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NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. Resistência e Rendição - A Gênese do Sport Club Corinthians Paulista e o futebol oficial em São Paulo - 1910-1916, São Paulo: PUC- SP, 1992, dissertação de mestrado. Resistência e Rendição: a Gênese do Sport Corinthians Paulista e o Futebol Oficial em São Paulo (1910-1916) Plínio José Labriola de Campos Negreiros

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NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos.

Resistência e Rendição - A Gênese do Sport

Club Corinthians Paulista e o futebol oficial

em São Paulo - 1910-1916, São Paulo: PUC-

SP, 1992, dissertação de mestrado.

Resistência e Rendição:

a Gênese do Sport Corinthians Paulista

e o Futebol Oficial em São Paulo (1910-1916)

Plínio José Labriola de Campos Negreiros

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1

Para meus pais Plínio e Helena,

Elza,

Wenceslau e Carmen (in memoriam)

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2

AGRADECIMENTOS

Ao prof. dr. Elias Thomé Saliba, pela orientação permanente e pela confiança

em mim depositada. Nossa convivência permitiu um rico e agradável diálogo.

Aos amigos Arnaldo, Camilo, Cecília, Fernando, Geraldo (meu irmão), Jussara,

Marcos, Sílvia, Villalta e Wagner, pela presença e apoio constantes. Devo a eles críticas

e sugestões valiosíssimas. Meu carinho eterno.

À Vera Toledo Piza, que discutiu o trabalho comigo e cuidou muito bem da

revisão.

Aos professores do Programa de história da PUC-SP, com especial agradecimento

à profª Maria Inês, à profª Estefânia e ao prof. Holien.

Aos funcionários da Biblioteca Municipal Mário de Andrade e do Instituto

Histórico e Geográfico de São Paulo.

Algumas pessoas ligadas ao Sport Club Corinthians Paulista contribuíram muito.

Lembro-me do João Bosco, Frederico, Antoninho de Almeida, Chico Mendes e

Lourenço Fló Júnior.

Ao jornalista Lourenço Diaféria.

Ao jornalista Juca Kfouri e ao pessoal do DEDOC da Editora Abril.

Ao prof. Witter, pelas suas sugestões.

À Yvette, bibliotecária do Colégio Assunção.

Ao historiador do futebol Rocha Netto, que me abriu seu arquivo em Piracicaba

e me emprestou obras raras.

Ao jogador Paulo Borges, que me auxiliou junto ao acervo da Federação Paulista

de Futebol.

Ao CAPES, pela bolsa concedida.

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3

RESUMO

A presente obra relata a gênese do Sport Club Corinthians Paulista (SCCP) e a

forma pela qual a prática do jogo de futebol se organizou oficialmente na cidade de São

Paulo, nos primeiros dez anos do século XX.

De início, a prática desse esporte era claramente elitista e, pouco a pouco, foi

sendo questionada. Uma série de elementos contribuiu para o abrandamento do elitismo,

dentre eles o surgimento do fenômeno da multiplicação das associações esportivas

organizadas pelos setores socialmente excluídos de São Paulo.

Nesse contexto é que surge o SCCP, clube basicamente composto de pessoas

vindas da classe popular e que muito contribuiu para o processo de deselitização do

futebol oficial paulistano e posterior popularização do futebol em São Paulo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO _________________________________________________________  5 

A CIDADE DE SÃO PAULO E AS PRÁTICAS ESPORTIVAS _______________________  10 

SÃO PAULO: FIM DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO XX ________________________________________ 10 

A QUESTÃO DO ESPORTE E DO LAZER  _______________________________________________ 15 

FUTEBOL OFICIAL E FUTEBOL INFORMAL __________________________________  30 

ENTIDADES OFICIAIS ___________________________________________________________ 31 

ORGANIZAÇÃO DO JOGO DE FUTEBOL _______________________________________________ 33 

FUTEBOL: IMPORTÂNCIA SOCIAL  __________________________________________________ 38 

A ORGANIZAÇÃO DOS CLUBES LIGADOS AO FUTEBOL OFICIAL _______________________________ 41 

A PRÁTICA INFORMAL DO FUTEBOL _________________________________________________ 51 

O PERÍODO 1910—1912: O SCCP LIGADO AO FUTEBOL INFORMAL  _____________  62 

O SCCP NO FUTEBOL OFICIAL: 1913—1916 _________________________________  74 

A ENTRADA DO SCCP NA LPF: 1913  ________________________________________________ 79 

O SCCP NA APEA: 1915  ________________________________________________________ 87 

CONSIDERAÇÕES FINAIS  _______________________________________________  98 

NOTAS _____________________________________________________________  102 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _________________________________________  114 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA E RECOMENDADA  ___________________________  116 

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INTRODUÇÃO

Nesta obra procurei relatar a gênese do Sport Club Corinthians Paulista (SCCP) e

sua relação com a forma na qual a prática do jogo de futebol oficialmente se organizava

na cidade de São Paulo, nos primeiros dez anos do século XX. Caminhei no sentido de

apontar, principalmente, quais forças sociais caracterizaram a organização e a dinâmica

do futebol oficial nessa cidade. A escolha do tema se apresentou ligada diretamente à

importância que o futebol teve (e continua a ter) dentro da sociedade paulistana,

constituindo-se em um referencial até os dias de hoje. Embora sendo importante, isso

não gerou uma ampla produção acadêmica sistematizada, no decorrer dos anos.

Encontrando poucas pesquisas versando sobre o futebol paulistano dos primórdios,

tentei minimamente começar a ocupar esse espaço.

No início do século XX, tinha-se uma prática claramente elitista e pouco a pouco

isso foi sendo questionado. Elementos inerentes à própria natureza do futebol — como

o seu caráter de sociabilidade — favoreceram o abrandamento do elitismo.

Concomitantemente a esse processo, dá-se um fenômeno que também contribuiu para

que o esporte se transformasse. Trata-se das associações esportivas organizadas por

setores socialmente excluídos, que passaram a reivindicar um lugar naquele futebol de

poucos. Inclui-se aqui o SCCP, clube composto basicamente por pessoas vindas dos

setores populares da sociedade paulistana. Um dos pontos, portanto, que tive de

trabalhar, foi a análise do papel representado pelo SCCP no processo de deselitização do

futebol oficial em São Paulo.

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Desde a fase inicial da pesquisa, deparei com algumas dificuldades. Muitas delas

sempre atrapalham o trabalho de qualquer historiador, marcadamente as estruturais.

Porém, encontrei entraves maiores em espaços que, ao contrário, deveriam propiciar

maior conteúdo para pesquisa. Trata-se da Federação Paulista de Futebol e do próprio

SCCP. Nestas instituições não encontrei uma documentação significativa e verifiquei

um relativo descaso em resgatar o passado. Foi possível até perceber uma

incompreensão do que se tentava fazer. Enfim, no SCCP, o acesso a tudo foi dificultado.

Já na Federação deparei com uma biblioteca desfalcada de inúmeras obras importantes.

Outro entrave que se apresentou foi praticamente a não existência de informações

acerca do histórico do SCCP, de sua fundação ocorrida em setembro de 1910 até o

momento da sua entrada na Liga Paulista de Futebol, em março de 1913.

Importante também ressaltar que a tarefa de pesquisar o futebol tornou-se

complicada em virtude de ser ele entendido como um assunto menor, que não merece

maiores preocupações históricas. Mesmo entre os pesquisadores que defendem a

necessidade de uma disciplina histórica voltada para questões não tradicionais, notei

certa indiferença. Mas por que o futebol? Esta indagação, ainda que implícita, renova-se

constantemente.

Dadas as dificuldades citadas, trabalhei com fontes bastante dispersas e

diversificadas. As fontes principais foram os periódicos da época trabalhada. Consultei

os seguintes órgãos de imprensa: O Estado de São Paulo, Comércio de São Paulo,

Correio Paulistano, Vida Moderna, O Pirralho, A Vida Esportiva e A Cigarra

Esportiva. A importância desses periódicos, notadamente os diários, foi grande no

sentido de que ofereceu dados substanciais. Mesmo nos momentos em que a

preocupação era apenas com o futebol dos clubes mais tradicionais, encontrei algumas

informações referentes aos setores populares. Além disso, o jornal diário era o principal

meio de difusão das notícias ligadas ao futebol, senão o único. A imprensa escrita dava

a idéia do desenrolar de uma partida. Mais ainda: as polêmicas que marcavam a prática

do futebol eram travadas nos jornais, inclusive com a utilização de matérias pagas.

Consultei também o trabalho produzido por memorialistas como, por exemplo,

Jorge Americano. São diversas as referências que fez ao futebol e à prática esportiva da

época tratada, além de oferecer uma série de dados sobre a cidade de São Paulo, onde se

torna possível conhecer o cotidiano da sociedade paulistana, inclusive nas suas

diferenças sociais. Incluo aqui o útil trabalho de Ecléa Bosi, Memória e sociedade,

marcadamente no que se refere às várias memórias, recolhidas pela autora, de pessoas

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nascidas no início do século. E, por fim, não deixei de lado os importantes

memorialistas especificamente ligados ao futebol, como os ex-jogadores.

Aproveitei também trabalhos versando sobre a história do futebol, obras em

pequeno número, fundamentalmente de três autores: Thomaz Mazzoni, Antônio

Figueiredo e Leopoldo Sant’Anna. São textos preocupados com dados e com a narração

dos acontecimentos e das transformações. Trabalhos importantes pelo pioneirismo e

pela sistematização de dados, mas com pouco espaço para a reflexão histórica. Os

autores citados foram cronistas esportivos, contemporâneos à gênese do futebol em São

Paulo, com exceção de Mazzoni, que aparece alguns anos depois. Acrescentei, ainda,

dois analistas do tema. Trata-se, primeiramente, de Anatol Rosenfeld, que publicou um

artigo acerca da história do futebol no Brasil, importante por ser talvez a primeira

análise com referenciais acadêmicos. Esse trabalho foi publicado em alemão, em 1954,

e a tradução portuguesa só surgiu vinte anos depois. Por outro lado, temos Waldenyr

Caldas, que por ser um pesquisador contemporâneo, foi capaz de reler os primeiros

historiadores do futebol, acumulando análises e reflexões. Seu trabalho O pontapé

inicial: contribuição à memória do futebol brasileiro, apresentado inicialmente como

tese de livre-docência na Universidade de São Paulo, traz dados sistematizados que

facilitam uma pesquisa acerca do futebol no Brasil.

O arquivo do Sport Club Corinthians Paulista, que deveria ser riquíssimo,

acabou me decepcionando. Só a efetivação do acesso às Atas de Assembleias Gerais

demorou aproximadamente um ano. Sempre que a colaboração do clube foi solicitada,

entraves se apresentaram. O consolo é que vem a ser um dos poucos clubes que se

preocupam com a questão da memória. Na maioria dos casos, a documentação mais

antiga referente a um determinado clube termina espalhada nas mãos de antigos

jogadores, torcedores e dirigentes. Novamente reunir esses documentos significa uma

mão de obra que apenas o esforço institucional consegue realizar.

Se por um lado, o SCCP dificultou o acesso aos seus guardados, por outro,

publicou uma considerável literatura sobre si mesmo, consubstanciada em uma revista

mensal, existente de 1939 até 1955, aproximadamente. A revista Corinthians tentava

dar conta de informar os acontecimentos sobre o SCCP e preocupava-se muito com a

história do clube. Classifico-a como “literatura apaixonada”, dado o seu caráter

relativamente parcial. Com essa mesma característica encontrei muitas publicações

voltadas exclusivamente para os torcedores do clube, em que não se percebe uma

preocupação em apresentar dados exatos. Como tais publicações têm apenas uma

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intenção mercantil, terminam por perpetuar algumas informações errôneas, pois não há

revisão por parte do publicador, que só reproduz o que já foi escrito anteriormente.

Apesar disso, essas fontes se mostraram importantes.

Mesmo sendo ideia corrente de que o futebol no Brasil não se tornou um objeto

mercantil quando se transformou em tema de filmes, peças teatrais ou livros, se observa

uma significativa bibliografia que o discute nas suas mais diversas dimensões. Vê-se o

futebol a partir da psicologia, sociologia, antropologia cultural, linguística, política e

filosofia, entre outras disciplinas. Essas contribuições não foram por mim deixadas de

lado. Vale ressaltar que percebi que tais abordagens terminam por discutir esse esporte

como se ele não tivesse vivido transformações importantes ao longo da sua história.

Alguns autores entendem ser correto analisar o jogo de futebol sob uma perspectiva que

se apresenta válida em quaisquer circunstâncias, seja nos primórdios desse esporte, seja

hoje. Enfim, trabalham com permanências questionáveis. Mas esse limite, das

abordagens não históricas, não invalida o seu uso.

Outra fonte não descartada foi a do cronista da época trabalhada. Ele ofereceu

referências fundamentais por conseguir captar dados de um momento histórico,

sensíveis aos contemporâneos. Tais cronistas foram capazes de discutir, efetivamente, o

que preocupava os seus leitores. E a prática do futebol se apresentava como um assunto

importante capaz de criar e alimentar longas polêmicas.

Basicamente, foram essas as fontes utilizadas na tentativa de se reconstruir a

dinâmica inicial da prática do futebol na cidade de São Paulo e a história do SCCP nos

seus primeiros anos.

O presente livro foi dividido em quatro capítulos. No primeiro, minha intenção

foi refletir a cidade de São Paulo na década de 10, com suas marcantes transformações

que talvez tenham permitido e facilitado o aparecimento e o desenvolvimento de

diversas práticas esportivas. Nesse capítulo discuti também a proliferação dos esportes e

as suas significações dentro da sociedade paulistana.

No segundo capítulo, contextualizei a organização do futebol em São Paulo,

tanto o de caráter oficial, quanto o dito informal ou varzeano. Nesse sentido, a minha

preocupação foi a de perceber como se deu o contato entre o futebol praticado pelos

setores populares e a elite paulistana. No terceiro e quarto capítulos, tratei

especificamente do SCCP, das suas possíveis contribuições para algumas mudanças no

futebol oficial local e da sua relação com este mesmo futebol oficial. Procurei,

especificamente, apontar qual a dimensão do papel do clube nesse processo de

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modificação do futebol em São Paulo. Por último, apresento uma análise das

transformações que o Corinthians Paulista teve de passar a partir do momento em que

desejou ingressar no futebol oficial paulistano.

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1

A CIDADE DE SÃO PAULO E AS PRÁTICAS ESPORTIVAS

A experiência da urbanidade engendra, naquele que a vive, novos

sentimentos e sensações. Uma mistura alucinógena e alucinada de fascínio

e terror. Um lirismo cruel, beirando a antiutopia. Lirismo que brota dos

becos, das calçadas, néons e poças d’água, lugares onde seres habitam,

alienígenas-alienados em seu próprio mundo.

Marcos Francisco Napolitano de Eugênio

1.1

SÃO PAULO: FIM DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO XX

São Paulo passou por significativas modificações em toda a sua história. Entre

todas as transformações vividas pela cidade, talvez a de maior envergadura tenha sido a

ocorrida a partir do último quartel do século XIX, em que parte da cidade foi destruída

para dar lugar a novas construções.

Sobre esse momento, Ernani Silva Bruno afirma que “consciente ou

inconscientemente, o governo municipal e o poder eclesiástico iam eliminando da

cidade os seus aspectos e os seus costumes de feição tradicional ou provinciana mais

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acentuados”.1 É no início do novo século que algumas festas religiosas vão deixando de

existir e, ainda, igrejas antigas vão dando lugar a novos templos com feição europeia.

Também segundo Ernani Silva Bruno, “mediante esforço deliberado de administradores

como Antônio Prado”, procurava-se esconder e eliminar “qualquer traço não europeu ou

‘caipira’ que porventura perdurasse...”2 nas ruas, nas casas, nos jardins ou nos costumes

da cidade. Isso levou São Paulo a ter uma “feição de cidade provisória, em que tudo

parecia incompleto e sujeito a remodelação contínua”.3 Foram inúmeros os viajantes

que passaram pela cidade e, em suas crônicas, mostraram parte das transformações que

São Paulo vivia e onde se salientava a rapidez de tais transformações.

Ainda segundo Ernani Silva Bueno, O último quartel do século XIX — como os primeiros anos do século XX — representou período de

muita demolição, de muita reforma e de muita construção na cidade e em seus arredores [... ]. Nas

ruas centrais, mesmo as edificações mais antigas foram sendo substituídas por casas de feição “mais

solidamente europeia”, inclusive alguns edifícios públicos de caráter monumental que contribuíram

para alterar substancialmente a feição do centro paulistano.4

E outras mudanças também aconteciam, como é o caso das “residências

particulares [que] formavam rapidamente bairros novos e se estenderam em quase todas

as direções, ostentando luxo e mesmo conforto notáveis...”.5

Mas é fundamental compreender que todas essas transformações ocorridas em

São Paulo foram decorrentes do desenvolvimento da produção cafeeira no estado, que

encontrou um forte mercado consumidor na Europa e EUA. Seria, portanto, a riqueza do

café que proporcionaria a “nova” cidade de São Paulo. Como fenômeno acoplado ao

café encontrar-se-ia o desenvolvimento dos transportes ferroviários, que levaram a uma

reorganização da cidade sob o binômio café—ferrovia, marcando o novo caminho que

São Paulo iria percorrer. O desenvolvimento da cultura cafeeira e a decadência do

trabalho compulsório trouxeram a São Paulo a importante presença do imigrante. Este

influenciou decisivamente nas modificações por que passou a cidade, em vários dos

seus aspectos. Tanto que “para [a] construção de muitas novas casas urbanas contam os

moradores de São Paulo com a colaboração de arquitetos e empreiteiros italianos que

começaram a chegar entre os primeiros imigrantes”.6

Entretanto, o crescimento e as modificações que iam acontecendo em São Paulo

não tinham seus dividendos devidamente distribuídos por toda a cidade. Sua

configuração geográfica mostrava regiões que faziam da vida do paulistano algo muito

difícil, como a daquele que morava nas áreas varzianas, uma vez que as áreas altas eram

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procuradas por pessoas pertencentes às famílias mais abastadas. As regiões varzianas,

relegadas, foram efetivamente ocupadas com o aparecimento das ferrovias. Segundo

Caio Prado Jr., as ferrovias atraíram o povoamento, que toma assim uma nova direção. Ao longo delas fixam-se

indústrias que procuravam, como é natural, suas proximidades. E com a indústria vem o seu

acompanhamento necessário que são os bairros operários. Assim se formam estes setores recentes,

hoje densamente povoados, que envolvem as estradas de ferro e bordam, como uma auréola, as faces

sul e leste do maciço paulistano: Ipiranga, Cambuci, Mooca, Brás, Pari, Luz, Bom Retiro, Barra

Funda, Água Branca e Lapa.7

O mesmo cuidado que o poder público teve em reurbanizar o centro de São

Paulo, gastando faustas quantias em indenizações e em novas construções, não foi

sentido nessas regiões que beiravam as ferrovias. Assim, em tais locais abandonados

pela edilidade, “[...] os operários que se fixavam aí para aproveitarem terrenos baratos,

comprados à prestação, onde podem construir casinhas [...] verdadeiras caixas de

fósforos...”.8

De fato, a cidade organizou-se para os mais ricos. Tanto que, [...] por 1880 [...] se formam os primeiros bairros propriamente residenciais e vamos notar que, ao

contrário dos bairros operários, que se estabelecem nos terrenos mais ingratos das baixadas do Tietê e

do Tamanduateí, as residências burguesas se fixam nas alturas do maciço. Localizam-se, a princípio,

contíguos ao centro, para o lado do Tietê, isto é, na direção norte... É aí que se instala o bairro de

Santa Ifigênia, com suas residências aristocráticas de fins do século passado, que se prolongam depois

pelos Campos Elíseos.9

Surge ainda a Consolação e bairros que seguem a estrada do Vergueiro, como a

Vila Mariana. Em princípios do século seguinte, “os bairros residenciais lançam-se

decididamente pelo flanco do maciço, subindo-lhe as encostas à procura de terrenos

altos e saudáveis; é a vez de Higienópolis, que será o bairro da aristocracia paulista das

fortunas saídas do café”.10 E chega-se até a avenida Paulista, “[...] bairro residencial dos

milionários desta nova fase da economia paulista, estrangeiros ou de recente origem

estrangeira quase todos”.11 Enfim, trata-se de uma cidade onde a divisão de classes, no

tocante ao local de moradia, é claramente observável.

São Paulo vivia também a experiência de um espaço urbano que apresentava um

forte crescimento populacional: 31 385 habitantes em 1872; 64 934, ou seja, o dobro em

1890; e 239 820, em 1900.12 Sabe-se que a imigração europeia foi a grande responsável

por esse significativo aumento da população paulistana. Evidentemente, a presença

estrangeira teve importante papel nas novas condições que a cidade adquiriu. Esta

presença é notada na arquitetura, nos novos costumes, na forma de organizar o

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operariado e nos aspectos restantes da cidade, como na questão da infraestrutura.

Observem-se, nestes fragmentos, mostras dessa presença estrangeira, notadamente

italiana: Com uma touca na cabeça e utilizando-se de uma buzina para chamar a atenção do povo, o francês

Bernard Gregoire começou a vender [...]. A Província de São Paulo. [...] Em 1890 os jornaleiros já

eram em sua maioria italianinhos [...]. Nesse tempo ou antes um pouco aliás haviam surgido os

primeiros engraxates ambulantes: menores italianos que percorriam as estações de ferro e as ruas e os

largos da cidade [...].

Com o desenvolvimento da corrente imigratória os italianos apareceram também em quantidade

notável pelas ruas paulistanas. Vendiam flores, frutas, hortaliças, peixe fresco e camarão.13

Percebe-se ainda a presença dos italianos também pelo aspecto musical. Afirma

Ernani Silva Bruno que “[...] com relação à música popular sabe-se que, com a

imigração, sobretudo italiana, entravam na cidade os instrumentos musicais e as

músicas populares da Península; muitos italianinhos formavam grupos que tocavam e

cantavam pelas ruas — refugiando-se então nos arredores, como que envergonhados de

seu caipirismo —, as cantigas tradicionais da terra”.14

Também foram sentidas manifestações de espanhóis, alemães, franceses,

húngaros, ingleses, portugueses, norte-americanos, entre outras nacionalidades. Enfim,

São Paulo recebia gente de todo o mundo, que ia se encontrando com a população que

já habitava a cidade, constituindo harmonias e conflitos. Como bem afirma José

Geraldo Vinci de Moraes, “[...] desta determinação dos universos social e urbano, a

cidade passa a vivenciar um cosmopolitismo repleto de contradições emergindo daí

novas situações sociais, políticas e culturais”.15

É necessário reforçar que a chegada do estrangeiro e seu contato com a

população nativa de São Paulo nem sempre foi algo tranquilo. Em relação ao italiano,

nota-se uma certa aversão. Isto é possível de se verificar neste relato de Jacob Penteado: A origem deste termo “carcamano”, aliás, é pitoresca. Dizem que os negociantes italianos, em geral os

do mercado, quando o filho pesava um artigo para o freguês e faltavam ainda algumas gramas,

diziam-lhe em surdina:

— Calca la mano, figlio mio!

Estavam em voga, nos fins do século, versos como estes:

Carcamano, pé de chumbo,

Calcanhar de frigideira,

Quem te deu atrevimento

De casar com brasileira?16

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No trabalho, as vidas do imigrante e do nativo se equivaliam. Um como o outro

tinham que suportar as péssimas condições de trabalho que a incipiente indústria

paulistana lhes proporcionava. Muitas horas de labuta, controle rígido dentro da fábrica,

salário aquém das necessidades e outros males. Desta forma, o memorialista Jacob

Penteado relembra o trabalho em uma fábrica do bairro do Belenzinho: O ambiente era o pior possível. Calor insuportável, dentro de um barracão coberto de zinco, sem

janelas nem ventilação [...].

Os cacos de vidro espalhados pelo chão representavam outro pesadelo para as crianças, porque muitas

trabalhavam descalças ou com os pés protegidos apenas por alpercatas de corda, quase sempre

furadas. A água não primava pela higiene nem pela salubridade.

[...]

Os latões de água ou as tintas pesavam em geral, de vinte a trinta quilos. Os pobres meninos levavam-

nos junto ao peito, com a orla do recipiente colada ao rosto [...].

Os coitadinhos, na maioria, vestiam apenas uma camiseta de malha e calças até os joelhos.17

A população trabalhadora, que vivia essas péssimas condições no local de

trabalho, também sofria com o local de moradia, com o transporte coletivo dos bondes

— que, em número insuficiente e com horários não respeitados, estavam sempre cheios,

proporcionando viagens desagradáveis —, com o abastecimento de água, com as ruas

sem calçamento, entre outros problemas.

Em resumo, a partir do final do século XIX, passou-se a construir uma outra

cidade, muito diferente do que havia sido São Paulo. Ferrovias, demolições,

remodelação urbana, primeiras indústrias, presença de negros libertos e a vinda de

imigrantes e viajantes vão fazer parte de uma gama de aspectos que transformam

radicalmente a capital paulista. E não surgiram nesse espaço urbano situações de

imunidade aos conflitos econômicos, políticos, sociais, raciais e culturais. No dizer de

José Geraldo Vinci de Moraes, coube ao poder público municipal o papel de gerir as

mudanças que a cidade exigia, mas “[...] ao hierarquizar seu espaço urbano e social, a

cidade estabelece uma classificação e distinção física e social entre aqueles que

poderiam usufruir e desfrutar das comedidas da vida moderna paulistana, daqueles que

deveriam suportar as contradições e resíduos deste processo”.18

A cidade também tomou contato com as novas práticas de lazer e esporte que,

somando-se aos outros aspectos, levaram-na à transformação. Cabe aqui, também, a

decisiva influência estrangeira, trazendo inúmeros esportes e práticas físicas, revelando

a concepção de competição, que marca uma metrópole moderna. Mas a prática esportiva

será caracterizada não só pela separação entre a elite e o resto da população, mas criará

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espaços importantes de sociabilidade. O isolamento que a elite paulistana constituiu nas

organizações dos novos bairros residenciais, por exemplo, seria tentado em diversas

práticas esportivas com sucesso relativo e temporário. Talvez os clubes fechados

tenham sido um dos poucos espaços onde a elite podia estar sem a presença dos

trabalhadores e do povo em geral. Nesse sentido, torna-se fundamental perceber-se a

significação e a dimensão das práticas esportivas em São Paulo.

1.2

A QUESTÃO DO ESPORTE E DO LAZER

Após 1879, decresce o interesse da população paulistana pelas procissões e pelas

festas em caráter religioso. Explica Ernani Silva Bueno que esse fenômeno ocorre em

função do aumento dos locais de passeio e divertimento, dos clubes recreativos e das

competições esportivas.19 Ou seja, as atividades religiosas cumpriam menos uma função

de fé do que uma forma de passatempo. “Nas últimas décadas oitocentistas surgiram em

São Paulo centros de recreação como a chamada Ilha dos Amores, alguns tivolys nos

bairros, e no século atual parques para passeio nos arredores, como o Villon, na avenida

Paulista [hoje, Parque Tenente Siqueira Campos, mais conhecido como Trianon, o seu

belvedere demolido em 1950] e o do Museu, no Ipiranga. Fundam-se sociedades

numerosas, de fins recreativos, e clubes carnavalescos. Começam a ser feitas corridas

regulares de cavalos nos hipódromos”.20 Enfim, São Paulo passa a ter contato com

variadas formas de lazer. Porém, tratar-se-á, especificamente, dos esportes com sua

organização, amplitude e significação para uma cidade que crescia rapidamente com

fortes contradições.

O primeiro aspecto que salta aos olhos, no que se refere às práticas esportivas na

cidade de São Paulo, era o grande número de esportes que, pouco a pouco, tornaram-se

objeto de atenção dos paulistanos. A cada dia os periódicos anunciavam novas

competições esportivas, evidentemente importadas. Tais atividades foram revestidas,

inicialmente, por uma forte curiosidade; posteriormente, caso a atividade agradasse, esta

passava a ser motivo de modismo até se consolidar. Citam-se, aproximadamente, trinta

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esportes diferentes, ainda que a preocupação em noticiá-los recaia apenas sobre alguns

como o futebol, o turfe, o remo e a pelota.

Além disso, eram produzidos discursos diferentes defendendo a prática esportiva

e física, entendendo-se que estas eram capazes de formar, num amplo sentido, o

homem. Observa-se, com frequência, a preocupação em descrever os níveis de

progresso que os esportes atingiram em países industrializados, tais como a França, a

Inglaterra e os EUA. Alguns países da América Latina, como o Chile — onde se nota

uma preocupação governamental no apoio aos esportes —, serão objetos de

comparação, ou de simples admiração. O Correio Paulistano publica esta pequena

notícia, reportando-se aos EUA: A educação física do estudante norte-americano

Nas universidades americanas, como se sabe, a cultura física [...] merece tanta atenção quanto a

instrução intelectual; e a ginástica, os esportes, os jogos atléticos são tidos em grande estima. [...].

Não há, na América, uma universidade, nem uma escola superior, em cujos programas não figure o

ensino da ginástica, ou não possua os edifícios necessários e apropriados aos mais variados jogos

atléticos. [...]21

Em artigo publicado n’O Estado de São Paulo, o redator informa acerca de um

esportista português que visitara a capital da República, apresentando o atual estágio do

desenvolvimento dos esportes em Portugal. Veja-se parte da reportagem: Os Esportes — Em Lisboa e no Rio — Sportman português no Rio

[...] não é menos certo que nos últimos anos eles atingiram na capital portuguesa um grau de

aperfeiçoamento e de expansão, que seria difícil, se não impossível, prever dez anos antes... O cricket,

introduzido por ingleses tem, lá, numerosos cultores entre os nacionais. O esporte hípico, o marítimo,

o football, todos aqueles afins que adquiriram tais proporções nos últimos anos, Lisboa pode rivalizar

nesse gênero com outras capitais da Europa.22

Mesmo apontando o avanço dos esportes em Portugal, o periódico frisa a

questão de que os mesmos estavam atrasados, se comparados aos do Brasil e da

Argentina.

Em outro momento, visitou o Rio de Janeiro, o sr. Ulisses Reyman, um

acadêmico de medicina na Bahia, que, segundo um periódico, vinha percorrendo vários

estados brasileiros, desde o Pará, fazendo propaganda do esporte. Segue-se a notícia: Um Propagandista do Esporte

[...] O sr. Reyman [...] bate-se pelo desenvolvimento da cultura física no nosso país e busca unir, pelos

laços da solidariedade, todas as sociedades esportivas dos estados, para, empregando os seus esforços,

melhor incutir no espírito público a necessidade da educação física no Brasil, elevar o esporte à altura

que ele atingiu nos países europeus. [...]23

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Novamente a comparação com a atividade esportiva europeia foi apresentada. O

Brasil precisava, conforme o esportista baiano, percorrer caminhos semelhantes aos dos

países modernos.

Mesmo nos momentos em que a tragédia se fazia presente nos esportes, o

discurso continuava sendo no sentido de apoiá-los, mas não de forma incondicional.

Durante uma competição atlética, um corredor passou mal durante a prova e morreu

poucas horas depois. O fato foi amplamente noticiado e discutido na imprensa paulista.

Desse fato derivou este artigo: O Abuso do Esporte

Não vêm fora de propósito algumas considerações sobre a morte do desditoso sportman Urbino

Taccola [...]. Em nossa opinião o excesso de esporte precisa ser reprimido. À primeira vista parecerá

que isto é um absurdo [...].

A verdade, porém, é que todos os abusos têm e precisam ter sempre um corretivo.

Os clubes, primeiro, e as autoridades depois, devem ter nesta questão um papel principal [...].

Os esportes são fontes de energia, de beleza, de saúde. Mas dentro de certos limites [...].24

De forma alguma o esporte foi condenado. Ao contrário, ele foi posto como algo

capaz de permitir uma vida saudável. O excesso de esporte, juntamente com a falta de

controle médico sobre o atleta, era um desvio que deveria ser corrigido. Além deste,

outros desvios seriam condenados, como o profissionalismo e a violência física.

Já os discursos efetivamente contrários às práticas esportivas, quanto à questão

do desenvolvimento físico, eram pouco presentes. Os militantes anarquistas se opunham

à prática do futebol, como se verá adiante. A imprensa, em alguns momentos, abraça

essa tese, porém de forma implícita, quando noticia algum fato que, de algum modo,

prejudica a imagem do esporte. Notem-se estas informações: Pouco antes das três horas da tarde, jogavam futebol, no ground do Velódromo, os estudantes Mário

Vieira Marcondes, de 21 anos, solteiro, residente à rua 13 de Maio nº 319, e Pelágio Rodrigues dos

Santos, de 20 anos, também solteiro, morador à rua Tamandaré nº 142, quando, correndo em direção

contrária, encontraram-se violentamente, em consequência do que saíram ambos contundidos: o

primeiro com um ferimento contuso na região superciliar esquerda e no joelho direito, e o segundo

com ferimento contuso na região frontal. Todos os feridos foram medicados no gabinete da

Assistência pelo dr. Luiz Happe.25

Não se construiu exatamente um discurso contra a prática esportiva, contudo,

alertava-se sobre os perigos que dela advinham. Na realidade, a quantidade de espaço

que era colocado à disposição do esporte era muito superior às pequenas notas,

esporadicamente publicadas, em oposição aos esportes. Portanto, a postura da imprensa

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era a de incentivar as práticas físicas. Era visível que, a cada ano, o espaço dedicado aos

esportes nos periódicos paulistas aumentava substancialmente.

Os árduos defensores da cultura física tinham uma queixa contra os poderes

públicos: entendiam que estes não apoiavam devidamente os esportes quanto deveriam,

ou como ocorria nos países imitados com orgulho. Tais defensores avaliavam que o

crescimento da educação física em São Paulo era algo significativo. Este fragmento de

uma grande reportagem, que objetivava discutir o desenvolvimento do esporte na

cidade, dá a dimensão que esta prática possuía: O nosso movimento esportivo

O importantíssimo papel que na formação de um povo desempenha a cultura física é dos problemas

que em todos os países mais chamam a atenção dos dirigentes. Infelizmente entre nós nada nesse

ponto devemos aos poderes públicos. A não ser uma ginástica sueca (!?) ministrada nas escolas por

processos discutíveis...

Assim o estado em que se acham os esportes (manifestação heterogênea da cultura física) é tudo

exclusivamente produto da iniciativa particular.26

É possível que tenha havido algum exagero por parte do jornalista. A Prefeitura

de São Paulo costumava ceder, através de concessões, terrenos para a construção de

campos de futebol. Por outro lado, de fato, não existia uma política sistematizada de

apoio aos esportes. Apenas no caso do futebol, quando este atingiu uma projeção

internacional, é que a intervenção governamental, em vários níveis, se fez sentir.

A imprensa em São Paulo dedicava aos esportes, desde a última década do

século passado, espaços específicos para noticiá-lo. Cada periódico possuía uma seção

dedicada às práticas esportivas. Judith Mader Elazari cita alguns desses periódicos,

como A Plateia, de 1891, o Diário Popular, de 1895, A Notícia, em 1906, entre outros.

A autora que trabalhou com a questão do lazer em São Paulo também destaca alguns

periódicos de vida efêmera, especificamente voltados aos esportes, tais como: A

Bicycleta, de 1896, O Sportman, de 1902, Arte e Sport etc.27

Através da imprensa é possível constatar a real importância que os esportes iam

adquirindo entre a população de São Paulo. São frequentes os relatos que demonstram

toda a paixão e envolvimento dos paulistanos com as práticas esportivas. Como se nota

nesta notícia: “Em prol da cultura física — O entusiasmo pelo exercício físico domina

a juventude paulista. Em cada bairro da nossa capital criam-se associações atléticas ou

um grupo de footballers, de ciclistas; onde se encontra meia dúzia de crianças e um

jornal velho se organiza um match.”28

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Outro aspecto que marcou a prática esportiva foram os eventos organizados

pelos clubes paulistanos em momentos de comemoração. Normalmente no aniversário

do clube, em festas cívicas ou em finais de ano. Obrigatoriamente tinha-se uma partida

de futebol, que fechava o evento. Mas, costumava-se dar espaço para outros esportes

competitivos. Da seguinte forma a imprensa tentava promover o acontecimento

esportivo: Futebol

Realiza-se hoje, no Velódromo Paulista, uma festa esportiva que consistirá de um importante match de

futebol entre os valentes times do S. C. Americano e do S. C. Internacional e de corridas ciclísticas,

nos quais tomarão parte os campeões europeus e muitos amadores desta capital. O programa é o

seguinte:

I) Corrida ciclística de velocidade, bateria semifinal e final;

II) Corrida americana, muito interessante, nunca vista em São Paulo;

III) Grande corrida motociclística;

IV) Corrida reservada aos corredores de segunda categoria;

V) Corrida a pé, infantil e

VI) Grande match de futebol, Americano versus Internacional. Aos vencedores será entregue uma

linda taça artística.

Aos corredores serão entregues medalhas de ouro e prata.

Durante a festa tocará a banda policial de São Paulo. [...]29

Cabe destacar que alguns chamarizes importantes para a festa eram assistidos

por um grande público. É o caso dos ciclistas campeões estrangeiros, da corrida

americana — que não se explica em que consistia —, que nunca fora vista na cidade e

do jogo de futebol. Alguns dias antes, outra festa esportiva havia se realizado no Parque

Antártica, com aparente sucesso.30 Foi, inclusive, em uma dessas festas esportivas,

organizada pelo Clube Espéria, que um maratonista não conseguiu cumprir os vinte

quilômetros da prova, vindo a sofrer um mal súbito e falecendo pouco tempo depois.

Tratou-se de Urbino Taccola, já citado anteriormente.

Existiam também as festas organizadas pelas colônias radicadas em São Paulo,

como a que ocorreu em 29 de novembro de 1914, no Parque Antártica, patrocinada por

sírios, na qual constou, entre outras atividades, um jogo de futebol entre um time de

brasileiros e outro de sírios.31

Dado o fato de os esportes terem uma forte aceitação na cidade, era comum a

inauguração de novas práticas. Os periódicos davam-se ao trabalho de explicar, passo a

passo, as regras e os encaminhamentos necessários para o novo jogo. Tem-se a

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impressão de que apenas a informação de que tal disputa era inédita aumentava a

expectativa em vê-la. Desta forma, é noticiado um novo esporte: Push-Ball

Devido à iniciativa do C. A. Paulistano, será jogado no Velódromo, no dia 26 corrente, um

interessante match de Push-Ball, esporte inteiramente desconhecido nesta capital.

Os nossos principais footballers acolheram a ideia do Paulistano com extraordinário entusiasmo,

empenhando-se todos para tomarem parte no primeiro match.

O Push-Ball será jogado com uma bola marca Grasshaper, de 15 e meio pés de circunferência, provida

de câmara de ar com borracha de primeira qualidade [...].32

Como se afirmou, a imprensa estava atenta em apoiar as práticas esportivas

noticiando-as, ainda que fossem dedicados espaços apenas para alguns esportes que

mais chamavam a atenção do público leitor. Trata-se prioritariamente das seguintes

práticas: remo, tênis, futebol e aviação. Apesar de o futebol ser o preferido em São

Paulo, essas outras atividades movimentaram a cidade, atraindo parcelas significativas

da população. No caso da aviação, cujo número de esportistas praticantes era muito

reduzido, uma verdadeira multidão acompanhava as performances dos aviadores,

geralmente estrangeiros. Em março de 1912, os aviadores Roland Garros, francês, e o

brasileiro Eduardo Chaves realizaram um raide entre Santos e São Paulo. Na chegada

em São Paulo, “os arrojados moços” sobrevoaram a cidade por 25 minutos, fazendo

difíceis manobras com os seus aeroplanos. Segundo os periódicos, que abriram amplos

espaços para o evento, o povo paulistano recebeu os aviadores com “delirantes

aclamações”. Eram verdadeiros heróis que chegavam à cidade.33

Em maio do mesmo ano, novo raide, com saída de São Paulo para chegar ao Rio

de Janeiro. Dessa vez Eduardo Chaves realiza a proeza sozinho. Ao chegar na então

capital federal, foi homenageado em inúmeras festas. Informam os jornais que “[...] às

dez horas da manhã, os alunos da Universidade de São Paulo [...] dirigiram-se à casa do

destemido aviador, onde lhe fizeram uma carinhosa manifestação de simpatia”.34

Mas a fatalidade também rondava a aviação. Em função de um concurso

promovido pelo Aero-Club de São Paulo, dois aviadores italianos chegam à cidade. O

prêmio de 2 contos de réis atraiu os esportistas. Porém, o aviador genovês Giulio

Piccolo veio a falecer após um acidente com seu aparelho. O evento e o acidente são

narrados desta forma: Uma vítima da aviação

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[...] As notícias, portanto, divulgadas largamente pela cidade em enormes cartazes, escritos em letras

garrafais, de que ontem se efetuaria no velho campo do “Paulistano” uma experiência de aviação,

atraiu àquele local numerosíssima concorrência de pessoas. [...]

O valente aviador foi recebido pela multidão com vibrantes aclamações. [...]

Um fato inesperado, neste momento, prendeu a atenção de todos: após um forte estampido, o motor

ficou completamente envolvido em chamas [...]. Percebendo o perigo que o ameaçava, Piccolo

[arremeteu], com tanta infelicidade, porém, que caiu de ponta-cabeça sobre o solo, fraturando o crânio

numa pedra.

[...] Piccolo, com os olhos fora das órbitas e com o nariz a jorrar sangue, estava quase agonizante.35

O fato chocou a população paulistana, que se envolveu ainda mais com o

acontecimento. O aviador italiano, considerado pobre, deixando viúva e dois filhos

pequenos na Itália, morreu nas primeiras horas do dia seguinte ao acidente.

Imediatamente o periódico dedicado aos italianos de São Paulo, Il Fanfulla, abriu uma

subscrição com o objetivo de ajudar a família do aviador morto. O aviador Ruggerone

cedeu os 7 mil francos que havia ganhado em um espetáculo do prado na Mooca,

realizado em benefício da viúva do aviador. No Teatro Colombo ocorreu também uma

festa beneficente. Apesar do trágico acontecimento, mesmo com tanta solidariedade,

não foi perceptível qualquer abalo no prestígio da aviação. Tanto que dias depois novo

espetáculo foi marcado.36

Esse tipo de evento que vitimou Giulio Piccolo ocorria constantemente em São

Paulo no início da década de 10, até 1913. Encontra-se, inclusive, uma ampla campanha

publicitária, objetivando tornar o espetáculo um sucesso de público. Um anúncio

classificado foi publicado pela imprensa de São Paulo: Hipódromo da Mooca

AVIAÇÃO

Domingo, 13 de março de 1911, depois do meio-dia. Os primeiros voos de resistência, velocidade e

altura do aviador franco-paulista

EDMOND PLANCHUT

no seu aeroplano Bleriot-Gaivota (último modelo) [...].37

Na peça publicitária constavam ainda outros dados como o preço das entradas,

que variavam de 10 mil réis a 500 réis, no prado externo. Enfim, se a aviação não

possibilitava uma participação maior dos esportistas, ao menos era motivo para o

encontro de multidões.

O remo foi outro esporte de muita importância na cidade de São Paulo e no

litoral paulista. Juntamente com a natação, foi muito praticado dadas as condições

fluviais da capital paulista. Assim foi comentada a fundação do Clube Espéria, em

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1913, no periódico A Vida Esportiva: “A canoagem e a natação eram esportes cuja

ausência de há muito se fazia sentir nesta capital. Foi, pois, com grande satisfação que

vimos este grupo de devotos sportmen, que compõem o Espéria, tomarem a iniciativa da

introdução deste esporte entre os rios.”38

Segundo J. M. Elazari, “os clubes de remo e natação eram frequentados

exclusivamente por ‘famílias distintas’, em qualquer dia da semana, mesmo às

segundas-feiras [...]”. Ainda que mesmo com certo elitismo, o remo vai se abrindo e

outros clubes passam a praticá-lo. Em uma festa promovida pelo Clube Espéria, em

junho de 1911, onze clubes participaram, inclusive várias associações de Santos e uma

de Campinas.39 Também já se iniciava o intercâmbio com o Rio de Janeiro, onde esta

prática era mais difundida.

O tênis, em função dos equipamentos caros e de um local específico para jogá-

lo, foi praticado apenas por poucos clubes, constituindo-se em um esporte de elite.

Grande parte dos seus praticantes também jogava futebol, entre outras modalidades

esportivas. Realiza-se um torneio em São Paulo com apenas quatro equipes, como se

pode ver nesta nota: “Lawn-Tennis — O Sport Club Germânia [atual Clube Pinheiros]

realizará um importante torneio de Lawn-Tennis nas quadras do Parque Antártica, nos

dias 1, 7 e 8 de setembro próximo futuro, com o concurso do Club Athletico Paulistano,

Associação Atlética das Palmeiras e Club de Regatas São Paulo. [...]”40

Quanto ao turfe, sabe-se de sua atividade desde a fundação de um clube (o Club

de Corridas Paulistano, atual Jockey Club de São Paulo) preocupado com as corridas de

cavalos em 1875. Posteriormente, foi conseguido um terreno e construiu-se na Mooca o

Hipódromo Paulistano, inaugurado em 1876. Segundo J. M. Elazari, “os principais

apreciadores deste esporte pertenciam à elite paulistana, representada por ‘ilustres

famílias’. As várias referências às corridas mostram que comparecer a um hipódromo

era um acontecimento chic e distinto. As famílias do ‘melhor meio social’ não deixavam

de concorrer ao rendez-vous com suas toilettes maravilhosas”.41

Já o futebol será tratado especificamente em capítulo posterior.

Apesar desses esportes apresentados (aviação, remo, tênis, turfe, além do

futebol) ocuparem mais espaços nos noticiários dos periódicos, eram inúmeras as outras

práticas esportivas da cidade de São Paulo. Algumas são citadas em raras

oportunidades. É importante, porém, dimensionar as outras atividades esportivas que

ocupavam a atenção dos paulistanos.

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23

O automobilismo estava, no início do século, começando suas atividades.

Segundo Jacob Penteado, “os primeiros automobilistas daqui foram Luiz Santos

Dumont, irmão do nosso grande Santos Dumont, e Antônio Prado Júnior. A seguir,

apareceram Luiz Fonseca, Washington Luiz, Sílvio e Armando Prado. Quase todos eles

viviam mais em Paris do que em São Paulo. Em 1903, os irmãos Álvares Penteado, com

Antônio Prado Júnior e Santos Dumont, realizaram a primeira viagem de São Paulo a

Ribeirão Preto”.42 Em artigo publicado n’O Estado de São Paulo, o automobilismo foi

desta forma tratado: Automobilismo — Os circuitos de Itapecerica, Osasco e Cantareira. Um apelo ao sr. secretário da

Agricultura.

Há três para quatro anos, o sr. Washington Luiz, então secretário da Justiça e Segurança Pública, aos

domingos, fazia longas excursões de automóvel. [...]

Mais tarde, o dr. Antônio Prado Jr. e outros sportmen, encantados com a descrição desse belíssimo

passeio realizaram-no também verificando, ao mesmo tempo, que nesse trecho se poderia fazer uma

corrida de automóvel, à semelhança das que anualmente se realizam em França. [...]43

Mas não era apenas o famoso circuito Itapecerica que fascinava os poucos

esportistas que poderiam praticar o automobilismo. Outras viagens eram realizadas,

como esta: Automobilismo — De São Paulo a Ribeirão Preto e Jaboticabal de automóvel — 673 quilômetros

percorridos.

Cumprindo a promessa que fizemos aos nossos leitores, damos hoje minuciosa descrição da

interessante e arrojada excursão de automóvel, de São Paulo a Ribeirão Preto e Jaboticabal, feita pelo

sr. Antônio Prado Júnior, em companhia dos srs. Washington Luiz, dr. Guilherme Rubião, Luiz

Fonseca e coronel Bento Canavarra. [...]44

Constata-se que não eram quaisquer esportistas que poderiam praticar o

automobilismo. Meses após, os mesmos empreendedores desta viagem, mais o então

deputado estadual Júlio Prestes, viajam de São Paulo a Curitiba, percorrendo 1 200

quilômetros em cinco dias.45

Praticava-se também o boxe, esporte este cujos amantes fascinavam-se com a

presença de lutadores estrangeiros. Por esta notícia é possível acrescentar alguns dados

fundamentais sobre o boxe, que estava sendo introduzido na cidade: “Boxe — Na

próxima semana deve chegar a esta capital o sr. James Hand, afamado jogador de boxe,

que tem tomado parte em importantes torneios internacionais, conseguindo sempre

obter ótimas classificações. Sabemos que este sportman realizará aqui várias

conferências sobre o gênero de esporte a que se dedicou, exibindo por essa ocasião os

mais difíceis golpes.”46

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A prática esportiva pode ser considerada, na época tratada, um privilégio

masculino. Existiam mulheres que exerciam atividades físicas fora das escolas, mas

consideram-se exceções. Como nesta nota informando acerca de uma nova agremiação

esportiva: “Basket-Ball — Paulistano Basket-Ball Club — Com o título acima, fundou-

se nesta capital um clube de basket-ball, composto de senhoritas pertencentes à elite

paulistana. [...] Os elementos de que se compõem as equipes têm se submetido a treinos

rigorosos para os próximos encontros com os outros elementos congregados. [...]”47

O basquete foi introduzido no Brasil em 1898, mas não se tem notícia de times

ou campeonatos até 1916, ao menos em São Paulo.

Já o ciclismo começou a ser praticado em fins do século XIX. Segundo Nestor

Goulart Reis Filho, era o esporte da moda na cidade, em 1890. “Era praticado por

pessoas elegantes, que podiam importar da Europa os modelos da época, com rodas

dianteiras imensas. Às vezes eram designados como velocípedes. Com a generalização

de seu uso, constituíram-se os velo-clubes com seus velódromos e organizaram-se

competições com apostas, como no hipódromo.”48 Para E. V. Pereira de Souza, até

1893, “as poucas bicicletas eram privilégios de mocinhos ricos”.49 Mas em 1894, elas

passaram a ser importadas comercialmente e “[...] ‘damas de respeito’ e ‘cavaleiros

austeros’ aderiram ao esporte do pedal”.50

Em função do modismo criado pelo ciclismo, São Paulo deu lugar ao famoso

Velódromo Paulistano, que depois seria palco dos campeonatos de futebol até 1915.

Como Antônio Prado Júnior era um hábil e apaixonado ciclista, sendo neto de dona

Veridiana Prado, proprietária de vastos terrenos no bairro da Consolação, consegue da

avó a cessão de um amplo terreno, nesse bairro, para a construção de um velódromo.

Aliás, consegue também recursos financeiros para construí-lo. Segundo Nestor Goulart

Reis Filho, por volta de 1892, Giuseppe Valori executou a obra, segundo projeto de 1886, de Tommazo Bezzi.

Era uma grande raia de forma elíptica, com 380 metros de comprimento e cento [...] de largura, tendo

no meio um amplo jardim. De um dos lados, foi implantada uma grande arquibancada coberta, com

cerca de 70 metros de comprimento, onde na época se calculava pudessem instalar de 700 a mil

pessoas. A sua frente, caberiam mais 2 a 3 mil pessoas.51 Como a bicicleta custava caro, não estando ao alcance da maioria da população,

a tendência desse esporte foi declinar. A moda foi terminando. A prática continuou a

existir, porém não mais como “febre”. Tanto que é possível observar esta nota: “Nova

Associação — Foi fundada no distrito do Bom Retiro uma sociedade esportiva com o

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título Club Ciclystico Fiorentino, tendo por objetivo realizar corridas duas vezes por

mês, premiando os vencedores com uma medalha de ouro. [...]”52

Além da fundação de um clube interessado no ciclismo, também se notou certo

entusiasmo na visita de um esportista estrangeiro, mesmo sendo apêndice de um jogo de

futebol. Assim informavam os periódicos: “Ciclismo — E amanhã, às três horas e meia

da tarde, que o afamado ciclista português sr. Pedro Maia Vasquez realiza, no

Velódromo, a sua anunciada corrida [...]. A prova realiza-se num dos intervalos do

match de futebol.”53

Por outro lado, é relevante o fato de a participação das mulheres se dar no

ciclismo. Nesse sentido, tem-se comentário esportivo acerca da presença feminina em

competição ciclística: Nas corridas do Derby Club esteve uma moça que fez a sua entrada no prado montada gloriosamente

em uma bicicleta e trajando o amplo vestuário próprio das bicicletistas, espécie de bombachas presas

abaixo do joelho, e que não deixam de ter elegância. O fato, porém, constituía uma novidade entre

nós, e o povinho, cheio de indiscreta curiosidade, começou a fazer grandes ajuntamentos em torno da

moça bicicletista, atormentando-a com uma atenção impertinente. [...]

A coisa, porém, tomou mais graves proporções. Uma chusma de garotos começou a vaiar a moça,

perseguindo-a mesmo, procurando inutilizar-lhe a bicicleta e obrigando-a por fim a refugiar-se no

encilhamento. [...]54

Este relato revela o quanto de provincianismo São Paulo ainda tinha. Por mais

que a cidade crescesse, recebendo novas e instigantes influências, o inédito produzia

ações desconcertantes, até violentas, como se viu.

Também a esgrima foi objeto de prática, com a fundação de alguns clubes

especializados, como o Clube de Esgrima Maniello Parise, fundado em 1902. Foi

praticada em clubes multiesportivos, como se vê nesta notícia: “Várias — Sport Club

Internacional — Pelo passamento do sócio benemérito sr. Joaquim Barros, antigo

professor de esgrima deste Clube [...].”55

Como se vê, o S. C. Internacional, fundamentalmente organizado para a prática

do futebol, também se interessava pela esgrima.

Outro esporte, este muito citado, era o pingue-pongue. Segundo Jorge

Americano, na chácara Vila Kyrial, na Vila Mariana, “[...] às terças-feiras à noite havia

o campeonato de pingue-pongue [...]”.56 Nas lembranças do sr. Amadeu, recolhidas por

Ecléa Bosi, entram referências ao citado jogo, praticado em um clube.57 Algumas

notícias revelam que este esporte detinha um certo prestígio, como se vê aqui: “Pingue-

pongue — Na Casa Clark, à rua 15 de Novembro, estão expostos os prêmios ganhos

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pela primeira turma da Associação Cristã de Moços, vencedora do campeonato de

1910.”58

Duas informações importantes: tratava-se de um esporte organizado que já tinha

campeonatos próprios; por outro lado, o pingue-pongue teve um privilégio dedicado

talvez apenas às competições futebolísticas, que era o fato de ser motivo de exposição

nas vitrines de uma importante casa de comércio sediada no centro da cidade. Em 1911

já existia a Liga Paulista de Pingue-Pongue, que recebia a participação de quatro clubes:

Ipiranga, Americano, Associação Cristã de Moços e Vitória.59 Outras sociedades são

fundadas com o intuito de praticar esse esporte, como o Manda e Não Pede.60 No

campeonato de 1912, a Liga Paulista de Pingue-Pongue tinha como seu presidente eleito

o sr. Rufus Lane, diretor da A. A. Mackenzie College,61 o que revela a adesão desse

clube àquela prática esportiva.

Muitos ainda são os esportes que os paulistanos praticavam e assistiam. Eram

alguns destes: pelota, rúgbi, golfe, patinação, críquete, hipismo, boliche, bocha, pólo

aquático, xadrez, bilhar, malha, luta romana, basebol, handebol, tiro ao alvo, halteres,

columbofilia, pedestrianismo, hóquei, peteca, motociclismo e esportes de jogos

olímpicos. De fato, uma gama muito grande de atividades esportivas.

Uma parte significativa desses esportes não vingou em São Paulo, pelo menos na

época tratada. É o caso, por exemplo, do golfe. De outra forma, é interessante observar

os dados publicados em A Vida Esportista, em 1904, referindo-se à cidade de São

Paulo: Até 31 de julho último existiam nesta capital 118 associações esportivas assim discriminadas: clubes

de futebol, 72; ginástica, 9; canoagem, 2; de esgrima, 8; de tiro, 5; de corridas, 1; de ciclismo, 2; de

atletismo, 8; de lawn-tennis, 3; de base-ball, 4; de peteca, 2; de chinquilho, 2; de equitação, 1; de

pedestrianismo, 2 e de patinação, 1. São nacionais 92 sociedades; alemãs, 4; italianas, 9; inglesas, 3; e

internacionais, 10.62

Da mesma forma, é interessante notar um anúncio publicitário encontrado n’O

Estado de São Paulo: Casa Fuchs — Rua São Bento, 83

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Hockey Natação

Baseball Tamborim63

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27

Esse estabelecimento comercial talvez tenha sido o primeiro a trabalhar com

artigos esportivos. A mesma Casa Fuchs publicou em 1906 o Guia do Football

Association, que pretendia ser uma cartilha para os iniciantes no jogo de futebol, sendo

distribuído aos fregueses da loja. Além disso, com esse anúncio publicitário, é possível

observar uma parte dos esportes praticados na cidade. Mostra também o caráter

sistemático dessas práticas.

É necessário ainda perceber qual a avaliação que os esportistas faziam sobre sua

própria época. Além das queixas contra a falta de apoio governamental, tem-se uma

avaliação muito positiva do desenvolvimento esportivo em São Paulo, tendo como

referência de análise a competência dos paulistanos em cada esporte. Observe-se esta

reportagem sobre os esportes em São Paulo no início de 1913: O nosso movimento esportivo

[...] Hoje em São Paulo, todos os esportes são cultivados, todos têm amadores e em todos eles nós

podemos apresentar cultores que não nos envergonham. E assim veja-se:

No futebol, o esporte entre nós mais cultivado, unicamente em São Paulo tem encontrado apreciável

resistência os times estrangeiros de categoria que têm visitado o Brasil.

No remo, as nossas guarnições, embora as condições naturais dos rios não nos auxiliem, impõem-se

em qualquer parte. Conquistam vitórias no Rio e no estrangeiro.

No turf, mais do que nós, podem falar os turfmen cariocas que acham o nosso hipódromo digno de

nele virem correr os representantes da sua coudelaria. [...]

No ping-pong, Luiz Gomes e Jayme Ferreira da Silva conseguiram para São Paulo um brilhante lugar

onde quer que se apresentem. [...]

O automobilismo e o hipismo têm em São Paulo dois clubes com elementos de sucesso em qualquer

parte.

Na aviação, possuímos Edu Chaves e outros, e assim sucessivamente em todos os esportes. Tudo isto

fruto unicamente da diligência, da boa vontade e da tenacidade paulista.

O movimento esportivo e o amor que temos à cultura física devem constituir para todos nós um objeto

do mais legítimo orgulho. [...]64

Nessa introdução de uma espécie de balanço nos esportes em São Paulo, são

necessários alguns comentários. Nem sempre a análise do cronista esportivo é consoante

com a realidade, até porque a sua análise utiliza referenciais discutíveis. Como, por

exemplo, avaliar o progresso de um esporte apenas pela presença de um ou dois

expoentes. Esse critério é limitado, dado não garantir a existência de um uniforme

progresso em determinado esporte. Por outro lado, mesmo com uma ponta de bairrismo,

a análise consegue demonstrar que os esportes em São Paulo viviam um momento de

euforia, já que um periódico se deu ao trabalho de publicar uma reportagem historiando

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e analisando os esportes na cidade. Trabalharam especificamente com o tênis, o remo, o

turfe e o futebol. Seguramente, o espaço que a imprensa concedeu aos esportes era

consoante ao interesse dos seus leitores. É revelador o caso do periódico O Comércio de

São Paulo que, em 1910, pouca atenção dava aos esportes e cuja seção Sport só era

publicada às segundas-feiras, sábados e domingos, com poucas informações. Passados

três anos, reservaria para a mesma seção Sport, agora diária, espaços cada vez maiores,

chegando até a dar explicações aos leitores, como neste caso: Os Footballers Paulistas na Argentina

Ainda desta vez, a falta de espaço obriga-nos a adiar a publicação das impressões do nosso

representante sobre a excursão dos footballers paulistas à Argentina.

Prometemos reencetar a sua publicação na próxima terça-feira, com toda a regularidade. Somos

forçados a assim proceder devido ao excesso de noticiário esportivo, ocasionado pelos matchs que

entre nós vêm disputando o Corinthians.65

Inclusive, existiam finais de semana em que eram disputadas, simultaneamente,

tantas competições esportivas, que não haveria mesmo espaço nos jornais, nem

jornalistas para cobrirem os eventos. Alguns acabavam priorizados. A imprensa

realçava que a cidade comportava inúmeras atividades esportivas ao mesmo tempo,

como se vê nesta notícia: Festas esportivas

O dia de amanhã é um dia cheio para os nossos sportmen. Esporte por toda a parte e de todo gênero;

só de futebol temos nada menos que seis matchs de campeonato: quatro da Liga Paulista e dois da

Apsa [Associação Paulista de Sports Athléticos], além de outros de diversos clubes aqui existentes.

No prado da Mooca corridas; na Ponte Grande, regatas e festa esportiva; no Frontão da Boa Vista,

espetáculo do Club A. da Pelota e função do estabelecimento; no stand do Cambuci, exercícios de tiro

de linha n. 3; no Skating Palace, patinação e match de hockey, de cricket, lawn-tennis, xadrez e outras

diversões esportivas.66

E, de fato, o crescimento vertiginoso da cidade permitia e comportava múltiplas

e simultâneas atividades esportivas. Já não acontecia, como no início do século, de uma

atividade esvaziar outra. Existia público para várias atividades. Eram poucas as

exceções.

Enfim, uma série de fatores tornou a cidade de São Paulo um espaço onde a

prática dos esportes se desenvolveu com rapidez. A capital paulista encontrava-se aberta

para conhecer, assistir e praticar esportes vindos, geralmente, da Europa. O fascínio por

tudo o que fosse estrangeiro caracterizava o morador de São Paulo. Conforme lembra o

sr. Abel, “o punching ball, eles trouxeram, ninguém sabia o que era. O rugby nós não

sabíamos o que era”.67 O novo intrigava e logo era motivo de modismo. Apenas alguns

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esportes, após uma rápida onda modista, estabeleceram-se na cidade, criando raízes e

organizações sólidas. Da mesma forma que a cidade começava a viver radicalmente a

experiência do trabalho fabril, a contrapartida do lazer encontrava-se acoplada; foi então

que os esportes tiveram papel decisivo. Às classes trabalhadoras, além de habitar os

piores locais da cidade, de trabalhar muito com poucas compensações, restava praticar

talvez o futebol, que não necessitava de aparelhagem e condições especiais. Também as

práticas esportivas eram privilégio de uma minoria.

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2

FUTEBOL OFICIAL E FUTEBOL INFORMAL

Algumas histórias sobre o futebol paulista apresentaram esse esporte na sua

gênese, enquanto uma prática eminentemente elitizada. A partir dessas leituras acredita-

se que pouco se jogava futebol fora das entidades oficiais. Será que, de fato, isto

aconteceu?

Em outras histórias já se percebe uma pequena preocupação em resgatar o

futebol praticado pelas classes populares. Mas se acabou construindo uma rígida

separação entre as duas práticas. Será que não se efetuaram contatos entre o futebol de

elite e o futebol do povo? Torna-se insensato aceitar a existência de uma separação tão

radical.

Por outro lado, ressaltou-se a prática oficial do futebol como essencialmente

elitista. Esteve, então, imune a contradições? Tais possíveis contradições não marcaram

ainda o futebol informal?

Pensar essas questões é o objetivo deste capítulo. A partir de uma reconstrução

da prática do futebol no início da década de 10, tentar-se-á revelar e dimensionar as

possíveis relações entre o futebol de elite e o futebol do povo. É a caracterização de

cada um deles que poderá permitir a compreensão de seus limites e possibilidades.

2.1

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ENTIDADES OFICIAIS

Com o aparecimento de alguns clubes preocupados com o futebol e que já

disputavam jogos, estes em fins de 1901 fundaram uma entidade que deveria organizar

o futebol em São Paulo. Assim, surge a Liga Paulista de Futebol (que será tratada, a

partir deste momento, apenas por LPF), que já em 1902 organizou campeonatos. Ela

administrou sozinha o futebol paulista até 1913, quando alguns clubes abandonaram a

entidade pioneira para construir a Associação Paulista de Esportes Atléticos, a Apea.

Entre 1913 e 1917, coexistiram as duas entidades, numa crescente rivalidade pela

hegemonia do futebol paulista e brasileiro.

À frente dessas entidades encontravam-se, normalmente, pessoas ilustres ligadas

à política partidária da cidade e do estado. Encontravam-se também as famílias mais

abastadas e tradicionais. Essas mesmas pessoas eram as dirigentes dos clubes de elite. É

possível encontrar referências aos Prado e outros, como se verifica nestas notícias

publicadas em periódicos paulistanos: Futebol — Associação Paulista de Esportes Atléticos

Realizou-se ontem, às oito horas da noite, sob a presidência do sr. Antônio Prado Jr., a primeira

reunião do Conselho desta Associação [...].1

Diretoria da Federação Brasileira de Futebol

Presidente — Paulo de Moraes Barros, secretário da Agricultura do estado de São Paulo; primeiro

vice-presidente — Luiz Fonseca, vereador de São Paulo; segundo vice-presidente — dr. José Pereira

de Mattos, deputado estadual [...].2

A principal tarefa da LPF era a de organizar os campeonatos anuais. Cabia a ela

elaborar a tabela dos jogos e receber as inscrições dos jogadores para eles poderem

participar do campeonato, entre outras funções. O conselho da LPF, formado por um

representante de cada clube filiado, era o órgão máximo deliberativo, que decidia as

questões polêmicas baseando-se nos estatutos daquela associação.

Importa salientar que a LPF era marcada por divergências internas. É fato que

nem mesmo os filiados entendiam que apenas os clubes ligados aos “melhores” setores

da sociedade paulista é que deveriam participar da LPF. Quando ocorreu a cisão no

futebol de São Paulo em 1913, surgindo a Apea, essas divergências foram radicalizadas,

concretizando-se, novamente, uma entidade marcada pelo elitismo. De forma implícita e

por conta dos acontecimentos posteriores à organização da Apea, é possível concluir

que um grupo de dirigentes da LPF desejava que essa entidade fosse absorvendo parte

dos clubes que praticavam o futebol informal. Senão propriamente os clubes, com

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certeza os bons jogadores. Se em 1902, ano do primeiro campeonato paulista, existiam

poucos clubes não ligados às elites, nos anos seguintes da década de 10 a situação é

diversa. Nota-se um número significativo de associações esportivas espalhadas pela

cidade e por todo o interior paulista. E a LPF, com seus filiados, não dava conta do que

acontecia no meio esportivo paulista.

Para Antônio Figueiredo, São Paulo transformava-se, então, num vasto campo de futebol. Havia sociedades por todos os cantos

[...] E os clubes da Liga acolheram no seu seio rapazes da várzea. Fizeram bem? Achamos justo que

os operários, os humildes, participem das refregas, mas os operários e os humildes que compreendem

os seus deveres de sportmen. Esse, entretanto, não constituía o principal critério dos aliciadores

improvisados. Desta forma apareceram ao Velódromo, da noite para o dia, inúmeros sportmen de

outras plagas e de outros costumes [...]. Os antigos, fiéis aos velhos hábitos, receberam com

hostilidades os seus companheiros [...]. “É preciso seleção, é preciso seleção”, bradavam os

intransigentes [...]. Que autoridade poderia ter uma Liga composta de elementos tão heterogêneos?

[...] Tinha que se esfacelar, por conseguinte, mais cedo ou mais tarde.3

Outra transformação importante estava ocorrendo: não eram mais apenas as

elites e os setores médios da sociedade que estavam vivenciando e assistindo aos

campeonatos oficiais de futebol. No Velódromo, campo oficial da LPF, que pertenceu ao

C. A. Paulistano, encontrava-se uma divisão para os assistentes: a arquibancada para os

mais ricos e a geral para os mais pobres. O futebol passava a ser assunto de domínio

público.

Enfim, a LPF — organizada num momento em que o futebol ainda dava os seus

primeiros passos — depara-se com uma nova condição, que é a paixão por este esporte,

tornando-se significativa em toda a sociedade paulista. Entretanto a entidade

responsável por canalizar essas energias esportivas continuava a ignorar a maior parte

dos clubes e jogadores. Nessa nova condição, tem-se o acirrar das contradições que

existiam dentro da LPF e notar-se-á um embate: um grupo que luta para que o futebol

oficial mantenha seu caráter elitista; outro grupo passa a se preocupar em como

incorporar os inúmeros clubes que pipocavam por toda a cidade e como aproveitar os

bons jogadores destes mesmos clubes. O grupo elitista viu na fundação da Apea a

possibilidade de retomar o futebol oficial fechado para uma minoria.

Da mesma forma, torna-se importante revelar que para a Apea manter o futebol

elitizado não significava manter os clubes populares fora da entidade. Seus dirigentes

entendiam que as associações esportivas de bairros poderiam ingressar no futebol

oficial, porém pertenceriam a outra divisão. Desta forma, ter-se-ia a primeira divisão,

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formada pelos clubes “principais” e uma ou mais divisões, que seriam compostas pelos

outros clubes. Evidentemente que não haveria passagem entre uma divisão e outra.

Como também nem toda associação esportiva seria aceita, levando-se em conta sua

“educação esportiva e social”.

Quando a Apea surgiu com esta proposta, suas preocupações não apontavam a

questão de se aproveitar o potencial do futebol de São Paulo. O primeiro objetivo era

destruir a sua rival LPF. Para tanto, seria importante ter nas suas fileiras os melhores

jogadores. Seus estatutos apontavam nesta direção, quando determinaram que só seria

permitido a um jogador se inscrever em um determinado clube filiado à Apea, se tal

atleta já pertencesse a um outro clube também filiado a ela, ou seja, um jogador de um

clube da Apea não poderia defender um clube da LPF. O intuito dos dirigentes foi o de

concentrar na Apea os melhores esportistas. E, de fato, isto acabou ocorrendo.

Enfim, o futebol elitizado do início do século não era mais fato no decorrer da

década de 10. A questão da nova entidade começava a revelar as contradições de um

esporte que não desejava se democratizar.

2.2

ORGANIZAÇÃO DO JOGO DE FUTEBOL

No início da década de 10, o futebol oficial em São Paulo ainda não estava

plenamente organizado. Se comparado com o esporte nos dias atuais, algumas

importantes diferenças poderão ser encontradas.

O jogo tinha, então, duração de setenta minutos, divididos em dois tempos de 35,

com dez minutos de intervalo. Normalmente não se adiava uma partida programada em

virtude de chuvas fortes e pela consequente dificuldade em praticar o jogo no barro.

Dado ser um esporte de origem inglesa, ao menos na sua concepção moderna,4 os

termos técnicos, na sua maior parte, eram ainda falados e grafados em inglês. Têm-se

palavras como: match, player, shoot, goal-keeper, referee, ground, entre muitas. Na

época trabalhada, poucos termos estavam aportuguesados ou traduzidos.5

Cada clube possuía a sua sede esportiva e social, localizada, no caso das

associações ligadas ao futebol oficial, no centro da cidade. Quanto aos jogos de

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campeonato, estes só eram realizados nos campos oficiais: Velódromo (primeiro da LPF,

posteriormente da Apea), situado na rua da Consolação, desapropriado em 1915, para

dar lugar à atual rua Nestor Pestana, no centro de São Paulo; Parque Antártica,

arrendado pelo S. C. Germânia, que o alugava à LPF, localizado no bairro da Água

Branca; e a Chácara Floresta, que também foi campo oficial da Apea, substituindo o

Velódromo, às margens do rio Tietê, nas proximidades da atual ponte das Bandeiras.

Quanto às dimensões do campo de futebol, apesar das determinações da Fifa,

Federação Internacional de Futebol Association, não havia uma grande precisão. Dada a

proximidade do centro da cidade, o campo mais apreciado era o do C. A. Paulistano. O

Parque Antártica era distante do centro e o transporte coletivo não dava conta do grande

afluxo de pessoas quando dos jogos importantes.6

Outro aspecto do jogo de futebol que foi muito marcante na época trabalhada,

certamente foi a questão da violência, que muito desgostava os torcedores, mas

principalmente os cronistas esportivos. Estes não economizavam energias e linhas para

condenar essa mazela do “esporte bretão”. Não era à toa que o futebol era também

conhecido como “o violento esporte bretão”. E essa violência pode ser percebida de

duas formas diversas: a violência inata desse esporte, dado o constante contato entre

corpos na disputa pela posse da bola e tem-se ainda a violência que objetivava apenas

evitar que o jogador adversário continuasse a avançar com o domínio da pelota. Esta

violência, normalmente voluntária, era criticada pelos órgãos de imprensa, entendida

como um desrespeito ao público assistente. Ocasionalmente, verdadeiras lutas eram

travadas entre os jogadores. Ainda segundo a imprensa, a questão da violência era o

problema mais importante a ser sanado no futebol. Observe-se: Futebol — Sétimo Match do Campeonato de 1911 — Paulistano vs. Athletic

[...] O jogo estava esplêndido de parte a parte, tornando-se às vezes demasiado violento, o que

prejudicava o efeito do conjunto. Basta dizer-se que constantemente era o jogo suspenso para acudir

um jogador do Paulistano que estava estendido sobre a grama sofrendo as consequências do peso do

time inglês. [...] Ainda outra infelicidade do Paulistano: Facchini, o seu extraordinário center forward

recebeu uma violenta charge [jogo de ombro] de Hamond, back dos ingleses, que o inutilizou para o

resto do match, tendo aquele jogador de se retirar do campo no meio do segundo tempo.7

Por outro lado, com o crescimento da paixão pelo futebol, o público nos jogos

aumentou de forma significativa, passando a atingir setores cada vez mais diversos da

sociedade. Tanto que, no Velódromo, já se adotara a divisão entre arquibancada e geral.

Segundo as crônicas esportivas, as arquibancadas eram frequentadas, pelo menos até

1915, pelo “melhor que há na nossa sociedade”, com a presença de famílias inteiras e

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com senhoritas bonitas e finamente vestidas, na época, tratadas de representantes do

“sexo belo”.8 Os campos esportivos recebiam ainda a presença de autoridades públicas,

como o presidente do estado e os seus respectivos secretários, o prefeito municipal,

autoridades policiais, entre outros. Já nas gerais, ficava o povo, em geral os desprovidos

de maiores cabedais, mas muito atentos ao futebol. Normalmente, eram os

frequentadores das gerais os acusados dos atos de pouca educação, como o de vaiar

jogadores e juízes, ou de gritar palavras de baixo calão, que faziam corar famílias e

senhoritas da “boa sociedade”. Nesse sentido, não foram poucos os apelos dos

periódicos, quanto a um policiamento severo e a uma seleção das pessoas que poderiam

assistir aos jogos. Nas disputas de campeonato, o preço da arquibancada era de 2 mil

réis e mil réis o da geral. Estes preços não destoavam dos que se cobravam nos

espetáculos artísticos populares, como os teatros e cinemas.

Tem-se ainda que os dirigentes esportivos, conjuntamente com os cronistas

esportivos, entendiam que era fundamental manter um intercâmbio com outros países

mais desenvolvidos, em relação aos esportes. Tal intercâmbio significava a

possibilidade de se conhecerem outros estilos táticos, outras técnicas de treinamento,

além de motivar os amantes do esporte. Desde a presença, em 1906, de jogadores sul-

africanos em São Paulo, tem-se consciência de que conhecer outros praticantes do

futebol era condição necessária para o progresso esportivo paulista. Os estrangeiros são

recebidos com o espírito de aprendizagem. Portanto, a vitória contra os estrangeiros, até

aproximadamente 1912, era algo impensável. Os atletas brasileiros deparavam com

centros esportivos onde o futebol era bem organizado; e este contato, de fato, ajudou nas

transformações quanto à prática do futebol. Na vinda dos ingleses, em 1910, por

exemplo, os clubes brasileiros ficaram admirados com o “jogo de passes”, em que

concretamente se praticava um jogo coletivo. Mas o interessante era que a cidade toda

se movimentava, conforme é possível perceber nesta nota: “[...] A vinda do Corinthians

[Corinthian Football Club] à nossa capital paulista continua a despertar grande

entusiasmo: nos cafés e nos teatros, e principalmente nas rodas esportivas não se trata

de outro assunto, interesse esse plenamente justificável, pois que o team Corinthians é

simplesmente formidável [...].”9

Desta forma, percebendo o que significava para a cidade a visita de um time

estrangeiro, é possível concluir que poderosas parcelas de São Paulo estavam

envolvidas com o futebol. Afirma-se, novamente, que essa prática esportiva

disseminou-se e que já não era privilégio de poucos.

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Talvez existisse uma explicação para a inferioridade técnica do futebol

brasileiro: os jogadores daqui não eram muito afeitos aos treinos. O desejo de todos era

o de jogar no Velódromo cheio de senhoritas da “boa sociedade”, ou participar de

jantares ou recepções em homenagem aos atletas vitoriosos. Havia pouca preocupação

com o preparo físico e técnico. Constantemente esportistas em geral reclamavam que os

jogadores de São Paulo não se preparavam minimamente para enfrentar os estrangeiros,

ou mesmo os clubes do Rio de Janeiro.10 Já as rivalidades eram entendidas, no meio

esportivo, como muito saudáveis, principalmente porque não ultrapassavam os limites

do campo de jogo.

Aqui se tem outra evidência de como o futebol já envolvia a população

paulistana. Nessa época, interessantemente, é possível encontrar o torcedor, o

apaixonado por um determinado clube. É aquele esportista que defende as cores de um

clube, assistindo aos seus jogos, inclusive se estes se realizam em outras cidades. Nas

crônicas esportivas é comum se observarem relatos de comportamentos de torcedores.

Pessoas que gritam, que escondem seus rostos com medo que o time adversário possa

fazer um gol, que verdadeiramente se emocionavam. Sofriam nas derrotas. Não se

tratava mais do assistente que se limitou a bater palmas nos momentos de maior emoção

de uma disputa. Este fragmento mostra esse novo modo de comportamento ocorre

dentro de uma competição esportiva: [...] Era deveras interessante ver as posições extravagantes que a miúdo assumiam os torcedores.

Durante o match, tivemos por vizinho um terrível partidário do Americano.

Era um rapazola de rosto escanhoado, muito magro e loiro. A cada lance feliz do seu clube, batia

ruidosamente com os pés e passeava agitado pela pista de cimento, limpando o rosto com o lenço que

amarrotava nas mãos, ou ajeitando o seu pince-nez de grossos aros de tartaruga. E quando os ingleses

se aproximavam do goal contrário? Era interessantíssimo vê-lo agachar-se todo e acompanhar a bola

com os olhos muito abertos, para depois deixar escapar dos lábios descorados um Oh! de satisfação,

ao ver que um pé salvador arremessara, para longe, a bola que ameaçava seriamente o seu clube [...].11

Outro aspecto importante do futebol oficial era a questão da informação.

Fundamentalmente as de caráter prático tais como: quem iria jogar, quais os jogadores

que faziam parte dos times, que dia seria o jogo, qual o preço dos ingressos, qual foi o

resultado e quais os detalhes importantes da disputa, entre outras notícias. Existiam

alguns periódicos que cumpriam a função de informar o público acerca destas questões.

Essas notícias interessavam ao torcedor que frequentava os campos e também àquele

preocupado com o futebol, que havia ido à partida e gostaria de conhecer detalhes do

evento esportivo. Desde 1902, os jornais diários, como O Estado de São Paulo

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passaram a incluir uma coluna, geralmente diária, tratando dos esportes praticados na

cidade e em outras localidades. O nome “Sport” foi muito usado nessas colunas. Além

das informações mais práticas, os periódicos foram se tornando tribunas de polêmicas,

nas quais o jornalista opinava e tomava posições, cobrando atitudes dos clubes, dos

jogadores, dos torcedores, dos dirigentes esportivos e também das autoridades públicas.

No relato dos jogos, a pretensão do cronista era a de dar conta de tudo o que havia

acontecido desde os lances mais insignificantes até os momentos de maior emoção,

como na hora de marcação do gol.

Além dos periódicos, bondes e cafés eram espaços nos quais se afixavam

cartazes com informações e publicidade dos jogos. Nos momentos das grandes disputas,

que emocionavam e transformavam o cotidiano da cidade, havia empresas

cinematográficas que filmavam tais jogos, geralmente ocorridos num domingo, para

passá-los na segunda-feira à noite, fazendo com que um número maior de pessoas

pudesse ver, ou mesmo rever, o desenrolar de uma partida de futebol. Infelizmente estes

filmes se perderam. Outra forma de trazer informações para o público era através de

anúncios publicitários, que faziam a promoção de importantes jogos.12 Também não se

pode esquecer das informações passadas através do boca a boca.

Como se afirmou anteriormente, entre os jogos que propiciavam maior emoção,

estavam os do campeonato paulista, organizados desde 1902. A disputa era feita em

dois turnos, com apenas um jogo por semana, estendendo-se de abril a novembro,

tentando-se fugir da época das chuvas, que muito dificultava a prática do jogo de

futebol. Nessa forma de disputa, com o passar da metade do embate, alguns clubes

deixavam de ter a possibilidade de vencer o certame, fazendo com que seus jogos

fossem caracterizados por um forte desânimo. O jornalista esportivo qualificava tais

jogos como aqueles que não iriam interferir no resultado do campeonato e, portanto,

eram assistidos apenas por um pequeno número de pessoas. A cada ano disputavam-se

dois campeonatos ao mesmo tempo, já que cada clube possuía pelo menos dois times.

Dessa forma, existia o campeonato dos primeiros times, certamente o mais

emocionante, e o dos segundos times, cujos jogos ocorriam no mesmo dia da disputa

principal. O dia mais comum para os jogos de campeonato era o domingo. Os feriados

também eram utilizados. Jogos em dias da semana, somente no caso da presença de um

clube estrangeiro.

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2.3

FUTEBOL: IMPORTÂNCIA SOCIAL

Não restam dúvidas de que o futebol era o mais popular esporte praticado na

cidade de São Paulo na década de 10. São várias as referências em periódicos nesse

sentido. Apesar de outras atividades esportivas serem também populares, como o turfe e

o remo, o futebol estava muito mais presente no cotidiano da cidade. Já havia se tornado

um importante parâmetro social. Exemplo disso era a presença de charges políticas,

relacionadas ao governo federal, nas quais a figura do presidente Hermes da Fonseca,

por exemplo, era satirizada através de imagens do futebol.13

Por outro lado, no domínio público existia a ideia de que o esporte era uma

atividade muito importante na formação do caráter do cidadão. Já há alguns anos, a

educação física era disciplina obrigatória nas escolas. Desenvolve-se todo um discurso

apontando as vantagens dos esportes em geral. Nesse sentido, note-se este depoimento

apresentado na imprensa: “O movimento que a educação física tem tomado em São

Paulo deve constituir para nós um justo motivo de orgulho. O importantíssimo papel

que na formação de um povo desempenha a cultura física é dos problemas que em todos

os países mais chamam a atenção dos dirigentes [...].”14

Mas, para que as práticas esportivas fossem de fato um componente na formação

do homem, estas deveriam ser necessariamente amadoras, ou seja, o esportista não

poderia obter lucros pecuniários, pois macularia a motivação educacional do esporte.

Portanto, quando se relatava acerca de um clube estrangeiro, enfatizava-se a sua

condição de amador ou não. Existia ainda a preocupação em saber a origem social dos

atletas estrangeiros. De certa forma seria um reforço implícito na questão do

amadorismo, visto que os jovens mais abastados tinham fontes de sobrevivência fora do

esporte. Quando o time inglês Corinthian visitou São Paulo e Rio de Janeiro em 1910,

os jornais destacaram que os jogadores eram estudantes da Universidade de Oxford e

filhos das melhores famílias inglesas. Ou quando da presença de um time do Uruguai na

cidade, citou-se especificamente a presença de dois jogadores: um, filho do presidente

daquela nação, outro, poeta.

Por outro lado, dado o futebol ser uma atividade reconhecida socialmente na

cidade de São Paulo, sendo capaz de aglutinar multidões apaixonadas,15 foram inúmeras

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as partidas com caráter beneficente ou cívico. Jogos para ajudar asilos, creches,

hospitais, sanatórios ocorriam com frequência. Nas festas cívicas, como a comemoração

do 7 de Setembro, ou no primeiro aniversário da Proclamação da República portuguesa,

foram organizadas partidas de futebol com a participação dos principais clubes de São

Paulo. Em 14 de julho de 1910, comemorou-se a Queda da Bastilha também com um

jogo de futebol. Esses eventos esportivos com função de caridade também beneficiaram,

por exemplo, vítimas de uma grande seca no Nordeste e de uma inundação em Santa

Catarina.16

É importante ressaltar que não eram só aplausos que a prática do futebol recebia.

A questão da violência, trazendo lesões corporais aos jogadores, fazia com que surgisse

um discurso que apontava a necessidade de “civilizar” esse esporte. Algumas notícias,

fora da seção esportiva dos jornais, citavam alguns casos de acidentados em disputas

futebolísticas. Além disso, existiam ocasiões em que uma partida terminava em briga

generalizada, com torcedores feridos, acabando todos numa delegacia de polícia.

Normalmente eram jogos disputados nos arrabaldes da cidade. Esse discurso contra a

violência do futebol, de certa forma não faz oposição radical à prática do esporte.

Desejava-se, isto sim, que o futebol sofresse algumas modificações.

Para o discurso esportivo, o futebol tinha um papel ainda mais amplo. Ele era

mais do que um construtor de caráter, do que um disciplinador físico e moral. Com um

intercâmbio mais frequente com os futebolistas chilenos, argentinos e uruguaios,

apareceram vozes que entendiam que o futebol poderia cumprir a função de unificar os

povos da América Latina. Enfim, o futebol seria o meio de aproximar povos separados

historicamente, como se pode notar por esta fala: “[...] Ainda há pouco um ilustre

escritor frisou a capital importância do pontapé inicial numa irrequieta bola de borracha:

não fortifica somente o sportman, solidifica também a amizade entre os povos [...].17

Mas também discursos ergueram-se radicalmente contra a prática do futebol.

Talvez o mais conhecido oponente desse esporte, nos seus primórdios, tenha sido o

escritor Lima Barreto. Sua oposição baseava-se principalmente no fato de ser uma

prática importada dos ingleses imperialistas. Além do mais, como esse esporte

organizava-se de forma elitista, não permitia que gente do povo, entre eles os negros,

pudesse jogá-lo de forma oficial. Para Lima Barreto, o futebol não passava de uma

imposição cultural estrangeira, nada tendo a ver com a nossa cultura. Notem-se

fragmentos de um texto do escritor carioca que, de forma irônica, versa sobre o futebol:

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40

No último sábado, no salão nobre da Liga Metropolitana de Trancos e Pontapés, com a presença de

numerosa e seleta assistência, o doutor Francisco Hell Jacuencanga, consultor literário da Liga,

pronunciou conferência sobre “A educação física, o futebol e as suas conquistas e progressos, entre

nós”. [...]

Uma das primeiras vantagens que obtivemos com o futebol foi armar uma rixenta rivalidade entre o

Rio e São Paulo, coisa que só é sentida por nós, os olímpicos [...].18

Outro discurso contra a prática do futebol vinha dos anarquistas que detinham a

hegemonia na organização do movimento operário brasileiro. Os libertários concebiam

o esporte bretão como uma atividade que desviava os operários de sua verdadeira luta,

ou seja, contra o patronato e o Estado capitalista. Além disso, o futebol já estava

organizado em fábricas e bairros, criando uma rivalidade entre os operários,

dificultando a sua organização. Tem-se ainda o fato de que o lazer, para os anarquistas,

deveria estar francamente vinculado à conscientização e à educação política. Portanto,

seria muito mais útil uma peça teatral com tema social, do que uma alienante partida de

futebol. Embora nas festas anarquistas, a partir de 1918, já seja possível encontrar

referências a este esporte. Observe-se o artigo publicado no periódico A Voz do

Trabalhador, órgão da Confederação Operária Brasileira, COB, de orientação anarquista: Enquanto o povo se diverte

[...] Ora, eu sou um dos sócios do Grupo Germinal [...] seu feito principal: instruir e cultivar o cérebro

dos operários [...].

Eram mais ou menos quatro horas da tarde, quando saltei do bonde e dirigi-me para a sede do Grupo

[...] Na mesma rua existe também uma poderosa fábrica de fósforos. Ao lado dessa fábrica de fósforos

há um grande terreno baldio [...] transformado em campo. Não um campo de pastagem, como pode

parecer, e o que seria altamente proveitoso, mas um campo de futebol, com o maior dos entusiasmos

imagináveis. [...]

Vendo o Grupo Germinal às moscas e o campo de futebol vibrante de entusiasmo, naquela tarde

quente de domingo, eu me lembrei, piedoso, das palavras do carnavalesco ilustre e intendente, que é o

sr. Ribeiro Leite ou Leite Ribeiro [...]: “Senhores... enquanto o povo se diverte, não conspira...”

(Tristão).19

Enfim, para os libertários, o futebol era uma manifestação que impedia o

desenvolvimento político do operário. Para o narrador desse evento, o que poderia haver

de pior estava acontecendo: desânimo e poucos adeptos à formação político-sindical,

enquanto na atividade de alienação, festa e multidão. Ou seja, para os libertários o

futebol era um mal a ser combatido.

2.4

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41

A ORGANIZAÇÃO DOS CLUBES LIGADOS AO FUTEBOL OFICIAL

Segundo Antônio Figueiredo, é uma empresa arrojada, atualmente, fazer o histórico mesmo em resumo, dos antigos clubes de

futebol [...] as fontes escasseiam [...]. Daquelas sociedades esportivas, que pareciam pujantes e ricas,

não temos arquivos (exceção do Paulistano); não temos documentos, não temos papéis que nos sirvam

de pista para as nossas pesquisas [...]. Que fim tiveram os arquivos referentes à velha, e já morta, Liga

Paulista que, pode-se afirmar, fundou o esporte no Brasil?20

Estes fragmentos, encontrados no primeiro texto acerca da história do futebol em

São Paulo, publicado em 1918, explicam as dificuldades do pesquisador em reconstruir

a organização dos primeiros clubes, mesmo os de elite.

Mas, apesar das dificuldades apontadas, é possível recompor parte do cotidiano

dos primeiros clubes filiados à LPF, com suas preocupações e práticas. No início do

século, eram estes os principais clubes de São Paulo: São Paulo Athletic Club, Sport

Club Germânia, Sport Club Internacional, Clube Athletico Paulistano, Sport Club

Americano, Clube Atlético Ypiranga, Associação Atlética Mackenzie College e

Associação Atlética das Palmeiras. Existiam características que eram comuns a todas

estas associações esportivas.

Normalmente, se tratavam de clubes com um número reduzido de associados.

Nas assembleias ordinárias, convocadas para a eleição da diretoria, em significativo

número de clubes compareciam em média quarenta associados. No caso dos clubes mais

antigos, com maior prestígio social e esportivo, este número poderia ser mais elevado.21

E, como nem todos os associados podiam fazer parte dos times que disputavam os

campeonatos de primeiros e segundos times, generalizou-se a prática de se criarem

campeonatos internos em que todos os sócios poderiam participar. Inclusive, um

periódico como o Correio Paulistano, que relutou em dar atenção ao futebol jogado

fora da LPF e da Apea, dedicava espaços importantes para essas disputas.

Todos esses “grandes” clubes possuíam seus próprios campos. O São Paulo

Athletic Club, por exemplo, “[...] arrendou, por dez anos (em 1899), um amplo terreno

na rua da Consolação, vizinho da Caixa de Água, onde fez magníficas instalações — um

pavilhão com pequena arquibancada, duas quadras de tênis e campo para cricket e

futebol. Para realizar todos esses melhoramentos, muitas casas comerciais inglesas

auxiliaram o clube”.22 E sobre o S. C. Germânia, “da sua fundação até 1901, não há

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notícias. Sabe-se apenas que arrendou um campo no Parque Antártica”.23 Mas o clube

privilegiado era o C. A. Paulistano, que arrendou o Velódromo, talvez a primeira praça

de esportes construída no Brasil. Surgiu com a finalidade de abrigar o ciclismo, mas

com a ascensão do futebol, foi adaptado para esse fim. Portanto, os clubes abastados

possuíam sedes esportivas bem cuidadas e bem localizadas.

Mesmo se dedicando prioritariamente ao esporte bretão, os clubes ligados ao

futebol oficial de São Paulo, também se preocupavam com outras atividades esportivas,

como o tênis, o rúgbi, o críquete, a natação, o atletismo, entre outras. E cultuavam,

ainda, outras formas de lazer, caso dos bailes e piqueniques, estes nos arrabaldes da

cidade aonde se chegava de trem ou de barco, através do rio Tietê. O clube também era

um espaço de atividades sociais, como a realização dos “chás da cinco” no C. A.

Paulistano, ao menos uma vez por mês.24 Era ainda um lugar de leituras, já que em

vários estatutos de associações esportivas encontravam-se artigos que obrigavam as

diretorias a organizarem uma biblioteca.

Outras atividades, ainda, caracterizavam essas associações esportivas. O S. C.

Internacional, um dos primeiros clubes a praticar o futebol e fundador da LPF, organizou

a posse da nova diretoria eleita no Conservatório Dramático e Musical, onde ocorreu

uma matinê dançante. Esse clube, segundo Antônio Figueiredo, [...] (alugou) um prédio na rua José Bonifácio, esquina com a rua São Bento [...]. O edifício tinha

vastas dependências — salão de leitura, sala de jogos, sala de esgrima, terraço para ginástica, barra

fixa, lançamento de dardos etc. [...] Mas, o futebol não era o atrativo primordial dos associados. A

esgrima, por exemplo, levaria todas as noites, para a sede, muitos moços. O sr. Carlos Penna, certa vez

promoveu um campeonato desse cavalheiresco e elegantíssimo esporte — e foi um sucesso!25

Enfim, o espaço criado pelos clubes era muito mais amplo do que simplesmente

organizar a prática do futebol. Isso, em parte, porque os jogos de campeonato faziam

com que cada time jogasse apenas uma vez por mês. Outras partidas realizavam-se, mas

sem a notória emoção dos jogos oficiais ou dos amistosos interestaduais e

internacionais. Portanto, cabia aos clubes uma função social importante, aglutinando um

número cada vez maior de esportistas e parte da população que procurava espaços para

encontros sociais.

Outra característica marcante desses clubes que organizavam o futebol oficial

em São Paulo era a origem social dos seus fundadores e diretores. Quando se comenta

acerca do poderio esportivo do C. A. Paulistano, diz-se que esse clube assumiu “[...]

uma posição de excepcional destaque [...] pelo fato de contar no seu seio com os moços

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da aristocracia”.26 O Velódromo foi arrendado pelo Paulistano junto à sua proprietária

dona Veridiana Prado, em virtude da interferência de Antônio Prado Júnior, seu neto e

sócio-fundador daquele clube. A família Prado, nas figuras dos irmãos Armando, Mário

e Juvenal, também participou da reorganização do S. C. Internacional, em 1904.27 A

reunião que decidiu a fundação do Paulistano, a 29 de dezembro de 1900, foi presidida

pelo dr. Bento Pereira Bueno, na época secretário do Interior do governo do estado de

São Paulo.28 Observe-se, ainda, esta notícia publicada n’O Estado de São Paulo: Orlando Penteado

Pelo noturno de luxo partiu para o Rio, onde embarcará para os Estados Unidos, a fim de cursar a

Universidade de Syracusa, o sr. Orlando Penteado, que ao longo do tempo desempenhava as funções

de goalkeeper no primeiro time da A. A. das Palmeiras [...].

Em atenção aos relevantes serviços por ele prestados à sociedade a qual pertencia, a diretoria da A. A.

das Palmeiras ofereceu-lhe um alfinete de gravata de brilhantes e diamantes.29

Nota-se que os participantes desses clubes faziam parte da elite paulistana. No

período estudado, poucas pessoas tinham a possibilidade de frequentar um curso

superior, menos ainda se esse fosse no exterior, como ocorreu com o sr. Orlando

Penteado. Thomaz Mazzoni apresenta, por exemplo, o futuro dos jogadores que

fundaram a A. A. Mackenzie College: [...] Mais tarde [...] foram ou são na vida social em várias atividades, figuras de projeção. Vejamos as

credenciais desses jogadores de 1901, 49 anos mais tarde:

[...] eng. Henrique Cintra Warne, [...] ex-engenheiro da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro, atualmente

comerciante e capitalista. [...]

eng. Vicente de Almeida Sampaio Primo [...] engenheiro do Departamento de Estradas de Rodagem

[...]

Antônio Queiroz Telles, banqueiro, presidente da Associação Agrícola do estado de São Paulo [...]

eng. Antônio Vasconcellos, construtor e empreiteiro de obra no Rio Grande do Sul [...]30

Outros fatos também revelam a condição elitista dos clubes de futebol oficial,

isto até, pelo menos, 1913. Anualmente, desde 1906 (com exceção dos anos de 1908 e

1909), seleções e clubes estrangeiros visitaram o Brasil. Todas as despesas com

transporte, hospedagem, passeios e banquetes, além das medalhas e taças, corriam por

conta dos clubes ou das entidades oficiais, que organizavam tais presenças estrangeiras.

Apenas no ano de 1913, jogaram em São Paulo times vindos da Inglaterra, de Portugal,

do Uruguai, do Chile e da Argentina. Em 1914, dois times italianos visitaram a cidade.

Quando os ingleses do Corinthian jogaram em São Paulo e no Rio, em 1910, o

Fluminense F. C. do Rio e a LPF dividiram as despesas, que chegaram a 30 contos de

réis, no referente à questão do transporte e estadia.31

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Para Robert M. Levine, [...] os clubes sociais aceitaram duas categorias de sócios, um círculo restrito de acionistas e afiliados

sociais que pagavam a anuidade [...]. Os jogadores dos times eram selecionados exclusivamente de

entre os sócios [...]. Os jovens escolhiam o seu clube na base da posição social. Os atletas pagavam

seu próprio material (os jogadores preferiam os uniformes importados da Inglaterra), subsidiavam

suas próprias viagens e apareciam nos banquetes de smoking.32

Além disso, cada clube se dava o direito, baseando-se nos seus estatutos, de

recusar sócios que achasse inconvenientes, como se observa nesta pequena nota

referente ao S. C. Americano: “Foram recusadas cinco propostas de admissão de sócios

por não preencherem as formalidades dos estatutos e foram para a comissão de

sindicância duas propostas.”33

Na comissão de sindicância realizavam-se, normalmente, julgamentos

subjetivos, nos quais as pessoas que não atendessem aos mínimos critérios de

manutenção do “nível social” daquela associação esportiva eram também recusadas

como sócias.

Outro aspecto que revela um futebol praticado por pessoas ligadas às elites

paulistanas era a questão dos treinos levados a efeito nos dias úteis, do meio para o final

da tarde. A A. A. das Palmeiras realizou um match-training a partir das quatro horas da

tarde, no seu campo da Floresta, no dia 6 de julho de 1910, uma quarta-feira.34 Também

o C. A. Paulistano marcava seus treinos às quatro horas das sextas-feiras, no campo do

Velódromo.35

Encontra-se também número significativo de clubes e times organizados em

escolas. Algumas dessas associações esportivas tornaram-se referências importantes

para o futebol paulista. Trata-se, por exemplo, da A. A. Mackenzie College, fundada em

função do basquete, prática introduzida em 1896 pelo professor Augusto Shaw, que na

época viera nos Estados Unidos. No ano seguinte, o futebol passou a figurar também

nas preocupações dos alunos do Mackenzie. Após participarem ativamente do futebol

oficial paulista nos seus primeiros anos, em virtude de um conflito com o diretor do

colégio, o dr. Horácio Manley Lane, este declarou extinta a associação. Entretanto, “os

alunos [...] continuaram a praticar o futebol e, tanto assim, que nos diversos clubes

filiados à Liga, figuravam sportmen que estudavam no colégio. Todos reunidos

formavam uma bela e forte equipe”.36 Reorganizado em 1911, o Mackenzie, juntamente

com o C. A. Paulistano e a A. A. das Palmeiras, funda a Apea em 1913.

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Outro clube formado, tendo como referência um colégio, foi o A. A. São Bento.

“Os alunos do Ginásio São Bento, desde que existe o futebol, praticavam esse esporte

[...] formaram-se os campeonatos infantis, aos quais concorreu o primeiro time do

colégio [...]. O São Bento venceu vários campeonatos, tendo apenas como rival sério o

time da Escola Americana [...].”37 Mas o clube só se organizou em fins de 1913, quando

o “[...] padre Katon, professor do Ginásio, conversando com dois ex-alunos, lamentou

que estes se separassem na vida esportiva, defendendo cores de clubes diferentes nas

grandes justas promovidas. E lembrou da convivência, de todos se congregarem,

formando poderosas ‘equipes’, que disputassem os principais campeonatos que se

organizavam”.38 Com a ajuda material decisiva do diretor do Ginásio, dom Pedro

Eygerart, a associação foi formada e imediatamente filiou-se à Apea.

Outros colégios também possuíam times, dos quais participavam apenas os

próprios alunos. Normalmente eram os times infantis cujos jogadores deveriam ter, no

máximo, 1 metro e meio de altura.39 No dia 14 de julho de 1910, realizou-se um jogo

entre o time da Escola Americana e o do Ginásio Diocesano, comemorando-se a Queda

da Bastilha. E o futebol praticado pelos colegiais, razoavelmente organizado, não

restringiu suas disputas à cidade de São Paulo.40

Não seria exagero afirmar que, entre os estudantes, o desenvolvimento do

futebol deu-se de forma significativa. Eram inúmeras as escolas possuidoras de times e

campos próprios. Dentre elas, citem-se Escola Complementar, A. A. do Ginásio do

Estado, Clube Católico São Luiz, Grêmio Ginasial Dezesseis de Setembro, S. C. Sílvio

de Almeida, Escola de Farmácia, Escola Politécnica, São Luiz F. C. (da Escola Noturna

São Miguel), Centro Acadêmico XI de Agosto, Sport Club São José (do Liceu Coração

de Jesus), além de outras. Cada colégio ou curso superior tinha mais de uma equipe de

futebol, constituindo-se uma regra no início da década de 10. Em muitos momentos

reproduzia-se a mesma prática das elites que dominavam oficialmente esse esporte,

através da LPF ou da Apea. Nesse sentido, note-se este relato: No salão da Rotisserie Sportman realizou-se um banquete íntimo para festejar a vitória do time da

Escola Americana no campeonato de futebol deste ano, organizado pela Liga Ginasial. [...] A série de

brindes foi encerrada pelo presidente da Liga, que levantou a sua taça em honra do sr. Luiz Fonseca,

estimado presidente da Liga Paulista de Futebol, como supremo presidente de todas as associações

que cultuam em São Paulo o salutar esporte inglês.41

Esses banquetes eram característicos do futebol oficial, mas também faziam

parte da prática dos colegiais. Isso se dava fundamentalmente porque esses estudantes

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faziam parte das mesmas elites. É claro que eram estudantes de escolas particulares e

tradicionais. Quando se verifica a origem dos jogadores que defendiam os clubes

elitizados, nota-se a grande maioria começando a jogar nos colégios.42

Por outro lado, existia uma questão muito delicada entre os clubes praticantes do

futebol oficial. Como cada clube organizava seus times com o objetivo principal de se

tornar campeão? A rigor não existia nenhuma vantagem material para os jogadores ao

defenderem algum clube. Pelo contrário: conforme já foi afirmado, os atletas pagavam

mensalidades como sócios dos clubes, pagavam os uniformes e outras despesas

decorrentes da prática do futebol. Enfim, tratava-se de um esporte que se dizia

eminentemente amador, cujos ganhos eram físicos e morais, jamais pecuniários. Mas,

então, como e por que vários jogadores trocavam constantemente de clubes? Quais eram

os mecanismos utilizados pelos dirigentes para que bons atletas viessem a defender as

cores de um novo clube? Leopoldo Sant’Anna, em O football em São Paulo, apesar de

apresentar os vários clubes pelos quais cada jogador havia passado, não explicitou o

modo como se davam essas trocas. Sobre o atleta Alencar Mouth, diz: “no Americano,

em 1907, iniciou-se no futebol este glorioso player paulista. Até 1913 pertenceu àquele

clube [...]. Com a retirada do Americano da Liga filiou-se ao Ipiranga [...]. Em 1915,

apareceu no Mackenzie [...]. Em 1916, voltou para o Americano [...]. Alencar, que

pertence ao São Bento, desde 1917, foi um dos players mais perfeitos de São Paulo.”43

Infelizmente, o autor dessa sucinta biografia não apresentou dados que fossem

informativos no sentido de esclarecer como se processava a troca de clubes por parte

dos jogadores. Sintomaticamente é perceptível que os leitores de Leopoldo Sant’Anna

não estivessem muito interessados nesse tipo de informação. Como discutir essa questão

numa comunidade esportiva que tantos discursos proferia em defesa do amadorismo?

Torna-se importante salientar que essas transferências ocorriam dentro da cidade de São

Paulo, o que certamente ocasionava problemas menores.

Porém, não foram poucas as mudanças de clubes entre cidades, estados e países

diferentes. Aqui, sim, as questões tornaram-se mais complexas, envolvendo situações

mais sérias. Em troca do quê um jogador abandonaria seu país, para vir a praticar o

futebol em outro? Observem-se algumas notas sobre estes dois uruguaios,

provavelmente irmãos: Fernandez I (Ramón Carmelo) — 1898 — Montevidéu (Uruguai) — No Rampla Junior F. C., de

Montevidéu, em 1914. Iniciou-se no futebol [...]. Em 1917, vindo ao Brasil, filiou-se ao Minas Gerais,

São Paulo, sendo campeão nesse ano.

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Fernandez II (José Odolfo) — 1896 — Montevidéu (Uruguai) — Em 1914, em Montevidéu, na

terceira equipe do Wanderers, estreou-se no futebol. Passou logo para o Universal F. C. [...]. No ano

seguinte (1916), começou a figurar na primeira equipe do Central, onde pouco se conservou, em vista

de ter transferido sua residência para o Brasil. Em 1917, apareceu em nossa capital, defendendo as

cores do Minas Gerais, sendo campeão este ano.44

Não seria impossível que os atletas uruguaios tivessem fixado residência no

Brasil por questões profissionais e aproveitaram para continuar a jogar o esporte bretão.

Mas é pouco provável.

Para o campeonato de 1911, o S. C. Germânia resolveu reforçar seu time e

trouxe “[...] dois jogadores novos que chegaram da Europa, precedidos de grande

fama”.45 Mas, no jogo de estreia dos esportistas, vindos da Alemanha, contra a A. A.

das Palmeiras, nem tudo foi tranquilo, pois viram-se “[...] cenas de pugilato, violências,

brutalidades, impropérios, tudo enfim que é impossível de imaginar entre sportmen que

se prezem”.46 Mas o que de fato criou uma longa polêmica, que inclusive levou a A. A.

das Palmeiras a abandonar o campeonato, foi a questão do Germânia ter inscrito um

jogador fora do prazo de trinta dias antes de começar o campeonato, conforme exigência

estatutária. No caso, tratava-se de um dos jogadores que tinham vindo da Alemanha há

pouco tempo.

Sobre o mesmo assunto, um periódico, utilizando-se de palavras mais

explicitadoras, retoma a informação afirmando que “[...] a festejada equipe branco e

verde [Americano] adquiriu nada menos de três jogadores novos, todos eles elementos

de primeira ordem: San Jones, Seddon e Decio [...]”.47 Não muito diferente do que

aconteceu com o C. A. Paulistano, que [...] com os elementos que adquiriu para a sua primeira equipe este ano, tornou-se um dos times mais

fortes desta capital [...]. E não se diga que os antigos jogadores do Internacional, que atualmente

prestam o seu valiosíssimo concurso à laureada equipe branco-rubra, estão em decadência. Léo,

Facchini e Mariano, as três principais figuras da sua linha de ataque, são footballers de nome feito no

nosso meio esportivo e se destacariam em qualquer time, por melhor que fosse”.48

Enfim, eram constantes as mudanças de clubes e jogadores. Não é seguro

afirmar que essas transferências se dessem apenas por motivos financeiros. Uma parte

considerável dos jogadores das associações elitistas eram pessoas que não necessitavam

de qualquer ajuda material: ao contrário, contribuíam economicamente para a

manutenção do clube. Talvez, em alguns momentos, interessasse mais o aspecto do

prestígio social ao jogar num clube muito reconhecido no seio esportivo e na sociedade

paulistana. Deveria ser marcado por privilégios o fato de integrar a equipe do Paulistano

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ou da A. A. das Palmeiras, associações esportivas lembradas pelos seus caracteres

aristocráticos e que já possuíam até torcedores mais fanáticos.

Para o periódico O Comércio de São Paulo, a vinda dos atletas alemães não

tinha grandes mistérios. Já que “[...] os alemães, é bom que se saiba, têm trabalhado

para fazer figuração e, segundo consta, contam com três novos elementos, trazidos

especialmente da Alemanha; e que se acham colocados dois no Banco Alemão e outro

na Casa Zerrenner, Bülow e Comp.”.49 Ou seja, os jogadores não seriam diretamente

remunerados pela prática do futebol, mas teriam um emprego, no qual talvez não

precisassem trabalhar muito, se de fato trabalhassem. Está caracterizado um

semiprofissionalismo. Ainda segundo o mesmo periódico, a chamada “cavação”, ato de

atrair esportistas para um determinado clube, era muito comum em inícios de

campeonatos. Note-se um relato de “cavação”: Os Sports – Futebol – Campeonato de 1911

Maio está próximo. Não tarda em que se dê início ao campeonato de futebol do corrente ano. E é

curiosa a “cavação” discreta que vai pelos centros esportivos, “cavação” discreta e nem por isso

escandalosa em que se fez notável a atividade do captain do S. C. Americano.

Todas as noites ele está no Café Guarani ou no Progredior rodeado de uns quatro ou cinco jogadores e

de uns vinte ou trinta admiradores, do time verde-branco, a falar misteriosamente no que vai ser este

ano a poderosa equipe, tão bem colocada no resultado final do campeonato de 1911.

[...] De fato, o valoroso clube que tem sede no Velódromo, a julgar pelo que afirma de fonte quase

oficial, no próximo campeonato vai disputar a Taça Penteado com as melhores figuras do

Internacional, Leo Aquino, o Miguelão, Orlando Leite e J. Vaz Porto, além de Carlos Whaterly

cavado na linha de forwards do S. Paulo Athletic.

[...] O Ypiranga [...] também andou “cavando”. Conseguiu remodelar a sua equipe [...].50

Mais uma vez se nota que o ato da “cavação” era generalizado entre os clubes

oficiais do futebol paulista. Apenas não se tem clareza das vantagens oferecidas ao

“cavado”. Por outro lado, a questão da “cavação” vai ocasionar uma forte onda de

denúncias acerca do semiprofissionalismo no futebol, mas nem sempre fazendo

referência a jogador ou clube.51

A questão do semiprofissionalismo, acoplada à questão de jogadores advindos

dos clubes varzeanos para jogar pelos clubes das entidades oficiais, pouco a pouco foi

colocando em xeque o elitismo do futebol em São Paulo. Já não era mais a origem

social que determinava a organização de um time. Valia mais a competência esportiva.

Assim sendo, ficou claro que passou a contar mais a presença de times fortes e

competitivos. Enfim, o controle inicial exercido pela LPF e pelos clubes de elite,

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selecionando os seus atletas, praticamente deixou de existir. Era o futebol recebendo

novos personagens.

Porém, a direção do futebol oficial em São Paulo resistiu a tais mudanças. O

mais significativo sintoma desta resistência ocorreu com a fundação da Apea, em 1913.

Foi a luta para manter o futebol elitizado. Talvez tenha sido uma atitude inútil. Isto, em

função da tendência natural do futebol em abrir-se. Daí a situação contraditória que esse

esporte passou a viver: cada vez mais as classes populares ocupavam espaço no futebol

oficial, mas a sua direção continuava marcada por uma mentalidade e uma prática

elitistas. Em função dessa situação, deu-se uma espécie de conciliação, em que os

setores populares se autodisciplinaram para participar das entidades oficiais; e estas lhes

permitiram o acesso, mas sem abrir mão do controle deste acesso e de continuarem a

dirigir o futebol.

O fato de a “cavação” ter determinado uma prática futebolística não mais

essencialmente amadora revela também o aparecimento de um novo tipo de atleta,

aquele que depende da ajuda material do clube. Esse novo personagem constituiu-se

numa contribuição para que o futebol se transformasse. Por outro lado, se em São Paulo

a unificação da LPF com a Apea, ocorrida em 1917, fez com que o elitismo fosse

caminhando no sentido de perder o seu vigor, no Rio tudo acontecia de forma diversa.

A imprensa paulista, através do jornal O Comércio de São Paulo reclamava de

uma lei que a Liga Metropolitana do Rio acabava de votar. O cronista critica a Liga

carioca por pelo menos dois motivos: o assunto deliberado carecia de um estudo

aprofundado e a lei ainda deveria ser obedecida por clubes que não fossem da Liga

carioca, mas que tivessem contato com ela, ou seja, uma lei de uma entidade válida para

todas as outras. Tratava-se de uma reforma nos estatutos da entidade carioca, nos quais

se determinava quem era e quem não era amador. Em outras palavras, quem poderia

praticar ou não o futebol nas entidades oficiais. Na leitura dos artigos referentes a essa

reforma estatutária, percebe-se um profundo preconceito contra o trabalho manual,

ainda como herança da escravidão. Nota-se, ainda, a defesa que a associação carioca faz

do futebol oficial sem a presença dos setores populares. E, mesmo tratando-se de uma

entidade carioca, é importante citar essa legislação, dados os laços fortes que ligavam a

Apea e a Liga Metropolitana. Pode-se afirmar que defendiam projetos semelhantes para

a organização do futebol. Veem-se, nesta parte dos estatutos da entidade esportiva

carioca, sinais significativos da concepção que esses dirigentes tinham do futebol. Capítulo VI

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50

art. 31 — A Liga não reconhece a qualidade de amadores:

[...] b) Aos que tirarem os seus meios de sobrevivência de qualquer profissão braçal, considerando em

tais todos aqueles em que o indivíduo depende inteiramente dos seus recursos físicos, e não dos

recursos da sua inteligência: marinheiros, catraeiros, barqueiros, canoeiros, pescadores [...] e, bem

assim, todas aquelas que exercem ofício, profissão ou emprego remunerado, manual ou braçal, seja

por conta própria, seja ao serviço de terceiros, seja ao serviço de arsenais, estaleiros [...]

c) Aos criados de servir, aos empregados (denominados caixeiros) de armazéns de secos e molhados,

vendas ou mercearias, sorveterias, bares, cafés, botequins, restaurantes [...]

d) Aquele cuja profissão lhes permitia o recebimento de gorjeta;

[...]

1) Aos que exercerem qualquer posição, profissão ou emprego que, a juízo do Conselho Superior,

esteja abaixo do nível moral e social criado pelo esporte no amadorismo.52

O Conselho da entidade carioca não poderia ter sido mais claro. Com esses

critérios determinando a condição amadora ou não em um atleta, existiam poucas

pessoas que atenderiam às regras impostas. Supostamente, a Liga carioca poderia ter

alegado que um jogador sem uma renda pecuniária satisfatória estaria mais vulnerável a

se profissionalizar no esporte, até em função da sua sobrevivência. Ao final, os estatutos

não se preocupavam com o nível de rendimentos materiais do esportista, mas com a

qualidade da sua ocupação profissional. Em última análise, esta ação da entidade

carioca demonstra um futebol elitizado, que tenta evitar uma popularização do “esporte

bretão”, nem que seja se utilizando de um recurso legal, mas ilegítimo.

Enfim, apresentaram-se características que marcaram a prática do futebol oficial

em São Paulo. Nitidamente organizado de forma elitista, esse esporte viveu relações

íntimas com os setores dominantes da sociedade paulistana, ligando-se às famílias

tradicionais, aos grandes capitalistas e às autoridades políticas.

Foram muitas as manifestações de elite que deram cor ao futebol oficial. Mas é

necessário salientar que esta prática de elite não esteve imune a uma relação forte com o

futebol jogado pelo resto da população. Atletas vindos das classes populares passaram

também a jogar nos clubes, outrora tão fechados. Os torcedores das classes populares

levaram para o campo de disputa outras formas de manifestação, nem sempre

caracterizadas pela educação formal que as elites vivenciavam.

2.5

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51

A PRÁTICA INFORMAL DO FUTEBOL

Muitas características que marcaram a prática de elite na esfera esportiva

também foram próprias do futebol informal, varzeano ou dos arrabaldes, como se

designava na época, início do século XX. A mesma paixão, a mesma febre são exemplos

dessa identidade entre uma prática e outra. Como já se afirmou, essas práticas não

estiveram absolutamente isoladas.

A prática do futebol encontrou amplos espaços na sociedade paulista. Escolas,

empresas, atividades religiosas, atividades culturais, entre outros espaços, presenciavam

o jogo de bola. Todo bairro paulistano possuía, ao menos, um clube e um campo.

Existiam muitos campeonatos por toda a cidade. Clubes e ligas esportivas eram

fundados com uma velocidade significativa. De fato, a cidade respirava o futebol.

Esporte que, inicialmente, parecia que seria mais um modismo do paulistano,

acostumado a muitos. Mas a relação da população com o “esporte bretão” revelou outra

condição. O futebol começou a fazer parte do cotidiano.

A primeira observação a se fazer acerca dos clubes, fora das entidades oficiais, é

o seu número significativo. Nas páginas dos periódicos, diariamente eram anunciados

novos clubes, nos mais diferentes bairros da cidade. Por exemplo, tem-se A. A. Água

Branca, C. A. Paraíso, Perdizes F. C., entre inúmeros. Já existiam, na década de 10, em

função da quantidade de associações esportivas, as rivalidades dentro de cada bairro ou

região da cidade.

No ano de 1914, o cronista esportivo de O Estado de São Paulo resolveu fazer

um levantamento estatístico esportivo, no qual se solicitavam informações acerca dos

clubes, pedindo-se entre outros dados: nomes dos diretores, nome da associação, local

da sede, número de sócios e o gênero de esporte a que se dedicavam. A seção Sport do

periódico apresenta uma primeira lista, em que constam os nomes de 136 associações

esportivas, sendo a grande maioria da cidade de São Paulo e o restante referindo-se a

algumas cidades do interior do estado.53 Segundo a LPF, existiam no estado de São

Paulo aproximadamente 2 mil clubes praticantes de futebol.54 O jornal O Estado de São

Paulo de 29 de agosto de 1915, um domingo, anunciou 47 jogos envolvendo 94 clubes,

188 times e 1 068 jogadores. Estes dados dão a dimensão da dinâmica do futebol em

São Paulo.

Como o futebol oficial, também o informal foi objeto de notícia nos periódicos

da época tratada. Porém, sintomaticamente, essa prática esportiva só recebeu destaque

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52

fora da seção de esportes. A seção de alguns jornais, denominada Fatos Diversos,

esboço de uma crônica policial, era o espaço que o futebol varzeano ocupava. Observe-

se esta notícia: “Um ‘ground’ em polvorosa — Na várzea do Carmo, dois ‘times’

anônimos de menores desocupados se empenharam ontem às três e meia horas da tarde,

num ‘match’ de ‘futebol’, com entusiasmo belicoso de dois cães na disputa de um

osso.”55

Nessa introdução aos acontecimentos, o jornalista propositalmente coloca o

jargão próprio do futebol entre aspas, dizendo, de outra forma, que campo, time, jogo ou

futebol, são vagas lembranças do que se tinha entre as elites. Portanto, campo era o

Velódromo ou o Parque Antártica; time, o C. A. Paulistano, a A. A. das Palmeiras e

alguns mais; jogo, apenas os do campeonato da LPF; e futebol, aquela prática

oficializada e organizada pelas entidades competentes. Por outro lado, menores que

praticavam uma forma de lazer num domingo à tarde são taxados de desocupados. Os

atletas dos clubes de elite, que treinavam nos dias úteis, no meio da tarde, nunca foram

denominados assim. Além disso, a emoção própria da prática do futebol, tão decantada

nos jogos do Velódromo, aqui era percebida de forma preconceituosa. A descrição e o

julgamento continuavam: “Uma multidão de menores lota o ‘ground’, cheia de

curiosidade, e de remendo nas calças, e o próprio transeunte desocupado parava para

gozar do espetáculo gratuito, porque os ‘matchs’ de “futebol” na várzea do Carmo tem

sempre o que ver: não raro terminar indo o ‘time’ vencido para o hospital e o vencedor

para o xadrez.”56

Apesar de reconhecer uma razoável organização nos jogos da várzea do Carmo,

o redator d’O Estado de São Paulo nota que são poucos os jogos em que a violência e a

consequente presença da polícia não são fatos. Ou seja, o citado espetáculo gratuito,

para o cidadão que não queria ou não podia pagar para assistir a uma partida no

Velódromo, não era o jogo em si, mas a violência premeditada. E o repórter continuava: Ao começar o segundo tempo, que foi um tempo quente, o povo interviu de novo, manifestando-se

furiosamente contra o juiz de linha Carlos Grumberg que não deu sinal de “off-side”, em certa ocasião

em que a bola saiu do campo. O que sucedeu foi um dos “halves-back” “shootar” a bola para dentro

do “goal” do adversário.

A assistência que não pagou ingresso e não foi convidada, protestou energicamente, invadindo o

campo.”57

Essa prática de o público intervir num jogo, naquela época, era corriqueira,

mesmo em se tratando do futebol oficial. São inúmeras as descrições de jogos em que

ocorrem as invasões no campo de jogo. Ou ainda, são constantes as manifestações do

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público contra as decisões do juiz. Não faltavam palavrões, vaias e até agressões físicas.

O público torcedor, naquela tarde de domingo na várzea do Carmo, apenas radicalizou

atos que ocorriam por todos os outros campos de São Paulo. E, após a invasão do

campo, “Um indivíduo de fraque e chapéu duro, com ares de chefe de família, saiu fora

do sério, chegou mesmo a querer dar guarda-chuvadas no juiz de linha. Este, irritado,

colérico, congestionado, avançou para os invasores do ‘ground’ e, com o pau da própria

bandeira que empunhava, deu bordoadas às tantas. Daí a instantes trilavam os apitos de

socorro e a debandada começou.”58

Mais uma vez a emoção foi colocada como algo que transforma as pessoas. Uma

paixão incontrolável. Exatamente o contrário do que deveria ocorrer, ao menos no

entender das elites paulistanas. A rivalidade e a disputa eram reconhecidas como

importantes valores, mas sempre limitadas e controladas. Não é à toa que no

Velódromo, junto à arquibancada, existia um cartaz com os seguintes dizeres: “É

proibido vaiar.” Fotos da época possibilitaram esta constatação. Mas o evento da várzea

do Carmo continuava: “Quando a polícia apareceu encontrou apenas o juiz de linha, a

bola e o popular Agostinho Ergiacia, morador à rua São Caetano, nº 150. Agostinho

estava ferido na perna direita e foi socorrido no gabinete médico da Polícia Central.

Carlos Grumberg, o juiz de linha é alemão, tem 19 anos de idade, é impressor e reside à

rua da Cantareira, n° 14.” 59

Esse jogo de futebol informal terminou onde outros também terminavam: na

polícia. Isso não era regra, mas os periódicos da época davam destaque quando essas

violências ocorriam. O futebol jogado fora das entidades oficiais era pouco noticiado,

principalmente até 1913, a não ser quando era “caso de polícia”.

Vale destacar que, para o olhar da imprensa paulistana, um jogo de futebol entre

populares geralmente terminava em violência descabida. No fundo esta imprensa

tentava provar o quanto seria perniciosa a participação popular nos esportes.

Especificamente no futebol não seria saudável a introdução dessa “massa popular”,

dado o seu descontrole emocional e a sua falta de “educação”.

De forma significativa, todos os relatos apresentados sobre o futebol jogado fora

das entidades oficiais têm a massiva participação da classe trabalhadora, envolvendo

profissionais pouco considerados socialmente. Além disso, todos esses jogos

apresentados foram disputados em domingos, demonstrando o quanto o futebol era uma

importante forma de lazer dos trabalhadores da cidade.

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54

Por outro lado, a prática do futebol informal também viveu outra experiência

com as autoridades policiais: quando perturbava a ordem pública e o sossego da

população. Não foram poucas as reclamações quanto ao futebol atrapalhar moradores e

transeuntes. Nestas notícias fica clara essa questão: Jogo de futebol em plena via pública

A rua Vasco da Gama está transformada há muitos dias num verdadeiro campo de futebol, onde um

grupo de menores vagabundos se diverte atirando pelos ares uma enorme bola, pondo assim, em sérios

riscos as vidraças das casas vizinhas. Como se só isso não bastasse, os incorrigíveis menores proferem

palavras obscenas em voz alta. Mais uma vez chamamos a atenção do dr. Mascarenhas Neves, quinto

delegado, para a falta de policiamento da rua Vasco da Gama, falta esta que é sem dúvida a causa dos

fatos que ali se praticam.60

[...] A rua 7 de Abril, principalmente no trecho compreendido entre a rua Dom José de Barros e a

praça da República, está transformada em campo de futebol [...].61

Tem-se mostra, assim, de que a prática do futebol generalizou-se pela cidade.

Todo terreno vazio era passível de se transformar num improvisado campo para aquela

prática esportiva. E quanto mais improvisado, maior a probabilidade da presença

policial, praticando o controle social. Enfim, o futebol informal, para as autoridades

municipais, ou era marcado pela violência ou pela desordem que causava no espaço

público. Então os espaços oficial e socialmente designados para a prática do futebol

seriam desprovidos de violência e de pouca educação do paulistano comum? Alguns

relatos não transmitem essa ideia. Ao contrário, revelam torcedores que envergonham as

“finas” famílias paulistanas com seus comportamentos inadequados. Quando visitados

pelos jogadores ingleses do Corinthian, desta forma foi descrita a participação do

público: [...] Há, porém, a acrescentar a esses dois grupos de espectadores, um outro de menores proporções,

exposto por todo o recinto. É o mais terrível porque é o da crítica impiedosa, que tudo vê pela luneta

do seu otimismo e está pronta a cobrir de grosserias e impropérios aqueles que não souberem agradar

às predileções da sua visão [...].

A assistência mostrou-se desconsolada com o desfecho que as coisas vão tomando [...] a qualquer

lance favorável para os ingleses não se contêm e gritam e assobiam e operam em desmancho de [...]

maneiras incompatíveis com gente de boa sociedade.62

Em outro momento, ainda acerca da presença dos ingleses, as reclamações

continuaram: “[...] Portanto não se pode culpar o público paulista, em que predominam

os melhores elementos da sua sociedade, pelos inconvenientes originados por algumas

dezenas de indivíduos pouco educados e quiçá analfabetos.”63

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Esses indivíduos que se comportam de maneira inadequada nas praças

esportivas, segundo avaliação da imprensa de São Paulo, nunca fazem parte do que “há

de melhor” na sociedade paulistana e sempre são minorias. E o periódico O Estado de

São Paulo não revelou onde se localizavam, dentro do Velódromo, esses torcedores

“mal-educados”, inclusive chegou a afirmar que eram indivíduos presentes por toda a

plateia. Porém, em outros momentos, os jornais não eram tão implícitos e acusavam a

desordem vinda das gerais, onde o público pagava menos para assistir a um jogo. Tem-

se assim, segundo a imprensa, a população que não sabia se portar nas próprias

competições, nem nos jogos oficiais das entidades esportivas. Em outras palavras,

aqueles indivíduos, violentos e mal-educados jamais poderiam participar de um

campeonato oficial no Velódromo, espaço de senhores “finos” e senhoras e senhoritas

elegantes e chiques, além de famílias comportadas. A junção povo—elite, no futebol,

mostrava-se difícil. Por isso é que a imprensa lamentava tanto, em 1913, a ausência do

“belo sexo” nas partidas de futebol. Nesta notícia, esse assunto foi abordado da seguinte

maneira: “Futebol — Apea — [...] É deveras desoladora a ausência das gentis

senhoritas e distintas senhoras nos meetings esportivos que ultimamente se realizam

nesta capital!”64

É importante ressaltar que a prática do futebol marcava toda a população

paulistana. Era comum que todas as associações existentes na cidade, de uma forma ou

de outra, praticassem o chamado “violento esporte bretão”. Para se ter uma dimensão do

significado desse esporte, no início da década de 10, basta enumerar todas as entidades

organizadoras do futebol na cidade.65 Essas entidades, desvinculadas das oficiais,

passavam de dez. Entre outras ligas, vinculadas às entidades oficiais, a LPF e a Apea,

encontravam-se a Liga Ginasial,66 a Liga Infantil do Futebol,67 com a participação das

escolas Anglo-Brasileira, Macedo Soares e outras; a Associação Acadêmica de Esportes

Atléticos68 e a Liga Acadêmica de Futebol,69 essas duas últimas formadas por escolas

superiores. Existiam também as inúmeras ligas de futebol espalhadas por todo o interior

de São Paulo, que mantinham um significativo intercãmbio com a capital. Já estavam se

tornando regra os clubes formados a partir de empresas, fábricas ou especialidade

profissional. Assim, podia-se ler esta notícia nos periódicos da época tratada: “C. A.

Piratininga — Alguns funcionários da São Paulo Railway resolveram reorganizar o C.

A. Piratininga, que há tempos se dissolvera, por motivos de força maior.”70

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Surgiram também clubes e times ligados a atividades profissionais específicas,

como a de trabalhadores em comércio, ligados aos gráficos, como o F. C. União

Gráfica71 e o Guttemberg F. C.72

As inúmeras associações culturais formadas na capital paulista também

enveredaram para a prática do futebol. Sem abandonar seus objetivos iniciais,

organizaram times de futebol. Note-se esta pequena nota: “Taborda Sport Club —

Está convocando uma assembleia geral dos sócios do Centro Dramático e Recreativo

Taborda, para o dia 16 do corrente. Essa reunião tem por fim tratar da criação de alguns

times de futebol, anexos à associação.”73

A partir desses dados é possível afirmar que os clubes fundados por essas

entidades culturais estavam preocupados em dar aos seus associados a possibilidade de

uma prática esportiva, no caso o futebol, talvez por ser o esporte mais importante da

época. Nem os clubes carnavalescos, que tinham suas atividades concentradas no

Carnaval, fugiram à regra: organizaram também suas equipes de futebol. Observe-se

esta notícia: “Sport — Um grupo de associados do clube carnavalesco Tá Bom, Deixe

jogará hoje, às oito horas da manhã, no campo existente no extremo da rua Solon, um

match-training entre os partidos vermelho e azul da seção esportiva desta sociedade

[...]”74

Da mesma forma, os clubes que se formavam apenas para a prática do futebol,

também passaram a ter preocupações culturais, além de outras formas de lazer.76

Por outro lado, como já era próprio dos clubes ligados ao futebol oficial em São

Paulo, também aqueles dos arrabaldes promoviam um forte intercâmbio com

associações esportivas do interior do estado. Se no começo dos anos 10 se tem poucas

notícias acerca desse intercâmbio, o passar dos anos faz com que notícias se

multipliquem anunciando jogos em Jundiaí, Pindamonhangaba, Campinas, São Carlos,

entre outras cidades servidas pelo transporte ferroviário. Notas nos periódicos

confirmam esse intercâmbio: Sport — Conforme noticiamos, os rapazes do Concórdia Futebol Clube irão hoje a Jundiaí disputar

um match de futebol com um clube daquela localidade [...]78

Match de futebol — Segue hoje para Pindamonhangaba o primeiro time do São Paulo Railway

Futebol Clube, que vai disputar um match de futebol com o Brasil Futebol Clube daquela cidade

[...].77

E a visita de um clube da capital, no interior paulista, era motivo de festas

intermináveis. Geralmente visitadas em domingos, as cidades viviam em função da

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equipe paulistana. Recepção popular na estação ferroviária, com direito à banda de

música, visita às autoridades municipais, almoço festivo, o jogo em si e, finalmente,

uma festiva despedida na mesma estação. Em alguns casos, havia outras atividades,

como um banquete após o jogo.78 Também ocorria a presença de clubes do interior à

capital, notadamente as associações esportivas campineiras.

É importante se perceber a prática informal a partir de memorialistas. Nota-se o

quanto, realmente, o futebol fazia parte do cotidiano da cidade. Mesmo Jorge

Americano — muito ligado às elites paulistanas —, cujas referências são, em grande

parte, do futebol oficial, apresenta dados do que o jogo de bola significou em uma

cidade que se modificou bastante. Eis algumas dessas referências: “ [...] Um grupo dos

maiores, do 4º e 5º ano, saía à tarde, uma vez por semana, com seu Carvalho, professor

do 5º ano e organizador do batalhão. Iam jogar um novo jogo de bola chamado foot ball,

no descampado atrás da capela de Santa Cecília e vizinho da chácara de d. Angélica

[...].79

Outro memorialista paulistano, Jacob Penteado, também apresenta referências

acerca do futebol. Trabalha com informações que esclarecem muito a prática do futebol

informal. Quando morador do Brás, rememora que “[...] aos domingos, uma vez por

outra, ia assistir a jogos de futebol, na várzea do Carmo, onde pululavam os campos

para a prática desse popular esporte”.80 E recupera a origem do termo “varzeano”,

afirmando que “quando, então, a várzea foi aterrada, ao tempo dos prefeitos Antônio

Prado e Raimundo Duprat (1910 e 1911), [...] os campos de futebol multiplicaram-se,

aproveitando o terreno plano. Como se tratava de associações não oficiais, daí derivou o

termo ‘varzeano’ e também o de ‘clubes de várzea’, para designar os praticantes do

futebol fora da liga principal.”81

E o trabalho de memória de Jacob Penteado continuava, citando os clubes que

jogavam na várzea do Carmo, também revelando que a rivalidade acirrada levou a

muitos conflitos físicos. Segundo o memorialista, os papões da várzea eram o Argentino, na parte do Glicério, onde tinham seus campos também o Eden

Brasil, o Norte-Americano e o XI de Agosto. Era seu rival o Botafogo formado por jogadores do então

novel Corinthians Paulista cujo campo ficava junto à rua Paula Souza. Nesse trecho, jogavam ainda, o

Belo Horizonte e o Cruzeiro do Sul, constituídos por elementos da colônia síria [...]. Quando tais

clubes jogavam entre si, a pancadaria era, invariavelmente, o arremate final da competição. Havia

muitas cabeças rachadas e jogadores correndo pelas ruas adjacentes, ainda uniformizados. Mais tarde,

surgiram, perto do Gasômetro, o Mancha de Sangue e o Roma, seguidos pelo Polignano a Mare, todos

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eles formados por membros da colônia italiana. Houve ainda, o Parnaíba e o Aliança, e outros que não

cheguei a conhecer [...].82

A partir desse depoimento, é possível perceber a real importância que a várzea

do Carmo, com seus inúmeros clubes e campos, exerceu no desenvolvimento do futebol

em São Paulo.

Quando morador no Belenzinho, Jacob Penteado também percebeu a formação e

o desenvolvimento do futebol entre os clubes varzeanos nessa parte da cidade. Seu

relato mostra que esse bairro produziu um dos times mais velhos da várzea, o Estrela de

Ouro, fundado em 1902, duas vezes campeão municipal entre os clubes não oficiais.

Tão importante quanto essas informações, é o fato de o memorialista chamar a atenção

para a forma como se praticava o futebol nos campos de várzea. Diz ele: Àquele tempo, esse esporte era, na realidade, jogo para machos, pois a violência imperava,

predominando o fator físico, a força bruta. Para isso, mais que pela técnica, quase inexistente, os

integrantes do “time” eram escolhidos pela robustez [...]. As charges no goleiro também eram

permitidas. Por ocasião dos escanteios (então corners), investiam quatro ou cinco jogadores, de pés

levantados, de sola e até de soco, para cima do arqueiro (chamava-se “gorquipe”, corruptela de goal-

keeper), que ia para o fundo da rede (quando as havia), fortemente contundido [...]. Os zagueiros

chamavam-se “fulbeques” ou beques (full-back). Sua tática era esta: beque que avança, que acossava

os avante adversários, e beque que espera, que limpava a área. Geralmente este, possuidor de forte

chute (shoot), fazia a torcida delirar quando a bola atravessava o campo ou subia que nem um balão.83

No decorrer do seu relato, o memorialista mostra como havia contato entre o

futebol varzeano e o das elites, quando afirma que “[...] um dia apareceu [no

Belenzinho] um quadro da cidade, enxertado de vários jogadores da liga oficial. Vinham

para ganhar a goleada, mas o capitão do Estrela, Ernesto Sertório, perdeu a cabeça e

meteu o braço no famoso Hermann Friese, um dos maiores craques da época. O homem

reagiu e o conflito generalizou-se”.84 Inclusive, ainda segundo Jacob Penteado, “[...]

naquele tempo, muitos futebolistas jogavam armados. Usavam uma faixa bem larga, na

cintura, e nela ocultavam armas, para a hora de ‘balançar a roseira’. Os próprios juízes

atuavam armados, pois eram constantemente vítimas de agressões”.85

Outro aspecto importante abordado por Jacob Penteado é o da rivalidade que vai

se constituir entre clubes do mesmo bairro. O já citado Estrela tinha como grande rival o

União Belém. Eles “[...] evitavam-se, mas, quando se enfrentavam, o Belenzinho ficava

em polvorosa”.86 Também é relevante o fato de que alguns clubes eram formados por

afinidades profissionais, como o União Operária, formado por carroceiros, oleiros e

barqueiros. Ou formados, ainda, por nacionalidades, como o XX de Setembro, de

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italianos da Toscana. Tem-se, inclusive, o misto dos dois: o Portugal Marinhense,

formado por portugueses vidreiros.

O trabalho de Ecléa Bosi, recolhendo memórias de velhos que viveram a partir

do início do século XX, em São Paulo, ajuda a reconstruir o que foi o lazer e a prática

informal do futebol. Nas “lembranças do sr. Amadeu”, nascido no Brás em 1906 e

descendente de italianos, tendo o pai alfaiate e a mãe costureira, este recorda-se de sua

infância, em que “[...] A rua não tinha calçada. Elas ficavam à vontade naquelas ruas

antigas. Eram ruas de lazer, porque não tinham movimento, e criança tinha demais. Em

São Paulo, nos terrenos baldios grandes, sempre se faziam parques para a meninada.

Meus irmãos jogavam juntos futebol na rua. Tínhamos um clube, formado por nós,

chamado Celso Garcia”.87 O sr. Amadeu também se lembra de que a região do parque

Dom Pedro II foi a várzea do Carmo, espaço privilegiado para a prática do futebol no

início daquele século. Diz o sr. Amadeu que “[...] antes, o lugar era nosso campo de

futebol, de um clube chamado Torino”.88

O relato torna-se importante quando o sr. Amadeu se lembra especificamente do

futebol. De forma significativa ele dimensiona, a seu modo, o que foi esse esporte

varzeano, além de revelar fatos que foram sedimentados na memória esportiva popular.

Assim narra o futebol informal no seu tempo: Comecei a jogar futebol com nove anos. Naquele tempo tinha mais de mil campos de várzea. Na Vila

Maria, no Canindé, na várzea do Glicério, cada um tinha mais ou menos cinquenta campos de futebol.

Penha, pode pôr cinquenta campos, Barra Funda, Lapa, entre vinte e 25 campos...

[...]

Se nós vamos procurar na memória quantos jogadores da várzea [...] tinha mais de 10 mil jogadores.

Aquele tempo era uma coisa!... Em cada bairro se fazia um campeonato.89

Esse relato torna-se ainda mais relevante, pois também não constrói uma rígida

separação entre o futebol informal e o oficial. Para o sr. Amadeu, o divisor de águas no

processo no qual os campos de várzea vão desaparecendo encontra-se no crescimento da

cidade e na construção de grandes estádios de futebol, como o Pacaembu, inaugurado

em 1940. Por isso, “[...] o futebol já não é mais o que foi para o meu povo”.90 E quanto

ao futebol oficial, quando foi possível separá-lo do informal, o sr. Amadeu não titubeia

ao afirmar que “[...] havia o Botafogo da rua Paula Souza, que é o Corinthians de hoje

[...] [no Corinthians] estava a massa: os pretos e os espanhóis [...]. Não tinha preto

naquele tempo no Palestra [...]. Naquele tempo o Paulistano era o clube da elite”.91

Já a contribuição dos chamados historiadores do futebol na questão da prática

informal é pequena. A preocupação desses autores recai sobre o futebol oficial. Mas

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como essas práticas, em alguns momentos se confundiram, a várzea tornou-se, mesmo

de forma indireta, objeto de estudo. Em uma biografia de Arthur Friedenreich, por

exemplo, o autor constrói uma análise para explicar por que esse jogador se destacou

tanto dos demais. Para João Máximo, apesar de o futebol no início do século XX ser

fortemente elitizado e apenas os “rapazes endinheirados” poderem praticá-lo de forma

organizada, existia também o futebol de várzea, praticado pelos mais pobres. E Arthur

Friedenreich foi uma espécie de síntese disso tudo. Foi um pouco de elite, foi um pouco

de várzea e, ainda, um pouco de preto. “Era filho de alemão remediado com paulista

pobre, de pele escura; viveu quase toda a infância entre os meninos de rua e estudou nos

melhores colégios de São Paulo, inclusive no Mackenzie; veio do mundo nada

aristocrático do bairro da Luz e muito cedo entrou para o Germânia, clube elegante da

colônia alemã...”.92 Enfim, a gênese do poderio futebolístico brasileiro e do próprio

Friedenreich encontrar-se-ia, em parte, na conjugação perfeita do que foi o jogador

conhecido como El Tigre.

Para Thomaz Mazzoni, [...] o pequeno futebol, os clubes de bairros nasceram [...] quase ao mesmo tempo do chamado futebol

da Chácara dos Ingleses, do Velódromo e do Parque Antártica, onde começaram a tomar impulso os

clubes principais. A semente da popularidade futebolística brotou logo prodigiosamente. O exemplo

dos estudantes e moços ricos do Mackenzie, Paulistano etc., não deixou indiferentes os rapazes

operários dos bairros e daí surgiram pequenos clubes em pouco tempo [...]. Mas, os seus primeiros

tempos foram destruídos pela poeira do esquecimento. Pequenina, aliás, foi essa árvore até, mais ou

menos 1908. Foi então que se impôs a várzea. Sim, a verdadeira história do nosso futebol dos bairros

nasceu quando os clubes acabaram se agrupando na Várzea, dando uma feição de campeonato aos

seus encontros domingueiros [...] do Carmo o futebol dos bairros passou a se desenvolver em todo e

qualquer terreno desigual que apareceu na capital.93

Infelizmente é generalizada essa análise. Apesar de real, dificilmente se têm

maiores informações do que foi a várzea em São Paulo.

A partir das características do futebol informal e do oficial na cidade de São

Paulo até meados da década de 10, é possível se perceber a febre esportiva que a capital

paulista viveu. O futebol tornou-se uma significativa forma de lazer, marcada por fortes

sinais de paixão e emoção. Se o elitismo das entidades oficiais era fato nesse momento,

a prática do futebol não deixou de ser acessível a amplas parcelas da população, que iam

ocupando os inúmeros terrenos vazios da cidade. Por outro lado, o futebol, seja oficial

ou varzeano, ainda carecia de uma organização mais rígida. A marca do amadorismo e

do semiprofissionalismo estavam presentes nesse esporte já tão popular. E,

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fundamentalmente, tem-se, a partir do início da década de 10, uma pressão sobre as

entidades oficiais, que insistem em manter isolados milhares de jogadores e algumas

centenas de clubes que se espalhavam pela cidade. Ter-se-á tanto acesso de clubes

“menores” nas entidades antes elitizadas, quanto dos clubes de elite, que passam a

aceitar jogadores vindos das classes populares. Mas essas transformações foram lentas e

não ocorreram sem a presença de conflitos e contradições. Por fim, ressalte-se que o

fato de a população estar presente nas entidades oficiais, com seus jogadores e clubes,

não significou uma popularização radical do esporte bretão. A organização do futebol

nunca esteve nas mãos do povo. É por isso que esse esporte perdeu um ranço elitista,

mas continuou desvinculado dos reais interesses populares.

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3

O PERÍODO 1910—1912: O SCCP LIGADO AO FUTEBOL INFORMAL

Em setembro de 1910, era fundado em São Paulo um clube dedicado às práticas

esportivas da época, mais especificamente preocupado com o jogo de futebol. Tal clube

foi denominado Sport Club Corinthians Paulista, o SCCP. A rigor, um fato corriqueiro a

se levar em conta é que, quase todos os dias, os periódicos abriam espaço informando o

nascimento de um novo clube, na capital paulista ou no interior do estado. Portanto, o

SCCP era apenas mais um pequeno clube de bairro, entre um grande número dos que já

existiam naquele momento.

Muito embora o SCCP estivesse começando como tantos outros pequenos clubes,

provavelmente tendo os mesmos objetivos que perpassavam todos eles, percorreu

caminhos diversos, trazendo resultados significativos, que contribuíram para a

transformação de algumas estruturas do futebol em São Paulo.

O objetivo deste capítulo será apresentar — e compreender — o processo que

fez com que um clube pudesse ajudar na popularização do futebol em São Paulo.

Popularização entendida como a possibilidade de a estrutura organizativa do futebol

oficial aceitar a participação de associações esportivas de qualquer origem social,

avaliando apenas a sua competência na prática do referido esporte.1 No caso específico

do futebol, entende-se ainda por popularização a participação de amplos setores da

sociedade na organização e direção do futebol oficial. Tratar-se-ia da democratização

das decisões. O período 1910—1912 é importante para fundamentar esse processo.

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Aliás, em função da polissemia do termo, torna-se importante clarear o que se

entende por popular. De acordo com Marilena Chauí, tendo em vista o conceito de

hegemonia de Antonio Gramsci, o povo seria a “[...] plebe explorada, dominada e

excluída”. A autora de Conformismo e resistência compreende plebe [...] no sentido que o direito romano dava ao conceito de plebe: aqueles desprovidos de cidadania e

que se fazem representar por meio de outros [cidadãos], encarregados de apresentar e defender

direitos na cena pública. Mas também no sentido de Espinosa e de E. P. Thompson, isto é, capaz de

organizar-se, reivindicar direitos tácitos e preparar-se para penetrar no universo dos direitos políticos e

culturais explícitos.2

Este capítulo tratará do tema, desde a fundação do SCCP até o momento em que o

clube está prestes a ingressar na LPF. É a época em que o SCCP encontra-se voltado para

o futebol jogado na várzea paulistana.

Com a cidade de São Paulo ainda vivendo um clima de euforia em função da

visita, em setembro de 1910, do Corinthian’s team, um clube inglês de futebol, foi

fundado o SCCP. Esse fato foi anunciado nos periódicos que se preocupavam com os

esportes. Tanto O Estado de São Paulo, quanto O Comércio de São Paulo publicaram

uma nota remetida pelo clube recém-organizado, em que são apresentados os seguintes

dados: “Sport Club Corinthians Paulista — Com esta denominação supra fundou-se,

nesta capital, mais uma sociedade esportiva, com o fim de desenvolver o conhecido e

apreciado esporte bretão [...].”3

Esta nota ainda cita o nome dos componentes da diretoria eleita. Em outra

pequena notícia, acrescenta-se que o campo de treinamento e jogos do novo clube seria

na rua Ribeiro de Lima, situada no bairro do Bom Retiro.4 Enquanto isso, outro

importante periódico da cidade, o Correio Paulistano, apesar de preocupado com o

futebol, não noticiou a fundação do SCCP. Esse jornal, no momento, só dava espaço para

o futebol oficial.

Enfim, os periódicos que trataram da fundação do SCCP o fizeram da mesma

maneira que agiam quando da fundação de outros clubes que não detinham qualquer

influência política, social, cultural ou econômica. Depara-se, normalmente, com

telegráficas notas, informando o nome do clube, sua diretoria eleita e o esporte que

pretenderia praticar com mais especialidade; em poucos casos, encontra-se o local do

campo de treinamentos ou disputas, e o nome do bairro do referido clube. Tais

informações eram passadas para as redações pelo secretário da sociedade esportiva.5

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Já nos relatos acerca da fundação do SCCP feitos posteriormente, encontra-se

forte preocupação em mostrar a origem humilde do novo clube. Para Thomaz Mazzoni,

importante cronista esportivo e historiador do futebol brasileiro, de fato, as origens do

Corinthians encontram-se na várzea paulista. Ele afirma que “[...] em 1910, fundava-se

um outro clube de bairro [...]. O Corinthians nasceu no Bom Retiro, então típico bairro

de imigrantes italianos”.6 E, de fato, nota-se que entre os participantes da primeira

diretoria do clube, a presença de vários italianos ou descendentes destes, como também

diretores de origem portuguesa e ainda alguns brasileiros.

O mesmo Thomaz Mazzoni informa que “[...] as reuniões preparatórias se deram

num salão de barbeiro da rua dos Italianos, esquina com a rua Júlio Conceição, de

propriedade de Salvador Bataglia, irmão do presidente, e ali foi lavrada a primeira ata

de fundação [...]. A primeira sede provisória foi instalada na rua dos Imigrantes, 34 [...]

[no] bar e confeitaria de Afonso Desidério [...]”.7 Nesse texto de 1950, fica clara a

intenção de se mostrar um clube nascido sem nenhuma ostentação material. Muito pelo

contrário: nota-se uma ênfase nas dificuldades iniciais.

Além dos periódicos da época tratada e dos textos acerca da história do futebol,

depara-se com uma fonte importante. São relatos acerca da história do SCCP feitos,

geralmente, com o patrocínio do clube. Esses relatos serão tratados como uma

“literatura apaixonada”. Esta é caracterizada por ter como alvo um público muito bem

determinado, que são os torcedores do próprio SCCP. Independentemente de uma

verificação acerca da veracidade dos fatos narrados e das análises apresentadas,

observa-se uma construção que identifica o clube com alguns valores, que foram sendo

sedimentados com o passar dos anos. Tornou-se inevitável ligar o SCCP à ideia de uma

associação esportiva que sempre obtém conquistas em meio a muitas dificuldades. Faz-

se do resgate do passado um espaço para enfatizar todas as dificuldades que foram

surgindo e como cada uma foi sendo suplantada.

Não é tarefa tranquila perceber o exato momento em que esse “espírito

corinthiano” passou a ser aceito pelos esportistas em geral. Nesse sentido, é importante

a contribuição de Eric Hobsbawm quando afirma que “muitas vezes, ‘tradições’ que

perecem ou são consideradas antigas são bastante recentes, quando não inventadas”.8

Em uma das duas possibilidades — senão nas duas — deve estar a “literatura

apaixonada” e parte da história do SCCP. Da mesma forma, afirma o historiador inglês

que

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o termo “tradição inventada” é utilizado num sentido amplo, mas nunca indefinido. Inclui tanto as

“tradições” realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que

surgiram de maneira mais difícil de localizar num período limitado e determinado de tempo — às

vezes coisa de poucos anos apenas — e se estabelecem com enorme rapidez. [...]

Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita

e abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e

normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade

em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado

histórico apropriado.9

De fato, a “literatura apaixonada” produzida acerca e pelo SCCP aproxima-se do

conceito de “tradição inventada”. A constante repetição sobre as lutas e conquistas do

clube confirma, em parte, essa condição. Daí, o privilégio que alguns eventos

adquiriram e o clube não pode ser pensado sem que estes sejam citados e analisados.

Tem-se o exemplo da fundação do SCCP, fato necessariamente presente quando se faz

referência aos valores do clube.

Mas é importante pensar que essa fonte não perde sua força em função dos

limites apresentados. A questão da veracidade ou não das informações dadas torna-se

uma questão menor; o fundamental é perceber os valores que permeiam o SCCP e o

processo de apropriação da história do clube. Não importa se cada detalhe narrado

acerca de um evento foi ou não real, mas compreender o porquê daquela narrativa, com

suas múltiplas significações.

Observe-se, destarte, de que modo a fundação do SCCP é vista pela “literatura

apaixonada”. Note-se a riqueza de detalhes, possivelmente produto de uma escrita

romanceada. Num destes relatos encontra-se: E, toda vez que passavam num terreno grande, na rua José Paulino, Joaquim Ambrósio insistia na

ideia.

— A gente tem que resolver logo a fundação desse time. Estamos perdendo tempo e bem podemos

conseguir esse terreno ali para fazermos nosso campo. A gente procura os donos, fala com eles e tudo

fica certo.

No dia 1º de setembro, finalmente, a ideia tinha dominado a todos. O grupo reuniu-se na barbearia de

Salvador Bataglia e, sem muita discussão, foi eleita a primeira diretoria.10

Ou ainda: “No dia seguinte, estavam lá de novo. Era 1º de setembro de 1910 e os

cinco sonhadores [...] se reuniram com mais oito simpatizantes e fundaram ali mesmo,

sob a luz do lampião, um clube de futebol. O presidente seria Miguel Bataglia, mas

ainda faltava escolher o nome.”11

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Nessas narrativas percebe-se a preocupação em construir a imagem de um clube

formado em meio às dificuldades, inerentes aos setores populares da sociedade.

Enquanto os principais clubes de São Paulo, na mesma época, eram fundados em

luxuosos salões, restava ao SCCP ser organizado debaixo de um lampião de rua. E essa

versão marcou tanto o clube que hoje, na sua sede, encontra-se um lampião a gás, com o

intuito de mostrar as origens modestas de um grande clube.

Mas, de qualquer forma, não existem dúvidas de que o SCCP era um clube de

bairro, não sendo, portanto, ligado aos setores privilegiados da sociedade paulistana. Por

outro lado cabe imaginar: quem eram os fundadores e primeiros sócios do clube?

Grande parte dos que escreveram a história do SCCP, ou do futebol, parecem

convergir em alguns pontos. Thomaz Mazzoni afirma que “[...] muitos dos seus

fundadores eram empregados da S. P. R. (São Paulo Railway)”.12 Antônio Figueiredo

defende a mesma tese. Já Juca Kfouri é um pouco mais genérico ao afirmar que o

Corinthians foi “[...] formado por gente humilde, composta em sua maioria por

operários do bairro do Bom Retiro [...]”.13

Na obra de Robert M. Levine encontram-se divergências quando este afirma que

“[...] Em São Paulo, os engenheiros e administradores ingleses da ferrovia fundaram o

Corinthians em 1910, organizando o clube de maneira tradicional e apropriando-se do

nome de um time inglês bem sucedido, mas alistando atletas entre os trabalhadores

italianos do cais e entre outros operários, já conhecedores do esporte”.14

As informações de Levine conjecturam uma série de dúvidas e questões. Já não

se fala em operários fundando e organizando o Corinthians e sim de trabalhadores muito

considerados socialmente, já que eram funcionários qualificados. De certa forma isso

quebraria o espírito construído e guarnecido sobre o SCCP; o espírito do clube que

nasceu sob as mais humildes condições, principalmente econômicas. Há que se

relativizar essa informação, dado que o autor não informa de onde ela surgiu, nem a

demonstra. Mas deixa-nos sobressaltados ao afirmar categoricamente o caráter

exclusivamente popular do SCCP.

Não há garantias de que o SCCP sempre tenha vivido de forma modesta nos seus

primeiros anos de vida. Como, efetivamente, se dava a sustentação financeira do clube?

Seriam suficientes apenas as contribuições dos sócios? Poderíamos supor que os gastos

não fossem tão altos: o clube necessitava uniformes, um campo alugado e, mais tarde,

uma sede alugada, para não mais ocupar confeitarias ou bares.15

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Aparentemente, a dúvida quanto ao caráter essencialmente popular do

Corinthians se desfaz quando esse clube passa o período de 1910 a 1912 praticando o

futebol apenas nas várzeas paulistanas, sendo pouco citado nas seções esportivas dos

periódicos. O Correio Paulistano, por exemplo, em um ano do clube só publica quatro

pequenas notas. Esse periódico, com clareza, foi o que menos espaço deu para a prática

do futebol fora da LPF e, posteriormente, fora da Associação Paulista de Esportes

Atléticos, a Apea.

Acerca da questão da origem social dos fundadores do SCCP, recolheu-se um

artigo publicado num periódico especializado em esportes, que informa que Miguel

Bataglia (primeiro presidente do clube) era alfaiate e Alexandre Magnani (primeiro

vice-presidente), motorista de praça, que fazia ponto na Estação da Luz.16 Num outro

artigo, o jornalista diz ter descoberto “o último primeiro corinthiano”: Em 1910, o aprendiz de chapeleiro Caetano de Domenico trabalhava na fábrica do tio e, no fim da

tarde, batia bola com outros operários pelas ruas do Bom Retiro, mais precisamente na rua Júlio

Conceição com a rua dos Italianos.

[...]

Depois daquele jogo do Corinthians team não se falava de outra coisa no bairro, e o barbeiro Miguel

Bataglia, com alguns operários da fábrica, fizeram uma lista para fundar um clube e comprar uma

bola. [...]

Algumas semanas depois, o Sport Club Corinthians Paulista rumou para a Lapa a fim de realizar a sua

primeira grande partida, sua primeira grande aventura:

— Nós nos reunimos no Bom Retiro às quatro horas da madrugada — lembra seu Caetano — e fomos

a pé até a Lapa. Eu ajudei a carregar o saco de camisas, um saco de estopas, e cortamos caminho pela

Barra Funda. [...] No final da partida todo mundo se trocou num barracão e vieram embora, sem tomar

banho, sem nada.17

O depoimento de Caetano de Domenico, na época com 93 anos, traz

informações interessantes. Mais uma vez fala-se em operários formando o clube. Mas

fala-se também em Miguel Bataglia como um barbeiro, juntamente com seu irmão

Salvatore Bataglia.

Ressalte-se que dificilmente encontra-se qualquer texto em que não seja

colocada a origem social dos fundadores do clube. Falar da história do SCCP só tem

sentido, segundo o espírito construído conjuntamente pelo clube e pela imprensa

especializada, quando são citados os humildes operários fundadores de uma sociedade

esportiva. Novamente se tem a história do clube sendo apropriada. Observem-se nesse

sentido, alguns depoimentos interessantes por se tratarem de pessoas que viveram os

primeiros anos do clube.

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Neco só ficou sabendo que era um craque muitos anos depois de abandonar o futebol. Para ele, jogar

era um prazer que valia bem mais do que os 2 mil réis que pagava por mês ao Corinthians, ou do que

o dinheiro que pedia à mãe e que servia para lavar as camisas do time ou pagar o bonde para os

jogadores irem aos estádios [...].

“Eu poderia ter ficado rico com as propostas que recebi, mas dinheiro nenhum me fazia trair o

Corinthians. Não faz mal que tivesse de trabalhar como carpinteiro o dia inteiro para depois ir treinar

ou jogar”.18

Na fala de Neco19, o senhor Manuel Nunes, nota-se que os jogadores ajudavam

na sustentação financeira do clube, mas não sem apontarem as dificuldades em fazer

essa sustentação. Importante também é saber que Neco trabalhava como carpinteiro.

É da mesma forma esclarecedora a fala de Antônio Pereira, um dos fundadores

do clube, quando afirmou em 1974: “A gente não tinha dinheiro, apenas vontade de

fundar um time. [...] O começo foi difícil, sacrificado.”20

Antônio Pereira, com 22 anos à época da fundação do SCCP, não destoa de Neco:

reafirma-o. O sr. João Morino também viveu o SCCP desde os seus primórdios. Era o

cobrador do clube. Seu depoimento, de 1952, não foge ao já visto: Faltava dinheiro para tudo. O fardamento, nós o conseguíamos com grande dificuldade num bazar da

rua São Caetano. E toda a vez que havia a necessidade de reformá-lo, se fazia um rateio entre os

diretores e associados. É curioso observar que, em nossas dificuldades iniciais, teve o Corinthians

sempre um grande amigo, Antônio Pereira. Era, como ainda o é hoje, um homem modesto, simples.

Entretanto, como pintor, ganhava mais que qualquer um de nós. E todas as vezes que o rateio não

dava para completar o numerário suficiente para a compra, era ele quem entrava com a diferença

[...].21

Notem-se os fatos recordados por Alexandre Magnani, que foi o segundo

presidente do clube, tendo trinta anos de idade quando ajudou a organizar o SCCP. Aliás,

a mesma idade de João Morino. — Eu bem gostaria de rememorar, para vocês, todo o passado do nosso querido Corinthians. Porém, a

memória já não me ajuda... Quem diria que aquele clubinho tão pequeno, lutando com mil e uma

dificuldades para se manter, viria a ser o que é no momento? Para mim isso não passa de um

agradável sonho. [...]

— A vida do Corinthians é cheia de capítulos interessantes. No início, tudo foi difícil. Sendo um clube

formado por operários, somente se poderia encontrar dificuldades, pois o dinheiro era pouco.22

Nesse depoimento de 1952, Alexandre Magnani admite que não consegue se

lembrar de tudo o que aconteceu. Mas coloca novamente a ideia de uma sociedade

esportiva que caminhou sempre em dificuldades nos seus primeiros anos de vida. João

Morino, como se viu, não foge à regra.

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A partir dos relatos apresentados, é possível se concluir que, de fato, o SCCP se

tratava de mais um clube de bairro, fundado por trabalhadores — inclusive braçais —,

que também desejavam praticar o esporte bretão de forma organizada. O clube passou

por dificuldades econômicas e, com toda certeza, não foi o único a passá-las.23 Mas,

essas informações e depoimentos servirão para se levantarem reflexões que

fundamentam a história do SCCP.

A fundação foi um momento que muito preocupou a memória sobre o SCCP.

Como se viu, são amplos os relatos que se referem a esse evento. Pode-se dizer que tal

evento marca profundamente o espírito que simboliza o clube. Porém, algo intrigante

ocorre. Muito pouco se conhece do período que vai da fundação, em setembro de 1910,

até o ingresso na LPF, em março de 1913. Os depoimentos caminham em um mesmo

sentido quando se referem a esse momento, colocando-o como de grandes dificuldades

econômicas para o SCCP. Mas, paradoxalmente, nada mais se informa. Poucas notas

encontradas nos periódicos da época são acessíveis. No entanto, como entender o

silêncio dos memorialistas do Corinthians?

O que torna esse silêncio mais intrigante é o fato de o SCCP tomar esse período

de sua vida como muito importante, pois nele foi possível se perceber a fibra dos

diretores, jogadores, sócios e simpatizantes na defesa do clube. E o que se observa, no

âmbito das informações, são só dados genéricos e repetitivos. Diz-se apenas que o SCCP

militou no futebol de várzea da cidade de São Paulo. Mas não se informam quais jogos

disputou, se participou de campeonatos entre clubes de bairro, como se sustentava

materialmente, entre outras coisas. Tem-se a impressão de que o período citado se trata

da “pré-história” do clube, que este só passa a existir para a história do futebol da

cidade, e até de si mesmo, quando ingressa na entidade oficial que organizava o futebol

em São Paulo. Reforça a ideia o fato de o clube só ter guardado as atas de assembléias e

outros documentos após o ingresso na LPF. Inclusive, um novo estatuto foi produzido

em 1913. Mas, não se deve esquecer de que o ingresso no futebol oficial traz consigo

obrigações legais.24

A apresentação de dados sobre esse período é útil. Observem-se alguns: Um pequeno clube como outro qualquer, mas no segundo ano de vida começou a obter projeção entre

as centenas de grêmios de sua categoria. [...]

Os primeiros tempos do Corinthians foram de atividade varzeana, a exemplo de tantos outros

pequenos clubes, e perderam-se no anonimato. Estava longe ainda ao completar seu primeiro ano de

vida, de ter a fama do Domitila, Aliança, Parnaíba, Argentino, Diamantino etc.25

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Ou ainda: “Muito cedo começou a ganhar nome o clube, tornando-se, meses

depois, o campeão dos clubes não filiados à Liga Paulista de Futebol.”26

Ambos os relatos pouco acrescentam sobre o período 1910—1912. Enfatiza-se a

ideia de um clube de bairro que se destacou dos demais, talvez pela sua competência

técnica e organizativa. Thomas Mazzoni e Antônio Figueiredo, respectivamente os

autores dos trechos apresentados, preocupam-se ao demonstrar o quanto o SCCP

progrediu. E, levando-se em conta que os famosos clubes da época tratada surgiram em

faustosos banquetes, torna-se ainda mais significativo o progresso do SCCP. Porém, os

dois historiadores do futebol pouco acrescentam, como os dados dos primeiros jogos

disputados pelo clube do Bom Retiro.

Dentro da “literatura apaixonada”, as diferenças são mínimas. Fala-se em

dificuldades econômicas, são citados os dois primeiros jogos e essas referências se

perdem em generalizações. Veja-se esse relato: “Fundado o clube, começou a luta. De

1910 a 1913, três anos de competições e de glórias. Fervia nos pioneiros o desejo

enorme de se afirmar, de subir, não obstante sempre houvesse gente que meneasse a

cabeça e dissesse: ‘Não.’ Um treino, o jogo inicial na várzea.”27

E os relatos nesse sentido poderiam ser facilmente multiplicados. De fato, se

percebem pequenas modificações na forma de descrever o período 1910—1912, no

entanto, o conteúdo é no essencial o mesmo.

Serão os periódicos diários que preencherão, em parte, esse vácuo de

informações. As pequenas notas acerca do SCCP continuariam esparsas e telegráficas.

Mas ajudaram, no sentido de algumas construções sobre o clube do Bom Retiro. Nota-

se, por exemplo, que se joga quase todos os domingos, não sendo poucos os jogos

anunciados nos jornais. Em 1911, O Estado de São Paulo anunciou a realização de oito

jogos do SCCP, contra os seguintes clubes: União da Lapa, Argentino, Parnaíba,

Cambridge, Minerva, terceiro time da A. A. das Palmeiras, A. A. Lapa e o Corinthians

Football Club campineiro.28

Dois desses jogos despertam o interesse. Primeiramente, aquele contra o terceiro

time da A. A. das Palmeiras, associação esportiva formada por jovens oriundos das

classes proprietárias de São Paulo. Se o preconceito contra os setores populares, por

parte dessa elite, foi tão grande, como entender tal fato? Por que a A. A. das Palmeiras

não procurou um clube de sua classe social para disputar uma partida de futebol? O que

estava em jogo na sua escolha? Sem problemas o clube sediado na rua das Palmeiras

poderia ter travado um embate esportivo com o C. A. Paulistano, ou com o São Paulo

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Athletic Club. Como já se viu, talvez seja possível deduzir que a separação entre o

futebol oficial e o futebol extraoficial não fosse tão radical. O mesmo Corinthians, em

abril de 1913, disputaria um jogo contra o C. A. Paulistano, clube defensor de uma

prática elitizada no futebol. Inclusive, em abril de 1913 é o momento da fundação da

Apea, que nasce com o intuito de não permitir que os clubes de elite disputem

campeonatos com clubes populares.

A outra partida interessante, disputada em 1911, foi contra o clube Corinthians,

da cidade de Campinas. Nessa partida, jogada no campo do adversário, importa notar

que o SCCP já era solicitado para jogar fora da cidade de São Paulo. Entre outras

significações, se percebe que o clube recém-fundado já travava um intercâmbio com

outras cidades do estado e que, portanto, era conhecido além das fronteiras da capital.

Tem-se, ainda, que um clube de outra cidade se dispunha a pagar as despesas,

notadamente de transporte ferroviário, para poder disputar um jogo. Por outro lado,

também é significativa a existência de outro clube com o nome de Corinthians. E não é

caso único, se pensarmos que em Jundiaí havia também um Corinthians. Daí a

compreensão do fascínio que a visita do Corinthian’s team, de Londres, trouxe para os

paulistas e cariocas, nas suas duas visitas, em 1910 e 1913.

Tomando-se como base as informações dos periódicos, o SCCP continuou, em

1912, o intercâmbio esportivo iniciado em 1911. São sete os jogos anunciados pelo O

Estado de São Paulo e pelo Correio Paulistano.29 Esses jogos foram disputados com os

seguintes clubes: Paulista (de Jundiaí), Botafogo, Minas Gerais (em dois jogos),

Maranhão, Vila Mariana e Concórdia.

Aqui também são dois jogos que chamam a atenção. O primeiro, contra o

Paulista de Jundiaí, por motivos já mencionados, ou seja, o SCCP frequentando o interior

paulista, em viagens que se iniciam às seis horas, na Estação da Luz, chegando de trem

no meio da manhã. Os jogadores são recebidos festivamente e, após o almoço, praticam

o futebol. O time volta no mesmo dia para São Paulo. No mais tardar, na segunda-feira

cedo. Outro jogo intrigante é o contra o Botafogo. Esse clube, na “literatura

apaixonada” e nos depoimentos dos primeiros sócios do SCCP, aparece como antecessor

do próprio SCCP. Narra-se que havia no Bom Retiro um clube de futebol muito

briguento chamado Botafogo. E que, em virtude de tantas brigas, o delegado de polícia

da região resolveu fechá-lo. Logo após esse fato, funda-se o SCCP, espécie de espólio do

Botafogo. Mas o interessante é que o tal Botafogo, a A. A. Botafogo, com campo na rua

Paula Souza — próximo à Estação da Luz —, continuava a existir. E, de fato, o SCCP

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era muito ligado ao Botafogo. Tanto que os jogadores eram os mesmos. Até 1916, nota-

se que os times são praticamente iguais.

A informação de que os jogadores do SCCP também praticaram o futebol por

outros clubes, concomitantemente, revela algumas conclusões. Antes de tudo, é fato de

que não havia rigidez na organização do futebol informal, na qual o jogador, excetuando

jogos de campeonatos, jogava em vários clubes na mesma época. Isso quando não eram

vários embates no mesmo dia. Por outro lado, reforça a ligação que o SCCP tinha com o

futebol varzeano. Essa ligação fica ainda mais clara quando se consulta a biografia de

alguns jogadores que passaram pelo clube. Observem-se alguns dados apresentados em

1918 por Leopoldo Sant’Anna: Américo Fiaschi — 1896 — São Carlos (S. Paulo)

Este afamado extrema corinthiano começa a jogar futebol no União da Lapa, pertencente à segunda

divisão da Apea, em 1910. Jogou depois em outros clubes suburbanos da Paulicéia, vindo a fixar-se,

em 1913, na primeira equipe do Corinthians Paulista [...].

Amílcar Barbuy — 1893 — Rio das Pedras (S. Paulo)

Iniciou-se no futebol numa equipe de arrabalde de S. Paulo, o Belo Horizonte, passando logo pelo

Botafogo, também suburbano da Paulicéia, onde se conservou por três anos, salientando-se desde logo

como ágil forward. Do posto de center forward do Botafogo se transferiu, em fins de 1912, para o

Corinthians [...].

Francisco Sant’Anna — 1896 — S. Paulo

Iniciou-se no futebol em clubes secundários, passando depois a defender as cores do Corinthians, no

segundo time [...].30

E se fosse possível recolher todas as biografias dos atletas que defenderam o

SCCP nos seus primeiros anos de vida, se encontraria essa mesma realidade, ou seja,

jogadores advindos de clubes varzeanos da cidade de São Paulo. Não é gratuito,

portanto, que narradores dos fatos que cercam o clube do Bom Retiro, entendam o SCCP

como uma seleção da várzea paulistana. É uma tese aceitável.

Mas, se por um lado os periódicos anunciavam a realização de alguns jogos do

SCCP, que permitiram as reflexões feitas há pouco, por outro, não informam, os mesmos

jornais, maiores detalhes das partidas realizadas. Por causa disso, não se conhece

nenhum resultado desses embates esportivos, pelo menos através da imprensa escrita.

Inclusive, não se tem garantias que, de fato, todos esses jogos foram efetivados. O SCCP

continuou a não ter espaços significativos nos periódicos. Estes preferiam dar espaço a

campeonatos internos dos clubes de elite. Era mais interessante informar, por exemplo,

sobre disputas entre os associados da Associação Atlética das Palmeiras. E o clube do

Bom Retiro apenas apareceu mais quatro vezes nos noticiários, entre 1911 e 1912,

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quando foram anunciados três treinos e uma assembleia geral, com o intuito de se eleger

uma nova diretoria.

Existe ainda um evento que marca a trajetória do clube em 1912 e que não é

tratado na imprensa. Trata-se da tentativa frustrada do SCCP ingressar na LPF. Não

existem maiores dados e são poucos os textos que trabalham com esse fato. Mesmo a

“literatura apaixonada” pouco diz. Veja-se o que afirma Antônio Figueiredo: “A sua

primeira tentativa de filiação à Liga Paulista na vaga do S. C. Internacional, que se

havia retirado, foi frustrada, visto esse clube tornar à Liga.”31

Esse fato implica que o SCCP já preparava a sua entrada para o futebol oficial de

São Paulo, que certamente obrigou-o a iniciar um processo de mudanças no sentido de

adaptar-se a essa nova realidade. Ou seja, concessões necessárias, realizadas pelo clube

do Bom Retiro, com o intuito de facilitar seu acesso à organização do futebol oficial.

Deve-se estar atento, também, para a compreensão desse processo enquanto uma

conquista do clube. Mas isso será tratado no capítulo seguinte.

Enfim, desta forma transcorreram os primeiros anos de um clube de bairro da

cidade de São Paulo, que consegue sobreviver e se sobressair dos demais clubes

varzeanos. Ainda que não haja informações significativas para se caracterizar bem essa

sobrevivência. Dados dispersos apontam uma situação de crônica dificuldade

econômica. Por outro lado, é importante a percepção da maneira como a “memória

oficial” do clube se apropriou da história desse período. Desde os mais antigos relatos e

depoimentos sobre o SCCP até os mais contemporâneos, é possível notar uma narração

que contêm as mesmas situações, a partir de um fio condutor comum. Têm-se sempre,

nessas narrativas, operários de um bairro de trabalhadores, o Bom Retiro, que

fascinados pela presença de um grande clube inglês, o Corinthian’s team, e

influenciados pela importante expansão da prática do futebol na cidade de São Paulo,

resolvem organizar um clube. Entretanto, foram muitas as dificuldades econômicas e as

de caráter social, por se tratar de um clube de bairro. Essas dificuldades foram

enfrentadas com um invejável espírito de luta. Mas essas explicações acerca dos

primeiros anos de vida do clube não tecem maiores detalhes. De qualquer forma,

percebe-se parte de um processo de destruição da separação oficial entre a prática do

futebol entre as elites e a prática popular do mesmo esporte. Enquanto o futebol

extraoficial já não podia oferecer mais nada ao SCCP, ao mesmo tempo a prática do

futebol oficial não comportava continuar excluindo as camadas populares do seu seio.

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4

O SCCP NO FUTEBOL OFICIAL: 1913—1916

Dois eventos foram significativos na história do SCCP, no período compreendido

entre 1913—1916. Primeiramente, tem-se o ingresso do clube no futebol oficial, em

março de 1913. Esse fato propiciou uma polêmica na imprensa, acerca de quem deveria

ou não participar da LPF. Vale ressaltar que a imprensa reproduzia o debate travado nos

meios esportivos da cidade. Outro evento desnuda o elitismo que continuava marcando

o futebol oficial em São Paulo: em 1915, o SCCP foi aceito na nova entidade, a Apea,

mas acaba cedendo seus jogadores apenas para os clubes dessa associação, não sendo

permitido seu acesso ao campeonato. De certa forma, esses eventos associaram-se ao

fato de que o SCCP, a partir de um embate interno, começava a mudar seus ideais e

perspectivas e não desejava mais ser um clube de bairro, mas um clube da cidade. O

SCCP, em fins de 1916, já se tornara uma referência importante para o futebol de São

Paulo.

O desejo de participar do futebol oficial e a sua efetivação fizeram o SCCP

percorrer caminhos que, possivelmente, destoariam dos seus primeiros anos de vida. Em

outras palavras, não se tem garantias de que os mesmos operários fundadores,

organizadores e administradores do clube continuariam a influenciar, de forma decisiva,

os destinos do SCCP. Tal questão advém principalmente do depoimento do jogador Neco

veiculado pela Folha de S.Paulo: Há ainda a história de sua briga com Manuel Domingos Corrêa, que acabou sendo o 18º presidente do

Corinthians. A briga começou em 1913, quando o Corinthians jogou contra o Minas Gerais, para

saber quem entraria na Liga Paulista de Futebol. Ao entrar em campo, Neco que tinha 16 anos, ouviu

alguém gritar que o Corinthians era time de carroceiro. Tirou a cinta e correu para cima do homem.

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Foi uma confusão tremenda. “Domingos era homem rico, dono de uma loja de cofres. Depois da nossa

briga nunca mais o vi, até o dia em que entrei no Parque São Jorge e ele era tesoureiro. Fiquei triste,

pois nem ao menos o homem era corinthiano e só estava lá por causa do dinheiro que tinha.”1

Mesmo com a informação de que o Parque São Jorge só se tornaria sede do SCCP

no fim dos anos 20, num momento em que aquele clube, fundado no Bom Retiro em

1910, já estava profundamente modificado, é possível compreendermos o que motivou a

tristeza de Neco. Ele ajudou a construir uma sociedade esportiva e cultivou por ela um

afeto significativo. Entretanto, a percepção de que muitas pessoas entravam no clube

com interesses contrários aos de quem desejava servi-lo, explica, em parte, a angústia

do jogador.

Parece-nos que, principalmente após 1913, com a entrada do SCCP na LPF, a

dinâmica do clube sofreu modificações. Novos jogadores, que não aqueles que viveram

os primeiros momentos do clube, chegavam para jogar e não havia garantias de que

participariam das instâncias de decisão. Ainda que seja possível perceber, através da

leitura das atas das assembleias realizadas pelo clube, que os jogadores deveriam ser

sócios e, portanto, participar das assembleias, porém, nunca da diretoria. Em 1913, o

SCCP recebe Américo Fiaschi, jogador nascido em 1896, em São Carlos (SP). Segundo

informa Leopoldo Sant’Anna, esse jogador começou a prática do futebol no clube

União da Lapa e “[...] jogou depois em outros clubes suburbanos da Paulicéia, vindo

fixar-se, em 1913, na primeira equipe do Corinthians Paulista [...]”.2

Antônio Figueiredo, em 1918, discute o crescimento do SCCP, dando algumas

informações significativas, quando diz que: O Corinthians, apesar de pobre, tem feito progressos devido aos esforços ingentes de suas diretorias,

de 1914 para cá. Pode-se dividir em três fases os progressos deste Clube: progresso esportivo devido

ao sr. Casemiro González; progresso moral devido aos esforços do seu ex-presidente sr. Ricardo de

Oliveira e progresso financeiro devido ao espírito ativo e econômico do sr. João Baptista Maurício

[...].3

Torna-se fundamental compreender o que significaram tais progressos para o

momento que se está tratando, referentemente aos clubes esportivos. Seria possível

afirmar que um objetivo relevante da maioria dos clubes era montar um time com bons

jogadores, que os levasse à condição de vencedores. Ora, cabe indagar: como contar

com equipes competitivas, capazes de vencer os adversários e conquistar os cobiçados

troféus e medalhas, oferecidos por ilustres cidadãos paulistanos ou pelas entidades

organizadoras do futebol? Como conquistar a admiração das senhoritas que

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frequentavam os campos de futebol? Já se afirmou anteriormente que a prática da

“cavação” era comum na procura de novos atletas.

Por outro lado, no trecho citado de Antônio Figueiredo, o sr. Casemiro González

é considerado o responsável pelo progresso esportivo que o clube atingiu. Mas como o

atingiu? Existiam, pelo menos, dois caminhos que poderiam fazer com que esse tal

progresso se concretizasse: modificar de forma substancial as táticas de prática do

futebol e/ou atrair novos jogadores, para o clube, de melhores condições técnicas do que

os que estavam no clube. Efetivamente, o SCCP lançou mão dos dois caminhos. Pode-se parecer estranho aos mais jovens, que Amílcar figure no comando de ataque desse quadro que

acabo de citar. Mas o famoso jogador entrou no Corinthians pela minha mão. Grande rapaz. Educado,

cordato e sereno, vi nele qualidades de craque consumado. Primeiramente jogou no comando da

ofensiva, mas posteriormente houve a permuta; ele passou para o centro da intermediária, isso em

1917.4

Nesse depoimento de Casemiro González, diretor esportivo do SCCP de 1912 a

1914, nota-se, de fato, os dois caminhos seguidos pelo clube. Tanto se sabia qual a

função que um atleta tinha que exercer na equipe para render o máximo possível, como

se era capaz de reconhecer um bom jogador de futebol e fazê-lo vir jogar no SCCP. Mas,

como o clube atraía esses atletas para virem praticar o futebol em suas fileiras?

A “cavação” utilizada pelos clubes que tinham vantagens a oferecer, em nível

material, não poderia ter sido o caminho, senão o SCCP estaria maculando todo o mito da

pobreza, que marcou a história do clube, nos seus primeiros anos. Além disso, a

capacidade de “cavação” de um clube mais rico era muito maior do que a de um clube

menor; e, por essa lógica, os melhores jogadores continuariam nos clubes mais ricos. A

não ser os jogadores que fossem indesejáveis para os clubes de elite, dadas as suas

origens sociais nem sempre compatíveis com a expectativa dos clubes ricos.

Os primeiros times do SCCP, principalmente a partir de sua entrada no futebol

oficial da LPF em 1913, eram compostos por jogadores vindos de clubes de bairro. Mas,

por que teriam vindo jogar no SCCP?

Após a entrada do SCCP na LPF, essa questão fica mais fácil de compreender

dado que o prestígio do clube deve ter aumentado de forma vertiginosa. Portanto, seria

muito interessante para um esportista jogar em um clube em ascensão; principalmente

se tal jogador, em virtude dos preconceitos da época, não tivesse acesso aos clubes de

elite, mesmo sendo um bom atleta.

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Todavia, para o Corinthians ingressar na LPF foi necessário organizar uma

equipe que pudesse vencer os adversários, que também almejavam a vaga colocada em

disputa. Então, pergunta-se, como foi possível montar essa equipe? Segundo Antônio

Figueiredo, “muito cedo começou a ganhar nome o Clube, tornando-se meses depois, o

campeão dos clubes não filiados à Liga Paulista de Futebol”.5 Ou seja, encontra-se aqui

uma informação confirmada por quase todos os textos que tratam da memória do clube:

desde os primeiros jogos, o Corinthians tornou-se imbatível. E a um clube que havia se

tornado invencível entre os clubes varzeanos, só restaria almejar o Velódromo.

Portanto, ou o SCCP se constituiu num polo naturalmente aglutinador de bons

atletas ou, de forma intencional e construída, atraiu jogadores. Ainda que exista a

possibilidade das duas condições terem coexistido.

Já quanto ao progresso moral atingido pelo SCCP, uma série de questões podem

ser suscitadas. Tal progresso, segundo Antônio Figueiredo, deve ser creditado ao sr.

Ricardo de Oliveira. É difícil definir o que, efetivamente, significou o progresso moral.

Analisando como se organizava o futebol em São Paulo, e seus valores, caminha-se no

sentido de alguma conclusão. Normalmente, os clubes que participavam do futebol

oficial na cidade, notadamente os vinculados à Apea, consideravam que os clubes e

times da população trabalhadora eram incapazes de conviver harmoniosamente no

Velódromo, ou em outro campo oficial. Os populares, ainda segundo tais clubes de

elite, não se portariam com a “boa educação” necessária. E os clubes e dirigentes

esportivos os discriminavam, apresentando fatos que, segundo eles, confirmavam suas

teses: jogadores violentos que agrediam adversários fora do instante da disputa da bola;

atletas que não eram disciplinados a aceitarem com serenidade a vitória do outro time;

torcedores que gritavam palavrões e vaiavam atletas e juízes. Enfim, a participação

popular trazia consigo esses males para o futebol e esses deveriam ser extirpados.

Portanto, para os organizadores do futebol oficial e para a parcela da imprensa

preocupada com esse esporte, o SCCP, antes de qualquer averiguação, seria um clube

“indisciplinado”, marcado por péssimos costumes. Cabia, então, aos dirigentes do clube

tentar desfazer essa imagem pré-concebida. Cabia ao SCCP mostrar o quanto ele seria

capaz de conviver com o “melhor” da sociedade paulistana. Parece que duas atitudes

tiveram o intuito de mostrar a capacidade do clube em participar do futebol oficial. A

primeira tratou-se do cuidado que o clube teve ao disputar os jogos eliminatórios para

tentar o seu ingresso na LPF. Como se verá adiante, parte da imprensa paulista ficou

admirada com a educação esportiva e social dos jogadores e associados do SCCP. A

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outra atitude tomada caminhou no sentido de tirar do Corinthians o seu caráter de clube

de bairro ou dos arrabaldes. Para isso, o presidente recém-eleito e empossado, sr.

Ricardo de Oliveira, resolveu, em outubro de 1914, mudar a sede do Bom Retiro para a

rua dos Protestantes, na região central da cidade. Os sócios mais velhos reclamaram

como se vê nessa descrição de uma assembléia geral do clube: “Diz, de início [o sr.

Ricardo de Oliveira], que a diretoria resolveu mudar repentinamente a sede, sem

consultar a vontade dos associados, porque o estimado ex-presidente A. Magnani,

proprietário da confeitaria da rua dos Imigrantes, onde o clube ocupava uma sala, a

tinha vendido, e o novo proprietário desejava, no mais breve tempo possível, o prédio

todo desocupado”.6

A argumentação do presidente apresentava uma situação de emergência, mas

que não justifica o fato de a sede do clube ter-se transferido do Bom Retiro para o

centro da cidade. Sintomaticamente, em nome dos ideais de fazer o clube progredir

moralmente, o novo presidente não se preocupou em consultar “a vontade dos

associados”. De fato, o interesse deles foi ignorado, tanto que o associado Anselmo

Corrêa, na mesma assembleia, “[...] diz que o desejo de muitos associados é manter a

sede do clube no bairro onde ele nasceu [...]”.7

Porém, em outra assembleia, o sr. Ricardo de Oliveira deixou mais clara a razão

de a sede ter ido para o centro da cidade: “Responde o sr. Ricardo, dizendo que a

diretoria transferiu o clube para a atual sede foi por conveniência social e mesmo para a

elevação moral do clube que, como todos os sócios sabiam, era injustamente difamado

por clubes e inimigos, que não podendo vencê-lo no campo de luta orgulhavam-se em

difamá-lo, e mesmo para colocar-se na altura dos clubes congêneres”.8

Enfim, o almejado progresso moral foi a tentativa de transformar o SCCP numa

associação esportiva “confiável” aos olhos dos administradores do futebol em São

Paulo.

Tem-se, também, o chamado “progresso econômico”. Em 1915, ano em que o

SCCP viveu uma crise econômica séria — como se verá adiante —, surge o sr. João

Baptista Maurício, que chega a emprestar dinheiro para o clube saldar as dívidas. Foram

400 mil réis, que contribuíram para amainar um déficit de 552 mil réis. Em março de

1916, J. B. Maurício foi eleito presidente do clube. Na sua gestão, o SCCP arrendou da

prefeitura um terreno na Ponte Grande, de 13 506 metros quadrados. Esse terreno foi

conseguido graças à intervenção dos vereadores Oscar Porto e Alcântara Machado.9 Sob

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a presidência do Sr. J. B. Maurício, aparentemente, o clube passou a viver momentos de

estabilidade econômica. Difícil é determinar as razões do fato.

Enfim, os chamados progressos esportivo, moral e econômico estavam presentes

de fato na vida do SCCP e cumpriram o papel de transformar os destinos do clube. É

possível afirmar que o clube nascido no Bom Retiro estava praticamente

descaracterizado em fins de 1916, se comparado ao Corinthians que apenas militava no

futebol informal da cidade de São Paulo.

Até março de 1913, quando o SCCP entra para a LPF, a imprensa lhe dedica

poucos espaços. Isso acarreta, como já se observou, um grande hiato nas informações

sobre o clube. Os dados são esparsos e insuficientes. Com o ingresso do clube no

futebol oficial, as informações passaram a ser mais sistematizadas, permitindo uma

maior clareza sobre a história do SCCP. Polêmicas travadas nos periódicos, envolvendo o

clube do Bom Retiro, foram esclarecedoras. Como a polêmica criada com o evento da

entrada do SCCP na LPF, que a seguir vai ser narrada e analisada.

4.1

A ENTRADA DO SCCP NA LPF: 1913

O São Paulo Athletic Club, famoso clube da época enfocada neste trabalho,

formado apenas por ingleses, desistiu de disputar o campeonato da LPF em 1913. Em

virtude do fato assinalado, surgiu uma vaga na LPF. Esta, como já fizera antes, abriu

inscrições para os clubes de São Paulo que quisessem participar de um torneio

eliminatório, no qual seria escolhido o novo ocupante da vaga. Segundo o jornal O

Comércio de São Paulo: Com a saída do S. Paulo Athletic Club, verificou-se uma vaga na Liga. Não haverá em São Paulo um

clube que se apresente? Entre nós não são poucas as associações que se dedicam exclusivamente ao

esporte do futebol: há milhares de clubes regularmente organizados e que têm elementos capazes de

uma bela figura no campeonato paulista. Mas, estes não se apresentam: sempre lhes falta alguma coisa

que a Liga exige [...].10

Essas poucas linhas são reveladoras quando informam que não eram poucos os

clubes de futebol em São Paulo, mas que a LPF não tinha interesse em que eles

participassem. Enfim, criavam-se tantos empecilhos, que os clubes até desejavam

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ingressar na LPF, mas esta se fechava. Porém, poucos dias depois, o mesmo periódico

volta a tratar do assunto, dizendo que A Diretoria da Liga nomeou uma comissão especial encarregada de dar parecer sobre o valor dos

times concorrentes. O ato da Liga cuidando com interesse da substituição que quer dar ao time inglês,

só nos merece elogios. Parecia a nós, e assim o entendeu a Liga, que a simples prova eliminatória não

será suficiente para assegurar a entrada de qualquer clube no seu seio uma vez que o métier, a sua

prática, embora perfeita, não é completa recomendação para um sportman: é preciso que a par da

educação esportiva esteja a educação social: aquela sem esta, mata o esporte e desorganiza as

agremiações.11

Como se pode perceber, a posição do jornal era clara: ele desejava que a vaga

fosse preenchida pois existiam inúmeros clubes com competência esportiva para

assumi-la. Por outro lado, o periódico entendia que a direção da LPF tinha regras muito

severas, que impediam, na prática, que uma equipe ingressasse naquela entidade

esportiva. Por fim, ficou satisfeito o jornal ao tomar ciência de que a LPF iria abrir um

processo com o intuito de preencher a vaga existente. Porém, o cronista esportivo não

deixou de dar importante conselho: que o futuro ingressante fosse educado nos âmbitos

esportivo e social. E foi além quando recomendou “que a comissão de sindicância pese

bem a sua responsabilidade e não leve para o seio da Liga um elemento de perturbação

da ordem; desigual que ele seja é dito, para, senão desorganizar a agremiação, ao menos

torná-la desprezada pelo público paulistano”.12

Ou seja, o que preocupou uma parcela da imprensa paulistana e dos meios

esportivos foi a possibilidade de uma equipe chegar à vitória nos jogos eliminatórios e

ser uma “perturbadora da ordem”, caracterização essa muito ampla, mas que atingiu

certeiramente os setores populares da sociedade paulistana. Deve-se estar pensando nas

pessoas que, de um modo ou de outro, contestam a organização econômica, cultural,

política e social, que lhes foi imposta.

Quatro foram os clubes que se inscreveram para participar das eliminatórias: São

Paulo Football Club (sem relação com o atual São Paulo F. C.), da Bela Vista; São

Paulo Railway Football Club, da Luz; Minas Gerais Football Club, do Brás e Sport

Club Corinthians Paulista, do Bom Retiro. Feito o sorteio, os jogos que inicialmente se

realizariam seriam: São Paulo F. C. contra São Paulo Railway, e SCCP contra Minas

Gerais F. C. Os vencedores jogariam a partida decisiva e o vencedor ficaria com a vaga.

Aliás, isso é o que a comissão de sindicância da LPF iria decidir. Portanto, o clube

vencedor não estaria automaticamente dentro da LPF. Tal comissão detinha a

prerrogativa de aconselhar a não entrada de um clube, alegando alguma

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incompatibilidade com os estatutos da entidade. Nos estatutos da Liga havia, por

exemplo, a condenação dos atletas profissionais. Não há dúvidas de que tais

julgamentos tinham um caráter subjetivo.

Vale a pena observar como esse evento é visto pela “literatura apaixonada”.

Nessa, as análises acerca desse fato são claras: a LPF era elitista e iria evitar, a todo

custo, que o SCCP, um clube humilde formado por operários, ingressasse naquela

entidade. Neste trecho, Antônio de Almeida assim explica como o SCCP foi tratado

quando reivindicou sua entrada para o futebol oficial: Havia uma vaga na Liga Paulista de Futebol. Os corinthianos imediatamente procuravam conquistá-la

alegando não só a boa organização que possuía o clube do povo, como também o poderio técnico e

disciplinar que sua equipe havia demonstrado. Mas os inimigos do Corinthians estavam dispostos a

não deixar o clube de operários ingressar na divisão principal. Inúmeros obstáculos foram colocados à

frente da gente corinthiana no intuito de desanimá-la. [...] O que fizeram então? Idealizaram uma

eliminatória, certos de que o Corinthians não passaria por ela.13

Aqui não houve a preocupação em citar que as eliminatórias faziam parte dos

estatutos da LPF quando mais de um clube desejasse participar do campeonato paulista.

Foi dessa forma que, em 1910, o C. A. Ypiranga ingressou na entidade organizadora do

futebol em São Paulo. Ou seja, esse processo não foi criado com o intuito de prejudicar

o “clube do povo”. Segundo a “história oficial” do clube, também outras formas foram

utilizadas para evitar a presença do SCCP na LPF. Note-se este relato: Houve um sorteio para se ver qual seria o primeiro adversário do Corinthians. Quis a sorte que

enfrentasse o Minas Gerais. Os inimigos do Corinthians sorriam satisfeitos e afirmavam que o Minas

Gerais eliminaria o quadro dos operários, impondo-lhes uma surra inesquecível. A seguir, caberia ao

Minas Gerais jogar com o São Paulo Esporte Clube, já na festa de confraternização pela eliminação do

clube corinthiano [...]. Quanto ao Corinthians, ficaria à margem. Isso era o que eles pensavam. Era o

que eles queriam.14

No fragmento apresentado, Antônio de Almeida15 constrói uma explicação

pouco esclarecedora e no sentido de acreditar que o SCCP tinha “inimigos” por ser um

clube de operários. Tais “inimigos” teriam o grande prazer de comemorar a derrota do

clube varzeano, que sonhava jogar no Velódromo. O desenvolvimento do futebol em

São Paulo mostra que a origem social do SCCP lhe acarretou problemas, mas que isso

não era a única e definitiva explicação para o clube se sentir excluído e

maquiavelicamente prejudicado.

As partidas de seleção dos times ocorreram e algumas surpresas se revelaram: Os dois times estão cheios de elementos dos clubes filiados à Liga: o São Paulo tem seis jogadores

seus, isto é, “que não são dos outros”, e o Railway tem apenas quatro seus.

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Mesmo assim, com jogadores já afeitos à “natureza” do Velódromo, os dois times deixaram muito a

desejar, desenvolvendo um jogo fraquíssimo e desorientado, nada superior às disputas de segundos

times que temos assistido, e segundos times fracos. O São Paulo Football Club que se apresentou com

cinco jogadores de primeiros times, venceu facilmente o seu adversário por um score de seis goals a

um.16

Esta era a primeira surpresa: os “favoritos” praticavam o futebol de forma

sofrível.

Por outro lado, no segundo jogo eliminatório, em que o Minas Gerais já era

considerado ganhador, assim é apresentada a descrição do periódico O Comércio de São

Paulo: Não há termo de comparação possível entre o que foi a prova do Corinthians—Minas Gerais e a

primeira: a diferença foi extraordinária! [...]

A impressão que eles deixaram no espírito dos que foram ontem ao Velódromo assistir às provas de

seleção não podia ser mais satisfatória. E foi bem animadora a revelação do Corinthians e Minas

Gerais na tarde de domingo, porquanto ninguém seria capaz de afirmar que fora da Liga o futebol

tivesse cultivadores tão esforçados como eles.17

O inesperado ocorria: vitória do time corinthiano por um gol a zero. Além disso,

destacam-se outros pontos: a manifestação de espanto por parte do periódico, junto com

o público que assistiu aos jogos, quando descobre que fora da LPF também se joga

futebol com competência. Talvez quisessem acreditar que o acesso à LPF se desse

apenas pela competência esportiva: não queriam admitir a entidade maior do futebol

paulista como um espaço de exclusão social.

E, finalmente, o jogo final das eliminatórias: o SCCP e São Paulo Football Club.

Fácil vitória obtida pelo time corinthiano: quatro gols a zero. Dentro da competência

esportiva, o SCCP era o novo integrante da LPF. Porém, conforme observação anterior,

não bastava ganhar os jogos: era necessário ter demonstrado um nível de “educação”

compatível com as exigências apresentadas pela diretoria da LPF.

O entusiasmo — regra das grandes ocasiões esportivas ou cívicas da época —,

revelado pelo cronista esportivo, era patente. Não só demonstra emoção com a vitória

corinthiana no primeiro jogo, mas também com a virtual permissão para que o “clube

dos operários” ingressasse na Liga, dado o seu comportamento ter sido absolutamente

impecável. Assim comenta um periódico: A Diretoria da Liga deveria ter ficado satisfeita com o match que disputaram os dois últimos

concorrentes, o que foi além da expectativa geral, provocando calorosos aplausos da arquibancada. A

primeira parte da prova foi uma belíssima recomendação para os rapazes do Corinthians. Resta agora

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que eles saibam corresponder às justas exigências da comissão de sindicância, e oxalá também eles, na

mesma proporção dos méritos esportivos que ontem evidenciaram, os requisitos que a Liga exige.18

Com a efetivação da vitória do SCCP, as observações do periódico são apenas

confirmadas: Da grande concorrência que ontem afluía ao Velódromo para assistir à luta de honra que se anunciava,

não se manifestou outra opinião a que não a de que o conjunto dos Corinthians joga o futebol com

uma segurança pouco comum e, o que é mais, pratica o esporte como verdadeiros gentlemen, com

aquela delicadeza e lisura que tanto engrandecem e embelezam o association sem as charges

violentas, sem os golpes pouco decentes que fazem do campo de jogo verdadeiro circo de touro, em

que a brutalidade deste sobrepuja os fouls daquela, para gáudio dos apreciadores e desmoralização do

esporte. [...]

[...] a mesma vontade de vencer na luta de honra, os atirou à Liga Paulista, e na qual, além do valor

esportivo dos combatentes, deveria figurar a recomendação social e moral de todos.19

Repetiu-se nesse jogo final o mesmo comportamento por parte do SCCP:

competência esportiva, vencendo justamente o adversário e com boas atitudes sociais,

condizentes com o que a LPF e parte da imprensa esperavam.

Talvez os que tanto elogiavam o comportamento do SCCP não tenham se

preocupado em entendê-lo. É muito possível que o clube do Bom Retiro tenha

artificialmente construído atitudes que viessem ao encontro do que os outros esperavam

ver. Mas a luta, para o SCCP, não estava vencida, pois “com a vitória de ontem, o Sport

Club Corinthians Paulista alcançou a sua entrada na Liga Paulista, faltando-lhe apenas o

beneplácito da comissão de sindicância”.20 Portanto, existia ainda o caminho legal da

LPF para negar a filiação ao SCCP, alegando qualquer outra coisa que supostamente

ferisse os estatutos da entidade.

É importante observar que esse debate só foi travado nas páginas d’O Comércio

de São Paulo, enquanto o Correio Paulistano e O Estado de São Paulo não estavam

muito preocupados com os jogos eliminatórios, informando-os de forma desinteressada

e não sistemática. Novamente O Comércio de São Paulo intervém no debate,

defendendo o ingresso do SCCP na LPF. Mas o fundamental encontra-se na argumentação

do jornal: A apresentação dos Corinthians no mundo esportivo paulistano, foi a mais lisonjeira e passou muito

além da expectativa geral quer no que respeita a prática do esporte, quer no que alcança ao

cavalheirismo de verdadeiros sportmen [...] o valor esportivo dos valentes Corinthians, e mais, deixou

patente e de modo iniludível, que eles, os sportmen que nós não conhecíamos, são positiva e

absolutamente dignos de conviverem com os clubes da Liga, na disputa dos seus campeonatos.21

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Essa nova defesa que se fez do SCCP foi no sentido de considerá-lo uma

associação esportiva capaz de frequentar um espaço social diverso, sem desrespeitá-lo,

observando e, talvez, reproduzindo o comportamento da elite. Por outro lado, o cronista

observou quem não o desejava frequentando o futebol oficial de São Paulo, ao indagar à

comissão de sindicância se: Acredita ele, por acaso, que desocupados e desordeiros sejam capazes de um procedimento correto e

honroso como o que ontem acompanhou os rapazes do Corinthians? Pensam os sindicadores que

indivíduos que não escapam àquela classificação, tenham uma luta de honra, a compostura dos

valentes Corinthians? E mais, será possível que, em condições tão especiais, especialíssimas mesmo,

rapazes, sem educação e afeitos a um meio diverso do nosso, tenham aquela bela compostura que

ontem foi a nota dos Corinthians?22

O SCCP, por parte da imprensa, portanto, não se tratava de um clube que

congregava perturbadores da ordem, desordeiros ou desocupados. Não era um clube de

gente de elite, mas foi capaz de se atentar a quase todas as exigências da elite da cidade.

O cronista não mede palavras: não é um clube da nossa classe social, mas merece uma

chance, dado o seu esforço em nos agradar.

No dia seguinte ao jogo em que o SCCP ganhou o direito de ingressar na LPF, a

diretoria dessa entidade se reuniu com representantes dos clubes filiados e, ouvindo o

parecer favorável à entrada do SCCP feita pela comissão de sindicância, resolveu

também aprovar a entrada do clube vencedor. Não foi possível determinar se a decisão

foi ou não tomada de forma unânime.

Torna-se necessário que se discutam quais as razões que levaram a LPF a aceitar

um clube de futebol fundado e organizado em um bairro popular e sendo reconhecido

como um time de operários. Não seria compatível com o que os dirigentes da LPF e dos

clubes a ela filiados desejavam para o futebol de São Paulo? Como conciliar as

manifestações de elite que marcavam o futebol da época, com pessoas que nada tinham

de intimidade com aquelas manifestações? Banquetes, ricas recepções, festas faustosas

aguardariam os corinthianos com tranquilidade e normalidade?

Impossível imaginar que a direção do futebol em São Paulo fosse monolítica.

Acompanhando o debate que se trava na LPF desde 1910, observam-se muitas

divergências. Os litígios são constantes. Reclama-se da competência dos juízes de

futebol, da violência de alguns times e jogadores, das atitudes inconvenientes de grupos

de torcedores, entre outras questões. Todos esses problemas não passavam de questões

secundárias. Anatol Rosenfeld tem outra compreensão deste momento. Para ele,

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Muitas confusões da política de clubes e federações explicam-se, assim, por um tenaz conflito de

classes. Em 1913, o Clube Paulistano rompeu a associação existente e fundou uma nova, na aparência

de um motivo insignificante, mas na realidade porque queria fazer “uma seleção rigorosa” e “exigir

que as equipes” deviam ser integradas por “jovens delicados e finos”.23

Sendo assim, é possível entender que a LPF tenha aceito o SCCP partindo-se de

algumas hipóteses. A primeira seria: se o C. A. Paulistano liderava os clubes que

desejavam manter o futebol oficial elitizado, deveria existir um grupo que defenderia

uma posição diferente desta, aceitando com limites claros, que clubes não estritamente

ligados à elite ingressassem no futebol oficial. Nesse embate dado, quando da discussão

da entrada ou não do SCCP, venceu a ala que aceitava algumas modificações na

organização do futebol da LPF.

Numa segunda hipótese, o C. A. Paulistano e seus liderados já pretendiam

formar uma nova entidade organizadora dos esportes em São Paulo, sendo-lhes,

portanto, indiferente barrar ou não a entrada do SCCP na LPF.

Por outro lado, a rivalidade dentro do futebol aumentava a cada dia. Esta

rivalidade resultou, entre outras consequências, na necessidade que todos os clubes

tiveram em reforçar seus times com jogadores cada vez melhores. Alguns clubes

obtinham atletas até vindos do exterior. Outros usavam este ou outro caminho: buscar

jogadores entre os clubes de bairro que existiam por toda a cidade. Desta forma,

Antônio Figueiredo analisou a questão: As rivalidades [...] tendiam a aumentar, e a preocupação de fortalecer as equipes [...] dominava a

todos. Se os métodos antigos, com que se formavam as brilhantes equipes do Athletic, do Paulistano e

do Mackenzie fossem seguidos, ainda vá. Infelizmente, esses métodos tão salutares e nobres, caíram

em desuso.

São Paulo transformava-se, então, num vasto campo de futebol. Havia sociedades por todos os cantos

[...]. E os clubes da Liga acolheram no seu seio rapazes da várzea. Fizeram bem? Achamos muito

justo que os operários e os humildes participem das refregas, mas os operários e os humildes que

compreendem os seus deveres de sportmen. Esse, entretanto, não constituía o principal critério dos

aliciadores improvisados. Desta forma apareceram ao Velódromo, da noite para o dia, inúmeros

sportmen de outras plagas e outros costumes [...]. Os antigos, fiéis aos velhos hábitos, receberam com

hostilidade os seus companheiros.24

Enfim, esta análise demonstra que a entrada do SCCP no futebol oficial fez parte

de um processo iniciado há alguns anos, já que atletas vindos de clubes dos arrabaldes

eram aceitos por alguns clubes, desde 1908. O que ocorreu de novo foi a presença de

um clube de bairro na Liga, o que era uma situação difícil de ser absorvida pelos clubes

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comandados pelo C. A. Paulistano, que desejavam uma entidade frequentada apenas

pelos rapazes da “boa sociedade” paulista.

Nota-se que as datas que indicam o ingresso do SCCP na LPF e a saída do

Paulistano, da A. A. das Palmeiras e do Mackenzie da LPF, para a fundação da Apea,

são muito próximas, não sendo possível descartar que o movimento de formar uma nova

entidade esportiva tenha se fortalecido com a entrada do Corinthians na LPF. Enfim, o

SCCP torna-se o primeiro clube de bairro a participar do futebol oficial em São Paulo e

logo nos primeiros dias, vivendo na LPF, depara-se com uma cisão. A tentação em

associar os dois fatos é grande.

O fundamental é a compreensão de que a organização do futebol é permeada por

contradições, que não permitem que se façam análises simplistas, de caráter

maniqueísta, colocando de um lado a elite toda coesa e, de outro, a população

desprezada, impedida de praticar o futebol dentro das entidades oficiais. Entretanto,

pode-se perceber que a elite não é tão coesa quanto a literatura do futebol sempre faz

crer. A cisão é a prova de que as diferenças existiam e, talvez, fossem significativas. E

se alguns clubes permaneceram na LPF é porque não demarcavam radicalmente com a

elite; ou por possuírem interesses imediatos. São clubes que detêm traços que negam a

elite paulistana em muitos pontos, como no fato de aceitarem atletas advindos do meio

popular.

Por outro lado, a elite do futebol, agora claramente encontrada na Apea, não

desconsiderava que a prática do futebol se tornara algo de multidões. O número de

pessoas envolvidas com o esporte bretão crescia a cada dia, com um número

significativo de campos, clubes, jogadores, entidades, campeonatos etc. Portanto, a

Apea deveria ter algum projeto que considerasse esses fatos. A elite tinha dois

princípios dos quais não abria mão: dirigir o futebol em São Paulo (e, se possível, no

Brasil) e disputar campeonatos sem misturas sociais.

Supõe-se que tal projeto da Apea tivesse o espírito de controlar o futebol não

oficial, que crescia muito. Isto se consubstanciou na ideia trazida da entidade

organizadora do futebol do Rio de Janeiro, a Amea – Associação Metropolitana de

Esportes Athléticos, que criou uma segunda divisão para os clubes de menor expressão

esportiva e social, os quais disputavam um campeonato à parte. Os tradicionais clubes

de elite jogavam na primeira divisão. Com isso, as entidades se eximiam de ser

acusadas de praticar a discriminação; era uma espécie de democratização do futebol,

ainda que sob o controle dos velhos dirigentes.

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Talvez o maior equívoco dos dirigentes, que tentavam manter o futebol ainda

enquanto uma prática de elite, fosse desconsiderá-lo como um espaço privilegiado de

sociabilidade. O fascínio produzido por essa prática esportiva atingiu níveis tão

significativos, que a cada dia tornava-se mais difícil a manutenção da discriminação

social. O envolvimento de parcelas consideráveis da população paulistana e paulista,

que tomou gosto pelo esporte, impedia que a elite do futebol consubstanciasse

integralmente seu projeto. Jogadores dos arrabaldes e clubes, jogando no Velódromo,

era uma questão de tempo. Evidentemente que a ação, por exemplo, do SCCP, insistindo

e conquistando sua entrada na LPF, agilizou esse processo. Não resta dúvida de que a

própria dinâmica característica do futebol levou-o à sua relativa popularização.

4.2

O SCCP NA APEA: 1915

Tendo conquistado o seu ingresso na LPF, o SCCP participa do campeonato

paulista de 1913 desta entidade, obtendo uma classificação talvez aquém do esperado

pelo próprio clube e pela imprensa esportiva. Nesse campeonato, ainda existia alguma

preocupação da imprensa em geral em noticiá-lo. Entretanto, a grande sensação do meio

esportivo era o campeonato da nova entidade, a Apea, que, segundo a visão da maioria

dos cronistas esportivos, era onde se encontravam os clubes e os jogadores mais

competentes.

Em 1914, a omissão generalizada da imprensa para com a LPF agrava-se. Eis o

que publica um semanário: “Morreu a Liga Paulista — Com o reaparecimento do

Club Liberdade, composto na sua maioria de sócios do S. C. Americano, desaparece por

traumatismo [...] a Liga Paulista. Parabéns, pois, à Apea, que com sua perseverança

conseguiu em dez meses desbancar a tradicional Liga Paulista.”25

Em 1914, o SCCP torna-se campeão paulista da LPF. Mesmo ganhando o

campeonato de uma entidade em decadência, esse título trouxe prestígio ao clube do

Bom Retiro. Acrescente-se também o fato de o SCCP ter sido o único clube paulista que

ofereceu sérias resistências ao clube Torino, pois mesmo perdendo as duas partidas

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disputadas com o time italiano, o Corinthians foi reconhecido como o seu mais forte

adversário em São Paulo.

Admitido na Liga em 1913, campeão em 1914, o SCCP já era um clube que

detinha o prestígio junto ao meio esportivo de São Paulo. Passa a ser citado com maior

frequência nos periódicos e tratado com relativa deferência.

A imprensa informa que o SCCP, no início de 1915, quando se iniciava mais uma

tentativa de unificar as entidades do futebol, percebeu que a LPF não desejava a

unificação e que estava criando uma série de obstáculos intransponíveis. Porém, o sr.

Ricardo de Oliveira, presidente do clube, viu o mesmo problema com outros olhos. Eis

as suas palavras, por ocasião de uma Assembleia Extraordinária, realizada em 11 de

setembro de 1914: Em seguida pede a palavra o sr. Ricardo de Oliveira para demonstrar a situação do clube perante o

esporte paulista. Diz que a Liga Paulista, com a diretoria atual fraca e sem energia, não poderá manter-

se ante a Associação bem-vista pelo povo paulista, dirigida por homens sérios de capacidade e de

grande influência política. Julga que muito mais ganharia o Corinthians se passasse para as fileiras da

Associação.26

O SCCP, dizendo-se defensor intransigente da unificação das entidades, se retira

da LPF e pede filiação à Apea que, em sua opinião, efetivamente estava interessada na

pacificação do futebol paulista. A Apea atende ao pedido corinthiano e aceita a sua

filiação, porém, com uma ressalva: o SCCP seria filiado em caráter extraordinário, isto

significando que o clube não poderia participar do conselho deliberativo da entidade,

nem do campeonato de 1915, que já havia começado.

Ao mesmo tempo em que acolhe o SCCP, a Apea apressa-se em criar mecanismos

estatutários que impeçam um clube filiado a ela de jogar com outro não filiado. Mais do

que isso: um jogador de um clube filiado à Apea não poderia jogar, mesmo que por

algum tempo, por um clube ligado à LPF. Enfim, os jogadores do SCCP, que não

disputassem o campeonato de 1915, só poderiam escolher para jogar em algum clube

filiado à Apea. E, de fato, é o que vai ocorrer.

Quando o SCCP já tinha sido aceito na Apea, mas não jogado o campeonato, e

quando a maioria dos seus jogadores já havia escolhido outros clubes para defenderem

em 1915, aparece na imprensa uma nota do clube dizendo: Rogo-vos especial favor de publicar as seguintes linhas: Os abaixo assinados, sócios e jogadores do

Sport Clube Corinthians Paulista vêm declarar publicamente para evitar futuros pedidos inúteis, que

não jogarão mais por clube algum, senão para o acima citado ao qual darão sempre preferência e para

os clubes da Apea, com os quais já tenham compromisso. São Paulo, 25 de maio de 1915 [...]27

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O pronunciamento público feito pelo SCCP e assinado pelos seus principais

jogadores é revelador, no sentido de reforçar o que já foi afirmado acerca da forma

como os jogadores eram atraídos para jogarem nos vários clubes existentes. Porém,

percebe-se também como o SCCP assume de fato a Apea, garantindo que seus atletas, na

prática, não tivessem relações com clubes da LPF.

Ignorando-se as razões de tal procedimento, observa-se o SCCP demonstrando

solidariedade à entidade esportiva que o recebeu. Mas é bom que se reafirme que tal

recebimento não foi irrestrito, havendo o impedimento para o clube do Bom Retiro de

participar do conselho da Apea e do seu campeonato.

Uma indagação se faz necessária: como um clube popular poderia se manter

vivo sem disputar um campeonato, o que lhe traria pelo menos dois prejuízos, o

financeiro e o moral? Financeiro porque ficaria sem as rendas dos jogos. Moralmente, o

entusiasmo se esvairia; no jogo, o que vale é a disputa que tenha um certo valor. Quanto

maior esse valor, maior a emoção e o entusiasmo, tanto por parte do público, quanto dos

jogadores.

Não sendo possível resolver todos os problemas advindos da tal filiação em

“caráter extraordinário”, coube à Apea amainá-los. Ficou tacitamente prometido ao

SCCP que ele iria jogar de forma sistemática com todos os clubes filiados à Apea. Esses

jogos eram de fato marcados, porém, o clube tinha a surpresa de vê-los adiados. Note-

se: “Velódromo Paulista — Corinthians Paulista versus A. A. Mackenzie — Como a

maioria dos jogadores da A. A. Mackenzie se acham fora da capital, o match de futebol

que devia se realizar hoje, no Velódromo Paulista, entre aquela associação e o S. C.

Corinthians, ficou adiado para o dia 21 de agosto próximo.”28

Antes de outras questões, verifica-se que o prometido jogo de 21 de agosto não

se realizou. Com esse fato, nota-se que o Corinthians Paulista sofria da indiferença das

outras associações esportivas vinculadas à Apea.29

Na época abordada neste livro, existia o costume de os leitores discutirem,

através das seções Sport dos vários periódicos, questões relativas ao esporte. Em uma

dessas intervenções do leitor, encontra-se uma que ajuda a compreender o momento

tratado, escrita pelo sr. A. L. Guimarães: Com referência, entretanto, ao Corinthians, não acontece o mesmo. Um clube composto por

modestíssimos rapazes, na sua maioria operários, não tem influências a seu favor, que exijam ser ele

reconhecido, como o time de maior valor esportivo da atualidade. [...]

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O que mais revolta, sr. redator, nessa perseguição, é a certeza absoluta que têm os perseguidos, de que

esse club está completamente indefeso, porque não possui em seu seio homens cuja influência política

fale mais alto que os méritos de seu estupendo time. [...]

Qualquer meninote, desses apaixonados sinceros do futebol e que jogam no meio da rua, sabe que

clube algum nacional nestes últimos anos conseguiu bater o Corinthians, seja ele de que Liga for.30

As observações do sr. A. L. Guimarães referem-se ao fato de existir uma

pequena negociação, no sentido de concretizar a fusão LPF—Apea e, nas discussões das

bases de tal fusão, pondera-se quais os clubes que ficariam na primeira divisão e os que

iriam para a segunda divisão. O leitor entende que o SCCP poderia ser prejudicado, dado

não ter pessoas de prestígio a defendê-lo. Ainda que se deva relativizar o fato. O clube

nascido no Bom Retiro também tinha os seus defensores. Tanto que o SCCP “possui um

bom campo de futebol, com 120 x 80 jardas, construído em excelente terreno da

municipalidade, arrendado em condições favoráveis; fica situado na Chácara da

Floresta, Ponte Grande, pegado ao campo da Associação A. das Palmeiras. Tal

concessão deve o clube a muita dedicação de seu presidente honorário, dr. Alcântara

Machado”.31

Acerca ainda da concessão do terreno em que a influência do então vereador

Alcântara Machado parece ter sido decisiva, este foi o debate travado no Corinthians: O sr. Ricardo de Oliveira diz duas palavras sobre tão importante aquisição [...]. A ideia [de ter um

campo próprio], praticamente demonstrou-se, logo no princípio, difícil de ser realizada [...].

A questão foi protegida no princípio pelo nosso venerado presidente honorário e depois de uma luta

árdua a nossa petição conseguiu ser tomada em consideração pelos altos poderes municipais. O Exmº.

cel. Oscar Porto, presidente da Liga Paulista de Futebol e sincero admirador do nosso clube,

procurado, prestou com a mais viva satisfação os seus serviços [...].32

As informações de Antônio Figueiredo e estes fragmentos de um debate

realizado em uma assembleia do Corinthians revelam que o embate que as entidades

travavam por causa do futebol transportava-se para outras esferas. O poder municipal

foi palco de influências de todos os lados. Ressalte-se que o SCCP possuía dois

defensores respeitáveis, ambos vereadores da capital. Parece, assim, que a suposta

situação indefesa vivida pelo “clube dos operários”, sempre que se referiam ao dr.

Alcântara Machado e ao cel. Oscar Porto, eram marcadas por uma profunda gratidão.

Porém, o torcedor que havia feito a denúncia sobre como o SCCP era

discriminado, continuava com seu desabafo. De fato, estava-se apenas à ponta de uma

questão maior. Poucos dias depois, o mesmo leitor volta a demonstrar o quanto o SCCP

era prejudicado dentro da Apea. Diz ele:

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[...] Assisti ontem, no Velódromo, enquanto disputavam o S. Bento e o Wanderers, um membro

influente da Liga Paulista dirigir um convite vantajosíssimo ao S. C. Corinthians para voltar para

aquela logo.

Não sei o que hajam resolvido os modestos mas simpáticos rapazes do Corinthians; entretanto,

considero a posição completamente off side em que ficará a Associação Paulista de Esportes Atléticos,

caso eles aceitem o convite. A Associação tem em seu seio esse time formidável e embora

reconhecendo a sua grande força esportiva, tem-no posto de lado, por não poder absolutamente vencê-

lo e não querer permitir que os seus clubes sejam vencidos pelo campeão da Liga Paulista. Sei de

fonte limpa, tenho mesmo sido testemunha ocular da luta insana desses rapazes para saírem do

ostracismo em que acintosamente os têm colocado.33

Nesse novo desabafo do leitor, que não se diz torcedor de nenhum clube

especialmente, encontram-se informações significativas. Quais os privilégios ao SCCP

que constariam naquele “convite vantajosíssimo”? Difícil de se imaginar.

Por outro lado, fica claro que o SCCP é discriminado dentro da Apea. Apenas não

há concordância plena com a explicação dada pelo entusiasta esportivo, em que o SCCP

era desprezado por causa do seu poderio esportivo. Ou seja, o simples medo de perder

para o SCCP não pode explicar tamanho descaso.

Uma pequena nota saiu n’O Comércio de São Paulo nesse mesmo contexto

dizendo que o Mackenzie não desejava que o Corinthians voltasse para o campeonato,

por ter que devolver cinco ou seis jogadores insubstituíveis.34 Ou seja, aqui se encontra

uma explicação que concretiza os interesses dos clubes vinculados à Apea. O que,

evidentemente, não impede que o argumento do leitor também tenha fundamento. E este

continua a sua explanação, afirmando que: Se o Palmeiras e o Wanderers aceitam convites seus para jogar: os outros, Paulistano, São Bento e

Ypiranga, vivem a inventar subterfúgios para não se baterem com ele. O Mackenzie, em um arrojo de

orgulho, aceitou o convite, mas percebendo mais tarde ter feito uma tolice, tem transferido tal match

por duas vezes já. Foi marcado ultimamente para 21 deste e, entretanto, já o Corinthians pode contar

como certo que lhe proporão uma nova transferência.35

Pelas palavras do torcedor, o que foi dito há pouco: apesar do compromisso dos

clubes da Apea em jogar periodicamente com o SCCP, tais clubes não cumpriram o

assumido. E o leitor prevê uma situação que se consubstanciou: realmente o Mackenzie

não jogou com o SCCP no dia 21 de agosto de 1915, como havia sido combinado,

quando da transferência do jogo de 2 de julho de 1915. Não foi possível apreender-se o

motivo real apresentado pelo Mackenzie para adiar mais uma vez o jogo.

Com o tempo, o SCCP foi percebendo que não teria o mesmo espaço na Apea que

tinham os outros clubes. Que o máximo que ele poderia almejar seria pertencer a uma

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possível segunda divisão. Restaria, ainda, o papel de fornecer bons jogadores às equipes

da Apea.

Como já se afirmou, o SCCP teve sérios prejuízos em função da sua não

participação no campeonato da Apea de 1915. A crise econômica que afetou o clube

motivou crises políticas também sérias. Cada vez mais se tornavam claras as diversas

posturas no encaminhamento das questões do clube. Alguns associados acusavam a

diretoria de ser a responsável por aquela difícil situação. Talvez a própria sobrevivência

do clube estivesse correndo perigo. A forma mais efetiva encontrada pelos diretores do

SCCP para vencer a falta de dinheiro foi excursionar, durante o ano de 1915, pelo interior

paulista. E pelo relato seguinte é interessante observar a grande euforia do interior em

receber um clube da capital, que já deveria ser conhecido dado ter sido campeão da LPF

em 1914: “Match intermunicipal — S. C. Corinthians Paulista vs. Paulista F. C. de São

Carlos — [...] Reina grande entusiasmo nas rodas esportivas são-carlenses, visto como o

Paulista, desde a sua fundação, em todos os matchs jogados, saiu sempre vencedor,

tendo empatado com um scratch composto de elementos da Apea [...].36

Após ser muito bem recebido, o Corinthians voltou a São Carlos um mês depois.

Alguns fragmentos do relato da recepção ao time paulistano são intrigantes: Matches intermunicipais — SCCP vs. Ideal de São Carlos

Às duas horas da tarde chegaram os rapazes paulistanos ao seu destino, sendo festivamente recebidos

por grande massa popular, diretoria e jogadores do Ideal e uma banda de música. [...]

A concorrência do ground do Derby Club era extraordinária, destacando-se nas vastas arquibancadas,

grande número de senhoras e senhoritas, valentíssimos e gentis partidários do time local, que formava

assim a nota gentil entre a massa popular tumultuosa e pitoresca. [...]

À noite, no Hotel Accacio, onde estavam hospedados os Corinthians, o Ideal ofereceu um lauto

banquete [...].

Após o banquete os Corinthians dirigiram-se para os teatros São Carlos e Colombo, cujas empresas

ofereceram espetáculos em sua homenagem.37

O clube da capital era recebido no interior paulista com a mesma pomposidade

dedicada aos principais clubes de São Paulo. Enfim, multiplicavam-se os jogos do SCCP

fora da cidade de São Paulo. Estava claro que a sobrevivência material e moral do clube

dependia destas atividades: materialmente, porque o clube recebia pelos jogos

amistosos. Do lado moral, era fundamental reunir periodicamente os atletas que

pertenciam ao time e que estavam praticando o futebol em outras equipes, dadas as

questões de 1915 entre o clube e a Apea.

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E graças a um desses jogos no interior, uma esclarecedora polêmica foi criada

dentro do clube. O SCCP foi convidado para jogar em Campinas e o clube de lá forneceu

passagens de primeira classe para o time da capital. Um sócio do SCCP, indignado,

discordou da atitude do presidente que fez tal exigência ao clube campineiro. Aqui está

parte dessa discussão: [...] pede novamente a palavra o sr. Anselmo para falar sobre o caso suscitado no jogo [Ponte Preta —

Corinthians]. Diz que o procedimento do sr. Ricardo foi incorreto, porquanto soube ele de fonte séria,

que o Ponte Preta não ofereceu passagem de primeira classe para a condução dos times e sim de

segunda classe. Pondera que o Sr. Ricardo não podia exigir esse luxo inútil (sic) sabendo que o clube

campineiro é modesto. Tal assunto provoca calorosa discussão; o sr. Magnani diz que o Corinthians

visto a posição atual não pode e não deve viajar nas condições que o sr. Anselmo deseja.38

O clube, que foi fundado no Bom Retiro, mas que já não quer mais vínculos com

o bairro, deseja ser tratado com uma deferência especial. A contada e recontada história

do primeiro jogo do clube, em que os jogadores caminharam a pé até a Lapa, trocando-

se num barracão e voltando ao Bom Retiro sem banho, fazia parte do passado e, naquele

momento, deveria ser esquecida? Mas, quando esse passado volta a ser lembrado e

cultuado? É difícil saber.

E o suceder de partidas no interior não foi capaz de equilibrar as finanças do

clube. De fato, 1915 foi um ano difícil na vida do SCCP. Na verdade um ano decisivo.

Realizada uma assembleia dos associados, não faltaram discussões, brigas, polêmicas.

Cada vez ficava mais claro que havia posturas diversas na forma de encaminhar os

destinos do clube. O ponto mais sério tratado foi a grave situação financeira. Este

fragmento da ata de assembleia demonstra isso: “O sr. A. Galliano pede a palavra e ao

mesmo tempo permissão ao sr. presidente para falar sobre a data de 1º de setembro: o

qual começa dizendo que, justamente no dia em que o Corinthians completava o seu

quinto aniversário, os sócios se achavam reunidos por acaso, não tendo a diretoria

preparado festejos em vista do estado financeiro do clube [...].”39

A situação do clube não era boa. Porém, as discussões passaram a ser acaloradas

no momento em que um esboço de balancete foi apresentado. Após isso, um associado

pede maiores informações sobre o quanto de dinheiro dispõe o clube. O fato propiciou

este pronunciamento do presidente: O sr. Ricardo de Oliveira diz que o clube não disputando campeonato durante o decorrer do ano, não

podia haver fundos em caixa e, mesmo assim, além de ter um déficit de 552$800, a renda mensal, mês

a mês, diminuía. Para poder ter uma sede adequada, um grupo de sócios comprometeu-se a pagar 10

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ou 15 mil réis mensalmente. Porém, diversos sócios atrasaram-se e a dívida do clube aumentava dia a

dia [...].40

Tal dívida obrigou a diretoria a pedir um empréstimo para saldá-la. Mas o fato

de os móveis do clube estarem relacionados como garantia do empréstimo deixou

muitos sócios revoltados. O associado Antônio Marques analisou dessa forma a crise

econômica: “O sr. Marques diz que quando o clube tinha a sua sede no Bom Retiro,

ocupava uma sala modesta e não tinha precisão de fazer gastos inúteis; assim, reprova o

ato da diretoria em transferir a sede daquele bairro, daquele modesto lugar,

transportando-a para ponto mais aristocrático, mais luxuoso, só para encrencar o clube

com dívidas.”41

A mudança da sede prejudicou as finanças do clube, mas não foi o único fator.

Porém, na explanação do sr. Antônio Marques, é possível se observar o quanto um

grupo de associados discordou da postura da diretoria que transferiu a sede do SCCP.

Essa assembléia tão conturbada, realizada no dia do quinto aniversário do clube,

ainda teria surpresas. Após os associados aprovarem uma proposta de que a dívida só

seria paga pelo clube se uma comissão julgasse que tal empréstimo foi feito em

benefício do SCCP, caso contrário, os diretores é que se responsabilizariam, outra

divergência vem à tona. Levanta-se que alguns sócios acusam os diretores de utilizarem

o dinheiro da associação em benefício próprio. Aí, sim, a crise se instaura, como se

observa a seguir: “[...] o sr. Ricardo de Oliveira diz que em vista de ser considerado, por

alguns sócios, larápio do clube, pede perante a Assembleia a sua demissão de

presidente, no que é acompanhado por todos os diretores em sinal de protesto. Em vista

do exposto pelo sr. R. de Oliveira, a Assembleia aceita o seu pedido, rejeitando os dos

demais diretores.”42

O sr. J. B. Maurício assume a presidência do clube, por ser o vice-presidente.

Inclusive era ele quem havia emprestado dinheiro para o SCCP. E que, em momento

algum da nervosa assembleia, se colocou. Não defendeu e nem atacou o presidente

demissionário.

Como a situação de ostracismo vivido pelo clube do Bom Retiro dentro da Apea

foi causa imediata de parte significativa dos problemas de 1915, algumas mudanças se

fizeram necessárias. Ou seja, o SCCP havia saído no início de 1915 da LPF em direção à

Apea e, agora, início de 1916, fazia o caminho de volta. Eis como o SCCP justificou

oficialmente a sua saída da Apea e o consequente pedido de nova filiação à LPF:

“Tivemos de passar pelo desgosto de reconhecer quanto enganados estávamos em

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acusar essa Liga de responsável pela irrealização daquele fato tão útil para o nosso

esporte o quanto seria também para o bom nome do estado de São Paulo.”43

No ofício que o Corinthians enviou à LPF, se nota que o clube se esforça para

inverter o raciocínio feito um ano atrás: agora ele percebe que a Apea não desejava que

o futebol oficial paulista se unificasse numa entidade só. Reconhece que a LPF tinha

boas intenções a esse respeito. Mas não se sabe se realmente as tinha.

E as reclamações que o SCCP fez da Apea não terminavam por aí. Nessa época

ocorria uma disputa pela hegemonia na direção do futebol brasileiro. Postam-se cariocas

e paulistas. A entidade carioca, a Amea, tornou-se o fator de desequilíbrio, pois quem

ela apoiasse em São Paulo, com certeza sobreviveria. E quem costurou uma aliança com

a Amea foi a Apea. Só que com um preço alto: o controle do futebol oficial brasileiro

passaria para as mãos do Rio de Janeiro. No ofício dirigido à LPF, a diretoria do SCCP

assim se refere a esta questão. Apreciamos a aristocrática, tout rempli de soi même, como é regra geral em agremiação de moços

bonitos, repelir sem ao menos estudar, as bases propostas pela Liga, entregando assim aos pés por um

incompreensível prazer de ser escrava, a sua liberdade, ele revolta com o nome do nosso estado que,

por todos os títulos, tem e terá sempre direito à primazia no esporte do futebol no Brasil.44

A acusação corinthiana foi séria, pois imputou claramente a Apea de ter entregue

a hegemonia do futebol brasileiro, em troca da derrota da LPF. E, aqui, o “clube dos

operários” reafirma que, dentro da Apea, os clubes não queriam jogar com ele. Diz

ainda o ofício que: O campeão da Liga Paulista não merecia crédito algum, os clubes da Liga eram desconhecidos,

ignorados, o seu campeão o era entre os clubes fracos, tal era a opinião pública sobre o Corinthians.

De entrada na Associação, convidamos na primeira oportunidade o campeão Benedictino, para uma

pequena prova no Velódromo; este, com temor próprio de quem vai lutar com um elemento de fama

duvidosa, recusou tenazmente o nosso convite.

Convidamos, e por diversas vezes, o Mackenzie, o Paulistano, o Ypiranga; o Palmeiras, em um

arroubo de orgulho natural de provável campeão em 1915, acedeu ao nosso convite, dando em

resultado a sua derrota pelo eloquentíssimo score de três a zero.45

Novamente se coloca que os times filiados à Apea não desejavam o SCCP

enquanto um filiado com os mesmos direitos. Os intuitos da Apea eram os de

enfraquecer a LPF, ter acesso aos bons jogadores e absorver a maior parte dos clubes do

estado de São Paulo. A Apea não podia negar a realidade: não são mais apenas as elites

que praticam o futebol oficial; não havia como deixar de lado um grande número de

clubes que cresceram e adquiriram prestígio no meio esportivo e que eram

frequentemente saudados pela imprensa. Era o caso do SCCP que, desde o início de

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1914, recebeu um tratamento especial, principalmente d’O Comércio de São Paulo. O

clube é saudado como a equipe que não encontrou adversários para derrotá-la na LPF e

nem na Apea. Em 1914, só perdeu dois jogos para o Football Club Torino, da Itália.

Mesmo com as derrotas, a opinião da imprensa é única: o SCCP foi o clube, como já se

informou, que mais resistências apresentou ao time italiano.

Portanto, dadas as condições em que o SCCP foi tratado na Apea, não lhe restou

outra alternativa a não ser voltar à LPF, que já apresentava fortes sinais de decadência,

sendo 1916 o seu último ano de existência. Nesse mesmo ano o SCCP ganha novamente

o campeonato paulista.

* * * * *

A trajetória do SCCP de 1913 a 1916 foi significativa no sentido de permitir

importantes transformações no próprio clube e na organização do futebol em São Paulo.

Mais do que isso: existiu uma interação entre o que ocorreu no futebol oficial em São

Paulo e o SCCP. Como se observou, as posturas corinthianas tomadas frente às entidades

esportivas resultaram em sérios conflitos dentro do clube.

A entrada do Corinthians para a LPF, e posteriormente para a Apea, contribuiu

para modificações práticas do esporte bretão. Quebra-se a discriminação que impedia

que clubes de bairro praticassem o futebol ao nível oficial. Ao mesmo tempo, o SCCP, a

partir de sua entrada na LPF vai, aos poucos e com passos firmes, deixando de ser um

clube de bairro, para ser um clube de cidade. Essa nova condição do clube não foi

concretizada sem que ocorressem conflitos e crises agudas. Por outro lado, o fato de o

clube ser mais da cidade do que do bairro, conflitou com a sua autodefinição de

associação esportiva de gente humilde e sem proteção de pessoas influentes,

principalmente, no âmbito político.

Evidentemente, não se pode cair na falsa análise de explicar todo o processo de

relativo acesso da população paulistana ao futebol oficial pela experiência corinthiana.

Mesmo com a percepção de que esta teve papel importante, essa mesma experiência foi

caracterizada por contradições. Inicialmente tem-se o próprio acesso do clube à LPF, este

procurando ser “educado esportiva e socialmente” a fim de atender os anseios dos

defensores de uma rígida ordem, tanto no futebol quanto na sociedade. Da mesma

forma, a saída do clube da LPF e seu ingresso na Apea mostraram sua forte preocupação

de estar do lado da entidade formada pelas pessoas influentes. Era a entidade, segundo

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imaginava a direção do clube, que teria a hegemonia do futebol de São Paulo.

Maltratado e desprezado na Apea, não vacila em retornar à velha LPF, mesmo após

criticá-la um ano antes.

Enfim, o ingresso do SCCP nas associações organizadoras do futebol em São

Paulo pode ser considerado tanto uma conquista do clube, por causa da sua competência

esportiva, quanto uma concessão dos organizadores do futebol, interessados em

controlar esse esporte por todos os espaços. De fato, tem-se um Corinthians até 1913 e

outro após a sua entrada na LPF. Mas algumas características do clube permanecem.

Da mesma forma que o Corinthians transforma-se ao travar contatos com o

futebol oficial, este mesmo contato vai acelerar um processo de transformações das

estruturas do futebol. Acoplado a outros eventos importantes, vê-se em São Paulo o fim

da hegemonia elitista no futebol oficial e uma relativa popularização, já que, apesar de

novos personagens se apresentarem, a direção do futebol oficial paulistano continuou

nas mãos de uma minoria.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crescimento de São Paulo, a partir do último quartel do século XIX, trouxe à

cidade experiências novas. Tal crescimento — que esteve acoplado a um processo de

destruição e posterior remodelação — não apresentou benefícios igualmente divididos

por toda a sociedade.

Ao mesmo tempo, a cidade começava a viver novas formas de lazer, que

tentavam satisfazer a população de um espaço urbano que a cada dia perdia um pouco o

seu caráter provinciano. Uma forma muito difundida de lazer foi a prática esportiva,

consubstanciada na formação de clubes esportivos e com a informalidade das ruas e

espaços vazios.

Tem-se o aparecimento de inúmeras modalidades esportivas que, após um breve

período de adaptação, tornam-se moda e são largamente apreciadas pela população, esta

constituída pelos praticantes ou mero assistentes. Terminada a febre da moda, alguns

esportes caíram no esquecimento; outros se sedimentaram enquanto prática cotidiana.

Entre os muitos esportes que chegaram à cidade, um deles definitivamente

ficaria entre nós. Vindo da “civilizada” Inglaterra, o futebol em poucos anos se tornaria

um verdadeiro objeto de paixão entre os paulistanos. Formaram-se clubes

especificamente preocupados com a sua prática. Criou-se uma entidade que congregou

os primeiros clubes e que organizaria o primeiro campeonato paulista. Vivia-se o ano de

1902. Entretanto, se o futebol era praticado por toda a cidade, na Liga Paulista de

Futebol, entidade organizadora desse esporte em São Paulo, somente os clubes fundados

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pelas elites paulistanas é que poderiam estar participando daquilo que se convencionou

chamar de “futebol oficial”.

Mas o futebol já era praticado por toda a cidade. Cada terreno plano era espaço

ideal para uma partida do “violento e emocionante esporte”. Algumas pessoas das

classes populares passaram a organizar o seu próprio futebol. Formaram-se clubes e

associações patrocinadoras de campeonatos. Porém, esse futebol, chamado informal,

varzeano ou dos arrabaldes, não detinha nenhum prestígio, todo ele acumulado no

futebol oficial.

Não se pode esquecer do futebol jogado nas condições mais precárias possíveis.

Bastava um terreno, uma bola feita de jornais e meia, além de pedras e paus para marcar

as metas. A dita “pelada” era jogada pelas crianças e jovens sem acesso aos melhores

espaços, que eram os clubes e os colégios.

A prática oficial e a varzeana, inicialmente, esteve quase isolada por completo.

Poucos eram os pontos de contato. O máximo que poderia acontecer era um popular

assistir aos jogos de campeonato, já que a entrada lhe era permitida, desde que pagasse

o ingresso.

Mas a dinâmica do futebol fez dessa prática um esporte muito especial, no qual a

emoção e a paixão cresciam a cada instante. Associa-se a isso a rivalidade entre os

clubes da Liga Paulista de Futebol. Também os clubes dos arrabaldes foram se

multiplicando e se aprimorando.

Esse crescimento, qualitativo e quantitativo, produziu no futebol transformações

importantes. Por um lado, parte dos “clubes de elite” não se importou mais em manter

os seus times fechados só para a elite paulistana. Interessou-lhes, antes de mais nada,

vencer os campeonatos. Portanto, tais clubes foram buscar a partir de 1908, nos times de

bairro, bons jogadores, independentemente das suas origens sociais. Por outro lado, os

clubes de bairro começaram a desejar participar do campeonato da Liga Paulista de

Futebol.

Os clubes mais elitistas de São Paulo ficaram assustados com o que estava

acontecendo. O povo começava a invadir aquele espaço de exclusão social. Filhos das

famílias mais ricas e tradicionais da sociedade paulistana começavam a dividir o mesmo

campo de jogo com um operário, imigrante e morador do Brás ou do Bom Retiro. Já os

“clubes de operários” estavam ficando impacientes com a teimosia da Liga Paulista de

Futebol em deixá-los de fora do futebol oficial. Este criou mecanismos que impediram,

na prática, a entrada de qualquer um que não fosse “dos seus”.

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Nesse contexto, em setembro de 1910, foi fundado um clube denominado Sport

Club Corinthians Paulista. Nascido no bairro operário do Bom Retiro — perto da

Estação da Luz e com forte presença de imigrantes italianos —, organizado por

trabalhadores italianos, portugueses e brasileiros, tal clube de bairro vai praticar o

futebol no único espaço que aquela sociedade lhe reservava: a várzea. Diferentemente

dos clubes da mesma origem, o SCCP percorreu caminhos que contribuíram para a

ocorrência de algumas transformações na organização do futebol paulista.

O SCCP não se contentou em viver eternamente o espaço varzeano. A partir de

um rápido progresso esportivo, passou a buscar a participação no futebol oficial. A

várzea pouco lhe acrescentava.

O objetivo do SCCP veio ao encontro de mudanças que estavam ocorrendo no

futebol de São Paulo. Esse esporte tornava-se cada vez mais popular. Espaços maiores

eram-lhe dedicados pelos periódicos. A visita de um clube estrangeiro, ou mesmo do

Rio de Janeiro, era motivo de muita festa e euforia. Ao mesmo tempo, com o intuito de

reforçar suas equipes, alguns clubes da LPF foram buscar novos jogadores nos clubes

dos arrabaldes.

Assim, o SCCP começou a trabalhar no sentido de se tornar o primeiro clube de

bairro de São Paulo a ingressar no futebol oficial. Esse ingresso teve significações

importantes, tanto para o próprio clube, quanto para o futebol paulista em geral.

Para o SCCP, fazer parte da LPF talvez tenha lhe custado muito. O clube nascido

no Bom Retiro esteve sempre preocupado em atender a todas as exigências que a elite

dirigente do futebol lhe fazia. Buscou se comportar segundo o desejo dos controladores

do “esporte bretão”. Em função disso, renegou parte de suas raízes. Procurou apoio de

políticos locais. Tentou fugir do estigma de ser um clube de bairro, mudando sua sede

para o centro da cidade. Enfim, as concessões do SCCP se fizeram presentes, para que

fosse possível a sua entrada na LPF.

Por outro lado, deve-se compreender o processo que levou o SCCP ao futebol

oficial de São Paulo enquanto uma conquista. De certa maneira, o Corinthians não

aceitou a forma elitista como estava organizado o futebol. E lutou tenazmente no

sentido de ocupar espaços. Sua capacidade em formar equipes competitivas demonstra

isso.

Já o futebol de São Paulo, como um todo, também viveu a experiência das

transformações. Novos espaços foram abertos, para que pessoas advindas dos setores

populares pudessem praticá-lo dentro das entidades oficiais. Mesmo os dirigentes mais

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elitistas começaram a se preocupar em como reorganizar este esporte, que envolvia

parcelas cada vez maiores da população paulistana.

Por outro lado, o fato de o SCCP passar para o futebol oficial obrigou-o a assumir

conflitos internos e externos. Além disso, o clube se viu vivendo transformações

significativas. Deixa de ser um clube de bairro para ser um clube de cidade. Assim

sendo, tanto o futebol oficial quanto o SCCP relacionaram-se de tal modo, que ambos

saem modificados deste processo. Em outros termos, nem o Corinthians, nem o futebol

oficial foram mais os mesmos.

Vale ressaltar que esse processo resultou numa relativa popularização do futebol

em São Paulo. Relativa porque, se por um lado as classes populares foram capazes de

ocupar um espaço que antes era de exclusão social, por outro o comando do futebol

continuou nas mãos de um pequeno grupo elitista. Ou ainda: é necessário perceber-se

que este foi apenas o início do processo de popularização do futebol na cidade. Com

esta popularização sendo entendida como a possibilidade de toda a população participar

das entidades oficiais, sem restrições sociais, econômicas ou raciais; pois seria

oportuno, ainda, que os setores populares participassem efetivamente da direção do

esporte oficial em São Paulo e no Brasil, uma vez que, nessa história, perpetuou-se a

exclusão das classes populares na direção das entidades esportivas.

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NOTAS

1. A CIDADE DE SÃO PAULO E AS PRÁTICAS ESPORTIVAS

(1) Ernani Silva Bueno, História e tradições da cidade de São Paulo, vol. III, p. 911.

(2) Id. Ibid.

(3) Id. Ibid. p. 912.

(4) Id. Ibid. p. 918.

(5) Id. Ibid.

(6) Ian de Almeida Prado, “São Paulo antigo e sua arquitetura”, in Ilustração

Brasileira. Apud E. S. Bruno, op. cit., p. 921.

(7) Caio Prado Jr., Evolução política do Brasil e outros estudos, p. 124.

(8) Id. Ibid. p. 127.

(9) Id. Ibid. p. 125.

(10) Id. Ibid.

(11) Id. Ibid.

(12) Id. Ibid. p. 119.

(13) E. S. Bruno, op. cit., p. 1137-8.

(14) Id. Ibid. p. 1288-9.

(15) José Geraldo Vinci de Moraes, As sonoridades paulistanas: a música popular

na cidade de São Paulo, p. 6.

(16) Jacob Penteado, Belenzinho, 1910, p. 45.

(17) Id. Ibid. p. 118.

(18) J. G. V. Moraes, op. cit., p. 17.

(19) E. S. Bruno, op. cit., p. 1216.

(20) Id. Ibid.

(21) Correio Paulistano, 9 dez. 1911.

(22) O Estado de São Paulo, 26 jun. 1913.

(23) Correio Paulistano, 19 mar. 1911.

(24) O Estado de São Paulo, 16 dez. 1910.

(25) O Comércio de São Paulo, 15 jun. 1914.

(26) Id. 17 jan. 1913.

(27) Judith Mader Elazari. Lazer e vida urbana: São Paulo, 1850—1910, p. 98.

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(28) O Estado de São Paulo, 25 jun. 1903. Apud J. M. Elazari, op. cit., p. 111.

(29) O Comércio de São Paulo, 5 jan. 1913.

(30) “Ainda estão vivas nos espíritos de todos quantos assistiram às belas festas dos

‘Viaggiatore Italiani’, no dia 29 do mês passado, no P. Antártica, as agradáveis

impressões que elas, quer no que respeita à concorrência que aflui àquele

logradouro, quer dos números do programa — todos eles cheios de atração. [...]

O Comércio de São Paulo, 3 jan. 1913.

(31) O Estado de São Paulo, 26 nov. 1914.

(32) Id., 18 nov. 1911.

(33) Id., 10 mar. 1912.

(34) Id., 9 mai. 1912.

(35) Correio Paulistano, 25 dez. 1910.

(36) Id., 27 dez. 1910.

(37) Id., 10 mar. 1911.

(38) A Vida Esportiva, 19 nov. 1903. Apud J. M. Elazari, op. cit., p. 110.

(39) Correio Paulistano, 30 mai. 1911.

(40) O Estado de São Paulo, 28 ag. 1912.

(41) J. M. Elazari, op. cit., p. 105.

(42) J. Penteado, op. cit., p. 302.

(43) O Estado de São Paulo, 19 ag. 1912.

(44) Id., 30 jun. 1913.

(45) Id., 11 set. 1913.

(46) Id., 20 set. 1911.

(47) Id., 20 set. 1913.

(48) Nestor Goulart Reis Filho, “O futebol e os velódromos”, in Jornal da Tarde.

Caderno de Sábado, 9 jun. 1990, p. 6.

(49) E. S. Bruno, op. cit., p. 1245.

(50) Id. Ibid.

(51) N. G. Reis Filho, op. cit., p. 6.

(52) Correio Paulistano, 23 jul. 1911.

(53) O Estado de São Paulo, 6 jul. 1912.

(54) A Bicycleta, 8 nov. 1896. Apud J. M. Elazari, op. cit., p. 109.

(55) O Estado de São Paulo, 20 jan. 1912.

(56) Jorge Americano, São Paulo naquele tempo, p. 340.

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(57) Ecléa Bosi, Memória e sociedade, p. 80.

(58) Correio Paulistano, 8 jul. 1910.

(59) Id., 23 set. 1911.

(60) Id., 21 jul. 1915.

(61) O Estado de São Paulo, 9 mai. 1912.

(62) A Vida Esportiva, n. 19, 21 ag. 1904. Apud Inezil Penna Marinho, História da

educação física no Brasil, p. 47.

(63) O Estado de São Paulo, 1 set. 1912.

(64) O Comércio de São Paulo, 17 jan. 1913.

(65) Id., 31 ag. 1913.

(66) O Estado de São Paulo, 13 set. 1913.

(67) As memórias do sr. Abel foram recolhidas por E. Bosi, op. cit., p. 130.

2. FUTEBOL OFICIAL E FUTEBOL INFORMAL

(1) O Estado de São Paulo, 30 abr. 1913.

(2) Correio Paulistano, 26 set. 1915.

(3) Antônio Figueiredo, História do foot-ball em São Paulo, p. 131.

(4) A questão da origem do futebol é polêmica. Parece haver consenso quanto à sua

organização moderna na Inglaterra, no século XIX, criando as regras utilizadas até

hoje.

(5) O fato de ter origem inglesa fez o futebol se acoplar a todo um jargão.

Apresentam-se algumas palavras fundamentais e suas respectivas traduções e/ou

aportuguesamento: a) goal keeper = goleiro; b) back = beque, zagueiro; c) Center

foward – centroavante; d) ground = campo gramado; e) referee = juiz; f)

linesman = fiscal de linha, bandeirinha; g) foul = falta, infração; h) hands = mão

na bola; i) off side = impedimento; j) player = jogador; l) charge = carga, tranco;

m) footballer = jogador de futebol; n) match = jogo, partida; o) scratch =

seleção. Vale ressaltar que aqui se encontra apenas uma parte deste jargão, dado

que todas as expressões utilizadas no futebol do começo do século eram grafadas

e faladas em inglês.

(6) Segundo Thomaz Mazzoni, “[...] o Velódromo Paulistano foi construído graças

ao conselheiro Antônio Prado, naturalmente influenciado por seu filho, o então

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jovem Antônio Prado Júnior, que trouxe da Europa a afeição pelo ciclismo [...].

O Velódromo ficava situado na Consolação, entre as antigas ruas Floresbela,

hoje Nestor Pestana, Martinho Prado e Olinda, em frente à rua Araújo [...]”. Mais

tarde, quando o C. A. Paulistano resolve praticar o futebol, o Velódromo é

arrendado pelo clube e transformado em um campo de futebol. (Thomaz

Mazzoni, História do futebol no Brasil, p. 25). Por outro lado, é interessante

notar estas memórias de Jorge Americano acerca do Parque Antártica, em dia de

jogo: “Desde cedo os bondes da Água Branca passavam cheios. [...]. Ao fim do

futebol sobravam muitos sem condução, que traziam crianças e não queriam

correr riscos. [...]. O futebol terminava às seis. Às sete ainda não tinham

conseguido condução. Talvez às oito conseguissem. Chegados ao centro da

cidade tomariam outro bonde. Ao fim da linha, caminhariam mais meio

quilômetro. Mas voltariam no domingo próximo.” (Jorge Americano, São Paulo

naquele tempo, p. 226-7.)

(7) O Estado de São Paulo, 12 jun. 1911.

(8) Id., 16 ag. 1910.

(9) Id., 10 ag. 1910.

(10) “Frederico Jorge Sobrinho (Tuffy II) — [...] Em 1916 disputou o campeonato da

Apea, defendendo as cores do Palmeiras, no seu segundo team [...] este player de

há muito seria um dos melhores jogadores paulistanos, se não fosse rebelde aos

trainings;

“Maurício Vieira Monteiro (dr.) — [...] Em 1911 e 12 passou a jogar no S.

Bento, sendo campeão em 1915. [...] Bom foward, é o mais rebelde a trainings

de S. Paulo.” (Cf. Leopoldo Sant’Anna, O football em São Paulo, p. 40 e 67.)

(11) O Estado de São Paulo, 22 jul. 1912.

(12) Id., 30 ag. 1910.

(13) O Pirralho publicou uma charge intitulada “No ground da política nacional”,

em que Nilo Peçanha aparece vestido de jogador de futebol, indo chutar uma

bola, na qual se encontrava escrito: “Presidência do estado do Rio”. Em outra

charge, surge Hermes da Fonseca tomando uma bolada e, na bola, estava escrito:

“Conceito da Nação”. Ambas as charges foram publicadas em 25 de julho de

1914. Na edição de 1º de março de 1913, outra charge, esta intitulada “No

ground... da política”, mostrava uma série de políticos jogando futebol e na bola

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estava escrito: “Constituição”. Abaixo dela via-se uma legenda que dizia: “O Zé

Povo paga a entrada, torce, mas não joga porque não é da Liga.”

(14) O Comércio de São Paulo, 17 jan. 1913.

(15) Essa questão é muito polêmica. A cada momento os jornais publicavam

números diferentes acerca da capacidade de público do Velódromo e do Parque

Antártica. Talvez um número razoável seja aproximadamente 2 mil pessoas,

tendo como base um jogo entre Botafogo do Rio e Palmeiras, no qual a venda de

ingressos atingiu a cifra de 3 contos de réis. Com referência ao preço do ingresso,

aproximadamente 2 mil réis, se torna possível chegar ao público estimado, ainda

que o periódico O Estado de São Paulo, na edição de 8 de setembro de 1911,

insistisse que caberiam 5 mil pessoas no Velódromo.

(16) O Estado de São Paulo, 23 nov. 1911.

(17) Correio Paulistano, 30 set. 1914.

(18) Ricardo Ramos, A palavra é futebol, p. 8-10.

(19) A Voz do Trabalhador, n. 53-4, 1º mai. 1914.

(20) A. Figueiredo, op. cit., p. 13.

(21) Note-se esta matéria paga, publicada em periódicos: “Sport Club

Internacional — Realizou-se anteontem, conforme foi anunciado, à rua

Florêncio de Abreu, 45, a assembleia geral para a eleição da nova diretoria do

Sport Club Internacional, sendo o resultado o seguinte: presidente, Antônio

Casemiro da Costa, 136 votos; vice, Antônio Sampaio, 121 [...]”. (O Estado de

São Paulo, 19 nov. 1911). Ou esta outra nota: “Bristol F. B. C. — Realizou-se

domingo, conforme estava anunciado, com a presença de 28 sócios, a assembleia

geral para a eleição da diretoria deste clube durante o ano de 1914 [...].” (O

Estado de São Paulo, 30 dez. 1913).

(22) A. Figueiredo, op. cit., p. 16.

(23) Id. Ibid., p. 23.

(24) O Estado de São Paulo, 3 ag. 1912.

(25) A. Figueiredo, op. cit., p. 21.

(26) Id. Ibid., p. 14.

(27) Id. Ibid., p. 22.

(28) Id. Ibid., p. 24.

(29) O Estado de São Paulo, 16 mar. 1911.

(30) T. Mazzoni, op. cit., p. 29-30.

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(31) Correio Paulistano, 3 set. 1910.

(32) Robert M. Levine, “Esporte e sociedade; o caso do futebol brasileiro”, p. 24.

(33) O Estado de São Paulo, 3 ag. 1911.

(34) Id., 6 jul. 1910.

(35) Id., publicações de 7 jun, 21 set e 5 out. 1911.

(36) A. Figueiredo, op. cit., p. 19.

(37) Id. Ibid., p. 93.

(38) Id. Ibid., p. 93.

(39) O Estado de São Paulo, 23 abr. 1910.

(40) Id., 14 jul. 1910.

(41) Id., 22 out. 1910.

(42) L. Sant’Anna, op. cit., p. 7-8.

(43) Id. Ibid., p. 9.

(44) Id. Ibid., p. 36-7.

(45) Correio Paulistano, 16 jul. 1911.

(46) Id., 17 jul. 1911.

(47) O Estado de São Paulo, 5 jun. 1911.

(48) Id., 3 jul. 1911.

(49) O Comércio de São Paulo, 8 abr. 1911.

(50) Id.

(51) Em abril de 1916, a partir de uma denúncia de um periódico carioca, acusam-se

dois jogadores de São Paulo, os ingleses Maclean e Hopkins, de terem assinado

um contrato, registrando-o em cartório. Por esse contrato, os atletas receberiam

dinheiro para jogar pelo S. C. Americano. Anos antes, em 1911, dois atletas

uruguaios, os irmãos Bertone, foram também acusados de semiprofissionalismo.

Em 1915, outro caso de semiprofissionalismo, agora envolvendo um clube. O

Wanderers, formado por jogadores britânicos, foi excluído da Apea, acusado de

dividir as rendas dos jogos entre os jogadores do clube. Cf. T. Mazzoni, op. cit.,

p. 83 e 108; e o periódico O Comércio de São Paulo, publicações de 19 ag. 1911;

6 abr., 9 abr., 13 abr., 16 abr e 14 jun. 1916.

(52) O Comércio de São Paulo, 30 abr. 1916.

(53) O Estado de São Paulo, 29 dez. 1914. No levantamento estatístico feito pelo

cronista esportivo do periódico paulista, é importante ressaltar seu caráter

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108

provisório. Certamente, o numero de associações esportivas existentes na cidade

de São Paulo era muito maior que a quantidade apresentada.

(54) O Estado de São Paulo, 14 ag. 1915.

(55) Id.

(56) Id.

(57) Id.

(58) Id.

(59) Id.

(60) O Comércio de São Paulo, 12 jun. 1914.

(61) Id., 28 jun. 1914.

(62) O Estado de São Paulo, 3 set. 1910.

(63) Id., 18 set. 1910.

(64) O Comércio de São Paulo, 14 mai. 1913.

(65) A partir de pesquisas em periódicos paulistanos entre 1910 e 1916, foi possível

constatar a existência das seguintes entidades formadas para organizarem

campeonatos de futebol: Liga Internacional (O Estado de São Paulo, 3 jul. e 10

jul. 1910), Liga Brasileira de Futebol (O Estado de São Paulo, 28 ag. e 4 set.

1910); Liga Ipiranga (O Estado de São Paulo, 17 jun. 1910); Segunda Liga

Paulista de Esportes Atléticos (O Estado de São Paulo, 31 mai. 1913); Liga

Paulista de Esportes (O Estado de São Paulo, 11 abr. e 25 abr. 1914); Liga

Internacional do Brás (O Estado de São Paulo e O Comércio de São Paulo, 24

jun. 1914); Liga Intermediária de Santana (O Estado de São Paulo, 25 set. 1914);

Liga Suburbana Infantil (O Estado de São Paulo, 29 nov. 1914) e Liga

Guanabara da Vila Mariana (Leopoldo Sant’Anna, Veteranos e campeões, p.

161). Outras entidades foram organizadas, mas eram pouco citadas nos

periódicos.

(66) O Estado de São Paulo, 13 nov. 1911.

(67) Id., 7 nov. 1914.

(68) Id., 16 out. 1914.

(69) Id., 23 jun. 1914.

(70) Id., 5 jul. 1911.

(71) Id. 8 out. 1914.

(72) Id., 17 jun. 1914.

(73) Id., 9 abr. 1914.

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(74) Correio Paulistano, 2 jul. 1911.

(75) Id.

(76) Id., 10 set. 1911.

(77) Id., 14 nov. 1911.

(78) O Comércio de São Paulo, 18 ag. 1915.

(79) J. Americano, op. cit., p. 25.

(80) Jacob Penteado, Belenzinho, 1910, p. 60.

(81) Id. Ibid.

(82) Id. Ibid., p. 60-1.

(83) Id. Ibid., p. 220-1.

(84) Id. Ibid., p. 221-2.

(85) Id. Ibid., p. 222.

(86) Id. Ibid.

(87) Ecléa Bosi, Memória e sociedade, p. 78.

(88) Id. Ibid., p. 83.

(89) Id. Ibid., p. 88-9.

(90) Id. Ibid., p. 89.

(91) Id. Ibid.

(92) Marcos Castro e João Máximo, Gigantes do futebol brasileiro, p. 15.

(93) T. Mazzoni, op. cit., p. 77.

3. O PERÍODO 1910—1912: O SCCP LIGADO AO FUTEBOL INFORMAL

(1) Fez-se acreditar que popularizar o futebol em São Paulo constituiu-se no

processo de disseminar essa prática no seio das classes populares. Não deixa de

ser verdadeiro. Porém, aqui, entende-se de outra forma: trata-se da popularização

do futebol oficialmente organizado. Ainda que os dois fenômenos relacionem-se

diretamente. Não resta dúvida de que a massiva prática do futebol extraoficial

contribuiu muito para a abertura das entidades esportivas.

(2) Marilena Chauí, Conformismo e resistência, p. 21, 24-5.

(3) O Comércio de São Paulo, 22 set. 1910.

(4) O Estado de São Paulo, 22 set. 1910.

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(5) O secretário de cada clube era responsável por transmitir informações para os

periódicos. Algumas notícias foram retificadas porque o informante de um

determinado clube, de vez em quando, distorcia as informações.

(6) Thomaz Mazzoni, História do futebol no Brasil: 1894—1950, p. 79-80.

(7) Id. Ibid.

(8) Eric Hobsbawm e Terence Ranger (orgs), A invenção das tradições, p. 9.

(9) Id. Ibid.

(10) Cf. “Corinthians, as maiores torcidas do Brasil”, in Placar, 1979, p. 14.

(11) Cf. “Corinthians, as maiores torcidas do Brasil”, in Placar, s/d, p. 10.

(12) T. Mazzoni, op. cit., p. 79.

(13) Juca Kfouri, Emoção corinthiana, p. 59.

(14) Robert M. Levine, “Esporte e sociedade: o caso do futebol brasileiro”, in José

Carlos Sebe Bom Meihy e José Sebastião Witter (orgs.), Futebol e cultura, p.

25.

(15) A prática de se utilizar um bar como “sede” de um clube de futebol marca,

ainda hoje, a várzea em São Paulo.

(16) A Gazeta Esportiva, 16 abr. 1971.

(17) Vital Bataglia, “O último primeiro corinthiano”, in Jornal da Tarde. Edição de

Esportes, 6 jun. 1988, p. 4.

(18) Narciso James e Flávio Adauto, “Corinthians, campeão do povo”, in Folha de

S.Paulo, Suplemento especial, 18 dez. 1974, p. 7.

(19) Manuel Nunes, o Neco, talvez tenha sido o mais importante jogador do SCCP,

reconhecido por seu grande amor ao clube. Possui uma estátua na sede do clube.

(20) N. James e F. Adauto, op. cit., p. 16.

(21) Corinthians, órgão oficial do Sport Club Corinthians Paulista. Número especial

em homenagem ao 42º aniversário, Ed. 35, n. 47, set. 1952.

(22) Ibid., p. 48.

(23) Lembre-se do momento em que eclode a guerra europeia de 1914—8, na qual as

economias brasileira e paulista são afetadas, trazendo prejuízos imediatos aos

trabalhadores, com a alta do custo de vida e o desemprego. São perceptíveis, a

partir das leituras de jornais, as dificuldades por que passaram as classes

trabalhadoras. Para amainar a situação, diversas instituições, inclusive clubes

esportivos, providenciaram festas beneficentes em nome dos desempregados.

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(24) “Muito embora tenha sido fundado a 1º de setembro de 1910, só depois que o

clube passou para o futebol oficial, filiando-se à Liga Paulista de Futebol, é que

passou a ter documentos oficiais de sua existência. Sabe-se que a primeira ata, a

que registrou a sua fundação, foi escrita em papel almaço sobre uma palheta dos

presentes. Logicamente, as demais reuniões que foram se sucedendo, eram

registradas em atas. Possivelmente todas elas em papel almaço que, com o

tempo, foram desaparecendo. Nem mesmo os fundadores, quando ainda vivos,

sabiam onde poderiam ser encontradas essas atas.” (Antônio de Almeida,

História de um grande clube escrita pelo próprio povo, n. 2, p. 5.)

(25) T. Mazzoni, op. cit., p. 79-80.

(26) A. Figueiredo, op. cit., p. 89.

(27) SCCP, Corinthians, sua história, suas glórias, p. 6.

(28) O Estado de São Paulo, publicações de 22 jan., 16 abr., 23 abr., 7 mai., 16 set.,

8 nov., 29 nov. 1911 e Correio Paulistano, de 29 jan. e 16 abr. 1911.

(29) O Estado de São Paulo, publicações de 8 jun., 22 set., 29 set., 6 out., 3 nov. e 10

nov. 1912 e Correio Paulistano, de 25 ag. 1912.

(30) Leopoldo Sant’Anna, O futebol em São Paulo, p. 10-1, 40.

(31) A. Figueiredo, op. cit., p. 88.

4. O SCCP NO FUTEBOL OFICIAL: 1913—1916

(1) Narciso James e Flávio Adauto, “Corinthians, campeão do povo”. in Folha de

S.Paulo, Suplemento especial, 18 dez. 1974, p. 7.

(2) Leopoldo Sant’Anna, O football em São Paulo, p. 10.

(3) Antônio Figueiredo, História do foot-ball em São Paulo, p. 90.

(4) SCCP, Corinthians, ed. 24, n. 19, out. 1951.

(5) A. Figueiredo, op. cit., p. 88.

(6) SCCP, Ata da Assembleia Geral Extraordinária do SCCP, de 20 out. 1914.

(7) Id., Ibid.

(8) Id., de 1º set. 1915.

(9) Id., de 1º set. 1915 e 27 jul. 1916.

(10) O Comércio de São Paulo, 1º mar. 1913.

(11) Id., 16 mar. 1913

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(12) Id., Ibid.

(13) Antônio de Almeida, História de um grande clube escrita pelo próprio povo, v.

1, p. 20.

(14) Id., Ibid.

(15) Antônio (ou Antoninho) de Almeida é um jornalista que, desde a juventude,

preocupava-se em resgatar a história do clube. É considerado o historiador

oficial do SCCP; originalmente, foi ele quem escreveu a história do clube.

(16) O Comércio de São Paulo, 24 mar. 1913.

(17) Id.; Ibid.

(18) Id. Ibid.

(19) Id., 31 mar. 1913.

(20) Id. Ibid.

(21) Id. Ibid.

(22) Id. Ibid.

(23) Anatol Rosenfeld, “O futebol no Brasil”, in Argumento, v. 1, n. 4, fev. 1974, p.

68.

(24) A. Figueiredo, op. cit., p. 131.

(25) O Pirralho, n. 115, de 1º nov. 1913.

(26) SCCP, Ata da Assembleia Geral Extraordinária do SCCP, de 11 set. 1914.

(27) O Comércio de São Paulo, 30 mai. 1915.

(28) Id., 3 jul. 1915.

(29) Infelizmente não foi possível mapear todos os clubes que marcavam jogos com

o SCCP e, na última hora, desmarcavam. Pois os jornais noticiavam que haveria

jogo, mas nos dias seguintes nem sempre informavam se, de fato, este havia

ocorrido ou não.

(30) O Comércio de São Paulo, 7 ag. 1915.

(31) A. Figueiredo, op. cit., p. 90.

(32) SCCP, Ata da Assembleia Geral Extraordinária do SCCP, de 27 jul. 1916.

(33) O Comércio de São Paulo, 10 ag. 1915.

(34) Id., 8 ag. 1915

(35) Id., 10 ag. 1915.

(36) Id., 3 jul. 1915

(37) Id., 18 ag. 1915.

(38) SCCP, Ata da Assembleia Geral Extraordinária do SCCP, de 20 out. 1914.

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113

(39) Id., de 1 set. 1915

(40) Id. Ibid.

(41) Id. Ibid.

(42) Id. Ibid.

(43) O Comércio de São Paulo, 16 jan. 1916.

(44) Id. Ibid.

(45) Id. Ibid.

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