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Revista Científica do CEDS (ISSN 2447-0112) – Nº 6 – Jan/Jul-2017
Disponível em: http://www.undb.edu.br/ceds/revistadoceds/
RESISTÊNCIA AFRICANA NA ARQUITETURA MARANHENSE:
OS GRADIS DE FERRO NAS VARANDAS DA ARQUITETURA
LUSO-BRASILEIRA1
Eduardo Felipe Ribeiro Moreira2
Prof. Me. José Antonio Viana Lopes3
RESUMO: Este artigo é resultado de uma análise sobre a importância dos gradis de ferro para a identidade cultural da arquitetura maranhense. Assim, propõe-se um estudo acerca dos aspectos que influenciaram na origem dos gradis de ferro das varandas ludovicenses, do modo como este material foi trabalhado e esculpido pela mão de obra africana de acordo com seus costumes, seu processo de adaptação em território brasileiro e os fatores que proporcionaram sua ampla utilização nas principais varandas de sobrados e casarões da arquitetura luso-brasileira no Maranhão. PALAVRAS-CHAVE: Gradis de ferro. Identidade cultural. Arquitetura maranhense.
INTRODUÇÃO
A abundância de elementos e técnicas construtivas transpostas
pelos colonizadores europeus até o Maranhão no decorrer dos séculos XVII e
XVIII evidencia a grande contribuição cultural portuguesa na formação dos
valores históricos da arquitetura brasileira e maranhense. O enquadramento
proposto neste artigo, no entanto,considera as diversas heranças construtivas
em nossa arquitetura que definiram a sua identidade, entre estas, a manufatura
e adoção do gradil de ferro, presente nas varandas ludovicenses, é tomada
como objeto de estudo em uma análise sobre a adaptação deste elemento em
nossa estrutura urbana.
1Paper apresentado à disciplina de Arquitetura e Urbanismo Maranhense, da Unidade de
Ensino Superior Dom Bosco – UNDB. 2 Aluno do 5° Período do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UNDB.
3 Professor/Orientador.
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Como consequência da transferência de colonizadores e escravos
de outros continentes, houve inúmeros elementos construtivos que vieram do
exterior e se incorporaram à nossa arquitetura. Além disto, podemos mencionar
que os agentes culturais europeus também foram fundamentais para nossa
formação nas técnicas da construção. Portanto, partimos da premissa de que
os gradis de ferro destacados nas varandas dos sobrados refletem a grande
variedade da riqueza cultural trazida de outras localidades por parte dos
colonizadores europeus e escravos africanos nos séculos passados.
O presente artigo tem por objetivo associar e debater sobre a
contribuição do gradil de ferro trabalhado e adequado pelos escravos africanos
nas varandas dos sobrados e casarões para a identidade da arquitetura
maranhense, além de abordar sua origem em relação aos costumes africanos,
de que modo ocorreu sua adaptação e quais fatores possibilitaram sua
utilização abundante em nossas casas maranhenses. Pretende-se ainda, no
campo deste estudo, caracterizar e discutir quais foram os principais sobrados
e casarões maranhenses que adotaram estes gradis de ferro produzidos pelos
escravos africanos.
A técnica utilizada pelos escravos africanos que foram trazidos pelos
europeus influenciou de forma substancial no modo como foram produzidos
estes gradis de ferro, sendo adotado como principal forma de produção o ferro
batido, e deste modo, suas variadas formas trabalhadas que chegavam a
serem produzidas e modificadas conforme o sobrado demonstrava
características marcantes dos mitos e lendas da cultura africana que
influenciavam em seu detalhamento.
Tendo por base a fundamentação de como este tipo de elemento na
constituição da arquitetura maranhense influenciou em seu valor histórico, a
principal problemática deste estudo é enfatizar toda a importância do valor dos
gradis de ferro que envolve a identidade da arquitetura maranhense,
essencialmente como um todo, conforme abordado na primeira parte do texto.
Seguiu-se, para isso, os seguintes passos: analisar e distinguir quais fatores
foram responsáveis por originar este elemento na identidade da arquitetura
maranhense, no item 2 deste artigo; compreender de qual forma foi trabalhado
e adaptado este elemento em nossas varandas ludovicenses, na terceira parte
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do artigo; e, por fim, na quarta parte do texto, associar quais fatores
possibilitaram o seu extenso uso nas principais varandas de sobrados e
casarões da arquitetura maranhense.
1 O GRADIL DE FERRO NA IDENTIDADE DA ARQUITETURA
MARANHENSE
A identidade da arquitetura luso-brasileira revela ser bastante
diversificada em suas origens, trazendo consigo inúmeras características em
sua arquitetura e técnicas construtivas com a chegada dos colonizadores em
nossa região, e dessa forma, podemos observar que ao longo da história da
formação da cidade de São Luís que este processo envolveu diversas
adaptações em relação ao nosso clima e aos materiais disponíveis que
continham em nossa região, porém, ao mesmo tempo com esta adaptação
houve também a agregação de inúmeros tipos de elementos construtivos para
definir deste modo a nossa identidade maranhense (Figura 01).
Figura 01 – Exemplo de gradil de ferro utilizado na arquitetura maranhense.
Fonte: LOPES, 2008, pág. 63.
Deste modo, Figueiredo (FIGUEIREDO, 2012, pág. 24) atribui a
procura por uma identidade nacional que vise valorizar a arquitetura luso-
brasileira em que ela é estabelecida segundo ele por movimentos associados à
dinâmica da cultura e do mercado, no qual a revalorização da historicidade das
técnicas produzidas nos casarões e sobrados contidas no Centro Histórico de
São Luís demonstra a rica herança deixada pelos colonizadores que
contribuíram para a formação histórica da cidade:
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“Em São Luís, a busca da revalorização da arquitetura luso-brasileira, impulsionada por movimentos ligados à dinâmica da cultura e do mercado, vem assumindo múltiplas formas e associando-se a diversas expressões culturais. É neste panorama, que a restauração arquitetônica manifesta expressões, encontra possibilidades e depara-se com desafios singulares.” (FIGUEIREDO, 2012, pág. 24)
Além disto, estes movimentos impulsionados pela dinâmica da
cultura e do mercado compreendiam um olhar mais minucioso para a definição
de uma identidade única que procurasse enaltecer nossa arquitetura. Entre
eles, temos como um dos grandes exemplos de edificações ornamentados com
os gradis de ferro em suas varandas e voltados para atender esta expressão
cultural que se formava no Maranhão o sobrado de Graça Aranha, localizado
na Avenida Dom Pedro II em São Luís (Figura 02).
Figura 02 – Sobrado de Graça Aranha – Largo do Palácio (Av. Dom Pedro II)
Fonte: COSTA, 2014, pág. 61.
O sobrado de Graça Aranha revela diversas técnicas construtivas
oriundas do exterior e que foram aplicadas em sua fachada, e por
consequência, definiram nosso valor arquitetônico. Desta maneira, nas
varandas de sua fachada é perceptível a vasta magnitude que o gradil de ferro
detém para a nossa arquitetura, contudo, podemos identificar que a dimensão
das sacadas é pequena por conta que nesta época ainda não havia o
conhecimento do concreto armado, isto é, as paredes eram grossas para
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suportar o peso de seus andares, além diminuir o calor proveniente da radiação
solar. Conforme a justificativa de Flaviano Menezes da Costa (COSTA, 2014,
pág. 62):“se por um lado o espaço da “ampla casa” limitava-se à porta ou
portão com batente de cantaria que recebia os moradores e eventuais
visitantes, o quintal apresenta-se com uma extensão dela”.
2 A ORIGEM E OCONCEITO DOS GRADIS DE FERRO NAS VARANDAS
LUDOVICENSES
A população negra escravizada de origem africana detém de uma
vasta importância na agregação de valor construtivo em nossa arquitetura
maranhense, pois através de suas técnicas construtivas e de seus costumes
tornaram-se capazes de influenciar diretamente na fisionomia da urbanização
luso-brasileira, uma vez que estes elementos adequaram-se progressivamente
em nossa linhagem arquitetônica, onde passaram a aderir um valor de enorme
importância para a preservação da história e arquitetura contidas naquela
época.
Figura 03 – Símbolo da resistência africana (ideograma adrinka, o “sankofa”)
Fonte: CERQUEIRA, 2017.
De acordo com Cerqueira (2017), a população negra conduzida
pelos europeus ao nosso território batalhou para conseguir conquistar sua
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liberdade arrancada dos colonizadores, entretanto, através deste desagravo
podemos identificar que no trabalho produzido por estes escravos nas
varandas ludovicenses que os gradis de ferro esculpidos demonstravam a
herança cultural de sua terra natal, em outras palavras, traços de grande
diversidade artística e simbólica, e como um grande exemplo deste trabalho
representado pelos africanos em nossa arquitetura maranhense temos a
variação de um pássaro (sankofa) da mitologia africana (Figura 03), onde seu
intuito representativo seria expressar sua veneração à resistência por parte dos
senhores que os escravizaram:
“E a população negra escravizada atuou firmemente pela sua libertação, porém quando essa possibilidade ainda parecia irreal, sua resistência sempre foi algo nítido entre os escravizados, que ao ter sua força de trabalho e seus corpos submetidos ao trabalho forçado e a violência, usou de suas memórias e raízes na realização destes trabalhos, tornando-os um espaço de resistência, como, por exemplo, os africanos ferreiros que esculpiram em seu trabalho símbolos de resistência, como uma variação de um ideograma adrinkra, o “sankofa.”” (CERQUEIRA, 2017)
De acordo com o site do Museu Afro Digital do Maranhão (2017): “no
Maranhão, o sobrado colonial, construído pelos escravos, é um tipo de
residência tradicional” Deste modo, é possível averiguar que nos sobrados
maranhenses onde ocorreu a elaboração das grades de ferro em suas
varandas, tínhamos o trabalho artesanal dos antigos escravos:
“Tanto nos sobradões quanto nas casas baixas são de grande importância as varandas internas, as bandeiras nas portas e janelas, e as sacadas externas com grades de ferro, mais comuns nos sobrados, e que foram trabalhadas artesanalmente por antigos escravos.” (MUSEU AFRO DIGITAL, 2017)
Em relação à serventia da mão de obra, Pereira (2011) explica que a
emigração forçada do povo africano pelos europeus para a América acabou
contribuindo para um reordenamento bastante incomum em relação à sua
identidade étnica original de seu continente, em que seus costumes passaram
a sofrer uma alteração em associação com o modo de convivência em nosso
território:
“Com a emigração forçada para a América, os diversos povos perderam a sua identidade étnica (ganguela, quimbundo etc.) para se transformaram em genéricos “negros” ao pisar em solo brasileiro. O
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contato com uma sociedade de características completamente diferentes das da África fez com que as novas organizações sociais e afro-brasileiras, em particular, tivessem de se reordenar de modo bastante diferente das tradicionais.” (PEREIRA, 2011, pág. 7)
Ainda de acordo com Pereira (2011), esta reorganização por parte
das diversas culturas regionais africanas teve uma adaptação em relação às
novas condições interativas dos diversos grupos formadores, e diante disso,
houve o estabelecimento de novas características acrescentadas gradualmente
em nossos costumes:
“Adquiriram, portanto, características peculiares que podem ser especificadas – dentro da perspectiva dos objetivos da arquitetura. [...] As diversas culturas regionais africanas tiveram de se readaptar a um meio multicultural; a manutenção de fatores culturais africanos só foi possível por meio através de adaptações a novas condições interativas dos diversos grupos formadores; devido às condições em que se processou o surgimento dessa diáspora, a religião acabou por se consolidar como principal suporte da africanidade.” (WEIMER, 2004 apud PEREIRA, 2011, pág. 7)
Além disto, Jéssica Cerqueira (2017) ainda indica que a tradução
para a simbologia da forma que os escravos africanos esculpiam nos gradis de
ferro das varandas nos sobrados remetiam à filosofia do povo Akan, em que
seu contorno remetia a um pássaro com duas cabeças, apontando deste modo
indireto e sinuoso como um emblema característico da forte resistência a favor
dos africanos escravizados e que os colonizadores até então desconheciam
seu verdadeiro significado:
“Sankofa é um pássaro africano de duas cabeças que, segundo a filosofia do povo Akan, significa “nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou atrás”. Em outras palavras, podemos ler como o retorno ao passado para ressignificar o presente. [...] Este é um dos exemplos mais conhecidos da resistência esculpida em ferro que os colonizadores até então não entendiam o significado daquele símbolo, mas que todos aqueles, vindos do continente africano, o identificavam como uma simbologia de luta, de resistência e de preservação de suas histórias.” (CERQUEIRA, 2017)
Por conseguinte, podemos afirmar também que o gradil de ferro em
nossas varandas expressa um vasto valor em nossos acontecimentos
históricos, uma vez que, caracterizou a origem desta herança deixada pelos
africanos, seu significado nesta época a resistência negra deixou sua marca
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esculpida em nossas fachadas de sobrados e casarões e deste modo
contribuiu para nossa identidade arquitetônica.
3 A ADOÇÃO E ADAPTAÇÃO DO GRADIL DE FERRO NA ARQUITETURA
MARANHENSE
O ferro produzido no território brasileiro possibilitou inúmeros
avanços em relação às técnicas construtivas de sua malha urbana, em que
continha tanto uma função estrutural como também decorativa. Desta forma, os
gradis de ferro nas varandas maranhenses tinham perfis extremamente
adequados por apresentarem leveza em relação às sacadas e suas variadas
formas esculpidos pelos africanos embelezarem a fachada do casario
ludovicense (Figura 04).
Figura 04 – Gradis de ferro como grande particularidade nas varandas de São Luís.
Fonte: FILHO, 2010, pág. 126.
Em relação à vinda da mão de obra africana, Assis Galvão
(GALVÃO, 2011) retrata “a área urbanizada mais antiga de São Luís, junto ao
antigo porto, aonde chegavam navios vindos da África, cheios de escravos, que
eram vendidos em leilão na Casa das Tulhas”. Na arquitetura europeia
estavam presentes os elementos de ferro forjado ou fundido em variados
setores da construção, no entanto, o ferro não era considerado um material de
elegância, o qual a nobreza exigia que o ferro não fosse exposto à suas
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moradias desta época, em que vigas metálicas e colunas eram
apropriadamente revestidas para garantir esbelteza:
“Os elementos de ferro forjado ou fundido produzidos pela indústria europeia estão sempre presentes na arquitetura durante o século XIX. Destinando-se a todos os setores da construção, compreendiam desde peças estruturais, como vigas e colunas, até recursos secundários de acabamento, como ornamentos de jardim, chafarizes e grades, para não mencionar as escadas, as ferragens de janelas e portas, os canos, as peças de banheiro e os fogões... Como na arquitetura europeia da mesma época, o ferro era considerado como material de construção sem nobreza, não podendo ficar exposto. Normalmente as vigas metálicas e colunas eram revestidas, a não ser nos alpendres, onde formavam conjunto com grades e escadas de ferro, conferindo uma feição peculiar às moradias dessa época”. (IBID, 1.997, pág. 164-165 apud ZORRAQUINO, 2006, pág. 25)
Com relação ao surgimento das grades de ferro fundido em nossas
fachadas, Olavo Pereira da Silva Filho afirma que: “em uma mesma fachada, é
comum a mesclagem de guarda-corpos entalados. No final do século XIX,
surgem as grades de ferro fundido, decoradas com guirlandas e florões”
(FILHO, 2010, pág. 125). Deste modo, os gradis de ferro expressavam o
grande prestígio dos costumes africanos nas varandas luso-brasileiras, e
continham ainda a função de segurança e embelezamento destas sacadas,
uma vez que suas variadas formas com curvaturas manifestavam seu
detalhamento no ferro trabalhado.
“As grades de ferro se estendem também aos portões; à cancela da porta principal; às janelas e óculos do térreo, que às vezes são dotadas de conversadeiras; aos vãos do térreo voltados para o pátio interno, em notáveis rendilhados ou ainda em forma de grade de segurança. “(FILHO, 2010, pág. 125)
As varandas com as grades de ferro destacados na casa luso-
maranhense abrangiam um valor específico no ordenamento do espaço social
da moradia, em que permaneciam centralizadas para conseguir interligar os
outros ambientes como cozinha, dormitórios e circulações. Conforme Olavo
Pereira da Silva Filho (2010, pág. 73), estas varandas com os gradis de ferro
compreendiam a largura completa da edificação, o qual se sistematizava:
“Nessa organização do programa da casa luso-maranhense, desde as mais antigas referências conhecidas até o final do Oitocentos, as varandas ou salas de refeições desempenharam uma função especial de articulação física e social entre os aposentos principais e os de
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serviço. Centralizadas, acumulam a função de distribuição, conectando circulações, dormitórios e cozinha. Em geral se desenvolvem em toda a largura do imóvel, configurando o espaço mais socializante da casa. Lugar de convívio e de tudo fazer.” (FILHO, 2010, pág. 73)
De acordo com Olavo Pereira da Silva Filho (Apud LOPES, 2008,
pág. 52), as demasiadas características presentes na Metrópole empregavam
inúmeros valores em relação à contribuição da identidade da arquitetura
maranhense, em que impulsionados pelo crescimento do comércio nesta
colônia possibilitaram o seu avanço na agregação de materiais e mercadorias
para constituir um novo patamar em seu panorama urbanístico:
“De frentes expostas ao público, expressam a Metrópole: formais nos contornos de perfis precisos, austeras na supremacia dos cheios, adornadas de ferro batido na projeção dos vãos, geométricas no equilíbrio dos frontispícios vindos do renascimento, eloqüentes na azulejaria, sublinhadas no lioz estrutural dos vãos.” (LOPES, 2008, pág. 52)
Estes gradis de ferro batido eram esculpidos através de diversos
contornos referentes às peculiaridades e costumes africanos, e como
mencionados anteriormente, seu significado estava associado à opressão dos
africanos por conta de sua escravização. Em relação aos detalhes
compreendidos em sua composição, Olavo Pereira da Silva Filho (FILHO,
2010, pág. 124) demonstra através de croquis (Figura 05) a grande riqueza de
detalhes contidos nestas varandas ornamentadas com ferro batido em São
Luís.
Figura 05 – Representação dos gradis de ferro nas varandas maranhenses.
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Fonte: FILHO, 2010, pág. 124.
Para Figueiredo, “nas fachadas do casario maranhense, destacam-
se fulgurantes sacadas e grades de ferro compondo diferentes formas de
locação sobre os vãos. Muitas das sacadas encontram-se dotadas de
corrimãos de madeira” (FIGUEIREDO, 2012, pág. 63).
Com base nos fundamentos de Olavo Pereira (LOPES, 2008, pág.
63): “até a abolição da escravatura, a produção arquitetônica dependia do
trabalho escravo e, com mão de obra e material de construção à disposição, a
execução de grandes e numerosos prédios não foi tarefa das mais difíceis”.
Entre outros propósitos da utilização do ferro batido, podemos mencionar as
grades de ferro embutidas em óculos de ventilação nas prumadas das janelas
como ainda defende Olavo Pereira:
“Nas prumadas das janelas, em ovais, retângulos ou circulares e providos de grades de ferro batido se encaixam óculos de ventilação permanente, inclusive os de arejamento dos soalhos. Rasgadas nos oitões enegrecidos de limo, as seteiras só são percebidas de fora por um olhar mais atento. Almofadadas, postigos, calhas, venezianas, guilhotinas, treliças em meia-cana, grades forjadas e folhas sanfonadas são recursos de vedação encontrados nas esquadrias.” (FILHO apud LOPES, 2008, pág. 63)
A colonização de diversas culturas provenientes do Velho
Continente no Brasil contribuiu significativamente para o desenvolvimento de
nossos valores históricos na expansão urbana das cidades, entretanto, este
processo ocorreu de acordo com as necessidades impostas pelas
características ambientais encontradas em nosso país, ou seja, gradualmente
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ocorreu-se sua adaptação em relação ao nosso clima e aos materiais
particulares de nosso território.
4 ASPECTOS QUE FAVORECERAM A EXPANSÃO DOS GRADIS DE
FERRO NAS VARANDAS DE SOBRADOS E CASARÕES MARANHENSES
Referindo-se ao ciclo econômico baseado na exportação do açúcar,
Figueiredo afirma que “nesse período de prosperidade, a cidade portuária de
São Luís mantém um estreito vínculo com a metrópole portuguesa, que
perdura até julho de 1823, quase um ano após a independência do Brasil em
1822” (FIGUEIREDO, 2011, pág. 82). Ao averiguar como se reflete este
desenvolvimento nas edificações como sobrados e solares no Maranhão,
Figueiredo remete às principais características apresentadas por este novo tipo
de moradia ligada às regras impostas pela arquitetura pombalina:
“[...] Usos e costumes à moda do reino são aqui adaptados ao clima tropical, assim como vão surgindo, no local das precárias casas de taipa de mão, novas edificações de sobrados e solares, principalmente na Praia Grande, bairro mais antigo da cidade. Muitas destas construções apresentam características da arquitetura pombalina.” (FIGUEIREDO, 2011, pág. 82)
Em contrapartida, podemos induzir que as construções deste
período foram extremamente fundamentadas na vinda da arquitetura europeia
com a sua devida adaptação ao clima tropical do Maranhão. De acordo com
Botelho, a prosperidade na economia de São Luís se engrandece com a
abertura dos portos em que permitiu um vasto crescimento na região do centro
e da praia grande, e como consequência as habitações estavam vinculadas a
crescerem ao seu redor:
“A abertura dos portos em 1808 possibilitou um crescimento comercial na província, sobretudo a partir da entrada de comerciantes ingleses e franceses disputando a hegemonia do mercado com os portugueses. Nesse momento, surgem várias casas de comércio no centro de São Luís e região da praia grande.” (BOTELHO, 2008, pág. 127)
Ao partir da fundamentação de que modo o ferro foi utilizado
abundantemente em nossas casas maranhenses, Paula Autran (AUTRAN,
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2015) destaca que um dos principais fatores desencadeadores para sua
produção em massa nas Américas foi a exploração de enormes jazidas que,
junto com o trabalho escravo, permitiu sua fácil manipulação de sua elaboração
nas sacadas maranhenses:
“Com a descoberta de grandes jazidas nas Américas e o domínio da técnica de fundição por países da Europa, o ferro foi ganhando espaço por permitir a imitação das formas clássicas, em cópias mais baratas de elementos comuns deste período. Principalmente o ferro fundido, que não enferruja e se revelou um material próprio para ser utilizado em países tropicais, resistindo à umidade e à maresia. Bom negócio para colonizadores e colônias como o Brasil, principalmente num momento em que janelas, portas e sacadas vazadas, permitindo a iluminação e a circulação de ar, tornaram-se símbolos do progresso e da modernização que por aqui chegavam.” (AUTRAN, 2015)
Em vista disso, este material se adequou perfeitamente ao nosso
clima tropical, em que segundo Paula Autran (2015) este elemento na estrutura
das varandas possibilitou a resistência da umidade e à maresia, o qual
representou um amplo prosseguimento em relação à modernização de nossa
estrutura urbana. Ainda de acordo com Paula Autran (2015), os primeiros
gradis de ferro trabalhados no Brasil surgiram no período colonial, em que o
barroco predominava como estilo arquitetônico em nosso território, no entanto,
o que realmente distinguia as habitações umas das outras eram os modelos
diversos de gradeados nas varandas:
“Os gradis chegam ao Brasil no período colonial, barroco. Eles eram mais roliços e não muito trabalhados, pois ainda não havia fundições no país. Foi só com Dom João VI, que proibiu as treliças de madeira por questões de saúde pública, que os ingleses começaram a produzi-las aqui. [...] As casas eram coladinhas para melhor aproveitar o espaço, num tempo em que não havia muitos meios de transporte. E a bossa eram as sacadas. As casas eram muito parecidas, e o que as diferenciava eram as grades de modelos diversos.” (AUTRAN, 2015)
As casas comerciais implantadas pelos ingleses e franceses no
Maranhão se destacavam por aumentarem as relações comerciais de suas
províncias, uma vez que, a projeção de casas comerciais em pontos
estratégicos de sua zona contribuiu para um maior beneficiamento na
exportação de produtos importados como os azulejos, arroz, algodão e
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materiais como o ferro, e deste modo, Joan Botelho (2008) expressa em sobre
o seguimento deste processo:
“No início do século XIX, ingleses e franceses implantaram no Maranhão várias casas comerciais, juntando-se aos portugueses e brasileiros. A partir deste momento, as relações comerciais na província passam a ser mais dinâmicas envolvendo produtos exportados, destacando-se arroz, algodão e couro, posteriormente açúcar e os mais variados artigos importados.” (BOTELHO, 2008, pág. 126)
A introdução de escravos africanos como mão de obra garantiu à
empresa monopolista para abastecer a colônia com diversas variedades de
produtos, e com isso impulsionar o comércio através de navios ao Maranhão.
Em relação à necessidade verificada em função de produtos por parte desta
mão de obra escrava, Joan Botelho (2008) afirma que:
“[...] A empresa monopolista se comprometia em abastecer a colônia com gêneros de primeira necessidade como facas, ferros, azeite e avelórios, garantir a vinda regular de um navio ao Maranhão abastecer e dinamizar o comércio. Mas, o ponto nevrálgico dessa relação entre a companhia e o Maranhão era a introdução de negros escravos africanos como mão-de-obra.” (BOTELHO, 2008, pág. 39)
À vista disso, pode-se compreender que estas razões de
estimulação do comércio influenciaram de forma crucial para a transferência de
escravos provenientes da África e desse modo foi possível expandir a
utilização do ferro batido de acordo com as raízes da cultura africana nas
varandas de sobrados e casarões maranhenses.
CONCLUSÃO
No decorrer da análise envolvendo a adaptação e utilização
abundante do gradil de ferro e nas varandas de nossos casarões e sobrados,
pudemos compreender que este processo de modificação em nossa arquitetura
estava submetido à implementação da empresa monopolista portuguesa, mas
foi ocasionado e enriquecido,de fato, pela vinda dos escravos africanos até
nosso território, contribuindo para a notoriedade de nossa arquitetura.
À vista disso, podemos então avaliar os diversos aspectos deste
elemento construtivo presente em nossa arquitetura como um todo:(1) estava
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associado à resistência em prol da escravização africana em nosso território
pelos colonizadores; (2) representou um amplo desenvolvimento para uma
definição tanto histórica como arquitetônica em nossa cultura maranhense; (3)
sua utilização considerável nos casarões e sobrados do Maranhão procedeu-se
pela abertura do comércio e seu abastecimento de mercadorias; (4) sua
verdadeira fisionomia estava vinculada ao pássaro Akan da etimologia africana,
pois os gradis de ferro faziam referência ao arqueamento de sua silhueta; (5) a
riqueza de detalhes contida em seus contornos de ferro batido evidenciava a
agregação da vasta cultura africana em nossas técnicas construtivas; (6) seu
processo de adaptação ocorreu de maneira satisfatória em relação ao clima e à
matéria-prima encontrada em nosso território.
Portanto, podemos afirmar que esses aspectos, associados ao
conjunto de várias outras técnicas construtivas e materiais que derivaram de
outras culturas, contribuíram efetivamente para fortalecer a identidade da
nossa arquitetura.
Revista Científica do CEDS (ISSN 2447-0112) – Nº 6 – Jan/Jul-2017
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