizar.

De acordo com o art.945 do Código Civil a culpa concorrente da vítima reduz o valor da indenização, afastando-se, nesse aspecto, o Código de Defesa do Consumidor, que dispõe o contrário.

Acrescente-se ainda que o art.734 do Código Civil reputa nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade. A propósito, dispõe a Súmula nº 161 do STF: “No contrato de transporte é inoperante a cláusula de não indenizar”. É, no entanto, lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização (parágrafo único do art.734 do CC). Tal dispositivo visa facilitar a prova do eventual prejuízo.

Por outro lado, a responsabilidade objetiva do transportador é justificada pela teoria do risco. De fato, quem exerce atividade perigosa deve arcar com os prejuízos.

Finalmente, em relação a danos causados a terceiros, como no caso do pedestre atropelado, a responsabilidade do transportador é extracontratual, fundamentando-se no art.186 do Código Civil. Trata-se de uma responsabilidade subjetiva, exigindo-se a demonstração do dolo ou culpa em relação ao dano. De fato, o art.734 do Código Civil só prevê a responsabilidade objetiva quanto aos danos causados aos passageiros. Tratando-se, porém, de concessionária ou permissionária do serviço público, a responsabilidade da empresa transportadora pelos danos causados a terceiros também é objetiva, por força do art.37, § 6º da Constituição Federal, que consagrou a teoria do risco administrativo, só podendo ser afastada mediante caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. Acrescente-se ainda que o transportador que se enquadra no Código de Defesa do Consumidor, que é a grande maioria, também tem responsabilidade objetiva em relação aos danos causados a terceiros. Com efeito, o art.17 do Código do Consumidor equipara ao consumidor todas as vítimas de acidente de consumo, ainda que estranhas ao contrato.

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TRANSPORTE GRATUITO Uma primeira corrente, liderada por Maria Helena Diniz sustenta que o transporte gratuito é

regido pelos princípios da responsabilidade civil extracontratual, pois é dever do transportador zelar pela incolumidade de passageiro seja o transporte gratuito ou não, excluindo-se a obrigação de indenizar apenas se houver caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima. Portanto, ainda que a culpa seja leve ou levíssima, impõe-se a obrigação de indenizar.

Uma segunda corrente, defendida por Silvio Rodrigues, apregoa que o transporte gratuito ou carona se subordina às consequências da responsabilidade civil contratual, considerando-o um contrato benéfico, de modo que o transportador só responde pelos danos causados ao passageiro se agir com dolo ou culpa grave que, nos termos do art.392 do CC. A propósito, dispõe a súmula 145 do STJ: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”. Aliás, o art.736 do CC reza que: “Não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia”. Parece-me que não há dúvida acerca da consagração da responsabilidade subjetiva no transporte gratuito. Entretanto, “não se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir vantagens indiretas”. Exemplos: pagamento de pedágio; pagamento de combustível; transporte em elevadores ou escadas rolantes de shopping centers etc. Nesses exemplos são nítidas as vantagens auferidas, impondo-se a responsabilidade objetiva do transportador.

O TRANSPORTE AÉREO No transporte aéreo, a responsabilidade civil é regida:

Pelo Código Brasileiro da Aeronáutica (Lei nº 7.565/86); Pela Convenção de Varsóvia de 1929; Pela Convenção de Budapeste de outubro de 1930; Pela Convenção de Haia de 1955; Pelo Protocolo Adicional de Montreal de 1975; Pelo Código de Defesa do Consumidor.

O art.732 do Código Civil dispõe que: “Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as exposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de Tratados e Convenções Internacionais”. Portanto, os diplomas acima continuam sendo aplicáveis ao transporte aéreo, desde que não contrariem as normas do Código Civil.

O Código Brasileiro de Aeronáutica rege apenas o transporte aéreo realizado dentro do território brasileiro, isto é, o vôo doméstico. No extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, porém, ele se aplicava também ao transporte aéreo internacional. De acordo com o aludido Código, a responsabilidade do transportador é objetiva, só sendo excluída se a morte ou lesão resultar do estado de saúde do passageiro ou de sua culpa exclusiva. Como se vê, o fortuito interno ou externo não exclui a responsabilidade civil. Saliente-se ainda que a responsabilidade é objetiva mesmo quando o transporte for gratuito, isto é, por mera cortesia .

No tocante ao dano causado a passageiro, o Código Brasileiro de Aeronáutica, baseado na Convenção de Varsóvia, que, por sua vez, inspira-se na teoria do risco do ar, fixa limite para indenização, prevendo apenas 3.500 OTN por morte ou lesão de cada passageiro e 150 OTN por atraso do vôo. Essa indenização tarifada não tem mais cabimento diante da Constituição Federal que não prevê limite para a indenização. Com efeito, dispõe o art.21, XII, c, da Constituição Federal

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que “compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, a navegação aérea, aeroespacial e ainda infra-estrutura aeroportuária”. Trata-se, portanto, de um serviço público e as concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, como as empresas aéreas, submetem-se à responsabilidade objetiva, prevista no citado art.37, §6º, da CF, que prevê a teoria do risco administrativo. Acrescente-se que quando o dano é causado por dolo ou culpa da transportadora, o art.272 do Código Brasileiro de Aeronáutica não fixa limites à indenização.

Sobre o transporte aéreo cumpre transcrever o disposto no art.740 do Código Civil: “O passageiro tem direito a rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem, desde que feita a comunicação ao transportador em tempo de ser renegociada ” . O passageiro que deixar de embarcar ou desistir durante a viagem terá direito a restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado, desde que comprove que outra pessoa foi transportada em seu lugar, mas o transportador poderá reter até 5% (cinco por cento) da importância a ser restituída ao passageiro a título de multa compensatória (§§ 1º e 2º do art.740). Se a viagem se interromper, ainda que por evento imprevisível, o transportador é obrigado a concluí-la em outro veículo da mesma categoria, ou, com a anuência do passageiro, por modalidade diferente, devendo o transportador arcar com as despesas de estada e alimentação do usuário, durante a espera de novo transporte (CC, art.741). O transportador, contudo, tem direito de retenção sobre a bagagem e objetos do passageiro que não houver pago o valor da passagem (art.742) .

A Convenção de Varsóvia prevê a responsabilidade subjetiva do transportador, presumindo, porém, a sua culpa. De acordo com a aludida Convenção o transportador não será responsável se provar que tomou todas as medidas necessárias para que se não produzisse o dano, ou que lhes não foi possível tomá-las. A culpa exclusiva do passageiro exclui a responsabilidade civil e a culpa concorrente a atenua. Na prática, porém, a responsabilidade acaba sendo objetiva, não sendo excluída sequer pela força maior.

Por outro lado, a Convenção de Varsóvia disciplina o transporte aéreo internacional em que o ponto de partida ou de chegada do vôo localizar-se em um dos países signatários da Convenção. A justiça brasileira será a competente para julgar as ações quando o Brasil figurar como ponto de destino (art.28 da Convenção de Varsóvia).

A Convenção de Varsóvia ainda limita a responsabilidade do transportador a 250.000 francos franceses por passageiro, que corresponde a 16.600 DES ( direitos especiais de saque) . No transporte de mercadorias ou de bagagens a responsabilidade é limitada a 250 francos, equivalentes a 17 DES por quilograma, até o limite de 20 quilogramas ou 5000 francos, representando 332 DES. Esse sistema de indenização tarifada não pode prevalecer, pois é incompatível com os preceitos do Código de Defesa do Consumidor.

De acordo com a Teoria Monista o tratado tem preferência sobre as leis dos países que os firmarem. O STF, porém, adota a teoria dualista, que atribui primazia ao direito privativo interno. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, o STJ passou a excluir o sistema de indenização tarifária, reconhecendo que no transporte aéreo há uma relação de consumo.

Por outro lado, referentemente aos danos causados a terceiros por objeto que cair do avião, a empresa proprietária do avião tem responsabilidade objetiva, ainda que decorrente de força maior, excluindo-se a obrigação de indenizar apenas na hipótese de culpa exclusiva da vítima (Lei nº 7.565/1986).

Quanto à responsabilidade pela colisão entre aeronaves, a indenização que um proprietário do avião deverá pagar ao outro é baseada na responsabilidade civil subjetiva (arts. 273 a 276 da Lei nº 7.565/1986). Mas, perante os passageiros, a responsabilidade do transportador é objetiva (art.732 a 734 do CC).

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DANOS MORAIS INTRODUÇÃO O Código Civil de 1916 não continha preceito específico sobre a obrigação de indenizar o dano

moral. Clóvis e Pedro Lessa, apoiados no antigo artigo 159, que não fazia distinção entre os danos reparáveis, admitiam essa indenização, tendo em vista o princípio neminen laedere (a ninguém se deve lesar).

A jurisprudência, porém, só passou a admitir a indenização por danos morais, a partir da década de 80. A timidez jurisprudencial é justificada pela formação arraigada de um positivismo escrito, ao invés do crítico, outrossim, pela dificuldade em se avaliar o dano moral.

O art. 5º, incisos V e X, da CF eliminou a celeuma sobre a reparação ou não do dano moral, ordenando expressamente a sua indenização. Posteriormente, o art. 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, reiterou essa obrigação de indenizar o dano moral, que acabou sendo corroborada pelo art. 186 do Código Civil de 2002.

Os detratores da obrigação de indenizar o dano moral, argumentavam: a) é imoral exigir dinheiro pela perda de um ente querido ou violação de direito personalíssimo; b) é impossível mensurar o valor pecuniário da dor; c) é impossível delimitar as pessoas que tem direito à indenização, pois a dor da perda de um ente querido acaba atingindo parentes e amigos; d) é impossível o retorno ao status quo ante; e) a função da responsabilidade civil não é punir o ofensor, mas reparar o dano por este causado.

Prevaleceu, como vimos, a corrente favorável à obrigação de indenizar, destacando-se os seguintes argumentos: a) é imoral deixar passar em branco uma ofensa; b) é ilógico não indenizar o dano moral à medida em que as pequenas ofensas materiais são indenizadas; c) a indenização dos danos morais exerce papel indutor do comportamento social adequado; d) a indenização ameniza o sofrimento; e) o direito fornece critérios de mensuração do valor da indenização.

CONCEITO Danos morais, de acordo com Carlos Alberto Bittar, são lesões sofridas pelas pessoas físicas

ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem. São aqueles que atingem a moralidade e a afetividade das pessoas, causando-lhes constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas. A dor, a angústia e a sensação negativa para alguns autores são consequências do dano moral, ao passo que este residiria na lesão ao direito não patrimonial da pessoa física ou jurídica. Todavia, conforme veremos logo adiante, a lesão a direitos patrimoniais também pode ensejar danos morais.

Os danos morais são, pois, aqueles que atingem a pessoa na sua esfera de personalidade, causando-lhe sensações negativas, afetando-a sentimentalmente à medida em que representam uma agressão aos seus valores. Exemplos: ruptura de noivado; atentado à liberdade sexual; ofensa à dignidade ou decoro etc.

Distinguem-se dos danos patrimoniais. Estes se caracterizam pelo prejuízo econômico suportado pelo lesado, consubstanciado no dano emergente e no lucro cessante.

Da lesão a um bem material, econômico, pode também advir dano moral (exemplo: destruição de um objeto de valor afetivo) e da ofensa a um bem jurídico extrapatrimonial pode resultar dano patrimonial (exemplo: a morte de um pai de família causa prejuízo material às pessoas que dele dependiam economicamente). Por isso, conforme ensina Maria Helena Diniz, o caráter patrimonial ou moral do dano não advém da natureza do direito subjetivo danificado, mas

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dos efeitos da lesão jurídica. Se os efeitos forem patrimoniais, ter-se-á o dano material, se forem não patrimoniais, haverá dano moral. O dano moral é direto quando resulta da lesão de um bem jurídico extrapatrimonial, e indireto quando emana da lesão de um bem patrimonial.

DANO MORAL DE REPERCUSSÃO PATRIMONIAL Inicialmente, a jurisprudência brasileira passou a admitir a indenização do dano moral com

repercussão patrimonial, averiguada pelo lucro cessante suportado pela vítima. Assim, a Súmula 491 do STF consagrou ser indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que este não exerça trabalho remunerado. A indenização se justificava, aos olhos da jurisprudência, pelo lucro cessante, à medida em que este filho, estando morto, não poderia contribuir ajudando materialmente os pais. Arbitrava-se um valor, geralmente dois terços do salário mínimo, que seria devido até o dia em que este filho completaria 25 anos de idade, presumindo-se que, até esta data, iria contribuir para a ajuda dos pais.

Aludida indenização, a rigor, não se refere a danos morais, mas ao patrimonial oriundo do lucro cessante, que, até hoje, é perfeitamente cabível. Convém esclarecer que alguns danos estéticos acabam tendo repercussão patrimonial, como, por exemplo, o que provoca a perda do emprego. Nesse caso, o dano material não pode absorver o dano moral. A indenização deve abranger o dano material, ainda que inadequadamente se rotule de moral com repercussão patrimonial, e o verdadeiro dano moral (a dor, o constrangimento, a humilhação etc.).

Todavia, o verdadeiro dano moral não tem qualquer reflexo patrimonial. É o que atinge a pessoa fora dos interesses econômicos. Assim, a morte do filho, menor ou maior, deve ensejar uma indenização pelo sofrimento dos pais, cumulando-a com os danos materiais ou com os “danos morais de repercussão patrimonial”.

A propósito, a Súmula n. 37 do STJ admite expressamente a cumulação da indenização dos danos materiais e morais.

CRITÉRIOS DE INDENIZAÇÃO DOS DANOS MORAIS O art. 5º, inciso X, da CF assegura a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e

imagem das pessoas, determinando a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Conquanto não seja pacífico, prevalece a tese de que o aludido rol (intimidade, vida privada, honra e imagem) é meramente exemplificativo, abrangendo outros casos de danos morais.

Não é qualquer dano moral, porém, que é passível de indenização, mas apenas aquele que, pela sua gravidade, merece a proteção legal, conforme salienta o Código Civil português. Não tem cabimento indenizar o dano moral insignificante, como o provocado pela demora no conserto do carro, sob pena de se ferir o princípio da equidade. De fato, o dano moral não se confunde com os meros aborrecimentos decorrentes de prejuízo material. Quanto ao assédio sexual, a indenização só será cabível se o fato for grave. Esse raciocínio é aplicável a todos os danos morais.

São dois os sistemas de indenização do dano moral, o aberto e o tarifado. No sistema aberto, o valor da indenização é fixado pelo Juiz, ao passo que no sistema

tarifado, a lei fixa um teto máximo de indenização. Este último sistema é insatisfatório, pois, além de ser irreal para certas situações, o conhecimento prévio do quantum a ser indenizado, ao invés de prevenir, acaba por estimular a prática do dano moral. Deve prevalecer o sistema aberto, pois a Magna Carta não impôs limite máximo de indenização, de modo que esta é regida pelo princípio da ilimitação da responsabilidade no patrimônio do lesante. Qualquer lei fixando teto indenizatório

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deve ser tida como inconstitucional, por violar o princípio da proporcionalidade entre a ofensa e o agravo, consagrado no art. 5º, inciso V, da CF. A jurisprudência tem ultrapassado os tetos de indenização fixados na lei de Imprensa e em outras legislações.

Dentre os critérios de fixação do dano moral, destacam-se: as circunstâncias do caso; a gravidade do dano e sua repercussão; a situação do lesante e lesado; a gravidade da culpa. Na indenização por danos materiais, a gravidade da culpa não

repercute no valor da indenização; o sofrimento da vítima; a culpa concorrente da vítima. De fato, a culpa concorrente da vítima atenua o valor da

indenização. A meu ver, a demora para a propositura da ação também influi no valor da indenização.

Quanto maior a demora menor é o dano suportado pela vítima, salvo se a demora for oriunda de abalo profundo que retirou da vítima a capacidade de reagir.

Em relação ao lesado, o objetivo da indenização é oferecer-lhe uma compensação, e não a reparação do dano, propiciando-lhe a atenuação do sofrimento. Quanto ao lesante, a indenização tem o escopo de puni-lo para que não volte a praticar outros atos lesivos. Assim, a natureza jurídica da reparação do dano moral revela-se como sendo um misto de pena e de satisfação compensatória que atenue a dor do lesado. O caráter reparatório é o principal e o disciplinador acessório. De acordo com a teoria do desestímulo, a reparação moral deve compensar o lesado, conforme a extensão do dano, e ao mesmo tempo punir o ofensor.

Na fixação do valor da indenização, o juiz deve ter em mente esse binômio, compensação do lesado e sancionamento do lesante, detectando ainda a base econômica do fato, multiplicando-a por duas, três, quatro, cinco vezes, etc. Assim, um cheque protestado indevidamente pode comportar uma indenização por danos morais, multiplicando, por exemplo, o valor do cheque por duas vezes. O valor do cheque influenciará no valor da indenização por danos morais. O STF condenou a empresa, que alterou projeto de arquitetura, a indenizar o arquiteto, cuja honra fora afetada, no triplo dos honorários que ele havia recebido anteriormente.

Há uma tendência jurisprudencial em se reduzir o valor do dano moral quando o dano patrimonial for muito elevado e vice-versa. Primeiro apura-se os danos materiais, se houver, em seguida, os danos morais.

A AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS A ação pode ser movida pela pessoa atingida pela ofensa. No caso de morte desta, já se

admitiu a ação de indenização movida pela noiva e irmão da vítima, dispensando-se a prova da dependência econômica. Nada obsta seja a ação movida pelo companheiro, dependentes econômicos e outras pessoas atingidas. O Tribunal de Justiça de São Paulo negou que parentes próximos, sem laços de afeição com a vítima, movessem ação de indenização por danos morais.

Discute-se se o dano moral é transmissível. Uns respondem negativamente, pois se trata de um direito da personalidade e estes são intransmissíveis, salvo nos casos previstos em lei. Consequentemente, com a morte da vítima no curso da ação, esta se extingue sem julgamento do mérito, com base no art. 267, inciso IX, do CPC. Outros autores admitem a transmissibilidade, porquanto o direito de ação tem caráter patrimonial. Filiamo-nos a esse último ponto de vista, admitindo a propositura ou a continuidade da ação pelo herdeiro, pois o art. 943 do CC dispõe expressamente que “o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a

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herança”. Em relação à pessoa jurídica, também pode sofrer dano moral em sua honra objetiva,

conceituada como sendo a sua reputação social. A propósito, dispõe a Sumula 227 do STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. Não se admite a indenização quando se tratar de honra subjetiva, caracterizada pela estima própria, pois a pessoa jurídica não desfruta de sentimentos de auto-estima.

Quanto ao pedido estampado na inicial, discute-se se pode ou não ser genérico. O STJ tem admitido pedido genérico, relegando ao Juiz o arbitramento do valor da reparação. Outros sustentam que o pedido deve ser certo, isto é, conter o valor devido, sob pena de emenda da inicial, sendo que se esta não for emendada em 10 dias pelo autor, o processo é extinto sem julgamento do mérito. Na prática, é comum a inicial fixar um valor meramente estimativo, vale dizer, sugerir um valor, mas facultar ao Juiz a fixação de um outro valor. Em tal situação, se a sentença fixar valor menor não há falar-se em sucumbência recíproca ou parcial, conforme a Súmula 326 do STJ. Acrescente-se ainda que deve ser evitado a indenização pelo sistema de pensão periódica, que acaba prolongando a dor no tempo, sendo mais recomendável seja a indenização paga em quantia certa e de uma só vez.

O ilustre jurista Carlos Roberto Gonçalves assevera que é abuso de direito processual o valor superestimado, pois onera o recurso do réu. Nesse caso, se houver impugnação ao valor da causa, esta deve ser procedente.

Sobre o prazo para a propositura da ação, uns sustentam que é imprescritível, uma vez que se trata de direito personalíssimo; outros, ao revés, admitem a prescrição, conferindo à ação caráter patrimonial. Em regra, o prazo de prescrição de ação de reparação de dano é de três anos (art. 206, §3º, inciso V, do CC).

A prova da dor, isto é, do sofrimento moral é, em alguns casos, dispensada, pois a dor se passa no interior da personalidade da pessoa, presumindo-a de forma absoluta. Não tem cabimento exigir que a mãe comprove que sentiu dor pela morte do filho. De acordo com o enunciado 275 do CJF, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, há sempre uma presunção juris tantum de dano moral, em favor de ascendentes, descendentes, cônjuges e companheiros. Maria Helena Diniz inclui também os irmãos, inclusive de criação, salientando que “essas pessoas não precisariam provar o dano extrapatrimonial, ressalvando-se a terceiros o direito de elidirem aquela presunção. Os demais parentes, amantes (sendo impuro o concubinato), noivos, amigos, poderiam pleitear indenização por dano moral, mas terão maior ônus de prova, uma vez que deverão provar, convincentemente, o prejuízo, como consequência direta da perda sofrida, e demonstrar que se ligavam à vítima por vínculos estreitos de amizade ou de insuspeita afeição”. Se o dano atingir várias pessoas, cada uma terá direito de ação de indenização.

Tratando-se, porém, de inadimplemento contratual já se decidiu pela necessidade de comprovação da sensação negativa alegada pelo lesado, pois, via de regra, a mera quebra de contrato não gera dano moral, mas mero aborrecimento.

No tocante a pessoa jurídica, o Enunciado 189 do CJF dispõe que: “Na responsabilidade civil por dano moral à pessoa jurídica, o fato lesivo, como dano eventual, deve ser devidamente demonstrado”. Exige-se pois que a pessoa jurídica comprove o dano moral, mas há alguns julgados presumindo esse dano em certas situações, como nos casos de protesto indevido. A pessoa jurídica, que sofre dano moral, tem o ônus da prova desse dano.

Finalmente, a avaliação da indenização é questão fática. Não se trata de questão jurídica, sendo, pois, incabível a impetração de recurso especial ou extraordinário para a discussão desta questão.

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CULPA

Em matéria de responsabilidade civil, a culpa lato sensu significa dolo, ao passo que a culpa

stricto sensu, oriunda da imprudência, negligência ou imperícia, é denominada culpa aquiliana. No

dolo, o agente quer ou assume o risco de causar o dano; na culpa, não existe o intuito de causar

dano, mas este decorre de um comportamento negligente, imprudente ou imperito da pessoa que

o causou.

A aferição da culpa se faz comparando o comportamento do agente causador do dano com o

de um homem médio, isto é, de prudência normal. Assim, quanto ao meio de sua apreciação, a

culpa é analisada in abstracto, comparando a conduta do agente com a do homem médio, isto é,

medianamente diligente e prudente. Se este homem teria o mesmo comportamento que o agente

não há falar-se em culpa. Todavia, a análise in concreto da culpa, levando-se em conta o perfil

subjetivo do agente, serve para aumentar a responsabilidade do agente. A análise abstrata serve

para apurar a culpa leve; a análise em concreto é importante para saber se houve culpa levíssima.

A culpa pode ser in comittendo ou in faciendo, quando resulta de uma ação imprudente, e in

omittendo, quando emanada de negligência (omissão). Todavia, o omitente só terá a obrigação de

indenizar mediante dois requisitos:

a) se tinha o dever jurídico de praticar a ação, emanado da lei, contrato ou algum encargo

assumido;

b) certeza ou grande probabilidade de que a ação omitida terá impedido ou minorado o dano.

Ainda pode ser in vigilando, que é a falta de vigilância sobre uma pessoa, e in eligendo, isto é,

a culpa na escolha de uma pessoa, como a responsabilidade do empregador pelos atos do

empregado. Saliente-se, porém, que de acordo com os arts.932, III e 933 do CC o empregador

responde, independentemente de culpa in eligendo ou in vigilando, pelos atos culposos do seu

empregado, pois sua responsabilidade civil é objetiva. Fala-se ainda em culpa in custodiando,

decorrente da falta de cuidado em se guardar uma coisa ou animal. Igualmente, não há mais falar-

se em culpa in custodiando, pois o dono da coisa animada (animais) ou inanimada responde

objetivamente, independentemente de culpa (art.936, 937 e 938 do CC).

Tradicionalmente, a culpa é dividida em graus: grave, leve e levíssima.

Culpa grave ou lata é a decorrente da imprudência ou negligência grosseira, aproximando-se

do dolo. Ocorre quando qualquer pessoa, ainda que abaixo da média, teria tido comportamento

diferente. Exemplo: atravessar sinal fechado.

Culpa leve ou média é aquela na qual o homem médio teria tido comportamento diferente.

Culpa levíssima, por sua vez, é aquela que apenas um homem de extrema cautela teria

evitado o dano.

No âmbito da responsabilidade aquiliana, ainda que a culpa seja levíssima, há a obrigação de

indenizar integralmente os prejuízos causados. Assim, o valor da indenização é o mesmo, seja o

dano causado a título de dolo ou culpa levíssima. Essa situação é injusta, ferindo a equidade, razão

pela qual o parágrafo único do artigo 944 do Código Civil amenizou o rigor excessivo de se medir a

indenização pela extensão do dano, preceituando que: “se houver excessiva desproporção entre a

gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”. Assim, se a

culpa leve ou levíssima gerar um grande prejuízo à vítima, o juiz poderá, por equidade, reduzir o

valor da indenização. Há quem sustente a inconstitucionalidade do aludido dispositivo legal,

argumentando que o art. 5º, inciso V, da Constituição Federal, assegura o direito de se obter a

indenização integral, isto é, proporcional ao dano sofrido.

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Por outro lado, a culpa concorrente da vítima também atenua a responsabilidade civil do

agente causador do dano. Na jurisprudência, a redução costuma ser feita na metade do valor da

indenização. Todavia, como salienta Aguiar Dias, a divisão da indenização não precisa ser

necessariamente pela metade, podendo variar segundo o grau de culpa das partes. A melhor

solução é reduzir na metade o valor da indenização, quando as culpas forem iguais, outrossim,

quando não se apurar o grau de culpa de cada uma das partes. Tratando-se, porém, de culpas

desiguais, a redução deve ser proporcional aos graus de culpas.

Acrescente-se, desde logo, que se a culpa for exclusiva da vítima, como na hipótese de ela se atirar à frente do veículo, não há qualquer obrigação de indenizar.

Vale a pena ressaltar que a distinção entre dolo e culpa tem repercussão no campo da responsabilidade civil contratual. Com efeito, nos contratos gratuitos ou benéficos, a parte a quem o contrato não favorece, só é obrigada a indenizar os danos causados a título de dolo ou culpa grave (art. 392), mas a parte a quem o contrato aproveita deve indenizar até os danos causados por simples culpa. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa. Anote-se que a jurisprudência tem equiparado a culpa grave ao dolo.

Por outro lado, compete à vítima o ônus da prova do dolo ou culpa do agente causador do dano, salvo nos casos especificados em lei ou quando o dano estiver relacionado com o exercício de uma atividade de risco. Com efeito, dispõe o parágrafo único do artigo 927 do CC que: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Assim, admite-se, nos casos expressos em lei ou em danos advindos do exercício de atividade que, por sua natureza, implica riscos para os direitos de outrem, a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco, isto é, na simples relação de causalidade entre a conduta e o dano, sem qualquer indagação de culpa.

RELAÇÃO DE CAUSALIDADE A relação de causalidade é o liame entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima. Em havendo mais de uma causa que simultaneamente produza o dano, o parágrafo único do

art. 942 do CC consagra a responsabilidade solidária dos agentes. A grande dificuldade, como salienta Carlos Roberto Gonçalves, “está no estudo das concausas

sucessivas, em que se estabelece uma cadeia de causas e efeitos. A dificuldade está em saber qual delas deve ser escolhida como sendo a responsável pelos danos. Agostinho Alvim exemplifica e faz as seguintes indagações: Suponha-se que um prédio desaba por culpa do engenheiro que foi inábil; o desabamento proporcionou o saque; o saque deu como consequência a perda de uma elevada soma, que estava guardada em casa, o que, por sua vez, gerou a falência do proprietário. O engenheiro responde por esta falência?

Outra: Suponha-se que certo doente não tenha sido operado com observância das regras de assepsia, complicando-se o seu estado de saúde. Suponha-se mais que, chamado outro médico, o tratamento, indicado como corretivo, seja contraproducente, e o doente venha a falecer. A morte, aqui, supõe pluralidade de causas, a saber, a operação menos feliz, em desacordo com os preceitos da arte, e a imperícia do médico chamado para corrigir o primeiro erro. Temos, pois, a hipótese de concausas sucessivas.

Três são as principais teorias a respeito: a da equivalência das condições, a da causalidade adequada e a que exige que o dano seja consequência imediata do fato que o produziu”.

Pela teoria da equivalência das condições, também chamada teoria da condictio sine qua non,

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considera-se causa todo fato sem o qual o resultado não teria sido produzido. Dentre as objeções levantadas contra a doutrina da condictio sine qua non destaca-se a do

regressus ad infinitum. Os opositores sustentam que de causa em causa se remonta logicamente ao infinito, respondendo por homicídio os genitores do homicida apenas porque o geraram, ou o fabricante da arma, apenas porque a fabricou. Maria Helena Diniz defende essa teoria, alegando que “não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Esta poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela consequência.

Por outro lado, a teoria da causalidade adequada, preconiza que causa é apenas o comportamento idôneo a produzir o resultado, segundo a experiência comum e o julgamento normal dos homens. Não basta, como na teoria da equivalência, que a eliminação mental exclua a produção do resultado; mister ainda que a conduta seja, em abstrato, idônea para a produção do resultado.

Se, por exemplo, “A” desfere um soco leve na cabeça de “B”, causando-lhe fratura do crânio, em razão de fraqueza óssea, subsiste, para a teoria da equivalência das condições, a obrigação de indenizar, pois a conduta de “A” foi a causa do resultado. Em contrapartida, pela teoria da causalidade adequada, não há a responsabilidade civil, porquanto a conduta de “A”, analisada abstratamente, não se reveste de idoneidade para, por si só, produzir o resultado, salvo se “A” soubesse da precariedade óssea de “B”.

A terceira teoria, chamada teoria dos danos diretos e imediatos ou teoria da interrupção do nexo causal ou ainda teoria da relação causal imediata, os danos indenizáveis só são aqueles derivados de uma causa direta e imediata emanada da conduta do agente. De acordo com essa teoria, só são indenizáveis os danos causados diretamente pela conduta do agente. Não são indenizáveis os danos remotos, isto é, as consequências derivadas indiretamente da conduta do agente, quando emanados de uma nova causa (concausa). Todavia, como adverte Agostinho Alvim, o dano remoto deve ser indenizado quando causado pela conduta do agente, isto é, quando não tenha sido efeito de uma outra causa.

O Código Civil, no artigo 403, adotou essa teoria dos danos diretos e imediatos, preceituando que no valor da indenização só incluem “os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”. Assim, o agente não responde por todos os danos sofridos pela vítima. No primeiro exemplo, do prédio que desabou, o agente não é responsável pelo saque do dinheiro. No segundo exemplo, ambos os médicos respondem, pois a morte emanou diretamente de suas condutas. Igualmente, no terceiro exemplo, da pancada leve no crânio, o agente é responsável pela indenização, pois o traumatismo craniano emanou diretamente de sua conduta. Alguns civilistas, no entanto, sustentam que o Código teria adotado a teoria da causalidade adequada.

O motorista causador do acidente, por exemplo, é responsável pelos danos imediatos sofridos pela vítima (o conserto do carro, despesas médicas e hospitalares, lucros cessantes referentes aos dias de serviços perdidos), mas não é obrigado a indenizar os eventuais negócios que a vítima porventura teria celebrado se não tivesse sofrido o acidente.

EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL As excludentes da responsabilidade civil são: a)Legítima defesa real. Na legítima defesa putativa, há a obrigação de indenizar. Legítima

defesa putativa é quando o agente imagina uma situação fática que na verdade não existe. É

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também cabível a obrigação de indenizar quando o agente, ao agir em legítima defesa, lesa terceiro inocente. Exemplo: “A” em legítima defesa contra “B” lança-lhe um caco de vidro, mas erra o alvo e atinge “C”. Trata-se da aberractio ictus. O lesado “C” tem direito à indenização contra “A”, autor do dano que agiu em legítima defesa, mas este tem ação regressiva contra “B”, conforme art.930 do CC. Outro exemplo: “C”, em legítima defesa de “A”, que estava prestes a ser atacado por “B”, joga-lhe um objeto que pertence a “D” danificando-o. “D” tem direito à indenização contra “C”, este tem direito de regresso contra “A”, mas nos termos do parágrafo único do art.930 do CC, que por sua vez poderá acionar “B”. Assim, conquanto a legítima defesa seja ato lícito (art.188, II, do CC), em algumas situações persiste a obrigação de indenizar.

a) Estado de necessidade defensivo. No estado de necessidade agressivo há a obrigação de indenizar.

b) Exercício regular do direito. c) Estrito cumprimento do dever legal. Ressalte-se, porém, a responsabilidade objetiva do

Estado pelos danos causados por seus agentes em razão da função. d) Caso fortuito ou força maior. São os acontecimentos inevitáveis que se caracterizam pela

ausência de qualquer culpa da pessoa. Exemplos: inundação, raio, motim, guerra etc. O caso fortuito ou força maior exclui a responsabilidade de indenizar, salvo nas obrigações de dar coisa incerta, que é regida pela regra genus non perit, conforme art.246 do CC que preceitua: “Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito”. Se, porém, o gênero for limitado (exemplos: obrigação de entregar 10 cabeças de gado que se encontram em determinada fazenda), a doutrina entende que o caso fortuito ou força maior exclui a obrigação de indenizar.

e) Culpa exclusiva da vítima. f) Dano causado exclusivamente por terceiro. Todavia, no contrato de transporte, o STF editou

a Súmula 187: “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tenha ação regressiva”.

g) Concausa superveniente ou concomitante que por si só produza o resultado. Todavia, tratando-se de concausas preexistentes, como as condições de saúde da vítima, subsiste a responsabilidade do agente, independente de ter ou não conhecimento da dita concausa.

h) Cláusula de não indenizar ou cláusula de irresponsabilidade. Consiste no acordo de vontades entre as partes, excluindo a responsabilidade de indenizar eventuais danos causados. Aludida cláusula só é válida nos negócios jurídicos regidos pelo Código Civil, por força do princípio da autonomia da vontade, isto é, da liberdade de contratar. A validade, no entanto, depende dos seguintes requisitos: 1) fixação bilateral, isto é, por acordo entre as partes, sendo inoperante quando emanada de avisos fixados no local; 2) que não contrarie norma de ordem pública ou os bons costumes. Assim, é nula a cláusula de não indenizar o dolo ou a culpa grave, pois isso fere os preceitos de ordem pública. Também é nula a cláusula de não indenizar os danos referentes à integridade física ou saúde; 3) que não se trate de contrato de adesão, pois é imoral a parte mais forte eximir-se de responsabilidade perante a parte aderente. A propósito, dispõe a Súmula 161 do STF: “Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar”; 4) que não seja estipulada para afastar obrigação inerente ao contrato. Assim, é nula a cláusula de não indenizar em contratos bancários de locação de cofres a clientes; 5) que não se trate de contrato de transporte. Com efeito, dispõe o art. 734 do CC: “O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade”. Finalmente, o Código de Defesa do Consumidor também proíbe a cláusula de não indenizar e a que reduz o valor da indenização, rezando em seu art. 25: “É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de

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indenizar...”. E, adiante, repete em seu art. 51, inciso I, considerando abusivas as cláusulas que “impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos”.

i) Anuência da vítima à lesão de seu próprio direito. Conforme exemplifica Maria Helena Diniz, se um indivíduo gravemente enfermo consente, estando devidamente esclarecido, em tomar um novo remédio em experimentação, mas cujos efeitos não são conhecidos, para conseguir sua cura, o médico não responderá civilmente pelas consequências, visto ser sua obrigação de meio, e ante o fato de ter agido com ética e de ter seguido, com empenho, as regras técnicas de sua profissão (CC, art.951). Igualmente, se alguém autoriza vizinho, quando estiver ausente, a entrar livremente em sua casa, utilizar seu telefone ou abrir sua correspondência, todos esses atos são lícitos e se causarem qualquer prejuízo, não serão estes indenizáveis. De fato, se o Direito autoriza a vítima a assumir um risco socialmente aceito seria incoerente indenizá-la pela conversão do perigo em dano.

DANO MATERIAL CONCEITO Dano material é o prejuízo econômico suportado pela vítima. É, pois a diferença entre

patrimônio atual da vítima e o patrimônio que ela teria se não tivesse ocorrido o dano. O dano material abrange: a) O dano emergente ou positivo: é o prejuízo efetivo. b) O lucro cessante ou dano negativo ou frustrado: é o que se deixou de lucrar. Assim, se um táxi é abalroado culposamente por outrem, o dano emergente consiste nas

despesas com os reparos do veículo, ao passo que o lucro cessante diz respeito ao que o taxista deixou de ganhar no período em que o veículo permaneceu parado.

DANO EVENTUAL. PERDA DA CHANCE. DANO EM RICOCHETE. Não se indeniza o dano eventual ou hipotético, pois o dano indenizável só é o atual e certo no

momento do ajuizamento da ação. A certeza do dano refere-se à sua existência e não à sua atualidade em montante. O dano futuro ou potencial é indenizável, desde que se trate de uma consequência certa da ação lesiva. Exemplo: a perda de um braço da criança gerará, no futuro, a diminuição da capacidade laborativa; que por isso deverá ser indenizada. Não basta, portanto, a simples possibilidade de aferição do lucro, como a hipótese de uma pessoa alegar que se não tivesse sofrido o dano teria ingressado, por exemplo, no vestibular de uma faculdade de direito, conquistando uma posição privilegiada na advocacia. Com efeito, dispõe o artigo 402 do Código Civil: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.

Cumpre observar que o lucro cessante consiste naquilo que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, não se exigindo que sejam certos, pois abrange a importância apurada segundo o curso normal das coisas. Até prova em contrário, como salienta Agostinho Alvim, admite-se que o credor haveria de lucrar aquilo que o bom senso diz que lucraria. Todavia, os lucros cessantes não se presumem, devem ser comprovados pela vítima.

Quanto à perda da chance ou chance frustrada, consiste na frustração da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo. Exemplos: candidato que se vê impedido de prestar

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concurso público ou vestibular pelo atraso do ônibus. Um outro exemplo: advogado que perde o prazo para o recurso, retirando de seu cliente a chance de reforma da sentença que lhe foi desfavorável. A perda da chance envolve dois aspectos: dano moral pela perda da oportunidade e dano material por aquilo que deixar de ganhar. Esse último aspecto envolve um dano incerto e por isso só será indenizável, conforme ensina Maria Helena Diniz, se for substancial a probabilidade de concretização da chance. Somente essa probabilidade de concretização é capaz de transmudando um dano incerto em dano real, indenizando a vítima pelo equivalente da oportunidade perdida, mensurando o valor pelo grau de probabilidade de a chance se concretizar, logo o lesado não recebe o total da vantagem e sim um percentual dela. Conforme ensina Judith Martins Costa, a reparação da chance perdida não deve ser igualada à vantagem que a vítima teria obtido, pois nunca a chance esperada é igual à certeza realizada.

Por outro lado, a jurisprudência já admitiu a indenização do chamado dano em “ricochete” ou dano reflexo ou indireto caracterizado pelo prejuízo repercutido noutros bens pelo dano sofrido por outro. É o que ocorre, por exemplo, quando o pai, após sofrer um dano, acaba ficando impossibilitado de continuar pagando a faculdade para o filho. Outro exemplo: a concessionária entrega um carro com os freios estragados (dano direto) que gera um acidente automobilístico (dano indireto). É correto o reconhecimento do direito à indenização, pois o dano é certo.

RESSARCIMENTO. REPARAÇÃO. INDENIZAÇÃO Ressarcimento é o pagamento do dano material. Reparação é o pagamento do dano moral. Indenização é o pagamento de dano oriundo de ato lícito do Estado, como no caso da

desapropriação. Todavia, a Constituição Federal emprega a expressão indenização em sentido amplo, como

gênero, abrangendo ressarcimento dos danos materiais e a reparação dos danos morais (art. 5º, incisos V e X).

DISTINÇÃO ENTRE DANO PATRIMONIAL DIRETO E INDIRETO São três os critérios de distinção: 1) Dano direto é o que causa prejuízo no patrimônio da vítima; indireto é a que atinge

interesse extrapatrimonial do lesado, e o dano moral de reflexos patrimoniais. A destruição de um carro, por exemplo, é dano direto; as despesas com o tratamento de lesões corporais é dano indireto.

2) Dano direto é o que atinge a própria vítima do fato lesivo; indireto é o que atinge terceiros. 3) Dano direto é o prejuízo que decorre imediatamente do fato; indireto é o que deriva

indiretamente do fato, isto é, o dano em “ricochete”. LESADOS DIRETOS E INDIRETOS Lesado direto é o titular do bem jurídico imediatamente ofendido. Já o lesado indireto é o que

sofre prejuízo com a lesão do bem jurídico alheio (exemplo: esposa e filhos da vítima do homicídio). O terceiro que se sub-roga nos direitos da vítima, por exemplo, seguradora, em razão de

vínculo contratual, não é lesado indireto. O lesado indireto em seus interesses patrimoniais move ação em nome próprio e não na qualidade de sucessor do lesado direto, porquanto sofre um

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prejuízo em interesse patrimonial próprio. Se a vítima falecer, o lesado indireto pode mover ação como sucessor e também em nome próprio cumulando-as.

LIQUIDAÇÃO DO DANO MATERIAL CONCEITO As obrigações oriundas de atos ilícitos são ilíquidas, porquanto no momento do evento ainda

não é possível precisar o montante devido. É, pois, essencial a liquidação dessas obrigações, que consiste na apuração do valor devido.

Este, no entanto, não poderá ultrapassar o valor do dano causado, tendo em vista a proibição do enriquecimento indevido.

A indenização deve ser integral e abranger a correção monetária, juros, custas processuais e honorários advocatícios.

Vale lembrar que a obrigação ilíquida para se tornar líquida necessita de um processo judicial de liquidação, apurando-se o quantum debeatur.

INDENIZAÇÃO INTEGRAL A indenização deve ser integral, ainda que se trate de culpa levíssima, sendo vedado ao Juiz

julgar por equidade para reduzir o valor da indenização, salvo nas hipóteses que a lei autoriza. De fato, dispõe o art. 944 do CC: “A indenização mede-se pela extensão do dano.” Em princípio, o grau da culpa não repercute no valor da indenização. Todavia, reza o parágrafo único do artigo 944 que “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o Juiz reduzir equitativamente a indenização.” Trata-se de uma das hipóteses em que a lei autoriza a decisão por equidade. Referido dispositivo, para alguns autores, deve ser interpretado restritivamente, pois representa uma exceção ao princípio da reparação integral do dano, não se aplicando as hipóteses de responsabilidade objetiva (Enunciado 46 do CJF). Este entendimento foi alterado pelo Enunciado 380, que suprimiu a parte final “não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva”. De fato, o parágrafo único do art.738, que cuida do contrato de transporte, cuja responsabilidade é objetiva, prevê que o juiz reduzirá equitativamente a indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano. Logo, o espírito do Código é permitir que a redução do valor da indenização, prevista no parágrafo único do art.944, se aplique também às hipóteses de responsabilidade civil objetiva. Aliás, por uma questão de lógica, se a culpa exclusiva da vítima excluir a obrigação de indenizar, a culpa concorrente deve diminuir o valor da indenização. Portanto, o valor da indenização só é apurado com justiça quando se leva em conta o grau de culpa da vítima.

Por outro lado, o fato de o dano ter sido ressarcido em razão de contrato de seguro, não reduz o valor da indenização, que deve ser integral, salvo quando se tratar do seguro obrigatório de veículos. Com efeito, dispõe a Súmula 246 do STJ: “O valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada”. Igualmente, quando se tratar de despesas de funeral já pagas pelo INSS. Urge se deduza este valor da indenização para evitar a duplicidade de pagamentos. A pensão previdenciária paga pelo INSS não é deduzida do valor da indenização, pois emana de uma fonte distinta.

Na apuração do valor da indenização, que deverá abranger o dano emergente e o lucro cessante, o magistrado se atentará para os seguintes critérios:

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a) grau de culpa do lesante: De fato, o valor da indenização deve ser reduzido se houver culpa

concorrente da vítima (art.945) ou então desproporção entre a gravidade da culpa (leve ou levíssima) e o dano (parágrafo único do art.944 do CC). Fora dessas hipóteses, o grau de culpa influi no valor da indenização.

b) situação econômica da vítima quando esse aspecto influir no montante do prejuízo. Seja a vítima pobre ou rica, a indenização deve ser integral.

c) lucro obtido pela vítima com a reparação do dano. Se o lesante entregou à vítima uma soma em dinheiro, em razão do evento, isso deve ser compensado, descontado do montante total devido. O autor do dano porém não é beneficiado se o benefício auferido pela vítima decorre de contrato de seguro.

CORREÇÃO MONETÁRIA, JUROS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS O artigo 389 do Código Civil prevê a atualização monetária das obrigações, segundo índices

oficiais regularmente estabelecidos e honorários de advogado. A propósito, também dispõe a Sumula 43 do STJ: “Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo.” Portanto, a correção monetária incide desde a data do ato ilícito. Tratando-se de ação regressiva movida por seguradora contra o causador do dano, a correção monetária incide desde a data do desembolso. Se o valor da indenização tomou por base algum orçamento ou cálculo, a correção monetária é a partir da data do respectivo orçamento ou cálculo.

O art. 7º, IV, da Constituição Federal, que proíbe a utilização do salário mínimo como critério de atualização monetária, não é aplicado às indenizações de caráter alimentar. Estas podem ser atualizadas pelo salário mínimo, que é o critério mais adequado para o ressarcimento desse tipo de dano. Aliás, dispõe a Súmula 490 do STF: “A pensão correspondente à indenização oriunda da responsabilidade civil, deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores.”

Por outro lado, o valor apurado ainda deve ser atualizado com juros moratórios. Dispõe a Súmula 54 do STJ: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.” Aludida súmula encontra-se amparada pelo art. 398 do CC: “Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou”. Trata-se de um inusitado caso de obrigações ilíquidas cujos juros fluem antes mesmo da citação.

Tratando-se, porém, de inadimplemento contratual, os juros moratórios, se a obrigação for ilíquida, serão devidos a partir da citação, conforme preceitua o artigo 405 do CC, e não a partir da data do evento danoso. Se se tratar de obrigação contratual líquida, com vencimento certo, os juros fluem desde o vencimento da dívida, se não tiver vencimento certo, a fluência dos juros só se dará com a constituição do devedor em mora, mediante notificação judicial ou extrajudicial. Tratando-se de obrigações contratuais de outra natureza que não seja dinheiro, os juros só fluem quando é fixado valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento ou acordo entre as partes (art.407 do CC).

Acrescente-se ainda que os juros devidos são os simples ou ordinários, incidentes sobre o capital inicial, pois o Código Civil de 2002 não repetiu a norma do art. 1544 do Código de 1916, que mandava aplicar juros sobre juros, vale dizer, juros compostos ou anatocismo quando a indenização resultava da prática de crime.

Finalmente, ainda são devidos honorários advocatícios. Estes são fixados entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20% (vinte por cento), sobre o valor da condenação (art. 20, § 3º do CPC). Nas ações de indenização por ato ilícito contra pessoa, o valor da condenação será a soma das prestações vencidas com o capital necessário a produzir a renda correspondente às

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prestações vincendas (art. 20, §5º do CPC), podendo estas ser pagas também mensalmente. Se a ação é julgada improcedente, os honorários advocatícios devem ser arbitrados sobre o valor da causa, incidindo a correção monetária a partir do ajuizamento da ação (Súmula 14 do STJ).

A INDENIZAÇÃO EM CASO DE HOMICÍDIO Dispõe o artigo 948 que: “No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras

reparações: I. no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II. na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a

duração provável da vida da vítima”. Verifica-se a possibilidade de indenização de outros prejuízos não expressamente previstos no

dispositivo acima, pois este ressalva que as verbas indenizatórias não excluem outras reparações. No Código de 1916, o art. 1.537 previa o rol taxativo das verbas indenizáveis. No Código atual, o rol é meramente exemplificativo.

A indenização pelos danos materiais deve abranger: as despesas com o tratamento da vítima, seu funeral (compatível com a sua situação, incluindo-se a aquisição de sepultura e de jazigo perpétuo), o luto da família (sufrágios da alma, conforme a religião, vestimentas lúgubres etc.) e pensão alimentícia. Esses alimentos, que são conhecidos como ressarcitórios ou indenizatórios, não geram prisão civil, no caso de inadimplemento, porquanto essa medida extrema é restrita aos alimentos de direito de família. Note-se que, além dessas verbas, é possível se pleitear danos morais.

O cálculo do valor da pensão alimentícia varia conforme a morte seja do chefe de família, de sua esposa ou de seu filho. Desde já, cumpre ressaltar, que a forma de pagamento pode ser periódica, isto é, em forma de pensão mensal, ou então em verba única. O §4º do art.475-Q do CPC admite que os alimentos possam ser fixados tomando por base o salário mínimo, o que é impugnado por alguns juristas diante da proibição, constante no art.7º, IV, da CF de o salário mínimo servir como indexador. Ora, o salário mínimo e os alimentos têm o mesmo objetivo, garantir o mínimo necessário à subsistência da pessoa, logo não há falar-se em inconstitucionalidade.

No caso de morte de chefe de família, o autor do homicídio deve pagar aos dependentes uma pensão alimentícia até a data em que o falecido completaria 65 anos de idade, que é a taxa média de sobrevida do brasileiro, ou então, durante 5 anos, se quando morreu já havia completado 65 anos de idade. A expectativa de vida no Brasil subiu para 73 anos entre os homens e 77 anos entre as mulheres, por isso a tendência jurisprudencial, baseada nas estatísticas do IBGE, é elevar a taxa de sobrevida tradicionalmente fixada em 65 anos. O valor da indenização deve corresponder a 2/3 da renda do falecido, somando-se os valores se ele tinha mais de uma renda. A indenização pode ser requerida pelos dependentes econômicos do falecido. A dependência é presumida quando se tratar de cônjuge, companheiro e filho menor. Os ascendentes, os irmãos e os filhos maiores têm legitimidade ad causam desde que comprove a dependência econômica. Aliás, no caso de morte, a ação para pleitear indenização por lesão a direito da personalidade pode ser movida pelo cônjuge sobrevivente, companheiro, conforme Enunciado 275 da IV Jornada de Direito Civil do CJF, bem como por qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau (parágrafo único do art.12 do CC). Acrescente-se ainda que, no que tange à competência, a súmula 366 do STJ dispunha que: “Compete à Justiça Estadual processar e julgar ação indenizatória proposta por viúva e filhos de empregado falecido em acidente de trabalho”. Essa súmula era merecidamente criticada, pois

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violava o art.114 da CF, que prevê a competência da Justiça do Trabalho e por isso foi cancelada, deslocando-se a competência para a Justiça do Trabalho. Note-se que a indenização acidentária paga pelo INSS em caso de acidente do trabalho, não exclui a possibilidade de se obter indenização, pelo mesmo fato, do empregador, conforme art. 7º, XXVIII da CF. A pensão é devida ao cônjuge ou companheiro, enquanto não contraírem nova união, e aos filhos menores até atingirem 25 anos de idade, cessando-se se casarem antes deste prazo. A súmula 35 do STF reza: “Em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio”. Se a pensão for paga a mais de um dependente, é cabível o direito de acrescer, quando cessar o benefício para um deles (Súmula 57 do antigo Tribunal Federal de Recursos). No cômputo da indenização inclui-se o 13º salário, salvo se o ofendido não o recebia por ser trabalhador autônomo.

No caso de morte de esposa, que não exercia trabalho remunerado, mas que contribuía para o lar com serviços caseiros, também é admissível a indenização, não só como reparação de dano moral, mas também dos danos materiais, fixando-se a pensão em um salário mínimo. Aludida indenização é devida ao marido enquanto permanecer viúvo e aos filhos até atingir a maioridade civil. Se, contudo, a esposa exercia profissão fora do lar, a indenização deve corresponder a 2/3 dos seus rendimentos em favor do viúvo e filhos menores.

Por outro lado, tratando-se de morte de filho menor que não exercia trabalho remunerado, ainda que de tenra idade, a indenização pelos danos materiais também é devida, conforme Súmula 491 do STF. É claro que também é cabível cumulativamente a indenização pelos danos morais. Sobre o valor da indenização, a jurisprudência tem fixado em 1/3 do salário mínimo. Quanto ao período a ser apurado, o STF fixou que a verba indenizatória deve ser calculada entre os 14 anos até os 25 anos de idade. De fato, é proibido o trabalho ao menor de 14 anos, presumindo-se que a partir dos 25 anos ele irá contrair matrimônio, afastando-se da casa dos pais. Para a propositura da ação, não é preciso aguardar a data que o menor completaria 14 anos de idade. Se o filho, quando morreu, já apresentava mais de 25 anos de idade, a pensão alimentícia deve ser calculada tomando-se por base o período de 5 anos, presumindo-se que neste interstício ele iria continuar ajudando a família. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, assentou que até a data em que o filho completaria 25 anos de idade a indenização deve ser integral, sendo reduzida na metade após esse período, devendo ser paga aos pais da vítima até a data em que o filho completaria 65 anos. Portanto, de acordo com essa jurisprudência, a indenização não se encerra aos 25 anos. A meu ver, a súmula 491 do STF deveria ser cancelada, porquanto consagra a indenização do dano hipotético ou eventual diante da total falta de concretitude de que o filho menor improdutivo iria de fato contribuir economicamente com os pais. A indenização deveria limitar-se aos danos morais e aos danos materiais comprovados.

Saliente-se ainda que, de acordo com o art.475-Q do CPC, quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz, quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão. Sobre o assunto também dispõe a súmula 313 do STJ: “Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado”. Esse capital, reza o §1º do citado art.475-Q, representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do devedor”. O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do beneficiário da prestação em folha de pagamento de entidade de direito público ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica, ou, a requerimento do devedor, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz (§2º do art. 475-Q). Cessada a obrigação de prestar alimentos, o juiz

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mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias prestadas (§5º do art.475-Q).

Os alimentos ressarcitórios também se submetem à ação revisional, para aumentar ou reduzir o valor da prestação, caso surja fato novo que altere a situação econômica de uma ou ambas as partes, pois são fixados sob a cláusula rebus sic standibus. Com efeito, dispõe o §3º do art.475-Q: “Se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação”. Quanto à exoneração, a lei é omissa, mas há quem entenda cabível, aplicando por analogia o art.1.708 do CC, que cuida dos alimentos do Direito de Família, cujo teor é o seguinte: “com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos”. A meu ver é possível a exoneração, pois seria incoerente admiti-la nos alimentos de direito de família, cuja inadimplência gera até prisão e negá-la nos demais tipos de alimentos.

INDENIZAÇÃO EM CASO DE LESÃO CORPORAL Em caso de lesão corporal, seja leve, grave ou gravíssima, a indenização deve abranger: a) As despesas do tratamento. Exemplos: gastos com médico, hospital, remédios etc. Se os

gastos forem exagerados, como tratamento no estrangeiro, o Juiz pode glosar as despesas. b) Lucros cessantes até o fim da convalescença. c) Outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido. Esse outro prejuízo pode ser o dano

moral e o dano estético. Com efeito, dispõe o art. 949 do CC: “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor

indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.”

Tratando-se de dano estético, a indenização deve abranger os prejuízos materiais, consistentes nas despesas principais e acessórias realizadas para a cirurgia, recuperação posterior e outros danos patrimoniais, e o dano moral, caracterizado pelo vexame e humilhação. Uma parcela da jurisprudência, porém, manda indenizar três danos, o moral, o material e o estético. Este último é indenizado autonomamente, quando passível de apuração em separado, distinguindo-se, para alguns autores, do dano moral, pois ele é visível enquanto que o dano moral pertence ao foro íntimo. Assim, no caso de perda das pernas, por exemplo, a jurisprudência já decidiu pela indenização dos danos materiais, dos danos morais (consistente no sofrimento psíquico), e do dano estético, oriundo de alteração morfológica de formação corporal, que produz um afeamento e é ainda perceptível a ponto de constranger a vítima e as pessoas que lhe dirigem o olhar. Discordo dessa orientação, pois o dano estético subsume-se no dano moral, gerando sofrimento psíquico na vítima, justificando o aumento do valor da indenização.

INDENIZAÇÃO POR INCAPACIDADE LABORATIVA A incapacidade laborativa pode ser total e parcial. A primeira impossibilita a vítima de exercer

qualquer tipo de trabalho; a segunda a inabilita para a atividade até então exercida ou então exige do ofendido maior esforço permanente para exercê-la.

A indenização compreende: a) despesas do tratamento, inclusive fornecimento de aparelhos de próteses ortopédicas; b) lucros cessantes até o fim da convalescença. Nesse período, a vítima deve receber uma

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indenização correspondente aos salários integrais. A indenização dos lucros cessantes deve abranger também o pagamento de uma terceira pessoa, caso a vítima necessite de assistência ou tenha ficado impossibilitada de realizar os afazeres da casa.

c) pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. De fato, em havendo diminuição salarial em virtude do novo trabalho exercido, a vítima tem direito de receber uma indenização correspondente à diferença, levando-se em conta o salário que deveria estar recebendo se não tivesse sofrido o acidente. O ônus da prova dos rendimentos é da vítima. Se estava desempregada, não conseguindo, por isso, comprovar qualquer renda, o valor da indenização deverá corresponder ao salário mínimo, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A pensão pode ser arbitrada e paga de uma só vez, não é necessário seja periódica, conforme preceitua o parágrafo único do art. 950 do CC. Caso seja periódica, para garantir o pagamento da pensão, o Juiz, quanto a essa parte da indenização, condenará o devedor a constituir um capital, cuja renda assegure seu cabal cumprimento, conforme determina o artigo 475-Q do CPC. O parágrafo único do art.950 do CC dispõe que “se o prejudicado preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez”. É pois um direito potestativo do lesado ao qual o ofensor não pode impugnar. Todavia, o Enunciado 381 do CJF/STJ com bom senso, ressalva que no caso de impossibilidade econômica do devedor, o juiz pode fixar outra forma de pagamento, que não seja de uma só vez. A pensão mensal deve ser vitalícia e não limitada ao tempo de vida provável da vítima. Enquanto viver, ela terá direito. A limitação da pensão ao tempo de vida provável só é aplicada quando o beneficiário não é a própria vítima do dano, mas um terceiro. Diversos julgados mandam incluir o 13º salário no valor da indenização. Mais uma vez, cumpre lembrar que o recebimento de algum benefício previdenciário ou acidentário, pago pelo INSS, não atenua o valor da indenização, pois esta tem como fato gerador um ato ilícito, não se confundindo com o fato gerador de benefícios da previdência social.

Por outro lado, se a vítima não exercia, em razão de invalidez ou idade avançada, qualquer atividade laborativa, que lhe produzisse rendimentos, não há falar-se em pagamento de pensão pela redução ou incapacidade laborativa. Se, não obstante aposentada, exercia atividades domésticas, obrigando-a, após o acidente, a contratar os serviços de terceiros, será cabível a pensão.

Finalmente, tratando-se de menor que não exerce atividade laborativa, mas que permanece inválido para qualquer tipo de trabalho, a jurisprudência tem admitido a fixação da pensão, arbitrando o seu valor de acordo com a situação social da vítima, o meio em que vive e a profissão de seus pais. Já se fixou uma pensão de três salários mínimos em favor de menor impúbere que teve o braço esquerdo decepado. Já se fixou também em 60% do salário mínimo em favor de uma criança de 5 meses de idade por perda da capacidade laborativa. A indenização só é devida a partir do dia em que o menor completa 14 anos, porquanto antes desta idade a Magna Carta veda qualquer tipo de trabalho. Urge ainda que se realize uma perícia constatando a incapacidade laborativa, que deve ser realizada a partir do momento em que ele completa 14 anos de idade. Todavia, a sentença pode ordenar que o réu constitua, de imediato, o pecúlio, na forma de imóvel, garantidor do pagamento da indenização. A pensão, quando a vítima é menor, e não exerce atividade laborativa, só deve ser fixada quando houver certeza de que a lesão prejudicará o exercício de qualquer trabalho.

Se prejudicar o exercício de apenas um outro trabalho, a pensão deve ser negada, pois não se indeniza o dano futuro e incerto.

GARANTIAS DA INDENIZAÇÃO

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Milita em favor da vítima duas garantias legais de indenização: a hipoteca legal e o seguro obrigatório.

A hipoteca legal é a instituída por lei ao ofendido ou seus herdeiros, sobre os imóveis do delinquente, para a satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais (art.1.489, III do CC). Referida hipoteca dever ser especializada e registrada (art.1.497). A especialização é a indicação do imóvel sobre o qual recai a garantia real, cujo procedimento encontra-se previsto nos arts. 1.205 a 1.210 do CPC e o registro é feito no Cartório de Registro de Imóveis do local do bem. Note-se que a hipoteca legal é instituída para as obrigações resultantes de delito, excluindo-se os ilícitos meramente civis.

Quanto ao seguro obrigatório de responsabilidade civil, é o contrato pelo qual o segurador assume a obrigação de indenizar os danos que o segurado causar a terceiro, com ou sem culpa. Dentre os seguros obrigatórios, merecem destaques:

a) seguro contra acidentes do trabalho, que o empregador é obrigado a firmar perante o INSS. b) seguro obrigatório para proprietário de veículos automotores para cobrir riscos oriundos de

acidentes. O causador do acidente responde pelo valor que exceder e do seguro obrigatório, e não por todo o dano, sob pena de enriquecimento sem causa da vítima.

Não há solidariedade entre o causador do dano e a seguradora. O primeiro responde pelo fato lesivo; a segunda, pelo contrato.

INDENIZAÇÃO NO CASO DE OFENSA À LIBERDADE PESSOAL Dispõe o parágrafo único do art. 954 que: “Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal: I. o cárcere privado; II. a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé; III. a prisão ilegal.” Para uns, acertadamente, o rol é meramente exemplificativo, abrangendo outras hipóteses;

outros, ao revés, sustentam que o rol é taxativo. Trata-se de uma hipótese de indenização por erro judiciário, cujo fundamento é o art. 5º,

inciso LXXV da CF. A ação de indenização deve ser movida em face do Estado, mas este tem ação regressiva contra a autoridade arbitrária, responsável pelo dano, desde que essa tenha agido com dolo ou culpa. A indenização, em face do Estado, pode ser pedida genericamente na revisão criminal (art. 630 do CPP), devendo depois ser liquidada no juízo cível. Se, contudo, não for pleiteada em revisão criminal, nada obsta seja reclamada em ação ordinária, também movida em face do Estado.

A indenização por ofensa à liberdade pessoal, de acordo com o art. 954 do CC, consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido. Se o ofendido não puder provar o prejuízo material, reza o parágrafo único do citado art. 953, caberá ao Juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso.

Finalmente, dispõe o § 2º do art. 630 do CPP que: “A indenização não será devida: a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio

impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder; b) se a acusação houver sido meramente privada”. INDENIZAÇÃO EM CASO DE USURPAÇÃO OU ESBULHO De conformidade com o art. 952 do CC, no caso de usurpação ou esbulho do alheio, a

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indenização deve compreender: a) a restituição da coisa. Se esta não mais existir, a indenização deve abranger o seu preço

ordinário e de afeição, contanto que este não se avantaje à aquele (parágrafo único do art. 952). Assim, ao valor real da coisa deve ser acrescido o percentual correspondente ao valor afetivo.

b) o valor da deterioração da coisa. c) lucros cessantes.

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PERGUNTAS:

1) O que é responsabilidade civil? 2) Qual a distinção entre responsabilidade subjetiva e objetiva? 3) Qual a distinção entre responsabilidade objetiva própria e imprópria? 4) Qual a distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual? 5) Qual a distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade penal? 6) A absolvição penal impede a indenização civil? 7) É possível a responsabilidade penal sem que ocorra a responsabilidade civil? 8) O estado de necessidade exclui a responsabilidade civil? 9) A sentença de pronúncia exclui a responsabilidade civil? 10) Qual a importância da sentença penal condenatória em matéria de responsabilidade civil? 11) Quais os requisitos da responsabilidade civil? 12) Quais os casos de responsabilidade civil que independem de prejuízo? 13) O que é abuso de direito? 14) O simples defloramento de uma mulher virgem obriga o agente a indenizá-la? 15) No caso de calúnia, injúria e difamação, se o ofendido não puder provar o prejuízo material,

como é arbitrado o valor da indenização? 16) A indenização tarifada é inconstitucional? 17) Quais as sanções geradas pela demanda de dívida vincenda? 18) Qual a sanção gerada pela demanda por dívida já paga? 19) A cobrança de boa-fé enseja as sanções acima? 20) As indenizações previstas nos arts. 939 e 940 do Código Civil podem ser requeridas na

contestação ou em embargos à execução? 21) Qual a distinção entre essas sanções e a litigância de má-fé? 22) O que são esponsais? 23) O rompimento de noivado enseja indenização? 24) No ato ilícito praticado por mais de uma pessoa, quem pode figurar no pólo passivo da ação

de indenização? 25) Os pais são obrigados a indenizar os atos ilícitos dos filhos menores? 26) Em que hipótese o menor tem responsabilidade civil? 27) Os pais respondem pelos atos ilícitos do menor emancipado ? 28) Quando o menor é empregado de outrem, os pais respondem pelos atos ilícitos praticados

durante o trabalho? 29) Os pais respondem pelos atos ilícitos praticados pelo filho maior? 30) Qual a responsabilidade do tutor e curador? 31) O empregador responde pelos atos ilícitos do empregado? 32) O empregador tem direito de regresso contra o empregado? 33) A escola responde pelos danos culposos ou dolosos causados pelos alunos a terceiros? 34) A responsabilidade civil da escola é regida pelo Código Civil ou pelo Código de Defesa do

Consumidor? 35) O dono do hotel responde pelos danos causados por seus hóspedes? 36) O dono do hotel responde pelos atos ilícitos causados por terceiros? 37) A responsabilidade civil do farmacêutico é objetiva ou subjetiva? 38) Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele

por quem pagou? 39) O que é a teoria da guarda?

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40) A teoria da guarda foi adotada pelo Código Civil de 2002? 41) No caso de dano oriundo de ruína do prédio, a ação de indenização deve ser movida contra

quem? A vítima pode mover ação contra o responsável direto? 42) Em que hipóteses o proprietário do imóvel é isento da obrigação de indenizar os danos

oriundos da ruína do prédio? A ausência de culpa exclui a obrigação de indenizar? 43) Em que consiste a responsabilidade effusis et dejectis? Adotou-se qual teoria? 44) Se não se apura o apartamento de onde foi lançado o objeto causador do dano, quem é o

legitimado passivo para a ação de indenização? 45) A vítima do furto ou roubo de um carro é obrigada a indenizar o dano causado pelo ladrão

numa eventual colisão de veículos? 46) O dono do veículo é obrigado a indenizar os danos causados pela pessoa a quem ele confiou

a direção do automóvel? 47) Em que consiste a responsabilidade decorrente do exercício de atividade perigosa? 48) Qual a responsabilidade civil das empresas locadoras de veículos pelos danos causados por

locatário a terceiros? 49) Qual a responsabilidade das empresas de arrendamento mercantil, pelo dano causado pelo

arrendatário a terceiro? 50) Em que hipótese o dono ou detentor do animal ressarcirá o dano por este causado? 51) Quem responde pelos danos acima, o proprietário ou o guardião do animal? 52) O que é o contrato de transporte? 53) Qual a legislação aplicável ao contrato de transporte? 54) Qual a responsabilidade civil pelos danos causados a pessoas em razão de transporte das

ferrovias, disciplinado no Decreto nº 2.681, de 1912? 55) Quais as excludentes da responsabilidade civil para o transportador? 56) A cláusula de não indenizar produz efeitos no contrato de transporte? 57) A responsabilidade do transportador por danos causados a pedestres é contratual ou

extracontratual? É objetiva ou subjetiva? 58) Qual a legislação que rege o transporte aéreo? 59) O Código Brasileiro de Aeronáutica rege apenas o vôo doméstico? 60) Qual o limite da indenização previsto na Convenção de Varsóvia? 61) O sistema de indenização tarifada é inconstitucional? 62) Até que momento o passageiro tem o direito de rescindir o contrato de transporte,

mediante restituição do valor da passagem? 63) O STF adota a teoria monista ou a teoria dualista? 64) Quais os argumentos contrários à indenização por dano moral? 65) Quais os argumentos favoráveis à aludida indenização? 66) Qual a distinção entre dano moral e dano patrimonial? 67) O que é dano moral de repercussão patrimonial e como se distingue do dano moral? 68) O dano moral é cumulável com o dano material? 69) Qualquer dano moral é indenizável? 70) Qual a distinção entre o sistema aberto e o tarifado? 71) Quais os critérios de fixação do dano moral? 72) Quais os objetivos da indenização por dano moral? 73) O que o Juiz deve ter em mente ao fixar o dano moral? 74) Quem pode mover ação de indenização por dano moral? 75) O dano moral é transmissível? 76) A pessoa jurídica pode sofre dano moral?

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77) Como deve ser o pedido de indenização por dano moral? 78) Qual o prazo para propor a aludida ação? 79) Como se prova o dano moral? 80) Do acórdão que fixa o valor da indenização por dano moral é cabível recurso especial ou

extraordinário? 81) Qual a distinção entre culpa “in comittendo”, “in omittendo”, “in vigilando”, “in eligendo” e

“in custodiando”? 82) Qual a distinção entre culpa grave, leve e levíssima? 83) A divisão das culpas em leve, grave e levíssima influencia na responsabilidade civil? 84) Cite as duas hipóteses de redução no valor da indenização na responsabilidade civil

aquiliana. 85) A distinção entre dolo e culpa tem repercussão no campo da responsabilidade civil? 86) De quem é o ônus da prova da culpa? 87) No tocante ao nexo causal, em havendo mais de uma causa que simultaneamente concorre

para o resultado, a responsabilidade dos agentes causadores é solidária ou divisível? 88) Tratando-se de concausas sucessivas, quais as teorias sobre o nexo causal? 89) O que é a teoria da equivalência das condições? 90) O que é a teoria da causalidade adequada? 91) O que é a teoria da causalidade imediata? 92) Qual a teoria adotada para solucionar o problema de concausas sucessivas? 93) Quais as excludentes da responsabilidade civil? 94) É válida a cláusula de não indenizar? 95) O que é dano material? 96) Qual a distinção entre dano emergente e lucro cessante? 97) O dano futuro é indenizável? 98) O que é dano em “ricochete”? 99) Qual a distinção entre ressarcimento, reparação e indenização? 100) O grau de culpa influencia no valor da indenização? 101) Diferencie dano direto de dano indireto. 102) Qual a diferença entre lesado direto e lesado indireto? 103) O ressarcimento da vítima pela seguradora reduz o valor da indenização a ser pago pelo

agente causador do dano? 104) A correção monetária incide na dívida oriunda de ato ilícito? Em caso positivo, qual o seu

termo inicial? 105) O salário mínimo pode servir como indexador de indenizações? 106) Qual o termo inicial dos juros moratórios nas obrigações contratuais e extracontratuais? É

cabível juros compostos? 107) Como se arbitra os honorários advocatícios nas indenizações por ato ilícito? 108) Em caso de homicídio quais as verbas componentes do valor da indenização? 109) Como se calcula a pensão alimentícia, devida em razão de homicídio? 110) Em caso de lesão corporal, quais as verbas componentes do valor da indenização? 111) O dano estético é cumulável com o dano material e moral? 112) Quais as verbas componentes no caso de indenização por incapacidade laborativa? 113) Se a vítima não exercia qualquer atividade laborativa, em razão de invalidez ou idade

avançada, é cabível pensão alimentícia oriunda de ato ilícito? 114) O menor que não exerce atividade remunerada, mas que torna-se inválido em razão de

ato ilícito, tem direito à pensão?

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115) Quais são as garantias da indenização? Em que consistem? 116) A ação de indenização por ato ofensivo à liberdade pessoal pode ser pleiteada fora da

sede de revisão criminal? Em face de quem é requerida a indenização? É sempre cabível? 117) Quais as verbas componentes da indenização em caso de usurpação ou esbulho?